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fIO ,. tnbq*tøu “‘f*S4I fl. L d;/ flM 1264’; SN t787n jj d 0 frDvF Puo 0 - Revista de Direito PÚBLICO DA ECONOMIA E p D R ( Forum A desconsicera ao da oersonahdade jurídica aphcada aos grupos de sociedades e o Anteprojeto de Código Comercial Ana Carolina Rodrigues Bacharel em Direito e Mestre em Direito e Desenvolvimento pela Escola de Direito da Fundaçao Getulio Vargas Advogada na area de Direito Comercial Maria Fernanda C. A. R. Cury Bacharel em Dre:to sela Escola cc D:reito da Funcação Geturo Vargas. Mestre e Doutoranda em Direito Comercial pela Faculdade de Direito da iiniuersi-daoe de São Paulo. Advogada na área de Direito Comercial. Resumo: Este trabalho tem corno objet:vo contrbur com o oebete jurídico referente à teoria da descorr sideração da personaloade jurídica aplicada aos grupos de sociedaces no atual contexto econômico, político e social brasileiro. Considera-se que a autonomia patrimonial, trazida pelo artigo 51, inciso XIII, e pelo artigo 170 da Constituição Federal, juntamente com a limitação da responsabilidade, são pilares fundamentais para a atividade empresarial no nosso pais. Entretanto, a forma como a desconsideração da personalidade juridica é disciplinada pela legislação civil, por meio do artigo 50 da Lei nz 10.406/02, espcoialmente se comparada ao direito estrangeiro, e considerando a forma como é aplicada pela jurisprudência, acaba por suscitar determinadas preocupações, sobretudo, no ãmbito dos grupos de sociedades, foco deste trabalho. Ademais, a importãncia do tema mostrouse ainda mais evidente após tornar-se objeto de propositura de nova redação legislativa pelo Anteprojeto de Código Comercial, o qual visa colocar em vigor uma nova legislação para ajustar a disciplina jurídica atual às necessidades da dinãmica econômica brasileira. Assim, trazemos nossa contribuição para a aplicação eficaz e eficiente da teoria da desconsideracão da personalidade jurídica no ãmbito dos grupos de sociedade, cuja aplicação desvirtuada é capaz de reduzir a segurança jurídica do empresariado brasileiro e, como consequência, prejudicar o ambiente de negócios e afastar investimentos. em contraposição ao real objetivo do instituto ora estudado. Pafavraschave, Desconsideração. °ersonal:dade ui’íd:ca. Grupos •de sociedade. Anteroeto de Código Comercia:. Autonomia patrinlonal. Sumário: 1 Introojção —2Gruoos de ssciedaoes —3 Teoria da Desconsderacãoda PersonaldadeJ.jridca— 4 Anãlise do entendimerto jurisprudencial 5 Desafios e recessdades atuais reiatK-os à descons;deração da personal:oade juridica em grupos de sociedace —6 Anãl:se das soluções apresentadas peio Anteprojeto de Novo Código Coniercia 7 Consderacões fnais Referências — — n. de Dir. Público da Ecor’omia — — RoPe i eeio Horizonte, ano 13, n. 50. o. 9-41, abr./iun. 2015 9 A DESDDNSIDERAÇÃO DA PERSONAUDADE JURÍDICA APUCADA AOS GRUPOS DE SOCIEDADES E O ANTEPROJEtO... ANA DARODNA RODRIGUES, MARIA FERNANDA C. A. R. CURY 1 Para iniciar o debate acerca da desconsideração da personalidade jurídica, fazse necessário, primeiramente, esclarecer qual o conceito de personalidade jurídica e a razão de sua criação. Ao longo do processo de desenvolvimento econômico, tornou-se crescente o nível de complexidade das atividades econômicas, a necessidade de aporte de re cursos e comunhão de esforços entre os mais variados atores do mercado. Nesse contexto, a criação de um mecanismo capaz de mitigar os riscos desses atores e in centivar maiores níveis de investimento tornou-se primordial para o desenvolvimento econômico e social, bem como, para o estímulo ãs atïvidades produtivas. A criação da personalidade jurídica surge então como um mecanismo capaz de blindar o patrimônio dos sôcios e acionistas contra eventuais perdas sofridas no âmbito da sociedade, de modo a encorajar investimentos. A personalidade jurídica funciona, nas palavras de Ferrara, como “uma armadura jurídica para realizar de modo mais adequado os interesses dos homens”.’ De acordo com Fran Martins, uma vez “constituída a pessoa jurídica, passa ela a ter patrimônio próprio”. 2 E continua ao esclarecer que ‘Esse patrimônio pertence à sociedade, e não aos sócios; éjustamen te a totalidade do patrimônio que vai responder, perante terceiros, pelas obrigações assumidas pela sociedade”. 3 Trata-se, destarte, de um mecanismo para limitação dos riscos nas atividades econômicas, tendo por objetivo promover o desenvolvimento econômico e social, au mentando, entre outros, a arrecadação de tributos e a geração de empregos. As sociedades dotadas de personalidade jurídica, as chamadas sociedades per sonificadas, são, portanto, entes autônomos com direitos e obrigações próprios, os quais não se confundem com os direitos e obrigações de seus sócios ou acionistas. Essa separação entre deveres e direitos das sociedades e de seus respectivos mem bros contribui para o estímulo à atividade empresarial, configurando privilégio àqueles que se associam para o desenvolvimento conjunto de atividades econômicas. No ordenamento jurídico brasileiro atual, a personalidade jurídica tem seu nas cimento com o registro dos atos constitutivos no õrgão competente (artigo 985 da Lei n° 10.406, de 10 de janeiro de 2002, o “Código Civil”), de forma que a ausência do registro implica a inexistência de personificação e, como consequência, a ausência de autonomia patrimonial. A personificação das sociedades, como visto, constitui privilégio criado para servir a um fim específico. É neste sentido que Rubens Requião reforça a importância da finalidade social da personalidade jurídica: 1 2 2 FERRARA, Francesco. Trattato di diritto civüe italiano. Roma: Athenaeum, 1921, p. 598, tradução livre “La personalitá non é che um’armatura giruidica per realizzare in modo piú adeguato intreressi di uomini”. MARTINS, Fran. Curso de direito comercial. 30. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2005. p. 193. MARTINS, Fran. Curso de direito comercial. 30. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2005. p. 193. 10 A sociedade garante a determinadas pessoas as suas prerrogativas, não é para ser-lhes agradável, mas para assegurar-lhes a própria conservação. 4 Esse é, na verdade, o mais alto atributo do Direito: sua finalidade social. Introdução R. de Dir. Público da Economia RDPE 1 Belo Horizonte, ano 13, n. 50, p. 9-41, abr./jun. 2015 Neste sentido, o desvirtuamento da função da personalidade jurídica não en contra respaldo em nossa legislação, admitindo-se expressamente a superação da autonomia patrimonial em casos de abuso da personalidade jurídica, caracterizado pelo desvio de finalidade, ou pela confusão patrimonial. Assim, apesar de reconhecer-se a relevância do princípio da autonomia patri monial, resultante da personalização das sociedades, tal princípio não é absoluto, cabendo, em casos excepcionais, o seu afastamento por meio da desconsideração da personalidade jurídica. Nota-se que, apesar de a teoria da desconsideração da personalidade jurídica estar tradicionalmente associada à separação entre direitos e deveres dos sócios ou acionistas e da sociedade, tal teoria também tem sido aplicada em relação às sociedades controladas e controladoras. Trata-se da chamada desconsideração da personalidade jurídica em àmbito horizontal ou desconsïderação da personalidade jurídica externa corporis. Vale ressaltar que, não obstante o fato de a interpretação literal do artigo 50 do atual Código Civïl não contemplar a desconsideração da personalidade jurídica em ãmbito horizontal, tal abordagem tem sido admitida pela jurisprudência. Na seara jurisprudencial, nota-se a comum associação da ideia de grupos de sociedades à de desconsideração da personalidade jurídica, mediante a utilização indiscriminada dos termos “grupo econômico”, “grupo de sociedades”, “grupo de fato” e “grupo empresarial”. Em razão das distorções verificadas não apenas em âmbito legislativo, mas principalmente em ãmbito judicial, no que se refere à aplicação do instituto da descon 5 propõe uma sideração da personalidade jurídica, o Anteprojeto de Código Comercial reformulação do dispositivo legal com vistas, principalmente, ao aperfeiçoamento do instituto da autonomia patrimonial, com especial atenção ao fato de que a insuficiên cia do patrimônio social não se traduz como motivo bastante para desconsiderar-se a autonomia da sociedade enquanto sujeito de direito, de modo que a decretação da desconsideração depende da obediência aos dïreïtos constitucionais, ao devido processo legal, à ampla defesa e ao contraditório. REQUIÃO, Rubens. Abuso de direito e fraude através da personalidade jurídica. Revista dos Tribunais, Paulo, v. 58, n. 410, dez. 1969, p. 15. 1 são Relatório Final da comissão de Juristas para elaboração de Anteprojeto de código Comercial no ãmbito do Senado Federal. Disponível em: <vn.senado.gov.br>. Acesso em: 25 fev. 2015. R. de Dir. Público da Economia — RDPE 1 Belo Horizonte, ano 13, n. 50, p. 9-41, abr./jun. 2015 11 ANA CAROLIN ARODRL3UES. MARIA FERNANDA E. A. O, EURV A DESCONSIDERAÇÂO DA PERSONAliDADE JURÍDICA APUCAOA AOS GRUPOS DE SDC[EDADES E O ANTEPROJETO... Considerado esta paro de fundo, o presente trabalho tem por obetrvo analisar a desconsideraoão da oersonafldade jurídica externa corporis à luz da realidade brasileira atual e do Anteprojeto de Código Comercial)’ especialmente em relação à oportunicade de negócio. flexibilidade da organização empresarial Interna e direção unitária da sociedade de comando, redução dos custos de transação e redução do investimento inicial de capitaL’° Vale lembrar que tais motivos são exemplificativos, oodendo haver diversos outros que levem à decisão de estruturar um grupo de socie esfera societária. dades. A literatura jurídica também trata de classificar os grupos de sociedade de acor do com critérios diversos. De tais classificações, resultam os grupos de subordinação Grupos de sociedades O fenômeno dos grupos de sociedades consolidou-se na realidade empresarial como uma alternativa às concentrações realizadas por meio de fusões e demais e grupos de coordenação, grupos de base societária e grupos de base contratual ou familiar, grupos industriais ou grupos financeiros, ou até mistos. Para o presente processos integrativos. Isso porque estes processos não têm se mostrado os mais eficientes, especialmente porque geram crescimento interno excessivo nas empresas estudo, principalmente em razão do entendimento jurisprudencial sobre a desconsi deração da personalidade jurídica em grupos de sociedade, será de maior utilidade a classificação entre grupos de direito e grupos de fato O artigo 265 da Lei das 5 A estabelece o grupo de sociedades como aquele formalizado mediante convenção pela qual a sociedade controladora e suas controla das se obriguem a combinar recursos ou esforços para a realização dos respectivos objetos, ou a participar de atividades ou empreendimentos comuns. Tal definição contempla apenas os denominados grupos de direito, sendo também reconhecida e as estruturas formadas ocasionavam problemas operacionais e de gestão relevan tes. Dessa forma, a concentração empresarial deu lugar à expansão externa das empresas por meio da formação de grupos 7 societários. Essa nova estratégia de crescimento acabou surgindo como resultado natural da concentração empresarial e, também, como técnica de descentralização de ativi dades de empresas de grande porte. Ou mesmo, por razões geográficas ou necessi dade de especialização, entre outras, sem prejuízo da chamada unidade econômica do grupo. 8 Ao analisar a est”utura jurídica das sociedades por ações de acordo com a Lei 2 6.404, de 15 de dezembro de 1976 (Lei das S.A. ‘•) e dos grupos de sociedades, n 9 concluiu que a distinção da personalidade jurídica da sociedade e dos sé comparato cios contribuiu para a segurança do princípio da autonomia patrimonial da sociedade. Isso, por sua vez, fez com que a multiplicação dos centros de imputação das relações jurídicas não fosse algo dotado de muita complexidade. Dessa forma, a participação acionária foi o mecanismo que garantiu o poder de comando sobre diferentes patri mõnios, ou seja, possibilitou a criação de grupos de sociedades. Podem ser apontadas diversas razões para a formação de grupos de socieda des, como a diminuição de risco ou a separação de riscos referentes a determinado setor ou mercado, mobilidade da estrutura empresarial e investimento de acordo com Relatório Final da comissão de Juristas para elaboração de Anteprojeto de código Comercial no âmbito do 25 fev. 2015. MARGONI, Anna Beatriz Alves. A desconsideração da personalidade jurídica nos grupos de sociedades. 2011. Dissertação (Mestrado em Direito comerciali Faculdade de Direito, universidade de são Paulo, são Paulo, 2011. p. 48 e 49. Disponível em: <http://vrs.teses.usp.br/teses/disponrveis/2/2132/tde-04072012113122/>. Acesso em: 25 tev. de 2015. MARGONI, Anra Beatriz Alvas. 4 desconsideração da ersonaiidade jurídica nos grupos de sociedades. 2011. Dissertação (Mestradoem Direito Comercial:. Faculdacede Direito. Liriversidadede São Paulo. são Paulo. 2011. p. 48 e 49. Disoonivel em: chtto:ihw,w.teses.usp.br/teses/disp-oniveisf2/2132/toe-04072012-1131221>. Acesso em: 25 1ev. de 2015. cOMPARATO. Fãbio Nonder. Os grupos societários na r.ova Lei de sociedades por Ações. Revisra de Direito Mercanril. Econômico e Industrial. n. 23, p. 91-107, 1976. pela nossa doutrina a existência dos chamados grupos de fato. Vale apontar que a principal diferença entre os grupos de sociedade de direito e os de fato é justamente o instrumento jurídico formal de constituição do grupo, bem como a existência ou não de um regime específico)’ O grupo de fato é, nas palavras de clóvis do couto e Silva: circunstância de uma sociedade exercer sobre a outra o poder resultante da detenção da maioria do capital votante, podendo direcioná-la para outros objetivos, que podem ser iguais ou diversos dos da sociedade 2 controlada.’ Apesar de os grupos de fato não estarem disciplinados de forma expressa, a eles são aplicáveïs os artigos 243 a 264 da Lei das S.A., que regulam as relações entre sociedades controladoras, controladas e coligadas. Assim, diferentemente dos grupos de direito, em que as relações de subordinação ou coordenação são regidas por normas legais específicas e convenção grupal, os grupos de fato caracterizam-se pela existência de uma unidade econômica coexistente senado Federal. Disponivei em: cwww.senado.gov.br>. Acesso em: - - 12 R. ce DA PObuco da Ecoon,a_RDPE Saio Ho,zonta. aro 13, r. 50. p. 9-41. aor. ‘ar. 2015 MARGONI, Anna Beatriz Alces. A desconsideração da personalidade jurídica nos grupos de sociedades. 2011. Dissertação (Mestrado em Direito comercii 1) Faculdade de Direito, Universidade de São Paulo, são Paulo, 2011, 122/> 3 p. 50’54. Oisponível em: .chttp://www.teses.usp.br/teses/disponlveis/2/2132/tde-04072012’11 Acesso em: 25 1ev. de 2015. MARGOSI. Anna Beatriz Alces. A desconsideração da ersonalidade jurídica nos grupos de sociedades. 2011. Dissertacão Mestrado em Direito comerciaR Facuicade de Direito, universidade de são Paulo. são Paulo. 1 3 <http://wv’vi.teses.usp.briteses/disponlveis/2/2132/tde-O4072012-11 / >. 2 2011. p. 57. Disooniv’el em: 2 Acesso em: 09 de jul. de 2014 couTo E SILVA. clóvis. Grupo de sociedades. Revista dos Tribunais. v. 647, p. 7, set. 1989. - - R ce O’. Púclico da Economia — RDPE Saio Hor,zcnta. ano 13. n. 50. o. 9-4t. abr_Lu,c 20f5 13 ANA CAROLINA RODRIGUES. MARIA FERNANDA C. A. R. CURY A DESCONSIDERAÇÃO DA PERSDNALIDADE JURiDICA APLICADA ADS GRUPOS DE SOC[EDADES E O ANTEPROJETO.. com pessoas jurídiCas diversas Cujas relações de subordinação alicerçam-se na existência de um poder de controle oriundo de participações societárias majoritárias ou de acordos de acionistas. Há. então. urna questão referente à possibilidade de submissão ou não do interesse da sociedade individual à estrutura plurissocietária (ou grupal) como um todo’ 3 De acordo com Luiz André N. de Moura Azevedo: de sociedades. O conceito de grupo de sociedade utilizado pelo Anteprojeto refere -se ao grupo de direito. De acordo com o Anteprojeto, a sociedade controladora e suas controladas poderão constituir grupo de sociedades mediante convenção. Pof tal convenção, a controladora e as controladas se obrigatão a combinar recursos ou esforços para a realização dos respectivos objetos ou a participar de atividades ou empreendimentos comuns, Para os fins deste estudo, a proposta contemplada pelo artigo 369 do Antepro jeto é de grande valia. Tal artigo menciona que não apenas as relações entre as sociedades, mas também a estrutura administrativa do grupo e a coordenação ou subordinação dos administradores das sociedades filïadas serão estabelecidas na convenção do grupo. Entretanto, destaca que cada sociedade conserva personalidade duas são as principais características atribuídas pela Lei das SÃ. aos grupos de dïreito que os diferenciam dos grupos de fato: a primeira consiste no reconhecimento de que o grupo, em si, é titular de interesses autônomos, aos quais os interesses de cada uma das sociedades filiadas estão subordinados; a segunda, que é uma consequência da primeira, diz respeito à administração das sociedades filiadas, que deixa de ser autbnoma. passando a estar subordinada às orientações gerais e instruções emanadas da administração central do grupo, desde que não importem violação de normas legais ou estatutárias.” Apesar de a Lei das S.A. não empregar o termo grupo de fato”, há precedentes em esfera administrativa, no ãmbito da Comissão de Valores Mobiliários (CVM), em que se reconhece sua existência. O foco das discussões a esse respeito se dá em relação ao significado da palavra ‘grupo” constante do artigo 162, parágrafo 2°, da Lei das S.A., que estabelece determinadas restrições em relação a quem pode atuar como membro do conselho fiscal, incluindo o impedimento de membros de órgàos de administração e empregados da companhia ou de sociedade controlada ou do mes mo grupo. Como a Lei das S.A. não utiliza o termo “grupo de fato”, alguns diretores da CVM entendem que tal dispositivo faz menção somente a grupos de direïto, No entanto, a orientação predominante por parte da autarquia mencionada é de que tal termo também abrangeria os grupos de fato.’ 5 Como possível tentativa de avançar no tema, o Anteprojeto de Código Comercial’ 6 apresenta, em seus artigos 368 a 378, proposta de legislação no àmbito dos grupos cOMPARATO, Fábio Konder; SALOMÃO HLHO, calixtD. O poder de controle na sociedade anônima. 5. ed. Rio de janeiro: Forense, 2008. p. 361-362. AZEVEDO. Luis André ‘Ç. de Moura. O paraaoxD da discir Fina legal dos gruoos de direIto no Brasil sob uma pers pectiva cc Direto e Econorria. in ARACJO. Danilo Borges dos santos Gomes de: WARDE iR.. Walfrido Jorge (coord4. Os gruoos de sociedades— organizacão e exercício da empresa, são Paulo: saraiva. 2012. o. 182-183. Processo Administrativo PJ 200916 720. de &12.2009. em consulta formulada oela superintendéncia de Rela ções com Empresas SER no âmoito co Processo Administrativo Ri 2009/6720. sobre a interpretação do disposto no artigo 162, §2’. da Lei 6.404/76. O colegiado. por maioria, vencidos o Relator Otavio Yazbek e a Presidente Maria Helena de santana. nos termos do voto apresentado pelo Relator, acomoanhou o enten dimento manifestado no voto do Diretor Eh Lona, no sentido de que o termo ‘gmpo. empregado no §22 do artigo 162, abrange o grupo de fato, além do grupo de sociedades a que se referem os artigos 265 e seguintes da Lei das 5.A. Entendimento semelhante foi defendido nos Processos Administrarkos RJ2000’4860e RJ2000/4 755. julgados em 13 fev. 2001 e 06 nov. 2011. respectivamente, em ambos os casos, co-rn votos vencidos dos Dire tores Luis Antonio campos e Marcelo Trindade, Em sentido contrário, pode-se citar o do Processo Administrativo Sancionador Ri n’ 2007/3822. julgado em 14 maio 2008. relatado pelo Diretor 5ero Weguelin. Relatário Final da comissão de Juristas para elaboração de Anteprojeto de código com erciai no âmbito do senado Federal. em: <-Aww.senado.gov.br>. Acesso em: 09 jul. 2014, — 14 R. de Dir. Público da Economie — RDPE 1 Belo horizonte, ano 13, n. 50, p. 9-41, abr./jun. 2015 e patrimónios distintos. Verifica-se dessa forma, a clara distinção entre cada uma das personalidades jurídicas que formam o grupo. Ainda, em razão da possibilidade de combinação de recursos e esforços, participação em custos, receitas ou resultados de atividades, vem o artigo 378 e parágrafos do Anteprojeto reforçar que tais distribuições deverão ser determinadas e registradas no balanço de cada exercício social de cada uma das sociedades interessadas, o que destaca ainda mais o objetivo de reforçar a autono mia patrimonial das sociedades de um grupo. Como será analisado de forma pormenorizada maïs à frente, apesar de cami nhar positivamente no sentido da autonomia patnmonial das sociedades que com põem um grupo o Anteprojeto ate o momento em nada avançou no que se refere as considerações sobre grupo de sociedades de fato Ora se e necessano que se diferenciem as questões contabeis de cada uma das sociedades de um grupo de sociedades, e se tal dïferenciação objetiva justamente a conservação de personalidade jurídica e a distinção de patrimõnios, porque seria possível a inferência de confusão patrimonial e a desconsideração da persona lidade jurídïca de outra(s) sociedade(s) de um grupo (de direito ou de fato) que não da sociedade em questão? Ainda, se a realidade empresarial brasileira demonstra a existência de grupos de sociedade de fato, por que uma previsão legislativa nesse sentido não seria necessária? Teoria da DesConsideração da Personalidade Jurídica Evolução no Direito brasileiro O código civil de 1916 previa a existência da personalidade jurídica em seu artigo 20, segundo o qual, “as pessoas jurídicas têm existência distinta da dos seus membros’Z Não havia, à época, previsão de mecanismos capazes de inibir a manipu lação da personalidade jurídica. R. de D. Público da Economia — ROPE 1 Seio Horizonte, ano 13. n. 50. p. 9-41, abr,/jun. 2015 15 •: • A CJ’VIÃ RODPIO..ES 1, AR CER%A%QAC Tal osicionamento se coadunava com o contexto da propos.tura do projeto nua deu origem ao Código CivU de 1916, isto é, o contexto do liberalismo. sofrenoo influências do individualismo voluntarista, inclusive no sentido da supervalorização do homem e da delimitação dos limites intervencionistas do Estado.” Assim, no ano de 1916, o Brasil positivou em seu Código Civil a lógica liberal de que a vontade era a origem de toda a atuação do indivíduo no mundo jurídico, não obstante o atraso à lógica liberal oitocentista e o achegado descasamento entre o direïto privado positivo brasileiro e a realidade social que já estava em tal época vindo à tona. Naquele momento, o estatismo e a crença de que o Estado poderia ser um agente ativo no processo económico perdia lugar, de modo que a majoritária atuação estatal na economia passou a representar urna ameaça ao desenvolvimento. Neste contexto, o novo protagonista que emergia era justamente a iniciativa privada, com a consequente valorização, entre outros, dos direitos de propriedade. A ação estatal ganhou papel minimalista, servindo apenas para garantir ao mercado seu livre fun cionamento, No entanto, como explica Cavalieri Fïlho, foram tantas as fraudes perpetradas por meio das sociedades personificadas para obtenção de beneficios pessoais e fraude a credores, que a doutrina e a jurisprudência passaram a invocar e defender a aplicação da teoria da desconsideração da personalidade jurídica para flexibilizar a regra do artigo 20 do Código Civil.’ 8 Assim, pouco menos de quatro décadas depois da entrada em vigor do Código Civil de 1916, é possível verificar, por meio de urna revisão bibliográfica,’ 9 críticas direcionadas ao diploma legal mencionado, denotando a necessidade de aperfei çoamento do direito ali positivado para que houvesse uma correspondência entre o direito positivado e as necessidades fáticas daquela época. Isso porque no período compreendido entre a apresentação do projeto de lei em outubro de 1899 pelo jurista Clóvis Beviláqua e a publicação do Código Civil em janeiro de 1916, e, ainda, espe cialmente passadas as primeiras décadas após a entrada em vigor da referida legisla ção, a ocorrência de diversos fatos históricos, sociais, tecnológicos e econõmicos foi responsável pela transformação da vida da sociedade e do empresariado brasileiro. A teoria da desconsideração da personalidade jurídica pode ser mencio nada como um exemplo de tal descasamento. Sem qualquer previsão legislativa, 1: Li PA5cH0AL.sandra Regira Remondi Introcaso. Aevoiução histórica da principlologia doscó-digos civis brasi[eiros e suas repercussões nateorja da resoonsabilidade civil. Âmbito Jur!d’co. Rio Grande. Xlii. o. 75. abr 2010. Dispo nível em: <http://wvnv.amhito.juridico.00m.br/site/index.php?njink=revistaartigosjeitura&aftigoid=7aoo> Acesso em: 25 iev. 2015. cAvAuEpl FILHO, sergio. Programa de direito do consumidor. 3. cd. São Paulo: Atlas, 2011. Dentre as quais: GOMES, Orlando. A crise do direito, são Paulo: Max Limonad, 1955; REALE, Miguel. Estudos preliminares do cddigo CiviL são Paulo: Revista dos Tribunais. 2003; DANTA5, F. c. san Tiago. Evolução contemporânea do direito contratual. Revista Forense, Rio de Janeiro, ano 49, v. 139, fascículos 583 e 584, p. 5-13, jan./fev. 1952. 16 5. da tSr. Público da Economia — ROPE 1 Seio Horizonte, ano 13, n. 50, p. 9-41, abr./jun. 2015 EÇC CA PSSOi4UDAbE J.RfacA AFIJCAO ADS GRLPOS DE SOCIDDS E O AhTJCTO — foi doutrinariamente introduzida no Brasil em 1969 por Rubens Requião, ern artigo intitulado “D/sregard Doctiine Abuso de direito e fraude através da personalidade urídica”.° À luz da tese de doutorarnente de Roif Serick. primeiro jurista continental a tratar o tema de forma sistematizada, Rubens Requião defendia não ter a teoria da desconsideração da personalidade jurídica como objetivo considerar ou declarar nula ’ Em outras 2 a personalidade jurídica, mas torná-la ineficaz para determinados atos. segundo jurídica configura, o referido palavras, a desconsideração da personalidade — autor, ‘declaração de ineficácia especial da personalidade jurídica para determinados 22 efeitos, prosseguindo, todavia a mesma incólume para outros fins legítimos’. Neste sentido, defendia-se a desconsideração da personalidade jurídica como fenómeno pontual, de modo que o afastamento da personalidade jurídica não impli cana a despersonalização da sociedade, mas apenas a suspensão momentãnea de seus efeitos para fïns específicos, denotando seu caráter episódico. Fábio Konder 23 distingue explicitamente os conceitos de desconsideração relativa e Comparato despersonalização. Esta última refere-se ao desaparecimento como sujeito de direito autónomo por falta, superveniente ou original, de suas condições de existência. Por sua vez, na desconsideração relativa persiste o princípio da autonomia subjetiva da pessoa coletiva, distinta da pessoa de seus sócios ou componentes, entretanto, tal distinção é afastada de forma provisória e somente para o caso concreto em tela. Nessa linha, Fábio Ulhoa Coelho defende que: a teoria [da desconsideração da personalidade jurídica] tem o intuito de preservar a pessoa jurídica e sua economia, enquanto instrumentos jurídicos indispensáveis à organização da atividade económica, sem 24 deixar ao desobrigo terceiros vítimas da fraude. Ao mesmo tempo que a teoria da desconsideração da personalidade jurídica foi sendo consolidada pela doutrina e jurisprudência no Brasil, a perspectiva individualis ta predomïnante no momento de criação do Código Civil de 1916 foi sendo superada. Assim, em 1972 foi publicado o Anteprojeto do Código Civil de 2002, a res peito do qual diversos atores sociais se manifestaram.. O projeto do Código Civil de 2002 foi encaminhado em 16 de janeiro de 1975 por Mïguel Reale, Supervisor da ‘ 27 23 ‘ REQuIÃO. Rubens. Abuso de direito e traude através da personalidade jurídica (disregard doctrine). RT, 410/12. dez. 1969, REQuIÃO, Rubens. Curso de Direito Comerciar são Paulo: Saraiva, 1986. v. 1, p. 283. Qp. cit., p. 74. cOMPARATO, Fábio Konder. O poder de controle na sociedade anônima. 3. cd. Rio de Janeiro: Forense. 1983. p. 283. COELHO, Fábio ulhoa. Curso de direito comercial, São Paulo: saraiva, 1999. p. 35. 5, de Dir, Público da Economia — RDPE 1 Belo Horizonte, ano 13, n. 50, p. 9-41, abr./jun. 2015 17 :193: 41: :171: A DE5CDN5IDERAÇAD DA PERSONALIDADE JuRIDICA APLICADA AOS RUPD5 DE soclcDADcs co ANTEPRDJErD... ANA CAROLINA RODRIGUES, MARIA FERNANDA C. A. R. CURY [...] a grande virtude, sem sombra de qualquer dúvida, da desconsideração e todos reconhecem ser esta uma das grandes inovações do CC-02 é o estabelecimento de uma regra geral de conduta para todas as relações jurídicas travadas na sociedade, o que evita que os operadores do Direito tenham de fazer como faziam malabarismos dogmáticos para aplicar a norma outrora limitada a certos microssistemas jurídicos em seus correspondentes Comissão Elaboradora e revisora do Código CiviL 25 Na exposição de motivos, urna das razões invocadas para a atualização do Código Civil vigente à época era justamente a superação do “individualismo, que condicionara as fontes inspiradoras do Código da personalidade jurídica prevista no art. 50 — de 1916, reconhecendo-se cada vez mais que o Direito é social em sua origem e em seu destino, impondo a correlação concreta e dinãmica dos valores coletivos com os 26 individuais”. Tanto era o descompasso entre o antigo Código Civil de 1916 e a nova socie dade da época que Miguel Reale relatou a inviabilidade de se aproveitar a maioria das dïsposiçóes do antïgo diploma civil e a impossibilidade de realizar mera revisão e atualização dos dispositivos, haja vista a nova fundamentação da legislação que estava por vir, somada à evolução da ciência do direito. 27 Como não mais era possível deixar de lado os valores éticos e ignorar a decadência do individualismo para se alinhar de vez com a ideia do respeito à finalidade ética e social da comunidade em que o titular do direito (seja pessoa natural ou jurídica) está inserido, os princípios que fundamentaram o Código Cïvil de 2002 foram a eticidade, a socialidade e a 28 operabilidade. A positivação da teoria da desconsideração da personalidade jurídica, no âmbito do direito civil, foi, em tal contexto, expressamente admitida pelo direito brasileiro por meio do artigo 50 do Código Civil de 2002, o qual estabelece que: Artigo 50. Em caso de abuso da personalidade jurídica caracterizado pelo desvio de finalidade, ou pela confusão patrimonial, pode o juiz decidir, a requerimento da parte, ou do Ministério Público quando lhe couber intervir no processo, que os efeitos de certas e determinadas relações de obrigações sejam estendidos aos bens particulares dos administradores ou sácios da pessoa jurídica. Vale ressaltar que o artigo 50 do Código Civil, ao contrário dos demais dispositi vos legais que dispõem sobre o assunto, representa norma geral, aplicável à totalida de das relações jurídicas privadas. Neste sentido, Gagliano e Pamplona afirmam que: — — — — — campos de atuação. 29 Visto isso, vale lembrar que a teoria da desconsideração da personalidade ju rídica no tocante ao direito societário, foco deste estudo, não pode ser plenamente 30 e da auto entendida como desvinculada do princípio da responsabilidade limitada ’ a perso 3 nomia patrimonial. Isso porque, de acordo com Fãbio Konder Comparato, nalização jurídica é vista como uma técnica jurídica por meio da qual há a autonomia patrimonial e a limitação (ou até a supressão) das responsabilidades individuais dos sócios. 32 que, nas sociedades comer Nesse sentido, destaca Eduardo Secchi Munhoz ciais, a pretensão da teoria da desconsideração da personalidade jurídica é, por meio da derrogação do princípio da separação entre a pessoa jurídica e seus membros, superar o princípio da responsabilidade limitada ampliando-o para as pessoas na turais dos sócios e administradores. Entretanto, destaca o autor, que a teoria da desconsideração deve ter em conta a função socioeconõmica da limitação da respon 33 sabilidade ao escolher os critérios a serem utilizados para a respectiva aplicação. Tal consïderação baseia-se no fato de que a limitação da responsabilidade funciona como uma regra de distribuição de riscos, que privilegia o incremento, fomento e o desenvolvimento das atividades empresariais por meio da limitação da responsabi lidade dos sócios em detrimento de outros interesses que podem ser afetados pelo seu exercício. Sendo assim, o autor conclui que a teoria em estudo deveria, então, definir os casos em que a limitação da responsabilidade implicaria uma excessiva exteriorização de riscos, situações nas quaïs se justificaria a extensão da responsa bilidade aos seus componentes. 29 O Anteprojeto do código civil é de autoria dos professores Miguel Reale (Supervisor), José carlos Moreira Alves (Parte Geral), Agostinho de Arruda Alvim (Direito das obrigações), Sylvio Marcondes (Atividade Negocial), Ebert chamoun (Direito das coisas), clóvis do couto e silva (Direito de Família) e Torquato castro (Direito das sucessões). Ainda, o professor Moreira Alves acumulou, por determinado período, a função de coordenador da comissão de Estudos Legislativos. 27 28 PA5cH0AL, Sandra Regina Remondi Introcaso. A evolução histórica da principiologia dos códigos civis brasileiros e suas repercussões na teoria da responsabilidade civil. Âmbito Jurídico, Rio Grande, XIII, n. 75, abr. 2010. Disponível em: <http://www.ambito-juridico.com.br/site/index.php?nlink=revistaartigosleitura&artigo id=7300>. Acesso em: jul. 2014. REALE, Miguel. visão geral do Novo código civil. Revista dos Tribunais, são Paulo, v. 808, ano 92, p. 12-13, fev. 2003. REALE, Miguel. visão geral do Novo código civil. Revista dos Tribunais, são Paulo, v. 808, ano 92, p. 12-16, fev. 2003. 18 R. de Dir. Público da Economia — nDPc 1 Belo Horizonte, ano 13, n. 50, p. 9-41, abr./)un. 2015 GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo Curso de Direito Civil, são Paulo: Saraiva, 2003. v. 1, p. 240. o Embora vinculados, o conceito de personalidade jurídica e de responsabilidade (imitada são distintos, haja vista, no direito brasileiro pessoas juridicas de responsabilidade ilimitada (sociedade em nome coletivo) e as sociedades despersonificadas com responsabilidade limitada (sociedade em conta de participação). 31 cOMPARAro, Fábio Konder. o poder de controle na sociedade anônin,a. 3. ed. Rio de janeiro: Forense, 1983. p. 279 e 280. 32 MuNH0z, Eduardo secchi. Desconsideração da personalidade jurídica e grupos de sociedades, Revista de Direito Mercantil, Industrial, Econômico e Financeiro, são Paulo, ano XLIII (nova série), n. 134, p. 37, abr,/jun. 29 2004. como visto, o princípio da socialidade permeado no código civil veio como resposta ao individualismo característico do período liberal, servindo como freio e como limitante à autonomia da vontade e ã liberdade integrais. R. de Dir. Público da Economia -. RDPE 1 Belo Horizonte, ano 13, n. 50, p. 9-41, abr./jun. 2015 19 A DE5O9>.SiDERCdjD DA PERSO\ALID A lógica da política legislativa que se preocupou em conceber urna disciplina alinhada com os objetivos sociais de ir:centivo ao desenvolvimento do empresaria do acaba sendo substituída por outra lógica advinda de aplicação jurisprudencial. Entretanto, as soluções casuísticas acabam por desvirtuar a verdadeira finalidade de reequilíbrio da distribuição dos riscos da atividade empresarial em uma situação concreta 34 Dessa forma, a teoria da desconsideração da personalidade jurídica tem sido amplamente invocada pela jurisprudência. Podemos apontar duas correntes de análi se, ambas já reconhecidas pelo Superior Tribunal de Justïça. 35 A primeira delas, denominada de teoria maior possui duas ver-tentes, a subjetiva ou unitarista e a objetiva, de filiação dividida pela literatura jurídica brasileira de maior reconhecimento. A primeira delas considera uma visão unitária da pessoa jurídica. sendo excepcional o afastamento de sua autonomia patrimonial e sempre condicio nada à caracterização do elemento de abuso de direito, análise que será verificada pelas lentes do subjetivismo. Rubens Requião, ao mencionar que a aplicação da teoria da desconsideração da personalidade jurídica deve ser realizada com extremos cuidados e somente em casos de excepcionalidade que tenham como objetivo impe dir a fraude ou o abuso de direito, acaba por se vinculará teoria em análise. A teoria subjetiva acabou por ser adotada pelo nosso Código Civil e condiciona a aplicação da desconsideração da personalidade jurídica ã verificação de elementos subjetivos como a constatação de fraude ou abuso no uso da pessoa jurídica. Já a corrente obje tiva parte de uma perspectiva funcional da personalidade jurídica, ou seja, permite a desconsideração inclusive no caso de desvio de função que foi dada pela lei às espécies de pessoas jurídicas. José Lamartine Corrêa de Oliveira, 37 ao defender que a doutrina da desconsideração veio como uma resposta à crise de função da pessoa jurídica, deixa patente sua filiação a essa segunda vertente. Por outro lado, a teoria menor admite o afastamento pontual da autonomia patrimonial das pessoas jurídicas pela simples constatação de insolvência da so ciedade para o cumprimento de suas obrigações, independente da existência de desvio de finalidade ou de confusão patrimonial, Essa corrente entende que os riscos empresariais normais às atividades empresariais não devem ser suportados pelo terceiro que possui uma relação jurídica com a pessoa jurídica. Os sócios e/ou a MuNHoz, Eduardo secchi. Desconsideração da persona]idade jurídica e grupos de sociedades. Revista de Direito Mercantil, Industrial, Econômico e Financeiro, São Paulo, ano XLIII (nova série). n. 134, p. 40-41. abr./ jun. 2004. a ‘4 teoria maior ca desconsideração, seja a subjetiva, seja a objetiva, constitui a regra geral no sistema jurídico brasileiro. oositivada no artigo 50 do cCfO2 RE5D rA 279.273/SR ReI. Ministro Ah Pargendler. ReL p/ Acór dão Ministra \anov Andrighi, Terceira Turma. julgaco em 04.12.2003, Di, 29 mar- 2000. o. 230). REQuIÃO. Rubens. Aouso de direito e fraude através da personalidadejuridica. Revista dos l’ríbunais. n. 410/12. p. 23-24, dez. 1969, OLIVEIRA, José Lamartine corréa de. A dupla crise da pessoa juridica. São Paulo: Saraiva, 1979. p. 259-261. 20 R. de 0,r. Público da cconomia — RDPE 1 Belo Hcrizonte, ano 13, n. 50, p. 9-41, abr./jun. 2015 DEiRiDLCA APliCADA AOS GPU°O5 DE SOCiEDADES 50 ANTEPRmETO,.. acministradores serão os responsáveis por internalizar tais riscos, mesmo que os seus atos de gestão sejam regulares e de acordo com a legislação. A teoria menor 38 é aplicada, sobretudo, no âmbito do Direito do Consumidor e Direito Ambiental, jurídica mesmo que permitindo o levantamento da autonomia patrimonial da pessoa 39 não seja identificada a utilização inadequada oo referido instituto. No que tange especificamente ao direito societário, a jurisprudência ainda não foi capaz de demonstrar que os critérios utilizados para a análise da desconsideração da personalidade jurídica refletem o reposicionamento do equilíbrio da distribuição dos riscos da atividade empresarial casuisticamente. Isso porque, como considera Eduardo Secchi Munhoz, dentre tais critérios que deveriam constituir pressupostos indispensáveis da aplicação da teoria da desconsideração podem ser apontados a espécie da sociedade, a natureza da relação jurídica objeto da desconsideração (cre dor com poder de negociação ou não) e o fato de a sociedade estar ou não ïntegrada a um grupo de sociedades. O presente estudo terá como foco a desconsideração da personalidade jurídica nesse último caso. Breves Considerações sobre as teorias desenvolvidas no direito estrangeiro Vista a evolução do instituto da desconsideração da personalidade jurídica no direito nacional, passa-Se agora a discorrer, mesmo que brevemente, sobre as mais relevantes teorias sobre o tema desenvolvidas no direito estrangeiro. Assim, para a melhor compreensão da teoria da desconsideração da personalidade jurídica e estudo de eventuais melhorias, analisaremos a aplicação da referida doutrina em ordenamentos jurídicos estrangeiros. Alemanha Com base na análise das jurïsprudências alemã e norte-americana, Rolf Serick produziu, em 1952, a sua obra Forma jurídica e realidade das pessoas jurídicas ‘A teoria menor da desconsideração, por sua vez, parte de premissas distintas da teoria maior: para a mci dência da desconsideração com base n-a teoria menor, basta a prova de insolvência da pessoa jurídica para o pagamento de suas obrigações, independentemente da existência de desvio de tinaldade ou de confusão patrimonial. Para esta teoria, o risco empresarial normal às atividades económicas não pode ser suportado pelo terceiro que contratou com a pessoa jurídica, mas pelos sôcios e/ou administradores desta, ainda que estes demonstrem conduta administrativa proba, isto é, mesmo que não exista qualquer prova capaz de identificar conduta culoosa ou doiosa por parte dos sócios e/ou administradores da pessoa juridica. No ordenamento juridico brasileiro, a teoria menor da desconsideração foi adotada excepcionalmente, por exemplo, no Direito 9 279.273/sR &mbiental (Lei o& 9605/98. art. 49) e no Direito do Consumidor (COO. art. 28, §5 Y’ REsp n 3 ReI, Ministro Ari Pargendler. ReI. p/ Acórdão Ministra Nancy Andrighi. Terceira Turma, julgado em 04.12.2003. Di. 29 mar. 2004. p. 230), NEGRI, Sérgio Marcos c. oe A. Repensando a Disregard Doctrhe: justiça, segurança e eficiência na descon sideração da personalidade jurídica. In: ALVE5, Alexandre Ferreira de Assunção: GAMA, Guilherme calmon Nogueira da, Temas de Direito Civil-Empresarial, são Paulo: Renovar. 2008. p. 183-187. R. de Dir. Público da Economia — RDPE 1 Belo Horizonte, ano 13, n, 50, p, 9-41, abr./jun. 2015 21 ANA CAROLINA ROOR!OUES. MARIA FERNANDA O. A, E. CLRY A DESCONSIDERAÇAO DA PERSONALIDAOEJURTD1CA APLICADA AOS GRUPOS DE SDCIEDADES E D ANTEPRDJETD... Cootritiu:çàb de DirEIto Comparado à questão da penetração ciesrinana a atingIr pessoas ou otjetos situados atrás da pessoa íurídíea. À tal teoria é atribuída a impor tância do pioneirismo de Serick, primeim jurista que tratou o tema de forma siste matizada. De acordo com a referida teoria, existem duas hipóteses-bases em que haveria a possibilidade de desconsiderar a pessoa jurídica, quais sejam, a fraude ou a necessidade de se imputar responsabilidade a determinado sócio em função da aplicação específica de alguma lei. Além disso, Serick estabeleceu quatro princípios- uma norma tem uma pretensão de aplicação aosoiuta ou pretenda atingir a realidade subiacente à própria pessoa jurídica)’ — chave para a aplicação ou não da desconsideração da personalidade de unia pessoa jurídica. O primeiro deles é o abuso, ou seja, a utilização da pessoa jurídica com o intuito claro de se furtar de uma obrïgação. O segundo princípio traz a impossibiljdade de desconhecer a autonomia subjetiva da pessoa jurídica somente para se atingir o escopo de uma norma ou a causa objetiva de um negócio jurídico. O terceiro princípio pontua que todas as normas aplicáveis às pessoas naturais aplicam-se também às pessoas jurídicas, desde que compatíveis. O último princípio estabelece a possi bilidade de desconsideração para atingir aquele que verdadeiramente foi parte do negócio ignorando assim a formalidade apresentada. Dessa forma, é possível notar a visão unitarista de Serick, ou seja, seu entendimento no sentido da pessoa jurídica como ente dotado de uma essência pré-jurídica que se contrapóe e até se sobrepõe ao valor específico de cada norma. 40 Tal teoria foi conceituada por Drobnig como: a possibilidade que existe de julgar uma sociedade, em um deter minado caso, levando em consideração os homens que ela comporta ou os bens que ela comporta ou os bens que ela possui substrato humano ou patrimonial e considerando de algum modo como transparente a personalidade jurídica da pessoa jurídica)’ Ingiaterra O primeiro caso em que foi aplicada a desconsideração da personalidade jurídi ca no direito inglês foi o caso Salomon VS. Salomon & Co., julgado pela Corte Ingiesa em 1897. O referido caso trata da constituição de uma company pelo empresário Solomon em conjunto com outros seis membros de sua família. O fundo de comércio foi cedido à sociedade formada, Solomon recebeu 20,000 ações representativas de sua contribuição ao capital social, enquanto os demais membros receberam uma ação apenas. A sociedade tornou-se insolvente pouco tempo depois de sua incor poração, sendo que seu ativo era insuficiente para satisfazer as obrigações sociais frente aos credores, o liquidante, no interesse dos quirografários, sustentou que a atividade desen volvida pela companhia era a atividade de Salomon, já que a companhia confïgura va simplesmente um artifício de Salomon para limitar sua própria responsabilidade. Neste sentido, defendia-se que Salomon deveria ser condenado a satisfazer as obri gações sociais. O pedido foi acolhido em primeira instãncia, sob o argumento de que a companhia era unicamente um agente de Salomon, o qual permanecia como o efetivo proprietário da sociedade. Não obstante, a Casa dos Lordes, analisando aspectos formais, reformou, por unanimidade, tal decisão. — — Como uma reação à teoria unitarista de Serick, foi desenvolvida por Müller Frelerifels a “doutrina do objetivo normativo” ou “norrnzwecklehre”, que atualmente é a doutrina mais aceita na Alemanha. De acordo com tal teoria a desconsideração ou não da personalidade jurídica depende basicamente da situação concreta e da veri ficação do objetivo da legislação. Assim, as possibilidades de invasão da separação patrimonial incluirïam não apenas a hipótese de fraude, mas também as situações em que seria relevante não considerar a personalidade jurídica. Explicando de outra forma, de acordo com a teoria desenvolvida por Müller-Freienfels, a desconsideração da personalidade jurídica seria aplicável em caso de fraude e nas situações em que NL:NE5. Sirnone Laborgue: GlANQui. Pedro Henricue Torres. A desconsideração da personalidade juridica: consi derações sobre a origem do principio, sua positpvação e e apRcação no Brasii. In: FRANCA. Erasmo Vailadão Azevedo e Novaes (Coordo. Direito societá rio contemporâneo A são Pauio: Quartier Latin, 2009. p. 303306. DROBNiG, uirioh, \ature et limites de ia personahté morale er’ droit aiiemand. In: DAVID, René (coordi. La personnalité morale ar ses limites. Paris: LODO, 1960. OS. 27-50. p. 42. 22 P.. do Dir. POolico da Econom.e — RDPE Seio i-orizor’te. ano 13. ‘-. 50. o. 9-41. ae-.Oun. 2015 Itália Piero Verrucoli foi de grande relevãncia para o desenvolvimento estrangeiro da teoria da desconsideração da personalidade jurídica. Isso porque realizou uma profunda comparação entre os sistemas da Civil Lawe da Common Law. A conclusão de seu estudo foi, em grandes linhas, a de que a Common Law não parece ter se preocupado em definir de forma específica uma teoria capaz de sistematizar a des consideração. Por outro lado, a Civil Lawdeixa patente tal preocupação, evidenciando uma distinção de ordem pratica entre os dois sistemas A semelhanca por outro lado, está no fato de que a caracterização da personalidade jurídica das sociedades de capital como ‘privilégio” atribuído a certos grupos pela legislação. 43 NUNE5. Simone Laborgue: BIANQUI. Pedro Henrique Torres. A desconsideração de personalidade jurídica: consl derações sobre a origem do princípio. sua positi-vDão e e aplicação no Brasil. In: FRANCA. Erasmo Valiadão Azevedo e Novaes (Coordi. Direito societârio contemnorà neo São Paulo: Quartier Latin. 2009. p. 306-307. \LNES, Simore Lahorgue: B1ANQLI. Pedro Henrique Torres. A desconsideração dapersonaiidadejuridica: consi derações sobre a origem do principio, sua positivação e a aplicação no Brasil. In: FRANQA. Erasrno Vailadão Azevedo e Novaes (coordo. Direito socierário contemporâneo 1. São Paulo: Quartier Latir’. 2009. p. 307-308. E. de Dir. PODi cc da Eccnoriia — ROPE Belo nor:zcnte. aro 13. r’. 50. p. 9-4, abr.”Jun. 2O5 23 4 DESCO-.SrOCPACÁO D’\ DE5Q.A[l)4rrj 14 CUR’ Estados tinidas da América O jurista norte-ar encano Maulce Wormser foi o autor do primeiro estuDo conhe cido sobre a teoria da desconsideração da personalidade jurídica, Trata-se do artigo “Piercing the Veil of Corporate Entity”, escrito em 1912, e posteriormente incorporado em seu livro Disregard of the Corporate Rction and Allied Corporation Problema. O referido autor analisa, entre outros, o caso Bank of United States v. Deveaux (1809), considerado por ele como leading case no âmbito da aplicação da teoria da desconsideração. Tal caso foi julgado pelo Chief Justice Marshall, o qual aplicou a teoria da desconsideração da, personalidade jurídica com o objetivo de preservar a juris dição das cortes federais sobre as corporations, uma vez que a Constituição Federal Americana, em seu artigo 32, limitava sua jurisdição às controvérsias entre cidadãos 44 de diferentes estados. A desconsideração da personalidade jurídica nos grupos de sociedade Eduardo Secchi Munhoz, em seu artigo de destaque técnico específico sobre o tema da desconsideração da personalidade jurídica nos grupos de sociedades no direito brasileiro, conclui como insuficiente o instituto da desconsideração da per sonalidade jurídica aplicado aos grupos societários. O autor vai além ao defender a necessidade de uma nova disciplina jurídica sobre tal tema. Isso porque, afirma o autor, os princípios, critérios e objetivos referentes à desconsideração da autonomia patrimonial no grupo de sociedades acabam por afetar a autonomia organizacional das sociedades que formam tal grupo, tornando-se uma suspensão permanente e constante da referida personalidade jurídica, 45 Konder de Fábio A visão 46 sobre o tema é a de que, no grupo econô Comparato mico de subordïnação, as sociedades controladas perdem grande parte de sua auto nomia de gestão empresarial. Dessa forma, fica a cargo da sociedade controladora realizar as decisões de maior relevâncïa. Não obstante, o autor vê o fato com naturali dade, pois essa perda de autonomia de gestão empresarial traduz-se frequentemente pelo sacrifício dos interesses de cada socïedade ao interesse global do grupo. Dessa forma, assevera que o reconhecimento legal do grupo de direito ou de fato acaba por demandar o estabelecin,ento de mecanismos jurídicos de adequada compensação dos interesses particulares, em razão da intercomunicação patrimonial, sob direção ° ° 24 R. de Dir. Público da Economia — ROPE 1 Seio Horizonte, ano 13, n. 50, p. 9-41, abr./jun. 2015 CADj 405 GRUPOS CESOCirDADES Ec’ ANTEPROJEtO,.. unitária. Tais interesses seriam os dos sôcios ou acionistas não controladores de cada uma das sociedades do grupo, os de terceiros credores e os da coletividade nacional como um todo. Ainda sob a análise da referida literatura jurídica, o Direito não pode ignorar essa realidade. Contrariamente, deve discipliná-la em função dos diversos interesses que se relacionam, de forma a buscar a harmonia e proporção, ínsitas na própria ideia de justiça Rubens Requião ja advertia que não se deve imaginar que a desconsideração da personalidade juridica se torne Instrumento docil nas mãos inabeis dos que levados 48 ao exagero acabassem por destruir o instituto da pessoa juridica Nas palavras de Ada Pellegrini Grinover, a forma e a oportunidade da descon sideração da pessoa jurídica se mostram como ponto-chave para a questão aqui discutida. A autora reconhece certo grau de dificuldade, uma vez que do instituto da desconsideração decorre o confronto de dois aspectos paradoxais. De um lado, localiza-se a extensão da responsabilidade patrimonial para outrem que não figura no plano substancial como devedor, ou seja, na invasão da esfera patrimonial de outrem. De outro lado, há a premissa da qual é preciso partir de que existe fraude ou abuso que justifique a aplicação do instituto de caráter excepcional. Entretanto, para partir de tal premissa é exigida adequada cognição. A questão se põe, para a autora, ° 4 em “como” conciliar essas duas circunstâncias. entre a desconsideração da personalidade profunda Vale pontuar a distinção jurídica em uma sociedade isolada e em uma sociedade integrante de grupo econó mico De acordo com Munhoz o0 a autonomia patrimonial e organizacional continua intacta no que se refere a sociedade isolada Entretanto por outro lado no que se refere aos grupos de sociedade a interferência na autonomia patrimonial ou organiza cional de uma pessoa juridica acaba sendo uma interferência de natureza estrutural Essa interferência estrutural acaba ocorrendo pois o fenômeno de grupos de sociedade por si so geralmente transforma os patnmõnios das diversas sociedades em instrumentos para realização de um interesse global diferente de um interesse que exïstiria se as sociedades atuassem de forma isolada, Esse fenômeno foi cha ’ afirma que o 5 ’ de princípio dos vasos comunicantes. Munhoz 5 mado por Champaud ° KOLRY. Suzw Eiizaoern Cavalcante. A desconsideração da personalidade jurídica (disregard 000trine) e os grupos de empresas. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense. 2000. p. 64. MUNHOZ. Eduardo secchi. Desconsideração da oersonahdade juridica e grupos de sieCades. Revista de Direito Mercani’L industrial, Econõrnico e Finar,ceiro. são Paulo, ano XLIII inova série;. n. 134. p. 45, abr./jun. 2004. c0MPARAT0, Fábio Konder: SALOMÃO FILHO, caiixto. O poder de controle na sociedade anônima- 5. cd, Rio de Janeiro: Forense, 2008. p. 357 e ss. docA e: i2 OOMPARATO. Fãbio Konder: SALOMÃO FiLHO, calixto. O poder de controle na sociedade anônima. 5. cd. Rio de Janeiro: Forense. 2008. p. 357 e ss. REQUiÃO, Rubens. Abuso de direito e fraude através da personalidade jurídica. Revista dos Tdbunais. n. 803/757-758, p. 764. GRiN0vER, Ada Peflegrini. Da desconsideração da pessoa jurídica iasoectos de direito materiai e processual). Interesse Público. Belo Horizonte, ano X. n. 48, p. 25’26. 2008, Eduardosecchi. DesconsideracãodaPersonahdadeJurídicaeGnjoosdeSociedades. Recista de Direito Mercantil, Industrial, Econômico e Financeiro, São Pauio. ano xLwi nova série:. n. 134, p. 41. abr./jun. 2004. cHAMPAuD. claude. Le pouvoirde concentration de la sociêté par actions. Faris: Sirey, 1962. p. 275. MuNnIOZ. Eduardo Secchi. Desconsioeração da personalidade jurídica e grupos de sociedades. Revista de Direito Mercantil, Industrial, Econômico e Financeiro. São Pauio, ano XLili (nova série). n. 134. p. 42, abr./jun. 2004. R. de Dir. Público da Economia — DPE 1 Seio Horizonte, ano 13, n. 50, p. 9-41, abr./jun. 2015 25 cER\ANDA O cESO.SiOCR2CàC DO °ERSO,ALiL’ADE L:RiDicA ARCADA 100 Os-POS DESOCIEt)IDES E O 1\TEPDOJETO R de oeclaração judicial, inclusive no que se refere à verificação da existência do nexo de causalidade entre os critérios legais autorizadores e a desconsideração da personalidade jurídica em si. É evidente que a desconsideração da personalidade jurídica somente pode ser conferida judicialmente, pois tal tema não poderia ficar ao arbítrio das partes interessadas na desconsideração, sob qualquer que seja o que acontece nos grupos de sociedade pode ser denominado de “unidade econõmica e diversidade jurídica. pois, ao promoverem a separação entre sociedade e empresa por meio de tal unidade econômica e diversidade jurídica, procuram a alocação mais eficiente dos seus recursos entre as sociedades formadoras do grupo, sempre no contexto de uma estratégia empresarial comum. Na visão de Munhoz, no que se refere aos grupos de sociedade, aquilo que doutrina da desconsideração da personalidade jurídica denomina de suspensão a temporária e episódica da personalidade jurídica tornar-se-ia uma suspensão perma nente e constante, pois a extinção da autonomia patrimonial e organizacional das sociedades-membros não constitui a exceção, mas sim a regra. A grande crise, para o referido autor, não se localiza na utilização abusiva da pessoa jurídica em cada caso concreto, mas nos próprios objetivos definidos pelo ordenamento jurídico nesse sen tido. Estes objetivos tornaram-se anacrônicos. incompatíveis com a realidade socio econômica atual. Expressamente reitera o professor que “decorre a inadequação da doutrina clássica da desconsideração para solucionar os problemas suscitados pelo fenómeno grupal”. E pede uma nova disciplina jurídica apta a estabelecer princípios e objetivos consentãneos com as exigências da sociedade. 53 segundo a qual a aplicação Visão oposta é dada por Susy Cavalcante Kour’y, da teoria da desconsideração da personalidade jurídica aos grupos de sociedade significa evitar a condenável separação entre o Direito e a realidade, de forma a reco nhecer as relações de controle e interesses comuns, existentes entre as empresas componentes de grupos e oferecendo solução aos problemas dar decorrentes, de acordo com o ordenamento jurídico. t4 explica que a desconsideração da personalidade jurídica se mostra, Munhoz no máximo, como uma solução paliativa para solucionar os problemas relacionados com o grupo de sociedades, mas não tem o condão de afetar a separação entre Direito e realidade. Tal deslocamento seria a causa de tais problemas, os quais somente poderiam ser resolvidos com a revisão do modelo jurídico existente hoje, ou seja, um direito próprio em linha com a realidade empresarial. Anáhse do entendimento jurisprudencial o exame aprofundado do tema ora estudado requer, necessariamente, uma aná lise do entendimento jurisprudencial a respeito. Isso porque a desconsideração da t 4 : fundamento De tal modo foram levantados os estudos mais relevantes e recentes sobre o entendimento jurisprudencial no que se refere a declaração judicial ou não bem como aos criterios de verificação do nexo de causalidade entre os criterios legais e a desconsideração Aqui se pretende Identificar em que momento a autonomia patrimonial da personalidade jurídica é interrompida e o elemento-guia que leva os juízes a aplicar o mecanismo da desconsideração da personalidade jurídica, ou seja, até onde é considerado, nas vias judiciais, o limite da autonomia patrimonial e da responsabilidade limitada. Uma primeira análise nos mostra que o entendimento jurisprudencial evidencia do pelas decisões sobre desconsideração da personalidade jurídica em grupos de so ciedade não refletem o desenvolvimento da literatura jurídica peftinente Isso porque esta visa estabelecer os critérios e hipóteses que distinguem os grupos de direito e grupos de fato. Como será detalhado mais abaixo, a jurisprudência acaba por vincular o conceito de grupos de sociedades ao de desconsideração da personalidade jurídica, especialmente em razão de uma ideia de confusão patrimonial quase que necessária. Não obstante, serão estudadas abaixo algumas poucas, mas relevantes exceções. Em pesquisa empírica realizada por Margoni no âmbito do Superior Tribunal de Justiça (STJ) no penodo de 2005 a 2010 foram identificados quatro acordãos tratando sobre a desconsideração da personalidade juridica aplicada a grupos de sociedades As referidas decisões discorrem sobre credores que diante da dificuldade de reaver os montantes a que tinham direito (por meio de ações de execução ou em processos falimentares), recorrem à desconsideração da personalidade jurídica para alcançar ativos de outras sociedades integrantes do mesmo grupo da sociedade fa lida ou executada. Destaca-se, contudo, o acórdão da Terceira Turma do STJ, na Medida Cautelar 2 15.526/SR Relatora Mm. Nancy Andrighi. julgado em 22 de setembro de 2009 n personalidade jurídica não é uma norma autõnoma simplesmente, mas dependente e, KouRY. suzy ElizabeiJi cavalcante. .4 desconsideração da personalidade jurTdica (disregarc doctrine) e os grupos de empresas. Rio de Janeiro: Forense. 1993. o. 200. MUNHOZ, Eduardo Seochi. Desconsideração da personalidade juridica e grupos de sociedades. Revista de Dire,to Mercantil, Industrial, Econômico e Financeiro, são Paulo, ano xuii Inova série), o, 134, p. 46-4?, abr./ jun. 2004. 26 O. de Or. Público da Economia — DPE 1 Belo Horizonte, ano 13, n. 50, o. 9-41, abn/jun. 2016 pesquisa empirica mencionada foi realizada com base nas decisões do sri proferidas entre 6 de setembro de 2005 e 6 de setembro de 2010. Foram utilizadas como palavras-chave as expressões grupo económico” e ‘desconsideracão. iniciaimente. a oesquisa identificou 10 acórdãos sobre o tema. Não obstante, seis das dez decisões foram excluidas de anáisa por tratarem de matéria meramente processual. MARGONI. Anna Beatriz Alves. .4 descons,oeração da personai/dade jurídica nos grupos de sociedades. 2011- Dissertação (Mestrado em Direito comercial Faculdade de Direito, universidade de São Paulo, são Paulo. 2011. Disponivel em: <http://www.teses.usp,hr/teses/disponiveis/2/2132/tde-o4072012-113122/>. Acesso em: 09 jul. 2014. - R. de Dir. Público da Economia — POPE l Belo Horizonte, ano 13, o. 60, p. 9-41, abr./jun. 2015 27 A . CJ1WLit £iFtCt-C GLE3 .,?iA !R\A\04 C A a DflcCNSiDER4CZO 04 PERSO%AUDADE JURIDICA AR. CAtA AOS GPPCS DC SOCIEDADES CO AVEPROJETO , da personalidade jurídica deve ser reconhecida em situações excepcionais. Tal excepcionalidade aplica-se quando se verifica que a empresa devedora pertence a grupos de sociedades sob o mesmo controle e com estrutura meramente formal. (v.u.). c;tado em diversos julgados em que a desconsideração da oersonalidade jurídica de sociedades do mesmo grupo foi deferida. Em tal precedente foi criada uma definição de grupos de sociedades que não existe na Lei das SA, Segundo o acórdão, há grupos de sociedades sob o mesmo controle e com estrutura meramente formal quando as diversas pessoas jurídicas do grupo exercem suas atividades mediante Isso ocorre quando diversas pessoas jurídicas do grupo exercem sua atividade sob unidade gerencial, laboral e patrimonial e, ainda, acrescenta, quando há a confusão de património, fraudes, abuso de direito e má-fé com prejuízo a credores. Vale destacar, ainda, recente julgado do TJSP,5e que ampliou a noção de grupo uma unidade gerencial, laboral e patrimonial. Tal concepção é perigosa, uma vez que a direção unitária é característica ine rente dos grupos de sociedades, e, havendo direção unitária, é razoável admitir que haverá unidade gerencial, laboral e patrimonial entre as sociedades do grupo. Em outras palavras, esta unidade não é capaz de configurar, por si só, confusão patrimo nial. abuso de direito ou fraude a credores. Ainda de acordo com Margoni, em pesquisa realizada no ámbito do Tribunal de 56 das 214 decisões analisadas. 134, ou seja, mais de 60%, Justiça de São Paulo, autorizaram a desconsideração da personalidade jurídica de sociedade integrante do grupo económico, sendo que, muitas vezes, o fundamento para tanto parece ser sim plesmente a impossibilidade de satisfação do crédito pela sociedade originalmente demandada, já que, na maior parte das decisões, o entendimento dos magistrados é de que a simples existência de grupo econõmico enseja. quase que automatica mente. confusão patrimonial. Ademais, a pesquisa demonstrou que foi recorrente a decretação de desconsideração de personalidade jurídica de sociedade falida, inte grante de grupo de sociedades, e de tais decisões decorreu a extensão dos efeitos da falência ás demais empresas integrantes do grupo. Notamos, portanto, com base nas evidências empíricas mencionadas acima, que a desconsideração da personalidade jurídica no ãmbito dos grupos de socie dades tem sido aplicada de forma indiscriminada e em desconformidade com os requisitos do artigo 50 do Código Civil. Importante destacar determinadosjulgados, e seus argumentos mais relevantes, que optam por entendimento em sentido inverso, ou seja, pela não desconsideração da personalidade jurídica em grupos de sociedades. Como destaque, cita-se, em ãmbito do STJ, o Recurso Especial n° 968.564-RS, ReI. Arnaldo Esteves Lima, julgado em 18 de dezembro de 2008. Em tal julgado foi considerado que a desconsideração econômico, deixando de restrïngi-la ás relações estritamente societárïas, incluindo também as relações familiares. Houve ainda, a consideração do chamado grupo de sociedade de fato como um dos pressupostos da desconsideração. A decisão consi dera desnecessãria a: existència de provas diretas de relação comercial entre as empresas em foco, porque os elementos identificadores bastam para o reconhecimento das afinidades que traduzem a existência e a atuação de cada uma em proveito patrimonial do grupo familiar que as possui, gerando, no mínimo, confusão patrimonial com a empresa agravante (executada). cuja extinção formal sequer é cogitada.’ Como visto, pode-se dizer que o resultado da pesquisa empírica sobre o en tendimento jurisprudencial do tema em questão reflete justamente a insuficiência da disciplina da desconsideração da personalidade jurídica em grupos de sociedade estabelecida pela legislação em vigor. Primeiramente, porque os critérios autorizado res da desconsideração não são claros quanto a sua aplicação Ademais a questão da confusão patrimonial e utilizada de forma ampla colocando em segundo plano os principios da autonomia patrimonial e da responsabilidade limitada Por ultimo ressalta se a marginalização da questão aplicada aos grupos de sociedade não ape nas de direito mas tambem grupos de fato Em complemento a pesquisa junsprudencial elaborada por Margoni no periodo de 2005 a 2010, analisamos os julgados de maior relevãncia técnica proferidos em data posterior. Destacamos, primeiramente, o Recurso Especial n° 907,915-SP, ReI. Luiz Felipe Salomão, 4C Tuma, julgado em 27 de junho de 2011. que tratava de cobrança de honorários advocatícios e bloqueio de contas e ativos financeiros do devedor e de sociedades do mesmo grupo empresarial. Considerou-se que a confusão patrimonial existente entre sõcios e a sociedade devedora ou entre esta e outras conglomeradas A pesquisa empirica mencionada foi realizada com base nas decisões do Tribunal de Justiça do Estado de são Paulo proferidas entre 17 de agosto de 2005 e 17 de agosto de 2010. Foram utilizadas como palavras-chave as expressões grupo econômico’ e “desconsideração”. Inicialmente, a pesquisa identificou 540 acôrdãos sobre o tema. Nãc obstante. 325 foram excluídos da análise por: (a; tratarem de matéria de direito público; (bi tratarem de oesconsideracão da personalidade jurídica em grupos de sociedade em outro âmbito que não o societárro: c: tratarem de matéria meramente processual; (o;’ tratarem de matéria diversa. mas apresentar em seu texto os critérios de busca. MARGONI. Anca Beatriz Alvas. Ades000sideraçâoria nersonaáidade juridica nos grupos de s-ociedades. 2011. Dissertação Mestrado em Direito comercian Faculdade de Direito, Universidade de são Paulo, são Paulo, 20ff Disponível em: <http://wwwtesesusp.hr/teses/disponiveis/2/2132/tde04012012-113122/>. Acesso em: 09 jul. 2014. Recurso Especial n’ 968,564-ES, de ia de dezembro de 2008, 54 Turma, ReI. Arnaldo Esteves Lima. Ag’a-vo de instrumento cr rase de cumprimento de sentença condenatória n 0222169-80.2012.8.26.0000. de 27 de novembro de 2012, 31’ cãmara de Direito Privado, Rei, Adilson de Araújo. t 0222169-80.2012,8,26.0000, Agravo de instrumento em rase de cumprimento de sentença condenatória n de 27 de novembro de 2012, 31’ câmara de Direito Privado, Rei, Adilson de Araújo. - 28 R. de Dir. Público da Economia RDPE aeio Horizonte, ano 13, n. 50, p. 9-41, abr./jun. 2015 -: E. de Dir. Público da Economia — RDPE i Belo Horizonte, ano 13, n. 50, p. 9-41, abr7jun. 2015 29 ANA CAROUNA R000IGUES, MARIA FERNANDA C. A. R, CURY A DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍD[CA APLICADA AOS GRUPOS DE SOCIEDADES E O ANTEPROJETO... pode enSejar a desconsideração da personalidade jurídica, na hipótese de ser meramente formal a divisão societária entre as sociedades do grupo. Ademais, atestou-se que a mesma pessoa figurava como diretor de diferentes sociedades do verificada confusão patrimonial, é possível desconsiderar a personalidade jurídica de uma sociedade para responder por dívidas de outra, inclusive em cumprimento de sentença, sem ofensa à coisa julgada. Entendeu-se que rever a conclusão no caso dos autos seria inviável por incidir a Súmula n° 7/STJ. Ademais, consïderou-se que a falta de citação da sociedade cuja personalidade foi desconsiderada, por si só, não grupo, indicando a existência de interesses convergentes. O Mm. Salomão fez refe rência à doutrina de Comparato no REsp n°331921/SE’, Rei. Mm. Salomão, 4° Tuma, julgado em 17.11.2009:60 A confusão patrimonial entre controlador e sociedade controlada é, por tanto, o critério fundamental para a desconsideração da personalidade jurídica externa corporis. E compreende-se, facilmente, que assim seja, pois em matéria empresarial, a pessoa jurídica nada mais é do que uma técnica de separação patrimonial. Se o controlador, que é o maior interessado na manutenção deste princípio descumpre-o na prática, não se vã bem porque os juízes haveriam de respeitá-lo, transformando-o, destarte, numa regra puramente uniiaterai. 0 Recurso Especial n° 1259.018, Rei. Nancy Andrighi, 3° Turma, juigado em 9 de agosto de 2011, tratou de caso em que dois grupos econômicos, unidos por um propósito comum, promovem uma cadeia de negócios formalmente lícitos mas com intuito substancial de desviar patrimônio de empresa em situação pré-falimentar. De acordo com a decisão proferida, é possível ao juízo antecipar a decisão de estender os efeitos de sociedade falida a sociedades coligadas, uma vez verificada a existência de conluio para prejudicar credores. Entendeu-se que a verificação da exis tência de coligação entre sociedades pode ser feita com base em elementos fáticos que demonstrem a efetiva influência de um grupo societário nas decisões do outro, independentemente de se constatar a existência de participação no capital social. Foi citado parecer de Fábio Ulhõa Coelho, juntado aos autos, defendendo a existência de grupos de direito e grupos de fato no direito brasileiro. A relatora expres samente concordou com tal posicïonamento e foï decidido que, independente de um percentual fixo de participação societária, o conceito de coligação está muito mais ligado a atividades efetivas que caracterizam a influência de uma sociedade sobre outra, como relações de caráter eminentemente contratual. O Recurso Especial n° 1.253.383-MT, Rei. Ricardo VilIas Bõas Cueva, 3° Turma, julgado em 12 de junho de 2012, tratou de caso de desconsideração da persona lidade jurídica de sociedade integrante do mesmo grupo econômico de sociedade executada em fase de cumprimento de sentença. Alegou-se a falta de citação da so ciedade cuja personalidade jurídica foi desconsiderada, bem como que o alcance da desconsideração limita-se aos sócios e administradores das sociedades. No acórdão foi proferida decisão unãnime no sentido de que, reconhecido o grupo econômico e ensejaria nulidade, dada a ausência de efetivo prejuízo ao exercício da defesa. O Recurso Ordinário em Mandado de Segurança n° 29.697/RS, Rei. Raul Araújo, 4° Turma, julgado em 23 de abril de 2013, defendeu, em linha com as decisões mencionadas acima, que é possível atingir, com a desconsideração da personalidade jurídica, sociedade pertencente ao mesmo grupo económico da sociedade empresá ria falida, quando a estrutura do grupo é meramente formal, sendo desnecessário o ajuizamento de ação autônoma para a verificação de fraude ou confusão patrimonial. Ficam assim identificadas as principais questões a respeito do tema do presen trabalho que necessitam de, no mínimo, previsão legal adequada ao contexto atual te da realidade empresarial brasileira. São elas: (a) a suposição de confusão patrimonial implícita entre as sociedades do grupo, a despeito da natural unidade económica e separação jurídica e (b) a falta de disciplina legal sobre os grupos de fato que permite ao Judiciário a aplicação do instituto da desconsideração em descompasso com a realidade empresarial. Passaremos a partir do próxïmo item a identificar determinados desafios e ne cessidades jurídicas no que se refere ao instituto da desconsideração da persona lidade jurídica aplicado aos grupos de sociedade, considerando tanto os grupos de sociedade de direito quanto os de fato. Desafios e necessidades atuais relativos à desconsideração da personalidade jurídica em grupos de sociedade A disciplina da desconsideração da personalidade jurídica vem suscitando dúvidas e discussões desde antes da sua previsão legislativa no âmbito do código Civil. Podem ser mencionados alguns exemplos como a desconsideração em caso de ato irregular de gestão, a possibilidade de alcance do patrimônio do administrador ou somente dos sócios, se a insolvência e o encerramento irregular são critérios suficientes para a aplicação do mecanismo. De tão frequentes e relevantes, algumas ’ Tais 6 dessas dúvidas foram objeto de enunciados das Jornadas de Direito Civil. enunciados, apesar de não possuírem força legislativa, revelam o entendimento con siderado como mais adequado pelo Conselho da Justiça Federal, por meio do Centro de Estudos Judiciários. Jornadas de direito civil 1, III, IV e Vi enunciados aprovados, coordenador Científico Ministro Ruy Rosado de Aguiar Júnior. Brasília: conselho da Justiça Federal, Centro de Estudos JudiCiários, 2012. 60 também citados os seguintes precedentes: REsp na 636521sF Rei. Mm. Barros Monteiro, 4 Tarnbémforam Turma, julgado em 13.06.2000, e M5 n 2 12.872, Rei. Mi Nancy Andrighi, 3e Turma, julgado em 24.06.2002. “ 30 R. de Dir. Público da Economia R. de Dir. Público da Economia— RDPE 1 Belo Horizonte, ano 13, n. 50, p. 9-41, abr./jun. 2015 — RDPE 1 Belo Horizonte, ano 13, n. 50, p. 9-41, abr./jun. 2015 31 1 O. PEiriSOi.A_4.:L:Piu:Cri riPLIOALrA 305 iOP.POS 03 SOCiEDADES 30 3\TEPP0ETC. ri. \o que se refere à questão de atos irregulares ce gestão de administrador, entende-se que a desconsideração da personalidade jurídica só pelo Enunciado se aplicaria se ficasse comprovada a prática irregular. e tal desconsiceração seria limitada aos administradores e sõcios que incorreram em tal prática irregular. Apesar de configurar verdadeiro avanço às aplicações judiciais em casos de tal natureza, fica ainda pendente a questão sobre a ampliação para os sócios e administradores que foram coniventes e omissos, mas não incorreram efetivamente em. prática irregular. Resta, portanto. a dúvida de como interpretar o dever de diligência dos sócios e ad ministradores no contexto da vida empresarial. 9 281,63 por sua vez, menciona que, para a aplicação do ins O Enunciado n tituto ora em estudo, não se faz necessária a demonstração da insolvência da pes soa jurídica. Isso porque a insolvência não é critério determinante para a utilização judicial do mecanismo da desconsideração da personalidade jurídica para satisfazer determinado credor. Por tal enunciado, parece que fica afastada a teoria menor vista anteriormente, segundo a qual há a admissão do afastamento pontual da autonomia patrimonial das pessoas jurídicas pela simples constatação de insolvência da socie dade para o cumprimento de suas obrïgações, independente da existência de desvio de finalidade ou de confusão patrimonial. 2 282,64 segundo o qual o Nesse mesmo sentido, vale mencionar o Enunciado n encerramento de forma irregular das ativïdades da pessoa jurídica não tem a capaci dade de caracterizar abuso do instituto pelos sócios ou administradores. Ouso indevido do instituto da personalidade jurídica como meio de ocultação ou desvio de bens pessoais dos sõcios é tratado pelo Enunciado n 9 283.65 Segundo tal enunciado, a desconsideração da personalidade jurídica pode ser utilizada para afastar o véu da autonomia patrimonial para fins de alcançar bens de sócio que utilizou a pessoa jurídica para ocultar ou desviar seus bens pessoais, comprovado o prejuízo a terceiros. Tal mecanismo é denominado desconsideração inversa”, Enunciado n7-Art. 50: Sã se aplica a desconsideração da personalidade jurídica quando houver a prática de ato irregular e. limitadarnente, aos administradores ou sõcios que nela hajam incorrido. Jornadas de direito civil 1. til. IV e V enunciados aprovados/coordenacor cientifico Ministro Ruy Rosado de Aguiar Júnior. Brasilia: Conselho ca Justiça Federal, centro de Estudos Juciciários, 2012. Enunciado nu 281 Art. 50: A aplicação da teoria da desconsideração, descrita no aro 50 do cõdigo civil, prescince da demonstração de insolvência da pessoa jurídica Jornadas de d,raito civil i. III. IV e V: enunciados aprovados, Coordenador cierttfico Ministro Ruy Rosado de Aguiar Júnior. Brasília: Conselho da Justica Federal, centro de Estudos Judiciários. 2012. Enunciado n 282 AS. 50: O encerramento irregular das ateidades da pessoa jurícica, por s sã, não basta para caracterizar abuso da personalidade juridica. Jornadas de direito civil!, (li. IV e V enunciados aprovados. Coordenador científico Ministro Ruy Rosado de Aguiar Júnior. Brasilia: Conselho da Justiça Federal, Centro de Estudos Judiciários, 2012, Enunciado nt 283 Art, 50: É cabível a desconsideração da personalidade jurídica denominada “inversa’ para alcançar bens de sócio que se valeu da pessoa juridica para ocultar ou desviar bens pessoais, com prejuizo a terceiros. Jornadas de direito civil 1, III, IV e td enunciados aprovados. Coordenador científico Ministro Ruy Rosado de Aguiar Júnior. Brasília: Conselho da Justiça Federal, Centro de Estudos Judiciários, 2012. AdiCionalmente o Enunciado n t 28456 esclarece que as pessoas jurídicas de fins lucrativos ou sem de fins não económicos, como as associações direito privado e as fundações, estão s*itas á desconsideração de sua personalidade jurídica, uma vez que estão abrangidas no conceito de “abuso da personalidade jurídica’. Já o t 285’ conceitua que a desconsideração pode ser invocada pela própria Enunciado n nessoa jurídica a seu favor, t 4O6 trata justamente oa queslào discutida pelo Por úitimo. o Enunciado n destaca-se: trabalho, presente Enunciado n° 406 Art. 50: A desconsideração da personalidade jurí dica alcança os grupos de sociedade quando estiverem presentes os pressupostos do art, 50 do Código Civil e houver prejuízo para os credores até o limite transfeddo entre as sociedades. - Segundo tal enunciado, o instituto da desconsideração da personalidade ju rídica é capaz de alcançar os grupos de sociedade nas situações em que todos os pressupostos estipulados pelo artigo 50 do Código Civil estiverem presentes e, adicionalmente, se houver prejuízo comprovado para os credores, mas somente até o limite transferido entre as sociedades, Apesar de o referido enunciado representar uma tentativa positiva para adequar a aplicação do instituto da personalidade jurídica aos grupos de socïedade, ainda não foi capaz de dar uma resposta eficiente às preo cupações evidencïadas por meio da pesquisa jurisprudencial descrita acima, que sào (a) a suposição de uma confusão patrimonial implícita entre as sociedades do grupo a despeito da natural unidade económica e separação jurídica no fenómeno grupal e (b) a falta de dïsciplina legal sobre os grupos de fato que permite ao Judiciãrio a aplicação indiscriminada da teoria da desconsideração, Fica, dessa forma, evidente que a falta de disciplina legal no que se refere à desconsideração jurídica em grupos de sociedade (sobretudo em casos de grupos de fato) acaba por desvirtuar o instituto e propiciar uma aplicação subjetiva, isto é. de acordo com o entendimento subjetivo de cada juiz, não havendo uma linha de enteri dimento jurisprudencial uniforme a esse respeito. Como será visto mais à frente, pa rece que, apesar da releváncia da questão, objeto de enunciado emitido pelo Centro - - ‘‘ ‘ 32 n, de Dir. Público da Economia — RDPE i Selo Horizonte, ano 13, n, 50, p. 9-41, abr./jun. 2015 Enunciaoo nX 284 Art 50: As pessoas jurídicas de direito privado sem fins lucrativos ou de rins não econômicos estão- abrangidas no conceito de abuso da personalidade juricica, Jornadas de direito ciWl 1. III, IV e f: enunc’ad-os aprovados, coordenador científico Ministro Ruy Rosado da Aguiar Júnior. Brasilia: Conselho da Justiça Federal, centro de Estudos Judiciários, 2012. e, Enunciado n’ 285- Art. 50: A teoria da desconsideração, prevista no art. 5060 Código Civil, pode ser invocada pela pessoa jurídica, em seu favor, Jornadas de direito civil 1, III, IV e 14 enunciados aprovados. Coordenador científico Ministro Ruy Rosado de Aguiar Jiúnior. Brasilia: conselho da Justiça Federal, centro de Estudos Judiciários, 2012. Joroadas de direito civil 1, III, IV e 14 enunciados aprovados, Coordenador científico Ministro Ruy Rosado de Aguiar Júnior, Brasília: Conselho da Justiça Federal, Centro de Estudos Judiciários, 2012, - 13 de Oir. Público da Economia noc i Belo Horizonte, ano 13, n. 50, p. 9-41, ebr./jun. 2015 33 ANA CAROLINA RODRIGUES, MARIA FERNANDA O. A. R. CURY de Estudos Judiciários do Conselho da Justiça Federal, e da falta de uniformidade jurisprudencïal sobre o assunto, o Anteprojeto do Código 69 Comercial não foi capaz de apresentar uma resposta eficiente aos problemas relativos à aplicação da teoria da desconsideração da personalidade jurídica aos grupos de sociedades, sejam elas de direito ou de fato. Anáhse das soluções apresentadas pelo Anteprojeto de Novo Código Comercial Assim sendo, fica claro que o instituto da desconsideração da personalidade jurídica não pode ser utilizado pelos juízes como objetivo de eliminar essa proteção da lei contra os riscos empresariais, mas somente para coibirfraudes, desvio de finalida 774: is. ii’ Como nos ensina Ripert, citado por Lamy Filho, “embora se gabe da origem longínqua de algumas de suas instituições”, o direito comercial “é um direito novo, porque o comércio moderno não se contentou com os processos que bastavam ao antigo”, o direito comercial “se cria a cada dia na prática cambiante dos negócios”, o direito comercial “se transforma para seguir uma economia que muda sem cessar”.’° Conforme exposto acima, um dos problemas atuais no âmbito da aplicação da teoria da desconsideração da personalidade jurídica é o seu uso indiscriminado, desvirtuado e não uniforme em casos de grupos de sociedades. Notamos, neste sentido, que apesar de o Anteprojeto do Novo Código Comercial reconhecer como um dos problemas atuais da teorïa da desconsideração da persona lidade jurídica “lamentáveis distorções, inclusive no plano legislativo”,” nenhum dos quatro artigos propostos para disciplinar o assunto (artigos 196 a 199) versa sobre a aplicação da teoria aos grupos de sociedades. Ademais, apesar de o referido Anteprojeto tratar especïficamente de grupos de sociedades nos artigos 368 a 378, não há qualquer dispositivo relacionando a questão da desconsideração da personalidade jurídica aos grupos de sociedades. $I A DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JuRIDIcA APLICADA AOS GRUPOS DE SOCIEDADES co ANTEPROJEPO... Soluções propostas pelo Anteprojeto do Novo Código Comercia Como se tentou deixar claro em item anterior, a concessão jurídica e legal para a criação de grupos de sociedades baseia-se em diversos argumentos. Um dos mais relevantes e que mais se relaciona com o tema da desconsideração é a alocação eficiente dos riscos do negócio. Explicando melhor, ao defïnir determinada estrutura de grupo empresarial, um dos objetivos éjustamente pensar uma estrutura de mitiga ção de riscos e a separação de riscos referentes a determinado setor ou mercado. 4: 4: :75 de, abuso da forma societária e confusões patrimoniais, devidamente comprovadas. Dentre as alterações sugeridas pelo Anteprojeto em referência, nenhuma tra ta de forma específica da aplicação da teoria da desconsideração da personalidade jurídica nos grupos de sociedade, O artigo 19672 proposto estabelece de forma mais clara que o atual os critérios autorïzadores da desconsideração pelo juiz. Tais crité rios são confusão patrimonial, desvio de finalidade, abuso da forma societária ou de fraude perpetrada por meio da autonomia patrimonial da sociedade. somente em tais hipóteses, pode o juiz imputar a responsabilïdade aos sócios ou administradores. verïfica-se que o parágrafo primeiro 73 do artigo em referéncïa trata de positi var o entendimento do Enunciado n°7 da Jornada de Direito Cïvil, estudado acima. De acordo com o dispositivo do Anteprojeto, somente será imputada a responsabilidade ao sócio ou ao administrador que tiver praticado a irregularidade que deu ensejo à desconsideração da personalidade jurídica da sociedade, Entretanto, em relação aos coniventes ou omissos, o questionamento perdura, deixando sem resposta àqueles que tocam a vida empresarial desvinculados de qualquer dever de diligência. O pa :75 rágrafo segundo 74 estipula a responsabilidade solidária daqueles que praticaram a 5 irregularidade. Não obstante a solidariedade, de acordo com o parágrafo terceiro,’ de forma proporcional à cada um dos responsabilizados irá responder em regresso, respectiva participação na irregularidade que ensejou a desconsideração da persona lidade jurídica da sociedade. O artigo 19776 do Anteprojeto, por sua vez, consagra o entendimento do Enunciado n° 281 estudado acima. O referïdo artigo estabelece que a insuficiência do patrimônio da sociedade para arcar com seus compromissos frente a credores não é razão para ensejar a aplicação da teoria da desconsideração da personalidade jurídica. 72 °° °‘ 65 ‘ °‘ Relatório Final da comissão de Juristas para elaboração de Anteprojeto de código comercial no ãmbito do senado Federal. Disponível em: <wv.senado.gov.br>. Acesso em: 09 jul. 2014. LAMY FILHO, Alfredo. Considerações sobre a elaboração da Lei das S.A. e de sua necessária atualização. Revista de Direito Bancário e do Mercado de capitais, ano 14, n. 51, p. 245-247, jan.-mar. 2011. Relatório Final da Comissão de Juristas para Elaboração de Anteprojeto de código comercial no âmbito do senado Federal. Disponível em: <swav.senado.gov.br>. Acesso em: 09 jul. 2014. p. 19. 34 R. de Dir. Público da Economia — RDPE 1 aelo Horizonte, ano 13, n. 50, p. 941, abr./jun. 2015 ‘ 76 Artigo 196. Em caso de confusão patrimonial, desvio de finalidade, abuso da forma societária ou de fraude perpetrada por meio da autonomia patrimonial da sociedade, ojuiz pode desconsiderar a personalidade juridica própria desta, mediante requerimento da parte interessada ou do Ministério Público, quando inteRsier no feito, para imputar a responsabilidade ao sócio ou administrador. Art. 196. §1°. Será imputada responsabilidade exclusivamente ao sócio ou administrador que tiver praticado a irregularidade que deu ensejo à desconsideração da personalidade jurídica da sociedade. Art. 196. §2°. Em caso de atuação conjunta na realização da irregularidade que deu ensejo à desconsideração da personalidade jurídica da sociedade, a responsabilidade dos envolvidos será solidária. Art. 196. §35, Na hipótese do parágrafo anterior, cada um dos responsabilizados responderá, em regresso, proporcionalmente à respectiva participação na irregularidade que deu ensejo à desconsideração da personalidade juridica da sociedade. Art. 197. A simples insuficiência de bens no patrimônio da sociedade para a satisfação de direito de credor não autoriza a desconsideração de sua personalidade jurídica. n. de Dir. Público da Economia — RDPE I Belo Horizonte, ano 13. n. 50, p. 9-41, abr./jun. 2015 35 A DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONAL[DADE JURTOIcA APLICADA AOS GRUPOS DE SOCIEDADES E O ANTEPROJETO... ANA CAROLINA RODRIGUES, MARIA FERNANDA C. A. 3. CURY O artigo 198” do Anteprojeto vem responder urna dernanda de cunho pro cessual. Segundo o referido artigo, a imputação de responsabilidade ao sócio ou administrador da sociedade ou mesmo a outra sociedade, em decorrência da des consideração da personalidade jurídica da sociedade, somente será determinada judïcialmente, para qualquer fim que seja, em ação ou incidente próprio, depois de assegurado o direito à ampla defesa e ao contraditório. Vale dizer que tal artigo veio como resposta certa aos questionamentos da literatura jurídica que trata dos aspec 78 Por fim, e no mesmo sentIdo, o artigo 199’° estipula tos processuais sobre o tema. que deverá ser incluído no processo, o nome do sócio, do administrador ou da pes soa, seja ela natural ou jurídica, a quem for imputada a responsabilidade depois de decretada a desconsideração da personalidade jurídica. Como visto, o Anteprojeto, até o momento, não pretendeu dar solução legis lativa aos problemas apresentados neste trabalho, sobretudo, (a) a suposta confusão patrimonial implícita entre as sociedades do grupo, sem considerar a unidade econô mica gerada pelo fenômeno grupal e (b) a falta de disciplina legal sobre os grupos de fato que permite ao Judiciário a aplicação ïndïscrïminada da teoria da desconsidera ção. Não obstante, o Anteprojeto propõs previsão legal para os grupos de sociedade por meio dos artigos 368 a 378, mas não tocou nas questões pontuadas acima. A disciplina legal sobre os grupos de sociedade parece considerar mais os grupos de sociedade de direïto e parecer ignorar os grupos de fato. Isso porque, já de início, o artigo 265 da Lei das S.A. estabelece: Art. 265. A sociedade controladora e suas controladas podem constituir, nos termos deste Capítulo, grupo de sociedades, mediante convenção pela qual se obriguem a combinar recursos ou esforços para a realização dos respectivos objetos, ou a participar de atividades ou empreendimentos comuns. Fica claro que a constituição de um grupo de sociedade somente se darã median te convençãom pela qual serão combinados os recursos ou esforços para a realïzação 78 ° Art. 198. A imputação de responsabilidade ao sócio ou administrador, OU a outra sociedade, em decorrência da desconsideração da personalidade jurídica da sociedade, só pode ser determinada pelo juiz, para qualquer fim, em ação ou incidente próprio, depois de assegurado o direito à ampla defesa e ao contraditório, como estabelecido no início do presente trabalho, este se interessará apenas pelas questões societárias que se relacionem com a desconsideração da personalidade jurídica em grupos de sociedade. Não obstante, vale destacar a resposta dada pelo Anteprojeto do código comercial aos anseios da literatura jurídica que trata dos aspectos processuais do tema da desconsideração. Para mais, ver GRINOvER, Ada Pellegrini. Da desconsideração da pessoa jurídica (aspectos de direito material e processual). Interesse Público, Belo Horizonte, ano x, n. 48, p. 13-30, 2008. Artigo 199. Decretada a desconsideração da personalidade jurídica, deve ser incluído no processo o nome do sócio, administrador ou da pessoa, natural ou jurídica, a quem se imputar responsabilidade. De acordo com o artigo 371 do Anteprojeto de código comercial, a convenção deve ser aprovada pelas sociedades que compõem o grupo e deverão conter as seguintes informações em seu texto: designação 36 n. de Dir. Público da Economia — ROPE 1 Belo Horizonte, ano 13, n. 50, p. 9-41, abr./jun. 2015 1 1 11 1 ii E 1 7$: NA.: I dos objetivos, reguladas as participações de cada sociedade nas atividades aplicá veis e/Ou os empreendimentos que serão comuns às sociedades formadoras do gru po. Assim, fica evidente a visão formalista dada pelo Anteprojeto ao tema dos grupos de sociedade. Tal aspecto fica mais patente ao analisar o texto proposto pelo artigo 36981 que vincula as relações entre as sociedades, a estrutura administrativa do gru po e a coordenação ou subordinação dos administradores das sociedades filiadas à previsão formal na convenção do grupo. Não obstante o exposto, e de releváncia para o presente estudo, vale destacar o trecho fïnal desse último artigo em referência, que estabelece que ‘cada sociedade conserva personalidade e patrimônios distintos”, Mais uma referência ao formalismo imputado pelo Anteprojeto ao tratamento dos grupos de sociedade é evidenciada pelo texto do parágrafo único do artigo 37082 que estabelece que somente os grupos que sejam organizados de acordo com tal legislação poderão fazer uso da designação “grupo de sociedades” ou simplesmente “grupo”. Aqui fica o questionamento sobre a realidade empresarial que se apresenta no cenário atual, contexto em que não pode ser negado o tratamento aos grupos de sociedade de fato. As demonstrações contábeis de grupo de socïedade recebem tratamento espe cífico no Anteprojeto. O artigo 37783 estipula que devem ser publicadas as demons trações contábeis referentes a cada uma das companhias formadoras do grupo, bem como as demonstrações consolidadas. O artigo 37884 proposto, por sua vez, trata da combinação de recursos e esforços financeiros entre as sociedades do grupo. De acordo com o texto de tal artigo, a combinação de recursos e esforços financeiros (bem como a subordinação dos interesses de uma sociedade aos de outra perten cente ao grupo, ou mesmo do próprio grupo) e a participação em custos, receitas ou resultados de atividades ou empreendimentos somente poderão ser opostos aos sécios minoritários das sociedades filïadas nos termos da convenção do grupo. do grupo, a indicação da sociedade de comando e das filiadas; as condições de participação das diversas sociedades; o prazo de duração, se houver, e as condições de extinção; as condições para admissão de outras sociedades e para a retirada das que o componham; os õrgãos e cargos da administração do grupo, suas atribuições e as relações entre a estrutura administrativa do grupo e as das sociedades que o componham; a declaração da nacionalidade do controle do grupo; as condições para alteração da convenção. ai Art. 369. As relações entre as sociedades, a estrutura administrativa do grupo e a coordenação ou subordinação dos administradores das sociedades filiadas serão estabelecidas na convenção do grupo, mas cada sociedade conserva personalidade e patrimõnios distintos. 92 Ali. 370. O grupo de sociedades deve ter designação de que constarão as palavras ‘grupo de sociedades’ ou “grupo’. Parágrafo único, somente os grupos organizados de acordo com este capítulo poderão usar designação com as palavras “grupo” ou “grupo de sociedade”, as Art. 377. O grupo de sociedades deve publicar, além das demonstrações contábeis referentes a cada uma das companhias que o compõem, demonstrações consolidadas, compreendendo todas as sociedades do grupo, elaboradas com observãncia do disposto na legislação pertinente. Ali. 378. A combinação de recursos e esforços, a subordinação dos interesses de uma sociedade aos de outra, ou do grupo, e a participação em custos, receitas ou resultados de atividades ou empreendimentos somente poderão ser opostos aos sócios mmnoritários das sociedades filiadas nos termos da convenção do grupo. R. de Dir. Público da Economia — RDPE 1 Belo Horizonte, ano 13, n. 50, p. 9.41. abr./jun. 2015 37 ANA CAROLINA R000IOIJES. AnA rERNANDA C. A. O. CURY O que se pode perceber dos textos dos referidos artigos é que, não obstante a preocupaçao com a autonomia patrimonial individual das sociedades que compõem um grupo societário na tentativa, quiçá. de urna diminuição da vinculação dos con ceitos de grupos de sociedade e de confusão patrimonial, nada foi dito em relação aos grupos de fato Por outro lado, pouca preocupação foi dada especificarnente ao tema que ora se discute, ou seja. à aplicacão da desconsideração da personalidade jurídica eni grupos de sociedade. Não se observa no Anteprojeto a vinculação do tema da desconsideração ao tema dos grupos de sociedade em qualquer dos dois aspectos mais problemáticos discutidos neste trabalho, a saber: (a) a suposição de confusão patrimonial implícita entre as sociedades do grupo e (b) a falta de disciplina legal sobre os grupos de fato que permite ao Judiciário a aplicação do instituto da desconsideração em desconformidade com a realidade empresarial. Tais aspectos hoje se fazem presentes não apenas no contexto empresarial brasileiro, mas também nos tribunais, mostrando-se como pontos relevantes em vista da segurança jurídica necessária ao ambiente de negócios e atração de investimentos. Em virtude do descompasso existente entre o direito positivo e as relações empresariais presentes sidade de uma previsão adequadas não apenas de confusão patrimonial na realidade societária do país, reconhece-se aqui a neces legal que englobe, em seus dispositivos, soluções jurídicas à inferência quase que automática, por parte dos tribunais, entre as sociedades do grupo, como também à existência de grupos de sociedade de fato, e sua vinculação com a questão da desconsideração da personalidade jurídica. Conskierações finaüs A DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURjOICA APLICADA AOS GRUPOS DE SDC[EOADES E O ANTEPROjETO... Do exposto, podemos verificar que a personalidade jurídica exerce -papel funda mental para o desenvolvimento do ambiente empresarial, podendo ser desconsidera da, apenas, em situações excepcionais. Ocorre que a análise jurisprudencial nos “evela o descasamento entre os cri térios teóncos para aplicação da desconsideração da personalidade jurídica e os critérios para aplicação da teoria efetivamente adotados pelos tribunais, sobretudo no âmoito dos grupos de sociedades, Contrariando a natureza excepcional da desconsideração da personalidade jurí dica, os tribunais têm aplicado a desconsideração de forma indiscriminada aos gru pos de sociedades, admitindo, implicitamente, a existência, quase que necessária, de confusão patrimonial entre sociedades de um mesmo grupo. Apesar de o Anteprojeto de Código Comercial contemplar em seu objeto a dis ciplina da desconsideração da personalidade jurídica. não há ali qualquer inovação em relação à aplicação da teoria aos grupos de sociedades. A ausência de regulação expressa do tema, e de critérios bem definidos para a aplicação da desconsideração aos grupos de sociedades, é marginalizada, a despeito de seus graves impactos à segurança jurídica e ao desenvolvimento económico do país. Neste sentido, pensa-se que, para evitar o uso indiscriminado da desconside ração, medida cujo caráter deve ser excepcional, deve haver previsão expressa dos critérios necessários para aplicação da desconsideração da personalidade jurídica externa corporis, não se admitindo a assunção da confusão patrimonial como carac terística ïnerente aos grupos de sociedades. The Disregard of Carporate Veil Doctrine Applied to Groups of Companies and the Commercial Cade Draft Sul O reconhecimento da personalidade jurídica como instrumento capaz de mitigar riscos os das atividades empresarias, por meio, entre outros, da autonomïa patrimo nial da pessoa jurídica, é, nas palavras de Fabio Lilhóa Coelho, “condição jurídica in dispensável, na ordem capitalista, à disciplina da atividade da produção e circulação de bens e serviço”, de modo que, “sem essa proteção patrimonial, os empreende dores canalizariam seus esforços e capitais e empreendimentos já consolidados”.eS Nota-se, no entanto, que a personalidade jurídica foi criada para servir uma função económico-social, de modo que o desvirtuamento da função da personalidade jurídica não encontra respaldo em nossa legislação, admitindo-se expressamente sua desconsideração em casos de abuso da personalidade jurídica, caracterizado pelo desvio de finalidade, ou pela confusão patrimonial. Abstract: The purpose of this paper is to contribute for the legal debate about the disregard of corporate veil doctrine applied to groups of companies in fite current economical, political and social arazilian scenariO. The principie that a company is a separate legal entity witl’t its own property, rights and obligatiens. distinct from those of its shareholders. established by artiole 5, item xni and by article 170 of Brazilian constitution, jointly with the liahility limitation, are considered the fundamental pillars for tlte business activibes in Brazil. Notwithstanding the above, me way of the disregard of corporate veil doctrine is regulated by the civil legislation. pursuant to me article 50 ei Law No. 10.406/02. especalty li compared with me foreign law, and considering tie application by jurisprudence. raises concerns on me grounds of groups of Eompanies. ocus of mis paper. Moreover, the ImportanEe of this matter was even more evident arter becoming a subject-maaer of new legislative drafting by the commercial cede Draft Bi!L which intents to put in force a new law te adjust the current legal regulatien te the Brazilian ecenomio dynamics needs. Finallv. we present our contribution to the eftective and etf5cient application of the disregard ofcorporate veil doctrine applied te greups of conipanies. which disterted application is able to reduce legal certainty on the Braziflan business and, as a censequence, harm the business environnient and awav me investments. as epposed te the real purpose of the institute herein studied. Key words: Disregard. Legal entrty. Group ot companies. commeroial code Draft BilI. Oistinct property of legal entity. COELHO, Fábio ulhoa. Direito de empresa. Curso de direito comercial. 10. ed. mv-. e atual, são Paulo: Sarava. 2007. v. 2, p. $02. 38 R. de Dir. Público de Economia — ODRE 1 Belo horizonte, eno 13, n. 50. p. 9.41, abr./jun. 2015 O de Dir. Público da Economia — ODRE 1 Selo Horizonte, ano 13. o. 50, p. 9-41, abn/jun. 2015 39 ANA cARouNA RODRIGUE5, MARiA FERNANDA c. A. e cuny Referêncas AZEVEDO, Luis André N. de Moura. 0 paradoxo da discipuna legal dos grupos de direito no Brasil sob urna perspectiva de Direito e Economia, In: ARAUJO, Danilo Borges dos Santos Gomes de; WARDE iR., Walfrido Jorge (Coord). Os grupos de sociedades Organização e exercício da empresa. São Paulo: Saraiva, 2012. — CAVALIERI F1LHO, Sergio. Programa de direito do consumidor. 3. ed. São Paulo: Atlas, 2011. CHAMPAUD, Claude. Le pouvoirde concentration dela société 1 1 A OE500N5IOERAÇÂO DA PERSONALIDADE JURiDICA APucAoA Aos cnupos DE soclEoAoEs E O ANTEPROJEFO... NEGRI, Sérgio Marcos C. de A. Repensando a disregard doctrine: justiça, segurança e eficiéncia na desconsideração da personalidade jurídica. 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Público da Economia RDPE 1 Belo Horizonte, ano 13, n. 50, o. 9-41, abr./jun. 2015 1 — RDPE 1 Belo Horizonte, ano 13. n. 50, p. 9-41. abr./jun. 2015 41.
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