BEM ESTAR ANIMAL EM AVES DE CETRARIA

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BEM ESTAR ANIMAL EM AVES DE CETRARIA
MEMBRO DE: “THE INTERNATIONAL ASSOCIATION for FALCONRY and CONSERVATION OF BIRDS of PREY”
“UNION INTERNATIONALE pour la CONSERVATION de la NATURE”
Rua Poeta Ventura, 22
2540-422 Rossio do Carvalhal
www.apfalcoaria.org
BEM ESTAR ANIMAL EM AVES DE CETRARIA
Sendo o tema do bem estar animal um assunto cada vez mais valorizado não só pela opinião publica, mas também
pela própria comunidade de cetreiros a nível mundial a Associação Portuguesa de Falcoaria compilou um
documento sobre o mesmo. Consideramos que a manutenção em cativeiro de aves de presa em boas condições
para a ave, envolve diversos factores que muito dificilmente se podem transcrever para normas rígidas e estritas. A
diversidade de espécies empregues em cetraria com necessidades diferentes, torna essa tarefa quase impossível.
Neste documento abordando este tema sob o ponto de vista da cetraria, expondo:
1.
2.
3.
Considerações gerais sobre o bem-estar animal e as aves de cetraria;
Análise das garantias existentes para a manutenção do bem-estar animais aplicados à prática da cetraria
atualmente;
Recomendações que poderiam ser implementadas com vista à melhoria do bem-estar animal em cetraria
Como ponto prévio referimos que a nossa apreciação se baseia nas seguintes premissa:


A cetraria (também designada por falcoaria) compreende a utilização de aves de presa para a caça de
animais selvagens no seu ambiente natural. Por esta razão todas as apreciações feitas pela APF devem ser
compreendidas neste enquadramento específico;
O bem-estar animal é compreendido como a possibilidade de permitir a esse animal o cumprir das suas
funções etológicas de forma natural. Esta pode ser considerada uma das definições com maior aceitação
1
na comunidade científica e no público em geral
1. CONSIDERAÇÕES GERAIS SOBRE O BEM-ESTAR ANIMAL E AS AVES DE CETRARIA2
1

Consideramos que não existe qualquer contradição ou problema na detenção de aves cujos congéneres
existem em estado selvagem. Isto parece ser aceite, também, pelo público em geral se observarmos o
grande número de animais com congéneres selvagens que existem em cativeiro. Na realidade o próprio
estatuto de animal selvagem pode ser discutido sob um ponto de vista biológico uma vez que não existe
evidência que o processo de domesticação tenha criado novos padrões etológicos, tendo vindo apenas
atenuar ou acentuar padrões já existentes. Por esta razão subscrevemos a noção de que o bem-estar
animal deve ser compreendido enquanto a possibilidade de o mesmo dar resposta às suas necessidades
de forma natural.

Para compreender se a falcoaria detém relevância de caracter negativo no que toca ao bem-estar animal
podemos utilizar o conceito de “Resposta às necessidades e fuga à dor”. Este conceito foi elaborado por
um grupo de Etólogos Suíços e Alemães (Ethological working group of the German Veterinarian Society,
Tschanz et al. 1987) e foi publicado inicialmente em 1987. Actualmente é o método mais utilizado para
decidir se um determinado fenómenos detém relevância para o bem-estar animal, ou não.

Para avaliar o bem-estar animal segundo este conceito necessitamos de averiguar se este organismo é
capaz de dar resposta às suas necessidades etológicas e simultaneamente prevenir a ocorrência da dor ou
dano. Para dar resposta a este desafio o animal usa as suas características e respostas fisiológicas,
http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC340178/?tool=pmcentrez#r11-23
Adaptação nas indicações dadas pela International Association for Falconry and Conservation of Birds of Prey em:
http://www.falconryheritage.org/uploads/2353/Abu%20Dhabi%20Presentations.pdf
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morfológicas e etológicas e a sua própria ontogenia individual. Se a capacidade de adaptação do animal é
desafiada em demasia podem ocorrer danos fisiológicos, morfológicos e/ou etológicos. Os danos físicos
são facilmente observáveis e logicamente devem ser considerados para a consideração do bem-estar
animal. Por outro lado, os danos etológicos são apenas reconhecíveis em sinais como comportamentos
estereotipados e repetitivos. Estes são de identificação mais complexa e existe lugar a maior discussão na
sua análise. No conceito utilizado considera-se que se existe uma demonstração física ou etológica de
dano o sistema em que esse animal é mantido deve ser reconhecido como não compatível com o bemestar animal. A severidade do dano deve igualmente ser tida em conta.

Durante o período da muda da pena, as aves são mantidas na sua maioria em aviários (designadas
“muda”, em cetraria). Durante a temporada de caça, especialmente imediatamente antes do ato de caça,
a ave é normalmente presa a um poleiro ou ao punho por duas tiras de cabedal. Além disso a prática da
cetraria implica que as aves possam voar livremente e muitas vezes durante a temporada de caça (O uso
de formas de contenção do movimento é comum vários tipos de animal como cães ou cavalos). Será que
causa sofrimento prender a ave? Quanto às atividades de locomoção a maioria das pessoas têm uma ideia
errada. Esta ideia pode resultar do sonho humano de liberdade e do comportamento das aves que voam
sem esforço durante grandes períodos de tempo. Este tipo de voo consome muito menos energia que o
voo ativo de um falcão peregrino ou mesmo de um açor. Mesmo assim as aves que recorrem a este tipo
de voo não o fazem por diversão. Usam-no para subir, procurar comida, ou marcar o seu território. Os
resultados científicos mostram que as aves de presa procuram poupar energia descansando e evitam voar
se isto não for necessário. A monitorização de falcões peregrinos selvagens na Holanda durante o período
de inverno demonstrou que quando os mesmos habitam em locais com grande quantidade de alimento
apenas voam poucos minutos diariamente, apenas o suficiente para capturar uma presa (Bednarek,
2002), em seguida, descansam, até que a fome os motive novamente a caçar. Os cetreiros preocupam-se
em manter as suas aves em perfeito estado físico para lhes permitir ter uma hipótese de capturar uma
presa em estado selvagem.

A cetraria obriga ao treino da ave de presa. Apesar das formas de treino poderem variar consoante a
espécie de ave em causa estas têm, como base comum, a paciência. As aves não compreendem reforços
negativos como os usados no treino de cães e cavalos. Este tipo de reforço é prejudicial à aprendizagem
da ave e nunca deve ser usado. Se aceitarmos o treino de outros animais, como cães, cavalos ou golfinhos,
não existem argumentos reais que permitam condenar o treino de aves de presa.

As aves de presa caçam devido ao estímulo da fome. Isto ocorre tanto em estado selvagem como quando
em associação com o homem. Como qualquer predador, as aves de presa são capazes de comer muito
mais quantidade do que aquilo que necessitam diariamente. Para que a ave cace com sucesso o cetreiro
terá de gerir a quantidade de alimento que a ave consome para a manter motivada para a caça e
simultaneamente forte o suficiente para cumprir a sua função etológica. Neste campo temos de comparar
esta gestão com a gestão da alimentação de outros animais e mesmo dos seres humanos. Vários animais
necessitam de uma adequada gestão da alimentação para manter um adequado grau de fitness.
Moralmente não consideramos existir diferença entre esta gestão do alimento e a realizada a cães,
cavalos ou mesmo a homens ou mulheres.

Como sabemos, muitos animais domésticos e não-domésticos mantidos em más condições ambientais
podem apresentar comportamentos estereotipados e repetitivos. Nas aves muitas vezes isso corresponde
ao “arrancar de penas”, etc. Este problema não tem sido reconhecido em aves de presa. Não existe
evidência de que as necessidades etológicas das aves de presa não sejam cumpridas quando são mantidas
em cetraria.
2. QUE GARANTES EXISTEM PARA A MANUTENÇÃO DO BEM-ESTAR ANIMAL NA CETRARIA ACTUALMENTE

Segundo se pode apurar as técnicas actualmente usadas em cetrarias têm origem há mais de 4.000anos.
Desde esse período estas técnicas têm vindo a sofrer evoluções significativas. Estas evoluções estão hoje
perfeitamente disseminadas na comunidade de cetreiros em Portugal, sendo usados conhecimentos
“state of the art” (telemetria, alimentação, alojamento);
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
A cetraria é contemplada pelo panorama legislativo Português, sendo a prática da mesma restrita a
cidadão legalmente habilitados para o efeito através da posse da carta de caçador com especificação
“Cetreiro”. A obtenção desta especificação ocorre via exame onde a APF está representada com o
objetivo de zelar pela existência de um conjunto mínimo de conhecimentos que habilitem o futuro
cetreiro à prática. Estes conhecimentos obviamente abordam conceitos fundamentais à correcta
manutenção das aves de presa em cativeiro;

O exercício da cetraria, ao implicar o treino, o voo em liberdade e a caça podem ser considerados como
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formas de enriquecimento ambiental para a ave em causa - - ;

A caça com aves de presa representa uma reprodução fiel das actividades de caça que a ave desenvolveria
na natureza. Por essa razão a própria prática da cetraria pode e deve ser considerada como um
importante contributo para a manutenção e persecução das próprias necessidades etológicas de cada
individuo e consequentemente do seu bem-estar.
3. QUE MELHORIAS PODERIAM SER IMPLEMENTADAS COM VISTA À MELHORIA DO BEM-ESTAR ANIMAL EM
CETRARIA
A cetraria é praticada com uma multiplicidade de espécies cujas necessidades de bem-estar são, muitas vezes,
bastante diferentes. A aplicação de normas rígidas a todas as espécies poderia colocar em risco o bem-estar de
alguns exemplares, em detrimento do de outros. No entanto usando como método o benchmarking das melhores
práticas existentes a nível mundial podemos sugerir:
3.1 A adoção de 5 princípios fundamentais:


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

Ausência de fome ou sede: acesso a água fresca e a uma dieta que lhe permita manter o vigor essencial
para a caça;
Ausência de desconforto: providenciando um ambiente que a proteja da inclemência dos elementos e
potenciais predadores;
Ausência de dor, dano ou doença: pela prevenção, diagnóstico e tratamento atempado de ocorrências
relacionadas com a saúde;
Liberdade de expressar o comportamento natural: através da caça;
Ausência de medo ou stress excessivo: assegurando condições e maneio que evitem o sofrimento mental.
3.2 Recomendações específicas para a aplicação prática:
3

Aconselhamos que todas as aves de cetraria devem ter um local seguro que forneça proteção contra os
elementos e predadores, cabendo aos falcoeiros a escolha deste local. Este local deve permitir que ave
abra completamente as asas;

Quando a ave é mantida solta, recomendamos que as janelas existentes devem ser colocadas barras
verticais que previnam a saída da ave e o danificar das penas;

Recomendamos que o material usado na ave esteja sempre em adequadas condições de forma a não
induzir qualquer dano à ave, devendo ser imediatamente substituído caso algum tipo de dano ocorra;
http://www.naturalencounters.com/images/Publications&Presentations/Training_A_Critical_Component_of_Enrichment_Progra
m-Steve_Martin.pdf
4
http://www.tandfonline.com/doi/abs/10.1207/S15327604JAWS0603_02
5
http://activeenvironments.org/pdf/Trng_Enrich_EEconf.pdf
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
Aconselhamos que o chão com o qual a ave entra em contacto esteja limpo e que o substrato usado não
induza lesão nas patas da ave;
Aconselhamos que os poleiros utilizados sejam desenhados de forma a não permitir que a ave fique presa
quando se movimenta, devendo ser revestidos de um material adequado (relva sintética, astroturf, corda,
cabedal, são alguns exemplos) que deverá ser limpo com frequência. O poleiro deve ser suficientemente
pesado para não ser arrastado facilmente pela ave;

As avessadas devem ser de material resistente e que previna a ruptura (pex: corda de alpinismo);

As aves devem ter acesso a água fresca com regularidade, devendo poder beber sem dificuldade. O banho
não deve ser excessivamente fundo;

Sugerimos o uso de uma forma de contacto do falcoeiro sempre que a ave seja voada em liberdade;

Aconselhamos o uso de balanças fiáveis para o controlo de peso da ave;

Aconselhamos que se forem mantidas várias aves estas sejam mantidas de forma a evitar o contacto
entre as mesmas, expecto no caso de aves que estão aclimatizadas à presença de outras;

Aconselhamos que as aves sejam transportadas em caixas de tamanho adequado à ave em questão, para
que a mesma não toque nas laterais e topo da caixa. A caixa de transporte deve ser construída para que
ave em questão esteja calma. Deve ter ventilação fácil. As aves poderão ser transportadas com caparão
sem o recurso a caixa;

Sendo que a o voo é uma das atividades naturais das aves de presa gostaríamos de sugerir que o
panorama legislativo português seja revisto de forma a permitir que os cetreiros treinem as suas aves
antes do início da época de caça;

Sendo que a caça é uma atividade fundamental às aves de presa e que o sucesso dos lances e número de
presas capturadas em cetraria, aconselhamos que o panorama legislativo seja revisto de forma a permitir
a ocorrência de mais dias de caça por época.
Ao dispor para qualquer esclarecimento, subscrevemo-nos com os melhores cumprimentos,
Atentamente,
Presidente

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