LBeja_000_436_20080..

Transcrição

LBeja_000_436_20080..
LENDAS DE BEJA
o Touro e a Cobra e outras lendas...
VIAGENS do Cigano Castanho e da Cigana Mariana através do
MARAVILHOSO
por José Penedo um deNómio de José Rabaça Gaspar
(img001 - capa – os ciganos o fogo e os astros…)
img002 – silhueta touro e cobra – marca d’água
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José Penedo
VIAGENS
do Cigano CASTANHO e da Cigana
MARIANA
ATRAVÉS DO MARAVILHOSO
por TERRAS do AQUÉM TEJO
I
I
Penedo Gordo – Beja 1988 – 1995/6
Corroios – Seixal 1998/99 e 2008
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4
concepção montagem e adaptação de
J0SÉ
PENED0
VIAGENS
do Cigano CASTANHO e da Cigana MARIANA
ATRAVÉS DO MARAVILHOSO
pelas TERRAS do AQUÉM TEJO
1ª JORNADA
LENDAS DO ALENTEJO I
1ª PARTIDA
lendo
LENDAS DE BEJA - O TOURO E A COBRA e outras lendas a ler
nas letras das estrelas
ou
A HUMANIDADE A CRESCER PARA A LIBERDADE
ou
o maravilhoso fantástico no imaginário alentejano
PENEDO GORDO – BEJA 1988 – 1995
Corroios – Seixal 1998/99 e 2008
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FICHA TÉCNICA
título
autor
reescrita, introduções, estudos e
pistas de leitura
coordenação e montagem
desenhos e arranjo gráfico
processamento de texto e
impressão
Revisões
local
data/s
Assistência técnica e
acompanhamento
todos os direitos reservados
VIAGENS do Cigano Castanho e da Cigana Mariana através do
MARAVILHOSO por Terras do Aquém-Tejo
LENDAS DO ALENTEJO I
lendo LENDAS DE BEJA - O TOURO e a COBRA e outras...
José Penedo
José Rabaça Gaspar
@JORAGA
JORAGA
JORAGA
@
1ª em 1989 - Amstrad PCW 8256 - JORAGA - Penedo Gordo, Beja
2ª recuperação de texto e desenhos por especial favor de Minerva,
ESE/Beja, c/ Prof. Mantinhas, Grilo, Toucinho e equipa.
3ª revisão em 1994/95 e em 1995/96 a acabar em 2008
Maria de Fátima da Vinha Borges
Penedo Gordo - Beja e Amora / Corroios - Seixal
1988 - 1994/95 e 1995/96 e 1998/99
Todos estes trabalhos tiveram a assistência dos técnicos da INFORGÉNESE Amora – Continente, Seixal e depois MMCruz
@ JORAGA – Pentium 200 - WinWord, Hewlett Packard Desk Jet 550C
Penedo Gordo, Beja 1993/94 a 1995/96, com todos os direitos reservados.
nº
nº
Depósito legal
Registo
O Cante dos Contos dos quatro cantos do AQUÉM TEJO
Penedo Gordo, Beja, de 1988 - 1995/96
Corroios, Seixal, 1998/99
JORAGA
JORAGA
JORAGA
em viagem...
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dedicatória
para a Diana, para o David e Beatriz, pela minha falta de arte
para lhes contar histórias
a desgraça de um Povo é ser geralmente
mais conhecido, nos seus defeitos e qualidades,
pelos que os exploram e oprimem
utilizando esses conhecimentos para seu
benefício...
do que por aqueles que têm por missão
aproveitar e encaminhar as suas potencialidades
e características
para o seu DESENVOLVIMENTO e
PROGRESSO imparável...
é preciso, entretanto, reconhecer
que é mais fácil oprimir e explorar em proveito
próprio,
as características latentes
e criar barreiras, paredes e arenas
para domar a fúria do TOURO,
do que aproveitar devidamente
a sua força bruta, a sua fúria indomável e a sua
fecundidade
para uma correcta e eficaz CONSTRUÇÃO do
DESENVOLVIMENTO...
que, talvez, só seja possível,
através da luta interminável,
entre o TOURO e A COBRA...
aí, o desafio desta aposta e destas LENDAS
(in)acreditáveis!
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E R A U M A V E Z N O A L E N T E J O...
apresentação
lendo
LENDAS DE BEJA - O TOURO E A COBRA
e outras lendas
a ler nas letras das estrelas
ou
A HUMANIDADE A CRESCER PARA A LIBERDADE
ou
o maravilhoso fantástico no imaginário alentejano
introdução
a
VIAGENS
do Cigano CASTANHO e da Cigana MARIANA
ATRAVÉS DO MARAVILHOSO
pelas TERRAS do AQUÉM TEJO
O CANTE: DOS CONTOS DOS 4 CANTOS DO ALENTEJO
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0 - em viagem...
«... Tenho visto alguma coisa do mundo, e apontado
alguma coisa do que vi e ouvi. De todas quantas viagens
porém fiz, as que mais me interessaram sempre foram
as VIAGENS NA MINHA TERRA.
Se assim o pensares, leitor benévolo, quem sabe?
pode ser que eu tome outra vez o bordão de romeiro,
e vá peregrinando por esse Portugal fora, em busca
de histórias para te contar.»
Almeida Garrett
in VIAGENS NA MINHA TERRA (§ final)
E foi assim, leitor amigo, que um dia decidi convidar-te para entrar
no mundo do conto encantado da fantasia do ERA UMA VEZ...,
pegando de novo no bordão de romeiro que o ilustre visitante teve de
abandonar e, seguir contigo, apesar de nos escassear a sua arte, e
peregrinar por estas terras e por este Alentejo fora, em busca de
histórias, para te/me (en)co(a)ntar/es.
Vamos seguir pausadamente ao ritmo lento de uma simpática e
irreverente caravana de ciganos que encontrámos errantes por esses
montados.
Se pudermos, nem sequer vamos interferir nas histórias. À medida
que avançarmos devagar, muito devagar, vamos sentar-nos quedos
de espanto, de olhos, ouvidos, nariz e boca e pele, com todos os
sentidos e sensibilidade muito atentos, e deixar falar esses fabulosos,
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espantosos contadores de histórias que o tempo vai tragando voraz e
impiedoso.
Aquela história de mil e novecentos que ouvi UMA VEZ..., tinha-me
ficado nos olhos para sempre... Um velho sisudo de barbas brancas e
cabelos ralos, debruçado na sua mesa gasta de velhos escritos, disseme lá do alto do seu retrato faiscante, pendurado na parede de um
sujo e perdido café de aldeia, a sua penosa vergonha e atrevimento
de tanto escrever, enquanto tantos homens e mulheres da sua terra
oprimida, sedenta de liberdade, nem sabiam ler, nem escrever...
Mais do que os olhos e os ouvidos, o nariz a boca as mãos, aquele
aviso mudo gritado de outros tempos, ainda não deixou de me
impressionar os sete sentidos...
Angustiado e impotente, de olhos cor de sonho, gastei meio século do
meu tempo a tentar ensinar os outros a ler e a escrever. Pouco fiz.
Menos adiantei...
... até que, UMA VEZ... UMA VEZ descobri o que estava à vista de
toda a gente.
Poucos ainda o tinham descoberto. UMA VEZ descobri, disseram-me,
contaram-me, ouvi dizer que muitos dos que me diziam nem saber
ler nem escrever, liam e escreviam os mais belos contos de encantar
e cantavam dizendo os mais belos cantos capazes de cativar, e afinal,
me seduziam e embalavam, desde a meninice!
Não quis nem acreditar!
Daí, o atrevimento de tentar agarrar essa arte de encantar e metê-la
nesta máquina dos tempos modernos, o sistematizador ou ordenador
que teimam em chamar computador, com a ideia, não de a
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aprisionar, mas de a recolher como semente que assim há-de ser
fecunda e germinar, mesmo quando os homens loucos e racionais
decidirem criar tudo com máquinas frias e fatais e já não houver mais
espaço para o sonho...
É a aposta do poeta de 1888:
«E assim, nas calhas da roda
Gira, a entreter a razão,
Esse comboio de corda
Que se chama coração.»
Venham então daí à cata desses criadores de tesouros da cultura
tradicional que por aí andam pobres e ignorados, votados ao
desprezo, enquanto uns senhores se vão pavoneando e locupletando
com a cultura instituída ganhando bom dinheiro a vociferar do alto do
estrado das suas escolas ou tribunas, sem haver polícia capaz de lhe
dar ordem de prisão, que “...o povo nada inventa, nada cria; antes
deturpa e suja as criações magistrais da cultura e da ciência erudita!”
e publicam, em livros de luxo, os “Tesouros da Literatura Popular
Portuguesa”! Publicam “o lixo”!!! Ganham dinheiro! Não pagam
direitos!!!
Que seria da cultura erudita, se não tivesse raízes?
O convite, pois, é para ir à procura da Cultura Ancestral, aquela que é
em gérmen no Ventre da Terra e corre como o Vento no Útero do
Tempo e fecunda com o seu sémen tudo o que é cultura ciência e
desenvolvimento em todo o Universo.
do ventre da terra é o canto que grita
o grito de vida de um povo oprimido
que dá pão que dá trigo que dá de comer
saído da terra embebida em esperma
que é suor e que é sangue
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por gente vertido
espremido
exprimido
por violentado povo
que se sente ofendido / fendido / fundido
(com um
o no lugar do un)
e contudo cantando regando ceifando
rasgando amanhando cavando mondando
faz nascer das vozes que cantam o canto
o canto da terra que não é ouvido.
esse canto que é cante é cultura profunda
é como as flores que nascem no campo
como a erva que pinta de verde a planície...
todos a vêem , a todos encanta
dão colorido ao mundo universo,
mas fenecem e morrem parecendo infecundas...
vivendo uma vida, num dia fugaz!!!
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img005 – acampamento dos ciganos
As carroças de duas rodas assentaram pacatamente no chão libertando as
azêmolas e formaram em estrela em redor do campo... (p. 18)
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É como o pensamento de Álvaro de Campos, escrito num livro
abandonado em VIAGEM:
«Venho dos lados de Beja.
Vou para o meio de Lisboa.
Não trago nada e não acharei nada.
Tenho o cansaço antecipado do que não acharei,
E a saudade que sinto não é nem no passado nem no
futuro.
Deixo escrita neste livro a imagem do meu desígnio
morto:
Fui como as ervas e não me arrancaram.»
mas logo florescem no tempo da flor
ao ritmo fecundo das quatro estações
trazendo o feitiço ao pão das espigas
dando embriaguez ao vinho das cepas.
o canto que eles cantam
é canto da terra
esquecido ignorado
para desprezar...
são contos que encantam
como os cantos que eles cantam
em cante que brota do ventre das gentes
ligado em cordão ao ventre da terra.
eles contam eles cantam
co/antos de encantar
mas
nas contas que contam
não têm lugar!
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Vamos nós, ao menos,
ouvi-los
CA/ONTAR...
«não evoluo, VIAJO.» «Navegadores antigos diziam: “Navegar é
preciso: Viver não é preciso”»  disse-nos ainda Fernando Pessoa.
E foi então que deparei com aquela caravana de ciganos que decidiu
parar as suas carroças e montar arraiais naquele lugar estranho...
Estávamos no ano cinquenta depois de trinta e oito e a deslizar sobre
as quatro rodas do oitenta e oito que nos abria boas perspectivas
para rodar com segurança até ao ano dois mil e trinta e oito...
As carroças de duas rodas assentaram pacatamente no chão
libertando as azêmolas e formaram em estrela em redor do campo.
Delas, três ficaram com as baias majestosas erguidas para o céu,
aparecendo-nos, ao pôr-do-sol, como hirtas peças de artilharia,
guardando nobre acampamento de aguerridos senhores. As outras
afocinhavam
no
chão
verde
refazendo-se
exaustas
da
dura
caminhada.
Vindos do fundo dos tempos, das Terras de Santa Maria e todo o
Mundo, o cigano Castanho e a cigana Mariana surpreenderam-se
seduzidos
pela
monotonia
faiscante
desta
desolada
planície
alentejana. Gente sem pátria nem terra que todo o mundo é seu!...
há pedaços de terra que lhes falam mais. Que sentem mais seus.
Do alto do seu trono da trotante carroça ondulando ao sabor dos
cascos troantes que enchiam os campos e os montes, esta terra
vasta, extensa sem fronteiras dizia-lhes mais que as outras terras.
Ouviam certamente a flauta encantada do poeta do Orfeu:
«Encho os olhos de terra.
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No Alentejo há muita e é de graça.
Dou-lhes esta fartura,
Antes que um só torrão na sepultura,
Os encha e satisfaça.»  (M. Torga in Diário X)
A terra voz ecoava na planície e a magia do canto captava
inconsciente os sons e a voz difusos, seguindo a sugestão do poeta:
... ennnnnnnnche os ooooolhos de teeeeerra... (silêncio alucinante)...
... ennnnnnnnche os ooooolhos de teeeeerra...
E eles a encher a encher os olhos e os sete sentidos o seu ser todo
com o gozo imenso de ninguém os vir proibir, de ninguém os vir
prender por aquele crime de roubar a terra que é sempre dos outros,
porque ali, além “... No Alentejo há muita e é de graça”.
Era
a
terra
a
cantar
captada
pelo
Torga
transmontano
o
médium/druida/, artista/poeta que como ninguém, ouve por dentro
as mensagens que a terra-madre tem para os seus paridos.
In/Tolerados, in/dóceis, in/domáveis, livres e soberbos, irredutíveis,
irreverentes os ciganos, o cigano Castanho e a cigana Mariana, assim
como, por vezes encontram nos intermináveis caminhos do mundo,
sempre diferentes tão iguais, uma terra mais afim, que lhes fala
melhor, que eles entendem melhor, encontram, por vezes ao redor
do
mundo,
um
povo,
uns
povos
irredutíveis
soberbos
livres
irreverentes, que os entendem melhor.
São gente que os tolera e respeita. Diferentes. Aceita, admira, ao
lado / de longe... e deixa-os ser como são. Defende-se, entrando no
jogo perigoso das suas artes de viver diferente… Enganados,
escorraçam-nos quando eles já partiram para serem acolhidos ali,
logo mais além... para logo entrarem outra vez no jogo...
São os povos da planície do Alentejo, ouvi contar por quem corre com
eles, e os povos, da Estremadura espanhola, que eles mais sentem
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seus diferentes/semelhantes, onde mais bem se sentem. Províncias
irmãs unidas num espaço que é contínuo, ligadas/cortadas pela fada
Odiana de falas cruzadas, prosódia CONsoante com nomes diferentes,
por nações diferentes, fronteiras cortadas pelas espadas dos senhores
das guerras. com armas diferentes do sentir das gentes...
Naquela noite, à luz da fogueira vermelha do acampamento, de olhos
brilhantes, brasas acesas apesar de cansados, ansiosos semicerrados
abertos de tanto quererem ver... eram já noites e noites depois de
terem atravessado o Tejo!...
 douuuuuuuu-lhes eeeeeeesta fartuuuuuuuuuura!...
 douuuuuuuu-lhes eeeeeeesta fartuuuuuuuuuura!...
antes que um só torrão na sepultura
os
ennnncha
e
satisfaaaaaaça!!!,
ouvia
ela,
a
Mariana,
das
profundezas da voz mágica da Terra, e o cigano Castanho explodiu:
 Ei! gente!!! Isto Aquém do Tejo é só montes e montados a perder
de vista...
Terra quente e bravia que nos esturrica com o calor do sol em brasa
e logo nos tolhe e encolhe com o frio de gelo quando o sol se vai...!
Eiiiii! gente! Tanta terra!!! Tanta cor!!! E há quem diga que isto é
uma monotonia!
 Não têm olhos para ver!  gritou-lhe o poeta das imagens, que
andou a apanhar com a sua caixa de luz as cores da terra e das
paisagens alentejanas...
 Isto é de morrer de pasmo e solidão  vomitavam, encolhendo os
ombros, os aceleras lá dos nortes e das cidades, que, em grande
velocidade, vão à procura de outras paragens, à procura das serras e
das areias do Além-Garbe..., que isto, para os senhores Godos, tudo
abaixo do Tejo é Além... e eles, os donos, é que dão os nomes...
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 Gente esquisita! esta, plantada como árvores paradas majestosas
à beira da estrada! E o modo como cantam?!!! Aqueles cantes!!!?
Pufff! Não há pachorra!
 Não têm ouvidos para ouvir,  gritou de longe a cigana Mariana,
tricana ladina, a de olhos meigos, luzeiros de fogo, que andava
encantada duns olhos castanhos do cigano moreno iguais ao seu
nome.
Cigana tricana de olhos de fogo
de corpo marmóreo esguio a dançar
bailava bailava ao redor da fogueira
as tranças desfeitas em cabelos longos
esvoaçando à roda do seu busto firme
suas ancas soltas girando girando
ateando chamas noutros olhos vivos
do cigano trigueiro que chamam Castanho
castanho como os olhos castanhos também!
Mas hoje não bailam. Mudos e quedos. Pararam ali para ouvir. O
quê? Cantar. Contar. A terra a falar. A água a correr. o ar a voar. O
fogo a crepitar. Répteis a deslizar. Grilos e ralos a gritar um grito
estonteante. Gente a murmurar. Grupos a cantar. Grupos de
namorados enlaçados ao luar...
Hoje é noite de abrir os olhos para ouvir. É dia de abrir as janelas do
corpo para admirar. É tempo de abrir todas as portas do ser todo
para o espanto, o deslumbramento!!!
Terra madrasta de miséria, chama-lhe os senhores que vão gastar o
que lhe sugam sem suar, para a cidade de outros prazeres... Terra
para desprezar e esquecer, mentem os tolos apressados, que rasgam
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estradas lisas e velozes pela planície além e não têm tempo de ver
que estão atravessando a terra com tesouros mais fabulosos que os
das mil noites... e uma, como diz o Borges, o poeta que via por ser
cego! ou das mil e uma noites de encantar, como dizem os poetas
que não sonham a dormir!?
Hoje é a hora de parar para ouvir esta Terra, este Povo cantar.
Contar-nos a vida com artes de encantar. Olha esta neblina de
madrugada! É a Terra a arfar. O campo a falar com sinais de fumo
que esvoaça. O seu corpo a abrir. O sol a penetrar. A Vida a gerar
Vida...
Vamos nós por esses montes e povoados roubar os tesouros que
ficaram desprezados, abandonados esquecidos..., tesouros que os
finaços nem vêem de tanto os olhar... e quando lhos mostramos, !!!,
encolhem os ombros.
 É um segredo sagrado, uma jura secreta...  ciciou o cigano à
cigana castanha presa nos seus lábios, as cores misturadas, corpos
enlaçados de nomes trocados.  Nestas Terras do Sado, Tejo e
Odiana, há imensos tesouros que são de pasmar! Não há só galinhas
e gado a roubar... Há tesouros ricos, finos preciosos, dignos de um
Califa para entesourar... Como aquele califa Harun-el-Raschid, aquele
que reinava no reino de Bagdade, aquele califa que os mandava
guardar e escrever em letras douradas, para não se perderem para a
Humanidade.
É isto que agora, e d’ora em diante, vamos, doravante, nós os dois
roubar... para os esbanjar, espalhar ao vento, devolver ao povo que
os soube criar...
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img006 – a dança da cigana mariana
Cigana tricana de olhos de fogo de corpo marmóreo esguio a dançar
bailava bailava ao redor da fogueira... (p. 21)
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E assim
em tempos de dor, em tempos de crise, quando tudo à roda é
escuridão negra de terror, e esse terror é de toda a terra o grande
senhor, qual negro dragão, em luta com quem, não há salvação...
quando a vida à roda é só solidão; quando tu estás só mesmo
misturado e envolvido no turbilhão da vida, turbilhão de feira...
quando não há mais resposta para as contradições da vida; quando a
cada resposta tentada, desesperada, te surge logo, sem tempo para
e refazeres, um novo e louco desafio...
quando te pedem só as soluções já feitas..., mesmo sem serem
solução...
quando já não precisam de ti porque já têm outros e lhes fica mais
barato... quando já não precisam, para nada, do teu contributo, antes
pelo contrário, e to vêm dizer delicadamente...
quando, já desesperado dás de borla e nem sequer dão conta que
ofereces um tesouro...
quando os outros, acomodados, já têm as soluções todas..., soluções
mais cómodas...
quando só precisam de ti para as soluções deles... e tu decidires
dizer: JÁ BASTA...
quando pela centésima vez, deres conta que te enganaste no
caminho e voltares atrás, mais uma vez, pela centésima primeira vez,
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ao princípio, para começar tudo de novo..., e exactamente pelo
caminho diferente dos que te dizem: “vem por aqui...”
quando a prepotência, a arrogância e a imbecilidade diplomada /
instalada / poderosa  porque no poder - for tão cínica, tão subtil e
capciosa, que já não te deixam uma saída digna...
ENTÃO
a gente perdida
sem mais solução
, senão a fantasia e a
imaginação...
para exorcizar os medos  todos os medos  para renovar energias,
para retomar o seu lugar no ciclo universal qual pulsar ou quartar no
mundo imenso das galáxias que gira em espiral...
para vencer tiranias, para descobrir caminhos que as ciências não
apontam... mas aponta a sabedoria...
então, quando isso acontecer, vai ao cofre da sabedoria ancestral, a
dos saberes profundos imemoriais...
monta o teu cavalo, toma da espada e...
qual cavaleiro andante, príncipe encantado, ou qual mísero viandante
desprezado vagabundo, põe-te a correr mundo... põe-te a cantar /
contar...
ou põe-te a escutar a cantar / contar
OS CONTOS OS CANTOS QUE SÃO DE ENCANTAR
e começam todos, mais ou menos assim:
ERA UMA VEZ...
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E, cada vez que acabar uma história, lembra-te, como nos recorda
Selma Lagerlöf, quando nos fala da morte da sua avó, recordando
aquele seu hábito de se sentar no sofá de canto, no seu quarto, a
contar-nos
histórias:
“...sempre
que
terminava
uma
história,
passava-me a mão pela cabeça e dizia:  Tudo isto é tão verdadeiro,
como eu estar aqui e tu aí, como vermo-nos uma à outra...”
Quando ela morreu, a avó, “calaram-se as histórias e canções que
embelezavam a nossa casa, encerradas naquele caixão negro, donde
nunca mais voltariam!... qualquer coisa de muito doce nos faltou na
vida. Foi como se nos houvessem expulsado de um mundo
maravilhoso, cujas portas, constantemente abertas para nós, se
tivessem fechado, de súbito, para sempre. E ninguém mais havia que
fosse capaz de as abrir!...”
Felizmente, como a própria Selma nos provou, isso não é verdade.
Quantas portas desse mundo maravilhoso ela nos abriu e continua a
abrir?
Nós, queremos, mesmo sem os seus dons excepcionais, provar que
ainda é possível abrir muitas portas por abrir...
Cada um de nós, através da fantasia e da imaginação, tem dentro de
si a chave do cofre que nos dá acesso ao mundo encantado e
maravilhoso
da
realidade
mais
verdadeira
que
a
realidade
aparentemente verdadeira que se abre às janelas dos nossos sentidos
comuns...
Com as suas Histórias Maravilhosas e A maravilhosa Viagem de
NILS HOLGERSON através da Suécia, ela, “a contista épica por
excelência”, como lhe chamaram os que lhe deram o Prémio Nobel da
Literatura, e pela primeira vez a uma mulher, dá-nos, ela própria a
27
prova de que não pode ser verdade que as portas do MUNDO DO
MARAVILHOSO “se tivessem fechado, de súbito, para sempre”...
Basta ouvir uma vez pela milésima vez, o neto pedir:  “‘Vó conta
aquela da princesa... Conta aquela...”
É
por
isso
que
voltamos
a
parar
para
que
voltamos
a
parar
para
CO/ANTAR
É
por
isso
ESCUTAR
OS CONTOS E OS CANTOS DE ENCANTAR
que começam todos, mais ou menos assim:
ERA UMA VEZ...
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1ª PARTE – A/s LENDAS/s DO
TOURO E DA COBRA
img007 – o touro e a cobra desenhados com letras - separador
29
30
ERA
UMA
V E Z ...
0.0 - B E J A E A/s
L E N D A/s
ou A VISÃO DO VELHO CIGANO CEGO
Castelo de Beja
Subindo lá vai
Castelo de Beja
Tu metes inveja
Às águias reais.
(Cancioneiro Popular do Alentejo)
A sua maior batalha
Touro nobre na peleja
De lutar pela liberdade
Esculpido na muralha
Fazer cair a muralha
Lembras ao povo de Beja
A sua maior batalha.
Que fechava esta cidade.
Beja tem uma lenda. Tem um brasão. Tem um castelo. Águias reais.
Um Touro...
Beja é uma legenda.
Rainha da planície. Centro do Baixo Alentejo. Tem no touro - rei da
planície - o símbolo da sua força. Tem nas águias - rainha das alturas
- o símbolo das suas ambições... Tem o castelo - morada de nobres
cavaleiros ao serviço do rei - o símbolo da sua nobreza.
Não tem cobras, nem serpentes, nem répteis que se revolvem no
ventre da terra!
31
Mas a lenda, as lendas, valem, às vezes, talvez, por todos estes
símbolos.
Pode ser até, que o que está oculto, ou só escondido, dê um
significado diferente a tudo o que parece que se vê!...
A sabedoria ancestral, captando as lições da vida ao longo de todo
um tempo que se perde na memória das gerações, em toda a sua
complexidade e contradições, captando do cosmos as leis e os sinais
dos impulsos que governam os astros e toda a vida que se
movimenta nos planetas e nas estrelas ao longo das imensas
infindáveis galáxias, incapaz de a organizar e comunicar através de
um tratado científica e tecnicamente correcto e absoluto, vai
transmitindo essa sabedoria através da complexidade da sua cultura
tradicional, basicamente oral, que permite uma recriação e uma
adaptação constante, infindável, emocionantemente actualizada em
constante reinvenção.
Eu, deixei há muito tempo de ter tempo para perder tempo.
Passei então a perder tempo à procura do tempo. Dos sinais que o
tempo nos deixou. Fico então imenso tempo a ouvir a voz do vento
que atravessa o tempo e nos vai falando através das gerações
redescobrindo sempre o encanto novo dos contos antigos que nunca
ficam velhos porque é sempre nova a arte de os contar.
E para lá do vento o brilho das estrelas. O Fogo. Nelas lemos as letras
das histórias que nunca deixam de encantar, fecundando a terra com
a fertilidade da água que alimenta o nosso corpo e a nossa
imaginação, o nosso sentido de viver. É esta sabedoria que as
comunidades vão transmitindo ao ritmo da vida.
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Como o contador de “O principezinho”, desde menino que as pessoas
crescidas fizeram tudo para matar em mim o artista que podia/devia
ser... Passaram a ensinar-me a gramática, a geografia, a história, a
matemática e a avaliar-me pelas cotações fabricadas por pessoas
engravatadas que se armaram em donas do tempo e da história...
Então, quando tenho saudades dos tempos em que podia ser tudo, e
me canso de falar de futebol de política e de gravatas como as
pessoas crescidas, volto então a refugiar-me no desenho da jibóia
que engoliu um elefante e “Depois as jibóias ficam sem se poder
mexer e dormem durante os seis meses em que fazem a digestão...”
É um teste. É o meu teste.
Então, as pessoas crescidas, olham lá do alto do seu ar importante e
dizem: - “Então porque é que um chapéu havia de meter medo?” E
encolhem os ombros ou nem sequer se dignam parar para ver...
E eu, como não tenho o poder de as repreender ou reprovar, fico
reprovado, apavorado, e desisto...
Mas o certo é que, nesta terra quente de sol e de noites geladas, de
searas douradas e de pão negro, há muitos muitos anos, que é o
presente dos anos que hão-de vir, houve uma luta de vida e de morte
que ainda há, entre uma serpente e um touro que ficou gravado nas
muralhas da cidade e que em noites de lua cheia se liberta para a
vigiar da serpente sempre sempre pronta para a voltar a atacar ou
para a despertar da letargia em que vive mergulhada? não se sabe ao
certo. Há mesmo quem diga que não é uma luta de inimigos, mas o
cíclico encontro de vida e de morte que é o Amor, e este encontro,
luta de vida e morte entre a serpente e o touro é de facto de morte
porque é condição para a vida ser vivida e constantemente renovada.
Como o Amor.
33
É esta pois a história que vamos contar, para que todos a possam
cantar e cantando se possam encantar e encantados a possam
representar apresentando a ficção que é, afinal, a realidade..., para
que enfim a possam reCRIAR.
E naquela noite os nossos ciganos encontravam-se sentados à roda
da fogueira.
Nesta terra quente, de noites frias como o gelo, o fogo reúne as
pessoas para escutarem os anciãos, que pouco têm a ver com as
pessoas crescidas e pretensiosas que se arvoraram em donos da
cidade com o poder do dinheiro dos cargos e com o poder de ajuizar
os outros e distribuir benesses ou castigos.
Não era esse o cenário.
Enrolados na mesma manta, os rostos e os corpos quase se
confundiam à luz cintilante e incerta do fogo. Os olhos brilhavam na
noite. Os olhos da cigana Mariana reflectiam os olhos acesos do
cigano Castanho.
O velho cigano, já de pele enrugada e de corpo encurvado,
embrulhado na sua manta, reflectia nos olhos que correram muito
mundo, o brilho das estrelas.
A maneira como estava sentado, de fronte do par apaixonado,
permitia que o cigano Castanho e a cigana Mariana vissem, misturado
com o brilho das estrelas, o perfil das muralhas da cidade reflectida
nos seus olhos que não viam...
O velho cigano, então abriu a boca e contou...
Há muitos muitos anos, que eu já não me lembro, era talvez ainda
mais novo do que vós, quando passei aqui pela primeira vez, ouvi
contar uma lenda desta cidade que era uma muralha de pedra
erguida no meio da planície, e não entendi.
Ainda não a entendo.
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img008 – a dança do fogo e das estrelas… dos astros… dos signos…
... e os olhos do velho viram-na bailar... p. 37
35
36
Era a lenda do touro e da serpente...
e os olhos do velho viram-na bailar
em redor da fogueira a viram dançar
seu corpo ondulante em voltas girar
ao redor do fogo a serpentear
rodando encantada em círculo-espiral
em dança magia à luz do luar
de mulher serpente a enfeitiçar
os olhos ciganos incréus a olhar
a serpente humana em ondas rodar
seduzir atrair aterrorizar
estacando em pose d 'hipnotizar
que prepara o bote felino mortal
de abraçar o corpo louco a delirar
do cigano vencido por golpe letal
da mulher serpente cigana fatal
que o envolveu por fim no abraço final...
mortal?
vital?
E o cigano vencido, ergueu-se a lutar
com a cigana serpente que o estava a abraçar
em abraço de morte de asfixiar
abraço de vida de ressuscitar...
E ela apertou-o, seus anéis possantes
sua boca aberta pronta a devorar...
Ele atravessou-a, chifres penetrantes
com o peso do corpo, boca a espumar...
E olhos do velho cansados de olhar
37
em redor do mundo, tanto admirar
mudo com o espanto de ver, sem captar,
guerras, mortes, lutas a vida gerar...
olhando as estrelas, olhando o luar
de boca fechada, como a murmurar
incapaz de entender o saber ancestral
que lia nas letras do livro universo
escrito em estrelas em forma de versos
sem saber o quê, como interpretar...
O touro e a cobra?
A serpente e o touro?
O Bem e o Mal?
A Vida e a Morte
Guerra à opressão?
Grito: Liberdade?
Encontro fecundo de macho e de fêmea?
A revolta subtil da mulher escrava?
Encontro vital da vida e da morte?
A precariedade da vida feliz?
A busca sonhada da felicidade
sempre ameaçada?
... ...
Ou será que tudo isto
tem muito a ver afinal
com aquele mito proibido
que vedado, é consentido
no rito da morte risco
que é a tourada ancestral
que
põe frente a frente homem e touro
em combate desigual
38
de macho pra macho impante
donde a mulher está ausente
mas sempre sempre presente
como a história da serpente
ou da cobra da história
que vence o touro na luta
mas ao vencer é vencida...?
e quem vence nestas lides
de touradas e corridas
com capotes e com farpas
e nas faenas com capas
e com espadas mortais
com toureiros e capinhas
campinos e apoderados
com pegadores e forcados
cavalos e cavaleiros
todos artistas de um circo
que uns atrai, outros repele
e excita multidões...
é afinal um escape
um sonho de vida e morte
que o mortal sempre persegue
desde as mais remotas eras
tempos imemoriais
em busca da felicidade
que é imortalidade?
Tantas perguntas, ó Céus
que um simples conto contém
para ver de olhos fechados
quando essa lenda provém
de um saber imemorial
39
que é transmitido oralmente
pelos velhos anciãos
que muito sabem contando
mas têm dificuldade
de explicar com noções claras
ou pouco claras talvez
que são caras à cultura
que por artes ou por manhas
se convencionou chamar
da cultura - a erudita
e que afinal só encobre
outras artes, outras manhas...!!!
... o velho cigano, deixou de pensar
e mudo falando, com fogo no olhar
o velho ancião começa a contar...
a história esquecida
de todos sabida...
Leitura de letras
escritas nos astros
que podem ser lidas
olhando as estrelas
no céu do Alentejo
amplo e descoberto
por olhos abertos
de poetas sábios
mesmo analfabetos...
que apontam com o dedo
de olhos fechados
a Ursa maior
a Ursa menor
40
a Cassiopeia
o Touro, a Serpente
Signos do Zodíaco
sempre em movimento
em luta constante
donde nasce a vida
em mil repartida
pelo cosmos sem fim
onde este planeta
-pra nós o maior!
girando no espaço
em torno do sol
em torno da lua
em torno de si
à velocidade
de trinta quilómetros
num fugaz segundo
é ínfimo mundo
perdido em Galáxias
do imenso Universo.
Eis então, crianças
senhoras, senhores,
meninos, meninas,
a história esquecida
de todos sabida,
do touro e da cobra,
como ele a contou,
de noite ao luar,
o cigano velho
de estrelas no olhar.
41
42
1 A/S LENDA/S DO TOURO E DA COBRA
img010 – o touro e cobra (em letras de imprensa)
43
1.00 - O TOURO E A COBRA -v. - 00
Noutros tempos, há muitos muitos anos que hão-de acontecer de
novo no futuro, havia um reino muito grande e muito belo onde os
habitantes eram todos muito belos e amigos. Viviam, quase podemos
dizer com certeza, muito felizes... Trabalhavam as suas terras. Estas
eram distribuídas em campos imensos que não precisavam de muros
e divisões pois todos respeitavam o que era dos outros para ser mais
de todos. Ajudavam-se uns aos outros, faziam festas, conviviam uns
com os outros... cantavam, dançavam e amavam... Faziam jogos que
muito os divertiam e até os trabalhos mais duros e necessários eram
feitos como se fossem jogos e festas, pois todos se ajudavam a
amanhar as terras, a semear, a regar e mondar, a ceifar e arrecadar
as colheitas, a pascer o gado e a transformar tudo em alimentos e
vestidos coloridos e outros objectos para viver, cantar, tocar e folgar
nas festas da vida... e acudir nas doenças e celebrar as cerimónias
dos que deixavam esta vida... Trocavam as coisas que sobravam uns
com os outros e nomeavam, à vez, os seus reis e rainhas, os seus
príncipes e princesas, isto é, aqueles que os haviam de servir
governando durante certo tempo, o que acontecia com certa
regularidade para não se cansarem nem perderem o encanto... Como
durante esse tempo de serviço, esses não tinham tempo para se
governar, pois governavam os outros, todos os sustentavam e
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garantiam que nada lhes faltasse, para que não faltasse nada a cada
um de todos os outros... "e assim eram felizes para sempre...” como
costumam acabar todas as histórias.
Era assim, há muitos muitos anos, que se perderam na memória dos
tempos, mas ainda não no coração dos que sonham felicidade,
liberdade e a alegria.
Chegou entretanto um dia em que a alegria e a paz desses habitantes
desse reino começou a ser ameaçada. Ouviu-se dizer, que um grande
monstro rondava as fronteiras do reino. Nos campos, durante a noite,
as sementeiras começavam a aparecer destruídas. As pessoas,
quando, de manhã, chegavam para continuar o trabalho do dia
anterior, ficavam mudas de espanto pois encontravam grandes
estragos e podiam ver enormes sulcos muito estranhos que nenhum
ser vivo, dos que eles conheciam, pessoas ou animais, poderia ter
feito...
O que seria? O que não seria? Quem poderia ter sido?
Começou então a ouvir-se dizer que tudo era devido a uma enorme
serpente que ainda ninguém tinha visto ao vivo, mas todos
suspeitavam já a ter entrevisto a esquivar-se e a esconder-se em
sítios esconsos esquisitos e havia mesmo quem afirmasse que o seu
esconderijo seguro era o poço do monte da cobra...
Esse monte ficava lá para noroeste da cidade principal do reino, num
sítio ermo por onde ninguém se atrevia a passar de noite e, os que se
teriam atrevido a passar, mesmo de dia, nunca ninguém mais alguma
vez soube o que lhes terá acontecido... foram certamente devorados
pelo monstro desconhecido ou levados pela gigantesca cobra para o
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seu refúgio preferido, e nunca mais ninguém ouvira falar deles,
começando mesmo a duvidar-se se alguma vez teriam existido.
Logo a seguir, começou também a constar, a ouvir-se dizer, a dizerse, que o monstro não era somente mau e por isso destruía tudo o
que podia, mas era igualmente um terrível bicho inteligente, pérfido e
ambicioso que tentava descobrir o modo de entrar na cidade principal
do reino, tomar conta da praça principal, e instalar-se no castelo,
donde governaria todo o reino e seria então indiscutivelmente servido
pelo medo, pelo terror e pelo servilismo de todos os seus habitantes.
Entretanto, apareciam cada vez mais sinais de que o monstro
devorava cada vez mais habitantes que se atreviam a andar sós pelos
caminhos e pelos campos.
Para o aplacar da sua fúria devastadora começava-se a exigir que
cada rua, bairro, freguesia ou monte, lhe sacrificasse a donzela mais
bonita e virgem que normalmente era escolhida pelas suas amigas e
vizinhos como a princesa das festas da Primavera em Maio. Eram “as
Maias” coroadas de flores que passariam a ser sacrificadas ao
monstro para que não continuasse a destruir as suas culturas e
deixasse de matar os seus habitantes ou os fizesse desaparecer para
lugares misteriosos donde nunca mais se sabia notícia.
Passaram-se assim, anos e anos de angústia indescritível, de terror
horrível, de mudos medos, de revoltas caladas, de actos de heroísmo
desesperados. Nada parecia acalmar a sanha opressora da serpente
cobra monstro que tudo devorava.
E um dia, sem se saber muito bem como, os habitantes cada vez
mais isolados e fechados nas suas casas para melhor se defenderem
 pensavam eles  começou a correr de porta em porta a notícia
fatal. A serpente do mal e da guerra, da destruição e da opressão, já
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estava no meio da cidade. Tomava conta da praça principal. Tinha
feito fugir todos os governantes e defensores que não sabiam o que
fazer e, para tomar conta da cidade e do reino e tudo dominar, a
serpente  cobra-sinuosa  monstro lançava gritos horripilantes no
meio da praça, no alto da cidade e dava saltos e urros sibilantes,
torcia-se e retorcia-se nos seus anéis coloridos e viscosos, dava
voltas e reviravoltas descrevendo círculos e oitosssssss e essssssses
endiabrados, numa dança louca, infernal, impossível de contar e
descrever... Só vendo.
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img011 – a serpente domina a praça da cidade…
A serpente do mal e da guerra, da destruição e da opressão, já estava no meio da
cidade. Tomava conta da praça principal... (p. 46)
49
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Os habitantes da cidade, das aldeias, dos lugares, dos montes, dos
bairros e das ruas, estavam aterrados, petrificados de medo e de
espanto. Tal como os governantes, amedrontados e espavoridos, não
sabiam o que fazer. Contavam uns aos outros, para se animarem em
família, histórias de tempos idos muito antigos de que já ninguém se
lembrava muito bem e falavam contudo de esperança e felicidade,
mas não encontravam solução. Desejariam perguntar, ao menos, aos
outros, doutras ruas, doutros lados, se valeria a pena fazerem
alguma coisa, e se valesse, o quê, e como o haviam de fazer. Mas a
comunicação era impossível. Os mensageiros que tentaram mandar
de uns para os outros lados, começaram também a ser apanhados
pelo monstro que, de vez em quando, suspeitando, saía da praça, e
apanhava os desprevenidos que, para encurtar caminho, se atreviam
a passar pelas imediações...
Foi então que no desespero, inventaram a única maneira que tinham
de comunicar com os de longe, para lhe darem sinal, para se
levantarem, se prepararem, se decidirem enfim, todos em conjunto,
atacar e destruir o monstro, que durante tanto tempo, tanto mal
causara, e agora os aterrorizava e os queria dominar para sempre...
Começaram a cantar as canções que conheciam e o seu estro
produzia sobre os momentos dramáticos que viviam. Logo as
cantavam em coro. Esse coro vinha juntar-se ao grito do alto que
lançava o repto. Ao coro inicial ia-se juntando sempre mais e mais
gente... E o canto de cada rua, cada bairro, cada lugar e cada aldeia,
cantada a plenos pulmões, eram gritos saídos do ventre da terra que
atroavam os ares e cobriam os gritos da serpente monstro. Assim o
som dos cantes começou a ouvir-se por todos os cantos da cidade e
foi o sinal para todos começarem a avançar a fim de se ouvirem
melhor uns aos outros e poderem encontrar, finalmente, um lugar
onde se pudessem juntar. Irresistivelmente, levados pela magia do
51
canto, todos estavam a caminhar para a praça principal que era
ocupada pelo monstro.
Cada grupo que caminhava do seu lado ia arrastando consigo todos
os que encontrava pelo caminho. Começavam enfim a encontrar-se
grupos de ruas e bairros diferentes... Para se saudarem, no
reencontro da alegria, as crianças começaram a trocar as flores com
que se tinham enfeitado para a festa ou para a morte. Os outros
todos, mesmo os que depois de tantas desilusões estavam dispostos
a permanecer indiferentes e alheios, contagiados, e, ou por medo ou
para se mostrarem fortes, ou para vencerem o medo do medo de
enfrentarem a serpente, juntavam-se ao que começava a ser um
povo e cada um levava consigo aquilo que tinha mais à mão. Armas
não. Como era um povo que nunca soubera o que era a guerra, não
tinham armas. Armavam-se com o que tinham. Como era Primavera,
e à semelhança das crianças, a maioria levava flores. Outros levavam
os instrumentos com que trabalhavam em casa e nos campos...
Outros levavam só os símbolos que representavam a sua vontade de
paz, de alegria, de felicidade... eram desenhos e pinturas e sinais e a
sua poesia e as suas canções e os seus gestos e os seus vestidos de
cores de festa... Muitos levavam tralhas velhas de que já não
precisavam em casa, para irem armados com qualquer coisa que
serviria, quem sabe?, de arma de arremesso para atirar para cima do
monstro, para o entulharem e enterrarem se fosse possível, para o
queimarem,
para
o
consumirem
e
fazerem
desaparecer...
O
importante é que todos se juntavam, inventando cada um o que lhe
era possível e, o mais importante, é que todos se iam decidindo a
enfrentar unidos a terrível serpente que ameaçava a cidade, todo o
reino e todos os habitantes.
Assim, quando os cantes já tinham circulado por todo o reino e
entrado em todas as ruas e casas onde os habitantes se escondiam
cheios de medo e de terror, os grupos da frente que já tinham mais
52
gente a cantar com eles, começaram a chegar às entradas das ruas
que desembocavam na praça... ao verem a serpente, os primeiros
estacaram tomados pelo espanto. Depois, quebrado o primeiro
choque, queriam fugir, mas os detrás, que queriam ver, não os
deixaram escapar... e, ao mesmo tempo que tinham medo, eram
seduzidos, fascinados pelo monstro que, ao vê-los, se encheu de
nova fúria e tentava atacar todos ao mesmo tempo... Passados os
primeiros momentos de confusão e medo, de cada canto da praça
recomeçaram os cantos e os grupos começaram a avançar e a cantar
cada vez mais forte para se libertarem do medo e do fascínio que a
serpente exercia sobre eles com o seu poder mágico... Pouco a pouco
o canto era já só cante e cada vez mais forte.
Foi então que a serpente-monstro-cobra-réptil, teve um ataque de
raiva, de fúria imparável. Viu que estava perdida. Deu ainda, na
praça, saltos desesperados, mais voltas e reviravoltas e urros
terríveis, mas, perante o cante que gritava sem medo, procurava um
lugar para fugir.
Não era fugir que ela tentava.
Procurava sim escapar-se para o castelo da cidade, onde melhor
poderia defender-se e donde melhor poderia dominar todo o reino e
toda a população!
Fugiu então por uma pequena rua que encontrou livre ludibriando a
multidão e serpenteando por entre a arcaria do açougue.
No primeiro momento, todos ficaram surpreendidos.
Tinham-se esquecido, e ao mesmo tempo consentido que aquela
pequena rua ficasse livre e desimpedida.
Era no entanto um sinal claro de medo do monstro medonho e, logo a
seguir a este sinal, que era o gesto desesperado de tentar tudo por
53
tudo, os habitantes do reino que agora se sentiam cheios de coragem
por se verem todos juntos, animados e encorajados pelos cantos que
cada grupo de cada rua, ou de cada bairro ou de cada aldeia, ou
monte, ou de cada zona, atirava para o ar como gritante cante da
terra, movidos por uma força envolvente que emanava deste cante,
todos caminharam atrás da terrível serpente que tudo e todos
ameaçava.
Temiam-na ainda, mas sentiam que estava próxima a possibilidade
de a vencerem definitivamente...
Foram percebendo que afinal a bicha não fugia mas que se dirigia a
toda a pressa para o castelo. Que faria tudo para nele se instalar,
impedindo-os de entrar, governando então de lá, a seu bel-prazer...
Mas o povo todo junto, nesta altura era uma autêntica multidão... os
cantos-cantes redobravam de energia e de expressão... não havia
hipótese de os da frente terem medo e se deixarem atemorizar,
recuarem ou tentarem fugir... os que vinham detrás empurraram-nos
decididamente para dentro das muralhas do castelo e, os primeiros à
força por temerem o que lhes poderia acontecer, e os outros a seguir,
em catadupas, entraram.
54
img012 – a luta / dança dos touros e cobras no castelo da cidade
Aconteceu neste momento o imprevisto que todos afinal sabiam que podia
acontecer e desejavam ansiosamente. p. 58
55
56
A serpente procurava, ora refúgio, ora os mais diversos modos de os
intimidar como fizera na praça. A multidão entretanto espalhava-se
pelo terreiro e pelas amuradas do castelo... Ninguém queria arredar
pé. Ninguém se atrevia a enfrentar o monstro... Aspirava-se no ar a
ameaça de uma tremenda luta de vida e de morte dentro das
muralhas do castelo... A serpente soltava silvos arrepiantes e evoluía
em círculos desesperados, em espirais ameaçadoras, desafiando a
multidão que ora se aproximava, ora se afastava na defensiva,
tentando enfrentar a cobra, mas sem êxito.
Foi então que, de súbito, apareceu o TOURO.
Cheio de energia e força, surpreso e generoso, correu a praça
desembolado a farejar os possíveis adversários... Ele que tinha sido,
durante todo o tempo o companheiro e o apoio de todos os
habitantes, nos trabalhos do campo, desde o amanho das terras, às
sementeiras, às colheitas, à recolha e transformação de todos os
produtos, parecia assim, de súbito, fera disposta a defender-se,
atacando qualquer fera ou inimigo que se lhe apresentasse pela
frente.
Após a primeira corrida louca de reconhecimento, vitoriado pela
multidão que entretanto se escudou atrás das barreiras, e ameaçado
pela serpente que o enfrentava medindo-o à distância, o Touro parou.
Escavou a terra com fúria desmedida e espumou. Olhou em todas as
direcções como que a medir o tamanho e a força da serpente que se
empinava na sua frente desafiando-o, temendo-o também. Ambos se
olharam com fúria. Parecia iminente a luta. Uma luta de vida e de
morte...
Caiu um silêncio profundo no terreiro do castelo.
Ambos se miravam como hipnotizados.
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O Touro, como que fugindo ao magnetismo que o paralisava, escavou
mais uma vez a terra.
A serpente procurava prender o olhar do toiro e aproximar-se o
suficiente de cabeça erguida para desfechar o bote decisivo que lhe
permitisse envolvê-lo depois, presa derrubada, nos seus anéis
possantes...
Aconteceu neste momento o imprevisto que todos afinal sabiam que
podia acontecer e desejavam ansiosamente. Só não se sabia se
poderia acontecer e quando aconteceria. A multidão movimenta-se.
Do meio da multidão começam a aparecer primeiro um touro, depois
outros, depois muitos touros. Dava a impressão que cada família,
cada grupo, tinha levado, escondido o seu touro secreto, o seu touro
protector, o seu touro indispensável. Mas não era cada um. Cada
grupo de dois ou mais, fazia aparecer um touro, que desde sempre
trazia escondido, repartido em pedaços como que recortado em
puzzle e dentro de cada um uma parte, que ali, de súbito, começava
a aparecer em peças que procuravam e encontravam o seu
complemento, a encaixar-se, a tomar forma... Eram dezenas e
dezenas de touros que apareciam e saltavam da multidão, em menos
tempo do que levamos a contar e se espalharam por todo o terreiro
da arena muralhada do castelo. Eram já centenas. Tornaram-se
milhares... Então, o Touro bravo, o grande Touro, investiu e todos
com ele...
Logo à primeira investida, todos puderam constatar o que também já
sabiam desde há muito, muito tempo, desde sempre. A cobraserpente-bicho horrendo era afinal um grande monstro de papel
ornamentado e enfeitado, disfarçado de fitas e papéis e outros
enfeites coloridos que se fora tornando grande e asqueroso monstro
poderoso e dominador, à medida que crescia e se agigantava com a
força que todos os iludidos que foram engolidos e enganados lhe iam
58
dando... Assim, rompeu-se o monstro logo ao primeiro assalto, e
perante o assédio feroz e a seguir de festa de todos os touros,
começaram a saltar da serpente-cobra-monstro-de-papel todos os
que magicamente a formavam e não passavam, na sua grande
maioria, de crianças e jovens frágeis tímidos e imberbes que assim
juntos e disfarçados foram, tanto tempo, a causa de tantos
infortúnios e tanta miséria, impedindo um povo de caminhar e
construir o seu futuro fortemente enraizado no seu passado ancestral
de partilha com a natureza que os envolvia e gerara...
À medida que todos os enganados e desaparecidos se iam libertando
do monstro fantoche, a cobra-serpente-monstro-de-papel, os restos
que os vestiam foram-se acumulando ao centro do terreiro. Os que
saltavam do monstro, alguns esboçavam ainda gestos de luta, sinais
de agressão, mas logo se transformavam em dança de festa e
encontravam o seu grupo, o seu par, a sua família, o seu povo... A
multidão em júbilo cantou e dançou e foi acumulando, no centro da
praça, todos os disfarces, todas as armas, todos os restos inúteis e
velhos que por ignorância ou por medo, timidez ou ilusão, tinha
acumulado e levado e era o símbolo da dominação e do medo em que
tinham vivido durante tanto tempo...
Finalmente lançaram o fogo à pira e foi uma grande festa.
E todos cantaram e dançaram a alegria incontida.
E inventaram o hino da alegria e da paz que já desde sempre ecoava
no Universo e há milhares de anos se ouvia mas ninguém o
cantava...
Vem, canta, dança a alegria
Canta bem alto o hino à paz...
Canta a poesia deste povo
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que trabalha o pão...
Vem canta, dança a alegria
conta os teus contos de encantar...
Vem cantar o cante
deste povo que partilha o pão.
Voa como as águias a rainha das alturas – céu...
Percorre a campina onde vive e cresce a vida – o pão...
Voa sobre os montes a planície do Aquém-Tejo – Além
Vê de lá o Mundo a gente que trabalha a Terra – o pão
Luta como o touro em fúria louca contra a tirania
Luta co'a serpente o signo força do que avilta a vida
Vem cantar o cante deste povo que trabalha o pão
Vem cantar o coro deste povo que partilha o pão.
Quando a festa acabou ali naquele lugar, todos partiram e foram
levar a festa espalhando-a pelas ruas, praças e bairros da cidade;
pelas aldeias, lugares e montes de todo o reino. Espalharam as
cinzas, as flores, as pombas e os gestos que eram sinais e símbolos
da paz e da alegria.
Terminou assim a história do Touro e da Cobra.
Ou antes, assim começou uma era nova de trabalho, de alegria e de
paz para todos os habitantes daquele reino...
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Continua a contar-se, entretanto, ainda agora em longos serões de
Inverno junto à lareira ou em amenas noites de lua cheia carregadas
de mistério, em grupos alegres que se juntam pelos campos, que, na
euforia final, ninguém se lembrou de vasculhar as cinzas quentes da
grande fogueira naquele dia de festa memorável, para verificar se o
fogo tinha, de facto, destruído tudo. Todos tinham visto que os restos
da serpente tinham ficado reduzidos a cinzas e até as tinham
espalhado ao vento. O fogo tinha destruído tudo. Tudo o que se via.
Consta agora, que uma pequena parte da cobra, um pequeno corpo
muito reduzido, teria escapado com vida e com toda a malícia do
monstro. Pequeno e insignificante, ninguém se apercebera disso e,
por sua vez, o bicho-monstro, agora cheio de medo e de terror, teria
fugido discretamente como réptil refinado no mal e fora encontrar
refúgio nas profundezas do poço do monte da cobra que fica lá para
noroeste da cidade principal do reino, donde, como toda a gente do
campo sabe e cantam os poetas e artistas, sopram os ventos de
tempestade que destroem as searas e os rebentos das árvores... e
empurram os habitantes desnorteados para o refúgio dos seus
abrigos nos montes...
Conta-se ainda... Conta quem vive ou passa por aqueles lados... que
em certas noites de luar, se ouvem um rastejar e uns silvos
esquisitos e logo a seguir um restolhar de sons surdos e furiosos que
muito bem podem ser sinais de uma luta feroz e encarniçada de um
Touro e uma Cobra monstruosa... e tudo isto lá para as redondezas
do poço do monte da cobra...
Alguns que vagueiam tarde pela cidade adormecida, dizem que já
ouviram estes sinais pelas imediações da praça ou do castelo da
cidade... A praça, pode ser a praça principal, mas há quem diga que
é, sim, a praça de touros que durante muito tempo ali fica assim
como um espectro inútil onde não acontece a magia de uma cobra
esguia encarnada num toureiro destemido armado de farpas capas e
61
espada enfrentar o touro, em luta de morte... Há pois quem diga que,
mesmo
sem
espectadores,
ou
talvez
só
para
alguns
poucos
privilegiados que sonham os sonhos só vividos nos contos e lendas de
encantar..., essa luta acontece nas noites de lua cheia.
Conta-se. Canta-se. Ouve-se contar em encontros fortuitos em que
os habitantes se encontram para cantar e também para contar outros
contos de encantar...
Conta-se. Nunca ninguém viu nada de concreto, talvez encantados,
enganados pelo luar ou pelo sortilégio da hora ou da solidão do
lugar...
É talvez bom sinal.
É sinal de que talvez o Touro continue a velar pela paz do reino.
É talvez sinal de que o touro bravo repartido em pedaços por cada
um dos habitantes, continua a luta interminável com a Cobra.
Beja, em 22 de Maio de 1986 ou 1689 ou 9681
e em 11 de Maio de 1988 que pode ser 2001 e Setembro de 2008.
Conto reinventado,
todo dito e contado
como lenda encantada...
já completo encontrado
escrito com letras
no livro brilhante,
do céu cintilante,
pelo velho cigano
à luz das estrelas.
62
63
64
0.1.0 - AS LENDAS DO TOURO e
da COBRA E OS CONTADORES DE
HISTÓRIAS
65
66
0.1.0 - Quem conta um conto, acrescenta-lhe um ponto...”
Inda mal o velho cigano acabara de contar a história, em palavras
mudas que ele ouvira contar imaginadas, nos tempos antigos em que
passara por Beja agarrado às saias da mãe cigana que mendigava
cirandava e rapinava alguma coisinha para sobreviverem enquanto o
pai cigano e os outros, ciganavam pela cidade e imediações e pelas
feiras e mercados...
inda ele, o velho cigano, cego, via, no brilho das estrelas, a luta
perpétua incessante sedutora do touro e da cobra que giravam em
movimentos ovais de espiral...
e já os ecos do atentado soavam pela cidade e punham em alvoroço
os velhos e conceituados contadores de histórias a quem desde há
muito ninguém ligava a mínima importância, por velhos e desligados
da cultura do progresso moderno como se dizia...
- Aqui d’El Rei que nos roubam a magia das nossas
lendas...
Alguém estranho, cigano larápio, se atreveu a desvendar
a caverna dos nossos tesouros escondidos e tenta
penetrar nos segredos que nem nós sabemos desvendar
e
apropriar-se
dos
valores
que
nem
nós
sabemos
devidamente apreciar e vamos transmitindo em palavras
veladas
sibilinamente
67
cantadas
de
acordo
com
as
circunstâncias e os circunstantes às gerações que nos
ouvem sem nos ouvir e entender...
e logo convocaram um encontro dos mais velhos e sabidos, ali em
lugar discreto e desafogado à sombra das árvores frondosas das
portas de Avis, de olhos abertos para a planície imensa que se
estendia a perder de vista... pelos campos onde teria acontecido a
luta, as lutas, ... do touro e da cobra... os episódios da fonte mouro...
as imorredouras batalhas da morte do Lidador... os movimentos da
revolução de 1383... os campos da família Alcoforado...
Eram a ti Ana Maria do Pelame, o ti Jorge da Cruz da Boavista, o
Jorge das Cantigas, maltês de toda a parte, a ta Isabel Mateus que
viera cos ratinhos e por cá ficara, o Carlos Miúdo do Joaquim
Cardador dos lados de Mombeja que apesar de velho era sempre
Miúdo, a Fátima da Almocreva vinda de Alvalade e que vivia lá para a
Mouraria, o Ti Luís Filipe mais conhecido por Bull o Touro e ainda o
Jorge Corujo amante de corridas e touradas rijas...
Eram assim as histórias que contavam...co/cantavam...
68
1.01 - O TOURO E A COBRA – V/01
O Touro vence a cobra
e liberta a cidade.
 Não, não é assim que a história se contou...  Dizia a tia Ana
Maria e ela morava lá para os lados do bairro do Pelame.
 A mim, contaram-me a história assim:
 Há muitos muitos anos, quando Beja nem era ainda uma cidade, e
era uma terra pequena, mais pequena do que é agora, muito mais
pequena, era rodeada de campos de cultivo a toda a volta e, até
muito muito longe, até se perder a vista, havia uma mata muito
grande como se fosse uma floresta onde havia muitos animais
selvagens.
As pessoas viviam do amanho dos campos e iam à floresta para
arranjarem lenha para acenderem as lareiras e cozinharem a comida
e também para caçarem.
A certa altura tiveram de deixar de o fazer.
Os que se atreviam a entrar na floresta nunca mais voltavam e um
que conseguiu escapar falava muito aflito de uma cobra, um bicho
muito grande e muito feio, que ele vira engolir o seu companheiro.
69
... Saiu assim do mêo das árvores uma coisa a modos que um ramo
muito grosso que mais aparecia um tronco do qu’ium bicho, sem
nada se poder fazeri, aquele braço apanhô o Maneli que lá ficou
apertadinho sem se poder mexeri coitadinho e foi engolido em menos
de um piscar d'olhos. Ê cá na pude fazeri mais nada sanão alargari a
fugiri e escapuli-me o mais depressa que pude...
Nunca mais houve descanso naquela terra. Nem ao campo se podia ir
trabalhar sossegado.
 No tínhemos já avonde co trabalho e mais essas cavandelas todas,
e agora mais esta nos havera de aconteceri.
As pessoas da terra juntaram-se então para ver o que haviam de
fazer.
Lembraram-se de mandar um touro para os lados onde o Manel tinha
sido
morto
e,
passados
uns
tempos,
viram-no
voltar
muito
maltratado e com sinais de que esmagara a bicha.
Foi uma festa tão grande que o povo passou a pendurar nas paredes
as cabeças dos touros que tinha de matar e quando construíram a
muralha, fizeram uma grande cabeça de touro lavrada numa pedra e
lá a puseram à vista de todos, voltada para fora para meter medo às
cobras que se quisessem atrever a entrar na cidade.
E assim as pessoas puderam viver descansadas.
Vitória, vitória,
acabou-se a história.
E AGORA A TODA A HORA
O TOURO, LÁ NA MURALHA,
GUARDA A CIDADE DA COBRA.
PODEM DORMIR SOSSEGADOS!
70
1.02 - O TOURO E A COBRA – V/02
O touro é engolido pela cobra
mas a população mata-a enquanto o digere
e a cidade é libertada.
 Num ei nada assim camo êla contoi mê sinhori. A stória ei mas ó
menos a mesma mas num há ninhum grovito qui ei um boi de corna
alta quantu mais um gachélo que fique d'impéi numa garreia cuma
bicha desse esbarrunto... Tal é lá isso hen!
Mas isso sân'istórias! que uma bichana dessas num há aqui, nim
nunca overa de haveri, na senhori, mesmo noutros tempos. Ê num
m'interi mas com'ê ovi dzeri é qu'a bicha ficou com'um grifo e o boi
ficou lá todo incorrusquinhado na barriga da cobra qu'era um
esbarrunto da grossura dum êcalitro já bem medrado...
 A história é mais ou menos assim...  Contou o Ti Jorge da Cruz
da Boavista.
Em tempos passados, houve uma vez uma perigosíssima serpente,
que aterrorizava os habitantes da região de Beja pois destruía muitas
culturas e sementeiras, chegando mesmo a matar algumas pessoas
que apanhava no descampado dos montes.
71
Certo dia, a população teve de tomar medidas e chegou à conclusão
que só poderia matar uma serpente daquele tamanho pondo-a a lutar
com um animal também de grande envergadura.
Foi então que se lembraram dos touros que utilizavam para os
trabalhos agrícolas e havia, no povoado, alguns que eram de grande
porte.
Escolheram pois um dos maiores e levaram-no até perto da floresta
que naqueles tempos não distava muito da cidade, para um local
onde havia sinais mais recentes dos estragos que a cobra tinha
feito...
Não foi preciso esperar muito tempo. A serpente apareceu. Houve
uma luta de morte. O touro bem lutou enfurecido e raivoso,
espezinhando tudo e tentando furá-la com os chifres, mas a cobra
enrolou-o, apertou-o e depois de o asfixiar engoliu-o todo inteiro.
As pessoas que assistiram ficaram atónitas e desconcertadas perante
aquele espectáculo horrível e choraram a sorte do animal tão nobre e
corajoso.
Passado algum tempo, como descobriram que a bicha não se mexia,
com o peso que tinha na barriga, e souberam que levaria meses a
digerir o touro, juntaram-se os mais corajosos e, com enxadas,
forquilhas, varapaus, foices e gadanhas, foram-se à serpente e
mataram-na.
Abriram-na depois de a cortarem quase toda e trouxeram como
troféu a cabeça do touro que, anos mais tarde, esculpiram em pedra
e meteram-na na muralha que estava em construção na cidade.
A BICHA MATADA.
POVO SOSSEGADO.
TOURO EMURALHADO.
E CONTO ACABADO!
72
1.03 - O TOURO E A COBRA – V/03
A população lança um touro
para ser comido pela cobra
a fim de libertarem a cidade.
 Mas que é que vomecês stão p'raí tarraceando! Ele os intigos num
cuntavam nada
assim!
Isto
é
mesmo
um esbarrunto
ó
mal
acomparado é com'ó ôtro que diz: quêm conta um conto, acrescenta
um ponto. Ele há cada paiolo mais taronjo qu'inté a gente já nem fica
esparsido!
 Ora com'ê ovi contar 
era assim que contava o Jorge das
Cantigas  imbora ê no m'alembre dirêto é assi al modos...
Era uma vez... e Beja ainda nem era uma cidade ... e tinha campos e
matas por tudo quanto era lado, apareceu uma cobra que metia
medo a toda a gente e não havia quem pudesse ir para o campo
trabalhar ou pudesse andar sossegado pelas ruas.
Andando assim o povo muito aflito e sem saber o que fazer,
juntaram-se num grande ajuntamento e discutiram o bom discutir até
resolverem como é que se havia de livrar daquela peste que não
deixava ninguém viver sossegado...
Lembraram-se então de deitarem um touro para que a cobra o
comesse e uma vez que ficava farta, desapareceria e deixava-os em
paz.
73
E foi assim que fizeram.
Deitaram um touro a monte, lá para os lados onde a bicha rondava e
o touro nunca mais ninguém o viu e da cobra nunca mais ninguém
ouviu falar.
De barriga cheia a serpente ficou por lá meses e meses a dar conta
dele e, ou nunca mais acordou, ou nunca mais se lembrou de vir
inquietar a gente destes lados.
Foi assim que um touro salvou a terra onde viviam as antigas
pessoas de Beja que nem se chamava assim, nem era uma cidade...
e as pessoas puderam voltar a viver em paz... e mais tarde, quando
isto foi uma cidade e teve muralhas, meteram a cabeça esculpida do
touro nelas para toda a gente se lembrar que foi um touro que a
livrou ...
e assim é que foi
a história do touro
a história do boi
e assim é que fica
e assim se livra
a cidade da bicha
e isso foi obra
maior que um tesouro
livrar-se da cobra
a terra do touro.
Novelo enrolado...
e conto acabado...
Vamos pois deitar
p'ra cedo acordar
e cada um lidar
bem no seu lugar...
74
1.04 - O TOURO E A COBRA – V/04
A cobra é envenenada
com um touro a que tinham dado veneno
e assim é libertada a cidade
Mas a ta Isabel Mateus é que no stava a modos... Que é qu'eles
stão p'raí tarraceando que num dizem uma cum duas... o conto é
mais ó menos esse mas o certo é que a cobra foi morta cum veneno
que há pra matar as cobras e um homem de cá que tinha andado por
muitos lados é que sabia...
Algum dia, há anos muitos anos, quando Beja era rodeada de uma
floresta cheia de animais selvagens e nem tinha este nome e os
habitantes daqui trabalhavam os campos ao redor, aconteceu que
uma grande cobra apareceu e metia medo a toda a gente e causava
muito mal a tudo e até matava pessoas.
Muito preocupados com o que sucedia, as pessoas juntavam-se para
discutir o que haviam de fazer mas não havia modos de encontrarem
uma solução para tamanho mal.
Um dia, apareceu numa assembleia, um homem que tinha corrido
muito mundo e era um explorador aventureiro que tinha visto e
ouvido de tudo... No meio da barafunda e da altercação em que todos
estavam, pediu para falar e então contou que tinha visto as cobras e
as serpentes matarem gente e outros animais com o veneno mortal
que elas tinham, mas havia sempre um veneno mais venenoso e
mortal para atacar os outros venenos e ele sabia o segredo de um
veneno que até as cobras peçonhentas podia matar e não via outro
modo de se livrarem da cobra que tanto mal fazia a pessoas como a
animais e até aos campos que tanto trabalho davam a cultivar... o
problema era descobrirem o modo como haviam de dar o veneno a
comer à cobra, pois se o engolisse, o certo e que morreria e ficariam
livres da cobra para sempre.
75
Todos o ouviram com muita atenção e com o respeito que é devido a
uma pessoa que andou por longes terras e sabe de venenos e artes
de outros lados e de outros povos e ali ficaram a ver qual seria a
melhor maneira de poderem usar o saber e inteligência daquele
homem que andara por longe e sabia de cobras e venenos.
Decidiram, pois, acatar a sua opinião.
Perguntaram-lhe então, se esse veneno dado a um animal de grande
porte, o mataria logo, ou se levaria algum tempo a dar efeito.
Ele disse que sim.
Então, todos se lembraram que poderiam dar aquele veneno do
aventureiro ao maior touro que encontrassem nas redondezas e,
depois de o envenenarem, dá-lo-iam a comer à cobra.
Foi assim que fizeram.
O homem aventureiro que andara por longes terras e sabia de
venenos preparou a mezinha. Deram-na a beber ao touro, o que não
foi fácil, pois ele não o queria beber, e lançaram-no para o campo,
para os lados onde havia de encontrar a serpente mais rapidamente.
O touro ainda lutou com ela, mas, envenenado como estava,
sucumbiu.
A cobra engoliu-o. Ficou envenenada e morreu uns tempos depois.
A recordar o sacrifício deste tão nobre animal, esculpiram e
colocaram a cabeça de um touro nas muralhas da cidade, para todos
se lembrarem de um animal tão forte e perigoso, que afinal foi tão
amigo dos habitantes desta cidade...
segredo, segredo,
veneno, veneno...
Touro envenenado.
Cobra envenenada.
História acabada
Como foi contada.
76
1.05 - O TOURO E A COBRA – V/05
A cobra engole um touro
mas é morta por uma manada de
touros em fúria
e pela população.
Mas Carlos Miúdo que era filho do Joaquim Cardador que morava lá
para os lados da Boavista e lidava com touros e vacas desde que
nascera, ouvira e sabia a história do touro e da cobra duma outra
maneira que passamos a contar.
Em tempos que já lá vão, há muitos muitos anos de que já ninguém
se lembra, a campina toda, aqui à roda do que é agora Beja, era
cheia de árvores grandes e de mato onde havia muitos animais
selvagens e muita caça, e os nossos antepassados guardavam
grandes rebanhos de animais como porcos e ovelhas, mas o melhor
de tudo eram grandes manadas de touros e de vacas, que até
77
serviam para os ajudar a desbravar as terras e fazer as grandes
sementeiras que eram de pasto para os animais e de pão para os
habitantes de toda a região do Alentejo e dos Algarves que, no fim do
Outono, se trocavam nas feiras de Castro e Alvito.
Viviam todos, cada um como era da sua sorte e não faltava a lenha
para o fogo, nem a carne da caça e dos rebanhos para comer o que
era preciso, nem o pão que havia com fartura para ser cozido todas a
semanas no forno de cada monte, que acenavam de longe, em longe
uns aos outros, com as colunas de fumo branco que saíam do lado
das casas voltadas para nascente.
Nunca, até uma certa altura, se tinha ouvido dizer que os habitantes
desta região tivessem tido medo de alguma coisa ou bicho que os
impedisse de trabalhar a terra deles e de ajudar no amanho das
terras dos outros...
Mas aconteceu um dia, começar-se a ouvir falar de uma enorme
cobra que causava estragos nas terras semeadas e começava até a
fazer fugir os caçadores que nunca tinham tido precisão de fugir de
nada, a não ser quando viam que não valia a pena caçar mais.
Começou de facto essa cobra a fazer estragos de mais e muitos
puderam vê-la de longe a destruir as suas terras, e o medo, e depois
o terror e o medo passaram a dominar o ânimo e as vontades de
todos os habitantes.
Ficaram assim, durante algum tempo paralisados, sem saber o que
haviam de fazer, até que um dia resolveram juntar-se para
conversarem e descobrir em conjunto o que haviam de fazer.
Era evidente que não se atreviam a enfrentar aquela cobra que os
aterrorizava e destruía impunemente todo o trabalho que, apesar de
tudo,
iam,
persistente
e
teimosamente, fazendo
nos campos,
desbravando, amanhando, cultivando... mas nunca chegavam a ver o
benefício de tantos trabalhos, suores e dores...
Lembraram-se então, de repente, que possuíam, ao menos, grandes
e possantes manadas de touros que os ajudavam no amanho dos
78
campos e lhes forneciam a carne e o leite que os iam mantendo
vivos... Aí estava a solução!... Quem sabe?! Juntariam uma valente
manada de touros e atirá-la-iam contra a cobra maldita... Mesmo que
a bicha adregasse de matar um ou outro, nada poderia fazer contra
uma manada brava e enfurecida que havia de ficar ainda mais brava,
se a danada da cobra conseguisse matar algum deles... Esta ideia foi
acolhida como uma esperança que se mudou em alegria e pouco a
pouco impôs-se a todos como única e desesperada solução. Não
tinham mesmo outra e era a que tinham à mão, usando dos meios
que dispunham. Mesmo correndo o risco de perderem algumas
cabeças de gado, tudo era preferível ao medo e à desgraça contínua
em que viviam permanentemente.
Juntaram então uma manada de touros bem forte e brava e
encaminharam-na para os campos onde há menos tempo tinham
visto a cobra andar à solta e à vontade destruindo tudo o que lhe
apetecia.
Atraída pelo tropel ensurdecedor, a cobra apareceu. Ao avistar aquele
inimigo inesperado, ela enrolou-se e desenrolou-se volteando no ar
sibilou em desafio.
Fssssssst Fichsssssssssst. ...Afinal, desde que aparecera que todos
fugiam de medo, e não era aquela nuvem carregada de pontos
negros que ia fazê-la fugir...
Os touros, que até ali corriam quase em debandada, ao verem a
bicha voltear no ar e a sibilar, investiram direitos ao alvo. Rasgaram
a campina de cabeça em riste prontos a rasgar e esmagar, mas ela
esquiva e rastejante iludiu a sua fúria e deixou-os passar desafiandoos de novo, altiva e provocante.
Frustrados no ímpeto do primeiro ataque, os possantes animais
pararam surpreendidos e voltaram-se. Lá estava ela, arrogante, toda
empinada no ar segurando-se em pé só apoiada em duas voltas do
seu corpo enorme que a seguravam no chão...
79
Cegos de raiva investiram de novo e, quase ao apanhá-la, a bicha
esquivou-se ao golpe pendurando-se numa árvore que bordeava a
clareira transformada em arena de combate de morte.
Era agora um enorme ramo abanado por inesperada tempestade,
enquanto a toda a volta caía um silêncio de terror e a terra e o ar
parecia terem paralisado de respeito. Era o momento em que os
animais paravam e pareciam desnorteados por falharem o ataque.
Ao descobrirem o grosso ramo diferente dos outros que lhes acenava
em provocação os animais atacaram de novo. Aquele ramo rasava o
chão e parecia, a todo o momento, ir desprender-se.
Investiram com mais fúria e a toda a brida. Não podiam falhar. Não
podiam dar-lhe tempo de se erguer de novo. Quase o conseguiram.
Os primeiros ainda a apanharam de raspão no momento em que ela
se erguia para escapar e outro e outro e outro ainda golpearam-na
com as hastes erguidas nas voltas que a cobra fazia e desfazia para
se poder erguer...
Foi então que um dos últimos touros da manada tropeçou nos da
frente e, dobrando as patas dianteiras, caiu desamparado ao alcance
do braço temível que se desenrolava da árvore e pretendia escapar.
Rápida como um raio a cabeça que se esquivava volteou fulminante e
no momento em que o touro possante intentava levantar-se, a cobra
já o tinha abraçado e desenrolava-se do ramo à medida que se
enrolava mais no touro e o parava nos movimentos desesperados que
o animal fazia torcendo-se e volteando-se para a tentar apanhar e
desenvencilhar-se dela.
Quando os outros, ao fundo do campo aberto, se voltaram para
atacar de novo, já a cobra tinha apertado o boi no seu abraço mortal
de muitas e asfixiantes voltas e, abrindo a enorme bocarra, engoliu-o
de pronto fazendo-o desaparecer no seu enorme corpo.
Estava agora estendida no terreno carregada com o peso da presa
que apanhara.
80
Arrastou-se ainda um bocado para a entrada da floresta, mas não
pôde ir muito longe porque o animal era grande e o peso era muito,
mesmo para um monstro daquela força e tamanho.
Os touros em manada, que já não divisavam a inimiga a desafiá-los,
iam a desistir, mas logo reagiram ao alarido dos pastores e das
gentes que entretanto se tinha juntado para assistir àquela luta
nunca vista e correram direitos à clareira por onde a cobra deixara
rasto...
De longe as pessoas só puderam adivinhar a fúria dos animais a
investir contra a bicha pesada que mal se podia mexer... E, quando
finalmente se puderam aproximar para guiar os touros de volta,
puderam então acabar de abrir a cobra já de todo esmagada e quase
desfeita, e libertar o touro sacrificado que ainda mexia e respirava a
custo.
Trouxeram-no a rojo, que já não podia andar, e, depois de o
matarem por já não poder viver, puseram a cabeça dele no cimo da
casa que era a mais alta e era vista de mais longe e de muitos outros
montes ao redor.
Nunca mais os habitantes destas redondezas esqueceram esta luta e
logo que se ergueu a cidade onde agora é a cidade de Beja,
escavaram numa pedra a cabeça de um toiro e lá ficou nas muralha
como lembrança do sucedido para nunca mais ser esquecido.
E assim...
POR OBRA DE UMA MANADA
DEU-SE CABO DE UMA COBRA
E ACABOU-SE A DANADA...
E ACABOU-SE A HISTÓRIA...
Meada dobada.
história acabada.
81
E ASSIM,
NO FIM DA PELEJA,
COMO A HISTÓRIA NOS DIZ,
OS HABITANTES DE BEJA
FORAM,
PRA SEMPRE, FELIZES!
TODOS ELES?
NÃO.
SÓ QUEM QUIS
A FORTUNA BENFAZEJA!...
82
1.06 - O TOURO E A COBRA – V/06
A cidade é livre de um ataque
dum exército de mouros
com a ajuda de uma manada de touros
lançada contra eles.
A Fátima, de olhos azuis e cara morena com um misto de raças que
ninguém poderia julgar compatíveis e misturáveis, que veio dos
montes da Almocreva e mais pequenina ainda viera da herdade de
Alvalade, vive agora ali para a zona da Mouraria, às Portas de Moura,
que também é povoada de ciganos e malteses que pouco a pouco se
fixaram na cidade que agora se chama Beja.
83
Muito calada e fugidia, quando está num grupo, isola-se numa ponta
ou procura como que esconder-se ao fundo duma sala, e só pelos
olhos se adivinha que está atenta a tudo o que a rodeia e se
emociona e vive, reagindo ao que vai ouvindo e vendo – vivendo.
A lenda do touro e da serpente deixou-a, primeiro, surpresa e depois,
quase em segredo, contou a lenda do TOURO como a tinha ouvido
contar, e era uma lenda do tempo dos mouros, muitos séculos depois
de os romanos se terem ido daqui embora, tempos esses em que se
localizaria a lenda do touro e da serpente que ela ouvia surpresa aos
outros contadores...
Essa Fátima, que traz no nome evocações dos sons árabes da
princesa Alfátima, todos a conheciam por Míriam, nunca ninguém
soube porquê. Talvez porque se chamava Maria de Fátima como tem
que ser com toda a mulher portuguesa que se presa ou era conhecida
por Burrica que era o Má-nome que lhe vinha da família.
Contava assim ela, a história que era lenda...
A lenda do Touro passou-se aqui no tempo em que os mouros vinham
de Mirtilis do Sul para conquistar a cidade e com o apoio de muitos
outros mouros que se lhe juntaram no caminho, vindos das terras da
Moura e de Serpes...
Ao ouvirem falar que um grande exército se aproximava desta zona,
os habitantes, dispersos pelos montes e herdades, apressaram-se a
refugiar-se dentro das muralhas da cidade invadindo-a por todas as
portas. Pela porta de Évora e de Avis, pelas portas de Moura e de
Mértola e até alguns pelo arco dos Prazeres que era mais estreita e
rodeada de um jardim de delícias onde se podia cheirar o odor
intenso das laranjeiras floridas misturado com o cheiro do alecrim e
do rosmaninho espalhado pelas barreiras que rodeavam a cidade.
Invadiam assim a cidade pelas suas cinco portas em forma de
estrela, acompanhados pelas famílias e rebanhos mais preciosos dos
84
animais que pretendiam salvar e lhes poderiam valer caso o cerco se
tornasse prolongado.
Era parca a guarnição de homens de armas treinados para defender a
cidade que, naquela confusão medieval, mudava constantemente de
senhores mouros ou cristãos que punham as populações inseguras
em constante sobressalto e mal havia tempo para os senhores
actuais, se preocuparem convenientemente com as fortificações que
mal abraçavam e protegiam o pequeno burgo.
Apesar de tudo, os exércitos que se aproximavam para reivindicar
questões de senhorio que tinham sido usurpados por parentes e
tricas familiares, eram numerosos e vinham dispostos a tudo. As
intenções dos donos da cidade, ninguém as sabia ao certo nem o que
pretendiam defender, até mesmo se eram mais a favor de outros
senhorios mouros ou cristãos, contando muito pouco para isso, os
interesses ou os desejos da população que não tinha lá muitas
preferências pelos deuses únicos e absolutos do crescente ou do
levante... Oriundos talvez de um indefinido e mal conhecido povo
cúneo de cultura avançada e de características diferentes e bastantes
evoluídas
que
contrastavam
com
os
povos
vizinhos,
pouco
interessava à população de pastores e agricultores enraizados aqui
desde séculos, que os senhores em guerra adorassem um ou outro
deus único e absoluto... O que sabiam, é que eles pouco ou nada
contavam para esses problemas que eram questões de guerra para
os senhorios da cidade e para os califas e vizires dos exércitos que a
cercavam ...
O cerco já durava há uns tempos e não se via saída possível que não
fosse a rendição pela fome e pelo cansaço ou o assalto que se
tornava iminente pela evidente desproporção de forças em presença.
Uma guarnição pequena e mal armada, perante cinco exércitos
numerosos e bem armados que se espalhavam tranquilamente pelas
campinas que rodeavam a cidade.
85
Mais preocupados que os senhores em resolverem rapidamente o
problema, a população dos que se refugiaram dentro dos muros e via
perderem-se os seus bens e culturas que estavam à mercê dos
invasores, murmurava cada dia mais alto e buscava uma solução
para o conflito que se arrastava indefinidamente.
Foi então que se lembraram duma ideia genial. Sem pastos e
forragens que lhes valessem por muito tempo para aguentarem o
gado que pretendiam salvar, em vez de o verem definhar e morrer à
fome, os pastores-guerreiros lembraram-se de o usar para lançar a
confusão e a morte entre os seus inimigos...
Numa madrugada, em que nada o fazia prever, abriram subitamente
todas as portas da cidade e, antes que os acampamentos árabes
espalhados pela planície se apercebessem bem do que se passava,
estavam todos invadidos e espezinhados pelas manadas de toiros que
fugiam à frente dos gritos da população e dos poucos soldados que se
tinham distribuído pelas cinco saídas da estrela em que se abria a
cidade... O grosso principal dos sitiados tinha-se concentrado na
saída das portas de Mértola, pois era ali nas cercanias que estava o
acampamento dos principais chefes que comandavam o cerco e a
manada de touros mais valentes e cuidadosamente escolhida foi por
ali que tinha sido ardilosamente conduzida.
86
img013 – os touros rompem o cerco mouro da cidade…
Numa madrugada, em que nada o fazia prever, abriram subitamente todas as
portas da cidade e,... p. 86
87
88
O pânico e a confusão foi de tal ordem misturada com a grita de um e
outro lado que, os invasores, convencidos de que se tratava de um
cataclismo do outro mundo e perdidos ou isolados dos seus chefes,
debandaram à frente das manadas em fúria ou eram sumariamente
decapitados ou mortos pela população ou pelos poucos soldados que
vinham atrás, sem terem tempo de se aperceberem do que
realmente se passava.
Foi assim que o Touro, símbolo da riqueza e da força duma região,
conquistou o seu lugar nas muralhas com mais um título que nunca
mais as gentes haveriam de esquecer: - o de defensor e libertador
das terras e bens desta população que vive dispersa pelos montes
por muitas léguas em redor...
 E depois?
 Depois?!
Morreram as vacas e ficaram os bois!
Assim ficou
a meada enleada
história acabada,
até ser de novo,
outra vez dobada!
A HISTÓRIA CONTOU:
CO'A AJUDA DOS TOUROS
ASSIM SE LIVROU,
A BEJA, DOS MOUROS.
CORRENDO EM MANADA
PELAS CINCO ENTRADAS
89
PELAS CINCO PORTAS
P'LAS PORTAS DE MÉRTOLA
P'LO ARCO DE AVIS
PELA ENTRADA DE ÉVORA
ARCO DOS PRAZERES
ENTRADA DE SERPA
FOI A DEBANDADA
DOS MOUROS C'OS TOUROS
SEMPRE À DESFILADA.
VITÓRIA ALCANÇADA!
E O POVO ENCONTROU
NA TERRA LIVRADA
IMENSOS TESOUROS
DEIXADOS P'LOS MOUROS
NA TERRA LAVRADA!
90
1.07 - O TOURO E A COBRA – V/ 07
Num dia de tempestade
um Touro Azul descobre uma cidade
que muitos anos antes
tinha sido engolida por um terramoto.
...Mas o ti Luís Filipe, que lá na terra era mais conhecido por “Bull - o
Touro", retirado lá pró fundo, sentado a um canto com o resto da
plaineta colada no bêço que ia mudando com a língua dum lado pró
outro da boca, já com um trancaço levado dos diabos que até metia
aflição a quem ouvia aquela tosse funda, olhava de soslaio toda
aquela história de estarem para ali a contarem histórias, com o seu
olhar miúdo de ironia e distante silêncio, e ia 1á dizendo para os seus
botões:
91
 Isto sãn 'stórias de moços piquenos! Já no é nada comós intigos.
Isto é mesmo uma paiolada ó atão a gente é qu'éramos taronjos de
todo, poi'sorte!...
Ora a istória que a gente inventava, a saber, que não podia ser
verdadeira, pois parece que Beja nunca esteve interrada, dizem os
intendidos, mas há muita coisa interrada com'aquela casa romana lá
prós Pisões... e há esta terra toda que cá da banda debaixo do Tejo e
que uns donos disto acoimaram aí de Alentejo sem a gente ter que
ver ou ser tido nem achado e durante muito tempo esteve p'ráqui
mais que interrada e inda stá, ó se stá... é só ver o Alqueva ó as
minas das Neves Corvo se trouxerem algum interesse cá pró povo...
no andam nem um bocadinho até parece um atoco... Ele é comó
cante e comás décimas cá do povo e com’estas lendas... só vêm cá
pra fora prós jornais e com letra de forma se for do interesse dos
latinfundiários e dos senhores, qu'isto ele há uns que o são das
agriculturas outros das culturas... isto é assim a modos qu'a gente a
conversar antes que mal pareça...
Ora a stória qu'a gente cá inventou e no pode ser verdadeira e é mais
verdadinha quás outras todas é mesmo assim.
92
O TOURO AZUL... que desenterrou Beja...
Há muitos, muitos anos, quando Beja ainda não era uma cidade nem
tinha este nome... teria para aí uns trezentos habitantes..., ouvi
dizer, deu-se um terramoto e aquela povoação ficou completamente
enterrada por areias e calhaus.
Os tempos, aos poucos, foram passando e nunca mais se soube nada
da cidade ou lá o que era aquela terra que aqui havia dantes...
Um certo dia, um maioral que vivia aqui para esta zona, saiu com o
seu gado para pastar.
Andou, andou, andou e não reparou que o tempo se agravava.
Foi então que se desencadeou um grande temporal que mais parecia
um dilúvio.
O gado espantou-se fugindo cada uma das reses para cada lado e
tentando acudir a uns e a outros, armou-se ali uma tal confusão que
o homem acabou por se perder. Ao seu lado, só um Touro,
completamente Azul.
O maoiral lá se abrigou como pôde e não tendo mais o que pensar
senão no gado que andaria, sabe Deus por onde, não tirava os olhos
do intrigante Touro Azul que o não abandonava e continuava a pastar
como se nada fosse com ele.
Passadas algumas horas, a tempestade foi-se espalhando e, quando
o homem se dispunha a procurar o gado transviado com a ajuda do
Touro que lhe restava, o animal não se arredava do sítio onde
pastava e... parece que já não pastava mas tentava escavar...
parecia mesmo que procurava o que quer que fosse... começou
mesmo a escavar com mais força e depois com mais fúria como se
estivesse acossado por alguma coisa estranha... Teria descoberto a
cova de algum bicho ou o buraco de alguma cobra que se esgueirava
agora para o fundo.
93
Tanto escavou, tanto escavou, que começaram a aparecer as pedras
do que mais parecia ter sido uma grande construção sabe-se lá de
uma igreja ou dum castelo e rastos do bicho ou da bicha nunca mais
se viram. Habitava mas era nos restos de um palácio enterrado ou
quem sabe? as ruínas de uma cidade desaparecida.
O maioral, ao ver tal acontecimento, lembrou-se das histórias que
tinha ouvido contar aos que as tinham já ouvido contar há muitos
muitos anos e logo pensou que poderia ser a povoação desaparecida
que ficara enterrada por um terramoto de que já ninguém se
lembrava. Só de ouvir falar, de vez em quando, mas já ninguém
ligava.
Correu então de monte em monte a contar a todos os que encontrava
aquilo que lhe tinha acontecido de mistura com a aflição do gado que
se tinha perdido e a pouco e pouco toda aquela gente foi aparecendo
à medida que a história ia correndo correndo e lá iam desenterrando
a cidade que não era cidade mas tinha castelo e muralhas e igrejas e
ainda bastantes casas.
Passados alguns anos, Beja ou o que agora o é, ficou totalmente
desenterrada e novamente habitada e para recordar o sucedido, os
habitantes resolveram esculpir nas muralhas a cabeça do Touro para
que assim ficasse como símbolo da velha cidade de Beja, agora
reconstruída, renascida e renovada.
94
E assim se contou
E O TOURO ESCAVOU
E BEJA ENCONTRADA
Assim se cantou
E BEJA ENCONTROU
DE NOVO HABITADA
ESTA HISTÓRIA DO TI BULL
TANTO TRABALHOU
QUE METEU UM TOURO AZUL
TANTO TRABALHOU
A DESCOBRIR A CIDADE
QUE FOI LIBERTADA.
QUE HÁ MUITO ESTAVA
E TANTO LUTOU
ENTERRADA
QUE SE LIBERTOU
ALI JAZIA IGNORADA
E O MUNDO
PARA TODA A ETERNIDADE
ENCANTOU
PELOS GRANDES DA CIDADE
POR SER TÃO
en/CANTADA!
P’LOS GRANDES SENHORES DO
REINO!
95
1.08 - O TOURO E A COBRA – V/ 08
A cobra é fechada numa paliçada
onde metem um touro bravo
que luta até a morte.
Mas o Jorge Corujo não se deixou convencer por todas estas histórias
de fantasias mal arquitectadas, que não respondiam ao seu sonho de
luta e de liberdade... e vai daí, contou assim...
Há já muitos anos, em que a cidade de Beja cabia ainda dentro das
muralhas, havia uma floresta enorme à sua volta, onde habitava um
monstro terrível que era uma enorme cobra e causava grande medo
e terror a toda a população.
A situação foi-se agravando, porque essa cobra monstruosa destruía
as colheitas dos agricultores, e comia-lhes o gado e deixava-os na
miséria e na fome.
Pior do que a fome, era o medo e o terror em que todos viviam.
Os que governavam a cidade, preparavam e adestravam os seus
soldados mas eram tão poucos, que mal chegavam para calar a
população que se mostrava cada vez mais insatisfeita e revoltada, até
que se convenceram que tinham de encontrar uma solução.
96
Reuniram-se com os velhos mais sábios da cidade e foi então que
tiveram a ideia de arranjarem maneira de enfrentarem a cobra com
um touro, coisa que até aí ninguém se tinha lembrado, apesar de já
terem perdido muitos animais.
Foram então erguendo uma paliçada, lentamente, à volta da clareira
onde a cobra muitas vezes se refugiava e estendia ao sol para
aquecer o seu corpo frio e viscoso e, um certo dia, que ela ali
dormitava em breve letargia, provavelmente a digerir algum pequeno
animal que devorara, fecharam-lhe o cerco.
Antes que acordasse de todo e se escapasse com as suas artes e
manhas de bicho peçonhento e ardiloso, meteram-lhe dentro o touro
mais possante e bravo que tinham encontrado entre todos os que
tinham.
O touro enfrentou-a e antes que a cobra enorme se pudesse erguer
para o envolver e asfixiar, ele prendeu-a com as suas patas
esmagando-a e com as suas grandes e afiadas armas furou-a lado a
lado, trespassando-a repetidas vezes.
A morte da cobra foi festejada com grandes cantos e festas como
nunca houve memória em toda a cidade.
Mais tarde, alguém se lembrou de esculpir, numa grande pedra, a
cabeça de um touro, e, aquando da reconstrução das muralhas, ela
foi ali encravada de tal modo, que passaria a ser o símbolo da cidade
libertada.
História contada
e nunca acabada!
Sempre REVIVIDA
Sempre RENOVADA
Em cada TOURADA
ELA É REPETIDA...
O TOUREIRO É COBRA
QUE ATACA PRIMEIRO
NESTA LUTA ARMADA
97
DE VIDA OU DE
MORTE.
OU DE VIDA E DE
MORTE?...
DUMA VEZ A SORTE
MAS NOUTRAS
SAI À ESTACADA
TOURADAS
E A COBRA ENTÃO
MUDA A SORTE E MORRE
MORRE
O TOURO VARADO
P’LOS CORNOS FURADA
PL’O TOUREIRO-COBRA
P’LO TOURO ESMAGADA!
QUE VIBRA A ESPADA!
98
1.09 - O TOURO E A COBRA - V 09
A cidade os touros os mouros...
as cobras e as dobras de ouro...
os mitos de uma idade de ouro...
Afinal, nenhuma destas histórias é verdade! Ou quem sabe?
Talvez todas o sejam à sua maneira... ou seja: a verdade de quem a
conta.
Talvez a sua história seja a sua verdade...
e talvez, quem sabe? Um dia o liberte, e à sua cidade!
ESTE ESPAÇO É SEU, CARO LEITOR.
Aqui o vamos encontrar LENDO ESCREVENDO DIZENDO a sua LENDA
99
100
0.1.1 AS LENDAS e os MAGOS da
CLAREIRA ESCONDIDA na
FLORESTA –
PISTAS DE LEITURA
E POSSÍVEIS FORMAS DE EXPRESSÃO
101
102
0.1.2 AS LENDAS E OS MAGOS DA
CLAREIRAESCONDIDA NA FLORESTA
E...
Havia naquele reino uma clareira escondida no meio da floresta que
todos sabiam que existia mas ninguém nunca tinha visto... Nessa
clareira havia uma casa que não era casa e era habitada por uns
magos, os sábios que desvendavam os mistérios do Universo e da
Natureza Humana, mas que nunca sabiam muito bem o que era o
Universo e a Natureza Humana porque eles também eram um bocado
humanos, embora fossem magos e tentassem estar acima das coisas
humanas... Mas fora, não podiam estar, porque senão não podiam
perceber a Natureza Humana e não podiam falar ou comunicar com
as pessoas humanas... E estando dentro, procuravam aquele refúgio
da clareira escondida na floresta, onde estavam sempre a completar
os seus conhecimentos e a adaptar a sua linguagem porque os
conhecimentos
da
humanidade
iam
mudando
e
a
linguagem
entendida pelos humanos era, de tempos em tempos, muito diferente
e por vezes tornava-se muito confusa...
É evidente, pelo que dissemos, que esses magos sábios não eram só
sábios magos porque senão não perceberiam nada da Humana
Natureza. Eram também magas e sábias que muitos conheciam por
fadas, por procurarem ter na mão dos seus conhecimentos o poder
de revelar o destino dos homens / da humanidade... Chegou mesmo
a dizer-se que havia também bruxas e feiticeiras à mistura, mas isso
eram influências de outras histórias, pelo que, essas, rapidamente
deixavam a clareira escondida na floresta, e fundavam, pelos reinos e
cidades, umas casas, que se pretendiam semelhantes àquelas, mas
não tinham nada a ver com esta história que é de pura e fantástica
103
fantasia verdadeira... acontecia mesmo que, nessa escola secreta
escondida na floresta, os sábios trabalhavam de noite sem fim, que
era o dia, em que havia espaço para caberem todos os sonhos do
mundo, mesmo os que não se podiam realizar e enchiam de alegria o
coração das pessoas, e era assim, na noite, que eram devidamente
semeadas as flores de todos os sonhos e realizações que depois
haviam de crescer sãs e belas, ao calor do sol...
A certa altura, chamavam àquela casa dos magos escondida na
floresta, o Palácio Encantado da Ciência, melhor, da Sabedoria,
porque era habitada por sábios que já faziam a alquimia de muitas
ciências adquiridas e amadurecidas ao longo de muitos séculos...
Noutras épocas, chamavam-lhe variados e diversos nomes e havia
até quem lhe chamasse a Escola dos Sábios, porque afinal constava
que era uma Escola onde os Sábios daquele reino se juntavam para
aprender e por isso, muitas vezes, vinham Sábios de muitos outros
lugares para investigarem e desvendarem os segredos do Universo e
da Natureza Humana... e, entre outras coisas, procuravam descobrir
os segredos destas lendas inventadas, des/cobertas, lidas e delidas,
pacientemente elaboradas, ditas e reditas em anos e anos a fio
tecidas em tecidos textos preciosos e, ao longo de séculos,
sedimentadas e transformadas, que por vezes formavam e se
transformavam em minas de oiro e outros materiais preciosos que
era
preciso
explorar
penosamente,
minando
e
escavando
e
peneirando, separando-as das misturas de terra, cascalho e lixo, até
chegar ao mineral de valor incalculável...
Mas a confusão era muita, porque passaram também a chamar
escola, e escola de sábios, a muitas outras coisas que se podiam
parecer de longe com esta Escola dos Sábios, mas, era tão de longe
aquilo em que se podiam parecer, que não se pareciam mesmo nada.
Podemos mesmo dizer que eram o contrário. Enquanto na Escola dos
104
Sábios, os sábios se juntavam para aprender, nas outras, a que
chamavam nomes parecidos por engano, nem se juntavam, nem se
juntavam para aprender, e por isso, não eram sábios... mas
juntavam-se, dizia-se, para ensinar umas coisas que não sabiam bem
se tinham aprendido e diziam que estavam ali para ensinar e ver se
os outros sabiam... Assim, parece que afinal ninguém tinha tempo
nem motivos para aprender nada... uns fingiam que ensinavam, não
se sabe bem o quê...?, e os outros fingiam que aprendiam, mesmo
sem saber o que os outros não sabiam e lá viviam entretidos nessas
casas que alguns confundiam com a Escola dos Sábios, mas não eram
nada - nem Escolas, nem muito menos de Sábios... E, de facto, como
não eram nada, nem nunca existiram, não vale a pena perder tempo
com essas coisas que não existem e alguns, repito, confundem com a
Escola dos Sábios escondida na clareira da Floresta, que era de
magos e fadas e, portanto, eram pura fantasia de verdade.
Em determinada altura, mas isso foi há muitos muitos anos que ainda
estão para acontecer, não se sabe bem quando, chamaram-lhe,
alguns, ESCOLA Superior de Investigação de/para Todos, porque ali
todos tinham de trabalhar e estudar muito, por uma razão muito
simples... como os minerais e os textos tecidos eram muito preciosos
e misturados com muitas coisas que o não pareciam, mas depois se
verificava que o eram, e mesmo muito preciosas, eram precisos
trabalhadores e investigadores e especialistas dos mais variados
quadrantes e ramos, e oriundos das mais diversas origens e
condições... e, todo este trabalho, não era possível, e não tinha
sentido nenhum, sem o trabalho exaustivo e profundo daqueles que,
bem agarrados à terra, afanosamente cavavam e abriam as galerias
e quase desesperadamente carreavam sacos e sacos de terra e a
acumulava em montões e montões de lama, que por vezes mais
parecia esterco, e onde finalmente se podia procurar o mineral
precioso, que era de qualidade e valor diverso, mas muitas vezes
105
quase impossível de distinguir e separar... e havia, enfim, os grandes
depósitos de material precioso, seleccionado, que , então, seria
cuidadosamente escolhido e distribuído para reenriquecimento e
revitalização plural de feliz policromia para aquela terra e para toda a
humanidade...
Muitos agora espantam-se, porque afinal ninguém, destes tempos,
tem tempo para ouvir a voz das lendas tecidas de palavras! ou para
entender as mensagens deixadas nas vozes e nos rastos de outros
tempos!!!
Mas, quem é que agora tem tempo para ouvir a voz do vento, ou
para ler as mensagens que cintilam nas estrelas como letras que os
poetas transformam em palavras que voam com o vento? ou ler os
vestígios que se afundaram nos aluviões do tempo? As pessoas
106
img014 – a clareira dos magos escondida na floresta…
Nessa clareira havia uma casa que não era casa e era habitada por uns magos, os
sábios que desvendavam os mistérios do Universo e da Natureza Humana... p. 103
107
108
agora não têm tempo, nem olhos para verem a luz natural e
verdadeira, ofuscados como estão pela luz artificial que as não deixa
ver as estrelas!!!
O segredo, só o detêm os sábios que decidiram ter tempo e espaço
para ouvir a voz do vento e aprender a ler as mensagens do espaço
no original, apreendendo os seus segredos em qualquer língua falada
no Universo... Transmitem-na depois porventura como os poetas e
como os contadores de histórias, numa língua parecida com as
línguas que conhecemos... as palavras e os sons parecem iguais, mas
só as ouvem e entendem, só as captam, os que são capazes de se
perder no caos do espaço para se encontrarem e perceberem e
saberem renascer de novo nos mistérios da vida. Mas só se pode
renascer depois de morrer... Só se pode ser fecundo depois de ser
fecundado... A planta só pode nascer depois de ser semeada no
ventre da terra... Só se pode sustentar, erguido na vida, o que
estiver devidamente mergulhado nas raízes, enterrado e vivo, para
poder crescer, comunicar, ser fecundo, multiplicar-se e povoar a
Terra...
E era assim, que naquela clareira perdida na floresta se juntavam
pessoas vivas que viviam e por isso não estavam lá, e eram
investigadores do saber que era a cultura milenária dos povos, de
todos os povos, e por isso, vinham e estavam em todos os lugares e
tempos, e sabiam das ciências humanas e da sociedade como a
cultura, a política e a economia, e, para conhecerem a vida, a viviam
e sofriam e dela estavam distantes para se poderem pronunciar sobre
ela... eles tinham conhecimentos dos segredos da Natureza e da
Natureza Humana, dos comportamentos, pensamentos e formas de
expressão e de comunicação e intercomunicação, o segredo dos
signos, dos sinais e dos símbolos e ícones de cada geração... coisas
que ao longo dos tempos foram tendo vários nomes como Ciências,
109
Geografia, Língua e Linguística e Filologia, Filosofia e Psicologia com a
Psicolinguística, a Antropologia, a Etnografia... sabiam de outras artes
como as Artes que privilegiavam algum dos sentidos, como a Arte
Divina dos Sons, ou a Arte da Magia das Formas e das Cores...
Sabiam também das artes que procuram a comunicação global para
chegarem aos sete sentidos através dos cinco mais conhecidos
e
enumerados pelos humanos... Tentavam a Semiótica ou a Ciência das
formas, dos signos e dos símbolos... a Epistemologia ou as bases
científicas de todas as ciências... enfim... a Hermenêutica, a chave de
penetrar em todos os mistérios e perceber a multiplicidade de
mensagens dos múltiplos grupos sociais que foram construindo a
humanidade nas suas diversas e multímodas manifestações... com
aquilo que muitos chamaram, porque tudo precisa de nomes, as
Ciências Sociais...
E, a estes, juntavam-se os que conheciam da vida e da comunicação,
tudo o que era a arte de viver...
E foi assim que começaram a aparecer propostas e pareceres os mais
diversos, e, por outro lado, mais complementares e indispensáveis,
porque só do contributo de todos os campos do saber humano era
possível tentar chegar a algum conhecimento verdadeiramente útil e
eficaz para o desenvolvimento da humanidade a caminho de uma
maior felicidade de vida plenamente vivida...
 Mas afinal, o que fazemos nós aqui? nesta história, perguntaram
os sábios, muitos dos quais também eram fadas, e que não estavam
ali para perder tempo e, muito menos, para resolver tudo com uma
varinha de condão?!...
Para já, esta história, que tenta contar a nossa história, está muito
mal engendrada, diziam alguns, porque nos apresenta dando a
impressão que somos seres diferentes dos outros que existem,
110
quando afinal, nós somos tal e qual os outros que também têm de ser
diferentes para poderem perceber o que são!!!... Pois aí é que está o
problema, diziam outras fadas entre as quais havia também sábios,
mas é que temos de parecer diferentes para os outros perceberem
que somos iguais, e eles, os humanos, é que percebem da natureza
humana, porque eles é que são humanos, e portanto eles é que
podem falar do que conhecem, mas como o objecto do conhecimento
tem de estar fora daquele que procura conhecer, de facto eles não se
conhecem a si mesmos se não saírem de si próprios, e nós, como
estamos fora é que os conhecemos, mas não os poderíamos conhecer
se não fossemos humanos, e não podíamos falar-lhes da natureza
humana e dos seus anseios mais profundos, se não fossemos
humanos, porque a não conhecíamos e ninguém pode falar do que
não conhece!!!
Então em que ficamos?
... Tudo isso é muito verdade mas nem todos falam e entendem da
mesma maneira, pelo que tivemos necessidade de inventar uma
maneira de dizer as coisas para os outros as entenderem e nós
entendermos os outros, até que encontrámos uma maneira, que é a
das histórias que fazem de conta, porque é muito difícil explicar tudo
a todos sem fazer de conta e fazendo de conta podemos quase dizer
tudo e entender tudo... Mas as histórias que fazem de conta não são
verdadeiras e por isso não contam a realidade e cá estamos nós a
trair os fundamentos da nossa ciência e da nossa escola que assim
não
serve
para
nada!...
Aí
é
que
vocês
estão
enganados...
gaguejavam outros... mas é que a verdade - realidade é tão
complexa, relativa e interdependente de tantos factores que é difícil
reproduzi-la para a abarcar na sua multímoda pluralidade e aí, com
as lendas e os poemas, tentamos as formas de expressão mais
adequadas
que
permitam
ler/ver
e
comunicar
em
omniálogo para que todos cheguem perto da verdade...
111
circular
o
Bem!, sabiam cada palavra difícil estes sábios, que até diziam
algumas que ainda não existiam... Mas parece que não havia meio de
se entenderem os bons dos sábios e as encantadoras fadas,
encantados como estavam por desejar ter alguma coisa de sólido e
de verdadeiro e de seguro, de ordem, para dar sentido à sua escola
escondida na secreta clareira da floresta onde se reuniam para
desvendarem os segredos do Universo e da Natureza Humana,
quando subitamente repararam que a Ordem do Universo era o que
nós chamamos Caos/Confusão e que Tudo o que tem Vida está em
Movimento, e que a Natureza Humana é tão plurifacetada que é rara
ou inexistente a Pessoa Humana que se conhece a Si Mesma... !!!
Eia, gritaram então!!!... Já temos bases sólidas para o nosso trabalho
sério e científico! É que, afinal, não temos bases sólidas nenhumas,
cavando assim, bem fundo, os alicerces da nossa Ciência e
Investigação... !!!
E foi então, ali, que todos se atiraram ao trabalho com afã!!!.
112
0.1.3 pistas de leitura/s para as LENDAS do TOURO e
da COBRA…
Então que me dizeis, caras cofadas e caros comagos, dessa história
de ciganos que viajam em caravanas e percorrem reinos cidades e
povoações e se põem a pilhar o que é dos outros? Não será isso um
atentado às regras da Justiça que devem nortear todos os reinos?
Deveis saber ilustre cosábio que aquilo que muitos deitam fora dá
para muitos viverem, até o lixo... e deveis saber que, no meio do
lixo, as pessoas distraídas com a ordem da vida que às vezes é uma
boa desordem, atiram ao desprezo muitas coisas preciosas e que lhes
fazem muita falta... mas fazem-no por falta de espaço, ou por estar
na moda, ou por exibicionismo e por estatuto social e intelectual
deformado... e, acontece ainda, que muitas vezes só do lado de fora
é que se vê bem e é preciso estar a uma certa distância para se ter a
noção da realidade no seu conjunto, sem contar com a miopia o
estrabismo e o astigmatismo e até outras doenças que são frequentes
na humanidade enferma!...
Deixemos então seguir a caravana com os seus utilíssimos roubos
para reciclagem dos produtos... mas o que é lá essa história de pôr o
cigano ceguinho a contar a história mais fantástica e incrível para
parecer mais verdadeira?
É que, já nos tempos da avó da minha avó velhinha, no tempo em
que não havia jornais nem outros meios de comunicar notícias, os
ceguinhos é que tinham por missão, contar o que os outros que viam
não viam e faziam, e lá iam vivendo divulgando e cantando os contos
de terra em terra e as pessoas que viam, agradecidas, pagavam-lhes
para viver e sustentavam-nos... em troca de os ajudarem a ver...
Para mais, eles é que costumam ver o que os outros não vêem. De
113
tanto olharem e de tanto terem para ver, por vezes, parece que os
que vêem é que ficam ceguinhos..., para o que é essencial! “É que o
essencial é invisível para os olhos”, dizia aquele mago que voava nos
aviões dos anos quarenta e punha principezinhos a falar com raposas
em coisas tão banais e corriqueiras e às vezes esquecidas por serem
essenciais!...
Isto discutiam animadamente os comagos e cofadas que eram todos
cosábios, e pouco a pouco, e por vezes, surpreendentemente, lá iam
descobrindo o sentido das coisas, até das que pareciam banais e
desprezíveis...!
Mas têm ao menos alguma arte, algum sentido, esses contos
contados e cantados para encantar?
Disso não sabemos muito, cara cofada, pois tentámos ler as
intenções secretas do velho cigano cego em frente do par dos ciganos
enamorados olhando a cidade as muralhas e as estrelas, mas parece
que o que ele via na Via Láctea era o longo percurso da longa via da
sua vida quase secular e quereria ele, quem sabe, deixar naquele
conto o resumo cifrado do muito que vira através dos caminhos do
mundo e dos tempos...!
Mas então, porque não contava ele, claro e direito, aquilo muito que
aprendeu?
Certamente porque não sabia, caros cosábios, não sabia traduzir as
letras das estrelas em letras e sons falados nas nossas línguas que
usamos todos os dias, e, mesmo sabendo o que sabia da vida vivida
e observada, corre-se sempre o risco de cada um entender aquilo que
sabe que quer saber... e assim, deixa o desafio para cada um
desvendar, na sua língua, na língua que cada um usa para pensar e
para sonhar e construir para si os mundos reais que não existem e
assim ficam com as pistas para descobrirem o que supunham não
114
poder ser verdade e não sabiam... pois é este o desafio mais humano
e tentador para os seres inteligentes que caminham na vida...
Dai-nos então uma chave desses contos, dessas lendas?
É muito arriscado, ó cosábios que tudo quereis saber, mas sempre
tentaremos umas pistas... Chaves?!, Chaves universais que podem
abrir tudo?!, isso não existe. Só nos contos de fadas!!!
Primeiro, era preciso perceber o motivo por que se inventam lendas,
que as pessoas chegam a crer mais verdadeiras que as histórias que
foram história ou histórias verdadeiras de reis e de rainhas e
príncipes e princesas e povos verdadeiros que muitas pessoas julgam
que são lendas... Depois, reparai bem, que todas começam em
tempos perdidos na memória dos tempos que afinal todos sonham
que hão-de acontecer de novo e inventam casos e personagens que
nunca existiram mas todos desejam ser...
É sempre um pouco assim a insatisfeita natureza humana... Depois
vivem felizes ou viviam simplesmente... e é sempre um mal exterior
que os vem perturbar e causar desgraças, quando afinal, o mal vem
sempre de dentro e de bem perto, mas eles contam como se viesse
de fora para assim descobrirem essa verdade tão simples que até
custa a crer porque não se quer...
...E então, as pessoas ficam cheias de medo e de pavor, e até vão
procurar a solução que já sabem, se a quiserem saber, vão-na
procurar através de desconhecidos sábios génios ou supostos superhomens, quando, afinal, são eles, é cada um, que procuram,
encontram e executam as soluções e sofrem as consequências ou
ficam recompensados...
...Metem ainda nos contos todos os seus defeitos e virtudes,
qualidades e características, muitos dos seus valores culturais e
revoltas e cansaços acumulados por gerações e gerações porque
muito bem se conhecem....
115
...e tentam desvendar os mistérios do que os confunde como a
complementaridade do masculino e do feminino que parece fálico e
dominador na cobra mas afinal é feminino e fecundo e parece forte e
indómito no touro mas por vezes falha, morre mas liberta... Quantos
mistérios, credes vós, que podem ser apontados num simples conto
duma, duas páginas? A origem, a formação, as frustrações, os
desejos e anseios daqueles que os ouvem e daqueles que os
contam...!!!
A COBRA tem sido sempre entendida como a origem do MAL, de
todos os males que afligem a humanidade. Segundo a Bíblia, Adão e
Eva viviam no Paraíso Terreal, pois Deus os colocara no Jardim do
Éden para o cultivar e o guardar, mas deu-lhe este preceito: “Podes
comer do fruto de todas as árvores do jardim; mas não comas do
fruto da árvore da ciência do bem e do mal; porque no dia em que
dele comeres, morrerás indubitavelmente.” Mas... “A serpente era o
mais astuto de todos os animais dos campos que o Senhor Deus tinha
formado. Ela disse à mulher: É verdade que Deus vos proibiu comer
do fruto de toda a árvore do jardim?” “A mulher respondeu-lhe:
Podemos comer do fruto das árvores do jardim. Mas do fruto da
árvore que está no meio do jardim, Deus disse: “Vós não comereis
dele, nem o tocareis, sob pena de morte.” “ Oh não!  tornou a
serpente  vós não morrereis! Mas Deus bem sabe que no dia em
que dele comerdes, os vossos olhos se abrirão, e sereis como deuses,
conhecendo o bem e o mal.”...Veio então a tragédia conhecida... “A
mulher vendo que o fruto da árvore era bom para comer, de
agradável aspecto, e muito apropriado para abrir a inteligência,
tomou dele, comeu, e apresentou-o também ao seu marido, que
comeu
igualmente.”...os
olhos
abriram-se...
Deus
apareceu,
repreendeu-os, condenou os três... “E o Senhor Deus disse: Eis que o
homem se tornou como um de nós, conhecendo o bem e o mal.
Agora, pois, cuidemos que ele não estenda a sua mão e tome
116
também do fruto da árvore da vida, e o coma, e viva eternamente. E
o Senhor Deus expulsou-o do jardim do Éden, para que ele cultivasse
a terra donde tinha sido tirado. E expulsou-o; e colocou, ao oriente
do jardim do Éden, Querubins armados de uma espada de fogo, para
guardar o caminho da árvore da vida.” (Génesis, Cap. 2 e 3).
E assim ficámos com mais uma história. Lenda? Uma lenda cheia de
símbolos e sinais para explicar uma outra história mais complicada e
complexa que é a da origem da humanidade ou, mais propriamente,
a da origem dos seus males, permanecendo sempre o mito do
Paraíso/Éden! Uma explicação judaico-cristã que foi ou é sinal de
civilização ocidental cristã!!!
Mas há outras explicações para a Humanidade e os seus males. Por
exemplo esta.
“Segundo os livros de Zoroastro, o primeiro homem e a primeira
mulher foram criados puros e submetidos a Ormusd, seu autor.
Arimânio viu-os e teve inveja da sua felicidade; abordou-os sob a
forma de uma cobra, apresentou-lhes frutos e persuadiu-os de que
era ele o criador de todo o Universo. Eles acreditaram e, desde então,
a sua natureza ficou corrompida, e esta corrupção infectou a sua
posteridade.” (Fulcanelli, in As Mansões Filosofais, ed. 70. 1977; e
José Gabriel Pereira Bastos e Fernanda Birrento, in A Mulher O leite e
a Cobra, ed. Rolim, 1988).
 Então? Consideramos a serpente como origem de todo o mal que
veio cair sobre a humanidade, como parece podermos entender da
Bíblia e de Zaroastro / Zaratustra ou é, afinal, a serpente, o agente
do caminho imparável para a maturidade e para a liberdade
responsável que fez sair a Humanidade da Infância e da Adolescência
em que viviam completamente dependentes e submissos, para
117
assumirem, decisivamente, DE OLHOS ABERTOS, em pleno risco, a
LIBERDADE E A RESPONSABILIDADE?
Até aparecer a serpente e os frutos, os nossos progenitores seriam
como crianças que Deus tinha de proteger e guiar pela mão indicando
os limites... Inocentes, sem poderem arriscar... e morrer... e, a partir
daí, eis que têm de renunciar ao proteccionismo, aos privilégios e
assumir a vida com todos os riscos. inclusive, o risco de MORTE!!!
Também na Bíblia, livro do Êxodo, capítulo sétimo: “0 Senhor Deus
disse a Moisés e a Aarão: Se o Faraó vos pedir um prodígio, tu dirás a
Aarão: toma a tua vara e atira-a diante do Faraó: ela se transformará
numa serpente.", e mesmo quando os sábios, os encantadores e os
mágicos do Faraó fizeram o mesmo com os seus encantamentos e
atiraram cada um as suas varas que se transformaram em serpentes,
a vara de Aarão engoliu as deles... E quando o Povo de Israel
vagueou pelo deserto a caminho da Terra Prometida, em castigo das
suas murmurações, diz o Livro dos Números, capítulo vinte e um:
“Então o Senhor enviou contra o povo serpentes ardentes, que
morderam e mataram a muitos." O povo arrependido recorre a
Moisés. “Moisés intercede pelo povo, e o Senhor disse a Moisés: "Faz
uma serpente ardente e mete-a sobre um poste. Todo o que for
mordido, olhando para ela, será salvo." Moisés fez, pois, uma
serpente de bronze, e fixou-a sobre um poste. Se alguém era
mordido por uma serpente e olhava para a serpente de bronze, era
salvo." !!!
!!! O que significa afinal a SERPENTE? A Morte ou a Vida? A origem
do Mal? O Poder de Deus? A mola que desafia a Humanidade para os
riscos da Criatividade e da Liberdade? A guardadora dos segredos e
mistérios
profundos
que
a
Humanidade
busca
desde
sempre
incansável e inutilmente? Ou significará a inteligência? A inquietação
atrevida que não deixa que a Humanidade caia no comodismo
118
(Paraíso),
na
demissão
irresponsável
não
interveniente,
no
imobilismo estéril?
 Isto tudo, talvez e muito mais...
 E o TOURO? O que significa o TOURO, que é afinal o herói,
personagem principal das múltiplas lendas que inventámos e tanto,
que teve direito a figurar, esculpido, nas muralhas da cidade, e
desenhado, ocupa o lugar central do escudo heráldico que é o brasão
- emblema deste povo?
 Ah! o TOURO, esse foi sempre, através de todos os tempos e
espaços o símbolo da energia criadora, o símbolo da força, do ímpeto
indomável, da fúria indómita, o símbolo /simbólica da fonte do vigor
da potência fecundante e fertilizante que fecunda a terra e a torna
produtiva e criadora...
Em todas as regiões e religiões do Mundo, o TOURO aparece como
signo, ícone, simbólica, índice da seiva vital, o sémen, o falo
desmedido que rasga o VENTRE DA TERRA e a torna produtiva e
criadora abrindo nela a vida escondida e secreta, desvendando os
tesouros ciosamente guardados... abrindo caminhos de riqueza e
felicidade...
Até o povo eleito de Javé, perdido no deserto, quando Moisés
desapareceu para receber as Tábuas da Lei, desesperado, fabricou
um BEZERRO DE OIRO construído com os brincos e colares que todo
o povo guardava avaramente e celebrou festas ao ÍDOLO, vendo nele
OS DEUSES DA ABUNDÂNCIA que os libertaram do cativeiro do
Egipto... Este drama de idolatria e de ingratidão ao Deus de Moisés,
pode ser lido na Bíblia, no Êxodo capítulo trinta e dois e seguintes... a
ponto de Moisés, no regresso, cheio de fúria, quebrar as Tábuas da
Lei que tinham sido escritas pelo próprio dedo de Deus, e destruí-o
pelo fogo até o reduzir a pó que moeu e dissolveu na água, que na
119
fúria da sua cólera obrigou a beber aos filhos de Israel... tendo os
filhos de Levi passado à espada mais de três mil homens dos que se
rebelaram contra Javé! O certo é que ainda no tempo de David, havia
signos e imagens que perpetuavam a idolatria ao bezerro de oiro
sonhando a abundância dos tempos da escravatura no Egipto! Povo
de cabeça dura e digno de ser exterminado da face da Terra! ...
Donde a força idolátrica do TOURO que se opõe à força do Deus
Criador Todo Poderoso?... Muito haveria para contar...
Mas mais não contamos porque muito haveria e há para contar, mas
há mais pistas e exemplos que os nossos coartistas querem
apresentar...
... É que de facto, uma das coisas mais comoventes que acontecia
naquela Escola Secreta da clareira escondida na floresta que não
existia era, quando na clareira inacessível aparecia uma criança, um
velho ou um poeta com um poema um conto ou uma canção nas
mãos nos lábios ou no coração… e a mostrava aos sábios!
Alguns
deles
liam.
Reliam.
Sorriam.
Liam-na
depois
alto
e
expressivamente para que os outros a ouvissem. Cantavam-na
embelezada com a arte dos sons. Todos aplaudiam. Pediam para a
guardar e publicar aos ventos... Iam ao seu tesouro escondido e
davam-lhes uns grãozinhos de oiro ou pedras preciosas... Punhamlhe a mão na cabeça... e lá voltavam para casa, mais felizes, do que
se tivessem encontrado todo o ouro do mundo, com o seu TESOURO
FABULOSO!
120
0.1.4
Possíveis formas de expressão
para as LENDAS do TOURO e da COBRA
 Mas então que propostas temos dos coartistas, artífices que artam
lá na terra? e concretamente sobre estas lendas que contastes de
touros e de cobras?
 Muitas propostas, ó caros comagos...
Há um grupo que se exprime com o corpo, o corpo inteiro que a
natureza deu. São jovens, crianças e gente madura. Propõem-se
contar a história sem palavras para ser universal.
A cobra é uma bailarina que gira e rodopia ameaçando uma cidade
inteira, cercando, ameaçando, aterrorizando...
O povo, com o medo e seduzido, tenta reagir... há perdas e mortes...
entra em pânico... procura soluções contra a cobra que foge, ludibria,
domina, se disfarça...domina... até que o povo decide mandar um
touro contra ela...
O touro que sai, observa o terreno, descobre a inimiga, enfrenta-a,
investe... numa ambiguidade de luta e jogo amoroso de vida e de
morte contra a serpente que já não é a serpente mas o povo que se
encadeou em cobra e depois já é povo que se transforma em touro e
luta com a serpente...
Procuram-se depois uma ou várias soluções estilizadas de cada um
dos dez mais um dos contos e termina com a festa da libertação ou
da catástrofe que gerará a libertação...
Há agora um PAR, só DOIS, ó caras cofadas, que se propõem dançar,
sozinhos esta lenda, voando nas asas da fantasia e inebriados na
música mais sublime que foi possível conceber pelos médiuns que
captam os sons do universo e emoldurados num cenário de cores de
sonho realidade que os artistas das formas e dos tons captaram do
arco-íris!
121
Tudo isto, mas muito mais complexo, se propõe fazer agora um POVO
espalhado por diversos lugares, que depois de tempos e tempos de
preparação, aliás como todas as outras tentativas de representação
que são humanas e tentam penetrar no sobre-humano, tendo
divulgado o conto canto por todos os cantos da sua terra, escolas,
grupos,
famílias
e
solitários,
recolhe
de
todos
eles
ideias
e
sugestões... fabricam símbolos e enfeites de mil formas e mil cores e
chega o dia da celebração... o dia da festa... o dia da representação...
A grande dança da serpente, formada por centenas, só tem sentido
quando os grupos vindos de todos os cantos e lugares se vai
juntando e figurando o medo, o pavor, a afoiteza da multidão enfim
unida, que enfrenta a cobra monstro... a põe em fuga para o
castelo...
O percurso da praça para o castelo... a cobra e o povo já uno na sua
diversidade
que
pode
ser
um
cortejo
de
símbolos
e
cantos
diversificados...
A cobra no Castelo e as novas tentativas de intimidação para a
tomada do poder com ameaças e fúrias desmedidas... é dança
macabra que aterra e seduz.
A aparição do touro-touros e a luta final do touro e da cobra e a
multidão que se transforma em manada de touros... é jogo fantasia
feita realidade na arte!
A fogueira festa final e a fuga imperceptível dos restos sub-reptícios
da serpente... é a festa que se espalha por toda a cidade libertada...
que afinal continua ameaçada...
Mas há ainda um grupo musical que se propõe cantar representar a
mesma lenda, com sons luzes e cenários, evocando os cenários
conhecidos com montagens de grafismos, fotos, sons e cores... Os
cantores, com as suas vozes – touros, atacam os microfones ligados
a fios intermináveis – serpentes, que eles/as cantores/as com as suas
bocas – serpentes, simulam engolir como se os micros subitamente
se transformassem em touros... E outros grupos musicais lançam as
122
suas bailarinas/os serpentes coleantes ao som das suas violas e
baterias – touros estonteantes de fúria que se transformam em sons
envolventes como serpentes que devoram vocalistas e bailarinos/as...
Nós nem precisamos de representar, diz um grupo de aficcionados da
festa brava dos touros e touradas... A corrida que vamos apresentar
a cavalo, com pegas e a pé, é afinal a luta do touro e da serpente, do
toureiro frente ao touro, macho contra macho, com o feminino
sempre ausente presente como na vida e na realidade... numa
ambiguidade que se representa porque não se explica...
Tudo isto e muito mais pode acontecer à volta duma simples lenda...
- Os artistas que trabalham com o ouro e a prata e outros metais e
com eles fabricam adornos, enfeites e feitiços criaram anéis,
braceletes, colares e medalhões com touros e serpentes que
insidiosamente se enrolam em espirais carregadas de insinuações...
- Os das artes gráficas inventaram livros articulados como cobras que
tinham dentro touros e histórias em palavras e desenhos de
encantar...
- Os poetas e os músicos cantavam a lenda em canções dolentes que
dançarinos interpretavam em bailados coreografados de corpos
esguios que se transformavam em cobras ondulantes e touros de
corrida...
- Os oleiros faziam nascer da sua roda giratória serpentes repelentes
que enleavam touros desesperadamente vencidos na sua fúria... e os
artistas do barro, com as suas mãos, conseguiam um misto de herói
a transformar-se em serpente e a moura apaixonada a transformarse em fonte numa magia de formas surpreendente…
- Os mestres marceneiros fabricavam com pedaços de madeira,
cobras articuladas que soavam como matracas ligadas por nastros de
pano que se dobravam e desdobravam ou serpenteavam ligados com
arames e desafiavam touros que se montavam e desmontavam em
madeira fina com recortes e encaixes e ranhuras...
123
- Nas festas de Carnaval, os mascarados destrajavam-se de touros e
de cobras e esboçavam lutas em qualquer canto da cidade, nunca se
descobrindo se eram homens que se disfarçavam de cobras e
mulheres de touros ou vice-versa, para o jogo e a ambiguidade
permanecer como se fosse verdade...
- Os pastores artistas, no enlevo e distância do seu isolamento, iam
fabricando a canivete, de paus rijos e disformes, de ramos partidos e
dispersos... ora cobras que mexiam e metiam medo... ora faziam dos
ramos secos em forquilhas, touros estilizados que mais pareciam
vivos na fúria de combate...
- Até as crianças, nos seus grafismos de riscos sem sentido,
desenhavam sem saber!... ondulações de serpentes ondulantes
misturadas com touros...
- Desenhando uma praça circular, com arcos e bancadas repletas de
uma multidão disforme, com um touro ao meio atónito, em defesa,
pronto a investir, os poetas das formas e das cores, com tintas e
variegados materiais, pintam na sua tela as sugestões que as outras
artes não
podem sugerir... e
dizem tudo
aos que
quiserem
perceber...nas suas gravuras, pinturas, tapeçarias...
- Na sua intimidade, os casais de amantes dançam a dança do touro
e da cobra. O amante com o seu falo serpente ataca as ancas da
amante touro que com os seus lábios cobra engole e recebe a força
túmida do amante que se entrega...
- E dos outros artistas? Não falas dos outros artistas que povoam o
Universo?
124
img015 – uma mistura de símbolos e sinais…
125
126
 Dos outros artistas que desempenham os seus papéis de
figurantes no vasto palco que é o Mundo? De muitos desses
esquecemo-nos... Só sabemos que inventaram coisas nunca vistas e
inconcebíveis...
Sabemos por exemplo de crianças que já o não eram e nunca tiveram
tempo de andar na escola para aprenderem a ser artistas, que se
vestiram de rolos de papel pintado e enfeitado com fitas de mil cores
e
se
colaram
umas
às
outras
numa
fila
imensa
coleante
transformando-se numa enorme serpente e foram pelas ruas e praças
meter medo às pessoas acomodadas e instaladas em muitas
instâncias de vários poderes, que andavam a estragar o seu mundo
de floresta virgem e selvagem, com as suas políticas vesgas de
progresso e desenvolvimentos e outras coisas sem pés nem cabeça
que destruíam o Mundo em vez de o tornarem mais habitável e
bonito...
e vai daí, disseram sem palavras aos marretas dos touros que
marravam de cabeça baixa sem olhar para as estrelas, para o sol, a
lua e os planetas que continham as letras do passado e do futuro...
 Ai ele e isso?! Pois desta vez quem ganha a luta da lenda é a
serpente que nós já estamos cansadas de ser as más da fita... e ai de
vocês se se atrevem a estragar mais o nosso mundo livre e belo com
mais muralhas e muros e paredes e grades e sebes e divisões e
cortes e portas sem entradas nem saídas e chaminés e fumos e
porcarias que emporcalham tudo...
Ai de vocês, se nos roubam o Espaço do Mundo do Futuro que é
Nosso!
Nós queremos o Ar a Água a Chuva o Sol o Espaço sem fim onde nos
queremos encontrar... para nos encantar/mos...
Mas que podem significar as lendas e histórias que gerações e
gerações guardaram na memória e contam e recontam dos mais
diversos modos?...Como vimos com a Bíblia e Zaroastro, a SERPENTE
127
é a fonte e a causa de todo o mal, do sofrimento, da morte a que a
humanidade está inexoravelmente condenada?... ou é simplesmente
a origem e causa da sua emancipação e libertação arriscada e
responsavelmente assumida  o risco de optar pela liberdade  que
todas as democracias do mundo prometem e a que todo o ser
humano aspira e teme no mais profundo do seu ser?...
Isso são perguntas que ficam para sempre sem resposta, mesmo
nesta escola de magos sábios e de fadas que se refugiam na clareira
secreta escondida na floresta, e durante a noite infinita que é o dia
espaço em que todos os sonhos se podem realizar, procuram
descobrir os segredos da Natureza e da Natureza Humana que faz
viver os povos e os lança nos caminhos do futuro à procura da
liberdade e da felicidade...
Mas embora nós não o saibamos, sempre revelaremos mais um
segredo para os que têm ouvidos para ver e olhos para ouvir...
E o segredo é este.
É que entrar no mundo das lendas e dos contos não é para qualquer
um. É só para
os que são capazes de regressar ao Futuro. Isso.
Exactamente o que dissemos. Entrar no Mundo das Lendas e dos
Contos é um REGRESSO AO FUTURO...
É um mergulho no tempo
um mergulho nos Tempos
um mergulho nas raízes
uma procura do estado puro original
numa tentativa encantada, sedutora, irresistível
de o alcançarmos de novo no Futuro...
É uma VIAGEM de encontrar um sentido para a vida
um desejo insaciável ansioso
de encontrar de novo um Tempo e um Espaço
em que de Novo tudo pode acontecer de Novo...
128
ENCONTRADO, CONTADO ENCANTADO!
No meio das desilusões, contradições, condições e falsas ilusões da
vida real que é um irreal dolorosamente real para uma grande
multidão a quem todos os males acontecem em cadeia... apesar dos
esforços... apesar dos desejos... apesar dos trabalhos... apesar da
paciência infinita... apesar da esperança... apesar de todas as
promessas dos que pretendem que podem prometer... há sempre
uma multidão de desprotegidos, dos arredados da sorte que só no
sonho encontram hipóteses de felicidade... que subitamente se perde
ao acordar...
Ora o segredo é este.
O encontro com a MAGIA DAS LENDAS é ir ao encontro do sonho,
mesmo sem dormir... mesmo sem ter necessidade de acordar...
é fabricar o SONHO como um artista produz a sua obra perante a
qual se detém embevecido...
É VIAJAR PELO MUNDO ENCANTADO DAQUELE VELHO DE CORAÇÃO
SIMPLES QUE ERA SEGADOR DE ERVA E VIVIA NUMA CABANA DE
BARRO DISTANTE DE QUALQUER CIDADE LÁ NUM PAÍS LONGÍNQUO
DOS REINOS DO ORIENTE E CONSEGUIA POUPAR MEIO DINHEIRO
POR DIA DOS CINCO MEIOS DINHEIROS QUE GANHAVA VENDENDO
A ERVA QUE CORTAVA NA SELVA PARA FORRAGENS DE CAVALOS E
AO FIM DE MUITOS MUITOS ANOS CONSEGUIU SER DONO DE UM
TESOURO QUE OFERECEU SEM SE DAR A CONHECER À MAIS BELA
PRINCESA DA TERRA QUE SURPREENDIDA LHE AGRADECE COM
OUTRO TESOURO AINDA MAIS VALIOSO QUE POR SUA VEZ ELE
ENVIA AO PRÍNCIPE MAIS BELO E PODEROSO DE QUE OUVIRA FALAR
E NUNCA VIRA... E QUE AFINAL SE TRANSFORMA NUM TESOURO
129
INCALCULÁVEL
CAPAZ
DE
FAZER
ENCONTRAR
/
ENCANTAR
PRÍNCIPES E PRINCESAS QUE CASAM... SÃO MUITO FELIZES... E...
NO FIM DE MUITAS MUITAS VIAGENS... VIVEM TODOS... O VELHO
SEGADOR DE ERVA DE CORAÇÃO SIMPLES, OS PRÍNCIPES E AS
PRINCESAS... NUM PALÁCIO ENCANTADO... COMO É SEMPRE O DA
MAGIA DAS LENDAS... E DOS CONTOS DE ENCANTAR.
É NO FUNDO O QUE ESTE LIVRO PRETENDE SER.
A VOZ E A MÃO MILAGROSA DO GÉNIO DOS TEMPOS QUE,
POUSANDO-SE SOBRE A VOSSA CABEÇA, VOS FAÇA DESCOBRIR O
VALOR IMENSO DO VOSSO TRABALHO HUMANO E DO AMOR, e cada
um possa construir enfim... o SEU PALÁCIO ENCANTADO DE
ENCANTAR!!!
130
... na impossibilidade de to enviar todo de uma vez,
aqui te envio a primeira bolsinha do tesouro acumulado
de migalhas guardadas durante anos e anos,
pelo velho segador de erva de coração simples
que fez felizes reis e princesas...
Fico à espera, sem esperança de receber nada de troca,
para no final receber tudo duma vez...
Mas além das Lendas do TOURO e da COBRA, Beja tem ainda mais
LENDAS com Touros e Cobras e outras Cobras e Touros ou Ícones ou
Signos carregados de significado e de mistério.
Aí a seguir, te envio mais uma arca de tesouros recolhidos por muitos
ao longo de muito tempo e espaço que têm feito reflectir os magos
da clareira escondida na floresta, contando-os e recontando-os nas
suas assembleias, cheios de prazer, de prazer e de apreensões!
Qual será, no fundo, o significado destes contos que contam
encantados contas que muitas vezes nos escapam?
131
132
LENDAS DE BEJA
o Touro e a Cobra e outras lendas...
VIAGENS do Cigano Castanho e da Cigana Mariana através do
MARAVILHOSO
por José Penedo um deNómio de José Rabaça Gaspar
133
img016 – a/s fonte/s…
134
2ª PARTE A/S LENDAS/S DA
FONTE MOURO
Mas além das Lendas do TOURO e da COBRA, Beja tem ainda mais
LENDAS com Touros e Cobras e outras Cobras e Touros ou Ícones ou
Signos carregados de significado e de mistério.
Aí a seguir, te envio mais uma arca de tesouros recolhidos por muitos
ao longo de muito tempo e espaço que têm feito reflectir os magos
da clareira escondida na floresta, contando-os e recontando-os nas
suas assembleias, cheios de prazer, de prazer e de apreensões!
Qual será, no fundo, o significado destes contos que contam
encantados contas que muitas vezes nos escapam?
135
136
2 - A/S LENDA/S DA FONTE MOURO
2.01 - A LENDA DA FONTE MOURO (prosa, rescrita)
2.02 - A LENDA DA FONTE MOURO (Décimas de um anónimo)
recolha de Manuel Joaquim Delgado
in"Etnografia e Folclore no Baixo Alentejo" p. 230/231
2.03 - A LENDA DA FONTE MOURO (rescrita por Fernanda Frazão)
in “Lendas Portuguesas”, 5º vol. p. 85
2.04 - LENDA DE BEJA - A FONTE DA MOURA, por Edmundo Belfonte,
1º in “A Folha de Beja”, 10/01/1901
2º, in “Jornal de Beja”, em 17, 20 e 25 de Junho de 1986
por intermédio do senhor Barbosa Bentes.
137
138
0.2.0 - Ligação entre as LENDAS…
Mas por onde andará a COBRA encantada da lenda contada do
TOURO e da COBRA?
Onde se esconde ela? Mudou-se em estrela?
Ou, andará encantada, algures escondida, pelos campos perdida,
esperando o desENCANTO?
Dizem... as pessoas que sabem: “... que há quem tenha visto, em
noites de luar, a enorme serpente ir junto da fonte beber nela as
longas saudades de Aldonça...”
Dizem outros, que junto do MONTE DA COBRA, um dia se defrontou
ela com um TOURO BRAVO...
Que SERPENTE ENORME é essa?
Que TOURO BRAVO se atreveu ela a defrontar?
Onde é o MONTE DA COBRA?
Onde é a FONTE MOURO?
Quem é Aldonça, aquela que se transformou em fonte, e Atanásio, o
que se transformou em cobra, na Lenda da Fonte Mouro?
Dizem que a MOURA encantada pode lá aparecer sob a forma de bela
mulher de longos cabelos doirados fiando em fuso de oiro fios de
luar...
139
... e que a COBRA pode ser vista, nas redondezas, em noites de lua
cheia...
...
Desde a noite mágica dançada no largo da feira, os nossos ciganos
andaram e cirandaram pelas ruas de Beja, por largos e praças, por
campos e montes...
Não lhe permitiam parar muito no mesmo local...
Ditos de pilhagens e ciganagens, que muitos aproveitavam para
fazer, caíam-lhe em cima… e eles lá seguiam pelos caminhos das
Terras de Santa Maria e Todo o Mundo a querer dizer que Todo o
Mundo é seu e nunca estão no seu Mundo e acolheram-se nas
sombras da saída da cidade lá para os lados das ruínas do Carmo
Velho depois de passarem a encruzilhada de S. Pedro... onde havia
uma FONTE de água fresca e abundante a correr generosamente pelo
valado...
FONTE MOURO, FONTE MOURO
O QUE TEM A TUA ÁGUA?
DIZEM P'RAÍ FONTE MOURO
QUE ESCONDE UMA GRANDE MÁGOA
ESCONDE UMA GRANDE MÁGOA
DUM AMOR QUE FOI PROIBIDO:
QUEM ME DERA DESSA ÁGUA!
QUEM MO DERA TER VIVIDO!
140
SE POR MIM FOSSE VIVIDA,
UMA PAIXÃO, ASSIM!?, TÃO VIVA
TAMBÉM ME MUDAVA EM BICA
QUE CORRESSE TODA A VIDA!
OU ENTÃO MUDAVA EM COBRA
P’RA BEBER EM FONTE VIVA
QUE CORRESSE A TODA A HORA
PARA ASSIM VALER A VIDA!
Estavam, sem o saber, ao pé da FONTE MOURO, que muitas lendas,
tinha, para contar...
Mas eles que de noite ouviram ou viram ruídos de luta, movimentos
difusos de alguém que rasteja, de algo que se agita... murmúrios da
água que corre, que corre e que canta, que geme de prazer de ser
bebida, encantada por sentir que mata a sede, uma sede profunda
que não morre, insaciável, insaciada... ruídos confusos que no meio
do pesadelo dos sonhos são de luta de morte... mas duma morte que
não mata mas cria... que grita...
... ao romper da manhã, encantados e despertos, vão ver que,
durante a noite, ouviram ou viram os sonhos e os cantos e os contos
que contam e cantam encantos... de cobras e de touros... de cristãos
e de mouros... de gentes e bichos que povoaram esta terra... de
tesouros escondidos envoltos em mistérios...
Foram perguntar pelos montes perdidos por ali escondidos...
 ... Nós sempre temos ouvisto que isto aqui se chama o MONTE DA
FONTE DA COBRA e isto aqui já era do meu avô e sempre aqui tenho
vivido... mas aqui só temos água daquele poço que o meu avô abriu.
A FONTE MOURO é além do outro lado da estrada seguindo pela
141
azinhaga e fica mesmo ao pé do MONTE DA SERRA, e aqui deste
lado, logo a seguir, é o MONTE DA COBRA, mas nós não sabemos
donde vêm estes nomes, nem quem lhos pôs, não senhor...  isto
contou o simpático casal de velhotes que habita o Monte da Fonte da
Cobra  ...e ainda o ano passado arrancaram as laranjeiras que iam
da fonte (a Fonte Mouro) até ao monte que lhe fica por cima e está
em ruínas!, que aquilo é mesmo um desmazelo... e nem sei bem a
quem é que aquilo agora pertence, porque parece que andam lá
demandas com os herdeiros que eram uns Vilhenas...
E foi assim que os nossos ciganos ficaram a saber alguma coisa, do
muito que ali há para e n c a n t a r…
... mas as lendas contam-se ou cantam-se! e as LENDAS contam ou
cantam... que...
142
2 - DUAS LENDAS DA FONTE
MOURO
01 - A LENDA DA FONTE MOURO (prosa)
02 - A LENDA DA FONTE MOURO (Décimas de um
anónimo)
recolha de Manuel Joaquim Delgado
in "Etnografia e Folclore no Baixo Alentejo" p. 230/231
143
144
2.01
A LENDA DA FONTE MOURO
2.01 - A LENDA DA FONTE MOURO (prosa) recolha de
Manuel Joaquim Delgado
in "Etnografia e Folclore no Baixo Alentejo" p. 230/231
A Nordeste da cidade de Beja, a pouco mais de meia hora de
caminho, a pé, ainda hoje há uma horta cuja fonte de boa água
fresca corre de noite e de dia para um barranco. Chama-se da FONTE
MOURO e junto dela passa um caminho vicinal.
Diz-se que a dita horta fora outrora de abastado mouro de nome
Albutassén, que havia de sua esposa Judith uma formosa e gentil
filha chamada Aldonça.
Pouco temente a Allah, Albutassén era rico mas muito avarento e
mau. Porém, sua filha Aldonça, a antítese do pai, era bondosa,
desprezava as riquezas e muito crente em Allah.
Em idade de noivar e com tendências afectuosas, ela vivia recolhida
em casa entregue a trabalhos domésticos e outras ocupações
próprias da sua condição de jovem moira. Raro consentia seu pai que
Aldonça se afastasse de casa a ir a alguma festa ou a assistir
nalguma mesquita aos sagrados ritos e devoções em honra de Allah.
Em todo este termo corria fama de seus excelentes dotes físicos e
morais, o que mais atraía as atenções e curiosidades dos jovens
cavaleiros que tinham a dita de contemplar tão excelsa como
encantadora e formosa moira.
Dada ao afecto amoroso, a bela Aldonça votava particular atenção a
um jovem cristão de nome Atanásio que, embora pobre e de crença
diferente da sua, possuía, contudo, excelentes dotes morais e de
145
carácter que faziam inveja a seus companheiros, alguns nobres e
ricos cavaleiros.
Sabendo das tendências amorosas da filha, Albutassén mais ainda a
contrariava e, raro, consentia que ela saísse da horta onde vivia,
triste e contrafeita, entregue às suas chorosas penas.
Um dia pensou o jovem moço Atanásio raptar a mulher de seus
sonhos e encantos mais caros, visto de outro modo ser-lhe impossível
possuir aquela que tanto amava. E, numa noite clara de Agosto, em
que a lua estendia sobre a terra seu manto de luz, o moço cavaleiro,
montado em seu ginete fogoso, dirige-se à horta onde já o esperava,
impaciente e nervosa, a formosa Aldonça. Os olhos dela eram as
noites negras estreladas, e o seu cabelo em ondas como as do mar,
tinham a cor do azeviche.
Ao ver o seu bem amado, trasbordante de alegria, mas nervosa, a
jovem moira ajoelha, volve ao céu o doce olhar e, numa prece
fervorosa e breve, pede a Allah misericórdia e perdão do seu plano de
fuga. Passaram-se alguns segundos. Junto de si chegou o moço
cristão que a arrebatou e, sentando-a na sela, à sua frente, corre
veloz no fogoso ginete.
Allah, que sabe dos desígnios dos homens, não podia consentir na
fusão de duas crenças diferentes. Não favoreceu, por isso, ao cristão
a sua amorosa aventura e nem à jovem amada a felicidade que tanto
desejava. Então, com o seu poder divino, fez que o cristão se
mudasse em serpente, e ela, Aldonça, se transformasse numa fonte
de água cristalina.
146
img017 – a fonte e a cobra…
“...há, quem tenha visto, em noites de luar, a enorme serpente ir, junto da fonte,
beber nela, as longas saudades de Aldonça...” p. 139
147
148
É assim que o incansável e persistente professor Manuel Joaquim
Delgado nos conta a Lenda da FONTE MOURO, num livro que intitulou
"A Etnografia e o Folclore no Baixo Alentejo” e assim a registou para
a posteridade nas páginas duzentas e trinta e duzentas e trinta e
uma...
... lendas de moiros e cristãos que não podiam casar porque o grande
Allah não podia consentir na fusão de duas crenças diferentes!!!
fizeram brilhar na noite os olhos dos ciganos... ele o cigano Castanho
a ver-se transformado em enorme serpente que ardente de sede
buscava nas sombras do barranco a água fresca e cristalina que para
lá corre de noite e de dia incessantemente para o saciar... em que se
tinha transformado a bela cigana Mariana...
Mas não, não era verdade. Eles eram da mesma crença e da mesma
raça e isto eram sonhos de encantar que lhes povoavam os sonos
encantados que dormiam enlaçados, misturados, embevecidos numa
felicidade que os fazia livres... e membros de uma religião universal
que estava acima e para além destes ciúmes e desavenças de deuses
antropomorfizados à medida dos preconceitos das multidões que os
concebem...
... mas havia ainda um velho ca(o)ntador, sentado ao luar, aquele
luar luminoso das noites de Agosto que não deixa dormir de fresco
que traz nas suas asas, a deixar adivinhar a brasa do dia que ameaça
derreter estas terras do aquém Tejo..., sentado à porta do monte, o
velho co(a)ntador, deixava correr, em versos de décimas, a lenda já
velha, que lhe tinham contado dos lendários senhores que tinham
vivido no Monte da Cobra, agora o “seu” monte, que não era seu!, e
eram moiros e moiras que tinham plantado aquele laranjal que enchia
ali o ar de perfumes esquisitos inebriantes de mistura com o feitiço
da lua que brilhava lá no céu...
149
 Aquela mangana! a rir-se dos homens atarefados que só olham pró
chão!!!.
Mas o ca/ontador, com a sua viola de cordas de arame, cantava na
aragem o canto da água que corria da Fonte do Mouro chamada, e...
encantado
como
que
em
transe,
exorcizando
os
sortilégios
circundantes, cantava baixinho versos de redondilhas ondulantes que
cavalgavam no dorso do vento como melodia de encantar:...
150
2.02
A LENDA DA FONTE MOURO
2.02 - A LENDA DA FONTE MOURO – (Décimas de um
anónimo)
recolha de Manuel Joaquim Delgado
in "Etnografia e Folclore no Baixo Alentejo" p. 230/231
Na região transtagana,
Perto da velha cidade
De Pax-Julia romana
Já muito velha de idade,
Inda hoje há uma fonte
D'água pura, cristalina,
Que nasce num baixo monte,
Nas faldas duma colina;
muito fresca e afamada,
A FONTE MOURO é chamada.
É tradição, diz a lenda,
Que a horta em que a fonte está
Fora de um servo de Allah
Que habitara esta vivenda.
Era orgulhoso, abastado,
Judith o nome da esposa,
Ele Albutassén chamado,
A filha Aldonça formosa.
151
Mais linda que a luz do dia,
Outra assim não haveria.
Em Deus Allah pouco crente
Esse rico Albutassén
Era mau pra toda a gente
E avaro como ninguém.
Aldonça, porém, bondosa,
Mui afeita à piedade,
Era em Allah temerosa,
Dezoito Abris sua idade,
Durante os quais recolhida
Em casa, fazia vida.
Raro, seu pai consentia
Que ela daí se afastasse,
E da horta não saía,
Inda assim não demorasse...
Corria na redondeza
Fama de dons excelentes.
0s seus dotes de beleza
Eram sabidos das gentes;
De Aldonça, a seus caros afectos
Se opõe o pai nos projectos.
Particular afeição
A jovem moira votava,
Não a moiro, mas a cristão;
Sabendo-o, quem duvidava?
Era pobre a condição
Do amado cavaleiro,
Nos dons morais o primeiro
152
Lá da sua freguesia.
Atanásio se chamava
E todo o mundo o sabia.
Pensou o moço rapaz
Arrebatar a donzela
A dona dos seus amores,
E viver entre as flores
Aonde quer que lhe apraz.
Monta o ginete fogoso
Numa noite de luar
Do mês de Agosto calmoso,
A correr a vai buscar;
À sua espera já estava
Aldonça que suspirava...
Chegado à horta o cristão
O precioso tesoiro,
A quem tem tanta afeição,
Quer levar para longe do moiro.
À sua frente, na sela,
Sentada, a jovem formosa,
Vai segura, mas medrosa,
Na boa esperança vai ela...
Numa corrida seguia
O ginete a toda a brida.
Pelos desígnios sabidos
Só de Allah que tudo manda,
Dos homens desconhecidos,
Torna o mal, o bem desanda.
Allah consentir não pode
153
Na fusão de duas crenças
Diferentes, e logo acode
A puni-los com sentenças,
Transformando-os, de repente,
Ela em fonte, ele, em serpente.
Num fado eterno e fatal
Dum amor contrariado,
Até ao Juízo Final
'Stá a moira e seu amado.
 Mas que sons são estes? Quem canta ao luar? Quem teima em
cantar as lendas contadas que são de encantar com a lua a brilhar?!!!

Autor
desconhecido!
Incógnito!
Paternidade
incognoscível!
Anónimo! Valores da cultura tradicional que, constatam os senhores
da cultura!, nascem da terra como a água das fontes sem ninguém os
criar! Sem direitos de autor!!!
Isto cismavam os jovens ciganos, ela a Mariana e ele o Castanho,
cada um para si a pensar, sem nada mostrar das dúvidas e segredos
secretos que julgavam sonhar e só para si guardar!!!
Havia ainda porém, mais histórias para contar...
... as histórias da FONTE MOURO ainda não tinham acabado, porque
uma dona do tempo sem tempo nascida nos anos cinquenta e que só
tinha sete anos quando a televisão nasceu e podia ameaçar vir
roubar-lhe
os
tesouros
sonhados
escondidos
em
castelos
semiderruídos onde viveram reis e rainhas príncipes e princesas...,
tesouros bebidos da fonte que jorrava inesgotável dos avós e dos
velhos lá da aldeia!... essa dona, de nome Fernanda Frazão que,
154
como ela diz continuou a ter “à sua disposição todos os velhos e
velhas do mundo, e os menos velhos também, para lhe encantarem
os
dias
com
tudo
quanto
é
lenda
e
conto
e
história
e
maravilha.”...esta dona de tempos antigos, através dos “Amigos do
Livro” editores pôs à nossa disposição seis belos volumes com as
“LENDAS PORTUGUESAS” para que, perante o perigo da aculturação
progressiva que os novos meios de comunicação permitem, os povos,
cada povo não perca o enraizamento dos seus valores culturais, o
que
seria
um
empobrecimento
drástico
para
eles
e
para
a
humanidade.
... e foi assim, que naquela noite de brilhante e mágico luar de
Agosto, o cigano Castanho e a cigana Mariana viram aparecer,
recortada na luminosidade feérica daquela noite, a figura meio
indefinida, mas real e sedutora de uma jovem avó, de nome Maria
Fernanda, que eles não conheciam, a contar para encantar, a mesma
história que talvez tenha lido ou ouvido ao velho professor Manuel
Joaquim que por sua vez a ouvira cantar aos velhos cantadores e
contadores de histórias aqui do Alentejo... e conta-a assim, da página
oitenta e cinco a oitenta oito do quinto volume das Lendas
Portuguesas:...
155
156
2.03
LENDA DA FONTE MOURO
2.03 - A LENDA DA FONTE MOURO (rescrita por Fernanda
Frazão)
in “Lendas Portuguesas”, 5º vol. p. 85
A nordeste de Beja, a pouco mais de meia hora de caminho da
cidade, existe, ainda hoje, uma horta com uma fonte de água muito
fresca correndo para um barranco.
Já no tempo dos mouros ali existia a horta, mas incorporada na
propriedade de Albutassén, o mouro mais rico da região. Ao lado da
horta havia uma bela casa, grande e branca, de um só andar e
parecida a uma prisão. De facto, era rodeada de um muro alto que
tapava a habitação dos olhos curiosos.
As poucas pessoas que tinham entrada na casa de Albutassén diziam
que, para lá do portão de ferro que dava acesso à propriedade, havia
um pátio sombreado de árvores de fruto. Ao penetrar na casa do
mouro ficava-se imediatamente maravilhado com a enorme entrada,
de chão de mármore branco e negro, e uma fontezinha em forma de
taça donde brotava naturalmente, no Inverno, água quente e, no
Verão, água fresca. O escoamento desta corrente fazia-se por um
pequeno canal descoberto que levava directamente a um enorme
tanque que ficava no jardim da parte detrás da casa.
De cada lado desta imponente e fresca entrada ficavam os aposentos
da família de Albutassén, que à boa maneira árabe tinha dentro de
casa um nunca acabar de gente, desde irmãos e cunhados, a filhos e
até primos. As mulheres da família, conforme mandava a Lei e o
costume, em presença masculina mantinham a face tapada e só
saíam de casa no momento do casamento. A este acto eram
157
totalmente alheias, pois que o enlace era negociado entre o
pretendente e o chefe da família, neste caso Albutassén.
Assim estava destinado acontecer a Aldonça, a única filha do mouro.
Este, porém, muito cioso dela, como de tudo o resto que era
propriedade sua, não mostrava pressa em tratar do casamento da
filha. Preferia mantê-la consigo todo o tempo que lhe fosse possível,
tanto mais que, rico como ele era, nunca lhe faltaria pretendente.
De facto, muitos homens pretendiam aceder a Aldonça, que não
conheciam, mas sabiam ser bonita, bondosa e muito crente de Alá,
bem ao contrário de Albutassén. Mas Aldonça parecia não sair nunca,
nem sequer para ir à mesquita rezar a Alá. Sua vida passava-a no
remansoso jardim da casa do pai, entretendo os dias à sombra das
laranjeiras, jogando xadrez, cantando ou ouvindo as velhas escravas
contarem histórias, infindavelmente.
Apesar de tudo isto, de toda esta prisão dourada, Albutassén
descobriu que Aldonça estava tristemente apaixonada. 0 mouro não
atinava como tal era possível no recato daquela casa. E o pior de
tudo  descobriu-o depois  a paixão de Aldonça era nada menos
que um cristão, Atanásio, chegado à região vindo sabe-se lá de onde!
Redobrou Albutassén a vigilância. Ameaçou de morte os escravos que
propiciassem os encontros, mas nunca descobriu de que modo se
encontrava Aldonça com Atanásio.
No terror em que vivia de seu pai, a rapariga começou a perder cores
e apetite, a entristecer cada vez mais. Atanásio todos os dias a via
mais pálida e tristonha, mas não conseguia resolver o caso. Depois
de muito ponderar, decidiu acabar com aquela agonia mútua o mais
depressa possível, e a única solução viável, ainda que perigosa,
pareceu-lhe ser o rapto. Falou com Aldonça, que concordou com a
solução, e combinaram a oportunidade.
158
Assim, numa noite de Agosto, em que o luar inundava a perder de
vista a planície alentejana, Atanásio chegou ao portal da horta onde
já Aldonça o esperava, acocorada junto a um muro para se esconder
na sombra. Ao ver chegar o amante encheu-se-lhe o coração de
alegria e de gratidão por Alá. Ergueu os olhos ao céu numa muda
oração de agradecimento pelo paraíso que antevia abrir-se-lhe e,
nesse momento exacto, um estranho caso aconteceu: Aldonça
transformou-se em fonte, Atanásio transmudou-se em serpente.
Conta a lenda que a Alá não prazia esta união de diferentes religiões
e, por isso, encantou para todo o sempre aquele par de namorados.
Dizem as gentes da terra que em noites de luar, especialmente em
Agosto, se vê muitas vezes a cobra bebendo naquela fonte as longas
saudades de Aldonça.
159
... ao ouvirem isto, o par de ciganos estreitaram-se mais ternamente
no abraço em que estavam enlaçados e saciaram longamente as
saudades e os medos que os perturbavam quase não acreditando na
felicidade que lhes era concedida ao abrigo das leis e costumes e
talvez dos interesses escondidos das religiões e dos senhores que
mandavam na sociedade que eles se atreviam a invadir e a perturbar,
correndo sempre de lado para lado na sua carroça que os levava de
terra em terra de feira em feira de festa em festa percorrendo
incansavelmente o imenso Alentejo sempre misterioso e sedutor, com
mil segredos e tesouros para encontrar e contar, e de encantar...
Ainda inconscientes semi-adormecidos na ânsia de matar a sede
insaciável, eis que mais um cantador vinha da profundidade dos
tempos, cantar com as suas oitavas de decassílabos quase épicos:
a LENDA DE BEJA - a fonte da moura...
O certo é que aos dezassete do mês de Novembro do ano de mil e
novecentos, quando o século vinte estava mesmo no alvorecer,
conta-se que o poeta Edmundo Belfonte concebeu os seus versos
heróicos de oitavas, com musicalidade, ritmo e rima de “Os
Lusíadas”, tentando cantar, com a “FONTE MOURA”, a epopeia da
cidade de Beja e da Planície sem limites para o Sul...
Apareceu publicada pela primeira vez no jornal “A FOLHA DE BEJA”
N° 419, Ano IX, de 10 de Janeiro de 1901, que tinha como editor
João Valente Beck, mas tinha tido como Director Político, José
Mendes Lima e foi um jornal que sobreviveu até 1919 sob a
orientação de Marques Mendes.
Foi no “Jornal de Beja” de 17, 20 e 25 de Junho de 1986 que foi dada
de novo a conhecer aos seus leitores, pela mão, julgamos nós, do
amante enternecido pelas coisas da sua terra, o senhor Barbosa
160
Bentes, neto do último director daquele jornal e mais conhecido por
“o Cheira Pedras” pelo ardor e pelo empenho que sempre pôs em
procurar conhecer e dar a conhecer todos os sinais que podem ajudar
a ler a história e as raízes deste povo...
Mas, ciganos que somos, sempre a deambular, e assim que vamos
encontrar o par amoroso  o cigano Castanho e a cigana Mariana,
sentados ao fresco da fonte, depois de saciados, ouvindo o poeta de
novecentos...
161
162
LENDA DE BEJA – A FONTE DA MOURA
2.04 - LENDA DE BEJA – A FONTE DA MOURA, por
Edmundo Belfonte,
1º in “A Folha de Beja”, 10/01/1901
2º, in “Jornal de Beja”, em 17, 20 e 25 de Junho de 1986
por intermédio do senhor Barbosa Bentes.
Subindo à velha torre do castelo
Erguida ao noroeste da cidade
Desfruta o visitante um quadro belo
Se do ano correr a mocidade,
Verá da mãe Natureza o gran desvelo,
Vestindo de verdura a imensidade
Das campinas, e, orlado a mal-me-queres,
As messes bastas da cuidosa Ceres.
Ao leve e fresco arfar da viração,
Que corre pelo prado a suspirar,
Exercendo sobre nós fascinação,
Parece o campo, movediço mar.
Enchendo-nos de gozo o coração,
O doce panorama faz sonhar
Co’um ser celestial, casto e gentil,
Poder divino do ridente Abril.
Planície sem limites para o Sul,
Desdobra-se formosa, viridente,
Por sob a vastidão da cúpula azul
D'um belo e puro céu, sempre fulgente.
Por entre o flóreo manto de taful
E gracil Primavera permanente,
163
A música das aves, e defronte,
Em linha sinuosa, o horizonte.
Olhando agora desde o norte a leste,
Um campo acidentado se descobre (Serra do Mendro)
Vestindo um manto muito mais agreste;
Porém a flora tem par'cer mais nobre.
O flóreo manto, que neste campo veste
Segredos da Natura mãe encobre;
São ledas aves descantando amores,
São frescas fontes e mimosas flores.
Desçamos à planura a ver agora
Um tanto mais perto a Natureza,
Após um pouco do nascer da Aurora,
Saindo aos prados da gentil beleza.
Primeiro comecemos pela flora
Do Norte a Leste, que dará surpresa
Num célico conjunto d'harmonia,
Enchendo o peito d'alegria.
Aqui cristais destila a Fonte Santa, (Água medicinal)
Oculta  estando junto à férrea via;
Um tanto mais abaixo alegre canta
Gentil donzela, que ao amor envia
Queixumes ternos com que o moço encanta,
Qu’aos doces cantes com prazer se alia.
Num tanque mais a leste há lavadeiras (Pelame)
Lavando sob o olor das laranjeiras.
Além no cimo da vertente o Santo,
Que às almas justas dá no céu entrada,
164
Olha as campinas de florente manto
E escuta atento pastoril balada.
Ao lado a Borja, com pomar d'encanto (Horta do Borges)
Sentada à beira de escabrosa estrada
E além d'um ribeirinho com decência (Barranco do Rabelo)
A quinta apelidada Consciência.
Mais longe, no planalto d'um outeiro,
Contempla as graças do surgir do Sol
A Senhora das Neves que primeiro
Descobre a luz purpúrea do arrebol.
E neste campo florestal inteiro
Hinos d'amor repica o rouxinol,
Enchendo os peitos d'eternal magia,
Quer seja noite ou brilhe o claro dia.
Voltemos para o Norte. O Carmo Velho
Ou antes as históricas ruínas,
Convento onde do célico Evangelho
O povo ouviu as práticas divinas,
Onde a caridade, o são conselho
Aos homens ensinou Santas doutrinas,
Com suas largas derrocadas portas
Domina pequeninas, várias hortas.
Detrás, a curtíssima distância,
Envolta em flores que a luz bela doura
Num paraíso d'ideal fragrância
Oculta-se a gentil FONTE DA MOURA,
(falham 2 v. já na 1ª ed.)
Onde dizem, divinal princesa
165
Mourisca, foi esconder sua beleza.
Versão lendária, mas que prende e agrada
Contava-me em pequeno minha avó:
 Meu filho; nesta fonte transformada
Em cobra, uma princesa sobre o pó
Se arrasta, começava, que encantada
Há muito tempo está. Isto é um dó.
Já muita gente viu a pobre cobra,
Que, súbito fugindo se desdobra.
Malvada gente que no mal só pensa,
A cobra procurando em seus retiros,
As armas vis lh'aponta, sem detença,
Mandando à triste venenosos tiros!
Mas ela estando a fado estranho apensa
Sem dano se retira, entre suspiros,
Sumindo-se instantânea, prontamente
Aos olhos desta tão malvada gente.
Um dia uma formosa rapariga
Vivendo com seus pais n'um pobre monte,
Que perto ali ficava, e era amiga
D'a horas altas ir beber à fonte,
Fiando o fuso setinosa estriga,
Angélica deidade viu de fronte
Da ubérrima, cristalina origem
Que fora do Empyrio etérea virgem.
A tímida donzela receosa
Passando perto as boas noites deu,
Notando que a deidade suspeitosa,
166
Que súbito a tal hora lh'apareceu,
Tinha na frente, linda e cobiçosa
Uma condeça, que hábil mão teceu,
Contendo largas e mimosas passas,
D’aquelas que em tal tempo eram escassas.
A estranha criatura respondendo,
Ao cumprimento da gentil donzela,
Lhe disse, seu trabalho suspendendo:
“Feliz te faça Deus, criança bela.
Não queres passas, filha? Tira, querendo."
A jovem se aproxima com cautela,
Tirando quatro passas a tremer
“Não tiras mais? Pesar haveis de ter..."
Agradecendo se retira a jovem
De susto e medo muito atormentada;
Em breve, cantos d'alma que comovem
Ouviu, apenas alcançou a estrada,
São cantos que apesar do medo, a move
Para ouvi-los, fazer ali parada;
Julgou ouvir voz dum Serafim,
Que tristes mágoas declinou assim:
Oh Silvanea, oh Silvanea
Oh Silvanea desgraçada!
Há-de vir o fim do mundo
E Silvanea aqui postada!
Pobre flor da Murinea
N'este vale abandonada
Por um Pai que te adorava
167
Oh Silvanea desgraçada!
Sempre entregue a negro olvido,
Em cobra vil transformada
Chegarás ao fim do mundo
Oh Silvanea desgraçada!
Nem no inferno profundo
Tu terás, Silvanea entrada,
Pois que a lei dos teus deixaste
Oh Silvanea desgraçada!
Por seres do jovem Cristão
Terna flor idolatrada
Te votou a eterna dor
Oh Silvanea desgraçada!
Mal dizendo o teu amor
Te deixou escravizada
Dum poder desconhecido
Oh Silvanea desgraçada!
Verás bela a flor na haste,
Pouco depois desfolhada,
Isto por anos sem conto
Oh Silvanea desgraçada!
Teu sofrer não tem desconto
Tuas mágoas não são nada
Para a demência paterna
Oh Silvanea desgraçada!
168
Fica entregue à dor eterna,
Com teu pranto malfadado,
Alimentando esta fonte,
Oh Silvanea desgraçada!
Cessou da moura o cântico sentido
Sucedendo-lhe então fremente pranto
Profundos ais de queixas mil seguido
Que os ecos da campina acorda em espanto!
Dizia minha avó, que após o encanto,
Cessou da moura o cântico sentido
Sucedendo-lhe então fremente pranto
Profundos ais de queixas mil seguido
Que os ecos da campina acorda em espanto!
Dizia minha avó, que após o encanto,
Muitos séculos tinham decorrido,
E que esta moura só se põe vista
Na festejada noite do Baptista.
Opresso o peito, alucinada a mente
E as pernas mal sustendo o débil busto,
A casa corre atarantadamente
Mordida a moça por crescente susto,
Entrando em casa cai redondamente...
Mas corre a socorrê-la irmão robusto,
Que o pulso possuía duro e forte,
Esbelto o talhe e donairoso o porte.
169
Voltando à natural serenidade,
Narrou a jovem, detalhadamente
O caso estranho, baixo, à puridade,
Temendo ouvi-la qualquer outra gente.
A dar prova de cabal verdade,
Notou que as passas milagrosamente
Se tinham transformado em peças d’ouro
Brilhando como um fúlgido tesouro!
Beja, 17.11.1900
Edmundo Belfonte (in "A Folha de Beja", 10 de Janeiro de 1901)
170
img018 – a moura encantada em fonte e a tímida donzela
A tímida donzela receosa
Passando perto as boas noites deu,...p. 165
171
172
Sentados ali à beira da fonte que sai duma mina e corre para um
barranco que atravessa uma azinhaga, foi assim que a cigana
Mariana e Cigano Castanho ouviram o épico arrojado cantar as lendas
que a avó misturava da bela moura Aldonça que passa a Silvanea
desgraçada e aparece a uma formosa rapariga, amiga de a altas
horas ir beber à Fonte e fica com quatro passas transformadas em
ouro, fúlgido tesouro, que fica a testemunhar a verdade de toda esta
fantasia...!!!
Era a avó que misturava as lendas? De Aldonça e Alfátima lá nos
Hermíneos tão perto e tão distantes, se contam lendas semelhantes,
como a da Moura Encantada do caminho de Mértola...!!! Era a avó ou
vate que sonhava e de tanto sonhar as misturava?!!!
Ali postados, deslumbrados, os ciganos nada puderam confirmar.
Era no luar de Agosto. Não tiveram pois oportunidade de ver a
aparição da cobra aparecer na meia-noite do dia de São João!
 Num outro ano havemos de cá vir, sem ninguém nos ver, na noite
de 23 para 24 de Junho...  Prometeram!
173
174
0.2.1 - ENCONTRO DOS MAGOS NA FONTE DAS
CAVADAS
Mas os ciganos, mesmo apaixonados como o par jovem que nos leva
a correr pelo Mundo da Fantasia e do Maravilhoso, não vivem só da
água das fontes... deram conta que precisavam de comer, e como
eles,
também
os
animais
que
puxavam
as
carroças
e
os
acompanhavam nas suas andanças... Correram os montes por palha
mas o ano não tinha sido lá muito bom... A primavera não tinha sido
luminosa como os mais anos... e umas chuvadas já no mês de Junho
tinham derrubado as searas e atrasaram as ceifas que só podiam ser
magras, e o mais do grão a rebentar com a humidade e o calor, e a
palha estava a apodrecer...
... Só lá p’rás herdades fartas é que se pode esgravatar alguma
coisa do que sobra aos que têm a mais...  sentenciou o velho
cigano sentado nas pernas dobradas como os budas do oriente e
enrolando o tabaco na mortalha que não dispensava...
 É abalarem lá para as bandas da Almocreva que dali nunca
arredou pobre de pedir sem ser aviado!...
 ... A palavra do velho é Lei e ainda por cima ele sabe o que diz
sem dali arredar pé... e o mais, nós não temos mais aqui o que
procurar...
Vamos assim ver os ciganos abalar azinhagas fora ao redor dos
montes que ladeiam o Carmo Velho, meter à circular e seguir os
caminhos do Monte da Almocreva onde as sobras dos imensos
telheiros que abrigavam os fardos davam para fartar e ainda
sobrava...
175
Satisfeitos e servidos, vamos encontrar o par de ciganos acampados
junto à FONTE DAS CAVADAS que ao outro dia logo chegarão os
outros com a erva e a palha que arranjaram pelo caminho...
 E a noite é toda nossa,  gemeu a cigana Mariana ao ouvido do
cigano Castanho!
E era. Mas não era.
Depois de matarem a sede na água fresca e abundante que ali corre
e sempre correu por duas bicas de água sempre abundante duma
grossura maior que os pulsos fortes dum homem do campo cavador
de enxada e corre farta e livre tanto de verão como de Inverno e que
de verão ainda é mais fresca que de Inverno... os nossos ciganos
recolheram para passarem a noite no seu palácio encantado que era
em cima da palha por baixo da carroça...
Ele não há fonte como a das Cavadas!... Só nos anos da seca é que a
cortaram uns tempos para reforçar o abastecimento da água à cidade
mas quando veio a água do Roxo amanharam-na outra vez como
houvera de ser e ali corre ela generosa e perdulária a perder-se pela
valeira que ia encher o lavadouro e regar as hortas da quinta da
Faleira que faziam a abastança de tudo o que era verde no mercado
de Beja... isto nos anos em que aquilo tudo ali eram hortas...
Agora!!! perde-se por aí que é uma dor de alma... Uma água como
não há outra! ...que é muito melhor do que essa que vendem pr'aí
em garrafões... uma água que até é boa prós doentes e prós bebés...
É ver a quantidade de gente que, ainda agora, que já há água
canalizada nas casas do Penedro, vem aí com as bilhas metidas nas
rodelas dos carrinhos de mão que durante anos e anos foram a
canalização das casas deste povo todo... e os que já não têm esses
carrinhos, vêm com garrafões e depósitos, e vem gente da cidade e
doutros lados até de carro para beberem desta água que não há
176
outra igual... Mal há-de ser se vão ter de a cortar outra vez para a
misturarem com a outra água que vai para os depósitos e depois é
tratada e distribuída pelas casas... Mal há-de ser se nos tiram tudo o
que é são e autêntico como esta água que sai pura e verdadeira do
ventre da terra...
É que aquela noite era noite de luar e os nossos ciganos custavam a
adormecer. E como lhes custava a adormecer no meio do seu enleio
ouviram vozes que vinham lá dos lados da fonte e pareciam ser de
muita gente reunida... Aguçados pela curiosidade rastejaram do seu
esconderijo ali escondido a céu aberto e puseram-se a espreitar... O
que haviam de ver?
Naquela noite os MAGOS DA CLAREIRA ESCONDIDA NA FLORESTA
tinham precisamente escolhido a FONTE DAS CAVADAS para a sua
reunião de sábios que desvendam os mistérios do Universo e da
Natureza Humana e ali estavam reunidos em grupos de magos e
fadas espalhados pelas mesas e pelos bancos e pelo muro baixo que
rodeia a cúpula branca que protege as bicas da fonte e forma sobre
elas como que uma caverna fresca por onde, quem sabe, se pode
entrar no Mundo das Mil e Uma noites?...
Eram então eles que contavam aquelas coisas sobre aquela fonte e
dizia-se que diziam muitas coisas mais?!!!...
Mal vai aos seres humanos se lhes tiram tudo o que é são e autêntico
como esta água pura e verdadeira que aqui sai do ventre da terra
para lha darem depois de misturada e tratada com produtos e
purificada, dizem eles, porque por este andar vão dizer que só são
bons para as pessoas os produtos de plástico misturados e
modificados e tantas vezes conspurcados que em vez de alimentarem
andam para aí a matar a gente aos bocadinhos como fazem com os
177
insecticidas que tudo vão envenenando até o que eles comem e
bebem... Pobre humanidade se não for capaz de salvar algumas
fontes de água viva para poderem matar a sede verdadeira!
Pobres deles se secam todas as fontes como as que têm ainda, de
poesia e canto e lendas e contos e tradições populares para
alimentarem os seus sonhos de felicidade e liberdade... e de vida!!!
Pobres deles quando se convencem que, para conseguirem a
felicidade, tem de conseguir que tudo seja igual, fabricado em série,
tudo a obedecer ao mesmo modelo... quando se vestirem todos da
mesma maneira, quando todos forem iguais, quando todos pensarem
da mesma maneira!... Pobres loucos que não sabem o que querem! E
o perigo das doutrinas religiosas e políticas e ideias pessoais quando
se convencem até que o ano seria ideal sem as quatro estações, que
seria melhor haver só dia ou só a noite, ou só a luz ou só a sombra,
só o bem ou só o mal...
e não dão conta, coitados!, que se tivessem isso, teriam o tédio a
morte... o caos que não gera a vida se fossem esses loucos a criar a
humanidade... Que seria do Universo se não houvesse o estímulo
criador da diferença do calor e do frio do peso e da imponderabilidade
da luz e das trevas como diz Milan Kundera, Hubert Reeves e
outros... e da energia sublime das milhares de variações existentes
entre os pólos negativo e positivo em que muitos querem dividir a
Humanidade como a Morte e a Vida e o Bem e o Mal ?!
178
img019 – a fonte das cavadas… uma visão naif…
...hoje estamos aqui reunidos à volta desta fonte que rebenta em duas bicas cheias
de impulso e de força duma mina cavada nas entranhas da terra... p. 181
179
180
 O certo é que, caros comagos e cofadas,  ouviram às tantas falar
os ciganos escondidos ao luar  hoje, estamos aqui reunidos à volta
desta fonte que rebenta em duas bicas cheias de impulso e de força
duma mina cavada nas entranhas da terra que com duas golfadas
enche o pequeno poço ali cavado e protegido e depois se perde pela
regueira cavada em sulco por esses campos e ribeiros e vai
fertilizando os terrenos, encher lagos e talvez desaguar no mar e
voltar ao interior da terra transformada em chuva ou em neve para a
tornar a fecundar e brotar de novo e tudo fazer renascer...
Numa terra seca e deserta como esta imensa planície que chamaram
Alentejo é a água que produz o milagre da vida e a falta de água é
fonte de angústia desolação e de morte...
Esta força da água a correr forte por estas duas bicas é música
maravilhosa encantatória que as pessoas em grupos, sozinhos, aos
pares, às escondidas... vêm ouvir para alimentar o seu sonho de
fertilidade felicidade vida... É como a força sedutora da mulher, do
feminino... é o signo da beleza e do bem da fantasia... é o sinal de
que pode haver um mundo em que tudo, mesmo inacreditável, é
possível, e todos os desejos podem ser realizados.
Mas não é só esta fonte que existe.
Tanto nesta como em muitas outras, há seres que vêm à procura dos
seus sonhos de felicidade e é por isso que há, por todo o lado, a fonte
dos namorados e as fontes de sete bicas...  e aqui, os nossos
ciganos tiveram um sobressalto, ao lembrarem-se das numerosas
fontes que tinham visto por todo o mundo que tinham corrido e das
que tinham ouvido dizer que havia, isto contado pelo velho cigano
que já tinha corrido muito mais mundo do que eles, e as tinha ou
visto ou ouvido contar a outros velhos ciganos, que tinham corrido
tudo o que era Mundo...  e em todas elas, de água fresca e
cristalina, aparecia, nas noites de luar, uma princesa encantada, que
181
seria uma bela moira ou uma bela adormecida ou uma princesa do
oriente ou do ocidente ou índia ou dos países exóticos dos Andes ou
das Ilhas, conforme a fantasia e os sonhos de cada um... e ali estão
elas, encantadas, à espera dum milagre, dum feito heróico que
desfaça o encanto!!!
Vejam por exemplo o que acontece na FONTE MOURO. Uma fonte
que fica além para Norte do outro lado da cidade mais ou menos à
mesma distância que esta fica e onde na outra noite pernoitaram o
par de namorados que são nossos convidados esta noite... !!! e eles
que pensavam estar ali escondidos a assistir a uma reunião de seres
nunca vistos e ouvidos... a cigana Mariana abriu muito o olhos e
agarrou-se com força ao corpo do cigano Castanho que ainda os tinha
mais abertos e morria de pavor...  Sim, eles pensam que nós
somos seres como os outros que estão habituados a espiar e pilhar, e
o certo é que somos, mas não somos bem como os outros porque a
nós não é preciso iludir e enganar... Venham para aqui e sentem-se
connosco para nos contarem o que viram e não viram e aqui sempre
estão melhor gozando do fresco destas árvores e destes bancos e
podem ficar inebriados pela música desta água refrescante que brota
das entranhas da terra com uma vitalidade carregada de fecundidade
e fertilidade...
De manso, muito de mansinho... de mãos dadas um ao outro... o par
de
ciganos
levantou-se...
começou
a
caminhar...
e
como
transportados nas asas da brisa suave que corria imperceptível...
encontraram-se maravilhados no meio da assembleia dos magos e
das fadas que tinham muitas coisas para contar... e semeavam,
durante a noite, as sementes de todas as flores de todos os sonhos e
desejos que depois durante o dia se haviam de tornar realidade e
crescer e multiplicar-se à luz do sol...
182
Como viram, explicaram então os sábios da clareira escondida na
floresta depois de lhes terem dado a beber da água da fonte em
transparentes taças de cristal que ali apareceram como por magia e
eram, pura e simplesmente, cocharros talhados em cortiça ou a
concha das mãos unidas como toda a gente pode beber, como viram
lá na vossa FONTE MOURO que outros chamam a FONTE DA MOURA
porque pensam que é mais claro e mais simples, mas esquecem ou
querem esquecer que a fonte foi descoberta e mandada construir
pelo mouro que consideram mau e terrível e esquecem muitas vezes
que mesmo ao lado, não muito longe, fica o monte da FONTE DA
COBRA e logo mais adiante o monte da COBRA que vão espreitar a
medo e até lhe metem um MONTE da SERRA pelo meio para impedir
que se juntem, sem perceberem coitados! que a magia da FONTE
MOURO da encantada princesa perderia todo o sentido sem a ameaça
terrível constantemente possível de aparecer por lá uma cobra
sedenta a beber longamente as saudades de Aldonça... Há mesmo
quem diga que caçadores espertos e experientes já tentaram tudo
para matarem o monstro que aparece ali em noites de luar com todas
as artimanhas laços armadilhas e tiros fatais... mas para sorte deles
e da humanidade a Cobra esguia sempre sempre se esgueirou sem
dano desaparecendo instantaneamente dos olhos cegos dos mortais
para sempre aparecer de novo a beber a beber sem nunca se
saciar...
Chega por hoje, por esta noite que já vai bem alta, porque temos
mais convidados para uma festa de despedida... e era certo. Ansiosos
pelo calor da noite e intrigados pelas coisas misteriosas que se
passavam no ar ao luar daquela noite, os pares de namorados da
aldeia tinham-se levantado e com a desculpa aos pais que morriam
de sede e iam buscar água para toda a família, pegaram no carrinho
de uma roda com dois arcos e dois braços e com os potes vazios
partiram a caminho da fonte onde, por pressentimento, sabiam que
183
iam encontrar os seus amados. Não era novidade nenhuma isso, que
já tinham aprendido desde os trovadores medievais que cantavam os
encontros secretos dos amantes que todos acabavam por saber, mas
o que não sabiam é que naquela noite, se iam encontrar em tão
brilhante e encantatória assembleia... encantados de espanto de se
verem todos misteriosamente descobertos nos seus secretos sonhos,
em coro de magia de braço dado, fizeram uma grande roda à volta
dos magos e do par de ciganos e todos em roda puseram-se a
cantar...
as canções das FONTES de todo o tempo e lugar...
184
2.2 - A/s LENDA/s DA FONTE DAS
CAVADAS
185
186
...E no meio dos cantos e da festa, um par de namorados não se
conteve e passou a co/antar a seguinte LENDA...
2.2.01 - LENDA DA FONTE DAS CAVADAS – 1ª Versão
... Todos vocês sabem que esta Fonte das Cavadas, serviu durante
anos e anos o povo do Penedo Gordo, que inventou, para a
transportar, um carrinho de mão prático e original, que entre a roda
dianteira e as pegas para o guiar, se abria em dois arcos onde se
podiam transportar duas bojudas bilhas de água que eram a água
corrente das casas e a água que matava a sede à gente nos trabalhos
do campo...
Foi mandada construir pelo senhor Joaquim Filipe Fernandes, em
1876, como lá está gravado na pedra por cima das bicas, e era o
dono da Quinta da Faleira e das hortas que verdejavam por esta
regueira e forneciam o mercado de Beja durante anos e anos...
Olhando daqui para nascente e para o norte, podemos ver que
estamos no vértice dum triângulo formado pelo castelo de Beja e
pelos campos a perder de vista dos Condes da Boavista, Santa Clara
do Louredo... Esta é a fonte que dava de beber aos que trabalhavam
no monte da Almocreva... e tudo isto parece envolver um certo
mistério e significado...
Tudo isto, como se pode ver, é rodeado de férteis terrenos de cultivo,
dos melhores barros vermelhos de Beja, do Alentejo...
... Consta... Contaram-me... Ouvi dizer que havia por aqui um touro
e uma serpente.
A serpente, cobra, procurava delimitar o seu território de pasto, de
comida, de sustento e de domínio... para si e para as cobras suas
187
súbditas que viviam na sinuosa ribeira alimentada por um fio de água
que ninguém sabia donde vinha...
O touro, esse vivia nos fartos pastos circundantes que sustentavam
numerosa manada de fecundas vacas leiteiras, o seu orgulho e
harém...
Consta então, que um dia se envolveram numa disputa por questões
de água...
O touro: que a serpente lhe roubava a água que fazia reverdecer os
seus pastos...
A cobra: que o touro era o culpado de lhe faltar a água no veio por
onde ela se movimentava, porque os campos sequiosos ao redor,
para se manterem verdes e lhe darem alimento e mais a todas as
vacas, lha bebiam toda e a deixavam a míngua...
...Decidiram-se então por uma luta. Uma luta que seria de morte...
E... nessa noite, de lua resplandecente, quando a cobra se erguia no
seu corpo enroscado para abraçar o seu inimigo e o apertar no seu
abraço mortal...;
e o touro investia já de cabeça a rojar quase o chão com os
poderosos cornos apontados e levantava sucessivamente as patas
dianteiras para esmagar o réptil repelente, eis que se produziu o
encanto...
...Nessa altura, o rei dos animais?, a Lua?, o Sol?, alguma Estrela?,...
interveio... paralisou-os e disse:
 Vós que disputais por causa da água... ides transformar-vos em
fonte... tu, touro ficarás uma bica mais grossa e poderosa... e tu,
cobra, uma bica mais fina de água sempre corrente e forte que será
fresca e deliciosa no verão e quente e reconfortante no inverno... e
sempre separados e sempre misturados, ambos cavareis uma ribeira
CAVADA serpenteando e fertilizando todos estes campos e matando a
sede a todos os viandantes que vão demandar estas paragens, no
188
meio deste Alentejo quente e tórrido... e isto para sempre... assim
disse a fada!
... e foi assim que nasceu, talvez, a LENDA DA FONTE DAS
CAVADAS...
189
190
...Mas a namorada disse: Eu sei outra versão!... e timidamente,
começou a contar assim:
2.2.02 - LENDA DA FONTE DAS CAVADAS – 2ª Versão
Conta uma lenda, de tempos muito antigos, parece que de mil mais
mil anos, que correram incessantemente sobre a vida, que,
ali, no vértice do triângulo que os barros vermelhos da Almocreva,
Penedo Gordo, formam com o castelo de Beja ou com a casa da
Torrinha que é o solar Almodôvar e o solar dos Condes da Boavista, a
umas centenas de metros da sede do monte maior da Almocreva
nome feminino de almocreve que não é comum usar no feminino e
nos leva a supor que já em tempos muito antigos que se perderam
na memória, teria havido uma mulher que suplantou os homens no
ofício de organizar e conduzir as caravanas de bestas de carga, ali,
muito perto da propriedade mais conhecida pelo número e qualidade
de vacas leiteiras e de touros mais famosos da região...
havia um lugar especialmente fresco e verdejante, farto em bons
pastos para o gado, que era atravessado por um declive, uma valeira,
entre terrenos, que aparentava ser mais fresco e verdejante e
transmitia por assim dizer frescura e fecundidade aos campos e
montes de ao redor que eram ponteados aqui e além por recantos de
sombras raras no meio da campina abrasadora...
e no meio desse pasto, pachorrento e distante, como se nada fosse
com ele, havia um grande touro que dominava e protegia a maior e
mais luzidia manada de vacas leiteiras que se espalhavam pelos
imensos pastos abundantes e verdejantes e produziam leite em
abundância que eram o alimento, a força e o sustento de toda a
gente daquela esforçada e laboriosa região...
passava por ali muito perto a larga e espaçosa canada por onde, nos
períodos da transumância, corriam centenas e centenas de cabeças
de gado guiados por experientes almocreves que conduziam as
191
manadas com a ajuda dos seus maiorais em busca de pasto e de
frescura, quando o calor tórrido ameaçava deixar à míngua o gado
que era a razão de ser e o meio de subsistência de toda uma imensa
e estranha região...
a acompanhar essas manadas de gado e atraída pela magia do
perfume do leite, uma grande cobra estendia a sua vigilante avidez
por toda aquela zona fértil de bom pasto onde pastava a maior
manada de vacas dominada e protegida pelo touro maior e mais
poderoso que por ali jamais fora visto, grande e poderoso como um
penedo...
era insinuante e discreta a cobra que se esgueirava por entre as
árvores e as ervas da valeira e atrevidamente atravessava fugaz e
repentinamente os caminhos e valadas por onde transitavam a gente
e os animais com suas caravanas de bestas de carga e carros de
carga e carroças...
o touro, pesado e pachorrento, circulava lenta e vagarosamente com
a sua imensa manada pelos campos cercados de estacadas aramadas
em ciclos regulares para aproveitar sempre os pastos tenros e
renovados renascidos e alimentados pelas águas e pelo sol que
também por si obedecem a ritmos renovados, e assim serpenteavam
pelos campos fartos e abundantes prenhes de fartura e abundância
ao sabor das estações...
assim também a serpente circulava discreta e disfarçada de mil
formas aspectos e disfarces habilmente insinuada por entre as ervas
e riachos, veios de água veredas e caminhos...
foi assim que, durante muito tempo, iludidos e disfarçados, viveram
em
aparente
e
desconfiada
paz
os
inimigos
inconciliáveis
e
dependentes que não podiam nem ver-se, nem viver um sem o
outro...
até que um dia...
um dia, ali a uma centena de metros do vértice do triângulo
equilátero que forma a Herdade da Almocreva com o Castelo de Beja
192
ou a Torre do solar dos Almodôvar e o solar do Condes da Boavista ali
para Santa Clara do Louredo... eis que um dia se encontram, se
afrontam, se acusam mutua e violentamente...
 ah! és tu serpente maldita que em certas épocas do ano me
roubas a água que fecunda os campos onde cresce a erva verde e
abundante que sustenta a manada que dá o leite que é o sustento, o
vigor e a força desta região e do seu povo?...
 ah!, és tu maldito, que com tua imensa manada me roubas todos
os refúgios e me deixas a descoberto em todos os esconderijos em
que me tento esconder!!!?
 ah! és tu serpente cobra que roubas o leite e mataste a vaca
leiteira que alimentava o vitelo mais forte e prometedor de toda a
manada?...
 ah! eras pois tu e o teu gado que me roubavam as poças de àgua
dos regatos que me refrescavam e me permitiam ocultar da vista dos
que me perseguem e querem matar...!?
 ah? eras tu que afugentavas e assustavas a manada que tantas
vezes fugia atarantada e espavorida e não parava, irrequieta, sem
poder comer....!?
 ah! eras tu...
...
...
 ah! eras tu...
...
...
e assim, travando-se de razões, que não eram razões, ali se
ergueram um contra o outro em desafio de luta de vida e de morte...
era noite de lua cheia e a luz feiticeira iludia-os encantando-os...
193
já a cobra se enrolava nos anéis que lhe serviam de apoio no chão e
se arqueava para desferir o bote contra o touro monstro, que furioso
investia com todo seu peso e o perigo das suas hastes pontiagudas
de cornos arqueados...
ela disposta a envolvê-lo nos seus mortais anéis... ele disposto a
esmagar a serpente insidiosa e insinuante com todo o peso das suas
patas devastadoras...
foi nesse momento que o feitiço do luar os paralisou e os deixou
estáticos, e a terra se abriu como se fosse uma benção ou uma
maldição...
 Vós que dependeis um do outro e disputais ferozmente pela
frescura das fontes e fecundidade da terra, permanecereis juntos e
separados para sempre transformados em duas bicas de águas
abundantes e imperecíveis que hão-de ser a fonte de frescura e
abundância falada e afamada por toda a região...
e vós viandantes e caminhantes que passardes e aqui vos vierdes
dessedentar assim os conhecereis porque uma bica será grossa e
forte como um touro e a outra será grossa e esguia como uma
serpente
insinuante
e
interminável
e
ambos
nunca
unidos
inconciliáveis mas sempre juntos... separados mas misturados na sua
força indomável correrão serpenteando pela terra até ao mar infindo
e fecundarão a terra e acalmarão o fogo ardente desta região e assim
se unirão dois inimigos irreconciliáveis que hão-de correr quentes no
Inverno e frescos no verão para que assim do encontro dos contrários
aparentemente irredutíveis nasça a fonte da vida imperecível...
as pessoas da região, para a transportarem para as suas casas, hãode inventar um carro de mão com uma cabeça que roda no chão
sustentada por dois braços e com dois membros que se estendem
para o poderem fazer rodar e, no seu corpo, que assenta ainda em
194
dois pés para se poder parar, abrirão dois círculos em
forma
antropogamiamórfica que correrá todos os caminhos e levará a todas
as casas a água, ou, por assim dizer, a própria fonte de água viva e
vivificante...
Assim, Fonte das Cavadas, a Fonte das Duas Bicas, a Fonte do Touro
e da Cobra, são bicas que nos remetem ao início da História e afinal
ligam toda esta história.
195
196
0.2.2 - O
CANTE
DAS
FONTES
Dá-me uma gotinha d'água,
Fui à fonte beber água,
Dessa que eu oiço correr;
Bebi tornei a beber;
Entre pedras e pedrinhas,
‘Stava o meu amor defronte,
Alguma gota há-de haver...?
Regalei-me de o ver!
Alguma gota há-de haver,
Fui à fonte beber água,
Quero molhar a garganta;
Encontrei um ramo verde;
Quero cantar como a rola,
Quem o perdeu tinha amores,
Como a rola ninguém canta!
Quem o achou tinha sede!
Dá-me uma pinguinha d'água,
Fui à fonte beber água,
Não ma dês pelo cucharro;
Debaixo da flor da murta;
Dá-ma pelas tuas mãos,
Foi só p'ra ver os teus olhos,
Para ter sabor tão raro!
Que a sede no era muita?
Para ter sabor tão raro,
Fui à fonte beber água,
É do trabalho no campo;
Achei um ramo de flores;
Nós somos feitos de barro,
Quem'no achou (perdeu) tinha sede,
E da terra é o meu canto!
Quem’no perdeu (achou) tinha amores!
Dá-me uma pinguinha d'água,
Fui à fonte beber água,
Dessa que oiço correr;
Onde o rio desce, desce;
Entre silvas e mentrastos
Nem a água apaga a sede,
Alguma pinga há-de haver.
Nem o meu amor me esquece!
Dá-me uma gotinha d'água,
Fui à fonte beber água,
Não ma dês pela tigela;
Debaixo da vide branca;
Dá-ma pela tua boca,
Fui p'ra ver o meu amor,
Que eu não tenho medo dela!
Que a sede não era tanta!
Dá-me uma pinguinha d'água,
Fui à fonte beber água,
Da boca faz uma bica;
Por baixo da folha verde;
Quanto mais água me dás,
Encontrei o meu amor,
Tanto mais sede me fica!
Bebi água sem ter sede!
197
Fui à fonte beber água,
Em casca de belancia;
Nem bebi, nem truxe augua,
Nem falei com quem eu queria!
... quando o grupo desatou a cantar Dá-me uma gotinha d'água...
todos se lembraram de outras cantigas e outras quadras a cantarem
as fontes, os encontros secretos, as demoras na fonte, as mentiras e
disfarces, as esperas desesperadas dos namorados no caminho das
fontes, as desculpas... os enredos... as más línguas... e todos à roda
cantaram cantaram... e até os magos ciganos entraram no desafio...
e às tantas, já não se sabia quais eram as quadras tradicionais e com
direitos de autor já consagrados pelo tempo e nunca registados, e
quais eram as improvisadas ali inventadas de novo, trocando,
misturando e baralhando as palavras e as ideias...
No Pened(r)o há uma fonte,
D'água fresca e abundante;
É das Cavadas, do monte,
Mata a sede ao viandante!
Há no mundo muitas fontes
D'água pura, frescas águas;
Mas a mais viva entre montes,
É a água das Cavadas!
Há poços e ricas veias,
Água correndo nas casas;
Mas para as gentes da aldeia,
Água sã, só nas Cavadas!
198
Ela dá saúde aos mortos,
Faz medrar na horta a couve;
Não tem tratos desses tortos,
Com'esta água, nunca houve!
Com'esta água nunca houve,
Com'as nossas tradições
Se houver quem no-las roube,
Vai passar consumissões!
Vai passar consumissões,
Porque as fontes não se matam;
Aqueles que matam as fontes,
Trazem a morte na alma!
199
200
img020 – a fonte touro cobra e a figueira…
Mal sabes quanto me alegro
Quando te vejo defronte:
É como quem morre de sede
E põe a boca na fonte.
in Cancioneiro Popular de J. Leite de Vasconcelos, Vol. I, p. 421.
201
202
... No meio do entusiasmo, houve até quem se lembrasse das
cantigas dos trovadores medievais como a de Pero Meogo (1253?1269?), comparando-a com a adaptação de Natália Correia, 1970:
(Levou-s'a louçana),
A bela acordara
Levou-se a velida;
Formosa se erguia;
Vai lavar cabelos
Lavar seus cabelos
Na fontana fria,
Vai, na fonte fria,
Leda dos amores,
Radiante de amores,
Dos amores leda.
De amores radiante.
(Levou-s'a velida),
Formosa se erguia;
Levou-s'a louçana;
A bela acordara;
Vai lavar cabelos
Lavar seus cabelos
Na fria fontana,
Vai, na fonte clara;
Leda dos amores,
Radiante de amores,
Dos amores leda.
De amores radiante.
Vai lavar cabelos
Lavar seus cabelos
Na fontana fria;
Vai, na fonte fria;
Passa seu amigo
Passa seu amigo
Que lhi ben queria,
Que muito queria,
Leda dos amores,
Radiante de amores,
Dos amores leda.
De amores, radiante.
Vai lavar cabelos
Lavar seus cabelos
Na fria fontana,
Vai, na fonte clara,
Passa seu amigo
Passa seu amigo
Que a muito ama,
Que muito a amava,
Leda dos amores,
Radiante de amores,
203
Dos amores leda.
De amores radiante.
Passa seu amigo,
Passa seu amigo
Que lhe bem queria;
O cervo do monte
A augua volvia,
Que muito lhe queria;
O cervo do monte
A água volvia,
Leda dos amores,
Radiante de amores,
Dos amores leda.
De amores, radiante.
Passa seu amigo,
Passa seu amigo,
Que a muit'amava;
O cervo do monte
Volvia a augua,
Que muito a amava;
O cervo do monte
Revolvia a água,
Leda dos amores,
Radiante de amores,
Dos amores leda.
De amores, radiante.
204
2.3 - A LENDA DA PRINCESA
ENCANTADA EM COBRA
205
206
0.2.3 A perplexidade dos ciganos...
As lendas da FONTE MOURO, com princesas transformadas em
FONTE, A FONTE DA MOURA com o seu amado transformado em
COBRA, ver o MONTE da FONTE DA COBRA e o MONTE DA COBRA,
não podiam terminar, sem ver esta transfiguração d' A PRINCESA
TRANSFORMADA EM COBRA.
Foi contada por Simplícia Maria das Dores, de Penedo Gordo,
freguesia de Santiago Maior, Beja, concelho e Distrito de Beja. Não
temos o ano de quando foi recolhida, mas vem no I volume, com o
N° 129, o último do II Ciclo: A BELA E O MONSTRO, dos CONTOS
POPULARES E LENDAS, coligidos por José Leite de Vasconcelos e
preparados para a publicação sob a coordenação de Alda da Silva
Soromenho e Paulo Caratão Soromenho, e publicado POR ORDEM DA
UNIVERSIDADE, (Acta Universitatis Conibrigensis), Coimbra, 1963.
Quem já não percebia nada destes contos, lendas e interpretações,
eram os nossos inseparáveis ciganos, o cigano Castanho e a cigana
Mariana, que depois daquele encontro maravilhoso e inesperado com
o fantástico nunca imaginado, pensavam que estavam dentro dos
segredos dos contos e das lendas e dos signos e dos símbolos que
eles traziam, quando, em vez de verem a princesa transformada em
fonte, ouviram da tia Simplícia, ali do Penedo Gordo, de ao pé da
Fonte das Cavadas, que foi mandada construir por Joaquim Filipe
Fernandes no ano de 1876, como reza a placa de pedra que lá está
por cima das duas bicas dentro daquela cúpula nascida do chão que a
207
protege e guarda para os viandantes se abrigarem e refrescarem...,
contar a lenda: A PRINCESA ENCANTADA EM COBRA... Aí fica, como
a transcrevemos da citada obra.
208
2.4.01 A PRINCESA ENCANTADA EM COBRA por
Simplícia Maria das Dores, do Penedo Gordo…
…por Simplícia Maria das Dores, de Penedo Gordo, freguesia de Santiago Maior,
Beja, concelho e Distrito de Beja In CONTOS POPULARES E LENDAS, coligidos por
José Leite de Vasconcelos e preparados para a publicação sob a coordenação de
Alda da Silva Soromenho e Paulo Caratão Soromenho, e publicado POR ORDEM DA
UNIVERSIDADE, (Acta Universitatis Conibrigensis), Coimbra, 1963
Havia um moinho muito velho chamado da Torre. Diziam que
apareciam lá medos e ninguém para lá queria ir habitar, até que foi
para lá um moleiro mais a mulher morar; havia lá umas figueiras
muito antigas. Debaixo das figueiras aparecia lá uma cobra muito
grande com uns olhos muito ramudos, como os olhos de uma pessoa.
O homem e a mulher viam-na, nas não tinham medo, não se
assustavam; até que uma manhã de S. João apareceu uma menina
muito linda, com um testo de ouro na mão a pedir uma brasa de
lume, chamando-lhe vizinha. A mulher assustada veio à porta ver
quem era; perguntou-lhe onde é que estava, que vinha chamandolhe vizinha. Onde ela disse à mulher que era vizinha, porque estava
ali encantada na raiz da figueira, havia já uma quantidade de anos, e
que saía naquele dia de S. João, porque o encantamento lhe dava
ordem de sair; que vinha feita uma mulher, mas daquele dia em
diante só ali vinha a aparecer, ou feita numa cobra ou num carneiro,
ou num touro, que só assim naquela forma aparecia, e que podia
assustá-los, à mulher e ao tal dito moleiro, mas não lhe podia falar,
porque só aparecia assim feita bicho; o encanto não a deixava
aparecer senão naquele dia de S. JOÃO. Onde a mulher do moleiro,
muito assustada de ver uma menina tão linda, perguntou-lhe se não
havia nada que de lá a pudesse tirar, donde ela estava encantada.
Ela, com muito desejo de sair de lá para fora, disse para a mulher
que podia, querendo, a desencantar de lá: levando ela a mulher
209
dentro de um lindo palácio, que ela tinha debaixo da raiz da figueira,
onde ela tinha a morada; chegou ela a levar lá a mulher do moleiro
para mostrar a riqueza que tinha. A mulher, vendo aquela riqueza, e
prometendo-lhe ela ficar rica, mais o marido, convenceu-se a querer
desencantar a princesa.
Onde a princesa jantou nesse dia com o moleiro e a mulher dele, e
almoçou; e afinal muito contentes se encontravam a princesinha mais
o moleiro e a mulher, onde combinaram da maneira que haveria de
ser desencantada.
A princesa dizia que era desencantada em três noites, caso a mulher
do moleiro tivesse coragem de não se assustar com o que visse; que
a princesa mandava pôr ao pé de uma serra de palha, que ela por
pino da meia-noite lá haveria de aparecer feita de um carneiro.
Parece que vinha para lhe marrar, mas chegou ao pé dela com aquela
fúria com que vinha e ficou feito na princesa; agradeceu-lhe por
aquela noite.
Depois na segunda noite veio feita num touro a berrar e a esgravatar,
touro muito bravo; a mulher com muita coragem ameigou-o,
levantou-o e o touro não lhe fez mal. Ficou outra vez a dita princesa
falando com a mulher, agradecendo-lhe pela segunda noite. Dizendolhe a princesa para ela que na terceira noite, na última vez, é que era
o mais perigo: vinha feita numa serpente e enrolava-se em volta da
cintura e devia dar-lhe um beijo na face esquerda; que não se
atemorizasse, que ela não lhe fazia mal. A mulher assustou-se,
quando ela lhe foi para beijar a cara, e ia para lhe tirar os santos
olhos; ela apertou-a e matou-a, e ela disse-lhe: "Ah! Tirana, que me
dobraste o meu encantamento". E ficou encantada por outra
quantidade de anos.
210
0.2.4 - os magos pesarosos pelo sucedido decidem
não reunir...
Assim ficou o encanto dobrado e o conto acabado...
Desta vez os magos da clareira escondida na floresta já não reuniram
mas foram pensando maduramente durante o enterro da pobre
mulher do moleiro que por falta de coragem dobrou o encantamento
da princesa e pagou com a vida quando descobriu que a serpente
quando lhe foi para a beijar, ia para lhe tirar os santos olhos....
Que mistérios e segredos se encontram encantados neste conto
assim contado em que os medos do moinho da Torre faziam com que
ninguém para lá quisesse ir morar, até que foi para lá um moleiro
mais a mulher... Porquê tantas mutações?
Primeiro cobra, depois menina, depois carneiro, depois touro, depois
cobra?...
Representará esta mistura de masculinos e femininos, e em contraste
com a Lenda da Fonte Mouro em que e Atanásio que se transforma
em cobra, o mito da ADROGENIA do Banquete de Platão, em que os
seres humanos seriam hermafroditas e portanto sós, completos, e
agora
erram
pelo
mundo
na
procura
desesperada
do
seu
complemento que os realize, faça felizes e os torne criadores?... Ou
esta Lenda da mulher corajosa que se atreve a enfrentar perigos
terríveis para quebrar tabus e encantamentos seculares, serão um
aviso
por
exemplo
solidez
da
FAMÍLIA TRADICIONAL
que
só
sobrevive, devido ao mito da FIDELIDADE CONJUGAL!?
Ora como esta sociedade está impregnada por uma mentalidade
machista, falocrática e falocêntrica, parece ser comummente aceite
que A FAMÍLIA TRADICIONAL poderá porventura subsistir se a
INFIDELIDADE FOR DO HOMEM, e sobretudo se for conveniente e
211
hipocritamente disfarçada por ser tolerada, mas tudo ruirá e se
desmorona em derrocada se a INFIDELIDADE FOR DA MULHER por se
tornar SOCIALMENTE INSUSTENTÁVEL... É ver os filmes, os casos
conhecidos de divórcios, e a INSUSTENTÁVEL LEVEZA DO SER de
Milan Kundera, em que Teresa arrasta Tomás, se revolta com as suas
infidelidades, mas sustenta o insustentável até se perderem no
isolamento completo...
Mas vejamos melhor a lenda!
Ao princípio, nada de medos. “Havia lá umas figueiras muito antigas”.
Debaixo das figueiras aparecia lá uma COBRA muito grande com uns
olhos muito ramudos, como os olhos de uma pessoa. O homem e a
mulher viam-na, mas não tinham medo, não se assustavam...”
Um casal isolado, a lidar todo o dia no trabalho do moinho, convive
com a natureza que o rodeia como Adão e Eva no paraíso e nem da
cobra tinham medo, pois até tinha os olhos ramudos como os de uma
pessoa, sinal que a viam de perto e com tempo para poderem
observar bem, a ponto de atentarem bem nos olhos, com a
familiaridade das pessoas mais amigas que se querem...
212
img021 – a cobra a figueira e o moinho…
Havia um moinho muito velho chamado da Torre.
Diziam que apareciam lá medos... p. 207
213
214
A seguir a mulher assustou-se. Quando nada o fazia prever... “até
que uma manhã de S. João apareceu uma MENINA MUITO LINDA,
com um testo de ouro na mão a pedir uma brasa de lume,
chamando-lhe vizinha.”
Em vez duma explosão de alegria por finalmente ter uma vizinha,
ainda por cima linda e atraente, aparece finalmente o susto, o medo
o receio, mas que perante as revelações do encantamento que só lhe
permitiriam aparecer daí em diante em forma de CARNEIRO, TOURO
e SERPENTE e só três vezes, e perante o espanto diante das riquezas
do lindo palácio que era a sua morada debaixo da figueira que a
podiam tornar rica a ela e ao moleiro... a mulher “convenceu-se a
querer desencantar a princesa.” Era só preciso ter “coragem para não
se assustar com o que visse.” e assim depois do susto veio a
sedução...
Então...
“...por pino da meia-noite lá haveria de aparecer feita de um
CARNEIRO.”
A mulher não teve medo e a princesa em que se transformou,
agradeceu-lhe.
“...na segunda noite veio feita num TOURO... TOURO muito bravo.”
“A mulher com muita coragem ameigou-o, levantou-o e o touro não
lhe fez mal.” e a princesa agradeceu-lhe pela segunda noite.
"... Na terceira noite, na última vez, é que era o mais perigo: vinha
feita numa SERPENTE e enrolava-se em volta da cintura e devia darlhe um beijo na face esquerda;...”
E “A mulher assustou-se, quando ela lhe foi para beijar a cara, e ia
para lhe tirar os santos olhos; ela apertou-a e matou-a...”
215
Crê-se primeiro que a mulher tão corajosa terá apertado a cobra
pegando-lhe abaixo da cabeça como sabem fazer os domadores e que
teria matado o encanto, mas o encanto não morre e a pobre mulher é
que paga com a vida e o encantamento é dobrado. "Ah! Tirana, que
me dobraste o meu encantamento...” e aqui ficamos nós estarrecidos
e perplexos perante os signos e os símbolos que esta lenda nos quer
comunicar...
Nem a fúria do CARNEIRO atemorizam a mulher... Nem a bravura do
TOURO a impedem de o acariciar e levantar... Só quando lhe aparece
na forma familiar de COBRA, depois de se deixar enrolar pela cintura,
no momento do beijo, é que a viscosidade duvidosa da SERPENTE
que “foi para beijar a cara, e ia para lhe tirar os santos olhos”;
assustam a mulher que morre e dobra o encantamento...
Caros comagos e cofadas, ouviram os ciganos dizer a uma das fadas
muito comovida depois daquele funeral muito concorrido por todo o
povo que fora abalado por tão insólita história que vinha assim
confirmar os medos pelos quais ninguém queria para lá ir para o
moinho muito velho chamado da Torre,... nós bem que dizíamos...
ele ao princípio nem tiveram medo da cobra que até parecia humana
mas depois ele viu-se... pobre mulher e pobre do moleiro, agora
coitado... e outras coisas mais que se ouviam como é costume,
...caras cofadas e caros comagos, perante estas emoções tão
violentas a que todos fomos submetidos hoje não reunimos para
tentar desvendar esta história que mistura os encantamentos da
PRINCESA em COBRA quase humana e familiar... em MENINA MUITO
LINDA que vai por uma brasa à vizinha e a assusta e seduz... em
CARNEIRO que vai para marrar e se transforma em menina... em
TOURO muito bravo que não lhe faz mal... em SERPENTE falsa ou que
levou a mulher a duvidar com o medo que lhe arrancasse os santos
olhos e a apertou e matou e foi injuriada de TIRANA...
216
Por hoje desistimos de mais tentativas de descobrir os mistérios da
Natureza
Humana
até
porque
já
deixámos
muitas
pistas
na
assembleia da primeira noite da clareira escondida na floresta quando
falámos do TOURO e da COBRA, e deixamos cada um entregue à
necessidade do seu isolamento, à imperiosa ânsia de estar só e de se
deixar assustar e seduzir e não ter medo e se deixar morrer de medo
e o anseio imperioso de viver com os outros e conviver, ver até olhos
humanos na cobra grande e repugnante, assustar-se com a menina
que encanta e seduz, enfrentar as fúrias do carneiro e do touro, mas
deixar-se matar perante a ameaça de deixar de ver... DE FICAR SEM
OLHOS PARA VER...
A cigana Mariana assustada que fechara os olhos para pensar deitada
no campo, voltada para as estrelas, acordou sobressaltada e olhou
para o seu companheiro o cigano Castanho que dormia a seu lado...
Não dormia. De olhos bem abertos percorria o céu inteiro onde
naquela noite brilhavam as estrelas ofuscadas pelo brilho da lua, e
quando a sentiu acordada, apontou as estrelas e falou sem a olhar
para não perder as suas descobertas:
 Olha, olha que maravilha as constelações riscadas no céu. O
CARNEIRO além mansinho, parado, como que deitado junto aos
Peixes; O TOURO logo a seguir a arremeter em fúria com a testa e os
chifres cravejados de brilhantes estrelas e a mais brilhante e maior é
a Aldebarã; e além mais longe A SERPENTE que não se vê senão uma
parte porque a outra há-de rodar do outro lado do mundo, mas fica
além ao lado por cima da Balança... é o Ofioco... o signo que não
existe... o 13°... aquele que faz a ligação entre os doze para que o
ciclo dos 12 se renove incessantemente...
217
 Não vejo bem! Não... Já vejo. Ajuda-me a encontrar... pediu a
cigana.
 Olha além... depois logo a seguir... agora do outro lado do céu...
Já vês?
 Que mistérios e segredos têm as estrelas para nos contar? Será
que brilham tanto só para nos encantar?...Não acredito. Tanto
encantamento e beleza e tanto brilho, hão-de servir com certeza para
VERMOS... Um dia destes havemos de surpreender de novo os Magos
da Clareira escondida na Floresta e havemos de aprender mais uma
infinidade de coisas sobre os mistérios do Universo e da Natureza
Humana... sonhos e verdades que eles nem sequer se atrevem a
sonhar!
218
3 - LENDAS ou HISTÓRIA
OU
PERSONAGENS REAIS QUE SE TORNARAM LENDA
do fantástico que se torna real ao real que se torna
fantástico
3.1 - A MORTE DO LIDADOR – o lida DOR –a DOR lida
5.1.1 - A Revolução em Beja – (1383 - 1385)
5.3 - Mariana Alcoforado – (A Freira de Beja)
219
220
0.3 - CIGANOS ANDARILHOS
acontece que a nossa
caravana de ciganos
inebriados pela aura das
lendas que tinham ouvido
tentavam começar a
compreender a terra e as
gentes por onde passavam,
e assim passaram os dias
seguintes a deambular pela
cidade e além das pessoas
que encontravam e olhavam
e os olhavam, eles passaram
a ver outras coisas para
além das ruas e das casas
e a olhar as pessoas como
eles eram olhados.
Por detrás de um povo há
sempre uma carga de ideias
de história de verdades ou
de mentiras de ideias
preconcebidas ou de
preconceitos, de história
ou de lenda, de tradições
ou costumes, de arte ou de
características... que
podem ajudar a ver melhor
as pessoas...
até que ponto é que esta
herança influía ou
221
modificava o primeiro
olhar sobre as pessoas?
até que ponto lhes dava a
conhecer as virtudes ou os
defeitos, os traumas ou o
desejo de deles se
libertarem?
E foi assim que andando
andando e cirandando
para tudo iam olhando
olhando e anotando...
E viram que em toda a parte
fosse por magia ou arte
aparecia com fulgor
o nome do LIDADOR.
Mas que LIDADOR é este
com estátuas e pinturas?
O que diz a esta gente
que o põe lá nas alturas?
É com certeza um herói
que diz muito a esta gente
Seja lá pelo que for.
Foi certamente um valente!
O que terá sido ao certo.
vamos sabê-lo de perto...
será mesmo um lidaDOR?
ou será uma DORlida
222
img022 – a luta de morte entre o cristão – o lidador - e o mouro…
E ali foi mais aficada a lide... p. 226
223
224
3.01 - O LIDADOR
Gonçalo Mendes da Maia, o Lidador
fora nomeado fronteiro de Beja
por El-Rei D. Afonso Henriques
primeiro rei de Portugal
e no ano de 1170
para comemorar o dia em que completava
95 anos de baptismo,
80 de ter vestido armas
e 70 de cavaleiro,
empreende uma surtida contra os mouros,
tendo enfrentado o temeroso Almoleimar
e o poderoso Alboacém
que são derrotados
mas pagando com a vida
tão estrondosa vitória!
E assim entrou na lenda
0 famoso Lidador
Por ter vencido a contenda
E dos mouros ser terror!
Depois de Alexandre Herculano nos ter deixado nas LENDAS E
NARRATIVAS as páginas brilhantes que foram a semente fecunda do
romance histórico e do romantismo mais puro em Portugal, dandonos, na época convulsa das lutas liberais do século dezanove, um
conjunto de quadros espantosos sobre a história, as tradições e
valores do velho Portugal medieval, cavaleiresco e semibárbaro,
225
poderia querer dizer que é pretensão demasiada querer apresentar
aqui a velha lenda ou história.
Não é pretensão. Antes convite a uma nova e repetida leitura e se
possível uma nova recriação, nesta época que vivemos, seguindo
afinal o exemplo que Herculano nos deixou... Cada época, cada
geração, tem o direito de ter a sua leitura da história...?!!!
É mesmo essa heresia que queremos afirmar. Mesmo os rigorosos
iluminados que clamam infalivelmente que a história é, tem de ser
objectiva, e só pode ter uma leitura, gritam-no em monumentais
edições e envoltos em grandes doutoramentos, porque sabem que
não é verdade. Basta comparar dois desses notáveis monumentos
sobre o passado, basta ler dois jornais ou ouvir e ver dois noticiários
sobre o presente!!!
O que vale saber a Historia?
Como é que cada povo e cada geração lê a sua História?
O
que
valem
a
História
e
as
Tradições,
à
luz
dos
novos
condicionalismos e desafios da época que vivemos?
Longe de nós pretender imitar Herculano na beleza da escrita e na
vivacidade e realismo romântico com que nos faz aparecer as
personagens no seu ambiente com o rigor histórico em que ele é
mestre segundo as leis de um são e fecundo romantismo da Época!
“Seul est bon ce qu’est vrai.”
Fica o desafio para os incansáveis renovadores de Hoje, tentarmos
construir o Futuro e o Desenvolvimento, com o mesmo ardor e
verticalidade deste gigante da Literatura Portuguesa que não se
coibiu
de
intervir
como
cidadão
consciente
e
empenhado
na
transformação da Sociedade do seu tempo, até com a sua nobre
retirada para Vale de Lobos aos 49 anos, onde veio a falecer, em
1877, com 67 anos de idade...
Como complemento da constelação que formam as LENDAS DE BEJA,
fomos copiar, dos LIVROS DE LINHAGENS atribuído ao Infante D.
226
Pedro, filho de D. Dinis, insertos nos PORTUGALIAE MONUMENTA
HISTORICA, SCRIPTORES, o excerto das páginas 279-280...
... e assim continuar a saudável pilhagem que o cigano Castanho e a
cigana Mariana continuam a fazer por este Alentejo fora, para assim
devolverem ao povo o tesouro dos valores preciosos que lhe
pertencem...
227
3.01.1 - A MORTE DO LIDADOR
In LIVROS DE LINHAGENS atribuído ao Infante D. Pedro, filho de D. Dinis
D. Gonçalo Mendez irmão de D. Soeiro Meendez, foi adiantado por ElRei D. Afonso Henriques na fronteira e venceu muitas lides, de que
aqui nom falamos. E uum dia, indo a correr a par de Beja, houve
duas lides ua com Almoleimar e a outra com Alboacém, rei de
Tânger. E Almoleimar chamou-se vencedor das lides, porque era
aventurado em elas, e havia tal forçaa, que em todo o homem que
pusesse a lança, nom lhe valia armadura que se lhe nom quebrasse,
que lha não metesse pelo corpo.
E houveram aquele dia sua lide muito aficada e acharom-se ambos
no campo e derom-se das lanças e for a terra. E ali faziam uuns e
outros de todas as partes muito pera livrar aquele com que veera. E
estando assi a lide muito aficada, chegou D. Egas Gomez de Sousa e
D. Gomes Meendez Gedeam, e os filhos de D. Egas Moniz, de riba de
Douro, e livrarom D. Gonçalo Meendez e puserom-no em uum cavalo.
E ali foi mais aficada a lide, assi que os mouros nom no puderam
sofrer e foram vencidos e morto D. Almoleimar e D. Gonçalo Meendez
chagado de chagas mortaes.
E os cristãos indo-se mui ledos pola vitória que houverom, como quer
que muitos deles desperecessem, oolharom per uum grã campo e
virom viir mil de cavalo quanto mais podiam. Este era Alboacém, rei
de Tânger, que passara aquém-mar por cobrar o castelo de Mértola,
que lhe tinha forçado um seu tio, o qual castelo fora de uum seu avôo
deste Alboacém. Este Alboacém quisera seer na lide primeira de
Almoleimar, e nom pôde, porque Almoleimar se coitou, rompendo a
alva.
228
E disserom a D. Gonçalo Meendez em como aquelas companhas
vinham; e ele chamou tôdolos seus fidalgos e fez com eles sua fala:
"que sabiam em como fora voontade de Deus de leixar com eles D.
Afonso Henriques por guarda daquela frontaria, nom pelo ele
merecer, mas porque assi foi sua voontade; e que, como quer que
cada um deles esto mais merecesse, que lhes pedia por mesura que,
pois os mouros vinham tão acerca e em esto nom podia haver
conselho alongado, que lhe prouguesse de ele dizer em esto aquelo
que lhe parecesse”. E eles todos louvaram-no, como aquele que era
muito amado deles; e disse-lhe:
 Senhores, peço-vos um dom: que me outorguedes o que vos
quero pedir.
E eles louvaram-no, dizendo que nom podia seer cousa que ele
demandasse que eles nom outorgassem, ca bem certos eram que
nom demandaria senom todo aguisado e a sua honra deles. E porque
ele estava mal chagado e entendia em si que a lide não poderia
sofrer, por as grandes chagas que tinha no corpo, que lhe dera
Almoleimar, de que perdia muito sangue, de que enfraqueciam as
pernas e os membros, temendo-se do cavalgar com a fraqueza, o que
ele encobria mui bem a todos, pediu-lhes que, se ele desperecesse
naquela lide, que ficasse D. Egas Gomez de Sousa em seu logo, que
era de boom linhagem e de grandes bondades.
E eles responderom que Deus o guardaria de todo cajom e de todo o
perigo; e, se tal cousa acontecesse, que eles fariam como lhe ele
mandava
A D. Gonçalo Meendez se mudava cada vez mais a cara do rosto, e
entendeu sua fraqueza D. Afonso de Baião e disse-lhe que se
desarmasse e que se assentasse no campo, ca eles todos morreriam
ante ele ou venceriam. E ele disse que Deus nom quisesse que ele
escondesse sua força, enquanto lhe pudesse durar antre taes amigos.
E em esto os mouros vinham a grã pressa, como aqueles que tiinham
229
que os cristãos achariam cansados e chagados da primeira lide que
houverom. E em esto disse D. Gonçalo Meendez.
 Senhores, estes mouros vêm com grã loucura. Vamo-los receber!
Ali desarrancarom todos contra eles e nas primeiras feridas caiu D.
Gonçalo Meendez do cavalo, como aquele que estava já sem força. E
os fidalgos, que eram muito seus amigos, e estremados em bondade,
quando virom seu caudel, desejando sa vida sobre tôdalas cousas,
faziam cada vez melhor, crescendo-lhes as forças, como aqueles que
eram mazelados da perda de tal amigo que tiinham que já o nom
podiam vingar, se ali o nom vingavam.
E por esta grã força acendia-se cada vez mais e mais, como aqueles
que eram de grã coraçom. E de todas as partes do mundo em aquele
tempo esclareciam a sas bondades, das cavalarias que faziam. Ali se
espedaçavam
capelinas
e
bacinetes
e
talhavam
escudos
e
esmalhavam fortes lorigas; e ferirom-se de tão dura força de
tamanhos golpes, que os cristãos da Espanha e os mouros que desto
ouvirom falar, dos talhos das espadas que naquele lugar forom feitos,
disserom que taes golpes nom podiam seer dados per homens. E esto
nom foi maravilha por assi teerem, ca i houve golpes que derom per
cima dos ombros, que fenderom metade dos corpos e as selas em
que iam e grã parte dos cavalos; e outros talhavam per meio, que as
metades se partiam cada ua a sua parte. E disserom que Sant'Iago
os fizera com sua mão; pero a verdade foi esta: eles forom dados por
os mui bõos fidalgos com ajuda de Sant'Iago, e os mouros virom-se
maltreitos, nom o puderom sofrer e forom vencidos.
E os cristãos perecerom melhor da quarta parte; e forom a D.
Gonçalo Meendez e acharom-no morto. E a tristeza e doo dos fidalgos
foi mui grande, e levarom-no muito honradamente. Ele era de idade
de noventa e cinco anos, e ali lhe puserom nome “o boom velho
Lidador”, como quer que o já ante chamassem, havia grã tempo,
“Lidador”. E oolharom por as chagas que tinha e houverom per
230
grande maravilha de lhe tanto durar a força, ca elas eram grandes e
estavam em lugares mortaes.
231
232
0.3.1 - OS MAGOS NO ALTO DA TORRE
OS MAGOS DA CLAREIRA ESCONDIDA NA FLORESTA
REÚNEM no alto da TORRE DO CASTELO
E numa noite límpida depois de um dia quente de um verão ardente
como são os do Alentejo, a assembleia dos Magos da Clareira
escondida na floresta decidiu reunir-se no terraço mais alto da Torre
do Castelo de Beja para não só poderem sentir as raízes do tempo e
da terra em que ela está solidamente enterrada, mas também para
poderem descortinar lá do alto, um tanto distanciados do barulho e
do burburinho do formigueiro que se agita pelas ruas e casas da
cidade, o sentido do tempo e da paisagem, o tempo e o espaço em
que os acontecimentos se passaram, como tentar penetrar nos sinais
da história que vive e constrói a sociedade actual. Além do mais,
gozava-se ali duma frescura paradisíaca! que qualquer um de nós
pode tentar sentir deixando-se vogar no mundo fantástico da
imaginação mesmo que esteja a ler estas páginas num dia tórrido de
calor ou num dia de frio gélido de Inverno...
Os ciganos irrequietos e imprevisíveis que ali se tinham escondido
para poderem desfrutar o panorama único de observar uma paisagem
mágica ao redor de todo o horizonte transfigurado pela luz difusa da
lua, arranjaram maneira de se dissimular entre a respeitável e ilustre
assembleia dos sábios. Passavam mesmo a ser aceites como
membros de tão luzidia assembleia, pois como era impossível
ocultarem-se aos olhos penetrantes dos magos da clareira escondida
na floresta, estarem ocultos e tentarem esconderem-se era o mesmo
que estarem presentes e a partilhar a discussão, ao menos como
ouvintes atentos e sedentos de tudo ouvir para melhor ver...
233
Ouvimos, caras cofadas e comagos o relato comovente atribuído ao
infante D. Pedro, filho de D. Dinis, tentando ouvir os ecos das vozes
dos tempos medievais em que se enaltece a força e a coragem dum
velho Lidador de noventa e cinco anos que além de excepcional
combatente capaz de sobreviver aos golpes de Almoleimar “que havia
tal força que em todo homem que pusesse a lança, nom lhe valia
armadura, que se lhe não quebrasse, que lha nom metesse pelo
corpo.” era um chefe igualmente excepcional que não se sentia digno
de comandar tão nobres companheiros de armas e, antes de morrer,
e para prevenir a hipótese lúcida da sua morte, ali, sem detença,
nomeia seu substituto a D. Egas Gomez de Sousa “que era de boom
linhagem e de grandes bondades”.
Vem então uma segunda lide contra o imenso exército de Alboacém
em que, apesar de o Lidador cair logo no primeiro embate, é uma
hipérbole fantástica ao valor e força dos cristãos que só poderia ser
explicada pela intervenção do maravilhoso cristão dizendo os próprios
agarenos que desta luta ouviram falar “que taes golpes nom podiam
seer dados per homens.” “...a verdade foi esta: eles forom dados por
os mui boos fidalgos com a ajuda de Sant'Iago”.
É esta a verdade documentada do cronista medieval, à distância de
quatro ou cinco reinados!!!
Desta verdade medieval, o grande mestre da História e das Letras
que foi Alexandre Herculano talha com golpes de artista mestre mais
uma das suas espantosas Lendas e Narrativas em meados do século
dezanove filmando com rigor imbatível os homens de armas e suas
vestes, cavalos arreios e armaduras, como tenta dar-nos conta do
seu estado de espírito perante a luta de conquista em que estava
empenhada toda a península no afã de expulsar os mouros e impor a
234
soberania dos senhores cristãos... que desde há quatro séculos
vinham descendo das Astúrias!!!
0 que eram esta luta e estes tempos, só o podemos tentar
compreender lendo-o na mestria impressionante como o grande
mestre e escritor nos resume cinco séculos de história e neles retrata
Beja e estas batalhas que aconteceram no mês de Julho de 1170
quando “se viam ondear as searas maduras ainda não cegadas,
cultivadas por mãos de agarenos para seus novos senhores cristãos.
Regadas por lágrimas de escravos tinham sido esses campos, quando
em formoso dia de Inverno os sulcou o ferro do arado; por lágrimas
de servos seriam outra vez humedecidos, quando, no mês de Julho, a
paveia cerceada pela foice, pendesse sobre a mão do ceifeiro; choro
de amargura havia aí, como, cinco séculos antes, o houvera: então
de cristãos conquistados, hoje de mouros vencidos.”..."Nesta luta de
vinte geraçõoes andavam lidando as gentes do Alentejo.”... E oito
séculos depois?
Quem eram e quem são as gentes do Alentejo?
Quem eram e quem são os habitantes do ALENTEJO ou seja desta
Região que se estende desde a margem esquerda do Tejo até às
serras muralhas do Algarve?
Quem lhe pôs o nome?
Por quem, e por quê, e porque combatiam estes valorosos senhores
que até vieram de riba Douro e se envolviam em terríveis e
encarniçadas lutas enquanto as searas eram sulcadas regadas e
cegadas pelo suor e pelo sangue de servos e escravos que ora eram
cristãos ora agarenos vencedores?! Vem com certeza desses tempos
da reconquista o nome de além Tejo e do além Garbe, que depois se
estendeu até aos Além - Mar
235
Mas, antes de nos adiantarmos, é a partir deste ambiente e dos
dados gerais recolhidos que temos de partir para perceber a História
ou a Lenda ou porque não, para tentar perceber a História através da
Lenda.
A mão de mestre, escritor e historiador de Herculano, dá-nos o filme
da movimentada campanha que celebrava os noventa e cinco anos do
fronteiro de Beja...
Baseado no relato atribuído ao infante D. Pedro, eis como Herculano
nos relato o filme daquele dia de Julho de 1170...
“Trinta fidalgos, flor da cavalaria, corriam, à rédea solta pelas
campinas de Beja; trinta, não mais, eram eles; mas orçavam por
trezentos os homens de armas, escudeiros e pajens que os
acompanhavam.”
Aí está Herculano, no século dezanove, depois de ter lido aquela
crónica e com os conhecimentos de história medieval em que era
mestre, a relatar-nos, para vermos em directo, um típico fossado de
uma trintena de cavaleiros e seus homens de armas... logo a seguir a
esta corrida inicial, o recontador do episódio vai focar a figura e feitos
dos que mais avultavam entre o pequeno exército cristão e os
poderosos chefes árabes que comandavam uma extensa e profunda
linha
de
cavaleiros
mouros...
que
depois
de
vencidos
foram
socorridos por Ali-Abu-Hassan “que viera com mil cavaleiros em
socorro de Almoleimar.”...
É preciso ler, ler de novo aqueles impressionantes nove capítulos
pintados com letras pelo magistral Herculano e depois... depois ver,
ver de novo o filme devidamente enquadrado no seu tempo medieval,
recuando seis, sete séculos, e levar-nos ainda mais cinco séculos
para trás do início da nossa nacionalidade como Portugal, caminhar
talvez mais para trás até aos tempos dos romanos e Lusitanos e mais
236
ainda... para apreendermos as nossas autênticas e profundas
raízes... Terá sido este o motivo que levou Herculano a reconstituir,
rescrevendo-a, esta última lide do Lidador?
Quem somos afinal e para onde vamos?
Pelo nome - ALENTEJO -somos possivelmente os herdeiros dos
conquistadores que baptizaram desde há longo tempo estas terras
com o ferrete dominador e colonizador de distância e exploração.
Quem, senão uns senhores vindos do norte, podiam conceber o nome
de Além-Tejo? Só podia ser além do Tejo para os cristãos poderosos
que vieram do Norte, das Astúrias, dos Montes Cantábricos e do
Nordeste, vindos das Castelas e das Gálias, com toda a carga de
séculos de vingança contra os árabes ocupantes.
Já antes, estas mesmas terras, tinham sido possivelmente Terras de
Além-Mar para os sarracenos que vieram do Norte de África e do
Oriente. Antes destes, já tinham sido cobiçadas pelo Império Romano
que, no coração do Alentejo, apelidou esta Terra de Pax Julia que
passou sucessivamente a Paju - Baju - Beja, tudo isto a marcar as
sucessivas ondas de ocupantes e conquistadores que por aqui
passaram.
Ou, seremos os sucessores dos povos primitivos que aqui viveram e a
quem pertencia esta terra? Desde quando?
Quem foram eles? Quem somos nós?
Interrogações angustiantes mas de difícil resposta. Somos com
certeza uma mistura em que os primitivos e os sucessivos invasores
se amalgamaram e onde houve sempre grandes senhores, poucos,
mais ou menos trinta, servidos por um punhado de homens de mão,
que punham à sua disposição a multidão de escravos que era toda a
população que procurava viver da terra e do trabalho, fossem seus
237
senhores cristãos, visigodos, agarenos ou cúneos... Cada grupo
esperava os seus salvadores, e a cada grupo de salvadores que
chegava sucedia-se a reciclagem dos servos e dos escravos que
justificava, para os salvadores, o trabalho de os terem libertado. E,
na base da pirâmide social, permaneceram e permanecem sempre os
que servem de alicerce e base para que essa pirâmide se mantenha
de pé. Até quando? Até descobrirem que a podem fazer desmoronar
por completo. Mas isso seria o caos e a desordem completa e a
sociedade cairia na anarquia ineficaz, como defendem os mentores da
ordem estabelecida, mesmo a seguir a uma espécie de revolução e
mudança como pode ser visto por numerosos episódios da história
como este em que o Lidador nos libertou dos poderosos opressores
mouros...
E se fossemos dominados pelos mouros? Leríamos nós agora na
história e nas lendas que tínhamos sido libertados dos temíveis
opressores cristãos, por um heróico Almoleimar ou Albuassén?!...
Que blasfémia meu Deus, quando pretendemos que as lendas e as
histórias tenham um fim educativo e formativo e preparem as nossas
crianças e jovens para a sociedade em desenvolvimento...
É exactamente por isso que queremos deixar aqui as pistas possíveis
de análise e desmistificação dos nossos mitos mais mitificados, para
que dando a possibilidade de as nossas crianças e jovens e adultos se
formarem na libertação de todos os preconceitos e tabus absurdos,
tenham a possibilidade de construir um Mundo Melhor com um
Desenvolvimento gratificante para a Humanidade no seu Global em
que todos, todos os seres humanos possam participar consciente e
responsavelmente conseguindo o máximo da sua realização pessoal
na sociedade a que pertencem e que, afinal, é a Humanidade na sua
globalidade de Tempo e de Espaço.
238
Claro que estas tiradas fastidiosas e quiçá de difícil deglutição, eram
achegas de diversas fadas e magos, de sábios mais experientes e
doutros menos maduros e letrados, mas todos a contribuírem para
uma descoberta do que se pode ler através dos acontecimentos e dos
tempos e, ainda por cima, com a fragilidade perigosa de os relatos
serem relatos narrados, contados, descritos, e portanto nascidos de
uma ficção que pode tentar dar-nos a realidade na sua totalidade
mas que todos sabemos que é impossível e daí a sua fraqueza e a
sua grandeza quando se trata de uma autêntica obra de arte nascida
do génio popular ou erudito, porque o génio humano não está
dependente dos aprendizes de feiticeiro que procuram castrar a
criatividade humana.
No meio disto tudo o nosso simpático e sequioso par de ciganos de
olhos esbugalhados a olhar para o modo como os outros povos e
outras raças tentam conhecer-se e exprimir-se e exprimindo-se
conhecer-se e dar-se a conhecer, estavam pura e simplesmente
boquiabertos
por
lhes
parecer
incrível
serem
precisas
tantas
discussões e discursos para descobrirem as fraquezas e virtudes tão
evidentes e observáveis da Natureza Humana que não é só deste
povo desta região como de todas as outras...
É ver como eles ciganos chegados de fora são acolhidos quando
chegam a uma região estranha... como afinal são todas por onde se
movimentam, ou não é nenhuma, porque eles vêm e são das Terras
de Santa Maria e Todo o Mundo e têm as suas raízes e a sua
liberdade nos seus costumes, tradições e leis que, vistos de fora,
parecem incrivelmente coercivos e limitadores...
Então, ou chegam desprotegidos e discretos e podem ser tolerados,
ou chegam como poderosos e ricos senhores e serão aceites e
imporão as suas actividades e até as suas extravagâncias...
239
É afinal o mesmo que acontece com os habitantes de origem ou aqui
radicados! Ou jogam o jogo dos interesses do poder estabelecido, ou
continuam ou passam a ser o sustentáculo dos que se querem
arvorar em salvadores do povo e perpetuar a exploração, a
colonização e o aproveitamento só para alguns, das capacidades da
região e das suas gentes.
Claro que não há os servos da gleba nem escravos nem torturados
em masmorras da Idade Média... Mas há o isolamento, a falta de
estímulo, o desprezo, a falta de motivação para trabalhar, a falta de
poder de compra, a sobrecarga de trabalho repetitivo e monótono, a
falta de diálogo... com todo o cortejo de meios refinadamente
destrutivos quer económica, quer física, quer psicologicamente...
Tantas pistas de leitura a partir de um simples relato de um episódio
medieval?
Nós diremos: Tão poucas!!!
A participação de todas as ciências sugeridas pela Escola dos Magos
da Clareira Escondida na Floresta e o contributo da Hermenêutica e
da Semiologia para analisar todas as pistas dos Signos Símbolos e
Índices que um texto nos revela poderia levar-nos à recriação de um
TEXTO tecido de fios e cores realizando uma textura de variedade e
beleza insuspeitadas...
Assim,
são
só
algumas
pistas
que
deixamos
abertas
para
caminharmos de descoberta em descoberta na prossecução de uma
Verdade que, porventura, pensávamos que já tínhamos adquirido...
 Vamos sair daqui, que já temos uma parte bem boa do tesouro das
Lendas e Tradições e da História deste povo para lha devolvermos
inteira ficando nós e eles muito mais ricos...  gritaram mudos os
240
ciganos, a ladina cigana Mariana e o vivaço cigano Castanho,...  e
ala! que se faz tarde e já ganhámos a noite, que é, como dizem os
outros: Já ganhámos o dia!  Vamos mas é ainda saber de outros
episódios e acontecimentos que se deram neste Castelo e nesta Torre
altaneira e dominadora que se ergue acima da planície por luas e
léguas ao redor, e muito tem ouvido ou visto deste estratégico ponto
de observação e muito tem para nos contar ou mostrar de tudo o que
deu conta através deste Espaço imenso e dos Tempos e Ventos que
sopraram...
Há por aí a História de uma Revolução contada por um conversador
espantoso que escrevia para as pessoas ouvirem e verem aquilo que
dizia. Parece que um tal senhor Fernão Lopes que nos relata como se
fosse um cinema impossível de fazer nos filmes o que se passou
nesta cidade de Beja e com as suas gentes... Mas os acontecimentos
não começaram aqui e por esta semana já chega, e vamos à vida que
também precisa de comer, de beber e Amar...
241
242
3.02 - REVOLUÇÃO EM BEJA – 1383/1385
CAPÍTULO 42
DA CRÓNICA DE EL-REI D. JOÃO I DE BOA MEMÓRIA
de FERNÃO LOPES
243
244
A INSURREIÇÃO NA PROVÍNCIA
COMO FOI TOMADO O CASTELO DE BEJA
E MORTO O ALMIRANTE MICER LANÇAROTE
Quando
foi
morto
o
conde
João
Fernandes
e
feito
o
levantamento de Lisboa, a rainha mandara as sua cartas pelo Reino,
tanto aos Alcaides dos castelos como aos notáveis das vilas e
cidades, queixando-se do que havia acontecido, e dizendo-lhes como
haviam de proceder na aclamação de D. Beatriz sua filha, rainha de
Portugal. E escreveu também a El-Rei de Castela que tratasse de vir
depressa ao Reino. Já então, como adiante podereis ver, ele estava
na Guarda.
De modo que, tanto por causa da sua vinda como por os mais
dos fidalgos do Reino estarem do lado da rainha, foi levantada voz e
pendão por sua filha, na forma como ela escrevera nas suas cartas.
Mas esta aclamação era dura de ouvir à gente pequena dos lugares. E
não podendo os pequenos opor-se às grandes pessoas, consumia-selhes o coração de angústia, consentiam-no com medo e temor contra
o qual não tinham defesa.
Assim aconteceu em Estremoz: quando João Mendes de
Vasconcelos, primo da Rainha D. Leonor, que naquele tempo tinha o
castelo, mandou aclamar a rainha D. Beatriz, e trouxeram o pendão
pela vila. Lopo Afonso e Lourenço Dias, com alguns outros do lugar,
como viram que o outro povo estava agitado e descontente com tal
feito, logo disseram que era preciso pôr na praça um cepo e um
cutelo para decepar os que se opusessem ao que eles faziam.
245
E, durando esta divisão nos corações de uns e de outros, foi
sabido pelo Reino como o Mestre assumira o encargo de Regedor e
Defensor dos Reinos e como tomara o castelo de Lisboa e o tinha em
seu poder. E a alguns do Reino que disto souberam parte aprouve
muito, especialmente aos povos miúdos; a outros, diferentemente,
que estavam da parte da rainha pesava assaz, posto que pensassem
que tudo isto era em vão.
Ora aconteceu que em Beja estava por alcaide Gonçalo Vasques
de Melo e tinha o castelo em nome da rainha. Nisto escreveu outra
vez a rainha suas cartas ao concelho de Beja para que não deixassem
de ter voz por ela e, se acontecesse El-Rei de Castela vir por ali, o
acolhessem na vila sem nenhum receio nem temor, porque ele os
defenderia de quem quer que lhes quisesse fazer mal e lhes faria por
isso muitas mercês.
Recebidas as cartas pelos principais do lugar, mandaram deitar
pregão pela vila que todos no outro dia fossem ouvir recado de cartas
que sua senhora a rainha mandara. No dia seguinte juntaram-se
Estevão Mafaldo e João Afonso Neto e mestre João e Rui Pais Sacoto
e Mendes Afonso e outros notáveis do lugar; apartaram-se todos à
porta pequena de Santa Maria da Feira e começaram a ver aquilo que
a rainha lhes escrevera.
Era muito o povo que estava pelo adro, aguardando que lhe
dissessem que novas eram aquelas que a rainha mandava dizer. E,
sentindo-se apertados os corações de todos, disse um que chamavam
Gonçalo Ovelheiro para os outros:
 Não está agora aqui ninguém que vá saber que cartas são
estas, ou que recado é este que a rainha manda?
Falou então um bom escudeiro a que chamavam Gonçalo Nunes
de Alvelos, que não era dos grandes nem dos mais pequenos, e disse
para Vasco Rodrigues Carvalhal:
 Queres-me tu ajudar e iremos saber que cartas são estas?
246
E ele disse que lhe aprazia. Então juntaram-se com eles até uns
trinta e chegaram até onde estavam aqueles notáveis. Falou Gonçalo
Nunes e disse:
 Que cartas são estas que vós assim ledes de que nós não
sabemos parte? Porventura esta vila se há-de manter e defender por
quatro ou cinco que vós aqui sois? Certamente não, mas por nós
outros que cá moramos.
Disse então Estevão Mafaldo.
 Que união é essa com que vós assim vindes?
Respondeu Gonçalo Nunes dizendo:
 Isto não é união, mas queremos saber que cartas são estas.
Falou então Mendes Afonso e disse que ele perguntava bem e
era razão que as vissem. Então se meteram todos os notáveis no
Paço do Concelho, e parte dos outros com eles, e, lidas as cartas,
deram-nas a um tabelião que as publicasse aos de fora.
E ele saiu a eles e disse-lhes:
 Amigos, o feito é este, eu não sei para que mais me deter
em ler o que aqui vem. A conclusão é esta: se quereis antes ter com
a rainha ou com Mestre.
E eles responderam todos a uma voz, dizendo:
 Com o Mestre! Com o Mestre!
Esses maiorais, quando isto ouviram, partiram-se logo cada um
para sua pousada e não ousavam mostrar-se.
Eles nisto, sem mais tardança, viram aparecer gente de armas
no Castelo.
Então começaram todos a bradar:
 Levanta-se o castelo! Levanta-se o castelo!
Gonçalo Nunes cavalgou à pressa e os outros todos se foram
armar e começaram logo a atacar o castelo. O alcaide, quando isto
viu, pôs fogo a duas torres em que estava muita munição, para os da
vila se não aproveitarem dela, no caso de ser o castelo tomado; e, os
de dentro, defendendo-se rijamente e ferindo alguns dos atacantes,
247
puseram os da vila fogo às portas do castelo, e logo que estas
arderam entraram dentro numa quarta-feira a horas de comer. E o
alcaide foi levado e posto a salvo por amigos seus.
Gonçalo Nunes e Vasco Rodrigues apoderaram-se logo do
castelo e aclamaram o Mestre, rondando e vigiando a vila, em nome
dele, com as portas fechadas.
Estando assim a vila vigiada, chegou alguns dias depois, de
noite, um homem de Campo de Ourique, montado numa égua, e
falou aos da vigia para que dissessem aos que tinham a cargo reger a
vila que naquela tarde chegara Micer Lançarote a um lugar chamado
Os Colos, que era dali nove léguas, a caminho de Odemira, que é no
reino do Algarve, para levantar esta região e aclamar El-Rei de
Castela.
Quando isto soube, Gonçalo Nunes tomou consigo cinquenta
homens de cavalo, cem besteiros e peões. Caminharam toda a noite
de modo que chegaram a Os Colos ao alvorecer. O almirante e os
seus tinham já selados os cavalos para partirem; e assim armados
como estavam foram todos presos, com mouros e mouras e azêmolas
e quanto haver levavam. Aos homens tomaram as armas e os
animais e deixaram-nos ir, e o almirante veio para a vila montado
numa mula.
Chegado aqui meteram-no na torre de menagem, dizendo ele
afincadamente a todos:
 Amigos, mandai-me bem preso a arrecadado a meu senhor o
Mestre, e não me queirais matar sem porquê.
Eles respondiam que no tivesse medo. E enquanto Gonçalo
Nunes foi levar ao Mestre tudo quanto tinham tomado ao almirante,
os da vila, receando que ele se levantasse com o castelo, foram lá
todos um dia e disseram a Vasco Rodrigues que ficara a comandar o
castelo que o pusesse cá fora. Vasco Rodrigues, receando-se deles,
retirou-se para sua casa e deixou-o na torre.
248
O almirante quando viu isto começou a defender-se o melhor
que podia; e bradando-lhe eles que viesse cá abaixo e não tivesse
medo, assim o fez. Mas pensando encontrar neles piedade e
compaixão, foi morto de má e aviltante MORTE. Assim acabou os
seus últimos dias. "... os seus postumeiros dias.”
249
250
img023 – o largo de Santa Maria da Feira com o Castelo em fundo…
“...apartaram-se todos à porta pequena de Santa Maria da Feira e começaram a ver
aquilo que a rainha lhes escrevera.” p. 244
251
252
0.3.2 - ...os magos… observam agora a história, do
alto da torre do castelo…
… os magos da clareira escondida na floresta observam agora a
história, do alto da torre do castelo, descendo até à profundidade de
1383, 1385; e, guiados pelo magistral-prodigioso-sedutor FERNÃO
LOPES, levam-nos pela mão para ver e ouvir. e para ouvindo e lendo,
assim ficarmos envolvidos e avisados pela história ...
Os magos que a anteriormente se tinham reunido no alto da
torre do castelo para daí observarem o nascimento da nossa
nacionalidade como povo, nos tempos de D. Afonso Henriques o
conquistaDOR, o fundaDOR, e do seu homem de confiança e fronteiro
de Beja: o lidaDOR, acharam que não havia melhor ponto de
observação para olharem e ouvirem os tempos e os espaços que
correram duzentos anos depois, tão vivamente relatados por Fernão
Lopes, do que O ALTO DA TORRE DO CASTELO...
Aí o vamos encontrar a si, caro leDOR, na companhia da cigana
Mariana e do cigano Castanho, a tentar ler connosco a DOR e todos
os sentimentos que moveram estes personagens destas histórias.
Com que DORES lidaram eles para realizarem os seus feitos? O que
era para eles a DOR? A HONRA por exemplo? O ÓDIO? O AMOR? Que
DORES conquistaram? Em que DORES e VALORES fundaram a sua
vida e o país que nos deixaram?...
Por sorte temos a guiar-nos o mago do visualismo, dum tempo
em que nem o cinema nem o vídeo existiam e ainda bem, pois creio
que não conseguiriam guiar-nos com a mesma leveza e profundidade
como este mago das palavras, consegue fazer com a sua escrita...
Escrita feita para ouvir e ver, mesmo para analfabetos que eram a
maioria dos portugueses do seu tempo, Fernão Lopes leva-nos a ver
e a ouvir a história, não a sua escrita ou a sua história, e assim, pega
253
no leitor vedor-ouvinte, obrigando-o livremente a ver porque, ele até
pode fechar os olhos e os ouvidos, e depois, a ficar sem remissão
envolvido na história, mesmo os que fecharam os olhos e os ouvidos,
porque como seres sociais terão de ficar comprometidos... Não se
pode ler Fernão Lopes e ficar como espectador indiferente. Tem que
se ficar participante. Ou antes, só os que se sentem participar na
história, intervenientes da história do seu tempo, podem entender
Fernão Lopes e os acontecimentos da Época que ele relata...
 Ora esguardai, como já dantes vistes e ouvistes, aquilo que
se passava naqueles tempos por todo o Reino de Portugal e de
Castela. Não era uma luta de independência ou predomínio entre reis
e senhores que queriam o seu reino e a sua independência!... A
própria rainha queria entregar seu Reino ao Reino de Castela! Do que
se tratava no fundo, naquele tempo como agora, era de um Povo que
queria o seu espaço e a sua terra para viver nela em Liberdade e
realização...  dizia uma das fadas que aprendera a ler a história
através dos tempos.  Pouco ganharam com isso é verdade, porque
a história que nos relata REVOLUÇÕES, relata-nos sempre as
fraquezas e desvarios que aconteceram quando o poder cai na rua e
é apanhado pelo povo abandonado e oprimido que não cresceu a
saber usar a sua liberdade e se comporta como criança ingénua e
incapaz de assumir responsabilidades... Comete todo o tipo de crimes
e loucuras e... nem tem tempo para ver e se arrepender como ÉDIPO
da lenda, que ao descobrir que tinha morto o seu pai e dormido com
a sua mãe, fura os olhos com alfinetes e coberto de andrajos,
abandona Tebas onde reinava como senhor todo poderoso!
Como criança abandonada que não dá conta dos crimes que comete,
aparecem logo os educadores responsáveis e previdentes que, mais
ou menos rapidamente, e com mais ou menos violência, metem tudo
de novo na ORDEM que lhes convém e tudo volta à normalidade...
não fosse o povo ter tempo de, com o tempo, poder aprender alguma
coisa para saber usar o poder... Isto é sabido pelos grandes que,
254
como vimos no relato da página cento e sessenta, cento e sessenta e
um embora lhes pesasse a alegria dos povos miúdos dos lugares, iam
pensando que tudo aquilo seria em vão...”E a alguns do Reino que
disto souberam parte aprouve muito, especialmente aos povos
miúdos; a outros, diferentemente, que estavam da parte da rainha
pesava assaz, posto que pensassem que tudo isto era em vão.”
Porquê? Porque aqueles que se apoderam do poder e da força do
povo podem e ou procuram poder ter o tempo de poder cometer os
erros que quiserem para adquirirem experiência e rodagem para
manobrar... pois ninguém nasce predestinado para se instalar seguro
no poder... nem os reis!

Para
vermos
isto

acrescentaram
outros
e
outras
intervenientes daquela assembleia de magos da clareira escondida na
floresta que estavam reunidos no alto da torre do castelo  mestre
Fernão Lopes dá-nos em resumo uma visão global do que se passava
em todo o reino, não esquecendo o que já relatou desde o início, pois
vamos no capitulo 42 duma primeira parte que tem 193 capítulos em
que, depois, o mestre da escrita visual nos faz passar visceralmente
pelas tribulações e padecimentos que passou o povo de Lisboa
durante o cerco montado pelo rei de Castela e como resistiu e
finalmente como o Mestre de Avis foi aclamado Rei e nomeou
Nun’Álvares como condestável do Reino; e uma segunda parte com
203 capítulos em que a luta pela independência culmina com a
Batalha de Aljubarrota em que nos relata, em resumo, como poucos,
muito poucos, cheios de medo, mas unidos e bem comandados
podem muito; e muitos, mesmo muitos, com diversos interesses e
mal comandados podem muito pouco e são derrotados! Daí até se
confirmar a nossa independência e este povo se lançar nos
descobrimentos, entraram as negociações, e os grandes chefes e
senhores retomaram os seus poderes e posses ou foram substituídos
por outros, e até a inquisição foi pedida pelos reis para meter na
ordem os mais arredios e tornar mais fácil o engrandecimento da
255
riqueza e poder dos mais poderosos, e... dominado o povo e
democratizado... lá se continua a escrever a história... mesmo com
os erros e crimes dos poderosos e tiranos...
É aqui, neste enquadramento, que encaixa a leitura do capitulo
42 da Crónica de El-Rei. João I de Boa Memória de Fernão Lopes.
Tendo em conta o que se passava em todo o reino, o relato do
que se passou em Beja é um sério aviso contra as falsas ilusões! É
ver como, nos capítulos imediatos à revolução em Beja, Fernão Lopes
nos leva a observar o que se passou em Portalegre e Estremoz, e
como o povo era intimidado e se revoltava. Mostra nos logo a seguir
e ao mesmo tempo, os desatinos que se cometeram em Évora e
levando-nos depois até ao Porto e por aí adiante até ao Cerco e a
aclamação do Rei e à distribuição de favores, poderes e riquezas...
que vão criar os alicerces da nova dinastia da época em que Portugal
se vai lançar pelo Mundo a descobrir...
A chegada das cartas a Beja e os processos democráticos
usados pelos dirigentes para as dar a conhecer, vão precipitar os
acontecimentos e permitir, pelo menos aparentemente, a realização
de uma quase ilusão: que o povo toma o poder…
A repressão e violência que vai ser preciso para meter tudo de novo
nos eixos, sabemo-lo, ou só podemos adivinhá-lo um pouco pela
história que se seguiu e pelo latifundismo e morgadio que imperaram
ferozmente nos séculos seguintes aqui no Alentejo... Basta ver A
História da Inquisição em Évora, do Professor Borges Coelho, ou
ler/ver a história das Casas de Avis e Bragança e, por exemplo, a
Seara de Vento de Manuel da Fonseca, ou o Levantado do Chão de
José Saramago, para se ter uma ideia.
O episódio da morte de Mice Lancerote, como o caso da morte
do Bispo em Lisboa, como a morte da abadessa de Évora, são os
factos vivos, viva e emocionantemente relatados, índices ou signos
de todos os desatinos e desvarios de que um povo sem maturidade
pode cometer em todos os tempos... mesmo na revolução russa...
256
mesmo na revolução chinesa... mesmo no vinte e cinco de Abril...
mesmo na independência prematura com décadas de atraso das
colónias províncias ultramarinas que não estavam preparadas para
assumir as suas riquezas e os seus valores, para justificar que todos
os povos de ALÉM-MAR-TERRA-TEJO-GARVE-DOURO ou outros, como
quaisquer outros que não sirvam interesses centrais, não estão
preparados para assumir a sua independência e a assumir os seus
valores e a sua cultura, e assim as regionalizações vão ser
implementadas por pessoas devidamente escolhidas e preparadas,
como o caso das televisões e rádios e universidades e Alquevas...
para que, com uma farsa bem montada de pretensa regionalização, a
colonização perdure e se perpetue, embora com processos mais
refinados
e
democráticos...
Porque,
inquisição,
não;
mas
saneamentos sim. Condenações à morte e prisões, só algumas; mas
desprezo, marginalizações, falta de meios, falta de condições de
trabalho,
boicotes,
impedimentos,
falta
de
implementação
de
trabalhos que vão fundo na recolha e estudo dos valores regionais e
locais... isso continua, mesmo à beira do ano dois mil e da
aproximação de uma entrada solene e ao mesmo tempo boa e
perigosa
na
comunidade
europeia!!!?... Essas coisas locais
e
regionais continuam a ser estudadas pelas universidades distantes in
competentes, em nome da competência, por doutores distantes ou
génios que tudo abarcam, sem uma implantação séria, válida e
visceral que promova, imparavelmente, o desenvolvimento com a
afirmação dos valores de cada Região!
Como o Esopo das fábulas, o escravo a quem é prometida a
liberdade a troco da obra que tinha criado, perguntamos aos que nos
oferecem a liberdade, sem nos permitirem alcançá-la por nós:
 Onde tendes preparado o precipício para os homens livres? E, a pé, sem guardas, nem ajudas, caminhou sozinho!...

Há
quem
nos
acuse
de
abusarmos
em
análises
e
interpretações  disseram umas fadas e uns magos, já cansados. 
257
São muitos e complexos os sinais das lendas e história. Parece que
assim fechamos portas possíveis à leitura e leituras que as pessoas
podem fazer...
 Não fechamos, caras cofadas e comagos. Em vez de
fecharmos uma, desafiamos as pessoas a abrirem mil...
E o mais grave, é que ainda hoje, passados mais de seis séculos
depois de 1383/5 e passados mais de vinte e cinco séculos, depois de
Esopo, ainda há Escolas, Ministérios e Serviços de Cultura que
oferecem trabalho e condições de subsistência a pessoas a troco da
sua liberdade de pensar e da sua criatividade!
 E ainda há quem responda: onde tendes preparado o
precipício para os homens livres?  comentou um desconhecido que
tinha ficado toda a reunião em silêncio! - Há de facto, ainda hoje, mil
portas por abrir...
...
 Quer dizer que nós, é que vamos ter de ler o que significam
todas estas coisas?  perguntou a cigana Mariana.
 É isso mesmo, – respondeu o Cigano Castanho, muito
pensativo preocupado.
 Mas a mim falaram-me da história, duma mulher que se
chamava MARIANA como eu.
 Também já ouvi falar, mas não sei quem é. Fala-se mas é
dumas CARTAS que ela se calhar nem escreveu!...
 Então, lá teremos de tentar ler as CARTAS DA MARIANA, 
disse a cigana Mariana...
 A janela dela, dizem, é aquela do convento que dá ou dava
aqui para as portas de Mértola... Vês! Aquela lá por cima do terraço...
 ... Ainda um dia me hei-de ir sentar junto às grades daquela
janela e tentar perceber os amores daquela Mariana... – disse a
cigana, que também era Mariana, com os olhos revirados de ironia...
...
258
3.03 - MARIANA ALCOFORADO - A FREIRA DE BEJA
a realidade as cartas e a lenda
259
3.03.1- MARIANA ALCOFORADO – a história possível…
A FREIRA DE BEJA
uma realidade semelhante a tantas outras
No ano de 1640, ano em que ia acontecer a Restauração em
Portugal, numa casa que dá de esquina para rua do Touro, e se abre
para a Praça D. Leonor e para o Largo que tinha a antiga capela de S.
João, nasceu uma menina a que puseram o nome de Mariana. Já
tinha uma irmã, Ana, dois anos mais velha e, até 1649, ainda
nasceram os irmãos Baltazar, cinco anos mais novo, Catarina e
Miguel, nove anos mais novos, e depois de ela já estar no convento,
a família ainda foi abençoada com mais três rebentos, o Francisco,
quando Mariana tinha quinze anos, Filipa, três anos depois e Maria, a
Peregrina, quando a freira fazia vinte anos e já tinha nove de
convento e quatro de profissão religiosa. A feliz família era dos
Alcoforados que, pelos dados que temos, não seria dos maiores nem
dos mais pequenos, mas não fugia, até por isso mesmo, à instituição
dos Morgadios.
Como muitas vezes acontecia nesta época, o filho mais velho
conservava a herança paterna, o património familiar, que devia
conservar e se possível aumentar com um bom casamento; os outros
irmãos seguiriam a carreira das armas ou a vida eclesiástica, e as
raparigas?, ou a família conseguia um casamento rico ou estavam
destinadas ao convento. Foi para isso, aliás, que foi criado o
Convento de Nossa Senhora da Conceição em Beja (1459?-1890?)???
Foi sobretudo por isso? Parece podermos deduzir que foi criado para
que as boas famílias vivessem na Paz e na Prosperidade! Assim esta
feliz devota e razoavelmente próspera família, cedo destinou o futuro
à gentil menina que não seria muito feia, mas não teria a beleza
esplendorosa que viesse a desencantar um príncipe encantado. Aliás
260
já tinha uma irmã mais velha e, aos nove anos, já tinha pelo menos
dois irmãos varões para que a ilustre família tivesse assegurados os
Bens e a continuidade.
Assim, Mariana entrou aos 11 anos, 1651, para o Convento de
Nossa Senhora da Conceição, onde professaria cinco anos mais tarde,
partilhando a comunidade com as freiras, na sua maior parte também
de boas e até ricas famílias que ali estariam, não por vocação ou
devoção, mas por desgostos de amor, algumas? poucas!, mas como
já podemos calcular, sobretudo por determinação paterna que tinha
de zelar escrupulosamente pela manutenção ou aumento dos
rendimentos
familiares
e
não
pelo
seu
esbanjamento,
como
aconteceria se fosse dada em casamento a algum digno pretendente,
ainda por cima, com dote adequado!!! Nestas circunstâncias, é
evidente, que para estas senhoras, viverem entregues à sua fé e
fervor religiosos, teriam a servi-las uma quantidade de devotas e
fervorosas religiosas que, por vocação? (provocação? ou porbocação),
ou devoção?!, ou obrigação!? mais ou menos voluntária, assim
fugiam ao duro trabalho das classes mais baixas. Seguindo ainda a
mesma ordem de raciocínio ou de juízos temerários que estamos a
desenvolver, haveria tudo a esperar destas santas devotas: um
misticismo
religioso
assoberbado
a
sublimar
as
frustrações
recalcadas, ou então os devaneios fantásticos a dar asas aos sonhos
e inclinação natural para o casamento e a maternidade!!!
Mariana só dali viria a sair, se é que se pode chamar sair a
saída para o cemitério que era debaixo das lajes que vieram a ocupar
duas quadras do convento, com 83 anos de idade, quando morreu em
28 de Julho de 1723.
E ali ficaria, ilustre e desconhecida, como aconteceu à grande
maioria de ilustres desconhecidas irmãs que durante quase quatro
séculos e meio, mais de vinte gerações, passaram pelo Convento de
Nossa Senhora da Conceição de Beja, não fossem as célebres CINCO
CARTAS a gritar o encanto dos amores que teria tido a dita de
261
experimentar, breve e apaixonadamente, e foi ela que as escreveu de
facto, tempo e meios não lhe teriam faltado, ou lhe foram atribuídas
por um genial editor ou, como se insinua, pelo feliz e galanteador
amante!?
Terá desempenhado variadas funções durante os longos setenta
e dois anos que passou no Convento: foi escrivã e vigária como
depois se verificou por variados documentos; teria sido porteira,
como dá a entender numa das suas cartas, mas a título passageiro e
como meio de cura; e consta que chegou a ser proposta para
abadessa em 1709, quando já, só? tinha sessenta e nove anos, mas
teria sido insuficientemente votada.
Perante tão enigmática e vulgar personagem, valerá a pena
perder tempo a dar uma espreitadela sequer pelas famosas ou
famigeradas cartas?
Só vale a pena fazê-lo, se conseguirmos decidir a tempestuosa
questão em que tantos e tão ilustres autores se envolveram?
Por mim, tenho a impressão que não. As cartas existem. Valem
pelo que valem independentemente do verdadeiro autor. São, de
qualquer maneira, um espectacular simulacro do real. A prova é a
discussão acesa que levantam. Se são de Mariana, no original em
francês ou traduzidas e retocadas, são um bom exemplar de
epistolografia íntima que muitos escritores gostariam de subscrever.
Se foram inventadas, então, terão de ser geniais. São porventura,
não o grito de uma freira, mas um grito tão grande e tão profundo de
centenas, de milhares de mulheres, talvez de homens e mulheres de
uma
região,
de
um
povo,
humilhado,
oprimido,
refinada
e
hipocritamente sacrificado com o apanágio de uma “vocação entrega”
superior!!! e fundamentalmente por interesses mesquinhos, valores
indiscutíveis de uma época! ou da nossa época.
É, porventura, isto, ou algo de mais profundo que é preciso ler
nas cartas, e não, penso, e sobretudo, a questão da origem e da
originalidade...
262
É isso que vamos tentar ler nas CARTAS.
263
264
img024 – mariana! (a partir de desenho…)
“E ali ficaria, ilustre e desconhecida,... não fossem as célebres CINCO CARTAS A
GRITAR...” p. 259
Desenho decalcado a partir de um desenho de Matisse? ou de ?, difundido pelo Museu Rainha D. Leonor,
de Beja, nos anos oitenta (86/87?).
265
266
3.03.2 - MARIANA ALCOFORADO – as cinco cartas…
A FREIRA DE BEJA
as cinco cartas que são uma explosão poética de uma imensidade de
sentimentos humanos... ou finge/dores
Nada mais se saberia desta freira de Beja e nem talvez este
pouco se soubesse, como aconteceu com centenas de suas irmãs que
por lá passaram durante anos e anos (cerca de 430 anos de 1459? a
1890, pois, entre 1892 e 1897, teria sido quase totalmente derrubado
juntamente com a antiga residência dos Duques de Beja - O Paço dos
Infantes - que lhe era contíguo);
... nada mais se saberia da Freira Portuguesa, dissemos, se, em
1669, quando ela teria 28, 29 anos, não tivessem aparecido, em
França, as Lettres Portuguaises, que seriam a tradução de cinco
cartas suas dirigidas ao seu amante o Cavalheiro Chamilly, (que teria
nascido por volta de 1625 e teria na altura do romance os seus 42/43
anos, um respeitável quarentão) - ou teriam sido escritas em francês
logo no original? - que durante uma breve estadia em Beja ao serviço
do seu rei e da Restauração do Reino de Portugal
( entrou em
Portugal em 1663 fazendo parte de um grupo de franceses que se
juntou aos
ingleses chamados por D. João IV, tendo entrado em
vários combates e Batalhas, e em Beja, deve ter estado depois das
Batalhas de Poymoio e San-Lucar, Agosto de 1666, tendo, em
Setembro de 1667, ainda tomado parte no ataque ao castelo de
Ferreira e depois retirado para França. Teria, portanto, durante o
267
tempo que esteve por aqui sediado, partilhado os favores desta
ardente mulher e pode-se gabar de ter despertado a maior paixão do
mundo como ela diz quase no final da terceira carta, paixão tão
grande que vai sobreviver longo tempo depois da súbita partida para
França, onde o esperava o título e o proveito de Marquis de Chamilly,
talvez avisado pela família dos contratempos diplomáticos que
poderiam trazer estes proibidos amores clandestinos conhecidos de
todos. Essa paixão terá durado meio ano / um ano com intervalos das
campanhas e saídas do Senhor de Chamilly, mas que, depois de a ter
desencadeado: “ao amar-te experimentei alegrias surpreendentes...
manifestaste-me a tua paixão, fiquei deslumbrada, e abandonei-me a
ti perdidamente”. Estes amores geraram pois uma explosão de
exaltação, e vão, como paixão exaltada e explosiva que era, e por ser
impossível e proibida, desencadear em cadeia uma amálgama de
sentimentos contraditórios, complementares? “Ai!, que seria de mim
sem tanto ódio e tanto amor a encher-me o coração?" São,
possivelmente, estes sentimentos cruzados que fazem destas cartas a
expressão poética mais acabada e exaltante entre a poesia barroca
de seiscentos, maneirista, cultista, conceptista, marcada por um
classicismo estafado e decadente que primava pelo formalismo oco e
pela falta de talento. A atravessar esta aridez balofa dos literatos do
tempo, aparecem em prosa (poesia!), atribuídas a Soror Mariana
Alcoforado,
cinco
sinceridade
a
cartas
atingir
o
de
Amor,
que
arrebatamento
na
que
sua
se
simplicidade,
manifesta
nas
sucessivas contradições despertadas por um Amor que atingia as
raias da Loucura, são, porventura, a mais bela e expressiva
manifestação poética do que pode o Amor e do que ele é ou pode ser
na vida do ser humano, principalmente na vida da mulher como diz
Mário Gonçalves Viena na sua obra “O Amor na Literatura
Portuguesa"; embora haja também quem diga que “essas cartas
nem sequer têm nível literário....”
268
No século XVII, temos pois conhecimento de que “A nota mais
vibrante de Amor... irrompeu, como tudo leva a crer, de entre as
grades de um convento.”
Era difícil, nessa época, esperar que surgisse, espontânea e
sincera, uma manifestação em que transbordasse veemência e
paixão, ou até a autenticidade de amor, sobretudo da parte de uma
mulher, apaixonadamente vivido... Os preconceitos puritanos, os
valores sociais em voga, e os interesses económicos, enclausuravam
as mulheres em casa e nos conventos e mesmo as outras só sairiam
de casa para se casar por conveniência da família, muitas vezes sem
se terem visto ou tendo-os visto de longe ou nas cerimónias
religiosas... conseguindo, como sempre acontece, as mais felizardas
ou as mais audazes, contactos epistolares através de criadas e
mendigos e por vezes directamente (!) iludir o recolhimento e recato
das famílias mais austeras, mas com grandes perigos e riscos, ou
acabavam com clamorosos raptos ou internamento nos conventos...
Aliás, ainda encontramos ecos deste fenómeno social nos romances
de Camilo e muitos sabem histórias parecidas que ocorreram em
pleno século XX! Era de facto muitas vezes preferível o rigor da
prisão dos conventos, em que era mais fácil conseguir estratagemas
que permitissem surtidas nocturnas dos amantes..., do que a
liberdade aprisionada da casa paterna...
No meio de tudo isto, ficamos perante um insólito problema. As
cartas que existem, o original publicado, é em francês. A partir desse
original (?), aparecem em várias dezenas de línguas. 130 edições em
oito línguas diferentes segundo Godofredo Ferreira que publicou uma
obra em 1923. Assim, seriam 76 francesas, 23 inglesas, 3 italianas, 3
alemãs, 3 espanholas, uma em dinamarquês, uma holandesa e vinte
em português. Fala depois, Belard da Fonseca, em edições em
húngaro, checo, grego, polaco, sueco e outras, na sua obra de 1966.
A que se fica a dever este fenómeno? Todos estão de acordo em que
se fica a dever ao impacto desta explosão de verdade e sinceridade,
269
que apareceu no meio do desencanto da Literatura de Seiscentos.
Nós podemos até lê-las em português! mas não podemos ter
contacto com a força, a veemência e a violência que estaria na letra e
escrita original, porque dessas não temos notícia. Podemos tão só
imaginar, dando-nos conta, por exemplo na quinta carta, a última,
que declara “fazer-lhe sentir, na diferença de termos e modos desta
carta, que finalmente acabou por me convencer de que já me não
ama e que devo, portanto, deixar de o amar”. Poderemos apercebernos disso até no modo como aparece, em cores mais carregadas ou
mais
esbatidas,
uma
autêntica
explosão
dos
mais
variados
sentimentos que parecem contraditórios e impossíveis de retratar na
mesma tela; e isto, quando já não há sentimentos - DORES, como ela
diz!!!
Resta-nos
então
concluir,
portanto,
que
todos
aqueles
sentimentos são FINGIdos! Ela FINGE/DORES! “O poeta é um
fingi(e)dor...”, diz Pessoa. O poeta finge DOR, podemos dizer nós.
Nestas cartas, o personagem emissor, nitidamente no feminino,
possivelmente, “...finge tão completamente, / que chega a fingir que
é dor, / a dor que deveras sente.”
Mas, quem nos diz, que aquela quinta carta é, realmente a
última?
Também este assunto, da ordem das cartas, é polémico. Qual é
a primeira e quais as do meio, e qual a última. Uma notícia que
temos é, para podermos fazer uma ideia de como aconteciam as
coisas de publicações naquela época, sabermos que em meados de
1668 já corriam numerosas cópias em França quando, em 28 de
Outubro de 1668, o senhor Claude Barbin obteve o “Privilège du Roi"
para imprimir a 1ª edição! Esta, 1ª edição, só aparece a 4 de Janeiro
de 1669, dizendo ao leitor que “Com muito cuidado e esforço,
encontrei maneira de recobrar uma cópia correcta da tradução das
cinco Cartas portuguesas, escritas a um distinto gentil-homem que
serviu
em
Portugal.
Vendo-as
270
louvadas,
ou
procuradas
tão
empenhadamente,
por
todos
aqueles
que
sabem
o
que
são
sentimentos, creio que lhes daria um raro prazer imprimindo-as. Não
sei o nome daquele a quem foram escritas, nem o de quem as
traduziu...” Isto lemos no prefácio traduzido por Eugénio de Andrade
numa edição bilingue feita para a RTP, em Março de 1980.
Ora o senhor Barbin, diz dos seus esforços para “recobrar uma cópia
correcta da tradução”! Depois, diz: “não sei o nome daquele a quem
foram escritas”!!! Que pena! Bastaria ter falado da pessoa que as
teria escrito, para nos ter salvo de uma discussão inútil e longa de
séculos!
A verdade é que se sabia, afinal, “o nome daquele a quem foram
escritas”: Noel Bouton, Marquis de Chamilly, em finais de 1667, mais
conhecido, primeiro, como Noel Bouton, Chevalier, Seigneur de
Montaigu ou de Saint-Leger, também tratado por: Comte de
Chamilly-Saint-Leger que, quando veio para Portugal, em 1663, teria
possivelmente 38 anos, e em 1667, 42, quando Mariana teria,
respectivamente, 23, depois 27! Consta que teria "uma figura
elegante e majestosa”. Parece que tradutor, a quem chegaram a
chamar autor, teria sido um certo Monsieur de Guilleragues!
Se de facto, como escreveu Matos Sequeira, as cartas são uma
mistificação, e se a freira não existiu, ou existiu, mas não terá sido
ela que escreveu as cartas, então, nesta hipótese, A FICÇÃO, A
MISTIFICAÇÃO LITERÁRIA, podemos dizer que ATINGE UM TAL
REALISMO, SÃO UM TAL SIMULACRO DO REAL, QUE PODEREMOS
CONSIDERAR SIMPLESMENTE UM PRODÍGIO, "O MODO COMO AS
CINCO CARTAS EXPRIMEM OS SENTIMENTOS FEMININOS DAS
APAIXONADAS...” Só os femininos? ou o de TODAS AS PESSOAS
APAIXONADAS que subitamente foram separadas do objecto da sua
PAIXÃO?!
271
A Título de exemplo, tentaremos um levantamento, ainda que
superficial, porque aprofundado seria exaustivo, DOS SENTIMENTOS
QUE ESTÃO EXPRESSOS, SÓ NA 5ª CARTA – A ÚLTIMA em que já não
há sentimentos a exprimir, como diz a autora, para enfim, os que
andamos distraídos ou tão ocupados com a riqueza e variedade da
NATUREZA HUMANA como educadores etc., darmos conta que eles –
OS SENTIMENTOS – de facto existem, são muitos, variados,
contraditórios e ricos, e podem ser desencadeados em nós e nos
nossos filhos e educandos…, não só pelo que aconteceu a Mariana, e
com esta violência, mas, como vulgarmente se diz, por "COISAS QUE
ACONTECEM NA VIDA" a que por vezes não ligamos, não queremos
ligar, ou queremos que os outros não liguem IMPORTÂNCIA!... Ora,
esses SENTIMENTOS podem ser desencadeados por atitudes e gestos
que consideramos “normais”, e, muitas vezes sem nos apercebermos
da sua gravidade, e para maior surpresa ainda, não conseguimos
perceber o que podem, de facto, desencadear: de crimes... guerras...
heroísmos... ou simples loucuras...!!!
Assim, SOROR MARIANA, pretensa ou autêntica emissora das cartas:
Descobre, primeiro, FRIAMENTE que já NÃO É AMADA e
portanto NÃO DEVE AMAR... – É o DESPEITO., A REVOLTA DE
SE VER PRETERIDA. A DESILUSÃO DE SE VER TRAÍDA, A SUA
VINGANÇA! em contradição com o auto domínio, a frieza e a
paz que pretende dar a entender, ter alcançado!
Até vai devolver as recordações: cartas e presentes como o
retrato e pulseiras. Estava na disposição de queimar tudo mas
declara-se incapaz. Prefere dar a entender que atingiu o
DESPRENDIMENTO, mas, em vez de os queimar, vai devolver
os presentes, confessando que, afinal, é incapaz de o fazer.
Com a devolução, mesmo que o não consiga, ao menos na sua
272
mente, renasce a ESPERANÇA de que os objectos e cartas o
venham a comover e, quem sabe? re/CONQUISTAR!!!
Quer sentir, até ao fim, a PENA de separar-se delas e causar,
ao menos algum DESPEITO. Confessa a AUTO COMISERAÇÃO,
mas quer que ELE as receba. Se as queimasse, ELE nem daria
conta! Quer portanto ferir, como se sente ferida!
Confessa a VERGONHA sua e dele de se sentir ligada àquelas
futilidades...
Declara-se RACIONAL, mas foi preciso VIOLÊNCIA para se
separar
de
cada
uma
quando
se
gabava
de
já
estar
DESPRENDIDA.
Confessa MIL IMPULSOS e MIL HESITAÇÕES que não se podem
imaginar. Conheceu o DESVARIO do seu amor quando tentou
curar-se dele e não ousaria se pudesse prever que haveria
tanta DIFICULDADE e VIOLÊNCIA. Seria menos DOLOROSO
continuar a amar apesar da INGRATIDÃO. Joga outra vez a
SEDUÇÃO!
A PAIXÃO, afinal, é mais forte que amar a pessoa amada.
O SOFRIMENTO é tão penoso, que torna ODIOSO o ser que se
mostrou INDIGNO do seu amor. AMA de tal maneira, que tem
de ODIAR.
O ORGULHO, TÃO PRÓPRIO DAS MULHERES, vai impedi-la de
tomar decisões contra o ser amado.
Até suporta o DESPREZO e suportaria o ÓDIO e o CIÚME. Mas a
INDIFERENÇA é INTOLERÁVEL, INSUPORTÁVEL!
Vieram
até
provas
de
AMIZADE
e
ridículas
provas
de
CORRECÇÃO.
Verifica que as cartas foram recebidas e não causaram qualquer
PERTURBAÇÃO no coração do amado.
Tamanha INGRATIDÃO! provoca LOUCURA.
A razão dessa LOUCURA é tamanha que nem sequer lhe resta a
ILUSÃO de as cartas não terem sido recebidas.
273
Denuncia por isso a sua FRAQUEZA, e acusa-o de ter dito a
VERDADE depois de mil acusações de não lhe ter escrito nunca.
Recusa, entretanto, ser ESCLARECIDA.
Prefere a PAIXÃO. Prefere a ILUSÃO. Preferia não ser obrigada
a NÃO LHE PERDOAR.
Declara-o INDIGNO dos seus sentimentos.
Conhece finalmente AS SUAS DETESTÁVEIS QUALIDADES.
Pede, apesar disso, que se ele tiver QUALQUER PEQUENA
ATENÇÃO, que a ajude a ESQUECE-LO completamente.
Nem sequer admite que a leitura o fizesse sentir algum
DESGOSTO, pois, A CONFISSÃO e o ARREPENDIMENTO dele,
poderia enche-la de CÓLERA e de DESPEITO “e tudo isso
poderia de novo INCENDIAR-ME”...
“NÃO SE META NO MEU CAMINHO" grita desesperadamente
tentando acreditar que seria ainda possível vir a encontrá-lo...
"NÃO ME INTERESSA SABER O RESULTADO DESTA CARTA...”
"pode estar SATISFEITO com o mal que me causa..."
Prefere a INCERTEZA... ESPERA conseguir qualquer coisa
parecida com a TRANQUILIDADE...
Promete não ficar a ODIAR...
Desconfia dos SENTIMENTOS EXALTADOS para se permitir
ODIAR...
Tem a CONVICÇÃO que poderia encontrar um amante melhor e
mais fiel! mas NÃO ACREDITA que alguém a possa amar...
NÃO ACREDITA QUE OUTRA PAIXÃO a possa absorver!
Experimenta a REVOLTA e lança o desafio: “que poder teve a
minha paixão sobre si?” NÃO PODE ESQUECER um coração
ENTERNECIDO... Não pode esquecer quem lhe revelou prazeres
que não conhecia...
Todos os seus IMPULSOS estão ligados ao ídolo que criou.
Os PRIMEIROS PENSAMENTOS E PRIMEIRAS FERIDAS não
podem curar-se nem apagar-se...
274
NÃO pode ser AUXILIADA nem APAZIGUADA...
Mesmo,
à
hipótese
de
outras
PAIXÕES...,
prefere
A
LEMBRANÇA do SEU SOFRIMENTO...
ACUSA o ser amado de lhe ter dado a conhecer A IMPERFEIÇÃO
e o DESENCANTO de uma AFEIÇÃO que não pode durar
eternamente e a AMARGURA que acompanha um AMOR
VIOLENTO quando não é correspondido...
Confessa-se vítima de CEGA INCLINAÇÃO e de um CRUEL
DESTINO que NOS PODEM PRENDER àqueles que só a outros
são sensíveis!...
“É TAL A PENA QUE SINTO POR MIM que TERIA MUITOS
ESCRÚPULOS em arrastar o último dos homens ao estado a que
me reduziu...”
Isto é DESESPERO, DOR INENARRÁVEL!!!...
Já não me merece NENHUM RESPEITO...
Entretanto não pode decidir-se a semelhante VINGANÇA...
Procura depois DESCULPÁ-LO...
Reconhece, de facto, que uma freira raramente pode inspirar
amor, ...mas ao menos a elas, NADA AS IMPEDE DE PENSAR
CONSTANTEMENTE NA SUA PAIXÃO...
Será
preciso
ter
pouca
DELICADEZA
para
suportar
sem
DESESPERO as futilidades das outras amantes...
Avisa-o de que, com as outras estará sempre exposto a NOVOS
CIÚMES...
Quantas suportam os maridos com DESGOSTO...
Como pode um amante não PEDIR CONTAS RIGOROSAS que
ela está disposta a dar? Como pode um amante ou um marido
ACREDITAR facilmente e SEM INQUIETAÇÃO...
Seria preferível o seu AMOR sem lei...
“Hei-de ser toda a vida uma DESGRAÇADA... Já antes MORRIA
DE MEDO que me não fosse fiel... QUERIA VÊ-LO A TODO O
MOMENTO... INQUIETAVA-ME... Desesperava-ME por não ser
275
mais bonita e mais digna de si; LAMENTAVA a mediocridade da
minha condição... PENSAVA NOS PREJUÍZOS que ele poderia
ter... IMAGINAVA QUE NÃO O AMAVA BASTANTE... RECEAVA,
por si, A CÓLERA DA MINHA Família... afinal, encontrava-me
NUM ESTADO TÃO LAMENTÁVEL como o que estou agora.”
TERIA ARRISCADO TUDO para ir ter com ele...
Ter-se-ia DISFARÇADO...
E se ele a não acolhesse numa terra estranha que HORROR que
LOUCURA!
Que VERGONHA tão grande para a minha família, a quem
QUERO TANTO depois que DEIXEI DE O AMAR!
Tem
SANGUE
FRIO...
Ao
menos
uma
vez
fala
PONDERADAMENTE... Sabe que A MODERAÇÃO lhe agradará...
Mas, NÃO QUER SABÊ-LO... SUPLICA que não escreva mais...!!!
AMEI-O COMO UMA LOUCA, TUDO DESPREZEI!...
A AVERSÃO dele só pode ser VISCERAL para a não AMAR
APAIXONADAMENTE...
DEIXEI-ME FASCINAR!...
Ele
não
RENUNCIOU
a
nada:
outros
prazeres,
caça,
campanhas... perigos...
Ele NÃO FOI CORAJOSO... Uma carta do irmão bastou para
fugir... e, durante a viagem, a sua DISPOSIÇÃO era a melhor
do mundo!...
Tenho razões para O ODIAR MORTALMENTE...
Foi ela que causou a SUA PRÓPRIA DESGRAÇA...
Foi INGÉNUA... Não usou ARTIFÍCIOS para se fazer amar...
Acuso-o
de
Perfídia...
...Declaro-lhe
que
o
entregarei
à
VINGANÇA de minha família...
Ela
viveu
num
ABANDONO
e
numa
IDOLATRIA
que
a
horrorizam, e o REMORSO persegue-a com UMA CRUELDADE
INSUPORTÁVEL...
276
Sente ENORME VERGONHA DOS CRIMES que ele a levou a
cometer...
A
Paixão
impedia-a
de
CONHECER-LHES
A
MONSTRUOSIDADE...
O seu coração está DILACERADO...
Não consegue libertar-se desta CRUEL PERTURBAÇÃO...
Crê, apesar de tudo, que NÃO LHE DESEJA NENHUM MAL...
Até DESEJA QUE ELE SEJA FELIZ...
“Quero escrever-lhe outra carta... com mais SERENIDADE...
para, com SATISFAÇÃO, o CENSURAR pelo seu procedimento
injusto, quando este já não ME IMPORTUNAR... e farei SENTIR
que o DESPREZO; que falo da sua TRAIÇÃO com a maior
INDIFERENÇA; que esqueci ALEGRIAS E PENAS...”
Ele tem vantagens porque inspirou uma PAIXÃO que lhe fez
PERDER A RAZÃO... mas não deve ENVAIDECER-SE com isso.
“Eu era nova, ingénua; haviam-me encerrado neste convento
desde pequena; não tinha visto senão gente desagradável;
nunca ouvira as belas coisas que constantemente me dizia;
parecia que só a si devia o ENCANTO E A BELEZA QUE
DESCOBRIRA EM MIM, E NA QUAL ME FEZ REPARAR...”
“Mas por fim, LIVREI-ME DO ENCANTAMENTO....”
E, depois de desferir as mais AZEDAS e IRÓNICAS ACUSAÇÕES
termina:
“É preciso deixá-lo, e não pensar mais em si. Creio mesmo que
não voltarei a escrever-lhe. Que obrigação tenho eu de lhe dar
conta de TODOS OS MEUS SENTIMENTOS?"
Parece, podermos afirmar, que temos, aqui, um levantamento
quase completo de TODOS OS SENTIMENTOS que podem mover A
NATUREZA HUMANA! ou, ao menos, as/os apaixonadas/os!
277
Os que ali faltam na minha pretensa listagem, pode o leitor
procurá-los avidamente nessa mesma carta e nas restantes quatro.
Este é o mágico conselho dos magos da clareira escondida na
floresta, das fadas e dos sábios que desta vez se reuniram no
BALCÃO DE ONDE SE AVISTA MÉRTOLA - as Portas de Mértola!!!.
Aquele BALCÃO, Janela? Varanda? Onde Mariana tantas vezes...
"MUITAS VEZES
DALI TE VI PASSAR
COM UM AR
QUE ME
DESLUMBRAVA; ESTAVA NAQUELE BALCÃO NO DIA FATAL EM QUE
SENTI OS PRIMEIROS SINAIS DA MINHA DESGRAÇADA PAIXÃO.
PARECEU-ME QUE PRETENDIAS AGRADAR-ME, EMBORA NÃO ME
CONHECESSES; CONVENCI-ME DE QUE ME HAVIAS DISTINGUIDO
ENTRE TODAS AQUELAS QUE ESTAVAM COMIGO; QUANDO PARAVAS,
IMAGINAVA QUE O FAZIAS INTENCIONALMENTE PARA QUE MELHOR
TE VISSE, E ADMIRASSE O GARBO E A DESTREZA COM QUE
DOMINAVAS O CAVALO; DAVA COMIGO ASSUSTADA, QUANDO O
LEVAVAS POR SÍTIOS PERIGOSOS...
Com esta sábia assembleia de fadas e de magos a olhar
ansiosos o intenso vaivém das PORTAS DE MÉRTOLA vamos ouvindo
Fidelino de Figueiredo:
Pode ali ver-se nessas cartas poema:
“O desespero do abandono; a lógica sentimental de tender a justificar
o que se deseja; a voluptuosidade agridoce de gozar no sofrimento; o
transporte de absorver toda a personalidade do ente amado; as
contradições constantes de quem só toma posições extremas e
insustentáveis e num incessante vaivém se debate, como havendo
perdido o rumo no pego encapelado do sentimento; todo o delírio
imaginoso de uma alma reduzida à imobilidade e à clausura,
orgulhosa de haver ascendido a um cume excelso donde avistou
vasta amplidão de ideal; a alternativa de querer ciosamente guardar
no coração recordações da perdida felicidade, como tesouro velado a
almas vulgares, para logo fraquejar perante o penoso dessas
278
memórias; a abnegação sem orgulho; todos os extremos doidejantes
duma alma rica de emotividade, mas que perdera o equilíbrio e a
realidade - tudo que uma paixão absorvente pode produzir, ali está
expresso naquele pequeno poema de amor. O martírio do abandono,
o inferno de amar já sem esperança e a desolação de quem antevê
para si toda uma vida de solidão e tristeza trespassam as cartas, não
com a monotonia plangente das lamentações, mas em traços rápidos
e incisivos, feitos de cobardia egoísta e egoísmo orgulhoso. Nessa
mulher o amor revelou-lhe a própria alma, tão grande e sensível que
parece ter-se nela acumulado a sensibilidade de gerações, o caudal
guardado pela clausura. Estava mesmo disposta a servir as amantes
que porventura ele tivesse em França para não perder a oportunidade
de arcar com a insuportável gravidade, risco e perigo do seu amor
por ele...!!!
279
Enfim...
As Cartas Portuguesas!
Les Lettres Portuguaises!
As Cartas da Freira Portuguesa!
Cinco Textos tecidos de DOR(ES),
GRITOS gritados em gritantes LETRAS
DE SENTIMENTOS angustiados e contrários
confusos, contraditórios
mas gritos que ecoam em estonteante ECO
dilacerante de encontro aos muros do convento,
do convencional que oprime e dilacera,
teimosamente olhando do balcão de Mértola
o Longe, o Azul, o Sul,
o Sol, a Luz, o Além,
A Felicidade!!!
GRITOS e GRADES!
Grades que provocam os gritos...
Gritos que procuram desesperadamente derrubar as grades
que os tentam sufocar e abafar .
Cartas Portuguesas!
Lettres Portuguaises!
Letras Portuguesas
GRITOS
DORES
SENTIMENTOS
GRITOS
ESTRIDENTES
SAÍDOS
DAS
MAIS
ENTRANHAS
DO CORAÇÃO DUMA MULHER!...
280
PROFUNDAS
COMO GRITOS SAÍDOS DAS ENTRANHAS DA TERRA
GRITOS DE GENTE
GRITOS DE POETA
GRITOS DE PESSOAS
GRITOS DE UM POVO
desesperadamente
A GRITAR
para despedaçar, lutando, TODAS AS GRADES!
Buscando a LIBERDADE!!!
281
282
img025 – mariana à janela donde se avista Mértola!
“Muitas vezes dali te vi passar com um ar que me deslumbrava...” p. 276
283
284
3.03.3 - MARIANA ALCOFORADO - A lenda que (se) pode
(en)co(a)nt(r)ar...
Há anos, muitos anos que se passaram há mais de trezentos
anos, mais precisamente em 1640-1723, num reino muito distante e
perdido do mundo que ficava ali no Alentejo mais propriamente em
Beja, havia uma mulher e um homem que queriam ter um filho pois
já tinham uma filha, e um filho era importante, segundo os costumes
do tempo, para assegurar as propriedades e com elas a prosperidade
e a posteridade duma família com pergaminhos... e terras... e bens...
e prole...
Tanto desejaram, tanto desejaram, que um dia, quando a
mulher se estava refrescando na frescura sombreada de uma fonte
retirada das vistas da cidade perdida, lá para os lados de noroeste,
apareceu-lhe uma cobra monstruosa e encantada que lhe disse:
 Não tenhas medo. O teu desejo vai ser satisfeito. Antes de
um ano, darás à luz uma menina.
Leonor  era assim que se chamava a mulher  ouviu. Não era
bem aquilo que queria... Mas, como com cobras não se pode discutir
muito, guardou para si o seu segredo e esperou.
A profecia da serpente realizou-se e aquela mulher teve uma
filha tão linda que o homem quis dar uma grande festa para partilhar
com todos a sua alegria. O senhor Francisco,  assim se chamava o
extremoso pai  além de convidar todos os familiares, parentes e
amigos,
convidou
também
as
fadas
do
reino
para
que
providenciassem o futuro mais feliz possível para a sua filha, o que
não era muito fácil, naqueles tempos conturbados!... e naqueles
ermos perdidos!
Ora havia naquele reino, perdido e esquecido há anos muitos
anos, treze fadas que fadavam e rondavam a cidade com seus fados
285
bons e maus, mas eles, que só tinham um serviço completo com doze
pratos, digno de tais convidadas, convidaram só doze.
 Chega.  Disse o senhor Francisco  Não é por faltar uma
que a menina ficará menos bem fadada!... e quem dá o que tem, não
é obrigado a mais.
 Até porque, se convidamos mais uma, e não a podemos
servir na baixela de prata como as outras doze!  disse a senhora D.
Leonor  que ofensa, meu Deus! Que horror não seria! E uma mesa
com treze, até pode ser logo um mau agoiro para a nossa filha!...
Bem basta que tenha sido outra filha, e não um filho como tanto
desejávamos,
para
a
ser
mau
presságio...

Isto,
pensava
secretamente e senhora D. Leonor, mas não disse nada.
A festa foi celebrada com muita alegria e esplendor e no meio
dos cantos e dos contos com que os convidados se encantavam uns
aos outros perante a beleza da menina que nascera, e, embora já
fosse encanto que bastasse, as fadas fadaram a princesa com dons e
encantos que tinham guardados no poder mágico das suas varinhas
de condão!
Veio então a primeira e disse:
 Estás fadada, estás marcada,
para seres mui virtuosa,
e seres sempre consagrada
a um deus, como uma rosa!
A segunda disse:
 Serás a mais inocente
no meio da tua gente!
A terceira disse:
 E num dia especial,
quando passar um cortejo,
o teu ar celestial,
vai despertar tal desejo
que te há-de ser fatal
286
E a quarta disse:
 De tal modo sentirás
que toda a terra ouvirá!
A quinta disse:
 Não sentirás só o Amor
provarás todas as DORes!
A sexta disse:
 Teu Amor e tua DOR
tua DOR e o teu Pranto
vão dar ao Mundo calor - cor
e encher tudo de Espanto - santo!!!
A sétima disse:
 A tua DOR sem igual
Vai dar-te Prazer sem rival!
E a oitava:
 ‘Té na tua Solidão
vai vibrar teu coração
em luta contra a Razão
Labirinto e Confusão!!!
E a nona disse:
 Os prazeres que vais sentir,
muitas damas, de o sonharem
dariam a vida e porvir, (a vida por vir)
de só um pouco, provarem!!!
E a décima:
 Com todos os teus sentidos
misturados e vividos
os teus gritos de Prazer
serão Dores para... Morrer! Viver
E a décima primeira:
 Vou-te lançar um encanto,
contado com doce canto.
287
e um tal deslumbramento
que verás o seu Encanto
no meio do sofrimento!!!
E como o cortejo das fadas a era muito longo e todos tinham
parado, com a boca seca, tensos sequiosos, parados suspensos, para
ouvir as palavras mágicas das fadas e procuravam adivinhar nelas o
que seria o futuro de tão prendada menina, no meio daquelas
palavras cantadas/encantadas, eis que de repente houve um barulho
infernal – BRRRUM BUM BUM – na sala da festa, que causou a maior
confusão. Entrara a fada de olhos brilhantes e coléricos, que não
tinha sido convidada, e vinha vestida de preto e pensava, na sua
raiva delirante, que a todas as fadas tinham fadado a menina com
tudo o que há de bom e desejável, e vinha para estragar todas as
promessas de felicidade que pairavam sobre o berço e a vida da
menina... (É assim, às vezes, a sorte do nosso fado! É que as magas
e as fadas também tem raivas e podem enganar-se ou distrair-se!...
ou até precipitar-se!)
Disse então a numero treze:
 Abacadabra! Amor com DOR!
Ouvi todos com horror!
Brum Ruumm Bruummm...e com terror!
Por volta dos seus vinte anos,
Ai! esta bela menina
vai-se picar nalgum fuso,
ou nalguma agulha fina!
ou então vai encontrar
uma serpente encantada
como já acontecera
a sua mãe... para a ter !
Ficará ferida de morte!...
E, se conhecer o Amor,
há-de conhecer também
288
a DOR pungente que tem! ...
Aí tens a tua Sorte...
Este é que é o meu dote!
Brrrrrrr! Amor com DOR!
...E voou como um vapor...!
E tão rápido como tinha entrado, a fada furiosa desapareceu
sem que ninguém visse sequer por onde...
Apareceu então a rainha das fadas, que esperava tudo daquela
sua companheira, que não tinha sido convidada, e se tinha deixado
ficar para o fim, sem que ninguém o tivesse percebido. Tais eram os
votos que todas as fadas tinham feito, que todos pensavam que
algum, era com certeza, já, o da rainha das fadas!... Ela aliás, em
nada se distinguia das outras, mas era a rainha escolhida para reinar
durante aquele tempo, coisas que só acontecem no reino das
fadas!...
E disse a rainha das fadas, para nós, a número doze:
 Nada posso desfazer
do que disse aquela fada!
Ela há-de-se picar...
E também vai encontrar
uma serpente encantada!...
Mas a picada de morte,
não é morte. Será vida!
E vai viver a dormir
uns cem anos bem contados...
E depois, ao acordar,
com a picada mortal!
os gritos que ela vai dar
durante toda uma vida
vão espantar toda a Terra
que se verá comovida
289
como em convulsões de guerra,
abalada, arrebatada,
por uma DOR renovada!
A festa acabou com bastante alegria misturada com o medo e a
ansiedade do que iria acontecer, e cada um foi para as suas casas...
Os pais da menina que a queriam defender de todo o mal que
lhe pudesse acontecer, ao chegar logo aos onze anos, meteram-na
numa espécie de castelo que bem podia ser uma prisão, mas onde
estavam convencidos de que nenhum mal, daqueles que foram
anunciados pela fada irada, lhe podia vir a acontecer, e onde nada lhe
faltaria de tudo o que desejasse. Viveu assim a menina muitos anos e
se até aos onze já era prendada com todos os dons que as fadas
tinham anunciado, mesmo no castelo que bem podia ser uma prisão,
onde nada lhe podia faltar, esses dons desenvolveram-se tanto, à
medida que ela ia crescendo cada vez mais bela e sedutora, que
quem a via não podia deixar de gostar dela.
Vinham então naquele tempo, muitos príncipes e cavaleiros
doutros reinos para auxiliarem este reino que passava tempos muito
conturbados. Já antes de a Menina nascer, durante doze lustros, um
rei poderoso tinha tomado conta de todo o reino ao qual pertencia
este reino mais pequeno e mais perdido e esquecido, e mandava em
todos os povos mesmo neste desprezado e perdido para além do Tejo
de modo que muitos viviam no medo e na revolta. Vinham então,
estes príncipes cavaleiros ajudar o rei, para que isso não pudesse
mais acontecer.
Mas aconteceu que um dia, quando a menina já estava a passar
a idade anunciada pela fada despeitada, e já ninguém pensava que
algum mal lhe pudesse acontecer,...um dia, que estava com todas as
suas companheiras, olhando do alto duma varanda envidraçada tudo
o que se descortinava para o Sul até lá muito ao longe, para os reinos
de Mértola e além Garbe, ela, de repente, soltou um grito
desesperado e caiu como se estivesse morta. Ninguém dera conta de
290
nada. Não se notava ferida nenhuma. Na mão direita que tinha
pousada sobre o peito, notava-se um sinal que nem picada parecia! O
que seria? O que não seria? Os médicos chamados não descortinaram
nada! Mas o certo é que ela continuava aparentemente morta e de
olhos fechados parecendo que morria!
Nesse momento, sem que disso ainda se tivessem bem
apercebido as donzelas que olhavam fascinadas os campos e os
longes que se abriam para o Sul, entrava na cidade, pelas portas de
Mértola, um grupo de soldados comandados por um forte e esbelto
cavaleiro, que brindava a população, que timidamente os espreitava
por detrás das janelas e começava a correr para a rua, com
evoluções e malabarismos arriscados com que habilmente fazia
evoluir a sua montada na calçada empedrada da rua e no aterro que
ladeava o castelo encantado que mais parecia uma prisão onde
nenhum mal podia acontecer à fadada menina, e arrancava ais e
suspiros de aflição e excitação às pessoas que assistiam surpresas!
enfeitiçadas!
Foi no momento em que a luz o nimbou com um reflexo
repentino!... No momento em que se recuperava dum súbito
desequilíbrio da montada!... No momento em que Mariana escondida,
tão distante!, ali tão perto!, atrás da janela, estava presa como que
alheada nas evoluções arriscadas do nobre cavaleiro,... que um brilho
inesperado acendeu os olhos de Mariana! Um brilho repentino! Um
golpe fatal! Como um raio! Relâmpago! Repentino! Fulminante!
Invisível! Invisível a todos! Real para ela! que a prostrou sem vida...
Sem vida aparente!
Correu então pela cidade a nova nunca ouvida de que uma bela
menina na flor da idade que pouco mais teria que os seus vinte anos
ou ainda os não teria tão fresca e jovem ela aparecia!, estava picada
de morte e não morria, e já se mantinha assim há muitos dias...
Tanta fama correu, que a nova
chegou aos ouvidos daqueles
formosos cavaleiros, que tinham vindo de longe para ajudar o rei
291
deste reino nas campanhas e dificuldades que o reino atravessava.
Vinham pois eles equipados com tudo o que tinham de melhor e
podiam transportar para assim melhor servirem o rei que vinham
servir e dar bom-nome ao rei de que eram súbditos. Quando a nova
correu entre aqueles estrangeiros, houve um que disse:
Parbleu! Quel belle nouvelle! Oh meu Deus, que nova bela!
Je saurai, certainement Eu saberei com certeza
Qu'est-ce qu'elle a, la demoiselle! Qual o mal dessa donzela!
 Porventura! eu sei a doença que sofre a pobre e formosa
donzela! Não posso ter a certeza, mas se a puder ver, experimentarei
os remédios que pude trazer comigo e nunca me abandonam e são
segredos descobertos no nosso reino que porventura ainda não
chegaram ao vosso país e não me competirá a mim revelá-los, tão só
usá-los em caso de extrema necessidade como me parece ser esta!
Tão formoso discurso foi ouvido com muita atenção, espanto e
esperança, e logo esta bela fala do cavaleiro correu pela cidade, e
logo o levaram à presença da doente que mais parecia morta, mas
que irradiava uma beleza suave e discreta na sua palidez.
O cavaleiro chegou, olhou e ela continuava como morta.
Olhou com mais atenção e pode ver a cor da palidez do rosto e
dos lábios e como que pode adivinhar o brilho dos seus olhos mesmo
sem os ver.
Fez com a cabeça um sinal que todos entenderam que sabia
que doença era e que teria o remédio indicado para ela e todos se
retiraram respeitosamente... mesmo a ama, que mais cuidava
daquela menina, encarregada pelos pais de que nada lhe faltasse
mesmo naquele castelo que mais parecia uma prisão!
Então..., o cavaleiro olhou mais insistentemente os olhos que
não via mas adivinhava... os olhos que o não viam mas o
adivinhavam! aproximou-se. tocou-lhe no rosto. deu-lhe o beijo...
292
Mal a beijou ela começou a abrir os olhos, e quando lhe deu o
remédio salvador que trazia para a salvar, ela abriu desmedidamente
os olhos de encanto e espanto descobrindo realidades fantásticas que
os sonhos e presságios já lhe tinham indicado, mas ela não julgava
nem sonhava possíveis, não podendo conter em si a alegria que a fez
entrar num desvario que mais parecia um deslumbramento.
Todos se encheram de alegria e festejaram tão milagrosa cura
que ela não podia esconder de ninguém e, durante algum tempo,
pode aquele salvador providencial visitar e assistir à espantosa
convalescença da sua doente!
Quando enfim, no final das campanhas, os cavaleiros tiveram
de partir, e entre eles aquele maravilhoso que a tinha salvo, os seus
gritos de dor e alegria foram tão estridentes, tão impressionantes,
que embora só desse CINCO! daqueles PRODIGIOSOS GRITOS, UM
EM CADA DEZ ANOS DOS CINQUENTA QUE AINDA VIVEU, eles foram
tão sentidos, tão dolorosos, tão expressivos da alegria e do encanto
que sentira, que se ouviram além fronteiras e ainda ecoam pelo
mundo como expressão dos mais profundos sentimentos que pode
experimentar a pessoa humana!
TÃO TRISTES, TÃO SAUDOSOS,
TÃO SENTIDOS DA PARTIDA,
POR SE VER ASSIM TRAÍDA,
POR SE VER ASSIM CAÍDA!
QUE PASSOU A SUA VIDA
A QUERER CURAR-SE DA FERIDA,
SEM O QUERER, POR ESTAR PERDIDA...
E POR MAIS QUE ELA GRITASSE
E QUE DESEJASSE CURAR-SE;
OS SEUS GRITOS DOLORIDOS,
ERAM SÓ P'RA QUE ELE VOLTASSE
E LHE ABRISSE AQUELA FERIDA
POIS ENCONTRARA NA VIDA...
293
UMA ENCANTADA ALEGRIA,
QUE ELA NÃO QUERIA PERDIDA,
E VALIA MAIS QUE A VIDA,
VIVIDA SEM ALEGRIA!...
Eram assim os gritos de Mariana! Os gritos de Maria... Os gritos
de Ana... Os gritos da Ama... Os gritos da Maria Ana... da Maira... da
Maíra...da Nairama... da Arima... da Arinama... da Miriam... de todas
os MARIAS que de todos os rios, de todas as rias, do Tejo, do Sado,
do Guadiana – Odiana, do Alva e Ceira, do Mondego e do Douro...
que correm para o MAR... que unem fronteiras, que rasgam
fronteiras... daquém, dalém montes... daquém e dalém Tejo!!! mas
carregam as DORES de todas as FONTES! e levam as lágrimas de
todos os peitos... onde a DOR floriu!
Eram
assim
os
gritos
de
MARIAS!...
294
TANTAS!
Tantas
MARIANAS!...
A MAGIA DAS DÉCIMAS POPULARES!!!
O MOTE GLOSADO EM ESPIRAL – ou A QUADRATURA DO CÍRCULO.
A MAGIA DA QUADRA QUADRADA QUE GIRANDO SE TORNA
CÍRCULO!
img026 – a magia das décimas ou a circulatura do quadrado…
295
img026b – a magia das décimas ou a circulatura do quadrado… manuscrito!
296
0.3.03 - Os Magos na Sala do capítulo
Os magos e as fadas da clareira escondida na floresta, que
nesse dia tinham reunido na sala do capítulo, onde tantas freiras
tinham sido repreendidas e censuradas pelas suas leviandades e a
quem foram impostas rigorosas e penosas penitências, saíram
cabisbaixos e ainda pensativos carregados com os mistérios que
tentavam desvendar através de tão atribuladas e excitantes histórias
com um misto de factos reais e históricos, à mistura com umas cartas
que tanta polémica levantaram e levantam sobre a sua autenticidade
e mais ainda a Lenda!... e tentaram ir até ao balcão de Mértola que
se abria sobre a planície para o Sul...
Quem é que lá foram encontrar? triste e pensativa, recortada
no contraluz do dia a entardecer? A Mariana! Não. Não era a Mariana
Alcoforado. Mesmo que fosse não a reconheceriam, pois como não
deixou nenhum retrato autêntico para a posteridade, muitos artistas
a retrataram conforme a sua ideia, suposições e inspirações, e até
Matisse, em traços simples e vigorosos, se comoveu com a pobre
freira portuguesa do sul e, como diz Belard da Fonseca, como nunca
deve ter visitado Portugal, nos dá a imagem de uma mulher tipo de
marroquina, lábios muito carnudos, malares salientes e olhar de
animal perseguido.”
Como é que ali teria entrado aquela intrusa? Não sabiam e
também não perguntaram. Também ninguém sabe como é que o
Cavalheiro de Chamilly teria entrado naquele convento de clausura
rigorosa!, mas sabe-se que pelo menos desde 1665 as freiras foram
fazendo casas próprias ou mais propriamente quartos encostados aos
muros do convento e o pai de Mariana teria até mandado construir
297
duas, e embora fossem obrigadas a ir pernoitar no dormitório
interior, algumas, pelo menos algumas vezes, não iam com certeza.
Ali estava ela recortada pela luz coada da Janela de Mértola e
respeitaram seu silêncio e as suas divagações. Pensava talvez, como
eles os magos, e elas as fadas, descobrir o significado das leis
daquela época que encerravam jovens de tenra idade num convento
inventado pelos senhores dos morgadios e latifúndios para que a
riqueza da terra não se perdesse! e ali as sepultavam vivas!
E a riqueza dos valores e sentimentos humanos que foram traídos e
violentados?
Essa Mariana é talvez um símbolo! Quando a riqueza humana,
de sentimentos humanos e de corpo humano é semeada nesta terra
fecunda do Alentejo, não pode ficar condenada à esterilidade
castrada, ignorada, sem dar frutos. Os seus arroubos de doação e
entrega, a sua riqueza de sentimentos, ecoaram pelo Mundo e ainda
ecoam. Ela, como a Florbela e mais ainda outra figura de Lenda, a
Aldonça da Fonte Mouro, são possivelmente os ícones, símbolos desta
TERRA ALENTEJANA, feminina, fértil, rica, tanto em CULTURATerra,
como em CULTURAPovo, e a FONTE de Aldonça, como as CARTAS
de Mariana, serão o grito feminino desta TERRA fecunda quando a
querem votar ao abandono, a pretendem fechar numa clausura ou
lhe
criam
entraves
ao
desenvolvimento,
ou
a
pretendem
simplesmente colonizar como um qualquer Marquis de Chamilly que
só viria aproveitar e impor sua superioridade balofa de gente erudita
e bem nascida! E vêm! E chegam! E regem! E ditam! E determinam!
Mandam! Decidem! Condenam! Tem soluções para tudo! que não
resolvem nada... - Os de cá, não percebem nada! Nós é que
sabemos! Então não vêem, seus molengões, o que podem fazer, das
coisas que são vossas! - Nós é que sabemos!... Eles é que sabem...!
298
Como todos os colonizadores souberam fazer, sempre, o melhor, nas
colónias onde enriqueceram à custa dos ignorantes!!! Coitados!!!
 Claro que não é só isso!  disse uma das fadas que tinha
estado sempre muito calada.
 Quantos gritos de mulheres enclausuradas e exploradas se
revêem na revolta de Mariana e quantas damas que ficaram para
tias, sonharam aquelas cartas que talvez tenham escrito nos seus
diários íntimos... E como elas, quantas terras? Quantas regiões
perdidas, isoladas, enclausuradas, exploradas, oprimidas... deixadas
estéreis em nome de leis como a dos morgadios... em nome do
desenvolvimento... (deles!); do envolvimento... (deles!); em nome
do regadio... (deles!); em nome da Pátria… (deles!); em nome da
crença... (deles!); em nome da Fé... (deles!); em nome do
progresso... (deles!).... quantas Marianas... Anas... Marias... Rios...
Rias... Mares... ficaram infecundos, sem AMAR... sem CRIAR... A
GRITAAAAAAAR: AIS! AI! AI! AI! IA!... ... ... IAAAAAAAAAAAAAAA M !
 Há uma imensidade de sinais que tentamos desvendar.
Talvez aquela cigana os esteja a ler melhor que nós, olhando a lua
que se levanta neste céu de Agosto e esteja a ler nos astros, os
destinos e anseios das mulheres e homens deste país de poetas,
cantadores e contadores de histórias!
 Mas já vêm aí as Europas e as Américas com os seus dólares
e ecus e euros, e com os seus iluminados a decidirem o que é melhor
para nós e para o Alentejo... E esses, que estudam nos livros e nas
catedrais do saber, não se vão deixar enganar pelas letras das
estrelas que têm o segredo do Cosmos e do Universo! Esses vão
trazer aqui tudo o que é iluminária e inteligenzia!!!... Vão ouvir e
seguir todos e tudo, até lhes vão pagar para os ouvir cagar
sentenças!, menos ouvir as soluções daqueles que sabem, porque
299
sempre aqui viveram ao ritmo das estações e sabem ouvir e
interpretar a Terra e a Natureza, a até, pobres analfabetos!, tentam
ler as letras das estrelas!, com a sua Poesia e o seu Cante!!!
E assim encerraram, os magos da clareira escondida na
Floresta, as suas reflexões. A Mariana recolheu-se à sua liberdade e
correu para o campo à procura do acampamento e do seu amado, o
cigano Castanho...
... Na Planície imensa, ao Sol de Agosto, abraçados um ao
outro, ouviram subitamente um GRITO! Um CHORO! UM CORO! que
era um lamento das ÁRVORES DO ALENTEJO gritado num soneto de
Florbela Espanca:
«ÁRVORES! CORAÇÕES, ALMAS QUE CHORAM,
ALMAS IGUAIS À MINHA, ALMAS QUE IMPLORAM
EM VÃO REMÉDIO PARA TANTA MÁGOA!»
«ÁRVORES! NÃO CHOREIS! OLHAI E VEDE:
 TAMBÉM ANDO A GRITAR, MORTA DE SEDE,
PEDINDO A DEUS A MINHA GOTA DE ÁGUA!»
300
Aviso aos leitores…
Avisam-se
os
distraídos,
leitores
que
semelhança
que
mais
qualquer
possa
haver
entre qualquer coisa que fica
aqui contado e a história ou
personagens
possivelmente
existentes na História ou na
sociedade vista no seu conjunto,
é pura e simples coincidência,
uma vez que tudo o que fica
aqui escrito é obra de pura
ficção e do contributo de muitas
e variadas obras de ficção de
consagrados
autores,
e
e
só
renomados
existe
no
prodigioso MUNDO DA FÁBULA!
do
FANTÁSTICO!
do
MARAVILHOSO!...
POSSIVELMENTE MAIS REAL DO
QUE O MUNDO dito REAL!...
O Autor
301
302
VITÓRIA VITORIA
ACABOU-SE A HISTORIA.
E ASSIM FICA PROVADO,
DEPOIS DE BEM ENROLADO
O NOVELO JÁ DOBADO...
QUE AQUI NO ALENTEJO,
NÃO SE VIVE DE ILUSÕES
NEM DE SONHOS SENSAÇÕES... NEM TÃO POUCO DE PAIXÕES!
POIS TUDO ISTO
SÃO PURAS FICÇÕES...
ISTO TUDO É UM DESERTO,
ONDE NADA É PERTO...
ONDE NADA É LONGE!...
NÃO HÁ LONGE NEM DISTÂNCIAS, MAIS AMPLAS NESTE PAÍS...
MAS HÁ ESPAÇO PRÓ SONHO
E HISTÓRIAS DE PASMAR...
É O POVO QUEM O DIZ
COM SEUS CONTADORES DE HISTÓRIAS
E CANTADORES E POETAS...
QUEM NÃO CRÊ!!!?
SÓ QUER É TRETAS.
NÃO QUER POETAS
SÓ QUER PETAS
P’RA REGAR A IDIOTICE!
MAS SE QUER SÓ ANEDOTAS
NÓS TAMBÉM LHAS CONTAREMOS
E MUITAS ATÉ COM CHISTE
PR’ADOÇAR ESSA CHATICE
E ATÉ A PAROLICE
DOS PACÓVIOS DA CIDADE.
303
NÓS QUE SOMOS BONS ARTISTAS
COMO DIZ CERTO JUIZ...
MAS PASSAMOS POR PAROLOS
PRÓS TOLOS DESTE PAÍS
QUE QUEREM PAPAS E BOLOS...
VIMOS DAQUI AVISAR
QUEM ASSIM OUSA PENSAR
NA SUA PRIVACIDADE
SEM PENSAR UM SÓ INSTANTE!...
QUE LABORA EM ERRO GRANDE!...
E ISSO É DOENÇA GRAVE
OU UM MAL DA NOSSA RAÇA...
MAS É DOENÇA QUE PASSA
OU CO’A MORTE, OU CO’A IDADE!
BONS SONHOS TENHAM SENHORES, SENHORAS E CRIANCINHAS,
‘TÉ NOVA OPORTUNIDADE!...
TAVONDE!!! T’AVONDO!!! TEM AVONDO!!!
304
TAVONDE... TAVONDO...
TEM AVONDO ! -- Fim ! -- Chega !
... um FIM antes de acabar... como um último copo, para saborear
devagar, durante a despedida...
TAVONDO é uma expressão de algumas zonas do Alentejo...
- Tavonde! Chega. Por agora basta! - avisava com ar brincalhão o
António Romão do Penedro, quando acabava de lhe encher o copo...
Tavondo! Por ora chega, de lendas e de reflexões!... Porque
talvez, quem sabe? depois de ouvir os gritos estridentes de Mariana,
os avisos luminosos das lendas escritos nas estrelas..., possamos
ouvir os GRITOS DESTE POVO... povo “indolente” que moureja ao sol,
“filho da fome e do trabalho sazonal”, que grita mudo: - “...somos
nós!” “...temos uma cultura.”. “Grita Alqueva...” “...uma gota
d’água...” “...alça-se o Castelo...” “...soltam-se os touros...”...canta o
seu cante... e conta os seus contos... tem uma história... tem os seus
poetas... os seus artistas... tem pessoas... tem gente... terra... e
grita, calado: Chega de colonização! TAVONDO...tem avondo!...
chega!
... é que naquele dia de LUA CHEIA, (1988/08/26,27) a MARÉ
CHEIA invadiu todo o areal da praia onde tínhamos acampado, não
nós! claro!, mas os ciganos que eram o cigano Castanho e a cigana
Mariana, e ameaçava, com a sua fúria, invadir a Terra, cobrindo-a,
submergindo-a, impedindo os humanos de VER COM OS OLHOS
ABERTOS os mistérios do MAR... Mas, sete horas depois, quando se
levantou a alva e ainda todos dormiam DE OLHOS FECHADOS, a
MARÉ VAZIA, com o recuo profundo das águas, pôs a descoberto as
profundidades do mar...
305
Então, acordei, não eu! claro! ...e pude ter o privilégio de VER
os segredos ocultos aos olhos humanos...
Assim, um dia, quando tiverem oportunidade de caminhar na
praia durante uma maré vazia excepcionalmente profunda, aquando
das marés vivas, que vos permita caminhar pela nudez do mar...
avancem sem medo pela nudez de a mar... da mar... d’amar...
talvez nesse dia,
nos possamos ver
e enfim perceber
A LENDA DO TOURO,
A LENDA DA COBRA
E DA FONTE MOURO...
DA PRINCESA COBRA
E DO LIDADOR...
e até voltar,
vivendo outra vez,
a mil e trezentos
e oitenta e três...
levantar um povo,
tomar o castelo...
depois regressar
de novo ao futuro
a mil e seiscentos
nos anos quarenta
e então gritar
como a MARIANA
os gritos de DOR
desta TERRA fértil
e que fica estéril
de não fecundada...
e os gritos gritados
do povo esquecido
306
por ser desprezado
por ser explorado
por ser fecundado...
em proveito alheio.
... E então perguntar:
QUE CONTOS, QUE LENDAS
ESTE LIVRO CONTA?
LENDAS DE ENCANTAR
P’RÁ GENTE CANTAR
DE NOITE AO LUAR?
ou servem também
para entender
que aqui ou no mundo
onde quer que seja...
há lendas de touros
de serpentes cobras
de mouros e mouras
de encantos e fontes
de lutas de morte
sonhando tesouros
procurando a sorte
procurando um norte
gritando de dor
de paixão, de amor...
como aqui em Beja .
e isso acontece
em terra esquecida
em qualquer lugar
no tempo ou no espaço
no mundo perdida...
como em toda a parte
307
na humanidade
em constante guerra
pela liberdade
que seduz e aterra!...
eterno combate
do Homem na Terra
bem escrito em verso
no imenso Universo
que podemos ler
olhando as estrelas
que são como letras
das lendas que lemos... nós?...os analfabetos???
Para quem O MAR é A MAR… AMAR!!!
308
4 - OUTROS SIGNOS
4.1 – PISÕES
4.2 – AS MAIS
309
310
4.1 - PISÕES
311
312
0.4.1 - PISÕES – os Ciganos Romanos?!...
A dada altura, correu voz pelas casas acaloradas de Beja e do seu
termo, que, para os lados do Poente, a alguma distância do coração
do Monte da Almocreva, viveu uma família romana, talvez de nome
Atília, com a sua Villa Urbana de residência apalaçada, a sua Villa
Rustica, para os servos, e a Villa Fructuaria, com os seus silos e
armazéns
para
as
colheitas,
na
melhor
das
comodidades
e
condições...
de verão, protegiam-se do calor ardente do sol com a frescura da
água que caia como em chuva em magníficos repuxos, serpenteava
em
regatos
correntes
como
serpentes,
e
se
estendia
em
reconfortantes piscinas como o mar...
No Inverno, defendiam-se do frio com a grossura das paredes e a
água circulava quente do hipocausto subterrâneo para os tanques
aquecidos e podiam aproveitar toda a fonte do calor do sol, sempre
generoso e abundante ao sul...
À voz da descoberta! de todos os lados correram a ver aquela
maravilha!
gente
de
todos
os
lados,
sequiosos,
chorosos,
deslumbrados, pela facilidade tão evidente de poder ser feliz em
clima tão hostil! Choravam eles a tristeza de terem esquecido a arte
de construir no ambiente adequado a habitação certa para poderem
viver cómodos, confortáveis e felizes!... Mas para aqueles Atília
viverem confortáveis, quantos eram sugados pelo frio, pelo calor,
pela sede e pela fome?
???
Naquela noite, o cigano castanho e a cigana Mariana adormeceram
embalados pelo sonho ancestral e universal de cada ser humano ter
um lar, uma casa, uma vila, um monte... no campo, isolado dos
313
outros e do mundo, mas muito perto para conviver... e poder dormir
enfim ao som inebriante dos grilos e cigarras misturado com a música
do vento que passa a dedilhar as árvores e as searas, acompanhada
pelo murmúrio enfeitiçante da água das fontes e correntes...
Assim, isolados! solitários! estariam aptos para enfim intervirem
inteiros! solidários! na sociedade construída pelas mulheres e homens
do seu povo universal encantado com o riso das crianças a crescerem
para um Mundo Novo...
Ali, entre ruínas… sonhando-se romanos instalados, meditavam:
QUE OBSCURAS LETRAS SE LÊEM NA CLARIDADE DAS ESTRELAS?...
QUE CLAREZA DE ESTRELAS PODEMOS NÓS LER
NA OBSCURIDADE DAS LETRAS QUE JUNTAMOS
PARA FORMAR A MAGIA DAS PALAVRAS
QUE TENTAM CONTAR AS LENDAS E AS HISTÓRIAS
QUE TENTAM ENCANTAR COMO O CANTO DAS SEREIAS?
SÃO OS MISTÉRIOS QUE TODOS BEM SABEMOS,
MAS NÃO DESCOBRIMOS NEM DIZEMOS!...
QUE LOUCURA!
SÃO VERDADES QUE NÓS BEM DES/CONHECEMOS
MAS NÃO REVELAMOS NEM AS ENTENDEMOS!
PORQUE SE NOS ATREVÊSSEMOS A OUVI-LAS
COMO O CANTO sacrílego DAS SEREIAS
Ficaríamos PRESOS COMO ULISSES
OU CEGOS E SURDOS COMO OS OUTROS
SEUS COMPANHEIROS DE AVENTURA...
PORQUE NENHUM SER HUMANO PODE OUVIR
OU VER
DIZER
A VERDADE QUE REGE A HUMANIDADE...
314
SEM MORRER!!!
MORRER? OU LIBERTAR-SE
DESTA HUMANIDADE CONHECIDA
QUE NÃO PODE SUPORTAR A LUZ INTENSA
DA VERDADE NUA E CRUA, IMENSA,
SECRETA E PROFUNDA, QUE A MANTÉM NA VIDA???!!!
TAVONDO! - dizem os alentejanos.
BONDA – Tem Abonde – dizem os outros mais ao Norte!!!
Tem que chegue.
TEM AVONDO!
Chega.
BAAAAAAAAAAAAAAAAAAASTA!
315
316
img027 – no remanso de uma mansão romana!!!
…“Ali, entre ruínas. sonhando-se romanos instalados, meditavam:...” p. 310
317
318
4.2 - AS MAIAS
In Expresso de 5 de Maio de 1984,
Num trabalho de José Quitério, em COSTUMES:
AS MAIAS – O 1º de Maio já era data antes de ser festa combativa: flores, meninos(as), destinos
gentílicos, manducações rituais, diabo e esconjuros, trabalho e capital.
Embora se estranhe, isto anda tudo ligado.
319
320
04.2 - AS MAIAS E OS MAGOS
AS MAIAS
A FESTA DAS FLORES
A FESTA DA PRIMAVERA
A FESTA DA ALEGRIA
A FESTA DA V IDA
AS MAIAS AS FESTAS MILENÁRIAS DA PRIMAVERA também EM
BEJA...
AS MAIAS AS FESTAS DO VERDE E DAS FLORES AMARELAS E DE
TODAS AS CORES...
AS FESTAS DA ESPERANÇA NO VERDE DAS SEARAS QUE
SE
HÃO-DE
TRANSFORMAR
NO
AMARELO
DAS
COLHEITAS DA COR DO OURO E DO SOL...
AS
FESTAS
que
celebram
o
ciclo
constantemente
renovado e aparentemente contraditório da ambígua
vitória da VIDA sobre a MORTE e da MORTE sobre a VIDA
que por sua vez será de novo vencida...
E foi assim que há anos muitos anos que estão ainda para vir que a
cidade de Beja se vestiu de FLORES e de CORES para celebrar uma
FESTA nunca vista e nunca acontecida que afinal se celebrava desde
sempre e em muitos lugares porque já vinha no coração e no ser
íntimo de cada pessoa desde os tempos imemoriais e esteve sempre
na alma e nas raízes destes povos de aquém do Tejo...
321
Cada rua, cada bairro, cada canto de cada freguesia tinha o seu trono
ricamente engalanado com todas as riquezas que permitia a fantasia
das cores e dos odores que a Natureza tão prodigamente proporciona
nesta época do ano e em cada trono, entronizada, a rapariga símbolo
da beleza, da juventude, da alegria e da vontade de viver de toda a
gente...
Os sons, os cheiros misturados, o movimento e a agitação das
pessoas espalharam-se pelo ar e rapidamente se propagara a toda a
região e chegaram até à clareira escondida na floresta onde os magos
e
as
magas
meditavam
estudavam
e
procuravam
descobrir,
descobrindo-se, a verdade, as verdades profundas da Natureza e da
Natureza Humana...
Ansiosos, insatisfeitos e preocupados, os magos da clareira escondida
na floresta, onde evidentemente havia as magas-fadas com a sua
afinada sensibilidade e encantos que encantavam os magos que por
sua vez as encantavam com os encantos que lhe eram próprios,
próprios da sua natureza e condição,...os magos da clareira,
dizíamos,
ansiosos,
insatisfeitos
e
preocupados
em
sondar
o
significado dos gestos e manifestações que revelavam a maneira de
ser profunda dos humanos, depois de terem tentado terminar tanta
vez e dizer TAVONDO… CHEGA… TEM QUE CHEGUE… TEM AVONDO…
JÁ CHEGA… como dizia o António - o Romão ali o do Penedro com os
seus olhos brilhantes e manhosos quando o copo já estava cheio e
não cabia lá mais, para depois, malandro, o despejar todo de um
trago e o estender de novo e repetir depois de cheio: “’tá
Avonde”,...os magos ali escondidos na clareira da floresta à vista de
toda a gente, beberam no ar a chuva de sons e cheiros misturados
que andavam espalhados por toda a parte. e embriagados...
vestiram-se de flores amarelas e de todas as cores que abundavam
pelos campos e florestas e à beira dos caminhos e vieram misturar-
322
se, visto que sempre estavam misturados, com o turbilhão da
turbamulta que celebrava a FESTA . . .
Era uma FESTA como já dissemos nunca vista, uma festa total, uma
festa de todos, uma festa geral desde sempre celebrada por todos
com gestos e actos ou autos que todos inventavam e em que todos
participavam... festa cheia de todas as cores e cheiros e encantos de
todas as flores a sobressaírem dos tapetes imensos de verdura que
naquele ano providencial cobria toda a imensidão dos campos que
eram de terra de barro vermelho como se a terra se tivesse
misturado com o suor e o sangue de todos os que neles trabalham e
trabalharam em séculos e séculos de amanhos e sementeiras que
alimentaram as sucessivas gerações de senhores e de escravos
embora aqueles fossem mais bem alimentados mas estes sempre
gastavam mais, que foram sempre muitos, muitos mais milhares os
mal alimentados que sustentam os poucos bem alimentados e agora
ali estavam cobertos do
verde
e
da
esperança
de
virem a
transformar-se no amarelo dourado das searas e dos girassóis e do
junquilho e dos pastos com promessas de oiro e de pão e de
abundância para o corpo e para a alma de todos…
Era de facto a FESTA. Via-se, ouvia-se, respirava-se, saboreava-se e
sentia-se a FESTA por todos os sentidos e poros do corpo e do
espírito que envolvia e embriagava as pessoas na sua totalidade, mas
no fundo, no fundo, ninguém sabia bem em que consistia a FESTA
porque a FESTA consistia precisamente naquilo que cada um cada
grupo era capaz de inventar, inventando espaços, inventando sons,
INVENTANDO A FESTA, para se surpreenderem e surpreender os
outros numa explosão de espanto e de fascínio do fantástico que
provocava um estado de embriaguez e de deslumbramento sem
igual...
323
Era a FESTA!
Em todos os cantos ruas e praças e a qualquer hora do dia ou da
noite havia imenso por onde escolher e não havia possibilidade
nenhuma de escolher o espectáculo que se queria ver porque em
todas as praças ruas e cantos da cidade e de qualquer freguesia ou
lugar havia uma grande ou pequena multidão empenhada numa
parcela da FESTA que era total e não havia mãos a medir...
Mesmo assim, os magos e as magas que iam representando a
dramatização da sua Escola da Clareira escondida na Floresta aberta
ali aos olhos de toda a gente lendo e aprendendo no livro da vida os
muitos segredos que procuravam aprender e aprofundar nos livros e
no isolamento solidário das suas reflexões iam distinguindo aqui e ali
em diversos tempos e lugares que eram quase os mesmos diversas
manifestações que eram tão variadas e tão as mesmas celebradas de
diferentes maneiras que afinal se concretizavam na mesma sinfonia
de música e de gestos em movimentos tão diferentes e tão iguais que
era espantosa coisa de ver como diz o pai dos nossos cronistas e
contadores, dos artistas que detêm a arte de contar tudo o que há
para OUVER...
A lenda do Touro e da Cobra era representada ali entre a Praça da
República e o Castelo em jogo de grandes grupos que ora eram
cobras ora touros…
Também num canto do jardim e nos empedrados das calçadas gente
pequena e grande criava símbolos do Touro e da Cobra que ficavam
desenhados nas pedras até serem apagados... ou nasciam figuras de
barro e de madeira que de repente se animavam e ali ficavam
gravados,
parados
em
luta
num
movimento
estático
que
se
prolongava para sempre até os materiais durarem... em relevo... em
324
baixos relevos… desenhados e pintados em pratos ou nos mais
diversos objectos…
Em diversos recantos de ruas e de casas havia música e dança e
poesia
que
faziam
renascer
os
movimentos
sedutoramente
horripilantes  Ai que impressão!!!  Que nojo!!!  Que horror!!! 
da luta entre o Touro e a Cobra em evoluções de magia e de
fantasia...
Lá para o Bairro da Esperança celebrava-se igualmente e de diversas
maneiras, que eram as mesmas, a Lenda da Fonte Mouro com grupos
mais misturados de grandes e pequenos e de homens e mulheres,
outros mais propriamente só de gente grande outra só mais
predominantemente de gente pequena cada um como mais gostava e
dava azo a exprimir e satisfazer a sua fantasia e habilidades...
No Moinho da Torre parcial e efemeramente reconstituído no próprio
local onde diziam que existiu o outro  diziam que na verdade não
era bem ali mas o que interessava isso?  representavam aquela
história nunca acontecida mas que todos sabem que aconteceu da
Princesa transformada em Cobra, aquela que apertou a mulher até à
morte quando ia para lhe furar os sagrados olhos que a impediriam
de ter os olhos abertos para a vida...
Quando os artemagos da Lenda do Touro e da Cobra invadiam o
Castelo, saía nesse momento a pequena grande multidão de
cavaleiros e homens de pé que acompanhavam o LIDADOR na sua
derradeira e memorável surtida contra os Mouros para comemorar os
seus 95 anos de baptismo, 80 de vestir armas e 70
de Cavaleiro
enfrentando o temeroso Almoleimar e o poderoso Alboacém que são
derrotados e vencidos mas pagando com a sua morte e a de muitos
dos seus tão estrondosa vitoria...
325
Mas já à porta pequena de Santa Maria da Feira se juntavam os que
tinham ouvido o pregão que anunciava terem chegado de Lisboa
novas cartas da rainha a D Leonor, a aleivosa, que pediam aos
nobres e notáveis das vilas e castelos que não tivessem medo de
tomar voz por sua filha, D. Beatriz, casada com o rei de Castela que
os defenderia e remercearia por tudo quanto por ele fizessem...
coisas deveras duras de ouvir para a arraia miúda... e todos à uma
responderam ao aio que se prontificara a ler as cartas e as resumiu...
não sei para que mais me deter em ler o que aqui vem. A Conclusão
é esta: se quereis antes ter com a rainha ou com o Mestre e todos
responderam a uma voz: Com o Mestre! Com o Mestre... e logo os
maiorais fugiram e logo eles: Alça-se o Castelo! Alça-se o Castelo... e
o foram tomar defendendo-se os de dentro rijamente e puseram fogo
a duas torres em que estava muita munição... e os da vila entraram
dentro numa quarta-feira a horas de comer e assim passaram a
rondar e a vigiar a vila até que prenderam e mataram Mice Lancerote
que se dirigia ao reino do Algarve para levantar essa região e aclamar
o rei de Castela...
No meio de tudo isto e de tão pacata como admirável confusão, não
era coisa menos admirável de ver, os grupos de moços e de moças
que celebravam e gozavam os cantos e os encantos das fontes com
seus contos acrescentados ou remendados de muitos pontos que
cerziam e recriavam novas e espantosas histórias como aquela que
as magas e os magos foram surpreender na Fonte das Cavadas onde
os contadores como os caçadores e pescadores e outros mentireiros
cantadores tinham metido ali debaixo daquela cúpula arredondada
como se fosse um mausoléu um Touro e uma Cobra que não se
entendiam e passavam a vida a guerrear transformados um na bica
grossa e farta e a outra na bica mais estreita e impetuosa mas ambas
fartas e poderosas que juntando-se no pequeno tanque depois vão
326
correndo e serpenteando até ao mar (até a mar) até um dia voltarem
de novo transformadas em negras nuvens descarregando-se em
chuva sobre a terra e as nascentes para ali correram de novo na
Fonte inesgotável que é fresca de verão e quente no Inverno... pela
estranha magia de tudo o que nasce do ventre da Terra - Mãe.
Ai quem me dera ser água
Sempre da fonte a correr,
Para beijar os teus lábios
Quando lá fosses beber!
...lançou uma cantadeira, desafiando o grupo para um descante… e
logo um pretendente a namorado respondeu:
Ai! se eu pudesse ser água,
E tu lá fosses beber
Bebia, amor, tuas mágoas
E contigo ia viver! (ou morrer!)
 A água tem mil segredos
Mil histórias p’ra contar;
São amores ou são degredos
Que vão correndo pró mar!
 Quantos segredos encerra
A água a correr das fontes?
Traz lá do Ventre da Terra
Mil lendas, contos, amores!!!
... ali foram encontrar, as magas e os magos da clareira escondida na
floresta o espantoso grupo de moças e de moços cantando e
327
questionando e tudo mudando da história e da lenda dos outros
contadores e mentidores... se não se estava mesmo a ver que aquela
abóbada redonda que mais parece uma cabeça gigantesca de um
árabe com o seu turbante não era mesmo um mausoléu que
guardava ali para sempre os amores proibidos pecaminosos à luz de
ambas as religiões e tradições entre um grande e formoso príncipe
mouro e uma bela e encantadora cristã de uma outra religião que
para ali vinham às escondidas de todos celebrar os seus encontros de
apaixonados e... numa noite de lua cheia... quando decidiam fugir
para longe, para uma ilha deserta onde enfim pudessem ser um do
outro sem necessidade de se ocultarem dos olhos reprovadores de
uma parte e outra...e eis que, eis que Alá e Javé intervêm lá do alto
do seu Céu ao mesmo tempo e querendo separá-los para sempre e
para exemplo de toda a humanidade, eis que sem terem tempo de se
entenderem e combinarem, fiados cada um na sua omnisciência e na
sua omnipotência, repentinamente tiveram a mesma ideia e ali os
juntaram para sempre em duas bicas cantantes permanentemente
juntas e permanentemente separadas, mais quentes de Inverno e
mais frescas de verão e a partir do tanque em que se misturam, aí
vão serpenteando pelos vales até ao mar (à mar) fecundando e
fertilizando as terras por onde passam e matando a sede aos
viandantes... e voltando sempre, sempre do mar em nuvens negras e
ameaçadoras de tempestade mas que trazem a chuva que vai
fecundar a terra e renovar as nascentes... e assim as duas Bicas são
a FONTE das paixões CAVADAS, proibidas por todas as religiões com
todos os dogmas e imposições que se não compadecem com a
Natureza Humana...
À vista disto, as magas e os magos sorriram surpreendidos por
aquela tão atrevida e desrespeitosa transgressão da lenda mito que
tão laboriosamente tinham ou/visto inventar sobre a FONTE DAS
CAVADAS... e mais sorriram, mas já discretamente, porque nessa
328
altura
passavam
uns
sisudos
senhores
que
deviam
ser
da
organização daquelas festas populares paciente e generosamente
organizadas pelos grandes senhores para entreter e divertir o povo
e... muito ajuizadamente, discorriam em voz baixa que se tornou
progressivamente mais alta e imperiosa:  que desaforo!... Já não
há respeito pelas nossas tradições! Não se respeitam as lendas e os
contos que tão pacientemente mandámos recolher e divulgar como
fidedignas e autênticas!... mas que escândalo!... Por este caminho
onde é que isto vai parar... Isto não pode ser. Temos de mandar
intervir as forças da ordem e do saber e da ciência e da cultura e do
Poder... Se isto assim continua, se o povo aprende a divertir-se sem
licença... se não se limita a assistir a espectáculos prodigamente
fornecidos por medida e sabiamente orientados por nós! o que e que
vai acontecer?... Rapidamente aprenderiam que a Cultura é deles!
que lhes pertence! e ainda um dia aparecem aí uns loucos a pedir
direitos de autor por esta Cultura que a Natureza franca e generosa
põe à nossa disposição!!!... e o pior... o que ainda é pior... é que
depressa hão-de descobrir que a CULTURA TRADICIONAL, ela que é e
sempre foi essencialmente oral e transmitida de geração em geração
que a nova geração por sua vez recriava e reinventava, ainda
descobrem dizíamos que assim como os seus antepassados foram
espantosos criadores de contos e de cantos , ainda se convencem que
eles os de agora e os do futuro tem o mesmo direito!... e então lá se
acaba esta NOSSA DEMOCRACIA que tanto trabalho nos deu a criar...
e até, imaginem bem! tem permitido que o povo escolha os seus
legítimos representantes que os governam com tanta sabedoria e
sacrifícios de toda a ordem e tanto no que diz respeito à Cultura
como à Política e como na Economia!!!
...Ai se eles descobrem que podem inventar a Festa e podem pôr
um nome às coisas que eles inventam, e fazem a sua Cultura!!! Ai
que desgraça!  É que, pôr nome às coisas, é ser dono delas! É ter
direitos e poder sobre elas! Se isso acontece, lá ficamos nós sem o
329
tão duro privilégio de os instruir, ensinar e educar, que tantos e tão
grandes sacrifícios nos têm custado até agora!... que até nos dão
direito a uma reforma mais cedo e bem paga!!!
Ainda os magos, magoados de grande mágoa, ouviam os últimos
comentários que já não ouviram ou não precisavam de ouvir mas já
noutros pontos assistiam a outros episódios incríveis espalhados por
imensos cantos e recantos...
Ali debaixo dumas abóbadas onde se queria criar cultura o mestre de
fazer nascer as formas no barro e na madeira que saem animados
das suas mãos ouve com atenção as sugestões dum pobre poeta e
medita descendo ao fundo das suas raízes a forma de representar o
seu povo a sua gente a sua região e enquanto amassa o barro vai
pensando e de repente começa a moldá-lo a dar-lhe forma e grita: já
está! E apareceu o pastor e o moiral e a ceifeira e o ceifeiro e a
catarina e os coros e as lendas e as fontes e as aias... a aprender
com ele e a ver como toma vida o barro informe ainda há pouco
inanimado as escolas e os arranjistas enviaram discípulos para
aprenderem com o mestre... daí a pouco, promovem-se exposições e
vendas e lá aparece o pobre e humilde artesão que tem a arte de
animar o barro rodeado de uma corte de ceramistas e artistas
consagrados
diplomados
a
venderem
as
suas
peças,
pobres
tentativas de imitar o mestre, por bom preço devido ao seu nome e
ao seu diploma e à sua escola, enquanto o artesão que deu alma a
tudo vai assistindo escondido e discreto porque tem as peças presas
e pagas pelo espaço e material e forno e pelo pão que lhe pagam
para viver e criar... e foi assim que o vi um dia, não fui eu que o vi
foram os magos naquele dia de festa!, foi assim que o vi num dia
rodeado por uma corte de ávidos aprendizes pegar num bocado de
barro... começar a moldar... formar... criar... fazer nascer uma figura
ou um conjunto de figuras que representavam não sei o quê que se
330
movia ali na estática representação do barro ... e de repente...
afastando as mãos uma da outra, disse: já está!... e ainda não o
tínhamos ouvido bem ou ainda não tínhamos percebido, porque o
som das palavras ainda não tinha tido tempo de chegar ao nosso
entendimento e as suas mãos que criaram bateram uma na outra e
fizeram regressar o barro à sua forma informe primitiva que permite
todas as formas e criações...  Já está! - disse-me ele um dia em
segredo... disse ele em segredo a um dos magos da clareira
escondida na floresta, franzindo os olhos marotos num misto de
tristeza inexprimível e de orgulho incontido…:  A ideia já cá está na
minha cabeça e faço-a... e crio-a... ou destruo-a... quando me
apetecer! com as minhas mãos!!!
Mas já pelas ruas da cidade se assistiam às Cavalhadas e jogos e
lutas de cavaleiros... cavalheiros!!! talvez.
A praça de touros regurgitava de gente. Assistiam a uma tourada de
morte a pé e a cavalo!... Sem perceberem, sabendo, que assistiam
àquela luta interminável de um Touro e duma Cobra que nunca
existiram...
Já os campos desportivos se enchiam de gente que praticava os mais
diversos desportos e, em grupos diversos e diferentes espaços,
serpenteavam atrás de uma bola que voava e serpenteava por sua
vez até ser agarrada, domada e de novo lançada e disparada,
enchendo campos verdes de rabiscos de variegadas cores...
E havia merendas no parque da mata municipal... e grupos populares
os mais diversificados que jogavam a malha e o chinquilho e toda a
espécie de jogos tradicionais desde o pião ao arraiol...
331
E havia espectáculos, danças coreográficas, jogos e diversões nas
piscinas que serpenteavam em escorregas poços e baloiços...
E os claustros do convento de Nossa Senhora da Conceição e de S.
Francisco, assistiam às cenas reinventadas da Mariana e dos contos
Universais!...
Enfim, era uma cidade em festa... com todos os seus habitantes e
forasteiros a inventarem e recriarem as suas fantasias já feitas e
inventadas...
Eram assim as festas das MAIAS, AS FESTAS DAS FLORES, AS
FESTAS DA PRIMAVERA... AS FESTAS DA ALEGRIA E DA VIDA, A
FESTA DA ESPERANÇA NO VERDE DOS CAMPOS QUE SE IRIAM
TRANSFORMAR NO OIRO COR DO SOL DAS SEARAS E NO AMARELO
TORRADO DO GRÃO DAS COLHEITAS QUE SE TRANSFORMARÁ EM
PÃO...
Era assim a FESTA DAS MAIAS celebrando a vida em todo o seu
esplendor, em toda a sua pujança de juventude e, de novo,
tremendamente agressiva e destruidora de tudo o que é velho e não
resiste mais à força da VIDA NOVA que renasce, exactamente a partir
da MORTE...
Nestas festas, as MAIAS, as meninas entre os sete e os doze anos,
graciosamente enfeitadas de flores de todas as cores e odores, nos
seus tronos caprichosamente engalanados de flores amarelas das
giestas, e brancas dos jarros e rosas das olaias..., Meninas MAIAS no
limiar da sua meninice a passar para a adolescência, são, eram em
muitos lados o símbolo de toda a beleza e de todas as promessas e
de todos os sonhos... Promessas de rosa em botão que mostram toda
a sua beleza e esplendor pelo período de um dia e logo fenece e
332
murcha e se desfaz numa morte aparente carregada de sementes
que trazem em si os gérmenes da vida sempre a renascer...
Povo do Aquém-Tejo, desde tempos imemoriais, desde sempre ligado
à Terra e ao seu Culto, à sua Cultura, este Povo, já caldeado de
cúneos e lusitanos e depois de romanos e de árabes, têm na terra as
suas raízes tão profundas, que, é do VENTRE DA TERRA, que nasce o
seu PÃO  o seu sustento, celeiro dum país, a sua CULTURA sustento
deste Povo e duma Região e sua forma de expressão através do seu
CANTE, da sua POESIA, dos seus CONTOS e LENDAS  a sua VIDA...
só um POVO assim ligado ao VENTRE DA TERRA MÃE podia ter o
privilégio de ser, através dos seus GRUPOS CORAIS, a expressão
mais acabada do CANTE, só um POVO assim podia ter sido escolhido
para ser a própria VOZ DA TERRA!!!
 Donde vêm então estas FESTAS das MAIAS que vamos reinventar?
E como eram celebradas?
 Isso são contos largos que têm muito, ou quase nada de certo
para vos contar!
É já aí a seguir – AS MAIAS – AS FESTAS DA PRIMAVERA!
333
334
img028 – as maias… no centro de muitas outras lendas e celebrações!!!
“Era assim a FESTA DAS MAIAS
celebrando a vida em todo o seu esplendor...”p 328
335
img029 – a maia… (in DA)
In Diário do Alentejo, 15 de Abril de 1983.
336
4.2.1 - AS MAIAS – AS FESTAS DA Primavera
A FESTA
AS MAIAS... eram por isso a ocasião oportuna para se celebrarem,
em toda a sua euforia loucura deslumbramento e alegria... as festas
de todos os sonhos anseios mitos símbolos aspirações tradições... dos
povos do Sul...
Conta-nos um cronista do Diário do Alentejo que se assina P.G., num
número talvez de um dia de Maio de 1954 (26 é a data que foi
possível detectar), numa coluna dedicada à FESTA DAS MAIAS:
“A sua origem distancia-se a épocas remotíssimas. Essencialmente
pagã, sendo por muitos escritores atribuída aos romanos. Com a
vinda dos árabes parece ter florescido mais, tanto assim, que é nas
terras onde estes mais se demoraram, que maiores vestígios ficaram
desta festa, como, por exemplo, no Algarve e nalgumas terras do
Alentejo.”
(...)
“Tal como nos é descrito, por escritores que desta festa se têm
ocupado, procuramos dar uma pálida ideia do que ela era:
“Numa casa, junto à rua, constituía-se um trono todo ornamentado
de rendas, fitas, flores e objectos de ouro que lhe davam um certo ar
de riqueza. No sítio, procurava-se a rapariga mais bonita, com a
idade aproximada aos doze anos, para ir servir de Maia. Envergava
um vestido todo branco, tendo na cabeça uma coroa de flores; era
toda enfeitada de rendas, fitas, flores e jóias, como o trono que
ocupava.
337
“Abria-se a porta, de par em par, e, na rua, em frente da “Maia”,
erguia-se um mastro vistosamente ornamentado de verdura e flores,
em volta do qual se cantava e se dançava muito animadamente.
“Esta festa tinha lugar todos os anos no 1° dia do mês de Maio.
Todos os instrumentos musicais vinham para a rua nesse dia, ainda
que desafinados. Os adeptos de Lieu também não faltavam, havendo
abusos de toda a espécie. Era um dia completo de alegria e folgança.
“Cada rua tinha uma só “Maia” procurando todos que a da sua rua
fosse a mais bonita, ganhando em tudo às outras.
“É ainda do nosso tempo a existência de uma só Maia em cada rua,
vestidas com relativo gosto, mas só aos domingos do mês de Maio.
Presentemente, são 3 e 4 na mesma rua, com a cara suja e mal
vestidas, em qualquer dia da semana.
(...)
“No princípio do século presente, era ainda costume, em Beja e
noutras terras, irem os seus habitantes passar o dia 1° de Maio nas
hortas, comendo lautas jantaradas, acompanhadas das respectivas
libações. Pelo dia fora cantavam e dançavam.
“Talvez, por esta razão, algumas Câmaras Municipais tivessem
deliberado que o seu feriado Municipal fosse no 1° de Maio.
“As actuais festas populares de São João e São Pedro fazem lembrar
um pouco as antiquíssimas festas das “MAIAS".”
... Vieram depois AS MAIAS dos anos 80...
Em 1982, por iniciativa do Núcleo de Etnografia da Casa da Cultura
da Juventude d Beja e do seu responsável Florival Baioa, apareceu
“uma única MAIA para uma cidade... ali na rua do Ulmo”.
338
Em Janeiro de 1983, a dinâmica poeta popular Maria Guiomar
Peneque cantava assim as MAIAS da sua infância distante:
No Largo Lima Faleiro
(que foi aonde nasci),
era eu ‘inda menina
Já lindas maias fazia
como outras iguais não vi.
Com uma cadeira alta
e outra mais pequenina,
logo no trono sentavam
de entre aquelas que chegavam,
a mais bonita menina.
Um lençol branco, bordado
ou uma saia de rendas
do pescoço até ao chão;
flores presas com pontinhos
dispostas em profusão.
Maças do rosto com tinta
feita a papel encarnado;
cara pintada a farinha,
lindos brincos-de-rainha
nas orelhas pendurados.
Uma capela de rosas
das mais bonitas que havia
tecida com malmequeres
e verdura entrelaçada
na cabeça se prendia.
339
Cada uma à sua esquina
com a bandeja na mão,
à espera que os lavradores
que passavam p'rá tourada
nos dessem algum tostão.
Por debaixo das cadeiras
havia a caixa de lata
onde se juntava o lucro
das ofertas; mas as contas
davam sempre zaragata!...
A Maia largava o trono
(muitas vezes já à brocha...)
Cada qual com a sua parte
ia comprar guloseimas
à loja do senhor Rocha.
Ó minha querida cidade,
ó velha feira de Maio
dos tempos que já lá vão:
- Das Maias que já não vejo
só guardo a recordação.
E, a 15 de Abril de 1983, no Diário do Alentejo, agora semanal, onde
este poema apareceu, aparecia também, pela pena de Manuel de
Sousa Tavares, como que um anúncio da Primavera que chegava:
«“AS MAIAS” regressam este ano a Beja.»
Contava assim o jornalista, que tão dramaticamente nos ia deixar
passado um lustro:
340
«Todos os anos, em Maio, era ver as crianças vestidas de branco,
cobertas de flores e grinaldas na cabeça, salpicando as esquinas das
ruas e largos da aldeia ou cidade deste Alentejo. Sentadas,
imperturbáveis, em seus tronos improvisados de banco ou cadeira,
trazidos de casa, tornavam-se sinal de novo ciclo da Natureza, do
“maduro Maio” das colheitas e do estio avizinhando-se. A quem
passava, vozes tenras soletravam invariavelmente em tom cantado:
“Um tostão para a Maia que não tem saia.” E na bandeja, lá ia
deslizando uma moeda, depois outra, “sempre poucas”.»
Mas em muitos lados as MAIAS foram proibidas e em muitas terras a
tradição
foi-se
perdendo
e...
o
«MAIO
DAS
FLORES
parecia
condenado a perder de vez uma das suas “sagrações”.», como
continua a dizer, mais adiante o cronista dos anos oitenta.
«Este ano, porém, o Núcleo de Etnografia da Casa da Cultura da
Juventude de Beja está disposto a reabilitar a tradição das MAIAS, a
mobilizar as crianças da cidade para o reanimar dos tronos onde
goivos e lírios, jarros e cravos com as giestas e as mimosas, as
papoilas e os lírios, os malmequeres brancos e amarelos e os
mentrastos e os espantosos tapetes de pequeninas flores das mais
variadas e impossíveis cores e odores, são o tesouro da Natureza
enfeitando o corpo de “RAINHAS CRIANÇAS”»... E tudo isto deve ser
entendido numa “ (...) perspectiva viva e activa, fruto de uma
filosofia participativa na defesa do nosso património históricocultural.”
Segundo a opinião, e talvez fruto da observação pessoal, do mesmo
jornalista
«(…)
esta
“usança
popular”
estará
em
Portugal
particularmente entranhada nas crianças das classes mais pobres.
Através das MAIAS, elas conseguem amealhar o dinheiro (ainda que
341
parco) para satisfazer necessidades que a sua condição converteu em
“capricho”. Em Beja, era normal as crianças que entravam nas
MAIAS partilharem as ofertas entre si, para depois gastarem, na Feira
de Maio, o dinheiro que geralmente os pais não tinham para lhe dar.»
Esta, seria uma maneira de retomar “ESSA SAUDAÇÃO DOS POVOS
AO RENASCER DA VIDA VEGETAL”... que poderia ser animada com os
“jogos infantis tradicionais” como o berlinde, o jogo da pata, o eixoeixo-ribaldeixo, o pião...o apanha, o agarra, o salta e o mata...
Destas «MAIAS - TRADIÇÃO QUE REGRESSA» fez eco o Primeiro de
Janeiro de 10 de Maio de 1983 e, a 13 de Maio, o Diário do Alentejo
fazia assim a reportagem da festa:
« (...) As “MAIAS” voltaram, nessa sagração de um novo ciclo da
Natureza a que, anualmente, e desde a Antiguidade, diversos povos
se entregaram. Foram escolas inteiras como a “(...) Escola do
Salvador que colectivamente se empenharam na sua representação.
(...) ou ainda “ruas inteiras” (como a do Pé da Cruz) que
emprestaram uma nova moldura ao seu quotidiano: sobre o chão,
tornado tapete de flores e folhas de palmeira, se ergueu ali uma das
mais airosas “MAIAS” deste Maio diferente. (...) desde os bairros
mais modernos (como o do Ultramar) até aos suburbanos ou mais
pobres, como os do Pelame, Senhora da Conceição, Esperança,
Apariça, Zona Azul.»
É no entanto o semanário “Expresso” pela mão de José Quitério que,
a 5 de Maio de 1984, traça o esboço de um estudo sobre as MAIAS
com mais dados e referências de várias fontes e autores...
Primeiro fala-nos das proibições destas festas.
342
«Uma postura da Câmara de Lisboa, de 1385 rezava assim: “outro
sim estabellecemos que d'aqui em diante, em esta Cidade e seu
termo, nom se cantem Janeiras nem MAYAS, nem a outro nenhum
mez do anno.”»
«Em carta régia de 1402 também se determinava:
“(...) que não cantassem mayas, nê janeiras, e outras cousas que
eram contra a ley de Deus”.»
Cita ainda Pinho Leal que no seu “Portugal Antigo e Moderno” (vol. V,
1875) onde refere que “há alguns anos o governo proibiu a FESTA
DAS MAIAS”.
Houve escritores que referem este rito popular por intermédio do
jornalista do Expresso de 1984, e o colunista do “Diário do Alentejo”,
levando-nos até trinta anos antes, onde nos é recordado o que
disseram Aquilino Ribeiro, Alexandre Herculano, D. Francisco Manuel
de Melo e Séneca.
Aquilino Ribeiro:
“Quando os pães apendoam, pelos caminhos, na testeira das belgas,
no festo dos cabeços, as giestas desentranham-se em maias. Maias
amarelas, maias brancas, é uma epifania.”
Alexandre Herculano,
«em “O Monge de Cister” (Capítulo IV, “A festa da Maia”), cuja acção
decorre precisamente no tempo de D. João I, depois de citar a
postura da Câmara de Lisboa “(...) esguardando a uns graves
peccados que se em esta cidade de mui longos tempos acá faziam, e
extremadamente peccados de dollatria e costumes danados dos
gentios”, indica que a lei não atingia as comunas de mouros e as
povoações por eles principalmente habitadas, e
343
descreve o “préstito da maia” no Restelo: “(...) a filha de Muça, que
fazia o principal papel, vinha cavalgando uma formosa hanaceia
levada de rédea por dois rapazes coroados de boninas e rodeada de
mancebos e donzelas, do mesmo modo enramados de flores e
cantando certas cantigas ao som de adufes e pandeiros, com uma
toada mui de folgar; (...) as crianças derramavam flores sobre a
cabeça
dos
maios
pequeninos,
que
eram
como
génios
que
circundavam a deusa da festa da Primavera”.
Contudo, o colunista do “Diário do Alentejo" de 1954, cita só, de
Alexandre Herculano: “ (...) porque a negregada cadela da filha (de
Muça) vai fazer de maia”.»
D. Francisco Manuel de Melo,
na “Carta de Guia de Casados” é citado por este último jornalista que
transcreve:
“ (...) aborrece-me umas “maias” muito enfeitadas sempre de
bordados e jóias, que parecem Fama de procissão, ou Rainha Moura”.
Já Séneca, desde os primórdios da era cristã dirigia ásperas censuras
contra a licenciosidade de tais “Floralia”.
MAIA é, em resumo, como dizem as enciclopédias um “Rito popular,
sobrevivência
de
antiquíssimos
cultos
agrários,
que
consiste
essencialmente em enfeitar, no dia 1° de Maio, as portas e janelas,
os animais e os veículos, com ramos ou coroas de flores, sobretudo
com giestas. Trata-se de impedir a entrada do “Maio”, personificação
do Mal. Por vezes, a este rito, associam-se certos manjares
cerimoniais. “MAIA personifica O DESPERTAR DA NATUREZA NA
PRIMAVERA e a sua festa celebrava-se em Maio e por isso terá dado
o nome a este mês.”
344
"MAIA representaria uma deusa da fecundidade, a PROJECÇÃO DA
ENERGIA VITAL.”
Voltando ao citado jornalista do “Expresso” podemos ter uma
panorâmica das multímodas celebrações e motivações através do
tempo e do espaço:
"O dia das “MAIAS” é o primeiro de Maio, que, desde tempos
imemoriais se comemora em Portugal e assume diversas formas
celebrativas de Norte a Sul.”
Baseando-se depois em Ernesto Veiga de Oliveira, vai descrevendo as
várias formas de celebrar estas festividades, apoiando-se numa
considerável plêiade de estudiosos, tais como:
Abade de Baçal, Manuel Joaquim Delgado, Reis Dâmaso, Rafael
Bluteau, Rocha Peixoto, Jorge Dias, José Leite de Vasconcelos, Jaime
Lopes Dias, Luís Chaves, Luís da Silva Ribeiro...
Ao contrário de muitas outras regiões, em que a personalização do
“maio" retouceiro e sátiro é masculina, representado por rapazes
ataviados de giestas,
“ (...) Nas províncias do Sul, a pessoalização é normalmente
feminina. Assim, no Alentejo, com particular incidência em Beja.
Aqui, as “MAIAS” são meninas que vestem de branco e enfeitam com
flores, pondo-lhes na cabeça uma coroa de mais flores, e sentando-as
em cadeiras, à esquina de alguma rua, nalgum largo, ou junto à
porta de sua casa. Em seu trono enfeitado de rosas se aquietam
algumas
horas,
enquanto
companheiras
mais
pequenas bandejas na mão, pedem a quem passa:
345
crescidas,
com
«- Meu senhor, um tostãozinho para a “Maia”»; ou «– Um tostão para
a “Maia” / Que não tem saia!», segundo Manuel Joaquim Delgado.
«A mitologia cristã associa o hábito giesteiro à tradição de que,
quando Jesus nasceu, os judeus assinalaram a casa onde estava com
um ramo de giesta, para mais tarde o prenderem. Quando tal
quiseram fazer, todas as portas das casas da localidade – ó maravilha
de deus infante – estavam também com os mesmos ramos, tornando
impossível o reconhecimento....»
Rafael Bluteau, no seu “Vocabulário Portuguez e Latino” (tomo V,
1716) diz das MAIAS que «(...) na antiga Gentilidade eram
espectáculos desonestos (...) representações obscenas (...) festa que
em Roma se celebrava com ramos, ervas e capelas de flores no mês
de Maio, por ser o tempo em que as plantas são mais viçosas (...)
antigos desatinos da gentilidade.»
Segundo o Abade de Baçal, as MAIAS são restos das religiões
naturais, adoradoras dos deuses protectores:
FLORA – deusa da florescência;
CERES – deusa dos frutos;
PALAS – protectora dos lameiros;
FAUNA – a “Bona Dea”, mãe de Mercúrio;
MAIA – deusa da fecundidade;
acrescentando que as nossas MAIAS se filiam nas festas FLORALES
romanas, celebradas durante seis dias, desde 28 de Abril a 4 de Maio,
em honra de FLORA, “(...) por mulheres nuas saltando lascivas e
proferindo palavras obscenas, acompanhadas de gestos impúdicos.”
«No fundo trata-se do velho mito solar em que o Verão, entrando em
luta com o Inverno, acaba por vencê-lo. E o Maio anunciava que mais
346
uma vez a terra ia ser fecundada, que a vida prosseguia e que o
amor e a luz inundariam outra vez o mundo.» (Rocha Peixoto) «Tudo
isto entronca em remotíssimos cultos agrários, na profundeza dos
séculos, em que os povos saúdam o renascer da vida vegetal com
ritos simbólicos as forças criadoras da Natureza.»
«Em Lagos existe a antiga “Lenda do Maio”, segundo a qual a
população costumava adornar um homem com as melhores jóias da
terra e que, montado em belo e enfeitado ginete, percorria as ruas na
manhã do 1° de Maio. Em certo ano, terminado o giro pela cidade, o
cavaleiro seguiu para o campo e desapareceu. Dizem que desde
então os lacobrigences ficaram esperando o “regresso do Maio”, a
ponto de haver um ditado popular “Tornará como o Maio de Lagos”.
A acompanhar todas estas festividades consta que havia a tradição
de grandes comezainas e bacanais desde a antiguidade, mas as
recordações mais recentes mostram que em geral no país se comiam
castanhas como esconjuro do mal e nas beiras todos comiam o
caldudo, e ao sul do Tejo é geral o costume de merendas no campo...
»«
Parece
poder
verificar-se
que
“a
gente
sisuda”,
“as
pessoas
ajuizadas” os “senhores” os representantes do poder civil ou religioso
ou cultural, não gostavam das MAIAS (como diziam os magos que já
tínhamos esquecido de tão escondidos na clareira aberta da floresta).
Não gostavam das MAIAS, como desde há muito se vêm contrariando
AS FESTAS POPULARES celebradas ao ritmo das Estações e da
Natureza que eram vistas como Manifestações pagãs, gentílicas, que
normalmente levavam a desmandos, excessos inconvenientes!
347
Nos
regimes
autoritários
ou
eivados
de
paternalismo
e
proteccionismo, o facto é que o Povo existe para servir e divertir os
“grandes senhores” e “padrinhos protectores e salvadores” e, se se
considera que tem algum préstimo aquilo que o povo produz ou cria,
(se é que o povo pode criar alguma coisa caso não seja permitido
pelos “grandes senhores”!) só o poderá fazer para os servir e
divertir... É ver os casos da música, da poesia, das artes populares...
Só em beneficio dos senhores é reconhecida e útil! Divertimentos
para o povo, aqueles que “os senhores” prodigamente lhes oferecem
como - a Telenovela quotidiana nos dai hoje - mais os Telejornais e
os Telefilmes; ouvir ou ver/assistir ao menos a um desafio de bolapé
por semana, como – ouvir missa nos domingos e festas de guarda –;
gastar dinheiro em feiras, romarias e “serões para trabalhadores” ou
outras variedades semelhantes em festividades especiais, locais,
regionais ou nacionais, sempre com atracções de fora, ainda melhor
se forem estrangeiros e muito caras... mas sobretudo nada de
excessos! nada de desmandos! Alegria e espontaneidade, sim, mas
devidamente controladas!!!
Como se a Natureza não cometesse excessos! Como se não houvesse
cheias, trovoadas, tremores de terra, vulcões e cataclismos que
ciclicamente renovam a Vida causando a Morte!!!
Como se “os Senhores” não cometessem excessos!!! Excessos
proibidos e condenáveis ao Povo, mas que o Povo, como criança
menor, não pode cometer, sem ser severamente punido e penalizado,
exactamente pelos “senhores” que podem cometer esses mesmos
excessos lá em casa ou no “estrangeiro”!!!
O ressurgimento da MAIAS, como das festas tradicionais, que
obedeciam ao ciclo do Sol, da Luz e da Vida, seriam uma Revolução
tão evidente como a descoberta heliocêntrica de Galileu, que poria a
348
Pessoa Humana como centro e medida de todas as coisas, e o Povo
centro e medida de todas as políticas e regimes!!! “em que todos os
instrumentos vinham para a rua nesse dia, ainda que desafinados...,
em que era um dia de alegria e folgança!” em que a população se
sentiria em sintonia com a Natureza que se abre num mar Verde de
promessas, de Pão, de Alegria e de Vida, com toda a agressividade,
subversão e violência, que a própria Natureza traz - com os pólenes,
sementes e súbitas trovoadas - num crescimento para a Vida tão
intenso e por vezes tão brutal que, para muitos, vêm as alergias, e
para os que já não têm mais resistências, a Morte! para que a Vida
renasça.
Têm, afinal, muito para nos contar, AS MAIAS!
Mas chega. Tavondo!
MAIAS, como FESTAS POPULARES, só quando o Povo Soberano as
souber de novo inventar e criar como é de seu direito e dever.
Os donos do Poder, de qualquer Poder, desde o político ao religioso
ao económico e ao cultural, souberam sempre e sabem que, quem dá
o nome às coisas, é porque as cria, e se torna o dono dessas mesmas
coisas! Daí, no fundo, a grande luta surda entre as CULTURAS. a
popular e tradicional, e a académica dita erudita, como se a CULTURA
alguma vez pudesse estar em conflito ou contradição! O que está em
causa é, afinal, a manipulação da cultura para se servir ou para a pôr
ao serviço de quem?! Quando se decreta transformar a LÍNGUA – a
PALAVRA sem respeito pelo Povo que é o Dono e Criador incontestado
do mais poderoso meio de Comunicação, e/ou de Domínio, e/ou de
Libertação, é porque não convém, aos que a isso se atrevem, o
Senhorio do Povo sobre as coisas, os seres, a sua Língua, a sua
PALAVRA, a sua Vida.
349
No dia em que o Povo assumir a FESTA, a PALAVRA, a ALEGRIA, a
VIDA, teremos então o Poder assumido pelo Povo – a Democracia.
Celebra-se hoje, 1° de Maio de 1989, o 1° Centenário da resolução
do Congresso Internacional de Trabalhadores de Paris, em 1889, que
consagrou o 1° de Maio como FESTA INTERNACIONAL DO TRABALHO.
Estaremos mais uma vez a subverter, ou em sintonia perfeita com a
Natureza pois já em 1890, esta data era celebrada em Portugal com
“um passeio ao campo” e, como dizia Rocha Pinheiro em 1894 a
propósito da FESTA DOS TRABALHADORES no dia 1° de Maio, tratase:
“(...) d'o triunfo da seiva nova e procriadora - o TRABALHO
(exaltação da fecundidade), sobre a força estéril e nociva - o CAPITAL
(esconjuro da entidade maléfica)... que como o Touro e a Cobra se
mantêm numa luta titânica e permanente com pontos mais altos ou
mais baixos na impossibilidade de viverem juntos/separados, como o
Bem e o Mal, como o Homem e a Mulher, numa descoberta sempre
conseguida e frustrada de fecundidade e reprodução...
Tal como a Natureza ciclicamente se renova, também a Comunidade
Humana tem de caminhar para o seu crescimento emancipação e
libertação, destruindo e apagando, renovando e transformando o que
é velho, caduco, estéril e nocivo... num caminhar imparável para o
desenvolvimento...
As MAIAS, as Festas da Primavera, da Vida e da Alegria, são o
símbolo desta Esperança constantemente renovada...
É afinal a Lei da Vida e da Natureza, tão evidente e visível no nosso
dia a dia, que até a Pessoa Humana a pode entender – os outros
350
seres estão sujeitos a ela, sem a poderem entender, pensamos nós –
sem disso poderem tomar consciência – e, esta consciência, pode ser
até Ideia Chave que nos permita libertar-nos da negativa angústia do
ancestral
e
corrosivo
medo
da
velhice
e
da
morte,
porque,
finalmente, poderemos entender a velhice e a morte como condição
de uma Nova Vida que constante e ciclicamente se reNOVA.
351
352
0.4.3 - NOTA FINAL – lendo LENDAS DE BEJA
PRETENDE SER UM DESAFIO PARA,
como o velho cigano
PODEMOS IR LENDO LENDAS nas LETRAS das ESTRELAS!,,,
SERVE TAMBÉM ESTE LIVRO
PARA AFIRMAR AOS QUATRO VENTOS,
MESMO QUE NINGUÉM SAIBA OUVIR A VOZ DO VENTO,
QUE O POVO, E NESTE CASO O POVO DO ALENTEJO
AQUÉM DO TEJO
SEMPRE CRIOU A SUA MÚSICA, A SUA POESIA,
OS SEUS CONTOS, OS SEU CANTOS, AS SUAS LENDAS
A SUA ARTE
sem interferências (ou apesar) dos donos e dos doutores, apesar dos
colonizadores que lhe chamaram ALÉM - TEJO - e, como “pôr o nome
é ser dono!!!” - que a vieram explorar e banquetear-se com ela!
É por isso mesmo, e apesar disso, que continua com o mesmo
Direito, Dever e até necessidade de continuar a criar a sua música, a
sua poesia, os seus cantos, os seus cantes e descantes, as suas
lendas e a sua arte, até para se exorcizar de todos os males,
e deles
Beja, 1° de MAIO de 1989
José Penedo
353
354
5 - BIBLIOGRAFIA/s
nota1
BIBLIOGRAFIA ou a referência às FONTES
apoios
e a solidão/ária
5.1 BIBLIOGRAFIA/s
5.1 – Bibliografia – referência às Fontes
5.2 – Bibliografia de Autores e Obras
5.3 Bibliografia Viva…
1
A BIBLIOGRAFIA, como aliás vou ter oportunidade de dizer para o/s índice/s, vão numerados, depois de
longas hesitações, porque são parte integrante da obra idealizada. Não são mero apêndice ou elementos
para facilitar a leitura. São capítulos de leitura que condicionam e orientam ou subvertem toda a Leitura.
Neste caso da BIBLIOGRAFIA, o mais importante, não é própriamente a Bibliografia como é entendida
em geral. A BIBLIOGRAFIA não escrita, essas HISTÓRIAS que você ouviu ccontar e de que já não se
lembra... Aqueles de que se lembra mas não ligou importância nenhuma porque foram contadas por
alguém sem cotação no mercado das economias ou ideias rentáveis... Essas mesmo, que não podem
estar aqui citadas, porque são as que voçê conhece, são A BIBLIOGRAFIA inndispensâvel para entender
estas LENDAS e as reCONTAR e as subVERTER...
355
356
5.1 BIBLIOGRAFIA a referência às FONTES
os APOIOS ou a SOLIDÃO SOLIDÁRIA
Nestas
VIAGENS
ATRAVÉS
DO
MARAVILHOSO,
escritas
na
angustiante solidão da desconfiança e da incompreensão, em que foi
preciso resistir aos constantes desânimos e desistências sucessivas,
pela falta de tempo, pela falta de condições, pela falta de estímulos,
pelos constantes apoios negativos que vão desde os risinhos
superiores dos pretensos eruditos sérios e realistas que só acreditam
no imediato, ate a necessidade de resistir para subsistir com horários
sobrecarregados de tarefas inúteis e absorventes, sem o mínimo
respeito pelo trabalho exaustivo de uma investigação tentando
caminhar por zonas pouco andadas e exploradas... tudo isto de
mistura com agressões inauditas, autênticos atentados a minha
dignidade profissional e humana, numa escola cega pela sua
infalibilidade diplomada de cultura livresca de costas viradas para a
realidade gritante, profunda e transformadora do meio em que esta
inserida...
no meio de tanta contrariedade, em que este acto de amor com a
cultura tradicional se transformava por vezes numa doação unilateral
quase violenta em que falhava a partilha do encontro amoroso;
no meio deste angustiante conjunto de circunstâncias que atingia
vezes sem conta os limites da resistência humana!...;
quem sabe se em vez de impeditivas, estas tremendas tensões limite
foram afinal a mola real que me terão levado, como a Sherazade das
mil e uma noites, a desafiar o Califa todo poderoso do destino e das
forcas que me queriam destruir, para, no encanto dos contos e das
357
lendas e dos cantos, encontrar a magia, qual varinha magica, que
havia de trazer remédio para a situação de desespero sem saída em
que tantas vezes me encontrei;
eis que subitamente descubro que nada disto teria sido possível sem
me sentir rodeado de uma multidão de sábios e estudiosos e amantes
da cultura, da CULTURA entendida na sua acepção global que vai ate
as raízes...;
e afinal, a dolorosa viagem que parecia insuportavelmente solitária,
estava afinal acompanhada e impulsionada, solidária, por uma série
de ilustres viajantes audaciosas que me proporcionavam a sua
maravilhosa companhia, sem distinção de idades, sem limites de
tempo ou de espaços! sem a distancia inacessível do pedestal da
erudição e do desprezo pelo desejo esforçado de conhecer...
Que PRAZER agradável foi viajar com tantas e tão fantásticas
companhias, associadas a esta CARAVANA DE CIGANOS incansáveis
andarilhos que não param, atentos afinal, aquilo que os residentes
distraídos, de tão habituados, e os passantes apressados a caminho
das praias do Algarve, a não vêem!...
Eis pois, em género de crónica de viagem, que pára para descansar,
a lista ainda que incompleta das obras e autores e pessoas com quem
me foi dado viajar, nesta sedutora e exaustiva viagem através do
Maravilhoso destas TERRAS DO AQUÉM-TEJO…
Não seguira porventura as regras ortodoxas ditadas pelos donos da
cultura e do saber que da prémios e promoções! Não é isso que
procuramos…
358
é que, como diz Miguel Torga, o insatisfeito e incansável andarilho
dos caminhos maravilhosos e perdidos deste Povo e desta Pátria  a
Língua Portuguesa in  PORTUGAL  n' UM REINO MARAVILHOSO
(TRÁS-OS-MONTES)  acontece a desgraça de O POVO SABER DE
Uma MANEIRA e as ESCOLAS SABEREM DOUTRA.
359
360
5.2 - BIBLIOGRAFIA – autores e obras…
JOSÉ LEITE DE VASCONCELLOS  o Professor e Mestre, pela imensidão da obra
que conseguiu escrever e tesouros que prodigiosamente pode coligir e me deu a
oportunidade de consultar, como:
ETNOGRAFIA PORTUGUESA com seus 7 volumes;
CONTOS POPULARES E LENDAS, I e II vol., com a coordenação de Alda e
Paulo Soromenho;
CANCIONEIRO POPULAR PORTUGUÊS, I, II e III vol., coordenado e com
introdução de Maria Arminda Zaluar Nunes;
ROMANCEIRO PORTUGUÊS, I e II vol., com notícia preliminar de R.
Menendez Pidal;
publicações da Universidade de Coimbra impulsionadas pela dedicação e
empenho do Professor Orlando Ribeiro com a colaboração de uma vasta
equipa com o Prof. Manuel Viegas Guerreiro e o Dr. António Machado
Guerreiro, além dos já mencionados que arrancaram da escuridão em que
estavam mergulhadas, as preciosidades irrecuperáveis, fruto de longos anos
de apaixonado e incansável trabalho.
TRADIÇÕES POPULARES DE PORTUGAL, organização e apresentação de M.
Viegas Guerreiro;
FILOLOGIA BARRANQUENHA  apontamentos para o seu estudo 
publicados pela Imprensa Nacional - Casa da Moeda.
MANUEL JOAQUIM DELGADO  o incansável e mal compreendido investigador das
raízes do BAIXO ALENTEJO, sócio do Instituto Português de Arqueologia, História e
Etnografia e sócio fundador da Sociedade de Língua Portuguesa, com
A ETNOGRAFIA E O FOLCLORE DO BAIXO ALENTEJO, 2a edição da
Assembleia Distrital de Beja, 1985, tendo sidojá uma separata da Revista
Ocidente, Lisboa, 1956.;
A LINGUAGEM POPULAR DO BAIXO ALENTEJO E O DIALECTO
BARRANQUENHO
(Estudo etnofilológico), 2ª edição da Assembleia Distrital de Beja,
1983, 1ª edição do autor, 1951 depois de ter sido publicada grande parte
em artigos no Arquivo de Beja, entre 1948 e 1950;
SUBSÍDIO PARA O CANCIONEIRO DO BAIXO ALENTEJO, I e II vol., 2a
edição do Instituto Nacional de Investigação Cientifica, Lisboa, 1980, 1ª
edição de Lisboa, 1955;
ENSAIO MONOGRÁFICO (Histórico, Biográfico, Linguístico e Crítico) acerca
de Beja e dos Bejenses mais Ilustres, Beja 1973;
com “o manancial de preciosos elementos” que sem o seu trabalho seriam
irrecuperáveis ou levariam imenso trabalho a recolher...
PADRE JOÃO RODRIGUES LOBATO  pelos rumos que abriu e continua a abrir com
suas recolhas, de lendas, falares e documentação em
AMARELEJA, RUMO À SUA HISTÓRIA, Évora, 1961 e pelo trabalho sobre
Aljustrel que não tive oportunidade de consultar;
FRANCISCO VALENTE MACHADO  pelo grande amor e dedicação com que se
entregou à investigação de tudo o que podia ser útil à sua terra e a este Mundo
Maravilhoso das Tradições do seu Povo, pelos numerosos trabalhos que publicou e
pelos que tem guardados e podem correr o risco de destruição e extravio; e pela
MONOGRAFIA DE VILA VERDE DE FICALHO, edição da Biblioteca, Museu de
Vila Verde de Ficalho, 1980.
361
FERNANDA FRAZÃO  pela sua crença nas raízes profundas da Tradição, apesar de
ter visto nascer a televisão e temer pelo desaparecimento “dos velhos e velhas” e
da sua mágica forma de comunicação, que manifesta nas
LENDAS PORTUGUESAS, 6 vol. Amigos do Livro editores, sem data 1984?);
e pelo espaço que neles dá ao Alentejo e as suas Lendas...
GENTIL MARQUES  com o seu Imenso e perseverante trabalho na recolha, estudo
e divulgação das LENDAS DA NOSSA TERRA, e pelas numerosas e quase exaustivas
notas que se seguem a cada lenda, com numerosos dados sobre Beja; e pela Lenda
da MOURA E DO TOURO (Messejana) vol. III, p.163 que pode servir para comparar
com a da PRINCESA TRANSFORMADA EM COBRA, recolhida por José Leite de
Vasconcellos, no Penedo Gordo, de Simplícia Maria das Dores; e pela lenda da
FONTE MOURA, vol. III, p. 358, que é de Santarém e se refere ao tempo de D.
Afonso Henriques, que pode servir para comparar com as LENDAS DA FONTE
MOURO, daqui e do Algarve; tudo isto em
LENDAS DE PORTUGAL, 5 volumes, Editorial Universus, publicados em 1962
 Lendas dos Nomes das Terras, 1963  Lendas Heróicas, 1964  Lendas
de Mouras e Mouros, 1965  Lendas Religiosas, 1966; e  Lendas de
humor.
CARLOS OLIVEIRA e
JOSÉ GOMES FERREIRA, pelo estudo inicial e pelo monumental trabalho de recolha,
ou antes, escolha de contos já publicados: “Os contos populares publicados nesta
antologia foram escolhidos de obras de Teófilo Braga, Adolfo Coelho, José Leite de
Vasconcelos, A. Tomás Pires, Consiglieri Pedroso, Ataíde Oliveira e outras
colectâneas e revistas por onde tem andado disperso o tesoiro que hoje se reune
aqui.” em
CONTOS TRADICIONAIS PORTUGUESES em 4 volumes, das Iniciativas
Editoriais, Lisboa, em edição especial para a Lavraria Figueirinhas, Porto,
sem data, (p. 58?).
TEÓFILO BRAGA  pelo trabalho pioneiro de investigador incansável em
O POVO PORTUGUÊS NOS SEUS COSTUMES, CRENÇAS E TRADIÇÕES, em 2
volumes, Publicações Dom Quixote, Lisboa, 1985 (1ª ed. de 1885), e
CONTOS TRADICIONAIS DO POVO PORTUGUÊS, 2 volumes, Publicações
Dom Quixote, Lisboa 1987, (1ª ed. de 1883), ambos publicados na colecção
PORTUGAL de PERTO, dirigida por Joaquim Pais de Brito, assistente de
Antropologia do ISCTE, com valiosos trabalhos e estudos de Etnografia e
Antropologia de inestimável valor e profundidade.
ALEXANDRE HERCULANO  o austero e implacável criador do Romantismo, em
especial pela criação da LENDA:
A MORTE DO LlDADOR e os inesgotáveis dados históricos dos primórdios da
Nacionalidade, em
LENDAS E NARRATIVAS que apareceram coligidas em 1851 depois de
publicadas em O PANORAMA e A ILUSTRAÇÃO, como monumentos para
renovar a Literatura em Portugal, e pela HISTORIA DE PORTUGAL que
começou a publicar desde 1846 e nos chegou através da ULMEIRO, edição
de José A. Ribeiro, Lisboa, 1980.
Júlio MARTINS  professor efectivo no Colégio Militar, pela selecção dos textos e
comparação com os extractos dos
LIVROS DE LINHAGENS insertos no PORTUGALIAE MONUMENTA HISTORICA,
SCRIPTORES, e excerto da p. 279-280 da Morte do Lidador em TRECHOS
SELECCIONADOS DAS LENDAS E NARRATIVAS DE ALEXANDRE HERCULANO,
Didáctica Editora, Lisboa, 1974.
362
MÁRIO GONÇALVES VIANA  pelas achegas, informações e opiniões que manifesta
sobre os diversos períodos literários e citações que nos faz chegar de Matos
Sequeira e Fidelino de Figueiredo, sobre Mariana do Alcoforado, em
O AMOR NA LITERATURA PORTUGUESA, Domingos Barreira editores, Porto,
sem data.
ANTÓNIO BELARD DA FONSECA  ilustre Bejense, advogado, que se dedicou à
investigação de Arte, e escritor, que foi Director do Museu Regional Rainha Dona
Leonor, pelo rigor e clareza com que traz uma luz nova sobre os equívocos
provocados pelo editor das LETTRES PORTUGAISES, em 4 de Janeiro de 1669, o
senhor Barbin, e o presumível autor que terá sido o tradutor das CARTAS,
Guillerauxes, no seu livro
MARIANA ALCOFORADO  A FREIRA DE Beja E AS LETTRES
PORTUGUAISES, 1966, bem como as achegas para responder a falsas
interpretações mal documentadas, com os apoios de muitos outros autores e
investigadores como:
MANUEL RIBEIRO com
VIDA E MORTE DE MADRE MARIANA ALCOFORADO, Lisboa, 1940 e
LUCIANO CORDEIRO, com
SOROR MARIANA  A FREIRA PORTUGUESA, 2ª ed. Lisboa, 1890 e
GODOFREDO FERREIRA, que em 1923 nos informa sobre o espantoso
número de edições nas diversas línguas que tiveram
AS CARTAS PORTUGUESAS e ainda o poeta
EUGÊNIO DE ANDRADE pela
TRADUÇÃO E ORDENAMENTO DAS CARTAS PORTUGUESAS Atribuídas A
MARIANA ALCOFORADO, edição bilingue RTP, Março de 1980.
FERNÃO LOPES:
 AS CRÓNICAS DE FERNÃO LOPES  CRÓNICA DE EL-REI D. PEDRO,
CRÓNICA DE EL-REI D. FERNANDO, CRÓNICA DE EL-REI D. JOÃO  em
português moderno, por
ANTÓNIO JOSÉ SARAIVA, Antologias Universais da Potugalia Editora, sem
data <1982?), em especial o capitulo da página 215 e seguintes:
A INSURREIÇÃO NA PROVÍNCIA  Como foi tomado o castelo de Beja e
morto o Almirante Micer Lançarote, que termina assim:..."O almirante
quando viu isto começou a defender-se o melhor que podia; e bradando-lhe
eles que viesse ca abaixo e não tivesse medo, assim o fez. Mas pensando
encontrar neles piedade e compaixão, foi morto de ma e aviltante morte.
Assim acabou os seus últimos dias.” Porquê “traduzir” os célebres
“postumeiros dias”?
FERNÃO LOPES
 HISTORIA DE UMA REVOLUÇÃO  Primeira parte da CRÓNICA DE EL-REI
D. JOÃO I DE BOA MEMÓRIA, com actualização do texto, introdução e notas
de José H. Saraiva, Publicações Europa-América, Janeiro de 1977, em
especial pelo capítulo 42, p.158,
 A REVOLUÇÃO EM BEJA  Como foi tomado o castelo de Beja e morto o
almirante Mice Lançarote, que termina assim: “...O almirante, quando esto
viu, começou de se defender o melhor que pode. E eles bradando que
descesse afundo e não houvesse medo, houve-o de fazer. E cuidando de
achar em eles piedade e compaixão, mataram-no de ma e desonrada morte,
e assim acabou seus postumeiros dias.”
FERNÃO LOPES
 de AUBREY F.G. BELL  Tradução do Inglês por ANTÓNIO ÁLVARO DORA,
José Ribeiro Editor, 3ª edição: Março de 1986, Ulmeiro, que tomou por base
363
a 2ª edição, corrigida, da Revista Ocidente, de 1943, como diz o editor,
Trata-se de um livro fundamental para a compreensão de Fernão Lopes.”
A. KIBEDI VARGA
 TEORIA DA LITERATURA, com a colaboração de Benoit de Cornulier, D.W.
Fokema, Heide Gottner, Michel Grimsud, Elrud Ibsch, P.W.M. de Meier,
Heinrich F. Plett, Horst Steinetz, Teun A. Van Di, Aart Van Zoest, Pierre V.
Zima, tradução de Tereza Coelho, apresentação e revisão de Eduardo Prado
Coelho, Editorial Presença, o Copyright by A. et J. Picard, 1981, pela vasta
bibliografia que apresenta em cada uma das colaborações, pela actualização
e desafios que faz a todo o trabalho de Análise Textual, abrindo-se ao
campo de inúmeras disciplinas e áreas de investigação.
RICHARD E. PALMER
 HERMENÊUTICA, HERMENEUTICS  NTERPRETATION THEORY in
Schleiermacher, Dilthey, Heidegger and Gadamer, Northwestern University
Press, 1969, Tradução de Maria Luísa Ribeiro Ferreira, Edições 70, Lisboa,
1986, pela profundidade que sugere para a Teoria da interpretação literária.
MESQUITELA LIMA
 ANTROPOLOGIA DO SIMBÓLICO (ou o simbólico da Antropologia),
Editorial Presença, 1983, pelas pistas que apresenta e pelos exemplos
apresentados de, a partir de contos tradicionais em diversas variantes, e
analisando a sua estrutura, descobrir as suas simbólicas e então partir para
uma visão quase global das respectivas sociedades, o que se torna
impraticável como diz o autor.
CARLOS REIS
 TÉCNICAS DE ANÁLISE TEXTUAL. Livraria Almedina, Coimbra, 2ª edição,
1978, por ser o livro fundamental para a abordagem de qualquer texto.
Vítor MANUEL DE AGUIAR E SILVA
 TEORIA DA LITERATURA, Livraria Almedina, Coimbra, 4ª edição, 1982,
pela constante renovação e actualização que revela e pela abertura e
exigências cientificas que demonstra e exige.
D. A. TAVARES DA SILVA  Professor do Instituto Superior de Agronomia, que nos
deu o
ESBOÇO DUM VOCABULÁRIO AGRÍCOLA REGIONAL, separata dos “ANAIS
DO INSTITUTO SUPERIOR DE AGRONOMIA” vol. XII, Lisboa, 1942, e por
este trabalho ser o resultado de “...observar a terminologia dos nossos
agricultores, muito sua, original por vezes, pois em grande parte, cuido eu,
se não encontra nos dicionários...E quantas vezes estes e outros vocábulos
regionais, que os léxicos não registam, definem com justeza tão perfeita a
operação técnica, que sobreleva a do termo cientifico." Dai a riqueza e
expressividade da nossa Língua que tudo e capaz de definir com propriedade
e precisão excepcionais, e muito seria útil ao país para conhecimento do
todo e de cada uma das regiões.
ANTÓNIO MANUEL COUTO VIANA  que organizou a antologia que intitulou;
TESOUROS DA LITERATURA POPULAR PORTUGUESA, Editorial Verbo, Lisboa,
S. Paulo, 1985; pelo pretenso serviço prestado a Literatura Popular; pelo
mau exemplo e descaramento insultuoso contra o Povo a pretexto de balofa
erudição que não é capaz de ver na dicotomia da maior parte das quadras
populares a ligação do tema e da expressão dos sentimentos ou da sátira e
da ironia, a Natureza e a realidade da vida a que o povo está ligado;
insultando o povo (que) raro cria, antes adopta e adapta o que recebe de
364
alguém de mais instruído intelecto..., mas reconhece que e o nosso
cancioneiro...o mais vivente e fecundo, e finalmente publica, depois de
descaradamente a insultar, as recolhas de recolhas e selecções de múltiplas
selecções, os grandes primores da alma portuguesa. !!! Com tantos
exemplos de obras de grande fôlego, não dá nenhum exemplo de DÉCIMAS,
que consideramos a mais artificiosa e complexa forma de poesia popular!
SELMA LAGERLÖF (1858-190)  Prémio Nobel da Literatura, a primeira escritora a
receber tal galardão e 1909, por nos ter dado
A MARAVILHOSA VIAGEM DE NILS HOLGERSON ATRAVÉS DA SUÉCIA,
tradução de Maria de Castro Henriques Osswald, 5ª edição da Editora
Educação Nacional de Adolfo Machado, Porto, s/data;
HISTÓRIAS MARAVILHOSAS, versão portuguesa da Editorial Minerva, Lisboa
1952;
O LIVRO DAS LENDAS, Tradução de Pepita de Leão e introdução de Paulo
Arinos, Edição Livros do Brasil, Lda., Lisboa, s/data;
A CARROÇA FANTASMA, versão Portuguesa de Leão Penedo, Filme da
Transcontinental (Colúmbia), Editorial Minerva, Lisboa, 15 de Agosto de
1941;
OS SETE PECADOS MORTAIS E OUTROS CONTOS....
enfim por toda a sua obra e por todas as suas MARAVILHOSAS VIAGENS
ATRAVÉS DO MARAVILHOSO, mais real do que eu estar aqui e tu ai como
dizia que a sua avó lhe dizia, quando no final de um conto lhe acariciava
carinhosamente a cabeça...
PEARL S. BUCK  Prémio Nobel, pelas
HISTÓRIAS MARAVILHOSAS DO ORIENTE, tradução de Fernanda Pinto
Rodrigues, Edição Livros do Brasil, Lda., Lisboa, 1965, que afinal são uma
VIAGEM de descoberta, por terra e mar, a um mundo fabuloso de encanto e
Fantasia, o mistério lendário das terras orientais. Os primores da sabedoria
e da imaginação asiáticos reflectem-se nestas histórias maravilhosas que
Pearl Buck recriou com o talento inimitável que lhe valeu o prémio Nobel.
RUDYARD KIPLING  (186-1936), Prémio Nobel em 1907 pela sua obra em
especial:
SIMPLES CONTOS DAS COLINAS
KIM
O LIVRO DA SELVA
CHARLES PERRAULT  (1628-1703) pela coragem de, na sua época, irromper pelo
campo do maravilhoso e do imaginário, em especial com
LES CONTES DE MA MÈRE L’OYE (1694), contos que recolheu para
“l'amusement des enfants” e
CONTES DU TEMPS PASSÉ (1697), obras que ilustram a sua destemida e
temerária posição na famosa QUERELLE DES ANCIENS ET MODERNES.
HANS CHRISTIAN ANDERSEN  (1805-1875) autor de
CONTOS que publicou entre 1835 e 1872 e na sua simplicidade acessível,
parece escrever para crianças, o que só os adultos podem entender em toda
a sua profundidade...
ANTOINE DE SAINT-EXUPÉRY  (1900-1940), piloto militar francês, que foi abatido
num voo de reconhecimento durante a segunda guerra mundial, pelos voosdesafios que nos deixou nas SUAS obras, em especial por nos CATIVAR
“aprivoiser”, com
LE PETIT PRINCE, Librairie Gallimard, Paris,1943.
365
LYMAN FRANK BAUM  (1856-1919) pela fantasia com que nos sabe levar com
Dorothy, to
THE WONDERFUL WIZARD OF OZ, que naquele dia de ciclone, não
conseguiu fugir para o subterrâneo para onde a chamava a tia Em, por
causa do Totó que lhe saltou dos braços e se foi esconder debaixo da
cama... e, aí vamos nós, depois da casa girar três vezes..., através dos ares,
viajar pelos mundos do sonho...
WILHELM GRIMM  (1786-1859) e seu irmão JACOB GRIMM (1785-1863), notáveis
eruditos do romantismo alemão, e fundadores da filologia alemã, que nos deixaram
a famosa e imensa recolha de CONTOS POPULARES, e se tornaram famoso pela
divulgação dos
CONTOS DE GRIMM
GIOVANNI BOCCACIO  (1313-1375), que situando-se numa epidemia de peste
em Florença, faz encontrar dez jovens, sete raparigas e três rapazes, que ao longo
de dez dias de isolamento numa quinta “encantada” nos dão os saborosos e
picantes contos do
DECAMERON (1349-1353)
LEWIS CAROL ou antes CHARLES DODGSON  (1832-1898) pelo encanto
refinadamente irónico e perigosamente adulto com que nos leva ao mundo infantil
de
ALICE NO PAÍS DAS MARAVILHAS ou melhor "ALICE'S ADVENTURES IN
WONDERLAND
JONATHAN SWIFT  (1667-1745), escritor irlandês que em 1726 publica uma
violenta sátira à sociedade inglesa e à civilização da época com
AS VIAGENS DE SAMUEL GULLIVER, que encontramos habitualmente como
Viagens de Gulliver, presumivelmente apropriado para crianças...! e assim
vamos até ao país dos anões, depois ao dos gigantes, depois, à ilha em
movimento habitada por sábios, e enfim até à região dos cavalos civilizados
que dominam antropóides degradados! Enfim, um mundo de FICÇÃO!
JEAN DE LA FONTAINE  (1621-1695) por nos ter dado o retrato pedante da
sociedade do século XVII (ou “...de tout temps/les petits ont pâti des sottises des
grandes”) através da sua Arca de Noé rebelde e brincalhona dedicada ao Delfim de
França, para através das
FÁBULAS
que devemos a ESOPO, o ilustre príncipe se poder distrair, já que isso é
permitido aos príncipes; mas também para, por debaixo de uma capa de
aparente puerilidade, poder dedicar alguns pensamentos a reflexões mais
sérias e a algumas verdades consideráveis! Não será descabido evocar aqui,
de novo, Miguel TORGA ou Adolfo Rocha com os seus/nossos BICHOS!
CONTOS ÁRABES  AS MIL E UMA NOITES!!!
VLADIMIR PROPP
 AS FUNÇÕES DO CONTO, pelos meios que fornece...
NUNO BETELHEIM
 PSICANÁLISE DO CONTO DE FADAS, pelas pistas que abre...
LUIZ VAZ DE CAMÕES
 OS LUSÍADAS  e a sua monumental viagem através do tempo e do
espaço que vai da Via Láctea à Ilha dos Amores e passa por dezasseis
séculos de história da civilização pC, mergulhando até aos tempos de
366
Homero aC e não descortinamos até onde e até quando o génio do seu
poema abre clareiras de prodigiosa fantasia, mais real e profunda que a
própria realidade!!!
FERNÃO MENDES PINTO
 PEREGRINAÇÃO  pelas suas viagens de ladrão civilizado e de bandido
apóstolo, de civilizador de civilizações surpreendentes, navegando por este
rio acima através dos REINOS DO FANTÁSTICO  REAL!
GONÇALO FERNANDES TRANCOSO
 CONTOS E HISTÓRIAS DE PROVEITO E EXEMPLO, de 1575
JOÃO BAPTISTA DE ALMEIDA GARRETT
 VIAGENS NA MINHA TERRA e a sua promessa/desafio de tomar o bordão
de romeiro e caminhar de novo por esse Portugal fora, à procura de
histórias para te contar... en/cantar/cont(r)ar...
MIGUEL TORGA
 PORTUGAL e o DIÁRIO, que em resumo são as suas viagens incansáveis e
de uma profundidade ímpar através do país, através do Tempo, do Espaço,
em especial por
“UM REINO MARAVILHOSO  TRÁS-OS-MONTES
sim, porque, mesmo num reino maravilhoso, acontece “a desgraça de o
povo saber duma maneira e o povo de outra!" e pelo retrato do ALENTEJO e
o cântico do Homem e da Terra!
ADOLFO COELHO
 CONTOS POPULARES PORTUGUESES, 1ª edição de 1879 e Publicações
Dom Quixote, Portugal de Perto, Lisboa 1988, e o prefácio de Ernesto Veiga
de Oliveira.
CONSIGLIERI PEDROSO
 CONTOS POPULARES PORTUGUESES, (1ª edição em 1910 e edições Vega
1978 ), com prefácio de Maria Leonor Machado de Sousa que lhe agradece
pelos preciosos documentos para a compreensão dos vectores tradicionais
da nossa cultura.
J. DAVID PINTO-CORREIA
 ROMANCEIRO TRADICIONAL PORTUGUÊS, Editorial Comunicação, Lisboa,
1984, pela apresentação crítica, organização, notas e sugestões para uma
análise literária do nosso romanceiro...
ADOLFO SIMÕES MÜLLER
 O PRÍNCIPE IMAGINÁRIO E OUTROS CONTOS TRADICIONAIS
PORTUGUESES, Distri Editora, 1985, pela selecção prefácio e notas...
MARIA LAURA BETTENCOURT PIRES
 HISTÓRIA DA LITERATURA INFANTIL PORTUGUESA, Editorial Vega,
Lisboa, s/data, pela lucidez que revela de procurar as suas raízes na
literatura tradicional oral... e por assim tentar destruir a hipotética barreira
que existe entre a Literatura Tradicional e a dita Erudita! /Infantil!...
MICHEL GIACOMETTI e FERNANDO LOPES GRAÇA
 CANCIONEIRO POPULAR PORTUGUÊS, Círculo de Leitores, 1981, e pela
obra incomensurável que construíram e estão a construir...
MANUEL DA FONSECA
367
 SEARA DE VENTO – CERROMAIOR e por toda a sua obra de poesia
encantatória sobre o Alentejo...
OLÍMPIO NUNES
 O POVO CIGANO, Livraria Apostolado da Imprensa, Porto, 1961, por
conseguir ir to longe e tão dentro de um mundo de mistério e maravilhoso
que escapa a todos ou a grande maioria dos que se sentem incomodados ou
fascinados por ele!
MARIA JOÃO PAVÃO SERRA
 FILHOS DA ESTRADA E DO VENTO, CONTOS E FOTOGRAFIAS DE
CIGANOS PORTUGUESES, Assírio e Alvim, Dezembro de 1986, pelo impacto
e divulgação que conseguiu despertar...
JOSÉ SILVESTRE RIBEIRO
 BEJA NO ANNO DE 1845, com introdução de José Manuel da Silva Passos,
pelo retrato que nos legou de Beja do século XIX, ele, que foi Governador
Civil nesta cidade em 1845-1846, edição da Câmara Municipal de Beja, 1986
FERNANDO NUNES RIBEIRO
 O BRONZE MERIDIONAL PORTUGUÊS, Beja 1965 e
A VILLA ROMANA DE PISÕES, Beja, 1972 publicados in ARQUIVO DE BEJA,
pelas recolhas e investigações arqueológicas e históricas que nos levam a
procurar as raízes do Povo Alentejano, para além dos Árabes e Romanos,
até aos vestígios de um POVO CÚNEO que possivelmente abrem profundas
pistas para o desenvolvimento desta região agrária num REGRESSO AO
FUTURO que se impõe...
JOSÉ D. GARCIA DOMINGUES
 O ALENTEJO ÁRABE E A SUA INTERACÇÃO NO REINO DE PORTUGAL,
Lisboa 1958, separata da revista INDEPENDÊNCIA, da Sociedade Histórica
da Independência de Portugal, pelo tremendo campo de batalha que nos
mostra, onde, apesar de tudo, floriu poesia...
ARNALDO SARAIVA, pelos trabalhos, estudos e investigações no campo das
Literaturas Marginais e outros estudos... e pela aproximação distante...
JOSÉ SARAMAGO
 LEVANTADO DO CHÃO a retratar o ALENTEJO ou um ALENTEJO, e pelo
seu fantástico MEMORIAL DO CONVENTO e por nos ter posto a navegar na
sua inacreditável JANGADA E PEDRA...
JOSÉ GABRIEL PEREIRA e FERNANDA BIRRENTO
 A MULHER, O LEITE E A COBRA, edições Rolim 1988, pelas pistas que nos
abrem a investigar o quotidiano (crendices?) que mergulha nas raízes da
criação do mundo...
JEAN CHEVALIER et ALAIN GHEERBRANT
DICTONNAIRE DES SYMBOLES, MYTES, RÉVES, COUTOUMES, GESTES,
FORMES, FIGURES, COULEURS, NOMBRES, Ed. Robert Lafont/Jupiter, Paris,
edition originale 1969, et edition revue et corrigé 1982, pelos elementos
fronecidos para desvendar os SIGNOS, SINAIS, ÍNDICES, INDÍCIOS,
SÍMBOLOS...
LA SAINTE BIBLE  Traduite en Français sous la Direction de L'École
Biblique de Jérusalem, Desclée de Brouwer, Edition du Cerf, Paris, 1955.
368
5.3 – ainda uma bibliografia viva… e o livro vivo…
Há, ainda, lugar para pessoas, estudiosos e amigos, que directa ou
indirectamente me acompanharam e acompanham nesta tão penosa
e por vezes angustiante como agradável VIAGEM ATRAVÉS DO
MARAVILHOSO. Cito em especial:
JOSÉ EDUARDO BARBOSA BENTES, pelo amor e dedicação que dedica
aos mínimos pormenores do Património Cultural de Beja e outros, a
ponto de ganhar o epíteto de “O Cheira Pedras”.
ABÍLIO
PERPÉTUA
Direcção-Geral
de
RAPOSO,
Educação
coordenador
de
Adultos,
Distrital
pela
de
Beja
da
publicação
da
LITERATURA POPULAR DO DISTRITO DE BEJA, Edição do Ministério
da Educação e Cultura e Direcção-geral da Educação de Adultos,
1986.
ABÍLIO TEIXEIRA, coordenador da Concelhia de Beja da DIRECÇÃOGERAL DE APOIO E EXTENSÃO EDUCATIVA, pelas recolhas e
incentivos que tem tentado para a investigação e divulgação da
Poesia Popular e valores tradicionais...
ASSOCIAÇÃO PARA A DEFESA DO PATRIMÓNIO CULTURAL DA
REGIÃO
DE
BEJA,
pelas
inúmeras
iniciativas
e
trabalhos
desenvolvidos e promovidos...
MUSEU REGIONAL DE BEJA, e a todos os que lá trabalham pelas
informações e dados fornecidos, e pelas pesquisas permitidas e pelo
trabalho de abertura e revitalização do museu vivo e interveniente
que a cidade e a região precisam...
369
POPULAÇÃO DE BEJA, cidade, concelho, distrito e a todos os
ALENTEJANOS que com a sua maneira de estar na vida, pelo seu
CANTE, pelos seus CANTOS e CONTOS e filosofia de vida nos dão a
matéria base para ler alguns fundamentos das características deste
POVO, em especial os habitantes do PENEDO GORDO e amigos
alentejanos que me honraram com a sua amizade e boa vizinhança e
tantas vezes estranharam este estrangeiro do Norte aqui perdido
nesta solidão!
O/A/s ALUNA/O/s DE PORTUGUÊS, LITERATURA PORTUGUESA e
LITERATURA PARA CRIANÇAS, da Escola Secundária Diogo de
Gouveia (Nº 1 de Beja), em especial aos cursos dos 10° e 11º anos,
de
1984/85,
que
inventaram
o
gosto
pela
Literatura
que
estudávamos; os da Escola do Magistério Primário de Beja com os
Cursos de Educadores de Infância e Cursos de Promoção de
Educadores de Infância e o Curso de Professores, entre 1984 e 1987;
os da Escola Secundária Nº 2 de Beja (Escola Sec. Manuel da
Fonseca, proibido pelo Ministério e depois D. Manuel I) em especial os
alunos do 8° ano 5ª e 7ª turmas do Ano Lectivo 87/88, como por
exemplo para lembrar todos os colegas: o Luís Filipe (Bule), a Ana
Isabel, a Ana Paula, o Jorge Cruz, a Paula Cristina, o Rogério, etc.,...,
que tantas vezes não me entenderam nos caminhos que entendia
dever caminhar, e tanto me deram das suas memórias e cultura;
bem como todos os colegas e agentes culturais das mais diversas
instituições e associações que tantos dados forneceram e com quem
partilhei muitas des/ilusões... e os Cursos do 11º ano, 1987/88, da
Escola Sec. Nº 2, de Beja, pelas viagens fabulosas que inventaram
através do seu ALENTEJO, seguindo as pegadas de Garrett, viajando
para melhor conhecer e dar a conhecer a sua Terra... Não me lembro
dos nomes. Só me lembro que era uma turma de electrotecnia, e foi
das melhores turmas que tive a trabalhar a Língua e a Literatura,
370
mesmo comparando com turmas de Cursos Humanísticos com que
me foi dado trabalhar.
À MARIANA e ao CASTANHO, um casal real com quem convivi alguma
coisa, por me terem fornecido, sem o saberem, e sem eu o saber, a
ideia do par-ficção, que saltou para dentro destas viagens através do
maravilhoso,
transformando-se
em
ciganos
irrequietos
e
irreverentes...
À NATÁLIA, que da sua cadeira de rodas, encontrou força para me
empurrar nesta viagem tantas vezes impossível e temerariamente
fascinante...
À PIEDADE, e à DIANA, que, para eu poder ter a companhia destas
tão numerosas e ilustres figuras, elas, as companheiras de todas as
horas e angústias durante a maior parte do tempo desta escrita,
tiveram de suportar a solidão imposta pela minha necessidade
absorvente de partir para as regiões da leitura e escrita criadora,
penalizando-as com a minha presença distante e tremendamente
dependente...
Finalmente, já na última década do século XX e no dealbar do século
XXI, falta citar a Fátima, a barranquenha, a fada alentejana, que me
deu por assim dizer, a cidadania alentejana, com o David, alentejano,
logo migrado para a Margem Sul, onde é notável e visível uma
interveniente comunidade de alentejanos… e a Betriz, a princesa
cheia de encanto e magia!!!
Para todos, mas para elas especialmente, o meu abraço, um beijo
cheio de ternura, impregnado de todo o feitiço destas lendas
maravilhosas cujo significado profundo ainda me escapa... e nos
continua a espantar!!!
371
Falta citar
o grande LIVRO ABERTO que é a VIDA e em especial aqui A VIDA NO
ALENTEJO no seu apelo e solicitações constantes e, na sua imensa
SOLIDÃO, lembrando afinal que O ACTO CRIADOR só e possível no
AMOR, no AMOR PARTILHADO ENTRE O HOMEM E MULHER, mas
verificando, por contradição e ambiguidade, que o ACTO CRIADOR só
se realiza na SOLIDÃO absoluta... e no campo da arte, permito-me
citar os casos deste século:
A pintora VIEIRA DA SILVA que sentia necessidade de pedir aos
amigos que a deixassem não ter o prazer de ir tomar com eles o café
ou de ir a um concerto ou a uma festa, porque os seus quadros, sem
ela não nasceriam e a Humanidade ficaria mais pobre; o exemplo de
MIGUEL TORGA, o transmontano sempre chamado para o Reino
Maravilhoso da solidão de Trás-os-Montes, e sempre solicitado pela
vida, numa SOLIDÃO-SOLIDÁRIA inexprimível;
e ainda o exemplo do prémio Nobel da Literatura, Garcia Marques
que, depois de conceber os seus CEM ANOS DE SOLIDÃO, quando
durante uma viagem olhava o deserto e as montanhas!, e depois ...
tem de se isolar durante dois anos em que fica totalmente
dependente dos amigos e da família, para o tabaco, para a comida,
as necessidades primárias, e... até dos comerciantes que lhe
fiavam... para produzir a obra prima que deslumbrou o Mundo!
Ainda no final, este novo final em Junho de 1995, passados seis
anos!!!, tenho ainda um agradecimento muito a especial.
Todo este trabalho se teria perdido, se, em Julho de 1994, não
tivesse tido a sorte de encontrar a equipa do Projecto Minerva, em
Beja, que estava de malas aviadas para regressar ao seu trabalho
normal, depois de um trabalho pioneiro por todo o Distrito digno dos
maiores elogios. Como acontece muitas vezes neste Ministério de
Educação que parece apostado em deseducar, apesar dos professores
372
que tem, ou talvez por causa disso, muitos que se empenharam em
trabalhos e experiências pioneiras e duma projecção ímpar, são
arrumados e ignorados como qualquer “coisa” sem préstimo!!! Um
país pobre e de fracos recursos não se pode dar ao luxo de
desperdiçar, ignorar e enxovalhar, pessoas como estas que abriram
as portas do Futuro para as gerações do Futuro...
Na altura em que corria o risco de perder a informatização de todo
este trabalho, eis que, por indicação do Professor e amigo Vito
Carioca, pacientemente, os colegas Manuel Mantinhas e António Grilo,
do Projecto Minerva, pólo da Escola Superior de Educação de Beja,
sob o coordenação do colega Toucinho da Silva, me ajudaram e
permitiram que, com o skanner, recuperasse o que foi possível de
texto e desenhos para o poder reformular e trabalhar...
Pensei que seriam suficientes os serões de Inverno para recuperar
todo este trabalho e, só passado um ano cheguei ao termo do 1ª
fase.
Está enfim o texto recuperado. OBRIGADO e um grande abraço para
o Mantinhas e Grilo porque este trabalho fica, também, um pouco
deles.
Afinal, já em finais de 1995 e alguns meses de 1996, só a
persistência da Fátima nas revisões pormenorizadas, e o encanto da
companhia do David, agora ao lado da Diana, estão a permitir a
revisão e reconstrução final de todo este trabalho.
Uma viagem que começou, parecendo solitária, fica afinal como uma
obra colectiva e daí e não a assinar com o meu nome, mas, como
optei desde o início, com o meu deNómio, José Penedo. Este
deNÓMIO fica aí, a significar toda esta gente que permitiu que eu
realizasse este trabalho. Publicá-lo?!!!  Isso será outra aventura e
outro desafio. Acho que não é comigo nem depende de mim.
373
374
6 – EXTRAS
6.1
6.1.1 - Confidência
6.1.2 - Brinquedo de Miguel Torga
6.1.3 - Estrela de José Penedo
6.2
6.2.1 - Bibliografia do autor
6.2.2 - Uma Resenha d Ana Machado
6.2.3 - Referência à publicação destas lendas no Arquivo de
Beja pela mão do Professor Dotor José Orta
6.2.4 - O TOURO e a COBRA vistos por dois artistas de Tela e
do Barro – Paizana e Isaclino
6.3
SEPARATAS com várias montagens de imagens a permitir
sonhar com o tema do TOURO e da COBRA
6.3 - Separata 1 – Touros Luz
6.3 - Separata 2 – Desenhos da obra
6.3 - Separata 3 – Estatuas Touro / Mulher Cobra
6.3 - Separata 4 – Pinturas – Picasso… Animalistas…
6.3 - Separata 5 – Pinturas (MIX)
6.3 - Separata 6 – TC mitologia
6.3 - Separata 7 – Desenhos Vários
375
376
6.1.1 - CONFIDÊNCIA:
De um amigo, Já de cabelos brancos, e com multa falta
deles, e também com muitos muitos anos de Beja,
recebi um dia este desabafo:
 “Beja é uma terra madrasta.
Não reconhece o valor e o trabalho dos seus filhos,
ou dos que vêm de fora para se dedicar e empenhar
ao seu serviço…,
mas bajula e se verga
aos estranhos que vêm para colonizar e explorar!...”
 Não. Não é Beja e a sua gente  descobrimos ambos
num repente  São aqueles que se arvoraram em donos
para melhor colonizar e explorar!
Beja, Primavera de 1989.
José Penedo
377
378
6.1.2 - B R I N Q U E D O (Miguel Torga)
FOI UM SONHO QUE EU TIVE:
ERA UMA GRANDE ESTRELA DE PAPEL,
UM. CORDEL
E UM MENINO DE BIBE.
O MENINO TINHA LANÇADO A ESTRELA
COM AR DE QUEM SEMEIA UMA ILUSÃO;
E A ESTRELA IA SUBINDO, AZUL E AMARELA,
PRESA PELO CORDEL À SUA MÃO.
MAS TÃO ALTO SUBIU
QUE DEIXOU DE SER ESTRELA DE PAPEL.
E O MENINO, AO VÊ-LA ASSIM, SORRIU
E CORTOU-LHE O CORDEL.
Coimbra, 6 de Fevereiro de 1936 - Miguel Torga, in Diário I
6.1.3 - E S T R E L A (José Penedo)
e desde este dia, aqui, aquém do Tejo e do Mondego
tão distante da minha terra natal  a Serra  a minha Tserra Sterra
e do menino de bibe,
essa ESTRELA
deixou de ser ESTRELA de PAPEL
deixou de estar presa por um cordel,
e ao vê-la daqui,
sorri-lhe…! sorriu-me…!
e passou a ser a minha ESTRELA! De LETRAS no PAPEL!
Penedo Gordo, de Outubro de 1988
José Penedo
379
380
6.2– EXTRAS – autor, colaboração e apoios…
6.2.1 - Bibliografia do autor
6.2.2 – em teatro por Natália Quinta Queimada e alunos
6.2.3 - Uma Resenha d Ana Machado
6.2.4 - Referência à publicação destas lendas no Arquivo de
Beja pela mão do Professor Dotor José Orta
6.2.5 - O TOURO e a COBRA vistos por dois artistas de Tela e
do Barro – Paizana e Isaclino
381
382
6.2.1 - bioBIBLIOGRAFIA DO AUTOR
Salientando as duas TRILOGIAS sobre o ALENTEJO…
A MAR – Autor: José d’A MAR – Maio / Junho de 2003 – 102 pp.
Um deNómio de José Rabaça Gaspar.
A MAR – Como a água das fontes e dos rios, a VIDA, todas as VIDAS, correm sempre para O MAR… A MAR… AMAR…
Nestes poemas com a influência de Camões, Torga e Borges, é proclamada a subversão: O MAR é A MAR!
ISBN 950-502-602-5 /e 6 – Preço para transferir €3 – Em papel – $7.28 mais custos de envio. (in LP euros 7.5)
A ILHA – Autor: José d’A MAR – Julho / Agosto de 2003 – 80 pp.
Um deNómio de José Rabaça Gaspar.
A ILHA, na sequência de A MAR, é um poema carregado de LENDAS e pretende ser um desafio para que os leitores
descubram a MAGIA de criarem a sua própria ILHA em A MAR….
ISBN 1-4135-0116/7-8/6 – Preço para transferir €3 – Em papel – $6.44 mais custos de envio. (in LP euros 7.5)
A FEIRA – Autor: José Penedo de Castro – Set/ Out 2003 –154 pp.
Um deNómio de José Rabaça Gaspar.
José Penedo de Castro é um cigano andarilho de FEIRAS que tenta mostrar com palavras e imagens o movimento e o
colorido destes centros de Encontros e edondilhas …
Publicou também, na mesma editora, como José d’A MAR – A MAR e A ILHA.
ISBN 1-4135-0126/7-5/3 – Preço para transferir €3 - Em papel – $9.80 mais custos de envio. (in LP euros 10)
A COBRA – Autor: José Penedo – Dez 2003 / Jan 2004 – 184 pp.
Um deNómio de José Rabaça Gaspar.
Em A COBRA, José Penedo, outro deNómio como José d’A MAR, e José Penedo de Castro, canta-nos aqui, em BALADAS, as
Lendas do Touro e da Cobra (uma LENDA de BEJA?) e o edondi das Fontes… numa espécie de sinfonia em três
Andamentos e várias Cantatas…
ISBN 1-4135-0135/6-4/2 – Preço para transferir €3.5; em papel – $10.64 mais custos de envio. (in LP euros 10)
A SERPE – Autor: José Penedo de Serpa, Março / Abril de 2004 – 118 pp.
Outro deNómio de JRG, como José d’A MAR, José Penedo de Castro e, e José Penedo, canta agora AQUI, as Lendas da
SERPE, que pode ser o Rio ANA, e as origens de SERPA e Mértola…
ISBN 1-4135-0142/3-7/5 – Preço para transferir €3 – Em papel – $7.68 mais custos de envio. (in LP euros 7.5)
A MOURA – Autor: José Penedo de Moura, Maio / Junho de 2004 – 136 pp.
José Penedo de Moura, outro deNómio de JRG, canta agora AQUI, através de 10 “vozes” – autores diferentes, as Lendas
da MOURA, cidade cristã, com nome pagão – ou a UTOPIA da CONVIVÊNCIA (im)Possível!!!
ISBN 1-4135-0164/5-8/6 – Preço para transferir €3 – Em papel – $8.30 mais custos de envio. In LP euros 10)
ALFÁTIMA – Autor: José da Serra do Vale do Zêzere, Julho / Setembro de 2004 – 124 pp.
Com este livro sobre a LENDA da MOURA – ÁLFÁTIMA – o autor, decide regressar ao FUTURO, à sua Sterra – Serra da
Estrela – Manteigas, com 10 Lendas da Moura encantada, à espera de uma libertação gloriosa, com Cristãos e Mouros… A
HUMANIDADE, um só POVO, com o tesouro da sua edondilh diversidade interCULTURAL.
ISBN 1-4135-0185/6-0/9 – Preço para transferir €3.5 – Em papel – $8.30 mais custos de envio. In LP euros 10)
NOMINALIA – Autor: Herminia Herminii – Março de 2005 – 526 pp.
- Uma TRILOGIA da minha Sterra – Serra da Estrela, Manteigas, a minha Terra na Serra…
NOMINALIA é uma Sinfonia vastíssima e caótica cujas notas não são outra coisa senão NOMES: terras, lugares, apelidos,
alcunhas, expressões… de Serra da Estrela, Manteigas, terra do autor
ISBN 1-4135-3547/8-X/8 – Preço para transferir €5 – Em papel – $19.80 mais custos de envio. (in LP euros 15)
O PASTOR – Lenda do Pastor dos Hermínios – por Viriato dos Hermínios – previsto para ser editado na e-libro.net,
em Setembro de 2005 Novembro de 2005 (2º de uma outra trilogia da Serra da Estrela)
O PASTOR – LENDA/s do PASTOR DOS HERMÍNIOS – é só uma MENSAGEM fascinante ditada pela ESTRELA – A SERRA, do
Pastor que conquistou os MONTES ERMOS! Viriato dos Hermínios foi encarregado de a divulgar a quem a quiser ouvir. Há
mais 5 lendas complementares.
ISBN 1-4135-3600/1-X/8 – Preço para transferir €2.62; papel–US$ 9.80 (más gastos de edon). (in LP euros 10)
MANTEIGAS – uma Terra na Serra edondilh em Lendas – Lenda da Fundação mítica de Manteigas, por
Hermes do Zêzere – previsto para ser editado na e-libro.net, em Novembro de 2005 – Março 2006 (enfim a outra
TRILOGIA sobre Manteigas, Serra da Estrela, com ALFÁTIMA e O PASTOR).
Manteigas edondilh em muitas lendas e A LENDA de como foi descoberto o lugar onde hoje é MANTEIGAS e do PORQUÊ
de ser este nome usado, contrariamente ao uso corrente, no plural – manteigas… & o que são OU PODEM SER os ribeiros
e ribeiras e caminhos e estradas… que serpenteiam pela Serra…
ISBN 1-4135-3613/4-8/X – Preço para transferir €2.62 – Em papel – US$ 11.20 (e edon). (in LP euros 10)
GRITOS NA SOLIDÃO – Décimas de INOCÊNCIO DE BRITO – um POETA popular de S. Matias, Beja – Um Mestre
esquecido e ignorado – José Rabaça Gaspar (coord.) Cremilde de Brito, Manuel de Sousa Aleixo – Junho 2006 –
Inocêncio de Brito —1853? – 1938?— foi um notável Mestre na Arte de versar em Décimas “construindo” importantes
temas com um profundo fundamento como a Morte, a Guerra, a Mulher…
ISBN 1-4135-3624-7 – Para transferir €3.05 em papel – US$ 14.72 (más gastos de envio) in LP euros 12.5)
ISBN 972
9171 03 3
OUTROS EM COLABORAÇÃO:
«Lendas da Moura SALÚQUIA», Março de 2005, com mais de duas dezenas de versões, uma Edição de “Moura
Salúquia” AMCM, 250 pp., tem prefácio e colaboração de 10 versões da lenda e uma Décima;
«OS LOBOS DE MANIAMBA» Moçambique 1968 / 1970» Memórias da CART2326, Janeiro de 2005, com 156
pp., tem recolha de dados, organização, plano, digitalização e apresentação (c/ versão do CANCIONEIRO DO
NIASSA).
“Que modas?...que modos? (actas do 1º. Congresso do Cante Alentejano) (dos GRUPOS CORAIS
ALENTEJANOS)”, edição de FaiALentejo, Horta, Faial, Açores, com 360 pp. – colaboração.
DEIXAS… As DÉCIMAS e Os Poetas Populares… colaboração no jornal “Há Tanta Ideia Perdida”, da Confraria
do Pão… Alentejo, Alandroal, Terena…
383
BIO(BIBLIO)GRAFIA
Nota: deNómios de José Rabaça Gaspar. (www.joraga.net )
Não são um pseudónimo nem um heterónimo (exclusivo de Pessoa) mas um neologismo
inventado, um NOME (outro), anjo ou demónio, musa inspiradora, que escreve através do
autor, o livro ou cada um dos poemas do autor.
José RABAÇA GASPAR – usando 1001 deNÓMIOS diversos…
Professor de Língua e Literatura Portuguesa, já dispensado do Ensino Oficial, é de novo aluno.
Nasceu na Serra da Estrela, Manteigas (1938), tirou o Curso Superior de Filosofia e Teologia, na Guarda,
e exerceu a sua actividade, desde 1961 em várias localidades da Serra – Loriga, Gouveia, Covilhã e
Ferro, passando depois pela Academia Militar, em Lisboa, antes de cumprir o Serviço Militar em
Moçambique – Metanguala, Maúa e Nampula, (4 anos) tendo passado algum tempo em Angola – Luanda
e Benguela.
Frequentou depois, em Paris, um Curso intensivo de Animação Cultural, para os Povos em
Desenvolvimento e Alfabetização, com Paulo Freire, e esteve, 4 anos, nos Serviços de Apoio aos
Emigrantes Portugueses na Alemanha onde frequentou Cursos de Alemão e leccionou Português.
De regresso a Portugal, em 1975, esteve primeiro a trabalhar nas Cooperativas Agrícolas como
trabalhador agrícola, na Alfabetização e Animação Cultural tendo ingressado no ensino Oficial em 1976.
Leccionou em Rio Maior, Setúbal, Caldas da Rainha e cerca de 20 anos em Beja, Alentejo, procurando
levar os alunos a aprender o melhor da Língua e da Literatura Portuguesa, a partir das suas raízes
culturais. A Poesia Popular, as Canções, o Contos, as Lendas, os Provérbios e os usos e costumes, bem
como a maneira característica de FALAR (saudações, nomes, alcunhas, expressões regionais…) serviam,
normalmente, de base para aprender toda a gramática e “riqueza” da Língua e da Literatura.
Com mais de 20.000 páginas de Recolhas e Textos dispersos por mais de 200 obras alguma das quais
podem ser consultadas em http://www.joraga.net – um ESPAÇO na NET – aminhaTEIAnaREDE… desde
09.2002.
PUBLICAÇÕES
2006 – Junho – GRITOS NA SOLIDÃO – Décimas de Inocêncio de Brito, um Poeta
Popular de S. Matias, Beja, um Mestre ignorado e esquecido! – José Rabaça Gaspar
(coord.) Cremilde de Brito, Manuel de Sousa Aleixo – in www.e-libro.net
edondilh em LENDAS, por
2006 – Março – MANTEIGAS – uma Terra na Serra
Hermes do Zêzere (no prelo, na e-libro)
2005 – Novembro – O PASTOR – LENDAS do Pastor dos Hermínios, por Viriato dos
Hermínios, in www.e-libro.net
2005 – Março – “Que modas? …que modos? (actas do 1º. Congresso do
Cante Alentejano em Nov. de 1997)”, edição de FaialAlentejo, Horta, Faial,
Açores – colaboração com resumo da comunicação apresentada e participação em
debates.
2005 – Março – OS LOBOS DE MANIAMBA – Edição da Cart2326, recolha de
dados, organização, plano, digitalização e apresentação.
2005 – Março – Lendas de Moura, edição de “Moura Salúquia” AMCM* – Prefácio,
colaboração e apresentação. -*Associação das Mulheres do Concelho de Moura
2005 – Março – NOMINALIA, com o deNómio de Herminia Herminii, in www.elibro.net
2004 – Setembro – ALFÁTIMA, com o deNómio de José da Serra do Vale do Zêzere,
in www.e-libro.net
2004 – Maio – A MOURA, com o deNómio de José Penedo de Moura, in www.elibro.net
2004 – Abril – O Canto do CANTE – DEIXAS – as DÉCIMAS e os Poetas
Populares, colaboração regular, no Jornal “Há Tanta Ideia Perdida” da
Confraria do Pão, Alentejo, Alandroal, Terena…
2004 – Fevereiro – A SERPE, com o deNómio de José Penedo de Serpa, in www.elibro.net
2003 – A GUERRA68/70 – LOBOS DE MANIAMBA – Memórias da Guerra Colonial da
CART 2326 – Moçambique 1968/1970. (ver tb. In www.joraga.net com o
Cancioneiro do Niassa e Canções de Guerra contra a Guerra…)
2003 – Dezembro A COBRA, com o deNómio de José Penedo, in www.e-libro.net
2003 – Outubro – A FEIRA, com o deNómio de José Penedo de Castro, in www.elibro.net (ver em Poesia e Vanguardia)
384
2003 – Julho – A ILHA, com o deNómio de José D’A MAR, in www.e-libro.net (ver
em Poesia e Vanguardia).
2003 – Maio – A MAR, com o deNómio de José D’A MAR, in www.e-libro.net (ver
em Poesia e Vanguardia).
2003 – Fevereiro – Mértola – As Vozes do Silêncio – in www.joraga.net –
Alentejo – Mértola…
2002 – Lenda/s do Pastor da Serra da Estrela (5 EXEMPLARES impressão e
encadernação manual)
2002 – LENDA/s de ALFÁTIMA (5 EXEMPLARES impressão e encadernação manual)
2001 – Ceifeiro e Mil e Uma Noites – Grito do Índio, A LENDA do Pastor da Serra da
Estrela, e NOMINALIA (5 EXEMPLARES impressão e encadernação manual)
2000 – Dezembro – in Revista Arquivo de Beja – Vol. XV, série III – PRESÉPIO
– AUTO DE NATAL de S. Matias, Beja
1999 – Dezembro – in Revista Arquivo de Beja – Vol. XII, série III – Décimas
de Inocêncio de Brito – GRITOS NA SOLDÃO.
1998 – Agosto – in Revista Arquivo de Beja – Vol. VII e VIII, série III –
DÉCIMAS – Uma Linguagem Comum Ibero Americana
1997.01 – 1996.12 – SERPA edondilh EM LENDAS – Serpa Antiga – separata
de SERPA INFORMAÇÃO, 4º série, n.º 17 (12.000 exemplares).
1997 – Dezembro – in Revista Arquivo de Beja – Vol. VI, série III – MOURA –
10 LENDAS – UMA LENDA – A Moura Amor A Morte – A Magia ou a Utopia da
Convivência (im)possível.
1996 – Dezembro – in Revista Arquivo de Beja – Vol. II e III, série III –
INSTITUTO ALENTEJANO DE CULTURA (IAC/D).
1996 – Setembro – AUTO DA VISITAÇÃO (DO VAQUEIRO) –NATAL NA ESCOLA OU
A MAGIA DE TUDO RENOVAR – proposta de várias re/cr(i)eações. Ed. Da Escola
Secundária João de Barros, Corroios, (50 exemplares impressão e encadernação
manual).
1996 – Abril – in Revista Arquivo de Beja – Vol. I, série III – A/s LENDA/s do
TOURO E DA COBRA – Uma lenda de Beja?
1995 Abril / Maio – A/s FEIRA/s – A FEIRA DE CASTRO EM VÃS REDONDILHAS –
Brochura policopiada, (500 exemplares) ed. Escola Secundária João de Barros,
Corroios e Junta de Freguesia de Corroios.
1995 Abril / Maio – ILHA DO PESSEGUEIRO – A/s LENDA/s enCoANTADAS em
edondilhas – Edição policopiada (100 exemplares) Junta de Freguesia de
Corroios.
1995 – Março / Dezembro in LER EDUCAÇÃO Nºs 17/18 – Revista da Escola
Superior de Educação de Beja – A LITERATURA (CULTURA TRADICIONAL) e o
Desenvolvimento e a urgente criação de um INSTITUTO ALENTEJANO DE
CULTURA /DESENVOLVIMENTO.
1994 – Abril e Maio O CANTO DO CANTE – in Jornal Terras do Cante Ano I, 1ª série,
Nº 2 e Nº 3, Alcáçovas, Évora.
1987 (1989) – POETAS POPULARES DO CONCELHO DE BEJA – introdução,
selecção, Anexos e Estudo final, arranjo gráfico, paginação e trabalho em
processador de texto – Editora Câmara Municipal de Beja – Concelhia DGAEE
(Direcção-Geral de Apoio e Extensão Educativa, Beja, 1987.
1985 – Outubro, Évora – A Linguística e a Análise Literária como contributo
para o Desenvolvimento do Alentejo – in ACTAS do CONGRESSO SOBRE O
ALENTEJO, III volume, pp. 1127 – 1131
1957 – Desde o Curso de Filosofia e Teologia, imensos trabalhos publicados em
órgãos Regionais e da Escola e muitos preparados para publicação…
385
386
6.2.2 – Natália Quinta, de Clássicas, (estudo e teatro em
1991)
com o Professor de Filosofia e seus alunos do Secundário fizeram um
estudo e uma adaptação ao teatro que representaram em Beja, na
Casa da Cultura e em Corroios na Escola Secundária 1, (depois Esc.
Sec. João Barros), em Abril de 1991
387
388
6.2.3 - Ana Machado – Antropóloga – um testemunho
Lendas de Beja: o Touro e a
Cobra e Outras Lendas
José Rabaça Gaspar
Obra ainda não publicada
LENDAS
A obra Lendas de Beja – O Touro e
a Cobra e outras Lendas…, de José
Rabaça Gaspar, professor de
Literatura na Escola Secundária D.
Manuel I, em Beja, traduz-se num
trabalho de investigação minucioso
e preciso sobre muitas das lendas
e estórias maravilhosas que
marcam a identidade cultural das
gentes de Beja.
Levando a cabo quase dez anos de
recolha de lendas, a Lenda da
Cobra e do Touro é, sem dúvida, a
mais interessante e mais rica em
conteúdo, sendo contada de
múltiplas maneiras e com várias
versões. Nesta(s) estória(s) existe
quase sempre um predomínio do
touro sobre a cobra, podendo
representar, assim, uma vitória da
força e astúcia do touro sobre a
ruindade e ambição da cobra. O
imaginário da cultura portuguesa,
está carregado de evocações à
cobra como animal quase humano
capaz dos actos mais desprezíveis,
pelo que esta lenda não poderia
“fugir à regra”.
Seja como for, a verdade é que esta lenda ainda está viva, e com por- menores que se vão
recombinando consoante as versões, e expressa a ideia de um mito de origem que organiza
e marca a sua concepção do mundo envolvente.
Num tempo em que o conhecimento científico impera, todos os ensina- mentos baseados na
oralidade, os contos, os jogos, os cantares, as crenças e as lendas, passados de boca em
boca, de geração em geração, parecem estar ameaçados de esquecimento e à deturpação
dos seus significados.
Esta obra remete-nos para um conhecimento tradicional, assente na natureza e raiz popular
de um povo, colocando-nos perante um conhecimento dos antigos, dos ditos “analfabetos”,
que transportam consigo verdadeiras bibliotecas, sabedorias e segredos.
Ao transpor esta realidade para a escrita está-se a preservar um património vivo, rico, que
merece ser conhecido por todos. Daí que trabalhos como o de José Rabaça Gaspar devam
ser encorajados e dignificados, na medida em que a nossa cultura popular encerra ainda
muitos mistérios e desafios que vale a pena serem descobertos.
Ana Machado
Antropóloga
in “Imenso Sul”, Nº 17, Janeiro de 1999, p. 46
389
390
6.2.4 - In Arquivo de Beja – pela mão do Professor Doutor
José Orta
391
da Página 31 a 62
392
6.2.5 - O Touro e a Cobra vistos por artistas da tela e do
barro… Paizana… Isaclino…
Paizana – O Mestre dos Símbolos na Forma e Cor
Isaclino – o Mestre do Barro
393
394
6.3 Separatas
IMAGENS EXTRA
Com montagem de obras de vários
artistas & outras ideias
6.3 - Separata 1 – Touros Luz
6.3 - Separata 2 – Desenhos da obra
6.3 - Separata 3 – Estatuas Touro / Mulher Cobra
6.3 - Separata 4 – Pinturas – Picasso… Animalistas…
6.3 - Separata 5 – Pinturas (MIX)
6.3 - Separata 6 – TC mitologia
6.3 - Separata 7 – Desenhos Vários
395
396
6.3 - Separata 1 – Touros Luz
TOURO – ASTROS DE LUZ
397
398
6.3 - Separata 2 – Desenhos da obra
399
400
6.3 - Separata 3 – Estatuas Touro / Mulher Cobra
401
402
6.3 - Separata 4 – Pinturas – Picasso… Animalistas…
Touro e Cobra – Toureiros e Toiros… por vários artistas como Piasso…
403
404
6.3 - Separata 5 – Pinturas (MIX)
Touro e Cobra – Toureiros e Toiros… por vários artistas como Picasso…
405
406
6.3 - Separata 6 – TC mitologia
TOURO - MITOLOGIA
407
408
6.3 - Separata 7 – Desenhos Vários
TOURO E COBRA - vários
409
410
7 - ÍNDICE/s
Nota 22
mapa/s - pista/s de (re)leitura/s
7 - ÍNDICE/s
7.1 – Índice de índices e indícios…
7.2 – Índice, lista das GRAVURAS
7.3 - PLANO GLOBAL DESTA OBRA
7.4 – PLANO de possíveis Jornadas pelo ALENTEJO
7.5 – LINKs – Páginas da Internet com Lendas do Alentejo
7.6 – ÍNDICE GERAL (manual)
7.7 – ÍNDICE GERAL (com ligações)
2
Assim como a BIBLIOGRAFIA, o ÍNDICE, ou os ÍNDICES, também vão numerados. Porquê? Como já
foi dito anteriormente, eles fazem parte da ESTRUTURA DA OBRA tal como foi concebida; ou antes,
são eles, e sobretudo o ÍNDICE GERAL, que tenta mostrar toda a articulação como foi concebida e
estruturada a obra, ou melhor dizendo, como se foi estruturando a partir das primeiras ideais e sucessivas
escritas e rescritas. Os índices, sobretudo o índice, é, sem dúvida, uma proposta de LEITURA que,
evidentemente, pode ser recusada pelo leitor.
411
412
7.1 - índice de índices e indícios…
lista dos mais evidentes Índices indícios - indicadores - símbolos - simbólicas mitos - sonhos - desejos - valores - formas - figuras gestos - emblemas - signos ou sinais
ÁGUA
ÁGUIAS
ALENTEJO
ALENTEJANAS
ALENTEJANOS
ALMOLEIMAR
ANEDOTAS
ÁRABES
AREIA
ARENA
ARTISTAS
CANTE
CANTO
O elemento primordial… que há… que dizem que
falta no Alentejo…
as romanas? as reais? as águias - águias selvagens/livres... a sua grandeza! majestade! o
seu bico, as suas garras! a Águia rainha das aves,
Rainha das Montanhas, Rainha da Planície... e o
ancestral sonho humano de voar...
Um nome dado por conquistadores, colonizadores,
assumido ou que tem de ser assumido,pelos
habitantes do AQUÉM-TEJO…
O adjectivo que identifica um tipo de mulheres
raro, diferente, indomadas, indomáveis, sábias,
sofredoras… e muitas outras coisas como as
anedotas…
A definição de um tipo de pessoas únicas e
vulgares (invulgares) que conseguem ser normais
sendo poetas… artistas…
o valoroso lutador invencível nimbado com o seu
turbante que torna mais heróico o nosso herói...
de e sobre os alentejanos e os NOMES, AS
ALCUNHAS, OS MÁ - NOMES...
e os vestígios e mitos, os nomes, as lutas, as
lendas, os poemas...
da praia distante do Alentejo interior mas há mar
Alentejano que evoca o deserto? a imensidão do
mar? a cor da pele? tom árabe? cigano?
alentejano?...
e a sua forma circular... em espiral...
e as explicações ou as leituras cifradas do
indecifrável evidente...
A identificação de um tipo de CANTO único,
inimitável porque nasce da terra ou é a VOZ DA
TERRA cantada por pessoas…
A arte de se expressar que, no Alentejo, se chama
CANTE…
413
CANTORES
CARTAS...
CAVALOS
CIGANOS
COBRA
CONTADORES
CONTOS
COROS
CORTEJOS
CRESCENTE
CRUZ
DANÇA
DESFILES
DEZEDORES
ESTRELAS
FESTA
FOGO
FONTE
FREIRA
GRADES
GRITOS
GRITOS
Os intérpretes do CANTO / CANTE, que, no
Alentejo, se chamam CANTADORES…
Que aqui significam as CARTAS da FREIRA de
BEJA, os GRITOS de Mariana do Alcoforado… ou a
Poesia de Florbela Espanca… ou da Mulher
Alentejana…
Os animais que nos remetem para as sagas
heróicas de guerras antigas e antigos feitos…
Os ciganos e suas tradições, o velho cigano e a
sabedoria dos tempos e espaços, o cigano
Castanho e a cigana Mariana e sedução desejo de
liberdade na Natureza – Mundo...
a/s serpente/s da terra, do povo, da Bíblia, o dolo,
a prudência, a repugnância...
Os Mestres da Arte de CONTAR, com toda a magia
da harmonia dos sons e das palavras e dos sons...
e as lendas de encantar e os CONTADORES/AS de
HISTORIAS...
Os Grupos que interpretam o CANTE…
A manifestação colectiva de um povo em festa…
A LUA e a relação do Alentejo com os Árabes…
a religiosidade, as crenças, as crendices… as
bruxas...
A manifestação corporal mais expressiva dos
sentimentos, que é muito apreciada e realizada
nas comunidades ciganas e pouco conhecida nas
comunidades alentejanas…
Relacionados com cortejos e manifestações
populares…
Expressão atribuída aos MESTRES da POESIA,
especialmente aos analfabetos que criam e / ou
dizem DÉCIMAS…
Que, no Alentejo, brilham numa imensidão quase
sem fronteiras...
A expressão popular e colectiva da ALEGRIA e da
Amizade…
e o calor ardente do Sol que marca o Alentejo
esquecendo o frio...
A vida que brota do Ventre da Terra…
Ver o significado: irmã, e as grades, a prisão... o
convento... os muros...
Os gritos que pretendem derrubar as GRADES...
Há gritos aglutinadores: Por Sant'Iago... Por
Ala!...
De alegria! De angústia! De socorro... e as
GRADES que criam barreiras à liberdade, à
expressão, à comunicação...
414
IDADE DE OIRO
INDÍCIOS
INDOLÊNCIA
JARDIM
JOGOS
LIDADOR
LIVRO
LUTA
LUZ
MAIAS
MAGAS
MAGOS
MARIANA
MASTROS
MESTRE
MOURA
MOUROS
MÚSICA
PREGUIÇA
POETAS
POPULARES
POVO
PRAÇA
REINO DO MEDO
O reino feliz da convivência e entre – ajuda...
Os sinais, os signos, os símbolos... os mistérios
(in)decifráveis...
Ou a confusão com a força serena e indomável,
imparável...
As flores e as árvores; e os perfumes inebriantes
que encantam a vida...
A Arte de fazer coisas sérias a brincar…
O herói medieval e do romantismo...
Os livros e os autores, a busca das soluções nunca
encontradas...
Presente em todas as Lendas... Porquê?
Há ou não uma LUZ própria de cada Região?
Sempre diferente mas característica?! Por
exemplo a da planície?! E a do céu azul, diferente
de todas as luzes?!... A COR única...
As festas da Primavera...
Bruxas? Feiticeiras? Magas? as Boas? as Más?
Da Magia  Magia, ao Ilusionismo, até à Magia ou
Arte do quotidiano, como a de uma escola ligada à
vida e à sociedade sem escola; ou a busca
incessante e sempre insatisfeita de explicações
para o inexplicável...
a Mariana, a cigana, a Florbela, a Campaniça, a
mulher, a opressão, as leis justas...
as FESTAS JOANINAS e a/s Festa/s...
O/s Nome/s  apelidos frequentes nesta região e
o cargo ou mester... e o MESTRE nomeado
Regedor e Defensor do Reino... os Salvadores...
e...
A Moura encantada, a beleza distante, a
sedução...
Os Mouros. Os Árabes. Os Muçulmanos... A ideia
do árabe rico e os tesouros e os mistérios, a vida
faustosa...
Donde e porquê esta música e este CANTE
ALENTEJANO...
(vide indolência) e a ambiguidade entre preguiça e
obedecer ao ritmo da Natureza...
Ver a sua arte própria inimitável, popular; e
suspeita e intrigante para as artes eruditas...
Entidade abstracta? Concreta? Ver a revolução e o
caminho da sonhada e nunca alcançada
democracia...
Como lugar de encontro e cruzamento de
desencontros, de festa, de ritos...
O Reino da desconfiança da intimidação do
415
ROMANOS
SOLIDÃO
SOLIDÃO
SOLIDÁRIA
SOLIDARIEDADE
TERRA
TOURADA
TOURO
autoritarismo discricionário..
Ver as marcas do que permanece... com restos,
rastos de exploração e opressão... e de lições...
Fundamental para a preparação da gestação  do
acto criador
Ou o milagre de criar o impossível...
Indispensável para que o acto criador e eficaz
aconteça...
Por exemplo os barros vermelhos, a terra mais
produtiva para as searas que podemos ver como
Terra empapada em suor e sangue que lhe da
uma fecundidade única . ..
O seus ritos, rituais... o insólito possível..., a
contestação à sua desumanidade!, crueldade!....
O poder a fertilidade(a vaca) a força, a
abundância(o vitelo de oiro)... A força bruta que o
homem põe ao seu serviço...
AS MIL CARACTERÍSTICAS ÍNDICES E INDÍCIOS que faltam como
esta
arte
de
viver
alentejana,
indefinida?...
indefinível?...que
inquieta..., intriga... e desarma... os “estrangeiros” mesmo cá de
dentro, que se vingam em milhares de anedotas às vezes cheias de
significado..., outras, muitas, carregadas de uma raiva e de uma
malícia vingativa que, pretensiosamente ofensiva, ofende e retrata os
que pensam que servem para menosprezar os alentejanos... ver a
dignidade majestosa com que se veste de safões... pelico... capote...,
chapéu... cajado...; e como usa o tarro... o cajado..., o alforge ao
ombro..., o cocharro... o barro... a madeira... a casa própria do clima
e paisagem alentejana... a arte telúrica com que assumem a sua
indolência proverbial!? que talvez seja o sinal mais poderoso de
resistência e persistência, teimosia e poder criador que este povo
tem, respeitando as leis da Natureza e o seu ritmo e ciclo, sem lutas
inúteis e estéreis... mas de uma resistência ao trabalho insuperáveis
e duma resistência imbatível nas adversidades...; tão fraco e tão
poderosamente forte como a água que, quando não fura a pedra (e
muitas vezes fura)..., mesmo que lhe criem barreiras e barragens, ou
não as façam por negligência, maldade ou falta de visão... ele, ela
416
há-de
contornar
ou
derrubar
os
obstáculos,
irresistível,
imparavelmente, mesmo que pare algum tempo..., pior ainda se lhe
tapam todos os escapes!!!...
...tantas coisas tão simples e importantes que dariam para estudos
intermináveis e que estudados, conhecidos e rentabilizados para uso
e proveito deste Povo, abriria caminhos imparáveis de Progresso e
Desenvolvimento... e marcariam o fim da Colonização que está
estigmatizado no nome que os do Norte/ os Colonizadores? puseram
ao Além-Tejo... ou teriam sido os de Aquém do Tejo?...
417
418
7.2 - ÍNDlCE/s – lista das gravuras
Lendo Lendas de Beja ou só Lendas de Beja ou o Touro e a Cobra ou
O cigano Castanho e a cigana Mariana ou a viagem pelo Universo do
sonho do maravilhoso, do prodigioso... simples? intrigante? ...
001 Capa extra transparente
0
002 Touro e Cobra – marca de água – a repetir nas brancas
pares
003 Silhueta Touro Cobra
10
004 Touro Cobra sobrepostos
10
005 Acampamento dos ciganos
15
006 A dança da cigana
23
007 Letras a desenhar o Touro e a cobra (separador)
29
008 A dança do fogo ou das estrelas
35
009 Cobra e Touro – Bandarilheiro Touro
38
010 Touro e cobra em letras de imprensa…
43
011 A serpente domina a praça da cidade
49
012 A luta do touro e da cobra no castelo da cidade
55
013 Os touros rompem o cerco da cidade
87
014 A clareira dos magos escondida na floresta
107
015 A mistura dos símbolos sinais
125
419
016 A/s fonte/s
134
017 A fonte e a cobra
147
018 A moura encantada e a tímida donzela
171
019 A fonte das Cavadas
179
020 A Fonte a cobra e a Figueira
199
021 A cobra, a figueira e o moinho
211
022 A luta de morte do cristão e do mouro
221
023 O largo de Santa Maria da Feira com Castelo ao fundo
249
024 Mariana
263
025 Mariana e a janela donde se avista Mértola
281
026 A magia das décimas ou a quadratura do círculo
293
026b A magia das décimas ou a quadratura do círculo - manuscrito
294
027 No remanso de uma mansão romana
313
028 as Maias no centro de várias celebrações e lendas…
331
029 A Maia in DA
332
030 Contra Capa – montagem de touros e cobras – vários artistas…
436
420
7.3 - PLANO GLOBAL desta OBRA
PLANO GLOBAL e resumo do trabalho em disquetes e para rever o ÍNDICE
D lbj.
1
2
Pág.
Numeraç
ão
00
01
001-008
01ª
02
009-020
021-028
0.
0.0
03
029-042
1.
1.00
04
043-054
0.1.0
1.01
1.02
1.03
05
055-066
1.04
1.05
1.06
3
06
067-074
07
075-086
08
087-094
1.07
1.08
1.09
0.1
0.1.1
0.1.2
0.1.3
0.1.4
09
095-098
2
10
099-108
2.01
2.02
11
109-120
2.03
2.04
12
121-140
0.2.1
141-150
3
3.01
3.02
0.3
4
13
0.4.0
4.01
0.4.1
4
14
151-162
5
0.5
6
Título
bits.doc
(Modelo com desenhos e…)
Capa, 1 e 2, Ficha técnica, dedicatória e título da
introdução
…em viagem (introdução 1)
Beja e as lendas – Visão do cigano cego…
(introdução 2)
A LENDA DO TOURO E DA COBRA
O TOURO E A COBRA – V/00 – (A Lenda do TC
reconstruída)
As Lendas… e os contadores de histórias
O Touro e a Cobra v/01 – O touro vence a cobra…
O Touro e a Cobra v/02 – O touro é engolido pela
cobra…
O Touro e a Cobra v/03 – a população lança um
touro…
O Touro e a Cobra v/04 – a cobra é envenenada…
O Touro e a Cobra v/05 – A cobra engole um touro…
manada.
O Touro e a Cobra v/06 – A cidade é livre de um
ataque…
O Touro e a Cobra v/07 - … Touro azul
O Touro e a Cobra v/08 – A cobra fechada numa
paliçada.
O Touro e a Cobra v/09 – Leitor é a sua vez…
Pistas de leitura para as Lendas do Touro e da Cobra
As Lendas do TC e os Magos da Clareira da Floresta
Os Magos…
as pistas de leitura/s…
as possíveis formas de expressão
Disquete
Acumulação da disquete 1 e 2
LENDAS DA FONTE MOURO (com referências e
uma introdução)
Lenda da Fonte Moura, rescrita de M. J. Delgado
Lenda da Fonte Moura, Décimas de um anónimo, rec.
De M. J. D
Lenda da Fonte Moura, rescrita de Fernanda Frazão
Lenda da Fonte Moura, Oitavas de Edmundo
Belfonte
Encontro dos Magos na Fonte das Cavadas
O Cante das Fontes…
A FONTE DAS CAVADAS
A FONTE DAS CAVADAS 1ª versão
A FONTE DAS CAVADAS – 2ª versão
pequeno poema à Fonte das Cavadas…
A LENDA DA PRINCESA ENCANTADA EM
COBRA
A perplexidade dos ciganos
A PRINCESA ENCANTADA EM COBRA
reflexão magoada dos Magos…
322048
343040
Lendas e História ou Lendas Históricas? – Lidador,
1383, Mariana
Os Ciganos andarilhos… as Lendas e a História…
O LIDADOR (Dados Históricos)
421
bits. Disq
bits. Em
ac.
45056
101376
177152
988672
988672
116736
69632
201728
332800
193024
913920
913920
1902592
1902592
456704
2359296
2359296
27136
70144
112640
135680
111104
456704
49152
6.01
0.6
5
15
16
17
163-170
171-176
177-182
18
19
183-196
197-208
20
21
209-214
215-222
22
223-232
23
233-242
24
243-256
25
257-270
26
271-272
7.
0.7
8
8.1
8.2
8.3
0.8
08.1
9
0.9
10
0.10
10.01
10.02
0.10.0
0.10.1
0.11
0.11.1
0.12
0.12.1
0.12.2
0.12.3
0.13
A morte do LIDADOR – pelo Infante D. Pedro
Os Magos no alto do Castelo… ou o desafio de
Herculano…
A Revolução em Beja (1383/85) por Fernão Lopes
Os Magos na Torre do Castelo
MARIANA ALCOFORADO
Mariana… a realidade
Mariana… as cinco cartas… cinco gritos…
Mariana… a Lenda que se pode en/cont(r)ar…
Mariana… uma décima final
Os Magos na sala do Capítulo…
TAVONDE… Tem Avonde…
PISÕES
Pisões – os ciganos romanos?
AS MAIAS
As MAIAS e os MAGOS…
As MAIAS – AS FESTAS DA PRIMAVERA
AS MAIAS – 9 quintilhas de Maria Guiomar
Peneque… e os jornais…
O ressurgimento das MAIAS… ou a subversão!!!
LENDO AS LENDAS…
BIBLIOGRAFIA
BIBLIOGRAFIA ou A SOLIDÃO SOLIDÁRIA
ÍNDICE/s ou as PISTA/s para reenviar os leitores
Índice de índices ou indícios…
Índice de gravuras
Índice Geral
Confidência
Brinquedo de Miguel Torga – (Estrela de Papel)
Estrela no papel de José Penedo
PLANO GLOBAL (doc.27 em 2 pág. 183296)
422
33792
37362
33792
57856
333312
545266
545266
2904562
2904562
677744
3582306
37744
34816
47104
49152
68096
291840
528752
148992
677744
7.4 - PLANO de (possíveis) JORNADAS pelo ALENTEJO…
outras obras que enquadram esta:
- VIAGENS ATRAVÉS DO MARAVILHOSO
1ª jornada
ERA UMA VEZ NO ALENTEJO
VIAGENS ATRAVÉS DO MARAVILHOSO
DO CIGANO CASTANHO E DA CIGANA MARIANA
POR TERRAS DO AQUÉM TEJO
1ª partida: (uma incursão pelo mundo das lendas)
lendo LENDAS DE BEJA nas letras das estrelas
O TOURO E A COBRA e OUTRAS LENDAS
ou a humanidade a crescer para a liberdade
o maravilhoso fantástico no imaginário alentejano
autor: José Penedo, Penedo Gordo, Beja, 1988. 260p.
2ª partida: (uma digressão ou leitura através de Baladas)
A/s LENDA/s BALADAS do TOURO E DA COBRA
autor: José Penedo – o baladeiro, Penedo Gordo, Beja, 1992/1993/94.
3ª partida: (uma digressão através do Cancioneiro Medieval e Popular)
AS FONTES
AS LENDAS – O CANTO, O ENCANTO das FONTES
autor: José da Fonte Santa, Penedo Gordo, Beja, 1991/1993/94.
4ª partida – pistas de LEITURA (estudo, análise e propostas…) em elaboração.
5ª partida
Uma dramatização feita pela professora Maria Natália Quinta Queimada, com finalistas da
Escola Secundária Diogo de Gouveia, de Beja, Março e Abril de 1992 (com um VÍDEO);
Uma série de várias peças em barro do Mestre barrista, Isaclino, de Beja – a partir de 1986…(
propriedade da Câmara Municipal de Beja, e outras recriações em promessa ao autor destas lendas que
o mestre Isaclino considerou uma vez co-autor dessas peças!!!
6ª partida: (a partir destas experiências, em colaboração com outras entidades, escolas,
associações e grupos…, explorar várias formas de re/criação, representação, divulgação… até no
empedrado das ruas, peças de artesanato, música e bailado…)
2ª jornada
1ª partida
A FEIRA DE CASTRO – AS FEIRAS EM VÃS REDONDILHAS
A FEIRA DE CASTRO – AS FEIRAS – vista por um CIGANO CASTANHO andarilho de feiras,
penedo gordo – BEJA – 1987 /1991/1993/94
2ª partida – (um estudo das origens e linguagem da FEIRA a programar com entidades ou
pessoas de Castro Verde…)
423
3ª jornada
1ª partida: - LENDA/s da ILHA DO PESSEGUEIRO
autor: José d’A MAR, Aivados, verão de 1989, Penedo Gordo, Beja, Outono de 1989, Ilha do
Pessegueiro, Ano Novo de 1992, Penedo Gordo, Beja, 1993794
2ª partida: - A MAR
autor: José d’A MAR, Penedo Gordo,
edo, 1989- 1991- 1993/94
4ª jornada –
1ª partida
MOURA – lendo A/s LENDA/s
autor: José Penedo de Moura, Penedo Gordo, Beja, Outubro de 1986 – 1994
2ª partida
SERPA ENC(O)ANTADA em LENDAS
3ª partida
MÉRTOLA – as pessoas também falam… (Fátima Borges)
(um projecto a desenvolver com entidades e interessados da cidade de
MOURA para ??? trabalhos que podem ir da dramatização, à ilustração, à criação de
signos, símbolos… artesanato… divulgação…)
424
7.5 - Links –
com Páginas de lendas do Touro e da Cobra e outras lendas do
Alentejo…
LENDAS DO ALENTEJO
- http://www1.ci.uc.pt/iej/alunos/2001/lendas/index.htm
- http://www1.ci.uc.pt/iej/alunos/2001/lendas/alentejo.htm
Por Marta
Costa
Lendas do
Alentejo
LENDAS DO ALENTEJO
- http://orgulhoseralentejano.paginas.sapo.pt/index.html
Por Miguel Gaspar Roque
- http://orgulhoseralentejano.paginas.sapo.pt/lend_alet.htm
LENDAS E TRADIÇÕES
http://www.alentejolitoral.pt/PortalTurismo/ARegiao/LendasTradicoes/Paginas/LendaseTradicoes.aspx
Por alentejolitoral
Canto da Terra
http://www.cantodaterra.net/ct/site/lendas/default.asp?fpage=0&page=1&find=Todas%20as%20lendas
&findbox=0
Lendas de Évora
Lendas de
Beja
http://www.cantodater
ra.net/ct/site/lendas/d
efault.asp?fpage=0&pa
ge=1&find=%C9vora&f
indbox=8
http://www.canto
daterra.net/ct/site
/lendas/default.as
p?fpage=0&page=
1&find=Beja&find
box=13
ALENTEJO – TERRA MÃE – Fundação
6- Património
e Cultura
Imaterial / Os
Contos e as
Estórias
Alentejanas]
http://www.alentejoterramae.pt/index.php?lop=conteudo&op=274ad4786c3abca69fa097b8
5867d9a4
425
Obras com algumas lendas do Alentejo e eAlentejo com muito Alentejo…
Por joraga - http://www.joraga.net/pags/0obras00as6de2003_04.htm
joraga.dos1001deNÓMIOS
aminhaTEIAinterminávelnaREDEilimitada
um ANDARILHO em viagem pelas
7 partidas... 7 jornadas... 7 mundos... 7 mares... 7 temas... 7
espaços... 7 tempos...
JORAGA o acrónimo de JOsé RAbaça GAspar e outros mais de 1001 deNÓMIOS...
http://www.joraga.net/contos/index.htm
CONTOS & LENDAS
A ARTE DE enCANTAR
na LITERATURA POPULAR PORTUGUESA
por JORAGA o acrónimo de JOsé RAbaça GAspar e outros mais de 1001
deNÓMIOS.. -
contacto © joraga ®
http://www.joraga.net/eAlentejo/
eAlentejo alguns aspectos
de uma indentidade
«Caminhando e
cantando e seguindo
a canção…»
426
7.6 – ÍNDICE GERAL (manual)
ÍNDICE – MAPA – PISTA de re/ leitura/s que aparece aqui para o leitor se poder
orientar neste LIVRO
LENDAS DO ALENTEJO – lendo LENDAS DE BEJA – O TOURO E A COBRA e outras…
que é uma primeira PARTIDA da
VIAGEM DO CIGANO CASTANHO E DA CIGANA MARIANA ATRAVÉS DO
MARAVILHOSO POR TERRAS DO AQUÉM – TEJO que, depois de Beja, seguir(ão)iam
por outras terras e montes…
que pretende ser a PRIMEIRA JORNADA das
VIAGENS ATRAVÉS DO MARAVILHOSO DO CIGANO CASTANHO E DA CIGANA
MARIANA que passam por outras regiões e terras de Portugal e pelas Terras de
Santa Maria e Todo o Mundo…
0
0.0
1
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0.1.0
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1.09
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0.1.2
0.1.3
0.1.4
2
2.01
2.02
2.03
2.04
em VIAGEM
BEJA e A/s LENDA/s
O TOURO E A COBRA
O TOURO E A COBRA – versão 00
AS LENDAS DO TOURO E DA COBRA e os
CONTADORES DE HISTÓRIAS
O TOURO VENCE A COBRA – versão 01
O TOURO É ENGOLIDO PELA COBRA – versão 02
A POPULAÇÃO LANÇA UM TOURO PARA SE LIBERTAR
DA COBRA – versão 03
UM TOURO ENVENENADO, ENVENENA A COBRA –
versão 04
UMA MANADA DE TOUROS MATA A COBRA – versão
05
OS TOUROS VENCEM OS MOUROS – versão 06
UM TOURO AZUL DESCOBRE A CIDADE PERDIDA –
versão 07
O TOURO E A COBRA LUTAM NA ARENA – versão 08
A LENDA DO TOURO E DA COBRA… era uma vez…,
leitor, é a sua vez… versão 09 ou o recomeço…
AS LENDAS E OS MAGOS DA CLAREIRA ESCONDIDA
NA FLORESTA – com PISTAS DE LEITURA
AS LENDAS E OS MAGOS DA CLAREIRA ESCONDIDA
NA FLORESTA
PISTAS DE LEITURA
PISTAS para POSSÍVEIS FORMAS DE EXPRESSÃO
A/s LENDA/s DA FONTE MOURO
A LENDA DA FONTE MOURO – recolha de MJDelgado
A LENDA DA FONTE MOURO – Décimas de um
anónimo in ibidem
A LENDA DA FONTE MOURO – rescrita de Fernanda
Frazão
LENDA DE BEJA – A FONTE DA MOURA – oitavas de
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11
29
31
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101
103
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129
135
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151
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0.2.1
3
3.01
3.02
0.3
4
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4.01
0.4.1
5
0.5
6
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7
0.7
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8.2
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0.8
9
09
10
0.10.1
10.1
0.11
0.12
0.12.1
0.13
0.13.1
0.13.2
0.13.3
Extra1
Extra2
Extra3
Edmundo Belfonte
Encontro dos Magos na Fonte das Cavadas… sobre o
Fonte Mouro…
A/s LENDA/s da FONTE DAS CAVADAS
LENDA DA FONTE DAS CAVADAS - 1ª versão
LENDA DA FONTE DAS CAVADAS - 2ª versão
O CANTE DAS FONTES
A LENDA DA PRINCESA ENCANTADA EM COBRA
A perplexidade do Ciganos…
A PRINCESA ENCANTADA EM COBRA
A REFLEXÃO MAGOADA DOS MAGOS
AS LENDAS E A HISTÓRIA
Os ciganos andarilhos… as LENDAS e a HISTÓRIA…
O LIDADOR
A MORTE DO LIDADOR pelo Infante D. Pedro
Os magos no alto do castelo ou o desafio de
Herculano
A REVOLUÇÃO (1383/1385) em BEJA por Fernão
Lopes
Os Magos na Torre do Castelo
MARIANA ALCOFORADO – A FREIRA DE BEJA
A REALIDADE (?)  alguns dados…
AS CINCO CARTAS QUE FING(em)DORES
A LENDA QUE SE PODE EN/CONT(R)AR
Os MAGOS na SALA DO CAPÍTULO do CONVENTO
Aviso aos leitores
Vitória… Vitória…
TAVONDE
PISÕES
PISÕES  os ciganos romanos?
AS MAIAS
AS MAIAS e os MAGOS…
AS MAIAS  as FESTAS DA PRIMAVERA  A
FESTA…
Lendo as LENDAS
BIBLIOGRAFIA
BIBLIOGRAFIA ou a SOLIDÃO SOLIDÁRIA
ÍNDICE/s ou a/s PISTA/s para reenviar o LEITOR
Índice de índices… indícios…
Índice de gravuras
ÍNDICE GERAL
Confidência - 377
Brinquedo de Miguel Torga - 379
Estrela de José Penedo - 379
163
175
185
187
191
197
205
207
209
211
219
221
225
228
233
243
253
259
260
267
285
297
301
303
305
311
313
319
321
337
353
355
357
411
413
419
429
436
428
7.7 - ÍNDICE FINAL com ligações às páginas…
LENDAS DE BEJA................................................................................................................ 1
introdução ........................................................................................................................... 9
0 - em viagem.....................................................................................................................11
1 – A/s LENDAS/s DO TOURO E DA COBRA .......................................................................29
0.0 - B E J A E A/s L E N D A/s ..........................................................................................31
1 A/S LENDA/S DO TOURO E DA COBRA ...........................................................................43
1.00 - O TOURO E A COBRA -v. - 00...................................................................................44
0.1.0 - AS LENDAS DO TOURO e da COBRA E OS CONTADORES DE HISTÓRIAS .................65
0.1.0 - Quem conta um conto, acrescenta-lhe um ponto...” ......................................................67
1.01 - O TOURO E A COBRA – V/01 ...................................................................................69
1.02 - O TOURO E A COBRA – V/02 ...................................................................................71
1.03 - O TOURO E A COBRA – V/03 ...................................................................................73
1.04 - O TOURO E A COBRA – V/04 ..................................................................................75
1.05 - O TOURO E A COBRA – V/05 ...................................................................................77
1.06 - O TOURO E A COBRA – V/06 ...................................................................................83
1.07 - O TOURO E A COBRA – V/ 07 ..................................................................................91
1.08 - O TOURO E A COBRA – V/ 08 ..................................................................................96
1.09 - O TOURO E A COBRA - V 09.....................................................................................99
0.1.1 AS LENDAS E OS MAGOS DA CLAREIRA ESCONDIDA NA FLORESTA
PISTAS DE LEITURA 101
0.1.2 AS LENDAS E OS MAGOS DA CLAREIRAESCONDIDA NA FLORESTA......................... 103
0.1.3 pistas de leitura/s para as LENDAS do TOURO e da COBRA…................................. 113
2 - A/S LENDAS/S DA FONTE MOURO ............................................................................. 135
2 - A/S LENDA/S DA FONTE MOURO ............................................................................... 137
0.2.0 - Ligação entre as LENDAS… .................................................................................. 139
2 - DUAS LENDAS DA FONTE MOURO .............................................................................. 143
2.01 - A LENDA DA FONTE MOURO recolha de Manuel Joaquim Delgado ................................... 145
2.02 - A LENDA DA FONTE MOURO – (Décimas de um anónimo) ............................................. 151
2.03 - A LENDA DA FONTE MOURO (rescrita por Fernanda Frazão) .......................................... 157
2.04 - LENDA DE BEJA – A FONTE DA MOURA, por Edmundo Belfonte, ..................................... 163
0.2.1 - ENCONTRO DOS MAGOS NA FONTE DAS CAVADAS............................................... 175
2.2 - A/s LENDA/s DA FONTE DAS CAVADAS .................................................................. 185
2.2.01 - LENDA DA FONTE DAS CAVADAS – 1ª Versão ........................................................... 187
2.2.02 - LENDA DA FONTE DAS CAVADAS – 2ª Versão ........................................................... 191
0.2.2 - O
CANTE
DAS
FONTES .................................................................................... 197
429
2.3 - A LENDA DA PRINCESA ENCANTADA EM COBRA ..................................................... 205
0.2.3 A perplexidade dos ciganos... ................................................................................ 207
2.4.01 A PRINCESA ENCANTADA EM COBRA por Simplícia Maria das Dores, do Penedo
Gordo…........................................................................................................................... 209
0.2.4 - os magos pesarosos pelo sucedido decidem não reunir....................................... 211
3 - LENDAS ou HISTÓRIA................................................................................................ 219
0.3 - CIGANOS ANDARILHOS .......................................................................................... 221
3.01 - O LIDADOR............................................................................................................. 225
3.01.1 - A MORTE DO LIDADOR........................................................................................... 228
0.3.1 - OS MAGOS NO ALTO DA TORRE............................................................................ 233
3.02 - REVOLUÇÃO EM BEJA – 1383/1385 ............................................................................ 243
0.3.2 - ...os magos… observam agora a história, do alto da torre do castelo… ................ 253
3.03 - MARIANA ALCOFORADO - A FREIRA DE BEJA............................................................... 259
3.03.1- MARIANA ALCOFORADO – a história possível… ........................................................... 260
3.03.2 - MARIANA ALCOFORADO – as cinco cartas… .............................................................. 267
3.03.3 - MARIANA ALCOFORADO - A lenda que (se) pode (en)co(a)nt(r)ar... ............................ 285
0.3.03 - Os Magos na Sala do capítulo ............................................................................ 297
Aviso aos leitores…............................................................................................................ 301
VITÓRIA VITORIA ............................................................................................................. 303
TAVONDE... TAVONDO....................................................................................................... 305
4 - OUTROS SIGNOS ....................................................................................................... 309
4.1 - PISÕES ................................................................................................................... 311
0.4.1 - PISÕES – os Ciganos Romanos?!... ...................................................................... 313
4.2 - AS MAIAS ............................................................................................................... 319
04.2 - AS MAIAS E OS MAGOS ......................................................................................... 321
Era a FESTA! ................................................................................................................... 324
4.2.1 - AS MAIAS – AS FESTAS DA Primavera ....................................................................... 337
0.4.3 - NOTA FINAL – lendo LENDAS DE BEJA ................................................................. 353
5 - BIBLIOGRAFIA/s .......................................................................................................... 355
5.1 BIBLIOGRAFIA a referência às FONTES .......................................................................... 357
5.2 - BIBLIOGRAFIA – autores e livros… .............................................................................. 361
5.3 – ainda uma bibliografia viva… e o livro vivo…................................................................. 369
6 – EXTRAS ..................................................................................................................... 375
6.1.1 - CONFIDÊNCIA:....................................................................................................... 377
6.1.2 - B R I N Q U E D O (Miguel Torga) ............................................................................. 379
6.1.3 - E S T R E L A (José Penedo)..................................................................................... 379
6.2– EXTRAS – autor colaboração e apoios… .................................................................. 381
6.2.1
6.2.2
6.2.3
6.2.4
6.2.5
- bioBIBLIOGRAFIA DO AUTOR ................................................................................... 383
– Natália Quinta, de Clássicas, (estudo e teatro em 1991) ............................................. 387
- Ana Machado – Antropóloga – um testemunho ........................................................... 389
- In Arquivo de Beja – pela mão do Professor Doutor José Orta ...................................... 391
- O Touro e a Cobra vistos por artistas da tela e do barro… Paizana… Isaclino… ................ 393
6.3 Separatas.................................................................................................................. 395
6.3 - Separata 1 – Touros Luz ............................................................................................ 397
6.3 - Separata 2 – Desenhos da obra .................................................................................. 399
430
6.3
6.3
6.3
6.3
6.3
-
Separata
Separata
Separata
Separata
Separata
3
4
5
6
7
–
–
–
–
–
Estatuas Touro / Mulher Cobra................................................................. 401
Pinturas – Picasso… Animalistas… ............................................................. 403
Pinturas (MIX) ....................................................................................... 405
TC mitologia .......................................................................................... 407
Desenhos Vários .................................................................................... 409
7 - ÍNDICE/s................................................................................................................... 411
7.1 - índice de índices e indícios… ....................................................................................... 413
7.2 - ÍNDlCE/s – lista das gravuras ..................................................................................... 419
7.3 - PLANO GLOBAL desta OBRA........................................................................................ 421
7.4 - PLANO de (possíveis) JORNADAS pelo ALENTEJO… ........................................................ 423
7.5 - Links –..................................................................................................................... 425
7.6 – ÍNDICE GERAL (manual)............................................................................................ 427
7.7 - ÍNDICE FINAL com ligações às páginas… ...................................................................... 429
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432
Este trabalho foi acabado de realizar e
imprimir
1º por JORAGA Amstrad pcw8256
1º de Maio de 1989
Penedo Gordo, Beja
e posteriormente, por
@ JORAGA – C 486-66c – WinWord,
Hewlett Packard Desk Jet 550C
Penedo Gordo, Beja 1994/95
no Verão de 1995 e em Julho de 1998,
e finalmente em Setembro de 2008, Corroios, Seixal,
com todos os direitos reservados por:
JORAGA
em viagem...
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O TOURO E A COBRA – e outras LENDAS de BEJA
Viagens do Cigano Castanho e da Cigana Mariana através da fantasia
JRG 2008.07
lendo
LENDAS DE BEJA - O TOURO E A COBRA
e outras lendas
a ler nas letras das estrelas
ou
A HUMANIDADE A CRESCER PARA A LIBERDADE
ou
o maravilhoso fantástico no imaginário alentejano
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