Porque Gilberto Gil incomoda?

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Porque Gilberto Gil incomoda?
Porque Gilberto Gil incomoda?
(“Só quem sabe onde é Luanda, saberá lhe dar valor”)
Assisto, completamente pasma, às celeumas ainda existentes quanto à presença e atuação de Gilberto Gil no
Ministério da Cultura. O que querem os "insatisfeitos" além do que Gil vem fazendo e do que se propõe a
fazer, e para isso vem lutando bravamente em busca de recursos ? Luta vitoriosa, ressalte-se, pois o
orçamento do MinC para este ano dobrou.
Fico aflita só de imaginar Gil fora do Ministério. Seria uma perda colossal para o patrimônio cultural
brasileiro. Lembram dos versos “Só quem sabe onde é Luanda saberá lhe dar valor” ? Soam clarividentes,
agora. Se formos contabilizar os inúmeros ganhos com a presença e atuação de Gil no MinC, veremos o
quão a Cultura Brasileira avançou nestes três anos, não só no tocante às próprias iniciativas do órgão federal
mas sobretudo na capilaridade advinda daí. Numa rápida panorâmica sobre o cenário artístico-cultural do
país, registramos o número crescente de produções audiovisuais em todas as regiões, a importante criação
dos projetos Olhares do Brasil, Revelando os Brasis e DocTV, a recuperação de Museus Históricos, o Ano
do Brasil na França e agora a Copa da Cultura, agendada para a Alemanha, os muitos convênios de
cooperação assinados entre o Governo Brasileiro e governos de outros países, através do MinC,
possibilitando maior visibilidade aos nossos artistas e o intercâmbio entre a produção brasileira e a de outras
culturas, como França, Argentina e Portugal, para citar apenas alguns, e, o ápice de todas as ações, a criação
dos Pontos de Cultura, assim saudados por Augusto Boal, brilhante expoente do Teatro Brasileiro: "Ainda
tão jovens, espalhados por todo o Brasil, já oferecem a oportunidade de realizarmos a síntese cultural que
tantos de nós desejamos e pela qual lutamos. Uma política cultural humanística e democrática não pode
pensar no povo como mero receptor passivo dos bens culturais alheios: os Pontos de Cultura devem, podem,
e alguns já estão começando a promover essa troca, esse diálogo cultural que a todos enriquece”.
É de tal monta a credibilidade alcançada pelo MinC e o respaldo do Ministro, no país e no exterior, que a
mídia também tem-se mostrado uma "seguidora" afinada. Não é preciso muito esforço: basta sintonizar a
tevê em alguns dos canais da Rede Globo (já que as outras insistem em manter sua programação sem
condições de competir), qualquer dia da semana (seja na Tv Globo, na Globo News, no Multishow, no Canal
Brasil, no GNT ou no Futura), e você vai poder assistir a (pelo menos) uma reportagem (muito boa, diga-se
de passagem) realizada no Rio Grande do Norte, no Paraná, no interior de Minas, da Bahia ou do Ceará, em
Sergipe, no Maranhão, na região amazônica, enfim, todos os dias é possível encontrar interessantes matérias
sobre o fazer cultural do povo brasileiro nas mais diferentes partes do Brasil em canais de tevê de grande
audiência, coisa impensável há poucos anos. Os artesãos e artistas sempre estiveram em suas comunidades
de origem produzindo e suas criações sempre foram artigos valorosos, belos, originais, típicos produtos do
patrimônio imaterial. Mas essas criações nunca tiveram esse reconhecimento da mídia nem dos setores da
sociedade que a abastecem. Gostar de artesanato e arte popular durante muitos anos foi uma coisa menor. O
folclore era só uma data a merecer referência nas escolas. A produção dos artesãos, a não ser para pessoas
de sensibilidade especial, sobretudo os Artistas, sempre passou despercebida, tida como azeitona de empada
pra turista ver e levar de lembrança do exótico brasileiro.
As coisas mudaram e continuam mudando, felizmente de forma intensa, e hoje produtos do mais popular,
mais brejeiro, bonito e simples artesanato nacional são considerados relíquias, com preços reveladores de
sua relevância, ocupam escritórios de grandes empresas e salas de luxo da alta sociedade brasileira. Isso é
simbólico da inestimável contribuição de Gilberto Gil para um novo patamar de atenção, respeito e
dignidade para o Artista Brasileiro.
Se hoje os negros e os índios ocupam espaços importantes na mídia, atores negros ganham papéis relevantes
em filmes e telenovelas, representantes da cultura popular estampam capas e páginas das mais diversas
revistas, publicações novas com este viés valorizador das manifestações culturais próprias dos nossos
artistas quase anônimos surgem a cada dia, tudo isso deve-se ao enorme capital artístico do ministro Gilberto
Gil e sua ampla visão de Cultura. Ao fazer de sua prática no ministério da Cultura o exercício cotidiano do
que sempre pregou enquanto Artista, Gilberto Gil trouxe consigo o mais alto grau de reverência aos artistas
brasileiros de todas as etnias, credos e vertentes; instituiu a Geléia Geral da Cultura Brasileira, ensinandonos que "Uma vez que existe só para ser visto, se a gente não vê não há..."
E além de ter-nos ensinado este simples exercício de VER, Gil - com seu enorme carisma, sua visão macro
da Cultura, como elemento fortalecedor da Cidadania (a Cultura como economia, formação, renda, elemento
de inserção social e até a forma como é encarada dentro da própria instituição pública), talento para revelar
o Belo, e a inegável fortaleza de sua trajetória artística -, vem construindo de forma intensa, democrática,
indormida e constante um mandato exemplar de autêntico Homem da Cultura e gestor da cultura como
política social relevante. Com ele, o Ministério ganhou visibilidade mundial e deixou de ser apenas um birô
acéfalo nos corredores de Brasília. Nestes três anos, Gilberto Gil proporcionou a todos os artistas e
produtores de Cultura do Brasil uma Dignidade de tratamento e um respeito jamais alcançado por nenhum
outro titular da pasta. Faço minhas as palavras de Wagner Carelli (em ótima matéria publicada na recémlançada Raiz): "O ministro Gilberto Gil demonstra na gerência e na política a mesma desenvoltura
confortável que exibe, em qualquer lugar ou situação, o artista brasileiro de maior reconhecimento em todo
o mundo".
Agora, o seu Salustiano, grande rabequeiro de Pernambuco, não é mais apenas o seu Salustiano. Ele é o
Mestre Salu, respeitado em qualquer parte do país e do mundo como um dos grandes mestres do seu ofício.
O coco cantado e dançado em tantas partes do Nordeste ganha espaços para se apresentar com dignidade; o
boi-bumbá do Maranhão adquire a visibilidade que deveria ter tido sempre; as festas do Divino se espalham
cada vez mais bonitas em várias partes do país; as alfaias e batuques dos maracatus se misturam e vão
gerando outros sons, proliferando-se em apresentações diversas de vários grupos das novas gerações; as
congadas ganham reforço e muitas são recuperadas, aumentando nosso capital artístico; o candombe das
Minas Gerais se potencializa e o parafuso de Sergipe começa a sair do escuro no qual foram colocadas
tantas manifestações herdadas dos negros.
Ao parecer absurdo ainda para grande fatia da sociedade brasileira essas novas dimensões para a Cultura
Brasileira, mais crucial torna-se a ação rotineira do ministro, potencializando uma riqueza típica de grandes
parcelas da população menos favorecida do país, jogando holofotes iguais para os já consagrados (e
fundamentais) e para manifestações tão vigorosas e importantes de um país ainda muito injusto por suas
dimensões continentais e o descaso sempre dado aos nativos dos grotões. Se incomoda a tantos o feixe de
ações desenvolvidas para ressaltar o novo, o excluído, o principiante e o antigo com a mesma dignidade,
errados estão os que não querem enxergar a força inegável das atitudes do ministro Gilberto Gil. Como ele
mesmo cantou de forma tão linda: “Eu como devoto trago um cesto de alegrias de quintal...”
Clarificando de forma inconteste a força da Cultura Brasileira, sobretudo do ponto-de-vista político,
Gilberto Gil, neste ano eleitoral, deverá ainda mais ser atacado pelos que temem o poder de sua presença e a
amplitude de suas palavras e ações. Gil tem incomodado tanto porque está na contramão dos que sempre
“tiveram” o poder de direcionar os rumos da práxis cultural brasileira. Ao contrário do que muitos diziam,
não voltou seus olhos apenas para a Música, não privilegiou só os amigos, não criou guetos em sua pasta.
Estabeleceu frente ao Ministério o mesmo modelo que sempre pautou sua conduta artística: beber na fonte
da imensa riqueza cultural do país, redimensioná-la e exibi-la ao mundo como Patrimônio a ser preservado
para a saúde física e mental da Humanidade. Salve GIL !
Aurora Miranda Leão é atriz, jornalista e produtora cultural cearense.

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