O que é ergonomia:

Transcrição

O que é ergonomia:
CURSO DE ESPECIALIZAÇÃO EM ENGENHARIA
DE SEGURANÇA DO TRABALHO
DISCIPLINA: M5 D3 – ERGONOMIA
GUIA DE ESTUDO DA AULA 64
CONCEITOS BÁSICOS SOBRE ERGONOMIA APLICADA AO
DESENVOLVIMENTO DE PROCESSOS.
PROFESSOR AUTOR: Drª Pia Coeli Rosciano
PROFESSOR TELEPRESENCIAL: Drª Pia Coeli Rosciano
COORDENADOR DE CONTEÚDO: Engº Josevan Ursine Fudoli
DIRETORA PEDAGÓGICA: Profa. Maria Umbelina Caiafa Salgado
20 de novembro de 2012
1
APRESENTAÇÃO DA DISCIPLINA: ERGONOMIA
O desenvolvimento desta disciplina está organizado em quatro partes, nas quais serão
tratados os seguintes conteúdos:
Parte I: Introdução à Ergonomia: Introdução. Conceitos. Correntes de Ergonomia. Análise
Ergonômica e Intervenção Ergonômica. Aspectos biopsicossociais na saúde ocupacional.
Mecanismos de defesa que podem levar às somatizações. Ergonomia nos equipamentos de
proteção. Movimentação e transporte de ferramentas. Salas de descompressão: um oásis no
trabalho. Harmonia nas relações sociais. Motivação para a luta pela prevenção. Referências
bibliográficas.
Parte II: Estudos Ergonômicos: Histórico da Ergonomia. Definições de ergonomia. A
multidisciplinaridade da ergonomia. Norma Regulamentadora NR 17 de Ergonomia.
Diagnóstico ergonômico. Análise do Ambiente Físico. Agentes ambientais segundo a NR 17.
Agentes ambientais na avaliação ergonômica. Elaboração de questionário. Referências
bibliográficas.
Parte III: Conceitos e prática ergonômica. A questão ergonômica. Replanejando o trabalho.
Análise Ergonômica do Trabalho. Processos de organização do trabalho. Divisões teóricas da
ergonomia. Contribuições ergonômicas. Biomecânica ocupacional. Ergonomia cognitiva e sua
aplicação. Norma Regulamentadora 17 e seus Anexos. Ergonomia e projeto (ergonomia de
concepção). Referências bibliográficas.
Parte IV: Conceitos básicos sobre ergonomia aplicada ao desenvolvimento de
processos. Metodologia de análise ergonômica do trabalho. Análise da demanda. Análise do
funcionamento da empresa, do processo produtivo e da força de trabalho. Análise global da
atividade. Pré-diagnóstico. Análise sistêmica. Diagnóstico. Recomendações. Análise
ergonômica da tarefa. Abordagem sistêmica. Técnicas de análise ergonômica da tarefa.
Componentes das atividades do homem no trabalho. Considerações sobre os mecanismos
fisiológicos do trabalho muscular. A ergonomia e o Homem. Pontos centrais da ergonomia.
Trabalho real e trabalho prescrito. Antropometria. Biomecânica. Conceito de Observação
participante. A Entrevista direta. Fases da metodologia da Análise Ergonômica do Trabalho.
Modelos de atividades de trabalho futura. Referências bibliográficas.
2
O Calendário atualizado da Disciplina Ergonomia encontra-se no quadro a seguir.
o
2012 Guia de
aulas Estudo
Textos Complementares de Leitura Obrigatória
N
Lista
Exercí
cios
Ergonomia: um estudo sobre sua influência na produtividade.
30 out
Acessar o site:
Parte I http://www.revistasusp.sibi.usp.br/scielo.php?pid=S1809-
61
22762009000400006&script=sci_arttext
NR 17 – Ergonomia. Acessar o site:
06 nov Parte II http://portal.mte.gov.br/data/files/FF8080812BE914
62
E6012BEFBAD7064803/nr_17.pdf
Análise ergonômica de postos de trabalho de caixa
de banco (BANRISUL)
13 nov Parte III
http://www.ergonomianotrabalho.com.br/analiseergonomica-caixa-de-banco.pdf
Análise ergonômica do trabalho do pedreiro: o
assentamento de tijolos. Universidade
Tecnólogica Federal do Paraná. 1998. Acessar o
20 out Parte IV site abaixo:
63
64
http://www.dominiopublico.gov.br/download/texto/cp078
950.pdf
Objetivos da aprendizagem:
 Conceituar as etapas da metodologia ergonômica do trabalho.
 Conhecer as técnicas de análise ergonômica da tarefa.
 Descrever a biomecânica ocupacional.
 Conceituar os mecanismos fisiológicos do trabalho muscular.
 Descrever a análise global da atividade ergonômica.
3
INDICE
1. A ERGONOMIA E O HOMEM .................................................................... 05
2. PONTOS CENTRAIS DA ERGONOMIA ...................................................... 06
3. TRABALHO REAL E TRABALHO PRESCRITO ............................................
08
4. ANTROPOMETRIA E BIOMECÂNICA ........................................................
08
5. OBSERVAÇÃO PARTICIPANTE ..............................................................
13
6. A ENTREVISTA DIRETA ......................................................................
15
7- FASES DA METODOLOGIA DA ANÁLISE ERGONÔMICA ............................
16
8. MODELOS DE ATIVIDADES DE TRABALHO FUTURA ..............................
21
9. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ...........................................................
25
10. ANEXO 1 .........................................................................................
4
27
AULA 64
CONCEITOS BÁSICOS SOBRE ERGONOMIA APLICADA AO
DESENVOLVIMENTO DE PROCESSOS
1. ERGONOMIA E O HOMEM
A ergonomia estuda diversos aspectos do comportamento humano, em particular os fatores
presentes em uma situação real de trabalho ou convivência geral com o objetivo de intervir
modificando, inovando e, se possível, melhorando essa situação através do desenvolvimento de projetos.
Já vimos em aulas anteriores que a Ergonomia é o estudo do relacionamento entre o homem ou um
coletivo de seres humanos, em seu trabalho com máquina, em ambientes diferentes, lidando em
Organizações com variados tipos de informações, como mostra a figura abaixo:
MEDIÇÃO
AVALIAÇÃ
O DE
DESEMPE
NHO
MÁQUINA
FERRAMEN
TAS DE
TRABALHO
MEIO
AMBIENTE
FÍSICO
RELAÇÕES
ENTRE AS
PESSOAS
MÉTODO
INSTUÇÕES
SOBRE
COMO
FAZER
FLUXO DE
PRODUÇÃO
LAY OUT
MATÉRIAPRIMA
MÃO –DEOBRA
CAPACITAÇÃ
OE
CONHECIME
NTO/, SAÚDE
Fig. 1 – Fatores que giram em torno do trabalho
O Homem participa com suas características físicas, fisiológicas, psicológicas e sociais, inseridas
em uma determinada situação.
Entende-se por Máquina todos os objetos ou ajudas materiais que estão sendo usadas em
determinada situação, como ferramentas, mobiliário, instalações etc.
5
O Ambiente é o físico que envolve o homem na situação de trabalho e nas condições de
temperatura, umidade, ruído, vibrações, cores, luz, gases, agente poluente e outros.
A Informação refere-se às qualidades ou deficiências na transmissão de conceitos importantes
para o funcionamento do sistema em situação real que condicionam a tomada de decisões. Ao se falar de
comunicações, estamos nos referindo às comunicações escritas (manuais), verbais (diálogo), gestuais e
formais (textura, relevos, cores, subtração ou adição em volumes etc.).
A Organização é o conjunto de regras formais ou informais pré-estabelecidas, com base nas
quais se espera deva acontecer o comportamento dos seres humanos na situação real determinada.
Nos estudos ergonômicos, aplicam-se conhecimentos de anatomia, fisiologia, psicologia da
cognição e sociologia (psicopatologias, relacionamentos interpessoais) para a solução de problemas que
possam advir desses relacionamentos.
2 – OS PONTOS CENTRAIS DA ERGONOMIA
Todos os fatores supracitados, além de outros, estão presentes nas situações de trabalho e não
devem ser abordados isoladamente. As questões tratadas em ergonomia dizem respeito às relações entre
coisas e não de coisas separadas.
O ponto central da Análise Ergonômica do Trabalho (A.E.T) é a análise do fazer, da atividade
real de trabalho que se desenvolve em um dado momento e é determinada ou condicionada pelas normas
de trabalho, o ambiente físico e o mobiliário, as formas de comunicação etc.
Para definir e dimensionar um projeto de local de trabalho é preciso antes entender a situação
real de trabalho, ou seja, o que esta atividade realmente representa com todos os fatores atuando
positivamente ou negativamente na sua conformação.
Esta compreensão é que irá nos ajudar a definir as diretrizes de projeto e evitar que se cometam
os mesmos erros do projeto anterior. Não se pode desenvolver uma análise ergonômica e definir
intervenções com base em uma definição de local de trabalho utópica: como a atividade de trabalho
deveria ser (situação ideal). Esta é a principal causa dos erros de projeto que criam péssimas condições
de trabalho.
A segunda maior causa é a análise superficial dos fatores que compõem uma situação real de
trabalho. Por este motivo o primeiro passo na A.E.T é proceder a uma análise minuciosa das situações
reais de trabalho e avaliar a contribuição de cada um dos fatores e os problemas e desvios que geram na
situação de trabalho analisada. Somente a partir desta ponderação é que são estabelecidas as premissas
da análise e a forma de intervenção capaz de eliminar, ou pelo menos, minimizar esses problemas
chamados em ergonomia de variabilidades do sistema de produção.
Variabilidades são inadequações no processo de trabalho que não se consegue controlar
inicialmente e geram:
6




perda de produção e de eficiência;
retrabalho,
aumento da densidade da carga de trabalho,
stress e doenças ocupacionais.
Estes tópicos são os principais padrões de queixas e problemas apresentados ao ergonomista e
aos quais, após a análise e estabelecimento de diretrizes de projeto, se espera dar uma solução.
Observa-se, porém, que estes tópicos (doenças ou perdas de produtividade) são apenas os efeitos
dos problemas e não as causas. Estas devem ser determinadas analisando-se as condições reais de
trabalho.
Este procedimento metodológico é o primeiro e mais importante da A.E.T. e é chamado de
ANÁLISE DA DEMANDA.
GEOGRAFIA
MEIO AMBIENTE
MÃO-DE-OBRA
MÉTODO
EFEITO
PROBLEMA
FLUXO
MEDIDAS
MATÉRIA-PRIMA
RELAÇÕES PESSOAIS
Os fatores apresentados no diagrama acima, conhecido como espinha de peixe ou de causa e
efeito, são algumas das causas mais comuns de problemas nas situações reais de trabalho. Da análise
situada podem aparecer muitas outras como, por exemplo, falhas de comunicação.
A contribuição positiva ou negativa de cada um dos fatores depende da situação de trabalho
analisada e irá variar a cada estudo de caso. É interessante ponderar e atribuir notas ou pesos para cada
fator e apresentar os resultados ao contratante do serviço de A.E.T.
Ferramentas estatísticas como o gráfico de PARETO, gráfico de barras, ou método G.U.T.
podem ser utilizadas para apresentar os resultados e ponderações da análise da demanda (exemplos em
anexo).
Para se fazer uma análise ergonômica, utiliza-se uma ferramenta metodológica da sociologia, a
“análise da ação situada”, tanto para a realização de projetos de:

reforma (ergonomia de correção), quanto para
7

projetos novos (ergonomia de concepção).
Quando se tratar de uma análise ergonômica de concepção é importante estabelecer situações
similares à que se pretende atuar como referência, analisá-las em seus aspectos positivos e negativos
antes da formulação das diretrizes do novo projeto. Esta ferramenta, em engenharia de produção é
conhecida como benchmarking.
Quanto mais bem feita for a análise das situações de referência e maior for a compreensão e
riqueza de detalhes mais fácil ficará fazer a transposição, com os devidos ajustes e correções sociais e
tecnológicos, para a nova situação de projeto.
A metodologia de Análise Ergonômica do Trabalho será explicada de forma mais detalhada no
tópico específico.
3 – TRABALHO REAL E TRABALHO PRESCRITO
A Análise Ergonômica do Trabalho tem como pressuposto que haverá sempre uma diferença
entre o trabalho que é realmente feito por cada trabalhador ou coletivo de trabalho (trabalho real) e
aquilo que o trabalho deveria fazer (trabalho prescrito), conforme as regras de funcionamento
estabelecidas durante o projeto de funcionamento do sistema.
Esta distância é provocada pelas variabilidades do próprio processo produtivo.
Em última instância o objetivo final de toda análise ergonômica é determinar intervenções que
possam eliminar ou pelo menos minimizar e tornar controláveis as variabilidades.
Este é um processo de monitoramento e melhoria contínua do processo produtivo (meios de
trabalho, ferramentas, máquinas etc.) e do trabalho humano (capacitação, treinamento, saúde etc.).
Em síntese, a A.E.T. pretende diminuir a distância entre trabalho prescrito (tarefa) e o trabalho
real (atividade).
Para atingir este objetivo, estabelece princípios metodológicos de intervenção que alcançam
resultados favoráveis através da participação e validação de informações e resultados por parte de
todas as pessoas envolvidas com o processo de produção ou situação de trabalho analisada.
4 – ANTROPOMETRIA E BIOMECÂNICA
As origens pré-históricas mostram que os antigos escolhiam a forma de uma pedra que melhor se
adaptava à anatomia de suas mãos, para lançamento à distância. Com relação à caça de animais, as
pedras lascadas pontiagudas eram usadas como arma.
No Brasil, os estudos de ergonomia têm sua origem intimamente relacionada com o
aparecimento de novos padrões de adoecimento ligados à reestruturação produtiva das indústrias e
serviços: a introdução e expansão de tecnologias de automação e informatização.
8
Estas doenças são principalmente as L.E.R. (lesões por esforços repetitivos) que
institucionalmente tiveram a designação alterada para D.O.R.T (distúrbios ósteo musculares
relacionados com o trabalho). São tenossinovites, tendinites, distensões musculares, alterações e
desgastes ósseos provocados pela adoção de posturas e realização repetitiva de movimentos inadequados
durante a realização das diversas atividades de trabalho.
Estas doenças, porém, são muito antigas e muito antes dos digitadores já acometiam lavadeiras,
costureiras, pianistas, marceneiros entre outras categorias de trabalhadores.
Esta associação dos estudos de ergonomia, como forma de solucionar as posturas incômodas dos
digitadores, leva as pessoas a interpretarem a A.E.T. apenas como um estudo de antropometria e
biomecânica, voltado a dar sugestões de correções posturais e modificações no projeto do mobiliário.
De forma resumida, a antropometria é o estudo das medidas corpóreas de uma população para
criação de padrões dimensionais aplicáveis em projetos, enquanto a biomecânica é o estudo dos
movimentos e seqüências de operações durante a atividade de trabalho.
Ambas são partes importantes, embora não exclusivas, dos estudos de ergonomia. Servem para
dimensionar o desgaste físico do trabalhador ou usuário durante o desempenho de suas atividades.
Para dimensionar o desgaste físico é preciso considerar também outros fatores: condições
ambientais, hábitos alimentares, descanso e horas de sono, o tempo e o ciclo de trabalho.
No dimensionamento do desgaste físico, mental e psíquico das pessoas relacionados às condições
de trabalho, fatores não físicos, mas organizacionais, sociais e culturais devem ser avaliados.
Na elaboração de pesquisas antropométricas, deve-se verificar a definição exata das medidas e as
características da população em que a amostra foi baseada. A amostragem deve ser significamente
representativa da população em estudo.
As dimensões antropométricas podem variar segundo as etnias, a época em que se realizou a
amostragem, a sociedade etc. A maior diferença ocorre entre as mulheres.
Projetos realizados em outros países nem sempre se adaptam ao biotipo brasileiro, conforme
mostra a tabela a seguir.
9
Figura 2 – Quadro de biótipos de vários países
No uso de dados antropométricos, deve-se verificar qual a tolerância aceitável para acomodar as
diferentes dimensões encontradas na população de usuários. Devem-se considerar as possibilidades de
ajustes estáticos, dinâmicos e funcionais. Os objetos podem ser dimensionados para a média da
população (50%) ou para extremos (5% ou 95%).
No estudo antropométrico, devem-se verificar os pontos abaixo:
•
•
•
•
•
•
•
Projetos para o tipo médio (este indivíduo não existe).
Projetos para os extremos (economicamente inviáveis)
Projetos para o indivíduo (é artesanato e não design industrial, produção seriada)
Projeto para faixas de população.
Adequação do objeto à função.
Considerar necessidades de variação de postura e
Possibilidades de usar apoios, conforme mostra a figura a seguir
Figura 3 – Uso de apoio ergonômico
10
É importante calcular o intervalo de confiabilidade desejado, conforme mostra a figura a seguir.
Figura 4 – Intervalo de confiabilidade
A cadeira e a mesa devem ser compatíveis, em termos de altura e ajustes, conforme mostra a
figura a seguir.
Figura 5 – Dimensões recomendadas de altura para mesa/cadeira
A altura da bancada deve levar em conta a altura do cotovelo, para trabalho em pé e do tipo de
trabalho que o trabalhador executa, como mostra a figura a seguir:
11
Figura 6 – Alturas recomendadas para trabalho em pé.
•
Estatisticamente, as medidas antropométricas seguem uma distribuição normal ou curva de
Gauss, conforme mostra a figura a seguir:
Figura 7 – Medidas antropométricas seguem a curva de Gauss
Finalmente, um posto de trabalho bem planejado deveria possuir um raio de alcance de todos os
comandos, na posição de trabalho, conforme mostra a figura a seguir (no caso, na posição sentada):
12
Figura 8 – Posto de trabalho com alcance angular
5 – OBSERVAÇÃO PARTICIPANTE
Sob o ponto de vista metodológico, a Análise Ergonômica do Trabalho utiliza métodos de
análises qualitativos que têm origem na sociologia e antropologia.
A observação participante é uma técnica de coleta de dados, capaz de fornecer uma
compreensão abrangente de relações sociais construídas a partir de interações entre indivíduos, e entre
esses e seu ambiente físico-organizacional. Ressalta-se que situações de trabalho são relações sociais e
que somente uma abordagem sociológica pode esclarecer certos aspectos da diferença entre trabalho
prescrito e trabalho real.
Poderia se chegar a afirmar que o trabalho real é o resultado da interpretação que as pessoas
envolvidas num processo de trabalho têm da prescrição. Logo, para entender os problemas e distorções
que ocorrem no processo, é preciso entender como as pessoas “vêem” o seu próprio trabalho.
A observação participante estabelece que o pesquisador, para ter uma correta interpretação das
relações sociais, deve “ir a campo e ver o mundo através dos olhos do pesquisado”. Somente deste
modo, com uma imersão total em uma realidade diferente da sua própria, conseguirá captar o sentido
encoberto da ação humana e entender o caráter peculiar dos seres humanos, seus comportamentos
quando convivem em grupo.
Certas distorções, alguns comportamentos, podem parecer ao pesquisador, absurdos e
inimagináveis, irracionais. Mas sempre existirá uma explicação quando analisados dentro de um
contexto social e de relações humanas reais.
Observação é uma palavra que pressupõe uma atitude passiva do pesquisador. Observar é uma
atividade de alguém que não está envolvido com o problema que está ocorrendo. È interessante o não
envolvimento, a princípio, para a garantia de objetividade e neutralidade do pesquisador frente ao
problema que observa.
Participante é um particípio presente cujo significado é o oposto do que foi dito acima sobre a
observação. Só se compreende o porquê de certos comportamentos humanos e sociais quando se
13
consegue assumir o papel do outro, se colocar no lugar do outro com todas as suas limitações de
conhecimento, poder de ação, recursos disponíveis, emoções e necessidades, que são sempre diferentes
daquelas do pesquisador.
O pesquisador precisa entender esta realidade antes de intervir, ou poderá incorrer no erro das
metodologias não participativas tradicionais de estabelecer padrões e regras a partir da sua realidade de
vida, seus conhecimentos e sua vida social.
A partir do momento que o pesquisador se dispõe a assumir o papel do outro e conviver um
pouco dentro daquela realidade deixa de ter uma atitude meramente passiva, pois mesmo que a inserção
social não seja total, passará a fazer parte daquele contexto. Passará a existir uma relação face a face,
haverá um compartilhamento de experiências e um envolvimento maior com o seu objeto de pesquisa.
Logo, a observação participante é um instrumento de pesquisa capaz de captar certos tipos de
informação que o pesquisador jamais teria como saber se estivesse à distância. E, quanto maior o tempo
de convívio, maior a compreensão da realidade e maior será o papel ativo do observador-pesquisador
na modificação do contexto.
A Observação Participante é uma forma de modificação do meio pesquisado, porque pressupõe
trocas de informação e diálogo. Tudo o que o pesquisado diz pode ser validado observando em situação
real de trabalho o que ele efetivamente faz. Divergências de informação podem ser corrigidas e
redimensionadas.
O pesquisador modifica o contexto, em primeiro lugar porque, ao perguntar às pessoas sobre o
que fazem e como fazem, produz uma reflexão sobre determinadas ações e comportamentos que se
tornaram automatismos inconscientes ou conformismo com certos problemas que já eram dados como
insolúveis e normais.
Um segundo nível de intervenção do pesquisador acontece quando, ao ver um problema
ocorrendo e tendo compreendido a causa do mesmo, passa a sugerir modificações, leva conhecimento,
troca idéias antecipando futuras transformações que poderão ocorrer (pré-treinamento).
Existem dois grandes riscos na utilização deste método de pesquisa:
-o risco de obliteração dos dados por contaminação ideológica, sócio-cultural, emocional ou
normativa. Isto ocorre quando o pesquisador projeta seus próprios valores, preconceitos e ideais sobre a
situação real que está analisando;
- perda da neutralidade e objetividade por excesso de envolvimento com as pessoas e situações
pesquisadas.
O que observar?
1.
2.
3.
4.
5.
as formas de comunicação: oral, escrita e gestual;
os deslocamentos de pessoas e de objetos;
posturas sempre relacionadas a um contexto espaço-temporal;
tempos de execução /pausas;
nível de conhecimento prático e teórico sobre o próprio trabalho;
14
6. níveis de autonomia de decisão.
6 – A ENTREVISTA DIRETA
O que se pretende passar aqui como técnica de entrevista não é um roteiro de perguntas, pois as
situações de trabalho ou atividades pesquisadas podem ser muito diferentes e a cada uma irão ser
pertinentes perguntas especificas.
A técnica de entrevista é mais a forma como o pesquisador deve proceder para obter o melhor
resultado das informações e relatos que irá escutar das pessoas.
A entrevista é a técnica menos estruturada das Ciências Sociais, onde a objetividade é um ideal
inatingível, pois tudo o que é dito pelo informante é sua interpretação da realidade filtrada e modificada
por reações e interesses pessoais.
A melhor forma de evitar desvios no que é dito pelo informante é entrevistá-lo durante a
execução do próprio trabalho, aplicando o “brain storm” (tempestade cerebral = falar compulsivamente
sobre algo sem muita reflexão). Para isso é necessário criar uma situação onde o informante se sinta à
vontade, deve-se perguntar e interromper o menos possível e permitir que o entrevistado fale o máximo
de si e de seu trabalho.
Como toda situação de trabalho ou relação social, pode conter situações problemáticas e haver
medo por punições. O pesquisador deve, inicialmente, apresentar-se e eticamente se comprometer a não
divulgar nomes ou relatos escritos de forma a identificar claramente a pessoa do informante. Toda
informação, após elaborada, deve ser validada com o informante que deve autorizar sua divulgação (
aspectos deontológicos).
Para alcançar este objetivo o comportamento e as atitudes do pesquisador são muito importantes.
Devem ser evitados riscos como:
1. quebra de espontaneidade: está diretamente ligada à figura do entrevistador e na forma como
coloca em evidência diferenças de nível de cultura e educação, sexo, raça e principalmente
classe social;
2. conhecimento sobre o assunto: O pesquisador não deve ir a campo sem se informar e
conhecer, mesmo que de maneira apenas teórica, a situação que pretende analisar, pois irá
correr o risco de não entender o que o informante está falando. É importante conhecer os
procedimentos de trabalho, as máquinas, os produtos e processo de fabricação. Quanto mais a
realidade pesquisada for diferente da vivência do pesquisador, maior será a necessidade de
aprofundar na pesquisa prévia à entrevista;
3. evitar o desejo de agradar: são formas do pesquisador induzir certas respostas, ou forçar ao
informante falar sobre assuntos que ele deseja escutar, mas que necessariamente não são
aqueles que o informante deseja colocar.
15
4. falhas de omissão : preparar roteiro para não esquecer de perguntar fatos que o informante
deixou de abordar e que são importantes para esclarecer aspectos do funcionamento da
atividade analisada.
5. motivos ulteriores: interesses particulares tanto do pesquisador quanto do informante que
desviam o conteúdo da entrevista.
6. fatores idiossincráticos: o pesquisador deve ter em mente que não é apenas uma entrevista,
mas várias ao longo de um certo tempo; logo, entre uma entrevista e outra podem ter ocorrido
modificações do contexto anterior, sendo todo ambiente de trabalho bastante dinâmico.
A entrevista direta, sendo face a face, permite ao pesquisador “ler as entrelinhas” do que está
sendo dito. Para tanto é importante prestar atenção no estado emocional do informante, as ironias, as
expressões não verbais e principalmente nas afirmações conflitantes (contradições podem levar a
importantes descobertas. Exemplo: regras de procedimento ambíguas, falta de conhecimento sobre o
próprio trabalho etc.).
Questionários ou entrevistas fechadas são adequados neste tipo de pesquisa em um segundo
momento; como, por exemplo, para confirmar certas informações ainda não totalmente claras, ou para
estender quantitativamente a pesquisa que é inicialmente qualitativa. Mas esta fase requer que o
pesquisador já tenha um domínio e conhecimento grande da atividade que está sendo analisada para
determinar com precisão o que perguntar e evitar perguntas óbvias e questionários excessivamente
longos.
7 – FASES DA METODOLOGIA DE ANÁLISE ERGONÔMICA DO TRABALHO
A metodologia adotada para a realização do trabalho será a Análise Ergonômica do Trabalho –
AET (Guérin et alii, 1991). Ela é um método de ação para a transformação das situações de trabalho. A
partir de observações do comportamento e compreensão dos modos operatórios elaborados pelos
trabalhadores, pode-se chegar a modificações das representações do trabalho que predominam na
concepção e administração de situações de trabalho, permitindo então a transformação ou concepção de
situações a partir de representações mais pertinentes, contribuindo para a resolução de problemas de
saúde dos trabalhadores e eficácia econômica da empresa.
A AET é constituída de etapas que ajudam a organizar o trabalho, que serão comentadas a seguir:
1a etapa: Análise da demanda
Nesta etapa, acontecem as primeiras entrevistas com diretores, supervisores, trabalhadores,
engenheiros de segurança, médicos do trabalho, enfim, com todos os envolvidos na situação de trabalho.
Também ocorrem as primeiras observações da situação de trabalho, com a finalidade de se conhecer,
ainda que superficialmente, o contexto produtivo e as pessoas envolvidas no mesmo. Para isto, também
são realizados levantamentos de informações sobre a situação de trabalho na forma de documentos,
procedimentos de trabalho, projetos (arquitetônicos, estruturais, elétricos, hidráulicos, ar condicionado,
detalhamentos etc.), registros do histórico de acidentes e adoecimentos dos trabalhadores.
16
Durante esta etapa, os ergonomistas esclarecem o que é uma intervenção ergonômica,
aproximam-se da população trabalhadora e procuram levantar as principais queixas e dificuldades
enfrentadas pelos trabalhadores, durante a realização de suas atividades. Neste momento, pode-se
elaborar um check list para facilitar a coleta de dados.
Após a realização dessa coleta inicial de informações, é possível definir quais serão os postos que
deverão ser avaliados por atividade, dimensionar a avaliação e definir qual será a ordem das
prioridades, ou seja, definir um cronograma para a realização das avaliações. Consciente dos
problemas e das necessidades dos trabalhadores, é possível concluir a elaboração da demanda da Análise
Ergonômica do Trabalho e iniciar a etapa seguinte da metodologia.
Neste momento, é possível formular e entregar o primeiro relatório parcial, constituído das
informações até aqui coletadas e que são:
FERRAMENTAS
ENTREVISTAS
• OBSERVAÇÕES
• PESQUISA DOCUMENTAL
• BENCHMARKING
OBJETIVOS
• EXPLICAR O QUE É A INTERVENÇÃO
• LEVANTAR QUEIXAS E DIFICULDADES
• DIMENSIONAR A AVALIAÇÃO
• DEFINIR PRIORIDADES
• CRONOGRAMA
ENTENDER E AVALIAR
• EXPRESSÃO DO PROBLEMA
• ORIGENS DE DEMANDAS
• CONFLITOS DE INTERRESSES
• NEGOCIAR PROPOSIÇÃO DE INTERVENÇÃO
2a etapa: Análise do funcionamento da empresa, do processo produtivo e da força de trabalho
Esta etapa aborda os aspectos técnicos, organizacionais, econômicos, sociais e geográficos,
podendo ser mais ou menos abrangente dependendo das exigências de cada intervenção. Esta
investigação de fatos aparentemente distanciados do objetivo da intervenção favorece a indicação de
fatos que podem ter relações, às vezes bem estreitas, com a atividade dos trabalhadores.
Sobre o contexto econômico e comercial alguns fatores devem ser observados, tais como: tipos
de produto e serviços oferecidos, duração da série de fabricação, as exigências de qualidade, a posição
da empresa em relação à concorrência, as variações de demanda de produção. Estes indicadores do
contexto econômico podem revelar alguns determinantes das exigências do trabalho e fatores da
situação de trabalho. É importante ressaltar que o funcionamento da empresa depende estreitamente dos
determinantes comerciais.
17
Conhecer aspectos da produção e de sua organização contribui para se compreender melhor as
relações existentes entre os diferentes postos de trabalho. Certamente o ergonomista não precisa
conhecer o processo de produção em detalhes, mas ter um conhecimento global que lhe permita entender
os determinantes das atividades dos trabalhadores durante a etapa seguinte da metodologia.
Informações sobre os processos técnicos também permitirão aos ergonomistas compreender
melhor o que ele observa, além de facilitar o diálogo com os trabalhadores de algumas questões que o
guiem na escolha da situação de trabalho a ser analisada.
Além do conhecimento da empresa, é muito importante saber quem são as pessoas que
constituem o quadro de trabalhadores da empresa. Para isso é necessário caracterizar a população
trabalhadora em relação a sexo, idade, formação profissional, qualificação, história de vida, experiência
adquirida, enfim, todas as informações que retratem os responsáveis pela realização do trabalho. Além
de caracterizar a equipe de trabalhadores, é necessário saber sobre a quantidade de trabalhadores que
cada setor da empresa dispõe, a organização hierárquica e sobre as relações sociais.
Os aspectos geográficos estão relacionados à caracterização qualitativa do espaço físico e das
suas condições ambientais (se necessário). Implícito a esses dados, subentende-se caracterizar os postos
de trabalho, as máquinas, os equipamentos e as ferramentas de trabalho.
São produtos desta fase:
•
•
•
•
•
•
•
•
•
MERCADO ( CLIENTE)
PRODUTO (QUALIDADE,TIPO, MATERIAIS)
HISTÓRICO DA EMPRESA (ORIGEM, EVOLUÇÃO, POLÍTICA)
GEO-ECONOMIA (LOCALIZAÇÃO,TECIDO INDUSTRIAL E SOCIAL)
POPULAÇÃO (SEXO, IDADE, QUALIFICAÇÃO, SAÚDE )
ORGANIZAÇÃO DA PRODUÇÃO (PROCESSOS, FLUXO, LAY OUT, TECNOLOGIA)
ORGANIZAÇÃO DO TRABALHO (TURNOS, DIVISÃO DE TAREFAS, EQUIPES DE TRABALHO)
LEGISLAÇÃO (AMBIENTAL, SEGURANÇA, QUALIDADE)
TRAÇOS (PECULIARIDADES SOCIO-CULTURAIS)
EXPLICAR DETERMINANTES DA SITUAÇÃO
AMPLIAR PROBLEMAS E SEUS NEXOS CAUSAIS
ESPECIFICAR OBJETIVOS E CONFLITOS
3a etapa: Análise global da atividade
É nesta etapa que, através de técnicas que associam a observação dos comportamentos e a
explicitação de seus determinantes, são descritas e analisadas as exigências reais das tarefas, as
condições de sua realização e sua realização em si pelos trabalhadores, buscando-se respostas para as
questões colocadas pela demanda.
Nesta etapa são realizadas observações abertas e entrevistas focadas na atividade, quando serão
vistas na prática as questões relativas à produção, tecnologia utilizada e organização do trabalho.
Ocorrem as primeiras confrontações entre as informações sobre o que deve ser feito (trabalho prescrito)
e o que realmente acontece (trabalho real). Nesta fase, os ergonomistas começam a perceber as
dificuldades sentidas pelos operadores, podendo verificar também aspectos sobre a sua saúde.
18
É importante nesta fase validar as informações e relações de causa e efeito que foram
evidenciadas nas fases anteriores da metodologia.
Validar significa apresentar a todas as pessoas envolvidas os resultados, hipóteses e reflexões
obtidos sobre como são gerados e as causas dos problemas encontrados. Esta validação é um processo
de auto-confrotação entre o que foi dito e observado e as conclusões geradas pelo ergonomista.
4a etapa: Pré-diagnóstico
O pré-diagnóstico é um conjunto de hipóteses elaborado pelos ergonomistas, que apontam as
possíveis causas dos problemas determinados pela demanda ergonômica. A formulação do prédiagnóstico tem um caráter operacional, pois evita a realização de observações e análises desvinculadas
da problemática da intervenção.
O pré-diagnóstico abre a fase das observações sistemáticas, ou seja, observações realizadas com
intenção de comprovar as hipóteses colocadas. Para que as observações realmente revelem elementos
significativos para a intervenção ergonômica, torna-se necessário planejar previamente as mesmas, ou
seja, prepara as sessões de observação: definir o local, o momento certo, a duração da observação, os
fatos observáveis e equipamentos para realização dos registros (vídeo, tv, gravador, luxímetro,
decibelímetro etc.).
Feito isto, deve ser realizada uma validação com todas as pessoas envolvidas na situação de
trabalho. Este é um bom momento para os ergonomistas situarem os trabalhadores sobre o andamento da
Análise Ergonômica e confrontá-la com o ponto de vista dos trabalhadores. A Análise deve prosseguir,
apenas com um consenso entre as partes.
5a etapa: Análise sistemática ou situação a analisar
Feito o planejamento da análise sistemática, iniciam-se as observações dos “fatos observáveis”,
que variam de acordo com as hipóteses do pré-diagnóstico. Estes estão relacionados aos
comportamentos dos trabalhadores e suas características: deslocamentos no espaço, posturas adotadas,
direção do olhar, comunicações verbais e gestuais entre as pessoas, ações, tomadas de informações,
tempo utilizado para realizar as tarefas, dados antropométricos, condições ambientais, etc.
Nesta fase é importante realizar um estudo de viabilidade, que significa levantar e confrontar o
que você precisa para executar a intervenção e o que se dispõe como recurso, o que poderia se
executado a curto, médio e longo prazo. É preciso avaliar as viabilidades:
Técnica (projetos correlacionados com a proposta de intervenção que se pretende apresentar,
impactos da realização das reformas nas atividades rotineiras da empresa, equipamentos, máquinas,
etc.)
Financeira (recursos financeiros disponíveis e os futuros – planejamento da obtenção e forma de
aplicação dos recursos segundo um cronograma de intervenção)
19
Operacional (competências técnicas e pessoas internas e externas que necessitarão ser
mobilizadas para executar as intervenções).
È também desejável, sempre que possível, oferecer à empresa e às pessoas envolvidas mais de
uma alternativa de projeto de intervenção.
6a etapa: Diagnóstico
Os dados coletados na análise sistemática devem ser analisados e organizados de forma sintética
para apresentar, em forma de relatório, os resultados da análise ergonômica. Neste segundo relatório
parcial, será apresentado um mapa de riscos ergonômicos por atividade analisada, com base nos
resultados, os recursos técnicos, financeiros e operacionais necessário para realizá-las.
A empresa contratante deverá fornecer um feedback dos envolvidos na situação de trabalho sobre
este mesmo relatório. É o segundo processo de validação.
7a etapa: Recomendações
Nesta etapa são apresentadas orientações de transformação da situação de trabalho:
 Diretrizes para especificação técnica dos itens que concernem à solução dos problemas
ergonômicos;
 Elaboração de critérios ergonômicos para a aquisição de mobiliários e ferramentas;
 Revisão dos procedimentos de trabalho, incorporando as modificações ergonômicas físicas;
 Elaboração de um plano de ação definindo os resultados esperados e as prioridades para a
empresa contratante executá-los;
 Diretrizes para programas de treinamento e elaboração de uma apostila para o curso de
treinamento;
 Elaboração e entrega do relatório final.
8a etapa: Projeto de implementação das recomendações e acompanhamento
Assessoria, no que concerne à Ergonomia, durante a fase de elaboração e implantação dos
projetos.
20
8 – MODELOS DE ATIVIDADE DE TRABALHO FUTURA
O procedimento metodológico descrito para a concepção de novos locais de trabalho, em suas
conotações básicas, foi definido por Daniellou (1985) em sua tese de doutorado onde propôs uma
metodologia para a produção de “modelos da atividade de trabalho futura”.
Estes “modelos da atividade de trabalho futura” partem do pressuposto de que, “uma situação
por muito inovadora que seja, nunca é complemente inédita. A análise das “situações de referência”
existentes que se aproximam da situação futura, podem pelo menos dar uma idéia dos tipos de
problema a serem evitados” (Daniellou, 1985).
Para a produção de modelos da atividade futura, Daniellou (1985) propõe que sejam seguidas
quatro etapas:
a) Análise do estado dos locais de referência;
b) Formação do quadro futuro da situação a ser concebida;
c) Previsão da atividade futura provável na situação a ser concebida;
d) Análise da atividade real já na nova situação.
Os pontos de interesse para cada uma destas etapas e a dinâmica da construção do modelo podem
ser conferidos nas tabelas abaixo:
ANÁLISE DE LOCAIS DE REFERÊNCIA
Características da
Atividade
Tarefas prescritas
Tarefas reais
População
trabalhadora
FORMAÇÃO DO QUADRO FUTURO
Decisões Sociais Descrição da
População futura
Descrição das
Escolhas
Tarefas futuras
Técnicas
21
PREVISÃO DA ATIVIDADE FUTURA
Modelos mentais
Reconstituição previsional da Conhecimentos em
de projetistas e
atividade futura provável
ergonomia
Trabalhadores
ANÁLISE DA ATIVIDADE REAL
População
Atividade real
Tarefas reais
Adaptado de Daniellou, 1985, apud TELLES, (1995).
A análise dos locais de referência possibilita entender e principalmente antecipar problemas que
poderão vir a interferir negativamente na nova proposta de projeto a ser desenvolvida. Principalmente as
questões de transferência de tecnologia, que não consideram fatores ambientais e sócio-culturais
contextualizados da nova situação de trabalho que se pretende construir.
A “construção de modelos da atividade futura” possui as seguintes fases de desenvolvimento:
A primeira fase é a análise de situações de referência, que devem ser escolhidas de modo a
possibilitar a antecipação de futuras dificuldades. Toda esta etapa foi bastante similar às etapas
utilizadas nos estudos ergonômicos de correção; por este motivo a sua estruturação obedece às etapas
constitutivas desta modalidade de análise: análise da demanda, análise do funcionamento da empresa e
da população trabalhadora, análise das atividades, diagnóstico e recomendações.
É importantíssimo que a situação de referência seja a mais próxima possível da nova proposta de
projeto. È indicado ter como base um estudo de caso de uma situação de trabalho que acontece na
prática e que possibilite o conhecimento de vários tipos de problemas e, principalmente, o contato com
as dificuldades enfrentadas pelos trabalhadores na execução de suas atividades.
O estudo de caso deve ser desenvolvido em um local de trabalho do mesmo porte, onde existe
instalada a tecnologia de equipamentos que se pretende usar e com um perfil de população trabalhadora
semelhante ao que se pretende utilizar na nova situação que está sendo projetada. Nesse caso, a coleta de
dados deveria ser avaliada e interpretada frente a outro referencial que é a política de gestão da produção
própria da empresa para o qual se irá projetar.
Este cruzamento de dados e referenciais, seus prós e contras, a análise dos possíveis arranjos que
possibilitem gerar uma compatibilização eficiente e com certos pré-requisitos de qualidade de vida
produtiva, determinarão as diretrizes do novo projeto.
Ressalta-se que, para a concepção de projetos, a fase de determinação do referencial fundamentase na etapa da “análise da demanda”, que necessita ser muito detalhada e abrangente. Não deve
contemplar a expressão de apenas um ponto de vista, mas, ao contrário, deve advir de uma confrontação
22
de opiniões divergentes sobre um mesmo problema. Deve contemplar o a expressão de um trabalhador
sobre os possíveis defeitos de seu posto de trabalho, mas também a expressão das gerências e dos
técnicos, ou seja, de todas as partes envolvidas no processo.
Não há determinação, a priori, de quais são as expressões e opiniões mais importantes. A
princípio, todas são importantes. Somente após a análise criteriosa dos fatos, das observações das
atividades e de seus fatores determinantes é que se procederá a uma ponderação de importâncias que usa
como base as noções de compatibilização dos critérios de produtividade e os critérios de qualidade de
vida produtiva.
Existe, subjacente às várias demandas, uma única demanda que é identificar e classificar, com
referência ao processo produtivo, o maior número possível de inadequações, a fim de propor soluções
para que os mesmos problemas não se configurem na situação futura.
A etapa de análise da demanda é crucial para a explicação e negociação de como se procederá
com o estudo, principalmente da negociação do acesso ao local de trabalho, a relatórios de
produtividade, registros de acidentes e doenças do setor e outros documentos e, principalmente, à
realização de entrevistas com os trabalhadores com garantia de sigilo das informações por eles
concedida e retorno constante dos resultados da pesquisa também a eles .
Quanto à explicação do que é análise ergonômica e como esta seria conduzida, é importante
deixar claro que o objetivo central é compatibilizar produção e possibilidades de melhoria da qualidade
de vida produtiva dos trabalhadores, ou seja, adequar o trabalho às pessoas e não vice-versa.
A intervenção ergonômica é então dimensionada. Podem existir problemas ambientais,
problemas de organização do trabalho, problemas de gerenciamento dos recursos humanos e sua
capacitação e problemas de dimensionamento da produção (número de equipamentos, de tempos de
processamento, procedimentos não previstos e espaço físico inadequado para execução das tarefas).
Tudo isso deverá ser projetado para uma situação futura, quando poderá haver um aumento de xx% da
demanda por serviços, a introdução de tecnologia microprocessual.
Mas o mais importante é inserir estes dados na proposta, na política de gestão proposta pela
empresa que irá gerir o novo negócio que se pretende projetar: nesta intenção já existem as conotações
básicas da organização da produção e do trabalho de cada setor, do tipo de população trabalhadora que
se pretende contratar e dos respectivos treinamentos que se pretende ministrar, do espaço à disposição e
suas características ambientais e de infraestrutura. Estas intenções podem tanto agravar quanto
minimizar os problemas encontrados na situação de trabalho do estudo de caso usado como referência.
Deste dimensionamento resulta claro o campo de estudo e a delimitação das possibilidades de
intervenção. A análise da demanda é, antes de tudo, um processo de negociação onde entram em jogo
interesses dos atores sociais da intervenção e disponibilidade de meios, tempo e recursos.
Têm-se assim dados e informações suficientes para formar a segunda fase (formação do quadro
futuro) e a terceira fase (previsão da atividade futura) da metodologia de concepção.
A análise de situações de referência deve levar à constituição de um “sistema classificatório” que
relaciona os espaços de trabalho às atividades.
É importante frisar a importância da palavra referenciar, esclarecendo que o princípio
metodológico é estável, mas o sistema classificatório deve comportar uma dimensão dinâmica.
As situações de trabalho e suas relações são mutantes, dando origem sempre a novos problemas e
requerendo sempre uma reavaliação dos mesmos e conseqüentes novas soluções.
23
O sistema classificatório deve ser manipulável podendo dar origem a novos sistemas e, com eles,
a novas concepções de locais de trabalho.
Em outras palavras, as situações de referência não devem se transformar em tipologias no sentido
da mera cópia de soluções anteriores, sem reflexão e, principalmente sem uma reelaboração conceitual
para adequar o projeto à nova realidade físico-organizacional do trabalho que irá se configurar na nova
situação de proposta.
Outro ponto importante é não confundir o sistema classificatório com as diretrizes de projeto. O
sistema é apenas uma referência. Como exemplo, pode-se referenciar toda uma ordem de problemas e
suas causas que não se deseja ver repetidos na nova situação; as subseqüentes diretrizes são uma
reelaboração do modelo constituído, ou seja, são as propostas de soluções destes problemas, vistas
diante de outros fatores condicionantes do projeto, como o local, a organização e/ou tecnologia que
podem ser diferentes da situação referenciada. Essas diretrizes tendem e necessitam ter como
característica a busca de soluções ad hoc, adaptar a referência o mais possível ao contexto próprio da
nova situação de trabalho.
Fundamentalmente as propostas devem ter como objetivo:
 minimizar os efeitos negativos relacionados à existência de variabilidades que ocorrem em qualquer
processo produtivo, tais como variações de matéria-prima, ocorrência de defeitos nos equipamentos,
aumento inesperado da demande por serviços etc.;
 oferecer uma margem físico-temporal para que novos rearranjos e estratégias possam ser realizados
(espaços de auto-regulação);
 tentar continuamente aproximar o trabalho prescrito ao trabalho real, difundindo estratégias informais
particulares à coletividade de trabalhadores;
 redimensionar os equipamentos e processos de trabalho em função da atividade humana.
A quarta fase é a análise da situação real, após a implantação das modificações propostas em
projeto. Seria um acompanhamento da implantação dos projetos de concepção do local de trabalho que
deve ser negociada previamente no ato da contratação do ergonomista.
Esta é uma etapa essencial, um retorno de conhecimentos, que possibilita a constante
autoavaliação e autoatualização dos procedimentos empregados na atividade profissional de qualquer
projetista. É como diz o ditado popular a possibilidade de “aprender com os próprios erros”.
Entretanto, quando se trata de um local de trabalho, a análise da pós-implantação do projeto se
torna cada vez mais complicada, porque não se trata de uma análise, mas de um acompanhamento
periódico e constante, dado que a dinâmica de mudanças que ocorrem nos locais de trabalho é muito
rápida e incerta.
Por este motivo, é comum que o ergonomista ministre cursos e treinamento dentro dos locais de
trabalhos para potencializar os indivíduos envolvidos nas atividades de trabalho a intervir e melhorar o
próprio ambiente de trabalho de maneira contínua e dinâmica. Esta potencialização tem como base a
troca contínua de informações e conhecimentos sobre o processo produtivo e é realizada em seminários
24
periódicos. No que concerne às soluções de projeto, estas também são pauta importante de discussão
para avaliação e validação coletiva.
A participação contínua dos trabalhadores no remodelamento diário dos seus locais de trabalho
gera a flexibilidade necessária à possibilidade de adequação futura. É como se o processo de planejar
fosse constituído por etapas macro e micro.
9 – REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
1. DANIELLOU, F, GARRIGOU, A. Human factors in design: sociotechnics or ergonomics? In:
Design for manufacturability: a system approach to current engineering and ergonomics. Helander
& Nagamachi eds. London, 1992.
2. DANIELLOU, F. La Modelisation Ergonomic de L’activite de Travail das la conception
Industrielle. Le cas des industries de processus continu. Coletion Ergonomie et neurophysiologie du
travail, no 82. Paris: CNAM, 1985.
3. DANIELLOU, F. Le statut de la pratique et des Connaissances de l’intervension ergonomique de
conception, tese de livre-docência, Université de Toulose – Le Mirail, 1992.
4. GRANDJEAN, Etienne. “Manual de ergonomia”. Porto Alegre: Bookman, 1998.
5. GUERIN, F et alli. Comprendre le travail pour le transformer la pratique en ergonomie. Paris: Ed.
Anact, 1991.
6. IIDA, Itiro. Ergonomia, Projeto e Produção. São Paulo: Ed Edgard Blucher, 1990.
7. LAURELL, A. C. A saúde – doença como processo social. In: Medicina Social, aspectos históricos e
teóricos, Global Editora, 1983.
8. LAVILLE, A., “Ergonomia”, São Paulo: USP, 1977.
9. LIMA, ANTUNES F. Qualidade da produção, Produção dos Homens. Editora Dep. Engenharia de
Produção UFMG, MG, 1996.
10. LOJIKNE, Jean. A revolução informacional. São Paulo: Editora Cortez, 1995.
11. MARTIN, C. Un approche ergonomique de la conception: une construction de problemes. These de
doctorat CNAM, Paris.
25
12. TELLES, Ana L. C. A ergonomia na concepção e implantação de sistemas digitais de controle e
distribuídos, algumas considerações a partir de um estudo de caso na Fábrica Carioca de
Catalisadores. Tese de mestrado. COPPE / UFRJ, 1995.
13. VALLE, R. Tecnologia, Estratégia, Cultura Técnica: Três Dimensões para a modernização da
indústria brasileira. LCNPA - COPPE / UFRJ, 1990.
14. VIDAL, M. C . R. Conceitos básicos para uma Engenharia do Trabalho, ou seja, uma Ergonomia
Contemporânea. Rio de Janeiro: GENTE/COPPE/UFRJ, 1995.
15. VIDAL, M. C . R.. Programa Científico do Grupo de Ergonomia e Novas Tecnologias da
COPPE/UFRJ. COPPE/UFRJ, 1993.
16. WISNER, D. A inteligência no trabalho. FUNDACENTRO, 1994.
17. WISNER, D. Por dentro do trabalho: ergonomia, métodos e técnicas. São Paulo: FTD, Oboré,
1987.
26
ANEXO I: MODELO DE PLANO DE AÇÃO
PROJETO ANÁLISE ERGONÔMICA DO TRABALHO
PLANO DE AÇÃO- FONTES DE RISCOS ERGONÔMICOS DO XXXXXX
DATA:
ELABORAÇÃO
AGENTE
FOTO
AÇÃO
OBJETIVO
RESPONS
27
CUSTO
PRAZO
OK/
NOK
OBSERVAÇÕES