evolução da administração pública da saúde: o papel da

Transcrição

evolução da administração pública da saúde: o papel da
INSTITUTO SUPERIOR DE CIÊNCIAS DO
TRABALHO E DA EMPRESA (ISCTE)
EVOLUÇÃO DA ADMINISTRAÇÃO
PÚBLICA DA SAÚDE: O PAPEL DA
CONTRATUALIZAÇÃO
FACTORES CRÍTICOS DO CONTEXTO
PORTUGUÊS
Ana Maria Escoval da Silva
(Mestre)
TESE PARA OBTENÇÃO DO GRAU DE DOUTOR EM ORGANIZAÇÃO E GESTÃO DE
EMPRESAS
Orientadores Científicos: Prof. Doutor Cipriano Justo do Instituto de Ciências
Biomédicas Abel Salazar (ICBAS)
Prof.ª Doutora Elizabeth Reis do Instituto Superior de
Ciências do Trabalho e da Empresa (ISCTE)
LISBOA
Novembro de 2003
Resumo
Através da investigação teórica analisa-se o processo de implementação da
contratualização em Portugal e procura-se perspectivar o seu desenvolvimento.
Questionam-se ainda os factores críticos que no contexto português condicionam a
implementação de políticas de mudança no sector da saúde e perspectiva-se o
desenvolvimento deste importante instrumento de mudança à luz dos ensinamentos
obtidos, quer na revisão bibliográfica quer nos casos Inglês e Espanhol.
Com o presente trabalho pretende-se contribuir para uma correcta sistematização dos
principais conceitos sobre políticas de saúde, sistemas de saúde e contratualização e,
principalmente, constituir uma base sólida para se continuar a discutir a metodologia de
distribuição de recursos mais adequada ao caso Português. Do trabalho desenvolvido
conclui-se que a contratualização pode melhorar e recentrar a comunicação à volta do
desempenho e dos resultados obtidos e, por essa via, ajudar a recolocar a qualidade do
diálogo em torno das políticas, bem como da sua definição, assentando o seu sucesso a
médio e longo prazo em três pré-requisitos: (i) um clima de confiança que se deverá
estabelecer entre as partes e que se supõe atender a um certo equilíbrio entre considerações
formais e informais, a existência de um diálogo permanente, a troca de informação, a
negociação, a clareza dos objectivos e o respeito mútuo; (ii) um compromisso em perseguir
um objectivo comum e tornar transparentes os resultados obtidos, bem como dos
adequados mecanismos de gestão e de avaliação e (iii) uma visão de conjunto que
permitirá compreender que a contratualização não poderá cobrir a multiplicidade de
factores ligados à gestão do desempenho, à cultura organizacional, às considerações
políticas e aos aspectos administrativos que intervêm uma relação contratual.
Segundo a opinião dos peritos envolvidos, a história recente da contratualização no sistema
de saúde Português, apesar de ainda não existir informação quanto ao real impacte no
sistema de financiamento e tendo em conta a fraca capacidade de acompanhamento, a
experiência e amadurecimento do processo por parte das agências e dos gestores das
organizações, apresenta resultados bastante encorajadores no que se refere às mudanças de
atitude, pois parece incentivar as boas práticas de gestão aos diversos níveis.
Por outro lado, aqueles peritos defendem que a consolidação do processo é um projecto de
médio/longo prazo, que exige continuidade, mas que tem grande imprevisibilidade, dada a
sua grande dependência da vontade política. Defendem, ainda, que em termos genéricos a
contratualização tem-se limitado à gestão de alguns objectivos, descentralizando algumas
decisões e relacionando custos com actividades. No entanto, a hierarquia verticalizada do
sistema parece dificultar a inovação e a aplicabilidade do desenvolvimento do processo.
Por último, dizem que já estão sobejamente identificados os principais problemas de que o
sistema enferma (o Estado deixa-se capturar pelos diferentes actores da área da saúde, não
tendo sabido criar uma visão estratégica que lhe permita ser um negociador sério e
representante rigoroso dos cidadãos, nem tem actuado como regulador no sistema,
existindo consenso entre os diferentes intervenientes na área da saúde sobre como intervir:
reformar o sistema de modo a torná-lo mais justo e mais eficiente e investir na criação de
instrumentos que apoiem e desenvolvam uma boa governação da saúde.
PALAVRAS-CHAVE: Actores; contratualização; reformas e Serviço Nacional de Saúde.
Abstract
Through a theoretical research, the implementation of the contracting process in Portugal is
analysed and its development is envisioned. In addition, the critical factors, which
constrain the implementation of change policies in the Portuguese health sector, are
questioned. The development of this important tool of change is envisioned in the light of
relevant findings, arising both from the literature review and from the British and the
Spanish cases.
The present work aims at contributing to a correct organization of the main concepts and
terms of health policies, of health systems and of contracting, and mainly at building a
solid base to support the ongoing discussion about the most adequate resource allocation
model for Portugal. From the work developed, one can conclude that contracting can
improve and reset communication on performance evaluation and results and thus, help
redefine the quality of the dialog on policies as well as on their definition. The medium and
long range success of contracting lies in three pre-requisites: (i) a climate of thrust to be
established between the parts and which is supposed to consider a certain balance between
formal and informal considerations, the existence of a permanent dialogue, the sharing of
information, the negotiation, the clarity of objectives, and mutual respect; (ii) a
compromise to pursue a common objective and to make results clear, as well as to make
clear the adequate management and evaluation mechanisms and (iii) a holistic approach
which will enable the understanding that contracting will not cover all the multiple factors
related to performance management, to organizational culture, to the political
considerations and to the administrative issues that intervene in a contracting relationship.
According to the experts involved, the recent history of contracting in the Portuguese
health system shows encouraging results, in spite of the absence of information about its
real impact on the funding system and bearing in mind the existence of weak
accompanying mechanisms. The maturing experience of both the contracting agencies and
the organization managers evidence positive signs of behavioural change, since good
management practices at different levels seem to have been encouraged.
In addition, those experts sustain that the consolidation of the process is a medium/long
term project, which needs continuity, but which is highly unforeseeable, as a consequence
of its dependency of the political wills. They also support that in general terms, contracting
has been, up to now, limited to the management of a few objectives, decentralizing some
decisions and relating costs to activities. However, the vertical hierarchy of the system
seems to constrain innovation and the applicability of the process achievements.
Finally, those experts say that the main problems of our health system are largely known
(the State is captured by the different actors, has failed to create a strategic view that
enables it to be a serious negotiator and a rigorous representative of its citizens and has not
behaved as a system regulator) and that a consensus exist among the different participants
in the health sector as to the best way to intervene: to reform the system so as to make it
more fair and more efficient and to invest in the development of mechanisms and tools
which support and enlarge a sound health governance.
KEY WORDS: Actors (stakeholders); contracting; National Health Service (NHS) and
reforms.
RENÉ PASSET, ECONOMISTA E ROFESSOR EMÉRITO DA UNIVERSIDADE DE PARIS I
(PANTEÃO – SORBONE)
“O mundo está em plena mutação. Com o computador e a
sua instalação em linha, o factor imaterial – a
informação – ocupa o lugar da energia como motor do
desenvolvimento. Um novo tipo de economia está a
nascer.... E, no entanto, os nossos “responsáveis
políticos” continuam a pensar e a dirigir segundo
conceitos já ultrapassados. ...”
“À medida que se realizam, as reformas a que os homens
aspiram transformam as circunstâncias que as tinham
justificado, tornam-se caducas e exigem novas
ultrapassagens. .... A aventura humana continua.”
“Desconfiemos dos ideólogos de olhar febril, amantes de
sociedades perfeitas, que só têm para nos apresentar
certezas, esperando poder impô-las.”
A Ilusão Neoliberal, 2002
Adaptado de Eric Rauchway, Professor de História na Universidade da
Califórnia
Tem-se teorizado muito sobre a auto-suficiência do
mercado, criando-se a ideia de que a intervenção do
Estado matava a galinha dos ovos de ouro, mas segundo
Rauchway foi preciso regulação para criar mercados
livres. Foi assim no passado americano com a abolição
da escravatura ou com a uniformização do
caminho-de-ferro.
A regulação não salva os empresários de si próprios, mas
pode evitar casos como Enron ou Worldcom. O mercado
de capitais desregulado tornou-se fraudulento e, por isso,
impõe-se que os governos não abdiquem do seu papel e
garantam a competitividade.
“Tragam de volta a mão invisível”, pede Rauchway.
Financial Times, August 30, 2002, p. 11, "Bring Back the Visible Hand
(Regulation and Resistance to Regulation from Slavery to the Present)."
Agradecimentos
É com muita satisfação que agradeço a todos aqueles (e foram muitos) cujo valioso
contributo permitiu que este trabalho pudesse ser uma realidade.
Durante os anos de investigação foram inúmeros os contactos estabelecidos com
gestores, profissionais e académicos ligados à área da saúde, bem como líderes de
opinião e peritos preocupados com as questões quer da saúde, quer da administração
pública, que muito me ajudaram no conhecimento e aprofundamento destas temáticas e
me disponibilizaram informação e saber.
Foram igualmente preciosos os apoios ao nível das contribuições obtidas nos vários
comentários ao trabalho, assim como nas sugestões de consulta de novos artigos, livros
e documentação, bem como a delicadeza de todos aqueles que se disponibilizaram para
responder aos questionários e entrevistas.
Gostaria de nomear todos neste agradecimento, mas a impossibilidade natural de o
fazer, leva-me a que apenas personalize os que mais de perto me acompanharam nesta
longa caminhada: primeiramente os mais penalizados em todo o processo, os meus
orientadores científicos – a Professora Elisabeth Reis e o Professor Cipriano Justo, pelo
apoio e disponibilidade, saber, competência e rigor colocados desde o primeiro
momento no trabalho de investigação realizado.
De seguida os meus alunos e colegas da rede do Observatório Português dos Sistemas
de Saúde, pois com eles foi possível aprofundar conhecimentos e por eles fui desafiada
a aprender mais, aprofundar, corrigir os meus pontos de vista, informar-me e
acrescentar conhecimento ao trabalho de investigação em desenvolvimento.
Os meus agradecimentos são também extensivos a todos os meus amigos e colegas, que
directa ou indirectamente me apoiaram e que felizmente são muitos, o que me permite
ter a almofada que me aconchega nos momentos de desânimo, desespero e
esmorecimento.
Por fim, mas naturalmente não por último, estou grata à minha família. São eles os
grandes sacrificados, mas é principalmente com eles que me tem sido possível fazer esta
longa caminhada – nomeadamente aos meus filhos e ao Álvaro, o reconhecimento por
entenderem os meus silêncios, as minhas ausências, a minha irascibilidade e mesmo
assim poder contar com eles em todos os momentos.
Os eventuais erros e omissões que este trabalho possa conter são da exclusiva
responsabilidade da autora.
Índices
Índice Sistemático
Resumo __________________________________________________________________ 1
Abstract__________________________________________________________________ 1
Agradecimentos ___________________________________________________________ ii
Índice Sistemático _________________________________________________________ i
Figuras, Gráficos e Quadros _________________________________________________ v
1. Figuras ______________________________________________________________________v
2. Gráficos ____________________________________________________________________ vi
3. Quadros ____________________________________________________________________ vi
Abreviaturas Utilizadas____________________________________________________ ix
PRIMEIRA PARTE ___________________________________________________ 1
Enquadramento do trabalho de investigação no sector da saúde e desenvolvimento
teórico da contratualização ______________________________________________ 1
CAPÍTULO I: FUNDAMENTAÇÃO E OBJECTIVOS __________________________ 1
1. Introdução ___________________________________________________________________1
2. Enquadramento _______________________________________________________________6
2.1
A emergência do modelo empresarial _____________________________________10
2.2
Contributos para a reforma da administração pública na saúde _________________13
3. Fundamentação ______________________________________________________________19
4. Objecto de estudo ____________________________________________________________21
5. Objectivos da investigação ______________________________________________________22
6. Concepção do modelo de investigação _____________________________________________23
7. Quadro metodológico da investigação _____________________________________________24
8. Descrição sumária do trabalho ___________________________________________________26
CAPÍTULO II – REFORMAS E CONTRATUALIZAÇÃO EM SAÚDE NA EUROPA
________________________________________________________________________ 29
Nota introdutória _____________________________________________________________29
A orientação macroeconómica das reformas dos anos oitenta____________________________31
Institucionalismo e reforma da saúde nos anos noventa ________________________________35
Principais reformas. Análise e tendências ___________________________________________37
Teorias da agência e dos custos de transacção________________________________________39
O papel da contratualização _____________________________________________________42
6.1
Contributo das escolas e teorias de gestão para o processo da contratualização ____42
6.2
A participação do cidadão no processo de contratualização ____________________44
6.3
Conceitos de necessidades em saúde ______________________________________47
6.4
Necessidades em saúde e expectativas do cidadão____________________________49
7. Resumo ____________________________________________________________________50
7.1
Estado e mercado _____________________________________________________51
7.2
Descentralização _____________________________________________________51
7.3
Direitos do doente_____________________________________________________51
7.4
Novas funções da saúde pública __________________________________________52
1.
2.
3.
4.
5.
6.
CAPÍTULO III: ANÁLISE DO SISTEMA DE SAÚDE E DO PROCESSO DE
CONTRATUALIZAÇÃO NO REINO UNIDO E EM ESPANHA________________ 53
1. Breve introdução _____________________________________________________________53
2. Reino Unido_________________________________________________________________54
2.1
Princípios do sistema de saúde___________________________________________54
2.2
A reforma dos anos oitenta ______________________________________________54
2.3
Micro-eficiência na gestão hospitalar e descentralização da oferta ______________57
2.4
Quasi-mercado e contrato na gestão da saúde_______________________________59
Tese
i
Índices
Um novo plano para o NHS _____________________________________________61
2.5
3. Espanha ____________________________________________________________________63
3.1
Princípios e caracterização do sistema de saúde _____________________________63
3.2
As reformas dos anos oitenta ____________________________________________66
3.3
As reformas dos anos noventa ___________________________________________68
3.4
Novos desafios para a coordenação regional. O atendimento transregional em saúde 70
3.5
Avaliação do processo das autonomias e das novas formas de organização das
instituições de saúde ___________________________________________________72
3.6
A contratualização dos cuidados de saúde __________________________________73
3.7
A gestão das listas de espera ____________________________________________76
4. Resumo ____________________________________________________________________77
CAPÍTULO IV: ANÁLISE DO SISTEMA DE SAÚDE EM PORTUGAL – O
CONTEXTO ____________________________________________________________ 81
1.
2.
3.
4.
5.
6.
7.
8.
Os antecedentes do actual Sistema de Saúde Português ________________________________81
Princípios do sistema de saúde – os anos setenta _____________________________________82
As reformas dos anos oitenta ____________________________________________________84
Os anos noventa - novos desafios para a coordenação regional___________________________85
4.1
Um impulso para a descentralização ______________________________________85
4.2
Os primeiros passos da reforma de 1996-1999 ______________________________86
4.3
As Agências de Contratualização. O início da regulação? _____________________86
4.4
A Contratualização: um instrumento ______________________________________89
Estrutura e actores chave _______________________________________________________90
5.1
Matriz estrutural ______________________________________________________90
5.2
Identificação dos actores chave __________________________________________91
5.3
Oportunidades e obstáculos _____________________________________________92
5.4
Estratégias __________________________________________________________93
Portugal no contexto nacional e internacional________________________________________94
A evolução do Sistema de Saúde à luz de uma revisão bibliográfica________________________98
Resumo ___________________________________________________________________105
CAPÍTULO V: ANÁLISE DO PROCESSO DE CONTRATUALIZAÇÃO NA SAÚDE
EM PORTUGAL ________________________________________________________ 107
1. Antecedentes, contributos e ensinamentos para o desenvolvimento do processo de contratualização
_______________________________________________________________________107
1. 1
Teorias e princípios orientadores ________________________________________108
1. 2
As relações contratuais e a distribuição de recursos _________________________110
1. 3
Conteúdos e tipos de contratos __________________________________________111
1. 4
As críticas e as deficiências da contratualização ____________________________115
2. Compreensão/entendimento sobre o desenvolvimento do processo de contratualização ______117
2.1
O conceito de “Agência” ______________________________________________118
2.2
Finalidade e objectivos das Agências_____________________________________118
2.3
Missão das Agências__________________________________________________120
2.4
Sistema de informação das Agências de Contratualização ____________________123
3. Avançando em direcção ao futuro _______________________________________________126
3.1
Distribuição de recursos. De uma lógica centrada nos serviços para uma lógica
contratual __________________________________________________________126
3.2
Impacto da contratualização ao nível dos serviços prestadores ________________127
4. Na senda da responsabilização (accountability) ______________________________________128
SEGUNDA PARTE _________________________________________________ 133
O modelo de análise do processo de mudança da administração pública da saúde
baseado na contratualização __________________________________________ 133
CAPÍTULO VI: MÉTODO PARA ANÁLISE DO PROCESSO DE MUDANÇA DA
ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA DA SAÚDE CENTRADA NA
CONTRATUALIZAÇÃO _________________________________________________ 135
1. Objectivos _________________________________________________________________135
2. Modelo para análise do papel da contratualização no processo de mudança da administração pública
da saúde ___________________________________________________________________136
ii
Tese
Índices
3.
4.
5.
6.
Planeamento e organização da investigação ________________________________________145
Caracterização do projecto de investigação _________________________________________146
Desenho do projecto de investigação _____________________________________________148
O método _________________________________________________________________150
6.1
Os universos de estudo e a técnica de amostragem __________________________150
6.2
Selecção e aplicação das técnicas de recolha e análise de dados _______________155
6.3
A triangulação ______________________________________________________171
CAPÍTULO VII: APRESENTAÇÃO DOS RESULTADOS _____________________ 173
1. Introdução _________________________________________________________________173
2. Apresentação e análise descritiva dos resultados _____________________________________174
2.1
A componente “contexto”______________________________________________174
2.2
A componente “processo de contratualização” _____________________________178
2.3
A componente “processo de mudança” ___________________________________208
3. Resumo ___________________________________________________________________223
CAPÍTULO VIII: VALIDADE DO MODELO CONCEPTUAL PROPOSTO À LUZ
DA DISCUSSÃO DOS RESULTADOS______________________________________ 225
1. Discussão dos resultados obtidos _______________________________________________225
1.1
A componente “contexto”______________________________________________225
1.2
A componente “processo de contratualização” _____________________________232
1.3
A componente “processo de mudança” ___________________________________239
2. A contratualização numa nova administração pública da saúde – contributos para a
caracterização da realidade portuguesa ___________________________________________250
2.1
Identificação dos factores críticos que no contexto português condicionam a
implementação de políticas de mudança no sector___________________________251
2.2
Como pode a contratualização contribuir para o processo de mudança na
Administração Pública da Saúde ________________________________________252
CAPÍTULO IX: CONCLUSÕES E PISTAS PARA FUTUROS PROJECTOS _____ 255
1. Conclusões ________________________________________________________________255
2. Observações finais __________________________________________________________260
3. Linhas de investigação futuras _________________________________________________263
GLOSSÁRIO ___________________________________________________________ 265
BIBLIOGRAFIA E DOCUMENTAÇÃO ____________________________________ 273
1.
2.
34.
Bibliografia referenciada no texto_______________________________________________273
Legislação referenciada no texto________________________________________________286
Sites referenciados no texto____________________________________________________287
Bibliografia de apoio metodológico consultada ____________________________________288
ANEXOS ____________________________________________________________ 291
PRIMEIRA PARTE _________________________________________________ 293
ENQUADRAMENTO LEGAL ______________________________________________ 293
Anexo I – Enquadramento legal da Agência de Acompanhamento________________________295
Anexo II – Enquadramento legal da Agência de Contratualização ________________________297
SEGUNDA PARTE __________________________________________________ 299
INSTRUMENTOS METODOLÓGICOS________________________________________ 299
Anexo III – Profissionais, peritos e gestores selecionados para a investigação _______________301
Anexo IV – Principais actores chave do Sistema de Saúde Português _____________________303
Anexo V –Análise SWOT _______________________________________________________305
Anexo VI – Software Policymaker Model___________________________________________307
Anexo VII – Questionário a profissionais e peritos ____________________________________309
Anexo VIII – Contratualização – documento enquadrador ______________________________323
Anexo IX – Questionário a gestores de topo _________________________________________333
Anexo X – Guião para entrevista semi-estruturada a peritos_____________________________337
Anexo XI – Conteúdos da página web desenvolvida___________________________________339
Tese
iii
Índices
TERCEIRA PARTE _________________________________________________ 345
SÍNTESE DOS RESULTADOS _____________________________________________ 345
Anexo XII – Análise de conteúdo – representação gráfica ______________________________347
Anexo XIII – Análise de Conteúdo - Dicionário de Categorias/Subcategorias _______________351
Anexo XIV – Análise descritiva das variáveis – questionário II __________________________359
Anexo XV – Síntese dos normativos da saúde (1970-2002) _____________________________389
iv
Tese
Índices
Figuras, Gráficos e Quadros
1.
FIGURAS
FIGURA 1 – MODELO GLOBAL DE INVESTIGAÇÃO DA ADMINISTRAÇÃO DA SAÚDE BASEADO NA
CONTRATUALIZAÇÃO .............................................................................................. 23
FIGURA 2 – ESTRUTURA DA TESE ............................................................................................. 26
FIGURA 3 – GASTOS GLOBAIS EM SAÚDE NA OCDE (28 PAÍSES), EM 1998 ............................... 39
FIGURA 4 – TIPOLOGIA DO EMPOWERMENT DO CIDADÃO NOS SERVIÇOS DE SAÚDE ................... 46
FIGURA 5 – A POLÍTICA DE SAÚDE NO FINAL DOS ANOS NOVENTA ............................................ 86
FIGURA 6 – OBJECTIVOS DAS COMISSÕES DE ACOMPANHAMENTO EXTERNO DE SERVIÇOS DE
SAÚDE (CAESS)................................................................................................... 123
FIGURA 7 – FASES E ACTIVIDADES DO SISTEMA DE INFORMAÇÃO DAS PARA AS AGÊNCIAS DE
CONTRATUALIZAÇÃO DOS SERVIÇOS DE SAÚDE (ACSS) ..................................... 125
FIGURA 8 – AVALIAÇÃO DO PROCESSO DE CONTRATUALIZAÇÃO EM PORTUGAL .................... 129
FIGURA 9 – DIMENSÕES DO MODELO DE ANÁLISE (MODELO SIMPLIFICADO) ........................... 137
FIGURA 10 – MODELO DE INVESTIGAÇÃO ............................................................................... 140
FIGURA 11 – ETAPAS DE INVESTIGAÇÃO ................................................................................. 144
FIGURA 12 – DESENHO DO ESTUDO ........................................................................................ 148
FIGURA 13 – ANÁLISE SWOT ................................................................................................ 165
FIGURA 14 – APROXIMAÇÃO SISTÉMICA COM OS ALINHAMENTOS NA ANÁLISE SWOT .......... 167
FIGURA 15 – O PAPEL DA ANÁLISE EXTERNA .......................................................................... 169
FIGURA 16 – A TRIANGULAÇÃO (DE DADOS E METODOLÓGICA) ............................................. 171
FIGURA 17 – MODELO TEÓRICO .............................................................................................. 212
FIGURA 18 – CORRELAÇÕES DO 1º SUB-MODELO .................................................................... 213
FIGURA 19 – CORRELAÇÕES DO 3º SUB-MODELO .................................................................... 213
FIGURA 20 – CORRELAÇÕES PARCIAIS DO 2º SUB-MODELO ..................................................... 214
FIGURA 21 – CORRELAÇÕES PARCIAIS DO 4º SUB-MODELO ..................................................... 215
FIGURA 22 – CORRELAÇÕES PARCIAIS DO 5º SUB-MODELO ..................................................... 215
FIGURA 23 – MODELO I – CONTEXTO MACRO ECONÓMICO/SOCIAL ........................................ 218
FIGURA 24 – MODELO II – PRODUÇÃO E PRODUTIVIDADE...................................................... 218
FIGURA 25 – MODELO III – DESEMPENHO .............................................................................. 218
FIGURA 26 – MODELO IV – RESULTADOS............................................................................... 218
FIGURA 27 – A EVOLUÇÃO DO SISTEMA DE SAÚDE PORTUGUÊS NO CONTEXTO DA EUROPA
E DO RESTO DO MUNDO ...................................................................................... 220
FIGURA 28 – OS DESAFIOS PARA A CONTRATUALIZAÇÃO NA SAÚDE ....................................... 232
Tese
v
Índices
FIGURA 29 – O CONTINUUM DA CONTRATUALIZAÇÃO OU ESPECTRO DA
CONTRATUALIZAÇÃO DO DESEMPENHO ............................................................. 235
FIGURA 30 – A INFORMAÇÃO MÍNIMA E O EMPOWERMENT DO CIDADÃO ................................. 238
FIGURA 31 – DIMENSÕES E FACTORES CRÍTICOS RESULTANTE DO MODELO DE
INVESTIGAÇÃO................................................................................................... 251
2.
GRÁFICOS
GRÁFICO I – PERSPECTIVA DE EVOLUÇÃO DO ENVELHECIMENTO EM PORTUGAL (19952050) .................................................................................................................. 94
GRÁFICO II – EVOLUÇÃO DO CONSUMO DE MEDICAMENTOS NA DÉCADA DE NOVENTA ........... 96
GRÁFICO III – IMPORTÂNCIA DA FUNÇÃO AGÊNCIA ................................................................ 182
GRÁFICO IV – LOCALIZAÇÃO DA FUNÇÃO AGÊNCIA ................................................................ 183
GRÁFICO V – ORGANIZAÇÃO DO TRABALHO DA FUNÇÃO AGÊNCIA ......................................... 184
GRÁFICO VI – FUNÇÕES TÉCNICAS DA FUNÇÃO AGÊNCIA........................................................ 185
GRÁFICO VII – IMPLICAÇÕES INERENTES AO DESENVOLVIMENTO DO PROCESSO DE
CONTRATUALIZAÇÃO ..................................................................................... 190
GRÁFICO VIII – NOVOS CÓDIGOS COMPORTAMENTAIS RESULTANTES DA INTRODUÇÃO
DO PROCESSO DE CONTRATUALIZAÇÃO........................................................ 196
GRÁFICO IX – RESPONDENTES DA III AMOSTRA INTENCIONAL – GRUPOS PROFISSIONAIS ....... 200
GRÁFICO X – ANÁLISE EVOLUTIVA DAS COMPONENTES PRINCIPAIS (1970-2000) ................. 216
GRÁFICO XI – VARIÁVEIS EXPLICATIVAS DOS RESULTADOS (1970-2000)............................. 219
3.
QUADROS
QUADRO 1 – GRAU DE DESEMPENHO DOS SISTEMAS DE SAÚDE................................................... 2
QUADRO 2 – GRAU DE REALIZAÇÃO DOS OBJECTIVOS DOS SISTEMAS DE SAÚDE ......................... 3
QUADRO 3 – PRINCIPAIS CARACTERÍSTICAS DOS DOIS MODELOS DE ORGANIZAÇÃO DOS
SISTEMAS DE SAÚDE NA EUROPA ......................................................................... 31
QUADRO 4 – CARACTERÍSTICAS DOS SISTEMAS DE SAÚDE EM ALGUNS PAÍSES DA UE.............. 33
QUADRO 5 – DESPESA TOTAL EM SAÚDE/ PIB (%) NA UE15 E EUA (1970-2000)..................... 35
QUADRO 6 – ALGUNS CONCEITOS A ANALISAR PARA PROMOVER A PARTICIPAÇÃO DO
CIDADÃO.............................................................................................................. 47
QUADRO 7 – NHS DO REINO UNIDO (1950-1998) .................................................................... 59
QUADRO 8 – SISTEMA DE SAÚDE ESPANHOL (1970-1998) ....................................................... 66
QUADRO 9 – SÍNTESE DAS PRINCIPAIS REFORMAS DOS ANOS OITENTA EM ESPANHA ................ 67
QUADRO 10 – SÍNTESE DAS PRINCIPAIS REFORMAS DOS ANOS NOVENTA EM ESPANHA ............. 68
QUADRO 11 – CARACTERIZAÇÃO DO SISTEMA DE SAÚDE PORTUGUÊS (1970-2000)................ 95
QUADRO 12 – ALGUNS INDICADORES DE SAÚDE EM PORTUGAL (1970-2000) .......................... 97
QUADRO 13 – INICIATIVAS LEGISLATIVAS MAIS RELEVANTES DOS ÚLTIMOS 12 ANOS ............ 104
vi
Tese
Índices
QUADRO 14 – CONTRATOS DE DESEMPENHO NA OCDE ......................................................... 114
QUADRO 15 – ESTRATIFICAÇÃO DA I AMOSTRA INTENCIONAL ................................................. 152
QUADRO 16 – ESTRATIFICAÇÃO DA II AMOSTRA INTENCIONAL (STAKEHOLDERS) .................... 153
QUADRO 17 – ESTRATIFICAÇÃO DA III AMOSTRA INTENCIONAL .............................................. 155
QUADRO 18 – QUADRO DE ANÁLISE DOS PRINCIPAIS ACTORES DA SAÚDE .............................. 176
QUADRO 19 – DISTRIBUIÇÃO DOS RESPONDENTES DA III AMOSTRA INTENCIONAL .................. 200
QUADRO 20 – OBJECTIVOS DA FUNÇÃO AGÊNCIA NA PERSPECTIVA DOS DIRIGENTES............... 201
QUADRO 21 – NÍVEL DE DISTRIBUIÇÃO DE RECURSOS NA PERSPECTIVA DOS DIRIGENTES ....... 202
QUADRO 22 – EFEITOS DA CONTRATUALIZAÇÃO NA PERSPECTIVA DOS DIRIGENTES .............. 204
QUADRO 23 – ANÁLISE EM COMPONENTES PRINCIPAIS .......................................................... 210
QUADRO 24 – VARIÁVEIS POR COMPONENTES PRINCIPAIS E SUA INTERPRETAÇÃO ................. 211
QUADRO 25 – SUB-MODELOS E COEFICIENTES DE CORRELAÇÃO ............................................. 213
QUADRO 26 – MODELO DE REGRESSÃO LINEAR ...................................................................... 217
QUADRO 27 – A SAÚDE EM PORTUGAL ENTRE 1970 E 2000 (CONTINENTE E ILHAS) .............. 230
QUADRO 28 – ESTRATÉGIAS PRECONIZADAS PARA A MUDANÇA E PARA OS ACTORES ............. 245
QUADRO 29 – PERCEPÇÕES DOS ACTORES QUANTO AO PAPEL DA CONTRATUALIZAÇÃO ......... 246
Tese
vii
Índices
Abreviaturas Utilizadas
AASS – Agências de Acompanhamento dos Serviços de Saúde
ACSS – Agências de Contratualização dos Serviços de Saúde
ADSE – Assistência na Doença aos Servidores do Estado
ANF - Associação Nacional de Farmácias
APAH – Associação Portuguesa de Administradores Hospitalares
APIFARMA – Associação Portuguesa da Indústria Farmacêutica
ARS – Administração Regional de Saúde
ARSLVT – Administração Regional de Saúde de Lisboa e Vale do Tejo
CA – Conselho de Administração
CABG – Bypass arterial coronário
CAESS – Comissões de Acompanhamento Externo de Serviços de Saúde
CBA – Custeio Baseado nas Actividades ou Activity Based Costing (ABC)
CEE – Comunidade Económica Europeia (actualmente União Europeia - UE)
CRES - Conselho de Reflexão sobre a Saúde
CRI – Centros de Responsabilidade Integrada
DECO – Associação Portuguesa para a Defesa do Consumidor
DEPS – Departamento de Estudos e Planeamento da Saúde
DGS – Direcção Geral de Saúde
DGS/DSE – Direcção Geral de Saúde/Divisão de Saúde Escolar
DRHS – Departamento de Recursos Humanos da Saúde
E – Entrevista
EUA – Estados Unidos da América
FA – Função Agência
FNS – Federação Nacional de Cuidados de Saúde
GDH – Grupo de Diagnósticos Homogéneos
GOP - Grandes Opções do Plano
HMO - Health Maintenance Organization
IGIF - Instituto de Gestão Informática e Financeira da Saúde
INE – Instituto Nacional de Estatística
INFARMED – Instituto Nacional da Farmácia e do Medicamento
INS – Inquérito Nacional de Saúde
INSALUD – Instituto Nacional de la Salud
IPSS – Instituições Particulares de Solidariedade Social
Tese
ix
Índices
MS – Ministério da Saúde/Ministro da Saúde
NHS - National Health Service
NPM – New Public Management
OCDE - Organização de Cooperação e de Desenvolvimento Económico
OECD - Organisation for Economic Co-operation and Development
OGE - Orçamento Geral do Estado
OMS - Organização Mundial de Saúde
ONU – Organização das Nações Unidas
OPSS – Observatório Português dos Sistemas de Saúde
RHAs –Regional Hospital Agencies (Agencies Regionaux des Hôpitaux)
RU – Reino Unido
PERLE - Programa de Recuperação das Listas de Espera
PPA – Programa de Promoção do Acesso
PIB - Produto Interno Bruto
Q - Questionário
QW – Questionário na Web
RRE - Regímen Remuneratório Experimental para a Clínica Geral
SAMS – Serviços de Assistência Médico-Social dos Bancários
SES – Secretário de Estado da Saúde
SI – Sistema de Informação
SLS – Sistemas Locais de Saúde
SNS - Serviço Nacional de Saúde
SMS - Serviços Médico-Sociais
SNS 21 - Serviço Nacional de Saúde do Século XXI
SSMJ – Serviços Sociais do Ministério da Justiça
UE - União Europeia
UE15 – União Europeia dos 15
UK – United Kingdom (Reino Unido)
UNICEF - United Nations International Children’s Emergency Fund (Fundo Internacional de
Auxílio às Crianças das Nações Unidas)
VIH/SIDA – Vírus de Imunodeficiência Humana/Síndroma de Imunodeficiência Adquirida
WHO - World Health Organization
Tese
x
PRIMEIRA PARTE
Enquadramento do trabalho de investigação no sector da
saúde e desenvolvimento teórico da contratualização
“Você precisa fazer aquilo que pensa que não é
capaz de fazer”.
e
“No one can make you feel inferior without
your consent”.
Eleanor Roosevelt
“Virtue is more to be feared than vice, because
its excesses are not subject to the regulation of
conscience.”
Adam Smith
Capítulo I: Fundamentação e Objectivos
CAPÍTULO I: FUNDAMENTAÇÃO E OBJECTIVOS
1.
INTRODUÇÃO
Os anos oitenta e noventa foram férteis em experiências de reestruturação nos sectores
público e privado da economia de diferentes países, nomeadamente na Europa. Em
diversos países desenvolvidos foram então implementadas, ou estão ainda em curso,
profundas mudanças ao nível dos sistemas de saúde, nomeadamente na estrutura do
financiamento e da prestação de cuidados (Dunlop et al, 1995).
Os sistemas de saúde, enquanto parte integrante do sistema social, são o resultado e
simultaneamente condicionantes da sua envolvente histórica, social, cultural, técnica e
política. Por isso torna-se necessário ir para além do subsistema de saúde, prevendo a
evolução da respectiva envolvente externa, caso se pretenda actuar eficazmente na sua
transformação.
Nos finais do século XIX e primeira metade do século XX, desenvolveram-se nos países
ocidentais três formas de protecção social concorrentes: em 1883 o modelo de Bismark,
na Alemanha, assente na afiliação profissional e financiado pelas quotizações dos
salários e dos empregadores; em 1948 o modelo de Beveridge, no Reino Unido (UK),
baseado num sistema de cobertura universal de serviços públicos financiado pelo estado
e nos Estados Unidos da América (EUA), nos anos trinta1, desenvolveu-se um modelo
misto, combinando os seguros privados e as prestações sociais públicas para os grupos
sociais mais desfavorecidos (Lambert, 2000). No final do século XX e princípio do
século XXI, estes três modelos apresentam-se fortemente contaminados entre si.
A Organização Mundial de Saúde (OMS), no seu relatório de Junho de 2000 (WHO,
2000 b), desenvolve uma nova metodologia de análise e avaliação do desempenho dos
sistemas de saúde, visando o grau de realização de três objectivos específicos: (i)
promoção da saúde (este objectivo pode ser avaliado através do nível e distribuição da
saúde na população do país); (ii) respostas às expectativas dos cidadãos em cuidados de
saúde e (iii) justiça na contribuição financeira.
Nesta formulação os sistemas de saúde são analisados segundo a capacidade de resposta
e de realização dos objectivos de saúde traçados por cada país e sobre o grau de
1
Segundo Holly Skdar (is co-author of the repor, Divided Decade: Economic Disparity at the Century’s
Turn, available from the Boston-based United for a Fair Economy, www.stw.org), 2000, “Booming
Economic Inequality, Falling Voter Turnout - Income Gaps have Grown”, o sistema de bem-estar social
dos EUA criado nos anos trinta foi delapidado ao longo da década de noventa, em grande parte como
pressão da minoria dos eleitores activos. Hoje, por exemplo, ninguém pode depender de programas
assistenciais do Estado por mais de cinco anos, enquanto o número de pessoas sem seguro de saúde
cresceu em 11 milhões nos anos noventa. Finalmente, de acordo com o relatório de 1999 (UNICEF,
1999) do Fundo Internacional de Auxílio às Crianças das Nações Unidas (UNICEF), trinta países
apresentam uma melhor taxa de mortalidade do que os EUA, apesar de esta ser a nação mais rica do
mundo.
Tese
1
Capítulo I: Fundamentação e Objectivos
eficiência e de desempenho do seu sistema, corrigido por um factor social – a educação.
Esta metodologia inovadora (é a primeira vez que a OMS avança neste tipo de análises
e procura fazer uma comparação entre os diferentes países, conjugando vários
indicadores e corrigindo-os pelos seus níveis educacionais), procura avaliar o estado de
saúde e bem-estar das populações, atribuível ao grau de desempenho dos sistemas de
saúde, mas os resultados obtidos foram fortemente contestados por grande parte dos
países em análise.
Os três países referidos anteriormente, Alemanha, Reino Unido e EUA, situam-se
respectivamente em 25º, 18º e 37º lugares no ranking de 191 países da OMS (Quadro
1), relativamente a um índice que combina o nível de saúde e a resposta às expectativas
da população em cuidados, embora nos gastos per capita ocupem o 3º, 26º e 1º lugares,
respectivamente.
Quadro 1 – Grau de desempenho dos sistemas de saúde
Países
Áustria
Bélgica
Dinamarca
Finlândia
França
Alemanha
Grécia
Irlanda
Itália
Luxemburgo
Holanda
Portugal
Espanha
Suécia
Reino Unido
E.U.A
Índice Global
Gastos per
capita
10
13
20
22
6
14
23
25
11
5
8
32
19
4
9
15
6
15
8
18
4
3
30
25
11
5
9
28
24
7
26
1
Desempenho
Saúde
Objectivos
15
28
65
44
4
41
11
32
3
31
19
13
6
21
24
72
9
21
34
31
1
25
14
19
2
16
17
12
7
23
18
37
Fonte: World Health Report, 2000, pág. 152-155
Convém igualmente levar em consideração o Sistema de Saúde Francês2, que ocupa a
primeira posição neste ranking e um 4º lugar nos gastos per capita, cujo modelo de
organização parece ser dos mais complexos de entre todos os países da Europa, já que
assenta numa mistura de vários subsistemas (reembolso público associado a um modelo
de contrato de serviço público para os tratamentos ambulatórios e hospitais privados;
2
2
O Sistema de Saúde Francês teve a sua origem em 1945, como um modelo híbrido derivado do
bismarkiano mas com algumas características beveredgianas – forte intervenção do Estado e cobertura
universal. Associa um seguro de doença universal e de âmbito nacional com um regime pluralista de
prestações e com a remuneração por acto de uma grande parte dos cuidados médicos. Em relação a estes
os poderes públicos exercem um controlo estrito sobre os honorários e os preços, mas um controlo fraco
sobre o volume dos factores de produção e sobre a actividade, embora tenham vindo a ser introduzidas,
progressivamente, algumas alterações tendentes a corrrigirem parte desses problemas, nomeadamente
orçamentos prospectivos contratualizados para os hospitais públicos, através de agências regionais,
desde 1994.
Tese
Capítulo I: Fundamentação e Objectivos
um modelo público integrado para os hospitais públicos e ainda um seguro voluntário,
segundo um modelo de reembolso), mas onde o nível de satisfação dos cidadãos com o
seu sistema de saúde continua a ser bastante elevado (OECD, 2002 a). Portugal é nesta
análise o 12 º país com melhor sistema de saúde do mundo, medido pelo índice de
realização dos objectivos, sendo um dos países que apresenta maior financiamento
relativo para o sector (detém o 28º lugar nos gastos per capita).
A posição de destaque obtida por Portugal no “ranking” dos países avaliados pela OMS,
parece dever-se ao facto de uma das variáveis utilizadas no estudo ter sido a
componente social, expressa pelo nível educacional da população. Apresentando
Portugal um dos mais baixos índices de literacía da União Europeia (UE), as
expectativas quanto à efectividade do sistema são, por essa razão, baixas. Apesar disso,
o grau de eficiência do sistema de saúde português é considerado superior ao de alguns
dos países mais ricos da UE, como o Reino Unido, a Bélgica e a Dinamarca, tal como se
pode observar no Quadro 2.
Quadro 2 – Grau de realização dos objectivos dos sistemas de saúde
Países
Áustria
Bélgica
Dinamarca
Finlândia
França
Alemanha
Grécia
Irlanda
Itália
Luxemburgo
Holanda
Portugal
Espanha
Suécia
Reino Unido
E.U.A
Nível de
saúde
17
16
28
20
3
22
7
27
6
18
13
29
5
4
14
24
Nível de Resposta
(às expectativas da
população em cuidados de
saúde)
Justiça financeira
12-13
16-17
4
19
16-17
5
36
25
22-23
3
9
38
34
10
26-27
1
12-15
3-5
3-5
8-11
26-29
6-7
41
6-7
45-47
2
20-22
58-60
26-29
12-15
8-11
54-55
Fonte: World Health Report, 2000, pág. 152-155.
O grau de realização do objectivo de melhorar a saúde dos cidadãos pode ser observado
através do estado de saúde da população, que se associa e corresponde ao grau de
desenvolvimento do país. Em comparação com 175 países, Portugal situa-se em 27º em
termos de desenvolvimento humano (ONU, 2003) e em 29º quando é avaliado o estado
de saúde (WHO, 2000 b).
Adequar a resposta em termos de saúde às expectativas da população é um objectivo
complexo, só realizável com a participação de todos neste processo. Este objectivo
poderá ser avaliado através do nível e distribuição desta resposta em termos de cada
país, já que uma melhor resposta em termos de saúde tem a ver directamente com a
equidade no acesso aos cuidados de saúde. A equidade refere-se aos recursos que devem
Tese
3
Capítulo I: Fundamentação e Objectivos
ser igualmente distribuídos entre todos os indivíduos ou grupos sociais, pressupondo
recursos iguais para necessidades iguais e recursos diferentes para necessidades
diferentes. Este conceito tem em saúde um valor eminentemente ético e social, não
sendo compreensível que, ao serem utilizados recursos públicos, alguns tenham
cuidados supérfluos e outros não tenham acesso a cuidados de saúde necessários.
As premissas em que deve assentar o objectivo de garantia da justiça na contribuição
financeira são uma contribuição financeira socialmente mais justa para a saúde e a
solidariedade no financiamento, sendo que a solidariedade inerente aos sistemas de
saúde deriva do facto da saúde ser encarada como um bem social. Pode avaliar-se a
realização deste objectivo em termos de justiça da contribuição financeira, onde
Portugal, em comparação com 191 países, se situa entre 58-60, substancialmente abaixo
do nível de desenvolvimento do país, encontrando-se entre os piores relativamente aos
países desenvolvidos (WHO, 2000 b).
Perante a pergunta “Qual o melhor sistema de saúde?”, não há seguramente uma
resposta conclusiva mas uma multiplicidade de aproximações, nenhuma delas
completamente satisfatória. Para Landes (1998), por exemplo, não deve afirmar-se que
existem sistemas de saúde pobres ou ricos mas sim sistemas bem ou mal geridos. Por
essa razão, não se devem fazer comparações internacionais arbitrariamente, não só
devido a diferenças nos critérios de medida utilizados em diferentes países, mas também
porque sociedades diferentes podem ter objectivos diferentes para os seus sistemas de
saúde.
Os sistemas de saúde distinguem-se entre si principalmente pela quantidade e natureza
da sua produção, pela existência de liberdade de escolha, pela equidade no acesso aos
cuidados, pelo grau de centralismo da sua organização, pela socialização das suas
prestações, pela estrutura das despesas e pela capacidade de se reformarem. Mas o que
sobretudo os distingue é a relação entre os custos dos recursos mobilizados e os
resultados de saúde obtidos.
Numa análise a quarenta critérios de desempenho dos sistemas de saúde de um grupo de
23 países desenvolvidos, Portugal ocupava o primeiro lugar no valor da redução da
mortalidade infantil (1985/1995) e o último lugar na redução da mortalidade perinatal
(1990), sobrevivência juvenil (1985) e redução da mortalidade por tuberculose (1995)
(Lambert, 2000). No indicador custos/resultados3 Portugal ocupa o 7º lugar, tendo à sua
frente somente o Canadá, Grécia, Suécia, Áustria, Austrália e Espanha.
Mas no que se refere à satisfação com o sistema de saúde actual, Portugal situou-se,
segundo Mossialos (1998), em 14º lugar entre os países da UE, com 3,6% das respostas
positivas, sendo ultrapassado unicamente pela Itália com 3,4% (a média da UE é de
22,1%).
Dados mais actuais, de um estudo assente num inquérito aos comportamentos e atitudes
da população portuguesa perante o Serviço Nacional de Saúde (SNS) (Cabral et al,
3
4
Relação entre o crescimento do ratio saúde/PIB e o decréscimo das taxas de mortalidade infantil e de
adultos em todas as idades, corrigidas pela idade e pelo sexo, WHO (1998 b).
Tese
Capítulo I: Fundamentação e Objectivos
2002)4, evidenciam relativamente ao acesso aos serviços de saúde que para a
esmagadora maioria da população a cobertura geográfica era plenamente satisfatória e,
quanto à opinião sobre o SNS, os níveis de satisfação dos utilizadores dos serviços são
muito melhores do que as dos inquiridos sem experiência do sistema público.
De facto, embora quase 75% dos utentes se revelem satisfeitos com o respectivo Centro
de Saúde, apenas um quarto dos inquiridos sem experiência se declara satisfeito com o
seu funcionamento e o mesmo se passa com as consultas hospitalares. Esta diferença de
opinião entre utentes e pessoas sem experiência pessoal tem sido registada em vários
países, não passando frequentemente os juízos de valor das pessoas sem experiência, na
opinião daquele autor, de meras opiniões influenciadas pelos media.
Os cidadãos querem cuidados de saúde cada vez em maior quantidade e de melhor
qualidade, aceitando dificilmente qualquer tipo de restrição ao acesso. Segundo Lambert
(2000), as populações dos países com o sistema de saúde predominantemente
“beveridgeano” apresentam uma maior insatisfação com o respectivo sistema (Suécia
72%; Reino Unido 85%; Portugal 96,6%) relativamente aos países em que predomina o
sistema “bismarkiano” (Áustria e Bélgica 60%; Alemanha 65%; França 75%). Segundo
Glaser (1991), o melhor sistema não seria nem aquele que gera grandes desigualdades e
que é extremamente caro, como o dos EUA, nem aquele cuja universalidade na
cobertura e igualdade no acesso induz escassez inaceitável de produção e priva os
cidadãos da liberdade de escolha, como os do Reino Unido e de Portugal.
Pode colocar-se então uma questão fundamental, que é saber se o sistema ideal poderá
então ser o existente na Alemanha, Holanda, França ou Japão, os quais parecem
assegurar à população a universalidade no acesso, além de garantirem a generosidade
das prestações presentes no sistema norte-americano, sem aumentar tanto os custos.
Para autores como Birnbaum (1997), DeMuro, (1995), Dumont (1995), Enthoven
(1993), Johanet (1998), Kervasdoué (1999) e Saltman, et al (1992), os cuidados geridos
(managed care5) constituem uma inovação norte-americana no sentido de introduzir
maior eficiência no sistema. Este modelo tem vindo a ser experimentado por vários
países, visando melhorar a eficiência, a qualidade e a viabilidade económica dos
4
Estes autores subdividem o seu estudo, sobre Saúde e Doença em Portugal, em cinco grandes dimensões
que estruturam as relações dos Portugueses com a saúde e a doença: (i) a morbilidade, ou seja o estado
de saúde da população e a sua propensão para a doença; (ii) os hábitos de saúde, isto é os cuidados que
as pessoas tomam ou não no sentido da promoção da sua saúde e da prevenção da doença; (iii) as
condições de acesso e a utilização efectiva dos diferentes serviços públicos e privados; (iv) a avaliação
que os utentes fazem dos cuidados de saúde públicos e, por último, (v) as atitudes da população perante
as prioridades sociais do Estado, as políticas de saúde, o funcionamento do sistema de saúde, as relações
entre serviço público e medicina privada, bem como as atitudes perante a saúde, a doença e a medicina
em geral.
5
Sistema de financiamento da saúde, através dum regime de capitação (pré-pagamento em oposição ao
pagamento por actos), controlando a gestão do risco. Visa mudar comportamentos dos profissionais
(consciencialização dos custos e da necessidade de referenciação), retira a centralização no sistema de
prestação hospitalar e utiliza métodos de incentivos e penalidades para remunerar sem intervir na
decisão clínica. Substitui o modelo centrado no doente e na doença, com custos crescentes e qualidade
discutível e assenta na prestação de serviços de saúde necessários a uma população definida. Pressupõe
a existência de mecanismos de controlo dos financiadores que gerem os resultados, através da
qualidade e dos custos.
Tese
5
Capítulo I: Fundamentação e Objectivos
sistemas de saúde. Embora o conceito tenha surgido no sector privado, cada vez mais os
sistemas públicos de saúde procuram inspirar-se nos princípios e nas técnicas do
managed care, para melhorar a eficiência e a estabilidade financeira dos respectivos
serviços. Será talvez por essa razão que os Franceses, do estudo que têm realizado sobre
os diferentes sistemas de saúde, têm procurado tirar ensinamentos da experiência do
sistema norte-americano, nomeadamente no que se refere à eficácia de controlo das
actividades clínicas e da organização de centros de cuidados integrados, visando
garantir os principais objectivos da saúde pública, num quadro de manutenção das
despesas globais em saúde.
Ainda segundo aqueles autores, parece existir evidência de que o tipo de organizações
que conciliam melhor a quantidade de prestações, a equidade e a efectividade se
encontram no Japão e nos sistemas escandinavos. Divergem, contudo, no que se refere à
privatização do sistema de saúde como forma de resolver os problemas existentes, mas
concordam, no entanto, numa solução que assente na contratualização, na
descentralização e na regulação, responsabilizando os políticos pelas reformas
inacabadas e contraditórias que impeçam a mudança e a melhoria dos sistemas de saúde.
2.
ENQUADRAMENTO
Nas duas últimas décadas os governos da maioria dos países industrializados têm vindo
a ser confrontados com graves crises financeiras e com profundos conflitos políticos,
decorrentes do crescimento da despesa com as funções sociais sob sua responsabilidade.
De forma a tentar conter o crescimento desta despesa e a tornar os utilizadores dos
serviços públicos mais responsáveis na sua utilização, têm vindo a ser introduzidas
algumas regras próprias do sector empresarial nos modelos de distribuição de recursos
em vigor nos sistemas públicos (Saltman et al, 1992).
Assim, a procura de soluções para responder ao impacte das pressões económicas e
fiscais tem levado os países ocidentais, independentemente dos seus sistemas políticos e
administrativos, a adoptar instrumentos de reforma, aparentemente similares, no sector
público. Têm sido países anglo-saxónicos (Reino Unido, EUA, Austrália, Nova
Zelândia) a assumir uma posição de liderança nas iniciativas inovadoras de reforma
adoptadas. As mudanças iniciadas nestes países, apesar das diferenças que apresentam,
convergem em vários aspectos, nomeadamente na ênfase dada à eficiência, à
efectividade, à redução de despesas e à competição entre os serviços, tendência que tem
vindo a ser adoptada progressivamente nos restantes países.
Segundo Pollitt et al (2000), a forte influência das correntes de pensamento económico
observada na abordagem à reforma da Administração Pública foi motivada,
principalmente, pelos problemas financeiros dos governos, pela necessidade inadiável
de afrouxar a taxa de crescimento dos gastos públicos, pela incapacidade em conduzir
uma administração cada vez mais ineficiente e consumidora, pelo descrédito em que os
serviços públicos caíram e pelas expectativas dos cidadãos em relação à sua qualidade.
Além do rigor colocado no controlo das despesas públicas, tem-se assistido a uma
preocupação generalizada por parte dos governos em recuperar a confiança dos
cidadãos e em melhorar a qualidade dos serviços prestados.
6
Tese
Capítulo I: Fundamentação e Objectivos
Estaríamos assim no fim de um período em que o Estado se assumiu como o grande
impulsionador do bem-estar social e a sociedade o reconheceu como tal6. Daí a
emergência do debate em torno de formas organizacionais que funcionem como
alternativa ao actual sistema, o complementem e/ou o reformem. De referir que a
reforma do Estado vem sendo reclamada por muitos agentes económicos, sociais e
políticos, muitas vezes sublinhando-se a necessidade de reformar instituições, outras
sendo apontada a necessidade imperiosa de alterar processos, rotinas e procedimentos e
outras ainda duvidando-se da capacidade do Estado, ou até da utilidade da sua
intervenção.
A organização do Estado que começou a ser posta em causa durante a crise dos anos
setenta tinha três dimensões: económica, social e administrativa, todas interligadas.
A primeira dimensão era a keynesiana, caracterizada pela activa intervenção pública na
economia, procurando garantir o pleno emprego e actuar em sectores considerados
estratégicos para o desenvolvimento nacional (telecomunicações, por exemplo).
O welfare state7 correspondia à dimensão social do modelo. Adoptado em maior ou
menor grau nos países desenvolvidos, o Estado de bem-estar tinha como objectivo
principal a produção de políticas públicas na área social (educação, saúde, assistência
social, habitação, etc.), para garantir as necessidades básicas da população.
Por fim, havia a dimensão relativa ao funcionamento interno do Estado, o chamado
modelo burocrático weberiano, ao qual cabia o papel de manter a neutralidade e a
racionalidade do aparelho governamental. Assim, torna-se difícil dissociar a reforma do
Estado da reforma de muitos aspectos da administração pública, mas convém ter
presente a questão dos limites da intervenção do Estado, a qual tem sido objecto de
análise de vários autores, entre eles Adam Smith (1987)8, Bentham (1962 e 1970)9 e
6
Em meados da década de setenta, sobretudo a partir da crise do petróleo em 1973, uma grande crise
económica mundial pôs fim à era de prosperidade que se iniciara após a Segunda Guerra Mundial. Foi o
fim da “era dourada”, o que, segundo Hobsbawm (1996), corresponde ao período em que não só os
países capitalistas desenvolvidos, mas também o bloco socialista e parte do Terceiro Mundo, alcançaram
altíssimas taxas de crescimento. A principal receita para o contínuo sucesso durante trinta anos foi a
existência de um amplo consenso social sobre o papel do Estado, o qual procurava garantir prosperidade
económica e bem estar social.
7
No plano histórico, o “social” constituiu-se como registo próprio da modernidade, centrada e estruturada
em torno do trabalho. A centralidade do trabalho na organização das sociedades contemporâneas
ligava-se, no entanto, por um lado, à capacidade do movimento operário de integrar e articular interesses
mais amplos da sociedade e, por outro, à capacidade do Estado em regular e administrar o conflito de
interesses divergentes. No âmbito institucional, passou-se de um regime baseado na responsabilidade
individual e fundado no direito civil para um regime de solidariedade assente num contrato social,
alicerçado na noção de direito social (Ewald, 1986) e estabelecido por um conjunto de leis relacionadas
com as condições do trabalho e a proteção aos trabalhadores que perderam a capacidade do uso da força
de trabalho (doenças, invalidez, desemprego, velhice, acidentes, etc.), reconvertendo uma noção antes
restrita à responsabilidade individual, para uma outra objectiva do risco colectivo, ou seja, o direito
social criou as condições de intervenção crescente do Estado na esfera das relações privadas, na empresa
e na família, na prevenção de perigos que ameaçam a sociedade, consolidando o princípio de uma
responsabilidade pública institucionalizada.
8
“An Inquiry into the Nature and Causes of the Wealth of Nations”, 2 volumes (London, W. Strahan & T.
Cadell, 1776); second edition, revised, 1778; third edition with Additions and Corrections, 3 volumes
(London, A. Strahan & T. Cadell, 1784); fourth edition (London, A. Strahan & T. Cadell, 1786); fifth
Tese
7
Capítulo I: Fundamentação e Objectivos
Burke (1790)10, mais actualmente, Buchanan (1972), Nozick (1974) e Rawls (1971),11
entre outros.
Convém reter que nomeadamente Rawls convida os cidadãos a uma participação activa
de forma a alargar o consenso e a que cada um tenha voz para afirmar a sua própria
autonomia. Mas antes de prosseguir este raciocínio, convém ainda referir o papel das
Nações Unidas (ONU)12 e o trabalho fundamental desenvolvido por Eleanor Roosevelt13,
que, entre outros, como Presidente da Comissão dos Direitos Humanos da ONU 14, nos
anos de 1947 e 1948, preparou e redigiu a Declaração Universal dos Direitos Humanos
edition, (Philadelphia, Thomas Dobson, 1789); a Glasgow Edition of the Works and Correspondence of
Adam Smith, 7 volumes, edited by A. S. Skinner and others (Oxford, Clarendon Press, 1976-1987).
Com tradução em português “Inquérito sobre a natureza e as causas da riqueza das nações”, 2 vols.,
Lisboa, Fundação Calouste Gulbenkian, 1981-1983.
9 Como se lê em Britannica Concise Encyclopedia, from Encyclopædia Britannica Premium Service,
“British economist Jeremy Bentham is most often associated with his theory of utilitarianism.
Bentham’s views ran counter to Adam Smith’s vision of “natural rights”. He believed in utilitarianism,
or the idea that all social actions should be evaluated by the axiom “It is the greatest happiness of the
greatest number that is the measure of right and wrong”. Unlike Smith, Bentham believed that there
were no natural rights to be interfered with. His principal publications were: “An Introduction to the
Principles of Morals and Legislation”, (1970), and “Law, Liberty and Government” (1962). The notion
of liberty present in Bentham’s account is what is now generally referred to as “negative” liberty
freedom from external restraint or compulsion. Nevertheless, he does note that there is an important
distinction between one’s public and private life that has morally significant consequences, and he holds
that liberty is a good-that, even though it is not something that is a fundamental value, it reflects the
greatest happiness principle.
10
Entre os autores e textos dominantes no âmbito da controvérsia política inglesa entre 1790 e 1800, é
importante mencionar: (i) Edmund Burke (teórico do conservadorismo e defensor da monarquia, autor
de reflexões sobre a Revolução Francesa, 1790); (ii) Thomas Paine (revolucionário republicano e
democrata, autor dos Direitos do Homem, 1791-1792) e, (iii) William Godwin (filósofo anarquista,
autor de uma investigação acerca da justiça política, 1794).
11
Segundo the Stanford Encyclopedia of Philosophy “The form of social contract described by John
Rawls in A Theory of Justice can be called the fictive assembly” and “ Rawls Theory of Justice (1971)
is the most influential normative work of political philosophy of the last two generations. In 1993 it
was followed by a broader work on Political Liberalism. Rawls later work claims that his concerns are
not metaphysical, but political: a stable and workable society in the western liberal tradition. In reality,
all his work is a justification of liberal societies against others. Worse, it is a justification of the
inequality and injustice in those societies, and a model for a conservative future.”
12
O seu documento constitutivo, adoptado em 1945, estabelece o objectivo de “promover e encorajar o
respeito pelos direitos humanos e pelas liberdades fundamentais de todos sem distinção de raça, sexo,
língua e religião”, que embora tenha dado um novo estatuto legal internacional aos direitos humanos,
não incluía, especificamente, uma declaração internacional de direitos e garantias, defendida por
muitos. Essa tarefa foi atribuída à Comissão de Direitos Humanos.
13
Viúva do presidente Franklin Roosevelt, que como presidente da Comissão de Direitos Humanos,
argumentou agressivamente para que houvesse uma definição forte e precisa dos direitos humanos,
enquanto tentava tornear alguns aspectos entre os vários membros e conciliar diferentes pontos de vista
que derivavam de culturas distintas. Muitos especialistas na Declaração Universal lembram que se não
fosse pela liderança de Eleanor Roosevelt, o esforço não teria sido bem sucedido, dado que a sua
capacidade, visão e especialmente a sua habilidade para conciliar as muitas e opostas visões, foram
vitais para o sucesso daquela tarefa.
14
Que incluía Charles Malik (relator da comissão), do Líbano; P. C. Chang, da China; o canadiano John
Humphrey, director da Divisão de Direitos Humanos da ONU e o Francês René Cassin
(Vice-Presidente), entre outros.
8
Tese
Capítulo I: Fundamentação e Objectivos
adoptada por esta organização15. Esta Comissão, envolvendo representantes de mais de
cinquenta países, com grandes diferenças ideológicas, culturais e históricas, mas todos
eles partilhando uma profunda aversão moral em relação à vastíssima perda de vidas
humanas na guerra que havia terminado recentemente (aproximadamente 50 milhões de
pessoas), conseguiu fazer aprovar a Declaração Universal e tem procurado, através do
trabalho da própria comissão e de outros órgãos da ONU, fazer com que a Declaração
Universal se torne uma realidade contínua.16
Voltamos agora às questões da reforma do Estado, sabendo que a redefinição do seu
papel na economia e a tentativa de reduzir os gastos públicos na área social, tarefa nem
sempre conseguida, foram as duas saídas mais comuns à crise económica e social da
antiga organização de Estado. Para responder ao enfraquecimento do modelo
burocrático weberiano, foram introduzidos, em larga escala, padrões empresariais na
administração pública, inicialmente e com maior força em alguns países
anglo-saxónicos (Reino Unido, EUA, Austrália e Nova Zelândia), e depois,
gradualmente, na Europa Continental e Canadá.
Trata-se de evoluir do modelo burocrático weberiano de Administração Pública, para
um outro que inclua algumas características das organizações empresariais, sem as
procurar reproduzir, já que estamos perante um sector onde as regras da oferta e da
procura seguem uma lógica bem mais complexa do que a mera transacção de bens ou
serviços. A este modelo intermédio, que tem sido experimentado nalguns países, dão os
anglo-saxónicos a denominação de quasi-mercado.
Valerá decerto a pena fazer algumas observações antes de se entrar na discussão de
questões mais específicas. Os primeiros países a percorrerem os caminhos da
liberalização dos serviços públicos foram o Reino Unido, com a adopção do New Public
Management e os EUA, em 1983, com a denominada “Comissão Grace” do governo de
Ronald Reagan, para repensar o papel do Estado. As mudanças radicais operadas por
Margaret Thacher, durante o governo neoliberal dos anos oitenta e noventa, estão
fortemente ligadas a uma ideologia que acredita numa pequena Administração de forte
liderança e na eficiência do sector privado e nos Estados Unidos, diversos líderes
empresariais defendiam que o sector privado poderia exercer muito melhor certas
actividades do que o sector público.
Naturalmente que o modelo empresarial e o debate em torno dele não podem ser
circunscritos ao contexto da saúde. Pelo contrário, toda a discussão sobre a utilização da
15
Os 30 artigos da Declaração Universal cobrem direitos civis e políticos, assim como os direitos
económicos, sociais e culturais, que são estabelecidos como um padrão comum de realização para
todas as nações, expresso no seu artigo 1º: “Todos os seres humanos nascem livres e iguais em
dignidade e em direitos. Dotados de razão e de consciência, devem agir uns para com os outros em
espírito de fraternidade.”
16
Todos os anos, a Comissão de Direitos Humanos da ONU, a mesma organização que foi presidida por
Eleanor Roosevelt há mais de meio século atrás, reúne-se em Genebra para avaliar o cumprimento das
normas de direitos humanos, por parte dos Estados e para responsabilizar aqueles que não as cumprem.
Embora os instrumentos à disposição da comissão, para fazer valer a vontade da comunidade
internacional, tenham sido criticados por muitos defensores dos direitos humanos, que as consideram
inadequadas, a importância da sua capacidade de expor aqueles que violam os direitos humanos à
apreciação pública é de grande relevância.
Tese
9
Capítulo I: Fundamentação e Objectivos
empresarialização na administração pública faz parte de um contexto mais vasto,
caracterizado pela prioridade dada ao tema da reforma administrativa, quer seja na
Europa (Cassese, 1989), no leste europeu ou ainda nos países do terceiro mundo
(Caiden, 1991; Collins et al, 1995). O modelo empresarial e as suas diferentes
aplicações foram e estão a ser discutidas em praticamente todos os países. Modelos de
avaliação de desempenho, novas formas de controlo orçamental e serviços públicos
direccionados para as preferências dos consumidores, métodos característicos da
empresarialização, são hoje parâmetros fundamentais a partir dos quais, de acordo com
as condições locais, os países alteram as anteriores estruturas administrativas.
Não existe consenso sobre o modelo empresarial, sendo que alguns discordam
totalmente dele, preferindo até nem discuti-lo, mas convém referir que o facto
incontestável no debate internacional sobre administração pública, mesmo por aqueles
que são severamente críticos da empresarialização, é que o modelo burocrático
weberiano não responde mais às expectativas da sociedade contemporânea (Pollitt et al,
2000). Voltado cada vez mais para si mesmo, o modelo burocrático tradicional tem
vindo a caminhar em sentido inverso ao das aspirações dos cidadãos. É a partir deste
processo que o modelo empresarial começa a preencher um vazio teórico e prático,
captando as principais tendências presentes na opinião pública, entre as quais se
destacam o controlo dos gastos públicos e a procura da melhor qualidade dos serviços
públicos.
Segundo Hood, C. (1996), há ainda uma outra observação que reforça a importância de
se estudarem as mudanças recentes na administração pública. Ao invés de se constituir
numa doutrina rígida e fechada, a empresarialização parece apresentar um grande poder
de transformação, incorporando as críticas à sua prática e alterando alguns dos seus
conteúdos. Mais do que isso, as actuais transformações apontam para uma diversidade
de concepções organizacionais que ultrapassam o simples modelo empresarial, de modo
que não existe um paradigma global capaz de responder, tal como uma prescrição, a
todos os problemas enfrentados pela crise do modelo weberiano.
No contexto da multiplicidade de concepções organizacionais, convém ressaltar que foi
o modelo empresarial, inicialmente na sua forma pura, o propulsor das primeiras
mudanças no modelo weberiano. Somam-se a isso a força e a centralidade das propostas
de empresarialização, preponderantes em termos teóricos e práticas no actual estágio do
debate acerca das reformas administrativas. O que não quer dizer que o modelo
empresarial não tenha limites e fraquezas. Tem-nos de facto, mas é das insuficiências
deste modelo que nascem novas práticas, as quais também se distanciam do antigo
padrão burocrático. Trata-se de reconstruir o sector público sob bases pós-burocráticas,
as quais encontram na empresarialização um dos seus principais fundamentos.
2.1
A emergência do modelo empresarial
Desde finais da década de setenta que a reforma do Estado se tornou uma palavra de
ordem em quase todo o mundo. O antigo consenso social sobre o papel do Estado perde
força rapidamente e a introdução do modelo empresarial no sector público faz parte
deste contexto. Mas em que circunstâncias ocorre esta mudança?
10
Tese
Capítulo I: Fundamentação e Objectivos
Pelo menos quatro factores sócio-económicos terão contribuído fortemente para fazer
explodir a crise do Estado:
(i) a crise económica mundial, iniciada em 1973, na primeira crise do petróleo, e
retomada ainda com maior intensidade em 1979, na segunda crise do petróleo.
A economia mundial enfrentou um grande período recessivo nos anos oitenta
e nunca mais retomou os níveis de crescimento atingidos nas décadas de
cinquenta e sessenta;
(ii) a crise fiscal foi o segundo factor a enfraquecer as bases do antigo modelo de
Estado. Após ter crescido durante décadas, a maioria dos governos não tinha
recursos para continuar a financiar os seus défices e, assim, os problemas
fiscais tendiam a agravar-se na medida em que se iniciava, sobretudo nos
EUA e Reino Unido, uma revolta dos contribuintes (taxpayers) contra a
cobrança de mais impostos, principalmente porque não se vislumbrava uma
relação directa entre o acréscimo de recursos afectos às políticas públicas e a
melhoria dos serviços públicos. Estava em causa o consenso social que
sustentara o welfare state;
(iii) o terceiro factor consistia naquilo que se denominava como situação de
"ingovernabilidade”: os governos estavam inaptos para resolver os seus
principais problemas (Holmes et al, 1995), pois encontravam-se
sobrecarregados com actividades acumuladas ao longo do pós-guerra,
acrescido do facto dos grupos de pressão, os clientes dos serviços públicos e
todos os beneficiários das relações neocorporativas, vigentes, não quererem
perder o que, para eles, eram conquistas e que para os neoliberais eram
grandes privilégios;
(iv) por último, a globalização e todas as transformações tecnológicas que
transformaram a lógica do sector produtivo também afectaram profundamente
o Estado. O enfraquecimento dos governos para controlar os fluxos
financeiros e comerciais, conjugado com o aumento do poder das grandes
multinacionais, resultou na perda de parcela significativa do poder dos
Estados ditarem políticas macroeconómicas.
Esta crise do Estado afectou directamente a organização das burocracias públicas. Por
um lado, os governos tinham menos recursos e mais défices, sendo que a redução dos
custos se tornou uma prioridade. No que se refere à administração pública isto teve dois
efeitos: a redução dos gastos com pessoal era vista como um caminho necessário e era
preciso aumentar a eficiência governamental, o que implicava, para boa parte dos
reformadores da década de oitenta, uma modificação profunda do modelo weberiano,
ineficiente, lento e normativista. Por outro lado, o Estado vinha perdendo o seu poder de
acção, especialmente se levarmos em conta os problemas da “governabilidade” e os
efeitos da globalização. Portanto, surgia não só um Estado com menos recursos, mas um
Estado com menos poder. Para enfrentar esta situação, o aparelho governamental
precisava ser mais ágil e mais flexível, tanto na sua dinâmica interna como na sua
capacidade de adaptação às mudanças externas.
Redução de gastos e de pessoal, aumento da eficiência e maior flexibilidade do aparelho
burocrático, tudo isto estava contido no modelo empresarial, tal como era proposto
pelos reformadores do começo da década de oitenta. A competição gerida substituiria o
Tese
11
Capítulo I: Fundamentação e Objectivos
modelo weberiano, introduzindo a lógica do aumento da produtividade existente no
sector privado. No entanto, as condições materiais não eram suficientes para sustentar a
defesa deste modelo, embora houvesse também uma conjuntura intelectual
extremamente favorável às mudanças na administração pública.
A ascensão de teorias extremamente críticas às burocracias públicas, como o public
choice17 (ou teoria da escolha pública, cujo principal objectivo é o de aplicar um método
da ciência económica a um objecto que tradicionalmente tem sido considerado no
âmbito da ciência política: grupos de interesse, partidos políticos, processo eleitoral,
análise da burocracia, escolha parlamentar e análise constitucional), nos EUA e o
modelo neoliberal hayekiano18 (principalmente no Reino Unido), abriu espaço para o
avanço do modelo empresarial, como referência, no sector público. Mas a visão
negativa referente à burocracia não se vinculava apenas a teorias intelectualmente mais
elaboradas. De uma forma indiscutível, a perspectiva do senso comum contra a
burocracia expandia-se rapidamente no final da década de setenta e no começo da de
oitenta.
Contribuía para piorar a imagem da burocracia o facto dela ser classificada muito mais
como um grupo de interesse do que como um corpo técnico neutro ao serviço dos
cidadãos. Ao sentimento anti-burocrático juntava-se a crença, presente em boa parte da
opinião pública, de que o sector privado possuía o modelo ideal de gestão. A
administração das empresas privadas tinha uma óptima reputação, apesar dos vários
escândalos ocorridos no final da década de setenta, nomeadamente falências e corrupção
(Caiden, 1991). Não foi por acaso que Margareth Thatcher levou para o governo um
administrador do sector privado, Dereck Rayner, para dirigir o seu plano de reforma
administrativa.19
Mas este sentimento difuso, contrário à burocracia pública e favorável aos ideais da
iniciativa privada, precisou de um catalisador político para se impor. A vitória dos
conservadores no Reino Unido, em 1979 e dos republicanos nos EUA, em 1980,
representou a vitória dos grupos que contestavam o antigo consenso social pró-welfare
state. Blair e Clinton não vieram alterar grandemente as políticas seguidas por Thatcher
e Reagan, a não ser numa maior preocupação na área social.
17
Alguns autores atribuem a origem da public choice, no séc. XVIII, ao estadista, filósofo e matemático
francês Marquês de Condorcet (Marie Jean Antoine Nicolas de Caritat) e à sua “descoberta” do
paradoxo do voto e, no séc. XIX, ao escritor e professor de matemática inglês Lewis Caroll (Charles
Lutwidge Dodgson). Contudo, a origem mais recente da teoria da escolha pública pode situar-se em
seis obras, hoje clássicas, escritas por economistas e um cientista político, nos finais da década de
cinquenta e década de sessenta: Duncan Black (1958), James Buchanan e Gordon Tullock (1962),
Mancur Olson (1971), Kenneth Arrow (1951), Anthony Downs (1957) e William Riker (1962).
18
“If there are two things most people can agree on these days, they are that free-market capitalism is the
only way to organize a society and that the key to economic growth is knowledge. So prevalent are
these beliefs that their origins are rarely examined, which is somewhat surprising, since both
statements can be traced back, in large part, to Friedrich August von Hayek”, John Cassidy, The New
Yorke - about the book, Friedrich A. Hayek (1899–1992), biography, by Alan O. Ebenstein
(www.independent.org/tii/forums/010516ipf2.html).
19
É interessante observar que várias pessoas ligadas a interesses empresariais participaram nos debates
sobre as reformas das burocracias públicas nos EUA e Reino Unido, (Pollitt et al, 2000).
12
Tese
Capítulo I: Fundamentação e Objectivos
Foi neste contexto de escassez de recursos públicos, enfraquecimento do poder público
e de avanço de uma ideologia privatizante, que o modelo empresarial se implantou no
sector público. Coube aos conservadores ingleses e aos republicanos americanos a
iniciativa nesse sentido, introduzindo, num primeiro momento, um modelo empresarial
puro, em que prevalecia o ângulo meramente economicista (reduzir custos como
principal objectivo) e o desconhecimento da especificidade do sector público. Assiste-se
assim à liberalização dos serviços públicos com a adopção da New Public Management
(NPM).
Esta teoria pressupõe uma mudança no relacionamento entre a decisão política e a
Administração, convertendo a lealdade e a hierarquia num sistema de cooperação. Do
conjunto de dimensões que a abordagem de NPM apresenta, podem destacar-se as
seguintes:
•
maior controlo, por parte dos cidadãos, dos poderes discricionários da
Administração;
•
padrões de desempenho dos serviços prestados, explícitos e mensuráveis;
•
utilização de instrumentos e métodos, fiáveis e já experimentados, nas
organizações privadas (aproximação de regimes organizacionais);
•
maior preocupação na utilização dos recursos afectos às entidades públicas.
Mas a mudança pressupõe uma profunda compreensão dos desafios e uma estratégia
hábil e determinada. Importa pôr em causa a totalidade dos funcionamentos, das regras
do jogo, dos métodos e das técnicas a aplicar, para que a Administração Pública se
inove, aligeirando as suas estruturas e mentalizando-se de que, sob pena do seu
esgotamento funcional, terá de adequar os recursos de que dispõe às responsabilidades
para fazer face ao crescente poder dos cidadãos.
Ao longo dos últimos quinze anos, entretanto, a new public management sofreu um
contínuo processo de transformação. Da inicial perspectiva conservadora, o debate
referente ao modelo empresarial tem avançado por terrenos cada vez mais dominados
pelas temáticas democráticas.
2.2
Contributos para a reforma da administração pública na saúde
Para Mozzicafreddo (2000 e 2001), a discussão em torno da reforma da administração
pública é fonte de clivagens políticas e analíticas, dado que a sua importância
estratégica, a sua dimensão e as suas funções explicam as diferentes perspectivas com
que são encaradas. Além disso, e no que se refere às teorias de gestão da Administração,
o sector público é geralmente considerado como sendo inferior ao sector privado, como
tendo a aprender com ele, isto é, como sendo o oposto do sector privado. Contudo,
segundo este autor, o sector privado ainda está longe de ser autónomo e eficiente, tanto
no sentido organizacional, como do desenvolvimento da qualificação dos recursos
humanos e da investigação industrial ou profissional. Considera ainda que o pano de
fundo contra o qual se desenha o novo modelo de gestão da Administração Pública é
uma imagem projectada num ecrã desfocado pelas clivagens políticas.
Tese
13
Capítulo I: Fundamentação e Objectivos
A questão fundamental para uma verdadeira mudança na administração pública,
colocando-a efectivamente ao serviço dos cidadãos, parece não estar apenas centrada na
melhoria dos processos e procedimentos mas principalmente na democratização dos
conteúdos das políticas públicas, já que de nada vale ter uma administração eficiente – à
imagem da ilusão empresarial – quando se aprofunda, nos cidadãos, a percepção da falta
de equidade na distribuição dos recursos públicos e no desigual contributo das receitas
do trabalho colectivo.
Sumariamente, poderemos dizer que a gestão dos sistemas de saúde tem sido feita
segundo dois tipos de mecanismos: pela via da administração pública, que promove o
desenvolvimento da integração hierárquica mas torna-o permeável aos vários interesses
instalados no sector, ou através de uma integração pelo mercado, que o torna
pretensamente eficiente à custa da redução de algumas das actividades que não são
consideradas rentáveis, nomeadamente as que se relacionam com factores ambientais,
de qualificação dos recursos e de investigação.
As reformas da administração pública, ou o modelo pós-burocrático como é referido
por alguns autores ou a new public management como é considerada na literatura
anglo-saxónica, que têm vindo a ser postas em prática nos países da OCDE, embora
tenham por base as mesmas causas e tenham seguido genericamente o mesmo
paradigma nas soluções adoptadas, realizaram-se em quadros de referência muito
diferentes (Rouban et al, 1995), mas com diversos pontos comuns, nomeadamente (i) o
controlo das despesas públicas, (ii) a adopção de técnicas e processos de gestão
empresarial e (iii) a mudança de estatuto dos funcionários.
Ainda que a new public management constitua uma via interessante para reformar a
administração pública tradicional, convém, no entanto, estar atento aos seus críticos e
levar em consideração aquilo que alguns autores apontam, baseados sobretudo na
evidência dos desempenhos dos sistemas onde essas mudanças já se operaram ou estão
em desenvolvimento. Assim, segundo Hood C. (1996), a new public management não
tem conteúdo teórico e deve ser entendida como um modelo de gestão pública de matriz
britânica, de difícil exportação para outras culturas e estruturas administrativas.
Ao analisar os impactes da reforma no Reino Unido, Pollit et al (2000) observa que não
se realizaram avaliações das mudanças introduzidas no sistema de saúde durante os
governo de Thatcher e Major, tendo havido lugar exclusivamente à definição de
estratégias, relatórios e medidas a tomar, embora a administração Blair esteja
empenhada na sua avaliação, tendo-se verificado já um efectivo downsizing e um
significativo acréscimo de eficiência. Este autor considera ainda que não há indícios
consistentes que relacionem a implementação da new public management e o
desempenho macroeconómico, dado que os EUA, a Alemanha e o Japão, que
constituem as economias mais bem sucedidas, não adoptaram nenhuma das medidas
mais radicais, isto é, nem o modelo empresarial puro nem o de managed care.
No caso da Alemanha, o denominado sistema de governo descentralizado, permitiu,
muito antes do modelo de agência e da new public management, a criação de
organizações descentralizadas, que constituem uma das características mais importantes
deste modelo (Reichard, 1996). Em 1993 foi implementado um programa de reforma
nos governos locais – Novo Modelo de Governo (Neues Steuerungsmodell) – que visou
14
Tese
Capítulo I: Fundamentação e Objectivos
introduzir novos conceitos, como a gestão estratégica, os serviços orientados para os
clientes, a substituição de normas por contratos, maior flexibilidade na gestão financeira
e de recursos humanos e a aproximação da administração aos cidadãos.
Alguns autores, nomeadamente Conrad et al (1997), Mccourt et al (2001) e Pollitt et al
(2000), defendem que o paradigma do Estado pós-burocrático não é a new public
management britânica, mas que o estado burocrático está a mudar e tem de mudar,
considerando que essa mudança não se poderá verificar exclusivamente à custa das
alterações do processo gestionário, mas no sentido da governação em rede, ou seja,
promovendo o desenvolvimento de uma estrutura complexa, em que o modelo vertical
baseado na hierarquia e na autoridade dá lugar a um modelo em rede, já que o
fornecimento de serviços públicos passará a depender de um conjunto de organizações
cuja natureza poderá ser governamental, não governamental ou privada, ao invés de
uma só estrutura coordenada com recurso à hierarquia.
Outra abordagem económica importante para a contratualização é, de acordo com
Eisenhardt, K. (1988 e 1989) e Grossman et al (1983), a teoria do Agente-Principal, que
se pode definir como a delegação de funções pelo sector público a agentes institucionais
privados ou públicos autónomos e que faz com que as regras de mercado sejam mais
respeitadas do que o seriam numa burocracia clássica. As relações entre agente e
principal são muito frequentes na economia e são uma das formas codificadas mais
antigas de interacção social. Ocorrem sempre que há a presença de pelo menos dois
indivíduos: um deles, o principal, deseja que o outro, o agente, realize determinada
tarefa e, para isso, contrata-o mediante um pagamento (monetário ou não). Devido às
assimetrias de informação, o principal não tem normalmente como monitorizar
perfeitamente o agente, que pode escolher que acção tomar entre um número de
alternativas possíveis, sendo que esta decisão afectará o bem-estar de ambos.
Um exemplo muito citado é o caso da administração central que possui diversos órgãos
na sua estrutura. Na elaboração do orçamento cada órgão descentralizado (os agentes)
tende a pedir mais recursos do que precisa, porque não tem incentivos para redução de
custos, pois isso implicaria menos recursos no ano seguinte. A administração central (o
principal) não dispõe de informação actualizada, fiável e rigorosa dos verdadeiros
custos da administração descentralizada, e, por isso, não tem como medir a necessidade
real de recursos para aquele ano específico. Essa questão ficou conhecida na literatura
como compatibilidade de incentivos (incentive compatibility).
Há três tipos de relação agente-principal presentes na literatura: o primeiro quando a
acção, propriamente dita, do agente não é conhecida e é chamada de risco moral
(moral-hazard); o segundo é quando, embora podendo conhecer-se a acção do agente,
não se tem como avaliar se foi a mais apropriada do ponto de vista do principal, porque
aquele dispõe de determinada informação que este desconhece e é denominada de
informação oculta (hidden information). O terceiro tipo, de maior aplicação prática,
seria uma combinação dos dois primeiros.
Os principais problemas entre agente e principal surgem tanto nas empresas privadas
como no sector público, mas uma questão importante a analisar é a que se prende com
os incentivos em cada uma das situações.
Tese
15
Capítulo I: Fundamentação e Objectivos
Sabemos que o principal incentivo numa empresa privada é o lucro, pelo que os
proprietários encontram incentivos significativos que tornam desejável monitorizar o
comportamento dos gestores e empregados, de forma a responderem com qualidade à
procura dos clientes e ao mais baixo custo, sendo por isso difícil apresentarem
comportamentos desinteressados ou inconsistentes no que se refere ao aumento do valor
da empresa. Mas há a necessidade de compatibilizar o desejo de maximizar a função
objectivo do principal, que pode ser a maximização do lucro, por exemplo, com um
nível de utilidade mínima exigido pelo agente (participation constraint), ou um
determinado patamar salarial e ainda participação nos lucros, etc.
Esta relação dá-se num ambiente de informações assimétricas em que o agente
normalmente tem maior informação que o principal sobre o ambiente em que a empresa
actua (o proprietário, muitas vezes, não tem, a priori, como julgar uma decisão do
gestor), pelo que a solução parece ser o estabelecimento de um contrato que leve em
conta ambas as agendas. Esse tipo de problema está presente tanto na área pública como
na privada, sendo que as principais diferenças se situam ao nível dos diferentes tipos de
incentivos em cada uma das estruturas de propriedade (principalmente da parte do
principal) e da monitorização do agente pelo principal (Eisenhardt, K., 1988).
Os autores referidos apontam no sentido de que existem mais semelhanças do que
diferenças no funcionamento dos sectores público e privado e que podem ser obtidos os
mesmos resultados, independentemente do tipo de propriedade. Em ambos se verifica
uma significativa delegação de responsabilidades nos gestores, os quais conduzem,
conhecem o funcionamento do sector e tomam decisões discricionárias à revelia, quer
dos accionistas minoritários, quer do governo ou da sociedade, em última instância.
No sector público e de acordo com Rhodes (1997), a criação de agências, ou seja o
modelo denominado de quasi-mercado, conduz à fragmentação institucional e à
proliferação de organizações que desenvolvem diferentes culturas, dificultando a
articulação e implementação de políticas e reduzindo, por essa via, o papel dos
ministérios na determinação do que deve ser produzido e na fiscalização da sua
prestação. Uma vez que a formulação das políticas fica separada da sua implementação,
ficam criadas as condições para o desinvestimento no capital político dos gestores e na
sua capacidade de resolver problemas.
Mas, em contrapartida, as agências passam a dispor de um conhecimento especializado
sobre as matérias que estão a implementar, aumentando as possibilidades de se
desenvolver uma gestão com base na evidência e reduzindo a possibilidade de se
tomarem decisões baseadas no livre arbítrio. Contudo, estes dispositivos obrigam, como
referido anteriormente, à criação de redes de cooperação e articulação fortes, que
impeçam a existência de hiatos entre a elaboração da política e a sua execução.
Neste novo modelo, o quasi-mercado, os conceitos chave são a competitividade, a
eficiência, a escolha do consumidor e o valor do dinheiro, bem como outros princípios
que estão intrinsecamente ligados à definição do Estado Providência e dos serviços
nacionais de saúde, como a garantia de acesso, equidade, necessidades em saúde e
universalidade (Taylor-Gooby, 1991). Este modelo pressupõe ainda a existência de
regras claras, rigorosas e responsabilizantes de contratualização entre as partes
envolvidas (administração – nacional, regional ou local – instituições, comunidade,
16
Tese
Capítulo I: Fundamentação e Objectivos
etc.), assentes na identificação das necessidades em saúde das populações alvo e nos
recursos a atribuir para a realização dos cuidados de saúde que lhes dêem satisfação.
Embora sejam diversas as técnicas utilizadas no processo da reforma da administração
da saúde, a mais importante parece ser a clara distinção das funções de prestação e de
financiamento, cuja repercussão prática está presente nalgumas experiências adoptadas
por diferentes países, entre eles o Reino Unido com as Executive Agencies, a França
com as Regional Hospital Agencies (RHAs) e a Holanda e Suécia com as Agencies. O
pressuposto básico em que estas experiências assentam é o de que aos gestores cabe
gerir com plena autonomia e responsabilização (negociação de orçamentos globais),
sendo posteriormente avaliados pelos resultados obtidos.
Particularizando o sector da saúde, Savas (2000) afirma que na maioria dos países da
Europa Ocidental esta área constitui uma preocupação crescente, já que a fracção do
PIB que lhe é afecta tem vindo a crescer continuamente. Por esta razão, a maior parte
destes países têm procurado experimentar vias alternativas que lhes permitam reduzir o
peso da despesa do sector social nos Orçamentos de Estado. A segurança social e a
saúde estão entre os sectores que têm vindo a ser mais profundamente analisados. Como
resultado, a maioria das reformas iniciadas nos sistemas de saúde na Europa Ocidental
são em grande parte resultantes da procura de contenção de custos.
Mas o acelerado ritmo de crescimento das despesas com a saúde, sobretudo nos últimos
quarenta anos e a falta de equidade no acesso aos cuidados de saúde, criaram a
necessidade aos governos de repensarem as suas políticas de saúde, tendo levado,
naturalmente, a reformas dos sistemas ou, pelo menos, a questioná-los, quer na vertente
da eficiência dos serviços, quer na vertente da efectividade dos resultados, (Hindle et al,
1993 e OECD, 1993 b).
As despesas em Saúde, que nos últimos anos têm crescido a um ritmo elevado devido ao
crescente desenvolvimento científico e tecnológico e ao consequente aumento da oferta
em cuidados, levaram os governos a instituir políticas no sentido de melhorar o
funcionamento das instituições prestadoras de cuidados de saúde, através do aumento da
eficiência e da eficácia dos serviços e do desenvolvimento de novos modelos de gestão,
favorecendo a autonomia e responsabilização dos gestores.
Para responder a estes desafios, desde meados da década de oitenta e sobretudo no
início da década de noventa, alguns países, nomeadamente o Reino Unido, têm vindo a
introduzir a contratualização como o instrumento privilegiado da articulação entre os
diferentes níveis da administração da saúde. Utilizando um estilo hard ou soft, a
contratualização tem permitido questionar os velhos modelos de atribuição de recursos
baseados nos custos históricos (modelo do subsídio) e tem vindo a desenvolver uma
cultura de diálogo entre os diferentes intervenientes no processo, introduzindo critérios
de maior rigor, responsabilização e eficiência. No Reino Unido, em 1989, o Livro
Branco (White Paper) já continha um capítulo sobre a nova lógica de identificar
necessidades, pelas Autoridades de Saúde, na dinâmica da contratualização.
Em 2000, o primeiro-ministro do Reino Unido veio introduzir alterações nas políticas e
estratégias vigentes e através de um novo plano (The NHS Plan, 2000) impôs um novo
Tese
17
Capítulo I: Fundamentação e Objectivos
caminho para a reforma do National Health Service (NHS) nos anos seguintes20. Estão
já em curso algumas das alterações propostas, nomeadamente o desenvolvimento dos
centros de saúde, a afectação de 75% do orçamento à área dos cuidados primários e
comunitários, a criação de agências de avaliação e de organismos que, através da
informação e do conhecimento, irão introduzir uma maior eficiência nos serviços,
permitindo uma melhoria no acesso aos cuidados de saúde, com elevados níveis de
qualidade.
Analisada a experiência de outros países, Portugal introduziu, ao nível das regiões de
saúde, as Agências, para procederem à contratualização (em representação do cidadão)
dos cuidados de saúde (entre dois níveis da administração: as regiões de saúde e
organizações públicas prestadoras de cuidados às populações, nomeadamente hospitais
e centros de saúde), procurando promover a acessibilidade e a equidade e também uma
melhor explicitação da despesa.
Através do Despacho Normativo n.º 46/97 (Anexo I), de 8 de Agosto foi criada a
Função Agência21, que deu origem à “agência de acompanhamento”, mais tarde
denominada “agência de contratualização” através do Despacho Normativo n.º 61/99
(Anexo II), enquanto entidade intermediária entre a administração, os serviços
prestadores de cuidados e o cidadão, actuando no interesse destes de forma a garantir o
acesso aos cuidados de acordo com as necessidades. Os seus objectivos, para além da
identificação de necessidades e/ou cuidados em saúde, são ainda: proceder à
contratualização dos cuidados em saúde, após análise e proposta de distribuição de
recursos, monitorizar e avaliar o desempenho das instituições, no que se refere aos
cuidados contratualizados e avaliar os ganhos em saúde das populações22.
No nosso país, as Agências foram criadas para terem um papel fulcral na regulação do
sistema de saúde, desempenhando, segundo Santos (1999, pág. 3), uma função
determinante relativamente à identificação de necessidades, afectação de recursos,
definição de objectivos, utilizadores e preços. O mesmo autor (1999, pág. 6) é de
opinião que a contratualização é um instrumento de tomada de decisão mais
transparente, uma ferramenta para coordenar as actividades através do trabalho de
equipa, em que os contratos determinam o estabelecimento de prioridades entre os
serviços, tornando-os mais eficientes na utilização dos seus recursos.
Todos estes processos têm subjacente a necessidade de ser incorporada a visão do
cidadão que utiliza os serviços como consumidor final, através da participação no
processo de avaliação e acompanhamento e da consulta e discussão com a população ao
nível local. Para o efeito, nos diferentes países já foram adoptadas diversas medidas
destinadas a simplificar os procedimentos, identificar os responsáveis, permitir a livre
escolha dos prestadores, tendo o Reino Unido, desde 1991, adoptado a denominada
Carta dos Doentes e a França introduziu a consulta e discussão ao nível local.
20 “… it is time to move beyond the 1940s monolithic top down centralised NHS towards a devolved
health service, offering wider choice and greater diversity bound together by common standards, tough
inspection and NHS values”, Delivering the NHS Plan (April 2002).
21
Ministério da Saúde, 1997 b), p. 2
22
Ministério da Saúde, 1999, p. 88-89
18
Tese
Capítulo I: Fundamentação e Objectivos
3.
FUNDAMENTAÇÃO
O presente trabalho insere-se no contexto do sistema de saúde português e tem como
principal objectivo analisar as medidas de reforma e discutir os factores críticos que têm
dificultado, ou até mesmo impedido, a introdução de melhorias estruturantes no sistema,
no âmbito da mudança da administração pública.
Com a introdução da contratualização pretendeu-se dar início a uma mudança de
paradigma – deixar de distribuir os recursos em função das necessidades apresentadas
pelos serviços para passar a distribui-los na base de contratos rigorosos que traduzam o
pagamento adequado dos serviços prestados em função das necessidades em saúde de
uma comunidade tipo, reintroduzindo ao mesmo tempo o cidadão no sistema e
fazendo-o participar na decisão e avaliação, integrando o próprio corpo da Agência.
Trata-se, assim, de analisar o incipiente modelo contratual introduzido no sistema de
saúde português em 1996/1997, que se baseia na contratualização dos cuidados de
saúde, entre a entidade financiadora e os prestadores e que assenta em critérios de
efectividade, qualidade, preço e necessidades em saúde.
Para sustentar a argumentação utilizada, recorre-se à experiência das últimas três
décadas e, através dos dados disponíveis, procura-se encontrar evidência entre os
pressupostos utilizados nas políticas de distribuição de recursos e os resultados
alcançados. Um aspecto importante do trabalho consiste em identificar os Actores
Chave, também designados como Stakeholders, conforme a designação criada por
Russell et al (1981) e bem evidente em Walker23 et al (2001), para explicitar a
interacção entre as organizações e o meio envolvente e analisar as razões que estão
subjacentes ao falhanço das medidas de mudança definidas e até hoje não concretizadas.
Contrariamente a outros países, Portugal não tem conseguido implementar as linhas
estratégicas aprovadas e consensualizadas pelos diferentes intervenientes no processo de
decisão política.
Segundo Andrews (1971)24, Porter (1991) e Prahalad et al (1990)25, embora este último
mais preocupado com recursos e core competency, dá-se como adquirido que, no mundo
23
“We must commit ourselves to wrestling with this stakeholder stuff.” say Walker et al (2001). “Only a
brave leader explores what the troops really think. ... But to be a true leader in the new economy, we
must earn the trust of all our key stakeholders by learning to place faith in people and by weighing their
needs and opinions into our business decisions. If we as managers use tools to listen to them, then
collaborate with them fairly and intelligently, we will take care of the business and its constituents and,
as a result, take care of ourselves as well.”
24
Early 1960s: Harvard professors Kenneth Andrews and C. Roland Christensen articulate the concept of
strategy as a tool to link together the functions of a business and assess a company’s strengths and
weaknesses against competitors. Trata-se de uma abordagem sistémica, de entre outras possíveis, que
pode ajudar-nos a lidar com a ambiguidade e as incertezas do problema da saúde em Portugal, tendo por
base uma perspectiva estritamente organizacional. Esta abordagem é o modelo de análise, designado por
Análise SWOT, que examina a organização segundo quatro variáveis: (i) strengths (forças); (ii)
weakness (fraquezas), (referentes à organização – análise interna); (iii) opportunities (oportunidades) e
(iv) threats (ameaças) (estas duas para o meio envolvente).
25
Thus with resource-based theory the knowledge resources of a firm, its human and technological
competencies, and the ways in which all these are coordinated, are all central determinants of
competitiveness. In some respects the development of the core competency model (Prahalad et al, 1990)
is a recognition of these trends at the level of popular management thinking.
Tese
19
Capítulo I: Fundamentação e Objectivos
empresarial, para que as organizações tenham sucesso é imprescindível que previamente
ao desenvolvimento de um conjunto realista e exequível de metas e políticas sejam
definidas as estratégias em função de quatro condições básicas:
− Os factores internos, que consideram a análise interna das organizações, isto
é, identificam os pontos fortes e fracos das diferentes áreas funcionais, para
além dos valores pessoais dos principais dirigentes/gestores;
− Os factores externos, que detectam, avaliam e comparam as principais
ameaças e oportunidades que resultam da análise externa à organização.
Aquelas definem o meio competitivo, bem como as expectativas mais amplas
da sociedade, nomeadamente o impacte das políticas públicas e os interesses
sociais, entre outros;
− O meio envolvente contextual, ou macro-meio ambiente, que condiciona a
longo prazo as actividades da organização. Este pode desagregar-se em (i)
contexto económico, (ii) sócio/cultural, (iii) político/legal e (iv) tecnológico;
− O meio envolvente transaccional ou micro-meio ambiente, que é composto
pelos elementos que interagem directamente com a indústria em que a
organização actua:
O micro-meio imediato, formado pelos clientes, fornecedores,
intermediários, concorrentes directos do mesmo segmento, concorrentes
indirectos de outros segmentos da oferta e concorrentes substitutos de
segmentos da oferta não registada e;
O micro-meio mediato, constituído pela comunidade financeira, pela
imprensa, pelos grupos de interesses e pelo público em geral.
A análise dos factores internos e externos permite a formulação da estratégia com a qual
o decisor político/dirigente/gestor procede à afectação de recursos às várias áreas
funcionais da empresa, aproveitando as oportunidades e combatendo as ameaças.
Segundo Mintzberg et al (1999), a formação da estratégia precisa de envolver o
conhecimento individual e a interacção social, tanto cooperativa como conflitual; deve
incluir uma análise antes e uma programação depois, além de uma negociação durante o
processo de formação da estratégia; e tudo isto deve responder ao que poderá ser um
ambiente exigente. Refere ainda este autor que a evolução da estratégia é também
incentivada pela concorrência e o confronto.
Tendo como base o conhecimento e a investigação desenvolvida nesta área pelos
diferentes autores consultados e, levando em linha de conta os objectivos que norteiam
o presente trabalho de investigação experimental na área da saúde, desenvolve-se um
modelo de análise global (composto pela análise da opinião dos peritos e gestores
directamente envolvidos no processo (actores internos), análise da evolução dos
recursos envolvidos versus os resultados obtidos e a análise dos actores externos, que
permite identificar: (i) a percepção dos peritos sobre o adequado desenvolvimento do
processo de contratualização; (ii) o grau de ajustamento do modelo de afectação de
recursos ao sector da saúde face aos resultados obtidos e, (iii) os factores críticos que
condicionam a implementação de políticas de mudanças no sector.
20
Tese
Capítulo I: Fundamentação e Objectivos
Antes de se proceder à apresentação do modelo global de investigação, refere-se o
objecto do trabalho e os objectivos que se pretendem alcançar.
4.
OBJECTO DE ESTUDO
O tema do presente trabalho - Evolução da administração pública da saúde: o papel
da contratualização. Factores críticos do contexto português - é extremamente
pertinente, tanto em Portugal como a nível internacional. Uma das preocupações
dominantes dos governos continua a ser a reforma dos sistemas de saúde, no sentido de
os tornar mais eficientes e de travar o acelerado crescimento das despesas, preservando
os princípios da solidariedade, garantindo um acesso mais equitativo e melhorando a
sua efectividade. Portugal insere-se no conjunto de países que têm vindo a experimentar
soluções que nem sempre têm atingido os objectivos fixados e que por vezes são
interrompidas ou abandonadas sem terem sido cabalmente avaliadas. Daí a premência
da análise agora proposta.
Para vários autores, (Arrow, 1963; Culyer, 1971; Lucena et al 1995), o “mercado da
saúde” não se comporta como os outros mercados: o "cliente" não conhece bem os
produtos que quer consumir (a natureza e o tipo de cuidados de saúde que necessita),
razão pela qual é levado a expressar as suas necessidades através de um intermediário o médico – com quem estabelece uma relação de agência (Pereira, 1992). A
circunstância de, neste caso, o médico se comportar simultaneamente como decisor e
prestador, gera um natural desequilíbrio nas leis que regulam o mercado.
Para Dunlop et al (1995) e Schneider et al (1992), os cuidados de saúde são não só uma
parte integrante do sistema social, mas também um importante sector económico26. A
complexidade do mercado da saúde afecta, naturalmente, as dimensões económica e
social. A dinâmica do mercado da saúde depende, entre outras coisas, dos ganhos de
produtividade na prestação dos cuidados de saúde e da melhoria no acesso dos cidadãos
aos serviços de saúde. Segundo Chernichovsky (1995) e Enthoven et al (1995), entre
outros, as recentes reformas, ou propostas de reforma, dos sistemas de saúde,
assentariam sobretudo na concorrência para promover a eficiência.
Em Portugal, como nos outros países da UE, as expectativas dos cidadãos estão a
aumentar, tornando-se cada vez mais exigentes relativamente aos cuidados de saúde que
lhes são prestados. Nos últimos anos a procura destes cuidados tem tido um crescimento
contínuo devido, entre outras razões, ao envelhecimento da população e ao
desenvolvimento tecnológico, traduzido não só no prolongamento da vida, como
também nos melhores resultados obtidos no tratamento das doenças (Lucena et al 1995).
Sendo os recursos disponíveis escassos e a procura cada vez maior, não existiria outra
alternativa que não fosse a sua rentabilização.
26
A percentagem do PIB despendida na área da saúde, em 1999, foi em Portugal de 8,2%, (OECD Health
Data, 2002 b), sendo que a componente pública (despesa afecta ao SNS para investimento e exploração)
foi naquele mesmo ano de 4,1%, representando 11,6% do OGE (IGIF, 2000). Acresce ainda que
segundo dados de 2000 fornecidos, a pedido, pelo DRHS, o Ministério da Saúde emprega cerca de
110.000 efectivos.
Tese
21
Capítulo I: Fundamentação e Objectivos
A definição de uma metodologia que permita financiar os cuidados de saúde (tipo e
localização das actividades de prevenção, promoção, diagnóstico e reabilitação) em
função das necessidades identificadas (deixar de distribuir os recursos aos serviços em
função do histórico e dos inputs, para passar a distribui-los com base nos resultados e
assente em critérios que terão como suporte a evidência) e com recurso à
contratualização responsabilizante, possibilitará a obtenção de significativos ganhos de
eficiência e satisfação dos cidadãos.
5.
OBJECTIVOS DA INVESTIGAÇÃO
Os principais objectivos deste trabalho de investigação, relativamente à metodologia
referida, são os seguintes:
Quanto ao contexto em que se insere o sector saúde:
1. Clarificar os princípios básicos que sustentam o sistema de saúde;
2. Identificar os principais actores chave que se movimentam no sistema de
saúde;
3. Definir a matriz estrutural que lhe está subjacente.
Quanto ao processo de contratualização desenvolvido em Portugal, para o sistema de
saúde:
4. Explicitar o processo de contratualização e o papel das agências;
5. Determinar a coesão das respostas dos peritos auscultados, relativamente ao
processo de contratualização prosseguido em Portugal;
6. Ponderar se os governos central e local devem apoiar o sector de uma forma
mais incisiva, de molde a garantir a consolidação do processo de
contratualização;
7. Verificar se os profissionais mais envolvidos no processo da
contratualização atribuem “importância às políticas governamentais para o
sector” e se consideram que essas políticas são consentâneas com a reforma
necessária ao sector da saúde;
8. Analisar a qualidade do sistema de informação para os profissionais e a
capacidade das organizações envolvidas no processo da contratualização
enfrentarem os desafios que se lhes colocam.
Quanto ao desenvolvimento e gestão do processo de mudança no sistema de saúde:
9. Discutir a viabilidade da contratualização em Portugal;
10. Verificar o impacte da contratualização ao nível dos serviços prestadores e
discutir o processo de negociação com os actores chave;
11. Assinalar as vantagens decorrentes da identificação das necessidades em
saúde e discutir como é que elas podem contribuir para o sucesso da
contratualização;
22
Tese
Capítulo I: Fundamentação e Objectivos
12. Identificar os factores críticos, que no contexto português, condicionam a
implementação de políticas de mudança no sector.
Para além dos objectivos formulados, visa-se também poder contribuir com algumas
reflexões, que sejam geradoras de vantagens competitivas e de mais valias para o
desenvolvimento de um modelo de administração de saúde em rede, que tenha como
base o processo de contratualização.
6.
CONCEPÇÃO DO MODELO DE INVESTIGAÇÃO
Nos sectores económico e social, as últimas décadas têm-se caracterizado por um
crescente ritmo de mudança, evidenciada por um aumento da produção, da inovação em
produtos e tecnologias, da competitividade e pelas exigências dos cidadãos. A mudança
traduz-se na necessidade de adoptar uma actuação flexível, em que permanentemente se
equacionem e ajustem objectivos e estratégias, para que as organizações se adaptem à
realidade do mercado e a sua permanência se mantenha assegurada.
As análises quantitativas e qualitativas são imprescindíveis à tomada de decisões
estratégicas. É por essa razão que, segundo Handy C. (1995), os estudos de mercado são
indispensáveis. Contudo, a análise quantitativa da produção e da produtividade dos
serviços é o cerne das opções estratégicas em que assentam as políticas, as quais se
baseiam na inovação, na qualidade da gestão, na qualidade dos serviços e na satisfação
do cidadão utilizador e do cidadão profissional.
Desta forma, com base nos objectivos deste trabalho e tendo presente os modelos
usados para análise política de autores como Walt G. et al (1994) e Walt G. (1999, em
Saltman et al 1999), concebeu-se um modelo global de investigação na área da saúde –
modelo para análise do papel da contratualização no processo de mudança da
administração pública da saúde (Figura 1).
Modelo de análise
Componente Processo de
Contratualização
Componente Processo de
Mudança
Informação qualitativa: Opinião
dos Actores Chave (análise SWOT) e
revisão bibliográfica
Informação qualitativa: Opinião de
peritos e de gestores do sistema (análise de
conteúdo, análise estatística) e análise
documental
Informação qualitativa:
Apreciação e consenso pelos Líderes de
Opinião (Focus Group)
Informação quantitativa:
Indicadores económicos e sociais
Informação quantitativa:
Indicadores financeiros, de produção e de
desempenho
Informação quantitativa:
Indicadores de resultados e
determinantes da saúde
Componente Contexto
Fonte: Concebido a partir do modelo apresentado por Walt G. et al (1994) e Walt G. (1999, em Saltman
1999)
Figura 1. – Modelo global de investigação da administração da saúde baseado na
contratualização
O modelo de análise é constituído por três componentes: contexto (através da
caracterização do sistema de saúde – como é financiado e gerido e como é que os
serviços são prestados; da identificação dos actores chave - quem são os principais
actores chave e como é que eles se articulam e interagem e da definição da matriz de
Tese
23
Capítulo I: Fundamentação e Objectivos
regulação do sistema - como se caracterizam as relações de regulação e de
contratualização no quadro de referência do SNS); processo de contratualização (como
se iniciou, desenvolveu e funcionou o processo de contratualização – se funcionou ou
não funcionou e porquê) e processo de mudança (identificar se existiu ou não mudança
na administração pública da saúde, quais os factores críticos que condicionam essa
mudança e qual o papel desempenhado pela contratualização).
A investigação foi essencialmente desenvolvida com recurso a revisão bibliográfica,
através de recolha de dados das estatísticas e normativos disponíveis; de inquéritos;
painéis de peritos e seminários, designadamente:
7.
1.
a componente “Contexto” baseia-se na análise das opiniões dos Actores Chave,
a partir das respostas obtidas em cinco seminários realizados em finais de 1999 e
início de 2000 com o objectivo de avaliar a influência daqueles actores na
definição e implementação de uma estratégia no contexto do sistema de saúde
português e que conjugada com a análise resultante da revisão bibliográfica
procura responder aos primeiros três objectivos. Foi ainda efectuada a análise
quantitativa dos dados económicos e sociais que parecem caracterizar o sector da
saúde;
2.
a componente “Processo de Contratualização”, consubstancia e responde aos
objectivos quatro a oito, assentando na aplicação de questionários e entrevistas a
peritos e gestores posteriormente analisadas com recurso a análises de conteúdo
e estatística e, ainda, na análise dos indicadores financeiros, de produção e de
desempenho;
3.
a componente “Processo de Mudança”, pretende analisar e responder aos
objectivos nove a doze, procurando na opinião dos Actores Chave e nos Líderes
de Opinião a confirmação e consensualização das linhas de desenvolvimento da
contratualização em Portugal e a identificação dos factores críticos que no
contexto português condicionam a implementação de políticas de mudança do
sector da saúde.
QUADRO METODOLÓGICO DA INVESTIGAÇÃO
O tema central do presente trabalho é a definição e aplicação de métodos para análise
do processo de contratualização em saúde. Em particular, procura-se encontrar
evidência na introdução do processo de contratualização encetado a partir de 1996/1997,
mas com resultados só a partir de 1999, data em que foi possível uma aplicação
generalizada ao nível de praticamente todos os hospitais do Serviço Nacional de Saúde
(SNS) e de grande parte dos centros de saúde. Analisa-se o processo de implementação
da contratualização em Portugal e procura-se perspectivar o seu desenvolvimento.
Procuram-se ainda identificar os factores críticos que no contexto português
condicionam a implementação de políticas de mudança no sector da saúde.
O campo de análise desta investigação é o sistema de saúde português e tem como
objectivo colher informação ao nível das fontes tradicionais (Inquérito Nacional de
Saúde – INS), morbilidade, mortalidade, estatísticas de produção dos serviços e de
recursos) e não tradicionais (envolvimento dos actores chave do sector da saúde, peritos
e líderes de opinião) que possa apoiar o desenvolvimento de um modelo de distribuição
de recursos aplicável ao nosso país, baseado na contratualização. Com base nesta
24
Tese
Capítulo I: Fundamentação e Objectivos
informação identifica-se o desenvolvimento tendencial da contratualização e
procuram-se identificar os factores críticos que estão subjacentes ao insucesso da
implementação de políticas de mudança através da opinião dos peritos envolvidos e dos
actores chave no sector. Os resultados obtidos serão objecto de consensualização através
de um painel de líderes de opinião.
Em síntese, este trabalho consiste na análise do processo de arranque e desenvolvimento
da contratualização, bem como na identificação dos factores condicionantes da sua
implementação e disseminação e ainda na discussão das prioridades definidas.
Procuram-se também identificar e caracterizar os recursos utilizados no sector da saúde
em Portugal nas últimas três décadas e encontrar evidência entre a evolução do
consumo desses recursos e os resultados obtidos.
Os principais meios de recolha e tratamento da informação utilizados na investigação
consistiram em:
•
pesquisa bibliográfica, sectorial e sobre o enquadramento teórico;
•
análise de vários documentos, incluindo o tratamento dos dados estatísticos
sobre o tema;
•
análise dos dados do sector, constantes da base de dados da OECD Health
Data e das estatísticas dos serviços, bem como o seu tratamento;
•
contactos directos com vários especialistas, com vista ao cruzamento de
conhecimentos, experiências e visões diversificadas;
•
aplicação de questionários e entrevistas directas e a criação de uma página
Web, como principais elementos de recolha de dados e sua análise através da
técnica de análise de conteúdo;
•
auscultação dos actores chave, através da sua participação em seminários
desenvolvidos para o efeito. Este painel de líderes de opinião,
multidisciplinar e multiprofissional, através de uma metodologia de focus
group27, veio contribuir para a identificação dos factores críticos que
impedem a implementação de políticas de mudança e para a validação das
conclusões obtidas.
Os principais produtos da presente investigação centram-se na elaboração de um
relatório, que constituirá a tese a apresentar, no desenvolvimento de uma rede de
peritos, constituindo-se como um verdadeiro fórum que procurará encontrar o melhor
caminho para a discussão sobre o futuro do processo de contratualização em Portugal,
na realização de seminários, na publicação de artigos e a eventual edição de um livro,
baseado nas conclusões finais do trabalho em curso.
As principais fases deste trabalho serão: (i) a auscultação dos peritos envolvidos, que
permitirá o desenvolvimento da metodologia mais adequada e o aprofundamento dos
27
O focus group discussion é uma técnica de recolha de dados que obedece a regras e procedimentos
específicos (entrevistas a grupos alvo centradas nas reacções individuais e no debate em grupo de
tópicos precisos e limitados), utilizada na pesquisa em ciências sociais e que se encontra descrita, entre
outros, por Morgan D., ed. (1993) e Stewart, D. (1990).
Tese
25
Capítulo I: Fundamentação e Objectivos
instrumentos e ferramentas a usar; (ii) a auscultação das opiniões dos actores chave
sobre o seu envolvimento nas políticas na área da saúde, através de focus group; (iii) a
utilização de depoimentos técnicos de peritos credenciados, com o objectivo de
apoiar/consolidar algumas das principais conclusões, no 3º trimestre de 2003 e (iv) a
elaboração do relatório final ainda no decurso de 2003.
8.
DESCRIÇÃO SUMÁRIA DO TRABALHO
O presente trabalho está estruturado em duas partes distintas, de acordo com o que a
seguir se discrimina e ainda de acordo com o explicitado na Figura 2:
Estudo do
processo de
contratualização
em saúde
Enquadramento do trabalho de investigação
A Primeira Parte procura fazer o enquadramento do
trabalho de investigação no sector da saúde e o
desenvolvimento teórico da contratualização
Definição do modelo de análise do processo de
mudança da administração pública da saúde
A Segunda Parte procura desenvolver o modelo teórico de
análise do processo de mudança da administração da saúde,
baseado na contratualização e discutir os resultados obtidos
Metodologia de Investigação
4 1. Opinião dos Actores Chave (Análise SWOT)
4 2. Opinião de Peritos e Gestores através de
entrevistas e questionários (Análise de Conteúdo)
4 3. Análise estatística dos indicadores económicos
e sociais; financeiros, de produção e de
desempenho e, de resultados
4 4. Análise dos normativosda saúde
4 5. Depoimentos técnicos de peritos
Apresentação dos Resultados
Discussão dos Resultados
Validade do modelo conceptual
proposto, à luz da discussão dos
resultados
Conclusões e pistas para futuros
projectos
Figura 2 - Estrutura da Tese
A Primeira Parte procura fazer o enquadramento do trabalho de investigação no sector
da saúde e o desenvolvimento teórico da contratualização, estando estruturada da
seguinte forma:
26
Tese
Capítulo I: Fundamentação e Objectivos
O Capítulo I – Fundamentação e Objectivos, descreve a natureza e âmbito do
trabalho, importância do tema escolhido, os objectivos propostos e a metodologia de
abordagem seguida nesta investigação.
O Capítulo II – Reformas e Contratualização em Saúde na Europa, compreende o
enquadramento teórico, onde se procurou, de forma sintética, apresentar uma revisão
bibliográfica dos estudos desenvolvidos sobre as reformas da administração pública e
sobre contratualização em saúde. No sentido de obter um enquadramento mais
abrangente analisam-se sumariamente as principais teorias económicas que parecem
contribuir para o conceito em análise. Pretende-se destacar ainda a evolução dos
conceitos fundamentais envolvidos, bem como algumas metodologias de aplicação dos
respectivos instrumentos de análise.
O Capítulo III - Análise do sistema de saúde e do processo de contratualização no
Reino Unido e em Espanha, delimita o campo de investigação, através de uma análise
do sistema de saúde no Reino Unido e em Espanha, dada não só a similitude
organizacional entre estes sistemas e o português, como também o processo de
desenvolvimento que tem sido prosseguido nesses países e ainda o constituirmos com
Espanha o espaço ibérico. Pretende-se, com esta análise, identificar as principais
variáveis chave dos sistemas de saúde nestes países, nas vertentes das mudanças
operadas e da contratualização, assim como os desafios mais importantes que
actualmente se colocam ao sector da saúde. Com o intuito de complementar esta análise
apresenta-se uma breve reflexão sobre as diferentes questões que condicionam e
simultaneamente parecem potenciar este processo e que deverão estar subjacentes ao
desenvolvimento das políticas de saúde, nos países em análise.
O Capítulo IV – Análise do sistema de saúde em Portugal – o contexto, clarifica os
princípios do sistema de saúde e identifica a matriz estrutural onde estão identificados
os principais actores chave da saúde. Apresenta ainda uma breve resenha histórica que
procura descrever os principais momentos de evolução do sistema de saúde português.
O Capítulo V – Análise do processo de contratualização na saúde em Portugal,
descreve o nível de conhecimento sobre o processo de contratualização e o
desenvolvimento do mesmo, no período de 1996 a 2000.
Como suporte de recolha de informação utilizou-se a Técnica do Inquérito –
Questionário e Entrevista Semi-estruturada, contendo um conjunto de questões
passíveis de caracterizar as opções dos peritos envolvidos e ainda o posicionamento dos
gestores no processo de mudança então encetado, no que se refere ao desenvolvimento
do processo de contratualização para a saúde, em Portugal. Para análise das opiniões
dos peritos recorreu-se à aplicação da Técnica de Análise de Conteúdo, única técnica
aplicável nesta situação (questionário com perguntas abertas, entrevistas e conclusões
dos painéis de peritos envolvidos).
Este capítulo avança ainda com a identificação de um caminho a seguir em direcção ao
futuro, procurando discutir a inversão do modelo actualmente existente, centrado em
serviços, para um modelo centrado nas necessidades em saúde dos cidadãos, onde a
contratualização possa ser um elemento central na mudança do sistema.
Tese
27
Capítulo I: Fundamentação e Objectivos
A Segunda Parte procura definir o modelo de análise do processo de mudança da
administração pública da saúde, baseado na contratualização.
No Capítulo VI – Método para análise do processo de mudança da administração
pública da saúde, centrada na contratualização, procede à formulação das perguntas
de investigação, à definição do método e das diferentes técnicas de recolha e de análise
a usar, à selecção da amostra, à esquematização dos diferentes procedimentos a seguir e
ainda, à definição das técnicas de tratamento de dados.
No Capítulo VII – Apresentação dos resultados, apresentam-se os resultados obtidos
através das diferentes metodologias aplicadas, nomeadamente a revisão bibliográfica e a
análise estatística, para além dos resultados do questionário, complementados pelas
conclusões do painel de líderes de opinião, questionados através de um grupo Focus
para obtenção de consensos, procurando articular esses resultados em cada uma das
componentes do modelo de investigação inicialmente definido.
Procuraram-se ainda analisar, através de uma análise SWOT, as principais
oportunidades e ameaças que estão subjacentes ao desenvolvimento do processo de
reforma da saúde. Para o efeito foram utilizados os resultados de seminários realizados
em finais de 1999 e início de 2000 e repetidos em 2002, com a participação dos
principais actores chave no sector da saúde, com recurso à técnica de focus group
discussion. Os aspectos teóricos inerentes ao tratamento estatístico efectuado foram
abordados de uma forma sintética, em virtude do carácter secundário dos mesmos, face
ao objectivo central da presente investigação.
No Capítulo VIII – Validade do modelo conceptual proposto, à luz da discussão
dos resultados, pretende-se discutir o papel da contratualização na evolução da
administração pública da saúde em função dos resultados obtidos através das diferentes
componentes do modelo de investigação utilizado, procurando responder às perguntas
de investigação inicialmente colocadas, ou seja validar o modelo conceptual proposto. E
ainda identificar os principais factores críticos que no contexto português complicam ou
até impedem o processo de mudança.
No Capítulo IX – Conclusões e pistas para futuros projectos, apresentam-se as
principais conclusões do trabalho efectuado, que nos parece levarem em consideração as
questões essenciais relacionadas com o processo de mudança na administração pública e
indicam-se algumas linhas de investigação potenciais, passíveis de desenvolvimento em
posteriores estudos da mesma índole.
Com o presente trabalho pretende-se também contribuir para uma correcta
sistematização dos principais conceitos sobre políticas de saúde, sistemas de saúde e
contratualização, mas principalmente constituir uma base sólida para se continuar a
discutir a metodologia de distribuição de recursos mais adequada ao caso Português.
28
Tese
Capítulo II: Reformas e contratualização em saúde na Europa
CAPÍTULO II – REFORMAS E CONTRATUALIZAÇÃO EM SAÚDE NA
EUROPA
1.
NOTA INTRODUTÓRIA
A expressão reforma da saúde tem sido utilizada para designar as iniciativas de
inovação no modelo organizacional dos sistemas de saúde de quase todos os países nos
últimos trinta anos. A reforma tem sido definida como um processo de mudança
contínuo e sistemático em diferentes áreas do sistema de saúde. Esta designação,
embora clara em termos gerais, não tem permitido a definição do aspecto mais
importante do processo: a diferença entre as reformas introduzidas nos anos setenta e
oitenta e a nova agenda da década de noventa, baseada na flexibilização da
administração pública e na contratualização.
Ainda que a análise dos objectivos da reforma deva considerar a especificidade
intrínseca do sector da saúde, não podendo os vários desenhos sectoriais serem
reduzidos a uma tese única da reforma do Estado, considera-se também necessário
proceder à ligação entre as mudanças em curso e a crise do modelo burocrático
administrativo para se obter maior rigor analítico no estudo das mudanças
implementadas.
As primeiras reformas da saúde foram estimuladas pelo imperativo macroeconómico de
controlo das despesas públicas neste sector. Nos últimos anos, as inovações têm tido
subjacentes os incentivos à criação de um ambiente institucional favorável à melhoria
da eficiência dos prestadores, públicos ou privados. A reforma dos anos noventa trouxe
novos desafios para as agências e organizações públicas, estimulando a prestação de
serviços através de mecanismos de contratualização e introduzindo o quasi-mercado. A
contratualização consubstancia, em bases formais, a separação funcional entre
financiamento e prestação directa dos serviços.
Outro aspecto a ser considerado nas experiências das reformas da saúde é o processo de
difusão das inovações. A busca de inovação e novas competências tem feito com que
soluções organizacionais, experimentadas em contextos institucionais específicos, sejam
adaptadas por determinados sectores preocupados com o desempenho da gestão pública
ou com o desenho de novas funções para as organizações públicas. Aquilo que Ham
(1998) designa por mecanismo de policy bandwagoning (entrar na onda).
As denominadas elites técnicas e a burocracia executiva são os principais agentes
responsáveis por um comportamento adaptativo voltado para a introdução de inovações
de políticas macroeconómicas e de gestão pública. As democracias europeias
estabelecem fortes imperativos de sobrevivência e competitividade política através do
julgamento eleitoral realizado periodicamente pelos cidadãos, melhorando por essa via
as preocupações com o bom governo e com as temáticas de desempenho sectorial.
Tese
29
Capítulo II: Reformas e contratualização em saúde na Europa
Pode considerar-se que a larga difusão dos métodos utilizados nas reformas no sector da
saúde servem como campo privilegiado para a avaliação dos efeitos não esperados das
mudanças do modelo de gestão pública. Além disso, a falta de estudos e diagnósticos
abrangentes e sistemáticos permite que variáveis não controladas interfiram na dinâmica
do processo de reforma.
Um outro aspecto a considerar é a distinção conceptual das três alternativas
organizacionais disponíveis para o sector a partir dos finais do século XIX e primeira
metade do século XX:
•
modelo de Beveridge, baseado no financiamento fiscal, universalidade de acesso
e gratuitidade no atendimento em todos os níveis de prestação. Assenta num
sistema público, financiado pelos impostos e em que o direito à saúde é
independente do trabalho e do emprego, os denominados serviços nacionais de
saúde (Dinamarca, Finlândia, Noruega, Suécia, Grécia, Portugal, Espanha e
Itália);
•
modelo de Bismarck, fundado no seguro social, na estrutura corporativa e no
acesso condicionado pela situação de emprego. Caracteriza o mundo germânico
(adoptado e adaptado por outros países, nomeadamente Áustria, Holanda e
Suíça) e que é fiel à lógica do seguro social, em que o acesso é universal, mas
sustentado no esforço contributivo dos salários e dos empregadores;
•
modelo de mercado, organizado a partir da capacidade de compra do seguro de
saúde pelos indivíduos e empresas, sendo o acesso dependente da capacidade de
consumo do cidadão/utilizador. Os EUA, são o país que foi mais longe neste
tipo de organização, pois tem um sistema misto de seguros sociais e privados,
em que se justapõem sistemas concorrentes que exprimem as escolhas sociais do
Estado (Medicaid e Medicare), com vantagens e inconvenientes, acabando por
se chocar com limitações semelhantes aos de outros sistemas. Umas representam
obstáculos ao nível dos recursos e outras constrangimentos sócio-demográficos,
de tal forma que os resultados alcançados não são de forma alguma
proporcionais aos esforços desenvolvidos para melhorar a saúde.
Os modelos organizacionais de Beveridge e Bismarck exigiram, para o seu
desenvolvimento, uma forte intervenção do Estado na definição do pacote mínimo de
serviços e na negociação das condições do trabalho médico.
Alguns países da OCDE (França, Bélgica e Japão) têm ainda um outro tipo de sistema,
o misto, que apareceu mais tarde, embora inspirado no sistema bismarkiano, mas que
associa o princípio do seguro obrigatório à protecção social, abrindo-se em numerosas
prestações, não contributivas, aos mais desfavorecidos.
O Quadro 3 resume as principais características dos dois modelos de organização dos
sistemas de saúde na Europa. A solução de mercado, que tal como referido
anteriormente é aplicada de modo específico nos EUA, apresentou, até aos anos oitenta,
uma intervenção residual do Estado na organização da oferta e na regulação do trabalho
médico.
30
Tese
Capítulo II: Reformas e contratualização em saúde na Europa
Quadro 3 - Principais características dos dois modelos de organização dos sistemas de
saúde na Europa
Características
Modelo Beveridge
Financiamento
Predominantemente por impostos
Gestão orçamental
Governamental
Assalariados ou remuneração por
capitação
Predominantemente por quotizações de
empregados e empregadores para o seguro
social
Não-governamental
Contratados pelos fundos de seguro social
e médicos liberais pagos por honorários
Modelo de
propriedade
Público
Não público
Países
Reino Unido, Dinamarca, Finlândia,
Noruega, Suécia, Espanha, Itália,
Portugal e Grécia
Alemanha, Áustria, Holanda, Suíça,
França, Bélgica
Forma de regulação da
oferta
Directa
Indirecta
Trabalho médico
Modelo Bismarck
Fonte: Adaptado de ESCOVAL (1997) e HAM (1998).
As reformas portuguesa (1979), italiana (1978/79) e espanhola (1986) representaram a
transição de um modelo de seguro social para uma matriz baseada em fundo tributário,
com gestão pública e universalização de acesso.
Esses processos tardios de adaptação do modelo inglês em Itália, Portugal e Espanha,
coincidentes com profundas alterações políticas e sociais, tiveram de encontrar
respostas organizacionais para os desafios da procura que afectou grandemente os
sistemas existentes, motivando a primeira onda de reformas nos anos oitenta e noventa.
2.
A ORIENTAÇÃO MACROECONÓMICA DAS REFORMAS DOS ANOS OITENTA
O ajustamento macroeconómico que esteve subjacente às reformas introduzidas nos
anos oitenta foi motivado pela forte pressão sobre as contas públicas das despesas com
cuidados médicos, relacionadas com o crescimento das doenças crónicas e com o
envelhecimento das populações. Este aspecto demográfico foi ainda agravado pela
melhoria do poder de compra individual e familiar, pela ampliação do acesso e da
cobertura do seguro social, pelo incremento da tecnologia médica, pelo aumento do
número de profissionais médicos e pela inflação dos preços dos cuidados de saúde.
Na primeira metade da década de oitenta as características predominantes dos sistemas
de saúde europeus eram: a universalidade de acesso às diferentes modalidades de
cuidados de forma não segmentada; a existência de fundo público de financiamento,
através de recursos fiscais ou ampliação do seguro social; a gratuitidade no ponto de
utilização e a inexistência de mecanismos de co-pagamento (contribuição obrigatória
dos doentes na compra de medicamentos ou na utilização dos serviços); uma equilibrada
cobertura geográfica; a utilização de procedimentos de acordo com as necessidades do
doente e o acesso gratuito ou altamente subsidiado a medicamentos.
Esses mecanismos organizacionais geraram um padrão dominante de oferta pública
unificada. A autoridade de saúde pública ou o seguro social tornaram-se os compradores
únicos (single payers) de serviços hospitalares e cuidados primários, que
Tese
31
Capítulo II: Reformas e contratualização em saúde na Europa
frequentemente eram de propriedade pública ou contratados. Predominavam relações
assalariadas com os médicos ou o pagamento de honorários (WHO, 1993)28 e eram
escassos os incentivos à gestão voltada para a qualidade e para o direito do cidadão,
como se pode avaliar no Quadro 4 (Normand et al, 1994)29.
Este padrão organizacional viu a sua legitimidade enfraquecida durante a década em
análise pelo impacto negativo que gerou sobre as contas nacionais ao “medicalizar” os
orçamentos públicos (crescimento excessivo da saúde no conjunto das despesas
públicas), pelas mudanças na percepção de necessidades do utente/cidadão/consumidor,
com a crescente procura por atendimento individualizado (atenta aos direitos e às
escolhas do doente) e pelo excessivo custo do tratamento intra-hospitalar.
O primeiro processo de reforma do sector saúde na Europa desenvolveu-se pela
implementação de uma série de directivas macroeconómicas visando essencialmente a
redução das despesas sectoriais. Algumas medidas de curto prazo foram implementadas
pelos governos, como o controlo de preços no sector saúde, a introdução do
co-pagamento na aquisição de medicamentos, a redução do plano de seguro social e a
limitação do emprego no sector.
Outras iniciativas de impacto de médio prazo foram as alterações no pagamento aos
prestadores, pela alteração dos valores relativos dos honorários médicos e dos métodos
de remuneração dos profissionais de saúde (Saltman et al,1997)30.
Um outro mecanismo de mercado que tem sido introduzido no âmbito das reformas dos
sistemas de saúde na Europa é o recurso a formas de contratualização entre os vários
actores, nomeadamente entre os pagadores e os prestadores. A contratualização permite
a delegação de responsabilidades e dá aos gestores colocados a nível dos serviços o
poder para disporem dos recursos da forma que permita melhor servir a população. A
contratualização também tende a melhorar o desempenho dos prestadores. O contrato
incorpora a definição do volume de cuidados a fornecer mas também indicadores de
qualidade e desempenho. A maior limitação à aplicação deste sistema de avaliação
28
“Mécanismes de remuneration”, in “Évaluation des récentes réformes opérées dans le financement des
services de santé”. Raport d’un groupe d`étude de l’OMS, série de rapports techniques, 829, Genéve.
Relatório da actividade de um grupo de trabalho constituído para analisar as alterações operadas no
financiamento dos serviços de saúde até Dezembro de 1991.Tem um capítulo sobre os movimentos
financeiros que vão do consumidor ao prestador de cuidados (mecanismos de remuneração). Descreve
sete modos de remunerações principais, aplicados ao prestador individual, ao centro de saúde e ao
hospital (p. 44), bem como os incentivos que cada modo de remuneração proporciona (p. 45).
29
Este livro tem dois capítulos muito importantes: o capítulo 8 (Provider payment mechanisms), onde
está estabelecido um quadro de referência sobre os diferentes mecanismos de pagamento a prestadores
e que os compara quanto à qualidade, contenção de custos e facilidade de administração e o capítulo 12
(Drawing on the experiences of others), que descreve sucintamente os sistemas de saúde do Reino
Unido, Canadá, Tailândia, Egipto, Costa Rica, e Alemanha, incluindo as formas de remuneração aos
médicos.
30
“Performance-related payment systems for providers”. Publicação em livro dos resultados de um
estudo da OMS Europa, desenvolvido na segunda metade da década de noventa, sobre as mudanças e
desafios nos sistemas de saúde europeus. Parte do capítulo “allocating resources effectively” é
dedicado às várias formas de pagamento a médicos (p. 151-163).
32
Tese
Capítulo II: Reformas e contratualização em saúde na Europa
reside na falência dos sistemas de informação, ou seja na falta de dados disponíveis
(Mills, 1998).
Quadro 4 - Características dos Sistemas de Saúde em alguns países da UE
País
Formas de contratação
Directa
Indirecta
(empregados
(contratos)
do Estado)
Modalidades de pagamento
aos médicos hospitalares
Modalidades de
pagamento aos
clínicos gerais
Salário de acordo com
Predominantemente
especialidade e antiguidade.
honorários
Chefes de departamento podem
negociar suplementos especiais
Bélgica
--Todos os serviços Assalariados com grelha nacional
Honorários
Especialistas, Farmácias, dentistas
Assalariados
60% salário e 40%
hospitais e 60% e hospitais privados Sistema de incentivos financeiros
capitação
Espanha
dos Clínicos
por objectivos
Gerais
Assalariados em tempo completo
Concursos e grelhas salariais
nacionais
Clínica privada nos hospitais
França
--Todos os serviços
públicos é paga ao acto com
Honorários
reembolso ao hospital
Alguns hospitais têm sistema
experimental de incentivos
Alguns pagamentos ao acto
Assalariados
Médicos,
Farmácias e poucos Grelha salarial pouco respeitada
Assalariados
dentistas,
hospitais privados
Grécia
Pagamentos dependentes da
hospitais
procura equivalentes a 40% do
salário mensal.
Hospitais
Hospitais privados Salário, com pagamento adicional
públicos e
não lucrativos,
para urgências e turnos em
Capitação
Irlanda
especialistas
clínicos gerais e
hospitais públicos
farmácias
Pagamento ao acto no sector
privado
Hospitais
Hospitais privados,
Assalariados
públicos e
clínicos gerais e
Nos hospitais públicos
Capitação
Itália
clínicos gerais
especialistas
independentes, incentivos a
privados
profissionais
Pagos pelos serviços prestados aos
doentes internados segundo preços
--Todos os serviços
fixados pelo Ministério da
Honorários
Luxemburgo
Segurança Social em negociação
com as organizações
representativas dos médicos
--Todos os serviços Pagamento ao acto – redução de
Holanda
Honorários
tarifas nos anos oitenta
Clínicos gerais, Hospitais privados,
Assalariados e
hospitais
médicos nas áreas
Sistema de
Portugal
públicos e
rurais, farmácias e
Assalariados
incentivos em alguns
alguns
laboratórios de
grupos
especialistas
análises clínicas
Hospitais
Clínicos gerais,
Assalariados, com dedicação
públicos e hospitais privados e exclusiva ou consultores, mas
serviços
maioria dos
podendo exercer clínica privada
Capitação
Reino Unido comunitários
médicos dentistas
após o serviço.
Sistema de incentivos: prémios de
vários níveis
Clínicos gerais, Assalariados com base no cargo e
especialistas fora do
na progressão de carreira.
Dinamarca
Hospitais
hospital, dentistas e Sistema de incentivos p/ cargos de 28% por capitação
fisioterapeutas responsabilidade e para trabalho de
“urgência”.
Alemanha
---
Todos os serviços
Fonte: Adaptado de Escoval (1997) e Normand et al (1994).
Tese
33
Capítulo II: Reformas e contratualização em saúde na Europa
As medidas de longo prazo mais importantes foram a redução no número de médicos e
outros profissionais em formação e da disponibilidade de camas hospitalares, além do
estímulo às medidas de prevenção da doença e promoção da saúde, na esperança de
reduzir, a longo prazo, a procura de cuidados de saúde.
Particularmente importantes foram os limites aos orçamentos para a saúde ou a
imposição de metas orçamentais em parte dos sistemas de saúde31.
Estas iniciativas produziram impactos importantes na estabilização das despesas
públicas e na mudança do modelo assistencial, pela redução de atendimentos
hospitalares e pelo incentivo às modalidades assistenciais de cuidados primários. Porém,
foram relativamente inócuas sobre o crescimento do sector e do emprego da saúde nesse
período (Abel-Smith et al, 1994).
O conjunto de mudanças sustentadas por preocupações de ordem macroeconómica, pôs
na agenda da gestão pública a necessidade do sector da saúde consumir uma parcela
apropriada do Produto Interno Bruto (PIB). Os empreendedores das reformas
procuraram argumentar que o motivo principal para o descontrolo dos gastos com o
sector estava nas falhas das organizações públicas e do mercado, no excesso de oferta
ou no aumento da procura de cuidados de saúde. Foram estes alguns dos principais
argumentos que estiveram na base da reestruturação dos mecanismos organizacionais do
sector da saúde.
O efeito dessas medidas foi uma estabilização, ou ligeira redução, das despesas em
saúde a partir da segunda metade da década de oitenta em algumas das economias
europeias, nomeadamente da Alemanha, Irlanda, Luxemburgo, Holanda e Suécia, como
podemos verificar no Quadro 5.
No entanto, países como Portugal e Espanha que encetaram mais tarde medidas
tendentes a garantir melhores cuidados de saúde às populações, continuaram a aumentar
as despesas em saúde, verificando-se no entanto que é Portugal aquele que tem o maior
crescimento da % do PIB afecta à saúde no período em análise (5,6), mas convém
acrescentar que este é também o país que em 1970 tinha o menor valor entre os 15 da
31
Segundo Carlos Matias Dias, num trabalho desenvolvido em 1999, para o MS, em alguns países,
nomeadamente Reino Unido, República da Irlanda, Espanha, Grécia, Itália, Dinamarca, França,
Bélgica, Alemanha, Holanda, Suécia, Finlândia, Noruega e Canadá, os sistemas de remuneração dos
médicos hospitalares são baseados no pagamento por acto ou no salário e estão dependentes do tipo de
hospital em questão (público, privado, com ou sem fins lucrativos), do tipo de contrato, do volume e
tipo de trabalho produzido (trabalho extraordinário, serviços de urgência) e, nalguns países, de acordo
com as administrações dos hospitais ou da antiguidade na carreira. Apenas no Reino Unido existe um
sistema de incentivos, comum aos médicos de saúde pública e aos médicos hospitalares, que permite a
atribuição anual de um número fixo de prémios que associam o mérito profissional (avaliado por uma
comissão nacional) a um aumento da remuneração. No entanto, este sistema é alvo de contestação.
Ainda neste país os Medical Officers são alvo de uma grelha salarial “protegida” com remuneração
escalonada segundo a população da área sob a sua responsabilidade. Em França, alguns hospitais
implementaram, a título experimental, sistemas de incentivos económicos ligados a objectivos
específicos, a nível de enfermarias e de serviços. Alguns autores pensam que a implementação naquele
país do sistema de acreditação médica terá repercussão nas condições de contratação e emprego dos
médicos.
34
Tese
Capítulo II: Reformas e contratualização em saúde na Europa
UE (2,6%) e que só na segunda metade dos anos noventa se situa ao nível da média
europeia.
Quadro 5 - Despesa total em Saúde/PIB (%) na UE15 e EUA (1970 a 2000)
1970
1975
1980
1985
1990
1995
2000
U
Alemanha
6,3
8,8
8,8
9,3
8,7
10,2
10,6
4,3
Áustria
5,3
7,1
7,6
6,6
7,1
8,6
8,0
2,7
Bélgica
4,0
5,8
6,4
7,2
7,4
8,7
8,7
4,7
Dinamarca
6,1
8,9
9,1
8,7
8,5
8,2
8,3
2,2
Espanha
3,6
4,7
5,4
5,4
6,6
7,7
7,7
4,1
Finlândia
5,6
6,2
6,4
7,2
7,9
7,5
6,6
1,0
França
5,8
7,0
7,6
8,5
8,6
9,6
9,5
3,7
Grécia
6,1
6,4
6,6
7,1
7,5
8,9
8,3
2,2
Irlanda
5,1
7,4
8,4
7,6
6,6
7,2
6,7
1,6
Itália
5,1
6,2
6,9
7,0
8,0
7,4
8,1
3,0
Luxemburgo
3,6
4,9
5,9
5,9
6,1
6,4
6,0
2,4
Holanda
5,9
7,2
7,5
7,3
8,0
8,4
8,1
2,2
Portugal
2,6
5,4
5,6
6,0
6,2
8,3
8,2
5,6
Suécia
6,9
7,7
9,1
8,7
8,5
8,1
10,7
3,8
Reino Unido
4,5
5,5
5,6
5,9
6,0
7,0
7,3
2,8
Média UE15
5,1
6,6
7,1
7,2
7,4
8,1
8,2
3,1
EUA
6,9
7,8
8,7
10,0
11,9
13,3
13,0
6,1
PAÍSES
Fonte: OECD Health Data (2002 b)
É de referir ainda que, de acordo com OECD Health Data (2002 b), a média da despesa
total em saúde, quer nos países da UE, quer da OCDE, se mantém à volta dos 8,0% do
PIB, em 2000.
Segundo vários autores, a partir do início dos anos noventa, as reformas da saúde
evidenciaram efectivamente as variáveis de eficiência microeconómica para gerar, ao
menor custo, incentivos à qualidade no atendimento e à satisfação dos utilizadores. As
considerações sobre a melhoria da eficiência microeconómica incluíram a busca de
soluções organizacionais que favorecessem os resultados globais, tendo os governos
procurado estimular a eficiência sistémica, canalizando recursos dos serviços e
programas ineficientes e ineficazes para outros de menor custo e mais rentáveis.
3.
INSTITUCIONALISMO E REFORMA DA SAÚDE NOS ANOS NOVENTA
A adopção da matriz teórica do institucionalismo económico produziu o que Klein
(1998) denominou as reformas big bang, ou seja uma estratégia de implementação de
reforma abrangente e sistémica, adoptada com sucesso inicialmente pelo Reino Unido e
depois difundida ou adaptada por um segundo conjunto de reformas nos países
europeus, ao longo da década de noventa.
Tese
35
Capítulo II: Reformas e contratualização em saúde na Europa
A principal questão assinalada por essa matriz teórica são as falhas de mercado na
prestação de cuidados de saúde. Na ausência de uma política de regulação, o mercado
de saúde conduz a um excesso de oferta em função da assimetria de informação e do
risco moral (moral hazard).
A assimetria de informação refere-se à questão assinalada por Arrow (1963) sobre a
incapacidade do mercado regular a prestação de cuidados de saúde, uma vez que a
maioria dos doentes não detém a informação necessária para fazer escolhas como
consumidor. Nesse sentido, o pressuposto do modelo clássico da troca perfeita num
ambiente de competição entre prestadores (que ofereceria aos cidadãos a melhor escolha
associada às suas necessidades) não funciona no sector da saúde, uma vez que é
delegada no profissional a decisão sobre o tratamento. Cabe-lhe a ele também decidir
sobre o tipo de serviços adequados, originando um eventual conflito de interesses.
O problema do risco moral refere-se, por exemplo, aos incentivos e ao excesso de oferta
de serviços quando um terceiro é responsável pelo pagamento de grande parte dos
cuidados de saúde que os médicos escolhem para o doente. Esses efeitos são, segundo
Oxley et al (1994), hipertrofiados nos sistemas que remuneram por honorários médicos.
De acordo com Ordeshook (1989), um segundo ponto nas reformas dos anos noventa
refere-se ao processo de reengenharia da gestão pública, pela operacionalização de
algumas das propostas da public choice, como a implementação de decisões por
instituições descentralizadas e/ou por instituições híbridas “a serem inventadas”.
Os instrumentos desenvolvidos pela new public management vão de encontro à
exigência de integração entre a nova perspectiva macroeconómica para o sector saúde e
a reforma da administração pública. A new public management assinala a importância
normativa, para a gestão, da avaliação das despesas dos sistemas e organizações
públicas (value for money) para tornar viáveis e legítimas as suas actividades e
objectivos. Ainda segundo Ordeshook (1989), esta nova perspectiva da gestão esteve na
origem da separação entre as funções de financiamento e de prestação de serviços
sociais, no pressuposto de que a sobreposição de funções nas organizações públicas
aumenta a ineficiência e leva a falhas de responsabilização.
Pakenham-Walsh et al (1997) descrevem as principais mudanças que a nova gestão
pública introduziu na reforma do sector público inglês, com importantes repercussões
no sector da saúde: imposição de novos instrumentos de gestão ao nível central,
transferência de funções executivas do governo central para agências autónomas;
privatização de algumas funções; reestruturação das agências que permaneceram no
sector público através da incorporação de gestores com experiência e visão contratados,
por vezes, fora do sector da saúde; introdução de uma nova linguagem, na qual os
objectivos das organizações passaram a ser traduzidos em termos de mercado; criação
de novos instrumentos de análise, regulação e avaliação do desempenho e disseminação
dos êxitos das mudanças de cultura pela divulgação dos resultados da avaliação, através
de Benchmarking.
Como já foi referido anteriormente, nas reformas dos sistemas de saúde europeus,
desencadeadas no início da década de noventa, a maior pressão foi no sentido de dar um
36
Tese
Capítulo II: Reformas e contratualização em saúde na Europa
maior relevo ao papel do sector privado e à lógica de mercado no financiamento e
prestação de cuidados de saúde. No entanto, excluindo mudanças radicais nos sistemas
de saúde dos países de leste, o que se tem observado é a introdução de alguns
mecanismos de mercado nalguns sectores dos sistemas de saúde existentes. As reformas
verificadas no Reino Unido, Itália, Espanha, Finlândia e Suécia (mercados desenhados e
administrados pelo sector público) são disso exemplos (WHO, 1997 b).
Um desses mecanismos foi a introdução de incentivos competitivos (WHO, 1997 b).
Em teoria económica a palavra “incentivo” significa um estímulo para actuar de uma
determinada forma. Um sistema de incentivos é assim um sistema de recompensas. Uma
vez que muito do consumo de recursos está relacionado com as decisões que os médicos
tomam e que o seu sistema de remuneração é um factor importante nos orçamentos de
saúde (menos importante, no entanto, do que os gastos com medicamentos ou as
tecnologias), é fundamental conhecer os incentivos, nomeadamente financeiros, que
podem afectar o comportamento dos médicos e o consumo de recursos por eles gerado
(AAS IHM 1995, em Dias 1999).
Parece consensual que nenhum dos tipos de remuneração experimentados se tem
revelado ideal, embora os efeitos perversos de cada um deles possa ser exacerbado pelo
ambiente em que o médico está inserido (WHO, 1997 a).
4.
PRINCIPAIS REFORMAS. ANÁLISE E TENDÊNCIAS
Para Lambert (2000), há quatro questões fundamentais que se podem considerar como
básicas na discussão sobre as reformas desenvolvidas ou em curso nos diferentes países:
(i) a saúde é um investimento e um recurso para o crescimento económico?; (ii) a saúde
é um bem público?; (iii) a procura é induzida pela oferta?; (iv) o desequilíbrio
permanente entre a oferta e a procura é incontrolável?
Será que a contribuição da saúde para o crescimento económico tem sido na maior parte
dos casos negligenciada, tal como a educação e, limitada ao papel de factor residual? E
se assim é como poderemos inverter esta tendência e introduzir a discussão sobre os
benefícios e proveitos associados ao melhor estado de saúde dos cidadãos, ao invés dos
custos decorrentes do tratamento?
A natureza de bem público da saúde é apresentada pelos teóricos do “bem-estar” como
uma consequência da “falência do mercado” e assim é legitimada a socialização total ou
parcial do sistema. Em compensação os teóricos da escolha pública propõem
restabelecer uma concorrência moderada sobre o mercado da saúde.
A teoria da procura induzida, segundo a qual a procura de cuidados é desencadeada pela
prescrição do médico ou do hospital e não induzida pela oferta de cuidados, é
geralmente aceite no mundo anglo-saxónico e tende a legitimar um controlo da inflação
médica pela regulação da oferta de cuidados. Entretanto a sua viabilidade começa a ser
contestada.
De referir ainda que o permanente desequilíbrio das contas da saúde parece assentar
mais na rigidez estrutural do que em acidentes conjunturais. Uns sublinham o poder dos
Tese
37
Capítulo II: Reformas e contratualização em saúde na Europa
grupos de interesse, já que essa influência é considerada desde há muito como um
obstáculo estrutural ao progresso económico nas sociedades latinas 32, outros o bloqueio
da produtividade 33 e outros ainda o carácter inflacionista e dualista das ligações entre a
medicina ambulatória e a medicina hospitalar, já que os serviços raramente funcionam
centrados em redes coerentes de referenciação e mecanismos de avaliação e
responsabilização, provocando graves problemas de iniquidade e acessibilidade, além
da repetição desnecessária de actos, que oneram grandemente o sistema.
Nos últimos vinte anos tem-se assistido a uma mudança de paradigma no que se refere
aos métodos de avaliação dos custos e dos resultados dos cuidados de saúde. Antes a
avaliação estava centrada nas vertentes técnico/médica, posteriormente passaram a
intervir os constrangimentos de recursos e mais tarde foi procurada a conciliação entre a
racionalidade económica e médica, isto é, antes era baseada na lógica da racionalização
das escolhas orçamentais e as prioridades eram estabelecidas com base em
metodologias centradas no custo-utilidade ou custo-benefício.
Hoje os métodos de avaliação foram enriquecidos e são bastante mais complexos, pois
são orientados por uma lógica de eficiência e de qualidade, dando-se grande atenção aos
benefícios esperados em termos de utilidade, equidade, qualidade de vida do cidadão e
segurança dos cuidados.
No entanto, somos confrontados com uma verdade indiscutível - não há evidência de
que os ganhos em saúde e o aumento da esperança de vida nos países desenvolvidos
seja proporcional ao nível e ao crescimento das despesas em saúde. Assim, os resultados
em saúde não apresentam uma proporcionalidade directa com a afectação de recursos
feita a este sector, não sendo também permitido estabelecer uma relação de causa efeito
entre os resultados em saúde e a escolha do sistema de saúde, por exemplo, de
inspiração bismarkiana ou beveridgiana.
Se uma única forma de organização permitisse assegurar os progressos necessários em
termos de saúde, garantindo a qualidade e segurança dos cuidados e a sua distribuição
equitativa, ao mesmo tempo que continha o crescimento das despesas a um nível
razoável, este sistema seria considerado o melhor. Naturalmente este figurino
estender-se-ia a todos os níveis de desenvolvimento.
Segundo Lambert (2000), a repartição de despesas com a saúde no mundo
industrializado atesta o considerável peso relativo dos EUA e Canadá que,
representando um terço da população dos países da OCDE, são responsáveis por mais
de metade (52%) dos gastos em saúde (Figura 3).
32
Segundo Enthoven (1989), nenhum sistema de saúde escapa à influência do corporativismo, quer seja
nos EUA, no Reino Unido ou em França. Refere ainda que acresce a esta influência a proliferação de
terapêuticas ineficazes, o que potencia a lógica inflacionista dos cuidados de saúde.
33
De acordo com Baumol (1993), este postulado não se verifica na saúde, pois embora em termos gerais
os custos na área dos serviços (predominância de custos com pessoal) aumentem mais rapidamente que
a inflação e a oferta de serviços tenda a declinar em quantidade e qualidade, aqui, para além da inflação
médica, existem os progressos consideráveis da eficácia diagnóstica e terapêutica e não é hoje
admissível tratar uma doença do foro cardiológico ou outro sem recurso às novas tecnologias.
38
Tese
Capítulo II: Reformas e contratualização em saúde na Europa
Mas esta assimetria na distribuição dos recursos parece não ter uma relação directa com
a forma de organização dos sistemas de saúde, como se pode concluir pela análise dos
elementos já referidos anteriormente.
Europa (22)
América (2)
Ásia-Pacífico (4)
Fonte: Adaptado de Lambert (2000)
Figura 3 – Gastos globais em saúde na OCDE (28 países), em 1998
Poderemos concluir que genericamente todos os países procuram reformar e modernizar
os seus sistemas de saúde e que economistas, políticos, profissionais e analistas em
geral assentam as suas decisões e investigações em três pilares fundamentais: (i) o
binómio gastos efectivos/resultados com qualidade; (ii) o nível de satisfação dos
profissionais e utilizadores dos serviços e, (iii) o estado de saúde da população. Apesar
disso continua a ser bastante contingente o melhor caminho para atingir os níveis de
excelência que ambicionamos e as tendências não parecem avançar no sentido de
atenuar o crescimento exponencial dos gastos, nem obter melhores níveis de saúde para
as populações. As iniquidades mantêm-se e o acesso aos cuidados necessários nem
sempre é mandatório.
5.
TEORIAS DA AGÊNCIA E DOS CUSTOS DE TRANSACÇÃO
A teoria dos custos de transacção, entendida como os custos correspondentes à
monitorização e controlo de uma determinada actividade e que visam assegurar o
cumprimento integral dos objectivos estabelecidos, conjugados com a teoria do agente
principal34, são duas abordagens que influenciam verdadeiramente o estudo das
estruturas que gerem as relações nas organizações e em particular a coordenação das
actividades, no caso concreto a contratualização.
Podemos afirmar que a um modelo de coordenação e controlo das actividades, baseado
na hierarquia, no poder e na autoridade associado a cada posição da organização,
contrapõe-se uma perspectiva racional, baseada na teoria económica, que evidencia os
34
A Teoria do Agente-Principal, também chamada Teoria do Agenciamento ou, como é mais conhecida
em inglês, Agency Theory, assenta no facto do neo-institucionalismo económico adoptar o paradigma
contratualizador na análise das relações entre cidadãos e entre cidadãos ou grupos e as organizações.
Nesse paradigma as transacções podem ser modeladas como uma situação que envolve dois actores, um
denominado agente e o outro principal. Esta situação é tipicamente a que acontece quando há uma
separação entre controlo e propriedade, ou seja, quando há uma delegação de autoridade, por exemplo,
quando o agente é um profissional contratado por um empregador (o principal) para realizar uma tarefa
pré-especificada.
Tese
39
Capítulo II: Reformas e contratualização em saúde na Europa
custos associados com as transacções que se estabelecem numa relação de troca e,
portanto, das estruturas que a governam. Referimo-nos em primeiro lugar a uma
corrente económica que tem sido designada por economia neo-institucional ou
economia dos custos de transacção, iniciada em especial por Coase (1937, 1960 e 1988)
e desenvolvida sobretudo por Williamson (1975, 1985, 1995 e 1996) e que deve ser
conjugada com os trabalhos de investigação sobre racionalidade limitada (bounded
rationality) de Simon (1982).
Dada a importância do tema, esta investigação tem-se desenvolvido bastante e tem
vindo a centrar-se em problemas do género: como é que diferentes tipos de instituições,
regras ou procedimentos afectam os resultados das escolhas colectivas (políticas) e
como é que indivíduos racionalmente constroem, mantêm e mudam instituições em
função das suas preferências, crenças e estratégias? Esta linha de investigação deu
origem à denominada Economia das Organizações.
Os autores que mais marcaram a génese deste ramo de investigação publicaram as suas
obras, principalmente, entre o final da década de quarenta e meados da de sessenta,
embora tenham prosseguido as suas análises muito para além deste período. As obras
mais significativas naquilo que mais tarde se tornariam programas de investigação com
alguma autonomia, foram as de Arrow, K. (1951), Black, D. (1948, 1958), Buchanan, J.
et al (1962), Downs, A. (1957), Olson, M. (1971, 1982), e Riker, W. (1982). Estas obras
deram início a dois programas de investigação: a teoria da escolha pública, public
choice, cujos principais mentores foram e são Buchanan e Tullock e, a teoria da escolha
social, social choice, que se desenvolveu na continuação da obra de Arrow K. (1951,
1963, 1971) e de Sen A. (1970 a) e b), 1982). Uma influência menos unanimemente
reconhecida, mas sem dúvida importante, foi o trabalho de Schumpeter, J. (1943)35.
Estes são os dois programas de investigação que maior influência têm nas linhas
programáticas da Economia das Organizações.
Comum a estas linhas de investigação existe uma abordagem em termos de agentes
racionais que actuam num contexto de racionalidade limitada, com custos de transacção,
informação imperfeita e instituições (regras estáveis) que condicionam a actuação dos
agentes. Trata-se pois de um distanciamento em relação à abordagem neo-clássica
tradicional. O novo institucionalismo económico caracteriza-se por: (i) aplicação do
individualismo metodológico; (ii) actores racionais, mas de forma limitada (bounded
rationality); (iii) importância dos contratos, explícitos ou implícitos; (iv) abordagem
individualista das instituições e, (v) raciocínio analítico e por vezes formalizado. O que
parece distinguir o “novo” institucionalismo da economia das instituições do “velho”
institucionalismo da economia institucional é sobretudo o método de análise.
35 Schumpeter, distingue a doutrina clássica da democracia daquilo que designa por “outra teoria da
democracia”. Sobre a primeira diz: “A filosofia da democracia do século XVIII pode ser acomodada
na seguinte definição: o método democrático é o “arranjo” institucional para elaborar decisões
políticas que reflectem o bem comum (common good), fazendo o povo decidir sobre problemas
através da eleição de indivíduos que se reúnem para exprimir a vontade do povo”. A esta doutrina
clássica Schumpeter opõe uma outra concepção de democracia que sintetiza da seguinte forma: “O
método democrático é o “arranjo” institucional para elaborar decisões políticas no qual os indivíduos
adquirem o poder de decidir através de uma luta competitiva pelo voto do povo” in Schumpeter (1943)
pgs. 250 e 269.
40
Tese
Capítulo II: Reformas e contratualização em saúde na Europa
Segundo Freitas (2002), a função e os limites da contratualização são eles próprios
criticamente importantes para determinar se as transacções no sector público podem ser
mais efectivamente realizadas num ambiente de quasi-mercado ou controladas no
contexto de uma relação hierárquica mais directa. Diz-nos ainda este autor que a teoria
dos custos de transacção sugere que o contrato legal clássico é mais conveniente para
situações em que não há interesse em manter relações próximas entre as partes e em que
não se prevê uma relação duradoura, insinuando assim que a contratualização entre
entidades do sector público, na forma de contratos legais coercivos, é ineficiente. Esta
análise lembra ainda que muitas relações de financiamento no sector público devem ser
consideradas formas de contratualização relacional informal a longo prazo, mais do que
relações contratuais estritamente legalistas e coercivas.
A outra abordagem económica importante sobre a contratualização é, tal como referido
anteriormente, a teoria do Agente-Principal (Eisenhardt, K., 1988 e 1989; Grossman et
al, 1983). A ideia básica desta teoria quando aplicada ao sector público, é de que a
delegação de funções a agentes institucionais privados ou públicos autónomos faz com
que as regras de mercado sejam mais respeitadas do que o seriam numa burocracia
clássica. Mas podem não ocorrer ganhos de eficiência ou podem até ser acompanhados
de perda de qualidade dos serviços, sobretudo quando o processo de regulação não está
organizado da forma mais adequada. Os factores culturais que tornam a burocracia
ineficiente podem gerar uma regulação deficiente ou até inexistente quando se dá a
separação entre agente e principal no âmbito dos serviços públicos.
Algumas mudanças organizacionais podem ser explicadas através de conceitos de
enquadramento derivados desta teoria, os mais significativos dos quais são os incentivos
criados pelos contratos, os problemas de informação e risco e, mais genericamente, as
relações entre comprador e prestador.
Embora não considerado um ideólogo da teoria da agência, Herbert Simon36, um dos
fundadores da teoria de gestão moderna, teve grande influência no papel dos agentes e
dos custos da agência. Este autor demonstrou que os agentes enfrentam custos
resultantes da informação presente e da incerteza sobre o futuro, o que limita fortemente
a sua capacidade de tomada de decisão e força-os a tomar decisões rápidas, procurando
a primeira solução satisfatória e não a que optimiza e maximiza os resultados, pois outro
tipo de abordagem requereria um domínio total sobre a informação.
O grande problema da teoria do Agente/Principal é a assimetria de informação e a
congruência de interesses entre o agente e o principal (onde cabem o oportunismo, o
risco moral e a selecção adversa), aspectos que influenciam a adesão à relação
contratual. Para além do seu nível de conceptualização altamente abstracto, tem sido
posta em causa a sua aplicabilidade nas organizações do sector público, devido ao
36 Herbert Alexander Simon (1916-2001), economista e especialista em psicologia e ciências da
informação, com uma influência decisiva na teoria da gestão e da micro-economia que lhe valeu o
Prémio Nobel em 1978, foi o escolhido por Mintzberg para integrar, com Peter Drucker, a galeria dos
mais influentes da segunda metade do século XX. Segundo ele a gestão não é a arte de optimizar, pois
“Toda a racionalidade no processo de decisão é limitada. O gestor não maximiza, toma decisões que
o satisfazem, descobre soluções aceitáveis para problemas bem reais. Contenta-se com alternativas
satisfatórias”, (adaptado da entrevista para www.Janelanaweb.com e Executive Digest, em Fevereiro
de 2001).
Tese
41
Capítulo II: Reformas e contratualização em saúde na Europa
objectivo demasiado amplo das relações de financiamento que levam a dificuldades na
precisão das especificações, à ausência do lucro como medida de desempenho, aos
fracos incentivos para o principal monitorizar o desempenho, à multiplicidade de
princípios e à existência de objectivos conflituantes neste sector.
Esta teoria destaca a importância do controlo sobre o desempenho e a centralidade da
informação na relação contratual. Ela fornece um certo número de princípios para o
eficiente desenho das relações de financiamento, como a clareza na definição de papéis,
de responsabilidades e de especificação dos outputs e outcomes a serem obtidos, assim
como a delegação de autoridade sobre os inputs e a monitorização efectiva do
desempenho.
Desta forma pode entender-se que através da aplicação cuidadosa dos princípios
subjacentes às teorias descritas, podem ser atingidos ganhos significativos e reforçado o
papel da contratualização.
6.
6.1
O PAPEL DA CONTRATUALIZAÇÃO
Contributo das escolas e teorias de gestão para o processo da contratualização
Com o aparecimento das primeiras teorias de gestão, inicialmente denominadas de
administração, foram valorizados os aspectos internos das organizações, uma vez que a
turbulência do meio era praticamente inexistente. Basicamente são quatro as teorias da
administração.
Na Escola Clássica de Administração, de acordo com Stoner et al (1996), (abordagem
racional e profissionalização da administração), destacam-se Frederick Taylor, Henry
Gantt e o casal Frank e Lillian Gilbreth, percursores da Teoria Clássica de
Administração. O primeiro baseou o seu estudo na determinação científica dos melhores
métodos para a realização de qualquer tarefa e no desenvolvimento de um sistema de
incentivos para os trabalhadores, de forma a promover uma maior produtividade e a
aproximação do gestor ao trabalhador. Henry Gantt, colaborador de Taylor, também
propôs um sistema de incentivos mas para incentivar os supervisores a motivarem os
trabalhadores a produzirem mais. Criou o “Gráfico de Gantt”, para programar a
produção.
Henry Fayol, fundador da Teoria Clássica das Organizações (Stoner et al, 1996),
sistematizou a prática da administração, subdividindo a função administrativa em seis
actividades: técnica (fabricação); comercial (compras); financeira (aquisições);
segurança; contabilidade e administração.
A Escola Neoclássica de Administração foi criada por Max Weber, “pai da
burocracia”, que defendeu a definição de objectivos, regulamentos e normas,
racionalizando, prevendo e programando as actividades da organização. Dos seus
estudos poderemos considerar que a separação entre a função administrativa e a
racionalização das actividades foi o principal contributo para a contratualização.
42
Tese
Capítulo II: Reformas e contratualização em saúde na Europa
Por último, Mary P. Follet37, autora do modelo holístico, integrando a pessoa no grupo e
Chester Barnard38, que identificou as organizações informais e o equilíbrio entre os
objectivos da organização e os individuais, contribuíram para a inclusão nas
organizações dos conceitos de equidade, acessibilidade e mudança da cultura
organizacional.
A Escola Comportamental, de Elton Mayo, Abraham Maslow e Frederick Herzberg
(movimento das relações humanas), estudou o comportamento das pessoas no seu local
de trabalho, promovendo um sistema de recompensa para os grupos (Stoner et al, 1996).
Maslow introduziu o conceito da hierarquia das necessidades (pirâmide paralela ao ciclo
de vida das pessoas, constituída por necessidades fisiológicas, segurança, sociais, autoestima e auto-realização), procurando compreender a motivação humana.
A Escola Quantitativa, que integra a Management Science, procura analisar através de
modelos matemáticos os problemas que surgem na administração, contribuindo dessa
forma para a definição de produto e o conhecimento do custo/efectividade (Stoner et al,
1996).
A Teoria Evolutiva da Administração, que integra a Abordagem Sistémica, a
Abordagem Contingencial e o Novo Movimento das Relações Humanas, incorporou os
conceitos de sistemas, subsistemas e sinergia, a melhor técnica para determinados
resultados e a qualidade total, contribuindo para a contratualização através dos
processos informacionais, a rentabilização dos diferentes recursos e a explicitação dos
objectivos.
37
Mary Parker Follett, norte-americana nascida em Boston, foi uma pioneira da gestão e era uma
intelectual vanguardista. Muitas das ideias que concebeu no início deste século ainda são propagadas
como relevantes pela sociedade japonesa, que enaltece o seu nome. Antes de Mary, a gestão era um
território exclusivamente masculino. Vivia-se sob a influência do taylorismo e da sua busca de
eficiência através do melhor aproveitamento das máquinas. Foi a primeira pessoa a destacar a
importância dos trabalhos em grupo e a estudar a sua dinâmica. Aconselhava os administradores a
conhecerem um pouco do trabalho mecânico para melhor desempenharem as suas tarefas - “A sua
contribuição foi ter criado uma filosofia de gestão inserida na complexidade da natureza humana”,
afirma a biógrafa Pauline Graham. Escreveu no seu livro Dynamic Administration que “O estudo das
relações humanas nos negócios e o estudo da técnica da sua condução estão misturados”. Adapatado
de Sakellarides, Cíntia “As vozes femininas da gestão”, em Executiva, 5 Março de 2000.
38 Chester Barnard (nascido em 1886 e falecido em 1961), foi um prático por excelência, que foi gestor
na companhia de telefones Bell Telephone de New Jersey durante 40 anos, tornando-se mais tarde seu
presidente. Foi dos primeiros a estudar os processos de tomada de decisão, o tipo de relações entre as
organizações formais e informais e o papel e as funções do executivo. Contrariamente a sociólogos
como Max Weber, ele considerava as empresas como instrumentos mais eficazes para o progresso
social do que o Estado ou as igrejas. Enquanto estas são baseadas na autoridade formal as empresas
regem-se pela cooperação entre indivíduos ligados por uma causa comum. Ele analisou questões como
a liderança, a cultura e os valores 30 anos antes de o mundo empresarial se aperceber da sua existência
e escreveu “The Functions of The Executive” (editado em 1938 pela Harvard Business School Press,
em que referia duas ideias mestras que marcariam Drucker - as organizações são sistemas sociais e não
podem deixar de ter uma finalidade “moral” - a de se legitimarem pelos serviços que prestam e
escreveu ainda “Organization and Management” (editado em 1948, igualmente pela Harvard Business
School Press). As suas obras mantêm uma actualidade surpreendente. (baseado em Exame Executive
Digest, edição nº 18 - Management - Em foco II; www.Janelanaweb.com e Jorge Nascimento
Rodrigues. Versão 2002 para a revista portuguesa "Cadernos Temáticos", nº 3/2001, publicada pelo
Instituto de Formação Turística).
Tese
43
Capítulo II: Reformas e contratualização em saúde na Europa
De acordo com Nogueira et al (2000), à medida que o meio envolvente se tornava mais
turbulento, as organizações passaram a actuar como unidades processadoras de
informação e a analisar também o seu meio externo (organismos públicos,
indústrias/serviços, outras instituições, etc.). Essa perspectiva é partilhada por diferentes
autores do campo da teoria das organizações, dentre os quais se destaca Lawrence et al
(1967), por terem sido os primeiros a estudar a envolvente externa das organizações,
tendo posteriormente, Ansoff (1965), criado o modelo de planeamento estratégico com
a finalidade de obter a melhor relação do binómio produto/mercado, partindo das
necessidades do cliente (exigências do meio envolvente), dos recursos e capacidades
existentes, para formular a estratégia, que não é mais do que a relação que a empresa
estabelece com o meio para, através do produto, satisfazer a necessidade do cliente.
Mintzeberg et al (1999) apresentam como principais características da empresa a
flexibilidade e a capacidade de se ajustar às mudanças do meio envolvente. Os
principais contributos que poderemos retirar deste autor para a contratualização são a
participação, a responsabilização, a informação para a tomada de decisão, o
planeamento, a negociação e a flexibilidade para responder ao meio (Nogueira et al
2000).
6.2
A participação do cidadão no processo de contratualização
A participação pode ser definida segundo Saltman (1994), como um processo através do
qual os actores chave (stakeholders) influenciam e partilham o controlo sobre iniciativas
de desenvolvimento (decisões e recursos que os afectam).
Na área da saúde, a importância da participação reside na necessidade estratégica de
medir o desempenho do sistema, constituindo um dos mais importantes elementos de
feedback sobre a qualidade dos serviços e a referência ideal para basear um sistema de
diagnóstico de necessidades. Pretende-se assim associar ao actual controlo político do
sistema de saúde uma mediação comunitária, obtendo-se uma aferição efectiva entre as
necessidades em cuidados de saúde e a sua prestação, com consequente rentabilização
da produção, tanto a um nível qualitativo, como quantitativo.
No contexto legislativo Português actual, a participação dos cidadãos está prevista a
vários níveis da hierarquia do SNS, assumindo, no entanto, um carácter meramente
consultivo, ou seja, uma participação não vinculativa. Este aspecto merece uma
reflexão, pois encerra um duplo problema: se por um lado, este tipo de participação
assegura em teoria o cumprimento dos valores e dos princípios estratégicos da nossa
política de saúde, por outro lado não valoriza a participação dos cidadãos, que já por si
apresentam uma fraca cultura participativa, tanto a nível individual como colectivo.
Sabe-se que os mecanismos que levam os cidadãos a quererem participar nas dinâmicas
das organizações estão directamente relacionados com a obtenção de resultados pessoais
ou de grupo. De facto, a persecução desses resultados conduz ao desenvolvimento de
um conjunto de comportamentos e atitudes que decorrem do exercício de algum tipo de
poder (formal ou informal, a um ou mais níveis). Pode afirmar-se, por isso, que para
participar é necessário que o cidadão perceba que detém algum tipo de poder, pois só
dessa maneira sente que poderá retirar alguma mais-valia do seu investimento.
44
Tese
Capítulo II: Reformas e contratualização em saúde na Europa
À pergunta: como realizar o empowerment dos cidadãos, a resposta deve ser
equacionada em dois planos:
Como pode o cidadão participar na gestão do sistema público de saúde?
Que estrutura organizacional deve um sistema público apresentar, de forma
a promover e garantir a participação dos cidadãos?
Na prática, estas questões não podem ser respondidas de forma isolada, pois a interface
a desenvolver depende da cultura de cidadania de uma determinada população e do grau
de liberdade que um sistema específico permite, no sentido de criar mais ou menos
mecanismos de controlo centrais, no seu processo de tomada de decisão.
De uma forma geral, o cidadão individual pode exercer o seu poder recorrendo a
processos de tomada de decisão, como a escolha de uma instituição específica ou de um
profissional de saúde. Se, simultaneamente, o sistema criar formas de afectar recursos
de acordo com as suas preferências, o cidadão começa a fazer parte do processo de
decisão central, a estar dentro do sistema como sujeito activo e não como objecto de
prestação de serviços, uma vez que a distribuição de recursos financeiros passará pela
análise do comportamento dos clientes do sistema e não só pelos planos dos seus
profissionais.
Colectivamente, os cidadãos podem desenvolver o mesmo tipo de comportamentos, mas
de forma organizada, optando pelo fornecedor de serviços e contratualizando de acordo
com os seus interesses específicos. Além disso, podem exercer pressão sobre o sistema,
no sentido de satisfazer necessidades específicas, interferindo directamente na sua
gestão política.
Consoante o nível de empowerment desejado e as características da população a
envolver (binómio estrutura/cultura), assim se procederá ao desenvolvimento do
processo participativo dos cidadãos. Partir de um sistema “autocrático”, onde não é
permitida ao cidadão a escolha, nem por ele exigida, implica que se desenvolvam
mecanismos graduais de participação e empowerment (Figura 4). Toda a negociação a
encetar entre a estrutura central e a comunidade envolve a assunção de aprendizagens de
parte a parte, uniformizando conceitos, na busca de linguagens comuns.
Este aspecto, levanta a questão do “como fazer”. A criação de instituições mediadoras,
capazes de cumprir uma missão de equilíbrio de poderes, surge com pertinência óbvia
numa fase inicial, enquanto o poder de decisão final se mantém do lado da
administração. Um dos mecanismos a considerar nas formulações políticas refere-se aos
argumentos clássicos sobre a importância de criar “instituições intermédias” capazes de
proteger os indivíduos da exposição directa ao enorme poder do estado. Exemplo destas
organizações são as actuais Agências de Contratualização de Serviços de Saúde, em
Portugal. A noção de Agência do utilizador dos serviços de saúde pode ser
compreendida exactamente como esta instituição intermédia, que procura assistir e
defender os interesses dos cidadãos nos seus esforços para conquistar uma autoridade
real no processo de tomada de decisão.
Tese
45
Capítulo II: Reformas e contratualização em saúde na Europa
1.
Utilização de mecanismos de voz
2.
Utilização de meios legais de defesa
- Acções judiciais por má prática
- Indemnizações por “erros”
- Quadros nacionais de disciplina médica
3.
Selecção anual do médico de ambulatório
4.
Escolha do médico e do hospital (sem implicações orçamentais)
5.
Controlo de recursos pelos eleitos
- Ao nível nacional/de cidade/do município
6.
Influência na modalidade de tratamento
- Pedido de segunda opinião
- Participação nas decisões médicas
- Escolha de especialistas alternativos
7.
Escolha do médico e do hospital (com implicações orçamentais)
Fonte: Saltman, 1994, p.204
Figura 4 - Tipologia do empowerment do cidadão nos serviços de saúde
Encontramos, no entanto, dois importantes constrangimentos para que a Agência
cumpra o seu papel de uma forma eficaz:
A manutenção da soberania governamental no processo de decisão,
controlando o funcionamento da Agência através de critérios essencialmente
financeiros, rejeitando ou não assumindo indicadores, necessidades e
prioridades manifestados pelo cidadão (desmotivando a sua participação de
uma forma continuada);
O âmbito regional que lhe é conferido, responsável por um “gap” entre
participação e centralização do poder:
•
impeditivo de um efectivo “cuidar comunitário” e sinónimo de uma
correcta avaliação de necessidades e controlo de outputs;
•
permeável a enviezamentos no processo de tomada de decisão e
aplicação de recursos, uma vez que se gerem a um nível macro,
recursos cuja aplicação local não pode ser controlada pelo cidadão,
passando despercebidas inúmeras ineficiências. Por outro lado, perdemse com frequência oportunidades, que parecem óbvias aos membros de
determinada comunidade, criando-se fenómenos de desacreditação e
incompreensão das lógicas que presidiram ao processo de tomada de
decisão.
Partindo-se do pressuposto atrás referenciado, que a participação não é possível sem o
empowerment do cidadão, este deve ser atingido de forma gradual e, logicamente, numa
perspectiva de longo prazo. Assim, segundo Mesquita (2002):
◊
46
Numa primeira fase:
Tese
Capítulo II: Reformas e contratualização em saúde na Europa
- poder-se-ia fazer a orientação por agências de âmbito regional, com
representação dos cidadãos nas equipas de acompanhamento,
geograficamente referenciadas a comunidades restritas (membros de câmaras
municipais, juntas de freguesia, associações de cidadãos), numa tentativa de
partilhar experiências, providenciar formação sobre conceitos específicos em
áreas como a contratualização, investigação (diagnóstico de necessidades) e
mecanismos de avaliação e controlo;
- simultaneamente, deveria ser dada a possibilidade ao cidadão de escolher o
prestador público de cuidados de saúde;
- por último, o financiamento dos prestadores deveria progressivamente ser
feito de acordo com a capitação e as características da população a que presta
cuidados.
◊ Numa segunda fase:
- promover a “independência” da agência de contratualização, onde o cidadão
assume o papel de “stakeholder”;
- desenvolver o processo de localização das Agências (só assim o cidadão
poderá assumir o papel acima referido);
- abrir a contratualização ao sector privado a um nível local.
De uma forma geral, a transição entre estas duas fases traduz-se nas mudanças referidas
e sintetizadas no Quadro 6.
Quadro 6 - Alguns conceitos a analisar para promover a participação do cidadão
Cidadão
Papel
Agência do
sistema
- Cliente
- Utente
Agência da - Accionista
comunidade
Exercício de
poder
- Limitado pelo
sistema
- Poder efectivo
(Actores Chave)
Sistema público
Mecanismos
de controlo
Objectivos
e/ou
regulação
Administrativo:
central, regional
ou local
- Comunitário;
- Local (Unidade
de Saúde)
- Participação
consultiva
- Eficácia
- Participação activa
- Responsabilização
- Eficácia
Noções
conceptuais
- Satisfação
- Assimetria de
informação
- Empowerment
/escolha
- Informação
suficiente
Fonte: Adaptado de Mesquita (2002)
6.3
Conceitos de necessidades em saúde
Tendo em atenção que a saúde não é uma qualidade absoluta mas um valor com
características eminentemente sociais (Brockington F., 1988) e que essas características
devem ser procuradas na relação que o indivíduo estabelece com o seu meio, passam-se
em revista algumas definições mais usuais de necessidades em saúde.
Tese
47
Capítulo II: Reformas e contratualização em saúde na Europa
Pode afirmar-se que o conceito de necessidades em saúde está directamente associado
com as relações que cada cidadão mantém consigo próprio e com o meio onde se insere,
determinando por essa via os padrões de comportamento que vão influenciar a saúde
das respectivas comunidades.
Se a saúde se pode definir como um estado de completo bem-estar físico, mental e
social 39 e se, de acordo com a Carta de Ottawa (WHO, 1986), a saúde é um dos
principais recursos para o desenvolvimento social, económico e pessoal, e uma
dimensão importante da qualidade de vida, então o grande investimento dos sistemas de
saúde deve ser feito na “promoção da saúde”, entendida como um processo de
capacitação que permite a cada um definir e realizar um projecto de vida, no contexto
social e cultural em que se inclui e assim influenciar o estado de saúde e as necessidades
em saúde individuais e colectivas.
Segundo Wilkin, David et al (1992), o conceito de necessidade é central para a oferta de
cuidados de saúde, dado que define os seus objectivos. Para estes autores a mensuração
das necessidades não é uma descrição objectiva e neutra da população; engloba juízos
de valor sobre o que é aceite como objectivo apropriado e o que constitui desvio desse
objectivo. Assim, todas as medidas de necessidade englobam juízos acerca do que
constitui um objectivo desejável e como devem ser avaliados os desvios desses
objectivos. Sendo raramente explicitados, estes juízos dizem respeito a duas áreas
relacionadas: o padrão pelo qual a deficiência ou a necessidade deve ser avaliada e
quem decide o que é uma necessidade.
Muitos autores, entre eles, Bradshaw (1972), Richardson (1994) e Stevens and Gabbay
(1991), citados em Robinson J. et al (1996), classificam as necessidades em saúde em
(i) necessidades sentidas (que podem ser expressas e não expressas); (ii) necessidades
expressas (conhecidas através da procura dos serviços); (iii) necessidades normativas
(definidas por líderes e peritos) e (iv) necessidades satisfeitas (conhecidas através da
utilização dos serviços).
Ainda de acordo com Wilkin, David et al (1992), há três formas de definir os critérios
para se avaliar da existência de uma necessidade. Primeiro, as necessidades podem ser
avaliadas em relação a padrões ideais, os quais são extremamente difíceis de definir
quando se querem aplicar com finalidade prática. É disso exemplo o conceito de saúde
da OMS, atrás referido, já que não se consegue definir o estado de necessidade.
Segundo, podem ser definidas em termos de um nível mínimo abaixo do qual a
população não deve cair, sendo esta uma medida de avaliação bastante usada em termos
de política social e de saúde, pelo que têm sido feitos esforços significativos, no sentido
de definir padrões mínimos de nutrição, de rendimento, de habitação, de funções básicas
(andar, vestir, trabalhar), etc. Esta metodologia, no entanto, é bastante limitada, já que
se centra no que é facilmente mensurável e apenas valoriza uma pequena parte do que
as pessoas sentem como necessidades legítimas.
39
Um dos princípios da Constituição da WHO, adoptada na Conferência Internacional sobre Saúde em 22
de Julho de 1946, Nova York, tendo entrado em vigor em 7 de Abril de 1948.
48
Tese
Capítulo II: Reformas e contratualização em saúde na Europa
Em terceiro lugar, as necessidades podem ser avaliadas por referência a comparações
com padrões adquiridos por outros grupos ou indivíduos. Esta medida é semelhante aos
padrões mínimos, mas em vez de definições absolutas compara com a média para a
população ou para sub-populações dentro dela. Pode dizer-se que este processo
representa um compromisso entre ideais indefiníveis e padrões altamente restritivos,
sendo que as necessidades em saúde podem ser definidas em termos de padrões
conhecidos que se sabem existentes em grupos comparáveis (adultos da mesma idade e
sexo vivendo na mesma área) ou praticados pelos mais privilegiados na mesma
sociedade.
Assim, a escolha de quem decide o que constitui uma necessidade está entre o
individual, o grupo profissional ou a sociedade em geral. Deverá, portanto, dar-se
atenção à maneira como a necessidade é definida, pois algumas medidas consideram a
percepção individual de necessidade uma discrepância entre o que é e o que deveria ser.
A desvantagem de considerar as necessidades individuais relaciona-se com o facto de
que uma baixa expectativa pode resultar numa baixa percepção de necessidades e, por
outro lado, porque se torna difícil comparar necessidades sentidas com necessidades
expressas.
Algumas das medidas utilizadas em necessidades em saúde tendem a ir para além dos
juízos individuais e profissionais e incorporam os valores da sociedade como um todo,
através de técnicas em que as pessoas são os juízes, segundo Wilkin, David et al (1992).
Assim, as necessidades individuais podem ser avaliadas tendo em conta as normas
consideradas aceitáveis por outros, resultando daqui a desvantagem de esta
metodologia, ao levar em linha de conta uma grande variedade de opiniões, poder
originar padrões que têm pouco a ver com a expectativa individual.
Pode assim concluir-se que dos vários processos utilizados para a definição e medição
das necessidades nenhum parece ser melhor do que outro, já que a sua selecção deve ter
em conta as circunstâncias e os fins em vista. O que se torna importante neste caso é que
ao serem determinadas as necessidades se leve em linha de conta a riqueza dos
processos conhecidos e se considere o mais adequado à circunstância em questão.
6.4
Necessidades em saúde e expectativas do cidadão
A identificação das necessidades em saúde é um pressuposto básico para o planeamento
dos cuidados de saúde a prestar à população. Não constituindo um benefício em si
mesmo, representa um importante instrumento para a definição de uma estratégia
orientada para os resultados de saúde. Apesar disso, o sistema de saúde tem centrado a
sua atenção no funcionamento dos respectivos serviços, procurando dessa forma dar
resposta às necessidades expressas, geralmente relacionadas com problemas de doença.
Uma alternativa a este modelo é o que organiza o sistema de saúde centrado nas
necessidades da população, a partir das quais se definem as políticas e se desenvolvem
os serviços prestadores de cuidados. Embora mais complexa, esta alternativa constitui
um modelo mais adequado para responder às necessidades em saúde de diversa natureza
da população.
Tese
49
Capítulo II: Reformas e contratualização em saúde na Europa
Uma vez que na maior parte dos casos não há lugar à livre escolha do prestador de
cuidados, em resultado da rigidez das normas que regulam os serviços públicos, a
manifestação e a avaliação das expectativas dos seus utilizadores encontra-se
consideravelmente limitada.
A avaliação das necessidades de cuidados de saúde baseada na informação fornecida
por modelos de avaliação das necessidades em saúde das populações, integrando as suas
expectativas, constitui um elemento fulcral para reorientar a centralidade do
funcionamento e organização dos serviços. Nesta perspectiva, a contratualização de
cuidados de saúde não poderá descurar estes dois aspectos, sendo a Agência o
dispositivo nuclear do desenvolvimento de todo este processo, centrando-se a sua
função principal no estabelecimento do equilíbrio entre os recursos existentes e o meio
envolvente sistémico.
7.
RESUMO
Ham (1998) assinala que o desvio do sistema integrado para o modelo contratual foi um
estímulo complementar às políticas de controlo de despesas de nível macroeconómico,
gerando iniciativas de fortalecimento da eficiência e da capacidade de resposta aos
utilizadores no nível macroeconómico. Os principais instrumentos dessas políticas
foram:
•
a introdução de mecanismos similares aos do mercado em muitos sistemas
de saúde. A orientação para o mercado levou à separação de
responsabilidades entre financiadores e prestadores do sistema integrado e
criou a base para um modelo contratual;
•
o fortalecimento da gestão dos serviços de saúde, para reduzir as variações
de desempenho e introduzir uma forte orientação para o cliente. Esta última
proposta visou oferecer ao doente maior poder de escolha e melhorar o
acesso, reduzir as listas de espera e incrementar a qualidade da prestação;
motivados pelo ideal dos "empreendimentos bem sucedidos", os
implementadores de políticas de saúde procuraram melhorar os sistemas de
informação, envolvendo médicos, enfermeiros e os níveis de gestão e
desenvolver novas responsabilidades na gestão de hospitais e unidades de
saúde;
•
o uso de incentivos orçamentais como um meio de aperfeiçoamento do
desempenho. Esta inovação surgiu do reconhecimento de que o orçamento
prospectivo global, embora tenha sido eficaz na contenção de despesas,
pouco ofereceu em incentivos para que as organizações de saúde fossem
responsáveis em relação à satisfação dos utentes; as reformas exploraram as
possibilidades de combinar controlo de custos com sistemas de pagamento
que permeassem as melhorias de desempenho contratadas.
Resumidamente, Saltman e Figueras (1998) afirmaram que quatro grandes temas
orientaram as escolhas políticas na formulação da reforma na Europa nos anos noventa:
os papéis do Estado e do mercado, a descentralização, os direitos do doente e as novas
funções para a saúde pública.
50
Tese
Capítulo II: Reformas e contratualização em saúde na Europa
7.1
Estado e mercado
As reformas europeias consideram que não há um conceito de mercado que possa ser
útil para o sistema de saúde, ainda que alguns mecanismos da gestão privada tenham
sido introduzidos na gestão financeira, na distribuição de recursos ou no estímulo à
produtividade do sistema, como a livre escolha do utilizador/consumidor, a
contratualização negociada (contrato de gestão) e a concorrência pública. Estas
iniciativas refizeram as relações entre Estado e mercado para um modelo híbrido
denominado mercado interno (internal market), competição pública ou quasi-mercado.
7.2
Descentralização
Outra importante iniciativa das reformas foi a descentralização política e administrativa
de certo nível de autoridade para níveis locais e para o sector privado. A
descentralização tem sido tomada como uma resposta às limitações das instituições
públicas centralizadas, com baixa capacidade de inovação e baixa responsabilização.
O êxito da descentralização, contudo, parece estar condicionado à existência de um
ambiente de sustentação para o desenvolvimento da capacidade administrativa e da
destreza na implementação das decisões. Quando estas condições não são satisfeitas, a
descentralização produz resultados negativos, pela fragmentação dos serviços, perda de
equidade, manipulação de interesses e fragilização das funções reguladoras do sector
público, estimulando estratégias de recentralização, como no caso italiano (Maino F,
1998 em Saltman 1998)40.
7.3
Direitos do doente
Neste capítulo, duas inovações têm orientado os sistemas de saúde:
•
a possibilidade de os doentes escolherem o seu clínico geral ou especialista,
o hospital e o próprio médico no hospital, ainda que estas iniciativas não
sejam totalmente consensuais entre os países, pois muitos preservaram a
função do clínico geral como gatekeeper;
•
a protecção aos direitos dos doentes, principalmente referidos à
responsabilização dos prestadores e à protecção da confidencialidade da
informação (esta emergência do direito do doente tem favorecido novas
jurisprudências em direitos civis associados às relações entre os médicos e
os doentes e entre as organizações de saúde e os seus utilizadores).
40 Na página Web do Department of Social and Political Studies da University of Pavia pode ler-se sobre
o Dr. Franca Maino Summer School Co-ordinator, o seguinte: “Franca Maino, is M.Sc. in Politics at the
London School of Economics and Political Science (LSE) and Ph. D. in Political Science at the
University of Florence, and now research assistant at the Department of Social and Political Studies
(University of Pavia). Her main research interests include the Italian welfare state, decentralisation and
comparative social policy, with special emphasis on health care policy. Her recent publications include:
La politica sanitaria, Bologna, Il Mulino, 2001, L'expérience du revenu minimum d'insertion en Italie, in
“Les Politiques Sociales”, 3-4, 2000, pp. 78-87 (with T. Alti), Fiscal Federalism and Health Care
Reforms in Canada and Italy, in “Quaderni di Scienza dell’Amministrazione e Politiche Pubbliche” 4,
1999 (with A. Maioni).”
Tese
51
Capítulo II: Reformas e contratualização em saúde na Europa
7.4
Novas funções da saúde pública
A reforma dos sistemas de saúde na Europa tem originado reflexões sobre o papel dos
serviços e dos profissionais de saúde pública, dado o reconhecimento de que os serviços
médicos têm um impacto muito limitado em determinadas situações de saúde da
população. Os determinantes de saúde dependem de políticas públicas inter-sectoriais
específicas, como nomeadamente a educação, a habitação e a criação de empregos. Esta
“nova saúde pública” foi fortalecida pela difusão internacional, em fins da década de
oitenta, da promoção da saúde e da prevenção da doença.
Segundo WHO (1997 c), um aspecto considerado importante é o aumento do
investimento na formação de profissionais de saúde pública e, em paralelo, a criação de
oportunidades de carreira/trabalho com níveis de remuneração idênticos aos dos seus
colegas a trabalhar nos cuidados especializados. Parece importante obter a colaboração
de profissionais de saúde pública (talvez com formação de base não só na área médica)
nos níveis central e regional do planeamento e avaliação da prestação de cuidados de
saúde.
A saúde pública tem sido também colocada no centro das reformas, em função da
mudança do papel do Estado nas tarefas de financiamento, delegando para outros
agentes no contexto da descentralização, nomeadamente municípios; organizações
públicas e semi-públicas e empresas privadas, as tarefas directas de fornecimento de
serviços.
Por outro lado, a saúde pública tem assumido um importante papel nas actividades
reguladoras, através do desenvolvimento, criação e implementação de instrumentos de
avaliação e de indicadores de eficiência, efectividade e qualidade dos programas,
excedendo o papel de simples agente de coerção derivado das vigilâncias
epidemiológica e sanitária.
52
Tese
Capítulo III - Análise do sistema de saúde e do processo de contratualização no Reino Unido e em
Espanha
CAPÍTULO III: ANÁLISE DO SISTEMA DE SAÚDE E DO PROCESSO DE
CONTRATUALIZAÇÃO NO REINO UNIDO E EM ESPANHA
1.
BREVE INTRODUÇÃO
Para podermos analisar o sistema de saúde e o processo de contratualização em outros
países e daí tirarmos alguns ensinamentos para a análise do nosso sistema e procurando
não ser muito exaustivos, nem muito descritivos, limitámos a análise ao Reino Unido e
Espanha, quer pela semelhança do tipo de organização dos sistemas relativamente ao
nosso, quer pelo processo de desenvolvimento que tem sido prosseguido nesses países,
quer ainda pela proximidade geográfica (espaço ibérico), no caso de Espanha.
O Reino Unido é um exemplo onde o Estado de Bem-Estar Social foi consolidado ao
longo dos anos, a partir de um amplo movimento de lutas sociais e em que apesar dos
anos de política neoliberalizante, a partir do governo Thatcher, terem trazido grandes
alterações ao modelo, o NHS continua a ser a base do sistema de saúde deste país,
podendo afirmar-se que, independentemente dos resultados alcançados com as
reformas introduzidas, o Reino Unido busca incessantemente melhorar o seu sistema e
garantir os cuidados aos seus cidadãos. Mantém um caminho, um rumo e uma
estratégia facilmente identificáveis.
Convém, no entanto, ter presente que o processo de renovação da administração
pública inglesa, onde o NHS se insere, tem como ponto de partida o Relatório Fulton,
elaborado em 1968 (Comissão Parlamentar de Reforma), que apontava a necessidade
de aumentar a eficiência dos funcionários, a falta de preparação dos quadros para a
gestão dos serviços públicos, uma excessiva hierarquização e inexistência de contratos
entre o nível central e as comunidades. Propunha também um perfil mais profissional e
menos político para os gestores, para além de formação e reestruturação para superar
os problemas existentes.
Espanha é outro exemplo que poderemos utilizar, mais próximo de nós, um sistema
igualmente público, mas com um processo de desenvolvimento que deve ser
considerado quando analisamos a realidade portuguesa.
Independentemente da forma como se deu a reestruturação dos modelos de protecção
social em países da Europa, o Sistema de Saúde Espanhol esteve ligado ao
desenvolvimento da Segurança Social desde os anos quarenta. Em 1978, com a
promulgação da Constituição Espanhola, é reconhecido no artigo 43º o direito à
protecção da saúde. No desenvolvimento da Constituição, a “Lei Geral de Sanidade”
de 1986 criou o Sistema Nacional de Saúde, considerado um bom Sistema de Saúde
tendo em conta os principais indicadores económicos e de Saúde e a opinião dos
cidadãos.
Tese
53
Capítulo III - Análise do sistema de saúde e do processo de contratualização no Reino Unido e em
Espanha
2.
2.1
REINO UNIDO
Princípios do sistema de saúde
O Serviço Nacional de Saúde do Reino Unido (NHS), baseado no princípio da
universalidade, garante cuidados de saúde, gratuitos, a todos os cidadãos desde 1948.
O seu financiamento é assegurado pelos impostos, proporcionais ao rendimento dos
contribuintes. Os profissionais de saúde são tecnicamente autónomos, têm liberdade de
instalação e de prescrição, podem exercer no sector privado, no sector público ou em
ambos. Caso pretendam exercer no domínio público, devem estabelecer um contrato
com o NHS.
Os cuidados de saúde primários são assegurados pelos clínicos gerais (General
Practitioners - GP), a quem são garantidos recursos para a aquisição de cuidados
secundários ou terciários para os seus utentes. Esta medida esteve na origem de um
mercado interno (internal market) no seio do sector da saúde.
Actualmente os hospitais do NHS agrupam-se em estruturas públicas independentes,
conhecidas por "trusts", que asseguram a prestação de cuidados secundários e
terciários e têm como objectivos principais a melhoria quer da eficiência, quer do
acesso.
Este quasi-mercado, adoptado no período da primeira ministro Thatcher, foi
responsável por uma verdadeira descentralização e por uma maior autonomia das
instituições prestadoras de cuidados. Em 2000 foi elaborado um novo Plano para
investir no NHS e que assenta em melhorias estruturais a introduzir ao longo de cinco
anos. Foi apresentado como um Plano que visava mudanças profundas em todo o NHS.
Como já foi referido, de acordo com o WHO (2000 b), o Reino Unido ocupa o 18º
lugar como país com melhor sistema de saúde do mundo, medido pelo índice global de
realização dos objectivos, índice que combina o nível de saúde e a resposta às
expectativas da população em cuidados, embora nos gastos per capita ocupe o 26º
lugar, entre 191 países em análise.
2.2
A reforma dos anos oitenta
As mudanças no NHS foram condicionadas pela iniciativa de criação do mercado
interno ou quasi-mercado para a prestação de cuidados de saúde. Esta preocupação na
reorganização do padrão de oferta derivou do facto do governo Thatcher ter desistido
do seu projecto inicial, de alterar o sistema de comprador único (single payer).
Walsh, N. (1997),41 defende que as iniciativas da proposta de mercado interno
desenvolvidas no NHS a partir do fim dos anos oitenta, foram principalmente:
41 Sobre Nicola Walsh, lê-se na página Web do Health Services Management Centre of The University
of Birmingham “was Fellow and Project Manager for one of four research teams commissioned by
54
Tese
Capítulo III - Análise do sistema de saúde e do processo de contratualização no Reino Unido e em
Espanha
•
a separação de funções entre os níveis central e local, para que o executivo
desenvolvesse capacidades de formulação de políticas;
•
a transformação das autoridades sanitárias em compradores de cuidados de
saúde e o aumento da actividade dos clínicos gerais através de incentivos à
sua transformação em gestores de fundos públicos para aquisição de serviços;
•
ao nível da prestação, incentivos à transformação dos hospitais públicos em
empresas autónomas (trusts) habilitadas a competir no mercado, inclusive
com os hospitais privados, pelos recursos disponíveis para atendimento aos
utentes.
Ham (1998) assinala que a introdução de incentivos à competição deu-se sob forte
regulação. Assim, para ele, os efeitos da reforma nesse plano são geradores de um
mercado gerido no acesso aos cuidados de saúde e não de um verdadeiro mercado
interno.
Os reformadores procuravam responder, com a flexibilização e a incerteza, ao
“problema da captura” pelos prestadores públicos, hospitais e clínicos gerais, ao
configurar novas modalidades de aquisição de serviços que permitiam introduzir
responsabilização e avaliação de desempenho.
Na reforma, a sobreposição da gestão e prestação de serviços pelas autoridades
sanitárias distritais foi substituída gradualmente pela separação de papéis, facilitada
pela emergência das novas entidades de prestação autónoma de serviços. Em 1996
quase todos os hospitais e serviços comunitários de saúde eram dirigidos por empresas
autónomas.
Essas novas instâncias de gestão permitiram às autoridades sanitárias desenvolver
mecanismos de aquisição de serviços destinados às populações residentes nas áreas em
que actuavam. Foi assim definida uma nova forma de financiamento para os distritos
sanitários, tendo como critério de distribuição orçamental a dimensão da população
servida, ponderada por algumas variáveis, nomeadamente sexo e idade.
Foram também introduzidas mudanças ao nível dos cuidados primários. Os clínicos
gerais passaram a organizar-se em cooperativas (fundholding), para a gestão de um
orçamento que tinha como objectivo a aquisição progressiva de serviços hospitalares,
medicamentos e incentivos aos profissionais. Os recursos crescentemente transferidos
the Department of Health in June 1998, to conduct a national evaluation of all first wave Personal
Medical Service (PMS) pilot sites. The team at Birmingham looked at the setting up and
implementation of the PMS initiative across a range of different organisational models. The team also
looked at whether or not the PMS initiative produced any positive outcomes in relation to
accountability, integration and responsiveness. The national programme seeks to assess the impact of
the new policy initiative in relation to seven key principles: fairness, efficiency, effectiveness,
flexibility, responsiveness, integration and accountability. The aim of this programme is to assess the
PMS policy initiative in relation to a set of criteria defined by these principles. For example, in
relation to accountability, the evaluation criteria are concerned with whether the pilots are improving
accountability to local communities and to the health authority.
Tese
55
Capítulo III - Análise do sistema de saúde e do processo de contratualização no Reino Unido e em
Espanha
para a gestão dos fundholders foram sendo deduzidos dos recursos controlados pelas
autoridades sanitárias distritais.
Segundo Ham (1998), essas mudanças transformaram o sistema nacional integrado
num modelo contratual que estabelecia o vínculo entre financiadores e prestadores. O
objectivo dos contratos era a especificação dos custos, qualidade e quantidade de
cuidados, embora na reforma inglesa o contrato não se tenha tornado um verdadeiro
instrumento legal mas mais um instrumento de gestão que procurava codificar os
acordos entre financiadores e prestadores.
O impacto dessas medidas foi a mudança no equilíbrio de poder entre os diferentes
interesses no NHS: de um velho sistema integrado e hierarquizado passou para um
modelo mais flexível, descentralizado e assente num conjunto de processos contratuais.
Esta matriz enfraqueceu o tradicional poder dos prestadores, especialmente dos
hospitais de agudos. Na nova posição de financiadores, as autoridades locais foram
desafiadas a trabalhar em articulação com os clínicos gerais para decidirem que
serviços comprar e onde contratar. Isso reflecte a posição fortalecida dos clínicos
gerais como porta de entrada no sistema (gatekeepers) e referenciadores no acesso aos
serviços hospitalares (Maynard, A. et al, 1996).
A perspectiva dos reformadores é de que a separação das funções geraria um aumento
de produtividade com ganhos para os cidadãos. Os estudos divergem sobre o
significado real da melhoria de desempenho verificada após a reforma, visto existir a
possibilidade de uma artificialidade dos indicadores, uma melhor informação e a
sobre-orçamentação do sector ao longo do período da reforma.
Segundo Klein (1998), as escolhas dos doentes não foram afectadas pelas mudanças
introduzidas, sendo até mesmo fortalecidas pela exigência de divulgação do “pacote de
serviços” feita aos clínicos gerais, prática até então inexistente no NHS. Outro
indicador de responsabilização, a lista de espera para tratamento hospitalar, apresenta
algumas melhorias em áreas específicas. O nível de insatisfação com o NHS
reduziu-se, embora não se possa afirmar que a reforma, por si só, tenha sido
responsável pelos progressos verificados a esse nível (Maynard, A., 1999).
Ao efectuar uma comparação entre o passado e o presente, tentando daí retirar as
ilações possíveis para o futuro do NHS, Klein (1998) afirma que não há razão para
pensar que a dinâmica do novo modelo irá necessariamente ser discriminatória no que
se refere à equidade; ao invés, potencialmente, ela oferece uma oportunidade para
fortalecer a equidade.
O paradoxo pode estar no facto de que um decisor preocupado em atingir a equidade
pode ter na reforma pós-1991 mais instrumentos e mecanismos disponíveis do que
tinha no sistema anterior a 199142.
42
Essa percepção de Klein pode ser uma das explicações plausíveis para as correcções, dentro de
limites, do desenvolvimento da reforma promovida pelo gabinete Blair ao longo do ano de 1999.
56
Tese
Capítulo III - Análise do sistema de saúde e do processo de contratualização no Reino Unido e em
Espanha
2.3
Micro-eficiência na gestão hospitalar e descentralização da oferta
A reforma mais recente trouxe importantes inovações em relação à anterior, ao
centrar-se em sectores específicos e não só na saúde, ao voltar-se para a regulação de
custos e volume de produção e não apenas para a despesa total e ao introduzir
mudanças macroeconómicas, de natureza organizacional, para promover eficiência e
responsabilização.
Uma das primeiras inovações a ser introduzida visava a melhoria da eficiência na
gestão hospitalar, com o objectivo de atenuar a autonomia médica, geradora de
despesas e custos. Habitualmente no meio hospitalar essas decisões são tomadas sem
se basearem em parâmetros de gestão e sem a informação suficiente sobre os custos
das diferentes opções disponíveis. Nas situações em que essas opções estão disponíveis
existe grande resistência em adoptá-las, devido à cultura existente sobre autonomia da
profissão.
Uma outra fonte de ineficiência na gestão hospitalar estava relacionada com a pouca
qualidade das infra-estruturas e também do controlo do trabalho dos profissionais. Na
maioria dos casos, serviços que poderiam ser produzidos de forma mais efectiva
através de outsourcing, por terceiros, permaneciam com a produção internalizada no
hospital.
Outro ponto de inovação foi a flexibilização na divisão de trabalho, já que muitas
tarefas que podiam ser resolvidas por profissionais de menor qualificação eram
normalmente desempenhadas por médicos. Na reengenharia da administração dos
hospitais procuraram introduzir-se novos métodos de controlo de materiais e produtos
de consumo e regular a incorporação de tecnologias através da introdução de uma
gestão baseada em objectivos e na negociação de metas contratuais.
Foram ainda introduzidas mudanças nas remunerações dos profissionais médicos,
maioritariamente baseadas em honorários, dado que com frequência os valores pagos
no NHS tinham variações de grande amplitude e pouca ou nenhuma relação com os
cuidados prestados, nem parecendo estar assentes em critérios de custo-efetividade.
Outra inovação, ainda no nível macroeconómico, foi o grau de exigência que os
financiadores (autoridades sanitárias, seguradores privados ou negociadores de seguro
social) passaram a ter face aos hospitais. Esses fundos serviram para se adoptarem
condutas mais responsáveis em relação à qualidade da prestação de serviços que
contratavam e para melhorar a eficiência na distribuição de recursos. Essa reorientação
visava especialmente os prestadores, nomeadamente os hospitais, habituados a uma
lógica desregrada de gastos e formação de preços.
Os financiadores adoptaram novos papéis na definição das relações contratuais com os
prestadores, com incentivos e penalizações, para que os orçamentos ficassem dentro de
Principalmente se for considerada a longa história de vetos políticos às principais inovações sugeridas
pelos executivos conservadores nas duas décadas anteriores.
Tese
57
Capítulo III - Análise do sistema de saúde e do processo de contratualização no Reino Unido e em
Espanha
limites ou tectos acordados. Deixaram de financiar as organizações hospitalares
deficitárias, que passaram a correr o risco de falência e/ou encerramento.
Nesse processo de mudança, os compradores/financiadores foram incentivados a
tornarem-se agentes mais eficientes, isto é, gestores de orçamento mais permeáveis à
consideração de mérito e custo-efetividade através do aumento da responsabilidade
sobre a qualidade e a quantidade de cuidados de saúde que adquiriam.
Essa condição de negociação permitiu ao financiador adoptar estratégias abrangentes e
de longa duração que afectaram a oferta ao nível dos cuidados primários, secundários e
comunitários. Conseguiram também alguns progressos na capacidade de limitar as
intervenções médicas desnecessárias, apesar da dificuldade em defini-las dada a
resistência dos profissionais médicos que alegam a confidencialidade do acto médico.
A competição que foi introduzida tem difundido a contratualização para o
financiamento dos serviços hospitalares, dado que, contrariamente à orçamentação
baseada no histórico ou no reembolso da despesa apresentada por um prestador, os
contratos têm como finalidade a procura da competitividade de um determinado
serviço entre diferentes prestadores.
Os contratos também abriram a possibilidade de manutenção dos preços aferidos aos
custos nos casos em que haja grandes divergências. Os contratos possibilitam,
sobretudo, os mecanismos formais para especificar e monitorizar indicadores de
desempenho (qualidade, quantidade e custos dos serviços).
A reforma pela contratualização competitiva permitiu aos prestadores maior autonomia
de gestão e o desenvolvimento de instrumentos de responsabilização organizacional
(definição de objectivos, metas e sistema de informação para avaliação). Isso tem sido
acompanhado, na maioria dos casos, de maior flexibilidade administrativa, pois as
organizações, quando públicas, adquirem a autonomia de contratação, demissão,
incentivos e remunerações de pessoal.
Um outro desenvolvimento da regulação macroeconómica nas reformas dos anos
noventa, tal como foi implementado no Reino Unido, terá sido o fortalecimento dos
clínicos gerais nas funções de primeiro contacto com o sistema de saúde e no controlo
de custos e promoção de efectividade.
No primeiro caso, os clínicos gerais tanto podem zelar pela melhor continuidade de
atendimento ao doente como actuar como barreira ao risco moral, nomeadamente as
múltiplas visitas ao médico pelo mesmo episódio de doença ou o excesso de
procedimentos onde há muita oferta de médicos. A utilização do clínico geral como
gatekeeper (responsável pela referenciação para o nível secundário ou especializado,
quando não for o caso de emergência) reduz esses riscos e permite, adicionalmente, o
seguimento mais coerente da trajectória do doente.
No segundo caso, os clínicos gerais que optaram pela condição de compradores
(fundholders) tornaram-se responsáveis por um orçamento com o qual providenciam os
58
Tese
Capítulo III - Análise do sistema de saúde e do processo de contratualização no Reino Unido e em
Espanha
cuidados necessários e adquirem medicamentos e serviços secundários para os utentes
que lhe estão afectos. Essa opção procurou incentivar a eficiência e a efectividade dos
prestadores e também a assimilação, pelos clínicos gerais, do papel de negociadores
dos doentes na relação com os prestadores dos níveis secundário e terciário (Oxley et
al, 1994).
O Quadro 7 resume o impacto do ajuste macroeconómico em alguns dos indicadores
do NHS do Reino Unido entre 1950 e 1998.
Quadro 7 - NHS do Reino Unido (1950 - 1998)
1950
1998
U
37
2,9
542 000
10,72
183 0003
178 0003
24 0001
29
375
410 154
40,1
2 494
4,3
0,8
251 000
4,2
141 300
57 600
260 500
170
450
1 310 000
60,0
1 667
(32,7)
(2,1)
(53,7%)
(6,5)
(22,8%)
(67,6%)
985,4%
141
75
219,4%
19,9
(33,1%)
Indicador
Disponibilidade total de camas por médico
Camas por enfermeiro e auxiliar de enfermagem
Total de camas disponíveis
Camas disponíveis por mil habitantes
Disponibilidade média de camas para agudos
Disponibilidade média de camas de saúde mental
Disponibilidade média de camas para idosos
Pessoal médico e dentistas em hospital por 100 mil habitantes
Pessoal de enfermagem por 100 mil habitantes
Total de pessoal em hospitais
Clínicos Gerais por 100 mil habitantes
Habitantes por clínico geral
Fonte: OECD Health Data (2002 b); Notas: 1 1975; 2 1960, 3 1959
2.4
Quasi-mercado e contrato na gestão da saúde
Le Grand et al (1993), sugerem que a principal característica dos quasi-mercados, no
contexto das reformas dos anos noventa, é a substituição do monopólio de prestação
pública pela prestação independente e competitiva em relação ao mercado tradicional.
O que leva a questionar quais são as diferenças que podem ser assinaladas aos níveis
da oferta e da procura.
No nível da oferta, o quasi-mercado actua, até certo ponto, como o mercado
tradicional, onde existem em competição organizações produtoras de bens e serviços.
De acordo com o já referido anteriormente, na área de saúde existem, após a separação
entre financiadores e prestadores, hospitais e serviços em competição por clientes. No
entanto, essas organizações não estão necessariamente à procura da maximização do
lucro nem tão pouco são de propriedade privada. São organizações sem fins lucrativos,
com objectivos públicos e regidos por legislação especial, ainda que de baixa
complexidade jurídica em relação à administração pública (Le Grand, 2001).
No nível da procura, o quasi-mercado difere dos mercados tradicionais porque a
capacidade de consumo do comprador não é definida em termos monetários.
Apresenta, ao contrário, a forma de orçamentação vinculada à compra de um serviço
ou ao uso do voucher, ou então efectiva-se pela centralização numa agência de compra
pública. Na maioria dos casos não é o utilizador que faz a escolha directa em relação às
decisões de compra de serviços. Esta função é delegada numa terceira parte, como
neste caso do Reino Unido, à cooperativa de clínicos gerais ou à autoridade de saúde.
Tese
59
Capítulo III - Análise do sistema de saúde e do processo de contratualização no Reino Unido e em
Espanha
De referir que o acesso ao médico de clínica geral (GP) se faz com facilidade através
dum esquema de referência, dado que todos têm o direito de estar registados num GP
perto da sua residência e se precisarem de ajuda ou de conselhos sobre como se devem
registar ou encontrar um GP podem contactar o NHS Direct 43 ou o Centro de Saúde
que é gerido pela autoridade de saúde local.
Em resumo, o quasi-mercado para a prestação de serviços de protecção social é
diferente dos mercados convencionais em três aspectos: (i) pela existência de
organizações não lucrativas em competição; (ii) pela centralização do poder de compra
numa agência pública ou pela atribuição da decisão do consumo na forma de voucher
em vez de dinheiro e, em muitos casos, (iii) pela representação dos consumidores por
agentes, evitando que os beneficiários actuem directamente no mercado (Le Grand et
al, 1993).
Considera-se que a criação do mercado interno ou do quasi-mercado nos sistemas de
saúde tem sido a mais importante mudança organizacional e cultural desde a criação do
modelo inglês em fins da década de quarenta. Nesse ambiente, os contratos foram
assumidos como principal instrumento de coordenação das mudanças, gerando um
complexo sistema de credenciação e contratualização. A prática da contratualização
criou um novo conjunto de valores e mudou a cultura organizacional na gestão pública,
ou seja a cultura da competição, da negociação contratual, do planeamento das
actividades e do marketing (Flynn, R. et al, 1997).
A focalização no agente principal44 teve grande influência nas motivações e nas
estratégias utilizadas pelos responsáveis pelas reformas para formalizar a situação em
que o Estado (principal) contrata um terceiro (agente) para realizar uma tarefa de
relevância pública em troca de um pagamento. Assume-se que os actores em situação
contratual têm interesses próprios e que o agente pode não cumprir o contrato
estabelecido, principalmente porque principais e agentes podem não ter os mesmos
objectivos ou unanimidade nas metas.
O principal deve, então, procurar minimizar esse risco através da monitorização do
desempenho, ainda que permaneça o problema da assimetria de informação e da
confiança contratual das situações de delegação de funções (North, 1990 e 1992). De
qualquer modo, a teoria do agente principal realça o significado do controlo sobre o
desempenho e a centralidade da informação nas relações contratuais (Flynn, R. et al,
43
O NHS Direct é um serviço telefónico grátis e confidencial, disponível nas 24 horas do dia e nos 365
dias do ano e visa dar resposta aos cidadãos que precisem de informações sobre qualquer problema de
saúde, urgente ou não urgente, ou informações acerca dos serviços disponíveis. Os enfermeiros do
NHS Direct informam como se podem resolver alguns problemas de saúde e quando precisam de ir
ao GP ou à urgência do hospital (serviços de acidentes e emergência).
44
A teoria do agente principal é defendida sobretudo pelos responsáveis da reforma administrativa do
Estado desenvolvida em vários países, que partem do princípio que a gestão pública deve
responsabilizar-se mais directamente pela função de principal (que financia e controla) e menos pela
função de agente (que faz). Pode ou não concordar-se com esta tese, mas deve reconhecer-se que, nos
últimos anos, devido aos processos de descentralização dos serviços públicos, a relação contratual
externa passou a abranger entidades de direito privado, que passaram a funcionar como parceiros ou
terceiros agentes, estando por fazer em muitos deles a avaliação dessas alterações.
60
Tese
Capítulo III - Análise do sistema de saúde e do processo de contratualização no Reino Unido e em
Espanha
1997), tendo sido utilizada como matriz de fundamentação cognitiva para a reforma do
Estado.
Uma outra matriz de fundamentação teórica tem sido a análise dos “custos de
transacção económica” das empresas e organizações em ambiente de incerteza sobre
qual a melhor escolha do modo de produção de bens. Em certas condições as
organizações têm duas opções: a verticalização integrada e hierarquizada de toda a
produção ou a compra de componentes ou serviços de fornecedores especializados pela
contratação no mercado competitivo.
Argumenta-se que a verticalização e o mercado são mecanismos alternativos para lidar
com transacções. Onde os contratos são difíceis de serem especificados, devido à
complexidade, incerteza e informação inadequada e insuficiente, as organizações
recorrem a métodos mais burocráticos para organizar a produção, por serem mais
eficientes. As organizações procurarão sempre minimizar os custos de transacção, ao
mesmo tempo que procuram reduzir eventuais riscos.
Flynn, R. et al (1997), assinalaram a utilidade da teoria dos custos de transacção por
chamar a atenção para os processos de contratualização e para as estruturas de
governação que orientam as escolhas estratégicas das organizações. No centro da
discussão já apareciam as considerações sobre os elevados custos de transacção para
compra e venda de serviços, as quais estiveram na origem das principais alterações
introduzidas, em 1999, na reforma iniciada na década de noventa.
Como assinalam Appleby (1994 a) e b)) e Appleby et al (1992), a contratualização no
campo da saúde parece exigir altos custos de transacção, devido ao facto dos contratos
serem caros para redigir, complicados para executar e difíceis de implementar. Essa
contratualização exigiria melhorar o ambiente para a cooperação entre prestadores e
compradores, levando principalmente ao alargamento do período de validade dos
contratos. Estes tenderiam a perder a lógica da negociação anual e a ganhar a forma de
acordo de médio/longo prazo, como consta na proposta do gabinete Blair para
aperfeiçoamento da reforma da saúde do Reino Unido da década de noventa (Klein,
1998; Maynard, 1999).
2.5
Um novo plano para o NHS
O novo Plano para o NHS, apresentado em 2000, tem como principal objectivo,
segundo os seus autores, proporcionar aos britânicos um serviço de saúde ajustado ao
século XXI: um serviço de saúde centrado no cidadão.
Desde que foi criado, o NHS promoveu melhorias substanciais no nível de saúde dos
britânicos mas não atingiu os níveis que os cidadãos esperavam obter e que os
profissionais queriam prestar. Estudos sobre o desempenho do NHS mostraram que o
público queria ver: (i) aumentos salariais para os profissionais que desenvolvessem
novas formas de trabalho; (ii) diminuição dos tempos de espera e cuidados de alta
qualidade centrados no doente e, (iii) melhorias nos hospitais locais e nos cuidados
primários.
Tese
61
Capítulo III - Análise do sistema de saúde e do processo de contratualização no Reino Unido e em
Espanha
De acordo com o novo Plano, o NHS não tem conseguido realizar a prestação desejada
devido a debilidades organizacionais. São referidas, designadamente, as carências de
médicos, enfermeiros e outros profissionais, para além de outros problemas de base.
Concluem que o NHS tendo sido fundado em 1948, não foi procedendo às
indispensáveis reformas para responder aos desafios que os seus utilizadores foram
colocando. Por exemplo, carece de padrões nacionais de desempenho, verificam-se
separações obsoletas entre os profissionais, com reflexos profundos no trabalho em
equipa e barreiras entre os serviços, além de ausência de objectivos e incentivos bem
definidos para melhorar o desempenho, assim como a ausência de centralidade do
cidadão.
Estes problemas sistemáticos, que datam de 1948, foram equacionados neste novo
Plano, o qual apresenta outras formas de estruturar o NHS. Este Plano refere ainda que
os sistemas em vigor noutros países não conduzem a melhores cuidados de saúde,
entendendo-se por isso que os princípios do NHS são correctos mas as práticas
precisam de ser alteradas.
De acordo com este novo compromisso o NHS irá crescer 50% em termos económicos
e um terço em termos reais. Mais dinheiro irá originar, até 2010, investimentos extra
nas instalações e equipamentos do NHS, nomeadamente 7 000 camas nos hospitais e
nos cuidados intermédios; cerca de 100 novos hospitais; 500 novos centros de cuidados
primários e cerca de 3 000 consultórios para clínicos gerais, e ainda instalações limpas
e modernas e melhor alimentação nos hospitais.
Perspectivam-se também sistemas de informação modernos nos hospital e nos
consultórios de clínicos gerais e investimento em recursos humanos, nomeadamente a
contratação de mais consultores, clínicos gerais, enfermeiros e terapeutas, bem como a
criação de mais 1 000 vagas em cursos de medicina.
O novo plano aposta na reestruturação do NHS para se centrar nas necessidades do
doente, pelo que o investimento deve ser acompanhado de reformas organizacionais.
Propõem também um novo relacionamento entre o MS e o NHS, de forma a
incrementar a confiança que os cidadãos têm nos profissionais de saúde e a transferir o
poder e a autonomia do nível central para os serviços locais de saúde enquanto a
modernização avança. O MS deverá estabelecer novos padrões de referência, fixados
através de auditorias regulares a todos os organismos de saúde, efectuadas por
inspectores independentes da Comissão para a Modernização da Saúde.
O “Instituto Nacional para a Excelência Clínica” deverá assegurar que o acesso a
medicamentos indispensáveis e eficazes no tratamento de algumas doenças, como as
oncológicas, não estão dependentes de regras capitacionais de atribuição de recursos ao
nível regional, de forma a evitar problemas de iniquidade. Uma “Agência da
Modernização” está em desenvolvimento para promover as boas práticas.
O novo plano perspectiva ainda a actualização dos contratos com os clínicos gerais e
internistas, mas os pagamentos adicionais (que irão subir) terão de corresponder a um
aumento significativo de produtividade. Outra questão importante é que os consultores
62
Tese
Capítulo III - Análise do sistema de saúde e do processo de contratualização no Reino Unido e em
Espanha
no início de carreira não serão autorizados, em princípio durante sete anos, a trabalhar
simultaneamente para o sector privado.
Os utentes terão uma palavra activa no NHS. Ser-lhes-ão concedidos novos poderes e
maior influência no modo de funcionamento do NHS, nomeadamente as suas opiniões
sobre os serviços de saúde locais irão ter influência na verba que lhes é atribuída. Além
disso, as sondagens de opinião e os fora sobre doentes irão ajudar os serviços a
recentrar o seu funcionamento.
Está definido neste Plano que serão estabelecidos acordos com os prestadores privados
de forma a permitir ao NHS uma utilização mais efectiva das instalações e
equipamentos dos hospitais privados, sempre que isso seja rentável e melhor para os
doentes.
O Reino Unido espera que com este Plano o NHS venha trazer melhorias para os seus
utentes, diminuindo sobretudo as desigualdades. Para ajudar a concretizar estes
objectivos propõem-se, entre outras, aumentar e melhorar os cuidados primários em
áreas carenciadas; introduzir programas de rastreio para mulheres e crianças e criar
serviços para ajudar a deixar de fumar.
3.
3.1
ESPANHA
Princípios e caracterização do sistema de saúde
O sistema de saúde espanhol, à semelhança de muitos outros, caracteriza-se por um
conjunto de reformas imperfeitas, em que tem predominado um regime de seguro de
doença obrigatório através do Instituto Nacional de la Salud (INSALUD), um
dispositivo público para os cuidados primários e ainda uma rede de hospitais públicos.
Associa de uma forma bastante complexa o financiamento público com o
financiamento privado e prestações igualmente pelos sectores público e privado.
Os sistemas de saúde de qualquer país representam uma fonte de interesse político
muito importante devido às repercussões eleitorais inerentes aos mesmos. Constituem
um pilar básico do Estado de Bem-Estar e do Sistema de Protecção Social.
Actualmente, os Sistemas de Saúde bem como todos os serviços de saúde
transformaram-se em novas áreas de negócio com um interesse económico crescente e
a Espanha não é naturalmente excepção. O Sistema de Saúde Espanhol esteve ligado
ao desenvolvimento da Segurança Social desde os anos quarenta e só em 1978, com a
promulgação da Constituição Espanhola, foi reconhecido, no artigo 43º, o direito à
protecção da saúde.
Com a aprovação da Lei Geral de Saúde n.º 14 de 1986, foi configurado o Sistema de
Saúde Espanhol, tendo sido criado um Sistema Nacional, de cobertura universal e
financiamento público através de impostos, integrado funcionalmente pelos serviços de
saúde de todas as regiões autónomas. Este sistema é considerado um bom sistema de
saúde tendo em conta os principais indicadores económicos e de saúde com os quais é
Tese
63
Capítulo III - Análise do sistema de saúde e do processo de contratualização no Reino Unido e em
Espanha
avaliado qualquer sistema de saúde, mas o Sistema Nacional de Saúde não está
formalmente separado do conceito de Segurança Social.
O Sistema de Saúde cobre cerca de 99% da população espanhola e estende-se por todo
o território, independentemente do lugar de residência dos cidadãos. As prestações de
saúde estão ordenadas mediante um Real Decreto Legislativo do ano 1995 e os
principais objectivos que lhe estão subjacentes, no que se refere à cobertura e à
prestação são:
-
Atingir uma cobertura de 100% da população espanhola;
-
Vincular a protecção da Saúde à condição de cidadão;
-
Atribuir um título que acredita o direito à saúde;
-
Implementar novas prestações utilizando a avaliação de tecnologias de
saúde;
-
Melhorar o atendimento em função da evolução demográfica;
-
Limitar a introdução de novos medicamentos potenciando os genéricos;
-
Manter a contribuição do utente relativamente ao preço do medicamento.
O financiamento é um elemento fundamental em qualquer sistema de saúde. Nesta
matéria, a lei geral de saúde estabeleceu os critérios de distribuição de recursos às
regiões autónomas que assumissem as funções e serviços do INSALUD e que se
baseavam na população abrangida (população com direito a cuidados de saúde no
âmbito da segurança social, há altura difícil de determinar), mas com um período de
transição de dez anos. Aquando do momento da transferência, o critério utilizado
assentava no custo dos serviços que iria progressivamente convergindo para o critério
de base capitacional, definido. Até 1999, o financiamento fez-se através das
contribuições sociais (empresários e trabalhadores) e das contribuições do Estado.
Actualmente, o financiamento é público e realiza-se por via impositiva.
A despesa em saúde situa-se em cerca de 7,7% do PIB, embora se tenha observado
uma tendência para o seu aumento, na última década. Isto parece dever-se, tal como em
outros países, fundamentalmente a três factores: evolução demográfica da população,
inovação tecnológica muito acelerada e pressões do sector farmacêutico.
No que se refere à organização e à gestão, qualquer sistema de saúde deve propor-se
três objectivos: obter melhores resultados em saúde (efectividade), conseguir um custo
razoável (eficiência) e melhorar a qualidade da assistência recebida pelo utente. No
entanto, no sistema de saúde espanhol os problemas de gestão burocrática nos serviços,
o aumento da qualidade exigido pela população e a tentativa de realizar uma melhor
utilização dos recursos financeiros do sistema, levaram o Parlamento Espanhol a
aprovar, em 1996, um conjunto de alterações legislativas no sistema de saúde das quais
se destaca a extensão de novas formas de gestão nas instituições de saúde tais como:
empresas públicas, consórcios e fundações de saúde, cooperativas de profissionais e
consórcios administrativos.
64
Tese
Capítulo III - Análise do sistema de saúde e do processo de contratualização no Reino Unido e em
Espanha
Embora estas novas formas de gestão já existissem em algumas regiões espanholas,
como é o caso da Catalunha, foram desenvolvidas e aprofundadas a partir de 1997,
sobretudo nas novas unidades hospitalares.
O Sistema de Saúde Espanhol transferiu a gestão da saúde para as 17 regiões
(comunidades autónomas), em que o país está dividido, nomeadamente Catalunha,
Valência, País Basco, Galiza, Canárias, Navarra e Andaluzia, que já assumiram essas
mesmas competências e as restantes que receberam os serviços através do INSALUD.
O mecanismo mais importante de coordenação entre as diferentes regiões autónomas e
a Administração do Estado no que se refere à saúde é o Conselho Inter-territorial de
Saúde, presidido pelo Ministro da Saúde e constituído pelos responsáveis máximos de
Saúde das Comunidades Autónomas e pelos altos dirigentes da Administração do
Estado.
Segundo Brooks (1971, em OECD 1992), o sistema público era muito fragmentado,
insuficientemente coordenado, demasiado burocrático, bastante centralizado e
insuficientemente gerido. O acesso aos cuidados privados dependia da capacidade
financeira dos cidadãos.
O sector de terceiros pagadores tem sido praticamente da responsabilidade do
INSALUD (o ramo de saúde do sistema de segurança social), conjugado com vários
regimes obrigatórios destinados aos funcionários, os quais, no conjunto, eram
responsáveis por aproximadamente 68% do total das despesas de saúde e cobriam 90%
da população, em 1980. Outros dispositivos financiados pelos impostos representavam
cerca de 8% das despesas. O seguro de doença voluntário (essencialmente destinado
aos trabalhadores independentes) representava, em 1980, cerca de 3% do total das
despesas de saúde.
Espanha tem tido desde há muitos anos um número excessivo de médicos, o que
implica necessariamente desemprego na profissão e remunerações relativamente
baixas. Para obviar a isto foi instituído, em 1979, um numerus clausus para os estudos
médicos, que não resolveu inteiramente o problema.
Quanto ao número de camas, ao número de dias de internamento por habitante, à
demora média e ao número de internamentos globais, Espanha tinha os mais baixos
dos países da OCDE, segundo Schieber et al (1991, citado em OECD, 1992). No que
se refere ao número de medicamentos consumidos por habitante o valor era
ligeiramente superior à média calculada para aqueles países, nos anos oitenta, e
segundo dados da OECD (2002 b), as despesas totais em saúde, relativamente ao PIB,
passaram de 1,5%, em 1960, para 7,7% em 2000, tendo um aumento de 6,2 no período
em análise, o que corresponde a 413,3%.
O Quadro 8 resume o impacto do ajuste macroeconómico em alguns dos indicadores
do Sistema de Saúde de Espanha entre 1970 e 1998, doze anos após a criação do SNS.
No que se refere aos resultados em saúde e na análise da esperança de vida à nascença,
segundo Le Grand (1987, em OECD 1992), após a estandardização por idades,
Tese
65
Capítulo III - Análise do sistema de saúde e do processo de contratualização no Reino Unido e em
Espanha
Espanha registaria uma maior dispersão das idades de morte do que os restantes países
em análise. Face a estes resultados Rodriguez et al (1990) concluíam que esta é a
principal consequência das desigualdades sócio-económicas subjacentes na sociedade
espanhola.
Quadro 8 - Sistema de Saúde Espanhol (1970-1998)
1970
1998
U
157 598
153 433
(2,6%)
Camas disponíveis (1 000 habitantes)
4,7
3,9
(0,8)
N.º de camas para agudos (1 000 habitantes)
3,52
Indicador
Total de camas disponíveis
N.º de camas de saúde mental
N.º de camas para idosos
Pessoal médico e dentistas em hospitais (100 mil habitantes)
Pessoal de enfermagem (100 mil habitantes)
Total de pessoal em hospitais
3,2
(0,3)
47
2563
19 035
(97,8%)
41
2702
10 575
(74,4%)
2301
290
60
80
320
240
366 130
85,2%
7,7
4,1
197
Despesas totais em Saúde (% PIB)
7173
3,6
1
2
3
Fonte: OECD Health Data (2002 b); Notas: 1990; 1985; 1975
Segundo um inquérito da responsabilidade da Comisión de Análisis y Evaluación del
Sistema Nacional de Salud, efectuado por Blendon et al (1991), só 21% dos Espanhóis
estivessem satisfeitos com o seu sistema de saúde, embora 71% dos que tinham
recebido cuidados estavam satisfeitos com o tratamento. Esta é no entanto uma
constatação em todos os países em que estes estudos têm sido realizados, o que pode
querer significar que as pessoas se pronunciam desfavoravelmente pelo que ouvem
dizer, mas após contacto com os serviços, como provavelmente as expectativas são
baixas, então a opinião altera-se face à resposta encontrada e as percentagens de
satisfação sobem significativamente, embora estes números sejam mais baixos do que
os de outros países considerados no estudo daqueles autores.
De acordo com o World Health Report (2000 b), Espanha ocupa o 7º lugar como país
com melhor sistema de saúde do mundo, medido pelo índice global de realização dos
objectivos, índice que combina o nível de saúde e a resposta às expectativas da
população em cuidados, sendo que nos gastos per capita ocupa o 24º lugar.
3.2
As reformas dos anos oitenta
Nos anos oitenta o governo Espanhol introduziu importantes alterações no seu sistema
de saúde, não só a criação do SNS, como atrás se referiu, como ainda um conjunto de
medidas tendentes a consolidar o sistema nacional de saúde. As principais reformas
introduzidas consistiram em estender o seguro de doença obrigatório à quase totalidade
da população (anteriormente só cerca de 90% é que eram cobertos); em integrar e
planificar melhor os cuidados primários e os cuidados hospitalares; em recorrer mais
ao financiamento através de impostos e em confiar progressivamente a gestão do
sistema de saúde às regiões autónomas.
66
Tese
Capítulo III - Análise do sistema de saúde e do processo de contratualização no Reino Unido e em
Espanha
No início desta década (as principais reformas introduzidas estão sintetizadas no
Quadro 9) o sistema de saúde apresentava bastantes pontos fortes: a igualdade de
acesso aos cuidados de saúde podia considerar-se boa, a mortalidade perinatal era
baixa, os cidadãos tinham uma boa opinião do seu sistema e as despesas de saúde
podiam considerar-se a um nível bastante razoável ou até baixo (5,3% do PIB, para
uma média europeia ponderada de 5,4%).
Quadro 9 – Sintese das principais reformas dos anos oitenta em Espanha
ANO
1981
1984
1985
1986
1987
1988
1989
PRINCIPAIS REFORMAS
A Catalunha tornou-se a primeira região autónoma a ficar responsável pelo seu próprio sistema de
saúde, no quadro da segurança social;
Criação, nesta região, do processo de homologação para serviços hospitalares.
Os trabalhadores independentes são integrados no regime de seguro de doença obrigatório e os
seguradores privados são exonerados da obrigação de apenas oferecerem uma cobertura global;
Andaluzia torna-se a segunda região autónoma a ficar responsável pelo seu próprio sistema de
saúde, no quadro da segurança social;
Princípio da aplicação da reforma dos cuidados primários. Instalação de equipas de cuidados
primários compostas por médicos assalariados trabalhando a tempo inteiro em centros de saúde
que cobrem uma zona geográfica definida.
Primeiras tentativas no sentido de um reforço da função de gestão hospitalar e de uma melhoria da
informação sobre a gestão;
Criação de uma comissão central de garantia da qualidade para acompanhar exames confidenciais,
entre pares, nos hospitais públicos.
Publicação da Lei Geral de Saúde que institui um Sistema Nacional de Saúde (SNS), o que implica
a transferência das responsabilidades do INSALUD para as regiões autónomas e a criação de 17
serviços regionais de saúde, no âmbito da segurança social;
Extensão da cobertura de doença da segurança social a todos os membros da família reconhecidos
como dependentes, que anteriormente era limitada aos filhos e pessoas deficientes;
Instituição de regras de garantia de qualidade para os cuidados primários.
Os médicos que trabalham em hospitais públicos são incentivados financeiramente a trabalharem a
tempo inteiro para o sector público e têm a possibilidade de receber prémios de produtividade;
Publicação de uma lei que reorganiza a gestão do INSALUD.
Valência é a terceira região autónoma a ficar responsável pelo seu próprio sistema de saúde, como já
anteriormente referido;
O País Basco é a quarta região autónoma a assumir a responsabilidade do seu sistema de saúde.
Extensão aos indigentes do benefício do sistema de cobertura do INSALUD, condicionado aos
recursos existentes;
Introdução de uma nova modalidade de repartição do financiamento central entre contribuições de
segurança social e impostos, procurando tornar o financiamento mais progressivo. A taxa da
segurança social para os cuidados médicos é fixa e os impostos cobrem a parte residual.
Fonte: Casasnovas et al (2001)
De referir, no entanto, que os cidadãos que nunca tinham tido emprego regular estavam
excluídos do sistema financiado pelo INSALUD, os serviços eram considerados
ineficazes e com falta de qualidade e o grau de insatisfação por parte dos utentes, era
elevado. Existiam igualmente grandes listas de espera e os cuidados ambulatórios
prestados no sector público eram desvalorizados e tinham pouca aceitação. O pessoal
técnico e a elevada tecnologia dos hospitais tinha boa reputação, mas segundo Saturno
(1988, em Casasnovas et al, 2001), os serviços de urgência estavam sobrecarregados, o
tempo de espera para internamento era bastante elevado e o conforto era negligenciado.
Um outro problema era a fronteira, ou falta dela, entre os sectores público e privado.
Os médicos ocupavam um lugar num serviço público e simultaneamente tinham uma
Tese
67
Capítulo III - Análise do sistema de saúde e do processo de contratualização no Reino Unido e em
Espanha
actividade privada. Segundo Guillen, M. (1989 e Rodriguez et al, 1990, referidos em
OECD 1992), não havia para estes profissionais qualquer incentivo para melhorarem o
serviço que prestavam aos seus doentes no sector público.
O conjunto de reformas introduzidas ao longo da década de oitenta caracterizaram-se,
principalmente, por terem sido lentas e bastante incompletas, dado que por exemplo do
número de equipas de cuidados primários previstas só metade estavam constituídas em
meados dos anos 90 e a transferência das responsabilidades de gestão para as regiões,
só 20 anos depois (2002), parece ter-se tornado efectiva.
3.3
As reformas dos anos noventa
Ao longo da década de noventa, as principais reformas introduzidas estão sintetizadas
no Quadro 10 e podemos verificar que se o direito ao acesso aos cuidados de saúde se
pode considerar como um pressuposto inquestionável em ordem ao exercício do direito
à protecção de saúde, a igualdade e equidade impõem-se como princípios inexoráveis
do seu reconhecimento e exercício. A identificação do tipo de cuidados necessários e o
estabelecimento de medidas definidoras do seu conteúdo coloca um difícil equilíbrio
entre a protecção subjectiva do direito e os condicionalismos de limitação da despesa
pública que tem de atender aos princípios de eficiência.
Quadro 10 – Sintese das principais reformas dos anos noventa em Espanha
ANO
1991
1992
1994
1997
1998
PRINCIPAIS REFORMAS
Navarra é a quinta região autónoma a ficar responsável pelo seu próprio sistema de saúde, no
quadro da segurança social;
A Galiza é a sexta região autónoma a assumir a responsabilidade do seu sistema de saúde, nos
moldes anteriormente referidos.
Estabelecimento de uma lista negativa de medicamentos;
Adopção de medidas tendentes a tornarem o mercado dos produtos farmacêuticos mais
concorrencial.
Decisão de tornar os hospitais mais autónomos, transformando-os em corporações quase públicas,
a fim de avançar no sentido da estratégia governamental de convergência europeia.
Canárias são a sétima região autónoma a ficar responsável pelo seu próprio sistema de saúde,
como referido anteriormente;
Aprovação, pelo Conselho de Política Fiscal e Financeira, do Modelo de Financiamento para a
Saúde, para o período de 1994-1997, que contou com o apoio de todas as Comunidades
Autónomas.
Aprovação, pelo Conselho de Política Fiscal e Financeira, do Modelo de Financiamento para a
Saúde, para o período de 1998-2001, que contou, igualmente, com o apoio de todas as
Comunidades Autónomas.
Obrigatoriedade de utilização do cartão de identificação dos cidadãos, em todos os serviços do
Sistema Nacional de Saúde.
Fonte: Adaptado de Casasnovas et al (2001)
A identificação dos cidadãos que têm direito a cuidados de saúde foi considerado um
objectivo fundamental, não só como elemento de planeamento de saúde, programação
e gestão dos serviços de saúde, como também para permitir um adequado acesso em
condições de equidade.
68
Tese
Capítulo III - Análise do sistema de saúde e do processo de contratualização no Reino Unido e em
Espanha
Segundo Casasnovas et al (2001), no âmbito da gestão o INSALUD não só regulou
especificamente a legislação sobre documentação de identificação dos cidadãos, como
através da resolução da presidência executiva, de 23 de Julho de 1998, estende, talvez
de forma discutível, expressamente a obrigatoriedade de utilização do cartão de
identificação a todos os serviços do sistema nacional de saúde. Esta regulamentação foi
complementada, em 3 de Fevereiro de 1999, com a emissão de cartões de saúde para os
estrangeiros menores de dezoito anos.
Para se poder avaliar a relação entre o processo de descentralização ou transferência de
responsabilidades para as regiões e a política de gastos em saúde, é muito importante
ter em conta que este processo não foi único, já que cada região teve o seu próprio
processo, levado a cabo em momentos diferentes, em circunstâncias distintas e
utilizando diferentes parâmetros para o cálculo do seu financiamento.
Qualquer avaliação do impacto desse processo de transferência deve ponderar
adequadamente estas diferenças.
3.3.1 Modelo de financiamento para a saúde, nas regiões autónomas (1994-1997)
O processo de descentralização iniciou-se em 1978, com a aprovação da Constituição
Espanhola, que tem um capítulo específico sobre a organização do território onde se
define que as regiões podem assumir as competências em matéria de saúde e higiene e
que incluem as relativas à saúde pública, hospitais, saúde mental, planeamento, etc.
O financiamento, que actualmente se encontra transferido para todas as regiões, rege-se
pelos mecanismos estabelecidos pela lei orgânica de financiamento das regiões. Por
outro lado, a Constituição determina que a legislação básica e o regime económico da
segurança social é uma competência exclusiva do Estado, sem prejuízo de que a
execução dos seus serviços possa ser transferida para as regiões.
Face a esta determinação: (i) as regiões que acederam à autonomia por uma via
diferente da contemplada no artigo 143º da Constituição, são as únicas que puderam
assumir as competências em matéria de saúde e, (ii) as que acederam à autonomia
através do referido artigo 143º, devem ter reflectida esta competência no seu estatuto
de autonomia para poderem assumir as funções e serviços do INSALUD, circunstância
essa que não se verificou até ao final de 1998, altura em que todas as regiões
modificaram o seu estatuto.
3.3.2 Modelo de financiamento para a saúde, nas regiões autónomas (1998-2001)
O modelo de financiamento para a saúde, que vigorou de 1998 a 2001, nas regiões
autónomas em Espanha, manteve fundamentalmente como critério de distribuição de
recursos o da capitação, calculado a partir dos dados disponíveis da população,
referentes a 1996.
Tese
69
Capítulo III - Análise do sistema de saúde e do processo de contratualização no Reino Unido e em
Espanha
Este modelo continha entre outros o conceito de financiamento dos cuidados de saúde
prestados aos deslocados, através do chamado “fondo de asistencia hospitalaria”, que
agregava o atendimento aos deslocados e a formação dos Médicos Internos Residentes
(MIR)45, sendo que a sua quantificação e distribuição correspondeu a negociações
políticas em cada momento, mais do que a critérios empíricos ou normativos
objectiváveis.
Os critérios de distribuição continuaram a ser objecto de grande controvérsia, levando
a que o financiamento da saúde nas regiões autónomas se tenha transformado num dos
aspectos mais polémicos do processo de descentralização iniciado em 1978.
3.3.3 Modelo de financiamento para a saúde, nas regiões autónomas (2002-....)
Em Julho de 2001, o Consejo de Política Fiscal y Financiera aprovou o novo sistema
de financiamento posteriormente regulamentado pela Lei n.º 21/2001, de 27 de
Dezembro, para vigorar a partir de 2002 e que apresenta como principal característica a
integração de todo o tipo de fundos para o financiamento da saúde.
Este modelo apresenta importantes e inovadoras características relativamente aos
modelos anteriores, nomeadamente no que se refere ao cálculo do valor global a
distribuir, assente em critérios de repartição próprios, ao estabelecimento de fundos
específicos, às garantias para o estabelecimento e avaliação dos gastos e à existência de
recursos próprios de cada uma das comunidades e dos cidadãos, bem como na
aplicação de fórmulas de compensação.
3.4
Novos desafios para a coordenação regional. O atendimento transregional
em saúde
O processo de descentralização em saúde, que culminou em 31 de Dezembro de 2001
com o desaparecimento do INSALUD, dando lugar a uma estrutura de coordenação e
reordenação administrativa dos recursos humanos e materiais por parte do Ministério
da Saúde, pode gerar desigualdades, dado existirem muitas dúvidas sobre o fluxo de
doentes (como geri-los e como reorientá-los), que até agora eram atendidos no âmbito
do INSALUD.
O novo modelo de financiamento, já referenciado, que entrou em vigor em 2002,
contempla um fundo de coesão, conceptualmente desenhado para financiar o
atendimento a doentes deslocados, em que, teoricamente, é garantida a equidade ao
acesso, independentemente do lugar de residência do doente, tendo o modelo sido
inspirado no funcionamento da Organização Nacional de Transplantação. Convém no
entanto notar que a evidência mostra que as taxas de realização de transplantes de
coração e fígado são significativamente mais altas nas regiões com oferta própria, o
45
Normativa Reguladora General de Formación Sanitaria Especializada, Ley 24/1982, de 16 de Junio,
sobre prácticas y enseñanzas sanitarias especializadas (B.O.E. de 29 de Junio de 1982).
70
Tese
Capítulo III - Análise do sistema de saúde e do processo de contratualização no Reino Unido e em
Espanha
que leva a que se questione se existe verdadeira equidade ou se tal não passa de letra
morta (Urbanos et al, 2001).
A solução, baseada em acordos bilaterais ou multilaterais inter-comunitários, apresenta
maiores custos de transacção e com a fragmentação do INSALUD perdem-se
economias de escala em termos organizacionais e de gestão, parecendo não resolver o
problema, já que as regiões emissoras correm o risco de serem discriminadas, dado que
em função do seu poder de negociação são vulneráveis à assimetria de informação das
listas de espera e suportam o risco da existência dessa informação estar separada por
lugar de origem dos doentes.
Valerá a pena pensar na opção de integração em redes inter-regionais, pois as
experiências de redes multicêntricas, já estabelecidas para os ensaios clínicos e outras
colaborações científicas e investigacionais, podem ser aproveitadas para o
desenvolvimento de acordos assistenciais.
As questões fundamentais a colocar serão: (i) até que ponto o sistema de saúde
espanhol está disposto a reconhecer o direito à igualdade de acesso aos serviços de
saúde independentemente do lugar de residência?; (ii) até que ponto está disponível
para articular reformas que garantam na prática esse direito?; (iii) qual deve ser o
limite máximo da diversidade regional no direito aos cuidados de saúde? e (iv) qual
deve ser o valor mínimo das garantias individuais de assistência?
Segundo Cabello, J. (2003) embora o novo sistema represente um grande avanço no
financiamento para as regiões autónomas, quer no que se refere à metodologia de
distribuição, quer nos montantes globais afectos às diferentes regiões, do ponto de vista
da equidade ele apresenta-se como uma solução pouco satisfatória.
Mas para Casasnovas (2003), as avaliações que se fazem actualmente sobre equidade
em saúde são bastante mais complexas do que anteriormente, pois há desigualdades
nos gastos resultantes quer de diferenças no financiamento básico estatal (incorporado
no financiamento geral), quer nos valores que as comunidades autónomas acrescem
aos afectos à saúde a partir da evolução dos seus rendimentos (um tema de prioridades
políticas para as autonomias), ou das contribuições adicionais dos cidadãos (impostos
directos, taxas, co-pagamentos).
Este autor entende ainda que actualmente é mais correcto falar de igualdade do que de
equidade, dado que é um conceito mais claro e menos susceptível de manipulação
política. Para ele, o caminho continua a ser apreender as realidades causadoras das
diferenças individuais em saúde e combatê-las através de programas de promoção da
saúde e de prevenção da doença e sobretudo fora dos serviços de saúde convencionais.
Tese
71
Capítulo III - Análise do sistema de saúde e do processo de contratualização no Reino Unido e em
Espanha
3.5
Avaliação do processo das autonomias e das novas formas de organização
das instituições de saúde
O processo de transferência de competências na área da saúde para as sete regiões,
efectuada ao longo dos últimos vinte anos, esteve sujeito a diferentes correlações de
forças políticas a nível central e na sua inter-relação com as existentes ao nível de cada
uma das comunidades (Casasnovas et al, 2001).
Segundo estes autores, a avaliação não é naturalmente simples, pelo facto de existir
certa opacidade no fornecimento de dados sobre a actividade desenvolvida e nos
resultados obtidos, mas parecem estar a ter grandes repercussões tanto no sistema de
saúde como nos utentes e nos profissionais. As principais repercussões no sistema de
saúde parecem ser:
-
Competitividade e não cooperação entre as unidades de saúde;
-
Não aumento da eficiência;
-
Introdução de critérios empresariais;
-
Prevalência da rentabilidade económica sobre a qualidade assistencial;
-
Fragmentação dos centros e do sistema de saúde.
As repercussões mais importantes que se podem assinalar para os utentes são as
seguintes:
-
A concorrência interna pode derivar em riscos de não solidariedade e falta de
cooperação;
-
A competitividade não regulamentada pode originar desigualdade na dotação
de recursos aos centros e, consequentemente, podem verificar-se diferenças
no acesso às prestações de saúde em quantidade e/ou qualidade.
E, por último, as repercussões a mencionar para os profissionais são:
72
-
O objectivo único de rentabilidade económica afecta as condições laborais
dos profissionais de saúdes;
-
A redução dos orçamentos está relacionada com a diminuição do pessoal;
-
Diversificação de formas de contratação de profissionais;
-
Perda de influência dos sindicatos;
-
Desprofissionalização dos gestores de saúde;
-
O horário de trabalho passou a ser maior com menores períodos de descanso;
-
Os períodos de férias passaram a ser mais amplos;
-
As remunerações variáveis passaram a ser preponderantes;
Tese
Capítulo III - Análise do sistema de saúde e do processo de contratualização no Reino Unido e em
Espanha
3.6
-
Os ratios de pessoal dos quadros passaram a ser menores;
-
A participação dos profissionais na gestão da saúde é diminuta.
A contratualização dos cuidados de saúde
O objectivo das propostas mais recentes de organização, financiamento e gestão do
sistema de saúde espanhol, é a melhoria da eficiência, sem prejuízo da equidade já
conseguida, tendo este país procurado introduzir na reforma do seu sistema de saúde,
como instrumento privilegiado, a contratualização, quer a nível externo, quer interno.
3.6.1 Contratualização externa no sistema de saúde espanhol
A principal fonte de financiamento dos serviços regionais de saúde é uma subvenção
que é transferida em bloco pelo governo central, de acordo com critérios estabelecidos
no “decreto de devolução” baseado, principalmente, na população de cada
Comunidade Autónoma (Flynn, R. et al, 1997).
Actualmente, a gestão económica e a administração dos serviços de saúde estão
totalmente entregues às Comunidades Autónomas, embora ainda num contexto de
alguma legislação e regulamentos nacionais. Contudo, apesar de muitos aspectos dos
serviços prestadores terem sido reformados, passados dez anos, o seu impacto na
modernização organizacional e gestionária do sistema de saúde é pouco visível,
especialmente se comparada com as expectativas iniciais.
Foi entendido que as estruturas burocráticas dos serviços de saúde centrais
(INSALUD), caracterizadas por uma forte integração vertical, uma provisão pública de
serviços e pela submissão a regras da Administração Pública, eram incapazes de
resolver, a longo prazo, o duplo desafio de controlar o crescimento das despesas
públicas com a saúde e oferecer um amplo pacote de serviços a todos os cidadãos
espanhóis, o que levou a que desde o início do ano 2002 as Comunidades Autónomas
se tenham substituído ao INSALUD.
A ideia de comprar cuidados de saúde em Espanha decorre paralelamente com a
aprovação da Lei de Bases da Saúde Espanhola, em 1986. No entanto, a primeira vez
que a ideia de competição de mercado (quasi-mercado) é abertamente mencionada no
sector público da saúde é no chamado Relatório de Abril, um conjunto de propostas de
reformas para o sistema de saúde, aprovado no Parlamento e apresentado ao governo
em 1991. O objectivo da reforma era alcançar um maior nível de eficiência, mantendo
o nível de equidade existente. Este relatório propôs a diferenciação das funções de
financiador das de prestador e a configuração dos hospitais e centros de cuidados
primários como empresas públicas regidas pelo direito privado.
A opção pela competição simulada ou criação de um mercado interno requer,
basicamente, uma abordagem dos problemas de regulamentação e de gestão.
Relativamente ao primeiro, os dois aspectos mais importantes são a cobertura e a
Tese
73
Capítulo III - Análise do sistema de saúde e do processo de contratualização no Reino Unido e em
Espanha
qualidade, que têm que ser garantidas em qualquer caso. Quanto à gestão, a
necessidade de aumentar a autonomia é óbvia.
Segundo Cabases et al (1999), a estrutura administrativa actual tem que dar lugar a
novas formulações legais que permitam a autonomia da gestão, a transferência do risco
para os gestores e a responsabilidade financeira para os profissionais de saúde. A
compra de serviços de saúde toma-se assim um dos aspectos da estratégia da saúde,
consistindo na aquisição de serviços de tratamento, reabilitação, diagnóstico,
prevenção e promoção de cuidados de saúde às organizações prestadoras.
O instrumento de compra era o contrato, que consistia na selecção do prestador e na
negociação de um acordo com este, acerca dos serviços a serem prestados e das
contrapartidas monetárias. Os contratos de serviços de saúde estabelecidos pelo sector
público com prestadores privados, com ou sem fins lucrativos, tinham,
caracteristicamente, um carácter complementar ou subsidiário relativamente às
actividades desenvolvidas pela Segurança Social.
Em 1992, deu-se uma mudança fundamental, quando em decreto-lei foi determinada a
possibilidade de contratualização com serviços já assegurados pela rede pública,
criando o cenário para a competição futura. A estratégia de mudança na gestão de
serviços públicos de saúde em Espanha, que está orientada para a separação funcional
entre financiadores, compradores e prestadores, desenvolveu dois mecanismos
paralelos de reforma:
1. A introdução do contrato-programa em todas as organizações públicas de
saúde (tanto hospitais como centros de saúde);
2. A criação de empresas públicas de cuidados de saúde, reguladas pelo direito
privado, como experiência piloto.
Conceptualmente, o contrato-programa pode ser definido como um instrumento de
relação entre a tutela e as instituições públicas de saúde, que liga a actividade ao
orçamento atribuído a cada unidade (Cabases et al, 1999). De acordo com estes
autores, os contratos de prestação de serviços de saúde assinados pelo sector público
com prestadores privados, com e sem fins lucrativos, tem tido como característica a
complementaridade e subsidiariedade das actividades de cuidados de saúde
desenvolvidas pela segurança social.
A lei de cuidados de saúde regula a ligação entre os prestadores privados e os
prestadores públicos, através de uma dupla via: a articulação e, a mais prevalente, a do
acordo. A diferença entre elas assenta no facto de que o acordo pressupõe a completa
integração das unidades privadas na rede pública e está submetido a um regime
substancialmente idêntico ao dos serviços públicos, enquanto a articulação pressupõe
uma ligação mais difusa, limitada a alguns serviços que o sector público não
proporciona.
Afirmam também estes autores que, complementarmente, existem outras relações
convencionadas na legislação dos cuidados de saúde, tais como as relações directas
74
Tese
Capítulo III - Análise do sistema de saúde e do processo de contratualização no Reino Unido e em
Espanha
entre a segurança social e unidades de cuidados de saúde. Estas articulações estão
estabelecidas por lei, com o intuito de desenvolver um regime operacional programado,
que está totalmente coordenado com o das unidades públicas de cuidados de saúde na
estrutura de planeamento sectorial. Diferem substancialmente das articulações pela sua
natureza legal, uma vez que as unidades privadas permanecem sujeitas a um regime
legal substancialmente idêntico ao dos serviços públicos. Estas formas de articulação
estimulam a rede pública.
Segundo ainda aqueles autores, uma alteração fundamental ocorreu em 1992 quando,
por decreto, foi estabelecido que a consolidação do SNS requeria que a autoridade de
saúde distinguisse claramente a área dos seguros de saúde da prestação de cuidados de
saúde. Propunha aquele diploma regular a elaboração da proposta e a monitorização
das articulações com as entidades públicas ou privadas que podiam ter um carácter
substitutivo dos serviços que eram, até aí, prestados pelo INSALUD. Foi a primeira
vez que tal facto foi reconhecido e em que unidades externas à segurança social
podiam ser entidades substitutivas e não terem somente um carácter de subsidiárias.
Isto foi um passo para a contratualização externa de serviços já prestados pela rede
pública, delineando o contexto da competição futura.
Algumas das características da regulação das articulações mais comuns estabelecidas
na lei geral dos cuidados de saúde são, entre outras:(i) o seu objecto é a prestação de
cuidados de saúde com outros meios que não os seus próprios, levando em conta a
utilização óptima dos recursos próprios em cuidados de saúde da segurança social; (ii)
a prioridade deve ser dada às entidades sem fins lucrativos em condições análogas de
preço, qualidade e valor global despendido; (iii) os serviços não devem ser
contratualizados se não estiverem de acordo com os objectivos do Sistema Nacional de
Saúde. Isto quer dizer que o desenho da contratualização externa está de algum modo
ligado com o conceito de subsidiariedade, com preferência pelas instituições não
lucrativas e em ligação com a estratégia da saúde, como uma referência obrigatória.
3.6.2 Contratualização interna – o contrato programa
A estratégia de mudança na gestão dos serviços públicos de saúde em Espanha, que
está orientada para a separação funcional do financiamento e da compra da prestação
de serviços, através da rede pública de serviços de saúde, desenvolveu-se com maior
ou menor ênfase em dois mecanismos de reforma paralelos – a introdução do contrato
programa em todas as organizações públicas de cuidados de saúde, quer hospitais, quer
unidades de cuidados de saúde primários, e a criação de empresas públicas de cuidados
de saúde (baseadas no direito privado) como experiências piloto.
Cabases et al (1999) procuraram determinar em que medida os contratos programa são
instrumentos úteis para o desenvolvimento da gestão e para o controlo da despesa com
os cuidados de saúde. Conceptualmente o contrato programa pode ser definido como
um instrumento de relação entre a autoridade de saúde e os prestadores públicos, que
ligam a actividade ao financiamento atribuído a cada uma das organizações
prestadoras. Entre os objectivos a serem alcançados pelo contrato programa devem ser
realçados, entre outros: (i) transparência das obrigações e objectivos definidos para
Tese
75
Capítulo III - Análise do sistema de saúde e do processo de contratualização no Reino Unido e em
Espanha
cada unidade de saúde; (ii) promoção da autonomia e descentralização na gestão; (iii)
promoção ou estimulo à gestão eficiente das unidades de saúde e, finalmente (iv) tornar
possível a contratualização interna.
O contrato programa típico, com duração anual, que era estabelecido entre os serviços
centrais do INSALUD e as suas instituições prestadoras, definia: (i) os objectivos dos
serviços, com indicação do volume de actividade referenciada aos objectivos de saúde;
(ii) o financiamento, usualmente um contrato com especificação do volume; (iii) a
quantidade de outras fontes de financiamento que a unidade possa ter; (iv) os
mecanismos de incentivo, normalmente baseados na distribuição dos ganhos
orçamentais e, (v) as sanções devidas por prestações abaixo ou acima do
contratualizado.
3.7
A gestão das listas de espera
As listas de espera, quer cirúrgicas quer diagnósticas, constituem uma das principais
fontes de insatisfação dos utilizadores do sistema público de saúde e a repercussão em
termos de saúde ao prolongar o tempo de espera para obter um diagnóstico ou para ser
intervencionado é muito significativa, dado que em muitos casos esperar implica
aumentar a gravidade das doenças, às vezes de forma irreversível, e/ou prolongar a
incapacidade e o sofrimento dos doentes.
Para além disso, a existência de listas de espera implica perdas de equidade na medida
em que a liberdade de escolha dos doentes está limitada e também porque o acesso
difere entre centros e, ainda, porque a opção pelo tratamento no sector privado só está
ao alcance de uma parte da população, aquela que detém recursos económicos
suficientes.
Para a adequada gestão das listas de espera é imprescindível que o grau de necessidade
clínica e a efectividade do tratamento actuem como critérios de inclusão nas listas,
dado o grau de incerteza sobre os benefícios esperados, além de que a prescrição
médica estará menos influenciada por factores alheios à necessidade de intervenção ou
tratamento, tal como o sistema de pagamento ou a capacidade produtiva. O
desenvolvimento de investigação epidemiológica, que confirme a efectividade do
tratamento para os diferentes doentes, configura-se como uma estratégia básica,
embora actualmente a investigação constitua ainda uma função marginal e pouco
reconhecida no âmbito da prática clínica (Peiró 1999, em Peiró 2000).
Segundo Lázaro et al (2001), existem três estratégias para a redução das listas de
espera: (i) actuar sobre a procura, reduzindo as referenciações; (ii) actuar sobre a
oferta, aumentando a capacidade de resposta, e (iii) melhorar a gestão, aproveitando
melhor os recursos disponíveis e reduzindo os tempos perdidos.
Em Espanha foram introduzidas medidas transitórias para redução de listas de espera,
nomeadamente prolongamento dos tempos de atendimento e derivação dos doentes
para o sector privado, as quais têm tido um êxito muito limitado e, em alguns casos, até
um efeito perverso, como por exemplo o aumento do número de pessoas em lista de
76
Tese
Capítulo III - Análise do sistema de saúde e do processo de contratualização no Reino Unido e em
Espanha
espera, associado ao aumento da capacidade produtiva e, inclusive a selecção de
intervenções não prioritárias que maximizam o pagamento aos médicos (Marquez et al,
1994).
Embora as listas de espera, por todas as razões já invocadas, devam ser consideradas
como um indicador de falta de qualidade, também podem ser o único estímulo à
produtividade profissional, embora os programas específicos possam ser encarados
como formas de proporcionar benefícios económicos extra aos profissionais. Por outro
lado, os programas para redução das listas de espera geridos da forma que tem sido
usada quer em Espanha quer em Portugal, encaminhando uma parte dos doentes para
serviços convencionados ou contratados onde os profissionais trabalham
simultaneamente no público e no privado, constitui uma perversão e não contribuirá
para solucionar verdadeiramente o problema, perpetuando-o ou até agravando-o.
Segundo González et al (2001), o objectivo das listas de espera concentrou-se
basicamente nos serviços cirúrgicos. As estratégias que permitirão aumentar a
eficiência, neste campo, algumas das quais já postas em prática, passam: (i) pelo
incremento da cirurgia ambulatória, (ii) pela separação entre a cirurgia electiva e
urgente, (iii) pela flexibilização dos horários dos cirurgiões e dos blocos operatórios,
(iv) por criar uma lista de doentes de “aviso imediato” para colmatar os espaços das
desistências ou cancelamentos, (v) por estabelecer procedimentos para reduzir os
cancelamentos e, (vi) por melhorar a qualidade dos cuidados directos dos médicos e
activar mecanismos de avaliação multidisciplinar prévios à admissão hospitalar com o
objectivo de facilitar a reavaliação dos doentes que necessitem.
Por outro lado, as equipas deveriam organizar-se previamente e estabelecer
compromissos, a médio prazo, relativamente aos níveis de actividade.
Os desenvolvimentos organizacionais no âmbito das listas de espera passam também
por uma melhoria das fontes de informação, dado que a ausência de critérios
homogéneos entre os níveis central e regional, no que se refere à terminologia e à
medição dos tempos de espera, impossibilita o seu cabal conhecimento e impede a sua
adequada gestão. São igualmente desconhecidas as consequências na saúde e os
problemas assistenciais que geram, bem como o seu reflexo nos custos. A aposta é a da
definição de uma política clara de transparência.
4.
RESUMO
No Reino Unido o White Paper (1989) contém um capítulo sobre a nova lógica de
identificar necessidades pelas Health Authorities na dinâmica da contratualização,
sendo que esta evoluiu como parte de uma reestruturação fundamental do Estado
Providência. Segundo Murray et al (2000), as suas funções são centrais ao mercado
interno e à separação comprador/prestador (purchaser/provider).
A criação de um mercado interno nos anos oitenta no NHS constituiu a mais profunda
das mudanças culturais e organizacionais, desde a sua criação em 1948. Pretendeu-se
que as unidades prestadoras de cuidados de saúde (hospitais e centros de saúde)
Tese
77
Capítulo III - Análise do sistema de saúde e do processo de contratualização no Reino Unido e em
Espanha
passassem a organizar-se como sub-modelos empresariais com autonomia de gestão,
cujo financiamento dependia da obtenção de contratos com as administrações de saúde
e com os clínicos gerais - GP fundholders, (Santos, R., 1999, pág. 5).
Estas mudanças alteraram radicalmente o funcionamento do NHS, através dos
seguintes mecanismos:
− As autoridades regionais de saúde foram dotadas de recursos financeiros para
comprarem cuidados de saúde;
− Existência de competição entre os prestadores;
−
Contratualização de responsabilidades entre financiador e prestador;
− Introdução da filosofia de cuidados geridos, facultando aos clínicos gerais a
possibilidade de serem responsáveis pela saúde global dos seus clientes, não
só na assistência directa mas também no seu encaminhamento e pagamento
dos cuidados prestados.
Segundo Jenkins, K. (1995), a contratualização introduzida na Grã-Bretanha teve
consequências significativas sobre a estrutura da administração pública e também
influenciou a sua auto-imagem, tornando-a menos resistente à mudança, já que os
serviços, de um modo geral, melhoraram em celeridade, eficiência e confiança.
Ainda no contexto britânico, parecem colocar-se outros problemas, nomeadamente o
relacionamento entre a Agência e as Finanças, dado que num contexto de escassez de
recursos públicos, onde a lógica das agências é a do output e a do governo é a do input
financeiro, potencia eventuais conflitualidades entre os dois organismos. Outra crítica
prende-se com a distinção entre cidadão e consumidor, dado que se a agência se
preocupa apenas com os seus clientes ou consumidores, facilmente estes podem
organizar-se em grupos de interesse que irão procurar influenciar aquela estrutura em
benefício próprio e não do interesse público.
O Novo Plano, introduzido em 2000, veio reforçar o papel da contratualização e o da
avaliação e acompanhamento, procurando responder mais e melhor aos cidadãos.
No que se refere a Espanha, de acordo com Freire (2001), a organização actual do
sistema nacional de saúde resulta de um processo crónico de reformas sucessivas, em
que as novas estruturas se sobrepõem, sem anular as preexistentes.
Há presentemente uma grande concentração de desafios: da reforma do sistema de
financiamento geral da saúde e das regiões, o “Concierto Vasco” e a assumpção das
competências transferidas para as dez regiões, que ainda mantinham gestão directa do
INSALUD. Estas reformas colocam um repto e oferecem uma oportunidade histórica
para o sistema de saúde espanhol.
De acordo com González et al (2001), as prioridades organizacionais respondem à
urgência das reformas, já que foram necessários vinte anos para concluir a
78
Tese
Capítulo III - Análise do sistema de saúde e do processo de contratualização no Reino Unido e em
Espanha
transferência de competências na área da saúde para sete regiões e apenas alguns meses
para terminar o processo com as restantes e para definir o papel, fundamentalmente de
coordenação, do Ministério da Saúde e para tomar decisões de reordenação
administrativa dos recursos humanos e materiais da organização central do INSALUD.
Segundo esta autora a descentralização territorial coloca desafios organizacionais em
várias frentes. O primeiro refere-se aos doentes deslocados e ao funcionamento dos
centros e serviços transfronteiriços. As regiões mais pequenas não têm, nem devem ter,
de acordo com critérios de eficiência, uma gama de serviços completa para oferecer
aos seus cidadãos. Devem referenciá-los para fora, quer a nível de determinados
tratamentos, quer de diagnósticos, continuando Madrid a ter centros de referência.
Relacionado com esta prioridade, constituindo também uma fonte de iniquidades
territoriais, encontra-se o problema da coordenação e gestão das listas de espera,
igualmente um problema de todos os países com serviços nacionais de saúde. Mas não
se pode falar de coordenação sem informação e, por isso, a criação de um sistema de
informação de saúde, integrado que permita avaliar o sistema globalmente, admitindo
comparações entre as diferentes componentes, é igualmente uma prioridade neste país.
Um outro grupo de desafios organizacionais prende-se, segundo González et al (2001),
com a eficiência, dado que a integração vertical eficaz entre níveis, saúde e segurança
social, no atendimento continuado a doentes crónicos, idosos e deficientes, que
salvaguarde as barreiras institucionais, gera consensos acerca da conveniência em
estabelecer modelos longitudinais de seguimento dos doentes, de forma a obter
melhores resultados relativamente aos ganhos em saúde e à redução de custos. As
reformas e contra-reformas organizacionais ao nível da gestão, nomeadamente as
formas jurídicas e a contratualização, representam esforços significativos para
melhorar a eficiência clínica e de gestão.
Convém ainda referir algumas das preocupações expressas por alguns profissionais de
saúde do país vizinho que se prendem com o pacto de financiamento estabelecido em
2002 e que permite que cada uma das Comunidades Autónomas possa definir
orçamentos próprios, podendo criar desigualdades territoriais bastante significativas.
O balanço geral da contratualização parece ser no entanto positivo, embora para os
vários autores referidos apenas pareça ter havido melhorias nítidas ao nível dos
resultados financeiros, dado ser esta a componente mais visível do processo.
Acrescentam ainda que o impacto de variáveis externas adversas, indecisões políticas e
falta de outras medidas complementares, não têm permitido que a contratualização
atinja os resultados possíveis e desejáveis.
Apesar disso, gestores e governantes, consideram a experiência um sucesso,
basicamente devido à maior transparência adquirida pelas operações e pelos resultados.
Um outro benefício, este de natureza política, foi que a contratualização tem servido de
base para a estratégia de reforma da administração pública directa e para a melhoria do
Tese
79
Capítulo III - Análise do sistema de saúde e do processo de contratualização no Reino Unido e em
Espanha
desempenho no sector público em geral, nomeadamente em Espanha, sob a égide da
responsabilização e autonomia de gestão.
O trabalho de Shirley, M. (1998 a) b) e c), sobre a contratualização nos países em
desenvolvimento, não apoia, no entanto, a tese de que tal processo contribua para a
melhoria do desempenho no sector público. Como principais dificuldades identifica o
artifício utilizado pelos dirigentes e governantes ao definirem metas e objectivos
demasiado fáceis de atingir, explorando a impreparação dos profissionais dos órgãos
de fiscalização e a falta de sistemas de informação que permitam um bom
acompanhamento e avaliação.
São também apontadas deficiências aos sistemas de incentivos, que estipulavam
prémios e penalidades para agentes e prestadores, mas em que os Estados dificilmente
cumprem a sua parte no contrato. No entanto os contratos, quando realizados com o
sector privado, parecem ser em geral muito mais eficazes, sendo que esta diferença
pode ser atribuída ao facto de serem por vezes colocados grandes obstáculos ao
funcionamento de mecanismos de mercado no sector público, dado que teoricamente
nada impede que este possa beneficiar do mesmo tratamento que os governos dão às
empresas privadas contratadas.
80
Tese
Capítulo IV - Análise do sistema de saúde em Portugal – o contexto
CAPÍTULO IV: ANÁLISE DO SISTEMA DE SAÚDE EM PORTUGAL – O
CONTEXTO
1.
OS ANTECEDENTES DO ACTUAL SISTEMA DE SAÚDE PORTUGUÊS
Embora em Portugal coexistissem diversos tipos de unidades de saúde que prosseguiam
funções de prestação de cuidados, segundo Reis, V. (1999), foi só em 1946, com a
publicação da Lei n.º 2 011, de 2 de Abril, que foi criado um padrão de organização de
serviços. Esta Lei, só regulamentada em 1968 através do Estatuto e do Regulamento
Geral dos Hospitais, deu corpo, ainda segundo aquele autor, a um dispositivo inovador
assente num sistema regionalizado, voltado para a organização e hierarquização técnica
dos vários serviços existentes e a criar.
Já naquela altura se procurava introduzir racionalização na distribuição e utilização dos
recursos existentes e procurava-se igualmente criar serviços específicos para a resolução
de alguns problemas de saúde, nomeadamente a saúde mental, lepra e tuberculose.
Mais tarde, após a criação da Direcção Geral dos Hospitais (final da década de
cinquenta) e do Ministério da Saúde na década de sessenta, foi possível implementar e
estruturar uma rede de serviços de saúde e desenvolver um modelo de seguro social
obrigatório, tipo Bismarkiano, o qual foi cobrindo progressivamente uma parte cada vez
mais significativa da população activa (primeiro os trabalhadores por conta de outrem,
posteriormente os trabalhadores independentes e num segundo tempo os respectivos
familiares).
A prestação de serviços, da responsabilidade da Previdência Social, era essencialmente
constituída por cuidados ambulatórios e assentava nos profissionais de actividade
liberal, cobrindo praticamente todo o território nacional. A componente da prestação de
cuidados hospitalares era detida principalmente pelas misericórdias e outras entidades
de origem religiosa.
Ao Estado competia um papel essencialmente supletivo, relativamente aos restantes
actores do sistema, passando mais tarde a assumir uma intervenção reguladora, em troca
dos subsídios e contribuições atribuídos às organizações religiosas ou outras sem fins
lucrativos, o que lhe facilitou a introdução de princípios e normas na gestão e
funcionamento nos hospitais daquelas organizações.
Em 1965, através do Decreto-lei n.º 46 301, de 27 de Abril, foi definida uma nova
modalidade de financiamento hospitalar, que estabeleceu como responsáveis pelos
assistidos: (i) os próprios e as suas famílias (a quem era feito um inquérito assistencial
para determinação da sua capacidade de pagamento) e, (ii) os terceiros responsáveis,
que poderiam ser: empresas seguradoras, no caso de acidentes de viação ou de trabalho;
o próprio Estado, através da Assistência na Doença aos Servidores do Estado (ADSE),
para os seus funcionários; outras instituições de previdência social ou de auxílio mútuo
Tese
81
Capítulo IV - Análise do sistema de saúde em Portugal – o contexto
e obras sociais, para os respectivos associados ou beneficiários. É nesta década que
surgem os mais tarde denominados subsistemas de saúde como, por exemplo e para
além da ADSE, os Serviços Sociais do Ministério da Justiça (SSMJ) e os Serviços de
Assistência Médico-Social dos Bancários (SAMS) que se consubstanciam como formas
de seguro, principalmente com base profissional e normalmente de inscrição obrigatória
(Campos, 1983; Carreira, 1996).
Os subsistemas detinham frequentemente prestadores e serviços próprios ou
contratavam prestadores privados, permitindo a existência de planos de saúde
alternativos ao esquema então existente, o qual assentava, principalmente, nos postos
das Caixas de Previdência e nos hospitais, maioritariamente das misericórdias. Esta
complementaridade e sobreposição manteve-se e permanece ainda hoje, no seio de um
SNS universal e tendencialmente gratuito, o que cria naturais ineficiências, iniquidades
e até sobre-utilização de cuidados de saúde.
Em 1968, como já se referiu, foi publicado o Estatuto Hospitalar, através do Decreto-lei
n.º 48 357, de 27 de Abril e o Regulamento Geral dos Hospitais, pelo Decreto-lei n.º
48 358, da mesma data, que vieram definir, entre outras matérias, a rede hospitalar, sua
organização e gestão e algumas das principais carreiras específicas de pessoal da saúde
(Campos, 1983). Estes diplomas ainda hoje continuam actuais e em vigor para muitas
das componentes ali definidas.
2.
PRINCÍPIOS DO SISTEMA DE SAÚDE – OS ANOS SETENTA
Em 1970, através dos Decretos-lei n.º 498/70 e 499/70, o Estatuto Hospitalar foi
profundamente alterado e a gestão assumiu maior profissionalização. No ano seguinte,
foi publicado o pacote legislativo conhecido como “legislação Gonçalves Ferreira”, o
qual veio introduzir profundas alterações organizativas e até mesmo conceptuais na
estrutura do sistema de saúde, através dos Decretos-lei n.º 413/71 e 414/71, que criaram
os centros de saúde e, segundo Ferreira (1989), revalorizaram a área de intervenção dos
cuidados primários, introduzindo uma nova lógica de funcionamento num sistema até
então centrado principalmente na actividade hospitalar, complementada pela actividade
ambulatória da Previdência Social.
Assim, no início da década de setenta, o Estado continuava a manter um papel
formalmente supletivo como prestador e financiador dos cuidados de saúde, mas,
segundo Reis, V. (1999), tinha ganho uma capacidade assinalável no sector da saúde, a
qual exercia, ainda que de forma incipiente.
Neste período, para além duma cobertura irregular da população e duma distribuição
assimétrica dos profissionais e das unidades de saúde, o nível de saúde dos portugueses
era baixo, bem como o nível de profissionalização nas diferentes componentes do
sistema, mas foi nessa década que o sistema de saúde português sofreu uma enorme
evolução.
Em meados da década de setenta, sobretudo a partir do choque petrolífero de 1973, uma
grave crise económica mundial pôs fim à era de prosperidade que se iniciara após a
Segunda Guerra Mundial. Era o fim da “era dourada” - na definição de Hobsbawn E.
82
Tese
Capítulo IV - Análise do sistema de saúde em Portugal – o contexto
(1996), período em que não só os países capitalistas desenvolvidos mas também o bloco
socialista e parte do Terceiro Mundo alcançaram altíssimas taxas de crescimento.
Portugal só no fim da década de sessenta e sobretudo com a legislação de 1968 e 1971
atrás referida, iniciou o processo de mudança organizacional, acentuado com a
revolução de 1974, particularmente entre 1976 e 1979, em que o sistema de saúde
português sofreu uma viragem e conheceu profundas modificações, também no plano
dos princípios, definidos na Constituição da República Portuguesa de 1976 e
regulamentados pela Lei de Bases da Saúde de 1979. Tratou-se de um movimento em
claro contra-ciclo económico, com o sistema português a aproximar-se de modelos
implementados num clima de prosperidade económica, que viabilizara o seu
desenvolvimento e que, entretanto, já terminara.
O Programa de Acção do Ministério dos Assuntos Sociais, de Outubro de 1974, veio
estruturar este Ministério e definir os objectivos da política social, lançando as bases do
Serviço Nacional de Saúde (SNS), através da identificação dos seus princípios básicos,
pela definição duma política de saúde e instituindo como elemento integrador do
sistema a saúde, contrariamente ao sistema de previdência social, anteriormente em
vigor, que assentava no tratamento da doença.
Segundo Campos (1983), apesar das hesitações políticas, a década de setenta
correspondeu em Portugal às de cinquenta ou sessenta para os outros países. A
cobertura da população por esquemas de seguro-doença passou de 56% em 1970 para
100% em 1978. Distribuíram-se médicos recém diplomados pelos serviços periféricos,
facultando o acesso à saúde a populações que até então nunca o haviam tido. Em termos
financeiros e a custos reais, a importância do sector saúde quase triplicou ao longo
daquela década (a % do PIB passou de 2,6 em 1970, para 6,0 em 1985).
Os valores essenciais do SNS então criado e do sistema de saúde em geral eram:
A salvaguarda incondicional da dignidade humana;
O direito à protecção da saúde;
A solidariedade entre todos os portugueses para garantir aquele direito;
O reconhecimento da natureza social das prestações de saúde;
O respeito pelos valores democráticos da cidadania.
Como princípios orientadores do SNS, podem salientar-se:
Universalidade na cobertura;
Equidade no acesso e na utilização dos cuidados;
Garantia da protecção financeira em relação aos custos que os cuidados de
saúde podem acarretar;
Possibilidade de maior liberdade de escolha dos prestadores e dos
utilizadores, no quadro dos recursos disponíveis;
Tese
83
Capítulo IV - Análise do sistema de saúde em Portugal – o contexto
Sustentabilidade no desenvolvimento do sistema.
O SNS ficou a cobrir potencialmente toda a população, passando os cidadãos a usufruir,
de acordo com a Constituição, do direito à saúde, através de um serviço universal,
compreensivo e gratuito, embora se tenham mantido os denominados subsistemas de
saúde, permitindo a duplicação de benefícios e a utilização selectiva do sistema por
parte de alguns cidadãos.
Em síntese, podemos afirmar que embora a legislação publicada no início da década de
setenta já tivesse constituído uma tentativa de reforma do sistema de saúde e de
assistência, é só a partir de 1974 que coexistiram condições sociais e políticas,
integradas no processo de democratização do país, que levaram à criação, em 1979, do
SNS, permitindo, para além da cobertura da população, a criação da carreira médica de
clínica geral e medicina familiar, entre outras.
A Lei de Bases da Saúde só viria a ser posta em prática já durante a década de oitenta,
dado que a regulação do sistema, bem como a sua implementação e consolidação, foram
difíceis, complexas, incompletas e morosas.
3.
AS REFORMAS DOS ANOS OITENTA
A década de oitenta foi coincidente com uma subida menos acentuada dos gastos
públicos com saúde (0,9 % do PIB), sendo que na parte final do Governo de maioria
absoluta social-democrata os gastos privados com saúde, particularmente os gastos das
famílias, tiveram um crescimento significativo (1,1% do PIB).
Em 1981 foram criadas as primeiras barreiras no acesso aos serviços de saúde, através
da introdução das denominadas taxas moderadoras, mas é também na década de oitenta
que é introduzida uma outra barreira económica ao acesso, com a redução da
comparticipação dos medicamentos pelo Estado. É ainda nesta década que as
transferências de verbas do SNS para o sector privado têm um acréscimo significativo,
atingindo em 1989 29,2% das despesas do SNS.
Mas é também neste período que são avançadas as medidas indispensáveis para
consolidar a mudança preconizada pela Constituição de 1976 e delineadas no final da
década de setenta. É de referir, no entanto, que as contradições são constantes e que as
decisões oscilam entre medidas caracterizadoras de um SNS naturalmente de natureza
predominantemente pública, com medidas de revalorização do sector privado,
concretizadas, por exemplo, nos meios complementares de diagnóstico e terapeûtica,
sobretudo das tecnologias de ponta (ou, ainda, por exemplo, a diálise, cujo mercado é
ainda hoje detido em mais de 90% pelo sector privado).
Os anos oitenta conhecem ainda o fenómeno da descentralização/desconcentração da
saúde, através da criação de dezoito Administrações Regionais, coincidentes com os
distritos, as quais coordenavam principalmente a actividade dos centros de saúde mas
que, tal como ainda hoje, tinham pouco poder de intervenção.
84
Tese
Capítulo IV - Análise do sistema de saúde em Portugal – o contexto
Foi também neste período que os médicos passaram a trabalhar numa base de
assalariamento e em tempo completo. A nova lei de Gestão Hospitalar, Decreto-lei
19/88, de 21 de Janeiro e Decreto Regulamentar 3/88, de 22 de Janeiro, vieram trazer
novas regras à gestão dos hospitais e possibilitar a introdução de níveis intermédios de
gestão, através da criação dos centros de custos e de responsabilidade, os quais, todavia,
nunca vieram a ser devidamente implementados.
4.
OS ANOS NOVENTA - NOVOS DESAFIOS PARA A COORDENAÇÃO REGIONAL
O Sistema de Saúde português é do mesmo tipo do original SNS britânico, em que o
Estado domina a estrutura e actua como proprietário, fornecedor, empregador e
financiador dos serviços de Saúde.
Até 1989 era missão do Estado promover a socialização da Medicina. A alteração
Constitucional introduzida nesse ano veio estabelecer o conceito de saúde
tendencialmente gratuita, traduzida na participação no pagamento dos cuidados.
A revisão constitucional de 1989 e a publicação da Lei de Bases da Saúde de 1990, veio
permitir que a prestação de cuidados pudesse ser assegurada, para além do Estado, por
outros entes públicos ou privados (com ou sem fins lucrativos), garantindo ao Estado
Português a possibilidade de celebrar acordos e convenções com entidades privadas
para esse fim. Deu assim corpo ao “Sistema de Saúde Português”, constituído pelo SNS
e por todas as entidades que desenvolviam a promoção, a prevenção e o tratamento na
área da saúde e, ainda, todas as actividades privadas e profissionais liberais que
acordassem com o SNS a prestação de alguma daquelas actividades à população.
De assinalar que, segundo Reis, V. (1999), a cobertura em matéria de cuidados de saúde
da população portuguesa não era nesta década muito diferente da que existia nas
anteriores, designadamente na década de oitenta.
4.1
Um impulso para a descentralização
Por seu turno, no Estatuto do SNS (1993) consagra-se, para além das formas que podem
revestir o recurso a terceiras entidades mediante a celebração de acordos, convenções ou
contratos, tendo em vista a prestação de cuidados de saúde, a possibilidade de
celebração de contratos com outras entidades para a gestão de instituições públicas de
saúde, procurando descentralizar e até desconcentrar a prestação.
Nos termos da lei pode ainda o Estado celebrar contratos-programa entre ARS e
autarquias locais, Misericórdias ou outras instituições particulares de solidariedade
social, com vista a recuperar e a gerir instituições ou serviços prestadores de cuidados
de saúde, procurando melhorar quer o acesso, quer a cobertura da população.
Tese
85
Capítulo IV - Análise do sistema de saúde em Portugal – o contexto
4.2
Os primeiros passos da reforma de 1996-1999
A estratégia para a saúde - Saúde um Compromisso (MS, 1998 a) e 1999), começada a
definir pelo Ministério da Saúde em 1997, traduziu uma nova política de saúde cujos
principais elementos são os que constam da Figura 5.
Elementos da Política de
Saúde
Dimensões Estratégicas
Instrumentos de Gestão
Compromisso explícito para
melhorar a saúde
Governação horizontal para
a saúde
Sustentabilidade financeira
Reforma da gestão dos Centros de
Saúde e Hospitais
Política para as profissões
Contratualização
Papel dos sectores social e
privado
Sistema da qualidade na
saúde
Remunerações associadas ao
desempenho
Fontes: “Saúde. Um Compromisso – A Estratégia de Saúde para o virar do Século (1998-2002)”, 1999, MS/DGS;
“Saúde em Portugal. Uma estratégia para o virar do século (1998-2002)”, 1998, MS/DGS
Figura 5 – A política de saúde no final dos anos noventa
As principais linhas mestras contidas em “Saúde. Um Compromisso” são:
A mudança centrada no cidadão e nas necessidades de saúde da população;
A obtenção de ganhos em saúde como determinante principal da acção dos
serviços de saúde;
O envolvimento e funcionamento de todas as componentes da rede do
sistema de saúde (público, privado e social).
A estratégia de saúde pressupõe o envolvimento e a convergência de diversos sectores,
social e económico e de toda a sociedade no espaço colectivo da intervenção em saúde,
sendo dada especial atenção quer ao desenvolvimento de parcerias para a saúde e ao
reforço da participação do cidadão e da comunidade, quer aos programas e projectos de
cooperação inter-sectorial, inter-ministerial e extra-governamental.
O desenvolvimento do SNS depende, em larga medida, da evolução das atitudes e
comportamentos do cidadão, dos profissionais e dirigentes da saúde, dos agentes
económicos, sociais, culturais e políticos, ou seja, dos diferentes actores (stakeholders)
da sociedade portuguesa.
4.3
As Agências de Contratualização. O início da regulação?
Institucionalizadas pelo Despacho Normativo n.º 46/97 (Anexo I), as agências de
acompanhamento foram instaladas junto de cada ARS e tinham como missão
fundamental desenvolver um processo negocial (contratualização) de atribuição de
recursos às entidades prestadoras de cuidados, com base em critérios explícitos de
acessibilidade, adequação e efectividade, partindo da avaliação das necessidades em
saúde e cuidados de saúde.
86
Tese
Capítulo IV - Análise do sistema de saúde em Portugal – o contexto
Para o efeito, as instituições (hospitais e centros de saúde) elaboravam o
orçamento-programa, documento que estabelecia o equilíbrio entre as necessidades em
saúde, a produção prevista e o desenvolvimento dos serviços e, ainda, a utilização dos
recursos, cabendo à respectiva agência proceder ao acompanhamento daqueles
orçamentos, bem como à avaliação sistemática da evolução do desempenho e dos
resultados atingidos.
Este instrumento, de natureza económico-financeira e relacional, veio permitir a
introdução de alterações no processo de financiamento do sistema, possibilitando a
afectação de recursos em função da produção real, ou seja, de introdução de critérios
objectivos para distribuir, acompanhar e avaliar com rigor os resultados em saúde.
Pretende-se, assim, estimular o desenvolvimento do desempenho das instituições,
promovendo o apoio a projectos e iniciativas inovadoras com vista ao incremento da sua
eficiência, mas exigindo-lhes responsabilidades na sua execução.
Convém aqui referir que o financiamento dos serviços de saúde (hospitais públicos e
centros de saúde), tradicionalmente era baseado no histórico de anos anteriores ajustado
para a inflação. Nos hospitais, desde 1990 que foi introduzido o sistema de pagamento
prospectivo46, baseado nos grupos de diagnóstico homogéneos (GDH), para os
beneficiários dos subsistemas de saúde e de outras entidades públicas ou privadas, que
utilizam os serviços do SNS (Escoval, 1997).
A nível internacional os GDH têm vindo a ser considerados como uma das modalidades
que melhor se adequam às finalidades do sistema, já que mantêm o elemento
prospectivo e eliminam o efeito de superar o orçamento. No entanto, para alguns
autores, nomeadamente Barnum et al (1995), o pagamento prospectivo parece não ser a
forma mais adequada para pagar prestadores públicos de saúde, nem mesmo para os
cuidados primários, pois pode induzir o crescimento das prestações de saúde.
Para Portugal (Solon, 1990), foi elaborada uma proposta para alteração do sistema de
pagamento aos hospitais, baseada numa combinação de duas opções (pagamento
baseado nas necessidades globais47 e pagamento prospectivo), em detrimento de outras
46
Este sistema de pagamento caracteriza-se por: (i) conhecimento da quantidade e da qualidade
produzida, isto é, definição de toda a informação que possibilite a caracterização da produção
hospitalar e, (ii) definição do preço a pagar, relacionado com a medição da produção hospitalar, e que
passa pela definição da unidade física de pagamento e pela sua enumeração. Uma das grandes
dificuldades deste sistema está na definição dos preços de mercado, obrigando, geralmente, à fixação
de preços políticos. Estes preços estão directamente relacionados com os custos e relacionam a
produção com a despesa efectuada.
47
Esta modalidade de pagamento tem duas características principais: em primeiro lugar, o hospital recebe
antecipadamente um montante global, baseado numa estimativa das suas necessidades, em segundo
lugar, o pagamento é calculado com base numa previsão das necessidades em cuidados de saúde da
área de atracção do hospital e não no número e tipo de doentes que estão, efectivamente, a receber
esses cuidados. As necessidades podem ser estimadas de várias formas, como por exemplo, levar-se
em linha de conta a população residente na área de atracção do hospital procedendo, depois, a um
ajustamento em função da distribuição etária (os idosos necessitam, em média, de mais cuidados de
saúde) ou em função da morbilidade e da mortalidade. A associação de riscos pode diminuir
consideravelmente a incerteza agregada. Depois de terem sido estimadas as necessidades de cada área,
o financiamento total é, então, distribuído entre hospitais, na proporção das respectivas necessidades,
de forma que, a cada um, corresponderá um orçamento que se baseia na previsão da quantidade de
Tese
87
Capítulo IV - Análise do sistema de saúde em Portugal – o contexto
modalidades de pagamento dos serviços, nomeadamente o modelo baseado no
reembolso de custos razoáveis48.
Esta proposta que assentava, não só nas razões anteriormente indicadas, como também
no pressuposto de que iriam ser definidas as funções das Regiões de Saúde, como veio a
acontecer, não chegou a ser implementada. Mas, a fórmula de pagamento proposta
incluía uma componente que levava em conta as necessidades estimadas. Algumas das
principais vantagens seriam as seguintes:
• Uma maior integração entre os diversos tipos de serviços de saúde
(cuidados primários, unidades de tratamento intermédias e hospitais), dado
que estão tutelados pela mesma entidade;
• Maiores incentivos para fazer corresponder tipos de serviços e unidades
prestadoras de cuidados às necessidades globais das pessoas e não apenas
a necessidades parciais (como, por exemplo, necessidades em cuidados
hospitalares, separadamente das necessidades em cuidados preventivos);
• Cada unidade prestadora de cuidados de saúde preocupar-se-ia em evitar
desperdícios de recursos de outras unidades da mesma área, uma vez que
esses desperdícios afectariam o seu próprio orçamento;
• Melhorar-se-ia a continuidade de cuidados, dado que todas as unidades
prestadoras de cuidados de saúde beneficiariam de uma maior articulação.
Quando em 1996 foi iniciado o projecto para a criação de agências regionais (de
acompanhamento) em cada Administração Regional de Saúde (ARS), visava-se
modificar a maneira como os recursos eram distribuídos no SNS. Estas agências
constituíam uma secção autónoma em cada região de saúde, que desempenhava a
função de financiador de serviços clínicos e hospitalares. A primeira agência regional
foi criada em 1997 e, actualmente, existem agências nas cinco regiões de saúde49. Uma
das ideias chave era a de modificar o pagamento aos hospitais em geral e aos cuidados
de saúde primários, passando de orçamentos retrospectivos para orçamentos
prospectivos e introduzir uma relação directa com os custos de produção, ou seja,
cuidados hospitalares necessários, no período considerado. Após ser fixado o orçamento e uma vez que
este não é calculado com base no número e tipo de doentes que, de facto, recebem cuidados, o hospital
deverá tomar as precauções necessárias para não o ultrapassar. Este método é preferível ao reembolso
de custos razoáveis, na medida em que os hospitais são incentivados a evitar desperdícios de recursos.
48
O que distingue este modelo é o facto do hospital apresentar os custos reais com o tratamento dos
doentes e estes serem reembolsados a custos considerados razoáveis (um problema associado a esta
modalidade tem a ver com a definição do conceito do que é “razoável”). Os custos podem ser
reembolsados doente a doente. Por exemplo, o hospital pode passar uma factura para cada doente e
enviá-la à entidade financiadora, que o reembolsará na medida em que esses custos forem entendidos
como razoáveis. Esta modalidade é muito utilizada quando os hospitais tratam doentes cobertos por
esquemas de seguros privados, como é o caso da Alemanha, Austrália e Japão. Este foi também o
principal método utilizado quer na Europa quer nos Estados Unidos. Neste último país não só para as
companhias de seguros privadas, como também para os esquemas de seguros estatais – Medicare e
Medicaid. No entanto, o maior sistema de seguro público americano, Medicare, alterou, em 1983, o
seu método de financiamento para o pagamento prospectivo, dado que a experiência veio demonstrar
que são poucos os incentivos para controlar o consumo de recursos.
49
Auditoria ao Serviço Nacional de Saúde (1999), Relatório Final do Tribunal de Contas.
88
Tese
Capítulo IV - Análise do sistema de saúde em Portugal – o contexto
orçamentos baseados na previsão dos custos reais em vez de orçamentos baseados no
histórico e em que mais tarde se evoluiria para um modelo que levasse em consideração
as necessidades em saúde.
Foi em 1999 que, pela primeira vez, as negociações baseadas em contratos e orçamentos
prospectivos envolveram todos os hospitais e ARS, bem como uma parte significativa
dos centros de saúde. Propôs-se e foi aceite que no primeiro ano desta operação 3% do
orçamento dos hospitais fosse afectado através do contrato-programa estabelecido,
visando premiar o desempenho, sendo que aquela percentagem seria progressivamente
aumentada, de ano para ano, dado que a maior parte do orçamento estava já hipotecado
ao pagamento da produção (Ministério da Saúde, 1999 b).
A agência negociaria com o conselho de administração (CA) de cada hospital e com a
direcção de cada centro de saúde, os quais seriam responsáveis pelo cumprimento das
condições contratuais. Aqueles órgãos dirigentes deveriam contratualizar, dentro das
suas instituições, através de mecanismos de contratualização interna, com os
responsáveis dos respectivos serviços, unidades, núcleos ou até programas e projectos.
Os contratos poderiam ser negociados com instituições públicas ou privadas, embora
inicialmente se privilegiasse a contratualização com as públicas. Esperava-se que este
sistema aumentasse a acessibilidade a serviços mais eficientes e de melhor qualidade.
As agências não chegaram a funcionar por um período de tempo suficiente, havendo
considerável incerteza relativamente ao seu impacto no SNS. O seu poder foi bastante
limitado, dado que não lhes foi possível introduzir, na qualidade de financiadores,
mecanismos que permeassem ou penalizassem os bons e os maus desempenhos.
Contudo, espera-se que a perda de garantia do pagamento aos hospitais e restantes
serviços de saúde, com base no histórico e a introdução do pagamento relacionado com
a produtividade, venham a aumentar a preocupação com os custos e a incentivar a
eficiência (WHO, 1999).
4.4
A Contratualização: um instrumento
A diferenciação e heterogeneidade inerentes à complexidade dos serviços envolvidos e
os efeitos da competição de quasi-mercado torna improvável que haja um único padrão
consistente no modo de contratualização, já que o seu processo é apenas uma parte de
um conjunto muito mais amplo de relações. Por isso, a contratualização tem que ser
analisada no contexto em que se insere e tem que ser compreendida não como um
conjunto de documentos formais, para trocas económicas entre um decisor e um agente,
mas como acordos construídos socialmente, negociados e discutidos, introduzidos num
ambiente de elevada complexidade e constante mudança organizacional.
A contratualização requer, necessariamente, níveis significativos de confiança. Isto é
verdade nas situações em que as relações de longo prazo são consideradas cruciais para
o intercâmbio, em que a precisão absoluta da especificação e da monitorização não é
exequível, e a interdependência é elevada. A contingência, a incerteza e a falta de
informação são problemas fundamentais, que obrigam os financiadores a desenvolver
relações de trabalho que minimizem os riscos de exploração oportunista por parte dos
Tese
89
Capítulo IV - Análise do sistema de saúde em Portugal – o contexto
fornecedores, mas que também salvaguardem a colaboração, a lealdade e a
reciprocidade. Estes aspectos gerais são tão ou mais relevantes quando aplicados aos
serviços de saúde, onde a confiança a variados níveis é um pré-requisito, face à sua
organização em grupos e em rede.
A “pouca ou muita confiança” nas relações de emprego pode ser extrapolada para a
contratualização: nas relações com elevado nível de confiança, as partes têm valores e
objectivos semelhantes, sentem-se obrigadas a apoiarem-se mutuamente, têm
perspectivas de longo prazo, partilham livremente a informação e não consideram que
os problemas se devam a má vontade. Nas relações de pouca confiança, pelo contrário,
as partes têm objectivos e interesses diferentes, esperam constantemente trocas
equilibradas, calculam cuidadosamente os custos e benefícios, protegem a informação,
minimizam a dependência da outra parte e atribuem os erros a má fé ou incompetência
que conduz a sanções.
A teoria da contratualização ainda não está completamente desenvolvida. Existem
questões por resolver (ex.: risco moral, selecção adversa, contratos incompletos,
ausência de contratos a longo prazo, etc.), o que toma difícil prever, por enquanto, os
seus efeitos reais (Flynn, R. et al 1997, pp. 9). Na verdade, a contratualização é apenas
uma parte de um conjunto de intervenções necessárias e inadiáveis na reforma do SNS.
Segundo WHO (2003), a contratualização não é um fim em si mesmo, mas um
instrumento.
5.
ESTRUTURA E ACTORES CHAVE
Para a observação
contexto (período
regional e local),
interacções entre
antagonismo).
5.1
dos actores intervenientes no sistema torna-se necessário definir o
de tempo e comportamento face à realidade europeia, nacional,
identificar os actores e o seu grau de influência e analisar as
eles (convergência, cooperação pontual, desacordo ocasional e
Matriz estrutural
A dificuldade em pensar a reforma da saúde parece prender-se com a crença no carácter
racional dos actores. O planeamento integrado desde há cerca de vinte anos tem vindo a
perder importância, ganhando preponderância a definição de estratégias e objectivos
claros e responsabilizantes.
Mas as estratégias em saúde parecem ser mais uma resultante do compromisso sobre a
forma como os actores se vão comportar. Segundo Sakellarides (1999), os seis
principais pilares para gerir a mudança são: (i) a centralidade do cidadão; (ii) o
descongelamento das organizações (flexibilizar, experimentar e autonomizar); (iii) a
coesão da gestão; (iv) os resultados (objectivos); (v) o clima (comunicar) e, (vi) o
investimento no conhecimento.
Convém, no entanto, ter presente que o fulcro estratégico do sistema de saúde em
Portugal tem sido colocado nos actores sociais e no sistema, necessitando ser transferido
para o cidadão.
90
Tese
Capítulo IV - Análise do sistema de saúde em Portugal – o contexto
Existem algumas questões introdutórias na representação da saúde e que se podem
enquadrar da seguinte forma:
5.2
1.
Centrada no sistema: inputs – processos – outputs – outcomes;
2.
Centrada nos actores sociais: poder/autoridade/agenda/actores;
3.
Centrada no cidadão, em que podemos vê-lo como: (i) doente dependente;
(ii) cliente/pagador; (iii) consumidor/utilizador; (iv) co-produtor; (v)
responsável pela sua saúde e controlador da mesma e, (vi) cidadão, elemento
do contrato social.
Identificação dos actores chave
Os principais actores chave (individuais e organizacionais) que foram identificados
constam dos Anexo III e IV onde, para além da identificação e do cargo, estão
identificadas as organizações que representam na área social os cidadãos, os doentes e
os profissionais e, na área económica, a indústria, o comércio, etc..
São muitos e variados e têm de ser levados em linha de conta em todo o pensamento
que está subjacente ao desenvolvimento de estratégias para o sector, já que o
reconhecimento da pluralidade das forças e dos actores que compõem o sistema
interagem entre si e o vão modificando, permitindo concluir que os métodos e as
ferramentas para alterar a realidade não sejam já tanto uma construção exterior a essa
realidade, resultado da expertise dos gestores, mas antes os produtos de várias
combinações e compromissos acordados e assumidos pelos diversos actores em
negociações ou jogos de estratégia que têm como finalidade ganhos de influência e de
poder.
Na saúde, a complexidade do meio envolvente e do próprio sistema organizacional
imprimem uma dinâmica permanente de mudança que impõe uma visão estratégica da
gestão. Só desta forma o sentido dessa mudança será tal que permitirá o
aprofundamento das políticas sociais.
O processo de mudança envolve não só ameaças mas também oportunidades. Para
Thiétart (1984), estes constrangimentos e ameaças não são predominantemente de
natureza económica, mas fazem antes parte das dimensões humana (político-cultural) e
organizacional (burocrática) do processo de formulação da estratégia.
O equilíbrio mútuo dos factores condicionantes ou a sua ruptura, com o predomínio de
uma das partes, condicionam o sentido e o ritmo da evolução do sistema de saúde
português porque lhe impõem, à priori, limites de enquadramento.
Segundo Sakellarides (1999), é constrangedora a sub-cultura de carácter normativo,
burocrático e autoritário que concebe um sistema de saúde centralizado e uniforme, uma
gestão de comando e controlo, uma organização rígida, conservadora, estática e
defensiva face a novos desafios, frustrando sistematicamente todas as expectativas de
mudança.
Tese
91
Capítulo IV - Análise do sistema de saúde em Portugal – o contexto
Para este autor, constrangedora é ainda a sub-cultura que é beneficiária da ausência de
responsabilização, que colhe benefícios individuais excessivos face aos limitados
investimentos e responsabilidades assumidas, que opera segundo critérios tácticos de
oportunidade e adopta a linguagem do mercado e da competitividade, mas só muito
superficialmente adere aos princípios de competência e qualidade que lhes estão
subjacentes. São sub-culturas complementares e interdependentes, cujo denominador
comum é a desresponsabilização e que, quando efectivamente convergem, configuram
uma assombrosa trama de resistência ao desenvolvimento.
Há, no entanto, factores de facilitação, aos quais corresponde uma cultura de
objectivação, participação e desenvolvimento em saúde, centrada nas necessidades e
preferências do cidadão, que reconhece como principais veículos de superação de tantos
problemas o desejo e a capacidade de inovar na procura de respostas apropriadas para as
complexas questões da saúde.
5.3
Oportunidades e obstáculos
Os sistemas de saúde não se comportam como compartimentos estanques nas
sociedades onde se inserem. Pelo contrário são fortemente influenciados, no curto e no
longo prazo, pelo contexto político, cultural, económico, científico e tecnológico.
Constituem oportunidades o ambiente político, que favorece o imperativo de uma
Estratégia Nacional que combata a ineficiência do Sistema de Saúde, o ambiente
mediático que evidencia as preocupações com essa mesma ineficiência e a falta de
participação dos cidadãos no seu controlo, a par de um interesse crescente pelos
problemas de saúde e pelos sucessos da medicina moderna.
É previsível que os múltiplos aspectos que agora confluem fortemente nos processos de
construção Europeia em curso venham a ter, já a relativamente curto prazo, uma
influência visível e crescente sobre os sistemas de saúde.
Dado o carácter essencialmente político do calendário da construção Europeia
(nomeadamente na introdução do Euro, nas condições do pacto de estabilidade, e na
abertura a Leste) é evidente o défice de estudos suficientemente aprofundados sobre as
implicações deste calendário político nos sistemas de protecção social dos países
membros, principalmente daqueles que são menos desenvolvidos (como é o caso de
Portugal e outros países do sul da Europa). Pode dizer-se que a situação é hoje já muito
complexa e introduz importantes elementos de incerteza, que é necessário, pelo menos
parcialmente, superar.
Neste contexto é possível identificar um conjunto relativamente vasto de áreas de
interesse e acontecimentos recentes que é importante conhecer mais aprofundadamente.
Tendo em vista os múltiplos aspectos acima referidos há que prestar uma atenção muito
especial ao que parecem ser já consideráveis e crescentes assimetrias no espaço ibérico
da saúde, podendo argumentar-se que é já difícil formular e implementar políticas de
saúde em Portugal sem tomar em consideração o contexto Europeu da saúde e o espaço
Ibérico.
92
Tese
Capítulo IV - Análise do sistema de saúde em Portugal – o contexto
Os obstáculos mais imediatos são colocados pela necessidade absoluta do
empenhamento profissional e de uma comunicação efectiva entre os diversos grupos
profissionais envolvidos na prestação de cuidados, num ambiente em que predomina o
corporativismo, a desmotivação e uma permanente conflitualidade interdisciplinar.
Por exemplo, no que se refere aos actores externos do sistema e no actual contexto em
que existem elevadas dívidas do SNS, os representantes farmacêuticos não parecem ter
razões para aderir a um programa que poderá implicar um acréscimo de investimento da
sua parte (garantia de fornecimento de produtos com comparticipação directa), sem
contrapartidas aparentes.
Por outro lado, o baixo nível médio de educação da população é o último e,
eventualmente, o mais difícil dos obstáculos, face ao curto espaço de tempo
estabelecido para se atingirem as metas estabelecidas para a implementação duma
estratégia.
5.4
Estratégias
O processo de definição e implementação duma estratégia para a saúde foi na última
parte dos anos noventa uma preocupação, ou melhor dizendo, um compromisso
assumido com o objectivo de traçar um rumo que norteasse o desenvolvimento dos
serviços de saúde na busca das melhores respostas para os cidadãos. Foi decidido
politicamente elaborar, pôr à discussão e adoptar uma estratégia, como um quadro de
referência para o estabelecimento de metas de saúde a nível local, assim como para as
iniciativas concretas que as permitissem realizar.
A estratégia de saúde ao definir metas concretas que explicitassem o compromisso da
saúde, constituiu um importante instrumento de informação, comunicação e
participação e procurou promover o investimento em saúde, identificando formas
viáveis para aproximar os objectivos de desenvolvimento dos serviços de saúde com
melhorias expressas nas metas de saúde, visando principalmente:
mobilizar os órgãos de comunicação social para acções diversificadas de
promoção da política de saúde, utilizando técnicas inovadoras que
assegurassem audiências significativas e informação eficaz;
promover a visibilidade das sociedades científicas e das organizações
profissionais através da sua participação específica nos Programas de Saúde,
particularmente em acções de formação;
criar sistemas de incentivos para as unidades prestadoras que conseguissem
melhorar os resultados;
estabelecer contrapartidas (prazos de pagamento, benefícios fiscais, etc.)
para garantir a adesão dos principais actores do sector;
criar um programa de controlo da qualidade, em que estivessem envolvidas
as associações de doentes e as entidades especializadas em cada uma das
matérias.
Tese
93
Capítulo IV - Análise do sistema de saúde em Portugal – o contexto
A estratégia da saúde procurava ser progressivamente um projecto de toda a sociedade
portuguesa, liderado pelo Ministério da Saúde e assentando num conjunto de valores e
princípios largamente reconhecidos, quer em termos nacionais quer internacionais,
nomeadamente no contexto europeu.
6.
PORTUGAL NO CONTEXTO NACIONAL E INTERNACIONAL
Parece ser um dado adquirido que está realizado, quase até à exaustão, o diagnóstico da
situação do sector da saúde. Contudo, afirma-se que a solução para muitos dos
problemas inventariados só pode ser conseguida através de mudanças operadas no
status, sendo que estas medidas implicam a alteração de situações estáveis, desse modo
atingindo os interesses estabelecidos 50.
Surge assim, em toda a sua clareza, a necessidade de, no processo da reformulação da
estratégia, se ultrapassarem etapas de natureza política e organizacional que tornem
possível a evolução do sistema para dispositivos que correspondam de maneira mais
adequada às necessidades dos cidadãos, cujos direitos não devem ser ultrapassados por
quaisquer interesses ou privilégios individuais ou de grupo.
É de levar em linha de conta também as projecções conhecidas para o problema do
envelhecimento em Portugal (Gráfico I), pois segundo a ONU (1998), continua a
observar-se a redução do peso relativo da população jovem, que apresenta o valor de
15,9% nos 0-14 anos contra 16,0% no ano anterior e a importância relativa da
população em idade activa (15-64 anos) de 67,5% (67,7% em 2000).
Gráfico I – Perspectiva de evolução do envelhecimento em Portugal (1995 – 2050)
3000000
2500000
2000000
65 - 74 anos
1500000
75 e mais anos
1000000
500000
0
1995
2030
2050
Fonte: United Nations, World Population Trends: The 1998 Revision
50
Todos os cidadãos deveriam ter acesso ao Relatório do PNUD (Programa das Nações Unidas para o
Desenvolvimento Humano). Está disponível na Internet em www.undp.org/hdr2003/. Na pág. 237:
Portugal, em 175 países, aparece no 23º lugar. Isso corresponde a um “desenvolvimento humano
elevado”. Medem-se aqui, entre outros: a esperança de vida à nascença (75,9 anos); taxa de
alfabetização de adultos (92,5%); taxa de escolarização bruta combinada do primário, secundário e
superior (93%); PIB per capita (18 150 USD - dólares americanos). Mas somos um dos piores países da
União Europeia - só a Grécia está depois de nós, em 24º lugar.
94
Tese
Capítulo IV - Análise do sistema de saúde em Portugal – o contexto
Sabe-se ainda que a projecção da esperança de vida à nascença em Portugal, para ambos
os sexos, será ente 2045 e 2050 de 81 anos e para os anos 2295-2300 de 95,5 anos.
Saliente-se, igualmente, o aumento da proporção da população idosa (65 e mais anos de
idade), que nos últimos quarenta anos mais do que duplicou, passando de 8,0% para
15,6% (1960-2000). Em síntese, o fenómeno do envelhecimento traduziu-se por um
decréscimo de 35,1% na população jovem, isto é, com idades compreendidas entre os 0
e os 14 anos e um incremento de 114,4% na população idosa. Este facto é mais evidente
entre as mulheres, tendo a importância relativa aumentado nesses mesmos anos,
traduzindo a sua maior longevidade.
A tendência crescente do índice de envelhecimento fica a dever-se ao aumento da
esperança de vida, com o consequente crescimento da percentagem de população idosa
e o declínio da percentagem de jovens na população em geral, resultante dos diminutos
níveis de natalidade.
O índice de dependência total, ou seja, o número de jovens e de idosos em cada 100
indivíduos em idade activa (15-64 anos), situa-se em 48,1 em 2001. O índice de
dependência de jovens baixou de 23,7 para 23,6 indivíduos, enquanto o ratio de idosos
na população potencialmente activa aumentou de 24,2 para 24,5 indivíduos em 2001. O
índice de envelhecimento é bem revelador da evolução demográfica recente: aumentou
de 102 para 104 idosos por cada 100 jovens (2000-2001).
O Quadro 11 resume o impacto do ajuste macroeconómico em alguns dos indicadores
do Sistema de Saúde Português entre 1970 e 2000.
Quadro 11 – Caracterização do Sistema de Saúde Português (1970 – 2000)
Indicadores
N.º camas por médico
N.º camas por enfermeiro e auxiliar de enfermagem
N.º de camas disponíveis (1 000 habitantes)
N.º de camas para agudos (1 000 habitantes)
Demora média
Pessoal médico (1 000 habitantes)
Pessoal de enfermagem (1 000 habitantes)
Clínicos Gerais (1 000 habitantes)
Instituições com hospitalização
Centros de Saúde
Extensões ou postos de atendimento sem internamento
Despesas totais em Saúde (% PIB)
Despesa pública em saúde (% PIB)
Despesa privada em saúde (% PIB)
1970
2000
∆%
8,3
5,5
6,3
4,2
15,3
0,92
1,5
0,73
582
2064
2 246
2,6
1,6
1,0
2,31
(72,3)
(74,5)
(38,0)
(21,4)
(52,3)
257,6
115,7
(33,3)
(59,3)
36,9
(18,8)
215,4
262.5
140,0
1,4
3,9
3,32
7,31
3,2
3,3
0,5
237
282
1 8241
8,2
5.8
2.4
Fontes: INE e Estatísticas da Saúde (DEPS e DGS). Notas: 1 1999; 2 1998; 3 1982, 4 1975
Segundo OECD Health Data (2002 b), o aumento anual em gastos per capita em
cuidados de saúde nos países abrangidos ultrapassou na última década o crescimento
económico geral per capita em cerca de 50% (3.3% vs 2.2%). Em 2000, os países da
Tese
95
Capítulo IV - Análise do sistema de saúde em Portugal – o contexto
OCDE gastaram em cuidados de saúde uma percentagem adicional de 0,8% do seu PIB
em relação a 1990, elevando a média não ponderada da OCDE para 0.8%.
Uma das causas do aumento dos gastos está relacionada com a introdução de novas
tecnologias da saúde, nomeadamente medicamentos (Gráfico II).
Gráfico II – Evolução do consumo de medicamentos na década de noventa
20.000
18 . 0 0 0
16 . 0 0 0
14 . 0 0 0
12 . 0 0 0
10 . 0 0 0
17 7 9 1
8.000
12738
6.000
10 3 15
4.000
2.000
4223
4506
4 9 11
6 13 4
6483
6865
0
Marcas
For m a s
A p r e se nt a çõe s
f a r m a c êu t i c a s
19 9 0
19 9 5
19 9 9
Fonte: INE - Estatísticas de Saúde (1999).
Contribuem para esse aumento principalmente as novas apresentações farmacêuticas e
os novos tratamentos para algumas doenças, nomeadamente o VIH/SIDA e neoplasias.
De referir ainda o diminuto peso dos genéricos no mercado de medicamentos em
Portugal, embora o actual executivo tenha feito dessa área uma das suas apostas da
política de saúde.
Os EUA gastaram com a saúde a parcela mais elevada do PIB, tendo passado de 11,9%
do PIB em 1990 para 13% em 2000. A seguir aos EUA encontram-se a Suécia, com
10,7% e a Alemanha com 10,6%. Na outra extremidade da escala, dentro dos países da
OCDE, posicionam-se a Coreia, Luxemburgo, México e a República Eslovaca, os quais,
em 2000, gastaram 5,6% dos respectivos PIB com a saúde.
Os EUA continuam igualmente a gastar muito mais em saúde numa base per capita do
que qualquer outro país (mais de 4 600 Euros per capita, ou seja mais de duas vezes a
média dos países da OCDE, que é de quase 2 000 Euros), apesar de 14% da população
não ter qualquer tipo de cobertura. Acresce ainda que só cerca de 24,2% tem seguros
públicos de saúde, mas os gastos públicos per capita nos EUA são igualmente elevados,
situando-se na terceira posição dos países da OCDE (Docteur, 2003).
Portugal, com um pouco menos de 1500 Euros per capita em 2000, encontra-se logo a
seguir à Espanha, ambos abaixo da média da OCDE. Os países da UE15 com maior
percentagem do PIB gasto com a saúde em 2000 foram a Alemanha, a Dinamarca e a
França, sendo os de menor percentagem a Grécia e Portugal.
96
Tese
Capítulo IV - Análise do sistema de saúde em Portugal – o contexto
A nível da OCDE a Islândia é o país com mais gastos públicos per capita em 2000,
seguida da Alemanha.
As tecnologias médicas modernas constituem um dos principais determinantes da
subida dos custos com a saúde. Os dados de saúde da OCDE mostram as tendências na
difusão das tecnologias médicas nos últimos vinte anos. Houve um crescimento rápido
na utilização de procedimentos tecnológicos intensivos para tratar doenças e problemas
de saúde importantes em quase todos os países.
O número de intervenções cirúrgicas, como por exemplo o bypass arterial coronário
(CABG) e a angioplastia coronária, aumentaram rapidamente nos anos noventa,
particularmente em países que começaram com baixos níveis de utilização destes
métodos (p. ex. a Austrália, Dinamarca, Hungria e Nova Zelândia no caso da
angioplastia coronária).
No entanto, no fim dos anos noventa, as taxas de CABG e angioplastia coronária nos
Estados Unidos eram mais do dobro das dos países da OCDE onde eram mais elevadas.
Estas diferenças na frequência de procedimentos médicos dispendiosos ajudam a
explicar parte do diferencial nos gastos globais em saúde entre os Estados Unidos e os
outros países.
Mas há mais questões em saúde para além dos gastos que determina. Avaliar o impacto
dos gastos em saúde e o uso de tecnologias médicas é uma tarefa complexa, que envolve
indicadores gerais da saúde das populações, tais como a esperança de vida à nascença,
a mortalidade infantil e os resultados clínicos, conforme se pode analisar no Quadro
12, o que vem confirmar que há melhoria significativa no decurso das três décadas em
análise, quanto à evolução de alguns indicadores de resultados em saúde.
Quadro 12 – Alguns indicadores de Saúde em Portugal (1970 - 2000)
1970
2000
∆
Esperança de vida à nascença (M)
70,8
79,11
8,3
Esperança de vida à nascença (H)
64,2
72,01
7,8
Anos de vida potencialmente perdidos (M)
12 822,0
3 312
9 510
Anos de vida potencialmente perdidos (H)
18 676,8
7 516
11 160,8
Mortalidade infantil (‰)
55,5
5,5
50
Mortalidade perinatal
38,9
8,22
30,7
% de partos em estabelecimentos de saúde com internamento
37,5
99,31
61,8
Indicadores
Fontes: INE e OECD Health Data (2002 b). Notas: 11999; 21996
O primeiro conjunto de resultados não é exclusivamente influenciado pelo uso de
tecnologias modernas, uma vez que muitos outros factores de risco sociais e ambientais
têm um papel relevante. Por exemplo, apesar dos avultados gastos em saúde nos
Estados Unidos, a esperança de vida à nascença e a mortalidade infantil dos Americanos
é comparável à média da OCDE e abaixo da mediana, o que significa que mais de
metade dos países do OCDE se classificam melhor nestas medidas do que os Estados
Unidos.
Tese
97
Capítulo IV - Análise do sistema de saúde em Portugal – o contexto
Estes resultados na saúde das populações podem ser parcialmente associados aos
factores de risco a que diferentes populações estão expostas. Enquanto os Estados
Unidos obtiveram um grande sucesso na redução de consumo de tabaco, tendo as taxas
de consumo diário mais baixas dentro dos países da OCDE a seguir à Suécia, a parcela
da população sofrendo de obesidade é a mais alta. A obesidade nos países da OCDE
tem vindo a aumentar continuamente.
Em Portugal, apesar das taxas de consumo de tabaco serem das mais baixas (4º lugar,
logo a seguir ao Canadá), foi o único país da OCDE em que se verificou um aumento de
consumo na década (19 para 20,5%). No mesmo período, países como a Dinamarca
conseguiram uma considerável redução (de 44,5 para 30,5%) passando do consumo
mais elevado para a 7ª posição.
7.
A EVOLUÇÃO DO SISTEMA DE SAÚDE À LUZ DE UMA REVISÃO BIBLIOGRÁFICA
É importante conhecer a evolução do sistema de saúde português num passado recente,
período de uma grande riqueza de acontecimentos que nos ajudam a compreender
melhor os factores que mais concorreram para o seu desenvolvimento e configuração
actual.
Alguns dos factos mais relevantes para os quais se deve chamar a atenção, é a situação
no início da década de setenta, quando se começaram a esboçar no sistema de saúde
importantes modificações que convergiram, em 1979, na criação do Serviço Nacional
de Saúde (SNS):
-
indicadores socio-económicos e de saúde muito desfavoráveis no contexto
da Europa Ocidental de então (56/00 de mortalidade infantil e 37/00 de
mortalidade perinatal, em 1970);
-
diversidade de serviços de saúde – grandes hospitais do Estado, uma vasta
rede de hospitais das misericórdias, postos médicos dos serviços
médico-sociais da previdência; serviços de saúde pública (centros de saúde a
partir de 1971); médicos municipais; serviços especializados para a saúde
materno-infantil, tuberculose e doenças psiquiátricas; sector privado
particularmente desenvolvido na área do ambulatório;
-
baixa capacidade para financiar os serviços públicos da saúde (a despesa
com saúde era de 2,6% do PIB em 1970);
-
profissões da saúde, principalmente médicos, que acumulavam diferentes
ocupações de forma a conseguirem um nível de remuneração e de satisfação
profissional aceitável.
De 1971 a 1985 o país atravessou um período de grandes transformações internas e
externas, em condições particularmente desfavoráveis de subdesenvolvimento. A
reforma do sistema de saúde e da assistência, legislada em 1971, “a reforma de
Gonçalves Ferreira”, que incluiu o estabelecimento dos “centros de saúde”, constituiu
já um esboço de um verdadeiro SNS. Foi no entanto a partir de 1974 que se criaram as
condições políticas e sociais para que este fosse adoptado, em 1979:
98
Tese
Capítulo IV - Análise do sistema de saúde em Portugal – o contexto
-
assistiu-se à transição de um financiamento parcialmente contributivo
(contribuições para a Previdência) para um financiamento baseado no
orçamento geral do estado. Este facto criou logo, desde as suas origens, um
importante constrangimento no financiamento do SNS;
-
tratava-se de fazer convergir num sistema coerente as várias estruturas de
prestação de cuidados de saúde existentes. Isso nunca foi totalmente
conseguido;
-
houve um aumento significativo da formação de médicos em Portugal (209%
entre 1970 e 1985), o que permitiu, primeiro, o estabelecimento do “Serviço
Médico na Periferia” e, logo depois, a criação da carreira de clínica geral e
medicina familiar;
-
acresceu a implementação da nova carreira de clínica geral em circunstância
não muito favoráveis, dada a sua inserção nas estruturas administrativas dos
SMS, sem qualquer investimento na transformação destas, o que teve
consequências negativas na eficiência dos cuidados de saúde primários.
De salientar ainda que:
-
uma parte significativa do associativismo médico opôs-se publicamente ao
SNS, propondo como alternativa um sistema de saúde baseado na “medicina
convencionada”, ou seja no financiamento público da medicina privada. Esta
situação continua a ter importantes implicações para o sistema de saúde
português;
-
se mantiveram ou estabeleceram fora do SNS subsistemas de saúde, como a
ADSE;
-
a adopção do SNS em Portugal não foi um acontecimento isolado integra-se num movimento mais amplo que contempla outros países do sul
da Europa: Itália (1978), Portugal (1979), Grécia (1983), Espanha (1986).
Estas circunstâncias fizeram com que o SNS tenha sofrido, desde o seu início, de um
conjunto significativo de debilidades:
-
uma base financeira frágil, com ausência de inovação nos modelos de
organização e gestão, quando ainda se começavam a expandir as suas
infra-estruturas;
-
um estado de coexistência assumida entre o financiamento público do SNS e
o da “medicina convencionada” e, simultaneamente, uma grande falta de
transparência entre os interesses públicos e privados;
-
dificuldades no acesso e baixa eficiência dos serviços públicos de saúde, que
resultam dos factores acima indicados.
Segundo o OPSS (2002), a criação do SNS fez parte da democratização política e social
do país, permitindo, num período de tempo relativamente curto, uma notável cobertura
da população portuguesa em serviços de saúde. Ao mesmo tempo tornou possível uma
estrutura de carreiras para as profissões da saúde. As limitações associadas ao contexto
Tese
99
Capítulo IV - Análise do sistema de saúde em Portugal – o contexto
económico, social e cultural em que o SNS foi criado e onde se desenvolveu, bem como
a incapacidade do sistema político e do Estado para superaram estas debilidades iniciais,
marcaram fortemente a sua posterior evolução.
A partir de 1985 e até 1995 o desafio centrou-se na qualificação do sistema de saúde
português. Com a adesão em 1986 à CEE, actualmente UE, a aposta foi a mudança da
fronteira público/privado a favor do privado, através da Lei de Bases da Saúde de 1990,
sem prejuízo de medidas destinadas a melhorar o SNS.
De reter, ao nível do contexto interno e externo, que as crises económicas dos anos
setenta, relacionadas principalmente com o aumento súbito do preço da energia,
marcaram o fim de um período de considerável crescimento económico e uma rápida
expansão dos sistemas de protecção social na Europa. Durante a década de oitenta a
filosofia política de Reagan e Thatcher marcaram uma época e os países do sul da
Europa, saídos há pouco tempo de regimes autoritários – Grécia, Portugal e Espanha –
entram na CEE; no final da década caiu o “muro de Berlim”.
No sector da saúde faz-se sentir um movimento de opinião a favor do fortalecimento
dos mecanismos de mercado nos sistemas de saúde Europeus: defende-se um aumento
do financiamento privado; aponta-se para a necessidade de estabelecer uma clara
separação entre o “financiador” e o “prestador” de cuidados de saúde; apoia-se a
introdução de mecanismos de competição e de mercado no sistema prestador e
promove-se um maior peso do sector privado na prestação de cuidados de saúde.
Sugere-se que uma das principais causas da ineficiência dos sistemas de saúde está no
peso excessivo do Estado na prestação de cuidados de saúde.
Pela primeira vez as teses de um académico norte-americano, Enthoven, influenciam
explicitamente as propostas de reforma do SNS inglês; na Holanda, Dekker, um
executivo da “Phillips”, lidera uma comissão que estuda a introdução de instrumentos
de competição e mercado no sistema de saúde. Em Espanha um político de prestígio,
Abril Martorell, preside a uma comissão que propõe novas orientações para o sistema de
saúde de Espanha. O Banco Mundial torna-se influente nas reformas dos sistemas de
saúde do leste da Europa.
Portugal acabava de se integrar na CEE. Vive um período de crescimento económico e
de estabilidade política. Os governos passaram a ser de legislatura com apoio
maioritário no Parlamento. Em 1990 é aprovada uma Lei de Bases de Saúde que se
insere, genericamente, na matriz filosófica acima referida. No entanto, no período de
tempo a que corresponde este ciclo político, há que distinguir três fases com orientações
e prioridades distintas:
-
100
na primeira, de 1985 a 1990, a ênfase foi posta na separação mais clara entre
os sectores público e privado. Procuraram melhorar-se as remunerações e
condições de trabalho dos profissionais de saúde no sector público. Portugal
começava a sair da situação própria dos países menos desenvolvidos,
caracterizados por pluri-emprego associado a remunerações pouco mais que
simbólicas. As resistências a esta clarificação e a forma como o processo foi
gerido deram origem a um clima de elevada conflitualidade, particularmente
durante o ano de 1989;
Tese
Capítulo IV - Análise do sistema de saúde em Portugal – o contexto
-
na segunda destas fases, de 1990 a 1993, uma nova equipa ministerial
procura a pacificação da conflitualidade gerada no período anterior, através
da confirmação dos benefícios previstos para as carreiras profissionais, mas
com o abandono das principais contrapartidas - uma separação mais clara
entre o público e o privado e uma melhoria da gestão dos recursos humanos
do SNS. A agenda predominante passou então a ser o desenho e a
implementação de um “seguro alternativo” de saúde; As disposições
regulamentares da Lei de Bases de 1990, como o ”Estatuto do SNS”, acabam
por ser aprovadas só em 1993;
-
na última e mais curta fase deste ciclo, de 1993 a 1995, a ideia do seguro
alternativo de saúde foi completamente abandonada. A agenda política
passou a centrar-se na possibilidade de aumentar o financiamento privado no
sistema de saúde e na ideia da gestão privada das unidades públicas de
saúde. Aprova-se, muito próximo do fim do ciclo, a experiência da gestão
privada do Hospital Fernando da Fonseca. O receituário do SNS torna-se
universalmente disponível. As listas de espera cirúrgicas nos hospitais
portugueses começam a assumir proporções preocupantes, surgindo segundo
Alves et al (1996), o programa de recuperação das listas de espera (PERLE).
Durante este ciclo, numa linha de continuidade com o período que o antecedeu, há um
importante investimento nas infra-estruturas do SNS (centros de saúde e hospitais). No
entanto, na área dos recursos humanos a falta de uma política sustentada por uma
análise prospectiva da evolução das profissões da saúde e em medidas daí decorrentes,
tem tido sérias consequências para o desenvolvimento do sistema de saúde.
Apesar de importantes contribuições para a arquitectura do SNS, como as Regiões de
Saúde e as “unidades funcionais de saúde”, os princípios que informam a Lei de Bases
da Saúde e os dispositivos normativos que a veicularam tiveram pouco impacto sobre o
funcionamento dos serviços de saúde portugueses e não influenciaram os pilares que
sustentavam as suas disfunções. O sistema de saúde continua a expandir-se com as
vantagens daí decorrentes para aqueles que dele beneficiam, mas sem contudo
corresponder ao desafio crítico da sua qualificação: os problemas do acesso aos
cuidados de saúde (consultas, cirurgias) começam a tornar-se cada vez mais evidentes, a
desadequação do modelo de administração pública tradicional às necessidades da saúde
é já evidente e, o entrelaçar entre interesses públicos e privados agrava-se.
De 1996 a 1999, em Portugal a preocupação política esteve centrada na reforma do SNS
(SNS 21), sem perda da melhoria da articulação público/privado.
No contexto Europeu, ao período liberalizante dos anos oitenta e princípios dos anos
noventa, sucede-se um outro, onde uma das ideias predominantes é a da “reinvenção da
governação”, ou seja, dar maior flexibilidade e capacidade de inovação à administração
pública tornando-a mais empresarial, recentrar os serviços públicos no cidadão cliente e
passar de uma gestão dos recursos para uma gestão de resultados:
-
reconhecem-se as disfunções dos aparelhos que gerem os regimes de
bem-estar, assim como a necessidade de reformulá-los profundamente (mais
atenção às pessoas e menos às organizações), sem pôr em causa os seus
Tese
101
Capítulo IV - Análise do sistema de saúde em Portugal – o contexto
princípios fundamentais, nem confiar excessivamente nas virtualidades do
mercado em domínios como a saúde;
-
dá-se mais importância às especificidades da saúde – o sistema de saúde não
pode ser gerido nem como uma descomunal burocracia (apesar do Estado ter
um lugar muito importante a desempenhar), nem como um negócio (apesar
de conter domínios abertos à competição e ao mercado);
-
as teses de Enthoven em relação ao SNS inglês, as conclusões dos relatórios
Dekker (Holanda) e Martorell (Espanha), foram só parcialmente
implementadas e por essa e, possivelmente outras razões, não tiveram o
impacto esperado;
-
permanecem alguns dos dispositivos ensaiados durante a década de oitenta e
princípio da de noventa (uma melhor distinção entre o financiador e o
prestador, contratualização), mas agora num contexto diferente;
-
emerge uma atitude mais aberta aos dados empíricos, às observações e à
experimentação e uma maior desconfiança em relação a posições dogmáticas
e preconceituosas. Começam a reconhecer-se os desafios muito particulares
que a gestão de “sistemas sociais complexos” colocam às sociedades actuais.
De acordo com o OPSS (2002 e 2003), em Portugal foi em finais de 1995 que se iniciou
um novo ciclo político que se caracterizou por menores condições de estabilidade que o
anterior (falta de uma maioria política parlamentar). Apesar de mais curto que o
anterior, neste ciclo político também se podem distinguir três períodos distintos.
No primeiro, de 1995 a 1999, a saúde não é considerada como uma prioridade política
da legislatura. Esta prioridade foi atribuída à educação e ao combate à pobreza
(solidariedade e segurança social). O mandato do Ministério da Saúde (MS) pareceu ser
o de tomar as medidas necessárias para melhorar progressivamente a situação da saúde
e preparar uma “reforma da saúde” para ser implementada em condições políticas mais
favoráveis (nova legislatura, com eventual apoio parlamentar maioritário). Foi criado o
Conselho de Reflexão sobre a Saúde (CRES), em fins de 1995 e que apresentou a sua
análise e propostas definitivas em 1998 (CRES, 1998).
Neste contexto, o projecto de reforma “SNS 21”, que incorpora importantes
contribuições de relatório do CRES, desenvolveu-se numa lógica de elaboração e
negociação detalhada com um início de implementação difícil, aguardando condições de
apoio político e financiamento mais favoráveis para uma acção mais intensa.
Um dos aspectos mais importantes da agenda política durante este período foi o de
conjugar o binómio “responsabilização na gestão/flexibilização das organizações”, com
a introdução progressiva de remunerações associadas ao desempenho (começando pelo
RRE - Regímen Remuneratório Experimental para a clínica geral) e com a reactivação
do princípio das incompatibilidades na celebração das convenções de prestação de
cuidados de saúde com o sector privado. Esta orientação não foi bem recebida por
alguns sectores profissionais, sendo acompanhado por período de conflituosidade de
alta visibilidade pública.
102
Tese
Capítulo IV - Análise do sistema de saúde em Portugal – o contexto
O segundo período deste ciclo político, de 1999 a 2001, inicia-se em condições muito
favoráveis, dado que é o início de uma segunda legislatura com a mesma liderança
política (continuando, no entanto, sem apoio parlamentar maioritário), em que o
governo assume explicitamente a prioridade da saúde, decidindo-se pelo consequente
reforço no OGE e foi também constituída uma nova equipa ministerial, sem o desgaste
que o exercício do poder provoca em área tão exigente como é a da saúde.
Houve um vasto conjunto de medidas de reforma estudadas, negociadas, legisladas e
algumas em início de implementação e pareciam existir as condições políticas para
mobilizar uma base de apoio para fazer uma reforma que corresponderia a necessidades
muito sentidas pela população portuguesa.
No entanto estas expectativas positivas não se confirmaram. À medida que o
crescimento económico vai tendo lugar, vai sendo possível canalizar mais recursos
financeiros para o sistema de saúde e para as remunerações dos profissionais. Estas são
oportunidades importantes para melhorar simultaneamente a gestão e a organização dos
sistemas de saúde. A governação da saúde parece não ter sido capaz de gerir essas
oportunidades.
Finalmente teve lugar um curto terceiro e último período neste ciclo político, de 2001 a
2002, com uma duração de cerca de 8 meses, dos quais menos de 6 meses de
competência de governação plena. Estas circunstâncias limitam a profundidade e
relevância da sua análise. No entanto alguns aspectos merecem ser referidos:
-
retomou-se a ideia que é necessário um “projecto” de reforma da saúde
redefinindo um número limitado de orientações: ganhos em saúde, confiança
e auto-estima, a qualidade da despesa, a organização e gestão dos serviços de
saúde, formação e investigação (Grandes Opções do Plano (GOP),
Ministério das Finanças, 2002);
-
promoveram-se muito activamente um conjunto de estudos técnicos
destinados a concretizar as orientações acima referidas e foram assumidas
posições que decorrem em grande parte do contexto muito particular em que
este período da governação teve lugar, nomeadamente as direcções clínicas e
o controlo do défice.
Apesar das muitas iniciativas de mérito que tiveram lugar neste ciclo (Quadro 13),
pode dizer-se que ele constituiu uma oportunidade perdida para a reforma da saúde em
Portugal.
É importante tirar daqui os ensinamentos mais relevantes, mas pode concluir-se que ao
longo dos dois ciclos políticos que abarcam cerca de década e meia, apesar das
diferenças de agenda política observadas e dos méritos de muitas das iniciativas
tomadas, são evidentes as semelhanças em termos da fragilidade das concepções e
instrumentos da governação da saúde.
Iniciou-se entretanto um novo ciclo político, que de alguma forma dá sequência a
algumas das iniciativas legislativas anteriores, aprofunda outras e introduz sobretudo
uma orientação mais privatizadora, que por razões que se prendem com a sua recente
Tese
103
Capítulo IV - Análise do sistema de saúde em Portugal – o contexto
implementação não poderão ser objecto de análise neste estudo, a não ser uma ligeira
referência assente no trabalho de análise produzido pelo OPSS e publicado no seu
Relatório de Primavera 2003.
Quadro 13 – Iniciativas legislativas mais relevantes dos últimos 12 anos
Início dos anos noventa
Finais dos anos noventa
Início dos anos dois mil
Carreiras médicas - Decreto-lei
n.º 73/90 de 6 de Março e Decretolei n.º 396/93 de 24/11
Aplicação do novo regime jurídico
ao Hospital de S. Sebastião Decreto-lei n.º 218/96 de 20 de
Novembro
Agências de acompanhamento
dos serviços de saúde - Despacho
normativo n.º 46/97 de 8 de Agosto
Plano de Reorganização da
Farmácia Hospitalar - Resolução
do CM n.º 105/2000 de 11 de
Agosto
Regras de acesso dos utentes
do SNS ao regime
convencionado - Despacho n.º
17381/2000 de 25 de Agosto
Clausulado tipo da convenção
para a prestação de cuidados de
saúde na área da cirurgia Despacho n.º 17799/2000 de 31
de Agosto
Princípios, procedimentos e regras
no acesso dos utentes do SNS,
ao sector social - Despacho n.º
19554/2000, do Gabinete da MS
de 29 de Setembro
Plano de Acção de Combate ao
Alcoolismo - Resolução do
Conselho de Ministros n.º
166/2000 de 29 de Novembro
Patologias e actos nas convenções
e protocolos: particulares,
Mútuas, IPSS e Misericórdias,
Despachos 4581-A, B, C, D/2001
de 6 de Março
Criação de estrutura de missão
“Parcerias Saúde” - Resolução
do CM n.º 162/2001
Nomeação dos directores
clínicos e enfermeiros
directores - Decreto-lei n.º
39/2002 de 26 de Fevereiro
Empresarialização dos
hospitais – Resolução do
Conselho de Ministros n.º
41/2002
Lei de Bases da Saúde - Lei n.º
48/90 de 24 de Agosto
Estatuto do medicamento
(fabrico, comercialização e
comparticipação) - Decreto-lei n.º
72/91 de 8 de Fevereiro
Regime de celebração das
convenções - Decreto-lei n.º 97/98,
de 18 de Abril
Estabelece o regime e aprova as
taxas moderadoras - Decreto-lei
n.º 54/92 e Portaria n.º 338/92 de
11 de Abril
Regime remuneratório
experimental dos médicos de
clínica geral - Decreto-lei n.º
117/98 de 5 de Maio
Lei Orgânica do MS - Decreto-lei
n.º 10/93 de 15 de Janeiro
Intervenção articulada do apoio
social e dos cuidados de saúde
continuados, Despacho conjunto
n.º 407/98 de 18/6 (MS e MTSS)
Lei de Saúde Mental e organização
da psiquiatria e saúde mental - Lei n.º
36/98, de 24 de Julho e Decreto-lei
n.º 35/99 de 5 de Fevereiro
Estatuto do SNS - Decreto-lei n.º
11/93 de 15 de Janeiro
Administrações Regionais de
Saúde - Decreto-lei n.º 335/93 de
29 de Setembro
Criação do Programa Específico de
Recuperação de Listas de Espera
(PERLE) – Despacho do MS de 1
de Março
Comparticipação de
medicamentos prescritos em
exercício privado - Despacho n.º
14/95 do MS de 12 de Junho
Cartão de utente do SNS Decreto-lei n.º 198/95, de 29 de
Julho e Portarias n.º 981 e 982/95
de 16 de Agosto
Contrato para a gestão do
Hospital Fernando Fonseca Portaria n.º 279/95 de 8 de
Setembro
Programa de promoção de acesso
aos cuidados de saúde - Lei n.º
27/99 de 3 de Maio
Instituto da Qualidade em Saúde
(IQS) - Portaria n.º 288/99 de 27 de
Abril
Regime dos Sistemas Locais de
Saúde - Decreto-lei n.º 156/99 de
10 de Maio
Criação, dos Centros de Saúde de
3ª geração - Decreto-lei n.º 157/99
de 10 de Maio
Unidade Local de Saúde de
Matosinhos - Decreto-lei n.º
207/99 de 9 de Junho
Serviços de Saúde Pública Decreto-lei n.º 286/99 de 27 de
Julho
Centros de responsabilidade
integrados nos hospitais - DL
374/99 de 18 de Setembro
104
Tese
Capítulo IV - Análise do sistema de saúde em Portugal – o contexto
8.
RESUMO
Nos últimos trinta anos Portugal sofreu, em períodos de tempo particularmente curtos,
algumas transformações de extraordinária importância: reconquista da liberdade,
democratização, descolonização e integração dos retornados em 1974, adesão à CEE
em 1986 (tratado assinado a 12 de Junho de 1985, em Lisboa) e integração na União
Monetária Europeia em 2000. Neste período, que corresponde a uma geração, há obra
realizada e objectivos atingidos.
A reforma do sistema de saúde e da assistência legislada em 1971, “a reforma de
Gonçalves Ferreira”, que incluiu o estabelecimento dos “centros de saúde”, constituiu
já um esboço de um verdadeiro SNS. Foi no entanto a partir de 1974 que se criaram as
condições políticas e sociais para que este fosse adoptado em 1979.
No entanto, para melhor entender algumas das questões que ainda hoje o afectam é
importante recordar as condições em que o mesmo foi criado:
-
a adopção e implementação do SNS estão associadas à democratização, e
coincidiu com o processo de descolonização que a acompanhou;
-
fez parte do processo de expansão do sistema de protecção social português
que caracterizou o início da democracia. Fez-se a contra-ciclo em relação à
situação económica mundial dos anos setenta - as “crises do petróleo”.
São ainda de referir: a reforma de 1971, a lei do SNS, a implementação da carreira
médica de clínica geral e familiar e a expansão do sistema de saúde. Segundo OPSS
(2002), a partir de 1985 e até 1995 o desafio centrou-se na qualificação do sistema de
saúde português. Com a adesão em 1986 à CEE, a aposta foi a mudança da fronteira
público/privado a favor do privado, através da Lei de Bases da Saúde de 1990, sem
prejuízo de medidas destinadas a melhorar o SNS.
Ainda de acordo com aquela fonte, de 1996 a 1999 em Portugal a preocupação política
esteve centrada na reforma do SNS (SNS 21), sem perda da melhoria da articulação
público/privado e no contexto Europeu, ao período liberalizante dos anos oitenta e
princípios dos anos noventa sucedeu-se um outro, onde uma das ideias predominantes é
a da “reinvenção da governação”, ou seja, dar maior flexibilidade e capacidade de
inovação à administração pública tornando-a mais empresarial, recentrar os serviços
públicos no cidadão-cliente e passar de uma gestão dos recursos para uma gestão de
resultados.
O ponto de vista do OPSS (2003) no seu Relatório de Primavera, no que se refere à
análise do processo da governação da saúde, em curso, é o seguinte:
-
“As numerosas medidas tomadas pelo Ministério da Saúde durante
o primeiro ano reflectem o teor do programa de governo legitimado
politicamente;
-
O sistema político Português prepara propostas eleitorais e de
governo, com uma limitada base técnica – ou seja, os ideários
Tese
105
Capítulo IV - Análise do sistema de saúde em Portugal – o contexto
políticos não são acompanhados por estudos detalhados sobre
soluções técnicas concretas que deles decorrem;
106
-
O estudo dos processos de governação da saúde nos últimos anos
mostra importantes descontinuidades de orientação, mesmo entre
governos que têm origem nas mesmas forças políticas. Assim, a
opção de adoptar um programa de reformas, que se vai
implementando incrementalmente durante um mandato de quatro
anos, à medida que os estudos técnicos, ensaios sobre o terreno e os
processos negociais se vão desenrolando, dissipa em vez de
fortalecer a sua base política da apoio. Este é um trabalho
necessário, mas pouco visível e não substitui a obra sobre o
terreno;
-
Neste contexto o Ministério da Saúde optou por iniciar uma
“reforma da saúde” imediatamente após o início da sua actividade,
o que deu origem a uma considerável intensidade governativa
durante o primeiro ano do mandato;
-
Nestas circunstâncias não é razoável esperar que durante um tão
curto espaço de tempo tenha sido possível proceder de uma forma
aceitável à legitimação técnica das soluções adoptadas;
-
Por isso terá de investir agora fortemente num importante esforço
de fundamentação técnica, que permita estabelecer objectivos
concretos, avaliá-los, divulgar os resultados e proceder aos
ajustamentos necessários;
-
O pior que poderia acontecer seria o governo da saúde não sentir a
necessidade de o fazer, ir perdendo a capacidade crítica de
avaliação objectiva à medida que a força das convicções
necessárias para gerir um processo de mudança complexo e
duríssimo como este, vai ajudando a perder a tolerância pela
divergência de opinião. Ficaria o teatro político. Perder-se-ia um
impulso e uma oportunidade importante para melhorar a
governação da saúde.”
Tese
Capítulo V: Análise do processo de contratualização na saúde em Portugal
CAPÍTULO V: ANÁLISE DO PROCESSO DE CONTRATUALIZAÇÃO NA
SAÚDE EM PORTUGAL
1.
ANTECEDENTES, CONTRIBUTOS E ENSINAMENTOS PARA O DESENVOLVIMENTO
DO PROCESSO DE CONTRATUALIZAÇÃO
Contract model in contrast to integrated model:
Contract model
The system of health service provision which involves contracts between three separate parties: a) the
beneficiaries or patients; b) the fund-holders or purchasers acting on behalf of the beneficiaries; and c) the
providers of services (WHO, 1998 a.).
In a more narrow sense, the contract model is mainly used for a system of direct payments, under contract,
from the insurers or third parties to the providers for services rendered to insured patients (who receive
benefits in kind). … This narrow definition is contrasted with the patient reimbursement model, which is
for compulsory or voluntary health insurance involving cash reimbursement of patients for all or part of the
cost of medical care received (OECD, 1992).
Integrated model
Compulsory or voluntary health insurance or third-party funding in which both the insurance and
provision of health care is supplied by the same organization in a vertically integrated system (OECD,
1992).
In this model, doctors are typically paid by salary and hospitals are typically funded by global budgets.
Benefits are supplied to patients in-kind, often free of charge. The public version of this model involves
government financing and provision of health care and is often funded mainly out of general taxation. In
the US, the voluntary form of this model is better known as the staff model of the health maintenance
organisation. “Integration” as such is not only used for integrated model, but also for types of care
provisions in which providers offering differing services (e.g., ambulatory care, inpatient care, rehabilitative
care) provide them in an integrated way.
The term used for the systems of health service finance and management in which both the financing and
provision of health services are supplied by the same organization with no separation between purchasers
and providers, i.e. the health care providers are directly employed (or “owned”) by the third-party payers
and managerially accountable to a series of governing bodies. This is commonly found in so-called national
health services under the Beveridge system (WHO, 1998 a) e 2000 a).
Until the reform introducing the purchaser-provider split, the United Kingdom was considered to be the
classical example of an integrated model (www.observatory.dk).
Tese
107
Capítulo V: Análise do processo de contratualização na saúde em Portugal
O desenvolvimento do processo de contratualização em Portugal, para além da decisão
do Ministério da Saúde em encetar nesse novo ciclo político mudanças estruturais no
sector, teve como principal impulso o movimento reformista, no mesmo sentido dos
países da UE em geral e do Reino Unido e Espanha em especial, tal como referido
anteriormente. De assinalar igualmente os contributos de autores como Campos, A.
(1999), Mozzicafreddo, J.51. e Santos, B. (1998)52. Estiveram ainda presentes neste
modelo de desenvolvimento e na opção por este instrumento de mudança teorias e
princípios diversos, tais como: a teoria do agente principal, a new public management
(NPM) e a aprendizagem organizacional, ligadas naturalmente ao processo de reflexão
sobre o modelo integrado de distribuição de recursos em contraste com o modelo
contratualizado e responsabilizante.
1. 1
Teorias e princípios orientadores
A teoria do agente-principal, já abordada em capítulo anterior, parece poder ligar-se
com a questão do controlo social das agências, sendo que uma perspectiva admissível na
óptica do agente-principal é quando a sociedade civil é o principal e a burocracia
descentralizada, o agente. Esta pressão de controlo suplementar pode ser utilizada para
reforçar o incentivo do agente, para procurar atingir os objectivos dos seus dois
principais: a população e a burocracia fiscalizadora, quando eventualmente o interesse
de ambos for o mesmo, ou seja, o interesse público. A questão do controlo social pode
então passar a centrar-se em quem deve participar nessa força de controlo suplementar,
ou seja, este problema parece ser similar ao que ocorre nas empresas, principalmente
nos grandes grupos.
Kosnik, R. (1987) coloca esse problema do ponto de vista do agente-principal
analisando a composição dos conselhos de administração dos grandes grupos. Os
conselhos devem agir na defesa dos interesses dos accionistas, mas sabe-se entretanto
51 “ … O processo de reforma da administração pública permite e necessita de várias formas
complementares de administração do serviço público. A contratualização é uma delas, tal como são,
por exemplo, o desenvolvimento de agências administrativas independentes, normalmente
denominadas Institutos Públicos, as instituições de parcerias, a subcontratação nas actividades e nos
fornecedores. …” Extracto de depoimento inserto no trabalho de investigação.
52
“… A refundação democrática da administração pública está nos antípodas da proposta do
Estado-empresário, nomeadamente na formulação que lhe foi dada por Osborne e Gaebler (1992).
Como um dos mitos principais da cultura política americana é o Estado ser um obstáculo à economia,
não surpreende que as propostas do Estado-empresário, aparentemente destinadas a revigorar a
administração pública, tenham redundado num ataque global a esta, fragilizando ainda mais a sua
legitimidade na sociedade americana. A noção de empresa ocupa hoje uma posição hegemónica no
discurso contemporâneo sobre a reforma organizacional (du Gay, 1996: 155) e, de par com ela, a
noção de contratualização das relações institucionais. Não restam dúvidas que a reconceptualização
do governo e do serviço público em termos de formas empresariais envolve a reimaginação do social
como uma forma do económico (Gordon, 1991: 42-5 in du Gay, 1996: 156). Assim, para Osborne e
Gaebler, o governo deve ser uma empresa que promove a concorrência entre os serviços públicos;
centrado em objectivos e resultados mais do que na obediência a regras, deve preocupar-se mais em
obter recursos do que em gastá-los; deve transformar os cidadãos em consumidores, descentralizando
o poder segundo mecanismos de mercado em vez de mecanismos burocráticos (du Gay, 1996: 160). O
modelo burocrático é considerado inadequado na era da informação, do mercado global, da
economia baseada no conhecimento, e é, além disso, demasiado lento e impessoal no cumprimento
dos seus objectivos. …”
108
Tese
Capítulo V: Análise do processo de contratualização na saúde em Portugal
que ocorrem situações de hegemonia da gestão, ou seja, por vezes a administração
consegue utilizar a corporação em benefício próprio, por omissão, negligência ou
mesmo cooptação do conselho. Este autor conclui que para evitar este fenómeno é
importante considerar os seguintes factores: a proporção de conselheiros estranhos à
empresa, por exemplo, sem ligações familiares ou de negócios com os administradores,
a proporção de conselheiros com experiência em gestão e a proporção de conselheiros
com interesses contratuais no bom funcionamento da instituição, ou melhor,
conselheiros cujo interesse seja coerente com o interesse público. Uma condição
importante, portanto, é que a instância de controlo social seja escolhida de forma
independente e sem a participação da administração, isto é, do agente.
O sistema de incentivos é uma questão fundamental, pois trata-se basicamente de
delinear o processo mais adequado para obter a concordância entre os interesses do
agente e os do principal. Normalmente, os esquemas de incentivos centram-se à volta de
uma bonificação baseada no desempenho sobre algum indicador, tal como
produtividade, volume de produção, lucros, valorização das acções em bolsa, ou outros.
A escolha do indicador não é pacífica pois, por exemplo, nos EUA, as gratificações aos
executivos de topo baseadas na valorização das acções em bolsa, tem sido duramente
criticada, com base em que, para atingir esta valorização, a estratégia usada tem sido a
do downsizing, que valoriza a empresa no curto prazo (pois a perspectiva de redução de
custos é atraente para os investidores em bolsa) mas pode ser bastante prejudicial ao
desempenho da empresa no curto e médio prazo.
No caso em que há que levar em consideração as condições específicas da prestação de
um serviço público, onde não existe a dimensão do lucro, devemos preocupar-nos em
determinar se o incentivo monetário aos executivos virá do Estado ou de receitas
próprias. Para além disso torna-se ainda imprescindível conhecer o indicador de
desempenho que servirá de base para que a retribuição monetária possa ser muito bem
definida.
Devemos ainda considerar os aspectos da contratualização referentes aos processos de
aquisição de conhecimento que levam à aprendizagem organizacional. Alguns autores,
nomeadamente Stewart et al (1994), afirmam que a própria forma contratual pode ser
um grave obstáculo à flexibilidade, uma vez que os termos do contrato, quando
definidos, geram uma preocupação muito particular sobre o contrato e não sobre o
processo, prejudicando aquela aprendizagem.
Nevis et al (1995) definem a aprendizagem organizacional como a capacidade, ou os
processos, dentro de uma organização que visam manter ou melhorar o desempenho a
partir da experiência, sendo que, segundo eles, a aprendizagem organizacional é um
fenómeno sistémico, porque permanece na organização mesmo quando os indivíduos
mudam de postos de trabalho. Para estes autores as bases de conhecimento da
organização é que vão possibilitar a construção de aprendizagens que se traduzirão em
habilidades organizacionais. Daí o papel fundamental dos factores que, segundo a
terminologia de Huber (1991)53, promoverão a aquisição, a disseminação e a utilização
do conhecimento.
53
Para Huber the Organizational Learning is “An entity learns if, through its processing of information,
the range of its potential behaviors is changed”.
Tese
109
Capítulo V: Análise do processo de contratualização na saúde em Portugal
Como vimos anteriormente, um dos grandes obstáculos à contratualização, apontados
pelas diversas experiências, é a insuficiência de conhecimentos dos órgãos responsáveis
pelo acompanhamento e fiscalização em preparar e acompanhar a contratualização.
Evidentemente, a questão da gestão efectiva das bases de conhecimento da organização
coloca-se aqui de forma aguda, dado que essa gestão diz respeito não apenas aos
conhecimentos técnicos específicos de cada instituição de saúde como também aos
conhecimentos tácitos sobre a própria relação contratual.
Algumas das questões a considerar na abordagem das organizações como sistemas que
aprendem, são:
- O conhecimento é algo detido pelas pessoas ou está sob a forma de "know-how"
publicamente acessível?
- Os métodos de partilha do conhecimento são formais, regulados, gerais ou por
meios informais?
- A aprendizagem é incremental/correctiva ou transformativa/radical?
- Estimula-se o desenvolvimento de aptidões individuais ou de grupo?
A implementação, com êxito, da contratualização depende, além dos imperativos
apontados pela teoria económica, de certos cuidados no âmbito da teoria da
administração pública, em particular da gestão do conhecimento e dos sistemas de
aprendizagem. Estes cuidados devem ser mais acautelados no que respeita à
governação, não só por esta se localizar, por definição, do lado mais prejudicado do
ponto de vista da assimetria de informações, como pela dificuldade inerente de se
administrarem eficientemente as bases de conhecimento e os sistemas de aprendizagem
no contexto de uma administração pública burocrática.
1. 2
As relações contratuais e a distribuição de recursos
Dois pontos críticos parecem emergir da utilização da contratualização:
- a compatibilização entre os objectivos de serviço público e empresariais. Existe
grande divergência no que se refere ao valor das transferências compensatórias
feitas como contrapartida dos custos adicionais que incidem sobre as empresas
ao prestarem determinados serviços economicamente injustificáveis mas com
implicações sociais;
- a definição dos fluxos financeiros entre a empresa e as despesas públicas,
principalmente no que se refere às fontes para investimentos: recursos próprios,
endividamento e capitalização. No caso dos recursos próprios há grande
influência da actuação dos governos na administração das taxas. O
endividamento também apresenta problemas pois o governo procura atenuar os
encargos financeiros do endividamento, externo e interno. A capitalização, ou
seja, o investimento de recursos públicos nas empresas, necessária quando as
metas de investimento excedem os recursos da empresa, também é um foco de
tensão.
110
Tese
Capítulo V: Análise do processo de contratualização na saúde em Portugal
Acrescem outros problemas, como por exemplo, os organismos públicos demonstrarem
tendência para subavaliarem as suas potencialidades, de forma a tornar as metas,
principalmente as de produtividade, mais facilmente atingíveis e a dificuldade em
implementar formas de pagamento baseadas no desempenho, devido a resistências de
classe profissional ou até sindical.
Não se deve também ceder à tendência de construir sistemas de acompanhamento,
controlo e avaliação de desempenho que pretendam extrair toda a informação, pois
aumenta significativamente os custos. Estes sistemas devem servir apenas como fonte
de informação para a avaliação das políticas, proporcionando melhores condições para
se negociarem os novos contratos bem como para orientarem o sistema de incentivos.
1. 3
Conteúdos e tipos de contratos
Os contratos definem relações entre muitos grupos de participantes no sistema de saúde,
pelo que o tipo de contrato é extremamente variável. Segundo Ensor T. et al (1997) e
Sheiman I. et al (2002), a tipologia das relações contratuais deverá ser baseada
essencialmente nas partes contratantes, no estatuto legal dos contratos, no conteúdo do
contrato e na abrangência da contratação.
As relações entre as partes contratantes, compradores e prestadores, estabelecem-se em
cada país de acordo com o modelo adoptado pelo sistema de saúde (Beveridge,
Bismarck ou outro). Relativamente ao estatuto legal, a contratação distingue-se entre o
tipo hard e o soft. No primeiro tipo de contratação as partes contratantes são
relativamente autónomas e defendem activamente os seus interesses. No segundo, os
contratos têm um baixo grau de formalidade e as partes contratantes vêem limitada a
identidade dos seus interesses.
As relações entre pagadores/compradores e prestadores depende mais intensamente da
cooperação, do suporte mútuo, da confiança e da continuidade na relação e são opostas
à competição e ao oportunismo. Este tipo de contratos são aqueles que menos
probabilidades têm de serem legalmente obrigatórios. Neste sentido, a contratualização
pode ser um processo de negociação entre, pelos menos, duas partes os pagadores e os
prestadores, resultando num entendimento mútuo, que envolve direitos e obrigações
específicas.
Este acordo pode ou não ser legalmente obrigatório e pode ser uma variante hard ou
soft. O papel dos compradores nas diferentes contratações depende do estatuto legal dos
prestadores. Quando se contrata com prestadores privados, independentes ou
autónomos, as autoridades de saúde actuam como compradores, com todos os direitos e
responsabilidades. Quando contratam com prestadores públicos, as autoridades de saúde
actuam como agentes cumprindo os deveres acordados.
A distinção entre comprador e agente pode ser feita de acordo com a distinção efectuada
entre os contratos hard e soft, tal como o relacionamento comprador/prestador pode ser
baseado em ambos os contratos. Nos contratos agente/prestador o relacionamento é
mais parecido com as relações informais, baseados na confiança, continuidade e
cooperação e envolvendo a variante soft da contratação.
Tese
111
Capítulo V: Análise do processo de contratualização na saúde em Portugal
Em termos de acordos contratuais no sector público a análise sugere dois pontos-chave:
•
A contratualização entre entidades do sector público, sob a forma de contratos
coercíveis, é em geral ineficiente, já que permitindo o recurso a uma terceira
parte independente para resolver os desacordos envolve provavelmente altos
custos de transacção e reduz a efectividade da coordenação e as possibilidades
de controlo em propriedade comum;
•
Na extensão em que os contratos no sector privado fornecem uma analogia para
o sector público, mais do que a abordagem estrita das regras legais é a
contratualização relacional que deve ser usada como modelo. A contratualização
relacional implica relações a longo prazo. Há poucas tentativas para identificar à
partida todas as contingências que podem emergir e as relações são mais
baseadas na confiança e na cooperação do que no vínculo prescritivo das regras
legais.
Quanto ao conteúdo dos contratos e de acordo com as negociações que se estabelecem
entre compradores/agentes e prestadores, são normalmente usados três tipos de
contratos:
- Contratos globais, que podem ser comparados a um orçamento para um serviço
definido, em que o comprador ou agente acorda pagar um valor em troca do
acesso a uma série de serviços claramente definidos. Este tipo de contrato
predomina devido às deficiências de informação, tal como no custo-efectividade
dos tratamentos e nas estruturas dos custos.
Nos contratos globais não há especificação do número de utilizadores (volume), nem do
custo por utente. Contudo, muitas vezes os indicadores dos serviços surgem com maior
e melhor detalhe do que os que foram definidos no contrato escrito. Este pode incluir
um acordo específico relativamente ao número de doentes a serem tratados, ou dos
serviços ou cuidados oferecidos pelos prestadores.
Os contratos globais podem ainda adicionalmente incluir o volume de serviços que
podem ser prestados e também a prestação/monitorização da qualidade.
- Contratos de custo-volume representam um aperfeiçoamento dos contratos
globais, em que o pagamento por serviços específicos é mais explícito
relativamente aos serviços oferecidos. Este contrato pode obrigar no acordo que
o comprador ou agente pague uma quantia específica por um número único de
pessoas a serem tratadas, numa determinada especialidade.
Num maior aperfeiçoamento, os pagamentos podem ser diferenciados de acordo com os
serviços distribuídos. Por exemplo, alto custo, médio custo e baixo custo.
- Contratos custo por caso ou acto, em que um único custo é atribuído para cada
item de serviço ou prestação. O uso limitado deste tipo de contrato é porque
requer uma informação de custos extremamente detalhada, o que não é fácil. O
sistema de informação do custo por caso/acto tratado, é um processo que precisa
de ser desenvolvido e é muitas vezes usado em conjunto com outros recursos de
gestão mais efectivos.
112
Tese
Capítulo V: Análise do processo de contratualização na saúde em Portugal
Outro critério em que se baseia a tipologia das relações contratuais é a abrangência da
contratação, que define o alcance das relações reguladas por contratação e em que a
situação normal é aquela em que o comprador contrata com o prestador
individualmente. Uma alternativa a este tipo de contrato individual poderia ser um
contrato entre comprador e um grupo integrado de prestadores.
Aos diferentes tipos de contrato, anteriormente enunciados, correspondem diferentes
riscos. Assim, os contratos globais ou de custo-volume são utilizados quando os
contratantes preferem minimizar o seu risco, pois grande parte do risco está inerente ao
pagamento de custos marginais em casos adicionais.
Nos contratos custo por caso tratado, os contratantes têm maior liberdade de escolha dos
prestadores, mas correm o risco de, em situações imprevistas de aumento repentino de
situações, terem que pagar por cada um dos casos o custo total inerente ao tratamento
específico (custos totais mais custos marginais).
Outros aspectos que é preciso ter em conta na utilização deste modelo contratual, é
evitar que os contratos espelhem unicamente a relação quantidade-preço em detrimento
da relação qualidade-preço, a possibilidade de criação de monopólios e a extensão das
consequências/penalizações em caso de incumprimento para a comunidade.
Ao nível da definição de preços é possível:
as entidades financiadoras imporem as suas regras aos prestadores, com
apresentação unilateral da tabela de preços (caso dos GDH);
negociação das tabelas de preços, iguais para todos os prestadores;
aceitar a concorrência também pelos preços.
O conceito de contrato em saúde tem várias dimensões que importa realçar:
a) É um instrumento de monitorização:
- implementação de sistemas de planeamento,
- incremento à competição entre serviços prestadores de cuidados de saúde;
b) É celebrado a partir de um processo negocial, que compatibiliza interesses de
utilizadores (ou seus representantes/3ª entidade/Agência) e prestadores, sobre
prestação de serviços em saúde;
c) engloba também a avaliação:
-
das necessidades dos utilizadores,
-
dos recursos disponíveis,
-
de afectações alternativas,
-
dos resultados esperados;
d) onde se define:
Tese
113
Capítulo V: Análise do processo de contratualização na saúde em Portugal
-
que recursos afectar,
-
a que necessidades,
-
a que utilizadores,
-
a que preço,
-
com que objectivos,
-
em que período de tempo.
Assim, um contrato estabelece um princípio de compra e venda de cuidados de saúde
entre utilizadores e prestadores à volta de critérios de necessidade, efectividade,
qualidade e preço. Mas a tipologia de contrato a seguir, bem como os seus conteúdos,
podem ainda ser abordados (OECD, 1999 b), segundo uma relação baseada no
desempenho, tal como pode ser observado em alguns países da OCDE, tais como Reino
Unido, Noruega, Dinamarca, Austrália, Nova Zelândia, entre outros (Quadro 14).
Quadro 14 - Contratos de desempenho na OCDE
Tipo de contrato
Conteúdos do contrato
-
ACORDOS DE
ENQUADRAMENTO
-
CONTRATOS DE
ORÇAMENTO
-
ACORDOS DE
DESEMPENHO
ORGANIZACIONAL
-
ACORDOS DE
DESEMPENHO COM CHEFE
EXECUTIVO
-
ACORDOS DE
PRESTADOR/FINANCIADOR
-
ACORDOS DE PARCERIA
-
-
-
-
ACORDOS DE SERVIÇO DE
CLIENTES/UTILIZADORES
-
Cobrem estratégias e prioridades para um departamento ou
Agência.
Conferem autonomia ao Director Executivo,
Ex. Contratos de Agência no RU e Noruega.
Autoridade orçamental agregada e flexibilidade para gerir
recursos em troca de objectivos de desempenho acordados.
Focalização nos níveis orçamentais,
Ex. Contratos de Agência na Dinamarca.
Entre Governo e Conselho Executivo ou entre este e um gestor
de topo.
É específico, detalhado, operacional, orientado para processos
e outputs.
Entre Governo e C. Executivo (para complementar os acordos
de desempenho organizacional) ou entre gestor de topo e
gestores intermédios a vários níveis,
Ex. Agências na Austrália, N. Zelândia, RU.
Baseado na clarificação das responsabilidades através da
separação do papel de financiador e de prestador dos serviços.
Também podem ser feitos dentro da organização.
Assente na distribuição de recursos financeiros sem incluir
necessariamente ligações ao desempenho.
São declarações de níveis de serviço prestados por um
programa ou serviço aos respectivos clientes/utilizadores,
especificando a qualidade e o nível dos serviços a prestar.
Não são negociados.
Podem ainda seguir um quadro em que o Estado, ao financiar o fornecimento de bens e
serviços, pode utilizar uma metodologia de distribuição de recursos assente no subsídio
incondicional, que normalmente está associada ao modelo integrado de distribuição de
recursos, ou baseada nos contratos clássicos, inteiramente executórios, geralmente de
difícil realização, ou assente num contrato mais relacional identificado com o modelo
contratualizado e responsabilizante na sua fase inicial.
114
Tese
Capítulo V: Análise do processo de contratualização na saúde em Portugal
No caso português, os conceitos anteriormente traduzidos encontram-se reflectidos nos
diferentes tipos de contratos estabelecidos no sector público do SNS, sendo este
compromisso operacionalizado entre as Agências de Contratualização e os serviços de
saúde. Assim, deverão ficar estabelecidos, por negociação, os objectivos, a
monitorização das actividades e a avaliação final, para que a produção se oriente para as
necessidades em saúde da comunidade.
No sector público, a contratualização pretende que os serviços sejam prestados para
garantir um benefício público no uso dos recursos e não unicamente benefícios
individuais.
Como já foi referido, este mecanismo de contratualização tem a capacidade de
introduzir competição e liberdade de escolha logo, em termos de equidade, os consumos
também podem ser diferentes. De acordo com critérios estabelecidos, se os contratos
forem feitos com prioridade de áreas mais desfavorecidas e grupos de risco, a
contratualização repõe, também, algum grau de equidade.
Em Portugal foram criadas cinco Agências que visavam contratar, com os hospitais e
centros de saúde, orçamentos-programa e contratos-programa que reflectiriam metas de
produção, de desempenho e de qualidade, fixando objectivos económico-financeiros e
de eficiência. Tanto nos hospitais como nos centros de saúde a contratualização interna
é muito incipiente.
O desenvolvimento futuro deste modelo de tipo contratual implica entre outros
aspectos:
a) O desenvolvimento de um sistema de recompensas e penalizações ao nível
gestionário, para repor alguma legalidade e responsabilização pelo uso de
recursos comuns, só possível após alteração jurídica da administração pública
e implementação efectiva de uma base de informação;
b) Meios de aumentar a participação do cidadão no processo de contratualização
em toda a sua extensão;
c) A contratualização traduzir ganhos em saúde para a comunidade, ou seja,
assente em resultados e não apenas nos aspectos processuais.
1. 4
As críticas e as deficiências da contratualização
Autores como Drucker (1996), Hamel et al (2000), Jenkins (1995) e Shirley (1998 a),
defendem que as principais dificuldades encontradas para o sucesso da contratualização,
no caso dos organismos públicos na maior parte dos países, parecem ser os seguintes:
- Falta de orientações apropriadas por parte dos governos;
- Dificuldade em associar objectivos e metas pré-fixadas e devidamente
quantificadas ao orçamento da saúde;
- Desarticulação entre orçamento e execução financeira;
Tese
115
Capítulo V: Análise do processo de contratualização na saúde em Portugal
- Falta de um programa de reestruturação organizacional;
- Insuficiente capacitação dos profissionais para a organização e gestão dos
serviços de saúde;
- O não envolvimento da área das Finanças.
No caso das entidades da administração local surgem ainda outros problemas,
nomeadamente a dificuldade em identificar claramente a missão do órgão e dos clientes
e a inexistência de sistemas de acompanhamento, controlo e avaliação.
Mas a contratualização pode ter êxito, principalmente no que se refere à autonomia
concedida quanto à gestão de pessoal, fixação de preços e desburocratização na
prestação de contas, embora tenha surgido como grande obstáculo a dificuldade em
implementar a autonomia na aquisição de materiais, equipamentos e serviços, devido à
legislação vigente em grande parte dos países.
Frequentemente a contratualização não atinge os seus objectivos, devido basicamente a
falhas na negociação do contrato (informação assimétrica, impreparação do órgão
fiscalizador e inexistência de um objectivo agregador), problemas na concessão de
autonomia às organizações e problemas conceptuais no acompanhamento e na avaliação
do desempenho.
No que se refere às dificuldades encontradas com a negociação dos contratos, a teoria
do agente-principal não se pronuncia, pois apenas analisa os problemas que surgem no
cumprimento do contrato e não os problemas inerentes à sua elaboração. É claro que
boa parte da solução aqui não pode vir da teoria económica, mas sim da teoria da
administração pública. Em particular, a formação e o conhecimento técnico das partes
contratantes parece ser um factor determinante na elaboração dos contratos,
principalmente quanto à qualificação do pessoal do órgão fiscalizador.
Um outro problema, que pode ser adequadamente tratado quando se prepara uma
negociação apropriada do contrato, é envolver desde o início todos os actores
interessados, como por exemplo os órgãos do Estado responsáveis pela área das
Finanças.
O sistema de informação e de acompanhamento deve ser desenhado de forma a permitir
a avaliação da política global, bem como para permitir informar e apoiar um adequado
sistema de incentivos, elemento fundamental na harmonização dos interesses, quer do
agente quer do principal.
No caso português, embora se perspectivassem três fases de desenvolvimento, não se
chegou a ultrapassar a primeira fase, que assentava na negociação de
orçamentos-programa aplicados às instituições públicas de saúde (mesmo aqui nem
todas foram abrangidas), não se tendo sequer experimentado a aplicação do modelo à
generalidade dos serviços de saúde (incluindo os privados, com e sem fins lucrativos),
previstos para uma segunda fase e muito menos se avançou para a terceira fase,
eventualmente sobreponível com a segunda, em que se previa o desenvolvimento de
novos modelos de financiamento, os quais poderiam variar desde contratos globais de
116
Tese
Capítulo V: Análise do processo de contratualização na saúde em Portugal
prestação de cuidados a uma conjunto populacional predefinido, até contratos mais
especificados para a prestação de uma parte dos cuidados.
O desenho e o desenvolvimento do sistema de informação e de acompanhamento foi
perspectivado conjuntamente com profissionais dos serviços, os técnicos das agências e
os responsáveis das regiões de saúde, visando a referida harmonização de interesses
políticos e técnicos, mas também a esse nível os passos dados foram curtos e lentos.
Poderemos assim concluir que as críticas e as deficiências ao processo de
contratualização na saúde em Portugal não podem com facilidade ser identificadas, já
que a decisão sobre a sua implementação não parece ter sido assumida politicamente,
inviabilizando naturalmente o seu desenvolvimento e a assumpção séria pelos actores
envolvidos.
2. COMPREENSÃO/ENTENDIMENTO SOBRE O DESENVOLVIMENTO DO PROCESSO DE
CONTRATUALIZAÇÃO
As funções que o Estatuto do Serviço Nacional de Saúde estabelece para as ARS são:
planeamento, distribuição de recursos (financeiros), orientação e coordenação de
actividades, gestão de recursos humanos, apoio técnico e administrativo e avaliação do
funcionamento das instituições e serviços prestadores de cuidados de saúde. Estas
funções podem ser sistematizadas em quatro funções de gestão estratégica:
1ª - definição de uma estratégia regional de saúde, enquadrada na estratégia
nacional, nomeadamente funções de planeamento e de definição de
necessidades em saúde;
2ª – ordenação e regulação, naquilo que se refere à definição e à decisão do que
deve ser feito, onde deve ser feito e por quem deve ser feito, à distribuição de
recursos (financeiros), gestão de recursos humanos e orientação e
coordenação de actividades;
3ª – apoio aos serviços prestadores de cuidados de saúde, nomeadamente apoio
técnico e administrativo, cooperação na formação indispensável à capacitação
dos profissionais, orientação e apoio ao desenvolvimento de actividades;
4ª – “Agência”/Acompanhamento dos serviços de saúde, no que se refere à
avaliação (mais no sentido da monitorização) do funcionamento das
instituições e serviços prestadores de cuidados de saúde, garantindo a melhor
qualidade, eficiência e equidade na utilização dos recursos e assegurando que
o financiamento é atribuído de acordo com os cuidados de saúde prestados,
baseados nas necessidades dos cidadãos.
Estas quatro funções apareciam amalgamadas e insuficientemente diferenciadas e
desenvolvidas. O resultado desta amálgama é que nenhuma delas era cabalmente
desempenhada. Não se definiam estratégias de saúde, as diferentes instituições não se
configuravam num sistema regulado, o apoio era escasso e ninguém pedia contas.
Tese
117
Capítulo V: Análise do processo de contratualização na saúde em Portugal
A diferenciação técnica daquelas quatro funções levou à necessidade da separação
formal de alguma ou de algumas delas, no caso vertente da função de
“agência/acompanhamento”.
Aquela função procura assegurar a melhor qualidade, eficiência e equidade na utilização
dos recursos (públicos e privados) para a saúde, em função de critérios técnicos
definidos com base em metodologias cientificamente comprovadas e empiricamente
demonstradas. Cabe-lhe assim zelar pelos interesses de quem paga directa ou
indirectamente os cuidados de saúde, os cidadãos, accionistas do SNS, na expressão de
Saltman et al (1992), quer através dos impostos, quer indirectamente quando abrangidos
por seguros, quer ainda directamente em diversas situações.
2.1
O conceito de “Agência”
A assimetria de informação no processo de prestação de cuidados de saúde e a escassez
de alternativas viáveis para responder às necessidades expressas, torna as escolhas do
utilizador difíceis. A utilização de cuidados de saúde envolve uma transferência de
responsabilidades do utilizador para o prestador (relação de Agência54). Quando se trata
da relação de um grupo ou sociedade com os serviços de saúde, essa transferência de
responsabilidades requer, para ser efectiva, a intervenção de uma terceira entidade que
crie as interdependências necessárias à sua concretização. É essa problemática que
constitui a característica central da relação agência em que os prestadores, ou uma
terceira entidade, desempenham o papel de agente em nome e no interesse dos
utilizadores ou da sociedade.
A função agência é intermediária (como garante da qualidade e adequação dos serviços
prestados) entre o cidadão e os serviços prestadores de cuidados. Pressupõe uma
distinção clara entre o financiamento (na vertente da captação de recursos) e o
pagamento (distribuição de recursos) dos cuidados de saúde e a sua prestação. Trata-se
de diferenciar estas funções do ponto de vista operativo. A interacção com os cidadãos e
com os serviços é garantida através do acompanhamento do desempenho, da análise
sistemática das necessidades, avaliações e preferências/expectativas dos cidadãos e da
disseminação da informação daí resultante.
2.2
Finalidade e objectivos das Agências
A função agência individualizada, visa representar e defender os interesses dos cidadãos
e da sociedade no que respeita à aplicação judiciosa dos recursos postos à disposição de
todos (Freitas, 2002; Ministério da Saúde, 1996 e 1997 b); Nogueira et al, 2000; Santos,
1999). Mas convém aqui introduzir a noção de stewardship55, a qual, segundo Saltman
54
A relação de “agência” (agency relationship) é a situação em que o indivíduo delega as suas decisões
sobre consumo ou produção numa outra pessoa que passa a actuar como seu “agente”. O fenómeno
surge no sector da saúde como consequência da ignorância do consumidor com respeito às suas
próprias necessidades e às características dos bens que as possam satisfazer, daí resultando uma
delegação de poderes de aquisição de bens no prestador de cuidados (Pereira, 1992).
55
Termo que podemos traduzir por “provedoria” ou “intendência”, mas que não tem correspondência
directa com nenhuma palavra da língua portuguesa no contexto específico em que é utilizado. A teoria
118
Tese
Capítulo V: Análise do processo de contratualização na saúde em Portugal
et al (2000), aponta para uma governação ética dos sistemas de saúde, para a
reconfiguração do papel do Estado no sistema de saúde, através do repensar das
instituições nele envolvidas no que respeita à sua eficiência, à avaliação dos resultados
do seu funcionamento e aos princípios normativos que devem orientar a acção dos
diferentes níveis envolvidos.
A relação entre stewardship, uma das funções mais importantes dos sistemas de saúde,
segundo WHO (2000 b), p.119) e a função agência fica assim estabelecida de modo
intenso, com a tónica no desempenho do Estado assente na procura do interesse público,
numa sociedade pluralista e informada. Há como que um novo impulso para a acção
responsabilizante do Estado no campo da saúde, com base numa reinvenção do
“contrato social”, em que o Estado se coloca claramente ao lado do cidadão (enquanto
um seu agente responsável, num contexto de relação agente-principal), assumindo a
dimensão moral das suas experiências reformistas.
Os principais objectivos da função agência são:
• participar na previsão de necessidades em cuidados de saúde (natureza e
volume) para as quais há que garantir respostas adequadas;
• produzir e divulgar conhecimento sobre os serviços de saúde e promover a
utilização desse conhecimento por parte da administração e por parte dos
cidadãos;
• recolher, analisar e tratar reclamações, opiniões e outros documentos
apresentados pelos cidadãos sobre os serviços de saúde e providenciar para que
estes elementos tenham as devidas consequências práticas, isto é, sejam parte
integrante do processo de decisão, na administração de saúde e na gestão dos
serviços;
• acompanhar o desempenho das instituições e serviços prestadores de cuidados
de saúde na resposta àquelas necessidades;
• participar gradualmente no processo de atribuição/distribuição dos recursos
financeiros pelas instituições de saúde da região;
• participar na celebração e acompanhamento de acordos e convenções com
entidades privadas e Instituições Particulares de Solidariedade Social (IPSS)
para a prestação de cuidados de saúde no âmbito do SNS;
• participar na celebração, no acompanhamento e na revisão de contratos de
gestão de serviços públicos com entidades privadas;
• participar na avaliação dos ganhos em saúde e bem-estar obtidos com os
recursos financeiros gastos;
• promover o controlo sistemático e efectivo da contratualização efectuada, com
base num plano com definição clara de objectivos a atingir e usando
metodologias de investigação/acção;
da “provedoria” (stewardship theory) é um modelo que aparece sustentado pela necessidade de
eficiência e de custo efectividade.
Tese
119
Capítulo V: Análise do processo de contratualização na saúde em Portugal
• ter um sistema explicito de incentivos para a melhoria do desempenho.
A atribuição/distribuição dos recursos financeiros pelas instituições de saúde de cada
região deve assentar em critérios de racionalidade técnica (com abrangência
integradora) e de equidade social. A metodologia da distribuição deve assumir formas
de rigor e consequências crescentes:
a) criação de mecanismos de acordo/negociação com os serviços de saúde;
b) desenvolvimento de sistemas integrados de informação de gestão;
c) desenvolvimento de novos modelos de financiamento, nomeadamente através
de orçamentos-programa;
d) desenvolvimento de mecanismos de controlo e avaliação de desvios com o
consequente sistema de incentivos/penalizações.
O conceito de orçamentos-programa tem origem na necessidade de ligar a actividade
prevista ao volume de recursos financeiros atribuídos a uma organização. Radica,
portanto, no conceito de que o envelope financeiro de uma instituição deve estar, antes
de mais, associado à sua actividade e não dependente da sua estrutura interna e que as
várias etapas de financiamento seguem escrupulosamente esta regra.
Numa primeira fase, o modelo orçamentos-programa foi aplicado parcialmente, isto é,
só abarcou parte das instituições públicas de saúde; simultaneamente
contratualizaram-se projectos específicos com um número significativo de hospitais (30
experiências nas regiões de: Lisboa e Vale do Tejo, Centro e Norte).
Numa segunda fase, previu-se estender a aplicação do modelo à generalidade dos
serviços.
E numa terceira fase, eventualmente sobreponível com a segunda, perspectivava-se o
desenvolvimento de novos modelos de financiamento. O desenho final desses modelos
estava necessariamente condicionado pela estratégia política a ser definida, podendo
variar desde contratos globais de prestação de cuidados a um conjunto populacional
predefinido, até contratos mais especificados para a prestação de uma parte dos
cuidados.
2.3
Missão das Agências
As Agências de Acompanhamento (Anexo I),56 actualmente de Contratualização,57
(Anexo II) dos Serviços de Saúde (ACSS) tiveram início em 1996, através da criação
da primeira Agência, como um dos instrumentos para uma nova política de saúde
(Saúde. Um compromisso. A Estratégia para o virar do século – 1998/2002) orientada
para um compromisso explícito no sentido de melhorar a saúde, adoptando metas
56
Despacho Normativo n.º 46/97, de 8 de Agosto
57
Despacho Normativo n.º 61/99, de 12 de Novembro
120
Tese
Capítulo V: Análise do processo de contratualização na saúde em Portugal
concretas para a realização de ganhos em saúde e assumindo a centralidade do cidadão
como vector a desenvolver e a integrar na sua actuação (Ministério da Saúde, 1999 a).
Foram desenvolvendo uma nova relação entre o cidadão contribuinte, o financiamento
das instituições e os prestadores de cuidados de saúde, visando garantir uma base de
financiamento estável, de investimento em saúde e de redução de gastos desnecessários,
promovendo atitudes e comportamentos, no sentido da garantia da qualidade dos
cuidados de saúde prestados à comunidade.
As agências de contratualização, apesar de recentes, desenvolveram um importante
trabalho orientado para a identificação de necessidades de base populacional, para a
análise de produtividade e para a negociação orientada por critérios de adequação,
eficiência e qualidade, formalizando acordos através dos orçamentos-programa ou de
contratos-programa. A par desta actividade, as ACSS só a partir de 1998/99 começaram
a estar preparadas para fazer o acompanhamento dos serviços de saúde relativamente ao
cumprimento do acordado/contratado, desenvolvendo metodologias, equipas e um
conjunto de indicadores que lhes permitiam, dum modo simples, transparente e
rigoroso, efectuar esse acompanhamento (Ministério da Saúde, 1999 b).
Contudo, faltava-lhes ainda promover a audição e a participação activa dos cidadãos e
dos grupos da comunidade no sistema de saúde, bem como constituírem-se em elemento
facilitador do processo de comunicação, mediante a produção de informação e sua
divulgação aos serviços e à comunidade e proceder à avaliação dos progressos
registados, nomeadamente dos ganhos em saúde alcançados.
As ACSS procuraram assegurar a melhor utilização dos recursos públicos para a saúde e
zelar pelos interesses de quem paga (os cidadãos), directa ou indirectamente, os
cuidados de saúde, através de compromissos que se operacionalizavam por uma
negociação que constituía um processo de contratualização, no qual estavam implícitos
a fixação de objectivos , a monitorização e a avaliação final.
Os objectivos das ACSS, definidos aquando da sua constituição, eram os seguintes:
•
identificar as necessidades ou cuidados de saúde para as quais há que garantir
respostas adequadas;
•
propor ao Conselho de Administração das ARS a distribuição dos recursos
financeiros pelas instituições de saúde da Região e proceder à contratualização
dos respectivos cuidados de saúde;
•
produzir e divulgar informação sobre os serviços de saúde e promover a
utilização desses conhecimentos por parte das administrações e por parte dos
cidadãos;
•
incorporar na sua acção a opinião do cidadão;
•
acompanhar o desempenho das instituições relativamente à prestação dos
cuidados de saúde e recursos financeiros contratualizados e contribuir para o
desenvolvimento de um sistema explícito de incentivos/penalizações;
Tese
121
Capítulo V: Análise do processo de contratualização na saúde em Portugal
•
dar parecer sobre a celebração de acordos e convenções com entidades
privadas lucrativas e IPSS para a prestação de cuidados de saúde no âmbito do
SNS e fazer o seu acompanhamento;
•
participar na avaliação dos ganhos em saúde obtidos com os recursos
financeiros gastos.
A instalação das Agências não constituiu um processo simultâneo em todas as
Administrações Regionais de Saúde. Apesar das dificuldades existentes na vertente de
recursos humanos, as ACSS foram instaladas nas cinco ARS, embora demasiado
dependentes dos respectivos Conselhos de Administração. Em 1998 foi dado início ao
desenvolvimento dum sistema de informação, que visava apoiar o processo de
negociação e discussão com as instituições prestadoras de cuidados de saúde e efectuar
uma análise rigorosa dos dados que sustentavam os orçamentos programa.
Ao mesmo tempo que se procurou consolidar o processo de organização e
funcionamento das Agências, através da definição de instrumentos de apoio ao processo
de negociação e acompanhamento com base numa estrutura nacional que integrava
todos os intervenientes no processo (Secretariado Técnico das Agências), considerou-se
como prioritário reforçar o papel do cidadão na Função Agência e criar metodologias
que permitissem avaliar não só as necessidades em saúde como também o impacto dos
cuidados de saúde contratualizados em termos de ganhos em saúde.
Dado que a função agência tem a ver com a representação dos interesses e preferências
do cidadão-contribuinte, de acordo com Craveiro, A. (2000), foram criadas as
Comissões de Acompanhamento Externo de Serviços de Saúde (CAESS), as quais
visavam assegurar uma representação do cidadão, através das autarquias e das
organizações do consumidor e tinham como principal objectivo veicular informação dos
serviços de saúde aos utentes e transmitir a opinião dos utentes aos Serviços de Saúde,
entre outras (Figura 6). Mas o desinteresse demonstrado pelo Ministério da Saúde, a
partir de 2000, por esta dimensão da contratualização contribuiu para o seu progressivo
esvaziamento ou transformação em mais uma função administrativa das regiões de
saúde.
Previa-se, ainda, que a distribuição de recursos passasse progressivamente a ser feita
com base em processos de contratualização a três níveis:
a) entre a Administração Central e as Administrações Regionais de Saúde;
b) entre as Administrações Regionais de Saúde e os Sistemas Locais de Saúde
(SLS); ou entre as Administrações Regionais de Saúde (através das respectivas
Agências) e as diversas instituições de saúde (hospitais, centros de saúde e
outras), enquanto os SLS não estivessem constituídos;
c) entre as administrações das instituições de saúde e os seus centros e
departamentos ou unidades operacionais de prestação de cuidados de saúde.
O último nível objectiva a sede de processos de diálogo, compromisso e
contratualização interna. É nele que se insere o conceito de Centros de
122
Tese
Capítulo V: Análise do processo de contratualização na saúde em Portugal
Responsabilidade Integrada (CRI)58 nos hospitais, coincidente com departamentos,
serviços ou outras formas de organização onde se traduzam as decisões de aplicação de
recursos em função de benefícios concretos para os utentes e para a sociedade.
Legenda
A. Veicular informação dos Serviços de Saúde aos
0
utentes e transmitir a opinião dos utentes aos Serviços
de Saúde;
A
B. Mudar mentalidades no sector da saúde;
B
C. Recentrar os serviços de saúde nas necessidades
dos utentes;
C
D. Mediar entre serviços de saúde e utentes;
D
E. Ser provedor dos utentes;
E
F Mediar entre serviços de saúde e outras
instituições;
F
G. Estabelecer um novo equilíbrio de poderes no
G
sector da saúde;
1
2
3
4
5
6
7
8
9
H
H. Fazer lobbying em nome dos utentes, junto do
poder gestionário dos Serviços de Saúde
Fonte: Craveiro, A. (2000).
Figura 6 – Objectivos das Comissões de Acompanhamento Externo de Serviços de Saúde
(CAESS)
O Despacho Normativo n.º 61/99, já referenciado, criou o Conselho Nacional das
Agências e veio regulamentar as Agências de Contratualização, definindo o seu
desenvolvimento e enquadramento, mas a indispensável institucionalização não se
verificou, devido a uma inversão na política de saúde. O processo foi primeiramente
desacelerado e a partir de 2001 foi dado por findo o contrato que existia para apoio ao
sistema de informação, resultando daí grandes atrasos no processo de negociação e
monitorização dos orçamentos programa, embora as orientações políticas dadas no final
de 1999, já fossem no sentido de atribuir às ACSS um papel de mero monitorizador da
produção e não o nobre papel de contratualizador.
2.4
Sistema de informação das Agências de Contratualização
A compreensão do funcionamento do sistema compreende três actividades
complementares: a recolha, o tratamento e a divulgação da informação,
complementadas ainda por um elemento estrutural - o sistema de informação.
Dadas as deficiências do sistema de informação existente, que não era aceite pelos
intervenientes neste processo uma vez que os dados utilizados eram sistematicamente
postos em causa pelas instituições e o trabalho era grandemente dificultado, isso veio
58
Decreto-Lei n.º 374/99, de 18 de Setembro.
Tese
123
Capítulo V: Análise do processo de contratualização na saúde em Portugal
criar a necessidade de desenvolver um modelo próprio, mesmo assumindo os potenciais
erros, devido à inexperiência e à escassez de recursos humanos.
Inicialmente, na ACSS de Lisboa construiu-se um sistema de indicadores de análise e
acompanhamento da execução dos orçamentos-programa (económicos e de eficiência),
baseados quer no histórico de cada instituição, quer na análise comparativa com os
desempenhos propostos noutros hospitais do mesmo grupo, discutidos com as
instituições a acompanhar, procurando transparência e objectividade dentro do sistema e
tentando motivar os prestadores, através da introdução de regras e princípios claros e
objectivos.
Mas, o Sistema de Informação das ACSS inseria-se, também ele, no contexto da
estratégia definida pelo Ministério da Saúde, cujo objectivo era promover uma mudança
estrutural profunda de forma a melhorar continuamente a qualidade global dos cuidados
de saúde prestados aos utentes, aumentando simultaneamente a eficiência dos recursos
disponíveis, através de um novo modelo de gestão das instituições de saúde.
O principal objectivo do sistema consistia no tratamento da informação de apoio ao
novo modelo de administração, que assentava na filosofia de contratualização, na qual
existe uma responsabilização da entidade de saúde contratada que se traduz num
compromisso de volume e qualidade de serviços a prestar, tendo como contrapartida um
financiamento adequado do SNS. O sistema de informação decorre assim da
necessidade de implementação de um novo modelo de gestão nas suas diferentes
vertentes, a saber:
•
desenvolvimento de indicadores para o acompanhamento da contratualização;
•
apoio regular à contratualização e à actividade de contratualização com as
diferentes entidades, através da recolha, tratamento e preparação da
informação;
•
serviços de formação e consultoria nas áreas informática e financeira, por
intermédio da equipa de acompanhamento das agências.
Os serviços de acompanhamento e o sistema de informação de suporte são uma
ferramenta base do processo de mudança, permitindo legitimar quantitativamente as
mudanças organizacionais efectuadas e evidenciar os ganhos que todas as partes obtêm
com o novo modelo.
A implementação do novo modelo de gestão, queria-se suportada por um conjunto de
actividades agrupadas nas fases clássicas da gestão - análise, planeamento, execução e
avaliação. Estas fases devem ser entendidas como cíclicas, sendo exemplificado na
Figura 7 o tipo de actividades a executar em cada uma dessas fases.
O sistema necessário ao suporte destas actividades incluía duas componentes:
1.
124
sistema de orçamentação, que permitisse introduzir objectivos globais e
preparar os de negociação, cruzar expectativas de qualidade, volume e custo,
consolidar orçamentos, construir cenários, simular alterações e comparar o
realizado com o orçamentado;
Tese
Capítulo V: Análise do processo de contratualização na saúde em Portugal
2.
sistema de acompanhamento à execução dos orçamentos-programa, através
da comparação dos dados financeiros e de produção recolhidos
trimestral/semestral/mensalmente das instituições de saúde com os
orçamentos contratados com essas mesmas instituições sempre ligado a um
acompanhamento observacional/descritivo do contexto.
•Análise de necessidades
•Avaliação de capacidade
•Determinação de prioridades
•Quantificaçãode objectivos Globais
Análise
Planeamento
Avaliação
•Monitorização da produção
•Volume
•Qualidade
•Controlo orçamental
•Avaliação de contratos
•Benchmarking
Avaliação de resultados e
ganhos em saúde
•
•
•
•
Orçamentos Programa
Consolidação de
orçamentos programa
Negociação de orçamentos
programa
Plano de convenções
Execução
•
Recolha de dados para
acompanhamento
(financeiros, produção,
qualidade e resultados)
Fonte: Ministério da Saúde (1999 b) - Relatório de avaliação das Agências de
Contratualização, DGS, documento de trabalho.
Figura 7 – Fases e actividades do sistema de informação para as Agências de
Contratualização dos Serviços de Saúde (ACSS)
O objectivo do sistema de orçamentação era suportar, de uma forma o mais eficiente
possível, o processo de negociação que culminava no orçamento de cada instituição de
saúde, discutido ao nível das Agências. Desta forma o sistema cobriria os seguintes
pontos:
disponibilização de suportes de introdução do orçamento num formato
universal (folha de cálculo), caminhando para a integração com os sistemas
de informação das instituições;
carregamento automático dos dados enviados através do suporte referido,
evoluindo para um carregamento em tempo real, sempre que necessário;
construção e execução de análises comparativas dos orçamentos, com análise
de tendências, tirando partido do histórico que se está a formar na base de
dados;
consolidação de orçamentos através de múltiplas hierarquias (ex.: consolidar
por tipo de instituição mas também por sistema local de saúde ou grupos
semelhantes de instituições), possibilitando a análise de desvios entre uma
instituição e a média das instituições do mesmo tipo;
construção e execução de análises do tipo “What-if”;
cruzamento de dados de produção com dados financeiros;
Tese
125
Capítulo V: Análise do processo de contratualização na saúde em Portugal
definição de perfis de consulta.
Se o uso conjunto dos indicadores foi um passo importante para o estabelecimento de
uma relação aberta e de cooperação, cativando o interesse dos hospitais e centros de
saúde, outra iniciativa foi a elaboração de termos de referência para a construção dos
documentos económico-financeiros e planos de actividades, reunidos nos
Orçamentos-programa, visando a definição de conceitos base fundamentais para o
estabelecimento de uma linguagem comum entre as instituições e as agências.
Uma das maiores deficiências nos objectivos de curto prazo das ACSS prendeu-se com
a dificuldade em efectuar um adequado acompanhamento, não só devido à não
apresentação dos indicadores de desempenho, por parte dos hospitais, como pela
escassez de recursos humanos, o que inviabilizava uma actuação atempada por parte das
Agências.
3.
3.1
AVANÇANDO EM DIRECÇÃO AO FUTURO
Distribuição de recursos. De uma lógica centrada nos serviços para uma
lógica contratual
De acordo com as recomendações para uma reforma estrutural expressas no Relatório
do CRES (CRES, 1998), existem dois tipos de sistemas para distribuir os recursos: (i)
integrados, em que os prestadores, institucionais ou individuais, são directamente
dotados ou pagos por quem superiormente os dirige e emprega e (ii) contratuais, em
que os prestadores são independentes das entidades financiadoras e com estas
estabelecem contratos de prestação, observando-se o princípio da distinção entre o
“comprador” de serviços e o “prestador”.
Poderemos também olhar as diferentes modalidades de pagamento de serviços ou
modelos de distribuição de recursos em saúde na maior parte dos países da UE que
assentam no pagamento dos serviços efectuados pelos prestadores e que incluem
nomeadamente:
modelos baseados na produção/orçamentos prospectivos (por exemplo
baseados em GDH);
modelos baseados em orçamentos globais;
pagamento dos serviços (na Alemanha, por exemplo, é usado um sistema
que combina o pagamento dos serviços com orçamento);
modelos baseados na capitação.
Estas diferentes modalidades são ainda conjugadas ou integram outras formas de
pagamento, como por exemplo:
pagamento de ganhos em saúde: pagamento de incentivos com base nos
resultados obtidos, nomeadamente uma percentagem de população
imunizada numa determinada comunidade;
126
Tese
Capítulo V: Análise do processo de contratualização na saúde em Portugal
pagamento da qualidade: pagamento de incentivos quando é atingida
determinada qualidade nos resultados e no processo, como por exemplo: (i)
desempenho acima da média, permitindo elevados pagamentos aos hospitais
com baixas taxas de infecção pós operatória; (ii) incentivos para evitar o
recurso a tratamentos especializados, isto é, pagar aos clínicos gerais de
forma a incentivar o tratamento adequado dos cidadãos quando a eles
recorrem reduzindo a taxa de referenciação e (iii) formação médica,
incentivando-a através do pagamento aos profissionais que adiram a
programas de educação permanente.
3.2
Impacto da contratualização ao nível dos serviços prestadores
De acordo com o que já se explicitou, a contratualização poderá definir-se, no contexto
de uma nova política de saúde, como o processo de negociação que permite
operacionalizar a melhor utilização dos recursos públicos para a saúde e zelar pelos
interesses de quem paga, directa ou indirectamente os cuidados de saúde e nos quais
estão implícitos a fixação de objectivos, a monitorização e a avaliação.
O processo de contratualização, que envolve culturas organizacionais diferentes e os
próprios cidadãos individualmente ou organizados em associações de prestadores
informais ou de voluntariado, tem fortes possibilidades de se traduzir em inércia, em
ineficácia e em conflitos, se não estiver enquadrado numa estratégia global com um
razoável suporte de consenso e de compromisso, incompatível com um processo
prolongado de incerteza.
O desenvolvimento do processo de contratualização interna (gestão participada, por
objectivos) torna necessários novos modelos de organização e de gestão nas
organizações de saúde, de que faz parte a introdução de níveis intermédios de gestão,
como atrás se referiu. Esses dispositivos de gestão intermédia deverão procurar adequar
a estrutura institucional à estratégia organizacional, requerendo para o efeito as
seguintes condições: gestão por objectivos, descentralização, responsabilização e
delegação da autoridade.
Devem igualmente ser abordados os seguintes aspectos: (i) avaliação de resultados –
critérios de desempenho financeiro e conceito de ganhos em saúde, preços de
transferência interna; (ii) características, objectivos e processos de fixação; (iii)
estrutura organizacional e engenharia de processos com referência ao custeio baseado
nas actividades (CBA) e ao Balanced Scorecard; (iv) capacidade de negociação dos
gestores intermédios versus critérios objectivos de avaliação do desempenho e, (v) a
relação com os directores de serviço e a coesão das organizações de saúde.
Segundo Freitas (2002), a vantagem da introdução de mecanismos que incentivem a
eficiência, o controlo dos gastos, a orientação para a satisfação das necessidades da
população, não merece qualquer dúvida, mas as decisões das vias a adoptar são
eminentemente políticas, entre as quais a hipótese de introduzir mecanismos de
privatização do sector, seja a curto ou médio prazo.
Tese
127
Capítulo V: Análise do processo de contratualização na saúde em Portugal
Caso tal venha a acontecer, fica por experimentar a hipótese de melhorar os
instrumentos, de alterar o ambiente e de conceber novas estruturas de acompanhamento.
Ficam também por satisfazer parte das questões e seguramente não se poderá dizer que
se esgotaram as oportunidades de gerir o SNS dentro da esfera pública, das quais a
contratualização era uma das vias possíveis, senão a mais viável.
Todavia, os modelos contratuais são incontornáveis e o processo desenvolvido, com as
necessárias adaptações conforme o futuro do SNS e do sistema de saúde, prevê-se que
será reproduzido.
4.
NA SENDA DA RESPONSABILIZAÇÃO (ACCOUNTABILITY)
Como resulta de toda a revisão bibliográfica, nomeadamente os Relatórios de Primavera
(2001, 2002 e 2003) do OPSS, os regimes de bem-estar na saúde resultaram a partir dos
fins do séc. XIX na institucionalização obrigatória de intermediários (seguradores/3ºs
pagadores públicos) entre os contribuintes que necessitavam de assegurar acesso aos
cuidados de saúde e os serviços capazes de assegurarem esses cuidados. Estes
“intermediários” públicos moviam-se num quadro de referência que integrava dois tipos
de responsabilizações – a primeira em relação ao Estado que os tinha instituído como
“terceiros pagadores”, a segunda em relação aos contribuintes, de quem estes
intermediários eram também agentes ou representantes.
No sistema de saúde português, como noutros, a primeira destas vertentes de
responsabilização diluiu-se pela falta de diferenciação das funções de regulação, gestão
e intermediação da administração pública na saúde e, a segunda perdeu-se pela falta de
distinção entre financiador e prestador, assim como pelo afastamento radical entre o
contribuinte e o seu agente. Não é de admirar portanto que um dos principais eixos das
reformas dos sistemas de saúde na Europa, durante a última década, tenha sido
exactamente o reforço ou reconstituição destas relações da responsabilização. Assim se
assegura o “triângulo clássico” do regime de bem-estar na saúde: cidadão –
intermediário/agente – prestador.
As principais alternativas para avaliação dos dispositivos organizacionais desta “função
agência” que hoje se colocam, no contexto europeu são: (i) mercado competitivo entre
terceiros pagadores públicos (Alemanha e Holanda) ou (ii) descentralização e
democratização de um terceiro pagador único (Reino Unido e países nórdicos).
Os dispositivos de contratualização constituem um dos principais instrumentos de
responsabilização dos sistemas de saúde mais desenvolvidos. Em Portugal, o
desenvolvimento das Agências de Contratualização, como atrás se referiu, teve início
em 1996/7. Nas recomendações da OECD (1999 a) para Portugal, pode ler-se “...
reforçar a capacidade das ARS para fixarem contratos de prestação em função das
necessidades em saúde” e, no seguimento efectuado em 2000 por aquele organismo, “...
prosseguir o programa da contratualização e criar rapidamente novas agências”.
Também as recomendações do relatório do Tribunal de Contas (1999), na sua auditoria
ao SNS, apontavam para a necessidade de expandir o processo de contratualização: “...
deverá rapidamente ser alargado a todas as instituições de saúde o mecanismo da
128
Tese
Capítulo V: Análise do processo de contratualização na saúde em Portugal
contratualização, o qual permitirá ajustar o financiamento à produção e,
consequentemente, a fixação de metas da produção com vista à obtenção de um maior
grau de eficiência no desempenho das instituições. Em consonância com o referido,
deverão ser instituídos mecanismos para a avaliação do desempenho dos responsáveis e,
bem assim, a criação dos meios adequados que permitam aferir o desempenho da gestão
e, por conseguinte, os níveis de economia, eficácia e eficiência verificados nas
instituições de saúde, tirando-se dos mesmos todas as consequências adequadas”.
A propósito da contratualização em Portugal, Freitas (2002) entende que se trata dum
processo inovador, que conduz a uma mudança gradual mas muito significativa no
panorama vigente da gestão das organizações, mitigado pela impossibilidade das
Agências assumirem um papel mais decisivo na distribuição de recursos, prejudicada
ainda pela sua dependência da estrutura que gere a prestação; pelo modelo de
financiamento existente que remunerava essencialmente com base no histórico e ainda
pelo desajustamento dos preços, que não revelavam o crescimento dos custos, levando
ao descrédito desta ferramenta. Acresce ainda que um passivo crónico a ser absorvido
através de saneamentos financeiros de vária origem, premiando os menos eficientes e
descredibilizando aqueles que procuraram implementar mecanismos racionais de
controlo de custos, porque as suas instituições eram, por isso, alvo de penalização
indirecta.
A figura a seguir apresentada (Figura 8) descreve sucintamente a avaliação do processo
de contratualização no nosso país.
1996
Organização
Criação
da
Agência
de
Lisboa
Qualificação
1997
Despacho (1) que
institui as
Agências e
Criação das
Agências do
Centro e Alentejo
Seminário
Internacional de
Contratualização
1998
1999
2001
2000
2001
Criação das Agência
do Norte e do
Algarve
Seminário Nacional
das Agências
Informação
Sistema de
informação para
Contratualização (2)
Coordenação
Secretariado Técnico
das Agências
Conselho
Nacional das
Agências (3)
1998
1999
1996
2000
1997
Fonte: OPSS (2002),”Relatório de Primavera de 2002”.
Notas: (1) Despacho Normativo n.º 46/97, de 11 de Julho de 1997; (2) Deslocado das agências e centralizado
e, (3) Despacho Normativo n.º 61/99, de 12 de Novembro (descontinuado).
Figura 8 - Avaliação do processo de contratualização em Portugal
A contratualização é um processo que pressupõe o cumprimento de um ciclo de fases
sucessivas, nomeadamente:
a) identificação de necessidades e de prioridades de saúde bem como das
expectativas dos cidadãos;
Tese
129
Capítulo V: Análise do processo de contratualização na saúde em Portugal
b) negociação com os prestadores do tipo, volume e custos/preços dos cuidados
a prestar para dar resposta àquelas necessidades;
c) acompanhamento do desempenho dos prestadores, tendo em conta a
perspectiva do cidadão face ao acordado e desencadeamento das respectivas
consequências;
d) avaliação final do cumprimento dos orçamentos-programa ou dos
contratos-programa e desencadeamento das respectivas consequências;
e) determinação dos ganhos em saúde e bem-estar conseguidos.
Cada uma destas fases exige capacidades técnicas e "know-how" bastante complexos,
que só a experiência permite construir progressivamente. A história recente das ACSS e
do desenvolvimento dos seus recursos e capacidades permitiu já avançar em algumas
daquelas fases, embora o ciclo da contratualização esteja ainda longe de se considerar
concluído, nem suficientemente aprofundado.
Desde já é possível realçar, neste processo, o seguinte:
desenvolvimento de sistemas de informação de apoio à contratualização;
maior clareza e transparência de como são aplicados os recursos públicos;
identificação de pontos de ineficiência e quantificação, sempre que possível,
de capacidades instaladas insuficientemente aproveitadas;
primeiros sinais de modificação do padrão habitual de prestação de cuidados,
procurando adequá-los mais às necessidades da população;
obtenção de compromissos para a melhoria de produtividade e redução de
ineficiências traduzidas, nomeadamente, na produção contratualizada e nos
orçamentos económicos acordados.
Apesar das ACSS não terem passado, basicamente, da sua fase de instalação e de
formação e desenvolvimento dos seus recursos, foram identificados alguns sinais
positivos da sua acção. Porém, a medição do seu verdadeiro impacto só seria possível
quando tivesse sido concluído o primeiro ciclo completo da contratualização, o que
pressupõe também a existência de consequências tangíveis, positivas e negativas,
associadas a este processo.
Pela experiência e ensinamentos já recolhidos, era realista prever que esta capacidade de
influência e impacto pudesse ter sido atingida no ciclo 2000/2001. Isso pressupunha, no
entanto, que todos os outros instrumentos e factores de mudança fossem
implementados, nomeadamente, mecanismos de melhoria de qualidade e, naturalmente,
a própria institucionalização das Agências.
Segundo Freitas (2002), constata-se que funcionou a relação entre a Agência e os
hospitais, resultando daí o estabelecimento de relações de exigência e rigor, das quais
algumas perpassaram para dentro daquelas instituições. Os gestores dos hospitais
sentiram que eram ouvidos nas decisões relevantes (muitas vezes a ARS pediu pareceres
130
Tese
Capítulo V: Análise do processo de contratualização na saúde em Portugal
à Agência para determinados assuntos), houve uma dimensão motivacional importante,
clarificaram-se muitos aspectos que condicionavam a actividade e que não aparecem
nos indicadores de desempenho normalmente utilizados pelos serviços centrais por falta
de tempo de implementação deste processo, alinharam-se objectivos entre a Agência de
Contratualização e os Hospitais.
Mas, a contratualização não pode funcionar como elemento isolado. O seu grau de
impacto dependerá sempre do ritmo de implementação dos restantes instrumentos de
mudança e da introdução de um novo modelo de administração pública em saúde, mais
responsabilizante e actuante.
Todas as indicações disponíveis apontam, no entanto, para uma marcada desaceleração
do processo de contratualização em 2000 e 2001. No entanto, se tivermos em conta que,
segundo Erikson E. (1959 e 1982), para identificarmos qualquer objecto, torna-se
necessário: (i) distingui-lo de qualquer outro; (ii) atribuir-lhe um significado e, (iii)
conferir-lhe um valor, caso não se considere a função agência e a contratualização como
instrumentos necessários, não se lhe atribua significado, muito menos se lhe confira
valor, não se poderá desenvolver tal função, dado que ela a existir será mais uma entre
outras.
Tese
131
SEGUNDA PARTE
O modelo de análise do processo de mudança da administração pública
da saúde baseado na contratualização
“Comece tudo o que pensa que pode fazer ou
sonha poder. A ousadia tem dentro de si
genialidade, poder e magia”.
Goethe
“Não confunda jamais conhecimento com
sabedoria. Um ajuda-o a ganhar a vida; a outra a
construir uma vida”.
Sandra Carey
Capítulo VI:Método para análise do processo de mudança da administração pública da saúde centrada
na contratualização
CAPÍTULO VI: MÉTODO PARA ANÁLISE DO PROCESSO DE MUDANÇA
DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA DA SAÚDE CENTRADA NA
CONTRATUALIZAÇÃO
1.
OBJECTIVOS
O modelo clássico da administração pública baseada em princípios de hierarquia e
autoridade, na qual a administração da saúde se integra, está a ser abandonado em todos
os países da Europa Ocidental, aparecendo em sua substituição um modelo assente nos
princípios de descentralização, flexibilização, autonomia, diferenciação organizacional,
e privatização, entre outros. A ideia fulcral que hoje prevalece é a de que ao Estado cabe
ser um garante da prestação dos serviços públicos (não tendo de ser um prestador
directo) e um regulador dos produtores de cuidados de saúde, assente no princípio
fundamental da responsabilização (accountability).
Como elementos basilares inseridos no conceito de responsabilização atrás explicitado,
são de considerar: a cidadania, a regulação, a qualidade e a contratualização, que
funcionarão como factores convergentes para uma mudança sustentada, sendo
impensável e pouco credível que a inovação da gestão da saúde possa acontecer se cada
um deles for desenvolvido em momentos diferentes, ou até considerados como peças
independentes que funcionarão per si.
Segundo Tullio Parenzan (1997, citado em Moreira, V. et al,1999)59, no momento actual
existe a tendência para utilizar o menos possível a actividade autoritária ou a gestão
directa nas várias áreas da actividade pública, assistindo-se a uma utilização de
instrumentos contratuais, à criação de suportes instrumentais ou auxiliares e outras
formas de gestão mais afastadas da administração pública, ou seja, uma mudança de
paradigma do papel do Estado, que corresponde à passagem de uma cultura paternalista
para uma cultura assente na contratualização.
Verificam-se, hoje, mudanças culturais profundas nos sistemas de saúde. As missões e
papéis dos principais actores da saúde confundem-se entre si e as expectativas dos
utilizadores são cada vez mais elevadas. Os sistemas evoluem em direcções ainda pouco
conhecidas. Por isso, é imprescindível fazer um diagnóstico completo, preciso e
59
“Encontramo-nos num momento no qual existe a tendência para recorrer o menos possível à actividade
autoritária, e mesmo à gestão directa, nos vários sectores da actividade pública, enquanto se regista
uma tendência para o emprego de instrumentos contratuais, para a criação de entes instrumentais ou
auxiliares, para outras formas de gestão mais ou menos afastadas das administrações públicas. De
facto, a actividade administrativa de direito privado tornou-se entretanto numa forma normal de
actividade, relativamente à actividade autoritária, quando anteriormente era considerada secundária.
Além disso, trata-se de uma realidade ainda em evolução, que pode vir a dar corpo provavelmente a
um novo modelo de administração” (Parengan, in Centro Studi Amministrativi, 1997: 425).
Tese
135
Capítulo VI:Método para análise do processo de mudança da administração pública da saúde centrada
na contratualização
partilhado pelos diferentes actores (profissões de saúde e parceiros) de forma a poder
aplicar-se uma verdadeira reforma dos sistemas de saúde.
Apesar do incremento verificado na investigação sobre a efectividade e a eficiência dos
serviços de saúde, em resposta à grande ênfase colocada na necessidade do controlo de
custos dos cuidados de saúde seguida em todos os países ocidentais, não se verificou
igual desenvolvimento investigacional na área da identificação das necessidades em
saúde. Por isso, a opção pelo tema foi determinada, pelo interesse pessoal sobre a
temática da contratualização, pelo interesse crescente sobre a reforma da administração,
nomeadamente na área da saúde, mas principalmente por ter integrado uma equipa que
pretendeu introduzir mudanças através de diversos projectos de investigação, entre eles
o processo de contratualização e de se terem confrontado com grandes dificuldades
técnicas, políticas e culturais, que reduziram ou até mesmo impossibilitaram o
desenvolvimento dos projectos e impediram a sua cabal implementação.
Não obstante o pouco debate interno produzido e as constantes alterações de rumo
político que entretanto foram acontecendo e, até mesmo o esquecimento a que foram
votados os projectos em curso, o papel da contratualização na evolução da
administração pública da saúde e sobretudo os factores críticos que no contexto
português condicionam a implementação de mudanças, apresentou-se como um tema
actual e oportuno, capaz de despertar, animar e suscitar o interesse da investigadora.
O presente estudo tem como objectivo prioritário avaliar o papel da contratualização na
evolução de um modelo de administração pública da saúde em que a distribuição dos
recursos está centrada nos inputs, para um modelo centrado nos resultados, isto é, o
desenvolvimento de modelos e metodologias de decisão baseadas na distribuição de
recursos de acordo com as necessidades em saúde de uma comunidade tipo e não
somente nas necessidades dos serviços. A justificação para a apresentação deste tipo de
modelos deve-se ao facto de se entender que uma distribuição de recursos que não leve
em linha de conta a avaliação das necessidades em saúde e os resultados alcançados,
pode ser geradora de ineficiências e de iniquidades, já que se pode limitar a pagar
cuidados de saúde que não permitam a obtenção dos ganhos em saúde que é esperado
alcançar em qualquer tipo de população, de acordo com o nível de recursos envolvidos.
2.
MODELO PARA ANÁLISE DO PAPEL DA CONTRATUALIZAÇÃO NO PROCESSO DE
MUDANÇA DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA DA SAÚDE
O facto do processo de contratualização em Portugal ser ainda uma experiência
relativamente recente, sendo que os poucos estudos efectuados se circunscrevem a
aspecto específicos, decidiu-se construir um quadro de referência, baseado no mapa de
análise do sistema de saúde utilizado pelo OPSS, que delimitasse o estudo. A Figura 9
representa o modelo simplificado da relação entre o Estado, a Administração, os
prestadores, os cidadãos e os restantes stakeholders, não se descrevendo os processos
internos das diferentes componentes.
136
Tese
Capítulo VI:Método para análise do processo de mudança da administração pública da saúde centrada
na contratualização
Figura 9- Dimensões do modelo de análise (modelo simplificado)60
Identificam-se três dimensões principais:
A relação de “Agência” entre o Estado e a Administração de Saúde (função
de mediação), consubstanciada no acordo em torno de um
Contrato-programa, que procurará responder pela adequada distribuição dos
dinheiros públicos e recebendo o direito de influenciar o financiamento e as
orientações estratégicas de desenvolvimento do sistema de saúde;
A relação de “Agência” entre a Administração e os cidadãos, procurando
através dela dar resposta quer às expectativas, quer aos cuidados de saúde
necessários, além da avaliação das necessidades para construção do quadro
negocial e do grau de satisfação obtido;
A relação “contratual” entre a Administração e os Prestadores,
consubstanciada nos acordos em torno de orçamentos-programa de
referência, obtidos com base em negociação entre as partes, constituindo-se
como contratos relacionais, necessariamente softs, traduzindo recursos a
atribuir e resultados esperados, tendo como base a obrigatoriedade de ser
prestada toda a informação relevante para acompanhamento e avaliação do
desempenho, acoplada ao financiamento resultante da negociação.
O presente estudo debruçar-se-á sobre as três dimensões, procurando dar maior ênfase
às duas primeiras, dado que a terceira foi objecto de um estudo específico, em que
Freitas (2002) estuda a maneira como decorreu a relação inovadora da contratualização
ao nível dos hospitais, medindo as opiniões de actores que estiveram directa ou
indirectamente ligados ao processo, procurando ainda analisar os indicadores de
desempenho no período em que o mesmo decorreu.
60
Configuram-se espacialmente os principais sistemas envolvidos e os percursos/relações dominantes no
pretendido processo de mudança na administração pública da saúde, através da introdução da
contratualização, procurando identificar-se os principais factores que condicionam essa mudança.
Tese
137
Capítulo VI:Método para análise do processo de mudança da administração pública da saúde centrada
na contratualização
Procurar-se-ão principalmente as razões que dificultam ou até impedem o
desenvolvimento dos processos que pretendem introduzir a mudança e tentar-se-ão
encontrar os fundamentos dessa obstrução (culturais, do sistema político, ou até das
agendas dos diferentes stakeholders).
Trata-se de uma distinção segundo critérios de pertinência “avaliativa” do processo de
contratualização, baseada nas opiniões dum grupo de representantes dos principais
stakeholders, como testemunhas privilegiadas do processo e, ainda, com o apoio de uma
amostra significativa de gestores e decisores do sistema, que procuraram descrever as
suas vivências na implementação daquele processo e explicar as razões do seu
insucesso, ou melhor dizendo, do seu fraco sucesso.
Não se avaliam os processos internos nas diferentes dimensões em estudo nem, em
profundidade, as decisões políticas que impediram a indução e disseminação do
processo. No primeiro caso justificar-se-á um estudo aprofundado da governação em
Portugal, dado que as reformas encetadas nas mais diversas áreas têm vindo a ser
sistematicamente adiadas criando uma desmotivação profunda dos profissionais
empenhados e colocando em causa o desenvolvimento económico e social do país.
Não se avaliam igualmente em profundidade as relações entre os cidadãos e o Estado,
dado que o desenvolvimento de uma teoria explicativa para as razões que têm levado à
ausência de participação dos cidadãos nas componentes mais sensíveis das decisões
políticas e/ou a desatenção demonstrada para com os mesmos, quer como contribuintes,
quer como eleitores, pelos políticos, implicaria aprofundados estudos sociológicos e
comportamentais, que extravasam o objectivo da presente análise.
Este estudo visa aprofundar o conhecimento sobre o contexto económico, social,
cultural e político, que subjaz ao sector da saúde, no qual se ousou introduzir um
processo de contratualização (como se preparou o início do processo, como se
programou a sua implementação e disseminação e porque não foi possível fazer a sua
indução cultural) que visava encetar um inovador processo de mudança (introduzindo
responsabilização, descentralização, flexibilização e eficiência) que falhou e, face a isso,
identificar os principais factores críticos que o condicionaram. Procura-se ainda
identificar se hoje existirão mais e melhores condições para o seu sucesso.
Considera-se, neste modelo, que a definição da política compete ao Estado, balizado em
alternativas técnicas profundamente estudadas, que a estratégia é da responsabilidade da
administração de saúde e que a evidência e o rigor científico estão sempre presentes nas
decisões políticas assumidas, dado estarmos perante um bem cujo valor é inquestionável
e num sector onde a equidade e a qualidade têm de caminhar em conjunto.
Existe um modelo subjacente a esta investigação, baseado nos conceitos apresentados
sobre os sistemas de saúde e considerados nos modelos de Walt et al (1994) e Savas
(2000), referentes à análise das políticas e da contratualização em saúde, em que se
identificam três dimensões nas reformas ou processos de mudança:
1. o contexto, que engloba os princípios, a estrutura e os actores e ainda a matriz
de regulação (porque funcionou/não funcionou?);
138
Tese
Capítulo VI:Método para análise do processo de mudança da administração pública da saúde centrada
na contratualização
2. o processo - como se iniciou, como foi feita a sua indução e disseminação (o
que foi e como foi implementado?) e,
3. o desenvolvimento (quem fez / não fez / não deixou que se fizesse?).
Porque não se analisa apenas a decisão política, mas as suas consequências, juntam-se
outros elementos de análise: a produção legislativa que tem enquadrado e moldado o
desenvolvimento do sistema, nas últimas três décadas (causas de acção e consequência
de decisão) e os resultados obtidos (efeitos). Completa-se este modelo de investigação
com um outro elemento que procura obter algumas indicações para eventuais correcções
no futuro e simultaneamente permitir a validação externa que este tipo de metodologia
exige (factores críticos no contexto português).
Resulta do exposto que a contratualização é entendida, no que se refere à sua
compreensão, como um complexo de elementos que interagem simultaneamente,
nomeadamente: o contexto em que a mesma se desenvolve (actores e conceitos
constituintes); a forma como foi iniciado e desenvolvido o processo; a razão porque foi,
ou não, possível fazer o processo de indução, bem como a sua disseminação; que efeitos
teve ao nível político e organizacional; de que forma a sua descontinuidade poderá
inviabilizar, a curto prazo, o retomar do conceito e quais são os factores críticos sobre
os quais é necessário trabalhar, de forma a reaver o processo de mudança (Figuras 10 e
11). Não sendo despicienda a visão holística, a percepção do processo desenvolvido
deverá ser segmentada, analisando-se, per si, cada um dos elementos citados.
Quanto aos resultados esperados ao nível das organizações envolvidas e de acordo com
os objectivo políticos e técnicos definidos, centraram-se principalmente na melhoria da
eficiência e adequação da utilização dos recursos aos resultados esperados, na
orientação e intensificação da actividade e na melhoria da acessibilidade.
Logo, as questões pragmáticas de investigação que se propõem residem em três áreas de
análise: o contexto, o processo de contratualização e o processo de mudança,
procurando-se através delas encontrar a melhor forma para responder à multiplicidade
de dúvidas, interrogações, incertezas, indecisões, mas também às certezas, convicções,
opiniões e até crenças às quais por vezes se adere, sem base em conhecimento
científico, na experiência ou na experimentação. Cada uma das três áreas de análise
foram subdivididas em diferentes dimensões, as quais se decompõem em elementos
através dos quais se procura desenvolver a linha de investigação proposta.
Explicitam-se seguidamente os principais objectivos deste estudo, os quais pretendem
ser atingidos através das questões de investigação que de seguida se identificam. Mas,
como um modelo pode ser entendido como um sistema de perguntas às quais se procura
dar respostas de forma articulada e lógica, então as perguntas de investigação e a
precisão de uma relação entre conceitos - o modelo - também é um conjunto de
conceitos logicamente articulados entre si por supostas relações (Quivy et al, 1998). De
acordo ainda com estes autores, na realização de um trabalho a estruturação em torno de
uma ou de várias perguntas ou hipóteses é imprescindível a uma verdadeira
investigação, pois elas revelam o espírito de descoberta, característica essencial a
qualquer trabalho científico.
Tese
139
Conceitos
Dimensões
140
Elementos de análise
Sociedade civil e
poder local
Uso eficiente dos
recursos
Processo de
contratualização
Escolha dos
utilizadores
Acesso à
informação
Liberdade de
escolha
Equidade no
financiamento
Sistema de Informação
(SI) da FA
Condições de êxito e de
fracasso
Tese
Figura 10 - Modelo de Investigação
Participação do cidadão
na FA
Processo e instrumentos
de negociação na FA
Desenvolvimento do
processo
Efeitos do processo
Papel da Sub-região na FA
Funcionamento da FA
Funções técnicas da FA
Tipo de mandato da FA
Organização do trabalho
da FA
Fase de arranque
ou processo inicial
Modelo de identificação
de necessidades em saúde
Implicações inerentes ao
desenvolvimento do
processo
Impacto da
contratualização a
diferentes níveis
Importância da
contratualização em
diferentes dimensões
Para evitar perversões do
processo de
contratualização
Para potenciar a
implementação da
contratualização
Desenvolvimento
da contratualização
– base cultural
Mudança comportamental
dos dirigentes envolvidos
no processo da
contratualização
Mudança comportamental
dos cidadãos decorrente
da contratualização
Melhoria da eficiência
Variação da actividade
Aumento da acessibilidade
Modelo de
contratualização
implementado
Novos códigos
comportamentais
Processo de
contratualização
Indução
Desenvolvimento do processo de
contratualização
Processo de contratualização
Introdução e monitorização
Os actores e os conceitos
Localização da FA
Mecanismos de
competição
Comunicação social
Igualdade de acesso
Listas de espera
Modelos de organização da
FA
Qualidade dos
serviços prestados
Fornecedores e
outros actores
sociais
Controlo das
despesas com saúde
Importância da Função
Agência (FA)
Contextualização do
processo de
contratualização
Controlo de
preços
Matriz
reguladora
Organizações
profissionais
Estrutura e
actores chave
(stakeholders)
Fase de arranque e processo inicial
Preparação
Cobertura universal
Princípios
básicos do
sistema de
saúde
Contexto
Relação Agência/outras
estruturas do MS
Criação de padrões de
desempenho/produção
para negociação
Sistema de informação
(SI)da FA
Organização da FA
Localização da FA
Modelos alternativos à FA
Modelos
alternativos de
contratualização
O futuro e a
contratualização
Disseminação
Capítulo VI:Método para análise do processo de mudança da administração pública da saúde centrada na contratualização
Conceito
Dimensões
Elementos de análise
Negociação com os Stakeholders
Sistema de informação e
sua disponibilização
Regulação e legislação
Tese
Figura 10 - Modelo de Investigação (continuação)
Sociedade civil e poder local
Monitorizar
Recursos humanos
(competências de gestão)
Fornecedores e outros actores sociais
Comunicação social
Liderança para a mudança
Apelo à participação com
comunicação dos objectivos e Organizações profissionais
mudanças esperadas
Operacionalização da mudança
Sustentabilidade financeira Planear a mudança
Diferenciação de funções
(planeamento,
financiamento e
prestação)
Política de saúde
Viabilidade da
contratualização
Processo de mudança da administração pública da saúde
Influências externas
Valores culturais e sociais
141
Manutenção das actividades de
rotina
Outros factores contextuais
Capítulo VI:Método para análise do processo de mudança da administração pública da saúde centrada na contratualização
Capítulo VI:Método para análise do processo de mudança da administração pública da saúde centrada
na contratualização
Assim, e:
- quanto ao contexto em que se insere o sector saúde:
Comparativamente com outros países da Europa, nomeadamente Espanha e Reino Unido, porque será
que Portugal desenvolveu tão tardiamente o processo de contratualização?
Sendo a contratualização um dos elementos fulcrais para a mudança, até que ponto será ela viável sem o
desenvolvimento de outras componentes, nomeadamente a regulação, a qualidade, a cidadania e a inovação
na gestão?
Para atingir os objectivos definidos as questões operacionais desenvolvem-se em três
dimensões:
1. Clarificar os princípios básicos que sustentam o sistema de saúde;
2. Identificar os principais actores chave que se movimentam no sistema de
saúde;
3. Definir a matriz estrutural que lhe está subjacente.
- quanto ao processo de contratualização desenvolvido em Portugal para o
sistema de saúde:
Qual deve ser a estrutura responsável pela contratualização em Portugal e qual o seu desenvolvimento?
Que padrão de contratualização mais se adequará ao contexto português? Uma fase relacional curta ou mais
longa e assente num processo negocial informal, passando posteriormente à fase contratual executória
(convencional)?
Porque é que não foi possível fazer a indução cultural no processo de desenvolvimento da contratualização?
Será expectante que o cidadão possa assumir um papel mais intervencionista e facilitador da
contratualização?
Para atingir os objectivos definidos as questões operacionais desenvolvem-se em cinco
dimensões:
a. Contextualização do processo de contratualização;
b. Fase de arranque ou processo inicial;
c. Desenvolvimento da contratualização – base cultural;
d. Processo de contratualização;
e. Modelos alternativos de contratualização.
Em que se procura:
142
4.
Explicitar o processo de contratualização e o papel das agências;
5.
Determinar a coesão das respostas dos peritos auscultados, relativamente
ao processo de contratualização prosseguido em Portugal;
Tese
Capítulo VI:Método para análise do processo de mudança da administração pública da saúde centrada
na contratualização
6.
Ponderar se os governos, central e local, devem apoiar o sector de uma
forma mais incisiva, de molde a garantir a consolidação do processo de
contratualização;
7.
Verificar se os profissionais mais envolvidos no processo da
contratualização atribuem “importância às políticas governamentais para o
sector” e se consideram que essas políticas são consentâneas com a
reforma necessária ao sector da saúde;
8.
Analisar a qualidade do sistema de informação para os profissionais e as
organizações envolvidas no processo da contratualização enfrentarem os
desafios que se lhes colocam;
- quanto ao desenvolvimento e gestão do processo de mudança no sistema de
saúde:
Um dos grandes obstáculos ao desenvolvimento da contratualização parece ser a cultura burocrática e de
não responsabilização predominante na administração pública. Em que circunstâncias a relação contratual
funcionará de forma facilitadora?
Será que hoje, à luz dos actuais constrangimentos, decorrentes da pressão para cumprimento dos critérios
de convergência da UE, estão reunidas melhores condições para o abandono de uma cultura paternalista
existente na administração pública da saúde em Portugal e para o desenvolvimento de uma cultura assente
na contratualização?
9. Discutir a viabilidade da contratualização em Portugal;
10. Verificar o impacte da contratualização ao nível dos serviços prestadores e
discutir o processo de negociação com os actores chave;
11. Assinalar as vantagens decorrentes da identificação das necessidades em
saúde e discutir como é que elas podem contribuir para o sucesso da
contratualização;
12. Identificar os factores críticos que, no contexto português, condicionam a
implementação de políticas de mudança no sector.
Mas, procura-se ainda que peritos se pronunciem e dêem o seu depoimento sobre as
conclusões, nomeadamente sobre a resposta encontrada à pergunta de partida da
investigação desenvolvida:
Quais os factores críticos do contexto português que condicionaram a sua indução e disseminação?
Após a construção do modelo, dos conceitos e das dimensões de estudo, surge
cronologicamente no quadro das etapas de investigação a definição dos procedimentos
metodológicos, questão que vai ser abordada no capítulo seguinte.
Tese
143
144
Análise
SWOT
CONTEXTO
Revisão
Bibliografia
Tese
Questionário II
Entrevistas
PROCESSO DE
CONTRATUALIZAÇÃO
Questionário I,
entrevistas e página Web
Figura 11. Etapas de investigação
Porque será que, comparativamente com outros países da Europa,
nomeadamente Espanha e Reino Unido, Portugal desenvolveu tão
tardiamente o processo de contratualização?
Sendo a contratualização um dos elementos fulcrais para a mudança,
até que ponto será ela viável sem o desenvolvimento dos restantes
elementos, nomeadamente a regulação, a qualidade, a cidadania e a
inovação na gestão?
Qual deve ser a estrutura responsável pela contratualização em
Portugal e qual o seu desenvolvimento?
Que padrão de contratualização mais se adequará ao contexto
português? Uma fase relacional curta ou mais longa e assente num
processo negocial informal, passando posteriormente à fase contratual
executória (convencional)?
Porque é que não foi possível fazer a indução cultural no processo de
desenvolvimento da contratualização?
Será expectante que o cidadão possa assumir um papel mais
intervencionista e facilitador da contratualização?
Um dos grandes obstáculos ao desenvolvimento da contratualização
parece ser a cultura burocrática e de não responsabilização
predominante na administração pública. Em que circunstâncias a
relação contratual funcionará de forma facilitadora?
Será que hoje, à luz dos actuais constrangimentos, decorrentes da
pressão para cumprimento dos critérios de convergência da UE, estão
reunidas melhores condições para o abandono de uma cultura
paternalista existente na administração pública da saúde em Portugal e
para o desenvolvimento de uma cultura assente na contratualização?
Quais os factores críticos do contexto português que condicionaram a
sua indução e disseminação?
Perguntas de investigação
INOVAÇÃO E
MUDANÇA
Estatísticas Legislação
CONCLUSÕES
Depoimentos
técnicos
Capítulo VI:Método para análise do processo de mudança da administração pública da saúde centrada na contratualização
Capítulo VI: Método para análise do processo de mudança da administração pública da saúde
centrada na contratualização
3.
PLANEAMENTO E ORGANIZAÇÃO DA INVESTIGAÇÃO
Dada a especificidade e complexidade do tema procura-se aqui fazer uma descrição
precisa e minuciosa do processo de investigação. De forma a garantir a coerência
interna da descrição, irá descrever-se a metodologia utilizada, sempre que possível, pela
ordem cronológica com que foi empregue, dado o contexto político em que a pesquisa
se desenvolveu, facilitando dessa maneira a leitura dos resultados obtidos.
Sabendo-se que, segundo Grawitz (2001), toda a investigação deve usar processos
operativos rigorosos, bem definidos, transmissíveis, adaptados ao tipo de problema e
aos fenómenos em estudo e susceptíveis de serem reproduzidos, optou-se pela
conjugação de um vasto conjunto de instrumentos de investigação, cuja matriz final
consubstancia um modelo de análise da administração da saúde, baseado na
contratualização.
Depois de identificado o tema, procedeu-se a uma vasta pesquisa bibliográfica, com o
objectivo de se conseguir uma maior actualização sobre a temática e de conhecer como
utilizaram outros países esta metodologia e qual o processo de desenvolvimento face ao
contexto político em cada um deles. Foram utilizadas como fontes privilegiadas os sites
da OCDE61, OMS62, Observatório Europeu dos Sistemas de Saúde63, Centro de
Investigação do NHS do Reino Unido64, Centro Americano do Medicare e do
Medicaid65; Instituto Nacional de la Salud (INSALUD), agora Instituto Nacional de
Gestión Sanitaria66 e as bases de dados Medline, HealthPlan e Pubmed, para
identificação dos artigos científicos considerados mais relevantes.
Para o aprofundamento teórico e obtenção de outras informações complementares, mais
actualizadas do que os artigos científicos disponíveis, foram consultadas várias obras e
documentos recolhidos no INSALUD, na Health Services Management Unit e
Biblioteca da Universidade de Manchester e ainda na Public Health & Health
Professional Development Unit da Universidade de Lancaster. Para o efeito deslocou-se
a investigadora, em quatro períodos diferentes, ao Reino Unido (Agosto de 1997,
Dezembro de 1998, Março de 1999 e Julho/Agosto de 2000) e em dois períodos a
Espanha (Madrid, Julho de 1998 e Maio de 2001). Tem ainda mantido um contacto
permanente quer com os organismos da saúde e universitários referidos e com o WHO
European Office for Integrated Health Care Services em Barcelona, bem como com o
Departamento de Métodos Quantitativos para Economia e Gestão da Universidade de
Las Palmas e com a Direcção Geral de Planeamento do INSALUD.
61
www.oecd.org
62
www.who.org
63
www.observatory.dk
64
www.centre.public.org.uk
65
http://cms.hhs.gov/default.asp?fromhcfadotgov=true
66
www.insalu.es
Tese
145
Capítulo VI: Método para análise do processo de mudança da administração pública da saúde
centrada na contratualização
No que se refere à realidade portuguesa, utilizou-se a bibliografia disponível sobre o
sistema de saúde, incluindo os documentos produzidos pelo Ministério da Saúde, no
período de 1996 a 2002 e ainda os relatórios e documentos que foram sendo elaborados
quer pelas Agências de Contratualização, quer pelos órgãos centrais (ministério e
departamentos centrais) e regionais (ARS).
A etapa que se seguiu foi a formulação do problema, procedendo-se à delimitação do
quadro teórico-conceptual e à definição dos objectivos e perguntas de investigação,
estes últimos de importância decisiva na orientação de todo o processo de pesquisa e
que permitiram a concepção da estrutura operacional de orientação para a investigação,
o plano de pesquisa.
Depois de definido o tema e especificados os seus objectivos, havia que caracterizar o
projecto de investigação e decidir sobre os métodos que melhor serviriam os fins em
vista para, depois, conceber os instrumentos de recolha de informação mais apropriados.
4.
CARACTERIZAÇÃO DO PROJECTO DE INVESTIGAÇÃO
O desenvolvimento de uma investigação tem subjacentes vários e diferentes motivos e
destinatários mas, sempre, com o objectivo de obter respostas a determinadas questões,
mediante a aplicação de métodos científicos. Estas questões podem destinar-se a suprir
uma lacuna em conhecimento, ou a pôr à prova uma hipótese, ou ainda verificar se uma
proposição geralmente admitida é realmente sustentável (Selltiz et al, 1986).
Segundo estes autores, serão as formulações daquelas questões, razões de natureza
intelectual ou prática, que irão conduzir, respectivamente, aos dois tipos em que
tradicionalmente a investigação é categorizada: investigação pura, básica, ou
fundamental (Bogdan et al, 1998 e Miles et al, 1994) e investigação aplicada.
De acordo com estes dois últimos autores, a investigação será fundamental quando no
interesse do investigador tiver como objectivo aumentar o seu conhecimento ou
compreensão geral sobre o fenómeno e, como destinatários, as comunidades académica
e científica; será aplicada, quando visar obter resultados que possam ser directamente
utilizados na tomada de decisões práticas ou na melhoria de programas e na sua
implementação e tiver vários tipos de audiência (professores, administradores e
políticos) que possuam a preocupação comum pelas implicações práticas imediatas do
processo de investigação.
Para Bogdan et al (1998) e Selltiz et al (1986), mesmo que no início de um estudo não
se determine, necessariamente, qual será a natureza da sua contribuição final, as razões
que estiveram na origem desta pesquisa permitiriam classificá-la, desde logo, como uma
investigação aplicada. Uma investigação com características predominantemente
exploratórias e descritivas, porque teve como finalidade adquirir e aprofundar
conhecimentos pouco elaborados ou escassos, que permitissem uma formulação mais
precisa do problema em estudo, o estabelecimento de prioridades ou o desenvolvimento
de hipóteses para futuras investigações.
146
Tese
Capítulo VI: Método para análise do processo de mudança da administração pública da saúde
centrada na contratualização
Mas podemos classificá-la, igualmente, como qualitativa. Primeiro, e de acordo com
Moreira, C. (1994), porque a investigação se baseia na captação da subjectividade do
fenómeno em estudo, através do envolvimento de indivíduos considerados como actores
(stakeholders), cujas perspectivas, “visões”, ou “quadros de referência” necessitam de
ser detalhadamente investigados, antes que as suas acções possam ser devidamente
interpretadas e explicadas. Segundo, porque o nível de mensuração do problema
(objecto de estudo) é qualitativo, ou seja, porque os tipos de dados com que se iria
trabalhar eram principalmente categoriais (Grawitz, 2001) e representados verbalmente.
Sendo uma investigação qualitativa, ela é necessariamente descritiva (Bogdan et al,
1998), realizada através de grupos de discussão, que participam de um amplo “debate”
sobre temas relacionados com os objectivos da investigação ou através de entrevistas
em profundidade sobre amostras pequenas. Tem como característica básica a riqueza e a
magnitude das informações recolhidas e como finalidade retirar conceitos, modelos,
hipóteses e ideias sobre determinado tema ou assunto, utilizando como instrumento de
recolha de dados questionários ou entrevistas. No presente estudo os dados recolhidos
incluem transcrições de comunicações em seminários, questionários, entrevistas e,
ainda, participações através da Web. Os resultados escritos da investigação contêm
citações feitas com base naqueles dados, para ilustrar e substantivar a sua apresentação.
Posteriormente a discussão dos resultados é enriquecida com o depoimento técnico de
dois peritos da área da administração pública e da política e sistemas de saúde.
Procura-se ao final do trabalho de investigação garantir a qualidade e correcção da
análise efectuada e atestar do rigor científico da metodologia seguida.
Na investigação qualitativa parte-se normalmente de extensas bases de interesse, que
vão sendo definidas e simplificadas à medida que o estudo avança e vai sendo possível a
obtenção de dados descritivos sobre pessoas, lugares e processos interactivos pelo
contacto directo do investigador com a situação estudada, procurando entender o
fenómeno segundo a perspectiva dos sujeitos. Para Selltiz et al (1986), num estudo com
estas características estaria determinada, à partida, a necessária flexibilidade do plano de
investigação, de forma a permitir uma abordagem dos múltiplos aspectos do problema,
sendo irreflectido formular hipóteses.
Para Bogdan et al (1998) e Merriam (1998), a pesquisa qualitativa apresenta algumas
características centrais que são inerentes à maioria das suas tradições, das quais
merecem destaque: (i) a investigação qualitativa é comparável a um guarda-chuva,
cobrindo vários tipos de pesquisa; (ii) baseia-se na óptica da realidade construída por
indivíduos interagindo nos seus mundos sociais; (iii) é um esforço para entender
situações únicas como parte de um contexto particular e das suas interacções; (iv) a
preocupação básica é entender o fenómeno sob a perspectiva dos actores e não do
investigador; (v) o investigador é o instrumento primário de recolha de dados, ao invés
de levantamentos e questionários inanimados, com larga aplicação do computador; (vi)
habitualmente envolve trabalho de campo; (vii) utiliza estratégia indutiva de pesquisa e,
(viii) é ricamente descritiva, pois evidencia processos, sentidos e conhecimentos.
Tese
147
Capítulo VI: Método para análise do processo de mudança da administração pública da saúde
centrada na contratualização
5.
DESENHO DO PROJECTO DE INVESTIGAÇÃO
O desenho do projecto de investigação que se concebeu seguiu de perto a metodologia
de análise de Donabidean67, que assenta principalmente na análise dos inputs, do
processo e dos resultados (outputs), já que se trata de avaliar o processo de mudança na
administração pública, centrado na contratualização (Figura 12).
1
Input
Processode
demudança
mudança
Processo
na
Administração
na Administração
Pública,centrado
centradonos
nos
Pública,
resultados
resultados
Lei de Bases da saúde -1990 5
Hospital Fernando Fonseca 6
Análise SWOT
A (Portugal)
Processo
2
ARS Lisboa – 1996 - 2000 7
t1
OUTPUTS
Estudo
R
e
I
n
o
U
n
I
d
o
E
s
p
a
n
h
a
P
o
r
t
u
g
a
l
4
Input
Separação Público Privado
3
Input
Modernização do SNS
Experiências de outros
países europeus
Inputs
Processo
Revisãosistemática
sistemática
Revisão
Output 1
B
C
t3
Output 2
Output 3
Tempo 4
Output 4
Análise D
Questionários/entrevistas/Web (Análise de Conteúdo)
Outputs
Exemplo de relação financiamento/produção/saúde (1)
Integração cultural da contratualização: Ex Educação (2) e
experiência portuguesa com centros de saúde (3) e experiência
médico/dentária (4)
Análise E
t2
Síntese
8
Processo de Mudança
Predominantemente :
Político
Técnico operacional,
Cultural
Figura 12 – Desenho do estudo
Assim, como inputs principais contou-se com a informação colhida acerca de outros
países europeus, principalmente os casos inglês e espanhol, embora sejam levadas em
linha de conta, igualmente, as experiências desenvolvidas em outros contextos,
nomeadamente Canadá, Finlândia, Dinamarca e Itália, entre outros, que nos anos
noventa ensaiaram ou aplicaram novos modelos de administração nos seus sistemas de
saúde, ou simplesmente introduziram alterações nos modelos vigentes.
Posteriormente analisou-se a realidade portuguesa, procurando-se sobretudo a
visualização dos momentos de ruptura ou alteração política com impacto significativo
na organização e ordenação do sistema económico e social, nos últimos trinta anos, e
67
Sobre este autor, lê-se em WHO, (2000), “Evidence and Information for Policy”, in Bulletin of the
World Health Organization, 78 (6) “During the 1960s and 1970s two major contributions provided
lasting legacies that have guided succeeding generations in their quests to improve the quality and
distribution of health services. The first was Avedis Donabedian’s seminal partition of medical care
analyses into the elements of structure, process, and outcome. A classic article in the Milbank
Memorial Fund Quarterly “Evaluating the quality of medical care”, preceded by a dozen years the
publication of his widely acclaimed treatise entitled “Explorations In Quality Assessment and
Monitoring”. The second volume, published in 1972 in Britain, was a slim classic by the late Archie
Cochrane entitled “Effectiveness and Efficiency: Random Reflections on Health Services”.
148
Tese
Capítulo VI: Método para análise do processo de mudança da administração pública da saúde
centrada na contratualização
pretendendo, a partir dessa realidade, retirar as ilações que nos pareceram mais
adequadas para explicar, do ponto de vista cultural, os factores críticos que no contexto
português impedem ou constrangem a implementação de mudanças significativas na
administração pública.
Circunstâncias como o 25 de Abril, a adesão à UE, os nove anos de governação
social-democrata, seguidos dos seis anos de governação socialista, a criação dos
cuidados de saúde primários, a onda legislativa do início dos anos noventa e a nova
onda reformista do final dos anos noventa, conjugada com a adesão à moeda única
europeia, são acontecimentos de uma riqueza extraordinária que podem ajudar a
contextualizar o problema e a entender os fenómenos que na área da saúde, por vezes,
nos parecem inexplicáveis.
Para completar a contextualização e procurar reduzir a complexidade da análise,
ouviram-se alguns dos principais actores da saúde e, através duma análise SWOT
aplicada no final do ano de 1999 e início de 2000, procurou-se clarificar o papel de cada
um deles e verificar da existência dum pensamento estruturante ou de uma clara
estratégia definidora do papel que individualmente cada um tem na estratégia e
desenvolvimento do sistema de saúde, ou seja, no final, concluir da existência ou
ausência dum pensamento estratégico sustentado por parte daqueles que se movem
nesta área. Esta metodologia foi posteriormente repetida, no ano 2002, dado o quadro
actual de mudanças estruturais anunciadas.
O processo de contratualização, encetado em Portugal em 1996 e que visava introduzir
regras claras de relacionamento entre o Estado regulador e os prestadores de cuidados,
conjugadamente com a introdução de uma mudança de paradigma - responsabilizar,
avaliar e negociar, ao invés de distribuir sem controlo e sem avaliação - mas
simultaneamente pretendendo substituir o tradicional modelo de comando e controlo por
um modelo que incrementasse a eficiência e o desempenho, foi analisado através dum
questionário, conjugado com entrevistas e com a criação de uma página na Web, onde
os intervenientes no processo avaliariam o desenvolvimento deste método, em cinco
vertentes principais: (i) a descrição do que aconteceu, caracterizando o processo de
arranque; (ii) o processo de desenvolvimento, levando em linha de conta a base cultural;
(iii) o processo de contratualização, propriamente dito, (iv) outras formas e modelos
alternativos que poderiam ter sido escolhidos e, (v) uma visão sobre o processo de
desenvolvimento, para se poder alcançar um dos diferentes modelos alternativos que
parecem poder colocar-se, ou seja, o ponto de chegada.
Através da informação estatística e legislativa disponível fez-se uma análise que nos
permitisse retirar conclusões sobre o estado da arte. Assim, procurou-se analisar a
relação entre os dados de contexto económico-social, recursos, financiamento, produção
e desempenho, com indicadores que evidenciam o estado de saúde dos portugueses,
conjugadamente com a produção normativa num continuum de trinta anos (1970-2000);
avaliou-se a integração cultural e o conhecimento do processo de contratualização
através do trabalho de análise e investigação de alguns técnicos e profissionais de saúde
e, procurou-se ainda, avaliar o processo de contratualização encetado na área da
educação.
Tese
149
Capítulo VI: Método para análise do processo de mudança da administração pública da saúde
centrada na contratualização
Por último e perante algumas das conclusões obtidas através dos instrumentos
anteriormente descritos, procurou confirmar-se pela aplicação de um questionário
estruturado/entrevista a directores, administradores da maioria dos hospitais públicos e
ainda a coordenadores regionais e sub-regionais, com responsabilidade pelos centros de
saúde, se de facto sentiam que a contratualização tinha efectivamente introduzido
algumas mudanças no desempenho dos dirigentes da saúde e se, no entender destes
actores privilegiados do sistema, o cidadão teria aumentado a sua participação no
acompanhamento e monitorização dos prestadores de saúde.
Através das conclusões obtidas com base na informação trabalhada, procurou-se discutir
e auscultar especialistas que dessem o seu testemunho sobre estas conclusões e
comentassem a discussão dos resultados, que se elaborou a partir da matriz de
conhecimento obtida durante o processo de investigação.
6.
O MÉTODO
Procurar-se-ão descrever os momentos fundamentais do processo de investigação que,
depois da definição dos objectivos e das perguntas de investigação colocadas,
constituíram a função do método de pesquisa e que, de acordo com Almeida et al
(1995), serão; (i) a selecção das técnicas operadas por referência ao objecto e à teoria
que o constrói; (ii) o controlo das condições úteis de exercício das mesmas técnicas para
a produção de diversos resultados parciais e, (iii) o relacionamento desses resultados, de
forma a poder obter-se um produto final.
No final de 1999 e início de 2000, data em que aconteceu uma mudança de Ministério
da Saúde e em que foi proclamada a alteração das linhas estratégicas vigentes, fez-se a
auscultação dos profissionais de saúde, envolvidos no processo de contratualização,
através de questionários, entrevistas e todos os meios que pudessem ser usados para
registar e documentar os factos.
Igualmente se tornava importante obter os pontos de vista dos principais actores
(stakeholders) da saúde e para esse fim o método que entendemos mais adequado foi o
de organizar um conjunto de seminários, em que lhes seria pedido que viessem discutir
connosco o sistema de saúde e as mudanças perspectivadas, bem como nos
transmitissem o seu pensamento estratégico. Foi igualmente decidido contar ainda, com
a análise crítica dos alunos do Mestrado em Gestão dos Serviços de Saúde do ISCTE,
que como grupo interessado na discussão e aprofundamento destas matérias, em muito
poderiam enriquecer a discussão e o conhecimento.
Tendo por base a urgência na discussão, mas não devendo descurar as questões
metodológicas, seguiram-se as principais etapas a que um estudo metodologicamente
concebido e cientificamente comprovado deve obedecer.
6.1
Os universos de estudo e a técnica de amostragem
Definidos os objectivos do trabalho, colocou-se a questão de saber qual a população ou
universo de estudo, como seleccionar a amostra e como determinar a sua dimensão. De
150
Tese
Capítulo VI: Método para análise do processo de mudança da administração pública da saúde
centrada na contratualização
acordo com Miles et al (1994) e com base na situação já atrás identificada, foi o quadro
teórico-conceptual e os problemas da pesquisa que, ao determinar os pontos de interesse
e as fronteiras no interior das quais seriam escolhidas as amostras, permitiram a
identificação dos actores objecto da investigação.
Numa primeira análise, a população teria de corresponder aos profissionais do sector da
saúde que fossem testemunhas privilegiadas, isto é, de acordo com Quivy et al (1998),
interlocutores válidos que, pela sua posição, acção ou responsabilidades, tivessem
conhecimento do problema. Assim, considerou-se como universo, na primeira parte
deste estudo, o conjunto de interlocutores privilegiados do sector da saúde que
colaboraram, desenvolveram e acompanharam o processo de contratualização, quer
pelos seus saberes, quer pelo seu conhecimento do sistema de saúde português, quer
pela sua sensibilidade para a temática em estudo, quer ainda pelo seu envolvimento e
posicionamento político no sector da saúde e concretamente pela sua participação no
processo de mudança.
Para a selecção da amostra, dada a natureza qualitativa do estudo e o objectivo de
desenvolvimento de um modelo que englobasse várias instâncias do problema, a
representatividade da amostra assumia menos importância. Não se verificando
preocupações de generalização, a melhor estratégia de amostragem consistiria na
utilização de uma técnica de amostragem não probabilística do tipo intencional
(Moreira, C., 1994).
Merriam (1998) afirma que na pesquisa qualitativa é indicado o uso da amostra não
probabilística, da qual se destaca a amostra intencional, que consiste em identificar e
seleccionar uma amostra em que seja possível obter as informações necessárias para o
estudo. A lógica e o poder da amostra intencional reside na selecção da informação rica
de casos para o estudo em profundidade.
A amostragem intencional é uma forma de amostragem por conveniência, em que as
unidades amostrais são seleccionadas intencionalmente pelo investigador, que considera
que esses casos possuem as características representativas do universo de estudo ou
porque de alguma forma os considera apropriados. A utilização desta técnica de
amostragem intencional (amostra de conveniência), segundo Silva et al (1997), tem
como pressuposto básico uma “boa” intuição e uma estratégia adequada para
seleccionar os elementos que devem ser incluídos na amostra.
Quanto à dimensão da amostra, segundo Ghiglione et al (2001), ela não deve depender
apenas da heterogeneidade das reacções na população, face ao problema colocado, mas
também, e sobretudo, do método de análise empregue. Mas quer devido às limitações de
tempo e recursos, quer pela sensibilidade do tema, ela teria que ser fixada antes do
início do trabalho de campo e, por outro lado, o número de pessoas a entrevistar iria
depender da utilização que se pretendia dar aos resultados e que no caso vertente seriam
conjugados com os resultados de outros métodos aplicados.
Mas ainda, segundo aqueles autores, quando se utiliza a técnica de entrevista
semi-estruturada, é raro surgirem novas informações após a vigésima ou trigésima
Tese
151
Capítulo VI: Método para análise do processo de mudança da administração pública da saúde
centrada na contratualização
entrevista. No entanto, no presente estudo procurou-se incluir o máximo de
profissionais que estavam directamente ligados ao processo de contratualização, bem
como os actores mais identificados com a saúde, ou seja, o nosso objectivo era atingir a
quase totalidade dos profissionais mais directamente envolvidos e os actores mais
representativos nos três tipos de análise efectuados. Assim, na primeira parte, a amostra
era inicialmente constituída por vinte e oito elementos, tendo-se obtido apenas respostas
de catorze especialistas, devido decerto ao momento de transição política, à falta de
tempo dos profissionais, ou até mesmo à desvalorização do processo.
Quanto à composição da amostra, a regra foi, necessariamente, a sua heterogeneidade.
O que se desejava era a pluralidade de perspectivas, em relação ao modelo de
contratualização desenvolvido e as suas principais características. Assim, foi assegurada
esta heterogeneidade, quanto à formação profissional dos peritos, quanto ao tipo de
instituição que representam, à localização geográfica onde exercem a sua actividade e,
também, quanto ao cargo que desempenhavam à altura da realização do estudo. Foi esta
última característica que deu origem à estratificação utilizada neste trabalho e que
consta do Quadro 15.
QUADRO 15 - Estratificação da I amostra intencional
Número de participantes
seleccionados
Categorias
Académicos
Enfermeiros
Gestores
Médicos de Clínica Geral
Médicos de Saúde Pública
Políticos
Economistas
2
1
7
6
7
1
4
TOTAL
28
A identificação dos participantes que integraram a I e a II amostra intencional ou de
conveniência e o respectivo cargo constam do Anexo III.
Perante algumas dificuldades encontradas a partir do contacto com profissionais e
peritos, fomos procurar informação junto das entidades mais representativas, enquanto
actores principais do sistema, considerando-se a importância da informação como
subsídio indispensável para as linhas de acção a adoptar. De forma mais específica,
procurou-se também identificar o tipo de estratégia que cada um prossegue e a opinião
destas entidades acerca do papel do Estado como garante da saúde das populações,
observar se há um padrão nas estratégias seguidas, identificar o posicionamento de cada
uma face às medidas de mudança em curso, verificar o auto-posicionamento na matriz
de distribuição dos actores. Nesta segunda parte do processo de investigação a
população era necessariamente composta pelos actores privilegiados do sistema, os
Stakeholders, identificados no Anexo IV.
Para compor a amostra da pesquisa, seleccionou-se um grupo de entidades
representativas de nove áreas profissionais, organizacionais e dos sectores de prestação:
médicos, enfermeiros, administradores hospitalares, técnicos de saúde, indústria,
152
Tese
Capítulo VI: Método para análise do processo de mudança da administração pública da saúde
centrada na contratualização
misericórdias, mutualidades, prestadores privados, sindicatos e departamentos centrais
do Ministério da Saúde (Quadro 16).
QUADRO 16 - Estratificação da II amostra intencional (Stakholders)
ÁREAS
ACTORES
Ministro da Saúde (MS) e Secretário de Estado da Saúde (SES)
Direcção Geral da Saúde (DGS)
Governo
Administrações Regionais de Saúde (ARS)
Instituto de Gestão Informática e Financeira da Saúde (IGIF)
Instituto Nacional da Farmácia e do Medicamento (INFARMED)
Representantes dos doentes
Grupos de Cidadãos
Associações de defesa de doentes
ONG’s e IPSS
União das Misericórdias
União das Instituições Particulares de Solidariedade Social (IPSS)
União das Mutualidades
Ordem dos Médicos
Ordem dos Médicos Dentistas
Organizações Profissionais
Ordem dos Enfermeiros
Ordem dos Farmacêuticos
Associação Portuguesa de Administradores Hospitalares (APAH)
Representante dos prestadores privados
Sindicatos
Federação Nacional de Cuidados de Saúde (FNS)
Sindicatos dos Médicos
Sindicato dos Enfermeiros
Sindicatos dos Técnicos de Saúde
Representantes da área do
medicamento
Associação Nacional de Farmácias (ANF)
Associação Portuguesa da Indústria Farmacêutica (APIFARMA)
Associação dos consumidores
Associação Portuguesa para a Defesa do Consumidor (DECO)
Comunicação social
Televisão/Rádio/ Imprensa
As entidades foram seleccionadas aleatoriamente a partir de critérios prévios para a
delimitação do universo, os quais levaram em conta as seguintes características: carácter
permanente; abrangência nacional; representatividade; mediação entre a sociedade e o
poder público e formação de opinião. A identificação dos representantes das entidades
respondentes foi preservada em função do objectivo da pesquisa, que não era o de
estudar um caso ou casos específicos que pudessem dar margem a comparações
indesejadas, mas o de identificar necessidades e processos envolvidos na busca de
informação credível.
Dos actores convidados para participarem nos seminários responderam afirmativamente
os que estão identificados no Anexo V, os quais se disponibilizaram para apresentar as
suas posições sobre o sistema de saúde e sobre o processo de mudança em curso e a
discutirem as suas próprias estratégias, quer as que prosseguem, quer as que julgam
adequadas no futuro.
Tese
153
Capítulo VI: Método para análise do processo de mudança da administração pública da saúde
centrada na contratualização
Convidámos ainda alguns peritos que comentaram as posições dos actores, à luz duma
estratégia de mudança e tendo em conta a dificuldade de implementação das medidas já
definidas.
Uma vez que se tornava muito importante deixar que os intervenientes expusessem
livremente as suas opiniões e através delas conseguirmos enriquecer o nosso
conhecimento sobre a estratégia dos actores e, também, porque desejávamos recolher
contributos para a identificação dos principais factores críticos presentes num processo
de mudança, o que exige a ponderação de diversos elementos para imaginar as
tendências de evolução dum sistema, efectuámos seminários de discussão aberta através
da técnica de brainstorming, como uma forma eficaz para encorajar a produção de
ideias e que permite respostas rápidas às questões colocadas.
Pretendíamos partilhar e confrontar ideias, centrar a atenção sobre a capacidade de
resposta do sistema face aos factores externos que o condicionam e equacionar de forma
estruturada as decisões estratégicas dos actores, de modo a concebermos estratégias de
actuação, o que envolve frequentemente uma análise SWOT - strengths (pontos fortes),
weaknesses (pontos fracos), opportunities (oportunidades) e threats (ameaças). O
objectivo é identificar as decisões estratégicas, mobilizando as pessoas para criar mais
pontos fortes e reduzir as fraquezas do sistema, explorando e maximizando as
oportunidades e evitando ou até mesmo combatendo as ameaças (constrangimentos).
pois através desta técnica seria possível obter contribuições significativas para
identificar os factores críticos que condicionam a mudança.
Nesta parte da investigação procurou-se seguir de perto a metodologia, os ensinamentos
e recomendações sobre a técnica de Análise de Actores, disponível através dum
software de apoio à decisão estratégica (Software Policymaker68), cuja metodologia se
descreve em anexo (Anexo VI) e que foi desenvolvida por Michael R. Reich (Reich,
M., 1996), Director do Centro de Estudos e Desenvolvimento das Populações em
Harvard, Professor e Investigador de Políticas de Saúde, que se preocupa com o
desenvolvimento das políticas públicas de saúde em países pobres. Este software foi-nos
fornecido pelo próprio autor a partir dum contacto estabelecido via Internet.
Numa terceira parte, considerou-se como universo do estudo o conjunto de gestores de
topo da saúde, directores ou administradores delegados dos hospitais públicos,
administradores hospitalares e outros técnicos, que nos hospitais tivessem acompanhado
o processo de contratualização e coordenadores sub-regionais que acompanharam e
participaram no processo de contratualização ao nível dos centros de saúde, pelo
conhecimento directo sobre o desenvolvimento da contratualização no caso português, e
ainda pelo seu envolvimento e posicionamento no sector e concretamente pelas suas
participações no processo de mudança.
No que se refere à composição da amostra, a regra continuou a ser a sua
heterogeneidade e pluralidade de perspectivas em relação ao modelo de contratualização
desenvolvido e às suas principais características. Assim, foi assegurada esta
68
Policymaker Computer-Aided Political Analysis: Improving the Art of the Feasible, by Michael R.
Reich and David M Cooper, version 2.3.1, December 9, 2000, Brookline, USA.
154
Tese
Capítulo VI: Método para análise do processo de mudança da administração pública da saúde
centrada na contratualização
heterogeneidade quanto à formação profissional dos peritos, quanto ao tipo de
instituição que representam e, sobretudo, à localização geográfica onde exercem a sua
actividade e função que desempenham na estrutura, como dirigentes da saúde. Foi esta
última característica que deu origem à estratificação utilizada nesta amostra e que consta
do Quadro 17.
QUADRO 17 - Estratificação da III amostra intencional
Número de participantes
seleccionados
Categorias
Directores Hospitalares
6
Administradores Delegados
39
Administradores Hospitalares
23
Coordenadores Sub-regionais
6
Médicos
3
Economistas
4
TOTAL
81
A identificação dos participantes que integraram a amostra inicial e o respectivo cargo
constam igualmente do Anexo III.
6.2
Selecção e aplicação das técnicas de recolha e análise de dados
Dada a natureza do objecto de estudo, o tipo de dados a recolher e o tipo e número de
elementos que viriam a ser observados, impunha-se, também, uma selecção das técnicas
de recolha e análise de dados.
Considerando que os procedimentos de observação e posterior análise são seleccionados
em função dos objectivos do estudo, impunha-se a opção por uma abordagem
qualitativa para esta parte da análise, pela natureza do objecto do estudo, já que se trata
não só de uma questão económica mas que envolve também aspectos éticos e
simbólicos. O tema tem além disso, directa ou indirectamente, incidências políticas,
implica processos de reestruturação económica e espacial e é muito influenciado pelos
valores e representações sociais e culturais dominantes. Por estas razões a abordagem
qualitativa, através da opinião dos actores e peritos, mostra-se a mais pertinente e
adequada para identificar o modelo de administração que melhor se lhe ajusta.
A técnica a que se recorreu foi a Técnica dos Informadores–Chave da Comunidade
(Justo, 1993), que não sendo uma técnica de consenso, já que não conta com os
momentos de informação de retorno nem de interacção, constitui um processo
específico de recolha de informação que pode ser utilizado como base de trabalho em
qualquer uma das técnicas de consenso.
Para Zelditch, M. (1971 referenciado em Vala, 1987), a recolha de informação baseada
em informadores-chave é a técnica mais adequada para a auscultação de especialistas
sobre normas e acontecimentos observáveis, mas que podem passar despercebidos. Aqui
Tese
155
Capítulo VI: Método para análise do processo de mudança da administração pública da saúde
centrada na contratualização
os consensos alcançados são principalmente concordâncias entre as opiniões expressas
pelos intervenientes.
Segundo Pineault et al (1993 em Justo, 1993), a selecção dos participantes pode ser feita
aleatoriamente a partir de uma lista de informadores chave que obedeçam aos critérios
previamente estabelecidos, devendo-se ter em atenção que as respostas obtidas
constituem a resposta actual dos respondentes sobre o tema em análise, não tendo valor
predictivo. Ainda de acordo com este último autor, baseando-se em Hubert (1991), pode
utilizar-se um questionário estruturado ou não estruturado e as respostas deverão ser
agrupadas em temas, permitindo constituir conjuntos de enunciados operacionais pela
aplicação da Técnica de Análise de Conteúdo.
Segundo Kerlinger (1980) e Ghiglione et al (2001), certas propriedades qualitativas,
como a atitude e as opiniões, podem representar-se como um atributo quantitativo
mediante a sua divisão analítica em dimensões parcialmente isoladas. Seguimos, por
isso, um procedimento aberto (exploratório), em que as diferenças, as semelhanças e as
transformações devem ser interpretadas para se obter uma caracterização dos estados
observados.
Face à complexidade do objecto de estudo tornou-se clara a necessidade de recorrer a
uma combinação de métodos e técnicas de investigação que pudessem apoiar a
pesquisa. Foi, no entanto, necessário elaborar os procedimentos, estabelecer normas,
abandonar algumas vias e corrigi-las. Na selecção dos métodos a utilizar teria de se
recorrer às técnicas de investigação qualitativa, tal como referido anteriormente, mais
precisamente às técnicas de recolha de dados com perguntas abertas e à técnica de
análise de conteúdo das respostas obtidas, sustentado em Vala (1987), que a recomenda
nas situações em que o investigador não se sente apto para antecipar todas as categorias
ou formas de expressão que podem assumir as representações ou práticas dos sujeitos
questionados.
Pretendendo-se efectuar um estudo com várias dimensões e abordagens e em que com a
investigação se pretendia obter o máximo de informação possível sobre o processo da
contratualização e sabendo-se ainda que algumas das pessoas dificilmente estariam
disponíveis para uma longa entrevista, optou-se pela implementação de um plano de
inquérito. Sendo o inquérito uma técnica que acciona diversas técnicas de recolha de
dados, entre elas a entrevista e o questionário, considerou-se que, aplicando a técnica do
questionário, se conseguiria um conjunto suficientemente significativo de unidades de
observação que permitiria retirar inferências do observado, e utilizando a técnica da
entrevista, para o efeito uma entrevista semi-estruturada a informadores privilegiados,
se poderia conduzir uma observação tão profunda quanto as dimensões da realidade em
análise.
A metodologia então adoptada para responder às necessidades de informação e atender
à complexidade e aos objectivos da pesquisa baseou-se na triangulação de técnicas para
recolha de dados. Essa triangulação, oriunda da psicologia organizacional, consiste na
utilização complementar de entrevistas informais, questionários e análise documental de
livros, artigos, relatórios e outras publicações. Segundo Jick (1983), a triangulação
apresenta diversas vantagens, na medida em que pode ser utilizada não só para se
156
Tese
Capítulo VI: Método para análise do processo de mudança da administração pública da saúde
centrada na contratualização
examinarem vários aspectos do mesmo fenómeno como também para proporcionar
novos elementos ao entendimento da questão.
6.2.1 Técnicas de recolha
Combinam-se assim várias técnicas de recolha de informação, extensivas e intensivas,
de forma a garantir a representatividade dos resultados a obter, dado que se referem a
uma realidade tão particular quanto complexa. Esta pesquisa faz-se num contexto
marcadamente pragmático.
Trata-se de uma pesquisa para a acção e não somente de uma investigação pela
investigação, pois o inquérito pretende obter a opinião dos especialistas envolvidos no
desenvolvimento da contratualização, bem como dos dirigentes da saúde que, como
veículos de facilitação ou obstrução, participaram no processo encetado em Portugal em
1996/1997 e, através dela, alinhar um conjunto de indicações que possam apoiar o
desenvolvimento e aprofundamento desta temática.
Recorreu-se também à técnica de observação, que resultou da fase de implementação
do processo de contratualização, que se coordenou, dinamizou e acompanhou e que
permitiu registar emoções, compromissos, expressões que complementam os dados
recolhidos. Conjugou-se ainda este conhecimento com a evidência recolhida através
das experiências e modelos desenvolvidos em outros países.
A análise SWOT, outra técnica utilizada, visa conhecer a posição dos principais actores
e através dela compreender melhor o xadrez em que se desenrolam as acções que
contextualizam o sistema de saúde e o seu desenvolvimento.
Por último, efectuou-se uma análise quantitativa, análise de séries temporais aos dados
disponíveis de produção, de recursos, económico-sociais, financeiros, de desempenho e
de resultados nos últimos trinta anos (1970-2000), o que conjugado com a informação já
disponível e com a análise da produção legislativa de igual período, permitiu
identificar, com maior clareza e rigor, os factores críticos que no contexto português
impossibilitam ou dificultam a implementação e desenvolvimento de políticas na área
da saúde, no caso vertente a contratualização.
Este exercício mostra que o diálogo entre as pesquisas intensivas (qualitativas) e as
extensivas (quantitativas) deve ser estabelecido e incentivado, podendo revelar-se
enriquecedor, seja ao nível dos conteúdos e temáticas, seja ao nível da sugestão de
pistas para exploração e interpretação dos resultados.
6.2.1.1 O questionário
No presente estudo adoptou-se como principal técnica de recolha de dados primários o
questionário, embora sabendo-se que é considerado, por muitos autores, frio e
impessoal, porque o entrevistado responde fora da situação estudada e ainda porque
não permite perceber a dinâmica do fenómeno em análise. Contudo, a sua aplicação
Tese
157
Capítulo VI: Método para análise do processo de mudança da administração pública da saúde
centrada na contratualização
está indicada quando se requer um primeiro levantamento sobre o tema em estudo.
Alguns autores, nomeadamente Merriam (1998), entendem que na investigação
qualitativa se devem adoptar, principalmente, as técnicas de entrevista e observação,
mas admitem o questionário, sobretudo se conjugado com as duas técnicas já referidas.
A opção pelo questionário teve como principal objectivo facilitar a recolha de dados,
devido à dispersão dos especialistas a entrevistar e à dificuldade de agendas e ainda
pelo facto da quantidade e diversidade das questões a abordar ser de facto elevada,
obrigando a entrevistas muito longas.
Tornando-se necessário determinar a duração aproximada de preenchimento de cada
questionário, e sendo fundamental testar esta técnica, a versão inicial do questionário foi
aplicada em dois elementos que não constituíam a amostra.
Depois deste pré-teste, foram introduzidas as alterações consideradas pertinentes e que
se situaram sobretudo ao nível de uma maior desagregação de algumas das questões e
numa melhor clarificação do que se pretendia em cada um dos grupos de questões,
através duma breve introdução em cada um desses grupos. Foi então estabelecido um
contacto telefónico com os peritos seleccionados, para apurar a sua disponibilidade em
participar no estudo. Neste contacto, explicou-se o âmbito em que o estudo se realizava,
referiram-se os seus objectivos e explicou-se como e por que razão cada participante
tinha sido escolhido, referindo-se, ainda, o tempo aproximado de preenchimento do
questionário (Anexo VII). Foi, igualmente, acordada a via de expedição do documento
(fax, carta, e-mail). Também se assegurou a confidencialidade das declarações
prestadas.
Dada a vastidão do tema e porque se pretendia uma colaboração efectiva por parte dos
entrevistados, foi feita referência a alguns tópicos relacionados com a temática,
fazendo-o acompanhar de um documento, escrito para o efeito (Anexo VIII), visando
uma maior e melhor clarificação sobre o tema.
A necessidade de complementar a presente investigação, tal como referido
anteriormente, levou ao desenvolvimento de um II questionário (Anexo IX), que foi
aplicado telefonicamente a 51 dos 81 gestores de topo da saúde primitivamente
seleccionados. Este questionário, tal como o I, foi inicialmente sujeito a um pré-teste
aplicado a dois elementos que não constituíam a amostra, de forma a determinar a
duração aproximada do contacto telefónico para preenchimento de cada inquérito.
Depois deste pré-teste, foram introduzidas as alterações consideradas relevantes e que se
situaram sobretudo numa melhor clarificação de algumas das questões. Foi então
estabelecido o contacto telefónico com os peritos seleccionados, para apurar a sua
disponibilidade em participar no estudo ou proceder de imediato ao preenchimento do
questionário desenvolvido. A indisponibilidade ou falta de tempo de alguns dos
dirigentes não nos permitiram em tempo útil atingir o nosso objectivo inicial, que era o
de auscultar todos os coordenadores sub-regionais (18) e um dirigente de cada um dos
principais hospitais públicos (63) que tivessem acompanhado o processo de
contratualização ao nível dos hospitais e dos centros de saúde.
158
Tese
Capítulo VI: Método para análise do processo de mudança da administração pública da saúde
centrada na contratualização
6.2.1.2 A entrevista semi-estruturada
Segundo Moreira, C. (1994), uma vez que o objecto de estudo constituía um novo
terreno de pesquisa, era exigida uma abordagem mais flexível, como estratégia de
investigação. Uma vez que a técnica de recolha de dados teria de conter,
maioritariamente, perguntas abertas e as questões a colocar não deveriam estar todas
previamente definidas, a opção teria de recair, parcialmente, como já se referiu, sobre a
técnica de entrevista, ou seja, sobre um procedimento de investigação que utilizasse a
comunicação oral como forma de recolha de informações.
Esta técnica, pela sua flexibilidade, dá a possibilidade de repetir questões ou de as
formular de uma outra maneira, garantindo que são compreendidas, de formular outras
perguntas, a fim de esclarecer o significado de uma resposta, de desafiar o relato do
entrevistado para apurar a consistência das suas respostas e, ainda, de criar uma
atmosfera que permita ao respondente expressar opiniões que, habitualmente, são
desaprovadas (Selltiz et al, 1986).
Os tipos de entrevistas são diferenciadas pelos diversos autores, através de um contínuo
grau de estruturação que, na opinião de Ghiglione et al (2001), corresponde a “um
percurso entre um quadro de referência perfeitamente constituído e outro que
gostaríamos de conhecer”. Assim, porque o objectivo do estudo condicionava, à partida,
o tipo de entrevista a escolher, teria que se optar pela estruturação, possível, da técnica.
De facto, dada a natureza essencialmente exploratória do estudo e a necessidade de
investigar a estrutura do quadro de referência dos participantes, relativamente a um
tema cujas características essenciais resultavam do seu carácter alargado e ambíguo,
impunha-se, segundo aqueles autores, a entrevista semi-estruturada como uma das
técnicas de recolha de dados.
Um tipo de entrevista em que a liberdade do entrevistador constituiria, ao mesmo
tempo, a sua maior vantagem e a maior desvantagem. Uma flexibilidade que poderia
conduzir, segundo Selltiz et al (1986), à falta de analogia entre as entrevistas, para além
de que a sua análise seria mais difícil e morosa do que nos outros tipos de entrevistas
padronizadas.
Para compensar este risco e obviar aos seus possíveis efeitos, utilizou-se, como
recomenda Moreira, C. (1994) e Duverger (1996), um guião de entrevista, um
instrumento particularmente apropriado para a entrevista semi-estruturada. A entrevista
semi-estruturada é, assim, uma entrevista não directiva suportada em algumas questões,
que ao longo do encontro se vão ajustando à característica do entrevistado e aos
conteúdos pretendidos pelo investigador, razão da sua flexibilidade. O entrevistador
possui um guião com um conjunto de assuntos que constituem um suporte importante às
questões que devem ser colocadas a todos os entrevistados. Os guiões são elaborados
com base na revisão de literatura, devendo ser usados vocábulos de forma que as
pessoas entendam os conteúdos das perguntas.
Tese
159
Capítulo VI: Método para análise do processo de mudança da administração pública da saúde
centrada na contratualização
Assim, sem qualquer intenção de estruturação, ou seja, sem querer limitar o tipo de
questões a colocar ou impor qualquer ordem na sequência da entrevista, deixando o
entrevistado desempenhar um papel crucial na definição do conteúdo da entrevista e na
condução do estudo, foi concebido o guião de entrevista que consta do Anexo X e no
qual se incluíram os tópicos que se pretendiam ver abordados pelos entrevistados, para
permitir, posteriormente, alguma comparabilidade nas informações recolhidas.
Consistindo a entrevista semi-estruturada num dos principais instrumentos de recolha
de informação, tornava-se necessário determinar a duração aproximada de cada
entrevista, razão pela qual era fundamental adquirir alguma sensibilidade na aplicação
desta técnica. Por esse motivo, a versão inicial daquele guião foi testada em dois
elementos que não constituíam a amostra.
Depois do pré-teste, foi efectuado um contacto telefónico com os peritos seleccionados,
para apurar a sua disponibilidade em participar no estudo. Neste contacto explicou-se o
âmbito em que o estudo se realizava, referiram-se os seus objectivos e explicou-se como
e por que razão cada participante tinha sido escolhido, referindo-se ainda, o tempo
aproximado da duração da entrevista. Foi, igualmente, acordada a data, hora e local para
a realização da entrevista. Foi igualmente assegurada a confidencialidade das
declarações prestadas.
Dada a vastidão do tema e uma vez que se pretendia uma colaboração profícua por parte
dos entrevistados, foram feitas referências a alguns tópicos relacionados com a temática,
fazendo-a acompanhar de alguma documentação sobre o assunto.
Sendo uma das bases do estudo a entrevista semi-estruturada e considerando a análise
de conteúdo que posteriormente se pretendia aplicar às declarações recolhidas, era
recomendável a gravação da entrevista (Bogdan et al, 1998, Lessard-Hebert et al, 1994
e Moreira, C., 1994), apesar das considerações negativas que muitas vezes são
levantadas acerca do uso de um gravador durante uma entrevista.
A maioria dos peritos seleccionados para entrevista foram desmarcando
sistematicamente as reuniões agendadas, tendo sido possível realizar somente uma
entrevista, consentindo o entrevistado na gravação das suas declarações, na sequência
de autorização que lhe tinha sido explicitamente solicitada. É de salientar que, no
decurso da entrevista, a própria referência ao tema sugeria ao respondente, de imediato,
a abordagem de muitos dos aspectos contemplados no guião que elaborámos, pelo que a
sua utilização foi praticamente desnecessária.
6.2.1.3 A página Web
Actualmente a evolução das tecnologias de informação já nos permite criar uma forte
interactividade e trabalhar em rede informação pertinente. Optou-se, por isso, por criar
uma página Web (no espaço das páginas pessoais do servidor da teleweb), onde com
maior facilidade os peritos poderiam dar as suas opiniões e ir reunindo todos os
elementos que fossem considerados pertinentes para o desenvolvimento do processo de
contratualização, conforme consta do Anexo XI.
160
Tese
Capítulo VI: Método para análise do processo de mudança da administração pública da saúde
centrada na contratualização
A mudança de rumo ao nível político, conjugada com o facto de não serem dados
quaisquer tipo de sinais no sentido do desenvolvimento e implementação das medidas
adoptadas pelo anterior Ministério da Saúde, vieram desorientar os profissionais e fazer
com que a sua participação ao nível de estudos deste tipo não fosse nem uma prioridade,
nem sequer desejável. Tal postura veio saldar-se por uma fraca ou quase nula
participação neste instrumento de recolha de opiniões.
Além disso, verificou-se o encerramento definitivo dos serviços da teleweb, sem
qualquer tipo de aviso prévio e sem que tenha sido dada qualquer hipótese de ser feita a
migração para outro serviço similar. A conjugação destas situações resultou em que
somente fosse possível o aproveitamento de três participações, cujos resultados irão ser
objecto de análise conjunta com os questionários e entrevista.
6.2.1.4 O depoimento técnico
Com o objectivo de clarificar e até avaliar algumas das conclusões retiradas da análise
dos resultados obtidos a partir da aplicação da Técnica de Análise de Conteúdo às
respostas obtidas nos questionários, nas entrevistas e ainda as obtidas através da Web,
conjugadas com os resultados da Análise SWOT, bem como com toda a análise
estatística e revisão bibliográfica feitas, procurou obter-se o depoimento técnico
consistente junto de perito profundamente conhecedor dos sistemas de saúde e da
administração pública portuguesa, de modo a esclarecer melhor as dimensões e os
factores críticos resultantes do modelo de investigação.
As dimensões e factores críticos descritos explanam as dificuldades encontradas para o
desenvolvimento da contratualização, no contexto da administração pública da saúde e
constituem ideias tipo, que permitem caracterizar, sem avaliação normativa, vários
pontos de estrangulamento da organização do sistema da saúde, sendo admissível e mais
ou menos provável que elas possam ser contornadas em função da evolução da
sociedade e das políticas adoptadas.
O depoimento técnico mais não é do que um pequeno contributo para a sustentação das
conclusões do trabalho de investigação, resultantes do trabalho desenvolvido com os
actores identificados e ainda com especialistas, actores privilegiados do sistema,
constituindo uma mais valia para o trabalho de investigação e a confirmação da
tentativa de rigor e transparência colocados neste processo.
6.2.2 Técnicas de análise
Com o objectivo de clarificar os principais conceitos, modelos e teorias do
conhecimento em análise quantitativa e qualitativa utilizados, faz-se uma ligeira
abordagem a cada um deles, combinando-se várias técnicas de análise da informação
disponível, com o objectivo de garantir os melhores e mais rigorosos (consistentes)
resultados, dado que, tal como já referido, trata-se de uma realidade de grande
complexidade e exigindo grande transparência, precisão e verdade no seu estudo.
Tese
161
Capítulo VI: Método para análise do processo de mudança da administração pública da saúde
centrada na contratualização
6.2.2.1 A Análise de Conteúdo
Conhecedores de que a pertinência de um método de análise não pode ser julgado
noutras bases que não as do seu ajustamento à situação - na qual o analista intervém,
face ao tipo de investigação em presença - optámos pela Técnica de Análise de
Conteúdo para análise dos questionários e das entrevistas efectuadas, bem como das
opiniões colhidas através da Web.
Esta técnica, tal como Berelson (1952) a definiu, permite “a descrição objectiva,
sistemática e quantitativa do conteúdo manifesto da comunicação” (Costa, A. 1987,
referenciado em Vala, J., 1987), mas não serve somente para descrição pois, segundo
Bardin (2000), é a inferência que permite a passagem da descrição e interpretação,
enquanto atribuição de sentido, às características do material, as quais foram levantadas,
enumeradas e organizadas.
Trata-se de uma técnica de análise que constitui um processo complexo, exigindo muito
rigor e objectividade, pois torna possível a apreensão e estruturação de informações de
carácter qualitativo, deduzindo resultados e conclusões. Ou ainda, na linha de Berelson
(1952, Cartwright, 1953 e Krippendorf, 1980, como refere Vala J., 1987), a análise de
conteúdo é considerada uma “técnica de investigação que permite fazer inferências,
válidas e replicáveis, dos dados para o seu contexto”.
Também segundo Vala, J. (1987), seguindo Lewin, K. (1935), “não há análise de
conteúdo sem uma boa teoria. Não há modelos ideais em análise de conteúdo. As regras
do processo da inferência que subjaz à análise de conteúdo devem ser ditadas pelos
referentes teóricos e pelos objectivos do investigador.” A finalidade da análise de
conteúdo será, pois, efectuar inferências, com base numa lógica explicativa sobre as
mensagens cujas características foram inventariadas e sistematizadas.
Se por um lado, segundo Vala (1987), esta era a técnica privilegiada para tratar o
material não estruturado proveniente de entrevistas ou questionários com perguntas
abertas, recolhido num estudo onde não tinham sido definidas hipóteses de partida, por
outro, segundo Bardin, L. (2000), a análise de conteúdo, na sua função heurística,
permitiria enriquecer a tentativa exploratória e aumentar a propensão à descoberta.
A análise de conteúdo pode ser utilizada em pesquisas que se refiram a qualquer um dos
níveis de investigação empírica, com a vantagem de em muitos casos funcionar como
técnica não obstrutiva. Mas pelo facto de não possuir um formato rígido mas somente
algumas regras, por vezes dificilmente transponíveis (Bardin, L., 2000), exige, por isso,
a adaptação aos objectivos pretendidos e, consequentemente, uma maior explicitação de
todos os procedimentos utilizados.
Assim, como já foi indicado, para responder adequadamente ao volume de informação a
tratar, na avaliação das opiniões dos peritos, recorremos à técnica de análise de
conteúdo para a descodificação dos questionários, das entrevistas e opiniões obtidas
através da Web, construindo grelhas e categorias que nos permitiram, no final, fazer a
análise do nível descritivo e correlacional, procurada neste estudo.
162
Tese
Capítulo VI: Método para análise do processo de mudança da administração pública da saúde
centrada na contratualização
A análise de conteúdo das transcrições foi feita com recurso à análise temática que, na
prática, consistiu em isolar os temas presentes nas transcrições, com o objectivo de os
reduzir a proporções operacionalizáveis e comparáveis.
Esta técnica envolve, segundo Bardin, L. (2000), um conjunto de processos
(classificação, diferenciação e sub-modelo), que têm por base critérios previamente
definidos, os quais, ainda segundo aquele autor, devem ser aplicados seguindo três
critérios: pré-análise, exploração do material e tratamento dos resultados. Recorre-se
portanto a uma primeira fase, de inventariação, onde se tentam isolar todos os elementos
e, a uma segunda, de classificação, em que se distribuem os elementos pelas categorias,
de forma a organizar as mensagens.
O primeiro critério, de pré-análise, foi constituído por actividades não estruturadas,
organizando, operacionalizando e sistematizando as ideias de partida, para orientação do
desenvolvimento das sucessivas operações do plano de análise, de acordo com o
descrito por Bardin, L. (2000).
Foi realizada a leitura exaustiva do conjunto das transcrições e definidas as categorias
de análise. Categorias, segundo Bardin, L. (2000), definidas como rubricas que, sob um
título genérico, reuniriam um grupo de elementos, as unidades de registo, em função dos
caracteres comuns daqueles elementos. São classes constituídas como meio de
classificar e codificar os dados recolhidos e que Vala (1987) refere poderem ser
concebidas "à priori ou à posteriori, ou ainda através da combinação destes dois
processos".
De facto, como aconselha Miles et al (1994), parte das categorias derivaram do quadro
teórico-conceptual previamente formulado e das perguntas de investigação elaboradas.
Por isso, a leitura do conjunto das transcrições permitiu a confirmação de algumas das
categorias inicialmente previstas e a definição de outras, pelo que o sistema de
codificação inicial foi aperfeiçoado e validado após a recolha dos dados, pela leitura das
transcrições.
Neste estudo, o critério de categorização foi semântico, ou seja, recorreu-se a categorias
temáticas. A unidade de registo, unidade de significação a codificar, correspondente ao
segmento de conteúdo a considerar como base da categorização, foi o tema. A unidade
de contexto, definida como aquela que serviu de unidade de compreensão para codificar
a unidade de registo, foi o parágrafo (Bardin, L., 2000).
Depois de desenvolvidas as categorias, foi elaborada uma lista de códigos. A atribuição
de um código a cada categoria teve como objectivo facilitar a memorização do sistema
de codificação e permitir a classificação dos parágrafos das transcrições, em função do
tema que a ele se associava, reduzindo desta forma a quantidade de informação em
unidades imediatamente analisáveis.
Foram utilizados, na generalidade, códigos descritivos, definidos por Miles et al (1994),
como aqueles que, sem sugerir qualquer interpretação, se limitariam a atribuir uma
categoria a um segmento de texto. Contudo, foi necessário recorrer a códigos
Tese
163
Capítulo VI: Método para análise do processo de mudança da administração pública da saúde
centrada na contratualização
explicativos, mais inferenciais, definidos pelo mesmo autor como aqueles que
indicariam que um determinado segmento de texto ilustrava um padrão deduzido, a
partir do significado das informações prestadas.
Quer no critério correspondente à exploração do material, quer no de tratamento dos
resultados, procedeu-se à codificação, de acordo com as orientações previamente
estabelecidas e no seu estado .bruto, para que os mesmos se pudessem tornar
significativos e válidos, segundo Bardin, L. (2000).
Como recomenda Miles et al (1994), foram construídas grelhas para entradas,
recolhidas em forma de matriz de sub-modelos, para evidenciar as frases retiradas da
análise efectuada e fazer emergir as características de cada um dos quadros de
referência dos entrevistados, bem como permitir a comparação entre os diferentes
informadores.
6.2.2.2 A análise SWOT
As incertezas que envolvem o processo de formulação da estratégia torna-a por vezes
uma tarefa simultaneamente incómoda e desafiante para os decisores. Por isso, o
processo estratégico da mudança organizacional deverá assentar numa análise da
competitividade, o mais detalhada e profunda possível. É na profundidade dessa análise
que residem as razões e as motivações para a mudança. Este processo de análise da
realidade organizacional constitui o diagnóstico estratégico e com ele pretende-se
efectuar um levantamento, tão exaustivo quanto possível, da realidade interna e externa
da organização em estudo e, dessa forma, avaliar a sua competitividade.
Para efectuar a análise mais adequada à realidade organizacional necessitamos de
utilizar um modelo, que directa ou indirectamente permita elaborar o diagnóstico de
situação. Aquele que, para diversos autores, se apresenta como o que permite uma maior
fiabilidade nos resultados, pela identificação das prioridades e uma abordagem
sistémica, de entre outras possíveis, que simultaneamente pode ajudar-nos a lidar com a
ambiguidade e as incertezas do problema da saúde em Portugal, tendo por base uma
perspectiva estritamente organizacional, é o modelo de análise, designado por Análise
SWOT, criado em 1951 por Kenneth Andrews e Roland Christensen, professores da
Harvard Business School, a qual foi posteriormente aplicada por numerosos académicos
(Andrews, K. 1971).
A análise SWOT é um dos modelos mais difundidos para fazer o diagnóstico estratégico
da organização. O que se pretende é definir as relações existentes entre os pontos fortes
e fracos da organização, com as tendências mais importantes que se verificam na sua
envolvente global, seja ao nível do mercado global, do mercado específico, da
conjuntura económica ou das imposições legais, entre outras. Através desta metodologia
poderá fazer-se a identificação das forças e fraquezas da organização, das oportunidades
e ameaças do meio envolvente e do grau de adequação entre elas.
Quando os pontos fortes de uma organização estão de acordo com os factores críticos de
sucesso para satisfazer as oportunidades de mercado, a organização será, por certo,
164
Tese
Capítulo VI: Método para análise do processo de mudança da administração pública da saúde
centrada na contratualização
competitiva a longo prazo, sendo que um passo essencial na definição da estratégia
consiste numa avaliação cuidadosa da “posição” da organização (Ansoff, H. 1965).
Esta análise, tendo presentes as “ambições” explícitas na missão e grandes objectivos,
deve incidir em dois pontos-chave: o ambiente externo (quais são as oportunidades e as
ameaças?) e o ambiente interno à organização (quais são as forças e as fraquezas?).
Mas, o seu objectivo principal é estudar as capacidades internas da organização e
capacitar os decisores a formular as metas e os objectivos com fins apropriados às
exigências do meio envolvente em que a organização existe.
A análise SWOT (Figura 13) examina a organização segundo quatro variáveis: (1)
strengths (forças) e (2) weakness (fraquezas), referentes à organização – análise
interna; (3) opportunities (oportunidades) e (4) threats (ameaças), para o meio
envolvente, segundo Hindle, T. et al (1994). Esta análise cruza os pontos fortes e fracos
da organização com as oportunidades e ameaças da respectiva envolvente externa.
Forças
(strengths)
(pontos fortes da organização)
Fraquezas
(weakness)
(pontos fracos da organização)
Oportunidades
(opportunities)
(alterações previsíveis no meio envolvente
que podem transformar-se em
oportunidades)
Ameaças
(threats)
(alterações previsíveis no meio envolvente
que podem transformar-se em ameaças)
Fonte: Ansoff, H. I. (1965), “Corporate Strategy”.
Figura 13: Análise SWOT
Daquele cruzamento resultam os quatro quadrantes, para cada um dos quais se traçam
estratégias globais. O conceito de análise SWOT, embora aparentemente estático,
encerra uma força e dinâmica superiores às que se podem detectar à primeira vista.
As forças (strenghts) são vantagens internas da organização em relação às concorrentes
e que, uma vez identificadas, devem ser olhadas sob três vertentes: (i) explorar (de que
modo se pode aproveitar para ganhar ou acentuar as vantagens concorrenciais?), (ii)
reforçar (o que é necessário fazer para as reforçar?) e, (iii) proteger (são algo tão
importante que deve ser protegido?).
As fraquezas (weaknesses) são desvantagens internas da organização em relação às
concorrentes. Poderá ser útil encará-las sob duas perspectivas: (i) inverter (será possível
inverter a situação que lhe deu origem?) e, (ii) minimizar (caso não seja possível
eliminá-la, que acções podem ser tomadas para minimizar os seus efeitos?)
As oportunidades (opportunities) são aspectos positivos da envolvente com o potencial
de aumentar a vantagem competitiva da organização. Há dois pontos a considerar: (i)
timing (muitas são válidas apenas numa janela temporal muito limitada, pelo que há que
ponderar bem a altura de intervir) e, (ii) explorar (no processo de selecção, e em ligação
Tese
165
Capítulo VI: Método para análise do processo de mudança da administração pública da saúde
centrada na contratualização
directa com o que foi dito sobre a atractividade destas, as respostas às seguintes
questões podem fornecer pistas valiosas para realizar a escolha sobre: a) o que se ganha
ou perde explorando a oportunidade? e o que se ganha ou perde não explorando a
oportunidade?).
As ameaças (threats) são aspectos negativos da envolvente com o potencial de diminuir
a vantagem competitiva da organização. Existem várias atitudes que podem ser
seguidas, nomeadamente: (i) combater, tentando inverter, eventualmente com recurso a
alianças estratégicas e, (ii) aproveitar a força do adversário para lhe levar a melhor. Para
o sistema de saúde a ideia é a de avaliar, através de uma reflexão aprofundada na qual
devem participar a maioria dos actores intervenientes na área, quais são estes elementos,
sendo que a elaboração do diagnóstico estratégico através do modelo SWOT deve levar
à formulação de objectivos estratégicos, os quais deverão ser consentâneos com as
conclusões a que se chegou na análise efectuada e estarem adequados aos seguintes
princípios:
•
Coerência horizontal, em que os objectivos dos órgãos situados no mesmo
nível organizacional devem estar em consonância e ser coerentes entre si
para evitar conflitos e incompatibilidades;
•
Coerência vertical, onde os objectivos de um nível organizacional devem
ajudar à realização dos objectivos do nível imediatamente superior;
•
Comunicação total, em que os objectivos globais da organização devem ser
conhecidos e compreendidos por todos os seus níveis hierárquicos.
Por outro lado, a efectividade e utilidade dos resultados depende de três factores
principais:
•
Os objectivos têm que estar quantificados;
•
Deverá estar definida a unidade de medida para avaliar a evolução dos vários
objectivos;
•
Deverá ser definido um horizonte temporal, ou seja, terá de haver um timing
preciso para a execução do processo e aplicação dos resultados.
Todo Bom (1999) considera que esta metodologia apresenta fundamentalmente duas
limitações, a saber:
•
Não existe relação entre a análise interna e a análise externa;
•
A falta deste relacionamento pode não destacar alguma força ou fraqueza, as
quais individualmente não são relevantes, mas quando articuladas com uma
oportunidade ou ameaça do meio envolvente permitem atribuir-lhe o seu real
valor relativo.
O autor fundamenta a sua opinião no facto da análise SWOT ser uma observação
estática, que carece da integração da variável “tempo”, cuja inclusão poderá reforçar o
seu dinamismo, embora a sequência da análise temporal apenas permita observar as
mudanças internas ocorridas, pela análise interna e a verificação da turbulência
envolvente, pela análise externa (Todo Bom (1999, pp. 49).
166
Tese
Capítulo VI: Método para análise do processo de mudança da administração pública da saúde
centrada na contratualização
Parece então possível dar uma dinâmica diferente nesta evolução do modelo SWOT, o
que confirma que com a inclusão da variável “tempo”, é possível dizer que as
“ameaças”, num dado momento, podem ser “oportunidades” num momento futuro. A
componente temporal é cada vez mais importante na estratégia organizacional. Muitas
das “ameaças” podem ser equacionadas como uma avaliação de quando é que a
organização deve introduzir novos modelos dos produtos ou serviços já existentes,
sejam eles evoluções dos modelos actuais ou modelos substitutos. As organizações
devem, antes do mais, fazer um esforço para melhorar as suas competências. Só desta
forma estarão aptas a tirar o máximo proveito das oportunidades que vão surgir. Tudo é
uma questão de decidir qual é o timing mais apropriado para efectuar as alterações
necessárias aos produtos, ou aos serviços, propostos aos clientes.
Mas para a integração global da análise não parece suficiente a inclusão da variável
“tempo” - é necessária uma observação mais global que inclua a interacção entre a
organização e o meio envolvente. Para alguns autores, referidos por Todo Bom (1999),69
é possível construir combinações entre as quatro variáveis iniciais, aumentando assim o
poder de análise deste instrumento e criando um modelo de análise global, em que o
relacionamento entre as variáveis através de quatro “alinhamentos” permite uma maior
aproximação sistémica, como se pode verificar através da Figura 14.
Oportunidades
Desafio
Constrangimento
Pontos Fortes
Pontos Fracos
Alerta
Perigo
Ameaças
Fonte: Todo Bom, L., (1999), A Systemic Approach to the Swot Analysis, in Revista de Economia e Gestão, Vol. IV – 1/1999.
Figura 14 - Aproximação sistémica com os alinhamentos na análise SWOT
Os alinhamentos podem definir-se da seguinte maneira:
(i) desafio – as forças que permitem à organização usarem todas as
oportunidades que estão ao seu alcance, ou seja equipas jovens, competentes
e motivadas, que respondem com soluções às exigências do mercado e, em
que a ligação ao meio académico permite à organização manter-se em
contacto com a actualidade tecnológica;
(ii) constrangimento – as fraquezas que inibem a organização de tirar vantagem
das oportunidades interessantes, tais como a ausência de troca de
69
O’Reilly, C. & Thusman, M. Winning Trough Innovation , HBS Press, 1997 e Ghoshal, S. & Barlett,
C. The Indivualized Corporation, Heinemann, 1998.
Tese
167
Capítulo VI: Método para análise do processo de mudança da administração pública da saúde
centrada na contratualização
experiências que inibe a organização de tirar vantagem das competências da
envolvente externa, enquanto a falta de recursos humanos e a sua grande
rotatividade impedem o crescimento e a adaptação da organização ao normal
desenvolvimento do mercado;
(iii)alerta – as forças que permitem que a organização não seja invadida por
possíveis ameaças, como por exemplo uma organização permanentemente
centrada em si mesma pode limitar a competitividade, ou uma organização
eficiente e com custos controlados está melhor preparada para enfrentar a
competitividade;
(iv) perigo – as fraquezas que aumentam as ameaças de negócio e põem em risco
a existência da organização e que podem identificar-se como a capacidade de
adaptação das organizações, podem definir a sua posição no mercado,
enquanto a excessiva utilização de recursos externos pode prejudicar a
relação da organização com o cliente, em virtude da existência de
competidores que oferecem soluções globais.
Todo Bom refere que esta abordagem permite a utilização desta ferramenta ao longo do
processo de mudança, particularmente em organizações de baixa complexidade, ao
invés da tradicional utilização exclusiva na fase de diagnóstico estratégico. E apresenta
um modelo do alinhamento para a análise SWOT do processo de mudança, em que é
introduzida a alteração do entendimento e nomenclatura dos alinhamentos propostos
inicialmente, passando a designar-se por iniciativa, determinação, monitorização e
elasticidade.
As significativas alterações produzidas na matriz inicial permitem que este novo modelo
seja muito mais poderoso na análise, já que interliga e relaciona os aspectos internos
com o meio envolvente da organização. Contudo, este autor na sua abordagem conclui
pela não aplicabilidade do seu modelo de análise do processo de mudança em
organizações mais complexas ou de elevada turbulência, sendo nestes casos mais
aconselhável o uso do modelo da aproximação sistémica, como é o caso da saúde.
A escolha da matriz SWOT original ou de qualquer uma das evoluções anteriormente
referidas será fruto da adaptação às circunstâncias da análise que se pretende efectuar.
De qualquer modo o diagnóstico estratégico efectuado deve estar organizado em termos
funcionais. Para isso é útil associar a cada ponto forte ou fraco um departamento ou área
funcional da organização. Assim, a análise SWOT é um instrumento precioso para
qualquer gestor analisar, em profundidade, o ambiente interno em articulação com a
envolvente externa da organização, e daí construir uma grelha para as decisões
estratégicas a tomar.
A maioria dos decisores conhece bem o sistema e é capaz de identificar as suas forças e
fraquezas, mas dever-se-á fazer uma avaliação para validação das suas assunções. Uma
das formas de validação é através da demonstração quantitativa da evidência, de forma a
colocar cada problema numa perspectiva adequada. Ao incluir a evidência como parte
da análise SWOT o decisor começa a identificar um conjunto de perguntas e respostas
que irão apoiar a formulação de uma estratégia sólida e adequada.
168
Tese
Capítulo VI: Método para análise do processo de mudança da administração pública da saúde
centrada na contratualização
No que se refere à análise interna no actual sistema de saúde português, se aplicarmos
os instrumentos de análise da escola de Porter (escola de posicionamento), podemos
concluir que o sector privado, atento às ineficiências crónicas do sector público, investe
proporcionalmente às oportunidades do mercado, apostando em modelos de fluxo de
trabalho inseridos na cadeia de continuidade de cuidados, posicionando-se no mercado
partilhado como referência em termos de eficiência.
A realização da análise externa é uma tarefa mais difícil pela grande multiplicidade de
variáveis implicadas e não deve ser um fim em si mesma. Ela deve ser dirigida e
premeditada, podendo conduzir directamente às alternativas de decisão estratégica
(Figura 15).
Decisões estratégicas
Onde competir
Como competir
Bases da competição
Identificação
Tendências/eventos
futuros
Ameaças/oportunidades
Incertezas
Análise
Áreas com
necessidade de
informação
Análise de cenários
Figura 15: O papel da análise externa
As oportunidades não cobertas e as ameaças identificam-se pela análise de informação
relativa ao mercado (segmentação, partilha, barreiras, estrutura de custos, factores
críticos de sucesso), economia, política, leis, ética, tecnologias, grupos de actores
(competidores, fornecedores, clientes, parceiros sociais, organizações profissionais e
sindicais, etc.). Todos estes factores afectam a prestação de cuidados de saúde em geral
e dos serviços de saúde em particular e devem ser tidos em conta na análise da
envolvente externa.
A investigação teve por base os seguintes objectivos: (i) avaliar a fase de arranque ou
processo inicial da contratualização; (ii) discutir o processo de desenvolvimento; (iii)
analisar o processo de contratualização propriamente dito e, (iv) fomentar a discussão
acerca de modelos alternativos que possam sustentar o desenvolvimento futuro da
contratualização. Os objectivos, os participantes e a metodologia seguida constam do
Anexo V.
Com base em cinco seminários, realizados entre Dezembro de 1999 e Fevereiro de
2000, procuraram-se seleccionar os actores chave mais significativos do sector da
saúde (representantes das organizações profissionais – ordens e associações;
representantes das organizações sindicais; representantes dos prestadores não públicos
Tese
169
Capítulo VI: Método para análise do processo de mudança da administração pública da saúde
centrada na contratualização
de cuidados de saúde – misericórdias, mutualidades, privados; representantes da
indústria) e através da sua auscultação deduzir sobre a existência de pensamento
estratégico e sobre a sua capacidade de influência nas políticas de saúde.
A partir desta abordagem efectuou-se uma análise SWOT, a qual permitiu identificar
um conjunto de pontos fortes e fracos, os quais levando em linha de conta as
oportunidades e os obstáculos do meio envolvente poderão auxiliar na definição de uma
estratégia que permita dar continuidade ao processo de desenvolvimento e consolidação
das políticas e estratégias em curso, nas quais se inclui a contratualização.
6.2.2.3 A análise estatística
Na análise quantitativa e de modo a permitir uma familiarização com os métodos de
análise de dados multivariados, quer na sua vertente descritiva, quer na sua vertente
inferencial e tendo em conta os objectivos em estudo e a natureza das variáveis
consideradas, procedeu-se a uma análise estatística com base nos seguintes princípios
teóricos:
Análise descritiva dos dados
Foi realizada a análise das frequências das respostas, calculadas medidas de tendência
central (média e moda), medidas de dispersão (desvio padrão), medidas de associação
(coeficiente de correlação de Pearson) e cruzamentos entre duas variáveis.
Análise inferencial
Fez-se igualmente uso da estatística inferencial, que se baseia na utilização de testes
estatísticos que permitem confirmar se a diferença entre os valores observados e os
esperados é considerada significativamente diferente no universo ou, se pelo contrário,
resulta apenas de erros amostrais: testes de χ2.para a independência de 2 variáveis,
testes t para a igualdade de médias de 2 grupos, análise de variância simples, bem como
as alternativas não paramétricas, sempre que o pressuposto de normalidade não se
verifique ou as dimensões amostrais sejam reduzidas.
Análise em componentes principais
Com o objectivo de reduzir o número de dimensões presentes e de encontrar variáveis
explicativas não correlacionadas entre si, será aplicada a análise em componentes
principais.
Neste caso partiu-se de um universo de 135 variáveis originais, com observações para
os últimos trinta anos e que se pretende reduzir a um menor número de dimensões que
serão posteriormente utilizadas num modelo de regressão linear múltiplo como variáveis
explicativas do comportamento dos resultados em saúde.
170
Tese
Capítulo VI: Método para análise do processo de mudança da administração pública da saúde
centrada na contratualização
6.3
A triangulação
Segundo Creswell (1994), o termo triangulação, retirado da navegação e da estratégia
militar, diz respeito ao uso de diferentes métodos num mesmo estudo, com o objectivo
de anular os erros inerentes a cada um deles. Greene et al (1989), sustentam que, como
todos os métodos têm enviezamentos e limitações, o uso de mais do que um método faz
com que o estudo tenha maior validade. A lógica requer que os métodos sejam
diferentes quanto aos seus pontos fortes e limitações e que sejam utilizados para analisar
o mesmo fenómeno, pois de contrário não se atingiria o objectivo fundamental da
triangulação.
A triangulação é assim uma combinação de tantas perspectivas metodológicas quanto
possível no estudo do mesmo fenómeno (Bogdan et al, 1998). Os diferentes tipos de
triangulação usados habitualmente são: (i) de dados; (ii) de investigador; (iii) de teoria
e, (iv) de metodologia. Por isso, dadas as diferentes análises de dados e metodologias
efectuadas e a riqueza das suas conclusões, procurou-se apresentar e discutir os
resultados à luz de duas das formas de triangulação: (i) dos dados (uso de múltiplas
fontes de informação) e, (ii) metodológica (uso de múltiplos métodos para estudar um
problema único), de acordo com a Figura 16 a seguir apresentada:
Dados de
recursos,
produção e
resultados
(análise
estatística)
Legislação
(Análise em
profundidade)
Revisão
Bibliográfica
(Análise em
profundidade)
Entrevistas
(Análise de
conteúdo)
Triangulação
dos dados e
da
metodologia
Questionários
(Análise de
conteúdo e análise
estatística)
Página Web
(Análise de
conteúdo)
Painel de
peritos
(Análise SWOT)
Estatísticas
(Análise de
dados)
Figura 16. A triangulação (de dados e metodológica)
Tese
171
Capítulo VII: Apresentação dos resultados
CAPÍTULO VII: APRESENTAÇÃO DOS RESULTADOS
1.
INTRODUÇÃO
A análise e tratamento dos dados resultantes do trabalho de campo desenvolvido, assim
como o resultado das discussões e opiniões dos actores e peritos envolvidos, pretendem
identificar os diferentes factores críticos do contexto português que condicionam a
evolução da administração pública da saúde e qual o papel da contratualização, nesse
mesmo contexto.
Na elaboração deste capítulo foram seguidas as seguintes estratégias de pesquisa:
1. Revisão sistematizada de documentos, relatórios e informação disponíveis
sobre a temática em apreço, quer através de fonte primárias, quer
secundárias (publicações que indexam a informação bibliográfica de uma
grande quantidade de artigos, por assunto, palavras-chave, autores, revistas,
etc.), em que se analisam os resultados de maneira cuidadosa e
pormenorizada, de forma a enquadrar o melhor possível o problema a
investigar. Quando apropriado (e possível) utilizam-se sínteses estatísticas
sobre os dados, produzindo neste caso uma análises em profundidade70;
2. Análise SWOT com base na opinião dos actores chave do sistema de saúde;
3. Análise de conteúdo (Anexos XII e XIII) dos resultados de questionários e
entrevistas efectuados a actores intervenientes no processo de
contratualização;
4. Análise estatística dos resultados de questionários aplicados a dirigentes da
saúde (Anexos XIV), sobre o início e desenvolvimento do processo de
contratualização;
5. Aplicação de métodos estatísticos multivariados, medidas de correlação,
estatística inferencial e modelo de regressão linear múltipla, às séries de
dados referentes ao contexto macroeconómico/social, aos recursos técnicos,
humanos e financeiros, à produção e produtividade, ao desempenho e aos
resultados, nas três últimas décadas;
6. Revisão e análise crítica dos normativos referentes às últimas três décadas
(Anexos XV).
As conclusões obtidas serviram de base à identificação de três componentes de análise
do sistema de saúde, de acordo com o modelo definido inicialmente (contexto,
contratualização e processo de mudança), os quais foram validados por uma equipa de
especialistas.
70
Não nos vamos preocupar com a discussão das tecnicidades inerentes aos exemplos aqui constantes,
limitamo-nos a proceder a um levantamento sistemático das premissas, argumentações, coerência
interna e validade experimental dos contributos listados.
Tese
173
Capítulo VII: Apresentação dos resultados
2.
APRESENTAÇÃO E ANÁLISE DESCRITIVA DOS RESULTADOS
Seguindo o modelo inicialmente proposto, a análise descritiva dos resultados
apresentar-se-á subdividida nas três componentes identificadas: contexto,
contratualização e processo de mudança, articulando de forma estruturada as seis
estratégias de pesquisa atrás enunciadas.
2.1
A componente “contexto”
2.1.1 Opinião dos actores chave – Análises SWOT e do Campo de Forças
Para tornar possível o aprofundamento desta temática, concorrer para o conhecimento
sobre o papel que teve a contratualização na evolução da administração pública da
saúde e, principalmente, conhecer os factores críticos do contexto português que
obstacularizam o processo de mudança e ensaiar, ainda, um quadro de reflexão sobre
esta matéria, convidaram-se actores significativos da área da saúde (representantes de
ordens, associações e sindicatos das profissões da saúde, dos órgãos centrais do
Ministério da Saúde, dos prestadores privados, com e sem fins lucrativos), a
pronunciarem-se sobre a sua percepção do sistema de saúde actual e dos mecanismos de
reforma, nomeadamente a contratualização. Recorreu-se ainda a líderes e peritos
envolvidos e devidamente reconhecidos no âmbito desta área, de forma a obter
respostas, entre outras, às seguintes questões: (i) haverá um modelo de administração
mais adequado para a área da saúde e mais custo/efectivo do que o vigente? (ii) que
forma deve esse modelo assumir? (iii) como operacionalizá-lo? (iv) que estratégia
seguir para a sua aplicação? e, por último, (v) porque falharão sistematicamente as
mudanças encetadas?
Para dar corpo a esta metodologia realizaram-se, em 1999, cinco seminários, em que
com recurso à técnica de brainstorming71 se procurou, através de perguntas concretas
dirigidas aos actores presentes, responder ou dar pistas para as questões já enunciadas,
estimulá-los para com criatividade se pronunciarem sobre as políticas de mudança em
curso, sobre as suas próprias estratégias e, mais concretamente, sobre o processo de
contratualização.
Procurou-se, mais especificamente, que cada um dos actores envolvidos discutisse e se
pronunciasse sobre as seguintes questões:
- Se tinham estratégia definida para a reforma do sistema de saúde;
- Como actuavam e se posicionavam face à mudança e que tipo de estratégia
utilizavam;
- Como viam o papel da contratualização no contexto da mudança.
A grande riqueza da discussão, a qualidade dos argumentos aduzidos, a comparação das
ideias, a atenção sobre os factores do meio envolvente que afectam o sistema e as
71
O brainstorming é uma técnica para reuniões de grupo que visa ajudar os participantes a vencer as
limitações em termos de pensamento criativo e pretende promover um ambiente favorável à geração de
ideias e soluções inovadoras. Foi desenvolvida pelo publicitário Alex F. Osborn, em 1957, mas continua
a ser um dos métodos mais conhecidos para estimular a criatividade e a política de inovação nas
organizações (Apllied Imagination (1957, N.Y: Charles Scribner and Sons).
174
Tese
Capítulo VII: Apresentação dos resultados
estratégias que, explícita ou implicitamente, estão presentes no pensamento e actuação
dos actores, sobressaem nas conclusões retiradas dos seminários realizados e que se
procura aqui de forma sucinta transcrever.
Passados três anos, em 2002, recorreu-se à mesma metodologia, utilizando de novo os
seminários e procurando fomentar a discussão através da técnica de brainstorming. Para
o efeito, repetiram-se as perguntas e procurou verificar-se: (i) se tinha havido alterações
significativas no sistema que pusessem em causa a metodologia anteriormente seguida e
impedissem a comparação da evolução do pensamento dos actores nestes dois
momentos, (ii) se continuavam verdadeiras as dimensões definidas e, (iii) o que se
acrescentava e/ou retirava à análise SWOT anteriormente realizada.
Com base nas discussões realizadas ficou assim constituída a matriz SWOT, que
sintetiza as principais oportunidades e ameaças (problemas), relativas à envolvente do
SNS e ainda os pontos fortes e fracos referentes aos seus factores internos, os quais
condicionam ou potenciam o processo de mudança da administração da saúde:
PONTOS FORTES (S)
1. Qualidade de profissionais do SNS;
2. Existência de alguns serviços de grande
qualidade técnica;
3. Existência de estratégias para responder a
grupos específicos de doentes (por exemplo,
diabéticos);
4. Melhoria nas tecnologias médicas que
incrementam as possibilidades de intervenção
diagnóstica e terapêutica.
OPORTUNIDADES (O)
1. Início da separação entre financiador e prestador,
através das agências;
2. Introdução de algumas regras de mercado no sector
da saúde, na sequência da tendência internacional de
substituição dos modelos burocráticos centralizados
de comando e controlo para ambientes mais liberais;
3. Implementação do novo estatuto jurídico de gestão
hospitalar;
4. Entrada de grupos financeiros e multinacionais no
sector;
5. Aumento das expectativas e das necessidades dos
cidadãos no que respeita a mais e melhores serviços,
em termos de qualidade e acessibilidade;
6. Priorização da saúde nas medidas estratégicas do
governo.
PONTOS FRACOS (W)
AMEAÇAS (T)
1. Grande fragilidade na rede de cuidados
continuados;
2. Falta de lideranças locais fortes;
3. Comportamentos ineficientes e práticas
enraizadas;
4. Aumento crescente dos custos e dos gastos
em saúde;
5. Ausência de política para as profissões, num
quadro de mudança de modelo contratual;
6. “Cultura” das diferentes profissões de saúde;
7. Grande absorção das organizações na gestão
corrente;
8. Duplicação de funções dos órgãos centrais e
regionais da saúde;
9. Pouca autonomia administrativa e financeira;
10. Falta de cultura assente na contratualização e
no mercado.
1. Falta de mecanismos de enquadramento, regulação e
controlo de gestão para o sistema, por parte do
Estado;
2. Diferentes lobbies do sector (profissionais e alguns
fornecedores);
3. Desconhecimento sobre as linhas de orientação
política do Governo quanto ao desenvolvimento do
SNS;
4. Falta de continuidade dos Governos;
5. Entrada de grupos financeiros e multinacionais no
sector;
6. Falta de reconhecimento de medidas de reforma
anteriormente adoptadas;
7. Assimetrias nas capacidades instaladas dos
prestadores privados;
8. Falta de envolvimento por parte dos actores externos;
9. Restrições orçamentais.
Tese
175
Capítulo VII: Apresentação dos resultados
Com base nos resultados dos dois momentos de análise (1999 e 2002) e ainda da revisão
bibliográfica de publicações do sector da saúde e de artigos publicados na imprensa
generalista escrita no mesmo período, procurou-se fazer a Análise do Campo de Forças,
com recurso a uma técnica próxima da de grupos orientados “focus group”, analisando
os diferentes actores intervenientes na área da saúde (Quadro 18) no que se refere à
avaliação das suas posições face às mudanças encetadas, ao seu poder e ao interesse
manifestado pelas mesmas e cujas conclusões podem ser analisadas neste quadro.
Quadro 18 – Quadro de análise dos principais actores da saúde
ÁREAS
ACTORES
Ministro da Saúde (MS) e
Secretário de Estado da Saúde
(SES)
Direcção Geral da Saúde (DGS)
Governo
Representantes
dos doentes
ONG’s e IPSS
Organizações
Profissionais
Prestadores
privados
Sindicatos
Representantes
da área do
medicamento
Associação dos
consumidores
Comunicação
social
Administrações Regionais de
Saúde (ARS)
Instituto de Gestão Informática
e Financeira da Saúde (IGIF)
Instituto Nacional da Farmácia e
do Medicamento (INFARMED)
Grupos de Cidadãos
Associações de defesa de
doentes
União das Misericórdias
União das Instituições
Particulares de Solidariedade
Social (IPSS)
União das Mutualidades
Ordem dos Médicos
Ordem dos Enfermeiros
Ordem dos Farmacêuticos
Associação Portuguesa de
Administradores Hospitalares
(APAH)
Federação Nacional de Cuidados
de Saúde (FNS)
Sindicatos dos Médicos
Sindicato Enfermeiros
Sindicatos dos Técnicos
Associação Nacional de
Farmácias (ANF)
Associação Portuguesa da
Indústria Farmacêutica
(APIFARMA)
Associação Portuguesa para a
Defesa do Consumidor (DECO)
Television/Rádio/ Imprensa
Ano 1999
Ano 2002
Posição
Poder
Interesses
Posição
Poder
Interesses
A
9
a, b, c, e
A
10
a, b, c, e
A
6
a, c, e
N
3
b, c
A
8
a, c, e
N
4
a, b, e
O
7
a, e
N
8
a, e
N
N
5
3
a, e
b
A
N
6
3
a, c, e
b
N
3
b
N
3
b, e
O
3
b, e
O
6
a, b, e
N
3
b, e
N
3
a, b, e
N
O
A
N
3
5
5
5
b
a-d-e
d
d
N
N
O
O
4
9
7
5
a, b, e
a, d, e
d, e
a-d
A
3
d
N
3
a-d
O
5
e
N
5
a, e
A
A
A
1
3
2
d
d
d
N
O
O
5
6
4
d, e
d, e
d, e
N
6
e
O
7
d, e
N
5
e
N
6
d, e
A
3
b
A
3
b, e
N
7
e
N
9
a, e
Posição: A = apoio; N = não mobilizados; O = oposição; Poder: Análise de campo de forças (0 a 10);
Interesses: ª político; b social; c científico/social; d profissional; e económico
Em 2002, passados três anos, a avaliação do posicionamento estratégico de cada actor
apresenta grandes alterações, dado que houve de facto uma mudança muito significativa
de posições (13 em 22), sendo que 9 posições não sofreram alterações, 4 deslocaram-se
em sentido mais favorável (O→N; N→A) e 9 deslocaram-se em sentido negativo
(A→N; A→O; N→O). É interessante analisar exaustivamente estas alterações, que
podem ser visualizadas no quadro seguinte, nomeadamente as que se referem aos
176
Tese
Capítulo VII: Apresentação dos resultados
actores que mais directamente participaram na contratualização (DGS, IGIF, ARS), não
parecendo, no entanto, verificarem-se mudanças comportamentais que permitam
concluir que estes actores se envolveram no processo de mudança, ou tão pouco que
acreditam nele.
Sabendo-se que actualmente se verificam alterações significativas do enquadramento
conjuntural do SNS, mais ainda, ao nível estrutural estão em curso mudanças cujo
impacte ainda está por calcular, emerge do discurso dos diferentes actores sociais a
necessidade de inclusão da problemática da contratualização.
Acrescenta-se ainda a alteração do contexto e orientação políticas, traduzidas nas
palavras dos actores como falta de continuidade das políticas governamentais e ausência
de significado e de significação do enquadramento em que a mudança e a
contratualização são concretizadas. Aqui pode salientar-se a omissão da função
reguladora por parte do Estado, o que muito preocupa peritos e profissionais envolvidos,
bem como alguns dos actores.
A falta de informação e de entendimento sobre as linhas políticas de desenvolvimento
do SNS é um dos grandes e graves obstáculos referidos pelos actores que integraram os
diferentes painéis (sendo bastante mais mencionado em 2002 do que em 1999), tendo
aumentado inevitavelmente a sua resistência às mudanças perspectivadas. De notar que
não sendo evidente a existência de estratégia definida para a reforma do sistema de
saúde por parte destes actores, há pelo menos no segundo momento da análise um
sentimento de perplexidade face às tão profundas mudanças enunciadas, embora vistas
com grande expectativa, centrada sobretudo no novo estatuto jurídico para a gestão
hospitalar, nas alterações previstas ao nível dos cuidados de saúde primários e na
introdução de mecanismos de mercado, o que tem feito emergir fortes alianças tácticas,
dado que os interesses não são coincidentes, sendo difícil prever os resultados dessas
coligações. Foi esta conjuntura que facilitou as alianças.
De salientar que, como é normal, as posições dos actores não são coincidentes e
algumas das mudanças perspectivadas, como por exemplo a alteração dos modelos de
pagamento aos prestadores e a eventual entrada de grupos financeiros e multinacionais
no tecido empresarial da saúde, trazem muita insegurança e parecem agradar a uns mas
desagradam necessariamente a outros, embora quase todos tenham grandes expectativas
e acreditem que é possível uma melhoria do sistema.
Procurando encontrar resposta à questão enunciada sobre como actuavam e se
posicionavam face à mudança e que tipo de estratégia utilizam, verifica-se que dada a
tendência internacional de substituição dos modelos burocráticos centralizados de
comando e controlo (mando/hierarquia) para ambientes centrados numa lógica de
mercado, o aumento incontrolável dos custos e a falência das funções públicas de
financiador, prestador e regulador e, ainda, as conhecidas restrições orçamentais, poderá
até estar facilitada a aceitação das mudanças e eventualmente verificar-se alguma
alteração na habitual falta de compromisso dos actores.
O facto do actual Governo (XV governo constitucional) ter incluído a saúde nas suas
medidas estratégicas prioritárias, bem como a anunciada separação entre o financiador e
Tese
177
Capítulo VII: Apresentação dos resultados
o prestador e a introdução de regras de mercado no sector da saúde e ainda a tendência
para adopção de fontes de financiamento e de regulação públicas, parecem ser boas
notícias para o sector, mas convém levar em consideração as medidas de reforma
anteriormente adoptadas, visíveis na sentida melhoria nos indicadores de referência que
permitem comparar o desempenho das instituições, identificadas pelos actores, em
contraponto à descredibilização do processo de contratualização por parte do Ministério
da Saúde.
De salientar que um outro factor de contexto que poderá influenciar os
desenvolvimentos futuros na saúde e a adopção de medidas inovadoras, como por
exemplo a contratualização, prendem-se com as exigências decorrentes da nossa
integração no espaço comunitário, nomeadamente o pacto de estabilidade, a moeda
única, a livre circulação de pessoas e o seu impacto nas questões relacionadas com o
acesso dos cidadãos aos cuidados de saúde, no espaço europeu.
2.2
A componente “processo de contratualização”
2.2.1 A perspectiva dos actores intervenientes no processo de contratualização Análise de Conteúdo
A análise dos dados resultantes do trabalho de campo desenvolvido através de
questionários e entrevistas, bem como das opiniões colhidas através da Web, pretendia
identificar a perspectiva dos actores intervenientes no processo de contratualização com
o objectivo de compreender as diferentes componentes deste processo.
Assim, para operacionalização deste conteúdo, foram seguidos os seguintes passos:
•
•
Análise de conteúdos com a apresentação dos agrupamentos, categorias e
subcategorias;
Análise dos resultados apoiada na análise de frequências.
2.2.1.1 Análise de conteúdo com apresentação das categorias e subcategorias
A técnica utilizada para o tratamento do material recolhido, através dos três
instrumentos já referidos (questionários, entrevistas semi-estruturadas e questionários na
Web), foi a Análise de Conteúdo. Trata-se de uma técnica de análise que exige grande
rigor e objectividade, pois torna possível a apreensão e estruturação de informações de
carácter qualitativo, inferindo resultados e conclusões dessa informação.
Para responder adequadamente ao volume de informação a tratar seguiu-se o processo
de categorização recomendado por Bardin, L. (2000), que envolve um conjunto de
processos (inventariação, classificação, diferenciação) que têm por base critérios
previamente definidos, os quais, segundo o mesmo autor, se desenvolvem em duas
etapas: a primeira, de inventariação, onde se tentam isolar os elementos; e uma segunda,
de classificação, em que se distribuem os elementos pelas categorias, de forma a
organizar as mensagens. Assim, e após a análise dos discursos dos entrevistados,
procedeu-se às leituras repetidas e atentas de todas as entrevistas e questionários, de
forma a retirar as unidades de análise mais relevantes para a conceptualização do
178
Tese
Capítulo VII: Apresentação dos resultados
objectivo, a partir das quais foram construídas as categorias e as subcategorias que, para
um melhor entendimento, se enquadram nos grandes agrupamentos em análise.
Apresentam-se, de seguida, esses agrupamentos, categorias e subcategorias encontradas,
as quais se registam sequencialmente, de forma a permitir uma rápida, fácil e adequada
leitura:
Agrupamentos, Categorias, Subcategorias
I. Contextualização do processo de contratualização
1. A importância da Função Agência (FA)
•
•
•
•
•
•
•
•
2. Modelos de organização da FA
• Existem diferentes modelos/instrumentos da FA
Reforma e reestruturação do Sistema de Saúde
Reforma da Administração
Melhor (re)distribuição de recursos
Separação entre financiamento e prestação
Valorização do cidadão
Melhor desempenho profissional
Introdução dos mecanismos de responsabilização
Introdução dos mecanismos de avaliação
II. Fase de arranque ou processo inicial
1. Localização da FA
•
•
•
2. Organização do trabalho da FA
•
•
•
•
Órgão regional estratégico/regulador da Administração
Órgão fortemente participado pelos cidadãos
Outros
3. Tipo de mandato da FA
•
•
•
•
•
•
•
•
•
De acordo com o Despacho de criação da FA
Dependente do conhecimento/competência técnica
Outros
Equipas especializadas por áreas de prestação
Outros
Análise detalhada dos orçamentos-programa
Processo de negociação
Decisão sobre financiamento dos serviços
Monitorização dos orçamentos-programa
Coordenação e normalização de procedimentos
Desenvolvimento/ manutenção do sistema de
informação
6. Papel da Sub-região na FA
Coincidente com as diferentes funções técnicas
Reuniões de negociação convocadas pela ARS
Reuniões regulares na Agência
Reuniões de Acompanhamento nas Instituições
Outros
7. Processo e instrumentos de negociação na FA
•
•
•
•
•
Equipas especializadas por áreas geográficas
4. Funções técnicas da FA
5. Funcionamento da FA
•
•
•
•
•
Equipas especializadas por projectos
•
Acompanhamento do processo nos Centros de Saúde
(CS)
•
Participação na discussão do orçamento programa dos
CS
•
Outros
8. Participação do cidadão na FA
•
•
Processo formal de negociação
Processo informal de negociação
Existência de participação com interacção do cidadão
Existência de mecanismos de participação
Orçamento programa
Existência de conteúdo do instrumento de negociação
Outros tipos de instrumentos de negociação
9. Sistema de Informação (SI) da FA
•
•
SI com conteúdos de produção, recursos e resultados
SI da ARS adaptado à FA
Tese
179
Capítulo VII: Apresentação dos resultados
1. Implicações inerentes ao desenvolvimento do processo
•
•
•
•
•
•
•
•
•
•
•
•
Económico/legais
Políticas
Organizacionais
Financeiras
Outros
3. Importância
dimensões
•
•
•
•
•
•
•
•
•
•
•
•
•
•
2. Impacto da contratualização a diferentes níveis
da
contratualização
em
diferentes
4. Evitar perversões do processo de contratualização
•
•
•
Estratégia da saúde
Auditoria clínica
Estratégia clínica
Avaliação de qualidade
Prestadores de cuidados
Financiadores/pagadores/compradores
Procura de serviços
Monitorização e controlo
Regulação dos prestadores
Controlo e avaliação global do sistema
Papel dos clínicos gerais
Sistema de informação integrado
Desenvolvimento organizacional
Necessidades em saúde
5. Potenciar a implementação da contratualização
•
•
Maior envolvimento político
•
•
•
Maior equidade e racionalização na distribuição de recursos
Hospitais Centrais e Especializados
Hospitais Distritais
Hospitais de Nível I
Centros de Saúde
Cuidados continuados
Cuidados a dependentes
Instituições privadas sem fins lucrativos
Discussão pública do processo
Maior responsabilização das entidades envolvidas
Introdução de mecanismos de avaliação
6. Modelo de identificação de necessidades em saúde
•
•
•
•
Criação dum sistema de consequências (prémios e
penalizações)
Satisfação das necessidades da população
Conhecimento de outras experiências
Distribuição de recursos numa base populacional
Verificação de adequação à realidade do país
Outros
Outros
IV. Processo de contratualização
1. Novos códigos comportamentais
2. Modelo de contratualização implementado
• Clarificar o processo de contratualização
• Discutir o processo de desenvolvimento
• Acordar sobre os resultados a alcançar
• Fomentar o diálogo entre os actores
• Assumir compromissos
• Aceitar e dar voz aos cidadãos
• Incrementar o acompanhamento e a monitorização
•
•
Modelo alternativo
Concordância com o modelo seguido
V. Modelos alternativos de contratualização
1. Localização da FA
•
2. Organização da FA
•
•
Coincidente com a ARS
3. Sistema de informação (SI) da FA
•
•
•
Coordenador e várias equipas por unidade de saúde
Outros modelos
4. Criação de padrões de desempenho/produção para
negociação
•
Evoluir para um SI mais integrado
São necessários
Evoluir para um SI mais detalhado
Outros
5. Relação Agência/outras estruturas do MS
•
•
Desconcentradas das ARS
Integradas no SNS
180
Tese
Capítulo VII: Apresentação dos resultados
2.2.1.2 Análise descritiva das categorias e subcategorias
Depois da transcrição integral das entrevistas e das sucessivas leituras, foi iniciado o
processo de levantamento e análise de conteúdo para as grelhas de categorias (I.
Contextualização do processo de contratualização; II. Fase de arranque ou processo
inicial; III. Processo de desenvolvimento da contratualização – base cultura; IV.
Processo de contratualização e, V. Modelos alternativos de contratualização), agrupadas
em dimensões categoriais, as quais foram exaustiva e exclusivamente estruturadas,
permitindo incorporar as unidades de registo (segmento do discurso palavra ou conjunto
de palavras da linguagem do entrevistado/respondente consonantes com as
subcategorias definidas), seleccionadas a partir dos conteúdos das entrevistas e
questionários. Este procedimento foi gerador de um conjunto de grelhas de análise de
registo, onde foram colocadas as unidades de registo extraídas de cada entrevista.
Posteriormente foram construídas quatro grelhas de análise de enumeração. A sua
construção foi baseada nas subcategorias, em que zero (0) indica ausência e um (1) a
presença das unidades de análise, nas respectivas subcategorias por entrevista e
questionário realizados. Foi ainda desenvolvida a representação gráfica que consta do
Anexo XII.
Para o desenvolvimento do processo foi indispensável a criação do dicionário com o
significado das subcategorias (Anexo XIII), que constituiu a “medida” de objectivação
da análise de conteúdo, pois explica e limita a amplitude do conteúdo de cada
subcategoria/unidade temática.
2.2.1.3 Análise de resultados apoiada nas análises de conteúdo e de frequências
Após análise qualitativa dos conteúdos das entrevistas/questionários, procedeu-se ao
tratamento estatístico, utilizando a análise de frequências das ocorrências por
subcategoria, ao mesmo tempo que se desenvolveu uma avaliação comparativa dos
significados dos conteúdos.
Torna-se importante realçar que os questionários, entrevistas e respostas da Web
realizadas aos diferentes profissionais e peritos envolvidos no processo, foram
orientados sobre diferentes guiões de entrevista, embora possuam o mesmo número de
categorias em análise, sejam iguais em conteúdo e posicionamento em termos temporais
e prossigam o mesmo objectivo, razão pela qual o tratamento dos resultados destes três
instrumentos se fez em conjunto.
Para não sobrecarregar a análise de resultados com muitas figuras, só foram
seleccionadas as que se consideraram mais significativas. Ao longo do processo de
análise não iremos ser exaustivos e por isso vão ser feitas referências somente aos
aspectos mais relevantes relativos aos resultados, que serão ilustrados sempre que
possível através das frequências que se podem observar na representação gráfica geral
(Anexo XII).
De forma a poderem ser atingidos os objectivos de explicitação do processo de
contratualização e do papel das agências e determinar a coesão das respostas dos peritos
Tese
181
Capítulo VII: Apresentação dos resultados
auscultados relativamente ao processo de contratualização prosseguido em Portugal,
procurou-se, para além de contextualizar este processo, avaliar, quer o arranque, quer a
fase inicial deste processo (1996/1997).
Visando começar a analisar a contextualização do processo de contratualização e no que
se refere às estruturas que iniciaram este processo, ou seja à importância da Função
Agência (FA), consideram os peritos quanto à existência desta Função (Gráfico III) e
ao seu desenvolvimento, que ela parece ser indispensável/vital para a reforma e
reestruturação do sistema de saúde português (57%), pois permite reordenar as relações
entre os vários agentes e entidades envolvidas introduzindo princípios e mecanismos de
responsabilização e transparência “accountability” (50%) e de maior rigor na avaliação,
bem como, na redistribuição dos recursos (justiça distributiva) (57%).
Gráfico III – Importância da função agência
0%
10%
20%
30%
40%
50%
60%
70%
80%
90%
100%
1. Refo rma e reestruturação do Sistema de Saúde
2. Refo rma da A dministração
3. M elho r (re)distribuição de recurso s
4. Separação entre financiamento e prestação
5. Valo rização do cidadão
6. M elho r desempenho pro fissio nal
7. Intro dução do s mecanismo s de respo nsabilização
8. Intro dução do s mecanismo s de avaliação
Esta função corresponde assim a uma necessidade para a reforma do sistema de saúde e
do SNS (57%) e para uma verdadeira mudança na administração dos serviços de saúde,
tendo um papel fundamental na avaliação/acompanhamento das actividades dos
serviços (hospitais e centros de saúde) assim como na adequação entre estes e as
despesas geradas.
As respostas obtidas apontam no sentido de a mesma ser: “Uma necessidade para a
reforma do Sistema de Saúde e do SNS” (Q. n.º 1); “Considero a Agência essencial
para uma verdadeira separação entre financiamento e prestação e uma boa forma de
garantir que, em mercado interno, as instituições públicas da saúde possam cumprir
cabalmente com as suas obrigações perante os cidadãos.” e “É também uma forma
para que os profissionais cumpram a sua missão como prestadores públicos de
cuidados de saúde e para que esta prestação se torne mais transparente para a
sociedade.” (Q. n.º 8); “Estabelece um diálogo lógico mercê da utilização de critérios
assentes em identificação de necessidades de saúde de base populacional da
consequente necessidade de recursos para a cobertura dos cuidados de saúde gerados,
sendo assim um óptimo instrumento de articulação dos diferentes níveis de
administração de saúde.” (Q. n.º 2).
182
Tese
Capítulo VII: Apresentação dos resultados
Embora os respondentes concordem com a existência da Função Agência, à pergunta
sobre que modelos de organização colhiam a sua simpatia, as respostas foram pouco
significativas e do seguinte teor: “Não creio que se deva falar em modelos ou
designações alternativas mas, sim, de formas instrumentais alternativas para assegurar
a mesma função.” (Q. n.º 9).
No que respeita à Fase de Arranque ou Processo Inicial, foi pedido aos respondentes
que se pronunciassem com base no modelo existente para a função agência, ou seja
sobre o ponto de partida para o processo de desenvolvimento da contratualização,
quanto à localização daquela função, bem como no que se refere à sua organização e
ainda quanto aos conteúdos deste processo.
Quanto à localização da função agência (Gráfico IV), as opiniões são de concordância
com a agência como função da A.R.S, verificando-se que 43% dos peritos respondentes
concordam com a actual localização da função agência, isto é, tendo como ponto de
partida para o processo de desenvolvimento da contratualização a agência como função
da A.R.S..
Gráfico IV – Localização da função agência
0%
10%
20%
30%
40%
50%
60%
70%
80%
90% 100%
1. Órgão regional estratégico/regulador da Admin.
2. Órgão fortemente participado pelos cidadãos
3. Outros
Mas entendem que “De momento o modelo criado é o melhor, mas no futuro, após a
reforma do Estado e da administração pública, as ARS poderiam assumir inteiramente
esta função desde que: (i) deixassem de ser tutela hierárquica dos estabelecimentos de
saúde; (ii) assumissem verdadeiramente a administração de saúde de uma população e,
(iii) tivessem uma forte participação no seu parecer decisional. Como uma instância
intermédia de intervenção no sistema, autónoma, onde estejam representados os
interesses dos cidadãos e da administração de saúde, com a função de, atendendo às
necessidades em saúde da população regional, garantir a prestação de cuidados de
saúde através da aplicação criteriosa dos recursos disponíveis, de forma eficiente e
com a máxima equidade.” (Q. n.º 9).
Os restantes respondentes entendem que esta não é a melhor localização, pelo que para
garantir a efectiva separação entre financiamento e prestação, as Agências deveriam ter
uma posição independente das ARS sob o ponto de vista funcional, isto é: (i)
independente/separada dos estabelecimentos de saúde; (ii) órgão estratégico de
administração de saúde e regulação regional e, (iii) fortemente participado por
representantes comunitários. Alguns entendem ainda que: “deveria depender
directamente da DGS com uma Agência por cada ARS” (Q. n.º 4) e que seria
importante ser: “(i) independente/separado dos estabelecimentos de saúde; (ii) órgão
estratégico de administração de saúde e regulação regional; (iii) fortemente
participado por representantes comunitários” e, ainda, “para que seja fundamental uma
estreita colaboração com a ARS é necessário garantir uma imparcialidade de
Tese
183
Capítulo VII: Apresentação dos resultados
funcionamento e de critério a adoptar, até pela garantia de igual representatividade
administração/cidadão” (Q. n.º 8).
No que se refere à organização do trabalho da função agência, 43% dos especialistas
respondentes entendem (Gráfico V) que a mesma se deve centrar em equipas
especializadas por áreas de prestação, dado que parece ser essa a forma de garantir um
adequado acompanhamento e apoio aos serviços que encetam estas novas metodologias.
Gráfico V – Organização do trabalho da função agência
0%
20%
40%
60%
80%
100%
1. Equipas especializadas por projectos
2. Equipas especializadas por áreas geográficas
3. Equipas especializadas por áreas de prestação
4. Outros
Os especialistas entendem que “a organização integrava uma componente técnica e
uma componente comunitária. Cada equipa é que materializava verdadeiramente o
espírito e funções da Agência (a Agência é como que uma federação de equipas que
actuam de forma harmonizada). Cada uma delas dedica-se a uma circunscrição
geográfico-populacional de 100.000 a 500.000 habitantes (unidade de saúde, sistema
local de saúde ou outra designação), havendo profissionais com maior nível de
conhecimentos na área dos cuidados primários e outros nos secundários, mas as
equipas integravam elementos de ambas as áreas. O seu ponto de partida são os
problemas, as necessidades/prioridades de saúde e os recursos disponíveis. A sua
acção orienta-se para que sejam atingidos resultados previamente definidos.” (Q n.º 9).
Outros especialistas, ainda entendem que dadas as dificuldades iniciais sentidas pelos
profissionais, a organização foi estabelecida de acordo com os recursos
disponibilizados: “a nomeação de um coordenador parece ser a forma correcta de
valorizar a função. A organização do trabalho da Agência era em equipas por unidade
ou de projecto para o desenvolvimento conceptual de áreas da Agência, p. ex., sistema
de participação e qualidade, sistema de incentivos, termos de referência, etc.
articuladas matricialmente, embora em algumas das Agências não se possa falar em
equipas especializadas. O mais frequente, dada a escassez inicial de recursos humanos,
foi a organização assentar em três áreas: cuidados primários, hospitais e comissões de
acompanhamento externo dos serviços de saúde (CAESS), aos quais se agrupavam,
sempre que necessário e possível, peritos de diferentes especialidades ou áreas –
criando equipas multidisciplinares”, sendo que” numa fase inicial do trabalho todos os
elementos participavam, dividindo depois o mesmo consoante a maior especialização
de cada um” (Q n.º 4).
Mas esta situação foi-se alterando, de acordo com os respondentes, “conforme o
coordenador, as solicitações do CA da ARS e o próprio estádio dos técnicos a
colaborar em cada momento na Agência e, ainda, na sequência de debates internos, em
1999, para permitirem integrar a participação do cidadão e da comunidade no
184
Tese
Capítulo VII: Apresentação dos resultados
processo de contratualização. Em teoria, a maioria dos colaboradores das Agências
concordaram com este passo. Na prática, foi um processo não totalmente conseguido.”
(E. A).
O tipo de mandato (delegações) explícito que as Agências detinham, em cada uma das
regiões, era diferente, mas maioritariamente são de opinião que o mandato era o
explicitado no despacho de criação da função agência (57%) e visava “definir os termos
de referência para os orçamentos programa, normalizar a sua execução pelos centros
de saúde e hospitais e discutir/negociar o processo e produção e propor a distribuição
duma pequena parcela financeira; o controlo do programa acesso; a aprovação,
proposta de distribuição de verbas e acompanhamento de projectos específicos
hospitalares,” (Q n.º 1) e, para outros ainda, que “esse mandato era parcialmente
escrito, embora genérico, mas também oral, sendo para uns sempre o mesmo e para
outros tendo sido alterado em 1999, mas que foi evoluindo ao longo dos tempos.” (Q
n.º 9).
Outra resposta ainda a ter em conta é a de que “o funcionamento dependia sobretudo do
nível de conhecimentos, competência, know-how e instrumental técnico existente nas
Agências. O seu mandato é, assim, relativamente subsequente ao tamanho das suas
pernas para caminhar” (29%) (Q n.º 9).
As funções técnicas da função agência (Gráfico VI), segundo os especialistas eram
principalmente a análise detalhada dos orçamentos programa (71%) e a monitorização
(50%) desses mesmos orçamentos. Ainda apontado como relevante era o processo de
negociação (43%) e a decisão sobre financiamento dos serviços de saúde (36%).
Gráfico VI – Funções técnicas da função agência
0%
10%
20%
30%
40%
50%
60%
70%
80%
90% 100%
1. Análise detalhada dos
orçamentos-programa
2. Processo de negociação
3. Decisão sobre
financiamento dos serviços
4. Monitorização dos
orçamentos-programa
5. Coordenação e
normalização de
procedimentos
6. Desenvolvimento/manutenção
do sistema de informação
Segundo os especialistas, apesar das competências explanadas no diploma legal que
regia o seu funcionamento serem latas, algumas agências “incidiam a sua actividade
Tese
185
Capítulo VII: Apresentação dos resultados
essencialmente e numa primeira fase na análise, discussão e negociação dos
orçamentos programa dos hospitais e centros de saúde, com toda a actividade prévia
necessária, nomeadamente a definição de critérios para atribuição de prémios
financeiros às instituições hospitalares e posterior acompanhamento da respectiva
execução do programado.” (Q n.º 9).
Sobre o funcionamento da função agência em relação à ARS, a opinião dos
entrevistados é a de que a divisão de responsabilidades internas das agências era
coincidente com as diferentes funções técnicas (57%), isto é, organizavam-se
genericamente “segundo as funções identificadas e por vezes individualizando a área
da satisfação e participação do cidadão” (Q n.º 1), mas em algumas delas essa divisão
era “muito difícil de realizar, dada a escassez de recursos humanos e a quantidade
sempre crescente de trabalho. Para além disto, as principais decisões eram todas
precedidas de discussões internas onde os eventuais problemas eram levantados e as
responsabilidades eram subdivididas em duas áreas principais: hospitais e centros de
saúde, mas como assentava em equipas multidisciplinares todos detinham
conhecimento das duas áreas, embora a fase das negociações, pela sua grande
exigência, era sempre acordado previamente quem as faria.” (Q n.º 8).
Quanto às reuniões de negociação, 43% dos peritos afirmam que as mesmas eram
efectuadas “nas agências com a presença do CA da região, em ambiente formal para
discussão e assumindo uma função inicialmente pedagógica. Eram convocadas
formalmente pelo CA da ARS, mas quem as conduzia era a equipa da agência e tinham
a participação de elementos dos serviços financeiros da ARS e do CA da instituição em
análise (por vezes, este fazia acompanhar-se de responsáveis por alguns
departamentos), bem como o coordenador da sub-região, no caso dos centros de saúde.
A negociação era feita com base num documento preparado pela agência e em alguns
casos pelo planeamento e informática da região, sendo analisadas e discutidas as
propostas das instituições para o seu movimento assistencial no ano seguinte, bem
como a sua adequação ao orçamento económico proposto.” (Q n.º 5).
36% dos respondentes afirmam ainda que as reuniões internas eram semanais e, tal
como as de negociação, realizavam-se na Agência e, enquanto 29% referem que as
reuniões de acompanhamento se realizavam nos estabelecimentos.
O papel da sub-região nesta função, no entender de alguns dos especialistas “devia
fazer equipa com os centros de saúde de forma a assumir o papel de parte interessada
nas áreas em que a falta de autonomia se evidenciava”, ainda que para outros devesse
ter “apenas um ligeiro papel quando eram discutidos os dados de produção e
financeiros dos centros de saúde”, embora 43% entendam que o seu principal papel era
o de “estarem presentes e participarem em algumas reuniões dos hospitais nos casos
em que os sistemas locais de saúde estavam a avançar e em todas as reuniões de
discussão dos orçamentos programa dos centros de saúde, como “cúmplice” (Q n.º 1).
Mas 29% entendem que o seu papel era o de co-responsável com estes, dado que
deveria ser conhecedor do acompanhamento que era feito e do que era necessário
melhorar, traduzido na seguinte expressão: “no que respeita às discussões dos
orçamentos programa dos centros de saúde, as sub-regiões assumiram sempre um
186
Tese
Capítulo VII: Apresentação dos resultados
papel aglutinador, ajudando as instituições no preenchimento da informação e
funcionando como porta-voz no diálogo com a Agência.” (Q n.º 3).
No que se refere à preparação e desenvolvimento do processo e aos instrumentos de
negociação, tiveram início durante o ano de 1996, inicialmente para os hospitais e
posteriormente para os centros de saúde, sendo o processo negocial “meramente
pedagógico
para
discutir
consonâncias
entre:
actividades/despesas;
produção/capacidade instalada; estratégia da região/estratégia da instituição, cabendo
à Agência de Lisboa (a primeira a ser criada), clarificar níveis de actuação e
mecanismos prospectivos para os custos/despesas e verificar a dissonância nestes
binómios, definindo as margens de negociação no momento de discussão” (Q n.º 1).
Noutras agências, que só se iniciaram em 1998, “o processo continuou a ter carácter
pedagógico e dado ser o primeiro ano de contacto com as instituições de saúde, o
processo negocial traduziu-se não numa verdadeira negociação, uma vez que foram
aceites os números propostos pelas instituições, mas numa discussão em torno do
movimento assistencial apresentado, índices de produtividade e rentabilização da
capacidade instalada e, finalmente, ênfase na importância da coerência global do
Orçamento Programa, para que este pudesse funcionar como um verdadeiro
instrumento de gestão. Trata-se apenas de explicitar uma base de informação que
sustentasse um processo de comunicação onde se descriminassem algumas expectativas
de desempenho.” (Q n.º 3).
Quanto ao conteúdo do instrumento de negociação, 57% dos respondentes afirmam que
“o conteúdo sumário para discussão do orçamento eram os dados de produção, os
económico-financeiro (análise relacional), de produtividade e de recursos. A discussão
dos projectos específicos assentava na proposta apresentada pelas instituições de
saúde”. Posteriormente, passaram a fazer a “análise prévia do orçamento-programa,
reuniões com os CA das regiões, análise das propostas de alterações ao orçamentoprograma e contactos telefónicos com os vários responsáveis. E em relação aos
projectos específicos, era feita a análise dos projectos, as discussões com os
responsáveis e com os CA das instituições para elaboração do contrato programa” (Q
n.º 8).
Parte dos peritos (43%) afirmam ainda que o instrumento negocial era “o orçamentoprograma (que inicialmente era mais um instrumento para clarificação de alguma
informação que servisse de base a um processo de comunicação entre a agência e a
administração da instituição) e os indicadores obtidos a partir deste e para os projectos
específicos, era o contrato-programa. O orçamento-programa era constituído por um
plano de actividades, mapas de movimento assistencial relativos ao realizado no ano
anterior, a previsão para o ano em curso e para o seguinte, com a respectiva
quantificação de custos no orçamento económico, complementado com a situação
económico financeira da instituição.” (Q n.º 9).
Entendem alguns especialistas (29%) que “o instrumento negocial não estava bem
desenvolvido, mas acrescentava valor ao processo, embora talvez se pudesse substituir
com benefício o modelo em uso, dando-lhe, inicialmente, uma tónica mais virada para
o processo de acompanhamento que permitisse ir criando um sistema de informação e
uma prática de leitura externa das instituições menos formal e, provavelmente, mais
Tese
187
Capítulo VII: Apresentação dos resultados
efectiva na construção do modelo dos orçamentos programa e com discussões mais
pequenas e mais detalhadas em áreas previamente definidas que se iriam constituir
como as prioridades de discussão em cada ano” (Q n.º1 ), “um memorando sucinto de
compromissos/objectivos de desempenho e resultados a atingir, isto é um contrato, em
que os detalhes ficariam para as equipas de administração/gestão institucional. Assim,
seriam fundamentais os outputs e os outcomes e não tanto os inputs e os processos
throughputs.” (Q n.º 9).
Ainda em 1996, deu-se igualmente início ao desenvolvimento do processo de
pensamento sobre a organização do sistema de saúde centrado no cidadão e foi
equacionada a participação do cidadão na função agência, sendo que as principais
iniciativas terão sido, de acordo com os respondentes, “a maior divulgação das ideias
estratégicas e muitos documentos produzidos; maior ênfase nos mecanismos de voz
existentes nos serviços; a constituição de comissões de acompanhamento externo dos
serviços de saúde (CAESS) e ao nível dos centros de saúde foi fomentada a criação do
gabinete do utente, com representantes nas sub-regiões e regiões de saúde.” (Q n.º 1),
mas só 36% dos especialistas afirmaram que existiam mecanismos de participação,
embora 21% afirmem que a participação tem a interacção do cidadão.
Quanto aos conteúdos que revestia a participação do cidadão, é entendimento pelos
respondentes que a mesma se verificava “nos órgãos formais – conselhos gerais,
comissões consultivas e concelhias, através da apresentação de reclamações e
sugestões. respondendo aos questionários de satisfação quando eram internados; na
participação em alguns inquéritos de satisfação; em visitas aos estabelecimentos; na
recolha de opiniões, críticas e sugestões; na participação em reuniões de negociação
dos orçamentos programa e ainda na participação em visitas de acompanhamento,
embora, como um utilizador que identificava as necessidades e falhas na prestação dos
cuidados de saúde, ele devesse ser ouvido e o sistema lhe deveria ficar grato por essa
participação”, embora entendam que “essa participação tenha mudado ao longo do
tempo. Em 1997 deu-se início à formação, em parceria com as autarquias, das
comissões de acompanhamento externo dos serviços de saúde (CAESS) e em 1999 os
estudos de satisfação dos utentes aumentaram; os orçamentos programa para 2000
reforçaram itens e consequentemente indicadores na área da satisfação, participação e
qualidade.” (Q n.º 1).
O Sistema de Informação (SI) da função agência, básico para o desenvolvimento do
processo de contratualização, teve como principal objectivo “o tratamento da
informação de suporte ao novo modelo de gestão e foi sendo construído a par e passo
com o desenvolvimento do próprio processo. As agências passaram a dispor de uma
base de dados em tempos e momentos diferentes e de acordo com a sua implementação
(1997; 1998; finais de 1998 e no 4º trimestre de 1999). Tratava-se de um sistema
integrado e o seu principal conteúdo eram os dados de estrutura – capacidade
instalada, de produção – histórica e prospectiva, de recursos humanos e financeiros e
ainda os indicadores construídos com base nesses dados e respectivos relatórios.” (Q
n.º 1).
Tratando-se de um sistema que tem de reunir informação de produção, financeira e de
recursos e dispor de um quadro de indicadores de acompanhamento, de monitorização,
de controlo e de avaliação, foi perguntado aos especialistas se conheciam algum sistema
188
Tese
Capítulo VII: Apresentação dos resultados
de informação já disponível que se pudesse adequar ao processo em desenvolvimento,
sendo que 50% referiram que “escolheriam o que foi desenvolvido na região de Lisboa
e que foi o seleccionado pelo Ministério” (Q n.º 9) e afirmam ainda estar de acordo com
“a forma como foi sendo criado e desenvolvido o embrião do sistema de informação”
(Q n.º 2), mas entendem que “deveria existir menor dependência da empresa privada
que o desenvolveu e melhor ligação ao sistema de informação das regiões” (Q n.º 1).
Entendem ainda que “o suporte informático deveria ser de mais fácil utilização e estar
integrado com os sistemas de informação das instituições e simplificar os dados a pedir
em termos de número e especificidade.” (Q n.º 4).
As principais críticas colocadas pelos respondentes são as seguintes: “deveriam passar
a escrito muito daquilo que apenas está na cabeça das pessoas que participaram neste
processo” e deveria haver “maior entrosamento entre o “outsourcing” e as equipas de
contratualização.” (Q n.º 5).
Rematam dizendo que: “a informação é o pilar sobre o qual assenta a discussão dos
orçamentos programa com as instituições de saúde. Assim e à priori, era fundamental o
desenvolvimento a nível da Direcção-Geral da Saúde de conceitos estatísticos precisos
que abranjam com uma maior amplitude a realidade hospitalar e a dos cuidados
primários. A imprecisão existente actualmente conduz a comparações altamente
contestáveis, até pelo facto de servirem de base a financiamentos extraordinários que
acabam por beneficiar a organização estatística da instituição e não o movimento
assistencial em si.” (Q n.º 3).
Em resumo, consideram os especialistas que a estrutura responsável pela contratualização
em Portugal deve ser a função agência e que na sua fase de arranque se verificaram
aspectos muito positivos ao nível do SNS, mas mais de carácter pedagógico do que prático,
uma vez que a mesma não foi acompanhada dos instrumentos que permitissem
operacionalizar a perspectiva de que a um determinado orçamento deve estar sempre
associada uma determinada produção.
Consideram também os peritos que a Agência é essencial, útil e imprescindível para uma
verdadeira separação entre financiamento e prestação e uma boa forma de garantir que, em
mercado interno, as instituições públicas da saúde possam cumprir cabalmente com as suas
obrigações perante os cidadãos.
Acrescentam ainda estes especialistas que esta é também uma maneira para que os
profissionais cumpram a sua missão como prestadores públicos de cuidados de saúde e para
que esta prestação se torne mais transparente para a sociedade.
Visando analisar o Processo de Desenvolvimento da Contratualização - Base Cultural
existente e a necessidade de se introduzirem correcções procurando encontrar uma
maior efectividade para esta função mais de acordo com as actuais linhas políticas,
poder-se-ão perspectivar quais os desenvolvimentos futuros face ao actual estado de
arte da administração de saúde em Portugal.
Com o propósito de se poder reflectir se os governos central e local devem apoiar o
sector de uma forma mais incisiva, de molde a garantir a consolidação do processo de
contratualização e verificar se os profissionais mais envolvidos no processo atribuem
“importância às políticas governamentais para o sector” e se consideram que essas
Tese
189
Capítulo VII: Apresentação dos resultados
políticas são consentâneas com a reforma necessária ao sector da saúde, procurou-se
avaliar o desenvolvimento do processo de contratualização.
Assim, foi perguntado aos especialistas que implicações inerentes ao desenvolvimento
do processo de contratualização (Gráfico VII) julgavam reconhecer a cada um dos
níveis que a seguir são apresentados, sendo esta uma das categorias onde se observou
uma maior concordância.
Gráfico VII – Implicações inerentes ao desenvolvimento do processo de contratualização
0%
20%
40%
60%
80%
100%
1. Económico/legais
2. Políticas
3. Organizacionais
4. Financeiras
5. Outros
Ao nível das implicações organizacionais, 79% dos especialistas entendem que: “O
espaço entre órgão autónomo ou função apropriada pela região de saúde ou
desconcentrada dum organismo central de Administração do SNS são modelos
organizacionais plausíveis, embora com alguma dificuldade em garantir uma produção
que satisfaça as necessidades da população, bem como grande dificuldade na
implementação da contratualização interna nos serviços.” (Q n.º 1); “Este processo
também não é compatível com a actual estrutura de funcionamento da Administração
Pública, num contexto de total desresponsabilização por ausência de mecanismos que a
imponham.” (Q n.º 5); “Seria importante adoptar regras de contratualização entre as
Administrações e os utilizadores com base nas necessidades em saúde de base
populacional.” (Q n.º 2); bem como “em termos organizacionais, a pressão exercida
sobre o CA conduzirá (em princípio) a uma responsabilização dos directores dos
serviços numa resposta adequada aos compromissos assumidos perante a tutela. São
conhecidas iniciativas de contratualização interna, das quais se infere claramente que
só agora se começa a olhar para as questões da gestão, até aqui perfeitamente
desconhecidas. Este mexer de mentalidades poderá lavrar caminho para futuros
projectos, seja o mais arrojado de mudança global das regras do sistema de saúde, seja
o mais restrito como a criação de níveis intermédios de gestão.” (Q n.º 3).
Quanto aos principais problemas económico/legais, 71% dos especialistas entendem
que: “a contratualização regional tem de estar enquadrada numa estratégia de
administração de todo o SNS; a criação dum quasi-mercado interno sem a clara
delimitação entre o público e o privado não lhes parece real; existe dificuldade na
arbitragem de conflitos; a actual legislação é restritiva a qualquer introdução de
reorganização dos serviços com objectivos de maior eficácia e eficiência dos mesmos,
bem como o facto de não existirem mecanismos que permitam validar o processo de
contratualização, premiando os que cumprem e penalizando os que não cumprem, quer
ao nível local, quer institucional.” (Q n.º 1).
Discutem ainda que “o bom registo de residentes/inscritos gera necessidades em saúde
cuja cobertura implica despesas públicas centradas no cidadão, existindo um problema
190
Tese
Capítulo VII: Apresentação dos resultados
que é o facto do SNS não ter rácio de profissionais para dar cobertura (poderão
convencionar ou contratar) a essas necessidades e ainda que os problemas actuais das
instituições de saúde decorrem do próprio sistema e não do processo de
contratualização em si, ainda que seja discutível que o possa prejudicar grandemente
pela incapacidade dos dirigentes imprimirem no terreno os compromissos assumidos
perante a Agência.” (Q n.º2 ).
No que se refere às implicações políticas, 71% dos respondentes entendem igualmente
que: “A função é facilmente vendável como ideia e torna-se muito apetecível a este
nível se num modelo politicamente controlável.” (Q n.º 1); “Podia ter-lhe sido dado
algum mandato na clarificação para a racionalização do público/privado.” (Q n.º 9);
“Necessidade de grande envolvimento político para que a contratualização seja
considerada como uma peça verdadeiramente estratégica.” (Q n.º 8); “Dotar os
serviços de chefias mais competentes e com mais técnicas e tecnologias de apoio aos
mesmos.” (Q n.º 4); “Este processo não é de todo compatível com nomeações de
órgãos de gestão com base em escolhas partidárias.” (Q n.º5 ); “Necessidade de
delegação de competências e de diálogo permanente entre o Ministério, os órgãos
centrais, regionais e locais e as agências” (Q n.º 1); “Com base em estudos
epidemiológicos, de base fiável, com uma política centrada no utilizador/cidadão e
adequada às despesas públicas e não ao custo histórico.” (Q n.º 2).
Entendem ainda que as agências de contratualização “poderão ser uma bandeira
política em termos de estratégia de saúde porque finalmente se questionam as
instituições de saúde sobre a sua actividade, a forma como rentabilizam a sua
capacidade instalada – recursos humanos, físicos e tecnológicos, e a eficiência na
gestão dos seus recursos financeiros. Todavia, espera-se que igualmente se coloque no
decisor político a percepção inequívoca dos graves constrangimentos existentes na
gestão competitiva do sector público da saúde, só ultrapassáveis por uma mudança nas
regras de gestão da administração pública.” (Q n.º 3).
Quanto às implicações financeiras, 64% dos peritos são de opinião que se deve verificar
“uma progressiva diferenciação entre prestador e financiador, redução de
ineficiências; progressiva transparência para o cidadão.” (Q n.º 1); “Uma maior
adequação dos gastos aos procedimentos, implica levar até às últimas consequências a
adequação do pacote financeiro à produção.” (Q n.º 4); “Recursos a atribuir para a
necessidade dos cuidados de saúde (não tem por base o histórico) mas exige
identificação das necessidades em saúde das populações, sendo que a este nível, o
impacto da contratualização poderá ser mínimo, uma vez que existem défices
acumulados nas instituições altamente inibidores de qualquer cumprimento dos
compromissos assumidos.” (Q n.º 2).
Questionados sobre o verdadeiro impacte da contratualização a diferentes níveis,
57% dos especialistas entendem que foi ao nível dos hospitais distritais que foi sentido
o maior impacto, “parece ter havido uma maior resposta às necessidades e uma melhor
articulação com os centros de saúde; uma maior responsabilização e melhoria do
sistema de informação e recolha de dados (maior fiabilidade) e levou ainda os órgãos
dirigentes a olharem para as instituições de outra forma e a envolveram os seus
profissionais na definição e discussão dos objectivos, bem como a alterar a habitual
Tese
191
Capítulo VII: Apresentação dos resultados
leitura do histórico, para a identificação da capacidade instalada, da produtividade e
consequente despesa.” (Q n.º 1).
Com uma menor percentagem (50%), vêm no entender dos peritos os hospitais centrais
e especializados em que o efeito terá sido “quase nulo a curto prazo; muito escasso,
enquanto estes não estiveram organizados em níveis intermédios de gestão com
financiamento autónomo e “indexado” à produção; reduzido ou quase nenhum dada a
necessidade de alterar a habitual leitura do histórico, para a identificação da
capacidade instalada, da produtividade e consequente despesa.” (Q n.º 1); mas pensam
que “houve melhorias no sistema de informação e nos circuitos de emissão de
facturação; sensibilização e eventual responsabilização interna pelo cumprimento dos
compromissos assumidos, embora com resultados lentos”. (Q n.º 3).
Em igual percentagem, aqueles especialistas pensam também que os efeitos referidos
para os hospitais distritais e centrais poderão ser melhor sucedidos em mais pequenos,
nomeadamente nos de nível I - “talvez seja ainda possível, em instituições de menor
dimensão, algum impacto significativo na redução de custos unitários e um maior
controlo na produtividade dos seus profissionais; uma melhor resposta às necessidades
e melhor articulação com os centros de saúde; maior responsabilização e
reconhecimento das suas funções; procura de ajuda para resolução de problemas
graves, principalmente ao nível do financiamento.” (Q n.º 3).
No que se refere aos centros de saúde e para os que vão ter autonomia, 50% dos peritos
pensam que “poderá ter reflexos a curto prazo na adequação, eficiência, satisfação de
profissionais e de utentes e modelo de gestão participativo com contratualização
interna e uma maior responsabilização e reconhecimento das suas funções, bem como
uma nova perspectiva na abordagem dos cuidados prestados e novo instrumento de
trabalho interno com os profissionais.” (Q n.º 1); “Levou os órgãos de direcção a
conhecerem melhor as suas instituições e os recursos que a sua actividade envolve,
sobretudo ao nível da identificação da população, da análise dos utilizadores e que
percentagem utilizam os serviços, da produtividade e dos custos daí decorrentes, bem
como dos objectivos expressos e dos alcançados.” (Q n.º 5); “A este nível as
consequências mais significativas da contratualização serão a criação dum patamar
até agora inexistente de informação e análise de indicadores de gestão por parte dos
responsáveis destas instituições, preparando-os para a autonomia administrativa e
financeira. Por outro lado, é possível que haja efeitos positivos na melhoria de
dificuldades existentes na comunicação e articulação com os hospitais.” (Q n.º 3).
Quanto aos cuidados continuados (43%), incluindo os serviços de saúde comunitários e
os cuidados domiciliários a dependentes (29%), incluindo os idosos, os peritos
entendem que estas áreas foram as menos conseguidas: “Os resultados dependerão da
ligação conseguida pelas agências entre produção e qualidade, mas poderão trazer
ganhos de produção claramente induzidos pela estratégia de saúde.” (Q n.º 1).
Como recomendação, os especialistas referem que “A contratualização, na sua vertente
de exigência de prestação de cuidados de saúde com eficiência e que satisfaçam as
necessidades e expectativas dos cidadãos, poderá conduzir a uma aposta definitiva nos
cuidados continuados e domiciliários. Há todavia que não esquecer um eventual efeito
perverso duma contratualização muito virada para a redução de custos médios
192
Tese
Capítulo VII: Apresentação dos resultados
unitários, uma vez que o expurgar destas situações típicas de cuidados continuados,
conduzirá a um aumento automático dos respectivos custos” (Q n.º 3).
Referem ainda os especialistas que “as instituições privadas (com e sem fins lucrativos)
deviam ter sido objecto de contratualização simultaneamente com a área pública, pois
a sua não inclusão enviesa a visão pelos técnicos da agência do sistema local e
nacional de saúde, devendo haver a possibilidade de contratualização com o SNS num
regime de complementaridade e não alternativo” (Q n.º 1).
Pediu-se também para hierarquizarem, por grau de importância da contratualização
em diferentes dimensões, algumas das componentes do processo de contratualização,
levando em linha de conta as afinidades entre elas, ficando assim listadas: 1º - Sistema
de informação; 2º - Criação de instrumentos de negociação; 3º - Avaliação do
desempenho; 4º - Gestão intermédia/descentralização/autonomia dos prestadores; 5º Melhoria da qualidade; 6º - Processo de negociação; 7º - Níveis de contratualização; 8º Redução dos custos; 9º - Descentralização do pagador; 10º - Preços.
Tendo ainda por base o actual estado de arte da administração de saúde e o processo de
contratualização já existente, pediu-se para referirem sucintamente a importância de um
conjunto de catorze elementos, explicitando a opinião quer sobre o conceito que lhe está
subjacente, quer sobre a relevância do mesmo na actual estrutura do sistema e nos
processos de negociação encetados neste sector, sendo que nem todos os peritos
responderam a todas as questões colocadas, pelo que se optou por transcrever as
opiniões referentes aos que foram objecto de um maior número de respostas.
Estratégia de saúde (57%): “Se para além de descritiva, ajudar a priorizar, é um
elemento essencial para o processo de negociação. Essencial para o enquadramento de
todo o processo e co-responsabilização do poder político. É básico fazer um bom
diagnóstico da situação para, com base em conceitos epidemiológicos, definir
Estratégias em Saúde. Não existe, cada Ministério dá “novas versões” à Estratégia
anterior. Aproximando os problemas sentidos pelas instituições de saúde e as
necessidades das populações dos órgãos da administração central, a estratégia e as
políticas neste âmbito poderão concretizar-se de uma forma mais adequada, deixando
de ser meras intenções escritas no Programa do Governo.” (Q n.º 1).
Monitorização e controlo (57%): “Funções de administração dos serviços raramente
levadas a cabo sistematicamente e que a Agência veio pôr na agenda do dia. Essencial
para uma tomada de decisão responsável e responsabilizável a todos os níveis. Existe
um esforço. No grupo de acompanhamento sub-regional (sub-região Porto) e região no
que refere aos C. S.. Actualmente os coordenadores da sub-região não estão integrados
no acompanhamento hospitalar. A monitorização e controlo dos compromissos
assumidos pelas instituições de saúde é fundamental para imprimir credibilidade à
contratualização. Actualmente creio que se dá muita importância à fase inicial da
negociação em detrimento do acompanhamento. Seria importante distinguir numa
reunião o cumprimento ou não dos objectivos, com atribuição do respectivo prémio ou
penalização.” (Q n.º 9).
Tese
193
Capítulo VII: Apresentação dos resultados
Financiadores/pagadores/compradores (57%): “diferenciações ainda estranhas ao
nosso Serviço Nacional de Saúde e por isso com relações ainda muito pouco
clarificáveis. Essencial para nos aproximarmos do “valor do dinheiro” e da actividade
de prestação de cuidados. A nível dos financiadores da prestação de cuidados de saúde,
há a referir inequívocas melhorias no sistema de informação que darão maior
confiança ao IGIF para utilizar outros elementos da actividade assistencial do hospital,
que não apenas os do internamento, nos seus critérios de atribuição do subsídio de
exploração. Por outro lado, a melhoria nos circuitos de emissão de facturação poderão
levar acréscimos de facturas globais para os subsistemas.” (Q n.º 1).
Necessidades em Saúde (57%): “terra de todos em termos de linguagem/intenções com
uma discussão conceptual e metodológica ainda por fazer. Essencial para uma
atribuição justa. Seria importante, mas tornava-se necessária a avaliação global das
instituições de saúde. A determinação das necessidades em saúde das populações é
fundamental para que, num processo de contratualização de cuidados de saúde, as
instituições possam direccionar a sua oferta da forma mais adequada. Actualmente,
pelo menos a nível da região Norte, este levantamento assenta no essencial na análise
das listas de espera dos hospitais, o que dada a inexistência de uma lista nacional
integrada torna este mecanismo insuficiente.” (Q n.º 2).
Sistema de informação integrado (Agência, Instituições, ARS) (50%): “Noção perto do
mítico mas chave para o desenvolvimento do SNS; oportunidade perdida na RSLVT,
talvez por não enquadramento mais global. Essencial para todos estarem conhecedores
dos valores das variáveis de estado e poderem monitorizar e iniciar acções correctivas,
se necessário. Está a haver um esforço neste sentido. Um sistema de informação
integrado poderá ser da maior importância, todavia neste momento os pressupostos de
uniformização de conceitos e de auditoria clínica não estão cumpridos para que se
possa eficazmente comparar instituições.” (Q n.º 1).
Instituições prestadoras de cuidados - curta e longa duração (50%): “necessidade de
investir na sua reorganização a partir da clarificação da sua missão – investir em
saúde. A contratualização externa (e principalmente, a interna) irá necessariamente
conduzir a grandes alterações organizacionais. É necessário fazer a articulação em
sistemas locais.” (Q n.º 10).
Avaliação da qualidade (50%): “grande chapéu ainda com tónica em processos e não
em resultados e muito sujeito aos fenómenos de captura locais. Importante, embora
independente do processo de contratualização; este pressupõe que a qualidade existe, é
avaliador e controlador. Definição de programa de qualidade e quantificação de
objectivos para acompanhante e consequente avaliação – actualmente existe já
aplicado o MoniQuor. O actual estado da arte coloca as Agências de Contratualização
num patamar inferior à avaliação da quantidade dos cuidados de saúde propostos.” (Q
n.º 9).
Para evitar eventuais perversões resultantes do processo contratual, foi perguntado
aos peritos como actuariam de forma a atenuá-las ou até mesmo evitá-las, sendo que
maioritariamente estes entendem que para tal deverão ser introduzidos mecanismos de
avaliação (79%) e uma maior responsabilização das entidades envolvidas (57%):
“Construindo simultaneamente um sistema de incentivos/penalizações para reforçar o
194
Tese
Capítulo VII: Apresentação dos resultados
sistema de acompanhamento/realizado. Sistema de estudo/determinação de
necessidades em saúde objectivado.” (Q n.º 1); “Fazer um bom acompanhamento sub
regional com perfil lógico e personalizado dos profissionais de forma a dar a perceber
a adequação do rácio recursos/ganhos em saúde.” (Q n.º 2); “Emissão de normativos
estatísticos reguladores da actividade hospitalar, notas explicativas do preenchimento
do orçamento-programa, auditorias clínicas e de informação estatística, atender na
contratualização à possibilidade de subida de custos médios unitários por cuidados
domiciliários ou continuados, lista de espera nacional integrada.” (Q n.º 3).
No que se refere à categoria em que se procura perceber como procederiam os
especialistas para conseguirem desenvolver progressivamente e potenciar a
implementação do processo de contratualização, evitando eventuais recuos, parece
existir muita desconfiança quanto à implementação das políticas, sendo que alguns
afirmam mesmo que “Os objectivos da contratualização não deveriam estar
dependentes da mudança ministerial, porque é difícil prosseguir o desenvolvimento face
ao desconhecimento e à vontade de inovar.” (Q n.º 2), mas afirmam também que um
caminho poderia ser “Criando um sistema de consequências (prémios, “rewards”,
incentivos, penalizações, etc.), equidade e racionalidade na distribuição de recursos.”
(Q n.º 9) e que “é fundamental a captação de profissionais para as Agências de
Contratualização, nomeadamente de administradores hospitalares com alguma
experiência na actividade hospitalar, para que os processos de negociação não sejam
ridicularizados por desconhecimentos básicos do funcionamento das instituições.
Por outro lado, garantir que seja por mecanismos de carreira, seja por incentivos
remuneratórios ou de formação profissional, os profissionais envolvidos integrem os
projectos com algum grau de permanência e acompanhem durante um período contínuo
pré-determinado as mesmas instituições (por exemplo 3 anos). Por fim, a autonomia
das Agências e a regulamentação legal das suas competências é fundamental para que
não fique o seu funcionamento dependente das estruturas políticas internas da
respectiva ARS, ou de orientações que não sejam as nacionais discutidas em sede de
Secretariado Técnico das Agências, pois caso contrário geram-se desigualdades nos
processos e critérios nas diversas regiões.” (Q n.º 3).
Foi também perguntado como lhes parecia que deveria ser desenvolvido o processo, de
forma a progressivamente se dispor de um modelo de identificação de necessidades
em saúde que permitisse a aplicação de metodologias de distribuição de recursos mais
eficientes e efectivas e reorganizar a Agência com base populacional, sendo que esta foi
uma categoria em que só cerca de um terço dos especialistas se pronunciou, tendo no
entanto afirmado que se deveria: “Articular com outras instituições para obter (através
de estudos já feitos ou a implementar) dados que alimentassem esse modelo.” (Q n.º 4)
e sobre quais as entidades que deveriam desenvolver essas metodologias: a Agência; a
região; um órgão central; uma estrutura independente; ou, em meio académico, a
resposta foi bastante elucidativa “Por todos. É um processo complexo que necessita de
muitos contributos de diversas origens, perspectivas e saberes, mas são as agências que
têm um investimento em técnicos e metodologias que deve servir de base ao
desenvolvimento deste processo. No entanto seria útil reforçar a componente
investigacional com parcerias com alguns meios académicos, o que poderia dar-lhe
também alguma individualidade perante a Região. Falta também uma visão central (e
não necessariamente um órgão).” (Q n.º 9).
Tese
195
Capítulo VII: Apresentação dos resultados
Em resumo, os especialistas entendem que o padrão de contratualização que melhor parece
adequar-se ao contexto português é uma fase relacional assente num processo negocial
informal, dado que os serviços evidenciam défices de prestação e que a contratualização
pode conduzir a uma melhor regulação, o que implicará necessariamente uma melhor
articulação e integração dos cuidados de saúde. Esta fase relacional será tanto mais longa
quanto menor o empenhamento político no seu desenvolvimento e só poderá/deverá passar a
uma fase contratual executória quando estiverem garantidas as condições minímas de
responsabilização, avaliação e transparência, de forma a evitar rupturas na prestação.
Há necessidade de se proceder a uma identificação das necessidades de base populacional e
à análise de produtividade de cuidados de saúde necessários negociados com critérios de
adequação, eficiência e qualidade, formalizando o acordado nos orçamentos-programa e
garantindo um adequado acompanhamento em relação ao contratado e o desenvolvimento
de indicadores de avaliação que permitam um isento e rigoroso benchmarking.
Os peritos entendem também que para além desta função dever ser um órgão regional,
estratégico e regulador, também fortemente participado pelos cidadãos, sendo que uma
possível solução para o seu desenvolvimento seria a sua criação como uma entidade com
funções bem definidas, com orçamento próprio e localizada junto do gabinete do Ministro
ou da Secretaria de Estado ou sobreponível a cada uma das ARS.
Conscientes e conhecedores de que é impossível existirem sistemas perfeitos, parece, no
entanto, haver necessidade de solicitar uma avaliação sobre o Processo de
Contratualização desenvolvido ao longo dos últimos quatro anos em Portugal,
procurando perceber as razões fundamentais porque não foi possível fazer a indução
cultural no processo de desenvolvimento da contratualização já que este processo
pretendia estabelecer novos códigos comportamentais (Gráfico VIII) nas relações
institucionais entre prestadores, autoridades de saúde, profissionais e utilizadores, entre
outros.
Gráfico VIII – Novos códigos comportamentais resultantes da introdução do processo de
contratualização
0%
20%
40%
60%
80%
100%
1. Clarificar o processo de contratualização
2. Discutir o processo de desenvolvimento
3. Acordar sobre os resultados a alcançar
4. Fomentar o diálogo entre os actores
5. Assumir compromissos
6. Aceitar e dar voz aos cidadãos
7. Incrementar o acompanhamento e a monitorização
Foi perguntado aos especialistas até que ponto é que julgavam que tinha sido
conseguido estabelecer esses novos códigos comportamentais e quais os que
consideravam ter sido melhor interiorizados tendo-se obtido a seguinte hierarquização
para os mais significativos: assumir compromissos (57%); clarificar o processo de
contratualização (50%); acordar sobre os resultados a alcançar e fomentar o diálogo
196
Tese
Capítulo VII: Apresentação dos resultados
entre os actores (43%) e ainda, incrementar o acompanhamento e a monitorização
(36%), justificando tais posições com as seguintes afirmações: “Foram dados os
primeiros passos de uma longa caminhada: (a) clarificar o que se tem e o que se faz;
(b) discutir o que se tem e o que se faz com aquilo que se tem; (c) acordar algum
objectivo de melhoria de produtividade e eficiência; (d) iniciar práticas de diálogo e
prestação de contas com entidades “exteriores”; (e) assumir alguns compromissos no
desenvolvimento de dinâmicas de qualidade; (f) aceitar dar “alguma voz” aos
cidadãos; (g) iniciar os primeiros passos de acompanhamento e avaliação do
acordado. Mas faltam os passos seguintes.” (Q n.º 9); “… é cedo para serem retiradas
grandes conclusões. De qualquer forma existe uma postura diferente entre as
instituições e a Agência de Contratualização, nem que seja pelo cuidado da justificação
da informação que apresentam como objectivos assistenciais. É talvez mais por esse
motivo que alguns hospitais possam ter aumentado a sua actividade assistencial,
apenas secundariamente indo de encontro às necessidades dos utentes. A
consciencialização e a responsabilização dos Conselhos de Administração acredito ser
um objectivo que foi atingido.” (Q n.º 3).
Quanto ao modelo de contratualização implementado, foi perguntado aos
especialistas se concordavam com o modelo experimentado e com a sua evolução e que
explicitassem um outro modelo alternativo que lhes parecesse mais adequado e como é
que viam o seu desenvolvimento e implementação. As respostas obtidas foram pouco
expressivas, sendo de salientar que os respondentes consideram que: “A
contratualização dos serviços de saúde, mesmo que incipiente e incompleta cria, a
pouco e pouco, condições para a “desconstrução” ou “desmontagem”, sem grandes
sobressaltos (alguns haverá!) da pirâmide hierárquico-burocrática centralista de
comando e controlo, hoje completamente desadequada” (Q n.º 9).
Pretendia-se com a contratualização estabelecer novos códigos de comportamento nas
relações institucionais entre prestadores, autoridades de saúde, profissionais e
utilizadores, mas isso só foi conseguido parcialmente em relação ao que seria
necessário, bem como em relação ao que seria possível, na medida em que as próprias
agências criaram exemplos de relações muito distintas e por vezes díspares e, de acordo
com a opinião de alguns dos peritos, os modelos pedagógicos sem consequências
práticas raramente induzem alterações reais e concretas nos serviços. Mas parece ser
entendimento dos peritos que se torna importante a substituição progressiva do
tradicional modelo de comando e controlo centrado ao nível dos órgãos centrais, e até
regionais, por um modelo mais responsabilizante, que desconcentre e descentralize
efectivamente a decisão no nível local e institucional.
É ainda opinião de alguns que com a mudança ministerial em 1999 foi gerada uma
indefinição que pôs em causa os bons resultados alcançados com o processo de
negociação encetada. De qualquer forma permaneceu uma postura de relacionamento
diferente entre as instituições e a função agência, talvez pela necessidade de justificação
da informação que apresentam com objectivos assistenciais quantificados, alguns
hospitais aumentaram a sua actividade, indo de encontro às necessidades dos utentes. A
consciencialização e a responsabilização dos dirigentes parece ter sido um objectivo
atingido.
Tese
197
Capítulo VII: Apresentação dos resultados
Pediu-se aos especialistas que ao pensarem sobre o desenvolvimento futuro do processo
de contratualização em Portugal, admitissem a possibilidade de existência de vários
Modelos Alternativos de Contratualização, como ponto de chegada e dessem a sua
opinião sobre o que mais se adequaria ao sistema de saúde, de acordo com a cultura e os
valores do nosso país. Procurou-se assim sintetizar a visão dos peritos envolvidos neste
processo quanto ao necessário desenvolvimento, aprofundamento e consolidação da
contratualização.
Quanto à localização da função agência, os especialistas entendem que a mesma
deverá ser coincidente com a ARS: “seria mais adequado colocá-la como uma função
da região de saúde, a funcionar mais autonomamente, ou a funcionar integradamente
com esta, mudando a sua natureza, missão e funções. Poderia ainda ser uma função
regional a funcionar isoladamente, com autonomia própria, mas a coordenação da
função deveria ser regional, embora a sua operacionalização devesse basear-se numa
estrutura de pequenas equipas de contratualização organizadas em rede, cada uma
dedicada a um conjunto populacional mais restrito (100.000 a 500.000 habitantes).”
(Q n.º 9).
Quanto à organização da função agência as opiniões dividem-se mas apontam que o
modelo organizacional mais adequado parece ser “um coordenador e várias equipas
organizadas por unidades de saúde, já que é a que permite uma abordagem
populacional mais integrada e portanto susceptível de conseguir melhores ganhos
sistémicos em custo-efectividade e micro-eficiência global do sistema, ou uma estrutura
matricial juntando articuladamente um coordenador por região.” (Q n.º 9).
Pronunciaram-se também sobre os conteúdos do processo de contratualização,
considerando ajustada “a utilização de orçamentos programa para sustentação do
processo negocial (plano de acção/orçamento económico), a utilização de
orçamentos-programa combinados com projectos específicos e a utilização de
orçamentos-programa de base, combinados com uma distribuição anual baseada no
desempenho, bem como a afectação de recursos na base capitacional, ajustados de
acordo com indicadores de saúde, morbilidade, mortalidade e sócio/económicos, às
unidades de saúde, sendo ainda de considerar outros modelos mistos que sirvam quer o
tipo de prestadores em presença, quer os resultados de saúde pretendidos.” (QW n.º 1).
Tendo em atenção que o sistema de informação da função agência é básico para o
desenvolvimento do processo de contratualização, procurou-se conhecer se, de acordo
com o conhecimento que os respondentes detinham sobre o tipo de informação
disponível, o processo de contratualização deveria assentar no sistema de informação
disponível que progressivamente deveria ser melhorado, agregando toda a informação
de produção, económica e de resultados, bem como sobre a capacidade instalada dos
prestadores do SNS, ou se tinham uma opinião diferente sobre esta área, mas aqui
também as opiniões se dividem, considerando que “o sistema deveria ser compatível
com o sistema de informação que contenha idêntico conteúdo relativamente ao sector
privado e social convencionado com o SNS, devendo evoluir-se para uma arquitectura
mais integrada de sistema de informação de saúde que permita a respectiva circulação
e interactividade entre os diversos agentes e entidades.” (Q n.º 9).
198
Tese
Capítulo VII: Apresentação dos resultados
Sobre o que lhes oferecia dizer sobre a necessidade de criação de padrões de
desempenho/produção para a negociação, ou seja o desempenho óptimo que se deve
esperar de uma determinada capacidade instalada, os especialistas afirmam
maioritariamente (71%) que os mesmos são necessários e que “Devia ser uma das
áreas de investigação operacional instalada.” (Q n.º 1).
A forma como os respondentes vem a relação da agência com outras estruturas do
ministério (IGIFS, DGS, SES, etc.), é a seguinte: “Só haverá futuro para as Agências
se a Administração Central do SNS for reformulada; nesse contexto poderão ser órgãos
desconcentrados a cumprirem a função para que foram criados.” e “Noutro contexto
poderão vir a ser órgãos de planeamento integrado (incluindo controlo e avaliação) de
cada uma das ARS.”; “Não deve existir duplicação de funções ao nível destas
estruturas, mas sim complementaridade” (Q n.º 1); “Muito confusa, demasiada
confrontação de “poder” e pouca vontade de partilhar de uma forma aberta e clara
sem “perder poder” (Q n.º 2); “A relação da Agência de Contratualização com estas
instituições tem de ser de extrema proximidade e colaboração, o que creio ser
conseguido pelo pleno funcionamento do Secretariado Técnico das Agências” (Q n.º 3).
Em resumo, segundo a opinião dos peritos o processo de contratualização parece não ter
ainda conseguido estabelecer novos códigos de comportamento nas relações institucionais
entre prestadores, autoridades de saúde, profissionais e utilizadores, mas tê-lo-ia sido se
não tivesse havido uma inflexão na política do Ministério da Saúde, uma vez que o ambiente
envolvente contraria todo o processo de mudança.
Por outro lado, é importante não esquecer alguns constrangimentos do sector público de
saúde, nomeadamente a nível de recursos humanos, em particular os médicos e enfermeiros.
Acresce ainda que a função agência deveria acompanhar a estratégia de saúde e ter um
papel mais preponderante na orgânica do Ministério, pois só assim poderia materializar-se
o papel de representante dos cidadãos na contratualização.
Talvez possam ser estas algumas das razões que justificarão o não ter sido possível fazer a
indução cultural no processo de desenvolvimento da contratualização.
2.2.2
A perspectiva dos dirigentes envolvidos no processo de contratualização
Foi desenvolvido e aplicado um questionário sobre a mudança comportamental dos
principais dirigentes envolvidos no processo da contratualização na saúde, em Portugal,
para aferir sobre a percepção que os mesmos detinham sobre este processo e as reais
implicações nas suas atitudes e procedimentos. Procurava ainda saber-se se a
contratualização teria potenciado uma maior participação dos cidadãos.
2.2.2.1 Apresentação dos resultados por agrupamento
2.2.2.1.1 A função “Agência”
Os respondentes, correspondentes à III amostra intencional (Quadro 19), representam
63% do universo seleccionado e distribuíram-se pelas diferentes categorias, da seguinte
forma:
Tese
199
Capítulo VII: Apresentação dos resultados
QUADRO 19 – Distribuição dos respondentes da III amostra intencional
Número de participantes
seleccionados
Número de
respondentes
% no
total
Directores Hospitalares
6
4
67
Administradores Delegados
39
24
62
Administradores Hospitalares
23
14
61
Coordenadores Sub-regionais
6
6
100
Médicos
3
3
100
Economistas
4
--
0
81
51
63
Categorias
TOTAL
E a distribuição das frequências, é a seguinte:
Gráfico IX – Respondentes da III amostra intencional - Grupos profissionais
Grupo profissional
80
%
60
40
20
0
Director hospitalar Administrador delega Dirigentes regionais
Grupo profissional
Na questão 1 procurava-se obter o grau de concordância dos principais actores
envolvidos no processo da contratualização na saúde sobre a importância da função
agência, através da seguinte afirmação: “As Agências de Acompanhamento (agora de
contratualização) dos Serviços de Saúde (ACSS) foram criadas como um dos
instrumentos para uma nova política de saúde orientada para um compromisso
explícito no sentido de melhorar o desempenho dos serviços de saúde, adoptando metas
concretas para a realização de ganhos em saúde e assumindo a centralidade do
cidadão como vector a desenvolver e a integrar na sua actuação. Foram explicitando
uma nova relação entre o cidadão contribuinte, o financiamento estável, o investimento
em saúde e a redução de gastos desnecessários, promovendo atitudes e
comportamentos, no sentido da garantia da qualidade dos cuidados de saúde prestados
à comunidade.”.
Nas respostas obtidas verifica-se que 45,1% (23) dos respondentes, num total de 51
concordam totalmente e 52,9% (27) concordam em parte com esta afirmação (média:
1,57; moda: 2 e desvio padrão: 0,54, numa escala de 1 (concordo totalmente) a 3
(discordo totalmente)). No que se refere à posição dos diferentes grupos de dirigentes,
verifica-se que 100% dos directores hospitalares e dos dirigentes regionais e ainda
97,4% dos administradores delegados ou hospitalares concordam totalmente ou em
200
Tese
Capítulo VII: Apresentação dos resultados
parte com esta afirmação, ou seja o grau de concordância é muito semelhante nos três
grupos de dirigentes.
Na questão 2, procurava-se perceber até que ponto os objectivos definidos para a
função agência tinham sido atingidos e quais as diferenças percepcionadas pelos
diferentes grupos de dirigentes, através da afirmação “As agências de contratualização
têm procurado assegurar a melhor utilização dos recursos públicos para a saúde e
zelar pelos interesses de quem paga, directa ou indirectamente os cuidados de saúde,
através de compromissos que se operacionalizam numa negociação, que constitui o
processo de contratualização, no qual estão implícitos a fixação de objectivos, a
monitorização e a avaliação final.” (Q n.º 5), e em que se pedia para que os
respondentes classificassem por ordem de importância, numa escala decrescente, os
objectivos que conseguiram ser atingidos pelas Agências, sendo que 1 representava o
maior grau de importância e 8 o menor, ou seja, a não resposta à pergunta (resposta
deixada totalmente em branco) era considerada como não tendo sido minimamente
atingido.
Os resultados obtidos (Quadro 20) hierarquizaram esses objectivos da seguinte forma:
Quadro 20 – Objectivos da função agência na perspectiva dos dirigentes
Objectivos atingidos pelas agências
2.1. Identificar as necessidades ou cuidados de saúde para os quais há que
garantir respostas adequadas.
2.2. Propor ao CA das ARS a respectiva distribuição dos recursos financeiros
pelas instituições de saúde da região e proceder à contratualização dos
cuidados de saúde com as mesmas.
2.3. Produzir e divulgar informação sobre os serviços de saúde e promover a
utilização desses conhecimentos por parte das administrações e por parte dos
cidadãos.
2.4. Incorporar na reorientação do sistema de saúde a opinião do cidadão.
2.5. Acompanhar o desempenho das instituições relativamente à prestação
dos cuidados de saúde e recursos financeiros contratualizados.
2.6. Dar parecer sobre a celebração de acordos e convenções com entidades
privadas e IPSS para a prestação de cuidados de saúde no âmbito do SNS.
2.7. Participar na avaliação de ganhos em saúde e bem-estar obtidos com os
recursos financeiros gastos.
Média
Desvio
Padrão
Moda
4,4
2,13
5
3,92
2,43
1
4,36
1,95
5
6,32
3,24
1,73
1,93
7
1
5,56
2,20
8
5,06
2,34
8
Nota: escala de 1 a 8, em que 1 ⇒ o maior grau de importância e 8 ⇒ o menor grau de importância
(resposta deixada totalmente em branco)
acompanhar o desempenho das instituições relativamente à prestação dos
cuidados de saúde e recursos financeiros contratualizados, propor ao CA das
ARS a distribuição desses recursos pelas instituições de saúde da Região e
proceder à contratualização dos cuidados de saúde com as mesmas, foram os
objectivos melhor conseguidos, segundo 72% e 64%, respectivamente dos
respondentes e com uma moda igual a 1;
produzir e divulgar informação sobre os serviços de saúde e promover a
utilização desses conhecimentos por parte das administrações e por parte dos
cidadãos e identificar as necessidades ou cuidados de saúde para os quais há
que garantir respostas adequadas, foram o terceiro e quarto objectivos
melhor conseguidos segundo 54% e 52% dos respondentes,
respectivamente);
Tese
201
Capítulo VII: Apresentação dos resultados
incorporar na reorientação do sistema de saúde a opinião do cidadão, em que
58% entendem que este foi o objectivo menos conseguido, com a média
mais elevada (6,32) e uma moda igual a 7;
participar na avaliação dos ganhos em saúde e bem-estar obtidos com os
recursos financeiros gastos e dar parecer sobre a celebração de acordos e
convenções com entidades privadas e IPSS para a prestação de cuidados de
saúde no âmbito do SNS, em que 40% entendem que estes objectivos foram
dos menos conseguidos.
2.2.2.1.2 O processo de contratualização
Na questão 3 pretendia-se confrontar os dirigentes com os resultados obtidos com o
processo de contratualização, perguntando-se: “A distribuição de recursos previa-se
passar progressivamente a ser feita com base em processos de contratualização a três
níveis (regional, institucional e intra-institucional). Indique em seu entender a que
níveis é que essa distribuição foi conseguida na sua instituição e também na sua
região”.
Dos resultados obtidos (Quadro 21) pode concluir-se que maioritariamente (61%), os
gestores entendem que a distribuição entre as ARS e as instituições de Saúde (hospitais,
centros de saúde) foi o nível em que a distribuição foi mais conseguida, com uma média
de 1,95, uma moda de 2 e um desvio padrão de 0,74, embora refiram que esta
distribuição era mais pedagógica do que efectiva.
Quadro 21 – Nível de distribuição de recursos na perspectiva dos dirigentes
A distribuição de recursos
Média
Desvio Padrão
Moda
3.1: entre a administração central e as ARS.
3.2 entre as ARS e as instituições de saúde.
3.3 entre as administrações das instituições de saúde e os seus
centros de saúde e departamentos ou unidades operacionais de
prestação de serviços de cuidados de saúde.
2,10
1,95
0,75
0,74
2
2
2,33
0,81
3
Nota: escala de 1 a 3, em que 1 ⇒ muito importante e 3 ⇒ pouco importante
Há 41% que referem que ela só foi conseguida muito parcialmente entre a
administração central e as ARS (média de 2,10, uma moda de 2 e um desvio padrão de
0,75), na medida em que havia vários departamentos centrais envolvidos no processo e
a distribuição regional nunca aconteceu, já que se manteve a afectação directa do IGIF
aos hospitais e, ainda 49% afirmam que entre as Administrações das instituições de
saúde e os seus centros e departamentos ou unidades operacionais de prestação de
cuidados de saúde essa distribuição, que se traduzia pela internalização do processo de
contratualização nas instituições, não foi conseguida (média de 2,33, uma moda de 3 e
um desvio padrão de 0,81).
Perguntou-se também, na questão 4, se os gestores entendiam que “os processos de
responsabilização (existência de consequências relativamente à utilização de recursos,
ou seja, caso não sejam atingidos os resultados negociados a instituição não verá
cobertos os défices gerados) e avaliação introduzidos nas organizações acarretam
202
Tese
Capítulo VII: Apresentação dos resultados
sempre alterações comportamentais (significa que normalmente os profissionais
introduzem um maior rigor e preocupação na apresentação dos resultados e uma maior
preocupação no acompanhamento da actividade) e se com a Agência isso também tinha
acontecido”.
Teoricamente os gestores concordam com esta afirmação, mas afirmam que na prática
as agências pouco contribuíram para uma cultura de responsabilização, dado terem sido
esvaziadas de competências, isto é, não tinham recursos financeiros para introduzir
mecanismos para premiar ou penalizar as instituições.
Média
Desvio padrão
Moda
1,62
0,57
2
Nota: escala de 1 a 3, em que 1 ⇒ concordo totalmente e 3 ⇒ discordo totalmente
Segundo estes actores as agências não chegaram a integrar plenamente a estrutura das
ARS. Por sua vez, o poder político não assumiu na íntegra e de forma coerente e
contínua a função das agências. Por outro lado ainda, entendem que as agências têm
promovido novas atitudes e comportamentos no que respeita à análise quantitativa
assistencial, mas sem reflexos evidentes na eficiência.
A questão 5 questionava os gestores sobre se poderemos considerar que a introdução da
contratualização veio trazer alterações no processo de distribuição de recursos,
nomeadamente passando a ser feito mais em função dos resultados, ao que estes actores
responderem que o peso que tem ainda o “histórico” na formulação do orçamento
financeiro das instituições diminui o impacto deste efeito, embora considerem que a
introdução de mecanismos de contratualização melhora naturalmente a distribuição de
recursos. Por outro lado, o financiamento relativamente aos hospitais continua a ser
feito pelo IGIF e sem haver intervenção das Agências nessa distribuição.
Segundo estes actores não há evidência empírica de que a distribuição de recursos,
nomeadamente os financeiros, tenha sido efectuada de forma consistente em função dos
resultados e por isso os valores estatísticos encontrados nas respostas obtidas são os
seguintes:
Média
Desvio padrão
Moda
1,94
0,71
2
Nota: escala de 1 a 3, em que 1 ⇒ concordo totalmente e 3 ⇒ discordo totalmente
Convém também referir que o processo não atingiu em todas as regiões o mesmo grau
de desenvolvimento e que os gestores entendem que a avaliação é mais quantitativa,
mais baseada no volume de produção do que nos resultados em saúde e na satisfação do
utente.
Na questão 6 perguntava-se se a introdução da contratualização veio trazer algumas
alterações no comportamento dos dirigentes da saúde, nomeadamente maior rigor e
preocupação no processo de discussão dos resultados, quer institucional, quer
Tese
203
Capítulo VII: Apresentação dos resultados
intra-institucional. Os resultados obtidos apontam para uma concordância quase total,
sendo os valores estatísticos encontrados os seguintes:
Média
Desvio padrão
Moda
1,42
0,54
1
Nota: escala de 1 a 3, em que 1 ⇒ concordo totalmente e 3 ⇒ discordo totalmente
Alguns entendem, no entanto, que a gestão ainda se centra na resolução de problemas
pontuais, mas que houve aumento de preocupação na análise dos resultados
quantitativos ao nível institucional, embora as alterações no comportamento dos
gestores e dirigentes não tenham sido substanciais.
2.2.2.1.3 O papel do cidadão
A questão 7 relembrava estes actores que ao mesmo tempo que se foi tentando
consolidar o processo de organização e funcionamento das Agências se considerou
como prioritário reforçar o papel do cidadão na “Função Agência” e criar metodologias
que permitissem avaliar não só as necessidades em saúde como também o impacto dos
cuidados de saúde contratualizados em termos de ganhos em saúde. Por isso pedia-se
para recordarem os últimos cinco anos e indicarem as alterações nas atitudes dos
cidadãos verificadas ao nível da sua freguesia, concelho ou distrito.
As respostas apontam maioritariamente para o facto de não terem sido sentidas
quaisquer alterações no comportamento dos cidadãos, conforme se pode analisar no
quadro a seguir apresentado (Quadro 22).
Quadro 22 – Efeitos da contratualização na perspectiva dos dirigentes
Efeitos da contratualização
% concordância
7.1. Não sentiu qualquer alteração no comportamento dos cidadãos.
53%
7.1. Sentiu um grande envolvimento e participação dos cidadãos ao nível da sua instituição
de saúde.
2%
7.3. Não sentiu grande envolvimento e participação dos cidadãos ao nível da sua instituição
de saúde.
98%
7.4. Sentiu grande envolvimento e participação dos cidadãos ao nível da comunidade em
geral nas questões de saúde.
10%
7.5. Sentiu uma progressiva participação e criação de grupos ou núcleos de cidadãos
preocupados com as questões da saúde.
16%
Nota: escala de 1 e 2, em que 1 ⇒ sim e 3 ⇒ não
Há um dos actores que afirma que se o cidadão tem mais capacidade reivindicativa isso
se fica a dever à actuação dos meios de comunicação e não à actuação das agências. E
um outro explicita melhor o seu pensamento afirmando que os cidadãos não conhecem
bem as agências e o seu comportamento é condicionado pela comunicação social.
Por último, na questão 8 procurava-se saber se as alterações de comportamento,
eventualmente verificadas, estariam relacionadas com a criação das ACSS e com a
introdução de uma nova cultura de responsabilização e avaliação introduzidas e ainda
com a preocupação de inclusão do cidadão no sistema.
204
Tese
Capítulo VII: Apresentação dos resultados
A resposta a esta questão já ficou parcialmente dada na anterior, mas convém referir
algumas das considerações apresentadas pelos gestores, dado que não houve
concordância com a afirmação, conforme se pode verificar pelos valores das estatísticas
apresentadas:
Média
Desvio padrão
Moda
2,58
1,36
3
Nota: escala de 1 a 3, em que 1 ⇒ concordo totalmente e 3 ⇒ discordo totalmente
É opinião de alguns dos gestores que as alterações de comportamento dos cidadãos têm
principalmente a ver com a evolução social e dos meios de comunicação, ou seja devido
à mediatização dos problemas da saúde, embora achem que qualquer processo de
avaliação introduz sempre alterações de comportamento.
Em resumo, os dirigentes envolvidos afirmam que o processo de contratualização é
essencial ao desenvolvimento do sistema de saúde em Portugal e que a criação das agências
foi a mais importante medida inovadora implementada na saúde na última década, mas que
é necessário dotá-las da influência necessária ao desenvolvimento da sua actividade.
Entendem também quanto à participação do cidadão que as alterações são tímidas e fruto
do desenvolvimento generalizado da sociedade portuguesa, decorrendo provável e
naturalmente do processo político-social na saúde e não da acção das agências, mas
acreditam que o impacto da função agência foi importante no interior do sistema de saúde e
dentro dele no comportamento do pessoal dirigente das organizações hospitalares, pelo que
será expectante que o cidadão possa assumir futuramente um papel mais intervencionista e
facilitador da contratualização.
2.2.3 Diferentes perspectivas sobre a contratualização
Segundo várias entidades, líderes de opinião e políticos, nomeadamente Pedro de
Almeida (Secretário de Estado do Turismo), Observatório do Turismo, IAPMEI, Ordem
dos Médicos, Sindicato dos Enfermeiros Portugueses, Conselho de Administração da
Associação de Municípios de Trás-os-Montes e Alto Douro, Pedro Ferreira da
Faculdade de Economia de Coimbra, Vítor Ramos da ENSP e, ainda de acordo com o
expresso em algumas publicações, nomeadamente OPSS (2001 e 2002), Revista de
Saúde Pública da ENSP72, Terceiro Quadro Comunitário de Apoio73, Programa do XV
Governo Constitucional e Relatório de 2001 do Director Geral e Alto-comissário da
Saúde74), podemos verificar que a palavra contratualização tem vindo a ser adoptada
com grande frequência e começa a ser aceite como um conceito abrangente e com um
significado próprio, rico e claro, embora alguns se questionem sobre se existe o termo
contratualização. Segundo vários autores não existe. Existem sim, registados no
Dicionário Aurélio, pág. 469, os termos contratualidade (qualidade de contratual) e
contratualismo - na filosofia do Direito, doutrina segundo a qual o Estado foi
estabelecido mediante contrato entre os cidadãos, ou entre eles e o soberano.
72 www.ensp.unl.pt
73 www.saudexxi.min-saude.pt
74 www.dgsaude.pt
Tese
205
Capítulo VII: Apresentação dos resultados
No glossário do Terceiro Quadro Comunitário de Apoio, Contratualização é a
associação, pela autoridade de gestão e por período determinado, de entidades públicas
ou privadas à gestão técnica, administrativa e financeira da respectiva intervenção
operacional, mediante a celebração de contratos programa homologados pelo membro
do Governo competente. As entidades associadas à gestão passam a constituir, através
da contratualização, organismos intermédios (DL 54-A/2000, 36.º, 1).
Na Revista de Saúde Pública, editada pela ENSP, no seu número temático de 2001
sobre cuidados de saúde primários, a propósito da experiência portuguesa na
Contratualização com Centros de Saúde pode ler-se:
“a experiência portuguesa de contratualização tem sido dominada pelos hospitais.
Este texto analisa as diferenças conhecidas ou previsíveis da contratualização com
os centros de saúde quando comparada com a dos hospitais. Os primeiros passos
de contratualização em saúde em Portugal tiveram lugar num contexto
caracterizado por outras iniciativas de reforma – como por exemplo os projectos
de reorganização dos cuidados de saúde primários e dos sistemas locais de saúde
– que não se revelou particularmente estável. A contratualização num “quasimercado” público pressupõe do lado da “Agência” o conhecimento das
necessidade a atender e o de um preço “justo” para negociar, enquanto que
requer do lado dos prestadores o conhecimento das suas funções de “produção”.
Tanto num pólo como no outro as experiências regionais estão ainda num período
inicial de desenvolvimento, reflectindo o facto deste processo estar ainda a dar os
primeiros passos no país (as primeiras iniciativas datam de 1996). Este será um
longo caminho de amadurecimento institucional e de criação das capacidades
técnicas necessárias. No entanto, já é possível observar progressos importantes
quer na elaboração e negociação de orçamentos-programas quer na presença de
«representantes» do cidadão no processo negocial. Pelo seu grau de autonomia e
pela sua organização interna, é mais fácil ao hospital do que ao centro de saúde
estabelecer uma «contratualização interna» que permita realizar adequadamente a
«contratualização externa» negociada com o financiador. A reorganização
prevista para os centros de saúde pode superar em parte esta dificuldade.”
No caso particular da contratualização por parte da Agência de Contratualização com os
Centros de Saúde na Região de Lisboa e Vale do Tejo (ACSSLVT, 2000), podem tirarse algumas conclusões, tal como se explicita de seguida:
O caso dos Centros de Saúde
Numa apreciação global dos resultados desta experiência para o período de 1996 a 2000, é possível
concluir que a discussão sobre os dados de produção e as experiências realizadas na organização da
participação dos utentes dos centros de saúde tiveram efeitos positivos. Em contrapartida o trabalho
ainda incipiente naquilo que diz respeito à determinação das necessidades em cuidados de saúde da
comunidade não permitiu dar mais relevo às questões relacionadas com a promoção da saúde. De efeitos
menos positivos foi também a diminuição do interesse pelo processo de contratualização por parte de
diversos órgãos centrais e regionais do sistema de saúde.
Para ilustrar um pouco melhor a aplicação da contratualização na área da saúde,
apresentam-se seguidamente dois casos concretos, de um hospital e de um programa
específico, através dos quais se podem analisar algumas das potencialidades desta
metodologia:
206
Tese
Capítulo VII: Apresentação dos resultados
O caso do Hospital de São Sebastião
O caso do programa de
intervenção médico/dentária
Com o Estatuto Jurídico do Hospital de São Sebastião (HSS)
pretendeu-se que a contratualização do financiamento tivesse por
base o tipo e número de actividades a desenvolver e
concomitantemente uma agilização da contratação dos meios
necessários ao seu funcionamento. Embora este aspecto do
estatuto traduza potenciais ganhos em saúde, convém garantir
que as actividades contratualizadas correspondem às reais
necessidades da população que a instituição serve e não às mais
lucrativas, afastando o espectro de uma possível “escolha de
utentes”. O estatuto jurídico do HSS estabelece uma filosofia de
gestão do tipo empresarial, com base na contratualização das
actividades a desenvolver e os recursos necessários à sua
prossecução: contrato e orçamento programa. A evolução para
esta filosofia de gestão acarreta potenciais ganhos em saúde e em
termos de cultura organizacional favorece uma perspectiva de
responsabilidade e responsabilização.
O Relatório de 2001 do Director Geral e
Alto-comissário da Saúde, na avaliação do
programa de intervenção médico/dentária,
feito com recurso à contratualização com
profissionais de saúde, refere que os ganhos
em saúde obtidos com a aplicação do
Programa de Saúde Oral, permitem-nos
hoje colocar entre os países de moderada
prevalência de doença, com indicadores aos
12 anos de idade, índice de CPO75 igual a
2.95, compatíveis com os preconizados pela
OMS para a Região Europeia que é de 3
(Saúde Oral na Deficiência – Orientações e
formulário de candidatura para a
apresentação de projectos. DGS. DSE,
2000).
Mas este não é um processo exclusivo da saúde. Também nos documentos do Ministério
da Educação para a autonomia e financiamento do ensino superior, é defendido que o
desenvolvimento da autonomia das instituições de ensino superior público levanta,
desde logo, uma questão de fundo, associada ao financiamento: na medida em que essas
instituições dependem, quase em exclusivo, de financiamentos públicos, até que ponto
poderão usufruir de uma verdadeira autonomia institucional?
É defendido que a compatibilização da autonomia com o financiamento público passa
por uma via de contratualização e de responsabilização mútua, assente em três pilares
sem os quais a autonomia será uma permanente fonte de tensões e não poderá vingar: (i)
a existência de mecanismos claros e transparentes de financiamento do funcionamento
das instituições, baseados em critérios objectivos devidamente consensualizados,
centrando a negociação orçamental no plafond global para o conjunto das instituições a
partir de referenciais solidamente construídos; (ii) o estabelecimento de contratos de
desenvolvimento institucional inseridos em programas estratégicos a acordar entre o
Ministério da Educação e cada uma das instituições, onde se estabeleçam objectivos e
quantifiquem metas de desenvolvimento, dentro de um equilíbrio entre os interesses,
apetências e capacidades de realização demonstrados pela instituição e as expectativas
políticas para o desenvolvimento global do sistema nacional de ensino superior, num
conceito de rede articulada e coerente de instituições de ensino superior e, (iii) a
prestação clara de contas por parte das instituições, não só no plano administrativo e
financeiro, através dos relatórios de contas e auditorias — no âmbito interno e perante o
Estado — mas também e mais importante, perante a Sociedade, ao nível da eficiência
de actuação face a objectivos e metas traçados, pela via de processos de avaliação
credíveis e transparentes.
Os princípios básicos em que devem assentar os critérios de financiamento público são,
por conseguinte: (i) o princípio da objectividade e transparência nos critérios de
financiamento; (ii) o princípio da contratualização entre as instituições de ensino
75
Média de dentes cariados, perdidos e obturados.
Tese
207
Capítulo VII: Apresentação dos resultados
superior e o Estado e, (iii) o princípio da responsabilização, da racionalidade e da
eficiência na utilização de recursos, com a correspondente prestação de contas.
Para o referido Secretário de Estado do Turismo Pedro de Almeida, a contratualização
não é um fim em si mesmo, mas apenas um meio para a obtenção do identificado
objectivo e que só será concretizada se for comprovado que os parceiros têm
representatividade, massa crítica e estão mais próximos dos clientes nas áreas de
produto que pretendem incrementar. Devem, ainda, apresentar resultados das acções
que realizam, os quais deverão ser devidamente avaliados - a propósito da promoção
turística da cidade de Lisboa promovida pela respectiva Câmara Municipal afirmou
que a contratualização tinha de ser condicional, já que poderia haver lugar à
contratualização da promoção externa a qual, no entanto, só poderia ocorrer se os
parceiros candidatos demonstrassem capacidade de fazer melhor com os mesmos
meios disponíveis.
O programa do XV Governo Constitucional, no IV capítulo - Reforçar a justiça social.
Garantir a igualdade de oportunidades – saúde tem explícito que irão ser adoptados
procedimentos de gestão rigorosos que permitam:
-
atribuir orçamentos específicos e adequados à natureza das instituições, de
acordo com um plano estratégico de contratualização;
-
estabelecer incentivos financeiros ligados a ganhos de produtividade, à
flexibilidade na criação de equipas de trabalho e à mobilidade funcional e
geográfica.
Em saúde, segundo opinião dos peritos envolvidos na investigação, pode definir-se
contratualização como “o processo pelo qual partindo da avaliação das necessidades
em saúde e de serviços de saúde, se estabelecem mecanismos negociais de atribuição de
recursos aos serviços para prestar cuidados na base de critérios explícitos de
acessibilidade, adequação e efectividade”, mas segundo Freitas (2002), uma outra
definição de contratualização pode ser “um processo de relacionamento entre
financiadores e prestadores, assente numa filosofia contratual, envolvendo uma
explicitação da ligação entre o financiamento atribuído e os resultados esperados,
baseada na autonomia e responsabilidade das partes e sustentado num sistema de
informação que permita um planeamento e uma avaliação eficazes, considerando como
objecto do contrato metas de produção, acessibilidade e qualidade”.
2.3
A componente “processo de mudança”
2.3.1
Apresentação do método para definição do modelo estatístico
De forma a explicar os resultados em saúde e a procurar encontrar as variáveis mais
significativas, recolheram-se dados dos últimos trinta anos, para centro e trinta e cinco
variáveis que se agruparam posteriormente em nove matrizes de recolha dessas mesmas
variáveis. A saber:
1. Contexto macro/económico/social;
208
Tese
Capítulo VII: Apresentação dos resultados
2. Processo (variáveis):
2.1 Recursos financeiros do sistema de saúde;
2.2 Gastos do SNS;
2.3 Recursos humanos;
2.4 Estrutura;
2.5 Produção;
2.6 Produtividade;
2.7 Desempenho;
3. Resultados em saúde.
A análise em componentes principais procura identificar um pequeno número de
dimensões que expliquem as relações existentes entre as variáveis que descrevem um
conjunto de indivíduos, isto é, procura-se simplificar a informação proveniente de um
quadro com diversas variáveis e indivíduos através da redução do número de variáveis
necessárias para descrever esses indivíduos, o que nesta investigação parece ter toda a
pertinência, dado o elevado número de variáveis e o reduzido número de observações.
É recomendável proceder-se a uma análise exploratória de cada variável antes de dar
início à análise em componentes principais e caso a assimetria seja muito pronunciada,
segundo Reis, E. (2001), pode haver necessidade em transformar uma ou mais variáveis,
o que parece igualmente justificar-se nesta situação. Parece ainda importante conhecer
as correlações entre todas as variáveis, de forma a prever os grupos de variáveis que se
irão formar.
O teste de esfericidade de Bartlett, que permite testar se a matriz de correlações das
variáveis originais é uma matriz identidade e sendo o nível de significância associado ao
teste em todos eles de 0,000 (inferior a 0,05), isto significa que existem correlações
significativas entre as variáveis originais, logo rejeita-se a hipótese da matriz de
correlações ser a matriz identidade.
Foram eliminadas as variáveis com elevado número de missing values e, nas restantes,
os missing values foram substituídos por estimativas encontradas pelo método de
regressão linear.
2.3.2
Apresentação dos resultados
Com recurso ao Programa SPSS for Windows, versão 11.5, foi criada uma base de
dados com a informação referente aos últimos trinta anos para as centro e trinta e cinco
variáveis seleccionadas, tendo-se efectuado as diferentes análises estatísticas que nos
permitiram obter os resultados que se apresentam seguidamente.
Tese
209
Capítulo VII: Apresentação dos resultados
A estatística de Kaiser-Meyer-Olkin (KMO), que compara as correlações simples com
as parciais observadas entre as variáveis iniciais para cada um dos elementos (Quadro
23), apresenta valores médios ou bons (valores inferiores a 0,700 são considerados
menos adequados), o que significa que esta medida global é satisfatória e que se torna
aconselhável fazer uma análise em Componentes Principais.
Quadro 23 – Análise em Componentes Principais
Componentes principais
Contexto macro/económico/social
Gastos do SNS
Recursos Financeiros do Sistema
Recursos Humanos
Estruturas de resposta especializadas
Produção
Desempenho
Produtividade
Resultados
Adequabilidade dos dados
Estatística
de KMO
0,628 (R)
0,858 (B)
0,720 (M)
0,683 (R)
0,747 (M)
0,809 (B)
0,829 (B)
0,673 (R)
0,868 (B)
Teste de Bartlett
(p - value)
0,000
0,000
0,000
0,000
0,000
0,000
0,000
0,000
0,000
Análise dos
valores próprios
(%) de variância
explicada
89,4
92,2
71,0
84,3
93,0
86,5
80,7
76,2
92,0
Foram também analisadas as comunalidades, ou seja a proporção da variância de cada
variável explicada pelas componentes retidas. As comunalidades iniciais são iguais a 1,
e após a extracção variam entre 0 e 1, sendo considerados aceitáveis valores superiores
a 0,5.
O critério de extracção das componentes utilizado foi a percentagem de variância
explicada, onde se considera razoável assumir componentes que expliquem até uma
percentagem acumulada de 70 % e como, no caso em análise, a variância que é
explicada por cada uma das componentes principais varia entre 71,0 e 93,0 %, podemos
considerar estar perante boas soluções.
Com o objectivo de extremar os valores das saturações de modo a que cada variável
fique associada apenas a um factor, executa-se a rotação das matrizes das componentes,
sendo que neste caso para cada conjunto de variáveis foram encontradas as soluções
apresentadas no quadro seguinte (Quadro 24).
Aqui se inclui também a interpretação das componentes, com base nos pesos das
variáveis em cada uma delas: (i) Contexto macro económico/social; (ii) Gastos do SNS;
(iii) Recursos Financeiros do Sistema; (iv) Recursos Humanos; (v) Estruturas de
resposta especializadas; (vi) Produção; (vii) Desempenho; (viii) Produtividade e, (ix)
Resultados.
Todas as dimensões estão definidas em sentido positivo, à excepção dos resultados. Por
exemplo o contexto macro económico/social aumenta quando o PIB aumenta e a taxa de
analfabetismo diminui, o que significa desenvolvimento, ou a produção que também
aumenta, pois quer os doentes saídos, o número de doentes consultados ou atendidos na
urgência aumentam.
210
Tese
Capítulo VII: Apresentação dos resultados
No entanto, os resultados têm uma interpretação inversa, uma vez que os valores da
dimensão aumentam quando aumenta, por exemplo, a taxa de novos casos de
tuberculose, os anos de vida potencialmente perdidos nos homens e nas mulheres, a taxa
de suicídio (100 000 habitantes), as mortalidades perinatal e infantil ou a percentagem
de partos não assistidos e isso deve portanto ser entendido como “falta” de resultados ou
perdas em saúde.
Quadro 24 – Variáveis por componentes principais e sua interpretação
Variáveis por componentes principais
Contexto macro económico/social
População residente
PIB preços constantes
PIB per capita
Taxa de analfabetismo
Gastos do SNS
PIB/SNS
Verbas SNS
Investimento (PIDDAC e outros)
Financiamento ARS
Financiamento Hospitais
Despesa SNS
Custos pessoal
Gastos convencionados
Défice financeiro
Recursos Financeiros do Sistema
Despesa pública em saúde (% PIB)
Despesa privada em saúde (% PIB)
Despesa total em saúde (per capita)
Despesa pública em saúde na despesa total
Despesa em medicamentos
Recursos Humanos
Médicos inscritos
Médicos (100 000 habitantes)
Enfermeiros/estab. saúde com internamento
Enfermeiro/100 000 habitante
Técnicos superiores de saúde c/ internamento
Enfermeiros estab. saúde sem internamento
Auxiliares AM estab. c/ internamento
Auxiliares AM estab. saúde sem internamento
Estruturas de resposta especializada
Total camas/1 000 habitantes
Total camas
Total de estabelecimentos com internamento
Saturação
0,825
0,984
0,966
-0,996
0,866
0,991
0,921
0,993
0,991
0,995
0,989
0,998
0,886
0,985
0,605
0,963
0,612
0,952
0,975
0,979
0,968
0,968
0,902
0,760
0,922
0,850
0,945
0,969
0,978
Variáveis por componentes principais
Produção
Doentes saídos
Consultas cuidados primários
Consultas hospitais
Urgências
Desempenho
% Financiamento ARS
% Financiamento hospitais
% pessoal/despesa total
% medicamentos/despesa total
% convencionados/despesa total
Produtividade
Demora média
Consulta/médico (hospitais)
Consulta/médico (cuidados primários)
Doente saído por cama
Resultados
Taxa novos casos diagnosticados
(tuberculose)
% população com 65 e mais anos
Esperança de vida homens
Esperança de vida mulheres
Anos de vida potencialmente
perdidos homens
Anos de vida potencialmente
perdidos mulheres
Taxa de suicídio 100 000
habitantes
Taxa de natalidade
Taxa de mortalidade por cancro
Taxa de mortalidade por acidentes
de viação
Mortalidade perinatal
Mortalidade infantil
% de partos não assistidos
Saturação
0,931
0,895
0,960
0,932
0,963
-0,961
0,794
0,832
0,927
-0,937
0,627
0,956
0,929
0,992
-0,989
-0,993
-0,994
0,996
0,993
0,785
0,935
-0,952
0,854
0,994
0,982
0,983
2.3.2.1 Correlações entre as componentes
Vamos agora analisar as correlações entre as várias dimensões encontradas, com o
objectivo final de procurar compreender os resultados em saúde, dado que o que se
pretendia era estimar um modelo de regressão que permitisse explicar aqueles
resultados a partir das variáveis explicativas (contexto macro económico/social; gastos
do SNS; recursos financeiros do sistema; recursos humanos; estruturas de resposta
especializadas; desempenho; produtividade e resultados). O modelo teórico subjacente é
o seguinte:
Tese
211
Capítulo VII: Apresentação dos resultados
-
O contexto macro económico/social explicaria os gastos do SNS, os recursos
humanos, os recursos financeiros do sistema e as estruturas de resposta
especializada (1º sub-modelo);
– Por sua vez, os gastos do SNS, os recursos financeiros do sistema, os
recursos humanos e as estruturas de resposta especializada explicariam as
alterações ocorridas na produção (2º sub-modelo);
– Os recursos humanos explicariam as alterações no desempenho (3º
sub-modelo);
– A produtividade (variável mediadora entre a produção e os resultados) seria
explicada pelos gastos do SNS, pelos recursos humanos, pelos recursos
financeiros do sistema, pelo desempenho e pela produção (4º sub-modelo);
– E, por último, os resultados seriam explicados por variações no contexto
macro económico/social, nas estruturas de resposta especializada, na
produtividade, na produção e no desempenho (5º sub-modelo).
Em resumo, seria o seguinte o modelo teórico (Figura 17) subjacente a esta análise:
Gastos do SNS
Produtividade
Recursos
Financeiros do
Sistema
Contexto macro
económico e
social
Produção
Desempenho
do Sistema
Resultados
Recursos
Humanos
Estruturas de resposta
especializada
Figura 17 – Modelo teórico
No entanto, o reduzido número de observações e a existência de elevadas correlações
entre as diferentes variáveis explicativas, torna problemática a estimação dos
parâmetros deste modelo de regressão linear no seu conjunto, pelo que se optou por
começar por analisar as correlações entre as variáveis: correlações lineares de Pearson e
correlações parciais que identificam o grau de associação linear entre duas variáveis,
controlando o efeito de uma ou mais das restantes variáveis.
Assim, através do coeficiente de correlação de Pearson podemos concluir que, por
exemplo no 1º sub-modelo (Figura 18), o contexto macro económico/social está muito
correlacionado linearmente com todas as variáveis, em sentido positivo: recursos
humanos (0,991); recursos financeiros do sistema (0,982) e gastos do SNS (0,894), à
excepção das estruturas de resposta especializada, em que o sentido da relação entre as
variáveis é negativo mas igualmente muito elevado (-0,990).
212
Tese
Capítulo VII: Apresentação dos resultados
Gastos do SNS
0,894
Recursos
Financeiros do
Sistema
0,982
Contexto macro
económico/social
0,991
Recursos
Humanos
- 0,990
Estruturas de
resposta
especializadas
Figura 18 – Correlações do 1º sub-modelo
E, ainda no que se refere ao 3º sub-modelo (Figura 19), o desempenho está muito
correlacionado linearmente com a variável recursos humanos, em sentido negativo
(- 0,948).
Recursos
Humanos
Desempenho
- 0,948
Figura 19 – Correlações do 3º sub-modelo
Para se proceder a uma melhor e mais completa análise dos resultados apurados,
apresentam-se (Quadro 25) os sub-modelos e respectivos coeficientes de correlação.
Quadro 25 – Sub-modelos e coeficientes de correlação
Regressão
1º sub-modelo
Gastos do SNS
Recursos Financeiros
Recursos Humanos
Estruturas
2º sub-modelo
Gastos do SNS
Recursos Financeiros
Recursos Humanos
Estruturas
3º sub-modelo
Recursos Humanos
4º sub-modelo
Gastos do SNS
Recursos Humanos
Recursos Financeiros
Desempenho
Produção
5º sub-modelo
Contexto
Estruturas
Produtividade
Produção
Desempenho
Coeficientes de Correlação Pearson
Contexto
Produção
Desempenho
Produtividade
Resultados
0,894
0,982
0,991
-0,990
0,862
0,956
0,942
-0,938
-0,948
0,948
0,895
0,918
-0,888
0,909
0,990
0,999
-0,921
0,942
-0,947
Tese
213
Capítulo VII: Apresentação dos resultados
Dado que existe uma grande correlação entre as variáveis e ainda porque algumas delas
estão igualmente correlacionadas entre si, fez-se a análise parcial de cada um dos
sub-modelos, procurando encontrar as variáveis que melhor explicavam as variáveis
dependentes em análise. Para o efeito recorreu-se à correlação parcial.
Assim, relativamente à produção (2º sub-modelo), observam-se correlações muito
elevadas e positivas com os recursos financeiros (0,956); os recursos humanos (0,942) e
os gastos do SNS (0,862) e negativas com as estruturas especializadas (-0,938).
No entanto, quando se analisam as correlações parciais (Figura 20) que medem o grau
de associação linear entre duas variáveis controlando o efeito das restantes variáveis,
apenas os recursos financeiros do sistema mantêm uma correlação significativa e
positiva com a produção (0,565).
Recursos Humanos
- 0,143
Recursos Financeiros do
Sistema
0,565
Gastos do SNS
Estruturas de reposta
especializadas
Produção
0,261
0,248
Figura 20 – Correlações parciais do 2º sub-modelo
No que se refere à produtividade (4º sub-modelo), verificam-se também correlações
bastante elevadas e positivas (Quadro 25) com: os gastos do SNS (0,948); os recursos
financeiros (0,918); a produção (0,909) e os recursos humanos (0,895) e, muito negativa
com o desempenho (-0,888).
No entanto, quando se determinam as correlações parciais (Figura 21), verifica-se que
as contribuições significativas e positivas advêm dos gastos (0,798) e da produção
(0,612) e negativas com os recursos financeiros do sistema (-0,505).
214
Tese
Capítulo VII: Apresentação dos resultados
Gastos do SNS
0,798
Produção
0,612
- 0,505
Produtividade
Recursos Financeiros
do Sistema
0,248
Recursos Humanos
- 0,098
Desempenho do
sistema
Figura 21 – Correlações parciais do 4º sub-modelo
Por último e no que respeita aos resultados (5º sub-modelo), também se observam
correlações muito elevadas e positivas (Quadro 25) com: as estruturas de resposta
especializadas (0,999); com o contexto macro económico/social (0,990) e com a
produção (0,942) e também muito negativas com o desempenho (- 0,947) e com a
produtividade (- 0,921), embora quando se determinam as correlações parciais (Figura
22) se verifique existir só uma contribuição significativa e negativa das estruturas de
resposta especializadas (- 0,953).
Produtividade
0,172
Estruturas de resposta
especializadas
Produção
Contexto macro
económico/social
- 0,953
0,106
Resultados
0,086
- 0,079
Desempenho do sistema
Figura 22 – Correlações parciais do 5º sub-modelo
A redução conseguida é significativa e os resultados a que chegámos permitem-nos um
trabalho interessante, que conjugado com os restantes métodos estatísticos utilizados e
com outras metodologias já enunciadas, nos permitem retirar algumas ilações e
conclusões, que devem ser sempre analisadas cuidadosamente, já que as análises macro,
como é o caso, raramente podem ser conclusivas, mas podem ajudar a melhorar a
compreensão dos fenómenos.
Com base na transformação das variáveis e na sua associação a uma única dimensão,
procurámos analisar a evolução das componentes e investigar sobre o comportamento
Tese
215
Capítulo VII: Apresentação dos resultados
das soluções finais encontradas, conforme se pode analisar no gráfico seguinte (Gráfico
X), procurando-se ainda uma explicação para os resultados aí encontrados.
Gráfico X - Análise evolutiva das componentes principais (1970-2000)
Gastos SNS
2,500
Produção
2,000
Produtividade
1,500
Desempenho
Sistema
R. Fin.
Sistema
R Humanos
1,000
0,500
0,000
-0,500
Estrutura
resposta esp.
Contexto
Sócio Econ.
Resultados
-1,000
-1,500
-2,000
-2,500
1970 1972 1974 1976 1978 19801982198419861988199019921994 199619982000
Anos
Pode verificar-se que a crescente evolução dos resultados, significativamente
pronunciada a partir da segunda parte da década de setenta, parece acompanhar a curva
do contexto sócio-económico, mas naturalmente também a correspondente aos recursos
financeiros globalmente afectos ao sistema de saúde. Já a curva dos gastos do SNS,
significativamente abaixo da dos resultados na década de oitenta e na primeira parte da
década de noventa, ultrapassando-a de forma acentuada na última parte da década de
noventa, pode querer significar a mudança de política então ocorrida na realidade
portuguesa (passando dum governo liberal para um de pendor mais socialista).
Igualmente interessante poderá ser a leitura sobre o comportamento das estruturas
especializadas (camas, hospitais, etc.) que parece indiciar que os resultados em saúde
continuaram a melhorar independentemente da acentuada redução dessas estruturas.
Uma última questão prende-se com o comportamento da componente desempenho, que
medida pelas variáveis seleccionadas nos diz que esse número índice tem vindo a
decrescer significativamente, tendo atingido o seu pico inferior em 1994, sendo que
posteriormente teve alguma retoma, mas em 2000 volta a apresentar números bastante
baixos.
2.3.2.2 Os modelos
O modelo de regressão linear múltipla permite prever o comportamento de uma variável
dependente a partir de uma ou mais variáveis independentes, informando sobre a
margem de erro dessas previsões. Existem vários métodos que permitem seleccionar a
forma como as variáveis independentes entram na análise.
216
Tese
Capítulo VII: Apresentação dos resultados
Tendo em conta os objectivos em estudo considerou-se pertinente utilizar o método
stepwise. Este procedimento de selecção de variáveis introduz no modelo uma variável
de acordo com o poder explicativo da variável dependente (Quadro 26).
Quadro 26 – Modelo de regressão linear
(β)
(t - student)
0,894
0,982
0,991
-0,990
n. s.
0,000
0,000
0,000
0,000
p. > 0,05
Recursos Financeiros
0,956
0,000
Recursos Humanos
n. s.
p. > 0,05
Estruturas
Recursos Humanos
Gastos do SNS
n. s.
-0,948
0,876
p. > 0,05
0,000
0,000
n. s.
p > 0,05
-0,553
0,026
Recursos Humanos
Recursos Financeiros
Produção
Desempenho
Produtividade
Desempenho
Beta
p –value
Variável independente Variável dependente
(explicativa)
(explicada)
Contexto
Gastos do SNS
Contexto
Recursos Financeiros
Contexto
Recursos Humanos
Contexto
Estruturas
Gastos do SNS
n. s.
p > 0,05
0,682
n. s.
0,000
p > 0,05
-0,999
0,000
n. s.
p. > 0,05
Produção
n. s.
p. > 0,05
Desempenho
n. s.
p. > 0,05
Produção
Contexto
Estruturas
Produtividade
Resultados
Coeficiente de
determinação - R2 ajustado
0,792
0,963
0,991
0,979
0,911
0,895
0,936
0,999
n. s. – não significativo
A cada passo, a variável independente que tem a menor probabilidade de inclusão fica
fora da equação se aquela probabilidade é suficientemente pequena, ou seja, as variáveis
incluídas na equação de regressão vão sendo removidas sequencialmente, sendo a
variável com menor correlação parcial com a variável dependente a primeira a ser
removida do modelo, e assim sucessivamente. Este procedimento termina quando já não
existem variáveis no modelo que satisfaçam o critério de inclusão.
O modelo de regressão linear permite equacionar uma percentagem de variação da
variável dependente que é explicada pelas variáveis que se mostraram estatisticamente
significativas enquanto factores explicativos. A restante variação é explicada por outros
factores não contemplados no modelo.
De referir ainda que, para além da percentagem de variação explicada, que podemos
analisar através do coeficiente de determinação, que é medido pelo quociente entre a
variação explicada e a total (R2), é necessário averiguar acerca do sentido da associação
entre as variáveis. Assim, procede-se também a uma análise dos valores de ß (Beta).
Posteriormente, procuraram sintetizar-se os modelos finais encontrados para as
variáveis em análise, os quais se discriminam seguidamente:
Tese
217
Capítulo VII: Apresentação dos resultados
•
O contexto macro económico/social explica de forma elevada e positiva (Figura
23) as variações dos gastos do SNS, dos recursos financeiros da saúde, dos
recursos humanos e de forma negativa das estruturas de resposta especializadas.
+
+
Contexto macro
económico/social
+
-
Gastos do SNS
Recursos Financeiros
Recursos Humanos
Estruturas de resposta
especializada
Figura 23 – Modelo I - Contexto macro económico/social
•
A produção é explicada de forma significativa e positiva apenas pelos recursos
financeiros, sendo a produtividade explicada pela produção e pelos gastos do
SNS (Figura 24) de forma positiva e pelos recursos financeiros de forma
negativa.
Produção
+
+
Gastos do
SNS
Recursos
Financeiros
Recursos
Financeiros
Produtividade
+
-
Figura 24- Modelo II – Produção e Produtividade
•
O desempenho (Figura 25) é explicado de forma negativa apenas pelos recursos
humanos.
Recursos Humanos
-
Desempenho
Figura 25 - Modelo III – Desempenho
•
Os resultados (Figura 26) são apenas explicados de forma negativa pelas
estruturas de resposta especializadas.
Estruturas de
resposta
especializadas
-
Figura 26 - Modelo IV – Resultados
218
Tese
Resultados
Capítulo VII: Apresentação dos resultados
Poderemos assim concluir que a estimação dos modelos vem confirmar os resultados
anteriormente obtidos com as correlações parciais (Gráfico XI).
Gráfico XI - Variáveis explicativas dos resultados
(1970-2000)
Produção
2,500
2,000
Produtividade
1,500
1,000
Desempenho
Sistema
0,500
Estrutura
resposta esp.
0,000
-0,500
Contexto
Sócio Econ.
-1,000
-1,500
Resultados
-2,000
-2,500
1970 1972 1974 1976 1978 1980 1982 1984 1986 1988 1990 1992 1994 1996 1998 2000
Anos
2.3.3
Revisão e análise crítica dos normativos referentes aos últimos trinta anos
Apesar da legislação publicada no início da década de setenta constituir já uma tentativa
de reforma do sistema de saúde (Anexo XV) e da assistência, é só a partir de 1974 que
coexistiram condições sociais e políticas, integradas no processo de democratização do
país, que levaram à criação, em 1979, do SNS (Figura 27).
O SNS permitiu a cobertura da população portuguesa, mediante a criação de uma rede
de infra-estruturas de serviços prestadores desses cuidados de saúde, o desenvolvimento
de carreiras dos profissionais de saúde, a criação da carreira médica de clínica geral e
medicina familiar, entre outras.
As limitações associadas ao contexto económico, a influência da conjuntura económica
internacional na década de oitenta, a influência das reformas dos sistemas de saúde na
Europa, vêm acentuar a importância da separação entre os sectores público e privado, a
necessidade de melhorar a remuneração e as condições de trabalho dos profissionais de
saúde no sector público.
Tendo por base esse contexto, o poder político procura introduzir a ideia de seguro
alternativo e a possibilidade de aumentar o financiamento privado no sistema de saúde.
Essa ideia de privatização, aliada à de liberalização do “mercado da saúde” e de
competição, leva à introdução de mecanismos legislativos facilitadores da gestão
privada de unidades de saúde e à aprovação da experiência de gestão privada do
Hospital Fernando da Fonseca. Uma outra forma, igualmente facilitadora da entrada de
prestadores privados complementarmente às estruturas do SNS, foi iniciada com a
tentativa de resolução do problema das listas de espera através do PERLE.
Tese
219
1800
Hospital de São
Nicolau com
Albergaria (1164)
1ª Misericórdia
(1498) Hospital Real
de Todos os Santos
(1504) Hospital
Termal das Caldas
da Rainha (1512)
Âncora Medicinal
para Conservar a
Vida com Saúde
(1721)
Vacina contra
Varíola (1796)
1845
Bacilo Koch (1890)
1900
1900
Primeiros cursos
de enfermagem
(1881)
1990
1950
Angiografia
Cerebral por Egas
Moniz (1927)
Leucotomia por
Egas Moniz PRÉMIO NOBEL
(1948)
Democracia (1974)
C.E.E. (1986)
1990
Carreira Médica de
Clínica Geral (1982)
EURO (2002)
2000
Tese
2003
Plano Nacional
de Saúde
OBSERVATÓRIO
PORTUGUÊS DOS
SISTEMAS DE
SÚDE
Novos Estatutos Hospitalares (1998/2002)
Novas Leis de Cuidados de Saúde Primários
(1999/2002)
2000
Genoma
Humano (2001)
AVALIAÇÂO DO
DESEMPENHO
Reformas de G.Ferreira Estratégia da
Saúde (1998)
e A. Sampaio (1971)
Criação dos Centros de
Saúde (1972/73)
Serviço Méd. na
Periferia (1976)
Serviço Nacional de
Saúde (1979)
GOVERNANÇA DA
SAÚDE
OBSERVATÓRIO EUROPEU
Figura 27 - A evolução do Sistema de Saúde Português no contexto da Europa e do resto do Mundo
1845
Criação das Escolas
Médico-Cirúrgicas
de Lisboa e Porto,
dos cursos de
parteiras e fundação
das Escolas de
Farmácia (1836)
Pílula anovulatória
(1960)
Promoção da Saúde
(1986)
Metas em Saúde (1984)
Cuidados de Saúde
Primários (1978)
POLÍTICAS DE SAÚDE
História da
Estatuto Hospitalar
Regulamento Geral dos
Medicina
Portuguesa (1947) Hospitais (1968)
1950
Penicililina (1945)
BISMARCK ( 1883) BEVRIDGE (1943)
História da
Medicina em
Portugal.
Doutrinas e
Criação da Junta de
Instituições
Saúde Pública (1813) (1899)
Criação da
Instituição Vacínica
(1812)
1800
Fonte: Adaptado de Sakellarides (2003).
Desenvolv. da
Saúde (Portugal)
Desenvolv. da
Saúde (Europa e
resto do Mundo)
Contrato Social
(1762)
PROTECÇÃO SOCIAL
220
Capítulo VII: Apresentação dos resultados
Capítulo VII: Apresentação dos resultados
No início da década de noventa acentuou-se a ideia da necessidade de introdução de
responsabilização, flexibilização e maior capacidade de inovação à administração
pública, procurando contrariar a linha de desenvolvimento do período liberal dos anos
oitenta, mas esta nunca foi verdadeiramente conseguida.
Por sua vez, torna-se evidente a incapacidade do SNS em dar resposta às necessidades
das populações, nomeadamente no acesso aos cuidados de saúde (consultas e cirurgias),
torna-se evidente a desadequação do modelo de administração pública tradicional e
acentua-se a promiscuidade entre interesses públicos e privados.
Nesta segunda metade da década de noventa é projectada uma reforma para o sector da
saúde, assente na criação de novos mecanismos de orientação estratégica, de
responsabilização, de inovação, descentralização e flexibilização das organizações,
entre as quais se enunciam: a Estratégia da Saúde, as Agências de Contratualização, o
Regime Remuneratório Experimental da Clínica Geral (i.e., remuneração associada ao
desempenho), gestão de doenças crónicas, a ideia de hospital-empresa – Hospital S.
Sebastião de Santa Maria da Feira, os Centros de Responsabilidade Integrados, os
Centros de Saúde de 3.ª Geração, os Sistemas Locais de Saúde – Unidade Local de
Saúde de Matosinhos e a resposta às listas de espera através do Programa de Promoção
do Acesso (PPA).
A não implementação no terreno de muitas destas ideias estratégicas levaram ao
descrédito destas políticas e abriram caminho ao eventual desmantelamento do SNS e à
aposta na privatização do sector.
Por sua vez, o acentuar do problema do financiamento e do défice da saúde (vincado
pela conjuntura de crise económica internacional, europeia e nacional) e do problema
das listas de espera atomiza o discurso e a prática política, o que só agora com o início
da nova legislatura parece começar a ser contrariado, emergindo essencialmente um
discurso prático de implementação de ideias reformistas do SNS, alargando-o a uma
ideia ainda imprecisa e sem contornos definidos de Sistema Nacional de Saúde,
perspectivando um papel acrescido de importância aos Sectores Privado e Social da
Saúde.
Como forma de assegurar a sobrevivência do sistema e construir as bases para uma
alteração profunda e criativa do sistema, poder-se-á entender que não será fácil uma
abordagem grandemente inovadora, sendo necessário seguir o processo adaptativo, mas
dever-se-á manter a defesa intransigente dos direitos e garantias dos cidadãos no que se
refere à protecção da saúde, assumindo-se a necessidade de alterar o sistema de forma a
tornar efectivo este desiderato, não sendo de recusar qualquer opção de mudança, desde
que a mesma concorra para o objectivo fundamental de garantia do melhor nível
possível de saúde dos portugueses.
Os alicerces dessa mudança, de acordo com o trabalho de investigação deverão ser:
1. um sistema de informação eficaz, que permita o diagnóstico dos problemas,
apoie na escolha das soluções e mantenha um processo de controlo
permanente das actividades desenvolvidas;
Tese
221
Capítulo VII: Apresentação dos resultados
2. um processo de distribuição de recursos financeiros prospectivo, baseado
em critérios objectivos de base capitacional, a implementar através de
mecanismos de contratualização e que crie incentivos para promover a
equidade, a acessibilidade e a qualidade;
3. a busca de novas formas de organização do processo produtivo, mais
efectivas e eficientes, quer através da reformulação dos objectivos e
produtos dos serviços de saúde numa perspectiva integradora dos problemas
de saúde, quer através do redesenho do mercado a que se dirigem,
reforçando neste a liberdade de escolha e a auto-selecção, desde que não
prejudique os princípios fundamentais do sistema;
4. a criação de uma cultura de responsabilização, seja como alavanca do
reforço do poder dos órgãos formais, seja como atributo indispensável à
regulação do exercício do poder informal das profissões de saúde nas
organizações do SNS, que se caracterizam por uma estrutura
burocrático-profissional;
5. um sistema de comunicação entre todos os actores, facilitando o consenso e
a eliminação de conflitos previsíveis, através da procura de objectivos
comuns e da identificação de cada grupo com o sistema;
6. um processo de gestão de conflitos, através da negociação permanente e
criação de mecanismos reguladores. Nesta matéria será necessário dotar o
cidadão, parte mais fraca do sistema pela assimetria do domínio da
informação e características intrínsecas das organizações de saúde, de um
reforço da sua posição, através de modelos de intervenção que excedam a
mera representatividade, centrando-se na participação activa nas grandes
decisões, conduzindo-os a uma posição de poder reforçado que lhes permita
intervir no processo negocial em equivalência com os outros actores;
7. uma clarificação da missão, finalidades e objectivos do sistema e de cada
actor, seja qual for o seu papel, promovendo sinergias positivas no longo
prazo em detrimento de iniciativas cuja vantagem se extingue no curto prazo
e que poderão vir a comprometer os princípios básicos do SNS;
8. o desenvolvimento de uma política de formação e informação que mude
atitudes, comportamentos e culturas, levando à emergência de novas formas
de relacionamento entre os diferentes actores, assumindo-se estes como
autores do novo sistema de saúde, oriundo da discussão pela sociedade civil,
cabendo ao Estado a garantia dos princípios absolutos como a ética, a
solidariedade e a dignidade.
Os instrumentos que deverão ser utilizados são muitos daqueles que já estão em
desenvolvimento e outros que deverão ser desenvolvidos e aprofundados,
nomeadamente: (i) as experiências de contratualização; (ii) os programas de melhoria
do acesso; (iii) a RIS - rede de informação; (iv) as alterações no regime jurídico de
organizações do SNS; (v) a promoção da centralidade do cidadão no sistema através de
uma participação activa; (vi) os modelos de gestão intermédia, mais responsabilizantes;
(vii) novos processos de articulação entre as entidades, centradas numa área
geo-populacional e abrangendo uma vasta área de intervenção social, que não se
extingue no sector da saúde.
222
Tese
Capítulo VII: Apresentação dos resultados
A mudança sustentada num sector desta complexidade leva tempo, nunca pode
acontecer numa lógica política de curto prazo e faz-se de avanços e recuos, embora se
deva ter presente que a mesma é submetida frequentemente a votação, onde os
resultados imediatos são relevantes e as medidas de fundo passam despercebidas. Mas a
mesma só poderá ser realizada pela sociedade civil, apoiada por uma administração
profissional, num papel essencialmente catalisador.
3.
RESUMO
A história recente da contratualização no sistema de saúde português, apesar de ainda
não existir informação quanto ao real impacte no sistema de financiamento e tendo em
conta a capacidade de acompanhamento, a experiência e amadurecimento do processo
por parte das agências e dos gestores das organizações, apresenta resultados bastante
encorajadores no que se refere às mudanças de atitude, pois parece incentivar as boas
práticas de gestão aos diversos níveis.
A consolidação do processo é um projecto de médio/longo prazo, que exige
continuidade, mas que tem grande imprevisibilidade, dada a sua grande dependência da
vontade política.
Em termos genéricos a contratualização tem sido até ao momento presente a gestão de
alguns objectivos, descentralizando algumas decisões e relacionando custos com
actividades. No entanto, a hierarquia verticalizada do sistema parece dificultar a
inovação e a aplicabilidade do desenvolvimento do processo.
Porquê então insistir na contratualização? A expansão das redes públicas de prestação
de serviços e o desenvolvimento de administrações próprias não colocou a necessidade
de contratualização interna até bastante recentemente. Nas décadas de oitenta e noventa,
ao mesmo tempo que se desenvolviam debates sobre a “redução do papel directo do
Estado”, a organização empresarial sugeria que contratos poderiam facilitar a obtenção
de eficiências, pelo simples mecanismo de informar explicitamente os actores do valor
dos recursos envolvidos na produção.
Um contrato é basicamente um compromisso formal entre duas partes, em que uma
parte se compromete a prestar um serviço, a outra paga pelo mesmo e desde que as duas
partes sejam razoavelmente independentes tentam distribuir os riscos inerentes ao
contrato, sendo que as situações reais frequentemente impõem obstáculos a uma
distribuição equilibrada de riscos:
•
O fornecedor dos serviços pode ter uma posição oligopolista, além de ser
privilegiado com a primazia da informação sobre a função de produção;
•
O comprador, em contrapartida, pode ser a fonte de financiamento
maioritária para os fornecedores da área geográfica. Não admira, por
exemplo, que no Reino Unido se tenha passado de contratos anuais a
trianuais, de modo a diminuir os riscos de instalação e actualização de
equipamento dos produtores de serviços.
Tese
223
Capítulo VII: Apresentação dos resultados
Por outro lado, o contrato necessita ter força de obrigação legal, para a eventualidade de
alguma das partes se sentir lesada com o não cumprimento do contratado, embora,
apesar desta exigência, na prática dos contratos privados é frequente que as partes se
preocupem mais em investir o tempo necessário ao estabelecimento de relações de
confiança mútua duradoura que em detalhar os mecanismos de acção legal em caso de
litígio. No caso de contratos entre administração e prestadores públicos pode resultar
que a comunhão de objectivos (serviço público) se sobreponha às diferentes funções de
cada agente. No caso do Reino Unido (RU) as instruções iniciais do Ministério da
Saúde indicavam claramente que preferiam que os agentes resolvessem os diferendos
sem recurso aos tribunais.
No caso português da Saúde, as Agências pretenderam materializar esta separação entre
comprador, financiador e prestador.
224
Tese
Capítulo VIII: Validade do modelo conceptual proposto à luz da discussão dos resultados
CAPÍTULO VIII: VALIDADE DO MODELO CONCEPTUAL PROPOSTO À
LUZ DA DISCUSSÃO DOS RESULTADOS
1. DISCUSSÃO DOS RESULTADOS OBTIDOS
Neste capítulo procede-se à leitura interpretativa dos resultados centrados nas várias
perguntas anteriormente formuladas, procurando-se igualmente enunciar as diferentes
respostas encontradas e, através delas, validar ou não o modelo conceptual proposto.
Assim, indicamos a pergunta e de seguida enveredamos pela sua discussão,
enquadrando-a nas três componentes do modelo (contexto, processo e mudança).
1.1
A COMPONENTE “CONTEXTO”
A primeira pergunta enquadradora do contexto em que se insere o sector saúde é a
seguinte:
Porque será que comparativamente com outros países da Europa, nomeadamente Espanha e Reino Unido,
Portugal desenvolveu tão tardiamente o processo de contratualização?
Podemos iniciar a discussão com base nos vários aspectos referenciados, mas levando
em linha de conta quer os princípios básicos que sustentam o sistema de saúde quer os
principais actores chave que se movimentam no sistema e, naturalmente, a matriz
estrutural que lhe está subjacente, a qual assenta na nossa história, cultura e nível de
desenvolvimento económico e social.
Como já foi referido anteriormente, os anos oitenta e noventa foram férteis em
experiências de reestruturação nos sectores público e privado da economia de diferentes
países, nomeadamente na Europa, tendo sido implementadas profundas mudanças ao
nível dos sistemas de saúde, sobretudo na estrutura do financiamento e da prestação de
cuidados. Enquanto parte integrante do sistema social, os sistemas de saúde são o
resultado e, simultaneamente, condicionantes da sua envolvente histórica, social,
cultural, técnica e política. Torna-se por isso necessário ir para além do subsistema de
saúde, prevendo a evolução da respectiva envolvente externa, caso se pretenda actuar
eficazmente na sua transformação.
Convém, por essa razão, ir um pouco mais atrás e ter em atenção que o neoliberalismo
nasceu após a Segunda Guerra Mundial na Europa Ocidental e na América do Norte,
traduzindo uma reacção política contra o intervencionismo público e o Estado de
Bem-Estar Social (Welfare State). Friedrich August von Hayek publicou, em 1944, "The
Road to Serfdom" – “O caminho da servidão”, a obra que constituiu aquilo que se pode
designar como a carta de fundação do neoliberalismo e que mais não era do que um
ataque a toda a limitação pelo Estado ao livre funcionamento dos mecanismos de
mercado.
Tese
225
Capítulo VIII: Validade do modelo conceptual proposto à luz da discussão dos resultados
Em 1947, quando os fundamentos do estado social se estabelecem efectivamente na
Europa do pós-guerra, Von Hayek, entre outros, constituíram uma sociedade consagrada
à divulgação das teses neoliberais, visando combater o Keynesianismo e as medidas de
solidariedade social que prevaleciam após a Segunda Guerra, e preparar os fundamentos
teóricos futuros de um outro tipo de capitalismo.
Durante este período o crescimento do capitalismo é particularmente rápido e
permanente ao longo das décadas de cinquenta e sessenta. Mas tudo se altera após a
eclosão da grande crise do modelo económico do pós-guerra, em 1974. O conjunto dos
países capitalistas desenvolvidos entra numa profunda recessão. Pela primeira vez
combinam-se uma taxa de crescimento baixa e uma inflação elevada, favorecidas por
esta situação e as ideias neoliberais começam a ganhar terreno.
No Reino Unido, o Serviço Nacional de Saúde (NHS), fundado em 1948, é baseado no
princípio da universalidade, garante cuidados de saúde gratuitos a todos os cidadãos e
leva em linha de conta as diferenças locais no que diz respeito aos cuidados de saúde. O
financiamento é baseado nos impostos e redistribuído pelo governo a hospitais e
médicos. Há uma agência de planeamento governamental central e, a nível local, há
cerca de cem autoridades de saúde que são directamente responsáveis por “adquirir”
serviços de saúde dentro da sua área de actuação, quer a prestadores públicos, quer
privados e com base nas necessidades da população.
A reforma encetada neste país em 1989, por M. Thatcher, foi inspirada no modelo
americano de PFI - Private Finance Initiative e assentou em designações como
competição gerida e mercado interno, que representam o princípio de separação das
funções de prestação e financiamento e na ideia básica “o dinheiro que segue o doente”.
Aliás, quem elaborou os aspectos fundamentais desta reforma foi o norte-americano
Enthoven, que se encontrava muito ligado aos Health Maintenance Organisation (HMO)
do seu país.
Ao nível dos prestadores foram criados os trusts (hospitais, clínicas e serviços locais) e
desenvolvido o sector privado, cujos serviços são pagos pelo NHS com base na
contratualização. Os contratos são ponderados de acordo com a qualidade dos cuidados
prestados e do custo-efectividade global, o que encoraja as instituições na busca da
eficiência e desencoraja o racionamento. Os médicos também se podiam reunir em
grupos, desde que o número ponderado de utentes fosse suficiente (até 5 000). Estes
agrupamentos de médicos detinham um orçamento negociado com a autoridade local de
saúde, prestavam os cuidados de saúde à população local e agiam como prestadores
independentes de trusts comunitários.
Os clínicos gerais, dentistas e farmacêuticos são prestadores independentes dentro do
NHS e não são, genericamente, considerados assalariados do mesmo. Em todos os casos
são propostos contratos anuais com os prestadores, baseados no número de utentes a
serem atendidos por especialistas, a quantia a receber pelo prestador e o nível desejado
de serviço. Os utentes têm a opção de adquirir um seguro de saúde privado adicional.
Com as alterações introduzidas pelo novo plano para o NHS, apresentado em 2000, foi
perspectivada a actualização dos contratos com os clínicos gerais e internistas, sendo
226
Tese
Capítulo VIII: Validade do modelo conceptual proposto à luz da discussão dos resultados
que os pagamentos adicionais (que aumentaram) tiveram de corresponder a um aumento
significativo de produtividade. Os consultores no início de carreira não são autorizados,
em princípio durante sete anos, a trabalhar simultaneamente para o sector privado.
Foram estabelecidos acordos com os prestadores privados de forma a permitir ao NHS
uma utilização mais efectiva das instalações e equipamentos dos hospitais privados,
sempre que isso seja rentável e melhor para os doentes.
Actualmente o Reino Unido está apostado em alterar o estatuto dos trusts,
empenhando-se na criação de fundações (baseados na experiência desenvolvida por
Espanha) que irão gerir os hospitais públicos, dado que os utentes não vêem com bons
olhos a privatização e por ser entendido que esta é a forma mais adequada para a
transferência de responsabilidade da gestão directa do NHS para entidades externas. O
plano introduzido em 2000 veio reforçar o papel da contratualização, nomeadamente ao
nível dos cuidados primários, os quais foram melhorados em áreas carenciadas, tendo
sido introduzidos programas de rastreio para mulheres e crianças e criados serviços
visando a promoção da saúde e a prevenção da doença. Foi igualmente reforçada a
vertente da avaliação e acompanhamento, procurando responder mais e melhor aos
cidadãos.
Em Espanha, o outro exemplo que utilizámos, o Sistema de Saúde Espanhol não está
formalmente separado da Segurança Social. Actualmente o SNS cobre 99% da
população e estende-se por todo o território nacional, independentemente do lugar de
residência dos cidadãos. As prestações de saúde estão ordenadas mediante um Real
Decreto Legislativo de 1995.
Até 1999 o financiamento do sistema de saúde fazia-se através das contribuições sociais
(empresas e trabalhadores) e de contribuições do Estado. Actualmente, o financiamento
é público e tem carácter de obrigatoriedade. Dado que o SNS é formado pelos sistemas
de saúde regionais, o financiamento das regiões é atribuído numa base capitacional.
No entanto, no sistema de saúde espanhol, à semelhança do que se passa em outros
países, os problemas de gestão burocrática nos serviços tradicionais, a procura da
população exigindo um aumento da qualidade e a tentativa de realizar uma melhor
utilização dos recursos financeiros do Sistema, levaram o Parlamento Espanhol a
aprovar em 1996 um conjunto de modificações legislativas, entre as quais se destaca a
extensão de novas formas de gestão nos serviços de saúde tais como: empresas públicas,
consórcios de saúde, fundações de saúde, cooperativas de profissionais e consórcios
administrativos. E para melhorar a gestão e organização do sistema propuseram-se três
objectivos: obter melhores resultados em saúde (efectividade), conseguir um custo
razoável (eficiência) e melhorar a qualidade do atendimento ao utente.
A estratégia de mudança na gestão dos serviços públicos de saúde em Espanha, que está
orientada para a separação funcional do financiamento e da compra de serviços, através
da rede pública de serviços de saúde, desenvolveu-se com maior ou menor ênfase em
dois mecanismos de reforma paralelos – a introdução do contrato programa em todas as
organizações públicas de cuidados de saúde, quer hospitais quer unidades de cuidados
de saúde primários e a criação de empresas públicas de cuidados de saúde (baseadas no
direito privado) como experiências piloto.
Tese
227
Capítulo VIII: Validade do modelo conceptual proposto à luz da discussão dos resultados
Embora aquelas novas formas de gestão já existissem em algumas regiões espanholas,
como é o caso da Catalunha, foram desenvolvidas a partir de 1997, sobretudo nos novos
hospitais. Mesmo que a avaliação não seja simples, pelo facto de existir certa opacidade
no fornecimento de dados sobre a actividade desenvolvida e os resultados obtidos, na
verdade estão a ter uma série de repercussões tanto no sistema de saúde como nos
utentes e nos profissionais, conjugadamente com os grandes desafios que actualmente se
colocam, nomeadamente a reforma do sistema de financiamento autonómico geral, do
financiamento da saúde, o “Concierto Vasco” e a conclusão do processo de
transferência de competências para as dez regiões, que ainda mantiveram até ao final de
2002 uma gestão directa do Instituto Nacional de la Salud (INSALUD).
As prioridades organizacionais parecem responder às necessidades das reformas, já que
está a ser concluída a transferência de competências na área da saúde para as restantes
regiões e está a ser definido o papel, fundamentalmente de coordenação, do Ministério
da Saúde e tomadas as decisões de reordenação administrativa dos recursos humanos e
materiais da organização central do INSALUD.
As reformas organizacionais ao nível da gestão, nomeadamente as formas jurídicas e a
contratualização, representam esforços significativos para melhorar a eficiência clínica e
de gestão, embora o pacto de financiamento estabelecido em 2002 e que permite que
cada uma das Comunidades Autónomas possa definir orçamentos próprios, poderá criar
desigualdades territoriais significativas.
Mas o balanço geral da contratualização parece ser positivo, embora apenas pareça ter
havido melhorias nítidas ao nível dos resultados financeiros, dado ser esta a componente
mais visível do processo. Um outro benefício, de natureza política, foi que a
contratualização tem servido de base para a estratégia de reforma da administração
pública directa e para a melhoria do desempenho no sector público em geral neste país,
sob a égide da responsabilização e autonomia de gestão.
Em Portugal, a estruturação do modelo assistencial para a saúde – entendendo este
como uma das componentes de uma política social – foi estabelecido tardiamente e
claramente vinculado aos interesses dos grupos de interesse que se movem no sistema os actores sociais. Há quase meio século a conjuntura era a de um país pobre,
desprovido das liberdades fundamentais, com as infra-estruturas sociais e de saúde
muito incipientes, ou até mesmo inexistentes. Apesar das dificuldades houve um grupo
de médicos 76 que apresentou propostas de mudança, levando à criação das carreiras
médicas (carreira considerada como exemplar a nível internacional), projectando até aos
nossos dias um serviço de excelência profissional e de dedicação ao serviço público.
Naquela altura a opção do Governo foi a de não considerar aquele Relatório, tendo sido
recuperado somente 15 anos mais tarde.
76 Foi um grupo de jovens médicos dos HCL que deu origem a um movimento inovador, principiado em
1958, no âmbito da Ordem dos Médicos, de que era Bastonário o Prof. Jorge Horta, do qual resultou o
chamado Relatório das Carreiras Médicas, publicado em 1961, e de que foi relator o Prof. Miller
Guerra. Este relatório, elaborado na sequência de prolongadas reuniões efectuadas por comissões de
médicos das três secções regionais da Ordem dos Médicos (Norte, Centro e Sul), constou,
essencialmente, de um exaustivo levantamento das deficientes condições das organizações nacionais de
saúde e assistência, seguido de um planeamento de estruturação das carreiras desse grupo profissional,
abrangendo toda a rede hospitalar nacional, baseada essencialmente no modelo dos HCL.
228
Tese
Capítulo VIII: Validade do modelo conceptual proposto à luz da discussão dos resultados
Um maior conhecimento da evolução do sistema de saúde português e dos principais
factores, internos e externos, que mais têm influenciado o seu desenvolvimento, permite
explicar melhor a sua configuração actual e também identificar e compreender mais
facilmente as oportunidades e os obstáculos para a sua transformação.
O 25 de Abril veio projectar as bases de um sistema de protecção social, encetando um
longo caminho de aproximação à Europa, a qual integramos geográfica, histórica e
culturalmente e permitiu ainda o alargamento das carreiras médicas a toda a rede
hospitalar nacional e, mais tarde, aos centros de saúde. É indiscutível que esta dupla
medida, acidental e não programada, representou um passo muito importante de toda a
história do nosso sistema de saúde.
A criação, em 1979 e o subsequente desenvolvimento do Serviço Nacional de Saúde
(SNS), resultaram da convergência efectiva daqueles que contribuíram para a
democratização do país, dos que tiveram a visão e capacidade de liderar ou de contribuir
para o processo político que o formalizou e daqueles que tiveram a competência técnica
para o idealizar e desenhar. E, à semelhança do que já tinha acontecido com o grupo de
médicos atrás referidos, foi possível uma vez mais superar a conjuntura e delinear um
caminho.
Hoje, para a opinião pública, o SNS, apesar de continuar a representar a excelência
técnica na saúde em Portugal, já não corresponde, no seu desempenho actual, às
expectativas e necessidades dos portugueses. Não se trata tanto de construir e expandir a
capacidade dos serviços de saúde, mas fazê-los funcionar bem. Isso tem a ver com
gastar bem os recursos disponíveis, melhorar as instalações e os equipamentos,
introduzir novas tecnologias: biomédicas, de informação, de gestão. Trata-se, sobretudo,
de criar uma cultura de serviço público de qualidade com os seus valores, com
hierarquias técnicas competentes, rigorosas e inovadoras, com rigor, transparência,
disponibilidade negocial e democraticidade na tomada de decisões de gestão.
Pretende-se, além disso, de promover o envolvimento efectivo do
cidadão/contribuinte/cliente/doente.
Esta é uma agenda muito ambiciosa. Para a conseguir é preciso mobilizar amplamente o
que de melhor a sociedade portuguesa tem para oferecer, em experiência política, em
entendimento social e cultural, em visão sobre o futuro da nação e da sua envolvente
europeia, em competências técnicas relevantes. Já existem contribuições legislativas e
outras para esse efeito, mas para além disso existe um longo e difícil caminho a
percorrer. É indispensável ter uma ideia sobre o futuro da nossa população e da sua
saúde que enquadre as conjunturas e o conjunto de medidas para que elas passem a
fazer algum sentido.
Todas as questões já enunciadas parecem, pois, explicar as razões que estiveram
subjacentes ao facto de Portugal ter desenvolvido tão tardiamente o processo de
contratualização, comparativamente com outros países da Europa, nomeadamente
Espanha e Reino Unido:
•
partiu tarde de mais para a organização do sistema;
Tese
229
Capítulo VIII: Validade do modelo conceptual proposto à luz da discussão dos resultados
•
fundou o seu SNS num momento em que todos os outros países já definiam ou
redefiniam reformas de fundo;
•
a despesa pública real em saúde no nosso país era bastante inferior à média da
União Europeia;
•
o nível de gastos era quase insignificante quando no resto da Europa se
construíram os grandes sistemas de saúde públicos, além de que se universalizou
o direito ao acesso, incorporando, desde 1979, cerca de 9,8 milhões de
utilizadores sem o correspondente crescimento dos recursos;
•
raramente definiu uma estratégia e a conseguiu levar até ao fim; deixou-se
prender nas malhas dos interesses corporativos, sem nunca ter desenvolvido
estratégias de negociação adequadas.
Contudo, é importante ressaltar que, durante os últimos trinta anos, Portugal sofreu
sucessivamente, em períodos de tempo particularmente curtos, transformações de
importância transcendente: a democratização em 1974 com a posterior integração de
uma elevada população (cerca de um milhão) de retornados, a entrada na CEE em1986
e a integração na União Monetária Europeia em 2000, num ambiente de rápida transição
de paradigma tecnológico.
Durante este período, ocorreram enormes mudanças na população, na saúde e nos
recursos que lhe foram atribuídos, conforme mostra o Quadro 27.
Quadro 27 – A Saúde em Portugal entre 1970 e 2000 (Continente e Ilhas)
Indicadores
Mortalidade infantil (%0)
Esperança de vida à nascença (homens)
Esperança de vida à nascença (mulheres)
N.º de internamentos
N.º de médicos inscritos
Partos hospitalares (%)
População (n.º de residentes)
Despesa total em Saúde (per capita, € PPP)
1970
2000
U
58,6
64,2
70,8
618.664
8.156
37.5
8.668.267
40,0
5,0
73,2
80,2
1.195.608
32.904
99,2
10.356.117
1.441,0
(914,7) %
9 (anos)
9,4 (anos)
93,3 %
303,4 %
164 %
19,5 %
3502,5
Fonte: INE
Todos estes aspectos devem ser levados em linha de conta quanto se prefiguram
expectativas quanto à evolução de sistemas sociais complexos, como é o da saúde e
considerá-los quando se avança com processos de privatização.
De nada têm servido os reiterados relatórios de peritos indicando a perversão de
algumas experiências, feitas em numerosos países e no nosso e as advertências sobre as
comparações entre a saúde pública e a privada, nomeadamente:
230
-
Que a gestão submetida a critérios de mercado aumenta significativamente o
dinheiro e tempo gasto nas actividades administrativas, que alguns autores
apontam em cerca de oito vezes superior à gestão pública directa;
-
Que a eficiência que garante o negócio da saúde privada consegue-se
eliminando doentes e processos que consomem mais recursos de saúde,
Tese
Capítulo VIII: Validade do modelo conceptual proposto à luz da discussão dos resultados
diminuindo drasticamente a quantidade e qualidade dos contratos de trabalho,
afectando gravemente a qualidade do atendimento;
-
Que uma das causas fundamentais dos incumprimentos laborais é o
desempenho de actividades na privada por parte de profissionais da área
pública, de forma que para a optimização dos recursos, tanto materiais como
humanos, necessitaríamos separar claramente um sistema do outro, evitando a
progressiva dependência a todos os níveis da saúde pública pela privada.
Em conclusão, os sistemas de saúde de qualquer país constituem um pilar básico do
Estado de Bem-estar e do Sistema de Protecção Social. Actualmente os sistemas de
saúde, nomeadamente os serviços de saúde, transformaram-se em novas áreas de
negócio com um interesse económico crescente, continuando a emergir os interesses dos
grupos que se movem no sistema, contribuindo para retardar ou acelerar os processos de
reforma ou a introdução de mudanças no sistema.
Alguns autores referem que o impacto de variáveis externas adversas, indecisões
políticas e falta de medidas complementares, não têm permitido que a contratualização
atinja os resultados possíveis e desejáveis. Apesar disso gestores e governantes nos
diferentes países consideram a experiência um sucesso, basicamente devido à maior
transparência adquirida pelas operações e pelos resultados, mas em Portugal, tal como
em processos anteriores, não parece existir convergência de opiniões a este respeito e
embora alguns considerem a contratualização como o caminho que é preciso percorrer,
outros ainda continuam ou a não a valorizar, ou a desvalorizarem-na ou até mesmo a
considerarem que Portugal na saúde não necessitará de maior transparência nos
processos nem de melhores resultados.
Sendo a contratualização um dos elementos fulcrais para a mudança, até que ponto será ela viável sem o
desenvolvimento dos restantes elementos, nomeadamente a regulação, a qualidade, a cidadania e a inovação
na gestão?
O desenvolvimento de um sistema de saúde depende grandemente da evolução das
atitudes e comportamentos do cidadão, dos profissionais e dirigentes da saúde, dos
agentes económicos, sociais, culturais e políticos, ou seja dos diferentes actores
(stakeholders) da sociedade portuguesa.
Por outro lado, tal como foi referido anteriormente, uma estratégia de saúde pressupõe o
envolvimento e a convergência de diversos sectores, nomeadamente o social e o
económico, no espaço colectivo da intervenção em saúde, devendo ser dada especial
atenção quer ao desenvolvimento de parcerias para a saúde e ao reforço da participação
do cidadão e da comunidade, quer aos programas e projectos de cooperação
inter-sectorial, inter-ministerial e extra-governamental.
A mudança em saúde, conforme se pode concluir não só das diferentes referências
bibliográficas consultadas como ainda da opinião dos peritos envolvidos nesta
investigação, implica a adopção de instrumentos de gestão fundamentais pela
administração/mediação, tais como: a contratualização, o sistema da qualidade na saúde,
as remunerações associadas ao desempenho, mas também na esfera da regulação o
desenvolvimento de mecanismos de regulação articulados com a introdução de
Tese
231
Capítulo VIII: Validade do modelo conceptual proposto à luz da discussão dos resultados
mecanismos de inovação na gestão e organização do sistema prestador (Figura 28).
Pelo que não parece viável o desenvolvimento da contratualização sem que a regulação,
a qualidade, a cidadania e a inovação na gestão sejam uma realidade.
Governação
Mediação
Regulação
Qualidade
Os Desafios para a
Contratualização na
Saúde
Contratualização
Desempenho
Centros de
Saúde
Inovação
Continuidade, coordenação e
integração de cuidados
Hospitais
Cidadania
“clinical
governance”
Prestação
Fonte: Adaptado de OPSS (2003), “Relatório de Primavera”.
Figura 28 – Os Desafios para a Contratualização na Saúde
Podemos assim considerar que respondemos com clareza e rigor às duas questões e que
demonstrámos a importância do contexto no sistema de saúde, não sendo desejável em
momento algum a importação de experiências ou modelos desadequados ao tecido em
que nos inserimos, nem tão pouco desenhar soluções para o sistema de saúde que não
passem igualmente por considerar que é este contexto, matizado social, cultural e
economicamente, que tem de servir e ser servido pelo modelo de organização da saúde
que for desenvolvido. Ele condiciona e é condicionado por todas as variáveis analisadas.
1.2
A COMPONENTE “PROCESSO DE CONTRATUALIZAÇÃO”
Quanto ao processo de contratualização para o sistema de saúde, desenvolvido em
Portugal, colocaram-se quatro perguntas de investigação, que iremos procurar responder
trazendo à discussão o conhecimento que foi sendo obtido ao longo de todo o estudo.
De acordo com o trabalho de investigação realizado e de forma a serem atingidos os
objectivos definidos, foram colocadas questões aos peritos envolvidos e que se
desenvolvem em cinco dimensões: (i) contextualização do processo de contratualização;
(ii) fase de arranque ou processo inicial; (iii) desenvolvimento da contratualização –
base cultural; (iv) processo de contratualização e, (v) modelos alternativos de
contratualização e que, conjugadamente com os restantes instrumentos metodológicos
desenvolvidos, procurou:
232
Tese
Capítulo VIII: Validade do modelo conceptual proposto à luz da discussão dos resultados
-
Explicitar o processo de contratualização e o papel das agências;
-
Determinar a coesão das respostas dos peritos auscultados relativamente
ao processo de contratualização prosseguido em Portugal;
-
Ponderar se os governos central e local devem apoiar o sector de uma
forma mais incisiva, de molde a garantir a consolidação do processo de
contratualização;
-
Verificar se os profissionais mais envolvidos no processo da
contratualização atribuem “importância às políticas governamentais para o
sector” e se consideram que essas políticas são consentâneas com a
reforma necessária ao sector da saúde;
-
Analisar a qualidade do sistema de informação para os cidadãos, os
profissionais e as organizações envolvidos no processo da contratualização
para enfrentarem os desafios que se lhes colocam.
Quanto à primeira questão de investigação colocada e que foi:
Qual deve ser a estrutura responsável pela contratualização em Portugal e qual o seu desenvolvimento?
Parece haver consensualidade entre todos os peritos no que se refere à existência da
Função Agencia e ao desenvolvimento do processo de contratualização, referindo
alguns que aquela é indispensável/vital para a reforma e reestruturação do sistema de
saúde português, pois permite reordenar as relações entre os vários agentes e entidades
envolvidas, introduzindo princípios e mecanismos de responsabilização
“accountability” e de maior rigor na avaliação e na redistribuição dos recursos (justiça
distributiva).
Dizem igualmente que a Agência representou uma entidade de controlo mais próxima:
provavelmente mais exigente e pressionante, mas também uma cara mais familiar e que
se vê obrigada a envolver-se com as próprias instituições. Com os Centros de Saúde este
duplo papel teve ainda mais acentuada a vertente de apoio técnico, pois que estes
serviços dispunham de muito pouca informação sobre gastos e não tinham a capacidade
gestionária necessária (pelo menos os mais pequenos) para elaborar uma proposta de
Orçamento–Programa nos termos desejados pelo Ministério da Saúde, pelo que o
desafio foi o de apoiar primeiro para exigir depois.
Consideram também os peritos envolvidos na investigação que a Agência é essencial,
útil e imprescindível para uma verdadeira separação entre financiamento e prestação e
uma boa forma de garantir que, em mercado interno, as instituições públicas da saúde
possam cumprir cabalmente com as suas obrigações perante os cidadãos. É também
uma forma para que os profissionais cumpram a sua missão como prestadores públicos
de cuidados de saúde e para que esta prestação se torne mais transparente para a
sociedade.
Esta função corresponde, assim, a uma necessidade para a reforma do sistema de saúde
e do SNS e para uma verdadeira mudança na administração dos serviços de saúde e tem
um papel fundamental na avaliação/acompanhamento das actividades dos serviços
Tese
233
Capítulo VIII: Validade do modelo conceptual proposto à luz da discussão dos resultados
(hospitais e centros de saúde) assim como na adequação entre estas e as despesas
geradas. Consideram ainda alguns que a Função Agência teve aspectos muito positivos
ao nível do SNS, mas mais de carácter pedagógico do que prático, uma vez que não foi
acompanhada dos instrumentos que permitiram pôr em prática a perspectiva de que a
um determinado orçamento deve estar associada uma determinada produção.
Tendo por base esta matriz de reflexão podemos afirmar que a contratualização dos
serviços de saúde, mesmo que incipiente e incompleta, criou, a pouco e pouco,
condições para a “desconstrução” ou “desmontagem”, sem grandes sobressaltos, da
pirâmide hierárquica-burocrática centralista de comando e controlo, hoje
completamente desadequada.
De acordo ainda com a opinião dos peritos não parecem existir, de momento, outras
formas instrumentais alternativas para assegurar esta mesma função. Segundo Saltman
(1994), a criação de instituições mediadoras capazes de cumprir uma missão de
equilíbrio de poderes surge com pertinência óbvia enquanto o poder de decisão final se
mantém do lado da administração. Um dos mecanismos a considerar nas formulações
políticas refere-se aos argumentos clássicos sobre a importância de criar “instituições
intermédias” capazes de proteger os indivíduos da exposição directa ao enorme poder
do estado.
Exemplo destas organizações em Portugal, como ficou demonstrado anteriormente, são
as Agências de Contratualização de Serviços de Saúde. A noção de agência do
utilizador dos serviços de saúde pode ser compreendida exactamente como esta
instituição intermédia, que procura assistir e defender os interesses dos cidadãos nos
seus esforços para conquistar uma autoridade real no processo de tomada de decisão e
deve ser a estrutura responsável pela contratualização, podendo configurar-se quase
como um Provedor dos cidadãos. No futuro, e após a reforma do Estado e da
administração pública, as ARS poderiam assumir inteiramente esta função desde que: (i)
deixassem de ser tutela hierárquica dos estabelecimentos de saúde; (ii) assumissem
verdadeiramente a administração de saúde de uma população e, (iii) tivessem uma forte
participação no seu parecer decisional.
Fica assim inquestionavelmente dada resposta à primeira questão.
Para um melhor entendimento sobre o modelo de contratualização, a seguir foi colocada
a seguinte questão:
Que padrão de contratualização mais se adequará ao contexto português? Uma fase relacional curta ou
mais longa e assente num processo negocial informal, passando posteriormente à fase contratual executória
(mais dura)?
Podemos afirmar que, de acordo com as opiniões dos peritos a seguir sintetizadas, o
padrão de contratualização que mais parece adequar-se ao contexto português, parece
ser uma fase relacional mais ou menos longa e assente num processo negocial informal:
“um processo negocial de distribuição de recursos, com base na determinação das necessidades
a satisfazer, substituindo as relações hierárquicas, próprias da abordagem administrativista
tradicional, por instrumentos privatísticos como as relações contratuais, ainda que não puras,
234
Tese
Capítulo VIII: Validade do modelo conceptual proposto à luz da discussão dos resultados
procurando separar o financiador do prestador, criando uma ligação explícita entre os
recursos atribuídos e as metas a alcançar e assente na autonomia e responsabilização”;
“é o processo comunicacional que permite estabelecer um compromisso informal de
distribuição da variação de um dado volume de recursos financeiros aos serviços prestadores
de cuidados de saúde, por parte de uma entidade diferenciada da Administração Regional de
Saúde, para pagar um dado volume de produção de cuidados”;
“processo de estabelecer um compromisso formal (ainda que sem seguir todos os requisitos de
um contrato de direito privado) entre duas partes ou entidades interessadas na realização de
determinada (s) actividade (s) ou no fornecimento de determinado serviço”.
Os principais objectivos que lhe estão subjacentes parecem ser: (i) orientar o sistema
para a satisfação das necessidades expressas e normativas em saúde da população; (ii)
documentar a boa aplicação quer dos recursos financeiros colocados à disposição dos
serviços de saúde, quer da tecnologia disponível e, (iii) melhorar a efectividade dos
cuidados de saúde.
O processo negocial deverá ser bastante mais importante que o contrato na promoção
duma gestão estratégica centrada nos resultados e daí a premência em facilitar a
participação, conhecer os meios de que se dispõe e limites negociais, definir claramente
os objectivos e prioridades na negociação, conhecer a capacidade, limites e objectivos
da outra parte e procurar estratégias integradoras que maximizem os benefícios para
ambas as partes.
Segundo OECD (1999 b), o continuum da contratualização ou espectro da
contratualização do desempenho, num quadro em que o Estado financia o fornecimento
de bens e serviços, move-se numa linha em que num extremo se situa o subsídio
incondicional e no outro os contratos clássicos, inteiramente executórios. À medida que
nos movemos nessa linha, condições adicionais vão sendo impostas ao beneficiário do
subsídio. Essas condições criam obrigações no beneficiário e obrigações recíprocas no
financiador, que forçam a que, neste caso, o prestador só receba caso satisfaça as
condições previamente definidas. Até certo ponto torna-se difícil distinguir um subsídio
em condições de grande detalhe (subsídio condicional) de um contrato de compra real
(Figura 29).
Descrição pouco detalhada do
desempenho esperado
Subvenção/Subsidio
incondicional
Descrição mais detalhada
do desempenho esperado
Subvenção/Subsidio
condicional
Contratualização
relacional
Contrato clássico
Contrato
real/executório
Fonte: OECD. Performance contracting – Lessons from performance contracting case studies: a framework
for public sector performance contracting. Paris: OECD, Head of Publications Service (OECD, 1999
b). http://www.oecd.org/puma/
Figura 29 - O continuum da contratualização ou espectro da contratualização do
desempenho
Em Portugal e de acordo com a opinião de peritos e dirigentes da saúde, deverá
introduzir-se rigor e responsabilização no sistema de saúde, passando duma situação de
subsídio incondicional (distribuição em função dos gastos, sem qualquer avaliação de
Tese
235
Capítulo VIII: Validade do modelo conceptual proposto à luz da discussão dos resultados
desempenho ou preocupação de eficiência), para contratos relacionais com a Agência,
inicialmente como uma função “pedagógica”, para passar, posteriormente e, à medida
que o sistema de informação for sendo aperfeiçoado e que seja conseguida uma boa
aprendizagem do processo negocial, para contratos reais, executórios, com explicitação
escrita do acordo a que foi possível chegar entre as duas partes, onde se incluem as
obrigações de ambas, bem como as inerentes contrapartidas, nomeadamente
recompensas e penalizações.
É ainda opinião dos peritos que se deveria desenvolver um sistema de contratualização
em cascata, em que a agência central de contratualização negociaria com as agências
regionais e estas contratualizariam com as estruturas locais os cuidados de saúde a
prestar. Além disso, desenvolver-se-ia o processo de contratualização interna e
ajustar-se-ia a remuneração dos prestadores aos objectivos e à qualidade e a dos
gestores ao nível de desempenho das respectivas instituições.
Fica assim documentado que, de acordo com a opinião dos peritos envolvidos na
investigação, o processo de contratualização deverá assentar inicialmente numa fase
relacional mais ou menos longa e num processo negocial informal (contratualização
relacional), de acordo com o empenho político que o mesmo tiver e deverá ir sendo
progressivamente desenvolvida passando quando possível a uma fase contratual mais dura
(contrato quasi-real), pois, dadas as especificidades da saúde e o nível de desenvolvimento
dos instrumentos de gestão e sistemas de informação disponíveis, pode ser perigoso
introduzir muito rapidamente contratos executórios, que poderão levar ao
desmantelamento do sistema, à falência de algumas das instituições e até mesmo à quebra
na prestação de cuidados de saúde vitais para os cidadãos.
Com o objectivo de discutir exactamente o tema do desenvolvimento e disseminação
desta metodologia, foi colocada uma terceira questão:
Porque é que não foi possível fazer a indução cultural no processo de desenvolvimento da contratualização?
Para o desenvolvimento deste instrumento e para que cumpra o seu papel de uma forma
eficaz, encontramos, no entanto, dois importantes constrangimentos: (i) a manutenção
da soberania governamental no processo de decisão, controlando o funcionamento da
Agência através de critérios essencialmente financeiros, rejeitando ou não assumindo
indicadores, necessidades e prioridades manifestados pelo cidadão (desmotivando a sua
participação de uma forma continuada) e, (ii) o âmbito regional que lhe é conferido,
responsável por um “gap” entre participação e centralização do poder.
Mas não serão só estas as razões que explicam a não adesão ao processo. Em 1998,
Ham assinalou que o desvio do sistema integrado para o modelo contratual foi um
estímulo complementar às políticas de controlo de despesas de nível macroeconómico,
gerando iniciativas de fortalecimento da eficiência e da capacidade de resposta aos
utilizadores no nível micro económico. Os principais instrumentos dessas políticas
foram: a introdução de mecanismos similares aos do mercado em muitos sistemas de
saúde; o fortalecimento da gestão dos serviços de saúde, para reduzir as variações de
desempenho e introduzir uma forte orientação para o cliente e o uso de incentivos
orçamentais como um meio de aperfeiçoamento do desempenho.
236
Tese
Capítulo VIII: Validade do modelo conceptual proposto à luz da discussão dos resultados
Um outro elemento chave da contratualização é a avaliação, já que é necessário
verificar a adequação do contrato, efectuar o acompanhamento do mesmo e monitorizar
os resultados e a qualidade. A avaliação pode apresentar várias formas: (i) um diálogo
permanente entre as partes, no que se refere ao desempenho relativo aos objectivos; (ii)
um relatório anual dos resultados alcançados, num quadro de avaliação global dos
programas e serviços; (iii) uma revisão periódica pela entidade responsável e, (iv) uma
verificação externa e independente (auditores externos, comissões parlamentares,
académicos, etc.).
Tendo presente o clima cultural e organizacional da nossa administração pública, o
sistema de avaliação do processo de contratualização consistiria na combinação de uma
revisão quadrimestral pela entidade responsável do cumprimento do contrato, associado
a uma entrevista presencial. Em síntese, avaliar permanentemente o comportamento de
indicadores estratégicos, de avaliação global, sendo a periodicidade conforme os
indicadores e objectivos. Ou ainda, uma outra hipótese que poderia ser baseada em
auditorias, imediatamente após se detectarem variações significativas nos indicadores
sentinela e auditorias temáticas, pelo menos uma vez por ano e por instituição,
procurando facilitar a gestão, promovendo o benchmarking e recolhendo informação
para futuros processos negociais. Todas as auditorias seriam, naturalmente, efectuadas
pelas Agências, que para isso deveriam ter um processo de autonomização maior em
relação à estrutura prestadora. Seria ainda necessário, segundo os peritos, avaliar
anualmente o sucesso de cada organização e auditar as Agências, anualmente, por
entidades alheias ao Ministério da Saúde: Tribunal de Contas e/ou Inspecção-Geral de
Finanças.
A avaliação pressupõe consequências que deverão ser o ajustamento da produção e dos
recursos para o período seguinte, a disponibilização pelas duas partes de informação
para a negociação seguinte e uma auditoria externa, da responsabilidade da comissão
parlamentar de saúde, de dois em dois anos, o que permitiria à instância política tomar
decisões informadas sobre os ajustamentos a fazer ao sistema e aos recursos a serem-lhe
afectos.
De acordo com os peritos, a nossa cultura e a forma de organização da nossa
administração pública impedem que a indução cultural no processo de desenvolvimento
da contratualização possa ser uma realidade, mas admitem que caso o empenhamento
político fosse o adequado a mudança aconteceria, mesmo num contexto em que os
diferentes actores apresentassem fortes resistências.
No que se refere à discussão sobre o papel do cidadão, foi colocada a seguinte questão:
Será expectante que o cidadão possa assumir um papel mais intervencionista e facilitador da
contratualização?
Partindo-se do pressuposto que a participação não é possível sem o empowerment do
cidadão, este deve ser atingido de forma gradual e, logicamente, numa perspectiva de
longo prazo. Para que o cidadão possa assim assumir um papel mais interventivo e
facilitador da contratualização e de acordo com OECD (2001), a informação mínima
Tese
237
Capítulo VIII: Validade do modelo conceptual proposto à luz da discussão dos resultados
que deve ser disponibilizada e sobre a qual se deve trabalhar é a que consta da Figura
30.
Convém, no entanto, referir, que de acordo com a opinião de alguns dos peritos
envolvidos no processo, “há actualmente uma mediatização dos cuidados de saúde e os
cidadãos posicionam-se muitas vezes como sujeitos desses cuidados, adoptando um
caderno reivindicativo de direitos sem obrigações”, o que deve ser ponderado enquanto
se preparam e implementam os sistemas de informação e comunicação.
Oferta de cuidados:
Serviços prestadores de cuidados existentes na zona em que os cidadãos habitam ou trabalham
e forma de lhes aceder;
Informação sobre a capacidade instalada em cada uma destas unidades de saúde e, se possível,
estimativa do número de actos que é possível e desejável esperar-se.
Desempenho das unidades de saúde:
Produção das unidades de saúde em número de consultas, intervenções e urgências;
Publicitação das listas de espera (número de pessoas e tempos de espera) por cirurgia e
consulta;
Indicação das taxas de cobertura dos centros de saúde e do número de cidadãos sem médico de
família;
Informação sobre projectos de qualidade existentes nas várias unidades de saúde e, se possível,
suas conclusões, para aumentar não só o conhecimento que os cidadãos têm destas unidades
mas também a sua transparência para com a sociedade;
Informação sobre modernização e racionalização das unidades de saúde.
Participação dos cidadãos:
Tipologia das reclamações nos serviços públicos de saúde e possibilidade de cada cidadão ter
acesso à fase em que está a sua reclamação;
Possibilidade de cada cidadão ter acesso, pelo número de utente, à sua posição na lista de
espera.
Informação genérica aos cidadãos:
Doenças mais vulgares e em relação às quais há algum espaço de intervenção do cidadão para
as evitar ou diminuir o seu impacto;
Sinais de risco e de alerta;
Plano de vacinação aprovado;
Medicamentos e farmácias;
Hábitos propiciadores de uma vida saudável.
Fonte: OECD (2001). Citizens as Partners: Information, Consultation and Public Participation
in Policy-making. OECD, Paris.
Figura 30 – A informação mínima e o empowerment do cidadão
Segundo ainda estes peritos “as Agências não conseguiram montar adequadamente
uma estratégia de comunicação que dê visibilidade à sua actuação e que se constitua
como veículo de transferência de conhecimento e informação para os cidadãos. A sua
existência não tem sido garante da participação efectiva dos cidadãos”, provavelmente
porque os governantes não conseguiram ainda entender a importância que o cidadão
assume e o que poderá significar ignorar que o desenvolvimento deve estar ao serviço
desse mesmo cidadão, sendo que na área da saúde isso assume uma importância vital.
238
Tese
Capítulo VIII: Validade do modelo conceptual proposto à luz da discussão dos resultados
1.3
A COMPONENTE “PROCESSO DE MUDANÇA”
Quanto ao desenvolvimento e gestão do processo de mudança no sistema de saúde,
foram colocadas duas perguntas de investigação, com o objectivo de perceber como se
pode fazer a mudança, ou melhor dizendo, quais são os verdadeiros factores que a
condicionam.
A primeira questão colocada foi a seguinte:
Um dos grandes obstáculos ao desenvolvimento da contratualização parece ser a cultura burocrática e de
não responsabilização predominante na administração pública. Em que circunstâncias a relação
contratual funcionará de forma facilitadora?
De acordo com OECD (1999 b), a contratualização é um meio de gerar comportamentos
desejados no contexto das estruturas de gestão desconcentradas. Os países vêem a
contratualização como uma forma de articular a definição dos objectivos e apoiar os
novos métodos de controlo de gestão e de monitorização e de deixarem aos gestores a
responsabilidade das operações correntes. Mais precisamente, a contratualização
comporta todo um conjunto de instrumentos de gestão que permitem delimitar, no
sector público, as responsabilidades e as expectativas das partes tendo em vista alcançar
os resultados negociados de comum acordo.
Face a este ponto de vista, o assumir da responsabilização por parte dos principais
intervenientes no processo parece ser o caminho para a reforma do sector público,
tendo-se perguntado aos peritos como actuariam para que a contratualização pudesse ser
uma medida a implementar no curto prazo.
As respostas foram no sentido de que “apenas se deram os primeiros passos do
processo de contratualização. A distribuição de recursos manteve-se em paralelo com o
trabalho das Agências, através do IGIF; ou seja, não se chegou a fazer verdadeira
contratualização, mas apenas explicitação da relação recursos/actividade, reduzindo o
impacte e impossibilitando as Agências de conseguirem promover mais
responsabilização, já que a gerariam se distribuíssem os recursos e se para as
instituições houvessem consequências”.
Para os peritos as “Agências visavam promover a eficiência e permitir uma melhor
distribuição de recursos, mas inicialmente o sistema combateu a contratualização” e,
como “não há contratualização externa sem existir a interna e sem um bom sistema de
informação” e ainda porque no entender destes especialistas “a contratualização
externa é inevitável e levará à contratualização interna”, concluem, que o processo de
contratualização é essencial ao desenvolvimento do Sistema de Saúde em Portugal e que
a escassez de recursos e o nível de exigência por parte de cidadãos e profissionais, hoje
mais informados e esclarecidos, levará à inevitabilidade de desenvolvimento do
processo de contratualização.
Acresce, no entanto, que a falta de vontade política, mas principalmente o
desconhecimento e talvez a falta de informação sobre os novos caminhos que têm sido
seguidos em outros países mais desenvolvidos, nomeadamente sobre a evidência dos
Tese
239
Capítulo VIII: Validade do modelo conceptual proposto à luz da discussão dos resultados
modelos aplicados com sucesso, levaram os nossos governantes a não valorizarem o
processo da contratualização e a necessidade do seu desenvolvimento e fortalecimento,
impedindo a sua normal indução, o que veio pôr em causa o normal percurso das
reformas delineadas, as quais se viram precocemente abortadas.
A principal causa apontada para o fracasso das políticas de saúde dos últimos anos e o
grande obstáculo ao desenvolvimento da contratualização parece ter sido a cultura
burocrática e de não responsabilização predominante na administração pública,
sendo que a relação contratual que se esperava viesse a funcionar de forma facilitadora
não foi bem aceite, principalmente porque parece existirem fortes interesses arreigados,
que os nossos governantes não foram capazes de combater.
A segunda questão colocada, de importância fundamental para o entendimento sobre o
desenvolvimento da contratualização no actual contexto económico/social, decorrente
do cumprimento dos critérios de convergência da UE e também dos compromissos que
nos assistem como elementos dum espaço europeu mais globalizante com outros
desafios, mas igualmente com outras e mais diversificadas oportunidades, foi a
seguinte:
Será que hoje, à luz dos actuais constrangimentos, decorrentes da pressão para cumprimento dos critérios
de convergência da UE, estão reunidas melhores condições para o abandono de uma cultura paternalista
existente na administração pública da saúde, em Portugal e para o desenvolvimento de uma cultura
assente na contratualização?
A resposta a esta pergunta parece ser afirmativa, mas os resultados poderão ser
perversos, já que a introdução de uma visão meramente economicista, com o objectivo
de cumprir os referidos critérios, pode levar à manutenção de uma estrutura
verticalizada e obstaculizante de comando e controlo, igualmente desresponsabilizante e
até geradora de maiores desperdícios, ineficiências e iniquidades.
Para além disso, pode levar também ao abandono daquilo que são as principais
responsabilidades do Estado, no que se refere à disponibilização de cuidados de saúde
para aqueles que deles necessitem e à alienação de estruturas de prestação
fundamentais, mas que pela sua especificidade e complexidade sejam consideradas
caras e por isso não desejáveis.
Assim e de acordo com o explicitado pelos peritos, parecem existir todas as condições
para o desenvolvimento do processo de contratualização, dado que os problemas
económicos e sociais existentes e a obrigatoriedade de cumprimento dos critérios de
convergência parecem até obrigar o sistema a uma mais séria, rigorosa e transparente
gestão, o que aponta necessariamente para a implementação desta metodologia.
De forma a estruturar adequadamente a matriz de referência a utilizar nesta parte do
estudo, procurou-se: (i) discutir a viabilidade da contratualização em Portugal; (ii)
verificar o impacte da contratualização ao nível dos serviços prestadores e discutir o
processo de negociação com os actores chave; (iii) assinalar as vantagens decorrentes da
identificação das necessidades em saúde e discutir como é que elas podem contribuir
para o sucesso da contratualização e, (iv) identificar os factores críticos, que no contexto
português, condicionam a implementação de políticas de mudança no sector.
240
Tese
Capítulo VIII: Validade do modelo conceptual proposto à luz da discussão dos resultados
1.3.1
Viabilidade da contratualização em Portugal
Os gestores envolvidos no processo de contratualização concordam que as Agências de
Acompanhamento (actualmente de contratualização) dos Serviços de Saúde foram
criadas como um dos instrumentos para uma nova política de saúde, orientada para um
compromisso explícito no sentido de melhorar o desempenho dos serviços de saúde,
adoptando metas concretas para a realização de ganhos em saúde e assumindo a
centralidade do cidadão como vector a desenvolver e a integrar na sua actuação, tal
como referem expressamente: “as agências foram explicitando uma nova relação entre
o cidadão contribuinte, o financiamento estável, o investimento em saúde e a redução
de gastos desnecessários, promovendo atitudes e comportamentos, no sentido da
garantia da qualidade dos cuidados de saúde prestados à comunidade”.
Daí que se possa concluir que o processo de contratualização veio, segundo os peritos
envolvidos na investigação, trazer como efeitos positivos mais relevantes:
1. Transparência de processos;
2. Efeito de responsabilização (accountability) perante a entidade externa;
3. Novo modelo de gestão;
4. Preparação da autonomia dos Centros de Saúde, através da introdução duma
vertente de gestão, fundamental para a autonomia administrativa e financeira;
5. Avaliação em termos de eficácia/eficiência, através do desenvolvimento de
novos indicadores de desempenho institucional e com estudos de aplicabilidade
de alguns indicadores globais de eficiência;
6. Aproximação dos órgãos da Administração Central ao terreno e aos
constrangimentos existentes nas instituições de saúde e mais oportunidades de
interacção entre níveis da administração;
7. Gestão nas instituições por objectivos/metas assistenciais, com base em
indicadores de produtividade e rentabilização da capacidade instalada;
8. Maior agregação de dados sobre os Serviços;
9. Co-responsabilização/cumplicidade dos prestadores e instituições;
10. Perspectivas de maior autonomia económico-financeira;
11. Desenvolvimento da informação e do sistema de informação, através da
sistematização da informação nas instituições de saúde;
12. Primeira abordagem das capacidades subutilizadas e análise do esgotamento das
capacidades instaladas;
13. Aumento da actividade no movimento assistencial, indo de encontro às
necessidades de saúde das populações decorrente duma maior e melhor
explicitação dos níveis de produção e produtividade;
14. Conhecimento, pela primeira vez, dos valores de alguns indicadores,
possibilitando a comparação, ainda que relativa, dos indicadores de gestão das
Tese
241
Capítulo VIII: Validade do modelo conceptual proposto à luz da discussão dos resultados
instituições de saúde (início ainda que ténue de benchmarking, com alguns
custos unitários comparáveis);
15. Responsabilização dos Conselhos de Administração, num objectivo comum de
garantir o cumprimento dos compromissos assumidos perante a Agência, através
dum diálogo mais objectivo entre os órgãos de “regulação” regional e os
estabelecimentos;
16. Indução da necessidade de desenvolver práticas de contratualização internas e
consciencialização dos responsáveis directos pelos serviços assistenciais para as
questões de gestão;
17. Utilização de um instrumento de gestão, o Orçamento–Programa, que traduza,
com maior coerência e objectividade, a realidade assistencial e
económico-financeira da instituição, ou seja, o início de práticas de
acordo/compromisso e verificação do seu cumprimento;
18. Envolvimento de representantes dos cidadãos e autarquias;
19. Eventual controlo dos custos;
20. Maior previsibilidade dentro do sistema.
Um outro efeito positivo de igual relevância foi a modificação da cultura
organizacional, através do esforço e melhoria na informatização do sistema, permitindo
a eficiência de medidas a implementar pelas instituições. Apesar das limitações, convém
reconhecer que as correntes de direcção são no sentido de reflectirem prioridades
estratégicas no contexto social e de cuidados de saúde, dos quais emergem.
Num horizonte de separação entre financiamento e prestação, com autonomia
progressiva para os serviços prestadores, a contratualização pode tornar-se apenas o elo
de ligação com os objectivos do sistema, sobretudo se o prestador for uma entidade
particular. Saliente-se que a lógica do orçamento-programa tem sido baseada nos
objectivos e na medição de produção dos serviços, o que justifica um contrato
financeiro acordado através dum sistema transparente e previamente estabelecido. Será
necessário adaptar a estrutura institucional e desenhar tanto a de estratégia da saúde
como a estrutura dos contratos no sentido de conseguir a eficaz integração de ambos.
Convém ainda referir que foram igualmente identificados um conjunto de efeitos
negativos, dos quais destacamos, por ordem decrescente de importância:
242
i.
Maior número de pedidos de dados às instituições, muitos deles sem
consequências, com evidente sobrecarga e aumento de custos
administrativos;
ii.
Existência de grandes discrepâncias no desenvolvimento das agências nas
diferentes regiões;
iii.
Excessiva concentração na produção sem atender às necessidades em saúde;
iv.
Falta de confronto das metas assistenciais propostas pelas instituições com as
reais necessidades em saúde;
Tese
Capítulo VIII: Validade do modelo conceptual proposto à luz da discussão dos resultados
v.
Sem reflexos na melhoria da articulação entre níveis de administração
(central, regional e local), surgindo em muitos casos como mais um;
vi.
Desarticulação entre financiamento regional e orçamentos;
vii.
Alguma marginalização ou auto-marginalização das ARS;
viii.
As exigências feitas em sede de contratualização não foram acompanhadas
pela distribuição de outras regras de gestão fundamentais para que os CA
dos hospitais pudessem ser plenamente responsabilizados pelo cumprimento
das metas negociadas;
ix.
Não trouxe grandes benefícios na questão dos ganhos em saúde, ou pelo
menos não pôde mostrar impacto nem tornar visível essa conexão;
x.
Sem sistema de consequências, o processo torna-se inconsequente e
descredibiliza-se;
xi.
Focalização excessiva nos detalhes técnicos com afastamento dos aspectos
estratégico-políticos e de cidadania;
xii.
Pela falta de contornos regulamentares precisos da Função Agência,
assistiu-se a uma influência/interferência negativa no seu normal
funcionamento, pela dualidade de orientações provenientes dos órgãos
centrais e regionais;
xiii.
Criou-se, em algumas áreas, a perigosa ilusão que as Agências serviam para
controlar os custos do SNS;
xiv.
É necessária uma maior formação em técnicas de negociação e condução de
reuniões, uma vez que uma postura por parte da Agência ou ARS de
agressividade ou inquisição provoca reactividade imediata por parte dos
responsáveis das instituições, nomeadamente em questões que possam
afectar a sua autonomia administrativa e financeira;
xv.
Pode ajudar a criar ilhotas tecnocráticas marginais;
xvi.
O insuficiente acompanhamento da execução dos orçamento-programa
poderá conduzir à falta de credibilidade de todo o processo de
contratualização;
xvii.
Pouco impacto financeiro no subsídio de exploração dos hospitais resultante
da contratualização, o que minimiza perante alguns deles o esforço a
efectuar para o cumprimento das metas assistenciais;
xviii.
Possibilidade das instituições hospitalares adoptarem critérios de recolha de
informação de movimento assistencial consoante os resultados pretendidos,
por ausência de critérios estatísticos precisos;
xix.
Podem ser beneficiadas financeiramente instituições, não pela realidade
objectiva do movimento assistencial que produzem, mas pelo seu sistema de
informação ir de encontro aos critérios estabelecidos para a contratualização;
xx.
A opção estratégica pela utilização deste sistema não pode ficar
comprometida ou ser posta em causa consoante os interesses políticos
Tese
243
Capítulo VIII: Validade do modelo conceptual proposto à luz da discussão dos resultados
supervenientes, sob pena de descredibilizar qualquer actuação futura de
introdução de mudanças no sistema de saúde português.
Mas é importante ter presente que o ciclo da contratualização que foi conceptualmente
definido se iniciava com a identificação das necessidades em saúde e em cuidados de
saúde, com posterior análise do orçamento-programa e terminava com a avaliação de
desempenho, respeitante ao período de exercício, ou seja, comparava valores esperados
(perspectiva da Agência), com valores previstos (perspectiva das organizações) e
valores realizados. As consequências dos desajustamentos, materializadas pelos critérios
de atribuição de prémios/penalizações financeiras, dependiam do seguinte:
-
Grau de cumprimento das metas e utilização dos meios;
-
Adesão a objectivos estratégicos (como programas de qualidade);
-
Envolvimento dos CA dos hospitais e direcções dos centros de saúde nos
aspectos formais de elaboração do orçamento-programa, processo negocial e
acompanhamento da execução.
Mas, de acordo com a opinião dos peritos, não houve qualquer tipo de consequências
para os desajustamentos verificados, já que não houve vontade política para levar até às
últimas consequências esse processo, tendo sido retirada capacidade de decisão às
agências, ao não as fortalecerem com mandatos explícitos e nem sequer levar pela frente
a aplicação da legislação existente.
Actualmente verificam-se alterações significativas do enquadramento conjuntural do
SNS. Mais ainda, ao nível estrutural avizinham-se mudanças cujo impacte ainda está
por vislumbrar. A este nível salienta-se a inclusão da problemática da contratualização e
das suas possíveis implicações, tão bem expressas no discurso dos diferentes actores
sociais que fizeram parte dos painéis que intervieram nos seminários realizados.
Acrescenta-se ainda à alteração do contexto e orientação políticas, a ausência de
significado e de significação do enquadramento em que a mudança e a contratualização
são concretizadas. Aqui pode salientar-se a omissão da função reguladora por parte do
Estado, que muito preocupa a maior parte dos actores, aumentando inevitavelmente a
sua resistência à mudança perspectivada.
1.3.2
Impacte da contratualização ao nível dos serviços prestadores e posição dos
actores
A insustentabilidade financeira do SNS colocou na agenda política a necessidade de
implementação de reformas no sector da saúde. Quase todos os actores intervenientes
neste sector parecem estar de acordo sobre essa necessidade, mas as divergências
surgem quanto às medidas reformadoras a implementar.
Através da aplicação da análise SWOT, comparando os dois momentos de recolha de
dados e fazendo a análise conjugada das variáveis posição, poder e interesses dos
244
Tese
Capítulo VIII: Validade do modelo conceptual proposto à luz da discussão dos resultados
actores, verificamos que o maior número de actores com poder se situa numa posição
de apoio e são estes os que têm maior influência na elaboração das referidas reformas.
O facto do poder dos actores derivar em grande parte da sua capacidade económica e
porque as reformas se fazem sentir, predominantemente, nesta área, justifica que estes
se coloquem na posição de apoio e que os interesses expressos incidam nas áreas
económica e política. Os interesses científicos, por serem mais estáveis e menos
afectados por reformas deste tipo, assumem menos relevo na expressão dos actores.
Dos actores que aceitaram participar neste processo de avaliação verifica-se existir um
grupo que não apresenta posições estratégicas definidas, mas os que as apresentam,
explicita ou implicitamente, são claras e bem estruturadas, têm uma visão organizada e
moderna; possuem uma posição estratégica na comunidade e até de fácil acesso para o
cidadão, sendo que alguns até desempenham um papel de aconselhamento e de ajuda
social. Por outro lado, alguns constituem-se como monopólios em algumas áreas, sendo
que o Estado não desenvolveu estratégias de negociação que lhe permitam consolidar
posições.
Conjugando as linhas de força da acção dos diferentes actores e de acordo com as
opiniões expressas em todos os debates realizados, podemos concluir que as reformas
em curso têm grande dificuldade na sua implementação, dadas as resistências que
emergem, não só pela elevada quantidade de alterações anunciadas como também pela
pouca negociação e auscultação dos principais parceiros.
Os actores sociais encontram-se maioritariamente em oposição à mudança, pelas mais
diversas razões, nomeadamente alguns sindicatos não concordam com a mudança que se
perspectiva, por a mesma poder pôr em causa o SNS, embora o sindicato médico
apresente uma posição de não mobilizado. Assim, exceptuando o próprio Ministério da
Saúde, o INFARMED e a Associação dos Consumidores, que apoiam a mudança, os
restantes actores apresentam posições de não mobilizados e de oposição.
Relativamente às estratégias utilizadas por estes actores sociais, podemos considerar
que elas se agrupam em dois tipos (Quadro 28), as que os actores entendem que devem
ser prosseguidas pelo Ministério e aquelas que eles pretendem seguir e que são:
Quadro 28 – Estratégias preconizadas para a mudança e para os actores
Estratégias preconizadas para a mudança
Estratégias a seguir pelos actores
Estratégia integrada numa lógica de planeamento das
necessidades em saúde do país, garantindo-se acesso,
equidade e qualidade dos cuidados prestados.
Luta pela manutenção dos seus estatutos sociais e pela
inserção como parceiros no diálogo para a mudança.
Implementação das reformas.
Exposição das insuficiências dos novos modelos de
gestão.
Procurar a manutenção das actuais regras de mercado.
Promover o reforço da centralização da gestão do
sistema e sua responsabilização.
Procurar junto da tutela o desenvolvimento de
mecanismos de avaliação/monitorização pelo Estado.
Oposição à mudança.
Reforço do SNS.
Não valorizar o papel da regulação por parte do
Estado.
Potenciar o profissionalismo das organizações de
saúde.
Tese
245
Capítulo VIII: Validade do modelo conceptual proposto à luz da discussão dos resultados
No que se refere às suas percepções quanto ao papel da contratualização no contexto da
mudança, verificam-se as posições a favor e contra que são descritas no quadro que a
seguir se apresenta (Quadro 29).
Quadro 29 – Percepções dos actores quanto ao papel da contratualização
A favor
Contra
Contratualização deve ser utilizada como diagnóstico
de necessidades, potenciando a capacidade de
resposta dos recursos existentes.
A contratualização, se provocar a desfragmentação
do SNS.
Apenas no contexto da contratualização interna
Isolada não funciona exigindo a existência de outros
instrumentos (CRI, ULS; etc.)
Contratualização vista como forma de concessão da
gestão que leva ao aumento da produção.
Contra a contratualização, pela possível extinção de
pequenas unidades de prestação de cuidados.
Tendo-se presente a existência de risco:
- Risco associado ao financiador/prestador:
distribuição de recursos sem garantia para o
financiador do resultado final e para o prestador
o risco de não cumprir com os objectivos e/ou
perda económica.
- Risco de concentração da oferta: pode
prejudicar o utente.
- Risco associado à negociação: ao admitir-se
preços iguais para serviços iguais em
circunstâncias diferentes (tendendo a penalizar
os serviços com melhor qualidade)
Não à contratualização e sim a à cooperação
Como forma de articulação entre o SNS e o sector
privado.
Como forma de regulação dos monopólios e de
reestruturação do mercado
Apenas com a verificação dos seguintes
pressupostos:
- definição da população-alvo dos cuidados de
saúde; definição de áreas estratégicas de
produção de cuidados;
- garantia dos recursos mínimos para a
qualidade da prestação.
Só se existirem regras claras e coerentes associadas a
uma estabilidade operacional
De salientar a preocupação geral da falta de capacidade negocial das partes, pouca
“cultura contratual”, a falta de regulação Pública e a ineficiência dos Sistemas de
Informação.
É evidente que há expectativas relativas a algumas das mudanças delineadas na actual
agenda política e é expectante que algumas delas sejam concretizadas, criando
necessariamente oportunidades para um aproveitamento por parte daqueles que
pretendem a privatização do sistema prestador, com todas as implicações daí
decorrentes, já que segundo alguns dos actores não há uma linha de orientação política
clara, mas sim a vontade de alienar o actual SNS, sem modelo alternativo que o
substitua e com graves reflexos para a população em geral.
Os actores estão atentos e têm um papel fundamental no desenvolvimento do processo,
as suas estratégias, mesmo que implícitas, estão presentes em todos os acontecimentos,
mesmo naqueles em que parece não emergir uma posição activa. Por outro lado, a
governação não parece rege-se por princípios de rigor, missão e equidade, o que impede
toda e qualquer reforma séria e estruturante.
O cepticismo dos actores fundamenta-se ainda na falta de enquadramento para a
implementação da mudança com outras linhas de reforma convergentes que lhe sirvam
de sustentáculo. Quanto aos resultados obtidos através da análise SWOT
246
Tese
Capítulo VIII: Validade do modelo conceptual proposto à luz da discussão dos resultados
conjugadamente com a Análise do Campo de Forças, algumas alterações foram
verificadas, porém não suficientes para o sucesso do processo de contratualização.
1.3.3
Identificação das necessidades em saúde e sua contribuição para o sucesso da
contratualização
As actividades mais comuns de uma organização prestadora de cuidados de saúde são
os serviços em que o doente/utilizador/cliente é atendido por um especialista de
cuidados de saúde ou uma equipa, a quem apresenta uma questão de saúde para ser
resolvida. As expectativas e objectivos daquele cidadão comum, quanto a estes serviços,
são normalmente descritas como obtenção de informação e de ganhos funcionais e de
saúde.
Mas o sistema prestador de cuidados de saúde tem uma missão mais ampla,
relativamente aos cidadãos, dado que os cuidados de saúde são fundamentais na
prevenção e noutras actividades destinadas à população e à sociedade. Contudo, estudos
internacionais mostram que o impacte desses cuidados de saúde na sociedade e no
bem-estar da população é limitado, pois há estimativas que sugerem que a sua influência
é de um quinto quando comparada com o impacte do contexto económico/social
(educação, ambiente, emprego, etc.), ou seja, o seu contributo para esse bem-estar é
somente de 20%.
Os cuidados de saúde são também, frequentemente impotentes na resolução dos
diferentes problemas de saúde da sociedade. A prevenção e a gestão do problema da
droga, por exemplo, terá provavelmente mais sucesso se os principais actores da
sociedade local, autarquias e cidadãos, acordarem a estratégia e as acções a realizar,
sendo que os profissionais dos cuidados de saúde podem oferecer a sua especialização
como apoio a essa actividade comunitária.
Se estes são os princípios seguidos e se são também aqueles que balizam o processo de
contratualização, estamos perante uma oportunidade que nos permite dar sequência a tal
processo e com ele contribuir para a reforma da administração pública da saúde e com
isso concorrer para uma melhor distribuição dos recursos e do investimento em saúde,
cooperando directamente para melhorar os resultados em saúde.
1.3.4 Investimento e resultados em saúde
É verdade que o contexto económico/social contribui de forma inequívoca, quer directa,
quer indirectamente, para os resultados em saúde, como mostram os modelos de
regressão utilizados na metodologia apresentada e é igualmente verdade que essa
componente não é facilmente transformada pelos intervenientes na área da saúde, mas a
forma como são definidas as políticas e como essas mesmas políticas são aplicadas num
sentido de maior equidade no acesso aos cuidados de saúde, ou privilegiando grupos ou
actores específicos do sistema, condicionam e são grandemente condicionadoras dos
resultados alcançados em saúde.
Tese
247
Capítulo VIII: Validade do modelo conceptual proposto à luz da discussão dos resultados
Exemplo disso é o encontrado nos resultados da análise estatística efectuada em que
verificamos, embora salvaguardando os enviezamentos esperados deste tipo de análises
macro e ainda a fraca consistência da informação disponível, que os resultados em
saúde são explicados principalmente pelas estruturas especializadas de saúde e de forma
negativa, parecendo significar que os ganhos em saúde serão tanto maiores quanto
maior for o investimento nesse tipo de estruturas de saúde, ficando por demonstrar se os
mesmos seriam igualmente explicados pelo maior investimento em estruturas de
ambulatório ou, quiçá, em actividades de promoção da saúde ou prevenção da doença. É
ainda verdade que o contexto influencia e explica praticamente todas as restantes
variáveis.
Podemos referir como efeito grandemente positivo o investimento na prevenção da
doença, através da introdução do Plano Nacional de Vacinação e do Planeamento
Familiar, que vieram introduzir melhorias significativas ao nível da natalidade e
mortalidade em Portugal, reduzindo a taxa de mortalidade infantil de 914,17 % em
cerca de três décadas e colocando o nosso país, neste indicador, ao nível dos mais
desenvolvidos do mundo.
Fica no entanto uma pergunta: será que com a introdução de uma política centrada
principalmente numa visão economicista, onde estão ausentes, por um lado as
preocupações de identificação de necessidades dos cidadãos, de prevenção e promoção
da saúde e, por outro lado, os mecanismos de regulação e de dar voz ao cidadão
(segundo a agenda conhecida), se irão manter os níveis de resultados em saúde já
alcançados nestas áreas e os necessários em muitas outras, como por exemplo os que se
prendem com novas doenças e problemas de saúde pública (VIH/SIDA,
toxicodependência, etc.)?
1.3.5
O modelo e a organização da estrutura de contratualização
De acordo com a opinião de vários dos especialistas que participaram na investigação, a
contratualização é indispensável ou até mesmo vital para o processo da reforma e
reestruturação do sistema de saúde português, já que permite reordenar as relações entre
os vários agentes e entidades envolvidas, introduzindo princípios e mecanismos de
responsabilização “accountability” e de maior rigor na avaliação e na redistribuição
dos recursos, isto é, introduz maior justiça distributiva.
É ainda opinião daqueles especialistas que a contratualização dos serviços de saúde,
mesmo que incipiente e incompleta, cria, a pouco e pouco, condições para a
“desconstrução” ou “desmontagem”, sem grandes sobressaltos, da pirâmide
hierárquico-burocrática e centralista de comando e controlo, hoje completamente
desadequada, sendo que propõem o desenvolvimento da contratualização muito sobre a
visão do desenvolvimento da função até agora denominada de “Agência” e na qual
assenta a responsabilidade de contratualizar com os prestadores, os cuidados de saúde
necessários à população que serve, o que, de acordo com estes especialistas, poderia vir
a ter a seguinte organização:
-
248
A Coordenação: uma estrutura de coordenação regional;
Tese
Capítulo VIII: Validade do modelo conceptual proposto à luz da discussão dos resultados
-
A Operacionalização: deve basear-se numa estrutura de pequenas Equipas
de Contratualização, em rede, cada uma dedicada a um conjunto
populacional restrito (100.000 a 500.000 habitantes);
-
A Organização: estrutura matricial, agregando equipas organizadas por
unidades de saúde, por grupos de doença ou por áreas de ganhos em saúde,
de forma a permitir uma abordagem populacional mais integrada e portanto
susceptível de se conseguirem melhores ganhos sistémicos em custoefectividade e micro-eficiência global do sistema;
-
O Processo de Contratualização: a afectação de recursos às unidades de
saúde na base capitacional, ajustados de acordo com indicadores de saúde morbilidade, mortalidade, sócio/económicos, entre outros;
-
O Sistema de Informação: o processo de contratualização deverá assentar
no sistema de informação já existente que deverá ser progressivamente
melhorado, agregando toda a informação de produção, económica, de
resultados e sobre a capacidade instalada dos prestadores do SNS, devendo
evoluir-se para uma arquitectura mais integrada de sistema de informação de
saúde que permita a circulação e interactividade de informação entre os
diversos agentes e entidades;
-
Os indicadores padrão de desempenho versus de produção em que
assenta a negociação, isto é, o nível de desempenho óptimo que se deve
esperar face a uma determinada capacidade instalada: deverão ser definidos
e assentarem em critérios científicos, podendo ser uma das áreas de
investigação operacional a criar. Não basta, no entanto, estabelecer padrões
gerais únicos a aplicar de forma uniforme, porque cada valência/área tem a
sua especificidade própria com diferentes padrões de desempenho. Por outro
lado, é importante ter em atenção alguns constrangimentos do sector público
da saúde, nomeadamente a nível dos recursos humanos;
-
A relação da Agência com as outras estruturas do Ministério: só haverá
futuro para esta Função se a Administração Central do SNS for reformulada
e nesse contexto poderão vir a ser órgãos desconcentrados a cumprir a
função para que foram criadas e reforçando-se o papel de representante dos
cidadãos. A relação da Agência de Contratualização com as restantes
estruturas do Ministério tem de ser de extrema proximidade e colaboração, o
que pode ser conseguido através do Secretariado Técnico das Agências ou
do Conselho Nacional das Agências, já criado, ou de uma estrutura nova
que se reja por princípios semelhantes aos já enunciados.
Segundo a opinião dos peritos, o processo de contratualização ainda não conseguiu
estabelecer novos códigos de comportamento nas relações institucionais entre
prestadores, autoridades de saúde, profissionais e utilizadores, mas tê-lo-ia conseguido
se não tivesse havido uma inflexão na política do Ministério da Saúde, uma vez que o
ambiente envolvente contraria todo o processo de mudança.
Tese
249
Capítulo VIII: Validade do modelo conceptual proposto à luz da discussão dos resultados
1.3.6
O papel da contratualização
Os limites da contratualização, de acordo com McGuire (2000), situam-se ao nível da
verificação se os problemas actuais no sistema de saúde são atribuíveis a uma má gestão
na prestação dos serviços, o que poderá ser verificado pela transparência do processo da
contratualização. Se o problema residir na ineficácia das políticas escolhidas, a
contratualização deixa de ser sensível ao fenómeno. No entanto, os estudos de caso no
Canadá e na Austrália, analisados em OECD (1999 a) permitem concluir que a
contratualização pode melhorar e recentrar a comunicação à volta do desempenho e dos
resultados obtidos e por essa via ajudar a recolocar a qualidade do diálogo em torno das
políticas e, naturalmente, da sua definição.
Seguindo ainda aquela publicação, o sucesso a médio e longo prazo da contratualização,
mau grado a multiplicidade de formas e de circunstâncias em que a mesma se tem
desenvolvido nos países da OCDE, nomeadamente Dinamarca, Finlândia, Nova
Zelândia, Noruega, Reino Unido ou ainda Austrália, Bélgica, Canadá, França, Espanha
e Estados Unidos, assenta em três pré-requisitos: (i) um clima de confiança que se
deverá estabelecer entre as partes77 e que se supõe atender a um certo equilíbrio entre
considerações formais e informais, à existência de um diálogo permanente, à troca de
informação, à negociação, à clareza dos objectivos e ao respeito mútuo; (ii) um
compromisso em perseguir um objectivo comum e tornar transparentes os resultados
obtidos, bem como dos adequados mecanismos de gestão e de avaliação e (iii) uma
visão de conjunto, que permitirá compreender que a contratualização não poderá cobrir
a multiplicidade de factores ligados à gestão do desempenho, à cultura organizacional,
às considerações políticas e aos aspectos administrativos que intervêm numa relação
contratual.
Assim, torna-se importante discutir agora os resultados da nossa investigação, no
sentido de identificar os principais factores críticos que condicionam e impedem o
desenvolvimento do processo de mudança, tal como já foi referido anteriormente.
2. A CONTRATUALIZAÇÃO NUMA NOVA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA DA SAÚDE
CONTRIBUTOS PARA A CARACTERIZAÇÃO DA REALIDADE PORTUGUESA
–
Procuram aqui identificar-se as principais dimensões e factores críticos que no contexto
português condicionam, ou até impedem, o bom desenvolvimento duma mudança
sustentada na área da saúde, discutindo-se o papel da contratualização na nova
administração pública da saúde, continuando a assumir-se que é missão dessa
Administração Pública existir onde não existe mercado, entendido como iniciativas
particulares lucrativas, para responder com suficiente consistência e abrangência às
77
Segundo a recomendação de OECD (1999 b), dever-se-á levar em consideração o sublinhado por
Jonathan Boston, “The New Contractualism in New Zealand: Chief Executive Desempenho
Agreements”, in Davis Glyn, Bárbara Sullivan et Anna Yeatman (1997), éditeurs, The New
Contractualism, Macmillan Education Austrália, que refere “l’importance d’un environnement
politique et stratégique relativement stable, exempt de changements fréquents de gouvernement et de
ministres, afin que les parties au contrat aient la possibilité de colaborer pendant une certaine périod de
temps, afin d’atteindre les objectifs visés et de réduire au minimum les coûts de transaction associés à
l’établissement de nouveaux contrats et de nouvelles relations.”
250
Tese
Capítulo VIII: Validade do modelo conceptual proposto à luz da discussão dos resultados
necessidades, colectivamente expressas, de sobrevivência e qualidade de vida dos
cidadãos.
2.1
IDENTIFICAÇÃO
DOS
FACTORES
CRÍTICOS
QUE
NO
CONTEXTO
PORTUGUÊS
CONDICIONAM A IMPLEMENTAÇÃO DE POLÍTICAS DE MUDANÇA NO SECTOR
A partir da investigação desenvolvida conseguem identificar-se um conjunto de factores
críticos que ajudam a caracterizar e diferenciar as diferentes dimensões em análise
(Figura 31) e que a seguir se apresentam.
Dimensões
Factores vitais/decisivos/críticos
Viabilidade da
contratualização
Política de saúde
Diferenciação de funções (planeamento, financiamento, prestação e
regulação)
Sustentabilidade financeira
Recursos humanos (competências de gestão)
Regulação e legislação
Outros
Negociação
Operacionalização
factores com os Actores
da mudança
contextuais
Sistema de informação e sua disponibilização
Apelo à participação com comunicação dos objectivos e mudanças
esperadas
Liderança para a mudança
Planear a mudança
Monitorização e acompanhamento
Organizações profissionais
Fornecedores e outros actores sociais
Comunicação social
Sociedade civil e poder local
Valores culturais e sociais
Influências externas
Manutenção das actividades de rotina
Figura 31 – Dimensões e factores críticos resultantes do modelo de investigação
Estes factores são, no entender dos peritos envolvidos na investigação, críticos para a
mudança em saúde e decisivos para continuar a garantir cuidados de saúde de qualidade
à população.
Embora a maioria destes factores nos pareçam de fácil resolução, o que é verdade é que
para os contornar exige-se vontade política (não governar em função de calendários
eleitorais, mas sim em função daqueles que elegem), transparência de métodos e
processos (o que nem sempre acontece e que na actual discussão sobre casos mediáticos
nos leva a acreditar que será difícil de atingir), empenhamento dos cidadãos (o que
obriga à organização da sociedade civil e dos grupos de cidadãos, doentes ou
Tese
251
Capítulo VIII: Validade do modelo conceptual proposto à luz da discussão dos resultados
familiares), exigindo aquilo a que têm direito e organização por parte dos profissionais
(impondo trabalhar com qualidade).
2.2
COMO PODE A CONTRATUALIZAÇÃO CONTRIBUIR PARA O PROCESSO DE MUDANÇA NA
ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA DA SAÚDE
Procurando aprofundar mais a investigação e com o objectivo de tornar mais clara e
transparente a conclusão deste trabalho e de discutir os factores críticos que
condicionam o processo de modernização do sistema de saúde, solicitou-se a peritos
externos ao sistema, que pelas suas posições políticas, investigação, aprofundamento e
estudo se têm preocupado com o funcionamento e desempenho da administração
pública da saúde em Portugal e, ainda, que pelas suas posições críticas têm mostrado a
importância destas temáticas, que dessem o seu depoimento sobre a seguinte questão:
A administração pública parece tender a não definir claramente a sua
função principal: planeamento estratégico, planeamento de infra-estruturas
dos serviços de saúde e desenvolvimento de recursos, apoio à inovação,
desenvolvimento da qualidade e acções de formação internas, financiamento
e contratualização de prestação de serviços. Ao desenvolver uma “nova
administração pública”, mais focalizada nos resultados do que nos recursos
e mais sensível ao cliente-cidadão, quais serão, em sua opinião, as
principais vantagens na adopção da “contratualização por desempenho”?
Os depoimentos foram que: O processo de reforma da administração pública permite e necessita de
várias formas complementares de administração do serviço público. A contratualização é uma delas, tal
como são, por exemplo, o desenvolvimento de agências administrativas independentes, normalmente
denominadas institutos públicos, as instituições de parcerias, a subcontratação nas actividades e nos
fornecedores. Considero, no entanto, que os processos de reformas devem ser equacionados, no contexto do
serviço e do interesse público, segundo algumas ideias e princípios orientadores. Certamente que é difícil e
problemático definir o que é o serviço público, mas esse é um dos parâmetros necessários às reformas da
administração.
Os processos de reforma, neste caso específico da contratualização serão adequados desde que evidenciem
uma diferença de valor para o cidadão contribuinte. Por um lado os ganhos no equilíbrio custos/benefícios,
caso o modelo de organização proposto responda a esse objectivo, devem corresponder a ganhos na qualidade
dos serviços e na acessibilidade dos seus utilizadores. O equilíbrio entre o binómio eficiência-eficácia e a
equidade nas prestações sociais, reguladas pela entidade pública, está na base da aceitação de modelos
diferenciados de administração do serviço e do interesse público. Por outro lado, as novas formas de prestação
dos serviços, reguladas indirectamente pela autoridade pública, não serão pertinentes sem a necessária
progressão nos investimentos clínicos, na qualificação dos agentes envolvidos e no aumento da rapidez de
circulação da informação integrada, ou seja, ganhos de simplificação administrativa e de qualidade dos
serviços prestados aos cidadãos.
Nesse sentido, a separação de funções – prestação, financiamento e regulação - e a prestação em modelos
diferenciados – contratualização, subcontratação, parcerias – afiguram-se como modelos de modernização
flexíveis para a modernização da administração pública e, sobretudo, para contrariar o actual modelo
baseado no desequilíbrio parcial entre custo/benefício e equidade de prestação de serviços. Assinale-se, porém,
que a introdução de separação das funções, nos modelos de gestão de produtos e a introdução de concorrência
na prestação de serviços não pode estar apenas condicionada pela lógica do mercado e do orçamento, nem
distanciada da capacidade aquisitiva dos cidadãos/contribuintes, mas estreitamente articulada à lógica do
serviço público e ao contexto da redistribuição equitativa dos contributos e dos benefícios.
252
Tese
Capítulo VIII: Validade do modelo conceptual proposto à luz da discussão dos resultados
Com base nessas opiniões procuraram rever-se os pontos mais controversos ou menos
sólidos dos resultados obtidos e das conclusões que a partir daí se identificaram,
levando em linha de conta os desenvolvimentos da actual governação em Portugal e os
desenvolvimentos destas mesmas áreas ao nível europeu.
Para estes últimos contributos não se procedeu a qualquer outro tratamento específico
ou análise metodológica, a não ser a que resulta da sua incorporação nesta parte da
discussão dos resultados e através dos testemunhos destes peritos procuraram aclarar-se
alguns pontos, nomeadamente os que se referem à distinção dos contornos do processo
de contratualização no sector público e no sector privado, contribuindo para uma maior
e melhor clarificação do tema.
Com os contributos e saberes destes peritos e profissionais que concorreram para a
investigação, procurou-se ainda abrir uma janela sobre as principais linhas de
desenvolvimento do sistema de saúde português.
Tese
253
Capítulo IX: Conclusões e pistas para futuros projectos
CAPÍTULO IX: CONCLUSÕES E PISTAS PARA FUTUROS PROJECTOS
1. CONCLUSÕES
A implementação da contratualização não requer a existência de uma total separação ou
de competição entre prestadores e financiadores
A competição entre as organizações poderá introduzir processos desadequados na
prestação de cuidados de saúde, se não forem acauteladas questões essenciais como a
regulação e a qualidade. Uma das formas de se poder garantir que os cuidados prestados
são adequados é através da implementação de um sistema de qualidade que seja
reconhecido e integrado, pois só desta forma se clarificarão os processos de trabalho
adoptados por cada organização, de maneira a responder com um serviço que possa
satisfazer os desejos explícitos ou implícitos dos seus consumidores ou utilizadores,
dentro de determinados pressupostos económicos.
Mas a contratualização também é possível em sistemas integrados e sem a introdução de
mecanismos de competição (uma contratualização menos formal), conseguindo obter-se
resultados satisfatórios através da diferenciação de funções, introduzindo-se
progressivamente a desejável separação entre o financiamento e a prestação (Savas et al,
1995 e 1999).
Ou seja, a contratualização pode funcionar bem em sistemas integrados, à semelhança
do que se passou no Reino Unido depois da reforma Blair (a reforma Thatcher tinha
introduzido o mercado interno, com contratos duros entre prestadores – clínicos gerais e
hospitais), em que a contratualização actuou como planeamento conjunto, assente em
contratos negociados entre a entidade responsável pelo planeamento e os prestadores,
mas onde, simultaneamente, tinha vindo a ser estabelecida uma reformulação profunda
no NHS, com a introdução de critérios de eficiência, de responsabilização e qualidade,
alterações ao nível dos recursos humanos, das modalidades de gestão e do rigor e
transparência do sistema de informação.
A bibliografia e os peritos envolvidos no trabalho de investigação apontam para a
existência de grandes vantagens na implementação gradualista dos mecanismos de
contratualização (pressupõe uma mudança de paradigma – duma cultura paternalista
para uma cultura assente na contratualização), assente num processo de negociação
entre uma grande diversidade de actores, num sector de grande complexidade e
delicadeza, como é o da saúde.
A prestação de cuidados de saúde com um melhor custo benefício parece constituir um
dos principais objectivos da contratualização e o benchmarking de processos e de
resultados deve vir a ser facilitado pelo crescente desenvolvimento dos sistemas de
informação. Como a actual linha de mudança do sistema irá conduzir necessariamente à
competitividade entre serviços públicos e privados, muito provavelmente
Tese
255
Capítulo IX: Conclusões e pistas para futuros projectos
manifestar-se-ão sérias desvantagens para os primeiros, se não se verificar urgentemente
uma renovação profunda do SNS em Portugal.
A contratualização com diferenciação de funções pode ser usada num modelo integrado
visando uma aproximação gradual à separação entre prestação e financiamento
Se for decidido utilizar a contratualização para a introdução de uma clara diferenciação
entre prestação e financiamento, deverá ser levado em linha de conta que existem
diferentes e múltiplos factores que a condicionam, tais como: a sustentabilidade do
sistema, a qualidade da informação disponível para apoiar o processo de negociação,
monitorização e avaliação e o desenvolvimento dos recursos humanos e das profissões
de saúde. Num sistema integrado pode igualmente funcionar uma modalidade de
contratualização menos formal, que pode ser a base para o desenvolvimento da
organização do sistema com introdução de competição e regulação adequadas.
Por exemplo, no Reino Unido, durante a introdução da diferenciação entre prestadores e
financiadores, as autoridades de saúde ao nível distrital usaram a contratualização não
somente na distribuição de recursos para os hospitais, que entretanto tinham sido
organizados em trust, mas também como impulso para a gestão descentralizada nos
serviços e organizações de saúde, utilizando a contratualização interna com o rigor e
responsabilização que a mesma introduz. Igual procedimento foi seguido em Espanha,
onde foram criadas as denominadas clínicas, correspondentes aos nossos CRI. Este
processo representou nestes países uma valiosa oportunidade para a introdução de
mecanismos sérios de eficiência e de avaliação das organizações.
Em Portugal, a contratualização também veio permitir utilizar critérios de avaliação e
responsabilização, mas não passou duma fase embrionária, dado que o processo foi
parado e não foi ainda retomado. De acordo com as últimas reuniões com os
prestadores, não se prevê uma retoma consistente do processo mas somente a prática da
discussão da produção, baseada em alguns indicadores de eficiência e sem qualquer
relação séria com a distribuição de recursos, o que fará com que o processo, mais uma
vez, não tenha condições de credibilização.
Se existir uma clara política de saúde a contratualização deverá estar ligada e ser parte
integrante dessa mesma política
A contratualização pode contribuir de uma forma adequada para a correcção das
políticas de saúde, embora isso nem sempre tenha acontecido nos países onde tem vindo
a ser implementada. Por exemplo, em Espanha a contratualização não está ligada aos
objectivos da política de saúde e parece não existir intenção de a usar como tal, mas é
usada na distribuição de recursos, dado que nos anos oitenta foi experimentada a
competição entre prestadores e financiadores, como forma de redução de custos e de
introdução de maior eficiência, sendo que a afectação de recursos está, normalmente,
assente em mecanismos contratuais.
No RU, a contratualização é utilizada para pressionar a obtenção das metas em saúde,
estrategicamente definidas e quando um país decide utilizar os mecanismos da
256
Tese
Capítulo IX: Conclusões e pistas para futuros projectos
contratualização para implementação das suas políticas de saúde, torna-se necessária a
definição prévia dos objectivos e metas a atingir. Esta forma apresenta mais valias
significativas para as autoridades de saúde prepararem a correcta e adequada separação
entre prestadores e financiadores e introduzirem mecanismos sérios e rigorosos de
melhoria dos resultados em saúde.
Se os países utilizarem a contratualização como um instrumento para a implementação
das suas políticas de saúde são capazes de aprenderem as adequadas regras do jogo, que
lhes permitem um desenvolvimento harmonioso dos recursos humanos e possibilitam a
consolidação das mais correctas linhas de actuação para o sector.
A contratualização deve ser considerada como parte da gestão global para a mudança
As lições que se podem retirar das experiências inglesa e espanhola dizem-nos que se a
contratualização for desenvolvida os actores devem considerar este mecanismo
simplesmente como uma parte do processo de reforma do sistema de saúde. Nos
processos de mudança dos sistemas de saúde é fundamental um envolvimento de todas
as partes interessadas, o que é particularmente crucial em sistemas pluralistas. Como
Walt et al (1994) discutiram e observaram no RU e na Alemanha, os actores são o
elemento mais importante do processo de qualquer mudança. Além disso as estratégias
não deverão ser centradas somente na contratualização mas considerando-a como parte
da gestão global do processo de mudança.
Pela compreensão da contratualização como uma das componentes do processo
dinâmico da mudança, os actores deveriam ser encorajados a focalizarem-se mais na
implementação deste processo do que no conteúdo dos contratos. Embora ambos os
aspectos sejam importantes, afigura-se que a implementação daquele instrumento tende
a ser baseada no conteúdo, negligenciando o processo de mudança.
Do ponto de vista da expectativa criada pelo processo de reforma, a contratualização
inicial é entendida como parte dum largo processo de mudança, tornando-se claro que a
implementação da contratualização não é um problema estritamente técnico. Pode
também requerer mudanças culturais (tal como o envolvimento da comunidade nos
processos de decisão) Alguns países, nomeadamente a Alemanha, têm desenvolvido
estratégias de comunicação visando fomentar políticas públicas para toda a população,
embora nem sempre tenham procurado envolver os cidadãos no processo de decisão
mas apenas influenciar a opinião pública.
Antes de relançar a contratualização é importante considerar os factores que condicionam
a sua concretização
O principal factor a analisar é a questão da sustentabilidade do processo e do sistema.
Com efeito, a contratualização pode ser considerada mais dispendiosa que a gestão
centralizada de comando e controlo. Isto verifica-se porque no dia a dia da
contratualização existem mais transacções que num sistema de comando e controlo. Os
custos totais de transacção podem ser substanciais e afectar a sua viabilidade.
Complementarmente, mesmo que se verifiquem ganhos de eficiência, os custos surgem
primeiro que aqueles. A experiência no Reino Unido mostrou que o crescimento da
Tese
257
Capítulo IX: Conclusões e pistas para futuros projectos
despesa no NHS, desde a década de sessenta, acompanhou as reformas no mercado
interno (Glennerster et al, 1994 em Savas, 2000).
Este factor não é o único determinante da sua concretização. Aquele estudo enfatizou a
necessidade de considerar outros factores organizacionais e gestionários quando um
país decide usar os mecanismos de contratualização. No RU tem-se observado que a
ausência de competências nesta área e de recursos humanos especializados é uma
dificuldade constante.
Durante o período de transição devem também ser disponibilizados incentivos para a
actualização dos recursos humanos, tal como para o aumento de competências. Mas
se as diferenças nos incentivos ou outros factores provocarem uma situação em que
existam grandes diferenciais entre os intervenientes no processo, no que se refere ao
conhecimento e competências, esta assimetria pode provocar comportamentos
oportunistas que comprometem os benefícios da contratualização.
A contratualização não necessita, inicialmente, de ser enquadrada e reforçada por um
quadro legislativo para ser efectiva
É essencial o claro entendimento e implementação da diferenciação de funções entre
prestadores e financiadores, dado que isto constitui a base da negociação contratual, mas
a diferenciação de funções deverá ser acompanhada de mudanças na matriz dos
dispositivos legais. A necessidade de maior ou menor complexidade naquela matriz
depende naturalmente do país em análise. Há países que optaram por uma matriz
legislativa detalhada e forte, mas o RU por exemplo, favoreceu o desenvolvimento de
uma matriz ligeira, em que os contratos não estão legalmente reforçados. Contudo, em
todos os países foi necessária legislação específica para o seu desenvolvimento, mas
principalmente para a sua consolidação.
Em Portugal, a legislação vigente conjugada com o despacho de criação das agências e
mais tarde com o despacho de criação do respectivo conselho nacional, constituía uma
matriz legislativa simplificada que permitia que este processo fosse desenvolvido sem
sobressaltos, mas ficou-se a aguardar que, por via de um qualquer decreto-lei, a
distribuição dos recursos passasse a ser da competência de um nível de decisão mais
operacional e mais próximo das instituições. Como é entendido que quem distribui o
dinheiro tem o poder, não foi possível fazer com que a distribuição fosse transferida
para aqueles que procediam à negociação.
A participação dos cidadãos no processo de contratualização pode ser fortalecida
A responsabilização dos profissionais e das organizações de saúde, bem como a
satisfação dos cidadãos com os cuidados de saúde prestados, são objectivos das políticas
de saúde na maioria dos países, mas é difícil encontrar mecanismos efectivos através
dos quais os cidadãos possam influenciar a prestação dos serviços e a qualidade dos
cuidados.
258
Tese
Capítulo IX: Conclusões e pistas para futuros projectos
A adopção, por alguns países, de processos de comunicação que se espera possam dar
voz ao cidadão e permitam que estes possam, com as suas opiniões, influenciar
decisivamente a escolha do caminho em que se desenvolvem e operam os serviços de
saúde, pode ser o princípio para uma mudança de paradigma - de um modelo centrado
nos profissionais para um modelo centrado nos cidadãos, aqueles a quem os serviços se
dirigem.
A contratualização pode contribuir para criar regras que favoreçam uma participação
efectiva dos cidadãos na prestação dos cuidados de saúde, mas alguns especialistas que
participaram na investigação acreditam que o desenvolvimento e proliferação dos meios
de comunicação e informação, bem como o mundo global em que nos movemos, são os
maiores responsáveis pela alteração nos comportamentos e na participação dos cidadãos
na área da saúde.
Convém, no entanto, referir que a contratualização poderá futuramente garantir aos
doentes a escolha entre prestadores e a possibilidade de decidirem sobre formas
alternativas de tratamento. Os cidadãos poderão igualmente participar em órgãos locais
ou regionais que cooperem no acompanhamento e monitorização dos cuidados de saúde,
como era o caso das comissões de acompanhamento que funcionaram em algumas das
unidades de saúde na região de Lisboa e Vale do Tejo.
Mas a contratualização é somente um instrumento na promoção das políticas de saúde e
se a implementação da contratualização não for seguida de medidas que promovam o
desenvolvimento de canais que permitam aos cidadãos expressar os seus pontos de vista
e darem as suas opiniões, a participação efectiva destes nunca poderá ser melhorada.
A contratualização pode potenciar a avaliação de necessidades e a definição de prioridades
O volume crescente dos meios afectos à área da saúde tornam imprescindível a
aplicação de metodologias que garantam equidade na distribuição dos recursos às
instituições. Embora a partir de 1981 tenha sido procurado um modelo de financiamento
para os hospitais com base na produção e em custos unitários médios directos, que
substituísse o esquema vigente na década de setenta, eminentemente retrospectivo, com
base na despesa e tenham sido introduzidas, a partir de 1986, as bases para um sistema
de financiamento de tipo prospectivo, através dos Grupos de Diagnóstico Homogéneos
(GDH), só dez anos mais tarde, em 1996, com a consolidação desse modelo foi possível
começar a aplicar com algum rigor o processo de distribuição de recursos para os
hospitais.
Mas a nível dos cuidados primários e no contexto de um SNS regionalizado, só a partir
de 1998 foram definidos alguns critérios para financiamento das ARS numa base
capitacional ajustada pelas especificidades das respectivas populações.
Esta nova metodologia de financiamento lançaria as bases para a consolidação de
mecanismos de pagamento prospectivo e de negociação, que encontram a sua extensão
natural na figura de contratualização, expressa nas negociações entre as Agências de
Contratualização das ARS e as instituições da respectiva região. Contudo, o divórcio
entre as Agências e os departamentos centrais não permitiram uma verdadeira inclusão
Tese
259
Capítulo IX: Conclusões e pistas para futuros projectos
desta metodologia no processo de contratualização, contribuindo igualmente para a
descredibilização do processo.
Do modelo público integrado e central que caracterizou o SNS do início da década de
oitenta, procurou-se evoluir para um modelo público contratual assente na partilha de
responsabilidade e informação entre a administração central e as administrações
regionais, em que competiria à primeira a definição das grandes linhas que garantissem
a execução equilibrada da política de saúde nacional e às segundas a negociação dos
orçamentos-programa das instituições no quadro de uma necessária ligação entre o
orçamento, os recursos disponíveis e a produção.
A contratualização pode oferecer poucos benefícios se a capacidade do sistema não for
aumentada
Segundo a opinião dos peritos a contratualização não influencia directamente o sistema
de saúde. Se o país decide utilizar o mecanismo da contratualização, é necessário
investir para incrementar a capacidade do sistema antes que a contratualização possa
trazer alguns dos benefícios esperados.
As pessoas envolvidas no processo entendem que a utilização da contratualização num
contexto de integração de cuidados de saúde representa a maior mudança. A nova
estrutura organizacional muda com as novas regras e funções e esta capacidade de
gestão ligada a estas mudanças necessita ser incrementada. A capacidade institucional
também necessita ser desenvolvida. A legislação existente necessita ser revista e nova
legislação desenvolvida.
É ainda necessário construir ou melhorar os sistemas de informação, para que lidem
com a grande complexidade das interacções associadas à contratualização. O diferencial
entre a capacidade de recolha e o processamento da informação é talvez o maior
problema na fase inicial do processo e implementação da mudança.
Portugal está numa fase de desenvolvimento em que os especialistas entendem que a
implementação da contratualização poderá trazer benefícios significativos ao sistema,
dado que tudo ou quase tudo está por fazer e, sobretudo, estamos perante um sistema
demasiado centrado na aglomeração de todas as funções, sem qualquer separação
(prestação, financiamento, regulação, etc.). Urge fazer alguma coisa para melhorar o
sistema, produzir mais e com maior qualidade.
2. OBSERVAÇÕES FINAIS
A diferenciação de funções e a introdução da contratualização são peças fundamentais
para o processo de mudança na administração da saúde
A contratualização poderia ser inserida no actual contexto do sistema, bem como a
diferenciação das funções de financiamento, prestação e planeamento, mas sem a
introdução de competição, podendo futuramente vir a introduzir-se esse mecanismo em
algumas áreas onde a mesma poderá melhorar a produtividade, dado que a falta de
260
Tese
Capítulo IX: Conclusões e pistas para futuros projectos
cobertura à população, expressa nas listas de espera e as dificuldades sociais e
económicas do país não parecem aconselhar a existência de competição, potencialmente
geradora de desequilíbrios e marginalizações em algumas áreas da prestação.
Assim, a contratualização melhoraria o desempenho, a eficiência e a equidade na
distribuição de recursos, potenciando a mudança gradual na administração da saúde.
A contratualização deve ser implementada de forma generalizada a todo o sistema de
saúde
A contratualização não poderá nem deverá ser implementada somente em algumas
regiões ou para alguns tipos de serviços, dado que a distribuição de recursos deve ser
pensada de forma global, em base capitacional e procurando de forma equilibrada
responder a todas as necessidades.
Caso se opte por introduzir rigor só a uma parte do sistema, corre-se o risco de ter
grandes e graves desequilíbrios entre os serviços e de potenciar as iniquidades,
facilitando a rejeição de casos mais complicados e mais caros e promovendo a
existência de respostas diferenciadas para os que podem e os que não podem pagar,
criando maior injustiça social do que a que decorre actualmente das listas de espera
existentes.
É fundamental rever a organização de serviços e unidades de saúde de forma a viabilizar a
implementação do processo de mudança
É fundamental alterar a organização de serviços e unidades de saúde e se tal não
acontecer a modernização da administração de saúde estará posta em causa. As
estruturas de saúde não podem continuar a ser geridas sem responsabilização, nem
avaliação, mas as regras ainda vigentes, nomeadamente na contratação de pessoal, nas
aquisições de produtos e serviços e nas decisões de investimento no sector, impedem
qualquer gestor de poder garantir resultados, quer eles sejam ou não negociados.
É igualmente impossível gerir sem descentralizar a decisão e responsabilizar igualmente
os níveis intermédios de gestão. A escassez de recursos leva necessariamente à
necessidade de priorização de cuidados a prestar e de investimentos a realizar e por isso
é urgente envolver todos os profissionais, motivando-os e partilhando com eles a
decisão.
A formação e treino dos recursos humanos são essenciais na implementação do processo
de contratualização
O desenvolvimento e a formação dos recursos humanos são um dos factores críticos
para a implementação da contratualização, mas também para qualquer tipo de mudança
que queiramos introduzir, dado que os profissionais de saúde são superiormente
preparados para o desempenho técnico nas suas áreas mas desconhecem, quase em
absoluto, as elementares regras de gestão.
Tese
261
Capítulo IX: Conclusões e pistas para futuros projectos
Colhendo dos restantes países, que já implementaram ou estão em fase de
implementação de reformas no sector da saúde, os ensinamentos possíveis para adequar
à realidade do nosso país, parece fundamental associar a formação indispensável à
obtenção de competências e treino nas áreas fundamentais e indispensáveis à mudança e
reforma do sistema, nomeadamente: gestão de serviços de saúde, epidemiologia, saúde
pública, economia da saúde e técnicas de negociação.
Participação e empowerment do cidadão são fundamentais
As propostas de mudança não explicitam que mecanismos serão implementados para
levar os cidadãos a expressar as suas perspectivas e participar no processo de inovação.
Contudo, não existe a tradição destes expressarem as suas opiniões. Assim, sugere-se
que formas mais específicas de participação sejam desenvolvidas. Da experiência de
participação no Reino Unido e em outros países pode concluir-se que representantes
eleitos, comissões de saúde e outros grupos, tendem a ser mais respeitados e aceites pela
população.
A formalização da participação dos cidadãos poderá aumentar a legitimidade ao nível
necessário de implementação da reforma do sistema e, a longo prazo, é esperado que o
interesse e participação também aumentem. A contratualização poderá ajudar no
desenvolvimento de mecanismos de participação e também no processo de
aprendizagem que é necessário fazer.
A contratualização é um excelente mecanismo que o governo poderá utilizar para a
racionalização do sistema
O uso de mecanismos de contratualização pode potenciar os ganhos em saúde, já que o
processo de contratualização poderá ajudar os profissionais a desenvolverem com maior
rigor o planeamento dos recursos e das actividades a desenvolver.
Através dum melhor conhecimento do que o sistema produz e da capacidade instalada
nos diferentes serviços, o Governo poderá com rigor decidir sobre a eventual
racionalização do sistema, contribuindo dessa forma para uma melhor utilização dos
recursos, para uma resposta mais equitativa aos cidadãos e para um eventual
abrandamento do crescimento exponencial das despesas em saúde.
É preciso reforçar a capacidade negocial do Estado e aprender a contar com a capacidade
estratégica dos actores do sistema
Os actores são uma peça fundamental em qualquer sistema. São eles que condicionam
ou impedem as reformas. Mas é com eles que elas têm de ser feitas. Em Portugal, o
Estado apresenta uma fraca capacidade negocial e no sector da saúde assiste-se a uma
capturação do sistema pelos principais actores (profissionais, prestadores e
fornecedores).
Por vezes desvaloriza-se a capacidade estratégica desses actores e o Estado, talvez
devido aos curtos períodos de governação (quatro anos, matizados de períodos eleitorais
262
Tese
Capítulo IX: Conclusões e pistas para futuros projectos
e políticas eleitoralistas), ou à ausência de pactos de estabilidade para as áreas
estruturantes do sistema político, não leva muito a sério esse aprisionamento em que se
move, o que o impede de desenvolver estratégias sólidas de negociação. É preciso
reforçar essa capacidade negocial do Estado, que de forma directa ou indirecta
contratualize com os diferentes actores as respostas adequadas para os cidadãos que
representa.
3. LINHAS DE INVESTIGAÇÃO FUTURAS
A contratualização na saúde é um processo dinâmico e complexo que necessita estar em
constante análise, carecendo de grande estudo e aprofundamento, dado o carácter ainda
embrionário de implementação em que se encontra e a fraca adesão a modelos rigorosos
de avaliação e responsabilização. Assim, urge investigar e reformular conceitos,
modelos e ideias pensadas e desenvolvidas até ao momento.
Com o objectivo de enriquecer a análise efectuada, seria desejável que, em
desenvolvimentos futuros, se alargasse o estudo a uma amostra mais abrangente, que
envolvesse também os profissionais directos, para se verificar até que ponto os
resultados obtidos confirmariam as opiniões expressas pelos peritos.
Uma parte do estudo efectuado não foi totalmente conclusiva por não terem sido
levadas em frente as medidas que consolidariam o processo de contratualização, embora
tenha sido entretanto retomado parcialmente o processo, mas não sendo ainda claro o
modelo que é pretendido. Seria interessante proceder a uma avaliação dos resultados das
alterações entretanto introduzidas, de forma a colher a maior informação das
experiências efectuadas.
Acresce que a análise efectuada não pôde abranger todas as variáveis, pelo que deverá
constituir objecto de estudos posteriores, nomeadamente o desenvolvimento de um
modelo que permita avaliar as necessidades da população, conjugadas com objectivos
de equidade, eficiência, efectividade, acessibilidade e qualidade e possibilite uma mais
correcta afectação dos recursos.
O desenvolvimento de reformas adaptadas à realidade do nosso país é, sem dúvida, um
desafio interessante para os estudiosos desta área continuarem a investigar, até se
encontrarem soluções que satisfaçam melhor os objectivos acima referidos, permitindo,
a custos suportáveis, a oferta de cuidados de saúde de qualidade aos portugueses.
Finalmente, é da maior relevância o aprofundamento do estudo e da operacionalização
das alternativas propostas, como linha de investigação futura, porquanto não cabe no
âmbito deste trabalho desenvolver e aprofundar as implicações que a adopção de uma
ou de outra política teriam a nível dos resultados em saúde e das consequentes reformas
a introduzir.
Tese
263
Glossário
GLOSSÁRIO
- Agência (ver enquadramento em: Reformas da administração pública da saúde,
Contratualização, Mercado da Saúde): em Portugal, pela Resolução do Conselho de
Ministros, n.º 110/96, de 3 de Julho, foi criada a Função Agência, que deu origem à
Agência de Acompanhamento (Despacho Normativo n.º 46/97, de 11 de Julho de
1997) mais tarde denominada Agência de Contratualização (Despacho Normativo n.º
61/99, de 12 de Novembro), que constituíu uma instância de intervenção no sistema,
na qual estão representados o cidadão e a administração e onde se congrega a
informação necessária visando garantir a satisfação das necessidades e das
preferências dos utentes. A sua missão é explicitar as necessidades de saúde e
defender os interesses dos cidadãos e da sociedade com vista a assegurar a melhor
utilização dos recursos públicos para a saúde e a máxima eficiência e equidade nos
cuidados de saúde a prestar. São funções da Agência, nomeadamente: proceder à
contratualização dos cuidados em saúde (após análise e proposta de distribuição de
recursos), monitorizar e avaliar o desempenho das instituições (no que se refere aos
cuidados contratualizados) e avaliar os ganhos em saúde das populações.
- Agência de Acompanhamento ou de Contratualização: ver Agência.
- Agente principal: o Estado (principal) contrata um terceiro (agente) para realizar uma
tarefa de relevância pública em seu nome (distribuição de recursos). Esta teoria foi
defendida sobretudo pelos responsáveis pela reforma administrativa do Estado, que
partem da orientação de que a gestão pública deve responsabilizar-se mais
directamente pela função de principal (que financia e controla) e menos pela função
de agente (que faz). A teoria do agente principal realça o significado do controlo
sobre o desempenho e a centralidade da informação nas relações contratuais.
- Análise SWOT: as incertezas que envolvem o processo de formulação da estratégia
torna esta, por vezes, uma tarefa simultaneamente incómoda e desafiante para os
decisores. Há, no entanto, uma abordagem sistémica, de entre outras possíveis, que
pode ajudar-nos a lidar com a ambiguidade e as incertezas do problema da saúde em
Portugal, tendo por base uma perspectiva estritamente organizacional. Esta
abordagem é o modelo de análise, designado por Análise SWOT, criado em 1951 por
Kenneth Andrews e Roland Christensen, professores da Harvard Business School. O
objectivo desta análise visa analisar as capacidades internas da organização e
capacitar os decisores a formular as metas e os objectivos com fins apropriados às
exigências do meio envolvente em que a organização existe. A análise SWOT
examina a organização segundo quatro variáveis: (1) strengths (forças) e (2)
weakness (fraquezas), referentes à organização (análise interna); (3) opportunities
(oportunidades) e (4) threats (ameaças) para a organização (existentes no meio
envolvente).
- Benchmarking: é, segundo Watson (1994), um método estruturado de aprendizagem
de outras organizações e a aplicação desse conhecimento na melhoria dos processos
de trabalho. Segundo Spendolini (2001), é um processo sistemático e contínuo para a
avaliação de produtos, serviços e processos de trabalho de organizações, as quais são
Tese
265
Glossário
reconhecidas como as melhores práticas implementadas, com o objectivo de melhoria
de todo o sistema organizacional. Pode também ser visto como um processo de
pesquisa que permite às organizações realizar comparações de processos e práticas,
organização-a-organização, para identificar o melhor do melhor e alcançar um nível
de superioridade ou de vantagem competitiva. Ao contrário de outras ferramentas de
gestão, o Benchmarking estimula as organizações a procurar, além das suas próprias
operações ou actividades, factores chave que influenciam a produtividade e os
resultados. Esta filosofia pode ser aplicada a qualquer função (vendas, distribuição,
investigação e desenvolvimento, engenharia, recursos humanos), embora produza
geralmente melhores resultados quando aplicada à organização como um todo.
- Contratualização: é um dos mecanismos de mercados que tem sido introduzido no
âmbito das reformas dos sistemas de saúde na Europa, através do recurso a formas de
contratualização entre os vários actores, nomeadamente os prestadores e os
pagadores. Permite a delegação de responsabilidades e dá aos gestores colocados a
nível dos serviços o poder para disporem dos recursos de forma a melhor servirem a
população. O contrato incorpora a definição do volume de cuidados a fornecer mas
também indicadores de qualidade e desempenho. A maior limitação à aplicação deste
sistema de avaliação reside na falta de dados disponíveis. Segundo WHO (2003) “a
contratualização não é um fim em si mesma, mas um instrumento”. Com a
contratualização pretende-se dar início a uma mudança de paradigma – deixar de
distribuir os recursos em função das necessidades apresentadas pelos serviços para
passar a distribuí-los na base de contratos rigorosos que traduzam o pagamento
adequado dos serviços prestados em função das necessidades em saúde de uma
comunidade tipo, reintroduzindo ao mesmo tempo o cidadão no sistema e fazendo-o
participar na decisão e avaliação. No contexto português, com este mecanismo criamse as condições para se discutirem os factores críticos que têm dificultado, ou até
mesmo impedido, a introdução das reformas estruturantes do sistema (ver também
Agência, Mercado da saúde e Reformas da administração pública da saúde).
- Empoderamento (empowerment): obtenção de resultados pessoais ou de grupo, isto
é, o desenvolvimento de um conjunto de comportamentos e atitudes que decorrem do
exercício de algum tipo de poder (formal ou informal, a um ou mais níveis). Para
participar é necessário que o cidadão perceba que detém algum tipo de poder, pois só
dessa maneira sente que poderá retirar alguma mais-valia do seu investimento. De
uma forma geral, o cidadão individual pode exercer o seu poder recorrendo a
processos de tomada de decisão, como a escolha de uma instituição específica ou de
um profissional de saúde. Se, simultaneamente, o sistema criar formas de afectar
recursos de acordo com as suas preferências, aqueles começam a fazer parte do
processo de decisão central, passando a estar dentro do sistema como sujeito activo e
não como objecto de prestação de serviços, uma vez que a distribuição de recursos
financeiros passará pela análise do comportamento dos clientes do sistema e não só
pelos planos dos seus profissionais. Colectivamente, os cidadãos podem desenvolver
o mesmo tipo de comportamentos, mas de forma organizada, optando pelo fornecedor
de serviços e contratualizando de acordo com os seus interesses específicos. Além
disso, podem exercer pressão sobre o sistema, no sentido de satisfazer necessidades
especificas, interferindo directamente na sua gestão política. A criação de instituições
mediadoras capazes de cumprir uma missão de equilíbrio de poderes surge com
pertinência óbvia numa fase inicial, enquanto o poder de decisão final se mantém do
lado da administração. Um dos mecanismos a considerar nas formulações políticas
266
Tese
Glossário
refere-se aos argumentos clássicos sobre a importância de criar “instituições
intermédias”, capazes de proteger os indivíduos da exposição directa ao enorme
poder do Estado. Exemplo destas organizações, em Portugal, são as actuais Agências
de Contratualização de Serviços de Saúde.
- Função Agência: ver Agência.
- Fundholding: organização em cooperativas dos clínicos gerais do RU para a gestão
de um orçamento que tinha como objectivo a aquisição progressiva de serviços
hospitalares, medicamentos e incentivos aos profissionais. Os recursos
crescentemente transferidos foram sendo deduzidos aos recursos controlados pelas
autoridades sanitárias distritais.
- Gatekeepers: posição fortalecida dos clínicos gerais como porta de entrada no
sistema, responsável pela referenciação para o nível secundário ou especializado
quando não for o caso de emergência.
- General Practitioners (GP): clínicos gerais no NHS, que asseguram os cuidados de
saúde primários, a quem são garantidos recursos para a aquisição de cuidados
secundários ou terciários para os utentes, medida que esteve na origem do mercado
interno (internal market) no seio do sector da saúde
- INSALUD (Instituto Nacional de la Salud): ramo de saúde do sistema de segurança
social de Espanha, integrando o dispositivo público para os cuidados primários e uma
rede de hospitais públicos; associava, de uma forma bastante complexa, o
financiamento público com o financiamento privado e prestações, igualmente pelo
sector público e privado.
- Incentivos competitivos: um dos mecanismos introduzidos nas reformas dos sistemas
de saúde europeus, desencadeadas no início da década de noventa, em que a maior
pressão foi no sentido de dar um maior relevo ao papel do sector privado e à lógica de
mercado no financiamento e prestação de cuidados de saúde. Em teoria económica a
palavra “incentivo” significa um estímulo para actuar de uma determinada forma. Um
sistema de incentivos é assim um sistema de recompensas. Uma vez que muito do
consumo de recursos está relacionado com as decisões que os médicos tomam e que o
seu sistema de remuneração é um factor importante nos orçamentos de saúde (menos
importante, no entanto, do que os gastos com medicamentos ou as tecnologias), é
fundamental conhecer os incentivos, nomeadamente financeiros, que podem afectar o
comportamento dos médicos e o consumo de recursos por eles gerado
- Internal market: mercado interno no NHS (ver General Practitioners)
- Mercado da saúde: não se comporta como os outros mercados - o “cliente” não
conhece bem os produtos que quer consumir (a natureza e o tipo de cuidados de
saúde que necessita), razão pela qual é levado a expressar as suas necessidades
através de um intermediário - o médico – com quem estabelece uma relação de
agência. A circunstância de, neste caso, o médico se comportar simultaneamente
como decisor e prestador, gera um natural desequilíbrio nas leis que regulam o
mercado (ver enquadramento em Reformas da administração pública da saúde e
Contratualização).
Tese
267
Glossário
- Modelo de Bismark: de protecção social, surgido em 1883 na Alemanha, assente na
afiliação profissional e financiado pelas quotizações dos salários e dos empregadores,
fundou-se no seguro social, na estrutura corporativa e no acesso condicionado pela
situação de emprego. Teve como concorrentes os modelos de Beveridge e misto.
- Modelo de Beveridge: de protecção social, surgido em 1948 no Reino Unido,
baseado num sistema de cobertura universal de serviços públicos financiado pelo
Estado (base fiscal), com universalidade de acesso e gratuitidade no atendimento em
todos os níveis de prestação. Estabeleceu um padrão organizacional de serviço
nacional de saúde tendo como concorrentes os modelos de Bismark e o de mercado
ou misto.
- Modelo de mercado ou misto: de protecção social, desenvolvido nos EUA, não em
termos puros, combina os seguros privados e as prestações sociais públicas para os
grupos mais desfavorecidos – organizado a partir da capacidade de compra do seguro
de saúde pelos indivíduos e empresas, tem o acesso dependente da capacidade de
consumo do cidadão/utilizador. Teve como concorrentes os modelos de Bismark e de
Beveridge.
- Modelo pós-burocrático: ver Reformas da administração pública da saúde.
- Modelos de protecção social: nos finais do século XIX e primeira metade do século
XX, desenvolveram-se nos países ocidentais três formas concorrentes – de Bismark,
de Beveridge e de mercado ou misto. No final do século XX, estes três modelos
apresentam-se fortemente contaminados entre si, pelo que a Organização Mundial de
Saúde (OMS), num relatório de Junho de 2000, desenvolve uma nova metodologia de
análise e avaliação do desempenho dos sistemas de saúde, visando o grau de
realização de três objectivos específicos: (i) promoção da saúde; (ii) respostas às
expectativas dos cidadãos em cuidados e, (iii) justiça na contribuição financeira.
Nesta formulação, os sistemas de saúde são analisados segundo a capacidade de
resposta e de realização dos objectivos traçados por cada país e sobre o grau de
eficiência e de desempenho do seu sistema, corrigido por um factor social – a
educação. Esta metodologia inovadora procura avaliar o estado de saúde e bem-estar
das populações, atribuível ao grau de desempenho dos sistemas de saúde
- Necessidades em saúde: os diferentes tipos que devemos considerar são: (i)
necessidades sentidas, que podem ser expressas e não expressas; (ii) necessidades
expressas, conhecidas através da procura dos serviços; (iii) necessidades
normativas, definidas por líderes e peritos e, (iv) necessidades satisfeitas,
conhecidas através da utilização dos serviços.
- New public management: ver Reformas da administração pública da saúde.
- Outsourcing (subcontratação): é entendido como o conjunto de actividades que
podem ser executadas por terceiros sem pôr em causa o objectivo e a missão da
organização e que normalmente decorre do facto de ser mais custo efectivo do que a
realização pela própria organização.
- Participação: processo através do qual “os actores chave (stakeholders) influenciam
e partilham o controlo sobre iniciativas de desenvolvimento (decisões e recursos que
os afectam). Na área da saúde, a sua importância reside na necessidade estratégica de
268
Tese
Glossário
medir o desempenho do sistema, constituindo um dos mais importantes elementos de
feedback sobre a qualidade dos serviços e o pano de fundo ideal para basear um
sistema de diagnóstico de necessidades. Pretende-se assim associar ao controlo
político do sistema de saúde uma mediação comunitária, obtendo-se uma aferição
efectiva entre as necessidades em cuidados de saúde e a sua prestação, com
consequente rentabilização da produção, tanto a um nível qualitativo como
quantitativo. No contexto legislativo português, a participação dos cidadãos está
prevista a vários níveis da hierarquia do SNS, assumindo, no entanto, um carácter
meramente consultivo, ou seja, uma participação não vinculativa.
- Quasi-mercado: mercado interno para a prestação de cuidados de saúde adoptado no
período da primeira ministro Thatcher, foi responsável por uma verdadeira
descentralização e por uma maior autonomia das instituições prestadoras de cuidados.
A sua principal característica é a substituição do monopólio de prestação pública
Trata-se de evoluir do modelo burocrático weberiano de Administração Pública, para
um outro que inclua algumas características das organizações empresariais, sem as
procurar reproduzir, já que estamos perante um sector onde as regras da oferta e da
procura seguem uma lógica bem mais complexa do que a mera transacção de bens ou
serviços pela prestação independente e competitiva em relação ao mercado
tradicional. A prática da contratualização criou um novo conjunto de valores e mudou
a cultura organizacional na gestão pública, introduziu a cultura da competição, da
negociação contratual, do planeamento das actividades e do marketing. Em resumo, o
quasi-mercado para a prestação de serviços de protecção social é diferente dos
mercados convencionais em três aspectos: (i) pela existência de organizações não
lucrativas em competição; (ii) pela centralização do poder de compra numa agência
pública ou pela atribuição da decisão do consumo na forma de voucher em vez de
dinheiro e, (iii) em muitos casos pela representação dos consumidores por agentes,
evitando que os beneficiários actuem directamente no mercado. Ao longo dos últimos
quinze anos, entretanto, o new public management sofreu um contínuo processo de
transformação. Da inicial perspectiva conservadora, o debate referente ao modelo
empresarial tem avançado por terrenos cada vez mais dominados pelas temáticas
democráticas.
- Reforma: processo de mudança contínuo e sistemático em diferentes áreas,
nomeadamente a da saúde.
- Reformas da administração pública da saúde, ou modelo pós-burocrático ou new
public management: têm vindo a ser postas em prática nos países da OCDE e embora
tenham por base as mesmas causas e tenham seguido genericamente o mesmo
paradigma nas soluções adoptadas, realizaram-se em quadros de referência muito
diferentes mas com diversos pontos comuns, nomeadamente, (i) o controlo das
despesas públicas, (ii) a adopção de técnicas e processos de gestão empresarial, (iii) a
mudança de estatutos dos funcionários. Embora sejam diversas as técnicas utilizadas
no processo da reforma, a mais importante parece ser a clara separação das funções
de prestação e de financiamento, cuja repercussão prática está presente nalgumas
experiências adoptadas por diferentes países – no Reino Unido com as Executive
Agencies, na França com os Centres de Responsabilité e na Holanda e Suécia com as
Agencies. O pressuposto básico em que estas experiências assentam é o de que aos
gestores cabe gerir com plena autonomia e responsabilização (negociação de
orçamentos globais), sendo posteriormente avaliados pelos resultados obtidos. Todo
Tese
269
Glossário
este processo tem subjacente a necessidade de ser incorporada a visão do cidadão que
utiliza os serviços como consumidor final. No caso da Alemanha, o denominado
sistema de governo descentralizado permitiu, muito antes do modelo de agência e da
new public management, a criação de organizações descentralizadas. Em 1993 foi
implementado um programa de reforma nos governos locais – Novo Modelo de
Governo (Neues Steuerungsmodell) – que visou introduzir novos conceitos, como a
gestão estratégica, os serviços orientados para os clientes, a substituição de normas
por contratos, maior flexibilidade na gestão financeira e de recursos humanos e a
aproximação da administração aos cidadãos (para o caso Português ver Agência).
- Reforma da saúde: iniciativas de inovação no modelo organizacional dos sistemas de
saúde verificadas em quase todos os países nos últimos trinta anos. As primeiras
reformas da saúde foram estimuladas pelo imperativo macroeconómico de controlo
das despesas públicas com a saúde. Nos últimos anos, as inovações têm tido
subjacentes aos incentivos à criação de um ambiente institucional favorável à
melhoria da eficiência dos prestadores, públicos ou privados. A reforma dos anos
noventa trouxe novos desafios para as Agências e organizações públicas, estimulando
a prestação de serviços através de mecanismos de Contratualização e introduzindo o
Quasi-mercado. A contratualização consubstancia, em bases formais, a separação
funcional entre financiamento e prestação directa dos serviços. Um outro aspecto a
ser considerado nas experiências das reformas da saúde é o processo de difusão das
inovações. A busca de inovação e novas competência tem feito com que soluções
organizacionais, experimentadas em contextos institucionais específicos, sejam
adaptadas por outros sectores, preocupados com o desempenho da gestão pública ou
com o desenho de novas funções para as organizações públicas.
- Sistemas de saúde: enquanto parte integrante do sistema social, são o resultado e,
simultaneamente, condicionantes das suas envolventes histórica, social, cultural,
técnica e política. Distinguem-se entre si principalmente pela quantidade e natureza
da sua produção, pela existência de liberdade de escolha, pela equidade no acesso aos
cuidados, pelo grau de centralismo da sua organização, pela socialização das suas
prestações, pela estrutura da despesas e pela capacidade de se reformarem. Mas o que
sobretudo os diferencia é a relação entre os custos dos recursos mobilizados e os
resultados de saúde obtidos. O sistema ideal parece ser o existente na Alemanha,
Holanda, França ou Japão, por assegurarem à população a universalidade no acesso,
além de garantirem a generosidade das prestações presentes no sistema norteamericano (que gera grandes desigualdades e é extremamente caro), sem aumentar os
custos. Nos últimos anos os governos da maioria dos países industrializados têm
vindo a ser confrontados com graves crises financeiras e com profundos conflitos
políticos decorrentes do crescimento da despesa com as funções sociais. De forma a
tentar conter o crescimento desta despesa e a tornar os utentes dos serviços públicos
mais responsáveis na sua utilização, têm vindo a introduzir algumas regras próprias
do sector empresarial nos modelos de distribuição de recursos em vigor nos sistemas
públicos.
- Single payers: os mecanismos organizacionais predominantes na primeira metade da
década de oitenta do século XX geraram um padrão dominante de oferta pública
unificada. A autoridade sanitária pública ou o seguro social tornaram-se os
compradores únicos (single payers) de serviços hospitalares e básicos, que
frequentemente eram de propriedade pública ou contratados. Predominavam relações
270
Tese
Glossário
assalariadas com os médicos ou o pagamento de honorários, sendo escassos os
incentivos à gestão voltada para a qualidade e para o direito do cidadão. Este padrão
organizacional viu a sua legitimidade enfraquecida durante as décadas de setenta e
oitenta, pelo impacto negativo que gerou sobre as contas nacionais ao “medicalizar”
os orçamentos públicos (crescimento excessivo da saúde no conjunto das despesas
públicas), pelas mudanças na percepção de necessidades em saúde do
utente/cidadão/consumidor, com a crescente procura por atendimento individualizado
(atenta aos direitos e às escolhas do doente) e pelo excessivo custo do tratamento
intra-hospitalar. O primeiro processo de reforma do sector saúde na Europa
desenvolveu-se pela implementação de uma série de directivas macroeconómicas
visando essencialmente a redução das despesas sectoriais.
- Stakeholders: actores chave ou parceiros que compõem um sistema (por exemplo de
saúde), que interagem entre si e o vão modificando (ver Participação).
- Subcontratação: ver outsourcing.
- Trusts: hospitais do NHS que se agrupam em estruturas públicas independentes, que
asseguram a prestação de cuidados secundários e terciários e têm como objectivos
principais a melhoria quer da eficiência quer do acesso.
Baseado, entre outros, em: European Observatory on Health Care Systems (2003), in
www.observatory.dk);
OECD, 1992;
WHO (1998 a) “Terminology – A glossary of technical
terms on the economics and finance of health services”;
WHO (2003) e,
2000 a) “Care Systems in Transition (HiT)-template”,
European Observatory on Health Care Systems. WHO
Regional Office for Europe, Copenhagen.
Tese
271
Bibliografia e documentação
BIBLIOGRAFIA E DOCUMENTAÇÃO
1. BIBLIOGRAFIA REFERENCIADA NO TEXTO
ABEL-SMITH, Brian and MOSSIALOS, Elias (1994), “Cost Containment and Health
Care Reform - A study of the European Union”, USA, Published in association
with The London School of Economics and Political Science, Jane Lewis Editor.
ACSSLVT (2000), “Contratualização com os centros de saúde na Região de Saúde de
Lisboa e Vale do Tejo”, Relatório final do processo de contratualização 2000
com as instituições da ARSLVT, documento de trabalho, Julho de 2000.
ALMEIDA, J. F. e PINTO, J. M. (1995), “A Investigação nas Ciências Sociais” Lisboa:
Editorial Presença.
ALVES, D., CARDOSO, L. e CORREIA, J. M. (1996), “PERLE. Uma medida para um
problema”. Gestão Hospitalar, Ano X, n. º 32, Maio.
ANDREWS, K. R. (1971), “The Concept of Corporate Strategy”. Howewood, IL: Dow
Jones-Irwin.
ANSOFF, H. I. (1965), “Corporate Strategy: An Analytic Aprproach to Business Policy
for Growth and Expansion”, New York; MacGraw-Hill.
APPLEBY J., LITTLE V., ROBINSON R., RANADE W. and SMITH P. (1992),
“Implementing the Reforms: A Second National Survey of District General
Managers” and “A Second Survey of Regions' Approaches to Resource
Allocation”, Monitoring Managed Competition, Project Papers No.6 and 7,
NAHAT, Birmingham.
APPLEBY, J. (1994 a) “Contracting with the National Health Service: Revised
Guidelines for Voluntary Hospices”, Occasional Paper n.º 6, National Council
for Hospice and Specialist Palliative Care Services.
APPLEBY, J., (1994 b), “Developing Contracting: A National Survey of District
Health Authorities, Boards and Trusts”, Research Paper n.º 15 NAHAT,
Birmingham.
ARROW, Kenneth J. (1951) “Social Choice and Individual Values”, New York, John
Wiley and Sons (rev. ed. 1963).
ARROW, Kenneth J. (1963), “Uncertainty and the Welfare Economics of Medical
Care”, in The American Economic Review, Vol. LIII, nº 5, pp. 941-973.
ARROW, Kenneth J. (1971), “Expositions of the Theory of Choice under Uncertainty”,
in McGuire, B. and Radner, R., editors, “Decision and Organization Essays in
the Theory of Risk-Bearing”.
BARDIN, L. (2000), “L'analyse de contenu”, Presses Universitaires de France, 1977,
10ème ed. 2000. Tradução em português - “Análise de Conteúdo”, Edições 70,
Ldª., Lisboa.
Tese
273
Bibliografia e documentação
BARNUM, Howard, Kutzin, Joseph, and SAXENIAN, Helen (1995), “Incentives and
Provider Payment Methods”, in International Journal of Health Planning and
Management, Vol. 10, pp. 23-45.
BAUMOL, William (1993), “Social Wants and Dismal Science: The Curious Case of
the Climbing Costs of Health and Teaching”, 32 p., Jerome Levy Economic
Institute, Annandale on Hudson, New York.
BENTHAM, Jeremy (1962), “Law, Liberty and Government”, in The Works of Jeremy
Bentham, (ed. John Bowring), London. The standard edition of Bentham's
writings is “The Works of Jeremy Bentham”, (ed. John Bowring), London, 18381843; Reprinted in New York, 1962.
BENTHAM, Jeremy (1970), “An Introduction to the Principles of Morals and
Legislation”, in The Works of Jeremy Bentham. Reprint, edited by J. H. Burns
and H. L. A. Hart, London: The Athlone Press. (Reprint, edited by Clarendon
Press, 1907 and reprint of the 1823 edition, last in Bentham's lifetime, which
was corrected and modified by Bentham).
BERELSON (1952), “Content Analysis in Communication Research”, Free Press, New
York.
BIRNBAUM, Arnold (1997), “Managed Care, Made in America”, Praeger.
BLACK, Duncan (1948), “On the rationale of group decision-making” Journal of
Political Economy, n.º 56, pp 23-34.
BLACK, Duncan (1958), “The Theory of Committees and Elections”, Cambridge,
Cambridge University Press.
BLENDON R. J. and DONELAN K. (1991), “Public opinion about Spain’s National
Health System.”, Informe de la Comisión de Análisis y Evaluación del Sistema
Nacional de Salud, Anexo III, Madrid.
BOGDAN, R. e BIKLEN, S. (1998), “Investigação Qualitativa em Educação”, Porto,
Porto Editora.
BROCKINGTON F. (1988), “The History of Public Health” in Hobson W., Ed. The
Theory and Practice of Public Health. Oxford 5ª edição, Oxford, University
Press.
BUCHANAN, James M. (1972), “Theory of Public Choice: Political Applications of
Economics”, ed. with Robert Tollison, Ann Arbor, University of Michigan
Press.
BUCHANAN, James M. and TULLOCK G. (1962), “The Calculus of Consent”, Ann
Arbor, Michigan University Press.
BURKE, Edmund (1790), in Lisboa, José da Silva “Princípios de Economia Política Extractos das Obras Políticas e Económicas de Edmund Burke”, Rio de Janeiro,
na Impresão Régia, 1812, págs. IX - XXII., disponível em “A Teoria Política no
Mundo Moderno”, O Portal da História – Directório de Locais de História
(http://www.arqnet.pt/portal/directorio/index.html).
CABASES J. M., GAMINDE I. y GABILONDO L. (1999), “The role of health targets
in Europe – Contracting arrangements in the health strategy context. A regional
approach for Spain”, Pamplona.
274
Tese
Bibliografia e documentação
CABELLO, García Julián (2003), “La financiacion sanitaria en el nuevo sistema de
financiacion autonomica”, XXIII Jornadas de la Asociación de Economía de la
Salud, Cádiz, 4-6 de Junho de 2003.
CABRAL, Villaverde M., SILVA, P. A. e MENDES, Hugo (2002), “Saúde e Doença
em Portugal. Inquérito aos comportamentos e atitudes da população portuguesa
perante o Sistema Nacional de Saúde”, Imprensa de Ciências Sociais, Lisboa.
CAIDEN, Gerald E. (1991), “Administrative Reform Comes to Age”, Walter de Gruyter,
Inc., Berlin.
CAMPOS, A. C. (1983), “Saúde. O custo de um valor sem preço”, Editora Portuguesa
de Livros Técnicos e Científicos, Ldª., Lisboa.
CAMPOS, A. C. (1999), “Administração Pública. Bloqueio e desenvolvimento” in
Livro de homenagem a Augusto Mantas, APES, Lisboa.
CARREIRA, Henrique Medina (1996), “As Políticas Sociais em Portugal”, Lisboa,
Gradiva - Publicações, Ldª.
CASASNOVAS, Guillem López i (Dir.) y Gómez, Ana Rico (Coord.) (2001),
“Evaluación de las Políticas de Servicios Sanitarios en el Estado de las
Autonomías – Análisis comparativo de las Comunidades Autónomas del País
Vasco, Andalucía e Cataluña”, Generalitat de Catalunya, Institut d’Estudis
Autonômics, Bilbao, Fundación BBV.
CASASNOVAS, Guillem López (2003), “Reflexiones acerca de la nueva financiacion
autonomica de la sanidad”, documento de trabalho, Universidad Pompeu Fabra.
CASSESE, A. (1989), “International Law in a Divided World”; Clarendon Press,
Oxford.
CHERNICHOVSKY, Dov. (1995), “Health System Reforms in Industrialised
Democracies: An Emerging Paradigm”, in The Milbank Quarterly vol. 73 nº 3,
pp. 339-372, Cambridge, USA and Oxford, UK.
COASE, Ronald H. (1937), “The Nature of the Firm”, Economics n.º 4, 386-405.
COASE, Ronald H. (1960), “The Problem of Social Cost”, Journal of Law and
Economics n.º 3, 1-44.
COASE, Ronald H. (1988) “The Firm, the Market, and the Law”, Chicago, Ill.:
University of Chicago Press.
COLLINS, P. and M. KAUL (1995), “The Public Service in the Political Transition: An
Overview”, In: Public Administration and Development, vol. 15, pp. 207-209,
Wiley InterScience, John Wiley and Sons, Ltd, London.
CONRAD, Jennifer, GULTEKIN, Mustafa and KAUL, Gautam (1997), “Profitability of
Short-Term Contrarian Strategies: Implications for Market Efficiency”, Number
3, Journal of Business and Economic Statistics, n.º 15, July 1997.
CRAVEIRO, Ana Cristina (2000), “Comissões de Acompanhamento Externo dos
Serviços de Saúde – Que contributo para o Empowerment dos cidadãos?”,
dissertação no âmbito do XXVIII Curso de Administração Hospitalar, Lisboa:
ENSP.
CRES (1998), “Recomendações para uma Reforma Estrutural” Relatório do Conselho
de Reflexão sobre a Saúde, Lisboa.
Tese
275
Bibliografia e documentação
CRESWELL J. W. (1994), “Research design: Qualitative and quantitative
approaches”, pp. 228, Thousand Oaks, CA: Sage.
CULYER, A., J. (1971), “The nature of the commodity - heath care - and its efficient
allocation”, Oxford Economics Papers, Vol. 23, pp. 189-211.
DEMURO, P.R. (1995), “Managed care and integrated delivery systems” Burr Ridge,
Illinois: Irwin Professional Publishing.
DIAS, C. M. (1999), “Descrição dos sistemas de remuneração e de incentivos dos
médicos hospitalares e de saúde pública, em alguns países”, Documento
Interno, Ministério da Saúde, Lisboa.
DOCTEUR, Elizabeth, SUPPANZ, Hannes and WOO, Jaejoon, 2003, “The US Health
System: an assessment and prospective directions for Reform”, Economics
Department Working Papers, n.º 350, February, Paris, OECD.
DOWNS, Anthony (1957), “An Economic Theory of Democracy”, New York, Harper
and Row.
DRUCKER, Peter F. (1996), “The Executive in Action: Managing for Results,
Innovation and Entrepreneurship, the Effective Executive”, Edition: Hardcover.
DUMONT, Jean-Pierre (1995), “Les Systèmes Europèenes de Sécurité Sociale”,
Económica.
DUNLOP, David W. and MARTINS, Jo M. (1995), “An International Assessment of
Health Care Financing - Lessons for Developing Countries”, Washington, The
World Bank - EDI Seminar Series.
DUVERGER, Maurice (1996), “Métodos de las ciencias sociales”, Barcelona: Editorial
Ariel.
EISENHARDT, Kathleen M. (1988), “Agency and institutional theory explanations:
The case of retail sales compensation”, Academy of Management Journal, Vol.
31, n.º 3, pp. 488-511, September 1988, Stanford University.
EISENHARDT, Kathleen M. (1989), “Agency Theory: An Assessment and Review”,
Academy of Management Journal, Vol. 14, n.º 1, pp. 57-74, September 1988,
Stanford University.
ENSOR, T., WITTER, S. and SHEIMAN, Igor (1997), “Methods of payment to medical
care providers”, in WITTER, Sophie and ENSOR, Tim, editors. An Introduction
to Health Economics for Eastern Europe and the Former Soviet Union. West
Sussex, England: John Wiley & Sons; p. 97-114.
ENTHOVEN, Alain (1989), “Theory and Practice of Managed Competition”,
Amsterdam: North-Holland.
ENTHOVEN, Alain (1993), “Why managed care has failed to contain costs”, Health
Affairs (fall), pp. 27-43.
ENTHOVEN, Alain and SINGER, Sara (1995), “Marked - Based Reform: What to
Regulate and by Whom”, Health Affairs, 14:1, pp. 105-119.
ESCOVAL, Ana (1997), “Sistemas de Financiamento da Saúde. Análise e Tendências”,
APES, Lisboa.
EWALD, François (1986), “L'État Providence”, Paris: Grasset.
276
Tese
Bibliografia e documentação
FERREIRA, Gonçalves F. A. (1989), “Sistemas de Saúde e seu Funcionamento”,
Fundação Calouste Gulbenkian, Lisboa.
FLYNN, Rob and WILLIAMS, Gareth (1997), “Contracting for Health. Quasi-Markets
and the National Health Service”, Oxford University Press.
FREIRE, J. M. (2001), “El sistema sanitario público: perspectivas de futuro, en Estado
de Bienestar y Socialdemocracia: ideas para el debate”, Mimeo.
FREITAS, Paulo (2002), “A contratualização no contexto do Serviço Nacional de
Saúde. O caso dos hospitais do grupo IV da Região de Saúde de Lisboa e Vale
do Tejo”, dissertação no âmbito do Mestrado em Gestão dos Serviços de Saúde,
Lisboa: ISCTE.
GHIGLIONE Rodolphe e MATALON, Benjamin (2001), “O Inquérito: teoria e
prática”, 4ª edição, Oeiras: Celta, pp. 336.
GONZÁLEZ B. y URBANOS R. (2001), “Prioridades en la organización de la
atención a la salud en España”, en: Informe SESPAS 2001.
GRAWITZ, Madeleine (2001), “Méthodes des Sciences Sociales”, 11e édition, Paris,
Éditions Dalloz.
GREENE J. C., CARACELLI V. J. and GRAHAM W. F. (1989), “Toward a
conceptual framework for mixed-method evaluation desingns”, Educational
Evaluation and Policy Analysis, 11, pp. 255-274.
GROSSMAN, Sanford J. and HART, Oliver D. (1983), “An analysis of the
principal-agent problem”, Econometrica, V. 51, pp. 7-45.
HAM, Chris (1998), “Health care reform: learning from international experience.”,
Buckingham, Open University Press.
HAMEL, Gary and PRAHALAD, C.K. (2000), “Competing for the Future”, printed
September 1994, reprint April 1996 and December 2000, Harvard Business
School Press, Boston.
HANDY, Charles (1995), “Trust and the Virtual Organization”. Harvard Business
Review, 73, 3, May-June 1995, pp. 40-50.
HINDLE, A., HINDLE, G. A. and WORTHINGTON, D. J. (1993), “The Health
Systems of European Community Member States”, Luxembourg, European
Parliament.
HINDLE, T. and LAWRENCE, M. Field (1994), “Guide to Strategy - A Glossary of
Essencial Tools and Concepts of Today Managers”, Harvard Business School
Press.
HOBSBAWM, Eric J. (1996), “The Age of Extremes: A History of the World,
1914-1991”, Knopf Publishing Group, New York. (tradução portuguesa com o
título A Era dos Extremos – História Breve do Séc. XX 1914-1991, Lisboa,
Editorial Presença, 1996).
HOLMES, Malcolm and SHAND, David (1995), “Management Reform: Some
Practitioner Perspectives on the Past Ten Years”, Governance (8:4), pp. 551578, CMO, citado em Accountability and Financial Administration, 2001,
Dalhousie University, Faculty of Management, School of Public Administration,
Halifax, Nova Scotia, Canada.
Tese
277
Bibliografia e documentação
HOOD, C. (1996), “Accident and Design Contemporary Debates on Risk
Management”, Edited by: Christopher Hood and David K. Jones, Publisher:
UCLPress Ltd., London.
HUBER, George P. H. (1991), “Organizational Learning: The Contributing Processes
and the Literatures”, Organization Science, February 1991.
IGIF (1970/2000), “Elementos Económico/Financeiros”, Lisboa, Ministério da Saúde.
INE (1999), “Estatísticas da Saúde”, Lisboa, INE.
JENKINS, K. (1995), “Civil Service Reform in the United Kingdom” Paper delivered at
Workshop on Civil Service Reform in Anglophone Africa, 24-28, April 1995.
JICK, Todd D. (1983), “Mixing qualitative and quantitative methods: triangulation in
action”. In: VAN MAANEN, John. (Ed.). Qualitative methodology, Newburg
Park, CA: Sage Publications.
JOHANET, Gilles (1998), “La Sécurité Sociale: l’echec et le défi”, Seuil.
JUSTO, Cipriano (1993), “Critérios consensuais da qualidade de desempenho dos
Centros de Saúde. Metodologia da combinação da Técnica Delphi com a
opinião de Informadores Chave da Comunidade”, Tese de Doutoramento, Porto,
ICBAS.
KERLINGER, Fred N. (1980), “Metodologia da Pesquisa em Ciências Sociais - Um
Tratamento Conceitual”, São Paulo, Editora Pedagógica e Universitária.
KERVASDOUÉ, Jean de (1999), “Santé, por une Révolution sans Réforme”, Gallimard.
KLEIN, R. (1998), “Why Britain is reforming the NHS -- again. Health Affairs”, 17 (4),
July/August.
KOSNIK, R. D. (1987), “Greenmail: a study of board performance in corporate
governance”, Administrative Science Quarterly 32, in RECIO, Luisa Eugenia
Reyes, 2001, Discrecionalidad directiva y estrategia de diversificación: un
análisis conjunto de la concentración accionarial y el consejo de administración
como mecanismnos de gobierno, comunicação apresentada no XI Congreso
Nacional de Asociación Científica de Economía y Dirección de la Empresa
(ACEDE), Universidad Rey Juan Carlos, Zaragoza 16 - 18 de Septiembre de
2001.
LAMBERT, Denis-Clair (2000), “Les Systèmes de Santé – Analyse et évaluation
comparée dans les grands pays industriels”, Économie Humaine, Éditions du
Seuil, Paris.
LANDES, David (1998), “The Wealth and Poverty of Nations”, New York, Norton.
LÁZARO, P., MARTINEZ E., FITCH K. y AGUILLAR, M. D. (2001), “Gestión de
listas de espera en revascularizatión coronaria interviniendo la demanda”, en
AES Coordinación e incentivos en Sanidad. XXI Jornadas de Economia de la
Salud, Oviedo: 395-411.
LAWRENCE, P. R. and LORSCH, J. W. (1967), “Organization and environment:
managing differentiation and integration”, Boston, MA: Harvard University
Press.
278
Tese
Bibliografia e documentação
LE GRAND, Julian (2001), “The quasi-market experiments in public service delivery:
did they work?”, Paper for presentation at Pontignano conference 6-8 April
2001, Department of Social Policy, London School of Economics, London.
LE GRAND, Julian and BARTLETT, Will (1993) (eds), “Quasi-Markets and Social
Policy”, Houndmills, Macmillan.
LESSARD-HEBERT, M., GOYETTE, G. e BOUTIN, G. (1994). “Investigação
qualitativa, fundamentos e práticas”, Lisboa: Instituto Piaget.
LUCENA, Diogo de, GOUVEIA, Miguel e BARROS, Pedro Pita (1995),
“Financiamento do Sistema de Saúde em Portugal”, Documento de Trabalho,
Ministério da Saúde, Lisboa.
MÁRQUEZ, S. y PORTELLA E. (1994). “Evaluación de un programa de reducción de
la lista de espera quirúrgica basado en el pago por acto”. Med. Clin., pp.
169-173, Barcelona.
MAYNARD, Alan (1999), “Rationing Health Care: an exploration.”, Health Policy,
1999, 49, 5-11.
MAYNARD, Alan and BLOOR, Karen (1996), “Introducing a market to the United
Kingdom National Health Service”, New England Journal of Medicine 344 (9):
604-608.
MCCOURT, W., and MINOGUE, M. (Eds.) (2001), “The internationalisation of public
management: Reinventing the Third World State”. Cheltenham, UK;
Northampton, MA: Edward Elgar.
MCGUIRE, Thomas G., 2000, “Physician Agency”, Chapter 9 in CULYER, Anthony J.
and NEWHOUSE, Joseph P., editors. Handbook of Health Economics, Elsevier,
Amsterdam,
MERRIAM, Sharan B. (1998), “Qualitative research and case study applications in
education”, San Francisco, Jossey-Bass Publishers.
MESQUITA, Ana Cristina (2002), “Empowerment na doença crónica. Um estudo de
caso”, Tese de Mestrado, ISCTE, Lisboa.
MILES, M. B. and HUBERMANN, A. M. (1994), “Qualitative data analysis. A
sourcebook of new methods”, (2nd. ed.), Beverly Hills: Sage.
MILLS, A. and BROOMBERG, J. (1998), “Experiences of contracting: an overview of
the literature”, Technical Paper, n.º 33, World Health Organization, Genève,
December.
MINISTÉRIO DA SAÙDE (1996), “A Função de Agência”, ARSLVT, Lisboa, 1996.
MINISTÉRIO DA SAÙDE (1997 a), “A Saúde dos Portugueses”, DGS, Lisboa.
MINISTÉRIO DA SAÙDE (1997 b), “Acompanhamento externo dos serviços de
saúde”, ARSLVT, Lisboa.
MINISTÉRIO DA SAÙDE (1998 a), “Saúde em Portugal. Uma estratégia para o virar
do século (1998-2002)”, DGS, Lisboa.
MINISTÉRIO DA SAÙDE (1998 b), “O Hospital Português”, DGS, Lisboa.
MINISTÉRIO DA SAÙDE (1999 a), “Saúde Um Compromisso – A Estratégia de
Saúde para o virar do Século (1998-2002)”, publicação do MS/DGS, Lisboa.
Tese
279
Bibliografia e documentação
MINISTÉRIO DA SAÙDE (1999 b), “Relatório de avaliação das Agências de
Contratualização (1999)”, documento de trabalho, DGS, Lisboa.
MINTZBERG, Henry, LAMPEL, Joseph (1999), “Strategic Process Reflexion”, Sloan
Management Review, vol. 40, n. 3, Spring 1999, New York.
MOREIRA, Carlos Diogo (1994), “Planeamento e estratégias da investigação social”,
Lisboa: ISCSP, UTI.
MOREIRA, Vital e MARQUES, M.ª Manuel L., (1999). “Desintervenção do Estado,
privatização e regulação de serviços públicos”, Coimbra, Economia and
Perspectiva, 3/4, pp. 133-158;
MORGAN, David, (1998), “Focus Group as Qualitative Research”, Newbary Park,
California: Sage publications.
MORGAN, David, ed. (1993), “Successful focus groups. Advancing the state of the
art”, Newbary Park, California: Sage publications.
MOSSIALOS, Elias (1998), “Citizens and Health Systems: Main Results from a
Eurobarometer Survey”, CEE;
MOZZICAFREDDO, Juan (2000), “O papel do cidadão na administração pública”, in
“Reforma do Estado e Administração Pública Gestionária”, Fórum 2000, ISCSP
– UTL, Lisboa.
MOZZICAFREDDO, Juan e GOMES, João Salis (2001), “Administração Política:
Perspectivas de Reforma da Administração Pública na Europa e nos Estados
Unidos”, Oeiras, Celta Editora.
MURRAY, C. J. L. and FRENK, J. (2000) “A WHO Framework for Health System
Performance Assessment”, World Health Report.
NEVIS, Edwin C., DIBELLA, Anthony J. and GOULD, Janet M. (1995),
“Understanding Organizations as Learning Systems”, In: Sloan Management
Review, Winter: 73-85.
NHS Plan (2000) “A Plan for investment. A Plan for reform”, Published by the
Department of Health (http://www.doh.gov.uk/nhsplan/contents.htm).
NOGUEIRA, F., PAIXÃO, A., NOGUEIRA, D., GUERRA, N. e GONÇALVES, R.
(2000), “A contratualização em Saúde – As Teorias de Gestão e a
Contratualização”, Seminário do Mestrado em Gestão dos Serviços de Saúde,
INDEG/ISCTE (não publicado).
NORMAND, Charles and WEBER, Axel (ed.) (1994), “Health Financing and Health
Insurance: Social Health Insurance: A Guidebook for Planning”, Published by
World Health Organization/International Labour Office, Geneva.
NORTH, Douglas C. (1992), “Transaction costs, intitutions, and economic
performance”, San Francisco, ICS Press (Internatinal Center for Economic
Growth,Occasional Papers, number30). Institutions, Institutional Change and
Economic Performance.
NORTH, Douglass C. (1990), “Institutions and a Transaction Cost Theory of
Exchange, Essays in Positive Political Economy”, James Alt and Kenneth
Shepsle, eds. Cambridge: Cambridge University Press.
NOZICK, R. (1974), “Anarchy, State and Utopia” Basic Books, New York.
280
Tese
Bibliografia e documentação
OECD (1992), “The Reform of Health Care Systems - A Comparative Analysis of Seven
OECD Countries”, Paris, OECD.
OECD (1993), “OECD Health Systems - The Socio-economic Environment Statistical
References”, Volume II, Paris, OECD.
OECD (1999 a), “OECD - Economic Surveys, Portugal 1998/1999”, Paris, France
(October 1999).
OECD (1999 b), “Performance contracting – Lessons from performance contracting
case studies: a framework for public sector performance contracting”, Paris:
OECD, Head of Publications Service.
OECD (2001), “Citizens as Partners: Information, Consultation and Public
Participation in Policy-making”, OECD, Paris.
OECD (2002 a), “Improving the performance of health care systems: from measures to
action (a review of experiences in four OECD countries)”, Labour Market and
Social Policy - occasional papers, n.º 57, Janeiro 2002.
OECD Health Data (2002 b), “OECD Health Data - A Software package for the
cross-national comparison of health systems”, Paris, OECD.
OLSON, Mancur (1971), “The Logic of Collective Action (public goods and the theory
of groups)”, Cambridge (Ma.), Harvard University Press (1st. ed. 1965).
OLSON, Mancur (1982), “The Rise and Decline of Nations: Economic Growth,
Stagflation and Social Rigidities”, New Haven, Yale University Press.
ONU (1998), “World Population Trends: The 1998 Revision”, United Nations
Population Division, Department of Economic and Social Affairs, New York,
U.S.A..
ONU (2003), Rapport Mondial sur le Développement Humain, "Les Objectifs du
Millénaire pour le développement: Un pacte entre les pays pour vaincre la
pauvreté humaine", Publié pour le Programme des Nations Unies pour le
Développement (PNUD) par Economica, Paris.
OPSS, “Conhecer os Caminhos da Saúde”, Relatório de Primavera (2001), Síntese,
Observatório Português dos Sistemas de Saúde (OPSS), ENSP/UNL, Lisboa.
OPSS, “Saúde que rupturas”, Relatório de Primavera (2002), Observatório Português
dos Sistemas de Saúde (OPSS), ENSP/UNL, Lisboa.
OPSS, “O estado da Saúde e a saúde do Estado”, Relatório de Primavera (2003),
Observatório Português dos Sistemas de Saúde (OPSS), ENSP/UNL, Lisboa.
ORDESHOOK, Peter C. (1989) “Models of Strategic Choice in Politics”, Ann Arbor;
University of Michigan Press.
OXLEY, H. and MACFARLAN, M. (1994), “Health Care Reform. Controlling
Spending and Increasing Efficiency”, Paris, Organization for Economic
Cooperation and Development. Economics Department Working Papers.
PAKENHAM-WALSH, Neil, PRIESTLEY, Carol and SMITH, Richard (1997),
“Meeting the information needs of health workers in developing countries”,
BMJ, 314:90, London.
PEIRÓ, S. (2000), “Algunos elementos para el análisis de las listas de espera”, Gestión
Clínica y Sanitária, vol.2, núm. 4, p. 126-131.
Tese
281
Bibliografia e documentação
PEREIRA, João (1992), “Glossário de Termos e Conceitos”, Lisboa, APES.
POLLITT, Christofler, BATHGATE, Karen, SMULLEN. Amanda, TALBOT, Colin,
CAULFIELD, Janice and REILLY, Adrian (2000), “The idea of Agency –
Researching the agencification of the public service world. Agencies –
something for everyone?”, Universities of Glamorgan, Ponty Pridd in Wales and
Erasmus - University Rotterdan in Netherlands, Washington, DC.
PORTER, M. (1991), “Strategy: Seeking and Securing Competitive Advantag”,.
Boston: Harvard Business School Press.
PRAHALAD, C. K. and HAMEL, Gary (1990), “The Core Competence of the
Corporation”, Harvard Business Review, vol. 68, nº 3, pp. 79-91, May/June
1990.
QUIVY, Raymond e CAMPENHOUDT, Luc Van (1998), “Manual de Investigação em
Ciências Sociais”, 2ª edição revista e aumentada, Lisboa: Gradiva, (tradução
João Minhoto Marques et al Revisão científica de Rui Santos do Manuel de
Recherche en Sciences Sociales, 1995, Dunod, Paris)
RAMOS, Vítor (1999), “Public Health and Health Care in Portugal” in: “Public Health
Policies in the European Union”, edited by Walter Holland, Elias Mossialos with
Paul Belcher, Bernard Merkel, Ashgate Publishing Company, Brokfield, USA.
RAWLS John (1971), “A Theory of Justice”, Cambridge, Massachusetts, Belknap Press
of Harvard University Press.
REICH, Michael, R. (1996), “Policy Maker 2.3 Software”, Computer-Assisted Political
Analysis, Boston, www.polimap.com.
REICHARD, John (1996), “The 1997 Healthcare Alliance and Network Sourcebook”
Publisher: Faulkner and Gray, Incorporated, US.
REIS, Elizabeth ( 2001), “Estatística Multivariada Aplicada”, 2ª edição, Lisboa.
REIS, Vasco (1999), “O Sistema de Saúde Português: donde vimos, para onde vamos”
in Livro de homenagem a Augusto Mantas, APES, Lisboa.
RHODES R.A.W. (1997), “Understanding Governance”, Buckingham: Open
University Press.
RIKER, W. (1982), “Liberalism Against Populism”, San Francisco: W. H. Freeman
Publishing Company.
ROBINSON, Jane and ELKAN, Ruth (1996), “Health needs assessment - Theory and
practice”, London, Churchill Livingstone.
RODRIGUES J. N. (2002), “Cadernos temáticos”, n.º 3/2001, Lisboa.
RODRIGUEZ J. A.and LEMKOW L. (1990), “Health and Social Inequities in Spain”,
Social Science and Medicine, 31, pp. 351-358.
ROUBAN, L and ZILLER, J. (1995), “De la modernisation de l’administration a la
reforme de l’ état”, in “Les administrations en Europe: d’une modernisation à
l’autre”, Revue Française de L’administration Publique, n°; 75, 1995, pp.
345-354.
RUSSELL L. and ACKOFF (1981), “Creating the Corporate Future”, John Wiley and
Sons, pp 64-70, Nova York.
282
Tese
Bibliografia e documentação
SAKELLARIDES, Constantino T. (2003), “El valor de la Salud y su “Gobierno” en un
mundo globalizado posmoderno: el encuentro de la bella y la bestia”, in Revista
de Humanidades Médicas – El Valor de la Salud, Volume 1, Número 3, Julio –
Septiembre, 2003, Barcelona.
SAKELLARIDES, Cíntia (2000), “As vozes femininas da gestão”, Revista Executiva,
Março 2000, Lisboa.
SAKELLARIDES, Constantino (1999), “A Saúde em tempo de Mudança”, Relatório do
Director-Geral da Saúde, Ministério da Saúde, Direcção Geral da Saúde, Lisboa.
SALTMAN, Richard B. and DAVIS, Odile Ferroussier (2000), “The concept of
stewardship in health policy”, The International Journal of Public Health,
volume 78, number 6, pp. 715-865.
SALTMAN, Richard B. and FIGUERAS, J. (1998), “Patient choice and patient
empowerment in Northern European Health Systems: a conceptual framework”,
International Journal of Health Services, 24 (2), pp. 201-229.
SALTMAN, Richard B. and FIGUERAS, J., (ed.) (1997), “European health care
reform: analysis of current strategies”, Copenhagen: WHO Regional
Publication, European Series n.º 72.
SALTMAN, Richard B., FIGUERAS, J. and SAKELLARIDES, Constantino, (ed.)
(1999), “Critical Challenges for Health Care Reform in Europe”, European
Healthcare Managment Association's Baxter Award.
SALTMAN, Richard B. (1994), “Patient choice and patient empowerment in Northern
European Health Systems: a conceptual framework”, International Journal of
Health Services, 24 (2), pp. 201-229.
SALTMAN, Richard B. and VON OTTER, Casten (1992), “Planned markets and
public competition”. Buckingham, Philadelphia: Open University Press;
SANTOS, Boaventura de Sousa (1998), “A Reinvenção Solidária e Participativa do
Estado”, Coimbra, Centro de Estudos Sociais, Faculdade de Economia da
Universidade de Coimbra.
SANTOS, Ricardo A. S. (1999), “A Contratualização – Uma Avaliação aos Projectos
Específicos –1997/1998”, Dissertação do XXVII Curso de Administração
Hospitalar, Lisboa, ENSP/UNL.
SAVAS, Serdar (2000), “MACH – A Methodology for Analysing Contracting in Health
Care”, WHO, Copenhagen.
SAVAS, Serdar; SHEIMAN, Igor; TRAGAKES, Ellie and MAARSE, Hans (1999),
“Contracting models and provider competition” in SALTMAN, Richard B.,
FIGUERAS, J. and SAKELLARIDES, C. (ed.) Critical Challenges for health
care reform in Europe, Winner of the European Healthcare Managment
Association's Baxter Award, pp. 157-178, Open University Press, Buckingham,
Philadelphia.
SAVAS, Serdar and TRAGAKES, E. (1995), “Contracting as a tool for implementing
public health policy in health care”, WHO Regional Office for Europe
SCHNEIDER, M., DENNERLEIN, Rudolf K.-H., KÖSE, Aynur and SCHOLTES, Léa
(1992), “Health Care in the EC Member States”, Amsterdam, Elsevier.
Tese
283
Bibliografia e documentação
SCHUMPETER, J. (1943), “Capitalism, Socialism and Democracy”, New York, Harper
and Row.
SELLTIZ, Claire, WRIGHTSMAN, Lawrence and COOK, Stuart (1986), “Research
Methods in Social Relations”, (4th edition), New York: Holt, Rinehart and
Winston Publishers.
SEN, Amartya (1970 a), “Collective Choice and Social Welfare”, North Holland,
Amsterdam, Ch. 3.
SEN, Amartya (1970 b), “The Impossibility of a Paretian Liberal”, Journal of Political
Economy, 78, pp. 152-157
SEN, Amartya (1982), “Choice, Welfare and Meassurement”, Massachusetts:
Black-Well and MIT Press.
SHEIMAN, Igor and WASEM, Jürgen (2002), “Regulating the entrepreneurial
behaviour of third-party payers in health care”, FIGUERAS, Josep, MCKEE,
Martin, MOSSIALOS, Elias and SALTMAN Richard, editors. Regulating
entrepreneurial behaviour in European health care systems, European
Observatory on Health Care Systems, Open University Press, Buckingham,
Philadelphia.
SHIRLEY, M. (1998 a), “Performance Contracts: A Tool for Improving Public
Services” in Robert Picciotto and Eduardo Wiesner, eds. “Evaluation and
Development. The Institutional Dimension”, New Brunswick: Transaction
Publishers.
SHIRLEY, M. (1998 c), “Why Performance Contracts for State-Owned Enterprises
Haven’t Worked”, The World Bank Group, Public Policy for the Private Sector,
Note Nº 150, August 1998, pp. 37 - 40
SHIRLEY, M. and XU, Colin (1998 b), “Information, Incentives, and Commitment: An
Empirical Analysis of Contracts between Government and State Enterprises”,
Journal of Law, Economics, and Organization, Vol. 14, No. 12, pp. 358 - 378.
SILVA, Augusto Santos e PINTO, José Madureira (1997), “Metodologia das Ciências
Sociais”, 9ª ed., Porto, Edições Afrontamento, trad. SIMON, Herbert, A. (1982),
“Models of bounded rationality”, Vol. 1 e 2. Cambridge, Mass.: MIT Press.
SIMON, Herbert, A. (1982), “Models of bounded rationality”, Vol. 1 e 2. Cambridge,
Mass.: MIT Press.
SMITH, Adam (1987) “An Inquiry into the Nature and Causes of the Wealth of
Nations”. The Glasgow Edition of the Works of Adam Smith edited by A.S.
Skinner and others (Oxford, Clarendon Press).
SOLON Consulting Group, Ltd. (1990), “Development of a Regional Capitation Model
for the Allocation of Resources to Portugal Hospitals - Proposal”, Documento
de Trabalho, Ministério da Saúde, Lisboa.
SPENDOLINI, Michael J. (2001), “The Benchmarking Book”, 2nd Edition.
AMACOM.
STEWART, David W. and SHAMDASANI Prem N. (1990), “Focus Group. Theory
and Practice”, Newbary Park, California: Sage publications.
284
Tese
Bibliografia e documentação
STEWART, J. and RANSON, S. (1994), “Management in the public domain”, D.
McKevitt and A. Lawton (Eds.), Public Sector Management. Theory, Critique
and Practice. London: Sage, pp. 54-70
STONER, James A. F., FREEDMAN, R. Edward and GILBERT, Daniel R. (1996),
“Management”, Prentice Hall International Editors, Sixth Edition.
TAYLOR-GOOBY, Peter (1991), “Social Change, Social Welfare and Social Science”,
New York, London: Harvester Wheatsheaf.
THIÉTARD, R. (1984), “La stratégie d’entreprise: formulation et mise en ouvre.”,
Paris, McGraw-Hill.
TODO BOM, Luis (1999), “A Systemic Approach to the Swot Analysis”, in Revista de
Economia e Gestão, Vol. IV – 1/1999.
TRIBUNAL DE CONTAS (1999), “Auditoria ao Serviço Nacional de Saúde”,
Relatório n.º 38/99 (relatório final) -2ª Secção, Lisboa.
UNICEF (1999), “The State of the World's Children 2000”, United Nations Children’s
Fund (UNICEF), December 1999.
URBANOS, R. y GONZÁLEZ, B (2001), “La configuración del sector sanitario en
España y sus efectos sobre la equidad”, en Fundación BBVA, Simposium sobre
la desigualdad, Argentaria.
VALA J. (1987), “Análise de Conteúdo”, in SILVA, A. S. e PINTO, J. M.,
“Metodologia das Ciências Sociais”, II Edição, Porto, Edições Afrontamento.
WALKER, Steven F. and MARR, Jeffrey W. (2001), “Stakeholder Power: A Winning
Plan for Building Stakeholder Commitment and Driving Corporate Growth”,
Perseus Publishing.
WALSH, Nicola (1997),“Total Purchasing in Berkshire: Strengthening Primary Care.”
Health Services Management Centre, University of Birmingham, Birmingham.
WALT, G. (1999), “Implementing Health Care Reform, a Framework for Discussion”.
In: Saltman, Richard B et al (Eds.). “Critical Changes for Health Care Reform
in Europe”, Open University Press. Buckingham: pp. 365 – 384 (No. 21)
WALT, G. and GILSON, L. (1994) “Reforming the health sector in developing
countries: the central role of policy analysis”, Health Policy and Planning, 9 (4),
pp. 353-370.
WATSON, Gregory H. (1994), “The Benchmarking Workbook: Adapting Best
Practices for Performance Improvement”, Productivity Press.
White paper (1989), “Working For Patients”, DoH (Department of Health) Working for
Patients.
WHO (1986), “Ottawa Charter for Health Promotion”, The first International
Conference on Health Promotion was held in Ottawa, Canada on 17-21
November, 1986.
WHO (1993), “Evaluation des récentes réformes opérées dans le financement des
services de santé - rapport d'un Groupe d'étude de l'OMS”, World Health
Organization, Genève.
Tese
285
Bibliografia e documentação
WHO (1997 a), “Performance-related payment systems for providers”, In World
Health Organization: European Health Care Reform. Analysis of current
strategies. WHO Regional Publication, European Series, nº 72, Copenhagen.
WHO (1997 b), “The pressure for reform”, In World Health Organization: European
Health Care Reform. Analysis of current strategies. WHO Regional Publication,
European Series, nº 72, Copenhagen.
WHO (1997 c), “Integrating reform themes”, In World Health Organization: European
Health Care Reform. Analysis of current strategies. WHO Regional Publication,
European Series, nº 72, Copenhagen.
WHO (1998 a), “Terminology – A glossary of technical terms on the economics and
finance of health services” European Observatory on Health Care Systems.
WHO Regional Office for Europe, Copenhagen.
WHO (1998 b), “The World Health Report 1998 – Life in the 21st century: A vision for
all”, World Health Organization, Genève.
WHO (1999), “Health Care Systems in Transition – Portugal 1999”, World Health
Organization, European Observatory on Health Care Systems, Copenhagen.
WHO (2000 a), “Care Systems in Transition (HiT)-template”, European Observatory on
Health Care Systems. WHO Regional Office for Europe, Copenhagen.
WHO (2000 b), “The World Health Report 2000 - Health Systems: Improving
Performance”, World Health Organization, Genève.
WHO (2003), “Strengthening health systems in developing countries. The role of
contractual arrangements in improving health systems performance”,
Fifty-Sixth World Health Assembly of World Health Organization, in
http://www.who.int/.
WILKIN, D., Hallam, L. e Dagget, M. (1992), "Measures of Need for Health Care",
Oxford University Press: Oxford.
WILLIAMSON, Oliver E. (1975), “Markets and hierarchies: Analysis and Antitrust
Implications”, New York: The Free Press.
WILLIAMSON, Oliver E. (1985), “The Economic Institutions of Capitalism: Firms,
Markets, Relational Contracting”, New York: The Free Press.
WILLIAMSON, Oliver E. (1996), “The Mechanisms of Governance”, United
Kingdom: Oxford University Press.
WILLIAMSON, Olivier E. (1995), “Organisation Theory”, Oxford University Press,
Expanded Edition, New York.
2. LEGISLAÇÃO REFERENCIADA NO TEXTO
Decreto Lei nº.10/93: Lei Orgânica do Ministério da Saúde, Diário da República, I Série
A, 12, (1993-01-15) , Ministério da Saúde (1993 a).
Decreto Lei nº.11/93: Estatuto do Serviço Nacional de Saúde, Diário da República, I
Série A, 12 (1993-01-15) 129-134, Ministério da Saúde (1993 b).
Decreto-lei 156/99: Estabelece o regime dos sistemas locais de saúde. Diário da
República 108/99 (10.05.99): 2421-4, Ministério da Saúde (1999 d).
286
Tese
Bibliografia e documentação
Decreto-Lei 157/99: Estabelece o regime de criação, organização e funcionamento dos
centros de Saúde. Diário da República 108 (Série I-A): 2424-35, Ministério da
Saúde (1999 c).
Decreto-Lei 284/99: Estabelece o regime aplicável aos centros hospitalares e grupos de
hospitais do SNS. Diário da República 172 (Série I-A): 4683-7, Ministério da
Saúde (1999 a).
Decreto-Lei 285/99: Fixa as condições em que podem ser atribuídos suplementos
remuneratórios a funcionários ou agentes do Ministério da Saúde, no âmbito do
programa para a promoção do acesso. Diário da República 172 (Série I-A):
4687, Ministério da Saúde (1999 g).
Decreto-Lei n.º 374/99, de 18 de Setembro, DR nº 219/99, série I-A. Cria os centros de
responsabilidade integrados nos hospitais do Serviço Nacional de Saúde.
Decreto-Lei n.º 54-A/2000, de 7 de Abril, DR nº 83, série I-A, 1º suplemento,
Ministério do Planeamento: Define a estrutura orgânica relativa à gestão,
acompanhamento, avaliação e controlo da execução do QCA III e das
intervenções estruturais comunitárias relativas a Portugal, nos termos do
Regulamento (CE) n.º 1260/99, do Conselho, de 21 de Junho.
Despacho nº 5804/99 (2ª serie): Programa de Promoção e Acesso, Diário da República
68/99 (22.03.1999): 4165-6, Ministério da Saúde (1999 f).
Lei nº. 32-A/2002, de 30 de Dezembro: Grandes Opções do Plano para 2003, Diário da
República, I Série A, n.º 301, de 30 de Dezembro Ministério das Finanças
(2002),.
Lei nº.48/90: Lei de Bases da Saúde, Diário da República, I Série, 195 (1990-08-24)
3 452-3 459, Ministério da Saúde (1990).
Portaria 288/99: Cria o Instituto da Qualidade em Saúde. Diário da República 288/99
(27.04.1999): 2258-60, Ministério da Saúde (1999 b).
3- SITES REFERENCIADOS NO TEXTO
http://cms.hhs.gov/default.asp?fromhcfadotgov=true
http://www.who.int/
www.centre.public.org.uk
www.ensp.pt
www.dgsaude.pt
www.independent.org/tii/forums/010516ipf2.html
www.insalud.es
www.Janelanaweb.com
www.observatory.dk
www.oecd.org
www.saudexxi.min-saude.pt
www.stw.org
www.undp.org/hdr2003/
Tese
287
Bibliografia e documentação
www.who.org
4. BIBLIOGRAFIA DE APOIO METODOLÓGICO CONSULTADA
BARNETT, Elizabeth, ARMSTRONG, Donna L. and CASPER, Michele L. (1997),
“Social Class and Premature Mortality among Men: A Method for State-Based
Surveillance”, in American Journal of Public Health, September 1997, vol. 87,
Nº 9, pp. 1521-1525.
COSTA, A. F. (1987), “A Pesquisa de Terreno em Sociologia”, em VALA J. (1987),
“Análise de Conteúdo”, in SILVA, A. S. e PINTO, J. M., “Metodologia das
Ciências Sociais”, II Edição, Porto, Edições Afrontamento.
DELBECK, André L. VAN de VEN, Andrew H. (1984), “Group Techniques for
Program Planning. A Guide to Nominal Group and Delphi Processes”, Scott
Foresman and Company.
EGGER, M., DAVEY Smith G. and PHILLIPS A. N. (1997), “Meta-analysis:
principles and procedures.” BMJ 1997; 315:1533-7.
ELLENCWEIG, Avi Yacar (1992), “Analysing Health Systems - A Modular Approach”,
Oxford Medical Publications, ”, New York, EUA, Oxford University Press.
FIGUERAS, Josep and ROBERTS, Jennifer and Sanderson, Colin (1993), “Contrating,
Planning, Competition and Efficiency, Managerial Issues in the reformed NHS”,
Ed. Malek, M et al, John Wiley and Sons, Ltd., 223-236;
FODDY, William (1999), “Como perguntar: teoria e prática da construção de
perguntas em entrevistas e questionários”, Oeiras, Celta Editora;
FORTIN, Marie-Fabienn, (1999), “Guide d'apprentissage du processus de la
recherche”, Faculté des Sciences Infirmières, Montréal.
FRADA, João José Cúcio (1995), “Guia Prático para elaboração e apresentação de
Trabalhos Científicos”, 5ª Edição, Lisboa, Edições Cosmos.
GUTIÉRREZ, Catalina, MOLINA, Carlos Gerardo and WULLNER, Andrea (1995),
“Las Formas de Contratación entre Prestadores y Administradoras de Salud.
Sus perspectivas en el nuevo marco de la seguridad social”, Fundación Corona,
Colombia.
HORN, M. J. (1995), “The political economy of public administration: Institutional
choice in the public sector”, Cambridge, UK: Cambridge University Press.
JESUÍNO, J.C. (1996), “Imagens e contextos da ciência”. In M. E. Gonçalves (Ed.)
Ciência e democracia (pp.171-198). Lisboa: Bertrand Editora.
JOHNSON, R. A. and WICHERN, D. W. (1988), “Applied Multivariate Statistical
Analysis”, 2ª ed., Prentice Hall.
JOLLIFFE, I. T. (1986), “Principal component Analysis”, Springer-Verlag, Springer
Series Statistics.
KRZANOWSKI, W., J. (1988), “Principles of Multivariate Analysis – A User’s
Perspective”, Oxford Science Publications.
MILES, Matthew B. and HUBERMAN, A. Michael (1984), “Qualitative data Analysis.
A sourcebook of New Methods”, Sage Publications, London.
288
Tese
Bibliografia e documentação
MOHER, D., COOK, D. J., EASTWOOD, S., OLKIN, I., RENNIE, D. and STROUP,
D. F. (1999), “Improving the quality of reports of meta-analyses of randomised
controlled trials: the QUOROM statement. Quality of Reporting of Metaanalyses.” Lancet 1999 Nov 27; 354 (9193):1896-900.
MORRISON, D. F. (1990), “Multivariate Statistical Methods”, 3ª ed., McGraw-Hill,
Statistical Series.
OSBORNE, David and GAEBLER Ted (1993), “Reinventing Government: How the
Entrepreneurial Spirit is Transforming the Public Sector”, Addison-Wesley,
Reading, MA.
PEREIRA, Paulo Trigo, (1997), “A teoria da escolha pública: uma abordagem
neo-liberal?”, in Análise Social, vol. XXXII (141), p. 419-442.
PESTANA, M. H. and GAGEIRO, J. N. (1998), “Análise de Dados para Ciências
Sociais: a complementaridade do SPSS”, Lisboa: Edições Sílabo.
PINTO, Carlos Gouveia (1995), “Competition in the Health Care Sector and Welfare”,
Lisboa, APES.
PORTEOUS, David (1996), “Methodologies for needs assessment”, in “Needs
assessments in public police”, pp. 32- 46, Buckingham - Philadelphia, Open
University Press.
PROPPER, Carol (1995), “Agency and Incentives in the NHS Internal Market”, in Soc.
Sci. Med., Vol. 40, No. 12, pp. 1683-1690.
RAFTERY, J. and ROBISON, J. (1998), “Contracting by Total Purchasing Sites”,
Working Paper, Total Purchasing National Evaluation Team. King’s Fund,
London.
RAFTERY, J. et al, (1996), “Contracting in the NHS Quasi Market”, Health
Economics, July/August 1996.
RANADE W. (ed.) (1998), “Competition and Health Care Reform in the Netherlands”
in “Markets and Health Care”, Addison Wesley Longman, Harlow, UK.
REIS, Elizabeth (1993), “Análise factorial das componentes principais: um método de
reduzir sem perder informação”, Lisboa, 2ª Edição Giesta, ISCTE.
REIS, Elizabeth (1997), “Estatística Multivariada”, Lisboa: Edições Sílabo.
RENCHER, A. C. (1995), “Methods of Multivariate Analysis”, John Wiley.
RETO, Luís e NUNES, Francisco (1999), “Métodos como estratégia de pesquisa Problemas tipo numa investigação”, in Revista Portuguesa de Gestão, 1, 21-32;
RETO, Luís e NUNES, Francisco (2001), “Elaboração de Teses - Linhas
orientadoras”, Lisboa: ISCTE;
SACKS, H. S., BERRIER, J., REITMAN, D., ANCONA-BERK, V. A. and
CHALMERS, T. C. (1987), “Meta-analyses of randomized controlled trials” N.
Engl J Med 1987; 316: 450-5.
STRAUSS, Anselm and CORBIN, Juliet (1990), “Basics of Qualitative Research
Grounded Theory Procedures and Techniques”, Sage Publications, London.
Tese
289
Bibliografia e documentação
VERHAGEN, A.P., VET, H.C.W., BIE, R.A., KESSELS, A.G.H., BOERS, M.,
BOUTER L.M. and KNIPSCHILD, P.G. (1998), “The Delphi List: a criteria list
for quality assessment of randomized clinical trials for conducting systematic
reviews developed by Delphi Consensus”, J Clin Epidemiol., 51:1 235-41.
WALT, G. (1998), “Handbook of Public Health Methods”, McGraw-Hill, Sydney, pp.
3-5 and pp.48-59(N.º 4).
290
Tese