Ó Corpo, suspende o teu voo!

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Ó Corpo, suspende o teu voo!
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Ó Corpo, suspende o teu voo!1
“Ó Tempo, suspende o teu voo!”2
A ciência faz o que pode para evitar o inevitável. Assim mesmo, antes que “a máquina”
quebre de vez, é preciso mantê-la. Vamos falar de alguns mecanismos essenciais com
os melhores especialistas.
Nicole Pénicaut e Eve Roger
Tradução de Suely Aparecida Tonarque(*)
A pele
Não é uma certeza, mas a gente pensa que ela está programada para viver
150 anos. Não parece, mas não se morre nunca do envelhecimento da pele. É
um organismo hiper-resistente. Entretanto, o tempo não lhe dá trégua. O que
vai acontecer à pele é, infelizmente, bastante previsível. Começa sem alarde a
partir de trinta anos. Rugas de expressão e pés de galinhas aparecem 10 anos
mais tarde.
Aos 50 anos, vem o queixo duplo, e as “pregas” se acrescentam em torno da
boca. Ficando cada vez mais fina, a pele perde a sua firmeza e por volta dos
60 anos, as pálpebras ficam caídas e a pele perde a sua vivacidade. Essas são
as más notícias. Mas também há boas notícias. Nestes últimos 20 anos, os
pesquisadores fizeram grandes progressos. Trabalhando com eles, a indústria
dos cosméticos começa a “oferecer” certos produtos com eficácia comprovada.
Bem comportadas, as nossas células se renovam constantemente. Entretanto,
com a idade, elas não conseguem acompanhar o ritmo acelerado de sua
1
Artigo publicado na revista francesa Le Nouvel Observateur, No 2400 du Jeudi 24 novembre
2010. http://www.madeinpresse.fr/le-nouvel-observateur-n2400-617299.html.
2
Verso do poema Le Lac (O Lago) do poeta francês Alphonse de Lamartine (1790-1869).
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destruição. Há esperanças nas células troncos, com sua capacidade de
proliferação ilimitada, que uma vez identificadas, poderiam substituir as células
gastas. Por enquanto, Patricia Rousselle e sua equipe do Instituto de Biologia e
de Química de Lyon (CNRS) trabalham sobre outras pistas promissoras. Com
os primeiros resultados que cada um de nós já pode ter acesso.
A ideia é a seguinte: no percurso do envelhecimento, a aderência de uma
célula ao corpo torna-se mais frágil. Não tão bem ligada a seu suporte, ela
capta mal os sinais que lhe indicam um ferimento a ser reparado. Isso explica
porque as pessoas velhas têm tanta dificuldade para cicatrização. Mas “nós
achamos um componente ativo, uma proteína, que permite restabelecer as
conexões”. A partir disso, os laboratórios de Anjou fizeram um creme de
cuidados que, segundo Patricia Rousselle, age sobre a regeneração da pele.
Agora, as grandes marcas contratam também bioquímicos reputados como
Paolo Giacomoni, diretor de pesquisa na empresa Clinique (Estée Lauder), que
produzem cremes de cuidados antienvelhecimento, quimicamente mais
sofisticados. Hoje, as proteínas da pele estão identificadas e o papel de cada
uma (hidratação, elasticidade, etc.) é bem conhecido. “Enquanto há cinco ou
seis anos atrás elas só serviam para uma boa hidratação, hoje elas trazem
ingredientes realmente ativos”, observa Patricia Rousselle.
Resultado: elas entram em concorrência com a cirurgia estética. O “Repairwear
Laser Focus” do laboratório Clinique permitiria às mulheres, e também aos
homens, economizarem algumas sessões de laser, com quase o mesmo
resultado (63%), mas sem o lado abrasivo. “Vinte anos de pesquisa em nossos
laboratórios nos permitiram patentear três enzimas de reparação do DNA”, diz
Paolo Giacomoni em relação ao seu novo “soro”. Esta palavra dá uma
conotação médica, e todas as grandes marcas têm utilizado este linguajar. Por
exemplo, a Givenchy e seu “Vax’in for youth” ou seja, “vacina
antienvelhecimento”. Vacina contra envelhecimento? Podemos duvidar.
Diminuindo as rugas do tempo? Sim.
A prevenção: Fugir do sol. Comparando com os raios ultravioletas, é pequena a
responsabilidade da idade no envelhecimento de nossa pele. “O bronzeamento
é sinal que a pele se estressa”, explica Paolo Giacomoni. É necessário também
esfoliar a pele de vez em quando para ajudar as células velhas a saírem.
Diversos cremes contêm ácidos ativos de frutas ou de plantas que contribuem,
mais ou menos, para isso. É preciso fazer também hidratação. Um imenso
número de cremes tem esse objetivo com resultados comprovados, pelo
menos na parte periférica da pele. É necessário também alimentar-se com
antioxidantes que são as frutas e legumes pois, atualmente, a eficácia dos
cremes contendo vitaminas é aleatória. Esses tipos de cremes funcionam para
as vitaminas C e A (o retinol), mas não muito para a vitamina E.
Os olhos
A vista cansada e a catarata são os mais fieis companheiros para quem tem
acima de 50 anos. Porém, podem ser corrigidos sem alardes com óculos ou
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lentes de contato para a vista cansada, e com uma banal intervenção cirúrgica
para a catarata. E uma operação para a vista cansada está sendo pesquisada.
Mais problemática é a degenerescência macular associada à idade, e tudo
depende a que estado se começa o tratamento. Uma pigmentação da mácula,
a zona central da retina, é um primeiro sinal, mas “não é necessário afobar-se”,
explica José-Alain Sahel, chefe do serviço do hospital dos Quinze-Vingts e
diretor do Instituto da Visão. Este é o momento de colocar óculos protetores e
de tomar um coquetel antioxidante. Pode-se assim diminuir a evolução da
doença em 20%.
Depois disso, torna-se mais difícil: a degenerescência macular pode adquirir
uma forma “úmida” que se inicia com uma deformação de imagem. Depois, a
visão vai se enfraquecendo em alguns dias. Em geral, o outro olho é atingido
nos próximos cinco anos. “Existe agora um tratamento eficaz”, explica JoséAlain Sahel. “Em 90% dos casos, ele estabiliza a visão e esta até melhora
ligeiramente para um terço dos doentes”. Em compensação, para a segunda
forma, chamada seca, “ainda não existe tratamento apesar de novos
medicamentos serem testados. Não se deve perder a esperança: somente a
visão central é atingida. Fica a visão periférica. Fica possível ler letras grandes
com a ajuda de sistemas de lupas, assim como sair de casa, mas não vai
necessariamente reconhecer seus amigos na rua”.
A prevenção: “A partir de 45 anos, é normal ir a um oftalmologista a cada dois
ou três anos”, insiste José-Alain Sahel. O diagnóstico precoce é essencial no
caso da degenerescência macular que atinge 1% das pessoas com 55 anos,
10% com 65 anos, 25% com 75 anos e 60% com 90 anos. Também é
recomendado proteger os olhos da luz e isso, desde a infância, “pois os olhos,
antes dos 10 anos de idade, não filtram os raios ultravioletas que são um
acelerador da doença”. Além disso, não fumar. “O tabaco aumenta o risco
mesmo se duas entre três pessoas são geneticamente predispostas”. Também,
cuidar da alimentação. No menu, não devem faltar peixes, frutas e legumes.
A audição
Na França, há cerca de 5 milhões de surdos. Sejamos claros: essas pessoas
com mais de 60 anos são vítimas de perdas auditivas, mais ou menos
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importantes, que interferem na vida cotidiana. A causa? Neurônios estragados
e células sensoriais tão abaladas que acabam se partindo. Pior, elas têm
dificuldades para regenerar-se, pois elas são poucas - 10.000 em cada ouvido
(contra 100 milhões na retina).
“Os sons intensos são provavelmente responsáveis pela metade das perdas
auditivas”, indica Paul Avan, professor de biofísica da Universidade de
Clermont-Ferrand. E a outra metade? Genes “malvados” que os cientistas
estão tentando identificar, e produtos químicos encontrados no meio ambiente.
A perda é irreversível, mas as próteses são cada vez mais eficientes.
A prevenção: Um estudo dos anos 1950 mostrou que as pessoas com mais de
80 anos podem ter uma audição perfeita, somente se viverem em lugares sem
barulho. Não vamos propor aqui um retiro num lugar isolado ou num convento,
mas sugerimos cuidar dos seus ouvidos. “E isso, desde a infância”, previne
Paul Avan. “Paga-se o preço de uma exposição a ruídos às vezes muito tempo
depois”. As normas profissionais foram fixadas a 80 decibéis por dia durante 8
horas, mas um banal fone de ouvido sobre as orelhas atinge sem problema
esse nível fatídico. Gordura no corpo sob qualquer forma pode prejudicar o
ouvido interno. “A gordura tende a entupir os pequenos vasos sanguíneos que
o alimentam”. Cuidado com os produtos tóxicos presentes em algumas pinturas
industriais! “As moléculas que elas contêm são solúveis em gordura e elas
podem ficar muito tempo no corpo”. Último conselho: não hesitar para usar
aparelho. “Quanto maior a demora, mais se perde o costume de ter uma
audição normal, e a vida social que vai junto”.
A voz
Com a idade, tudo se deteriora. Para a mulher, a voz torna-se mais grave. Para
o homem, a voz fica mais aguda. O timbre torna-se mais rouco e a intensidade
diminui. A culpa é das duas cordas vocais. Quando tudo vai bem, eles se
tocam. Mas, como são músculos, elas têm tendência a “derreter” com o tempo.
Resultado: uma voz “soprada”, um tremor e às vezes o famoso som de cabra.
A menopausa intervém também. Com a queda do nível do estrogênio, as
cordas vocais são menos lubrificadas e, portanto, as vibrações ficam de menor
qualidade. “Mas não é obrigatório. Existem cantores que ainda têm uma voz
perfeita aos 90 anos”, acrescenta Pierre-Olivier Védrine, médico otorrino e
cirurgião das patologias da voz no hospital de Cannes.
Aqueles que não têm a sorte de serem músicos podem fazer uma cirurgia
plástica! “Pode-se colocar colágeno nas cordas vocais para recuperar o volume
a fim que elas se encaixem melhor”, explica Pierre-Olivier Védrine, “ou fazer
um lifting para aquelas inchadas por um edema devido ao tabaco. Isso é
bastante simples. Realiza-se uma incisão, retira-se o edema, aspira-se,
recupera-se e se fecha!”.
Porém, a mecânica não é tudo. O ambiente social e cultural tem também o seu
papel. “A voz das mulheres de hoje modifica-se com o tempo menos do que
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trinta ou quarenta anos atrás, pois elas são mais ativas e têm uma vida social
mais intensa”. Parece uma tendência da moda: a tonalidade da voz dessas
mulheres geralmente abaixou. “Atualmente, uma voz grave está associada à
sensualidade. Nenhuma mulher hoje suportaria ter a voz aguda das antigas
atrizes”.
A prevenção: Isto é simples. Para manter seu órgão em boa condição, é
preciso falar, falar e falar. Manter a sua capacidade respiratória com o exercício
físico, e a sua capacidade pulmonar com o canto ou fazendo teatro, útil para
fazer vibrar as cordas vocais. Frequentar um fonoaudiólogo para reeducação e
não negligenciar seu dentista! “O som ressoa na boca e é a forma dela que dá
a cor definitiva à voz”, explica Pierre-Olivier Védrine. Moral da história: melhor
cuidar de seus dentes. Também, o tabaco não é um bom companheiro.
Controlar o cigarro é uma boa ideia, a não ser que você queira ter uma voz
muito grave.
Os músculos
Boas notícias: os 600 e mais alguns músculos - a metade da nossa massa
corporal - produzem força e movimento, mas não é só isso. Eles servem
também para produzir hormônios, justamente aqueles que diminuem com a
idade e que permitem a manutenção geral do organismo.
Más notícias: eles começam a envelhecer cedo, muito cedo. “A partir dos 30
anos, perde-se massa muscular e força”, confirma Vincent Mouly, diretor de
pesquisa do CNRS e pesquisador no Instituto de Miologia. Essa triste
perspectiva vale para todos nós. Mas até agora, nada grave. Em
compensação, o envelhecimento acelerado dos músculos é uma doença, a
sarcopenia.
Na faixa de 50-60 anos, o exercício físico pode melhorar as coisas, mas
depois, entre 70 e 80 anos, é quase impossível recuperar-se. “As pesquisas
atuais levam a associar exercícios físicos com remédios ligados aos fatores de
crescimento”, explica Vincent Mouly. “Esse coquetel pode ter efeitos
espetaculares. Já se vê isso com os atletas dopados. A massa muscular deles
é fantástica!”.
O problema é que essas substâncias milagrosas são vendidas livremente na
Internet. “É um perigo evidente”, previne o pesquisador. “É necessário saber
dosá-las, saber com que tipos de exercícios elas são compatíveis, conhecer
seus efeitos em longo prazo [...]”.
No futuro, os pesquisadores esperam restabelecer a massa muscular dos
doentes de miopatias e das pessoas idosas imobilizadas depois de uma
operação. “Podem imaginar o extraordinário ganho de tempo de recuperação e
consequentemente, o ganho financeiro para a sociedade?”.
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A prevenção: Esta é uma banalidade mas deve ser repetida sempre: é
indispensável fazer exercícios físicos regulares e moderados, e isso desde os
30 anos.
Os ossos e as articulações
Isso não vai surpreender ninguém: com a idade,
ossos e cartilagens perdem progressivamente
suas qualidades e se atrofiam, sobretudo depois
da menopausa para as mulheres, e um pouco
mais tarde para os homens. A artrose é uma
verdadeira doença da cartilagem: as articulações
envelhecem em velocidade acelerada.
Felizmente, existem as próteses de joelho, de
anca ou de ombro. A osteoporose é um sinal de
degradação excessiva dos ossos que tendem a
quebrar mais rápido. “Os ossos quebram porque
estão frágeis e não pelo tombo em si”, insiste
Christian Roux, professor de reumatologia do
hospital de Cochin - 40 % das mulheres na
menopausa estão expostas ao risco, e um homem
na proporção de 3 ou 4 mulheres.
Ao contrário da artrose, existe um tratamento
médico, mas “não basta dar medicamentos,
também é necessário tomar cuidado com os
possíveis tombos, em particular dentro de casa:
poças de água, tapetes, fios elétricos expostos”.
A prevenção: “Se o seu estado geral de saúde é
bom, não precisa se preocupar antes dos 50
anos”, aponta Christian Roux. Em compensação,
uma doença crônica pode fragilizar os ossos.
Também não é bom sinal ter um parente que teve
uma fratura devida à osteoporose”. Isto é, ter uma
mãe que fraturou o colo do fêmur por exemplo.
Depois dos 50 anos, pode-se agir sobre alguns
fatores de risco tais como “estar muito magro e ter
comportamento anoréxico e, para os homens,
fumar ou alcoolismo. Numerosos estudos
epidemiológicos têm evidenciado o efeito tóxico do
tabaco sobre os ossos”. Claro que não se deve
negligenciar o exercício físico. É importante praticar um esporte em que o
esqueleto suporta a carga do corpo: melhor tênis ou corrida do que natação ou
bicicleta.
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*Artigo assinado por Nicole Pénicaut e Eve Roger, publicado
na revista francesa Le Nouvel Observateur, No 2400 du Jeudi
24 novembre 2010.
http://www.madeinpresse.fr/le-nouvel-observateur-n2400617299.html.
_________________________
(*) Suely Aparecida Tonarque (tradução) - Psicóloga. Mestranda em
Gerontologia pela PUC-SP. Pesquisadora do tema “Envelhecimento e sua
relação com o vestir”. E-mail: [email protected]
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