l`o sse rvator e romano - Paróquia Nossa Senhora da Conceição

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l`o sse rvator e romano - Paróquia Nossa Senhora da Conceição
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Preço € 1,00. Número atrasado € 2,00
L’OSSERVATORE ROMANO
EDIÇÃO SEMANAL
Unicuique suum
Ano XLVII, número 15 (2.409)
EM PORTUGUÊS
Non praevalebunt
Cidade do Vaticano
quinta-feira 14 de abril de 2016
Exortação apostólica «Amoris laetitia» fruto dos sínodos sobre a família convocados em 2014 e 2015
Alegria do amor
«Reafirmar com vigor não o “ideal”
da família, mas a sua realidade rica e
complexa» para refletir «sobre o
amor na família» juntamente com as
mulheres e os homens do nosso tempo. Com esta finalidade o Papa assinou no dia 19 de março, solenidade
de são José, a exortação apostólica
pós-sinodal «Amoris laetitia». Apresentado na manhã de 8 de abril, na
Sala de imprensa da Santa Sé, o
muito esperado documento usa a
linguagem da experiência oferecendo um olhar amplo, profundamente
positivo, que se nutre não de abstra-
ções nem de projeções ideais, mas de
uma atenção pastoral à realidade.
Leitura intensa com muitas indicações espirituais e de sabedoria práti-
ca, úteis para todos os casais ou pessoas que desejam construir uma família, a exortação é também fruto de
experiências concretas com pessoas
Para o bem
de todos
GIOVANNI MARIA VIAN
Desde há tempos um texto papal
não suscitava tanta expectativa
como aquele que agora é o fruto
maduro e suculento do caminho
empreendido sobre a família, já a
partir do primeiro ano do pontificado de Francisco. E o longuíssimo documento não desilude as
expectativas, por amplidão, unanimidade e linguagem: todos elementos que concorrem para a sua
novidade de fundo, na continuidade vital da tradição cristã, sobre um tema que interessa não
apenas aos católicos. Além disso,
é a primeira vez que se reúnem
num único texto as linhas, expressas pela vastíssima maioria,
de duas assembleias sinodais, por
sua vez preparadas com amplas
consultas e depois continuadas no
arco de um ano.
A finalidade da exortação sobre
a «alegria do amor» é frisada pelo próprio Pontífice no brevíssimo quirógrafo, escrito inteiramente à mão, que a acompanha e onde se lê que o texto é «para o
bem de todas as famílias e de todas as pessoas, jovens e idosas».
A circunstância é inusual e confirma mais uma vez como Francisco, Papa missionário, tem a peito
a realidade humana das famílias.
É um dado de facto multiforme,
diante do qual precisamente «a
partir das reflexões sinodais não
permanece um estereótipo da família ideal», mas sim um verdadeiro «mosaico», formado preci-
Wayne Potrafka, «Alegria»
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Renovado apelo do Papa para abolir a pena de morte
Francisco vai a Lesbos
Não-violência como arma de paz
Solidariedade
e proximidade
Capazes de fitar nos olhos
Senhor Cardeal!
Sinto-me feliz por transmitir a minha cordial saudação a Vossa Eminência e a todos os participantes na
Conferência que se realiza em Roma
de 11 a 13 de abril sobre o tema:
«Nonviolence and Just Peace: Contributing to the Catholic Understanding of and Commitment to Nonviolence».
Tal encontro, organizado conjuntamente pelo Pontifício Conselho
«Justiça e Paz» e pelo Movimento
Pax Christi, assume um caráter e um
valor totalmente particulares no Ano
Jubilar da Misericórdia. Com efeito,
a misericórdia é «fonte de alegria,
serenidade e paz»1, uma paz antes
de tudo interior que nasce da reconciliação com o Senhor2. Contudo, é
inegável que também as circunstâncias, o momento histórico, no qual
tal Conferência se realiza, por um
lado enchem-na de expectativas e,
por outro, não podem deixar de ser
consideradas nas reflexões dos participantes.
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Audiência jubilar sobre a esmola
que sabem o que significa a família
e a convivência por muitos anos.
Ampla e articulada, a «Amoris
laetitia» está subdividida em nove
capítulos e mais de trezentos parágrafos, que contêm os resultados de
dois sínodos sobre a família convocados pelo Papa Francisco em 2014 e
2015. Com efeito, os relatórios conclusivos das duas assembleias são
amplamente citados, juntamente
com documentos e ensinamentos
dos seus predecessores e numerosas
catequeses do Pontífice sobre a família. E, como já aconteceu noutras
circunstâncias, o Papa utiliza também os contributos de várias conferências episcopais dos cinco continentes e citações de personalidades
como Martin Luther King ou Erich
Fromm, da poesia latino-americana e
do mundo cinematográfico, como
quando Francisco cita o filme A festa
de Babette, para explicar o conceito
de gratuitidade.
Particularmente significativa a premissa de «Amoris laetitia», explicitada nos sete parágrafos introdutórios,
que evidencia a consciência da complexidade do tema e o aprofundamento que requer.
O apelo ao «testemunho ativo da nãoviolência como “arma” para obter a
paz» foi relançado por Francisco na
seguinte mensagem enviada a 11 de
abril aos participantes numa
conferência promovida pelo Pontifício
Conselho «Justiça e Paz» e pelo
movimento Pax Christi.
A
11
Francisco irá sábado 16 de abril a
Lesbos «para manifestar proximidade e solidariedade» aos refugiados, aos cidadãos e a todo o povo
grego «tão generoso no acolhimento». Ao anunciá-lo o Pontífice — que durante a visita será
acompanhado pelo patriarca de
Constantinopla Bartolomeu e pelo arcebispo de Atenas e de toda
a Grécia, Jerónimo — pediu aos
fiéis presentes na audiência geral
de quarta-feira 13 para o acompanhar «com a oração».
O Papa falou da sua iminente
viagem saudando os numerosos
grupos presentes na praça de São
Pedro, depois de ter proferido a
catequese dedicada ao episódio
evangélico da chamada de Mateus, o qual sendo «um publicano» era considerado «pecador
público». Não obstante tudo, Jesus não hesita em visitá-lo na sua
casa e sentar-se à sua mesa, suscitando discussões entre os fariseus.
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E
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L’OSSERVATORE ROMANO
página 2
quinta-feira 14 de abril de 2016, número 15
Um sinal na montanha
Prefácio do Papa ao livro «Tibhirine. L’héritage»
inguém tem maior amor
do que aquele que dá a
sua vida pelos seus amigos» (Jo 15, 13).
Christian de Chergé e os seus
companheiros escolheram viver de
modo simples a sua vocação contemplativa naquela região bela e árida do Atlas argelino. Os monges estavam presentes em Tibhirine desde
1938, mas o mosteiro era frágil: eram
«hóspedes» da casa do islão, trabalhavam a terra e partilhavam a vida
pobre dos camponeses. Os irmãos
levavam uma vida comunitária simples, totalmente dedicada a Deus
que os unia. Na sua capela, o louvor
da oração elevava-se sete vezes por
dia.
Raptados na madrugada entre 26
e 27 de março de 1996, os sete monges de Tibhirine foram assassinados
depois de longos dias de sequestro,
vítimas da luta fratricida que dilace-
rava o país. Mas os assassinos não
usurparam a vida deles, que a doaram em antecipação, precisamente
como os outros doze religiosos e religiosas, entre os quais o nosso irmão bispo Pierre Claverie, assassinado na Argélia naqueles anos obscuros.
Não fugiram diante da violência:
combateram-na com as armas do
amor, do acolhimento fraterno, da
oração comunitária. Instrumento de
paz, de diálogo e de amizade, os
monges responderam desta forma ao
convite dirigido por são João Paulo
II aos bispos do Magrebe durante a
sua visita ad limina em 1986: «Viveis
aquilo que o Concílio disse da Igreja. Ela é um sacramento, isto é, um
sinal, e não se pede a um sinal que
faça número». Pequena Igreja orante
no meio de um povo de orantes, os
monges foram um sinal na montanha.
Os irmãos cistercienses de
Atlas deram testemunho com
o próprio sangue, vivendo de
modo trágico esta prescrição
da regra de são Bento: que
«Cristo [...] nos guie todos
para a vida eterna» (capítulo
A 6 de abril foi lançado na França o
72). Na sua carne, venceram o
livro Tibhirine. L’héritage (Christophe
ódio no dia da grande provaHenning, Paris, Bayard, 2016, 180
ção. Mas com a sua vida inteipáginas), uma série de testemunhos de
ra foram testemunhas (mártivárias personalidades sobre os frutos da
res) do amor. E não sem difimensagem de paz e convivência entre
culdades: «Oferecemos o noscristianismo e islão dos sete monges
so coração a Deus a granel, e
trapistas, raptados e assassinados na
já nos custa muito que no-lo
Argélia em 1996. Publicamos o prefácio
arrebate a retalho», afirmava o
do Papa Francisco, datado de 2 de
janeiro, e o posfácio de François Cheng.
padre Christian de Chergé,
«N
prior da pequena comunidade. Isto
não se refere só aos monges e monjas: todos nós somos chamados a
dar a nossa vida diária em família,
no trabalho, na sociedade, ao serviço
da «casa comum» e do bem de todos.
Depois de vinte anos da sua morte, somos convidados a ser por nossa
Com os monges
Vinte anos depois
Os irmãos de Notre-Dame de l’Atlas
Irmão Christian (Christian de Chergé), 59 anos, prior do mosteiro de
Notre-Dame de l’Atlas. Chegou a
Atlas em 1971. Assassinado a 21 de
maio de 1996.
Irmão Christophe (Christophe Lebreton), 45 anos, vice-prior e mestre
dos noviços. Entrou na abadia de
Tamié em 1974, chegou à Argélia em
1987. Assassinado a 21 de maio de
1996.
Irmão Luc (Paul Dochier), 82
anos, médico. Entrou na abadia de
Aiguebelle em 1941, chegou à Argélia em 1946. Assassinado a 21 de
maio de 1996.
Irmão Michel (Michel Fleury), 52
anos. Entrou na abadia de Bellefontaine em 1980, chegou a Tibhirine
em 1984. Assassinado a 21 de maio
de 1996.
Irmão Bruno (Christian Lemarchand), 66 anos, superior da casa
anexa de Marrocos. Entrou na abadia de Bellefontaine em 1981, chegou
à Argélia em 1989, foi a Fez em 1991.
Assassinado a 21 de maio de 1996.
Irmão Célestin (Célestin Ringeard), 62 anos. Entrou na abadia
de Bellefontaine em 1983, chegou à
Argélia em 1986. Assassinado a 21 de
maio de 1996.
Irmão Paul (Paul Favre-Miville),
57 anos, entrou na abadia de Tamié
em 1984, chegou a Tibhirine em
1989. Assassinado a 21 de maio de
1996.
Irmão Amédée (Jean Noto), 19202008, entrou no mosteiro de Tibherine em 1946. Conseguiu escapar ao
rapto de 1996, vivendo em seguida
na Argélia e em Midelt. Faleceu a 27
de julho de 2008 em Aiguebelle
(D rôme).
Irmão Jean-Pierre (Jean-Pierre
Schumacher) nasceu em 1924, entrou
na abadia de Timadeuc em 1957,
chegou a Tibhirine em 1964. Escapou ao rapto de 1996 e continua a
sua vida monástica em Midelt, Marrocos.
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GIOVANNI MARIA VIAN
diretor
Giuseppe Fiorentino
vice-diretor
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www.osservatoreromano.va
Redação
via del Pellegrino, 00120 Cidade do Vaticano
telefone +390669899420
fax +390669883675
vez sinais de simplicidade e de misericórdia, no exercício diário do dom
de nós mesmos, seguindo o exemplo
de Cristo. Não há outro modo de
combater o mal que tece a sua tela
no nosso mundo. Em Tibhirine vivia-se o diálogo da vida com os muçulmanos; nós, cristãos, queremos ir
ao encontro do outro, seja ele quem
for, a fim de promover
a amizade espiritual e
o diálogo fraterno que
poderão vencer a violência. «Para conquistar o coração do homem, é preciso amar»,
confidenciava o irmão
Christophe, o mais jovem da comunidade.
Eis a mensagem que
podemos conservar no
coração. É simples e
grande:
seguir
o
exemplo de Jesus, fazer da nossa vida um
«amo-te».
FRANÇOIS CHENG
Quando acontece algo de terrível,
que nos arrebata da nossa vida de
trabalho e de oração, podemos ficar surpresos? Esperávamos isto há
muito tempo. Esperávamos, mas
não sabíamos a hora. Quando
acontece algo de terrível, deveríamos estar prontos. Estávamos?
A morte é a provação suprema;
pode ser atroz. Por mais que nos
preparemos, nunca estaremos prontos. O próprio nosso Senhor, antes
de enfrentar a cruz, porventura não
sussurrou: «agora a minha alma está perturbada»? De repente a morte diante de nós, pelas mãos de seres humanos transformados em
bestas ferozes. A morte na frente,
implacável e sem piedade.
Não escolhemos morrer como
mártires. Simplesmente escolhemos
amar. Não é a mesma coisa. E no
entanto é igual. Amar de maneira
incondicional é estar completamente desarmado, absolutamente sem
defesa.
Não escolhemos amar a vida até
ao fim. Aquele sopro que palpita
no profundo da carne, aquela incandescência que brilha no centro
da alma. Uma terra que nutre e renova os seus dons de geração em
geração, os povos que a habitam e
aspiram à harmonia. Olhares trocados, dores partilhadas, ternura infinita, ressonância sem fim.
Quanto valem estes desejos e sonhos aos olhos dos nossos carnífices? Nós que somos apenas descartes nas suas mãos. O que lhes dizem o nosso rosto e a nossa voz?
Os seus, desfigurados pelo ódio,
nada têm de humano.
TIPO GRAFIA VATICANA EDITRICE
L’OSSERVATORE ROMANO
don Sergio Pellini S.D.B.
diretor-geral
Toda a brutalidade animal recairá sobre nós. Qualquer lamentação
será inútil. Depois da marcha insuportável na madrugada sem fim;
cedimento dos nossos corpos consumidos pela sede e pela fome no
chão gelado. Antes de nos prepararmos para a morte, submetemnos a torturas horríveis, cobrindonos de injúrias e cuspos. Tudo isto
acontecerá sem testemunhas. Queimar-nos-ão para não deixar vestígio algum dos nossos corpos mutilados. Na longa expectativa, abandonados a nós mesmos, permanecemos paralisados pelo medo. Como está distante o tempo da infância e da inocência! A nossa carne
contrai-se, o nosso sangue coagulase, os nossos ossos, rígidos, estremecem-se até à medula.
Pai da misericórdia, permanecei
connosco! Nesta hora de solidão
extrema, sentimos, misturadas com
as batidas do nosso coração, as palavras do Filho: «A minha alma está triste até à morte».
«Também vós agora estais tristes.
Mas voltarei, o vosso coração alegrar-se-á. E ninguém poderá impedir-vos a vossa alegria».
Um relâmpago atravessa-nos de
um lado para o outro, pulverizando-nos. Em nós brota um clamor:
«Tudo podem contra o nosso corpo, nada podem contra a nossa alma!».
Senhor, circundada pelas trevas,
eis a nossa alma, inteira, intacta,
indivisa. Nunca ela esteve tão próxima da vossa. Do fundo do precipício terrestre eleva-se uma chama
que já alcança aquela que acendestes no primeiro dia do mundo, no
primeiro dia da Vida.
Assinaturas: Itália - Vaticano: € 58.00; Europa: € 100.00 - U.S. $ 148.00; América Latina, África,
Ásia: € 110.00 - U.S. $ 160.00; América do Norte, Oceânia: 162.00 - U.S. $ 240.00.
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número 15, quinta-feira 14 de abril de 2016
L’OSSERVATORE ROMANO
página 3
Ann Chapin
«Jesus aparece na margem»
(2015, pormenor)
surreição a quantos encontramos, sobretudo a quem sofre, aos que estão
sozinhos, a quantos se encontram
em condições precárias, aos doentes,
aos refugiados, aos marginalizados.
A todos façamos chegar um raio da
luz de Cristo ressuscitado, um sinal
do seu poder misericordioso.
Ele, o Senhor, renove também em
nós a fé pascal. Nos torne cada vez
mais conscientes da nossa missão ao
serviço do Evangelho e dos irmãos;
nos encha do seu Espírito Santo para que, amparados pela intercessão
de Maria, com toda a Igreja possamos proclamar a grandeza do seu
amor e a riqueza da sua misericórdia.
O episódio evangélico da pesca
milagrosa é um convite a experimentar
«a presença de Jesus ressuscitado» que
«transforma todas as coisas»: disse o
Papa Francisco no Regina caeli
recitado na manhã de domingo 10 de
abril na praça de São Pedro.
Amados irmãos e irmãs, bom dia!
O Evangelho de hoje narra a terceira
aparição de Jesus ressuscitado aos
discípulos, nas margens do lago da
Galileia, com a descrição da pesca
milagrosa (cf. Jo 21, 1-19). A narração é inserida no âmbito da vida
diária dos discípulos, que voltaram à
sua terra e ao seu trabalho de pescadores, depois dos dias perturbadores
da paixão, morte e ressurreição do
Senhor. Para eles era difícil compreender o que tinha acontecido. Mas,
quando tudo parecia ter terminado,
é ainda Jesus quem «procura» de
novo os seus discípulos. É Ele que
os vai procurar. Desta vez encontraos junto do lago, onde eles passaram
a noite nos barcos sem pescar nada.
As redes vazias são, num certo sentido, como que o balanço da sua experiência com Jesus: conheceram-no,
tinham deixado tudo para o seguir,
cheios de esperança... e agora? Sim,
tinham-no visto ressuscitado, mas
depois pensavam: «Foi embora e
deixou-nos... Foi como que um sonho...».
Mas eis que ao alvorecer Jesus se
apresenta na margem do lago; e eles
não o reconhecem (cf. v. 4). Àqueles
pescadores, cansados e desiludidos,
o Senhor diz: «Lançai a rede à direita do barco e achareis» (v. 6). Os
discípulos confiaram em Jesus e o
resultado foi uma pesca incrivelmente abundante. A este ponto João, dirigindo-se a Pedro, diz: «É o Senhor!» (v. 7). Imediatamente Pedro
lança-se à água e nada até à mar-
Francisco recordou que o Ressuscitado transforma tudo
Redes cheias
Apelo a favor das pessoas raptadas em zonas de guerra
gem, na direção de Jesus. Naquela
exclamação: «É o Senhor!», há todo
o entusiasmo da fé pascal, cheia de
alegria e de admiração, que contrasta em grande medida com a desorientação, o desânimo, o sentido de
impotência que se tinham acumulado no ânimo dos discípulos. A presença de Jesus ressuscitado transforma todas as coisas: a escuridão é
vencida pela luz, o trabalho inútil
torna-se de novo frutuoso e prometedor, o sentido de cansaço e de
abandono deixa lugar a um novo
impulso e à certeza de que Ele está
connosco.
A partir de então, estes mesmos
sentimentos animam a Igreja, a Comunidade do Ressuscitado. Todos
nós somos a comunidade do Ressuscitado! Se por vezes, à primeira impressão, pode parecer que as trevas
do mal e a fadiga do dia a dia têm a
supremacia, a Igreja sabe com certeza que sobre quantos seguem o Senhor Jesus já resplandece a luz da
Páscoa que não conhece ocaso. O
grande anúncio da Ressurreição infunde nos corações dos crentes uma
alegria íntima e uma esperança invencível. Verdadeiramente Cristo ressuscitou! Também hoje a Igreja continua a fazer ressoar este anúncio jubiloso: a alegria e a esperança continuam a escorrer nos corações, nos
rostos, nos gestos, nas palavras. Todos nós, cristãos, estamos chamados
a comunicar esta mensagem de res-
Concluída a décima quarta reunião
do Conselho de cardeais
Começa a ganhar forma «a proposta
global a oferecer ao Papa», pelo Conselho de cardeais, «em vista da nova
constituição apostólica»: informou o
diretor da Sala de imprensa da Santa
Sé, padre Federico Lombardi, durante
o briefing realizado no final da manhã
de quarta-feira, 13 de abril, para informar acerca da décima quarta reunião
do Pontífice com os cardeais conselheiros, que teve início na segunda-feira
11.
Na presença de oito dos nove membros (o cardeal Gracias estava ausente
por motivos de saúde) o Papa participou em todos os encontros, exceto, como de costume, no de quarta-feira de
manhã, devido à audiência geral.
Segundo quanto referido, grande
parte das consultas foi dedicada a ulteriores considerações sobre diversos dicastérios da Cúria, já objeto de reflexão: em particular as Congregações
para o culto divino, vida consagrada,
causas dos santos e doutrina da fé.
Além disso, os textos já ultimados relativos aos dois novos dicastérios, ou
seja «leigos, família, vida» e «justiça,
paz, migrações» (que inclui também
caridade e pastoral da saúde), foram
relidos e confiados ao Papa para as
suas decisões.
Falou-se também de outros assuntos, em particular dos critérios para a
recolha das informações para a nomeação dos novos bispos, à luz da sua
identidade e missão pastoral, e do significado e papel dos núncios apostólicos.
O prefeito da Secretaria para a economia, cardeal Pell, e o presidente da
Pontifícia comissão para a tutela dos
menores, cardeal O’Malley, apresentaram comunicações de atualização. Por
fim, no dia conclusivo, o conselho trabalhou para recolher, organizar e integrar as diversas contribuições emersas,
de maneira a começar a estruturar a
proposta a ser apresentada ao Papa para a reforma. As próximas reuniões durante 2016 foram estabelecidas para os
dias 6-8 de junho, 12-14 de setembro e
12-14 de dezembro.
No final da oração, antes de saudar os
grupos presentes, o Pontífice lançou um
apelo «a favor da libertação de todas
as pessoas raptadas em zonas de
conflito armado».
Amados irmãos e irmãs!
Na esperança que Cristo ressuscitado nos doou, renovo o meu apelo a
favor da libertação de todas as pessoas raptadas em zonas de conflito
armado; em particular desejo recordar o sacerdote salesiano Tom
Uzhunnalil, raptado em Aden no Iémen a 4 de março passado.
Saúdo todos vós, romanos e peregrinos provenientes da Itália e de diversas partes do mundo. E dirijo
uma saudação também aos que estão
a fazer a Maratona. Agradeço a sua
presença aos coros paroquiais, alguns dos quais prestaram serviço
nestes dias na basílica de São Pedro.
Muito obrigado!
E a todos desejo bom domingo.
Por favor, não vos esqueçais de rezar
por mim. Bom almoço e até à vista!
Mensagem vídeo do Pontífice à Rede mundial de oração
Justa remuneração
aos pequenos agricultores
«Obrigado, pequeno agricultor. O teu contributo é essencial para toda a humanidade». Começa com estas palavras a mensagem vídeo do
Papa Francisco difundida no site www.apmej.org da Rede mundial
de oração do Papa (Apostolado da oração). O Pontífice comentou
em espanhol — o vídeo tem legendas em seis línguas e está disponível no endereço www.thepopevideo.org — a sua intenção universal
para o mês de abril, dedicada aos pequenos agricultores. «Como pessoa, filho de Deus, mereces uma vida digna, mas pergunto-me: como
são compensados os teus esforços?», questiona-se o Pontífice dirigindo-se idealmente a um camponês. Enquanto passam as imagens de
vida campestre, Francisco continua, afirmando: «A terra é um dom
de Deus. Não é justo utilizá-la só para favorecer poucos, privando a
maioria dos seus direitos e benefícios». Em seguida, repetem-se imagens de labuta quotidiana nos campos e o Papa conclui: «Gostaria
que te desses conta disto e unisses a tua voz à minha nesta intenção:
que os pequenos agricultores recebam a justa remuneração pelo seu
precioso trabalho». A mensagem vídeo foi preparada, como as anteriores, pela agência de comunicação La Machi, que se ocupa da produção e distribuição, em colaboração com o Centro televisivo do Vaticano, que gravou as imagens. Contam-se atualmente mais de 7 milhões de visualizações, com uma média de mais de 125.000 pessoas
por dia, para os três vídeos temáticos já colocados na rede: o diálogo
inter-religioso (janeiro), o cuidado da criação (fevereiro) e as crianças
e as famílias em dificuldade (março).
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L’OSSERVATORE ROMANO
quinta-feira 14 de abril de 2016, número 15
O cardeal Vegliò sobre a viagem do Papa a Lesbos
NICOLA GORI
Um gesto concreto de solidariedade
e proximidade aos muitos desesperados em fuga de guerras e miséria.
Para o cardeal Antonio Maria Vegliò, é este o significado da visita
que o Papa Francisco realizará no
dia 16 de abril à ilha de Lesbos. O
presidente do Pontifício Conselho
para a pastoral dos migrantes e itinerantes falou sobre isto nesta entrevista concedida ao nosso jornal por
ocasião do encontro anual do Comité católico internacional para os ciganos (Ccit) sobre o tema: «Na encruzilhada: a Europa, as Igrejas e as
culturas face à misericórdia».
Qual foi o motivo da escolha de Francisco de ir a Lesbos?
A ilha de Lesbos, assim como
Lampedusa, já se tornou um dos
rostos da crise humanitária em ato.
Milhões de homens, mulheres e
crianças, muitas vezes sozinhos, em
fuga de guerras e perseguições políticas e religiosas, são obrigados a
empreender viagens irregulares e
dramáticas na tentativa desesperada
de se pôr a salvo e, com o desejo de
requerer asilo, chegam àquelas
praias, símbolo de esperança. A visita do Papa é um sinal concreto da
sua proximidade a migrantes e refugiados e volta a pôr em primeiro
plano o problema migratório na Europa.
Para dizer não
a todas as barreiras
fim às causas das «viagens da esperança» de milhões de pessoas que
com muita frequência se transformam em «viagens da morte». É necessário dar vida a canais humanitários seguros para permitir um controle dos fluxos migratórios e vigiar
sobre o respeito pelos direitos fundamentais da pessoa; o Papa diz isto
claramente com a sua viagem apostólica e com a vontade de se encontrar pessoalmente com quantos desembarcaram no litoral de Lesbos
cheios de dor e confiança.
O fenómeno migratório põe em jogo a
capacidade da Europa de se confrontar
com etnias e culturas diversas. Também
é importante que o compromisso seja assumido por todos os membros
da sociedade. São numerosos os instrumentos estudados apropriadamente para a luta ao anticiganismo e para favorecer a integração dos ciganos. Um deles é a Declaration on the
rise of anti-gypsyism and racist violence
against rom in Europe, adotada em
2012 pela comissão de ministros, que
condena os «graves episódios de
violência racista e as formas de retórica estigmatizante» e convida a
«abster-se do uso de uma retórica
anticigano, em particular durante as
campanhas eleitorais». Outro instrumento é o Plano de ação conjunta para a formação de mediadores ciganos
A visita do Papa chega num momento
crítico para a União europeia.
É um momento no qual a Europa,
com o recente acordo com a Turquia, continua a levantar barreiras, a
fechar fronteiras e a lesar os direitos
fundamentais de migrantes, refugiados e requerentes de asilo. Estamos
diante de um acordo míope que não
permite uma gestão dos fluxos migratórios no respeito pela pessoa. A
política migratória dos Governos
precisa de clarividência e coesão
através de ações destinadas a pôr
A misericórdia deve ser o ponto
de convergência para a Igreja, a sociedade e os ciganos, na busca de
abordagens adequadas para favorecer novas formas de convivência baseadas na justiça, solidariedade, fraternidade e paz. Ser misericordioso
em relação a eles não significa só
oferecer assistência social, material,
social e espiritual. As comunidades
eclesiais são chamadas a valorizar a
especificidade e a cultura do povo
cigano e a acolhê-lo na sua diversidade. A participação ativa dos ciganos na vida da comunidade eclesial
permite uma integração social respeitadora entendida não como assimilação, mas como participação nas
políticas e decisões que lhes diz respeito com o pleno respeito pela sua
cultura e tradições.
Entre as dificuldades dos ciganos estão
a discriminação e a negação dos direitos ao trabalho, à educação, aos cuidados médicos, à moradia. Que papel a
Igreja pode desempenhar na resolução
destes problemas?
A comunidade eclesial é chamada
a encontrar novos modos e estratégias para eliminar as causas de exclusão e discriminação e a pôr-se em
primeira linha para defender e proclamar os direitos invioláveis dos ciganos. Nesta direção já se movem
numerosas comunidades religiosas
comprometidas no âmbito da edução e da formação profissional dos
ciganos. Muitos sacerdotes, religiosas e agentes pastorais partilham inclusive o estilo de vida dos ciganos e
seguem os seus deslocamentos, tornando-se porta-voz da Igreja ao
exortá-los a viver em harmonia com
a comunidade da qual fazem parte.
Quais são as condições dos refugiados
na ilha?
Em Lesbos, como acontece com
frequência nos lugares de desembarque, as condições para um acolhimento adequado são insuficientes e
as chegadas são contínuas, sobretudo da Síria, Iraque, Afeganistão e
Somália. Precisamente para o dever
de oferecer acolhimento e acerca do
respeito e da tutela da dignidade de
quantos são obrigados a partir, Francisco quer chamar a atenção do
mundo inteiro. A visita do Pontífice,
juntamente com o patriarca Bartolomeu e o arcebispo de Atenas e de
toda a Grécia, Hieronymos II, é um
gesto ecuménico cristão concreto;
um só coração e uma só alma para
enfrentar o drama da migração forçada e reafirmar em conjunto em
nome de Cristo, a importância da
responsabilidade fraterna, fitando os
olhos das pessoas em fuga para as
quais o destino frequentemente é decidido através de acordos cínicos e
ignorando as verdadeiras razões que
estão na base da sua tragédia.
Pode a misericórdia ser um caminho
concreto, como sugere o tema do encontro do Ccit?
Mas nas paróquias existe uma sensibilidade pastoral em relação aos ciganos
e aos itinerantes em geral?
Acolhimento de migrantes na ilha de Lesbos (Reuters)
os ciganos são um desafio para o continente atravessado frequentemente por
vagas de «anticiganismo». Que se pode fazer para limitar esta deriva?
Juntamente com o tráfico de mulheres e crianças no âmbito da comunidade cigana, este fenómeno
constitui uma das chagas particularmente vergonhosas para a Europa e
mais dolorosas para o povo cigano.
O anticiganismo é um fenómeno social complexo que com muita frequência acaba em atos de violência,
palavras de hostilidade, exploração e
discriminação. Muitas vezes, o desprezo nasce de estereótipos considerados verdadeiros ou por comportamentos inadequados de alguns ciganos que se tornam objeto de generalização. Para impedir este fenómeno
(Romed) adotado pelo Conselho da
Europa e pela Comissão europeia
em 2011. Nele é apresentada a mediação como um dos meios mais eficazes para superar as desigualdades.
Além disso, recentemente, o Comité
dos delegados dos ministros (Cm)
elaborou o Plano de ação temática sobre a inclusão dos ciganos e dos travellers para o triénio de 2016-2019, no
qual são indicadas três grandes prioridades: enfrentar com maior resolução preconceitos, discriminações e
crimes contra as populações ciganas;
promover políticas de inclusão das
pessoas mais vulneráveis, com atenção particular às crianças, jovens e
mulheres ciganos; promover modelos inovadores para a solução de
problemáticas específicas a nível local.
Sim, existem alguns casos concretos e deveriam ser imitados. Há dioceses e paróquias que amadureceram
projetos e programas para as populações ciganas, como a de Dublim
que em 1980 fundou a primeira paróquia para todos os viandantes —
travellers — que se encontram às
margens da Igreja local. Outro
exemplo é a diocese de Vicenza, onde foi criada uma comissão da qual
fazem parte os ciganos presentes no
território e aberto um balcão de
atendimento com função de secretariado social que lhes oferece a possibilidade de aceder ao microcrédito.
As experiências e os modelos já em
ato deveriam ser utilizados para potenciar o compromisso pastoral das
Igrejas locais com forte presença de
populações ciganas. Infelizmente,
nem todas as paróquias e dioceses
têm uma abertura tão ampla; eis
porque, em dezembro de 2005, o
nosso dicastério publicou Orientações
para uma pastoral dos ciganos, o primeiro documento da Igreja dedicado
a este tema.
número 15, quinta-feira 14 de abril de 2016
L’OSSERVATORE ROMANO
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Vitral com a representação
de John Wesley, fundador dos metodistas
que prega em Moorfields
Discurso de Francisco ao conselho metodista mundial
Nenhuma diferença
pode ser um obstáculo
«Para além das diferenças que
subsistem», católicos e metodistas são
chamados a «dar um testemunho
comum diante do mundo», afirmou
Francisco na audiência concedida, na
manhã de 7 de abril, aos membros de
uma delegação do Conselho metodista
mundial. Em seguida, publicamos o
conteúdo do discurso do Pontífice.
Prezados irmãos e irmãs!
Dirijo-vos a minha cordial saudação
neste tempo pascal, durante o qual
celebramos a Ressurreição do Senhor que resplandece no mundo.
Agradeço as amáveis palavras que
me foram dirigidas. Encontramo-nos
unidos na fé que Jesus é o Senhor e
que Deus o ressuscitou dos mortos;
esta fé batismal torna-nos realmente
irmãos e irmãs. Dirijo a minha saudação inclusive às instituições por
vós representadas: o Conselho Meto-
dista Mundial, o Conselho Metodista Europeu e a Igreja Metodista Britânica.
Foi com prazer que recebi a notícia da abertura do Departamento de
Ecumenismo Metodista em Roma.
Trata-se de um sinal do intensificarse dos nossos relacionamentos, e em
particular do nosso desejo comum
de superar os obstáculos que nos
impedem de entrar em plena comunhão. Rezo ao Senhor a fim de que
abençoe o trabalho deste Departamento: possa tornar-se um lugar de
encontro profícuo entre metodistas e
católicos, onde apreciar cada vez
mais a fé uns dos outros, quer sejam
grupos de peregrinos, quer pessoas
que se preparam para o ministério,
quer responsáveis pelas respetivas
comunidades; possa tornar-se também um lugar onde os progressos alcançados pelo nosso diálogo teológi-
Saudação da vice-presidente
Em prol do acolhimento dos migrantes
«Migrantes e refugiados representam um desafio especial» para os
cristãos na sociedade contemporânea: um desafio que deve ser enfrentado «com o Evangelho da misericórdia», ressaltou Gillian Kingston, irlandesa — que no primeiro
dia do passado mês de abril foi
eleita vice-presidente ad interim do
World Methodist Council — durante a saudação dirigida ao Sumo
Pontífice no início da audiência.
Nas suas palavras, Kingston recordou que no momento da eleição
do pontífice, em março de 2013, os
metodistas estavam congregados
para o seu encontro mundial no
Rio de Janeiro e que ali juntos rezaram por ele. «Em seguida, escreveram-lhe uma missiva — acrescentou — manifestando a própria alegria pela escolha do nome Francisco, em honra de um santo que viveu antes das divisões» que depois
mancharam a Igreja.
Sucessivamente, a vice-presidente referiu-se à experiência do Concílio Vaticano II e à constatação de
que os metodistas se inserem entre
os primeiros que responderam ao
convite católico a dar vida a um
diálogo bilateral. Deste modo, a
cada cinco anos a partir de 1967 é
redigido um relatório que documenta os progressos alcançados. O
décimo da série, que tem como tema «A chamada à santidade», será
apresentado durante a próxima assembleia do Conselho metodista
mundial, que terá lugar no mês de
setembro em Houston, no Texas.
Já o título — comentou Kingston —
aborda o objetivo mais importante
para um fiel metodista: a santidade. A santidade da vida pessoal e
dos relacionamentos familiares, a
santidade no compromisso e na
ação social».
Por fim, a vice-presidente frisou
como o Papa Francisco, «em numerosas ocasiões, recordou que os
cristãos devem oferecer um acolhimento radical num mundo que coloca os direitos individuais acima
das responsabilidades coletivas,
que põe o lucro antes das pessoas e
que se deixa levar por uma espiritualidade privatizada. Em muitos
lugares — assegurou Kingston a este propósito — os cristãos católicos
e metodistas já trabalham em conjunto», a favor de «um mundo de
paz» e para derrotar «a globalização da indiferença».
co sejam divulgados, celebrados e
incrementados.
Já passaram quase cinquenta anos
desde que a nossa Comissão Teológica Conjunta deu início aos seus
trabalhos. Para além das diferenças
que subsistem, o nosso diálogo, fundamentado no respeito e na fraternidade, enriquece ambas as Comunidades. O documento atualmente em
fase de preparação, que deveria ser
publicado até ao fim deste ano, é
um claro exemplo disto. Inspirandose na adesão metodista à Declaração
conjunta sobre a doutrina e a justificação, ele tem como tema: «A chamada à santidade». Católicos e metodistas têm muito a aprender uns
dos outros, sobre o modo de entender a santidade e sobre a maneira de
procurar vivê-la. Todos nós devemos
fazer o possível a fim de que os
membros das nossas respetivas paróquias se encontrem regularmente, se
conheçam através de intercâmbios
estimuladores e se animem de forma
recíproca a procurar o Senhor e a
sua graça. Quando lemos as Escrituras, sozinhos ou em grupo, mas
sempre numa atmosfera de oração,
abrimo-nos ao amor do Pai, que nos
foi concedido no seu Filho e no Es-
pírito Santo. Até onde subsistem divergências entre as nossas comunidades, elas podem e devem tornar-se
um estímulo para a reflexão e o diálogo.
Na sua Carta a um católico romano, John Wesley escreveu que católicos e metodistas são chamados a
«ajudar-se mutuamente em tudo...
aquilo que leve ao Reino». Que esta
nova declaração conjunta sirva de
encorajamento para metodistas e católicos, a fim de que se ajudem uns
aos outros na vida de oração e devoção. Nessa mesma carta, Wesley escrevia também: «Se ainda não podemos pensar em tudo da mesma maneira, pelo menos podemos amar do
mesmo modo». É verdade que ainda
não pensamos do mesmo modo em
tudo, e que sobre as questões relativas aos ministérios ordenados e à
ética ainda é necessário trabalhar
muito. No entanto, nenhuma destas
diferenças representa um obstáculo
que possa impedir-nos de amar do
mesmo modo e de dar um testemunho comum perante o mundo. A
nossa vida na santidade deve abranger sempre um serviço de amor ao
mundo; juntos, católicos e metodistas devemos comprometer-nos em
numerosos contextos, para dar um
testemunho concreto do nosso amor
a Cristo. Com efeito, a nossa comunhão aumenta quando servimos em
conjunto aqueles que se encontram
em dificuldade.
No mundo de hoje, ferido por
muitos males, é necessário como
nunca que, como cristãos, testemunhemos juntos e com renovada energia a luz da Páscoa, tornando-nos sinal do amor de Deus, vitorioso na
Ressurreição de Jesus. Que este
amor, inclusive mediante o nosso
serviço humilde e intrépido, alcance
o coração e a vida de tantos irmãos
e irmãs que o esperam, mesmo sem
o saber. «Sejam dadas graças a Deus
que nos concede a vitória por meio
de nosso Senhor Jesus Cristo!».
Audiência ao presidente do Governo
da República da Croácia
No dia 7 de abril, o Papa recebeu o
presidente do Governo da República
da Croácia, Tihomir Orešković, que
sucessivamente se encontrou com o
cardeal Pietro Parolin, secretário de
Estado, acompanhado por monsenhor Antoine Camilleri, subsecretário para as Relações com os Estados.
Durante os colóquios cordiais foram evidenciadas as boas relações
entre a Santa Sé e a República da
Croácia, da qual a presente visita é
expressão significativa, confirmando
a vontade comum de prosseguir o
diálogo construtivo sobre os temas
bilaterais concernentes às relações
entre a comunidade eclesial e civil.
Recordaram-se a importância que os
fiéis croatas atribuem à figura do
beato Alojzije Stepinac e a condição
da minoria do povo croata na Bósnia e Herzegovina.
Na ampla troca de opiniões sobre
as questões internacionais e regionais
expressaram preocupação, em particular, pela crise humanitária dos refugiados no Médio Oriente, pelas situações de conflito em diversas regiões do mundo e pelos atos que visam enfraquecer as bases da convivência civil.
L’OSSERVATORE ROMANO
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quinta-feira 14 de abril de 2016, número 15
Pronunciamento do cardeal Hummes na Conferência nacional dos bispos do Brasil
O rosto amazônico da Igreja
«Devemos apresentar o rosto amazônico da Igreja». Foi o objetivo específico que o cardeal Cláudio Hummes, na dupla função de presidente
da Comissão episcopal para a Amazônia e da Rede eclesial pan-amazônica (Repam), indicou aos bispos
brasileiros. A ocasião foi a plenária
do episcopado do mais vasto país
sul-americano, que decorre até 15 de
abril em Aparecida. Uma reunião
dedicada principalmente à reflexão
sobre o papel dos leigos «sal da terra e luz do mundo» e também ao
exame da difícil situação social no
país que enfrenta uma crise inédita,
pelo menos nos tempos mais recentes, e que se revelou moral antes ainda que económica.
Todavia, durante os dez dias da
plenária, a atenção dos prelados não
podia deixar de ser chamada também para as enormes necessidades
pastorais e sociais de uma área como
a amazônica, considerada o «pulmão» natural do planeta, que abrange mais de cinquenta dioceses e corresponde a pouco mais de metade
do Brasil. «A Comissão foi instituída para aumentar a consciência da
missão na Amazônia, um lugar onde
existem muitas carências, especialmente materiais», recordou o purpurado, que frisou precisamente nesta
perspetiva a tríplice vocação da Igreja no Brasil: ser «missionária»,
«compassiva» e «profética».
Evidenciando os progressos alcançados nos últimos anos, com um aumento do número de sacerdotes, religiosos e leigos missionários comprometidos na Amazônia — «este
crescimento é devido também à
constatação de que na formação sacerdotal foram promovidas iniciativas em vista de uma Igreja «em saí-
da», misericordiosa, feita de pobres
e para os pobres» — Hummes voltou
a realçar o desafio representado pela
urbanização crescente, reclamando a
necessidade de um modelo de desenvolvimento económico baseado
num novo tipo de relação com o
ambiente natural. Porque, reiterou
com determinação também no encontro com os jornalistas, «este século será decisivo para salvar o planeta». E denunciou o caso de Marajó,
a ilha situada na foz do Rio Amazonas, no Estado do Pará, «descuidada
pelo Governo estatal e federal, com
uma situação agravada por pobreza,
miséria, desemprego e também por
muitos episódios de abusos contra
menores».
Sob o ponto de vista estritamente
pastoral, o cardeal Hummes recordou o crescente número das comunidades evangélicas e a questão da
evangelização das populações indígenas, historicamente maltratadas e
descuidadas pelo restante da sociedade. «A Igreja e a sociedade — disse — têm uma dívida enorme com os
índios, que devem voltar a ser protagonistas da sua história, inclusive religiosa», reconhecendo que este pode ser interpretado como o desafio
principal: a formação de um clero
local e o despertar das forças evangelizadoras dentro da própria população indígena. Resumindo, a necessidade de mostrar o «rosto amazônico» da Igreja.
Depois, o cardeal Hummes comentou a obra e a colaboração com
a Repam, a rede atualmente ativa
em sete dos nove países da área
amazônica, com o objetivo de apoiar
a solidariedade e o fortalecimento da
ação evangelizadora na região. Tendo iniciado as suas atividades em se-
Las Patronas premiadas
pela sua assistência aos migrantes
O historiador Jean Meyer Barth, o
bispo José Raúl Vera López e «Las
Patronas», um grupo de mulheres
que oferecem víveres e assistência
aos migrantes que atravessam o
centro de Veracruz, receberão a medalha ao mérito da Universidad Veracruzana (Uv), como evento central da Feira internacional do livro
universitário (Filu), que terá lugar
de 22 de abril a 1 de maio.
Jean Meyer Barth é professor
emérito no Centro para a pesquisa
e o ensino económico (Cide), e
fundador e membro da Faculdade
de história.
D. José Raúl Vera López é o bispo de Saltillo, Coahuila (México)
desde 30 de dezembro de 1999. Precedentemente, como bispo coadjutor de San Cristóbal de las Casas,
em Chiapas, participou juntamente
com D. Samuel Ruiz García, no
processo de paz após a revolta zapatista. No seu trabalho pastoral
evidenciam-se a defesa dos direitos
humanos, o apoio ao melhoramento
do trabalho dos mineiros, a ajuda
aos migrantes através do projeto
«Frontera con Justicia» e a criação
do centro diocesano para os direitos humanos Frei Juan de Larios.
«Las Patronas» são um grupo de
voluntárias da comunidade La Patrona, em Amatlán de los Reyes.
Desde 1995 oferecem alimentos e
assistência aos migrantes ao longo
da estrada que atravessa o Estado,
sobretudo aos que
passam com o comboio conhecido como «la bestia» que
atravessa o México
do sul para o norte,
passando por quatro
mil de bosques e
desertos, até ao Río
Grande e que transporta a maior parte
de migrantes até à
paragem do último
obstáculo para o sonho. «Creio que o
que fazemos por
eles — disse Norma
Romero Vásquez, líder do grupo — é
devido ao ensinamento dos nossos
pais: respeitar as pessoas e sobretudo amá-las. Amar não custa nada».
Por este trabalho abnegado, foi-lhes
atribuído o Prémio nacional para os
direitos humanos de 2013, além de
serem indicadas para o prémio
Princesa das Astúrias para a Concórdia.
tembro de 2014, a Repam pretendeu
em primeiro lugar responder ao apelo lançado pelo Papa Francisco em
2013 no Rio de Janeiro, por ocasião
da Jornada mundial da juventude.
Com efeito, falando aos bispos brasileiros, o Pontífice afirmou que «a
Amazônia é um banco de prova para
a Igreja e a sociedade», lançou «um
forte apelo ao respeito e à conservação da inteira criação que Deus confiou ao homem não para ser explorada de maneira selvagem mas para
que a transforme num jardim». Apelo que depois foi difundido sobretudo na Laudato si’. Precisamente uma
ampla reflexão sobre a encíclica foi
promovida pela Repam em diversas
universidades brasileiras, enquanto
que para os dias 14-18 de novembro
foi anunciado um encontro da Igreja
católica da macrorregião Amazônia
Legal.
Obviamente, o esforço a favor da
Amazônia insere-se numa mais ampla obra pastoral da Igreja brasileira,
que vê com preocupação a crise de
credibilidade das instituições, os casos de corrupção e as consequentes
desordens sociais. Neste sentido deve ser interpretada também a reflexão do episcopado na perspetiva das
próximas eleições municipais em outubro. «Esta orientação — afirmou o
secretário-geral do episcopado e bispo auxiliar de Brasília, D. Leonardo
Steiner — nada tem a ver com os
partidos políticos, mas com as opções políticas. A Igreja deve optar
sempre pela democracia e a CNBB
procurou ser sempre fiel às orientações e motivações do Santo Padre».
Orientação que conta muito com a
responsabilidade e a maturidade dos
fiéis leigos, sobre a qual está centrada a reflexão da plenária. «A busca
de justiça não é realizada através da
violência. As pessoas com posições
diversas, em particular nos campos
da política e da religião, não podem
ser tratadas como inimigas, mas com
o devido respeito», recordou o presidente da CNBB, D. Sérgio da Rocha,
arcebispo de Brasília, ao abrir os trabalhos. «Em tempos de crise —
acrescentou — os critérios que deveriam guiar as nossas ações são sempre de Deus e não do mundo. O
Evangelho convida-nos a caminhar
na luz».
número 15, quinta-feira 14 de abril de 2016
L’OSSERVATORE ROMANO
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Na audiência jubilar o Papa explicou o significado da esmola
Capazes
de fitar nos olhos
Dar esmola «pode parecer uma coisa simples», mas «devemos prestar atenção a
não esvaziar este gesto do grande conteúdo que possui». Disse o Papa Francisco
aos fiéis reunidos na praça de São Pedro a 9 de abril para a audiência jubilar.
«A esmola é um gesto de amor que se destina a quantos encontramos; é um gesto
de atenção sincera a quem se aproxima de nós e pede a nossa ajuda».
Queridos irmãos e irmãs, bom dia!
O Evangelho que ouvimos permitenos descobrir um um aspeto essencial da misericórdia: a esmola. Dar
esmola pode parecer uma coisa simples, mas devemos prestar atenção a
não esvaziar este gesto do grande
conteúdo que possui. Com efeito, a
palavra «esmola» deriva do grego e
significa precisamente «misericórdia». Por conseguinte, a esmola deveria conter em si toda a riqueza da
misericórdia. E dado que a misericórdia tem numerosos caminhos,
múltiplas modalidades, também a
esmola se expressa de tantas maneiras, para aliviar o mal-estar de quantos estão em necessidade.
O dever da esmola é tão antigo
como a Bíblia. O sacrifício e a esmola eram dois deveres que uma pessoa
religiosa tinha que cumprir. Há páginas importantes no Antigo Testamento, nas quais Deus exige uma
atenção particular pelos pobres que
são, ora indigentes, ora estrangeiros,
ora órfãos ou viúvas. E na Bíblia is-
to é um refrão contínuo: o necessitado, a viúva, o estrangeiro, o forasteiro, o órfão... é um refrão. Porque
Deus quer que o seu povo olhe para
estes nossos irmãos; aliás, diria que
estão precisamente no centro da
mensagem: louvar a Deus com o sacrifício e louvar a Deus com a esmola.
Juntamente com a obrigação de se
recordar deles, é dada também uma
indicação preciosa: «Livremente lhe
darás, e que o teu coração não seja
maligno, quando lhe deres» (Dt 15,
10). Isto significa que a caridade exige, antes de tudo, uma atitude de
alegria interior. Oferecer misericórdia não pode ser um peso nem um
tédio de que nos libertar depressa. E
quanta gente se justifica por não dar
esmola dizendo: «Mas como será este? Talvez este a quem darei esmola
vá comprar vinho para se embriagar». Mas se ele se embebeda, é
porque não tem outro caminho! E
tu, o que fazes às escondidas, quando ninguém te vê? E tu és juiz daquele pobre homem que te pede
uma moeda para um copo de vinho?
Apraz-me recordar o episódio do velho Tobias que, depois de ter recebido uma grande quantia de dinheiro,
chamou seu filho e instruiu-o com
estas palavras: «Dá esmola dos teus
bens, e não te desvies de nenhum
pobre, pois, assim fazendo, Deus
tampouco se desviará de ti» (Tb 4,
7-8). São palavras muito sábias que
ajudam a compreender o valor da
esmola.
Jesus, como ouvimos, deixou-nos
um ensinamento insubstituível a este
propósito. Antes de tudo, pede-nos
que não demos esmola para sermos
louvados e admirados pelos homens
devido à nossa generosidade: faz de
maneira que a tua mão direita não
saiba o que faz a esquerda (cf. Mt 6,
À Papal Foundation o Pontífice recordou que a caridade é reflexo do amor de Deus
Obra de misericórdia
Compartilhar a misericórdia de Cristo
com quantos «estão espiritual e materialmente em
necessidade, com o espírito de generosidade e ternura que
reflete a bondade incomensurável de Deus»: foi a
exortação de Francisco à Papal Foundation, organização
caritativa norte-americana que promove projetos financeiros
e concede bolsas de estudo a sacerdotes, religiosos e leigos
que estudam em Roma, como recordou o cardeal presidente
Donald Wuerl, arcebispo de Washington, garantindo uma
oferta de dez milhões de dólares para a caridade do Papa
que, somados às doações dos anos passados — desde 1990
— correspondem a mais de cento e seis milhões de dólares.
A seguir, o discurso do Papa na audiência concedida na
manhã de 8 de abril na sala Clementina.
Eminências, Excelências
Amados amigos em Cristo!
Estou feliz por dar as boas-vindas a todos vós, membros, administradores e «Stewards of Saint Peter» da
Papal Foundation, por ocasião da vossa peregrinação
anual ao Vaticano. É uma alegria encontrar-me de novo convosco e manifestar o meu apreço pela vossa generosidade em relação ao meu ministério e à Igreja no
mundo. Digo-vos obrigado em nome de todos aqueles
que recebem assistência mediante o vosso compromisso
de caridade.
Este ano a vossa peregrinação realiza-se no âmbito
do Jubileu da Misericórdia, durante o qual contemplamos o mistério da misericórdia, que é fonte de alegria,
serenidade e paz, e da qual depende a nossa salvação
(cf. Bula Misericordiae vultus, 2). Somos chamados por
Cristo a compartilhar esta misericórdia com aqueles
que estão espiritual e materialmente em necessidade,
mediante as obras de misericórdia espirituais e corporais, com o espírito de generosidade e de ternura que
reflete de maneira incomensurável a bondade de Deus.
Como membros, administradores e Stewards da Papal Foundation, as obras de misericórdia estão no cerne
da vossa missão. Através da vossa contribuição generosa a favor dos projetos diocesanos, paroquais e das comunidades, assim como mediante a oferta de bolsas de
estudo, vós assistis numerosas pessoas a fim de que
consigam enfrentar de modo eficaz as necessidades
presentes nas respetivas comunidades e levar a cabo de
forma cada vez mais fecunda as próprias obras de misericórdia. Desta maneira, a vossa caridade propagarse-á pelo mundo, proporcionando novas iniciativas que
ajudarão a alargar o abraço misericordioso do Pai.
Faço votos de que, com a graça de Deus, estes dias
de peregrinação sejam para vós um renovado e vigoroso convite à santidade e uma intensa experiência da
misericórdia de Deus. São Paulo recorda-nos que nunca nos devemos cansar de fazer o bem (cf. Gl 6, 9; 2
Ts 3, 13). Possa o Pai celestial sustentar-vos nas vossas
obras de bem, mas sobretudo levar-vos a uma fé a uma
experiência cada vez mais profunda do seu amor infinito. Recordai que as minhas orações e a minha Bênção
vos acompanham; e, por favor, não vos esqueçais de
rezar por mim. Obrigado!
3). Não é a aparência que conta, mas a
capacidade de parar
para olhar diretamente para a pessoa
que pede ajuda. Cada um de nós pode
perguntar: «Sou capaz de parar e de
olhar para o rosto,
para os olhos, da
pessoa que me está
a pedir ajuda? Sou
capaz? Por conseguinte, não devemos
identificar a esmola com a simples
moeda oferecida de modo apressado,
sem olhar para a pessoa e sem parar
a falar com ela para compreender do
que tem realmente necessidade. Ao
mesmo tempo, devemos distinguir
entre os pobres e as várias formas de
mendicidade que não prestam um
bom serviço aos verdadeiros pobres.
Em síntese, a esmola é um gesto de
amor que se dirige a quantos encontramos; é um gesto de atenção sincera a quem se aproxima de nós e pede a nossa ajuda, feita em segredo,
onde só Deus vê e compreende o valor do gesto realizado.
Mas dar esmola deve ser para nós
também um sacrifício. Recordo uma
mãe: tinha três filhos, de seis, cinco
e três anos, mais ou menos. E ensinava sempre aos filhos que se devia
dar esmola àquelas pessoas que a
pediam. Estavam a almoçar: cada
um comia um bife à milanesa, como
se diz na minha terra, «empanado».
Batem à porta. O mais velho vai
abrir e volta: «Mãe, é um pobre que
pede de comer». «Que fazemos?»,
pergunta a mãe. «Damos-lhe — dizem todos — damos-lhe!» — «Bem:
pega em metade do teu bife, tu noutra metade, e tu noutra, e faça duas
sandes» — «Ah, não, mãe, não!» —
«Não? «Dá do teu, daquilo que te
custa a dar». É este o envolver-se
com o pobre. Eu privo-me de alguma coisa de meu para o dar a ti. E
aos pais digo: educai os vossos filhos a dar assim esmola, a ser generosos com o que têm.
Façamos então nossas as palavras
do apóstolo Paulo: «Em tudo vos
tenho mostrado que assim, trabalhando, convém acudir os fracos e
lembrar-se das palavras do Senhor
Jesus, porquanto ele mesmo disse:
“É maior felicidade dar que receber!”» (At 20, 35; cf. 2 Cor 9, 7).
Obrigado!
No final da audiência, saudando os
vários grupos presentes, o Papa disse
aos de expressão portuguesa.
Com grande afeto, saúdo os peregrinos de língua portuguesa, em particular os grupos de Pontal e do Colégio São Bento do Rio de Janeiro,
com votos de que possais vós todos
dar-vos sempre conta do dom maravilhoso que é pertencer à Igreja. Vele sobre o vosso caminho a Virgem
Maria e vos ajude a ser sinal de confiança e instrumento de caridade no
meio dos vossos irmãos. Sobre vós e
vossas famílias desça a Bênção de
D eus.
L’OSSERVATORE ROMANO
número 15, quinta-feira 14 de abril de 2016
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Alegria do amor
«Retrato de família» (arte afro-americana)
Exortação apostólica pós-sinodal «Amoris laetitia» sobre a família fruto das assembleias realizadas em 2014 e 2015
Na manhã de 8 de abril, na sala de imprensa da Santa Sé, foi apresentada a
exortação apostólica pós-sinodal «Amoris
laetitia», sobre o amor na família, que
reúne os frutos dos dois sínodos dos bispos
sobre o amor na família, celebrados respetivamente em 2014 e em 2015. Em seguida, publicamos um resumo do documento,
subdividido em nove capítulos e, no total,
325 parágrafos.
«Amoris laetitia» (AL — «A alegria do
amor»), a Exortação apostólica pós-sinodal «sobre o amor na família», datada não por acaso de 19 de março, Solenidade de são José, recolhe os resultados de dois Sínodos sobre a família
convocados pelo Papa Francisco em
2014 e 2015, cujas relações conclusivas
são abundantemente citadas, juntamen-
Habib Hyat, «Três com amor» (2014)
te com documentos e ensinamentos dos
seus predecessores e as numerosas catequeses sobre a família do próprio Papa
Francisco. Contudo, como já sucedeu
noutros documentos magisteriais, o Papa recorre também a contributos de diversas Conferências episcopais de todo
o mundo (Quénia, Austrália, Argentina...) e a citações de personalidades de
relevo, como Martin Luther King ou
Erich Fromm. Ressalta em particular
uma citação do filme «A Festa de Babette», que o Papa recorda para explicar
o conceito de gratuitidade.
Premissa
A exortação apostólica chama a atenção pela sua amplitude e articulação.
Está dividida em nove capítulos e mais
de trezentos parágrafos. Tem início
com sete parágrafos introdutórios que
evidenciam plenamente a consciência
da complexidade do tema, que requer
ser aprofundado. Afirma-se que as intervenções dos Padres no sínodo constituíram um «precioso poliedro» (AL 4)
que deve ser preservado. Neste sentido,
o Papa escreve que «nem todas as discussões doutrinais, morais ou pastorais
devem ser resolvidas através de intervenções magisteriais». Por conseguinte,
para algumas questões «em cada país
ou região, é possível buscar soluções
mais inculturadas, atentas às tradições e
aos desafios locais. De facto, “as culturas são muito diferentes entre si e cada
princípio geral (...), se quiser ser observado e aplicado, precisa de ser inculturado”» (AL 3). Este princípio de inculturação revela-se como muito importante até no modo de abordar e compreender os problemas, modo esse que, sem
entrar nas questões dogmáticas bem de-
O quirógrafo enviado pelo Papa Francisco aos bispos
para acompanhar o texto da exortação apostólica «Amoris laetitia»
finidas pelo Magistério da Igreja, não
pode ser «globalizado».
Mas sobretudo o Papa afirma de
imediato e com clareza que é necessário
sair da estéril contraposição entre a ânsia de mudança e a aplicação pura e
simples de normas abstratas. Escreve:
«Os debates, que têm lugar nos meios
de comunicação ou em publicações e
mesmo entre ministros da Igreja, estendem-se desde o desejo desenfreado de
mudar tudo sem suficiente reflexão ou
fundamentação até à atitude que pretende resolver tudo através da aplicação
de normas gerais ou deduzindo conclusões excessivas de algumas reflexões
teológicas» (AL 2).
Capítulo I
«À luz da Palavra»
Para o bem de todos
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samente «por tantas realidades diferentes» sublinha com lucidez a exortação.
O documento sinodal, texto concorde que exprime com grande equilíbrio um caminho comum, segundo
um método tanto antigo quanto a
própria Igreja tem em consideração
esta variegada situação. E pelo menos
igualmente antigos são os princípios
que inspiram o texto e remontam a
raízes ainda mais antigas, que se vislumbram entre as linhas de um texto
linear e fluido: a condescendência
(synkatábasis) divina descrita pelos Padres da Igreja para expressar a atenção de Deus e o seu abraço em relação à condição humana, sempre imperfeita, até à solicitude e às parábolas de Jesus, o Senhor que a liturgia
chama «amigo dos homens», é princípio das «sementes do Logos» que é
preciso esforçar-se por reconhecer presentes em cada realidade humana.
A exortação é extremamente longa
e desenvolve-se com generosidade, tocando vários pontos: desde uma visão
da Escritura à situação atual das famí-
lias, o texto expõe o ensinamento da
Igreja e a sua tradução na vida diária
dos fiéis, detendo-se na educação dos
filhos, convidando «à misericórdia e
ao discernimento pastoral diante de
situações que não correspondem plenamente àquilo que o Senhor nos
propõe» e traçando enfim um esboço
de espiritualidade para as famílias.
Devido à extensão e à riqueza do texto, às vezes sugestivo e feliz também
por recorrer a fontes não habituais
nos documentos pontifícios, o próprio
Papa desaconselha uma «leitura geral
apressada» e sugere ao contrário um
seu aprofundamento paciente.
Como para os dois precedentes
grandes textos do pontificado (Evangelii gaudium e Laudato si’) pode-se já
agora prever que Amoris laetitia suscitará interesse e debates vivazes, não
somente na Igreja, em particular sobre
os aspetos cruciais da integração e da
proximidade aos fiéis em situações difíceis. Este interesse é um bom sinal,
como uma boa notícia é sem dúvida a
novidade expressa pela exortação, em
coerência com a grande tradição cristã
e com a sua renovação, desejada há
meio século pelo concílio.
Enunciadas estas premissas, o Papa
articula a sua reflexão a partir das Sagradas Escrituras no primeiro capítulo,
que se desenvolve como uma meditação
acerca do Salmo 128, característico da
liturgia nupcial hebraica, assim como
da cristã. A Bíblia «aparece cheia de famílias, gerações, histórias de amor e de
crises familiares» (AL 8) e a partir deste
dado pode meditar-se como a família
não é um ideal abstrato, mas uma «tarefa “artesanal”» (AL 16) que se exprime
com ternura (AL 28), mas que se confrontou desde o início também com o
pecado, quando a relação de amor se
transformou em domínio (cf. AL 19).
Então, a Palavra de Deus «não se apresenta como uma sequência de teses abstratas, mas como uma companheira de
viagem, mesmo para as famílias que estão em crise ou imersas nalguma tribulação, mostrando-lhes a meta do caminho» (AL 22).
ção atual das famílias, mantendo «os
pés assentes na terra» (AL 6), bebendo
com abundância das Relações conclusivas dos dois sínodos e enfrentando numerosos desafios, desde o fenómeno
migratório à negação ideológica da diferença de sexo («ideologia de género»); da cultura do provisório à mentalidade antinatalidade e ao impacto das
biotecnologias no campo da procriação;
da falta de habitação e de trabalho à
pornografia e ao abuso de menores; da
atenção às pessoas com deficiência ao
respeito pelos idosos; da desconstrução
jurídica da família à violência para com
as mulheres. O Papa insiste sobre o carácter concreto, que é um elemento
fundamental da exortação. E é este carácter concreto e realista que estabelece
uma diferença substancial entre «teorias» de interpretação da realidade e
«ideologias».
Citando a Familiaris consortio, Francisco afirma que «é saudável prestar
atenção à realidade concreta, porque
“os pedidos e os apelos do Espírito res-
soam também nos acontecimentos da
história” através dos quais “a Igreja pode ser guiada para uma compreensão
mais profunda do inexaurível mistério
do matrimónio e da família”» (AL 31).
Sem escutar a realidade não é possível
compreender nem as exigências do presente nem os apelos do Espírito. O Papa nota que o individualismo exacerbado torna hoje difícil a doação a uma
outra pessoa de uma maneira generosa
(cf. AL 33). Eis um interessante retrato
da situação: «Teme-se a solidão, desejase um espaço de proteção e fidelidade
mas, ao mesmo tempo, cresce o medo
de ficar encurralado numa relação que
possa adiar a satisfação das aspirações
pessoais» (AL 34).
A humildade do realismo ajuda a
não apresentar «um ideal teológico do
matrimónio demasiado abstrato, construído quase artificialmente, distante da
situação concreta e das possibilidades
efetivas das famílias tais como são» (AL
36). O idealismo não permite considerar o matrimónio assim como é, ou seja, «um caminho dinâmico de crescimento e realização». Por isso, também
não se pode julgar que se apoie as famílias «com a simples insistência em
questões doutrinais, bioéticas e morais,
sem motivar a abertura à graça» (AL
37). Convidando a uma certa «autocrítica» de uma apresentação não adequada da realidade matrimonial e familiar,
o Papa insiste na necessidade de dar espaço à formação da consciência dos
fiéis: «Somos chamados a formar as
consciências, não a pretender substituílas» (AL 37). Jesus propunha um ideal
exigente, mas «não perdia jamais a
proximidade compassiva às pessoas frágeis como a samaritana ou a mulher
adúltera» (AL 38).
Capítulo III
«O olhar fixo em Jesus:
a vocação da família»
O terceiro capítulo é dedicado a alguns elementos essenciais do ensinamento da Igreja acerca do matrimónio
e da família. É importante a presença
deste capítulo, porque ilustra de uma
maneira sintética em trinta parágrafos a
Capítulo VI
«Algumas
perspetivas pastorais»
vocação à família de acordo com o
Evangelho, assim como ela foi recebida
pela Igreja ao longo do tempo, sobretudo quanto ao tema da indissolubilidade, da sacramentalidade do matrimónio, da transmissão da vida e da educação dos filhos. Fazem-se inúmeras citações da Gaudium et spes do Vaticano II,
da Humanae vitae de Paulo VI, da Familiaris consortio de João Paulo II.
O olhar é amplo e inclui também as
«situações imperfeitas». Com efeito, lemos: «“O discernimento da presença
das semina Verbi nas outras culturas (cf.
Ad gentes, 11) pode-se aplicar também à
realidade matrimonial e familiar. Para
além do verdadeiro matrimónio natural,
há elementos positivos também nas formas matrimoniais doutras tradições religiosas”, embora não faltem também
as sombras» (AL 77). A reflexão inclui
ainda as «famílias feridas», a propósito
das quais o Papa afirma — citando a
Relatio finalis do Sínodo de 2015 que
«é preciso lembrar sempre um princípio geral: “Saibam os pastores que, por
amor à verdade, estão obrigados a discernir bem as situações” (Familiaris consortio, 84). O grau de responsabilidade
não é igual em todos os casos, e podem existir fatores que limitam a capacidade de decisão. Por isso, ao mesmo
tempo que se exprime com clareza a
doutrina, há que evitar juízos que não
tenham em conta a complexidade das
diferentes situações, e é preciso estar
atentos ao modo como as pessoas vivem e sofrem por causa da sua condição» (AL 79).
Capítulo IV
«O amor no matrimónio»
Capítulo II
«A realidade
e os desafios das famílias»
Partindo do terreno bíblico, o Papa
considera no segundo capítulo a situa-
titia não toma em consideração a família «mononuclear», mas está bem consciente da família como rede de relações
alargadas. A própria mística do sacramento do matrimónio tem um profundo carácter social (cf. AL 186). E no
âmbito desta dimensão social, o Papa
sublinha em particular tanto o papel
específico da relação entre jovens e idosos, quanto a relação entre irmãos como aprendizagem de crescimento na relação com os outros.
Absalon Marticio, «Família» (1999)
O quarto capítulo trata do amor no
matrimónio e ilustra-o a partir do “hino
ao amor” de São Paulo de 1 Cor 13, 4-7.
O capítulo é uma verdadeira e autêntica exegese cuidadosa, precisa, inspirada
e poética do texto paulino. Poderíamos
dizer que se trata de uma coleção de
fragmentos de um discurso amoroso
atento a descrever o amor humano em
termos absolutamente concretos. Surpreende-nos a capacidade de introspeção psicológica que caracteriza esta
exegese. O aprofundamento psicológico
chega ao mundo das emoções dos cônjuges — positivas e negativas — e à dimensão erótica do amor. Este é um
contributo extremamente rico e precioso para a vida cristã dos cônjuges, que
não tinha até agora paralelo em anteriores documentos papais.
À sua maneira, este capítulo constitui
um pequeno tratado no conjunto de
um desenvolvimento mais amplo, plenamente consciente do carácter quotidiano do amor que se opõe a todos os
idealismos: «não se deve atirar para cima de duas pessoas limitadas — escreve
o Pontífice — o peso tremendo de ter
que reproduzir perfeitamente a união
que existe entre Cristo e a sua Igreja,
porque o matrimónio como sinal implica “um processo dinâmico, que avança
gradualmente com a progressiva integração dos dons de Deus”» (AL 122).
Mas, por outro lado, o Papa insiste de
modo enérgico e firme no facto de que
«na própria natureza do amor conjugal, existe a abertura ao definitivo» (AL
123) precisamente no íntimo daquela
«combinação necessária de alegrias e
fadigas, de tensões e repouso, de sofrimentos e libertações, de satisfações e
buscas, de aborrecimentos e prazeres»
(AL 126) que é de facto o matrimónio.
O capítulo conclui-se com uma reflexão muito importante acerca da «transformação do amor» uma vez que «o
alongamento da vida provocou algo
que não era comum noutros tempos: a
relação íntima e a mútua pertença devem ser mantidas durante quatro, cinco
ou seis décadas, e isto gera a necessidade de renovar repetidas vezes a recíproca escolha» (AL 163). A aparência física
transforma-se e a atração amorosa não
desaparece, mas muda: com o tempo, o
desejo sexual pode transformar-se em
desejo de intimidade e «cumplicidade».
«Não é possível prometer que teremos
os mesmos sentimentos durante a vida
inteira; mas podemos ter um projeto
comum estável, comprometer-nos a
amar-nos e a viver unidos até que a
morte nos separe, e viver sempre uma
rica intimidade» (AL 163).
Capítulo V
«O amor
que se torna fecundo»
O quinto capítulo centra-se por completo na fecundidade e no carácter gerador do amor. Fala-se de uma maneira
espiritual e psicologicamente profunda
do acolher uma nova vida, da espera
própria da gravidez, do amor de mãe e
de pai. Mas também da fecundidade
alargada, da adoção, do acolhimento
do contributo das famílias para a promoção de uma “cultura do encontro”,
da vida na família em sentido amplo,
com a presença de tios, primos, parentes dos parentes, amigos. A Amoris lae-
No sexto capítulo, o Papa aborda algumas vias pastorais que orientam para
a edificação de famílias sólidas e fecundas de acordo com o plano de Deus.
Nesta parte, a exortação recorre às relações conclusivas dos dois sínodos e às
catequeses do Papa Francisco e de João
Paulo II. Volta-se a sublinhar que as famílias são sujeito e não apenas objeto
de evangelização. O Papa observa que
«os ministros ordenados carecem, habitualmente, de formação adequada para
tratar dos complexos problemas atuais
das famílias» (AL 202). Se, por um lado, é necessário melhorar a formação
psicoafetiva dos seminaristas e envolver
mais a família na formação para o ministério (cf. AL 203), por outro «pode
ser útil... também a experiência da longa tradição oriental dos sacerdotes casados» (AL 202).
Em seguida, o Papa desenvolve o tema da orientação dos noivos no caminho de preparação para o matrimónio,
do acompanhamento dos esposos nos
primeiros anos da vida matrimonial (incluindo o tema da paternidade responsável), mas também em algumas situações complexas e, em particular, nas
crises, sabendo que «cada crise esconde
uma boa notícia, que é preciso saber
escutar, afinando os ouvidos do coração» (AL 232). São analisadas algumas
causas de crise, entre elas uma maturação afetiva retardada (cf. AL 239).
Além disso, fala-se também do acompanhamento das pessoas abandonadas,
separadas ou divorciadas e sublinha-se
a importância da recente reforma dos
procedimentos para o reconhecimento
dos casos de nulidade matrimonial. Coloca-se em relevo o sofrimento dos filhos nas situações de conflito e concluise: «O divórcio é um mal, e é muito
preocupante o aumento do número de
divórcios. Por isso, sem dúvida, a nossa
tarefa pastoral mais importante relativamente às famílias é reforçar o amor e
ajudar a curar as feridas, para podermos impedir o avanço deste drama do
nosso tempo» (AL 246). Referem-se de
seguida as situações dos matrimónios
mistos e daqueles com disparidade de
culto, e a situação das famílias que têm
dentro de si pessoas com tendência homossexual, insistindo no respeito para
com elas e na recusa de qualquer discriminação injusta e de todas das formas
de agressão e violência. A parte final
do capítulo, «quando a morte crava o
seu aguilhão», é de grande valor pastoral, tocando o tema da perda das pessoas queridas e da viuvez.
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L’OSSERVATORE ROMANO
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quinta-feira 14 de abril de 2016, número 15
Apresentada a exortação apostólica pós-sinodal «Amoris laetitia»
CONTINUAÇÃO DA PÁGINA 8
Capítulo VII
«Reforçar
a educação dos filhos»
O sétimo capítulo é totalmente
dedicado à educação dos filhos: a
sua formação ética, o valor da sanção como estímulo, o realismo paciente, a educação sexual, a transmissão da fé e, mais em geral, a vida
familiar como contexto educativo. É
interessante a sabedoria prática que
transparece em cada parágrafo e sobretudo a atenção à gradualidade e
aos pequenos passos que «possam
ser compreendidos, aceites e apreciados» (AL 271).
Há um parágrafo particularmente
significativo e de um valor pedagógico fundamental em que Francisco
afirma com clareza que «a obsessão
não é educativa; e também não é
possível ter o controle de todas as situações onde um filho poderá chegar a encontrar-se (...). Se um progenitor está obcecado com saber onde está o seu filho e controlar todos
os seus movimentos, procurará apenas dominar o seu espaço. Mas, desta forma, não o educará, não o reforçará, não o preparará para enfrentar os desafios. O que interessa acima de tudo é gerar no filho, com
muito amor, processos de amadurecimento da sua liberdade, de preparação, de crescimento integral, de
cultivo da autêntica autonomia» (AL
261).
A secção dedicada à educação sexual é notável, e intitula-se muito
expressivamente: «Sim à educação
sexual». Sustenta-se a sua necessidade e formula-se a interrogação de saber «se as nossas instituições educativas assumiram este desafio (...)
num tempo em que se tende a banalizar e empobrecer a sexualidade». A
educação sexual deve ser realizada
«no contexto de uma educação para
o amor, para a doação mútua» (AL
280). É feita uma advertência em relação à expressão «sexo seguro»,
pois transmite «uma atitude negativa a respeito da finalidade procriadora natural da sexualidade, como
se um eventual filho fosse um inimigo do qual é preciso proteger-se.
Deste modo promove-se a agressividade narcisista, em vez do acolhimento» (AL 283).
Capítulo VIII
«Acompanhar, discernir
e integrar a fragilidade»
O capítulo oitavo representa um
convite à misericórdia e ao discernimento pastoral diante de situações
que não correspondem plenamente
ao que o Senhor propõe. O Papa
usa aqui três verbos muito importantes: «acompanhar, discernir e integrar», os quais são fundamentais para responder a situações de fragilidade, complexas ou irregulares. Em seguida, apresenta a necessária gradualidade na pastoral, a importância do
discernimento, as normas e circunstâncias atenuantes no discernimento
pastoral e, por fim, aquela que é por
ele definida como a «lógica da misericórdia pastoral».
O oitavo capítulo é muito delica- à reflexão da Igreja «sobre os condido. Na sua leitura deve-se recordar cionamentos e as circunstâncias ateque «muitas vezes, o trabalho da nuantes» no que respeita à imputaIgreja é semelhante ao de um hospi- bilidade das ações e, apoiando-se em
tal de campanha» (AL 291). O Pontí- são Tomás de Aquino, detém-se na
fice assume aqui aquilo que foi fruto relação entre «as normas e o discerda reflexão do Sínodo acerca de te- nimento», afirmando: «É verdade
máticas controversas. Reafirma-se o que as normas gerais apresentam um
que é o matrimónio cristão e acres- bem que nunca se deve ignorar nem
centa-se que «algumas formas de transcurar, mas, na sua formulação,
união contradizem radicalmente este não podem abarcar absolutamente
ideal, enquanto outras o realizam todas as situações particulares. Ao
pelo menos de forma parcial e ana- mesmo tempo é necessário afirmar
lógica». Por conseguinte, a Igreja que, precisamente por esta razão,
não deixa de valorizar «os elementos aquilo que faz parte de um discerniconstrutivos nas situações que ainda mento prático de uma situação partinão correspondem ou já não corres- cular não pode ser elevado à categopondem à sua doutrina sobre o ma- ria de norma» (AL 304).
trimónio» (AL 292).
Na última secção do capítulo, «A
No que diz respeito ao «discerni- lógica da misericórdia pastoral», o
mento» acerca das situações «irregu- Papa Francisco, para evitar equívolares», o Papa observa: «temos de cos, reafirma com vigor: «A compreevitar juízos que não tenham em ensão pelas situações excecionais
conta a complexidade das diversas situações e é necessário
estar atentos ao modo em
que as pessoas vivem e sofrem por causa da sua condição» (AL 296). E continua:
«Trata-se de integrar a todos,
deve-se ajudar cada um a encontrar a sua própria maneira
de participar na comunidade
eclesial, para que se sinta objeto de uma misericórdia
“imerecida, incondicional e
gratuita”» (AL 297). E ainda:
«Os divorciados que vivem
numa nova união, por exemplo, podem encontrar-se em
situações muito diferentes,
que não devem ser catalogadas ou encerradas em afirmações demasiado rígidas, sem
deixar espaço para um adequado discernimento pessoal
e pastoral» (AL 298).
Nesta linha, acolhendo as
observações de muitos Padres
sinodais, o Papa afirma que
«os batizados que se divorHenry Moore, «Grupo de família» (1949)
ciaram e voltaram a casar civilmente devem ser mais integrados na comunidade cristã sob as não implica jamais esconder a luz do
diferentes formas possíveis, evitando ideal mais pleno, nem propor menos
toda a ocasião de escândalo». «A de quanto Jesus oferece ao ser husua participação pode exprimir-se mano. Hoje, mais importante do que
em diferentes serviços eclesiais (...) uma pastoral dos falimentos é o esforço
Não devem sentir-se excomungados, pastoral para consolidar os matrimómas podem viver e maturar como nios e assim evitar as ruturas» (AL
membros vivos da Igreja (...) Esta 307). Mas o sentido abrangente do
integração é necessária também para capítulo e do espírito que o Papa
o cuidado e a educação cristã dos Francisco pretende imprimir à pastoral da Igreja encontra um resumo
seus filhos» (AL 299).
Mais em geral, o Papa profere adequado nas palavras finais: «Conuma afirmação extremamente impor- vido os fiéis, que vivem situações
tante para que se compreenda a complexas, a aproximar-se com conorientação e o sentido da Exortação: fiança para falar com os seus pasto«Se se tiver em conta a variedade res ou com leigos que vivem entreinumerável de situações concretas gues ao Senhor. Nem sempre encon(...) é compreensível que esperar do trarão neles uma confirmação das
sínodo ou desta exortação uma nova próprias ideias ou desejos, mas segunormativa geral de tipo canónico, ramente receberão uma luz que lhes
aplicável a todos os casos. É possível permita compreender melhor o que
apenas um novo encorajamento a está a acontecer e poderão descobrir
um responsável discernimento pes- um caminho de amadurecimento
soal e pastoral dos casos particula- pessoal. E convido os pastores a esres, que deveria reconhecer que, não cutar, com carinho e serenidade,
sendo “o grau de responsabilidade com o desejo sincero de entrar no
igual em todos os casos”, as conse- coração do drama das pessoas e
quências ou efeitos de uma norma compreender o seu ponto de vista,
não devem necessariamente ser sem- para as ajudar a viver melhor e recopre os mesmos» (AL 300). O Papa nhecer o seu lugar na Igreja» (AL
desenvolve em profundidade as exi- 312). Acerca da «lógica da misericórgências e características do caminho dia pastoral», o Papa Francisco afirde acompanhamento e discernimen- ma com força: «Às vezes custa-nos
to em diálogo profundo entre fiéis e muito dar lugar, na pastoral, ao
pastores. A este propósito, faz apelo amor incondicional de Deus. Pomos
tantas condições à misericórdia que
a esvaziamos de sentido concreto e
real significado, e esta é a pior maneira de aguar o Evangelho» (AL
311).
Capítulo IX
«Espiritualidade conjugal
e familiar»
O nono capítulo é dedicado à espiritualidade conjugal e familiar,
«feita de milhares de gestos reais e
concretos» (AL 315). Diz-se com clareza que «aqueles que têm desejos
espirituais profundos não devem
sentir que a família os afasta do crescimento na vida do Espírito, mas é
um percurso de que o Senhor Se
serve para os levar às alturas da
união mística» (AL 316). Tudo, «os
momentos de alegria, o descanso ou
a festa, e mesmo a sexualidade são
sentidos como uma participação na
vida plena da sua Ressurreição» (AL
317). Fala-se, portanto, da oração à
luz da Páscoa, da espiritualidade do
amor exclusivo e livre diante do desafio e do desejo de envelhecer e
gastar-se juntos, refletindo a fidelidade de Deus (cf. AL 319). E, por
fim, a espiritualidade «da solicitude,
da consolação e do estímulo». «Toda a vida da família é um “pastoreio” misericordioso.
Cada um, cuidadosamente, desenha e escreve na vida do outro» (AL
322), escreve o Papa. «É uma experiência espiritual profunda contemplar cada ente querido com os olhos
de Deus e reconhecer Cristo nele»
(AL 323).
No parágrafo conclusivo, o Papa
afirma: «Nenhuma família é uma
realidade perfeita e confecionada de
uma vez para sempre, mas requer
um progressivo amadurecimento da
sua capacidade de amar (...) Todos
somos chamados a manter viva a
tensão para algo mais além de nós
mesmos e dos nossos limites, e cada
família deve viver neste estímulo
constante. Avancemos, famílias; continuemos a caminhar! (...). Não percamos a esperança por causa dos
nossos limites, mas também não renunciemos a procurar a plenitude de
amor e comunhão que nos foi prometida» (AL 325).
A Exortação apostólica conclui-se
com uma Oração à Sagrada Família
(AL 325).
***
Como já se pode depreender a
partir de um rápido exame dos seus
conteúdos, a exortação apostólica
Amoris laetitia pretende reafirmar
com força não o «ideal» da família,
mas a sua realidade rica e complexa.
Há nas suas páginas um olhar aberto, profundamente positivo, que se
nutre não de abstrações ou projeções
ideais, mas de uma atenção pastoral
à realidade. O documento é uma leitura densa de indicações espirituais e
de sabedoria prática útil a cada casal
ou a pessoas que desejam construir
uma família. Nota-se sobretudo que
foi fruto de uma experiência concreta com pessoas que sabem a partir
da experiência o que é a família e o
viver juntos durante muitos anos. A
exortação fala de facto a linguagem
da experiência e da esperança.
número 15, quinta-feira 14 de abril de 2016
L’OSSERVATORE ROMANO
página 11
Globalidade e acolhimento na «Amoris laetitia»
Frutos do caminho sinodal
GUALTIERO BASSETTI
uem procurar na Amoris laetitia uma revolução, no significado mundano do termo, não encontrará vestígio
algum. E do mesmo modo quem
procurar a sua negação, ou seja, a
afirmação de uma forma qualquer de
conservação, ficará igualmente desiludido. Pelo simples motivo de que
esta é a linguagem mediática, mas
não da Igreja, cuja única linguagem
é o anúncio da boa notícia, da qual
tudo deriva: a vinda de Jesus ao
mundo e a sua Ressurreição; o amor
e a caridade; o perdão dos pecados
e a misericórdia; o testemunho da fé
e a centralidade da família. A única
verdadeira revolução que se pode
vislumbrar entre as páginas da exortação é a revolução da ternura, que
representa não apenas uma das categorias mais importantes deste pontificado, mas inclusive um dos símbolos mediante os quais observar a família através deste documento.
Q
Sem dúvida, a simplicidade destas
afirmações contrastará com as habituais representações mediáticas, amplificadas além da medida por um
uso obsessivo dos social networks,
mas reiterar estes conceitos significa
simplesmente frisar o âmago da
exortação. Entre as numerosas reflexões que se poderiam e deveriam fazer, chamo a atenção para alguns aspetos.
Em primeiro lugar, o espírito do
sínodo. A exortação apostólica encarna perfeitamente o caminho sinodal, que não foi um confronto entre
moções congressionais, mas um longo trecho de caminho percorrido em
conjunto. Um trajeto que durou
dois anos, contou com a participação de todas as dioceses do mundo
e deu vida a um debate vivo, verdadeiro e autêntico, no qual todos falaram com franqueza. E isto não é
pouco. Aliás, é muitíssimo!
Não só. O espírito do sínodo foi
também o mesmo do Vaticano II.
Com efeito, um dos elementos mais
evidenciados pelos padres sinodais
Para discernir e acompanhar
«Novidade» mas nenhum «elemento
de rutura» em relação à doutrina da
Igreja. Assim foi apresentada a exortação apostólica Amoris laetitia, na
manhã de 8 de abril, na Sala de Imprensa da Santa Sé.
O documento permanece ancorado na tradição pastoral prudencial
da Igreja. E escolhe uma linguagem
simples, direta, clara que chega a todo o povo de Deus. Uma linguagem
que tributa grande respeito a cada
homem, considerado não um caso
problemático para resolver mas uma
pessoa com uma história e um percurso peculiar. As palavras-chave da
exortação, ou seja, «discernir e
acompanhar» — como frisou o cardeal Christoph Schönborn, arcebispo de Viena — não se destinam só às
«chamadas situações irregulares»
mas são válidas para todos os homens, para cada matrimónio e família.
Antes do purpurado austríaco foi
o cardeal Lorenzo Baldisseri, secretário-geral do Sínodo dos bispos,
quem apresentou motivações e conteúdos da exortação apostólica, que
— observou — não introduz uma nova normativa geral na «inúmera variedade de situações concretas» relacionadas com as famílias feridas e
com as chamadas situações «irregulares». Estava presente no encontro
com a imprensa também o bispo Fabio Fabene, subsecretário do Sínodo
dos bispos.
Ilustrou o documento também o
casal Miano. Tomando a palavra depois dos dois cardeais, Francesco e
Giuseppina De Simone ofereceram o
seu testemunho de casal cristão
diante de «um texto magisterial que
ao falar da família reconduz ao essencial, àquilo que mais conta», fazendo-o «com uma linguagem direta, simples, para todos». Em síntese,
segundo eles Amoris laetitia «não é
um texto para peritos na matéria,
para especialistas da pastoral, mas
para «adidos da vida», ou seja, para
todos nós que, de maneira diversa,
somos parte de uma família».
Analisando em particular a segunda secção dedicada ao amor em família e o capítulo sobre a educação
dos filhos, os relatores frisaram como nestas páginas se sente que «o
Papa guia pela mão a descobrir a
beleza das nossas famílias, imperfeitas, frágeis, mas extraordinárias, porque amparadas no seu caminho quotidiano pelo amor do Senhor que
nunca se cansa, nunca falta e renova
todas as coisas». Portanto, através
deste documento pode-se «ver o tesouro que temos nas mãos, o grande
bem que está na normalidade da
nossa vida. É como se — explicou o
casal — o Papa dissesse: paremos um
momento, deixemos para trás os rumores, as corridas, os afãs, o turbilhão de vozes que nos investe diariamente até nos submergir, e procuremos sentir a nossa vida naquilo que
deveras tem para nos dizer, ouçamos
o que acontece dentro de nós, o que
move o nosso coração. Porque é nesta escuta que aprendemos a divisar a
presença do Senhor que faz das nossas histórias “terra sagrada”».
Sobretudo, continuaram, «a linguagem do Papa Francisco deixa falar a vida concreta das famílias». Até
porque «as suas palavras nascem da
escuta humilde para a qual convidavam os padres sinodais na abertura
do sínodo de 2014 e da qual ele
mesmo deu testemunho nas intensas
jornadas de trabalho dos dois sínodos dedicados à família: e é lindíssima esta Igreja que se deixa instruir
pela família». De resto, a exortação
desenha «uma gramática das relações que a Igreja não dita do alto
consistiu em realçar a «finalidade
unitiva» do matrimónio, isto é, «o
convite a crescer no amor» e na
«ajuda recíproca». Ou seja, uma das
grandes novidades introduzidas pelo
concílio.
Além disso, neste horizonte traçado pela assembleia conciliar é necessário ressaltar uma virtude com muita frequência «ignorada neste tempo
de relações frenéticas e superficiais»,
ou seja, a ternura. É a ternura cantada pelo salmista que, com os traços
«do amor paterno e materno», exprime a união entre os fiéis e o Senhor, e é também a «terna intimidade que existe entre a mãe e o filho».
No fundo, a ternura é «o olhar feito
de fé e amor, de graça e compromisso», que podemos contemplar na família.
Outro elemento que convém sublinhar é o alcance mundial da Amoris laetitia. Um alcance que, com
efeito, sem se limitar unicamente ao
contexto ocidental, representa um
olhar global às famílias do mundo.
A globalidade da exortação — que,
enraizando-se em cada território,
põe em evidência também a sua extrema solidez — é bem testemunhada
pelas citações tiradas de documentos
dos episcopados do mundo inteiro:
do México à Colômbia, da Itália à
Coreia, da Austrália ao Quénia.
O último aspeto é o acolhimento
na Igreja, que se une estreitamente
ao acompanhamento e ao discernimento. Trata-se de um elemento crucial que mede, e continuará a medir,
a nossa capacidade de amar e ajudar
as famílias. Com efeito, o acolhimento deve ser reservado a todos: às
famílias em migração, àquelas que
vivem em condições de pobreza extrema e a quantas conheceram a ferida do fracasso matrimonial. Uma integração pastoral necessária, mas que
é impensável sem o remédio da misericórdia e o discernimento do pastor. Indubitavelmente, trata-se de
um grande testemunho de caridade,
de afinidade fraternal e de proximidade autêntica em relação a todo o
povo de Deus, sem excluir ninguém.
da perfeição cristã
do amor e colocado
no centro desta
exortação, é declinado pelo Papa no
tempo e nos dias
da vida das famílias» e que «este
amor que é caminho no tempo rumo à plenitude é
alegria que dilata o
coração». Mas, admoestaram em continuidade com o
documento, que é
preciso cuidar da
Kolade Oshinowo, «A família» (2009)
alegria do amor.
Como? Cultivandomas que ela mesma aprende da vida a, «crescendo na capacidade de um
das famílias. Não é uma Igreja que olhar que aprecia», considerando
se coloca na cátedra, é uma Igreja que «muitas feridas e crises têm a
que sabe pôr-se a caminho e escolhe sua origem quando já não somos caestar nele até ao fundo, mas que pazes deste olhar, «quando deixaprecisamente por isto pode tornar-se mos de nos contemplar» entre marimestra que ajuda a fazer clareza e a do e esposa, entre pais e filhos, entre
reencontrar cada vez o sentido do irmãos». Não só, a alegria do amor
caminho».
«fortalece-se nos sofrimentos e nas
Na prática, para evocar uma ima- batalhas vividas juntos, cresce atragem querida ao Papa Francisco, tra- vés das palavras e gestos que alimenta-se do documento de «uma Igreja tam o amor dia após dia». E ao
que é povo de Deus a caminho». E mesmo tempo «amadurece através
a este propósito «a categoria do ca- do diálogo, do “conceder tempo” à
minho» parece «fundamental para escuta do outro dando-lhe espaço».
compreender o sentido da vida da Mesmo se «isto exige que se amadufamília que transparece» das páginas reça uma amplidão mental, uma fledo documento. «Que a vida da fa- xibilidade, uma riqueza interior sem
mília é um caminho — observaram — a qual a vida familiar se torna asfixia
é repetido com clareza; um caminho e o diálogo se empobrece».
no qual não devemos cansar-nos de
Sempre falando de alegria, o casal
olhar em frente, de ter grandes hori- relançou a importância das «emozontes, não podemos deixar de so- ções». Que, frisaram, «não devem
nhar, e do qual aprender a saborear ser sufocadas mas ajudadas a harmoe apreciar cada passo sem temer o nizar-se num crescimento de sensibiporvir, as transformações que o ca- lidade em relação ao outro». Sem
minho inclui em si, tendo antes o esquecer, entre outras coisas, a «disentido da imperfeição e do cresci- mensão erótica do amor», que não é
mento».
«um mal consentido» ou «um peso
Em seguida o casal falou do facto
CONTINUA NA PÁGINA 12
que «o hino da caridade, paradigma
L’OSSERVATORE ROMANO
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quinta-feira 14 de abril de 2016, número 15
Missas matutinas em Santa Marta
Quinta-feira
7 de abril
Sangue vivo
A Igreja «tem necessidade de testemunhas», mártires e cristãos «coerentes» que «levem a sério a vida».
Partindo da liturgia do dia, em especial na primeira leitura, tirada dos
Atos dos apóstolos (5, 27-33), na
qual se apresenta «um trecho da
longa história» que tem início quando João e Pedro curam «o paralítico
que estava na porta formosa do templo». Todos, recordou o Pontífice,
«viram a cura» e ninguém podia negar o carácter extraordinário do
acontecimento, porque «todos conheciam aquele homem que tinha
quarenta anos». E no entanto os
chefes, os sacerdotes, zangados,
proibiram que os apóstolos «ensinassem, pregassem em nome de Jesus».
Aliás, repreendendo-os, nunca proferiam o nome de Jesus, mas diziam:
«aquele homem». E afirmavam:
«Enchestes Jerusalém com o vosso
ensinamento e desejais fazer cair sobre nós o sangue deste homem».
Para discernir
e acompanhar
CONTINUAÇÃO DA PÁGINA 11
que deve ser suportado», mas ao
contrário «dom de Deus que embeleza o encontro entre os esposos». Enquanto que deve ser recusada na vida da família qualquer forma de «submissão» que
espezinhe ou limite a liberdade e
a dignidade do outro.
Por fim outros quatro aspetos
do amor mencionados pelos relatores foram o facto de que ele
não teme a mudança, que gera vida, que se faz encontro e que
educa. Em relação ao primeiro,
evidenciaram como o prolongarse da vida média faça «sobressair
com força a exigência de “voltar a
escolher-se em várias etapas”.
Não o arrastar-se cansado de relações privadas de luz, mas a riqueza de uma intimidade que existe
na força de uma partilha que
cresce no tempo em volta de um
projeto comum, enfrentando juntos as dificuldades e gozando juntos das coisas boas». E até quando «o aspeto físico muda», se «os
outros já não podem reconhecer a
beleza da identidade do outro, o
cônjuge apaixonado continua a
ser capaz de a sentir com o instinto do amor». Em relação ao tema da vida, fizeram notar quanto
são bonitas as páginas dedicadas
ao pai e à mãe, que mostram o
rosto paterno e materno do Senhor; no respeitante ao tema do
encontro explicaram que o Papa
recorda a presença de avós, tios,
primos e vizinhos; e sobre a educação frisaram que o Pontífice dedica parágrafos decisivos não só
ao ser pais, mas também ao ser filhos e irmãos ou idosos.
Eram postos em dificuldade por
uma realidade que «estava diante de
todos. Todos conheciam o paralítico
desde há anos e agora viam-no dançar de alegria, louvar a Deus, porque fora curado».
Diante deles, «forte no seu testemunho», estava Pedro. E o Papa, fazendo uma comparação, quis recordar a diversa atitude do apóstolo
por ocasião da negação de Cristo:
«Pensemos em Pedro, o cobarde, na
noite de Quinta-Feira Santa quando,
cheio de medo, nega três vezes o Senhor». Ao contrário, nessa circunstância o apóstolo afirma: «É preciso
obedecer a Deus e não aos homens.
O Deus dos nossos Pais ressuscitou
Jesus, que vós matastes, pregando-o
numa cruz. Deus elevou-o à sua direita como chefe e salvador, e destes
eventos somos testemunhas nós e o
Espírito Santo, que Deus concedeu
a quantos lhe obedecem». Diria:
«Que corajoso!». Francisco comentou: «Aquele Pedro nada tem a ver
com o Pedro de Quinta-Feira, nada!
Um Pedro cheio de força que dá testemunho».
Mas aquele testemunho corajoso
teve consequências: «Ao ouvir estas
coisas, eles — os chefes, os sumos sacerdotes — enraiveceram-se e queriam condená-lo à morte». De resto,
«o testemunho cristão» segue «o
mesmo caminho de Jesus: dar a vida. De um modo ou de outro, mas
arrisca a vida no verdadeiro testemunho». Nesta altura, o Pontífice aprofundou o conceito de testemunho,
começando com uma pergunta:
«Por que se tornou Pedro tão forte
no seu testemunho?». Depois de ter
curado o paralítico, o apóstolo disse:
«Não podemos calar aquilo que vimos e ouvimos». Ou seja, explicou
Francisco, «a coerência entre a vida
e o que vimos e ouvimos é precisamente o início do testemunho». Mas
o testemunho cristão tem outra caraterística, «não é só de quem o dá: o
testemunho cristão realiza-se sempre
em dois», como explica o próprio
são Pedro: «Nós e o Espírito Santo
somos testemunhas destes acontecimentos». Portanto, «sem o Espírito
Santo não há testemunho cristão,
porque o testemunho cristão, a vida
cristã é uma graça, uma graça que o
Senhor nos concede com o Espírito
Santo» e «sem o Espírito não conseguimos ser testemunhas». Caraterística essencial é a coerência: «A testemunha é coerente com o que diz, o
que faz e o que recebeu, ou seja, o
Espírito Santo».
Tal compreensão vem também do
Evangelho. A este propósito, o Papa
evocou o trecho em que Jesus fala
com o discípulo que veio ter com
Ele durante a noite, e afirma que
quem é enviado por Deus «diz as
palavras de Deus, sem medida. Ele
dá o Espírito. E quem vem do céu
dá testemunho do que viu e ouviu».
De resto, é o testemunho do próprio
Jesus: «Ele dá testemunho do que
viu e ouviu com o Espírito que concede aos seus discípulos». E esta,
explicou, «é a coragem cristã, este é
o testemunho».
Um testemunho, recordou o Pontífice, que encontramos nos «nossos
numerosos mártires de hoje, expulsos da sua terra, deslocados, degolados, perseguidos». Eles «têm a coragem de confessar Jesus precisamente
até ao momento da morte». Mas é
também o testemunho «dos cristãos
que levam a sério a sua vida e dizem: “Não posso fazer isto, não posso fazer mal ao próximo; não posso
enganar; não posso levar uma vida
pela metade, mas devo dar o meu
testemunho”». Tudo se liga a um
único conceito: o testemunho consiste em dizer o que na fé «vimos e ouvimos, ou seja Jesus ressuscitado»,
com o Espírito Santo «recebido como dom».
Quantas vezes, acrescentou, «em
momentos difíceis da história» ouvimos dizer: «Hoje a pátria precisa de
heróis». Analogamente, podemos
perguntar: «De que precisa a Igreja
hoje?». A resposta é imediata: «de
testemunhas, de mártires», isto é,
dos «santos de todos os dias, da vida diária», levada em frente «com
coerência», mas também daqueles
que têm a coragem de ser «testemunhas até ao fim, até à morte». Todos
«são o sangue vivo da Igreja». São
eles, acrescentou, «que levam em
frente a Igreja, as testemunhas,
quantos dão testemunho de que Jesus ressuscitou, de que Jesus está vivo, e testemunham-no com a coerência de vida e com o Espírito Santo
que receberam como dádiva». Concluindo, convidou a rezar para que
«o Senhor nos conceda, a todos nós,
esta coragem e sobretudo a fidelidade ao Espírito Santo, que nos é oferecido como dom».
Celebração do Pontífice para o Centro Aletti
Vereda do serviço
O caminho do cristão não é o mesmo dos arrivistas, nem daqueles
que seguem o deus dinheiro, procurando ocasiões para se ostentar
diante dos outros: o testemunho de
Jesus Cristo implica abaixamento,
humilhação e até perseguições e
sofrimentos, recordou o Papa Francisco durante a santa missa celebrada na capela Redemptoris Mater
no Vaticano, na parte da tarde de 8
de abril. A ocasião foi oferecida
pelo vigésimo quinto aniversário
do centro de estudos e pesquisas
intitulado a Ezio Aletti, fundado
pelo sacerdote jesuíta Marko Ivan
Rupnik imediatamente depois da
derrocada dos regimes comunistas
do leste europeu, e pelo vigésimo
aniversário de fundação do Atelier
de arte espiritual, ligado ao mencionado centro e intitulado à memória do saudoso cardeal Tomáš
Špidlík.
Entre os numerosos concelebrantes estava presente também o próprio padre Rupnik (autor, entre
outros, dos mosaicos que adornam
a capela no Palácio apostólico) e o
sacerdote jesuíta Milan Žust, superior da comunidade religiosa do
mesmo centro. Estavam presentes
aproximadamente oitenta pessoas.
Seguindo a liturgia do dia, o Sumo Pontífice deu continuidade à
reflexão começada nas missas celebradas recentemente na Casa de
Santa Marta, aprofundando o conceito de testemunho cristão. Tratase de um testemunho que — como
foi ressaltado também pelo trecho
tirado dos Atos dos Apóstolos, em
que se descreve o aprisionamento
de Pedro e de João, depois da cura
do paralítico em Jerusalém — exige
a graça do Espírito Santo. Ninguém pode dar testemunho sozinho. Mas corroborado pelo Espírito Santo o cristão será capaz também de sofrer ultrajes e até perseguições, sem renunciar a ensinar e
anunciar que Jesus é o Cristo.
Não devemos pensar — explicou
o Papa — numa espécie de espiritualidade masoquista, que se deleita com o sofrimento e com a dor,
mas é necessário reconhecer e fazer
nossa a espiritualidade do reino de
Deus, aquela que se encontra viva
em Jesus. Ele nunca
segue o caminho da
elevação: quando o
povo quer fazê-lo rei,
Ele retira-se para as
montanhas.
O seu exemplo consiste no abaixamento,
no esvaziamento e no
serviço: somente aqueles que o seguem ao
longo deste caminho
poderão encontrar paz
e felicidade. Por isso,
até quantos não são
chamados a viver a experiência da
perseguição, nem a derramar o
próprio sangue pela fé, e contudo
vivem no silêncio, sem julgar, e na
mansidão, humanamente falando
perdem, não ganham. Em síntese,
num «balanço» hipotético o testemunho è sempre uma perda. Contudo, não somos cristãos para ganhar posições aos olhos do mundo.
A lição, concluiu o Pontífice,
vem de Maria. Neste sentido, Francisco recordou como ele mesmo
gosta de recitar o terço diante de
um ícone de Nossa Senhora com o
Menino no colo. Neste ícone, Maria parece ocupar o lugar central,
mas na realidade Ela usa as suas
mãos como uma espécie de degrau
através do qual Jesus pode descer
para ser assim um de nós. O centro
é sempre Jesus, que se abaixa para
caminhar com os homens, aos
quais pede que o sigam pela mesma vereda do serviço.
número 15, quinta-feira 14 de abril de 2016
L’OSSERVATORE ROMANO
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Missas matutinas em Santa Marta
to que «Jesus dissera» àquelas
pessoas «que os seus pais tinham assassinado os profetas
“e vós edificais monumentos,
sepulcros”». Mas a «resposta
deles é mais do que hipócrita,
é cínica: “Se estivéssemos na
época dos nossos pais, não teríamos feito o mesmo”». E
«assim lavavam as mãos e
diante de si mesmos julgam-se
puros». Mas «o coração está
fechado à palavra de Deus, está fechado à verdade, está fechado ao mensageiro de Deus
que traz a profecia para fazer
avançar o povo de Deus».
«Faz-me mal — confidenciou Francisco — quando leio
aquele pequeno trecho do
Evangelho de Mateus, quando
Judas arrependido vai ter com
os sacerdotes e diz: “pequei”,
e quer dar... e dá moedas».
Mas
eles
respondem-lhe:
Beato Angélico, «Santo Estêvão diante do Sinédrio»
«Não nos importa! É um problema teu!». Têm «um coração fechado diante deste pobre homem arrependido que
não sabia o que fazer». Dizem-lhe:
Segunda-feira
«Resolves tu». E assim Judas «reti11 de abril
rou-se e foi-se enforcar».
Mas «o que fizeram eles quando
Agarrados à letra
Judas se foi enforcar? Falam e diPara Jesus o que conta é a vida das zem: “mas pobre homem...”». E
pessoas e não um esquema de leis e aquelas moedas também, acrescenpalavras: o assassínio de Estêvão e tam referindo-se aos trinta denários,
Joana d'Arc, a morte de muitos ou- «são pagos com o sangue, não potros inocentes na história e até o sui- dem entrar no templo». Em síntese
cídio de Judas recordam quanto mal são «os doutores da letra» e assim
possa causar «um coração fechado à seguem «a tal regra, a tal regra...».
Eles, reafirmou o Papa, «não se
palavra de Deus» a ponto de a usar
importam com a vida de uma pesnomeadamente contra a verdade.
Na primeira leitura tirada dos soa, não lhes interessa o arrependiAtos dos apóstolos (6, 8-15), expli- mento de Judas: o Evangelho diz
cou Francisco «a Igreja faz-nos ou- que se arrependeu». Eles «imporvir o trecho do discurso de Estêvão tam-se apenas com o esquema das
e do julgamento» contra ele. «Al- leis e com muitas palavras e coisas
guns dos doutores da lei, doutores que construíram». Precisamente «esda letra, levantaram-se para debater ta é a dureza de coração, a estultice
com Estêvão — recordou o Papa — do coração desta gente que, não pomas não conseguiam resistir à sabe- dendo resistir à verdade de Estêvão,
doria e ao espírito com os quais ele vai à procura de testemunhos e tesfalava». Com efeito, «Estêvão foi temunhas falsos para o julgar: o desungido pelo Espírito Santo e tinha tino de Estêvão está marcado como
precisamente a sabedoria do Espírito o dos profetas, assim como o de JeSanto e falava com aquela força, sus».
E este modo de se comportar
com aquela sabedoria, a mesma que
tinha Jesus; mas ele era Deus, falava «reiterar-se-á» no tempo, disse Francom autoridade, a autoridade que cisco recordando que «não acontevem de Deus, a autoridade que vem ceu apenas nos primeiros tempos da
Igreja». Aliás, observou, «a história
do Espírito Santo».
Nada podendo contra ele, prosse- narra-nos de muitas pessoas que foguiu Francisco, aquelas pessoas que ram assassinadas, julgadas, não obsestavam na sinagoga «incitaram al- tante fossem inocente: julgadas com
guns para que» o acusassem injusta- a palavra de Deus contra a palavra
mente de ter pronunciado «palavras de Deus». O Papa fez referência «à
blasfemas contra Moisés e contra caça às bruxas ou à santa Joana
Deus». Eis que, não podendo «dia- d'Arc» e também «a muitos outros
logar com ele e abrir o coração à que foram queimados, condenados
verdade, «escolheram imediatamente porque não se “conformaram”, seo caminho da calúnia». Os Atos gundo os juízes, à palavra de
narram que Estêvão foi preso e leva- D eus».
É «o modelo de Jesus — concluiu
do diante do Sinédrio e que foram
apresentadas também falsas testemu- o Pontífice — que, por ser fiel e por
ter obedecido à palavra do Pai, acanhas para o acusar.
A vicissitude de Estêvão, realçou o ba na cruz». Francisco evocou a
Papa, é significativa: «O coração fe- imagem da grande ternura de Jesus,
chado à verdade de Deus está agar- que aos discípulos de Emaús diz:
rado somente à verdade da lei, da le- «Estultos e lentos de coração». Ao
tra — mais do que da lei, da letra — Senhor, concluiu, «peçamos que,
e não encontra outra solução a não com a mesma ternura, olhe para as
ser a mentira, o falso testemunho e a pequenas ou grandes estultices do
morte». Precisamente «Jesus tinha nosso coração, nos acaricie», dizenrepreendido esta atitude porque, no do-nos «ó estulto e lento de coraAntigo Testamento, acontecera o ção” e comece a explicar-nos as coimesmo com os profetas». A tal pon- sas».
«A perseguição — observou o Papa — é uma das características, dos
Terça-feira
aspectos da Igreja, permeia toda a
sua história». E «a perseguição é
12 de abril
cruel, como esta de Estêvão, como a
dos nossos irmãos paquistaneses há
Duas perseguições
três semanas». É cruel «como a que
São duas as perseguições contra os praticava Saulo, que estava presente
cristãos: a «explícita» — o Papa re- na morte de Estêvão, do mártir Estêcordou os mártires assassinados du- vão: ia, entrava nas casas, prendia os
rante a Páscoa no Paquistão — e a cristãos e levava-os para que fossem
«educada, disfarçada de cultura, mo- julgados».
Contudo, advertiu Francisco, há
dernidade e progresso» que acaba
por tirar ao homem a liberdade, in- também «outra perseguição da qual
não
se fala muito». A primeira forclusive da objeção de consciência.
Mas precisamente nos sofrimentos ma de perseguição «deve-se ao condas perseguições o cristão sabe que fessar o nome de Cristo» e é portanto «uma perseguição explícita, clatem sempre o Senhor ao lado.
Para a sua meditação o Pontífice ra». Mas a outra perseguição «apreinspirou-se na primeira leitura, tira- senta-se disfarçada de cultura, de
da dos Atos dos apóstolos (7, 51-8, modernidade, de progresso: é uma
1). «Ouvimos — explicou — o martí- perseguição – diria um pouco ironirio de Estêvão: a tradição da Igreja camente – educada». Reconhece-se
chama-o protomártir, o primeiro «quando o homem é perseguido não
por confessar o nome de Cristo, mas
mártir da comunidade cristã». Mas
por desejar ter e manifestar os valo«antes dele houve os pequenos márres de filho de Deus». Por consetires que, sem falar mas com a vida,
guinte é «uma perseguição contra
foram perseguidos por Herodes». E
Deus Criador na pessoa dos seus fi«desde aquele tempo até hoje há
lhos». E assim «vemos todos os dias
mártires na Igreja, houve e haverá».
que os poderes fazem leis que obriSão «homens e mulheres perseguigam a ir por este caminho e uma nados só por confessar e por dizer que
ção que não segue estas leis moderJesus Cristo é o Senhor: mas isto é
nas, cultas, ou pelo menos que não
proibido!». Aliás, esta confissão quer tê-las na sua legislação, é acu«provoca — nalguns períodos, nal- sada, perseguida educadamente». É
guns lugares — a perseguição».
«a perseguição que priva o homem
«É quanto sobressai claramente — da liberdade, inclusive da objeção de
afirmou o Papa — do trecho dos consciência! Deus criou-nos livres,
Atos dos apóstolos que leremos mas esta perseguição tira-nos a liberamanhã: depois do martírio de Estê- dade! E se não fazes isto, serás punivão teve início uma grande persegui- do: perderás o trabalho e muitas oução em Jerusalém». Então «todos os tras coisas ou serás posto de lado».
cristãos fugiram, permaneceram só
«Esta é a perseguição do mundo»
os apóstolos». Eis que, acrescentou, insistiu o Pontífice. E «esta perse«a perseguição — diria eu — é o pão guição tem um chefe». Na perseguiquotidiano da Igreja: aliás disse-o ção de Estêvão «os chefes eram os
Jesus».
doutores das letras, os doutores da
«Quando fazemos um pouco de lei, os sumos sacerdotes». Ao contráturismo em Roma e vamos ao Coli- rio, «ao chefe da perseguição educaseu pensamos que os mártires eram da, Jesus chamou-lhe: príncipe deste
aqueles que os leões matavam» pros- mundo». Vê-se isto «quando os poseguiu o Papa. Contudo «os márti- deres querem impor comportamenres não foram só aqueles». Na reali- tos, leis contra a dignidade do filho
dade os mártires «são homens e mu- de Deus, o perseguem e agem conlheres de todos os dias: hoje, no dia tra Deus criador: é a grande apostada Páscoa, há apenas três semanas». sia». Desta forma «a vida dos crisO pensamento de Francisco dirigiu- tãos continua com estas duas persese para «aqueles cristãos que festeja- guições». Mas também com a certevam a Páscoa no Paquistão: foram za de que «o Senhor nos prometeu
martirizados precisamente por cele- que não se afastará de nós: “estai
brar Cristo ressuscitado». E «assim a atentos, estai atentos! Não cedais ao
história da Igreja continua com os espírito do mundo! Estai atentos!
seus mártires». Porque «a Igreja é a Mas ide em frente, e Eu estarei concomunidade dos crentes, a comuni- vosco”». Concluindo, Francisco pedade dos confessores, daqueles que diu ao Senhor, na oração, «a graça
professam que Jesus é Cristo: é a co- de compreender que o caminho do
cristão continua sempre no meio de
munidade dos mártires».
duas perseguições: o
cristão é um mártir, isto é, uma testemunha,
deve dar testemunho
do Cristo que nos salvou». Trata-se de «dar
testemunho de Deus
Pai, que nos criou, no
caminho da vida».
Neste caminho o cristão «muitas vezes deve
sofrer: ele carrega muitas dores». Mas «é assim a nossa vida: com
Jesus sempre ao nosso
lado, com a consolação
do Espírito Santo». E
José Clemente Orozco, «O martírio de Santo Estêvão» (1944)
«esta é a nossa força».
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quinta-feira 14 de abril de 2016, número 15
Francisco volta a denunciar a chaga do tráfico de seres humanos
Crime contra a humanidade
«A grave questão da escravidão moderna e do tráfico de seres humanos» hoje «continua a ser um flagelo no mundo inteiro» e constitui um
verdadeiro «crime contra a humanidade», escreve o Papa Francisco na
mensagem enviada ao arcebispo Bernardito Auza, observador permanente da Santa Sé junto da Organização das Nações Unidas, por ocasião
da conferência sobre este tema, que
teve lugar a 7 de abril no Palácio de
Vidro em Nova Iorque.
No texto em inglês, o Pontífice
exprime o seu apreço pela iniciativa,
organizada em colaboração com o
chamado «Grupo de Santa Marta»,
a aliança de responsáveis de polícia
e de bispos católicos do mundo inteiro, que trabalham com a sociedade civil para erradicar o tráfico de
seres humanos e garantir cuidados
pastorais às vítimas. A aliança reuniu-se pela primeira vez em abril de
2014 precisamente na Domus escolhida por Francisco como residência
papal. Naquela circunstância, o Pontífice definiu o tráfico de seres humanos uma ferida aberta no tecido
da sociedade contemporânea. Outras reuniões do grupo a nível internacional tiveram lugar em Londres
(dezembro de 2014) e em Madrid
(outubro de 2015).
Na mensagem, Francisco manifestou a sua gratidão também aos Estados membros da Onu e às várias organizações governamentais, civis e
religiosas «comprometidas no combate a este crime contra a humanidade», juntamente com o encorajamento — enquanto se realiza a reflexão
sobre as múltiplas causas do fenómeno — a «fortalecer os vínculos de
cooperação e comunicação, que são
essenciais para pôr termo ao sofrimento dos numerosos homens, mulheres e crianças que hoje são redu-
zidos à escravidão e vendidos como
se fossem simples mercadoria». Com
efeito, somente assim, explica Francisco, «será possível promover soluções e medidas preventivas que permitam debelar este mal a todos os
níveis da sociedade». De resto, a recente aprovação da Agenda de 2030,
com os novos objetivos de desenvolvimento sustentável da Onu, no n.
8.7 diz textualmente: «Tomar medidas imediatas e eficazes para erradicar o trabalho forçado, pôr fim à escravidão moderna e ao tráfico de seres humanos, e garantir a proibição
e a eliminação das piores formas de
trabalho infantil, em especial o re-
crutamento e a utilização das crianças-soldado e, até 2025, acabar com
o trabalho infantil em todas as suas
formas».
Por isso, o Papa desejou que nos
debates se tenha sempre «presente a
dignidade de cada pessoa», reconhecendo «em cada esforço um serviço
autêntico aos mais pobres e marginalizados da sociedade, que muitas
vezes são esquecidos e não têm
voz».
Enfim, o Pontífice assegura a «todos os presentes o sólido compromisso da Igreja católica a lutar contra este crime e a cuidar de todas as
suas vítimas».
Não-violência como arma de paz
CONTINUAÇÃO DA PÁGINA 1
A fim de buscar vias de solução
para a singular e terrível «guerra
mundial aos pedaços» que, nos nossos dias, grande parte da humanidade está a viver de modo direto ou
indireto, é necessário redescobrir as
razões que impeliram no século passado os filhos de uma civilização em
grande parte ainda cristã a dar vida
ao Movimento Pax Christi e ao Pontifício Conselho «Justiça e Paz». Ou
seja, é preciso trabalhar por uma paz
verdadeira através do encontro entre
pessoas concretas e a reconciliação
entre povos e grupos que se enfrentam por posições ideológicas contrapostas e esforçar-se por realizar a
justiça na qual pessoas, famílias, povos e nações sintam que têm o direito nos âmbitos social, político e económico de cumprir a sua missão no
mundo3. Com efeito, ao lado do
«sábio esforço daquela superior fantasia criativa, que chamamos diplomacia»4 que deve ser continuamente
alimentado, e à promoção, no mundo globalizado, da justiça, que é
«ordem na liberdade e no dever
consciente»5, é necessário renovar todos os instrumentos mais adequados
para concretizar a aspiração à justiça
e à paz dos homens e das mulheres
de hoje. Desta forma, também a reflexão para relançar o percurso da
não-violência, e em especial da nãoviolência ativa, constitui um necessário e positivo contributo. É quanto
se propõem fazer os participantes na
Conferência de Roma, aos quais
gostaria de recordar nesta minha
mensagem alguns pontos que me estão particularmente a peito.
A premissa fundamental é que a
finalidade última e mais digna da
pessoa humana e da comunidade é a
abolição da guerra6. De resto, como
se sabe, a única condenação expressa
pelo Concílio Vaticano II foi precisamente a da guerra7, embora na consciência de que, não tendo sido extirpada da condição humana, «não se
pode negar aos governos, depois de
esgotados todos os recursos de ne-
gociações pacíficas, o direito de legítima defesa»8.
Outro ponto indiscutível: a constatação de que «o conflito não pode
ser ignorado ou dissimulado; deve
ser aceitado»9 para não permanecermos enredados perdendo a perspetiva geral e o sentido da unidade profunda da realidade10. Com efeito, só
se aceitarmos o conflito, poderemos
resolvê-lo e transformá-lo num anel
de ligação daquele novo processo
que os «agentes de paz» põem em
prática11.
Além disso, como cristãos, sabemos que só se considerarmos os nossos semelhantes como irmãos e irmãs poderemos superar guerras e
conflitos. A Igreja não se cansa de
repetir que isto é válido não só individualmente mas também para os
povos e as nações, a ponto que considera a Comunidade internacional
como a «Família das Nações». Por
este motivo, também na Mensagem
para o Dia mundial da Paz deste
ano dirigi um apelo aos responsáveis
dos Estados a fim de que «renovem
as suas relações com os outros povos, permitindo a todos uma efetiva
participação e inclusão na vida da
comunidade internacional, para que
se realize a fraternidade também
dentro da família das nações»12.
Como cristãos, sabemos também
que o grande obstáculo a ser removido para que isto aconteça é aquele
erigido pelo muro da indiferença. A
crónica dos tempos recentes demonstra-nos que se falo de muro
não é só para usar uma linguagem
figurada, mas porque se trata da triste realidade. Uma realidade, esta indiferença, que atinge não só os seres
humanos mas também o meio ambiente natural com consequências
frequentemente nefastas em termos
de segurança e de paz social13.
Contudo, o compromisso a superar a indiferença só terá sucesso se,
imitando o Pai, formos capazes de
usar a misericórdia. Aquela misericórdia que encontra a sua expressão
na solidariedade, por assim dizer,
«política» porque a solidariedade
constitui a atitude moral e social que
melhor responde à tomada de consciência das chagas do nosso tempo e
da interdependência entre a vida do
indivíduo e da comunidade familiar,
local ou global14.
Deste modo, no nosso mundo
complexo e violento, é grande a tarefa que espera quantos trabalham
pela paz, vivendo a experiência da
não-violência! Obter o desarmamento integral «desarmando os espíritos»15, criando pontes, combatendo
o medo e continuando o diálogo
aberto e sincero, é deveras árduo.
Com efeito, dialogar é difícil, é preciso estar prontos a dar e também a
receber, a não partir do pressuposto
que o outro erra mas, a partir das
nossas diferenças, procurar, sem negociar, o bem de todos e, quando
enfim se estabelece um acordo, mantê-lo firmemente16.
De resto, diferenças culturais e de
experiências de vida caracterizam
também os participantes na Conferência de Roma, mas elas enriquecerão os intercâmbios e contribuirão
para a renovação do testemunho ativo da não-violência como «arma»
para conquistar a paz.
Por fim, gostaria de convidar todos os presentes a apoiar duas das
solicitações que dirigi aos responsáveis dos Estados, neste Ano jubilar:
a abolição da pena de morte, onde
ainda estiver em vigor, juntamente
com a possibilidade de uma amnistia, e o cancelamento ou a gestão
sustentável da dívida internacional
dos Estados mais pobres17.
Enquanto cordialmente desejo a
Vossa Eminência e aos participantes
um profícuo e frutuoso trabalho, a
todos concedo a minha bênção
apostólica.
FRANCISCO
1. Misericordiae vultus, n. 2.
2. Ibid., n. 17.
3. Cf. Gaudium et spes, n. 9.
4. Paulo VI, Mensagem para o Dia
Mundial da Paz de 1976, As verdadeiras armas da paz.
5. Ibid.
6. Discurso ao IV Curso de formação
dos Capelães Militares ao Direito internacional humanitário, 26 de outubro de 2015.
7. Cf. Gaudium et spes, nn. 77 a 82.
8. Gaudium et spes, n. 79.
9. Evangelii gaudium, n. 226.
10. Ibid.
11. Ibid., n. 227.
12. Mensagem para o Dia Mundial
da Paz de 2016, Vence a indiferença e
conquista a paz, n. 8.
13. Cf. ibid., n. 4.
14. Cf. Mensagem para o Dia Mundial da Paz de 2016, Vence a indiferença e conquista a paz, n. 5.
15. São João XXIII, Pacem in terris, n.
61.
16. Discurso aos Representantes da
Sociedade civil, Assunção, 11 de julho de 2015.
17. Mensagem para o Dia Mundial
da Paz de 2016, Vence a indiferença e
conquista a paz, n. 8.
L’OSSERVATORE ROMANO
número 15, quinta-feira 14 de abril de 2016
INFORMAÇÕES
Audiências
O Papa Francisco recebeu em audiências particulares:
zia de Lábrea (Brasil), em conformidade com o cânone 401 § 2 do Código de Direito Canónico.
No dia 7 de abril
D. Giuseppe Pinto, Núncio Apostólico nas Filipinas; Sua Beatitude
Gregorios III Laham, Patriarca de
Antioquia dos Greco-Melquitas (Síria); D. Georges Pontier, Arcebispo
de Marselha (França), Presidente da
Conferência dos Bispos da França,
com D. Pascal Delannoy, Bispo de
Saint-Denis, Vice-Presidente, e D.
Pierre-Marie Carré, Arcebispo de
Montpellier, Vice-Presidente, e D.
Olivier Ribadeau Dumas, SecretárioGeral.
No dia 8 de abril
Os Senhores Cardeais Fernando Filoni, Prefeito da Congregação para a
Evangelização dos Povos; e Dominique Mamberti, Prefeito do Supremo
Tribunal da Assinatura Apostólica.
No dia 9 de abril
O Senhor Cardeal Marc Ouellet,
Prefeito da Congregação para os
Bispos.
Ereção de Diocese
Sua Santidade erigiu:
A 11 de abril
A Diocese de Rayagada (Índia),
desmembrando
a
Diocese
de
Berhampur, tornando-a sufragânea
da Sede Metropolitana de CuttackBhubaneswar.
Nomeações
O Sumo Pontífice nomeou:
A 7 de abril
Administrador Apostólico sede vacante et ad nutum Sanctae Sedis da
Diocese de Keta-Akatsi (Gana), D.
Emmanuel Fianu, S.V.D., atualmente
Bispo de Ho.
Bispo de Ciudad Real (Espanha), D.
Gerardo Melgar Viciosa, até esta data Bispo de Osma-Soria.
Bispo de San Carlos de Venezuela
(Venezuela), o Rev.do Padre Polito
Rodríguez Méndez, do clero da
Diocese de Barinas, até hoje Subsecretário da Conferência Episcopal da
Venezuela.
D. Polito Rodríguez Méndez nasceu
em Santa Bárbara (Venezuela), a 13
de agosto de 1967. Recebeu a Ordenação sacerdotal no dia 31 de julho de
1999.
Bispo Ordinário Militar para o Canadá, o Rev.do Pe. Scott McCaig,
C.C., Superior-Geral dos Companions of the Cross (Canadá).
D. Scott McCaig, C.C., nasceu em
Duncan (Canadá), no dia 12 de dezembro de 1965. Foi ordenado Sacerdote a 3 de junho de 1995.
O Santo Padre aceitou a renúncia:
No dia 7 de abril
D. Raúl Alfonso Carrillo Martínez
nasceu a 22 de setembro de 1964, em
De D. Anthony Kwami Adanuty, ao
governo pastoral da Diocese de Keta-Akatsi (Gana), em conformidade
com o cânone 401 § 1 do Código de
Direito Canónico.
No dia 8 de abril
De D. Antonio Ángel Algora Hernando, ao governo pastoral da Diocese de Ciudad Real (Espanha), em
conformidade com o cânone 401 § 1
do Código de Direito Canónico.
De D. Donald Thériault, ao governo
pastoral do Ordinariado Militar para
o Canadá, em conformidade com o
cânone 401 § 2 do Código de Direito Canónico.
De D. Luis Horacio Gómez Gonzáles, ao governo pastoral do Vicariato
Apostólico de Puerto Gaitán (Colômbia), em conformidade com o cânone 401 § 2 do Código de Direito
Canónico.
No dia 9 de abril
De D. Ramón del Hoyo López, ao
governo pastoral da Diocese de Jaén
(Espanha), em conformidade com o
cânone 401 § 1 do Código de Direito Canónico.
No dia 13 de abril
De D. Jesús Moraza Ruiz de Azúa,
O.A.R., ao governo pastoral da prela-
Auxiliar de Roma, o Rev.mo Mons.
Gianrico Ruzza, do clero romano,
até agora Pároco da Paróquia de
São Roberto Belarmino, simultaneamente eleito Bispo Titular de Subaugusta.
D. Gianrico Ruzza nasceu em Roma (Itália), no dia 14 de fevereiro de
1963. Foi ordenado Sacerdote a 16 de
maio de 1987.
A 9 de abril
A 8 de abril
Vigário Apostólico de Puerto Gaitán
(Colômbia), o Rev.do Pe. Raúl Alfonso Carrillo Martínez, do clero de
Zipaquirá, até esta data Pároco e
Moderador da Cúria, simultaneamente eleito Bispo Titular de Afufenia.
Renúncias
Ubaté (Colômbia). Recebeu a Ordenação sacerdotal no dia 14 de maio de
1990.
Legado Pontifício para o Congresso
Nacional da Lituânia sobre a Misericórdia, que será celebrado em Vilnius de 6 a 8 de maio, o Senhor
Cardeal Pietro Parolin, Secretário de
Estado.
Membro do Pontifício Conselho
«Justiça e Paz», D. Silvano Maria
Tomasi, Arcebispo Titular de Asolo,
Núncio Apostólico.
Bispo da Diocese de Jaén (Espanha), D. Amadeo Rodríguez Magro,
até à presente data Bispo de Plasencia.
A 11 de abril
Bispo da Diocese de Dindigul (Índia), o Rev.mo Mons. Thomas Paulsamy, até hoje Pároco de Saint Anthony’s Church em Kallukuzhy, exVigário-Geral de Tiruchirapalli.
D. Thomas Paulsamy nasceu a 2 de
agosto de 1951 em N. Poolampatty
(Índia). Recebeu a Ordenação sacerdotal no dia 25 de maio de 1977.
Primeiro Bispo de Rayagada (Índia), o Rev.do Pe. Aplinar Senapati,
C.M., até esta data Pároco e Diretor
da Escola Média de Derapathar.
D. Aplinar Senapati, C.M., nasceu
em Surada (Índia), no dia 28 de ou-
Ccee e Cec por ocasião do Dia internacional dos Roma
Seiscentos anos
de acolhimento fracassado
«Encorajemos as nossas comunidades cristãs na Europa a continuar a
apoiar o bem-estar dos ciganos e a trabalhar ativamente para pôr fim a
discursos de ódio e à exclusão social. Devemos caminhar juntos. Apelamos a todos para que os marginalizados sejam acolhidos e para que
seja reconhecida a sua dignidade humana visto que é dom de Deus».
Afirmaram-no conjuntamente o Conselho das Conferências episcopais europeias e a Confederação das Igrejas europeias numa mensagem
difundida por ocasião do Dia internacional dos roma. Eles, lê-se no
texto, «com a sua tradição, fé e cultura únicas também são chamados
a levar os seus valores à sociedade europeia, como cidadãos responsáveis». Com efeito, os ciganos têm «um secular sentido de identidade
europeia compartilhada e de livre circulação, através dos confins políticos, culturais e religiosos. São uma das populações indígenas da Europa que contudo não goza de um tratamento de igualdade em termos
de respeito e honra entre as outras».
As organizações internacionais recordam que «depois de mais de
600 anos da sua migração na Europa» o pleno acolhimento dos ciganos permanece incompleto: «O facto de que eles vivam em circunstâncias de contínua discriminação e até de perseguição é uma vergonha
para os países europeus. É necessário observar a sua situação através
dos séculos, e também desde o holocausto até aos nossos dias, e reconhecer a nossa responsabilidade. A principal solução para estas difíceis
condições dos ciganos e das suas famílias — conclui a mensagem —
passa através da consciência, do trabalho e da fé. A sua inclusão é uma
indicação necessária do nosso compromisso por uma identidade europeia partilhada e pela livre circulação das pessoas, dos bens e das
ideias na Europa».
página 15
tubro de 1960. Foi ordenado Sacerdote
a 28 de novembro de 1990.
A 12 de abril
Núncio Apostólico nos Estados Unidos da América, D. Christophe Pierre, até esta data Núncio Apostólico
no México.
A 13 de abril
Bispo Prelado da Prelazia de Lábrea
(Brasil), o Rev.do Pe. Santiago Sánchez Sebastián, O.A.R., até hoje Delegado da Província de São Nicolau
dos Agostinianos Recoletos e Pároco
da Paróquia de Santa Rita de Cássia
em Manaus.
D.
Santiago Sánchez Sebastián,
nasceu a 25 de julho de 1957
em Cortes (Navarra) Espanha. Frequentou o curso de Filosofia no Seminário «San Nicolás» e Fuenterrabia e
de Teologia no «Teologado de los
Agustinos Recoletos» em Marcilla.
Emitiu a profissão religiosa a 22 de
agosto de 1976 na Ordem dos Agostinianos Recoletos e recebeu a Ordenação
sacerdotal no dia 26 de julho de 1980.
No exercício do ministério sacerdotal
desempenhou os seguintes cargos: Formador no «Colegio San Agustín» em
Valladolid, Espanha (1980-1983);
Promotor vocacional em Valladolid
(1983-1985); Formador no Seminário
menor de Valladolid (1985-1988);
Formador no Seminário menor de Lodosa, Navarra (1988-1997); Mestre
de Noviços em Monteagudo, Navarra
(1997-2006); Superior, Formador e
Pároco em Fortaleza, Brasil (20062012).
O.A.R.,
Prelados falecidos
Adormeceram no Senhor:
No dia 6 de abril
D. Jaime Pedro Gonçalves, Arcebispo Emérito da Beira (Moçambique).
O ilustre Prelado nasceu em Manica
(Moçambique), a 26 de novembro de
1936. Foi ordenado sacerdote no dia 17
de dezembro de 1967. Recebeu a Ordenação episcopal em 28 de março de
1976. No dia 14 de janeiro de 2012
renunciou ao governo pastoral da Arquidiocese.
No dia 9 de abril
D. Lucas Martínez Lara, Bispo de
Matehuala (México).
O saudoso Prelado nasceu a 13 de
março de 1943 em Villa de la Paz
(México). Recebeu a Ordenação sacerdotal no dia 27 de outubro de 1968.
Foi ordenado Bispo em 15 de outubro
de 2006.
No dia 10 de abril
D. Thomas Kwaku Mensah, Arcebispo Emérito de Kumasi (Gana).
O venerando Prelado nasceu em Assamang (Gana), no dia 2 de fevereiro
de 1935. Foi ordenado Sacerdote a 3
de junho de 1973. Recebeu a Ordenação episcopal em 28 de maio de 1995.
Início de Missão
de Núncio Apostólico
D. Luigi Bianco, Arcebispo Titular
de Falerone, em Djibuti (15 de fevereiro).
L’OSSERVATORE ROMANO
página 16
quinta-feira 14 de abril de 2016, número 15
O Papa recordou que a Igreja é uma comunidade a caminho e pediu orações pela visita a Lesbos
À mesa
com os pecadores
Jesus não tem medo de se sentar à
mesma mesa dos publicanos e dos
pecadores, porque «não tem em
consideração o passado deles mas, ao
contrário, abre-lhes um novo futuro»,
disse o Papa Francisco durante a
audiência geral de quarta-feira 13 de
abril, dando continuidade com os fiéis
reunidos na praça de São Pedro à
série de catequeses sobre a misericórdia
à luz do Evangelho.
Bom dia, prezados irmãos e irmãs!
Ouvimos o Evangelho da vocação
de Mateus. Mateus era um «publicano», ou seja, um cobrador de impostos em nome do império romano,
e por isso era considerado
pecador público. Mas Jesus
chama-o para o seguir e para
se tornar seu discípulo. Mateus aceita e convida-o para
jantar na sua casa juntamente com os discípulos. Então,
começa um debate entre os
fariseus e os discípulos de
Jesus, porque estes compartilham a mesa com os publicanos e os pecadores. «Mas tu
não podes ir à casa desta
gente!», diziam eles. Com
efeito, Jesus não os afasta
mas, pelo contrário, frequenta as suas casas e senta-se ao
seu lado; isto significa que
também eles podem tornarse seus discípulos. E é igualmente verdade que ser cristãos não nos torna impecáveis. Como o publicano Mateus, cada um de nós confia
na graça do Senhor, não
obstante os próprios pecados. Todos nós somos pecadores, todos cometemos pecados. Chamando Mateus,
Jesus mostra aos pecadores que não
tem em consideração o passado deles, nem a sua condição social, nem
sequer as convenções exteriores mas,
ao contrário, abre-lhes um novo futuro. Certa vez ouvi um bonito ditado: «Não há santo sem passado,
nem pecador sem futuro». É isto
que Jesus faz. Não há santo sem
passado, nem pecador sem futuro. É
suficiente responder ao convite com
o coração humilde e sincero. A Igreja não é uma comunidade de pessoas perfeitas, mas de discípulos a
caminho, que seguem o Senhor porque se reconhecem pecadores e necessitados do seu perdão. Por conseguinte, a vida cristã é escola de humildade que nos abre à graça.
Este comportamento não é compreendido por quantos têm a presunção de se julgar «justos», de
achar que são melhores que os outros. Soberba e orgulho não nos permitem reconhecer-nos necessitados
de salvação, aliás, impedem-nos de
ver o rosto misericordioso de Deus e
de agir com misericórdia. Elas são
um muro. A soberba e o orgulho são
um muro que impedem a relação
com Deus. E no entanto, a missão
de Jesus é precisamente esta: vir à
procura de cada um de nós, para curar as nossas feridas e para nos chamar a segui-lo com amor. Di-lo claramente: «Não são os que têm saúde
que precisam de médico, mas sim os
doentes» (v. 12). Jesus apresenta-se
como um bom médico! Anuncia o
Reino de Deus, e os sinais da sua
vinda são evidentes: Ele cura das
doenças, liberta do medo, da morte
e do demónio. Diante de Jesus, nenhum pecador deve ser excluído —
nenhum pecador deve ser excluído!
— porque o poder purificador de
Deus não conhece enfermidades que
não possam ser curadas; e isto deve
dar-nos confiança e abrir o nosso coração ao Senhor, a fim de que venha
e nos cure. Chamando os pecadores
à sua mesa, Ele cura-os restabelecendo-os naquela vocação que eles julgavam perdida e que os fariseus ti-
nham esquecido: a de convidados
para o banquete de Deus. Segundo
a profecia de Isaías: «O Senhor dos
exércitos preparou para todos os povos, nesse monte, um banquete de
carnes gordas, um festim de vinhos
velhos, de carnes gordas, de vinhos
velhos purificados... E naquele dia
dirão: eis o nosso Deus, do qual esperamos a nossa libertação. Congratulemo-nos, rejubilemo-nos pelo seu
socorro» (25, 6-9).
Se os fariseus veem nos convidados somente pecadores e se recusam
a sentar-se ao seu lado, Jesus ao
contrário recorda-lhes que também
aqueles são comensais de Deus. Deste modo, sentar-se à mesa com Jesus
significa ser por Ele transformado e
salvo. Na comunidade cristã, a mesa
de Jesus é dupla: há a mesa da Palavra e a mesa da Eucaristia (cf. Dei
Verbum, 21). São estes os remédios
com que o Médico Divino nos cura
e nos alimenta. Com o primeiro — a
Palavra — Ele revela-se e convidanos a um diálogo entre amigos. Jesus não tinha medo de dialogar com
os pecadores, os publicanos, as prostitutas... Não, Ele não tinha receio:
amava todos! A sua Palavra penetranos e, como um bisturi, age em profundidade para nos livrar do mal
que se oculta na nossa vida. Às vezes esta Palavra é dolorosa porque
incide sobre as hipocrisias, desmas-
cara as falsas desculpas, revela as
verdades escondidas; mas ao mesmo
tempo ilumina e purifica, dá força e
esperança, é um precioso reconstituinte no nosso caminho de fé. Por
sua vez, a Eucaristia nutre-nos com
a própria vida de Jesus e, com um
remédio poderosíssimo, de modo
misterioso renova continuamente a
graça do nosso Batismo. Aproximando-nos da Eucaristia, nós alimentamo-nos com o Corpo e Sangue de
Jesus; e no entanto, entrando em
nós, é Jesus que nos une ao seu Corpo!
Concluindo aquele diálogo com
os fariseus, Jesus recorda-lhes uma
palavra do profeta Oseias (6, 6):
«Ide e aprendei o que significam estas palavras: Eu quero a misericórdia
e não o sacrifício» (Mt 9, 13). Dirigindo-se ao povo de Israel, o profeta
repreendia-o porque as preces que
elevava eram palavras vazias e incoerentes. Não obstante a aliança de
Deus e a misericórdia, o povo vivia
frequentemente segundo uma religiosidade «de fachada», sem viver
em profundidade o mandamento do
Senhor. Eis por que razão o profeta
insiste: «Eu quero a misericórdia»,
ou seja, a lealdade de um coração
que reconhece os próprios pecados,
que se arrepende e volta a ser fiel à
aliança com Deus: «E não o sacrifício»: sem um coração arrependido,
todas as obras religiosas são ineficazes! Jesus aplica esta frase profética
também aos relacionamentos humanos: aqueles fariseus eram muito observantes na forma, mas não estavam
dispostos a compartilhar a mesa com
os publicanos e os pecadoes; não reconheciam a possibilidade de um arrependimento e por isso de uma cura; não punham em primeiro lugar a
misericórdia: embora fossem fiéis
guardiões da Lei, demonstravam que
não conheciam o Coração de Deus!
É como se te oferecessem um pacote
com um presente e tu, em vez de ir
ver o dom, olhasses somente para o
papel com o qual ele foi embrulha-
do: só as aparências, a forma, e não
o núcleo da graça, do dom que é
oferecido!
Caros irmãos e irmãs, todos nós
somos convidados à mesa do Senhor. Façamos nosso o convite a
sentar-nos ao seu lado, juntamente
com os seus discípulos. Aprendamos
a olhar com misericórdia e a reconhecer em cada um deles um nosso
comensal. Somos todos discípulos
necessitados de experimentar e viver
a palavra consoladora de Jesus. Todos nós temos necessidade de nos
alimentarmos da misericórdia de
Deus, porque é desta fonte que brota a nossa salvação. Obrigado!
No dia 16 de abril o Pontífice
irá a Lesbos «para manifestar
proximidade e solidariedade»
aos refugiados, aos cidadãos
da ilha e a todo o povo grego,
«tão generoso na
hospitalidade». Ao dar este
anúncio, Francisco pediu que
todos o acompanhem com a
oração.
De coração saúdo todos os
peregrinos de língua portuguesa, particularmente os
brasileiros de Uberaba e
Uruaçu. Queridos amigos,
abandonemos a presunção
de nos crermos mais justos e
melhores do que os outros;
ao contrário, reconheçamos
que somos todos discípulos
e pecadores necessitados de
ser tocados pela misericórdia
de Deus. Sobre vós e sobre
vossas comunidades, desça a
Bênção do Senhor!
Estimados irmãos e irmãs,
no próximo domingo celebraremos o Dia mundial de
oração pelas vocações. Pedi a Cristo,
Bom Pastor, que envie sempre novos
trabalhadores ao seu serviço.
No próximo sábado irei à ilha de
Lesbos, por onde nos meses passados transitaram numerosíssimos refugiados. Irei juntamente com os meus
irmãos, o Patriarca de Constantinopla Bartolomeu e o Arcebispo de
Atenas e de toda a Grécia, Hieronymos, para manifestar proximidade e
solidariedade, tanto aos refugiados
como aos cidadãos de Lesbos e a todo o povo grego, tão generoso na
hospitalidade. Peço por favor que
me acompanheis com a oração, invocando a luz e a força do Espírito
Santo, bem como a intercessão maternal da Virgem Maria.
Dirijo uma saudação especial aos
jovens, aos doentes e aos recém-casados. O anúncio pascal continue a
fazer-nos viver o arrebatamento dos
discípulos de Emaús: amados jovens,
só o Senhor Jesus sabe responder
completamente às aspirações de felicidade e de bem na vossa vida; caros
enfermos, não há melhor consolação
para o vosso sofrimento do que a
certeza da Ressurreição de Cristo; e
vós, queridos recém-casados, vivei o
vosso matrimónio em adesão concreta a Cristo e aos ensinamentos do
Evangelho.