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Reflexões preambulares sobre a Distopia 2006 [a “Um breve tratado sobre a
Distopia 2001”]1
Darko Suvin
McGill University
Traduzido por Ana Cecília Araki e Helvio Moraes
Resumo
Publicado primeiramente em 2003 com o título de "Theses on Dystopia 2001" (in Baccolini, R. &
Moylan, T (ed.) Dark Horizons) o “Breve Tratado sobre a Distopia 2001” apresenta uma série de
reflexões e teses para o entendimento das noções de utopia, eutopia, distopia, anti-utopia, entre
outras, na contemporaneidade, principalmente – levando-se em consideração as “Reflexões
preambulares sobre a Distopia 2006” –, com relação à "nova atmosfera", marcada "pela competição
de monoteísmos radicalmente dogmáticos sob o capitalismo", que se desenvolve após os eventos do
11 de setembro. Nestas “Reflexões”, o autor acrescenta "algumas ideias que, ao mesmo tempo, são
um Post Scriptum ao tratado de 2001 e podem substanciá-lo como uma introdução em 2006".
Palavras--chave
Utopia, eutopia, distopia, disneyficação.
Darko Suvin é professor emérito da McGill University, membro da Royal Society of Canada
(Academy of Humanities and Social Sciences); pesquisador associado, junto ao Dipartimento di
Anglistica, Università di Pisa; membro do Collegio, Dottorato in Italianistica, Dipartimento di
Lingue e Letterature Moderne e Comparate, Università di Roma 2 – Tor Vergata; membro do
P.E.N. Club italiano (Milão). É um dos nomes centrais no âmbito dos estudos utópicos,
principalmente por seu trabalho sobre a ficção científica, do qual se destacam os seguintes títulos:
Metamorphoses of Science Fiction: On the Poetics and History of a Literary Genre (1979);
Positions and Presuppositions in Science Fiction (1988); Defined by a Hollow: Essays on Utopia,
Science Fiction and Political Epistemology (2010); In Leviathan's Belly: Essays for a CounterRevolutionary Time (2012) .
1
Agradeço as observações de Rich Erlich e Tom Moylan. Erros e opiniões continuam sendo meus.
MORUS – Utopia e Renascimento, 10, 2015
Prefatory Reflections on Dystopia 2006 [to a “Little Tractate on Dystopia 2001”]
Darko Suvin
McGill University
Translated by Ana Cecília Araki and Helvio Moraes
Abstract
Published for the first time in 2003 as “Theses on Dystopia 2001” (in Baccolini, R. & Moylan, T
(ed.) Dark Horizons), the “Little Tractate on Dystopia 2001” presents a series of reflections and
theses for the understanding of notions such as utopia, dystopia, anti-utopia, among others, in
contemporaneity, mainly – taking in account the “new atmosphere”, marked “by the competition of
radically dogmatic monotheisms under capitalism” after the events of September 11. In these
“Reflections”, the author adds “some further thoughts, which are both a Post Scriptum to the 2001
tractate and might buttress it as an introduction in 2006”
Keywords
Utopia, eutopia, dystopia, disneyfication.
Darko Suvin is Professor Emeritus at McGill University, a fellow of The Royal Society of Canada
(Academy of Humanities and Social Sciences); Research associate, Dipartimento di anglistica,
Università di Pisa; member at the Collegio, Dottorato in Italianistica, Diptartimento di lingue e
letterature moderne e comparate, Università Roma 2 - Tor Vergata; member of P.E.N. Club italiano
(Milano). He is one of the most important names in the field of utopian studies, mainly for his
works on science fiction theory and criticism, from which we may highlight the following titles:
Metamorphoses of Science Fiction: On the Poetics and History of a Literary Genre (1979);
Positions and Presuppositions in Science Fiction (1988); Defined by a Hollow: Essays on Utopia,
Science Fiction and Political Epistemology (2010); In Leviathan's Belly: Essays for a CounterRevolutionary Time (2012).
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Reflexões preambulares sobre a Distopia 2006
0. Escrevi o seguinte “Breve Tratado sobre a Distopia” no verão de 2001 e o enviei a alguns
amigos poucos dias antes de 11 de setembro. Entre eles, incluíam-se Raffaella Baccolini e Tom
Moylan, de forma que em nossas prolongadas discussões via e-mail (que podem ser observadas em
nossa contribuição coletiva para os editores Maniscalco Basile e Suvin), a nova atmosfera tornou-se
um intertexto central. Muito poderia ser acrescentado após cinco anos de imposição deste intertexto
ao mundo, por meio da competição de monoteísmos radicalmente dogmáticos sob o capitalismo: a
contribuição da globalização capitalista tem sido a de que, hoje, Voltaire teria que colocar no plural
seu slogan “Écrasez l’infame”. Fiz algumas alterações e adições menores nas seções 4, 7 e ao final
do texto, além de conferir mais clareza a algumas passagens, mas isto nem de longe retrata as
funestas perspectivas que se agravam a cada dia destes cinco anos e continuam (ao que parece) sem
um fim à vista. Contudo, não me parece de modo algum claro que um conhecimento suplementar de
tais perspectivas pudesse ser produzido, da melhor forma, sob a rubrica da Distopia (ou do
distopismo): ainda acredito em sua relevância, mas tentei prosseguir e compreendê-las sob as
rubricas Guerra, Terrorismo, O Manifesto Comunista, Exílio, Poder/Violência, Trabalho Vivo, e
outras similares2. Por outro lado, para mim é claro não ser capaz de acomodar até mesmo ecos
significantes destas rubricas tão novas à forma e aos horizontes de meu “Breve Tratado”, pois,
assim, ele necessariamente deixaria de ser tanto breve quanto um tratado. Por bem ou por mal, já
está agora solidificado em sua própria forma.
O melhor que posso fazer é acrescentar algumas ideias que, ao mesmo tempo, são um Post
Scriptum ao tratado de 2001 e podem substanciá-lo como uma introdução em 2006.
*****
2
Os itens a que me refiro são meus artigos: “De la guerre 2001: triomphe du capitalisme sauvage,” in ANGENOT, M.
& ROBIN, R. (eds.), La Chute du Mur de Berlin dans les idéologies, Montréal: Discours social n.s. no. 6, 2002, 161-74;
uma parte foi expandida com o título de “Sulle 'nuove guerre' identitario-territoriali,” Giano, no. 55, 200); “Bertolt
Brecht: The Manifesto” (tradução) e “On Brecht's The Manifesto,” Socialism and Democracy, 16.1, 2002, pp. 1-31;
“Living Labour and the Labour of Living: A Little Tractate for Looking Forward in the 21st Century,” Critical
Quarterly, 46.1, 2004, pp. 1-35; “Exile as Mass Outrage and Intellectual Stance,” in CHIALANT, M.T. (ed.), Viaggio e
letteratura, Venezia: Marsilio, 2006, pp. 69-95 (versão condensada em New Left R., no. 31, Jan.-Fev. 2005); e “Terms
of Power, Today,” Critical Quarterly, 48.3, 2006, pp. 38-62, disponível em www.blackwell-synergy.com/.
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Darko Suvin
1.1- Por que falar sobre distopia hoje e aqui?
Porque temos que falar sobre nossas vidas, aqui, hoje. Temos que testemunhar e procurar,
tentar iluminar o que está acontecendo com todos nós, dentro e ao redor de cada um de nós.
O que é isto? Esta introdução não pode pretender dizê-lo de modo abrangente, mas, talvez, possa
sugerir alguns nós nevrálgicos e calcificações de nosso corpo político.
É uma degeneração do Estado de Guerra e Bem-estar pós-1917, que perdeu sua dimensão de
bem-estar e está rapidamente declinando ao Estado de Guerra e Desorientação. A guerra é
exportada para fora do – relativamente, para uma minoria cada vez menor – rico sistema estatal do
Norte metropolitano (capitalista, patriarcal), bem representado pelo grupo trilateral da América do
Norte, Europa centro-ocidental e Japão, mais um punhado de seus afloramentos (os “pequenos
tigres” do leste asiático, os “domínios brancos” do antigo Império Britânico). Porém, combinada
com o desmantelamento da solidariedade e da justiça mínimas que produziram e sustentaram o
Estado de Bem-Estar em ambas as suas facções leninista e (reativamente) keynesiana, a violência,
enquanto guerra externa, significa também uma crescente violência enquanto repressão interna,
necessária para sufocar o crescente desespero quanto à – e, eventualmente, os protestos contra a –
decadência da saúde pública, da educação, da moradia, e todos os outros serviços e de todos os
controles sobre o capitalismo selvagem sem uma face humana, mais proeminentemente a
exploração desavergonhada de trabalhadores imigrantes desprovidos de direitos civis. Significa o
espectro, que hoje nos assombra, do Estado de polícia, retornando das ditaduras organizadas pelos
Estados Unidos ao redor do mundo para aninhar-se em solo nativo, primeiramente de modo
hipocrítico e, agora, abertamente, com o domínio da administração de Bush Filho. O fato disto
permanecer praticamente invisível em todos os nossos meios de comunicação de massa constitui a
faceta desnorteante do que, modificando o dito do presidente Eisenhower, temos agora que
denominar de complexo midiático, militar e corporativo que nos governa. Todo leitor que se
interesse minimamente pela distopia pode preencher a lista das razões morais e políticas de nossa
indignação ante a tão grande empobrecimento e militarização de nossas vidas.
1.2 – Proponho enriquecer este argumento retrocedendo, aparentemente, ao que podemos
aprender com a exemplar distopia moderna de Evgeniy Zamyatin, o grande romance Мы (Nós),
escrito por volta de 1920, de modo a comparar nossa época com a deste ancestral fordista. Minha
hipótese é a de que, em nossa época histórica pós-fordista, necessariamente lemos sua crítica do
fordismo com novos olhos. Alguns de nós vínhamos, a partir de 1950, defendendo Nós, adotando-o,
de fato, como nossa bandeira, seja contra o estalinismo, seja contra a tecnocracia capitalista, como
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dogmatismos cripto-religiosos. Se alguma vez retornarmos – o que é possível – a uma sociedade de
repressões evidentes e dominantes, como as vistas em The Iron Heel [O Tacão de Ferro], 1984 ou
The Handmaid’s Tale [O Conto da Aia], teremos que retornar a alguma forma de semelhante
defesa. Mas, hoje, temos de nos agarrar ao que é ainda relevante na visão de Zamyatin,
reconhecendo também seus limites. Desenvolvi este argumento por meio de uma longa análise em
outro ensaio (Suvin, 1981), e aqui posso apenas incorporar a perspectiva que tal discussão me
ofereceu: o fato de todos termos passado por uma mudança histórica mundial de Leviatãs ou
distopias que nos governam e nos subsumem, datáveis (talvez) de 1973. O deslocamento para as
entranhas de uma nova, embora provavelmente mais perniciosa e assassina, Baleia Mundo é
certamente crucial para a compreensão da posição de todos nós sob as estrelas ausentes, assim como
para uma possível defesa contra sermos totalmente devorados pela formação socioeconômica
capitalista em sua forma pós-fordista.
Como deve ser compreendida esta baleia global? O alto custo do nazismo, da destrutividade
high-tech e, possivelmente, das convulsões revolucionárias, ensinou às nossas classes governantes
que o empoderamento por meio da violência física direta, inclusive da tortura em massa e do
assassínio, deve ser usado, pelo menos nos países metropolitanos do norte, de modo relativamente
parcimonioso e, sempre que possível, secundado em favor da alienação psicofísica do coletivismo
corporativo capitalista. Esta variante mascara o poder da elite por meio de uma legalidade
contratual baseada na hegemonia econômica no arquipélago dos enclaves da classe alta e da
(minguante) classe média, ao mesmo tempo em que mantém uma aberta repressão militarizada fora
desses enclaves.
Em nosso um sexto da “parte norte” do globo, o coletivismo pós-fordista significa
desemprego em avanço extremo e alienação na esfera do trabalho – inclusive universidades ou
grupos de pesquisa. Significa aumento da impotência política não somente das classes
trabalhadoras, mas também das classes de “profissionais de cargos gerenciais” (com algumas
exceções entre as estrelas CEOs, atletas ou cientistas semelhantes a generais militares). Enquanto os
governados são encorajados a condescender com a extravagância superficial (e, no fundo, também
uniforme) do que, no momento, está na moda, seja em relação ao consumo de roupas ou de música,
os governantes são uma agregação difusa e anônima de diretórios interligados: neste ponto,
também, os capitalistas aprenderam que Hitler, enquanto instrumento, era muito perigoso. Em
oposição à configuração abertamente despótica sobre a qual escreveram Dostoiévski e Zamyatin,
esta suprime a individualidade por meio de uma lavagem cerebral da maioria, num contentamento,
ou pelo menos estupefação, de consumo disneyficado, ou por meio de um triste isolamento a que
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leva uma minoria de nós (analisei este ponto no “Tratado”, assim como em “Utopismo”). A “horda
masculina” – como Capek a chama em A Guerra das Salamandras – de coletivismo abertamente
brutal é, em nosso Norte, grafada por meio de ternos cinza e pastas, e pode cooptar mulheres e
“ethnics” como as senhoras Thatcher ou Rice. É o “Nada impessoal representado pelo gerente”
(Kracauer, p. 160), e articulado, para nós, em Kafka e Beckett, ou no melhor do cyberpunk e Piercy.
Ao invés da música coral medieval ou das odes ao Estado e a Fábrica de Música de Zamyatin,
instilando o juízo dos governantes, somos forçados a consumir muzak. Ao invés do Instituto de
Poetas e Escritores Estatais do Estado Unificado, ou da seção da Agitprop stalinista do Politburo,
hoje nos Estados Unidos – e, assim, quase que no mundo todo – 20 ou menos monopólios
midiáticos integrados (de TV, cinema, editoria) e seus banqueiros “constituem um novo Ministério
Privado de Informação e Cultura” (Bagdikian, p. xxviii). Todos são democraticamente livres para
ser física e psiquicamente famintos enquanto mastigam junk food em abundância.
*****
2.1 – Ao encarar os Leviatãs de hoje e não de ontem, me parece decisivo que Zamyatin
tenha vivido num momento histórico em que o utopismo não-individualista e antiburguês, numa
ampla extensão que vai da teocracia ao marxismo fervoroso (como na Rússia, desde Solovyov,
passando por Lenin, até Bogdanov), tenha sido posto em debate, e em que sua possibilidade, ainda
que precária, tenha estado na agenda das aberturas revolucionárias do pós-1917. Em vários artigos,
ele se colocou dentro deste debate e clamou por uma utopia radical, uma utopia do amanhã e não de
hoje – como a bolchevique; e não quero desmentir meu argumento, em Metamorfoses da Ficção
Científica, de que Nós considera seu pesadelo a partir da presumida vantagem de um tal futuro
utópico-socialista. No entanto, ele era incapaz de imaginar uma variante utópica exequível. Isto é,
ao mesmo tempo, a força e a fragilidade de seu romance. A força reside em sua intensa
concentração no criador-diarista D-503, a fragilidade, na consubstancial ausência de visões e
normas alternativas ao individualismo romântico que Zamyatin e sua criatura compartilham. O
hiato, ou melhor, a contradição entre sua declarada doutrina da heresia permanente ou da revolução
e sua secreta e intranscendível doutrina do individualismo prolonga-se no que Marx chamou de
“ficção de Robinson Crusoe”, aquiescendo nas dicotomias do “Eu versus Nós” que constituem a
típica alienação do capitalismo.
E. J. Brown (p. 222) chamou a atenção para o “Rousseaunismo tardio” do fato de que “não
há qualquer tentativa adequada em [Zamyatin, Orwell ou Huxley] de examinar os concretos fatores
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sociais ou econômicos que levariam ao aviltamento dos valores humanos: eles oferecem apenas um
argumento abstrato em favor do simples e primitivo contra o complexo e refinado”. Por fim, em
meio a toda matemática, arquitetura, tecnologia de construção e às multidões sem face que
marcham em fileiras cerradas, a grotesca alegoria cubista de Zamyatin é construída em torno de
uma ausência central: em seu romance, praticamente inexiste a economia, ou o trabalho produtivo,
ou trabalhadores – nenhum relato sobre a distribuição e manutenção da alimentação, da habitação,
dos “aeros”, dos telefones, dos chicotes elétricos, dos muros de detenção e das ruas para marchas.
As massas anônimas lá estão apenas como pano de fundo para seus protagonistas D- e I-. Zamyatin
usa a vertente política do enredo como modo de alcançar um fim mais elevado – o desenvolvimento
sexual culminando em uma “alma”. A oposição fundante “Eu versus Nós” traduz-se como “privado
versus público”. Talvez mais perniciosamente, a razão é insistentemente identificada com “Nós”, e
a emoção (ou a imaginação) com “Eu”. Este aspecto em Zamyatin é um individualismo tardio,
empobrecido e ideológico.
Assim, a generosa acusação feita por Zamyatin da vida num Leviatã “super-quartel” é de
uma importância bem menor para nos orientarmos hoje no mais abastado “Norte”, onde os
governantes ainda fazem uso da arregimentação somente nos bastidores, enquanto o palco central é
tomado pelo Leviatã “super-Disneylandia”. O coletivismo precário de Nós recicla o que, nos dias
atuais, são os elementos e atitudes “paleotécnicos” (Mumford) ou fordistas que antecedem o
capitalismo financeiro especulativo. A comida insípida em Nós, feita de petróleo e distribuída pelo
Estado, não se compara aos nossos problemas relacionados ao hamburguer “macdonaldificado”,
supercondimentado e cancerigenamente hormonizado que, por lavagem cerebral, nos empurram no
mercado “livre”. Fala ainda muito menos aos milhões que padecem de fome e frio na Rússia
“libertada”.
2.2. Contudo, não gostaria de absolutizar o aspecto ultrapassado de uma rica e contraditória
obra-prima que, de vários modos, ainda admiro. Se a humanização do protagonista opressivamente
central foi derrotada e a tentação que incendeia sua mente e organiza a rebelião foi cruelmente
suprimida dentro da melhor tradição jeovista, ao menos dois aspectos importantes permanecem
relevantes e fecundos hoje.
O primeiro e esteticamente mais importante deles pode ser assinalado pelas inferências de
sua tecnologia de escrita: pois todo sentido reside na forma, e a forma não pode ser separada do
sentido. A convicção construtivista de Zamyatin não é somente utópica, mas também
profundamente cúmplice com – de fato, inimaginável sem – a própria urbanização e
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industrialização, a produtividade, cuja malevolente variante este romance estigmatiza. Ela constitui
os velados valores positivos em nome dos quais as aberrações repressivas são consideradas e
julgadas. Não posso repetir aqui algumas provas que o gentil leitor pode encontrar com detalhes em
dois de meus estudos prévios (Suvin, 1979; 1981). Porém, enquanto a história de D- e I- termina em
cabal derrota, o fim do romance permanece ambíguo, não totalmente encerrado: a batalha
prossegue, e O-90 abandona o Estado murado para dar à luz o filho de D: a derrota NO romance
não é a derrota DO romance – isto é, de seu efeito potencialmente liberador sobre o leitor. Os
horizontes utópicos julgam o foco distópico.
Em segundo lugar, talvez mais importante para nosso ponto de vista fora do romance, o
aparato do velho Estado, contra o qual a batalha se irrompe em Nós, não é nem inteiramente, sequer
definitivamente, fora da agenda da história atual. A Corporação Global versus os Leviatãs Estatais
não se revezam como participantes de uma corrida de estafetas ou numa conexão de trem. Ao
contrário, relacionam-se, no mínimo, tão intimamente como no caso de estratos geológicos, em que
a nova formação pode, por longos intervalos, ser interrompida por vestígios, ou mesmo
ressurgências da velha formação, soerguendo-se e aferrando-se como grandes cordilheiras. Por um
lado, a parceria e o conluio entre as corporações globais capitalistas e os Estados Nacionais me
parecem dominados pelos grandes oligopólios encabeçados pela troika FMI/OMC/Banco Mundial.
Por outro lado, as corporações globais são ainda “companhias nacionais com um alcance
transnacional” (Wood, p. 7, e cf. Krätke and Kagarlitsky). Como vimos nas três mendazes e cruéis
guerras contra a Sérvia e o Iraque, aquele velho e especial Leviatã, os Estados Unidos, pode ser
chamado a agir ao toque de uma chamada de celular ou de uma tecla de computador tão logo o
novo Leviatã necessite: eles são, no fim das contas, por igual, instrumentos do capitalismo, irmãos
sob a pele. É muito revelador que aquilo que os dois Leviatãs – o fordista de Zamyatin e o pósfordista – têm em comum e de que dependem profundamente (lembrem-se do foguete
interplanetário imperialista que D- está construindo!) seja a sólida tecnologia de guerra e a
propaganda patriótica que a apregoa: esta é a ponta visível do iceberg do contínuo domínio de
classe assassino. Talvez a sucessão, não apenas de modos de produção, mas também de seus
principais estágios, possa ser mais bem entendida como articulação imbricada do que simples
abolição (cf. Jameson, 1999, p. 67).
Dialeticamente, o velho Leviatã está também, em certos lugares e momentos propícios,
disponível para trabalhos úteis, reunindo e acelerando um grande consenso nacional com vistas à
melhoria de vida, por exemplo, para a institucionalização de seguridade médica ou social, ou para
resistir à dominação exploratória estrangeira, por meio de alguma aproximação à soberania popular
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em estados mais pobres, brutalmente atacados pelas forças subversivas do capital internacional. Isto
foi prefigurado pelas revoluções mexicana e kemalista, foi nisto que o Estado de Lenin decaiu em
seus melhores momentos de defesa da União Soviética, e isto teve continuidade nas experiências
pós-guerra das nações “não alinhadas” de Tito, passando por Nkrumah e Nehru, a Castro. Pequenos
ecos de tal utilidade ainda ocorrem na defesa de âmbitos nacionais contra o dumping americano, por
exemplo, na França ou, atualmente, na Venezuela e na Bolívia.
*****
3. Mas – retornando de maneira espiral à minha questão inicial – por que falar de todos
estes assuntos sob a forma da distopia, ao invés de fazê-lo em ensaios ou panfletos nas disciplinas
de ciências (“ciências”?) políticas ou econômicas, ou mesmo nas de filosofia? Não apenas porque –
como já se disse em relação à escalada do Monte Everest – a escrita utópica, no sentido mais amplo
que defendo em meu “Tratado”, a qual inclui eutopias e distopias, está lá, mas, sobretudo, porque
também possui alguns privilégios cognitivos. A distopia como forma literária e midiática está viva e
vigorosa onde quer que a esfera e a reflexão públicas ainda têm a chance de não estar confinadas à
luta pela sobrevivência imediata. Uma tal luta psicofísica não admite tempo ou dinheiro para a
escrita e a leitura de ficção: de fato, acredito que a “precarização” de intelectuais e dos jovens seja
um movimento ou uma manobra cujo objetivo é impedi-los de pensar. Contudo, ainda que precário,
tal discurso vindo do ventre do novo Leviatã é, ao mesmo tempo, a força da distopia e, sem dúvida,
sua limitação.
Claramente, alguns resultados de nossas fragmentadas ciências sociais ou humanas podem
ser admiráveis e indispensáveis, especialmente aqueles ensaios e monografias heréticos, que (de
William Morris e Zamyatin a Bloch, Benjamin e as Arqueologias de Jameson) militam contra tal
fragmentação. No entanto, eu diria que até mesmo nas melhores das situações, a nós, críticos,
faltam os meios de expressar o sentimento da “densa” vida e de suas experiências dentro, com ou
contra o Leviatã. Há algo inato à narração de histórias, à imaginação de ações alternativas feitas por
agentes em um alternativo Mundo Possível, que remonta ao rico sincretismo primitivo das danças e
cantos ao redor da fogueira, do qual todas as nossas artes evoluíram, como pode ser visto no mais
claro de tais retrocessos, a música. Pois todas estas alternativas, não importa o quão indiretas ou
disfarçadas, são, obviamente, alternativas que se apresentam para nós, como diferentes caminhos
que poderiam ser tomados, hoje, pela humanidade e seus grupos sociais determinantes. Mutato
nomine de te dystopia narratur: assim como qualquer outra ficção imaginativa, mas, talvez, de
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modo mais claro, os estranhamentos da eutopia e da distopia são advertências, propostas e um
cálculo de custos para cada um e todos nós – aqui, hoje.
Por que, então, não escrever sobre a utopia, ou (como gradativamente chegamos a chamá-la
de modo mais apropriado) eutopia, a descrição de Mundos Possíveis radicalmente melhores, ao
invés da distopia, a descrição de Mundos Possíveis radicalmente piores? Mais uma vez, antes de
tudo, porque escritos eutópicos já não existem mais, em estrito paralelo à perda da crença em
modelos eutópicos concretamente propostos, de um tipo socialista mais ou menos radical. É certo
que as eutopias ficcionais tiveram uma última lufada (até agora) muito interessante dentro do
movimento feminista, principalmente nos países de língua inglesa, por alguns anos a partir de finais
da década de 1960, nas obras de Charnas, Piercy, Wittig, Gearhardt e outras, culminando, a meu
ver, na rica “utopia ambígua” de Le Guin, The Dispossessed: An Ambiguous Utopia [Os
Despossuídos: uma utopia ambígua]. Mas o subtítulo de Le Guin sinaliza que tais textos já
incorporavam dúvidas, não somente em relação ao que a eutopia se contrapunha, mas também em
relação ao que defendia, ou melhor, como ela seguiu esquivando-se daquilo que se contrapunha e
envolvendo-se naquilo que defendia. E, desde então, as eutopias tornaram-se raras e cada vez mais
híbridas. Pelo contrário, as distopias progressivamente ganharam o primeiro plano desde a
reatualização, por parte de Wells, da tradição ancestral que deriva de Cyrano e de Swift, e que se
tornou característica de nossos dias, após a tríade mainstream, composta por Nós, de Zamyatin,
Brave New World [Admirável Mundo Novo], de Huxley, e 1984, de Orwell (cuja qualidade, a meu
ver, declina à medida que prosseguimos, em oposição direta à sua fama). Estes textos pioneiros e
seus seguidores ocupam-se, principalmente, do Estado Leviatã. Contudo, acima afirmei que o
Leviatã tem se convertido, de Estado, numa ditadura corporativa (principalmente). O ponto em que
hoje nos encontramos é, talvez, mais bem prefigurado na série de sombrios presságios inerentes à
ficção científica norte-americana, que se seguiram a The Iron Heel [O Tacão de Ferro], de Jack
London, e sendo identificados, em uma pesquisa pioneira realizada por Kingsley Amis, como os
“Novos Mapas do Inferno” de Vonnegut, Bradbury, Pohl, Kornbluth, Knight, Bester, C. L. Moore e
Walter Miller Jr.
Deveríamos acrescentar, hoje, ao que fora discutido por Amis, não somente os Grandes
Ancestrais, como alguns textos de Wells e Zamyatin, mas também a forte presença da distopia nos
primeiros escritos soviéticos de Maiakóvski e de Platonov, as prefigurações feministas de Burdekin
e Boye, a sequência em alguns textos de Lem, na Polônia, e dos irmãos Strugatsky, na Rússia, as
distopias feministas mais recentes, mencionadas acima, e o grande florescimento, nos Estados
Unidos e no Reino Unido, durante a década de 1960 e início da de 1970, da ficção científica de
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Reflexões preambulares sobre a Distopia 2006
“awful warning” [terrível alerta]. Boa parte destes textos foi animada pelo temor de um holocausto
nuclear e de suas consequências, mas alguns deles identificaram, também, processos políticoeconômicos mais mundanos, chegando a resultados semelhantes de degenerescência e colapso,
como em alguns textos de Dick, Burgess, Spinrad, Brunner, Disch, Ballard, Russ e Le Guin. E não
se observou uma diminuição, após a mudança profunda de meados de 1970, no teor distópico da
melhor ficção científica “cyberpunk” de Gibson, Cadigan ou Spinrad, a ficção científica antibélica
de Joe Haldeman a Joan Slonczewski, o tardio e esplêndido The Scanner Darkly [O Homem
Duplo], de Dick, e a emergência de novas vozes a partir dos anos 1990. A mais expressiva me
parece ser a de K. S. Robinson, que prosseguiu, após a quase que realista “autopia 3” americana (a
vida dominada por carros e drogas) de The Gold Coast, em restabelecer o choque entre a distopia e
a eutopia na história atual, com sua trilogia de Marte e Days of Rice and Salt. Além da continuação
do impulso feminista original com o término da trilogia de Gearhardt, a recentemente conclusa
trilogia Native Tongue [Língua Materna], de Suzette Haden Elgin, e The Handmaid’s Tale [O
Conto da Aia], de Atwood, as vozes mais proeminentes da escrita distópica das últumas duas
décadas incluem um número desproporcionado de escritoras, notavelmente Marge Piercy, com seu
admirável He, She and It, e alguns romances de Slonczewski e Octavia Butler (de modo mais
admirável, seu Parable of the Sower [A Parábola do Semeador]). Contudo, não pretendo ter
esgotado a riqueza e a complexidade da veia distópica, como no último Ballard ou em Ken
MacLeod (para mencionar apenas dois nomes britânicos), mas meramente ter indicado que, em
grande parte, ela encontra-se de fato“lá”.
Por último e não menos importante, por que chamar nosso tema e foco de “distopia”, um
neologismo inventado por J. S. Mill em 1868? Mais uma vez, uma das razões é a de que o termo foi
amplamente empregado pela crítica a partir da década de 1950. Como discuto mais detalhadamente
no “Tratado”, há, hoje, um amplo consenso acadêmico de que o termo “anti-utopia” deveria ser
reservado para uma subseção específica de distopias escritas para advertir contra uma utopia
existente, não (como no caso da maior parte das distopias) contra o existente status quo. Mas por
que “distopia” prevalece, justamente, sobre o termo precedentemente proposto por Bentham de
“cacotopia” (a contagem da frequência, dada pelo Google, de tais referências é de mais que
4.000:1)? Nocionalmente, possivelmente porque a raiz grega “dys”, no sentido de mau,
desafortunado ou geralmente negativo, não apenas é mais rica que “kakos”, no sentido de mal ou
3
Termo composto da junção de auto+utopia, originado por um brinquedo/atração da
Disneylândia e apropriado pelo crítico de arquitetura Reyner Banham para o campo do
urbanismo.
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feio, como também é amplamente usada na medicina e na ciência (dislexia, disenteria, disfunção,
dispepsia, dispneia). Porém, suspeito que razões mais poéticas são, aqui, proeminentes. O termo
distopia não somente é mais curto, como também amalgama desespero e utopia: mantém o impulso
utópico (eutópico), mas o submete ao teste da ameaça de desespero, desolação e abandono. Como
no pharmakon de Derrida, ele, simultaneamente, identifica um veneno no, e oferece uma antitoxina
para, o corpo político.
*****
4. Finalmente, uma sugestão para o uso adequado de utopia/utopismo (distópico e utópico).
O termo e noção de “Utopia” (com “U” maiúsculo) foram criados por Thomas More no
âmbito do humanismo europeu, em que a literatura não se encontrava desmembrada em escritos
sobre filosofia, arte do governo e belles lettres. Era um trabalho de ficção imaginativa, que
jocosamente almejava uma factualidade geopolítica obviamente inacreditável e a não ser crida. Seu
tipo particular de simulação envolvia identificar e descrever em todos os detalhes e rubricas
estratégicos um país ocluso análogo à Inglaterra, mas tão distante dela quanto a Moscóvia, a Índia
ou as novas Américas e, ainda assim, sua imagem subvertida ou invertida anamorficamente (uma
ilha circular, ao invés de triangular, e assim por diante). Esta nova ferramenta para o pensamento
logo gerou, inicialmente, um gênero literário (que deveria ter um “u” minúsculo) e, depois, uma
nova postura geral, ou horizonte, de “utopismo”, de orientação à utopia. Ainda assim, em todos os
seus avatares, o movimento constitutivo da utopia como tal é uma oscilação e um tremeluzir
epistemológicos incessantes entre duas imagens consubstanciais: é um mundo arredondado, e não é
em absoluto um mundo, mas uma simulação lúdica, embora profundamente cognitiva que mira o
próprio mundo do autor e do leitor. Uma vez isoladas deste telos cognitivo (que foi também o
horizonte e a intenção de Morus), como aconteceu aproximadamente entre 1750-1880, as leituras
burguesas possibilitaram que se esquecesse desta ficcionalidade cognitiva da utopia, que reside em
contrários e eversões tão complexos.
Originalmente, “Utopia” significava – como o título latino de Morus evidenciava – um
discurso sobre “o melhor estado da unidade política”, ou, pelo menos – como épocas mais
dinâmicas acrescentaram – sobre uma condição radicalmente melhor de tal comunidade (país,
Estado). Mas gostaria de afirmar que, não obstante as leituras literais, nenhuma derivação discursiva
desta orientação (digamos, “pensamento utópico”) foi capaz de livrar-se do caráter inalienavelmente
imaginário e, ademais, fictício daquela feliz designação de Não-lugar – em termos swiftianos, o
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lugar que não é. A cognição que o órganon utópico carrega e de que necessita é indireta ou
estranhada, não com o fito de ser literalmente realizada: como afirmei há trinta anos, a utopia só
pode ser heuristicamente aplicada, não fisicamente realizada. De fato, a “distopia” (e a “cacotopia”)
originou-se no discurso conceitual e pragmático da filosofia política em meio à ascensão da
burguesia industrial e do capitalismo do século XIX, que também inventaram um novo e obscuro
uso para o termo “utopismo”, em Bentham e em pensadores equivalentes. Mas todos estes novos
termos e orientações eram, assim como o termo flagrantemente parasita de “anti-utopia”, já –
sempre já – derivado de um estado de coisas ficcional e de um país ficcional, dependente do
paradigma moreano. Eles surgiram da epistemologia e da heurística. Assim, fazer da utopia uma
ontologia é Positivismo burguês, quer você aprove ou desaprove a falácia que criou. (Muitos
socialistas, de Kautsky a Stalin, enquanto rejeitavam o termo por causa de sua jocosidade intelectual,
também acreditavam “positivamente” que era uma ontologia, um país futuro em cuja imagem a
Alemanha, a Rússia ou o mundo pudessem ser refeitos. Fourier, Marx, Engels, Morris e Lenin eram
mais perspicazes.)
Como, sob esta luz, pode se defender que, em meu “Tratado” de 2001, eu aborde os mesmos
fenômenos-base da ficção literária e do envolvimento jocoso e imaginativo (embora profundamente
corrompido) numa ideologia tal qual a Disneyficação, objetivados nos vários mini-lugares ou nos
alegoricamente comprimidos mini-países da Disneylândia ou Disney World? O que torna a
Disneylândia mais parecida a uma eutopia e/ou distopia do que a Inglaterra, a França ou mesmo os
Estados Unidos, de que é parte (e, como argumento, uma pars pro toto)?
Uma primeira resposta é de que há uma diferença existencial central entre o mundo-da-vida
no qual alguém necessariamente está inserido e uma criação secundária da qual pode estar de fora.
Em qualquer país realmente existente, as pessoas, quer queira quer não, vivem e trabalham, devem
morrer e podem ter filhos: sua vida corporal e psicofísica é completamente comprometida e
dedicada ao lugar onde vivem. Pelo contrário, uma obra de literatura utópica, um projeto fourierista
ou o Disney World não encerram completamente uma pessoa: é possível visitá-lo, mas não viver
ali, é possível habitá-lo em pensamento, mas não fisicamente, está-se de fora, não dentro. (Por isso,
as colônias utópicas que buscavam transpor este abismo ruíram). O Livro da Natureza não é, de
fato, um livro, quaisquer que sejam os hieroglifos com os quais possa ser escrito; o Teatro do
Mundo ou o Palco da Vida (ou da Sociedade) não é, de fato, ou apenas, um palco de teatro,
quaisquer que sejam os jogos que por ele passem. As relações metafóricas (tópicas) e o trânsito
entre estas entidades – as tenho chamado de Mundo Possível Zero e Mundos Possíveis de Um a N
(MP0 e MP1-n) – são múltiplas e complexas, e constituem, de fato, muito do pão diário do crítico,
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mas pelos propósitos mais relevantes, as próprias entidades permanecem tão distintas quanto
possam dois verbetes em uma enciclopédia de semiótica. O trânsito se congestiona, a menos que
siga por entre dois lugares diferentes.
Resta, portanto, nesta breve defesa da metodologia ou epistemologia de meu “Tratado”,
perguntar se estas duas espécies de meu gênero distopia, a distopia literária e a Disneylândia,
exaurem o grupo MP1-n. Obviamente, não: outros exemplos ou espécies certamente poderiam ser
acrescidos. Porém, o trabalho é longo, a vida é curta, e qualquer um que rema num oceano tão vasto
e tempestuoso pode se considerar afortunado por ter feito, da melhor forma possível, um catamarã
sobre dois frágeis cascos.
Referências bibliográficas
A maior parte das referências desta parte podem ser encontradas nos itens sob meu nome no
“Pequeno Tratado” que segue. Aqui, acrescento itens escritos desde então, ou pertencentes apenas a
estas “Reflexões Preambulares”.
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