3º VAMOS FALAR DE SAÚDE MENTAL? RELATÓRIO DE
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3º VAMOS FALAR DE SAÚDE MENTAL? RELATÓRIO DE
1 3º VAMOS FALAR DE SAÚDE MENTAL? RELATÓRIO DE OBSERVAÇÃO O encontro iniciou com uma breve contextualização de M e R sobre os encaminhamentos anteriores e os objetivos do trabalho neste encontro. Já neste primeiro momento aparece o desejo de que consigamos definir quem somos e como vamos prosseguir. Estavam presentes cerca de 30 pessoas no momento inicial. Em seguida, Pedro assume a coordenação e começa o Sociodrama a partir de um pedido de que as pessoas comecem a andar como se estivessem em uma praça pública e se apresentem. Interessante notar que o grupo passa a interagir imediatamente. As pessoas conversam bastante animadas. É possível perceber ‘caras novas’ estreando sua participação. Outras pessoas continuam chegando e Pedro faz uma intervenção: ‘sejam todos mto bem-vindos. Temos muito a conversar. Vamos nos concentrar no trabalho de Saúde Mental. Vamos pensar em fortalecer as práticas anti-manicomiais. Pensem em uma cena, utilizem as mãos para expressar como se sentem em relação a esta cena.’ O grupo continua aumentando e as pessoas estão bem concentradas, mas poucas conseguem expressar visualmente ou com as mãos o que sentem. Então, Pedro pede que as pessoas falem uma palavra sobre a cena. E elas foram surgindo: ‘solidão, apertado, amarrado, fechamento, culpa, tensão, escapa, fazer o quê, acolhimento, não acredito, acredito, jogo de poder, tudo que eu já sabia, em suspenso, decepção...’ Pedro solicita que as pessoas se olhem, contem, escutem. Todos andam pela sala buscando tocar o ombro direito da pessoa com quem gostariam de conversar. Formamse assim vários grupinhos. Chama a atenção o alto grau de participação e comprometimento do grupo. Alguns diálogos registrados: ‘a situação lá é gravíssima, há um índice enorme de rotatividade, ninguém tem projeto coletivo... na Brasilândia não, tem equipe, tudo funciona coletivamente, não posso falar de lá, tudo vai bem; grupo fala de ameaça de morte de um paciente, ficam muito em silêncio, e alguém fala do próprio consultório; há muito autoritarismo, me sinto ameaçada na prefeitura... eu penso nas crianças que atendo no consultório e que são largadas por pais que trabalham demais; tem um paciente psicótico internado no Mandaqui, a mãe só fala em medicação... Continuo circulando e percebo que somos quase 50 pessoas, ouço muitas falas, um burburinho, necessidade enorme de falar. Pedro precisa dar mais tempo ao grupo e depois ainda esforça-se para ser ouvido. As vozes não se calam, é impressionante. Quando finalmente consegue, Pedro fala em puxar os fios dessas falas, quem sabe fazer um tecido sobre o que está sendo falado. Pedro coloca uma cadeira branca no meio da sala e diz que ela representa as políticas antimanicomiais. Em seguida, pedem que as 2 pessoas pensem no que falaram, ouviram, no que mais impactou, e tentem fazer uma frase curta sobre isso. Política antimanicomial: é muito solitária, está engatinhando, espaço para pensar, pequenas violências em diversos lugares, gestão honesta, espaço de construção, pode funcionar, sozinho nunca mais, projetos de vida alternativos a projetos mortíferos, como cuidar do outro?, o movimento não pode parar, formação de rede, acredito na caminhada, construir alternativas de vida, esforço para manter, melhor do velho e melhor do novo, como cuidar da gente mesmo?, a inclusão... Pedro coloca uma cadeira preta em frente à cadeira branca: ‘esta é a política manicomial. O que vocês podem dizer em relação a ela?’. Política manicomial: eu acho que eu sei tudo, quanta grana ganhamos, eu sei tudo, falta de respeito, isolamento, emburrecimento, laboratórios, prepotência, preconceito, violência, exploração da família, poder, o que for mais fácil pra mim, exclusão, vamos acabar com o SUS. Pedro diz: ‘bem, mas ninguém está aqui? (aponta pra cadeira preta), porque esse é um deserto que cresce. Quem está aqui? V, R, lógica do poder, abuso do poder. Há uma confusão. Biopoder, sociedade estagnada. Temos que procurar brechas, quem olha para o sofrimento? Alguém menciona a política de saúde mental do município de M, é um desastre. São Paulo como um todo. O problema é que quem senta na cadeira preta se identifica com o opressor. Indústria farmacêutica manda. A grande mídia apóia. As câmaras técnicas. O ato médico. Sorocaba conseguiu ser ouvido... O grupo volta-se para a cadeira branca e outras frases aparecem: ‘o isolamento também está aqui? Onde está a nossa história? Na cadeira branca, mas na preta também? Também temos pensamentos reativos? Estamos aprisionados? Eu me sinto como se fosse um personagem. Pedro diz: ‘qual personagem?’ Ogro, louco com medo de perder a cabeça, um cabo de guerra, um transformador, guerreira, dividida, chamando parceiros... é ingenuidade?, Dom Quixote, uma pessoa angustiada, adolescente querendo abraço, navegante em meio à tempestade, Robocop... você está preso em nome da lei, me lembra um nó... muitos nós, Sancho Pança... tentando garantir a sobrevivência. Vamos afastar mais as cadeiras? Não existem mocinhos e bandidos. Demasiadamente humano. Nada que é humano me é estranho. Quero virar a cadeira preta de cabeça pra baixo. A branca fica de lado, tira da verticalidade. Gostei... (mtos falam isso) 3 Surgem músicas, as pessoas começam a cantar timidamente, mas todos cantam, alguns choram. As músicas (algumas cantadas inteiras e outras um trecho ou refrão, mas resolvi colocar aqui as letras também) foram: Tanto Amar/Chico Buarque Amo tanto e de tanto amar Acho que ela é bonita Tem um olho sempre a boiar E outro que agita Tem um olho que não está Meus olhares evita E outro olho a me arregalar Sua pepita A metade do seu olhar Está chamando pra luta, aflita E metade quer madrugar Na bodeguita Se os seus olhos eu for cantar Um seu olho me atura E outro olho vai desmanchar Toda a pintura Ela pode rodopiar E mudar de figura A paloma do seu mirar Virar miúra É na soma do seu olhar Que eu vou me conhecer inteiro Se nasci pra enfrentar o mar Ou faroleiro Amo tanto e de tanto amar Acho que ela acredita Tem um olho a pestanejar E outro me fita Suas pernas vão me enroscar Num balé esquisito Seus dois olhos vão se encontrar No infinito 4 Amo tanto e de tanto amar Em Manágua temos um chico Já pensamos em nos casar Em Porto Rico O Bêbado e o Equilibrista/João Bosco Caía a tarde feito um viaduto E um bêbado trajando luto me lembrou Carlitos A lua tal qual a dona do bordel Pedia a cada estrela fria um brilho de a...lu...guel E nuvens lá no mata-borrão do céu Chupavam manchas torturadas, que sufoco louco O bêbado com chapéu coco fazia irreverências mil Prá noite do Bra...sil, meu Brasil Que sonha com a volta do irmão do Henfil Com tanta gente que partiu num rabo de foguete Chora a nossa pátria mãe gentil Choram marias e clarisses no solo do Brasil Mas sei que uma dor assim pungente não há de ser inutilmente A espe...rança dança na corda bamba de sombrinha E em cada passo dessa linha pode se ma...chu...car Azar, a esperança equilibrista Sabe que o show de todo artista tem que continuar. Em seguida, alguém retoma a idéia de tempestade e da necessidade de se encontrar instrumentos para navegar. Outra música é cantada: Argumento/Paulinho da Viola Tá legal Tá legal, eu aceito o argumento Mas não me altere o samba tanto assim Olha que a rapaziada está sentindo a falta De um cavaco, de um pandeiro ou de um tamborim Sem preconceito ou mania de passado Sem querer ficar do lado de quem não quer navegar Faça como um velho marinheiro Que durante o nevoeiro Leva o barco devagar 5 Alguém decide colocar a cadeira branca sobre a preta, o equilíbrio estava bem difícil e outra pessoa perguntou: ‘você consegue sentar aí em cima? Mais uma música é introduzida: Alegria, alegria/ Caetano Veloso Caminhando contra o vento Sem lenço e sem documento No sol de quase dezembro Eu vou... O sol se reparte em crimes Espaçonaves, guerrilhas Em cardinales bonitas Eu vou... Em caras de presidentes Em grandes beijos de amor Em dentes, pernas, bandeiras Bomba e Brigitte Bardot... O sol nas bancas de revista Me enche de alegria e preguiça Quem lê tanta notícia Eu vou... Por entre fotos e nomes Os olhos cheios de cores O peito cheio de amores vãos Eu vou Por que não, por que não... Ela pensa em casamento E eu nunca mais fui à escola Sem lenço e sem documento, Eu vou... Eu tomo uma coca-cola Ela pensa em casamento E uma canção me consola Eu vou... Por entre fotos e nomes Sem livros e sem fuzil Sem fome, sem telefone No coração do Brasil... 6 Ela nem sabe até pensei Em cantar na televisão O sol é tão bonito Eu vou... Sem lenço, sem documento Nada no bolso ou nas mãos Eu quero seguir vivendo, amor Eu vou... Por que não, por que não... Por que não, por que não... Por que não, por que não... Por que não, por que não... O que fazer? Alguém propõe uma Parada do Orgulho Louco. Já tem, ainda é pequena, podemos aumentar. Outras vozes:O que é a loucura? Delicado presencial... Acho que é proteção, necessidade de se abraçar, circundando as cadeiras. De fora? De dentro?Outra música tem seu refrão cantado: Timoneiro/Paulinho da Viola Não sou eu quem me navega Quem me navega é o mar Não sou eu quem me navega Quem me navega é o mar É ele quem me navega Como nem fosse levar É ele quem me navega Como nem fosse levar E quanto mais remo mais rezo Pra nunca mais se acabar Essa viagem que faz O mar em torno do mar Meu velho um dia falou Com seu jeito de avisar: - Olha, o mar não tem cabelos Que a gente possa agarrar Não sou eu quem me navega Quem me navega é o mar Não sou eu quem me navega Quem me navega é o mar É ele quem me navega Como nem fosse levar É ele quem me navega 7 Como nem fosse levar Timoneiro nunca fui Que eu não sou de velejar O leme da minha vida Deus é quem faz governar E quando alguém me pergunta Como se faz pra nadar Explico que eu não navego Quem me navega é o mar Não sou eu quem me navega Quem me navega é o mar Não sou eu quem me navega Quem me navega é o mar É ele quem me navega Como nem fosse levar É ele quem me navega Como nem fosse levar A rede do meu destino Parece a de um pescador Quando retorna vazia Vem carregada de dor Vivo num redemoinho Deus bem sabe o que ele faz A onda que me carrega Ela mesma é quem me traz Outra pessoa introduz mais uma cena: A última cena do filme Cisne Negro é fundamental, trata-se da morte simbólica. Ela é a expressão da resistência, morrer para poder nascer. Acho que lutamos contra os nossos lados manicomiais constantemente. Outras falas: o que cada um pode fazer? Estamos de que lado? Trabalhar com saúde mental dá muita angústia, mas vou fazer isso pra sempre. Talvez precisemos deixar um pouco de lado os ideais e concentrar no que temos agora no momento. Vamos falar sobre o que fazer, mas precisamos falar sobre o que estamos fazendo. Eu me sinto como um trabalhador da cana, já entra devendo para o patrão, sempre. Para fazer alguma coisa vamos ter que arriscar, vejam Sorocaba, tanto insistiram que conseguiram denunciar. Vamos fazer rede, tanto de proteção pra gente não cair da janela como para não invadirem a nossa casa. Precisamos conhecer melhor a situação atual, divulgar, mas do passado precisamos lembrar sempre para não repetir. Rede me faz pensar em grade, sustenta, mas não aprisiona. Também temos que participar da mobilização política dos usuários. Produzir pensamento é fundamental... Como se pode perceber, a discussão foi começando espontaneamente a partir do Sociodrama. Então, Pedro encerrou o Sociodrama, fazendo-se um breve intervalo para iniciar uma plenária de discussão. 8 Plenária/principais idéias discutidas Começa com um pedido de esclarecimento sobre a história dos encontros. O esclarecimento foi feito brevemente já que estava clara a perspectiva de prosseguir e encaminhar questões: o que fazer? Quem somos? O que vamos fazer aqui no Sedes? Vamos fazer alguma coisa pra fora? Posicionar-nos diante de questões graves e necessárias? Vamos participar do ENEP em julho? Algumas opiniões começam a surgir: é preciso falar do miúdo, das praticas, deixar as pessoas apresentarem o que estão fazendo; podemos fazer reuniões temáticas, fazer uma programação das questões importantes a serem discutidas; o observatório não exclui essa discussão, um grupo pode coordenar a recepção de material importante e organizar os encontros periódicos; precisamos ser propositivos, falar algo sobre as políticas de saúde mental, tentar intervir; temos que tentar fortalecer o SUS, não podemos ser só anti-tudo; vamos fazer uma cartografia da saúde mental na Grande São Paulo e partir das experiências dos trabalhadores; é isso, vamos discutir sobre as práticas, falar da micro-política, das políticas do cotidiano que corroem as práticas aos poucos. O que é um Observatório? Como funciona? Poderíamos ter reuniões gerais a cada 2 meses e ter um grupo que sustenta essa discussão, faz circular as idéias, alimenta o site; precisamos de equipe para dar conta disso. Temos aqui representantes de muitos serviços, podemos nos articular em rede; o Observatório pode funcionar como uma incubadora, dar consistência, ajudar os trabalhadores em suas práticas; as polícias de saúde mental sofrem ataques sistemáticos, os Caps não funcionam, não adianta estar só no papel; podemos ser um lugar para pensar e produzir, levantando temas críticos, como por exemplo as noções de acolhimento e hospitalidade; temos que construir um discurso consistente porque a lógica manicomial tem um discurso facinho e pronto; precisamos ganhar espaço; temos as duas pontas, os Caps de um lado e a internação de outro, precisamos construir espaços alternativos; vamos lembrar que a IV Conferência foi intersetorial, temos que falar de clínica ampliada, ir às escolas, fazer projetos com a comunidade; nós fazemos parte de uma política que já está escrita, há muita produção, precisamos organizar um acervo coletivo, agir politicamente; vamos sempre proteger as nossas fontes, os trabalhadores que nos pedirem apoio ou vierem denunciar terão o coletivo para protegê-los. Podemos ser um observatório e promovermos os fóruns de discussão. Algumas equipes poderiam apresentar inicialmente as suas práticas, poderíamos produzir textos concisos para divulgar as questões importantes; temos que ser um espaço inclusivo, ouvir a todos e qualificar as propostas; não seria melhor nos reunirmos 1 vez por mês? Alguém lembra que acontecerá a 14ª Conferência de Saúde e que devemos acompanhar as etapas municipal, estadual até a nacional... No final, o grupo decide fazer novo encontro em 06/11/2011, às 10 hs.; haverá a apresentação e discussão de experiências, discussão das praticas cotidianas; algumas experiências foram indicadas para este encontro: D (Pinheiros); D (zona norte) e uma pessoa de M. Surgiram outras indicações, mas indicou-se que a comissão selecionará 9 para não que o Encontro não fique sem espaço para discussão geral sobre as experiências apresentadas. Resta a pergunta: podemos nos nomear Observatório de Saúde Mental do ISS? Ainda foi constituída nova comissão impermanente para organizar o próximo encontro. A relatora que escreve deixa a comissão, além de C, e novos membros entraram. E isso é tudo que consegui registrar. Comissão Impermanente para 06/08 Lilian Ferrarezi Marcio Farias Maíra Ferreira Maria Veridiana S. Paes de Barros Patricia Villas-Boas Rodrigo Nóia Montan Pedro Mascarenhas Entraram: Antonio Sérgio Gonçalves Danielle Antonelli Erika Fontana Renata A. Lins Pedro Carneiro São Paulo, 21 de maio de 2011 Maria Silvia Bolguese