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revista
bipolar
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25º Aniversário
As Sociedades
pós-modernas e a
doença mental
Convocatória aos Associados para Assembleia Geral Ordinária para o dia 28 de Março 2015, no Anfiteatro da
Escola Superior de Saúde da Cruz Vermelha - Lisboa, Av. De Ceuta, Edifício Urbiceuta, 1350-125 Lisboa.
10:00 horas
Análise e Aprovação do Relatório Contas do Contas do ano 2014;
11:30 horas Colóquio subordinado ao tema:
- As Sociedades pós-modernas e a doença mental. Dr. António Sampaio
12:00 Horas Enquadramento no dia mundial da perturbação bipolar:
Homenagem póstuma ao actor robin williams (por crítico de cinema
a convidar)
13:00 horas
debate
revista
bipolar
2
Editorial
Índice
Comemoração do 25º Aniversário da ADEB, uma
história de vida, evolução e sucesso sustentado,
em prol de mais e melhor saúde mental em Portugal
Volvidos 25 anos após a fundação da Associação de Apoio aos Doentes Depressivos e Bipolares,
ADEB, é com orgulho e sentido do dever por uma
nobre causa, que um pequeno núcleo de pessoas
e técnicos de saúde mental, com consciência política e social, espírito de missão por uma causa
solidária, se empenharam e dedicaram na constituição da primeira instituição de saúde mental
em Portugal, especializada no apoio e ajuda às
pessoas com o diagnóstico da Doença Unipolar e
Bipolar e seus familiares.
O símbolo padronizado e usado pela ADEB,
que representa e veicula várias imagens alegóricas, indo de encontro ao estado físico e psicológico dos Associados. A ADEB tem sido o farol e o
esteio para milhares de pessoas, onde têm encontrado o referencial e suporte nos seus objetivos
estatutários, os quais são implementados, entre
outras valências instituídas, no dia-a-dia, nomeadamente: no campo da Reabilitação Psicossocial e
Educação Médica Especializada.
Os pioneiros e inovadores na constituição da
Associação, traçaram os objetivos, fins e metas,
que embora tenham sido implementados ao longo dos tempos, têm proporcionado a milhares de
pessoas informação especializada, educação para
a saúde, prevenção de recidivas e habilitação e
autonomia para uma melhor qualidade de vida e
cidadania.
Invocando uma máxima do Grande Poeta, Fernando Pessoa, “Deus quer, O homem sonha, A
obra nasce”, a associação ao longo de vinte e cinco
anos ultrapassou vários ciclos e evolução constante e positiva na promoção, prevenção e educação
para a saúde dos associados e da comunidade.
Apraz salientar o espírito de missão e a atitude solidária nesta senda, dos membros dos atuais Corpos Gerentes, recentemente eleitos para
o mandato do quadriénio de 2015 a 2018. Hoje, e
desde a constituição da associação, o elenco dos
Corpos gerentes tem sido composto na sua maioria por pessoas com o diagnóstico de patologia
Unipolar e Bipolar e seus familiares.
A ADEB, ao longo da sua história de vida, tem
tido o privilégio, a atitude solidária e a colaboração
de dezenas de técnicos da área da saúde mental,
tais como: profissionais da área clínica e familiar,
psiquiatria, psicologia, enfermagem e social.
É gratificante constatar o respeito e a consideração das entidades oficiais, públicas e privadas,
pelo relevante papel que têm tido na área da saúde mental, com resultados positivos na elevação
da autoestima, autoconfiança e estabilidade emocional das pessoas com o diagnóstico da Doença
Unipolar e Bipolar.
Este saldo positivo é fruto do empenho do
Elenco de Corpos Sociais, da dedicação da equipa
de trabalhadores e voluntariado social, os quais
têm tido o engenho e a arte de registar e proclamar: “Ao longo de 25 anos da ADEB, se o nosso
empenho não estivesse neste projeto, se a nossa
procura não consistisse em inovar e consolidar o
que já existe, se a nossa razão não fosse levar a
bom porto um trabalho social e de saúde mental,
as pessoas com perturbações do humor não estariam tão bem protegidas e apoiadas nos seus
direitos em Portugal”.
Assim, todos os sócios ativos serão convidados formalmente (mediante preenchimento de ficha de inscrição, enviada na primeira quinzena de
Abril-2015) a estarem presentes e a participarem
no 25º Aniversário da ADEB a realizar nos dias 5
e 6 de Junho de 2015, na Fundação Calouste Gulbenkian, em Lisboa.
_____________________________________
O Presidente da Direção da ADEB,
Sócio nº 8. Um dos fundadores da ADEB
Diretor da Revista “Bipolar”
Delfim Augusto d’Oliveira
3
As Sociedades
pós-modernas e a
doença mental
5
Estilos de vida,
saúde mental e
bipolaridade
7
O Estigma e a
exclusão social na
sociedade moderna
10
A reabilitação
psicossocial de
pessoas com
doença mental grave
12
Viver na corda
bamba das emoções
e... ser feliz
16
Comorbilidade no
idoso com doença
mental
19
Envelhecimento,
Doença Mental
Crónica e Défices
Cognitivos
22
Dia Mundial da
Perturbação bipolar
23
ADEB - Porto
d’Abrigo Seguro
Síntese do estatuto editorial
• Editoriais temáticos;
• Publicação de documentos técnicos e científicos sobre as
doenças mentais em geral, e em especial sobre a doença
Unipolar e Bipolar;
• Informação pedagógica de modo a contribuir para a
Reabilitação, Educação e Prevenção daqueles que sofrem
da doença Unipolar e Bipolar;
• Entrevistas, artigos de oipinião e documentários;
• Divulgação e testemunhos de pacientes e familiares;
• Relatório das atividades sociais desenvolvidas pela ADEB;
• Consultório jurídico abrangendo todos os ramos de
Direiro;
• Espaço para divulgação das potencialidades dos
associados no campo cultural, recreativo e social.
Escreva e divulge a revista bipolar
e a doença mental
António Sampaio Correia
Psiquiatra. Membro do Conselho Científico e Pedagógico da ADEB
P
ara entendermos como surge a pós-modernidade temos,
evidentemente de conhecer o
contexto em que esta aconteceu, nomeadamente abordando a modernidade.
A modernidade é um novo estilo de
vida e de organização social que se começa a pensar na Europa a partir do
séc. XVII. A modernidade estabeleceu
então o primado da razão sobre o da
herança e da tradição.
O racionalismo nascido com Descartes (1596-1650) privilegia a razão
em vez da experiência e tradição (O
pensamento medieval era dominado
pela escolástica - pensamento e ensinamentos orientados na defesa da fé
cristã mesmo que fosse subordinada a
razão) como meio de acesso ao conhecimento (com o desenvolvimento das
ciências naturais) e à verdade.
Bacon (1561-1625) defendia que só
a razão deveria determinar os atos do
dia a dia e que o Homem, pela ciência
deveria libertar-se de todos os erros
oriundos das tradições e preconceitos.
Segundo Bacon, pela ciência, o Homem dominaria toda a Natureza.
O racionalismo será pois a base do
pensamento moderno liberal que defenderá as liberdades individuais e a
igualdade dos cidadãos perante a lei.
Contudo é só no séc. XIX que o racionalismo científico se torna uma realidade como modelo de sociedade.
Na modernidade operam-se trans­
formações sociais, económicas e
políticas significativas que deram
esperança a ideias humanitários.
A modernidade surge também para
que cada Homem possa ter um sonho
maior, uma melhor qualidade de vida
e possa substituir as intermináveis
jornadas de trabalho por um trabalho
com horário e folgas onde haja tempo
para o lazer.
Ao mesmo tempo que as maiorias
se vão vendo representadas e a discussão se abre idealmente a todos, vai
predominando o trabalho assalariado.
Tal é o cenário da revolução industrial
e do ideal do Homem dominador do
conhecimento e da máquina.
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bipolar
As Sociedades pós-modernas
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A modernidade acarretará, apesar de tudo, uma esperança na melhoria da qualidade de vida pela razão
e pela tecnologia. Nessa realidade
criam-se condições para uma democratização do conhecimento e do
acesso aos produtos tecnológicos
dele saídos.
Enquanto no séc. XIX a cultura ocidental ao levantar-se contra as tradições depositou a esperança da humanidade no conhecimento científico e
nos ideais alicerçados na razão, já no
final do séc XX a humanidade assiste à
falência dos ideias modernos de transformação social.
Embora o conceito de pós-modernismo tenha surgido muito antes
( Frederico de Onis-1930, Leslie Fiedler-1960, Ihab Hassan-1980 e Jean-Francois Lyotard-1981) é após a queda do muro de Berlim (1989), o colapso
da U.R.S.S. e a crise das ideologias
ocidentais que o pós-modernismo de
instala como uma época de desencantamento e de mal-estar cicatricial
da modernidade. Esta entra em crise
por o Homem se ir apercebendo que
as condições existentes, oriundas do
determinismo mecanicista, não conseguiram um verdadeiro progresso no
que se refere à dignidade humana. A
era de comunicação que surge através
da televisão e da informática é absorvida pelos interesses das narrativas
utópicas deixando o individuo sem liberdade real.
No pós-modernismo ao desencantamento das ideologias soma-se o desencantamento inerente ao das coisas
explicadas. No final do séc. XX e início
do séc. XXI o Homem sente-se insatisfeito face às explicações científicas dos
fenómenos naturais e procura um conhecimento complementar mas já fora
do coletivo que o tinha recentemente
desiludido.
Abandonadas que tinham sido as
crenças escolásticas sobre a origem
do comportamento do Homem este
procura em si próprio o conhecimento
que sente fazer falta. Mais virado para
si mesmo o Homem das sociedades
pós-modernas é mais só, mais isolado
e com menos esperança. Desiludido
para com o outro, o indivíduo pós-moderno tenta fugir à sua solidão com
fórmulas de pseudocomunicação que
na verdade reforçam o individualismo
que ele mesmo cultivará.
O capitalismo pós-moderno conse-
gue pacificar o Homem não por valores
éticos mas pela sua redução a consumidor facilitando-lhe uma atitude
masturbatória.
O Homem pós-moderno ilude-se
naquilo que julga ser uma aposta em
si mesmo que acontece na razão direta
da sua solidão abraçando a nova causa
que é a viver com toda a intensidade
possível como se o mundo terminasse já amanhã e, em qualquer caso, na
sua existência. Para o Homem pós-moderno o outro Homem só interessa
parcialmente, enquanto protagonista
de qualquer fonte de elogio do eu, seja
de forma “negativa” (porque o outro
mau contrasta com o eu bom) seja de
forma “positiva” (pela atitude lisonjeira do outro). De resto, para o Homem
pós-moderno o outro, incapaz de ser já
fonte de real afeto, é desinteressante e
muito provavelmente fonte de problemas para os quais o Homem deixou de
ter tempo.
O Homem pós-moderno divorciou-se da sua comunidade e vive apenas
interessado com as coisas que “mexem” com ele. Qualquer projeto que
“
O capitalismo pós-moderno consegue
pacificar o Homem
não por valores
éticos mas pela
sua redução
a consumidor
facilitando-lhe uma atitude
masturbatória.
não tenha assegurado um prémio mais
ou menos imediato é desinteressante e
é encarado como mais uma utopia condenada ao fracasso.
O capitalismo pós-moderno habituou já o Homem a viver sem amanhã.
A insegurança da rede social levou o
Homem à desesperança e ao crescimento exponencial dos quadros depressivos. Só a fuga do Homem para o
aqui e agora parece tornar tolerável a
existência com tal precariedade de coesão social.
Nas sociedades pós-modernas o
Homem tem uma ilusão de viver o hoje
adiando-se na sua condição antropológica. Todo o projeto a longo prazo
(à escala da humanidade), toda a elaboração de missão são trocados por
projetos imediatistas que distraem o
Homem do seu vazio existencial.
Tudo acontece impregnado pela
explicação da lógica científica que
deixa o Homem sem nenhum encantamento “razoável” e sem resposta
(ou com a “subjugação” à resposta
lógico-científica) perante as suas inseguranças que a crise económica e
social veio potenciar.
Na procura de respostas o homem
desesperado ou adoece ou se aliena
ou opta por uma postura de deus-vivo em que o ideal da estética física e
mental imperam. Importa o acontecer
de forma correta perante os “opinion-makers”, eles mesmo vítimas do capitalismo e consumismo pós-moderno.
O sofrimento daqueles que adoecem da mente é depositado nas mãos
da ciência e dos psi como se ali se encontrassem as únicas soluções. É que
as soluções sociais são muito mais
difíceis e exigem muito mais coragem
para serem implementados.
Importa que o Homem pós-moderno consiga levar por diante aquela que
parece ser uma consequência da modernidade que é a de considerar que
todo o conhecimento se deverá basear
na confluência dos saberes das culturas herdadas com as presentes, com
a ciência e ser complementado com a
esperança na humanidade na sua dimensão transcendente. Será com esse
conhecimento do todo para o todo que
voltará a ser possível viver com ideais
humanitários que deem sentido e saúde à vida.
Estilos de vida, saúde mental e bipolaridade
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Estilos de vida,
saúde mental
e bipolaridade
josé manuel jara
Médico Psiquiatra. Presidente da Assembleia Geral da ADEB.
Presidente do Conselho Científico e Pedagógico da ADEB
U
ma pessoa pode ter uma doença bipolar grave, com episódios intensos de “Mania” e
de “Depressão”, que obrigue a
tratamento hospitalar num serviço de
psiquiatria, na fase aguda. Noutros casos a depressão é grave, com intenso
sofrimento e incapacidade, mas a fase
de elevação do humor é moderada ou
leve e pode ser breve, passando quase
desapercebida (o próprio não a recorda
como “doença” e muitas vezes só os
familiares se apercebem da mudança).
Há pessoa que apenas sofreram de depressão, desde há anos, e que começam a evidenciar sintomas de elevação
do humor, obrigando o médico psiquiatra a rever o diagnóstico de depressão
unipolar para o de perturbação bipolar.
A intensidade e gravidade da perturbação podem medir-se pela intensidade dos sintomas, objetivamente
(incapacidade e desadaptação) e subjetivamente (sofrimento, alteração das
vivências). Outra forma de avaliar a doença mede-se pela duração das fases
de descompensação e pela frequência
com que se repetem. Casos há em que
os sintomas se prolongam numa cronicidade e podem mesmo resistir ao tratamento, especialmente os depressivos.
As pessoas que sofrem episódios muito
frequentes, por vezes todos os meses,
alternando períodos de euforia (mania
ou hipomania) ou de depressão, são um
desafio para o tratamento estabilizador.
Estas descrições estão hoje acessíveis a quem procure informação na
net. No entanto, é bom saber que o
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diagnóstico e avaliação destas e de outras doenças não se faz por autoatribuição. É bom ser conhecedor e autodidata, mas não demais. O recurso ao
médico e ao especialista é indispensável para o diagnóstico e avaliação correta e para a orientação do tratamento.
A noção de bipolaridade extravasa
da noção mais restrita de doença bipolar.
Há pessoas que têm fases psicológicas,
sem repercussão na vida prática, de
maior energia e atividade, alternando
com períodos de menos energia e algum
desânimo, de grau leve. Estas pessoas
podem ou não evoluir para uma franca
perturbação bipolar. Outras pessoas têm
um temperamento muito energético,
vivo, com uma vitalidade inesgotável e
podem vir a sofrer depressões com uma
componente de excitação que advém do
seu temperamento.
A questão da bipolaridade vista como
maior ou menor vulnerabilidade a adoecer, cruza-se com questão do stress que
predispõe à doença e com o estilo de vida
que não ajuda na recuperação e estabilização. A propensão a adoecer depende
de fatores genéticos, de fatores da vida
afetiva e social, dos stresses e de outros
fatores, como o uso de substâncias nocivas para o sistema nervoso.
Há três domínios que configuram
as dimensões psicológicas e psicofisiológicas em que se insere o terreno
para as perturbações do humor e a bipolaridade:
- As relações afetivas;
- A procura de estímulos;
- Os ritmos;
É nestas áreas que há que
considerar o que é válido como
estilo de vida saudável em caso
de predisposição às perturbações
bipolares. A grande dificuldade é a
seguinte: o temperamento da pessoa
predisposta leva a condutas que
são geradoras do agravamento e
de maior risco de doença; a doença
acentua essas condutas nas fases de
agudização.
As relações afetivas muito instáveis
geram uma fragilização dos laços estáveis com a vida e com os outros. A pessoa pode estar sujeita a ligações afetivas
intensas e breves, em descontinuidade,
com perdas e dificuldades na vida, tanto psicológicas como materiais. Se tiver
vida conjugal põe em risco a vida familiar, desequilibrando a família e ficando
mais vulnerável para uma descompensação depressiva ou maniforme. Noutros casos a dependência excessiva de
alguém combina-se com o seu contrário, a procura de afetos que vai por em
risco a estabilidade do laço principal. Na
própria evolução da perturbação bipolar,
em fase de elevação do humor podem
surgir ligações muitas vezes inconsequentes, geradoras de problemas para a
estabilidade da vida, numa pessoa frágil
que fica mais vulnerável. As necessidades de amor, amizade e afetos não têm
que ser pautadas por roturas constantes
e uma instabilidade como modo de vida.
E não é saudável ficar colado a alguém,
numa relação de dependência que cerceia a liberdade e a autorrealização.
A procura de novos estímulos é
uma necessidade saudável, o motor da
criatividade e da evolução da vida. Mas
quando se torna excessiva irá atropelar
o equilíbrio psíquico. A procura do prazer e das satisfações imediatas sobrepõe-se às tarefas construtivas e pode
levar à desorganização da vida. A vida
orientada para a gratificação imediata
pode levar a pessoa a subalternizar a
disciplina e a orientação da vida para
fins que requerem trabalho. É este o caminho que pode levar ao uso de drogas
nocivas para o cérebro, que irão agravar
o risco de adoecer e dificultar a recuperação da pessoa que tem já manifesta-
ções da doença. A sociedade consumista, mesmo em famílias com carências
de meios económicos, gera frustrações
por apetência de coisas supérfluas que
são preferidas em relação a bens de valor de maior necessidade.
Os ritmos caracterizam a nossa
vida. Os ritmos do dia, da semana, do
mês, das estações do ano e outros ainda mais amplos, que correspondem às
etapas biopsicológicas da vida. O ritmo do dia (circadiano) é marcadamente biológico, incluindo componentes
como o sono e a vigília, as oscilações
energéticas, o trabalho e o repouso, a
alimentação, as variações endógenas
de hormonas, a receção da luz diurna,
etc. Atropelar ou transtornar os ritmos
pode ser prejudicial à saúde física e
mental, muito em especial em pessoas
vulneráveis. Muitos jovens trocam hoje
o dia pela noite. Isolam-se em frente
ao écran do computador, substituindo a
vida real por uma vida no meio “virtual”,
de forma compulsiva. Dormir demais
ou de menos é nocivo e pode ser sinal
de doença. A inatividade física é prejudicial e o sedentarismo pode concorrer
para uma desmotivação que empobrece a autoestima, além de concorrer
para uma obesidade indesejável. Não
preconizamos uma ordem excessiva no
modo de viver. Há variações aceitáveis.
Mas os extremos são prejudicais e não
dão alegria à vida. Noutros caos o fator
de stress é a sobrecarga permanente,
sem parança, sem fins de semana, sem
lugar para um convívio saudável e mesmo para a vida em família. É também
um estilo de vida que pode levar ao esgotamento e à doença.
Tudo o que fica dito aqui de modo
muito sumário tem particular indicação para as pessoas que sofreram episódios de depressão e de alterações
bipolares do humor, mas também é
recomendável para todos nós. A saúde
mental depende numa parte importante da forma como se vive a vida.
O Estigma e a
exclusão social
na sociedade moderna
josé morgado pereira
Médico psiquiatra.
Investigador do CEIS20 da Universidade
de Coimbra
O
s Gregos criaram o termo estigma para referirem sinais
corporais, cortes ou queimaduras no corpo, destinadas a
expor o portador como escravo, criminoso, traidor – uma pessoa marcada,
ritualmente “poluída”, a ser evitada
especialmente em lugares públicos.
Hoje o termo é mais largamente aplicado a qualquer condição, atributo,
traço ou comportamento que simbolicamente marca o portador como
alguém “culturalmente inaceitável”
ou “inferior”, tendo como referente subjectivo a noção de vergonha ou
desgraça. De acordo com o sociólogo
Erving Goffman que publicou o livro de
referência “ Stigma – Notes on the Management of Spoiled Identity”(1) (1963),
o estigma corresponde a um atributo
profundamente depreciativo, em que o
portador é desqualificado socialmente.
Goffman distingue três tipos de
Estigma: do corpo (cicatrizes, deformidades); do carácter (o doente mental,
o criminoso, o homossexual, etc.); de
agrupamentos sociais (raça, nação, religião, etc.). É pois uma relação especial entre atributo e estereotipo, uma
reacção societal que afecta a identidade normal, sendo criada uma nova
identidade degradada.(2)
A estigmatização conduz a vários
tipos de descriminação, pois a criação
dessa outra identidade degradada implica uma projecção num indivíduo ou
grupo que envolve um julgamento de
inferioridade, repugnância ou desgraça, onde se associam medos, perigos,
juízos negativos ou de censura. Podem
ser utilizados termos específicos no
discurso do dia-a-dia, como metáfora ou representação, sem nos darmos
conta conscientemente do significado
original. Estes fenómenos podem ser
encarados como tendo fundamento
psicológico e antropológico, derivando
de uma profunda e inconsciente necessidade de ordenação do mundo, demarcando-nos do outro, distinção que
tende a estabelecer polarizações (bem/
mal, familiar/estranho, puro/poluído,
conhecido/desconhecido, segurança/
perigo, etc.). O resultado final pode
assim ser o distanciamento cognitivo
e social. As teorias sobre as doenças
podem reforçar os preconceitos colectivos de ordem moral, conduzindo à
existência de bodes expiatórios; a lepra
e a sífilis foram no passado exemplos
extremos, mas mais recentemente a
sida mobilizou de novo medos ancestrais e descriminações que pareciam
ter desaparecido. A própria Medicina
pode por vezes contribuir para a estigmatização, patologizando e procedendo
a diagnósticos, classificando e rotulando, embora a descoberta de causas orgânicas de certas doenças, por exemplo, tenha conduzido em regra a uma
melhor aceitação das mesmas.
Todas as sociedades avaliaram
algumas pessoas como loucas, assinalando o diferente, o desviante, ou o
que parecia oferecer perigo; o estigma
psiquiátrico foi historicamente muito
marcado, sendo conhecido de todos
que bruxaria, feitiçaria, punição de
pecados e influências demoníacas ou
possessão, foram utilizadas para explicar as causas de certas doenças mentais. A doença mental tem geralmente
um carácter biológico, mas é também
culturalmente construída (Fabrega,
1990)(3), tornando-se pois necessário
analisar a cultura de uma determinada
sociedade encarada como um sistema
de símbolos com amplas implicações
de ordem social. Fabrega lembra que
os sintomas da doença psiquiátrica foram caracterizados socialmente como
assustadores, vergonhosos, perigosos,
imaginários, forjados, fantásticos, e incuráveis; e os doentes descritos como
preguiçosos, fracos, instáveis, imprevisíveis, indolentes, dependentes, irracionais, etc. Fabrega lembra ainda a
importância de distinguir os diferentes
meios em que florescem as desig-
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nações culturais para a doença, seja
na tradição médica, académica ou no
âmbito das denominadas tradições folclóricas, não-profissionais ou heterodoxas, ou nas famílias e comunidades.
De acordo com os símbolos culturais,
os comportamentos podem ser valorizados de forma distinta, mais positivamente ou negativamente, consoante os
sentidos associados a esses símbolos;
as sociedades criam também instituições para lidar com essas alterações
ou desvios da conduta. Apesar de poderem representar esforços positivos
para dar assistência e proteção, a institucionalização pode afectar de forma
significativa a identidade social dos
indivíduos.
Kay Redfield Jamison, professora
de Psicologia Clínica, autora de livros
que testemunham a sua própria experiencia de doente bipolar como “An unquiet mind”, lembra a intensidade com
que o fenómeno da estigmatização se
apresenta na sociedade, como surge
de forma exuberante nos “media” e
como é frequente na própria profissão
médica e noutros profissionais, que se
defrontam com falta de apoios de superiores ou colegas, e como se preocupam com o seu futuro profissional e
receiam pela sua progressão académica. Recorda porém a importância das
campanhas de educação do público
assim como da importância de alertar
para a disponibilidade de medicações
“
De acordo com os
símbolos culturais,
os comportamentos
podem ser
valorizados de
forma distinta,
mais positivamente
ou negativamente,
consoante os
sentidos associados
a esses símbolos.
eficazes que podem ter grande influência na percepção do público e no seu
comportamento.(4)
Estes fenómenos são universais,
embora apresentem particularidades
consoante as diferentes sociedades e
as variáveis culturais como se comprova pelos estudos transculturais. Diversos trabalhos de Arthur Kleinman,
psiquiatra e antropólogo norte-americano mostram como o estigma é uma
categoria moral, que a culpa e a vergonha não são só individuais, podem
estender-se à família inteira. Ao estudar a epilepsia no interior da China,
mostra que a enfase no controle social
se sobrepõe aos direitos dos pacientes,
e que a deslegitimação pessoal e da
família afectam o casamento, o tipo de
vida, todos os aspectos da vida social,
conduzindo a uma autêntica “ruína das
relações sociais”(5).
É possível reduzir o estigma, sendo
que se trata de um trabalho complexo
e que diz respeito a todos e não só
aos profissionais ou técnicos que
trabalham em saúde mental, mas ao
conjunto dos cidadãos. A existência
de cuidados comunitários é uma das
respostas necessárias, mas devem ser
“compreensivos”, oferecerem apoio
continuado a longo prazo, suporte
as ciências sociais, que contribuem
para a construção social da nossa realidade. Também no âmbito da Medicina mas com participação das Ciências
Sociais e das Humanidades, as denominadas Humanidades Médicas começam a desempenhar um papel importante. Constituídas por um conjunto de
disciplinas de distintas proveniências
formativas, aplicadas às Ciências da
Saúde e ao contexto da relação com o
doente e ao seu universo, (Antropologia
e Sociologia, Arte e Literatura, Bioética,
Comunicação, História e Filosofia da
Medicina, Psicologia e Psicopatologia,
Medicina Narrativa, etc.) com crescente
aceitação académica, podem contribuir
para a elucidação dos sentidos associados às doenças, estudando os processos pelos quais acontecem e que finalidades sociais cumprem.
Talvez assim nos possamos aproximar do desejo de Susan Sontag quando
criticava as concepções e as metáforas
associadas
às
doenças,
sejam
punitivas, expiatórias, ou míticas,
defendendo a verdade, a autonomia e a
capacidade de olhar para as coisas tal
como são na realidade(7).
Bibliografia:
1. Goffman, Erving – Stigma. Notes on the management of Spoiled Identity. London: Pelican
Books, 1968(original 1963).Em língua portuguesa: Estigma. Notas sobre a manipulação da
identidade deteriorada. Rio de Janeiro: Zahar,
1975.
2. Williams, Simon – “Goffman, interactionism,
and the management of stigma in everyday
life”. In: Scambler, Graham – Sociological Theory and Medical Sociology. London: Tavistock,
1987. pp.134-164.
3. Fabrega, Horacio – “Psychiatric Stigma in the
Classical and Medieval Period: A Review of the
Literature”. Comprehensive Psychiatry, vol. 31,
nº 4 (1990), pp.289-306.
4. Jamison, K. R. – “Stigma of manic depression:
a psychologist,s experience”. The Lancet, vol
352, 1998, pp.1053.
5. Kleinman, Arthur – Writing at the Margin. Discourse Between Anthropology and Medicine.
Berkeley: University of California Press, 1995,
pp.147-171.
6. Jones, Anne Hudson – “Mental illness made
public: ending the stigma? The Lancet, vol
352, 1998, pp.1060.
7. Sontag, Susan – La Enfermedad y sus metáforas. Barcelona: Muchnik, 1984.
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individual de proximidade, responder
com rapidez na crise, e fornecer um
apoio institucional se necessário nos
casos de gravidade. Por outro lado,
tratar doenças não chega, torna-se
indispensável informar, aconselhar
e promover ajuda. Tudo isto implica
financiamento e atitudes inclusivas da
comunidade e seus representantes. A
educação em saúde mental e o contacto público através de debates é igualmente necessário, assim como serviços
reabilitativos nas instituições e fora delas, levando as práticas ao meio social.
Também a existência de legislação que
contemple pessoas que tenham a capacidade ou competência diminuída para
consentir ou recusar tratamentos é
importante. Finalmente, é certamente
uma maneira segura de reduzir o estigma, procurar as causas e os tratamentos efectivos para a doença(6).
As doenças continuam a ter significados sociais e simbólicos, e torna-se
pois fundamental analisar as representações sociais da doença, que numerosos sociólogos têm procurado estudar, e é “esse conhecimento de senso
comum”, por oposição ao pensamento
científico, que tanto interesse tem para
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A Reabilitação Psicossocial de Pessoas com
Doença Mental Grave
Lídia águeda
Psicóloga Clínica da ADEB
A
reabilitação psicossocial de
pessoas com doença mental
grave permite tal como a OMS
(2001) descreve:
Adquirir ou recuperar as aptidões
práticas necessárias para viver e socializar na comunidade e lhes ensina a
maneira de fazer face às suas incapacidades. Inclui assistência no desenvolvimento das aptidões sociais, interesses
e actividades de lazer que dão um senso
de participação e de valor pessoal. Ensina também aptidões de vida tais como
regime alimentar, higiene pessoal, cozinha, fazer compras, fazer orçamentos,
manter a casa e usar diferentes meios
de transporte. (Organização Mundial da
Saúde, 2002, p.62).
Assim, a reabilitação psiquiátrica
desenvolveu-se no contexto de desinstitucionalização dos anos 60 e 70 na
saúde mental a fim de permitir a saída
dos doentes dos hospitais e facilitar
a sua integração na sociedade (Gill &
Barrett, 2009). Baseia-se em 4 pontos
essenciais, tal como nos indicam Anthony, Cohen, e Kennard (1990):
- Perceber a pessoa com doença
mental como uma pessoa em primeiro
lugar, com as suas necessidades básicas e os seus objetivos tal como os
outros membros da comunidade.
- Envolver os utentes e as suas famílias no sistema implementado e nas
suas atividades
- Reconhecer a família como um
recurso
- Desenvolver serviço centrado nos
utentes
Esta perspectiva vai aliás ao encontro dos pontos 1,3, 5 e 9 das 10 Recomendações de Ordem Geral da OMS Organização Mundial da Saúde no seu
Relatório sobre saúde no Mundo Saúde
Mental: Nova Concepção, Nova Esperança (2001).
Ao nível nacional, estes princípios básicos estão de acordo com os objectivos
do Plano Nacional para a Saúde Mental
2007/2016 (Coordenação Nacional para
a Saúde Mental, 2008) que o nosso país
está atualmente a tentar implementar:
- Assegurar o acesso equitativo a
cuidados de saúde mental de qualidade a todas as pessoas com problemas
de saúde mental do país, sobretudo as
que pertencem a grupos especialmente vulneráveis;
- Promover e proteger os direitos
humanos das pessoas com problemas
de saúde mental;
- Reduzir o impacto das perturbações mentais e contribuir para a promoção da saúde mental das populações;
- Promover a descentralização dos
serviços de saúde mental, de modo a
permitir a prestação de cuidados mais
próximos das pessoas e a facilitar uma
maior participação das comunidades,
dos utentes e das suas famílias;
- Promover a integração dos cuidados de saúde mental no sistema geral
de saúde, tanto a nível dos cuidados
primários, como dos hospitais gerais e
dos cuidados continuados, de modo a
facilitar o acesso e a diminuir a institucionalização.
Todavia, a OMS (2012) acrescenta um
ponto essencial no seu plano de ação
para 2013-2020: a possibilidade dos doentes psiquiátricos estarem envolvidos
nas políticas de saúde mental, tanto ao
nível do seu planeamento, da sua legislação, como nos serviços prestados e na
sua avaliação ou seja o empowerment
das pessoas com doença mental.
Ora, enquanto existiu um modelo
assistencial centrado no hospital, os
modelos de saúde mental focaram-se essencialmente na doença com a
descrição dos seus sintomas e a sua
prevalência epidemiológica, influenciado pelas obras de Kraepelin no seculo XIX (Schmied, Steinberg & Sykes,
2006). Foi neste contexto que em 1948,
a OMS integrou a Secção de Classifica-
ção das doenças mentais ao publicar
a sua sexta edição da International
Classification of Diseases and Health Related Problems ou ICD (DSM-IV,
2002). Em resposta a introdução desta
secção, a Comissão para a Classificação e Estatística da Associação Psiquiátrica Americana publicou em 1952 a
sua primeira edição do Diagnostic and
Statistical Manual: Mental Disorders
ou DSM (DSM-IV, 2002). Assim, ambos
os manuais pretendem classificar as
perturbações mentais, a fim de facilitar o diagnóstico da doença, bem como
a comunicação entre os profissionais
de saúde, a investigação e o tratamento dos doentes. Também não podemos
esquecer, que este desejo de descrição
dos sintomas coincide com o aparecimento da psicofarmacologia (Schmied,
Steinberg & Sykes, 2006). Todavia, tal
como o DSM-IV (2002) lembra:
Fazer um diagnóstico de acordo com
o DSM-IV é apenas o primeiro passo
para uma avaliação abrangente. Para
formular um plano de tratamento adequado, o clinico necessitará invariavelmente de informação adicional sobre a
pessoa que está a ser avaliada além da
que é necessária para obter o diagnóstico do DSM-IV. (DSM-IV, 2002, p.xxxv).
De facto, tanto o DSM como o ICD
separam as perturbações “mentais” das
perturbações “físicas”, ora não haverá
uma inter-relação entre o físico e o mental? Outro limite destes manuais, é que
pouco indicam sobre o impacto da doença sobre a vida do próprio doente, sobre
a sua capacidade em desempenhar papéis sociais, tarefas diárias, sobre a sua
auto-estima (Baron & Linden, 2008).
São estas as perguntas que o modelo
de saúde mental centrado na comunidade veio colocar. De facto, não é suficiente
uma receita médica para aliviar os sintomas da doença psiquiátrica, também é
preciso ajudar os doentes a integrar a sociedade e ter um papel ativo e pró-ativo.
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baseia, faz com que seja uma disciplina emergente que requer uma preparação específica das suas equipas de
11
revista
bipolar
Assim, tanto o diagnóstico psiquiátrico como o diagnóstico funcional do
individuo são fundamentais, mas estes
não são os únicos alicerces.
A readiness, ou seja a prontidão do doente para a mudança, o seu interesse (e não a sua
capacidade) em iniciar este
processo, é apresentado como
base fundamental (Marques &
Queirós, 2012; Farkas & Anthony, 2010). De facto, não é difícil perceber que dado o estigma relacionado com a doença
mental, o percurso muitas vezes já percorrido nos serviços
de saúde, muitos utentes já não
acreditam na possibilidade de
melhorar, de ter um papel social mais ativo.
Todavia, não passamos de
um modelo exclusivamente
hospitalar, para um modelo
exclusivamente comunitário. A
intervenção psiquiátrica e o internamento serão sempre vistos como estratégia essencial,
nomeadamente nas doenças
crónicas. A reabilitação psiquiátrica procura simplesmente
melhorar a qualidade de vida
do doente, bem como a sua integração e participação social
de acordo com os seus objetivos de vida. Mas este objetivo proposto
significa, que tanto os profissionais de
saúde como os utentes dos serviços de
saúde mental têm de acreditar que a
recuperação é possível (Marques &
Queirós, 2012; Ferraz, 2011).
Assim, a reabilitação psiquiátrica
não invalida os cuidados psiquiátricos
tradicionais, mas vem potenciá-los,
melhorando a funcionalidade dos doentes, a sua integração e participação social, bem como a sua qualidade de vida
(Swildens et al., 2011). Ambos se complementam e são recomendados no
sistema de saúde mental (Tarasenko,
Sulivan, Ritchie, & Spaulding, 2004).
Por estas razões, este modelo é
não só virado para a recuperação do
doente ou recovery (Ferraz, 2011; Farkas & Anthony, 2010; Coordenação
Nacional para a Saúde Mental, 2005),
mas também para o empowerment na
medida em que o doente tem poder de
decisão (Ornelas, 2007; Coordenação
Nacional para a Saúde Mental, 2005).
A visão holística da doença mental,
em que a reabilitação psiquiátrica se
revista
bipolar
12
Associação de Doentes Depressivos e Bipolares (ADEB)
Viver na corda bamba das emoções
A doença bipolar não é o fim de uma vida.
Na Associação de Doentes Depressivos e
Bipolares (ADEB) aprende-se a viver com um
problema de saúde que ainda é estigmatizado
pela sociedade. Os próprios familiares podem
receber apoio psicológico, se necessário, e
formação para poderem ser a mão amiga nos
momentos mais difíceis.
Delfim Oliveira, o presidente da
ADEB, tinha 40 anos quando foi diagnosticado com doença bipolar. “O meu
estado de saúde físico e psíquico era deplorável e um amigo ajudou-me. Fui internado, por vontade própria, no Hospital
Júlio de Matos. Foram seis meses de estado de mania, estive 15 dias internado,
um ano em ambulatório e mais um em
convalescença.” O diagnóstico foi rápido,
“felizmente”, mas garante que “lhe desabou o teto do mundo na cabeça”.
recidivas no início – o que é habitual –
e de hipomania. Uma das razões está
na maneira como enfrenta o problema.
“A minha vida deu uma reviravolta e
percebi que só com medicação e apoio
conseguiria – como aconteceu – aprender a viver com doença bipolar.”
Conseguiu de tal maneira que,
além de ter recuperado muito do que
(quase) perdera, consegue ainda hoje
estar à frente da associação que mais
tem lutado para dar a conhecer a doença unipolar e bipolar e pôr um fim no
estigma que existe em torno de tudo o
que seja doença mental.
A ADEB existe desde 1991 e tem
dado apoio a muitos doentes e familiares/cuidadores, “além de contribuir
para veicular a informação dos vários
profissionais de saúde, quer sejam psiquiatras e psicólogos ou médicos de
Medicina Geral e Familiar”.
A doença bipolar: viver num
(des) equilíbrio de emoções
Delfim Oliveira
Não aceitou a doença, mas reconheceu que teria de tomar medicação
para o resto da vida e que “tinha de
aprender a viver com esta nova realidade”, refere. Já lá vão 25 anos e o presidente da ADEB só voltou a ter duas
Estima-se que afete cerca de 1 a
1,5% da população e nem sempre é fácil chegar-se ao diagnóstico. “A dificuldade em se obter informação não ajuda a reconhecer os sinais da doença,
o que dificuldade o aceitar da mesma
de modo a que se possam procurar as
respostas adequadas para o tratamento necessário”, explica Sérgio Paixão,
psicólogo clínico da ADEB.
E continua: “Acompanhamos pessoas que só souberam do seu estado clínico já muito tarde, porque costumavam ir
ao médico apenas quando estavam em
Uma sessão do grupo de auto-ajuda
depressão. Sendo assim, o médico de
família receitava-lhes, como é recomendado, medicamentos para esse problema. Quando estavam em hipomania,
achavam que estavam bem e não iam
ao médico. Logo, nestes casos, é muito
difícil fazer o diagnóstico correto.”
Esta é uma das dificuldades que
mais se enfrenta quando se fala de
doença bipolar. Os pacientes não conseguem perceber o que sentem e não
procuram ajuda numa fase precoce.
Mas um diagnóstico tardio também se
pode dever à negação da própria pessoa em reconhecer a doença, como
refere Sérgio Paixão. Felizmente que a
situação está a melhorar, há mais informação e mais pedidos de ajuda.
revista
bipolar
13
ões e… ser feliz
Reproduz-se nestas páginas
a reportagem publicada no
Jornal do X Congresso Nacional de Psiquiatria, evento
que se realizou no passado
mês de novembro e durante o
qual foi assinalado o 10.º aniversário da Sociedade Portuguesa de Psiquiatria e Saúde
Mental (SPPSM), após a sua
renovação, em 2004, atualmente, presidida pela Prof.ª
Maria Luísa Figueira (na foto,
com o presidente da reunião,
Dr. Carlos Ramalheira).
“Os médicos de família são muito
importantes neste processo, ao referenciar o doente numa fase inicial e
fazendo o devido encaminhamento”,
reconhece.
Não é fácil receber a notícia de que
se tem uma doença mental crónica que
ainda é muito estigmatizada na sociedade. “A reação mais habitual é de negação”, afirma Sérgio Paixão. O psicólogo considera que os familiares também
podem ser muito afetados com o diagnóstico. “Muitos não sabem como lidar
com a situação e, no caso dos pais, é o
pensar que os sonhos que tinham para
os filhos estão todos a cair.”
A ADEB tem prestado, ao longo dos
seus 25 anos, um apoio que começa,
muitas vezes, no serviço SOS apoio
telefónico ADEB e, sempre que se justifique, é aconselhado um encaminhamento para o Serviço de Reabilitação
Psicossocial. Nesta valência, o acompanhamento individual, realizado por
um dos psicólogos clínicos, consiste
no desenvolvimento de sessões para
aquisição de novas competências para
lidar com a gravidade da doença unipolar ou bipolar, de modo a promover o
autocuidado e reintegração da pessoa
na vida ativa, com ganhos de saúde e
mais qualidade de vida.
De realçar também os grupos de
autoajuda, que são uma das mais-valias nestas situações e uma das
valências da ADEB, como forma de as
pessoas partilharem entre si experiências e de se ajudarem umas às outras,
segundo Delfim Oliveira. Além disso, a
associação tem sempre a “porta aberta” para se pedir apoio psicológico.
A importância dos familiares
numa doença de difícil diagnóstico
“É muito importante ter o apoio
de quem está próximo. Nas crises é
mais fácil alguém dar-nos a mão para
nos podermos levantar”, refere Delfim
Oliveira. Sérgio Paixão concorda: “Na
fase de depressão a pessoa sente-se
muito mal e até tem noção de que não
está bem, mas nas fases de mania
(euforia) sente-se demasiado bem e
revista
bipolar
14
não procura ajuda. É preciso que esteja alguém ao seu lado e o faça por
ela.”
“Ambos os episódios podem trazer um sofrimento muito grande. Na
euforia há uma enorme tendência
para se ter comportamentos desadequados, que podem pôr em risco a
estabilidade pessoal a vários níveis.”
Esses momentos acabam por ser «demolidores», “porque, depois, ao surgir
normalmente a depressão, ao necessitarem de ajuda, já nem sempre a têm,
pelos conflitos relacionais que surgiram no episódio anterior e que levaram
ao afastamento de quem estava mais
próximo”, esclarece o psicólogo.
sitam saber lidar com a doença”, frisa
Delfim Oliveira. Apesar dos apoios da
associação, “tendem a ficar na retaguarda e depois desconhecem o que
fazer e surgem comentários depreciativos, como, por exemplo, durante
as recidivas”. Comentários que não
ajudam em nada nos momentos mais
graves e que revelam incompreensão
por parte de quem está mais próximo”.
É importante também aprender a
diferença entre o que é característico
da doença e o que faz parte da personalidade da pessoa, “para se evitar
comportamentos e atitudes que não
ajudam e, por outro, para a própria
pessoa com a doença não a utilizar
para desculpar certos atos”, aponta o
psicólogo. Sem formação, “dificilmente se consegue evitar estas situações
e a família tem de ter consciência da
necessidade de se (in) formar.”
porciona mais qualidade de vida. Esta
conquista é possível para cada um na
medida da adesão ao tratamento e
cuidados a ter no dia-a-dia.”
Delfim Oliveira relembra que “há
muitos doentes bipolares empregados e que são excelentes profissionais. Basta terem acompanhamento e
aprenderem a viver com este problema
de saúde”.
Várias valências
que melhoram o bem-estar
e a qualidade de vida
A ADEB aposta em várias vertentes,
“porque a reabilitação é um todo, composto de várias etapas”, como refere
o presidente da ADEB. Nesse sentido,
existem sete valências: reabilitação
psicossocial, promoção de ações de
educação médica e especializada, apoio
à célula familiar, apoio e reorientação
O estigma ainda fala mais alto
Sérgio Paixão
Na infância e na adolescência, é
ainda mais difícil obter um diagnóstico. “Geralmente, costuma-se ter mais
cuidado com o diagnóstico final, mas
por vezes é inevitável não se dizer que
é perturbação bipolar”, refere Sérgio
Paixão.
Precisamente a pensar nesta realidade, a ADEB aposta também bastante
na ajuda aos familiares. “Acompanhamo-los, dando apoio psicológico se
for necessário e dando formação para
saberem lidar com as diferentes fases
da doença e para prevenirem possíveis complicações.” De facto, há quem
entre em depressão ou venha a sofrer
de distúrbios de ansiedade, “principalmente pelas consequências que a doença provoca nas relações familiares”.
Outro obstáculo é a formação.
“Dos quatro mil associados da ADEB,
apenas 10% são familiares. Na saúde
mental, é fundamental ter o apoio dos
familiares e estes, por sua vez, neces-
Passaram 25 anos desde que Delfim
Oliveira descobriu que sofria de doença bipolar. As mudanças têm-se feito
sentir. “Existe uma maior evolução nos
tratamentos e a patologia já é mais conhecida da população, assim como dos
vários profissionais de saúde.” Contudo, “ainda há muito a fazer”. Existem
muitas pessoas que, apesar de serem
excelentes profissionais, receiam falar
da doença no seu local de trabalho, nem
que seja para levar um papel de justificação de que foram a uma consulta na
associação. Uma atitude compreensível
para o presidente da ADEB, tendo em
conta que as entidades profissionais e
os colegas de profissão ainda veem com
maus olhos a bipolaridade.
“Há também quem dê apoio, mas a
maioria discrimina”, garante.
Neste campo da (in) formação ainda há muito a fazer, de acordo com
Delfim Oliveira. Sérgio Paixão pensa o
mesmo: ”É preciso dar mais informação e os profissionais de saúde, as associações e todos os parceiros envolvidos na saúde mental devem falar da
doença bipolar e desmistificar a ideia
de que são pessoas que estão sempre
incapacitadas para terem uma vida social e profissional e que são perigosas,
criando grandes problemas.”
E acrescenta: “Hoje, conquistou-se a possibilidade de se ter uma
atitude preventiva, evitando cada vez
mais as recidivas graves, o que pro-
Algumas atividades desenvolvidas pela ADEB
Equipa que dá apoio a Delfim Oliveira na ADEB
Um futuro incerto …
com falta de verbas
A crise tem afetado a ADEB, como
tem acontecido com a maioria das associações. “Antes de mais, a maioria
dos associados não paga as quotas, o
que nos impede de ser financeiramente independentes”, sublinha Delfim
Oliveira. A alternativa tem sido pedir
apoios, nomeadamente aos laboratórios. “Estão estabelecidos protocolos,
mas, na prática, não são cumpridos
desde 2013. O dinheiro não aparece e
ninguém dá uma explicação.”
Apesar das dificuldades, o responsável acredita que o mais importante é
que “se continua com portas abertas à
população”. Espera é que esta realidade se prolongue por muito mais tempo
e “que a falta de verbas não venha a
pôr em causa esta ajuda tão importante para doentes e familiares”.
Uma mão amiga que é fundamental
que continue a existir, pois, “faz toda a
diferença na recuperação e na prevenção de recidivas, pelo menos das mais
graves“. E Delfim Oliveira é o exemplo
de como este apoio é a pedra angular
que ajuda na caminhada da vida e que
ensina a viver com a bipolaridade, sem
se deixar que a doença impeça a felicidade.
15
A visão de
um jovem com
doença bipolar
e a do seu pai,
após o diagnóstico
Perspetiva do pai do Miguel
Para mim, foi devastador
o dia em que foi feito
o diagnóstico ao meu
filho Miguel. Até
àquele momento,
penso que sempre tive
a ideia de que o seu
comportamento estranho
era uma fase, ou algo
do género, que passaria
com o tempo. Agora, de
repente, apercebi-me
que a minha vida, a vida
do Miguel e a nossa vida
familiar nunca mais seria
igual. Demorei muito
tempo a conformar-me.
Perspetiva do filho (Miguel)
Em muitos aspetos, o
dia em que me fizeram o
diagnóstico foi um bom
dia para mim. Aqui estava
a prova de que não estava
a imaginar aquilo tudo.
Havia realmente algo de
errado comigo e talvez
agora pudesse receber
ajuda. Mas, ao mesmo
tempo, tinha muito medo
de perder o controlo da
minha vida. Não queria
ser definido pela minha
doença.
Fonte: Textos in Aprender a viver com
a doença bipolar: um Guia de Apoio,
edição da ADEB.
revista
bipolar
aos utentes desempregados, apoio ao
adolescente, fórum sócio ocupacional e
apoio domiciliário.
No caso dos fóruns socioprofissionais, existem várias atividades de grupo,
como yoga, música, pintura, fotografia
e poesia. “Temos compilado antologias
poéticas e também textos em prosa. É
a forma de melhorar a autoestima das
pessoas, de elas próprias darem a conhecer a sua veia artística e de desabafarem”, salienta o responsável da ADEB.
revista
bipolar
16
Comorbilidade no idoso com
doença mental
Lia fernandes, MD, PhD
Psiquiatra, Assistente Hospitalar Graduada do CHSJ do Porto.
Prof. Associada da Faculdade de Medicina da Universidade do Porto.
Investigadora da UNIFAI/CINTESIS da Universidade do Porto.
Membro do Conselho Científico e Pedagógico da ADEB
E
m todo o mundo tem-se vindo a
assistir a um crescimento exponencial de pessoas mais velhas,
prevendo-se que se atinja 16%
da população até 2050 (WHO, 2012).
Portugal é neste momento o Pais da
União Europeia com mais rápido crescimento, estimando-se que existam 2 023
000 idosos (INE, 2014). Este crescimento explica-se em termos absolutos pela
diminuição da mortalidade e aumento
da esperança média de vida, bem como
em termos relativos, pela diminuição da
natalidade. É neste contexto, que se as-
siste neste momento a uma inversão da
pirâmide etária, em que existem 129,4
idosos para cada 100 jovens (INE, 2014).
Inerente a este envelhecimento
geral da população, associa-se inevitavelmente um maior número de
diagnóstico de doenças crónicas e, em
particular, de demências (Fernandes,
2014). O número total de novos casos de
demência por ano, aproxima-se de 7,7
milhões, o que significa que se diagnostica uma demência a cada 4 segundos
(WHO, 2014). Em Portugal o número de
demenciados (estando claramente sub-
diagnosticado) aproxima-se de 153 mil
casos, dos quais 90 mil com Doença de
Alzheimer. Este número estima-se que
duplicará até 2020 (INE, 2014).
Estes dados são sem dúvida, preocupantes tendo em conta que a demência de tipo Alzheimer representa
na actualidade a principal causa de dependência nos idosos, resultando num
considerável acréscimo de necessidades (Fernandes et al, 2009) e numa
evidente sobrecarga das famílias, dos
cuidadores, bem como dos sistemas
de saúde e de segurança social.
Nesta sequência, o acréscimo de
doenças crónicas e comorbilidades condicionam o número de anos vividos com
incapacidade física e mental, também
ao nível dos mais velhos (Fernandes,
2011). Neste contexto, realça-se ainda
que as doenças neuropsiquiátricas nos
idosos sejam responsáveis por 6,6% de
incapacidade total (DALYs), sofrendo de
uma qualquer perturbação mental cerca de 15% destes indivíduos (DGS, 2014).
Estes doentes idosos com múltiplas patologias crónicas correm um
maior risco de redução da qualidade
de cuidados, quando comparados com
os doentes com uma ou nenhuma comorbilidade. Para isto contribuem a
competição de sistemas classificativos
para patologias individuais, a sobrecarga de diferentes recomendações
clínicas, a dificuldade de implemen-
al, 2006; Long et al, 2013). Em conjunto,
todos estes factores se traduzem inevitavelmente no aumento de custos de
cuidados de saúde (Sparks et al, 2008).
Será de destacar ainda o risco da
polimedicação, sobretudo nos mais
velhos, estimando-se que em Portugal
em média cada idoso consuma 7.23
fármacos/dia. Segundo um estudo da
Faculdade de Farmácia da Universidade de Lisboa (2008), a errada prescrição causará efeitos adversos, estando
ligada a 11% dos internamentos hospitalares nos idosos, sendo que 38,5%
dos idosos tomam um ou mais medicamentos inapropriados, que deviam ser
substituídos por outros mais seguros.
Como princípio básico do tratamento das situações demenciais e das
múltiplas comorbilidades torna-se
fundamental a adesão ao tratamento.
Contudo, devem destacar-se sobretudo as boas práticas clínicas, ao invés
dos princípios curativos, isto é, a manutenção da qualidade de vida e não
tanto da quantidade de vida. Dever-se-á
implementar particularmente o alívio
sintomático, identificar e lidar com as
situações tratáveis, reconhecer e explorar o potencial de reabilitação, evitando
intervenções muitas vezes fúteis e desnecessárias (Rodda et al, 2008).
Desta forma, é essencial uma diferenciação de cuidados ao longo do processo evolutivo das situações demenciais, assegurando a qualidade de vida
em todas as fases evolutivas, mas sobretudo, garantir dignidade e conforto
nas fases mais avançadas ou mesmo
terminais (Volicer et al, 2003).
Apesar do aumento das novas exigências assistenciais impostas pelo
crescente número de idosos, necessariamente com mais doenças crónicas e
comorbilidades, não se tem assistido
em paralelo, a um aumento da qualidade de vida destes doentes. Em boa
verdade, face a este acréscimo de problemas de saúde, continua-se a dar as
mesmas respostas assistenciais (Valente Rosa, 2012).
Desde logo, no tratamento destas
situações clínicas, estes pacientes
são confrontados com o duplo estigma, o da doença mental e o de se ser
mais velho. Isto porque entre os doentes com doenças físicas, continua-se a negligenciar os mais velhos e
os doentes mentais. Entre os doentes
mentais continua-se a negligenciar os
mais velhos (Leuschner, 2014). Deste
17
revista
bipolar
tação do tratamento para múltiplas
condições (nomeadamente no que respeita a efeitos adversos) e, por último,
o aumento de custos de saúde (Gijsen
et al, 2001; Boyd et al, 2005; Bayliss et
al, 2007; Min et al, 2007). As comorbilidades impõem ainda, um aumento do
risco de morte, bem como um aumento do declínio funcional (Fillenbaum et
al, 2000; Gijsen et al, 2001).
Apesar de tudo, a melhoria de cuidados médicos, decorrente do avanço do
conhecimento e das novas tecnologias
de saúde, leva a que um maior número
de indivíduos sobreviva até idade avançada, com consequente acréscimo de
comorbilidades. Nesta sequência, o aumento do número de demências estabelece-se como o factor fundamental para
a maior morbilidade. Deste modo, pode
afirmar-se que a demência e as comorbilidades teriam assim, efeitos aditivos
(Wolff et al, 2002; Hile t al, 2002). É neste
contexto, que se regista que a principal
causa de internamento nas demências esteja atribuída às comorbilidades
(Marshall et al, 2003; Sparks et al, 2008).
Destacam-se como comorbilidades
mais frequentes na Doença de Alzheimer, as Doenças Cardiovasculares (Hipertensão Arterial, Insuficiência Cardíaca, Arritmias e Doença Coronária),
Diabetes Mellitus/Doenças Endócrinas,
Doença Pulmonar Obstrutiva Crónica,
Patologia Osteoarticular Degenerativa,
Infecções, Patologia do Tracto Urinário,
Patologia do Aparelho Gastrointestinal,
Acidentes Vasculares Cerebrais, Doença de Parkinson e Neoplasias (Min et al,
2007; Cunha et al,2011).
Por outro lado, o trauma da hospitalização em si mesmo, precipita sintomatologia confusional no idoso, muito
particularmente ansiedade, agitação e
síndrome confusional (delirium). Contribuí para esta sintomatologia, a alteração
súbita do ambiente, o estabelecimento
de diferentes rotinas, a ausência do cuidador habitual, a diminuição da saúde
física, a introdução de novas medicações
e de diferentes procedimentos, dificilmente descodificáveis por parte destes
idosos (Marshall et al, 2003; Sparks et
al, 2008; Inouye et al, 2014).
Estas situações confusionais, muito frequentes quer em meio hospitalar
quer após institucionalização dos mais
velhos, levam ao aumento das complicações médicas, da duração do internamento, do número de reinternamentos
e, por último, da mortalidade (Siddiqi et
revista
bipolar
18
modo, urge repensar toda a política
assistencial deste sector etário, para
que se torne possível dar respostas
mais adequadas e eficientes, numa
perspectiva integrada, baseada numa
prévia avaliação de necessidades,
estabelecendo-se uma estratégia de
planificação de serviços e de intervenções especializadas, multifacetadas e
personalizadas (DGS, 2014).
Neste sentido, esta assistência deverá ser sempre baseada numa abordagem holística e humana, que inclua
a tríada: idoso, familiar e cuidador
(Fernandes, 2004)
Em síntese, a complexidade destas
situações crónicas e, muito particularmente das demências, implica necessariamente uma abordagem multidimensional e multidisciplinar (com o
envolvimento de todos os profissionais
de saúde). Deverá ter como ponto de
partida, desde logo, a avaliação das
capacidades e necessidades destes
pacientes, que vão evoluindo com a
progressão das diferentes doenças.
Implicará, naturalmente, uma intervenção integrada e sistémica, que deverá
combinar um tratamento sustentado
ao nível da intervenção inicial da Medicina Geral e Familiar, com a correcção
de factores de risco, diagnóstico e tratamento adequados, bem como, com
a sua correcta articulação com uma
intervenção mais diferenciada, ao nível
de cuidados de saúde especializados
(particularmente os prestados a nível
hospitalar) (Fernandes, 2014).
Por último, deverá estabelecer-se
uma adequada conjugação com uma
abordagem psicossocial, familiar e de
reabilitação, envolvendo a coordena-
ção dos diferentes níveis assistenciais
(cuidados de saúde primários, serviços
comunitários, rede integrada de cuidados continuados, reabilitação geriátrica e suporte a familiares e cuidadores)
(PNSM, 2007-2016).
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revista
bipolar
19
eNVELHECIMENTO
Doença Mental Crónica
e Défices Cognitivos
manuel Costa Guerreiro
Médico Psiquiatra
A
doença mental afeta muitas
pessoas, mas o que a maioria
não se lembra é que não causa apenas problemas emocionais, mas que provoca, também problemas cognitivos. A pessoa com doença
mental pode ter dificuldades em pensar
claramente, prestar atenção e lembrar.
Para alguns, os problemas cognitivos
só são evidentes durante os episódios
de doença. Para outros, os problemas
cognitivos são mais persistentes. Se a
doença mental for bem gerida, a pessoa pode levar uma vida produtiva e ter
períodos longos de estabilidade. Para
melhor gerir uma doença é importante entender muitos aspetos que afetam
o funcionamento. Quando as pessoas
sabem quais os sintomas cognitivos da
doença mental podem gerir melhor a
doença e ter um melhor funcionamento.
Cognição refere-se às capacidades
de pensamento, às capacidades intelectuais que nos permitem perceber,
adquirir, compreender e responder à
informação. Isso inclui a capacidade
de prestar atenção, lembrar-se, o processo informação, resolver problemas,
organizar e reorganizar as informações, comunicar e agir de acordo com
informações. Todas essas capacidades
de trabalhar para um fim de forma interdependente são o que lhe permitem
funcionar no seu ambiente.
Fazem parte da cognição a inteligência, a linguagem, a aprendizagem e a
memória. Com o avanço dos anos, com
o envelhecimento, a capacidade cognitiva sofre algumas perdas. Além disso,
há muita variabilidade entre os indivíduos, essa variabilidade depende do estilo
de vida e fatores psicossociais (Gottlieb,
1995). As evidências de pesquisas em
humanos e animais mostram que o estilo de vida modifica o risco genético em
influenciar os resultados do envelhecimento (Finch & Tanzi, 1997). Existe um
grande corpo de pesquisa, incluindo
tanto estudos transversais como estudos longitudinais que tem demonstrado
mudanças na função cognitiva com o envelhecimento.
Estudos descobriram que a memória de trabalho diminui com o envelhecimento, assim como a memória
de longo prazo (Siegler et al., 1996),
com decréscimos mais aparentes na
capacidade de recordar do que nas
capacidades de reconhecimento. Di-
revista
bipolar
20
minuição ou alguma perda de outras
funções cognitivas ocorre, principalmente no processamento de informação, atenção seletiva, e capacidade
de resolução de problemas (Siegler et
al., 1996). Estas alterações cognitivas
traduzem-se num ritmo mais lento de
aprendizagem e maior necessidade de
repetição de novas informações (Carman, 1997).
As queixas de memória em pessoas
mais velhas, de acordo com vários estudos têm revelado​​que podem ser mais
produto de depressão do que de declínio
da memória (citado em Levy-Cushman
& Abeles, no prelo).
Base de comprometimento cognitivo
na doença. Circuitos cerebrais e cascatas
celulares controlam a cognição. A cognição pode ser melhor entendida em ter-
cognitivas não tem como alvo os circuitos
cerebrais por si; ao contrário tem como
alvo os recetores acoplados à proteína G
(GPCRs), canais iónicos, transportadores
e outras proteínas envolvidos nas ações
de neuromoduladores. Estes substratos
moleculares de cognição constituem um
grande repertório de potenciais alvos de
drogas para combater a insuficiência
cognitiva nos distúrbios psiquiátricos.
A inteligência fluida, uma forma de inteligência definida como a capacidade de
resolver problemas novos, diminui ao longo do tempo, contudo a pesquisa constata
que a inteligência fluida pode ser melhorada através de formação de competências cognitivas e estratégias de resolução
de problemas (Baltes et al., 1989).
A pesquisa tem-nos mostrado que
são as próprias doenças que causam
a maior parte da disfunção cognitiva.
Durante muitos anos, pensava-se que
os problemas cognitivos eram secundários a outros sintomas, como a psicose, a falta de motivação, ou de humor
instável. Atualmente nós sabemos que
não é assim. A disfunção cognitiva é um
sintoma primário da esquizofrenia e de
alguns transtornos afetivos. É por isso
que os problemas cognitivos são evidentes mesmo quando outros sintomas são
controlados.
As queixas de memória são extremamente comuns nas pessoas mais
velhas, com 50 a 80 por cento relatando
queixas subjetivas de memória (citados
na Levy-Cushman & Abeles, no prelo).
mos de complexo de redes que operam
ao longo de várias escalas temporais e
incorporando diversas dimensões: de
cascatas celular para circuitos cerebrais
e, em última análise, a sociedade. Domínios específicos, tais como as funções
executivas e cognição social são integrados através amplas interligações e sobreposições de regiões cerebrais. Além
disso, uma paleta diversificada de neuromoduladores incluindo acetilcolina, citokinas e factor neurotrófico derivado do
cérebro (BDNF) – tem grande influência
no desempenho cognitivo. Por exemplo,
o córtex pré-frontal (CPF) e hipocampo
recebem uma rica entrada colinérgica e
são também fortemente enervados por
neurónios serotoninérgicos, dopaminérgicos, noradrenergicos e histaminérgicos. Tal como a amígdala, estas estruturas-chave possuem densas populações
de interneuróneos GABAérgicos (ácido
γ-aminobutírico) que comunicam uns
com os outros - bem como com outros
territórios que controlam a função cognitiva - via projeções glutamatérgicas.
A farmacoterapia para as alterações
Existem diferentes doenças mentais que perturbam a cognição de uma
forma diferente. Além disso, nem toda
pessoa é atingida da mesma forma. Algumas pessoas com esquizofrenia têm
mais problemas cognitivos do que outros. Algumas pessoas com depressão
ou transtorno bipolar têm problemas
nalguns aspetos do funcionamento
cognitivo. É importante compreender
que uma doença mental afeta cada
pessoa de forma um pouco diferente.
As pessoas que têm esquizofrenia
muitas vezes experimentam problemas nos seguintes aspetos da cognição: capacidade de prestar atenção;
capacidade de lembrar e recordar informações; capacidade de processar
informações de forma rápida; capacidade de responder a informações de
forma rápida; capacidade de pensar
criticamente, planear, organizar e resolver problemas e capacidade de iniciar o discurso
As pessoas que têm transtornos
afetivos, como transtorno bipolar e
depressões recorrentes, muitas vezes
pensas no correlacionar com episódios
de doença.
As relações entre humor e cognição
são dinâmicas. Devido à sua natureza relativamente estática, características do
traço de manifestação cognitiva e neurológica pode fornecer insights sobre
anomalias cerebrais centrais que dão
origem a distúrbios de humor graves.
Uma área de pesquisa recente tem
sido a caracterização de deficits neuropsicológicos em pacientes com POC. Os
deficits cognitivos poderiam estar funcionando como uma variável intermediária
entre as alterações neurobiológicas e
sintomas do TOC. Reduções na competência social e na capacidade para a vida
independente e sucesso profissional podem ser o resultado de um compromisso
neurocognitivo.
As Perturbações Somatoformes
incluem sintomas somáticos, psicopatológicos e neuropsicológicos. Queixas
cognitivas relatados frequentemente
por pacientes incluem falta de concentração, diminuição da memória para
eventos recentes e pobres capacidades na escolha das palavras Cerca de
50% -85% dos pacientes com síndrome
somatoforme / fadiga crónica (SFC) relatam problemas cognitivos, que contribuem consideravelmente para a sua
disfunção social e ocupacional.
Fatores neuropsicológicos e psicopatológicos nos transtornos de personalidade parecem estar relacionados
com pobres perícias cognitivas com uma
ligação entre a atenção e comprometi-
mento da memória. Na verdade, o risco
de suicídio em pacientes com Distúrbio
borderline da Personalidade tem sido
associado ao funcionamento cognitivo e
não como nível de depressão apresentada pelo doente.
Disfunções cognitivas têm sido
demonstradas a seguir ao abuso de
substâncias. Estas funções incluem
atividades mentais que envolvem a
aquisição, armazenamento, recuperação e uso da informação. Lyvers et al.
mostraram que a dependência de opiáceos, como a dependência de álcool
está associada a disfunções cognitivas.
Para concluir devo referir a Doença
de Alzheimer, uma doença de importância crucial para os adultos mais velhos,
atinge 8 a 15 por cento das pessoas com
mais de 65 anos (Ritchie & Kildea, 1995).
A Doença de Alzheimer é um dos transtornos mentais mais temidos por causa
de sua gradual, mas implacável, ataque à
memória. A perda de memória, no entanto, não é a única deficiência. Os sintomas
se estendem a outros deficits cognitivos:
na linguagem, no reconhecimento de objetos, e no funcionamento executivo, bem
como sintomas comportamentais tais
como, psicose, agitação, e depressão.
Embora a gama de problemas cognitivos possam ser diversas, há vários
domínios cognitivos, incluindo executivo,
de atenção e memória, que aparecem
com maior risco de frequência ao longo da evolução das doenças e do envelhecimento dos doentes com patologia
psiquiá­trica.
21
revista
bipolar
experimentam problemas nos seguintes aspetos da cognição: capacidade de
prestar atenção; capacidade de lembrar e recordar informações; capacidade de pensar criticamente, categorizar e organizar informações e resolver
problemas e capacidade de coordenar
rapidamente movimentos olho-mão.
Na depressão maior, o transtorno cognitivo pode ser grave e global,
imitando demência. Na fase aguda de
transtorno bipolar, comprometimento
da cognição pode evoluir para um estado de estupor. O aumento da disfunção
cognitiva está associada a uma maior
gravidade dos sintomas. Devido à presença de deficits cognitivos, mesmo durante os períodos eutímicos / estados
remissão, sugere-se que certos deficits
cognitivos são características fundamentais do traço.
Todos estes problemas cognitivos
podem ser evidentes durante um episódio afetivo, mas quando existe estabilização, o problema com a atenção, muitas vezes fica melhor. As dificuldades
com a memória, motoras e capacidades
de pensamento podem continuar a ser
evidentes, mesmo durante os períodos
de estabilidade de humor. Os problemas
com as capacidades de pensamento são
mais frequentemente quando o abuso
de álcool e/ou de drogas também estão
presentes.
Os deficits correlacionam-se com o
número de episódios afetivos e a duração total da doença. As tarefas de memória e executivas foram as mais pro-
revista
bipolar
22
Dia Mundial da
Perturbação Bipolar
Pelo segundo ano consecutivo, iremos comemorar no próximo dia 30 de
Março, o Dia Mundial da Perturbação
Bipolar, data escolhida por ser o dia do
aniversário de Vincent Van Gogh, que
foi postumamente diagnosticado como
provável portador da doença bipolar.
Todavia, não podemos esquecer
que outros grandes nomes da literatura, da música e do cinema, bem como
anónimos, também sofrem com esta
doença silenciosa que não se vê, mas
se sente.
Queremos assim homenagear Robin Willians, cuja morte recente ficará
na memória colectiva. O actor de “Good
Morning, Vietnam” entrou nos nossos
écrans para nos fazer rir, chorar e reflectir, quando interiormente ele lutava
diariamente com oscilações do humor.
Oriundo de uma família abastada
de Chicago, descrevia-se como uma
criança tímida que encontrou na comédia uma forma de se exprimir. Todavia,
quando fala da sua paixão pela representação ao seu pai, este responde:
“Tudo bem, mas primeiro arranja um
emprego a sério!”. Iniciou assim estudos em Ciências Politicas, mas que rapidamente abandonará para se dedicar
ao teatro.
Conhecerá a fama com a serie dos
anos 70, Happy Days, mas a consagração mundial será com os filmes “Good
Morning Vietnam” (1987) e “O Clube
dos poetas Mortos” (1989), ambos os
filmes lhe rederam uma nomeação
para o Oscar de Melhor Actor. Mas a
famosa estatueta para Melhor Actor
Secundário só lhe será atribuído para o
papel do psicólogo, Sean Maguire, em
Bom Rebelde (1997).
Em termos pessoais, a sua vida foi
mais caótica. Robin Williams foi casado
três vezes e teve três filhos (um filho do
primeiro e dois do segundo casamento). Adoptou também o único filho do
casal Dana Reeve e Christopher Reeve,
de quem era amigo desde dos tempos da Escola de Arte de Nova York, a
Julliard School, que frequentaram na
mesma altura.
Os seus problemas com o álcool e
a droga eram conhecidos do público,
bem como as suas estadias em estabelecimentos de reabilitação, o que
não era tão conhecido é que estes
escondiam uma Perturbação Bipolar.
Encontrou no ciclismo, uma forma de
(re)encontrar o equilíbrio para além do
tratamento farmacológico.
Dedicou-se também a ajudar os
À VENDA NA
ADEB
outros: fundou a Windfall Foundation,
uma organização filantrópica que angaria fundos para diversas instituições
de caridade. Mas também colaborou
com outras associações.
Robin Williams despediu-se da
cena e do mundo em Agosto de 2014,
no dia 11. Quem lida com a Perturbação Bipolar, perceberá que este não
quis acabar com a vida, mas sim com
um sofrimento interior difícil de exprimir ou de entender.
No entanto, ninguém esqueceu o
seu talento, o seu dom para o improviso, bem como o seu bom humor. Alias,
Robin Williams aparece em primeiro
lugar nas pesquisas realizadas em
2014 no motor de busca Google. Qual
a frase que o identifica melhor? “Good
Morning, Vietnam”… “Oh Captain, my
Captain”…ou a mensagem de Horácio
que o professor John Keating (O Clube
dos poetas Mortos) partilhou com os
seus alunos: “Carpe Diem”.
20 €
5€
ADEB
revista
bipolar
23
- Porto d’Abrigo Seguro
vítor colaço santos
Sócio da ADEB n.º 2518
“A criação [artística] é um bálsamo para que a Vida seja disfrutada”,
José Manuel Jara, insigne médico psiquiatra e Presidente da Assembleia Geral da ADEB
A Vida/qu’é querida/tem que ser experiênciada./A caminhar faz-se o/caminho/o trilho/
e através do pensamento/criativo/e positivo/sinalizaremos a alma e o espírito/vivo!
A
l Fredo, poeta desconhecido.
A ADEB há anos que vive no
meu coração e tem sido o meu
porto seguro. Aproveito para
Desejar Saúde!, ao seu Presidente, Delfim Augusto d’Oliveira - o homem do
leme e profissional capaz. Conheço-o
há vinte anos e registo a sua prática defensora do útil e notável projeto da Instituição. Delfim tem sempre palavras
não paternalistas, mas elucidativas e
fraternas. Jamais esquecerei aquelas
que me ofertou quando há anos um
«tsunami» me cilindrou. A Associação
está guarnecida de competentes técnicos de saúde mental: Renata Frazão
e Sérgio Paixão, Psicólogos [não fui paciente da Psicóloga Ana Isabel, ao que
me dizem, é competente],que acrescentam valor pelos seus desempenhos.
Reitero publicamente a minha gratidão
a R. Frazão e S. Paixão que me ajudaram no passado e guardo as suas palavras avisadas no meu relicário. Esta
Instituição tem várias valências: os
Grupos de Auto-Ajuda, que frequentei e onde cada membro expõe, capta
e “exorciza” as suas angústias, dúvidas,
maleitas, sequelas e tudo… Em reflexão
e pela ajuda irmanada, içamo-nos com
palavras certeiras, luminosas e de solidariedade ativa. A `minha` Associação
dos Doentes Depressivos e Bipolares
e Unipolares é a maior Instituição do
género, conseguindo uma implantação
relevante em Portugal, na área da saúde mental. Na reabilitação psico-social
entronca com os seus sócios na procura
de soluções de independência abrangente. Está virada para a comunidade
e também dispõe de aconselhamento
jurídico, cujo advogado quando precisei,
foi perfeito. Há ainda os Grupos de Famílias de
Bipolares e Unipolares. Sente-se através daqueles que conseguem extrair
melhores aptidões para lidar com os
seus parentes de humor variável e acidentado. Não me esqueço duma mãe
que me confidenciou:” Vítor, se não
fosse a ADEB a ensinar-me a funcionar com a minha filha (doente Bipolar),
eu é que desapareceria fisicamente!”
A ADEB acaba de ficar mais rica em termos de profissionalismo: Luís Oliveira,
seu trabalhador, já é formado na área
de Neuro-Psicologia. Parabéns! Fico
feliz por ti/ porque s’ai de mim/ terei ao
dispôr/ p’ra me pôr/a tua mão sapiente/ no coração e na mente./ Est’aprendiz
de poeta não - mente. Teatro, cinema,
música, poesia, circo, yoga, caminhadas, etc. são atividades ao dispor dos
sócios ou para participar gratuitamente ou ao preço da uva mijona, passe a
vernaculidade. A ADEB com frequência
tem disponibilizado aos seus sócios e
familiares Conferências com variantes
no âmbito da saúde mental, onde Técnicos e testemunhos de associados têm
tido oportunidade de informar e dar
trunfos para poder lidar melhor com a
doença. A última, pela Assembleia Geral Ordinária para a eleição de novos
corpos gerentes, onde se votou numa
solução de boa continuidade, os dois
oradores, cada um no seu “pelouro”,
trouxeram contributos valiosos. Destaco José Garrucho, que não teve todo o
tempo que mereceria, dado o adiantado
da hora, foi um regalo ouvi-lo. Este raciocínio escrito também tem a chancela da ‘minha’ amada ADEB. Escrevi na
lápide: Serei sócio até ao fim da minha
existência… Os doentes Depressivos,
Bipolares e Unipolares lançando corda
na âncora da ADEB, elevar-se-ão mais
depressa e com melhor qualidade de
vida. Dou-te um Grato Abraço e auguro-te Vida Longa!
revista
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CONVOCATÓRIA Assembleia Geral Ordinária 28 de Março de 2015 Convocam‐se todos os associados da Associação de Apoio aos Doentes Depressivos e Bipolares, ADEB, a comparecer no dia 28 de Março de 2015, às 10:00 horas, na Assembleia‐Geral Ordinária ao abrigo da alínea b) do nº 1) do artigo 27º dos Estatutos da ADEB, a realizar no Anfiteatro da Escola de Saúde da Cruz Vermelha, sita na Avenida de Ceuta, Urbiceuta‐Lisboa, subordinada à seguinte ordem de trabalhos: DAS 10H00 ÀS 11H00 I. Análise e aprovação do Relatório da Direcção e Relatório de Contas do ano Ano de 2014. Nos termos do nº 1 do artigo 29 dos Estatutos, a Assembleia‐Geral Ordinária reunirá à hora marcada na Convocatória se estiverem presentes mais de metade dos associados com direito a voto, ou uma hora depois com qualquer número de presentes. O Relatório da Direcção e Contas do ano de 2014 está disponível na Sede e Delegações, para consulta de todos os associados. 2. COLÓQUIO Hora Tema Orador(s) 11h30 As Sociedade Pós‐Modernas e a Doença Dr. António Mental Sampaio 12h00 Enquadrado no dia Mundial da Crítico de Perturbação Bipolar: homenagem cinema a Póstuma ao Actor Robin Williams convidar 13h00 Debate ALMOÇO CONVÍVIO Caro Associado e Amigo, na sequência da Assembleia Geral Ordinária e Colóquio, realiza‐se um Almoço/Convívio no Restaurante “Mercado de Alcântara” – sito Rua Leão de Oliveira, Alcântara‐Lisboa. DAS 13H30 ÀS 15H30 • Almoço Ementa: • Entradas: Pão, Manteigas, Queijo Seco e Salgadinhos • Prato: Arroz de Perca c/ Gambas ou Carne Porco à Algarvia • Bebidas: Vinho da Casa, Cerveja e Sumos • Sobremesa: Ananás ou Pudim • Café Inscrições até ao dia 25 de Março de 2015 na Sede Nacional da ADEB ou pelos telefones 218 540 740/8, TM: 968 982 150 ou email: [email protected] Preço do Almoço por pessoa 15,00 euros. Das 15h30 ÀS 16h00 • Convívio e Momento Músicas com “Nota Contranota” COMPAREÇA e PARTICIPE Presidente da Assembleia Geral da A.D.E.B. Dr. José Manuel Jara ESCREVA E DIVULGUE A REVISTA BIPOLAR Ficha Técnica Revista Bipolar n.º 50 Ano XIV, 1º trimestre de 2015 Proprietário: ADEB, NIF nº 502 610 760 Editor: ADEB Diretor: Delfim Augusto Oliveira Sub‐Diretora: Renata Frazão Coordenador de Redação: Delfim Augusto Oliveira Colaboradores: António Sampaio, José Manuel Jara, José Morgado Pereira, Lídia Águeda, Lia Fernandes, Manuel Costa Guerreiro e Vítor Colaço Santos. Produção Gráfica: Graficoisas, Lda. N.º depósito Legal: 143533/99 Registo no ICS: 121888 Distribuição gratuita aos sócios. Preço: 2,50 Contactos Sede Nacional da ADEB Quinta do Cabrinha, Av. De Ceuta, n.º 53, Loja F/G, H/I e J, 1300‐125 LISBOA Tel: 218540740/8, Fax: 218540749 Tlm: 968982150, [email protected] Delegação da Região Norte da ADEB Urbanização de Santa Luzia, Rua Aurélio Paz dos Reis, nº 357, Torre 5, r/c, Paranhos 4250‐068 PORTO Tel: 226066414 / 228331442, Fax 228331443 Tlm: 968982142, regiã[email protected] Delegação da Região Centro da ADEB Rua Central nº 82 – Mesura – Stª Clara 3040‐197 COIMBRA Tel/Fax: 239812574, Tlm: 968982117 regiã[email protected] www.adeb.pt Apoios: 

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