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revista bipolar 1 25º Aniversário As Sociedades pós-modernas e a doença mental Convocatória aos Associados para Assembleia Geral Ordinária para o dia 28 de Março 2015, no Anfiteatro da Escola Superior de Saúde da Cruz Vermelha - Lisboa, Av. De Ceuta, Edifício Urbiceuta, 1350-125 Lisboa. 10:00 horas Análise e Aprovação do Relatório Contas do Contas do ano 2014; 11:30 horas Colóquio subordinado ao tema: - As Sociedades pós-modernas e a doença mental. Dr. António Sampaio 12:00 Horas Enquadramento no dia mundial da perturbação bipolar: Homenagem póstuma ao actor robin williams (por crítico de cinema a convidar) 13:00 horas debate revista bipolar 2 Editorial Índice Comemoração do 25º Aniversário da ADEB, uma história de vida, evolução e sucesso sustentado, em prol de mais e melhor saúde mental em Portugal Volvidos 25 anos após a fundação da Associação de Apoio aos Doentes Depressivos e Bipolares, ADEB, é com orgulho e sentido do dever por uma nobre causa, que um pequeno núcleo de pessoas e técnicos de saúde mental, com consciência política e social, espírito de missão por uma causa solidária, se empenharam e dedicaram na constituição da primeira instituição de saúde mental em Portugal, especializada no apoio e ajuda às pessoas com o diagnóstico da Doença Unipolar e Bipolar e seus familiares. O símbolo padronizado e usado pela ADEB, que representa e veicula várias imagens alegóricas, indo de encontro ao estado físico e psicológico dos Associados. A ADEB tem sido o farol e o esteio para milhares de pessoas, onde têm encontrado o referencial e suporte nos seus objetivos estatutários, os quais são implementados, entre outras valências instituídas, no dia-a-dia, nomeadamente: no campo da Reabilitação Psicossocial e Educação Médica Especializada. Os pioneiros e inovadores na constituição da Associação, traçaram os objetivos, fins e metas, que embora tenham sido implementados ao longo dos tempos, têm proporcionado a milhares de pessoas informação especializada, educação para a saúde, prevenção de recidivas e habilitação e autonomia para uma melhor qualidade de vida e cidadania. Invocando uma máxima do Grande Poeta, Fernando Pessoa, “Deus quer, O homem sonha, A obra nasce”, a associação ao longo de vinte e cinco anos ultrapassou vários ciclos e evolução constante e positiva na promoção, prevenção e educação para a saúde dos associados e da comunidade. Apraz salientar o espírito de missão e a atitude solidária nesta senda, dos membros dos atuais Corpos Gerentes, recentemente eleitos para o mandato do quadriénio de 2015 a 2018. Hoje, e desde a constituição da associação, o elenco dos Corpos gerentes tem sido composto na sua maioria por pessoas com o diagnóstico de patologia Unipolar e Bipolar e seus familiares. A ADEB, ao longo da sua história de vida, tem tido o privilégio, a atitude solidária e a colaboração de dezenas de técnicos da área da saúde mental, tais como: profissionais da área clínica e familiar, psiquiatria, psicologia, enfermagem e social. É gratificante constatar o respeito e a consideração das entidades oficiais, públicas e privadas, pelo relevante papel que têm tido na área da saúde mental, com resultados positivos na elevação da autoestima, autoconfiança e estabilidade emocional das pessoas com o diagnóstico da Doença Unipolar e Bipolar. Este saldo positivo é fruto do empenho do Elenco de Corpos Sociais, da dedicação da equipa de trabalhadores e voluntariado social, os quais têm tido o engenho e a arte de registar e proclamar: “Ao longo de 25 anos da ADEB, se o nosso empenho não estivesse neste projeto, se a nossa procura não consistisse em inovar e consolidar o que já existe, se a nossa razão não fosse levar a bom porto um trabalho social e de saúde mental, as pessoas com perturbações do humor não estariam tão bem protegidas e apoiadas nos seus direitos em Portugal”. Assim, todos os sócios ativos serão convidados formalmente (mediante preenchimento de ficha de inscrição, enviada na primeira quinzena de Abril-2015) a estarem presentes e a participarem no 25º Aniversário da ADEB a realizar nos dias 5 e 6 de Junho de 2015, na Fundação Calouste Gulbenkian, em Lisboa. _____________________________________ O Presidente da Direção da ADEB, Sócio nº 8. Um dos fundadores da ADEB Diretor da Revista “Bipolar” Delfim Augusto d’Oliveira 3 As Sociedades pós-modernas e a doença mental 5 Estilos de vida, saúde mental e bipolaridade 7 O Estigma e a exclusão social na sociedade moderna 10 A reabilitação psicossocial de pessoas com doença mental grave 12 Viver na corda bamba das emoções e... ser feliz 16 Comorbilidade no idoso com doença mental 19 Envelhecimento, Doença Mental Crónica e Défices Cognitivos 22 Dia Mundial da Perturbação bipolar 23 ADEB - Porto d’Abrigo Seguro Síntese do estatuto editorial • Editoriais temáticos; • Publicação de documentos técnicos e científicos sobre as doenças mentais em geral, e em especial sobre a doença Unipolar e Bipolar; • Informação pedagógica de modo a contribuir para a Reabilitação, Educação e Prevenção daqueles que sofrem da doença Unipolar e Bipolar; • Entrevistas, artigos de oipinião e documentários; • Divulgação e testemunhos de pacientes e familiares; • Relatório das atividades sociais desenvolvidas pela ADEB; • Consultório jurídico abrangendo todos os ramos de Direiro; • Espaço para divulgação das potencialidades dos associados no campo cultural, recreativo e social. Escreva e divulge a revista bipolar e a doença mental António Sampaio Correia Psiquiatra. Membro do Conselho Científico e Pedagógico da ADEB P ara entendermos como surge a pós-modernidade temos, evidentemente de conhecer o contexto em que esta aconteceu, nomeadamente abordando a modernidade. A modernidade é um novo estilo de vida e de organização social que se começa a pensar na Europa a partir do séc. XVII. A modernidade estabeleceu então o primado da razão sobre o da herança e da tradição. O racionalismo nascido com Descartes (1596-1650) privilegia a razão em vez da experiência e tradição (O pensamento medieval era dominado pela escolástica - pensamento e ensinamentos orientados na defesa da fé cristã mesmo que fosse subordinada a razão) como meio de acesso ao conhecimento (com o desenvolvimento das ciências naturais) e à verdade. Bacon (1561-1625) defendia que só a razão deveria determinar os atos do dia a dia e que o Homem, pela ciência deveria libertar-se de todos os erros oriundos das tradições e preconceitos. Segundo Bacon, pela ciência, o Homem dominaria toda a Natureza. O racionalismo será pois a base do pensamento moderno liberal que defenderá as liberdades individuais e a igualdade dos cidadãos perante a lei. Contudo é só no séc. XIX que o racionalismo científico se torna uma realidade como modelo de sociedade. Na modernidade operam-se trans formações sociais, económicas e políticas significativas que deram esperança a ideias humanitários. A modernidade surge também para que cada Homem possa ter um sonho maior, uma melhor qualidade de vida e possa substituir as intermináveis jornadas de trabalho por um trabalho com horário e folgas onde haja tempo para o lazer. Ao mesmo tempo que as maiorias se vão vendo representadas e a discussão se abre idealmente a todos, vai predominando o trabalho assalariado. Tal é o cenário da revolução industrial e do ideal do Homem dominador do conhecimento e da máquina. revista bipolar As Sociedades pós-modernas 3 revista bipolar 4 A modernidade acarretará, apesar de tudo, uma esperança na melhoria da qualidade de vida pela razão e pela tecnologia. Nessa realidade criam-se condições para uma democratização do conhecimento e do acesso aos produtos tecnológicos dele saídos. Enquanto no séc. XIX a cultura ocidental ao levantar-se contra as tradições depositou a esperança da humanidade no conhecimento científico e nos ideais alicerçados na razão, já no final do séc XX a humanidade assiste à falência dos ideias modernos de transformação social. Embora o conceito de pós-modernismo tenha surgido muito antes ( Frederico de Onis-1930, Leslie Fiedler-1960, Ihab Hassan-1980 e Jean-Francois Lyotard-1981) é após a queda do muro de Berlim (1989), o colapso da U.R.S.S. e a crise das ideologias ocidentais que o pós-modernismo de instala como uma época de desencantamento e de mal-estar cicatricial da modernidade. Esta entra em crise por o Homem se ir apercebendo que as condições existentes, oriundas do determinismo mecanicista, não conseguiram um verdadeiro progresso no que se refere à dignidade humana. A era de comunicação que surge através da televisão e da informática é absorvida pelos interesses das narrativas utópicas deixando o individuo sem liberdade real. No pós-modernismo ao desencantamento das ideologias soma-se o desencantamento inerente ao das coisas explicadas. No final do séc. XX e início do séc. XXI o Homem sente-se insatisfeito face às explicações científicas dos fenómenos naturais e procura um conhecimento complementar mas já fora do coletivo que o tinha recentemente desiludido. Abandonadas que tinham sido as crenças escolásticas sobre a origem do comportamento do Homem este procura em si próprio o conhecimento que sente fazer falta. Mais virado para si mesmo o Homem das sociedades pós-modernas é mais só, mais isolado e com menos esperança. Desiludido para com o outro, o indivíduo pós-moderno tenta fugir à sua solidão com fórmulas de pseudocomunicação que na verdade reforçam o individualismo que ele mesmo cultivará. O capitalismo pós-moderno conse- gue pacificar o Homem não por valores éticos mas pela sua redução a consumidor facilitando-lhe uma atitude masturbatória. O Homem pós-moderno ilude-se naquilo que julga ser uma aposta em si mesmo que acontece na razão direta da sua solidão abraçando a nova causa que é a viver com toda a intensidade possível como se o mundo terminasse já amanhã e, em qualquer caso, na sua existência. Para o Homem pós-moderno o outro Homem só interessa parcialmente, enquanto protagonista de qualquer fonte de elogio do eu, seja de forma “negativa” (porque o outro mau contrasta com o eu bom) seja de forma “positiva” (pela atitude lisonjeira do outro). De resto, para o Homem pós-moderno o outro, incapaz de ser já fonte de real afeto, é desinteressante e muito provavelmente fonte de problemas para os quais o Homem deixou de ter tempo. O Homem pós-moderno divorciou-se da sua comunidade e vive apenas interessado com as coisas que “mexem” com ele. Qualquer projeto que “ O capitalismo pós-moderno consegue pacificar o Homem não por valores éticos mas pela sua redução a consumidor facilitando-lhe uma atitude masturbatória. não tenha assegurado um prémio mais ou menos imediato é desinteressante e é encarado como mais uma utopia condenada ao fracasso. O capitalismo pós-moderno habituou já o Homem a viver sem amanhã. A insegurança da rede social levou o Homem à desesperança e ao crescimento exponencial dos quadros depressivos. Só a fuga do Homem para o aqui e agora parece tornar tolerável a existência com tal precariedade de coesão social. Nas sociedades pós-modernas o Homem tem uma ilusão de viver o hoje adiando-se na sua condição antropológica. Todo o projeto a longo prazo (à escala da humanidade), toda a elaboração de missão são trocados por projetos imediatistas que distraem o Homem do seu vazio existencial. Tudo acontece impregnado pela explicação da lógica científica que deixa o Homem sem nenhum encantamento “razoável” e sem resposta (ou com a “subjugação” à resposta lógico-científica) perante as suas inseguranças que a crise económica e social veio potenciar. Na procura de respostas o homem desesperado ou adoece ou se aliena ou opta por uma postura de deus-vivo em que o ideal da estética física e mental imperam. Importa o acontecer de forma correta perante os “opinion-makers”, eles mesmo vítimas do capitalismo e consumismo pós-moderno. O sofrimento daqueles que adoecem da mente é depositado nas mãos da ciência e dos psi como se ali se encontrassem as únicas soluções. É que as soluções sociais são muito mais difíceis e exigem muito mais coragem para serem implementados. Importa que o Homem pós-moderno consiga levar por diante aquela que parece ser uma consequência da modernidade que é a de considerar que todo o conhecimento se deverá basear na confluência dos saberes das culturas herdadas com as presentes, com a ciência e ser complementado com a esperança na humanidade na sua dimensão transcendente. Será com esse conhecimento do todo para o todo que voltará a ser possível viver com ideais humanitários que deem sentido e saúde à vida. Estilos de vida, saúde mental e bipolaridade revista bipolar 5 Estilos de vida, saúde mental e bipolaridade josé manuel jara Médico Psiquiatra. Presidente da Assembleia Geral da ADEB. Presidente do Conselho Científico e Pedagógico da ADEB U ma pessoa pode ter uma doença bipolar grave, com episódios intensos de “Mania” e de “Depressão”, que obrigue a tratamento hospitalar num serviço de psiquiatria, na fase aguda. Noutros casos a depressão é grave, com intenso sofrimento e incapacidade, mas a fase de elevação do humor é moderada ou leve e pode ser breve, passando quase desapercebida (o próprio não a recorda como “doença” e muitas vezes só os familiares se apercebem da mudança). Há pessoa que apenas sofreram de depressão, desde há anos, e que começam a evidenciar sintomas de elevação do humor, obrigando o médico psiquiatra a rever o diagnóstico de depressão unipolar para o de perturbação bipolar. A intensidade e gravidade da perturbação podem medir-se pela intensidade dos sintomas, objetivamente (incapacidade e desadaptação) e subjetivamente (sofrimento, alteração das vivências). Outra forma de avaliar a doença mede-se pela duração das fases de descompensação e pela frequência com que se repetem. Casos há em que os sintomas se prolongam numa cronicidade e podem mesmo resistir ao tratamento, especialmente os depressivos. As pessoas que sofrem episódios muito frequentes, por vezes todos os meses, alternando períodos de euforia (mania ou hipomania) ou de depressão, são um desafio para o tratamento estabilizador. Estas descrições estão hoje acessíveis a quem procure informação na net. No entanto, é bom saber que o revista bipolar 6 diagnóstico e avaliação destas e de outras doenças não se faz por autoatribuição. É bom ser conhecedor e autodidata, mas não demais. O recurso ao médico e ao especialista é indispensável para o diagnóstico e avaliação correta e para a orientação do tratamento. A noção de bipolaridade extravasa da noção mais restrita de doença bipolar. Há pessoas que têm fases psicológicas, sem repercussão na vida prática, de maior energia e atividade, alternando com períodos de menos energia e algum desânimo, de grau leve. Estas pessoas podem ou não evoluir para uma franca perturbação bipolar. Outras pessoas têm um temperamento muito energético, vivo, com uma vitalidade inesgotável e podem vir a sofrer depressões com uma componente de excitação que advém do seu temperamento. A questão da bipolaridade vista como maior ou menor vulnerabilidade a adoecer, cruza-se com questão do stress que predispõe à doença e com o estilo de vida que não ajuda na recuperação e estabilização. A propensão a adoecer depende de fatores genéticos, de fatores da vida afetiva e social, dos stresses e de outros fatores, como o uso de substâncias nocivas para o sistema nervoso. Há três domínios que configuram as dimensões psicológicas e psicofisiológicas em que se insere o terreno para as perturbações do humor e a bipolaridade: - As relações afetivas; - A procura de estímulos; - Os ritmos; É nestas áreas que há que considerar o que é válido como estilo de vida saudável em caso de predisposição às perturbações bipolares. A grande dificuldade é a seguinte: o temperamento da pessoa predisposta leva a condutas que são geradoras do agravamento e de maior risco de doença; a doença acentua essas condutas nas fases de agudização. As relações afetivas muito instáveis geram uma fragilização dos laços estáveis com a vida e com os outros. A pessoa pode estar sujeita a ligações afetivas intensas e breves, em descontinuidade, com perdas e dificuldades na vida, tanto psicológicas como materiais. Se tiver vida conjugal põe em risco a vida familiar, desequilibrando a família e ficando mais vulnerável para uma descompensação depressiva ou maniforme. Noutros casos a dependência excessiva de alguém combina-se com o seu contrário, a procura de afetos que vai por em risco a estabilidade do laço principal. Na própria evolução da perturbação bipolar, em fase de elevação do humor podem surgir ligações muitas vezes inconsequentes, geradoras de problemas para a estabilidade da vida, numa pessoa frágil que fica mais vulnerável. As necessidades de amor, amizade e afetos não têm que ser pautadas por roturas constantes e uma instabilidade como modo de vida. E não é saudável ficar colado a alguém, numa relação de dependência que cerceia a liberdade e a autorrealização. A procura de novos estímulos é uma necessidade saudável, o motor da criatividade e da evolução da vida. Mas quando se torna excessiva irá atropelar o equilíbrio psíquico. A procura do prazer e das satisfações imediatas sobrepõe-se às tarefas construtivas e pode levar à desorganização da vida. A vida orientada para a gratificação imediata pode levar a pessoa a subalternizar a disciplina e a orientação da vida para fins que requerem trabalho. É este o caminho que pode levar ao uso de drogas nocivas para o cérebro, que irão agravar o risco de adoecer e dificultar a recuperação da pessoa que tem já manifesta- ções da doença. A sociedade consumista, mesmo em famílias com carências de meios económicos, gera frustrações por apetência de coisas supérfluas que são preferidas em relação a bens de valor de maior necessidade. Os ritmos caracterizam a nossa vida. Os ritmos do dia, da semana, do mês, das estações do ano e outros ainda mais amplos, que correspondem às etapas biopsicológicas da vida. O ritmo do dia (circadiano) é marcadamente biológico, incluindo componentes como o sono e a vigília, as oscilações energéticas, o trabalho e o repouso, a alimentação, as variações endógenas de hormonas, a receção da luz diurna, etc. Atropelar ou transtornar os ritmos pode ser prejudicial à saúde física e mental, muito em especial em pessoas vulneráveis. Muitos jovens trocam hoje o dia pela noite. Isolam-se em frente ao écran do computador, substituindo a vida real por uma vida no meio “virtual”, de forma compulsiva. Dormir demais ou de menos é nocivo e pode ser sinal de doença. A inatividade física é prejudicial e o sedentarismo pode concorrer para uma desmotivação que empobrece a autoestima, além de concorrer para uma obesidade indesejável. Não preconizamos uma ordem excessiva no modo de viver. Há variações aceitáveis. Mas os extremos são prejudicais e não dão alegria à vida. Noutros caos o fator de stress é a sobrecarga permanente, sem parança, sem fins de semana, sem lugar para um convívio saudável e mesmo para a vida em família. É também um estilo de vida que pode levar ao esgotamento e à doença. Tudo o que fica dito aqui de modo muito sumário tem particular indicação para as pessoas que sofreram episódios de depressão e de alterações bipolares do humor, mas também é recomendável para todos nós. A saúde mental depende numa parte importante da forma como se vive a vida. O Estigma e a exclusão social na sociedade moderna josé morgado pereira Médico psiquiatra. Investigador do CEIS20 da Universidade de Coimbra O s Gregos criaram o termo estigma para referirem sinais corporais, cortes ou queimaduras no corpo, destinadas a expor o portador como escravo, criminoso, traidor – uma pessoa marcada, ritualmente “poluída”, a ser evitada especialmente em lugares públicos. Hoje o termo é mais largamente aplicado a qualquer condição, atributo, traço ou comportamento que simbolicamente marca o portador como alguém “culturalmente inaceitável” ou “inferior”, tendo como referente subjectivo a noção de vergonha ou desgraça. De acordo com o sociólogo Erving Goffman que publicou o livro de referência “ Stigma – Notes on the Management of Spoiled Identity”(1) (1963), o estigma corresponde a um atributo profundamente depreciativo, em que o portador é desqualificado socialmente. Goffman distingue três tipos de Estigma: do corpo (cicatrizes, deformidades); do carácter (o doente mental, o criminoso, o homossexual, etc.); de agrupamentos sociais (raça, nação, religião, etc.). É pois uma relação especial entre atributo e estereotipo, uma reacção societal que afecta a identidade normal, sendo criada uma nova identidade degradada.(2) A estigmatização conduz a vários tipos de descriminação, pois a criação dessa outra identidade degradada implica uma projecção num indivíduo ou grupo que envolve um julgamento de inferioridade, repugnância ou desgraça, onde se associam medos, perigos, juízos negativos ou de censura. Podem ser utilizados termos específicos no discurso do dia-a-dia, como metáfora ou representação, sem nos darmos conta conscientemente do significado original. Estes fenómenos podem ser encarados como tendo fundamento psicológico e antropológico, derivando de uma profunda e inconsciente necessidade de ordenação do mundo, demarcando-nos do outro, distinção que tende a estabelecer polarizações (bem/ mal, familiar/estranho, puro/poluído, conhecido/desconhecido, segurança/ perigo, etc.). O resultado final pode assim ser o distanciamento cognitivo e social. As teorias sobre as doenças podem reforçar os preconceitos colectivos de ordem moral, conduzindo à existência de bodes expiatórios; a lepra e a sífilis foram no passado exemplos extremos, mas mais recentemente a sida mobilizou de novo medos ancestrais e descriminações que pareciam ter desaparecido. A própria Medicina pode por vezes contribuir para a estigmatização, patologizando e procedendo a diagnósticos, classificando e rotulando, embora a descoberta de causas orgânicas de certas doenças, por exemplo, tenha conduzido em regra a uma melhor aceitação das mesmas. Todas as sociedades avaliaram algumas pessoas como loucas, assinalando o diferente, o desviante, ou o que parecia oferecer perigo; o estigma psiquiátrico foi historicamente muito marcado, sendo conhecido de todos que bruxaria, feitiçaria, punição de pecados e influências demoníacas ou possessão, foram utilizadas para explicar as causas de certas doenças mentais. A doença mental tem geralmente um carácter biológico, mas é também culturalmente construída (Fabrega, 1990)(3), tornando-se pois necessário analisar a cultura de uma determinada sociedade encarada como um sistema de símbolos com amplas implicações de ordem social. Fabrega lembra que os sintomas da doença psiquiátrica foram caracterizados socialmente como assustadores, vergonhosos, perigosos, imaginários, forjados, fantásticos, e incuráveis; e os doentes descritos como preguiçosos, fracos, instáveis, imprevisíveis, indolentes, dependentes, irracionais, etc. Fabrega lembra ainda a importância de distinguir os diferentes meios em que florescem as desig- revista bipolar 7 revista bipolar 8 nações culturais para a doença, seja na tradição médica, académica ou no âmbito das denominadas tradições folclóricas, não-profissionais ou heterodoxas, ou nas famílias e comunidades. De acordo com os símbolos culturais, os comportamentos podem ser valorizados de forma distinta, mais positivamente ou negativamente, consoante os sentidos associados a esses símbolos; as sociedades criam também instituições para lidar com essas alterações ou desvios da conduta. Apesar de poderem representar esforços positivos para dar assistência e proteção, a institucionalização pode afectar de forma significativa a identidade social dos indivíduos. Kay Redfield Jamison, professora de Psicologia Clínica, autora de livros que testemunham a sua própria experiencia de doente bipolar como “An unquiet mind”, lembra a intensidade com que o fenómeno da estigmatização se apresenta na sociedade, como surge de forma exuberante nos “media” e como é frequente na própria profissão médica e noutros profissionais, que se defrontam com falta de apoios de superiores ou colegas, e como se preocupam com o seu futuro profissional e receiam pela sua progressão académica. Recorda porém a importância das campanhas de educação do público assim como da importância de alertar para a disponibilidade de medicações “ De acordo com os símbolos culturais, os comportamentos podem ser valorizados de forma distinta, mais positivamente ou negativamente, consoante os sentidos associados a esses símbolos. eficazes que podem ter grande influência na percepção do público e no seu comportamento.(4) Estes fenómenos são universais, embora apresentem particularidades consoante as diferentes sociedades e as variáveis culturais como se comprova pelos estudos transculturais. Diversos trabalhos de Arthur Kleinman, psiquiatra e antropólogo norte-americano mostram como o estigma é uma categoria moral, que a culpa e a vergonha não são só individuais, podem estender-se à família inteira. Ao estudar a epilepsia no interior da China, mostra que a enfase no controle social se sobrepõe aos direitos dos pacientes, e que a deslegitimação pessoal e da família afectam o casamento, o tipo de vida, todos os aspectos da vida social, conduzindo a uma autêntica “ruína das relações sociais”(5). É possível reduzir o estigma, sendo que se trata de um trabalho complexo e que diz respeito a todos e não só aos profissionais ou técnicos que trabalham em saúde mental, mas ao conjunto dos cidadãos. A existência de cuidados comunitários é uma das respostas necessárias, mas devem ser “compreensivos”, oferecerem apoio continuado a longo prazo, suporte as ciências sociais, que contribuem para a construção social da nossa realidade. Também no âmbito da Medicina mas com participação das Ciências Sociais e das Humanidades, as denominadas Humanidades Médicas começam a desempenhar um papel importante. Constituídas por um conjunto de disciplinas de distintas proveniências formativas, aplicadas às Ciências da Saúde e ao contexto da relação com o doente e ao seu universo, (Antropologia e Sociologia, Arte e Literatura, Bioética, Comunicação, História e Filosofia da Medicina, Psicologia e Psicopatologia, Medicina Narrativa, etc.) com crescente aceitação académica, podem contribuir para a elucidação dos sentidos associados às doenças, estudando os processos pelos quais acontecem e que finalidades sociais cumprem. Talvez assim nos possamos aproximar do desejo de Susan Sontag quando criticava as concepções e as metáforas associadas às doenças, sejam punitivas, expiatórias, ou míticas, defendendo a verdade, a autonomia e a capacidade de olhar para as coisas tal como são na realidade(7). Bibliografia: 1. Goffman, Erving – Stigma. Notes on the management of Spoiled Identity. London: Pelican Books, 1968(original 1963).Em língua portuguesa: Estigma. Notas sobre a manipulação da identidade deteriorada. Rio de Janeiro: Zahar, 1975. 2. Williams, Simon – “Goffman, interactionism, and the management of stigma in everyday life”. In: Scambler, Graham – Sociological Theory and Medical Sociology. London: Tavistock, 1987. pp.134-164. 3. Fabrega, Horacio – “Psychiatric Stigma in the Classical and Medieval Period: A Review of the Literature”. Comprehensive Psychiatry, vol. 31, nº 4 (1990), pp.289-306. 4. Jamison, K. R. – “Stigma of manic depression: a psychologist,s experience”. The Lancet, vol 352, 1998, pp.1053. 5. Kleinman, Arthur – Writing at the Margin. Discourse Between Anthropology and Medicine. Berkeley: University of California Press, 1995, pp.147-171. 6. Jones, Anne Hudson – “Mental illness made public: ending the stigma? The Lancet, vol 352, 1998, pp.1060. 7. Sontag, Susan – La Enfermedad y sus metáforas. Barcelona: Muchnik, 1984. 9 revista bipolar individual de proximidade, responder com rapidez na crise, e fornecer um apoio institucional se necessário nos casos de gravidade. Por outro lado, tratar doenças não chega, torna-se indispensável informar, aconselhar e promover ajuda. Tudo isto implica financiamento e atitudes inclusivas da comunidade e seus representantes. A educação em saúde mental e o contacto público através de debates é igualmente necessário, assim como serviços reabilitativos nas instituições e fora delas, levando as práticas ao meio social. Também a existência de legislação que contemple pessoas que tenham a capacidade ou competência diminuída para consentir ou recusar tratamentos é importante. Finalmente, é certamente uma maneira segura de reduzir o estigma, procurar as causas e os tratamentos efectivos para a doença(6). As doenças continuam a ter significados sociais e simbólicos, e torna-se pois fundamental analisar as representações sociais da doença, que numerosos sociólogos têm procurado estudar, e é “esse conhecimento de senso comum”, por oposição ao pensamento científico, que tanto interesse tem para revista bipolar 10 A Reabilitação Psicossocial de Pessoas com Doença Mental Grave Lídia águeda Psicóloga Clínica da ADEB A reabilitação psicossocial de pessoas com doença mental grave permite tal como a OMS (2001) descreve: Adquirir ou recuperar as aptidões práticas necessárias para viver e socializar na comunidade e lhes ensina a maneira de fazer face às suas incapacidades. Inclui assistência no desenvolvimento das aptidões sociais, interesses e actividades de lazer que dão um senso de participação e de valor pessoal. Ensina também aptidões de vida tais como regime alimentar, higiene pessoal, cozinha, fazer compras, fazer orçamentos, manter a casa e usar diferentes meios de transporte. (Organização Mundial da Saúde, 2002, p.62). Assim, a reabilitação psiquiátrica desenvolveu-se no contexto de desinstitucionalização dos anos 60 e 70 na saúde mental a fim de permitir a saída dos doentes dos hospitais e facilitar a sua integração na sociedade (Gill & Barrett, 2009). Baseia-se em 4 pontos essenciais, tal como nos indicam Anthony, Cohen, e Kennard (1990): - Perceber a pessoa com doença mental como uma pessoa em primeiro lugar, com as suas necessidades básicas e os seus objetivos tal como os outros membros da comunidade. - Envolver os utentes e as suas famílias no sistema implementado e nas suas atividades - Reconhecer a família como um recurso - Desenvolver serviço centrado nos utentes Esta perspectiva vai aliás ao encontro dos pontos 1,3, 5 e 9 das 10 Recomendações de Ordem Geral da OMS Organização Mundial da Saúde no seu Relatório sobre saúde no Mundo Saúde Mental: Nova Concepção, Nova Esperança (2001). Ao nível nacional, estes princípios básicos estão de acordo com os objectivos do Plano Nacional para a Saúde Mental 2007/2016 (Coordenação Nacional para a Saúde Mental, 2008) que o nosso país está atualmente a tentar implementar: - Assegurar o acesso equitativo a cuidados de saúde mental de qualidade a todas as pessoas com problemas de saúde mental do país, sobretudo as que pertencem a grupos especialmente vulneráveis; - Promover e proteger os direitos humanos das pessoas com problemas de saúde mental; - Reduzir o impacto das perturbações mentais e contribuir para a promoção da saúde mental das populações; - Promover a descentralização dos serviços de saúde mental, de modo a permitir a prestação de cuidados mais próximos das pessoas e a facilitar uma maior participação das comunidades, dos utentes e das suas famílias; - Promover a integração dos cuidados de saúde mental no sistema geral de saúde, tanto a nível dos cuidados primários, como dos hospitais gerais e dos cuidados continuados, de modo a facilitar o acesso e a diminuir a institucionalização. Todavia, a OMS (2012) acrescenta um ponto essencial no seu plano de ação para 2013-2020: a possibilidade dos doentes psiquiátricos estarem envolvidos nas políticas de saúde mental, tanto ao nível do seu planeamento, da sua legislação, como nos serviços prestados e na sua avaliação ou seja o empowerment das pessoas com doença mental. Ora, enquanto existiu um modelo assistencial centrado no hospital, os modelos de saúde mental focaram-se essencialmente na doença com a descrição dos seus sintomas e a sua prevalência epidemiológica, influenciado pelas obras de Kraepelin no seculo XIX (Schmied, Steinberg & Sykes, 2006). Foi neste contexto que em 1948, a OMS integrou a Secção de Classifica- ção das doenças mentais ao publicar a sua sexta edição da International Classification of Diseases and Health Related Problems ou ICD (DSM-IV, 2002). Em resposta a introdução desta secção, a Comissão para a Classificação e Estatística da Associação Psiquiátrica Americana publicou em 1952 a sua primeira edição do Diagnostic and Statistical Manual: Mental Disorders ou DSM (DSM-IV, 2002). Assim, ambos os manuais pretendem classificar as perturbações mentais, a fim de facilitar o diagnóstico da doença, bem como a comunicação entre os profissionais de saúde, a investigação e o tratamento dos doentes. Também não podemos esquecer, que este desejo de descrição dos sintomas coincide com o aparecimento da psicofarmacologia (Schmied, Steinberg & Sykes, 2006). Todavia, tal como o DSM-IV (2002) lembra: Fazer um diagnóstico de acordo com o DSM-IV é apenas o primeiro passo para uma avaliação abrangente. Para formular um plano de tratamento adequado, o clinico necessitará invariavelmente de informação adicional sobre a pessoa que está a ser avaliada além da que é necessária para obter o diagnóstico do DSM-IV. (DSM-IV, 2002, p.xxxv). De facto, tanto o DSM como o ICD separam as perturbações “mentais” das perturbações “físicas”, ora não haverá uma inter-relação entre o físico e o mental? Outro limite destes manuais, é que pouco indicam sobre o impacto da doença sobre a vida do próprio doente, sobre a sua capacidade em desempenhar papéis sociais, tarefas diárias, sobre a sua auto-estima (Baron & Linden, 2008). São estas as perguntas que o modelo de saúde mental centrado na comunidade veio colocar. De facto, não é suficiente uma receita médica para aliviar os sintomas da doença psiquiátrica, também é preciso ajudar os doentes a integrar a sociedade e ter um papel ativo e pró-ativo. denação Nacional para a Saúde Mental. Acedido em 06, Janeiro, 2013 em http:// www.saudemental.pt/wp-content/uploads/2011/05/2011-04-19_PincipiosOrientadoresParticipacaoUtente.pdf -C oordenação Nacional para a Saúde Mental (2008). Plano Nacional de saúde Mental 2007-2016 – Resumo Executivo. Lisboa, Coordenação Nacional para a Saúde Mental. 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De facto, não é difícil perceber que dado o estigma relacionado com a doença mental, o percurso muitas vezes já percorrido nos serviços de saúde, muitos utentes já não acreditam na possibilidade de melhorar, de ter um papel social mais ativo. Todavia, não passamos de um modelo exclusivamente hospitalar, para um modelo exclusivamente comunitário. A intervenção psiquiátrica e o internamento serão sempre vistos como estratégia essencial, nomeadamente nas doenças crónicas. A reabilitação psiquiátrica procura simplesmente melhorar a qualidade de vida do doente, bem como a sua integração e participação social de acordo com os seus objetivos de vida. Mas este objetivo proposto significa, que tanto os profissionais de saúde como os utentes dos serviços de saúde mental têm de acreditar que a recuperação é possível (Marques & Queirós, 2012; Ferraz, 2011). Assim, a reabilitação psiquiátrica não invalida os cuidados psiquiátricos tradicionais, mas vem potenciá-los, melhorando a funcionalidade dos doentes, a sua integração e participação social, bem como a sua qualidade de vida (Swildens et al., 2011). Ambos se complementam e são recomendados no sistema de saúde mental (Tarasenko, Sulivan, Ritchie, & Spaulding, 2004). Por estas razões, este modelo é não só virado para a recuperação do doente ou recovery (Ferraz, 2011; Farkas & Anthony, 2010; Coordenação Nacional para a Saúde Mental, 2005), mas também para o empowerment na medida em que o doente tem poder de decisão (Ornelas, 2007; Coordenação Nacional para a Saúde Mental, 2005). A visão holística da doença mental, em que a reabilitação psiquiátrica se revista bipolar 12 Associação de Doentes Depressivos e Bipolares (ADEB) Viver na corda bamba das emoções A doença bipolar não é o fim de uma vida. Na Associação de Doentes Depressivos e Bipolares (ADEB) aprende-se a viver com um problema de saúde que ainda é estigmatizado pela sociedade. Os próprios familiares podem receber apoio psicológico, se necessário, e formação para poderem ser a mão amiga nos momentos mais difíceis. Delfim Oliveira, o presidente da ADEB, tinha 40 anos quando foi diagnosticado com doença bipolar. “O meu estado de saúde físico e psíquico era deplorável e um amigo ajudou-me. Fui internado, por vontade própria, no Hospital Júlio de Matos. Foram seis meses de estado de mania, estive 15 dias internado, um ano em ambulatório e mais um em convalescença.” O diagnóstico foi rápido, “felizmente”, mas garante que “lhe desabou o teto do mundo na cabeça”. recidivas no início – o que é habitual – e de hipomania. Uma das razões está na maneira como enfrenta o problema. “A minha vida deu uma reviravolta e percebi que só com medicação e apoio conseguiria – como aconteceu – aprender a viver com doença bipolar.” Conseguiu de tal maneira que, além de ter recuperado muito do que (quase) perdera, consegue ainda hoje estar à frente da associação que mais tem lutado para dar a conhecer a doença unipolar e bipolar e pôr um fim no estigma que existe em torno de tudo o que seja doença mental. A ADEB existe desde 1991 e tem dado apoio a muitos doentes e familiares/cuidadores, “além de contribuir para veicular a informação dos vários profissionais de saúde, quer sejam psiquiatras e psicólogos ou médicos de Medicina Geral e Familiar”. A doença bipolar: viver num (des) equilíbrio de emoções Delfim Oliveira Não aceitou a doença, mas reconheceu que teria de tomar medicação para o resto da vida e que “tinha de aprender a viver com esta nova realidade”, refere. Já lá vão 25 anos e o presidente da ADEB só voltou a ter duas Estima-se que afete cerca de 1 a 1,5% da população e nem sempre é fácil chegar-se ao diagnóstico. “A dificuldade em se obter informação não ajuda a reconhecer os sinais da doença, o que dificuldade o aceitar da mesma de modo a que se possam procurar as respostas adequadas para o tratamento necessário”, explica Sérgio Paixão, psicólogo clínico da ADEB. E continua: “Acompanhamos pessoas que só souberam do seu estado clínico já muito tarde, porque costumavam ir ao médico apenas quando estavam em Uma sessão do grupo de auto-ajuda depressão. Sendo assim, o médico de família receitava-lhes, como é recomendado, medicamentos para esse problema. Quando estavam em hipomania, achavam que estavam bem e não iam ao médico. Logo, nestes casos, é muito difícil fazer o diagnóstico correto.” Esta é uma das dificuldades que mais se enfrenta quando se fala de doença bipolar. Os pacientes não conseguem perceber o que sentem e não procuram ajuda numa fase precoce. Mas um diagnóstico tardio também se pode dever à negação da própria pessoa em reconhecer a doença, como refere Sérgio Paixão. Felizmente que a situação está a melhorar, há mais informação e mais pedidos de ajuda. revista bipolar 13 ões e… ser feliz Reproduz-se nestas páginas a reportagem publicada no Jornal do X Congresso Nacional de Psiquiatria, evento que se realizou no passado mês de novembro e durante o qual foi assinalado o 10.º aniversário da Sociedade Portuguesa de Psiquiatria e Saúde Mental (SPPSM), após a sua renovação, em 2004, atualmente, presidida pela Prof.ª Maria Luísa Figueira (na foto, com o presidente da reunião, Dr. Carlos Ramalheira). “Os médicos de família são muito importantes neste processo, ao referenciar o doente numa fase inicial e fazendo o devido encaminhamento”, reconhece. Não é fácil receber a notícia de que se tem uma doença mental crónica que ainda é muito estigmatizada na sociedade. “A reação mais habitual é de negação”, afirma Sérgio Paixão. O psicólogo considera que os familiares também podem ser muito afetados com o diagnóstico. “Muitos não sabem como lidar com a situação e, no caso dos pais, é o pensar que os sonhos que tinham para os filhos estão todos a cair.” A ADEB tem prestado, ao longo dos seus 25 anos, um apoio que começa, muitas vezes, no serviço SOS apoio telefónico ADEB e, sempre que se justifique, é aconselhado um encaminhamento para o Serviço de Reabilitação Psicossocial. Nesta valência, o acompanhamento individual, realizado por um dos psicólogos clínicos, consiste no desenvolvimento de sessões para aquisição de novas competências para lidar com a gravidade da doença unipolar ou bipolar, de modo a promover o autocuidado e reintegração da pessoa na vida ativa, com ganhos de saúde e mais qualidade de vida. De realçar também os grupos de autoajuda, que são uma das mais-valias nestas situações e uma das valências da ADEB, como forma de as pessoas partilharem entre si experiências e de se ajudarem umas às outras, segundo Delfim Oliveira. Além disso, a associação tem sempre a “porta aberta” para se pedir apoio psicológico. A importância dos familiares numa doença de difícil diagnóstico “É muito importante ter o apoio de quem está próximo. Nas crises é mais fácil alguém dar-nos a mão para nos podermos levantar”, refere Delfim Oliveira. Sérgio Paixão concorda: “Na fase de depressão a pessoa sente-se muito mal e até tem noção de que não está bem, mas nas fases de mania (euforia) sente-se demasiado bem e revista bipolar 14 não procura ajuda. É preciso que esteja alguém ao seu lado e o faça por ela.” “Ambos os episódios podem trazer um sofrimento muito grande. Na euforia há uma enorme tendência para se ter comportamentos desadequados, que podem pôr em risco a estabilidade pessoal a vários níveis.” Esses momentos acabam por ser «demolidores», “porque, depois, ao surgir normalmente a depressão, ao necessitarem de ajuda, já nem sempre a têm, pelos conflitos relacionais que surgiram no episódio anterior e que levaram ao afastamento de quem estava mais próximo”, esclarece o psicólogo. sitam saber lidar com a doença”, frisa Delfim Oliveira. Apesar dos apoios da associação, “tendem a ficar na retaguarda e depois desconhecem o que fazer e surgem comentários depreciativos, como, por exemplo, durante as recidivas”. Comentários que não ajudam em nada nos momentos mais graves e que revelam incompreensão por parte de quem está mais próximo”. É importante também aprender a diferença entre o que é característico da doença e o que faz parte da personalidade da pessoa, “para se evitar comportamentos e atitudes que não ajudam e, por outro, para a própria pessoa com a doença não a utilizar para desculpar certos atos”, aponta o psicólogo. Sem formação, “dificilmente se consegue evitar estas situações e a família tem de ter consciência da necessidade de se (in) formar.” porciona mais qualidade de vida. Esta conquista é possível para cada um na medida da adesão ao tratamento e cuidados a ter no dia-a-dia.” Delfim Oliveira relembra que “há muitos doentes bipolares empregados e que são excelentes profissionais. Basta terem acompanhamento e aprenderem a viver com este problema de saúde”. Várias valências que melhoram o bem-estar e a qualidade de vida A ADEB aposta em várias vertentes, “porque a reabilitação é um todo, composto de várias etapas”, como refere o presidente da ADEB. Nesse sentido, existem sete valências: reabilitação psicossocial, promoção de ações de educação médica e especializada, apoio à célula familiar, apoio e reorientação O estigma ainda fala mais alto Sérgio Paixão Na infância e na adolescência, é ainda mais difícil obter um diagnóstico. “Geralmente, costuma-se ter mais cuidado com o diagnóstico final, mas por vezes é inevitável não se dizer que é perturbação bipolar”, refere Sérgio Paixão. Precisamente a pensar nesta realidade, a ADEB aposta também bastante na ajuda aos familiares. “Acompanhamo-los, dando apoio psicológico se for necessário e dando formação para saberem lidar com as diferentes fases da doença e para prevenirem possíveis complicações.” De facto, há quem entre em depressão ou venha a sofrer de distúrbios de ansiedade, “principalmente pelas consequências que a doença provoca nas relações familiares”. Outro obstáculo é a formação. “Dos quatro mil associados da ADEB, apenas 10% são familiares. Na saúde mental, é fundamental ter o apoio dos familiares e estes, por sua vez, neces- Passaram 25 anos desde que Delfim Oliveira descobriu que sofria de doença bipolar. As mudanças têm-se feito sentir. “Existe uma maior evolução nos tratamentos e a patologia já é mais conhecida da população, assim como dos vários profissionais de saúde.” Contudo, “ainda há muito a fazer”. Existem muitas pessoas que, apesar de serem excelentes profissionais, receiam falar da doença no seu local de trabalho, nem que seja para levar um papel de justificação de que foram a uma consulta na associação. Uma atitude compreensível para o presidente da ADEB, tendo em conta que as entidades profissionais e os colegas de profissão ainda veem com maus olhos a bipolaridade. “Há também quem dê apoio, mas a maioria discrimina”, garante. Neste campo da (in) formação ainda há muito a fazer, de acordo com Delfim Oliveira. Sérgio Paixão pensa o mesmo: ”É preciso dar mais informação e os profissionais de saúde, as associações e todos os parceiros envolvidos na saúde mental devem falar da doença bipolar e desmistificar a ideia de que são pessoas que estão sempre incapacitadas para terem uma vida social e profissional e que são perigosas, criando grandes problemas.” E acrescenta: “Hoje, conquistou-se a possibilidade de se ter uma atitude preventiva, evitando cada vez mais as recidivas graves, o que pro- Algumas atividades desenvolvidas pela ADEB Equipa que dá apoio a Delfim Oliveira na ADEB Um futuro incerto … com falta de verbas A crise tem afetado a ADEB, como tem acontecido com a maioria das associações. “Antes de mais, a maioria dos associados não paga as quotas, o que nos impede de ser financeiramente independentes”, sublinha Delfim Oliveira. A alternativa tem sido pedir apoios, nomeadamente aos laboratórios. “Estão estabelecidos protocolos, mas, na prática, não são cumpridos desde 2013. O dinheiro não aparece e ninguém dá uma explicação.” Apesar das dificuldades, o responsável acredita que o mais importante é que “se continua com portas abertas à população”. Espera é que esta realidade se prolongue por muito mais tempo e “que a falta de verbas não venha a pôr em causa esta ajuda tão importante para doentes e familiares”. Uma mão amiga que é fundamental que continue a existir, pois, “faz toda a diferença na recuperação e na prevenção de recidivas, pelo menos das mais graves“. E Delfim Oliveira é o exemplo de como este apoio é a pedra angular que ajuda na caminhada da vida e que ensina a viver com a bipolaridade, sem se deixar que a doença impeça a felicidade. 15 A visão de um jovem com doença bipolar e a do seu pai, após o diagnóstico Perspetiva do pai do Miguel Para mim, foi devastador o dia em que foi feito o diagnóstico ao meu filho Miguel. Até àquele momento, penso que sempre tive a ideia de que o seu comportamento estranho era uma fase, ou algo do género, que passaria com o tempo. Agora, de repente, apercebi-me que a minha vida, a vida do Miguel e a nossa vida familiar nunca mais seria igual. Demorei muito tempo a conformar-me. Perspetiva do filho (Miguel) Em muitos aspetos, o dia em que me fizeram o diagnóstico foi um bom dia para mim. Aqui estava a prova de que não estava a imaginar aquilo tudo. Havia realmente algo de errado comigo e talvez agora pudesse receber ajuda. Mas, ao mesmo tempo, tinha muito medo de perder o controlo da minha vida. Não queria ser definido pela minha doença. Fonte: Textos in Aprender a viver com a doença bipolar: um Guia de Apoio, edição da ADEB. revista bipolar aos utentes desempregados, apoio ao adolescente, fórum sócio ocupacional e apoio domiciliário. No caso dos fóruns socioprofissionais, existem várias atividades de grupo, como yoga, música, pintura, fotografia e poesia. “Temos compilado antologias poéticas e também textos em prosa. É a forma de melhorar a autoestima das pessoas, de elas próprias darem a conhecer a sua veia artística e de desabafarem”, salienta o responsável da ADEB. revista bipolar 16 Comorbilidade no idoso com doença mental Lia fernandes, MD, PhD Psiquiatra, Assistente Hospitalar Graduada do CHSJ do Porto. Prof. Associada da Faculdade de Medicina da Universidade do Porto. Investigadora da UNIFAI/CINTESIS da Universidade do Porto. Membro do Conselho Científico e Pedagógico da ADEB E m todo o mundo tem-se vindo a assistir a um crescimento exponencial de pessoas mais velhas, prevendo-se que se atinja 16% da população até 2050 (WHO, 2012). Portugal é neste momento o Pais da União Europeia com mais rápido crescimento, estimando-se que existam 2 023 000 idosos (INE, 2014). Este crescimento explica-se em termos absolutos pela diminuição da mortalidade e aumento da esperança média de vida, bem como em termos relativos, pela diminuição da natalidade. É neste contexto, que se as- siste neste momento a uma inversão da pirâmide etária, em que existem 129,4 idosos para cada 100 jovens (INE, 2014). Inerente a este envelhecimento geral da população, associa-se inevitavelmente um maior número de diagnóstico de doenças crónicas e, em particular, de demências (Fernandes, 2014). O número total de novos casos de demência por ano, aproxima-se de 7,7 milhões, o que significa que se diagnostica uma demência a cada 4 segundos (WHO, 2014). Em Portugal o número de demenciados (estando claramente sub- diagnosticado) aproxima-se de 153 mil casos, dos quais 90 mil com Doença de Alzheimer. Este número estima-se que duplicará até 2020 (INE, 2014). Estes dados são sem dúvida, preocupantes tendo em conta que a demência de tipo Alzheimer representa na actualidade a principal causa de dependência nos idosos, resultando num considerável acréscimo de necessidades (Fernandes et al, 2009) e numa evidente sobrecarga das famílias, dos cuidadores, bem como dos sistemas de saúde e de segurança social. Nesta sequência, o acréscimo de doenças crónicas e comorbilidades condicionam o número de anos vividos com incapacidade física e mental, também ao nível dos mais velhos (Fernandes, 2011). Neste contexto, realça-se ainda que as doenças neuropsiquiátricas nos idosos sejam responsáveis por 6,6% de incapacidade total (DALYs), sofrendo de uma qualquer perturbação mental cerca de 15% destes indivíduos (DGS, 2014). Estes doentes idosos com múltiplas patologias crónicas correm um maior risco de redução da qualidade de cuidados, quando comparados com os doentes com uma ou nenhuma comorbilidade. Para isto contribuem a competição de sistemas classificativos para patologias individuais, a sobrecarga de diferentes recomendações clínicas, a dificuldade de implemen- al, 2006; Long et al, 2013). Em conjunto, todos estes factores se traduzem inevitavelmente no aumento de custos de cuidados de saúde (Sparks et al, 2008). Será de destacar ainda o risco da polimedicação, sobretudo nos mais velhos, estimando-se que em Portugal em média cada idoso consuma 7.23 fármacos/dia. Segundo um estudo da Faculdade de Farmácia da Universidade de Lisboa (2008), a errada prescrição causará efeitos adversos, estando ligada a 11% dos internamentos hospitalares nos idosos, sendo que 38,5% dos idosos tomam um ou mais medicamentos inapropriados, que deviam ser substituídos por outros mais seguros. Como princípio básico do tratamento das situações demenciais e das múltiplas comorbilidades torna-se fundamental a adesão ao tratamento. Contudo, devem destacar-se sobretudo as boas práticas clínicas, ao invés dos princípios curativos, isto é, a manutenção da qualidade de vida e não tanto da quantidade de vida. Dever-se-á implementar particularmente o alívio sintomático, identificar e lidar com as situações tratáveis, reconhecer e explorar o potencial de reabilitação, evitando intervenções muitas vezes fúteis e desnecessárias (Rodda et al, 2008). Desta forma, é essencial uma diferenciação de cuidados ao longo do processo evolutivo das situações demenciais, assegurando a qualidade de vida em todas as fases evolutivas, mas sobretudo, garantir dignidade e conforto nas fases mais avançadas ou mesmo terminais (Volicer et al, 2003). Apesar do aumento das novas exigências assistenciais impostas pelo crescente número de idosos, necessariamente com mais doenças crónicas e comorbilidades, não se tem assistido em paralelo, a um aumento da qualidade de vida destes doentes. Em boa verdade, face a este acréscimo de problemas de saúde, continua-se a dar as mesmas respostas assistenciais (Valente Rosa, 2012). Desde logo, no tratamento destas situações clínicas, estes pacientes são confrontados com o duplo estigma, o da doença mental e o de se ser mais velho. Isto porque entre os doentes com doenças físicas, continua-se a negligenciar os mais velhos e os doentes mentais. Entre os doentes mentais continua-se a negligenciar os mais velhos (Leuschner, 2014). Deste 17 revista bipolar tação do tratamento para múltiplas condições (nomeadamente no que respeita a efeitos adversos) e, por último, o aumento de custos de saúde (Gijsen et al, 2001; Boyd et al, 2005; Bayliss et al, 2007; Min et al, 2007). As comorbilidades impõem ainda, um aumento do risco de morte, bem como um aumento do declínio funcional (Fillenbaum et al, 2000; Gijsen et al, 2001). Apesar de tudo, a melhoria de cuidados médicos, decorrente do avanço do conhecimento e das novas tecnologias de saúde, leva a que um maior número de indivíduos sobreviva até idade avançada, com consequente acréscimo de comorbilidades. Nesta sequência, o aumento do número de demências estabelece-se como o factor fundamental para a maior morbilidade. Deste modo, pode afirmar-se que a demência e as comorbilidades teriam assim, efeitos aditivos (Wolff et al, 2002; Hile t al, 2002). É neste contexto, que se regista que a principal causa de internamento nas demências esteja atribuída às comorbilidades (Marshall et al, 2003; Sparks et al, 2008). Destacam-se como comorbilidades mais frequentes na Doença de Alzheimer, as Doenças Cardiovasculares (Hipertensão Arterial, Insuficiência Cardíaca, Arritmias e Doença Coronária), Diabetes Mellitus/Doenças Endócrinas, Doença Pulmonar Obstrutiva Crónica, Patologia Osteoarticular Degenerativa, Infecções, Patologia do Tracto Urinário, Patologia do Aparelho Gastrointestinal, Acidentes Vasculares Cerebrais, Doença de Parkinson e Neoplasias (Min et al, 2007; Cunha et al,2011). Por outro lado, o trauma da hospitalização em si mesmo, precipita sintomatologia confusional no idoso, muito particularmente ansiedade, agitação e síndrome confusional (delirium). Contribuí para esta sintomatologia, a alteração súbita do ambiente, o estabelecimento de diferentes rotinas, a ausência do cuidador habitual, a diminuição da saúde física, a introdução de novas medicações e de diferentes procedimentos, dificilmente descodificáveis por parte destes idosos (Marshall et al, 2003; Sparks et al, 2008; Inouye et al, 2014). Estas situações confusionais, muito frequentes quer em meio hospitalar quer após institucionalização dos mais velhos, levam ao aumento das complicações médicas, da duração do internamento, do número de reinternamentos e, por último, da mortalidade (Siddiqi et revista bipolar 18 modo, urge repensar toda a política assistencial deste sector etário, para que se torne possível dar respostas mais adequadas e eficientes, numa perspectiva integrada, baseada numa prévia avaliação de necessidades, estabelecendo-se uma estratégia de planificação de serviços e de intervenções especializadas, multifacetadas e personalizadas (DGS, 2014). Neste sentido, esta assistência deverá ser sempre baseada numa abordagem holística e humana, que inclua a tríada: idoso, familiar e cuidador (Fernandes, 2004) Em síntese, a complexidade destas situações crónicas e, muito particularmente das demências, implica necessariamente uma abordagem multidimensional e multidisciplinar (com o envolvimento de todos os profissionais de saúde). Deverá ter como ponto de partida, desde logo, a avaliação das capacidades e necessidades destes pacientes, que vão evoluindo com a progressão das diferentes doenças. Implicará, naturalmente, uma intervenção integrada e sistémica, que deverá combinar um tratamento sustentado ao nível da intervenção inicial da Medicina Geral e Familiar, com a correcção de factores de risco, diagnóstico e tratamento adequados, bem como, com a sua correcta articulação com uma intervenção mais diferenciada, ao nível de cuidados de saúde especializados (particularmente os prestados a nível hospitalar) (Fernandes, 2014). Por último, deverá estabelecer-se uma adequada conjugação com uma abordagem psicossocial, familiar e de reabilitação, envolvendo a coordena- ção dos diferentes níveis assistenciais (cuidados de saúde primários, serviços comunitários, rede integrada de cuidados continuados, reabilitação geriátrica e suporte a familiares e cuidadores) (PNSM, 2007-2016). Bibliografia: 1. Bayliss EA, Ellis JL, Steiner JF. Subjective assessments of comorbidity. Ann Fam Med, 2007; 5:395-402. 2. Boyd CM, Darer J, Boult C, Wu AW. Clinical practice guidelines and quality of care for older patients with multiple comorbid diseases: implications for pay for performance. JAMA, 2005;294:716-724. 3. Cunha N, Fernandes L. Comorbilidade no Idoso. Em: Fernandes L, Gonçalves-Pereira M, Cortez Pinto L, Firmino H, Leuschner A (Editores). Jornadas de Gerontopsiquiatria. Associação Portuguesa de Gerontopsiquiatria; 2011. p.59-62. 4. 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World Health Organization, 2012. revista bipolar 19 eNVELHECIMENTO Doença Mental Crónica e Défices Cognitivos manuel Costa Guerreiro Médico Psiquiatra A doença mental afeta muitas pessoas, mas o que a maioria não se lembra é que não causa apenas problemas emocionais, mas que provoca, também problemas cognitivos. A pessoa com doença mental pode ter dificuldades em pensar claramente, prestar atenção e lembrar. Para alguns, os problemas cognitivos só são evidentes durante os episódios de doença. Para outros, os problemas cognitivos são mais persistentes. Se a doença mental for bem gerida, a pessoa pode levar uma vida produtiva e ter períodos longos de estabilidade. Para melhor gerir uma doença é importante entender muitos aspetos que afetam o funcionamento. Quando as pessoas sabem quais os sintomas cognitivos da doença mental podem gerir melhor a doença e ter um melhor funcionamento. Cognição refere-se às capacidades de pensamento, às capacidades intelectuais que nos permitem perceber, adquirir, compreender e responder à informação. Isso inclui a capacidade de prestar atenção, lembrar-se, o processo informação, resolver problemas, organizar e reorganizar as informações, comunicar e agir de acordo com informações. Todas essas capacidades de trabalhar para um fim de forma interdependente são o que lhe permitem funcionar no seu ambiente. Fazem parte da cognição a inteligência, a linguagem, a aprendizagem e a memória. Com o avanço dos anos, com o envelhecimento, a capacidade cognitiva sofre algumas perdas. Além disso, há muita variabilidade entre os indivíduos, essa variabilidade depende do estilo de vida e fatores psicossociais (Gottlieb, 1995). As evidências de pesquisas em humanos e animais mostram que o estilo de vida modifica o risco genético em influenciar os resultados do envelhecimento (Finch & Tanzi, 1997). Existe um grande corpo de pesquisa, incluindo tanto estudos transversais como estudos longitudinais que tem demonstrado mudanças na função cognitiva com o envelhecimento. Estudos descobriram que a memória de trabalho diminui com o envelhecimento, assim como a memória de longo prazo (Siegler et al., 1996), com decréscimos mais aparentes na capacidade de recordar do que nas capacidades de reconhecimento. Di- revista bipolar 20 minuição ou alguma perda de outras funções cognitivas ocorre, principalmente no processamento de informação, atenção seletiva, e capacidade de resolução de problemas (Siegler et al., 1996). Estas alterações cognitivas traduzem-se num ritmo mais lento de aprendizagem e maior necessidade de repetição de novas informações (Carman, 1997). As queixas de memória em pessoas mais velhas, de acordo com vários estudos têm reveladoque podem ser mais produto de depressão do que de declínio da memória (citado em Levy-Cushman & Abeles, no prelo). Base de comprometimento cognitivo na doença. Circuitos cerebrais e cascatas celulares controlam a cognição. A cognição pode ser melhor entendida em ter- cognitivas não tem como alvo os circuitos cerebrais por si; ao contrário tem como alvo os recetores acoplados à proteína G (GPCRs), canais iónicos, transportadores e outras proteínas envolvidos nas ações de neuromoduladores. Estes substratos moleculares de cognição constituem um grande repertório de potenciais alvos de drogas para combater a insuficiência cognitiva nos distúrbios psiquiátricos. A inteligência fluida, uma forma de inteligência definida como a capacidade de resolver problemas novos, diminui ao longo do tempo, contudo a pesquisa constata que a inteligência fluida pode ser melhorada através de formação de competências cognitivas e estratégias de resolução de problemas (Baltes et al., 1989). A pesquisa tem-nos mostrado que são as próprias doenças que causam a maior parte da disfunção cognitiva. Durante muitos anos, pensava-se que os problemas cognitivos eram secundários a outros sintomas, como a psicose, a falta de motivação, ou de humor instável. Atualmente nós sabemos que não é assim. A disfunção cognitiva é um sintoma primário da esquizofrenia e de alguns transtornos afetivos. É por isso que os problemas cognitivos são evidentes mesmo quando outros sintomas são controlados. As queixas de memória são extremamente comuns nas pessoas mais velhas, com 50 a 80 por cento relatando queixas subjetivas de memória (citados na Levy-Cushman & Abeles, no prelo). mos de complexo de redes que operam ao longo de várias escalas temporais e incorporando diversas dimensões: de cascatas celular para circuitos cerebrais e, em última análise, a sociedade. Domínios específicos, tais como as funções executivas e cognição social são integrados através amplas interligações e sobreposições de regiões cerebrais. Além disso, uma paleta diversificada de neuromoduladores incluindo acetilcolina, citokinas e factor neurotrófico derivado do cérebro (BDNF) – tem grande influência no desempenho cognitivo. Por exemplo, o córtex pré-frontal (CPF) e hipocampo recebem uma rica entrada colinérgica e são também fortemente enervados por neurónios serotoninérgicos, dopaminérgicos, noradrenergicos e histaminérgicos. Tal como a amígdala, estas estruturas-chave possuem densas populações de interneuróneos GABAérgicos (ácido γ-aminobutírico) que comunicam uns com os outros - bem como com outros territórios que controlam a função cognitiva - via projeções glutamatérgicas. A farmacoterapia para as alterações Existem diferentes doenças mentais que perturbam a cognição de uma forma diferente. Além disso, nem toda pessoa é atingida da mesma forma. Algumas pessoas com esquizofrenia têm mais problemas cognitivos do que outros. Algumas pessoas com depressão ou transtorno bipolar têm problemas nalguns aspetos do funcionamento cognitivo. É importante compreender que uma doença mental afeta cada pessoa de forma um pouco diferente. As pessoas que têm esquizofrenia muitas vezes experimentam problemas nos seguintes aspetos da cognição: capacidade de prestar atenção; capacidade de lembrar e recordar informações; capacidade de processar informações de forma rápida; capacidade de responder a informações de forma rápida; capacidade de pensar criticamente, planear, organizar e resolver problemas e capacidade de iniciar o discurso As pessoas que têm transtornos afetivos, como transtorno bipolar e depressões recorrentes, muitas vezes pensas no correlacionar com episódios de doença. As relações entre humor e cognição são dinâmicas. Devido à sua natureza relativamente estática, características do traço de manifestação cognitiva e neurológica pode fornecer insights sobre anomalias cerebrais centrais que dão origem a distúrbios de humor graves. Uma área de pesquisa recente tem sido a caracterização de deficits neuropsicológicos em pacientes com POC. Os deficits cognitivos poderiam estar funcionando como uma variável intermediária entre as alterações neurobiológicas e sintomas do TOC. Reduções na competência social e na capacidade para a vida independente e sucesso profissional podem ser o resultado de um compromisso neurocognitivo. As Perturbações Somatoformes incluem sintomas somáticos, psicopatológicos e neuropsicológicos. Queixas cognitivas relatados frequentemente por pacientes incluem falta de concentração, diminuição da memória para eventos recentes e pobres capacidades na escolha das palavras Cerca de 50% -85% dos pacientes com síndrome somatoforme / fadiga crónica (SFC) relatam problemas cognitivos, que contribuem consideravelmente para a sua disfunção social e ocupacional. Fatores neuropsicológicos e psicopatológicos nos transtornos de personalidade parecem estar relacionados com pobres perícias cognitivas com uma ligação entre a atenção e comprometi- mento da memória. Na verdade, o risco de suicídio em pacientes com Distúrbio borderline da Personalidade tem sido associado ao funcionamento cognitivo e não como nível de depressão apresentada pelo doente. Disfunções cognitivas têm sido demonstradas a seguir ao abuso de substâncias. Estas funções incluem atividades mentais que envolvem a aquisição, armazenamento, recuperação e uso da informação. Lyvers et al. mostraram que a dependência de opiáceos, como a dependência de álcool está associada a disfunções cognitivas. Para concluir devo referir a Doença de Alzheimer, uma doença de importância crucial para os adultos mais velhos, atinge 8 a 15 por cento das pessoas com mais de 65 anos (Ritchie & Kildea, 1995). A Doença de Alzheimer é um dos transtornos mentais mais temidos por causa de sua gradual, mas implacável, ataque à memória. A perda de memória, no entanto, não é a única deficiência. Os sintomas se estendem a outros deficits cognitivos: na linguagem, no reconhecimento de objetos, e no funcionamento executivo, bem como sintomas comportamentais tais como, psicose, agitação, e depressão. Embora a gama de problemas cognitivos possam ser diversas, há vários domínios cognitivos, incluindo executivo, de atenção e memória, que aparecem com maior risco de frequência ao longo da evolução das doenças e do envelhecimento dos doentes com patologia psiquiátrica. 21 revista bipolar experimentam problemas nos seguintes aspetos da cognição: capacidade de prestar atenção; capacidade de lembrar e recordar informações; capacidade de pensar criticamente, categorizar e organizar informações e resolver problemas e capacidade de coordenar rapidamente movimentos olho-mão. Na depressão maior, o transtorno cognitivo pode ser grave e global, imitando demência. Na fase aguda de transtorno bipolar, comprometimento da cognição pode evoluir para um estado de estupor. O aumento da disfunção cognitiva está associada a uma maior gravidade dos sintomas. Devido à presença de deficits cognitivos, mesmo durante os períodos eutímicos / estados remissão, sugere-se que certos deficits cognitivos são características fundamentais do traço. Todos estes problemas cognitivos podem ser evidentes durante um episódio afetivo, mas quando existe estabilização, o problema com a atenção, muitas vezes fica melhor. As dificuldades com a memória, motoras e capacidades de pensamento podem continuar a ser evidentes, mesmo durante os períodos de estabilidade de humor. Os problemas com as capacidades de pensamento são mais frequentemente quando o abuso de álcool e/ou de drogas também estão presentes. Os deficits correlacionam-se com o número de episódios afetivos e a duração total da doença. As tarefas de memória e executivas foram as mais pro- revista bipolar 22 Dia Mundial da Perturbação Bipolar Pelo segundo ano consecutivo, iremos comemorar no próximo dia 30 de Março, o Dia Mundial da Perturbação Bipolar, data escolhida por ser o dia do aniversário de Vincent Van Gogh, que foi postumamente diagnosticado como provável portador da doença bipolar. Todavia, não podemos esquecer que outros grandes nomes da literatura, da música e do cinema, bem como anónimos, também sofrem com esta doença silenciosa que não se vê, mas se sente. Queremos assim homenagear Robin Willians, cuja morte recente ficará na memória colectiva. O actor de “Good Morning, Vietnam” entrou nos nossos écrans para nos fazer rir, chorar e reflectir, quando interiormente ele lutava diariamente com oscilações do humor. Oriundo de uma família abastada de Chicago, descrevia-se como uma criança tímida que encontrou na comédia uma forma de se exprimir. Todavia, quando fala da sua paixão pela representação ao seu pai, este responde: “Tudo bem, mas primeiro arranja um emprego a sério!”. Iniciou assim estudos em Ciências Politicas, mas que rapidamente abandonará para se dedicar ao teatro. Conhecerá a fama com a serie dos anos 70, Happy Days, mas a consagração mundial será com os filmes “Good Morning Vietnam” (1987) e “O Clube dos poetas Mortos” (1989), ambos os filmes lhe rederam uma nomeação para o Oscar de Melhor Actor. Mas a famosa estatueta para Melhor Actor Secundário só lhe será atribuído para o papel do psicólogo, Sean Maguire, em Bom Rebelde (1997). Em termos pessoais, a sua vida foi mais caótica. Robin Williams foi casado três vezes e teve três filhos (um filho do primeiro e dois do segundo casamento). Adoptou também o único filho do casal Dana Reeve e Christopher Reeve, de quem era amigo desde dos tempos da Escola de Arte de Nova York, a Julliard School, que frequentaram na mesma altura. Os seus problemas com o álcool e a droga eram conhecidos do público, bem como as suas estadias em estabelecimentos de reabilitação, o que não era tão conhecido é que estes escondiam uma Perturbação Bipolar. Encontrou no ciclismo, uma forma de (re)encontrar o equilíbrio para além do tratamento farmacológico. Dedicou-se também a ajudar os À VENDA NA ADEB outros: fundou a Windfall Foundation, uma organização filantrópica que angaria fundos para diversas instituições de caridade. Mas também colaborou com outras associações. Robin Williams despediu-se da cena e do mundo em Agosto de 2014, no dia 11. Quem lida com a Perturbação Bipolar, perceberá que este não quis acabar com a vida, mas sim com um sofrimento interior difícil de exprimir ou de entender. No entanto, ninguém esqueceu o seu talento, o seu dom para o improviso, bem como o seu bom humor. Alias, Robin Williams aparece em primeiro lugar nas pesquisas realizadas em 2014 no motor de busca Google. Qual a frase que o identifica melhor? “Good Morning, Vietnam”… “Oh Captain, my Captain”…ou a mensagem de Horácio que o professor John Keating (O Clube dos poetas Mortos) partilhou com os seus alunos: “Carpe Diem”. 20 € 5€ ADEB revista bipolar 23 - Porto d’Abrigo Seguro vítor colaço santos Sócio da ADEB n.º 2518 “A criação [artística] é um bálsamo para que a Vida seja disfrutada”, José Manuel Jara, insigne médico psiquiatra e Presidente da Assembleia Geral da ADEB A Vida/qu’é querida/tem que ser experiênciada./A caminhar faz-se o/caminho/o trilho/ e através do pensamento/criativo/e positivo/sinalizaremos a alma e o espírito/vivo! A l Fredo, poeta desconhecido. A ADEB há anos que vive no meu coração e tem sido o meu porto seguro. Aproveito para Desejar Saúde!, ao seu Presidente, Delfim Augusto d’Oliveira - o homem do leme e profissional capaz. Conheço-o há vinte anos e registo a sua prática defensora do útil e notável projeto da Instituição. Delfim tem sempre palavras não paternalistas, mas elucidativas e fraternas. Jamais esquecerei aquelas que me ofertou quando há anos um «tsunami» me cilindrou. A Associação está guarnecida de competentes técnicos de saúde mental: Renata Frazão e Sérgio Paixão, Psicólogos [não fui paciente da Psicóloga Ana Isabel, ao que me dizem, é competente],que acrescentam valor pelos seus desempenhos. Reitero publicamente a minha gratidão a R. Frazão e S. Paixão que me ajudaram no passado e guardo as suas palavras avisadas no meu relicário. Esta Instituição tem várias valências: os Grupos de Auto-Ajuda, que frequentei e onde cada membro expõe, capta e “exorciza” as suas angústias, dúvidas, maleitas, sequelas e tudo… Em reflexão e pela ajuda irmanada, içamo-nos com palavras certeiras, luminosas e de solidariedade ativa. A `minha` Associação dos Doentes Depressivos e Bipolares e Unipolares é a maior Instituição do género, conseguindo uma implantação relevante em Portugal, na área da saúde mental. Na reabilitação psico-social entronca com os seus sócios na procura de soluções de independência abrangente. Está virada para a comunidade e também dispõe de aconselhamento jurídico, cujo advogado quando precisei, foi perfeito. Há ainda os Grupos de Famílias de Bipolares e Unipolares. Sente-se através daqueles que conseguem extrair melhores aptidões para lidar com os seus parentes de humor variável e acidentado. Não me esqueço duma mãe que me confidenciou:” Vítor, se não fosse a ADEB a ensinar-me a funcionar com a minha filha (doente Bipolar), eu é que desapareceria fisicamente!” A ADEB acaba de ficar mais rica em termos de profissionalismo: Luís Oliveira, seu trabalhador, já é formado na área de Neuro-Psicologia. Parabéns! Fico feliz por ti/ porque s’ai de mim/ terei ao dispôr/ p’ra me pôr/a tua mão sapiente/ no coração e na mente./ Est’aprendiz de poeta não - mente. Teatro, cinema, música, poesia, circo, yoga, caminhadas, etc. são atividades ao dispor dos sócios ou para participar gratuitamente ou ao preço da uva mijona, passe a vernaculidade. A ADEB com frequência tem disponibilizado aos seus sócios e familiares Conferências com variantes no âmbito da saúde mental, onde Técnicos e testemunhos de associados têm tido oportunidade de informar e dar trunfos para poder lidar melhor com a doença. A última, pela Assembleia Geral Ordinária para a eleição de novos corpos gerentes, onde se votou numa solução de boa continuidade, os dois oradores, cada um no seu “pelouro”, trouxeram contributos valiosos. Destaco José Garrucho, que não teve todo o tempo que mereceria, dado o adiantado da hora, foi um regalo ouvi-lo. Este raciocínio escrito também tem a chancela da ‘minha’ amada ADEB. Escrevi na lápide: Serei sócio até ao fim da minha existência… Os doentes Depressivos, Bipolares e Unipolares lançando corda na âncora da ADEB, elevar-se-ão mais depressa e com melhor qualidade de vida. Dou-te um Grato Abraço e auguro-te Vida Longa! revista bipolar 24 CONVOCATÓRIA Assembleia Geral Ordinária 28 de Março de 2015 Convocam‐se todos os associados da Associação de Apoio aos Doentes Depressivos e Bipolares, ADEB, a comparecer no dia 28 de Março de 2015, às 10:00 horas, na Assembleia‐Geral Ordinária ao abrigo da alínea b) do nº 1) do artigo 27º dos Estatutos da ADEB, a realizar no Anfiteatro da Escola de Saúde da Cruz Vermelha, sita na Avenida de Ceuta, Urbiceuta‐Lisboa, subordinada à seguinte ordem de trabalhos: DAS 10H00 ÀS 11H00 I. Análise e aprovação do Relatório da Direcção e Relatório de Contas do ano Ano de 2014. Nos termos do nº 1 do artigo 29 dos Estatutos, a Assembleia‐Geral Ordinária reunirá à hora marcada na Convocatória se estiverem presentes mais de metade dos associados com direito a voto, ou uma hora depois com qualquer número de presentes. O Relatório da Direcção e Contas do ano de 2014 está disponível na Sede e Delegações, para consulta de todos os associados. 2. COLÓQUIO Hora Tema Orador(s) 11h30 As Sociedade Pós‐Modernas e a Doença Dr. António Mental Sampaio 12h00 Enquadrado no dia Mundial da Crítico de Perturbação Bipolar: homenagem cinema a Póstuma ao Actor Robin Williams convidar 13h00 Debate ALMOÇO CONVÍVIO Caro Associado e Amigo, na sequência da Assembleia Geral Ordinária e Colóquio, realiza‐se um Almoço/Convívio no Restaurante “Mercado de Alcântara” – sito Rua Leão de Oliveira, Alcântara‐Lisboa. DAS 13H30 ÀS 15H30 • Almoço Ementa: • Entradas: Pão, Manteigas, Queijo Seco e Salgadinhos • Prato: Arroz de Perca c/ Gambas ou Carne Porco à Algarvia • Bebidas: Vinho da Casa, Cerveja e Sumos • Sobremesa: Ananás ou Pudim • Café Inscrições até ao dia 25 de Março de 2015 na Sede Nacional da ADEB ou pelos telefones 218 540 740/8, TM: 968 982 150 ou email: [email protected] Preço do Almoço por pessoa 15,00 euros. Das 15h30 ÀS 16h00 • Convívio e Momento Músicas com “Nota Contranota” COMPAREÇA e PARTICIPE Presidente da Assembleia Geral da A.D.E.B. Dr. José Manuel Jara ESCREVA E DIVULGUE A REVISTA BIPOLAR Ficha Técnica Revista Bipolar n.º 50 Ano XIV, 1º trimestre de 2015 Proprietário: ADEB, NIF nº 502 610 760 Editor: ADEB Diretor: Delfim Augusto Oliveira Sub‐Diretora: Renata Frazão Coordenador de Redação: Delfim Augusto Oliveira Colaboradores: António Sampaio, José Manuel Jara, José Morgado Pereira, Lídia Águeda, Lia Fernandes, Manuel Costa Guerreiro e Vítor Colaço Santos. Produção Gráfica: Graficoisas, Lda. N.º depósito Legal: 143533/99 Registo no ICS: 121888 Distribuição gratuita aos sócios. Preço: 2,50 Contactos Sede Nacional da ADEB Quinta do Cabrinha, Av. De Ceuta, n.º 53, Loja F/G, H/I e J, 1300‐125 LISBOA Tel: 218540740/8, Fax: 218540749 Tlm: 968982150, [email protected] Delegação da Região Norte da ADEB Urbanização de Santa Luzia, Rua Aurélio Paz dos Reis, nº 357, Torre 5, r/c, Paranhos 4250‐068 PORTO Tel: 226066414 / 228331442, Fax 228331443 Tlm: 968982142, regiã[email protected] Delegação da Região Centro da ADEB Rua Central nº 82 – Mesura – Stª Clara 3040‐197 COIMBRA Tel/Fax: 239812574, Tlm: 968982117 regiã[email protected] www.adeb.pt Apoios:
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