o apolíneo e o dionisíaco na estrada de tijolos amarelos da

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o apolíneo e o dionisíaco na estrada de tijolos amarelos da
CAMBIASSU – EDIÇÃO ELETRÔNICA
Revista Científica do Departamento de Comunicação Social da
Universidade Federal do Maranhão - UFMA - ISSN 2176 - 5111
São Luís - MA, Jan/Dez de 2009 - Ano XIX - Nº 5 – Vol. II
O APOLÍNEO E O DIONISÍACO NA ESTRADA DE
TIJOLOS AMARELOS DA OBJETIVIDADE
JORNALÍSTICA
José Fernandes Linhares Junior é acadêmico do curso de Licenciatura em
Filosofia da Universidade Federal do Maranhão – UFMA e graduado em
Comunicação Social/Jornalismo pela Faculdade São Luís. E-mail:
[email protected]
.
RESUMO: Este artigo pretende analisar os pontos principais do conceito de verdade e suas
implicações no jornalismo. Apresentar pontos da história da imprensa e seu desenvolvimento.
Ponderar a respeito da possibilidade do caráter objetivo e subjetivo da imprensa. Apresentar
as teorias de autores clássicos sobre o problema da verdade. Identificar possíveis soluções
para o problema apresentado a partir de uma perspectiva que eleve em conta a dialética social.
PALAVRAS-CHAVE: Objetividade e subjetividade jornalística, estruturalismo na imprensa
ABSTRACT: This article aims to analyze the main points of the concept of truth and its
implications for journalism. Feature points in the history of media and development. Ponder
the possibility of an objective and subjective press. Present theories of classical authors on the
problem of truth. Identify possible solutions to the problem presented from a perspective that
raises into account the social dialectic.
KEY-WORDS: Journalistic objectivity and subjectivity, structuralism in the press
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1. INTRODUÇÃO
O que devemos esperar do jornalismo e da imprensa? Verdades científicas?
Reconstituição de ideologias? Aparato de proliferação do status quo? Total e fidedigna
reconstituição da realidade abordada? A essência dos assuntos? Estruturalismo radical?
“Objetivismo” opaco? Esses são alguns dos paradigmas que no último século transformaram a
imprensa em um território onde o individualismo e a subjetividade de quem produz
jornalismo são desprezados.
As redações estão impregnadas de técnicas, de regras, de normas. As universidades
garantem aos acadêmicos uma série interminável de cartilhas e manuais que ensinam a
estrutura correta a ser seguida. O texto jornalístico passou a universalizar, homogeneizar e
nivelar a maioria dos sujeitos. A “verdade” passou a ser almejada mais que tudo. Uma
cruzada pela objetividade que distanciou o jornalismo de suas origens iluministas. Origens
que, segundo Habermas (1984), fundamentavam o debate e a dialética entre as opiniões
divergentes. Um tempo em que o estruturalismo e a homogeneização ainda não eram
paradigmas consolidados entre os homens de imprensa.
Para Nietzsche (2005) essa jornada rumo à racionalização e desprezo do instinto revela
apenas a longa disputa luta entre o dionisíaco e o apolíneo no espírito humano. Dionísio, o
deus do vinho, representa natureza, instinto e embriaguez. Apolo, deus da razão, representa a
beleza da essência e o distanciamento da natureza.
A própria história do jornalismo e da imprensa revela quem dos dois, até agora, foi o
vencedor desta disputa. Que tipo de implicações essa movimentação trouxe? Será possível
mesmo uma reconstrução da realidade a partir do discurso jornalístico? O jornalismo
enquanto saber objetivo, criador de regras e limites, pode ser visto como algo benéfico para si
mesmo? O que originou o abandono do indivíduo no texto jornalístico? Estas são perguntas
que carecem a análise de vários aspectos...
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Este texto não pretende exaurir o assunto. Sua intenção é levantar provocações e
questionar valores tidos, por muitos, como inabaláveis e inquestionáveis.
2. A verdade, os mentirosos e a mudança
O conceito de verdade é um dos problemas centrais da filosofia, da lógica,
gnosiologia e epistemologia. O verum ipsum factum, ou "a verdade é o fato", de Vico, é um
exemplo crasso desta circunstância.
Os gregos tentaram buscar a solução para este problema. Para eles, a verdade era
vista enquanto relação ou oposição à falsidade, ilusão, aparência. Essa concepção indica algo
como uma essência idêntica à realidade e acessível ao pensamento. Uma teoria que pode ser
vista como verdade enquanto correspondência, segundo a qual a crença só será verdadeira se
um fato ou realidade lhe corresponder.
Todas as teorias da verdade têm como ponto comum o fato de a grande maioria
delas se inscrever em um fundo epistemológico57 e até mesmo metafísico, pois procuram
definir a verdade a partir de uma propriedade hipotética ou característica essencial.
Dizer o que é verdade estará diretamente ligado com os diferentes graus de certeza
ou fiabilidade cognitiva que somos levados a admitir: a certeza, a probabilidade, a
verosimelhança e a conjectura ou mera possibilidade. A certeza – de quem com toda a
segurança pode afirmar que está vivo; a probabilidade – com a qual nos confrontamos numa
dada esperança média de vida; a solução verossímel, razoável ou consensual – que resulta do
livre confronto de opiniões; e a mera conjectura – por exemplo, a de que amanhã pode chover
ainda que hoje tenha estado um dia ensolarado.
A “verdade” e a “tradição” no decorrer da história fizeram muitos inimigos.
Homens e mulheres que se levantavam contra todo um estado de coisas determinado
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Estudo crítico dos princípios, hipóteses e resultados das ciências já constituídas
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anteriormente por alguma fonte divina ou em algum contrato pré-estabelecido. Um dos
primeiros “inimigos” da verdade foi o ateniense Sócrates. Denunciado por não acreditar nos
dogmas sociais da época e por insugir-se contra eles, o filósofo foi condenado a morte. Um
fato de importância histórica irremediável.
“O julgamento e a morte de Sócrates marcaram profundamente seus
contemporâneos e muitos de seus discípulos e companheiros escreveram relatos e
testemunhos desse episódio, em que o filósofo confronta o Estado, em que suas
idéias se insurgem contra as práticas políticas da época, em que a necessidade de
independência do pensamento é explicitada e discutida pela primeira vez em nossa
tradição”. (MARCONDES, 2002, p. 44 e 45)
Já no século IV, quando o Cristianismo tornou-se a religião oficial do Império
Romano, foi iniciada a cruzada de homogeneização da “verdade cristã”. Todas as respostas
eram dadas, todos os problemas eram passíveis de solução por meio das Sagradas Escrituras.
Ao homem restava apenas a contemplação do divino e a submissão. Como reação ao que
considerava heresias, foi criada a Santa Inquisição, encarregada de perseguir, julgar e punir os
acusados de heresia, doutrinas ou práticas contrárias às definidas pela Igreja.
No século XVI o homem iniciou um movimento que romperia com as noções tidas
até então como inquestionáveis. Apesar de ser visto inicialmente como uma atitude
direcionada para a renovação intelectual e artística, o Renascimento influenciou várias regiões
da Europa e seu ideal foi marcado pela crença em uma capacidade ilimitada da criação
humana. Nete período percebe-se, mesmo timidamente, o aparecimento da imprensa e sua
contribuição na mudança de paradigmas medievais para o mundo moderno, como afirma
Russel:
“Com o advento da imprensa cresceu enormemente a possibilidade de circular novas
idéias. Foi isso que afinal ajudou a abalar as antigas autoridades. (...) A imprensa
não só forneceu meios para difundir novas doutrinas políticas que criticaram a antiga
ordem, mas também permitiam que os sábios humanistas publicassem edições das
obras dos antigos” (RUSSELL, 2002, p. 242)
O espírito de inquietação estendeu-se por todos os ramos do conhecimento
humano, e o impulso de investigar o mundo leva às grandes navegações e ao descobrimento
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do Novo Mundo. Como conseqüência, ocorreram progressos técnicos e conceituais, além de
questionamentos que abriram caminho para as reformas religiosas. Nesse contexto,
marcondes percebe que:
No século XVIII, os ideais culturais do Renascimento influenciaram uma
reviravolta muito mais brusca: o Iluminismo, movimento que despontou como uma corrente
de pensamento que defendia o predomínio da razão sobre a fé e estabeleceu o progresso como
destino da humanidade. O Iluminismo rompeu os vínculos com os paradigmas sociais de
outrora.
3. Conceitos básicos de Liberdade
O que se pode observar é que a noção de verdade, em muitos momentos da
história, foi usada para conspirar contra a idéia de liberdade. Em muitos momentos por
intenção, em tantos outros por confusão, a liberdade foi um alvo fácil dos dogmas.
“Não existe outra palavra que tenha recebido maior número de diferentes
significados e que tenha impressionado os espíritos de tão diversas maneiras do que
liberdade” (WEFFORT, 1995, p. 172). Sempre que o debate à respeito da determinação de um
conceito de liberdade é tentado, algumas pessoas apontam rapidamente uma impossibilidade
ontológica. Assim como Weffort, são vários os pensadores que acreditam em um relativismo
fundamental dentro do próprio conceito de liberdade. Essa queda metodológica acaba por
tornar impossível o debate à respeito da liberdade. Quando mudam as circunstâncias, deve
variar o sentido?
Noberto Bobbio usou alguns tipos de conceitos para definir o que seria a liberdade.
Segundo o autor, a liberdade pode ser definida por Não-Liberdade e Liberdade Social. A NãoLiberdade é explicada um determinado sujeito não pode realizar alguma ação por fatores
externos. “Com relação ao ator B, o ator A não é livre para realizar o ato x, se e somente se B
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torna impossível para A fazer x, ou se fazer x pode implicar sanções para A”. (BOBBIO,
1998, p. 708).
Dentro do conceito Liberdade, Noberto Bobbio insere o conceito de Liberdade
social. O autor defende a idéia de que a liberdade só é possível quando formulada em um
cenário onde existam, pelo menos, duas ações. “Assim, com relação a B, A é livre para fazer x
ou z na medida em que B não torne impossível ou passível de pena para A fazer x ou z”.
(BOBBIO, 1998, p. 709). Bobbio engendra um conceito de Liberdade em que a ação do
indivíduo não é determinante. Por suas construções lógicas, alguém pode tomar determinada
ação sem ser livre para fazer isso e pode, ainda assim, deixar de fazer algo que é livre para
fazer.
O autor também atentou para outros tipos mais específicos, como a liberdade
política, algo que, segundo ele, “em diferentes momentos históricos, concentrou-se na
Liberdade de religião, de palavra e de imprensa, de associação (religiosa, política, econômica)
e de participação no processo político (sufrágio)”. (BOBBIO, 1998, p. 709)
O jornalismo está intimamente ligado às relações de Liberdade e não-Liberdade (e
de poder), como explicado por Marx:
“A imprensa livre é o olhar onipotente do povo, a confiança personalizada do povo
nele mesmo, o vínculo articulado que une o indivíduo ao Estado e ao mundo, a
cultura incorporada que transforma lutas materiais em lutas intelectuais, e idealiza
suas formas brutas. É a franca confissão do povo a si mesmo, e sabemos que o poder
da confissão é o de redimir. A imprensa livre é o espelho intelectual no qual o povo
se vê, e a visão de si mesmo é a primeira condição da sabedoria”. (MARX, 2000,
p.49).
4. Imprensa e verdade jornalística
A Imprensa é a designação coletiva dos veículos de comunicação que exercem o
Jornalismo e outras funções de comunicação informativa — em contraste com a comunicação
puramente propagandística ou de entretenimento. A imprensa nasce junto com o processo
gráfico criado por Johannes Guttenberg no século XV.
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Com o Renascimento e Iluminismo, a sociedade começou a ter novos parâmetros
relacionados ao conceito de comunicação. O desenvolvimento da sociedade começou a exigir
o crescimento de garantias institucionais. Este é um dos principais fundamentos do conceito
de esfera pública. Em tese, a esfera pública representa uma arena franqueada a todos. A única
exigência para que alguém pudesse dela fazer parte era a formação cultural. Assim, sociedade
começou dar mais importância às letras. Logo, a imprensa começa a se institucionalizar como
um aparato que fornece as informações e possibilitava as discussões à respeito da realidade.
Neste momento da história, as discussões nos salões e nos cafés eram arbitradas
pelos jornais. Os artigos e textos ofereciam um importante apoio para a construção da opinião
dos participantes. Porém, as assertivas de especialistas não possuíam o caráter de verdades
absolutas. Ao cidadão comum não era vetado o direito de expor livremente suas
considerações, mesmo que estas porventura viessem a contradizer as hipóteses levantadas por
indivíduos de capacidade incontestável. Em um processo de argumentação livre, todas as
formulações têm de passar pelo teste de verificação de sua veracidade.
No início do século XX o jornalismo começou a ganhar um caráter industrial.
Foram então inventadas as técnicas de apuração, tratamento e apresentação dos fatos
inspiradas em procedimentos das ciências exatas. Essas técnicas ajudaram a distinguir o
jornalismo das outras formas de comunicação: a ficção, a publicidade, o discurso dos púlpitos
e tribunas etc. Adotadas em toda parte, senão como procedimento, ao menos como objetivo e
modelo, abriram o caminho para algo que viria bem mais tarde, com o avanço dos processos
de transporte, armazenamento e recuperação de dados: a era da informação.
Com o positivismo, o jornalismo passou a ser visto e teorizado como um valor
universal. Desta maneira, esta nova metodologia disseminou a ideia de que a subjetividade
jornalística e tudo que lhe dissesse respeito estariam condenados a ser considerados
irracionais ou negativos.
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“Surge, assim, com o positivismo, a distinção entre o fato e o juízo de valor, entre o
real e a valoração humana do real e entre o acontecimento a ser estudado e a opinião.
(...) Deriva daí a distinção que hoje fazemos entre jornalismo opinativo e
informativo” (BARROS FILHO, 2003, p. 22).
Baseado na crença de uma fronteira entre opinião e notícia, foram desenvolvidas, a
partir de então, técnicas de estilo impessoal, caracterizado pela ausência de qualificativos e
pela ocultação do jornalista por meio da atribuição da informação às fontes e da crença de que
a apresentação das partes e o uso das aspas assegurariam a imparcialidade jornalística.
Fundamentado no positivismo, o jornalismo passou a reivindicar uma posição blindada a
questionamentos, respaldando-se na idealizadamente desinteressada representação simbólica
construída da realidade.
Até mesmo as relações sujeito/objeto passam a ser vistas como tipos ideais
inseridos na ação jornalística. “A objetividade tem a ver com a relação que se estabelece entre
sujeito e observador e objeto observável (a realidade externa ao sujeito ou externalizada por
ele), no momento do conhecimento” (ABRAMO, 2003, pag. 39)
A partir deste ponto, a chamada “objetividade” começou a dominar variadas
esferas da ação jornalística e a ser entendida como critério para uma série de nuances. Sob a
intenção de tentar formalizar o jornalismo enquanto ciência, a primeira medida a ser tomada
foi separar o jornalismo e a imprensa em categorias. “As classificações dos gêneros
jornalísticos mais conhecidas na área acadêmica têm obedecido ao mito da separação entre
fato e opinião”. (PELLEGRINI, 1999, p. 40)
De certa forma, o jornalista, que na época do Iluminismo era direcionado por sua
capacidade de observação e individualidade, começou a ser visto como uma forma de
máquina direcionada para a fiel tradução da realidade. Os meios de comunicação passaram a
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ser denominados em duas vertentes: os que mostram a “verdade” e os que a manipulam.
Então, estavam abertas as portas para aqueles que se denominariam senhores da verdade e
críticos de padrões “errados” de jornalismo.
O princípio de alcance da verdade passou, assim, a ser visto não como uma
possibilidade, ou impossibilidade, do jornalismo, mas como uma característica, a priori, da
prática que deve ser seguida pelo profissional.
5. Hayek e Nietzsche: a guerra contra a verdade do rebanho
No decorrer da história, após as vitórias alcançadas pelo Iluminismo, o curso da
civilização tomou um rumo inesperado. O fato é que a sociedade foi se afastando
progressivamente das ideias básicas de liberdade individual desenvolvidas pelos iluministas.
Foi-se aos poucos abandonando a liberdade e marchando em direção a conceitos coletivistas.
O individualismo passou a ter uma conotação negativa associada ao egoísmo. Para
Friedrich Von Hayek, esta concepção é errada “Na realidade, o individualismo tem como
característica especial o respeito pelo ser humano e o reconhecimento da supremacia das suas
preferências e opiniões”. (HAYEK, 1944, P. 15)
Durante todo o período moderno da história, a tendência geral do desenvolvimento
era libertar o indivíduo das restrições que o mantinham sujeito a padrões determinados pelo
costume ou pela autoridade no que dizia respeito às suas atividades ordinárias.
A consequência foi uma completa inversão de rumo, um completo abandono da
tradição individualista que criou a civilização ocidental. Assim iniciou-se o retorno do ser
humano para o paradigma de que as individualidades devem ser sujeitas a algum tipo de prédeterminação concedida pelo “universal”.
Em “Verdade e Mentira no Sentido Extramoral”, de 1873, Nietzsche tratou a
verdade e este caráter “universal” de forma ampla, abordando ao mesmo tempo a ciência e a
arte numa disputa em que ele chama atenção para o caráter desesperador da verdade da
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ciência e para a natureza redentora da arte: a verdade aniquila a vida e a tarefa da arte é salvála.
O problema em questão é a idolatria ao “poder intelectual do homem”.
Acreditamos no poder deste intelecto como algo inerente e determinante da própria natureza.
Isto, segundo o filósofo, não passa de uma criação do próprio homem.
Em Nietzsche, toda esta situação deriva do “pathos da verdade” . Um estado de
ânimo produzido por uma situação de desvalimento característica da condição humana: o
homem como animal efêmero e iludido. Foi este pathos que alimentou especialmente a
vaidade e a soberba da humanidade; que o afastou do mundo real e do tempo presente, para
colocá-lo no plano da eternidade e da universalidade.
“O conceito faz nascer a idéia de que haveria na natureza, independentemente das
folhas particulares, algo como a .folha., algo como uma forma primordial, segundo a
qual todas as folhas teriam sido tecidas, desenhadas, cortadas, coloridas, pregueadas,
pintadas, mas por mãos tão inábeis que nenhum exemplar teria saído tão adequado
ou fiel, de modo a ser uma cópia em conformidade com o original” (NIETZSCHE,
2005, P. 56)
Mas, qual seria a origem desta crença na verdade? Qual seria a origem da oposição
de verdade e mentira? Nietzsche responde: a verdade e a mentira são construções que
decorrem da vida no rebanho e da linguagem que lhe corresponde. O homem do rebanho
chama de verdade aquilo que o conserva no rebanho e chama de mentira aquilo que o ameaça
ou exclui do rebanho.
Assim, os gestos, as palavras e os discursos que manifestem uma experiência
individual própria em oposição ao rebanho, ou não são compreendidos ou trazem mesmo
perigo para aqueles que assim se mostrem. Portanto, em primeiro lugar, a verdade é a verdade
do rebanho.
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6. A impossibilidade da verdade jornalística
A matéria ou objeto de trabalho da Imprensa é a informação ou a notícia. Com o
crescimento da lógica coletivista em vários ramos da sociedade contemporânea, passou-se a
pregar, dentro do jornalismo, alguns pré–requisitos da imprensa e do jornalista. O que, para
chaparro (1998) foi uma maneira de dogmatizar o paradigma da objetividade levando o leitor
a crer em um noticiário “purificado”.
A objetividade, como visto anteriormente, foi vista durante muito tempo como a
capacidade da racional apreensão da realidade e sua codificação em termos concretos. Já a
imparcialidade exige o alheamento, de maneira a não distorcer a ocorrência, ou pintá-la com
as cores de sua visão pessoal. O problema nesta gama de conceitos é que eles não levam em
consideração a produção ativa do jornalista, as técnicas individuais e até das diferentes
conotações e padrões da informação.
O fato nunca poderá ser reproduzido além de uma figuração simbólica. E a parcela
do acontecimento sempre será sujeita a uma série de determinantes. Seja ele um
acontecimento que tenha uma quantidade de interesse público, dramaticidade, humor ou
inusitado.
Uma forma de tentar estruturar o discurso jornalístico é a divisão em categorias
diferenciadas. A objetividade e a imparcialidade também não se sustentam enquanto
conceitos. Afinal, os filtros que orientam o jornalista, ou repórter, vão desde a tomada de
decisão até posições ideológicos e, até mesmo, inconscientes. Nesse sentido vale considerar
que:
“Os esforços em limitar a subjetividade e tornar a realidade autonoma em relação ao
sujeito, cabendo a ele somente a tarefa de reproduzir o fato como aconteceu, é
impedir a consolidação do processo de conhecimento e estirpar qualquer
possibilidade de existência do jornalismo” (PELLEGRINI, 1999, p. 42)
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É fato histórico que a imprensa nasce como panfletagem, misto de literatura e
política. O jornalismo cumpria a missão de atuar em favor de causas próprias, e quem criava o
seu jornal, abria um canal de interação entre os que compartilhavam de suas convicções. O
afastamento da subjetividade impede esta tarefa e reduz o jornalismo a mero relatório. Assim,
“A visão ingênua de que a atividade periodística deve se pautar pela objetividade retira do
jornalismo o caráter de forma de conhecimento, por que coincide com a própria apreensão do
mundo realizada pelo senso comum”. (PELLEGRINI, 1999, p. 43)
O que acontece com esta tentativa de normatizar o jornalismo é a quebra de sua
principal característica: a liberdade individual. Com isso, acaba-se por tentar transformar o
profissional em mero espectador da realidade.
Neste momento, jornalistas que se negam a seguir os “manuais” são
marginalizados, assim como Sócrates e Galileu foram em suas épocas. Nessa discussão,
Pellegrini (1999) percebe que os jornalistas não são simples observadores passivos da
realidade, mas participantes ativos no seu processo de construção.
7. O Jornalista enquanto narrador: a saída de Walter Benjamin
Walter Benjamin criticou a maneira como o jornalismo se enveredou em uma
cruzada “científica e formal”. Na obra O Narrador, o filósofo enaltece a falta de experiência
que invadiu o seio jornalístico. Segundo Benjamin, esse fenômeno não só afeta a qualidade do
jornalismo, mas prejudica toda a sociedade. “Uma das causas desse fenômeno é óbvia: as
ações da experiência estão em baixa, e tudo indica que continuarão caindo até que seu valor
desapareça de todo. Basta olharmos um jornal para percebermos que seu nível está mais baixo
que nunca”. (BENJAMIN, 1994, p. 198)
Para o autor, a mensagem começa a ser o fim de si mesma. Não importa mais o
conteúdo enquanto aprendizado ou lição, apenas a narração pobre. Na medida em que
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fundamenta sua crítica, Benjamin aponta alguns determinantes para a perda do caráter
subjetivo das narrativas.
Assim, o fundamento das narrativas bem-estruturadas passa a tornar-se mero
relatório do que seria a “coisa em si”. Mais uma vez se observa o distanciamento do sujeito
em direção a uma planificação, a uma generalização de algo que pode ter o mesmo valor para
todos e encarado com requintes de formalidade científica.
Em Benjamin, a massificação da informação gerou um império dentro do próprio
ato de comunicar. O homem deixou de lado toda a subjetividade e encarou a informação
como algo que retrata o mundo. Não interessava mais o ponto de vista e nem a liberdade
individual e outras características antes tão difundidas. Com a era da informação, o homem e
sua experiência foram mais distanciadas ainda das narrativas.
Hoje em dia o fato deve ser formulado e empregado a partir de técnicas impessoais
com o único intuito de abreviar. Aqui nota-se uma grande influência do que Nietzsche
chamou de pathos da verdade. A notícia, dentro do processo de comunicação, transformou-se
numa abreviação da própria vida.
“Assistimos em nossos dias ao nascimento da short story, que se emancipou da
tradição oral e não mais permite essa lenta superposição de camadas finas e
translúcidas, que representa a melhor imagem do processo pelo qual a narrativa
perfeita vem à luz do dia, como coroamento das várias camadas constituídas pelas
narrações sucessivas. (BENJAMIN, 1994, p. 206)
Benjamin dá os critérios do que poderia ser uma imprensa mais livre, onde os
modelos prontos e as regras estipuladas que massacram a experiência individual e a ela se
opõe enquanto “verdade” ou “veracidade” seriam abolidos.
8. Conclusão
Os excessos da racionalização, da universalização, da homogeneização, ou seja, do
caráter apolíneo dentro do discurso jornalístico foram danosos para o próprio jornalismo.
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Vivemos tempos de vacância intelectual e de impropridade discursiva. Jornais, revistas,
telejornais e radiojornais foram dominados pela técnica e sufocaram gradativamente a ação
dos sujeitos.
Nietzsche e tantos outros destruiram todas as certezas imediatas, desafiando ao
perigo da instabilidade, da insegurança, das possibilidades inúmeras cabíveis ao domínio da
interpretação. Ao superar a idolatria da verdade, eles afirmaram que o processo de
conhecimento não é um refém da objetividade. E isso também se emprega a imprensa.
As adequações possíveis entre a realidade (o fato) e sua representação (a notícia)
foram questionadas e a superação deste paradigma de não-contradição foi alcançada.
A circulação em qualquer direção é possível e os fenômenos que se refletem na
interação não devem ser vistos como um desvio de método, mas como uma característica
inerente da própria liberdade de expressão, matéria-prima da qual é feita toda a base da
imprensa
Ora, se a imprensa é reflexo do cotidiano, é óbvio permitir que os próprios atores
da imprensa manifestem seu conhecimento. O que toca ao trabalho desenvolvido, a esta altura
já não é mais o julgamento ou mesmo a investigação da verdade singular, mas a narração de
diferentes perspectivas. Algo como uma moderação que vai além da técnica, que extrapola os
limites da linguagem jornalística, um direcionamento capaz de promover o debate, de causar
desequilíbrios tão necessários para o desenvolvimento do entendimento. E isso não significa o
prevalecimento de Dionísio sobre Apólo, mas o devir entre essas duas caracteríticas dentro do
próprio jornalismo. Afinal, é claro que o jornalismo deve obedecer a critérios, mas estes não
podem ser alheios à interpretação do sujeito.
Ao permitir o entedimento de realidades particulares e plurais, a imprensa
orientada não se impõe como uma anunciadora de outras verdades, o que invalida o
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argumento de contradição. Não está se tratando apenas de uma quebra do modo de fazer
jornalismo, mas de concebê-lo em um tipo de dialética social.
A concepção de jornalista enquanto narrador apresentada por Benjamin requer
uma reconfiguração do cenário noticioso – da parte de quem faz, de quem lê, do que é e para
que serve a notícia. Inserida em um constante devir, a imprensa deve chamar para si a tarefa
desequilibradora de promover o debate, de incitar à reflexão, de abrir espaços e provocar
questionamentos de ordem intelectual. Esta reconfiguração alinha-se à pluralidade de vozes e
olhares inerente ao ambiente de liberdade proposto por Habermas em sua teoria à respeito da
esfera pública.
A liberdade absoluta de fluxo de informação posiciona o jornalista em um terreno
movediço. Ao invés de pensar-se em anulação, propõe-se a recriação. Ao contrário de
produtor de conteúdo, acredita-se no jornalista enquanto narrador de um processo
comunicacional muito mais complexo do que o praticado tradicionalmente. A partir do
momento em que o jornalismo vira narração comum a todos os jornalistas, ela perde seu valor
enquanto ação, pois perde o caráter libertário que serviu de base para a sua criação. O que é
necessário, antes de mais nada, é entender que a imprensa já não é mais um território feudal,
que a objetividade depende daquilo que repudia – a diversidade de olhares –, que o jornalismo
imparcial é impossível e que se há uma realidade, ela é construída pelo olhar de cada um.
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CAMBIASSU – EDIÇÃO ELETRÔNICA
Revista Científica do Departamento de Comunicação Social da
Universidade Federal do Maranhão - UFMA - ISSN 2176 - 5111
São Luís - MA, Jan/Dez de 2009 - Ano XIX - Nº 5 – Vol. II
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