FILEArtigo DN

Transcrição

FILEArtigo DN
Segunda-feira _28 de julho de 2014. Diário de Notícias
GLOBO
21
Cr istãos m esm o ‘m ade in Korea’
Religiã o. Sul-corean os são célebres por darem gran de n úm ero de m ission ários tan to ao catolicism o com o às várias
igrejas p rotestan tes. Um fervor religioso que resulta de o cristian ism o n o país n ão ter sido im posto por colon izadores
LEONÍ D IO PAU LO FERREI RA,
e m Se u l
É sentado n o chão que Pedro Louro celebra a
m issa, ou não estivesse no Oriente. E fá-lo em
coreano, lín gua que o m issionário ribatejano
apren deu durante os 14 an os passados já n o
país. São dú zia e m eia os fiéis católicos à sua
volta, só m u lh eres, n um a capela quase sem
decoração, ap en as u m a foto do beato Allam ano e a im agem da Senhora da Consolata.
O p adre p ortuguês vive n a sede dos Mission ários da Con solata em Yeokok, na diocese de In cheon. É hábito ser ch am ado a celebrar m issa em igrejas das vizinhanças sem pre
qu e u m sacerd ote adoece. “Nessa altu ra é
m ais gen te. Tam bém hom ens, claro”, diz Pedro Louro, que se confessa ainda surpreendido pela força do cristianism o na Coreia do Sul.
Yeokok fica a m eia hora de m etro do cen tro de Seul. E o coração da capital é o m ais óbvio testem u n h o da tal p u jan ça cristã n este
p aís asiático. En tre os arran h a-céu s com
ecrãs gigan tes da Sam sun g e da LG n o top o
qu e p assam pu blicidade ou vídeos de Psy e
ou tras estrelas d o K-p op, con segu e ver-se
cruzes. Dezen as e dezen as delas, quando se
com eça a contar. Algum as católicas, com o a
da catedral de Myeong-don g, outras protestantes, m uitas de igrejas vindas da Am érica.
Até os je ovás têm aq u i p resen ça ativa,
m esm o que o “m ilhão” de fiéis reclam ado na
baixa de Seu l por um jovem que distribui folhetos em corean o e in glês só possa ser exagero. Tan to m ais que o p acifism o dasTestem un h as é com plicado n u m p aís de serviço
m ilitar obrigatório e desde 1953 com tratado
de paz por assin ar com a Coreia do Norte.
Por estes dias, nota-se especial entusiasm o
dos católicos, pois Fran cisco vai visitar o país
em agosto, o segun do Papa a p ôr os p és em
terra corean a. Há igrejas que exibem cartazes
a desejar as boas-vindas. E nas escadarias que
dão acesso à cated ral faz-se obras qu e u m
operário qu e descarrega m aterial de um cam ião diz ach ar “serem p or cau sa d o Pap a”.
Con struída de tijolo averm elhado, de estilo
gótico, Myeong-dong data de finais do século XIX, quan do os católicos deixaram de
ser p ersegu id os e gan h avam n ovas
sim p atias. An tes foi u m tem p o de
perseguições e por isso FrancisFreir a s corea n as n u m a
ora çã o p ela p a z
n a p en ín su la
Mais d e u m qu in to dos su l-corean os con tin u am a declarar-se b u d istas e são m u itos os tem p los. As Testem u n h as de Jeová p rocu ram
atrair cren tes en tre os segu id ores do p rotestan tism o. O p or tu gu ês Pedro Lou ro, m ission ário d a Con solata em Yeokok, p er to de Seu l
co irá beatificar um a centena de m ártires, seguindo o exem plo de João Paulo II em 1984.
“A Coreia é caso ún ico n a Ásia. Não foram
os estran geiros qu e trou xeram o cristian ism o, com o n as Filipin as. Foram os p róprios
corean os que o in troduziram no país a partir
da China”, explica Pedro Louro. Tudo terá com eçado com a ida de estudiosos à corte em
Pequim , que con tactaram com os jesuítas e
se in teressaram pela “filosofia ocidental”.
Um santo chamado André Kim Taegon
Apartir do século XVIII, surgiram os prim eiros coreanos a con siderar-se a si m esm o católicos, n ão tardan do a suscitar a an im osidade d os m on arcas Joseon (ou Chosun ), sen h ores d a Coreia d esd e 1392 e qu e tin h am
im p osto à sociedade o con fu cion ism o. Em
1846 foi m artirizado o prim eiro padre, André
Kim Taegon, que tin ha ligações com m ission ários fran ceses e p assagem p or u m sem in ário d e Macau. Hoje é um san to.
Mesm o sendo sobretudo um código ético,
o confucionism o tinha substituído
com o culto oficial o budism o,
chegado à península no século IV, tal com o este ofuscara antes o xam anism o,
a religião origin al dos coreanos, povo com origem na Sibéria, com o o prova o facto de a
lín gua nada ter que ver com o chinês e o japonês. “Hoje o confucionism o sente-se sobretudo n o resp eito p elos m ais velh os e n o gosto
pelo estudo”, nota um jornalista britânico, velho conhecedor do país. Acoreana Bora Kim ,
qu e trabalha no turism o de Seul, tam bém sublinha este tipo de valores com o parte da sua
identidade, m as atribui-os a ser protestan te.
Sublinha diferenças, com o a fam ília, cristã há
qu atro gerações, n ão praticar o jesa , o culto
dos antepassados. E faz um grande elogio dos
m ission ários que, depois da Guerra de 1950-1953, vieram para a Coreia do Sul ajudar a recon struir o país, criando hospitais e escolas.
“O m eu avô contactou m uito com eles. E houve um que o en sin ou a usar m arionetas para
explicar a m ensagem cristã aos m ais novos.”
Foi a m orte de u m a dezen a de m ission ários franceses que levou à abertura da Coreia
n o fin al do século XIX, pois a França e outras
potên cias ociden tais am eaçaram com um a
in terven ção m ilitar contra o cham ado reino
erem ita. Ganharam com isso os católicos e tam b ém os p ion eiros
protestantes, m as a fraqueza da
dinastia Joseon deixava já adivin har a form a com o cederia
pouco dep ois à colon ização
jap o n esa, q u e só
term in ou em
1945.
Na Coreia do Norte calcu la-se qu e existam igrejas su b terrân eas, q u e aju d am os
cren tes a segu ir a su a fé ap esar da d in astia
d os Kim ser ateia. No Su l, on d e m etad e da
p op u lação se assum e com o n ão cren te, há
22,8% de bu distas, 18,3% de p rotestan tes e
10,9% de católicos, segu n d o as estatísticas
oficiais. Nas elites econ óm icas, os p rotestan tes estarão bem rep resen tados, com o se
a tese da ética protestan te e o espírito cap italista aju d assem tam b ém a exp licar a Coreia do Sul com o 15.ª econ om ia m u n dial.
Mas a m ultiplicidade de igrejas leva tam bém a que algun s abusem da liberdade religiosa, com o se suspeita ser o caso da Seita da
Salvação ligada ao proprietário do ferry que
se afun dou em ab ril cau san d o 300 m ortes.
“É u m gru p o q u e n ão é recon h ecid o p elo
Con selho das Igrejas”, n ota o padre Pedro.
Quanto aos católicos, beneficiam do prestígio da an tiguidade e contam com seguidores influen tes. Sabe-se que a Presidente Park
Geun-Hye foi batizada e que num a ida a Portugal visitou Fátim a. Mas o grande m otivo de
orgulho para a igreja sul-coreana é o papel na
defesa dos direitos h u m an os, quan do até à
década de 1980 havia um a ditadura m ilitar.
Nessa época, Myeong-don g foi refúgio para
m uitos com batentes pela dem ocracia.
DN viajou a convite
da Associação de Jornalistas da Coreia
REUTERS

Documentos relacionados