em pdf - Itaú Personnalité

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em pdf - Itaú Personnalité
Revista do Itaú Personnalité no 18 | março de 2012 | Ano 5
PERSONNALITÉ
claudio edinger
claudio edinger | ramon de paula | telma sobolh | gilvan samico
“Sou um escritor.
Busco fazer fotografia
como poesia da luz”
ramon de paula
telma sobolh
gilvan samico
exemplar distribuído nas
agências personnalité
nesta edição: claudio edinger |
Severino Ramos | Maurício
ria | ramon de paula | Tainá
Bodanzky | Marcos Prado |
Vargas | Guilherme Toldo |
pector | Gilvan Samico | Aria
| Iris Helena | João Castilho
taruk | Fernanda Feitosa
zières | Santiago Calatrava |
ger | Norman Foster | Renata
Maria Raduan | João Miguel
| Daniel Benevides | Ricardo
naldo Bressane | Fabio Bri
Starling | Eduardo Styjer |
roz | Felipe Gombossy | Lia
no | Marcelo Correa | Marlos
Dabul | Victor Affaro | josé
plínio Fróes | Juan Tuñas Souto |
Gouveia | José Machado GlóMüller | Cacá Diegues | Laís
Luiz Zanin | Thiago Bráz | Ana
Telma Sobolh | Clarice Lisno Suassuna | Berna Reale
| Virgílio Neto | Romy Rocz| Zaha Hadid | Philippe MaFrank O. Gehry | Richard RoVanzetto | Mariana Aydar |
| Didi Wagner | Adriana Setti
Calil | Rafael Garcia | Rosolla | Mario Gioia | Cássio
Milly Lacombe | Rosane QueiLubambo | Lorenzo GiordaBakker | Nelson Mello | Ra fael
bento | Veridiana Scarpelli
EDITORIAL
A
lguém já disse que viver é uma arte – e esta edição que
você tem em mãos (seja impressa, seja no iPad) transpira arte da melhor qualidade. Nossa primeira revista do ano
conseguiu reunir fotos de Claudio Edinger enquadradas no
sertão da Bahia e as obras de Gilvan Samico, um dos principais artistas vivos do país. Cercado por suas xilogravuras no
casarão antigo onde vive, em Olinda, Samico, que tem fama
de não falar muito com a imprensa, ficou das três da tarde
às dez da noite revelando suas histórias para a dupla de reportagem da Revista Personnalité. A edição traz ainda uma
matéria sobre o resultado do garimpo dos curadores do programa Rumos, que seleciona um time de promessas da arte
nacional nas cinco regiões do Brasil.
Fechando os quatro personagens principais da edição,
fomos para Washington fotografar e entrevistar o engenheiro
Ramon de Paula, que trabalha na Nasa e é um dos responsáveis pelas missões espaciais em Marte. Em Paraisópolis, na
zona sul de São Paulo, acompanhamos a rotina da pedagoga
Telma Sobolh, que há 16 anos dirige o grupo de voluntários
do hospital Albert Einstein e vem mudando para melhor a
qualidade de vida da comunidade.
A satisfação de reunir esse eclético quarteto e investir em
outras reportagens – como a que fizemos no norte da Espanha,
listando as vinícolas que possuem construções assinadas pelos
mais badalados arquitetos do mundo – fica ainda maior com os
desdobramentos possíveis no site itaupersonnalite.com.br/revista, no iPad (baixe gratuitamente o aplicativo na Apple Store)
e na fan page no Facebook em facebook.com/revistapersonnalite. Nesses meios, você encontrará novas e mais amplas seleções
de fotos, vídeos exclusivos e uma interação que só os canais
digitais permitem.
Um abraço e boa leitura!
Andre Sapoznik
Itaú Personnalité
obra do artista pernambucano gilvan samico,
um dos quatro personagens principais desta edição:
A chave de ouro do reino do vai-não-volta (1969)
Colaboradores
Colaboradores
Natural de Besançon, uma pequena cidade no
interior da França, Daniel Benevides formouse em arquitetura pela USP, já teve uma banda
de rock, foi VJ, redator e atualmente é editor de
comunicação da editora Cosac Naify. Entre os
projetos futuros estão: plantar uma árvore, escrever
um livro e ter outro filho – ele já é pai de Maria,
16 anos. Nesta edição, escreveu sobre o fotógrafo
Claudio Edinger. “Nem parecia entrevista, mas um
encontro com um velho amigo.”
Após estudar fotografia, pintura, desenho e
história da arte em Florença e em Los Angeles, o
carioca Marlos Bakker voltou ao Brasil e abriu
seu próprio estúdio, em São Paulo. Nos últimos 15
anos, fotografou para diversas revistas e agências
de publicidade, além de projetos pessoais, como
o “Não perturbe”, em que ele vem, há dois anos,
retratando pessoas dormindo em suas casas.
Nesta edição, foi o responsável por fotografar a
pedagoga Telma Sobolh. “Ela foi extremamente
gentil e fácil de trabalhar.”
O pesquisador de audiovisual e crítico de cinema
Cássio Starling já foi editor do Mais! e da
Ilustrada. Formado em filosofia, o mineiro mora em
São Paulo há 18 anos e atualmente se dedica a uma
mostra sobre o cineasta Douglas Sirk, que passará
por São Paulo, Rio de Janeiro e Brasília. Para a
Revista Personnalité ele mergulhou no universo
de Clarice Lispector. “Li seus principais romances
quando era jovem, mas só agora enxerguei, sob o
mito literário, a mulher que descobriu na escrita um
modo de reencantar o mundo.”
Formada em arquitetura e urbanismo pela
USP, a paulistana Veridiana Scarpelli
desenhava móveis e objetos antes de se dedicar
exclusivamente à ilustração. Hoje, aos 33 anos,
ela prepara seu primeiro livro, uma publicação
só de imagens cujo personagem principal é um
porquinho. Nesta edição, fez a arte da matéria
sobre Clarice Lispector. “Ela é uma daquelas
pessoas que têm várias camadas, oferecem
diversas leituras, instigam. Foram essas muitas
facetas que nortearam minhas ilustrações.”
Com quatro livros no currículo, Milly Lacombe
está focada na biografia da deputada Mara
Gabrilli. Carioca, trocou a praia por Sampa aos 10
anos e, antes de abraçar a carreira de escritora,
passou pelas redações da Trip, do Portal Terra,
da Marie Claire, do SportTv e da Record. Nesta
edição, escreveu o perfil de Telma Sobolh, chefe
do Voluntariado do Hospital Albert Einsten. “Telma
é desses seres humanos cuja jornada acaba por
inspirar e emocionar. Entrevistá-la foi comovente.”
de cima para baixo: arquivo pessoal / arquivo pessoal / arquivo pessoal / arquivo pessoal
Há três anos, Lia Lubambo saiu do Brasil e foi
para Nova York estudar fotografia. Agora, de
volta a Recife, sua cidade natal, investe em uma
agência. Formada em jornalismo, se entregou
às câmeras ainda na faculdade e hoje tem na
gaveta o projeto de um livro com personalidades
pernambucanas. Nesta edição, foi a responsável
pelas fotos do gravurista Gilvan Samico.
“Fotografá-lo foi de uma alegria indescritível:
ele nos recebeu de forma muito carinhosa,
mostrando todos os cantinhos do seu sobrado.”
De cima para baixo: arquivo pessoal / Arquivo pessoal / arquivo pessoal / arquivo pessoal
Há 12 anos, a paulistana Adriana Setti trocou
São Paulo por Barcelona. Desde então colabora com
diversos veículos brasileiros e chegou a escrever o
livro Mala e cuia, um guia para quem quer morar na
Europa. Sua meta de vida é passar cinco meses por
ano viajando, algo que já vem cumprindo há meia
década. Nesta edição, ela escreveu a matéria sobre
vinícolas de design. “É uma coletânea de lugares e
impressões que acumulei ao longo de várias viagens
pelo norte da Espanha.”
Crítico de cinema da Folha de S.Paulo, Ricardo
Calil já passou pelas redações do Jornal da Tarde,
Gazeta Mercantil, StarMedia, iBest e UOL. Orgulhoso
pai de Teresa e Julieta, há dois anos dirigiu seu
próprio documentário, Uma noite em 67, em
parceria com o amigo Renato Terra. Nesta edição,
escreveu sobre os cinco melhores filmes de ficção
científica da história. “Fazer a matéria foi um prazer,
porque conversei sobre cinema, meu assunto
preferido, com cinco pessoas que admiro muito.”
expediente
Editor Paulo Lima Diretor Superintendente Carlos Sarli Diretor
Editorial Fernando Luna Diretora de Criação Ciça Pinheiro Diretora
de Criação Adjunta Micheline Alves Diretora Comercial Isabel
Borba Diretora de Eventos e Projetos Especiais Proprietários
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Desenvolvimento de Negócios Adriana Naves Diretor Financeiro
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de Barros Projeto Gráfico e Direção de Arte Elizabeth Slamek
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Especiais Renata Vieira Assistente de Publicidade Nathália
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Nunez Estagiário Ivanildo Ferreira Colaboraram nesta edição
Adriana Setti, Cássio Starling, Daniel Benevides, Eduardo Styjer,
Fabio Brisolla, Milly Lacombe, Mario Gioia, Rafael F. Garcia, Ricardo
Calil, Ronaldo Bressane e Rosane Queiroz (texto) Claudio Edinger,
Felipe Gombossy, Lia Lubambo, Lorenzo Giordano, Marcelo
Correa, Marlos Bakker, Nelson Mello, Rafael Dabul e Victor Affaro
(fotos) Veridiana Scarpelli (ilustração) Ana Hora e Mariana Haddad
(produção) Comitê Itaú responsável por esta edição Fernando
Chacon, André Sapoznik, Cristiane Portella, Danielle Sardenberg,
Ligia Benavente e Mariana Couto de Arruda Colaboradores
Fernando Rodrigues, Marcello Barcelos, Maria Pestana e Mariana
Salles – DPZ Propaganda
Capa Claudio Edinger fotografado por Ana Edinger
Revista Personnalité é uma publicação trimestral da Trip Editora
e Propaganda em parceria com o Itaú Personnalité. Endereço para
Correspondência: rua Cônego Eugênio Leite, 767, 05414-012,
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A Trip Editora, cons­ci­en­te das questões am­bi­en­tais e sociais,
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de Custódia – FSC
cá entre nós
cá entre nós
cá entre nós
viagem, gastronomia e cultura – convidados especiais abrem suas preferências | Por Rosane Queiroz
_água na boca
Renata Vanzetto, chef
_trilha sonora
DANIEL DAIBEN, guitarrista e radialista
Aos 23 anos, Renata comemora dez de carreira. Chef do restaurante
Marakuthai, ela divide com a Revista Personnalité dicas e descobertas
Para a Revista Personnalité, Daniel rememora os artistas
e os álbuns que marcaram suas descobertas musicais
Com seu trio de jazz Hammond Grooves, que reúne guitarra, bateria e órgão,
Daniel Daiben leva aos palcos um repertório de soul e bossa, sempre com uma
sonoridade de jazz. O guitarrista relembra composições de norte-americanos
como Jimmy Smith, Wes Montgomery, George Benson, entre outros.
1
Renata tomou gosto pelas panelas por influência
da avó. E com ela aprendeu receitas como gemada,
bolo de fubá e brigadeiro. Nos anos 1990, aos
13 anos, ganhou seu primeiro emprego: fazer
entradinhas no restaurante aberto por sua mãe,
a decoradora Silvia Camargo, em Ilhabela. Aos 16
anos, Renata recebeu o prêmio de Melhor Chef de
Ilhabela. Foi conhecer outras culinárias. Estagiou na
França e na Espanha e voltou inspirada para abrir o
seu Marakuthai, primeiro em Ilhabela e, desde o ano
passado, também em São Paulo. Focada na cozinha
contemporânea, Renata montou um menu guiado
pelos sabores de vários países, entre eles Brasil e
França. Mas é o sabor tailandês que se faz presente
nos seus pratos. Conheça as preferências da jovem
chef, hoje com 23 anos.
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O Marakuthai faz parte do Menu
Personnalité, uma seleção de restaurantes
parceiros. Conheça quem faz parte desta lista:
www.itaupersonnalite.com.br/experiencia
> Gastronomia > Experiências Exclusivas >
Menu Personnalité
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3. “I Love it Loud”, Kiss
Anos 1980, e a TV anunciava a
vinda de uma banda com uns
caras maquiados: o Kiss! Foi meu
primeiro vinil de rock.
10
5. “Echoes”, Pink Floyd
Depois da pancadaria, veio
a calmaria. As músicas
intermináveis do Pink Floyd
tocaram meu coração.
7. “Killing in the Name”,
Rage Against the Machine
Em 1993 me mudei para São
Paulo para estudar rádio e TV e
logo já estava trabalhando na
89 FM (a antiga Rádio Rock).
Essa música me lembra a época.
6. “Amor”,
Secos e Molhados
O Pink Floyd me abriu o ouvido
para a música brasileira. Aos 19
anos, me apaixonei pelo primeiro
álbum dos Secos e Molhados.
8. “Green Onions”,
Booker-T and the Mg’s
Já em 1997 descobri o blues: a
dor da música negra, o som do
órgão Hammond e este grupo
de Memphis.
10
Limão! Adoro limão!
2. três ingredientes que nunca
faltam na sua cozinha
Limão, azeite e pimenta.
• Folha de limão – poucas pessoas usam, mas
tem um sabor incrível.
• Nam Pla – um molho de peixe tailandês que
pode substituir o sal.
• Capim-santo – erva bem brasileira que dá um
toque diferente ao prato.
9. “Hi Heel Sneakers”,
Jimmy Smith
Mergulhando no soul e no blues,
me encantei pelo jazz. Como eu
sentia mas não conseguia tocar,
decidi estudar pra valer. Na escola
Groove, entendi a música, o que
me levou a criar o programa Sala
dos professores, na Eldorado.
10. “Thunderwalk”,
George Benson
Aos 11 anos, quando assisti ao
Benson num programa, pensei:
“Ele canta tudo o que toca na
guitarra!”. Hoje, percebo que era o
contrário. Ele toca o que canta de
boca. É daí que vem o balanço.
seis perguntas:
1. O que dá água na boca
3. Quais são os temperos mágicos
5
4. “The Jack”, AC/DC
Quando tinha 13 anos, veio o
Rock in Rio 1 e eu fui impactado
por tudo. Mas uma banda falou
mais alto: o eterno AC/DC. Anos
depois descobri que AC/DC é
blues pesado.
4. A novidade gastronômica que
a surpreendeu
divulgação / wveridiana scarpelli
2. Trilha sonora da
novela Dancin’ Days
Ganhei de aniversário a trilha
sonora em 1978 e ela tinha
Chico Buarque (“João e Maria”),
Genesis (“Follow You, Follow
Me”) e o que eu chamava de “a
música do robô”, que era Dee D.
Jackson (“Automatic Lover”).
8
DANI COEN / divulgação
1. “Biquíni de Bolinha
Amarelinha”, Ronnie Cord
É a minha primeira lembrança
musical, tinha entre 3 e 4 anos
e passava todas as tardes na
casa de minha avó ouvindo os
compactos de minha tia.
Uma receita:
Lótus (Salada de macarrão de arroz)
Não foi uma coisa nova e, sim, uma velha: uma
máquina de sorvete antiga.
5. O seu acessório de cozinha no
momento
Estou apaixonada pelos pimenteiros elétricos
com luzinhas, iguais aos do chef Jamie Oliver.
6. Um livro de receitas
Escoffianas brasileiras, do Alex Atala.
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Ingredientes:
10 g de macarrão de arroz
10 g de repolho roxo picado bem fininho
30 g de peito de frango cortado em tiras e
puxado no azeite
1/5 de maço de agrião
suco de 1/2 limão
2 colheres de sopa de azeite extravirgem
1 colher de café de gengibre picado
1 colher de café de pimenta-dedo-de-moça picada
1 colher de sopa de gergelim branco
1 colher de sopa de gergelim preto
1 colher de sopa de castanha-de-caju picada
Modo de preparo:
Cozinhar o macarrão em água fervendo por
apenas 2 minutos. Lavar com água fria. Misturar
todos os ingredientes num bowl e temperar com
sal a gosto.
Prestígio | João Miguel
cá entre nós
Por Isabel de Barros
_
Mariana Aydar, cantora
sonhos
Apaixonada por Trancoso, na Bahia, onde tem casa desde pequena, Mariana
Aydar fala de sua passagem pela Bolívia e do desejo de conhecer Cabo Verde
_
Maria Raduan, documentarista
o filme da minha vida
A diretora Maria Raduan, que lança em abril o documentário Vale dos
esquecidos, fala sobre o filme Entre dois amores, de Sidney Pollack
Cena poderosa
“A clássica cena em que o casal [formado por Meryl Streep e Robert Redford]
sobrevoa em um monomotor amarelo a
savana africana. A trilha sonora do John
Barry é incrível.”
Momento guardado
“Estive na África em 2010, mais especificamente no Quênia, onde se passa o filme. Vi
a mesma natureza intocada que o [diretor]
Sidney Pollack mostrou. Esta foto minha é
com uma integrante da tribo que também
é mostrada no filme. Sonho que a natureza
sobreviva aos homens.”
a primeira vez
“Não me lembro exatamente quando foi a primeira vez que assisti a Entre dois amores, mas
eu devia ser bem pequena. Sei que desde então
assisto todos os anos. O filme é lindo, mostra uma
África intocada, selvagem. E um grande amor.”
12
_
No olho do furacão
O ator baiano João Miguel expressa, através do olhar
do diretor Glauber Rocha, sua paixão pelo cinema e pela vida
reprodução
próxima parada: CABO VERDE, 2013
“Quero muito conhecer Cabo Verde. Sou fã da música de
lá e gosto da cantora Mayra Andrade. Acho que nossos
países têm muitas semelhanças culturais. Já vi fotos lindas
da ilha e estou me programando pra conhecer em breve.”
divulgação / Alamy Other Images / Franck Guiziou/Getty Images / arquivo pessoal / divulgação / EVERETT COLLECTION GRUPO KEYSTONE / arquivo pessoal
jornada inesquecível: Bolívia, 2007
“Fui gravar meu segundo clipe no Salar de Uyuni, na Bolívia.
Foi uma aventura. Chegamos em La Paz, pegamos 12 horas de
ônibus a menos 15 graus. Vimos paisagens maravilhosas pelo
caminho e, ao chegar, era branco para todos os lados.”
“Cinema para mim é a captura do olhar
através do amor, da intimidade.” Assim
o ator João Miguel explica a escolha da
foto acima: não uma imagem do próprio,
mas dos olhos do cineasta Glauber Rocha (1939-1981) através da câmera de sua
ex-mulher, a também diretora Paula Gaitán. “É puro romance. A fotógrafa, apaixonada, captou o olhar do seu homem.”
A imagem foi um presente de Paula
para João, que a colocou em sua casa no
Rio. “Parece o olho de um bicho, de um
dragão. Traz urgência e delicadeza. É
muito cinematográfica”, diz o ator, acima
de tudo um admirador de Glauber. “Ele
teve a coragem de criar uma obra com
tamanha força estética que é discutida
dentro e fora do Brasil até hoje.”
Aos 42 anos, João se define como um
eterno buscador. Nascido em Salvador, é
ator desde criança, foi palhaço de circo
e se tornou um homem do teatro. Há
oito anos descobriu as telonas. “Vivo
intensamente os ciclos, com o cinema foi
assim”, diz ele, que hoje acumula 21 filmes, sendo o primeiro, Cinema, aspirinas
e urubus, do diretor Marcelo Gomes, em
2005. Pela atuação, João Miguel ganhou
o primeiro prêmio de Melhor Ator do
Festival do Rio.
Só este ano são três longas na fila
para o lançamento: Beira do caminho, de
Breno Silveira, A hora e a vez de Augusto
Matraga, de Vinícius Coimbra (vencedor
do Festival do Rio em 2011), e Xingu, de
Cao Hamburger, que chega ao circuito
foto dos olhos de glauber rocha pinçada por joão miguel
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nacional no dia 6 de abril. O filme parece
ter tocado fundo João, que quando falou
com a Revista Personnalité estava prestes
a voar para o parque para uma exibição
especial. “Foram três meses morando no
Centro-Oeste. Isso me interessa no cinema, esse deslocamento, o espaço coletivo, onde a interação é fundamental.”
No Parque Indígena do Xingu, a
maior reserva indígena do mundo,
João viu muito do povo brasileiro. O
riso, segundo ele, vem do índio. “Não
é exótico, é real. Nós somos um povo
misturado”, diz ele, que cita a urgência
de olhar para a nação como um todo.
E é com essa necessidade do olhar que
João segue a sua vida. “Sou ator porque sou apaixonado por gente.”
Por Daniel Benevides fotoS Claudio Edinger
Sertão
em
cores
O fotógrafo Claudio Edinger passou os últimos
sete anos enquadrando a vida e a fé no interior
da Bahia. “É o coração do Brasil, é o centro, meio
misteriosa e mística, o coração do coração”
as fotos desse ensaio são do livro de bom jesus a milagres de claudio edinger
14
15
Personnalité
Personnalité
claudio edinger
claudio edinger
20
Personnalité
S
e fosse preciso escolher duas palavras para definir
o fotógrafo Claudio Edinger, elas bem poderiam ser
jovialidade e transcendência. A explicação para a primeira
está na cara: longos cabelos loiros, olhos claros, vivos e
abertamente curiosos, um irredutível bigode gaulês e uma
expressão permanente de boas-vindas ao mundo. À primeira
vista, o fotógrafo nascido carioca, mas logo transformado
em paulistano, parece um simpático surfista da Califórnia,
ou um hippie bonachão, que acabou de sair de Woodstock.
De fato, Claudio morou na Califórnia nos anos 1980 e se
considera meio hippie mesmo, um feliz tocador de música
indiana no harmônio.
Cinco minutos de conversa depois, a segunda palavra
vai ganhando também sua explicação. Muito culto (cita
naturalmente, sem afetação nenhuma, Barthes, Susan
Sontag, Manoel de Barros, Cézanne...), Claudio, 13 livros
lançados, dezenas de exposições no Brasil e no exterior, 15
prêmios importantes e um romance no currículo (Um swami
no Rio, Annablume, 2009), não se limita a tirar grandes
fotos, mas é também um profundo pensador da fotografia
como expressão de busca do eu. “A fotografia te permite
o que mais nada te permite. Quando é forte, quando é pra
valer, a fotografia se aproxima da poesia, é absolutamente
transcendente. É como uma árvore – se a foto é boa, suas
flores não murcham. Assim, me considero um escritor,
procuro fazer fotografia como poesia da luz.”
Nessa busca, seu trabalho se transforma em algo raro
na fotografia brasileira, como lembra a fotógrafa Claudia
Jaguaribe. “Ele tem uma produção de cunho documental,
mas sempre muito envolvido, sempre algo que ele vivencia
profundamente – não há muita diferença entre sua vida e seu
trabalho, o que é bastante incomum no Brasil.” Prova desse
envolvimento é o livro De Bom Jesus a Milagres, que será
lançado em maio, quando o fotógrafo completa 60 anos, junto
com uma exposição no MIS, em São Paulo. Claudio passou os
últimos sete anos visitando o sertão da Bahia. Ele enquadrou
a rotina dos lugarejos entre Milagres e Bom Jesus da Lapa,
cidade banhada pelo São Francisco, a 796 quilômetros de
Salvador e com aproximadamente 67 mil habitantes. “Escolhi
essa região por ser determinante na cultura brasileira”,
comenta Claudio. “O que de melhor se escreveu no país veio
do sertão; não do litoral. É só pensar em Guimarães Rosa e
Euclides da Cunha.” O curador e fotógrafo Eder Chiodetto
destaca que o que chama sua atenção no estilo de Claudio é
22
claudio edinger
“não existem
respostas, só
perguntas.
acho que a
fotografia é
uma grande
pergunta”
a forma original com que ele resolve cada ensaio. “Ele busca
um novo conceito estético a cada nova empreitada. Foi assim
com as fotos que fez do Chelsea Hotel, os trabalhos Loucura
e Carnaval, e o ensaio sobre a cidade do Rio de Janeiro,
seu primeiro trabalho com o foco seletivo.” Já o marchand
Renato Magalhães Gouvêa, com quem o fotógrafo trabalha
há seis anos, aponta Claudio como um dos responsáveis pelo
aquecimento do mercado de fotografia no país. “Ele também
trouxe alguns dos melhores fotógrafos para expor aqui, como
o italiano Vitali e o cubano radicado nos Estados Unidos
Abelardo Morell.”
A importância da meditação
A imersão notada no trabalho recém-concluído na Bahia
é uma marca da produção de Claudio desde os primeiros
ensaios, feitos em Nova York, onde morou por 20 anos: viver
a fundo o assunto a ser fotografado, conhecer de dentro
a comunidade que quer apresentar em seus retratos. Foi
assim, por exemplo, com a segunda grande exposição que
montou, em 1978, no International Center of Photography,
sobre os judeus ortodoxos do Brooklyn nova-iorquino, com
os quais viveu por dois anos (a primeira foi sobre o Edifício
Martinelli, no Masp, em 1975). Seu primeiro livro, de 1983,
que ganhou elogio no The New York Times e recebeu a
Leica Medal of Excellence, em que retrata os excêntricos
habitantes do Chelsea, o mítico hotel, também foi feito
assim. “Passei três anos fotografando todo dia, de manhã
até a noite. Era como escrever um romance. O grande lance
é a edição. Eu ‘reli’ esse livro umas 25 vezes até publicar.
Quem medita tem essa coisa da tenacidade, da disciplina.
palco, por assim dizer. A maior carência deles é amor. Só 5%
recebe visitas regulares. Minha presença sempre foi muito
bem-vinda”.
Não dá pra ser artista de fim de semana. Morei cinco anos
lá. Assim que o Sid Vicious [baixista da banda punk Sex
Pistols] matou a namorada Nancy eu me mudei pra lá”,
conta, rindo, deixando claro que o sanguinário fait-divers
nada teve a ver com sua decisão.
A mencionada meditação é algo central em sua vida, assim
como a família. Seguidor do guru indiano Paramahansa
Yogananda desde que leu a Autobiografia de um iogue, ainda
bem jovem, ele é capaz de meditar por sete horas seguidas.
Já esteve na Índia três vezes, experiência que lhe rendeu
uma exposição. Outra grande experiência de vida foi a que
teve com a avó Mina. Judia da Letônia, ela salvou-se por
pouco dos campos de concentração nazistas.
No trem que a conduzia com os familiares e vizinhos ao
destino fatal, ela foi jogada pela janela e conseguiu escapar,
vindo refugiar-se no Brasil. Morando com a filha, Dascha,
mãe de Claudio, e o neto, ele próprio, no mesmo amplo
apartamento em que Claudio ainda vive, na rua Maranhão,
em São Paulo, muitos anos depois
ela desenvolveu Alzheimer. E foi
tentando lidar com aquela doença
que Edinger resolveu dar um passo
decisivo em sua carreira.
Viveu cerca de 20 dias em um
quarto de enfermeiro no Juqueri,
na época o maior centro de doentes
mentais da América Latina, com 3.500
internos. A inusitada convivência
resultou no livro mais ousado e
elogiado de sua carreira, Madness/
Loucura (1997). “Fiquei vários dias
em estado de choque. Via o pessoal
defecando na cama, comendo fezes,
acorrentado... Na Índia dizem que o
louco paga suas dívidas, seu carma,
sem adquirir novas. Enfim, são
crianças que nunca cresceram.”
Se a experiência humana foi um
aprendizado, o aspecto artístico
também foi marcante: “Foi um grande passo em direção ao
meu estilo. Foi muito pensado, deliberado. Pensei as fotos
com flash em pleno dia, com câmera quadrada. Usava filme
de grão fino, para poder ver o poro da pele da pessoa, o que
era muito importante. E o flash era para colocá-los num
O coração do brasil
Formado em economia no Mackenzie, o hoje solteiro Edinger,
não fumante e não bebedor (desde as experiências exageradas
na adolescência) se casou duas vezes: primeiro com a
fotógrafa americana Pamela Duffy e, depois, com a joalheira
Cristina Cunali, com quem teve sua única filha, aos 50 anos.
Ana, hoje com 8 anos, mudou muito sua visão – a capa do novo
livro é uma menina sentada num sofá. “Ela pegou o melhor
vestido dela e sentou assim desse jeito, é uma coisa mágica”,
conta. “O lugar conversa com você. Mas tem de ser um
negócio que acontece na hora, do contrário não sai.”
Ao falar de Andaraí, cidade de 14 mil habitantes, onde fez
muitas das fotos do último trabalho, poetiza: “É o coração
do Brasil, é o centro, meio misteriosa e mística, o coração
do coração, e tem muito a ver com meu
trabalho, pois fotografia é síntese.
E o foco seletivo que tenho usado
é uma síntese dentro da síntese, é a
nossa busca, a busca de todo artista, é
quando a gente tem visões da alma e
sabe quem a gente é de fato”.
O resultado não nega. Assim como
em outros trabalhos recentes, feitos em
Paris, Veneza e Rio, Edinger marca seu
estilo com o uso do foco seletivo, “uma
brincadeira com o real”, como diz. E
assim continua sua “busca incessante
da identidade e da transcendência”,
sempre se mantendo à margem do
mercado comercial, fazendo só o que
acredita e gosta, procurando o que
lhe desperta a sensibilidade de artista
e humanista. “O filósofo Francis
Bacon dizia que a função do artista
é aprofundar o mistério. É isso, não
existem respostas, só existem perguntas. A fotografia é uma
grande pergunta.”
Baixe a revista no iPad e assista
entrevista com Claudio Edinger
23
Por Fabio Brisolla, do Rio de Janeiro Fotos Marcelo Correa
Bar e Restaurante
Cosmopolita
Travessa do Mosqueira, 4
Sempre atrás da caixa registradora, o espanhol Juan Tuñas Souto disserta sobre o Filé
à Oswaldo Aranha, prato mais famoso de
seu estabelecimento. Segundo ele, na década de 1930, um cliente sempre pedia seu
filé-mignon grelhado decorado com alho fatiado e frito. A combinação acabou incorporada ao cardápio e o prato recebeu o nome
deste assíduo frequentador: o diplomata
Oswaldo Aranha (1894-1960), respeitado
político da época em que o Rio era a capital
da república e o Bar e Restaurante Cosmopolita, um ponto de pessoas influentes.
Localizada a poucos metros dos Arcos da
Lapa, a modesta casa de 90 lugares continua a funcionar no mesmo local e preserva
a atmosfera que a consagrou. “Quando
cheguei aqui, a Lapa não era esse tumulto”,
pondera Seu Juan, 73 anos, que desembarcou em solo carioca no ano de 1954. Nascido
em Santiago de Compostela, ele conheceu
Raymundo e Manuel Rodrigues Martinez,
que fundaram o Cosmopolita em 1926. Seu
Juan trabalhou na casa nos seus primeiros
dez anos no Brasil, como lavador de pratos
e garçom. Passou por outros restaurantes
e retornou como sócio em 1999. Em 2011, a
tradicional casa recebeu reconhecimento
oficial: o prefeito do Rio, Eduardo Paes,
assinou um decreto que conferiu a 12 botequins o título de Patrimônio Cultural Carioca, incluindo na lista o Cosmopolita.
Chega
de saudade
Sobreviventes de uma época em que o
Rio de Janeiro era a capital do Brasil,
cinco endereços tradicionais da cidade
abrem suas portas para o passado – e
fazem sucesso no presente
25
o espanhol juan tuñas comendo o prato mais famoso
do cosmopolita: filé à oswaldo aranha
Scenarium Antique
Rua do Lavradio, 36
O mineiro Plínio Fróes é um dos responsáveis pelo processo de revitalização da
Lapa, região berço da boemia carioca
e notável pelo projeto do Aqueduto da
Carioca, datado de 1723.
No começo da década de 1990,
enquanto a Lapa enfrentava uma fase
decadente, com muitos de seus casarões
centenários abandonados, Plínio aceitou
ser sócio de um espaço dentro de uma
casa de antiguidades da rua do Lavradio,
loteada por boxes de vários vendedores.
O movimento era fraco. Até, em 1994,
a jornalista Danuza Leão, na época colunista social do Jornal do Brasil, recomendar o programa a seus leitores. Na
véspera da publicação, Plínio fez uma
faxina em seu ponto de venda. “Naquele
dia vendemos tudo o que não vendemos
o ano inteiro. Recebemos um novo público, que não passava por lá”, lembra.
O empresário criou então uma feira de
antiguidades ao ar livre no primeiro
sábado de cada mês. “Houve um efeito
multiplicador. Os imóveis degradados
ganharam novos usos, viraram bares,
atrações noturnas”, cita ele, que hoje é
também dono de três concorridas casas
de música alinhadas na Lavradio, entre
elas o Rio Scenarium. Hoje, Plínio é
dono de todo o antiquário, que ganhou o
nome de Scenarium Antique e funciona
no mesmo local. “Tenho um carinho
especial por este lugar. Criei uma oficina de restauração para recuperar os
móveis antigos”, diz. “Muitas peças que
seriam descartadas voltam ao mercado
totalmente recuperadas. Essa é uma forma de preservar a nossa cultura.”
Feira de antiguidade
Praça XV
Realizada aos sábados no centro do Rio,
debaixo do viaduto da Perimetral, a feira
de antiguidades da Praça XV reúne 490
expositores e ofertas variadas. À primeira vista, a banca de José Machado Glória, 51 anos, não desperta curiosidade.
Sobre sua mesa de madeira estão pastas
e caixas de papelão lotadas de fotografias. Um amontoado que exige paciência
do cliente. Em meio à desordem, no entanto, existe um acervo surpreendente:
de fotos da Revolta dos Marinheiros,
ocorrida no Rio, em 1964, a retratos dos
ex-presidentes Getúlio Vargas e Juscelino Kubitschek. A lista inclui ainda artistas do rádio, como Silvio Caldas.
Glória, como é conhecido, abre um
sorriso ao revelar como consegue esse
material: “É no lixo mesmo!”. Quase
80% das fotos de sua banca são compradas de catadores do aterro sanitário de
Gramacho, na Baixada Fluminense. “Já
encontrei no lixo fotografias de Marc
Ferrez e Augusto Malta”, diz o vendedor,
citando dois consagrados fotógrafos que
retrataram o Rio no início do século 20.
O preço de cada reprodução varia:
um retrato de Getúlio custa em torno
de R$ 50. “Acho que tenho mais de 500
fotografias só do Getúlio. A maioria
veio do lixo”, diz Glória, que destaca o
valor de seu trabalho. “A foto te transporta para um outro tempo. E, dessa
forma, a memória que iria se perder
acaba sendo preservada.”
26
o mineiro plínio fróes em seu antiquário
na rua do lavradio, na região da lapa
27
o sorriso de glória na sua banca de fotos
antigas na feira da praça XV
Casa Villarino
Avenida Calogeras, 6-B
O garçom Severino Ramos, 55 anos, é
chamado de Marlon Brando por seus
clientes. “Quem inventou esse apelido
foi o Barretão”, diz, citando o produtor
Luiz Carlos Barreto. Na opinião até do
próprio Severino, ele se parece muito
com o ator de O poderoso chefão na fase
dos cabelos brancos. No meio da conversa, faz questão de frisar: “Você pode me
chamar de Marlon mesmo”.
Marlon é garçom do restaurante
Villarino, fundado em 1953 e situado
quase em frente à Academia Brasileira
de Letras, no centro do Rio. A posição
estratégica rendeu uma clientela de escritores, como Luiz Alfredo Garcia-Roza
e Luis Fernando Veríssimo. “Cheguei a
mostrar um poema que eu escrevi para
a Nélida Piñon. E ela gostou, viu?”, diz,
orgulhoso. Funcionário do Villarino há
26 anos, Marlon não chegou a atender o
cliente que trouxe fama à casa: o poeta
Vinicius de Moraes, que ia tomar seus
tragos – o Villarino, naquela época,
funcionava como uisqueria. O célebre
encontro com Tom Jobim, em 1956, que
rendeu a primeira parceria da dupla (a
produção da trilha sonora para a peça
teatral Orfeu da Conceição), ocorreu no
Villarino. O restaurante é citado inclusive no livro Rio bossa nova – Um roteiro
lítero-musical, de Ruy Castro, que lista
os endereços relacionados ao gênero.
A foto de Vinicius, cercado por amigos
em uma das mesas da casa, permanece
como lembrança. Assim como dezenas
de outras fotos, de clientes famosos e
anônimos. “Isso aqui é uma família. Por
isso, o Villarino é especial”, define.
Baratos da Ribeiro
Rua Barata Ribeiro, 354
Maurício Gouveia é um sujeito inquieto.
Aos 33 anos, ele administra o sebo Baratos da Ribeiro, nome que surgiu como
um trocadilho sobre o endereço da loja,
situada na rua Barata Ribeiro, em Copacabana. Referência na cidade, o Baratos
reúne 20 mil livros e 7 mil LPs. Maurício
não precisa mais sair em busca de novos
acervos, os próprios clientes entram em
contato. Com frequência, ele arremata
raridades, como o LP da banda de rock
Jethroll Tull. “O disco, cinza, pertenceu
a um cara que trabalhou na fábrica onde
o álbum foi produzido. É feito de níquel.
Fiquei com ele, nem botei pra vender.”
O lugar poderia ser apenas um ponto
de venda de livros usados e discos de vinil, mas vai além. O interesse de Maurício
pelos frequentadores do sebo resultou no
“Baratos Explica”, um ciclo de palestras
baseado na experiência profissional de
pessoas que passam por lá quase todos os
dias. “Descobri que um cliente apaixonado por discos de rock’n’roll dos anos
70 era professor de grego da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro). Ele
aceitou participar e vai falar sobre mitos
gregos”, explica ele, que, pouco antes de
conceder esta entrevista à Revista Personnalité, passou meia hora ouvindo a
história de vida de um falante cliente.
Com as vendas on-line de livros e
vinis antigos, o mercado de sebos no Rio
vem diminuindo gradativamente. A sobrevivência, na opinião do dono do Baratos da Ribeiro, está associada à criatividade. “Consegui promover uma agitação e,
graças a esses eventos, o sebo conquistou
um espaço na vida cultural do Rio.”
entrevista com Severino Ramos
o garçom severino ramos aponta foto de vinícius de moraes
com tom jobim, os dois se conheceram no villarino
Produção: Ana hora
Baixe a revista no iPad e assista
maurício gouveia manuseia livros antigos
em frente ao sebo baratos da ribeiro
Claudio Edinger pergunta:
Quando
teremos
carros
voadores?
Ramon de Paula responde:
Já estamos a ponto de ter carros autônomos [que
trafegam sem condutor], eles estão em demonstração.
Agora, carro que voa... vai demorar um pouco mais!
30
31
Nosso
homem
em
Marte
Por Rafael Garcia, de Washington Fotos Victor Affaro
Paulista de Guaratinguetá, o engenheiro Ramon de Paula aprendeu eletrônica
desmontando motores e rádios em casa. Hoje, coordena programas da Nasa
que levam jipes robóticos para passear no planeta vermelho
32
Ao lado, Foto feita pela missão Mars reconnaissance orbiter
(2006) mostra a cratera hale, no sul de marte; nesta página,
ramon de paula, na nasa, em washington
Personnalité
uando Ramon de Paula chegou aos Estados Unidos em
1969, as manchetes dos jornais americanos estampavam
os esforços do programa Apolo, projeto que conseguiria levar
astronautas à Lua pela primeira vez em julho daquele ano.
Finalizando o segundo grau e tentando uma vaga no curso
de engenharia, o jovem de 17 anos ainda não imaginava que
uma década e meia depois estaria trabalhando na instituição
responsável pela façanha espacial: a Nasa.
Hoje, às vésperas de completar 60 anos, o paulista que
nasceu em Guaratinguetá e cresceu em Pirassununga precisa
contar muitas histórias para explicar como se tornou um
dos executivos do programa de exploração de Marte na
agência espacial americana. Ao todo, Ramon já participou da
coordenação de quatro missões de espaçonaves robóticas para
o planeta vermelho. Fato inimaginável em 1976, ano em que a
sonda Viking 1 se tornava o primeiro objeto humano a pousar
em solo marciano e o recém-formado engenheiro eletrônico
ainda não tinha paixão pelo ofício que levaria seu trabalho
tão longe. “A área espacial ainda não era um interesse direto
para mim”, conta. “Eu tinha interesse em eletrônica e em
comunicação. Na juventude, costumava desmontar motores,
ventiladores, rádios e outros aparelhos para entender como
funcionavam.”
O gosto pela engenharia era, de certa forma, herdado do
pai, militar da aeronáutica que, em 1969, foi nomeado para
servir na Comissão Aeronáutica Brasileira (CAB), nos EUA. “Eu
estava consertando um gravador, e tinha ligado o rádio na Voz
do Brasil para um teste”, recorda Ramon. “Em certo momento,
o locutor começou a anunciar os escolhidos do governo para
a comissão, e ouvi o nome do meu pai.” Do dia para a noite, a
família trocou a rotina de Pirassununga (SP), base da Academia
da Força Aérea, por Washington. “Logo que cheguei aqui,
acompanhava muito as notícias sobre o programa Apolo, mas,
quando as Vikings pousaram, eu estava mais preocupado com
meus trabalhos na universidade, que tomavam 100% do meu
foco. Continuei lendo as notícias, mas não estava tão ligado em
saber o que estava acontecendo em Marte.”
A família voltou para o Brasil dois anos depois. Ramon ficou
em Washington e terminou o bacharelado em engenharia na
Universidade Católica. Hoje, 41 anos depois, tem dificuldade
de falar português sem misturar palavras. “Passei muito tempo
estudando naquela época, you know”, diz Ramon, com um
sotaque que mistura o acento do interior paulista com inglês
34
americano. Um ano antes de terminar o curso, um amigo lhe
pediu para ajudar três brasileiras, filhas de um militar em
missão nos EUA, que estavam interessadas em conhecer a
universidade. Foi quando conheceu Haydée, com quem se
casaria em 1974.
O destino começou a colocar a rota do paulista na
direção do planeta vermelho quando ele decidiu mudar
de especialidade. Em 1976, Ramon estava completando
um mestrado em engenharia nuclear, na Universidade da
Califórnia em Berkeley, mas o mercado de trabalho na área
estava ruim. “Naquela época, existia uma grande ação pública
contra a energia nuclear”, conta. “Decidi mudar de área.”
Retornando a Washington, ingressou num doutorado
em optoeletrônica, especialidade que o qualificou a projetar
giroscópios, dispositivos responsáveis por orientar aviões
e espaçonaves. Trabalhou no Laboratório de Pesquisa da
Marinha, na indústria aeroespacial e, em 1985, foi para o
Laboratório de Propulsão a Jato da Nasa, o JPL, em Pasadena,
na Califórnia. Seu primeiro projeto na agência espacial foi
desenvolver um giroscópio para a sonda Cassini, destinada a
Saturno. O dispositivo não embarcou, mas o trabalho mudou a
perspectiva sobre o desenvolvimento de tecnologia de ponta.
“nós, humanos,
queremos
entender de
onde viemos.
marte e a
Terra eram
planetas
parecidos
quando se
formaram”
Não há segunda chance
“Trabalhar na Nasa é uma vida, é preciso dar muita
atenção à confiabilidade daquilo que você está
projetando”, diz ele. “É diferente de projetar um
telefone celular: um produto que precisa ser barato
o suficiente para que as pessoas o comprem, e que
pode ser levado ao conserto se estiver quebrado.
Essa opção não existe no caso de uma sonda
espacial.” Acostumado a cumprir missões onde não
há segundas chances, Ramon deixa transparecer
nas conversas seu jeito analítico e a obsessão por
detalhes, pré-requisitos para o posto que ocupa. O
trabalho na Nasa também despertou no engenheiro
um lado sonhador: o gosto pela exploração. A
busca de lugares inexplorados, em sua opinião, é
uma forma de retorno às origens. “Nós, humanos,
queremos entender de onde viemos”, diz. “Marte
e a Terra eram planetas parecidos quando se
formaram. Os dois, porém, foram se diferenciando,
e Marte perdeu os mares e a água que possuía.
Queremos investigar a possibilidade da existência passada da
vida lá. Isso nos ajudaria a entender a história da origem da
vida na Terra.”
O trabalho no JPL ensinou a Ramon que o ímpeto
explorador precisa ser equilibrado com as limitações da
engenharia e dos orçamentos. Ganhando experiência nisso,
voltou à capital americana para trabalhar no quartel-general
da Nasa. Com mulher e dois filhos, atravessou o país de
costa a costa pela quarta vez. Em Washington, participou do
desenvolvimento de tecnologias de ponta, como comunicação
a laser, e depois ingressou na divisão de exploração de Marte.
“Faz parte do trabalho representar os projetos com a diretoria
da Nasa, a Casa Branca e o Congresso dos Estados Unidos”,
arquivo pessoal
Q
ramon de paula
acima, Ramon com o projeto da missão mars phoenix (2008);
e em frente à sede da nasa, em houston
35
divulgação/nasa
“não
acreditar
que exista
vida em
outros
lugares é
arrogância
do ser
humano”
imagem da nasa mostra a via láctea
Personnalité
ramon de paula
4
conta. “Trabalhamos para o presidente, mas precisamos de
aprovação da Casa Branca, do Capitólio e do conselho-geral
da Nasa para levar as missões adiante.”
Quando não está trabalhando, Ramon dedica boa parte
do seu tempo à família. Sai do trabalho direto para casa, para
jantar com a mulher. No caminho, às vezes desce do metrô
algumas paradas antes para caminhar. O filho mais velho,
Ramonzinho, 28 anos, tem síndrome de Down. “Quanto mais
energia dedico em fazer coisas com ele, mais energia recebo
de volta”, afirma. “Durante o inverno, vamos a lugares no
oeste de Maryland para praticar crosscountry ski juntos.” Já no verão, pai e filho
2
andam de bicicleta ou caminham na beira
do rio Potomac. Marcus Vinicius, o caçula,
seguiu carreira em administração de
empresas internacionais. Morou nos EUA
todos os seus 25 anos, mas fala português
muito bem, graças às aulas caseiras com
o pai. Ramon diz ter ficado orgulhoso
quando, na última vez que a família veio
ao Brasil, o filho bateu boca em português
com um flanelinha que tentava extorquir
seu dinheiro no Rio. Do país, que visita a
cada um ano e meio, Ramon tem saudades da família, dos
amigos, da natureza e da feijoada.
No campo profissional, o engenheiro da Nasa soube lidar
com as crises da agência. Na década de 1990, a agência seguia
uma estratégia apelidada de “faster, better, cheaper” (mais
rápida, melhor e mais barata). A ideia era lançar missões de
exploração ousadas sem gastar os rios de dinheiro como o
programa Viking, que custara mais de US$ 1 bilhão em 1976.
Essa política teve sucesso durante um tempo, sobretudo com
o pouso da missão Pathfinder, em 1997, mas começou a dar
sinais de desgaste. Em 1999, a Nasa perdeu o contato com o
Mars Climate Orbiter, um satélite de observação do planeta.
Um mês depois, outra nave, a Mars Polar Lander, falhou
em sua tentativa de aterrissagem em solo marciano. Dois
projetos que custaram US$ 326 milhões e anos de trabalho.
Em meio à crise que havia se instalado, a Nasa decidiu
reavaliar sua estratégia de exploração de Marte. Foi então
que Ramon ingressou no programa, primeiro ajudando com
a reorganização e, depois, assumindo o cargo de executivo do
projeto da Mars Reconnaissance Orbiter, uma sonda lançada
travessia da atmosfera marciana
poderia aniquilar uma década de
trabalho. “As pessoas na missão
chamavam isso de ‘os sete minutos
de terror’”, comenta Ramon. “Esse
era o tempo que a espaçonave
ficaria sem fazer contato com a
Terra e usaria sistemas automáticos para o pouso.” Um dia
antes da tentativa de pouso, Ramon conheceu Nilton Rennó,
brasileiro especialista em ciências atmosféricas com quem
trabalhou naquela missão e em outras duas. “A tensão era
enorme”, lembra Nilton. “O Ramon representava o quartelgeneral da Nasa dentro da missão e o papel dele era assumir
a responsabilidade pelo que fosse acontecer.” Ao pisar em
Marte, a Phoenix enviou seu primeiro sinal. Os técnicos
na sala de controles no JPL explodiram de emoção como
em um estádio de futebol. “Fiquei impressionado com a
competência do Ramon”, diz Nilton. “Desde então, ele virou
um mentor para mim.” James Graf, gerente da missão Mars
Reconnaissance Orbiter, também elogia Ramon. “Na época,
tínhamos de nos recuperar e precisávamos ter muito cuidado
ao prosseguir. Ramon teve um papel fundamental nisso.”
A próxima tentativa de pouso em Marte está na missão
Mars Science Laboratory, que inclui um jipe robótico
quase do tamanho de um fusca, o Curiosity, equipado com
dez instrumentos científicos diferentes. Ramon assumiu a
coordenação executiva desse projeto temporariamente, entre
2008 e 2010, quando sérios problemas técnicos e um estouro
de orçamento quase comprometeram a missão. Ele e seus
colegas, no entanto, conseguiram salvar a sonda, que decolou
em 2011 e chega a Marte em agosto deste ano. A pressão pelo
sucesso é grande. Quando as Vikings desceram em Marte
pela primeira vez, a Nasa ainda tinha esperança de encontrar
seres vivos lá. Hoje, o objetivo declarado não é mais esse, mas
o Curiosity está equipado para achar moléculas orgânicas.
“Seria uma grande descoberta”, diz Ramon. Para ele, mesmo
que Marte seja estéril, entender as condições da ausência de
vida lá é crucial para entender a presença de vida na Terra.
“Será que estamos sozinhos no universo?”, se questiona o
pragmático e católico Ramon. “Não acreditar que haja vida
em outros lugares é muita arrogância do ser humano. Com
um universo infinito é muito difícil e prepotente de nossa
parte achar que nós somos os únicos.”
3
38
1
1. Mars Odyssey (2001)
Em órbita no planeta, usa suas câmeras para investigar a distribuição de gelo e a atividade vulcânica na superfície. Transmite à Terra informações dos jipes Spirit e Opportunity.
2. Mars Reconnaissance Orbiter (2006)
Apontou a localização de gelo em muitas regiões do planeta e fotografou vales e cordilheiras que se formaram por
meio do fluxo de água líquida. Ajuda a escolher locais de
pouso para sondas de aterrissagem.
imagens divulgação/nasa / arquivo pessoal
em 2005. “Nós aprendemos que
o processo de o ‘mais rápido’,
‘melhor’ e ‘mais barato’ não estava
bem definido e tivemos que aprimorar a nossa filosofia de
trabalho”, conta. “Tivemos que impor mais disciplina, rigor
e supervisão nas fases críticas dos projetos para diminuir o
risco das missões.”
Durante a revisão, vários problemas foram encontrados
no projeto da Mars Surveyor 2001 Lander, uma sonda de
aterrissagem. A duras penas, a Nasa cancelou essa missão
e concentrou esforços na Mars Odyssey, outro satélite de
observação. Decisão certa. “A Odyssey chegou em 2001 e
segue mandando resultados científicos”, diz o engenheiro.
Após as mudanças de procedimento, o programa de
exploração de Marte retomou sua trilha de sucesso com o
pouso dos jipes robóticos Spirit e Opportunity, em 2004. A
Mars Reconnaissance Orbiter chegou ao planeta em 2006,
e hoje ajuda a escolher locais de pouso para as missões de
aterrissagem, como o Phoenix e o MSL. Mais tarde, parte
dos dispositivos da Surveyor Lander foi incorporada à
Phoenix, sonda que decolou em direção a Marte em 2007.
Quando a espaçonave estava se aproximando do objetivo
o clima era de apreensão. Qualquer falha da Phoenix na
_
As quatro missões
robóticas de Ramon
3. Mars Phoenix (2008)
Aterrissou numa região polar e analisou amostras de solo e
ar. Observou a formação de neve na região e mostrou que a
água é um componente importante na atmosfera marciana.
4. Mars Science Laboratory (2012)
Com pouso previsto para agosto, leva ao planeta o jipe-robô
Curiosity, capaz de detectar moléculas orgânicas e de investigar se o ambiente do planeta é (ou já foi) favorável à existência de seres vivos.
39
Por Ricardo Calil
A
ficção
de cada
um
EVERETT COLLECTION GRUPO KEYSTONE / divulgação
“Qual é o seu filme favorito de
ficção científica?” Ao responderem
essa pergunta, os cinco convidados
ligados ao cinema – Laís Bodanzky,
Cacá Diegues, Tainá Muller,
Marcos Prado e Luiz Zanin –
foram muito além de suas
preferências cinematográficas
2001 – Uma Odisseia no
Espaço (1968),
por Tainá Muller
A atriz gaúcha Tainá Muller sempre foi
uma menina precoce. Aos 3 anos, ela
assombrava a família ao conseguir ler o
jornal sozinha. Aos 10, enquanto aprendia tricô com a mãe diante da TV, assistiu
a 2001 – Uma odisseia no espaço (1968)
do começo ao fim. “Fiquei hipnotizada
e amedrontada com aquelas imagens
criadas pelo [cineasta inglês Stanley] Kubrick”, lembra. “Ele desconstrói a linha
do tempo, apaga a fronteira entre passado e futuro, vai do micro ao macro, do
osso jogado por um macaco a uma nave
espacial. Não entendi na época, mas foi o
suficiente para dar uma pirada.”
Ao longo dos anos – e de uma bemsucedida carreira de atriz, que vai de
Cão sem dono (2007) a Tropa de elite
2 (2010), Tainá assistiu a 2001 mais
seis vezes. E, a cada revisão, começou
a entender mais. “Depois fui ler O tao
da física [do austríaco Fritjof Capra] e
percebi que ciência e espiritualidade,
física e metafísica, têm vários pontos
em comum. É algo que já estava ali no
filme, mas que só entendi com o tempo.”
Para Tainá, o mundo está caminhando
a passos rápidos em direção à fantasia
futurista criada por Kubrick. “Como em
2001, a ciência moderna está em busca
do elo perdido que ajudaria o homem a
entender as grandes questões da humanidade. Aquele filme é muito mais do
que ficção científica”, afirma Tainá.
Star Wars (1977),
por Laís Bodanzky
O Brasil dos anos 1960 era um país polarizado ideologicamente: as pessoas
eram de esquerda ou de direita. O cineasta Cacá Diegues era de esquerda.
Vampiros de almas (1956), o clássico de
ficção científica dirigido por Don Siegel,
era uma obra de direita. Para muitos
críticos de cinema, o filme sobre uma
invasão alienígena aos Estados Unidos,
feito na Guerra Fria, era uma metáfora
sobre os perigos de uma ocupação comunista; os extraterrestres eram sovietes intergalácticos.
Quando Cacá Diegues viu o filme pela
primeira vez na Cinemateca Francesa,
ficou surpreso ao se descobrir encantado.
“Pegava até mal falar que eu tinha gostado. Mas, claro, para mim, não é um filme
sobre o comunismo, e sim sobre os riscos
de uma desumanização das pessoas.”
Diretor de clássicos do cinema brasileiro, como Chuvas de verão (1978)
e Bye Bye Brasil (1979), Cacá garante
que, depois de várias revisões, Vampiros de almas resistiu ao tempo. “Apesar
de retratar muito bem o ambiente dos
Estados Unidos dos anos 50, acho que
o filme tem algo a dizer sobre o mundo de hoje”, diz. “Já não existe mais a
paranoia de uma invasão alienígena ou
comunista, mas a paranoia com o fim do
mundo nunca esteve tão na moda. E o
cinema de ficção científica acompanhou
essa mudança: deixou de lado os ETs e
focou nas catástrofes ambientais.”
42
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Vampiros de Almas (1956),
por Cacá Diegues
EVERETT COLLECTION GRUPO KEYSTONE / Leonardo Aversa/Agência O Globo
Como grande parte das meninas de sua
geração, a cineasta Laís Bondanzky ficou assombrada ao assistir a Star Wars
(1977) no cinema e sonhou em se transformar na heroína do filme, a princesa
Leia (Carrie Fischer). Mas, como talvez
nenhuma outra garota brasileira daquele final de anos 70, ela teve a chance de
transformar seu sonho em realidade.
Poucos meses depois, Laís, então com
8 anos, acompanhava as filmagens de
Os Mucker (1978), dirigido por seu pai,
o cineasta Jorge Bodanzky (do clássico
Iracema, uma transa amazônica). Era
um drama de época baseado em fatos
reais, sobre uma seita religiosa de imigrantes alemães que foi massacrada por
tropas do governo federal, no interior
do Rio Grande do Sul, no século 19.
Certo dia, Jorge convidou Laís a
participar de uma cena como figurante.
Ela pediu que a cabeleireira fizesse dois
coques laterais em seu cabelo, para reproduzir o penteado de sua heroína futurista. “O curioso é que funcionou como
um cabelo de época e, ao mesmo tempo,
me senti a própria princesa Leia.”
Depois de muitas revisões, o Star
Wars original, dirigido por George
Lucas, permanece o filme de ficção
científica preferido de Laís – e hoje ele
é também um dos favoritos de suas duas
filhas. “Acho que uma parte do futuro
anunciado pelo Star Wars se concretizou. Eu vejo o design de gadgets como
o iPhone ou o iPad e lembro das naves
espaciais brancas e clean.”
Laís acredita que a mistura de experiências da infância – de um lado, as
43
grandes aventuras hollywoodianas; do
outro, obras autorais como as de seu pai
– começou a moldar seu gosto cinematográfico, refletido em seus próprios filmes,
como Bicho de sete cabeças (2001), Chega
de saudade (2007) e As melhores coisas do
mundo (2010).
“Hoje eu revejo Star Wars e me interesso pelo subtexto psicológico e mitológico criado pelo Lucas, inspirado no livro
Poder dos mito, do [escritor americano]
Joseph Campbell: a história do garoto
[Luke Skywalker] dividido entre o lado luminoso e o lado negro da Força, que sem
saber se volta contra o próprio pai [Darth
Vader]”, conta.
“Mas o que me emociona é a possibilidade de experimentar outra realidade.
E o Star Wars faz com que o espectador
sinta que está naquela aventura. Estou
naquela nave. Eu sou a princesa Leia.”
Personnalité
garante. “A primeira foi quando o filme
estreou, eu tinha 20 anos. Fiquei chapado
com o visual meio retrô, meio futurista,
a trilha sonora do Vangelis, o romance
entre Deckard e uma provável replicante
e, sobretudo, com a grande questão colocada pelo Ridley Scott: o que nos torna
realmente humanos?”
Para Prado, o homem está longe de
criar um ser artificial, mas as grandes
metrópoles do mundo estão parecidas
com a Los Angeles do filme. “É a mesma
violência, poluição, o mesmo caos de
pessoas automatizadas pelo consumismo.
Aquilo já não é ficção científica. É real.”
44
Solaris (1972),
Por Luiz Zanin
fred pompermayer / arquivo pessoal
“I’ve seen things you people wouldn’t believe. Attack ships on fire off the shoulder
of Orion. I’ve watched C-beams glitter in
the dark near the Tannhauser Gate. All
those moments will be lost in time, like
tears in rain. Time to die.”
O diretor e produtor cinematográfico
Marcos Prado recita, de cabeça, as frases
da cena mais marcante de Blade Runner
– O Caçador de androides (1982), clássico
de Ridley Scott baseado em conto de Phi-
lip K. Dick. É o momento em que o rebelde replicante Roy (Rutger Hauer), um
androide feito à imagem e semelhança do
homem, mas com um tempo predeterminado de vida, se despede de seu caçador,
o detetive Deckard (Harrison Ford), logo
após salvá-lo da morte.
A memória do carioca Prado – produtor dos dois Tropa de elite e premiado diretor do documentário Estamira
(2005) e do inédito Paraísos artificiais,
com estreia em abril – não deixa dúvidas: Blade Runner é sua ficção científica
preferida. “Eu já vi mais de 20 vezes, em
todas as versões. Tenho ele na cabeça”,
EVERETT COLLECTION GRUPO KEYSTONE / divulgação / EVERETT COLLECTION GRUPO KEYSTONE / ALEX SILVA/AE
Blade Runner – O Caçador
de Androides (1982),
por Marcos Prado
Na hora de escolher seu filme de ficção
científica preferido, o crítico de cinema Luiz Zanin ficou balançado entre
2001 - Uma odisseia no espaço (1968)
e Solaris (1972), filme do russo Andrei
Tarkovsky que é visto como uma espécie de resposta – ou talvez uma rima
– ao clássico do inglês Stanley Kubrick.
Mas ele acabou cravando a segunda
opção. “Solaris teve um impacto emocional mais profundo em mim”, afirma
o crítico do jornal O Estado de S. Paulo
e presidente da Abraccine (Associação
Brasileira de Críticos de Cinema).
Quando viu o filme pela primeira
vez, Zanin ainda não trabalhava com
cinema. Era psicanalista, tal como o
protagonista do filme russo. Baseado
no livro do polonês Stanlislaw Lem,
Solaris fala sobre uma estação espacial
cuja missão é atrapalhada por misteriosos problemas emocionais de seus
tripulantes. Para resolver a situação, um
psicólogo é enviado ao local, mas ele
também entra em crise, especialmente
ao reencontrar ali um antigo amor que
havia se suicidado anos antes.
“É mais um filme sobre a memória
do que sobre o futuro”, afirma Zanin. “É
claro que Solaris faz um retrato muito
interessante de um futuro distópico, desesperançado, em que a máquina evolui
a ponto de sair do controle – algo que
muitas vezes lembra o nosso presente.
45
Mas o mais importante é essa questão de
evocar, através das lembranças, aquilo
que desapareceu – tema muito caro à psicanálise e que, na época, fazia parte das
minhas preocupações intelectuais.”
Depois de algumas revisões, já como
crítico de cinema, Zanin destaca a linguagem do filme, feita de longos planos sem
cortes e muitas vezes silenciosos – que
marcam a obra de Tarkovsky. “Ele nunca
quis dar respostas prontas ao espectador.
Seus filmes são sempre enigmas.”
Zanin não se lembra de quando
viu Solaris pela primeira vez. “Foi em
algum momento dos anos 80.” Ele também não lembra se chegou a escrever
sobre o filme. “É até engraçado não
lembrar. Como o próprio Solaris mostra,
a memória às vezes nos trai.”
Baixe a Revista Personnalité no iPad
e assista trechos dos filmes
Por Eduardo Stryjer
Vida
a longo
prazo
Felipe Gombossy
Três promessas
brasileiras com
menos de 20 anos
contam como o
esporte mudou o
planejamento de
suas vidas para
os Jogos do Rio de
Janeiro, em 2016
Thiago Bráz,
salto com vara
Thiago Bráz, 18 anos, já sentiu o gosto de
ganhar uma medalha olímpica. Em 2010,
o paulista nascido em Marília conquistou
a prata nos Jogos Olímpicos da Juventude, para atletas de 14 a 18 anos, em
Cingapura. Na ocasião, recebeu o prêmio
das mãos do lendário saltador ucraniano,
Sergey Bubka. “Fiquei emocionado. Foi
um momento inesquecível”, relembra.
Mas sua trajetória no atletismo nem
sempre foi vencedora. Aos 12 anos, ele foi
apresentado ao esporte pelo seu tio, mas
antes resolveu tentar a vida no basquete.
Aos 14 anos, Thiago voltou atrás, iniciou
os treinos no salto com vara e entrou para
a equipe Rede, onde ficou meses sem
salário. Até que Fabiana Murer, campeã
mundial da modalidade, resolveu ajudar o atleta. “Foi ela quem me pagou o
primeiro salário e continuou ajudando
mesmo quando comecei a receber”, diz
47
Thiago, que recebia R$ 500 por mês da
atleta. Valendo-se do lema “depois da
tempestade vem a calmaria”, Thiago vive
um novo momento. “Muitas coisas boas
estão acontecendo devido à Olimpíada”,
diz o pupilo de Murer e atleta do Clube
BM&FBOVESPA.
Thiago ainda prefere não falar muito
de Rio 2016. O foco atual, diz, “é o Mundial Juvenil de Barcelona”, que acontecerá em julho. O que não quer dizer que um
trabalho a longo prazo não esteja sendo
feito. Para ele, o segredo é dar um passo
por vez. “São as pequenas metas do dia a
dia que nos tornam atletas confiantes.”
Humilde e consciente de seu potencial, o atleta acredita: “Temos tudo para
conquistar uma medalha para o país. Em
cada treino penso no que devo melhorar
até atingir a perfeição”.
Baixe a Revista Personnalité no iPad e
assista um dia de treino de Thiago Bráz
Guilherme Abreu Toldo,
esgrima
De Iturama, Minas Gerais, a Primavera do Leste, Mato Grosso. Foi graças à
mudança da família que Ana Vargas, 15
anos, descobriu a canoagem. “Foi amor
à primeira vista, me identifiquei na
hora”, conta ela, que sempre praticou
esportes na água, devido ao incentivo
do pai, Cláudio Vargas, professor de
natação. Um de seus pontos fortes, aliás,
é a força nos braços, incomum para uma
atleta da sua idade.
Aos 12 anos veio a certeza de que a
mineira teria um futuro promissor. Ana
eliminou uma atleta olímpica e conquistou seu primeiro título brasileiro na
categoria slalom – o competidor soma
pontos ao cruzar balizas num percurso
de até 300 metros. “Até esse dia não
acreditava que poderia chegar tão longe
ou até mesmo viver do esporte.” Desde
então vive em Foz do Iguaçu, Paraná, ao
lado da mãe e da irmã, também canoísta.
Ana deixou Mato Grosso para ficar
próxima às correntezas da hidrelétrica
de Itaipu. Motivo? Integrar a equipe
brasileira de canoagem – 11 atletas que
dispõem de alojamento, alimentação e
treinamento especializados.
A agenda da atleta quase não tem
tempo para lazer: Ana vai à escola, almoça, treina, descansa, treina novamente e,
à noite, ainda cumpre sessões de alongamento. “Tudo é muito regrado, mas nunca pensei em desistir”, diz ela, que participa da Olimpíada de Londres, este ano,
mas já treina de olho em 2016. “Através
da canoagem conheci lugares, pessoas e
aprendo coisas novas a cada dia, como
posso parar de praticar?” Segundo a
atleta, o técnico italiano Ettore Ivaldique
tem papel fundamental na preparação
mental para as grandes competições. Até
o Rio de Janeiro são quatro anos e Ana
garante que está tranquila para disputar
a Olimpíada em sua terra. “Temos planejamento e tempo suficiente.”
48
“não
acreditava
que poderia
chegar
tão longe
ou mesmo
viver do
esporte”,
diz ana
vargas
ilustração
arquivo
pessoal
nik neves / arquivo pessoal
Ana Vargas,
canoagem
fotos: Rafael Dabul / Lorenzo Giordano / produção: mariana haddad
O primeiro nome que se vê no ranking do
site da Confederação Brasileira de Esgrima é de Guilherme Abreu Toldo. Aos 19
anos, o gaúcho é o atual líder brasileiro
da categoria juvenil na arma florete e a
promessa nacional da esgrima na Olimpíada de 2016, no Rio. “Estou apreensivo
por ser algo novo, por ser na minha casa”,
afirma o atleta, que administra os sentimentos para não perder o foco. “Não posso me desligar um segundo, pois as oportunidades não aparecem duas vezes.”
Filho de professores de educação
física, Guilherme descobriu a esgrima
graças ao primo, Tiago Amaral, que já
praticava. “Gostei logo de cara da combinação de agilidade e força. É fascinante”,
revela ele, que há mais de uma década
mantém o florete em punho, categoria
que tem como regra o toque da arma apenas na região do tronco – peito, barriga e
costas. Treinando pelo mesmo clube que
o lançou, o Grêmio Náutico União, em
Porto Alegre, e patrocinado pela Petrobras, Guilherme ganhou duas medalhas
de bronze no último Pan-Americano, em
Guadalajara, no México – e determinou
a quebra de um jejum de 36 anos do país
sem medalhas no esporte.
De olho em 2016, o atleta não encara
a esgrima como um trabalho: “Me divirto,
não é um peso, mesmo porque as coisas
foram acontecendo naturalmente”. Sorte
a sua, já que sua rotina não é fácil. Essa
entrevista, por exemplo, foi feita via
Skype em um intervalo suado dos rígidos
treinos na Itália, onde Guilherme está
há três meses. São dois turnos por dia de
exercícios de deslocamento, aulas individuais e combate.
Quando está no Brasil, a flexibilidade é ainda menor devido ao curso de
ciências biológicas que faz na PUC-RS,
embora já tenha perdido 40% das aulas
por conta das viagens que participa. “A
dificuldade me inspira, se fosse fácil não
teria esse comprometimento nos estudos
e treinos. Faz três anos que não tenho
verão no Brasil, mas por outro lado estou
correndo atrás de um sonho, de uma
Olimpíada, de aumentar o nível do Brasil
na modalidade”, diz ele, que tem como
pontos fortes a defesa e o contra-ataque.
Com uma jornada longa pela frente, Guilherme treina não só esgrima, como também a paciência. “Planejamento, treino e
precaução no dia a dia para evitar lesões”
são suas regras até lá.
Ramon de Paula pergunta:
você
Acredita
em vida
inteligente
fora
da
Terra?
50
Telma Sobolh responde:
Sim, acredito. Esse não deve ser um privilégio único da Terra.
51
Por Milly Lacombe Fotos Marlos Bakker
ENTRE DOIS MUNDOS
À frente dos voluntários do hospital Albert Einstein, em São Paulo,
Telma Sobolh trabalha para encurtar a distância entre Paraisópolis e
os bairros ricos que a cercam. Depois de 16 anos de trabalho, a região
apresenta índices sociais comparáveis aos dos Estados Unidos
telma sobolh observa a comunidade de paraisópolis,
onde trabalha desde 1985
52
Personnalité
T
elma Sobolh estava em seu quarto sem ter o que
fazer quando o telefone tocou. A casa do Morumbi,
bairro nobre paulistano, era grande e ela sabia que não
precisaria correr para atender: os funcionários fariam isso
e viriam chamá-la se necessário. A fase não era boa, estava
melancólica devido a uma enorme frustração profissional:
ela e a irmã tinham acabado de fechar a escola recreacional
que fundaram e que o Plano Collor tratou de afundar. Talvez
por isso, não tenha se animado quando vieram chamá-la
para atender o telefone.
Era um amigo, médico da pediatria assistencial do
hospital israelita Albert Einstein, onde trabalhava seu
marido. Telma, então com 37 anos, escutou o pedido dele
para que ajudasse na arrecadação de casacos para crianças
carentes. Pensou que a atividade poderia tirá-la daquele
estado tristonho e saiu recolhendo roupas: deu telefonemas
mil, foi à casa de amigas, pediu ajuda às amigas das amigas.
Depois de quase duas semanas, o mesmo amigo ligou, agora
implorando para que ela parasse. Não estava dando conta de
distribuir na mesma velocidade que ela arrecadava.
No ano seguinte, Telma foi convidada para trabalhar no
Programa Voluntariado do hospital, fundado pelas mães,
mulheres, irmãs e amigas dos médicos e empresários que
idealizaram o Albert Einstein. Era 1985 quando chegou. Lá,
ela fazia todo tipo de trabalho: de caixinhas de chocolate
para serem vendidas na lojinha a distribuição de alimentos
em comunidades carentes.
Envolveu-se tanto com o programa que, em 1996, ano
em que seu marido foi convidado a assumir a presidência
do hospital, Telma acabou também convidada a encarar
a chefia do Voluntariado. Topou o desafio sem saber que
mudanças nas leis de filantropia do Brasil colocariam o
programa em uma situação complicada.
Telma Sobolh
depois de 11 anos
de trabalho,
em 1996, telma
foi convidada
a encarar
a chefia do
voluntariado
do einstein
Telma contratou uma médica sanitarista e começou a
correr a pé por Paraisópolis em busca de uma propriedade.
A tarefa era dura porque ela havia prometido ao hospital
que não haveria nenhum custo extra. Resolveria o problema
organizando bazares, promovendo shows e até vendendo
sucata hospitalar. Paralelamente, encomendou estudos
para que um detalhado mapeamento da comunidade fosse
feito. Quando o levantamento foi concluído, Telma havia
comprado uma casinha dentro da comunidade que tratou de
pintar de laranja, a cor predominante nas construções locais
(só três anos depois, já com as casas adjacentes compradas,
pintaria o complexo de branco), e tinha em mãos um
escaneamento de quais as doenças mais comuns na favela,
onde havia e não havia água encanada, onde havia acúmulo
de lixo...
Nessa época, Telma trabalhava das sete da manhã às oito
da noite. Estava tão envolvida com o Voluntariado que não
percebeu o casamento acabando.
Crescer ou morrer
O primeiro – e grande – impasse da Telma no Voluntariado
do Einstein foi resolvido em apenas dois segundos. Entre
crescer e continuar a ter o status de filantropia ou deixar de
existir, Telma tomou a decisão: “Cresceremos”.
A partir daí, o Voluntariado deixaria de ser apenas um
programa de atendimento médico que funcionava quase
exclusivamente dentro do hospital para se estender até
a favela de Paraisópolis, que se agigantava dia a dia nas
cercanias do hospital.
Curso em Harvard
Quando começou o trabalho em Paraisópolis, Telma
entendeu que seria necessário chamar os líderes dali para
uma conversa. Descobriu os líderes naturais – a parteira, a
benzedeira, o verdureiro que deixa pagar depois, o homem
54
55
da farmácia que não cobra para dar injeção – e os eleitos e se
reuniu com todos para explicar que não pretendia trabalhar
para eles, mas com eles – uma distinção que entendia ser
fundamental. Um dia, numa dessas visitações, não notou
o solo escorregadio e estatelou-se no chão, indo parar
dentro do córrego. Imunda, mas vendo que não havia se
machucado, começou a rir.
O trabalho que começou apenas com o ambulatório em
seis meses ganhou também atividades socioeducativas.
Telma notou que as crianças chegavam ao ambulatório
desnutridas, saíam tratadas e voltavam depois de 20
dias com os mesmos sintomas. Era urgente distribuir
conhecimento. Montou um mutirão e começou a bater
de porta em porta para angariar moradores para as mais
variadas atividades: curso de culinária, aulas de capoeira,
aulas a respeito de prevenção de gravidez… Aos poucos,
eles foram chegando e, ao longo do tempo, Telma incluiu no
programa cursos de capacitação em parceria com o Senac
e a Payot (marca de cosméticos). “Começamos atendendo
crianças e elas logo cresceram. Era importante dar a elas
uma chance profissional.”
Hoje, o Complexo Telma Sobolh ocupa seis terrenos
em Paraisópolis e comemora 13 anos de existência. O
Voluntariado do Einstein tem 400 funcionários (sendo 160
voluntários), atende 12 mil crianças por ano no ambulatório
e 7 mil pessoas nas atividades socioeducativas – o que
representa 21% da comunidade, que tem 80 mil habitantes
e é a segunda maior favela de São Paulo. Em 2011, um total
de 315 mil ações foi realizado, entre atendimentos médicos
e socioeducativos (é preciso preencher uma ficha cadastral
e ser morador da comunidade para ser atendido). Debora
Rocha, 30 anos, líder administrativa, que nasceu e mora
na comunidade e trabalha com Telma há 11 anos, conta
como a chegada do programa mudou a vida no local: “Os
participantes apoderaram-se de direitos desconhecidos,
pleitearam direitos relacionados a saúde e qualidade de
vida, conquistaram atividades sociais e culturais, algumas
voltadas para geração de renda”.
O trabalho de Telma ganhou visibilidade no mundo
todo quando o complexo em Paraisópolis virou notícia
por ter conquistado o selo ISO 9001 de qualidade, norma
internacional que estabelece requisitos para o sistema de
gestão da qualidade (SGQ) de uma organização. Ela, que
já tinha recepcionado o ministro da Saúde da Inglaterra,
passou a receber mais e mais visitantes estrangeiros
– inclusive alunos de Harvard. Sabendo do interesse
internacional, lutou para que ele se transformasse em
uma via de duas mãos. Conclusão: Lidio Moreira, 30 anos,
56
telma em família: com os netos henrique e helena; comemorando
seus 50 anos ao lado das amigas e voluntárias; e com os filhos,
luciana, tamara e rubens, e a nora, carolina
Telma Sobolh
fotos: arquivo pessoal
Personnalité
“Começamos
atendendo
crianças e elas
cresceram. era
importante
dar a elas
uma chance
profissional
com cursos de
capacitação”
telma em ação: autografando seu livro voluntariado, a
possibilidade da esperança; e em paraisópolis, cercada de
cestas básicas prontas para serem distribuídas, em 2009
coordenador de projetos Voluntariado, que começou como
office boy do projeto e hoje é seu braço direto, está de malas
prontas para um curso em Harvard.
“Os verdadeiros heróis”
Telma tem em mãos estudos sobre a importância da chegada
do Voluntariado do Einstein na comunidade (leia box na
página 58), porém ainda não teve tempo de consolidá-los.
Mas sabe que tipo de impacto a comunidade teve sobre ela.
Aos 61 anos, conheceu uma solidariedade que, segundo
ela, “só existe lá”. Um dia, passando pelo ambulatório, viu
uma senhora esperando por atendimento amamentando
duas crianças, uma em cada peito. Como eram muito
diferentes, ficou curiosa e foi falar com ela. Soube então
que um deles era seu filho e o outro, filho da vizinha que
estava trabalhando. “Os verdadeiros heróis nascem nessas
coletividades e essa é uma lição que jamais esquecerei.”
Hiperativa e risonha, filha de um comerciante e de
uma dona de casa, a paulistana Telma diz ter tirado dos
pais importantes lições de vida. “Meu pai me deixou o
entendimento de que precisamos ter prazer na vida; minha
mãe, que entrou na faculdade de direito aos 54 anos, me
passou a certeza de que apenas a busca pelo conhecimento
pode nos fazer evoluir”, diz.
57
Personnalité
Telma cursou pedagogia na PUC e casou cedo com
Reynaldo Brandt, que se tornaria um dos mais renomados
neurocirurgiões do país. Juntos, tiveram três filhos
(atualmente com 37, 35 e 30 anos) e impulsionaram o
Voluntariado do Einstein para outro patamar. Hoje, Telma
mora sozinha em um apartamento pequeno, mas grande o
suficiente para abrigar os dois netos. “Antes, morava numa
casa enorme que me dominava completamente. Hoje, eu é
que domino o apartamento”, diz, rindo.
Quando tem tempo, gosta de viajar. Já foi para Mianmar,
Vietnã, Camboja, Egito. “Tenho uma liberdade que não pensei
que um dia poderia ter”, comenta. Outro dia, conta, almoçou
na casa de uma família na comunidade e à noite estava com
amigos jantando em um dos restaurantes mais finos da cidade.
“A comida do almoço estava muito melhor do que a do jantar”,
confessa, deixando escapar certo orgulho.
Mas Telma não é apenas uma senhora dócil e sorridente.
Quando é preciso, sabe morder. Como mordeu, uma vez,
quando o rico proprietário de um pedaço de terra invadido
em Paraisópolis passou por ela em um restaurante da
cidade. “Ele veio todo pimpão dizer que queria me doar a
terra. Perguntei se o IPTU estava em dia, e ele me disse que
não estava, mas que, como ia me dar, a conta era minha.
Virei uma fera. ‘Então o senhor quer me doar a sua dívida,
isso sim!’.” Lidio Moreira conhece bem esse ímpeto: “Ela
briga até com os seguranças e técnicos de manutenção
caso se depare com coisas malcuidadas. Corre de um lado
para o outro todo santo dia, faz questão de oferecer a essa
população o que o Einstein tem de melhor”.
Qualquer dissabor político é logo esquecido quando
Telma vê um caso de superação dentro da comunidade.
“Não é raro você notar uma criança toda encolhida durante
a atividade e depois saber que ela foi estuprada. E aí,
quando você volta e percebe a criança brincando e sorrindo,
totalmente integrada, tudo vale a pena.”
Ela diz não saber até quando fará o que faz porque a
cada dia que passa tem menos estômago para politicagens,
mas sabe que continuará a brigar por justiça como puder.
Pergunto se ela se sente feliz e Telma pensa antes de
dizer: “Se morresse hoje, iria sabendo que fiz o que pude.
Tenho um gosto bom de missão cumprida, mas também o
entendimento que não fiz nada além do que deveria ter feito
com tudo o que me foi dado”.
Telma Sobolh
_
Paraisópolis: índice
de qualidade de vida
comparável ao dos
Estados Unidos
Índice comumente usado para avaliar a qualidade
de vida de uma população, o coeficiente de mortalidade infantil (CMI) é um bom medidor para
entender o impacto do trabalho da equipe de
Telma Sobolh em Paraisópolis. Dados da Secretaria de Saúde do município de São Paulo mostram
que entre 2000 e 2007 o distrito de Vila Andrade,
onde se localiza a Paraisópolis, saiu dos piores
CMIs do município para estar entre os melhores.
O CMI local, que era de 18,1 por mil nascidos vivos, saltou para 8,2 por mil, número que pode ser
comparado ao de países como EUA (6 por mil) e
Polônia (7 por mil). No mesmo período, o CMI da
cidade de São Paulo foi de 15,8 por mil para 12,2
por mil. O trabalho do Voluntariado do Einstein na
comunidade começou em 1998 e, atualmente, tem
quatro braços: o departamento que funciona dentro do hospital, o complexo de Paraisópolis, uma
parceria com o hospital público de M’Boi Mirim e
uma casa para idosos na Vila Mariana.
58
na página ao lado, a entrada do complexo telma sobolh
em paraisópolis. acima, vida nova na comunidade garante
o sorriso das crianças
59
Por Cássio Starling Carlos Ilustrações Veridiana Scarpelli
“Q
manias
de esfinge
Vinte e cinco anos após a morte de Clarice Lispector, dez hábitos
que definem a mais enigmática escritora brasileira
ue mistério tem Clarice”, indagou Caetano no verso de uma
canção. A mulher de olhar felino e penetrante, vinda de lugar distante, produziu
uma obra feita de meandros e profundidades, única em sua dicção de estrangeira bem brasileira. Bastou juntar as duas
metades para que a escritora Clarice Lispector fosse confundida com a esfinge,
criatura mítica, enigmática e irresistível.
Antes de desembarcar com a família
em Maceió, em março de 1922, Clarice
era chamada de Chaya, nome que em
hebraico significa “vida”. A menina nasceu em 10 de dezembro de 1920 numa
aldeia da Ucrânia e era bebê quando a
família judia fugiu do caos e do antissemitismo e veio parar no Brasil.
Ela passou a infância no Recife e, na
adolescência, mudou-se para o Rio, onde
formou-se em direito. Mas aos 13 anos de
idade “tomou posse da vontade de escrever”, como definiu seu destino.
Perto do coração selvagem, seu primeiro romance, publicado em 1943,
61
anuncia na escrita e na narrativa a insubordinação aos cânones literários da
época. No entanto, em vez de reduzir o
modernismo à rebeldia, Clarice construiu
uma obra a partir da afirmação radical da
subjetividade, condição sine qua non de
toda a experiência humana, e por meio
dela projetou uma espiritualidade além
dos dogmas religiosos.
Além de imensa contista, Clarice alcançou o ápice da criação na forma longa
do romance, em livros como A paixão segundo G.H. e A hora da estrela, nos quais
pôs a nu a solidão.
Antes de se dedicar com mais exclusividade à produção literária e à educação
dos dois filhos, Pedro e Paulo, Clarice foi
casada, de 1943 a 1959, com o diplomata
Maury Gurgel Valente. Por força das
obrigações dele como funcionário do Itamaraty, ela viveu quase todo esse período
fora do Brasil, na Itália, Suíça, Inglaterra
e nos Estados Unidos.
De volta ao país, ela encontrou no
jornalismo recursos para subsistir, es-
timulada pelos amigos escritores que
dependiam do mesmo procedimento,
enquanto a literatura era gestada de maneira paralela, quase subterrânea. Como
cronista de jornal, sua produção entre
1967 e 1973 projetou, desde a intimidade,
os dilemas de uma sociedade que oscilava
entre a submissão ao autoritarismo e o
desejo de liberdade.
Sua assinatura se popularizou ainda
mais com as peripécias melancólicas
de Macabéa, protagonista de A hora da
estrela, romance que Clarice publicou
poucas semanas antes de ser internada
em decorrência de um câncer. A morte,
na manhã de 9 de dezembro de 1977, a
converteu definitivamente em um dos
nomes mais admirados, pesquisados e
influentes da cultura brasileira.
Recentemente, o trabalho conduzido
por seus biógrafos devolveu ao público
uma personalidade instável e sedutora.
“O que mais me impressionou pesquisando Clarice foi o amor que as pessoas
têm por ela”, diz o americano Benjamin
Moser, que escreveu a biografia Clarice
(Cosac Naify). “As pessoas a amam como
se fosse a melhor amiga. E, de certa
forma, ela é: uma pessoa que consegue
comunicar o que somos, como amamos,
nascemos e morremos. Alguém que entra
pelo coração, não pela cabeça.”
Para trazê-la para mais perto, Revista Personnalité escolheu dez facetas de
Clarice que poucos conhecem.
“A senhora
Lispector é
uma ruiva
estonteante
dotada do
carisma de
uma estrela
de cinema”
3
1
A colunista
O zelo (ou excesso de) com
a aparência
A atenção à aparência não se resumia
aos momentos em que a escritora se disfarçava sob heterônimos para colaborar
para jornais como colunista dedicada a
assuntos de mulheres. Ela nunca se descuidou da imagem e costumava causar
forte impressão. Um repórter americano, por exemplo, escreveu: “A senhora
Lispector é uma ruiva estonteante dotada do carisma de uma estrela de cinema, capaz de iluminar todo e qualquer
aposento no qual ela entre”.
Ao fim da vida e a despeito da saúde
debilitada, Clarice fez questão de se
manter atraente, contratando um maquiador que a visitava todo mês. Gilles
realçava o tom louro das sobrancelhas,
aplicava cílios postiços e destacava a inconfundível linha dos lábios. Sua fidelidade foi testada por chamados da cliente
em horários fora do padrão, como no
meio da noite. Às vezes, ele a encontrava
sedada. Mas fazia o trabalho mesmo assim, superando o desafio de pregar cílios
postiços enquanto ela dormia.
62
2
Quarto em chamas
Como todo mundo, Clarice tinha manias.
Algumas inofensivas, como datilografar
com a máquina de escrever no colo. Outras, de risco, como fumar na cama sob o
efeito de soníferos.
Numa noite de setembro de 1966,
ela acordou com o quarto em chamas.
Gravemente ferida com queimaduras de
terceiro grau, ficou três dias entre a vida
e a morte. Por pouco não teve a mão
direita amputada. Só saiu do hospital
depois de três meses, após enxertos e
sessões de fisioterapia que lhe devolveram parcialmente os movimentos e ela
pôde voltar a datilografar.
Muita gente achava que seu nome era
pseudônimo. Apesar de nem se comparar com Fernando Pessoa, recordista de
heterônimos, Clarice também escreveu
disfarçada de outras. Sua escrita literária,
considerada complexa e cheia de segredos, saltitou fora dos livros em assuntos
bem mais epidérmicos, dando truques
infalíveis de como usar maquiagem ou
compartilhando soluções caseiras que
deixam uma bolsa gasta parecendo nova.
Em vez do respeitável nome civil, ela
se travestiu de Teresa Quadros e Helen
Palmer, mulheres tão ficcionalmente
verdadeiras como a Lóri ou a Macabéa
de seus romances. Mais de verdade ainda
era a modelo e atriz Ilka Soares. “Só para
Mulheres”, coluna sobre modos e modas
assinada por Ilka no Diário da Noite, era
de fato inteirinha escrita por Clarice.
Atrás desses pseudônimos, a escritora produziu colunas para jornais
cariocas entre 1952 e 1960, misturando
deliciosas ironias sobre a condição feminina com dicas infalíveis para a mulher moderna não perder a majestade
do lar nem parecer jeca quando precisasse subir nos saltos.
5
4
A aversão social
A paixão animal
Desde o primeiro livro, toda sorte de
bicho ocupou lugar especial em suas
páginas. Cavalos, saguis, galinhas e até a
incontornável barata de A paixão segundo
G.H. atestam o fascínio, o gosto por essas
criaturas que ela definiu como “uma das
formas mais acessíveis de gente”.
No dia a dia, essa afinidade tinha a
fidelidade de Ulisses, um cão vira-lata
que ganhou status de personagem e até
de narrador. Para ela, o companheiro
era “um pouco neurótico”, mas muito
especial, pois “fuma cigarros, toma uísque e Coca-Cola”.
Numa crônica, Clarice ofereceu uma
razão irrefutável para tanto afeto. “A
quem não conviveu com um animal falta
um certo tipo de intuição do mundo vivo.
Quem se recusa à visão de um bicho está
com medo de si próprio”, cravou.
63
“Não tenho qualidades, só tenho fragilidades”, confessou em carta à amiga Olga
Borelli. Enquanto o temperamento quebradiço ajudou a fortalecer a ficção, as
dificuldades de convivência fomentaram
a fama de “excêntrica”.
Não era raro que entre amigos as
atitudes de Clarice contrariassem os padrões elementares da sociabilidade.
Regularmente ia almoçar aos domingos na casa do escritor Autran Dourado,
mas durante os encontros tomava uma
pílula para dormir e caía no sono.
Às vezes, a fobia funcionava bem
como recurso para se livrar de situações
exasperantes, como aconteceu ao desaparecer durante um seminário de teoria
literária. Quando a localizaram, explicou: “Aquela discussão toda me deu tanta fome que eu vim para casa e comi um
frango inteiro”.
8
Congresso do além
6
após seis
anos, seu
analista,
esgotado,
sugeriu que
parassem
a terapia
A preocupação financeira
Sobreviver como mulher separada, com
filhos para cuidar, e ter de enfrentar resistências editoriais à sua literatura desafiadora deram mais que motivos para
ver crescer rugas na testa. Enquanto seu
sonho era ficar rica para poder se dedicar apenas à escrita, na vida prosaica ela
se obrigava a improvisar como jornalista, tradutora e até ghost-writer para
cobrir as despesas.
A crise maior veio no início de 1974
com o fim abrupto da coluna de crônicas no Jornal do Brasil. Na turbulência,
Clarice chegou a tentar vender a amigos
o retrato dela feito pelo pintor italiano
Giorgio de Chirico em Roma, em 1945.
O jeito foi apelar para as traduções,
que os editores encomendavam apesar
do tratamento descuidado que a escritora dava à tarefa, movida pela necessidade de fazer volume.
64
7
A voz
Logo no primeiro romance publicado, no
início dos anos 1940, os críticos reconheceram na escrita da autora uma estranha
voz, uma atmosfera estrangeira da linguagem que distinguia seu texto de tudo
o que havia sido publicado até então na
literatura brasileira.
Na pessoa dela, essa distinção soava
exótica, devido ao sotaque marcado por
erres guturais, característica comum aos
filhos de imigrantes judeus no Brasil.
Ela chegou a buscar solução com
um amigo fonoaudiólogo, mas depois
de um tempo o médico soube que a
pronúncia ia e vinha. Deixaram para
lá depois que ela assumiu que era um
recurso pessoal, um detalhe do qual ela
preferiu não se desfazer.
A mitologia de uma Clarice misteriosa,
quase sobrenatural, tirou substância
da mescla entre a opacidade de seu
texto literário e a imagem insólita,
marcada por traços eslavos e voz de
erres acentuados.
Em seu humor típico, Otto Lara Rezende avisou a uma escritora canadense
em visita ao Brasil para ter cuidado. “Não
se trata de literatura, mas de bruxaria”,
alertou. Se ela usasse chapéu pontudo e
voasse numa vassoura ninguém duvidaria que fosse mesmo bruxa.
Nem foi preciso recorrer a esses
apetrechos quando a imprensa sedenta
de bizarrices anunciou a participação da
autora no Primeiro Congresso Mundial
de Bruxaria, realizado na Colômbia em
agosto de 1975.
Para decepção geral da nação, Clarice avisou na primeira frase ter pouco
a dizer sobre magia. Pediu que a plateia
escutasse a leitura, em inglês, de seu
conto O ovo e a galinha. De volta ao Brasil, resumiu: “Acho que o público, muito
heterogêneo, teria ficado mais contente
se eu tivesse tirado um coelho da cartola. Ou se caísse em transe”.
10
A carente
9
A análise “terminada”
O grau de introspecção atingido por
Clarice na literatura ecoava ou recebia
contrapartidas da fidelidade com que
frequentou divãs.
Em meados dos anos 1960, ela chegou
a ter sessões diárias de uma hora, com
exceção dos fins de semana, sem atrasar
ou faltar a nenhuma. Depois de seis anos,
seu psicanalista, sentindo-se esgotado,
sugeriu que suspendessem a terapia.
Ele a descreveu como “uma figura
fantástica, uma mulher generosíssima,
mas não era fácil conviver com ela. Era
uma pessoa com uma carga de ansiedade que poucas vezes eu vi na vida. Viver
era, para ela, nessa medida, um tormento. Ela não se aguentava. E as pessoas
também não a aguentavam. Eu mesmo,
como analista, não aguentei”.
65
Nem era preciso a perspicácia profissional dos psicanalistas para observar em
Clarice um “enorme déficit materno e
paterno”. As pessoas que se tornaram
próximas logo descobriam como ela
também podia se tornar um poço sem
fundo de carências.
Como era insone, dormia cedo, mas
acordava de madrugada e dava longos
telefonemas em busca de alívio para suas
tensões e angústias.
Esse detalhe da personalidade, contudo, não a impedia de ser generosa e
atenciosa ou até de se devotar a relações
maternais, como a que estabeleceu com
Andréa, uma garota de 9 anos que ela
adotou como filha espiritual.
Mas o tipo de demanda afetiva de
Clarice se explicita na resposta que deu a
Ziraldo numa entrevista, quando ele lhe
perguntou “o que é um amigo?”.
“Uma pessoa que me veja como eu
sou. Que não me mistifique. Que me permita ser humilde.”
Telma Sobolh pergunta:
Como
a arte
as
classes
sociais?
aproxima
Gilvan Samico responde:
A arte melhora o homem. Desde que você se dedique
com persistência, a arte pode transmitir uma mensagem
de paz e de amor para as pessoas – e essa distância entre
classes naturalmente diminui. Simples assim.
66
67
Por Ronaldo Bressane, de Olinda fotoS Lia Lubambo
o
Enigma
Samico
“Mestre de si mesmo e discípulo de ninguém.” Assim Ariano
Suassuna define o amigo Gilvan Samico. Um dos maiores
gravuristas vivos, o retraído pernambucano ganha aos 83
anos o primeiro livro dedicado a sua vida e obra singulares
samico com a matriz da gravura fruta-flor
Personnalité
S
o processo
de criação de
uma gravura
demora um
ano. cada
matriz
multiplica-se
em 120
exemplares
amico levanta um martelo e requisita meu smartphone:
“Me dê essa desgraça, homem, me dê, por favor, vou
acabar com seu sofrimento!”, ordena. E solta uma gargalhada
profunda: era a enésima vez que o aparelho desligava
sozinho, interrompendo nossa conversa nele gravada. O
smart Samico não tem sequer e-mail, detesta computador
e só fala ao telefone amarrado. “Sou arcaico”, orgulhase. Quando a Revista Personnalité bateu à sua porta – um
sobrado de 300 anos vizinho ao mosteiro de São Bento, em
Olinda, Pernambuco –, esperava encontrar um ermitão.
Relatava-se que o lendário gravador é muito tímido, não
gosta de dar entrevistas e mal fala com a própria mulher.
Quase tudo verdade, como o leitor saberá à frente. Porém,
talvez mais à vontade pelo fato de conhecer a fotógrafa Lia
Lubambo desde “pirraia”, como dizem em pernambuquês,
Samico abriu-se. A começar pela oficina em seu quintal,
onde plaina e lixa as madeiras que usará em suas obras – ora
reunidas, pela primeira vez em seus 83 anos e 60 de carreira,
na classuda edição Samico (editora Bem-Te-Vi). O livro será
lançado junto com o vernissage da exposição na galeria
Estação, em São Paulo, dia 30 de maio.
“Está vendo essa madeira? É amarelo-cetim. Quase
todas as matrizes são nela”, descreve, enquanto abotoa a
camisa branca. Ele veste bermuda em tecido cru – e crocs
cinzentos. “Pequiá-marfim eu também usava, só que entrou
em extinção, só achei esse resto aqui num armazém, com
prego e rachadura. Elas vêm da Amazônia. Só que agora o
amarelo-cetim também entrou em extinção... Menina, vai
cair daí!”, adverte a fotógrafa Lia, equilibrada num pé só
sobre um degrau. “Rapaz... é muita muriçoca, né? Desculpe”,
diz, estapeando-se, à caça dos terríveis mosquitinhos dos
vastos quintais de Olinda.
Gilvan Samico passa uma imagem de extremo vigor,
lucidez e esperteza aguda. Ele se orgulha de demonstrar:
detém o controle total de sua produção. O processo passa
pela invenção de enormes máquinas de impressão e dos
próprios instrumentos (como uma goiva que não deixa que
o fio da madeira enrole e encubra o desenho enquanto a
superfície da placa é cortada) até a mistura da tinta (com
pouco óleo, para aderir foscamente ao papel). Vai também
da escolha e limpeza da madeira, passando pela ilustração
– uma gravura pode resultar de cem desenhos diferentes,
e cada desenho leva uns 20 dias –, à lenta aplicação das
goivas e dos buris aos veios da peça; segue-se o tingimento
de áreas da matriz, e, afinal, a gravação sobre uma folha de
papel japonês de inalteráveis 1 metro por 60 centímetros.
Cada matriz multiplica-se em 120 exemplares, mais as 12
cópias do artista. O processo demora um ano, ou vários anos:
o próprio Samico imprime exemplar por exemplar, nem
todos de uma vez. Samico, que detesta a palavra “cópia”, diz
que todo exemplar é único, tal como único é o preço para
todas as obras – vendidas por ele mesmo: o artista é avesso a
marchands ou galerias. Assim tem vivido – “e muito bem” –
nos últimos 40 anos.
Em sua impressionante sala, ornada com dezenas de
obras suas, incluindo as raras pinturas, Samico conta que
mora nesta casa desde 1965; no século 17, o sobrado de três
andares teria sido erguido por João Fernandes Vieira, herói
da Restauração Pernambucana que expulsou os holandeses
– segundo o gravador, “um herói sem nenhum caráter”.
Começou a gostar de desenho aos 17 anos, quando achou
um caderno com ilustrações de estrelas de Hollywood e
teve o súbito desejo de copiar aquilo tudo. Mais tarde, ao
vencer um prêmio no XVI Salão do Museu do Estado de
Pernambuco, foi a São Paulo estudar com o gravador paulista
Lívio Abramo; na fila de pegar o ita (embarcação que fazia a
rota Nordeste-Sudeste), conheceu um de seus raros pares,
Francisco Brennand – homem tão esquivo e de obra tão
exclusiva quanto Samico. Brennand lhe deu dicas preciosas,
que lhe possibilitaram mais tarde viver sete anos no Rio de
Janeiro, onde trabalhou no escritório de Aluísio Magalhães,
70
na página ao lado, fruta-flor, 1998
71
Personnalité
_
“Mestre de si mesmo e
discípulo de ninguém”
um dos maiores designers gráficos brasileiros. No Rio, fez
amizade com os mestres gravadores Osvaldo Goeldi e Iberê
Camargo. Afastava, no entanto, a identificação de sua arte
com a política; ao contrário de colegas que combatiam a
ditadura e propunham uma arte participativa, preferiu uma
“arte atemporal” – até hoje, define-se como “apolítico”.
Por Ariano Suassuna
"A obra de Samico foi decisiva para o estabelecimento da
histórias bíblicas e lendas indígenas
poética do Movimento Armorial. Ele me procurou no início da
Mas foi um encontro com Ariano Suassuna (leia box ao
lado com depoimento) que determinou o norte de sua obra.
Procurado por Samico, o paraibano, autor de O auto da
Compadecida, já estabelecido como um dos grandes do teatro
nacional, sugeriu ao gravador que explorasse o universo
da xilogravura sertaneja. “Foi um coice de mula!”, ele diz,
que culminou com sua entrada no Movimento Armorial –
de que também participaram o artista plástico Brennand,
o escritor Raimundo Carrero e o Quinteto Armorial. A
iniciativa de Suassuna previa um tratamento erudito e
altamente estetizante da cultura popular nordestina – em
especial a literatura de cordel ao lado de histórias bíblicas
e lendas indígenas. Em 1965, já estabelecido em Olinda e
casado com a dançarina Célida, filhos Marcelo e Luciana
a tiracolo, faturou mais prêmios e rumou para a Espanha,
onde passou alguns anos tristes; com banzo de Pernambuco
e descontente com o expressionismo onipresente no
década de 1960, com a cortesia e a humildade que sempre
acima, samico mostra um desenho para seu
projeto atual, a agonia de ícaro
72
o caracterizavam, pedindo-me uma orientação. Eu lhe disse
para mergulhar no universo mágico do romanceiro popular
nordestino. Ao longo dos anos seguintes, Samico sempre
referiu-se a esse encontro demonstrando a generosidade de
seu caráter e a ausência de vaidade. Foi dali, de um simples
conselho, que ele partiu em sua viagem iniciática – mas já tinha
vários requisitos: a força para desaprender as cosmovisões
alheias, que nos são impostas pela massificação cultural; o tino
para distinguir as vozes ilegítimas de sua família espiritual; a fé
em si mesmo, para desbravar, muitas vezes a golpes de facão, a
vegetação cerrada e espinhenta que surgia à sua frente, abrindo
as próprias veredas no território áspero e tirano da beleza; a
tenacidade para perseverar em seu caminho, mesmo quando
os arautos de uma pseudovanguarda o julgavam anacrônico
e arcaico. É um raro caso de um artista superior, mestre de si
mesmo e discípulo de ninguém."
GILVAN SAMICO
As interpretações para as obras de Samico são inúmeras –
quase sempre insuficientes. “As soluções plásticas fornecem
as metáforas mais diversas”, escreve o crítico Weydson Barros
Leal, autor do livro sobre Samico. “As figuras, inexplicáveis
à luz da lógica, fazem com que perdamos o contato com
toda fabulação conhecida de onde a ideia possa ter partido, e
chegamos a uma mitologia muito particular.” Embora exista
indicação de drama ou narrativa – motivada pelas severas
divisões do retângulo –, não há tempo ou espaço evidentes.
Talvez pela ameaçadora presença do preto e dos contrastes
violentos entre esparsas áreas coloridas, esses estranhos
diagramas, mapas e calendários estão longe de ser decorativos:
habita esses espaços e personagens uma imóvel perturbação.
Para o crítico Jacob Klintowitz, Samico é um inventor de
mitos. “O artista vai ao inconsciente coletivo, onde navegam
os arquétipos, e, ali, pesca imagens imantadas de complexas
significações, que reelabora a partir de suas referências
particulares”, afirma. O crítico e artista Frederico Morais
analisa: “Samico faz uma operação de limpeza do espaço
gráfico, simultaneamente à introdução de um tempo fora do
tempo. A figura humana é um logotipo, a natureza é reduzida
à estrutura. É um mundo lavado, que encaramos como
que pela primeira vez”. Para Morais, a extrema economia
criativa, que faz com que Samico só produza uma obra por
ano, indica a vontade de realizar uma gravura impecável.
cenário da gravura, não fez uma única peça. Mas a
temporada rendeu amizades com artistas catalães e com o
conterrâneo João Cabral de Melo Neto – o poeta era cônsul
em Barcelona. “Tomamos um porre histórico, uma vez. Mas
nossa conversa era complicada... o camarada João, como eu,
não era muito de falar”, lembra.
Nos anos 1970, a arte de Samico foi responsável por “dar
a cara” ao Movimento Armorial na medida em que tornava
sua arte cada vez mais direta e misteriosa. Já em 1966, com
O banho de Suzana (baseado no primeiro conto de detetive
da história, narrado no Livro de Daniel), Samico dinamita
perspectiva, volume e profundidade. Passa a aplicar figuras
em um único plano, à maneira egípcia, ao mesmo tempo em
que introduz espelhismos, duplos e signos religiosos e pagãos
que se tornaram sua marca. Reduz cenas e personagens ao
contorno, elimina detalhes, busca a síntese, refuta qualquer
naturalismo ou referência local. Muitos símbolos são
recorrentes à obsessão: pássaros, ondas, flechas, barcos,
círculos, estrelas de Lampião, dragões, leões, árvores, peixes,
bois, luas, flores – e serpentes. “Uma vez colocaram o Roberto
Carlos num hotel aqui”, conta Samico, “e quando ele viu uma
obra minha no quarto mandou tirar. O homem tem medo de
cobra!”, gargalha. O Rei pode não gostar, mas Samico adquiriu
status internacional: foi convidado para duas Bienais de
Veneza e tem obras no acervo do MoMA de Nova York.
acima, detalhes do entalhe e da impressão da matriz da gravura
fruta-flor; mãos de samico entalhando a madeira com suas goivas
(a gravura fruta-flor está na pág. 71)
73
na página ao lado, criação – o sol, a lua, as estrelas (2011); nesta
página, de cima para baixo, a criação das sereias (2002) e Via-Láctea
– Constelação da Serpente (2005)
GILVAN SAMICO
Agradecimentos: Editora Bem- te- vi
Personnalité
76
elementos. Sou só um encantador de serpentes, e cada dia fica
mais difícil domesticá-las”, afirma Samico – que acredita ainda
não ter chegado à obra-prima. “Quero morrer trabalhando nas
minhas doidices”, desafia. Perguntado sobre se acredita em
Deus e na vida após a morte, galhofa: “Você está forçando a
barra com essas perguntas!”, ri e nos convida para um café.
Enquanto negocia pelo telefone com uma galerista de
São Paulo, Samico explica
os motivos da súbita
loquacidade. “Uma vez o
Rubem Braga veio aqui fazer
uma entrevista para a TV, e
de repente eu não conseguia
responder suas perguntas.
Como ele também era ruim
de conversa, ficamos os dois
nos encarando em silêncio.
Acho que foi daí que veio
essa fama”, conta. A mulher,
Célida, voltando da aula
de ioga e dança criativa –
aos 82, é a mais longeva
professora em Pernambuco
– confessa que, 20 anos
atrás, ele mal falava com ela.
“E casal lá precisa falar?”,
ri. Enfim, Samico indica: a
culpa é do rádio. Das sessões
de radioterapia que fez ano
passado, para curar um
câncer na bexiga. “Depois do
tratamento, acho que fiquei
radioativo!”, brinca.
Por conta da saúde
fragilizada e da obsessão
com Ícaro, o artista sai
pouco, ao contrário de
tempos atrás, quando descia
as vielas de Olinda sem hora
para voltar. E bebe, ainda?
“É um convite? Você bebe
o quê?”, levanta-se, indo buscar um vinho chileno. E mais
uma garrafa viria. E mais causos, mais lendas por trás das
obras. À despedida, ao som dos sinos do mosteiro de São
Bento, saímos certos de que, mesmo loquaz, Samico falou,
nos enrolou e não revelou nada: mas deixou gravado na
memória, com humor, seu mistério fora do tempo.
“Na técnica, tudo é transparente: não há truques, macetes”, diz.
Morais aponta que, ao dividir a gravura em “compartimentos”,
onde figuram guerreiros, mulheres, pássaros, serpentes,
bandeiras, cometas e rios, o artista os “prende”, como se em
tempos congelados e interconectados. “Trata-se de um autor
de uma obra de extrema qualidade, de características muito
singulares. Um dos mais importantes artistas brasileiros da
segunda metade do século
20”, resume Marcelo Araújo,
diretor da Pinacoteca de São
Paulo. “Samico trabalha com
um imaginário extremamente
sofisticado, mistura signos de
várias culturas. É um equívoco
relacionar seu trabalho somente
ao cordel, que é apenas uma de
suas fontes.”
Tudo muito bonito, só que
Samico recusa explicações.
Religioso? É cético. Transe?
Nada, só existe muito trabalho.
Psicanálise? Jamais. “Tenho
aí um livro de Jung – mas
sou um homem de ação; ler
me dá vontade de dormir!”
Mostra um desenho em que
está trabalhando. “Esse projeto
se chama A agonia de Ícaro.
Houve uma exposição no
Rio da obra de Tom Jobim
e fui convidado a fazer uma
pintura em cima de uma das
composições dele, O boto.
O quadro foi vendido, mas
a ideia ficou: por que não
fazer uma gravura sobre isso?
Aí, de vez em quando vêm...
vêm umas coisas que a gente
não sabe. Por que é que de
repente me deu vontade de
botar um Ícaro aí? De repente
não me interessava mais falar em boto e sereia, e sim no
deslumbramento de Ícaro. Aí vou apagando, colocando...
nunca parto de um esquema definido”, explica.
E por que repetir os elementos? “Às vezes me pergunto: me
repito? Mas isso é parte de minha caligrafia – a lua, a serpente,
o pássaro, a estrela. Tenho que me virar com os mesmos
acima, a árvore da vida e o infinito azul (2006); na página ao
lado, samico entre algumas de suas obras, à sua direita:
criação – o sol, a lua, as estrelas (2011)
77
Por Adriana Setti, de Barcelona
SAFRA
RENOVADA
AGE FOTOSTOCK GRUPO KEYSTONE
O circuito de enoturismo na Espanha
investe em arquitetos renomados
para revitalizar suas marcas. “O país
é o centro de inovação em design
de vinícolas”, diz o especialista
britânico Peter Richards
a vinícola de ysios, em laguardia, leva a assinatura do arquiteto
santiago calatrava e teve o custo aproximado de 15 milhões de euros
79
L
a Rioja e Ribera del Duero, duas das
principais regiões vitivinicultoras
do norte da Espanha, consolidaram
uma tendência que atrai cada vez mais
turistas para a região: o casamento entre enologia e design de vanguarda. Terreno tão fértil para as uvas tempranillo
quanto para a criatividade dos maiores
nomes da arquitetura contemporânea,
as áreas colecionam obras de sir Norman Foster, Zaha Hadid, Philippe Mazières, Frank O. Gehry, Santiago Calatrava, Richard Roger, entre outros. Um
time de craques que soma quatro prêmios Pritzker, o Oscar das pranchetas.
Em La Rioja, a febre arquitetônica
adquiriu caráter epidêmico depois
que o arquiteto valenciano Santiago
Calatrava materializou uma das mais
revolucionárias vinícolas da Espanha.
Concebida com um custo aproximado
de 15 milhões de euros, a Ysios emerge
dos vinhedos que cercam o vilarejo
de Laguardia. A bodega faz um dueto
improvável com o centro antigo da cidade murada, enquanto o desenho do
teto da vinícola joga com o contorno
da Sierra Cantabria. “Calatrava transformou um edifício funcional em uma
imagem inesquecível: uma onda feita
de madeira e alumínio que mimetiza a
serra e simboliza o processo de transformação da uva em vinho”, escreveu
o britânico Michael Webb em seu livro
Adventurous Winery Architecture (algo
como “Aventuras em Arquitetura de
Vinícolas”, editora Images Publishing,
sem tradução ao português).
Formada por ruelas delimitadas por
casas de pedras e 625 habitantes, a cidade
de Gumiel de Izál, na província de Burgos, a 170 quilômetros ao norte da Espanha, também passou por uma revolução
em sua rotina devagar quase parando.
colheitas de uvas e acompanhou de
perto as etapas de produção, da fermentação à armazenagem. “Foi nossa
primeira vinícola, então não tínhamos
nenhuma pré-concepção de como deveria funcionar”, conta sir Norman Foster
para Revista Personnalité. “Tivemos
uma oportunidade de começar do zero,
tendo o vinho e as paisagens de Ribera
del Duero como pontos de partida, o
que nos levou a apostar em materiais
vinculados às tradições regionais, além
de incorporar espaços públicos abertos
para a paisagem, que servissem para
aprimorar a experiência dos visitantes.”
Antes de Foster conceber a obra
em Ribera del Duero, a região já era famosa graças à nova sede da Protos, em
Peñafiel. Concluído em 2008, ele leva a
em Gumiel de Izál, sir norman foster criou uma estrutura em
forma de flor, moldada em aço, concreto, madeira e vidro, na
vinícola portia: obra estimada em 25 milhões de euros
80
a equipe
de norman
foster
participou
da colheita
da uva
para criar
a obra de
portia
teira contratando o francês Philippe
Mazières para desenhar uma nova sede
na localidade de Pesquera del Duero
(também em Ribera del Duero). Notório
por ter dado forma a vinícolas como a
Château Margaux, da região francesa de
Bordeaux, o arquiteto rompeu com os
traços clássicos que o alçaram ao pedestal e elaborou um edifício modernista,
arejado, com enormes painéis de vidro,
num esforço de integrá-lo ao máximo à
paisagem local. Estava inaugurada uma
nova era. Em 2004, Mazières repetiria a
dose com a vinícola Viña Real, uma colossal tina de madeira e aço que repousa
sobre uma colina nos arredores de Laguardia, em La Rioja. “Ainda que outras
regiões produtoras, como Napa Valley,
na Califórnia, e Bordeaux, na França,
divulgação
O diferencial por essas bandas de ar provinciano são as novas instalações da vinícola Portia: uma estrutura futurista em
forma de flor, moldada em aço, concreto,
madeira e vidro. Obra de 25 milhões de
euros em uma área de 11.300 metros
quadrados, a bodega leva a assinatura do
arquiteto britânico sir Norman Foster,
autor de projetos globalmente célebres,
como o aeroporto de Pequim. A empreitada representa a estreia de Foster no
mundo do vinho.
Na vinícola Portia, os materiais
utilizados estão diretamente relacionados ao processo de produção: o aço
dos depósitos, a madeira dos barris,
o vidro das garrafas. Para mergulhar
nesse mundo até então desconhecido,
a equipe de Foster participou de duas
divulgação
assinatura do britânico Richard Rogers,
autor do Centre Pompidou de Paris e
ganhador do Pritzker de 2007. Com
um orçamento de 36 milhões de euros,
a estrutura em forma triangular é coberta por placas de madeira laminada,
apoiadas sobre arcos parabólicos que
formam cinco abóbadas entrelaçadas. O
edifício funciona como um ornamento
high-tech para uma colina coroada com
um castelo medieval. O resultado é um
show de contraste entre o antigo e o
contemporâneo, ao qual os habitantes
da Espanha profunda estão cada vez
mais habituados.
No entanto, o empreendimento
pioneiro na região de Ribera del Duero
é a vinícola Hacienda Monasterio, que,
no início dos anos 1990, saiu na dian-
na foto menor, a vinícola viña real, em laguardia, obra do
arquiteto philippe mazières. acima, a vinícola protos, de
richard rogers, em peñafiel
81
estejam experimentando novas formas de arquitetura, a Espanha é, sem
dúvidas, o ponto-chave do boom de
inovação em design de vinícolas”,
comenta o britânico Peter Richards,
crítico de vinhos, apresentador do
programa Saturday Kitchen, do canal BBC, e autor do livro Wineries
with Style (“Vinícolas com Estilo”,
editora Mitchell Beazley, sem tradução no Brasil), em que analisou o
a butique da vinícola lopes de heredia vinã tondonia, desenhada
pela arquiteta zaha hadid, tem formato de um decantador
82
frank O.
gehry usou
lilás, rosa
e dourado
para
lembrar
os vinhos
tinto, rosé
e branco
Ainda que a crise econômica mundial de 2008 (cujas consequências para
a economia espanhola foram e ainda estão sendo fortíssimas) tenha diminuído
o ritmo da revolução do design das vinícolas espanholas, novidades devem ser
anunciadas em breve. Marca catalã conhecida por seus cavas, a Freixenet tem
em mãos o projeto de uma nova vinícola
na cobiçada Laguardia, à espera de um
momento econômico mais favorável. O
autor é o revolucionário arquiteto japonês Toyo Ito. A julgar por sua sede de
inovação – a torre do hotel Porta Fira
em Barcelona, de sua autoria, arrebatou
o importante prêmio Emporis como o
mais impressionante e funcional arranha-céu do mundo –, o melhor pode
estar por vir.
divulgação / ilustração veridiana scarpelli
Toque feminino
Após o furor causado por Calatrava,
La Rioja voltaria a balançar em 2006,
sob a batuta de Marqués de Riscal, que
desembolsou 60 milhões de euros na
remodelação de sua comissão de frente.
Anexo à vinícola, na pacata Elciego (a 5
quilômetros de Laguardia), o canadense
Frank O. Gehry – prêmio Pritzker em
1989 – desenhou um hotel adornado
por uma gigantesca escultura de placas
curvilíneas de titânio que faz lembrar o
Guggenheim de Bilbao, sua obra-prima
espanhola. Em tons lilás, rosado e dourado, as ondas representam as três variações do vinho produzido in loco: tinto,
rosé e branco. O hotel-butique Marqués
de Riscal The Luxury Collection integra
um complexo denominado Cidade do
Vinho, que também inclui um spa de
vinoterapia da marca francesa Caudalíe
e um restaurante comandado pelo chef
Francis Paniego, que acaba de ganhar a
sua primeira estrela no Guia Michelin.
Pouco tempo depois da abertura do
hotel concebido por Frank O. Gehry,
os milhares de visitantes atraídos pelo
complexo da Marqués de Riscal ganharam mais uma atração para incluir no
roteiro: o visual repaginado da vinícola
Lopez de Heredia Viña Tondonia, em
Haro, a 35 quilômetros de Elciego. Com
a reforma, a bodega ganhou uma butique em forma de decantador desenhada
pela iraniana Zaha Hadid. Com a leveza
e o efeito “líquido” tão característico da
arquiteta, a nova estrutura serve de embalagem para um antigo stand modernista de madeira utilizado pela marca
na exposição universal de 1910, em Bruxelas. Radicada em Londres, a genial
Hadid foi a primeira mulher a receber
o prêmio Pritzker, em 2004, e figura
como um dos nomes mais celebrados
da atualidade por obras arrebatadoras
como a ópera de Guangzhou, na China.
divulgação
aspecto de 13 bodegas espanholas. “Um
edifício vanguardista tem potencial
para atrair mais visitantes, criar uma
imagem moderna para a marca e deixar
um legado para o futuro, além de, eventualmente, incrementar as vendas de
vinho”, completa.
no alto, o hotel da vinícola marqués de riscal,
assinado pelo arquiteto canadense frank o. gehry
83
Por Mario Gioia
O
norte
da
arte
no
Brasil
A
divulgação
Para onde vai a jovem produção de arte
contemporânea brasileira? Os curadores
da mostra Rumos Artes Visuais apontam
caminhos ao selecionar para a Revista
Personnalité um artista de cada região do país
missão não é nada simples: mapear o que existe de mais original e
significativo na produção de arte contemporânea brasileira. Se fosse em um
país pequeno, a tarefa já seria complexa,
mas, em se tratando de Brasil, o trabalho ganha uma proporção continental.
Esse foi o desafio da equipe do Rumos
Artes Visuais 2011-2013. A mostra inaugural, com a participação de 45 artistas,
se estende até abril no Itaú Cultural,
em São Paulo. O tom geral da exposição é o risco. Obras experimentais, a
maioria realizada por artistas pouco
85
conhecidos no circuito e originários
das várias regiões do país, compõem o
recorte pouco conformado que está em
cartaz na instituição paulistana.
O processo foi comandado por Agnaldo Farias, que assinou a curadoria
da 29ª Bienal de São Paulo.
notas públicas, da série “lembretes”
(2011): obra da paraibana iris helena
“Você não
sabe o
quanto
sonhei em
participar
do rumos”,
diz Berna
reale
no alto, o homem (2012) e a mulher (2011),
de berna reale (na foto menor)
86
trabalho não é o que buscam de artistas
da região Norte. Não tenho um trabalho
voltado para questões locais ou regionais”, conta a artista paraense. “O projeto,
por meio de seus seminários, diálogos,
acompanhamentos, dá ao artista uma
oportunidade de crescimento profissional. No meu caso, houve a preciosa e
decisiva curadoria do Paulo Miyada. Ele
foi preciso quando devia ser e silencioso
quando a decisão tinha de ser tomada por
mim. Então, esse trabalho é resultado de
um processo conjunto.”
Sudeste: João Castilho, Minas Gerais
Se Berna foi uma descoberta, a produção do mineiro João Castilho já é
mais conhecida: ele já recebeu prêmios
como o Marc Ferrez (2010) e o Conrado Wessel (2008), dois dos principais
Nordeste: Iris Helena, Paraíba
A paraibana Iris Helena, que já ganhou
um prêmio de menção honrosa no
projeto Energias na Arte (2010), abre
o espaço do Itaú Cultural, logo ao lado
do painel em que é explicado o projeto
Rumos Artes Visuais. Notas públicas se
destaca pela sua materialidade trivial:
lembretes do tipo post-it. Neles, é
impressa uma imagem digital, típica da
agitação dos grandes centros. “A parte
mais importante do meu processo está
na observação da cidade, no registro
das suas transformações. O que vem a
seguir são associações muito simples, que
procuro fazer entre o que foi registrado
e o suporte em que este material será
depositado, para potencializar a minha
visão da malha urbana”, diz ela.
divulgação
artistas, seguido pelo Rio Grande do
Sul, com sete. A itinerância do Rumos
leva o evento para outras capitais em
2012, ainda a serem definidas. A última
exibição será no ano que vem, no Paço
Imperial, Rio de Janeiro.
Para Ana Maria Maia, uma das assistentes de Agnaldo Farias, o Rumos
Artes Visuais tem mais fôlego que
mapeamentos semelhantes, mas não
se pautou por estabelecer um conceito que norteia toda a diversidade
presente nos mais de cem trabalhos
apresentados na exposição. “Seria muito pretensioso de nossa parte tentar
traçar uma linha comum a obras tão
distintas.” A Revista Personnalité conversou com um representante de cada
uma das cinco regiões do Brasil.
divulgação
Os assistentes de Agnaldo ganharam
a denominação de curadores-viajantes
e tiveram contato direto com os artistas
em seus ateliês. A experiência dessa jornada foi relatada no catálogo do projeto.
“Se pensarmos que a exposição só tem
45 artistas, temos de levar em conta que
todo o processo de mapeamento, com o
contato com os artistas em numerosos
locais e espaços, é mais importante do
que a mostra em si”, afirma Luiza Proença, uma das curadoras-viajantes.
O trabalho de seleção revelou-se árduo. Foram recebidas 1.770 inscrições,
a grande maioria da região Sudeste,
1.095 (62% do total). Entre os escolhidos, o Rio de Janeiro foi o estado
que mais teve participantes: 11 nomes.
São Paulo veio logo atrás, com oito
Norte: Berna Reale, Pará
Berna Reale é um bom exemplo de artista
com produção instigante, não conhecida
no eixo Rio-São Paulo e cuja inclusão
num projeto como o Rumos Artes Visuais
pode efetivamente ser muito útil na
trajetória. A performance Quando todos calam, que tem registro fotográfico
apresentado no último subsolo do espaço
expositivo da mostra, traz a artista nua,
com carne crua exposta em seu corpo,
na frente do mercado Ver-o-Peso, em
Belém, rodeada de urubus. A força da
performance dialoga com a série fotográfica na qual Berna ironiza alguns clichês
e ícones de identidade nacional.
“Você não imagina o quanto sonhei
com isso, o Rumos. Inscrevi-me em três
edições, incluindo esta. Iria mesmo desistir se eu não entrasse, pois sei que meu
87
Morte súbita (2012): cena da videoinstalação
do artista mineiro João castilho
morando fora de São Paulo, pra mim é
fundamental participar.”
que lidar com esses encontros inesperados seria bem mais interessante para a
produção do trabalho.”
Outra novidade é o LabCuratorial, projeto que irá dispor quatro propostas curatoriais
no edifício. A seleção fica a cargo de Adriano
Pedrosa, que assinou a mais recente edição
da Bienal de Istambul, e Rodrigo Moura, um
dos curadores do Instituto Inhotim, um dos
principais centros de arte contemporânea do
Se o Rumos Artes Visuais carrega o tom de
Brasil, em Brumadinho (MG).
risco, a SP Arte cada vez mais se sedimen-
Quase 20% da feira terá seu espaço
ta como uma vitrine essencial para a pro-
reservado a galerias do exterior. Entre elas,
dução de arte contemporânea no país, que
a celebrada White Cube, do Reino Unido,
ainda vive um momento de grande visibili-
em sua primeira incursão nacional. Outras
dade também no âmbito internacional.
galerias importantes confirmaram presença,
Para a diretora da feira, Fernanda
como as espanholas La Fabrica e Fernando
Feitosa, a SP Arte está virando um evento
Pradilla e a portuguesa Filomena Soares.
cultural que transcende a ideia de algo
“O momento vivido pela arte brasileira é
ligado apenas às transações comerciais do
muito bom, de sobriedade e consolidação.
meio. “A SP Arte em 2012 alcança maturi-
Acredito realmente que a feira seja parte
dade como evento cultural. Não se trata só
importante desse processo que estamos
de uma feira comercial. Acho que ela está
vivenciando e responsável pelo engrande-
se aproximando de um festival de arte, em
cimento da arte brasileira. O que estamos
que um conjunto abrangente de agentes
fazendo aqui está ecoando no exterior, pela
e atividades que dizem respeito ao fazer e
qualidade e profissionalismo da arte produ-
pensar artístico se reúne”, afirma Fernan-
zida mostrada aqui”, comenta Fernada.
da. Tal crescimento cultural da feira inclui a
presença de um núcleo editorial, formado
SP Arte: Pavilhão da Bienal. Parque do Ibira-
de publicações do Brasil e internacionais.
puera. De 10 a 13 de maio.
88
em fotografia no Brasil. Neste caso, o
interessante é o artista exibir projetos
que dificilmente seriam absorvidos
pelo mercado, como em Morte súbita,
videoinstalação de forte teor político e
que recolhe situações de violência exibidas na internet. “Se quase tudo em meu
trabalho é meio trágico e violento, não o
é de imediato. Tudo se dá num jogo de
mostrar e ocultar. Em Morte súbita, isso
aparece também. A instalação não tem
começo e fim, mas tem três momentos.
Um seria o momento que precede o tiro,
com a câmera muito lenta e a situação
se revelando. Outro seria o momento
depois do tiro, com a câmera voltando à
velocidade normal. E o outro é a imersão dos vídeos em cores pertencentes
a eles mesmos, que é uma pausa, uma
morte, uma ocultação”, explica o artista,
representado pelas galerias Zipper, em
São Paulo, e Celma Albuquerque, em
Belo Horizonte. “O Rumos é um dos
mais importantes programas de artes
visuais para jovens artistas. Num cenário tão competitivo, como o que vem se
tornando o circuito de artes plásticas, e
Rio Grande do Sul
Centro-Oeste: Virgílio Neto, Brasília
A viagem foi a mola mestra da obra fotográfica da gaúcha Romy Pocztaruk exibida na mostra. “Desde 2010, já trabalho
com lugares abandonados, que chamo de
ruínas urbanas. A última aventura foi um
trabalho desenvolvido especificamente
para o Rumos. O projeto previa uma
viagem por alguns trechos da estrada
Transamazônica. A ideia inicial era produzir fotografias relacionadas a cenas
de conquista, como a primeira vez que
o homem pisou na Lua”, conta a artista.
“Mas, durante a viagem, a proposta se
transformou. Me deparei com lugares,
como Fordlândia, e pessoas que não esperava encontrar e conhecer. Achei então
O brasiliense Virgílio Neto tem
no desenho o seu principal vetor
poético. “Envolve registro, memória e
apropriação de imagem. Os desenhos
do Rumos são feitos a partir de um
acervo imagético que tenho acumulado
nos últimos anos: imagens de livros,
internet, desenhos de ilustração,
obras de outros artistas. Com essas
imagens, vou recriando um mapapaisagem repleto de novas narrativas e
ressignificações daquelas imagens”, diz
ele sobre a obra.
Rumos Artes Visuais 2011-2013
Itaú Cultural: Av. Paulista, 149. Até 22 de abril.
divulgação
_
Produção
contemporânea
ganha espaço na
SP Arte
divulgação
Sul: Romy Pocztaruk,
“O Rumos é
um dos mais
importantes
programas
de artes
visuais para
jovens
artistas”,
diz joão
castilho
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na página ao lado, A Última Aventura (2011), da gaúcha Romy
Pocztaruk; acima, obra sem título (2011), do brasiliense virgílio neto
primeira pessoa | didi wagner
Por Rosane Queiroz
_
Caminho certo
A escultura da série “Escada”, do
artista baiano (de alma mineira)
José Bento, dá forma às palavras
da apresentadora Didi Wagner
divulgação
“Esta obra, que dei de presente de
aniversário para o meu marido, é
emblemática, pois traz um conceito de
família que explica muito do meu jeito
de ser: a ideia de estarmos juntos, em
qualquer situação. Em 2009, o Fred
[Wagner] precisava tomar decisões
importantes e a tensão era máxima!
Procurei uma maneira de mostrar que,
independente da escolha, eu estaria ao
lado dele. A escada diz exatamente isso:
‘Não importa para qual lado a gente for,
subindo ou descendo, estaremos juntos’.”
foto de claudio edinger em lençóis,
no sertão da bahia (2005)

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