Julho – Setembro/2015

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Julho – Setembro/2015
ARTIGO ORIGINAL
A implementação do programa de distribuição de
fórmula infantil para crianças nascidas de mães
HIV positivas no Município de Porto Alegre/RS
Implementation of the infant formula distribution program for
children born to HIV-positive mothers in Porto Alegre, RS
Ana Paula Pontes Aires1, Dolores Sanches Wunsch2, Vera Lúcia Bosa3
RESUMO
Introdução: A transmissão vertical representou, em 2012, dentre os expostos ao HIV com menos de treze anos de idade, 99,6% dos
casos identificados. Para enfrentar este crescimento, programas voltados a enfrentar o aumento da transmissão vertical vêm sendo
desenvolvidos no âmbito do Sistema Único de Saúde. Este artigo objetiva investigar o fluxo do programa de distribuição de fórmula
infantil para crianças de zero a seis meses de vida, nascidas de mães HIV positivas, na cidade de Porto Alegre/RS, para a identificação
dos fluxos de acesso ao programa e sua eficácia. Métodos: O presente estudo é de natureza qualitativa e de caráter exploratório acerca
do tema. Resultados: Três das cinco maternidades que fazem parte do Projeto Nascer têm seus dados de dispensação da fórmula
infantil contabilizados pela Secretaria Municipal. Constatou-se que o processo está bem implementado e não faltam insumos e fórmula para este grupo da população. Na Atenção Básica, pode-se verificar que, em geral, a retirada se dá de forma sistemática, não há
dificuldades por parte dos profissionais em atender a essa demanda no serviço. Conclusão: Necessita-se de mais estudos em relação
ao tema, principalmente nas demais regiões do país, bem como nos municípios do interior, para que se possa traçar um perfil da
implementação da distribuição em todo o Brasil. Tornam-se indispensáveis, por outro lado, estudos que possam evidenciar os demais
aspectos que impactam na vida das crianças e suas famílias.
UNITERMOS: HIV, Fórmulas Infantis, Criança.
ABSTRACT
Introduction: In 2012, vertical transmission accounted, among those exposed to HIV under thirteen years of age, for 99.6% of the identified cases. To
meet this growth, programs aimed at facing the increase of vertical transmission have been developed within the National Health System. This paper aims to
investigate the flow of the infant formula distribution program for children from birth to 6 months of life, born to HIV-positive mothers in the city of Porto
Alegre, RS, to identify access flows to the program and its effectiveness. Methods: This is a qualitative study of exploratory nature. Results: Three of
the five hospitals that are part of Project Nascer have their data of infant formula dispensation accounted for by the municipal department. The process was
found to be well implemented and inputs and formula abound for this population group. In Primary Care, it can be seen that, in general, delivery takes place
systematically, there is no difficulty for professionals to meet this demand in the service. Conclusion: Further studies on the subject should be conducted,
especially in other regions of Brazil, as well as in countryside municipalities, so that a profile of the distribution implementation across the country can be
traced. However, studies highlighting other aspects that impact the lives of children and their families are crucial.
KEYWORDS: HIV, Infant Formula, Child.
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Nutricionista. Especialista em Saúde da Criança e do Adolescente.
Doutora em Serviço Social pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS). Assistente Social, Professora do Departamento
de Serviço Social da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Tutora da Residência Multiprofissional Integrada em Saúde – Hospital
de Clínicas de Porto Alegre (HCPA/UFRGS).
Nutricionista. Doutora em Saúde da Criança e do Adolescente. Professora do Departamento de Pediatria, curso de Nutrição da UFRGS. Tutora
da Residência Multiprofissional Integrada em Saúde – HCPA/UFRGS.
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Revista da AMRIGS, Porto Alegre, 59 (3): 160-168, jul.-set. 2015
A IMPLEMENTAÇÃO DO PROGRAMA DE DISTRIBUIÇÃO DE FÓRMULA INFANTIL PARA CRIANÇAS NASCIDAS DE MÃES HIV POSITIVAS... Aires et al.
INTRODUÇÃO
No Brasil, como em muitos outros países, a epidemia
da AIDS é complexa e dinâmica. Os primeiros casos notificados ocorreram na década de 1980. Desde então, tem
sido caracterizada por extensas mudanças epidemiológicas
ao longo do tempo e pela evolução de uma série de respostas políticas e sociais (1).
No início da década de 1980, a AIDS teve como característica a predominância de casos entre homossexuais,
tendo maior incidência nas regiões metropolitanas da
região Sudeste do país. Já no final da década de 1980 e
nos primeiros anos da década de 1990, teve surgimento a
transmissão sanguínea e inclusão dos usuários de drogas,
iniciando-se o processo de juvenização, pauperização e interiorização da epidemia. Na terceira fase, a epidemia se
caracterizou pelo aumento do número de casos entre mulheres, e a subcategoria de exposição heterossexual passou
a ser a principal via de transmissão do HIV, acelerando a
disseminação da epidemia para todo o território nacional,
atingindo os municípios de pequeno porte (2).
No Brasil, foram notificados 656.701 casos de AIDS
desde 1980 até junho de 2012, com um total de 253.706
óbitos, até dezembro de 2011, em todas as faixas etárias.
Neste período, ocorreram 17.539 casos em menores de
cinco anos, e 4.435 em crianças entre cinco e nove anos.
A taxa de detecção de casos de HIV em gestantes no Brasil em 2012 correspondeu a 2,4 casos por 1.000 nascidos
vivos. A única região com uma taxa de detecção superior
à média nacional foi a Região Sul, com 5,8 casos por 1.000
nascidos vivos (3).
Desde 2002, houve um decréscimo importante dos casos de AIDS por transmissão vertical (TV), podendo ser
consequência da criação do Programa de Humanização do
Pré-natal e Nascimento (PHPN) pelo Ministério da Saúde
em junho de 2000. Porém, nos últimos anos, verifica-se
uma estabilização em patamares insatisfatórios, em torno
de 500 casos/ano em menores de cinco anos de idade (3).
Se considerarmos que as mulheres infectadas pelo
HIV estão em idade fértil, tem-se o problema adicional
da transmissão vertical, de mãe para filho, que representa a principal forma de disseminação desse vírus na população infantil. A maior parte dos casos de transmissão
vertical do HIV, ou seja, cerca de 65% dos casos de transmissão acontece durante o trabalho de parto e no parto
propriamente dito, e os 35% restantes ocorrem intraútero, principalmente nas últimas semanas de gestação (4),
havendo ainda o risco adicional de transmissão pós-parto
por meio do aleitamento materno.
Em 2012, a transmissão vertical foi a forma de exposição ao HIV em 99,6% dos menores de 13 anos de idade.
Em crianças abaixo de cinco anos, considera-se a TV responsável por aproximadamente 100% dos casos de AIDS.
No Brasil, a taxa de incidência de AIDS em crianças menores de cinco anos de idade (por 100.000 habitantes) é considerada um proxy da taxa de transmissão vertical no país (3).
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A taxa de incidência de AIDS em menores de cinco
anos de idade está estável no Brasil, no patamar médio de
3,5 por 100.000 habitantes, mas há uma grande variação
por unidade da federação e por região do país. Em 2012,
foram notificados 475 casos de AIDS em menores de cinco anos de idade, sendo o maior número de casos em São
Paulo (67), Rio Grande do Sul (59) e Rio de Janeiro (50) (3).
A AIDS teve seu primeiro caso registrado em Porto
Alegre no ano de 1983 e totaliza até o final de 2011 22.470
casos, sendo 96% em adultos e 4,11% em crianças. Excluindo-se os óbitos, há 14.100 pessoas vivendo com AIDS
em Porto Alegre, e a estimativa de pessoas com HIV é de
28.187 pessoas (2% da população), considerando a taxa de
infecção do HIV em gestantes ser de 2% no município.
A razão de sexo que, em 1987, era de 13 casos em homens
para cada mulher com AIDS, em 2012 está em 1,3 caso (4).
O risco de transmissão do vírus pelo leite materno é
elevado, entre sete e 22%, e se renova a cada exposição (5).
Esse risco se eleva, sendo de aproximadamente 30%, quando a infecção da mãe ocorre durante o período de amamentação (6). Durante o aleitamento materno, a transmissão
do vírus pode acontecer em qualquer fase, porém parece ser mais frequente nas primeiras semanas, podendo-se
concluir pela literatura que quanto maior o tempo de aleitamento materno, maior é o risco de transmissão do HIV,
mostrando que o risco é acumulativo (7).
Para a discussão da transmissão vertical do HIV no
país, é fundamental abordar a sua origem, bem como as estratégias de saúde adotadas ao longo do tempo para evitar
a disseminação do vírus de mãe para filho, dando destaque
para os programas voltados ao aleitamento de crianças expostas ao HIV.
No decorrer desta introdução, a fim de elucidar melhor o tema serão abordados os seguintes tópicos: Políticas
nacionais de Suplementação Alimentar e os Programas de
Leite; Programa de Humanização do Pré-natal e Nascimento no Sistema Único de Saúde (SUS); Fórmula Infantil
no Sistema Único de Saúde (SUS) para as crianças filhas de
mães HIV positivo, tendo como recorte para discussão a
implementação do programa de distribuição da fórmula infantil, o município de Porto Alegre/RS, para, desta forma,
e a partir do ordenamento do SUS verificar os fluxos e desafios para acesso e atendimento desta população usuária.
Segundo dados da literatura, desde o ano de 1972 já haviam sido instituídas no Brasil políticas de suplementação
alimentar, de modo particular, programas de leite, com o
objetivo de proporcionar alimentação mais adequada para
crianças pertencentes a famílias de baixo poder aquisitivo
ou com problemas nutricionais. Esses programas federais
de suplementação alimentar eram dirigidos ao grupo materno-infantil, abrangendo as famílias de até dois salários
mínimos mensais (8).
Os principais grupos de programas voltados à redução
da carência alimentar de mães e crianças brasileiras foram: o
Programa de Suplementação Alimentar (PSA) do Instituto
Nacional de Alimentação e Nutrição – INAN, direcionado
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a gestantes, nutrizes e crianças até 24 meses; o Programa
de Complementação Alimentar (PCA) e Distribuição de
Leite, dirigidos pela Legião Brasileira de Assistência – LBA,
sendo destinado exclusivamente para crianças que apresentam sinais de desnutrição; o Programa Nacional de Leite
para Crianças Carentes (PNLCC), desenvolvido pela Secretaria Especial de Habitação e Ação Comunitária – SEHAC,
beneficiando famílias com crianças menores de sete anos,
e o Programa de Distribuição de Alimentos a Crianças em
Idade Pré-Escolar de 4 a 6 anos, patrocinado pela LBA e
pela Fundação de Assistência ao Estudante – FAE (8).
Destes, o mais conhecido foi o Programa Nacional do
Leite, lançado em 1986 e extinto em 1989, beneficiando
diariamente 7,6 milhões de crianças de famílias carentes (9).
Na década de 1980, porém, já havia casos pediátricos
de AIDS no Brasil, embora a categoria de exposição vertical correspondesse a 62,3% dos notificados neste período.
Isso se deu em virtude do aumento do número de casos da
infecção pelo HIV em mulheres em idade fértil, todavia,
este modo de transmissão poderia ter sido evitado mediante precauções no pré-natal e parto (10).
Nessa mesma década, apesar da ocorrência de crianças nascidas de mães portadoras de HIV/AIDS, não havia
programas preventivos direcionados à assistência de gestantes portadoras de HIV, nem mesmo para a orientação
da exclusão do aleitamento materno. Da mesma forma,
não existiam programas de leite específicos para seus filhos, os quais significariam uma das alternativas para prevenir a ocorrência da infecção em crianças por meio da
amamentação (1).
Em 1993, foi instituído o Programa “Leite é Saúde”
(PLS), voltado ao atendimento de desnutridos e gestantes
em risco nutricional, cujos objetivos eram: reduzir a prevalência de desnutrição; reforçar a prestação de ações básicas
de saúde e para implementação do Sistema Único de Saúde
(SUS). O público-alvo eram crianças desnutridas, na faixa
etária de seis a 23 meses de idade (1).
Destaca-se que crianças nascidas sob o risco da infecção pelo HIV e para as quais o aleitamento materno é contraindicado não eram inclusas entre os beneficiados, pois
os programas citados se destinavam apenas a combater a
desnutrição infantil (1).
Durante o desenvolvimento do PLS, o número de casos
de AIDS entre crianças nascidas de mães soropositivas ao
HIV atingiu níveis elevados e, em 1997, chegou a 90,2%.
Um dos maiores avanços na prevenção da transmissão vertical do HIV foi o estudo conhecido como Protocolo 076,
do Aids Clinical Trial Group – ACTG 076. O estudo demonstrou que nas gestantes que não amamentaram houve
redução de aproximadamente 70% do risco da TV com o
uso do tratamento antirretroviral na gestação, trabalho de
parto e parto e também nos recém-nascidos que foram alimentados, exclusivamente, com fórmula infantil (12).
A assistência à gestante no país foi, por muito tempo,
orientada principalmente para melhorar os indicadores da
saúde infantil. Deste modo, visando a conceitos de aten162
ção à saúde feminina, como a integralidade e a autonomia
corporal, foi instituído em 1983, pelo Ministério da Saúde, o Programa de Assistência Integral à Saúde da Mulher
– PAISM, onde se apresentava como um deslocamento
do olhar na atenção à saúde da mulher, obrigando os serviços e gestores a pensarem de forma mais ampla sobre
a questão (1,3).
Porém, a não percepção da mulher como sujeito e o
desconhecimento e desrespeito aos direitos reprodutivos
seguiam constituindo o pano de fundo da assistência inadequada (1,3). Diante desse descaso, entra em cena o Programa de Humanização do Pré-natal e Nascimento, instituído pelo Ministério da Saúde, através da Portaria/GM nº
569, de 01/06/2000, baseado nas análises das necessidades de atenção específica à gestante, ao recém-nascido e à
mulher no período pós-parto, e busca concentrar esforços
no sentido de reduzir as altas taxas de morbi-mortalidade
materna e perinatal, adotando medidas que assegurem a
melhoria do acesso, da cobertura e da qualidade do acompanhamento pré-natal, bem como da assistência ao parto,
puerpério e neonatal, ampliando as ações já adotadas pelo
Ministério da Saúde na área de atenção à gestante.
Dados preliminares relativos ao Programa de Humanização do Pré-natal e Nascimento (SISPRENATAL) e
as estimativas do uso do AZT (azidotimidina) injetável
(CN DST/AIDS), em âmbito nacional, demonstram que
a cobertura da testagem para a infecção do HIV durante
o pré-natal está abaixo de 40%, sendo ainda menor entre
gestantes mais vulneráveis para a infecção pelo HIV, em
decorrência de fatores como baixa adesão ao pré-natal e/
ou captação tardia (1,4).
Considerando que a quase totalidade de casos de AIDS
em menores de 13 anos de idade no Brasil tem como fonte
de infecção a transmissão vertical do HIV e, sabendo que a
probabilidade de transmissão vertical do HIV na ausência
de qualquer procedimento profilático é de 25,5%, e que
as intervenções profiláticas realizadas somente durante o
parto e puerpério podem reduzir em cerca de 50% a probabilidade de transmissão vertical, faz-se necessário adotar
medidas adicionais às já desenvolvidas para a qualificação
da assistência à gestante no pré-natal, garantindo assim o
diagnóstico do HIV à maioria das mulheres (3).
Deste modo, a Portaria/GM nº 2104, de 19/11/2002,
instituiu no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS) o
Projeto Nascer-Maternidades, que objetiva acompanhar a
mulher gestante, a princípio, com o provimento de exames
laboratoriais ou teste rápido para o diagnóstico precoce da
infecção pelo HIV. Caso se confirmasse a soropositividade,
era instituída a profilaxia com AZT, a partir da 14ª semana
de gestação até o parto; realização de cesariana eletiva, com
esquema de Zidovudina injetável no início do trabalho de
parto até o clampeamento do cordão umbilical; o recém-nascido faz uso de solução oral de Zidovudina e não ocorre o aleitamento materno ou cruzado (1,4).
Ainda em 2002, por meio da Portaria nº 2.313 do Ministério da Saúde, incentiva-se o uso da fórmula infantil para
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crianças nascidas de mães portadoras do HIV. Conforme
recomendado, a criança deve ser alimentada exclusivamente com a fórmula infantil até os seis meses de vida, e as
mães devem ser orientadas quanto à obtenção da fórmula
e ao preparo (1,4).
Assim, a abordagem que se segue refere-se ao fluxo
relativo à disponibilidade da fórmula infantil nas maternidades previamente identificadas pelo Ministério da
Saúde e a continuidade da distribuição pelos demais serviços especializados.
A fim de estabelecer as atividades previstas no Projeto
Nascer-Maternidades, o Ministério da Saúde torna disponíveis às maternidades previamente identificadas, pelo período
de seis meses, alguns insumos como: testes laboratoriais para
detecção da infecção pelo HIV, testes para sífilis, antirretrovirais, inibidores de lactação e a fórmula infantil (1,4).
Esses insumos são adquiridos pelo município segundo
a estimativa do número de partos realizados nas maternidades, na prevalência do HIV, na cobertura de testagem anti-HIV por Unidade Federada e no número de maternidades
identificadas e cadastradas pelos estados. A Coordenação
Nacional DST/AIDS é responsável pela distribuição destes insumos às Coordenações Estaduais de DST/AIDS, e
às maternidades identificadas (14).
Quanto à fórmula infantil especificamente, em Portaria/GM nº 2104, de 19/11/2002, consta que deverá ser
estabelecido pacto entre os gestores para definir a sistemática de aquisição do insumo e sua distribuição aos serviços
de saúde. Ao nascer uma criança exposta ao HIV, esta já
recebe duas a quatro latas da fórmula infantil no momento
da alta hospitalar, depois se garante a distribuição de até
60 latas por criança até o sexto mês de vida, a ser feita
pelo serviço especializado, onde a criança será encaminhada para acompanhamento, até ser definido o diagnóstico.
Ressalta-se que a mãe deverá receber o “Guia Prático de
Preparo de Alimentos” para crianças menores de doze meses que não podem ser amamentadas (14).
Ao se analisar o programa de distribuição de fórmula
infantil, deve-se também levar em consideração não somente a dinâmica de compra e distribuição, mas também
os outros fatores que podem ou não interferir na eficácia
do programa. É importante analisar as dificuldades vivenciadas pelos atores em seus diversos níveis, no âmbito dos
municípios, ou seja, da Secretaria Municipal de Saúde, dos
profissionais envolvidos e mães, além das possíveis consequências destas variáveis no desenvolvimento físico da
criança atendida.
As dificuldades de implementação de um programa,
diversas vezes, não estão relacionadas a limitações financeiras ou à oferta do serviço em si. Na maioria das vezes,
tornar essa prática eficiente esbarra em dificuldades entre
a disponibilidade e o acesso, na crença da eficácia do mesmo, nas práticas educacionais da população e dos profissionais, na interação e na circulação de informações entre
os atores das diversas áreas que compõem o programa,
entre outros aspectos.
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Além disso, verifica-se escassez de estudos acerca deste
tema, o que vem a corroborar com o pouco conhecimento
sobre a implementação, do acesso e eficácia do programa
nas diversas regiões do país.
Diante do exposto, o presente estudo objetiva investigar o fluxo do programa de distribuição de fórmula infantil
para crianças de zero a seis meses de vida, nascidas de mães
HIV positivas, na cidade de Porto Alegre/RS, para a identificação dos fluxos de acesso ao programa e sua eficácia.
MÉTODOS
O presente estudo é de natureza qualitativa e de caráter
exploratório acerca do tema. O percurso metodológico do
processo investigativo foi composto pela revisão bibliográfica a partir da base de dados Medline e Lilacs do Sistema
BIREME, com as seguintes categorias teóricas: aleitamento artificial, mães HIV positivo, transmissão vertical do
HIV/AIDS, políticas públicas de saúde em HIV/AIDS.
No segundo momento, tendo como referência os princípios organizativos do SUS, buscou-se identificar a implementação e os fluxos do programa de distribuição de
fórmula infantil para crianças de zero a seis meses de vida,
nascidas de gestantes soropositivas para o vírus HIV, na
cidade de Porto Alegre/RS.
Para tanto, realizou-se uma aproximação com os serviços envolvidos com o programa, tendo como referência os
níveis de gestão e “execução” do mesmo, possibilitando,
desta forma, a partir do ordenamento do Sistema Único
de Saúde (SUS) demonstrar a configuração do programa
em questão.
Entrou-se em contato com a Secretaria Municipal de
Saúde de Porto Alegre/RS, onde se identificou a Área Técnica de DST/AIDS e Hepatites Virais, responsável pelo
Projeto Nascer-Maternidades no município, o que possibilitou identificar os fluxos no âmbito da rede pública de
saúde de Porto Alegre/RS relativos à compra, estocagem e
disponibilização da fórmula infantil para os filhos de mães
HIV positivo, bem como as maternidades que fazem parte
do projeto.
Com o objetivo de complementar o fluxo, realizou-se
uma aproximação com uma Unidade de Saúde da Família
da gerência distrital leste-noroeste, que, segundo informação da Secretaria de Saúde, vem a ser um dos locais com
maior dispensação de fórmula infantil no município. Este
contato se deu no intuito de verificar como se dá o processo de retirada do insumo e informações relativas ao acompanhamento destas crianças pela Unidade de Saúde.
Para fins metodológicos, as informações apresentadas neste trabalho, advindas dos serviços de saúde, podem ser publicizadas de acordo com a Lei nº 12.527, de
18/11/2011, que regula o acesso a informações públicas,
conhecida como lei de transparência pública. O trabalho
contou ainda com os dados disponíveis no portal da Secretaria Municipal de Porto Alegre relativos ao Plano Munici163
A IMPLEMENTAÇÃO DO PROGRAMA DE DISTRIBUIÇÃO DE FÓRMULA INFANTIL PARA CRIANÇAS NASCIDAS DE MÃES HIV POSITIVAS... Aires et al.
pal de Saúde de 2014-2017, Relatório Anual de Gestão de
2013 e Relatório de Gestão do 1º Quadrimestre de 2014.
Por tratar-se de estudo exploratório com revisão bibliográfica e construção de fluxos relativos à implementação
de um Programa de Saúde para HIV/AIDS, a implicação
ética constitui-se no compromisso do pesquisador em
apresentar publicamente os dados obtidos, contribuindo
assim para a análise sobre a efetivação da política de saúde
em HIV/AIDS no município de Porto Alegre/RS.
RESULTADOS E DISCUSSÃO
Para melhor entendimento acerca do fluxo de distribuição da fórmula infantil no município, faz-se necessário historiar brevemente a forma como o Sistema Único de Saúde
(SUS) se estrutura dentro de seus princípios, bem como a
sua organização hierárquica.
A base para organização do Sistema Único de Saúde
(SUS) no país são os princípios, que se dividem em princípios doutrinários: universalidade, equidade e integralidade;
e princípios organizativos: regionalização e hierarquização,
descentralização e participação da comunidade (15).
O princípio da universalidade diz respeito ao acesso universal aos serviços de saúde, já a equidade fala da organização dos serviços de saúde para atender pessoas de risco e
suas características individuais, trabalha com as iniquidades
em saúde, favorecendo a acessibilidade do indivíduo (16).
Porém, para a materialização da equidade, são fundamentais a regionalização e a hierarquização, onde temos
os serviços organizados em redes, segundo níveis de complexidade tecnológica, localizados em áreas geográficas limitadas e com populações definidas. É um mecanismo de
descentralização da administração e dos serviços, pois, com
o aumento da cobertura dos serviços e uma eficiente inter-relação entre eles, teremos equidade, eficácia e eficiência,
assegurando o acesso de toda a população a serviços eficazes, organizados conforme o nível de complexidade (16).
Desse modo, entra em cena o princípio da integralidade, que, de acordo com a Lei 8080 (1990), é entendida
como um conjunto articulado e contínuo das ações e serviços preventivos e curativos, individuais e coletivos, exigidos para cada caso em todos os níveis de complexidade
do sistema, onde, no plano sistêmico, pode ser trabalhada
através da articulação das redes, dos diversos serviços em
diferentes níveis de complexidade da atenção (16).
Nesse âmbito, entra o princípio da descentralização, em
que cada gestor passa a ter o seu papel mais bem definido
na atenção à saúde do usuário. Através de uma gestão única
em cada esfera de governo, o município passa a ser mais
próximo e responsável pelas necessidades de saúde da sua
população (16).
Desta forma, o modelo de atenção à saúde, que se centra em níveis de complexidade dos serviços, deve ser estruturado pela atenção básica, principal porta de entrada no
sistema, a qual deve ser a sua ordenadora (15).
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A Atenção Básica caracteriza-se por um conjunto de
ações de saúde, no âmbito individual e coletivo, que abrange a promoção e a proteção da saúde, a prevenção de agravos, o diagnóstico, o tratamento, a reabilitação, a redução
de danos e a manutenção da saúde, com o objetivo de desenvolver uma atenção integral que impacte na situação de
saúde e autonomia das pessoas e nos determinantes e condicionantes de saúde das coletividades (15).
Utiliza tecnologias de cuidado complexas e variadas que
devem auxiliar no manejo das demandas e necessidades de
saúde de maior frequência e relevância em seu território,
observando critérios de risco, vulnerabilidade, resiliência e
o imperativo ético de que toda demanda, necessidade de
saúde ou sofrimento deve ser acolhida (15).
Os serviços e programas vinculados à atenção básica
de saúde acabam ficando mais próximos da vida das pessoas, a qual se torna o contato preferencial dos usuários, a
principal porta de entrada e o centro de comunicação da
Rede de Atenção à Saúde, proporcionando acessibilidade,
vínculo e continuidade do cuidado, trabalhando de forma a
garantir a integralidade da atenção, da responsabilização, da
humanização, da equidade e da participação social.
Existem grupos populacionais que estão mais expostos a
riscos na sua saúde. Isso é evidenciado pelos registros disponíveis de morbi-mortalidade, como, por exemplo, crianças com
idade inferior a um ano, gestantes, idosos, trabalhadores urbanos e rurais sob certas condições de trabalho, etc. A exposição
a riscos pode também ser vista e entendida em função de cada
doença, como no caso da Tuberculose, Câncer, Hanseníase,
Doenças cardiovasculares, HIV/AIDS e outras (17).
Portanto, no planejamento da produção das ações de
educação em saúde e de vigilância epidemiológica, vigilância sanitária, controle de vetores e atendimento ambulatorial e hospitalar, devem ser normalizados alguns procedimentos a serem dirigidos especialmente a situações de
risco, com a finalidade de intensificar a promoção, proteção e recuperação da saúde (17).
Diante do exposto, vem o conceito e prática dos programas de saúde, que são parte da produção geral das ações
de saúde pelas instituições, unidades e profissionais da
área. Como tal, os programas de Saúde são eficientes para
a população-alvo, somente quando as normas nacionais e
estaduais respeitam as condições sociais, epidemiológicas,
institucionais e culturais existentes em nível regional ou
microrregional, passando por adaptações e até recriações
nestes níveis (17).
Neste sentido, a seguir será discutido o fluxo de implementação do programa de distribuição de fórmula infantil
no município de Porto Alegre/RS e os desafios para sua
efetivação eficaz.
O Projeto Nascer-Maternidades está vinculado à Secretaria Municipal de Saúde de Porto Alegre, materializando-se
na coordenação do projeto, a qual tem a responsabilidade
de um profissional de realizar todas as ações inerentes ao
funcionamento do projeto como um todo, fazendo a ponte entre o Estado e o Município e do Município com os
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demais serviços que realizam o atendimento integral das
crianças expostas ao HIV.
Como já exposto anteriormente, no Brasil o Projeto
Nascer-Maternidades, dentre seus objetivos, tem o de garantir e criar mecanismos para a disponibilização de fórmula infantil a todos os recém-nascidos expostos ao HIV,
desde o seu nascimento até o sexto mês de idade, com vistas à promoção adequada de seu desenvolvimento pondero-estatural (18).
No município de Porto Alegre, a fórmula infantil é disponibilizada até um ano de vida do recém-nascido, abrangendo desta forma um período maior de crescimento e
desenvolvimento destas crianças, conseguindo ir além do
mínimo preconizado na legislação.
De acordo com a Secretaria Municipal de Saúde de Porto Alegre/RS, são distribuídas 10 latas de fórmula de 1º
semestre e, em alguns casos, após criteriosa avaliação, são
fornecidas 12 unidades mensais, dependendo da curva de
crescimento e das necessidades nutricionais do recém-nascido. A partir do sétimo mês até os 12 meses, o número de
latas decresce para 9 unidades de fórmula de 2º semestre,
fórmula melhor indicada para as necessidades nutricionais
da criança nessa faixa etária, pois do sétimo mês em diante
são inseridos outros alimentos.
Entretanto, a partir de uma aproximação realizada junto
a uma Unidade de Saúde do Município de Porto Alegre,
identificou-se que, em casos especiais, as crianças chegam
a receber bem mais do que o preestabelecido, dependendo
da necessidade de cada caso e de cada família.
Há um modelo preestabelecido de fluxograma para distribuição da fórmula infantil, que demonstra o caminho até
a chegada ao usuário (Figura 1).
Porém, em Porto Alegre, de forma geral, o fluxo estabelecido ocorre da seguinte forma (Figura 2): nas materni-
dades do município, as crianças recebem as primeiras quatro latas na alta hospitalar, dando seguimento da retirada
na Unidade Básica de Saúde (UBS) ou Unidade de Saúde
da Família (USF), na qual são referenciadas pela própria
maternidade no âmbito da alta. Nos hospitais em que as
maternidades recebem os insumos diretamente da Secretaria do Estado, sem passar pela Secretaria Municipal, os
recém-nascidos retiram a fórmula até um ano de idade no
próprio hospital e não na UBS ou USF de referência.
O fluxograma anterior demonstra que em Porto Alegre/RS o fluxo para distribuição da fórmula é realizado
de forma mais simples do que o preconizado, sem comprometer a organização hierárquica e regionalizada. Faz-se
necessário ainda salientar que, desta maneira, a implementação do programa tende a ser mais eficaz à medida que
os serviços envolvidos se articulam de modo a garantir o
acesso e o acompanhamento integral dessas crianças pelos
serviços aos quais elas estão vinculadas, podendo vir a garantir o estabelecido pelo SUS, quando se trata de universalidade, integralidade e equidade na atenção à saúde.
Realidade esta que não é a mesma em todas as cidades brasileiras. Toma-se como exemplo cidades do interior do Ceará, onde estudo realizado com cuidadores de
crianças expostas ao HIV mostrou que parece não existir
normalização nas maternidades públicas para a doação de
fórmula infantil, pois 20,6% das mães entrevistadas não
receberam o produto quando da alta hospitalar. E quanto
à continuidade da distribuição pelas Unidades de Saúde,
essa distribuição não se mostrou efetiva nos serviços de
saúde procurados pelas mães entrevistadas. Tal dado é indicativo de falta de estruturação dos serviços, o que pode
dificultar a interação do binômio mãe-filho com o serviço, além de desfavorecer a ingestão de leite pelas crianças
nos primeiros seis meses de vida, tornando-as vulneráveis
a déficit alimentar (19).
Fluxograma de distribuição da rede de
Atenção Primária em Saúde – ATUAL
Secretaria Estadual
de Saúde
Secretaria Municipal
de Saúde
Hospital
Hospital
Fluxograma de distribuição da rede de
Atenção Primária em Saúde – MODELO
Atenção primária
Notifica a vigilância
Maternidade
Maternidade
Acompanha o caso
Usuário
Unidade de Saúde
(USF/UBS)
Solicita para a
gerência distrital
Notificação
Projeto
Nascer
Usuário
Secretaria Municipal
de Saúde
Distribui,
controla e
presta contas
Área técnica
de DST/AIDS
Figura 1 – Modelo de fluxograma de distribuição da fórmula infantil em
Porto Alegre/RS.
Figura 2 – Fluxograma atual de distribuição da fórmula infantil em
Porto Alegre/RS
Fonte: Secretaria Estadual de Saúde (SES).
Fonte: Autor.
Revista da AMRIGS, Porto Alegre, 59 (3): 160-168, jul.-set. 2015
165
A IMPLEMENTAÇÃO DO PROGRAMA DE DISTRIBUIÇÃO DE FÓRMULA INFANTIL PARA CRIANÇAS NASCIDAS DE MÃES HIV POSITIVAS... Aires et al.
Retomando a realidade de Porto Alegre/RS, como já
mencionado anteriormente, a entrega dos insumos preconizados no Projeto Nascer-Maternidades, bem como a
disponibilização das fórmulas infantis obedecem ao recomendado, e não faltam insumos (teste rápido, teste para
sífilis, inibidor de lactação) nem fórmula para a população
abrangida pelo Programa no município.
Todavia, como se sabe, em muitos casos a doação do
leite possibilita a utilização e divisão pelos demais membros da família, em decorrência da situação socioeconômica desfavorável em que vivem as famílias. Assim, a doação
da fórmula infantil, uma estratégia para evitar a desnutrição
da criança nascida de mãe soropositiva para o HIV, não
necessariamente passa a ser exclusividade desta criança. As
mães, principalmente aquelas que têm um número maior
de filhos, compartilham o leite doado entre eles.
Situação esta que acontece na maioria das Unidades
de Saúde, mas que são, de certa forma, flexibilizadas pela
grande disponibilidade de fórmulas no município.
Como descrito anteriormente, as crianças cadastradas em
cada Unidade são, em geral, acompanhadas periodicamente
pelo serviço para monitorização de seu crescimento e desenvolvimento, podendo-se, assim, estabelecer um parâmetro
indireto da eficácia da distribuição das fórmulas infantis e
uso adequado/inadequado das mesmas pela família.
Diante disso, há a necessidade de se dialogar entre as
políticas públicas de saúde para que estas famílias sejam inseridas eficazmente em outros programas governamentais.
A inserção nos programas sociais contribui para atender
às demandas da família, evitando, dessa maneira, que parte
dos insumos recebidos seja partilhada entre os membros
familiares. Pois os programas de transferência de renda, em
especial o programa Bolsa Família, representam importantes fontes de subsistência das famílias brasileiras. Mesmo
com os restritos valores percebidos pelas mesmas, estudos
realizados recentemente mostram o impacto do programa
na qualidade nutricional das crianças e na diminuição da
mortalidade infantil. (20) Portanto, entende-se que a atenção integral às famílias atendidas passa pela intersetorialidade das políticas sociais, em especial da política de assistência social, através dos diferentes programas e serviços a
ela vinculados e da política de saúde por meio do fortalecimento da atenção básica.
Retomando os aspectos que envolvem a distribuição
da fórmula infantil em Porto Alegre, constatou-se que há
na Secretaria Municipal de Saúde um cadastro de todas as
crianças nascidas de mães soropositivas para o HIV, o qual
contém o nome da mãe, nome da criança, idade, maternidade em que nasceu, entre outros dados e se o cadastro
está ativo ou inativo.
O fluxo para solicitação das fórmulas lácteas se dá da
seguinte forma: se for a primeira solicitação do recém-nascido (RN) não inscrito, a Unidade de Saúde deve preencher
o formulário denominado “Ficha de inscrição do Projeto
Nascer”, disponível em link na internet e encaminhar para
a coordenação do projeto, ou as mesmas informações tam166
bém podem ser transmitidas por telefone para a coordenação do projeto. Se o RN já for inscrito no Projeto Nascer,
fará parte do pedido mensal e, se houver um ingresso de
RN após o envio do pedido mensal, deve-se entrar em contato com o Projeto Nascer, realizar a inscrição da criança e,
dentro da mesma semana, já estará disponível na Unidade
a fórmula láctea.
Na Tabela 1, estão demonstrados os dados relativos ao
número de crianças cadastradas no projeto no município,
segundo o relatório anual de gestão do ano de 2013 disponibilizado pela Secretaria Municipal de Saúde, em conjunto
com a Prefeitura de Porto Alegre/RS.
Os dados demonstram que houve do ano de 2012 para
o ano de 2013 uma redução de 5,46% de crianças inseridas no banco de dados no Projeto Nascer. Esta redução
está de acordo com o monitoramento até um ano de idade
das crianças inseridas no projeto através da dispensação da
fórmula láctea na Rede de Atenção Primária do Município.
Destaca-se que houve redução da transmissão vertical de
5,6 para 3,6/1000 nascidos vivos (NV) no referente ano,
índice este que colaborou para a diminuição de crianças
cadastradas no projeto (21).
Na Tabela 2, estão demonstrados os dados relativos ao
número de crianças cadastradas no projeto no município,
segundo o relatório anual de gestão do ano de 2014, disponibilizado pela Secretaria Municipal de Saúde, em conjunto
com a Prefeitura de Porto Alegre/RS.
A Tabela 2 mostra que houve aumento de 18,6% no número absoluto de crianças expostas ao HIV por raça/cor,
consequentemente, ocorreu aumento no número de cadastros e no quantitativo de fórmulas lácteas dispensadas.
No ano de 2013 em relação a 2012, a dispensação de
fórmulas lácteas apresentou um aumento significativo de
64,24%, dado este que demonstra que as Maternidades
estão mais sensíveis para o fluxo do insumo de fórmulas
lácteas de recém-nascidos expostos do município de Porto
Alegre/RS. Comparando-se o primeiro quadrimestre do
ano de 2014 em relação a igual período em 2013, ocorreu
Tabela 1 – Crianças cadastradas no Projeto Nascer (2012-2013).
Anual
Total de crianças
Variação
2013
2012
%
225
238
-5,46%
Fonte: SMS, Relatório de gestão - 2013 Projeto NASCER
Tabela 2 – Crianças cadastradas no Projeto Nascer (2013 - 2014).
1° Quadrimestre
Total de crianças
Variação
2014
2013
%
267
225
18,60%
Fonte: SMS, Relatório de gestão – 2013 Projeto NASCER
Revista da AMRIGS, Porto Alegre, 59 (3): 160-168, jul.-set. 2015
A IMPLEMENTAÇÃO DO PROGRAMA DE DISTRIBUIÇÃO DE FÓRMULA INFANTIL PARA CRIANÇAS NASCIDAS DE MÃES HIV POSITIVAS... Aires et al.
aumento de 27,8% nas Maternidades e 12,5% na Rede de
Atenção Primária de dispensação de fórmula láctea (21,22).
Além deste dado, cabe ressaltar que as maternidades
estão realizando quantitativo maior de teste rápido e participação efetiva no Comitê de Transmissão Vertical, o que
vem a ser um indicador positivo, pois demonstra maior
aceitabilidade das Instituições.
Quanto ao acompanhamento das crianças na Rede
de Atenção à Saúde, cada unidade de saúde disponibiliza
quantas crianças estão sendo atendidas ou não comparecem para a retirada da fórmula naquela UBS ou ESF, retroalimentando o sistema periodicamente. Ao final dos 12
meses de vida de cada criança, a Unidade deverá enviar ao
Projeto Nascer por e-mail ou malote a Ficha de acompanhamento da criança.
As fórmulas são entregues às UBSs ou ESFs uma vez
ao mês, de acordo com o número já cadastrado no sistema. É realizada também a busca ativa das crianças que não
estão retirando a fórmula pelos serviços aos quais estão
referenciadas.
Caso a mãe da criança não se sinta à vontade por qualquer motivo de retirar a fórmula infantil ou mesmo medicação no serviço ao qual foi referenciada, a mesma pode
solicitar a retirada dos insumos em outro local em que não
se sinta estigmatizada ou exposta.
Na perspectiva do direito à saúde, todo cidadão pode
buscar qualquer serviço, sem obrigatoriedade do seguimento na área adstrita. Entretanto, existem estigmas e preconceitos em relação aos portadores do HIV. Em virtude
desses preconceitos, as pacientes escolhem preferencialmente lugares considerados mais seguros e adequados para
seu seguimento e dos seus filhos (15).
CONCLUSÃO
Esta investigação possibilitou melhor entendimento
acerca do fluxo de distribuição da fórmula infantil para
crianças filhas de mães HIV positivo no município de Porto Alegre/RS.
Pode-se verificar que no município de Porto Alegre
três das cinco maternidades que fazem parte do Projeto
Nascer têm seus dados de dispensação da fórmula infantil contabilizados pela Secretaria Municipal, demonstrando
que os valores absolutos de distribuição na alta hospitalar
podem ser relativamente maiores do que os demonstrados
neste trabalho. Quanto à compra, estocagem e dispensação
das fórmulas pela Secretaria Municipal, constatou-se que o
processo está bem implementado e não faltam insumos e
fórmula para este grupo da população. Em relação à distribuição das fórmulas pela Atenção Básica, pode-se verificar
que, em geral, a retirada se dá de forma sistemática, não há
dificuldades por parte dos profissionais em atender a essa
demanda no serviço, e estes possuem um bom vínculo às
usuárias, além de realizarem o acompanhamento das crianças como o preconizado pelo Programa.
Revista da AMRIGS, Porto Alegre, 59 (3): 160-168, jul.-set. 2015
Deste modo, necessita-se de mais estudos em relação
ao tema, principalmente nas demais regiões do país, bem
como nos municípios do interior, para que se possa traçar
um perfil da implementação da distribuição em todo o Brasil. Destaca-se que, para serem mais eficazes, estratégias de
prevenção oferecidas pelos órgãos governamentais, principalmente aqueles ligados à saúde, devem considerar as
adversidades das famílias com HIV. Tornam-se indispensáveis, por outro lado, estudos que possam evidenciar os
demais aspectos que impactam na vida das crianças e suas
famílias e consideram as reais necessidades em saúde para
que se possam estabelecer outras maneiras de contribuir
com o desenvolvimento das mesmas, que não apenas com
a distribuição da fórmula láctea no primeiro ano de vida.
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Porto Alegre. Plano Municipal de Saúde 2014 - 2017. Porto Alegre
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A IMPLEMENTAÇÃO DO PROGRAMA DE DISTRIBUIÇÃO DE FÓRMULA INFANTIL PARA CRIANÇAS NASCIDAS DE MÃES HIV POSITIVAS... Aires et al.
-saude-se-fundamenta-em-tres-pilares-rede-regionalizacao-e-hierarquizacao/ Acesso em: 18 de outubro de 2014.
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168
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Porto Alegre. Relatório Anual de Gestão 2013. Porto Alegre - RS,
2013.
22. PORTO ALEGRE. Secretaria Municipal de Saúde - Prefeitura de
Porto Alegre. Relatório de Gestão 1º Quadrimestre de 2014. Porto
Alegre - RS, 2014.
 Endereço para correspondência
Ana Paula Pontes Aires
Rua Barão do Triunfo, 549/202
97.010-070 – Santa Maria, RS – Brasil
 (55) 3311-6083 / (55) 8413-0465
 [email protected]
Recebido: 9/3/2015 – Aprovado: 20/8/2015
Revista da AMRIGS, Porto Alegre, 59 (3): 160-168, jul.-set. 2015
ARTIGO ORIGINAL
Estudo comparativo de artrodese subtalar após fratura de
calcâneo com enxerto ósseo ou xenoenxerto liofilizado
Comparative study of subtalar arthrodesis after calcaneal
fracture with autologous bone graft or freeze-dried xenograft
Carlo Henning1, Gabriel Poglia2, Fernando Maurente Sirena Pereira2, Carlos Roberto Galia3, Murilo Anderson Leie4
RESUMO
Introdução: A fratura viciosamente consolidada do calcâneo pode evoluir com artrose e deformidades graves do pé. O objetivo deste
estudo é identificar diferenças na consolidação da artrodese subtalar corretiva, com interposição de enxerto ósseo tricortical autólogo
ou com xenoenxerto bovino liofilizado. Métodos: Foram avaliados prospectivamente 12 pacientes submetidos a artrodese subtalar
no Hospital de Clínicas de Porto Alegre. Em 6 pacientes utilizou-se enxerto autólogo e em 6, xenoenxerto bovino liofilizado. Após
seguimento médio de 58 semanas, realizou-se a avaliação dos pacientes utilizando a escala AOFAS e a escala visual analógica de dor
(VAD). Dois avaliadores cegos avaliaram o tempo para a consolidação da artrodese e a integração do enxerto por exames radiográficos. Resultado: O escore AOFAS melhorou entre o pré e pós-operatório, média de 37 para 64 pontos (p=0,02) no grupo controle
e de 38 para 74 pontos (p=0,02) no grupo estudo. Assim como a escala VAD melhorou, média de 4,7 para 1,9 (p=0,028) no grupo
controle e de 5,5 para 2,7 (p=0,046) no grupo estudo. Houve consolidação da artrodese em todos os casos do grupo controle em
um tempo médio de 5,3 semanas e em 5 casos do grupo estudo, em 8,8 semanas (p=0,077). A integração do enxerto ocorreu após
uma média de 10,7 semanas e de 28,8 semanas no grupo controle e estudo, respectivamente (p=0,016). Conclusão: Não observamos
diferença estatisticamente significativa no tempo para consolidação da artrodese entre os grupos, embora o tempo para integração do
xenoenxerto bovino liofilizado seja estatisticamente maior. Houve melhora clínico-funcional em ambos os grupos.
UNITERMOS: Calcâneo, Artrodese, Enxerto Ósseo, Xenoenxerto Liofilizado.
ABSTRACT
Introduction: Viciously consolidated fracture of the calcaneus can evolve with osteoarthritis and severe foot deformities. The aim of this study is to identify
differences in the consolidation of corrective subtalar arthrodesis with interposition of autologous tricortical bone graft or lyophilized bovine xenograft. Methods:
We prospectively evaluated 12 patients undergoing subtalar arthrodesis in the Hospital de Clínicas of Porto Alegre. In 6 patients we used autologous graft and
in other 6 lyophilized bovine xenograft. After a mean follow-up of 58 weeks, patients were evaluated using the AOFAS scale and a visual analogue pain scale
(VAPS). Two blinded evaluators assessed the time for consolidation of the arthrodesis and integration of the graft for radiographic examinations. Result: The
AOFAS score improved between the pre- and postoperative periods, a mean of 37 to 64 points (p = 0.02) in the control group and 38 to 74 points (p = 0.02)
in the experimental group. VAPS scores improved as well, from a mean of 4.7 to 1.9 (p = 0.028) in the control group and 5.5 to 2.7 (p = 0.046) in the experimental group. There was consolidation of arthrodesis in all of the cases in the control group at a median time of 5.3 weeks, and in 5 cases in the experimental
group, at 8.8 weeks (p = 0.077). Graft integration occurred after a mean of 10.7 weeks and 28.8 weeks in the control and experimental groups, respectively (p
= 0.016). Conclusion: We did not find a statistically significant difference in the time for arthrodesis consolidation between the groups, although the time for
integration of the lyophilized bovine xenograft is statistically higher. There was clinical and functional improvement in both groups.
KEYWORDS: Calcaneus, Arthrodesis, Bone Graft, Lyophilized Xenograft.
1
2
3
4
Médico contratado e preceptor da Residência Médica em Ortopedia e Traumatologia do Hospital de Clínicas de Porto Alegre (HCPA).
Médico Residente em Ortopedia e Traumatologia no HCPA.
Professor da Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e Preceptor da Residência Médica de Ortopedia e
Traumatologia do HCPA.
Especialista em Ortopedia e Traumatologia. Mestrando da UFRGS na Especialidade Ortopedia e Traumatologia.
Revista da AMRIGS, Porto Alegre, 59 (3): 169-176, jul.-set. 2015
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ESTUDO COMPARATIVO DE ARTRODESE SUBTALAR APÓS FRATURA DE CALCÂNEO COM ENXERTO ÓSSEO... Henning et al.
INTRODUÇÃO
MÉTODOS
As complicações tardias da consolidação viciosa da fratura do calcâneo estão relacionadas: à artrose da articulação
talocalcaneana e, eventualmente calcaneocuboidea, devido
à incongruência articular ou à lesão condral; ao alargamento do calcâneo, que pode levar a alterações dos tendões
fibulares, impacto fibulocalcaneano e dificuldade para uso
de calçados; e à deformidade, usualmente em varo do calcâneo, além da perda de altura do retropé e do planismo
do pé (1,2). Também, as lesões neurológicas e do coxim
plantar podem ser responsáveis pela dor crônica e pela limitação funcional desses pacientes (3).
Vários autores têm descrito a realização da artrodese
da articulação subtalar com interposição de um bloco de
enxerto ósseo para o tratamento da artrose pós-traumática
dessa articulação, juntamente com a ressecção da proeminência lateral da parede do calcâneo visando à correção
das deformidades e do alinhamento do retropé com bons
resultados clínicos e radiográficos (4-16).
A consolidação desse tipo de artrodese subtalar com
a utilização de enxerto tricortical autólogo da crista ilíaca
ocorre em 86 a 100% dos casos (5-9,12-14,16). Porém, os
riscos de complicações da retirada de enxerto ósseo da crista ilíaca são de até 49% (17,18). Entre os mais comuns,
estão: dor crônica, lesões nervosas, hematomas e infecção
(19), além de ser um procedimento adicional que pode aumentar o tempo cirúrgico e de internação e os custos (18,
20). Com o uso de enxerto ósseo homólogo para esse tipo
de artrodese, a consolidação pode ter ampla variação, sendo obtida entre 20 e 90,5% das vezes (10,11,15). Não foi
identificado na literatura nenhum trabalho com o uso de
xenoenxerto nesse tipo de cirurgia.
A necessidade de utilização de grandes quantidades
de enxerto ósseo em cirurgias de quadril no nosso serviço fomentou a pesquisa e utilização de substitutos ósseos, especificamente o xenoenxerto bovino liofilizado
(21,22). O osso bovino é considerado uma hidroxiapatita natural com composição química, porosidade, tamanho e forma semelhantes à humana, propiciando uma
estrutura de suporte e de osteocondução para a neoformação de tecido ósseo (23). O desengorduramento, a
descelularização e a desidratação através da liofilização
diminuem a antigenicidade do enxerto e mantêm suas
características estruturais e sua matriz proteicomineral.
Ao final do processo, pode ser esterilizado e facilmente armazenado (24). As vantagens do xenoenxerto são:
sua relativa abundância, facilidade de uso e performance
clínica potencialmente favorável. Os xenoenxertos atualmente em uso em cirurgia ortopédica têm se mostrado
seguros e confiáveis (25).
O objetivo deste estudo é identificar se há diferença
na consolidação da artrodese subtalar, após fratura de
calcâneo, com interposição de enxerto ósseo tricortical
autólogo da crista ilíaca ou com xenoenxerto liofilizado
em bloco.
Entre setembro de 2006 e outubro de 2007, 13 pacientes foram submetidos à artrodese subtalar com interposição de enxerto ósseo em bloco para tratamento da sequela da fratura do calcâneo no Serviço de Ortopedia e
Traumatologia do Hospital de Clínicas de Porto Alegre.
Em 6 pacientes (6 casos), foi utilizado enxerto tricortical
autólogo da crista ilíaca (grupo controle), e em 7 pacientes
(7 casos), utilizou-se xenoenxerto bovino liofilizado esponjoso em bloco (grupo estudo) (Figura 1). Um paciente do
grupo estudo foi excluído da análise, pois não retornou
para seguimento após a sexta semana de pós-operatório.
Ao total, foram estudados 12 pacientes (12 casos) não randomizados, com um seguimento médio de 58,17 semanas
(mínimo 42 e máximo 82 semanas). Um enxerto ósseo
de cada tipo foi utilizado nos primeiros 2 casos operados.
A seguir, utilizou-se o enxerto tricortical autólogo em 5
casos sequenciais e, posteriormente, o xenoenxerto bovino
liofilizado nos demais casos.
Foram incluídos pacientes entre 20 e 60 anos de idade
com artrose da articulação talocalcaneana após fratura de
calcâneo, que apresentavam perda significativa da altura do
calcâneo, limitação da mobilidade no retropé, dor no retropé, e limitação das atividades diárias. Foram excluídos
aqueles com fratura exposta do calcâneo ou osteomielite
do retropé ou que tivessem doenças reumatológicas, neuropatia periférica ou outras doenças ou deformidades que
impossibilitassem a deambulação.
Na Tabela 1, são descritos demais dados dos grupos.
Houve um caso de fratura bilateral do calcâneo em cada
grupo, sendo que apenas um lado foi operado. Um caso
170
Figura 1 – Enxerto bovino liofilizado.
Revista da AMRIGS, Porto Alegre, 59 (3): 169-176, jul.-set. 2015
ESTUDO COMPARATIVO DE ARTRODESE SUBTALAR APÓS FRATURA DE CALCÂNEO COM ENXERTO ÓSSEO... Henning et al.
Tabela 1 – Descrição dados da amostra.
Grupo controle
Grupo estudo
Sexo*
4F,2M
6M
Idade+
44,2 anos (29-57)
47,2 anos (31-56)
Lado
Tabagismo
Tempo entre fratura
e cirurgia+
4 direito
4 direito
1 paciente
3 pacientes
138 meses (19-330) 134,3 meses (36-362)
Tempo de seguimento+ ** 68 semanas (62-82) 48,3 semanas (38-52)
F: feminino, M: masculino
* p=0,014; ** p=0,001; +média (mínimo-máximo)
do grupo controle e 2 casos do grupo estudo haviam sido
submetidos previamente à cirurgia para descompressão da
proeminência lateral do calcâneo.
Para a avaliação clínica dos pacientes, foram utilizadas
a escala de avaliação da AOFAS (American Orthopedic Foot
and Ankle Society) para tornozelo e retropé e a escala visual
analógica de dor (VAD) no pré e pós-operatório. A escala
VAD também foi empregada para avaliação da presença de
dor na região ilíaca no pós-operatório dos casos nos quais
foi retirado enxerto autólogo.
Na avaliação radiográfica em perfil foram mensurados
os ângulos: talocalcaneano, calcaneosolo, talometatarsal 1 e
inclinação talar e foi medida, em milímetros, a altura talar.
Na incidência axial posterior do calcâneo foi medida, em
milímetros, a largura do calcâneo. Dois avaliadores independentes e cegos avaliaram a posteriori os exames radiográficos na incidência de perfil para a presença de consolidação da artrodese subtalar e integração do enxerto ósseo,
além da presença de sinais de afrouxamento do material de
síntese e tipo de enxerto ósseo utilizado: autólogo ou xenoenxerto. A consolidação da artrodese foi definida como
a união radiográfica entre o talo, o enxerto ósseo e o calcâneo, e a integração do enxerto ósseo como a presença de
trabeculado ósseo hospedeiro substituindo o trabeculado
do enxerto e, dessa forma, ocultando a individualização do
enxerto no exame radiográfico (11). O tempo em semanas
para consolidação da artrodese ou integração do enxerto
foi definido como sendo aquele que primeiro apresentasse
concordância entre os dois avaliadores desde que, na última
avaliação radiográfica, tenha sido considerado consolidado
ou integrado pelos dois avaliadores. Se na última avaliação
radiográfica não houver concordância entre os avaliadores,
o caso é considerado como não consolidado ou não integrado, independentemente das avaliações anteriores.
Dos registros dos pacientes foram pesquisados: duração do procedimento cirúrgico, tempo de imobilização
com gesso e complicações pós-operatórias.
Descrição cirúrgica. O paciente foi posicionado em decúbito dorsal com coxim sob quadril ipsilateral. Foi realizada
a exsanguinação do membro inferior com faixa elástica e
utilizado garrote pneumático no terço proximal da coxa.
Revista da AMRIGS, Porto Alegre, 59 (3): 169-176, jul.-set. 2015
O alongamento do tendão calcaneano foi indicado nos casos
de dorsiflexão do tornozelo menor de 10 graus. A abordagem da articulação talocalcaneana foi realizada pela incisão
lateral estendida em “L” com dissecção única até o plano ósseo. A proeminência da parede lateral do calcâneo era, então,
ressecada. Após a abertura e liberação da cápsula articular
talocalcaneana, a cartilagem da faceta posterior do calcâneo
e do talo era removida até a presença de osso subcondral.
O espaço talocalcaneano era aberto com uso de distrator
até obtenção da correção das relações ósseas do retropé,
avaliadas por controle radiográfico intraoperatório, e interposto o enxerto em bloco que preenchesse o espaço obtido.
A fixação era realizada com um parafuso canulado de 7,0 mm
de rosca parcial do calcâneo para o talo. No final do procedimento, o garrote era aberto para realização de hemostasia
e lavagem com soro fisiológico, seguido pelo fechamento do
subcutâneo e pele e pela colocação de tala gessada.
A obtenção do enxerto da crista ilíaca foi realizada através de abordagem da sua porção anterolateral. O periósteo
era elevado tanto da tábua interna quanto externa do ilíaco
3 cm posterior à espinha ilíaca anterosuperior. O enxerto
em bloco tricortical do tamanho desejado era retirado com
o uso de osteótomos. O fechamento era realizado de maneira habitual após lavagem e hemostasia. O uso de dreno
de sucção não foi necessário em nenhum caso.
No pós-operatório, o paciente foi mantido com tala
gessada por 2 semanas até retirada dos pontos, quando
era substituído por uma bota gessada sem apoio. Após a
sexta semana, foi permitido o apoio parcial com a bota
gessada até que houvesse evidência clínica e radiográfica de
consolidação da artrodese, quando era permitido o apoio
conforme tolerância sem o uso de imobilização e iniciada
a reabilitação motora.
Para a avaliação estatística dos dados, foram utilizados:
teste Qui-quadrado para verificar a associação entre variáveis, teste t de Student para comparação de médias, testes
não paramétricos de Wilcoxon, Mann-Whitney e Levene
para comparação de escores e Coeficiente de Kappa para
avaliar concordância entre os avaliadores. O nível de significância estabelecido foi de 5%.
RESULTADOS
Considerando a escala de avaliação da AOFAS para
tornozelo e retropé, houve uma melhora significativa entre
o pré-operatório e a última avaliação no grupo controle
(p=0,02) e no grupo estudo (p=0,02). Não houve diferença estatisticamente significativa entre os grupos controle
e estudo. Na avaliação pela escala VAD também ocorreu
diferença estatisticamente significativa entre o pré-operatório e a última avaliação no grupo controle (p=0,028) e no
grupo estudo (p=0,046), não ocorrendo diferença entre os
grupos estudados (Tabela 2).
Nenhum paciente que foi submetido à retirada de enxerto autólogo da crista ilíaca apresentava dor antes do
171
ESTUDO COMPARATIVO DE ARTRODESE SUBTALAR APÓS FRATURA DE CALCÂNEO COM ENXERTO ÓSSEO... Henning et al.
Tabela 2 – Resultados da avaliação pela escala AOFAS para tornozelo e retropé e pela escala VAD.
Grupo
Escala AOFAS+
N
Pré-op.
Pós-op.
Escala VAD+
P*
Pré-op.
Pós-op.
P*
Controle
6
37 (11,08)
63,83 (9,58)
0,02
4,73 (2,17)
1,87 (1,33)
Estudo
6
38 (14,92)
73,83 (9,54)
0,02
5,53 (1,91)
2,72 (2,4)
0,028
0,046
Total
12
37,83 (12,56)
68,33 (10,77)
0,002
5,13 (1.99)
2,29 (2,01)
0,006
*Teste não paramétrico de Wilcoxon; + Média (Desvio Padrão)
Tabela 3 – Parâmetros radiográficos.
Grupo
Raio x
Contralateral
Controle
Pré-operatório
Pós-operatório
Estudo
Geral
Altura TC*+
Largura
calcâneo+
Ângulo CS*++
Ângulo TC*++
Ângulo TMT*++
Inclinação talar++
67 (63,5/69,75)
[p=0,18]¶
31,5 (22,5/34,75)
17 (12,25/22,5)
[p=0,11]
41 (32,5/49,5)
[p=0,11]
3 (-6,25/10)
[p=0,18]
21,5 (15,75/28,75)
[p=1,0]
64 (60/71)
[p=0,04]¶
42 (35/49) [p=0,47]
14 (10,5/21)
[p=0,85]
29 (22/33) [p=0,04]
12,5 (7,5/17)
[p=0,04]
13,5 (9/18)
[p=0.07]
36 (30/42)
10 (0/11,5)
69 (63,5/80)
40,5 (36/45,75)
20 (7/23)
Contralateral
78 (77,25/79,5)
[p=0,11]
35 (29/35)
[p=0,1]
21 (18,5/23,5)
[p=0,14]
Pré-operatório
71,5 (69,5/75)
[p=0,03]
48 (39,75/50,5)
[p=0,04]
13 (11,5/19,75)
[p=0,6]
32 (22/42,5)
[p=0,1]
5,5 (0/13,25)
[p=0,89]
17,5 (9,75/24,75)
[p=0,79]
Pós-operatório
76,5 (72,75/80,75)
42 (39/45,25)
15 (10/22)
38 (30,5/44,5)
8,5 (3/10)
18 (16,25/21)
Contralateral
73,5 (66/78)
[p=0,04]
33 (29,5/35)
[p=0,07]
20,5 (14,25/22,75)
[p=0,04]
43,5 (40,5/51)
[p=0,02]
1,5 (-3/8,5)
[p=0,04]
24 (19,5/28,75)
[p=0,11]
Pré-operatório
69 (63/72,75)
[p=0,003]
45 (37/50) [p=0,07]
13 (11,25/19,5)
[p=0,54]
29 (22,5/36)
[p=0,01]
Pós-operatório
76 (69/79)
42 (37/50)
18 (10/22)
36 (30/44)
46,5 (42,75/51)
1,5 (0/3,75) [p=0,1]
[p=0,07]
18 (16/25)
24 (24/28,5)
[p=0,11]
10,5 (0,5/15,25)
16 (10/18) [p=0,06]
[p=0,12]
10 (4/10)
18 (17/22)
* Altura TC: altura talocalcaneana, ângulo CS: ângulo calcaneosolo, ângulo TC: ângulo talocalcaneano, ângulo TMT: ângulo talometatarsal 1; + Altura ou largura em milímetros;
graus; ¶ Mediana (percentil 25 / percentil 75) [valor p em relação com pós-operatório]: Teste não paramétrico de Wilcoxon.
procedimento na região doadora. Na última avaliação realizada, 2 pacientes permaneciam sem dor e 4 pacientes
apresentavam dor, nestes a escala VAD variou de 0,1 a 0,6.
Todos pacientes apresentavam pequena área de hipoestesia em torno da ferida operatória, mas sem prejuízo das
suas atividades diárias. Não ocorreu nenhuma complicação
maior nesses pacientes.
A altura talocalcaneana apresentou diferença estatisticamente significativa entre o pré- e o pós-operatório no grupo
controle (p=0,04) e no grupo estudo (p=0,03). Houve diferença estatisticamente significativa entre o pré- e o pós-operatório nos ângulos talocalcaneano (p=0,04) e talometatarsal
1 (p=0,04) no grupo controle. No grupo estudo, a largura do
calcâneo mostrou diferença estatisticamente significativa entre pré- e pós-operatório (p=0,04). Quando avaliamos cada
grupo em separado, não houve diferença estatisticamente
significativa entre os parâmetros radiográficos no pós-operatório em relação ao lado contralateral (Tabela 3).
Na avaliação a posteriori realizada pelos dois avaliadores
cegos, não houve diferença estatisticamente significativa
no tempo para a consolidação da artrodese, em média de
5,33 semanas e 8,8 semanas para o grupo controle e estu172
++
Ângulo em
do, respectivamente (p=0,77). Houve diferença estatisticamente significativa para a integração do enxerto, em média
de 10,67 semanas e 28,8 semanas para o grupo controle e
estudo, respectivamente (p=0,016) (Tabela 4). Houve consolidação da artrodese e integração do enxerto ósseo em
todos os 6 casos do grupo controle e em 5 dos 6 casos do
grupo estudo (Figura 2). Um caso do grupo estudo foi considerado como pseudoartrose, pois não apresentou concordância entre os 2 avaliadores na última avaliação radiográfica realizada com 42 semanas de evolução (Figura 3).
Os avaliadores não identificaram sinais de afrouxamento
do material de síntese em nenhum caso. A concordância
para a identificação do tipo de enxerto utilizado foi fraca
(coeficiente de Kappa 0,17) para o avaliador 1 e substancial
(coeficiente de Kappa 0,67) para o avaliador 2.
No grupo controle, os pacientes permaneceram com
imobilização gessada, em média de 10,33 semanas (mínimo 8, máximo 12) e os do grupo estudo, 13,33 semanas
(mínimo 10, máximo 18) (p=0,054). A duração média da
cirurgia no grupo controle foi de 114,67 (DP 8,14) minutos
e no grupo estudo foi de 96,67 (DP 6,83) minutos (18%
maior no grupo controle; p=0,002).
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ESTUDO COMPARATIVO DE ARTRODESE SUBTALAR APÓS FRATURA DE CALCÂNEO COM ENXERTO ÓSSEO... Henning et al.
Tabela 4 – Tempo para consolidação da artrodese e integração do
enxerto ósseo.
Consolidação*
Integração*
Controle
Grupo
5,33 (2/8)
10,67 (6/28)
Estudo
8,8 (6/14)
28,8 (10/38)
0,077
0,016
p+
A
* Média em semanas (mínimo / máximo); + Valor p: teste de Levene
A
C
B
B
D
Figura 2 – Radiografia em perfil pré (A) e pós-operatório (B) da
artrodese subtalar com utilização de enxerto autólogo da crista ilíaca
e pré (C) e pós-operatório (D) com xenoenxerto bovino liofilizado
mostrando a presença de consolidação da artrodese.
Foi realizado no mesmo ato cirúrgico o alongamento do
tendão calcaneano em 2 casos do grupo controle e em 3
casos do grupo estudo e a retirada da tuberosidade posterodorsal do calcâneo em 1 paciente de cada grupo. Houve
1 caso de deiscência de sutura no grupo controle e 2 casos
no grupo estudo. Todos evoluíram com cicatrização por segunda intenção após curativos seriados sem necessidade de
reintervenção cirúrgica. Em 2 pacientes do grupo controle,
o parafuso utilizado para fixação da artrodese foi retirado
após 60 semanas por estar com sua cabeça proeminente no
calcâneo e causar desconforto com o uso de calçados fechados. Um paciente do grupo controle permaneceu com
retropé varo e foi submetido à osteotomia valgizante do calcâneo na sexagésima semana. Um paciente do grupo controle desenvolveu Síndrome de Dor Complexa Regional no
pós-operatório imediato e teve o parafuso canulado retirado
na 18ª semana, por estar saliente dorsalmente no corpo do
talo. No grupo estudo, um paciente foi submetido na 54ª
semana à ressecção de uma proeminência óssea medial do
calcâneo, que estava causando atrito no tendão flexor longo do hálux. Houve comprometimento do nervo sural com
queixas de parestesia e hipoestesia na face lateral do retropé
em 4 pacientes do grupo controle e em 3 do grupo estudo.
Revista da AMRIGS, Porto Alegre, 59 (3): 169-176, jul.-set. 2015
Figura 3 – Radiografia em perfil pré (A) e pós-operatório (B) da
artrodese subtalar com interposição de xenoenxerto bovino liofilizado
no caso considerado como pseudoartrose.
Cinco dos seis pacientes do grupo controle e 4 dos 6 pacientes do grupo estudo apresentavam queixas de dor difusa no
retropé ao exame físico na sua última avaliação.
DISCUSSÃO
O tratamento inicial não cirúrgico das fraturas do calcâneo com deformidade geralmente resulta em uma consolidação viciosa e dolorosa que afeta a função das articulações
do tornozelo, subtalar e calcaneocuboídea, além de levar
a prejuízos funcionais e dificuldade para o uso de calçados (4). A artrose subtalar que se desenvolve nesses casos
é considerada como causa de dor. Porém, a realização da
artrodese talocalcaneana nem sempre provê melhora dos
sintomas (2, 26). A dor também pode ser decorrente dos
tendões fibulares, do impacto calcaneofibular, da neuropatia do nervo sural, do impacto anterior do tornozelo ou da
lesão do coxim plantar do calcâneo (2,3,27). No tratamento
cirúrgico das sequelas da fratura do calcâneo, todas as pos173
ESTUDO COMPARATIVO DE ARTRODESE SUBTALAR APÓS FRATURA DE CALCÂNEO COM ENXERTO ÓSSEO... Henning et al.
síveis causas de dor devem ser consideradas e a anatomia
do retropé, restabelecida (1). A ressecção da proeminência
da parede lateral do calcâneo diminui o impacto calcaneofibular e descomprime os tendões fibulares (27). A artrodese in situ não restaura a altura talocalcaneana fisiológica, o
ângulo talocalcaneano ou o ângulo de inclinação talar nos
casos de grande comprometimento do calcâneo (1,10,15).
Nessa situação, é preferível a realização da artrodese subtalar com interposição de enxerto ósseo, pois ela corrige o
comprimento do complexo gastrocnemio-soleo e a relação
talocalcaneana e talotibial, além de facilitar a descompressão
dos tendões fibulares (5,14). Carr et al. (28) descreveram a
artrodese subtalar com interposição de enxerto ósseo para
restaurar a orientação do retropé e, com isso, melhorar a
função, pois acreditavam que a perda da altura talocalcaneana levava a um impacto tibiotalar anterior doloroso. Myerson e Quill (5) indicam esse tipo de artrodese quando há
perda maior de 8 mm na altura talocalcaneana em relação
ao lado contralateral, ou quando há evidência de impacto
anterior do tornozelo demonstrado por um ângulo de inclinação talar menor de 20°. Chandler et al. (2) sugerem que
essa artrodese seja realizada nos casos com dor anterior no
tornozelo e dorsiflexão do tornozelo menor de 10°.
A escala AOFAS é uma escala de avaliação amplamente
aceita, validada e com boa consistência interna (29). Na
nossa casuística, ocorreu uma melhora estatisticamente significativa dos pacientes quando avaliados pela escala AOFAS ou pela escala VAD. Pela escala AOFAS, a melhora
foi de 30,5 pontos, de uma média de 37,8 para 68,3 pontos
do pré- para o pós-operatório, respectivamente (p=0,002),
e pela escala VAD, foi de 2,84, de uma média de 5,13 para
2,29 no pré- e pós-operatório, respectivamente (p=0,006).
Não foi possível demonstrar diferença estatisticamente significativa entre os dois grupos, tanto para escala AOFAS
quanto para escala VAD. Esses valores estão próximos aos
descritos na literatura, cuja melhora pela escala AOFAS oscila entre 32 e 50 pontos, de uma média entre 20 e 40 pontos no pré-operatório para uma média entre 69 e 75 pontos
no pós-operatório (6,7,10,14,15). E pela escala VAD, varia
entre um valor médio de 6,07 e 8,1 no pré-operatório e de
2,0 e 2,56 no pós-operatório (7,10). Apesar disso, todos os
seis pacientes do grupo controle e 4 dos seis pacientes do
grupo estudo apresentavam queixas de dor no pé operado na última avaliação. A persistência de dor residual após
a realização de artrodese com interposição de enxerto foi
descrita por Clare et al. (4) em 64% dos 45 pacientes após
um acompanhamento médio de 5,3 anos e por Marti et al.
(12) em 82% de 19 pacientes com um seguimento médio
de 9 anos. Concordamos com Chan e Alexander (8) que
afirmam que, apesar do alívio da dor não ser completo nem
universal, a satisfação do paciente é alta.
Na avaliação dos parâmetros radiográficos, houve melhora estatisticamente significativa da altura talocalcaneana
entre o pré- e o pós-operatório nos dois grupos. Essa melhora, todavia, não foi suficiente para equiparar a altura talocalcaneana obtida no pós-operatório com o lado contralateral,
174
considerado o parâmetro normal para o paciente, mantendo
uma diferença estatisticamente significativa (p=0,04) quando os dados dos dois grupos foram agrupados. Mas quando
os grupos foram avaliados separadamente, não foi encontrada diferença significativa entre o pós-operatório e o lado
contralateral. Isso pode se dever a um pequeno número de
casos em cada grupo. O ângulo de inclinação talar não mostrou diferença significativa em nenhum momento. O calcâneo mostrou-se significativamente mais estreito, medido por
sua largura, somente entre o pré- e pós-operatório do grupo
estudo (Tabela 3). O ângulo de Böhler não é útil na avaliação dos resultados da artrodese subtalar, pois os pontos de
referência para sua mensuração são perdidos com o bloco
de enxerto ósseo e a descorticação da borda superior do calcâneo, por isso não foi utilizado (14). A quantidade de correção dessas variáveis radiológicas não é uniforme na literatura
(9,14,30) e não mostrou, em alguns estudos, correlação com
os achados clínicos (2,31). Entretanto, Chen et al. (16) observaram que a correção da altura talocalcaneana ocorreu em
80,1% dos casos com bom resultado funcional, enquanto
apenas em 47,6% dos casos com mau resultado funcional. Já
Marti et al. (12) não encontraram correlação entre as medidas
radiológicas e os achados clínicos, exceto na altura do coxim
gorduroso plantar do calcâneo. O tempo decorrido entre a
fratura e a artrodese também é apontado por alguns autores
como um fator que pode influenciar a quantidade de correção possível, dada a retração dos tecidos periarticulares do
retropé (7,9,4). Na nossa casuística, esse tempo variou de 19
a 362 meses, média de 136,17 meses, o que pode ter influenciado a não correção de alguns parâmetros radiográficos.
A ocorrência de consolidação da artrodese subtalar
com interposição de enxerto autólogo da crista ilíaca para
tratamento das fraturas com consolidação viciosa do calcâneo é descrita na literatura entre 86 e 100% dos casos
(5-9,12-14,16). A retirada de enxerto ósseo da crista ilíaca pode apresentar complicações em até 49% dos casos
(17,18). Nas séries de casos de retirada de enxerto ósseo da crista ilíaca para realização de artrodeses do pé,
essa porcentagem é menor, somente até 6% dos casos
(9,10). Por ser um ato cirúrgico que agrega possibilidades
de comorbidades, nem sempre é facilmente aceito pelo
paciente (30) e também implica em maior tempo cirúrgico e possivelmente de custos (19). A duração do procedimento cirúrgico foi 18% maior no grupo submetido
à retirada de enxerto ósseo do ilíaco (96,67 minutos no
grupo estudo e 114,67 minutos no grupo controle), o que
foi estatisticamente significativo (p=0,002).
Outras fontes de enxerto ósseo têm sido descritas na literatura (32). Clare et al. (4) descrevem bons resultados em
40 pacientes (45 pés) com um seguimento médio de 5,3
anos submetidos à artrodese subtalar com interposição de
enxerto ósseo autólogo, proveniente da parede lateral do calcâneo com 93,5% de consolidação. A utilização de enxerto
homólogo nessa situação apresentou, em alguns trabalhos,
consolidação somente em 20 a 40% dos casos (10,11). Já
outros autores descrevem resultados melhores com o uso de
Revista da AMRIGS, Porto Alegre, 59 (3): 169-176, jul.-set. 2015
ESTUDO COMPARATIVO DE ARTRODESE SUBTALAR APÓS FRATURA DE CALCÂNEO COM ENXERTO ÓSSEO... Henning et al.
enxerto ósseo homólogo com percentuais de consolidação
semelhantes ao do enxerto autólogo (19,30,33). Nickisch
e Anderson (1) indicam a utilização do enxerto homólogo
quando houver necessidade de um enxerto com mais de 1
cm de altura para interposição na artrodese subtalar. Garras
et al. (15) descrevem uma série de 21 casos com seguimento
de médio de 35,8 meses utilizando enxerto homólogo congelado para interposição na artrodese subtalar, com 90,5%
de consolidação, embora tenham usado, em 7 casos, a associação de centrifugado rico em plaquetas.
Devido à dificuldade de oferta de enxerto ósseo homólogo congelado em nosso serviço, foram iniciados a
pesquisa e o desenvolvimento de um banco de enxerto ósseo liofilizado (21,22,34). Na literatura, encontramos poucos trabalhos na área médica que descrevem
a utilização de xenoenxertos (25,35). Sua utilização em
situações diversas tem mostrado bons resultados de incorporação e consolidação de artrodeses (20,36,37). No
único trabalho que encontramos na literatura do uso
de xenoenxerto ósseo em artrodeses do pé e tornozelo,
Thompson et al. (38) descrevem cinco casos que evoluíram com pseudoartrose e que necessitaram nova intervenção cirúrgica com uso enxerto autólogo para obter a
consolidação da artrodese. Esses autores contraindicaram o uso do xenoenxerto. Na nossa experiência, houve
consolidação da artrodese subtalar com interposição de
xenoenxerto ósseo liofilizado em 5 dos 6 casos (83%
de consolidação) e em 6 dos 6 casos (100%) com uso
de enxerto tricortical autólogo da crista ilíaca, após um
seguimento médio de 58,17 semanas.
A avaliação radiográfica da consolidação da artrodese e
da integração do enxerto ósseo é subjetiva. Por isso, com o
intuito de diminuir possíveis erros de avaliação, utilizamos
dois avaliadores cegos e independentes. Não utilizamos exames de tomografia computadorizada ou ressonância magnética para avaliação dos casos pela limitação de custos e
também por esses exames não serem utilizados de rotina na
avaliação pós-operatória de pacientes submetidos a artrodeses do pé ou tornozelo. A ocorrência de retardo de consolidação ou de pseudoartrose é uma preocupação maior na
artrodese subtalar com interposição de enxerto ósseo, pela
presença de duas superfícies que necessitam consolidar (talo-enxerto, enxerto-calcâneo), do que na artrodese subtalar
tradicional com apenas uma superfície (talo-calcâneo) (15).
Outros fatores que parecem estar relacionados à ocorrência
de pseudoartrose são o tabagismo e a presença de necrose
óssea avascular (4,10,11). Observamos a presença de consolidação em todos os casos, exceto em um caso do grupo estudo, que era um dos três tabagistas desse grupo. Esse caso
foi considerado como pseudoartrose, pois, na sua última
avaliação com 42 semanas, apresentava discordância entre
os avaliadores, apesar de ter sido considerado pelos dois avaliadores como tendo sinais radiográficos de consolidação em
avaliações prévias entre a 16ª e a 34ª semana.
O tempo para ocorrer a consolidação da artrodese foi
maior no grupo estudo do que no grupo controle: 8,8 seRevista da AMRIGS, Porto Alegre, 59 (3): 169-176, jul.-set. 2015
manas e 5,33 semanas, respectivamente, porém não foi estatisticamente significativo (p=0,077). O tempo para integração do enxerto, 28,8 semanas no grupo estudo e 10,67
semanas no grupo controle, foi estatisticamente significativo
(p=0,016). O enxerto ósseo liofilizado, pelo processo a que
é submetido, é considerado um osteocondutor, sem características osteoindutoras ou osteogênicas, o que pode retardar
a sua integração (39). O tempo para a consolidação da artrodese subtalar com uso de enxerto homólogo congelado
pode variar entre 3 e 5 meses (média de 3,5 meses), e sua
revascularização e integração, entre 6 e 12 meses (15,33).
A consolidação com enxerto autólogo pode variar entre 10 e
30 semanas (6,10,11). O tempo de imobilização pós-operatória sem apoio é de 6 semanas (7-11), podendo chegar a 12
semanas (4,6), seguido de um período de imobilização com
liberação do apoio. Nós mantivemos os pacientes com imobilização sem apoio por 6 semanas e, após, com apoio parcial até que houvesse sinais clínicos e radiográficos de consolidação. No total, o tempo de imobilização foi, em média,
de 10,33 semanas e de 13,33 semanas, respectivamente, para
o grupo controle e estudo. Essa diferença não foi estatisticamente significativa. O tempo médio de imobilização realizado pelos autores foi maior que o tempo médio necessário
para consolidação da artrodese pelos critérios radiográficos
utilizados pelos dois avaliadores cegos.
A utilização de uma abordagem extensível lateral em
“L” permite uma visualização adequada dos tendões fibulares, da articulação calcaneocuboídea e subtalar e permite
a ressecção da prominência da parede lateral do calcâneo
com facilidade (4). Porém, existe um potencial risco para
o fechamento dessa incisão, principalmente quando forem
utilizados enxertos com grande altura, preferindo-se, então, incisões mais verticais (30). Em três dos doze casos
operados, houve deiscência de sutura. Clare et al. (4) utilizando essa abordagem descrevem a ocorrência de problemas de cicatrização em 24% dos 45 pés operados. Outra
complicação frequente é a lesão do nervo sural, que pode
ocorrer em até 17% das vezes (14) e ser causada por lesão
direta ou por estiramento, pelo aumento da altura talocalcaneana (15). A presença de queixas relacionadas à lesão do
nervo sural em nossa casuística foi de 7 em 12 casos operados. Uma porcentagem acima da esperada e que pode estar
relacionada à curva de aprendizagem da técnica cirúrgica.
A partir dos dados obtidos no nosso trabalho, o tamanho de amostra necessário para se ter um estudo com
poder de 80% e um nível de significância de 5% é de 11
casos em cada grupo para a avaliação do tempo para consolidação da artrodese e de 5 casos em cada grupo para a
avaliação do tempo para integração do enxerto.
CONCLUSÃO
Não houve diferença estatisticamente significativa no
tempo para ocorrer a consolidação da artrodese subtalar
após fratura do calcâneo, independentemente do tipo de
175
ESTUDO COMPARATIVO DE ARTRODESE SUBTALAR APÓS FRATURA DE CALCÂNEO COM ENXERTO ÓSSEO... Henning et al.
enxerto ósseo utilizado: autólogo da crista ilíaca ou xenoenxerto bovino liofilizado. O tempo para integração do
xenoenxerto bovino liofilizado foi estatisticamente maior
que do enxerto autólogo da crista ilíaca. Os pacientes apresentaram melhora clínico-funcional, estatisticamente significativa, com o procedimento cirúrgico quando avaliados
pela escala AOFAS e VAD, apesar da persistência de dor
residual na maioria dos casos. A altura talocalcaneana teve
aumento estatisticamente significativo do pré- para o pós-operatório em ambos os grupos. Não ocorreram complicações maiores no grupo que utilizou o xenoenxerto bovino liofilizado. Houve persistência de queixas na região
ilíaca em 4 dos 6 pacientes submetidos à retirada de enxerto ósseo autólogo. A duração do procedimento cirúrgico
foi 18% maior no grupo controle do que no grupo estudo.
Os resultados são iniciais, mas promissores, o que estimula a continuar as pesquisas com o uso de xenoenxerto
bovino liofilizado como substituto ósseo.
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 Endereço para correspondência
Carlo Henning
Rua Bento Gonçalves, 1936
93.410-003 – Novo Hamburgo, RS – Brasil
 (51) 3595-2254
 [email protected]
Recebido: 28/3/2015 – Aprovado: 28/4/2015
Revista da AMRIGS, Porto Alegre, 59 (3): 169-176, jul.-set. 2015
ARTIGO ORIGINAL
Critérios diagnósticos e prevalência de Diabetes Mellitus
Gestacional em um hospital do sul de Santa Catarina
Diagnostic criteria and prevalence of gestational diabetes mellitus
in a hospital in south Santa Catarina, Brazil
Raphaela Mazon Zapelini1, Martina Tierling Martinelli2, Rodolpho Mazon João2, Betine Pinto Moehlecke Iser3
RESUMO
Introdução: Não há consenso na literatura com relação ao método de diagnóstico ideal para Diabetes Mellitus Gestacional (DMG).
O objetivo foi estabelecer a prevalência de DMG nas parturientes atendidas em Tubarão/SC, conforme critérios diagnósticos utilizados pelo serviço de referência: classificação da Organização Mundial da Saúde ou The International Association of the Diabetes and
Pregnancy Study Groups (IADPSG). Métodos: Estudo transversal realizado com gestantes atendidas em um hospital do Sul de Santa
Catarina, de agosto de 2013 a abril de 2014. Os dados foram coletados a partir de uma cópia do cartão das gestantes vinculado ao
prontuário. Resultados: O estudo avaliou 506 gestantes. O rastreamento por glicemia de jejum foi positivo em 153 (30,2%) mulheres,
mas apenas 96 (62,7%) realizaram TOTG 75g. Três pacientes (0,6%) foram diagnosticadas de acordo com os critérios da OMS, os
quais exigem a realização de TTGO para confirmação. Segundo critérios do consenso da Associação Internacional de Diabetes e Grupos de Estudos da Gravidez (IADSPG), o DMG foi confirmado em 73 pacientes (14,4%). Essa confirmação foi mais frequente em
mulheres que tiveram rastreamento de glicemia positivo (p<0,001). A macrossomia (peso>4000g) foi verificada em 11 (3,3%) bebês.
A frequência de cesáreas foi de 70% nas mulheres com DMG e de 58,5% entre as sem o diagnóstico (p=0,09). Foram registrados dois
abortos. Conclusão: A prevalência de DMG, conforme o consenso da IADSPG, foi de 14,4%, superior ao verificado pelo critério da
OMS. Este último possivelmente subestimou a real frequência de DMG pela não complementação diagnóstica.
UNITERMOS: Diabetes Gestacional, Glicemia, Diagnóstico, Estudos Epidemiológicos.
ABSTRACT
Introduction: There is no consensus in the literature regarding the ideal method for diagnosis of gestational diabetes mellitus (GDM). The aim was to establish the prevalence of GDM in pregnant women cared for in Tubarão, SC, according to the diagnostic criteria used by the reference service: the classification
of the World Health Organization or the International Association of Diabetes and Pregnancy Study Groups (IADPSG). Methods: Cross-sectional
study of pregnant women at a hospital in southern Santa Catarina, from August 2013 to April 2014. Data were collected from a copy of the card of the
women linked to the medical record. Results: The study evaluated 506 pregnant women. The fasting glucose screening was positive in 153 (30.2%) women,
but only 96 (62.7%) underwent 75g OGTT. Three patients (0.6%) were diagnosed according to the WHO criteria, which requires performing OGTT for
confirmation. According to IADSPG consensual criteria, GDM was confirmed in 73 patients (14.4%). This confirmation was more frequent in women
who tested positive for blood glucose (p <0.001). Macrosomia (weight>4000g) was observed in 11 (3.3%) babies. The frequency of cesarean sections was
70% in women with GDM and 58.5% among those without the diagnosis (p = 0.09). Two abortions were recorded. Conclusion: The prevalence of
GDM, according to the IADSPG consensus, was 14.4%, higher than the one reported by the WHO criteria. The latter possibly underestimated the actual
frequency of DMG owing to the lack of complementary testing.
KEYWORDS: Gestational Diabetes, Blood Glucose, Diagnosis, Epidemiological Studies.
1
2
3
Advogada. Estudante de Medicina.
Estudante de Medicina da Universidade do Sul de Santa Catarina (Unisul).
Mestre em Epidemiologia. Professora da Faculdade de Medicina da Unisul.
Revista da AMRIGS, Porto Alegre, 59 (3): 177-181, jul.-set. 2015
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CRITÉRIOS DIAGNÓSTICOS E PREVALÊNCIA DE DIABETES MELLITUS GESTACIONAL EM UM HOSPITAL DO SUL DE SANTA CATARINA Zapelini et al.
INTRODUÇÃO
MÉTODOS
O Diabetes Mellitus Gestacional (DMG) é definido como
qualquer grau de intolerância à glicose, diagnosticado pela
primeira vez durante a gestação, podendo ou não persistir
após o parto. Estima-se uma prevalência de DMG no
mundo de 7% (aproximadamente 200.000 casos/ano),
variando entre 1 e 14%, sendo essa variação dependente
da população-alvo e do critério diagnóstico utilizado (1).
Dados mais recentes do Ministério da Saúde indicam
que 7,6% das mulheres com mais de 20 anos, usuárias do
Sistema Único de Saúde, apresentam essa condição. Desses
casos, 94% apresentam intolerância diminuída à glicose,
e apenas 6% deles atingem critérios diagnósticos para o
diabetes não gestacional (2).
Não há consenso na literatura com relação ao método
de diagnóstico ideal para DMG. Atualmente, os critérios
mais utilizados são os recomendados ao longo dos anos
pela Organização Mundial da Saúde (OMS), mas os mais
atuais (atualizados em 2010) são indicados pelo The International Association of the Diabetes and Pregnancy Study Groups
(IADPSG), sendo que o último critério foi gerado pelo
Hyperglycemia and Adverse Pregnancy Outcome (HAPO) study.
A doença em questão é o mais comum distúrbio clínico
que afeta a gravidez (3). Após o parto, a maioria destas
mulheres retorna à tolerância normal à glicose, entretanto,
40 a 60% delas podem desenvolver Diabetes Mellitus tipo 2
(DM2) em 15 a 20 anos. Aquelas que mantêm um peso corporal razoável e praticam exercícios físicos regularmente
possuem uma incidência menor de DM2 (4). Sabe-se que o
sobrepeso e a obesidade pré-gestacionais e ganho de peso
gestacional são fatores de risco para o desenvolvimento
de DMG (5). A obesidade tem se elevado em proporções
mundiais (6) e, especificamente em mulheres brasileiras, o
excesso de peso dobrou nos últimos anos (7).
Apesar da falta de consenso sobre o melhor método para rastreio e diagnóstico do DMG (8), sabe-se que
o sucesso da detecção do diabetes depende do diagnóstico mais precoce possível, durante a assistência pré-natal, a fim de que a paciente e o feto possam beneficiarse do tratamento, melhorando os resultados maternos e
perinatais (9), tendo em vista que as pacientes que cursam
com DMG estão sujeitas a maiores taxas de complicações
maternas, perinatais e fetais (10).
Portanto, haja vista a presença elevada, nos dias atuais,
de fatores de riscos que levam ao desenvolvimento de
DMG, bem como a alta prevalência desta enfermidade,
comparada com as demais doenças que atingem as pacientes gestantes e, ainda, o fato de propiciarem taxas elevadas
de morbidade e mortalidade em pacientes maternas e em
neonatos, torna-se importante determinar a prevalência
desta doença nas parturientes atendidas no município de
Tubarão/SC, de acordo com os critérios diagnósticos utilizados pelo serviço de referência: classificação da OMS ou
da IADPSG e, também, avaliar o tipo de parto e peso ao
nascer do neonato conforme a presença de DMG.
Trata-se de um estudo observacional transversal, em
que foram estudadas gestantes que deram à luz em um hospital do município de Tubarão – estado de Santa Catarina,
no período de agosto de 2013 a abril de 2014. Embora
não seja o único hospital da cidade, o local estudado é o
serviço de maior abrangência regional, pois é referência
para atendimento terciário de toda a região da AMUREL
(Associação de Municípios da Região de Laguna), composta por 13 municípios, incluindo atendimentos particulares,
convênios e SUS. Foram coletadas informações de todas
as pacientes gestantes que realizaram seus partos neste
serviço no período do estudo.
Foram incluídas no estudo mulheres gestantes que foram submetidas aos partos vaginal ou cesáreo, no serviço
de saúde e período supracitados. Por outro lado, foram excluídas do estudo as parturientes que não tiverem resultados de teste diagnóstico para DMG nos registros médicos.
Os dados foram coletados a partir de uma cópia do
cartão das gestantes vinculado ao prontuário. Foram captados do referido cartão o valor da glicemia e o teste realizado para, de acordo com o critério diagnóstico adotado,
classificá-los quanto à presença de DMG, além do tipo de
parto e peso do recém-nascido.
Os critérios diagnósticos utilizados foram os
estabelecidos pela Organização Mundial da Saúde e
pela Associação Internacional de Grupos de Estudo do
Diabetes e Gestação – The International Association of the
Diabetes and Pregnancy Study Groups (IADPSG), quais sejam:
Consoante à OMS, deve-se realizar dosagem de glicemia nas gestantes que se encontram no início da gravidez,
antes de 20 semanas, ou assim que possível. Nível de glicose plasmática de jejum igual ou superior a 85 mg/dL é
considerado como rastreamento positivo (2). A glicemia
plasmática de jejum com valor igual ou maior que 110 mg/
dL deve ser repetida. Caso esse valor se confirme, considera-se como DMG. Se a glicemia plasmática de jejum for
menor do que 85 mg/dL, deve ser repetida na 20ª semana.
Se continuar menor do que 85 mg/dL, considera-se como
rastreio negativo (2). As gestantes com rastreamento positivo devem ser submetidas à TTOG, a fim de confirmar o
diagnóstico. O teste é realizado após a ingestão de 75g de
glicose anidra em 250-300ml de água, após um período de
jejum entre 8-14 horas. A glicose plasmática é determinada
em jejum, após 1 hora e após 2 horas. Diante desta curva,
os pontos de corte são maiores ou iguais a 95, 180 e 155,
respectivamente. Assim, caso sejam encontrados dois
valores alterados, há confirmação diagnóstica. Um único
valor alterado indica que o TTOG 75g deve ser repetido na
34ª semana de gestação (2).
Já a IADSPG (11) ressalva a importância de detectar e
considerar a hiperglicemia materna, a fim de evitar eventos adversos maternos e fetais. Novos pontos de corte foram recomendados diante da curva glicêmica (TTOG 75g),
quais sejam: 92, 180 e 153 mg/dL, respectivamente, para
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Revista da AMRIGS, Porto Alegre, 59 (3): 177-181, jul.-set. 2015
CRITÉRIOS DIAGNÓSTICOS E PREVALÊNCIA DE DIABETES MELLITUS GESTACIONAL EM UM HOSPITAL DO SUL DE SANTA CATARINA Zapelini et al.
as glicemias plasmáticas de jejum, 1 e 2 horas, após a sobrecarga da glicose. Acerca disso, o diagnóstico de DMG
é confirmado por apenas um valor igual ou superior aos
limites predefinidos, entre a 24ª e a 28ª semana de gestação
(5). Assinala-se, ainda, que houve uma pequena diminuição
de valores de duas amostras (jejum e 2h) do referido teste,
em comparação com o critério estabelecido pela OMS. Essas são algumas das diferenças diagnósticas entre os dois
métodos citados anteriormente. A partir disso, espera-se
que, com a implementação dos novos critérios advindos do
HAPO study, os quais geraram consenso publicado em 2010
pela IADSPG, haverá um aumento na prevalência de DMG.
Os dados coletados foram armazenados no programa
EpiInfo versão 3.5.4, de domínio público. As variáveis
quantitativas foram descritas por medidas de tendência
central e dispersão, de acordo com a normalidade dos
dados. As variáveis qualitativas foram descritas por meio
de frequência (%) e intervalo de confiança (IC) de 95%.
Os testes de associação que foram utilizados foram o Quiquadrado para as variáveis qualitativas e o teste t-Student
para as análises quantitativas. O nível de significância
adotado foi de 5%.
A pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética em
Pesquisa (CEP-UNISUL) pelo parecer 414.583, CAAE
20698613.5.0000.5369. Foram garantidos a confiabilidade
dos dados e o sigilo das informações, sem a identificação
dos participantes, respeitando-se os preceitos éticos da Resolução 466/2012 do Conselho Nacional de Saúde. Foram
analisados os dados já coletados referentes às parturientes
e seus bebês, registrados em prontuários médicos, após autorização fornecida pelo guardião responsável por estes.
75g e valor de glicemia do TTGO 75g após 1 hora. Entre as
que possuíam informação de glicemia, a média dos valores
foi 80,16 mg/dl (± DP 13,4).
Somente três pacientes (0,6%) foram diagnosticadas de
acordo com os critérios da OMS, os quais exigem a realização de TTGO para confirmação. Entretanto, das 153
(30,2%) pacientes que apresentaram rastreamento positivo,
apenas 96 (19%) realizaram o exame de TTGO 75g.
Segundo critérios do consenso da IADSPG, o DMG
foi confirmado em 73 pacientes (14,4%). A confirmação
de DMG pelos critérios da IADSPG foi mais frequente
em mulheres que tiveram rastreamento de glicemia positivo (RP 6,5 IC95% 4,03- 6,07, valor de p<0,001). Todas as
gestantes com DMG confirmada pela OMS também tiveram o diagnóstico confirmado pelo consenso da IADSPG
(Tabela 1).
A informação do peso do recém-nascido foi encontrada em 338 prontuários. Destes, 11 (3,3%) tiveram macrossomia (peso>4000g), nove nascidos por cesárea e dois por
parto normal. A frequência de macrossomia foi de 7,9%
nos bebês de mães com diagnóstico de DMG, confirmada
pelos critérios da IADSPG, e de 2,7% das que não tinham
DMG (RP = 2,9 IC 95% 0,8 - 10,7; p=0,11).
O tipo de parto estava registrado em 424 prontuários.
A maioria das gestantes (60,1%) teve parto cesárea, sendo a
frequência de cesáreas de 70% nas 60 mulheres com DMG
pelos critérios da IADSPG e de 58,5% entre aquelas sem o
diagnóstico (RP=1,20 IC95% 0,99-1,44; p=0,09). Foram registrados dois abortos, mas em nenhum deles a mãe tinha a
confirmação de DMG tanto pela HAPO quanto pela OMS.
DISCUSSÃO
RESULTADOS
O estudo avaliou 506 gestantes que tinham resultados de teste diagnóstico para DMG em prontuário. Para
37 (7,3%) mulheres, não houve informação a respeito de
glicemia de jejum (GJ) no 1º trimestre, 327 (64,6%) não
tinham informação de glicemia de jejum no 3º trimestre, e,
em 310 (61,3%), não houve dados acerca da GJ do TTGO
Dados internacionais apontam que em aproximadamente 7% das gestações é feito o diagnóstico de DMG,
com variação de 1% a 14%, dependendo da população estudada e dos testes de diagnóstico empregados (11,12).
Como ressaltado anteriormente, segundo os critérios
estabelecidos pela OMS, a prevalência de DMG conhecida
no Brasil para mulheres a partir de 20 anos atendidas no
Tabela 1 – Confirmação Diabetes Mellitus Gestacional (DMG) pelo Estudo HAPO,1 segundo resultado do rastreamento por glicemia e conforme
critério OMS
Confirmação DMG HAPO1 Study
Rastreamento
Sim
Não
Total
Positivo
54 (35,3%)
99 (64,7%)
153 (100%)
Negativo
19 (5,4%)
334 (94,6%)
353 (100%)
Sim
Não
Total
Positivo
3 (100%)
-
3 (100%)
Negativo
70 (13,9%)
433 (86,1%)
503 (100%)
Total
73 (14,4%)
433 (85,6%)
506
Critério OMS
1
2
2
HAPO Study = Hyperglycemia and Adverse Pregnancy Outcome Study
Rastreamento positivo = glicose plasmática de jejum ≥ 85 mg/dl no primeiro trimestre
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CRITÉRIOS DIAGNÓSTICOS E PREVALÊNCIA DE DIABETES MELLITUS GESTACIONAL EM UM HOSPITAL DO SUL DE SANTA CATARINA Zapelini et al.
Sistema Único de Saúde é de 7,6% (2). Pesquisa realizada
em Brasília/DF demonstra que 6,6% das gestantes atendidas nos Centros de Saúde Básica possuíam DMG (13).
Em decorrência da dificuldade de confirmar o diagnóstico de DMG no presente estudo, de acordo com as instruções da OMS, não foi possível quantificar a prevalência e,
consequentemente, compará-la com outros estudos, tendo
em vista que, para tanto, seria necessário realizar o TOTG
75g em todas as pacientes com rastreamento positivo. Assim, a frequência da presença de DMG, conforme critérios
da OMS, nos partos do Hospital de Tubarão/SC poderia
ser subestimada.
Isso ocorreu pelo fato de que o critério de diagnóstico para DMG utilizado atualmente no local do estudo, e
constante nos cartões das gestantes da presente pesquisa,
é estabelecido segundo as orientações preconizadas pelo
consenso da IADSPG.
A Associação Americana de Diabetes, associada ao
IADPSG, já apontava, ao apresentar os novos protocolos
acerca do HAPO study, que estes deveriam aumentar, de
modo significativo, a prevalência do DMG (14).
Pesquisa realizada na França demonstra que a prevalência de DMG, de acordo com as orientações do HAPO
study, foi de 14% (15). Um estudo publicado na Irlanda
demonstrou que o diagnóstico de DMG aumentou de
10,1% a 13,2% com os novos critérios estabelecidos
(16). No estudo em questão, a prevalência de DMG foi de
14,4%, de acordo com as orientações da IADSPG, indo ao
encontro dos dados encontrados nos trabalhos internacionais recentemente publicados.
Com os novos critérios da IASDP, pode haver um aumento da incidência de Diabetes, sendo necessário abranger, nas estratégias de controle da doença, um número
maior de gestantes. Por consequência, considera-se que
há menos chance de ocorrerem eventos adversos maternos, fetais e neonatais nestas pacientes que, anteriormente,
eram consideradas com níveis de glicemia normais.
Ademais, observa-se que a DMG interfere diretamente na saúde do recém-nascido, entre eles o risco para
macrossomia, ou recém-nascidos grandes para a idade
gestacional. Conforme a Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia, a DMG aumenta em 2,42 vezes o risco desta anormalidade (17). O mesmo pode ser
evidenciado em uma pesquisa publicada em 2005, que,
ainda, faz associação entre a macrossomia e a alta taxa de
mortalidade e, principalmente, morbimortalidade (11,4%)
do recém-nascido (18). Assim, o feto, ou, depois, o recém-nascido pode sofrer diversas alterações, desde asfixia perinatal, polidrâmnio, parto prematuro, traumas esqueléticos
(19), até alterações metabólicas como hiperbilirrubinemia
ou hipoglicemia e, ainda, cardiomiopatia hipertrófica e
síndrome do desconforto respiratório (20). Além disso, tardiamente, podem ter dislipidemias, DM tipo 2 e hipertensão arterial (21, 22).
Sabe-se que em partos com algum risco de vida tanto
para a gestante quanto para o feto, deve-se optar pela ce180
sárea. Entretanto, essa escolha depende de cada gravidez,
tendo a análise de vários outros dados. Nas grávidas com
fetos muito grandes (macrossômicos), observados pela
ultrassonografia, pode ser necessário fazer cesariana. No
presente estudo, não foi possível observar se a macrossomia
já era confirmada antes do nascimento, mas se consegue
perceber que nem todos os recém-nascidos acima do peso
nasceram de cesárea.
Uma pesquisa nos Estados Unidos, no período de 1994
a 2004, descreveu a prevalência aumentada de mulheres
com DMG que tiveram partos hospitalares (23). Essa preferência, que visa à prevenção contra possíveis intercorrências pré e pós-parto, tende a aumentar, devido a vários
critérios, dentre eles a maior assistência ao pré-natal.
O aborto é considerado como óbito fetal quando
acontece antes da 20a semana de gestação (24). A incidência de aborto dentre diabéticas é controversa. De modo
geral, encontra-se em torno de 10%, índice este que se
considera parecido à da população geral (25, 26). Alguns
estudos apontam que há maior prevalência de aborto em
Diabetes Mellitus tipo 1, entretanto, esse dado não foi analisado pelo presente estudo, pois o acompanhamento das
mulheres foi apenas durante o período gestacional. Mesmo não sendo um resultado considerável, os dois abortos
constatados nos prontuários não tiveram relação com a
DMG confirmada pela HAPO, pois as mães tinham valores normais de glicemia.
CONCLUSÃO
Seguindo as novas recomendações do consenso da IADSPG, 14% das gestantes atendidas no serviço apresentaram diabetes gestacional. Foi possível identificar que a
frequência de DMG utilizando como único critério o da
OMS é subestimada, em virtude da falta de complementação diagnóstica pelo TTGO, ou falta de informações a
respeito no cartão da gestante. Observou-se, também, que
não há uma convergência entre tais critérios, e, portanto, os
profissionais da saúde, principalmente obstetras e ginecologistas, não têm a mesma conduta referente a um mesmo
resultado obtido em testes diagnósticos.
Sabendo que a gravidez por si já é uma mudança na
imunidade da mulher, a atenção a qualquer alteração, seja
ela metabólica, no hemograma ou em qualquer sistema,
deve ser redobrada. Por isso, esse trabalho visou conhecer o percentual de mulheres com o diagnóstico de DMG
atendidas no serviço, de acordo com os dois critérios
mais utilizados. Desde o método certo de fazer o exame até as anotações no cartão da gestante, qualquer erro
ou deslize pode interferir na saúde da gestante e do feto.
Os cuidados com a glicemia são quase sempre lembrados,
por isso, além de ressaltá-los, o estudo quis alertar acerca da
taxa elevada de DMG e também alguns problemas que ela
pode acarretar. Para benefícios mútuos, tanto do paciente
quanto do médico, espera-se que um dia chegue-se apenas
Revista da AMRIGS, Porto Alegre, 59 (3): 177-181, jul.-set. 2015
CRITÉRIOS DIAGNÓSTICOS E PREVALÊNCIA DE DIABETES MELLITUS GESTACIONAL EM UM HOSPITAL DO SUL DE SANTA CATARINA Zapelini et al.
em um resultado para diagnosticar a DMG, assim, todos
conseguem seguir uma mesma meta.
Conflitos de interesse: Os autores declaram não haver
conflitos de interesse em relação aos dados apresentados.
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 Endereço para correspondência
Raphaela Mazon Zapelini
Rua Recife, 498/601
88.705-720 – Tubarão, SC – Brasil
 (48) 8824-4800
 [email protected]
Recebido: 9/4/2015 – Aprovado: 28/4/2015
181
ARTIGO ORIGINAL
Síndrome da Morte Súbita Infantil em Pelotas
de 2006 a 2013: uma análise descritiva
Sudden Infant Death Syndrome in Pelotas from 2006 to 2013: a descriptive analysis
Maurício Castro Pilger1, Milton Luiz Ceia2, Vera Lúcia Schmidt3, Denise Marques Mota4, Cecília Fernandes Lorea5
RESUMO
Introdução e objetivo: A Síndrome da Morte Súbita Infantil (SMSI) ocupa a oitava posição entre as causas de anos potenciais de vida
perdidos e as primeiras posições como causa de mortalidade infantil pós-neonatal em países desenvolvidos. O presente estudo objetiva conhecer as características socioepidemiológicas das crianças que foram a óbito por SMSI no município de Pelotas. Métodos:
Estudo observacional, retrospectivo, descritivo baseado nos dados da Secretaria Municipal de Saúde, coletados através da aplicação de
Fichas de Investigação de óbitos padronizadas pelo Ministério da Saúde de todos os casos de SMSI que ocorreram do ano de 2006 a
2013 em Pelotas/RS. Resultados: Houve 37 óbitos registrados no período, o que representa um coeficiente de mortalidade por SMSI
de 1,5 por mil. A média de idade materna foi de 23,5 anos (dp=5,2), 29 (78%) eram fumantes e 23 (62%) concederam aleitamento materno exclusivo até a data do óbito, 28 (76%) tiverem seus bebês nascidos a termo. Dentre os 37 casos, 16 (43%) vieram a falecer com
menos de 1 mês de vida, 26 (70%) dormiam junto aos pais e 23 (61%) em decúbito lateral, enquanto que apenas 2 (5%) em decúbito
ventral e 16 (43%) dos casos de SMSI ocorreram durante o inverno. Conclusão: O presente estudo é o único que abrange tamanha
amostra (37 casos) de SMSI na cidade de Pelotas, a qual apresenta um coeficiente de mortalidade por essa patologia semelhante aos
mais altos encontrados na literatura. Portanto, políticas públicas que visem à prevenção de SMSI em Pelotas são necessárias.
UNITERMOS: Morte Súbita Infantil, Pronação, Supinação.
ABSTRACT
Introduction and aim: Sudden Infant Death Syndrome (SIDS) ranks eighth among the causes of potential years of life lost and is among the leading
causes of post-neonatal infant mortality in developed countries. This study aimed to evaluate the social and epidemiological characteristics of children who died
of SIDS in the city of Pelotas. Methods: An observational, retrospective, and descriptive study based on Municipal Health Department data collected by
applying Research Sheets standardized by the Ministry of Health to all cases of SIDS occurring from 2006 to 2013 in Pelotas, South Brazil. Results:
A total of 37 deaths were recorded in the studied period, placing the SIDS mortality rate at 1.5 per thousand. The mean maternal age was 23.5 years
(SD = 5.2), 29 (78%) were smokers, 23 (62%) granted exclusive breastfeeding until the date of death, 28 (76%) had term infants. From the 37 cases,
16 (43%) died under 1 month of age, 26 (70%) were sleeping with their parents, and 23 (61%) in the lateral position, while only 2 (5%) in the prone
position, and 16 cases (43%) of SIDS occurred during the winter. Conclusion: This study is the only one that covers such sample (37 cases) of SIDS
in the city of Pelotas, whose mortality rate from this disorder is close to the highest in the literature. Therefore, public policies for the prevention of SIDS in
Pelotas are required.
KEYWORDS: Sudden Infant Death, Pronation, Supination.
1
2
3
4
5
Discente do curso de Medicina da Universidade Federal de Pelotas (UFPel).
Mestre em Saúde Pública pela UFPel. Médico pediatra da Prefeitura Municipal de Pelotas.
Enfermeira. Mestre em Saúde Pública pela UFPel. Enfermeira da Prefeitura Municipal de Pelotas.
Mestre em epidemiologia pela UFPel. Professora adjunta na UFPel.
Mestre em doença da criança e do adolescente pela Universidade de São Paulo (USP). Professora adjunta na UFPel.
182
Revista da AMRIGS, Porto Alegre, 59 (3): 182-185, jul.-set. 2015
SÍNDROME DA MORTE SÚBITA INFANTIL EM PELOTAS DE 2006 A 2013: UMA ANÁLISE DESCRITIVA Pilger et al.
INTRODUÇÃO
A Síndrome da Morte Súbita Infantil (SMSI) ocupa a
oitava posição entre as causas de anos potenciais de vida
perdidos e as primeiras posições como causa de mortalidade infantil pós-neonatal em países desenvolvidos (1, 2). No
Brasil, há escassez de dados que nos permitam avaliar a influência de fatores socioculturais, geográficos na incidência
dessa doença em diferentes regiões, pois os poucos estudos
se concentram em estados do Sul e Sudeste (3).
A SMSI foi definida por Beckwith (4) como “a morte
súbita inesperada de uma criança, na qual uma necropsia
detalhada não consegue identificar uma causa adequada
para o óbito”. Esse evento passou a assumir papel relevante nos últimos anos a partir da queda dos índices de
mortalidade infantil, devido a melhorias socioeconômicas,
ambientais e na assistência médica, e à descoberta de que
lactentes abaixo de 6 meses que dormem em posição de
pronação possuem chance de 3 a 9 vezes maior de sofrerem SMSI do que os que dormem em posição supina.
A definição de Beckwith torna praticamente impossível
a realização de pesquisas epidemiológicas em nosso meio,
haja vista a não realização de necropsias em crianças falecidas subitamente. Sendo assim, estudos brasileiros nessa
área costumam adotar critério clínico para a classificação
de SMSI, como “morte inesperada em criança assintomática ou com sintomas mínimos com menos de 24 horas de
duração”, o qual também foi usado para determinarmos a
amostra neste estudo (3).
Neste estudo, foram investigados todos os óbitos diagnosticados como SMSI na cidade de Pelotas entre os anos
de 2006 e 2013, contabilizando 37 casos.
MÉTODOS
Estudaram-se todos os casos de SMSI do ano de 2006
até o ano de 2013 no município de Pelotas/RS. Os dados
foram coletados através da Secretaria Municipal de Saúde, que tem cobertura de 100% dos casos de óbito infantil
através do Comitê de Investigação de Óbito Infantil, Fetal
e Morte Materna (COMAI) desde 2003. O COMAI investiga os óbitos infantis através da aplicação das Fichas de
Investigação de Óbitos (ficha de entrevista domiciliar, ficha
de investigação hospitalar, ficha de investigação ambulatorial), padronizadas pelo Ministério da Saúde e colhendo
informações da Declaração de Nascido Vivo, da Declaração de Óbito.
Foram excluídas do estudo crianças que não se enquadravam na definição clínica de SMSI, ou seja, que apresentavam sintomas plausíveis de risco de vida por qualquer
outra patologia.
Foram coletados dados referentes a ano do óbito, idade
materna, cor de pele, sexo, tabagismo materno, aleitamento
materno exclusivo, posição em decúbito, idade da criança,
peso ao nascimento, estação do ano em que ocorreu o óbiRevista da AMRIGS, Porto Alegre, 59 (3): 182-185, jul.-set. 2015
to, idade gestacional e ocorrência de coleito. A informação
sobre peso ao nascer foi obtida através dos pais, dado colhido de maneira segura, conforme resultado de estudos
prévios (5) e confirmado pela Declaração de Nascido Vivo.
Após a coleta de dados, foi feita análise descritiva sobre
a prevalência de SMSI no município de Pelotas.
RESULTADOS
Os 37 óbitos registrados ocorreram em uma população estimada de 28560 nascidos vivos, considerando média de 4284 nascimentos por ano em famílias residentes
em Pelotas, de acordo com a Secretaria Municipal de Saúde, o que representa um coeficiente de mortalidade por
SMSI de 1,5 por mil.
A média de idade materna foi de 23,5 anos (dp=5,2),
10,8% eram primigestas, 29 (78%) eram fumantes e 23
(62%) concederam aleitamento materno exclusivo até a
data do óbito. 19 (51%) mães eram da raça branca e 28
(76%) tiverem seus bebês nascidos a termo. Dentre os 37
casos, 19 (51%) crianças eram do sexo feminino, 17 (50%)
pesavam 2906g em média (dp 619g), 16 (43%) vieram a
falecer com menos de 1 mês de vida, 26 (70%) dormiam
junto aos pais e 23 (61%) em decúbito lateral, enquanto
que apenas 2 (5%) em decúbito ventral. 16 (43%) dos casos
de SMSI ocorreram durante o inverno.
DISCUSSÃO
O presente estudo descritivo teve como objetivo principal conhecer características socioepidemiológicas, comportamentais e ambientais das crianças que foram a óbito
por SMSI na cidade de Pelotas.
Deve-se levar em conta que alguns aspectos da metodologia utilizada podem subestimar ou superestimar o coeficiente de mortalidade, como a utilização de um critério
clínico para definição de SMSI, haja vista que necropsias
não foram utilizadas e nenhum exame microscópico foi realizado, pois, no Brasil, isso não consta como conduta obrigatória. Assim, o critério que classifica a causa como SMSI
está à mercê dos médicos que acompanharam a criança e
das informações obtidas através dos pais responsáveis. O
coeficiente de SMSI de 1,5 por mil não teve alteração diante de estudo longitudinal já realizado em Pelotas em 1982
(6) e, assim como estudo realizado em Passo Fundo-RS (7),
apresenta um dos mais altos coeficientes internacionais.
Por fim, para termos maior confiabilidade em dados de
serviços estatísticos vitais, a melhoria na qualidade do preenchimento das fichas de óbito deve ser uma prioridade.
A maior prevalência de SMSI nos meses de inverno
pode estar vinculada à possível etiologia da síndrome da
SMSI infantil relacionada a doenças respiratórias virais,
deficiências bioquímicas, hipotermia, as quais ocorrem
mais comumente em meses mais frios (3). Há estudos que
indicam que esta prevalência nos meses de inverno esteja
183
SÍNDROME DA MORTE SÚBITA INFANTIL EM PELOTAS DE 2006 A 2013: UMA ANÁLISE DESCRITIVA Pilger et al.
Tabela 1 – Descrição das variáveis estudadas.
Variável
Nº
(%)
16-19
9
24
20-23
13
35
24-27
8
22
Idade da criança
>27
7
19
Idade materna em anos
Nº
(%)
Masculino
18
49
Feminino
19
51
Sexo
Número de filhos
≤1 m
16
43
>1m e ≤2m
11
30
16
1
4
11
>2m e ≤3m
6
2
13
35
>3m e ≤4m
1
3
3
12
32
>4m
3
8
4
4
11
≥5
4
11
Mãe fumante
Peso ao nascimento
<2000g
3
8
≥2000g <2500g
7
19
≥2500g <3000g
10
27
17
50
Sim
29
78
≥3000g
Não
8
22
Estação do ano
Cor da pele
Outono
10
27
Inverno
16
43
Branca
19
51
Primavera
7
19
Negra
10
27
Verão
4
11
Parda
8
22
Aleitamento materno exclusivo até óbito
Sim
23
62
Não
14
38
Posição em decúbito
Período do óbito
Neonatal
16
43
Pós-neonatal
21
57
Idade gestacional
<32ª
2
6
>32ª e ≤36ª
7
19
>37ª e ≤41ª
28
76
Lateral
23
61
Dorsal
7
19
Sim
26
70
Ventral
2
5
Não
7
19
Ignorado
5
5
Ignorado
4
11
vinculada à quantidade de cobertas e agasalhos usados
pelo lactente (8).
Mães jovens e com mais de 2 filhos são variáveis relacionadas à baixa renda e escolaridade, fatores que já foram
comprovados pela literatura (9, 10) por estarem associados
a risco de ocorrência de SMSI.
Diversos estudos evidenciaram que o risco de SMSI é
maior quando o lactente dorme na posição lateral do que
na posição dorsal (6, 11), tendo em vista a maior probabilidade de rolar para a posição ventral do que para a posição
dorsal (12). Em 1991, foi lançada uma campanha na Inglaterra chamada “Back to sleep”, que divulgava acerca da
necessidade de crianças dormirem em decúbito dorsal em
vista de evitar morte silenciosa por asfixia enquanto dormiam e outras possíveis complicações (13). Através dessa
política, o governo inglês conseguiu reduzir em 75% o número de óbitos por SMSI, resultados similares foram encontrados na Austrália e Nova Zelândia através da adesão
da mesma campanha. Em nosso estudo, 23 (61%) crianças
184
Variável
Co Leito
assumiam a posição lateral para dormir, enquanto que 2
(5%) dormiam em decúbito ventral, mostrando a preferência por dormir de lado, como apontado por demais estudos (14). Em Pelotas, a campanha “Back to sleep” foi
realizada a partir do 2º semestre de 2007 através da colocação de outdoors em vários pontos estratégicos da cidade,
da promoção de palestras e exposição de cartazes junto
às maternidades, hospitais e unidades básicas de saúde do
município, além da distribuição de material de orientação
aos pacientes. Atualmente, os outdoors foram retirados,
mas a campanha é sustentada pelo material de divulgação
e instrução médica para acadêmicos e demais profissionais
da área da saúde. De acordo com a Secretaria Municipal de
Saúde de Pelotas, do ano de 2005 ao ano de 2007, a média
de casos de SMSI foi de 6,7 casos/ano, enquanto que do
ano de 2008 a 2013, esse valor passou a ser 3,6 casos/ano.
Em adição, em nenhum dos 20 casos ocorridos de 2005 a
2007, a mãe referiu decúbito dorsal do paciente ao dormir,
enquanto que, dentre os 25 casos de 2008 a 2013, em 7
Revista da AMRIGS, Porto Alegre, 59 (3): 182-185, jul.-set. 2015
SÍNDROME DA MORTE SÚBITA INFANTIL EM PELOTAS DE 2006 A 2013: UMA ANÁLISE DESCRITIVA Pilger et al.
houve comprovação materna de que o paciente assumia a
posição supina como hábito de sono. Esses valores podem
refletir uma mudança nos padrões de sono por repercussão
da campanha. Porém, a amostra restrita ainda não é suficiente para concretizarmos o sucesso parcial da campanha,
devendo ser realizados estudos mais específicos e melhor
preenchimento das fichas de investigação de óbitos, padronizadas pelo Ministério da Saúde, para termos uma melhor perspectiva da campanha “Back to sleep” em Pelotas.
A necessidade desta política também é explícita por Rachel
et al (15) e Barsman et al (2), que indicam, respectivamente,
falta de conhecimento e má orientação, perante os familiares, da influência da posição das crianças ao dormir. Isso
se reflete através do resultado de que, em 70% dos casos,
as crianças dormiam junto aos pais, fator de risco para a
ocorrência da SMSI também já comprovado (7, 16, 11).
Shat et al (17) estimaram que 20,7% dos casos de SMSI
poderiam ser prevenidos se mães não fumassem durante a
gravidez. Estudos apontam que o tabagismo é um potente
fator de risco para SMSI (10, 18), mas também um dos que
mais facilmente pode ser evitado, fato que reitera a importância de políticas públicas antitabagismo, especialmente
durante a gestação. Em nosso estudo, encontramos que 29
(78%) das mães eram tabagistas.
Identificamos que 16 (43%) casos de SMSI ocorreram
até o primeiro mês de vida da criança, fator concordante
com alguns estudos (19), mas discordante em relação a outros que apontam para nítida maior taxa de SMSI nos meses subsequentes (20), o que requer maior investigação para
que tenhamos uma melhor perspectiva acerca desta variável.
CONCLUSÃO
O presente estudo é o único que abrange tamanha
amostra (37 casos) de SMSI na cidade de Pelotas. Deve-se
enfatizar a campanha “Back to sleep” nessa cidade, pois,
apesar de não ter sido feito estudo para avaliar sua real repercussão, análises prévias apontam para uma melhora nos
hábitos de sono a partir do ano em que ela foi adotada.
A falta de estudos como este em demais cidades do Rio
Grande do Sul limita análises comparativas e o estabelecimento de políticas de prevenção específicas para cada
região, considerando suas características socioculturais,
socioeconômicas e geográficas. Isso faz com que políticas
intervencionistas a curto prazo sejam voltadas à orientação
da posição em decúbito, do coleito, do aleitamento materno exclusivo e da cessação do tabagismo, enquanto que
políticas de longo prazo visem à melhora das condições
socioeconômicas da região.
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 Endereço para correspondência
Maurício Castro Pilger
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96.015-200 – Pelotas, RS – Brasil
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Recebido: 15/4/2015 – Aprovado: 14/5/2015
185
ARTIGO ORIGINAL
Fatores de risco cardiovascular e qualidade de vida de
acadêmicos de Medicina da Universidade Federal de Pelotas
Cardiovascular risk factors and quality of life
in medical students at the Universidade Federal de Pelotas
Fernanda Hickel1, Bruna Rosa Fabro1, Eduardo Gehling Bertoldi2
RESUMO
Introdução: Fatores de risco cardiovascular e qualidade de vida de estudantes de Medicina podem influenciar a capacidade de atuação
e de aconselhamento a pacientes dos futuros médicos. Tendo isso em vista, o presente estudo teve como objetivo avaliar comportamentos e fatores de risco cardiovascular e qualidade de vida em acadêmicos de Medicina da Universidade Federal de Pelotas (UFPel),
através de estudo de prevalência. Métodos: Estudo observacional transversal onde 298 estudantes de Medicina da Universidade
Federal de Pelotas (UFPel) foram investigados utilizando questionário padronizado, levantando informações de idade, sexo, tabagismo, alimentação, ingestão de bebidas alcoólicas, rendimento acadêmico, atividade física, e qualidade de vida pelo escore WHOQOL.
Resultados: A idade mediana foi de 22 anos, sendo 58% do sexo feminino. Sedentarismo foi relatado por 40% dos acadêmicos e
consumo excessivo de sal por 44%. Consumo de álcool foi relatado por 88% dos acadêmicos, sem variação em função do semestre
avaliado. Tabagismo foi relativamente incomum (8%), observando-se correlação positiva entre quantidade de álcool consumida e
tabagismo (p=0,029). O desfecho composto de sedentarismo, consumo excessivo de sódio ou tabagismo foi relatado por 69% dos
acadêmicos. A qualidade de vida dos acadêmicos foi influenciada pela época de formação e pela distância da família, mas não houve
correlação com fatores de risco. Conclusão: A prevalência de fatores de risco cardiovascular e comportamento de risco é elevada
entre os acadêmicos de Medicina da UFPel. Devem ser propostas intervenções visando à conscientização do benefício da adoção de
um estilo de vida saudável entre os acadêmicos.
UNITERMOS: Fatores de Risco, Estudantes, Aterosclerose, Doença da Artéria Coronariana, Qualidade de Vida.
ABSTRACT
Introduction: Cardiovascular risk factors and quality of life of medical students can influence the future physicians’ ability to effectively work and advise
patients. Keeping this in view, the present study aimed to evaluate behaviors, cardiovascular risk factors and quality of life among medical students of the
Federal University of Pelotas (UFPel), using a prevalence approach. Methods: A cross-sectional observational study where 298 medical students of the
Federal University of Pelotas (UFPel) were investigated using a standardized questionnaire, gathering information such as age, sex, smoking, diet, alcohol
consumption, academic performance, physical activity, and quality of life by the WHOQOL score. Results: The median age was 22 years, 58% female.
Sedentary lifestyle was reported by 40% of the students and excessive salt intake by 44%. Alcohol consumption was reported by 88% of the students, and
did not vary as a function of the evaluated semester. Smoking was relatively uncommon (8%), with a positive correlation between amount of alcohol consumed
and smoking (p = 0.029). The outcome composed of sedentary life style, excessive sodium intake, or smoking was reported by 69% of the students. Students’
quality of life was influenced by time of medical training and distance from the family, but these were not correlated with risk factors. Conclusion: The
prevalence of cardiovascular risk factors and risky behaviors is high among UFPel medical students. Interventions aimed at raising awareness of the benefits
of adopting a healthy lifestyle among academics should be proposed.
KEYWORDS: Risk Factors, Students, Atherosclerosis, Coronary Artery Disease, Quality of Life.
1
2
Acadêmica do Curso de Medicina da Universidade Federal de Pelotas (UFPel).
MD, ScD. Professor Assistente.
186
Revista da AMRIGS, Porto Alegre, 59 (3): 186-191, jul.-set. 2015
FATORES DE RISCO CARDIOVASCULAR E QUALIDADE DE VIDA DE ACADÊMICOS DE MEDICINA DA UNIVERSIDADE FEDERAL DE PELOTAS Hickel et al.
INTRODUÇÃO
A gênese da aterosclerose está intrinsecamente relacionada à presença de fatores de risco, e a identificação e o
controle desses fatores são parte crucial do manejo das doenças cardiovasculares (DCVs), desde a fase pré-clínica até
a doença avançada (1).
Universitários da área da saúde têm um papel importante na orientação da população a respeito de fatores de risco
e adoção de medidas preventivas; a sua capacidade de desempenhar esse papel adequadamente pode ser influenciada pelo seu conhecimento e nível de exposição a fatores de
risco (2). Nesse sentido, um levantamento do perfil de risco
dos acadêmicos da faculdade de Medicina pode promover
o debate interno sobre a relevância do problema, alertar
professores e gestores de educação, e, em última instância,
educar os alunos sobre a importância da detecção e manejo
do risco cardiovascular.
A influência do estresse e da qualidade de vida nos fatores de risco cardiovascular é alvo de debates, e uma correlação entre escores de qualidade de vida e a prevalência
de fatores de risco já foi descrita na população em geral (3).
Dados a respeito de fatores de risco e qualidade de vida
de estudantes universitários foram descritos no início da
década de 2010 em instituições do nordeste e sudeste do
Brasil (2,4). No entanto, esses achados são sujeitos à significativa variação em função da região e de características
inerentes à instituição. Adicionalmente, a recente instituição do Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM) como
ferramenta de seleção para o ingresso na universidade, por
proporcionar o ingresso nas instituições de estudantes de
regiões distantes do país, pode trazer mudanças no perfil
sociocultural e na rede de apoio familiar disponível para
os alunos.
Sendo assim, desenvolvemos este trabalho envolvendo
acadêmicos de Medicina da Universidade Federal de Pelotas (UFPel), no interior do Rio Grande do Sul, buscando
aprofundar a compreensão sobre a prevalência atual de fatores de riscos modificáveis e suas potenciais correlações
com desempenho acadêmico e qualidade de vida, viabilizando eventuais propostas para redução desses riscos.
MÉTODOS
Trata-se de estudo observacional, transversal, com estudantes de Medicina da UFPel, do primeiro ao sétimo semestre letivos, incluindo todos os 314 alunos matriculados, após
serem devidamente informados sobre o caráter facultativo e
os objetivos do estudo, e assinarem termo de consentimento
livre e esclarecido, conforme aprovação no Comitê de Ética
em Pesquisa local. Foram excluídos do estudo apenas os alunos que não aceitaram responder ao questionário, resultando
em uma amostra final de 298 estudantes.
O instrumento utilizado para a obtenção dos dados foi
um questionário autoaplicado, que contemplava os seguinRevista da AMRIGS, Porto Alegre, 59 (3): 186-191, jul.-set. 2015
tes itens: idade, semestre, sexo, tabagismo, alimentação, ingestão de bebidas alcoólicas, horas de estudos/rendimento
acadêmico, atividade física, qualidade de vida, e frequência
de contato e relação com a família.
A detecção e análise do tabagismo, padrão de alimentação, ingestão de bebidas alcoólicas, atividade física e estresse tiveram como base a I Diretriz Brasileira de Prevenção
Cardiovascular (1) e a V Diretriz Brasileira de Dislipidemias e Prevenção da Aterosclerose (5).
A exposição ao tabagismo foi pesquisada por itens de
questionário identificando alunos que nunca fumaram,
fumaram no passado, ou fumam atualmente, sendo nesse
caso quantificadas a frequência e quantidade de cigarros
consumidos. Foram considerados tabagistas os indivíduos
com consumo regular de qualquer quantidade de cigarros.
A avaliação da dieta se baseou em recordatório alimentar autoaplicado, com quantificação do número de porções
diariamente consumidas de gorduras (margarinas, manteiga, óleos vegetais), açúcares (açúcar refinado, mel e geleia
de fruta), sal, oleaginosas (nozes, castanhas, amêndoas) e
azeite de oliva.
A frequência de consumo de bebidas alcoólicas durante
um mês foi pesquisada, assim como o tipo de bebida e
a quantidade. Também foram incluídas questões sobre o
motivo da ingesta, se consegue se abster de ingeri-las em
ocasiões festivas quando há necessidade e se é feito uso
recreativo de outras substâncias (drogas ilícitas ou lícitas).
Visando à avaliação da dedicação à atividade acadêmica
e seu potencial impacto na qualidade de vida, os acadêmicos responderam sobre quantas horas costumam estudar
para a faculdade diariamente, a frequência de estudo no
período da noite, quantas horas estudam durante o período
noturno e quantas horas de sono obtêm por noite.
A atividade física foi investigada através do levantamento da frequência de realização de atividade física, o número
de horas semanais dedicadas à atividade, e a intensidade
do exercício. A intensidade da atividade física foi definida
como vigorosa quando exige aumento marcado das frequências cardíaca e respiratória e gera sudorese profusa,
moderada quando exige pequeno aumento das frequências
cardíaca e respiratória e pouca sudorese, e leve quando não
gera fadiga ou sudorese significativas. Foram considerados
sedentários os indivíduos que não praticavam exercício físico regularmente.
A qualidade de vida foi estimada através de questionário padronizado. Escolhemos o questionário WHOQOL-breve, traduzido e validado para a língua portuguesa, pelo
seu caráter transcultural e seu bom desempenho em indivíduos saudáveis (6).
Para avaliar o impacto de eventuais dificuldades no
contato com a família em alunos provenientes de outras
cidades, o questionário incluiu a necessidade de mudança da cidade de origem para cursar a faculdade, a distância entre a cidade de origem e a cidade de Pelotas, e
também a frequência de visita à família e o tempo dispendido na viagem.
187
FATORES DE RISCO CARDIOVASCULAR E QUALIDADE DE VIDA DE ACADÊMICOS DE MEDICINA DA UNIVERSIDADE FEDERAL DE PELOTAS Hickel et al.
A análise de dados foi realizada usando o software SPSS
Statistics for Windows, Versão 20.0 (Armonk, NY: IBM
Corporation). O nível de significância adotado foi de 5%.
As variáveis contínuas foram descritas com uso de média e desvio-padrão, mediana e intervalo interquartil, percentil e outros métodos descritivos quando pertinente. Na
tentativa de identificar diferenças nas variáveis entre diferentes grupos, foram utilizados o teste t de Student para
variáveis contínuas com distribuição Gaussiana, e o teste
de Wilcoxon para variáveis contínuas com distribuição não
Gaussiana; para variáveis qualitativas, foram empregados
os testes qui-quadrado, exato de Fischer e regressão logística. Testes de correlação foram realizados utilizando-se testes de Correlação de Pearson e de Spearman, para variáveis
de distribuição gaussiana e não gaussiana, respectivamente.
RESULTADOS
O questionário foi aplicado aos estudantes no período de dezembro de 2012 a março de 2013, sendo
incluídos 298 alunos (94,6% dos alunos matriculados).
A idade média dos participantes foi de 22 anos, sendo
58,1% do sexo feminino.
O tabagismo foi relativamente incomum, sendo relatado por 8% dos acadêmicos. Dentre os acadêmicos tabagistas, 17% relataram fumar mais de dez cigarros ao dia.
O uso recreativo atual de drogas foi encontrado em 5,7%
dos indivíduos, enquanto 14,4% afirmaram ter feito uso
prévio de drogas.
A ingestão de bebidas alcoólicas foi relatada por 88%
dos estudantes, com 24,5% consumindo de 3 a 4 doses ao
mês, e 21,5% consumindo 7 ou mais doses ao mês. Foi
observada associação entre a quantidade de álcool consu-
100%
97%
Tabagismo
97%
94%
mida e o tabagismo (p=0,029), como pode ser constatado
na Figura 1.
A maioria dos questionados respondeu realizar alguma
atividade física, e destes, 61% praticam 3 a 5 horas de atividade por semana (Figura 2). Não houve correlação significativa entre nível ou frequência de atividade física e consumo de álcool ou tabaco.
Consumo de sódio acima de 2,3 gramas (correspondente a aproximadamente 5 gramas de sal) por dia foi relatado
por 131 acadêmicos (44% dos questionados). O desfecho
composto por sedentarismo, consumo alto de sódio ou
tabagismo teve prevalência de 69,1% nos estudantes participantes. A prevalência dos fatores de risco avaliados foi
semelhante entre os sexos.
Os escores médios no questionário de qualidade de vida
WHOQOL foram 67 no domínio da saúde física, 65 no domínio psicológico, 71 no domínio social, e 67 no domínio
ambiental. Esses resultados são melhores do que os da população em geral para os domínios físico e ambiental, semelhantes no domínio psicológico, e discretamente piores no domínio social (7). A presença de fatores de risco cardiovascular
não mostrou correlação com os resultados obtidos nos escores de qualidade de vida ou com o desempenho acadêmico.
A distância da cidade natal dos acadêmicos até a cidade
de estudo teve influência na qualidade de vida, observando-se piora dos escores ao longo dos quintis de distância
(Figura 3); essa correlação foi estatisticamente significativa
para o domínio ambiental (p=0,009), havendo tendência
não significativa para os demais domínios.
Observou-se uma tendência não significativa de melhora da qualidade de vida ao longo dos primeiros 5 semestres
do curso, principalmente nos domínios físico e psicológico,
com os escores voltando a piorar no sexto e sétimo semestres (Figura 3).
Não
Sim
88%
80%
76%
80%
40%
Intensidade
da atividade
física
praticada
Leve
Moderada
Vigorosa
60%
60%
Prevalência
Percentual do subgrupo
84%
55%
52%
43%
40%
33%
24%
20%
20%
16%
12%
12%
3%
0%
6%
5%
3%
0%
0
1-2
3-4
5-6
Doses de álcool por mês
Figura 1 – Consumo de álcool e tabagismo.
188
7 ou mais
Menos de 3
3a5
Mais de 5
Horas de atividade física por semana
Figura 2 – Padrões de atividade física entre os acadêmicos.
Revista da AMRIGS, Porto Alegre, 59 (3): 186-191, jul.-set. 2015
FATORES DE RISCO CARDIOVASCULAR E QUALIDADE DE VIDA DE ACADÊMICOS DE MEDICINA DA UNIVERSIDADE FEDERAL DE PELOTAS Hickel et al.
Tabela 1 – Características demográficas e resultados principais (n = 298)
WHOQOL - Escore médio
75
Características demográficas e resultados principais (n = 298)
70
22 (21 - 23)
Sexo masculino (%)
121 (41%)
Tabagismo (%)
65
261 (88%)
Pratica atividade física (%)
180 (60%)
Uso recreativo de drogas (%)
17 (5,7%)
Qualidade de vida por domínio
<250
250-500
500-1.000 1.000-2.000
>2.000
Distância até cidade natal (km)
75
23 (8%)
Consumo de álcool (%)
Consumo de sódio > 2,3g / dia - n (%)
60
WHOQOL - Escore médio
Idade mediana (VIQ)
131 (44%)
Escore médio (DP)
Saúde física
67 (14)
Psicológico
65 (15)
Social
71 (15)
Ambiental
67 (13)
(VIQ = variância interquartil; DP = desvio-padrão)
70
65
60
1
2
3
4
5
6
7
Semestre
Físico
Psicológico
Social
Ambiental
Figura 3 – Escores de qualidade de vida.
Os resultados principais e características gerais podem
ser vistos na Tabela 1.
DISCUSSÃO
Identificar os fatores de risco que levam ao surgimento das DCVs é o primeiro passo para preveni-las.
A prevalência de fatores de risco cardiovascular varia de
acordo com cada grupo populacional. No Brasil, indivíduos com formação universitária têm menor probabilidade de apresentar DCV no futuro (8). O presente estudo desempenha importante papel dentro do universo
de indivíduos pesquisados, expondo hábitos de vida de
uma população jovem com acesso a um nível de educação superior.
A fisiopatologia das DCV se inicia na infância e adolescência, e os riscos para seu desenvolvimento aumentam
com a idade (9). A idade média dos entrevistados foi de
22 anos, faixa etária em torno da qual, em indivíduos com
múltiplos fatores de risco, ocorre o processo de transformação de estrias gordurosas em placas ateromatosas, fase
pré-clínica que precede o surgimento de eventos adversos
em várias décadas, representando, portanto, uma oportunidade para modificação de prognóstico (10).
Revista da AMRIGS, Porto Alegre, 59 (3): 186-191, jul.-set. 2015
O tabagismo é o principal fator de risco independente
para infarto agudo do miocárdio no Brasil (8). Encontramos uma prevalência de tabagismo de 8% em nossos acadêmicos de Medicina, mais elevada do que entre estudantes
de Medicina na Arábia Saudita (2,8%) (11), mas muito abaixo dos 33% e 40% de fumantes em acadêmicos da Grécia
e do Chile (12,13).
Adicionalmente, há evidências de redução progressiva
da exposição ao fumo em nossos alunos. Menezes e cols.
mostraram que, em 1996, a prevalência de tabagismo entre os acadêmicos de Medicina da Universidade Federal de
Pelotas era de 11%, comparada com 21% em 1986 e 14%
em 1991 (14). Esta tendência à redução progressiva do
tabagismo se confirma no presente estudo. Ainda assim,
no quintil de alunos com consumo de álcool mais elevado,
observamos que a prevalência de tabagismo continua relativamente alta e merece atenção.
O consumo de bebidas alcoólicas e substâncias psicoativas tem se mostrado preocupante, principalmente
entre adolescentes e adultos jovens. Em nossa instituição,
88% dos acadêmicos fazem uso de bebida alcoólica. Esta
prevalência elevada é semelhante à encontrada em outras
instituições de ensino superior (15-17). O consumo de
álcool apresentou associação com o tabagismo, tornando
os dados mais preocupantes no âmbito de risco cardiovascular e de saúde. Embora o consumo de doses moderadas de álcool (menos de 60g/dia) esteja relacionado
à menor incidência de eventos cardiovasculares (18), o
padrão abusivo e o uso regular de grandes quantidades,
encontrado em uma parcela significativa dos participantes
deste estudo, estão relacionados com aumento de eventos
coronarianos fatais (19).
Estima-se que aproximadamente 60% da população
global seja sedentária ou não obedeça à recomendação
mínima de 30 minutos diários de exercícios moderados
(20), valores semelhantes aos previamente encontrados em
189
FATORES DE RISCO CARDIOVASCULAR E QUALIDADE DE VIDA DE ACADÊMICOS DE MEDICINA DA UNIVERSIDADE FEDERAL DE PELOTAS Hickel et al.
populações de estudantes universitários brasileiros (21).
Nosso estudo encontrou uma prevalência menor de sedentários, porém mais de 40% dos entrevistados ainda se encontram abaixo do nível de atividade física recomendada.
Observamos também prevalência alta de consumo de
sódio acima das recomendações da OMS e da SBC, o que
já havia sido descrito em outros grupos de universitários
(16,21). O desfecho composto de tabagismo, sedentarismo
e consumo excessivo de sódio teve prevalência muito alta
(69% dos estudantes), demonstrando que a grande maioria
dos estudantes está exposta a fatores de risco significativos
para doença arterial coronariana (DAC).
Sabe-se que estresse no trabalho e na vida familiar e
ansiedade são fatores de risco psicossociais para DCV (1).
Encontramos escores de qualidade de vida mais baixos
em acadêmicos que tiveram de se afastar da família para
cursar a faculdade. Este achado é particularmente importante se levarmos em conta que a unificação do ingresso
às universidades públicas brasileiras pelo Exame Nacional do Ensino Médio, progressivamente implementada ao
longo dos últimos anos, proporciona, com grande frequência, o acesso a centros de estudos distantes da cidade natal
dos estudantes.
Algumas limitações do nosso estudo devem ser levadas em consideração. O desenho transversal, embora útil
para demonstrar prevalências e eventuais associações, não
é capaz de estabelecer a causalidade. Adicionalmente, dados autorreferidos podem estar sujeitos a viés de memória, e também sofrer distorções em função da percepção
dos indivíduos avaliados a respeito do quão desejável é um
determinado atributo social. Além disso, embora todos os
alunos da faculdade tenham sido convidados a participar,
é possível que eventuais ausências causadas por problemas
de saúde ou psicológicos tenham perdido a oportunidade
de responder.
Apesar dessas limitações, acreditamos que este estudo
traz informações relevantes sobre a prevalência de fatores
de risco, comportamentos de risco e qualidade de vida em
uma população de estudantes universitários. Essas informações podem ser utilizadas para planejar medidas de acolhimento e acompanhamento dos jovens ao longo do curso, particularmente no caso dos estudantes provenientes
de cidades distantes.
CONCLUSÕES
A prevalência de fatores de risco para DCV foi alta entre os acadêmicos de Medicina da Universidade Federal de
Pelotas, destacando-se o consumo de álcool e o sedentarismo. Não foi observada correlação entre fatores de risco
e qualidade de vida ou desempenho acadêmico nesta população. A qualidade de vida dos estudantes foi semelhante à da população em geral; no entanto, estudantes que se
afastaram da família para estudar tiveram piores resultados
nos escores de qualidade de vida. Medidas de acolhimento
190
e conscientização dos acadêmicos devem ser consideradas
visando à melhora da qualidade de vida e à minimização da
exposição a fatores de risco.
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Eduardo Gehling Bertoldi
Av. Duque de Caxias, 250
96.030-000 – Pelotas, RS – Brasil
 (53) 3221-1666
 [email protected]
Recebido: 27/4/2015 – Aprovado: 14/7/2015
191
ARTIGO ORIGINAL
Perfil clínico dos pacientes portadores de fibrilação atrial
atendidos em um hospital do sul de Santa Catarina
Clinical profile of patients with atrial fibrillation treated in a hospital in southern Santa Catarina
Vinicius Mariotti Machado1, Marcia Regina Pereira2, Emely Kaori Iida3
RESUMO
Este estudo verificou o perfil dos pacientes portadores de fibrilação atrial (FA) em um hospital do sul de Santa Catarina utilizando o
escore CHADS2, que atribui um ponto para insuficiência cardíaca (IC), hipertensão arterial (HAS), idade≥75 anos, diabetes mellitus (DM)
e atribui 2 pontos para histórico de acidente vascular cerebral e acidente isquêmico transitório. Foi realizado um estudo transversal com
revisão retroativa de prontuários, incluindo pacientes que internaram por FA no período de 2009 a 2013. Dos 73 pacientes analisados,
52,1% eram do sexo feminino, a média de idade foi de 65,32 anos (d.p.= ±17,07). Utilizou-se o escore CHADS2 revisado, que classifica
os pacientes em: baixo risco (escore=0); médio risco (escore=1) e alto risco (escore=2), ficando a distribuição dos pacientes em 23,3%,
28,8% e 47,9%, respectivamente. Quando analisadas as variáveis do escore, a mais prevalente foi hipertensão arterial (63%), seguida
de insuficiência cardíaca (31%). O perfil dos pacientes encontrado foi com média de idade de 65,32 anos, a doença de base que mais
acomete é HAS, seguida de IC. Nota-se a importância de classificar estes pacientes devido à alta morbimortalidade e aos custos dos
pacientes portadores de FA, que podem ser reduzidos com o tratamento de anticoagulação ou com antiagregante plaquetário.
UNITERMOS: Arritmias Cardíacas, Prevalência, Pacientes Internados.
ABSTRACT
This study evaluated the profile of patients with atrial fibrillation (AF) in a hospital in southern Santa Catarina using the CHADS2 score, which assigns
one point for heart failure (HF), high blood pressure (hypertension), age ≥75 years, and diabetes mellitus (DM), and 2 points for a history of stroke and
transient ischemic attack. A cross-sectional study was conducted using a retrospective chart review, including patients who were hospitalized due to AF from
2009 to 2013. Of the 73 patients studied, 52.1% were female, and the mean age was 65.32 years (SD = ± 17.07). We used the CHADS2-revised
scheme, which classifies patients as low risk (score = 0); medium risk (score = 1) and high risk (score = 2), and the distribution found was 23.3%, 28.8%,
and 47.9% respectively. When score variables were analyzed, the most prevalent was hypertension (63%) followed by heart failure (31%). The AF patient profile found was with mean age of 65.32 years, and the most frequent underlying disease was hypertension, followed by HF. Note the importance of
screening these patients due to the high morbidity and mortality and the costs of AF patients that can be reduced with anticoagulation treatment or platelet
aggregation inhibitors.
KEYWORDS: Cardiac Arrhythmias, Prevalence, Inpatients.
INTRODUÇÃO
Fibrilação Atrial (FA) é a perturbação do ritmo cardíaco sustentada mais comum; sua prevalência estimada é de
0,4% a 1% no geral, aumentando com a idade. Estudos
1
2
3
transversais encontraram uma prevalência menor em pessoas com idade inferior a 60 anos, aumentando para 8%
em indivíduos com mais de 80 anos (1). Estima-se que no
Brasil existam em torno de 1,5 milhão de pacientes com
FA e que essa população correlacione-se com a pirâmide
Estudante.
Mestre. Professora assistente da Universidade do Sul de Santa Catarina (Unisul) e médica da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC).
Especialista em Saúde da Família. Residente em clínica médica no Hospital Nossa Senhora da Conceição de Tubarão/SC.
192
Revista da AMRIGS, Porto Alegre, 59 (3): 192-197, jul.-set. 2015
PERFIL CLÍNICO DOS PACIENTES PORTADORES DE FIBRILAÇÃO ATRIAL ATENDIDOS EM UM HOSPITAL DO SUL DE SANTA CATARINA Machado et al.
etária (2), representando um importante fator de risco independente para a ocorrência de tromboembolismo sistêmico e particularmente cerebrovasculares (1-5).
O comprometimento hemodinâmico e eventos tromboembólicos relacionados à FA estão associados a um aumento do risco, em longo prazo, de acidente vascular cerebral (5 vezes maior do que em pessoas sem FA), falência
cardíaca e todas as causas de mortalidade, especialmente
em mulheres. Estes fatos acabam levando à morbidade, à
mortalidade e a custos para a população em geral. O acidente vascular cerebral é a complicação mais temida, por
possíveis sequelas que podem causar para o paciente (1).
Segundo as Diretrizes para o tratamento da fibrilação
atrial publicada pelo Jornal Europeu do Coração (2010),
FA é definida como uma arritmia cardíaca com as seguintes
características: 1 – O ECG de superfície mostra absolutamente intervalos RR irregulares (FA conhecida como arritmia absoluta), ou seja, intervalos RR que não seguem um
padrão repetitivo. 2 – Não há ondas P distintas no ECG.
Alguma atividade elétrica atrial frequentemente pode ser
vista em alguns ECG, na maioria das vezes em V1. 3 – O
comprimento do ciclo atrial (quando disponível), isto é, o
intervalo entre duas ativações atriais, geralmente é variável
e, < 200 ms (> 300 bpm) (6).
O escore de CHADS2 é um método de avaliação do risco cardiovascular de fácil utilização, cuja utilidade consiste na predição de eventos cerebrovasculares nos pacientes
com FA, através de um sistema de pontuação que integra
um conjunto de fatores de risco individualizados. O escore
de CHADS2 é assim um sistema de pontuação em que se
atribui um ponto por qualquer das seguintes condições: C –
insuficiência cardíaca congestiva (IC); H – hipertensão arterial (HAS); A – idade ≥75 anos; D – diabetes mellitus (DM) e S
– Acidente Vascular Encefálico (AVE) prévio e/ou Acidente Isquêmico Transitório (AIT), que recebe 2 pontos (7).
Um escore de dois ou mais implica um risco aumentado de
eventos cerebrovasculares, aconselhando o recurso à terapia anticoagulante, salvo se contraindicada (8-10). O escore
CHADS2 revisado divide os pacientes em baixo risco (escore = 0), médio risco (escore = 1) e alto risco (escore ≥ 2) (9).
Mesmo que as orientações atuais forneçam recomendações claras sobre a profilaxia do AVE, a longo prazo, em
pacientes com fibrilação atrial, elas tendem a permanecer
um tanto incertas com relação à iniciação de regimes de
anticoagulação oral ou não, com baixa aderência pelos médicos no período de internação (10). A taxa de mortalidade de pacientes com FA é aproximadamente o dobro dos
pacientes em ritmo sinusal normal e ligado à severidade de
doenças cardíacas subjacentes (2).
A partir do conhecimento destas características da doença e sua morbimortalidade é que se justifica a importância da realização deste trabalho. Considera-se fundamental
conhecer o perfil clínico dos pacientes portadores de FA
para atuar na prevenção de suas possíveis complicações e
também servir de base para futuros trabalhos científicos
nesta área.
Revista da AMRIGS, Porto Alegre, 59 (3): 192-197, jul.-set. 2015
Este estudo teve como objetivo avaliar o perfil dos pacientes que deram entrada na emergência do Hospital Nossa Senhora da Conceição, de Tubarão, e foram internados
em virtude da fibrilação atrial não valvar utilizando como
base o escore de risco para acidente vascular encefálico
(AVE) CHADS2 para o manejo terapêutico.
MÉTODOS
Foi realizado um estudo observacional analítico do tipo
transversal, baseado na análise retroativa dos prontuários,
disponibilizados pelo sistema eletrônico de registro médico do Hospital Nossa Senhora da Conceição (HNSC)
em Tubarão/SC. Este trabalho utilizou como critérios
de inclusão: ser portador de FA não valvar e ter internado no HNSC no período de 2009 até 2013 e possuir o
diagnóstico confirmado de FA por ECG. Foram excluídos
os pacientes que não possuíam os prontuários com dados
suficientes para elaboração do escore CHADS2. A amostra
do estudo foi composta por todos os pacientes registrados
no sistema de prontuários eletrônicos que deram entrada
no HNSC de janeiro de 2009 até dezembro de 2013, com
registro de Código Internacional de Doenças (CID): I49
Outras arritmias cardíacas; I48 Flutter e Fibrilação atrial;
I49.9 Arritmia cardíaca não especificada.
Com uma amostra de 160 pacientes, foi realizada uma
análise criteriosa dos prontuários utilizando somente os pacientes que tinham, além do CID, a confirmação do diagnóstico de FA firmado por eletrocardiograma. Foram coletadas
algumas variáveis sociodemográficas: idade no dia do diagnóstico; sexo; raça; religião; profissão; estado civil e escolaridade. Esses dados foram transcritos para a base de dados.
O escore CHADS2 foi calculado de acordo com as informações colhidas nos prontuários, a idade utilizada foi a
que o paciente apresentou na data do diagnóstico; Diabetes
Mellitus foi definida se o paciente apresentou o diagnóstico de DM tipo 1 ou 2 com registro médico prévio e/
ou uso de hipoglicemiantes orais e/ou insulina; hipertensão arterial sistêmica foi definida se o paciente apresentou diagnóstico prévio registrado por médico e/ou uso de
medicações anti-hipertensivas; insuficiência cardíaca congestiva foi definida se o paciente possuía registro médico
da mesma e/ou pelo laudo do ecocardiograma com fração
de ejeção ≤ 35%; acidente vascular encefálico e acidente
isquêmico transitórios foi definido se o paciente possuía
diagnóstico prévio registrado no prontuário por médico e/
ou tomografia com laudo descrito. Nos casos em que houve divergência nos registros, foram utilizados os registros
dos especialistas (Cardiologista, Neurologista, Clínico).
A pontuação do Escore CHADS2 foi determinada por 1
ponto para IC, HAS, idade ≥ 75 anos, DM e 2 pontos para
história prévia de AVC e/ou AIT, com pontuação total de
6. Foi utilizada a classificação revisada do escore que divide
em grupo de baixo (escore=0), médio (escore=1) e alto
risco (escore≥2)(9).
193
PERFIL CLÍNICO DOS PACIENTES PORTADORES DE FIBRILAÇÃO ATRIAL ATENDIDOS EM UM HOSPITAL DO SUL DE SANTA CATARINA Machado et al.
O teste do qui-quadrado no nível de confiança de 95%
foi utilizado para testar as variáveis qualitativas. O teste
t-student foi utilizado para a média de hipótese. Os dados
foram digitados no programa EpiInfo 3.5.1 e analisados
no mesmo.
Este estudo foi desenvolvido considerando rigorosamente os princípios éticos relacionados com a realização
de pesquisas envolvendo seres humanos, conforme estabelecido na Resolução 466/2012 do Conselho Nacional de
Saúde. Tendo em vista a utilização de dados secundários,
não houve contato do pesquisador com os pacientes e,
portanto, se minimizou a probabilidade de qualquer dano
ou desconforto aos pacientes, cujos dados foram utilizados
na pesquisa. O projeto foi submetido ao CEP com número
de registro 25166513.9.0000.5369, e o mesmo foi aprovado
na data de 03/12/2013.
RESULTADOS
A partir de uma amostra inicial de 160 pacientes com
os CIDS de interesse, 87 pacientes possuíram diagnóstico
errado ou não confirmado pelo ECG; de 20 pacientes sem
diagnóstico e de 26 pacientes por preenchimento incorreto
dos dados. Sendo assim, a amostra real do trabalho a partir
da qual os dados foram analisados foi de 73 pacientes.
De acordo com a análise feita com os dados coletados
de 73 pacientes, o sexo predominante foi o feminino, com
38 pacientes (52,1%). A média de idade foi de 65,32 anos
(d.p.=±17,07), sendo que a média do sexo feminino ficou
em 70,9 anos e do masculino com 58,4 anos. O perfil educacional encontrado indica que a maioria (80,9%) tinha ensino médio incompleto. Os demais dados sociodemográficos estão representados na Tabela 1.
Ao avaliar as doenças de base que fazem parte do escore
CHADS2, foi encontrada uma prevalência de HAS de 63%,
de IC 31%, de DM 19,2% e de AVC 11%. Pacientes com
idade ≥ 75 anos representaram 35,6% da amostra. Ao associar as variáveis do escore CHADS2, a associação de dois
escores mais encontrados foi de IC com HAS, totalizando
19,17%; a associação de três foi de IC, HAS e Idade ≥ 75
anos com 6,84%, e a associação com 4 variáveis foi de IC,
HAS, Idade, AVC com 4,10% de todos os 8,8% da amostra tiveram 1 ponto, sendo o maior percentual, 23,3% não
pontuaram, 23,3% tiveram 2 pontos, as demais pontuações
estão descritas na Tabela 2. Quando analisada a média do
escore por sexo, encontrou-se no sexo feminino 1,89 ponto (d.p.±1,44) e no sexo masculino 1,48 ponto (d.p.±1,50).
Ao utilizar a classificação revisada de CHADS2, que
usa baixo risco (escore=0), médio risco (escore=1) e alto
risco (escore=2) (11), a distribuição dos pacientes ficou
em 23,3%, 28,8% e 47,9%, respectivamente. Encontrou-se uma média de idade de 75,85 anos para o grupo de
alto risco; nesse grupo, quanto ao gênero foi encontrado
que 62,9% eram do sexo feminino e 37,1% masculino. Ao
reclassificar a amostra utilizando o CHADS2 clássico que
194
utiliza baixo risco (escore=0), médio risco (escore=1-2) e
alto risco (>2) (13), a distribuição dos pacientes ficou em
23,3%, 52% e 24,6%, respectivamente.
Ao cruzar as variáveis do escore CHADS2 entre si fazendo associações bivariadas, foram encontrados valores
estatisticamente significantes para: idade ≥75, sendo esta
associada ao maior risco de HAS em 1,65 vezes com valor de p=0,003, idade ≥75 anos também está associada
ao maior risco de AVC/AIT em 5,42 vezes com valor de
p=0,02 e que a presença de DM está associada ao aumento
de risco para AVC/AIT em 4,21 com p=0,03.
DISCUSSÃO
A distribuição da amostra dos 73 pacientes portadores de FA segundo o gênero mostrou maior frequência do
sexo feminino, com 52,1%, resultado este que corrobora
com os estudos de Henriksson et al. (12) e Gage et al. (11),
que também encontraram uma maior prevalência do sexo
feminino em suas pesquisas. Este fato pode se justificar,
também, pela maior média de idade do sexo feminino enTabela 1 – Dados sociodemográficos dos pacientes portadores de
Fibrilação Atrial atendidos em um Hospital no Sul de Santa Catarina,
no período de 2009 a 2013.
n
%
Gênero
Feminino
38
52,1%
Masculino
35
47,9%
Brancos
67
91,8%
Não Brancos
6
8,2%
Solteiro
5
6,8%
Casado
46
63%
Viúvo
17
23,3%
Raça
Estado Civil
Grau de Escolaridade
Analfabeto
1
1,4%
Ens. Fund. Incompleto
11
15,1%
Ens. Fund. Completo
47
64,4%
Ens. Med. Incompleto
1
1,4%
Ens. Med. Completo
11
15,1%
Superior Completo
2
2,7%
Profissão
Aposentado
19
26%
Agricultor
7
9,6%
Profissional Liberal
14
19,2%
Outros
18
24,7%
Idade Média (dp)
65,32 (±17,07 anos)
Feminina
70,97 anos
Masculina
58,41 anos
Ens: ensino; Fund: Fudamental; Med: médio; dp: desvio padrão
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PERFIL CLÍNICO DOS PACIENTES PORTADORES DE FIBRILAÇÃO ATRIAL ATENDIDOS EM UM HOSPITAL DO SUL DE SANTA CATARINA Machado et al.
Tabela 2 – Classificação dos pacientes portadores de FA de acordo
com o escore CHADS2 no período de 2009 a 2013.
CHADS2 Escore
n
%
0
17
23,3%
1
21
28,8%
2
17
23,3%
3
9
2,3%
4
3
4,1%
5
6
8,2%
6
0
0%
73
100,0%
Total
contrada, o que é observado no estudo de Maes et al (13),
o qual utilizou uma população acima de 75 anos, encontrando em sua amostra uma prevalência do sexo feminino de 57% nos pacientes portadores de FA (13). Resultado
conflitante foi obtido em outros estudos, como no estudo
Framimgham, que verificou maior prevalência de FA no
sexo masculino (14).
A média de idade de toda amostra encontrada nos pacientes avaliados foi de 65,32 anos (d.p.=±17,07), dados diferentes de outros estudos que encontraram média de idade 73 anos (15,16). Este padrão de idade inferior no grupo
pesquisado pode estar relacionado à população masculina,
cuja média foi de 58,4 anos, reduzindo a média geral para
uma idade menos elevada. A média feminina de 70,9 anos
apresenta-se muito próxima dos demais estudos (15-17).
O perfil educacional encontrado neste estudo serve de
alerta para os profissionais da saúde quando forem iniciar
uma terapêutica para os pacientes portadores de FA, pois
constatou-se que 82,2% não possuíam ensino médio completo, fato este que pode gerar dificuldade em entender o
tratamento e/ou adesão do mesmo pelos pacientes. Não
foi encontrado nenhum estudo que levasse em conta o
perfil educacional das pessoas acometidas por esta doença.
Portanto, ressalta-se a necessidade de continuar investigando o perfil dos portadores de FA no que se refere ao grau
de escolaridade, visto que a má adesão do tratamento e o
baixo entendimento são fatores que podem dificultá-lo a
curto e longo prazo.
Em relação às comorbidades, a mais prevalente neste
estudo foi a HAS com 68%, resultado que também é descrito na maioria da literatura, como no estudo de Framingham, que associa HAS como principal fator de risco para
FA (18). Em segundo lugar, constatou-se que a IC acomete
31% da amostra. Este índice desta comorbidade que ocupa
a segunda posição também foi verificado no estudo (17).
A pontuação de acordo com a classificação CHADS2
demonstrou que o escore 0 totalizou 23,3% da amostra,
resultado divergente de muitos estudos que apontam um
percentual inferior para o escore 0. Tal fato pode ser justificado pela idade média dos pacientes menor em relação
à idade média apresentada nos demais estudos nesta área.
Cabe lembrar que, quando se observa uma idade média
Revista da AMRIGS, Porto Alegre, 59 (3): 192-197, jul.-set. 2015
acima de 75 anos, praticamente todos os pacientes terão 1
ponto. Essa característica do estudo demonstra uma grande importância para conhecer o perfil dos pacientes portadores de FA com idade média abaixo de 75 anos.
O escore 1 totalizou 28,8% da amostra, resultado muito
próximo do estudo de Rietbtock et al. (19), que avaliou 51.807
pacientes portadores de FA e encontrou 30% da sua amostra
no escore 1. O escore 2 foi representado por 23,3% da amostra, que também fica próximo do resultado de Heinisch et al.
(20), o qual encontrou 25%. Estes percentuais se enquadram
dentro dos valores propostos pelos estudos utilizados na meta-análise desenvolvida por Santos et al. (5), que utilizou na
sua revisão 6 artigos para averiguar se o escore de CHADS2 é
eficaz na predição de eventos cerebrovasculares (5) .
Nesta pesquisa, também se observou que 47% dos pacientes possuíam o escore maior ou igual a 2 pontos, classificados como alto risco pelo escore de CHADS2 revisado, tendo indicação de tratamento preventivo com anticoagulação,
caso não exista ressalva pelo risco de sangramento. Existem
várias ferramentas para estimar o risco de sangramento, a
grande maioria dos artigos consultados e as diretrizes internacionais utilizam o escore de HAS-BLEED, que é o método
mnemônico em inglês da abreviação de: hipertensão arterial;
função renal anormal; função hepática anormal; histórico de
AVE; sangramento recente ou coagulopatia; INR instável;
idade > 65 anos; uso de drogas que promovam sangramento; uso excessivo de álcool. A cada uma destas variáveis é
atribuído 1 ponto, sendo que se todas estas características
estiverem presentes, a pontuação máxima será 9. Quando o
resultado for ≥3, o paciente é classificado como alto risco de
sangramento, porém não há contraindicação para anticoagulação, nestes casos é recomendada uma atenção redobrada
para com os pacientes (22).
Os pacientes de escore de risco médio = 1, que totalizaram 28,8% da amostra, teriam indicações de usar antiagregante plaquetário para prevenção ou até mesmo anticoagulante oral, como defendem Gorin et al. (23), indicando
a eficácia do uso de warfarin em pacientes com esse escore
para prevenir AVE.
Os pacientes com escore 0 se beneficiariam de uma
investigação mais profunda, como mandam as recomendações da sociedade europeia de cardiologia (2010) para
classificar os pacientes em “verdadeiro baixo risco” e baixo
risco, utilizando o escore CHA2DS2VASC2, que é uma evolução do CHADS2 alterando: a pontuação da idade ≥ 75
anos para 2 pontos, a parte do VASC consiste em: doença
arterial periférica = 1 ponto, idade entre 65-74 = 1 ponto,
sexo feminino = 1 ponto, a pontuação máxima desse escore é 9 e classifica os pacientes em: baixo risco (escore=0),
médio risco (escore=1) e alto risco (escore ≥2) (23).
O risco para desenvolver AVE nos pacientes classificados como baixo risco conforme o CHA2DS2VASC2 é de
0,8% ao ano, demonstrado no trabalho feito por Aakre et
al. (25), que analisou o risco de cada variável deste escore.
Já o risco para os classificados com CHADS2 = 0 foi de
1,5% ao ano. Essa diferença demonstra a grande importân195
PERFIL CLÍNICO DOS PACIENTES PORTADORES DE FIBRILAÇÃO ATRIAL ATENDIDOS EM UM HOSPITAL DO SUL DE SANTA CATARINA Machado et al.
cia de se classificar os pacientes em verdadeiro baixo risco,
já que os mesmos apresentam 0,7% de chances a menos
para desenvolver AVE em relação aos classificados como
baixo risco, determinado pelo escore CHADS2.
Como o presente estudo baseou-se em uma análise retroativa de prontuários, não foi possível encontrar os dados
para preencher adequadamente a classificação do CHADS2VASC2 de todos os pacientes e reclassificá-los em ver2
dadeiro baixo risco e baixo risco.
Ao classificar os pacientes utilizando o escore clássico CHADS2, houve um aumento de 23,3% no grupo de
médio risco e uma redução desta mesma porcentagem do
grupo de alto risco. No grupo de baixo risco, não houve alteração, permanecendo o mesmo do escore revisado. Com
esta reclassificação, o escore clássico deixa de recomendar
a tromboprofilaxia de 23,3% da amostra. O estudo ATRIA
(26) afirma que o escore clássico acaba subestimando o risco de desenvolver AVE, pois classifica os pacientes que
possuem escore 1-2 como risco intermediário. A Associação Americana do Coração (2014) (27) demonstrou que
pacientes que obtiveram a pontuação de 2 possuem uma
probabilidade de 4% ao ano de desenvolver AVE, sendo
assim, já classificados como alto risco. Então, os pacientes
do grupo intermediário pelo escore clássico que possuem
pontuação igual a 2 se beneficiariam do uso de anticoagulante, como já foi constatado em outros estudos (7,27).
Dentro dos resultados estatisticamente significativos ao
cruzar as variáveis do escore CHADS2, verificou-se que a
idade maior ou igual a 75 anos é fator de risco para desenvolver HAS, resultado confirmado na literatura, que mostra
uma prevalência de 75% de HAS na população acima de 70
anos, segundo a VI Diretriz Brasileira de Hipertensão (28).
Além da idade ≥ 75anos, constatou-se que a presença
de DM é fator de risco para AVE, fato sustentado na literatura, também defendido por Friber et al. (29), onde utilizou
um estudo de coorte com 182.678 indivíduos, encontrando
um risco relativo de 1,78 % ao ano de desenvolver FA em
portadores de DM.
Como esta pesquisa utilizou-se de metodologia transversal, certas limitações ocorreram por conta da impossibilidade de afirmar o fator causalidade. Outro fator limitante
do trabalho foi a análise de dados secundários retirados
de prontuários, pois muitos estavam preenchidos de forma
incompleta, errônea e/ou com diagnóstico não compatível
com FA, o que gerou uma grande perda na amostra. Este
fato acaba por alertar os profissionais da área da saúde para
o preenchimento completo e correto dos dados referentes
a cada paciente, o registro fiel e mais detalhado permitirá
estudos mais profundos e fidedignos.
CONCLUSÃO
Este estudo demonstrou que pelo perfil dos pacientes com FA atendidos em um Hospital no Sul de Santa
Catarina, no período de janeiro de 2009 a dezembro de
196
2013, a doença de base que mais acometeu esta população
é HAS, seguida de IC, a média de idade é de 65,32 anos.
Nota-se a importância de classificar estes pacientes devido
à alta morbimortalidade e custos dos pacientes portadores de FA, que podem ser reduzidos com o tratamento de
anticoagulação e/ou com antiagregante plaquetário. Fica
claro que os pacientes com escore maior ou igual a 2 são
altamente beneficiados, mostrando a validação do escore
CHADS2 revisado e que os pacientes que ficam no escore
de 0 a 1 se beneficiam de uma investigação mais detalhada
para iniciar o seu tratamento. utilizando o escore CHA2DS2
VASC2 como recomendam as diretrizes atuais.
Espera-se que este trabalho possa servir de suporte
para aprofundamentos futuros nesta área. Este tipo de
investigação pode trazer benefícios para as instituições ao
traçar o perfil dos pacientes portadores de FA que procuram atendimento médico.
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 Endereço para correspondência
Vinicius Mariotti Machado
Rua Paulo Bathke, 208
88.600-000 – São Joaquim, SC – Brasil
 (49) 3233-0672
 [email protected]
Recebido: 7/5/2015 – Aprovado: 14/7/2015
197
ARTIGO ORIGINAL
Desafios na prescrição de benzodiazepínicos
em unidades básicas de saúde
Challenges in benzodiazepines prescriptions in basic health units
Renata Mezzari1, Betine Pinto Moehlecke Iser2
RESUMO
Introdução: Os benzodiazepínicos (BZDs) são drogas psicotrópicas que atuam no controle de transtornos de humor e ansiedade.
O objetivo deste estudo foi avaliar o consumo de benzodiazepínicos em duas unidades de saúde de Tubarão/SC, sendo uma de área
urbana e outra de área rural, a partir das características dos usuários e dos medicamentos utilizados. Métodos: Estudo observacional
transversal, por meio de análise de prontuários de indivíduos em uso de BZDs há pelo menos dois meses, cadastrados em duas Unidades de Saúde da Família (USF) do município de Tubarão/SC. Resultados: Foram identificados 203 indivíduos em uso de BZDs,
correspondentes a 4,7% da amostra total, sendo a prevalência maior na área rural (6,7%) do que na área urbana (3,3%; RP 2,03 IC95%
1,55-2,68; p<0,001). Entre os usuários, 72,9% são do sexo feminino, 70% são casados, 75,9% não estão inseridos no mercado de
trabalho e possuem em média 60,16 (±13,73) anos. O medicamento mais relatado foi o clonazepam (48,8%), seguido pelo diazepam
(26,6%). O clínico geral emitiu 56,7% das prescrições, e as principais indicações foram referentes aos sintomas depressivos, ansiosos e
dificuldade para dormir. O tempo mediano de uso do medicamento foi 4 anos (0-15 anos). Os residentes da área rural apresentaram
maior tempo de uso e maior número de receituários renovados. Conclusão: O consumo de BZD foi maior entre mulheres, idosos,
casados e indivíduos economicamente inativos e moradores da área rural. A maioria das prescrições foi realizada por um clínico geral.
UNITERMOS: Benzodiazepínicos, Serviços de Saúde Rural, Perfil de Saúde, Medicamentos sob Prescrição.
ABSTRACT
Introduction: Benzodiazepines (BZDs) are psychotropic drugs that act in the control of mood disorders and anxiety. The aim of this study was to assess BDZs consumption in two health units located in a urban and in a rural area in Tubarão, SC, from the characteristics of users and medications used.
Methods: A cross-sectional, observational study, through analysis of medical records of individuals using BDZs for at least two months, registered in
one of two Family Health Units in the city of Tubarão, SC. Results: 203 users of benzodiazepines were identified, corresponding to 4.7% of the total
sample, with a higher prevalence in the rural (6.7%) than in the urban area (3.3%; PR 2.03 CI 9595% 1.55 to 2.68; p <0.001). Among the users,
72.9% are female, 70% are married, 75.9% are not included in the labor market, and the mean age is 60.16 (± 13.73). The most frequently reported
drug was clonazepam (48.8%), followed by diazepam (26.6%). 56.7% of prescriptions were issued by a general practitioner and the main indications were
related to depressive symptoms, anxiety and difficulty sleeping. The median duration of drug use was 4 years (0-15 years). Residents of rural areas showed
longer use and more prescriptions renewals. Conclusion: BZDs consumption was higher among females, older, married, and economically inactive individuals and residents of the rural area. Most prescriptions were performed by a GP.
KEYWORDS: Benzodiazepine, Rural Health Services, Health Profile, Prescription Drugs.
1
2
Aluna do Curso de Medicina da Universidade do Sul de Santa Catarina (Unisul).
Mestre em Epidemiologia pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Professora da Faculdade de Medicina na Unisul, Tubarão/SC.
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Revista da AMRIGS, Porto Alegre, 59 (3): 198-203, jul.-set. 2015
DESAFIOS NA PRESCRIÇÃO DE BENZODIAZEPÍNICOS EM UNIDADES BÁSICAS DE SAÚDE Mezzari e Iser
INTRODUÇÃO
Na prática clínica, os benzodiazepínicos (BZDs) são
drogas psicotrópicas que agem no sistema nervoso central,
atuando no controle de transtornos de ansiedade e pânico,
insônia, epilepsia, além de ser adjuvante no tratamento das
principais psicoses, abstinência alcoólica e sedação para a
realização de procedimentos cirúrgicos (1,2). Assim, a
substância foi aderida de forma positiva pela classe médica,
sendo considerada, inicialmente, uma medida terapêutica
segura e de baixa toxicidade em relação aos barbitúricos.
Este contexto proporcionou a cronificação de tratamentos
e o consumo indiscriminado (3).
Estima-se que os BZDs já tenham sido consumidos por
1 a 3% de toda a população ocidental de forma regular por
mais de um ano (4). Sabe-se ainda que um em cada dez adultos recebe prescrição de BZD por um clínico geral, de acordo com o Conselho Regional de Medicina do Estado de São
Paulo (5). Já em relação ao perfil dos usuários, a predominância é do sexo feminino, estado civil casado, donas de casa
e baixo nível socioeconômico, segundo a literatura (6-9).
No Brasil, os dados corroboram com a literatura científica internacional relacionada às estatísticas sobre a prática
inadvertida dos BZDs, conforme análise do II Levantamento domiciliar sobre o uso de medicamentos psicotrópicos, apurado em 2005. O Sudeste e Sul são, respectivamente, as regiões que possuem as maiores proporções de
indivíduos em consumo do fármaco. Calcula-se que a utilização da substância dobra a cada cinco anos (8).
Os efeitos colaterais, a dependência e a abstinência devem ser considerados perante a análise do risco e benefício
ao tratamento. A educação médica a respeito do aconselhamento ao paciente deve ser valorizada de modo a melhorar
a qualidade das orientações fornecidas e aderência consciente por ambas as partes.
O presente trabalho visa à avaliação da atual situação
relacionada ao uso de benzodiazepínicos em pacientes
atendidos em duas unidades de saúde de Tubarão/SC, sendo uma de área urbana e outra de área rural, com base na
descrição das características do usuário e dos medicamentos utilizados.
MÉTODOS
Foi realizado um estudo epidemiológico com delineamento observacional do tipo transversal. A população do
estudo consistiu em indivíduos em uso de Benzodiazepínicos (BZDs) havia pelo menos dois meses, cadastrados em
duas Unidades de Saúde da Família (USF) do município
de Tubarão/SC: USF Vila Esperança, localizada em região
urbana, e USF Km 63, pertencente à zona rural. Essas
unidades de saúde foram selecionadas por conveniência a
partir de informações fornecidas pela coordenadora da Estratégia de Saúde da Família (ESF) do município, seguindo
os critérios de: método de organização dos prontuários na
Revista da AMRIGS, Porto Alegre, 59 (3): 198-203, jul.-set. 2015
equipe, qualidade dos registros em prontuários e dos cadastros das agentes comunitárias de saúde (ACS), facilidade de acesso à área e zona territorial.
Os indivíduos consumidores do fármaco foram inicialmente selecionados através dos registros controlados pelas
ACS, em função da sua qualidade, seguido de uma busca de
dados de forma ativa nos prontuários destes mesmos pacientes, para coleta de informações adicionais sobre o uso
de medicamentos. A pesquisadora teve acesso aos prontuários mediante ciência das coordenações e demais profissionais das equipes de saúde envolvidas no estudo.
Foram estudadas variáveis relacionadas ao perfil dos
pacientes incluindo: sexo, idade, estado civil e profissão.
As variáveis direcionadas ao uso do medicamento, como
ano de início do consumo, medicação genérica prescrita,
número de receituários renovados até a data da coleta dos
dados, indicação primária do uso (diagnóstico inicial), existência de acompanhamento psiquiátrico e última consulta
direcionada para a reavaliação quanto à necessidade do seguimento do tratamento, também foram investigadas. Ao
término da busca das variáveis nas duas USF, foi realizada
uma análise comparativa entre as zonas rural e urbana.
Os dados foram organizados e analisados no software
Epinfo 3.5.4, de domínio público, sendo os dados faltantes
excluídos análise por análise. As variáveis quantitativas foram descritas por meio da média ou mediana como medida de tendência central e o desvio-padrão e variações para
mensurar a dispersão dos dados, de acordo com a normalidade dos mesmos a partir do teste de Shapiro-Wilk. As variáveis qualitativas foram descritas por meio de frequência
absoluta e percentual. As diferenças nas proporções foram
testadas pelo teste de qui-quadrado (X2) ou prova exata de
Fisher, e diferenças de médias pelo teste t ou de medianas
pelo teste U de Mann-Whitney, conforme adequação dos
dados. Para comparação de prevalências, foi utilizada a Razão de Prevalência (RP), com intervalo de confiança (IC)
de 95%. O nível de significância estatística adotado foi de
5% (valor de p < 0,05).
Este estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em
Pesquisa (CEP) da Universidade do Sul de Santa Catarina
(UNISUL), em cumprimento às normas e diretrizes para
pesquisa envolvendo seres humanos, constante na Resolução 466/2012 do Conselho Nacional de Saúde (parecer
número 384.575, de 12/09/2013).
RESULTADOS
Foram analisadas na unidade rural, ESF Km 63, cinco
microáreas, o que representa a totalidade das 600 famílias
cadastradas. Na área urbana, ESF Vila Esperança, foram
estudadas cinco das sete microáreas existentes, em virtude
de afastamento e férias de duas das Agentes Comunitárias
de Saúde (ACS) no período da coleta de dados. As cinco
microáreas estudadas nesta última englobam 827 famílias,
cerca de 71% do total de pessoas vinculadas ao serviço.
199
DESAFIOS NA PRESCRIÇÃO DE BENZODIAZEPÍNICOS EM UNIDADES BÁSICAS DE SAÚDE Mezzari e Iser
Foram identificados 203 indivíduos em uso dos benzodiazepínicos (BZD) nas duas Unidades de Saúde incluídas
no estudo, sendo 121 (59,6%) na área rural e 82 (40,4%) na
área urbana. Considerando uma média de três indivíduos
por família, pode-se estimar um total de 1.800 pessoas na
área rural e 2.481 na área urbana. Com base nessa população total, pode-se estimar uma prevalência de uso de BZD
maior na área rural (6,7%) do que na área urbana (3,3%; RP
2,03 IC95% 1,55-2,68; p<0,001).
A análise das características dos pacientes em uso de
BZD revelou uma maior frequência entre as mulheres
(72,9%) e entre os casados (70%), com média de idade de
60,16 (±13,73) anos. Na categoria profissão, 109 (53,7%)
pessoas são aposentadas, 45 (22,2%) do lar e 42 (20,7%)
indivíduos foram classificados em outras ocupações, como
comerciante, diarista e pedreiro. Esse perfil foi semelhante
entre as áreas rural e urbana (Tabela 1).
A respeito do diagnóstico inicial atribuído à justificativa
do uso medicamentoso para determinado paciente, contabilizou-se um total de 78 (38,4%) indicações por Transtorno Depressivo Maior; tal achado altera-se para 28,9% em
área rural e 52,4% em perímetro urbano. Já os registros por
Insônia e Transtorno de Ansiedade Generalizada englobaram 43 (21,2%) e 27 (13,1%) indivíduos da amostra total,
respectivamente. Outras patologias descritas foram: Esquizofrenia, Epilepsia e Transtorno do Pânico. Dos pacientes
avaliados, 12,8% não possuíam esta variável especificada
em prontuário (Tabela 2).
Os medicamentos usados em um primeiro momento
com maior frequência foram clonazepam (38,9%), seguidos
do diazepam (26,6%) e bromazepam (20,7%). Este padrão
modificou-se em meio urbano, sendo equivalente a 48,8%
dos pacientes adeptos ao clonazepam e apenas 14,6% para
o diazepam. Em relação ao medicamento usado atualmente,
Tabela 1 – Características sociodemográficas dos pacientes usuários
de benzodiazepínicos em duas unidades de saúde de Tubarão/SC,
segundo área geográfica.
Amostra estudada
Amostra Total
N (%)
Área Rural
N (%)
Área Urbana
N (%)
203 (100)
121 (59,6)
82 (40,4)
Sexo
Feminino
148 (72,9)
85 (70,2)
63 (76,8)
Masculino
55 (27,1)
36 (29,8)
19 (23,2)
Estado civil
Solteiro
8 (3,9)
7 (5,8)
1 (1,2)
Casado
142 (70,0)
84 (69,4)
58 (70,7)
Divorciado
32 (15,8)
19 (15,7)
13 (15,9)
Viúvo
21 (10,3)
11 (9,1)
10 (12,2)
Aposentado
109 (53,7)
69 (47,0)
40 (48,8)
Do lar
45 (22,2)
26 (21,5)
19 (23,2)
Profissão
Outros
Média de idade ± DP
200
42 (20,7)
19 (15,7)
23 (28,0)
60,16 (13,7)
60,65 (14,3)
59,45 (12,8)
ou seja, no momento da coleta de dados, foram estimados
48,8% associados ao clonazepam e 20,2% ao diazepam na
amostra total. Nas duas áreas distintas analisadas, também
foi verificada uma maior frequência atual no consumo de
clonazepam em relação ao diazepam (Tabela 2).
Englobando a amostra completa da pesquisa, foi avaliada a especialidade do médico responsável pela prescrição
inicial do BDZ, o qual totalizou 115 (56,7%) indicações
pelo clínico geral, médico responsável pela unidade de saúde, 44 (21,7%) por psiquiatras e, também, 44 (21,7%) foram classificados em outras especialidades, com destaque
para os cardiologistas e neurologistas (Tabela 2).
O tempo de uso dos BZDs variou de 0 a 15 anos, com
mediana de 4 anos e média de 5,0 (±3,4) anos, com maior
tempo de uso na zona rural do que na área urbana (Tabela
3). No total, 46,3% dos pacientes utilizam o medicamento
há cinco anos ou mais, sendo que destes 52,9% são residentes da zona rural e 36,6% estão entre os da zona urbana. A mediana de receituários renovados foi de 22, com
ampla variação (de 1 a 85). O número de receituários renovados foi maior para a área rural (28; 1-85) em relação à
urbana (15; 2-47), aumentando de acordo com o tempo de
uso do medicamento, conforme demonstrado na Tabela 3.
Entre os 203 usuários de BZD estudados, 120 (59,1%)
não tiveram avaliação psiquiátrica, e esse percentual não
Tabela 2 – Caracterização do uso de benzodiazepínicos em duas unidades
de saúde de Tubarão/SC: profissional que prescreveu, diagnóstico inicial
e tipo de medicamentos utilizados, segundo área geográfica.
Amostra Total Área Rural Área Urbana
N (%)
N (%)
N (%)
Profissional que
prescreveu
Clínico Geral
115 (56,7)
63 (52,1)
52 (63,4)
Psiquiatra
44 (21,7)
25 (20,7)
19 (23,2)
Outro
44 (21,7)
33 (27,3)
11 (13,4)
Cardiologista
19 (43,2)
12 (36,4)
7 (63,6)
Neurologista
13 (29,5)
12 (36,4)
1 (9,1)
Infectologista
2 (4,5)
1 (3,0)
1 (9,1)
Diagnóstico inicial
TDM
78 (38,4)
35 (28,9)
43 (52,4)
Distúrbio do Sono
43 (21,2)
27 (22,3)
16 (19,5)
TAG
27 (13,3)
16 (13,2)
11 (13,4)
Não informado
26 (12,8)
23 (19,0)
3 (3,7)
Clonazepam
78 (38,9)
39 (32,2)
40 (48,8)
Diazepam
54 (26,6)
42 (34,7)
12 (14,6)
Bromazepam
42 (20,7)
24 (19,8)
18 (22,0)
Clonazepam
99 (48,8)
52 (43,0)
47 (57,3)
Diazepam
41 (20,2)
34 (28,1)
7 (8,5)
Bromazepam
37 (18,2)
21 (17,4)
16 (19,5)
Medicamento Inicial
Medicamento Atual
Nota: TDM= Transtorno Depressivo Maior TAG= Transtorno de Ansiedade Generalizada
Revista da AMRIGS, Porto Alegre, 59 (3): 198-203, jul.-set. 2015
DESAFIOS NA PRESCRIÇÃO DE BENZODIAZEPÍNICOS EM UNIDADES BÁSICAS DE SAÚDE Mezzari e Iser
Tabela 3 – Descrição do tempo de uso, renovações de receita e acompanhamento psiquiátrico entre usuários de benzodiazepínicos em duas
unidades de saúde de Tubarão/SC, segundo área geográfica.
Mediana de tempo de uso (min-max)
Amostra Total
(N=203)
Área Rural
(N=121)
Área Urbana
(N=82)
Nº (%)
Nº (%)
Nº (%)
Valor p
4 (0-15)
5 (0 – 15)
3 (0 – 14)
0,0008*
22 (1 – 85)
28 (1 – 85)
15 (2 – 47)
<0,001*
≥ 5 anos
36,5 (1 – 85)
47,5 (1 – 85)
25,0(5 – 47)
<0,001**
< 5 anos
15,0 (1 – 57)
19,0 (1 – 57)
12,0 (2 – 47)
Mediana nº receituários renovados (min-max)
Mediana de renovações de acordo com o tempo de uso (min-max)
Acompanhamento Psiquiátrio
Sim
83 (40,90)
50 (41,30)
33 (40,2)
0,87#
Início do consumo no psiquiatra
45 (22,20)
19 (15,70)
26 (31,70)
0,0071#
Não
120 (59,10)
71 (58,70)
49 (59,80)
0,87#
* teste U de Mann-Whitney **valor de p correspondente à comparação de medianas, segundo tempo de uso em cada área # teste do Qui-quadrado
apresentou diferença estatisticamente significativa entre
as áreas abordadas. Por outro lado, na população da área
rural, 15,7% iniciaram o consumo junto com a avaliação
psiquiátrica, frequência menor do que a verificada nos pacientes do perímetro urbano (31,7%) (Tabela 3).
DISCUSSÃO
A classe medicamentosa dos benzodiazepínicos
(BZDs) é uma das mais prescritas no mundo. Atualmente, representa 85% de todas as vendas de psicotrópicos,
detendo aproximadamente 5,8% do mercado mundial
(10). No Brasil, esta prevalência é cerca de 3,8%, ocupando a terceira colocação em vendas (4). De acordo
com o Centro Brasileiro de Informação sobre Drogas
(CEBRID), o uso de BZD em algum momento na vida
por pessoas de 12 a 65 anos mostrou um aumento de
3,3% para 5,6%, no período compreendido entre 2001 e
2005 (8). Na presente pesquisa, o consumo da substância referente à amostra total revelou-se abaixo da média
nacional (4,7%), porém superior na área rural, quando
analisada de forma isolada.
A avaliação distinta do uso deste fármaco entre habitantes considerados rurais ou urbanos ainda é um fator pouco
descrito. Contudo, a literatura evidencia uma frequência
aumentada de consumo entre a população com menor
renda e escolaridade (6-8), situações usualmente atribuídas à zona rural. Outra possível explicação foi relatada por
um estudo que avaliou a morbidade entre trabalhadores
rurais, onde os pacientes referiam os problemas laborais
como principal causa para seu adoecimento. O excesso de
trabalho e a desvalorização externa de seu esforço foram
apontados como fatores desencadeadores da doença mental (11). Configura-se, então, uma elevada procura de BDZ
como meio alternativo para amenizar este cenário, já que o
amplo índice terapêutico e a boa tolerabilidade inovaram o
manejo de transtornos psiquiátricos (12,13).
Revista da AMRIGS, Porto Alegre, 59 (3): 198-203, jul.-set. 2015
Entre os usuários, predominaram as pessoas do sexo
feminino, casados e idosos, confirmado por outros trabalhos já publicados (6-8, 14). Atribui-se tal situação ao fato
da mulher ser mais perceptiva à sintomatologia, procurar
atendimento precoce, apresentar menos resistência ao uso
de medicamento e, ainda, possuir uma maior expectativa
de vida. Também é evidente entre elas a maior prevalência
de patologias que cursam com ansiedade e depressão, enfermidades associadas a um consumo terapêutico elevado
de BZD (15). Além desses fatores, Mastroianni et al. verificaram que, tanto para ansiolíticos como para antidepressivos, as propagandas de medicamentos utilizam majoritariamente figuras femininas, o que pode ter impacto direto
sobre a prescrição e própria adesão ao tratamento (16).
A média de idade da amostra analisada foi contabilizada em 60,16 anos, o que reforça a documentação de uma
maior indicação e consumo pelo público idoso (6-8,14,17).
O processo de envelhecimento é acompanhado pelo aumento de doenças neurológicas e psiquiátricas, o que justifica o
alto índice de consumo por esta faixa etária. Esta condição
associada à senilidade geram vulnerabilidade à polifarmácia,
culminando em outras complicações, como a interação medicamentosa e o risco de toxicidade. Pesquisas apontam que
mais de 80% dos indivíduos em idade avançada fazem uso
diário de pelo menos um medicamento e que, apesar dos
prejuízos conhecidos, o consumo do BZD tem aumentado
com a idade (17). Ainda existem os efeitos aditivos com relação à depressão do sistema nervoso central quando este
fármaco é associado a outros psicotrópicos (13,18). Tais desfechos revelam a importância do manejo cuidadoso desta
classe medicamentosa, especialmente entre idosos. A Associação Psiquiátrica Americana (APA) concluiu que a idade
avançada e o uso de BZD em doses terapêuticas são benéficos somente quando utilizado por menos de quatro meses
(19). No presente estudo, a média de uso do medicamento
foi bastante superior, a maioria utilizando há anos e atingindo de um a dois anos, segundo a mediana de receituários
201
DESAFIOS NA PRESCRIÇÃO DE BENZODIAZEPÍNICOS EM UNIDADES BÁSICAS DE SAÚDE Mezzari e Iser
renovados, sem uma reavaliação médica. Nesse contexto,
depara-se com um dos desafios da prescrição dessa classe
medicamentosa nas unidades de saúde: a avaliação contínua
desses pacientes de forma a reduzir/limitar o uso, ao invés
de entrar em um ciclo vicioso de renovação de receitas.
Já no Brasil, estima-se que 1,6% da população adulta seja usuária crônica de benzodiazepínicos. O uso prolongado de BZD, conceituado por uma adesão superior
a seis meses (20), envolve uma provável confiança do
prescritor na segurança desses agentes terapêuticos, assim como a solicitação do paciente e a procura de uma
relação harmoniosa entre as duas partes, médico-paciente.
Em estudo realizado na Noruega, foi relatado que entre
os fatores que levam clínicos a prescreverem estes medicamentos estão a dificuldade de negar a receita, o fato de
os pacientes já usarem o medicamento devido a um diagnóstico prévio de outro profissional e o desejo de dar um
alento à vida do paciente (21). Como seguimento, têmse possíveis fatores explicativos para a propagação desta
classe medicamentosa de forma difusa entre a população,
sem o devido acompanhamento médico posterior.
A presente pesquisa também mostrou um predomínio
de consumo da substância entre os indivíduos sem inserção no mercado de trabalho, como aposentados e donas de
casa, em relação aos trabalhadores economicamente ativos.
Além do uso do medicamento ser mais comum entre os
indivíduos de maior idade, tal fato pode estar relacionado
a uma maior prevalência de doenças mentais entre as pessoas sem uma colocação profissional, sendo que a falta de
oportunidades de ingresso no mercado de trabalho pode
gerar frustrações e bloqueios sociais, que acabam por desencadear um quadro de doença mental (12,15).
Em relação ao fármaco de maior adesão, o estudo concordou com as estatísticas literárias, destacando o clonazepam. Este possui um mecanismo farmacológico de meia-vida longa, porém, ainda assim, proporciona um efeito com
duração reduzida quando comparado ao diazepam, segunda
droga mais relatada. Desse modo, seu uso permite uma ação
cumulativa matinal reduzida (13). Outros fatores associados
à escolha do medicamento estariam relacionados à indução
pessoal do profissional e às características culturais locais,
apesar desta substância não pertencer à relação municipal de
medicamentos essenciais à atenção básica em saúde e programas de saúde específicos de Tubarão (22). De acordo com o
boletim do Sistema Nacional de Gerenciamento de Produtos Controlados (SNGPC), os medicamentos clonazepam,
bromazepam e alprazolam foram as substâncias controladas
mais consumidas pela população brasileira no período de
2007 a 2010, sendo que o clonazepam manteve-se no ápice
de forma consecutiva (23).
As principais indicações encontradas para o uso de BZD
foram referentes aos sintomas depressivos, ansiosos e dificuldade de dormir, mesmas justificativas apontadas em outros estudos (6-8,14,17,18). Entretanto, segundo Mendonça,
a presença de patologias depressivas é uma situação em que
estes medicamentos devem ser introduzidos temporaria202
mente, apenas para controle da ansiedade inicial (18), o que
diverge da prática clínica rotineira. Já a prevalência da insônia
no Brasil e dos episódios de ansiedade, em geral, aparece
em cerca de 12% a 76% da população, revelando-se, também, um problema de saúde pública. Evidências advindas
de revisões sistemáticas apontam que o uso do BZD, principalmente, por mais de um mês, no tratamento de distúrbio
do sono e ansiedade possui benefício limitado (24,25). Em
um estudo realizado no serviço municipal de saúde de uma
cidade no interior de Minas Gerais, foi constatado que em
torno de 70% das prescrições emitidas possuíam indicação
clínica considerada inadequada (26).
Quanto à especialidade do médico, a maior ocorrência
de prescrição foi realizada por um clínico geral, profissional responsável pelos pacientes de determinada área abrangida pela unidade de saúde. Os dados são compatíveis
com relatos literários que também descreveram os clínicos
como maiores prescritores dos BZDs (6,7,26), perfazendo
74,5% das indicações (27), seguidos por psiquiatras, cardiologistas, neurologistas. Segundo o estudo “Transtornos
psiquiátricos na clínica geral”, o generalista é o profissional mais atuante em saúde mental não só no Brasil, mas
também na Inglaterra, nos EUA, e no Canadá (28). Essa
prática está provavelmente associada ao foco na atenção
primária como primeira linha de cuidado dos pacientes
da área adscrita, dentro da Estratégia de Saúde da Família, mesmo que, em situações mais graves de transtornos
depressivos, outras intervenções possam ser necessárias
(29,30). Nesse sentido, a prática mostra uma carência de
profissionais especializados por unidade de saúde e disponibilidade limitada de medicamentos mais específicos pelo
sistema público de saúde do município. Assim, apesar de
a cidade de Tubarão possuir opções de atenção psicoterapêutica específica para casos de maior gravidade, estes
fatores podem constituir aspectos localizados que agravam
o uso inadequado do fármaco. Além disso, o acompanhamento ou avaliação psiquiátrica direcionada para a real necessidade do uso do medicamento foi pouco observado
na amostra estudada, sendo o perímetro urbano responsável pelo índice de maior procura por profissionais da área,
possivelmente pelo acesso facilitado e pelo maior nível de
informação desta população.
Como limitação do estudo, deve-se considerar que a
avaliação de apenas duas unidades de saúde, as quais foram selecionadas por conveniência, pode não refletir a
realidade de todo o município. Outra restrição foi a não
inclusão da totalidade de microáreas existentes na unidade de saúde da região urbana, pelo afastamento de duas
ACS durante o mesmo período. Ainda, a coleta de dados
secundários, cuja qualidade depende da completitude dos
registros médicos utilizados.
CONCLUSÃO
A análise do uso de Benzodiazepínicos (BZDs) de
duas unidades de saúde da cidade de Tubarão/SC obteve
Revista da AMRIGS, Porto Alegre, 59 (3): 198-203, jul.-set. 2015
DESAFIOS NA PRESCRIÇÃO DE BENZODIAZEPÍNICOS EM UNIDADES BÁSICAS DE SAÚDE Mezzari e Iser
resultados que corroboram com a literatura já publicada,
revelando uma maior frequência de usuários entre o sexo
feminino, estado civil casado, com média de 60,16 anos e
não inseridos no mercado de trabalho, como aposentados
e donas de casa. As áreas abrangidas no estudo, rural e urbana, apresentaram perfil semelhante de pacientes adeptos
ao medicamento, porém, com maior prevalência de uso entre a população rural.
As justificativas atribuídas ao consumo inicial do medicamento mais citadas foram os sintomas depressivos e
ansiosos e a dificuldade em iniciar ou manter o sono, sendo
o clonazepam o fármaco mais prescrito. Tal indicação foi
cedida, na grande maioria das vezes, por um médico generalista, sem acompanhamento subsequente ou avaliação
psiquiátrica específica.
A avaliação da situação do uso de BZDs em duas unidades de saúde distintas, de meio rural e urbano, e selecionadas justamente pela maior disponibilidade e qualidade dos
dados, aponta desafios importantes ao sistema de saúde
local em relação aos critérios de prescrição do medicamento e ao monitoramento do seu uso, de forma a evitar a
renovação de receituários como rotina dos serviços, sem o
devido acompanhamento do paciente.
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 Endereço para correspondência
Renata Mezzari
Rua Professor Arlindo Junckes, 125/C.P. 46
88.850-000 – Forquilhinha, SC – Brasil
 (48) 3463-3238
 [email protected]
Recebido: 17/5/2015 – Aprovado: 30/6/2015
203
ARTIGO ORIGINAL
Presença e susceptibilidade aos antifúngicos do
Cryptococcus spp. em excretas de pombos nos arredores
dos grandes hospitais de Porto Alegre
Presence and susceptibility to antifungal agents of Cryptococcus spp. in
the excreta of pigeons on the outskirts of large hospitals in Porto Alegre
Adelina Mezzari1, Adília Maria Pereira Wliebbelling2, Guilherme Girardi May3, Guilherme Carvalho Albé3,
Henrique Perez Filik3, Diego Esquerdo4, Nicole Christina Garofalo Fidalgo4, Paulo Renato Petersen Behar5
RESUMO
Introdução: Os fungos do gênero Cryptococcus, principalmente as espécies C. neoformans e C. gattii, são patógenos que causam a meningoencefalite, principalmente em indivíduos imunocomprometidos. O fungo é inalado, sendo as excretas de aves o nicho mais evidente do C.
neoformans e as árvores do C. gattii. O presente estudo visa pesquisar o fungo Cryptococcus spp. nos arredores de grandes hospitais de Porto
Alegre e verificar a susceptibilidade destes isolados ambientais aos antifúngicos. Métodos: Foram coletadas 87 amostras de excretas de
pombos no entorno de seis hospitais de Porto Alegre e semeadas. As colônias leveduriformes foram analisadas macro e microscopicamente e submetidas a provas bioquímicas e moleculares. Posteriormente, estes isolados foram submetidos aos testes de susceptibilidade aos
antifúngicos Etest® (Biomérieux) e MIC Strip Test® (Leofilchem). Resultados: Os fungos do gênero Cryptococcus foram isolados em seis
amostras, sendo que cinco foram identificados, pelas provas convencionais, como o C. neoformans e uma o C. gattii, porém estas espécies não
foram confirmadas pelas provas moleculares. No antifungigrama se encontraram entre os isolados de C. neoformans faixas de valores de concentração inibitória mínima (CIM) de 0,25-8 μg/ml para anfotericina B, 0,125->32 μg/ml para cetoconazol, 0,75->256 μg/ml para fluconazol, 0,125->32 μg/ml para voriconazol, e todas apresentaram CIM >32 μg/ml para itraconazol. Conclusões: A presença deste fungo em
áreas hospitalares pode configurar um risco biológico, já que nestas áreas circulam muitos indivíduos imunocomprometidos, e a presença de
cepas resistentes aos antifúngicos pode levar a uma diferente forma de conduzir o tratamento das patologias provocadas por esta levedura.
UNITERMOS: Cryptococcus spp., Cryptococcus neoformans, Cryptococcus gattii, Criptococose, Antifúngicos.
ABSTRACT
Introduction: Fungi of the Cryptococcus genus, mainly the species C. neoformans and C. gattii, are pathogens that cause meningoencephalitis, especially
in immunocompromised individuals. The fungus is inhaled, with the excreta of birds being the most obvious niche of C. neoformans and trees of C. gattii.
This study aims to find the Cryptococcus spp. fungus on the outskirts of large hospitals in Porto Alegre and check the susceptibility of these environmental
isolates to antifungal agents. Methods: We collected 87 samples of pigeon feces in the surroundings of six hospitals in Porto Alegre and cultured them. The
yeast colonies were analyzed macroscopically and microscopically and subjected to biochemical and molecular tests. Subsequently these isolates were submitted
to susceptibility tests to antifungals Etest® (Biomerieux) and MIC Strip Test® (Leofilchem). Results: Fungi of the Cryptococcus genus were isolated in
6 samples, of which 5 were identified by conventional tests, such as C. neoformans and C. gattii, but these species were not confirmed by molecular tests. On
antifungal susceptibility tests in C. neoformans isolates showed minimum inhibitory concentration values (MIC) ranging from 0.25 to 8 g/ml for amphotericin B, 0.125-> 32 ug/ml for ketoconazole, 0,75-> 256/ml for fluconazole, and 0.125->32 ug/ml for voriconazole, and all showed MIC>32 mg/ml for
itraconazole. Conclusion: The presence of this fungus in hospital areas may pose a biohazard, as many immunocompromised individuals circulate in these
areas, and the presence of antifungal resistant strains can lead to a different way of conducting the treatment of disorders caused by this yeast.
KEYWORDS: Cryptococcus spp., Cryptococcus neoformans, Cryptococcus gattii, Cryptococcosis, Antifungal.
1
2
3
4
5
Professora Associada na Faculdade de Farmácia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e na Universidade Federal de Ciências
da Saúde de Porto Alegre (UFCSPA). Professora orientadora do Projeto de Iniciação Científica do Conselho Nacional de Desenvolvimento
Científico e Tecnológico (CNPQ).
Professora assistente na UFCSPA.
Acadêmico do curso de Medicina da UFCSPA.
Acadêmico do curso de Medicina da UFCSPA. Bolsista do projeto “Jovens talentos para a Ciência” do CNPq.
Professor adjunto de Infectologia da UFCSPA e médico-chefe do Serviço de Infectologia da Irmandade Santa Casa de Misericórdia de Porto Alegre.
204
Revista da AMRIGS, Porto Alegre, 59 (3): 204-208, jul.-set. 2015
PRESENÇA E SUSCEPTIBILIDADE AOS ANTIFÚNGICOS DO CRYPTOCOCCUS SPP. EM EXCRETAS DE POMBOS... Mezzari et al.
INTRODUÇÃO
O fungo Cryptococcus contém duas espécies reconhecidas por seu potencial patogênico, o C. neoformans e o C.
gattii (1). Já existem relatos de infecções também por outras
espécies, como o C. laurentti e C. albidus(2).
Ambos os patógenos podem afetar hospedeiros imunocompetentes e imunocomprometidos, provocando infecções pulmonares no sistema nervoso central e disseminadas para outros órgãos ou sistemas (3). Atualmente,
já está bem estabelecida a relação entre as infecções pelo
C. neoformans e pacientes (4,5,6).
A presença do C. gattii está relacionada principalmente
aos eucaliptos, madeira em decomposição e ocos de árvores
tropicais, como cássia, oiti, fícus, mulungu, e guttarda (7).
No nordeste e norte do Brasil, essa micose é endêmica (8).
Com o aumento da incidência do C. gattii em regiões de
climas temperados, tem mudado o conceito de que se restringia apenas a climas tropicais (9,10).
O C. neoformans é cosmopolita comumente encontrado
na natureza, em excretas de aves (11). Essas excretas são um
substrato para a levedura, pela presença de ureia e creatinina
como fontes de nitrogênio e pH alcalino necessário para o
desenvolvimento do fungo (12). Estudos mostram a presença do C. neoformans em aves como psitacídeos e passeriformes (13,14,15), mas o principal reservatório deste fungo são
as excretas dos pombos pela sua adaptação ao ambiente (15),
expondo, assim, a população a esse patógeno.
O contágio ocorre pela inalação dos elementos fúngicos presentes no ambiente e pela deposição alveolar (7).
O desenvolvimento da criptococose em indivíduos após
exposição ambiental de fonte infectante requer cuidados
pelos indivíduos.
A presença de reservatórios nos arredores dos hospitais
pode configurar um importante problema de saúde pública, visto que nestas áreas existem indivíduos imunocomprometidos, portanto, um grupo de risco para adquirirem
a criptococose.
Este estudo tem como objetivo isolar e identificar o
fungo Cryptococcus spp. em excretas de aves nos arredores
de grandes hospitais de Porto Alegre e avaliar a susceptibilidade dos isolados aos antifúngicos comumente usados no
tratamento da criptococose.
O projeto original foi aprovado pelo Comitê de Ética e
Pesquisa da UFCSPA sob o número 10-729.
MÉTODOS
Foram coletadas excretas de pombos nas regiões que
circundam as áreas externas de hospitais em Porto Alegre.
Foram a Irmandade Santa Casa de Misericórdia de Porto
Alegre (ISCMPA), o Hospital das Clínicas de Porto Alegre
(HCPA), o Hospital de Pronto Socorro (HPS), o Hospital Moinhos de Vento (HMV), o Hospital São Lucas da
PUCRS (HSLP) e o Grupo Hospitalar Conceição (GHC).
Revista da AMRIGS, Porto Alegre, 59 (3): 204-208, jul.-set. 2015
A escolha deses hospitais foi determinada por serem locais
de intensa circulação de pessoas, tanto imunocompetentes
como imunocomprometidos, e por conter grande quantidade e constante presença de pombos.
O recolhimento das amostras foi feito semanalmente,
durante o período de janeiro a dezembro de 2013, totalizando 87 amostras. Todas as coletas foram realizadas
em locais abertos, em volta dos hospitais nas calçadas ou
ruas, com grande fluxo de pessoas. Para o recolhimento
das amostras, foi utilizada uma espátula de madeira estéril, e as excretas recolhidas foram depositadas em um
frasco estéril. Com o intuito de diferenciar as excretas de
pombos das de outras aves, as coletas foram feitas em
locais onde foi observada a presença constante dos pombos. É importante ressaltar que nenhum experimento foi
realizado com tais animais durante o estudo, foram utilizadas somente excretas presentes nos locais de coleta, em
respeito aos princípios éticos de experimentação animal
do Colégio Brasileiro de Experimentação Animal (16) e
de acordo com os critérios estabelecidos no Guide for Care
and Use of Laboratory Animals (17).
As amostras foram recolhidas e processadas no laboratório de Parasitologia e Micologia da Universidade Federal
de Ciências da Saúde de Porto Alegre (UFCSPA) O processamento das amostras seguiu o protocolo descrito por
Passoni et al. (1998)(18), através da cultura em agar Sabouraud dextrose com cloranfenicol e agar níger, incubadas
em estufa na temperatura entre 25 e 30°C, durante 5 a 7
dias. No crescimento do fungo, as colônias mucoides, brilhantes e viscosas, de cor branca/creme no agar Sabouraud
e de cor marrom no agar níger, indicam presuntivamente
a presença do Cryptococcus spp.. Nesses casos, as colônias
foram submetidas às provas confirmatórias, da urease e da
canavanina-glicina-azul de bromotimol (CGB). O Cryptocopccus spp. é urease positiva. O C. gattii é resistente à L-canavanina, e cresce no meio de CGB. O C. neoformans, sensível à L-canavanina, não cresce neste meio de cultura (19).
Para confirmação molecular, os isolados de Cryptococcus
na cultura foram submetidos à extração de DNA utilizando o kit de extração MycXtra (Myconostica, UK). A partir
do DNA extraído, foram feitos a Reação em Cadeia da Polimerase (PCR) e o sequenciamento de primers.
O sequenciador utilizado foi o MegaBACETM (Amersham Biosciences®). Os fragmentos sequenciados foram
analisados on line pelo software NCBI/Blast (BLAST® Basic Local Alignment Search Tool).
Para a realização do antifungigrama, foram utilizados o
Etest® (Biomérieux) de voriconazol, fluconazol e anfotericina B e o MIC Strip Test®(Leofilchem) para o itraconazol
e cetoconazol. Foi utilizado o meio agar RPMI 1640, acrescido de MOPS e 2% de glicose em placas de 4±0,5mm.
O inócuo foi obtido através da preparação de uma solução
salina estéril (0,85 NaCl) até atingir a turbidez 01 na escala
de McFarland. A leitura dos resultados foi realizada após
48 horas de incubação em estufa a 35°C seguindo as recomendações dos fabricantes (19).
205
PRESENÇA E SUSCEPTIBILIDADE AOS ANTIFÚNGICOS DO CRYPTOCOCCUS SPP. EM EXCRETAS DE POMBOS... Mezzari et al.
RESULTADOS
Das 87 amostras coletadas, 17 (19,54%) provêm dos
arredores do HCPA; 18 (20,68%) da área do HPS; 12
(13,80%) em volta do HSL; 12 (13,80%) circunvizinho
ao HMV, 15 (17,24%) nas proximidades do GHC e 13
(14,94%) nas imediações da ISCMPA, apresentado na Tabela 1. Após os testes confirmatórios, 6 (6,9%) amostras
apresentaram resultados positivos para o Cryptococcus spp..
Das amostras positivas, duas (33,3%) provêm do HPS,
duas (33,3%) do HSL, uma amostra (16,67%) do GHC
(setembro de 2013), uma (16,67%) do HMV.
Das seis amostras positivas submetidas às provas para
identificação das espécies, uma reagiu positivamente, indicando a presença do Cryptococcus gattii, e as outras cinco não
reagiram, sugerindo a presença do Cryptococcus neoformans.
Na confirmação molecular, as amostras amplificaram
com pelo menos um conjunto de primers. As seis amostras
que amplificaram e que foram submetidas ao sequenciamento confirmaram homologia para Cryptococcus spp. no
programa Blast®, uma das sequências (44 pares de bases)
apresentou 92% de identidade para Cryptococcus neorformans
var. grubii (número de acesso: CP003831.1); outro isolado
(381 pares de bases) apresentou 96% de identidade para
Cryptococcus albidus (isolado KDLYL12-1; número de acesso: JX174413.1) e uma terceira amostra (569 pares de bases) apresentou 99% de identidade para Cryptococcus albidus
(isolado KDLYL12-1; número de acesso: JX174413.1). As
outras três amostras, ao realizar o Blast®, apresentaram
homologia com Cryptococcus spp.. O Cryptococcus neoformans
var. grubii foi encontrado na amostra coletada no HSL, um
isolado de Cryptococcus albidus foi encontrado no HPS e o
outro no GHC.
A Tabela 2 resume a susceptibilidade in vitro dos cinco isolados ambientais de C. neoformans. A anfotericina B
apresentou uma ampla faixa de valores de Concentração
Inibitória Mínima (CIM), variando de 0,25μg/ml até 8 μg/
ml, sendo que duas das amostras, a 8 e a 65, apresentaram resistência a este antifúngico. As faixas de valores de
CIM para o fluconazol foram de 0,75μg/ml até >256 μg/
ml; para o voriconazol a faixa de valores foi de 0,125 μg/
ml até >32μg/ml; para o cetoconazol, os valores variaram
entre 0,125 μg/ml até >32 μg/ml. Todas as amostras testadas apresentaram CIM >32 μg/ml para o itraconazol.
As amostras 51 e 56 foram resistentes a todos os antifúngicos azólicos testados.
DISCUSSÃO
Em alguns locais, a limpeza frequente diminuiu o acúmulo de excretas, apesar da presença dos pombos em grande quantidade, devido aos espaços e à alimentação disponível fornecida pelos indivíduos. Outro aspecto relevante é
a presença de área arborizada em torno dos hospitais com
temperatura amena e sem incidência de luz solar direta,
condições climáticas favoráveis para o desenvolvimento
do fungo, e todas as amostras coletadas consistiram em
excretas secas de aves (19). As coletas foram realizadas em
ambientes abertos sem acúmulo de excretas e com fluxo
intenso de pessoas, aproximando a real exposição destes
indivíduos ao patógeno em questão (19,20). Esta constatação foi demonstrada por Faria et al. (20), com positividade
Tabela 1 – Amostras coletadas por hospital.
Porcentagem de Amostras Positivas (%)
Nº de Coletas
Porcentagem de Coletas
Realizadas (%)
Nº de Amostras
Positivas
HCPA
17
19,54
0
0
0
HPS
18
20,68
2
11,11
2,3
HSL
12
13,8
2
16,66
2,3
HMV
12
13,8
1
8,33
1,14
GHC
15
17,24
1
6,66
1,15
ISCMPA
13
14,94
0
0
Total
87
100
6
Hospitais
Das coletas realizadas
no hospital
Do total de coletas
0
6,9
Tabela 2 – Susceptibilidade aos antifúngicos.
206
Amostra
Anfotericina B
Itraconazol
Cetoconazol
Fluconazol
8
2 μg/ml
>32μg/ml
4 μg/ml
24 μg/ml
Voriconazol
0,25 μg/ml
12
0,25 μg/ml
>32μg/ml
0,75 μg/ml
6 μg/ml
0,125 μg/ml
51
0,25 μg/ml
>32μg/ml
>32μg/ml
>256μg/ml
>32μg/ml
56
0,64 μg/ml
>32μg/ml
>32μg/ml
>256μg/ml
>32μg/ml
65
8 μg/ml
>32μg/ml
4 μg/ml
24 μg/ml
0,25 μg/ml
Revista da AMRIGS, Porto Alegre, 59 (3): 204-208, jul.-set. 2015
PRESENÇA E SUSCEPTIBILIDADE AOS ANTIFÚNGICOS DO CRYPTOCOCCUS SPP. EM EXCRETAS DE POMBOS... Mezzari et al.
de 28,6% em engenhos e armazéns de arroz com acúmulo
de excretas de aves e 11,1% em ambientes abertos.
A positividade neste estudo equivale a outros estudos brasileiros que obtiveram entre 4,3% e 31,3% de amostras positivas para o C. neoformans (21,22,23,24).
A amostra positiva para o C. gattii foi coletada nos arredores do HSL. Este hospital possui uma extensa área
verde em seu entorno e a presença do Eucalyptus spp.,
um nicho deste fungo. A presença do C. gattii nas excretas de aves corrobora com os dados da literatura de que
esta levedura pode também compartilhar outros nichos
ecológicos (25). No entanto, a não confirmação desta espécie pela pesquisa molecular reforça a necessidade de
mais estudos, pois a presença do fungo Cryptococcus é um
fato confirmado nos ambientes em torno dos hospitais
incluídos no presente estudo.
A confirmação molecular dos achados positivos no presente estudo é semelhante ao estudo de Silva et al. 2010(26),
no qual foram avaliadas a virulência e a caracterização molecular de 62 excretas de pombos e 11 amostras de árvores.
O C. neoformans foi isolado em 43,8% das amostras totais.
A técnica molecular por PCR tem sido considerada a de
maior especificidade para identificação e diferenciação do
Cryptococcus spp. (7,26), em comparação a outras técnicas
bioquímicas convencionais, porém seu custo, tempo de
realização e tecnologia necessária fazem com que outras
provas, como a urease e o CGB, sejam mais utilizadas na
prática clínica (7). Sendo assim, ainda são poucos os estudos moleculares para identificação de amostras fúngicas
isoladas do ambiente e da clínica (19,26).
Uma das limitações encontradas neste estudo foi a dificuldade de garantia da origem das excretas analisadas, apesar da grande quantidade de pombos presentes nos locais
de coleta. Entretanto, a presença do C. neoformans em excretas de aves é relatada por Marietto et al. (2011) (15), não
havendo especificidade do fungo por uma única espécie
de ave.
As dificuldades terapêuticas têm sido uma preocupação no tratamento da criptococose e também de outras
micoses. Neste estudo, a variação das concentrações inibitórias mínimas para a anfotericina B foi muito ampla
(0,25 μg/ml - 8 μg/ml), contrastando com dados da literatura que apresentam faixas estreitas de CIM para este
antifúngico (27,28,29). Duas das cinco amostras testadas
apresentaram resistência a este agente, fato já relatado em
estudos anteriores (30).
Todos os isolados neste estudo foram resistentes ao
itraconazol, contrapondo a afirmação de boa resposta in
vitro a este antifúngico (27,28,29,30). Favalessa et al. (28) encontraram 8% de resistência e 16% de susceptibilidade nos
isolados de C. neoformans em amostras clínicas de pacientes
HIV positivos.
Neste estudo, o antifúngico fluconazol apresentou 40%
de resistência e 20% de susceptibilidade, o que difere de outros estudos com isolados ambientais de C. neoformans, que
apresentaram susceptibilidade a este antifúngico e aumenRevista da AMRIGS, Porto Alegre, 59 (3): 204-208, jul.-set. 2015
to da resistência nos isolados de amostra clínica (28,29,30),
alertando ao fato de cepas que possam naturalmente serem
resistentes ao fluconazol.
O cetoconazol não é indicado para o tratamento da
criptococose, no entanto, foi incluído neste estudo para verificar a suscetibilidade, fato confirmado nas duas amostras
isoladas neste estudo.
CONCLUSÃO
Apesar das amostras sequenciadas não confirmarem as
espécies de C. neoformans e C. gattii, as provas fenotípicas
laboratoriais indicaram a presença de Cryptococcus spp. e de
ambas as espécies, estabelecendo assim o real risco de infecção dos pacientes que circulam nos hospitais. Mesmo
assim, ainda são necessários mais estudos para confirmar
estes achados.
Sendo o ambiente a fonte deste patógeno, é importante
averiguar a susceptibilidade aos agentes antifúngicos, uma
vez que, possivelmente, estas cepas possam vir a infectar
pacientes no futuro, como consequência o tratamento empírico também deverá ser reavaliado.
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 Endereço para correspondência
Adelina Mezzari
Av. Ipiranga, 2752
90.610-000 – Porto Alegre, RS – Brasil
 (51) 3308-2105
 [email protected]
Recebido: 18/5/2015 – Aprovado: 26/5/2015
Revista da AMRIGS, Porto Alegre, 59 (3): 204-208, jul.-set. 2015
ARTIGO ORIGINAL
Estudo ultrassonográfico da esteatose hepática
no pré e pós-operatório de cirurgia bariátrica
Ultrasound study of hepatic steatosis before and after bariatric surgery
Luiz Carlos Kummer Junior1, Ricardo Reis do Nascimento2, Rayane Felippe Nazário1, Henry Mick1
RESUMO
Introdução: A esteatose hepática (EH) significa o acúmulo de gordura no fígado. Processo que pode ocorrer de forma benigna ou
evoluir para formas mais severas, como exemplo a esteato-hepatite e cirrose hepática. O diagnóstico se faz principalmente através
de exames de imagem, sendo a ultrassonografia o mais utilizado. Dentre as múltiplas etiologias desta patologia, a principal é a síndrome metabólica (SM). Tendo em vista a atual epidemia de obesidade, a qual está fortemente associada à SM, ela se tornou uma
das principais causas de EH. Atualmente, um dos tratamentos mais efetivos para a obesidade mórbida é a cirurgia bariátrica, a qual
possui diversas técnicas em sua realização, sendo a principal delas o by-pass gástrico em Y-de-Roux. O objetivo do presente estudo foi
analisar a prevalência de EH, através da ultrassonografia, no pré-operatório e correlacionar com os achados do pós-operatório, dos
pacientes operados na cidade de Tubarão de janeiro de 2013 a maio de 2014. Métodos: Foram analisados 42 prontuários de pacientes
submetidos à cirurgia bariátrica, no período preestabelecido, e utilizado como objeto de estudo o laudo ultrassonográfico, além dos
exames laboratoriais contidos nos prontuários. Estes dados foram utilizados para avaliar a prevalência da EH antes e após a cirurgia
e correlacionar com os demais parâmetros metabólicos. Resultados: No pré-operatório foi encontrada prevalência de EH de 69%
e no pós-operatório a prevalência encontrada foi de 33,4%. Conclusão: O presente estudo mostrou redução na prevalência da EH
após a cirurgia, entretanto, outros estudos são necessários para esclarecer os fatores envolvidos nesta redução.
UNITERMOS: Esteatose Hepática, Ultrassonografia, Cirurgia Bariátrica.
ABSTRACT
Introduction: Hepatic steatosis (HS) means the accumulation of fat in the liver, a process that can occur benignly or progress to more severe forms, such
as steatohepatitis and cirrhosis. The diagnosis is mainly through imaging, ultrasonography being the most often used technique. Many are the causes of this
disorder, but the main one is metabolic syndrome (MS). Given the current epidemic of obesity, which is strongly associated with MS, MS became one of the
leading causes of HS. Currently, one of the most effective treatments for morbid obesity is bariatric surgery, which employs various techniques in its realization, the main one being Y-de-Roux gastric bypass. The aim of this study was to analyze the prevalence of HS by ultrasound preoperatively and correlate it
with postoperative findings in patients operated in Tubarão from January 2013 to May 2014. Methods: We analyzed 42 charts of patients undergoing
bariatric surgery in the pre-set period, using the ultrasound report as an object of study, in addition to laboratory tests in the medical records. These data were
used to assess the prevalence of HS before and after surgery and correlate it with other metabolic parameters. Results: The prevalence of HS was 69%
preoperatively and 33.4% postoperatively. Conclusion: This study showed a reduction in the prevalence of EH after surgery, but further studies are needed
to clarify the factors involved in this reduction.
KEYWORDS: Hepatic Steatosis, Ultrasound, Bariatric Surgery.
1
2
Graduando em Medicina.
Médico na empresa Pró-Vida. Médico no Hospital Nossa Senhora da Conceição de Tubarão/SC.
Revista da AMRIGS, Porto Alegre, 59 (3): 209-216, jul.-set. 2015
209
ESTUDO ULTRASSONOGRÁFICO DA ESTEATOSE HEPÁTICA NO PRÉ E PÓS-OPERATÓRIO DE CIRURGIA BARIÁTRICA Kummer Junior et al.
INTRODUÇÃO
O acúmulo de gordura no fígado, assim como o de glicogênio, ocorre de forma fisiológica com a finalidade de
estocagem de energia. Entretanto, quando existe um acúmulo de lipídeos que ultrapasse 5 a 10% do peso total do
órgão, há uma condição denominada esteatose hepática
(EH)(1). A EH, fase inicial, e, relativamente, benigna da
doença hepática gordurosa não alcoólica (DHGNA) corresponde ao acúmulo de triglicerídeos no interior do citoplasma dos hepatócitos advindo de diversas situações (2).
A EH pode advir do uso de drogas, doenças metabólicas,
rápida perda de peso, derivação intestinal, nutrição parenteral total e obesidade, essa representando o principal fator
causador (2).
A fisiopatologia envolve a resistência periférica à insulina, a qual determina maior transporte de ácidos graxos
livres do tecido adiposo para o fígado, caracterizando a
EH. A injúria hepática pode ser dividida em primeiro e
segundo impacto. A fase inicial da doença, e relativamente
benigna, em que ocorre a deposição de ácidos graxos livres
no fígado é denominada primeiro impacto. No momento
em que há EH instaurada, o fígado se torna mais suscetível
a lesões secundárias, decorrente ao estresse oxidativo e à
liberação de citocinas, condição a qual denominada como
segundo impacto. Em contrapartida à fragilidade hepática,
o quadro pode evoluir para esteato-hepatite e, progressivamente, para cirrose hepática (3,4). Há estudo que evidencia
que, dos pacientes que evoluírem para esteato-hepatite não
alcoólica, metade irá evoluir para fibrose, 10 a 15% para
cirrose hepática e 5,4% para insuficiência hepática (5).
A DHGNA apresenta elevada prevalência na população mundial, principalmente decorrente da epidemia de
obesidade, já sendo considerada a principal doença hepática em países desenvolvidos. Há dados que indicam que
cerca de 10 a 24% de toda a população adulta possua EH,
e no momento em que é avaliada a população adulta com
obesidade, este índice sobe para 57 a 74% (1).
As crescentes taxas de pacientes com obesidade se devem principalmente às alterações provocadas pelo mundo
moderno. Houve uma alteração na educação e no estilo de
vida, com consequente diminuição na prática de atividades
físicas e adoção de alimentação menos adequada, do ponto de vista nutricional (6,7). Segundo a Pesquisa de Orçamentos Familiares (POF), realizada no Brasil, durante os
anos 2008 e 2009, 50,1% dos homens e 48% das mulheres
apresentam excesso de peso (8). Em associação à obesidade, houve um aumento na prevalência de doenças crônicas,
entre elas a DHGNA (9,10) e a síndrome metabólica (11).
Os principais fatores de risco para a DHGNA incluem
obesidade, fator mais importante (76% dos pacientes), Diabetes mellitus (DM) tipo II (50% dos pacientes), dislipidemia e rotineiramente está associada à síndrome metabólica
(SM) (12,13,14).
O diagnóstico da EH é realizado principalmente através
de exames de imagem, como exemplo, ressonância mag210
nética (RM), tomografia computadorizada (TC) e ultrassonografia (US). A acurácia da identificação da EH nos exames de imagem, avaliados de forma global, varia de acordo
com o índice de massa corpórea do paciente (IMC). Existe
uma variação de 49 a 100% na sensibilidade e 75 a 90%
na especificidade, sendo que há diminuição à medida que
ocorre aumento do IMC (15,16,17). Em um estudo no qual
foi avaliada a concordância entre o diagnóstico da doença
através da US e da biópsia hepática, o resultado foi concordante em 83,3% dos casos, o que evidencia a US como
principal forma de diagnóstico, por ser um método relativamente barato, e não invasivo (18,19,20,21). Embora o
padrão ouro para o diagnóstico seja a biópsia hepática com
estudo anatomopatológico e exclusão de outras causas de
EH, este não é amplamente utilizado em decorrência aos
riscos e logística necessária (15,16). Vale salientar que a
biópsia hepática permite, além de quantificar a infiltração
gordurosa no fígado, diferenciar a EH simples da esteato-hepatite não alcoólica (15,16,22).
O parênquima hepático normal visto ao US apresenta ecotextura homogênea, ecogenicidade intermediária e,
quando comparado ao córtex renal, se apresenta hiperecogênico e, quando em comparação ao tecido esplênico,
se apresenta hipoecogênico. Há uma discreta atenuação do
feixe acústico, o que não impede que haja uma boa identificação dos vasos intra-hepáticos e do diafragma localizado
na região posterior do fígado, parâmetros esses utilizados
para avaliar a gravidade do quadro (23,24,25). A avaliação
da EH por via ultrassonográfica apresenta uma sensibilidade muito elevada, principalmente em pacientes que possuem grau moderado a severo da doença, porém reduzida
em graus leves (26,27,28).
Esta situação é muito bem exemplificada em um estudo
o qual realizou uma comparação entre os achados ultrassonográficos e achados da biópsia hepática de pacientes
portadores de hepatite C. No presente estudo, foram avaliadas ecogenicidade, ecotextura e atenuação do feixe sonoro, sendo que este último apresentou maior correlação
com a EH. A análise estatística do estudo demonstrou que
o US possui grande capacidade de demonstrar a ausência
da patologia, especificidade de 77,9% e valor preditivo negativo de 95,5%. Vale ressaltar que o mesmo apresentou
uma concordância regular entre a presença de EH avaliada
pelo US e pela biópsia (29).
Tendo em vista que a obesidade é o principal causador
de EH, faz-se importante realizar o tratamento da mesma.
Há evidências que sugerem que os tratamentos convencionais são capazes de reduzir 5 a 10% do peso corporal inicial, acarretando melhoras metabólicas, porém esta perda
de peso não é sustentada em longo prazo e não se mostra
efetiva em pacientes com índice de massa corporal (IMC)
> 40 kg/m² (obesos mórbidos ou grau III) (30,31). A cirurgia bariátrica, apesar de ser um tratamento radical para a
obesidade, é indicada em casos selecionados, e que preenchem critérios preestabelecidos. Os critérios incluem obesos mórbidos ou pacientes com IMC entre 35 e 39,9 kg/m²
Revista da AMRIGS, Porto Alegre, 59 (3): 209-216, jul.-set. 2015
ESTUDO ULTRASSONOGRÁFICO DA ESTEATOSE HEPÁTICA NO PRÉ E PÓS-OPERATÓRIO DE CIRURGIA BARIÁTRICA Kummer Junior et al.
(obesidade grau II) juntamente com comorbidades que podem ser atribuídas ao aumento do peso, as quais incluem
DM tipo II, hipertensão arterial sistêmica (HAS), dislipidemia, apneia do sono, dificuldades de locomoção. Vale
salientar que, antes da adoção de um método cirúrgico, o
paciente deve receber tratamento convencional, o qual inclui mudança no estilo de vida e tratamento medicamentoso, por dois anos. Caso não haja sucesso nesta modalidade
terapêutica, a cirurgia pode ser considerada (32,33). Há
evidências que indicam a intervenção cirúrgica como tratamento mais efetivo, pois resulta em significativa perda de
peso, aproximadamente 20 a 40% do peso inicial, a qual é
mantida em longo prazo, durante no mínimo 15 anos (33).
Vale destacar a capacidade cirúrgica em regredir os parâmetros presentes na síndrome metabólica (SM)(34).
Atualmente, a técnica cirúrgica mais utilizada é o by-pass gástrico em Y de Roux (BGYR). Essa cirurgia é considerada de caráter misto, devido à associação entre seu
fator restritivo, em que há a neoformação de uma pequena
bolsa gástrica, e o fator disabsortivo, consequente à derivação do intestino delgado em Y de Roux (33).
A forma de regressão da DHGNA, decorrente da cirurgia bariátrica, ainda não está totalmente esclarecida;
entretanto, acredita-se que ocorra devido ao controle da
dislipidemia e diminuição da resistência à insulina. Esses
são os principais fatores da patogênese da doença e são,
na maioria das vezes, controlados após tal intervenção terapêutica (2,35).
Decorrente do aumento expressivo da obesidade na
população mundial, advindo de tal fato o aumento da prevalência de EH, e as graves consequências que podem ser
provenientes desta patologia, faz-se importante este estudo, o qual visou realizar o segmento de pacientes submetidos à cirurgia bariátrica para tratamento da obesidade,
através da comparação de exames ultrassonográficos pré e
pós-operatórios, que serviram para quantificar a evolução
da EH destes pacientes.
MÉTODOS
Foi realizado um estudo de coorte, o qual compreendeu
o período entre janeiro de 2013 e maio de 2014.
A população em estudo compreendeu todos os pacientes submetidos à cirurgia bariátrica, na cidade de Tubarão,
no período determinado para o estudo.
Como critério de inclusão, foram utilizados pacientes
submetidos à cirurgia bariátrica, que deveriam preencher
os critérios para adoção de tal intervenção, na cidade de
Tubarão, no período de janeiro de 2013 a maio de 2014.
Como critério de exclusão, foram adotados os pacientes
cujos prontuários não continham informações necessárias
para o estudo.
Os pacientes submetidos à cirurgia bariátrica fizeram
exames de rotina no pré-operatório, os quais incluíram
US abdominal, glicemia de jejum, perfil lipídico (trigliceRevista da AMRIGS, Porto Alegre, 59 (3): 209-216, jul.-set. 2015
rídeos, HDL), valores antropométricos (altura e peso que
foram utilizados para calcular o IMC) e aferição da pressão arterial.
O exame de imagem obtido através da US foi utilizado
como objeto de estudo para avaliar a prevalência de EH,
assim como sua gravidade nesses pacientes e sua evolução
no pós-operatório. A EH foi avaliada através da ecogenicidade do parênquima hepático, da atenuação do feixe sonoro, e também da possibilidade da visualização do diafragma
e da vascularização intra-hepática, gerando uma classificação de gravidade, a qual foi obtida nos laudos avaliados.
Todos os exames anteriormente mencionados foram realizados novamente seis meses após a intervenção cirúrgica.
Essas informações foram utilizadas com o intuito de
averiguar a evolução da EH e a possibilidade de existir associação com os parâmetros metabólicos mencionados e a
evolução da mesma.
Os resultados destes exames foram obtidos através de
prontuários eletrônicos, os quais estavam localizados na
Clínica Pró-Vida, local onde foram realizadas as consultas
pré-operatórias e o acompanhamento destes pacientes.
Tendo em vista os preceitos da Resolução 466/2012
do Conselho Nacional de Saúde (CNS), o projeto foi avaliado pelo Comitê de Ética e Pesquisa (CEP) através da
Plataforma Brasil, sendo aprovado com o número de protocolo 25218213.2.0000.5369. A coleta de dados iniciou-se
após a aprovação do projeto. As informações foram adquiridas sem contato direto com os sujeitos da pesquisa,
justificando a ausência de Termo de Consentimento Livre
e Esclarecido (TCLE), segundo os preceitos da Resolução
466/20122 do Conselho CNS. Serão garantidos o sigilo
das informações e a privacidade dos pacientes de acordo
com o prescrito na Resolução 196/96 do CNS. Haja vista
que o objeto de estudo serão os formulários eletrônicos,
presentes na Clínica Pró-Vida de Tubarão/SC, foi solicitada autorização ao detentor dos mesmos para utilização
na pesquisa.
Os dados obtidos através de prontuários eletrônicos e
laudos referentes aos exames de US foram digitados utilizando-se o programa Epi Info Versão 3.5.4 e analisados
pelo mesmo. Para comparação entre médias, foi aplicado o
teste “t” de Student ou a Análise de Variância (ANOVA).
Para comparação entre as proporções, foi aplicado o teste
do qui-quadrado no nível de confiança de 95%. Fixou-se
valor de p menor que 0,05 como significantes e intervalo de
confiança de 95% para as diferenças e associações.
RESULTADOS
Durante o período analisado, de janeiro de 2013 a maio
de 2014, foram realizadas 116 cirurgias bariátricas na cidade
de Tubarão, sendo que, deste número de pacientes, 42 foram
inclusos no estudo por preencherem os critérios preestabelecidos, os demais não foram incluídos em decorrência à perda
de seguimento ou falta de dados nos prontuários.
211
ESTUDO ULTRASSONOGRÁFICO DA ESTEATOSE HEPÁTICA NO PRÉ E PÓS-OPERATÓRIO DE CIRURGIA BARIÁTRICA Kummer Junior et al.
Dos 42 pacientes analisados, 32 (76,2%) são pertencentes ao sexo feminino e 10 (23,8%) ao sexo masculino. Com
relação à idade desses pacientes, a idade mínima foi de 20
anos e a máxima 64 anos, constituindo a média de idades
de 40,21 ±11,86 anos.
Ao se analisar o peso dos pacientes, no pré-operatório,
o menor peso encontrado foi de 82 kg e o maior peso foi
de 164 kg, sendo a média de 112,21 ±17,97 kg. O IMC destes pacientes no pré-operatório apresentou como menor
número 30,7 kg/m² e como maior 51,6 kg/m², sendo que
a média foi de 40,75 ±4,87 kg/m².
Com relação aos parâmetros metabólicos encontrados
no pré-operatório, o menor nível de colesterol total foi de
129 mg/dL, o valor máximo foi 360 mg/dL, e a média
193,21 ±40,67 mg/dL. O menor nível de colesterol LDL
encontrado foi de 65 mg/dL, o maior de 296 mg/dL, e a
média dos valores averiguados foi de 120,73 ±44,78 mg/
dL. Já o colesterol HDL apresentou como valor mínimo
28 mg/dL, como valor máximo 75 mg/dL e média de 47
±10,64 mg/dL. Ao se analisar os valores de triglicerídeos,
o mínimo encontrado foi de 52 mg/dL, o máximo 479
mg/dL e a média 165,35 ±85,19 mg/dL. A glicemia de jejum dos pacientes apresentou como valor mínimo 78 mg/
dL, valor máximo 291 mg/dL e a média dos valores foi de
104,02 ±36,95 mg/dL.
Com relação à PA encontrada, o valor mais prevalente
foi de 150/90 mmHg, presente em 8 pacientes, ou seja,
19%, seguindo a distribuição apresentada na Tabela 1. Ao
serem analisados os valores de PA, 66,6% dos pacientes
não apresentaram valores adequados no momento da aferição (valores maiores ou iguais a 140/90 mmHg).
Em 29 pacientes foi ratificado EH ao exame ultrassonográfico anteriormente à cirurgia bariátrica, evidenciando uma prevalência da patologia em 69% dos pacientes
em estudo. O grau mais encontrado foi de EH grau I e II
presente em 12 pacientes cada (28,6%). Em 5 pacientes,
foi encontrado EH grau III (11,9%), que é a forma mais
severa da patologia. Do total de pacientes analisados, 13
não apresentaram EH, sendo que a distribuição dos valores
encontrados segue na Tabela 2.
Em relação à prevalência de EH, em qualquer nível, em
mulheres no pré-operatório, foi encontrado um valor de
65,6%, sendo que a distribuição entre as diferentes graduações segue na Tabela 3. No sexo masculino, houve uma
prevalência de 80%, distribuído de acordo com o que evidencia a Tabela 4.
A avaliação dos dados obtidos no pós-operatório exibe
um peso mínimo de 55,9 kg, máximo de 113 kg e a média
dos pesos encontrados foi de 83,07 ±13,65 kg. Em relação
ao IMC, o menor foi de 22 kg/m², o maior de 39,65 kg/m²
e média destes 30,38 ±4,34 kg/m².
Após a cirurgia bariátrica, os dados metabólicos encontrados nos exames laboratoriais mostraram o valor de colesterol total mínimo de 114 mg/dL, máximo de 282 mg/
dL e média de 167,30 ±33,91 mg/dL. O menor valor de
colesterol LDL encontrado foi de 46,8 mg/dL, máximo de
193 mg/dL e média de 97,59 ±28,31 mg/dL. O HDL mínimo foi de 23 mg/dL, máximo de 81 mg/dL e média de
49,37 ±11,68 mg/dL. Os valores de triglicerídeos evidenciaram valor mínimo de 39 mg/dL, máximo de 313 mg/
dL e média de 104,38 ±51,21 mg/dL. A menor glicemia
de jejum foi de 71 mg/dL, a maior 123 mg/dL e a média
destas 87,11 ±9,46 mg/dL.
O nível de PA mais identificado foi de 120/80, o qual foi
aferido em 12 pacientes, sendo que na Tabela 5 pode-se visualizar a distribuição desses valores nos pacientes estudados.
A EH diagnosticada através dos exames ultrassonográficos de pós-operatório se fez presente em 14 pacientes,
Tabela 1 – Frequência da PA nos pacientes estudados, no préoperatório.
Tabela 2 – Distribuição do grau de EH nos pacientes estudados, no
pré-operatório.
Frequency
Percent
Cum Percent
100/70
Pressão Arterial
1
2,4%
2,4%
0 - Sem esteatose hepática
Ultrassom Abdominal
Frequency
13
Percent Cum Percent
31,0%
31,0%
120/80
7
16,7%
19,0%
1 - Esteatose hepática grau I
12
28,6%
59,5%
130/80
5
11,9%
31,0%
2 - Esteatose hepática grau II
12
28,6%
88,1%
130/90
1
2,4%
33,3%
3 - Esteatose hepática grau III
5
11,9%
100,0%
140/100
2
4,8%
38,1%
Total
42
100,0%
100,0%
140/80
2
4,8%
42,9%
140/90
4
9,5%
52,4%
150/100
3
7,1%
59,5%
150/90
8
19,0%
78,6%
160/100
1
2,4%
81,0%
Ultrassom Abdominal
160/80
1
2,4%
83,3%
0 - Sem esteatose hepática
11
34,4%
34,4%
160/90
4
9,5%
92,9%
1 - Esteatose hepática grau I
11
34,4%
68,8%
170/100
1
2,4%
95,2%
2 - Esteatose hepática grau II
8
25,0%
93,8%
180/100
2
4,8%
100,0%
3 - Esteatose hepática grau III
2
6,3%
100,0%
Total
42
100,0%
100,0%
Total
32
100,0%
100,0%
212
Tabela 3 – Frequência de EH no sexo feminino, no pré-operatório.
Frequency
Percent Cum Percent
Revista da AMRIGS, Porto Alegre, 59 (3): 209-216, jul.-set. 2015
ESTUDO ULTRASSONOGRÁFICO DA ESTEATOSE HEPÁTICA NO PRÉ E PÓS-OPERATÓRIO DE CIRURGIA BARIÁTRICA Kummer Junior et al.
resultando em uma prevalência de 33,4%. Além disso, pode-se observar que não houve pacientes com EH grau III,
diferentemente do pré-operatório. O grau mais prevalente
de EH foi o grau I, com 13 pacientes. Somente 1 paciente
apresentou EH grau II, e os outros 28 pacientes não apresentaram a patologia. Essa distribuição pode ser melhor visualizada na Tabela 6. A comparação entre as distribuições
do grau de EH no pré e pós-operatório pode ser melhor
visualizada no Gráfico 1.
Ao se realizar a correlação entre os fatores avaliados no
pré-operatório dos pacientes e o achado de EH na ultrassonografia abdominal, foi averiguado que as variáveis colesterol total, LDL, glicemia de jejum e IMC não apresentaram correlação estatisticamente significativa com a EH.
Entretanto, ao associar peso, HDL e triglicerídeos, se percebeu que houve associação estatisticamente significativa.
Quando se avalia o peso dos pacientes, percebe-se que
aqueles que não apresentaram EH expressaram uma média
de peso 107,73 ±19,62kg, os que apresentaram EH grau I
103,50 ±10,34kg, EH grau II 118,97 ± 15,49kg e EH grau
III 128,54 ±20,98kg, sendo que o valor de p obtido foi de
p=0,0298.
A média de triglicerídeos dos pacientes que não exibiram EH foi de 128,76 ±63,64mg/dL, dos pacientes que
apresentaram EH grau I 155,58 ±68,13 mg/dL, EH grau
Tabela 4 – Frequência de EH no sexo masculino, no pré-operatório.
Ultrassom Abdominal
Frequency Percent Cum Percent
0 - Sem esteatose hepática
2
20,0%
20,0%
1 - Esteatose hepática grau I
1
10,0%
30,0%
2 - Esteatose hepática grau II
4
40,0%
70,0%
3 - Esteatose hepática grau III
3
30,0%
100,0%
Total
10
100,0%
100,0%
Tabela 5 – Frequência da PA nos pacientes estudados, no pósoperatório.
Pressão Arterial PO
II 179,66 ±81,22 mg/dL e EH grau III 249,60 ±131,22
mg/dL, sendo que o valor de p obtido foi de p=0,044.
A média de colesterol HDL dos pacientes que não
apresentaram EH foi de 52,84 ±11,46 mg/dL, os que apresentaram EH grau I 46 ±12,04 mg/dL, EH grau II 45,16
±4,60 mg/dL e EH grau III 38,6 ±9,91 mg/dL, sendo que
o valor de p obtido foi de p= 0,0312.
Ao se avaliar os parâmetros encontrados no pós-operatório dos pacientes e correlacioná-los com o achado de
EH na ultrassonografia, foi visto que as variáveis colesterol
total, LDL, HDL, triglicerídeos e glicemia de jejum não
apresentaram associação estatisticamente significativa com
a EH. Contudo, as variáveis peso e IMC apresentaram.
A média dos pesos dos pacientes que não manifestaram
EH foi de 78,20±11,25kg, dos que apresentaram EH grau
1 foi de 92,21 ±13,46kg e EH grau 2 foi de 100,50, sendo
que o valor de p encontrado foi de p=0,0023.
Já quando se avalia o IMC destes pacientes, os que não
apresentaram EH obtiveram média de 28,93 ±3,69kg/m²,
os que exibiram EH grau I 33,08 ±4,28 kg/m² e os que
apresentaram EH grau II foi de 36,00kg/m², sendo que o
valor de p encontrado foi de p=0,0114.
Quando foi avaliada a progressão da EH após a cirurgia,
pode-se observar que 12 pacientes os quais não apresentavam EH no pré-operatório permaneceram sem apresentá-la
no pós-operatório. Apenas um deles que não apresentava
EH passou a manifestar a doença após a cirurgia. Dos 12
pacientes que expressavam EH grau I, 10 passaram a não
Tabela 6 – Distribuição do grau de EH nos pacientes estudados, no
pós-operatório.
Ultrassonografia Abdominal
Frequency
PO
0 - Sem esteatose hepática
28
66,7%
1 - Esteatose hepática grau I
13
31,0%
97,6%
2 - Esteatose hepática grau II
1
2,4%
100,0%
Total
42
100,0%
100,0%
Frequency
Percent
Cum Percent
100/70
1
2,4%
2,4%
110/60
1
2,4%
4,8%
110/70
7
16,7%
21,4%
30
110/80
3
7,1%
28,6%
25
120/60
1
2,4%
31,0%
120/70
2
4,8%
35,7%
120/80
12
28,6%
64,3%
15
120/90
1
2,4%
66,7%
10
130/80
6
14,3%
81,0%
5
130/90
2
4,8%
85,7%
140/80
1
2,4%
88,1%
140/90
3
7,1%
95,2%
150/90
2
4,8%
100,0%
Total
42
100,0%
100,0%
Revista da AMRIGS, Porto Alegre, 59 (3): 209-216, jul.-set. 2015
Percent Cum Percent
66,7%
Distribuição da EH
20
0
Sem EH
EH grau I
Pré-operatório
EH grau II
EH grau III
Pós-operatório
Gráfico 1 – Distribuição da EH no pré e pós-operatório.
213
ESTUDO ULTRASSONOGRÁFICO DA ESTEATOSE HEPÁTICA NO PRÉ E PÓS-OPERATÓRIO DE CIRURGIA BARIÁTRICA Kummer Junior et al.
apresentar EH, e 2 permaneceram com EH grau I. Dos 12
pacientes que exibiam EH grau II anteriormente à cirurgia,
5 não manifestaram EH após a operação e 7 apresentaram
EH grau I. Ao avaliar os 5 pacientes com EH grau III,
observa-se que 1 paciente não apresentou a doença no pós-operatório, 3 apresentaram EH grau I e apenas 1 passou a
apresentar EH grau II.
DISCUSSÃO
Atualmente, o crescente número de pacientes obesos vem
tornando a DHGNA uma das principais hepatopatias (2).
Portanto, há grande importância em melhor compreensão
de sua fisiopatologia, e possíveis medidas terapêuticas que
estariam envolvidas em sua remissão. Diversos estudos
têm sido realizados com o intuito de avaliar tais fatores.
Há estudos que avaliaram a cirurgia bariátrica como fator
envolvido na gênese da redução da severidade da patologia.
Alguns deles serviram como objeto de comparação a este
estudo realizado na cidade de Tubarão.
Pesquisa semelhante a esta foi realizada por Schild BZ,
LC e Alves MK na cidade de Caxias do Sul/RS, em um centro de tratamento avançado de obesidade. Foram analisados
199 prontuários de pacientes submetidos à cirurgia bariátrica. Do total, 66 pacientes preencheram critérios necessários
para inclusão no estudo. Este estudo avaliou a prevalência
de EH, sendo associada esta condição aos parâmetros que
compõem a síndrome metabólica. Todavia, em tal estudo
não houve avaliação dos pacientes no pós-operatório.
Do total de 66 pacientes, 49 (72,1%) eram mulheres e
17 (27,9%) eram homens, perfil semelhante de distribuição
entre os sexos deste estudo, em que 32 (76,2%) foram pertencentes ao sexo feminino e 10 (23,8%) ao sexo masculino. A média de idade foi de 37,57 ±10,29 anos, semelhante
a este estudo em que a média foi de 40,21 ±11,86 anos.
A média de peso foi de 123,14 ±25,40 kg e de IMC 56,24
±9,30 kg/m², já no presente estudo a média entre os pesos
foi de 112,21 ±17,97 kg e IMC de 40,75 ±4,87 kg/m².
No estudo realizado em Caxias do Sul, foi diagnosticado EH, através da US, em 50% dos pacientes, sendo que
20,3% apresentaram EH grau I, EH grau II em 17,4%
e EH grau III em 11,6% dos pacientes. No estudo feito na cidade de Tubarão, houve uma prevalência de EH
de 69%, sendo que foram encontrados EH grau I e II
em 28,6% em cada grupo e EH grau III em 11,9% dos
pacientes. Prevalência mais elevada do que no estudo de
Schild e col.
A média glicêmica foi de 106,9 ±32,84 mg/dL e no
presente estudo foi de 104,02 ±36,95 mg/dL, valores muito semelhantes. Ao analisarmos os níveis de triglicerídeos,
média de 196,09 ±119,73 mg/dL foi encontrada no estudo
de Schild e col. e, neste estudo, média de 165,35 ±85,19
mg/dL. Os níveis de HDL foram bastante semelhantes,
49,51 ±11,92 mg/dL no estudo em comparação e 47
±10,64 mg/dL neste estudo. Ao avaliar a prevalência de
214
hipertensão arterial sistêmica (HAS), adotando-se valores
maiores do que 140/90 mmHg, o estudo em comparação
apresentou prevalência de 60,3% e, no presente estudo, encontramos prevalência de HAS de 66,6%.
Ao analisar os fatores que compõem a SM, Schild e col.
concluíram que a EH foi encontrada em 60% dos pacientes que preenchiam critérios para a síndrome, sendo que
há uma associação estatisticamente significativa (P=0,008)
entre as duas condições (14).
Logo, percebe-se que foram encontrados valores muito
semelhantes entre as prevalências de EH no pré-operatório
dos pacientes submetidos à cirurgia bariátrica em ambos
os estudos. A semelhança entre os valores dos parâmetros
metabólicos encontrados faz aventar a hipótese de que,
provavelmente, no estudo realizado na cidade de Tubarão
haja também uma forte relação entre a SM e a EH, apesar
de não ter sido estabelecida uma associação direta entre as
duas entidades.
No estudo de Losekann e col., feito no Centro de Tratamento da Obesidade, na Santa Casa de Porto Alegre,
foram analisados 250 resultados de biópsia de pacientes
submetidos à cirurgia bariátrica, amostras essas retiradas
no transoperatório. Estas amostras foram utilizadas para
avaliar a prevalência de EH e outros achados hepáticos
nestes pacientes. Em tais pacientes, a EH hepática se fez
presente em 90,4% das amostras, sendo que 30,4% foram
classificados como EH grau I, 28,4% como EH grau II e
31,6% como EH grau III (36). Entretanto, não foram especificados os parâmetros metabólicos e antropométricos
de tais pacientes, o que impossibilita comparar o perfil dos
pacientes dos dois estudos.
O que possivelmente tornou a prevalência de EH maior
no estudo em comparação é o fato de que a biópsia hepática apresenta maior sensibilidade diagnóstica do que a US
(15,16), o método utilizado para diagnóstico no presente
estudo. Vale ressaltar que em tal estudo não houve análise
pós-operatória dos pacientes.
Teivelis e col. realizaram um estudo no Hospital das
Clínicas em São Paulo, onde foram analisados os achados
ultrassonográficos e endoscópicos do pré-operatório de
cirurgia bariátrica de 80 pacientes. O IMC médio dos pacientes alocados em tal estudo foi de 51,4 ±8,20 kg/m².
Valor médio de IMC semelhante foi encontrado neste estudo, o qual evidenciou uma média de 56,24 ±9,30 kg/
m². Foram utilizadas ultrassonografias de 63 pacientes de
pré-operatório. Nesses exames, a EH foi encontrada em
58,7% do total; contudo, não houve classificação quanto à
severidade da mesma. Tal valor é semelhante, no entanto,
inferior ao encontrado no atual estudo, o qual apresentou
prevalência de 69%, provavelmente, em decorrência ao
maior IMC dos pacientes operados em Tubarão. No estudo de Teivelis e col. foram avaliados 57 exames ultrassonográficos no pós-operatório, sendo que a prevalência de
EH foi de 43,9%, a qual se apresenta superior à encontrada
no presente estudo, que foi de 33,4%. Vale ressaltar que o
IMC pós-operatório de Teivelis e col. foi em média 35,2 ±
Revista da AMRIGS, Porto Alegre, 59 (3): 209-216, jul.-set. 2015
ESTUDO ULTRASSONOGRÁFICO DA ESTEATOSE HEPÁTICA NO PRÉ E PÓS-OPERATÓRIO DE CIRURGIA BARIÁTRICA Kummer Junior et al.
7,60kg/m², valor superior ao encontrado neste estudo, que
foi de 30,38 ±4,34 kg/m²(37). A possível justificativa para
menor prevalência de EH no estudo realizado na cidade de
Tubarão é o fato de que os pacientes submetidos à cirurgia
nessa cidade apresentaram maior perda de peso, um dos
fatores associados à regressão da EH (38).
Em um estudo realizado na Clínica Clileal, localizada na
cidade de Santos, São Paulo, Andrade e col. analisaram 205
prontuários de pacientes submetidos à cirurgia bariátrica.
Foram analisados exames do pré-operatório dos pacientes
e exames de pós-operatório após 6 e 12 meses. Entre os
exames analisados, ressaltam-se os exames ultrassonográficos, onde se encontrou EH em 35,1% dos laudos, sendo
que 25,9% apresentaram EH grau I, 6,8% EH grau II e
2,4% EH grau III. Neste estudo, todos os pacientes que
possuíam EH grau III apresentaram regressão do quadro
para formas menos severas da doença. No estudo realizado na cidade de Tubarão, houve maior prevalência de
EH, a qual foi encontrada em 69% dos laudos. Contudo,
de forma semelhante ao estudo de Andrade e col., todos
os pacientes que apresentaram EH grau III no início do
estudo apresentaram remissão do quadro para formas menos severas da doença (38). Outros dados referentes à população estudada não foram avaliados, o que não permitiu
comparação dos demais fatores.
Não foram encontrados outros estudos que avaliassem
os parâmetros metabólicos e que correlacionassem os mesmos à EH no pós-operatório, como realizado neste estudo.
Shuja e Mohamed realizaram um estudo com o intuito
de avaliar as alterações proporcionadas pela cirurgia bariátrica que seriam importantes para a remissão da EH. Nesse
estudo, os pesquisadores chegaram à conclusão de que há
diversos fatores agindo de forma sinérgica para a melhora da patologia. Entre eles, os pesquisadores destacaram
a diminuição da resistência à insulina, melhora do quadro
dislipidêmico, diminuição na produção de interleucinas
pelo tecido adiposo e, consequentemente, diminuição da
inflamação sistêmica, aumento na secreção de adiponectina, a qual possui ação anti-inflamatória, perda de peso, e o
aumento na secreção de hormônios intestinais, como, por
exemplo, GLP-1(2). Logo, conclui-se que existe uma série
de fatores, além da perda de peso, fator que neste estudo se
associou com a diminuição da EH, e melhora dos parâmetros metabólicos, envolvidos na redução e remissão da EH.
Há necessidade de mais estudos para avaliar a participação
hormonal, como o incremento na secreção de hormônios
intestinais como as incretinas, e a diminuição da inflamação
sistêmica, ocasionada pela liberação de agentes pró-inflamatórios pelo tecido adiposo, na melhora da patologia.
CONCLUSÃO
A prevalência de EH no pré-operatório dos pacientes
que foram submetidos à cirurgia bariátrica foi, no presente
estudo, de 69%.
Revista da AMRIGS, Porto Alegre, 59 (3): 209-216, jul.-set. 2015
Ao correlacionar as variáveis estudadas no pré-operatório, não houve significância estatística entre EH e colesterol total, LDL, glicemia de jejum e IMC. Entretanto, esta
se fez presente entre EH e peso, HDL e níveis de triglicerídeos. No momento em que se correlacionam as variáveis
de pós-operatório, conclui-se que houve associação estatisticamente significativa entre EH e o peso e o IMC, sendo a
prevalência de EH no pós-operatório de 33,4%.
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 Endereço para correspondência
Luiz Carlos Kummer Junior
Rua D. Antonina Burigo Corbetta, 467/601
88.705-030 – Tubarão, SC – Brasil
 (48) 3626-0043
 [email protected]
Recebido: 18/5/2015 – Aprovado: 26/5/2015
Revista da AMRIGS, Porto Alegre, 59 (3): 209-216, jul.-set. 2015
ARTIGO ORIGINAL
Prevalência de alterações mamográficas em uma série
de exames realizados no Hospital Nossa Senhora
da Conceição no ano de 2012, em Tubarão/SC
Prevalence of mammographic changes in a series of tests
performed in a hospital in south Brazil
Gilfranklin Silva Queiroz Fontes1, Otto Henrique May Feuerschuette2
RESUMO
Introdução: O câncer de mama é a principal neoplasia que acomete a população feminina, e a mamografia é o exame de rastreamento
recomendado para realizar o diagnóstico precoce. A classificação BI-RADS avalia a necessidade de uma investigação complementar. Objetivos: Estimar a prevalência de alterações mamográficas e verificar a associação com a idade baseando-se na classificação
BI-RADS. Métodos: Foram analisadas 5.978 mamas em pacientes de um hospital da região sul de Santa Catarina no ano de 2012.
Foi estimada a prevalência dos achados por meio da classificação BI-RADS, além de analisar a associação com a idade, respeitando
os aspectos éticos. Resultados: Observou-se que 85 % das mamas analisadas estavam dentro da normalidade, 12 % tinham laudos
inconclusivos, e 37,5 % das mamas com alterações significativas eram em pacientes com idade menor que 50 anos. Conclusões:
A maioria das alterações suspeitas foi encontrada em mulheres com mais idade. Entretanto, uma parcela importante das mamografias
que necessitavam de avaliação complementar era de mulheres com menos de 50 anos de idade.
UNITERMOS: Câncer de Mama, Mamografia, Rastreamento, Idade.
ABSTRACT
Introduction: Breast cancer is the leading form of cancer affecting the female population, and mammography is the screening test recommended to perform
early diagnosis. The BI-RADS classification assesses the need for additional investigation. Aims: To estimate the prevalence of mammographic changes and
the association with age based on the BI-RADS classification. Methods: We analyzed 5,978 breasts in patients at a hospital in the southern region of
Santa Catarina in 2012. We estimated the prevalence of findings through the BI-RADS classification, in addition to analyzing the association with age,
respecting ethical aspects. Results: 85% of the analyzed breasts were found to be normal, 12% had inconclusive reports, and 37.5% of the breasts with
significant changes were in patients younger than 50 years. Conclusions: Most of the suspicious changes were found in older women. However, a significant
portion of mammograms that required further evaluation were from women under 50.
KEYWORDS: Breast Cancer, Mammography, Screening, Age.
1
2
Interno do curso de Medicina na Universidade do Sul de Santa Catarina (Unisul), campus Tubarão.
Mestre em Ciências da Saúde. Doutorando em Ciências da Saúde.
Revista da AMRIGS, Porto Alegre, 59 (3): 217-222, jul.-set. 2015
217
PREVALÊNCIA DE ALTERAÇÕES MAMOGRÁFICAS EM UMA SÉRIE DE EXAMES REALIZADOS NO HOSPITAL ... Fontes e Feuerschuette
INTRODUÇÃO
Dentre as neoplasias malignas, o câncer de mama é o
mais frequente e a principal causa de morte na população
feminina, tanto em países em desenvolvimento quanto em
países desenvolvidos (1,2). Cerca de 1,67 milhão de casos
novos dessa neoplasia foram diagnosticados no mundo em
2012, o que representa 25% de todos os tipos de câncer
diagnosticados nas mulheres (1). No Brasil, em 2014, são
esperados 57.120 casos novos, com um risco estimado de
56,09 casos a cada 100.000 mulheres (1).
Alguns fatores de risco para o desenvolvimento do câncer de mama são bem conhecidos, como: sexo feminino,
idade maior que 40 anos, história familiar positiva para câncer de mama, nuliparidade, menarca precoce, antecedente
pessoal de câncer de mama, obesidade, terapia de reposição hormonal prolongada, entre outros. Com o avanço da
medicina e os conhecimentos adquiridos nas últimas décadas sobre tal área, protocolos foram desenvolvidos e aprimorados com o objetivo de realizar um rastreamento cada
vez mais eficiente, a fim de se chegar ao diagnóstico de tal
patologia da forma mais precoce possível, o que melhora consideravelmente o prognóstico das pacientes. (1,2,3)
Segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS), aproximadamente 1/3 dos cânceres pode ser curado se tratado
adequadamente quando em estágios iniciais (4).
Como medidas de prevenção estabelecidas, temos o
exame clínico das mamas (ECM), a ultrassonografia de
mama e a mamografia, que é o teste de referência para rastreamento de câncer de mama e é realizado conforme a
idade e outros fatores de risco da paciente (1,2).
As recomendações do Ministério da Saúde (MS) para
o rastreamento desse tipo de câncer consistem no ECM
anual para as mulheres a partir dos 40 anos e mamografia
bienal para as mulheres entre 50-69 anos. Além disso, para
população com risco elevado, preconiza-se rastreio com
ECM e mamografia anual a partir dos 35 anos de idade, e
para as que possuírem menos de 35 anos, a ultrassonografia de mamas é indicada para rastreio inicial (1,2,3). Até
2013 se iniciava o rastreio com mamografia bilateral em
mulheres com menos de 50 anos de idade, porém, a partir
desta data, por meio da Portaria nº 1.253, de 12 de novembro de 2013 (5), o Ministério da Saúde (MS) limitou
o acesso a este exame para mulheres que possuem essa
faixa etária, baseado em um protocolo proposto a partir
de dados de um estudo realizado nos Estados Unidos, em
2009, o qual não defende um rastreamento mais precoce,
pois o mesmo não possuiria um custo-benefício aceitável
e que estaria associado a muitos falsos positivos (6). Entretanto, várias entidades médicas (Sociedade Brasileira
de Mastologia, Colégio Brasileiro de Radiologia e Diagnóstico por Imagem, Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia, Colégio Americano de
Radiologia, Sociedade Americana de Câncer e Sociedade
Americana de Ginecologia e Obstetrícia) (7,8) condenam
essa estratégia “tardia”, preconizando rastreamento ma218
mográfico a cada 1-2 anos para mulheres assintomáticas
a partir dos 40 anos de idade, e para mulheres com risco
aumentado a partir dos 30 anos, por comprovada redução
significativa na morbimortalidade em mulheres com diagnóstico de câncer de mama (7,8).
Sobre a mamografia, este é um exame que proporciona
auxílio aos médicos, uma vez que seus achados orientam
estes profissionais a seguirem as investigações por meio
de biópsia ou controle periódico, dependendo da classificação BI-RADS (Breast Imaging Reporting and Dated System)
(9,10,11). Tal sistema de classificação, desenvolvido pelo
Colégio Americano de Radiologia (ACR), foi introduzido
em 1993 para mamografia e atualizado em 2003, com a
finalidade de padronizar os laudos e orientar os médicos
quanto às chances de determinada lesão ser maligna, diminuindo a subjetividade na interpretação e descrição das
imagens, facilitando a emissão do resultado final do exame (10,11,12).
Conforme os achados radiológicos encontrados, como
ausência de alterações, calcificações vasculares, nódulos,
microcalcificações, densidades assimétricas ou lesões espiculadas, o laudo da mamografia descreve uma classificação,
que vai de zero a seis, orientando a conduta médica como
descrito na Tabela 1 (9,13,14).
Portanto, o presente estudo realizou uma avaliação dos
laudos das mamografias realizadas no Hospital Nossa Senhora da Conceição (HNSC) para analisar a associação dos
achados mamográficos com a idade das pacientes. O objetivo é analisar a prevalência de alterações nesses exames e
verificar a associação com a idade das pacientes, utilizando
a classificação BI-RADS como padronização para agrupá-los conforme os dados encontrados. Tal pesquisa é significativa pela contribuição epidemiológica aos estudos sobre
rastreio de câncer de mama, ao saber a relação dos achados
radiológicos com a faixa etária das pacientes, principalmente no que diz respeito às divergências das orientações de
rastreamento, além de contribuir como subsídios às políticas de saúde pública. Ressalta-se que esta pesquisa não tem
a finalidade de avaliar a acurácia da mamografia, portanto,
não houve um seguimento das pacientes para avaliar os
achados anatomopatológicos.
MÉTODOS
A presente pesquisa é um estudo transversal, efetuado
a partir da análise retrospectiva de mamografias realizadas
no ano de 2012. A população em questão é referente às
mamas avaliadas por meio das mamografias feitas no Hospital Nossa Senhora da Conceição (HNSC) de Tubarão/
SC, em mulheres de diferentes idades que foram investigadas por uma suspeita clínica ou por rotinas de prevenção.
A amostra é composta por 3.047 exames, realizados
no HNSC e interpretados por médicos radiologistas que
prestam serviços a tal instituição, sendo que a mesma é
referente aos exames feitos pelo Sistema Único de Saúde
Revista da AMRIGS, Porto Alegre, 59 (3): 217-222, jul.-set. 2015
PREVALÊNCIA DE ALTERAÇÕES MAMOGRÁFICAS EM UMA SÉRIE DE EXAMES REALIZADOS NO HOSPITAL ... Fontes e Feuerschuette
Tabela 1 – Sistema de classificação BI-RADS (9, 11, 13, 14).
Classificação
Significado
Conduta
Incompleto.
Avaliação adicional (ecografia,
magnificação ou compressão localizada).
Normal.
0,05 % de chances de malignidade.
Acompanhamento normal.
BIRADS II
Calcificações vasculares, calcificações cutâneas,
fibroadenoma calcificado, outras calcificações benignas, cisto
oleoso, linfonodos intramamários.
Geralmente benigno.
0,05 % de chances
de malignidade.
Acompanhamento normal.
BIRADS III
Nódulo de baixa densidade, contorno regular, limites definidos
e dimensões não muito grandes, calcificações monomórficas
e isodensas.
Provavelmente benigno.
Até 2 % de chances
de malignidade.
Dois controles semestrais
seguido de dois anuais.
Suspeito.
3-94 % de chances de malignidade.
Biópsia.
Alta sugestão de malignidade.
Mais de 95 % de chances
de malignidade.
Biópsia.
Malignidade comprovada.
Tratamento e estadiamento.
BIRADS 0
Achados inconclusivos.
BIRADS I
Achados mamográficos negativos.
BIRADS IV
Nódulo de contorno bocelado ou irregular e limites pouco
definidos, microcalcificações com pleomorfismo incipiente,
densidade assimétrica, algumas lesões espiculadas.
BIRADS V
Nódulo denso e espiculado, microcalcificações agrupadas e/
ou pleomórficas seguindo trajeto ductal e/ou ramificadas.
BIRADS VI
Achados com comprovação de malignidade prévia.
Tabela 2 – Frequência da Classificação BI-RADS.
Tabela 3 – Frequência das faixas etárias.
Classificação BI-RADS
Frequência
Porcentagem
Frequência
Porcentagem
0
770
12,9%
1- menor que 30 anos
20
0,3%
I
1479
24,7%
2- 30-39 anos
289
4,8%
II
3622
60,6%
3- 40-49 anos
1877
31,4%
Total
Idade
III
80
1,3%
4- 50-59 anos
2018
33,8%
IV
18
0,3%
5- 60-69 anos
1354
22,6%
V
6
0,1%
6- 70-79 anos
380
6,4%
VI
1
0,0%
7- >= 80 anos
38
0,6%
5976
100,0%
5976
100,0%
Total
Fonte: do autor.
Fonte: do autor.
(SUS), não contando, portanto, com exames particulares nem conveniados. As mamografias foram analisadas uma por uma a partir dos laudos que se encontram
disponíveis no Serviço de Arquivo Médico e Estatística
(SAME) do HNSC.
Cada exame corresponde na maioria das vezes à
mamografia bilateral, mas como há exames realizados em
uma só mama, seja por um seguimento isolado desta ou
por conta de uma mastectomia prévia, a análise dos dados
foi realizada conforme o número de mamas e não de exames, para se fazer um estudo mais preciso das variáveis.
Sendo assim, o número de mamas estudadas foi de 5978.
Para analisar e, em seguida, possibilitar a comparação
dos resultados com outros estudos, as pacientes foram
agrupadas conforme suas idades em sete grupos: menores
de 30 anos, 30 – 39 anos, 40 – 49 anos, 50 – 59 anos, 60
– 69 anos, 70 – 79 anos e com 80 ou mais anos de idade.
Por ser um estudo transversal realizado a partir de
laudos mamográficos, e o mesmo não possuir informações
em relação a outras variáveis como nível de escolaridade,
história familiar, dentre outras, foram usadas como variáveis apenas a classificação BI-RADS e a idade das pacientes, caracterizadas, respectivamente, como qualitativa ordinal e quantitativa discreta.
O estudo seguiu as normas da Resolução 466, de
2012. Pelas características do mesmo, não houve a necessidade do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido
(TCLE) das pacientes para efetuar a pesquisa. Porém, algumas medidas éticas foram tomadas, como a aprovação
do Comitê de Ética em Pesquisa (CEP) para a realização
do projeto em questão, que consta sob registro de número
25085413.0.0000.5369, além da autorização por escrito do
Coordenador do Centro de Pesquisas Clínicas do Hospital
Nossa Senhora da Conceição para ter acesso aos prontuá-
Revista da AMRIGS, Porto Alegre, 59 (3): 217-222, jul.-set. 2015
219
PREVALÊNCIA DE ALTERAÇÕES MAMOGRÁFICAS EM UMA SÉRIE DE EXAMES REALIZADOS NO HOSPITAL ... Fontes e Feuerschuette
Tabela 4 – Classificação BI-RADS x Idade.
IDADE
(anos)
BIRADS 0
BIRADS I
BIRADS II
BIRADS III
BIRADS IV
BIRADS V
BIRADS VI
Total
< 30
3
6
11
0
0
0
0
20
30 - 39
46
84
154
3
0
2
0
289
40 - 49
285
603
957
25
4
3
0
1877
50 - 59
263
543
1181
22
9
0
0
2018
60 - 69
149
207
971
24
2
0
1
1354
70 - 79
22
32
316
6
3
1
0
380
> 80
2
4
32
0
0
0
0
38
Total
770
1479
3622
80
18
6
1
5976
Fonte: do autor.
rios. Com os comprovantes de tais autorizações, deu-se início à coleta dos dados no SAME. Como identificação das
pacientes, foi utilizado um número conforme a ordem sequencial dos prontuários analisados, respeitando a organização previamente instituída pelo SAME, a qual é baseada
na ordem alfabética dos nomes das mesmas. As variáveis
estudadas foram coletadas e, posteriormente, armazenadas
e analisadas com o auxílio do programa de informática específico para tal fim, o Epi-Info, na versão 3.5.2.
RESULTADOS
Após ter acesso aos 3047 laudos de mamografias
realizadas no ano de 2012 e, posteriormente, analisar o resultado referente a 5978 mamas, conforme mencionado na
metodologia do estudo, durante o processo de análise de
dados foram excluídas duas mamas por falha no processo
de armazenamento dos mesmos, provavelmente por repetição do número de identificação dessas duas pacientes.
Sendo assim, 5976 mamas foram analisadas.
As principais categorias de classificação radiológica
encontradas nas mamas estudadas foram as classificações
BI-RADS I e II, correspondendo a 1479 e 3622 mamas,
respectivamente, o que equivalem, juntas, a 85,3% do total
avaliado. Já em relação à faixa etária, o destaque foi para as
pacientes entre 40 e 59 anos, onde se observou uma prevalência de 65,2 %.
Quanto ao número de mamas com avaliação
inconclusiva, ou seja, classificadas como BI-RADS 0, identificou-se uma porcentagem de 12,9% de todas as mamas
avaliadas, e as pacientes com 40-49 anos e 50-59 anos foram as que tiveram mais destaque nesta classificação, correspondendo a 285 e 263 mamas, respectivamente.
Das mamas estudadas, 14,6% necessitavam de avaliação
complementar, seja por meio de ultrassonografia (12,9%),
controle semestral com mamografia ou ainda por exame
anatomopatológico para confirmar se há ou não uma
doença neoplásica. Excluindo-se as mamas inconclusivas,
tivemos 1,7% das mamas com achados significativos, o que
corresponde a 80 mamas classificadas como BI-RADS III,
220
18 mamas com BI-RADS IV, 6 mamas com BI-RADS V e
uma mama com BI-RADS VI.
Outro ponto importante a ser mencionado é que, das
24 pacientes que necessitavam de avaliação complementar com biópsia, nove tinham menos de 50 anos de idade
quando realizaram o exame, ou seja, 37,5% das pacientes
com suspeita de doença maligna se beneficiaram de um
rastreamento precoce.
DISCUSSÃO
Os resultados da presente pesquisa foram comparados
aos de outros estudos semelhantes, frisando três grandes
contribuições para tal fim, referentes aos trabalhos de Milani et al (15), Rodrigues et al (16) e Fernandes et al (17), realizados em São Paulo, Goiás e Acre, respectivamente, três
diferentes regiões do país para comparar com resultados
encontrados na região sul de Santa Catarina.
Os resultados encontrados no Hospital Nossa Senhora
da Conceição (HNSC), detalhados anteriormente, mostraram semelhanças com os demais estudos comparados,
apesar das diferenças epidemiológicas a que estavam sujeitas, seja por possíveis peculiaridades populacionais, relacionadas aos fatores de risco para câncer de mama, ou por
diferenças nas formas de políticas de saúde pública de três
distintas regiões do país.
Em Tubarão/SC, foi encontrada uma maior prevalência nas categorias BI-RADS I e II correspondendo a 85,3%
das mamas estudadas, e a maioria das mulheres que realizaram a mamografia no ano de 2012 tinha entre 40 e 59 anos,
correspondendo a um percentual de 65,2%. No estudo de
Milani et al (15), as mesmas categorias BI-RADS foram
as mais prevalentes, sendo 38,1% para BI-RADS I e 49%
para BI-RADS II, o que, juntas, corresponderam a 87,1%.
E quanto à faixa etária, Milani et al (15) detectaram que mulheres entre 41 e 60 anos foram as que mais realizaram o
exame, com 42,8% entre 41 e 50 anos e 27,1% entre 51 e
60 anos. Já no estudo de Rodrigues et al (16), encontrou-se
55,8% com BI-RADS I e 30,4% com BI-RADS II, tendo a
primeira categoria mais prevalente do que a segunda, mas
Revista da AMRIGS, Porto Alegre, 59 (3): 217-222, jul.-set. 2015
PREVALÊNCIA DE ALTERAÇÕES MAMOGRÁFICAS EM UMA SÉRIE DE EXAMES REALIZADOS NO HOSPITAL ... Fontes e Feuerschuette
as duas juntas também foram as mais encontradas, porém
praticamente não houve diferença na faixa etária, sendo
que 43,3% tinham entre 40-49 anos e 31,6% entre 50-59
anos. Já Fernandes et al (17) encontraram 41,1% das pacientes com BI-RADS I e 37,9% com BI-RADS II.
Com relação aos laudos inconclusivos, em Tubarão/SC
estes foram evidenciados em 12,9% das mamas analisadas,
principalmente na faixa etária de 40-49 anos. No estudo
de Milani et al (15), obteve-se 11,7% dos achados com tal
avaliação mamográfica, com maior prevalência em mulheres de 41-50 anos. Rodrigues et al (16) encontraram em seu
trabalho 10,01% de exames inconclusivos, o que foi de encontro aos achados de Fernandes (17), que obteve apenas
4,4% de achados inconclusivos.
Quanto aos achados que modificam a estratégia diagnóstica, encontrou-se no HNSC 1,3% com BI-RADS III,
0,3% com BI-RADS IV e 0,1% com BI-RADS V. Um
ponto relevante anteriormente mencionado é que 37,5%
das pacientes que deveriam prosseguir a avaliação com
anatomopatológico tinham menos de 50 anos. Comparando esses dados, Milani et al (15) não foram muito diferentes, encontrando 0,57% com BI-RADS III, 0,34% com
BI-RADS IV e 0,14% com BI-RADS V. Além disso, os
achados deste estudo também demonstraram que 44,7%
das pacientes com BI-RADS IV ou V tinham menos de 50
anos. Por sua vez, Rodrigues et al (16) encontraram 2,44%
com BI-RADS III, 1,21% com BI-RADS IV e 0,11% com
BI-RADS V. Já nos dados de Fernandes et al (17), houve
divergência nos resultados, onde a classificação BI-RADS
III correspondeu a 14,4% dos exames, BI-RADS IV com
1,8% e BI-RADS V com 0,4%. Mas o estudo de Fernandes
et al (17) detectou que 49,7% das pacientes com risco de
malignidade tinham menos de 50 anos.
Apesar das possíveis diferenças epidemiológicas das
pesquisas usadas para comparação de resultados, além dos
possíveis vieses de interpretação profissional, e também pela
metodologia do presente trabalho, que avaliou as mamas
estudadas, não coletando assim a classificação mamográfica
mais chamativa no laudo, para não subestimar dados, foram
encontradas poucas diferenças nos resultados comparados.
Como limitação, o presente estudo apresenta a possibilidade
de um mesmo resultado BI-RADS III se repetir, pois tais
pacientes devem fazer controle a cada seis meses.
Contrapondo-se à Portaria 1.253 do Ministério da Saúde
(5), que tira o direito das mulheres com menos de 50 anos
de idade de detectar e, consequentemente, tratar precocemente um câncer de mama ou uma lesão pré-neoplásica, ao
passo que limita o acesso ao exame de mamografia para tal
população, ficou evidenciada a importância da prevenção
precoce, e isso inclui pacientes com menos de 50 anos de
idade. Justifica-se este argumento pelo fato de que mais de
37% das pacientes que deveriam prosseguir a investigação
diagnóstica com biópsia, por possuir algum risco de apresentar uma lesão de caráter maligno ou que evoluiria para
tal, evidenciado nas mamografias da presente pesquisa e nas
demais analisadas, tinham menos de 50 anos.
Revista da AMRIGS, Porto Alegre, 59 (3): 217-222, jul.-set. 2015
CONCLUSÃO
Os achados do presente estudo mostram, em concordância com outras pesquisas semelhantes, que a grande
maioria das pacientes não apresentou alterações significativas nos exames mamográficos, que em um pouco mais
de 12% das mamas avaliadas, com destaque para pacientes
mais jovens, a mamografia não foi suficiente para dar um
parecer conclusivo no que diz respeito à exclusão de suspeitas de malignidade, e ainda, 1,7% da amostra possuía
algum grau de suspeita. Além disso, os dados evidenciam
que é uma irresponsabilidade determinar 50 anos de idade
como um ponto de corte para iniciar rastreamento mamográfico, pois 37,5% da população que necessitava de uma
avaliação mais esclarecedora por meio de biópsia, com a
finalidade de obter um diagnóstico precoce ou excluir o
mesmo, estavam abaixo de tal faixa etária. Além do mais,
o valor repassado pelo Sistema Único de Saúde (SUS) para
pagamento da realização de mamografia não é tão elevado,
principalmente se comparado com o custo financeiro de
outros exames, como Ressonância Nuclear Magnética.
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Gilfranklin Silva Queiroz Fontes
Rua Vigario José Poggel, 440/202/bl. B
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 (48) 9608-7049
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Recebido: 30/5/2015 – Aprovado: 14/7/2015
Revista da AMRIGS, Porto Alegre, 59 (3): 217-222, jul.-set. 2015
RELATO DE CASO
Bloqueio da divisão anteromedial do ramo esquerdo
e coronariopatia severa: relato de caso
Left septal fascicular block and ischemic cardiomyopathy: case report
Ismael Polli1, Gilberto Alt Barcellos2, José Luiz Moller Flores Soares3
RESUMO
A subdivisão do sistema de condução pelo ramo esquerdo continua controversa, apesar de décadas de estudos. Rosembaum, na
década de 1960, dividiu em dois fascículos, e estudos subsequentes apontaram a existência de uma terceira subdivisão, denominada
anteromedial. Com critérios estabelecidos pela Sociedade Brasileira de Cardiologia e outras sociedades científicas, o bloqueio divisional anteromedial (BDAM) é ignorado por outras entidades, que alegam não haver critérios universalmente aceitos para sua definição.
A associação entre BDAM e cardiopatia isquêmica foi descrita algumas vezes. Relatamos um caso em que a presença de BDAM foi
indicador de gravidade em um paciente com dor precordial.
UNITERMOS: Isquemia Miocárdica, Bloqueio de Ramo, Oclusão Coronária.
ABSTRACT
The subdivision of the conduction system by the left branch remains controversial despite decades of studies. Rosenbaum, in the 1960s, split into two fascicles,
and subsequent studies indicated the existence of a third subdivision, named anteromedial. With criteria established by the Brazilian Society of Cardiology
and other scientific societies, the anteromedial divisional block (AMDB) is ignored by other groups, who claim there is no universally accepted criteria for its
definition. The association between AMBD and ischemic cardiomyopathy has been described a few times. We describe a case in which the presence of AMBD
was an indicator of severity in a patient with precordial pain.
KEYWORDS: Myocardial Ischemia, Bundle-Branch Block, Coronary Occlusion.
INTRODUÇÃO
A subdivisão do sistema de condução pelo ramo esquerdo tem sido alvo de estudos nos últimos anos. Na década de 1960, Rosembaum propôs a sua divisão em dois
sub-ramos: o anteroposterior e o posteroinferior. Surgia
então o termo hemibloqueio do ramo esquerdo, ainda muito utilizado até hoje (1).
Diversos estudos posteriores, publicados a partir da década de 1970, e especialmente após o desenvolvimento da
eletrofisiologia moderna, levantaram a hipótese da existência de uma terceira subdivisão do ramo esquerdo, denominada anteromedial ou septal (2,3). Essa ideia foi aceita
1
2
3
pela maioria das sociedades científicas (4). Entretanto, a
American Heart Association, a American College of Cardiology
Foundation, e a Heart Rhythm Society, em seu mais recente
documento sobre padronização de interpretação de eletrocardiograma (5), informaram não haver critérios universalmente aceitos para a definição do bloqueio divisional anteromedial (BDAM).
Quando admitida a sua existência, a presença de BDAM
em um paciente com fatores de risco para coronariopatia
ou com sintomas sugestivos de cardiopatia isquêmica pode
indicar doença coronariana grave, com acometimento da
artéria descendente anterior proximal, antes dos primeiros
ramos septais (6,7).
Cardiologista.
Cardiologista. Preceptor da Residência em Cardiologia do Hospital Nossa Senhora da Conceição de Porto Alegre.
Cardiologista. Preceptor da Residência em Medicina Interna do Hospital Nossa Senhora da Conceição de Porto Alegre.
Revista da AMRIGS, Porto Alegre, 59 (3): 223-226, jul.-set. 2015
223
Bloqueio da divisão anteromedial do ramo esquerdo e coronariopatia severa: relato de caso Polli et al.
Relatamos um caso em que a presença de BDAM foi indicador de gravidade em um paciente com dor precordial.
RELATO DE CASO
Paciente masculino de 79 anos, comerciante aposentado, em tratamento irregular para hipertensão arterial sistêmica e diabetes mellitus há pelo menos uma década, procurou
atendimento após episódio de dor anginosa típica surgida
há 10 horas, aliviada com o repouso, tendo após permanecido com náuseas e sensação de “mal-estar”.
No momento do atendimento, já estava assintomático,
e seu eletrocardiograma inicial não mostrava alterações
isquêmicas compatíveis com síndrome coronariana aguda
(SCA) com supra de ST (Figura 1A). Permaneceu internado para observação clínica e dosagens seriadas de marcadores de necrose miocárdica.
Após cerca de duas horas, ainda em observação hospitalar, apresentou novo episódio de dor precordial anginosa
típica, sem instabilidade hemodinâmica. O novo eletrocardiograma mostrou surgimento de ampla onda R (> 15mm)
nas derivações V2 e V3, com transição rápida da derivação
V1 para V2, além de isquemia subepicárdica em parede anterior (Figura 1B).
O paciente recebeu manejo clínico para Síndrome Coronariana Aguda, com melhora da dor. Não houve elevação dos marcadores de necrose miocárdica. Dentro de 24
horas após o episódio de angina, foi encaminhado para cineangiocoronariografia, que evidenciou lesão coronariana
trivascular severa. A artéria descendente anterior apresentava estenose crítica (99%) no terço proximal, e duas im-
A
portantes lesões nos terços médio e distal, com lesão grave em terço proximal de primeiro ramo diagonal; a artéria
circunflexa estava ocluída no terço médio com circulação
colateral distal, e a artéria coronária direita com pelo menos
três lesões graves, além de lesão severa no ramo descendente posterior (Figura 2).
O Ecocardiograma mostrou contratilidade preservada
das paredes do VE, com disfunção diastólica por relaxamento alterado e fração de ejeção de 70%.
A alteração eletrocardiográfica descrita anteriormente
se manteve em exames subsequentes. O paciente permaneceu internado até ser submetido à cirurgia de revascularização miocárdica, com realização de quatro pontes: artéria
torácica interna esquerda para artéria descendente anterior,
pontes de safena para artéria coronária direita, ramo marginal de artéria circunflexa e ramo diagonal de artéria descendente anterior. Após a cirurgia, o paciente evoluiu sem
complicações.
DISCUSSÃO
O caso descrito anteriormente ilustra a associação entre
uma alteração eletrocardiográfica compatível com BDAM,
que se acentuou durante a vigência de dor precordial anginosa. É sabido que, assim como as alterações dinâmicas do
segmento ST-T, o surgimento de arritmias cardíacas, bem
como os bloqueios atrioventriculares e intraventriculares e
as modificações na amplitude das ondas R devem alertar
o médico emergencista ou aquele que esteja prestando o
primeiro atendimento, sobre a possibilidade de síndrome
coronariana aguda (8,9).
B
Figura 1 – Eletrocardiograma na admissão hospitalar (a) e eletrocardiograma durante quadro anginoso mostrando alterações compatíveis com
bloqueio da divisão anteromedial do ramo esquerdo (b).
224
Revista da AMRIGS, Porto Alegre, 59 (3): 223-226, jul.-set. 2015
Bloqueio da divisão anteromedial do ramo esquerdo e coronariopatia severa: relato de caso Polli et al.
Figura 2 – Imagem de coronariografia mostrando lesão coronariana severa trivascular.
Os critérios para diagnóstico de BDAM definidos pela
Sociedade Brasileira de Cardiologia são os seguintes (4):
a) Onda R ≥ 15mm em V2 e V3 ou desde V1, crescendo para as derivações precordiais intermediárias e diminuindo de V5 para V6.
b) Crescimento súbito da onda “r” de V1 para V2 (“rS”
em V1 para R em V2).
c) Duração do QRS < 0,12s.
d) Ausência de desvio do eixo elétrico de QRS no plano
frontal.
e) Ondas T, em geral negativas nas derivações precordiais direitas.
Todos os critérios anteriores são encontrados no
eletrocardiograma do paciente descrito. O ecocardiograma
não mostra sobrecarga de ventrículo direito, hipertrofia
septal ou acinesia dorsal, achados que poderiam levar a
alterações eletrocardiográficas semelhantes.
Em um estudo com cerca de 26.000 eletrocardiogramas consecutivos da Universidade da Califórnia, os critérios para BDAM foram encontrados em 0,5% dos casos
(10). O BDAM pode ser induzido por isquemia, fibrose
ou alteração esclerodegenerativa, sendo que outros fascículos podem ser acometidos igualmente. Estudos com
cães sugerem ainda que o bloqueio classificado como incompleto do ramo esquerdo pode ser uma manifestação
de BDAM (11,12).
A localização desse fascículo, embora de difícil caracterização eletrofisiológica e anatomopatológica, se dá a partir
da subdivisão do feixe de His se anteriorizando através do
septo (13,14). Como a irrigação sanguínea dessa área é feita predominantemente pelas artérias septais, o surgimento
eletrocardiográfico desse bloqueio pode ser um indicador
de coronariopatia severa, com acometimento da artéria
descendente anterior antes da origem das primeiras septais.
Revista da AMRIGS, Porto Alegre, 59 (3): 223-226, jul.-set. 2015
COMENTÁRIOS FINAIS
Poucos estudos existem na literatura a respeito da
etiologia do BDAM, mas inúmeros relatos de caso apontam a associação entre cardiopatia isquêmica e tal bloqueio
(7,8). Consideramos que o caso clínico descrito anteriormente ilustra perfeitamente essa associação. Alertamos os
médicos que prestam atendimento de emergência para que
estejam atentos às alterações eletrocardiográficas anteriores, e, mesmo na ausência de evidências clínicas mais contundentes, possam considerar a possibilidade de cardiopatia isquêmica no paciente que apresente eletrocardiograma
com alterações sugestivas de BDAM.
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 Endereço para correspondência
Ismael Polli
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91.350-200 – Porto Alegre, RS – Brasil
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Revista da AMRIGS, Porto Alegre, 59 (3): 223-226, jul.-set. 2015
RELATO DE CASO
Faringo-cérvico-braquial: variante rara do
espectro da síndrome de Guillain-Barré
Pharyngeal-Cervical-Brachial: A rare variant of the Guillain-Barré syndrome spectrum
Marco Antonnio Rocha dos Santos1, Marina Plain Olmi1, Eduardo Anton Oliveira1, Kelin Cristine Martin2, Marino Muxfeldt Bianchin3
RESUMO
A Síndrome de Guillain-Barré (SGB) é uma polineuropatia autolimitada, na maioria das vezes de mecanismo autoimune pós-infeccioso. Este caso tem por objetivo relatar uma variante rara do espectro da SGB. O método utilizado foi o acompanhamento clínico
do paciente e revisão de prontuário. Conclui-se que conhecimento acerca da FCB e alto grau de suspeição são importantes para o
diagnóstico diferencial de pacientes que apresentam sintomas bulbares e fraqueza de membros superiores, principalmente pela gama
de diagnósticos diferenciais que os sintomas podem sugerir.
UNITERMOS: Síndrome de Guillian-Barré, Variante Faringo-cérvico-braquial, Polirradiculoneuropatia, Neurologia.
ABSTRACT
Guillain-Barré syndrome (GBS) is a self-limited polyneuropathy, most often by a post-infectious autoimmune mechanism. This case aims at reporting a rare
variant of the GBS spectrum. The method used was clinical monitoring of the patient and medical record review. It was concluded that knowledge of the
pharyngeal-cervical-brachial variant and high degree of suspicion are important for the differential diagnosis of patients with bulbar symptoms and weakness
of the upper limbs, particularly because of the range of differential diagnoses the symptoms may suggest.
KEYWORDS: Guillain-Barré Syndrome, Pharyngeal-cervical-brachial variant, Polyradiculoneuropathy, Neurology.
INTRODUÇÃO
RELATO DE CASO
A Síndrome de Guillain-Barré (SGB) é a principal causa
de paralisia flácida aguda no mundo, sendo caracterizada
por hipo ou arreflexia e dissociação proteico-citológica
(1,2). Há evidências que suportam um mecanismo autoimune para a SGB, tendo como principais agentes deflagradores o Campylobacter jejuni, citomegalovírus (CMV), vírus
Epstein-Baar, Mycoplasma pneumoniae, e Haemoplilus influenzae. (1,2). A variante de fraqueza faringo-cérvico-braquial
(FCB) da SGB é definida por paralisia facial, disartria, disfagia, fraqueza e arreflexia em membros superiores (3,4).
Seu tratamento baseia-se em imunoglobulina humana ou
plasmaférese, com resultados semelhantes na alteração do
curso da doença (1).
BAH, 18 anos, sexo masculino, previamente hígido,
iniciou com dor lombar moderada de padrão neuropático,
perda de força em membros superiores, disfagia progressiva a alimentos sólidos e, cinco dias após, evoluindo para
tetraparesia e perda da motricidade de hemiface esquerda.
Não apresentava dificuldade respiratória, nem alterações
sensitivas. Paciente negou história recente de sintomas gastrointestinais ou quadro viral. Ao exame físico, pares cranianos preservados (à exceção do VII à esquerda), exames
sensitivo e cerebelar normais. Presença de arreflexia em
todos os membros, força grau I em membros superiores,
grau III em membro inferior esquerdo e grau II em membro inferior direito. Punção lombar evidenciou dissociação
1
2
3
Estudante de Medicina.
Residente de Neurologia do Hospital de Clínicas de Porto Alegre (HCPA).
Preceptor da Residência em Neurologia do HCPA.
Revista da AMRIGS, Porto Alegre, 59 (3): 227-229, jul.-set. 2015
227
Faringo-cérvico-braquial: variante rara do espectro da síndrome de Guillain-Barré Santos et al.
proteíno-citológica (proteínas: 140 e leucócitos: 5), tomografia computadorizada de crânio e ressonância magnética
de medula não mostraram alterações. Exames laboratoriais
e sorologias normais, à exceção de CMV IgM e IgG reagentes. A eletroneuromiografia resultou em polineurorradiculopatia motora axonal aguda, confirmando, então, o
diagnóstico de Síndrome de Guillain-Barré. Foi instaurado
tratamento com Imunoglobulina humana por cinco dias,
havendo melhora considerável da força. Durante a internação, apresentou sinais de disautonomia com episódios
de palpitações, taquicardia de até 115 bpm em repouso e
picos hipertensivos de até 149/110 mmHg, tendo estes se
estabilizado ao longo do tratamento. Paciente obteve alta
hospitalar após 24 dias, com força grau IV em todos os
membros e em uso de sonda nasogástrica para alimentação.
DISCUSSÃO
Descrita por Guillain, Barré, e Strohl em 1916, é, após
a quase erradicação da poliomielite, a principal causa de
paralisia flácida aguda no mundo. A incidência anual é de
1,2-2,3/100.000, com uma relação de 1,5-1,78 homem para
1 mulher. O número de novos casos globais se mantém
relativamente constante, sem surtos mantidos ao longo dos
anos (1,2). Há evidências que suportam um mecanismo
autoimune para a SGB, sendo que aproximadamente dois
terços dos pacientes têm sintomas de infecções em um período de até 3 semanas do início da fraqueza. Os agentes
infecciosos mais comumente relacionados à SGB são Campylobacter jejuni, citomegalovírus (CMV), vírus Epstein-Baar,
Mycoplasma pneumoniae, e Haemoplilus influenzae (2,1). Vacinação recente, especialmente para influenza, hepatite e tétano, também pode estar associada ao gatilho imunológico
que inicia a reação (1,3).
Classicamente, a SGB começa por fraqueza aguda flácida de caráter ascendente. A FCB, por sua vez, demonstra
um padrão mais localizado da fraqueza em membros superiores e musculatura faríngea, podendo cursar com disartria, paralisia facial e disfagia (3,4). A força e reflexos em
membros inferiores, no entanto, podem estar presentes (3).
Nosso paciente apresentou diversas características típicas da FCB. O início do quadro deu-se com disfagia e
evolução para fraqueza aguda em membros superiores e
hemiparesia facial à esquerda. A FCB geralmente não cursa com acometimento de membros inferiores; no entanto,
o paciente desenvolveu quadro de importante tetraparesia
e arreflexia nos quatro membros. É uma variante rara da
SGB, com incidência estimada de 0,007-0,25/100.000 (3).
Por conta disso, existem poucos estudos com grande número de pacientes (5). O CMV e C. Jejuni são os patógenos
mais comumente envolvidos nessa variante (3). A FCB
pode ou não estar relacionada a outras formas da SGB,
como a Miller-Fischer e encefalite de Bickerstaff, e, como
estas, comumente apresenta os anticorpos GM1, GM1b,
GD1a, ou GalNAc-GD1a (5,6).
228
A FCB é, muitas vezes, confundida com miastenia
gravis, botulismo e infarto de tronco encefálico, evidenciando a sua singularidade e o desconhecimento por
parte de muitos médicos acerca de sua existência e fisiopatogenia (7).
A dor é uma apresentação comum na SGB, independentemente da variante. É relatada em até 89% dos casos
com padrões variáveis, como parestesia, meningismo, mialgia, artralgia, dor visceral, dor lombar e radicular. O quadro
de taquicardia e flutuações na pressão arterial é consistente
com o que é descrito e esperado por disautonomias, que
são comuns entre os pacientes de SGB (1).
Apesar de nosso paciente negar sintomas infecciosos
precedendo a abertura do quadro, a confirmação sorológica IgM para CMV é o provável desencadeador da SGB
que o acometeu. A eletroneuromiografia mostrou padrão
de polineurorradiculopatia motora axonal, ao encontro do
que traz a literatura (3).
Foi realizado tratamento com imunoglobulina humana por 5 dias. Essa forma de tratamento mostra resultados semelhantes à plasmaférese, sendo preferida em
muitos centros por conta da sua maior conveniência e
disponibilidade (1).
O prognóstico do paciente mostra-se de difícil previsão. Fadiga severa pode ser vista em 60 a 80% dos pacientes. Cerca de 20% dos pacientes possuem grave prejuízo
funcional, e a mortalidade é de aproximadamente 5%. As
formas axonais, como a do caso supracitado, têm recuperação funcional mais lenta e chances maiores de incapacidade
em comparação às formas desmielinizantes (1,2).
CONCLUSÃO
Devido às manifestações semelhantes, muitos casos de
FCB são admitidos como sendo botulismo, infarto de tronco encefálico ou miastenia gravis. Portanto, conhecimento
acerca da FCB e alto grau de suspeição são importantes
para o diagnóstico diferencial de pacientes que apresentam sintomas bulbares e fraqueza de membros superiores.
O tratamento é embasado no uso de imunoglobulina ou
plasmaférese, e seu sucesso depende, em grande parte, do
diagnóstico correto da doença de base.
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Revista da AMRIGS, Porto Alegre, 59 (3): 227-229, jul.-set. 2015
 Endereço para correspondência
Marco Antonnio Rocha dos Santos
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RELATO DE CASO
Comprometimento renal na leptospirose:
relato de caso da doença de Weil
Renal impairment in leptospirosis: a case report of Weil’s disease
Ellen Simionato Valente1, Ralph Vighi da Rosa2, Mauricio Costa Lazzarin2, Rafael de Almeida3, Alexander Gonçalves Sacco4
RESUMO
A leptospirose é uma doença de distribuição mundial e epidêmica de determinadas regiões tropicais. A apresentação clínica é inespecífica e pode ser autolimitada. Na sua forma mais severa, caracterizada por icterícia, injúria renal aguda e diátese hemorrágica, é
chamada de doença de Weil. Neste relato descrevemos o caso de um paciente com oligúria, azotemia franca e injúria renal aguda. O
tratamento baseou-se em hemodiálise diária e tratamento antibiótico empírico, com recuperação total da função renal. O diagnóstico
foi realizado através de teste sorológico e confirmado que se tratava de um caso de leptospirose associado a comprometimento renal.
UNITERMOS: Leptospira, Lesão Renal Aguda, Diálise.
ABSTRACT
Leptospirosis is a worldwide disease and epidemic in certain tropical regions. The clinical presentation is nonspecific and can be self-limited. In its most severe
form, characterized by jaundice, acute kidney injury and bleeding diathesis, it is called Weil’s disease. We report the case of a patient with oliguria, steady
azotemia, and acute kidney injury. The treatment was based on daily hemodialysis and empirical antibiotic therapy, with full recovery of renal function. The
diagnosis was made by serologic testing and confirmed that it was a case of leptospirosis associated with renal impairment.
KEYWORDS: Leptospira, Acute Kidney Injury, Dialysis.
INTRODUÇÃO
A leptospirose é um problema de saúde pública mundial,
epidêmica de algumas áreas do Brasil (1). Esta infecção afeta tipicamente jovens adultos, principalmente homens (9:1),
em seus anos economicamente mais produtivos, e geralmente ocorre através do contato com solo e água contaminados
(1,2). Trata-se de uma zoonose que apresenta um curso bifásico: inicialmente, com a fase leptospirêmica, caracterizada
por febre aguda, cefaleia severa, anorexia e diarreia; e, tardiamente na fase imune, com sintomas mais severos (3, 4).
A forma mais grave da doença, também chamada doença de Weil, está associada à icterícia, à injúria renal agu1
2
3
4
da (IRA) e à diátese hemorrágica, e a fatores como idade,
gênero, oligúria, icterícia e envolvimento pulmonar acarretam pior prognóstico (3,5). Pacientes com essa forma de
leptospirose tipicamente requerem diálise, uma vez que a
mortalidade desta doença quando associada à IRA é de
aproximadamente 22% (1,3). A suspeita clínica e a confirmação laboratorial são cruciais, visto que o número de
óbitos ainda permanece inaceitavelmente alto (6).
RELATO DO CASO
Paciente do sexo masculino com 46 anos de idade, previamente hígido, sem acompanhamento médico regular,
Acadêmica de Medicina.
Residente de Medicina Interna.
Nefrologista. Professor da Universidade Federal de Pelotas (UFPel).
Nefrologista do Serviço de Hemodiálise da Santa Casa de Pelotas.
230
Revista da AMRIGS, Porto Alegre, 59 (3): 230-232, jul.-set. 2015
COMPROMETIMENTO RENAL NA LEPTOSPIROSE: RELATO DE CASO DA DOENÇA DE WEIL Valente
proveniente da zona urbana de Pelotas/RS, apresentava
queixa de mialgia difusa e cefaleia nucal havia dez dias,
acompanhado de febre, inapetência, náuseas e vômitos.
Quando procurou atendimento médico, tinha importante
dor em panturrilha bilateral e referia coloração amarelada
da pele prévia à consulta. No entanto, o principal motivo que fez o paciente procurar atendimento foi o fato de
apresentar diminuição da diurese. Ao exame físico, apresentava hiperemia conjuntival, pressão arterial normal e
estava anictérico. O paciente referia morar em local com
muitos ratos, e que mantinha contato frequente das mãos
com água de chuva possivelmente contaminada, quando
realizava afazeres do lar.
O primeiro exame laboratorial realizado mostrava uma
creatinina sérica igual a 11,3 mg/dL e uma ureia igual a
297 mg/dL. Devido ao quadro de azotemia, o paciente foi
então encaminhado com urgência para o serviço de nefrologia, a fim de realizar sessões de hemodiálise diária. Exames laboratoriais da internação mostravam contagem de
leucócitos de 13.320/μL (neutrófilos 85%, linfócitos 12%,
eosinófilos 1%), um nível de hemoglobina igual a 11 g/dL,
contagem de plaquetas 362.000/μL, creatinina sérica 10,67
mg/dL, ureia sérica 257 g/dL, sódio sérico 139,5 mEq/L,
potássio sérico 4,79 mEq/L, colesterol total 248 mg/dL,
colesterol LDL 146 mg/dL, colesterol HDL 18 mg/dL,
triglicerídeos 422 mg/dL e ácido úrico 12,8 mg/dL, bilirrubina total de 1,33 mg/dL (bilirrubina direta 1,25 mg/
dL e bilirrubina indireta 0,08 mg/dL). Complemento C3
e C4, valores de AST e ALT estavam dentro dos valores
normais de referência. Exame de sedimento urinário com
presença de proteinúria e hematúria microscópica. Urocultura e hemocultura sem crescimento bacteriano. Além
dos exames de rotina, foram investigadas infecções como
sífilis, hepatites B e C, e HIV, cujos resultados foram completamente normais. Realizada ecografia de rins e aparelho
urinário que mostrou rins tópicos, com contornos regulares, apresentando dimensões discretamente aumentadas
(rim direito com 14,8 x 5,5 cm e rim esquerdo com 14,6 x
7,8 cm), bem como aumento da ecogenicidade do córtex
renal, compatível com nefropatia aguda.
Durante a internação, devido à alta suspeição clínica de
que se tratava de leptospirose na sua forma mais severa, foi
iniciado tratamento empírico com Ciprofloxacino 800 mg/
dia por dez dias. O paciente não apresentou mais episódios
febris e referia melhora do quadro de mialgia e dor na panturrilha, porém ainda se queixava de dor lombar e cefaleia
nucal e frontal. Os exames laboratoriais mantiveram-se regulares, sem presença de plaquetopenia ou hiperbilirrubinemia. Após seis dias do início da terapia de substituição
renal, o quadro de IRA evoluiu com melhora progressiva
da função renal com o tratamento instituído (creatinina
2,60 mg/dL e ureia 92 mg/dL).
O ELISA-IgM (Enzyme Linked Immuno Sorbent Assay)
solicitado ao início da internação foi reagente para anticorpos IgM de Lepstospirose, definindo, assim, o diagnóstico do paciente. Após 12 dias de internação, o paRevista da AMRIGS, Porto Alegre, 59 (3): 230-232, jul.-set. 2015
ciente recebeu alta com melhora do estado geral e dos
parâmetros laboratoriais (creatinina 1,22 mg/dL e ureia
45 mg/dL), além de orientação para realizar acompanhamento médico-ambulatorial.
DISCUSSÃO
A abrangência clínica da leptospirose é grande, variando
de doença assintomática a clássica síndrome da doença de
Weil (6). Diversos estudos mostram que os sintomas mais
frequentes da leptospirose são basicamente febre, cefaleia
e mialgia (5). No entanto, quando a doença de Weil, que
ocorre em 5% a 10% dos casos de leptospirose, está presente, somam-se sintomas mais graves como a IRA, icterícia e trombocitopenia (7). O paciente do caso em questão
tinha o quadro clínico clássico e apresentava ainda a hiperemia conjuntival, um achado físico distinto e característico
da leptospirose, embora frequentemente negligenciado (2).
A penetração do micro-organismo ocorre através da
pele com presença de lesões, ou pele íntegra exposta direta
ou indiretamente à urina de animais infectados, principalmente roedores sinantrópicos (4). O contato do paciente
se deu através de água possivelmente contaminada pela
urina de ratos, visto que a região onde o paciente morava
apresentava condições ruins de moradia, as quais, no caso
da leptospirose, se tornam uma importante questão de saúde pública (6).
A IRA, que pode se manifestar depois de vários dias
da doença, está presente em 40% dos casos, e representa a
principal forma de morte no mundo (2,3,7). A lesão renal
é caracterizada especialmente pela associação entre o dano
intersticial e tubular. Patologicamente, todas as estruturas
renais estão envolvidas, mas a nefrite intersticial é a lesão
básica da leptospirose (3). A IRA geralmente é não oligúrica
e tem como anormalidade eletrolítica mais comum a hipocalemia, que reflete uma disfunção renal tubular (2,3,4). Com
a perda progressiva do volume intravascular, os pacientes
desenvolvem insuficiência renal oligúrica, devido à azotemia
pré-renal. Nesse estágio, podem apresentar hipercalemia, e
os pacientes podem desenvolver necrose tubular aguda, necessitando o início imediato de diálise para tratamento da
IRA (4). No relato, apesar do paciente apresentar azotemia
franca, os níveis de potássio sempre estiveram dentro dos limites de normalidade. Há estudos que mostram que, na leptospirose com IRA, oligúria é um fator de risco para a morte
e que os padrões clínicos parecem estar mudando (5,7).
Pacientes com essa forma de leptospirose tipicamente
requerem diálise, porém a necessidade de terapia de substituição renal em pacientes com IRA depende de inúmeros
fatores, incluindo a diurese restante, o acúmulo de solutos
urêmicos, hipercatabolismo, peso do paciente, e o nível de
controle metabólico desejado (1). Estudos sugerem que a
hemodiálise mais frequente diminui o risco de complicações fatais em pacientes com doença de Weil (1). Schiffl et
al reportaram que a hemodiálise diária intermitente seria
231
COMPROMETIMENTO RENAL NA LEPTOSPIROSE: RELATO DE CASO DA DOENÇA DE WEIL Valente
superior à hemodiálise convencional (dias alternados) em
pacientes críticos com IRA e necrose tubular aguda concomitante (1). E Andrade et al mostraram que a hemodiálise
diária associou-se com melhor controle da ureia e creatinina séricas, assim como a maiores taxas de sobrevivência
(1). A recuperação da função renal geralmente é completa
na maioria dos pacientes (3). Nosso paciente, que realizou
6 sessões de hemodiálise diária, recuperou totalmente a
função renal, o que nos mostra que, de fato, a terapia de
substituição renal diária tem uma boa indicação.
Além de febre por malária e dengue, influenza, hepatites virais agudas, HIV, meningites, pielonefrite e síndrome
hemolítico-urêmica são diagnósticos diferenciais pertinentes em se tratando de leptospirose, visto a inespecificidade
dos sinais e sintomas (2,4). Quando investigado, o paciente
não apresentava comorbidades e, tampouco, sinais ou sintomas que sugerissem outras doenças.
O teste da aglutinação microscópica (MAT) é atualmente considerado como o teste sorológico de referência para
o diagnóstico da infecção por leptospirose, porém é pouco
disponível e necessita muita experiência, enquanto que o teste ELISA-IgM pode ser realizado com maior facilidade (4,6).
Embora a maioria dos casos de leptospirose seja autolimitada, a infecção pode ser tratada com uma ampla variedade de antibióticos, inclusive testes in vitro já mostraram a sensibilidade da maioria destes medicamentos (2,7).
O tratamento empírico com antibióticos é frequentemente
iniciado antes da confirmação sorológica (2). A penicilina
tem se mostrado efetiva tanto nos casos severos quanto nos
estágios tardios da doença (7). Segundo diretrizes de 2010
do Ministério da Saúde, na fase precoce está indicado o uso
de Amoxicilina, enquanto que na fase tardia a Penicilina G
Cristalina é indicada, com a duração do tratamento antibiótico intravenoso de no mínimo 7 dias (4). O uso de Ciprofloxacino em nosso caso mostra que antibióticos do grupo
das Quinolonas também podem ser usados, ainda que empiricamente, e possuem uma boa resposta terapêutica.
A severidade da doença de Weil é facilmente entendida
pelo alto índice de mortalidade dos casos com IRA: 36%
em Barbados, 26% no Sri Lanka, 17% na Turquia e 26%
na Romênia (6). Portanto, o tratamento empírico antibiótico imediato, suporte clínico adequado e início oportuno e precoce da hemodiálise, seguida por sessões diárias,
quando necessária, levam a uma baixa mortalidade (1,2).
232
Ainda assim, a doença pode ter um curso fatal em pessoas
previamente saudáveis, com relatos de erros de diagnóstico inicial em 60-70% dos pacientes que, por fim, foram
diagnosticados com leptospirose (2,6).
COMENTÁRIOS FINAIS
A leptospirose é uma infecção espiroqueta aguda de sintomas inespecíficos, endêmica de regiões tropicais, como o
Brasil. Quando em sua forma grave, o comprometimento
renal é uma complicação comum. No entanto, a trombocitopenia, que pode gerar lesão pulmonar devido à hemorragia alveolar, e a icterícia são outras duas possíveis consequências da doença de Weil. Destaca-se no presente relato
a lesão renal aguda na presença de leptospirose, que não
estava associada aos outros dois sintomas clássicos citados
anteriormente. Assim, a possibilidade de leptospirose deve
ser considerada naqueles pacientes previamente hígidos em
que, apesar de clínica inespecífica, apresentem lesões sistêmicas graves, como em nosso caso, injúria renal aguda.
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 Endereço para correspondência
Ellen Simionato Valente
Av. Duque de Caxias, 336/202/bl. E
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RELATO DE CASO
Apendicite com intussuscepção e endometriose: um relato de caso
Appendicitis with intussusception and endometriosis: a case report
Alan Costa dos Santos1, Renan Lemos2, Leonardo Andre Menegatti3, Maurício Castro Pilger4
RESUMO
A intussuscepção do apêndice é uma condição rara (1) e de difícil diagnóstico radiológico (2). Várias são as causas primárias da intussuscepção do apêndice, como apendicite, neoplasia e endometriose (2). A apendicite, na sua forma aguda, é a causa mais comum
de abdome agudo de tratamento cirúrgico (3). É uma doença típica dos adolescentes e adultos jovens e incomum antes dos cinco e
após os 50 anos. O objetivo deste trabalho é o de relatar o caso de uma paciente do sexo feminino, 39 anos, que procurou o serviço
de emergência do município de Pelotas com quadro de dor abdominal em fossa ilíaca direita há vários dias e com exame de imagem
sugerindo apendicite. Quando submetida à apendicectomia, foi constatado que seu apêndice estava totalmente invaginado para o
ceco e, no exame anatomopatológico, foi constatado endometriose no apêndice cecal. A partir do relato desse caso, foi realizada uma
revisão da literatura pertinente para debater a relação entre endometriose e intussuscepção de apêndice.
UNITERMOS: Apendicite, Endometriose, Intussuscepção.
ABSTRACT
Intussusception of the appendix is a rare condition (1) of difficult radiological diagnosis (2). There are several primary causes of intussusception of the appendix, such as appendicitis, cancer and endometriosis (2). Appendicitis, in its acute form, is the most common cause of acute surgical abdomen (3). It is a
typical disease of adolescents and young adults and unusual before 5 and after 50 years. The aim of this study is to report the case of a female patient, 39,
who came to the emergency department of the municipality of Pelotas with abdominal pain in the right iliac fossa for several days and imaging suggesting
appendicitis. When subjected to appendectomy, it was found that her appendix was totally invaginated into the cecum, and histopathological examination
showed endometriosis in the cecal appendix. From the report of this case, a literature review was performed to discuss the relationship between endometriosis
and intussusception of appendix.
KEYWORDS: Appendicitis, Endometriosis, Intussusception.
INTRODUÇÃO
RELATO DO CASO
A intussuscepção de apêndice é uma condição rara (1),
sendo considerada de difícil diagnóstico radiológico (2) e
clínico (4). Apesar de já terem sido registrados mais de 200
casos de intussuscepção de apêndice, sua associação com
endometriose permanece obscura, com apenas 15 casos descritos na literatura (5). O presente caso aborda um quadro
de intussuscepção de apêndice secundário a endometriose e
apresenta uma revisão de literatura sobre esta condição.
S.S.P., 39 anos, feminino, natural de Pelotas, portadora
de Lupus Eritematoso Sistêmico há 8 anos em uso de Prednisona e Cloroquina, com laqueadura há 11 meses e amamentando, deu entrada no Pronto Socorro Municipal de
Pelotas (PSM) dia 24/11/2014 por dor iniciada e localizada
em fossa ilíaca direita associada a náuseas e inapetência há
3 dias. Ao exame físico, havia dor à palpação profunda em
FID, mas não existiam sinais de irritação peritoneal, febre,
1
2
3
4
Médico Cirurgião Geral. Plantonista do Pronto Socorro Municipal de Pelotas.
Médico Residente em cirurgia geral do Hospital Universitário São Francisco de Paula da Universidade Católica de Pelotas (UCPel).
Discente do curso de Medicina da UCPel. Doutorando no Pronto Socorro Municipal de Pelotas.
Discente do curso de Medicina da Universidade Federal de Pelotas (UFPel). Interno do Pronto Socorro Municipal de Pelotas.
Revista da AMRIGS, Porto Alegre, 59 (3): 233-236, jul.-set. 2015
233
APENDICITE COM INTUSSUSCEPÇÃO E ENDOMETRIOSE: UM RELATO DE CASO Santos et al.
nem positividade aos sinais de Rovsig e do psoas. Em relação aos exames laboratoriais, a paciente apresentava leucograma sem alterações. A paciente trouxe consigo uma
ultrassonografia não esclarecedora realizada no mesmo dia,
que apontava líquido livre na cavidade e dificuldade de visualizar o apêndice. Devido à inespecificidade do quadro
clínico, foi concedida alta para a paciente com tratamento sintomático e orientado retorno em caso de piora. No
dia 28/11/2014, a paciente retornou apresentando piora
da dor e positividade para o sinal de Blumberg. Assim,
foi submetida à laparotomia por suspeita de apendicite e
em busca de outras possíveis causas de abdômen agudo.
No ato cirúrgico, foi encontrado cisto de ovário direito
de grande tamanho e apêndice inflamado e invaginado
completamente para o ceco. Foi possível realizar evaginação manual das camadas mucosa, submucosa e muscular
do apêndice, sendo que a camada serosa teve de ser desinvaginada em um segundo momento cirúrgico, devido
às aderências com o ceco, como demonstra a imagem 1.
O apêndice apresentava terço distal necrótico e foi possível
sua exérese, assim como do cisto ovariano. Ambas as peças
foram encaminhadas para exame anatomopatológico, cujo
resultado constatou Hidátide de Morgani em relação ao
anexo uterino retirado, endometriose estromal e glandular
de padrão misto na parede intestinal em apêndice cecal e,
no mesoapêncide, periapendicite aguda fibrino-leucocitária, sendo que todas as peças não apresentavam indícios
morfológicos de malignidade, e o apêndice media 0,78cm.
Ademais, a paciente foi encaminhada para a enfermaria cirúrgica, evoluindo sem intercorrências, recebendo alta hospitalar em 29/11.
casos ocorre antes dos 15 anos de vida (7), além de acontecer 5 vezes com mais frequência no sexo masculino (5).
O diagnóstico pré-operatório da intussuscepção ocorre
na minoria dos casos (4), não apenas por se tratar de uma
condição rara, mas também por ser considerada de difícil
diagnóstico através da ultrassonografia (US) e da tomografia
computadorizada (TC) (2), podendo o enema baritado e a
colonoscopia também serem úteis no diagnóstico casual (8).
Apesar da US e TC serem os exames de escolha para realizar
o diagnóstico pré-operatório de apendicite, não foi encontrado, na literatura, o quanto a intussuscepção do apêndice
inflamado influencia na sensibilidade e na especificidade de
ambos os exames. Ainda assim, ressalta-se a importância do
diagnóstico diferencial pré-operatório de um apêndice invaginado, tendo em vista evitar procedimentos desnecessários
e suas complicações: um apêndice invaginado pode ser confundido com um pólipo e, assim, ser submetido a polipectomia colonoscópica, resultando em perfuração e peritonite
(9); pacientes podem ser submetidos a hemicolectomia por
suspeita de malignidade (10).
DISCUSSÃO COM REVISÃO
DE LITERATURA
A prevalência de intussuscepção do apêndice é de cerca
de 0,01% da população (6), sendo que mais da metade dos
Figura 2 – Manobras de desintussuscepção manual do apêndice A: Ceco.
A
B
Figura 1 – A: camadas serosa e muscular do apêndice vermiforme B:
camadas mucosa e submucosa do apêndice vermiforme.
234
Figura 3 – A: Ceco. B: Apêndice desintussusceptado.
Revista da AMRIGS, Porto Alegre, 59 (3): 233-236, jul.-set. 2015
APENDICITE COM INTUSSUSCEPÇÃO E ENDOMETRIOSE: UM RELATO DE CASO Santos et al.
A tomografia computadorizada tem sido defendida
como o método de imagem mais utilizado e acurado para
o diagnóstico de intussuscepção por apresentar uma sensibilidade em torno de 93,3% e uma especificidade em torno
de 97,1% (11). Esse exame demonstra uma área central de
baixa atenuação envolvida por uma camada de padrão estratificado, produzida pelas listras intercaladas de baixa e
alta atenuação.
Estudos apontam que a ultrassonografia apresenta sensibilidade de 78% e especificidade de 47% (12) e, portanto,
menor do que a encontrada para o TC para diagnosticar
apendicite. Isso se explica, em parte, pelo acúmulo de gases intestinais, que obscurecem a visão do apêndice e por
se tratar de um exame operador-dependente. Quando inflamado, o apêndice se apresenta como uma estrutura em
fundo cego, imóvel, não compressível, com lúmen anecoico, mucosa ecogênica, parede muscular espessada e hipoecoica ao seu longo, adjacente ao ceco, com diâmetro de
0,6 cm ou mais. No corte transversal, é vista uma imagem
em alvo com a luz do órgão circundada pela parede espessada. O exame ultrassonográfico apresenta, entretanto,
muitas vantagens, como ser de baixo custo, não provocar
irradiação, podendo ser usado com segurança em grávidas
e crianças, e, além da apendicite, diagnosticar patologias
pélvicas de origem ginecológica, muito comum, nos quadros abdominais agudos das mulheres, o que justifica sua
escolha como exame inicial na avaliação de uma suspeita de
apendicite, como ocorreu neste caso.
O mecanismo mais aceito para explicar a invaginação
do apêndice são os movimentos peristálticos resultantes
de uma irritação local (13). Em adição, a patogênese da
intussuscepção do apêndice pode ter origem anatômica
ou patológica (14). As causas anatômicas são: a) apêndice completamente móvel, sem fixação pelas pregas peritoneais congênitas ou adesões inflamatórias; b) parede
apendicular móvel, capaz de apresentar peristalse ativa;
c) mesoapêndice delgado, livre de gordura e com base
estreita; d) lúmen apendicular largo, com o lúmen proximal de diâmetro maior que o da porção distal; e) ceco do
tipo fetal (em formato de funil). No presente caso, a base
estreita e a delgacidade do mesoapêndice foram facilmente identificadas, assim como o lúmen proximal superior
em diâmetro em relação ao lúmen distal. Já as possíveis
causas patológicas são: a) corpo estranho – fecalitos ou
parasitas; b) inflamação – endometriose ou hiperplasia
folicular linfoide; c) neoplasia – tumor carcinoide, carcinoma, mucocele, pólipo, papiloma, fibroma, lipoma,
cistos ou adenocarcinoma cecal; d) invaginação do coto
apendiceal após apendicectomia (1). No presente caso, a
intussuscepção foi secundária à endometriose. Apesar de
sabermos que em torno de 2,8% dos casos de endometriose acometem o apêndice (15), a falta de estudos que
avaliem a prevalência de apêndices não invaginados inflamados com endometriose nos limita a apontar se há
relação entre a invaginação do apêndice e o fato de haver
endometriose no mesmo.
Revista da AMRIGS, Porto Alegre, 59 (3): 233-236, jul.-set. 2015
A maioria dos casos de apêndice intussusceptado é
sintomática, embora exemplos de casos assintomáticos
já tenham sido registrados (5). Os sintomas descritos
são variados e inespecíficos. Classicamente, sua sintomatologia pode ser dividida em quatro grupos: assintomáticos; com sintomas de intussuscepção intestinal,
cujo quadro clínico é de dor abdominal e vômitos com
duração de vários dias, podendo estar associados à constipação, diarreia ou melena; ataques recorrentes de dor
abdominal intensa no quadrante inferior direito, geralmente com vômitos e melena; simulando apendicite
aguda (13), como no presente caso.
O tratamento da apendicite é cirúrgico e deve ser efetuado tão logo o diagnóstico estiver estabelecido. Caso a
redução do apêndice durante o ato cirúrgico seja impossível, uma ressecção parcial do ceco é necessária (14). No
presente caso, a desinvaginação do apêndice foi possível
manualmente, o que acarretou na preservação do ceco.
COMENTÁRIOS FINAIS
O presente caso aborda uma condição clínica rara e
com poucos relatos e estudo na literatura, o que requer
a combinação e análise conjunta com outros casos para,
possivelmente, determinarmos condutas específicas para
diagnóstico e tratamento de intussuscepção do apêndice.
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Revista da AMRIGS, Porto Alegre, 59 (3): 233-236, jul.-set. 2015
ARTIGO DE REVISÃO
Tumores da mão parte I: tumores de partes moles da mão
Hand tumors – Part I: Soft tissue tumors
Jorge Diego Valentini1, Daniela Feijó de Aguiar2, Márcio Pereira Lima Ferdinando3, Martina Wagner4, Jefferson Braga Silva5
RESUMO
Os tumores de partes moles da mão, principalmente os benignos como os cistos sinoviais, são queixas comuns, principalmente em
consultas a cirurgiões da mão. Este trabalho tem por objetivo revisar os principais tipos de tumores de partes moles da mão, desde a
sua apresentação clínica até uma revisão objetiva sobre seus diagnósticos e melhores opções terapêuticas. Visa auxiliar, também, na
decisão de referência do paciente com uma lesão nodular ou cística da mão a um médico especialista após uma consulta ao médico
generalista. As particularidades anatômicas e funcionais da mão tornam o estudo e o conhecimento das suas patologias fundamentais
para um adequado manejo dos pacientes.
UNITERMOS: Tumores da Mão, Tumores de Partes Moles.
ABSTRACT
The soft tissue tumors of the hand, especially the benign ones such as synovial cysts, are common complaints, particularly in hand surgeons consultations. This
work aims to review the main types of soft tissue tumors of the hand, from their clinical presentation to an objective review of their diagnoses and the best
therapeutic options. It also aims to help in the decision to refer the patient with a nodular or cystic lesion of the hand to a medical specialist after consultation
with the general practitioner. The anatomical and functional particularities of the hand make the study and knowledge of its conditions crucial for proper
management of patients.
KEYWORDS: Hand Tumors, Soft Tissue Tumors.
INTRODUÇÃO
Os tumores de partes moles da mão representam queixas frequentes em consultas a médicos generalistas. Eles se
tornam ainda mais prevalentes e fazem parte do dia a dia
dos cirurgiões de mão. De todos os tumores de partes moles do corpo, 15% são encontrados na mão (1). É necessário estar familiarizado com esse tipo de lesão, pois o diagnóstico adequado garante o melhor tratamento. Embora a
maioria das lesões seja benigna (2), deve-se ter o cuidado
e adequado índice de suspeição em caso de características
de malignidade. Massas subcutâneas que são firmes, fixas,
1
2
3
4
5
dolorosas e aderidas a estruturas adjacentes são mais propensas a serem malignas (2).
A maioria dos tumores de partes moles da mão pode
ser diagnosticada pela história clínica e pelo exame físico,
porém o diagnóstico definitivo é feito pela biópsia excisional. As particularidades e a complexidade anatômica
da mão, além da funcionalidade, sempre devem ser levadas em conta.
Este trabalho tem como objetivo auxiliar o médico generalista a identificar os principais tumores de partes moles
da mão, avaliar a necessidade de encaminhamento para especialista e auxiliar este no manejo dessas lesões.
Residência Médica em Cirurgia Geral no HCPA. Médico Residente do Serviço de Cirurgia Plástica da PUCRS.
Residência Médica em Cirurgia Geral no Hospital de Clínicas de Porto Alegre (HCPA). Médico Residente do Serviço de Cirurgia Plástica da PUCRS.
Pós-Graduação em Cirurgia Geral na PUCRS. Médico Residente do Serviço de Cirurgia da Mão e Microcirurgia Reconstrutiva da PUCRS.
Acadêmica de Medicina da PUCRS.
Livre Docente em Cirurgia da Mão, Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP). Ex-presidente da Sociedade Brasileira da Cirurgia da Mão.
Ex-presidente da Sociedade Brasileira de Microcirurgia. Chefe do Serviço de Cirurgia da Mão e Microcirurgia Reconstrutiva do Hospital São
Lucas da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS). Diretor da Faculdade de Medicina da PUCRS.
Revista da AMRIGS, Porto Alegre, 59 (3): 237-242, jul.-set. 2015
237
TUMORES DA MÃO PARTE I: TUMORES DE PARTES MOLES DA MÃO Valentini et al.
Cisto Sinovial
Lipoma
Cistos sinoviais (Figura 1) são os tumores mais frequentemente encontrados na mão e no punho, afetam principalmente mulheres, entre a 2ª e 4ª década de vida (3). As
causas incluem herniação sinovial, degeneração mucoide e
origem traumática. Localizam-se preferencialmente no punho dorsal (70%) e mais comumente sobre o ligamento
escafo-lunar; na região volar (10-20%); e na região interfalangeana dorsal distal (2).
O exame físico revela uma lesão pequena, preenchida
por líquido e translucente, que se conecta a uma cápsula
articular ou a uma bainha de tendão (2). Seu tamanho é
variável e pode flutuar, devido à conexão com a cápsula
articular (4). Frequentemente, apresenta-se apenas como
uma queixa estética, mas pode também causar dor ao movimentar o punho ou ao aumentar a pressão dentro do
cisto. Pode causar compressão nervosa do nervo ulnar ou
mediano (2, 5).
O diagnóstico é feito baseando-se na história, no exame
físico e na transiluminação. Sem dúvida, ultrassonografia
ou ressonância nuclear magnética (RNM) podem ser úteis
para confirmar o diagnóstico e/ou localizar a presença e
extensão da lesão (5).
O tratamento conservador com observação deve ser
tentado inicialmente. A cirurgia é reservada para cistos
sintomáticos persistentes (4). Aspiração ou injeção de
materiais (hialuronidase, betametasona) têm taxas de recorrências significativas (até 58%). O tratamento definitivo envolve excisão cirúrgica de todo o cisto até o nível
da cápsula articular, a fim de prevenir recorrências (2,5).
O fechamento da cápsula articular não está indicado (6,7).
Cistos volares requerem dissecção cuidadosa pela proximidade com a artéria radial. A remoção do osteófito do cisto
da interfalange distal deve ser feita para prevenir recorrências (8). Cistos sinoviais em crianças são exceção, onde
até 76% dos casos se resolvem apenas com observação
em 1 ano (9).
Lipomas (Figura 2) são tumores benignos de tecido adiposo que podem ocorrer em qualquer parte da mão (2).
Ocorrem tipicamente na palma, na região hipotenar e na
eminência tenar (5).
Apresentam-se como uma lesão móvel, macia, indolor,
de crescimento lento e bem delimitada. Não transiluminam
(2). Podem apresentar compressão nervosa se localizadas
no túnel do carpo, no canal de Guyon ou no espaço palmar profundo (7). Esses tumores ocasionalmente atingem
tamanhos grandes, empurrando estruturas adjacentes, mas
nunca invadindo outros tecidos. Lipomas possuem um risco pequeno de malignização para liposarcoma, mas deve-se suspeitar de malignidade quando houver crescimento
rápido da massa, dor ou se a lesão for muito grande (4).
O diagnóstico é feito usualmente pelo exame físico (5).
A radiografia pode mostrar uma área radiolúcida entre os
tecidos e significa a rarefação do tecido pela presença de
tumor gorduroso (10). RNM mostrando invasão tecidual
ou ocultando o plano do tecido deve levantar a suspeita de
liposarcoma (4).
O tratamento envolve observação ou ressecção cirúrgica (4,10). Lesões que causem dor, problemas neurológicos
ou funcionais devido ao seu tamanho ou localização devem
ser removidas (5). Biópsias excisionais são indicadas nas
lesões superficiais. As lesões profundas podem se beneficiar de ressonância magnética antes da ressecção cirúrgica.
Taxas de recorrência são menores que 5% após excisão
cirúrgica (2,4). Em geral, são fáceis de serem removidos
dos tecidos adjacentes (5).
Figura 1 – Cisto sinovial em dorso da mão.
Figura 2 – Lipoma gigante em braço.
238
Tumor de Células Gigantes
O tumor de células gigantes (Figura 3) da bainha do
tendão é o segundo tumor mais frequente da mão. Sua localização típica é na superfície volar dos três dígitos radiais,
adjacentes às articulações interfalangeanas distais e proxi-
Revista da AMRIGS, Porto Alegre, 59 (3): 237-242, jul.-set. 2015
TUMORES DA MÃO PARTE I: TUMORES DE PARTES MOLES DA MÃO Valentini et al.
mais (2). Ocorre principalmente em pacientes com mais de
40 anos e não tem risco de malignização (4).
Apresenta-se como uma massa firme de crescimento
lento e indolor, que pode se manifestar como interferência
na função da mão (2,4). Diferentemente do cisto sinovial,
não flutua de tamanho e não transilumina (5).
A radiografia não mostra nenhum achado específico (10),
mas pode haver erosão óssea secundária à pressão por tempo
prolongado (2). A ultrassonografia pode ser útil para diagnóstico diferencial com cisto sinovial (10). Na biópsia, esses tumores aparecem amarelos, lobulados e bem circunscritos (2).
O tratamento é a excisão cirúrgica, com taxa de recorrência que varia de 0 a 44% (11,12). Recorrências estão
associadas com lesões-satélites, encapsulamento pobre, localizações distais, envolvimento intraósseo, degeneração da
articulação concomitante, ou envolvimento da articulação/
tendão adjacente. Se houver acometimento ósseo, a enu-
cleação e a curetagem têm sido defendidas. Radioterapia
após a excisão cirúrgica tem mostrado taxas de recorrência
menores que 4% (2,5).
Figura 3 – Tumor de células gigantes.
Figura 4 – Tumor glômico.
Figura 5 – Tumor glômico.
Figura 6 – Tumor glomico.
Revista da AMRIGS, Porto Alegre, 59 (3): 237-242, jul.-set. 2015
Cistos de Inclusão Epidérmica
Cistos de inclusão são desenvolvidos secundariamente a
uma implantação traumática de epitélio queratinizante no tecido subcutâneo. Sua localização típica inclui a face volar da
palma da mão e dos dígitos, comumente achado sobre a falange distal (2). Nenhum risco de malignização foi reportado,
mas pode haver destruição cortical, levando a uma suspeita
de neoplasia (7). É o terceiro tumor mais comum da mão (4).
É um cisto indolor, firme, móvel, de crescimento lento
e preenchido por queratina (4,5).
Os cistos de inclusão não requerem tratamento, exceto se há prejuízo na função da mão, se infectam ou se há
239
TUMORES DA MÃO PARTE I: TUMORES DE PARTES MOLES DA MÃO Valentini et al.
dúvida diagnóstica (5). O tratamento é a excisão cirúrgica,
possuindo baixas taxas de recorrência (2,3).
Tumor Glômico
Tumores glômicos (figuras 4, 5 e 6) são hamartomas benignos do corpo glômico, que possui função termorreguladora, localizados na falange distal e na região subungueal (2).
São massas pequenas e avermelhadas, tipicamente na
ponta dos dedos, que produzem sintomas como intolerância ao frio e de sensibilidade. Envolvimento subungueal é
visto em 25 a 65% dos casos, produzindo descoloração e/
ou deformidade da placa ungueal (2, 10).
O diagnóstico é feito baseado na história e no exame
físico. Pode-se provocar uma resposta dolorosa ao frio ao
submergir o dedo em água gelada. Pode ser realizado, também, o teste de Love, onde encosta-se um alfinete no local
do tumor, isso cria uma resposta extremamente dolorosa e
o paciente retira a mão (5).
O tratamento de escolha é a excisão completa, e a recorrência é incomum. Lesões subungueais são abordadas
através da matriz estéril, requerendo a remoção da unha.
Para lesões múltiplas, tratamento conservador usando dióxido de carbono e laser de argônio ou escleroterapia tem
sido reportado (2,13,14,15).
Schwanoma ou Neurilemoma
Schwanomas (Figura 7) são tumores benignos em nervos periféricos que raramente envolvem nervos das mãos
(2,7,16). São derivados das células de Schwann. Tipicamente, são bem encapsulados e de crescimento lento, aparecendo principalmente em superfícies flexoras e em pacientes
de meia-idade (3ª a 5ª década de vida) (2, 4). Sua transformação maligna é rara (5,16,17,18).
Sua apresentação inclui uma massa indolor e firme,
que é móvel transversalmente e pode causar dor e parestesia (2,5). RNM pode ser útil para avaliar características
de malignidade (2).
O tratamento envolve observação ou ressecção (10).
Frequentemente, esses tumores podem ser retirados com
pouco risco de déficit neurológico pós-operatório, porque
envolvem a bainha do nervo e não se entrelaçam com os
fascículos nervosos (2, 6). Na ressecção, costumam sair facilmente com dissecção mínima (10).
Neurofibroma
Fibromas constituem apenas 1 a 3% dos tumores benignos da mão (2). São lesões compostas por fibroblastos
e colágeno ou outro estroma, usualmente próximos da bainha tendinosa nos dedos. Apresentam crescimento lento e
são indolores, podendo afetar qualquer parte do dedo. Não
apresentam risco de degeneração maligna. Usualmente, são
lesões bem circunscritas, e a excisão costuma ser curativa.
Recorrência acontece geralmente dentro dos 4 primeiros
meses do tratamento, em uma taxa de 24% (4).
Neurofibromas (Figura 8) são os segundos tumores mais
comuns de nervos da mão. Distinguem-se dos schwanomas
por apresentarem envolvimento dos fascículos nervosos.
Lesões solitárias correspondem a 85% dos casos que envolvem as extremidades superiores (2,6). Lesões múltiplas devem levantar suspeita de neurofibromatose, especialmente
se associadas a manchas de café com leite, e possuem risco
elevado de malignização sarcomatosa (2,4,16).
A clínica é similar à do Schwanoma, exceto pelo fato de
que pode haver gigantismo do dedo ou das mãos afetados
(4). Radiografias geralmente são normais. RNM pode ser
útil para demonstrar lesões profundas (10).
O tratamento envolve excisão cirúrgica. Esses tumores
frequentemente envolvem os fascículos nervosos, tornando a excisão difícil e algumas vezes impossível sem lesionar
Figura 7 – Scwhanoma ou neurilemoma de nervo ulnar.
Figura 8 – Neurofibroma.
Fibroma
240
Revista da AMRIGS, Porto Alegre, 59 (3): 237-242, jul.-set. 2015
TUMORES DA MÃO PARTE I: TUMORES DE PARTES MOLES DA MÃO Valentini et al.
o nervo (10). O reparo do fascículo nervoso ou reconstrução do nervo com enxertia pode ser necessário após a
excisão (2). Se o nervo envolvido tem função importante,
a biópsia deve ser considerada para o diagnóstico e para
excluir lesão maligna, a fim de preservar o nervo se ele estiver funcional. Se o nervo envolvido tiver função mínima, a
lesão pode ser removida e o nervo reparado primariamente
ou com enxertia (4).
Hemangioma
Hemangiomas (Figura 9) são neoplasias de células endoteliais vasculares frequentemente encontradas em crianças, que surgem nas suas primeiras semanas de vida, passam por um aumento rápido no seu tamanho seguido por
uma involução, e regridem tipicamente até os 7 anos de
vida. Na mão, ocorrem principalmente na palma (2,5,6,19).
A mão é o 3º local mais comum de hemangioma, correspondendo a 15% dos casos (4).
Hemangiomas superficiais se apresentam como placas vermelhas bem demarcadas, enquanto o envolvimento profundo se apresenta como uma massa dolorosa, que
pode ser confundida com malignidade. RNM pode diferenciar de sarcomas (2). RNM, TC ou angiorressonância
podem ser úteis no pré-operatório para avaliarem a extensão da lesão (4).
Lesões pequenas assintomáticas podem ser manejadas
com observação até a involução ocorrer. Lesões sintomáticas ou agressivas podem ser tratadas com corticoides,
interferon-alfa, vincristina, propranolol, ou ablação a laser.
A excisão cirúrgica deve ser feita quando houver prejuízo
funcional, dor ou crescimento rápido (2,4,19,20).
Malformações Vasculares
Malformações vasculares surgem de erros no
desenvolvimento vascular e são classificadas conforme
Figura 9 – Hemangioma.
Revista da AMRIGS, Porto Alegre, 59 (3): 237-242, jul.-set. 2015
seus componentes. Malformações venosas são as mais
comuns na mão e podem ser macias e compressíveis, ter
edema dependente, mudanças da pele sobrejacente e hipoplasia óssea em 1/3 das lesões da mão. Lesões arteriais de
alto-fluxo podem se apresentar com frêmitos ou ulceração
digital. Malformações capilares iniciam com máculas róseas que progridem para massas nodulares com o tempo
(2,21,22,23).
O manejo inicial inclui radiografia, para identificar
alguma anormalidade óssea, e ultrassonografia com
Doppler, para observação da velocidade do fluxo (2). Ultrassonografia pode ser útil para diferenciar malformação
venosa de hemangioma. No preparo pré-operatório, RNM,
TC ou angiorressonância ajudam a estabelecer a extensão
da lesão (4).
O tratamento depende do tipo da lesão e de sua
apresentação clínica. Escleroterapia é a primeira linha de
tratamento para pequenas malformações venosas. Malformações venosas maiores devem ser excisadas cirurgicamente (2,24). Lesões arteriais podem se beneficiar de
embolização seguida de ressecção (25).
Sarcomas de Partes Moles
Sarcomas de partes moles (figuras 10 e 11) são tumores
malignos e agressivos derivados dos tecidos mesenquimais
extraesqueléticos. Somente 15 a 25% dos sarcomas de partes moles ocorrem nas extremidades superiores. Quando
localizados na mão, apresentam taxas maiores de recorrência e pior prognóstico. Biópsia incisional está indicada para
todas as lesões suspeitas, lesões com crescimento rápido ou
com mais de 5 cm de diâmetro (2, 7). RNM é o exame de
imagem-padrão. O estadiamento pode ser complementado
com Rx e/ou TC de tórax. TC de abdome e pelve está indicada para o liposarcoma mixoide (4).
Os sarcomas de partes moles mais comuns da mão são
os epitelioides e os sinoviais. O rabdomiossarcoma é o
mais comum em crianças e adolescentes (4).
O tratamento tradicional com amputação da extremidade
vem sendo substituído pela ressecção em bloco, com preservação do membro seguida de radioterapia (4). Aproximadamente, 70 a 95% dos pacientes são candidatos a salvamento
do membro. A taxa de sobrevida em 5 anos é semelhante
entre os dois tipos de tratamento (2,6,7).
Margens cirúrgicas de 1 cm atualmente são consideradas adequadas para controle local do tumor (26, 27).
Margens cirúrgicas comprometidas estão associadas com
maior recorrência local e com diminuição na taxa global de
sobrevida (2,6,28,29).
Com exceção do sarcoma epitelioide, sarcomas de partes
moles têm taxas baixas de metástases, tornando a dissecção
linfonodal axilar desnecessária em pacientes sem linfonodos
clinicamente positivos. Na maioria dos casos, taxas de sobrevida em 5 anos maiores de 60% podem ser alcançadas (4,30).
Radioterapia pré-operatória pode diminuir o tamanho do tumor e antes da ressecção, porém pode levar a um aumen241
TUMORES DA MÃO PARTE I: TUMORES DE PARTES MOLES DA MÃO Valentini et al.
Figura 10 – Sarcoma de antebraço.
Figura 11 – Sarcoma de antebraço.
to nas complicações relacionadas à ferida operatória (31).
O uso desse recurso deve ficar reservado para os casos em
que a obtenção de margens livres é difícil. A quimioterapia
adjuvante não constitui tratamento-padrão para sarcomas de
partes moles, mas persiste em investigação (4).
Após o tratamento definitivo, o seguimento deve incluir
o rastreamento de recorrência e de metástases por meio do
exame físico e de radiografia de tórax e/ou TC de tórax na
dependência do grau do sarcoma e da suspeita do cirurgião.
Exames de imagem devem ser realizados a cada 6 meses nos
primeiros 3-5 anos e, após o seguimento, deve ser individualizado, mas usualmente é realizado anualmente (4, 30).
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SEÇÃO BIOÉTICA
Atividade assistida por animais na pediatria
Animal-assisted activity in pediatrics
Anelise Crippa1, Gabrieli Caroline da Costa2, Anamaria Gonçalves dos Santos Feijó3
RESUMO
A atividade assistida por animais (AAA) é a interação entre animais e seres humanos, com auxílio de um cuidador do animal, visando
à melhora do paciente. No Brasil, nas instituições hospitalares, esta ainda é uma prática pouco usual. Diante disso, objetiva-se identificar o perfil sociodemográfico dos pacientes, acompanhantes e profissionais da saúde envolvidos na área pediátrica de um hospital
universitário e a sua opinião sobre a AAA. Os dados foram obtidos através da aplicação de um questionário estruturado e analisados
no programa SPSS versão 17.0 for Windows. Pode-se identificar que há uma aceitação dos respondentes em relação aos animais, mostrando-se abertos a esta prática. Esta investigação nos permite inferir que as instituições de saúde poderiam se utilizar da AAA como
ferramenta complementar de tratamento pediátrico, pois o mesmo seria bem recebido entre os envolvidos neste ambiente hospitalar.
UNITERMOS: Bioética, Beneficência, Animais.
ABSTRACT
Animal-assisted activity (AAA) is the interaction between animals and humans, with the help of an animal caretaker, aiming at the improvement of the
patient. In hospital institutions in Brazil this is still an unusual practice. Therefore, the aim here is to identify the socio-demographic profile of patients,
caregivers and healthcare professionals involved in the pediatric area of a university hospital and their views on AAA. Data were obtained by applying a
structured questionnaire and analyzing the responses with SPSS (17.0 for Windows). We found that there is acceptance of animals by the respondents, who
are open to this practice. This research allows to infer that health institutions could use AAA as a complementary tool for pediatric treatment, as it would
be well received among those involved in this hospital setting.
KEYWORDS: Bioethics, Beneficence, Animals.
INTRODUÇÃO
A relação dos animais de estimação com seus responsáveis tem sido bastante enfatizada pela mídia. Também
na área da saúde tem havido relatos da importância e dos
benefícios advindos desta relação. Existem práticas já reconhecidas que se utilizam dos animais como ferramentas
auxiliares na promoção da melhoria da saúde. São exemplos a Terapia Assistida por Animais (TAA) e a Atividade
Assistida por Animais (AAA).
1
2
3
A Terapia Assistida por Animais, chamada por alguns
de pet-terapia, consiste em uma modalidade mais utilizada
internacionalmente, em que um profissional de saúde usa o
animal para um tratamento, ou seja, o animal é parte complementar da terapêutica. Busca-se, com a TAA, alcançar o
bem-estar físico, social, emocional e/ou cognitivo dos pacientes (1). Os primeiros relatos da TAA datam de 1792 em
pacientes com doença mental. A equoterapia foi utilizada no
século XVIII, para pacientes com distúrbio nas articulações,
tentando melhorar sua postura, coordenação e equilíbrio (2).
Advogada. Mestre em Gerontologia Biomédica. Doutoranda do Programa de Pós-graduação em Gerontologia Biomédica – Instituto de Geriatria
e Gerontologia da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (IGG/PUCRS). Pesquisadora do Laboratório de Bioética e de Ética
Aplicada a Animais – Instituto de Bioética/PUCRS (IB/PUCRS).
Acadêmica de Odontologia. Bolsista pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio Grande do Sul (Fapergs) do Laboratório de Bioética
e de Ética Aplicada a Animais – IB/PUCRS.
Bióloga. Doutora em Filosofia. Professora da Faculdade de Biociências da PUCRS. Coordenadora do Laboratório de Bioética e de Ética Aplicada
a Animais – IB/PUCRS.
Revista da AMRIGS, Porto Alegre, 59 (3): 243-247, jul.-set. 2015
243
ATIVIDADE ASSISTIDA POR ANIMAIS NA PEDIATRIA Crippa et al.
Em se tratando de projetos de atividades com animais
no Brasil, cabe ressaltar o Pet Smile(3), em São Paulo, que
desde 1997 faz visitas com animais em escolas, hospitais e
creches, e o Projeto Cão-Cidadão-Unesp, o qual investiga
a relação de crianças com doenças especiais – Síndrome de
Down, paralisia cerebral, dentre outras (4). Na Universidade de Brasília, são usados cães no tratamento de pacientes
com provável Doença de Alzheimer (5), além da Fundação
Selma, em São Paulo, que auxilia crianças e adolescentes
que estão em reabilitação física, utilizando cães, ratos, coelhos e aves e porcos da índia (6).
Algumas instituições de saúde veem na terapia assistida por animais uma forma de humanização do sistema de
saúde e buscam sua implantação embasados no Programa
Nacional da Assistência Hospitalar (PNHAH) do Ministério da Saúde (5). Com isso, transforma-se a equipe de saúde
em um agente capaz de proporcionar uma experiência menos traumática com a hospitalização, sendo protagonistas
autônomos membros de uma instituição com vínculos solidários, vindo ao encontro do que preconiza a PNHAH.
Já a Atividade Assistida por Animais (AAA) refere-se à
interação que acontece entre animais não humanos e humanos, de forma direcionada e por animais treinados para
tanto. Esta atividade não ocorre com animais próprios da
pessoa, mas com animais destinados a este fim, que são
treinados, desvermifugados, vacinados e limpos com 24h
de antecedência, sempre acompanhados de cuidadores. De
acordo com Lasa et al, esta interação busca instigar a socialização, a motivação e trazer benefícios que melhorem
a qualidade de vida (7). Estas formas de atividade já são
muito usuais fora do Brasil e têm sua eficácia comprovadas
em vários trabalhos científicos, como é possível ver no trabalho de revisão realizado por Crippa e Feijó, em 2013, em
que são apontados 17 trabalhos sobre a atividade assistida
por animais, com publicação em diversas bases de dados:
BIREME, EMBASE, Cochrane, PubMed e SciELO (8).
No Brasil, em instituições hospitalares, ainda há pouca
aceitação, tendo sido implantada, por exemplo, no Hospital Albert Einstein, em São Paulo. Nesse hospital, ocorre
a visita do animal de estimação do paciente, em um ambiente aberto – para animais de grande porte – ou no
leito. Já há projetos de lei tentando mudar esta realidade e
permitir que animais visitem seus donos em hospitais que
atendem pelo SUS (9). No Rio Grande do Sul, já se tem
relatos, no Hospital Centenário, em São Leopoldo, em
que ocorre o projeto Visita Pet, com cachorros, coelhos e
filhotes de carneiros (10).
Existem também os Animais Residentes (AR), sendo
uma modalidade na qual animais são treinados para ajudar
a enfrentar problemas funcionais para pessoas que têm dificuldade nas atividades da vida diária (11).
Como se pode ver, brevemente acima descrito, a TAA
já está em atividade no Brasil com alguns projetos. Já a
AAA é menos difundida e utilizada. Porém, sua prática
também merece relevância e atenção por mostrar-se benéfica aos pacientes, o que incentivou uma pesquisa de cam244
po buscando conhecer a opinião das crianças e adolescentes e seus acompanhantes, bem como da equipe de saúde,
de uma ala pediátrica de um hospital sobre esta atividade.
MÉTODOS
Para realização da presente pesquisa, foi criado um
questionário com dados sociodemográficos e nove perguntas relacionadas com a AAA, para os pacientes e
acompanhantes, e outro instrumento com onze perguntas para os profissionais de saúde. A investigação aconteceu em um hospital universitário de Porto Alegre, com
duração de três meses, na ala da pediatria. Fizeram parte
todos os pacientes, acompanhantes e profissionais da saúde que aceitaram participar.
Não houve cálculo de tamanho amostral, por se tratar
de uma amostra de conveniência, sendo abordados todos
os presentes no período de 3 meses, sem que ocorresse
duplicata de participante. Os dados foram analisados pelo
programa SPSS 17.0 for Windows.
Ressalta-se que a presente pesquisa teve aprovação
do Comitê de Ética em Pesquisa da PUCRS, sob o nº
24579113.1.0000.5336, e que foi aplicado um Termo de
Consentimento Livre e Esclarecido nos Acompanhantes e
Profissionais da Saúde, além de um Termo de Assentimento nos pacientes, acompanhando a assinatura do responsável, de acordo com a Resolução nº 466/2012.
OPINANDO SOBRE A ATIVIDADE
ASSISTIDA POR ANIMAIS
Foram entrevistados 136 acompanhantes, 16 pacientes
e 51 profissionais de saúde. Destes, respectivamente, a idade média correspondia a 28,5 (±12,52), 11 (±2,50) e 28
anos (±8,33).
Em relação ao perfil sociodemográfico da população
investigada, a maioria dos acompanhantes, pacientes
e profissionais da saúde era do sexo feminino (85,3%;
56,3%; 94,1%) e de cor autorrelatada branca (61,8%;
50,0%). Todos os pacientes, por se tratarem de crianças/adolescentes, tinham escolaridade até o ensino
fundamental, e a maior frequência dos acompanhantes
também (49,3%). Quanto à renda, 30,9% dos acompanhantes recebiam até dois salários mínimos, e a maioria
dos pacientes não possuía renda (93,8%). Estes dados
sociodemográficos dos pacientes e acompanhantes podem ser vistos na Tabela 1.
Os acompanhantes e pacientes se mostraram favoráveis à prática do AAA. A maioria dos entrevistados gosta
de animais (94,9%; 100%) e já estão habituados a conviver com eles por terem animais de estimação (66,9%;
81,3%). Quando questionados sobre receber uma visita
do seu animal de estimação em situação hospitalar, 55,1%
dos acompanhantes e metade dos pacientes mostraram-se
favoráveis; e 75,0% dos acompanhantes e 81,3% dos paRevista da AMRIGS, Porto Alegre, 59 (3): 243-247, jul.-set. 2015
ATIVIDADE ASSISTIDA POR ANIMAIS NA PEDIATRIA Crippa et al.
Tabela 1 – Dados sociodemográficos dos pacientes e acompanhantes
da pediatria.
Características
sociodemográficas
Pediatria
N (%)
Acompanhantes
Pacientes
Feminino
116 (85,3)
9 (56,3)
Masculino
20 (14,7)
7 (43,8)
Branca
84 (61,8)
8 (50,0)
Parda
20 (14,7)
4 (25,0)
Preta
24 (17,6)
3 (18,8)
Sexo
Cor/raça autorrelatada
Indígena
5 (3,7)
-
Amarela
3 (2,2)
1 (6,3)
3 (2,2)
-
Ensino Fundamental
67 (49,3)
16 (100,0)
Ensino Médio
57 (41,9)
-
9 (6,6)
-
-
-
Não possui renda própria
41 (30,1)
15 (93,8)
Até 1 SM
39 (28,7)
1 (6,3)
Até 2 SM
42 (30,9)
-
Até 3 SM
11 (8,1)
-
Até 4 SM
3 (2,2)
-
Escolaridade
Analfabetos
Ensino Superior ou mais
NR
Renda
Mais de 4 SM
Total
-
-
136 (100,0)
16 (100,0)
cientes gostariam de receber uma visita em seu quarto,
caso internados, mas acham que deveria ter um local específico para ocorrer esta prática (84,6% acompanhantes; 93,8% pacientes). Caso existisse um local específico,
como uma sala de recreação destinada para a AAA, a
maioria deles iria participar desta atividade (96,3% acompanhantes; 93,8% pacientes).
Em relação à utilização dos animais para melhorar o tratamento dos pacientes, 58,8% dos acompanhantes e 87,5%
dos pacientes responderam já ter este conhecimento, sendo
que apenas 34,6% dos acompanhantes e 50,0% dos pacientes disseram saber que os animais aceitos em instituições
de saúde recebem remédio para não ter doença. Por fim,
ao serem questionados sobre o treinamento que os animais
recebem, 63,2% dos acompanhantes e 87,5% dos pacientes já sabiam que isso ocorria. Estas informações podem
ser verificadas na Tabela 2.
Já o questionário destinado aos profissionais de saúde, que iriam rotineiramente conviver com a atividade, foi
um pouco diferenciado. Eles mostraram não conhecer o
que é a atividade assistida por animais (74,5%). Quando
questionados sobre a ajuda que os animais podem proporcionar ao tratamento de um paciente, responderam
conhecer (94,1%).
Caso os profissionais da saúde estivessem na posição de
um paciente, a maioria deles gostaria de interagir com animais (82,4%), achando que deveria ter um local específico
para recebê-los dentro do hospital (74,5%).
Foram, também, questionados sobre o treinamento,
desvermifugação, e acompanhamento por cuidadores que
Tabela 2 – Questionamentos e respostas dos acompanhantes e pacientes da ala pediátrica de um hospital universitário de Porto Alegre/RS, em
relação à atividade assistida por animais.
Acompanhantes
N (%)
Questionário
Pacientes
N (%)
Sim
Não
NR
Sim
Não
NR
O(A) Sr.(a) gosta de animais?
129
(94,9)
7
(5,1)
-
16
(100,0)
-
-
O(A) Sr.(a) tem animais de estimação?
91
(66,9)
45
(33,1)
-
13
(81,3)
3
(18,8)
-
O(A) Sr.(a) gostaria, se hospitalizado, de receber a visita do seu
animal de estimação?
75
(55,1)
61
(44,9)
-
8
(50,0)
7
(43,8)
1
(6,3)
O(A) Sr.(a) sabia que alguns hospitais utilizam animais para
melhorar o tratamento dos pacientes internados?
80
(58,8)
29
(21,3)
27
(19,9)
14
(87,5)
2
(12,5)
-
Em caso de hospitalização, o(a) Sr.(a) gostaria de receber a visita
de um animal em seu quarto?
102
(75,0)
29
(21,3)
5
(3,7)
13
(81,3)
1
(6,3)
2
(12,5)
O(A) Sr.(a) acha que deveria ter um local específico para receber os
animais?
115
(84,6)
19
(14,0)
2
(1,5)
15
(93,8)
1
(6,3)
-
Se tivesse um local específico para receber os animais, como uma
sala de recreação, o(a) Sr.(a) gostaria de participar desta visita?
131
(96,3)
4
(2,9)
1
(0,7)
15
(93,8)
1
(6,3)
-
O(A) Sr.(a) sabia que animais aceitos em hospitais recebem
remédios para não ter doenças?
47
(34,6)
88
(64,7)
1
(0,7)
8
(50,0)
8
(50,0)
-
O(A) Sr.(a) acha que os animais aceitos em hospitais recebem
algum treinamento?
86
(63,2)
47
(34,6)
3
(2,2)
14
(87,5)
2
(12,5)
-
Total
Revista da AMRIGS, Porto Alegre, 59 (3): 243-247, jul.-set. 2015
136
16
245
ATIVIDADE ASSISTIDA POR ANIMAIS NA PEDIATRIA Crippa et al.
Tabela 3 – Questionamentos e respostas dos profissionais da saúde da ala pediátrica de um hospital universitário de Porto Alegre/RS, em relação
à atividade assistida por animais.
Questionário
Profissionais da Saúde
Sim
N (%)
Não
N (%)
O(A) Sr.(a) sabe o que é Atividade Assistida por Animais (AAA)?
13 (25,5)
38 (74,5)
O(A) Sr.(a) sabia que o animal pode ajudar no tratamento de um paciente?
48 (94,1)
3 (5,9)
O(A) Sr.(a) gostaria, quando paciente, de ter a possibilidade de interagir com animais?
42 (82,4)
9 (17,6)
O(A) Sr.(a) acha que deveria ter um local específico no hospital para receber os animais?
38 (74,5)
13 (25,5)
O(A) Sr.(a) sabia que animais que participam de Atividade Assistida por Animais são treinados,
desvermifugados e acompanhados por seus cuidadores?
31 (60,8)
20 (39,2)
O(A) Sr.(a) acha que esta instituição hospitalar receberia bem essa prática na sua área
específica de trabalho?
51 (100)
-
Como profissional da saúde, o(a) Sr.(a) acha que essa ferramenta ajudaria na melhora/bemestar do paciente?
29 (56,9)
22 (43,1)
O(A) Sr.(a) sabia que as atividades envolvendo animais já são utilizadas internacionalmente há
muitos anos como terapia auxiliar ao tratamento medicamentoso?
36 (70,6)
15 (29,4)
O(A) Sr.(a) sabia que, no Brasil, várias instituições já estão recebendo animais, sempre
respeitando a autonomia do paciente?
20 (39,2)
31 (60,8)
O(A) Sr.(a) seria favorável se esta prática fosse implantada na sua instituição?
49 (96,1)
2 (3,9)
O(A) Sr.(a) sabia que essas atividades são feitas por pessoas treinadas que trazem o animal,
sabem e seguem as regras da instituição?
32 (62,7)
19 (37,3)
Total
ocorre com estes animais, mostrando que a maioria deles
já sabia que isso acontecia (60,8%). Sobre a aceitação da
AAA na instituição em que trabalham, especificamente na
área pediátrica, todos acham que seria positiva, e a maioria
achou que a AAA é uma ferramenta para auxiliar na melhora do paciente (56,9%) .
Sobre a utilização desta atividade internacionalmente,
70,6% dos profissionais respondentes já a conheciam, porém poucos sabiam que acontece no Brasil (39,2%). Caso
fosse implantada a AAA nesta instituição, 96,1% dos profissionais de saúde seriam favoráveis. Por fim, foram questionados sobre o modo como ocorre esta prática, sempre
com pessoas treinadas que respeitam e seguem as regras
institucionais, mostrando que 62,7% sabiam que é assim
que a AAA acontece.
REFLETINDO SOBRE A ATIVIDADE
ASSISTIDA POR ANIMAIS
A AAA, a qual busca ajudar na promoção do bem-estar integral do paciente, vindo ao encontro do que é
preconizado pela Organização Mundial da Saúde, é uma
atividade que pode ser realizada individualmente ou em
grupo, mas que sempre respeita a vontade do enfermo,
sendo oferecida mas nunca imposta (12). Esta não imposição na AAA nos remete ao princípio do respeito à
autonomia, que, junto com os princípios da não maleficência, beneficência e justiça, estabelecem uma corrente
de análise intitulada “Principialismo” (13).
246
51 (100)
A proposição de AAA em instituições de saúde permite
que se vislumbre também a hierarquização do princípio da
beneficência, já que o foco desta atividade é o bem-estar
de quem está hospitalizado. De acordo com Clotet, Feijó
e Oliveira (14), a beneficência implica em “usar todas as
habilidades e conhecimentos técnicos a serviço do paciente
maximizando benefícios e minimizando riscos”.
Estudos científicos já comprovaram a eficácia desta atividade em crianças tanto na melhoria do comportamento
social (15) como na diminuição da dor e aumento na sensibilidade.(16) Quando implantada em instituições hospitalares a AAA pode vir a proporcionar uma diminuição do
estresse do paciente hospitalizado, refletindo em uma melhor relação com os profissionais de saúde (5). Como pode
se constatar, estas situações vêm ao encontro do já falado
princípio da beneficência.
Salienta-se que a AAA baseia-se no êxito da relação ser
humano/ não humano. Isto só pode acontecer se houver,
realmente, um respeito para com o não humano “salientando sua co-participação e não coisificando-o como simples
ferramenta de uma nova técnica a ser implementada”(8).
Também na infância, os profissionais da saúde buscam
a melhoria da qualidade de vida de seu paciente, sabendo
que situações de estresse e ansiedade nesta fase poderão
ocasionar traumas que se consolidarão no decorrer de sua
vida (17). No contexto das hospitalizações, a AAA pode
auxiliar minimizando as situações traumáticas e levando a
uma melhor adesão ao tratamento proposto, visando ao
bem-estar da criança a partir do vínculo que se formará
entre ela, o animal não humano e a equipe.
Revista da AMRIGS, Porto Alegre, 59 (3): 243-247, jul.-set. 2015
ATIVIDADE ASSISTIDA POR ANIMAIS NA PEDIATRIA Crippa et al.
COMENTÁRIOS FINAIS
É mister que se reconheça que vivemos em uma sociedade antropocêntrica. Em função disto, a circulação de animais em instituições de saúde voltadas aos seres humanos
no Brasil não é nada usual.
Entretanto, o novo pode ser benéfico. A implementação da AAA no país é algo novo, busca o bem-estar do
paciente e pode, ou talvez deva, unir-se à terapêutica tradicional tentando ajudar na cura ou na minimização dos
sintomas de estresse e ansiedade como atividade paliativa.
Percebe-se que ainda há um longo caminho a ser trilhado para a aceitação das atividades envolvendo animais no
âmbito hospitalar. No entanto, através de projetos bem-sucedidos que estão sendo desenvolvidos em outros estados,
pode-se ver sua evolução no Brasil.
Sabe-se que o tema é polêmico e acarreta conflitos. Daí
advém sua relevância, a qual justifica sua abordagem por
parte da Bioética. Porém, a pesquisa realizada mostrou
uma abertura dos entrevistados para implementação da
AAA. E pode, talvez, servir de estímulo para que nossos
profissionais da saúde analisem, a partir de uma outra ótica,
esta atividade inovadora e já aceita internacionalmente.
AGRADECIMENTOS
Agradecemos à Fapergs pelo apoio através da bolsa de
iniciação científica.
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 Endereço para correspondência
Instituto Bioética
Av. Ipiranga, 6681/p. 50/sl. 703
90.619-900 – Porto Alegre, RS – Brasil
 (51) 3320-3679
 [email protected]
Recebido: 11/9/2015 – Aprovado: 15/9/2015
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