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AESE Escola de Direcção e Negócios Publicação: quinzenal Director: J.L.Carvalho Cardoso Editor e Proprietário: AESE Impresso por: Moinho Velho Depósito legal: nº 21228/88 Preço: e 1 20º Ano CORREIO DA AESE Nº 481, 15-3-2008 Juventude de hoje O debate sobre o modelo de mulher que é proposto por alguns desenhadores inflamou-se devido a uma imagem provocadora de uma campanha contra a anorexia, protagonizada por uma modelo que sofre dessa doença. Na Fashion Week de Nova Iorque, houve um desfile inusual de um grupo dos mais importantes desenhadores por uma causa de beneficência. Foi apresentada uma colecção de roupa inspirada nos personagens do criador do Snoopy, Charles Shultz, que veio a ser leiloada no maior centro de compra e venda na Internet, e-Bay, durante o mês de Outubro de 2007. Motivo? Patrocinada pela empresa internacional de seguros MetLife, empresa comprometida em fornecer segurança financeira às mulheres, os fundos foram destinados à Dress for Success, uma organização sem fins lucrativos que se dedica a melhorar a vida das mulheres através de um emprego que as torne auto-suficientes. Honrando o nome da ONG, Veste para o Sucesso, e ao mais puro pragmatismo norte-americano, proporciona desde um fato para conseguir trabalho, até formação nas capacidades necessárias ao desenvolvimento profissional, passando pela aprendizagem de planeamento financeiro, ou partilhar a vida familiar e laboral. Na montagem da Quinta Avenida, a 46ª edição da madrilena Pasarela Cibeles esforçou-se não só com a Pasarela Cibeles, mas igualmente com outras iniciativas. A Moda Tours, um projecto de apoio ao comércio, a organização de mesas-redondas e exposições ligadas à moda - calçado, joalharia, desenhadores -, para vestir as diversas feiras do sector, PANORAMA ou criar a passarela para a qual desfilam as novas promessas do desenho espanhol (El Ego de Cibeles), são algumas das manifestações de uma moda mais próxima. Precisamente devido à influência da moda, Cuca Solana, directora da Cibeles, tomou uma decisão que pretendeu humanizar na medida do possível a passarela a partir de 2006: controlar a massa corporal dos seus modelos (ajustando-o ao índice 18 recomendado pela Organização Mundial de Saúde) e eliminar a maquilhagem com fortes efeitos de emagrecimento. A directora do evento madrileno de moda tem uma fácil explicação para que a quarta passarela mais importante do mundo tenha sido pioneira na sua adopção. É a única plataforma 100% financiada com dinheiros públicos, onde o desenhador propõe a sua colecção e «a Ifema, com o apoio da Comunidade de Madrid, apoia com o restante». Por isso, enquanto em Nova Iorque, Milão ou Paris os criadores escolhem directamente os seus modelos, a Ifema contrata uma empresa que apresenta aos desenhadores da próxima edição cerca de 80/100 modelos, para que escolham as 18 que melhor se ajustam ao espírito da sua colecção, ou ao modelo de mulher que querem transmitir. As manequins mais solicitadas submetem-se ao controlo médico, que em 2007 abrangeu todas. Em Setembro de 2007, Valentino terminou 45 anos de carreira, e, ao mesmo tempo, a atenção mediática desviou-se para a capital italiana da moda. Milão foi cenário da sempre comentada publicidade do fotógrafo italiano Oliviero Toscani. Ele, que fez da Benetton uma imagem provocadora, desta vez lançou No-anorexia, a campanha onde posou nua uma modelo anoréxica de apenas 31 quilos. É curioso que tenha sido financiada precisamente pela marca de roupa italiana No-I-ita, acusada de limitar os fatos até ao 40. O governo italiano chegou a um acordo em finais de 2006 com a Federação da Moda Italiana e a associação Moda de amigos e em casa. Namoram e rompem os namoros. Experimentam vários trabalhos sucessivamente». Alta Costura - estilistas italianos que apresentam as suas colecções em Roma e Milão - para «impor um Os seus pais preocupam-se porque «não percebem qualquer direcção clara na vida dos filhos». Algo incompreensível para eles, se tivermos em conta que, para a generalidade do baby boom, «a entrada na vida adulta era marcada pelo cumprimento de certos objectivos: sair de casa dos pais, independência económica, casamento e formação de uma família...». «Em 1960, quase 70% das pessoas com trinta anos tinha alcançado estas metas; no ano 2000, menos de 40%.» modelo de beleza são». Mas o slogan reabriu o debate: mostrar esqueletos com olhar «desafiador» será arriscado para os doentes deste transtorno alimentar? Assim o manifestaram muitos dos afectados, associações médicas e mesmo publicistas, que não acreditam que os bons objectivos justifiquem os meios «crus» empregues para os alcançar. O organismo de controlo da publicidade em Itália acabou por ordenar o encerramento da campanha protagonizada pela jovem anoréxica. Por seu turno, Toscani respondeu que este organismo é uma instituição privada e que só responde perante a justiça ordinária. A autora espanhola da biografia Hoy he decidido dejar de comer!, Cristina Trilla, ou a Associação para o Estudo e a Investigação sobre a Anorexia em Itália, entre outros, concordam em referir que os anoréxicos não vão reconhecer na fotografia uma pessoa doente, mas precisamente o contrário: podem sentir inveja dessa magreza extrema. «A melhor campanha seria mostrar imagens saudáveis, ensinar a comer bem, mas isso não vende», declarou, no início da polémica, Susana Monereo, encarregada do controlo de peso nas modelos da Pasarela Cibeles. E, concretamente, trata-se de criar moda ao serviço da pessoa cuja satisfação vá para lá de se sentir bem fisicamente. Ainda sobre a juventude de hoje, David Brooks designa por «odisseia» o período de incerteza e instabilidade que hoje medeia entre a juventude e a idade adulta, e que se alargou nos últimos tempos (The New York Times, 9/10/2007). Se antigamente se costumava falar de quatro etapas na vida (infância, juventude, idade adulta, velhice), agora temos de acrescentar mais duas: a «reforma activa» e a que Brooks denomina de «odisseia», «essa década de aventuras que se situa entre a Esses «anos de odisseia» têm sido estudados em trabalhos de William Galston, da Brookings Institution, e de Robert Wuthnow, da Princeton University, que publicou o livro After the Baby Boomers. Estas investigações percebem a «fluidez» que caracteriza a juventude de hoje. «Crescem em ambientes fortemente estruturados, mas após os estudos entram num mundo marcado pela incerteza, pela diversidade, pela busca e pelos ajustamentos», observa Wuthnow. As fórmulas do sucesso da geração anterior já não servem, mas os jovens desorientam-se porque não foram estabelecidas novas normas. «O mercado laboral é fluido», continua. Os licenciados já não entram numa empresa onde farão uma carreira até se reformarem, encontrando sim um vasto menu de opções na economia da informação. A balança de poder entre os sexos modificou-se. As mulheres com estudos já não precisam de se comprometer com um homem para conseguir os seus objectivos; por si sós podem alcançar independência económica, estatuto social, etc., e é-lhes mais difícil encontrar o homem adequado. Tudo isso acaba por afectar igualmente o casamento. Os noivados alongam-se e reduz-se a pressão para se casarem, pelo que muitos jovens optam pela união de facto. Contudo, por agora os estudos demonstram que os jovens submersos na «odisseia» ainda conservam as aspirações tradicionais. De facto, atribuem à paternidade maior valor que a geração dos seus pais. Brooks pensa que esta fase de «odisseia» se acentuará nos próximos anos, dando lugar a novos ritos e instituições. «Estamos a assistir à criação de uma nova fase da vida, tal como sucedeu com a adolescência há um século.» juventude e a entrada na idade adulta. Durante esse espaço de tempo, os jovens na casa dos vinte e tal anos «estudam e interrompem os estudos. Vivem com Correio da AESE C. L. e outros 6 «Sociedade tolerante» incomodada com a objecção de consciência Só uma consciência assente no valor da verdade resiste à pressão exterior que força ou que leva a ser indiferente perante as agressões contra a dignidade humana, especialmente no âmbito da biomedicina. É a proposta de Bento XVI aos membros da Pontifícia Academia para a Vida aquando da reunião que efectuaram em Roma para tratar, precisamente, de «A consciência cristã como sustento do direito à vida». O presidente da Academia, Mons. Elio Sgreccia, disse que, dada «a forte pressão que tende a "homogeneizar" os comportamentos e a substituir as consciências», é necessária uma consciência bem formada. Por vezes, torna-se também necessário exercer a objecção e o protesto de consciência: não como fuga da realidade, mas como testemunho contra o mal. Nessas coordenadas assentou o fio condutor do congresso internacional, com mais de 300 participantes. A objecção de consciência teve um amplo espaço no debate, pois no sector da vida e da saúde há novas situações em que o pessoal de saúde é chamado a exercê-la, com o convencimento, além disso, de que «a consciência deve ser capaz de falar também por quem ainda não tem voz ou não pode expressar-se». A história oferece exemplos de pessoas que, num momento decisivo da sua existência, se encontraram na situação de terem de desobedecer a uma lei civil, pois não podiam contradizer outras leis imutáveis, não escritas, de natureza religiosa ou moral, presentes na sua consciência. Mons. Jean Lafitte, do Instituto João Paulo II para a Família, de Roma, e vice-presidente da Academia, recordou Sócrates, Antígona, os Macabeus ou Thomas Moore. Na sua recordação histórica da objecção de consciência, Lafitte destacou a mudança que significou o conceito iluminista de «tolerância», entendida não como virtude prática, mas como «tolerância ideológica». Essa visão, de tipo político, configurou uma sociedade «ideologicamente tolerante». O paradoxo é que essa sociedade «não está disposta a tolerar a objecção de consciência, pois esta escapa ao seu controlo. Não tolera a ideia de haver uma verdade a procurar, nem que tal verdade possa ter um valor universal, ou sejam necessários debates de fundo». O Prof. Lafitte sublinhou que um dos temas a impedir que a sociedade reflicta é o estatuto do 7 embrião, por receio de se questionar a legislação sobre o aborto. Eliminada essa reflexão, «a sociedade já não é capaz de enfrentar os desafios impostos por um certo número de práticas médico-cirúrgicas e de manipulações ligadas à investigação biomédica». As falácias que estão por detrás dos argumentos de políticos que se dizem católicos, mas aprovam legislações contrárias ao respeito pela vida desde a concepção, constituíram um dos aspectos abordados pelo Prof. Rober P. George, da Princeton University. George justificou de um ponto de vista moral a decisão de alguns bispos de não concederem a comunhão a esses políticos. Não é uma intromissão em temas políticos, disse, mas de coerência. «Quem critica essa decisão, na realidade usa outra música quando a "intromissão" é favorável às causas que aprova.» E recordou o apoio da imprensa norte-americana, nos anos 50, à decisão do então arcebispo de Nova Iorque, Joseph Rummel, de excomungar os políticos católicos apoiantes da segregação racial nas escolas. Bento XVI constatou no seu discurso que o poder dos mais fortes e os meios de pressão colectiva enfraquecem e parecem paralisar também, por vezes, as pessoas de boa vontade. Essa situação exige reforçar o papel da consciência pessoal, que exige critérios de valorização para saber distinguir o bem do mal. É verdade, acrescentou Bento XVI, que a formação de uma consciência verdadeira (porque fundada na verdade) e recta (porque determinada em seguir os seus ditames, sem contradições, traições nem concessões) é hoje uma tarefa difícil, mas imprescindível. Entre os obstáculos que o convertem numa tarefa difícil, o Papa salientou que não só cresce a rejeição da tradição cristã, como se desconfia da capacidade da razão para perceber a verdade, pelo que o homem se afasta do gosto pela reflexão. Alguns defendem até que uma consciência individual necessita de prescindir dessas referências para ser verdadeiramente livre. «A consciência, que é um acto da razão que olha para a verdade das coisas, deixa de ser luz e converte-se numa transfusão em que a sociedade dos média lança as imagens e os impulsos mais contraditórios.» Por esse motivo, é preciso «reeducar para o desejo do conhecimento da verdade autêntica, da defesa da própria liberdade de escolha perante os comportamentos de massa e as astúcias da propaganda, com o objectivo de alimentar a paixão pela beleza moral e pela clareza de consciência». A conclusão é a necessidade de uma «formação contínua e qualificada» da consciência. Sem ela, é ainda mais problemática a capacidade de opinião sobre os problemas levantados pela biomedicina em temas de sexualidade, vida nascente, procriação, assim como no modo de tratar e curar os doentes e os estratos mais fragilizados da sociedade. É uma formação não reservada apenas aos especialistas, mas que tem de ser desenvolvida a todos os níveis. D. C. Correio da AESE O fetiche das estatísticas Os números gritam-nos nas manchetes jornalísticas: «Um milhão de crianças morrem anualmente devido à malária». «850 milhões de pessoas passam fome no mundo». «A população africana atinge os 900 milhões, com um crescimento de 2,4% ao ano». «A mortalidade materna causa meio milhão de vítimas por ano». A nossa época está tão obcecada com os números que pensamos poder contar tudo, que nada escapa à nossa ânsia de exactidão. Mesmo que não possamos resolver muitos problemas, pelo menos sabemos quantas pessoas padecem deles. Isto dá-nos uma certa segurança, pois enquadrar o problema em números parece que começa a pô-lo sob controlo. Mas será que temos realmente instrumentos suficientemente fiáveis para tomar o pulso à humanidade? Um comunicado recente da Organização Mundial de Saúde é capaz de suscitar cepticismo. O comunicado dá conta dos novos esforços do Health Metrics Network, grupo cujo objectivo é estimular os países que ainda não fazem um Registo Civil de nascimentos e mortes, a fazê-lo. Constata-se que, por falta de Registo Civil em muitos países, nem sequer podemos estar seguros de quantas pessoas nascem, de quantas morrem nem, evidentemente, de que morrem. «A falta de sistemas de Registo Civil», diz o comunicado, «significa que, anualmente, quase 40% (48 milhões) dos 128 milhões de nascimentos mundiais não são registados. A situação é mesmo pior relativamente ao registo das mortes. Dois terços (38 milhões) dos 57 milhões de óbitos anuais não são registados. A Organização Mundial de Saúde só recebe estatísticas fiáveis de causas de morte de 31 dos seus 193 Estados membros.» Não parece insensato supor que esses 31 países pertencem à área da OCDE, que dispõem de um registo estatístico sanitário mais fiável. Mas, como a população desses países não chega nem a um quinto da população mundial, a realidade é que, neste assunto das causas de morte, mais do que lacunas, temos oceanos de ignorância. Por falta de dados seguros provenientes do Registo Civil, os estatísticos estão acostumados a trabalhar com estimativas de população, projecções, amostras mais ou menos representativas, pontos de observação significativos, etc. Tudo isto proporciona uma certa informação útil, mas sempre muito incompleta e insegura acerca da dimensão, do estado e das necessidades da população. O problema é quando se esquece que esse dado é uma mera estimativa e na hora da sua publicação se transforma em estatística indiscutível. Que sentido tem assegurar que no Afeganistão 46% das crianças menores de 5 anos têm falta de peso? Na realidade, Associação de Estudos Superiores de Empresa l nem sabemos quantas crianças há no Afeganistão, nem qual o seu estado de saúde, embora não seja necessário ser-se um especialista para afirmar que não pode ser muito bom. Talvez esse número atrás referido tenha sido elaborado a partir de uma amostra de crianças de escolas ou serviços pediátricos de Kabul, mas nada nos garante que estejam na mesma situação que as crianças das extensas zonas do país onde o governo de Kabul nada pesa. Muitos desses supostos dados estatísticos têm origem em relatórios das agências de ajuda ao desenvolvimento e de ONGs que querem comover o Primeiro Mundo para que aumente a sua ajuda ao Terceiro Mundo. E, como é uma causa nobre, parece provocar menos embaraço no momento de fabricar estatísticas, mesmo que seja com bases muito pouco seguras. O importante é que chamem a atenção e se gravem na memória. Por isso, é suspeita a frequência com que a quantificação de um problema social se converte num número redondo. Um corolário da mesma ânsia quantitativa é oferecer um remédio tão simples como a doença, com objectivos a demonstrar que se leva a coisa a sério: escolarizar em 80% as raparigas, vacinar em 90% os menores de cinco anos, diminuir num terço a má nutrição... Nos custos pode-se sempre avançar com uma comparação atraente do tipo: com o custo de um avião de combate poder-se-ia escolarizar mil raparigas na Mongólia até aos 18 anos. O que não se diz é o que custaria convencer os seus pais. No livro Damned Lies and Statistics, o sociólogo Joel Best adverte-nos sobre o carácter de fetiche objecto com poderes mágicos - que as estatísticas sociais têm no nosso mundo: «Tratamos [as estatísticas] como se fossem poderosas representações da verdade; manejamo-las como se destilassem em simples factos a complexidade e a confusão da realidade. [...] Dizem-nos sobre o que deveríamos preocupar-nos e até que ponto. Em certo sentido, o problema social converte-se em estatística e, visto que tratamos as estatísticas como se fossem uma verdade insusceptível de controvérsia, converte-se num fetiche, num controlo mágico de como vemos os problemas sociais. Consideramos as estatísticas como factos que descobrimos, não como números que criamos. Mas as estatísticas não existem por si sós; alguém as cria.» Por isso, antes de nos deixarmos esmagar por uma estatística, é bom interrogar-nos sobre quem a criou, como se chegou a esse número, ver se está a ser utilizada correctamente, se se fazem com ela as comparações adequadas... Como também se deve lembrar que é igualmente possível alcançar conhecimentos mesmo que não tenhamos sempre todas as estatísticas. Já Goethe advertia: «Se não pretendêssemos saber tudo com tanta exactidão, podia ser que conhecêssemos melhor as coisas» (Sprüche in Prosa, nº 36.) I. A. 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