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semeiosis
semiótica e transdisciplinaridade em revista
transdisciplinary journal of semiotics
Advergame erótico:
uma estratégia de sedução publicitária
Coelho, Patrícia M. Farias. Pós-doutoranda TIDD/PUC-SP
e Bolsista FAPESP | [email protected]
resumo
O presente artigo estuda o advergame feminino “Tarada por tarô”, da empresa
brasileira Duloren, a partir da semiótica greimasiana. Na referida peça,
busca-se identificar a narratividade, a discursividade e o sincretismo, além de
reconhecer como se dá a interação entre os sujeitos, compreendendo o jogo
como um jogador pressuposto, uma vez que há por trás dele um programador
que o elaborou de forma a criar suas estratégias sedutoras e convencer o
jogador a querer-fazer-jogar.
palavras-chave:
jogo; jogador; semiótica discursiva; advergame
abstract
This paper studies advergames of Duloren trademark focused on women from a
Greimasian semiotic point of view. The purposes of the present research are the
identification of narrativity, discursivity, and syncretism in “Tarada por tarô”,
advergames of Brazilian company Duloren, as well as the observation on how
the interaction between subjects is operated. In this specific case I understand
the game with an assumed player, once there is a programmer before him/ her,
which has elaborated it in order to create seduction strategies to convince a
player to play (to wish/ to do).
keywords:
game; player; discursive semiotics; advergame
setembro
/ 2011
considerações iniciais
A partir da semiótica discursiva, este artigo visa analisar os advergames
femininos da empresa Duloren. É importante destacar que nosso interesse
pelas pesquisas em advergames deve-se principalmente à necessidade de
compreender esse novo tipo de mídia, que cresce cada vez mais em todo o
mundo, a partir de uma teoria que nos permite compreendê-lo como um
fenômeno comunicacional.
Mas o que é um advergame? Advergames são jogos digitais criados com
fins de propagar ou fixar uma marca. A cada dia cresce o número de mulheres
que se encontram seduzidas pelos jogos digitais. Segundo dados de 2007
(The Edmonton Journal, 2007), “as mesmas mulheres que têm se afastado de
comerciais televisivos de 15 ou 20 segundos têm sido seduzidas aos milhares
para jogar online”, portanto, os “advergames são usados pelas empresas
com o objetivo de criar um ambiente mais interativo com os consumidores
e consumidoras, diferente daquele desenvolvido a partir do uso de mídias
analógicas” (D’ANDRADE, 2007: 4).
Nosso interesse em estudar os advergames surgiu após a defesa de
doutorado no COS/PUC-SP, no qual investigamos a publicidade feminina
em mídia impressa. Com esse estudo, detectamos a necessidade de nos
aprofundarmos nas pesquisas sobre os novos tipos de mídias que a cada dia
eram mais utilizadas e se tornavam mais comuns tanto entre os publicitários
quanto entre os receptores/usuários.
Assim, durante o período de pesquisa para o desenvolvimento do projeto
pós-doutoral, observamos que o impacto dos jogos eletrônicos no universo
publicitário era enorme. Tal constatação foi ancorada nas previsões da respeitada
consultoria Nielsen Media Research para o ano de 2010 (Nielsen Media Research,
s.d.), que afirmava: “o mercado de advergames movimenta algo em torno de
1 bilhão de dólares apenas nos Estados Unidos”. Também é curioso observar
que a maior parte dos jogos digitais deve ser destinado ao público feminino:
“o número de mulheres maiores com 18 anos jogando é superior ao de jovens
com 17 anos ou menos do sexo masculino”, noticia a Entertainment Software
Association (Industry Facts, 2009), associação representante de empresas
desenvolvedoras de games no mercado norte-americano. Sendo assim, este é
um campo de exploração que deve perscrutado o quanto antes.
Neste artigo, por conseguinte, buscamos compreender as causas do
crescimento dos advergames e perceber, por meio da semiótica discursiva,
quais elementos compõem esta nova mídia, tornando-a tão sedutora, a ponto de
destacá-la em relação às mídias tradicionais, como revistas, televisão e cinema.
Assim, de certo modo, visamos desvelar os rumos dessa mídia tão instigadora
quanto sedutora.
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breves notas sobre a semiótica discursiva
A semiótica greimasiana foi desenvolvida durante três décadas (60-80 do
século XX) por A. J. Greimas e por uma equipe de pesquisadores e encontra-se,
atualmente, em larga expansão, reunindo centenas de pesquisadores no mundo.
Baseada nos conceitos de Fernand de Saussure e Louis Hjemslev, a semiótica
preocupou-se, de início, com a análise dos textos verbais e, atualmente, seus
estudos se desenvolvem a partir do sincretismo, que analisa diferentes textos,
sejam eles verbais ou não verbais.
A semiótica discursiva não se preocupa com o signo, mas com a
significação, pois “a língua não é um sistema de signos, mas um conjunto [...]
de estruturas de significação” (GREIMAS, 2008: 20). Portanto, a semiótica é
a ciência que “tem por objeto o texto, ou melhor, procura descrever e explicar
o que o texto diz e como ele faz para dizer o que diz”. Para os semioticistas,
“Um texto define-se de duas formas que se complementam: pela organização
ou estruturação que faz dele ‘um todo de sentido’, como objeto da comunicação
que se estabelece entre um destinador e um destinatário” (BARROS, 2002: 7).
De acordo com Barros, a primeira concepção de texto deve ser:
Entendida como objeto de significação, e faz que seu estudo se confunda
com o exame dos procedimentos e mecanismos que o estruturam, que
o tecem como um “todo de sentido”. A esse tipo de descrição tem-se
atribuído o nome de análise interna ou estrutural do texto... A segunda
caracterização de texto não mais o toma como objeto de significação,
mas como objeto de comunicação entre dois sujeitos. Assim concebido, o
texto encontra seu lugar entre os objetos culturais, inseridos na sociedade
(de classes) e determinado por formações ideológicas especificas. Nesse
caso, o texto precisa ser examinado em relação ao contexto sócio-histórico
que envolve e que, em última instância, lhe atribuí sentido... (BARROS,
2002: 7).
Nas últimas décadas, as pesquisas realizadas pelos semioticistas têm
buscado conciliar tanto os estudos internos como aqueles externos ao texto,
para, assim, explicar o que o texto diz e como diz, uma vez que a semiótica
discursiva trata de “examinar os procedimentos da organização textual e, ao
mesmo tempo, os mecanismos enunciativos de produção e recepção do texto”
(BARROS, 2002: 8).
Tal concepção busca compreender o sentido do texto pelo estudo do
plano do conteúdo, também nomeado por percurso gerativo de sentido. A noção
de percurso gerativo de sentido é importante para as pesquisas dos semioticistas
e pode ser classificada da seguinte maneira (BARROS, 2002: 9):
a) O percurso gerativo do sentido vai do mais simples e abstrato ao mais
complexo e concreto;
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b) São estabelecidas três etapas no percurso, podendo cada uma ser
descrita e explicada por uma gramática autônoma, muito embora o
sentido do texto dependa da relação entre dois níveis;
c) A primeira etapa do percurso, a mais simples e abstrata, recebe o nome
de nível fundamental ou de estruturas fundamentais e nele surge a
significação como oposição semântica mínima;
d) No segundo patamar, denominado nível narrativo ou estruturas
narrativas, organiza-se a narrativa, do ponto de vista de um sujeito;
e) O terceiro nível é o do discurso ou das estruturas discursivas em que a
narrativa é assumida pelo sujeito da enunciação.
O plano da expressão “refere-se à manifestação desse conteúdo em um
sistema de significação verbal, não verbal ou sincrético”, pois, “os sistemas
verbais são as línguas naturais e os não-verbais, os demais sistemas, como a
música e as artes plásticas (PIETROFORTE, 2010: 10). Os sistemas sincréticos,
por sua vez, são aqueles que “acionam várias linguagens de manifestação”
(GREIMAS & COURTES apud PIETROFORTE, 2010: 11). Por isso, podemos
compreender que o plano da expressão relaciona diferentes linguagens ao
mesmo tempo e, assim, cria um único efeito de sentido significativo.
O advergame é formado por diferentes linguagens: verbais, visuais
e sonoras. Porém, isso não significa que ele se caracteriza apenas pela
junção dessas linguagens, uma vez que tal junção produz outras correlações
intersistêmicas que ajudam a jogadora-consumidora a entender o próprio jogo.
Não há o apagamento de uma linguagem em função de outra ou apenas a soma
delas; o que ocorre é uma relação de neutralização. De acordo com Oliveira:
as relações podem se dar de quatro modos: a) relações de reunião, com
traços que se complementam; b) relações de superposição, que produzem
concentração de elementos complementares; c) relações de superposição
que geram difusão, e d) relações de justaposição/paralelismo, onde há
similaridade (2009: 85).
Nota-se que o plano da expressão concretiza sensorialmente os temas e
figuras do plano do conteúdo (percurso gerativo de sentido), pois permite uma
“nova” leitura sobre o mundo.
Dessa forma, a semiótica discursiva nos oferece um arsenal teórico
muito interessante para análise e, por isso, servir-nos-emos dessa “ciência das
linguagens e das significações” para adentrar no universo dos advergames
femininos, tendo por objeto o game intitulado “Tarada por tarô”.
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a narratividade e a discursividade no advergame
Para a semiótica discursiva, o nível narrativo simula o fazer do homem
que age e transforma o mundo. Por meio desse nível, é observada a sucessão
de estados e as transformações operadas por um sujeito em busca de valores,
além das relações de contrato entre os sujeitos e os estados de alma desses
sujeitos narrativos.
A sintaxe narrativa apresenta-se sob a forma de um esquema, que se
organiza em três percursos:
1) o da manipulação, em que um sujeito doa os valores modais a um
destinatário e transforma sua competência para a ação;
2) o da ação, que consiste na realização da performance pelo sujeito que
teve sua competência alterada pelo manipulador,
3) o da sanção, dividido em duas etapas, a primeira cognitiva, em que
ocorre o reconhecimento, a aceitação da performance do sujeito; e
a segunda, pragmática, em que o sujeito é recompensado. O sujeito
que é desmascarado por não ter executado sua parte no contrato sofre
julgamento negativo e punição. A retribuição, como recompensa
ou punição, faz parte da estrutura contratual inicial e restabelece o
equilíbrio narrativo.
Na semântica narrativa são apontados os valores inscritos nos objetos e a
modalização desses valores e dos sujeitos que com eles se relacionam.
Antes de explicitarmos o nível discursivo, faremos alguns comentários
sobre enunciação e enunciado, uma vez que este artigo debruça-se principalmente
sobre esse aspecto. O enunciado é o objeto textual resultante da enunciação,
enquanto a enunciação é a instância pressuposta no enunciado. A enunciação
é mediadora entre o discurso e o contexto sócio-histórico. Para Fiorin:
(...) a enunciação é uma instância pressuposta no enunciado, pensa-se
em seus actantes, o enunciador e enunciatário. No entanto, como mostra
Greimas, esses actantes são concretizados como atores da enunciação,
um dado autor e um dado leitor. Autor e leitor, porém, não são pessoas
do mundo, mas entidades semióticas, imagens construídas pelo discurso,
simulacros do autor e do leitor criados pelo texto. São esses simulacros
que determinam todas as escolhas enunciativas, sejam elas conscientes
ou inconscientes. (...) para compreender sua eficácia é preciso apreender
as imagens do enunciador e do enunciatário criadas discursivamente
(1996: 141).
O nível discursivo é o que está mais próximo da manifestação textual e,
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por isso, apresenta-se mais enriquecido semanticamente. De acordo com Barros:
O sujeito da enunciação faz uma série de ‘escolhas’ de pessoas, de tempo,
de espaço, de figuras... o discurso nada mais é, portanto, que a narrativa
‘enriquecida’ por todas essas opções do sujeito da enunciação, que
marcam os diferentes modos pelos quais a enunciação se relaciona com o
discurso que enuncia (BARROS, 2002: 53).
É nesse nível que são examinadas as relações entre enunciação e enunciado
e entre enunciador e enunciatário, além da tematização e da figurativização dos
valores narrativos. Assim, “a tematização é o procedimento semântico do discurso que consiste na formulação abstrata dos valores narrativos e na sua disseminação em percursos, por meio da recorrência de traços semânticos”
(BARROS, 2002: 90). Por outro lado, ainda segundo a autora, a “figurativização é o procedimento semântico pelo qual conteúdos mais ‘concretos’ (que
remetem ao mundo natural) recobrem os percursos temáticos abstratos”
(BARROS, 2002: 87).
Agora, estudaremos como os publicitários e programadores que
desenvolveram o advergame para a marca Duloren trabalharam o tempo, a
pessoa e as figuras dentro do jogo, de forma a fazê-lo parecer real. Por meio
desses efeitos de realidade é criada a ilusão discursiva para parecer que as cenas
ocorridas são protagonizadas por seres de carne e osso, ainda que o advergame
seja uma cópia do real.
análise do advergame “tarada por tarô”
Abaixo estão expostas as imagens na ordem com que aparecem no site.
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Antes de darmos início ao estudo da narratividade, gostaríamos de salientar
que na página inicial do site da empresa encontramos um link identificado como
“jogos eróticos” escrito em vermelho, ao invés de advergame.
Acredita-se que a escolha da empresa deve-se ao fato de que muitas
usuárias das redes digitais ainda não sabem qual a diferença entre games e
advergames. Portanto, ao escolher o termo jogos eróticos, a empresa garantiu
que suas jogadoras-consumidoras entendessem o link apresentado a elas.
No advergame “Tarada por tarô”, encontramos os esquemas narrativos
canônicos, representados por meio de fases, pois podemos observar o percurso
do destinador-manipulador e do destinatário-julgador. A jogadora-consumidora
assume o papel de sujeito enunciatário a partir do momento em que aceita o contrato
oferecido pela marca Duloren e “começa a jogar”, já que se apresenta modalizada
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por um querer-fazer e um poder-fazer em busca do seu objeto de valor.
No caso do referido advergame, nota-se que a jogadora escolhe primeiro
o nome do casal cujo futuro ela deseja conhecer. Cada vez que levanta ou gira
uma carta para cima, ela é contemplada com cenas e figuras do Kama Sutra,
que se movimentam enquanto ela continua jogando. Através dessas fases, a
jogadora avança no jogo e outras cartas com imagens “calientes” sempre em
movimento lhes são apresentadas, a fim de que a jogadora continue interessada
no game até alcançar o seu objeto de valor final: ver todas as cartas e enviá-las
como um convite “sensual e sexual” por e-mail para alguém que lhe desperte
a imaginação e o desejo. O programa da performance do sujeito-jogador é
realizado a cada fase que a jogadora ultrapassa.
Os publicitários, os programadores e os responsáveis pelo marketing da
marca Duloren são os sujeitos da enunciação, pois eles agem como um jogador
pressuposto, o sujeito da enunciação cria uma imagem do enunciatário-jogador
padrão e assim prevê suas ações e utiliza-se desse saber-fazer para fazer-fazer com
que o jogo torne-se interessante. Essas ações são explicadas por Fiorin (1996: 8191) que, fundamentado pela tradição retórica, afirma “que o enunciado possui duas
imagens: a imagem do enunciador, o ethos, e a imagem que o enunciador faz do
enunciatário, o pathos”. O ethos se concretiza através da enunciação enunciada,
que são marcas da enunciação encontradas e observadas no enunciado. Portanto, o
ethos da empresa Duloren é “sensual” e “sexual”. Assim, os sujeitos-publicitários
envolvidos no processo de criação deste advergame seguirão sempre uma instância
única de significação, pois, para a semiótica discursiva, o advergame será sempre
entendido como um todo de sentido, já que o conjunto remete a uma significação
(que estamos a desbravar).
No programa narrativo desse advergame, encontramos um sujeito que
assume ao mesmo tempo dois papéis: ele é o sujeito do fazer, ao mesmo tempo
que é o sujeito do estado. Portanto, temos um sujeito reflexivo.
Programa narrativo
F = função
∩ = conjunção
S1 = sujeito do fazer
Ov = objeto de valor
S2 = sujeito do estado
PN = Programa Narrativo
Análise do Programa Narrativo
F = função (transformação) = JOGAR
S1 = sujeito do fazer + S2 = sujeito do estado (assumem neste advergame
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o mesmo papel, temos, portanto, um sujeito REFLEXIVO)
S1 = sujeito do fazer + S2 = sujeito do estado que, ao começarem a jogar,
entram em ∩ = conjunção com seu Ov
Ov = objeto de valor/ ter as cartas-cenas eróticas através do jogo do
futuro que prevê a sorte: o tarô
PN = F (contrato fiduciário oferecido pelo advergame [empresa Duloren]
para a jogadora-consumidora).
Pelo jogo erótico, a empresa oferece o valor “brincar com sexo”, aliado
ao erótico e o fantasioso, em um clima de Kama Sutra, proporcionando à
jogadora a possibilidade de compartilhar os resultados com seu parceiro
e amigos através de e-mail.
S1 (ndor) â (S2 (ntário) ∩ Ov = o destinador entrará em conjunção com
o destinatário quando ele começa a jogar.
O jogador (sujeito enunciatário) será sancionado positivamente pelo
destinador-julgador quando este lhe permite avançar no game.
Nesse advergame, encontramos uma embreagem enunciva, pois tanto
Madame D como os personagens-casais das cartas de tarô olham diretamente
para a jogadora, criando dessa forma um efeito de distanciamento e objetividade (ele-lá-então).
A jogadora-destinatária olha e joga e, quando “ganha e vence”, é
recompensada com as cartas de tarô e as imagens do Kama Sutra. Ela reconhece
essas cenas como parte da cultura indiana sobre a arte do amor, do sexo e do
prazer, e que também fazem parte do imaginário coletivo, tanto dos homens
como das mulheres.
As sequências das cenas possuem um conteúdo verbal com os mesmos
valores semânticos que são reiterados e reafirmados a cada cena seguinte com
o tema do “sexo” e do “erótico”, ambos propagados pelo advergame “Tarada
por tarô”, como também, dos outros advergames que não fazem parte do
corpus, mas que estão no site da Duloren: “Stella da Fortuna”, “Oráculo Sexy”,
entre outros. Dessa forma, observa-se que o discurso erótico se propaga pelo
macrotexto midiático, evidenciando como os temas e as figuras relacionadas ao
sexo servem de chamariz para a divulgação da marca Duloren.
4. o sincretismo no advergame
No advergame analisado, o plano da expressão aparece, sobretudo,
pelo sincretismo das linguagens visuais, sonoras e verbais, que produzem na
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jogadora um feito de estesia, resultantes de uma perfomance cognitiva e de uma
experiência sensoriomotora.
Na peça, o sensório é trabalhado pelo uso da visão, da audição e do
tato. Portanto, sensório e verbal (cognitivo) se unem e se expressam através da
motricidade do jogador. Por isso, há uma experiência sensoriomotora.
Como já foi dito anteriormente, neste artigo, as cenas do advergame
da Duloren são apresentadas na sequência em que são explicitadas para a
jogadora-consumidora. Porém, ressaltamos que, para explanarmos sobre
os aspectos topológicos e cromáticos, serão utilizadas apenas três cenas do
advergame “Tarada por tarô”.
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Na análise topológica nota-se que o game traz o nome da empresa Duloren,
marca identitária, na parte superior e à esquerda (de quem olha o computador
de frente) e as informações e o link para a jogadora navegar pelo site do lado
superior direito (também de frente para quem olha para a tela do computador).
Assim, o texto verbal aparece dividido em direita e esquerda. Todas as imagens
e as sequências das cenas estão centralizadas. Ao analisarmos o percurso do
olhar da jogadora, vemos que ele está sempre voltado para a centralidade da
página e para o nome da empresa Duloren, marca verbal que captura o olhar da
destinatária a cada mudança de página. Portanto, observarmos que o olhar da
jogadora é direcionado, principalmente, para o centro da página. Dessa forma, o
enunciatário é posto a jogar e, assim, a fazer parte desse game erótico. Ao entrar
no site da Duloren, a jogadora-enunciatária já é modalizada pela empresa pelo
fazer-fazer e concretiza o fazer quando começa a jogar.
Como um dos resultados da análise, nota-se que o sensível é mobilizado
pelo enunciador mais do que o inteligível, pois tanto o texto verbal quanto o
texto visual pouco informam a respeito da lingerie Duloren, como sua produção
ou seus benefícios. Ao entrar no mundo digital erótico e sensual oferecido pelo
site, a jogadora é colocada a fazer parte desse game, onde seus desejos são
visualizados e convocados através do sensível.
A respeito das cores, o vermelho apresenta-se como a cor identitária da marca
Duloren. Todo o site aparece rodeado pelos tons vermelho e preto. O vermelho
remete a jogadora-destinatária ao universo imaginário da sedução. Dentro do
nosso contexto social, a cor vermelha aparece sempre ligada ao imaginário: do
sexo, do pecado, do poder, da tentação, da sedução, entre outros. Além de ser
usada para dar destaque ao vermelho, a cor preta também remete ao desejo, pois
faz um jogo de mostra-e-esconde que seduz o enunciatário, pertencendo dessa
forma também ao âmbito da tentação, do erótico e do sensual por excelência.
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considerações finais
Neste artigo, observamos que a narratividade deu-se a partir da recorrência
a um jogo de sorte tradicional e de previsões sobre o futuro, conhecido como
tarô. A empresa Duloren transforma a narrativa convencional em uma narrativa
“apimentada”, com previsões eróticas em clima de Kama Sutra, possibilitando
à jogadora prever um futuro “caliente” com seu parceiro. E, mais ainda, lhe dá a
possibilidade de enviar tais previsões por e-mail, de modo que a usuária tornase o destinador, assumindo dessa forma um outro papel, o de produtor, e não
mais de usuário-receptor-destinatário do game. A jogadora envia um convite ao
seu parceiro(a) por e-mail e, assim, não só interage com o advergame, como
também pode levá-lo a outras pessoas que não o conhecem e que podem estar
online ou não no momento em que ela está jogando. Com isso, observa-se que
os jogos digitais transformam o sujeito da ação em um sujeito reflexivo, pois ele
pratica e recebe a ação ao mesmo tempo.
A discursividade é trabalhada, sobretudo, pelo tema “erótico”, reiterado
a todo instante, ou melhor, a cada página, conforme a jogadora segue no jogo.
As figuras utilizadas foram aquelas do conhecido jogo do amor e do sexo Kama
Sutra, e não por nenhuma outra figura do tarô de Marselha, como constava na
página inicial. Todas as figuras seguiam o mesmo padrão e estilo dos desenhos
indianos, mantendo constantemente o tema e a narrativa de sexo e prazer em
um clima de emoção e diversão. Observa-se também que há no game uma
intertextualidade sublimada e disfarçada, pois o Kama Sutra é conhecido como
o livro que explica o jogo do amor e do sexo, exatamente como o referido
advergame, identificado como um game do sexo e do amor. O jogo Duloren
aparece no site como destinador modalizador, pois ele permite que o destinatário
entre em um mundo digital cheio de prazer e diversão.
A interação entre os sujeitos, nesse caso, como já foi dito anteriormente,
compreendendo o jogo como um jogador pressuposto, deu-se de forma
aparentemente harmoniosa, pois a jogadora-consumidora acreditou que ela
queria-fazer, ou seja, jogar, sem perceber que por trás de um game existem
verdadeiras sinestesias que a seduzem a fazer-fazer. Isso porque, os jogos
digitais são mídias que trazem a possibilidade de interagir, uma vez que tanto
o programador que se faz presente através das escolhas dos programas quanto
o computador estão indissociados, viabilizando, assim, uma manifestação
de seu formante matérico, pelo alto grau de sincretismo presente nos jogos.
Nota-se que, no advergame em estudo, o sincretismo é tão intenso que se torna
impossível distinguir e pensar as linguagens separadamente, pois todas elas são
as responsáveis pelo contínuo do jogo, ou seja, o discurso.
O crescimento dessa nova mídia, os advergames, deve-se a sua própria
forma de presença diante da jogadora-consumidora, pois é uma nova forma de
comunicação e interação ainda bastante precoce em nosso contexto social. Os
jogos possibilitam ao destinatário transportar-se para um mundo fantástico de
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imagens e sons, onde os aspectos táteis são criados de uma forma tão intensa
que produzem efeitos passionais na jogadora-consumidora.
Os aspectos cromáticos e topológicos também foram outros recursos
que ajudam o advergame a concretizar o efeito de sentido de “jogo erótico”.
A cor vermelha marca a identidade da empresa Duloren e é utilizada em
todos os advergames que fazem parte do site da empresa, como um recurso
de concretização e fixação dos valores propagados pela empresa anunciante.
Esses recursos cromáticos remetem a destinatária ao universo imaginário do
Kama Sutra, povoado por muito prazer e sexo. Todas as cenas do jogo foram
criadas de forma a fazer com que a destinatária olhe para o centro da página e,
dessa forma, a jogadora-enunciatária é posta para jogar e concentrar sua atenção
apenas nas imagens do jogo.
Esta pesquisa objetivou analisar e compreender como o advergame erótico
atua como uma estratégia de sedução publicitária. Para que o advergame erótico
alcance seu objetivo de fazer a jogadora fazer-jogar, o enunciador (publicitário
e programador) cria um estilo de jogo que se dirige mais ao sensível do que ao
inteligível. Os jogos são feitos para despertar a emoção e o prazer da jogadora,
por isso, eles não apresentam nenhum tipo de informação sobre a lingerie
Duloren que, caso fosse, seria mais destinado ao inteligível. Nesse advergame,
observa-se que a destinatária é levada a fazer parte de um mundo digital cheio
de prazer e emoção.
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como citar este artigo
Coelho, Patrícia M. Farias. Advergame erótico: uma estratégia de sedução
publicitária. Semeiosis: semiótica e transdisciplinaridade em revista. [suporte
eletrônico] Disponível em: <http://www.semeiosis.com.br/u/50>. Acesso em
dia/mês/ano.
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