Rio-2016, a Olimpíada que o Brasil já perde

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Rio-2016, a Olimpíada que o Brasil já perde
Rio-2016, a Olimpíada que o Brasil já perde
Por Fábio Balassiano, em 05 Ago 2014
No dia seguinte à derrota da seleção brasileira para a Holanda na disputa do terceiro lugar da
Copa do Mundo de futebol o jornal O Globo, um dos maiores do país, surgiu com a capa:
"Faltam 754 dias para as Olimpíadas"
A publicação falava dos cronogramas, dos prazos para conclusão das instalações
(ginásios/arenas) e das obras de mobilidade urbana já atrasadas, mas sequer tocava em um
ponto fundamental – a herança esportiva que os Jogos de 2016 deixarão, ou não, para o Brasil.
Três dias depois, o foco mudou. Voltou a se falar de futebol (que surpresa!). Com o perdão da
palavra, mas as discussões que eu vi, com raríssimas exceções, beiram a mediocridade tão
rasteiras/tacanhas (intelectualmente) que são. Discute-se o periférico, mas não a essência do
problema (que é sistêmico, e não pontual ou exclusivo da seleção). Discute-se o boné usado
em apoio ao Neymar, discute-se a forma de falar do Dunga, discute-se o bigode do Gilmar
Rinaldi. Com todo respeito, este não é o motivo central pelo qual o futebol brasileiro está na
lama há, brincando, uma década. E todos que pisam em um estádio sabem. É o Mito da
Caverna, de Platão, nos dias de hoje. Não se falar o que deve ser falado TODOS os dias só
ajuda a turma da CBF a permanecer com as mesmas ideias. Se não há incômodo (no sentido
de incomodar quem está no poder) não há evolução. Meio óbvio isso, não?
E aí, no meio deste furacão alguém, ou algum jornal, lembra que haverá uma Olimpíada em
pouco mais de dois anos no Brasil (o Meligeni falou disso muito bem também). Caramba, agora
é que descobriram? Quando foi mesmo que o país foi escolhido como sede? Foi em 2009,
certo? Por aqui o atraso (em qualquer esfera) é tão grande que até as cobranças são...
atrasadas. Fiscalizar agora, ou a partir de agora, é justo, é lícito, mas não é o mais bacana a se
fazer. Todos deveriam estar de olho há justamente cinco anos.
Já são, desde a confirmação do Rio de Janeiro como cidade-sede, cinco anos para arrumar
ginásios e obras de infraestrutura, mas há algo maior que sequer está sendo mencionado:
como o país está se preparando esportivamente para receber o evento olímpico? Ou melhor: o
Brasil se preparou para receber a Olimpíada de 2016 devidamente? Porque agora, com todo
respeito, já era, já passou. Hoje, exatamente hoje, restam apenas dois (anos) para que os
Jogos comecem (menos de 750 dias portanto).
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Desculpe, mas se você está PENSANDO em cobrar resultados (medalhas) dos atletas,
esqueça. É pouco sincero e inteligente de sua parte. Você, nos últimos meses, sabe como a
turma da esgrima tem treinado? E o pessoal do remo? Como está o time de arco e flecha? E o
handebol, campeão do mundo, ganhou a força tão prometida para ter uma liga decente? Como
estão os irmãos Falcão depois da brilhante Olimpíada de 2012? Você sabe quais são os feitos
de Robert Scheidt nos últimos 20 anos? Tem noção do que a galera do judô consegue sem ter
30 segundos/centímetros de espaço para divulgação?
Vale a pena cobrar dos atletas, que treinam muito mesmo em condições precárias, ou de quem
não lhes dá o necessário subsídio para que eles duelem em condição de igualdade contra
americanos, australianos ou chineses ?
Medalhas em Olimpíadas são conseguidas por atletas de ponta, atletas da elite do esporte
mundial. Não é algo que cai do céu da noite para o dia, não. Qual é a condição (de
treinamento, psicológica e financeira) que um atleta brasileiro tem hoje? Esqueça o vôlei, até
mesmo o basquete, e pense em todos os esportes que compõem a Olimpíada. Veja o exemplo
da abnegada do pentatlo moderno que conquistou uma medalha de bronze heroica em 2012.
Hoje NINGUÉM lembra da menina. O Google tem menos menções (143 mil) a Yane Marques
(lembrava do nome dela?), um mito brasileiro por ter conseguido algo tão improvável dentro de
um dificílimo esporte, do que qualquer jogador ruim que atua no seu time de futebol.
Sintomático isso, não?
Sem querer ser ainda mais chato, sem querer colocar água no chope desde já, mas não se
formam equipes olímpicas em dois anos. Não se formam equipes olímpicas se duvidar nem em
dez anos. Não se forma uma nação esportivamente olímpica (e não só futeboleira) em menos
de duas décadas de trabalho esportivo sério, responsável e minucioso (algo que
definitivamente não é feito aqui desde sempre – ou seja, a culpa não é exclusiva dos que agora
estão no poder).
Adoraria terminar este texto de forma diferente, mas não é possível. Infelizmente o Brasil já
perdeu a chance de se transformar em uma potência esportiva (dos esportes olímpicos, claro)
com a vinda dos Jogos para cá em 2016. Pode ser que vire algum dia, com uma mentalidade
diferente, mas para daqui a 800 dias é IMPOSSÍVEL.
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O Brasil (como um todo) perdeu a chance de modificar a relação de poder que há nas
Confederações (quase todas elas corroídas com gestões tenebrosas – e quem acompanha
este espaço sabe da de Basquete, a CBB...). Perdeu a chance de colocar o atleta como figura
central e respeitada na sociedade esportiva. O Brasil, mais do que isso, perdeu a chance de
mudar a sua (inexistente) política esportiva como um todo, conciliando (e massificando) esporte
e educação como os países mais desenvolvidos do mundo sabem fazer há séculos (Austrália e
Estados Unidos, por exemplo). Colocar o esporte na escola, com as Olimpíadas no horizonte,
deveria ter virado a ordem do dia, deveria ter virado o objetivo número um (objetivo anterior à
conquista de medalhas, por exemplo).
Mas, bobagem, nada disso foi feito. O Governo/Ministério do Esporte e o Comitê Olímpico
Brasileiro pensaram apenas nas medalhas (e é só ver aqui:
http://espn.uol.com.br/video/427638_cob-estipula-brasil-buscara-top-10-no-quadro-geral-de-m
edalhas-em-2016
, aqui:
http://espn.uol.com.br/noticia/427425_para-ser-top-10-no-rio-2016-cob-tem-quase-o-dobro-doinvestimento-de-londres-2012
e aqui:
http://esportes.estadao.com.br/noticias/geral ,cob-apresenta-metas-do-brasil-para-olimpiada-de
-2016,1532867
o que o COB falou na semana passada). Mirou-se, portanto, no resultado imediato e não na
preparação para deixar algo plantado para o longo prazo. Mirou-se apenas no objetivo final, e
não no caminho que leva a um objetivo (algo mais trabalhoso).
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O Governo investiu milhões e milhões nas Confederações (nunca jorrou tanta grana no
esporte, isso é inegável), os resultados podem até vir (e torcerei por eles, diga-se), mas não há
nada idealizado para a base da pirâmide, para meninas e meninos deste país que começam a
praticar esporte com 10, 11 anos. Erro bobo, mas esperado de quem só pensa no tiro curto, na
medalha, em vencer rápido e não em COMO se preparar para vencer por muito tempo
(sustentabilidade). E todos têm culpa nisso (Governo, Confederações, Atletas, sociedade
mesmo).
Para quem ama esporte (meu caso, seu caso), é doído, duro, é chato dizer isso, mas só um
lunático acredita no contrário. O fato é: hoje é dia 5 de agosto de 2014, faltam exatamente dois
anos para os Jogos e o Brasil já perdeu a chance que tinha com a Olimpíada de 2016.
A chance de se transformar em um país que faz esporte de alto nível já foi pro ralo. E isso não
tem mais volta.
Veja como publicado: http://balanacesta.blogosfera.uol.com.br/2014/08/05/rio-2016-a-olimpiada-que-o-brasil-ja-perd
eu/
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