ditadura e copa do mundo de 1970 nas páginas da folha de londrina

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ditadura e copa do mundo de 1970 nas páginas da folha de londrina
DITADURA E COPA DO MUNDO DE 1970 NAS PÁGINAS DA FOLHA DE
LONDRINA
Rodrigo Santana de Oliveira
João Gustavo Veríssimo dos Santos
PIBID / História-UEL
Prof.º Doutor Marco Antonio Soares
Orientador- UEL
Resumo: A ditadura militar brasileira instaurada em 1964 buscou de todas as
formas criar uma identidade nacional e o futebol foi uma ótima ferramenta para tal,
visto que éramos os atuais bi-campeões mundiais de futebol (1958/62). Na copa do
mundo de 1966 realizada na Inglaterra o futebol foi utilizado como propaganda
política, tentando mostrar ao mundo um país de sucesso. Em 1970 no México não
foi diferente, e para evitar o fracasso da Copa do mundo de 1966, quando o
selecionado brasileiro foi eliminado na primeira fase da competição, adotou-se uma
nova filosofia, tanto nos treinamentos quanto nos discursos. Este artigo pretende
entender como a ditadura militar e a copa do mundo de futebol eram retratados nas
páginas do jornal Folha de Londrina antes, durante e logo após a conquista do
mundial de 1970. As notícias deste periódico foram trabalhadas em sala de aula, 9º
ano do ensino fundamental, por meio de aulas-oficinas, buscando fazer os alunos
interpretarem o texto jornalístico, sabendo que a imprensa era controlada pelo AI-5,
podendo as notícias serem censuradas, para uma melhor compreensão do contexto
social da época, comparando o noticiário político e esportivo. O objetivo principal é
criar um pensamento analítico nos alunos, para estes compreenderem melhor a
sociedade brasileira.
Palavras-chave: Ditadura Militar, Futebol, Copa do Mundo de 1970.
Financiamento: CAPES
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O ano de 1970 foi esportivamente, melhor dizendo, futebolisticamente
fantástico para o povo brasileiro. A Seleção brasileira tornou-se tri-campeã mundial
de futebol na Copa do Mundo no México apresentando jogadas fenomenais e Pelé,
finalmente, conseguiu participar de todas as partidas, demonstrando toda sua
“majestade”, visto que nas Copas do mundo de 1958, 1962 e 1966 não havia jogado
todas as “pelejas”. No entanto em território nacional as coisas estavam turbulentas.
Vivíamos em plena ditadura militar, pessoas eram perseguidas, presas e torturadas.
O medo “pairava” no ar e a maioria da população preferia não tocar no assunto.
Politicamente as coisas não estavam bem, internacionalmente havia uma
desconfiança a respeito das coisas que aqui ocorriam.
O presente artigo é resultado de aulas-oficinas aplicadas no Colégio Estadual
Tsuro Oguido, localizado no Jardim Santa Rita na cidade de Londrina. O mesmo faz
parte do PIBID (Programa Institucional de Bolsa de Iniciação à Docência) da
Universidade Estadual de Londrina - UEL. Este programa tem por objetivo incentivar
o aperfeiçoamento de alunos dos cursos de licenciatura, para que por meio de uma
interação com as escolas da rede pública e seus respectivos professores vivam
experiências construtivas para sua formação enquanto futuros professores. Este ano
foi proposto a temática o golpe militar de 1964 a ser trabalhada em sala de aula
devido ao aniversário de 50 anos do mesmo. Dentro do tema proposto optamos por
trabalhar as questões políticas/esportivas que envolveram a Seleção Brasileira de
Futebol no ano de 1970, aproveitando, assim, o momento que vivíamos com a
realização da Copa do Mundo no Brasil, as manifestações de junho (2013) e a
corrida eleitoral que se iniciava.
Os jovens constróem o conhecimento sobre o passado por referência ao
presente e com suporte em várias formas de conhecimento. Em vários
países a televisão constitui uma fonte de conhecimento a ter em conta, e
não pode afirmar-se que as suas mensagens são sempre recebidas
acriticamente pelos jovens. Há que se explorar de forma sistemática as
idéias que os jovens trazem para a aula quer em relação aos conceitos
substantivos quer em relação aos conceitos ligados à natureza da História,
pois o professor só pode contribuir para a mudança se conhece aquilo que
quer mudar (BARCA, 2004, p. 397).
Trabalhamos com uma turma de 9ª ano, na qual possuía 37 alunos. Nossa
principal fonte de trabalho foram as páginas do jornal Folha de Londrina, periódico
criado em 1947 que circula até hoje na cidade. Pesquisamos e levamos para sala de
aula reportagens das áreas de política, econômica e esportiva do ano de 1970 para
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que os alunos pudessem imaginar o que era o país no período. Contudo, não nos
restringimos apenas ao jornal, sendo utilizado filme (“O ano que meus pais saíram
de férias”) e música (“Pra frente Brasil”). Nosso objetivo era que os alunos pudessem
ver a dualidade social que o Brasil vivenciava, quando ao mesmo tempo o povo se
alegrava e comemorava cada vitória da Seleção no México enquanto ocorriam
perseguições a outros no mesmo período.
Desde o inicio buscamos interagir com os alunos para que estes não fossem
apenas espectador e sim co-autor da aula. Conforme Isabel Barca (2004, p.133)
Ora se o professor estiver empenhado em participar numa educação para o
desenvolvimento, terá de assumir-se como investigador social: aprender a
interpretar o mundo conceptual dos seus alunos, não para de imediato o
classificar em certo/errado, completo/incompleto, mas para que esta sua
compreensão o ajude a modificar positivamente a conceptualização dos
alunos, tal como o construtivismo social propõe. Nesse modelo, o aluno é
efectivamente visto como um dos agentes do seu próprio conhecimento, as
actividades das aulas, diversificadas e intelectualmente desafiadoras, são
realizadas por estes e os produtos daí resultantes são integrados na
avaliação.
Sendo assim, as aulas foram desenvolvidas buscando a todo o momento a
participação dos alunos. A princípio os mesmo se mostraram receosos em participar,
contudo, a partir da segunda aula ocorreu uma participação maior e assim
sucessivamente. O assunto ditadura militar era novo para eles, visto que ainda não
tinham estudado a respeito, porém as imagens de Pelé, Tostão, Rivelino e Cia não
eram novidades. A cada quatro anos, a cada copa do mundo de futebol a imagem
da seleção brasileira de futebol de 1970 é utilizada como propaganda, ficando mais
em evidencia na memória das pessoas. O assunto ditadura, por ser novidade para
eles, causou certo impacto. Alguns não conseguiram entender como isso pôde
ocorrer. A ideia de passar o filme “O ano que meus pais saíram de férias” foi
exatamente para esclarecer essas dúvidas. O filme retrata a vida de um garoto de
10 anos, filho de militantes que precisam fugir para não serem presos. O garoto é
levado para São Paulo para ficar com o avô, que falece no mesmo dia que o menino
chega. Na história, o garoto fanático por futebol, vivencia indiretamente a dualidade
social, ditadura e futebol. O enredo do filme fez com que os alunos pudessem
entender melhor o que era o Brasil nos tempos da ditadura. A utilização da música
“Pra frente Brasil” buscou mostrar como o governo brasileiro utilizou o futebol como
propaganda política antes, durante e após a conquista do mundial.
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O jornal Folha de Londrina fez ampla cobertura do Campeonato Mundial de
futebol realizado no México. Em suas páginas havia grandes espaços reservados
para noticias do Mundial e também da Seleção Brasileira. Assuntos como política e
economia apareciam em um espaço menor. Seu texto era de enaltecimento da
equipe brasileira e seus jogadores, mas havia uma certa desconfiança por conta do
resultado da copa anterior em 1966 na Inglaterra, quando em uma preparação
“propagandística” a seleção acabou sendo eliminada ainda na primeira fase da
competição. Naquela ocasião foram convocados 44 jogadores e estes foram
divididos em quatro grupos, time amarelo, verde, azul e branco. Esses “times”
fizeram diversos amistosos pelo Brasil, foi um desfile de craques, contudo isso
esportivamente foi uma catástrofe, pois destes 44 apenas 22 jogadores iriam para
Copa; resultado: fomos eliminados. Politicamente o desfecho também não foi
satisfatório. As excussões pelo país serviam como propaganda do governo militar,
que havia entrado no poder em 1964, porém a “cereja do bolo” seria a conquista do
campeonato, o que acabou não ocorrendo.
Na revista Manchete de 30 de julho 1966, p.27, Nelson Rodrigues assinava o
artigo “A explosão do caos”, e dizia o seguinte:
A comissão técnica é ré única e nada misteriosa. O jogador brasileiro não
tem culpa de nada, é inocente da cabeça aos sapatos. Continua sendo o
maior craque do Mundo. A comissão Técnica é que preparou, cavou e
cultivou o abismo em que estão metidos não só o futebol do Brasil como 80
milhões de brasileiros. O único aspecto mais ou menos simpático da
Comissão Técnica é o ridículo que esta inserido em todo o seu
comportamento de ópera bufa. Fora disso, a coisa assume uma hediondez
inédita na história de nosso esporte. Êsses homens tiveram tudo – dinheiro,
prestígio, apoio oficial e popular, pão-de-ló, pires de leite, mil e um favores –
e não fizeram nada senão massacrar o time nacional com suas patas. Com
cerca de quatro meses de treinos e de jogos, a Comissão não conseguiu
formar um time.
Para 1970 o cronograma foi diferente para evitar o vexame de quatro anos
antes. Nas eliminatórias para Copa de 1970 o técnico era João Saldanha, o João
“sem medo”. Saldanha por sua vez não era bem visto pelo governo brasileiro, pois
era considerado comunista e ter um comunista como técnico campeão, caso isso
ocorresse, não era exatamente o tipo de propaganda que o governo queria. Deste
modo, a poucos dias do Mundial de futebol Saldanha foi substituído por Zagallo.
Internamente na seleção foi adotado regime de quartel. Os jogadores e comissão
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técnica estavam constantemente vigiados. Tudo tinha que ocorrer exatamente como
o governo desejava, que era a conquista do “caneco”, o que acabou ocorrendo.
Fazendo um contraste com a música “Pra frente Brasil” o jornalista Murilo
Melo Filho, escreveu na revista Manchete de julho de 1970 o artigo “Da Unidade
Nacional em torno de um Caneco”, fazendo um paralelo entre a conquista e a
repressão existente no país.
Era como se o Brasil inteiro estivesse á beira do Gramado íamos todos
juntos, para frente. De repente, surgiu uma corrente. Todos estavam ligados
na mesma emoção. Parecia que todo o Brasil tinha dado a mão e tudo era
um só coração.
A turma do sereno não estava satisfeita com toda essa alegria, assaz
desinteressante dos planos negativistas do quanto pior melhor, do povo
triste, do país derrotado, da nação incapaz. Na fumaça das comemorações
da vitória sobre o Peru, espocavam outros tiros menos festeiros e mais
certeiros. Mas nem mesmo o seqüestro do embaixador de um país que
poderíamos enfrentar nas semifinais conseguiu desviar o povo das
celebrações que, num crescendo, desaguariam no maior carnaval de todos
os tempos. O Brasil estava muito ocupado com seus triunfos para
preocupar-se com seus terroristas.
Neste artigo fica evidenciado que o objetivo do governo havia sido atingido,
visto que a população se uniu em torno do futebol, fatos que ficaram comprovados
também nas reportagens da Folha de Londrina, onde a cada vitória brasileira a
população invadia as ruas e praças para comemorar, e a cada nova partida o jornal
noticiava que haveria nova festa. Era como se o país vivesse em perfeita harmonia.
Como atividade avaliativa dividiu-se a sala em dois grupos e cada um seria
responsável em produzir um jornal. O detalhe era que um grupo teria liberdade total
e outro teria restrições quanto ao que poderia escrever. A intenção aqui era ver se
os alunos haviam entendido como o governo controlava os meios de comunicação,
pois estes eram os informantes do povo. Após quatro aulas, foram oito no total, o
resultado foi satisfatório. O grupo de alunos que tinham liberdade de imprensa
fizeram um jornal que denunciava, cobrava respostas das autoridades, criticavam o
governo quanta a utilização do futebol como propaganda. O segundo grupo, que
possuía restrições também se saiu muito bem elaborando um jornal que enaltecia o
governo, a seleção e condenava aqueles que eram contra o modelo político.
Após as aulas ministradas ficou claro que não importa o assunto trabalhado,
seja História Antiga, Moderna, Contemporânea; seja Geografia, Química ou língua
estrangeira, o aluno sempre tem uma contribuição a dar. O jovem não é um
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recipiente vazio que deve ser preenchido e o professor não é o dono da verdade. O
PIDID/História-UEL propícia aos graduandos que participam do projeto a
oportunidade dessa troca, de uma forma diferente da que ocorre no estágio
obrigatório. Aqui é possível debater, trocar informações com os professores
coordenadores e supervisores de uma forma a construir aulas mais atraentes aos
alunos, para que estes possam desenvolver um pensamente analítico, crítico a
respeito das coisas que ocorrem em nossa sociedade.
Referêcias
BARCA, Isabel. Aula Oficina: Do Projecto a Avaliação. In Barca, I. (Org.), Para Uma
Educação Histórica de Qualidade. Actas das Quartas Jornadas Internacionais de
Educação Histórica. Centro de Investigação em Educação (CIEd), Instituto de
Educação e Psicologia, Braga: Universidade do Minho, 2004.
CAPELATO, Maria Helena. Imprensa e História do Brasil. São Paulo:
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