22 NARCISO ENAMORADO DE ECO? - UPV Universitat Politècnica

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22 NARCISO ENAMORADO DE ECO? - UPV Universitat Politècnica
18º Encontro da Associação Nacional de Pesquisadores em Artes Plásticas
Transversalidades nas Artes Visuais – 21 a 26/09/2009 - Salvador, Bahia
NARCISO ENAMORADO DE ECO?
QUANDO A IMAGEM VISUAL MÓVEL PERSEGUE A MÚSICA:
DO ABSOLUTE FILM AOS VJ’S
Tradução para o português: Profª Drª Maria Herminia Olivera Hernández
MIGUEL MOLINA ALARCÓN
Prof. de Escultura e Medios Áudiovisuais
Dpto de Escultura-Universidade Politécnica de Valencia (Espanha)
RESUMO:
Parte-se da inversão do mito de Narciso e Eco, onde já não e Eco (símbolo da arte
sónica) que se namora, sem ser correspondida, por Narciso (símbolo da arte visual), e
sem trata-se das artes visuais atraídas pela linguagem invisível, sonora da música,
como um desejo de isolar-se do mimetismo narcisista do visual. Esta mudança se
produz com a imagem-técnica em movimento surgida da vanguarda histórica do
chamado cine abstrato ou absolute film da primeira metade do século XX até as
recentes manifestações eletrônicas, como o video-arte e os vídeo-jockeys. Dessa
forma pode-se entender a transversalidade das artes como se de uma relação
“amorosa” de pares se tratara, em seus imaginários recíprocos de projeção de um no
outro, não sendo a final nem um nem ou outro, e sim sua própria transversalidade.
“Echo and Narcissus” (1903) de John William Waterhouse.
As relações entre a música e as artes visuais têm sido uma constante
desde os inícios da humanidade, porém seu acercamento tem sido muitas
vezes reflexo do mito clássico do amor impossível de Eco e Narciso [1], da
constante perseguição amorosa de Eco (filha do ar, a voz) por um indiferente
Narciso (jovem de grande beleza, a imagem) que só era capaz de se ver a se
mesmo e incapaz de escutar a Eco. Esta produção hierárquica do sonido à
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imagem, ao igual que o restante dos sentidos, têm feito que venha rastrejandose ao longo da história, incluso com a aparição do cinema, onde a industria
cinematográfica aconselhava que “a música de um filme não deve ser
ouvida”[2], prejuízo, entre outros, amplamente contestado pelo pensamento
crítico de Theodor W. Adorno e Hanns Eisler em seu livro El cine y la música
(1944). Em ele propõem que deve existir uma relação dialética entre a imagem
e a música, “devem coincidir” mesmo que as vezes seja de forma indireta e
antitética, e seja, em algumas oportunidades, a natureza da música a que
determine a natureza das imagens. Esta “coincidência antitética” já foi recolhida
em um primeiro momento do cinema sonoro por alguns dos principais diretores
soviéticos no Manifiesto sobre el contrapunto sonoro (1928) firmado por
Eisenstein, Pudovkiv e Alexandrov, onde estabeleciam que as “as primeiras
experiências com o sonido devem ser direcionadas até a não coincidência com
as imagens visuais” [3], para que com o tempo fosse criado, “um novo
contraponto orquestral de imagens-visões e imagens-sons”, pois viam em essa
coincidência a função ilusionista do cinema burguês que se contradizia com a
função ideológica do seu cinema-dialético (cinema-soco” lhe chamava
Eisenstein) que mediante a montagem de coincidências e não coincidências de
imagem e som, criavam no espetado ruma sínteses critica em esse “diálogo de
dissonâncias” entre a sintaxes da imagem e a articulação rítmica da música.
Esta coincidência ou não-coincidência de sonido e imagem, evolucionará
a novos conceitos como o de audiovisão, que propõe ao teórico e compositor
de música concreta Michel Chion, onde expõe que a percepção de um médio
sobre o outro os transforma mutuamente: “não se vê o mesmo quando se ouve;
não se ouve o mesmo quando se vê”[4]. Sua relação já não é somatória
contudo sua simbioses nos gera uma nova experiência autônoma, inconcebível
isolando as duas linguagens (ao igual que a equação da montagem
cinematográfica 1+1=3).
O avanço dos medios tecnológicos no século XIX, permitiu uma imagem
técnica em movimento susceptível de reproduzir, respondendo sempre às
necessidades sociológicas e econômicas da percepção burguesa de satisfazer
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ao mesmo tempo uma ilusão de realidade e da própria industrialização da
imagem (a maior ilusão mais sensação da verdade, a maior reprodução mais
negocio). Esses inícios, como foram do cinema mudo, não permitiam ainda o
som no celulóide, mas eram acompanhados os filmes com um pianista ou
pequena orquestra [5], que ajudava a incorporar uma ilusão –mais que realistadramática das imagens projetadas. Essa produção continuou – agora dentro do
celulóide- com o cinema sonoro; contudo uma série de artistas plásticos
procedentes da vanguarda artística do primeiro quarto do século XX, darão
uma guinada e apelarão à linguagem musical como solução a ficar longe de um
cinema mimético-representativo e que além disso não siga os preceitos do
Modo de Representação Institucional [6].
Absolute Film ou pode-se fazer um filme musical sem sonido?
Para a vanguarda histórica a aparição do cinema viria a abri-lhes uma
expectativa de uma nova visualidade que tanto proclamavam, mas que –pelo
contrario- chocava com o uso convencional que se lhe havia outorgado. É por
isso, que muitos artistas plásticos dos distintos movimentos da vanguarda
tiveram um acercamento – mais ou menos feliz- com o cinema: os futuristas
Arnaldo Ginna e Bruno Corra, os cubistas Fernand Léger e Pablo Picasso, os
dadaístas Viking Eggeling, Hans Ritcher e Marcel Duchamp ou os surrealistas
Luis Buñuel, Salvador Dalí e Man Ray. Um desses acercamentos que
destacaríamos pela sua conexão estrutural com a música, tem sido o
denominado como absolute film [7], “cinema abstrato” ou “cinema puro”, assim
chamados pela procura integral de um “ritmo visual puro”, que fosse capaz de
substituir o que tem o cinema de representativo por signos abstratos e o
narrativo pelo ritmo. Mas quando esses artistas de origem preferentemente
pictórico, se estabelecem uma pintura em movimento que tecnologicamente já
era permitido pela filmagem fotograma a fotograma, colidem com o tempo
cinematográfico. Pode-se fazer um filme sem contar uma história? Que sentido
tem mover-se uma pintura?.
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Film “Symphonie Diagonale” (1917-25) de Eggeling.
Para resolver esse dilema recorrem a uma linguagem não mimética que
utiliza o tempo, e esse é a música. Mas não para utilizá-la como ilustração
sonora das imagens, e sim para criar uma conexão estrutural com a sua
linguagem. Dessa forma recolhem formas transdisciplinares comuns a os dois:
o ritmo, a harmonia…., como outras da linguagem musical: sinfonia, fuga,
prelúdio, ballet, etc. Daí surgem títulos de filmes como Le Rythme Coloré
(Leopold
Survage,
inacabado
1913-14),
Symphonie
Diagonale
(Viking
Eggeling, 1917-1925), Prelude et Fugue (Hans Richter, 1920), Opus I (Walter
Ruttmann, 1921), Ballet Mécanique (Fernand Léger, 1924) Arabesques
(Germaine Dulac, 1928-1929) e muitos outros. Há de considerar-se que os
anos aos que correspondem esses filmes não existia ainda o cinema sonoro,
mas que habitualmente o cinema mudo projetava-se acompanhado de
ilustrações musicais que –por vezes- estavam compostas expressamente para
o filme. Nesse caso esses filmes não necessitavam o acompanhamento
musical, eram em se mesmos música visual. Assim –por exemplo- o
considerado o primeiro filme abstrato que chegou a projetar-se publicamente
Symphonie Diagonale (1917-1925) de Viking Eggeling, cria uma analogia das
estruturas musicais (sinfonia, em seu sentido de soar conjuntamente e de ser
uma obra para orquestra (composta em vários movimentos), com as estruturas
plásticas (diagonal, em tanto criar relações polares de consonância,
ressonância, afastamento, renovação, ritmo, periodicidade…). A esses dois
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medios une-se um terceiro, o cinema, daí que Eggeling denominara ao seu
filme Eydodynamic que significa luz e movimento.
Germaine Dulac, realizadora e teórica do “cinema puro” expressou
claramente essa relação: “[a música] brinca com os sonidos em movimento
como nos brincamos com as imagens em movimento. Isso nos ajuda a
compreender o que é a vida visual, desenvolvimento artístico de uma nova
forma de sensibilidade” [8]. Com essa nova forma de entender o cinema e a
sua vez da pintura, lhe leva a afirmar a Fernand Léger que “o erro pictórico é a
temática. O erro do cinema é a guia. Desproveste desse peso negativo, o
cinema pode chegar a ser o gigantesco microscópio das coisas nunca vistas e
nunca pressentidas”[9], e mais, nunca ouvidas.
O sonido óptico ou como soam as imagens? Como ver o sonido?
A partir de 1930 assenta-se de forma generalizada o cinema sonoro,
tecnologia obtida a partir da banda sonora óptica gravada nas margens do
celulóide, onde o sonido gera-se a partir da flutuação da luz de uma luminária
ao
atravessar
dita
banda.
Com
esse
método
estabelece-se
uma
correspondência sintética entre o sonido e a imagem, já que dependendo da
luz que deixa atravessar as formas geradas pela voz ou a música, volta a se
escutar o gravado no celulóide. Isso que aparentemente era uma solução
técnica de simultaneidade sonido-imagem, muitos artistas propõem-se
trabalhar e experimentar diretamente sobre esta banda, já seja desenhando
diretamente sobre ela sem previa gravação ou filmando formas plásticas para
oferecer a possibilidade de ver o sonido e escutar as imagens, assim como
gerar novos sonidos anteriormente não escutados. Esses novos sonidos foram
denominados “sonido sintético”, “sonido óptico” ou “sonido animado” (Animated
sound) pelo seu uso preferencial no cinema de animação. É significativo que
um desses primeiro experimentos Fosse chamado de Tonende Handschrift (“La
escritura sonora”, 1930), filme de animação realizado pelo alemão Rudolph
Pfenninger. Em paralelo a ele, os russos como Arseni Avraamov realizaram
experimentos nesse sentido, como posteriormente o conhecido cineasta Oskar
Fischinger com seu filme Ton Ornamente (“Ornamentos Sonoros”, 1934).
Porém quem mais aprofundou umas possibilidades dessa técnica, foi o
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cineasta anglo-canadense Normam McLaren, que desde os anos cinqüenta do
século passado, experimentou com varias técnicas e quis também que –sem
apenas medios- com só ter filme virgem ou velada de 16mm ou 35mm, um
aficionado em casa poderia fazé-la [10]. Seu filme semi-didático Synchromy
(1971), palavra composta derivada de sincronização e cromático, elabora uma
temática musical Booggie-Woogie (dança dos anos trinta e quarenta derivado
do blues em um tempo rápido) mediante formas abstratas que desenha e
depois filma para levá-lo posteriormente a área da imagem óptica com uma
maquina de “imprensa óptica” (optical printer), e assim restituir o sonido do
boggie gerado por ditas formas. A lógica utilizada era que para uma nota curta
registrava-se um fotograma só e para uma longa vinte ou trinta; quando mais
riscos fazia mais alta era a nota e o volume do sonido era conseguido segundo
cobria a largura da banda óptica do celulóide (a maior cobrimento maior
volume).
Fischinger preparando “Ton Ornamente” (1934).
“Synchromy” (1971) de Norman McLaren.
Um experimento curioso com a banda óptica é a obra Weekend (“Fin de
Semana”, 1930) de Walter Ruttmann, obra considerada pelo autor tanto como
um “filme para u ouvido” como “peça radiofônica”, dado que era um encargo de
Hans Flesh (diretor do programa La Hora de la Radio Berlin) para que realizara
uma obra para a radio dentro do gênero que se denominava film acústico
(termino carimbado pela primeira vez em 1926 por Alfred Baum). Ruttmann
serviu-se da gravação na banda óptica de um filme virgem, para relatar um final
de semana, desde que se deixa a cidade ao voltar a casa, com sonidos
gravados do exterior e montados por corte como se de um filme se tratara.
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Neste filme não há imagens, e foi emitido tanto pela radio (Berlim 1930), como
projetado em um congresso de cinema independente (Bruxelas, 1930). Este
experimento o conecta com seus trabalhos com o cinema absoluto, porém ao
contrário, ali havia imagens que evocavam o sonido sem aquele existir. Assim,
Ruttmann nos ensina que a nossa experiência sempre é sonora-visual, mesmo
que afastemos os medios; porque sempre imaginamos sonidos com as
imagens e visualizamos tudo o que escutamos, por muita escuridão que exista.
O que muda é a experiência individual de cada um.
Cinema Underground e estrutural ou não mais concessões a os
convencionalismos!!
Quando nos anos quarenta e cinqüenta começou a se consolidar o
cinema de Hollywood e onde a música de um filme “não devia ser ouvida”,
surge como resposta em nos Estados Unidos o chamado cinema underground
(“clandestino”) termino político-militar como o de vanguarda, mas agora seu
uso excessivo lhe faz ser um clichê mais comercial, mais que em seus inícios
era uma opção alternativa e oposta ao convencional. Concebido em seu
sentido mais amplo: sem grandes pressupostos, sem produtores, em todos os
formatos (8 ou 16mm), sem trama argumental, sem distribuição comercial, sem
se submeter à ditadura do marketing e do star sistem. Criam seu próprio
cinema independente com seus canais de exibição longes das estruturas
industriais. Emprestam um interes especial pelo uso não convencional e ilógico
da relação entre sonido e imagem: Stan Brakhage, Taka Limura, Tony Conrad,
Shirley Clarke, Kenneth Anger, entre outros. Este ir contra-correnteza leva a
que fossem perseguidos pela polícia, por obsceno e pornográfico, y –em trocaem outras ocasiões a serem subvencionados pelo governo americano. Sua
atitude “anti” lhe serve para servir-se dos mesmos clichês do cinema
convencional para disfrazá-los de parodia. Assim –por exemplo- o filme Scorpio
Rising (1963) de Kenneth Anger, cria um ritual mágico em quatro partes, com
um grupo de motoristas violentos e autodestrutivos, intercalando figuras míticas
de Hollywood (Marlon Brando e James Dean), da política (Hitler) e da religião
(Cristo); todo isso com uma banda sonora que contém azedos comentários e
músicas pop dos anos 60. Com o cinema underground conseguiu escandalizar
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por seu “conteúdo escabroso”, como o cinema estrutural –que será visto mas
adiante- perturbou por sua “forma intransigente”.
“Scorpio Rising” (1963) de Kenneth Anger.
O
Film
Estructural
(também
“3/60 Bäme im Herbst” (1960) de Kurt Kreen
chamado
de
“mínimal”,
“métrico”,
“numérico”…) é carimbado por Sitney e é assim definido porque a duração e a
“estrutura determina o conteúdo”, dando prioridade à forma como elemento
básico em prejuízo do conteúdo. O fotograma é utilizado como unidade mínima
de significação, assim como toda uma serie de recursos –assinalados por
Sitney- como: Posição fixa da maquina, montagem em “bucle” pestanejar ou
destelho, e outros que os aproxima a os experimentos anteriores do cinema
absoluto que anteriormente comentávamos, bem como se unifica também com
o chamado cinema materialista (o celulóide como material, a projeção como
acontecimento, a duração como dimensão concreta). O sonido terá um papel
importante também como elemento estrutural independente à imagem. Assim,
um dos primeiros filmes a que se chamaria estrutural, titulado 3/60 Bäme im
Herbst (“Ärboles en otoño”, 1960) do austríaco Kurt Kren, aplica um sistema
segundo o ato do acontecimento da própria rodagem: brevidade de planos (1 a
9 fotogramas) filmando galhos desfolhados e outras com folhas ou a metade ao
cair, a sua vez que emprega ruído sintético e silencioso. Emprega repetição e
alternância sobre uma estrutura matemática precisa, reconstruindo a realidade
para recompô-la de novo. A banda sonora do filme esta feita a mão com tinta
chinesa pintando diretamente sobre a banda óptica. Esta auto-referência do
cinema estrutural nos quer desvendar a vista e o ouvido, para encontrar sua
própria configuração, outra percepção mais além das evocações e ilusões.
Uma subjetividade métrica sem restrições, nua.
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Video-arte, video-clip e video-flash ou de cómo o “video matou à estrela
da radio” até que “Internet matou à estrela de video”
Fala-se que “o inventor do videoarte [Nam June Paik] foi um músico que
adornava seus instrumentos com todo tipo de quincalharia, que quebrava
violões e extraia música dos objetos, que introduzia em suas composições atos
heterodoxos e provocativos, como quebrar ovos, pintar com a cabeça ou cortar
a cabeça a John Cage” [11], todo isso vem confirmar a estreita relação que
teve a video-criação com a música ou –mais exatamente- com a anti-música.
Esta conexão do video-arte com a experimentação e com todas as artes, nos
cria um fio condutor –no tanto com cineastas- como com os artistas plásticos
que abordaram a música visual no cinema experimental dos anos vinte. É por
isso que músicos, pintores ou escultores se aproximem ao vídeo como um
novo médio – não apenas difusor- mais especialmente co-criador de novas
experiências híbridas: vídeo-dança, vídeo-performance, vídeo-instalação, etc.
O vídeo era primeira tecnologia que permitia gravar imagem e som ao mesmo
tempo, conectando instantaneamente a música com a imagem (“Paik tocou a tv
como se fosse um instrumento musical”), que junto a sua fácil acessibilidade
econômica, tem gerado toda uma serie de trabalhos experimentais. Como
Elements (1978) de Gary Hill que relaciona imagem e som visualizando suas
vibrações e reproduzindo a estrutura da matéria sonora; ou as vídeoperformance de Paik com a artista e interprete musical Charlotte Moorman que
com seu arco de violoncelo toca televisores ou o próprio corpo de Paik; ou os
trabalhos do polonês Zbigniew Rybczynski utilizando técnicas digitais para
transformar e “afinar” todo tipo de objetos (cubos, unhas...) segundo a partitura
– e titulo de seu vídeo - Capriccio nº 29 de Paganini.
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“Concerto for TV Cello and Videotapes” (1971) de Nam June Paik
“O video-arte antecipou a estética do vídeo-clip”, é o que afirma Bob
Pitman, o fundador do canal MTV (Music-Television), é um canal por cabo de
Estados Unidos que apenas emite vídeos musicais às 24 horas ao dia desde
agosto de 1981, mesmo que esta antecipação pode ser estendida até o
absolute film dos anos vinte, já que muitos vídeo-clips têm inserido imagens de
esses filmes (como por exemplo o Ballet Mécanique de Fernand Léger). Mais
não nos enganemos, mesmo que o video-clip [12] apropria-se da liberdade de
experimentação do vídeo-arte, suas finalidade e cometidos são bem diferentes,
mesmo que –como será visto mais adiante- um a outro buscaram-se. O videoclip surge traz o desplazamento da industria do sonido até a industria da
imagem, responde à equação MÚSICA + PUBLICIDADE + TV = VIDEOCLIP,
uma nova forma de promoção mercantil da música, que se serve dos efeitos
visuais e da ausência da narratividade própria do vídeo-arte para faze-lo mais
atrativo e vender mais discos. Com a demanda dos vídeo-clips foram
aparecendo novos canais especializados para eles e novas Agências de
Publicidade (Mansun, Warp) para sua produção, revitalizando-se o papel do
diretor artístico do vídeo-clip, sendo as vezes tão importante como o grupo que
intenta promocioná-lo. Um exemplo é Chris Cunningham, que têm realizado
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video-clips de Brjörk o Aphex Twin, e seu prestigio a levado a que seu trabalho
seja apresentado em um vídeo-room na Bienal de Veneza, um espaço da alta
cultura
reservado
Consequentemente,
aos
os
40
principais
vídeo-artistas
têm
da
arte
realizado
contemporânea.
vídeo-clips
como
Rybczynski, Laurie Anderson, Pipilotti Rist o Jon Sanborn, como uma forma de
se acercar ao grande público. Mais o vídeo-clip têm sofrido mudanças com o
passar dos anos, tanto seu formato como seu médio de difusão vão se
transformando. Prova disso é que desde a emissão do primeiro vídeo-clip que
foi difundido no canal MTV, em agosto de 1981, chamado Video Killed The
Radio Star (“O Video matou à Estrela da Radio”) do grupo The Buggles e
realizado por Russell Mulcahy em 1979; seu conteúdo marcava o
desplazamento da radio (e o carro) como médio de difusão/consumo da música
pop, pelo vídeo (e o sofá): “Te oí en la parte trasera de la radio en el ‘52… en
mi mente y en mi coche, no podemos rebobinarnos… las imágenes vinieron a
romper tu corazón Oh-a-a-a oh… el vídeo mató a la estrella de la radio”. Porém
com a chegada das novas tecnologias digitais a fronteira do vídeo e o
ordenador difundiram, aparecendo um novo movimento do vídeo como
difusão/consumo da música pop, pelo da internet, onde MTV é relegado por
YouTube ou MySpace. Prova de isso é a parodia do anterior video-clip
chamado Internet Killed The Video Star (“A Internet matou à Estrela do Vídeo”)
interpretado pelo grupo The Broad Band e realizado por eStudio.com, no ano
2000. Esse vídeo-clipe apenas é transmitido por internet (shockwave.com), e
encontra-se realizado em Macromedia Flash, um software de animação
adaptado a esse medio, de fato o arquivo pesa menos de 2 Mb, e o conteúdo
da canção é uma resposta ao anterior: “Te ouvi falar na parte posterior do
televisor em ‘92… Inferno, lembro de olhar MTV em mono!... Real Time
streaming rompeu meu coração… Oh-a-oh-oh-oh…podemos descarregar todo
nosso porno… Gravei Ricky Martin em meu DVD-R… Agora é um armazém
global… A Internet matou à estrela do vídeo”. Entre estes video-clips estão
claramente evidenciados umas mudanças de suporte de produção, seu médio
de difusão e modo de recepção; mais –ao contrário- permanece em ambos “a
cosificação” da estrela pop (identificada com o objeto mediático) e o
“fetichismo” da música e o médio de comunicação (humanização da radio, o
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vídeo e internet como se de um par se tratara), que se retrata a própria
alienação da industria cultural e sua permanente renovação.
“Video Killed The Radio Star” (1979)
“Internet Killed The Video Star” (2000)
Vj’s: Manipular imagens ao ritmo eletrônico para passá-la bem ou trazer
algo novo?
Para entender a aparição do video-jockey (“caubói do vídeo”), há que se
remontar à aparição do discjokey (“caubói do disco”) na metade dos anos
cinqüenta com o desenvolvimento do rock’n’roll, já que estes eram os
animadores radiofônicos associados à programação de emissoras musicais,
onde seu trabalho era que o ouvinte desfrutara e comprara a música que
comentavam. Sua influência era muito grande na venda de discos, de fato o
primeiro discjockey chamado Alan Freed, criou a palavra rock’n’roll e
considerava-se co-autor de muitos temas pelo simples fato de transmiti-los, até
que foi denunciado pelo pagamento de dinheiro (chamado “o envelope”) [13]
que lhe passavam as companhias discográficas para que difundiram
determinados discos (posteriormente será a legalizada “lista do chefe” dos 40
principais, e “o envelope” o recebe o chefe da emissora. O discjockey
evolucionou de ser locutor radiofônico de promoção musical a animador de
discotecas (em Espanha lhe chamavam “pinchadiscos”) para fazer dançar e
consumir ao público. Na metade dos anos de 1980 surge o denominado
“discjockey criador” ou “turntablista” (assim chamados pela “arte de fazer girar
as mesas de discos”) demonstrando sua habilidade em gerar efeitos de sonido
e manipulações de rotação e leitura de um prato de giradiscos (como os
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“scratching” ou “beat juggling”) e que se diferenciavam dos meros
“pinchadiscos” que apenas colocavam e misturavam canções. Isto dará nos
inícios dos anos de 1990 a chamada Culture Club, desenvolvida em lugares
menores e com uma música techno dance mais seleta (estilos como o jungle e
outras derivações posteriores como o intelligent techno que tentam quebrar a
dança a golpe de 4x4).
Vj Alex Marco (Method Visuals).
Porém será a meados dos anos de 1990 e princípios do 2000, quando
surgem os Vj´s, entendidos estes como o criadores visuais que animam em
direto com imagens as pistas eletrônicas, uma espécie de artista digital editor,
editing live in front of an audience” [14], como diría Adrian Shaughnessy, que
os leva a gerar una “imagery ad infinitud”. Com os vídeo-clips já se relacionou a
imagem com a música, com o videojockey tenta criar imagens inspiradas com a
música mesclada no mesmo tempo que se produz.
“A tv tem-se convertido em um médio muito tedioso, esta morto, ninguém quer
assistir a televisão; e o cinema tem chegado também a nível semelhante, todo
o mundo sabe o que vai encontrar e por isso procura algo diferente, em cambio
já é hora que aconteça algo novo!” [15]. Contudo esta pretendida inovação
pode cair no vazio e oportunista, conforme expressa a critica do videojockey
Philip Vírus: “Á gente lhe excita muito se subir ao carro com algo novo, que
lhes permite além ganhar dinheiro, o mesmo lhes passa aos Vj´s, por isso é
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importante não cair na superficialidade, tem-se que mesclar coisas que tragam
algo novo e que não estejam vazias, o que ocorre hoje comumente com a
música dance”. Há que assinalar também que o lugar e contexto onde
desenvolvem seu trabalho os Vj´s é majoritariamente nas grandes discotecas,
onde sua finalidade última é conseguir benefícios econômicos mediante a
dança, a música e consumo de álcool, sendo o Vj um atrativo mais: “Quando
você é contratado como Vj´s para uma festa, na realidade o que te encarregam
é entreter às pessoas, a parte principal de teu trabalho é fazer que a passem
bem, que passem um bom momento, em definitiva, em faze-los felizes; pelo
menos é isso que nos tentamos fazer” (VJ Mark van Beest, do grupo Nog
Harder). Às vezes este trabalho do discjockey e o videojockey nesses espaços
(chamados “lugares sociais” pelo Vj Art Jones) são considerados como se de
sacerdotes shamanes eletrônicos se trataram, que são capazes de gerar um
ritual mágico de iniciação desde o seu altar, onde tod@s dançam e
“comungam” extasiados ao redor da música e as imagens, sem tomar
consciência de que pessoas a produzem (“ninguém acostuma fixar-se no que
fazemos” diz Harol Hondijk), porque ainda continua o poder virtual do mito de
Orfeu, que permite que quando soa a música todo é possível, mas que a
tragédia radica quando para e olhamos para trás ..., na dúvida se ainda
Eurídice nos segue.
NOTAS:
[1] “Eco, filha do ar, amava a Narciso com tanta paixão, que lhe seguia por todo lugar, ao bosque, à caça,
junto às fontes, nos mais longes desertos, com a esperança de tira-lhe alguma palavra favorável, um
olhar de carinho, uma prova de afeto. Trabalho inútil: um obstinado desdém era o único premio a tais
desvelos. Abatida pela tristeza e cheia de vergonha por ter-se rebaixado a tantas tentativas humilhantes.
Eco retirou-se ao mais intrincado dos bosques, escolheu por moradia os antros e cavernas e caiu em tal
estado de esgotamento e fraqueza, que não lhe restaram mas que os ossos e mesmo assim estes foram
metamorfoseados em penhascos, não ficando de ela, no final, mas que sua voz” (J.HUMBERT: Mitología
griega y romana. Gustavo Gili, Barcelona, 1988, pp. 243). Esta passagem mitológica corresponde a uma
das metamorfoses narradas segundo Ovídio, escritor romano do século I A.C ver OVIDIO NASÓN, Publio:
Arte de amar y las Metamorfosis. Ed. Iberia. Barcelona, 1989.
[2] ADORNO, Theodor W. y EISLER, Hanns: El cine y la música. Ed. Fundamentos. Madrid, 1976.
[3] EISENSTEIN, Sergei , PUDOVKIN, Vsevolod y ALEXANDROV Grigori: “Manifiesto del contrapunto
sonoro”, publicado por el prof. Oliverio H. Duhalde en:
http://direccionarteysonido.blogspot.com/2008/10/manifiesto-del-contrapunto-sonoro.html
[último acceso 15 de agosto de 2009].
[4] CHION, Michel: La Audiovisión Introducción a un análisis conjunto de la imagen y el sonido.
Paidós Comunicación. Barcelona, 1993, pág. 11.
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18º Encontro da Associação Nacional de Pesquisadores em Artes Plásticas
Transversalidades nas Artes Visuais – 21 a 26/09/2009 - Salvador, Bahia
[5] Músicos como Paul Hindemith e Dimitri Shostakovich, trabalharam como pianistas acompanhando os
filmes mudos, o primeiro deles, Hindemith, compôs a banda sonora de um dos episódios de cinema de
animação de Félix el Gato e do filme dadaísta Fantasmas antes de desayunar de Hans Richter.
[6] BURCH, Noël: Praxis del cine. Ed. Fundamentos. Madrid, 1983.
[7] O conceito de “cinema absoluto” provêm do aplicado anteriormente à “música absoluta”, em oposição
à “música descritiva” ou “programática”, e que nasceu como idéia nos Concertos de Brandenburg (1721)
de Bach, ao não ter estes nenhuma referência a uma história, poesia, dança, cerimônia ou a nenhuma
outra coisa que não foram seus elementos essenciais compositivos: harmonias, ritmos, melodias,
contrapontos, etc.., isto é, a música por se mesma.
[8] Citado por MITRY, Jean: Historia del cine experimental. Fernando Torres Editor. Valencia, 1974,
pág.. 107.
[9] En VVAA: La plástica en el cine. Del impresionismo al pop. Universitat de València, 1988. s.p.
[10] Ver texto de N. McLaren “Banda sonora hecha a mano para principiantes” en BAKEDANO, José J.:
Norman McLaren. Obra Completa 1932-85. Museo de Bellas Artes de Bilbao, 1987. Págs. 227-229
[11] PÉREZ ORNIA, José Ramón: El Arte del Vídeo. Introducción a la historia del vídeo
experimental. RTVE/SERBAL, Barcelona, 1991, pág. 38.
[12] Para os precedentes, origens e características dos vídeo-clips, ver DURÁ, Raúl: Los Video-Clips.
Servicio de Publicaciones de la Universidad Politécnica de Valencia, 1988.
[13] Para a influência da radio no rock ver FRITH, Simon: Sociología del rock. Ed. Júcar. Madrid, 1980.
[14] SHAUGHNESSY, Adrian: “Last night a vj zapped my retinas. The rise and rise of vijing” en
FAULKNER, Michael / D-Fuse (eds.): Vj audio-visual art + vj culture. Published by Laurence King
Publishing, 2006, p. 12
[15] Estas declarações, como as seguintes, são transcrições do Programa de televisão Metrópolis nº
664 (RTVE, 2001) dedicado aos Vj’s, com roteiro de Bárbara Platsch e realizado por Julio Luquero.
CURRÍCULO RESUMIDO (AUTOR):
Miguel Molina Alarcón (Cuenca, España, 1960), Artista sonoro e Catedrático
do Dpto de Escultura da Faculdade de Belas Artes da Universidade Politécnica
de Valencia (Espanha) e Coordenador do Grupo de pesquisa Laboratórios de
Criações Intermídia (LCI). Têm participado em varias mostras nacionais e
internacionais na inter-relação entre as artes visuais e sonoras.
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