DESENVOLVIMENTO SEGUNDO STUART MILL E ALFRED

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DESENVOLVIMENTO SEGUNDO STUART MILL E ALFRED
DESENVOLVIMENTO SEGUNDO STUART MILL E ALFRED MARSHALL1
SOUZA, Nali de Jesus.
Desenvolvimento Econômico. 5a ed. São Paulo: Atlas, 2005.
Uma das principais preocupações dos economistas clássicos foi com o estado estacionário,
situação em que tanto o capital, como a população e o produto param de crescer e as taxas de salário
e de lucro caem para seu nível natural. Como foi visto, para Adam Smith, a economia tende progressivamente ao estado estacionário, pela concorrência entre os empresários, que reduz a taxa de lucro
para seu nível natural, eliminando a possibilidade de acumulação de capital. Já para David Ricardo, o
ano t em que ocorreria o estado estacionário aproximar-se-ia ainda mais rapidamente pela existência
de rendimentos decrescentes na agricultura e pelo crescimento demográfico acelerado, fatores não
neutralizados pelo progresso técnico, que levam à utilização de terras cada vez menos férteis. Desse
modo, o custo de vida aumentaria, assim como os salários nominais, reduzindo a taxa de lucro e os
estímulos ao investimento produtivo.
Stuart Mill, no entanto, possuía uma visão otimista, ao considerar que o ritmo do progresso
técnico superaria o crescimento demográfico, gerando desenvolvimento. Justificava seu otimismo
lembrando que os aperfeiçoamentos na produção, no comércio e nos serviços, pelo uso mais eficiente
do capital conjunto (grandes sociedades anônimas, associações de produtores, cooperativas de produção e consumo) “propiciam espaço e campo para um aumento indefinido do capital e da produção,
assim como para o aumento da população que costuma acompanhá-los” (Mill, 1983, v. 2, p. 214).
1 – Abordagem de Stuart Mill: impactos das inovações tecnológicas
Stuart Mill estudou a influência do progresso técnico sobre a distribuição do produto entre os
capitalistas, trabalhadores e proprietários de terras (Mill, 1983, v. 2, p. 223-233). Aumentos na produção, considerando uma parcela fixa de terra, podem resultar do crescimento demográfico, da acumulação de capital ou de inovações tecnológicas aplicadas na produção. Suponha inicialmente que se
cultivem terras de mesma qualidade e que sejam constantes o estoque de capital, a quantidade de terra e a tecnologia. Havendo crescimento demográfico, enquanto não se estender a margem de cultivo
para terras menos férteis, a competição entre consumidores e trabalhadores pelos produtos e empregos disponíveis aumenta os preços e reduz os salários, aumentando os lucros.
Como os trabalhadores em maior número dividirão a mesma quantidade de mercadorias, o
bem-estar diminuirá. A população necessitará de mais alimentos, e a margem de cultivo deslocar-seá para terras menos férteis, o que reduzirá a produtividade da terra e do trabalho. Maiores quantidades de alimentos serão produzidas com maior custo e seu preço subirá. Com crescimento demográfico e maior demanda de alimentos, sem melhoria tecnológica, a utilização de terras menos férteis au1
Este texto integra, como anexo, o Capítulo 3 do livro Desenvolvimento Econômico (Souza, 2005).
menta a renda nas melhores terras, como foi visto nas Tabelas 3.1 e 3.2 de Souza, 2005.
Supondo que a população não varie, assim como a tecnologia e a qualidade das terras, a expansão do estoque de capital aumentará a produtividade do trabalho: os preços caem e os salários
reais sobem. A melhoria das condições de vida dos trabalhadores aumentará tanto a demanda de alimentos, como a demanda de outros bens e serviços. Sendo assim, a população tenderá a crescer,
pressionando ainda mais a demanda de alimentos e os preços voltarão a subir. Se o progresso técnico
for mais lento do que o crescimento demográfico, a margem de cultivo deslocar-se-á para terras menos férteis. Como foi visto na seção sobre Ricardo, a utilização de terras menos produtivas, com o
mesmo número de trabalhadores e o mesmo estoque de capital, faz subir os preços e os salários, diminuindo os lucros e elevando a renda da terra.
Na ausência de progresso técnico, com quantidade fixa de terra e mesmo consumo individual,
o emprego de mais capital e de mais trabalho, na mesma proporção, aumentará a demanda e os preços dos alimentos. Maiores preços elevam tanto os salários nominais como o valor da produção agrícola. Contudo, eventuais lucros extraordinários não permanecerão com os arrendatários, porque a
competição pela terra transformará parte desse excedente em renda, transferida aos proprietários de
terras (Mill, 1983, v. 2, p. 226).
Considerando fixos o capital e a população, aperfeiçoamentos repentinos nas técnicas de produção, tais como máquinas mais eficientes, processos mais baratos, ou importações de insumos mais
econômicos, reduzirão os preços dos alimentos e os salários nominais, aumentando os lucros (Mill,
1983, v. 2, p. 227). Aperfeiçoamentos nos meios de transportes, por exemplo, expandem as áreas de
mercado e reduzem os custos unitários de transporte, tanto de artigos de luxo, como de produtos consumidos pela classe trabalhadora. As inovações que ocorrem na produção de bens-salário reduzem
seus preços e, então, os salários dos trabalhadores. Assim sendo, a taxa de lucro aumenta. A redução
do preço dos bens de luxo não influencia os salários por não entrarem na cesta de consumo dos trabalhadores.
1.1 Tipos de inovações tecnológicas
Percebe-se, desse modo, que os aperfeiçoamentos na agricultura são fundamentais para o desenvolvimento econômico, tanto por baratear os alimentos e outros produtos consumidos pelos trabalhadores, como por reduzir o custo dos insumos de origem agrícola, utilizados pela indústria. Tais
inovações são de dois tipos: (a) inovações do tipo I (economizam trabalho): com a mesma área e menos trabalhadores, produz-se a mesma quantidade de produto; (b) inovações do tipo II (economizam
terra): com a mesma área e a mesma quantidade de trabalhadores obtêm-se maiores quantidades de
produto; ou a mesma produção, em área menor, com menos trabalhadores. Não sendo necessária uma
produção maior, as terras marginais podem ser abandonadas: o preço dos produtos, os salários nominais e a renda se reduzem, e os lucros aumentam (Mill, 1983, v. 2, p. 228).
Com as inovações do tipo II, economizando-se tanto a terra como o trabalho, o efeito sobre as
terras marginais é ainda mais intenso: áreas menores, produzindo mais, com menos trabalho, exer2
cem fortes impactos sobre a redução dos preços dos produtos agrícolas e dos salários nominais, elevando os lucros. Com o segundo tipo de inovação, o efeito sobre os preços será maior do que com o
primeiro, porque ao efeito tecnologia deve-se acrescentar o efeito recuo da margem extensiva para
terras de fertilidade superior. Os dois tipos de inovações diminuem a renda da terra, mas pelo segundo ela é reduzida mais intensamente (Tabela 1).
A inovação do tipo I abate o preço em 25%, porque a produção do bem incorpora 25% menos
de trabalho. A renda monetária fica diminuída em 25% nos dois tipos de terra. O estoque de capital K
e a quantidade de terra N são constantes. Na situação inicial, o preço de mercado é R$ 2,50. A renda
monetária nas terras do tipo A é igual a R$ 100,00 (40 x 2,50) e nas terras do tipo B é R$ 50,00 (20 x
2,50). A terra do tipo C não gera renda.
Tabela 1 -
Influência da variação tecnológica sobre a renda da terra, lucros e salários, segundo
Stuart Mill.
SITUAÇÃO INICIAL
INOVAÇÃO DO
INOVAÇÃO DO
SITUAÇÃO 3
TIPO DE
P0 = 2,50
TIPO I
TIPO II
P3 = P0 = 2,50
TERRA
P1 = 1,875
P2 = 1,406
CULTI- Produ- Renda Renda Produ- Renda Renda Produ- Renda Renda
Produção Renda Renda
VADA ção
física monetária
física
mone- ção
física mone- ção
física monetária física
tária
física
física
tária
física
A
100
40
100
100
40
75,0 133,33 26,66
37,48
200
80
200
B
80
20
50
80
20
37,5 106,67
0,00
0,00
160
40
100
60
0
0
60
0
0,0
0,00
0,00
0,00
120
0
0
C
TOTAL
240
60
150
240
60 112,5 240,00 26,66
37,48
480
Fonte: Dados adaptados de Mill (1983, v. 2, p. 228 e ss).
Supondo que a demanda de trabalho Ld caia 25%, quais serão os impactos sobre os preços,
salários, lucros e renda da terra? O preço Pn também cairá 25%, assim como os salários, porque são
proporcionais à quantidade de trabalho incorporada na produção do bem (P1 = 0,75 x R$ 2,50 = R$
1,875). Os salários reais permanecem constantes, assim como os lucros. A mesma renda física, inalterada, gera uma renda monetária 25% menor: R$ 75,00 nas terras do tipo A (40 x 1,875) e R$ 37,50
nas terras de tipo B (20 x 1,875). Quem perde são os proprietários de terras e os trabalhadores que
ficaram desempregados.
A inovação do tipo II reduz com mais intensidade o preço e a renda, pois, além de diminuir o
emprego de mão-de-obra, também reduz a terra cultivada. Partindo da situação inicial, suponha que o
capital K permaneça constante e que a tecnologia permita o abandono das terras do tipo C, uma vez
que a produção total pode permanecer igual a 240 t. A redução do emprego de trabalho é proporcional à retração da produção física, isto é, 60/240, ou 25%.
As terras do tipo A e B produzirão, conjuntamente, 240 t de trigo; cada área aumentará a produção em 33,33% (240/180 = 1,3333). A produção de A aumentará para 133,33 (100 x 1,3333) e a de
B para 106,67 (80 x 1,3333). A terra do tipo B regulará o preço do mercado, sem gerar renda. Por
conseguinte, o preço cairá 56,2%, proporcionalmente ao recuo da margem, de R$ 2,50 para R$ 1,406
(R$ 2,50 x 60/106,67). A renda física total passará a 26,66 t (= 133,33 – 106,67) e a renda monetária
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total mudará para R$ 37,48 (26,66 x R$ 1,406).
Como os preços se reduzem mais do que proporcionalmente ao custo dos bens (o trabalho
incorporado cai somente 25%), o salário real aumenta, beneficiando os trabalhadores que continuam
empregados. Os lucros também crescerão porque a combinação da melhoria da produtividade
(33,33%) com a redução dos custos (25%) compensam a queda dos preços (- 56,2). A renda global
da terra cai de R$ 150,00 para R$ 112,50 (tipo I) e para R$ 37,48 (tipo II).
Os proprietários de terras serão, portanto, hostis às inovações tecnológicas, principalmente
em relação àquelas que economizam terras. Na inovação do tipo I, em relação à situação inicial, a
manutenção do salário real constante não afetará o crescimento demográfico se a disponibilidade de
alimentos se mantiver constante. No longo prazo, com o aumento da população, crescerá a demanda
e o preço, o que reduzirá os salários reais e a taxa de lucro, elevando a renda da terra.
Geralmente, ocorrem inovações tecnológicas com aumento do estoque de capital e da demanda de trabalhadores. Se as variações tecnológicas economizarem trabalho e terra, a renda, os preços e
os salários monetários tenderão a baixar e os lucros a subir. Se a população se expandir com maior
velocidade do que o progresso técnico agrícola, irão se reduzir a disponibilidade de alimentos, os
salários reais e os lucros, aumentando a renda fundiária.
Na prática, tem-se verificado crescimento demográfico secular relativamente rápido, com o
progresso tecnológico viabilizando o cultivo de terras improdutivas e evitando a elevação demasiada
dos preços. No longo prazo, a recuperação de terras marginais pela drenagem, correção dos solos e
irrigação, permitindo sua utilização, tende a aumentar a renda nas terras melhores e mais próximas
dos centros urbanos, uma vez que os preços se elevam com os custos de produção e de transporte.
No caso em que duplicam proporcionalmente todos os fatores de produção, em todos os tipos
de terra, sem inovações, ficando inalterados os custos médios, pela duplicação do rendimento (situação 3 da Tabela 1), os preços continuam inalterados e regulados pela terra do tipo C. Nesse caso, duplicam-se tanto a renda física como a renda monetária. O produto continuará sendo obtido com a
mesma quantidade de trabalho, mantendo-se constante a produtividade na terra marginal, como na
situação inicial, não alterando, portanto, seu preço. Quando a produção aumenta dessa forma, o dono
da terra será o único que se beneficiará, porque irá obter maior renda na mesma terra, sem realizar
gastos. Os salários e a taxa de lucro permanecerão constantes, em face do crescimento idêntico tanto
da demanda como da oferta de alimentos.
Em síntese, as inovações tecnológicas aplicadas na agricultura tendem a penalizar os proprietários das terras. Na ausência de inovações, com crescimento demográfico positivo, o custo de subsistência dos trabalhadores tende a elevar-se e os lucros a declinar. Estes últimos efeitos podem, às
vezes, ser neutralizados pela tecnologia, apesar do aumento da população.
1.2 Queda da taxa de lucro no longo prazo
No processo de desenvolvimento de uma economia, a taxa de lucro tende a declinar. Esse fato
é, de certo modo, neutralizado pela tecnologia e por outros fatores, que remetem para o futuro o “fan4
tasma” do estado estacionário. Porém, como a população continua crescendo, aumentando a demanda de alimentos, o progresso tecnológico tem sido feito, preferencialmente, no sentido de viabilizar
terras marginais, permitindo o deslocamento da margem extensiva para terras antes improdutivas e
mais distantes dos centros urbanos. Stuart Mill analisou a proposição de Adam Smith segundo a qual
a taxa de lucro do sistema se reduz com a acumulação do capital, em razão da concorrência criada
pelo aumento do número de empresários, fato que faz o preço do produto cair.
Contudo, à medida que os preços de todos os produtos caem na mesma proporção, incluindose os das matérias-primas, a taxa de lucro se mantém constante. Para que a taxa de lucro caia, é necessário que os preços de alguns insumos se mantenham constantes, enquanto o preço do produto se
reduz; ou que os preços de tais insumos tenham subido, enquanto o preço do produto permaneça
constante. A tendência é a de os salários aumentarem com os preços dos alimentos, como foi visto, e
este fator constitui o item de maior peso no custo de produção.
Mill observou que nem sempre um excesso de oferta deprime os preços, como pensava Smith, porque parte dos novos investimentos se efetua na extração de ouro e de outros metais preciosos,
usados como moeda. Além disso, a oferta monetária pode expandir-se nos bancos, criando moeda
adicional, que age no sentido de elevar a demanda agregada e o nível geral de preços. De outra parte,
se o aumento da oferta de moeda acompanhar a oferta de bens e serviços, o nível geral de preços irá
se manter estável. Não há razão para supor, portanto, que a concorrência entre os produtores seja a
principal responsável pela queda da taxa de lucro no longo prazo (Mill, 1983, v. 2, p. 236).
Os preços são determinados, portanto, não apenas do lado da oferta, mas também pela concorrência do lado da demanda. Como a população cresce, sendo a produção de subsistência limitada
pela qualidade das terras, os preços dos alimentos e os salários monetários tenderão a subir e os lucros a cair. Por conseguinte, a queda da taxa de lucro resulta mais da oferta insuficiente de bens de
consumo dos trabalhadores, que eleva os salários, do que da concorrência entre os produtores. Na
verdade, o aumento da concorrência vista por Adam Smith pode ser interpretado como a redução do
“campo de aplicação” do capital (Mill, 1983, v. 2, p. 237): os melhores negócios vão sendo realizados pelos primeiros empresários que chegam ao mercado e a taxa de retorno dos investimentos vai
caindo à medida que projetos menos rentáveis vão sendo executados e que a margem dos negócios
vai deslocando-se para a fronteira, à semelhança da margem de cultivo.
Novos investimentos ocorrerão enquanto a taxa de retorno r se mantiver acima da taxa de
retorno mínima r*. Assim sendo, o estoque de capital se manterá em crescimento. A diferença (r –
r*) pode reduzir-se pela queda tendencial de r, ou pela elevação de r* = i + i*. Desse modo, os investimentos podem ser inibidos tanto pela elevação da taxa de juro i, como pelo aumento do desviopadrão da taxa de juro (i*), ou prêmio de riscos dos negócios (guerras, corrupção, perigo de desapropriação ou de nacionalização, ineficiência das instituições, instabilidade das políticas governamentais
etc.). Contudo, determinados fatores podem neutralizar a queda tendencial da taxa de lucro, segundo Mill (1983, v. 2, p. 241):
(a) desperdício de capital: durante os períodos de euforia, o superdimensionamento de projetos
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e a indivisibilidade do capital geram capacidade ociosa. No longo prazo, o estoque de capital torna-se mais adequado às necessidades da economia e a produção cresce sem necessidade de investimentos adicionais e os lucros sobem;
(b) aperfeiçoamentos na produção: barateando algum produto consumido pelos trabalhadores,
os salários monetários se reduzem no médio prazo;
(c) insumos mais baratos: o acesso a uma nova fonte de matéria-prima, ou aperfeiçoamentos na
produção e preços mais baixos diminuem os custos; e
(d) exportação de capitais: a busca de terras mais férteis e de outros recursos naturais, assim
como de lucros mais elevados em outros países ou regiões tem sustentado a taxa de lucro no
país ou região de origem.
A exportação de capitais, ao mesmo tempo em que reduz a concorrência interna entre os capitalistas, neutralizando a queda da taxa de lucro, permite o cultivo de produtos alimentares mais baratos no exterior, para consumo dos trabalhadores no país importador. De outra parte, o comércio exterior expande a dimensão do mercado interno e aumenta o campo de aplicação para o capital. Importações de produtos mais baratos para consumo dos trabalhadores (alimentos e produtos intermediários usados na produção de bens de consumo) equivalem ao recuo da margem extensiva dentro do
país, elevando o salário-produto e a taxa de lucro e reduzindo as rendas. Teoricamente, a existência
de fatores neutralizantes à queda da taxa de lucro, como o desenvolvimento tecnológico, não é suficiente para evitar que a sociedade chegue um dia a um estado de crescimento zero. A posição de Stuart Mill, porém, difere daquela de seus mestres, como será visto a seguir.
1.3 O estado estacionário de Stuart Mill
Como foi examinado, tanto para Smith, como para Ricardo, o estado estacionário ocorre antes
que a sociedade tenha atingido um nível de vida suficientemente elevado, e que se elimine a miséria
da grande maioria da população. Para Stuart Mill, ao contrário, o estado estacionário ocorreria com a
maximização do nível de bem-estar do conjunto da sociedade. O progresso tecnológico diversifica-se
continuamente e o estado estacionário deslocar-se-ia para um futuro remoto. Quando ele viesse a
ocorrer, todos teriam atingido elevado padrão de vida. A acumulação de capital cessará, mas a preocupação da sociedade será com a cultura, o lazer e a evolução espiritual. A preservação do meio ambiente faria parte das necessidades do lazer.
“Estou propenso a crer que essa condição estacionária representaria, no conjunto, uma
enorme melhoria de nossa condição atual. Confesso que não me encanta o ideal de vida defendido por aqueles que pensam que o estado normal dos seres humanos é o de sempre lutar
para progredir do ponto de vista econômico; que pensam que atropelar e pisar os outros, dar
cotoveladas e andar sempre no encalço do outro são o destino mais desejável da espécie
humana, quando na realidade são os sintomas desagradáveis de uma das fases do progresso
industrial” (Mill, 1983, p. 252).
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Nos países subdesenvolvidos, a preocupação com o crescimento do produto continuaria, enquanto nos países mais avançados a maior atenção estaria voltada para a distribuição da renda e da
riqueza. Com crescimento econômico tendendo a zero, a população também deixaria de crescer,
mantendo constante a renda per capita. A adoção de um sistema tributário progressivo sobre a renda
e a riqueza, limitando-se os montantes que poderiam ser recebidos como doação ou herança, seria
outra maneira de gerar maior igualdade econômica entre os indivíduos. A sociedade apresentaria um
conjunto amplo de trabalhadores bem remunerados, com grande poder de compra. O tempo para o
lazer seria maior porque o progresso tecnológico evitaria o trabalho pesado e cansativo, reduzindo o
tempo necessário à produção de bens (Mill, 1983, v. 2, p. 254).
2 - Incursão à abordagem neoclássica: Alfred Marshall
A trajetória de uma economia em crescimento foi caracterizada, na visão de Stuart Mill, por
constantes inovações tecnológicas, suscetíveis de reduzir custos e elevar a taxa de lucro, compatibilizando os conflitos distributivos entre capitalistas, trabalhadores e rentistas. Assim sendo, no longo
prazo, ao atingir o estado estacionário, a sociedade teria alcançado, simultaneamente, elevado nível
de vida, vigorando salários relativamente elevados para a classe trabalhadora, com o desaparecimento da miséria do seio da população.
A abordagem neoclássica é similar, predominando uma visão otimista do processo de produção. Segundo os economistas neoclássicos, o crescimento econômico gera distribuição eqüitativa
para todos os agentes econômicos segundo sua contribuição para o processo produtivo. Os frutos do
progresso técnico são distribuídos sem conflitos aos proprietários dos fatores de produção segundo
sua produtividade marginal.
Eles aceitaram o princípio malthusiano da população e, a partir de 1770, apresentaram algumas reformulações e contribuições acerca do pensamento clássico, até então predominante. Três autores destacaram-se por essa época: O fundador da escola austríaca, Carl Menger (1840-1921), o inglês William Jevons (1835-1882) e o francês Léon Walras (1834-1910).2 No início do século 20, os
discípulos desses três economistas aperfeiçoaram a teoria de seus mestres, formando três escolas: a
inglesa, com Alfred Marshall (1842-1824); a austríaca, com Böhm-Bawerk (1851-1914) e a de Lausanne, com Vilfredo Pareto (1848-1923). A escola neoclássica ou marginalista fundamentou a política econômica dos países capitalistas desenvolvidos, principalmente até a Crise de 1929.
Os economistas neoclássicos romperam com a teoria clássica do valor trabalho. Para eles, o
valor dos bens define-se por sua utilidade, ou capacidade de satisfazer às necessidades humanas. O
valor passa a ter um caráter subjetivo e influenciado pela escassez; bens abundantes possuem baixa
2
Walras foi professor da Universidade de Lausanne (Suíça) e um dos fundadores da Economia Matemática; como Menger e Jevons,
ele fundamentou o valor da troca na utilidade marginal e na escassez. Sua maior contribuição foi a análise do equilíbrio geral, através
de um sistema de equações simultâneas. Nesse sistema, há interdependência entre os preços de oferta e de demanda. No equilíbrio
geral dos preços, as quantidades ofertadas e demandadas tornam-se iguais em todos os mercados.
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utilidade marginal e baixo preço, ocorrendo o contrário, quando eles se tornam escassos. Isso é válido também para os fatores de produção. A produtividade de cada fator diminui à medida que aumenta o seu emprego no processo produtivo. Na margem, a produtividade de cada fator reflete sua escassez relativa e, portanto, seu valor. Assim, o preço de cada fator será igual à produtividade marginal
respectiva.
2.1 As suposições neoclássicas
Os clássicos centraram sua análise do lado da oferta, com ênfase na formação dos salários.
Aumentando-se a produção, automaticamente gera-se emprego e renda, implicando no aumento proporcional da demanda agregada. Os neoclássicos raciocinavam explicitamente em termos de uma
função de produção agregada com proporções variáveis. Eles enfocaram a teoria do capital através de
uma relação mais ampla com os salários e os lucros. Essa maior flexibilidade da função de produção
permite que determinado produto seja obtido com mais capital, sem o aumento simultâneo do emprego do fator trabalho e vice-versa.
Contudo, os economistas neoclássicos, ao contrário dos clássicos, não apresentaram uma
formulação de longo prazo, contemplando explicitamente o desenvolvimento econômico. Centraram
sua análise no curto prazo, com ênfase nos problemas de mercado, na melhor alocação de recursos,
isto é, na eficiência microeconômica da produção. Consideravam o desenvolvimento como um processo gradual, contínuo e harmonioso, derivado da acumulação de capital, e “mostravam-se, em geral, otimistas quanto às possibilidades de um progresso econômico contínuo” (Meier e Baldwin,
1968, p. 101).
Nessa linha de pensamento, os economistas neoclássicos consideraram que o sistema econômico tende ao pleno emprego, com preços e salários flexíveis, e que as remunerações dos fatores de
produção se distribuem segundo suas produtividades marginais. Nesse contexto, não existiria conflito
distributivo entre os agentes econômicos, tendo em vista que a própria eficiência alocativa se encarregaria de proceder à justiça distributiva. Ademais, eles supõem que o crescimento econômico tende
a elevar os salários reais dos trabalhadores no longo prazo, tendo em vista a contínua demanda de
trabalho. Para isso contribui a mecanização do trabalho, que aumenta sua produtividade, gerando
rendas médias maiores, tanto para os capitalistas como para os trabalhadores.
Alfred Marshall, o mais representativo dos economistas neoclássicos, ao mencionar alguns
aspectos do desenvolvimento econômico em sua obra fundamental, Princípios de economia, mostrase muito otimista. Para ele, o crescimento da riqueza ocorre de forma gradativa e harmoniosa, fomentada por crescente acumulação de capital, como se pode ver na citação seguinte:
“De todos os lados novas perspectivas se oferecem, todas elas tendendo a transformar o caráter de nossa vida social e industrial, e a habilitar-nos a empregar grandes reservas
de capitais, a fim de promover novas satisfações e novos meios de economizar esforços para
aplicação antecipada destes, tendo em vista necessidades remotas. Parece não haver boa razão para acreditar que estejamos próximos de uma situação estacionária, na qual não haverá novas necessidades importantes a serem satisfeitas, na qual não mais haja lugar para in8
vestir proveitosamente o esforço atual para prevenir o porvir, e na qual a acumulação de riqueza deixará de ser recompensada. Toda a história do homem mostra que suas necessidades se expandem com o crescimento de sua riqueza e de seus conhecimentos” (Marshall,
1982, v. 1, p. 197).
Essa afirmação otimista tem sua razão de ser na capacidade de trabalho do homem e nas possibilidades tecnológicas, que geram novas oportunidades de crescimento. A esse respeito, afirma que
“enquanto a parte que a natureza representa na produção mostra uma tendência para os rendimentos
decrescentes, o papel representado pelo homem mostra uma tendência para os rendimentos crescentes” (Marshall apud Meier e Baldwin, 1968, p. 109). O trabalho e a parcimônia desempenham papel
essencial. A poupança é fundamental para a realização do investimento.
Segundo Marshall, as pessoas poupam por amor à família. A harmonia familiar repete-se no
conjunto da economia, assim como a eficiência da firma se reproduz no agregado. Por conseguinte,
ele não acreditava na existência de um estado estacionário futuro. Novas necessidades de consumo
geram novos investimentos e excessos de produção em relação ao consumo, induzindo novas poupanças e novos investimentos. Ha um círculo virtuoso entre consumo, produção e desenvolvimento
contínuo. Para Marshall, portanto, acumulação de capital, crescimento e desenvolvimento são três
aspectos de um mesmo fenômeno, que se origina, de um lado, no desejo de consumo e, de outro, na
propensão a poupar. As pessoas poupam e acumulam por hábitos de parcimônia e expectativas do
futuro e afeição familiar. A estabilidade social joga um papel importante na formação de poupança
por parte das empresas e dos indivíduos (Marshall, 1982, v. 1, p. 200).
Esses fatores primários da formação de poupança são regulados pela taxa de juro: se ela for
alta, os indivíduos preferem consumir no futuro e auferir rendimentos hoje. Um declínio da taxa de
juro tende a reduzir a oferta de poupança e a acumulação de capital. A taxa de juro é o preço do capital: a oferta de capital (poupança) depende diretamente da taxa de juro; enquanto a demanda de capital (investimento) depende inversamente dessa taxa. O empresário demanda poupança até o ponto em
que a renda marginal da última unidade de capital empregada (taxa de retorno do capital) for maior
ou igual ao custo de captação, ou taxa de juro (Marshall, 1982, v. 1, p. 204).
Marshall e os neoclássicos em seu conjunto consideram a acumulação de capital, a poupança
e a taxa de juro elementos fundamentais do crescimento e do desenvolvimento econômico. As pessoas poupam por motivos econômicos e não econômicos. Variáveis institucionais, como um sistema
financeiro eficiente que capte poupança em excesso em determinadas regiões e setores, e as transfiram para aplicações alternativas em outras partes com insuficiência de recursos, são fundamentais no
desenvolvimento. Mais tarde, economistas da linha neoclássica apontaram que o efeito demonstração
ou desejo de manter o consumo dos países desenvolvidos, por parte dos países subdesenvolvidos,
tem caráter redutor do desenvolvimento, ao baixar a taxa de poupança. Da mesma forma, altos salários na burocracia estatal, comissões estéreis e desvio de verbas para contas particulares ou para os
cofres dos partidos políticos reduzem a capacidade de poupança do país, elevam o desperdício de
recursos e afugentam o ingresso de capitais de instituições internacionais, para obras sociais ou investimentos produtivos.
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2.2 Organização industrial e economias externas
Do lado da produção, Marshall destacou a organização industrial, a divisão do trabalho (economias de escala), e investimentos em infra-estruturas (economias externas) (Marshall, 1982, v. 1, p.
229). Ele criou este último termo, que tem sido empregado em modelos posteriores de crescimento
industrial. As economias externas surgem pelos seguintes fatores: (a) pela concentração de indústrias
em um mesmo local, atraídas pelas interdependências tecnológicas existentes entre as atividades, que
permitem minimizar o custo de transporte de produtos e insumos; (b) pela formação de um mercado
de trabalho especializado; (c) pela troca de idéias entre empresários, que podem reunir-se com maior
facilidade; e (d) pelas melhorias infra-estruturais efetuadas por particulares ou pelo Estado, beneficiando o conjunto do complexo localizado no mesmo local.
Mesmo nos primórdios da civilização, algumas atividades se desenvolveram de preferência
em locais com algumas vantagens de localização, como fácil acesso por terra ou por água, existência
de matéria-prima, ou mão-de-obra. Em função disso, houve uma tendência de as diferentes aldeias se
especializarem na produção de alguns tipos de mercadorias. A concentração industrial, também promovida pelas cortes, atraía a mão-de-obra especializada de muitos lugares, como da Arábia e do Egito. A maior parte da indústria inglesa, antes da era do algodão e do vapor, era mantida por colônias
de flamengos (Marshall, 1982, v. 1, p. 233).
A concentração industrial, facilitada inicialmente pela existência de recursos naturais e por
incentivos, desenvolveu-se pela difusão do progresso técnico. Muitos conhecimentos deixam de ser
segredo e caem no domínio de outros empresários; inúmeras indústrias desenvolvem-se. A disponibilidade de mão-de-obra aglomera as empresas e estas atraem trabalhadores de outras regiões. A existência de empregos alternativos em um mesmo lugar reduz os riscos dos trabalhadores ficarem inativos. De outra parte, a abundância de trabalho qualificado aumenta a segurança das empresas, que
podem aceitar pedidos de produção sem receio de não poder atendê-los por falta de mão-de-obra.
A diversificação industrial forma um mercado com maior oferta de trabalhadores. A expansão
do emprego aumenta a renda familiar, mesmo que haja redução dos salários reais. Contudo, a aglomeração excessiva de indústrias em um mesmo local pode produzir deseconomias externas, como
elevação dos preços dos terrenos e dos salários, pela maior concorrência. Elas surgem, sobretudo,
para firmas de pequeno e médio porte que produzem apenas para o mercado nacional.
Marshall destacou a importância das economias internas para neutralizar as deseconomias
externas. As primeiras surgem com o aumento da escala, principalmente quando a firma passa a produzir também para os mercados externos. A eficiência microeconômica da firma depende, segundo
Marshall (1982, v. 1, p. 240 ss): (a) de sua organização, que se explica pela influência da maquinaria,
que permite maior divisão do trabalho; (b) da concentração de indústrias especializadas em certas
localidades, geradoras de economias externas; (c) da produção em larga escala para exportação, dando surgimento a economias internas; e (d) da capacidade empresarial.
A produção em grande escala para os mercados nacional e internacional permite o uso de máquinas ainda mais especializadas, incrementando a produtividade dos fatores de produção. Com isso,
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os lucros aumentam, estimulando novos investimentos no próprio setor, ou em outros. Empresas de
pequena e média dimensão podem beneficiar-se, igualmente, ao produzirem de forma associada com
grandes firmas mais dinâmicas. “As principais vantagens da produção em massa são a economia de
mão-de-obra, a economia de máquinas e a economia de materiais” (Marshall, 1982, v. 1, p. 239). Em
suma, para Marshall, como para Adam Smith, as causas determinantes do desenvolvimento econômico encontram-se na expansão dos mercados externos. Isso foi exemplificado pelo crescimento da
economia inglesa nos séculos 18 e 19, assim como pelas economias dos EUA, Japão e de outros países anos mais tarde. Isso se explica, segundo os neoclássicos, pela alocação interna mais eficiente de
recursos.
A expansão do mercado externo, contudo, precisa ser efetuada em consonância com a liberdade de comércio e com o desenvolvimento interno dos meios de transporte. Entretanto, Marshall
admitiu algum protecionismo no caso das indústrias nascentes para que “o esforço desenvolvido em
algumas indústrias altamente progressivas se possa estender sobre grande parte do sistema industrial
do país” (Marshall apud Mota, 1964, p. 67). De outra parte, como Adam Smith, ele identificou uma
harmonia de interesses entre a expansão comercial de alguns países e as economias importadoras, à
medida que os primeiros realizam investimentos nos meios de transporte dos últimos, permitindo o
desenvolvimento de seu mercado interno.3
Os fatores não econômicos do desenvolvimento são os seguintes, segundo Marshall (1982, v.
2, p. 307): (a) aperfeiçoamento das leis e das instituições; (b) mobilidade da mão-de-obra; (c) grau de
urbanização; (d) a preocupação com o futuro que induz a poupar no presente; e (e) investimentos em
educação geral e técnica, ou capital humano. Ele preocupou-se também com o “problema da pobreza”, que apresenta implicações econômicas e sociais. Essas causas entrelaçam-se em diferentes níveis, explicando os aspectos cumulativos de miséria (Mota, 1964, p. 69). Exemplo é a questão dos
salários e sua relação com os níveis de vida, os indicadores de desenvolvimento, o custo de produção
e a taxa de lucro da economia.
A contribuição de Marshall foi fundamental para chamar a atenção para a importância da organização interna das empresas no processo de crescimento econômico, individual e coletivo. Grande parte do crescimento econômico ocidental, no final do século 19, foi creditada ao aumento da
produtividade das empresas, proveniente da adoção de novos métodos gerenciais. Contudo, algumas
suposições da análise neoclássica têm-se mostrado pouco realistas, como a idéia de concorrência perfeita, pleno emprego, flexibilidade de preços e salários e harmonia na distribuição de renda.4
3
A China deverá investir em infra-estruturas no Brasil, a partir de 2004/05, visando escoar as exportações brasileiras de soja pelo
Pacífico, reduzindo assim as distâncias e os custos de transporte.
4
Muitos desses pontos foram criticados por Keynes, como será visto no Capítulo 5.
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QUESTÕES PARA REFLEXÃO E DISCUSSÃO
01. Explique os efeitos sobre a renda da terra, lucros e salários de inovações tecnológicas poupadoras
de trabalho e de terra.
02. Quais os fatores da queda da taxa de lucro no longo prazo, segundo Stuart Mill?
03. Qual a visão de Stuart Mill sobre o estado estacionário futuro? Compare-a com a visão de Adam
Smith e David Ricardo.
04. Qual o papel da organização industrial no desenvolvimento econômico segundo Marshall? O que
são economias internas e economias externas?
05. Quais as causas determinantes do desenvolvimento econômico, segundo Marshall?
06. Trace um paralelo entre o pensamento de Alfred Marshall e Stuart Mill.
RERERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
MARSHALL, Alfred. Princípios de economia: tratado introdutório. São Paulo : Abril Cultural,
1982. 2 v.
MEIER, Gerald M., BALDWIN, Robert E. Desenvolvimento econômico. São Paulo : Mestre Jou,
1968.
MILL, John S. Princípios de economia política: com algumas de suas aplicações à filosofia social.
São Paulo : Abril Cultural, 1983. 2v. (Coleção Os Economistas).
MOTA, Fernando de O. Manual do desenvolvimento econômico. Rio de Janeiro : Fundo de Cultura,
1964.
SOUZA, Nali de Jesus. Desenvolvimento Econômico. 5a ed. São Paulo: Atlas, 2005.
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