Aquando - Arquivo Distrital de Évora

Transcrição

Aquando - Arquivo Distrital de Évora
D O C U M E N TO S
PA R A A H I S TÓ R I A
D A TA L H A D O U R A D A
E AZU LEJ O
EM ÉVORA
EXPOSIÇÃO DOCUMENTOS PARA A HISTÓRIA DA TALHA
DOURADA E AZULEJO EM ÉVORA
Organização: Arquivo Distrital de Évora | Centro de História da Arte e
Investigação Artística (CHAIA) | Rota do Azulejo no Alentejo
Textos: Jorge Janeiro, Celso Mangucci, Alexandra Gago da Câmara,
Sílvia Ferreira, Artur Goulart de Melo Borges, Francisco Lameira
Transcrição: Celso Mangucci, Célia Malarranha e Paulina Araújo
Fotografias: Joaquim Carrapato, Artur Goulart de Melo Borges, António
Severo e Miguel Cardoso
Montagem : Francisca Mendes, Rosária Eduardo, Adelina Neto, Estevão
das Neves, Eduarda Fanha, Candida Vieira e Antónia Sá
31 de Outubro de 201 4 – 28 de Março de 2015
ISBN: 978-989-98150-2-5
D O C U M E N TO S
PA RA A H I S TÓ RI A
DA TA L H A D O U RA DA
E AZU LEJ O
E M É VO RA
ARQUIVO DISTRITAL DE ÉVORA | OUTUBRO 201 4 - MARÇO 2015
NOTA DE ABERTURA
Jorge Janeiro
Director do Arquivo Distrital de Évora
N OTA DE ABERTU RA
A di vul gação do patri móni o arqui vísti co do Arqui vo Di stri tal de
Évora e das enti dades do Di stri to faz parte da nossa mi ssão. Apesar das
l i mi tações de mei os, o nosso arqui vo tem vi ndo a organi zar exposi ções
com regul ari dade, normal mente, uma por semestre. O seu i mpacto
j unto da popul ação é rel ati vamente modesto, l i mi tando-se aos
uti l i zadores que nos vi si tam, pel o que, de forma a assegurar a
permanênci a das exposi ções para l á do período em que estão patentes
ao públ i co, entendeu-se que se deveri a di sponi bi l i zar gratui tamente os
seus catál ogos na I nternet. Como Servi ço Públ i co dei tamos mão às
ferramentas tecnol ógi cas para democrati zar o acesso à Cul tura,
contri bui ndo para a formação dos ci dadãos.
Os arqui vos têm vi ndo a ser ol hados como espaços reservados a
públ i cos erudi tos, com forte preval ênci a dos hi stori adores. O Arqui vo
Di stri tal de Évora está apostado em modi fi car essa vi são, tendo uma
estratégi a de abertura a toda a popul ação através da publ i cação do
Bol eti m, das vi si tas gui adas e das Ofi ci nas Educati vas e a todas as
enti dades através de proj etos de di vul gação do patri móni o e de
qual i fi cação dos si stemas de arqui vo. Estamos na Era das parceri as e
dos proj etos col aborati vos em que cada pessoa ou enti dade se pode
revel ar uma mai s-val i a para o sucesso dos produtos e servi ços
prestados a ci dadãos cada vez mai s exi gentes.
A exposi ção “Documentos para a H i stóri a dos Azul ej os e Tal ha
Dourada em Évora” é produto de um esforço de coordenação de vári as
pessoas e enti dades. N o entanto, há que destacar o Dr. Cel so
Mangucci , responsável pri nci pal pel a sua organi zação. A exposi ção
nasce do tratamento documental real i zado por este técni co a al guns
fundos durante a sua permanênci a neste Arqui vo Di stri tal . Di fi ci l mente
teri a si do produzi da por outra pessoa da nossa
organi zação, poi s apenas o Dr. Cel so Mangucci
tem sensi bi l i dade, apurada por mui tos anos de
estudo, para a H i stóri a da Arte.
Através do percurso exposi ti vo é possível
apercebermo-nos da i mportânci a dos arqui vos
para a l egi bi l i dade do patri móni o edi fi cado,
sustentando-se os vári os estudos do catál ogo
nas fontes documentai s di sponívei s e
conheci das para, através do cruzamento de
i nformação, compl ementarem o conheci mento
acerca das vári as obras de arte tocadas por esta
exposi ção.
A compl ementari dade entre arqui vos e
monumentos consti tui , portanto, um aspeto
cruci al na val ori zação do patri móni o cul tural ,
especi al mente numa al tura em que o Al entej o
el ege a cul tura como um vetor estratégi co para
o seu desenvolvi mento até 2 02 0. A
conservação e rentabi l i zação do patri móni o
edi fi cado ganham com o recurso aos arqui vos,
verdadei ros reposi tóri os do passado que
aj udam a compreender o que exi ste e a
recuperar o que desapareceu pel as mai s
di versas vi ci ssi tudes. Os documentos permi tem
uma anál i se retrospeti va que pode cati var os
vi si tantes quando estes se encontram, por
exempl o, perante um al tar-mor. Razão pel a
qual se poderi a arti cul ar, cada vez mai s, a
contempl ação com o forneci mento de
i nformação baseada nos documentos que
sati sfaça o apeti te de um públ i co cuj o perfi l se
assume como conhecedor, em busca de
produtos cul turai s rel ati vamente compl exos.
Os regi stos confi rmam as datas, os
i nterveni entes, os val ores e as escol has em
torno da produção azul ej ar e da tal ha em Évora,
comprovando tendênci as artísti cas, pensamento
pol íti co, rel i gi oso e cul tural , rel ações soci ai s e
j ogos de força ao l ongo daquel a época.
Évora, como é possível apercebermo-nos
com esta exposi ção, teve um forte l abor no que
respei ta à tal ha e à azul ej ari a, convertendo-se
num centro que i rradi ava a sua i nfl uênci a sobre
a regi ão. Aqui se i nstal aram mestres ori undos
de outros pontos do país e até estrangei ros,
havendo vári as ofi ci nas na ci dade com
di ferentes nívei s de qual i dade. A devoção,
benefi ci ando da exi stênci a de recursos, ganhou
expressão materi al em múl ti pl as obras que
ai nda hoj e perduram, dando o seu pecúl i o para
que Évora fosse Ci dade Patri móni o Mundi al da
U N ESCO.
Esse l egado atrai mi l hares de vi si tantes
cati vados pel a bel eza desl umbrante dos
monumentos e pel a sua hi stóri a, escri ta com
base nos documentos exi stentes nos arqui vos. A
cul tura, ao i nvés de ser um peso, afi rma-se,
cada vez mai s, como um ati vo preci oso para a
sustentabi l i dade do terri tóri o, enfrentando com
sucesso o probl ema do despovoamento. H oj e,
Évora é o exempl o do potenci al que a cul tura
encerra para garanti r a vi tal i dade económi ca,
tão necessári a para a fi xação de gente.
A presente exposi ção é mai s um contri buto
para a di vul gação do nosso patri móni o de uma
forma i ntegrada, poi s esse é o cami nho a segui r
para expl orar todo o potenci al exi stente na
ci dade de Évora.
G ostari a, agora, de agradecer
Jesus e a Samaritana. Gabriel del Barco, 1 700. I greja de Santiago. Foto António Severo.
a todos os que se esforçaram
para que a exposi ção fosse
possível , em especi al à Câmara
Muni ci pal de Évora, à
Associ ação das G ui as
I ntérpretes de Évora, ao
fotógrafo Antóni o Severo, ao
Padre Manuel Madurei ra da
Si lva, ao Centro de H i stóri a de
Arte e I nvesti gação Artísti ca e
aos vári os autores de arti gos
que enri queceram de forma
notável este catál ogo: Franci sco
Lamei ra, da Uni versi dade do
Al garve; Sílvi a Ferrei ra, da
Uni versi dade N ova de Li sboa;
Artur G oul art, Coordenador do
I nventári o Artísti co da
Arqui di ocese de Évora; e
Al exandra G ago da Câmara, da
Uni versi dade Aberta.
Convi do-vos, fi nal mente, a
usufrui r do pri vi l égi o de aceder
a esta exposi ção!
TALHA E AZULEJOS. AS ARTES EM "CON TEXTO"
NOTAS PARA A VI SI TA À EXPOSI ÇÃO
Maria Alexandra Trindade Gago da Câmara
Universidade Aberta CHAI A
A ci dade de Évora, centro urbano i mportante, nos fi nai s do sécul o
XV e na pri mei ra metade do sécul o XVI , congregou um esforço de
proj eção da sua i denti dade cul tural que, por vári as vezes, em si tuações
hi stóri cas rel evantes, desempenhou o papel de capi tal cul tural do Sul
do País, e de centro di fusor de novas i dei as artísti cas.
Ao l ongo da época moderna, esta regi ão parti l ha tradi ções cul turai s
sej a como sede do poder rel i gi oso ou sej a na sua progressi va
i mpl antação de di versas ordens rel i gi osas.
N este âmbi to geográfi co, pol íti co e cul tural , as artes da tal ha e do
azul ej o são duas das mai s i mportantes expressões de arte apl i cada
presentes no patri móni o edi fi cado rel i gi oso de Évora. É este um
patri móni o i ntegrado que se reveste de um si gni fi cado profundo no
contexto da obra de arte total do barroco português que é preci so
el encar, i nventari ar a dar a conhecer.
Estas artes assumem-se deste i níci o como agentes transformadores
do espaço rel i gi oso, dotando al guns conj untos da regi ão do Al entej o
meri di onal de uma presença si ngul ar e ori gi nal , consti tui ndo uma
i mensa produção artísti ca.
É especi fi camente em rel ação ao azul ej o, por todos reconheci da, a
sua rel ação i ntrínseca com a arqui tetura.
N este contexto al argado, surge em 2 01 1 i ntegrado na l i nha de
i nvesti gação em H i stóri a de Arte do Centro de H i stóri a da Arte e
I nvesti gação Artísti ca da Uni versi dade de Évora (CH AI A) em parceri a
com o Laboratóri o H ERCU LES – H erança Cul tural , Estudo de
Salvaguarda e a Di reção Regi onal de Cul tura do Al entej o, estendendose às di ferentes autarqui as e às enti dades que gerem espaços
monumentai s - um proj eto de trabal ho sobre a Rota do Azul ej o no
TALH A
E AZU LEJ OS
AS ARTES EM
"CON TEXTO"
Al entej o, cuj o obj eti vo tem si do dar a
conhecer o Patri móni o Azul ej ar dos sécul os
XVI a XX, com a fi nal i dade de di vul gar uma
i denti dade artísti ca que é também um fator de
di nami zação cul tural , soci al e económi ca.
A ri queza do patri móni o azul ej ar hi stóri co
na Regi ão do Al entej o, é i ncontornável , com
edi fíci os embl emáti cos, rel evantes tanto no
âmbi to regi onal quanto naci onal , permi ti ndo a
estruturação de uma rota que val ori za a frui ção
deste patri móni o no terri tóri o.
A i nformação ao vi si tante, sej a em vi agem
cul tural ou de l azer, é o ei xo fundamental do
proj eto que se estrutura pel a edi ção de
publ i cações (rotei ros, monografi as e
desdobrávei s) e produção de conteúdos di gi tai s
faci l i tando o acesso e a pesqui sa a
documentação vari ada.
A presente exposi ção real i zada pel o
Arqui vo Di stri tal de Évora pretende di vul gar
documentação arqui vísti ca i mportante para o
estudo do azul ej o e da tal ha dourada associ ada
a núcl eos rel evantes para a hi stóri a da
azul ej ari a portuguesa, como as obras de
G abri el del Barco para a i grej a de Santi ago e
de Ol i vei ra Bernardes para a i grej a dos Lói os e
da Mi seri córdi a de Évora. N a tal ha dourada
podemos menci onar a títul o de exempl o os
documentos rel aci onados com as campanhas
protagoni zadas pel o mestre ental hador
Franci sco Machado para a i grej a de Santo
Antão, de Franci sco da Si lva para a
Mi seri córdi a de Évora e de Sebasti ão Abreu do
Ó para a i grej a do Convento dos Remédi os.
Em compl emento à presente exposi ção, a
Rota do Azul ej o no Al entej o col abora na
real i zação de um programa de vi si tas gui adas e
num programa específi co de formação para os
gui as turísti cos e para os técni cos que
trabal ham quoti di anamente na salvaguarda
desse patri móni o.
A CON DI ÇÃO DE AUTOR NAS CAMPAN HAS DE TALHA
DOURADA E AZULEJOS
Celso Mangucci. CHAI A Universidade de Évora
Eureka! Uma emoção prazentei ra, quase i nfanti l , recompensa o
i nvesti gador quando encontra um documento rel aci onado como uma
obra de arte. É como se, depoi s de fasti di osas horas de pesqui sa nos
arqui vos, o esqueci mento e as dúvi das dessem l ugar a certeza da
autori a, a cl ari fi cação da cronol ogi a e do esti l o hi stóri co, concei tos
chaves que organi zam, ai nda que de forma i mperfei ta, as nossas i dei as
sobre a hi stóri a da arte. A própri a condi ção do hi stori ador, geral mente
i mersa no carácter duvi doso de um j uízo críti co arbi trári o, ganha uma
nova credi bi l i dade com a di vul gação desses factos i ndesmentívei s,
conferi ndo uma espéci e de bi l hete de i denti dade aos conj untos de
tal ha dourada e azul ej ari a, como os que se fazem referênci a nessa
exposi ção sobre os documentos do Arqui vo Di stri tal de Évora.
Mas ao contrári o do que poderíamos i magi nar – e sem desval ori zar
a enorme i mportânci a do aporte das notíci as trazi das pel os
documentos -, o momento exul tante de Arqui medes é rel ati vamente
passagei ro, assumi ndo-se como o ponto de parti da para um sem
número de tarefas que, auxi l i adas por outros campos de conheci mento,
aj udam a construi r a al teri dade das artes decorati vas, al go rebel de em
se encai xar naquel as categori as pré-defi ni das.
Um dos pri mei ros desafi os que se col oca ao i nvesti gador é
compati bi l i zar as i nformações trazi das pel os documentos com a
real i dade materi al da obra de arte. N ão é raro terem ocorri do
transformações posteri ores ao proj ecto i ni ci al e, mui to menos, o
documento ser “apenas” uma memóri a escri ta de uma obra pl ásti ca
perdi da.
U l trapassado esse pri mei ro obstácul o e vol tando as nossas
categori as fundamentai s, os documentos, na mai or parte das vezes, não
são sufi ci entemente cl aros para di ri mi r a questão de autori a. É provável
A CON DI ÇÃO
DE AU TOR
N AS CAMPAN H AS
DE TALH A
DOU RADA E
AZU LEJ OS
que mui tos mestres ental hadores não sej am os
autores dos desenhos, proj ectos ou rascunhos,
e cumpram apenas o papel de executores de
obras pl aneadas por outros arti stas. Um das
excepções, o contrato notari al cel ebrado em
Évora, em 1 749, i denti fi ca o actual mente pouco
conheci do mestre ental hador J oão Luís como
autor do “ri sco” do retábul o da capel a-mor do
convento de São J osé 1 , obra embl emáti ca do
rococó al entej ano, que seri a executado por
Sebasti ão Abreu do Ó, na época herdei ro de
uma ofi ci na concei tuada na ci dade de Évora.
Apesar de só recentemente val ori zada na
bi bl i ografi a da especi al i dade, também para os
azul ej os podemos confi rmar a exi stênci a de
desenhos “de concepção”, como o que o pi ntor
Marcos da Cruz el aborou, em 1 675, para os
azul ej os do l avatóri o da sacri sti a da i grej a do
Loreto 2 , em Li sboa. Com um i mpacto acresci do
foram os cartões el aborados pel o pi ntor
Vi tori no Manuel da Serra (1 692 - 1 747), a crer
nas pal avras do seu bi ógrafo, um dos grandes
responsávei s pel a i ntrodução da ornamentação
rocai l l e 3 , e assi m da própri a renovação da
azul ej ari a do período.
Também para os tectos de brutescos houve
cui dado em preparar e anal i sar model os:
podemos l embrar os que J osé Ferrei ra de
Araúj o apresentou para os cai xotões da I grej a
de Santos-o-Vel ho, em Li sboa, ou o pagamento
de quatro moedas de ouro, real i zado pel o
arcebi spo de Évora, Frei Luís da Si lva Tel es,
para o desenho do desapareci do tecto da i grej a
paroqui al de São Pedro de Évora.
Fora do contexto dos documentos escri tos
que estamos anal i sando, é ai nda possível traçar
paral el os bastante aproxi mados com as
gravuras que servi ram de base tanto das
composi ções dos azul ej os quanto da
arqui tectura da tal ha dourada, o que abre
cami nho para o reconheci mento de uma
tradi ção artísti ca e de uma cul tura específi ca
dos arqui tectos e pi ntores.
N o caso dos azul ej os, os contratos real i zamse quase sempre com os mestres l adri l hadores,
responsávei s pel a total i dade da encomenda, o
que provocou confusões si stemáti cas sobre a
autori a das obras, atri bui ndo-se a Manuel
Borges as obras pi ntadas por Antóni o Ol i vei ra
Bernardes, a Bartol omeu Antunes os trabal hos
de N i col au de Frei tas, Val enti m de Al mei da e
Sebasti ão de Al mei da. Essa confusão ai nda
perdura no caso de Domi ngos de Al mei da,
mestre l adri l hador conheci do pel a sua
acti vi dade no Al garve, que, para baral har mai s
as contas, foi autor do desenho de um
retábul o 4 , e no de Franci sco J orge da Costa 5 ,
“mestre azul ej ador da Casa do I nfantado e da
Real Casa das Obras”, l i gado às obras régi as e
à Fabri ca do Rato.
Mas esse é o menor dos probl emas de se
uti l i zar uma categori a demasi ado decal cada da
noção contemporânea do arti sta enquanto
responsável por todo o processo artísti co desde
a concepção até o fi nal da obra. A di fi cul dade
pri mei ra em defi ni r uma enti dade autoral úni ca
advém da própri a natureza col ecti va da
execução das encomendas de azul ej os, tal ha
dourada e pi nturas de tecto. Só ofi ci nas bem
estruturadas ou companhi as formadas por
vári os mestres são capazes de executar
conj untos tão extensos em curtos espaços de
tempo. Como exempl o dessa feéri ca acti vi dade,
a ofi ci na de G abri el del Barco 6 executa, entre
os anos de 1 699 e 1 700, o monumental
revesti mento da nave da i grej a do Convento de
N ossa Senhora da Assunção de Arrai ol os, os
azul ej os para a nave da i grej a de Santi ago e
ai nda para a casa da I rmandade do Santíssi mo
Sacramento de São Mamede enquanto a ofi ci na
de Franci sco Machado executa os vári os
retábul os da i grej a de São Pedro e o da capel amor de Santo Antão, nos anos a segui r, entre
1 700 e 1 702 .
N ão só as ofi ci nas congregam di versos
mestres, ofi ci ai s e aprendi zes, mui tas vezes
l i gados por l aços de parentesco, mas,
provavel mente, em função da extensão e dos
prazos restri tos de execução, uma mesma
encomenda poderi a ser subdi vi di da por
di versas ofi ci nas. É o que se pode depreender
da documentação rel aci onada com o
apuramento da herança de Bartol omeu
Antunes 7 que, para al ém do seu genro N i col au
de Frei tas, revel a vári os pi ntores, al guns ai nda
com obra por i denti fi car, ao servi ço de um dos
mai s i mportantes mestres l adri l hadores de
Li sboa, no segundo quartel do sécul o XVI I I .
A noção de percurso i ndi vi dual artísti co,
outra das característi cas que normal mente
associ amos à condi ção do arti sta, também deve
ser uti l i zada com precaução, j á que os
documentos nomei am, por i ndi cação dos
comi tentes, di versas obras model o, cri ando
si tuações de conti nui dade entre obras de
autores di ferentes. É esse o caso quase cari cato
do retábul o de N ossa Senhora das Dores que
J oão de Al mei da N egrão real i zou para uma das
capel as col aterai s da i grej a de Santi ago de
Évora 8 e que deveri a reproduzi r nada mai s nada
menos que o model o do retábul o de Santana da
mesma i grej a, o pavi l hão superi or dos retábul os
das capel as col aterai s do Convento de São J osé
(de Sebasti ão Abreu do Ó), os sacrári os do
retábul o das capel as col aterai s da i grej a do
convento de N ossa Senhora da G raça,
chegando-se ao pormenor de i ndi car para a
vi tri na do Senhor Morto o model o de uma porta
de correr i dênti ca ao al tar da mesma i nvocação
deste úl ti mo convento. Ai nda na i grej a de
Santi ago, o retábul o da capel a-mor real i zado,
em 1 71 9, por um mestre secundári o, devi a
reproduzi r o agora desapareci do retábul o da
capel a-mor de São Pedro, real i zado cerca de
duas décadas antes pel o mestre ental hador
Franci sco Machado 9 .
Em senti do negati vo, é parti cul armente
i nteressante a comparação estabel eci da no
contrato para a i grej a dos Lói os de Évora,
cel ebrado em 1 71 0, em que se cri ti ca a
qual i dade dos azul ej os que, na década anteri or,
G abri el del Barco real i zou para o convento da
13
mesma congregação em Arrai ol os. Exi ge-se um
azul ej o “mel hor, mai s cl aro, e mai s fi no”,
demonstrando a enorme i mportânci a da
expressi vi dade i ntrínseca de cada um dos
materi ai s que, como sabemos, depende
também das condi ções técni cas das ol ari as e
do saber dos mestres ol ei ros e, no caso da
tal ha dourada, dos pi ntores douradores, outras
das duas especi al i dades pel a qual se deve
di vi di r a responsabi l i dade da autori a. Como
demonstra o termo do contrato para a tal ha da
Mi seri córdi a de Évora, real i zada com quatro
pi ntores da ci dade, o douramento uti l i za vári os
recursos pi ctóri cos com a adi ção de
pol i cromi a, efei tos de “encarnação” e
al ternânci a do tratamento de superfíci e entre
fosco e bri l hante, numa i ntervenção geral mente
di spendi osa e normal mente real i zada anos
após a concl usão da obra de ental he. É
evi dente, pel a qual i dade do vocabul ári o
técni co empregue na redacção do contrato, que
a i rmandade possui um consul tor técni co,
al guém com reconheci da experi ênci a na área,
e que as opções estéti cas em úl ti ma i nstânci a
são da responsabi l i dade da di recção: “e
paressendo a esta meza que se l he fação al guns
foscos serão feytos sobre ouro o que fi cara ao
arbi tri o da mesma determi nar se há de l evar a
di ta obra os taes foscos ou se há de tudo ser
burni do” 1 0 .
N esse período, os frescos, a tal ha dourada,
os azul ej os e as pi nturas a ól eo combi nam-se
para cri ar uma “obra de arte total ”, que
conj ugam doi s pl anos di ferentes, um
decorati vo e outro i conográfi co. Numa pri mei ra
l ei tura, o pl ano i conográfi co é i medi atamente
perceptível como o fi o condutor da obra, e os
passos da vi da de São Lourenço J usti ni ano,
patente nos azul ej os da i grej a dos Lói os de
Arrai ol os e Évora, encontra-se descri ta na obra
do hi stori ador Franci sco de Santa Mari a,
publ i cada em 1 699. Mas esse rel ato escri to
também será adaptado numa nova narrati va
vi sual por um pl ano i conográfi co que também
recl ama autori a: em Arrai ol os, pel o pi ntor
G abri el del Barco segundo o pl ano concebi do
por Frei Bernardo de São J eróni mo e, em Évora,
por Antóni o de Ol i vei ra Bernardes segundo as
i ndi cações do bi spo coadj utor D. Di ogo
J usti ni ano da Anunci ação (m.1 71 3 ), confrade
l ói o que efecti vamente di ri gi a os desti nos do
arcebi spado nas ausênci as prol ongadas de D.
Si mão da G ama.
O control o do programa i conográfi co, tema
fundamental da teori a artísti ca pós Concíl i o de
Trento, apoi a-se na própri a hi erarqui a
i nsti tuci onal ecl esi ásti ca, e os documentos
comprovam a submi ssão da I rmandade do
Santíssi mo Sacramento de Santi ago 1 1 aos
desígni os do arcebi spo Luís da Si lva Tel es,
ai nda que houvesse a contri bui ção fi nancei ra
de todos os fregueses e i rmandades da
paróqui a. A exi stênci a de um pl ano
i conográfi co semel hante tanto para os azul ej os
e frescos da nave da i grej a de Santi ago quanto
para a casa da i rmandade do Santíssi mo
Sacramento de São Mamede permi te-nos, mai s
uma vez, aval i ar o peso deci si vo da sua
i ntervenção na real i zação dessas duas obras 1 2 .
Será também sob a supervi são e patrocíni o
do Arcebi spo de Évora, D. Si mão da G ama, ao
acumul ar o cargo de provedor da Mi seri córdi a
Évora, “por especi al provi zão de sua
magestade”, que, no ano de 1 71 0, se formal i za
o contrato com Franci sco da Si lva para a
enorme emprei tada de tal ha, com um custo de
4 mi l cruzados. Com um programa decorati vo
de total renovação do espaço i nterno, o
programa i conográfi co, mui to provavel mente de
autori a de D. Di ogo da Anunci ação J usti ni ano,
di stri bui -se pel as tel as de Franci sco Lopes
Mendes e pel os azul ej os de Antóni o de Ol i vei ra
Bernardes 1 3 . O contrato com o mestre
l adri l hador Manuel Borges menci ona a
exi stênci a de um desenho, um pl ano
i conográfi co, com a di stri bui ção dos temas, que
servi ri a também para o control e fi nal da obra:
“que azul i asse reparti ndo o azul ei i o em sete
Sofrer as injúrias com paciência. António de Oliveira Bernardes, 1 71 6. I greja da Misericórdia de Évora. Foto Joaquim Carrapato.
15
passos das obras espi ri tuai s da mi zeri cordi a
com vari os embl emas por baxo dos di tos
passos de que se l he dara um papel
decl arando-se os passos e embl emas em que
sera assi gnado pel l o thezourei ro desta meza o
qual mostrara depoi s do di to azol ei i o asi ntado
na i grei a para ver se esta fei to na forma do
estrato que se l he der assi gnado… ” 1 4 .
Ao contrári o do que às vezes é assumi do
pel a hi stori ografi a do Barroco português, mai s
di fíci l é comprovar a exi stênci a de um pl ano
decorati vo unívoco executado com ri gor, tanto
mai s que as campanhas tendem a prol ongar-se
no tempo, não raro por vári as décadas.
Sabemos que o arqui tecto Pero Vaz Perei ra,
autor da traça da I grej a de Santa Mari a de
Machede, em 1 604, mercê da sua formação
romana e da sua experi ênci a no
acompanhamento das campanhas do Paço
Ducal de Vi l a Vi çosa, certamente pl aneou a
decoração de frescos, estuques e azul ej os
daquel a i grej a 1 5 e também as decorações da
N ossa Senhora da G raça do Di vor. Com
propósi tos ai nda mai s i nfl uentes na concepção
i nterna do espaço rel i gi oso, o arqui tecto J oão
Antunes, na sua memóri a descri ti va da
campanha de reconstrução da actual mente
desapareci da i grej a de N ossa Senhora da
Vi tóri a, previ u a preparação materi al necessári a
para a col ocação dos azul ej os das capel as e
sugere a sol ução mai s económi ca da real i zação
dos retábul os de mármores col ori dos em
madei ra pi ntada 1 6 . Embora nos fal te mai s dados
para uma correcta aval i ação, ambos os casos
são bons i ndíci os do papel desempenhado
pel os arqui tectos na concepção de proj ectos de
edi fi cação acompanhados por um pl ano
decorati vo geral .
Para al ém dos pl anos decorati vos mai s
erudi tos, a i dei a de exi sti r uma certa
conti nui dade expressi va entre a tal ha dourada
e os azul ej os parece enrai zada nos programas
decorati vos da pri mei ra metade do sécul o XVI I ,
quando os azul ej os enxaquetados receberam
apl i cações a ouro, ou quando áreas contíguas
aos al tares dourados foram decoradas com uma
padronagem real i zada apenas em amarel otorrado, i mi tando ouro, como é o caso do
revesti mento azul ej ar da I grej a do Salvador de
Évora.
Uma tercei ra sol ução para a transi ção
cromáti ca entre a tal ha dourada e a
arqui tectura, em voga desde as pri mei ras
décadas do sécul o XVI I , são os brutescos
real i zados a ouro sobre branco, com o
vocabul ári o ornamental da ferroneri e fl amenga,
como o conj unto rel ati vamente tardi o que se
conserva na i grej a do convento de São J oão de
Deus em Montemor-o-N ovo 1 7, decorando
pi l astras, os arcos e o i ntradorso das capel as
l aterai s. A uni dade do conj unto é reforçada por
todos os ci nco retábul os segui rem o mesmo
model o estrutural , e também por prol ongarem
a cornij a da nave, cri ando uma sol ução de
conti nui dade entre a arqui tectura e a tal ha
dourada. De notar que a pi ntura dos brutescos
repete um mesmo cartão, em campanhas
sucessi vas, cronografadas entre os anos de
1 666 e 1 673 .
Como demonstra o
desenrol ar da campanha da
Mi seri córdi a de Évora,
real i zada no fundamental entre
os anos de 1 71 0 e 1 71 6, e
col ocando-se a hi pótese mai s
provável da exi stênci a de um
pl ano geral , o própri o
encadeamento das obras, ao
defi ni r áreas específi cas de
actuação, permi te uma sol ução
de arti cul ação sati sfatóri a entre
a tal ha, os azul ej os e as tel as a
ól eo. N o contrato com o
mestre ental hador Franci sco
Si lva j á estava previ sta a área
“em raso” do espaço para as
tel as do pi ntor Franci sco Lopes
Mendes, e o contrato com o
mestre l adri l hador Manuel
Borges só será cel ebrado após
a concl usão da emprei tada de
tal ha, defi ni ndo perfei tamente
a área que será coberta pel os
azul ej os, sendo pl ausível que
os desenhos menci onados no
contrato da tal ha dourada,
j unto com o l evantamento das
medi das el aborado pel o mestre
l adri l hador, pudessem ser
Retábulo da capela de Nossa Senhora do Carmo.
I greja do Convento de São João de Deus, Montemor-o-Novo. Foto CMM.
17
l evados por Manuel Borges para a ofi ci na de
Antóni o Ol i vei ra Bernardes, em Li sboa. Num
dos mel hores exempl os de conti nui dade
decorati va entre os azul ej os e a tal ha dourada e da exi stênci a de uma arti cul ação
compl ementar -, na parte i nferi or da grande
ci mal ha que reveste os doi s l ados da nave
enquadrando as pi nturas, corre um
entabl amento em tal ha dourada com remates
sal i entes, fazendo a l i gação exacta com os
capi téi s das pi l astras pi ntadas nos azul ej os.
A qual i dade artísti ca e a enorme experi ênci a
do pi ntor Antóni o de Ol i vei ra Bernardes, o seu
víncul o fami l i ar com o cunhado J osé Ferrei ra
de Araúj o, que di ri ge uma ofi ci na
especi al i zada na pi ntura de tectos, é o mai s
próxi mo que actual mente conhecemos de um
arti sta mul ti facetado, ci ente da gl obal i dade do
espaço Barroco, executando obras de pi ntura a
fresco, tel as e azul ej os. Ai nda assi m, a sua
i ntervenção mul ti di sci pl i nar para o mesmo
espaço rel i gi oso terá si do excepci onal ,
confi rmando-se a sua i ntervenção nos tectos a
fresco e nas tel as da I grej a de N ossa Senhora
dos Prazeres, em Bej a, nas tel as da nave e no
tecto da i grej a do Convento de Santa Cl ara, em
Évora, nos azul ej os e o tecto da capel a da
Ramada e nas tel as, tecto e azul ej os do
Convento de N ossa Senhora da Concei ção da
Luz, de Carni de em Li sboa 1 8 , um número
rel ati vamente pequeno se comparado com os
conj untos de tel as e azul ej os que fazem parte
do corpus da sua obra. Al i ás é si ntomáti co que
a atri bui ção dos frescos do tecto da i grej a de
Santi ago ao pi ntor G abri el del Barco tenha si do
revi sta, efecti vamente separando a sua obra de
azul ej os de uma pri mei ra fase como pi ntor de
brutescos 1 9 .
O control o i deol ógi co mui to centrado no
pl ano i conográfi co não nos deve fazer esquecer
uma genuína vontade de i novação e
moderni dade artísti ca por parte dos
comi tentes, e de uma escol ha preferenci al por
determi nados arti stas, como a mani festada pel o
arcebi spo Frei Luís da Si lva Tel l es em rel ação a
Bento Coel ho da Si lvei ra e do mestre
ental hador Franci sco Machado, a quem
encomendou di versas obras, obri gando a
i nstal ar ofi ci na no própri o Paço
Arqui epi scopal . N os contratos é frequente as
exortações a que a obra sej a concreti zada na
máxi ma perfei ção ou, para os azul ej os, pel os
mel hores pi ntores da corte. N o contrato com
Sebasti ão Abreu do Ó, os padres do convento
de N ossa Senhora dos Remédi os recl amavam a
execução de tal ha “à francesa”, ou sej a com
ornamentação rococó, como uma das
condi ções para a sati sfação da encomenda do
retábul o da capel a-mor, a mel hor obra do
período no Al entej o.
O desenho serve ai nda de documento de
compromi sso, obj ecto de acordo com a
assi natura de comi tentes e os arti stas, e é
mui tas vezes obj ecto de al terações e adi ções
no decorrer da escri ta dos contratos. Em j ei to
de exame fi nal , o arcebi spo Frei Luís da Si lva
i nsi ste em i ndi car a Franci sco Machado a
real i zação de doi s anj os que sustentam uma
coroa para a exposi ção do Santíssi mo
Sacramento no al to do trono, como ai nda
podemos observar na I grej a de Santo Antão, e
os i rmãos da Mi seri córdi a sol i ci tam o
acrésci mo de col unas e fi guras ao desenho de
Franci sco da Si lva para o retábul o da
Mi seri córdi a de Évora: “… e assi m mai s sera
obri gado el l e di to Franci sco da Sylva a fazer
duas col unas em cada cappel l a das tai s, al em
de duas fi guras que ha de fi car nos l ados da
cappel l a mai or, de grandeza que a obra o
pri mi ti r, sem embargo de as tai s col unas não
estarem no ri sco” 2 0 .
A i dei a de “bel composto”, forj ada a parti r
da obra de Lorenzo Berni ni , refere-se
normal mente ao conj unto que resul ta da
uni fi cação da pi ntura, escul tura e arqui tetura
em espaços proj etados de forma abrangente.
Mas o arqui tecto e escul tor i tal i ano, na
persegui ção desse desi derato, quebrou as
frontei ras cl ássi cas, ul trapassou a i dei a de
si mpl es compl ementari dade e redefi ni u as
propri edades e a função de cada domíni o
artísti co. N o espaço português, a preferênci a
pel a tal ha dourada, enquanto ponto de fusão
entre arqui tectura, escul tura e pi ntura, e do
própri o azul ej o fi gurati vo azul e branco
enquanto uma combi nação exóti ca de pi ntura
arqui tectóni ca e porcel ana chi nesa, são
si ntoma dessa transgressão provocada pel o
gosto do “bel composto”, dessa preferênci a
pel as artes “mi stas” fora do regi sto canóni co
renascenti sta. Essa conj ugação de todas as artes
representou também mudanças profundas na
formação dos arti stas e na arti cul ação das
encomendas, fazendo convergi r arqui tectos,
i conógrafos, mestres ental hadores, douradores,
mestres l adri l hadores, pi ntores de azul ej o,
mestres ol ei ros, e outros artífi ces numa forma
de col aboração de contornos nem sempre bem
defi ni dos, e também por i sso, nem sempre fáci l
de i denti fi car e reconsti tui r.
19
NOTAS
1 Para uma reaval i ação da i mportânci a da acti vi dade do
mestre ental hador vej a-se Artur G oul art de Mel o BORG ES,
2 005: 53 .
1 5 Cf. Vítor SERRÃO, 2 001 : 2 69-270. O proj ecto i ni ci al
sofreu transformações posteri ores com a i ncl usão de novos
si l hares de azul ej os de padrão nos meados do sécul o XVI I .
2 Susana Varel a FLOR, 2 01 0-2 01 1 .
1 6 CAETAN O e SI LVA, 1 993 : 1 65-1 66.
3 A afi rmação consta da bi ografi a escri ta pel o pi ntor
J eróni mo de Andrade. Vítor SERRÃO, 2 003 : 2 57-2 58.
1 7 Cf. Túl i o ESPAN CA, 1 975: I , 3 59-3 61 ; Franci sco
LAMEI RA, 2 004: 1 46-1 55.
4 Em 1 761 , assenta os azul ej os do tecto da I grej a da Ordem
Tercei ra de São Franci sco de Faro, e em 1 780 real i za o
desenho para o retábul o da capel a-mor. Vítor SERRÃO,
1 999: 2 2 0; Franci sco LAMEI RA, 2 000: 2 93 .
1 8 Vítor SERRÃO, 2 01 3 .
5 Sandra Costa SALDAN H A, 2 01 3 .
6 Para uma reaval i ação da obra e dos col aboradores de
G abri el del Barco vej a-se a tese de doutorado apresentada
por Rosári o Sal ema de CARVALH O, 2 01 2 .
7 Cel so MAN G U CCI , 2 003 .
8 ADE, CN E, Tabel i ão, l i vro 1 1 63 .
9 ADE, CN E, Tabel i ão Franci sco Rosado, l i vro 1 1 3 3 , fl s. 51 51 v. º. Túl i o ESPAN CA, 1 984-1 985: 1 1 5.
1 0 Esse pri mei ro contrato não foi efeti vado e a obra de
douramento seri a real i zada pel o pi ntor Fel i pe de Santi ago
no ano segui nte. ADE, Mi seri córdi a de Évora, l i vro n. º 27,
Lembranças das mezas começou em 1 72 8 athe 1 73 9, fl s. 1 9
e 1 9 v. º.
11 Paul i na ARAÚ J O, 2 01 3 . ADE, CEAE, Li vro dos Estatutos
da I rmandade do Santíssi mo Sacramento da I grej a de
Santi ago, fl . 1 1 e 1 1 vº.
1 2 Cel so MAN G U CCI , 2 01 3 .
1 3 Cel so MAN G U CCI , 2 008.
1 4 ADE. CN E, Tabel i ão Manuel Pi nhei ro, l i vro 1 1 3 0, fl s.
2 vº - 4.
1 9 Vítor SERRÃO, 1 998-1 999.
20 Cel so MAN G U CCI , 2 008.
O retábulo da capela-mor da igreja do Mosteiro da
Cartuxa de Évora (projecto de José Benito de
Churriguera?)
Francisco Lameira. Universidade do Algarve
As rel ações artísti cas en tre Portugal e Espan h a, n om eadam en te n as
regi ões fron tei ri ças de am bos os países, foram um a con stan te ao
l on go dos sécul os XVI I e XVI I I .
N o campo específi co dos retábul os con stata-se a ci rcul ação, ai n da
que pon tual , de m estres en tal h adores portugueses em Espan h a e de
espan h ói s em Portugal . Mai s rara era a i mportação de ri scos ou
proj ectos. O presen te arti go aborda um exempl o desta úl ti m a
si tuação, atri bui n do n ós a autori a do proj ecto do retábul o da capel am or da i grej a do Mostei ro de N ossa Sen h ora de Scal a Coel i em Évora
ao presti gi ado arqui tecto e escul tor espan h ol J osé B en i to de
Ch urri guera, ai n da que o retábul o subsi sten te den ote al gum as
m odi fi cações real i zadas por um arti sta português, even tual m en te o
m estre en tal h ador Fran ci sco Mach ado, ori gi n ári o de Li sboa m as com
ofi ci n a aberta n a ci dade de Évora desde 1 684.
O CLI EN TE
A i n stal ação em Portugal dos rel i gi osos de São B run o ou Cartuxos
só ocorreu em 1 5 87, ten do o pri m ei ro cen óbi o, e cabeça desta Ordem
rel i gi osa, si do fun dado n a ci dade de Évora, sede de um i mportan te
arcebi spado.
Apesar da i n i ci ati va da fun dação ter si do do i l ustre prel ado D.
Teotón i o, fi l h o de D. J ai m e, 3 . º duque da Casa de B ragan ça e pri m o
do rei D. Fi l i pe I I de Espan h a, este cen óbi o con tou sempre com o
apoi o dos vári os m on arcas da di n asti a fi l i pi n a.
Com o recompen sa do avul tado apoi o prestado por D. Teotón i o de
B ragan ça, o Pri or G eral ofereceu ao duque de B ragan ça o ch ão
O RETÁBU LO
DA CAPELA-MOR
DA I G REJA DO MOSTEI RO
DA CARTU XA
DE ÉVORA
sagrado da i grej a deste conven to para pan teão
da Casa bragan ti n a 1 .
Com a Restauração da i n depen dên ci a em
1 640, os duques de B ragan ça assum i ram o
poder em Portugal . Duran te os con fl i tos
m i l i tares que se segui ram , a ci dade de Évora
foi ocupada duran te al gum tempo, de 2 2 de
Mai o a 2 5 de J un h o de 1 663 , pel as tropas
castel h an as com an dadas por D. J oão de
Áustri a, fi l h o bastardo de El -Rei , que acabara
de suj ei tar os Catal ães 2 .
G raves estragos ocorreram n a i grej a do
Conven to dos Cartuxos, que ch egou a ser
ocupada pel o exérci to espan h ol . Esta
com un i dade conven tual , l em bran do a rem ota
l i gação deste cen óbi o à Casa de B ragan ça,
sol i ci tou a i n terven ção régi a para reparar os
dan os en tão causados. Com o resposta El -Rei
D. Pedro, que Deus ten h a em gl óri a, tom ou
este Conven to debai xo da Real protecção e
deu por Padroei ro del e seu fi l h o D. J oão,
sen do ai n da prín ci pe 3 . N este con texto se deve
en ten der o avan taj ado apoi o fi n an cei ro dado
por D. Pedro I I , n om eadam en te a parti r de
1 694, para custear as obras de recon strução da
i grej a 4 . Este m on arca ch egou m esm o a assum i r
ofi ci al m en te o padroado deste templ o n um
auto públ i co l avrado em Li sboa, n o di a 1 7 de
Feverei ro de 1 701 5 . O seu fi l h o e sucessor, D.
J oão V, m ostrou-se i gual m en te m ui to gen eroso
com esta com un i dade, dan do m ai s de um a vez
avul tadas esm ol as para a orn am en tação da
i grej a 6 .
Apesar de terem votos de cl ausura, as
com un i dades cartuxas m an ti n h am rel ações
en tre el as. Aquan do da fun dação da Cartuxa
de Évora, os pri m ei ros rel i gi osos vi eram da
Cartuxa de Scal a Dei de Tarragon a. Esta
proxi m i dade possi bi l i tou i gual m en te o
estrei tam en to de rel ações artísti cas. Vítor
Serrão apon ta doi s exempl os con cretos: a
despesa efectuada pel a com un i dade Cartuxa
de Évora, n o di a 1 4 de Outubro de 1 5 89, n o
val or de 7. 000$000 réi s com a i m agem de
Cri sto Cruci fi cado em vul to perfei to
proven i en te de Madri d e, em 1 5 91 , com a
i m agem do Ecce H om o que vei o de Madri d
para a Cartuxa 7.
A I G REJ A CON VEN TU AL
Após a fun dação em 1 5 87, a con strução do
Mostei ro de N ossa Sen h ora de Scal a Coel i de
Évora, i n cl ui n do a i grej a, só fi cou con cl uída
em 1 62 5 , an o em que ofi ci al m en te foram
dadas por en cerradas as obras 8 .
U m a n ova campan h a foi prom ovi da n os
fi n ai s do sécul o XVI I , ten do por obj ecti vo
reparar este templ o do estado de destrui ção
provocado pel a ocupação do exérci to
espan h ol , n um a campan h a m i l i tar ocorri da em
Mai o e J un h o de 1 663 e do vi ol en to i n cên di o
que se segui u. De real çar que as obras de
recon strução decorreram n os an os de 1 695 ,
1 696 e 1 697, ten do-se gasto el evadas quan ti as.
N esta i n terven ção real ça-se o papel assum i do
pel o m estre pedrei ro Man uel J oão Pen alvo 9 .
U m a vez con cl uída a recon strução da i grej a,
torn ava-se n ecessári o m an dá-l a prover de
n ovos equi pam en tos l i túrgi cos, n om eadam en te
retábul os e cadei rai s.
A FEI TURA DO RETÁB U LO DA CAPELA-MOR
DA I G REJ A
Apesar de o Padre An tón i o
Fran co referi r que o retábul o
pri n ci pal foi fei to após a
con cl usão das obras da i grej a
( acabou-se a igreja e se lhe fez
o retábulo ) 1 0 , n ão n os i n di ca a
data preci sa. A docum en tação
rem an escen te som en te é
escl arecedora em rel ação ao
douram en to do retábul o. U m
pri m ei ro con trato n otari al foi
aj ustado n o di a 31 de Março de
1 72 9 en tre o Pri or Frei I n áci o
de São J osé e o m estre
dourador eboren se Fi l i pe de
San ti ago N eves 1 1 . Aten den do a
que este profi ssi on al n ão
acei tou que, após a con cl usão
do douram en to, a sua
i n terven ção fosse vi stori ada por
quatro col egas seus de Évora,
n om eadam en te B ern ardo Luís,
Fran ci sco Ferrei ra, Man uel da
Mai a e J osé Correi a porque os
dá por suspei tos, os cartuxos
real i zaram , doi s di as depoi s,
n ovo aj uste n otari al 1 2 desta vez com B ern ardo
Luís, um dos suspei tos atrás referi dos. N esta
úl ti m a escri tura, o m estre dourador
comprom eteu-se a trazer ci n co pessoas cada
di a efecti vam en te até fi n al e con cl usão da di ta
Retábulo da capela-mor do Convento da Cartuxa. Foto Artur Goulart
23
obra, o que den ota a urgên ci a em apron tar o
douram en to, poi s o en tal h e do retábul o j á
ti n h a si do con cl uído h á tri n ta an os 1 3 , com o
verem os de segui da.
Em rel ação ao ri sco e ao en tal h e do
retábul o n ão tem os con h eci m en to de n en h um
dado docum en tal con creto.
Com ecem os pel o ri sco, é provável que,
ai n da n o an o de 1 697, quan do as obras dos
pedrei ros estavam em vi as de con cl usão, a
com un i dade Cartuxa ti vesse sol i ci tado vári os
proj ectos pel o m en os a três arti stas di feren tes,
com o en tão era costum e. N atural m en te
en com en daram ri scos a m estres eboren ses e a
arti stas sedeados n a ci dade de Li sboa,
pri n ci pal cen tro artísti co português.
Possi vel m en te terão pedi do tam bém aos
respon sávei s da com un i dade Cartuxa de
Madri d, dan do con ti n ui dade às estrei tas
rel ações exi sten tes en tre am bas, que l h es
arran j assem um ri sco da autori a de um arti sta
presti gi ado n a capi tal espan h ol a. A parti r do
m om en to em que os respon sávei s da
com un i dade Cartuxa de Évora esti veram n a
posse dos ri scos sol i ci tados, reun i ram -se e
escol h eram o exempl ar da sua preferên ci a.
Assi m sen do, é possível que a sua opção
ti vesse recaído n o proj ecto ori un do de
Espan h a, provavel m en te da autori a do fam oso
arqui tecto e escul tor J osé B en i to Ch urri guera
(1 665 -1 72 5 ), ai n da que al gun s el em en tos
ti vessem si do adaptados às n ecessi dades
l i túrgi cas portuguesas. Descon h ecem os a
i den ti dade do respon sável por estas al terações.
Tan to pode ter si do um rel i gi oso cartuxo, poi s
al gun s ti n h am form ação artísti ca 1 4 , com o o
própri o m estre que assum i u a execução do
en tal h e do retábul o. O proj ecto em questão
apresen ta i n úm eras sem el h an ças composi ti vas
com o n otável retábul o da capel a-m or da i grej a
do Conven to de San to Estêvão em Sal am an ca 1 5 ,
obra m áxi m a daquel e arti sta espan h ol ,
en tal h ado en tre 1 692 e 1 6941 6 .
Por sua vez a execução do en tal h e esteve
possi vel m en te a con curso, descon h ecen do-se
quai s foram as ofi ci n as de en tal h e, sedeadas
ou n ão n a ci dade de Évora, que parti ci param
n a arrem atação da obra. É provável que o
referi do con curso ti vesse si do gan h o pel o
m estre en tal h ador Fran ci sco Mach ado,
profi ssi on al ori un do de Li sboa m as
estabel eci do n a ci dade de Évora, pel o m en os
desde 1 684, pri m ei ro n a Rua do Rai m un do,
depoi s n o Páti o dos Con des de B asto e m ai s
tarde n a Rua do Al con ch el . Este m estre deti n h a
um a das ofi ci n as de en tal h e de m adei ra m ai s
i mportan tes n este bi spado 1 7. Os seus
con corren tes m ai s afam ados eram os m estres
Fran ci sco da Si lva 1 8 , tam bém ori gi n ári o de
Li sboa e i gual m en te estabel eci do em Évora e o
m estre I n áci o Carrei ra 1 9 . Com o even tuai s
con corren tes com m en or categori a, todos el es
com ofi ci n a em Évora, referi m os os m estres
An tón i o de Ol i vei ra 2 0 , Man uel Morei ra 21 ,
Dom i n gos G om es Aran h a 2 2 e I n áci o de Fari a 2 3 .
O aj uste do en tal h e do retábul o pri n ci pal da
sécul o XVI I I , n ão só n a ci dade de Évora m as
i grej a do Mostei ro da Cartuxa deve ter si do
tam bém em vári as l ocal i dades al en tej an as. A
assum i do ai n da n o an o de 1 697, ocorren do a
atri bui ção do retábul o da capel a-m or da i grej a
con cl usão da obra e o assen tam en to n a parede
do Conven to da Cartuxa a este profi ssi on al
testei ra da capel a-m or n os m eses do verão de
rem on ta aos fi n ai s do sécul o XI X, deven do-se
1 698. Em Agosto deste an o j á o m estre
ao i l ustre h i stori ador eboren se: Cun h a
Fran ci sco Mach ado estava l i vre, assum i n do a
execução do retábul o de São
Retábulo da capela-mor de Santo Estêvão, Benito Churriguera, 1 692. Foto Zarateman
Al berto, exempl ar ai n da
rem an escen te n um a capel a
l ateral da i grej a do Conven to de
N ossa Sen h ora do Carm o de
Évora 24 . Em Dezem bro do an o
segui n te, este m estre con tratava
com o Arcebi spo de Évora, D.
Frei Luís da Si lva, o retábul o de
N ossa sen h ora do An j o para a
i grej a da Sé Catedral 2 5 ,
exempl ar ai n da subsi sten te. Por
sua vez, em Abri l de 1 701 ,
aj ustava com o referi do
Arcebi spo o en tal h e do retábul o
da capel a-m or da i grej a m atri z
de San to An tão de Évora, de
acordo com o ri sco que
apresen tou 2 6 . De real çar que
este exempl ar den ota al gum as
i n fl uên ci as do retábul o
pri n ci pal da i grej a do Conven to
da Cartuxa 27.
Excl uím os desta an ál i se o
m estre en tal h ador Man uel de
Abreu do Ó, cuj a ofi ci n a se
afi rm ou n o segun do terço n o
25
Ri vara 2 8 . Esta atri bui ção foi -se m an ten do,
ten do si do adoptada sucessi vam en te por Túl i o
Espan ca 2 9 , Robert Sm i th 3 0 , I l ídi o Sal tei ro 31 ,
J osé Fern an des Perei ra 3 2 , Marcos H i l l 3 3 ,
Fran ci sco Lam ei ra 3 4 e Vítor Serrão 3 5 . Os dados
actual m en te exi sten tes perm i tem -n os afi rm ar
com seguran ça que o m estre Man uel de Abreu
do Ó n ão pode ter si do o respon sável pel o
en tal h e do retábul o pri n ci pal da i grej a do
Conven to da Cartuxa, poi s só dei xou o
Al garve, con cretam en te a ci dade de Tavi ra, em
1 724, en tão com vi n te e ci n co an os de i dade,
ten do i do trabal h ar com o can tei ro n a
con strução da n ova capel a-m or da Sé de
Évora 3 6 .
De sal i en tar que recen tem en te Cel so
Man guci , n o seu arti go sobre os m estres
Man uel e Sebasti ão Abreu do Ó, afi rm a de
form a perspi caz ser m uito pouco provável a
sua participação no retábulo da capela-m or
do Convento da Cartuxa 37. Acresce referi r que,
desde 1 71 8, n a ci dade de Évora com eçavam a
ser apl i cados os pri m ei ros exempl ares de um
n ovo form ul ári o artísti co 3 8 , cuj a i n terven ção
pi on ei ra parece ter si do assum i da por um
m estre en tal h ador ori gi n ári o da ci dade de
Li sboa, Mi guel Rodri gues, que aj ustou a
fei tura de duas capel as de tal h a m odern a para
a i grej a do Conven to de San ta Cl ara 3 9 .
AN ÁLI SE DO RETÁB U LO PRI N CI PAL
O retábul o pri n ci pal da i grej a do Mostei ro
da Cartuxa de Évora é um exempl ar
eucarísti co, de gran des di m en sões, que
preen ch e a total i dade da parede testei ra da
capel a-m or. Ti n h a com o pri n ci pal uso ou
fun ção a exposi ção sol en e do San tíssi m o
Sacram en to n os m om en tos l i túrgi cos m ai s
rel evan tes, n om eadam en te n os J ubi l eus. N o
n i ch o do áti co estari a provavel m en te a
represen tação escul tóri ca do orago do templ o.
Por sua vez os n i ch os col aterai s ao sacrári o
seri am desti n ados a i m agen s secun dári as de
vul to perfei to.
A sua pl an ta é em perspecti va côn cava,
apresen tan do con tudo um a sol ução ímpar, n ão
só em Portugal m as tam bém em Espan h a 4 0 , n a
m edi da em que os el em en tos arqui tectón i cos
usados (doi s pares de col un as e um par de
pi l astras) surgem em di feren tes pl an os:
en quan to que os doi s exteri ores estão
i n terl i gados, o tercei ro, m ai s recuado, está
l i gei ram en te afastado dos restan tes,
proporci on an do um a zon a som bri a.
O em basam en to apresen ta dupl o regi sto,
provavel m en te com proporções di feren tes do
proj ecto espan h ol 41 . N o sotoban co surgem
pedestai s de pedrari a com em buti dos de vári as
cores, m oda m ui to em voga n a ci dade de
Li sboa. Por sua vez n o ban co sobressaem doi s
pares de m ísul as, orn am en tadas com
exuberan te fol h agem , que suportam as col un as
torsas do corpo do retábul o. Ao cen tro, assen te
n a ban queta e com o tal n um regi sto um pouco
i n feri or ao do ban co, resul tado da al teração
proposta pel o m estre português, surge um
sacrári o m on um en tal . Este tem doi s corpos e
apresen ta com o especi fi ci dade composi ti va o
facto de o fron ti spíci o do corpo i n feri or ser
del i m i tado por doi s pares de col un as torsas
em perspecti va côn cava, en quan to que os
quartel ões 4 2 do segun do corpo são em
perspecti va convexa. Merecem tam bém um a
referên ci a parti cul ar os doi s n i ch os que
l adei am parte do referi do sacrári o. Am bos são
em ol durados por col un as torsas e arcos
sal om ón i cos con cên tri cos, sen do esta úl ti m a
sol ução excl usi va da i den ti dade portuguesa.
São o resul tado de m ai s um a i n terven ção do
profi ssi on al respon sável pel o en tal h e. De
an otar que a col ocação destes n i ch os ao n ível
do ban co i n terfere n a l ei tura do sacrári o.
Os el em en tos arqui tectón i cos usados de
form a m agi stral , n om eadam en te as col un as
torsas com sete espi ras total m en te revesti das
por cach os de uvas e parras, en quadram o
cam ari m cen tral . Este é preen ch i do por um
m odesto tron o pi ram i dal em degraus, de m odo
a que se perceba a profun di dade do cam ari m .
A subordi n ação deste úl ti m o ao corpo do
retábul o adqui re um a expressão que n ão é
m ui to frequen te em Portugal 4 3 , sen do m ai s
vul gar em Espan h a.
Regi stam os ai n da um outro caso pon tual
desta sol ução, que curi osam en te ocorre
tam bém em Évora, m as j á com o resul tado da
i n fl uên ci a do retábul o da Cartuxa. Trata-se de
um exempl ar de m en or qual i dade artísti ca, o
da capel a-m or da i grej a m atri z de San to
An tão, aj ustado pel o m estre en tal h ador
Fran ci sco Mach ado, n o di a 1 de Abri l de 1 701 ,
com o j á referi m os an teri orm en te.
Retom an do a an ál i se do retábul o pri n ci pal
da i grej a do Conven to da Cartuxa, o
en tabl am en to restri n ge-se aos el em en tos
arqui tectón i cos, acompan h an do a pl an ta do
retábul o.
Fi n al m en te o áti co tam bém n ão se en quadra
n as n orm as portuguesas, ten do em con ta a
i mportân ci a atri buída ao n i ch o cen tral , que dá
con ti n ui dade ao sacrári o, e ao facto de ser
del i m i tado por doi s pares de col un as torsas em
perspecti va côn cava. De real çar a i mportân ci a
das duas arqui vol tas pl en as que del i m i tam o
retábul o, sen do m ai s acen tuada a que rem ata
as col un as das i l h argas. Am bas as pi l astras são
cortadas tran sversal m en te por quatro aduel as 4 4
e por um a cartel a cen tral on de fi guram as
i n sígn i as dos Cartuxos. N as i l h argas h á urn as
que rem atam as col un as cen trai s 4 5 .
27
NOTAS
1 Túl i o ESPAN CA, Inventário Artístico de Portugal . VI I .
Ci dade e Concel ho, Li sboa, 1 966, p.
2 Padre Antóni o FRAN CO, Évora Ilustrada , Évora, 1 945,
pp. 1 86 a 1 90.
3 Bi bl i oteca Públ i ca de Évora, Li vro da Reparti ção das
H erdades e outras notíci as necessári as para bem deste
convento da Cartuxa de N ossa Senhora de Scal a Coel i , fl s.
3 5.
4 O Padre Antóni o FRAN CO especi fi ca i ncl usi vamente as
parcel as da aj uda régi a: na pri mei ra oi to mi l cruzados, na
segunda doze mi l cruzados e fi nal mente mai s sei s mi l
cruzados. Ver op. ci t. , p. 3 58.
5 Túl i o ESPAN CA, Inventário Artístico de Portugal. VII.
Concelho de Évora . Li sboa: 1 966, p.
6 Bi bl i oteca Públ i ca de Évora, Livro da Repartição das
Herdades e outras notícias necessárias para bem deste
convento da Cartuxa de Nossa Senhora de Scala Coeli , fl s.
3 5 e 3 5 v. º: “ El Rei D. J oão V, que Deus tenha em gl óri a,
deu por uma consul ta ci nco mi l cruzados que se cobraram
no Al moxari fado de Évoramonte e no ano de 1 72 9 deu
outros ci nco mi l cruzados na ocasi ão das passagens das
Pri ncesas para Portugal e Castel a que todos se apl i caram às
obras da i grej a, dourados e pi ntura e como ai nda fal tava o
dourado dos retábul os, o N osso Padre Pri or fez súpl i ca ao
mesmo Senhor D. J oão V, que l ogo segundo a sua
costumada pi edade e grandeza deu outros doi s mi l
cruzados com que se acabou o dourado”.
7 “Um desenho de Fernão G omes, para o Mostei ro da
Scal a Coel i de Évora”, Monumentos . Revi sta Semestral de
Edi fíci os e Monumentos, n. º 1 0, Li sboa, 1 999, pp. 34 e 3 5.
8 Mi guel SOROMEN H O, “As possívei s fontes ti pol ógi cas
da fachada da I grej a”, Monumentos . Revi sta Semestral de
Edi fíci os e Monumentos, n. º 1 0, Li sboa, 1 999, p. 1 0.
9 I dem, I bi dem, p. 1 0 e Vítor SERRÃO, “Um desenho de
Fernão G omes, para o Mostei ro da Scal a Coel i de Évora”,
Monumentos. Revi sta Semestral de Edi fíci os e Monumentos,
n. º 1 0, p. 37.
1 0 Op ci t. , p. 3 58.
11 Túl i o ESPAN CA, “N ova Mi scel ânea”, A Cidade de Évora .
Bol eti m de Cul tura da Câmara Muni ci pal , n. º 67-68, Évora,
1 984-1 985, p. 1 1 6 e ARQU I VO DI STRI TAL DE ÉVORA,
Cartóri o N otari al de Évora, Li vro de N otas n. º 1 2 61 , fl s. 7 e
v. º.
1 2 Túl i o ESPAN CA, “N ova Mi scel ânea”, A Ci dade de
Évora, n. º 67-68, p. 1 1 6 e Arqui vo Di stri tal de Évora,
Cartóri o N otari al de Évora, Li vro de N otas n. º 1 2 61 , fl s. 8 e
v. º.
1 3 Entre o ental he de um retábul o e o seu douramento era
frequente esperar al guns anos, por vezes duas e três
décadas, poi s o douramento era tão di spendi oso como o
ental he.
1 4 A títul o de exempl o refere-se que, em 1 62 5, o Padre
Tomé, Pri or do Convento da Cartuxa de Évora, fez um ri sco
para um retábul o da capel a de N ossa Senhora do Rosári o
desti nado à i grej a do Convento de São Domi ngos de Évora
(Túl i o Espanca, “N ova Mi scel ânea”, A Ci dade de Évora, n. º
67-68, p. 1 07).
1 5 Destacamos a di nami zação da pl anta, quer do retábul o,
quer do sacrári o, a subordi nação do camari m ao
entabl amento, al gumas sol uções do áti co, nomeadamente a
arqui vol ta que del i mi ta o conj unto, um espaço central
exposi ti vo dedi cado à representação i conográfi ca do orago,
l adeado por pl i ntos ou urnas e que rematam as col unas do
corpo.
1 6 Al fonso RODRÍG U EZ CEBALLOS, “El retabl o barroco en
Sal amanca: materi al es, formas, ti pol ogías”, IMAFRONTE ,
n. ºs 3 -4-5, 1 987-88-89, pp. 2 3 9 e 242 .
1 7 Cfr. Cel so MAN G U CCI , “Franci sco Machado e a ofi ci na
de retábul os do arcebi spo de Évora”, Cenáculo . Bol eti m
onl i ne do Museu de Évora, n. º 2 , 2 007.
28 “Obras de tal ha em Évora”, Noites de Évora . Mi scel l anea
poéti ca, românti ca e de vari a hi stori a, Évora, 1 897, p. 83
1 8 Os dados documentai s conheci dos si tuam-no entre
1 694 e 1 746, tendo fei to retábul os para di versas
l ocal i dades al entej anas, a saber: Bej a, Estremoz, Évora,
Ferrei ra, Monforte, Moura, São Marcos do Campo no termo
de Monsaraz e Vi mi ei ro.
29 Évora, Évora, 1 961 , p. 60 e Inventário Artístico de
Portugal. VII. Concelho de Évora . Li sboa: 1 966, p. 31 0.
Curi osamente na fase fi nal da sua vi da j á não mantém a
atri bui ção e di z: desconhecemos os nomes dos arti stas do
notável retábul o (“N ova Mi scel ânea”, A Cidade de Évora ,
1 984-1 985, n. º 67-68, p. 1 2 6).
1 9 Os dados documentai s conheci dos si tuam-no entre
1 692 e 1 71 0, ano em que fal eceu e foi sepul tado em Évora.
30 A Talha em Portugal , Li sboa, 1 963 , p. 74.
20 Os dados documentai s conheci dos si tuam-no entre 1 674
e 1 701 , ano em que fal eceu e foi sepul tado em Évora.
21 Os dados documentai s conheci dos di zem respei to a
1 692 e 1 693 . Em 1 692 resi di a em Portal egre e no ano
segui nte em Évora.
22 A úni ca obra conheci da data de 1 703 .
23 Os dados documentai s conheci dos si tuam-no entre os
fi nai s do sécul o XVI I e 1 71 3 .
31 “Ó, Manuel de Abreu e Sebasti ão de Abreu”, Dicionário
da Arte Barroca em Portugal , Li sboa, 1 989, p. 3 24.
32 “O barroco do sécul o XVI I : transi ção e mudança. A
tal ha”, História da Arte Portuguesa , I I I vol ume, Li sboa,
1 995, p. 2 3 .
33 A Talha Barroca em Évora. Séculos XVII-XVIII , Évora,
1 998, pp. 31 a 53 .
24 Mi guel Ángel VALLECI LLO TEODORO, “Centros
Artísti cos y Esbozo de Arti stas en el Al to-Al entej o”,
Callipole , n. º 3 /4, Vi l a Vi çosa, 1 995-1 996, p. 1 51 e
ARQU I VO DI STRI TAL DE ÉVORA, Cartóri o N otari al de
Évora, Li vro de N otas n. º 902 , fl . 2 5.
34 Franci sco Lamei ra, “A Tal ha”, Monumentos . Revi sta
Semestral de Edi fíci os e Monumentos, n. º 1 0, Li sboa, 1 999,
pp. 27 e 2 8. Em 2 004 j á reconheci a que esta atri bui ção era
um equívoco (“Contri bui ções para o estudo do retábul o
barroco no Al entej o: a ofi ci na do i nsi gne escul tor Manuel
de Abreu do Ó”, Promonoria . Revi sta do Departamento de
H i stóri a, Arqueol i ga e Patri móni o da Uni versi dade do
Al garve, Faro, 2 004, p. 2 87)
25 I dem, Retablística Alto Alentejana (Elvas, Villacisiosa y
Olivenza) en los siglos XVII-XVIII , Méri da, 1 996, p. 1 51 .
35 História da Arte em Portugal . O Barroco , Li sboa, 2 003 ,
p. 2 04.
26 I dem, I bi dem, p. 1 51 e ARQU I VO DI STRI TAL DE
ÉVORA, Cartóri o N otari al de Évora, Li vro de N otas n. º
1 02 6, fl . 3 2 .
36 Artur G oul art de Mel o Borges, “As obras da nova
Capel a-mor da Sé – escol a de arti stas”, Eborensia , n. º 3 5,
p.
27 Para al ém da subordi nação do camari m ao corpo do
retábul o, outra i nfl uênci a é o facto de apresentar um
espaço desti nado a uma representação fi gurati va no ei xo
do áti co.
37 “A Tal ha mai s moderna. O percurso artísti co de Manuel
e Sebasti ão Abreu do Ó, em Évora”, Cenáculo. Boletim on
line do Museu de Évora (n. º 4), Setembro de 2 01 0, p. 4.
29
38 Franci sco Lamei ra e Vítor Serrão, “O retábul o em
Portugal : o Barroco Fi nal (1 71 3 -1 746)”, Promontoria .
Revi sta do Departamento de H i stóri a, Arqueol ogi a e
Patri móni o da Uni versi dade do Al garve, Faro, 2 005, p. 2 87.
39 I nformação i nédi ta cedi da genti l mente pel o Di rector do
I nsti tuto de H i stóri a da Arte da Facul dade de Letras de
Li sboa, Prof. Doutor Vítor Serrão.
40 É possível encontrar al gum paral el i smo com o j á
referi do retábul o da capel a-mor da i grej a do Convento de
Santo Estêvão em Sal amanca, apesar de este úl ti mo
exempl ar ser bastante mai s i nteressante na medi da em que
apresenta pl anta mi sta. Em comum regi sta-se a zona de
penumbra e consequentemente de tensão proporci onada
pel os pl anos di ferentes das ordens arqui tectóni cas. Al fonso
Cebal l os afi rma a propósi to do retábul o de Sal amanca: "sua
pl anta es absol utamente semi ci rcul ar resuel ta com una
mestri a pocas vezes al canzada" (Op. ci t, p. 2 3 9).
41 É i nteressante confrontar esta sol ução com a do retábul o
da capel a-mor da i grej a do Convento de Santo Estêvão em
Sal amanca.
42 De anotar a i mportânci a dos estípi tes na retabul ísti ca
espanhol a que J osé de Churri guera habi a empl eado
ti mi damente en el retabl o de Santo Esteban (Cfr. Al fonso
Cebal l os, Op. ci t. , p. 245).
43 Em Portugal a sol ução mai s general i zada consi ste no
uso de um camari m nos exempl ares mai s grandi osos e num
ni cho central nos exempl ares mai s modestos. Em ambos os
casos assumem uma grande evi dênci a, i nterrompendo o
entabl amento e determi nando a composi ção do áti co
através de arcos sal omóni cos e/ou arqui vol tas pl enas e
concêntri cas. J . J . Marti n G onál ez perfi l ha esta opi ni ão, no
entanto, retomando as pal avras do estudi oso ameri cano
Robert Smi th, escri tas em 1 963 , também di z: “En una
pri mera fase (retabl o mayor de l a cartuj a de Évora) l a
hornaci na queda ci rcunscri ta a di cho cuerpo” “El Retabl o
en Portugal . Afi ni dades y di ferenci as com l os de España”,
Actas do Si mpósi o As relações artísticas entre Portugal e
Espanha na época dos Descobrimentos . Coi mbra: 1 987, p.
2 3 6. De facto os pri mei ros retábul os com camari m e trono
i ncorporado no seu i nteri or, ai nda na época protobarroca,
j á rompem o corpo, apontando-se como exempl o pi onei ro
o retábul o da capel a-mor da i grej a matri z de Al cáçovas, na
di ocese de Évora, construído em 1 63 8. Um outro model o
menos usual , também cri ado na época protobarroca, uti l i za
o camari m subordi nado ao entabl amento, apontando-se
como exempl o rel evante o monumental retábul o da capel amor da i grej a do anti go Convento de São Franci sco de G oa,
cuj o ri sco é i ndubi tavel mente de um arti sta português, que
adoptou um model o pouco vi gente na metrópol e.
44 A i ncl usão das aduel as nas arqui vol tas é mai s uma
i ntervenção do mestre ental hador português para responder
a uma norma acei te em Portugal .
45 De anotar que esta sol ução também ocorre no remate
das col unas mai s recuadas do retábul o de Santo Estêvão de
Sal amanca
N AS MALH AS DA LEI : OS CON TRATOS DE OBRA DE TALH A
EM PORTU G AL N A ÉPOCA BARROCA
Sílvia Ferreira. Universidade Nova de Lisboa
O CON TRATO DE OBRA DE TALH A 1
A execução de uma obra de tal ha, emprei tada habi tual mente
onerosa tanto para encomendadores como para ental hadores, estava
ami úde suj ei ta à forma l egal do contrato de obra. Este, cel ebrado por
um tabel i ão credenci ado, abrangi a tanto as grandes encomendas,
como eram os retábul os mores, como as mai s si ngel as, caso da obra
de tal ha compl ementar: púl pi tos, sanefas, mol duras, cai xas de órgãos,
entre outras.
Um contrato de encomenda de obra de tal ha di vi di a-se grosso
modo em quatro partes fundamentai s. N a pri mei ra, o tabel i ão
apontava a data da escri tura, o l ocal de cel ebração da mesma e os
i nterveni entes presentes ou ausentes (caso em que a fi gura do
procurador teri a de constar). N a segunda parte era i ndi cada a obra a
executar, o l ocal de desti no, o montante total a ser pago pel a sua
execução ao mestre, a forma de pagamento e as respecti vas
modal i dades. A tercei ra parte do contrato dedi cava-se a certi fi car os
di rei tos e deveres de ambas as partes, esti pul ando contraparti das no
caso de i ncumpri mento das cl áusul as do acordo l egal e
correspondentes trâmi tes que poderi am ser acci onados em caso de
fal ta ao acordado. A quarta e úl ti ma parte, corol ári o do acordo l egal
entre os contraentes, regi stava os nomes e, por vezes, profi ssões e
moradas das testemunhas. O processo concl uía-se com o aval do
tabel i ão de notas, também el e testemunha e redactor do acordo que
naquel e momento se fi rmava.
Os contratos, requeri dos e assi nados di rectamente pel os
encomendadores e ental hadores, ou pel os seus procuradores,
convenci onavam uma séri e de cl áusul as que teri am de ser
escrupul osamente cumpri das por ambas as partes. Esta precaução
OS CON TRATOS DE OBRA
DE TALH A EM PORTU G AL
N A ÉPOCA BARROCA
ti nha em vi sta, fundamental mente, evi tar
“aci dentes” que poderi am ocorrer durante o
tempo de execução da obra.
Curi oso neste âmbi to é, sem dúvi da, o caso
de encomendas fei tas por congregações
rel i gi osas femi ni nas, nas quai s quem actuava
em nome das frei ras era, habi tual mente, um
membro mascul i no da ordem, sem no entanto
di spensar a assi natura das contraentes no fi nal
do documento notari al . O membro do ramo
mascul i no da ordem actuava, assi m, como
procurador das suas i rmãs, não perdendo
nunca o hori zonte de que el e seri a um mero
representante da vontade das rel i gi osas.
Outra si tuação i nteressante, ai nda no âmbi to
da encomenda de obra de tal ha a arti stas da
capi tal , por parte de ordens rel i gi osas que
ti nham as suas casas fora de Li sboa, era a
cel ebração de escri tura notari al por membros
dessas ordens a habi tar na capi tal . De forma
semel hante, quando as obras se desti navam a
i grej as secul ares, a mesma acção era ami úde
i ntentada por pessoas que se desl ocavam à
ci dade para, em nome dos comi tentes,
procederem à cel ebração do contrato. J á no
que se refere aos arti stas, a si tuação i nverti a-se,
poi s, o que se veri fi cava com mai or frequênci a
era a desl ocação pessoal às terras que
sol i ci tavam as suas obras, sendo a procuração
uma fi gura mai s rara.
A escri tura da obra de tal ha era, como
vi mos, o expedi ente mai s uti l i zado para fi rmar
um acordo de prestação de servi ços entre um
determi nado encomendador e um mestre
ental hador. Esta, cel ebrada sempre na presença
de um tabel i ão e das testemunhas
arregi mentadas para o efei to, teri a assi m força
l egal que obri gava ambas as partes ao seu
cumpri mento.
Uma das cl áusul as pri nci pai s destes
contratos era aquel a que esti pul ava a forma e as
modal i dades do pagamento ao mestre
contratado. De um modo geral , os pagamentos
eram fracci onados em três partes: O pri mei ro
seri a entregue no acto de assi nar a escri tura, o
segundo no mei o do prazo estabel eci do para
entrega e assentamento da obra e o tercei ro, no
fi nal , j á com a obra obra pronta e col ocada em
seu l ugar defi ni ti vo. Esta forma de pagamento
salvaguardava a posi ção do encomendador, que
não corri a o ri sco de entregar a quanti a na sua
total i dade, antes de ver al gum resul tado da
encomenda, para al ém do facto, não
despi ci endo neste processo, que era a
possi bi l i dade de granj ear mai s tempo para
angari ar os fundos totai s necessári os.
Assi m, a escri tura notari al , el aborada e
assi nada pel o tabel i ão, por ambas as partes e
pel as testemunhas, apresentava-se com o
pri nci pal obj ecti vo de mi ni mi zar os ri scos que
poderi am advi r de uma contratação efectuada
somente por pal avra. As cl áusul as l egai s que
encerrava permi ti am, tanto ao encomendador
como ao mestre, recorrer perante a j usti ça no
caso de al gum dos trâmi tes do acordo ser
vi ol ado e ver as suas pretensões serem tomadas
em conta pel o acci onamento dos mecani smos
l egai s, os quai s penal i zari am o fal toso ao
di sposto no contrato 2 .
MODOS DE CON TRATAÇÃO
A documentação coeva i nforma-nos que um
dos recursos mai s comuns usados para
contratar um mestre ental hador seri a col ocar a
obra a pregão, i sto é, afi xar na ci dade, em l ocal
desti nado ao efei to, a decl aração de qual a
obra a ser executada. O arti sta que
apresentasse o preço mai s bai xo para a
real i zação de tal emprei tada seri a então o
escol hi do para a real i zar 3 . N o entanto, embora
tenhamos provas de que este expedi ente de
contratação de profi ssi onai s ental hadores
vi gorou durante a época em estudo, sabemos
também que a forma mai s frequente na
contratação de mestres da ci dade de Li sboa, era
a sol i ci tação di recta. Esta preferênci a dos
encomendadores pode j usti fi car-se, em parte,
pel a natureza e função da obra de tal ha. Esta,
desti nada a engrandecer e a conferi r
magni fi cênci a aos templ os era sempre exi gi da
pel os seus encomendadores executada com a
máxi ma perfei ção possível . Sabemos também
que, a mai or parte das vezes, estas obras
obedeci am a um pl aneamento ri goroso no que
à sua traça ou ao seu model o di zi a respei to.
Por tal , a al eatori edade da escol ha de um
mestre, apenas pel o preço mai s bai xo prati cado
por este, não parece coadunar-se com estes
requi si tos. Certamente que casos houve em que
os comi tentes, à mi ngua de recursos
fi nancei ros, recorreram a essa forma de
contratação, mas na mai ori a dos exempl os por
nós reconheci dos, os quai s envolvem bastas
vezes mestres consagrados, tal não foi o caso.
Entre as causas para tal procedi mento, para
al ém das aci ma expostas, pode ai nda referi r-se
a feroz concorrênci a exi stente entre as
i númeras ofi ci nas de tal ha que povoavam
Li sboa por esses anos. Essa concorrênci a
obri gava natural mente também a que
determi nadas ofi ci nas oferecessem preços mai s
convi dati vos aos seus potenci ai s cl i entes. Um
facto i nteressante neste processo era a
rei nci dênci a na contratação de determi nados
arti stas por parte dos encomendadores. Tal
procedi mento é ami úde observável nas
múl ti pl as casas de uma mesma Ordem
Rel i gi osa. Quando um arti sta executava obra
desti nada ao convento ou mostei ro de
determi nada Ordem, estabel eci a não só de
i medi ato contacto com essa casa, mas, mai s
rel evante do que i sso, entrava no sei o da
Ordem, abri ndo portas para real i zações futuras,
não só naquel e cenóbi o específi co, mas em
todos os outros espal hados na sua área de
i nfl uênci a. Mui tos arti stas sedi ados em Li sboa
angari avam trabal ho segundo esta fórmul a. Tai s
foram os casos sempre embl emáti cos de Mati as
Rodri gues de Carval ho, que trabal hou
preferenci al mente para as i grej as da Companhi a
de J esus e para as das Comendadei ras da
Ordem de Avi s, ou de J osé Rodri gues Ramal ho
33
que trabal hou para vári as Ordens Rel i gi osas
como aquel a da Santíssi ma Tri ndade, ou do
Carmo, entre outras, ou de J osé Antunes que
ental hou para a Ordem Mi l i tar de S. Bento de
Avi s e para a Ordem de Mal ta de Estremoz, ou
ai nda a de Domi ngos Lopes que l aborou nos
conventos da Ordem de S. Bernardo, ou ai nda
Franci sco Machado, ori undo de Li sboa, mas
sedi ado em Évora, l ocal onde trabal hou
afi ncadamente para i númeras i grej as desse
arcebi spado, mai ori tari amente na época do
arcebi spo D. Frei Luís da Si lva Tel es, seu
encomendador assíduo 4 . Obvi amente, nestes
casos, terá si do a sati sfação dos cl i entes com as
provas j á dadas por estes arti stas que os l evari a
a contratá-l os mai s de uma vez. Possi vel mente,
haveri a até um entendi mento táci to entre
ambas as partes no que concerne a possívei s
descontos por parte do arti sta a
encomendadores que se fi del i zassem com a sua
ofi ci na. N o caso di verso das obras desti nadas a
i grej as paroqui ai s fora de Li sboa, em
l ocal i dades mai s pequenas e remotas, a fi gura
do pregão poderi a col her mai or sucesso j unto
dos encomendadores. I sto j usti fi ca-se também
pel a possi bi l i dade de esta cl i entel a, mai s
afastada da corte, desconhecer as obras
embl emáti cas de cada arti sta. N o entanto,
também não nos podemos esquecer que, a
parti r do momento em que uma determi nada
obra de um mestre ental hador consagrado se
i mpl antava em determi nada i grej a, a tendênci a
era para que os outros templ os da regi ão, e
daquel as suas vi zi nhas, qui sessem também
possui r um exempl ar saído da ofi ci na de tal
arti sta. Conheci dos são os casos de J osé
Rodri gues Ramal ho nas obras que efectuou para
a ci dade de Bej a e arredores ou para a ci dade
de Setúbal e o de Manuel J oão da Fonseca que
trabal hou também exausti vamente para Bej a.
Enfi m, múl ti pl os seri am certamente os
meandros que enformavam todos estes
compl exos processos e que não se resolvem na
apresentação de si tuações l i neares; por detrás
destas exi sti a uma ampl a trama de redes de
conheci mentos, fi del i zações à obra de
determi nados arti stas, condi ções fi nancei ras
mai s ou menos vantaj osa, resumi ndo, uma
mi ríade de si tuações que não nos permi te
ti pi fi car de forma taxati va um model o exacto de
contratação da obra de tal ha no período em
causa.
DI REI TOS E OBRI G AÇÕES DO
EN COMEN DADOR DE OBRA DE TALH A
Parti ndo do contrato com as suas premi ssas
habi tuai s e confi guradoras da obra de tal ha, os
di rei tos dos encomendadores podem ser
resumi dos nos segui ntes pontos: esti pul ar um
prazo para a entrega da obra acabada e
assentada no l ocal combi nado; receber os
reci bos da mão do arti sta, comprovando os
pagamentos que peri odi camente teri a de fazer;
cobrar uma quanti a determi nada por cada di a
de atraso na entrega da obra segundo o que foi
contratado; ser ressarci do com os bens do
arti sta no caso de haver i ncumpri mento do
contrato por parte deste; requerer a pri são
do arti sta no caso em que este não
cumpri sse as cl áusul as do contrato, depoi s
de esgotados os expedi entes de
entendi mento; exi gi r a apresentação de
fi ador por parte do arti sta, a fi m de que
este se responsabi l i zasse pel o
cumpri mento das obri gações do mestre tal como se esti pul a por exempl o no
contrato de obra de tal ha entre a
i rmandade de Santa Luzi a, sedi ada no
col égi o de Santo Antão-o-N ovo, e o mestre
ental hador Antóni o da Costa 5 , receber a
obra que encomendou no prazo descri to
no contrato; fazer-se representar por
procurador ou pel o j ui z do l ugar onde a
obra foi contratada; nomear outro arti sta
para fi nal i zar a obra, no caso de
i ncumpri mento por parte do arti sta
contratado, fi cando os encargos a expensas
deste; fi car com as peças j á ental hadas, em
caso de i ncumpri mento por parte do
mestre; sol i ci tar a aval i ação da obra no
fi nal .
Quanto às obri gações do
encomendador estas eram generi camente
as segui ntes: respei tar i ntei ramente as
cl áusul as do contrato e não usar de
nenhum expedi ente para as al terar; pagar
ao mestre a pri mei ra parcel a do preço total
da obra no momento da assi natura do
contrato; assi nar, a par do arti sta, a pl anta
Retábulo da capela-mor de Santo Antão, Francisco Machado, 1700. Foto Artur Goulart.
35
da obra apresentada no momento do contrato;
cumpri r nos prazos estabel eci dos os
pagamentos aj ustados; pagar o transporte da
obra até ao seu l ocal de col ocação 6 , ou pel o
menos di vi di r esta despesa com o arti sta,
quando a obra era executada para fora de
Li sboa 7 ; pagar ao mestre os custos i nerentes às
desl ocações ao l ocal da obra, como foi o caso
do sucedi do com a obra de tal ha encomendada
pel a i rmandade de N . ª S. ª do Rosári o da i grej a
de Santa Mari a da Fei ra, em Bej a, ao mestre
ental hador l i sboeta Manuel J oão da Fonseca:
“(. . . ) E estando de todo perfei ta E acabada a
hj ra asentar na di tta cappel a fazendo por conta
e Ri sco da di ta j rmandade os gastos e despezas
que fi zer toda a di tta obra com os de sua pesoa
desta ci dade athe a de Bej a (. . . )” 8 .
O ESTATU TO DO MESTRE EN TALH ADOR:
OBRI G AÇÕES E DI REI TOS RELATI VAMEN TE
AO EN COMEN DADOR
As obri gações do mestre ental hador eram
generi camente as segui ntes: respei tar todas as
cl áusul as do contrato e não usar de nenhum
expedi ente para as al terar em seu benefíci o;
entregar a obra pronta e assentada no l ocal
escol hi do, na data combi nada; cumpri r o
“ri sco” el ei to para a obra, salvo i ndi cação em
contrári o dada pel o encomendador, bem como
as especi fi cações à mesma, esti pul adas em
contrato, como exempl i fi cam os segui ntes
trechos dos aj ustes de obra: O pri mei ro,
cel ebrado entre o mestre ental hador Manuel
Álvares e a i rmandade do Santíssi mo
Sacramento da i grej a de Santa Mari a de Loures,
a fi m de este úl ti mo revesti r de tal ha o arco
tri unfal da capel a-mor da mesma i grej a, refere:
“E suposto no di to rascunho mostre nos
segui ntes duas Agui as em l ugar del l as metera
el l e mestre dous Anj os que mostrem toda a
ual enti a posi uel ” 9 e o segundo entre o
arcebi spo de Évora, D. Si mão da G ama e o
mestre ental hador Franci sco da Si lva, a fi m de
este executar o retábul o-mor e doi s col aterai s
da i grej a da Mi seri córdi a da mesma ci dade:
“(… ) e assi m mai s sera obri gado el l e di to
Franci sco da Sylva a fazer/ duas col unas em
cada cappel l a das tai s, al em de duas fi guras
que ha de/ fi car nos l ados da Cappel l a mai or,
de grandeza que a obra o pri mi ti r, sem/
embargo de as tai s col unas não estarem no
ri sco” 1 0 ; assi nar, a par do encomendador, a
pl anta da obra apresentada em contrato;
executar a obra com o máxi mo ri gor e
perfei ção, usando madei ras sãs, normal mente
escol hi das pel o encomendador; não exceder o
preço aj ustado, sem o acordo do
encomendador; fornecer as madei ras, os
ofi ci ai s e os materi ai s de fi xação do retábul o
(ferragens e pregos); entregar obra aj ustada ao
preço; passar reci bos das quanti as que for
recebendo no decurso da obra; emendar à sua
custa as fal tas que na obra o(s) aval i ador (es)
encontrarem; pagar mul ta em caso de atraso na
entrega da obra; apresentar os seus bens
móvei s e i móvei s como garanti a do
cumpri mento dos seus deveres; provi denci ar o
transporte da obra para o seu desti no;
acompanhar o processo de montagem da obra;
no caso de i ncumpri mento na fi nal i zação do
trabal ho contratado, entrega das partes j á
executadas.
Rel ati vamente aos di rei tos dos ental hadores,
estes eram grosso modo os segui ntes: receber
uma parte do pagamento da obra no momento
de assi natura do contrato notari al para a sua
execução; ter di rei to a uma compensação
monetári a ou em outros bens do
encomendador, no caso de i ncumpri mento de
pagamento da obra; apresentar fi ador para a
obra que contrata; fazer-se representar por
procurador ou pel o j ui z do l ocal onde contrata
a obra; ter di rei to a al oj amento e al i mentação
quando se desl oca para terra di stante da sua,
quer sej a para cel ebrar contrato, para ti rar
medi das para a obra, para a ental har ou para
supervi si onar a sua montagem; no caso do seu
fal eci mento, a sua famíl i a teri a di rei to a receber
os montantes devi dos pel o trabal ho
efecti vamente efectuado 1 1 .
O ESTATU TO DOS FI ADORES
Uma fi gura rel evante e também i nterveni ente
no contrato de obra, para al ém do
encomendador, do mestre, do tabel i ão de notas
e das testemunhas, era o fi ador apresentado
pel o mestre executante da obra. Aos fi adores
cabi a-l hes a responsabi l i zação pel o trabal ho
que o arti sta i ri a executar, arcando com as
consequênci as l egai s no caso de
i ncumpri mento por parte do mesmo. Um
exempl o cabal do aci ma exposto é o do
contrato para execução do retábul o-mor da
i grej a matri z de S. J ul i ão do Toj al , nos
Detal he das assi naturas do contrato entre a I rmandade da Mi seri córdi a e Franci sco da Si lva, 1 71 0.
37
arredores de Li sboa, no qual a i rmandade do
Santíssi mo Sacramento se contrata com os
mestres ental hadores Fel i pe Ramal ho e seu
genro Manuel Mateus, que apresentam por seu
fi ador a Manuel J oão, mestre ental hador
também morador em Li sboa, às Fangas da
Fari nha (actual Rua N ova do Al mada). Um
excerto do contrato el uci da-nos: “(. . . ) E
estando outro si m prezente Manoel J oão
tambem Mestre emtal hador morador nas di tas
Fangas da Fari nha di se perante mj m tabal i am e
as di tas testemunhas que de sua boa e l i ure
vontade se oferese per fi ador e prencepal
pagador del l es Mestres E de qual quer del l es se
obri ga a pagar por el l es aos ofesi ai s da di ta
j rmandade tudo o que el l es Mestres l hes forem
obri gados em rezão desta escretura em
di nhei ro de contado de sua caza bens e
fazenda como deui da E obri gação sua propri a
que desde l ogo toma e remoue sobre sj e de
que se constetue deuedor e obri gado (. . . ) E as
l ei s dos fi adores prencepai s pagadores e fi ei s
deposi tari os de cuj o compri mento e
pagamento obri ga todos seus bens aui dos e per
auer (. . . )” 1 2 .
Segundo apurámos, através da l ei tura dos
contratos de obra a que ti vemos acesso na
i nvesti gação que decorreu da el aboração da
nossa tese de doutoramento, 68% dos mesmos
não apresentavam fi ador, sendo que os 3 2 %
restantes estavam reparti dos do segui nte modo:
7% eram carpi ntei ros, 6% eram pi ntores
douradores, 6% eram ental hadores, 4% eram
arti stas e artífi ces dos mai s di versos ofíci os e de
9% ou não se referi a profi ssão ou si mpl esmente
não ti nham profi ssão l i gada às artes.
A parti r dos dados desta estatísti ca aqui
apresentada é-nos l egíti mo concl ui r que a
grande mai ori a dos contratos de obra não
apresentava fi ador. A expl i cação cabal para tal
facto não é perceptível somente através das
i nformações de que di spomos, o texto dos
contratos de obra. Assi m sendo, apenas
podemos especul ar com base naqui l o que nos é
dado a reconhecer nestes contratos acerca do
papel dos fi adores, e que é efecti vamente a
grande responsabi l i zação que ti nham
rel ati vamente à conduta do mestre contratado.
O fi ador era o pri mei ro a ser chamado no caso
de i ncumpri mento por parte do ental hador, tal
como se pode l er neste excerto da noti fi cação
que a i rmandade de Santa Catari na dos
Li vrei ros, da i grej a homóni ma, fez chegar ao
tri bunal do cível de Li sboa, a fi m de requerer o
pagamento da pena pel o i ncumpri mento dos
prazos para entrega de obra, por parte do
mestre Mati as Rodri gues de Carval ho: “(. . . ) el l e
Manoel de Azeuedo se obri ga outrosi m de l ogo
dar, e pagar aos j rmãos que hora sam, e ao
di ante forem da di ta j rmandade de Santa
Catheri na, todas as quanthi as asi ma decl aradas,
e bem asi m os si nquoenta mi l rei s da di ta penna
com mai s ui nte que a el l a acresçenta, tudo
l ogo, e com efei to em di nhei ro de contado, e de
sua casa, bens, e fazenda, que desde l ogo toma,
e remoue sobre sy, e de que se constetue
deuedor, e obri gado, sem se hauer respei to aos
bens, e fazenda do di to Mathi as Rodri gues,
senão aos del l e seu fi ador, porque como tal e
pri nci pal pagador tudo por el l e dará, e pagará
na forma sobredi ta (. . . )” 1 3 .
Uma das expl i cações possívei s para a
ausênci a de fi ador em tantos contratos por nós
compul sados, seri a efecti vamente o grande
ri sco em que esta fi gura i ncorri a, no caso de
i ncumpri mento por parte do contratado. Para
al ém do óbvi o ri sco para o fi ador, e que
poderi a tornar di fíci l ao mestre ental hador
assegurar que al guém se comprometesse por si
num contrato de obra, é também pl ausível uma
outra si tuação e que seri a a confi ança no
mestre ental hador por parte dos
encomendadores. Tal ocorri a, por exempl o,
com o mestre J osé Rodri gues Ramal ho que
nunca apresentava fi ador para os seus contratos
de obra. A di mensão da sua ofi ci na, j á herdada
de seu pai , que l he permi ti a acei tar vári os
contratos de obra num mesmo ano, o seu
prestígi o como mestre e, possi vel mente, a
ausênci a de probl emas de i ncumpri mento das
suas emprei tadas terão contri buído para esta
si tuação que, como di ssemos, é revel ada em
todos os contratos de obra conheci dos,
adj udi cados à sua ofi ci na. Uma outra hi pótese
que pode ser ai nda l evantada é j ustamente
aquel a que defende a ausênci a do fi ador em
vi rtude dos bens do mestre serem sufi ci entes
para cobri rem qual quer i ncumpri mento por
parte deste, o que seri a certamente a si tuação
apl i cável a J osé Rodri gues Ramal ho.
Se esta si tuação era frequente em 68% dos
contratos de obra que el encámos, os restantes
3 2 % , contudo, apresentam o fi ador como fi gura
essenci al da escri tura cel ebrada. Destes, ao
contrári o do que se poderi a pensar a pri ori , só
6% eram mestres ental hadores, os restantes,
apesar de al guns apresentarem profi ssões
aparentadas com a de ental hador ou
compl ementares, exempl i fi cadas nos
carpi ntei ros e nos pi ntores douradores,
pertenci am, quer a outras artes, quer a
profi ssões não conotadas com a arte.
Um caso i nteressante em que os fi adores são
mestres ental hadores e, nas suas obri gações
como tal , se pronti fi cam a acabar a obra que o
seu col ega contrata naquel e momento, é
exempl i fi cado por doi s aj ustes notari ai s. O
pri mei ro data de 1 2 de Março de 1 680 e referese ao aci ma ci tado contrato entre os mestres
ental hadores Fi l i pe Ramal ho e Manuel Mateus e
a i rmandade do Santíssi mo Sacramento da
i grej a matri z da vi l a de S. J ul i ão do Toj al ,
contrato que pressupunha fi ador. Apresenta-se
neste estatuto, o col ega de profi ssão, Manuel
J oão, com a acei tação de “(. . . ) que sucedendo
que el l es Mestres não acabem a di ta obra por
qual quer cauza que sej a sera obri gado el l e
Manoel J oão seu fi ador de a acabar e asenta l l a
na mesma forma em que el l es por esta escretura
fi cam obri gados (. . . )” 1 4 .
O outro caso di z respei to a uma escri tura
cel ebrada a 6 de Agosto de 1 71 1 entre o mestre
39
ental hador J osé Antunes e a i rmandade de S.
G onçal o si ta na i grej a de N . ª S. ª da Encarnação
de Li sboa, a fi m de que este mestre, como
fi ador que era de seu genro J osé Nunes
Montei ro, acabe a obra de tal ha que o di to seu
genro ti nha anteri ormente contratado com a
referi da i rmandade, a qual não consegui u
entregar no tempo esti pul ado em contrato,
razão pel a qual se encontrava no presente
momento, preso. O texto do contrato refere:
“(. . . ) pedi u el l e J ozeph Antunes ao di to j ui s e
mai s ofi ci ai s da di ta meza do gl ori ozo São
G onçal o qui zessem sol tar ao di to J ozeph
Nunes Montei ro seu genro da pri zão onde esta
e que el l e se obri gari a por el l e como seu fi ador
e pri nci pal pagador e como di ui da e obri gação
sua propri a (. . . )” 1 5 .
Para al ém destas duas si tuações exempl ares,
não encontrámos mai s nenhum caso em que o
fi ador, ental hador ou não, se comprometesse a
fi nal i zar a obra caso o contratado para esse
efei to o não fi zesse nos prazos contratados.
Podemos assi m i nferi r que estes doi s casos se
consti tuíram como excepção à regra que
vi gorava, e que era a si mpl es
responsabi l i zação, dando como fi ança os bens
móvei s e i móvei s. N o caso das si tuações de
fi ança que l ocal i zámos em contratos de obra e
em outros documentos, podemos afi rmar não
exi sti r um padrão fi xo, e que os fi adores seri am
natural mente aquel es que a i sso se
predi spusessem, sendo natural que apareçam
nestes documentos pessoas mai ori tari amente
l i gadas às artes, quer sej am ental hadores,
marcenei ros, pedrei ros e outros ofi ci ai s
mecâni cos, que mui tas vezes, frequentavam os
mesmos espaços e por vezes fazi am também
parte de i rmandades vocaci onadas para o
acol hi mento a artífi ces 1 6 .
Outra si tuação mui to menos frequente era
aquel a em que havi a l i gações fami l i ares entre
arti sta e fi ador como é o caso do aci ma
referi do mestre ental hador J osé Antunes que
fi ca por fi ador de seu genro J osé Nunes
Montei ro na obra de tal ha da capel a de S.
G onçal o, si ta na i grej a da Encarnação, de
Li sboa. Regra geral , estas si tuações eram
excepções, tal como aquel as em que um
fami l i ar do arti sta testemunhava no seu
contrato de obra. Tal é, por exempl o, o caso de
J osé Rodri gues Ramal ho, em cuj o contrato de
execução do al tar-mor e col aterai s da i grej a de
N . ª S. ª do Li vramento da Ordem da Santíssi ma
Tri ndade, assi na como testemunha o seu i rmão
e col ega Franci sco Lopes Ramal ho 1 7.
OS ABON ADORES AOS FI ADORES
Uma si tuação de excepção era aquel a que
consagrava o reforço do estatuto da fi ança. Em
doi s exempl os por nós recol hi dos na
documentação de obra que el encámos na nossa
tese de doutoramento, os comi tentes de obra
exi gem a presença de abonador ao fi ador
apresentado pel o arti sta contratado. Esta acção
vi sava garanti r a mai or segurança do esti pul ado
em contrato e salvaguardar o i nvesti mento do
encomendador.
O pri mei ro exempl o di z respei to à
contratação do mestre Domi ngos de Sampai o
por parte das rel i gi osas cl ari ssas do convento
de Elvas. O mestre ti nha j á apresentado como
fi ador, um seu col ega de ofíci o de nome
G eral do Perei ra, j untando-se agora a este,
Domi ngos Fernandes como abonador ao fi ador:
”(. . . ) e para maes seguranca do sobredi to
aprezentou per seu fi ador ao G eral do Perei ra e
aBonador ao mesmo o di to Domi ngos
Fernandes (. . . )” 1 8 .
A presença da fi gura do abonador neste
caso, que nem sequer envolvi a quanti as
avul tadas, poi s a sua factura orçou-se em
1 40. 000 réi s, pode também ser expl i cada pel a
extrema di stânci a que àquel e tempo separava a
ci dade de Li sboa da de Elvas. A i nsegurança
que as rel i gi osas certamente experi mentavam
ao i nvesti r o que para el as deveri a ser uma
soma consi derável , deverá ter contri buído para
esta deci são de reforço da garanti a dada pel o
fi ador que, tal como o ental hador, estava
di stante em termos geográfi cos.
Outro caso semel hante a este, l ocal i zámo-l o
no contrato de execução do retábul o dedi cado
a São Pedro si tuado na i grej a matri z do
Montij o. Segundo o aj uste notari al acordado
entre a i rmandade do mesmo santo e o mestre
ental hador Antóni o Marti ns Cal hei ros, este
úl ti mo apresentou por fi ador um seu col ega
dourador de nome Santos Marques, que era
pi ntor-dourador de “Sua Magestade”, pel o qual
se responsabi l i zou o abonador, o capi tão
Antóni o de Sá de Carval ho e Ol i vei ra, morador
no Montij o. Assi m: “(. . . ) di go eu Santos
Marques que eu abono ao Senhor Antoni o
Marti ns em todo o contrato que el l e fi zer o
serui ço da hobra de Sam Pedro ci ta na I grej a
Matri x de Al dagal ega e fi co por fi ador e
pri nci apal pagador de todo o di nhei ro que
cobrou em Sati sfaçam da hobra (. . . ) e Logo por
estar prezente o Capi tam Antoni o de Saa de
Carual ho e Ol i uei ra morador nesta vi l l a por
el l e foi di tto perante mi m tabel i am e as di ttas
testemunhas que el l e se obri gaua e abonaua o
di tto Santos Marques (. . . )” 1 9 .
Estes doi s testemunhos, embora
apresentando-se como excepções no panorama
geral das cl áusul as normal mente adoptadas nos
contratos de obra de tal ha, não dei xam de
consti tui r el ementos de estudo rel evantes no
cômputo geral dos mecani smos de contratação
destas obras. Esta modal i dade que, para al ém
do fi ador, requeri a a presença de uma outra
fi gura j urídi ca, a do abonador, demonstra que
as si tuações concretas de rel ação entre as
partes i nterveni entes nestes acordos com força
l egal ai nda nos escapam na sua total i dade. O
que podemos constatar, uma vez mai s através
da l ei tura da documentação produzi da à época,
é que não era raro um mestre ental hador não
consegui r cumpri r os prazos para a execução
da obra que contratou e até excedê-l os em
mui to. Por tal moti vo, a fi gura do fi ador fari a
todo o senti do nesse contexto e, possi vel mente,
41
face a si tuações em que até o fi ador não
cumpri a com o esti pul ado, a i ntervenção do
abonador seri a como uma segunda segurança,
como uma reserva, no caso de fal harem com
as suas obri gações tanto o ental hador como o
fi ador.
BREVES CON CLU SÕES
N as úl ti mas décadas de Sei scentos, em
Portugal , uma profi ssão emergi u com força. A
arte da tal ha teve uma acei tação general i zada
por todo o país e consequentemente uma
procura i ntensi va por parte de
encomendadores tão di versos como as ordens
rel i gi osas, as i rmandades, os parti cul ares e até
a real eza. Esta arte, que paul ati namente
engrandeceu os templ os do rei no, apresentavase com carácter sumptuoso, emprestando
magni fi cênci a aos i nteri ores sacros. A sua
procura era i ntensa e os requi si tos de perfei ção
e grandeza da obra estavam sempre no
hori zonte dos seus comi tentes. Tal demanda,
i ntensa e geografi camente abrangente,
contri bui u para o desenvolvi mento e
consol i dação da arte do ental he, destacando
uma profi ssão nesse processo: o ental hador.
Durante a época barroca assi sti mos ao
cresci mento exponenci al das ofi ci nas de tal ha
na capi tal do rei no e um pouco por todo o
país. Mui tas foram as ofi ci nas que por esses
anos se estabel eceram na ci dade de Li sboa,
outras j á sedi adas na capi tal e com uma
cl i entel a fi del i zada, ati ngi ram o seu auge de
produção. A compl exi dade de rel ações que se
estabel eceram entre encomendadores e arti stas,
os pri mei ros comi ssi onando obras, por vezes de
grande di spêndi o fi nancei ro, os segundos
apl i cando os materi ai s e a mão-de-obra à
sati sfação das encomendas, proporci onou a
fi xação em contrato das cl ausul as regul adoras
da rel ação estabel eci da entre estes parcei ros.
Foi assi m que o contrato de obra de tal ha se
general i zou, esti pul ando l egal mente os di rei tos
e deveres de comi tentes e ental hadores.
Podemos concl ui r que foi o cresci mento e
consol i dação da arte do ental he, que
contri buíram deci si vamente para o
apareci mento de contratos-ti po, nos quai s as
cl áusul as mai s rel evantes eram repeti das de
contrato para contrato, fi xando assi m um
model o que, general i zado, faci l i tava as rel ações
l egai s entre encomendadores e arti stas nas
emprei tadas de obra de tal ha, possi bi l i tando
também a sua expansão. A força l egal que os
contratos de obra apresentavam,
salvaguardando os di rei tos e deveres das partes
envolvi das, proporci onava uma mai or confi ança
dos i nterveni entes em todo o processo de
execução da obra de tal ha. Em úl ti ma i nstânci a,
essa mesma confi ança e crédi to que o processo
assegurava vei o exponenci ar as encomendas de
obra e contri bui r para a credi bi l i dade da arte
em apreço, el evando-a a patamares de
excel ênci a.
NOTAS
1 Este tema j á foi tratado na nossa tese de doutoramento,
i nti tul ada: A Talha Barroca de Lisboa (1 670-1 72 0). Os
arti stas e as obras (tese de doutoramento em H i stóri a –
especi al i dade Arte, Patri móni o e Restauro - apresentada à
Facul dade de Letras da Uni versi dade de Li sboa), 2 009, Vol .
I , pp. 1 3 9-1 64. O texto aqui apresentado tem por base o
que então escrevemos sobre o tema.
2 Sobre este processo compl exo que era a contratação da
obra de tal ha e os trâmi tes l egai s a esta associ ados, vej a-se
Franci sco Xavi er H ERRERA GARCÍA, El Retablo Sevillano
en la Primera Mitad del Siglo XVIII , Sevi l ha, Di putaci on de
Sevi l l a, 2 001 , pp. 74-1 1 4.
3 Cf. N atál i a Mari nho FERREI RA-ALVES, A Arte da Talha
no Porto na Época Barroca . Arti stas e Cl i entel a, Materi ai s e
Técni ca, Porto, Câmara Muni ci pal do Porto, 1 989, p. 1 59.
4 Sobre a acti vi dade profi ssi onal deste mestre ental hador,
em Évora, e a pri vi l egi ada rel ação de trabal ho que manteve
com o arcebi spo dessa mesma ci dade, D. Luís da Si lva
Tel es, vej a-se de Cel so MAN G U CCI , “Franci sco Machado e
a ofi ci na de retábul os do arcebi spo de Évora” i n Cenáculo,
Boletim on line do Museu de Évora , n. º 2 , 2 007, pp. 2 -1 7
5 “(. . . ) E estando outrosj prezente J oão da Costa morador a
Rua da Fee por el l e foi di to perante mj tabal i am e di tas
testemunhas que de sua l i ure vontade fi ca por fi ador e
pri nci pal pagador do di to mestre Antoni o da Costa a fi m de
que faça a di ta obra na forma que se decl ara nesta
escri ptura e se conthem no di to rescunho para que não se
posa segui r perda ou damno al gum a di ta i rmandade
porque tudo l he comporá como di ui da sua propri a que
toma e remoue sobre sj como fi ador e pri nci pal pagador e
fi el depozi tari o de j ui zo a cuj as l ei s se sobmete e sugei ta e
cl auzul l as desta escri ptura que tem ouui do e entendi do
(. . . )”. ARQU I VO N ACI ON AL TORRE DO TOMBO Cartóri o
N otari al de Li sboa, n. º 1 5 (anti go n. º 7A), Cx. 83 , L. º 447,
fl . 2 8. Contrato datado de 2 0 de Abri l de 1 704. Publ i cado
por Franci sco LAMEI RA e Sílvi a FERREI RA, “Os
antecedentes artísti cos de Caetano da Costa. A fase
l i sboeta”, i n Laboratorio de Arte, Revista del Departamento
de Historia del Arte , n. º 2 0, Uni versi dad de Sevi l l a, 2 009,
pp. 2 00-2 02 . Vi de Sílvi a FERREI RA, op. ci t. , Vol . I I , Doc.
87.
6 Tal é o caso, por exempl o, do contrato de obra entre a
i rmandade de N ossa Senhora da Ressurrei ção de Cascai s
para a execução do retábul o-mor da sua i grej a de i nvocação
homóni ma, e o mestre ental hador Estêvão da Si lva, o qual
esti pul a que as despesas de desl ocação da obra desde
Li sboa até Cascai s fi cari am por conta da referi da
i rmandade. Cf. AN TT, CN L, n. º 1 5 (anti go n. º 7A), Cx 76,
L. º 3 90, fl s. 2 2 -2 3 . Publ i cado por Ayres de CARVALH O, D.
João V e a Arte do seu Tempo , Li sboa, Edi ção do Autor,
1 960-62 , Vol . I I , p. 1 09. Vi de Sílvi a FERREI RA, op. ci t. ,
Vol . I I , Doc. n. º 3 9.
7 Um dos exempl os em que a despesa seri a di vi di da entre
encomendador e mestre é aquel a do contrato de obra
cel ebrado entre as rel i gi osas do mostei ro de N ossa Senhora
da Esperança de Bej a e o mestre ental hador Manuel J oão da
Fonseca. Di z o contrato neste ponto: “(. . . ) a pora el l e
Mestre [a obra de tal ha] a sua custa a borda da agoa da
praj a desta ci dade [de Li sboa] e daj para o di to comuento
fara por conta e custo da pri oreza e Rel egi ozas del l e (. . . )”.
Cf. AN TT, CN L, n. º 3 (anti go n. º 1 1 ), Cx. 84, L. º 3 2 3 , fl . 24,
referi do por Ayres de CARVALH O, D. João V e a Arte do
seu Tempo , Vol . I I , (. . . ), pp. 1 06-1 07. N o entanto, exi sti am
excepções a esta regra geral , tal é o caso do contrato de
obra de tal ha cel ebrado entre o mestre Domi ngos Lopes e
as rel i gi osas de São Bernardo do mostei ro de Cós, segundo
o qual a despesa do carreto da obra até ao seu l ocal de
assentamento seri a suportada excl usi vamente pel o mestre,
como refere o texto do contrato: “ (. . . ) E que a dará E sera
posta no di to conuento por sua conta del l e di to E se obri ga
/fl . 1 3 9 v. º/ aos carretos del l a (. . . )”. Cf. AN TT, CN L, n. º 3
(anti go n. º 1 1 ), Cx. 82 , L. º 31 2 , fl s. 1 3 9-1 40 v. º,
referenci ado por Vítor SERRÃO, História da Arte em
Portugal – O Barroco , Li sboa: 2 003 , p. 99.
43
8 AN TT, CN L, n. º 2 (anti go n. º 1 ), Cx. 55, L. º 277, fl . 9.
Contrato datado de 2 9 de Setembro de 1 676, referenci ado
por Ayres de CARVALH O, D. João V e a Arte do seu
Tempo , vol ume I I , pp. 1 04-1 06 e publ i cado por Vítor
SERRÃO, “O Concei to de Total i dade nos Espaços do
Barroco N aci onal : A obra da I grej a de N ossa Senhora dos
Prazeres em Bej a (1 672 -1 698)”, Lusofonia, Revista da
Faculdade de Letras de Lisboa , n. ºs 21 /2 2 , 1 996-97, p.
2 50. Vi de Sílvi a FERREI RA, op. ci t. , vol ume I I , doc. n. º 1 2 .
9 AN TT, C. N . L. , n. º 1 (anti go n. º 1 2 A), Cx. 67, L. º 2 85, fl .
56. Contrato datado de 1 de J unho de 1 688.
1 0 ARQU I VO DI STRI TAL DE ÉVORA, Cartóri os N otari ai s
de Évora, Tabel i ão André Vi di gal da Si lva, l i vro 1 009, fl .
2 2 5 e v. º, ci tado e parci al mente transcri to por Cel so
MAN G U CCI , “Franci sco da Si lva, Antóni o de Ol i vei ra
Bernardes e Franci sco Lopes Mendes na I grej a da
Mi seri córdi a em Évora”, i n Cenáculo , bol eti m on l i ne do
Museu de Évora, n. º 3 , 2 008, pp. 3 -1 8.
11 Dados reti rados do texto de vári os contratos de obra
transcri tos e apresentados em Sílvi a FERREI RA, op. ci t. ,
Vol . I I .
1 2 AN TT, CN L, n. º 3 (anti go n. º 1 1 ), Cx. 84, L. º 3 2 0, fl . 77.
1 3 ARQU I VO PAROQU I AL DA I G REJA DE SAN TA
CATARI N A, I rmandade de Santa Catari na, “Li vro de róes e
reci bos di versos das casas pertencentes ás i rmandades e
despezas com a Egrej a. 1 661 a 1 799”, Cx. n. º 6. Doc.
avul so, s. n. º. p.
1 4 AN TT, CN L, n. º 3 (anti go n. º 1 1 ), Cx. 84, L. º 3 2 0, fl . 77.
1 5 AN TT, CN L, n. º 1 (anti go n. º 1 2 A), Cx. 82 , L. º 3 60, fl .
93 .
1 6 Tal é o caso da i mportante i rmandade de N ossa Senhora
da Doutri na, sedi ada na i grej a de São Roque, ou da Ordem
Tercei ra de São Franci sco, l ocal i zada no cl austro do
convento de São Franci sco da Ci dade, ou mesmo da de São
J osé dos Carpi ntei ros, l ocal i zada na i grej a de São J osé ou
da de São Lucas, entre outras.
1 7 AN TT, CN L, n. º 1 (anti go n. º 1 2 B), Cx. 2 5, L. º 450, fl s.
87-88. Contrato datado de 1 6 de N ovembro de 1 689, publ .
por Vítor SERRÃO, “Uma Obra Pri ma do Esti l o N aci onal : O
Retábul o da I grej a de Santa Mari a da G raça, de Setúbal
(1 697-1 700)”, Boletim Cultural da Póvoa do Varzim , Póvoa
do Varzi m, Câmara Muni ci pal da Póvoa do Varzi m, Vol .
XXVI , n. º 2 , 1 989, p. 1 0. Vi de Sílvi a FERREI RA, op. ci t. ,
Vol . I I , Doc. n. º 44.
1 8 ARQU I VO DI STRI TAL DE PORTALEG RE, Cartóri o
N otari al de Elvas, CN ELV04/001 /= 1 43 , fl s. 3 2 -34 v. º,
publ i cado por Mi guel Ángel VALLECI LLO TEODORO,
Retablística Alto Alentejana (Elvas, Villaviciosa Y Olivenza)
en los Siglos XVII-XVIII , Méri da, Uni versi dad N aci onal de
Educaci ón A Di stanci a, 1 996, pp. 2 96-2 98. Contrato
datado de 1 6 de N ovembro de 1 689. Doc. n. º 45 do vol ume
I I de Sílvi a FERREI RA, op. ci t.
1 9 ARQU I VO DI STRI TAL DE SETÚ BAL, Cartóri o N otari al ,
Montij o (Al dei a G al ega), L. º n. º 1 3 , 1 . º ofíci o, tabel i ão
Franci sco Cardoso fl s. 242 -243 v. º. Contrato datado de 24
de Feverei ro de 1 701 , publ . por Franci sco J osé Ol ei ro
LU CAS, “ O Retábul o de S. Pedro na I grej a Matri z do
Montij o”, Arti s n. º 3 , Dezembro de 2 004. Cf. Sílvi a
FERREI RA, op. ci t. , Vol . I I , Doc. n. º 73 .
AS AN DAN ÇAS DE UM RETÁBU LO ATRAVÉS DE UM LI VRO DE
DESPESAS
Artur Goulart de Melo Borges Coordenador do I nventário Artístico
da Arquidiocese de Évora
Quem se de dedi ca ao estudo da arte sacra dos sécul os XVI I e
XVI I I faci l m en te con stata a i mportân ci a das con struções retabul ares
de capel as e oratóri os, n o en quadram en to i con ográfi co e catequéti co
dos al tares das i grej as, favoreci das com o gran de aum en to das
devoções e con sequen te organ i zação de con frari as.
Os retábul os afrescados qui n h en ti stas, com un s n as i grej as
al en tej an as, vão sen do substi tuídos pel os en tal h ados, quer por
n ecessi tarem de restauro, quer pel a apropri ação de n ovos gostos e
m odel os, às vezes provocada por um a frequen te em ul ação en tre
con frari as.
A procura da qual i dade n o ri sco e n a execução de tai s retábul os
l eva à con tratação de m estres recon h eci dos, geral m en te com ofi ci n a
em Li sboa por m oti vos óbvi os rel aci on ados com as en com en das e o
m ei o artísti co. Todavi a, con tratar en tal h adores de fora e, sobretudo,
acei tar que os retábul os fossem fei tos n as respecti vas ofi ci n as
i mpl i cava um aci den tado tran sporte e um acresci do aum en to dos
custos da obra. Surgem assi m duas si tuações: ou o retábul o é fei to n a
ofi ci n a do en tal h ador, l on ge do síti o para que está desti n ado (por
exempl o, Li sboa e Évora), ou são os en tal h adores que se desl ocam
para on de vai ser col ocado o retábul o e aí m on tam ofi ci n a, com tudo
o que i sso tam bém comporta. Em vi rtude di sso, são vári os os casos
em que al gun s desses m estres acabam por se estabel ecer em Évora,
com ofi ci n a própri a, aprovei tan do as n ovas oportun i dades que o
fervor devoci on al e um certo desafogo econ óm i co proporci on avam .
U m exempl o de Évora, a parti r do Li vro de Despesas 1 de um a
con frari a, é si gn i fi cati vo dos m ui tos trabal h os e di spên di os da
con strução de um retábul o.
I RMAN DADE DE
N OSSA SEN H ORA
DO ROSÁRI O
DA I G REJ A
DO CON VEN TO
DE SÃO
DOMI N G OS
A con frari a de N ossa Sen h ora do Rosári o 2 ,
erecta n a i grej a do conven to de São
Dom i n gos, h oj e exti n to e destruído, era um a
das m ai s an ti gas eboren ses. Em 1 576, quan do
foi edi tada em Évora a 3 ª edi ção do Livro do
Rosayro de Nossa Senhora , n a ti pografi a de
An dré de B urgos, a con frari a j á exi sti a desde
data que se i gn ora. Ti n h a capel a própri a e
al tar com um retábul o da Árvore de J essé,
si tuada n o l ado da epístol a, j un to à porta
travessa, e sal i en tava-se de todas as outras,
segun do a descri ção do Padre Man uel Fi al h o,
n a sua Évora Ilustrada 3 . Todavi a, n os pri m ei ros
an os da década de 60 do sécul o XVI I , a
con frari a, devi do ao m au estado de
con servação do retábul o, resolveu m an dar
fazer um n ovo a Li sboa.
N ão ti n h a m ui tos an os o “vel h o” retábul o.
Em 1 62 5 ti n h am si do con tratados o carpi n tei ro
e en sam bl ador J oão N obre e o escul tor Adri ão
Pi res de Fari a para executarem a Árvore de
J essé, con form e o ri sco de D. Tom é, pri or da
Cartuxa 4 .
Do n ovo retábul o descon h ece-se quem fez
o ri sco, em bora possa talvez ser atri buído ao
pi n tor Fran ci sco N un es Varel a, com o adi an te
se verá, bem com o o en tal h ador com quem foi
aj ustada a obra, e o custo total . Mui to
provavel m en te o ti po de m adei ra e o
respecti vo custo estavam i n cl uídos, com o
quase sempre acon teci a, n o con trato com o
en tal h ador, poi s i sso n ão con sta do Li vro de
Despesas, que é m i n uci oso n os restan tes
trabal h os.
O retábul o ch egou a Évora em 1 6 de Abri l
de 1 666 depoi s de um a l on ga vi agem .
Em barcado em Li sboa, segui u Tej o aci m a até
Al dei a G al ega, h oj e Mon tij o, com o custo de
2 . 700 réi s, pagos pel a con frari a. Daí parti u
para Évora em doze carretas, ao preço de
2 . 2 00 réi s cada, n um total de 2 6. 400 réi s e
destes j á ti n h am si do pagos por con ta em
Li sboa 5 00 réi s. Só para os cai xotes em que
vi n h am acon di ci on ados o retábul o e as
i m agen s foram despen di dos 1 4. 65 0 réi s.
En tretan to, j á em Évora, foi n ecessári o fazer os
an dai m es, desm on tar e m udar o retábul o
vel h o por 640 réi s, e pagar 81 0 réi s por
descarregarem o n ovo e “arm ar a grade e
outras m i udezas”.
Acompan h aram o retábul o os en tal h adores,
m estre, ofi ci ai s e en sam bl adores, vi n dos de
Li sboa para a respecti va m on tagem . Fi caram
al oj ados n o conven to, caben do à con frari a
pagar a al i m en tação, duran te os qui n ze di as
que aí perm an eceram . Fi cou tudo em 8.1 00
réi s, en tregues ao Pri or.
U m a vez que o retábul o represen tava a
Árvore de J essé, ti n h a fei to parte do con trato
n ão só a estrutura do con j un to e da árvore a
executar pel o en tal h ador, m as as i m agen s, a
ser fei tas por um escul tor, de vul to pl en o e em
n úm ero de doze: J essé, m ai s dez rei s de J udá a
di stri bui r pel o ram os da árvore e, n o ci m o,
N ossa Sen h ora com o Men i n o. O tem a
prestava-se a um a gran de composi ção
retabul ar, à sem el h an ça da m ai s an ti ga, datada
de 1 63 8, que ai n da h oj e se pode ver em São
Fran ci sco de Estrem oz.
O pagam en to ao m estre en tal h ador e
i n cl usi ve ao i m agi n ári o era h abi tual m en te
faseado por di sposi ção con tratual : um n o
i n íci o da obra, outro duran te a execução e o
úl ti m o acabada a m on tagem e vi stori ada pel o
en com en dan te e pel o peri to por el e escol h i do.
O Li vro de Despesas da con frari a apen as
refere estas úl ti m as tran ch es pagas quer ao
en tal h ador, quer ao escul tor. Ao pri m ei ro, que
fez a árvore, foram en tregues 1 2 0 m i l réi s
“com que se l h e acabou de pagar” e “ao que
fes as i m agen s” 5 5 m i l réi s.
Para i n tegrar a composi ção retabul ar a
con frari a ti n h a m an dado fazer dez casti çai s
pequen os de prata “para as m ãos dos rei s”.
Todavi a vei o a veri fi car-se que n ão servi am n o
retábul o e acordaram que fossem ven di dos,
ten do si do comprados, pel o peso da prata,
pel o ouri ves G aspar Correi a, com l oj a n a rua
da Sel ari a em Évora, por 2 3 . 800 réi s.
É frequen te que, após a con cl usão dos
retábul os, passem vári os an os até se proceder
ao seu douram en to, con soan te as
di spon i bi l i dades fi n an cei ras dos propri etári os.
N ão foi este o caso, poi s em Mai o de 1 667 j á
se m on tavam os an dai m es para o dourar. Crei o
que a cel eri dade se terá fi cado a dever, n ão só
à capaci dade fi n an cei ra da con frari a, m as à
di spon i bi l i dade de um dos I rm ãos, Fran ci sco
N un es Varel a (1 621 -1 699), fi l h o do pi n tor
Pedro N un es e tam bém pi n tor com vasta obra
n o Al en tej o, com o por exempl o os pai n éi s do
retábul o-m or da Matri z de Mon saraz. A el e
coube o douram en to do retábul o, pel o preço
de 2 5 0 m i l réi s, bem com o o estofo de todas as
i m agen s. É m ui to provável , dadas as estrei tas
rel ações del e com a con frari a, que ten h a si do
el e o autor do ri sco do retábul o.
En tretan to, para fazerem parte do con j un to
retabul ar, a con frari a m an dou ai n da fazer ao
i m agi n ári o de Li sboa doi s An j os pel o custo de
24 m i l réi s. N ova despesa com o tran sporte dos
An j os: 5 40 réi s de Li sboa para Al dei a G al ega e
2 000 desta para Évora. N ão se fi cou por aqui ,
todavi a, poi s em vi rtude de “vi rem m al
tratados e quebrados em al gum as partes” foi
n ecessári o serem con certados pel o i m agi n ári o
com n ovo custo de tran sporte, 3 . 600 réi s.
O en ri queci m en to da Capel a con ti n uou,
para al ém do retábul o, e em 2 8 de Mai o de
1 672 , a con frari a aj usta, por 1 5 5 m i l réi s, com
B artol om eu Ri bei ro o en tal h e das paredes
l aterai s, abran gen do m ol duras para catorze
pai n éi s al usi vos ao Rosári o da autori a de três
pi n tores: ci n co a Fran ci sco Pestan a por 3 2 . 5 00
réi s; sei s ao I rm ão Fran ci sco N un es Varel a pel o
m esm o preço de 2 . 2 00 réi s cada, ten do
recebi do apen as 3 6 m i l , poi s deu de esm ol a
3 000 réi s; três gran des e doi s pequen os por
2 6. 000 réi s a Fran ci sco B otado, pri m o de
Fran ci sco N . Varel a.
O douram en to do en tal h e das paredes e
m ol duras, por 70. 2 00 réi s, bem com o das
47
grades da Capel a por 1 2 m i l réi s, coube ao
Padre Man uel Fern an des Moren o.
Do que fosse a Capel a dá n otíci a o Padre
Man uel Fi al h o:
“Tem h um ri co retabol o, que l h e fi zeram os
seos devotos i rm ãos: n el l e está a árvore dos
Ascen den tes da Sen h ora, e por rem ate, fl or, e
fructo está a i m agem da m esm a May de Deos
de estatura n atural , obrada em m adei ra, com o
tudo o m ai s, com val en te arte e escul ptura, de
dourado; e com tal agrado, que rouba os
corações, con corre a adoral l a toda a Ci dade
com m ui ta frequên ci a, pel os favores, que
con ti n uam en te está di spen den do l i beral . (. . . )
Tem a Sen h ora sobre o braço esquerdo o seu
Men i n o J ESU S, oferecen do o a quem o qui ser.
Está a capel a toda em roda, e de al to a baxo
orn ada de pi n turas dos m i stéri os do S. to
Rosari o.” 5
Pouco m ai s de cem an os durou o retábul o.
Em acórdão de 2 9 de N ovem bro de 1 797, a
con frari a resolve en com en dar um n ovo, desta
vez de “pedra de três cores bran ca, Mon tes
Cl aros, e verm el h a com sua tri bun a on de se
pudesse a S. m a Vi rgem col ocar em tron o com
m ai or decên ci a e abun dân ci a de l um es”, poi s
n o an teri or estava em ”gran de peri go, e ri sco”
col ocada n o fi m da árvore, poi s o retábul o
estava “m ui to al uído e ter dado de si para
bai xo; que para ter al gum a seguran ça, e evi tar
ter cah i do, era n ecessári o estar a S. m a I m agem
l i ata com cordéi s, e parafusada, com o taobem
pel l a el evasão, e al tura em que estava se n ão
gozava bem dos I rm ãos, e Fi ei s Devotos, que
l h e tri butao h um a parti cul ar devoção toda esta
Ci dade” 6 .
Logo n o di a segui n te a obra foi en tregue ao
arqui tecto de B orba, An tón i o Fran co Pai n h o,
segun do um dos ri scos que apresen tou, pel a
quan ti a de 1 . 3 5 0 m i l réi s. Al gum tempo depoi s
da exti n ção do conven to, em 1 83 6, a con frari a
com os seus perten ces, exceptuan do um
gran de n úcl eo de pratari a en tregue aos
fran ceses, foi tran sferi da para a paróqui a de
San to An tão, e o al tar da Sen h ora do Rosári o
foi rem on tado n a capel a col ateral do l ado do
evan gel h o, on de ai n da h oj e se en con tra.
NOTAS
1 ARQU I VO DA PARÓQU I A DE SAN TO AN TÃO,
I rmandade de N ossa Senhora do Rosari o do Convento de S.
Domi ngos de Évora, Livro de registo de receita e despesa,
1663-1683 , l i vro 1 1 .
2 BORG ES, Artur G oul art de Mel o – “A confrari a de N ossa
Senhora do Rosári o” . I n Tesouros de Arte e Devoção.
Évora : Fundação Eugéni o de Al mei da, 2 003 , p. 1 51 -1 53 .
3 BPE, CXXX/1 -1 1 – Padre Manuel Fi al ho. Évora Illustrada ,
4º tomo [1 708].
4 SERRÃO, Vi tor – “Franci sco Nunes Varel a e as ofi ci nas
de pi ntura em Évora no sécul o XVI I ”. A Cidade de Évora , I I
séri e, nº3 (1 998-1 999) p.1 1 3 .
5 BPE, ob. ci t, fl 43 6.
6 ARQU I VO DA PARÓQU I A DE SAN TO AN TÃO, Livro dos
Acordãos da Mesa da Irmandade de Nossa Senhora do
Rosario , 1 683 , fl s 2 9-3 0.
49
O ARCEBISPO DE ÉVORA E PROGRAMA
ICONOGRÁFICO DA IGREJA DE SANTIAGO
Conhecemos com al guma profundi dade as
campanhas de fresco e azul ej o que renovaram
por compl eto o i nteri or da I grej a de Santi ago de
Évora, i denti fi cadas pel a assi natura do famoso
pi ntor G abri el del Barco e pel os cronogramas
de 1 699 e 1 700, nos azul ej os e no tecto. São
I G REJA DA REAL
COLEG I ADA DE
SAN TI AG O
um dos mai s i mportantes conj untos barrocos da
ci dade, combi nado os frescos do tecto e os
azul ej os da nave.
O programa i conográfi co, com uma extensa
j usti fcação do dogma do Santíssi mo
Sacramento, apoi ada em epi sódi os do Anti go e
do N ovo Testamento, é o verdadei ro fi o
condutor da campanha decorati va, dei xando
transparecer os pri ncípi os morai s e fi l osófi cos
O Retorno do Filho Pródigo. Gabriel del Barco, 1 700. Foto Miguel Cardoso
da escol asti ca de São Tomás de Aqui no que i nformaram a escol ha dos epi sódi os dos patriarcas Moi sés e Abraão, da parábol a do Fi l ho
Pródi go e os associ a às vi rtudes teol ogai s da
Fortal eza, da J usti ça, da Sabedori a e da Temperança pi ntadas a fresco no tecto.
Em pesqui sas recentes ti vemos a
oportuni dade de confi rmar a fundação da
I rmandade do Santíssi mo Sacramento, em 1 693 ,
pel a mão do pri or Cri stóvão Soares de
Al bergari a, que fal ece nesse mesmo ano, sem
chegar a assumi r os desti nos da confrari a. O
programa i conográfi co será então di ri gi do pel o
i ncansável Frei Luís da Si lva Tel es, arcebi spo de
Évora, que j á no processo de aprovação dos
estatutos perfi l ava-se como o pri nci pal
protector da i rmandade. Patroci nador de
numerosas obras na ci dade, estabel ecendo
víncul os próxi mos com os arti stas de que mai s
gostava, o Arcebi spo i rá cometer a G abri el del
Barco um programa i conográfi co semel hante
para a sal a da confrari a do Santíssi mo
Sacramento da I grej a Paroqui al de São Mamede.
As gravuras do i tal i ano Pi etro Testa e do
francês J ean Le Pautre que esti veram na base
das composi ções da parábol a do Fi l ho Pródi go
e da Moi sés também são conheci das graças aos
estudos de Rosári o Carval ho.
A campanha decorati va de renovação do
templ o de Santi ago, conforme i nforma o dísti co
do coro, foi paga pel os fregueses da paróqui a, e
os l i vros da tesourari a da I rmandade de N ossa
Senhora da Esperança confi rmam a col aboração
51
dessa confrari a, com a doação da i mportânci a
de 50 mi l réi s para dar pri ncípi o à obra dos
azul ej os, em 1 699.
A tal ha dourada, ci rcunscri ta desta vez às
capel as, surge como um programa
compl ementar de renovação i ni ci ada com os
azul ej os, com a obra para o retábul o da capel amor, real i zado em 1 71 9, pel o ental hador J oão
Mi guel , curi osamente, numa espéci e de j usti ça
poéti ca, segui ndo o model o do desapareci do
retábul o da capel a-mor da i grej a de São Pedro,
real i zado pel o ental hador Franci sco Machado,
para o arcebi spo D. Frei Luís da Si lva Tel es, em
1 701 . Só vári as décadas mai s tarde, e j á doptando um vocabul ári o rococó, será
a vez da renovação das capel as
col aterai s, com a encomenda do
retábul o de J oão Al mei da
N egrão para a capel a de N ossa
Senhora das Dores, real i zado a
semel hança da capel a de Santana, dessa mesma i grej a.
BIBLIOGRAFIA
CARVALHO, 2012; ARAÚJO, 2013
e MANGUCCI 2013.
Termo de contas da I rmandade da
Esperança da I greja de Santiago
Aos sei s di as do mês de J anei ro de sei scentos
noventa e nove anos/ estando em meza o j ui z e
mordomos da Vi rgem N ossa Senhora da/
Esperança nesta parochi al de/ Santi ago, sendo j ui z
o Reverendo Conego Vi cente Rij o Couti nho se
acentou por votto de todos os i rmãos pre/zentes,
que abaxo asenarão que se to/macem contas ao
i rmão thezourei ro/ J eróni mo de Ol i vei ra e que o
di nhei ro que dos annos passados que ti nha
sobrado das/ festas, e ti nha em seu poder o podi a/
dar para ai uda do azul ej o com que se a de/
azul ej ar a di tta i grej a e se l he l evari a
em conta nas pri meras, que der e eu/
Antóni o Fernandes Mal i gro [?]
escri vão que sou da di tta/ I rmandade
fi z este termo, que assi nei di a/ e
anno e ut supra.
[assi naturas] Antóni o Fernandes
Mal i gro [?]/ Vi cente Ri ggi o
Coutti nho/ padre Manoel Coel ho/
padre I gnaci o Lopes/ Mi guel
Bauti sta/ padre Manuel de Andrade/
Sebasti ão de [i l egível ] Pessanha/ Lui s
Pessanha Fal cão
ADE.CEEVR. Livro da Receita e Despesa da
I rmandade de Nossa Senhora da Esperança da
I greja de Santiago, fl. 11 e 11 vº.
Termo de obediência da I rmandade do
Santíssimo Sacramento
[fl .1 1 ] Termo de obedi enci a e soj ei ção que/
fazem os fregueses da i grej a parochi al de
Santi ago desta ci dade de Evora abaxo/
assi nados
Em os sete di as do mes de Mayo de mi l /
sei scentos e noventa e tres [?] annos em/ esta
ci dade de Evora corte ecl esi asti ca/ deste
arcebi spado nas casas da mora/da de mi m
escri vão da camara ao di ante nomeado
paresserão pessoal /mente os fregueses da i grej a
parochi al de Santi ago desta di tta ci dade/ de
Evora abaxo assi nados e por el es/
e cada hum del es foi di to que
para/ efei to de terem I rmandade
do Santi ssi /mo Sacramento na
di ta i grej a de/ sua própri a e l i vre
vontade sem for/ça nem
constrangi mento de pessoal
al /guma e somente por zel l o e
servi ço de Deos senhor nosso
desde l ogo para/ todo o sempre
se someti a a soj ei tavão/ à
obedi ênci a e suj ei ção do
i l l ustri ssi /mo e excel enti ssi mo
senhor Arcebi spo/ deste
arcebi spado de Evora Dom Frei
Lui s da Si lva como o seu
ADE. CEEVR. Livro dos Estatutos da I rmandade do
Santíssimo Sacramento da I greja de Santiago, fl. 11 e 11 vº.
l egi ti mo e verdadei ro prel ado para que os
ti vesse debai xo de seu amparo e protecção e
gozassem de todas as graças pri vi l égi os e
i ndul genci as que costumam gozar as
i rmandades soj ei tas aos senhores arcebi spos
deste arcebi spado de Evora [fl . 1 1 v. º] E
prometi ão em tudo aqui l l o que pel l o di /to
senhor Arcebi spo e seus successores l he fosse
mandado obedecer l hes para conser/vação da
sua i rmandade e outrossi m/ di sserão e
prometerão de dar contas/ das recei tas e
despezas que se fi zessem na/ sobredi ta
i rmandade na forma que/ o custumão fazer as
i rmandades so/j ei tas aos i l ustri ssi mos senhores
Arcebi spos e Bi spos deste rei no
de Portu/gal de que tudo
mandarão fazer oj e/ termo de
soj ei ção e obedi enci a que/
comi go assi narão Berthol omeo
Lo/bo da Si lvera escri vão da
Camara/ Archi epi scopal deste
arcebi spado/ o escrevi e assi nei
[assi naturas] Berthol omeo
Lobo de Si lvei ra/ J oseph
Ri bei ro, ouri ves/ de Brás
G odi nho/ J orge da Cunha/ J oão
Rodri gues/ Lui s de Sousa/
Domi ngos J orge/ I naci o Perei ra/
Manuel G onçalves/ Franci sco
da Si lva/ Antoni o Ri bei ro/ Bras
de Ol i vei ra/ Antoni o Si moi s/ Antoni o
Rodri gues/ Marçal Perei ra G alvão/ J oseph da
Si lva/ I l di fonso da Costa
53
Contrato Notarial para a realização do
retábulo da capela de Nossa Senhora
das Dores da I greja de Santiago
Contrato que faz reveredo doutor j oao
gri zos… / com j oao de al mei da N egram
Em nome de Deos amen saybão quantos este
publ i co i nstromento de/ contrato vi rem que no
anno do nasci mento de N osso Senhor J ezus
Chri sto/ de mi l setecentos si ncoenta e si nco
annos aos sete di as do mes de J anei ro do di to/
anno nesta ci dade de Evora e cazas de morada de
mi m Tabel i ão ao di ante/ nomeado pareceo
prezente Reverendo Doutor J oão G ri zostomo e
J oão de/ Al mei da N egrão ental hador pessoas
moradoras nesta ci dade que eu tabal l i /am
reconheso que certi /fi co serem os própri os de
que dou mi nha fee. E l ogo pe/l l o di to reverendo
doutor J oão G ri zostomo foi di to em a mi nha
presença/ e das testemunhas abaxo assi gnadas
que el l e estava contratado com o di to/ J oão de
Al mei da N egrão ental hador para efei to do mesmo
l he fazer hu/ma capel l a para N ossa Senhora das
Dores si ta na Real I grej a de São Thi ago/ desta
ci dade na capel l a em que hoj e há Senhora Santa
Barbara a qu/al a de ser em sei stavo com as
condi ções e obri gações segui ntes que el l e di to/
J oão de Al mei da N egrão a di ta obra a capel l a de
castanho de monxi que de/ boa qual i dade, e seco
sem nos nem ventos [?] tanto no Retabol l o da
Senhora como nos/ arcos e na acomodação do
al tar da senhora com os doi s arcos que há hum
por fora e outro/ dentro da di ta capel l a e estes
hão de ter pedrastai s que as fara guarnecer com/ a
di ta capel l a e serão os di tos arcos o ental hados
em o arco de fora e no mei o a de l e/var huma
targe grande com doi s anj os e em el l a a de estar o
coração de oração [?]/ da senhora trespassado com
sete espadas será a di ta capel l a ental hada como/ a
capel l a da senhora Santa Anna que esta na mesma
i grej a ou mel hor se puder ser e i sto he da si mal ha
para baxo e nas segui ntes de si ma l evará hum/
pavi l hão como tem as capel l as col l atrai s do
Convento N ovo, e o mesmo enta/l l ado conforme
o pedi r o remate da di ta obra com toda a
perfei ção terá tam/bem seo sacrári o do fei ti o dos
que estão nos al tares col l atrai s de N ossa Senho/ra
da G raça que este possa acomodar huma i magem
de N ossa Senhora de doi s pal /mos e mei o para hi r
na prossi ção dos tersei ros Domi ngos o qual
guarnesera/ com a mesma obra. Terá a Senhora
sua tri buna ental hada esta será de coa/tro pal mos
e mei o de fundo será o seo trono ental hado
porposi onado/ a di ta Senhora terá seo respl endor
nas festas, e terá porta na tri buna/ onde se puder
fazer mai s acomodada terá hum al tar de madei ra
pa/ra o senhor morto do mesmo castanho com sua
renda em roda e com por/ta ti radi ssa da sorte que
esta no al tar do Senhor Morto do Convento de
N o/ssa Senhora da G raça, e será obri gado a dar a
di ta obra assentada athe di a/ de São Thi ago deste
anno de setecentos si ncoenta e si nco no seo
l u/gar, e sera mai s obri gado a tudo mai s que for
necessári o para assentar/ a di ta obra fei ta e
acabada de tudo e estando doente ou constando
ter/ trabal hos em caza de El Rei nosso senhor
mostrando por certi /dão se l he l evara em conta e
fal tando a di ta obra o estar acabada/ e assentada
com toda a perfei ção sem ter mol esti a ou vexação
pel a cau/sa asi ma di ta athe o di a de São Ti ago
desse mesmo ano de setecen/tos e ci nquenta e
ci nco perderá o ul ti mo quartel que são sessenta
mi l rei s e/ se fara a obra a sua custa e de seu
fi ador nesta assi nado sem que sej a nesse/ssari o
ser j udi ci al mente cuj a obra é aj ustada pel a
quanti a de cen/to e vi nte mi l rei s e ao assi nar
nesta escri tura recebeu em mi nha/ prezença e das
testemunhas tri nta mi l rei s que e o pri mei ro
quartel e/ constando estar a obra em mei o depoi s
da Pascoa se l he dara outros tri nta mi l [97 vº] e
no cabo da obra estando acabada e perfei ta se/
l he dara sessenta mi l rei s com que compl eta o
aj uste desta obra e não estan/do o di to retabol o
fei to com toda a perfei ção assi ma di ta e constante
do reveren/do pri or e j ui z e benefi ci ari os e
i rmãos devotos da di ta i rmandade que cocorrem/
para o di to retabol o e conforme o contrato tanto
no ental hado e perfei ção/ del l e no contrato
aj ustado como na madei ra e qual i dades se botara
di /to retabol o abaxo e se mandara fazer outro por
ofi ci ai s a sati sfação dos sobre/di tos a custa del e
mestre e seu fi ador sem que para i sso sej a
nesessari o ou novi /dade de j usti ça e sati sfarão a
di ta quanti a do retabol o novo que se fi zer athe/
se assentar o di to a sua sati sfação de que se fará
rol pel os ofi ci ai s que fi zerem/ a obra e pel o di to
J oam de Al mei da N egrão foi di to que el l a
thomava a acei ta/va este i nstromento e a di ta obra
pel l o di to preco tendo sob obri gação de sua/
pessoa e bens movei s e de rai z presentes e futuros
que obri gou e que para mai s/ segurança di sso
dava por seu fi ador e pri nci pal pagador
depozi tari o do que de [?]/ j ui zo a Si lvestre Xavi er
Correa que prezente estava pel o qual foi di to que/
el l e fi cava por fi ador e pri nci pal pagador
depozi tari o do que de [?] j ui zo pel l o/ di to senhor
J oão de Al mei da N egrão para que no cazo que
fal te ao di to contrato e per/fei ção da di ta obra e
di nhei ro que receber se obri ga a todas as
cl auzul as e condi /ções dessa escri ptura e por todo
o contheudo neste i nstromento ou qual quer/ parte
nel l e se obri gam responderem a serem ci tados
perante as j usti ças que os qui se/rem demandar
para o que renunci am ao j ui z de seus foros e se
obri gam a pagar ao re/querente que na tal
demanda andar assi m nesta ci dade como fora
del l a/ a duzentos rei s por di a athe ser acabada e
em fee e testemunho da verdade a/ssi m outorgarão
e a sei tarão sendo testemunhas Manuel do
N asi mento/ e J osé Lopes de Agui ar e eu Caetano
J osé de Sequei ra, Tabal l i ão/ de notas o escrevi
Padre J oão Chri sostomo/ J oão de Al mei da
N egrão/ Si lvestre Xavi er Correa/ J osé Lopes de
Agui ar/ Manuel do N asci mento
ADE. CN E. Tabelião Caetano José Sequeira , livro 11 63, fl.
97 e 97 vº.
55
O mestre entalhador Francisco
Machado e o arcebispo de Évora
I G REJA PAROQU I AL DE
SAN TO AN TÃO
A obra e a importância do mestre entalhador
lisboeta Francisco Machado foi sendo reconhecida
através dos primeiros trabalhos de Túlio Espanca,
Vítor Serrão, Francisco Lameira e, de forma mais
extensa, pelas investigações de Vallecillo Teodoro, a
quem se deve a identificação dos contratos notariais
para as mais importantes obras do mestre entalhador
e uma primeira visão de conjunto da sua obra.
Pelo que sabemos, foram os jesuítas os primeiros a
patrocinarem o talento de Francisco Machado. Das
suas onze obras identificadas, as primeiras quatro, o
retábulo de São Sebastião para a capela da Quinta
dos Apóstolos, o de São Francisco Xavier para a
igreja do Espírito Santo, e os dois retábulos para a
actual igreja de São Bartolomeu, em Vila Viçosa,
foram realizadas para os padres da Companhia de
Jesus. Essa frutuosa relação valeu-lhe ainda a
encomenda, em 1703, do retábulo de Nossa
Senhora da Boa Morte, a última obra documentada
do mestre entalhador. Mas é com o apoio do
Arcebispo de Évora que Machado vai ter a
oportunidade de executar os seus principais
trabalhos, onde se destacam o retábulo da Nossa
Senhora do Anjo, na Sé, o majestoso retábulo da
capela-mor da igreja de Santo Antão, e o
desaparecido retábulo da igreja de São Pedro. Essas
três obras, realizadas num fôlego contínuo,
estabeleceram uma forma inusitada de cooperação,
já que Frei Luís da Silva vai obrigar a instalação da
oficina de marcenaria de Francisco Machado no
próprio Paço Episcopal, assumindo também os
pagamentos semanais aos seus oficiais. Se por um
lado, essa obrigação contratual era um
constrangimento à liberdade de acção do mestre
entalhador, assim colocado sob a supervisão e
vigilância constante do Arcebispo, foi um suporte
essencial para que Machado actuasse como um
verdadeiro arquitecto de retábulos, realizando os
desenhos, dirigindo os oficiais entalhadores e
responsabilizando-se pela montagem final de
estruturas cada vez mais complexas em prazos
exíguos e rigorosos.
Em 1701, o septuagenário arcebispo, com a saúde
debilitada, reúne forças para a encomenda do
monumental retábulo da capela-mor da igreja de
Santo Antão, pela exorbitante soma de 5 mil
cruzados, um dos mais caros projectos de talha
dourada em Évora, no século XVIII. Fazendo mais
uma vez prova da capacidade de interpretação das
intenções dos comitentes e da capacidade de
diálogo com os valores da arquitectura preexistente,
Francisco Machado propõe, para as elevadas naves
do templo mandado erguer pelo Cardeal-Infante, um
retábulo-pórtico ladeado por duas colunas colossais,
com o grande arco da tribuna normalmente fechado
por uma tela do omnipresente Bento Coelho. De
forma inovadora, para o ático, criou um segundo
registo formado por uma edícula maneirista com
uma tela rodeada por um grupo escultórico. Como
homenagem ao seu patrono, na parte superior das
colunas, sentam-se duas esculturas douradas em
vulto, representando a Fortaleza e a Prudência,
virtudes cardeais que personificam as qualidades do
governo do Arcebispo. Anunciando a fama póstuma,
num plano mais recuado arcanjos trombeteiros e
turiferários ladeiam as armas do prelado. É também
Santo Antão o único conjunto que conserva uma
indicação repetidamente imposta por D. Luís da
Silva para aos desenhos das tribunas dos retábulos
maiores de Francisco Machado. Preocupado com a
funcionalidade litúrgica das máquinas, o arcebispo
exigia que, para a exposição do Santíssimo
Sacramento, nomeadamente durante as cerimónias
do Lausperene, o interior da casa da tribuna também
fosse lavrado e dourado e sobre o trono houvesse
um baldaquino formado por uma coroa imperial
ladeada por dois anjos tocheiros.
Exatamente por comparação entre algumas soluções
semelhantes entre o retábulo da Cartuxa e o de
Santo Antão, Francisco Lameira, em texto inserido
nesse catálogo, propõem ao mestre Francisco
Machado a execução do retábulo da capela-mor da
igreja do convento eborense, talvez sob o risco do
arquitecto espanhol José de Churriguera.
BIBLIOGRAFIA
TEODORO VALLECILO, 1 996; SERRÃO, 1 996-1 997;
MANGUCCI, 2001 E 2008.
57
Contrato Notarial de Frei Luis da Silva,
arcebispo de Évora com o mestre
entalhador Francisco Machado para o
retábulo da capela-mor de Santo Antão
[fl . 3 2 ] Comtrato que fez o i l l ustríssi mo
Senhor Arci bi spo Dom Frei Lui z/ da Sylva com
Franci sco Machado ental hador para l he fazer/
o retabol o do al tar mor da i grei i a de Santo
Antão desta ci dade
Sai bão quantos este i nstromento de contrato
e obri gasão vi rem que no anno do nasi mento
de nosso senhor J esus Chri sto de mi l e
setecentos e hum annos,/ em o pri mei ro di a do
mes de Abri l do di to anno, nesta ci dade de
Evora, nos passos po/nti fi ci ai s do i l l ustri ssi mo
e excel enti ssi mo Senhor D. Frei Lui s da Sylva,
Arci bi spo desta/ di ta ci dade de Evora, e todo
seo Arci bi spado, e do consel ho de el Rey
N osso Senhor,/ que Deus guarde, onde eu
tabel i ão, ao di ante nomeado, fui , estando ahi
prezente o di to/ senhor, pessoa que eu tabel i ão
reconhesso e bem assi m estando mai s prezente
Franci sco/ Machado ental hador e morador
nesta Ci dade, na Rua do Rai mundo, pessoa que
eu tabel i ão re/conheço. E l ogo por el l e di to
Franci sco Machado, emtal hador, foi di to, em
mi nha prezenssa e das testemunhas ao di ante
nomeadas e assi gnadas, que era verdade e
nel l a passava/ que el l e estava aj ustado, avi ndo
e contratado com o di to i l l ustri ssi mo Senhor
Arci bi spo para e/ffei to de l he haver de fazer,
el l e, di to Franci sco Machado, emtal hador, hum
retabol o para/ o al tar mor, di go para a cappel a
mor da i grei i a de Santo Antão com sua tri buna
e/ trono e a caza da di ta tri buna forrada toda de
emtal hado e na mesma tri buna ha/ de fazer uma
coroa empereal com seos Anj os e i sto ha de
fazer tudo comfor/me o Ri sco que el l e di to
Franci sco Machado havi a aprezentado ao di to
i l l ustri ssi mo Senhor Arcebi spo. E no di to Ri sco
há de acrescentar a di ta coroa empereal e os
Anj os e a de fazer/ huas portas na di ta tri buna e
assi m mai s fara o acrescentamento que o di to
Senhor/ Arci bi spo mandou fazer e tudo por
conta do di to Franci sco Machado emtal hador. / E
hora como efei to l ogo por este publ i co
i nstromento di sse el l e di to Franci sco Machado/
emtal hador se obri gava como em effei to obri gou
a fazer a di to retabol o para/ a di ta cappel a mor
da di ta i grei i a de Santo Antão comforme el l e
di to senhor tem aj ustado/ e i sto sem fal ta nem
di mi nui ssão al guma o qual retabol o e tri buna e
trono/ e o forro da di ta caza emtal hado se
obri gava fazer todo de pao de bordo desde/ o
prenci pi o/ the o remate e fi m da di ta obra tudo
por sua comta del l e di to Franci sco Ma/chado
assi m de madei ra como de ferrai e que for
nessessari a para a segurança da di ta ob/ra como
tudo o mai s que nessessari o for para a mesma o
qual se obri gou a fazer de/mtro em caza do di to
i l ustri ssi mo senhor Arci bi spo e dentro do tempo
de hum anno o qu/al começava do di a da
chegada da di ta madei ra a esta di ta ci dade em
di ante. E se obri ga/el l e di to senhor Arci bi spo
que fazendo o di to Franci sco Machado
emtal hador a di ta obra no di to/ anno, a l he dar
e bem pagar si nco mi l cruzados sob pena de
que não fazen/do a di ta obra el l e di to Franci sco
Machado demtro do tempo de hum anno
perder/ duzentos e si ncoenta mi l rei s, a dando
acabada no di to tempo que fi cara fi ndo e
acabado na forma do di to ri sco e tambem com
o acrescemtamento que o di to senhor mandou
fazer e tudo o mai s asi ma decl arado. E i sto
senão entendendo/ [fol . 3 2 v. º] no cazo em que
por fal ta de saude ou fal ta de madei ra que o
di to Franci sco Machado te/nha para não fazer a
di ta obra mas sendo por sua umi ssão o di xar de
fazer a di ta obra e não a dando
acabada no di to tempo de hum
ano cahi rá na di ta penna de
per/der os di tos duzentos e
si ncoenta mi l rei s a qual obra se
obri gava fa/zer na forma que di to
he pondo de todo corrente tudo
por sua conta por pre/sso e
quanti a de si nco mi l cruzados em
di nhei ro de contado os quai s
di sse/ se l he dari ão e pagari ão
comforme se l he derão e fi zeram
os pagamentos da obra do
retabol o de N ossa Senhora do
Bi spo da vi l a de Montemor-oN ovo que el l e Franci sco
Machado ental hador fez por
conta do di to i l l ustri ssi mo senhor
Arci bi spo E nesta/ forma di sse estar aj ustado
havi do e contratado com o di to porque com
tudo se/ obri gava a compri r e guardar com
i ntei ro e real efei to como neste i n/stromento se
conthem sob obri gasão de todos os seus bens
movei s e de/ rai z avi ndos e por aver que para
el l e em geral obri gou e he por tudo o conte/udo
neste i nstromento ou qual quer parte del l e
outorgou e se obri gou res/ponder e ser ci tado e
requeri do se compri r perante o j ui z de fora do
geral des/ta ci dade de Evora que hora he ou
adi ante for ou j ui z executor das rem/das da di ta
menza ponti fi cal e perante qual quer del l es fazer
de si todo/ o compri mento de i nfi ca e di nhei ro
e i mtei ro pagamento de pri nci pal e custas/
renunci ando l ogo de si para
este haver efei to j ui s e j ui ses de
seo foro/ e da terra donde a tal
tempo vi ver ou vi si tar de todos
os mai s/ pri vi l egi os grasas e
l i berdades vi s condenassoi ns
rezomi ns e/ ci tasomi ns e todo
outro remedi o de di nhei ro
ordi nari a e extraordi na/ri o que
per si al egar possa alvi e
di nhei ro que di z que a geral
renunci asão não va/l ha os dez
di as de embargos aos
demandados e os nove da/ ante
e a noi ado e as fereas gerai s e
especi ai s porque de nada
queri a usar/ nem gozar salvo a
tudo mui to i nteri amente
cumpri r e guardar como a aqui / he decl arado e
a não al egar embargos al guns de nenhuma
59
cal i dade e/ comdi são que sei am com que
quei ra contradi zer anul l ar ou i mpugnar/ este
i nstromento com parte nem em todo e vi ndo
com el l es ou al egando al /guma couza não
podera ser ouvi do em j ui z e não fora del l es
sem pri mei ro de/puzi tar tudo o que por bem
deste i nstromento esti ver devendo e l he for/
demandado em di nhei ro de comtado em mam
e poder do di to i l ustri ssi mo senhor Ar/ci bi spo
ou da pessoa que seu poder ti ver ou provedor
sem para i sso l he pedi r fi an/ça nem cousa
al guma porque desde agora para então os havi a
para o tal depo/zi to por seguros e abonados e
não noutra provi zão del Rey nosso senhor para
dei /xar e depuzi tar o que di to he e que avendoa del l a não podera uzar nem go/zar antes
desde agora para o tal tempo a renumci a a qual
cl auzul a depuzi /tari a pedi o el l e di to Franci sco
Machado a mi m tabel i ão que aqui l he puzesse
es/crevesse por del l a ser comtente o que eu fi z
a seo rogo quanto em di nhei ro poso e deva/ na
forma da provi zão se sua Magestade e sua nova
l ei sobre os depo/zi tos e de ser ci tado em seo
nome pel l o contheudo neste i nstromento [fl . 3 3 ]
i nstromento ou qual quer parte del l e o foro da
Camara desta ci dade de Evora/ que hora he ou
adi ante for assi m para i nstanci a da ausão como
para/ o da venda pregomi ns arrematasão de
seos bens e que pagari a pessoa requerente ou
cami nhei ro que na tal demanda execu/são
arrecadasão andar assi m nesta ci dade como
fora del l a a duzentos rei s/ por di a do di a da
ausão por esta athe de todo ser fi ndo e
acabado e real / emtrega de pri nci pal e custas
sob obri gasão dos di tos seos bens E pel l o di to/
i l ustri ssi mo e excel enti ssi mo senhor arci bi spo
que prezente estava foi di to que el l e tomava e
asei tava/ com si e em seu nome este
i nstromento da mão e poder do di to Franci sco
Machado emtal h/ador com todas as cl auzul as
comdi somi ns pennas e obri gasomi ns nel l e
conteud/as e decl aradas e que outrossi m se
obri gava a que compri ndo el l e di to Franci sco
Machado/ emtal hador com todo o comteudo
neste i nstromento em i spi ci al fazendo/ o di to
retabol o para a di tta capel l a mor da di ta i grej a
de Santo Antão tudo na forma doo di to/ ri sco e
do que di to he de bom pao de bordo desde o
pri nci pi o the o remate e pondo/ el l e di to
Franci sco Machado tudo o que nesesari o for
para a di ta obra e seguransa del l a/ e fazendo
dentro das di tas cazas pontefi cai s e dentro do
tempo de/cl arado E el l e di to senhor arci bi spo se
obri gava a fazer l he os di tos pagamentos/ como
di to he i sto sem duvi da nem embargos al guns
sob obi rgasão dos be/ns e remdas da di ta
menza ponti fi cal que para em que obri gou e
em/fee e testemunho de verdade assi m
outorgarão e mandarão del l o se fei to/ este
i nstromento com o se nel l e conthem que todo
l he foi l i do e decl a/rado e os que desta notta e
theor compri rem que asei tarão e em
testemunha/ o asei tes em nome das pessoas a
esta absentes o que pertencer/ pode sendo
testemunhas presentes Manuel da G uerra
portei ro da Cassa do di to/ senhor e Amaro Di as
meri nho todos moradores nesta ci dade de
Evora pe/ssoas que eu tabel i ão reconheso e
assi narão com o di to I l ustri ssi mo e
Excel enti ssi mo senhor/ e com o di to
Franci sco Machado e eu Domi ngos Nunes
Moreno tabel i ão de notas/ que o escrevi
[assi naturas] arcebi spo/ Amaro Di as/
Manoel da G uerra/ Franci sco Machado
Retábulo da capela-mor de Santo Antão
Francisco Machado, 1 701 . Foto Artur Goulart
ADE, CN E, Tabelião Domingos Nunes Moreno, Livro
1 026, fl. 32-33.
61
A I CONOGRAFI A DE SÃO LOUREN ÇO
JUSTI N I ANO NOS AZULEJOS DOS
LÓI OS DE ÉVORA
I G REJADOS LÓI OS DE
ÉVORA
A recente reavaliação do percurso artístico de
António Oliveira Bernardes, anteriormente
reconhecido na historiografia apenas como pintor de
azulejos, é particularmente importante para a
compreensão dos novos caminhos que a produção
das artes decorativas tomou nesse período. Nascido,
em Beja em 1 662, o pintor era conhecido como
António Oliveira "do Alentejo" nos primeiros anos de
Lisboa, onde parece ter-se fixado por volta de 1 684,
data da sua inscrição na Irmandade de São Lucas.
O seu casamento, em 1 694, com a filha de Francisco
Ferreira de Araújo "pintor de têmpera de Sua
Majestade" e responsável pela mais importante
oficina de pintura de tectos, é uma forma de
reconhecimento lisboeta e marca a sua plena
integração no meio artístico da capital, ampliando o
âmbito das encomendas e os contactos com mecenas
importantes. Esse percurso anterior é, aliás, algo
semelhante ao de Gabriel del Barco, documentado
na pintura de tectos de duas desaparecidas igrejas de
Lisboa, e casado com uma cunhada do pintor Marcos
da Cruz.
O início da dedicação de Bernardes à pintura dos
azulejos coincide com o final da década gloriosa de
Gabriel del Barco (1 690-1700), e uma das suas
primeiras obras para a Quinta da Ramada merece um
inédito elogio escrito do padre Agostinho de Santa
Maria, equiparando-a à qualidade do azulejo
holandês, que tanto agradava à clientela portuguesa.
No plano técnico, se não for utilizada nenhuma
preparação mais complexa das tintas, a pintura de
azulejos é extremamente exigente, já que é
executada "alla prima", isto é, o valor e a forma da
pincelada ficam indelevelmente expressas no
vidrado que recobre a superfície cerâmica.
Naturalmente, ficam favorecidas, por exemplo, a
abordagem vigorosa e movimentada de Gabriel del
Barco ou a tradição holandesa, onde as pinceladas
são dispostas como o tracejado regular das gravuras.
Aproximando-se da sua própria experiência
pictórica, António de Oliveira Bernardes preferiu
contrariar tanto o contraste vigoroso presente nos
azulejos holandeses quanto a valorização excessiva
da expressão da pincelada, criando nos seus
azulejos uma escala cromática alargada com
sucessivas aguadas de meios tons azuis.
Em 1 696, António de Oliveira Bernardes executou as
pinturas para a nave da igreja de Santa Clara que,
actualmente, em diferentes fases de restauro,
encontram-se expostas na nave da Sé de Évora.
Nessas obras reconhecemos as figuras alteadas, a
correcção do desenho e uma cuidada estruturação
do espaço que indicam uma sólida cultura pictórica,
apoiada numa leitura pessoal do classicismo francês.
Mais do que qualquer outro pintor, foi Bernardes
quem aproximou a pintura de cavalete das
campanhas figurativas em azulejo.
A criação de expressões vigorosas e patéticas, mais
uma vez influenciada pelo academismo francês³⁴, é
notável no painel da prédica de São Lourenço
Justiniano, onde os seus ouvintes exteriorizam
emoções diversas perante a ameaça de uma
tempestade. Para esses azulejos que sobrepujam o
púlpito, Bernardes escolheu um esquema
compositivo que se adapta à irregularidade do espaço
arquitectónico, solução que, em situação semelhante,
repete no revestimento da igreja da Misericórdia de
Évora, de 171 6.
No caso da Congregação dos Lóios, as estruturadas
composições de António de Oliveira Bernardes não
poderiam encontrar melhor clientela,
correspondendo a um renovado interesse pela cultura
eminentemente pictórica na individualização dos
temas escolhidos para a hagiografia de São Lourenço
Justiniano, peça central do discurso da construção da
identidade institucional da Congregação.
BIBLIOGRAFIA
SERRÃO, 1 996-1 997; CARVALHO, 2012;
MANGUCCI, 2013.
63
Contrato Notarial com o mestre
ladrlhador Manuel Borges para a
realização dos azulejos do convento
de São João Evangelista de Évora
[fl . 1 69 v. º] obra de emprei tada do
al i gi amento [si c] da i grej a de São J oão,
Evange/l i sta desta ci dade que contratarão os
di tos padres reytor e deputados/ do di to
convento com Manuel Borges mestre al eij ador
[si c] morador em Li sboa/
Sai bam quantos este i nstrumento de
contrato, e obra de emprei tada do
al ugi a/mento da i grej a de São J oão Evangel i sta
desta ci dade de Evora e obri gação vi rem/ que
sendo no anno do nasci mento de nosso senhor
J esus Chri sto de mi l e setecentos/ e des annos
em os quatorze di as do mes de N ovembro do
di to anno nesta/ ci dade de Evora dentro do
convento de São J oão Evangel i sta dos conegos
regrantes/ na sel l a do Reverendo Padre Antóni o
da Puri fi cação reytor do di to convento a donde
eu/ tabel i am ao di ante nomeado fui sendo el l e
ahi prezente e os reverendos padres
de/putados do di to convento, e procurador
del l e no fi m deste i nstromento/ assi nados, que
todos forma j untos e congregados para effei to
de sati sfa/zerem do cazo segui nte E sendo
outrossi m ahi mai s prezente Manoel / Borges
mestre de al ugi ador morador na ci dade de
Li sboa e hora estante/ nesta de Evora pessoa
reconheci da do di to reverendo padre reytor e
procurador do di to/ convento que di sserão ser
o mesmo aqui contheudo e que a esto
i ntervi er/ão. A saber o di to Reverendo Padre
Reytor, e mai s padres deputados em nome/ do
di to seu convento, e o di to Manuel Borges em
seu propri o nome. E l ogo pel l o/ di to reverendo
padre reytor, e mai s padres deputados foi di to
em mi nha pre/zensa é das testemunhas ao
di ante nomeadas e escri ptas e assi gnadas que/
assi m era verdade e nel l a passava que el l es
estavão havi ndos e/ comtratados como l ogo em
effei to por este publ i co i nstromento/ se
ouverão, e contratarão com o di to Manoel
Borges mestre de al azi /j ador que prezente
estava para effei to do mesmo l hes haver se
azul i /j ar a di ta sua i grej a de São J oão
Evangel i sta deste di to seu convento/ toda desde
o andar da mesma athe donde fei cha abbobada
em/ cada hum dos cal l anos [si c] del l a e por
bai xo os croces [si c] e os com [fl . 1 70] com
suas col l unas na forma da pl anta que se mostra
assi nada pel l o di to padre reverendo reytor
deste di tto convento, e di to mestre Manoel
Borges e nas paredes suas sahi rem coadros com
mol duras em que se mostrarão a vi /da do
gl ori ozo sam Lourenço J usti ni anno assi m como
esta prezente no seu/ convento de São J oão
Evangel i sta da vi l a de Arrayol os, na mayor e
mel hor/ forma que puder ser; e as j anel as que
dam l ux a esta i grej a que tem suas/ vi drassas
serem todas forradas por dentro de azol ej o
como tambem a/ face do choro das grades del l e
athe o arco com dous anj os nos vãos [?]/ que
com as mãos estej am pegando nos pes de huma
formoza agui a/ que fi cara sobre o arco do di to
choro athe abboboda del l e; e o Fronti s/pi o da
cappel l a mor que esta tudo azul egi ado se
ti rara del l e todo/ o azul ej o que nel l e esta, e se
tornara azul l ei ar de novo do mesmo/ azul l ej o
da di ta i grej a o qual di to azul ej o sera fi no, e o
mel hor assi m/ da cor como da bondade do
azul , estando como hora se prati ca, me/l hor,
mai s cl aro, e mai s fi no daquel l e de que esta
azul ei ada a/ sua i grej a da Vi l a de Arayol l os
que sera mui to bem descarqui l hado [si c] e
a/ssentado, e apl umo [si c] tudo por conta del l e
di to mestre Manoel Borges/ assi m de ofi ci ai s,
serventes, cal , e areya, e tudo o
mai s a di ta obra per/tensente,
porque para efeti va del l a, el l e
di to reverendo padre reytor, e
mai s padres/ não fi cam
obri gados a dar mai s que as
madeyras que forem necessa/ri as
para os andamos do assento do
di to azul ej o na forma re/feri da. E
outrossi m decl arão el l es di ttos
reverendo padre rey/tor e mai s
padres que o di to mestre Manoel
Borges sera obri gado a l a/gi ar a
cappel a do Santo Chri sto que
esta na di ta sua i grej a com o
azul ej o que ti rar do fronti spi o
da capel l a mor desde os
carrei /ros de azul ej o que nel l a
estam athe a abobada. E toda a di tta/ obra fara
el l e di to mestre Manoel Borges na sobredi ta
forma tudo/ por presso e quanti a de sei scentos
mi l rei s em di nhei ro de contado/ pagos
emtregues e sati sfei ttos em tres pagamentos
i guai s a saber/ duzentos mi l rei s quando no di to
convento esti ver metade do di to/ azul ej o, e os
outros duzentos mi l rei s quando no di to
convento/ esti ver a outra metade do di to azol ej o
e os outros duzentos/ mi l rei s com os quai s se
acabam de prefazer os di ttos sei scenttos/ mi l
rei s presso deste contrato e sati sfação da di ta
obra l he daram/ e emtregarão depoi s de fei ta e
acabada a di ta obra, na forma de/cl arada neste
i nstromento a qual obra sendo assi m fei ta e/
acabada sera vi sta por doi s
offi ci ai s que bem a entendão, e
a/chando nel l a qual quer defei to
o di to mestre sera obri gado a/
emmendal l o a sua propri a
custa; e emmendado o tal
defei to/e se não se l he achando
emtão l he serão emtregues os
di tos ul ti mos/ duzentos mi l
rei s; a cuj os pagamentos dos
di ttos sei scenttos mi l / rei s pel l o
modo e forma refferi da
deseram el l es di ttos reverendos
padres/ reytor, e deputados, em
seus nomes e do di to convento
se obri gavão/ a das pagar,
emtregar, e sati sfazer ao di to
mestre Manoel Borges/ [fl . 1 70
vº] nos di ttos tres pagamentos na forma atras
decl aradas sem du/vi da ou embargo al gum. E
65
outrossi m di sseram el l es di tos reverendo padre
rey/tor e mai s padres que os despachos do di to
azul ej o que se pagam na ci /dade de Li sboa
sei am todos por conta do di to mestre i nsol i dum
e/ somente el l es reverendos padres se obri gam
a pagar, e sati sfazer meta/de do custo que fi zer
a comdução do di to azul egi o athe este
convento por/ verdade do di to mestre. Como
outrossi m se obri gão a que duran/te a obra do
assento do di to azul ej o darem cama e menza a
el l e/ di to mestre, e offi ci ai s que na di ta obra se
ocuparem: A qual obra fei /ta prefei ta e acabada
el l e di to mestre Manoel Borges sera obri gado/
dar athe os vi nte di as do mês de dezembro do
anno que em/bora a de vi r de mi l , e setecenttos
e once annos. Sob pena de que fal tan/do a esta
condi ção pagar para a comuni dade vi nte mi l
rei s que l he/ serão descontados nos ul ti mos
duzentos rei s que receber/ acabada a di ta obra
na referi da forma. E para assi m compri /rem
terem manterem e pagarem com si ncero e
verdadei ro effei /to di sserão outrossi m el l es
di tos reverendos padre reytor, e mai s padres/
deputados di to convento obri gação todos os
bens, e rendas do/ di to seu convento que para
el l e em geral obri garão. E l ogo pel l o/ di tto
mestre Manoel Borges que outrossi m prezente
estava/ foi di to que el l e em seu nome tomava e
asei tava este i nstromento/ com todas as
cl auzul l as, e comdi ssoi s nel l e contheudas, e
decl a/radas e a di ta obra do al aij i amento da
di ta i grej a de Sam/ J oão Evangel i sta desta di tta
ci dade na forma que neste i ns/tromento se
decl ara e a dar a di ta obra prefei ta e acabada/
no di to di a de vi nte de Dezembro do anno de
mi l e sete/centtos e honce annos vi sta e
aprovada e ai nda por mel hor, e mai s/ bem fei ta
do que esta a obra do convento de Sam J oao
Evan/gel i sta da vi l l a de Arayol l os e para tudo
assi m compri r/ ter manter e sati sfazer com
i nteyro e verdadeyro effei to/ e sem fal ta
al guma; e di sse o mestre Manoel Borges/ que
obri ga sua pessoa, e todos os seus bens movei s
e de rai z/ havi dos e por haver que por el l es em
geral obri gão. E com embargos necessári o
neste i nstromento/ nem a qual quer cl ausul l a
del l e e que vi ndo com el l as/ ou al egando
al guma causa afi m de i mpedi r arrecadar a/ di ta
obra, e a não dar fi nda prefei ta e acabada
dentro do/ di to tempo pagar os vi nte mi l rei s de
pena consertada/ e ha por bem pi rmei ro que
sei a servi do em j ui so em fee del l e/ depozi tar
na mão do di to reverendo padre rei tor ou
procurador deste/ convento de São J oão
Evangel i sta desta di tta ci dade os di ttos
sei s/centos mi l rei s preso do di to contrato e
emquanto não/ depozi tar a di ta quanti a não
sera ouvi do em j ui zo nem/ tera del l e e l he sera
denegada toda a audi enci a [fl . 1 71 ] acção e
nem no caso da execução podera vi r com
embargos/ sem pri mei ro depozi tar pel o modo
[i l egível ] sendo caso que suceda al guma
sentença defi ni ti va aj untara ci tatori a e se l he
que se dara e deposi tara como assi ma di sse a
qual cl ausul a da percatori a el l e di to mestre
Manuel Borges perante as di tas testemunhas
pedi u a mi m tabel i am l he escrevesse aqui pera
ser del l e contente conforme é na l ei / sobre a
di sposi çoi ns de que há fi z a seu rogo tanto
quanto [i l egível ] posso e de responder se
cumpri r por todo contheudo nesse i nstromento
ou por qual quer semel ha del l e perante o j ui z
de fora do geral desta di ta ci dade e o
corregedor del l a que hora sam e pel l o tempo/
em di ante forem per suas cartas percatori as,
ci tatori as/ semel has e perante geral governador
del l es fazer assi m todo o cum/pri mento de
di rei to e j usti ça e i ntei ro pagamento.
Renunci nando pera esta haver efei to j ui s de seu
foro e da terra/ donde ao tal tempo vi ver e
todos os mai s pri vi l egi os/ l i berdades, l ei s,
ordenaçoi s que em seu [i l egível ] fação sej am
que de/ nada quer usar nem zel ar, mas si m em
tudo cumpri r se da/ contheudo nesse
i nstrumento e que pagara ao cami nhei ro que
andar na execução/ desassete rei s por di a da
pri mei ra ci tação [i l egível ] do pri nci pal e contas
e reconcecuti vos as l ei s que em seu/ facul tor [?]
e a l ei que di z que a geral renconci ação não
val ha e a de/ dez di as que se dão aos
demandados per exempl ar/ j usti ça e feri as
gerai s [i l egível ] tudo cumpri r como se
executham neste i nstrumento. E para em seu
nome para a di ta/ cauza ser ci tado Franci sco da
Cruz, portei ro da camara desta ci dade em
quem fez l ogo/ com tal ci tação se proceda na
cauza ti re sentença faça penhora arrematação
em seus bens sem em tempo al gum poder
al egar deffei to de ci taçoi s/ ou requeri mento
porque para a di ta causa a faz seu procurador
em causa propri a e i r/revogavel e em fee e
testemunho da verdade assi m outorgarão e
acei tarão e del l e o mandei ser fei to este
i nstromento e a qual desta nota em compri rem
que tudo l hes foi l i do e decl arado por mi m
tabel i am perante as testemunhas em que
assi naram de seus si nai s e eu tabel i am como
pessoa/ publ i ca esti pol ar-se e acei tar-se em
nome das pessoas absentes a quem este puder/
vi r tocar e pertencer pode por l ei e acei tei e
testemunhas que presente foram J osé Rodri gues
Rufaxo barbei ro morador na Rua das Fontes, e
Franci sco Pi nto Tei xei ra assi na-se no di to
concerto que todos aqui assi narão e eu Tomas
de Azevedo Tabel i am de notas que o escrevi .
Antóni o da Puri fi cação Rei tor/ Mestre
Antóni o da Concei ção/ Manuel Borges/ Antóni o
de São Rai mundo/ J oão de São Bernardo/
Manuel de São B. [?]/ J osé Rodri gues Rufacho/
Franci sco Pi nto Tei xei ra
ADE, CN E, Tabelião Tomás de Azevedo, Livro 91 5, fl.
1 69v.º - 1 71 .
67
O BEL COMPOSTO NA IGREJA DA MISERICÓRDIA
DE ÉVORA
A I grej a da Mi seri córdi a exi be um notável
conj unto decorati vo de tal ha dourada, azul ej os
e pi nturas sobre tel a, numa das campanhas
decorati vas mai s coerentes das i grej as da
ci dade. A i ntervenção compl eta de
reorgani zação i nterna do templ o manei ri sta
durou mai s de três décadas a concreti zar e
i ni ci a-se com obras no cruzei ro, concl uídas em
I G REJA DA SAN TA CASA
DA MI SERI CÓRDI A DE
ÉVORA
1 693 . Segue-se a renovação da capel a do Cri sto
Morto, ai nda no transepto, com o retábul o
real i zado pel o mestre ental hador I náci o
Carrei ra, em 1 702 .
O contrato com o mestre ental hador
Franci sco da Si lva, cel ebrado em 1 71 0, sob os
auspíci os do arcebi spo Si mão da G ama, mas
com o acompanhamento efeti vo do bi spo
governador Lourenço J usti ni ano da
Anunci ação, é a chave de toda a reorgani zação
do espaço com a sua enorme fachada da
Nave da I greja da Misericórdia de Évora. Foto Joaquim Carrapato
capel a-mor, “o fronti spíci o dourado”, que se
prol onga pel as paredes l aterai s da nave
defi ni ndo os espaços para as tel as de Franci sco
Lopes Mendes onde se representam o programa
de acção soci al da i nsti tui ção com as sete obras
de Mi seri córdi a Corporai s: “dar de comer a
quem tem fome”, “dar de beber a quem tem
sede”, “vesti r os nus”, “vi si tar os enfermos e
encarcerados”, “dar pousada aos peregri nos”,
“remi r os cati vos” e “enterrar os mortos”.
A função estruturante do espaço foi
desempenhada pel o trabal ho do ental hador,
que num modus operandi comum a cul tura
arqui tectóni ca e artísti ca das ofi ci nas do
período, adopta o ri tmo proporci onal dos
tramos expressos também nas nervuras da
abóbada, subdi vi di ndo o espaço da nave
respecti vamente em três e quatro secções.
Apesar do contrato esti pul ar o prazo de um ano
e mei o para execução, as obras de ental he e
montagem demoraram mai s de quatro anos a
concl ui r-se, naquel a que consti tui a mai s
i mportante obra de Franci sco da Si lva,
experi ente mestre reconheci do também como
responsável pel a concl usão da tal ha da I grej a
de N ossa Senhora dos Prazeres, em Bej a (com
tecto e tel as de Bernardes e azul ej os de G abri el
del Barco). Em ambos os conj untos nota-se a
evol ução do vocabul ári o do “barroco naci onal ”
e a uti l i zação de atl antes e anj os al ados
di stanci ando-se do di scurso das ordens
cl ássi cas da arqui tectura sugeri ndo uma
“arqui tectura metafóri ca” ao gosto do tratado de
69
Caramuel Lobkowi tz.
O contrato para os azul ej os com Manuel
Borges real i za-se em 1 71 5, depoi s da concl usão
da campanha da tal ha, garanti do a perfei ta
conti nui dade decorati va entre as duas Artes, e
nos azul ej os as di vi sões dos tramos marcam-se
por pi l astras que conti nuam a l i nha dos
atl antes da tal ha dourada. O programa
i conográfi co j á se encontra defi ni do pel os
comi tentes, esti pul ando-se no contrato o
programa i conográfi co das sete obras de
Mi seri córdi a Espi ri tuai s: “dar bom consel ho”,
“ensi nar os i gnorantes”, “consol ar os tri stes”,
“casti gar os que erram”, “perdoar as i nj úri as”,
“sofrer as fraquezas do próxi mo” e “rogar a
Deus pel os vi vos e defuntos” fi gurada através
de outros tantos epi sódi os da hagi ografi a do
Messi as. O contrato regi sta o pl ano dos
embl emas, col ocados debai xo dos pai néi s
pri nci pai s, que i ri am ser conferi dos depoi s dos
azul ej os col ocados.
O douramento, outra custosa emprei tada,
vai ser obj ecto de doi s contratos, um pri mei ro,
consti tui ndo uma equi pa dos quatro mel hores
artífi ces da ci dade, reuni ndo Manuel da Mai a,
Bernardo Luís, Franci sco Ferrei ra e J osé
Correi a. A redação, por al guém com profundos
conheci mentos da Arte, dá conta de todo um
aparato “pi ctóri co” propondo refl exos
vermel hos e verdes sobre dourado, a
al ternânci a de áreas em fosco e bri l hantes, as
l acas “mai s subi das” e as carnações dos anj os
por pol i mento sem recurso a pi ncéi s. A obra só
será efeti vamente executada em 1 72 9, por
Fel i pe Santi ago que se quei xava da Santa Casa
da Mi seri córdi a, numa si tuação i nj usta para o
pi ntor que, trabal hando com ouro para uma
i nsti tui ção assi stenci al , se vê a bei ra da
mi séri a.
Por razões que desconhecemos, ci nco das
sete “Obras de Mi seri córdi a” foram refei tas
pel o pi ntor J osé Xavi er de Castro, em 1 737,
mantendo-se apenas duas tel as de Franci sco
Lopes Mendes: “dar de comer a quem tem
fome” e “dar de beber a quem tem sede”,
marcadas por al guma dureza na apl i cação das
cores, e por uma i ngenui dade na composi ção.
N o entanto, comparati vamente, são as
mel hores obras do pi ntor, nas quai s preval ece o
regi sto anedóti co, com a representação de
costumes tradi ci onai s, como no caso de um
grupo que tempera um pão com azei te
aquecendo-se a vol ta da foguei ra.
BIBLIOGRAFIA
PEREIRA, 1 948; SIMÕES, 1 944; MENDEIROS, 1 987;
TEODORO VALLECILO, 1 996; SERRÃO, 1 996-1 997;
MANGUCCI, 2001 E 2008 e CARVALHO, 2012.
Contrato Notarial entre a Misericórdia de
Évora e o entalhador Francisco da Silva
[fl .1 2 5] Contracto sobre a factura de huma
obra que fazem os/ i rmaos da menza da Santa
Caza da Mi zeri cordi a desta ci dade com
franci sco da Si lva de Évora e o ental hador
Franci sco da Sylva
Sai bam quantos este publ i co i nstromento de
contracto sobre a factura de/ huma obra
deental hado e obri gação vi rem que no anno do
nasci mento de nosso senhor J e/sus Chri sto de
mi l setecentos e dez annos, aos dezasete di as
do mês de novem/bro, do di to anno nesta
ci dade de Evora em a caza e
comsi stori o da Sancta
Mi zeri cordi a/ donde eu
tabal l i ão ao di ante nomeado fui
sendo prezentes em men/za
segundo uso e estatutos da di ta
caza e sua confrari a para
sati sfa/zerem ao cazo segui nte,
a [i l egível ] o i l ustríssi mo
provedor Dom Si mão da/ G ama
arcebi spo deste arcebi spado de
Evora, Dom J osé de Mel l o,
fi dal go/ da caza de sua
Magestade e escri vão da menza
e Custodi o Vi l a Lobos de/
Al mei da thezourei ro da di ta
caza, e os mai s i rmãos no fi m desse
i nstromento/ assi gnados todos da menza esse
prezente anno que por especi al provi /zão de
sua magestade que Deus tem o cargo de reger e
governar e admi ni strar/ os bens e fazenda da
di ta caza e sua confrari a e bem assi m sendo
ma/i s prezente Franci sco da Syl lva offi ci al de
ental hador morador nesta ci dade/ em a Rua dos
Emfantes pessoas reconheci das de mi m
tabel i am Logo pel os/ di tos i rmãos da menza foi
di to em mi nha prezença e das testemunhas/ ao
di ante nomeadas e asi gnadas que el l es estavão
avi ndos e contratados/ como l ogo em effei to
por este publ i co i nstromento se contratarão
com/ o di to Franci sco da Sylva para haver de o
mesmo fazer de obra ental hada/ a frontari ada
cappel l a mayor da i grej a da di ta Sancta caza e
seus al /tares col aterai s the ao soco
da abobada segundo o ri sco mai or
e mai s/ l evantado na fol ha que
para a mesma obra esta fei to
fazendo el l e di to/ Franci sco da
Sylva e cobri ndo de ental hado os
l ados da di ta i grej a do fri zo/
donde comesão os arcos da aboda
the o capi tel de marmore preto da
ca/pel l a do Santo Chri sto,
entrando nesta obra ou dei xando
em el l l a sem/ ental har o cl aro de
dous pal mos de al tura em que se
ha de pi ntar as/ obras da
Mi seri cordi a e assi m mai s sera
obri gado el l e di to Franci sco da
Sylva a fazer/ duas col unas em cada cappel l a
das tai s, al em de duas fi guras que ha de/ fi car
nos l ados da Cappel l a mai or, de grandeza que
71
a obra o pri mi ti r, sem/ embargo de as tai s
col unas não estarem no ri sco, e as mol duras
dos coa/dros serão de dez pal mos e meyo bem
fol gados de l argura do fei ti o/ que mostra o
rascunho com obri gação de a tal ha ter toda a
al tura que/ for necessari a para a tal ha e
avi a/mento de toda a obra e a tal madei ra sera
mui to emchuta e seca e se poderá/ j ul gar por
doi s offi ci ai s de seu offi ci o se tem a tal ha a
al tura necessari a que/ [fl . 1 2 5 v. º] pede a di ta
obra segundo os rascunhos que para a mesma
se fi zerão pondo/ el l e di to Franci sco da Si lva e
comcorrendo com todo o necessari o para a di ta
obra que/ dara prefei ta e acabada dentro de
anno e meyo da factura deste se endi /ante e no
fi m do di to tempo ser a di ta obra fi nda e
acabada sem que nel l a/ possa haver a míni ma
mancha e nota e para que dentro no di to tempo
assi m/ fi nde e acabe a tal obra será obri gado a
comcorrer com os offi ci ai s/ que forem
necesari os e avi amentos para a factura da obra
e i sto tudo/ pel o preso e quanti a de quatro mi l
cruzados entregando l ogo el l es/ di tos i rmãos da
menza a el l e di to Franci sco da Sylva ao asi gnar
desta es/cri ptura mi l cruzados com obri gação
del l e e seus sucessores i rem com/ti nuando com
a entrega do mai s di nhei ro pel l o tempo
endi ante traba/l hando-se na di ta obra o que se
obri gavam real mente compri r e guardar com/
i ntei ro e real effei to, sob obri gação dos bens e
rendas da di ta Santa Ca/sa e l ogo pel o di to
Franci sco da Sylva foi di to que assi m era e se
passava/ na verdade e el l e por esse publ i co
i nstromento se obri gava a fazer e acabar/ a di ta
obra na forma que decl arado era pel l o di tto
presso de quatro mi l cru/zados cobrando l ogo
mi l cruzados ao assi nar deste i nstromento e o
mai s/ di nhei ro convi nha e era contente que
pel o tempo endi ante trabal hando/ na di ta obra
se l he fosse entregando pel o bem do que l ogo
pel l os di tos i r/mãos da Mi seri cordi a em
prezença de mi m tabel i am e di tas testemunhas
derão contarão entregarão ao di to Franci sco da
Sylva os di tos mi l cruzados por/ conta da di ta
obra e para pri nci pi o da mesma todas em
di nhei ro de contado/ moedas correntes neste
reyno de Purtugal que el e di to Franci sco tomou/
contou e recebeu e depoi s de bem contado
recebi dos di sse e confe/ssou estar a ahi toda a
di ta quanti a dos di tos mi l cruzados e del l es/ se
dava per entregue pago e sati sfei to e aos di tos
i rmãos/ da menza por l i vres e desobri gados e se
obri gava a dar verdadei ro com/pri mento a todo
este i nstrumento como nel e era decl arado sob
obri ga/ção de sua pessoa e todos os seus bens
movei ns e de rai z acçoi ns e pertem/soi ns
havi dos e por haver que para el l o em geral
obri gou e em especi al di /sse que obri gava as
fazendas segui ntes uma morada de casas que
tem/ e possui l i vres e i zentas na rua da Fontes
di go Rua dos Emfantes que/ partem com casas
de Theresa Col assa e cazas de Manuel da
Costa, com/fei tei ro, e outra morada de casas na
mesma rua j unto as asi ma/ forei ras ao Cabi do
em qui nhentos e si ncoenta rei s e assi m mai s
tres/ quartéi s de vi nha mysti cas que possue nos
coutos desta ci dade/ [i l egível ] que partem com
vi nha de Thi ago da Costa e outro quartel de
vi /nha que tem nos coutos desta mesma posta
[?] da Pi ramanca que parte [fl . ] com vi nha do
Dr. Manuel Bravo da Si lva e com vi nha de
Thomas de Andrade/ as quai s fazendas todas
eram suas l i vres de outra obri gação e ahi
possua e como/ tai s as obri gava para que por
el as e pel o mai s bem [?] del l as tenha este/
i nstromento seu verdadei ro e real cumpri mento
fal tando a sati sfação del l e o que tudo obri ga/va
em seu nome e de sua mol her Catari na Lopes
pessoa reconheci da de mi m tabel i /ão, a qual
eu tabel i ão em casas de sua morada l he
noti ci ei e noti fi quei esta/ escri tura em como o
di to seu mari do Franci sco da Sylva se avi a
contratado/ com os i rmãos da menza da Santa
Casa da Mi seri cordi a desta ci dade para haver
de l he fazer/ uma obra de ental hado em a
i grej a da di ta Santa Casa na forma decl arada/
em esta escri tura pel o preço de quatro mi l
cruzados de que o di to seu mari do/ cobrou
l ogo ao assi nar esta mi l cruzados fi cando para
se l he i r com/ti nuando com o mai s di nhei ro
pel o tempo em di ante que for fazendo em a
di ta obra/ que dara fi nda e acabada dentro de
ano e meyo da factura des/ta escri tura emdi ante
a cuj o cumpri mento havi a o di to seu mari do
obri ga/do todo os seus bens em geral e em
especi al as fazendas conteudas em esta di ta/
escri ptura que tudo l he foi l i da e decl arada por
mi m tabel i ão e sendo tu/do por el a mui to bem
ouvi do e entendi do me respondeu e deu em
resposta/ que de tudo era sabedora e que de
seu consenti mento o di to seu mari do havi a/
aj ustado a di ta obra pel o di to preço de quatro
mi l cruzados de que recebera/ os di tos mi l
cruzados a conta de que tudo se havi a fei to a
presente escri ptura/ e ao cumpri mento del a
obri gada o di to seu mari do as di tas fazendas e
se/ necessari o ser pel a parte que por di rei to l he
tocava de novo tudo obri gava re/ti fi cando tudo
per bem fei to fi rme e val i oso de que eu
tabel i am/ dou mi nha fé e por todo o contheudo
neste i nstromento qual quer parte/ del l e
responder assi m ci tado sem i sso for [?] el l e di to
Franci sco da Sylva perante/ o j ui z de fora do
geral desta ci dade ou corregedor del a que hora
são os que ao di an/te forem e servi rem por suas
cartas precatori as ci tatori as e semel has per/ante
qual quer del as fazer do si tado o cumpri mento
do di to e j usti ça e i nte/i ro pagamento do
pri nci pal e custas renunci ando l ogo di sse para
se ha/ver efei to do j ui z de seu foro da terra e
domi ci l i o donde ao tal tempo/ vi ver ou esti ver e
todos os mai s pri vi l egi os graças e l i berdades
l ei s/ e ordenasoi ns, razoi ns e excepções e tudo
outro qual quer remedi o de di rei to/ ou di rei to
extraordi nari o que per si al egar possa e a l ei de
di rei to que faz geral renun/ci ação não val ha e
os dez di as que se dão aos demandados/ por
escri pturas publ i cas e as feri as gerai s e
especi ai s porque de nada quer/ usar nem gozar
antes tudo cumpri r e guardar e de não al egar
em/bargos al guns de qual quer cal i dade ou
condi ção que sej am com que quei ra/ anul ar
73
contradi zer ou i mpugnar este i nstromento em
parte ou em todo [fl . 1 2 6 v. º] e vendo com el l e
ou al egando al guma cousa não quer ser
ouvi do/ em j uízo ou fora del e nem admi ti do a
requeri mento al gum sem pri mei ro depo/zi tar
tudo o que por bem deste i nstromento constar
estar devendo pel a j usti ça/ l he for demandado
tudo em di nhei ro de contado em maos e poder
do tesourei ro/ da di ta santa casa sem para i sso
l he pedi r nem necessari o ser dar fi ança cau/são
ou abonação al guma porque de agora para
então o há por seguro e abo/nado e fi el
deposi tari o enquanto não fi zer o di to deposi to
l he sera dene/gada toda audi enci a razão acção
e requeri mento que em j ui zo em fora del e
qui /ser fazer a qual cl ausul a deposi tari a el l e
di to Franci sco da Si lva pedi o/ a mi m tabel i ão
que l ha puzece e escrevece purque decl ara
com/tente e eu tabel i ão aqui l ha pus e escrevi
por ma pedi r e tanto quanto/ em di rei to posso e
devo na forma da provi são de sua magestade
sobre os di /tos deposi tos e de responder e ser
ci tado se necessari o for em nome del e di to/
Franci sco da Sylva o portei ro da camara desta
ci dade assi m para a pri mei ra i mportan/ci a da
acção como para a da venda pregoi s e
arremataçoi s de seus/ bens sem em tempo
al gum poder al egar i gnoranci a nem deffei /to de
ci tação porque de agora para então o faz seu
procurador em cauza/ propri a e i rrevogavel e
de pagar ao requerente cami nhei ro ou pe/ssoa
que na tal execução andar assi m nesta ci dade
como fora del a a du/zentos rei s por di a que se
contarão do di a da pri mei ra acçao posta the de
tudo ser/ acabada [?] real entrega do pri nci pal e
nestas em fee e [i l egível ] termo de verdade
assi m/ o outorgaram e del e mandaram ser fei to
este i nstromento e os que desta nossa/
cumpri rem que tudo l hes foi l i do por mi m
tabel i am como nel e se conthem/ que assei tarão
e eu tabel i ão em nome dos absentes a que i sso
per/tencer pode este publ i ca j usti ça sendo
presentes per si e por testemunhas/ o padre
J oão Antunes secretari a da di ta santa casa da
mi seri cordi a e Manuel Froes/ requerente e servo
da di ta santa casa pessoas reconheci das de mi m
tabel i am que/ todas aqui assi naram eu Andre
Vi di gal da Si lva Tabel i am de notas que escre/vi
Dom Rodri go de Mel o/ Cri stovão de Chavez
de Abreu Corte Real / J ose Barreto de
Val devi nos/ Custodi o de Vi l al obos de Al mei da/
Alvaro J ose de Carval ho/ Pedro Rodri gues
Bottão/ Catheri na Lopes/ Franci sco da Si lva/
Padre J oão Antunes/ Manuel Froes
Arquivo Distrital de Évora. Cartórios Notariais de Évora.
Tabelião André Vidigal da Silva, Livro 1009, fl.225 e v.º.
Contrato notarial entre a Misericórdia de
Évora e o mestre ladrilhador Manuel
Borges
[fl . 2 v. º] Contrato que faz os i rmãos da
Mi seri cordi a/ desta ci dade com Manuel Borges
morador em Li sboa so/bre o azol ei i o da i grei a
Em nome de Deos, amem, sai bão quantos
este publ i co i nstromento de
con/trato e obri guaçam vi rem
que no anno do nasci mento de
nosso senhor/ J esus Chri sto, de
mi l e setecentos e qui nze annos,
nesta ci dade,/ di guo, annos, aos
vi nte e hum di as do mes de
Setembro do di to anno,/ nesta
ci dade de Evora, nas cazas da
Mi zeri cordi a del l a, estan/do ahi ,
em meza, o Reverendo Di ão
Chri stovão de Chaves de Abreu/
Corte Ri al , escri vam e
prezi dente da di ta meza, e o
sargento mor/ Manuel Duarte de
Ol i vei ra, thezourei ro da mesma,
e os mai s i r/mãos da di ta meza,
no fi m deste i nstromento nomeadas/ e
assi nadas, estando mai s prezente Manuel
Borges, mestre/ [fl . 3 ] mestre de azul ei i o,
morador na ci dade de Li sboa, as G i nel l as
Verdes, pe/ssoa reconheci da das testemunhas
ao di ante nomeadas/ e assi gnadas, e bem assi m
Manoel G omes, mestre de pe/drei ro, morador
nesta Ci dade na Rua dos Mercadores, di guo, na
Rua do Re/mundo pessoa reconheci da de mi m
tabal i am que certi fi co ser a pro/pi a aqui
contheuda e decl arada. E l oguo pel l o di to
Reverendo/ Deão e Thezourei ro, e mai s i rmãos
foi di to em presença de mi m taba/l i am e di tas
testemunhas que el l es ti nham detri mi nado
man/dar azul i gar a i grei a e coro desta caza para
o que estavam aser/tados com o di to Manuel
Borges a que azul i asse
reparti n/do o azul ei i o em sete
passos das obras espi ri tuai s da
mi zeri cordi a/ com vari os
embl emas por baxo dos di tos
passos de que se l he dara/ um
papel decl arando-se os passos e
embl emas em hum di go/
embl emas em que sera
assi gnado pel l o thezourei ro
desta me/za o qual mostrara
depoi s do di to azol ei i o asi ntado
na i grei a pa/ra ver se esta fei to
na forma do estrato que se l he
der asi gnado/ pel l o di to
thezourei ro e o di to azul ei i o
sera do mai s fi no e me/l hor que
ouver fei to no tempo presente nos templ os da
corte e/ se l he da por cada mi l hei ro que asentar
quarenta mi l rei s l i vre/ de todos os custos
despezas e comduçoi s que o mesmo fi zer
des/de a hora que esti ver fei to e pi ntado athe
chegar a esta caza e/por quanto todas as di tas
despezas sam por conta desta meza e as
despe/zas mi udas e despachos de tudo o mai s
75
nesecari o para se comdu/zi r o di to azul ei i o
athe Al dei a G ual egua sera fei ta esta
com/duçam pel l o di to Manoel Borges e tudo
l he sera paguo pel l o the/zourei ro desta meza
ao di to Manoel Borges e sera cri do por sua/
verdade de que dara hum rol da despeza para
l he ser sati sfei /ta, assi m de quarenta mi l rei s
que a de haver por cada mi l rei s/ de azol ei i o
que assentar e todos os homes que l he forem
neseça/ri os para o aj udarem a asentar o di to
azol ei i o sam por/ conta del l e di to Manoel
Borges porem a cal a area e madei ra/ que for
nesecari o para se assentar o di to azol ei i o sera
por conta/ desta meza que sati sfara o
thesourei ro del l a e o di to azol ei i o da/ i grei a e
coro sera obri gado assental l o athe di a da
vi zi tação de San/ta I zabel que he a doi s de
J ul ho e o corpo/ da i grei a o dara the a Coresma
não havendo emvernada/ que o i mpeça e fi nda
a obra seram contados os mi l hei ros de
azo/l ei i o que a desta i grei a e coro e l evara por
cada hum mi l hei ro/ se daram os di tos quarenta
mi l rei s abatendo-se toda aquel l a/ quanti a que
ti ver recebi do por conta da di ta obra e
sucedendo/ que vi ndo o di to Manuel Borges a
fazer a obra do azol ei i o e não a fi n/dar por
huma vez athe o di to tempo sei a persi zo
recol her-se/ a corte esta meza l he pagara o
carro das bestas del l e di to Manuel / Borges e
seus ofi ci ai s de Al dei a G ual ega athe esta
ci dade e se/ l he dará por mão do thesurei ro no
mês que vem de Outubro duzentos/ mi l rei s
postos em Li sboa e no comesso e pri nci pi o da
obra outros du/zentos mi l rei s e no fi m da obra
sera sati sfei to de todo o/ restante que se l he
dever comtados os mi l hei ros al em das
despe/zas mi údas que fi zer com a conduzam
do azul ei o que/ l ogo l he foram sati sfei tas e
fal tando esta meza ou outra/ que vi er assi m
que fi ndar a obra a sati sfazer-se tudo o que/ se
dever ao di to Manuel Borges se l he paguara a
sei scentos rei s por/ di a emquanto não for
sati sfei to da di ta i mportânci a [fl . 3 v. º]
i mportanci a assi m das perdas e danos que ti ver
por cau/sa de não acudi r ao seu ofi ci o pel l a
rezam do não pagamento. E pel l o di to Manuel
Borges foi di to que passava na verdade que/
estava aj ustado a assentar o di to azul ei o na
forma que di guo/ na forma com as condi ções
referi das del as pel l os di tos/ i rmãos da meza e
se obri gua a compri r tudo o porposto pel l a/
di ta meza não se fal tando aos paguamentos e
para segurança/ e fi rmeza de fazer a di ta obra
referi da obi gua sua pe/ssoa e bens havi dos e
por haver [sob] pena de que fal tando a por o
di to azo/l ei o na forma e tempo decl arado
comsente que esta meza/ ou a qual soceder por
el l e Manuel Borges fal tar a que mandem fi n/dar
o di to azol ei i o a sua custa e neste caso quer
entam que/ as despezas mi údas sei aj am
também por sua conta e a seguran/ça deste
comtrato e ao di nhei ro que receber dará por
fi ador/ e pri nci pal pagador e deposi tári o de fee
de j uízo pel o di tto Manuel Bor/ges di guo de
j uízo ao di tto Manuel G omes pedrei ro atras
de/cl arado e l oguo pel l o di tto Manuel G omes
que prezente estava/ foi di to que el l e sem
contradi sam de pessoa al guma e mui to/ de sua
l i vre vontade fi cava por fi ador e pri nci pal
pagador/ de fee de j uízo a que o di to Manuel
Borges não/ fal te a todo o conteúdo neste
i nstromento e a tudo o que cobrar e fal ando se
obri gua por sua pessoa e bens a sati sfazer tudo
a esta meza da Mi zeri cordi a e a paguar todos
os custos despezas/ que a meza fi zer por cauza
do di to Manuel Borges fal tar tudo por/
j uramento do desembargador [?] que hoj e he
ou ao di ante for e a compri r/ tudo o que atras
se decl ara nesta escri tura. E nesta/ forma se
houveram por aj ustados e cada hum pel l a
parte/ que l he toca se obri gua tudo compri r e
guardar com i ntei ra/ e real efei to e de
responder e serem ci tados e a compri r/ se
nesseçari o for por tudo conteudo neste
i nstromento ou qual /quer parte del l e perante o
j ui z de fora do geral desta ci dade/ que hora he
ou ao di ante for e servi r ou o corregedor del l a/
por suas cartas percatori as recatori as ecom
el l as perante/ qual quer del es fazer desse todo o
compri mento de di rei to/ e j usti ça para o que
renunci avam o j ui z e j uízes de seus fei tos e da
corte ou domi si l i o donde esti verem e todos os
mai s pri vi l égi os graças e l i berdades/
condenaçoi s que por se al eguar possam senam
tudo com/pri rem e guardarem com i mtei ro e
real efei to. E em/ fee e testemunho de verdade
assi m o outrogaram e se/ comandaram ser fei to
este i nstrumento e os que esta notas/
compri rem em necessári o forem que todo l he
foi l i do e decl arado por mi m tabel i am como
nel l e se comthem/ que assei taram e eu tabel i am
em nome dos ausentes/ a que este comvem
comuni car sendo testemunhas os reverendos
padres Manuel Evangel i sta e J oseph Franci sco
que todos aqui asi /gnaram e eu Manuel Pi nto
de Carval ho tabel i am de notas que o escre/vi
[assi naturas] Deão Cri stovão de Chaves
Abreu Corte Real / Lui s da G ama Lobo/ [fl . 4]
Manuel Duarte de Ol i vei ra/Lui s Bernardo [?]
Zagal o Sei xas/ Domi ngos [i l egível ]/ I gnaci o dos
Santos/ Manuel de Sousa/ Manuel Rozedo/
Manuel Rodri gues N ol e/ Antóni o Conti l hamosa
[?]/Manoel Si moi s/ Manoel Borges/ Manoel
G omes/ Padre Manoel Evangel i sta/ J oseph
Franci sco Mi ni stro [?]
ADE. CN E. Tabelião Manuel Pinheiro de Carvalho. Livro
11 30, fls. 2 v.º a 4.
77
Termo de contrato entre a
Misericórdia de Évora e os mestres
douradores Manuel da Maia, Bernardo
Luís, Francisco Ferreira e José Correia
para dourarem o retábulo da capelamor
[fl.1 9] Termo de obrigação dos ditos officiaes/
feito em 24 de Julho de 728
[fl. 1 9 v.º] aos vinte e quatro dias do mes de Julho
de/ mil setecentos e vinte outo nesta se/crataria da
Santa Caza da Mizericordia da/ cidade de Evora
pareserão prezentes Ma/noel da Maya, Bernardo
Luis, Francisco/ Ferreyra, e Joseph Correa, todos
mestres/ douradores e moradores nesta cidade/ e
pessoas bem conhecidas nella, e por elles/ foi ditto,
que pera firmeza, e lembrança/ do ajuste que havião
feyto no dia antece/dente com a meza desta Santa
Caza de doura/rem o frontespicio de entalhado da
i/greja della herão contentes se fizesse/ por mim
escrivão da mesma, este termo/ com as condições, e
declarações insertas/ nelle as quais todas elles
livremente se o/brigavão inteyramente a cumprir, e
en/cher por suas pessoas, e bens prompta, e
cabal/mente, e desde agora se sometião a todas/ as
pennas clauzullas, e obrigações que neste/ termo
forem postas, e as mais todas essensi/aes que por
esquecimento senão declararem/ aqui para a boa
concluzão e perfeição da/ sobreditta: primeyramente
se obri/garão a dourar toda a obra de madeyra que
es/tiver no frontespicio da igreja com o ouro/ mais
corado que ouver e alguns vãos que tiver o
en/talhado porque paresse em que está a/centado os
pintarão de jalde para que a pa/rede com a brandura
da cal não deslus/tre o dourado. As figuras, serafins,
es/cultura e a mais obra que estofarem sera/ tudo
sobre ouro e não sobre prata ou tin/ta alguma, e as
encarnações serão de poli/mento, e não de pincel
toda a obra se/ aparelhará com nove mãos de
aparelho/ em sua conta, que será de retalho de luva/
fino e os estofados das figuras e azas dos/ serafins se
estofarão com as cores mais/ finas e os reglaxos desta
obra de verdes/ estilhados, e lacras muito finas e
subidas [fl. 20] que o ouro sera todo burnido, e
aparessen/do a essa meza que se lhe fação alguns/
foscos e serão feytos sobre ouro, o que ficara/ ao
arbitrio da mesma determinar se há de/ levar a dita
obra os taes Toscos ou se ha de ser/ do de burnido e
paressen/do a esta meza que se lhe fação alguns/
foscos serão feytos sobre ouro o que ficara ao
arbitrio da mesma determinar se há de/ levar a dita
obra os taes foscos ou se há de tudo ser burnido.
Que os sobreditos mestres/ douradores serão
obigados a dazer os/ andaimes a sua custa
desmanxa-los,/ conduzir tudo o necessario para
elles, e recon/duzir as madeyras dos mesmos e
pagar/ carretos e ruinas dellas e avendo-a por sua/
conta grudar, pregar, e repregar toda a o/bra
sobredita que persizar do referido que/ sera vista
primeiro que se aparelhe para se exami/nar se fica
segura e boa como tãobem/ antes que se desmanxe
qualquer andaime/ se mandará por quem o entenda
examinar/ e ver tudo o que estiver feyto para ver se o
está/ na forma contratada para que não estando/ se
obrigarem a fazer prontamente que pas/sado hum
anno completamente depois que a o/bra for fida e de
todo acabada se fará/ nella exame por pessoas
inteligentes para/ verem se tem alguma ruina, ou
falta/ do ajustado e havendo-as se mandará/ reparar a
custa dos ditos mestres douradores; que os mesmos
se obrigão a dar de todo perfeita e acabada a dita
obra/ dia de Reis próximo futuro enão o fa/zendo
assim podera a meza meter os/ officiaes que lhe
paresser para acabar e pagar/lhe os dias ou tempo
que gastarem pellos/ pressos que lhe paresser
tãobem tudo/ a custa dos bens delles ditos mestres e
nis/to, e nas mais despeza que fizer esta santa caza/
sera somente crida por juramento do irmão/ ou
pessoa que fizer a dita despeza porque/ a satisfação
de todo o sobredito se obrigão elles dittos mestres
por suas pessoas e [fl. 20 v.º]” pessoas e bens e hum
por todos e todos por ca/da hum delles, e esta meza
a entregar-lhe/ em dinheyro corrente pro mão do
irmão/ thezoureiro della seiscentos e outenta mil/
reis presso porque ajsutarão e contratarão/ dar a ditta
obra acabada com as condiçoes e na forma assima
declarada sem/ esta Santa Caza ter obrigação de lhe
dar ou/satisfazer mais couza alguma fora dos/ ditos
seiscentos e outenta mil reis, por/que se ajsutarãoi a
tal obra de que logo ao assi/nar este termo receberão
da mão do/ irmão thezoureiro Domingos de
Medeyros e/ Pina quatrocentos mil reis, para se
avia/rem do necessario para principiarem/ a obra dos
quais logo aqui da plenaria/ quitação a esta Caza da
Misericordia dezo/brigada delles; e logo no mesmo
dia/ Caza e hora paresseu Manoel Perreyra/ mestre
atafoneyro morador na rua que atra/vessa da Rua de
Alconchel para o Terreiro dos Mercadores pessoa
tãobem conhecida/ nesta dita cidade e pello mesmo
foi dito que elle/ per si e por todos os seus bens
ficava por/ fiador principal pagador e depozitario de/
juizo ao comprimento de tudo sobredito e que/ via
em sua pessoa e bens ser executado/ para satisfação
de tudo e da quantia, ou/ quantias que recebem e
receberem em dian/te os ditos mestres porque todos
e a cada hum/ per si hera contente de afiansar na dita
for/ma e ao comprimento de todo este ajus/te e
contrato em feé do que se fez este termo que/
assianrão comigo escrivãoo sendo teste/munhas
prezentes João Galvão de Oli/veyra e Sylva e o
reverendo doutor o padre Ma/noel Alvres secretario e
capellão/ desta Santa Caza da Misericordia e Joseph
da/ Cunha Estibeyro todos moradores/ [fl. 21 ]
moradores besta cidade de Evora/ que todos
assinarão e eu antonio Ma/tella de Tavora escrivão
desta ir/mandade da Misericordia de Evora que/ fis e
assinei o sobredito termo aos quatro duas do mês de
Julho de mil/e setecentos, e vinte e outo annos.
[assinaturas] Antonio Matella de Tavora/ Manoel
da Maya/ Lourenço Vaz [?]/ Joseph Correa/ Francisco
Ferreira/ Manoel Pereira/ José Galvão de Oliveira e
Sylva/ Joseph da Cunha Estibeyro/ Padre Manoel
Alvres
ADE, SCMEVR, n.º 27, Lembranças das mezas começou
em 1 728 athe 1 739
79
A TALHA “FRANCESA” DOS RETÁBULOS
CARMELITAS DE ÉVORA
CON VEN TO DE N OSSA
SEN H ORA DOS
REMÉDI OS
A pri mei ra referênci a a Sebasti ão Abreu
como pri nci pal responsável da ofi ci na reportase a 1 747, quando assi na o contrato com o
convento de São Domi ngos, em Elvas, onde o
mestre ental hador real i zou uma séri e de
col unas e capi tei s para guarnecerem o i nteri or
do templ o. Mas a experi ênci a que vai redefi ni r
o seu percurso artísti co foi a parti ci pação na
execução das emprei tadas de tal ha dourada
para os conventos carmel i tas de Évora. N os
retábul os para o Mostei ro de São J osé (Convento
N ovo) e para o Mostei ro de N ossa Senhora dos
Remédi os abre-se um segundo momento para a
tal ha Rococó no Al entej o, superando pel a
pri mei ra vez a experi ênci a da Sé de Évora que
até então norteava o l abor da ofi ci na. Esse novo
período coi nci de com a fase de maturi dade de
Sebasti ão Abreu do Ó, ao mesmo tempo que l he
proporci ona os contratos mai s i mportantes e
rendosos. Segundo o documento revel ado por
Artur G oul art, o mestre J oão Luís Botel ho foi o
responsável pel o “ri sco” do retábul o da capel a
da Ordem Tercei ra na I grej a do Carmo, em
Évora. O desenho do retábul o da capel a-mor do
Convento N ovo, ai nda marcado por col unas
recti l íneas, uma opção ori gi nal no percurso de
J oão Luís Botel ho, e uma sol ução provavel mente
i nfl uenci ada pel o retábul o da capel a-mor da Sé
de Évora e ai nda pel o magnífi co retábul o da
capel a de São J oão da i grej a j esuíta de São
Roque, em Li sboa. Parti cul armente
i nteressante são as i l hargas curvi l íneas,
demonstrando uma procura de sol uções
di nâmi cas por parte de J oão Luís. Serão os
retábul os do Convento N ovo, cl aramente
marcados pel o desej o de moderni dade dos
carmel i tas de Évora, o ponto de parti da para
uma séri e de obras em que o neocl aci ssi smo
romano se funde com o esti l o Rococó, que os
frades preferem denomi nar de “tal ha francesa”.
Tudo i ndi ca que J oão Luís foi também o autor
do desenho os retábul os col aterai s da i grej a do
Convento N ovo, contratados em 1 753 , e que
serão executados por Sebasti ão Abreu do Ó,
com a pl anta “chanfrada” ou “sextavada”, em
que as col unas que l adei am a tri buna avançam
em rel ação as da i l harga, numa sol ução j á
ensai ada no retábul o da capel a da Ordem
Tercei ra na I grej a do Carmo. Três anos depoi s,
em 1 756, será a vez dos carmel i tas dos
Remédi os renovarem a capel a- mor, com o
retábul o a ser executado, mai s uma vez, por
Sebasti ão de Abreu. N o contrato há uma séri e
de recomendações de carácter geral da obra,
como a abertura do vão para dar profundi dade
ao trono ou a regul ari zação do nível dos
degraus em rel ação aos retábul os col aterai s
que dão conta de uma cui dadosa preparação
posta pel os frades carmel i tas na condução da
emprei tada. Demonstrando a conti nui dade nas
di recti vas que mui tas vezes presi dem as obras
real i zadas numa mesma ordem rel i gi osa, o
pri or, Frei Antóni o de São J osé, faz questão de
uti l i zar os retábul os do Convento N ovo como
model o para a real i zação do retábul o da capel amor dos Remédi os. Segundo as cl áusul as desse
documento, Sebasti ão do Ó obri gava-se a:
“… fazer um sacrári o à i mi tação do da capel amor da I grej a do Convento N ovo, no caso que o
oratóri o da Senhora não fi que sobre a banqueta;
os ni chos dos santos serão também à i mi tação
dos que estão na mesma capel a-mor do
Convento N ovo, e toda a obra será ental hada
com tal ha francesa e mai s nova que hoj e se usa;
e fará a banqueta do al tar-mor de cumpri mento
tal que possa l evar quartel as ental hadas que el e
di to mestre há de fazer; e as quartel as debai xo
das col unas serão como as dos al tares col aterai s
do Convento N ovo, e mel hor se puder ser… ”
Os cui dados descri ti vos do contrato se
j usti fi cam-se porque são acompanhados apenas
por desenhos parcel ares da pl anta, col una e da
arcari a: “E será fei ta pel l a pl anta e cul una que
esta/ assi gnada pel l o Pri or do di to Convento, e
também/ de fazer hum trono para a caza
datrubuna que este e a arqueri a da di ta obra
será fei ta pel o Ri sco/ também assi gnado pel o
di to Pri or”
É j ustamente na pl anta do retábul o que se
nota uma i novação em rel ação ao protóti po dos
retábul os da I grej a do Carmo e do Convento
N ovo, com as col unas l aterai s da tri buna
di spostas obl i quamente, reforçando o senti do
dramáti co da exposi ção da i magem do Cri sto
Cruci fi cado, uma sol ução também adoptada
pel o arqui tecto André Soares, no retábul o da
81
capel a de N ossa Senhora do Rosári o na I grej a
de São Domi ngos de Vi ana do Castel o, em
1 760.
Todo o conj unto, de di mensões i mponentes,
devendo-se também menci onar a bel íssi ma
cai xa do púl tpi to, é j ustamente consi derado a
obra embl emáti ca de Sebasti ão Abreu do Ó, e
a mel hor obra de tal ha dourada do período em
Évora.
Contrato notarial entre os religiosos do
Convento de Nossa Senhora dos Remédios e
o mestre entalhador Sebastião Abreu do Ó
[fl . 3 2 ] Contrato que fazem os reverendos
padres/ e mai s rel i gi osos de N ossa Senhora dos
Remédi os com Sebasti ão de Abreu do Ó Lourenço Barboza a Fl . 4 Evora
Em nome de Deus Amen sai bam quantos
este i nstro/mento de contrato vi rem que no
anno do nasci mento de nosso se/nhor J esus
Chri sto de mi l setecentos e ci ncoen/ta e sei s
BIBLIOGRAFIA
aos vi nte e ci nco di as do mes de Setembro, na
SMITH, 1 962; BORGES, 2005 e MANGUCCI, 201 0.
ci dade de Evora extramuros del l a/
Retábulos da I greja do Convento de Nossa Senhora dos Remédios. Foto António Severo.
no convento de N ossa Senhora dos
Remédi os aonde eu/ tabel i am fui ,
estando j unto em comuni dade o
reverendo padre pri or/ e mai s
reverendos padres do governo abaxo
assi nados e bem/ assi m estando mai s
presente Sebasti am de Abreu do Ó/
ental hador e morador nesta ci dade,
na Rua de Avi s, pessoa/ reconheci da
de mi m tabel i am que certi fi co ser o
própri o,/ E l ogo pel l o reverendo
pri or e mai s rel i gi osos foi di to a
mi m tabel i am/ perante as
testemunhas no fi m assi gnadas que
el l es estavam com/tratados e
aj ustados com o di to Sebasti am de
Abreu do Ó/ para efei to de o mesmo
l he fazer hum retabol l o e caza da
tri buna tudo emtal hado para a
capel l a mor/ do di to convento e por preço de
sei scentos mi l réi s. E deste recebeu l ogo ao
assi gnar desta duzentos mi l rei s/ e no fi m do
mês de N ovembro que vem deste mesmo/ anno
nos obri garmos a dar-l he cento e ci nquenta mi l
rei s, e outra tanta quanti a de cento e ci nquenta
mi l réi s mo meado do mês de Feverei ro que
vem de setecentos e ci nquenta e sete e os cem
mi l rei s que fal tam para com/pl etar os
sei scentos mi l nos obri gamos a l hos sati sfazer
no fi m da obra estar acabada e assentada/ e será
el l e di to mestre obri gado a compri r as
obri gações segui ntes; ha de ser a obra fei ta de
pi nho de fl andres/ sem mago ou curração [si c]
al guma, e toda a peça que l evar
tem obri gação de fazer outra a
sua custa que esta hé a pri nci pal
condi ção da obra. E será fei ta
pel l a pl ânta e cul una que esta/
assi gnada pel l o Pri or do di to
Convento, e também/ de fazer
hum trono para a caza da trubuna
que este [?] / [fl . 3 2 v. º] este e a
arqueri a da di ta obra será fei ta
pel o Ri sco/ também assi gnado
pel o di to pri or; e de fazer os
pe/destai s de madei ra com
zi mal has e al mofadas como se
costuma; e porá no l ado do al tar
hu/ma porta com se tem aj ustado
para serventi a/ da caza da trebuna, e de fazer
na mesma caza da/ trebuna toda ental hada,
adverti ndo que a tal ha/ que fi zer no tecto ha de
ser na mesma madei ra e peça e não suporta [?],
e de mandar romper a parede para no vão del l a
se fazer a di ta caza/ da trebuna; e de fazer
escada para subi r ao trono/ e de rebachar os
degraus do al tar mor, e pucha/dos fora no nível
dos al tares cul aterai s que/ hão de ser só doi s
degraus que el l e di to mestre ental hador
[i l egível ] terá obri gação de pagar aos pedrei ros
dos j ornai s e todos os avi amentos necessári os
de cal , pedra, tei o [si c] e arei a sem fi car contas
del l es aos Rel i gi osos; e fará também o di to
mestre hum oratóri o sei s/tadado [si c] para nel l e
se cul ucar N ossa Senhora dos Re/médi os, e sem
ental hado ou respal do do di to orato/ri o, o qual
se ha de por onde o reverendo
pri or detre/mi nar, e de fazer
hum sacrari o a i mi tação/ do da
cappel a mor da I grej a do
Convento N ovo no/ cazo que o
oratóri o da Senhora não fi que
sobre/ a banqueta; os ni xos dos
santos serão também à i mi tação
dos que estão na mesma
capel l a mor/ do Convento
N ovo, e toda a obra será
ental hada com/ tal ha franceça e
mai s nova que hoj e se usa; e
fa/rá a banqueta do al tar mor
de cumpri mento tal / que poça
l evar quartel l as ental hadas que
el l e di to mestre há de fazer; e as quartel l as
deba/cho das col unas serão como as dos al tares
cul ateraes do Convento N ovo, e mi l hor se
83
puder ser; e também fará mai s o cachão do
Al tar-mor com/ a madei ra que tem o vel ho, no
cazo que estej a capaz, e com mai s tábuas que
do Retabul l o vel ho/ se ti raram que el l es
Rel i gi osos l he darão para o di to efei to; e será
mai s obri gado a dar a obra acabada no fi m do/
mês de dezembro que vem do di to anno de
mi l setecentos e ci nquenta e sete [fl . 3 3 ] para
nel l a se fazer a função/ das Enduenças, e cazo
que fal tem al gumas couzas para seu
compri mento como se poça nel l a fa/zer a
função di ta sem emprefei ção/ porque podera
su/ceder fal tarem al gumas fri zos na tal obra
que l e/vem al gumas semanas de trabal ho
depassadas as/ em avenças e que pudera
acabar sem que tenha per/ti mento al gum e l he
concedem tres semanas depoi s/ de pazarem a
di ta Endoenças porem sempre/ obri gado a por
a di ta obra com tremos [?] que se faça nel l a/ a
sobredi ta função de Emdoenças com as
decl ara/çoi s assi ma di tas e fal tando a el as não
aver el l e di to/ meste l evar mai s de qui nhentos
mi l rei s pel l a di ta/ obra, e os cem mi l rei s da
el l e di to mestre ental hador/ de esmol a a N ossa
Senhora dos Remedi os e os di tos re/l i gi osos
assei tarão a di ta condi ção sem obri gação de
per/der o cem mi l rei s cazo que na obra não
faça a di ta fun/ção das Endoenças que
fazendo-se não tem obri gação/ de perder coi za
al guma os cem mi l rei s assi ma di to nem/ de os
dar de esmol l a cazo que o di to mestre
ental hador/ não ache carpi ntei ros para l he
trabal harem na di ta/ obra tessera [?] el l e di to
reverendo padre pri or a por-l hos pr/ontos, e
fal tando a esta condi ção não tera obri ga/ção de
dar a obra fei ta pera o tempo assi nal l ado,
e/nesta forma se contratarão estas partes e em/
tudo, por tudo prometi ão compri r e guardar e/
contra el l e não al l egarem embargos e em fee e
tes/temunho de assi m doutras assei tarão/ e
outrossi m deve el l e di to Sebasti ão de Abreu
que seguran/ça deste comtrato e cal uzul l as
del l e dava por/ seu fi ador a seu cunhado
J eróni mo Ri bei ro merca/dor de pano de l i nho
morador na Rua Ancha desta/ ci dade que
prezente estava pessoa reconheci da de/ mi m
tabel i am e por el l e de foi di to fi cava por fi ador
do di to/ seu cunhado a segurança deste
comtrato para/ o que obri gava sua pessoa e
bens e assi m o a assei /tarão el l es di ttos
reverendos rel i gi osos e sendo pre/zentes por
testemunhas assynatura desta/ [fl . 3 3 vº]
[i l egível ] Rodri gues e Manoel [i l egível ] desta
que aqui assi narão [i l egível ]
[assi naturas] Pri or Antóni o de São J osé Pri or/
Frei J osé de Santa Eufrozyna savari o/Sebati am
de Abreu Frei do Sacramento savari o/ Frei
Manuel do N asci mento/Frei J ose Ros H ol gl o [?]
H i eroni mo Ri bei ro/
ADE. CN E. Tabelião Lourenço Francisco Barbosa, livro
111 7, fls. 32-33 v.º.
BIBLIOGRAFIA
ARAÚ J O, 2 01 3 . Paul i na Margari da Rodri gues
ARAÚ J O, Câmara Ecl esi ásti ca de Évora.
Catál ogo/I nventári o. Tese de Mestrado
apresentada à Uni versi dade de Évora.
BARATA, 1 897. Antóni o Franci sco BARATA,
Obras de tal ha em Évora i n N oi tes de Évora.
Mi scel l anea poéti ca, românti ca e de vari a
hi stori a. Évora, 1 897.
BORG ES, 2 003 . Artur G oul art de Mel o
BORG ES, A confrari a de N ossa Senhora do
Rosári o i n Tesouros de Arte e Devoção. Évora:
Fundação Eugéni o de Al mei da, 2 003 .
BORG ES, 2 005. Artur G oul art de Mel o
BORG ES, “As obras da nova Capel a-mor da Sé –
escol a de arti stas”, Eborensi a, n. º 3 5, 2 005, pp.
1 53 – 1 90.
CAETAN O e SI LVA, 1 993 . J oaqui m Ol i vei ra
CAETAN O e Nuno Vassal o SI LVA , “Breves
notas para o estudo do arqui tecto J oão Antunes”
i n Pol i grafi a, n. º2 . Li sboa, 1 993 .
CARVALH O, 1 960-62 . Armi ndo Ayres de
CARVALH O, D. J oão V e a Arte do seu Tempo.
Li sboa: Edi ção do Autor, 1 960-62 .
CARVALH O, 2 01 2 . Mari a do Rosári o Sal ema
Cordei ro Correi a de CARVALH O, A pi ntura do
azul ej o em Portugal [1 675-1 72 5]. Autori as e
bi ografi as - um novo paradi gma. Texto
pol i copi ado. Li sboa: tese de doutoramento em
H i stóri a da Arte apresentada à Facul dade de
Letras da Uni versi dade de Li sboa, 2 01 2 .
ESPAN CA, 1 950. Túl i o ESPAN CA, “Artes e
Arti stas em Évora no sécul o XVI I I ” i n A Ci dade
de Évora, ano VI I , n. ºs 21 -2 2 , J anei ro-J unho de
1 950. Évora: Câmara Muni ci pal de Évora.
ESPAN CA,1 966. Túl i o ESPAN CA, I nventári o
Artísti co de Portugal , Concel ho de Évora. 2
vol umes. Li sboa: Academi a N aci onal de Bel as
Artes, 1 966.
ESPAN CA, 1 983 -1 985. Túl i o ESPAN CA,
“Documentos N otari ai s i nédi tos e arti stas
al entej anos dos sécul os XVI , XVI I e XVI I I ” i n A
Ci dade de Évora, ano XL-XLI , n. ºs 67-68, 1 983 1 985, pp. 99-1 2 6. Évora: Câmara Muni ci pal de
Évora.
ESPAN CA, 1 986-1 987. Túl i o ESPAN CA,
“Memóri a da vi da e morte do 1 0º arcebi spo de
Évora D. Frei Luís da Si lva Tel es” i n A Ci dade
de Évora, n. ºs 69-70, anos XLI I I -XLI V, pp. 1 2 51 87. Évora: Câmara Muni ci pal de Évora, 1 9861 987.
FERREI RA, 2 009. Sílvi a FERREI RA, A Tal ha
Barroca de Li sboa (1 670-1 72 0). Os arti stas e as
obras. Tese de doutoramento em H i stóri a –
especi al i dade Arte, Patri móni o e Restauro apresentada à Facul dade de l etras da
Uni versi dade de Li sboa, 2 009.
85
FERREI RA-ALVES, 1 989. N atál i a Mari nho
FERREI RA-ALVES, A Arte da Tal ha no Porto na
Época Barroca. Arti stas e Cl i entel a, Materi ai s e
Técni ca, Porto, Câmara Muni ci pal do Porto,
1 989
FLOR, 2 01 0-2 01 1 . Susana Varel a FLOR, “As
rel ações artísti cas entre pi ntores a ól eo e de
azul ej o perspecti vadas a parti r da ofi ci na de
Marcos da Cruz (c. 1 637-1 683 )” i n Arti s Revi sta
do I nsti tuto de H i stóri a da Arte da Facul dade de
Letras da Uni versi dade de Li sboa, I H AFLU L, nº
9/1 0, 2 01 0/2 01 1 , pp. 2 91 -3 07.
G U ERREI RO, 1 979. Al cântara G U ERREI RO,
Subsídi os para a H i stóri a da Santa Casa da
Mi seri córdi a de Évora, nos sécul os XVI I a XX,
3 º vol ume, 1 667-1 91 0. Évora: Mi seri córdi a de
Évora, 1 979.
H I LL, 1 998. Marcos H I LL, A Tal ha Barroca em
Évora. Sécul os XVI I -XVI I I . Évora: Centro de
H i stóri a da Arte, 1 998.
H ERRERA GARCÍA, 2 001 . Franci sco Xavi er
H ERRERA GARCÍA, El Retabl o Sevi l l ano en l a
Pri mera Mi tad del Si gl o XVI I I . Sevi l ha:
Di putaci on de Sevi l l a, 2 001 .
LAMEI RA, 2 000. Franci sco I l defonso LAMEI RA,
A Tal ha no Al garve durante o Anti go Regi me.
Faro: Câmara Muni ci pal de Faro, 2 000.
LAMEI RA, 2 004a. Franci sco I l defonso LAMEI RA,
“O retábul o barroco no concel ho de Montemoro-N ovo” i n Al mansor, Revi sta de Cul tura, 2 ª
séri e, n. º3 , pp. 1 2 9-1 73 (em col aboração com
J orge Fonseca). Montemor-o-N ovo: Câmara
Muni ci pal de Montemor-o-N ovo, 2 004.
LAMEI RA, 2 004b. Franci sco I l defonso
LAMEI RA, “Contri bui ções para o estudo do
retábul o barroco no Al entej o: a ofi ci na do
i nsi gne escul tor Manuel de Abreu do Ó” i n
Promontori a. Revi sta do Departamento de
H i stóri a, Arqueol ogi a e Patri móni o da
Uni versi dade do Al garve. Faro, 2 004.
LAMEI RA, 2 006. Franci sco I l defonso LAMEI RA,
O retábul o da Companhi a de J esus em Portugal :
1 61 9-1 759. Faro: Departamento de hi stóri a,
Arqueol ogi a e Patri móni o da Uni versi dade do
Al garve.
LAMEI RA, 2 009. Franci sco LAMEI RA e Sílvi a
FERREI RA, “Os antecedentes artísti cos de
Caetano da Costa. A fase l i sboeta”, i n
Laboratori o de Arte, Revi sta del Departamento
de H i stori a del Arte, n. º 2 0. Sevi l ha:
Uni versi dad de Sevi l l a, 2 009.
LAMEI RA E SERRÃO, 2 005. Franci sco LAMEI RA
e Vítor SERRÃO, “O retábul o em Portugal : o
Barroco Fi nal (1 71 3 -1 746)” i n Promontori a.
Revi sta do Departamento de H i stóri a,
Arqueol ogi a e Patri móni o da Uni versi dade do
Al garve. Faro, 2 005.
LU CAS, 2 004. Franci sco J osé Ol ei ro LU CAS, “O
Retábul o de S. Pedro na I grej a Matri z do
Montij o”, i n Arti s Revi sta do I nsti tuto de
H i stóri a da Arte da Facul dade de Letras da
Uni versi dade de Li sboa, I H AFLU L n. º 3 , 2 004.
MAN G U CCI , 2 003 ª. Antóni o Cel so
MAN G U CCI , Tal ha, azul ej os e pi ntura: a
i conografi a da Mi seri córdi a em Évora,
comuni cação apresentada ao encontro “As
Mi seri córdi as como fonte de Cul tura”. Câmara
Muni ci pal de Penafi el .
MAN G U CCI , 2 003 b. Antóni o Cel so
MAN G U CCI , “A Estratégi a de Bartol omeu
Antunes: mestre l adri l hador do Paço (1 6881 753 )”. Al -Madan, I I ª séri e, n. º 1 2 , Dezembro
2 003 , pp. 1 3 5-1 48.
MAN G U CCI , 2 008. Antóni o Cel so
MAN G U CCI , “Franci sco da Si lva, Antóni o de
Ol i vei ra Bernardes e Franci sco Lopes Mendes
na I grej a da Mi seri córdi a em Évora”, i n
Cenácul o, Bol eti m on l i ne do Museu de Évora,
n. º 3 , 2 008
MAN G U CCI , 2 01 0. Antóni o Cel so MAN G U CCI ,
“A Tal ha mai s moderna. O percurso artísti co de
Manuel e Sebasti ão Abreu do Ó, em Évora”,
Cenácul o. O Bol eti m on l i ne do Museu de
Évora, n. º 4, Setembro de 2 01 0. Évora: Museu
de Évora
MAN G U CCI , 2 01 3 . Antóni o Cel so MAN G U CCI ,
A i conografi a de São Lourenço J usti ni ano nos
azul ej os dos conventos Lói os de Évora e
Arrai ol os. Évora: Centro de H i stóri a da Arte e
I nvesti gação Artísti ca e Rota do Azul ej o no
Al entej o, 2 01 3 .
MAN G U CCI , 2 01 4. “Sob o i mpéri o da Retóri ca.
Os programas i conográfi cos de Santi ago e São
Mamede de Évora” i n I N VEN I RE, Revi sta dos
Bens Cul turai s da I grej a, n. º 8, pp. 44-55.
Li sboa: Secretari ado N aci onal dos Bens
Cul turai s da I grej a, 2 01 4.
MAN G U CCI , 2 01 4. Antóni o Cel so MAN G U CCI ,
“Anatomi a da Arqui tectura da I grej a da
Col egi ada de Santi ago de Évora” i n Bol eti m do
Arqui vo Di stri tal de Évora, nº 1 , pp. Évora:
Arqui vo Di stri tal de Évora.
MARTI N G ON ZÁLEZ, 1 987. J . J . MARTI N
G ON ZÁLEZ, El Retabl o en Portugal . Afi ni dades
y di ferenci as com l os de España i n Actas do
Si mpósi o As rel ações artísti cas entre Portugal e
Espanha na época dos Descobri mentos.
Coi mbra, 1 987.
RODRÍG U EZ CEBALLOS 1 987-1 989. Al fonso
RODRÍG U EZ CEBALLOS, “El retabl o barroco en
Sal amanca: materi al es, formas, ti pol ogías” i n
I MAFRON TE, n. ºs 3 -4-5, 1 987-88-89, pp. 2 3 9 e
242 .
SALDAN H A, 2 01 3 , Sandra Costa SALDAN H A,
Franci sco J orge da Costa e os ci cl os
i conográfi cos para o convento do Santíssi mo
Coração de J esus. Ci cl os de I conografi a Cri stã
na Azul ej ari a. Actas do I Col óqui o Sacrae
I magi nes, pp. 1 05-1 1 1 . Li sboa: Secretari ado
N aci onal para os Bens Cul turai s da I grej a, 2 01 3 .
SERRÃO, 1 996-1 997. Vítor SERRÃO, “O
87
Concei to de Total i dade nos espaços do Barroco
N aci onal : a obra da i grej a de N ossa Senhora
dos Prazeres em Bej a (1 672 -1 698)”, i n
Lusofoni a, Revi sta da Facul dade de Letras, 5ª
séri e, n. º 21 -2 2 , pp. 2 3 5-2 67. Li sboa:
Facul dade de Letras da Uni versi dade de Li sboa,
1 996-1 997.
SERRÃO, 1 998-1 999. Vítor SERRÃO, “Franci sco
Nunes Varel a e as ofi ci nas de pi ntura em Évora
no sécul o XVI I , i n A Ci dade de Évora, I I ª séri e,
n. º 3 , pp. 85-71 . Évora: Câmara Muni ci pal de
Évora, 1 998-1 999.
SERRÃO, 1 999. Vítor SERRÃO, “Um desenho
de Fernão G omes, para o Mostei ro da Scal a
Coel i de Évora”, Monumentos. Revi sta
Semestral de Edi fíci os e Monumentos, n. º 1 0,
1 999.
SERRÃO, 2 003 . Vítor, SERRÃO, H i stóri a da
Arte em Portugal . O Barroco. Li sboa: Edi tori al
Presença, 2 003 .
SERRÃO, 2 01 2 . Vítor SERRÃO, O “brutesco
naci onal ” e a pi ntura de azul ej os no tempo do
Barroco (1 640-1 72 5) i n Catál ogo da Exposi ção
Um gosto português. O uso do azul ej o no
sécul o XVI I , pp. 1 83 -2 00. Li sboa: Museu
N aci onal do Azul ej o, 2 01 2 .
SMI TH ,1 962 . Robert SMI TH , A Tal ha em
Portugal . Li sboa: Li vros H ori zonte, 1 962 .
SOBRAL, 1 999. Luís de Moura SOBRAL, Un
bel composto: a obra de arte total do pri mei ro
Barroco português i n Struggl e for Synthesi s. A
Obra de Arte Total nos sécul os XVI I e XVI I I ,
edi tado por Luís de Moura Sobral e Davi d W.
Booth, vol ume I , pp. 3 03 -31 5. Li sboa:
Mi ni stéri o da Cul tura e I nsti tuto Português do
Patri móni o Arqui tectóni co, 1 999.
SOROMEN H O, 1 999. Mi guel SOROMEN H O,
“As possívei s fontes ti pol ógi cas da fachada da
I grej a” i n Monumentos, Revi sta Semestral de
Edi fíci os e Monumentos, n. º 1 0, Li sboa, 1 999.
VALLECI LLO TEODORO, 1 995-1 996. Mi guel
Ángel VALLECI LLO TEODORO, “Centros
Artísti cos y Esbozo de Arti stas en el Al toAl entej o” i n Cal l i pol e, n. º 3 /4, Vi l a Vi çosa,
1 995-1 996.
VALLECI LLO TEODORO, 1 996. Mi guel Ángel
VALLECI LLO TEODORO, Retabl ísti ca al to
al entej ana (Elvas, Vi l l avi ci osa y Ol i venza) en
l os si gl os XVI I -XVI I I . Méri da: Uni versi dad
N aci onal de Educaci ón a Di stanci a e Centro
Regi onal de Extremadura, 1 996.
ARQUIVO DISTRITAL DE ÉVORA

Documentos relacionados