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O ROMANCE DA PEDRA DO
REINO: O SEU LUGAR NA
HISTÓRIA 1
[O ROMANCE DA PEDRA DO REINO:
ITS PLACE IN HISTORY]
PEDRO DOLABELA CHAGAS
Professor da Universidade Federal do Paraná – UFPR, Curitiba, Paraná, Brasil
[[email protected]]
Palestra apresentada na XIII Semana de Letras – DELET/ICHS/UFOP – Culturas da Escrita,
Culturas da Oralidade, no período de 24 a 27 de novembro de 2015.
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Caletroscópio - ISSN 2318-4574 - Volume 3 / n. 4 / jan./jun. 2015
RESUMO
Apresenta-se uma descrição de quatro elementos estruturantes de O Romance da
Pedra do Reino, de Ariano Suassuna: o enredo, o narrador, o seu componente metaliterário e a sua relação com a história política e intelectual do Brasil. Isso serve de
apoio para a sua interpretação como “narrativa enciclopédica” e “épica moderna”,
subgêneros definidos, respectivamente, por E. Mendelson e F. Moretti. Acreditase que a inserção daquela obra nessas duas categorias finalmente esclarecerá o
lugar que ela almejava ocupar na história da literatura e da cultura brasileira, em
seu momento original de publicação.
PALAVRAS-CHAVE
Ariano Suassuna; O Romance da Pedra do Reino; história da literatura brasileira.
ABSTRACT
Four structural elements of Ariano Suassuna’s O Romance da Pedra do Reino
are described: the plot, its narrator, its meta-literary component and its relations
with Brazil’s political and intellectual history. This serves as a background for its
interpretation as an “encyclopedic narrative” and a “modern epic”, subgenres defined
respectively by E. Mendelson and F. Moretti. We believe that its inscription in these
two categories will finally clarify the place that it wanted to occupy within Brazil’s
literary and cultural history at the time of its release, in 1971.
KEYWORDS
Ariano Suassuna; O Romance da Pedra do Reino; Brazilian literary history.
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Quão bem conhecemos O Romance da Pedra do Reino, de Ariano
Suassuna? Que tipo de obra é aquela? Sabemos caracterizar adequadamente a sua posição, central e marginal, na história do romance brasileiro?
Sabemos descrevê-la em sua complexidade própria e identificar a função
que ela queria assumir? Parece que, preocupados em estudar o seu resgate da história e da cultura regional, temos prestado pouca atenção à sua
composição – mas apenas a sua descrição abrangente enquanto romance
permitiria apreciar a sua importância singular na nossa história cultural.
Apenas então teríamos estabelecida a perspectiva global que, por comparação, permitiria identificá-la como o tipo específico de monumento que ela
pretendia ser. Mas do que estamos falando?
Pensemos no seu enredo, na sua configuração do narrador, nas suas
remissões à história e ao histórico de interpretações do Brasil, nas suas relações
com a literatura nacional e a literatura ocidental: tais elementos, próprios a
Suassuna e tão simbolicamente brasileiros, apresentam semelhanças notáveis
com obras importantes de outras literaturas nacionais. Uma observação
mais detalhada pode sugerir a inserção de O Romance da Pedra do Reino em
novos conjuntos, em subgêneros que o enredariam em cadeias de relações
ditadas pelas suas semelhanças com obras estrangeiras com as quais ele
compartilhava a ambição à condição de monumento – de marco, nódulo,
ponto de adensamento da cultura. Dois subgêneros nos vêem à mente: a
“narrativa enciclopédica”, formulada por Edward Mendelson, e a “épica
mundial”, proposta por Franco Moretti. Se O Romance da Pedra do Reino
for aceito como membro de um ou de ambos, estaremos mais próximos,
por analogia, de compreender o seu lugar na história da nossa cultura e do
nosso romance. Por que uma obra como aquela surgiu, no Brasil, apenas
em 1971? O que mudou no país e na sua auto-interpretação para que ela
aparecesse? Que funções ela queria exercer? São perguntas deste tipo que
as categorias de Mendelson e Moretti nos ajudam a responder – vejamos
como isso acontece.
1 O enredo
Em 1938, Quaderna fala – e por mais de 600 páginas a dicção regional predominará na escrita fortemente oralizada de Suassuna: melodiosa,
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levemente cômica, às vezes ríspida, nem rápida nem vagarosa, e em tudo
distante do tom elevado que o narrador, auto-consciente, pretende conferir
à sua narrativa, na tentativa de convencer o “leitor-ouvinte” da sua inocência. Em larga medida é disso que se trata: Quaderna quer se inocentar
dos acontecimentos ocorridos em Taperoá (PB) três anos antes, quando
chegara à Vila um tropel com cavaleiros vestidos de couro que não eram
cangaceiros, trazendo animais de todo tipo, o seu líder empunhando uma
bandeira com três onças vermelhas acompanhado pelo “Donzel”, o “rapaz
do cavalo branco” com o seu “rosto de graça sonhadora”...
Este tom “romântico” não predomina por muito tempo, porém, pois
o narrador deve soar “realista” ao tratar dos acontecimentos subsequentes,
em especial da emboscada da qual a caravana consegue se salvar, mas
cujos responsáveis são desconhecidos. Cangaceiros, talvez, a mando de
alguém? É a opinião de Luís do Triângulo, que fora Condestável e Chefe
do Estado-Maior do Rei Dom José Pereira Lima, O Invencível, quando
este declarara em 1930 a independência do município de Princesa.
Pereira Lima era dono da fazenda onde ficava a Serra do Reino, cujas
Pedras foram consagradas como torres da Catedral Encantada onde reinara
o bisavô de Quaderna: sob as Pedras estaria o Castelo soterrado por um
encantamento que somente o sangue poderia desfazer, redimindo o povo da
miséria... A chuva de informações faz perder o enredo de vista? Mas assim
se processa a narrativa, especialmente no início da obra: Luís do Triângulo
acreditava que a emboscada acontecera a mando de Arésio Garcia-Barreto e
Antonio Moraes, mas ao invés de desenvolver diretamente esta possibilidade
a narrativa enreda o leitor na teia gigantesca de informações que Quaderna
mobiliza em sua interpretação dos acontecimentos e das motivações das
personagens – e se este narrador é tão claramente interessado em afirmar
a sua própria versão das coisas, a trama deve ser reconstituída contra as
interpretações que ele lhes impõe. Que trama é esta, afinal?
Cinco anos antes dos eventos de 1935, morrera o tio e padrinho de
Quaderna, o fazendeiro D. Pedro Sebastião Garcia-Barreto, encontrado
degolado num aposento trancado por dentro no dia em que desapareceu
Sinésio, seu filho caçula amado pelo povo; numa reincidência do mito
sebastianista, disseminara-se a crença que o retorno de Sinésio marcaria
o início do Reino e a redenção do povo sertanejo. No decorrer da leitura,
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estas informações são misturadas ao relato da origem familiar de Quaderna
e da história da Pedra do Reino, na fronteira entre Pernambuco e Paraíba,
onde em 1838 um movimento sebastianista anterior fora massacrado por
tropas do governo local, com o apoio dos proprietários de terra; na voz
do narrador, a estória recebe um tom heroico cheio de conotações socializantes: um ato de traição dera fim ao Reino inaugurado pelo seu avô,
D. Pedro I, O Execrável, que queria degolar os seus seguidores para que
eles retornassem à vida numa condição melhor; derrotado e amaldiçoado,
O Execrável, legítimo pretendente do trono do Brasil, legou à sua descendência uma posição inferiorizada no mundo. Por isso Quaderna, “herdeiro
da realeza”, seria criado como um agregado na casa do Padrinho, mesmo
que ele intimamente jamais abdicasse da sua “nobreza”: no ano-chave de
1935, ele faria uma viagem à Pedra do Reino investida de forte significado
messiânico – lá chegado, ele se esconde por um momento para autocoroar-se D. Pedro IV, Rei do Brasil... Mais tarde o leitor fica sabendo que
a viagem envolvia outro objetivo: localizar, em meio às Pedras, o tesouro
enterrado pelo Padrinho, de quem Quaderna fora confidente. Mas antes
de apreciarmos as implicações deste fato ainda seremos apresentados à família materna de Quaderna, suposta descendente de D. Sebastião, que
teria desembarcado em Olinda em 1578, após a batalha de Alcácer-Quibir
– na prática, o que se sabe é que a sua mãe era filha ilegítima de um figurão da família Barreto e que o seu pai se casara com ela por dinheiro, mas
dispersara a sua herança numa vida desregrada, dividindo as terras entre os
seus inúmeros filhos legítimos e bastardos a ponto de reduzi-los à pobreza, restando a Quaderna a condição de agregado na fazenda do Padrinho.
Lá ele conviveria com os seus dois filhos: Arésio, filho do primeiro casamento, era solitário e violento, enquanto Sinésio, dez anos mais jovem, era
“alumioso” e querido por todos, além de ser o preferido do pai – o que explicaria a desconfiança geral em relação a Arésio e a apropriação da imagem
de Sinésio pelo movimento sebastianista de 1935.
Apenas após o primeiro quarto da obra os eventos relativos ao tempo
presente do enredo, em 1938, assumem o primeiro plano, com a chegada do
“Donzel” e a prisão de Quaderna sendo associadas à intentona comunista
de 1935 e ao golpe do Estado Novo de 1937. Vamos então entendendo
a interpretação, feita pelo Juiz-Corregedor, dos fatos de 1935 como uma
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rebelião anti-getulista: alardeado como um “iluminado”, aos olhos do
corregedor o “rapaz do cavalo branco” evocava a imagem de Prestes – quem
sabe o próprio Prestes não estivera envolvido? Quando, na página 267 (tomo
como referência a segunda edição de 1972, conforme listado nas referências
bibliográficas), Quaderna começa o seu depoimento, o Corregedor imputa
às suas ações uma vocação “comunista” cujo sentido pleno Quaderna é
incapaz de apreender, mesmo que os seus afetos políticos – a sua raiva pela
injustiça e a conotação socializante que às vezes ela assumia – parecessem
confirmar a intuição do Corregedor: ainda assim, “comunismo” era um
termo que não constava no seu imaginário, sendo-lhe imputado por uma
interpretação anacrônica das crenças mais espontâneas (do seu misticismo
católico, por exemplo), que assim recebiam um viés ideológico que elas
não possuíam. Mas em Taperoá a política nacional se infiltrara nas guerras
entre famílias locais, fazendo com que por detrás de uma forma tradicional
do conflito se insinuassem agentes e interesses modernizadores: dando
continuidade aparente a formas e disputas tradicionais de poder, as figuras
de Arésio e Sinésio – assim vamos aprendendo – haviam sido cooptadas
por projetos de modernização antagônicos, situados à direita e à esquerda
do espectro político. Mas não nos antecipemos.
Quaderna se complica na página 306, quando o inquérito recorda
que os eventos de 1935 ocorreram no dia da cavalhada que ele todos os
anos ajudava a organizar, mas que precisamente naquele dia ele saíra da
vila, ausentando-se quando o pânico se instaurou com a soltura da bicharada em meio à multidão reunida na praça. O povo acreditou que Sinésio
de fato havia voltado para liderar a rebelião popular quando o “Donzel”,
assumindo a voz de Sinésio – mas sem que a sua identidade fosse comprovada –, clamou ter retornado para vingar o crime cometido contra o
seu pai, reivindicar a sua herança e instaurar o Reino. Ele sofre então outra tentativa de assassinato, provavelmente a mando de Antonio Moraes:
teria Quaderna participado nos acontecimentos? Tudo indica que sim, pois
ele estivera na hora e no local exatos de onde saíram os sinais luminosos
que chamaram de volta o autor do atentado, que lá seria morto com um
tiro preciso de longa distância – teria Quaderna então mentido ao leitor ao
caracterizar-se como um péssimo atirador no episódio anterior da caçada
à onça? Mas se ele fizera uma “queima de arquivo” ao matar o autor do
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atentado contra Sinésio, seria ele um partidário de Arésio – a contrapelo
dos seus afetos políticos mais espontâneos? Quatro acusações lhe são feitas: ter organizado a viagem de 1935 com o objetivo secreto de localizar
o tesouro do Padrinho, que seria utilizado para financiar a “revolução” de
Sinésio; ter agenciado, na noite do retorno de Sinésio, um encontro entre
Arésio e um criminoso foragido da polícia; ter enviado a Sinésio um pacote
contendo o mapa do tesouro, ou então materiais subversivos enviados por
Prestes; ter assassinado o seu padrinho. Por que uma mesma pessoa estaria
interessada nos quatro crimes, é difícil entender: aliar-se simultaneamente
a Arésio e a Sinésio, matar o seu benfeitor para financiar uma revolução
distante e de sucesso incerto... Mas a partir da página 378 as coisas vão se
esclarecendo: dizendo-se Imperador do Brasil, para efetivar-se como tal
ele deveria unir o povo nos movimentos da Pedra do Reino, da Revolta de
Princesa e da “Demana Novelosa” de Sinésio; ao mesmo tempo ele confessa, porém, que apesar de tomar o partido de Sinésio ele não negara a sua
lealdade a Arésio, pois caso algo saísse errado ele ainda encontraria uma
salvação na literatura – ele poderia escrever a sua epopéia e candidatar-se,
não ao título de “Imperador do Brasil”, mas ao de “Gênio da Raça Brasileira”. Nas entrelinhas, somos informados que o latifundiário Moraes e o seu
aliado Swendson, um investidor estrangeiro, teriam muito a perder com a
vitória de Sinésio: sob a guerra entre famílias, havia grandes interesses em
jogo. A Igreja, influente, se dividia entre a compaixão pelo sofrimento do
“povo” e a sua fidelidade de classe. E Quaderna se enrolava em seu depoimento, dizendo que ficara momentaneamente cego quando o tiro partiu
do lajedo, e por isso nada vira e tampouco poderia identificar o autor do
disparo, justificando-se em digressões sem fim... Como costuma ser o caso,
em momentos de vazão da digressão Suassuna dá livre curso ao humor
incontido, mas também à ponta de melancolia que permeia a fragilidade
do narrador – o riso não mitiga as implicações do entrecho para a sua potencial condenação.
Progressivamente entendemos que a imagem de Sinésio era manipulada por um grupo interessado na sua fortuna, e por isso Quaderna era
tão importante. Somente na página 562, numa cena discreta – em que
ele, bajulado por um partidário de Sinésio, declara apoio à sua causa e se
dispõe a contar o que sabia sobre o tesouro –, vem-se saber que o Padrinho
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deserdara Arésio e deixara Sinésio como seu único herdeiro, mas que o testamento estava em poder de Swendson, sócio de Moraes no projeto secreto
de exploração das terras; daí que os aliados de Sinésio tivessem que tomá-lo
à força. Ficamos sabendo também que o padrinho enlouquecera aos poucos, e que Quaderna conseguira, em suas últimas conversas, transcrever
indicações cifradas da localização do tesouro – mas o Padrinho morre sem
que ele aprendesse a decifrá-las. Em linhas gerais, a contenda familiar entre
Arésio e Sinésio decidiria o futuro das terras da região – o futuro da região,
em suma –, numa disputa entre grupos de interesse que, postados por
detrás de duas figuras que conferiam ao conflito um ar tradicional, buscavam, na verdade, cooptar as simpatias do “povo” e da “elite” para os ideais
opostos de “redenção” e “salvação pela conservação”, para assim acomodar
em molduras tradicionais os seus projetos rivais de modernização.
Por isso o povo reunido na praça defendia com valentia a casa dos
Garcia-Barreto contra os cangaceiros que caçavam o “rapaz do cavalo branco”; por isso a identidade do “donzel” nunca foi revelada; por isso Quaderna a certa altura deduziria que, quisesse ele ou não, ele mais uma vez se
envolvera numa guerra dos Garcia-Barreto, quando este não era propriamente o caso. O seu primeiro depoimento chega ao fim e ele se diz inocente, mas o Corregedor pensa de outra maneira: ele parece culpado, pois por
muito tempo profetizara a volta de Sinésio, ajudando a disseminar o mito
sebastianista para conquistar a simpatia do povo, tendo provavelmente ajudado a articular o seu retorno em 1935, e talvez mesmo inventado a figura
do “rapaz do cavalo branco”. Mas ele tramou tudo aquilo, ou foi usado por
alguém? Se o Corregedor estava certo e a sua participação não pudesse ser
contestada, ele era culpado ou inocente? Pode ser plenamente culpado de
um crime político um agente tão clamorosamente incapaz de interpretar
os interesses em jogo?
2 “Narrativa enciclopédica”
Antes de responder estas perguntas, busquemos compreender o lugar
que O Romance da Pedra do Reino pretendia ocupar há história da literatura
e da cultura brasileira (que não necessariamente coincide, é claro, com o
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lugar que ele de fato tem ocupado). O seu tratamento como “narrativa enciclopédica”, subgênero proposto por Edward Mendelson, pode nos ajudar
a fazê-lo – ao colocá-lo na companhia imprevista de A Divina Comédia,
Pantagruel, Dom Quixote, Fausto, Moby-Dick, Ulysses...
Mendelson sugere que toda cultura nacional produz ao menos um
autor encliclopédico ao tornar-se consciente de si como unidade: no nosso
entender, este teria sido, no Brasil, o papel de José de Alencar, autor não
de uma única narrativa enciclopédia, mas de um panorama enciclopédico
de visões do Brasil. Se a proposição é pertinente, à diferença dos exemplos
selecionados por Mendelson o nosso primeiro autor enciclopédico não
teria se projetado de uma posição marginal – ou mesmo ilegal – na cultura,
para apenas gradualmente ocupar um lugar seguro no cânone: na ambição
de forjar com rapidez uma tradição literária própria, e como estratégia
para a construção de um consciência unitária de si que se fazia urgente
politicamente, o trabalho de canonização nas jovens nações latino-americanas
foi bastante acelerado, entrando em curso pouco após a independência.
Esta anterioridade de Alencar colocaria Suassuna numa posição tardia,
semelhante àquela que Mendelson identifica em Thomas Pynchon diante
de Herman Melville: se a narrativa enciclopédia primeira coincidira
cronologicamente com a percepção, pela nação (ou cultura), do
amadurecimento da sua existência individualizada, e se tal percepção, nos
EUA, já fora materializada enciclopedicamente por Melville, a diferença
de Pynchon estaria na visão do país sob uma perspectiva globalizada,
que pressupunha a força de uma cultura internacional na qual ele se via
profundamente inserido (MENDELSON, 1976, p. 165). De maneira
semelhante, em Suassuna encontramos não a endogenia da visão
alencariana, mas um país internacionalizado em suas configurações internas,
determinadas, como passara a ser o caso, pela sua integração compulsória
(e periférica) ao sistema-mundo. Não eram ornamentais as suas remissões
à política global dos anos 60, pois elas situam as novas condições que
impunham ao país a necessidade de renovar a sua auto-interpretação – a
sua consciência-de-si.
Ainda em seu caráter tardio, O Romance da Pedra do Reino se assemelharia às estratégias de Sterne e Joyce diante da anterioridade de Chaucer
e Shakespeare: se a mock-encyclopedia chamada Tristam Shandy “collapse[d]
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under the weight of data too numerous and disparate for its organizing
mechanisms to bear” (MENDELSON, 1976, p. 161-2), Ulysses “resolve[d] the difficulties of an encyclopedia of [a] marginal Irish culture by
acknowledging the political marginality of its protagonist, while asserting
the literary centrality and density of the book’s relation to the larger culture of Europe” (MENDELSON, 1976, p. 161-2). Da mesma maneira,
O Romance da Pedra do Reino se abarrotava de informações que nenhum
resumo seria capaz de resgatar (“produc[t] of an epoch in which the world’s
knowledge is larger than any one person can encompass, [it] necessarily
make[s] extensive use of synecdoche” (MENDELSON, 1976, p. 162),
igualmente deslocando para a periferia a observação da cultura em sua
totalidade – uma cultura brasileira cujo Centro se via representado por
uma periferia que, por seu turno, não deixa de reconhecer a dominância
política do Centro ao reivindicar a sua própria importância. E tal como
Sterne e Joyce, Suassuna se afastava programaticamente dos códigos que
conferiam respeitabilidade à “alta literatura” da época: se um Quarup apelava ao “realismo” para adequar-se à seriedade tradicionalmente associada
à grande interpretação do Brasil (parecendo ainda pressupor a “esfera pública” como destinatário ideal), em O Romance da Pedra do Reino o humor, a obscenidade, o linguajar inculto, a simpatia pela ingenuidade e pela
credulidade e outras “violations of what remains of the tattered fabric of
literary decorum assert a further distance from officialdom. [One feels] a
vital energy that officialdom must always seek to rationalize or destroy”
(MENDELSON, 1976, p. 173).
Seguindo a comparação, o caráter tardio e a condição assumidamente
periférica da obra de Suassuna permitem-lhe melhor iluminar “the full
range of knowledge and beliefs of a national culture, while identifying
the ideological perspectives from which that culture shapes and interprets
its knowledge” (MENDELSON, 1976, p. 162). A marginalidade é
inicialmente uma condição de possibilidade do enciclopedismo, ao permitir
colocar em perspectiva os modos pelos quais a cultura regularmente se
interpreta, consciente ou inconscientemente. Aparecendo em momentos de
“desgaste hierárquico” e “inquietação cultural”, de fragilização de modelos
de autoridade e de padrões de expectativa, as “narrativas enciclopédicas”
abordam o presente como um campo momentaneamente aberto:
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a ação transcorre não num passado distante, como na épica, mas num
passado próximo, aproximadamente vinte anos antes do tempo da escrita
(lembremos que O Romance da Pedra do Reino começa a ser escrito ainda
nos anos 50), “allowing the book to maintain a mimetic (or [...] satiric)
relation to the world of its readers, while permitting it also to include
prophecies that are accurate, having been fulfilled between the time of the
action and the time of writing” (MENDELSON, 1976, p. 162). A ação
transcorre num passado familiar, cujas marcas o leitor ainda sente atuantes,
enquanto as “profecias” que o leitor já sabe terem acontecido “claim
implicitly to confer authority on other prophecies in the book which have
not yet been fulfilled” (MENDELSON, 1976, p. 163): ou seja, a obra
estende às profecias que ela mesma coloca, e portanto necessariamente
não concretizadas, a autoridade que o leitor espontaneamente confere a
profecias já realizadas entre o tempo histórico da ação e o momento da
leitura, a obra implicitamente tratando as suas previsões como imagens
confiáveis de um futuro antevisto. A remissão ao presente não se resume
à sátira, pois dela derivam criticam e previsões; da mesma maneira, ao
localizar no passado as suas descrições da sociedade atual, a “narrativa
enciclopédica” sobrepõe a elas uma certa “teoria da organização social”
(MENDELSON, 1976, p. 172), mesmo que sob a forma de um
acúmulo de intuições não unificadas sistematicamente: da sua posição
periférica, a narrativa intui modos de ação e percepção que a cultura
está em vias de incluir entre as suas preocupações principais, mas dos
quais ela ainda não se apercebeu plenamente, mostrando-se ainda
incapaz de racionalizá-los a contento. Daí que a possível estranheza da
“narrativa enciclopédica” esteja relacionada não apenas à suas diferenças
quanto aos conceitos-de-si predominantes na cultura, mas também ao
entendimento que o enciclopedista revela dos modos de significação que
a cultura já começou a utilizar, sem ter ainda aprendido a reconhecer
(MENDELSON, 1976, p. 178): Suassuna nos mostra os anos 30,
quando a ciência social identificava um Brasil coronelista, mandonista
e patrimonialista, nos anos 70, quando aprendíamos a nos identificar
como um país de “Terceiro Mundo” integrado perifericamente ao
capitalismo global, como uma sociedade de classes em que uma classe
média ascendente se punha a meio caminho entre aqueles que mandavam
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e aqueles que obedeciam, como um Estado que trocava o coronelismo
retalhado em esferas locais de poder por um governo central que estendia
o seu poder pelo território, e assim por diante. Mas as velhas interpretações
não foram rapidamente abandonadas, gerando atritos entre o real e a sua
interpretação que impunham a necessidade de novas hermenêuticas:
em Suassuna, esta percepção fomentava uma relação dessacralizada com
as interpretações anteriores do Brasil, que perdiam o seu valor de verdade
pela condição de “representação”. A História e a Literatura, em especial,
perdiam a posição solene de fundamentos da ideia-de-si da nação para se
reinaugurarem como processos: na virada dos anos 70, O Romance da Pedra
do Reino ajudava a reabrir a interpretação do país num momento em que
a nossa experiência histórica nos mostrava um acúmulo de experiências já
realizadas e um acervo de futuros não concretizados. Era um momento de
envelhecimento da cultura; a nossa juventude ficara definitivamente para
trás.
Pois até os anos 50 ainda parecíamos uma nação jovem, de futuro
em aberto. A pesquisa da nossa singularidade histórica e cultural ainda
obedecia à ideia de que o autoconhecimento era imprescindível para a
idealização de um futuro a ser moldado pelo planejamento – cujo símbolo maior seria a construção de Brasília, demonstração de juventude que
nos lançava a uma história reinaugurada. Mas a ressaca política da década
seguinte nos trouxe a sensação de que a nossa modernidade – desigual, injusta, distópica... – já havia chegado, suscitando reflexões sobre o fracasso
da nossa experiência histórica que, tal como em O Romance da Pedra do
Reino, sugeriam que no Brasil o peso do passado nublava a imaginação do
futuro. Descartando o autoritarismo e a ingenuidade das utopias políticas
de então, a obra de Suassuna não indicava alternativas claras de ação, mas
colocava a revisão de coisas passadas, atuais e possíveis como um corolário
inevitável de um amadurecimento doloroso.
Não por acaso, a sua forma era tão indeterminada e aberta quanto a
sua relação com a história: uma narrativa enciclopédica é “an encyclopedia
of narrative, incorporating [...] the conventions of heroic epic, quest romance, symbolist poem, bourgeois novel, lyric interlude, drama, eclogue,
and catalogue” (MENDELSON, 1976, p. 163). É uma enciclopédia de
estilos “altos” e “baixos”, antigos e contemporâneos, dirigindo-se “towards
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the history of its own medium. All encyclopedias are polyglot books, and
all provide a history of language” (MENDELSON, 1976, p. 166) – remetendo insistentemente, no caso de Suassuna, à história da literatura brasileira, à nossa historiografia, à linguagem erudita e às variações do linguajar
popular. Se admitirmos O Romance da Pedra do Reino como uma “narrativa
enciclopédica”, a sua complexidade formal e temática passam então a ser
interpretadas como estratégias de remissão, pela periferia, ao Brasil como
uma unidade cultural auto-consciente, num momento de erosão das suas
estratégias consagradas de auto-descrição. Da periferia ficavam mais nítidas as possibilidades abertas e encerradas, a crise das velhas categorias, e
também algumas instâncias possíveis de reconciliação.
Passemos à discussão do narrador.
3 Quaderna
Narrador auto-consciente, Quaderna se dirige “a todos os brasileiros”
– em especial aos escritores – em defesa da própria absolvição. Ele anuncia
a escrita de um “memorial dirigido à nação”, um “compêndio narrativo
do peregrino do sertão” comparado a Memórias de um sargento de milícias.
Fundador do Instituto Genealógico e Histórico do Sertão do Cariri, ele se
auto-denomina D. Pedro Dinis Ferreira-Quaderna, pretendente ao trono
do Brasil. E mesmo se auto-conferindo tamanha importância, ele presta
reconhecimento aos seus mestres, o Dr. Samuel Wandernes, fundador do
“Tapirismo Ibérico-Armorial do Nordeste”, e o Bacharel Clemente Hará
de Ravasco Anvérsio, seu rival fundador do “Oncismo Negro-Tapuia do
Brasil”. O leitor sabe, porém, que toda essa nobreza e importância são
filhas do ressentimento e do orgulho, e também do interesse, mesmo que
a sua propensão ao auto-engano o leve ao limiar da loucura: a sua crença
aparente no tom heroico que ele empregava para narrar as atrocidades do
avô não eliminava, por exemplo, a sua função compensatória para o seu
sentimento de humilhação. A sua condição social – a meio caminho entre
a inserção e a exclusão – permitia-lhe, em todo caso, vagar por entre todos
os estratos sociais, travando contato com pessoas de todo tipo: apesar do
seu contato íntimo com a oligarquia, ele era livre, entre outras coisas, para
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frequentar os cantadores que o seduziriam com seus romances de cavalaria
cujos enredos o quixotesco e bovarista Quaderna mimetizaria ao recriar a
sua estória familiar – era num “Castelo de poesia” que a sua família seria
reinstalada em seu lugar devido; substituta da ação, a poesia deveria restaurar-lhe a honra. O seu “Castelo” tinha uma geografia própria, a sua imagética, os seus símbolos e mitos – e enquanto Quaderna o construía, como
um menino de recados ele se inteirava dos conflitos políticos da região,
travando amizade com vários dos seus participantes.
Sanidade e alienação misturam-se, pois, na mente do personagem
que seguiremos durante vinte páginas numa caçada à onça, na viagem à
Pedra do Reino. A cena da caçada mostra um narrador consciente das
próprias limitações, mas vaidosamente obcecado com o juízo alheio.
Abandonando momentaneamente o tom elevado que tanto realçava a defasagem entre a sua imaginação e a realidade, no relato da caçada Suassuna
põe Quaderna a confessar as suas mentiras num padrão de verossimilhança
realista: ao confessar o seu ridículo, ele se comportava como um “narrador confiável”, alheio à sua própria propensão à autojustificação delirante.
Mas quando por acaso ele mata uma onça, porém, Quaderna não recusa a glória que o feito lhe proporciona, oferecendo uma interpretação ao
mesmo tempo mágica e cínica do acontecimento, num efeito calculado
de contradição articulado por Suassuna. Quem é este narrador, então?
Um Quixote alienado pelo “contágio” da literatura, que – como sugeriu
René Girard (2009) –, deseja para si os desejos de glória dos personagens
que ele inveja? Um estrategista que se faz passar por um extravagante inofensivo para se aproveitar das situações que se lhe oferecem? Ou alguém
profundamente orgulhoso e vaidoso, mas amaldiçoado pelo ressentimento
e pelo sentimento de humilhação?
Há uma pitada de cada coisa. Veja-se a sua relação com os seus
“mentores” Samuel e Clemente. Clemente, negro e pobre, ateu anticlerical,
fora educado como jurista na “Escola do Recife” sob a tutela de Tobias
Barreto e sob a influência de Sílvio Romero e Franklin Távora; planejando
uma obra que revolucionaria a filosofia brasileira, ele vivia dos favores do
Padrinho, em cuja casa as suas opiniões – como “homem letrado” entre
a elite inculta – haviam sido soberanas até a aparição de Samuel, branco
e fidalgo, “gentil-homem dos Engenhos pernambucanos” e “poeta do
50
Sonho e pesquisador da Legenda”, que também planejava uma obra de
gênio – de “tradição e brasilidade” – que envolveria pesquisas genealógicas
e heráldicas sobre famílias fidalgas da região. Ao apresentar uma versão
da história dos Garcia-Barreto em que eles aparecem como descendentes
diretos de D. Sebastião, Samuel também passa a viver à custa do Padrinho,
para dedicar-se ao estudo da sua história familiar; como não poderia deixar
de ser, a rivalidade entre os dois letrados será intensa: na dinâmica do favor,
causar a impressão certa poderia garantir a estabilidade proporcionada
pelo compadrio; numa situação de competição, porém, a quebra da
imagem bastaria para a perda de prestígio. Nada os aterrorizava mais que a
possibilidade de declínio social, e as letras eram o seu meio de inserção, e
o antagonismo entre Samuel e Clemente desse modo revolvia a raiva dos
ressentidos: das suas minúsculas posições, por detrás da autoglorificação
a crítica recíproca escancarava a falta de importância de um e de outro.
Da mesma maneira, o seu desprezo comum a Quaderna – e seu apreço
pelo cordel, pelo misticismo popular e pelos romances de cavalaria – não
eliminaria a inveja que eles sentiriam pelo posto que Quaderna iria ocupar
como editor do suplemento “literário, social, charadístico e astrológico”
de um jornal local. O próprio Quaderna, porém, é cria daquela relação:
também nele o delírio de grandeza e o cálculo social caminhavam juntos.
Um louco estrategista: isso é possível?
Na página 242 inicia-se uma conversa reveladora entre ele e o
asceta Pedro Beato, marido da sua amante. Beato intui que o imbroglio
de Quaderna com a justiça era motivado pelo seu sentimento de honra,
pois ele não perdoara os assassinos do pai e do Padrinho. Ele sabe que
Quaderna, amarrado ao passado, economizava dinheiro para comprar de
volta as terras do pai e assim regressar ao único lugar onde ele um dia
fora feliz. Beato identificava nele o ódio do indivíduo convicto da própria
razão e obcecado em fazer justiça – o que lhe traria apenas sofrimento.
A isso Quaderna responde não poder agir de outra maneira por não possuir
a bondade, a força, a coragem e a humildade de Beato: ele fora vítima de
uma violência injustificada ao ser expulso do lugar que era seu, passara
a vida mergulhado no ódio, e sentia-se permanentemente compelido a
comprovar o seu mérito. Mas ele se admitia um fraco, invejando os seus
irmãos mais velhos que se mostravam tão combativos enquanto ele, cínica
51
e covardemente, se entregava à luxúria enquanto se refugiava no seminário
e na academia, vaidosamente disfarçando a sua fraqueza sob a máscara da
erudição.
No depoimento ao Corregedor, Quaderna é bovarista em sua gabolice: orgulhoso, ele não nega informações que o incriminariam, mas que ele
acreditava enobrecê-lo. Ressentido, ele denuncia Samuel e Clemente como
os dois maiores extremistas da Vila. Ao justificar o seu orgulho “judaico-sertanejo, mouro-vermelho e negro-ibérico”, ele afirma ter o “cotoco”,
o rabicho do diabo; o corregedor o vê como um comunista – ele parece
um clown. As acusações vão se substanciando, mas a seu modo ele parece
inocente, ou involuntariamente culpado. Não fica clara a medida em que
o seu interesse pessoal, o seu sentimento de injustiça e o seu delírio messiânico haviam-no motivado a apoiar Sinésio. Decerto era dele a ideia de
que a “dominação” do povo pelo presidente do Brasil se encerraria apenas
quando a sua família retomasse o governo, tal como fora antecipado numa
série de prenúncios e profecias que ele, como Panurge, interpretava sob a
sua conveniência: mas qual fora o seu envolvimento nos acontecimentos?
Ele fora cínico, voluntarista, manipulado? Ele fora oportunista ao manter-se ligado a Arésio, mas mesmo o seu apoio a Sinésio era permeado pelo
interesse. Agente convicto, ingênuo manipulado, oportunista mesquinho:
em que medida o seu ódio altruísta pela injustiça do mundo se misturava
ao seu ressentimento pessoal pela injustiça sofrida?
4 “Épica mundial” (1)
“Narrativa enciclopédica” ou “épica mundial”? Ou ambas as coisas, a
aceitar-se a fácil convivência entre os conceitos de Mendelson e de Moretti?
A proposta agora é descrever O Romance da Pedra do Reino agora como uma
world epic, categoria que retoma de maneira restrita a proposição hegeliana
do romance como “épica moderna”: sem pretender estender o atributo ao
gênero como tal, Moretti identifica-o nalgumas obras que, entre Fausto e
Cem anos de solidão – entre a dobra inaugural da nossa episteme literária e
um marco próximo à publicação do seu estudo –, apresentavam imagens
globalizadas do mundo atual, em suas implicações sobre indivíduos
52
e coletividades locais. Quais seriam as implicações da globalização de
perspectiva sobre a composição desta nova “épica”?
Quanto à composição do herói: em contraste com a épica antiga,
o Fausto de Goethe é passivo; “We were seeking for a hero, and have
found a spectator. […] Faust’s inertia [is perhaps] the only chance for
the modern epic totality[:] the grand world of the epic no longer takes
shape in transformative action, but in imagination, in dream, in magic”
(MORETTI, 1996, p. 16). Fausto manifestava o desejo de compartilhar
“o destino da nossa espécie”, mas sem nele intervir: ambígua, tal
disposição é o que daria, porém, amplitude épica à sua imersão no
mundo imediato, que era passível de “ser abraçado pelo self” apenas
como “totalidade interiorizada” – justamente a noção de totalidade que
Goethe teria oferecido a uma Europa “in great need for breadth of vision”
(MORETTI, 1996, p. 17) – tal como estaria o Brasil ao qual se dirigia
O Romance da Pedra do Reino. E esta passividade do herói traz um
corolário importante: marginal à ação, ele é isento de culpa: “Faust makes
his compact with the Devil because he is seduced by him. [Can] he who
has been seduced ever be guilty of seduction?” (MORETTI, 1996, p. 24)
Que a responsabilidade última pelas suas ações recaísse sobre Mefistófeles,
nascia ali uma estratégia fundamental “for the modern epos, indeed
for the whole of Western culture: a strategy of denial and disavowal –
a projection of violence outside oneself[:] the rhetoric of innocence.”
(MORETTI, 1996, p. 25) Não seria esta a estratégia a permear a construção
de Quaderna como um personagem “inocente”, que internalizara idéias
sobre o mundo originárias de outras fontes – sobrepondo verdades alheias
na construção da sua versão imaginária do mundo circundante –, mas cujas
ações eram, justamente por isso, fomentadas por outros agentes ao seu
redor? Na retórica da inocência, ao mundo é atribuída a responsabilidade
última pelo destino de uma personagem que é fraca politicamente e
limitada intelectualmente – uma vítima passiva das suas próprias ações.
Sobre a composição da diegese: Moretti descreve a escritura de
Fausto como a ação de um bricoleur, de um Goethe que teria aglutinado
uma multiplicidade de elementos durante o longo período de redação
de uma obra que, nesse processo, teria emergido à revelia de um plano
original, num desenvolvimento ao longo do qual “Rather than planning
53
an epic poem and rationally preparing the means to achieve it, [Goethe]
chanced to find in his hands [...] a character with a strong epic potential”
(MORETTI, 1996, p. 18-9). Ou seja, da “descoberta” do potencial épico
da personagem teria se desenvolvido a obra que condensaria num único
volume as suas visões e ações no mundo. Se isso aconteceu com Suassuna,
é difícil saber: o que se pode afirmar é que O Romance da Pedra do Reino,
escrito ao longo de treze anos, costura inúmeros elementos dispersos,
que não raro ganham rédeas soltas pelo puro prazer da narração, sem
quaisquer implicações sobre um enredo que, ao final, recebe unidade
apenas pela personagem cuja personalidade e ações lhes confere sentidos
aproximadamente convergentes, ou ao menos pertinentes a um universo
mental e experiencial comum. Mas tal convergência não elimina – em
Suassuna e no world Epic, em geral – que o desfecho seja inconclusivo,
“neither conclud[ing] the text nor settl[ing] its meaning once and for all.
[…] A unified world is not necessarily a closed world: and if Faust is made
up almost entirely of digression, […] the digressions have themselves become
the main purpose of the epic Action” (MORETTI, 1996, p.4 8-9, grifos do
autor) – tal é a importância da digressão, recurso pelo qual o escritor confere
à personagem a possibilidade de abarcar mentalmente a única totalidade
disponível à sua experiência: a totalidade mentalmente interiorizada no
self, mas apenas lenta e dolorosamente conhecida.
Da imensidão, complexidade e relativa aleatoriedade da narrativa emergem outro elemento importante: o suplemento interpretativo que ela reivindica da crítica acadêmica, a sua virtual “dependência
de instituições acadêmicas” a indicar que elas “não são auto-suficientes”
(MORETTI, 1996, p. 5). É o caso do romance de Suassuna, cujo apelo
à exegese revela certa ambiguidade que ele compartilha com o world epic:
o seu componente de sátira ao projeto enciplopédico, que aparece colocado, porém, numa obra que segue ambicionando a completude enciclopédica: “The encyclopaedic work is ridiculed[,] yet it is written. The irony that
renders its meaning unstable compels us for that very reason to take it terribly seriously: to read Faust or Ulysses with a voluminous commentary in
our hands – in short, to study them” (MORETTI, 1996, p. 38). São obras
que pedem para serem estudadas, nas quais a visão unitária do mundo
pressuposta pelo projeto enciclopédico é ao mesmo tempo ridicularizada
54
e preservada “[in] a splendid defence mechanism[: t]urning enclycopaedic
into farce is a way of avoiding failure, rather than the beginning of a new
form. It is a sign of […] an unfree intelligence, which has given itself an
impossible task, and labours under the tremendous pressure of history”
(MORETTI, 1996, p. 39). “Prisão da história”: o tratamento do passado sob um distanciamento irônico apenas amplifica o peso do passado
sobre a escrita, materializado na imensidade de elementos que são dele
continuamente resgatados: “the epic is not just inherited from the past,
but also dominated by it” (MORETTI, 1996, p. 39). Mas aquela ironia
não é de todo improdutiva; pelo contrário, ela permite que a “invasão do
presente pelo passado” não seja esmagadora: “[Faust] lightens antiquity,
and so neutralizes what might threaten the spiritual well being of the modern world. Hardly an unchangeable past” (MORETTI, 1996, p. 40).
Tal como em O Romance da Pedra do Reino, Fausto operava uma deflação da História: “Freed from their historical positions, figures and styles
from different epochs coexist here[, in an] example of [...] ‘non-contemporaneity’: the fact that many individuals, albeit living in the same period, from the cultural or political viewpoint belong to different epochs”
(MORETTI, 1996, p. 41) – vários estilos literários e épocas históricas diferentes eram co-presentes na obra, tal como na Alemanha de Goethe e na
Paraíba de Suassuna elementos de épocas diferentes habitavam o presente
da ação, sem que qualquer um deles exercesse autoridade inconteste sobre
os demais: disposta como simultaneidade, a historia se suavizava como um
mosaico, um campo de forças sem direção definida, ou um jogo de escolhas. Suassuna escreveu uma “épica moderna”, então?
5 Meta-Literatura
Uma obra dedicada a José de Alencar, Sílvio Romero, Antônio
Conselheiro, Euclides da Cunha e José Lins do Rego, com epígrafes
atribuídas a D. Sebastião, Antônio Conselheiro, D. Pedro I, D. José Pereira
(Rei do Sertão da Paraíba em 1930...), a um guerrilheiro de Canudos e a
D. João Quaderna (Rei da Pedra do Reino em 1838...), numa convergência
peculiar entre as dedicatórias de Suassuna e as epígrafes de Quaderna:
55
desde a abertura passeamos pela literatura, pela história e pelo pensamento
social brasileiro, que serão mediadores da estória contada. Pelas molduras
interpretativas que eles fornecem, ou pela maneira como o narrador as
imagina, a estória adquire significação; pelo filtro de outras interpretações
do Brasil Quaderna interpreta as suas ações e o seu lugar no mundo, como
um Quixote que deseja para si a imagem e a glória de um herói de ficção,
como uma Emma Bovary que deseja um status idealizado e atribui realidade
àquilo que lê – e também como um Lazarilho que custa a compreender o
mundo em que vive e que afinal faria dele uma interpretação interessada, que
dignificasse a sua condição e justificasse cinicamente as suas negociações.
Como no cordel, a obra é dividida em folhetos, e não em capítulos;
como no cordel, ela se abre como uma sinopse do enredo para atrair o
interesse do público. E o cordel convive, desde a dedicatória, com Alencar
e Euclides, justificando o tom elevado de Quaderna mesmo na comparação da sua obra a Memórias de um sargento de milícias – tudo se mistura,
pois Alencar é lido como um romanceiro medieval, Euclides é definido
como “cantador e poeta”, enquanto a própria obra de Quaderna é anunciada como um “compêndio narrativo do peregrino do sertão” e um “memorial dirigido à nação brasileira”: em que medida Quaderna entende o
componente imaginativo da sua própria apropriação da tradição letrada?
O seu “castelo de poesia”, estratégia laboriosa de construção autobiográfica, ascende ao primeiro plano como meio de ideação do seu valor e de
evasão das implicações das suas ações (a meta-literatura sendo amarrada à
sua personalidade), mas ele também defende argumentativamente, como
um crítico literário, as suas interpretações – ou seja, Quaderna mobiliza a
racionalização em prol das suas motivações pessoais.
Em meio a representações xilográficas de elementos do enredo (mais
uma vez: como no cordel), o texto faz repetidas menções a autores diretamente associados ao estabelecimento da imagem do sertão na memória
coletiva brasileira. Neste quesito Quaderna estabelece uma alternativa ao
“tapirismo” de Samuel e ao “oncismo” de Clemente ao buscar, como escritor, a justa medida entre o idealismo – capaz de conferir ao sertanejo a
nobreza que faria justiça à sua bravura no enfrentamento das suas dificuldades cotidianas –, e o realismo – que daria à representação das suas condições de vida a dramaticidade que apenas o “retrato fiel” é capaz de suscitar.
56
A narrativa de Quaderna deveria ser bela (ou “embelezada”) e fiel aos fatos:
por isso ela tomaria a epopéia como modelo, misturada ao romance de
cavalaria medieval, conforme interpretado pelo cordel – o código de honra
do cavaleiro medieval servindo como medida para a atribuição de nobreza
a ações e linhagens familiares como as suas. Um “Homero brasileiro” encantado pelos cantadores do sertão e suas versões versificadas de estórias
como a de Carlos Magno e os Doze Pares de França, em suas andanças
por “lugares de nomes bonitos” da Europa: de enredos como aquele ele
se apropriava para moldar também a sua própria estória pessoal, por mais
que, dos subgêneros do romance, ele preferisse o “subgênero da safadeza”
(se os heróis da épica vivem “comendo e bebendo, lutando e trepando”,
aquele seria, afinal, um modelo de vida legítimo...). Acrescentar o cordel
à mistura de gêneros traria ainda outra vantagem: se no cordel não existe
plágio, Quaderna via nisso uma autorização para plagiar quem ele bem
entendesse, fazendo suas as estórias de outrem – o que de roldão explicava
como ele, em seus rompantes de quixotismo, facilmente podia, por exemplo, identificar como “fidalgos” as pessoas que ele encontrava em sua viagem à Pedra do Reino. Tudo sempre se mistura, e o caráter “épico” daquela
viagem não apagaria o ideal parnasiano que o levaria a decepcionar-se com
a visão das Pedras (que o livro de Suassuna nos apresenta numa fotografia),
demasiado “simplórias” diante das descrições poetizadas que ele conhecia.
Mas ele então recorre ao “tapirismo”, que lhe permite trocar a planura da
representação “oncista” por um “fingimento” que corrigisse as pedras em
nome do belo efeito poético – para atender aos seus interesses circunstanciais, Quaderna se apropriará de quaisquer opções disponíveis na tradição
letrada.
Além de participar da construção do narrador, o componente metaliterário de O Romance da Pedra do Reino coloca em perspectiva a história
da literatura brasileira e a teorização do gênero romanesco. A escolha de
Quaderna pela escrita de um romance, que teria como herói o seu padrinho
assassinado, se devia ao poder de síntese do gênero, capaz de amalgamar
a sátira, a alegoria, os “fabulários”, os “cantos joviais e obscenos” e a
“instrução criminal”, assim permitindo apresentar o esforço de decifração
daquela morte numa trama de “vingança e perdão” e “furor épico”
(do sertão em guerra), e ao mesmo tempo defender “um símbolo e um ideal”:
57
o Brasil, a ser retratado num livro “patriótico”, mas também de “gargalhada
vergalhante” (não por acaso, como o próprio Romance da Pedra do Reino).
Uma tal obra colocaria em prática a teorização do romance como o gênero
que implode a separação normativa entre os gêneros, ao mesmo tempo
fazendo – aos olhos do leitor – uma caricatura da função de representação
simbólica da nação que entre nós ele herdara do século XIX. E além de
manifestar-se meta-literariamente, nalguma medida, como a realização do
projeto literário do seu narrador, Suassuna faz de O Romance da Pedra do
Reino um compêndio de literatura entremeado pelo comentário crítico –
como entre as páginas 72 e 75, onde temos um longo comentário sobre
as aventuras de Pedro Malasarte que nada acrescenta ao enredo, mas que,
além de ajudar a consolidar (por comparação) a personalidade maliciosa
e humilde de Quaderna, está ali pelo prazer que ele proporciona ao leitor.
É um daqueles momentos em que a condução do enredo é substituída pela
narrativa oral e o gozo que ela proporciona, reforçado, como ele é, pela
dicção local e pelo registro de palavras e objetos do lugar, numa catalogação
de saberes e práticas que interessa por si mesma: a valorização do regional
melhor se afirma quanto mais ela se mostra divertida, curiosa, alegre, como
que reafirmando o imperativo horaciano do aprendizado pelo deleite.
O prazer não conflita tampouco com a politização conferida à mobilização
da tradição letrada brasileira – ponto que merece uma atenção detida.
Sabemos que a “Academia” fundada por Quaderna nasce repleta
de brigas intestinas, apesar de contar com apenas três membros: Samuel,
parnasiano-simbolista, defendia as sessões de gabinete e a reclusão da
poesia a um domínio purificado das imperfeições do real; Clemente,
realista iconoclasta, defendia sessões realizadas a pé, em contato direto
com a cidade e o povo; Quaderna, por fim, queria sessões a cavalo, que
reencenassem as viagens do herói medieval. Aparentemente idiossincráticas,
estas discordâncias logo se politizam: na ideação do “gênio da raça” que
condensaria em si as características do país e do povo, Samuel imaginava-o
como um nobre que lideraria um banho de sangue purificador, limpando
o Brasil das suas imperfeições; por sua vez, Clemente via-o como um líder
revolucionário que faria o banho de sangue em nome do povo unido sob
o seu comando; Quaderna, por fim, não queria banho de sangue algum,
porque já os testemunhara em quantidade suficiente no sertão – para onde
58
estas diferenças remetem? Mesmo que eles concordassem que os livros
são “condensações psíquicas das nacionalidades”, para Clemente toda
grande obra é de autoria do povo, enquanto Samuel as credita a gênios
individuais; mesmo concordando que o seu tema deva ser o Brasil, Samuel
pregava o retorno às nossas origens históricas e mitológicas, enquanto
Clemente defendia a apreciação crítica da realidade atual (mesmo que
a sua “Filosofia do Penetral” não tivesse qualquer traço de empirismo,
abafando a observação dos fenômenos sob camadas de mediações: numa
piada com a versão do idealismo alemão de Tobias Barreto e o seu vagalhão
de neologismos pomposos, Suassuna põe Clemente a regurgitar a cisão e
reunião dialética entre sujeito e objeto, apartados por abismos e reunidos
na tautologia da sublimação, da “identidade da coisa consigo mesma” e
coisas do tipo). Contra a prosa seca e dura de Clemente, Samuel defendia
uma Grande Obra Nacional em versos, e entre estas manifestações de
alienação Quaderna idealizava uma terceira: o romance como suprassunção
daquelas posições estético-políticas opostas, único gênero capaz de reunir
fantasia, idealismo, aventura, “quimera romântica”, poema em prosa e ato
heroico, em obediência ao espírito de conciliação que imprimira a sua
forma à história do Brasil – e à literatura de Quaderna. O romance seria o
gênero da síntese, que, no caso brasileiro, era definida como conciliação (de
opostos), negociação (de conflitos), harmonização (de diferenças), em suma:
cordialidade. Eis a conotação política implicada na escolha do gênero que
Quaderna considera apto a conferir forma literária ao Brasil, tal como o
país era experienciado politicamente por aquele autor autônomo, porém
conciliador – a conciliação pela subjetivação possibilitando a Quaderna
teorizar a forma-romance de maneira isonômica ao modus social que ele
conhecia.
A flexibilidade morfológica do romance, celebrizada desde Friedrich
Schlegel, sendo interpretada como instância de conciliação: a ideia tem um
fôlego imenso. Enquanto Clemente, dramático e inflamado, comparava
Palmares ao cerco a Tróia, sendo acusado por Samuel de derivar daquele
episódio um “sebastianismo negro” contrário à nossa “extração ibérica”,
Quaderna podia trocar o foco no iberismo ou na defesa do “oprimido”
por um ideal sintético de brasilidade: fidalgos de origem ibérica e negros
e índios de extração “popular” se uniriam no povo da Onça-Castanha,
59
finalmente alçado ao poder – como na utopia da “raça cósmica” de José
Vasconcelos, ou como uma versão socializante da síntese das três raças
de Gilberto Freyre. Ao colocar uma personagem a propor, em 1938, um
tipo de narrativa conciliadora da identidade nacional que, em 1971, já
se encontrava entre a canonização e o desgaste – maneiras opostas, mas
igualmente eficientes de perda de energia –, Suassuna resgatava o modelo
freyriano para conferir-lhe uma acidez política que ele originalmente não
possuía. A ironia com que o imaginário de Quaderna é apresentado serve
como uma defesa de Suassuna contra a imputação de ingenuidade àquelas premissas, mas ela não eliminava o predomínio do tom conciliador,
que também prevaleceria noutras remissões à crítica da cultura da década
de 1960: por exemplo, quando Clemente dava eco ao tipo de politização
da cultura popular então em voga ao criticar o cangaceiro e o cordelista
pela “falta de ideologia” (i.e. por não trabalharem “a serviço do povo”), ou
quando ele criticava Quaderna por deleitar-se com as intrigas das famílias
tradicionais, dignificando-as literariamente, a crítica velada a estes pontos
de vista deixava claro que Suassuna queria integrar tudo à mistura, dignificando o país e a região em sua totalidade. Da sua síntese apenas a modernidade estava excluída: era possível conciliar o negro, o índio e a fidalguia
ibérica, mas não havia lugar para a burguesia urbana; na sua visão romantizada da cultura, as palavras “modernidade” e “autenticidade” constituíam
um oximoro – revelando que a reconciliação do presente com as nossas
“raízes”, uma utopia discernível para o Brasil em O Romance da Pedra do
Reino, implicava uma suspensão da história, um apagamento da passagem
do tempo que o próprio Suassuna, discretamente, sabia impossível.
6 “Épica mundial” (2)
Das porções periféricas do sistema-mundo, as “épicas mundiais” remetem às suas centralidades. Alheias à relativa homogeneidade das nações
centrais, as periferias estão imersas na “simultaneidade do não-simultâneo”:
na Alemanha fragmentada de Goethe, nos EUA de Melville, na Irlanda de
Joyce, na Colômbia de García Márquez – e na Paraíba de Suassuna –,
formas simbólicas e sociais histórica e geograficamente heterogêneas im60
punham o convívio de épocas e culturas originalmente afastadas no tempo
e no espaço. Esta é uma condição produzida pelo mundo globalizado, no
qual a economia-mundo e a política-mundo impõem as suas marcas sobre todas as regiões do globo, sem que o empuxo modernizador apague
as idades passadas: “In this sense, Faust is not ‘German’. Just as Ulysses is
not ‘Irish’ or One Hundred Years of Solitude ‘Colombian’; they are all world
texts, whose geographical frame of reference is no longer the nation-state,
but a broader entity – a continent, or the world-system as a whole.”
(MORETTI, 1996, p. 50) Na “épica mundial” a visão do presente presta
testemunho das transformações acumuladas ao longo do tempo, e aceleradas pela globalização da cultura. Nada estaria mais distante, portanto,
da função de construção da identidade nacional assumida pelo romance
oitocentista, que aqui é substituída “by a far larger geographical ambition:
a global ambition. […] The take-off of the world-system has occurred –
and a symbolic form has also been found for this new reality. But what
technique is to be used to represent the world?” (MORETTI, 1996, p. 51)
A resposta a esta pergunta – a identificação dos procedimentos
que dão forma literária ao tipo de totalidade instituída pela expansão
do sistema-mundo – leva Moretti a inverter a proposição bakhtiniana e
postular que o romance, na verdade, mitiga a polifonia e o dialogismo, ao
estabelecer uma linguagem hegemônica no universo da ação e impor aos
seus personagens a simultaneidade de um mundo “compacto”; por sua
vez, “the epic [produces] a new interpretation of the old language. [We] have
the specific historicity of a universe in which fossils from distant epochs
coexist with creatures from worlds to come.” (MORETTI, 1996, p. 88) A
polifonia e o dialogismo seriam de fato promovidas pela “épica mundial”,
com os seus “‘world effects’: devices that give the reader the impression
of being truly in the presence of the world; that make the text look like
the world – open, heterogenous, incomplete.” (MORETTI, 1996, p.
59) Tal abertura contrasta com o controle romanesco do enredo, que, na
“épica moderna”, é substituído pela abertura inerente à “superficialidade”
– à “credulidade”, à “tolice”, à “ingenuidade” – de heróis que exploram
(ou sofrem) as coisas e os acontecimentos em sua heterogeneidade radical
(MORETTI, 1996, p. 68): o mundo se mostra saturado de coisas
interessantes para gostos diferentes, e por isso a sua exploração demanda
61
“an episodic structure, where everyone will find something for themselves;
a work that cannot be an organic whole” (MORETTI, 1996, p. 93), e
cuja forma “may be cut at will. Above all, [it] may be added to at will”
(MORETTI, 1996, p. 96). Mesmo que Quaderna não vagueie aleatoriamente
pelo mundo, impondo-lhe a todo instante as suas interpretações, o caso
é que o seu mundo apresenta esta mesma forma disforme que Moretti
observa na “épica mundial”, e que o leitor aprende a reconhecer em
O Romance da Pedra do Reino, caracterizada por um acúmulo de
informações (temas, eventos, coisas, tramas, lugares, pessoas...) que nubla a
compreensão da progressão da estória, mas que ainda assim é a forma mais
propensa a atender ao desejo de representação da totalidade social – “while
at the same time addressing it. To be innovative and popular, complex
and simple, esoteric and direct: to heal the great fracture between avantgarde exploration and mass culture” (MORETTI, 1996, p. 107). Uma
forma que ao mesmo tempo apresente e comente a totalidade, endereçandose a todos os leitores imagináveis, a todos os gostos e interesses, e para
tanto valendo-se de quaisquer estratégias de comunicação, do didático
e popular ao cifrado e erudito – uma ambição de totalização que, ao
revolver tudo e todas as coisas, redunda num “diletantismo monumental”,
“with its desire to reunite what history has divided: knowledge, ethics,
religion, art; narrative, drama, lyric poetry; literature, music, painting”
(MORETTI, 1996, p. 108). Este enorme espessamento do mundo traz
o passado à vista e projeta futuros possíveis, tornando secundárias as
disposições do presente, que havia sido o grande alvo do romance:
aquela breve duração – “um ano”, “a juventude”, “uma geração”... –
que “conteria em si todo um destino”. Na épica, “It is already the great
modernist polarity of Archaism and Utopia – with nothing for today”
(MORETTI, 1996, p. 88), e em nenhum lugar isso fica mais claro, em
O Romance da Pedra do Reino, que nas disputas literárias e interpretações
do Brasil de Clemente, Samuel e Quaderna: em meio a uma politização
do debate que remete ao presente da leitura em 1971, eles discutem de
maneira engajada noções de sociedade e literatura do último quarto do
século XIX, colando ao presente da leitura um ideário já enterrado. Também
em relação ao presente do enredo Samuel e Clemente soam anacrônicos:
literariamente oitocentistas, eles tocam a política da segunda metade do
62
século XX, a polarização entre “arcaísmo” e “utopia” comprimindo o
presente não à temporalidade curta da ação – situada entre um passado
a ser deixado para trás e um futuro a ser buscado pelo planejamento –,
mas entre o peso de um passado que não se conseguia abandonar – pois
o seu poder de determinação era continuamente presente – e um futuro
que não se impunha como projeto, mas como interpelação. A nostalgia de
um passado necessariamente encerrado se associava à angústia pelo futuro
conturbado: em meio às pressões da história, o presente se encolhia.
7 História do Brasil e o tempo sincrônico
Conforme é amplamente comentado, a “hecatombe da Pedra do
Reino” de fato ocorreu, movida por um movimento sebastianista cuja
prática do sacrifício humano foi interrompida apenas com o seu massacre
por tropas do governo local. Quando Quaderna se diz herdeiro dos
“verdadeiros reis do sertão” que “cingiram a coroa” entre 1835 e 1838, cem
anos antes dos acontecimentos do enredo, tem-se um exemplo do jogo
entre o fato e invenção que orienta as remissões de O Romance da Pedra do
Reino à história do Brasil. Mas este é apenas um dos componentes do jogo;
há muito mais acontecendo aqui.
Em 1935 Clemente se dissera disposto a “matar e morrer” pela
Revolução, numa referência à Intentona comunista que abriu um período
conturbado até o golpe do Estado Novo. Como seria de supor, Samuel era
partidário da Ação Integralista Brasileira e Quaderna ficava em cima do
muro, mas as referências extrapolam o presente do enredo: num momento
em que Samuel criticava o “ambiente persecutório” no Brasil desde 1935,
e um discreto narrador em terceira pessoa (que não se confunde com
Quaderna e que pontua ocasionalmente a narrativa) comentava o tumulto
internacional causado pela ascensão de Hitler, pela Guerra Civil espanhola e
pela Grande Depressão nos EUA, uma rápida menção a Cuba subitamente
altera a conotação política do entrecho – é quando Clemente, em meio a
uma longa digressão, comenta que durante uma manifestação no México
um grupo de cubanos exortara o seu povo, “vítima do imperialismo”, a
seguir a recente guinada à esquerda do governo mexicano, algo que, para
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ele, prenunciava a “Grande Revolução Latino-Americana”... Suassuna
opera um salto abrupto para a década de 1960, prolongado pelo alerta
de Samuel sobre a infiltração da radicalização política nacional nas brigas
entre as famílias de Taperoá: tal fenômeno, tal como ocorreria três décadas
depois, gerava uma cadeia vertical de tensão que levava cada gesto local a ser
interpretado sob o métron da política nacional. Por isso Arésio e Sinésio não
eram apenas “Garcia-Barreto”, sendo também identificados à “aristocracia
da terra” e à “redenção popular”: dizia-se que Sinésio atuara na Intentona
de 35 e que os seus acompanhantes eram veteranos da Coluna Prestes;
enquanto o mito se espalhava, um certo Frei Simão – católico de esquerda
típico dos anos 60, mas não dos anos 30 – conclamava o povo a apoiar
o seu “retorno”, abrigando o comunismo sob uma liderança tradicional
(carismática e messiânica) e sob o anti-republicanismo popular herdado
da República Velha. Na tensão entre a expectativa da redenção popular e
o horror aristocrático pela quebra da Ordem, os humildes aguardavam na
praça pelo retorno de Sinésio enquanto o Comendador, na Casa Paroquial,
discursava sobre a “ameaça vermelha” iniciada em 1926 com a Coluna:
mesmo que o seu elogio ao status quo – a Vargas e a João Pessoa – não
fosse bem recebido, a sua denúncia da ameaça potencial a “filhas e esposas”
produziria efeito, numa remissão indisfarçada ao “Deus, Pátria e Família”
de 1964. Reunida com o bispo, a elite local realmente acreditava que a
revolução comunista havia começado, mesmo que a Paraíba, à diferença
dos “progressistas” Pernambuco e Rio Grande do Norte – mais uma vez
1964... – fosse “fiel às instituições”. Por sua vez, pensando tratar-se de
mais uma rixa entre famílias, o povo “ignorante”, “fanático” e “miserável”
apoiava a invasão da Vila, quando tudo indica que os interesses ao redor
do “donzel” eram sectários e que, assim sendo, o povo estava a colaborar
inadvertidamente com um plano malicioso – em 1970, a simpatia de
Suassuna pelo “povo” não o impedia de desconfiar dos movimentos que o
tomavam como bandeira e das ações proclamadas em seu nome.
A personagem de Arésio é especialmente importante para delinearmos
o politicum de O Romance da Pedra do Reino, bem mais do que faria supor
a sua pequena presença na trama. Ele era um suposto aliado de Antônio
Moraes, usineiro que se tornara adversário dos Garcia-Barreto na exploração
das terras locais mas que, devido a laços antigos, era inventariante do
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seu pai. Os Moraes representavam certa novidade na aristocracia rural
brasileira, colocando – à diferença dos Garcia-Barreto – o lucro à frente do
status conferido pela posse da terra. Pernambucano, e portanto indiferente
aos interesses locais, Moraes era um empresário, e não um rentista, tendo
se aliado ao capital estrangeiro para modernizar a produção agrícola e
iniciar a exploração mineralógica, processos que alterariam para sempre
as relações tradicionais de produção, de trabalho, e de poder na região:
Moraes antevia o declínio da indústria açucareira – noutra remissão aos
anos 60 –, vislumbrando a mineração como nova ocupação para Taperoá.
Ele convencera Arésio a casar-se com uma de suas filhas para unir as
duas famílias e a posse das terras, buscando resolver aristocraticamente o
conflito iminente provocado pela introdução de métodos industriais no
plantio do algodão, que tanto incomodara D. Pedro Garcia-Barreto –
acomodado, como ele era, ao modus senhorial. Nesta medida a disputa
entre “integralistas” e “comunistas” era, sim, uma luta entre famílias, mas
a história local se repetia com uma roupagem modernizada: em consórcio
com um investidor estrangeiro, Moraes instaurara na região um processo
de “destruição criadora” típica do capitalismo avançado, enquanto os
Garcia-Barreto se aferravam ao seu único reduto político e ao habitus
econômico tradicional – que eles fossem engolidos pelos Moraes, era apenas
questão de tempo, jogada na qual Arésio teria o papel de articulador. Mas
as suas motivações se resumiam a isso?
Durante trinta páginas a partir da página 516, a ação se desloca
para o seu encontro secreto com Adalberto Coura, figura que ainda não
aparecera na trama e cuja importância nos acontecimentos seguintes é incerta: mesmo que tenha sido ele o autor do atentado contra o “donzel”,
para que dedicar trinta páginas a um diálogo que não produziria qualquer
desdobramento concreto? O caso é que nele são discutidas as alternativas
colocadas para a ação política revolucionária nos anos 60, em seus limites e
aporias: a conversa não se limita ao presente do enredo, mas ao presente da
leitura; dela não se depreendem sugestões práticas, mas a crítica de algumas
das certezas mais caras ao pensamento oposicionista.
Num procedimento incomum ao longo da obra, somos lançados
de chofre a uma discussão entre figuras que se conhecem bem, mas que
o leitor desconhece. Coura convocara Arésio porque precisava do seu
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dinheiro para a causa revolucionária, justificando a violência como um
“mal necessário”, um “meio para a obtenção de um fim”: messiânico, ele
queria matar o padre, o juiz e o prefeito para dar início ao morticínio
purificador que instauraria a justiça e unificaria a nação na luta contra a
“besta loura imperialista”. Arésio responde não interessar-se pela verdade
ou pela justiça; outrora seduzido pelo ideal revolucionário, ele não mais
acreditava na sua pureza moral. Sob a influência de Rodó e J. A. Nogueira,
quinze anos antes ele fora um arielista, idealizando o futuro do Brasil como
líder unificador da América Latina – algo que Coura identifica ao fascismo
italiano (e seu propalado “renascimento de Roma”) e que Quaderna, que
testemunhava a conversa, imagina estendido a todo o Terceiro Mundo,
o Brasil unindo os “oprimidos da Terra”, numa nova prolepse aos anos
60... Mas Arésio não abraça mais o mito arielista, seja ele de direita ou
de esquerda, rejeitando também a visão de Coura que, na via “científica”
de Sílvio Romero e Euclides da Cunha (e contra o iberismo nostálgico
de Joaquim Nabuco e J. A. Nogueira), imaginava que na unificação da
América Latina na luta contra os nórdicos inicialmente teríamos que nos
agarrar às nossas raízes ibéricas, mas para logo estender a aliança a todos os
“explorados” de pele escura – aqui, é Frantz Fanon quem fala.
Arésio denuncia os lugares-comuns e as palavras de ordem daquele discurso: quem poderia dizer se a América Latina viveria para sempre
o conflito de classes, que Povo e Senhores seriam para sempre inimigos?
Além de desconfiar das profecias da esquerda, ele diz que as lideranças
revolucionárias podem trair os seus seguidores a qualquer momento, algo
que Coura, porém, afirma não temer: definindo-se como um “agente modelo”, solitário, voluntarista, livre-pensador, romântico e autônomo, numa
remissão velada à détente posterior à crise dos mísseis cubanos ele antecipa
que sequer a URSS o ajudaria – mas ele se dispunha a morrer por suas
idéias... Arésio retoma o ataque, acusando-o de dizer-se igual a negros e
índios, apesar de ser branco e rico, ao que Coura responde descrevendo-se
como um proscrito e afirmando defender o bem comum dos povos latino-americanos, cuja união os levaria da escravidão à autonomia. Arésio então
escancara a sua posição: outrora animado por ideais daquele tipo, ele hoje
via na política apenas a disputa pelo poder, identificando dois únicos regimes possíveis: o governo dos opressores (os tiranos) e o dos exploradores
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(os comerciantes). Tudo o mais eram abstrações e palavras de ordem, pelas
quais ele sentia desdém: o que move a história é a ação realizada em nome
do interesse; se o povo conseguir conquistar o poder, que ele o faça – mas
que ninguém quisesse convencê-lo de que o “Bem” sairia vitorioso com
isso.
A réplica de Coura transpira violência: anti-imperialista, acusando a
imposição aos trópicos de modelos de vida e de consumo importados do
Norte – mais uma vez, um tema dos anos 60... –, ele interpretava os crimes
do cangaço como um exercício de liberdade contra a “sociedade burguesa”.
Prudente, Arésio responde que o Exército e a Igreja eram as únicas
instituições organizadas do Brasil, e que hostilizá-los facilitaria o domínio
imperialista ao atrair a rejeição das únicas estruturas de representação
política ainda dispostas a defender o interesse nacional. Coura rebate com
uma defesa da autocracia russa, que oprimia não em nome da “grandeza”,
mas da “justiça” – onde Arésio nada mais vê que uma tentativa de dar
ordem ao caos imperante, identificando em Coura um saber livresco.
Coura reivindica o Reino de Deus na Terra: evocando o componente
católico e rousseauísta da esquerda latino-americana – mais uma vez, os
anos 60 –, ele enaltece a “bondade” e a “virtude” do agente revolucionário.
Mas Arésio é nietzschiano: se a luta é legítima e inevitável, é porque o
conflito e a crueldade são os motores da ação humana. Coura defende
que a verdade se impõe pela quantidade, pela satisfação da maioria que
apenas um Estado totalitário poderia proporcionar: ele sonhava com um
“admirável mundo novo” cientificamente depurado de conflitos (porquanto
dominado pelo pensamento único), a ser construído pela revolução: da
violência revolucionária passar-se-ia ao trabalho lento de educação do
povo para a revolução, que aniquilaria os choques geracionais e os sonhos
individuais e faria com que a verdadeira Humanidade se realizasse no
Estado. Nietzschiano, Arésio legitima a força, mas desconfia da bondade,
identificando o comunismo e a religião como variações de uma mesma
coisa – noutra clara presentificação dos anos 60. Arésio se qualifica como
um revoltado, mas não um revolucionário; ao final da conversa, ele acusa o
cinismo do noivado de Coura com uma mulher pobre, cuja condição social
o legitimaria como líder “popular”, mas a quem, na intimidade, ele não
cessava de inferiorizar pelas suas diferenças de classe: num ato de violência
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gratuita contra o defensor de uma violência romantizada, Arésio, armado,
agride-o e sequestra a sua noiva – para humilhá-lo, para desmascará-lo.
De tudo isso se depreende que nem Arésio, nem Sinésio, nem Coura,
nem Moraes, nem Garcia-Barreto, nem Swenson, nem Quaderna, nem
Samuel, nem Clemente, nem o Beato, nem o Corregedor, ninguém em
absoluto servia de modelo para a ação política e para a condução ao futuro.
Nem os bons nem os maus: nenhum dos agentes que o Brasil formara seria
adequado. Daí que...
Coda
O Romance da Pedra do Reino como uma construção lenta, incerta
e não planejada, a manifestação de um ponto de inflexão na história política e cultural do país, de crise da sua auto-interpretação – Suassuna teria
dado forma literária às incertezas de um país em processo de modernização acelerada, mas que antevia um futuro nebuloso e vivia a nostalgia de
um passado idealizado. Ele não tinha nenhuma utopia real a oferecer: a
sua crença e elogio da “cultura orgânica” não eliminavam que o processo
de transformação estava em aberto e o barco estava à deriva. Suave, leve,
agradável, bem-humorado, O Romance da Pedra do Reino é um marco do
envelhecimento do Brasil: qualquer passo que viéssemos a dar carregaria
o peso das experiências já feitas, dos erros cometidos, das frustrações acumuladas. Não éramos mais um “povo em devir”: já havíamos nos tornado
alguma coisa e o futuro não estava em aberto; em outras palavras, nem
tudo nos seria igualmente possível.
Mas neste ponto O Romance da Pedra do Reino desvelava o nosso
despreparo para compreender a nossa nova condição: a insistência
em velhos padrões de interpretação e a crença ingênua em utopias
recém-importadas – a hermenêutica demasiado gasta e a hermenêutica
demasiado jovem – não seriam de grande valia para a nossa recolocação
no mundo. Reconhecer aquilo que havíamos deixado de ser deveria levar a
interpretações consistentes daquilo em que nos havíamos tornado, mas isso
ainda não acontecera: será, então, que de fato ainda nos conhecíamos em
1971? E se a resposta fosse negativa, será que continuávamos a conhecer
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aquilo que havíamos sido? Pois a atualização da auto-interpretação é
decisiva para a elaboração de visões do passado que abram possibilidades
imaginativas para as ideações do futuro. Mas a nossa imaginação estava
preparada para isso? Nas entrelinhas, O Romance da Pedra do Reino
colocava perguntas desta ordem, e em momento algum a conciliação
“populista” de O Auto da Compadecida transparecia como solução: a única
certeza, negativamente afirmada, era a necessidade de novas formulações
para a nossa auto-interpretação. Materializações da totalidade, a “épica” e a
“enciclopédia” operavam, neste caso, como manifestações do impasse – ou
ao menos assim nos parece.
Referências bibliográficas
GIRARD, R. Mensonge romantique et verité romanesque. Paris: Hachette
Littératures, 2009.
MENDELSON, E. Gravity’s Encyclopedia. ,In: LEVINE, G., e LEVERENZ, D. (orgs.). Mindful pleasures. Boston: Little, Brown and Company,
p. 161-196, 1976.
MORETTI, F. Modern Epic. The World System from Goethe to García
Marquez. Nova Iorque: Verso, 1996
SUASSUNA, A. O Romance d’A Pedra do Reino e o Príncipe do Sangue do
Vai-e-Volta. Rio de Janeiro: José Olympio, 1972.
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