Coracoes Descontrolados - livros grátis que você precisa ler antes

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Coracoes Descontrolados - livros grátis que você precisa ler antes
Copyright © 2010 by Ana Beatriz Barbosa Silva
Todos os direitos desta edição reservados à
EDITORA OBJETIVA LTDA.
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Tel.: (21) 2199-7824 — Fax: (21) 2199-7825
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Capa
Sérgio Campante
Imagem de capa
Getty Images
Ilustrações de miolo
Sérgio Campante
Revisão
Tamara Sender
Raquel Correa
Coordenação de e-book
Marcelo Xavier
Conversão para e-book
Abreu’s System Ltda.
CIP-BRASIL. CATALOGAÇÃO-NA-FONTE
SINDICATO NACIONAL DOS EDITORES DE LIVROS, RJ
S578c
Silva, Ana Beatriz B. (Ana Beatriz Barbosa)
Corações descontrolados [recurso eletrônico]: ciúmes, raiva, impulsividade:
o jeito borderline de ser / Ana Beatriz Barbosa Silva; [ilustrações Sérgio Campante].
– Rio de Janeiro : Objetiva, 2013.
recurso digital: il.
Formato: ePub
Requisitos do sistema: Adobe Digital Editions
Modo de acesso: World Wide Web
178p.
ISBN 978-85-390-0448-5
(recurso eletrônico)
1. Distúrbios da personalidade. 2. Distúrbios da personalidade borderline 3. Livros eletrônicos. I. Título.
13-0337.
CDD: 616.8581
CDU: 616.89-008.485
SUMÁRIO
Capa
Folha de Rosto
Créditos
Sumário
Dedicatória
AGRADECIMENTOS
INTRODUÇÃO
CAPÍTULO 1
TRANSTORNO DE PERSONALIDADE BORDERLINE
CAPÍTULO 2
BORDERLINE: UMA VISÃO MAIS DETALHADA
CAPÍTULO 3
ABORRECENTES BORDERLINES
CAPÍTULO 4
UMA INFÂNCIA DIFERENTE: CRIANÇAS PODEM TER O TRANSTORNO
BORDERLINE?
CAPÍTULO 5
MÃES BORDERS: FILHOS CONFUSOS
CAPÍTULO 6
“PISANDO EM OVOS”: AS RELAÇÕES INTERPESSOAIS NO UNIVERSO
BORDERLINE
CAPÍTULO 7
SER, ESTAR OU PARECER BORDERLINE: TUDO SE ASSEMELHA, MAS CADA
COISA TEM SEU LUGAR
CAPÍTULO 8
TRATAMENTO BORDER: NEM TUDO QUE QUEREMOS É O MELHOR PARA
NÓS MESMOS
CAPÍTULO 9
CELEBRIDADES COM SUPOSTO FUNCIONAMENTO BORDERLINE
CAPÍTULO 10
DE ONDE VEM TUDO ISSO?
CAPÍTULO 11
É PRECISO REVER NOSSAS RELAÇÕES AFETIVAS
ANEXO
DICAS DE FILMES
BIBLIOGRAFIA
Contatos
Dedico este livro a Lya Ximenez, a quem no passado, como estudante de medicina,
pude ensinar o pouco que sabia e que hoje, já como colega médica, me transforma
em uma aluna atenta e orgulhosa do seu imenso e generoso saber. Sem o seu
“auxílio mais do que luxuoso”, este livro não teria se transformado em realidade.
Beijos agradecidos.
AGRADECIMENTOS
À doutora Lya Ximenez pelo profissionalismo e pela gentileza com que dividiu comigo
seus materiais de pesquisa.
A Mirian Pirolo, Maria Célia Arruda e Maria do Carmo Giacomini pela infraestrutura
profissional que me possibilita o exercício pleno do meu ofício.
A Vânia pela amizade tão valiosa de tantos anos e a Gigi (in memorian) pelos 14
anos de felicidade que sua presença trouxe a minha vida.
Ao meu amor verdadeiro pela paciência, tolerância e respeito com que lida com
minha intensa vida profissional, e pela paz que me proporciona quando eu mais
preciso.
INTRODUÇÃO
Desta vez a memória não me falha: posso recordar tudo como se estivesse vendo
um grande filme de ação na sala de cinema mais equipada.
Era final da tarde do dia 23 de dezembro de 2009, eu fazia uma caminhada pela
praia do Leblon, aqui no Rio de Janeiro. Resolvi parar e sentar em um quiosque, pois
não consegui resistir ao pôr do sol que já se iniciava e fazia do morro Dois Irmãos o
ponto mais luminoso e destacado da cidade. Lá estava eu, novamente, frente à
mesma cena que já havia visto milhares de vezes, desde a minha infância. Naquele
dia, como em tantos outros em que parei para assistir ao astro-rei se despedir em
seu apoteótico “boa noite e até amanhã”, tive a impressão de sempre: aquele era o
mais belo pôr do sol que já tinha visto. Acho que todo carioca passa por isso,
ficamos sempre encantados com a beleza da geografia e da luminosidade da cidade
maravilhosa.
Sentada ali no quiosque, sorvendo lentamente uma água de coco, fui tomada por
uma sensação de pura felicidade, e um único pensamento invadiu minha mente: “Isso
é uma droga do bem.” Tive a certeza de que o “vício” de ser carioca jamais seria
superado nessa minha tênue existência. Naquele exato momento tudo era mágico: as
pessoas na areia, o mar calmo em tons dourados, bicicletas coloridas, bolas de vôlei
ritmadas, atletas disciplinados e muitos turistas e jovens em férias escolares faziam
a figuração para que o astro da cena finalizasse a sua atuação do dia em grande
estilo. Nada no mundo poderia me ser mais prazeroso que aquilo.
O sol se foi tão rápido, mas o “negativo” de sua luz ainda permanecia em minhas
retinas. Fiquei ainda ali por alguns minutos, como se quisesse parar o tempo e
enlatar aquela sensação maravilhosa, para poder resgatá-la em momentos futuros,
quando a vida carece de luminosas certezas. São os dias sim que nos fazem
superar os dias não e, naquela tarde, o dia era todo sim.
Logo que me levantei para retomar minha caminhada, meu celular começou a tocar,
de forma insistente. Era Vitória, uma velha amiga que desde a adolescência sempre
esteve presente em minha vida, de forma bastante peculiar. Ela era meiga, carinhosa
e muito intensa, capaz de fazer qualquer coisa por seus amigos “da hora” e “amores”
do momento. Vitória tinha o dom de arranjar amores à primeira vista e amigos novos
que, em apenas dois ou três dias, se tornavam seus melhores “amigos de infância”.
Quando estava apaixonada, sumia e vivia de amor sem deixar rastros ou sinais de
vida. Por outro lado, quando suas relações acabavam, ela surgia com a força de
uma tempestade trazendo ventos e caudalosas enxurradas de lágrimas. Sempre que
isso acontecia, Vitória jurava que a vida tinha acabado e que nada mais fazia sentido,
mas antes de “partir dessa para uma melhor” precisava rever os amigos fiéis para
agradecer por tudo e receber os últimos abraços e o aconchego verdadeiro de sua
vida.
O telefone tocando insistentemente piscava: Vitória, Vitória, Vitória. Rapidamente
percebi que a vibe de paz e êxtase tinha chegado ao fim, e algo bem diferente se
anunciava naquele final de tarde.
Decidida e de volta à realidade atendi o telefone com voz firme: “Oi, Vic, que
surpresa! Como você está, querida?” Silêncio absoluto. Insisti: “Alô, Vic, alô...” De
repente, gritos, choros e palavras soltas e picotadas: “Derrubei... portão... ele...
Natal... prédio... polícia...” Fiquei apreensiva, não conseguia entender nada, mas tive
certeza de que, dessa vez, a Vic estava metida em alguma encrenca, e das grandes!
A ligação caiu, não hesitei, liguei novamente e, do outro lado, um homem atendeu;
me antecipei: “Alô, eu sou a dra. Ana Beatriz e preciso falar com a sra. Vitória, por
favor.” Ele foi bem objetivo: “A sra. é a médica ou a advogada da dona Vitória?”
Resolvi ser mais clara: “Sou amiga e preciso saber o que houve.” Do outro lado:
“Sou policial, estou levando a dona Vitória presa por invasão de domicílio e
destruição de patrimônio.”
Sem saber muito bem do que se tratava, pedi o endereço da cena dos “crimes”,
peguei o primeiro táxi e fui ao encontro de Vic. No caminho, telefonei para Roberto,
um amigo advogado, e pedi que ele fosse até lá nos ajudar. Quando cheguei,
Roberto já estava em clima amistoso com os policiais do lado de fora da portaria de
um prédio residencial e, do lado de dentro, avistei Vitória algemada, deitada num
sofá. Aos berros, dizia que aquilo tudo era um absurdo, pois ela só queria desejar
Feliz Natal ao seu ex-namorado. Na calçada havia um portão estendido no chão e o
carro de Vitória amassado.
Em poucos segundos pude entender toda a confusão. Felipe, ex-namorado de
Vitória, havia proibido a entrada dela no prédio após o término da relação, e Vic,
inconformada, resolveu entrar à força para tentar convencê-lo de que ele era o
homem de sua vida! Era sempre assim quando Vic tinha um relacionamento
acabado: muita choradeira, bebedeira, telefonemas e visitas à casa do ex, em
tentativas desesperadas de ter o seu amor de volta. Só que dessa vez a situação
tinha ido longe demais: às vésperas do Natal estávamos ali, eu, Roberto, Vic, Felipe,
a atual namorada dele, três policiais e um portão eletrônico destruído.
Passamos a noite na delegacia e Roberto conseguiu que ela fosse liberada e
respondesse ao processo em liberdade. Levamos Vic para a casa de seus pais,
onde dormiu após tomar a medicação que seu médico, com quem falei ao telefone,
havia lhe prescrito há mais de 15 dias.
Quando cheguei em casa, já era manhã do dia 24 de dezembro, quase Natal,
época de nascimento ou, quem sabe, renascimento! Lembrei-me de minha amiga,
seu trágico estado e dos tempos de outrora. Vitória sempre fora a menina mais
bonita e exuberante de nosso grupinho de amigas. Os meninos eram loucos por ela,
que sabia muito bem a arte de seduzi-los. Tinha um jeito de menina sapeca, sempre
com sorrisos e gestos empáticos, que a faziam a mais popular da escola. Além
disso, era divertida e sabia, como ninguém, imitar as mocinhas dos filmes e novelas;
tinha o dom de nos fazer rir e chorar a cada interpretação espontânea, ora imitando
uma professora, sua mãe, a diretora, ora a Simone de Selva de Pedra ou a Gabriela
do seu Nacib. Ela era especial, podia ser qualquer pessoa e sempre de forma
intensa e natural. Tínhamos uma certeza: Vitória iria brilhar muito na vida, de todas
nós ela teria o melhor futuro, o melhor marido, o melhor emprego, a melhor vida,
enfim. E nós estaríamos sempre por perto para curtir com ela toda a felicidade que
a vida lhe traria.
O tempo passou e alguma coisa saiu errado, a Vic menina e adolescente havia se
desmanchado. Vitória havia se perdido, naquele momento era apenas uma bela
mulher diluída em álcool, calmantes e outras drogas. Onde estava a Vic que abalava
e animava todas as festas com seu visual exótico, suas histórias incomuns e sua
animação sem fim? Na véspera de Natal de 2009, Vic estava ali, dormindo à base de
remédios para não se agredir e não machucar ninguém.
Lembrei que Vic começou a mudar radicalmente quando aos 16 anos se apaixonou
pela primeira vez. Sua beleza, vivacidade e inteligência rolaram ladeira abaixo,
quando Antônio a trocou por outra menina da escola. Ali, vimos pela primeira vez
uma pessoa raivosa, instável, agressiva, obsessiva em reatar o namoro,
autodestrutiva e, por vezes, furiosa. Não com as amigas, mas com Antônio,
principalmente, e com seus familiares que tentavam impedi-la de se rastejar atrás do
ex-namorado. Na época, entendemos apenas como uma reação exagerada a uma
paixão desfeita. Pouco tempo depois, ela encontrou Marcelo e o “mal de amor” por
Antônio curou-se como milagre.
Em mais de vinte anos de amizade, diversas vezes Vic encontrou o amor de sua
vida e o perdeu para outra mulher, e toda vez que isso acontecia ela “aprontava
alguma”. Mas tudo passava e de tempos em tempos as superpoderosas se
encontravam, e a nossa amiga mais divertida contava e representava seus dramas
afetivos.
Profissionalmente, Vic se tornou uma executiva conhecida no ramo da moda e sua
carreira acompanhava os altos e baixos da sua vida afetiva. Mas, mesmo entre
grandes variações, seu talento para o mundo fashion era indiscutível. Já havia
ganhado diversos prêmios e, por muitas vezes, foi figurinha estampada nas
publicações mais conhecidas do seu ramo, no Brasil e no exterior.
Parecia inevitável relembrar tantos anos de amizade. De lembrança em lembrança
algumas fichas foram caindo: Vitória sempre fora uma pessoa com um toque
superlativo; sua exuberância, sua capacidade de sedução, sua inteligência social,
seu talento artístico, suas histórias de amor, seus dramas, seus choros, suas raivas,
suas fúrias...
A vida foi nos afastando, os contatos se tornaram eventuais, mas ainda muito
agradáveis. No entanto, as pessoas mais íntimas de seu convívio a descreviam
como alguém muito instável, de difícil convivência e com uma vida afetiva bastante
conturbada. Na realidade, o afeto turva a nossa visão, Vitória era e sempre seria
minha querida, divertida e carinhosa amiga da juventude. Porém, os acontecimentos
do dia 23 me fizeram perceber que, na realidade, ela sempre tinha sido uma pessoa
diferente, dessas personalidades que conseguimos amar e odiar diversas vezes. Vic
nunca conseguiu ficar sozinha e feliz. Dizia ter um enorme vazio dentro de si, um
vazio que nada e ninguém podiam preencher. Vic tem uma maneira de ser e existir
pautada na instabilidade afetiva e de humor, nas ações autodestrutivas (uso de
drogas, sexo sem proteção, atitudes lesivas) e no mais profundo medo de ser
rejeitada. Isso tem nome: é o “jeito” borderline de ser. Tudo é muito, e muito ainda é
pouco para quem é assim.
Estava claro para mim: Vitória precisava de ajuda, ela tinha um enorme caminho a
percorrer rumo ao centro de si mesma, precisava aprender a ser ela mesma, e não
mais uma projeção do seu “amor da hora”. Ela estava perdida em si, sua identidade
era fluida e, como tal, escorria entre seus dedos, tornando sua vida uma sucessão
de personagens criados a cada “novo amor”. Era hora dela perceber que sozinhos já
somos um universo inteiro e que nesse universo “do eu” existem todos os
ingredientes para construirmos uma personalidade que dê conta de viver e ser feliz.
Lembrei-me do pôr do sol do dia anterior e desejei, do fundo do coração, que a Vic
pudesse sentir, em breve, o prazer que tantas vezes senti com aquela cena. Esse
prazer é algo interno, não está no outro e sim na percepção de sermos quem somos,
estejamos onde estivermos, amando tudo isso, mesmo que tudo isso seja banal e
repetitivo.
O dia amanheceu meio nublado, o sol estava meio tímido entre nuvens densas,
mas meu pensamento era claro como água cristalina: eu escreveria um livro sobre a
personalidade borderline, essa era a minha maneira de expressar todo o afeto que
sentia pela Vic e por todas as pessoas que como ela vivem por aí, perdidas dentro
de si, buscando fora (especialmente nos outros) o que está no fundo de seus
universos particulares.
Hoje, dois anos e meio depois daquela tarde inesquecível do dia 23 de dezembro
de 2009, estou aqui para apresentar a vocês o melhor que pude escrever sobre
essa personalidade tão complexa quanto intrigante. Corações descontrolados:
ciúmes, raiva, impulsividade — O jeito borderline de ser está pronto e o meu maior
desejo é que ele auxilie as pessoas nessa eterna caminhada rumo ao centro do ser.
P.S.: A Vic está levando a sério seu tratamento, nunca mais fez escândalos em
términos de relacionamentos, está no auge de sua carreira e tem um namorado
gente boa, que ela só vê nos finais de semana.
Por quê? Diz ela que assim não vicia!
Ana Beatriz Barbosa Silva
Epígrafe
O que será que será
Que dá dentro da gente e que não devia
Que desacata a gente, que é revelia
Que é feito uma aguardente que não sacia
Que é feito estar doente de uma folia
O QUE SERÁ (À FLOR DA PELE)
— Chico Buarque de Hollanda
CAPÍTULO 1
TRANSTORNO DE PERSONALIDADE
BORDERLINE
Antes de descrever o que é o transtorno de personalidade borderline é preciso
compreender o que é uma personalidade propriamente dita.
De forma bem abrangente, a personalidade é um conjunto de padrões de
pensamentos, sentimentos e comportamentos que uma pessoa apresenta ao longo
de sua existência. Ela é o resultado da interação dinâmica daquilo que herdamos
geneticamente de nossos pais (temperamento) com as experiências que adquirimos
durante toda a vida (caráter). A carga genética é fundamental para a constituição de
nossa personalidade, mas as nossas vivências interpessoais e o ambiente em que
estamos inseridos também interferem na construção da pessoa que nos tornamos
dia após dia. Somos a nossa personalidade e é assim que nos apresentamos ao
mundo. Ela é o nosso cartão de visitas; a maneira pela qual cada um de nós
consegue sentir o mundo ao redor e a si mesmo. É a nossa individualidade, o que
nos distingue do outro.
Para se ter uma ideia da complexidade de uma personalidade, basta imaginarmos
quantos sentimentos experimentamos em questão de segundos e quantos
pensamentos são gerados a partir desses sentimentos. E mais: quantos
comportamentos podemos apresentar, derivados de um único pensamento. Assim,
fica claro que um simples sentimento é capaz de desencadear uma cascata de
atividade mental, que se multiplica de forma exponencial dentro de cada um de nós.
A questão fica bem mais dinâmica e sofisticada se imaginarmos também quantos
sentimentos diferentes podemos ter. Não me refiro apenas aos básicos e bemdefinidos, que somos capazes de nomear (como felicidade, tristeza, angústia,
ciúmes, inveja, compaixão), mas sim a uma mistura deles, entrelaçados e tão
pessoais que nos faltam palavras para descrevê-los.
Imaginou tudo isso até aqui? Então, agora, multiplique tais sentimentos por um
número aleatório de pensamentos que eles podem gerar, e depois considere
também um número para os comportamentos desencadeados por esses processos.
O mecanismo mental de sentir, pensar e agir pode abranger uma quantidade
incalculável de combinações, e essa matemática de possibilidades ilimitadas nos
individualiza e determina quem somos e quem podemos ser durante toda a nossa
existência. Esta é a nossa persona; a nossa personalidade.
Cada indivíduo pode experimentar sentimentos, pensamentos e comportamentos
que nem sequer imaginamos. Somos únicos entre bilhões de outros seres humanos.
Esta é a complexidade da mente e da personalidade humana, infinitamente sedutora
e, ao mesmo tempo, desafiadora. É preciso entender como as pessoas funcionam
para que as relações interpessoais possam ser harmoniosas e transcendentes.
Diante do exposto, é possível perceber que classificar personalidades humanas
não é uma tarefa tão simples assim. No entanto, isso é algo absolutamente
necessário para que nosso entendimento da natureza humana possa avançar.
Somente dessa maneira, por meio do conhecimento, seremos capazes de aliviar
dores, angústias, incertezas, sofrimentos e injustiças que norteiam a nossa
existência. Nenhum homem é uma ilha, somos seres sociais. Existir é, portanto,
navegar em águas desconhecidas, que somos nós mesmos e nossos semelhantes.
Viver, sem dúvida, é navegar no mar das personalidades.
Então, como podemos classificar um tipo de personalidade? Como dito
anteriormente, a personalidade é um conjunto de padrões de pensamentos,
sentimentos e comportamentos que tendem a se repetir em uma pessoa ao longo de
sua vida. Quando um padrão sentir/pensar/agir é apresentado por diversas pessoas
de forma estatisticamente relevante na população geral, passa a ser uma
personalidade classificável.
Embora todos nós sejamos dotados dessa identidade psicológica conhecida como
personalidade, manifestada de modo único em cada um de nós, existem algumas
características predominantes que nos enquadram num determinado tipo. Sendo
assim, acabamos por nos tornar parecidos com certos indivíduos, que apresentam o
mesmo padrão de funcionamento mental. Um tipo de personalidade reflete, em
grande parte, a essência de uma pessoa, e um deles será objeto de estudo neste
livro.
Todos nós apresentamos momentos de explosões de raiva, tristeza,
impulsividade, teimosia, instabilidade de humor, ciúmes intensos, apego afetivo,
desespero, descontrole emocional, medo da rejeição, insatisfação pessoal. E,
quase sempre, isso gera transtornos e prejuízos para nós mesmos e/ou para as
pessoas ao nosso redor. Porém, quando esses comportamentos disfuncionais
apresentam-se de forma frequente, intensa e persistente, eles acabam por produzir
um padrão existencial marcado por dificuldades de adaptação do indivíduo ao seu
ambiente social. Quando isso ocorre podemos estar diante de um quadro bastante
complexo, confuso e desorganizado, denominado transtorno de personalidade
borderline (TPB).
A PERSONALIDADE BORDERLINE E SUAS INTERSEÇÕES
Dizem que uma imagem vale mais do que mil palavras ou que atitudes corretas
dispensam discursos bonitos e que é praticando que se aprende. Pois então, aí vai
mais um recado da sabedoria da “vida como ela é”: a melhor maneira de reconhecer
e saber como funciona e age o borderline1 é já ter convivido com um.
Os borders (vamos chamá-los assim) são tão intensos que a vida com eles pode
ser tudo, menos tranquila. Há um excesso em tudo que dizem e fazem, no mais puro
estilo exagerado de sentir, pensar e agir. Eles sempre marcam a vida das pessoas
com quem convivem, especialmente se esta convivência for íntima. No quesito
emoções fortes, os borders são imbatíveis. Entre tatuagens afetivas e cicatrizes
amorosas, sempre haverá um número considerável de histórias excêntricas e
esdrúxulas a contar. E são essas experiências que podem e devem ser
transformadas em conhecimento sobre o comportamento humano, uma vez que a
personalidade borderline se revela em diferentes facetas e nuances, como descrito
adiante.
Borderline significa fronteiriço ou a linha que compõe a margem. Por sua vez, a
margem pode ser definida como a faixa que limita ou circunda alguma coisa. A
própria denominação, mesmo que em outra língua, já nos leva a deduzir que o
funcionamento mental border guarda relação estreita com o substantivo limite. Os
borders vivem literalmente “nos limites”.
O primeiro limite é fácil de ser observado, pois diz respeito às emoções. Toda
pessoa border vive no limite de uma hemorragia emocional; vez por outra sangra a
alma e, não raro, o próprio corpo. Não é por outra razão que a afetividade compõe
um dos seus sintomas centrais e o mais difícil de ser estruturado.
Os borders também cruzam outras fronteiras, margeando diversos transtornos
mentais. Como suas identidades são bastante fluidas, acabam por apresentar
sintomas de outros quadros psiquiátricos, o que, em determinados momentos, pode
dificultar ou retardar o diagnóstico preciso desses pacientes. A personalidade
borderline invade os limites de outros transtornos mentais, estabelecendo territórios
de interseção com estes, sem necessariamente coexistir com os mesmos.
O esquema a seguir foi elaborado para que o leitor tenha um melhor entendimento
da complexidade border:
PERSONALIDADE BORDERLINE E SUAS INTERSEÇÕES
Elaborado por Ana Beatriz Barbosa Silva e Lya Ximenez
Por meio da ilustração, percebe-se que a personalidade borderline pode se
confundir com diversas facetas do comportamento humano e, por momentos, se
misturar a elas, a ponto de se estabelecer a falsa ideia de que esse paciente
apresenta uma verdadeira coleção de diagnósticos psiquiátricos, o que não é
verdade. Essa enorme miscigenação de sintomas reflete o quanto os limites da
mente border são tênues e frouxos, e isso irá refletir em toda a psicodinâmica
dessas pessoas.
Um border, muitas vezes, apresenta quadros depressivos e eufóricos de duração
variável; no entanto, ambos tendem a ser precipitados por acontecimentos externos
imediatos. Tal qual uma esponja emocional, a pessoa border é capaz de deprimir-se
de forma imediata frente a um acontecimento frustrante, especialmente quando este
envolve rejeição afetiva, como o término de um relacionamento amoroso ou mesmo
um leve desentendimento típico de casais. De forma igualmente imediata e intensa, a
personalidade border pode apresentar alegria descabida (euforia) diante de uma
possibilidade emocional ou profissional, que seja por ela interpretada como aceitação
ou aprovação de sua aparência, sentimentos ou de um talento específico. As
pessoas borders são dependentes desses referenciais de desempenho imediato,
uma vez que possuem sérias dificuldades de se autoavaliarem.
Por serem e sentirem assim, muitas vezes nos fazem pensar que são portadoras
de outros transtornos como a depressão, a ciclotimia2 ou mesmo a bipolaridade do
humor. Mas é importante ter em mente que, antes de tudo, a personalidade border é
uma maneira de sentir, pensar e agir; ou seja, uma forma de “existir” ou “ser”. Suas
variações de humor estão presentes no dia a dia desde sempre e não se limitam a
fases extremas e pontuais, como ocorrem nos outros transtornos citados. Além
disso, nas pessoas que apresentam depressão, ciclotimia ou transtorno bipolar, as
variações de humor não guardam relação estreita com os acontecimentos imediatos
(frustrações, rejeições ou simples contrariedades), como se observa em quem é
border.
Os borders também costumam ser confundidos com os portadores de TDAH;3
muitos indivíduos procuram ajuda psiquiátrica ou psicológica justamente por se
identificarem com as características deste último transtorno. No entanto, um
profissional experiente e atento ao histórico de vida do paciente, após aplicar
técnicas diagnósticas, chegará à conclusão de que o caso não é TDAH, mas
transtorno de personalidade borderline. Tal confusão é compreensível, já que a
personalidade borderline e os portadores de TDAH guardam sintomas semelhantes,
especialmente quando hiperativos e impulsivos. Estão sempre a mil por hora, vivem
no limite do estresse e, consequentemente, demonstram sinais de impaciência e
irritabilidade. Além disso, em geral, falam e agem impulsivamente, o que ocasiona
situações sociais constrangedoras, aborrecimentos e indelicadezas em seus
relacionamentos íntimos. Porém, é importante destacar que a questão central dos
TDAHs é a sua tendência à dispersão, o que resulta em grande dificuldade em se
concentrar e executar as tarefas cotidianas. Toda ansiedade, angústia, hiperatividade
e impulsividade de um TDAH são secundárias a essa questão primária da
desatenção, ou instabilidade atentiva.
A pessoa border, por sua vez, também apresenta sintomas de ansiedade,
dificuldade de concentração e impulsividade; no entanto, a origem destes não está
na hiperatividade mental (como é o caso dos TDAHs), e sim na hiperatividade
emocional/afetiva. Isto faz com que a vida de uma pessoa border pareça uma
aventura numa montanha-russa repleta de loopings de 360o. Os TDAHs capotam no
mar de pensamentos que seus cérebros produzem incessantemente; já os borders
capotam nas emoções, no excesso de sentir. Tal excesso de sentimentos acaba por
fazê-los perceber a realidade com tons exacerbados, seja em situações que geram
emoções positivas ou negativas. Essa hipérbole de afetos desencadeia uma intensa
instabilidade reativa do humor, grande dificuldade de autopercepção (incluindo a
autoimagem e autoestima) e uma impulsividade tão forte que, muitas vezes, se
manifesta em verdadeiros acessos de raiva e fúria. Durante esses ataques
descontrolados, os borders podem agredir o outro, cometer atos de automutilação
ou fazer ameaças de suicídio. Nestas crises, fazem jus à expressão popular “fulano
estava cego de raiva”, como descrito no caso de Vitória, na introdução do livro.
Em seus descontroles afetivos, os borders são capazes de atitudes tão agressivas,
desrespeitosas e destrutivas que, num primeiro momento, imaginamos estar frente a
uma personalidade cruel e indiferente aos demais. Por esta razão, costumam ser
confundidos com personalidades psicopáticas ou psicopatas.4 De fato, seus atos
desesperados são capazes de gerar muito sofrimento e perdas materiais para as
pessoas que são vítimas deles. Sem querer minimizar as consequências que os
borders produzem na vida das pessoas que lhes são íntimas e “supostamente
amadas” por eles, é fundamental entender que tais comportamentos, aparentemente
maldosos, escondem uma personalidade que vive o tempo todo no limite do
desespero afetivo frente à possibilidade do abandono e da rejeição. Tais atitudes
ocorrem em situações reais ou imaginárias, advindas de uma mente ávida de
identidade que, em geral, é a do outro; isto é, do seu objeto afetivo. Por outro lado,
as personalidades psicopáticas planejam e executam suas maldades ou
perversidades com intuitos muito claros: poder, status ou diversão (prazer). O
desespero afetivo e o medo da rejeição não são algo que um psicopata seja capaz
de sentir.
O relato de Bruna, uma paciente de 29 anos, mostra a dificuldade que os borders
apresentam em lidar com a rejeição e o término de suas relações afetivas:
Fui casada por seis anos e há mais de três sofro,
desesperadamente, com o fim do meu relacionamento.
Não consigo esquecer meu marido, mas, ao mesmo tempo,
sinto ódio dele, vivo pensando em vingança. Temos uma
filha e, por isso, não queria sentir tantas coisas ruins por
esse homem. Durante o período em que estivemos juntos
sentia muito ciúme, ligava o tempo todo pra saber onde ele
estava e em companhia de quem... vasculhava as coisas
dele. Foi um período muito conturbado, brigávamos todos
os dias, em qualquer lugar, minha vontade era pular no
pescoço dele. Hoje ele está vivendo com outra mulher e
não sei o que fazer, parece uma obsessão, continuo
procurando por ele, implorando pra voltar e faço
escândalos na portaria do prédio deles, não consigo me
controlar. Sinto muita raiva, minha cabeça vive acelerada,
me bato, me machuco, me arranho, vivo pensando em
suicídio. Como esquecê-lo e preencher esse vazio,
doutora? Eu não me conformo!
Quanto aos transtornos de ansiedade (TAG,5 TOC,6 pânico, fobias etc.), é de se
esperar que uma personalidade border apresente diversos sintomas relacionados a
eles. Emoções, sentimentos e afetos sempre mexem com qualquer ser humano,
sejam bons ou ruins. É natural ficarmos levemente eufóricos quando nos
apaixonamos; tristes frente a um término amoroso; ansiosos no início de um novo
desafio; taquicárdicos nos momentos que antecedem uma apresentação para um
grande público; insones em véspera de uma prova decisiva; obsessivos frente à
possibilidade de uma doença grave. Todas essas são modulações emocionais que se
traduzem em graus variados de ansiedade e angústia, e que são normais e
necessárias em determinadas circunstâncias de nossas vidas. Porém, quando essas
sensações, independente dos acontecimentos, passam a fazer parte do nosso
cotidiano, adoecemos dos chamados transtornos de ansiedade.
Os borders apresentam hiperatividade emocional, ou seja, é muito sentimento e
emoção sempre! Borders não ficam ansiosos ou angustiados, eles já são assim
normalmente. Dizer que uma personalidade border é ansiosa chega a ser uma
redundância. É como a história do biscoito: “Vende mais porque é fresquinho ou é
fresquinho porque vende mais?” Parodiando a frase publicitária: “Borders são
ansiosos porque sentem mais, ou sentem mais porque são ansiosos?” Não importa a
ordem das palavras, a verdade é que todo border traz em si a ansiedade e a
angústia vital, em doses generosamente exacerbadas.
Outro fator que não se pode deixar de considerar quando diante de uma
personalidade borderline diz respeito ao estresse pós-traumático. Qualquer pessoa
tende a vivenciar uma situação traumática (sequestro, perda de um ente querido,
abuso sexual, catástrofes naturais) com níveis de ansiedade mais elevados, que
podem incluir estados de desconexão ou certo grau de anestesiamento da realidade.
São as situações que os leigos costumam denominar de “estado de choque”, nas
quais as pessoas parecem estar fora da realidade sem, contudo, perder a
consciência. Nestes casos, costuma-se observar reações estranhas em relação aos
fatos ocorridos. Pessoas nesse estado falam coisas desconexas e comportam-se de
forma paradoxal, como se não estivessem vivendo aquela situação verdadeiramente.
A impressão que temos é que elas estão “sonhando acordadas”, em meio a um
“pesadelo real”.
No entanto, como já dito, as personalidades borderlines costumam lidar muito mal
com qualquer tipo de adversidade, especialmente as que envolvem rejeição,
desaprovação e/ou abandono, mesmo as imaginadas ou erroneamente percebidas.
Sendo assim, é fácil imaginar que os borders, quando se deparam com situações
traumáticas, desencadeiam uma reação de estresse mais intensa e abrangente que
o esperado. Eles apresentam quadros clínicos de estresse pós-traumático em
décima potência; além do mais, essas reações podem ocorrer em ocasiões nas
quais os acontecimentos não foram tão expressivos a ponto de serem considerados
traumas de fato. Mas não podemos esquecer que uma pessoa border vive sempre
no limite, na borda do copo cheio de água, que a qualquer estímulo pode
transbordar.
Mesmo não tendo convivido diretamente com uma pessoa borderline, é provável
que já tenhamos nos deparado com alguém com esse tipo de personalidade e,
possivelmente, não tenhamos nos dado conta disso. Segundo a Associação de
Psiquiatria Americana (APA) e a Organização Mundial da Saúde (OMS), estima-se
que 2% da população mundial tenham essa forma de ser, pensar e agir. Somente no
Brasil, isso corresponderia a aproximadamente 3.800.000 pessoas, considerando o
censo de 2010. Desse total, 75% são mulheres, numa proporção de 3:1; ou seja,
três mulheres para cada homem acometido.7
Quando analisamos o universo de pessoas que buscam tratamento
psicológico/psiquiátrico para algum sintoma disfuncional, verificamos que a cada cem
pacientes ambulatoriais dez possuem personalidade borderline (10%, portanto) e a
cada dez pacientes internados dois apresentam esse tipo de personalidade (20%).
Esses dados são fornecidos tanto pela APA quanto pela OMS.
Agora que identificamos as diversas “camuflagens” com as quais a personalidade
borderline pode se confundir, vamos nos deter sobre a análise e o detalhamento do
funcionamento mental desse universo tão complexo quanto instigante.
1 Palavra inglesa, cuja pronúncia mais aproximada é bórderlaine.
2 Um tipo de transtorno de humor que lembra o transtorno bipolar, mas que apresenta alternância de humor de
forma menos intensa e menos duradoura.
3 Transtorno do déficit de atenção/hiperatividade, tema do livro Mentes Inquietas: TDAH: desatenção,
hiperatividade e impulsividade.
4 Tema do livro Mentes Perigosas: o psicopata mora ao lado.
5 Transtorno de ansiedade generalizada, caracterizado por ansiedade persistente e constante, sem motivo
específico.
6 Transtorno obsessivo-compulsivo, popularmente conhecido como “manias”. Caracteriza-se por pensamentos
intrusivos e repetitivos, de natureza sempre ruim, cujo portador adota comportamentos repetitivos, na tentativa de
anular tais ideias. Tema do livro Mentes e Manias: TOC — transtorno obsessivo-compulsivo.
7 Em função desta desproporção, os casos descritos neste livro têm, preferencialmente, mulheres como
protagonistas. Interessante observar também que esta proporção de 3:1 é oposta ao transtorno de personalidade
psicopática, na qual os homens constituem a maioria.
Epígrafe
Mas muito pra mim é tão pouco
E pouco é um pouco demais
Viver tá me deixando louco
Não sei mais do que sou capaz
MUITO POUCO
— Paulinho Moska
CAPÍTULO 2
BORDERLINE: UMA VISÃO MAIS DETALHADA
Certa vez uma paciente border me fez o seguinte relato: “Sinto-me constantemente
em uma corda bamba, como se a qualquer momento pudesse perder o equilíbrio e
cair para um lado ou para outro. Estou sempre a um passo de perder o controle.”
Confesso que as palavras de Leka me causaram impacto, nem tanto pelo texto em
si, mas pela súbita lucidez com a qual ela se descreveu.
A carga emocional colocada em cada palavra me soou como a cena de um filme,
na qual a atriz recita seu texto com precisão e interpretação exata. Porém, naquele
momento, não era “cena”, e sim a vida real. Leka de fato começava a se dar conta
do seu jeito tempestuoso. Estava ali, na minha frente, uma mulher ainda tão jovem,
de 20 anos, em seu limite emocional, expondo toda sua instabilidade afetiva,
baixíssima autoestima e impulsividade descabida. Para que minhas palavras fiquem
mais claras e didáticas, contarei de forma mais detalhada a história dela:
Leka chegou ao meu consultório aos 17 anos, após o
término do seu primeiro namoro. Na época, foi trazida
pelos pais por ter “tentado se matar”, ingerindo uma cartela
de calmantes que havia conseguido com uma amiga. Hoje,
com 20 anos, ela é bonita, inteligente, criativa, curiosa...
Estuda jornalismo, após ter iniciado, sem conclusão, artes
cênicas e letras.
Adorava homens ciumentos, beber e namorar,
“exatamente nessa ordem”, como gostava de dizer. Leka já
havia namorado desde andarilho de trilhas alternativas até
filho de governador. Seus relacionamentos eram sempre
muito intensos e sofridos. Apresentava grande facilidade
de fazer novas amizades, mas nunca conseguia mantê-las
por muito tempo. Escrevia bem e adorava poesia. Quando
ia à praia, usava um biquíni grande, para esconder as
queimaduras de cigarro e cortes autoinfligidos em
momentos de profunda tristeza ou de raiva intensa por si
mesma. Frequentemente queixava-se de uma sensação
sufocante de vazio e, muitas vezes, tinha dificuldade de
terminar o que começava, pois perdia o interesse por suas
próprias coisas. Sempre foi muito influenciável pela opinião
alheia, a ponto de adquirir as “manias” e estilos das
pessoas com as quais convivia: ora roqueira, ora “riponga”,
ora pagodeira...
Quando terminava seus relacionamentos afetivos, Leka
perdia o controle, ameaçava se matar e ligava várias vezes
para os ex-namorados, sendo que um deles a agredia
constantemente. Uma vez dormiu na rua, esperando esse
namorado aparecer na portaria do prédio. Nesta mesma
época, perdeu o emprego, pois passava o dia inteiro ao
telefone na tentativa de controlar a vida de seu então
namorado Alex. Além disso, faltava ao trabalho quando na
“véspera” havia brigado com Alex, pois não conseguia
dormir e pela manhã não tinha forças para sair da cama. O
problema era que quase todos os dias Leka e Alex
brigavam, então toda manhã era “véspera”. Com apenas
20 anos Leka já tinha em seu currículo afetivo e
profissional uma lista considerável de opções, todas com
inícios maravilhosos e intensos, duração curta e finais
traumáticos e depressivos.
No caso de Leka, podemos ver a característica essencial do transtorno de
personalidade borderline: um padrão comportamental marcado pela instabilidade
nos relacionamentos interpessoais, na autoimagem e nos afetos. Pode-se identificar
na personalidade border também uma acentuada impulsividade, que se inicia na
adolescência ou começo da fase adulta e que persiste, com frequência e intensidade
diversas, por tempo indefinido. Na história de Leka todo o seu descontrole e
impulsividade foram desencadeados pelo início de sua vida afetiva (primeiro
namorado). De fato, o primeiro envolvimento amoroso costuma ser um divisor de
águas no comportamento das personalidades borderlines. Um aspecto interessante
na história de Leka é a forma como sua impulsividade se manifesta. Ela tende a
“implodir”, descarregando toda a sua frustração, angústia, raiva e descontrole sobre
si mesma, e não em cima de seu objeto afetivo, no caso mais evidente, o namorado
Alex. Ela era capaz de suportar agressões, maus-tratos e ausências dele; no
entanto, toda essa carga emocional se voltava contra si mesma, em forma de
autoqueimaduras, cortes, tentativas de suicídio, perdas profissionais e riscos na
busca desesperada de manter o objeto afetivo sob controle.
As relações amorosas dos borders são marcadas pela intensidade, dramatização e
dependência afetiva. Em função disso, muitas pessoas com essa personalidade
acabam sendo vítimas passivas (borders implosivas) de parceiros agressivos,
manipuladores e até perversos.
Em relação à sua própria identidade, os borderlines apresentam-se muito instáveis,
sentem-se sempre incompletos ou em constante conflito consigo mesmos. Por esta
razão, vivem uma busca desesperada para encaixar-se em algum tipo de
estereótipo, como roqueiros, “ripongas” ou pagodeiros. A volatilidade que marca a
autoimagem dessas pessoas faz com que elas sejam facilmente influenciáveis pelo
ambiente e pelos outros ao seu redor. Em um contexto social, costumam ser
denominadas de “maria vai com as outras”, tamanhas são as suas incertezas e
indecisões frente ao que diz respeito às suas próprias vidas.
Outro fator que evidencia o grave conflito de identidade desses indivíduos é a
tendência que muitos apresentam em “adquirir” comportamentos, manias ou
características físicas de pessoas com as quais convivem de forma mais estreita. A
frouxidão de suas identidades afeta, desfavoravelmente, seus objetivos pessoais e
profissionais, pois tendem a acompanhar suas instabilidades afetivas e de
autoimagem. A impulsividade, manifestada na busca desesperada de vigiar e
controlar a vida de seus parceiros, também contribui para que tais personalidades
tenham suas vidas profissionais bastante flutuantes. Este aspecto fica evidente na
história de Leka, que, em apenas três anos — entre os 17 e 20 anos —, já estava
cursando sua terceira faculdade.
Além disso, existe uma espécie de dégradé dentro do conceito do transtorno
borderline. Tal qual uma cor apresenta diversas tonalidades e mantém sua essência
pigmentar (exemplo: rosa, rosa-bebê, rosa-choque), alguns borders podem ter as
mesmas características que determinam o diagnóstico e, no entanto, manifestá-las
de forma aparentemente oposta. Não deixam de ser borders, porém com
“vestimentas” diferentes. Conheça a história de Isadora, uma border em essência tal
qual a Leka, mas com uma roupagem bem diversa:
Isadora, uma jovem mulher de 29 anos, recepcionista de
uma boate carioca, sedutora, popular e manipuladora, se
vangloria de conseguir tudo o que quer e ser uma autêntica
destruidora de incontáveis corações. Não passa uma noite
sem cheirar cocaína e bater ponto no boteco da esquina.
Adora experimentar coisas e pessoas novas. Já transou
com muitos homens, mulheres, gays e bissexuais. Para ela
qualquer prazer é válido, basta pintar tesão na hora.
Descola dinheiro fácil, utilizando seus dotes físicos e sua
arte de seduzir. Não consegue ficar mais do que dois
meses em um emprego e seus contratos de aluguel não
duram muito mais que isso.
Com apenas 6 meses de idade, Isadora foi jogada do
berço por sua mãe num de seus ataques de fúria. Nesta
época, Isadora sofreu traumatismo cranioencefálico (TCE),
que a deixou hospitalizada por alguns dias. Na préadolescência foi estuprada pelo tio materno. Aos 8 anos
experimentou cerveja; aos 13, maconha; aos 14, cocaína;
aos 15, ecstasy e cogumelo; aos 18, crack. Hoje, aos 29,
não se considera viciada; diz que consome drogas
ocasionalmente, mesmo que seja quase todos os dias.
Arranja desculpas mirabolantes para justificar todas as
“furadas”, vacilos e irresponsabilidades que comete, e seus
problemas são sempre provocados pelos outros e nunca
por ela.
Apesar dos maus-tratos na infância, ela é extremamente
apegada à mãe, a seu melhor amigo e ao chefe da “boca”.
Tem diversos admiradores e sempre dá um “jeitinho” para
que eles façam tudo o que ela quer. Adora utilizar a
seguinte frase: “Tudo em nome de nossa grande amizade.”
Mesmo sem grana, sempre arranja uma droguinha, um
cantinho para repousar e alguma coisa para comer. Sobre
seus acessos de raiva, quando quebra tudo o que vê pela
frente, Isadora tem sempre uma explicação: “Eu sou da
paz, mas quando sou traída fico furiosa e não consigo me
controlar.” Os poucos namorados que tentaram levá-la a
sério tiveram suas vidas transformadas em um ringue de
brigas e escândalos, e foram nocauteados com furos
homéricos em suas contas bancárias. Sobre isso ela
desdenha: “É uma forma indireta de se distribuir a renda do
país.”
Como visto, Isadora tem a mesma personalidade border de Leka, no entanto a
forma como ela apresenta as características básicas desse transtorno é bem
diferente. Isadora é uma border “carregada nas tintas”, seus tons são bem mais
intensos, manifestados por uma impulsividade extremamente explosiva; ela é pura
nitroglicerina! A essência de suas disfuncionalidades e o foco central de todos os
seus problemas são o seu mundo afetivo, que, cá entre nós, é instável e
problemático.
Isadora tem um ímã que atrai pessoas especialmente complicadas, seus
relacionamentos são passionais e envoltos em confusões, desentendimentos, batebocas e quebra-quebras. É extremamente instável emocionalmente, seu humor é de
“lua”, tende a vícios diversos, incluindo várias substâncias químicas e pessoas.
Abusa das mentiras e dramas para manipular quem possa lhe oferecer diversão,
prazer, casa, comida e roupa lavada. Quando não consegue imediatamente o que
deseja, torna-se agressiva e arquiteta vinganças para seus frustradores infiéis.
Apresenta
comportamento
autodestrutivo,
especialmente
marcado
pela
promiscuidade sexual e pelo excesso de drogas.
Isadora dificilmente conseguirá ter uma vida profissional estável. Sua vida
doméstica também é, e tende a permanecer, um caos. Seu temperamento explosivo
acaba afastando os amigos, com os quais poderia dividir uma moradia, e repele as
pessoas que tentam, em vão, estabelecer com ela uma vida afetiva verdadeira. Ela,
embora seja adulta, ainda não demonstra qualquer autocrítica consistente. Tudo de
errado que faz tem sempre uma justificativa pronta e simples na ponta da língua: “As
pessoas adoram me provocar e eu não levo desaforo pra casa. Fico furiosa.”
Isadora desconhece senso crítico, vontade e determinação para mudar seu padrão
afetivo e controlar sua impulsividade. Se esta realidade persistir, em pouco tempo
ela vai começar a amargar a solidão e o abandono real, destino típico das pessoas
que não sabem valorizar e cuidar de si mesmas e de seus afetos.
É importante ressaltar que as pessoas borders impulsivas do tipo explosivo, como
Isadora, costumam descender de famílias desajustadas e, às vezes por isso,
apresentam passagens conturbadas em suas histórias pregressas. Também é
necessário destacar que esse fator não é determinante para que uma pessoa
desenvolva a personalidade borderline, pois outras questões relevantes, como a
genética, são essenciais para a formação desse transtorno.
Mais adiante veremos, em capítulo específico, como uma mãe border pode
influenciar na educação e na formação de seus filhos. Mães borders também se
apresentam em diversas nuances, e a forma como irão exercer suas
disfuncionalidades na relação afetiva com seus filhos será decisiva na construção da
identidade de cada um deles. No caso de uma criança apresentar um dos pais
borders, não se pode esquecer que ela está sujeita a uma dupla influência na
formação da sua personalidade. Nestes casos os fatores familiares/educacionais e
genéticos se misturam e se potencializam numa complexidade maior.
BORDERLINES E SUAS DISFUNÇÕES
Agora que o funcionamento essencial do transtorno de personalidade borderline já foi
exemplificado e definido, irei detalhar as disfuncionalidades de forma mais didática.
Assim, optei por dividi-las em quatro aspectos: emocional, cognitivo, comportamental
e pessoal.
1. DISFUNÇÃO EMOCIONAL
A disfunção emocional é a condição sine qua non dessa personalidade e pode ser
identificada pelas seguintes características:
Ü Hiperatividade emocional. Essa característica é responsável pelo excesso de
sensibilidade que essas pessoas apresentam, especialmente aos estímulos
emocionais negativos. Elas costumam lidar muito mal com críticas e, não raro, tais
situações podem gerar acessos de fúria quase sempre incontroláveis. Essas crises
são desproporcionais ao tipo ou tamanho da crítica; pequenas observações
“desfavoráveis” podem ser suficientes para desencadear o processo. Os borders de
fato apresentam uma ativação emocional muito elevada, vivem no limite da
hemorragia emocional e, frequentemente, sangram em forma de acessos de raiva ou
fúria.
Ü Emoções dúbias e conflitantes. Essa característica pode ser resumida pela
seguinte frase: “Borders não gostam simplesmente: ou amam ou odeiam.” Essa
instabilidade do afeto costuma ser mais intensa e explícita com pessoas com as
quais os borders mantêm uma relação mais íntima. A vida conjugal com um border
pode ser extremamente desgastante: num dado momento, ele se apega e faz juras
de amor eterno a alguém; e no outro, de forma inesperada, é capaz de ofendê-lo e
até desprezá-lo.
Ü Instabilidade afetiva. Esse talvez seja o sintoma mais visível da personalidade
borderline. Quem de nós já não ouviu as seguintes expressões em relação a um
colega, amigo ou parente: “fulano é de lua, nunca se sabe como ele estará” ou
“conviver com fulano é viver pisando em ovos”. A instabilidade afetiva desses
indivíduos deriva da hiper-reatividade que apresentam no seu estado de humor. Seus
acessos de raiva e/ou fúria os remetem a um estado de intensa agitação física e
psíquica e são sempre desencadeados por sentimentos de rejeição, abandono ou
frustração. Em função disso, os borders costumam se sentir exaustos e deprimidos
logo após o cessar dos ataques.
Ü Humor e equilíbrio emocional em constante oscilação. A hiper-reatividade torna
o humor das pessoas borders algo absolutamente flutuante. Uma mínima coisa ou
uma palavra mal-empregada é capaz de tirá-las verdadeiramente do sério. Seu
humor costuma oscilar de forma mais rápida e abrupta do que em outros transtornos
mentais, como o transtorno bipolar, por exemplo. Se o humor estável é fundamental
para mantermos o mínimo de equilíbrio emocional, é fácil entender por que esta
estabilidade é quase um “sonho de consumo”, que precisa ser batalhado diariamente
por elas.
Ü Ira intensa e inapropriada. Essa reação é desencadeada por frustrações ou
decepções. O descontrole emocional nestas horas pode surpreender as pessoas ao
redor. A ira pode se apresentar na forma de gritos, ofensas e até mesmo em
tentativas de suicídio.
Ü Agitação física. Durante a perda de controle que ocorre nos acessos de fúria,
os borders apresentam agitação física que é exteriorizada de forma bastante
contundente, com frequentes agressões físicas a terceiros, destruição e quebra de
objetos e autoflagelo (se batem, se perfuram com objetos pontiagudos, se cortam,
se queimam).
Ü Sentimento de vazio ou tédio. Como esses indivíduos estão constantemente
vivendo no limite máximo de suas emoções, quando suas mentes não estão envoltas
nessas fortes tempestades, eles tendem a experimentar uma sensação de que a
vida não tem graça; é tediosa ou um grande vazio.
Um exemplo desse vazio existencial, típico de um border, pode ser observado nos
versos imortais de Álvaro de Campos, um dos heterônimos mais conhecidos do
poeta português Fernando Pessoa:
(...)
Não sei sentir, não sei ser humano, conviver
De dentro da alma triste com os homens meus irmãos na terra.
Não sei ser útil mesmo sentindo, ser prático, ser quotidiano, nítido,
Ter um lugar na vida, ter um destino, entre os homens,
Ter uma obra, uma força, uma vontade, uma horta
Uma razão para descansar, uma necessidade de me distrair,
Uma cousa vinda diretamente da natureza para mim...
Sentir tudo de todas as maneiras,
Viver tudo de todos os lados,
Ser a mesma coisa de todos os modos possíveis
e ao mesmo tempo...
(“Passagem das horas” — Álvaro de Campos)
Alguns pacientes chegam a afirmar que nesse momento eles experimentam a
morte em vida, pois é como se não existissem. Esses sentimentos, quando intensos
e frequentes, criam um terreno extremamente propício para que os borders se
envolvam em situações de risco e utilizem variados tipos de drogas.
Ü Sentimento de ódio, ira e vergonha em relação a si mesmo. Geralmente esses
sentimentos de constrangimento e até autorrepulsa costumam ocorrer após os
acessos de fúria. Em geral, essas pessoas são tomadas por um forte sentimento de
culpa e remorso nessas ocasiões, que contribuem para o rebaixamento de sua
autoestima. Essa percepção é fundamental para que os borders se conscientizem de
suas disfunções emocionais e impulsivas, e se disponham a buscar ajuda
especializada. Somente dessa forma é possível que uma pessoa border vislumbre
um futuro com o mínimo de equilíbrio afetivo, profissional e pessoal.
2. DISFUNÇÃO COGNITIVA
A disfuncionalidade cognitiva da personalidade borderline costuma ser expressa por
pensamentos paranoides e desorganizados. Essa desorganização dos pensamentos
chega a tal ponto que o paciente pode apresentar um quadro de desassociação; ou
seja, um estado em que os pensamentos, os sentimentos e as lembranças mostramse desconexos com a realidade ao seu redor. Nessa situação costumamos ouvir que
“a pessoa está fora do ar” ou “ela está em estado de choque”.
Ü Incapacidade de manter os pensamentos estáveis. Pessoas borders mudam de
ideia o tempo todo, o que gera um desconfortável estado de indecisão.
Ü Dificuldade de aprender com as experiências passadas. Isso fica bem
perceptível quando observamos as pessoas com as quais os borders costumam se
relacionar. Eles tendem a reatar namoros ou casamentos com parceiros cujas
relações já foram desastrosas, ou estabelecer novos vínculos afetivos com outros
que apresentam perfil muito semelhante, ainda que isso signifique sofrer
imensamente outra vez.
Ü Autoimagem instável e com características extremas. Às vezes os borders se
acham “o máximo” e, de repente, se julgam “um nada”, “um zé-ninguém”, incapazes
de realizar qualquer coisa. As formas como se veem são extremadas, inseguras e
voláteis, sem muita percepção de quem são realmente e como se apresentam.
Essa falta de identidade e autoimagem inconsistente pode ser exemplificada nos
versos de Álvaro de Campos:
(...)
Nem nunca, propriamente reparei,
Se na verdade sinto o que sinto. Eu
Serei tal qual pareço em mim? Serei
Tal qual me julgo verdadeiramente?
Mesmo ante as sensações sou um pouco ateu,
Nem sei bem se sou eu quem em mim sente.
(“Quando olho para mim não me percebo” — Álvaro de Campos)
Ü Sentimentos crônicos de vazio.
Ü Pensamentos antecipados de abandono. Pessoas borders costumam ruminar
incessantemente sobre a possibilidade de uma possível separação. Elas se
esforçam, de forma vigorosa, a fim de evitar o abandono e, com isso, exigem afeto e
amor continuadamente. Tal característica costuma gerar alterações profundas na
autoimagem, sentimentos depressivos ou hostis, ansiedade e angústia.
Ü Temor excessivo de sofrer rejeição. Os borders são extremamente inseguros,
mesmo que não exteriorizem isso. Rejeição é algo que eles não toleram.
Ü Seus objetivos e valores acompanham suas instabilidades emocionais e
afetivas. Como exemplo, posso citar o fato de muitos borders conseguirem ter bons
desempenhos profissionais e realizações pessoais, quando julgam que suas relações
interpessoais estão estáveis. Mas em outra situação podem ficar facilmente
entediados, procrastinar seus projetos ou, até mesmo, desistirem do que se
propunham a fazer.
Ü Não suportam ficar sozinhos. Os borders necessitam o tempo todo de parceiros
amorosos para se sentirem completos. O temor à solidão é tão intenso nesses
indivíduos que são incapazes de ficar sozinhos consigo mesmos. Eles exigem afeto,
amor e apoio incessantemente, a ponto de serem pegajosos.
Ü Dificuldade de concentração. Provocada pelo turbilhão de emoções que povoam
suas mentes.
Ü Seus pensamentos tendem a seguir um padrão rígido, inflexível e impulsivo.
Ü Pensamentos envoltos em autorreprovações e autocríticas. Os pensamentos
envolvendo castigos a si mesmos também são frequentes.
Ü Baixa tolerância a frustração. Como os borders vivem em turbulência emocional,
eles pensam de forma extremamente passional e pouco racional. Existe uma
desproporção enorme entre a razão e a emoção desses indivíduos. Dessa forma,
eles apresentam pouquíssima habilidade racional para elaborarem perdas e/ou
frustrações.
Ü Ideias paranoides transitórias; despersonalização, perda do senso de realidade
ou sintomas dissociativos. Esses sintomas disfuncionais na maneira de pensar
(cognitiva) costumam ocorrer durante situações de estresse agudo ou prolongado.
Os borders podem apresentar delírios (ou ideias deliroides/paranoides) de que estão
sendo perseguidos, de que há um complô contra eles ou, ainda, de que existem
pessoas em diversos ambientes falando mal deles.
Já na despersonalização ou nos sintomas dissociativos, ocorre uma sensação
desconfortável de que a pessoa não é mais ela mesma. Muitas descrevem como
uma espécie de “incorporação mental”; ou seja, de que outra pessoa teria se
apossado de suas mentes por um espaço de tempo (que em geral é curto),
obrigando-as a conviver com ideias, pensamentos e emoções que lhes são
estranhas e incômodas.
Ü Aborrecimentos frequentes. O pensamento imediatista e a pouca racionalidade
dos borders fazem com que qualquer coisa não relacionada aos seus desejos e
emoções do momento seja vista como um aborrecimento e um entrave a frustrá-los.
3. DISFUNÇÃO COMPORTAMENTAL
Neste terceiro item serão descritas as disfuncionalidades relacionadas à maneira de
agir das personalidades borderlines:
Ü Necessidade de controle externo. Em função do estado de caos emocional que
vivenciam em seu interior, os borders tentam se equilibrar exercendo controle tanto
sobre as pessoas que lhes são importantes quanto do ambiente ao seu redor. É
claro que essa “fiscalização”, além de não trazer paz emocional, costuma desgastálos a tal ponto que os coloca em permanente estado de alerta. Isso resulta em níveis
elevados de ansiedade, estresse, hiper-reatividade, explosões, acessos de raiva, ira
etc.
Para exercerem esses controles, os borders se valem de muita rigidez e
inflexibilidade no trato com as pessoas de seu convívio mais íntimo, com tendências
a culpá-las quando as coisas não acontecem do jeito que eles gostariam.
A disfuncionalidade comportamental é caracterizada pela dificuldade dos borders
em adequar suas reações, que, na maioria das vezes, são extremadas e destrutivas.
Dentre elas estão o uso de drogas; a promiscuidade; a compulsão por compras,
comida ou jogos; a prática de direção arriscada etc.
A música 120...150... 200 Km por hora, de Roberto Carlos, conta a história de
alguém em alta velocidade, tentando esquecer um grande amor que ainda assombra
o seu mundo. O trecho a seguir se encaixa como uma luva no que tange à forma
imprudente e arriscada de dirigir de um border, em busca incessante de algo que
nem ele mesmo consegue definir:
(...)
Estou a 140
Fugindo de você
Eu vou voando pela vida sem querer chegar
Nada vai mudar meu rumo nem me fazer voltar
Vivo, fugindo, sem destino algum
Sigo caminhos que me levam a lugar nenhum...
Ü Padrões de aparência oscilante. Quando se trata do estilo de se vestir, os
borders são uma verdadeira metamorfose ambulante. Oscilam de acordo com as
circunstâncias, suas amizades ou seus envolvimentos amorosos.
Ü Níveis de energia física incomuns, que se manifestam em explosões
inesperadas de impulsividade. Nestas ocasiões os borders adquirem uma força que
lembra a história de O incrível Hulk. Às vezes, são necessárias várias pessoas para
contê-los.
Ü Brigas e conflitos frequentes. As pessoas borders, comumente, estão sempre
arranjando confusões em lojas ou restaurantes, nas ruas etc. Essas situações
costumam gerar muitos constrangimentos para seus acompanhantes: amigos,
familiares ou parceiros afetivos.
Ü Comportamento recorrente de automutilação ou tentativas de suicídio. Como
exemplo, cito o filme Garota, interrompida (1999), estrelado pela atriz Winona
Ryder. Baseado no livro autobiográfico de Susanna Kaysen e ambientado no final
dos anos 1960, ele narra o período em que a escritora esteve internada num hospital
psiquiátrico.
Filha de pais ricos, a jovem era rebelde, insubordinada; sentia-se inadequada,
ambivalente e com dificuldades de socialização. Teve vários parceiros sexuais e
desde muito cedo pensava frequentemente na própria morte. Em situações de
estresse, angústia e sofrimento, era comum provocar autolesões. Aos 18 anos,
numa das tentativas de suicídio, feriu o próprio pulso, ingeriu um litro de vodca e
vários comprimidos de aspirina. Questionada pelo médico, alegou estar com muita
dor de cabeça e tentar parar “os saltos no tempo, a depressão, a dor, e o fato de
não sentir o osso da sua própria mão”.
Susanna foi diagnosticada com transtorno de personalidade borderline e internada
por dois anos, onde conheceu meninas com vários transtornos psiquiátricos, se
identificou e se apaixonou por uma psicopata, tentou fugas e presenciou o suicídio de
uma colega. Sobre esse episódio, a jovem disse que “sabia como era querer morrer,
como você tenta se ajustar e não consegue, como você se fere por fora tentando
matar o que se tem por dentro”.
Ü Relações interpessoais intensas e caóticas. Outro exemplo de filme, com uma
personagem tipicamente borderline, é Vicky Cristina Barcelona (2008), de Woody
Allen. O filme conta a história de duas amigas norte-americanas, Vicky e Cristina,
que passam férias na Espanha. Cristina (Scarlett Johansson) se envolve com Juan
Antonio (Javier Bardem), um pintor carismático e sedutor, e vai morar com ele. O
que ela não sabe é que Juan está separado de Maria Helena (Penélope Cruz), uma
fotógrafa e pintora talentosa, belíssima, porém passional, temperamental, de
comportamento violento e autodestrutivo. Após uma das tentativas de suicídio de
Maria Helena, Juan a leva de volta para casa e os três passam a dividir o mesmo
teto e assim acabam formando um triângulo amoroso. Extremamente ciumenta,
Maria Helena sempre teve um relacionamento conturbado com Juan, regado a
brigas, escândalos e até tentativas de matá-lo. No entanto, ela não consegue viver
sem ele, já que Juan é a sua conexão com a vida real, é a razão da sua existência.
De forma surpreendente, Cristina passa a ser o ponto de equilíbrio, o ingrediente
que faltava para que o casamento tivesse uma harmonia. Mas, quando Cristina
resolve ir embora, Maria Helena não aceita a separação, tem um ataque de fúria e a
vida amorosa dela com Juan volta a ser complicada e destrutiva.
Ü Dependência excessiva dos outros.
Ü Boa adaptação social. Muitos borders conseguem manter e conservar relações
interpessoais, desde que estejam em nível superficial. Se houver um convívio mais
frequente e intenso, os conflitos logo aparecem com graus de intensidade e
frequência variáveis.
Ü Tendência a fazer passeios solitários para tentar refletir sem influência ao
redor. O filme Taxi Driver (1976) — do diretor Martin Scorsese e estrelado por
Robert de Niro — narra a história de um veterano da Guerra do Vietnã (Travis), um
homem solitário, frustrado, agressivo e sem muita noção de si mesmo, que prefere
ser taxista no turno da noite. Enquanto vagueia madrugada adentro pelas ruas de
Nova York, ele observa a miséria, o comércio de drogas, a violência, a prostituição e
a degradação que tomam conta da cidade. Perdido em suas reflexões noturnas, ele
acredita que “um dia uma chuva de verdade vai lavar toda a escória das ruas”.
Tomado por sentimentos e ações contraditórios, da extrema fúria ao altruísmo, ele
planeja a morte de um senador e arrisca a vida para salvar uma prostituta de 12
anos, de seu cafetão.
Ü Comportamentos frequentes para proteger-se de possíveis separações
afetivas. Em Mulheres à beira de um ataque de nervos (1988), de Pedro
Almodóvar, a protagonista Carmem Maura vive o papel de Pepa, uma mulher
impulsiva, exagerada, instável e passional. Depois que seu amante Ivan (Fernando
Guillén) termina o relacionamento deixando um recado na secretária eletrônica,
Pepa, inconformada, tenta encontrá-lo, de forma obsessiva e descontrolada, para
que ele lhe dê explicações. Dentre muitas confusões, dramas e comédias, ela
queima a cama do casal, joga a mala de Ivan no lixo, prepara um gaspacho com
muitos calmantes para dopá-lo e, apesar de tudo, consegue salvá-lo da ex-mulher
que tenta matá-lo.
Ü Chantagens emocionais constantes e atos de irresponsabilidade.
Ü Comportamento paradoxal em suas relações interpessoais. Apesar de os
borders buscarem a atenção e o afeto das pessoas, o fazem de modo inábil,
manipulando e brigando, o que suscita a rejeição que tanto temem. O fabuloso
destino de Amélie Poulain (2001), de Jean-Pierre Jeunet, mostra os dramas vividos
por Amélie (Audrey Tautou), uma criança inquieta, criativa e imaginativa, porém
extremamente solitária. Filha de pais psicologicamente desajustados, que não
mantêm contato afetivo com ela, Amélie é impedida de frequentar a escola e de
conviver com outras crianças. Adulta, passa a morar sozinha e trabalhar como
garçonete, sem, contudo, conseguir estreitar laços de amizade com ninguém. Amélie
é sensível às coisas simples da vida e uma observadora do mundo ao redor, mas
não sabe exatamente quem ela é, apresenta um vazio existencial e desfruta apenas
de pequenos prazeres. Ao descobrir uma pequena caixa escondida em seu
apartamento, com alguns brinquedos guardados, ela se dedica a procurar o dono e
devolver a caixa de forma anônima. Ao reaver o objeto, ele se emociona e Amélie,
comovida com essa reação de alegria, resolve ajudar outras pessoas com pequenos
gestos até se imaginar uma espécie de super-heroína. Amélie não tem realizações
pessoais, se sente privada de si mesma, não consegue encarar a realidade e não
sabe estabelecer uma relação afetiva com os outros, apenas fica feliz ao ver a
felicidade do outro. Esta forma de ser e sentir a vida trará muitas dificuldades para
ela conquistar o rapaz por quem se apaixona e estabelecer contato de caráter mais
íntimo.
4. DISFUNÇÃO PESSOAL
Por fim, descrevo a disfuncionalidade pessoal que acomete a personalidade
borderline. Sobre esse aspecto, destaco a inabilidade das pessoas borders em ter
percepção de si mesmas. Elas sentem como se tivessem várias personalidades ao
mesmo tempo, têm frequentes crises de identidade, e apresentam dificuldades para
entender seus próprios sentimentos e vontades. Os borders se autodescrevem como
“estranhos no próprio ninho” e, em função disso, acabam por ser facilmente
influenciados pelas opiniões e comportamentos alheios. A seguir estão relacionadas
as características mais comuns:
Ü Sensação de vazio e de solidão.
Ü Frequente comparação a outros, com uma visão autodepreciativa.
Ü Dificuldade em expressar suas necessidades e sentimentos.
Ü Facilidade em serem influenciados e manipulados, assim como tendência a
manipular as pessoas ao seu redor para ter controle externo das situações.
Ü Estilo de se vestir variável e instável, tal como seus afetos. Como as fases
lunares, os borders tendem a apresentar fases estéticas diversas e sem muita
relação com a moda vigente. Trata-se, antes de tudo, do estilo border “de ser e se
ver”.
Agora que todos os aspectos que envolvem um transtorno de personalidade
borderline foram “dissecados”, temos que ser cautelosos em possíveis avaliações
leigas, que tendem a rotular as pessoas sem a consulta de um profissional
especializado nos diversos transtornos do comportamento humano e, em especial,
nos transtornos de personalidade.
Não podemos, de forma alguma, incorrer no equívoco de “diagnosticar” todas as
pessoas que apresentam algumas das características aqui descritas em detalhes. O
que caracteriza, de fato, o transtorno de personalidade borderline é a presença de
um conjunto bem-delineado de sintomas e o padrão de frequência, intensidade e
temporalidade com que eles estão presentes no cotidiano desses indivíduos. Ser
border é muito mais do que parecer border. Também não podemos esquecer que
muitas características dessa personalidade, tão complexa, são difíceis de serem
identificadas e, principalmente, de serem diferenciadas de outros transtornos
mentais, como exposto anteriormente. Entre eles estão a depressão, o transtorno
bipolar, a ciclotimia, o TDAH, os transtornos de ansiedade (incluindo aqui o estresse
pós-traumático), o transtorno de personalidade psicopática ou antissocial, entre
outros. Em alguns casos a diferenciação fica ainda mais difícil, uma vez que alguns
transtornos podem estar associados à personalidade borderline (comorbidade).
O diagnóstico preciso de borderline requer grande experiência com esse tipo de
personalidade, além de muita atenção e dedicação do psiquiatra para “ver” o que os
borders escondem, inclusive deles mesmos. A colaboração de familiares e pessoas
de seu rol afetivo, que queiram de fato ajudar, também é imprescindível nessa
empreitada tão difícil quanto desafiadora.
Além disso, é importante frisar que, para realizar o diagnóstico do transtorno de
personalidade borderline (TPB), o psiquiatra conta com o DSM-IV-TR,8 uma espécie
de bíblia da psiquiatria, desenvolvido pela Associação de Psiquiatria Americana
(APA) e no qual os critérios para a identificação do borderline estão relacionados.
De forma mais concisa exponho a seguir esses critérios diagnósticos. Destaco
ainda ser necessária a presença de, no mínimo, cinco das características descritas
por um período de pelo menos um ano (em contextos sociais diferentes) para que o
diagnóstico possa ser estabelecido de fato:
1. Impulsividade potencialmente perigosa em pelo menos duas áreas (exemplos:
gastos excessivos, promiscuidade, direção perigosa, abuso de drogas,
compulsão alimentar etc.).
2. Ira inapropriada e intensa ou dificuldade para controlá-la.
3. Instabilidade afetiva devido a uma grande reatividade do estado de humor.
4. Ideias paranoides transitórias relacionadas a estresse ou sintomas dissociativos
graves.
5. Alteração de identidade: instabilidade acentuada e resistente da autoimagem ou
do sentimento do self.
6. Um padrão de relações interpessoais instáveis e intensas.
7. Esforços frenéticos para evitar um abandono real ou imaginário.
8. Ameaças, gestos ou comportamentos suicidas recorrentes ou comportamentos
de automutilação: 90% dos borderlines irão cometer uma tentativa de suicídio e,
desses, 10% serão bem-sucedidos.
9. Sentimentos crônicos de vazio.
Existem ainda os chamados borders atípicos, ou seja, aqueles que apresentam
algumas características do funcionamento border, mas são insuficientes para
preencher todos os critérios necessários para o diagnóstico preciso. Sobre esse
aspecto, não podemos esquecer que existe um dégradé dentro do conceito de
personalidade borderline, e essa graduação ou espectrum abrange quadros
comportamentais que vão desde um simples “traço” border, com a presença de
algumas características, até o border típico. Este último é mais fácil de ser
identificado, em função da quantidade e intensidade de características presentes em
uma determinada pessoa.
Para se ter uma ideia prática da complexidade que envolve o diagnóstico de uma
personalidade borderline, é bastante comum receber em minhas clínicas pacientes
que levaram, em média, dez anos até receberem o diagnóstico correto. Isto é, por
dez anos eles foram atendidos, mas com diagnósticos equivocados. A maioria
desses pacientes nem sequer possuía algum tipo de avaliação consistente que
indicasse, mesmo que de forma leve, um possível diagnóstico de borderline. Uma
parcela significativa desses pacientes sem avaliação adequada já havia passado por
internações, em função de diversos sintomas, como depressão, pânico, abuso de
álcool e de outras drogas, e tentativas de suicídio. Apesar de todo esse histórico, a
maior parte dessas pessoas e de seus familiares jamais ouviu falar em borderline.
A jornada rumo à identificação, ao entendimento e às possibilidades terapêuticas
para essas personalidades está apenas começando. Há muito a ser estudado e
descoberto, e este livro é uma pequena colaboração para o início dessa caminhada.
8 Manual diagnóstico e estatístico dos transtornos mentais, 4ª edição, texto revisado.
Epígrafe
Foi quando meu pai
Me disse:
Filha, você é a ovelha negra
Da família
OVELHA NEGRA —
Rita Lee
CAPÍTULO 3
ABORRECENTES BORDERLINES
Rafaela era uma criança linda, inteligente, sensível, às vezes um pouco enfezadinha,
mas cuidadosa, amável e compreensiva com o sofrimento alheio. Tinha o apelido de
“docinho de coco” na família e, para sua irmã mais velha — que me relatou toda sua
história —, era o “amorzinho do coração”.
Aos 12 anos Rafaela começou a mudar seu
comportamento; teve o primeiro namoradinho, a turminha
de amigos, e começou a sair com eles. Nesta época,
começou a ficar irritada, intolerante, inquieta e insone. Aos
13 anos, iniciou um namoro com Rodrigo e, para surpresa
da família, Rafa se mostrou muito ciumenta e possessiva.
Sua inquietação rapidamente se transformou em
agressividade, dirigida especialmente ao namorado.
Passava horas ao telefone com Rodrigo, fazia juras de
amor, chorava, tinha acessos de ira e xingava de forma
ofensiva e humilhante. Esses episódios se tornaram cada
vez mais frequentes e intensos. Nesse mesmo período,
Rafa já estava com a sexualidade à flor da pele, ficava um
tempo enorme trancada em seu quarto, transando com
Rodrigo em alto e bom som pra todo mundo ouvir. Em
pouco tempo, começou a beber e a fumar maconha com
seu grupo de “amigos”. Aos 15 anos, ela engravidou. Foi
um caos dentro de casa e, sem avisar ninguém, Rafa e
Rodrigo resolveram fazer um aborto. Uma semana depois,
lá estavam eles novamente transando como dois coelhos.
Minha mãe, desesperada, levou Rafaela a uma psicóloga,
mas não adiantou nada. Ela faltava, mentia e manipulava
todo mundo.
O relacionamento com Rodrigo piorou e, em seus acessos
de ira, ela também passou a agredi-lo fisicamente e às
meninas que se aproximavam dele. Foi expulsa do colégio,
bebia cada vez mais e fazia sexo em qualquer lugar e com
qualquer pessoa. Tudo era intenso demais, estávamos
chocados!
Rafaela, às vezes, dormia fora de casa; perseguia o
namorado; brigava com todo mundo, até com mendigos.
Quando chegava em casa sem as chaves, quase
derrubava a porta a chutes. Ninguém sabia explicar de
onde ela tirava tanta força! Rafa foi internada três vezes,
mas nada parecia fazer efeito, os conflitos e as agressões
físicas eram inesgotáveis, dentro e fora de casa. Num de
seus ataques, chegou a morder meu irmão, enfiar um lápis
em sua panturrilha e ameaçou jogar uma pedra na
empregada.
Aos 17 anos, ela engravidou novamente e sofreu um
aborto espontâneo, devido aos excessos de álcool,
maconha, ecstasy, ácido. Nessa época, meus pais se
separaram; toda a família foi se desmontando com os
descontroles e a instabilidade dela. Após o aborto, ela
rompeu com Rodrigo e se envolveu com Cleison, um
“aviãozinho” do morro perto de casa.
Desempregado, viciado em maconha e crack, sem pai
nem mãe, Cleison já havia sido preso por assalto à mão
armada, não tinha roupas, era analfabeto, não possuía os
dentes da frente, fedia à distância. Apesar de tudo, ele
tinha o que Rafa achava essencial: “era louco por ela”,
como fazia questão de dizer. Após três meses, decidiram
morar juntos no morro, pois foram proibidos de ficar em
casa. Não conseguíamos entender: como uma menina
inteligente, educada em bons colégios, que recebeu todo
carinho e atenção, poderia trocar tudo por uma vida
degradante? Para ela, a única coisa que importava era
estar com Cleison 24 horas por dia. Tentamos terapia
familiar, mas parecia que falávamos uma linguagem
totalmente diferente da dela. Rafa tinha uma visão
distorcida da realidade e tentava nos culpar por suas
escolhas, inclusive a de morar no morro. Às vezes,
passava em casa só para buscar comida e trocar de
roupas, e me contava coisas chocantes da imundice de
onde morava, mas, mesmo assim, se sentia melhor lá. Seu
aspecto era péssimo, unhas enormes e sujas, pele oleosa,
cabelos desgrenhados, e não tomava banho há dias.
Mudou seu modo de vestir, falar e andar, gosto musical,
tudo! Rafaela era outra pessoa.
Em total desespero, meus pais se reaproximaram de
minha irmã. Mobiliaram a casa deles, compraram roupas,
ofereceram emprego, pagaram tratamento dentário a
Cleison e o ajudaram nos estudos. Eu sentia que Rafa
tinha bom coração e que gostava de ajudar os outros, o
problema era ajudar a si mesma. Após quatro anos de
namoro, ela resolveu voltar pra casa, simplesmente porque
desistiu de tentar mudar o namorado.
Depois disso, Rafaela iniciou novo relacionamento com
seu melhor amigo, o Chico. Com ajuda da família e do
namorado, ela aceitou fazer um tratamento psiquiátrico, de
forma regular e sistemática. Embora continuasse com a
maconha, Rafaela parou de beber e retornou aos estudos.
Seu temperamento ainda é bastante difícil e instável, mas
agora possui objetivos claros e tenta se controlar e se
responsabilizar por suas decisões.
O relato anterior nos mostra com detalhes o que pode acontecer nas relações
familiares quando uma adolescente borderline do tipo impulsiva-explosiva abre o
quadro tão precocemente. Diversas características disfuncionais (emocionais,
cognitivas e comportamentais) podem ser destacadas nessa adolescente, e todas
se apresentam de forma bem semelhante às dos adultos. Dentre elas estão:
acessos de ira acompanhados por sensação de frustração, força física
desproporcional durante esses acessos, sensação de inadequação familiar (como
uma “estranha no ninho”), instabilidade emocional, hiper-reatividade, dependência
afetiva, temor exagerado de ser abandonada, comportamento de risco, abuso de
drogas, promiscuidade sexual, dificuldade em dar continuidade aos objetivos,
prejuízos afetivos e profissionais. Também pode-se observar mudanças de ideias e
valores, de aparência e hábitos; o autoflagelo (na forma de descuido físico intenso),
a baixa autoestima, a sensação de vazio constante, a ansiedade e a inquietação
excessivas.
A irmã de Rafaela ainda acrescentou que, desde os 12 anos, quando houve a
grande ruptura no seu padrão comportamental, a família sempre tentou manter uma
relação de carinho e diálogo com ela, mas nem sempre conseguia. Nas raras
ocasiões em que aceitava conversar, Rafa argumentava de forma repetitiva: “aqui
em casa, todos têm tudo, mas eu não recebo nada”, “ninguém me ama, ninguém me
entende nessa casa”, “tenho vontade de morrer pra acabar com o sofrimento de
todos vocês”...
É possível perceber também que Rafaela teve os sintomas amenizados, conforme
foi entrando na fase mais adulta. Isso nos alerta para um fato extremamente
relevante: a adolescência, na maioria absoluta dos casos, tem o poder de
potencializar, e muito, certos tipos de sentimentos, pensamentos e comportamentos.
Durante a adolescência, algumas características destacadas no caso de Rafa
podem ocorrer em qualquer jovem; no entanto, nos adolescentes borderlines essas
características se apresentam com frequência e intensidade além do esperado e
considerado razoável para esta fase turbulenta da vida. É comum a maioria dos
adolescentes se revoltarem contra os pais, quererem sair de casa, experimentarem
drogas, dirigirem de forma inconsequente, colocarem-se em situações de risco,
terem alta rotatividade de relacionamentos, mudarem de acordo com o grupo em
que estão inseridos. Tudo isso ocorre porque eles estão num momento de
descobertas intensas da vida, da sexualidade, e de formação de identidades
independentes de seus pais. Muitos passam por uma fase de experimentação, mas
o que os diferencia dos adolescentes com personalidade borderline é a motivação
que apresentam para se comportarem da forma como se comportam. Os
adolescentes, em sua maioria absoluta, agem de forma disfuncional, simplesmente
porque são adolescentes; eles não sentem nem buscam explicar por que fazem o
que fazem, se limitam a dizer “sei lá, aconteceu...”. Com os adolescentes borderlines
a história é bem diferente, eles apresentam uma motivação para todas as suas
disfunções emocionais, cognitivas, comportamentais e pessoais. Vale ressaltar que
suas motivações podem não nos parecer legítimas ou até ser fantasiosas e
exacerbadas, mas de fato é assim que eles veem, sentem e se portam frente aos
conflitos ou problemas reais e/ou imaginários.
Apesar de os comportamentos entre os adolescentes borders e “não borders” se
mostrarem semelhantes, é preciso observar o que há por trás de cada ação deles.
Explico melhor: um ataque de fúria origina-se sempre de uma frustração (real ou
imaginária) e é deflagrado após um período curto de tempo (algumas horas, um ou
dois dias). Nesse momento, os adolescentes apresentam uma irritabilidade marcada
e crescente, até que eles perdem o controle e se “derramam” em raiva e ira. Após
esse acesso, geralmente eles se mostram tristes e envergonhados, no entanto o
sentimento de culpa e arrependimento (relatado ou demonstrado) tem duração curta
e pouco instrutiva, pois são capazes de agir da mesma maneira se um novo fator de
frustração e adversidade ocorrer em sua vida.
A autoestima dos adolescentes borderlines é muito baixa, eles se veem como
jovens feios, incapazes, burros e maus. Podem, por vezes, disfarçar toda essa
insegurança e se apresentar com uma postura de poderosos e bem-resolvidos, o
que lhes confere certo ar de arrogância para aqueles com os quais não têm um
relacionamento mais estreito. No entanto, dentro de suas mentes, os seguintes
pensamentos são constantes e sentidos com ansiedade e angústia: “sou uma droga,
não sei como as pessoas ainda gostam de mim”, “sou incapaz e sempre serei, não
importa o quanto falem o contrário”, “minha vontade é de desaparecer”, “nunca serei
feliz”, “nunca serei amado de verdade”, “sou uma pessoa má e mereço o sofrimento
que estou passando”.
A FAMÍLIA DOS ADOLESCENTES BORDERLINES
As famílias, de forma geral, são bem diferentes entre si e por isso mesmo reagem
de maneiras diversas diante de um filho borderline. Afinal, existem valores, ideais,
estilos educacionais, regras e histórias que as tornam individuais. Apesar dessa
diversidade, as famílias que têm em seu lar um adolescente border costumam
compartilhar certos tipos de pensamentos e comportamentos.
Os pais, na maioria absoluta dos casos, não entendem o porquê das atitudes de
seus filhos: os consideram rebeldes, maldosos, abusados e até mal-educados.
Acham que eles são mal-agradecidos e insensíveis a todos os esforços que os pais
fizeram para lhes proporcionar o que têm de melhor. Em função disso, muitos
acabam, paulatinamente, se distanciando dos filhos e perdem a confiança que
depositaram neles, já que, frequentemente, estes filhos estão envolvidos em
comportamentos hostis e atos ilícitos. Os pais não conseguem entender ou justificar,
pelo menos de maneira plausível, os comportamentos mais irresponsáveis de seus
filhos, tais como: dirigir perigosamente; ter relações sexuais de alto risco, inclusive
com pessoas mais velhas que conhecem pela internet; usar drogas; ficar vagando
sozinho pela noite; perseguir e tentar controlar de forma insana seus objetos
afetivos, que podem ser um(a) namorado(a) ou uma paixão platônica jamais
correspondida.
Você deve estar se perguntando se os comportamentos descritos também não
ocorrem em adolescentes sem o transtorno de personalidade borderline. É claro que
sim, várias das atitudes explicitadas anteriormente de fato podem ocorrer em muitos
adolescentes e, da mesma forma, os pais vão apresentar certo estranhamento e
preocupação em relação a esses assuntos. Como disse antes, a diferença entre
esses adolescentes e os adolescentes com personalidade borderline está na
motivação que esses últimos apresentam no seu pensar e agir. Por viverem em uma
avalanche mental de emoções intensas, reais ou imaginárias, estão em busca
constante e insaciável de afeto e, neste processo, são capazes de quase tudo para
chamarem a atenção de seus pais e de seus objetos afetivos (amigos, namorados,
“ficantes”).
O vazio afetivo dos jovens borders é tão grande que eles vivem em um estado
permanente de carência, mesmo que sejam profundamente amados e cuidados por
seus familiares. Muitas vezes, essa carência inesgotável os coloca em tal nível de
angústia, que suas atitudes autodestrutivas são praticadas como um remédio
amargo e doloroso, mas com efeito de alívio imediato. É como algumas medicações
aplicadas na forma de injeção: “doem uns poucos segundos, aliviam os sintomas em
minutos e têm efeito por horas”.
Durante os acessos de fúria, os pais costumam relatar que as mudanças de humor
de seus filhos podem ocorrer de forma tão rápida, que é quase impossível perceber
o motivo que disparou o gatilho desse evento. Isso torna a possibilidade de prevenir
ou mesmo reduzir a dimensão dos acessos de fúria muito remota e até mesmo
inexistente. Esses indivíduos são hipersensíveis e hiper-reativos às emoções, aos
gestos, às entonações de voz e às expressões faciais dos outros. Como
consequência dessas características, frequentemente eles interpretam de forma
errônea as mensagens que as pessoas de seu convívio desejam lhes passar. Podese imaginar os efeitos desastrosos que essa “leitura equivocada do outro” é capaz
de desencadear no border: sentimentos negativos de desaprovação, impaciência,
irritabilidade, desatenção, negligência, tristeza, mágoa, rancor. É dessa forma
depreciativa que ele imagina que o outro o vê e, por possuir uma identidade pouco
consistente, é assim que ele passa a se ver no momento em que essas
interpretações distorcidas ocorrem.
Essas horas de intensa disfuncionalidade emocional e cognitiva são responsáveis
pelas mudanças bruscas de humor, que podem produzir níveis elevados de
irritabilidade e deflagrar os acessos de fúria dos borders, direcionados
especialmente às pessoas de seu convívio mais íntimo. Muitos pais, familiares e
amigos costumam utilizar a expressão “pisando em ovos” para descreverem a
convivência frequente com essas personalidades.
COMO OS ATAQUES DE FÚRIA OCORREM?
Os acessos de fúria dos adolescentes borders costumam ser apavorantes e muito
estressantes para toda a família. Eles promovem um desequilíbrio emocional nos
próprios jovens, nos pais, irmãos e até em funcionários mais próximos dos familiares.
Com o decorrer do tempo, há um esgotamento gradativo, que leva ao limite
emocional, desestrutura familiar, sensação de desesperança e tristeza crônica na
casa. Certa vez ouvi de uma mãe a seguinte frase: “Lá em casa, até as paredes são
tristes.”
Após os acessos de fúria, os adolescentes borders tendem a apresentar uma onda
de calmaria, devido ao processo que desencadeia essa explosão. Como já foi
explicado, o ataque de fúria é precedido por um período de irritabilidade crescente
que leva a pessoa a um desconforto emocional insuportável. Na tentativa de
extravasar a qualquer custo essa enxurrada de sentimentos negativos, os borders
promovem uma explosão emocional de forma intempestiva e descontrolada, que a
maioria de nós presencia com olhos incrédulos e estarrecidos. A impulsividade
nesses momentos é incalculável, e por esta razão é capaz de adquirir uma força
física inimaginável.
A impulsividade e a irritabilidade são características nevrálgicas no processo de
fúria das personalidades borderlines, em especial na fase da adolescência. Para que
haja uma melhor compreensão, explicarei, de forma sucinta, um pouco do
mecanismo desses dois sintomas. Somente dessa maneira é possível aprender
como agir frente a uma situação tão complexa quanto assustadora.
A impulsividade é regulada em uma região cerebral denominada córtex pré-frontal.
Tal qual um maestro de uma orquestra, essa região tem a função de “filtrar” nossos
impulsos, especialmente aqueles gerados por nossas emoções mais intensas, como
raiva, ódio, rejeição e frustração. Quando o córtex pré-frontal funciona corretamente,
podemos filtrar a carga emocional de nossos desejos imediatos, para adequarmos
nossas ações às situações que requerem entendimento e comportamentos sociais e
afetivos harmônicos. Quanto à impulsividade, as personalidades borders, em geral,
apresentam dois aspectos desafiadores e que requerem delas um grande grau de
consciência e esforço para transporem suas dificuldades. O córtex pré-frontal
desses indivíduos apresenta uma disfuncionalidade que prejudica bastante a
filtragem redutora dos impulsos que essa região recebe diretamente do sistema
límbico.
O sistema límbico funciona como a grande central cerebral das emoções. Seria o
coração de nossas mentes; é nessa região que sentimos desde as emoções
positivas, como amor, ternura e tolerância, até as negativas, como ódio, mágoa e
rancor. As pessoas borders apresentam uma hiperatividade nessa central emocional
e, por conta disso, estão sempre gerando um número exacerbado de emoções com
intensidades também elevadas. Essas emoções acabam produzindo impulsos que
são conduzidos diretamente ao córtex pré-frontal, para serem moduladas de forma
quantitativa e qualitativa. E é exatamente nesse processo que os borders começam
a “capotar”, pois o sistema de freio, composto pelos seus córtex pré-frontais, são
hipofuncionantes; ou seja, eles freiam menos os impulsos emocionais do que
deveriam. O resultado é uma impulsividade exacerbada, tal qual um carro em alta
velocidade, que a qualquer hora pode provocar um grave acidente e com
consequências desastrosas tanto para o motorista quanto para as diversas pessoas
ao redor.
Quanto à irritabilidade, temos que entendê-la como um tipo de estresse que faz
com que o organismo libere uma série de substâncias psicoativas, que por sua vez
levam o cérebro a preparar o corpo para uma grande reação de “luta ou fuga”. A
descarga de adrenalina que ocorre nesse processo de preparar o corpo para uma
“suposta guerra” tem também, por uma via neural distinta, a função de ativar o córtex
pré-frontal para que ele exerça a sua função de freio mental e o corpo possa
retornar a sua linha basal de funcionamento. O problema para as pessoas com
personalidade borderline é que, por um funcionamento reduzido e consequentemente
disfuncional, seu freio cerebral não consegue interromper ou reverter a cascata de
estresse produzida pela irritabilidade que sentem de forma constante, e que perante
algumas situações atinge níveis bastante elevados.
Sem tratamento adequado, tanto medicamentoso quanto psicoterápico, esses
ataques de fúria irão ocorrer de forma inevitável, até porque existem motivos
neurofisiológicos que os justificam e tendem a retroalimentá-los.
Com o tempo, os pais vão desistindo de enfrentar e questionar esse tipo de atitude
dos filhos, tornando-se mais tolerantes em relação aos descontroles. Em geral, a
desistência ocorre pela exaustão emocional vivenciada por esses pais, que não
conseguem lidar com as explosões de seus filhos.
Essa é uma atitude totalmente compreensível, no entanto tende a piorar os
problemas comportamentais desses adolescentes. Os filhos acabam “aprendendo”
que suas explosões, além de aliviarem seus sentimentos ruins, podem também ser
uma boa maneira de “dobrar” os pais, especialmente quando eles representam um
impedimento real para a realização de suas vontades infantis e reprováveis.
Assim, tanto pelos aspectos fisiopatológicos quanto pela minha prática clínica,
observo que a irritabilidade deve ser o foco principal sobre o qual devemos trabalhar
para tentar prevenir os acessos de fúria. E, caso aconteçam, que sejam bem menos
nocivos. É preciso ter em mente que, quando um acesso de fúria se inicia, ele já é
irreversível. Por isso, nossa grande chance é identificar a irritabilidade que o precede
e tentar interrompê-la para que não culmine na explosão descontrolada.
É importante destacar que durante os ataques de descontrole essas pessoas
acabam fazendo coisas que normalmente não fariam, como bater, morder, vandalizar
a propriedade dos outros, bater com o carro de propósito, trancar-se no quarto ou
no banheiro. Em casos mais graves, podem se jogar na frente de carros em
movimento, ingerir remédios em excesso, agredir as pessoas ao redor com objetos
cortantes, tentar suicídio e até homicídio, o que põe em risco a própria vida e a de
seus familiares. Essas atitudes tomadas durante os ataques de ira e/ou fúria nunca
são planejadas, pois estão fora de controle. No entanto, a manipulação que os
borders podem fazer, como por exemplo ameaças, geralmente é algo calculado e
tem o objetivo claro de obter um benefício imediato.
REDUZINDO A IRRITABILIDADE: PREVENÇÃO DOS ATAQUES
Antes de qualquer coisa, é preciso lembrar que uma personalidade borderline possui
uma mente inundada de sentimentos e pensamentos negativos. Essa hiperatividade
emocional gera e alimenta a hiperatividade dos pensamentos, e ambas produzem um
estado de agitação mental que, em uma determinada hora, terá de ser extravasada
exatamente como ocorre nos ataques de fúria. Para que isso não ocorra, toda a
energia produzida pela hiperatividade mental deve ser canalizada em atividades
alternativas e saudáveis, tais como caminhadas ou corridas ao ar livre; exercícios
físicos de maior intensidade, como dança, lutas ou circuitos com modalidades
diversas; prática de esportes de alta concentração, como tênis, squash, vôlei,
natação etc. Aprender a relaxar com técnicas de ioga, meditação, respiração
diafragmática, cantoterapia, dentre outras, também pode produzir efeitos positivos.
O importante é desviar o foco do sentimento gerador da irritabilidade. A psicoterapia
também é um fator fundamental na tomada de consciência de todo esse processo, e
no reconhecimento dos resultados positivos que essas práticas “desviadoras do
foco” podem proporcionar. O bem-estar gerado por um pouco de controle sobre
seus impulsos faz com que os adolescentes borders se sintam menos
desconfortáveis, e abre espaço e condições básicas para que suas angústias
existenciais possam ser elaboradas e tratadas com mais consistência.
Os pais podem ajudar muito nessa questão, tendo paciência com seus filhos,
mantendo uma relação afetiva próxima, especialmente de escuta atenta,
incentivando-os a tomarem atitudes para minimizar a irritabilidade que sentem, bem
como a aceitarem um acompanhamento psiquiátrico e psicológico com profissionais
que possuam profunda experiência no assunto. Os pais ainda devem enfatizar que,
por meio de atitudes agressivas, seus filhos jamais conseguirão o que desejam, e é
importante que sejam consistentes e não abram exceções a essa regra, caso
contrário perderão a autoridade.
Não importa o quão violentos sejam os ataques, nesses casos deve-se chamar a
polícia ou os bombeiros para ajudarem a conter seus filhos. É preciso ter em mente
que essa postura, por vezes, se faz necessária e ela fará parte de um processo
paulatino de aprendizado. Os adolescentes borderlines devem aprender que através
da violência explosiva e intempestiva jamais conseguirão as coisas que querem, e
que existem maneiras mais adequadas e menos desgastantes para isso. Seguindo a
mesma linha de ajuda educativa, os filhos devem ser penalizados, de alguma forma,
quando fizerem algo fora desse acordo de não violência, de maneira justa e
equivalente ao que fariam com outros irmãos. O jovem border deve entender que o
amor de seus pais inclui limites e que esses são válidos para todos os filhos. É
importante também recompensá-los ao realizarem coisas boas, como ter bom
rendimento na escola ou em outras atividades extracurriculares; ao serem
minimamente disciplinados ou organizados, carinhosos ou amistosos. No entanto, os
pais devem fazer isso com muito cuidado e habilidade para não discriminá-los entre
os demais filhos.
Alguns pais confessam ter muito medo da reação de seus filhos borders. Eles
temem que os jovens tomem atitudes drásticas, como a tentativa de suicídio ou a
saída de casa de forma descontrolada, arriscando a integridade física. Dessa
maneira, acabam enfrentando os filhos, o que, na maioria das vezes, desencadeia
uma luta corporal ou, numa atitude desesperada, acabam fazendo as vontades
deles, na tentativa de prevenir o pior. Muitos pais também relatam o medo constante
de que seus filhos cometam suicídio e, por esta razão, receiam deixá-los sozinhos
em casa ou mesmo trancados em seus quartos. As mães, em geral, não conseguem
dormir com o pavor de que o filho atente contra a própria vida.
O pensamento radical, na forma de tudo ou nada, é típico entre esses
adolescentes. Os pais, muitas vezes, ficam confusos em relação à opinião que seus
filhos fazem deles, pois ora demonstram afeto e carinho e os consideram pais
maravilhosos, ora demonstram agressividade e discordância franca e hostil,
considerando-os péssimos.
A adolescência é uma fase de busca de identidade, de descobertas e de
experimentações. É normal que os filhos apresentem mudanças de identidade nessa
fase de tantas indefinições e de novas definições, mas o que observo é que essa
“crise fisiológica” de identidade nos adolescentes borderlines exibe um caráter mais
profundo e intenso. Eles acabam sendo mais influenciados do que os demais
adolescentes, sendo muito comum essas mudanças acontecerem de acordo com os
melhores amigos. Por esta razão, os pais devem ficar atentos e ter muito cuidado
com quem seus filhos se relacionam, pois eles são como “esponjas” que absorvem
facilmente as ideias e os comportamentos de seus amigos do momento. Dessa
forma, podem também ser manipulados por eles para cometerem alguns delitos ou
mesmo realizarem fantasias de conteúdo sexual ou aventureiro de alto risco. É
importante destacar aqui que a maioria absoluta dos borders, no fundo de suas
consciências, sabe distinguir o certo do errado e os pais devem sempre destacar
essa lucidez moral deles.
Os relatos dos adolescentes borderlines revelam que o foco central de suas
dificuldades é a comunicação com os pais; eles tendem a buscar de forma constante
a aprovação e o afeto deles. Muitos dos comportamentos disfuncionais são
motivados por este sentimento, o que coloca os pais em um papel central em
relação aos seus filhos.
Ameaças de se machucar e pseudoameaças de suicídio são exemplos típicos que
visam chamar a atenção dos pais e buscar o afeto e a compaixão dos mesmos.
Quando os filhos borders terminam um namoro, os pais devem redobrar a atenção.
Um percentual significativo de adolescentes borders ameaça ou tenta suicídio (9
entre 10), e a maioria dessas tentativas é motivada pelo fim de um namoro. Assim,
nesses momentos é fundamental observá-los de perto e reforçar os laços afetivos
com esses filhos.
Outro comportamento muito comum entre os adolescentes borders, e que
geralmente se inicia quando estão entrando na puberdade, é o autoflagelo. Essa
prática pode se apresentar de diversas formas, tais como: overdose de
medicamentos; autoqueimaduras com cigarro; cortes com lâminas de barbear ou
faca em diversas partes do corpo, especialmente nos pulsos; arranhões; arrancar
cabelos; bater com a cabeça; dar socos nas paredes, entre outros. Os pais
costumam não presenciar essas cenas, pois eles tendem a se autoflagelar em
lugares escondidos para que os outros não percebam. Devemos lembrar que estas
atitudes não são exclusivas dos adolescentes borders, outros podem fazer isso por
raiva, prazer, ansiedade, desafio entre amigos ou imitação. No entanto, é importante
destacar que os adolescentes “não borders” também podem fazer isso, mas sempre
de forma passageira ou pontual. Mais uma vez o que os diferencia neste aspecto é
que os adolescentes borders apresentam uma motivação bem diferenciada para
cometer esses atos. Eles descrevem essas situações como algo feito para dar alívio
a um imenso mal-estar interno, uma mistura de vazio e angústia de caráter
extremamente desconfortável. Quando são questionados sobre essas lesões, em
geral, mostram-se desconcertados e esquivam-se do assunto. Esse comportamento
costuma ser mais frequente nos borders que apresentam o perfil impulsivo-implosivo,
como visto anteriormente.
Existem diversos estudos investigando os tipos de substâncias liberadas pelo corpo
em resposta a esse tipo de agressão a si mesmo (autoflagelo), bem como seus
efeitos de metabolismo cerebral. Essas pesquisas visam buscar um entendimento,
bem como uma justificativa fisiológica, para esse comportamento.
O QUE OS PAIS PODEM FAZER QUANDO DESCOBREM QUE SEUS FILHOS SE
AUTOFLAGELAM
É comum o adolescente border começar a se cortar depois de ver esse
comportamento em algum personagem de filme, novela, internet ou após observar
um amigo agindo assim. Como esses jovens apresentam uma hiperatividade
emocional, são mais reativos às situações que mobilizam nossos sentimentos mais
intensos, sejam elas verdadeiras ou ficcionais, como ocorrem em filmes, novelas ou
até livros. Além de reagirem mais intensamente às emoções, eles também demoram
muito mais tempo para se “esvaziarem” de tais sentimentos, pois são facilmente
influenciados e contagiados pelas emoções ao redor, especialmente as negativas.
Os adolescentes borderlines descrevem que, por vezes, sentem uma dor interna
insuportável, a ponto de pensarem que viver assim não faz sentido e, por essa
razão, seria melhor morrer a ter que conviver com essa sensação tão desagradável.
Afirmam que, quando se autoflagelam, sentem um pouco de dor no início, mas logo
ela é seguida de um “bem-estar” que alivia a dor interna que os tortura. Quando são
indagados sobre como se machucaram, mentem e inventam desculpas nada
convincentes. Os pais devem estar atentos para o fato de que as lesões podem ser
produzidas em qualquer parte do corpo. Em casos mais graves e raros, os jovens
cortam tendões e vasos sanguíneos para sangrarem mais. Podem também cortar
parte dos seios e órgãos genitais, quando atribuem a essas partes do corpo a culpa
por acontecimentos ocorridos, tais como atos de promiscuidade sexual e
participação em atos sexuais de conteúdo mórbido ou perverso. Os adolescentes
borders com esse perfil de autoflagelo costumam passar muito tempo no banho ou
isolados em seus quartos, distanciam-se de amigos e evitam a convivência com as
pessoas após brigas ou pequenos desentendimentos.
Para encobrirem suas cicatrizes, costumam usar blusas de manga comprida ou
evitam ir à praia ou a lugares onde terão que expor seus corpos. Assim, uma atitude
suspeita a ser observada é o fato de seu filho estar usando, diariamente, blusas de
mangas compridas, inclusive em dias quentes e ensolarados. Outras situações que
levantam suspeitas são as compras repetidas de produtos antissépticos, utilizados
para curativos em geral, e a presença de tesouras, lâminas, giletes, alfinetes ou
facas em suas gavetas ou armários.
Diante de um episódio de autoflagelo agudo (recém-ocorrido), deve-se levar o filho
ao hospital, onde será feito curativo ou sutura, além de imunização para tétano (caso
esta não esteja em dia). Feito isso, o acontecimento deve ser relatado ao terapeuta
que acompanha o adolescente. Se não houver um terapeuta, deve-se buscar um
para fazer acompanhamento de seu filho o mais rápido possível. Ficar horrorizado e
repreendê-lo duramente por este comportamento não trará qualquer benefício; seu
filho necessita de tratamento e acompanhamento adequados com profissionais
especializados. Depois de passados os episódios de autoflagelo, muitos pacientes
se sentem extremamente constrangidos e arrependidos pelo que fizeram, pois suas
cicatrizes tendem a marcar seus corpos para o resto de suas vidas, trazendo fortes
lembranças de uma fase muito sofrida.
Mônica, 15 anos, chegou ao consultório levada por sua
mãe. Era uma menina ansiosa, inquieta, insubordinada e
tinha uma relação conturbada com os pais. A mãe não
sabia mais o que fazer, pois Mônica, depois que foi
abandonada pelo namorado, se irritava por qualquer coisa,
gritava com todos da casa e não queria voltar para o
colégio. Ficava trancada sozinha no quarto, não queria
comer, chorava e culpava os pais por sua vida infeliz.
Pouco tempo antes, ela havia começado a fazer pequenos
cortes com estilete nos braços e nas pernas e apertar a
unha com força na mão até sangrar. Ao ser questionada
sobre isso, disse que se sentia melhor, menos angustiada
e tirava a sensação ruim que sentia no peito.
COMO DESCOBRIR QUE SEU FILHO ESTÁ USANDO DROGAS
Para todos os pais que têm filhos adolescentes, o uso de drogas é uma
preocupação. Quando esses filhos, além de serem adolescentes, apresentam a
personalidade borderline, a preocupação triplica, pois o que era sinal de fogo pode
se transformar em um incêndio de proporções imprevisíveis.
Existem dicas que podem levar os pais a desconfiar de que isso esteja
acontecendo com seu filho. Entre elas, destaco as seguintes:
Ü
Ü
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Ü
Ü
Ü
Ü
Começa a ficar misterioso;
Irrita-se com perguntas banais sobre seu cotidiano;
Distancia-se de forma radical dos pais;
Passa muito tempo trancado no quarto;
Piora o rendimento escolar;
Perde o interesse nas atividades extracurriculares;
Aumenta a irritabilidade;
Piora o estado de humor;
Evita apresentar seus novos amigos;
Fica com a aparência descuidada;
Objetos e dinheiro começam a desaparecer de casa.
Também não podemos esquecer de observar os sinais óbvios: cheiro de álcool ou
maconha no hálito (ou respiração) ou nas próprias roupas, larica (fome intensa após
o consumo de maconha), olhos avermelhados, coriza esbranquiçada e infecções
provocadas por fungos (candidíase é a mais comum), que vão se tornando
constantes e persistentes em função da baixa imunidade que esses jovens passam a
apresentar.
Há muita controvérsia entre os profissionais da área de saúde mental sobre quando
se deve desconfiar ou mesmo se estabelecer o diagnóstico de transtorno de
personalidade borderline para um adolescente. Muitos profissionais adiam esta
decisão com receio de rotular o paciente e/ou criar um estado de tensão muito
grande entre os pais. Tais profissionais argumentam que muitos adolescentes
tendem a apresentar esse comportamento e que tudo poderá passar com o tempo.
Embasada em minha prática clínica, eu, particularmente, discordo dessa postura. No
meu entender, a verdade é que não existe idade determinada para o transtorno de
personalidade borderline se manifestar. Desde que o adolescente preencha os
critérios estabelecidos no DSM-IV-TR, o diagnóstico deve ser feito. Quanto mais
cedo identificarmos e tratarmos os borderlines, mais favoráveis se tornam seus
prognósticos, pois seus cérebros terão mais tempo de se desenvolver sobre o
alicerce de uma forma mais harmônica e menos disfuncional. Além disso, os fatores
ambientais (como educação, relações familiares ou influência de amigos e colegas)
podem ainda ser ajustados, minimizando o desencadeamento desse transtorno.
Afinal, não podemos esquecer que nove em cada dez adolescentes com
personalidade borderline tentarão o suicídio, e um deles obterá esse êxito infeliz.
Para firmar mais ainda a minha posição frente a esta delicada questão, acrescento
um detalhe advindo da experiência profissional: nunca vi um adulto borderline que em
sua história pregressa de infância e/ou adolescência não apresentasse
características, ainda que “camufladas”, de dificuldades significativas nas relações
interpessoais, na autopercepção, na estabilidade do humor e na impulsividade. E,
para finalizar, gostaria de deixar claro que minha postura profissional em relação à
precocidade da intervenção terapêutica dessas personalidades me remete, antes de
tudo, ao juramento médico que pode ser resumido da seguinte forma: onde houver
sofrimento ou risco à integridade e à vida humana devemos sempre errar por
excesso, mas jamais por omissão.
Epígrafe
Maria Escandalosa desde criança sempre deu alteração
Na escola, não dava bola
Só aprendia o que não era da lição
MARIA ESCANDALOSA —
Klécius Caldas/Armando Cavalcanti
CAPÍTULO 4
UMA INFÂNCIA DIFERENTE: CRIANÇAS
PODEM TER O TRANSTORNO BORDERLINE?
Quando nos deparamos com crianças “difíceis” ou “diferentes” sempre nos
questionamos até que ponto isso é normal, afinal crianças são crianças,
especialmente se forem nossas. Estamos frequentemente buscando motivos e/ou
justificativas para seus comportamentos inapropriados. Os pais, especialmente as
mães, costumam se perguntar: “será que não é culpa minha?”, “essa atitude não
está encobrindo algo que não sabemos?”, “não estou sendo muito rígida com ela?”,
“será que não estamos mimando demais nosso filho?”, “até quando ele vai ser
assim?”.
Para a maioria absoluta dos pais é extremamente desconfortável, e até mesmo
angustiante, ver seus filhos tão pequenos apresentarem sinais de intensa ansiedade
e sofrimento, ou serem francamente desobedientes ou descontrolados, sem motivos
significativos, ou mesmo aparentes. E o pior de tudo é não vislumbrarem uma
perspectiva de melhora a curto ou médio prazo. As mães e os pais dessas crianças,
com frequência, desabafam sobre as inseguranças e frustrações frente a
determinados comportamentos de seus filhos, que tendem a ser repetitivos e
intensos.
A seguir, estão descritos dois exemplos clássicos dessa situação, através das
histórias de duas crianças aparentemente bem distintas: Isabela e Kelly.
Isabela, nossa filha caçula, desde bebê era muito
diferente das duas irmãs, não ia no colo de ninguém e
chorava por qualquer coisa. Ficávamos horas para fazê-la
dormir, acordava por qualquer motivo e levávamos muito
tempo para acalmá-la. Era muito grudada comigo e tinha
medo de tudo. Conforme foi crescendo, passou a ter medo
de dormir sozinha, acreditava que existiam monstros no
escuro e os mais terríveis viviam debaixo de sua cama.
Sempre foi uma menina solitária e “do contra”, nunca fazia
o que a família decidia, era bastante teimosa, birrenta e,
muitas vezes, tínhamos que colocá-la de castigo. Com
frequência Isabela dava verdadeiros chiliques por
pequenas frustrações e, nessas ocasiões, chegava a
arrancar seus cabelos. Ela sempre tinha esses rompantes
quando queria uma roupa nova, quando não comprávamos
o brinquedo que ela pedia ou, ainda, quando queria ir
embora das festinhas de aniversário dos amiguinhos. Não
sentia vontade de ir à escola e todas as manhãs era um
sacrifício tirá-la da cama.
Apesar disso, Isabela se relacionava muito bem com suas
irmãs e se divertia quando passeava com elas. Ao mesmo
tempo, era uma criança ingênua, acreditava em fadas e
princesas. Quando brincava, sempre se transportava para
um universo paralelo, o seu mundo de “faz de conta”. Por
volta dos 7 anos, Isabela começou a ficar mais rebelde e
muito tirana para uma criança. Não me obedecia e sempre
esperneava por tudo. Todo mundo dizia que ela era muito
mimada, mas eu sempre tentei lhe dar limites e deixá-los
bem claros. No entanto, como eu trabalhava fora, não tinha
certeza se a babá cumpria as recomendações de não
ceder às chantagens de Isabela. Foi nessa idade que ela
começou a ter problemas na escola, puxava o cabelo das
meninas de que não gostava, cuspia nos meninos,
respondia de forma abusada à professora quando esta
tentava lhe impor limites. Eu estava assustada com minha
filha, não era essa a educação que ela havia recebido em
casa. Eu e meu marido conversávamos várias vezes com
ela sobre o quanto o seu comportamento era “feio” e como
ela estava afastando os amiguinhos. Colocávamos Isabela
de castigo (15 minutos sozinha para refletir, um dia sem
brincar, uma semana sem ver TV...), mas nada surtia efeito,
ela continuava desobediente e, por vezes, fazia questão
de mostrar que estava “driblando” os castigos com
facilidade. Quanto mais castigos recebia, mais rebelde
ficava e prometia vingança. Aos 8 anos fugiu de casa,
ficamos desesperados e fomos à polícia. No dia seguinte,
ela voltou dizendo que estava o tempo todo escondida no
playground do próprio prédio. Nesse dia, meu marido não
aguentou e deu-lhe umas boas palmadas. Fiquei com
pena, tentei conversar, mas Isabela de forma altiva e
arrogante se recusou a falar comigo. Depois disso, ela se
afastou de todos nós, como se não fôssemos mais da
família. Começou a se tornar misteriosa e estava sempre
de cara amarrada. Nessa mesma época, descobrimos que
Isabela estava pegando dinheiro da gente, dando um jeito
de conseguir uns trocados a qualquer custo. Ela se achava
injustiçada e reclamava que dávamos tudo para suas
irmãs, mas nada para ela. Não quis mais ir às aulas de
natação, balé e inglês, e não havia como convencê-la.
Minha filha tinha poucos amigos, que eram mais rebeldes e
opositivos que ela; na realidade, eu não sabia quem estava
influenciando quem, pois todos eram da turminha
problemática da escola. Em compensação, as outras duas
filhas agiam de acordo com a educação que eu e meu
marido dávamos a elas, raramente tínhamos algum
problema.
Aos 10 anos Isabela repetiu de ano e, a partir daí, sua
impulsividade cresceu como massa de bolo que ganha
fermento. Passou a ter ataques de raiva e arremessava
tudo o que via pela frente em cima da gente. Nessa época,
levamos nossa filha a vários psicólogos, mas todos
afirmaram ser uma fase passageira e que o problema
poderia estar dentro de casa. Sabíamos que o
temperamento de Isabela ia além de questões familiares,
nossas outras duas meninas tinham recebido a mesma
educação e não agiam assim. Já havíamos tentado todas
as orientações que nos passaram: castigos, restrições,
reprimendas, conversas, exemplos. O auxílio que
buscávamos nada adiantou...
A mãe de Isabela chegou em minha clínica com sinais nítidos de exaustão e
desesperança em relação a sua filha caçula. Pelo relato é possível observar diversas
características de uma criança de temperamento forte e bastante difícil, dentre elas:
Ü Ansiedade de separação: vivia grudada em sua mãe, com medo excessivo do
abandono;
Ü Dificuldades com o sono;
Ü Pensamentos fantasiosos ou mirabolantes;
Ü Relações interpessoais tensas, marcadas por rebeldia e tirania com seus pais,
colegas e professores;
Ü Acessos de raiva e fúria;
Ü Hiper-reatividade emocional, como após a fuga de casa aos 8 anos;
Ü Impulsividade;
Ü Comportamento agressivo;
Ü Crises neuróticas, como as de arrancar cabelos;
Ü Desvios de conduta, como os furtos de dinheiro dentro de casa.
Muitas dessas características guardam bastante semelhança com as que
observamos em adolescentes e/ou adultos com transtorno de personalidade
borderline: relações interpessoais conturbadas, hiper-reatividade e acessos de fúria,
distorção da percepção dos fatos e pensamentos com predomínio de ideias
negativas em relação a si e em relação ao que os outros acham deles.
Na prática clínica, nos deparamos com limitações em aplicar os critérios para
diagnóstico de borderline em adultos e crianças. Isto ocorre pelo simples fato de os
critérios do DSM-IV-TR (e também da CID-10)9 serem vinculados e, de certa forma,
dependentes de atividades e comportamentos em que crianças abaixo de 12 anos
raramente estarão engajadas. Dentre estes cito: autoflagelo e tentativas de suicídio,
alteração da identidade, padrão sexual intenso e instável, direção perigosa, abuso de
substâncias ou impulsividade em compras. No entanto, outros aspectos da
impulsividade podem estar presentes, como a compulsão alimentar ou por
determinado tipo de jogos e brincadeiras.
Apesar das limitações em definir critérios que, em geral, não estão presentes em
idades tão precoces, ainda assim podemos encontrar outros critérios descritos no
DSM-IV-TR (Anexo) em algumas crianças, o que poderia nos levar a estabelecer ou
pelo menos atentar para a possibilidade de um possível diagnóstico de
personalidade borderline.
Diversos grupos realizaram pesquisas com o intuito de resolver esse impasse que
existe na definição diagnóstica de borderline infantil. Tais grupos, especializados no
assunto, estabeleceram critérios de acordo com suas experiências clínicas. A seguir
serão apresentados os que estão em consenso nos diversos trabalhos:10
1 — Relações interpessoais transtornadas. A criança constantemente demanda
muita atenção, querendo que seus desejos sejam realizados de forma imediata. São
controladoras e extremamente dependentes, apresentam crises de amor ou ódio
explícito em relação aos pais, tendem a imitar os outros com muita facilidade
(gestos, palavras, ações, movimentos). Além disso, costumam ficar isoladas e
apresentam poucos ou nenhum amigo.
2 — Senso de realidade alterado. As crianças, constantemente, inventam seu
próprio mundo, distorcendo a realidade ao redor, ou mesmo criando uma
inteiramente nova, na qual se sentem bem. Por exemplo, a criança pode brincar de
princesa e querer que todo mundo a trate assim, caso contrário ela agirá de forma
semelhante frente à insubordinação de um súdito. Suas brincadeiras de “faz de
conta” costumam se estender para a vida real, e podem durar dias ou mesmo
semanas. Elas frequentemente atribuem poderes aos seus pensamentos, como por
exemplo: acreditam que seus pensamentos em relação à morte de alguém são
capazes de matá-lo. Vivenciam isso, mesmo sabendo que, no fundo, é impossível.
Este tipo de pensamento costuma causar reações inapropriadas de medo,
desespero e até pânico e, muitas vezes, são inexplicáveis para os pais. Ideias
persecutórias podem ocorrer também e, nesta situação, inventam que crianças,
adultos ou até mesmo alienígenas estão perseguindo-as, com o intuito de agredi-las.
3 — Crises de ansiedade como medo da separação em relação aos pais,
especialmente à mãe. Sentem-se inseguras e com medo de serem abandonadas;
são hiperativas e apresentam dificuldade de dormir, dificuldade de concentração,
estados de pânico, e ansiedade excessiva (na forma de hiper-reatividade) a
estímulos novos ou diferentes.
4 — Impulsividade, que pode se apresentar de diversas maneiras. As crianças
são hiper-reativas a determinadas situações de estresse e frustração, têm
dificuldade de frearem o que falam ou fazem, apresentam ataques de ira, têm
compulsão alimentar. Durante esses episódios de impulsividade descontrolada,
costuma ocorrer uma ligeira perda de contato com a realidade e comportamentos
paranoides, que podem durar poucos minutos ou horas. Um típico exemplo do
comportamento paranoide dessas crianças é quando elas se põem a gritar para que
as deixem em paz ou as soltem, mesmo que ninguém as esteja segurando ou
prendendo.
5 — Sintomas neuróticos mais intensos e até psicóticos-like. Essas crianças
podem arrancar os cabelos, em função dos níveis elevados de nervosismo (como
visto no caso da Isabela), bem como dar chiliques, simular doenças neurológicas
como desmaios, convulsões, paralisias ou, ainda, cegueiras passageiras. Podem
também apresentar rituais variados, pensamentos obsessivos, medos e fobias
diversas e ainda restrições autoimpostas, como não comer certos alimentos ou não
usar determinada cor ou tipo de roupa. Além disso, algumas delas são capazes de
ter pensamentos e ideias tão fantasiosas e mirabolantes, que chegam a ter
convicção de que são reais, determinando uma alteração no comportamento e
interferindo em suas relações interpessoais.
6 — Desenvolvimento disfuncional enquanto bebês. Dentre essas características
estão: padrão de sono e alimentação instáveis, hiper ou hipossensibilidade a
estímulos, diarreia ou vômitos sem causa médica detectável, apatia súbita,
diminuição da responsividade ao rosto da mãe em padrão alternante, sucção fraca,
falta de gesto antecipatório quando segurada no colo e retardo no desenvolvimento
motor ou de linguagem.
O diagnóstico de um perfil borderline na infância pode ser confundido com o
transtorno desafiador opositivo, transtorno de déficit de atenção e hiperatividade
(TDAH),11 transtorno múltiplo complexo do desenvolvimento (MCCD), transtornos
ansiosos diversos (fobias, pânico, TAG, TOC), transtorno do humor e até mesmo
transtorno de conduta.
Assim como no diagnóstico dos adultos, é necessário que, no mínimo, cinco
critérios estejam presentes de forma bastante clara no quadro clínico da criança. Em
casos mais graves, e, felizmente, menos frequentes, algumas crianças se
enquadram em critérios típicos da vida adulta. Dentre eles estão: perturbação
intensa da autoimagem, ameaças suicidas, comportamento automutilante e até
mesmo atividade sexual precoce e instável. Nestes casos, o diagnóstico não
apresenta maiores dificuldades para ser efetuado.
Na maioria dos casos infantis, a presença de algumas características borderlines
não nos permite firmar um diagnóstico preciso, mas certamente nos orienta, de
forma preventiva, para que as disfuncionalidades mais significativas possam ser
tratadas. Isso é muito importante para que possamos evitar, no futuro, o
desenvolvimento das manifestações mais graves do transtorno de personalidade
borderline, com consequências perturbadoras e, por vezes, fatais.
É preciso também estar atento para o fato de que crianças com características
borders ou mesmo com um diagnóstico border completo podem apresentar, no
futuro, sintomatologias de diversos outros transtornos mentais de forma comórbida
(ou associada). Podem, ainda, apresentar sintomas circunstanciais, que se
assemelham a diversos outros transtornos do comportamento, tais como:
transtornos de ansiedade (pânico, fobias, TAG, TOC, TEPT), TDAH, transtorno de
conduta, transtorno bipolar e transtorno psicótico. Somente uma história detalhada,
colhida com o paciente e seus contatos pessoais mais próximos, poderá elucidar
essas diferenças estruturais e pontuais tão necessárias para a realização de um
diagnóstico correto, e a consequente elaboração de um tratamento preventivo
adequado e eficaz.
Avançando um pouco mais no universo borderline de algumas crianças, apresento a
história de Kelly, cujo perfil é bastante diferente do de Isabela:
Kelly é de uma família pobre no Mato Grosso. Sua mãe
tinha apenas 15 anos quando ela nasceu, e seu pai, 17. A
menina não tem lembranças do pai, já que o casal se
separou quando ela tinha apenas 2 anos de idade e logo
depois ele faleceu. Quando Kelly tinha 5 anos, sua mãe,
depois de muitos namoros, se apaixonou por um
marinheiro, e a deixou sob os cuidados da avó durante
dois anos. Mais tarde, sua mãe teve um relacionamento
conturbado com um traficante de drogas, que morou com
elas por muito tempo. Tanto a mãe quanto o padrasto eram
alcoólicos e viciados em cocaína, e ambos agrediam a
garota, de forma frequente, com socos, pontapés, e feriam
seus braços e pernas com pontas de facas. Sua mãe
também era agredida pelo parceiro, que quase sempre as
ameaçava de morte. As brigas eram constantes e ele vez
por outra desaparecia. Mas, quando voltava, a vida seguia
entre cocaína, álcool, sexo e muitas agressões.
Em casa, ela quase não tinha o que comer, pois o
dinheiro era gasto com drogas e sua mãe devia aos
botecos, mercados e às pessoas do bairro. Aos 8 anos,
Kelly abandonou a escola, não conseguia se concentrar,
sentia vergonha dos machucados, dos comentários sobre
a mãe e o padrasto. Frequentemente, a menina tinha
crises de pânico e não conseguia sair de casa e, desde os
3 anos, apresentava insônia e pesadelos repetitivos.
Quando tinha 12 anos, ela seguiu os conselhos de uma
amiga da rua e começou a se prostituir. No início tinha
muito medo, mas depois não se importava mais, aquilo não
significava nada para ela, e a aliviava um pouco da
dependência afetiva que tinha da mãe. Certo dia, Kelly
resolveu contar o que estava fazendo para conseguir seu
próprio dinheiro e, de forma absolutamente natural, sua
mãe passou a exigir uma parte do que ganhava; afinal, ela
lhe dava um teto para morar e se achava no direito,
exatamente por ser mãe.
Pouco tempo depois, Kelly se rebelou e passou a ter
acessos de fúria, com agressões físicas frequentes e
violentas contra sua mãe e outras pessoas. A garota
também começou a se envolver com homens mais velhos e
com mulheres, e ter prazer em fazer sexo de forma mais
agressiva e sadomasoquista.
Apesar da relação extremamente conturbada com a mãe,
tinha por ela um sentimento que definia como adoração.
Não conseguia ficar longe dela e achava que, no fundo,
ela a amava, o problema eram os vícios, o padrasto e as
crises nervosas.
Atualmente, Kelly está com 15 anos e ainda acredita que
a mãe vai abandonar tudo e fugir com ela para uma casa
bem bonita. Ela voltará a estudar numa ótima escola, terá
roupas e sapatos lindos, e todos os colegas da escola a
acharão uma pessoa adorável. Acredita também que,
antes dos 25 anos, será rica e poderá dar tudo de bom
para sua mãe, curando-a de todos os problemas.
A grande diferença entre Isabela e Kelly está no ambiente conturbado em que esta
última vive, desde os primeiros anos de vida. A mãe de Kelly apresenta o transtorno
de personalidade borderline em todo o seu vigor explosivo e com sinais claros de
condutas psicopáticas associadas: indiferença com as necessidades básicas da
filha, o proveito financeiro proposto sobre a prostituição de Kelly, as agressões
físicas, o uso abusivo de drogas, os calotes em vizinhos e comerciantes.
Como expus anteriormente, parte da personalidade de uma pessoa é pré-moldada
(vem da herança genética) e a outra parte é moldável, ou seja, influenciada de
acordo com o ambiente em que ela cresce e se desenvolve. Dessa maneira, além da
questão biológica, o meio social e a forma como uma criança é educada serão
fatores importantes para que um transtorno de personalidade seja negativamente
potencializado ou positivamente amenizado.
No caso específico de Kelly, fica claro que, desde muito cedo, ela foi submetida a
diversas situações traumáticas que, com certeza, contribuíram para que ela
desenvolvesse na adolescência uma forma grave de transtorno de personalidade
borderline. Kelly apresenta conflitos sérios de identidade, relações interpessoais
erráticas, baixa autoestima, pensamentos fantasiosos, ataques de ira (como os da
mãe), promiscuidade precoce, ansiedade, dificuldades para dormir, crises de pânico,
problemas na área de aprendizagem, dependência afetiva da mãe. E, infelizmente,
tem grandes chances de se tornar dependente de álcool e/ou drogas e de
apresentar uma gama de desvios de conduta.
É importante esclarecer que traumas na infância, famílias desestruturadas e
contextos socioeconômicos desfavoráveis podem potencializar o transtorno de
personalidade borderline; entretanto, em hipótese alguma, são pré-requisitos
fundamentais ou necessários para que o transtorno ocorra em uma determinada
pessoa. Muitas vezes, crianças passam por traumas inevitáveis ou mesmo
inesperados, como a morte de um parente próximo em uma tragédia ou outros que
seus pais jamais saberão, e nem por isso desenvolvem esse tipo de transtorno. Por
esta razão, em vez de se culparem, ou tentarem achar uma causa simplista para os
comportamentos disfuncionais de crianças com perfil borderline, o que esses pais
podem fazer é buscar ajuda especializada. Com o diagnóstico e tratamentos ainda
precoces, é possível minimizar os sintomas mais desadaptativos e evitar que, no
futuro, elas desenvolvam as formas mais graves do transtorno.
Muitos profissionais da área de saúde mental temem rotular crianças com perfil de
um transtorno tão complexo como o da personalidade borderline; alegam que isso
poderá fazê-las carregar um estigma por boa parte de suas vidas. No entanto, a
minha prática clínica e as pesquisas de diversos grupos de médicos especializados
demonstram e atestam os benefícios da identificação desse funcionamento mental
nas crianças e da intervenção precoce, que pode e deve ser realizada.
Consequências desastrosas poderão ser evitadas tanto para a pessoa em si quanto
para as que vivem ao seu redor.
9 Classificação Internacional de Doenças, 10ª revisão, publicada pela Organização Mundial da Saúde (OMS).
10 Borderline personality disorder demystified, de Robert O. Friedel; Borderline personality disorder in adolescents,
de Blaise A. Aguirre, e The borderline child, de Kenneth S. Robson.
11 Tema do livro Mentes Inquietas — TDAH: desatenção, hiperatividade e impulsividade.
Epígrafe
Tire suas mãos de mim
Eu não pertenço a você
Não é me dominando assim
Que você vai me entender
Eu posso estar sozinho
Mas eu sei muito bem aonde estou
Você pode até duvidar
Acho que isso não é amor
SERÁ —
Dado Villa-Lobos/Renato Russo/Marcelo Bonfá
CAPÍTULO 5
MÃES BORDERS: FILHOS CONFUSOS
Dizem que “só as mães são felizes”, “todas são iguais, o que muda é o endereço”
ou, ainda, “ser mãe é padecer no paraíso”. Todas essas expressões tendem a se
encaixar em um número considerável de mães. A maioria absoluta delas, de fato, se
transforma em pessoas mais tolerantes e abnegadas quando a maternidade chega.
Elas são capazes de atos amorosos difíceis de serem imaginados por uma mulher
que não vivenciou tal experiência física, biológica, afetiva e comportamental.
A relação mãe/filho é tão complexa que, até hoje, nenhuma corrente do
conhecimento humano foi capaz de decifrar todas as facetas e os consequentes
desdobramentos que essa ligação tão íntima e intensa pode gerar em cada ser
humano. A única certeza que temos é que esta é a primeira relação de amor e
dependência que vivenciamos e, por este motivo, entre tantos outros de intensidades
diversas, nossas mães irão exercer grande influência sobre o modo como
perceberemos e viveremos nossas futuras parcerias afetivas.
Toda mãe reclama de seus filhos e todos os filhos se queixam de suas mães, esse
movimento do conviver íntimo é normal e necessário para que mãe e filho possam
manter suas identidades ao longo da vida, especialmente quando os filhos entram na
adolescência e buscam, de forma intensa, os alicerces de suas versões adultas.
Para grande parte das mães e seus filhos esse processo é normal e instintivo.
Mas, quando nos deparamos com mães com transtornos de personalidade
borderline, as coisas podem ser dolorosamente imprevisíveis, em especial para os
filhos. Estes costumam viver em uma corda bamba, no que tange aos sentimentos
que nutrem por suas genitoras. “Malmequer, bem-me-quer, malmequer, bem-mequer...”, muitos filhos de mães borderlines utilizam essa expressão para descrevêlas, e a melhor maneira de conhecê-las é ler o relato de um deles:
Sou a caçula de casa e tenho dois irmãos. Quando teve o
Pedro, meu irmão mais velho, mamãe parou de trabalhar
pra se dedicar só a ele e não voltou mais, pois sua
“doença” foi piorando. Meu avô faleceu quando ela tinha
apenas 6 anos e a vovó precisou criá-la sozinha. Quando
ela tinha 12 anos, vovó se casou novamente. Mamãe me
contou que ela era muito controladora e seu marido
alcoólico, que batia nas duas frequentemente. Ela sofre até
hoje por conta daqueles dias; fala de sua infância e
adolescência como épocas muito difíceis de sua vida e, em
função disso, saiu de casa aos 17 anos.
Quando nasci, mamãe teve depressão pós-parto e tive
que ficar meu primeiro ano de vida com minha avó, para
que meu pai pudesse tomar conta dela. Desde o meu
nascimento mamãe passou a ter diversos problemas de
saúde e tomar muitos calmantes. Ao mesmo tempo, era
divertida e gostava das festas em família, só que bebia
demais e acabava arrumando confusão, ou se trancava no
quarto.
Eu precisava ser muito compreensiva com minha mãe,
especialmente nos períodos em que ela adoecia, pois se
trancava no quarto e lá permanecia calada sem querer
falar com ninguém. Meu pai, meus irmãos e eu nos
revezávamos para tomar conta dela. Quando mamãe
estava bem, ninguém podia controlá-la, pois tínhamos
medo que voltasse a ficar doente de novo. Mamãe tinha
pouquíssima paciência conosco e dava chiliques por tudo;
qualquer probleminha era motivo pra se descontrolar e se
enfurecer com a gente. Distorcia tudo o que falávamos ou
o que acontecia. Nessas horas despejava um montão de
coisas na nossa cara: “Depois de tudo o que eu fiz por
vocês, é assim que me retribuem?”, “Vocês são todos uns
ingratos!”, “Vocês me obrigam a ser severa e depois eu fico
péssima com isso!”.
Por algum motivo, que eu não sei explicar, mamãe tratava
meus irmãos com mais carinho, tinha mais paciência com
eles, mas comigo era só culpa e desaprovação. Eu era a
mais nova e não sabia me defender direito, acho que por
isso ela sempre me tratava aos gritos até me levar ao
limite. Meus irmãos ficavam do lado dela e diziam que eu
era egoísta e não tinha consideração e respeito por ela.
Mas eu não achava que estivesse fazendo nada tão grave
assim. Ela sempre dava um jeito de jogar um contra o
outro.
Lembro-me bem de uma dessas situações: todo ano
havia um passeio da escola para um hotel-fazenda e
ficávamos muito tempo esperando por essa data. Certa
vez, na hora “h”, minha mãe não me deixou ir porque meu
pai precisava viajar a negócios e, se acontecesse alguma
coisa comigo, ela não saberia lidar com isso sozinha.
Nesse dia eu fiquei muito revoltada, pois ansiava por
aqueles momentos de paz e diversão.
Fiquei dias sem falar com ela, mas ninguém me deu
razão. Ela era muito manipuladora e tinha uma habilidade
fantástica de convencer a todos, inclusive a mim, de que
estava sempre certa, com suas “lógicas” e seus
argumentos apelativos. É claro que eu acabava me
sentindo culpada.
Para as amigas da mamãe nossa vida era perfeita e ela
vivia fazendo reuniões lá em casa. Todas a invejavam por
ter um casamento estável, família exemplar e a boa
condição financeira do meu pai. Elas nem imaginavam que
tudo era uma grande farsa, desde as roupas, o cabelo, até
a casa. Antes das reuniões, mamãe comprava objetos e
móveis novos para substituir os que haviam quebrado em
seus ataques de fúria. Parecia que nossa casa era sempre
daquele jeito, impecável. Aquilo era um teatro patético, que
eu não suportava.
Quando minhas amigas iam lá em casa, minha mãe
sempre me deixava sem graça. Ela costumava se
intrometer nos assuntos e falava coisas constrangedoras a
meu respeito. Eu achava que ela fazia isso de propósito,
mas ela dizia que não tinha falado nada de mais, que eu
era uma pessoa egoísta e possessiva.
Ela fazia questão de ser o centro das atenções, de
qualquer maneira. Eu odiava as minhas festas de
aniversário. Tudo tinha que ser como ela queria: a música,
o tema, o lugar, as pessoas, até a minha roupa. Quando
cismava com uma coisa não adiantava, tudo era em função
dela. Eu me sentia péssima só de pensar em contrariá-la e
ficava esperando um gesto de carinho. Quando isso
acontecia eu me sentia a pessoa mais feliz do mundo! Mas
esses momentos gloriosos eram escassos e totalmente
imprevisíveis. Quando ela se aproximava de mim, eu nunca
sabia se era para fazer um carinho ou para me agredir. Eu
era uma refém, sempre à mercê de seu humor e de suas
vontades. Passei boa parte de minha infância ansiosa e
frustrada, esperando que ela correspondesse ao amor que
eu sentia por ela.
Durante minha adolescência, mamãe tentou suicídio por
duas vezes, ingerindo medicamentos. Nunca entendi
direito por que ela fez isso com a gente. Eu me senti
culpada, pois lá em casa só eu conseguia contrariar e
brigar um pouco com minha mãe.
Papai era um amor de pessoa, mas um marido totalmente
passivo, minha mãe fazia dele gato e sapato. Ele não
podia fazer nada com os filhos, conversar, sair ou qualquer
coisa, que ela se magoava profundamente e se sentia
rejeitada. Era muito ciumenta e possessiva e, aos poucos,
conseguiu estabelecer um abismo afetivo entre papai e nós
três.
Quando não estava deprimida, mamãe era uma vigia
incansável: vagava durante a noite com a TV ou o rádio
ligado, falava ao telefone. Nas fases em que estava “bem”,
a casa vivia em estado de inquietação constante, ninguém
tinha sossego. Ela conseguia me deixar quase louca,
vasculhava minhas coisas, lia meu diário e, quando fiquei
mais velha, me abraçava toda vez que eu chegava tarde
da noite. Era um abraço farejador, com o único objetivo de
saber se eu havia bebido ou fumado. Um dia me revoltei e
falei que iria sair de casa. Pensei que ela fosse falar para
eu ficar, fazer todo aquele dramalhão habitual, mas não,
arrumou minhas malas e disse que se eu não estivesse
satisfeita podia procurar outro lugar pra viver. Eu, como de
costume, baixei a cabeça, voltei do elevador, desfiz as
malas e guardei tudo em seus devidos lugares.
Em suas crises de descontrole, mamãe falava coisas
horríveis, como: “Eu nunca quis ter vocês”, “Não aguento
mais essa vida, preferia estar morta!”. Ela não tinha ideia
de como aquelas palavras dilaceravam nossos corações e
de como isso tudo nos marcaria para sempre.
Quando realmente saí de casa, ela implorou para que não
a abandonasse, era típico dela me fazer sentir culpada
quando eu deveria estar feliz. Aquela situação já tinha sido
postergada por muitos anos. Mas, finalmente, aos 30 anos,
depois de muito sofrimento e muita terapia, eu consegui
viver longe de seus domínios. Até hoje minha mãe faz esse
jogo sentimental comigo e com meus irmãos, mesmo
estando distante de nós. Para tentar levar uma vida afetiva
mais saudável tentei me afastar ao máximo, mas ela ainda
vive a me “assombrar”.
Pelo relato de Eduarda, não há dúvidas de que a relação com a mãe era bastante
conflituosa, o que a deixava absolutamente atormentada. Mães com transtorno de
personalidade borderline costumam apresentar muitas das características descritas
neste caso. A questão mais complexa é a influência direta e intensa que os sintomas
exercem na dinâmica familiar e na formação da personalidade dos filhos. Essa
influência sempre estará presente, entretanto ela poderá ser marcada de forma mais
ou menos acentuada, conforme o temperamento específico de cada filho. Como
visto no início do livro, o temperamento é responsável pela parte genética (herdada)
na formação de uma personalidade. Assim, como era de se esperar, os filhos que
carregam uma maior carga genética de uma personalidade borderline e que podem
abrir quadros semelhantes serão justamente aqueles que sofrerão mais com essa
convivência conflituosa e imprevisível.
Os tipos de mães borderlines também podem variar de acordo com os sintomas
mais marcantes que cada uma irá apresentar no contato íntimo com seus filhos. A
mãe de Eduarda era extremamente manipuladora porque na realidade sentia medo
intenso de sofrer abandono e de ser rejeitada. Na tentativa de obter controle sobre
todas as situações familiares, ela se utilizava da doença para justificar seus atos e,
assim, conseguir as coisas a seu modo. Apresentava também problemas de
impulsividade, como beber abusivamente, ter acessos de ira e tentar suicídio.
Traumas de infância costumam estar presentes nas histórias de mães borders. A
mãe de Eduarda perdeu o pai aos 6 anos e, aos 12, passou a conviver com um
padrasto alcoólico que, com frequência, espancava a mãe e a filha. Essas situações
traumáticas demonstram que a instabilidade familiar nas “futuras” mães borders
geralmente está presente em suas vidas desde muito cedo. Como parte da
personalidade também é “aprendida” por meio de exemplos e convivência, a mãe de
Eduarda absorveu uma forma disfuncional de relacionamento familiar e, de certa
maneira, reproduziu este padrão de comportamento quando teve sua própria família.
Seus parâmetros de amor e carinho eram bastante distorcidos, seus sentimentos
eram instáveis em relação às coisas, pessoas e a si mesma e, de forma previsível,
fez o mesmo com os próprios filhos.
Pessoas borders costumam ter outros transtornos como parte do quadro geral;
assim, é comum apresentarem depressão, ansiedade e até sintomas de fuga da
realidade. A mãe de Eduarda frequentemente vivia em um mundo paralelo de
fantasias e perfeição, apresentava também ideias paranoides em relação ao marido
e aos filhos e, por isso mesmo, era tomada por desconfianças súbitas em relação a
eles, amigas e outras pessoas do convívio. Eduarda até hoje tenta se restabelecer
dos danos causados pela mãe à sua identidade e autoestima. Ela não poderá
apagar sua história, mas entender o porquê de tantos conflitos e “maldades” poderá
ajudá-la a se libertar de sentimentos ruins e permitir que construa novas e
promissoras relações de afeto.
É fundamental saber identificar uma mãe com transtorno de personalidade
borderline; somente desta forma poderemos auxiliar seus filhos a lidarem com
diversas situações, sem que se tornem reféns, objetos afetivos ou ainda que venham
a sacrificar toda uma existência para ajudar uma mãe de personalidade tão
complexa.
TIPOS DE MÃES BORDERLINES
Apresento aqui quatro tipos de mães com personalidade borderline:
1. A “vitimizada” ou “sofredora”;
2. A “defendida” ou “medrosa”;
3. A “rainha” ou “autoritária”;
4. A “malvada”.
Não se pode esquecer que essa é uma classificação empírica, com fins didáticos,
que visa destacar os sintomas mais disfuncionais nas relações entre mães borders e
seus filhos, para que estes sejam objetivamente preparados em processo
psicoterápico (em geral, absolutamente necessário) ou, ainda, para que os mesmos
possam se valer do autoconhecimento o mais precocemente possível. Afinal,
entender o funcionamento mental de nossas mães é conhecer a nossa origem e
grande parte de nossa história. É importante destacar que uma mesma mãe
borderline costuma apresentar características comuns a outros tipos:
1. A mãe “vitimizada” ou “sofredora”
O sentimento essencial e predominante neste tipo é o desamparo, e a mensagem
que passam a seus filhos pode ser resumida pela seguinte frase: “A vida é pesada e
repleta de sofrimentos.”
A mãe vitimizada sempre se coloca em um papel de eterna sofredora. Utiliza-se
desse papel para manipular as pessoas ao seu redor, por meio dos sentimentos de
pena e piedade que despertam nelas.
Em diálogos com seus filhos costumam usar as seguintes expressões: “Depois de
tudo que passei, você ainda tem coragem de fazer isso comigo?”, “Preciso tanto de
vocês para me sentir melhor”, “Queria tanto ser uma mãe melhor para que você se
orgulhasse de mim!”...
Esse tipo de mãe sempre esconde um profundo sentimento de inferioridade e pena
por si mesma. Em seu histórico infantil costumamos nos deparar com maus-tratos,
negligências e até abusos. Na maioria das vezes, procuram maridos ou parceiros
que possam “tomar conta” de suas vidas e fazer tudo por elas.
As crianças que possuem esse tipo de mãe, em geral, são obrigadas a
amadurecerem de forma precoce, pois desde pequenas se sentem responsáveis
pelo bem-estar de suas mães. Os cuidados que essas mães dedicam aos filhos
costumam oscilar muito, ora com atenção excessiva, ora com negligência total. Seus
sentimentos pelos filhos flutuam de acordo com seus estados de humor. Para os
filhos é muito difícil entender esse “amor instável e imprevisível”, por isso o
sofrimento deles é muito intenso.
COMO LIDAR COM A MÃE “VITIMIZADA” OU “SOFREDORA”
Antes de qualquer coisa, é preciso entender que o sofrimento da mãe não é nem
deve ser o sofrimento dos filhos. Mães e filhos são indivíduos distintos e a mãe
sofrida não pode contaminar seus filhos com suas “dores” ou exigir que eles exerçam
um efeito medicamentoso sobre as mesmas. Nenhum filho, por si só, pode livrar sua
mãe border dos sofrimentos psíquicos. Isso é uma tarefa árdua e individual que cada
uma delas precisa enfrentar para que seja melhor como pessoa e,
consequentemente, como mãe.
Personalidades borders têm a tendência a distorcer os fatos a partir de suas
emoções exacerbadas; em função disso, seus sentimentos, mesmo que verdadeiros,
mostram-se exagerados e totalmente desproporcionais às situações ocorridas.
Outro aspecto a destacar, no que tange ao sofrimento dessas pessoas, é a
influência que as emoções hiperativadas exercem nos seus sistemas de memória.
Emoções intensas e negativas tendem a “formar calos” em suas lembranças e,
dessa forma, passam a ser ativadas e revivenciadas aos menores sinais de
sofrimento ou frustrações. Isto cria um ciclo vicioso de sofrimento, que se
retroalimenta de forma intensa e devastadora.
As mães vitimizadas tendem a usar seu sofrimento em um jogo de manipulação, o
que cria nos filhos intensos sentimentos de culpa. Os filhos, por sua vez, precisam
ser orientados a entenderem que não são culpados e que ao se sentirem assim,
além de sofrerem muito, acabam reforçando a manipulação que as mães exercem
sobre eles.
Apesar do que foi dito sobre a mãe vitimizada, existem momentos bons que podem
e devem ser aproveitados ao seu lado. É importante para toda a família desfrutar
desses momentos agradáveis, nos quais doses generosas de carinho são
observadas e, principalmente, saber separá-los dos momentos mais difíceis e
desagradáveis. Os filhos desse tipo de mãe devem aprender, desde muito cedo, a
não contar com a mãe, pelo menos como forma de sustentáculo afetivo que se
espera ou se idealiza das mães em geral. Viver esperando que suas mães exerçam
essa função é alimentar expectativas irreais, que só irão gerar intensos sentimentos
de frustração e de menos-valia. O acompanhamento psicológico dessas crianças
deve ser feito o mais precocemente possível, uma vez que elas precisam ter suas
individualidades reforçadas e bem-trabalhadas para não se “contagiarem” com os
infindáveis sofrimentos de suas mães.
2. A mãe “defendida” ou “medrosa”
O sentimento essencial e predominante deste tipo de mãe é o medo da rejeição ou
do abandono dos filhos. A mensagem que passam a eles, em função do receio de
perdê-los, pode ser expressa pela seguinte frase: “A vida é repleta de perigos e
somente eu posso ajudá-los a preveni-los.”
As mães defendidas ou medrosas se incumbem de ser guardiãs incansáveis de
seus afetos mais preciosos. Elas sentem muito medo de que coisas desagradáveis
possam ocorrer a si e a sua família e passam a imagem de que o mundo é muito
mais assustador do que realmente é. Com frequência são extremamente
supersticiosas e se valem de “proteções” fantasiosas. Mães desse tipo tendem a ser
mais reservadas que as mães vitimizadas; evitam a convivência social em grupos e
vivem em seus mundos onde se julgam protegidas. Dentro dessa redoma de vidro,
que constroem para si e para sua família, se mostram possessivas e controladoras,
chegando até mesmo a estabelecer uma relação simbiótica com suas crianças,
pautada em ansiedade, insegurança e necessidade de superproteção.
De forma contrária aos seus sentimentos internos de medo e insegurança, essas
mães se mostram externamente seguras e inabaláveis; dificilmente se permitem
“baixar a guarda”, como se estivessem sempre preparadas para o que der e vier.
Em geral, não demonstram suas emoções para não se mostrarem vulneráveis. Os
filhos das mães borderlines do tipo medrosa/controladora crescem aprendendo que
o mundo é um lugar perigoso, onde não se pode confiar em ninguém, somente em
suas próprias mães. Eles se sentem inseguros e não sabem muito bem o que temer
verdadeiramente, pois suas funções autoprotetoras não puderam ser plenamente
desenvolvidas.
Sobre essa relação entre uma mãe border “defendida” e sua filha, observem a
seguinte situação vivenciada em consultório:
Roberta tem 20 anos, é filha única e mora com os pais na
cidade do Rio de Janeiro. Helena, sua mãe, reclama que
ela não sabe se organizar, perde coisas, dorme demais, sai
pouco, não cumpre prazos... e emenda: “Não que ela seja
irresponsável, ela tem potencial, é uma ótima menina, mas
não sabe se virar sozinha.”
Roberta rebate: “Ela não deixa eu fazer nada! Quando eu
vou fazer ela já fez... e depois ainda reclama!”
Helena continua: “Eu preciso verificar a bolsa dela o
tempo todo, senão ela esquece tudo, doutora, leva só
coisa errada. Eu tenho que ficar atrás dessa garota, senão
ela não faz nada!”
Roberta, visivelmente irritada, se cala.
Helena diz: “Sabe, doutora, ela é uma menina ótima,
inteligente, bonita, cheia de capacidades, mas eu fico
muito preocupada porque ela não faz nada sem mim...
Aliás, lá em casa, são dois... ela e o pai... se não fosse eu
não sei o que seria deles.”
Roberta reclama que não tem espaço nem para pensar
sozinha. Que a mãe mexe nas suas coisas, vasculha seus
e-mails, celular, interfere nas suas roupas, programas e dá
palpites em quem ela deve namorar.
A situação ficou pior quando Roberta manifestou sua
vontade de fazer intercâmbio. Helena é totalmente contra e
diz que o pai está apoiando a menina, o que na opinião
dela é um absurdo: “Ela não está madura para encarar a
vida e seus perigos. Se ela não dá conta das coisas aqui,
debaixo da minha asa, imagine lá no exterior, sozinha? Vai
se perder no primeiro aeroporto... ela não tem a menor
condição de ir. Se continuarem a insistir nessa ideia, já
falei, não contem comigo!”
O pai de Roberta encara a situação como uma
oportunidade de crescimento para a filha. Ela poderá
melhorar a autoestima e se sentir segura perante a vida,
capaz de tomar decisões longe das “raias controladoras”
da mãe.
Roberta agora está de malas prontas e vai viajar. Sua
mãe passou por fases de raiva, choros, agressões,
ameaças e ficou sem falar com ela. Para Helena, hoje o
momento é de grande sofrimento e tristeza. É um
sentimento de “perda”. Não exatamente da filha, mas
talvez de seus objetivos. Afinal, quem ela irá controlar?
COMO LIDAR COM A MÃE “DEFENDIDA” OU “MEDROSA”
Agir com hostilidade, rebeldia ou preocupação excessiva só vai contribuir para
aumentar a hostilidade e o controle desse tipo de mãe. A chave da relação com a
mãe medrosa/controladora é o distanciamento. Isso é fundamental para que os filhos
sejam capazes de saber quais são os seus próprios receios, medos e inseguranças.
Somente desta forma será possível distinguir seus verdadeiros sentimentos, caso
contrário eles sempre serão meros reflexos das angústias e fantasias de suas mães.
Para que essa individualização possa ocorrer de forma positiva, é importante,
especialmente nos processos de terapia, reforçar racionalmente o que o filho é
capaz de fazer por si mesmo e desmistificar os medos infundados, que foram
incutidos ao longo de sua vida.
Se voltarmos ao caso de Eduarda, observaremos que sua mãe apresenta traços
bem marcados dos perfis maternos descritos até aqui. Porém, de forma mais atenta,
é possível notar que ela se encaixa, principalmente, no perfil da mãe
vitimizada/sofredora, já que algumas de suas características são menos intensas e
frequentes que a da mãe defendida/medrosa. Ela usava e abusava do jogo da culpa
para manipular os filhos, que por sua vez tinham que compreender e aceitar todos os
comportamentos disfuncionais de sua mãe, em face da doença que lhe trazia muito
sofrimento. Por outro lado, em determinadas ocasiões, a mãe de Eduarda criava um
mundo próprio, onde se mostrava feliz, segura e dona de um lar perfeito. Esse
mundo, no entanto, só existia quando ela recebia suas amigas. Na verdade, ela tinha
um medo profundo de ser rejeitada ou mesmo abandonada por elas.
3. A mãe “rainha” ou “autoritária”
Os sentimentos essenciais e predominantes nesse tipo de mãe são a vaidade e o
egoísmo. E a mensagem que elas passam para seus filhos pode ser definida pela
seguinte frase: “A vida se resume a mim e, para que você seja bem-sucedido,
deverá se espelhar em mim.”
Sabe aquele ditado: “Tal mãe, tal filha?” Ele se aplica muito bem quando se deseja
definir o que a mãe rainha (autoritária/egocêntrica) quer de seus filhos,
especialmente de sua filha. Ela cria a filha para ser um pequeno protótipo seu e isso
é tudo que importa.
Um personagem cinematográfico que exemplifica essa relação é a mãe de Violeta
Beauregarde, uma das cinco crianças que conseguem achar o bilhete premiado para
visitar a fábrica de chocolate no filme A fantástica fábrica de chocolate (2005), de
Tim Burton, protagonizado pelo ator Johnny Depp. Violeta é uma esportista,
extremamente competitiva e uma réplica exata de sua mãe. Ambas são gananciosas,
egoístas, egocêntricas e com um gosto exacerbado pela fama. Elas são capazes de
qualquer coisa para ganhar a competição.
A mãe autoritária/egocêntrica costuma ser extrovertida e demanda toda a atenção
que puder atrair para si e, na maioria das vezes, intimida os outros com seu jeito
pouco gentil e arrogante. Para esse tipo de mãe, seus filhos podem até não ser
exatamente como ela, mas faz questão que eles se espelhem nela ou sigam suas
orientações para chegarem ao topo.
Essas mães vivem em constante estresse por melhores performances. Como
resultado elas costumam apresentar sintomas físicos, como enxaqueca, fibromialgia,
espasmos musculares, úlcera, colite e problemas no sistema imunológico. Sua
grande preocupação é com sua imagem e de suas crianças. Adora receber elogios,
especialmente quando estes são direcionados somente a ela. Seus filhos costumam
sofrer com a sensação de que nunca são bons o bastante, já que o nível de
exigência de suas mães é sempre muito alto.
COMO LIDAR COM A MÃE “RAINHA” OU “AUTORITÁRIA”
Sabemos que é muito difícil estabelecer certos limites com a figura materna.
Aprendemos desde muito cedo que a nossa mãe é a pessoa em quem devemos
confiar cegamente e, em tese, ninguém irá nos amar mais do que ela. Além disso, a
ideia que a maioria de nós tem sobre as mães é de que sempre estarão em busca
do melhor para os filhos.
No caso da mãe rainha, ela procura o que é melhor para si mesma e não
necessariamente para suas crianças. É fundamental trabalhar o processo de
individualização desses filhos e, para isso, a abordagem psicoterápica será mais
eficaz quanto mais conseguir reforçar os sentimentos referentes a quem eles são, o
que eles querem realmente e o que eles não querem de forma alguma. Eles
precisam entender que são pessoas diferentes de suas mães e que ser assim pode
ser muito bom também. É possível ser bem-sucedido e amado sem se tornar uma
simples marionete maternal.
4. A mãe “malvada”
O sentimento básico da mãe border malvada é uma raiva aniquiladora e perversa.
E a mensagem que essas mães passam a seus filhos pode ser resumida na seguinte
frase: “A vida é uma guerra, onde os fracos não têm vez e somente os fortes
sobrevivem.”
O trecho da composição Uma canção desnaturada, de Chico Buarque, e
magistralmente interpretada por Maria Bethânia, cai como uma luva para ilustrarmos
esse perfil maternal:
Deixar-te arder em febre, curuminha
Cinquenta graus, tossir, bater o queixo
Vestir-te com desleixo
Tratar uma ama-seca
Quebrar tua boneca, curuminha
Raspar os teus cabelos
A mãe malvada é a mais fácil de ser exemplificada através de novelas ou filmes,
elas são as personalidades como a madrasta da Cinderela ou da Branca de Neve
ou, ainda, a Nazaré, vivida por Renata Sorrah na novela Senhora do Destino. Os
exemplos são inúmeros e todos eles revelam uma personalidade borderline grave
com franca comorbidade na forma de atitudes psicopáticas e/ou antissociais.
O caso de Kelly, relatado no Capítulo 4, mostra que sua mãe apresenta esse perfil.
A mãe malvada tem a habilidade de detectar as áreas de vulnerabilidade das
pessoas, é extremamente punitiva e sadicamente controladora com seus filhos.
Frequentemente sentencia: “Você vai se arrepender disso! E merece sofrer muito”,
“Sou sua mãe e tenho direito de controlar tudo em sua vida”, “Você vai me pagar
caro por isso”, “Eu poderia te matar, quem deu a vida pode tirar”...
São sempre vingativas e costumam quebrar e destruir objetos de valor de outras
pessoas com o intuito de fazê-las sofrer. Seus ataques de fúria são aterrorizadores
e elas gostam que eles assim o sejam, pois isso as ajuda a submeter e subjugar os
filhos e as demais pessoas com as quais mantêm relações mais próximas.
O que diferencia a malvada das outras borderlines é a crueldade consciente e a
falta de escrúpulos que caracterizam a maioria dos seus comportamentos. Julgam
que os filhos são suas propriedades e, por essa razão, podem fazer o que bem
quiserem com eles. Esse tipo de mãe apresenta pouca resposta aos tratamentos de
forma geral e seu prognóstico costuma ser muito ruim. São as mães mais difíceis de
se relacionar, que causam as maiores feridas emocionais aos seus filhos, e quase
todas elas impossíveis de serem cicatrizadas. O grau de suas perversidades pode
variar muito, desde agressões verbais violentas até maus-tratos e torturas físicas a
seus filhos e, infelizmente, infanticídio.
Em outubro de 1994, a americana Susan Smith, de 23
anos, avisou a polícia que um negro havia roubado seu
carro e levado seus filhos, Michael Daniel, de 3 anos, e
Alexander Tyler, de apenas 14 meses.
O caso ganhou notoriedade internacional depois que ela
concedeu diversas entrevistas na TV, com apelos aos
prantos, para que a população a ajudasse a encontrar as
crianças e o sequestrador. Muitas correntes e vigílias de
orações foram feitas, causando comoção.
No entanto, após uma investigação intensiva, Susan
falhou em dois testes de detector de mentiras (polígrafo) e
alguns dias depois confessou ter atirado o carro num lago
e afogado as crianças. Ela alegou ter feito isso porque seu
namorado, Tom Findlay, não queria ficar com uma mulher
que já tinha filhos de outro casamento. Desde então, ela
tinha passado a odiar os meninos.
Em julho de 1995, Susan Smith foi condenada à prisão
perpétua, mas pode receber liberdade condicional em
2024.
COMO SOBREVIVER À MÃE MALVADA?
O segredo de como lidar com essa mãe é valer-se do desarmamento e não do
ataque. Ela nunca deve se sentir sem saída ou sob o controle de outra pessoa, pois
nessas situações irá reagir com ataques de fúria totalmente descontrolados. O
melhor a fazer é manter-se o mais distante possível e intervir o mínimo na vida dela.
Filhos de mães assim não devem esperar que um dia elas lhes deem amor e
aconchego. Esse afeto poderá acontecer em suas vidas, mas vindo de outras
pessoas capazes de retribuir esses sentimentos. O grande desafio será identificar
essas pessoas e valorizar, respeitar e preservar as relações pautadas nessa
afetividade saudável. E isso ocorre porque o padrão afetivo dos filhos de mães
malvadas costuma ser bastante distorcido pelos longos anos de sofrimento em que
conviveram com elas. O distanciamento dessas mães deve ser absoluto, tanto físico
quanto emocional; somente dessa forma pode-se pensar em um tratamento efetivo.
Em geral, ir morar com outro parente ou mesmo sozinho, quando não se é mais
criança, pode ser uma boa solução. Quando a mãe malvada é identificada por uma
equipe médica, ou de assistentes sociais e psicólogos que assistem crianças,
medidas legais devem ser tomadas para evitar que o pior aconteça.
Os profissionais da área de saúde têm a obrigação de acionar o Conselho Tutelar
e até mesmo o Ministério Público para garantir a proteção física e emocional dessas
crianças. Em muitos casos deve-se reduzir a interação com a figura materna a zero,
ou seja, não se deve falar, encontrar ou ter qualquer tipo de contato com ela, pois
isso só vai remeter a sentimentos ruins nos filhos.
É necessário também que os órgãos responsáveis pela proteção de crianças, os
familiares e os próprios filhos quando maiores entendam que esse perfil de mãe
nunca irá mudar o suficiente para ser uma influência minimamente afetiva ou segura.
Pode, à primeira vista, parecer uma postura radical, mas essa é a única forma de
amenizar o sofrimento que elas geram em seus filhos. O lado “bom” das mães
malvadas nasceu morto, ele é falso e volátil e surge apenas quando ela quer enganar
ou iludir os outros.
Epígrafe
Eu já não consigo mais viver dentro de mim,
e... viver assim é quase morrer
Venha me dizer sorrindo que você brincou
e que ainda é meu, só meu o seu amor
Hoje mais um dia de tristeza para mim passou,
nem o meu olhar nada se alegrou
Sinto-me perdido no vazio que você deixou,
nada quero ser, já nem sei quem sou
IMPOSSÍVEL ACREDITAR QUE PERDI VOCÊ
— Márcio Greyck
CAPÍTULO 6
“PISANDO EM OVOS”: AS RELAÇÕES
INTERPESSOAIS NO UNIVERSO BORDERLINE
Diante de tudo que foi exposto acerca do funcionamento essencial da personalidade
borderline e seus sintomas disfuncionais mais frequentes, podemos imaginar o quão
perturbadoras e caóticas podem ser as relações interpessoais e afetivas dos
borders.
Na maioria absoluta dos casos desse transtorno, os sintomas citados ao longo do
livro começam a se manifestar de forma clara e disfuncional no final da adolescência
e no início da vida adulta. E isso não ocorre por acaso, uma vez que é nessa época
da vida que experimentamos as primeiras relações amorosas e suas sensações de
paixão e sofrimento e as inevitáveis frustrações que as acompanham. Quando somos
jovens, o “amor” é algo extremamente idealizado e fantasiado, e isso faz com que os
amantes de primeira viagem se comportem como se fossem personagens de
histórias amorosas de filmes, novelas ou romances ficcionais. Clássicos como
Romeu e Julieta, ou mesmo filmes mais recentes como os da saga Crepúsculo,
evidenciam o quão intenso, mágico e sofrido pode ser o amor vivido na juventude.
Se para todos os jovens essa experiência afetiva costuma ser tão repleta de
emoções e sentimentos marcantes, o que dizer dos jovens borderlines?
Hipérbole talvez seja a figura de linguagem mais adequada para definir as primeiras
vivências amorosas dessas pessoas, pois é a denominação linguística do exagero,
do muito, ou melhor, do muito de algo que, por si só, já é grande. Quando se trata
de paixão, os borders são capazes de senti-la em lente de aumento e, por isso
mesmo, transitam entre o céu e o inferno que as emoções descontroladas podem
ocasionar. É nesse efeito montanha-russa, advindo da paixão, que a personalidade
border se revela em sua plenitude. A frustração provocada por uma briga ou mesmo
um término de namoro costuma ser o gatilho mais comum para que os borders
mostrem toda a sua disfuncionalidade afetiva. Nessa fase de ruptura amorosa, eles
costumam abusar de substâncias químicas (álcool, drogas e remédios controlados),
desenvolver transtornos alimentares (anorexia ou bulimia nervosas), apresentar
sintomas depressivos importantes e até mesmo atentar contra a própria vida. É
nessa fase que a busca por ajuda profissional acontece, em geral por familiares
(mãe, pai, irmãos) e amigos mais próximos que ficam bastante apreensivos com a
mudança repentina e profundamente autodestrutiva que essas pessoas passam a
exibir.
A VIDA AFETIVA DOS BORDERLINES
Para que o leitor entenda as profundas dificuldades afetivas vivenciadas pela
personalidade borderline, é preciso explicar a essência de toda essa
disfuncionalidade. Como já dito, essas pessoas apresentam instabilidade de humor,
hiper-reatividade frente aos pequenos ou insignificantes problemas do dia a dia,
baixíssima autoestima, acessos de raiva frequentes e, sobretudo, um senso de
identidade inconsistente. Todas essas características são capazes de tornar as
relações interpessoais muito difíceis; no entanto, a que mais me chama a atenção, e
que, no meu entender, faz das relações interpessoais dos borders uma verdadeira
montanha-russa com loopings intermináveis, é a ausência de identidade que esses
indivíduos apresentam. Ausência talvez seja uma palavra forte demais e não traduza
a situação com precisão, por isso achei mais adequado utilizar a expressão fluidez
de identidade ou identidade fluida para essa fragilidade pessoal das personalidades
borders.
É exatamente desta forma que percebo todo o universo de insegurança, medo e
desespero que os borders manifestam em suas relações, especialmente as mais
íntimas e significativas. Sem saberem quem realmente são, do que são capazes e
de como devem se portar para agradar os demais e evitar a rejeição, esses
indivíduos tendem a ver no outro partes ou características que gostariam de ser ou
possuir. Assim, costumam “aderir” às pessoas que admiram, de forma real ou
idealizada, estabelecendo com elas laços de dependência que visam compor uma
identidade não encontrada dentro de si mesmas. Habitualmente, essa identidade é
“importada” de alguém com quem o contato afetivo é mais próximo e recente.
Também pode ocorrer dessa identidade ser composta por características diversas
“importadas” de várias pessoas, especialmente quando um border frequenta um
grupo novo de amigos. Neste último caso, sua identidade se assemelha a uma
colcha de retalhos costurada a partir das características valorizadas de cada
indivíduo de seu convívio. O border assume a maneira de se vestir de um, a forma
de falar e os conteúdos teóricos de outro, e assim sucessivamente, até que se
componha algo semelhante ao que ele interpreta ser um conjunto de qualidades
bem-aceitas com chances reduzidas de abandono e/ou rejeição.
Em função dessa fluidez de identidade, o border tende a incorporar, de maneira
intensa e muito rápida, hábitos, valores e comportamentos das pessoas com as
quais estabelece relações afetivas, especialmente daquelas com quem desfruta de
um convívio mais frequente.
É comum a pessoa border virar pagodeira, vegetariana, budista, evangélica,
naturalista, desportista, capoeirista ou umbandista ao namorar alguém com algumas
dessas práticas.
A identidade fluida revela a maior das feridas dos borderlines: uma total
incapacidade de coexistirem dentro de si mesmos, gostarem de ser quem são e de
exercerem o seu eu mais verdadeiro e profundo.
Em “não sendo”, essas pessoas vivem e se relacionam como seres voláteis, que
estão em constante mudança de estados emocionais. Para os borders não há meiotermo quando se trata de relacionamentos interpessoais; vivem em eterna dicotomia
afetiva, que oscila o tempo todo entre dois polos: amam ou odeiam, idolatram ou
abominam, conforme se julgam protegidos ou rejeitados pelas pessoas de seu
convívio. Esse idolatrar e posterior odiar e desconfiar permeiam todos os
relacionamentos dos borderlines, tornando a convivência frequente com eles algo
absolutamente instável, desgastante e, muitas vezes, adoecedor. E é exatamente
por isso que as pessoas mais chegadas costumam dizer que esse convívio é um
eterno “pisar em ovos”. Essas mudanças repentinas no trato com os indivíduos ao
seu redor estão sempre associadas a percepções e julgamentos distorcidos que os
borders fazem em relação aos comportamentos dos familiares, amigos ou colegas
de trabalho. Lidar com os borders cotidianamente é uma experiência bastante
exaustiva.
AS RELAÇÕES AMOROSAS DOS BORDERS
E é por isso que eu falo demais
É por isso que eu bebo demais
E a razão por que vivo essa vida agitada demais
É porque meu amor por você é imenso
O meu amor por você é tão grande
É porque meu amor por você é enorme demais
(Demais, de Tom Jobim e Aloysio Oliveira)
Os relacionamentos amorosos dos borderlines não poderiam deixar de apresentar
as mesmas características dos relacionamentos interpessoais que englobam
contatos mais frequentes e/ou íntimos, uma vez que são pautados nos mesmos
moldes. A maneira de ser dos borders (impulsivos, hiper-reativos, instáveis),
geralmente, leva a relações tempestuosas, conflitantes e autodestrutivas. Essas
pessoas exigem constantemente a atenção do parceiro e necessitam desse amor
para preencherem a sensação crônica de vazio e legitimar sua própria existência.
Tentam a todo custo vigiar e controlar os passos e pensamentos do outro pelo medo
excessivo do abandono. No entanto, as tentativas de controle exacerbado aliadas às
demais características dos borders são geradoras de brigas, humilhações e ações
desrespeitosas frequentes e extremamente desgastantes para o casal. Dessa
forma, os borders criam um ciclo vicioso de rejeição, que faz com que o parceiro se
afaste e torne a relação insustentável. Assim, aquilo que eles mais temem se
concretiza de fato. Para o border, perder o outro é perder a si mesmo, é deixar de
ser.
Ainda na vida a dois, os borderlines costumam apresentar intenções de ser
amantes protetores e cuidadosos já nos primeiros encontros e, como consequência
dessa postura, exigem que o parceiro compartilhe fatos extremamente íntimos de
épocas passadas e atuais. Solicitam que o outro passe muito tempo junto deles e
usam diversas artimanhas para conseguir esses feitos. De forma paradoxal, tais
pessoas, ao terem todas as suas solicitações atendidas por seus parceiros recentes
e, em geral, apaixonados, agem como se tudo fosse pouco e insuficiente e, ao
mesmo tempo, não se sentem empaticamente dispostas a retribuir todas as
concessões recebidas. Na matemática amorosa dessas pessoas, elas têm tudo para
receber e bem menos a doar.
Na peça teatral que é a vida amorosa dos borders, eles são sempre os astros
principais e todos os demais são atores coadjuvantes que devem estar prontos para
apoiá-los nos seus “solos” dramáticos e intensos. Possuem um ego infantil e
temperamental que não tolera a separação, a ausência e o vazio e lidam com essas
situações com desespero, angústia e muita impulsividade. Demonstram total falta de
bom-senso e equilíbrio para superar os conflitos básicos inerentes às trocas
amorosas.
Se pensarmos no amor verdadeiro como um elo forte que existe e conecta o
melhor e o mais sincero de uma identidade a outra, podemos entender a grande
dificuldade que a personalidade borderline tem para amar de verdade. Com uma
identidade pouco consistente, fluida em sua essência e, por isso mesmo, instável, a
construção, o estabelecimento e a manutenção dessa “ponte” de emoções e
sentimentos com o outro se tornam algo muito difícil de acontecer. Tal qual os
castelos de areia construídos à beira-mar, o “amor” borderline é sujeito às ondas do
mar que, inevitavelmente, desmancham seus alicerces. De forma semelhante, a
identidade fluida dos borders vive à mercê das ondas emocionais que se formam
constantemente em seus interiores.
Da mesma forma que o border oscila quanto à percepção e ao juízo que faz do
outro, ele também se avalia e se autopercebe de maneira bastante instável. Sua vida
é repleta de súbitas mudanças de opinião, planos, carreiras profissionais, valores,
escolhas de amizades e até de parceiros sexuais.
Mesmo mostrando tamanha complexidade no campo das relações amorosas, os
borderlines, em geral, apresentam uma vida a dois significativa; a maioria tem boas
histórias de amor para contar, mesmo que muitas delas tenham durado pouco
tempo. Mas uma coisa é certa: nenhuma delas foi monótona, pois, em se falando de
amor e border, o que não falta é emoção, intensidade e muitos “acontecimentos”!
Pessoas borders, porém, costumam atrair nas suas relações amorosas parceiros
com determinados perfis de funcionamento mental que tendem a se moldar aos seus
sintomas mais disfuncionais. Como exemplos dessas relações interpessoais de
caráter mais íntimo, destaco os perfeccionistas com “traços” obsessivocompulsivos,12 os narcisistas e os psicopatas (dentre eles estão os leves, os
moderados e os graves).13
Para que haja um melhor entendimento sobre essas parcerias, procurei detalhar,
mesmo que de forma resumida, um pouco mais sobre cada uma delas:
1. Os perfeccionistas com traços obsessivo-compulsivos, por serem mais
reprimidos, organizados e pouco habilidosos nas manifestações emocionais, podem
facilmente se encantar e até mesmo se seduzir pelos borders. Enxergam neles uma
exuberância de emoções, que podem servir de ingredientes necessários para que
consigam também exprimir suas insatisfações, frustrações e até mesmo a
agressividade.
Para indivíduos muito certinhos, a convivência com o universo border,
especialmente no início da relação, pode configurar um grande espetáculo artístico
de luzes, cores, ação e muita emoção. Além dessa sedução pelo jeito superlativo
dos borders, os perfeccionistas se julgam capazes, por meio de seu amor e caráter
retilíneo, de suprirem afetivamente todas as dificuldades existenciais que o parceiro
border possui e almejam transformá-lo em uma pessoa mais estável e adequada.
Porém, o grande problema do perfeccionista é entender que existem coisas que não
dependem dele, essa personalidade busca de forma obsessiva a superação e a
“vitória” sobre seus desafios. Para o border, o perfeccionista representa o incansável
porto seguro, onde ele pode atracar suas inseguranças e vazio interno. Já para o
perfeccionista, a pessoa border é o objetivo maior a ser alcançado, a obra preciosa
em estado “bruto”, ainda a ser lapidada e finalizada com trabalho duro, mas que será
recompensador.
O caso a seguir ilustra bem essa união entre um perfeccionista (obsessivo) e uma
borderline:
Gabriel e Marcela começaram a namorar ainda no
período de faculdade. Ele fazia Engenharia e ela,
Farmácia. Gabriel era estudioso, superorganizado,
certinho, reservado e muito preocupado com o bem-estar
da família (pais, irmãos e, mais recentemente, uma
sobrinha). Marcela, embora bastante inteligente, era
desorganizada, faltava às aulas, esquecia os horários,
fumava maconha, tinha pouco contato com a família, mas
era sempre atenciosa com Gabriel. De certa forma, ela
sempre movimentava a relação com surpresas e aventuras,
quebrando a rotina de poucos prazeres de Gabriel e
trazendo outro sentido à vida dele.
Em pouco tempo se formaram, Gabriel começou a
trabalhar numa boa empresa, se casaram e alugaram um
apartamento
para
viver
como
dois
pombinhos
apaixonados.
O tempo passou e Marcela não parava em empregos, foi
se mostrando cada vez mais intempestiva, de humor
instável, ciumenta, e se enfurecia quando algo não saía da
forma que esperava. Além da maconha, passou a beber e
usar tranquilizantes.
Gabriel, preocupado, cuidava das coisas dela, organizava
documentos, Imposto de Renda, contas etc. Tudo “como
manda o figurino”; só queria vê-la feliz.
Vez por outra, Marcela dormia fora de casa, motivo de
muitas brigas e separações do casal, mas sempre voltavam
às boas quando ela, desesperada, ligava obsessivamente
dizendo que a vida não fazia sentido sem ele e que
pensava em se matar. Gabriel se sentia culpado pelo
fracasso na relação; imaginava que se ela agia assim era
porque ele não tinha conseguido suprir suas carências.
Gabriel a acolhia e cuidava de sua mulher tal como uma
missão de vida. Ele precisava vencer essa batalha de
pegar uma pessoa totalmente descarrilada e colocar nos
trilhos novamente.
2. Os narcisistas e os psicopatas14 apresentam bastantes características de
personalidade em comum. Dentre elas destaco o egocentrismo, a vaidade e a
megalomania, como os principais componentes responsáveis por suas
autopercepções distorcidas e com descabida valorização de si mesmos. Para estes
indivíduos não existem seres mais inteligentes, perspicazes e irresistíveis que eles.
Na relação afetiva com o outro, os narcisistas e os psicopatas buscam,
respectivamente, valorização/adoração pessoal e “súditos” a serviço dos exercícios
de suas vontades, manipulações e prazeres. Dessa forma, podemos concluir que
não existe qualquer empatia para com seus parceiros. Estes são meros objetos em
uma convivência que resulta em quase tudo, menos no exercício de uma afetividade
qualitativa, em que ambos os parceiros deveriam se desenvolver positivamente.
Diante do que foi exposto sobre esses indivíduos, a ligação dos borders com essas
personalidades é facilmente explicável. Os borders enxergam os narcisistas como
pessoas fortes e possuidoras de autoestima elevada e, portanto, aptas a lhes
fornecer um molde existencial a ser admirado e seguido. Com relação aos
psicopatas, essa visão de uma personalidade bem “constituída” ou “estruturada” é
maior ainda, pois, além de se mostrarem egocêntricos e megalomaníacos, eles
costumam apresentar uma eficácia na execução de seus objetivos práticos,
especialmente os de caráter material, e grande habilidade na sedução afetiva. De
forma quase hipnótica, as pessoas borders enxergam esses parceiros ideais para
dar consistência a sua existência, além de se sentirem “importantes” como
coadjuvantes na caminhada deles rumo à obtenção de seus objetivos. Os borders se
prestam a tudo e suportam violências psicológicas e/ou físicas para auxiliar os
parceiros a realizar sonhos de ascensões profissionais e sociais, numa nítida ação
desenfreada que visa evitar, a qualquer custo, o abandono. Com um mínimo de
racionalidade, podemos concluir que os ingredientes que compõem as parcerias
amorosas entre essas personalidades são, em sua maioria, idealizações e fantasias
por parte dos borders que, de forma alguma, se constituem em relações sólidas e
interações “amorosas” verdadeiras.
O caso a seguir mostra uma relação entre uma mulher borderline e seu parceiro,
cujo perfil é muito compatível com um psicopata:
Vanessa e Sérgio são casados há quase 16 anos e têm
uma filha de 13. Ele é um homem inteligente, muito
vaidoso, elegante e empresário bem-sucedido no ramo
imobiliário. Ela, uma mulher bonita, artista plástica
talentosa, mas muito ciumenta, possessiva e que já tentou
suicídio. Sérgio vive em negociações escusas em sua
empresa e, por inúmeras vezes, Vanessa ouviu conversas
sobre falsificações de documentos, corrupção, contas
bancárias no exterior e até mesmo sobre ligações com
pessoas muito perigosas. Ela também sabe que Sérgio
mente de forma contumaz e tem relacionamentos com
outras mulheres.
Vanessa vive fazendo cobranças, que geram brigas
homéricas, muitas vezes com agressões físicas.
Extremamente passional, ela não consegue se conter
diante das traições do marido e, em momentos de
descontrole, faz ameaças de contar à filha e aos amigos
tudo o que sabe sobre as falcatruas dele. Em
contrapartida, Sérgio, insensível, pouco se abala com o
desespero de Vanessa, apenas diz que se ela abrir a boca
estará encrencada também, já que eles são casados. Além
disso, irá perder a vida confortável e desestabilizar a filha.
Certo dia, a filha teve uma conversa franca com Vanessa.
Disse que não era mais criança e sabia muito bem o que
estava acontecendo, que o casamento era somente de
fachada para que seu pai pudesse mostrar à sociedade
uma família exemplar. Desconfiava que ele não era um
homem bom e não aguentava mais vê-la sofrer daquela
forma. Porém, não conseguia entender por que, depois de
tanto tempo, ela ainda se submetia a tantas humilhações:
“Mamãe, você ainda é jovem e muito talentosa, pode ser
independente, sem precisar do papai, eu estou do seu
lado”, disse a menina. Vanessa respondeu: “Não sei te
explicar, querida. Por mais que eu saiba disso tudo, eu
necessito do seu pai até para respirar, sou capaz de tudo
para ficar com ele. Não posso imaginar minha vida sem o
Sérgio.”
Vale a pena destacar aqui uma parceria amorosa que também pode ser englobada
na categoria border/psicopata. Esta diz respeito às mulheres que se apaixonam e
mantêm uma relação intensa e duradoura com homens condenados pela justiça, que
vivem em penitenciárias. Muitos deles são criminosos graves, que cometeram
homicídios diversos e com graus impressionantes de frieza e perversidade. Um dos
exemplos mais expressivos aqui no Brasil é o caso de Francisco de Assis Pereira,
conhecido como o Maníaco do Parque. Francisco foi responsável pela morte de
diversas mulheres jovens, em rituais sexuais que envolviam sedução manipulatória,
relações sexuais violentas e enforcamento das vítimas. O mais espantoso é que,
durante anos, Francisco foi “campeão” absoluto de cartas românticas que chegavam
ao presídio. Cartas de mulheres dispostas a se relacionarem e até se casarem com
o assassino confesso. Francisco chegou a se casar com uma delas no próprio
sistema prisional. Muitos outros presos recebem cartas com o mesmo teor
romântico e com propostas de namoro, casamento ou mesmo amizade incondicional.
Pode parecer absurdo o fato de estupradores ou assassinos em massa serem
desejados e disputados como parceiros de uma vida. Acredite, existem mulheres
dispostas a isso. O jornalista Gilmar Rodrigues, autor do livro Loucas de Amor,
durante quatro anos de pesquisas e entrevistas em presídios, acompanhou algumas
dessas mulheres e fez estudos das inúmeras trocas de cartas. Ele relata casos de
mulheres que fazem verdadeiros sacrifícios para estarem com seus “amores” nos
dias estipulados de visitas e como elas se sentem atraídas por eles. A maioria delas
acredita que os amados são seres especiais que foram injustiçados, e que podem
ter com eles uma vida plena e feliz quando forem libertados após o término de suas
penas.
Essas mulheres apresentam algumas características em comum: são bastante
permissivas e obsessivas em conseguir uma relação amorosa estável; apresentam
baixa autoestima e senso de identidade muito reduzido; buscam atenção exclusiva de
seus parceiros; tendem a fantasiar de forma intensa seus objetos de desejo, bem
como o rumo das relações. Apresentam, ainda, um perfil de cuidadoras e
provedoras familiares, têm no “amor” seu maior objetivo de vida e são bastante
focadas na obtenção desse fim. Costumam seguir preceitos religiosos que destacam
a importância do matrimônio, são de níveis variados de escolaridade e classes
sociais; muitas possuem história de abuso sexual na infância ou de negligência e, por
fim, todas têm a esperança fervorosa (quase como um movimento de fé) de
recuperar, mudar e transformar seu parceiro.
Se analisarmos bem as mulheres que se envolvem com psicopatas graves,
observamos que elas têm em sua essência comportamental a disfuncionalidade
afetiva, que pode ser resumida em dois aspectos principais:
1. A identidade afetiva quase inexistente.
2. A fantasia, quase delirante, de que são capazes de transformar o “mal” em
“bem”, por meio do “amor” que estão dispostas a dar, sem limites.
Aparentemente, essas mulheres diferem um pouco das borderlines descritas ao
longo do livro. Elas parecem mais centradas, determinadas e fortes no caminho de
recuperar e transformar seus amados, e de estabelecer com eles relações estáveis
e duradouras. No meu entender, todas são borders em essência, com suas
identidades fluidas, em busca de alguém a quem possam “aderir” e por ele viver. O
fato de escolherem homens que cumprem penas elevadas, a maioria com
condenação máxima, revela a maneira mais eficaz de “controlarem” e terem a
certeza de que seus amores não irão rejeitá-las ou abandoná-las. Os encontros
esporádicos (em geral, uma vez por semana) e de curta duração proporcionam uma
convivência rápida, superficial e desprovida de conflitos ou frustrações.
A ideia alimentada de serem responsáveis pela transformação desses homens em
“homens de família” dá a elas um poder ilusório que alimenta suas insignificantes
autoestimas. Mas, no fundo, são mulheres borders que, na outra face da mesma
moeda, apresentam o lado bem mais perigoso e doentio, pois, sem perceberem,
desistiram da vida real, dos amores possíveis e construtivos para se devotarem a
uma causa inglória e perdida.
Tudo isso me faz refletir que, se toda essa dedicação fosse canalizada a causas
justas e solidárias, possivelmente cada uma dessas mulheres poderia ser uma
espécie de Madre Teresa de Calcutá e, certamente, o mundo e a espécie humana
ganhariam muito com isso. Talvez um dia elas percebam que suas devoções ao amor
podem ser muito mais transformadoras tanto para elas quanto para milhares de
pessoas que precisam e merecem.
12 Livro Mentes e manias: TOC — transtorno obsessivo-compulsivo. Capítulo 10 “Cognição, organização e
transformação (COT)”, de autoria de Ana Beatriz Barbosa Silva.
13 The narcissistic/borderline couple: a psychoanalytic perspective on marital treatment, de Joan Lachkar, e
Women who love psychopaths, Sandra L. Brown.
14 Tema do livro Mentes perigosas: o psicopata mora ao lado.
Epígrafe
Vivo encantado de amor
Inebriado em você
Suave veneno que pode curar
Ou matar sem querer por querer
Essa paixão tão intensa
Também é meio doença
Sinto no ar que respiro
Os suspiros de amor com você
SUAVE VENENO
— Aldir Blanc/Cristóvão Bastos
CAPÍTULO 7
SER, ESTAR OU PARECER BORDERLINE:
TUDO SE ASSEMELHA, MAS CADA COISA TEM
SEU LUGAR
Antes de começarmos este capítulo devemos recorrer a um passado, nem tão
recente em relação à vida de cada indivíduo, mas muito próximo se pensarmos em
termos de espécie humana.
Indiscutivelmente somos animais com certo grau de sofisticação, no entanto nosso
cérebro, como o conhecemos hoje na forma Homo sapiens, é um órgão em plena
evolução, pois ele só completou 100 mil anos há pouco tempo. Parece muito tempo,
mas se compararmos aos dinossauros, que habitaram nosso planeta por 160
milhões de anos, concluiremos, sem qualquer esforço mental, que nossa estrutura
cérebro/mente ainda se encontra em plena infância na história evolucionária das
espécies. Portanto, nosso cérebro ainda é uma obra em andamento e, como tal,
está sujeita a adaptações e mudanças que o próprio processo evolutivo trará,
algumas positivas e outras nem tanto assim.
Como se não bastasse nossa condição de animais submetidos às regras universais
da evolução, ainda somos submetidos a diversas transformações biológicas durante
todo o processo de desenvolvimento individual, que se inicia no momento exato de
nossa concepção. Ou seja, aquela fração de tempo em que o espermatozoide e o
óvulo se encontram e acionam a cascata irreversível da “construção” de um
indivíduo. No momento da concepção, diferenças minúsculas na passagem de todo o
material genético materno e paterno para o novo ser podem gerar e resultar em
significativas diferenças no desenvolvimento final do complexo cérebro/mente de
cada pessoa.
Durante o crescimento do feto dentro do útero materno, milhares de alterações
biológicas podem ocorrer (devido a mudanças hormonais, alimentação, viroses, uso
de drogas, tabagismo, situações de estresse agudas ou prolongadas etc.), e todas
poderão gerar diferenças importantes no funcionamento cerebral futuro de cada
indivíduo. Além dessas barreiras, nosso cérebro passa por mais dois grandes
desafios em fase bem precoce:
1. Antes do nascimento (em média um a dois meses), o cérebro do feto passa por
um complexo processo de migração neuronal. Isto é, milhões de neurônios são
realocados para “fortalecerem” áreas nobres que serão mais exigidas na fase pós-
útero.
2. Logo após o nascimento, inicia-se um processo de “lapidação” neuronal,
reduzindo o número de células cerebrais. Não sabemos a razão exata dessas
mudanças, mas o fato é que elas ocorrem e nos expõem a toda a complexidade do
desenvolvimento cerebral até os primeiros meses de vida de um bebê.
Os desafios cerebrais não terminam após os primeiros meses do nascimento; na
realidade, a saga está apenas começando, e pode ser escrita e reescrita inúmeras
vezes, durante toda a vida. Uma das mais valiosas verdades da história de cada um
de nós é que a biologia cerebral (incluam-se aqui a bioquímica e a plasticidade) não
é plenamente determinada no nascimento, ela se desenvolve também em resposta
ao ambiente que se encontrará ao nosso redor. Isso significa que experiências vitais
positivas ou dolorosas deixam suas marcas não somente em nossas “almas”, mas
em nossa função cerebral.
Por tudo que foi visto até aqui, é possível afirmar que, seja por motivos inatos —
evolução da espécie, transmissão genética, processos cerebrais de ajustes
intrauterino e na fase do recém-nascimento —, seja pelos inevitáveis desgastes e
traumas da vida, todos podemos ter nossas fraquezas ou disfunções mentais. A
neuropsiquiatria, apoiada nos avanços da neurociência, está descobrindo que grande
parte do que julgávamos dever-se à má-educação ou a traumas infantis na verdade
sofre profunda influência da genética, da estrutura e da neuroquímica de nossos
cérebros.
Há quase um século Sigmund Freud afirmou: “Toda pessoa só é normal na média,
seu ego aproxima-se do psicótico em uma ou outra parte, em maior ou menor
extensão.” Hoje a neurociência prova que Freud estava certo: provavelmente inexiste
a pessoa “normal”, no sentido de ter um cérebro perfeito em que cada região e
função se harmonizem de forma igualitária. Esse cérebro perfeito talvez seja uma
impossibilidade lógica: uma pessoa genial ou muito talentosa em determinada área
de conhecimento ou habilidade se desenvolve como resultado de déficits (ou
fraquezas) em outra. Um gênio em matemática ou física em geral apresenta poucas
aptidões linguísticas ou habilidades sociais. De certa forma, “pagamos” pelo nosso
talento tanto cognitivo quanto emocional, com perdas “relativas” em funções mentais.
É o velho ditado popular: “Não se pode ter tudo na vida”, e isso não é
necessariamente ruim, se soubermos tirar o máximo de benefícios de nossos
talentos e, ao mesmo tempo, administrarmos nossas limitações e seus efeitos
desfavoráveis.
TRANSTORNOS SÉRIOS E SUAS FORMAS MAIS BRANDAS OU ATITUDES
PONTUAIS
Frente à complexidade da formação e do desenvolvimento cerebral, fica evidente o
quão difícil é o estabelecimento de um diagnóstico psiquiátrico em todas as suas
nuances. Muitas pessoas leigas costumam consultar tabelas de sintomas, ou realizar
testes empíricos em busca de respostas para suas angústias e seus desconfortos
vitais, incorrendo em erros. Quando nos deparamos com transtornos sérios e
graves, nos quais os sintomas são mais perceptíveis em intensidade e em
quantidade, a situação fica mais simples em termos de diagnóstico, pois os critérios
estabelecidos pelo DSM-IV-TR e/ou pela CID 10 são plenamente preenchidos.
Dessa maneira, o diagnóstico é estabelecido de forma inequívoca. Isso vale para
todas as alterações do comportamento humano, uma vez que a diferença entre o
diagnóstico clássico e francamente disfuncional ocorre de forma quantitativa e não
qualitativa como a maioria de nós poderia supor. Trocando em miúdos, poderíamos
afirmar que a maioria das pessoas apresenta algumas características de transtornos
mentais bem-estabelecidos, mas não em quantidade e intensidade para receberem
um diagnóstico preciso.
Em relação ao transtorno de personalidade borderline, muitas dúvidas podem
ocorrer quando observamos os diversos sintomas afetivos, comportamentais e
mesmo cognitivos que essas pessoas costumam apresentar. Ao ler o Capítulo 2,
onde uma visão mais detalhada desses sintomas é apresentada, muitos podem se
sentir confusos e se fazer as seguintes perguntas: “Será que meu ciúme exacerbado
me faz um border?”, “Será que aquele amigo sempre tão instável e dado a
explosões de raiva repentinas é borderline?”. Esses questionamentos são naturais e
costumam ocorrer quando percebemos que nós mesmos ou alguém de nosso círculo
de convivência íntima se encaixa bem em algumas características descritas no
transtorno de personalidade borderline, mas não em sua maioria. Em alguns casos,
inclusive, uma ou outra característica pode ser vista como o contrário do
comportamento observado em alguém ou percebido em si mesmo. O transtorno de
personalidade borderline varia grandemente em intensidade, nas características e na
forma como se manifesta. Isso sem deixar de considerar as variações típicas das
faixas etárias, como observamos nas crianças e nos adolescentes. Podemos afirmar
que existe uma espécie de “espectro borderline” que varia em tons e matizes que
vão desde o jeito de estar, parecer ou ser border.
— ESTAR BORDER
Eu vou contar pra todo mundo
Eu vou pichar sua rua
Vou bater na sua porta de noite
Completamente nua
Quem sabe então assim
Você repara em mim
(Nua, Ana Carolina e Vitor Ramil)
O estar border pode ser facilmente compreendido por qualquer um de nós que já
sofreu a dor de um amor desfeito. Nessas horas de frustração afetiva, as pessoas
tendem a apresentar humor instável e depressivo, ter acessos de saudade, raiva,
mágoa, sentimentos autodepreciativos, hipersensibilidade emocional e a sensação
de que a vida não tem graça sem nosso amor perdido. É a clássica fossa, a dor de
cotovelo ou a deprê do pós-término. Nesse momento de vida, todos experimentam
um estado border de ver e sentir a vida. É a fase do muito: muita choradeira, muita
vontade de ficar sem fazer nada, muita música triste, muito pensamento negativo,
muita lembrança, muita saudade, muita dor... O estar border sempre se restringe a
uma situação, na qual nos sentimos rejeitados, fortemente frustrados ou
demasiadamente estressados. Passado algum tempo, pouco em geral, tendemos a
nos reorganizar e seguir em frente.
Um exemplo de uma pessoa em estado border pode ser visto no depoimento de
Rosângela, jornalista, 27 anos:
Depois de dois anos vivendo com Carlos, descobri que
ele me traiu. Não sabia como agir diante de uma situação
que jamais imaginei passar. Considerava nossa relação
estável, tantas vezes trocamos afetos verdadeiros e juras
de amor eterno. Chorei, gritei, expulsei ele de casa,
acabou. Foram cenas patéticas! Passei meses sem
conseguir me concentrar em nada, chorava todos os dias,
ligava pra ele, pedia pra voltar, batia o telefone, bebia pra
esquecer, “alugava” os ouvidos dos amigos. Minhas
companhias diárias eram as músicas de amor perdido, de
vingança, ou apenas tentar lembrar dos tempos bons; era
uma forma de não esquecê-lo. Que dor, meu Deus!
— PARECER BORDER
Meu vício é você
Meu cigarro é você
Eu te bebo, eu te fumo
Meu erro maior
Eu aceito, eu assumo
Por mais que eu não queira
Eu só quero você...
(Meu vício é você, de Chico Roque e Carlos Colla)
O parecer border já implica uma maneira de ser e agir que lembra a personalidade
borderline, mas essas pessoas não preenchem os critérios diagnósticos necessários
para serem classificadas como portadoras do transtorno propriamente dito. Elas
apresentam, inequivocamente, alguns sintomas característicos do transtorno ou,
ainda, vários deles. No entanto, a intensidade e a frequência dos mesmos são
insuficientes para caracterizar o caso clássico de personalidade borderline. Em
situações como essa, costumamos usar o conceito de “traço”.
Mas o que é um traço? Quando olhamos um desenho tracejado, com suas linhas
descontínuas e formas incompletas, conseguimos entrever sua totalidade. Podemos
saber o que está desenhado, embora vejamos claramente que o desenho não está
completo. O que vemos são traços, mas já há uma forma ali. De maneira análoga,
quando colhemos informações de um paciente, tentamos estabelecer um diagnóstico
seguindo a direção para a qual estas nos guiam. Em determinadas situações
conseguimos estabelecê-lo de forma precisa, porém, na maioria das vezes, esse
processo é mais complexo e não conseguimos o diagnóstico de forma definitiva.
Assim, os traços formam o esboço de algo, mas não são suficientes para se fazer
a “arte final”. Porém, não podemos esquecer que o esboço não é uma figura amorfa,
ele sempre diz algo ou aponta para algo. Saber identificar os traços de um
transtorno pode ser tão transformador e produtivo como fazer um diagnóstico
preciso. As pessoas que procuram ajuda terapêutica em consultórios e ambulatórios
psiquiátricos, em sua grande maioria, não podem nem devem ser classificadas em
uma categoria diagnóstica preestabelecida, mas certamente todas precisam e
buscam ajuda para seus desconfortos.
O fato de alguém apresentar traços do transtorno borderline não significa que não
precise de atenção, orientação e até mesmo de tratamento. O que determina a
necessidade de tratamento em um indivíduo com traços borders não é o fato de ele
ter ou não ter um transtorno psíquico, e sim o fato de ele apresentar níveis
significativos de desconforto vital que permeiam e limitam sua vida e a das pessoas
com as quais ele mantém uma convivência mais próxima.
Para se ter uma ideia de como duas características borders podem ser suficientes
para ocasionar muitos problemas cotidianos, cito a dificuldade de se manter relações
interpessoais estáveis e a forte tendência a se estabelecer dependência afetiva que,
em geral, está presente em pessoas com traços borders. Apenas esses dois
sintomas não configuram o transtorno em si, mas pela minha experiência clínica e
observação empírica dos profissionais que trabalham comigo, mais da metade das
consultas psicológicas está relacionada a problemas de dependência afetiva. Na
maioria dos casos, essas pessoas têm consciência do quanto suas relações são
nocivas e procuram ajuda especializada justamente por não se sentirem capazes de
dar um basta na situação. A obstinação em manter uma relação sem cabimento
acaba por trazer prejuízos em outros setores da vida dessas pessoas, como o
profissional, o social e/ou o familiar. Resultado disso: muito sofrimento, desconforto,
baixo rendimento no trabalho, pensamentos obsessivos, desentendimentos e brigas
com amigos e familiares. E assim vai, ladeira abaixo, a estabilidade vital.
Por incrível que pareça, as pessoas que apresentam traços borders e não o
transtorno clássico costumam manifestar um nível de sofrimento mais elevado que as
personalidades borderlines. Isso é fácil de entender, já que elas têm níveis de
consciência e autoavaliação bem mais expressivos e funcionais que as “versões”
mais completas, isto é, quem sofre do transtorno de personalidade borderline
propriamente dito. Dessa forma, a percepção de sucessivas frustrações afetivas e
das consequências advindas delas desencadeia sentimento de vergonha,
autodepreciação e até quadros depressivos. Em contrapartida, a autopercepção
mais eficaz faz com que essas pessoas sejam mais suscetíveis a buscar e a aceitar
ajuda especializada. Por esse aspecto, elas tendem a apresentar ótimos resultados
terapêuticos e muitas conseguem alcançar mudanças expressivas em suas vidas.
Esse comportamento pode ser observado no depoimento de Sandra, uma
empresária bem-sucedida, de 32 anos, que me procurou depois de muito tempo de
sofrimento com seu parceiro:
Perdi as contas de quantas vezes ele me abandonou e eu
o aceitei de volta. Nós estamos juntos há mais de seis
anos, ele não trabalha e sei que ainda está comigo só
porque eu banco o conforto dele. Realmente, ele tem tudo
o que quer: roupas, relógios, carro, moto, tudo! Nos dois
primeiros anos era um mar de rosas, mas depois percebi
que ele foi se afastando, namorando outras mulheres, me
envergonhando na frente de outras pessoas. Já me
humilhei demais, não sei o que fazer, minha autoestima
está no pé. Sou ciumenta, reconheço, nossas brigas são
intermináveis e, mesmo sabendo que ele não me ama,
ainda prefiro viver assim do que ficar longe dele. Isso não
pode ser normal. Como me livrar desse vício, doutora?
— SER BORDER
Sobre essa questão não há muito o que descrever aqui, pois ser border é o mesmo
que ter o transtorno de personalidade borderline, já detalhadamente apresentado e
exemplificado no Capítulo 2.
UM POUCO MAIS SOBRE O TRAÇO BORDER: “O LADO QUENTE DO SER”
Eu já quis ser bailarina
São coisas que não esqueço
E continuo ainda a sê-la
Minha vida me alucina
É como um filme que faço
Mas faço melhor ainda do que as estrelas
(O lado quente do ser, de Marina Lima e Antonio Cicero)
Como descrito no início deste capítulo, ter um cérebro perfeito, cujas áreas e
funcionamentos sejam homogêneos, sem nenhuma falha, é uma impossibilidade
científica. De certa forma, essa realidade de “normalidade” de ser imperfeito faz com
que cada cérebro apresente seus déficits e também seus superávits. É comum e até
previsível nos depararmos com pessoas que por não apresentarem nenhuma forma
desenvolvida ou explicitamente manifesta de algum transtorno mental apresentem
traços de um ou outro transtorno.
No que tange à personalidade borderline, traços leves ou até moderados poderiam,
de alguma maneira, dotar o indivíduo de certas habilidades singulares como uma
hipersensibilidade artística expressa em cantos, letras, melodias, pinturas, poesias,
escritas ficcionais, interpretações de personagens diversos, oratórias contagiantes e
entusiasmadas, retóricas desafiantes. É absolutamente compreensível a facilidade
artística dessas pessoas, elas possuem uma verdadeira ebulição emocional repleta
de sentimentos e sensações e, ao mesmo tempo, apresentam uma autoimagem e
uma identidade muito frágeis e inconstantes.
Uma matemática simples pode resumir essa situação: emoções diversas e intensas
+ identidade flutuante e por vezes inexistente = elevado poder de ser veículo de
variadas manifestações artísticas. É bastante comum admirarmos o trabalho de
artistas com esse traço de personalidade. Eles conseguem nos despertar emoções
tão profundas e intensas, que vê-los em ação é entrarmos em contato com
sentimentos e sensações que só nos é possível imaginar, pois temos grandes
dificuldades de vivenciá-los no dia a dia. A arte produzida dessa forma nos faz
transcender o senso comum e, nesse aspecto, o traço border é imbatível!
Determinados atores, por exemplo, necessitam de um papel e roteiro traçados,
não somente para exercerem suas habilidades inatas de forma plena, mas
especialmente para que suas vidas ganhem mais sentido. Na ficção, eles
representam e vivenciam intensamente uma história na qual há começo, meio e fim,
algo que, muitas vezes, não encontram em suas vidas reais, em função de suas
identidades fluidas. Cada personagem acaba por se tornar a razão de sua existência
e com objetivos (roteiro) estabelecidos.
Quando me refiro a esse aspecto interessante no traço border, não excluo, em
absoluto, os borders legítimos; isto é, aqueles que têm o transtorno clássico. Estes
também possuem essa tendência artística, até mesmo em graus mais elevados. No
entanto, os portadores do transtorno costumam ser tão mais instáveis, intensos e
disfuncionais, que suas carreiras tendem a ser marcadas não somente pelo
brilhantismo de suas performances artísticas, mas também e, infelizmente em alguns
casos, até mais marcados por escândalos, drogas, sexo e rock and roll. Eles fazem
trabalhos extraordinários, porém, de forma pontual, suas carreiras são permeadas
de altos e baixos profundos tais quais suas vidas afetivas e suas relações
interpessoais em geral. No Capítulo 9, abordarei alguns desses grandes talentos
instáveis, polêmicos e tão autodestrutivos.
Por essas razões, as pessoas com traços borders costumam ter a vida profissional
mais estável e, quando construída em cima de um talento artístico testado e
reconhecido, os próprios desafios ou dificuldades a serem enfrentados e
transcendidos na trajetória laborativa do indivíduo transformam-se em parâmetros ou
guias eficazes para que ele tenha um alicerce básico para sua identidade e sua
estabilidade vital.
Quando tratamos uma pessoa com traço border, o que fazemos de fato é
aumentar seu poder de autoavaliação, dotá-la de mecanismos próprios e eficazes de
enfrentar suas disfuncionalidades e conduzi-las ao exercício persistente e desafiador
de seus melhores talentos. É como se desenvolvêssemos nelas o “vício” positivo e
terapêutico de ser e exercer a sua melhor face. Isso cria identidade pessoal,
melhora sua autoavaliação e abre caminho para que as relações interpessoais sejam
mais estáveis.
O desafio de tratar o indivíduo com o transtorno de personalidade borderline
clássico é bem maior e árduo, como será visto no capítulo dedicado ao tratamento
dos diversos aspectos desse transtorno. No entanto, uma coisa é certa: todo
profissional que se dedica ao estudo dessa personalidade tem o firme propósito de
“transformar” legítimos borderlines em linhas contínuas e mal-esboçadas (traços) de
si mesmos. Desta forma, eles podem pulsar no ritmo intenso de suas emoções sem
ter que “sangrar” a própria vida.
Epígrafe
Preciso acabar logo com isso
Preciso lembrar que eu existo
Que eu existo, que eu existo...
SENTADO À BEIRA DO CAMINHO
— Roberto Carlos/Erasmo Carlos
CAPÍTULO 8
TRATAMENTO BORDER: NEM TUDO QUE
QUEREMOS É O MELHOR PARA NÓS MESMOS
Por tudo que foi visto até aqui, fica claro que uma pessoa com o funcionamento
borderline vive em um verdadeiro redemoinho de emoções e sentimentos tal qual
navegadores em dias de tempestades ou maremotos.
Diante disso, pode parecer impossível imaginar que exista verdadeiramente um
tratamento eficaz que dê conta de tanta complexidade. Os próprios pacientes,
muitas vezes, descrevem essa descrença, uma vez que a maioria deles não
consegue identificar onde, quando e como um sentimento, pensamento e/ou
comportamento se inicia ou se finda. Para eles, a vida sempre foi assim: um caos
interno e/ou externo sem um porquê identificável de fato. O mal-estar gerado por
esse “estado instável e desassossegado” traz, realmente, um profundo sofrimento
que aparenta não ter fim, não somente para a personalidade border, mas também
para todas as pessoas que a amam e que convivem com ela de forma mais estreita
e cotidiana.
Diferente do que se possa parecer, há muito a se fazer nesse cenário
aparentemente desanimador.
O primeiro passo é acreditar na possibilidade das transformações: a melhora deve
ser vista como algo mais do que possível, ou seja, algo provável! E isso só ocorre
quando o desejo de mudança do paciente encontra uma equipe de profissionais bemintencionados, articulados, preparados e aptos a utilizar todos os recursos técnicos e
emocionais para obter a melhora dessas pessoas. O sofrimento dos borderlines
pode nos parecer algo desproporcional ou mesmo exagerado, mas jamais podemos
vê-lo como algo irreal ou ilegítimo. Munidos desses pré-requisitos, paciente e equipe
multidisciplinar, podemos observar que a melhora é possível em 100% dos casos.
Não estou aqui me referindo a uma cura milagrosa ou mágica, até porque não
podemos esquecer que, antes de tudo, o transtorno de personalidade borderline é
uma forma de ser e, sendo assim, não há como negar, desmerecer ou mesmo
mudar de maneira radical essa realidade. O que queremos e a que nos propomos é
transformar, de forma paulatina e consciente, o paciente que sofre em uma pessoa
minimamente estável, feliz e apta a atingir seu potencial, a fim de ser o melhor que
ela pode ser. A Vic, minha amiga querida, cuja história foi retratada na introdução
deste livro, é um exemplo dessa superação e do valor real dessa empreitada rumo a
uma maneira de ver e viver mais confortável e pautada em si mesma.
Inicio aqui como se dá o processo do tratamento, ressaltando tanto as limitações
mais comuns encontradas nos pacientes, em seus familiares, em nossos recursos
medicamentosos e psicoterápicos atuais, como também as nossas esperanças
evidenciadas em outros relatos de superação.
A busca pelo “problema primário”, ou seja, o diagnóstico preciso do transtorno de
personalidade borderline, pode ser árdua, difícil e, muitas vezes, demanda tempo e
persistência. A Psiquiatria Internacional reconhece que, atualmente, o diagnóstico
desse transtorno pode levar até dez anos para ser feito de forma definitiva. Não
dispomos ainda de um método diagnóstico único e preciso que seja capaz de atestar
sem margem de erro esse tipo de funcionamento mental. A difusão do conhecimento
do transtorno irá, com certeza, suscitar novos debates, pesquisas e uma busca mais
efetiva por métodos técnicos e habilidades pessoais dos profissionais da área do
comportamento nesse processo de se buscar um diagnóstico mais precoce e
assertivo.
Por outro lado, gostaria de deixar claro que, independentemente da presença de
um diagnóstico preciso, podemos e devemos auxiliar esses pacientes na busca de
um conforto existencial mínimo para que eles possam evoluir positivamente no início
do tratamento. Nesse momento é importante tratar os sintomas que mais incomodam
e/ou trazem transtornos na vida do paciente, que são, em geral, os sintomas
depressivos, os atos automutilantes e a impulsividade para consigo mesmo e para
com os demais.
A ÁRDUA CONQUISTA DAS PRIMEIRAS CONSULTAS
Uma premissa fundamental e de suma importância é a ligação afetiva que se deve
buscar entre o médico, os terapeutas e o paciente. Se essa conexão não ocorrer
logo nos primeiros contatos, o paciente dificilmente vai aderir ao tratamento. Ele
precisa acreditar e confiar nos profissionais e nas possibilidades de melhoras que
uma proposta terapêutica realista e sincera é capaz de lhe trazer, especialmente a
curto prazo. Os pacientes considerados “mais rebeldes” costumam demandar mais
empenho e tolerância nos primeiros contatos, e o processo de “conexão afetiva” com
eles costuma ser mais lento.
Em geral, a primeira consulta ao psiquiatra ocorre por pressão de familiares e, por
isso mesmo, torna-se pouco propícia para o estabelecimento de uma boa relação
terapêutica. No entanto, não devemos desanimar, pois aos poucos aquele que sofre
reconhece o seu sofrimento e acaba se abrindo ao afeto de pessoas que só lhe
querem bem e têm como único intuito fazer com que se sinta melhor. Médicos e
terapeutas afetuosos, geralmente, mostram-se mais cativantes para os borderlines
que, muitas vezes, sentem-se verdadeiros “estranhos no ninho”.
Estabelecida a conexão afetiva, tudo fica mais fácil e possível. O paciente passa a
ansiar pelos encontros com seus terapeutas e cria um laço afetivo que se estende
ao tratamento como um todo, favorecendo a adesão e a execução das propostas
terapêuticas.
ASPECTOS A SEREM CONSIDERADOS NO TRATAMENTO
Antes de especificar o tratamento em si é preciso ter em mente que todo ser é
único, assim como cada borderline é único; só que existe um detalhe, o TPB é um
transtorno de personalidade complexo, e, como visto no Capítulo 1, é extremamente
comum a presença de outros transtornos comportamentais sobrepondo-se aos
sintomas borderlines. Assim sendo, não há receita de bolo para o tratamento desses
pacientes, uma vez que eles podem apresentar quadros múltiplos de sintomas e em
graus variados. Cada indivíduo com TPB pode manifestar inúmeras nuanças no seu
comportamento, o que torna o diagnóstico algo desafiador e o tratamento, um
processo individualizado e construído de forma quase que artesanal.
Devemos ter em mente ainda que o tratamento não é apenas para os indivíduos
que fecham o diagnóstico, mas também para os que apresentam o traço borderline,
ou seja, sintomas desse funcionamento mental a ponto de lhe causarem significativas
disfuncionalidades na vida cotidiana. Desta forma, podemos concluir que todo
tratamento deve ser individualizado, levando-se em conta todos os aspectos
pessoais e sociais do paciente, bem como a premissa de que o funcionamento
cerebral de cada ser é tão individual quanto o nosso próprio DNA. Sabendo então
que o cérebro de cada um funciona de um jeito diferenciado, percebemos o motivo
pelo qual o tratamento também deve ser inserido neste aspecto do ser. As pessoas
podem ter um mesmo comportamento, porém este pode gerar sofrimento para umas
e não para outras. Assim como, muitas vezes, algumas pessoas não percebem suas
próprias disfuncionalidades como consequência de um processo interno, de cunho
biológico e constitucional.
Entendido este conceito, podemos dissecar aos poucos como se dá efetivamente o
processo do tratamento que, a princípio, visa os sintomas que mais incomodam e o
grau de disfuncionalidade pessoal e social que esses sintomas trazem ao paciente. É
preciso ressaltar que especialmente os jovens e as crianças muitas vezes não têm
consciência ou uma boa percepção desse sofrimento, mas nem por isso se torna
menos importante de se tratar. Por este motivo, gosto de dividir o tratamento em
quatro etapas fundamentais: informação e conhecimento, apoio técnico, etapa
medicamentosa e psicoterapêutica.
SABER É PODER
Quando se trata do nosso cérebro saber realmente é poder; quanto mais
conhecimento temos sobre nós mesmos, mais aptos estamos para regular e
melhorar nossos sentimentos e comportamentos. Quando digo conhecimento, me
refiro desde a autorreflexão e o autoconhecimento até a maneira como nosso
cérebro funciona e reage a pensamentos e sentimentos.
Como qualquer outra parte do corpo, o nosso cérebro tem a capacidade de
melhorar e de se readaptar. A primeira coisa que precisamos saber é que este
potencial existe e que pode ser trabalhado; a segunda é buscar maneiras efetivas de
melhorar o seu funcionamento. Excetuando os psicopatas (é claro!), não existe
pessoa que não possa se tornar melhor desde que haja vontade, dedicação, carinho
e amor.
Dentro deste conceito, vamos imaginar que o nosso cérebro seja uma máquina
complexa tal como um carro que precise de elementos-chave para um funcionamento
ideal: combustível, revisão sistemática, ajustes etc. Além disso, a maneira como
conduzimos o carro também contribui para que ele apresente problemas no futuro ou
tenha uma vida mais longa e com qualidade. Se conseguirmos entender um
pouquinho do que o nosso cérebro necessita para ter um desempenho mais eficaz,
teremos a chance de potencializar seus aspectos positivos e, dessa maneira,
melhorar nossa forma de viver.
Sendo assim, existem aspectos importantes a serem levados em conta no início e
durante todo o tratamento de um paciente dentro do espectro borderline, que vão
desde os sintomas e as respectivas disfuncionalidades por eles causados até outros
fatores que poderão interferir no tratamento medicamentoso. Cabe destacar, ainda,
que tais aspectos estão relacionados à vida pessoal e interpessoal (estrutura e
relacionamento familiar, social e amoroso) do paciente borderline:
— PESSOAL
1. Idade do paciente (idade fértil?).
2. Grau de esclarecimento e de escolaridade.
3. Presença de outras doenças, inclusive psiquiátricas.
4. Uso de algum medicamento.
5. Uso/abuso de drogas.
6. Histórico psiquiátrico.
7. Histórico de desenvolvimento/rendimento.
8. Estado/qualidade nutricional.
9. Poder aquisitivo.
10. Grau de disfuncionalidade.
11. Gravidade dos sintomas: desconforto individual.
12. Grau de compreensão da doença.
13. Adesão ao tratamento.
— INTERPESSOAL
1.
2.
3.
4.
5.
6.
7.
8.
Você tem/está tendo boa relação com o psiquiatra?
Você tem/está tendo boa relação com o psicólogo e/ou terapeutas?
Você tem boa relação com a família?
A sua família é/está presente?
Como é sua relação com o(a) parceiro(a)?
Como é a sua relação com os amigos?
Alguém mais da família tem algum tipo de doença ou problema psiquiátrico?
Tem filho(s)?
Ao longo deste capítulo os aspectos acima serão exemplificados, dada a sua
importância.
O QUE SERIA O APOIO TÉCNICO?
O apoio técnico é um conjunto de medidas a serem tomadas para facilitar e permitir
uma boa resposta ao tratamento medicamentoso e psicoterápico. Estas medidas
abrangem as recomendações feitas pela equipe multidisciplinar e ações positivas
testadas pelo próprio paciente para que se consiga atingir aos poucos os resultados
esperados do tratamento. Esse “apoio” não é uma garantia de melhora mais rápida,
até porque, como discutido anteriormente, cada pessoa responde de forma ímpar ao
tratamento; mas, de modo geral, garante um funcionamento individual melhor e mais
eficiente dentro daquele universo de possibilidades pessoais e sociais.
A dinâmica terapêutica utilizada neste transtorno visa aliviar os sintomas que
causam desconforto e, consequentemente, disfuncionalidades na vida prática,
profissional e social. A dialética utilizada no tratamento do transtorno de
personalidade borderline é DESCONFORTO X CONFORTO do paciente frente a ele
mesmo e às situações da vida diária, social, familiar, afetiva e profissional. Sendo
assim, busca primeiro aliviar os maiores, mais graves e disfuncionais desconfortos e,
posteriormente, outros sintomas que prevaleçam e que poderão surgir durante o
tratamento.
O objetivo maior é que o paciente se sinta bem, ou melhor, com controle de si
mesmo, independentemente de com quem ou onde esteja e do que aconteça. Esta é
uma tarefa dificílima não apenas para os borderlines, mas para todos que buscam
uma vida equilibrada e feliz. Afinal, é uma busca filosófica de nosso bem-estar
interno ou paz interior.
Uma fase vital potencializadora é a adolescência, como já mencionada
anteriormente. É uma época de grandes mudanças, que gera muitas inseguranças e
exacerba os sintomas borderlines tais como a impulsividade, a instabilidade afetiva, a
sensação de tédio e vazio (que leva a busca pelo novo e pelo diferente), a crise de
identidade, dentre outros. Estes sintomas, quando presentes nos pacientes
borderlines adolescentes, acabam tendo uma dimensão muito maior, já que é uma
etapa em que se descobre um novo universo de sensações e sentimentos no qual,
muitas vezes ou quase sempre, é normal sentir-se “estranho no ninho”. À medida que
esta fase vai ficando para trás e o cérebro amadurece, os sintomas se amenizam.
Por este motivo, pacientes adolescentes precisam ser diferenciados de crianças e
de adultos com os mesmos sintomas, uma vez que eles devem ser vistos dentro do
contexto neurobiológico. Outra questão que se deve levar em conta e que está
associada à idade do paciente é o suporte familiar, que se torna essencial e
mandatório na infância e na adolescência.
Lembro-me como se fosse hoje quando Carol chegou em meu consultório, pálida,
vestida de preto dos pés à cabeça, cheia de piercings, com uma cara muito
lindinha, mas amarrada. Ela foi persuadida pelos pais para ir à consulta em troca
de um ingresso para o show do Radiohead. Seus pais chegaram a mim
desesperados e desesperançosos. Carol se escondia atrás de seu lindo e longo
cabelo preto, mas não conseguia me esconder sua intensa fragilidade emocional.
Apesar de ela se comunicar muito pouco, consegui arrancar da garota alguns
sorrisos e até uma risada na primeira consulta. Carol estava intensamente
deprimida, com marcas de queimaduras pelos braços, e admitiu que se sentia
infeliz e pensava frequentemente em suicídio. Além da profunda palidez, não pude
deixar de notar sua magreza disfarçada em roupas largas, o que me levou a
perguntar quando foi a última vez que havia saído de casa e se alimentado
adequadamente. Para dificultar as coisas, Carol “estava” vegetariana, e constatei
que possivelmente estava anoréxica, além de não tomar sol há muito tempo.
Conforme a conversa evoluía, percebi que por trás daquele look dark havia uma
doçura que não era compatível com tanto sofrimento. Nas primeiras consultas, ela
ia forçada pelos pais, mas logo passou a me visitar espontaneamente. Atualmente
Carol adora praia e frescobol, trilhas, caminhadas e é uma fotógrafa talentosa.
Nesta profissão ela pode explorar o seu lado mais profundo e delicado de uma
forma “confortável” e produtiva. Carol ainda tem suas recaídas de vez em quando,
mas ela mesma sabe que tudo passa, inclusive alguns “dias cinzentos”.
O nosso cérebro é dinâmico e altamente reativo aos acontecimentos, pensamentos
e sentimentos. Quando há uma dificuldade intrínseca de se conseguir esta sintonia,
como ocorre com os borderlines, é preciso criar um ambiente interno perfeito para
que o cérebro consiga funcionar adequadamente. Fazer uma boa hidratação diária,
bebendo no mínimo dois litros de água; ativar a circulação sanguínea com exercícios
físicos rotineiros; ter uma alimentação balanceada, de preferência rica em ômega-3
e com doses regulares de proteína animal, frutas e verduras. Deve-se, ainda, evitar
jejuns prolongados, pois ativa o sistema cerebral do “stress”, que, por sua vez,
acaba ativando a amígdala — estrutura responsável pelas nossas emoções. Todos
esses cuidados com o organismo são o mínimo que podemos fazer pelo nosso
cérebro e para que produza, de forma harmônica, nossos neurotransmissores. Como
podemos esperar que uma máquina funcione bem sem essa manutenção correta?
Voltando à minha paciente Carol, expliquei que sem bons combustíveis nosso
cérebro não consegue ter um desempenho satisfatório, a alimentação e outras
medidas são tão essenciais quanto o medicamento no tratamento. Na época, Carol
foi acompanhada por uma equipe multidisciplinar, que incluía uma nutricionista; por
ela foi esclarecido quanto não só a alimentação em si é importante como também a
exposição saudável à luz solar para a produção de vitamina D e de melatonina em
nosso corpo. A vitamina D, além de fortificar os ossos (absorção de cálcio e
fosfato), é fundamental para a parte cognitiva cerebral, e a melatonina é um
hormônio produzido pela nossa glândula pineal que regula o nosso ciclo circadiano
(sono-vigília/dia-noite).
Com o tempo, ajuda e autorreflexão, nós mesmos aprendemos a identificar o
gatilho que nos gera tanto desconforto, que situações sociais temos dificuldades de
enfrentar e como reagimos quando nos deparamos com dificuldades intrínsecas e
extrínsecas. Se sabemos que somos incontrolavelmente ciumentos, por exemplo,
devemos evitar encontros com ex-namorados até que possamos administrar melhor
este sentimento. Se temos impulsos de raiva, precisamos aprender quando ela está
por vir e ter consciência de que se torna descontrolável; nesses momentos, temos
que nos afastar das pessoas para evitar agredi-las física ou verbalmente. Se
passamos dos limites quando bebemos e isso nos faz pagar verdadeiros “micos” ou
até “gorilas”, é recomendável evitar ambientes sociais onde haja consumo de álcool.
E assim por diante.
A psicoterapia é muito útil para os pacientes borderlines, pois os ajuda na
autorreflexão e os conduz, de uma forma mais assertiva, a lapidar seus
comportamentos. Planejar as atividades pode evitar muitos problemas para aqueles
pacientes mais impulsivos, pois menos situações inesperadas e desgastantes vão
ocorrer.
O objetivo é que os pacientes aprendam a guiar seus sentimentos e a sua vida, e
não o contrário, senão acabam por se tornar eternos reféns de suas descontroladas
emoções. Nem tudo que queremos é o melhor para nós mesmos, mas tudo o que
fazemos no sentido de sermos mais ponderados e menos impulsivos sempre nos
possibilita viver de forma mais confortável, tanto interna quanto externamente.
TRATAMENTO MEDICAMENTOSO
Muitos criticam a medicalização da medicina, especialmente da psiquiatria, que se
utiliza, em sua grande maioria, de remédios controlados como se a única alternativa
fosse essa. Mas, na verdade, o tratamento medicamentoso será estabelecido de
acordo com a gravidade e/ou intensidade do sofrimento e desconforto do paciente.
Tudo deve ser colocado em uma balança de prós e contras. O tratamento é feito em
conjunto com o paciente, e nada será imposto sem que, antes, ele seja esclarecido
sobre os objetivos de cada escolha medicamentosa. A única exceção a essa regra
ocorre nos casos mais graves, quando a vida do paciente ou a de terceiros estão
ameaçadas. O tratamento medicamentoso visa, primeiramente, amenizar os
sintomas que trazem maior desconforto, o que é fundamental para o paciente
borderline.
Como abordado anteriormente, esses pacientes são caprichados de sintomas e, na
grande maioria das vezes, é necessário iniciar uma combinação de medicamentos
que agem de forma complementar, no intuito de se atingir um equilíbrio bioquímico
mínimo que facilite o paciente a iniciar uma sintonia entre sentir, pensar e agir.
O ajuste das medicações é fino e muito particular, pois a resposta ao tratamento é
também variável entre pessoas com os mesmos sintomas. Assim, não é possível
aliviar todos os sintomas ao mesmo tempo logo no início do tratamento, o que pode
parecer muito frustrante para o paciente. No entanto, é preciso ter em mente que,
como uma pedra preciosa que aos poucos e delicadamente vai sendo lapidada, o
tratamento medicamentoso também precisa ser em etapas. Dependendo da
gravidade dos sintomas, o acompanhamento psiquiátrico, inicialmente, deve ser
semanal ou quinzenal, e é fundamental que o paciente também esteja em
acompanhamento psicológico e/ou com uma equipe multidisciplinar.
Existem alguns sintomas do transtorno borderline que podem ser tratados em
conjunto, como por exemplo os transtornos de ansiedade e a depressão, porque
possuem o mesmo tipo de farmacoterapia. Já em outros casos, é necessário
escolher aquele que causa mais desconforto ao paciente, uma vez que a medicação
pode melhorar um sintoma, mas piorar outro. É justamente por isso que o tratamento
precisa ser em etapas, com alguns objetivos a curto prazo e outros a longo prazo,
visando criar, aos poucos, uma sintonia cerebral de qualidade. É um verdadeiro
“passo a passo” que exige paciência, tolerância e muita determinação de ambas as
partes (paciente e equipe).
Esta fina lapidação do funcionamento dos circuitos cerebrais que ocorre com a
ajuda dos medicamentos, da boa alimentação, da boa hidratação, dos exercícios
físicos, do estímulo mental, da psicoterapia e da própria capacidade de readaptação
cerebral é a grande arte da melhora tão esperada.
A escolha dos medicamentos e de suas dosagens varia de acordo com a
manifestação de cada sintoma ou um conjunto deles, com a idade e, às vezes, com
o peso do paciente, como também com as características específicas de cada um.
Na terapêutica medicamentosa em pacientes borderlines costumamos usar uma
farmácia ampla, mas os pilares no tratamento dos sintomas são os antidepressivos,
os estabilizadores de humor e os antipsicóticos (ou neurolépticos).
Em relação aos antidepressivos mais utilizados, destaco os inibidores seletivos da
recaptação da serotonina (ISRS) tais como a fluoxetina, a paroxetina, a sertralina, o
citalopram, o escitalopram e a fluvoxamina. Embora recebam o nome de
antidepressivos, os ISRS são muito utilizados para o controle de impulsos de raiva,
na automutilação, na irritabilidade, nos transtornos alimentares, nas oscilações de
humor, nos transtornos de ansiedade e na depressão em si.
Os ISRS não causam dependência, têm baixa toxicidade e são extremamente
seguros no caso de superdosagem. Apresentam poucos efeitos colaterais e, em sua
grande maioria, são toleráveis, assim como ajudam a minimizar, de forma
significativa, diversos sintomas dos pacientes borderlines. Se colocarmos em uma
balança, geralmente, há poucos motivos (ou nenhum) para não prescrevê-los,
mesmo que temporariamente. Nenhum tratamento psiquiátrico é definitivo, podendo
variar conforme os sintomas.
Ü Fluoxetina: ação antidepressiva, principalmente em crianças e adultos jovens. É
utilizado também no tratamento de transtornos alimentares, tensão pré-menstrual,
hipersensibilidade emocional, irritabilidade e sintomas obsessivo-compulsivos.
Ü Paroxetina: usada nos estados depressivos, pânico e fobias.
Ü Sertralina: eficaz nos quadros depressivos, pânico, fobias, ansiedade, sintomas
obsessivo-compulsivos, irritabilidade, agressividade e hipersensibilidade emocional.
Ü Citalopram: utilizado nos quadros depressivos e nos transtornos de ansiedade.
Ü Escitalopram: utilizado nos quadros depressivos e nos transtornos de ansiedade.
Ü Fluvoxamina: eficaz especialmente nos pensamentos obsessivos.
Dentre os estabilizadores de humor, também conhecidos como anticonvulsivantes,
destaco o ácido valproico, o divalproato de sódio, a lamotrigina, o lítio, a
carbamazepina, a oxicarbamazepina e o topiramato, usados para a instabilidade
afetiva dos pacientes borderlines. Eles costumam trazer bons resultados na melhora
da impulsividade e da instabilidade reativa do humor, especialmente em fases mais
estressantes.
É importante ressaltar que os estabilizadores de humor podem causar defeitos ou
anomalias em fetos durante o primeiro trimestre da gestação. Além disso, diminuem
a eficácia de anticoncepcionais orais, sendo importante para as pacientes
sexualmente ativas o uso de métodos contraceptivos mais adequados.
Os antipsicóticos são indicados para os pacientes com alterações cognitivas
associadas: estranhamento de si mesmo ou do ambiente (desrealização,
despersonalização e quadros dissociativos paranoides), delírios e alucinações. Entre
eles estão os chamados atípicos, que são preferencialmente usados (risperidona,
quetiapina, olanzapina, ziprasidona, clozapina, aripiprozol e asenapina) e os típicos
(haloperidol, clorpromazina, sulpirida).
Além dessas drogas supracitadas, existem ainda outras medicações acessórias,
utilizadas tanto para aliviar alguns efeitos colaterais como auxiliar o próprio
tratamento. Dentre elas estão os ansiolíticos como o clonazepam, diazepam,
alprazolam, bromazepam, cloxazolam, buspirona — mais utilizados nas fases agudas
e nas crises —, e a fluvoxamina usada também na depressão, no transtorno
obsessivo-compulsivo, no tratamento de autoflagelo e na ideação suicida.
Deve ser levada em conta também a presença de outras doenças que, em
determinado grau, podem interferir na ação de um medicamento como, por exemplo,
as doenças hepáticas e renais.
Para que o tratamento tenha o resultado esperado é muito importante estipular
horários para as tomadas dos medicamentos, não interromper o tratamento sem
antes conversar com o psiquiatra e seguir as orientações citadas ao longo do
capítulo. As medicações devem ser aumentadas lentamente e retiradas da mesma
forma, caso contrário podem causar o que chamamos síndrome de retirada.
Para quem é border, seguem algumas dicas quanto ao tratamento:
Ü Seja honesto consigo mesmo e com seu médico; omitir fatos pode prejudicar a
sua saúde, não a dele.
Ü Se, a princípio, as orientações parecerem excessivas e você sentir que não vai
dar conta, comece pelo menos bebendo muita água e evite ficar em jejum
prolongado.
Ü Tente criar rotinas, elas diminuem o risco de você esquecer o horário das tomadas
das medicações.
Ü Lembre-se, seja generoso com você mesmo: uma coisa de cada vez.
Nós, médicos, fizemos um juramento e não temos a intenção de julgar, recriminar
ou punir os pacientes, estamos nessa profissão porque amamos e acreditamos nos
seres humanos. Nosso objetivo maior é melhorar a qualidade de vida daqueles que
chegam até nós e que estão em sofrimento. Tentamos o melhor, mas estamos
conscientes de nossas limitações: somos seres humanos também.
PSICOTERAPIA
Tendemos a achar que o tratamento medicamentoso é a etapa principal do processo
terapêutico e, com ele, sentimos que estamos realmente sendo tratados. Por um
lado, isso é bom, já que existe comprovadamente uma melhora pelo pensamento
positivo (efeito placebo). Mas será que só o remédio de fato ajuda? Bem, por tudo
que foi exposto, vimos que no caso dos borders a medicação sozinha pode aliviar os
sintomas, mas está longe de tratar a causa. O TPB é, antes de tudo, uma maneira
de ser, onde as emoções e os sentimentos são vivenciados na sua forma mais
exuberante e superlativa, e, em face disso, as vidas afetivas, familiares e
profissionais de seus portadores costumam ser muito disfuncionais.
A psicoterapia busca em primeiro lugar a conscientização do problema, com o
objetivo de o paciente aceitar que tem dificuldades internas e/ou externas e que ele
pode ser melhorado; aquele que nega a si mesmo e as suas dificuldades torna o
caminho mais longo e árduo.
Agora podemos entender por que a psicoterapia é o alicerce do tratamento destes
indivíduos. Ela é a ferramenta utilizada para trabalharmos este turbilhão de
sentimentos desgovernados. Quando falo em trabalhar não me refiro em explorar a
essência do ser ou buscar nas experiências passadas possíveis explicações para
determinados sentimentos ou comportamentos; a dinâmica do tratamento é aqui e
agora.
Os borders já são demasiadamente subjetivos para entrarem em questões que
mergulhem ainda mais na sua subjetividade; eles talvez sejam os seres mais
profundos que existem. Dessa forma, a dialética é não aprofundar, mas sim ser
prático e objetivo, trabalhando os desconfortos e criando rotinas diárias que os
façam viver melhor um dia de cada vez.
Estudos demonstram que realmente a terapia cognitivo-comportamental (TCC),
mais especificamente a psicoterapia dialética-comportamental, terapia baseada na
mentalização e terapia focada na transferência, são mais eficazes nestes pacientes.
Estas terapias, basicamente, focam no comportamento de hoje do paciente e em
quem ele é agora; como ele se vê mais feliz e o que é possível fazer para conseguir
isso. Aspectos da infância e da adolescência são relevantes e importantes para
auxiliar no diagnóstico, mas a terapia não é focada nesses aspectos.
Como visto no Capítulo 2, as disfuncionalidades dos borders estão divididas em
quatro categorias (emocional, cognitiva, comportamental e pessoal), sendo que o
aspecto emocional é a condição sine qua non dessa personalidade. Ao revermos as
características do aspecto emocional, percebemos que os borderlines sofrem de um
transbordamento emocional, reagindo de uma maneira exagerada, especialmente a
estímulos negativos. A impulsividade dos borders pode ser um pouco “freada” com
os medicamentos, o que diminui os acessos de ira como também a instabilidade
afetiva, facilmente confundida com mudanças bruscas de humor; mas a enxurrada de
sentimentos vai persistir.
A psicoterapia é o elemento-chave nessa reabilitação do sentir por meio de uma
reestruturação cognitiva, que traz ao paciente uma nova forma de entender, enxergar
e sentir o mundo, isto é, substituindo crenças, pensamentos e interpretações
negativistas e disfuncionais do mundo e de si mesmo, aliviando assim seus sintomas
de mal-estar interno.
Ninguém gosta de críticas negativas, é fato; mas elas não podem nos trazer um
desconforto a ponto de nos desequilibrar. Devemos ter sempre em mente que não é
possível agradar a gregos e a troianos, somos todos, sem exceção, passíveis de
erros, afinal, como diz um antigo provérbio errare humanum est (errar é humano). A
grande questão é a dimensão exponencial que isso toma para os borders. A terapia
ajuda gradativamente a reeducar o paciente por meio de deveres práticos diários,
treinos em solução de problemas e exercícios de mentalização como, por exemplo,
ver a situação de fora ou imaginar diversas situações diferentes. Assim, ele é
instruído a mudar comportamentos e formas de interpretar e perceber situações que
sejam irrealistas e desadaptativas, e que estejam contribuindo para manter ou
agravar seu problema. E, por fim, entender que quem sempre sairá mais prejudicado
é aquele que mais sente.
Assim como a disfuncionalidade emocional, a cognitiva, a comportamental e a
pessoal serão trabalhadas utilizando-se da mesma dialética: identificando o
problema, o seu deflagrador e a melhor forma de conduzir sentimentos
desconfortáveis sem que eles atrapalhem a vida do borderline. Buscando, assim, a
reabilitação do ser consigo mesmo no contexto social, aprendendo e aplicando a
generosidade a si próprio. Objetivando a sua funcionalidade que lhe permitirá viver
com mais leveza.
A forma que os borders sentem a vida é muito emocional, dramática e intensa;
trazendo um “tom” muito especial para o nosso mundo. Muitos deles fizeram da
humanidade o que ela é hoje, cheia de surpresas e paixões. Eles marcaram nossa
arte, nossa literatura, nossa música e são o que existe de mais humano; afinal não é
o sentimento que rege grande parte da humanidade?
Os borders são um jato de tinta colorida e intensa no pano da nossa história, e
devemos reconhecer que eles têm muito ainda a nos trazer com seus sentimentos
tão à flor da pele. Temos que aprender a ser generosos e cooperativos conosco,
aceitando as nossas diferenças e dificuldades para que possamos viver em
sociedade sem tantos atritos e aflições.
TERAPIA EM GRUPO/GRUPOS PSICOEDUCACIONAIS
Não poderia deixar de falar, neste capítulo, sobre as terapias familiares, de grupo e
dos grupos psicoeducacionais, afinal, a união faz a força!
A terapia familiar é fundamental, ressalto sua importância porque o conflito
doméstico é algo bastante presente e que causa grande desconforto não só para os
pacientes como para os familiares. Conseguir que cada um exponha seu ponto de
vista, de uma forma lógica e sem críticas, pode ser muito importante para a busca
de uma harmonia geral, bem como para auxiliar o terapeuta sobre questões a serem
trabalhadas.
A psicoterapia em grupo é uma boa opção, especialmente para pacientes que
apresentam traços border, cujo nível de disfuncionalidade é mais baixo. Já para os
pacientes mais instáveis e graves, recomenda-se um tratamento individualizado.
REDES SOCIAIS
Com o advento das redes sociais, abriram-se novas portas para que diversas
pessoas com diagnósticos em comum pudessem se conectar e compartilhar
experiências e ideias, com intuito de se sentirem mais amparadas e menos sozinhas
dentro de um mundo que frequentemente faz com que se sintam diferentes. Mas isso
também tem seu lado negativo, muitos borderlines aprendem e compartilham formas
de se autoflagelarem, como também de ocultarem cicatrizes sem que outras
pessoas percebam. Os grupos constituídos nas redes devem ter o único propósito
de trocar experiências positivas, que poderão ajudar e incentivar pessoas na busca
sadia e efetiva de uma vida mais harmônica. Esse é o exercício da mais pura
generosidade humana.
GRUPOS DE APOIO PSICOEDUCACIONAIS
Estes grupos, geralmente, são bem-estruturados, com reuniões fixas, em que as
pessoas apenas compartilham suas experiências e contam, muitas vezes, com o
apoio de profissionais da área de saúde.
O mais conhecido e frequentado, presente já em diversos estados brasileiros e
países, é o Grupo das Mulheres que Amam Demais Anônimas (M.A.D.A.). Embora
não seja um grupo específico para borderlines, muitas mulheres que têm traços
borders ou são borderlines de fato passam por dramas e dilemas parecidos e são
frequentadoras do grupo.
Antes de finalizar este capítulo, gostaria de deixar o primeiro lema do grupo MADA
e destacar a importância desta organização que há anos vem ensinando que a única
história de amor que pode de fato durar por toda a nossa vida é a relação de amor
que estabelecemos por nós mesmos. Não me refiro a um amor qualquer, mas ao
verdadeiro amor, aquele que nos desperta os melhores sentimentos e pelo qual nos
empenhamos em práticas interpessoais, que nos transformam em pessoas melhores
a cada dia dessa nossa breve, mas intensa existência.
1º lema do Grupo MADA: fazer primeiro as coisas primeiras
“Quando chegamos ao MADA, percebemos que no passado havíamos nos
envolvido em relacionamentos de forma obsessiva e compulsiva. Passamos
nossas vidas tentando modificar os outros, sobrando assim, pouca energia para
nossas tarefas e cuidados pessoais. Agora, em recuperação, nossa prioridade
deve ser a abstinência dos padrões de comportamentos que nos levaram à
dependência.
Às vezes, ficamos muito confusas quando deixamos de controlar outras pessoas,
não sabemos por onde devemos começar. É incrível notar como estávamos
acostumadas a aconselhar os outros, sabendo exatamente como eles deveriam
agir. Agora, tendo que direcionar isso para nós mesmas, descobrimos que não
temos tanta habilidade em saber quais são as nossas prioridades.
Você está em processo de recuperação. Portanto, tente não se cobrar demais.
Comece pelas coisas mais simples. No dia a dia, procure listar o que é preciso ser
feito. Faça a si mesma a seguinte pergunta:
‘Nesse momento, o que é mais importante? E o que é possível ser feito?’”15
15 Extraído do site do Grupo MADA, em novembro de 2012: http://www.grupomada.com.br
Epígrafe
Dança na corda bamba
De sombrinha
E em cada passo
Dessa linha
Pode se machucar...
Azar!
A esperança equilibrista
Sabe que o show
De todo artista
Tem que continuar...
O BÊBADO E A EQUILIBRISTA —
João Bosco/Aldir Blanc
CAPÍTULO 9
CELEBRIDADES COM SUPOSTO
FUNCIONAMENTO BORDERLINE
É claro que gosto não se discute. No entanto, as personalidades aqui descritas
demonstraram talentos indiscutíveis, reconhecidos por grande parte da crítica e do
público, e muitas delas tiveram suas vidas interrompidas precoce e tragicamente.
Elas nos emocionaram, ditaram modas e conceitos, quebraram tabus, influenciaram
gerações e nos marcaram com performances inesquecíveis seja no cinema, na TV,
nos palcos ou simplesmente no embalo de uma música no ouvido.
É muito importante ressaltar que em momento algum afirmo que tais celebridades
são borderlines de fato, uma vez que não fiz uma investigação diagnóstica que
pudesse atestar isso. Este capítulo visa somente facilitar o entendimento sobre o
assunto, uma vez que as histórias de vida dessas pessoas estão recheadas de
comportamentos muito semelhantes ao jeito borderline de ser.
Amy Winehouse — “Explosiva, encrenqueira e talentosa”
A cantora e compositora inglesa, diva do pop e da soul music, foi e ainda é
idolatrada no mundo todo. Entre os fãs, estão milhares de garotas que imitam seu
look e comportamento excêntricos: roupas, cabelos com penteados altos e
volumosos (sua marca registrada), olhos carregados de rímel e delineador,
tatuagens; jeito rebelde, desafiador e “superlativo” de ser. Tudo que ela fez chamou
a atenção da imprensa, que ora se rasgava em elogios, ora se deleitava com sua
reputação e imagem.
Amy foi uma das campeãs em vendagem de discos. Enlouqueceu multidões e
alvoroçou os paparazzi com seu comportamento debochado e sarcástico; suas
performances e bebedeiras no palco; atrasos e cancelamentos de shows;
escândalos envolvendo drogas, sexo, agressões físicas e palavrões, tentativas de
suicídio, prisões, internações em clínicas de reabilitação e a “paixão cega” e
incurável pelo polêmico Blake Fielder-Civil.
Amy Jade Winehouse nasceu no subúrbio de Londres em 14 de setembro de 1983.
Teve uma infância conturbada, presenciando brigas e o constante sofrimento de sua
mãe (Janis), devido ao relacionamento amoroso que seu pai, Mitchell, mantinha com
uma colega de trabalho. Por influência de Mitchell, a quem sempre foi apegada, a
menina aprendeu a gostar de jazz e músicas de Frank Sinatra. Aos 9 anos, com a
separação dos pais, Amy passou por uma das fases mais marcantes de sua vida. A
música What is it about men? (Qual é a dos homens?) retrata os momentos difíceis
vividos por sua mãe e a revolta de Amy. Nesta canção, ela diz que o trauma da
separação foi como uma pedrada em sua cabeça, exacerbando o seu lado
autodestrutivo.
Aos 12 anos, ela ganhou uma bolsa de estudos para a Escola de Teatro Sylvia
Young, de onde foi expulsa antes de se formar, por usar um piercing no nariz, pela
sua insubordinação e indiferença a tudo e a todos. Aos 14, comprou seu próprio
violão, começou a compor e se apresentar em pubs londrinos, até ser descoberta
pela Island Record e se tornar uma artista de sucesso, premiada no Reino Unido.
Dona de uma voz e um talento extraordinários, e estilo musical inconfundível (um
mix dos anos 50 e 60), o furacão Amy decolou na carreira aos 19 anos, em 2003,
quando lançou o primeiro álbum, Frank. Em 2005, conheceu Blake Fielder-Civil (seu
“Baby”), por quem teve um apego afetivo irracional e adoecedor. Em sua
homenagem, a cantora ostentava a tatuagem Blake’s (do Blake), na altura do
coração. Entre tapas e beijos, romances paralelos, bebedeiras, drogas e muitas
polêmicas, o casal se separou.
Dessa turbulenta e destrutiva relação amorosa nasceu, em 2006, o álbum
“autobiográfico” Back to Black, que a consagrou e lhe rendeu cinco Grammy (2008),
o maior prêmio da indústria fonográfica. Nesse disco, recheado de dor e pesar, Amy
expõe, de forma escancarada, suas imperfeições, em letras dilacerantes. Lá estão
hits memoráveis como Rehab (Reabilitação), sobre o período em que se negou a
ser internada numa clínica; Back to Black (Volta ao luto), quando Blake a trocou por
outra; e You know I am no good (Você sabe que eu não presto), na qual cita a
emblemática frase I told you I was trouble (Eu te disse que eu era encrenca).
Em maio de 2007, Amy e Blake reataram o namoro e se casaram em cerimônia
discreta em Miami. Mostrando-se feliz e ainda com boas performances em shows, a
cantora concedeu entrevista à revista Rolling Stone.16 Na ocasião, a repórter
observou várias cicatrizes em seu antebraço esquerdo e, ao perguntar desde quando
tinha começado a se cortar, a cantora disse ser algo bem antigo, de uma época ruim
e desesperadora — apesar de alguns cortes parecerem recentes.
Em novembro do mesmo ano, Blake foi preso por agredir e subornar o dono de um
pub. Mais tarde, ambos se envolveram em relações extraconjugais, o que culminou
em separação e brigas judiciais. Amy afundou-se cada vez mais nas drogas e foi
alvo dos noticiários mais por seus vexames, agressões e apresentações pouco
apreciáveis do que por seu talento.
De tudo que foi visto sobre a cantora, pode-se perceber características típicas de
uma personalidade borderline: intempestividade, instabilidade e excesso de
emoções, autodestruição (automutilações, drogas, bulimia, anorexia); medo extremo
do abandono e da rejeição. Sua vida se equilibrava em vínculos afetivos, a razão
maior do seu viver. Sua profissão e boas performances oscilavam de acordo com as
relações amorosas.
Em 23 de julho de 2011, com apenas 27 anos, Amy Winehouse foi encontrada
morta em sua casa, em Londres.
Entre o retrô e o ousado, a aspereza e a docilidade, o amor e o ódio, o
brilhantismo e a sarjeta, a morte solitária e silenciosa. Este é o retrato de uma
garota insegura, confusa, contraditória, instável, complexa, intensa e inadequada,
que sofreu e fez sofrer, e que chegou ao fim.
“A vida é curta. Aproveitem, pois a vida é curta. Cometi muitos erros. Digo que
não me arrependo ou me desculpo, mas não é verdade.”
Amy Winehouse
DVD I told you I was trouble, Live in London, 2007.
Marilyn Monroe — “Bela, sexy e imortal”
Há mais de cinquenta anos da morte de um dos maiores ícones do cinema do
século XX, ainda muito se especula sobre aquele 5 de agosto de 1962. Suicídio?
Overdose acidental? Assassinato pela Máfia? A controversa Marilyn Monroe
personificou o glamour, a beleza, a sensualidade e o brilho de Hollywood, encantou a
todos e se tornou imortal.
Em 1º de junho de 1926, em Los Angeles, nasceu Norma Jeane Mortensen, uma
menina com cabelos castanhos, pele muito clara e olhos azuis. Filha da pobreza, do
abandono e da rejeição; de uma mãe solteira, promíscua, instável e com graves
problemas psiquiátricos. Norma, que mais tarde seria conhecida mundialmente como
Marilyn Monroe, nunca soube quem foi seu pai biológico, e o sobrenome foi apenas
emprestado de um dos parceiros de sua mãe.
Logo após o nascimento, ela foi deixada sob os cuidados de parentes e vizinhos, e
passou anos entre orfanatos e lares de acolhida. Com menos de 2 anos de idade,
quase morreu quando sua avó, histérica e alcoólica, tentou asfixiá-la com uma
almofada. Aos 6 anos, foi abusada sexualmente por um dos locatários de uma das
muitas casas em que viveu. Se esses incidentes de fato aconteceram não se sabe,
já que foi a própria Marilyn quem trouxe a público todas as histórias de sua infância.
Seja como for, supõe-se que a atriz inventava sobre seu passado e suas vivências e,
de certa forma, isso acabou por valorizar a sua imagem perante a opinião pública. O
contraste entre a “Gata Borralheira” Norma e a estonteante “Cinderela” Marilyn
Monroe era um ingrediente essencial que mostraria a força de alguém que conseguiu
se reinventar, reforçando ainda mais o mito.
Com a avó e a mãe internadas em instituições psiquiátricas e sem lar definitivo,
Norma Jeane estava fadada a viver em orfanatos. Aos 16 anos, decidiu se casar
com o namorado Jimmy Dougherty para ter seu próprio lar. Quatro anos depois, já
estavam divorciados.
Descoberta por um fotógrafo, ela iniciou carreira de sucesso como modelo e seu
rosto foi estampado em várias capas de revista. Mas seu sonho ainda era se tornar
uma atriz, uma grande estrela. E foi justamente como atriz, contratada pelo 20th
Century Fox, em 1946, que Norma Jeane tingiu seus cabelos de louro claríssimo e
mudou definitivamente seu nome para Marilyn Monroe.
Com papéis tímidos e atuações medíocres, sua carreira só decolou após os anos
50, quando o filme Torrentes de paixão, de 1953, lhe rendeu elogios e a transformou
em uma estrela. Dentre tantos sucessos estão Os homens preferem as loiras
(1953), Como agarrar um milionário (1953), O pecado mora ao lado (1955), Nunca
fui santa (1956), Quanto mais quente melhor (1959). Marilyn explodia nas telas e
havia se tornado uma superstar, a loira mais adorada e cobiçada de Hollywood.
Durante esse período ela namorou e se casou com o famoso ex-jogador de
beisebol Joe DiMaggio, um brutamontes, machão, agressivo e ciumento. Mas ela
necessitava de Joe, o público venerava o casal, e com essa união ela estaria casada
com a própria América. Nove meses depois estavam divorciados. Em seguida,
casou-se com o dramaturgo Arthur Miller e com ele viveu uma “paixão desenfreada”,
obsessiva e conturbada. Ela tinha sede de ser amada, valorizada, mas poucos anos
depois já estavam divorciados, e Marilyn teve um affaire com Yves Montand. O seu
jeito de ser, a “personagem” sensual e voluptuosa, e a falsa identidade que insistia
em manter para se sentir amada provocavam desejo nos homens e fúria e ciúmes
nos maridos.
Marilyn tinha voz infantilizada, gaguejante e frágil. Era insegura, insubordinada,
instável, tinha crises de depressão, chegava atrasada às gravações, esquecia as
falas, se atrapalhava nas filmagens, não respeitava seus colegas e, para alguns, era
insuportável. Tentou suicídio por três vezes, fez dois abortos e se “equilibrava” numa
vida autodestrutiva, regada a calmantes, anfetaminas e álcool. Algumas de suas
mentiras foram descobertas; dizia ser órfã, enquanto sua mãe estava viva e morando
na mesma cidade. Mas, em entrevistas à imprensa, com voz sussurrante tal como
uma menina indefesa, inspirava compaixão sobre seus deslizes e tudo se ajeitava.
Marilyn nunca conseguiu ter relacionamentos afetivos duradouros, mas soube como
ninguém manipular, seduzir e enfeitiçar os homens que quis. Foram incontáveis os
amantes e parceiros sexuais. “Falando em Oscar, eu ganharia de forma esmagadora
se houvesse um por orgasmos fingidos. Fiz o melhor de minha atuação convencendo
meus parceiros de que estava em êxtase”, declarou certa vez. Ela precisava saber
se era desejada, um jeito de se sentir aceita e viva.
Mas, de todas as relações amorosas de Monroe, a mais descontrolada e
escandalosa foi com o senador John Kennedy, que se tornou presidente dos Estados
Unidos. Uma relação que durou cerca de seis anos e que tentaram manter em
segredo. Em 19 de maio de 1962, Marilyn subiu ao palco do Madison Square
Garden com um vestido cor da pele grudado ao corpo, gestos sensuais e voz
lasciva, para cantar o antológico Happy Birthday, Mr. President, em homenagem ao
45º aniversário de JFK. Esta foi a última vez que Marilyn viu John Kennedy. Um
intolerável abandono, uma pungente rejeição para uma personalidade tão complexa
como a de Marilyn. Como uma fera ferida, ligava insistentemente para a Casa
Branca e, histérica, ameaçou espalhar toda a verdade. Robert Kennedy, irmão do
presidente e ministro da Justiça, entrou em cena, manteve um caso com ela e
comprou o seu silêncio.
Na manhã de 5 de agosto de 1962, aos 36 anos, a mulher mais sexy do século XX
foi encontrada morta em sua casa, na Califórnia. Motivo? Depois de autópsias e
interrogatórios, prevaleceu o “suicídio provável” por overdose de barbitúricos.
Marilyn nunca escondeu sua infelicidade e sua insatisfação crônica. Como ela
mesma afirmou: “Eu sempre tenho sentimentos secretos de que sou uma farsa, uma
falsa.”
E assim nasceu, cresceu e viveu: sem identidade, sem conseguir ter contato
consigo mesma, uma fantasia.
Tony Curtis — “Ascensão e queda de um astro”
Uma das celebridades masculinas que apresentavam características do transtorno
borderline era o ator e galã Tony Curtis, considerado um dos homens mais bonitos
do cinema.
Bernard Schwartz (seu nome de batismo) nasceu em 3 de junho de 1925, no Bronx,
Nova York. Filho de imigrantes húngaros de origem judaica (Helen Schwartz e
Emanuel Schwartz), ele teve uma infância pobre e difícil. Sua casa ficava nos fundos
da alfaiataria de seu pai, que tentava manter a família com o pouco dinheiro que
recebia. Bernard e seus dois irmãos sofreram muito nas mãos da mãe, agressiva e
de humor instável. Na época, foi diagnosticada como “esquizofrênica”: “Quando eu
não terminava a sopa, ela me jogava contra a parede”, disse ele, que nunca
esqueceu os abusos e maus-tratos da mãe.
Aos 8 anos, ele e o irmão Julius foram para um orfanato, já que os pais não tinham
condições de educá-los e sustentá-los. Lá os meninos frequentemente se envolviam
em brigas com jovens antissemitas, que, muitas vezes, atiravam pedras e os
agrediam. Em 1938, no início da adolescência, Curtis sofreu uma dolorosa perda que
o marcaria para sempre: seu irmão Julius morreu atropelado por um caminhão. E foi
ele mesmo, ainda tão jovem, que precisou reconhecer o corpo: “Foi um inferno. E ela
nem se importava”, contou Curtis, referindo-se à mãe.
Abalado com a tragédia, Bernard decidiu mudar de vida. Aos 16 anos entrou para a
marinha, serviu durante a Segunda Guerra Mundial e, logo após a rendição dos
japoneses, foi dispensado com honras. Quando retornou ao seu país, passou a
estudar teatro e fazer peças até ser descoberto pela sobrinha do produtor David
Selznick. A partir de então, adotou o nome artístico de Tony Curtis e foi contratado
pela Universal Pictures.
Com uma beleza ímpar e olhos sedutores, Curtis logo se tornou ídolo do público
feminino e foi considerado um dos maiores galãs dos anos 50 e 60, com fama de
conquistador. Curtis estreou no cinema como figurante, mas logo depois se tornou
protagonista de diversos filmes. Tornou-se famoso e um grande sucesso de bilheteria
com os filmes A embriaguez do sucesso, Trapézio, Spartacus, dentre outros, e
chegou a ser indicado ao Oscar pela atuação no filme Acorrentados. Mas foi ao lado
de Marilyn Monroe (com quem teve um caso) no filme Quanto mais quente melhor
que Tony se tornou um astro de Hollywood. Tony Curtis deixou um legado de mais de
120 filmes, cheio de altos e baixos, ditou moda com sua elegância e corte de cabelo
rebelde, e seu visual chegou a inspirar Elvis Presley. Porém, sua ascensão à fama e
ao estrelato foi marcada por uma vida rodeada de muitas mulheres e muito sexo e
mergulhada no mundo das drogas e do álcool.
Casou-se seis vezes. A primeira foi com a atriz Janet Leigh, do clássico filme
Psicose, de Alfred Hitchcock, que lhe trouxe muita visibilidade. Por um tempo, foram
considerados o casal de ouro de Hollywood, mas Curtis nunca foi um marido
exemplar; além de infiel, era um homem rude. Ele não se conformou com a rejeição:
“Fui muito devotado e dedicado a Janet, mas aos olhos dela essa condição dourada
se esgotou. Compreendi que tudo que eu era não era suficiente para Janet. Isso me
machucou muito e partiu meu coração”, disse certa vez.
Curtis, mais tarde, admitiu ser viciado em sexo, ter cometido muitos erros, que
acabaram por destruir seus casamentos e a relação com os filhos. Foi um pai
ausente e ficou afastado da filha Jamie Lee Curtis até quase o final da vida.
Era conhecido como um conquistador inveterado, mas na realidade sofria de baixa
autoestima e necessitava de aprovação das pessoas com as quais se relacionava.
Dizia já ter dormido com mais de mil mulheres: “Minha principal necessidade era ser
aceito pelas pessoas. Não ter educação, não ter dinheiro, nada, exceto ser aceito
por uma garota.” “Eu era uma pessoa doente”, “Eu era inseguro em relação às
mulheres, então queria ir para cama com todas elas”, revelou em entrevista à
Agence France Presse, em 2008, em Washington.
Mergulhado na vida autodestrutiva e na decadência das drogas, Curtis recusou
papéis no cinema que foram aceitos por colegas e viraram sucesso. A oscilação de
suas atuações, ora brilhantes, ora medianas, mantinha o mesmo ritmo da
instabilidade de sua vida pessoal e afetiva. Isso fez com que ele fosse relegado a
papéis secundários e, mais tarde, caísse no esquecimento como ator.
Entre um casamento e outro fez muitos papéis românticos, cômicos, dramáticos,
mas lamentava que o mundo do cinema e os críticos jamais tenham reconhecido
verdadeiramente o seu trabalho e seu sucesso de público: “Acho que não fiz os
filmes que deveria ter feito”, “Sinto que merecia mais do que a indústria me deu”.
Mas, apesar da mágoa, foi indicado ao Oscar, conquistou muitos prêmios, honrarias
e uma estrela na Calçada da Fama de Hollywood.
Depois da infância triste, pobre, e da morte do irmão, Tony foi vítima de outra
tragédia: seu filho Nicholas morreu em 1994, aos 23 anos, por overdose de heroína.
Além de ator, Tony Curtis era flautista, e se dedicou à pintura a partir dos anos 80,
quando já perdera o glamour e sua carreira de ator estava em declínio. Seus
quadros chegaram a ser vendidos por 50 mil dólares.
Tony Curtis morreu em 29 de setembro de 2010, aos 85 anos, em Las Vegas,
Estados Unidos. Estava em seu sexto e último casamento, com a modelo Jill
Vanderberg, 45 anos mais nova e casados desde 1998.
Janis Joplin — “A aloprada do rock”
Janis Joplin foi a primeira mulher a brilhar no mundo masculino do rock com sua voz
rouca, rascante e eletrizante. Considerada uma das vozes mais marcantes do rock
dos anos 60 e a maior cantora de blues e soul de sua geração, Janis Lyn Joplin
nasceu em 19 de janeiro de 1943, em Port Arthur, uma pequena cidade no Texas.
O pai, Seth, trabalhava na Texaco e a mãe, Dorothy, era funcionária na secretaria
de uma faculdade local. Joplin tinha dois irmãos, Laura e Michael, e desde cedo seus
pais perceberam que ela precisava de mais atenção que os demais filhos.
Janis gostava de poesia e pintura, mas também amava a música e, quando
criança, cantava no coral da igreja. Na adolescência, ela era quieta, introspectiva e
bastante solitária. Ficava horas ouvindo blues e jazz de seus cantores favoritos, e
pintando quadros.
Até os 14 anos, Joplin foi uma boa aluna da Thomas Jefferson High School, mas
logo começou a engordar e as espinhas apareceram. A partir de então, tornou-se
rebelde, passou a se vestir de forma mais extravagante, diferentemente das meninas
de sua época: usava camisas masculinas, calças ou saias muito curtas. Janis
gostava de se destacar na multidão e passou a ser alvo de provocações e muitas
humilhações na escola. Era chamada de porca, esquisita, estranha, promíscua, e foi
rejeitada pelos colegas.
Janis, então, se uniu a alguns amigos que compartilhavam com ela o mesmo
interesse pela música. Passou a frequentar e cantar blues e jazz nos bares locais, e
encarnou um “personagem”: uma menina durona, agressiva, encrenqueira, que
gostava de beber e provocar as pessoas.
Após o ensino médio, em 1960, iniciou alguns cursos mas não chegou a concluir
nenhum, pois bebia mais do que estudava. Logo depois, Janis fugiu de casa. Port
Arthur era uma cidade pequena e “careta” demais para uma personalidade como a
de Janis, e sua relação com os pais não era das melhores. Em Austin, foi tratada
com repulsa pelos colegas da Universidade do Texas e considerada “o homem mais
feio do campus”. Nessa época, começou a cantar blues e folk no campus e num
clube local, com um trio de amigos, chamado Walter Creek Boys. Seu jeito forte de
cantar e sua voz gutural assustavam as pessoas, acostumadas ao timbre suave das
cantoras da época.
Em 1963, partiu, cheia de esperança, para São Francisco, um mercado musical
bastante promissor. Durante o período em que esteve por lá, se tornou mais
extravagante ainda, passou a beber compulsivamente, a consumir drogas, inclusive
heroína. Viveu de empregos temporários, apresentava-se nas ruas, em bares e
clubes. Chegou a participar do Monterrey Folk Festival, mas não teve sucesso.
Em São Francisco, sua vida desregrada, autodestrutiva, com consumo de álcool e
drogas pesadas, já tinha atingido um nível tão desenfreado que Joplin foi internada.
Nessa época, retornou à sua cidade natal para receber os cuidados da família.
Assustada com esse momento difícil, ela resolveu mudar o estilo de vida, vestir-se
de forma mais conservadora, prender os cabelos esvoaçantes e fazer o que podia
para parecer certinha. Mas o convencional não parecia combinar com sua natureza.
Em 1966, retornou a São Francisco e se integrou ao grupo Big Brother & Holding
Company. No início ela só cantava algumas músicas e tocava pandeiro, mas
rapidamente se tornou a figura principal, ofuscando totalmente a banda. Em 1967, o
grupo se apresentou no Festival Pop de Monterrey, mas foi Janis Joplin quem se
destacou. Foi aclamada por sua marcante interpretação da música Ball and Chain e
acabou sendo capa das revistas Time e Newsweek. Logo depois, escreveu à sua
mãe: “Espero que você ainda se lembre de mim. Desde Monterrey, três grandes
gravadoras nos querem. Por muito dinheiro. Com a banda Big Brother corre tudo
bem, talvez um dia eu até me torne uma estrela.”
E assim foi. Entre altos e baixos, brigas e formação de novas bandas, Joplin
realmente se tornou um grande sucesso. Seu jeito de interpretar era ímpar e
visceral: cantava com a voz, os cabelos, a cabeça, o corpo inteiro. Gritava com sua
voz rouca e ácida, seduzia o público e chegou a ficar nua no palco e dizer que estava
fazendo sexo com a plateia. Era debochada, insubordinada e desmedida. As
pessoas do seu convívio a consideravam problemática e de personalidade instável
(ora dócil, ora extremamente agressiva), mas também extraordinária, com
capacidade de se conectar e enlouquecer o público, como nunca tinha sido visto.
Em fevereiro de 1970, na esperança de se livrar do vício da heroína, a cantora
esteve no Rio de Janeiro e quase passou despercebida, até mesmo pelos
jornalistas. Nesse curto espaço de tempo, ela fez topless na praia de Copacabana
(em plena época da ditadura) e quase foi presa; foi expulsa do Copacabana Palace,
por nadar nua na piscina; consumiu todo tipo de álcool e drogas que pôde conseguir;
e só conseguiu ser reconhecida e fazer sucesso num bordel, onde o cantor Serguei
se apresentava na época.
Em setembro, Janis foi vista em público pela última vez, em Port Arthur, quando
esteve na comemoração do décimo ano de formatura da sua turma do colégio. Ela
estava ansiosa por aquele momento, para mostrar às pessoas que tanto a
hostilizaram que ela era um grande sucesso.
Em 4 de outubro de 1970, aos 27 anos, Janis Joplin foi encontrada morta em um
quarto do hotel Landmark, em Hollywood, depois de uma overdose de heroína pura.
Em sua carreira meteórica, Joplin lançou alguns discos, foi premiada com o Disco
de Ouro, e o álbum de maior sucesso foi Pearl (seu apelido), lançado após sua
morte, em 1971. Era uma das cantoras de rock mais bem-pagas do mundo e,
apesar de ter chegado ao topo, sua autoestima era extremamente baixa: “Ninguém
gosta mesmo de mim, sou feia demais para isso, só querem me explorar”, declarou
certa vez. Fora dos palcos, tinha uma vida solitária, suas relações afetivas não
passavam de casos breves, e se entediava com facilidade.
“Por que não canto como as outras cantoras? Não sei, talvez porque não fique na
superfície das melodias, porque eu entre na música, eu canto com a minha alma,
com o meu corpo, com o meu sexo... Eu canto toda!”, declarou Janis Joplin.
Elizabeth Taylor — “Filmes, vícios, luxo e sete maridos”
Uma das mais belas e encantadoras estrelas da história de Hollywood, Elizabeth
Rosemond Taylor, mais conhecida como Liz Taylor, nasceu em Hampstead, Londres,
em 27 de fevereiro de 1932. Seus pais eram americanos e, em 1939, preocupados
com a Segunda Guerra Mundial, retornaram para os Estados Unidos, Califórnia.
Nessa época, um amigo da família, impressionado com a beleza e os olhos raros
azul-violeta de Elizabeth, sugeriu que ela fizesse um teste no cinema, o que resultou
em um contrato com a Universal Studios. Assim, com apenas 10 anos de idade,
começou a carreira cinematográfica, que durou cerca de seis décadas. Parte de sua
vocação artística veio da mãe, Viola, que trabalhou como atriz até se casar, e outra
de seu pai, Francis, do qual herdou o amor pela arte.
Elizabeth apaixonou-se pela profissão, trabalhava de maneira natural e instintiva, e
revelou seu talento fazendo filmes infantojuvenis da série Lassie. Seu maior sucesso
na infância foi o filme A mocidade é assim mesmo, quando tinha 12 anos.
Numa época em que as atrizes usavam cabelos descoloridos, sobrancelhas finas,
lábios contornados, a beleza de Elizabeth destoava: seus cabelos eram negro-
azulados, suas sobrancelhas grossas. Os pais tiveram que intervir algumas vezes
para que o estúdio não mudasse seu visual, tampouco seu nome para Virgínia.
Sua primeira atuação num papel adulto foi em 1949, no filme Traidor, de produção
britânica. A partir daí, cada dia mais evoluía como atriz, e se tornou respeitada pela
crítica atuando em filmes de grande sucesso como Assim caminha a humanidade,
Um lugar ao sol, Quem tem medo de Virginia Woolf, De repente no último verão,
Gata em teto de zinco quente, dentre muitos outros.
A curiosidade geral sobre a atriz e sua vida pessoal preenchia manchetes e,
consequentemente, promovia o sucesso de seus filmes. Elizabeth foi reverenciada
pelo público por seu talento e sua beleza impactante, mas também conhecida por
sua personalidade forte, explosiva, temperamental, a vida conturbada, escândalos
amorosos, doenças, dependência de álcool e medicamentos, língua afiada,
insegurança e depressão.
Liz Taylor casou-se oito vezes, sendo que duas delas com o ator Richard Burton,
com quem teve um relacionamento conturbado, recheado de traições, ciúmes, brigas
e muita bebedeira.
O primeiro casamento de Liz foi aos 18 anos com o milionário Nicky Hilton, herdeiro
da rede de hotéis Hilton. Foi uma relação com muitas desavenças e agressões de
todos os tipos, e durou poucos meses. Dois anos depois ela se casou com Michael
Wilding e, com ele, teve dois filhos: Michael Jr. e Christopher. Divorciaram-se em
1956. O terceiro marido de Liz foi Michael Todd, que ela considerou o primeiro
grande amor de sua vida e com quem teve uma filha, Liza Frances. Pouco tempo
depois Todd morreu em um acidente de avião.
Arrasada, Liz foi ao funeral do marido acompanhada por Eddie Fisher, o melhor
amigo de Todd, cuja esposa, Debbie Reynolds, ficou cuidando dos filhos da atriz.
Nessa época, Elizabeth Taylor chocou a conservadora América: ganhou fama de
“destruidora de lares” quando Fisher divorciou-se de Debbie e casou-se com ela, em
1959.
E foi, ainda casada com Eddie Fisher, que Liz conheceu o ator britânico Richard
Burton e com ele viveu seu romance mais tórrido. O caso entre eles começou
durante as filmagens de Cleópatra e foi motivo de muitas fofocas nas revistas e
jornais. Embora ambos fossem casados nesse período, não conseguiram esconder
a paixão desenfreada que sentiam um pelo outro. Foi um relacionamento passional,
problemático, autodestrutivo e um período bastante conflitante. Dividida entre Burton
e os desentendimentos com o marido, Liz tentou suicídio com altas doses de um
medicamento com propriedades sedativas e anestésicas.
Além disso, Liz e Burton se envolveram de tal forma que as filmagens de Cleópatra
ficaram totalmente comprometidas, devido à instabilidade, aos atrasos, às faltas e à
paixão “enlouquecida” que vivenciavam. Como se não bastasse, a atriz também tinha
ataques intempestivos nos sets de filmagens e uma saúde debilitada em função do
álcool, do uso abusivo de medicamentos e da compulsão alimentar seguida de
rigorosos regimes, que culminaram em internações. Nesse cenário caótico, Elizabeth
Taylor ainda teve uma infecção viral e contraiu uma pneumonia que quase a levou à
morte. Para fazer o papel de Cleópatra, a diva, que inspirou gerações, exigiu um
cachê de 1 milhão de dólares (o maior de Hollywood naquela época), acomodações
suntuosas, percentual de bilheteria, dentre outras regalias. Cleópatra não passou de
um filme regular e foi fracasso de bilheteria, mas, decididamente, mudou o destino
de Liz para sempre.
Em março de 1964, Elizabeth Taylor e Richard Burton finalmente se casaram e
ficaram juntos por dez anos. Nesse período adotaram uma menina alemã, batizada
de Maria. Divorciaram-se em 1974 e em 1975 casaram-se novamente para se
separarem de forma definitiva em 1976. Desde Cleópatra, o rei e a rainha de
Hollywood tinham protagonizado 12 filmes. Fora das telas viviam uma vida boêmia,
escandalosa, destrutiva, mas ao mesmo tempo um amor furioso: um não conseguia
viver sem o outro, mas também não conseguiam viver juntos.
Burton, um alcoólico inveterado, agressivo e ciumento, jamais esqueceu Liz. Ela,
por sua vez, o considerava sua “alma gêmea”. Após a morte de Burton, em 1984,
em decorrência da bebida, Elizabeth declarou: “Desde aqueles primeiros momentos
em Roma, permanecemos sempre louca e poderosamente apaixonados um pelo
outro. Tivemos mais tempo, mas não o suficiente.”
Logo após o segundo divórcio com Burton, Liz se casou com o senador John
Warner e com ele permaneceu até 1982.
Por inúmeras vezes, Elizabeth se submeteu a internações em clínicas de
desintoxicação e, em uma delas, em 1991, se apaixonou por Larry Fortensky, 40
anos, um operário da construção civil. Casou-se pela oitava e derradeira vez no
rancho Neverland, de propriedade do seu grande amigo Michael Jackson. A
separação ocorreu em 1996.
Durante sua existência, Elizabeth Taylor foi cercada de muito luxo e glamour. Era
extremamente vaidosa: adorava roupas, sapatos, bolsas e maquiagens das
melhores grifes, além de ser uma colecionadora compulsiva de joias valiosas de
todos os tipos.
Apesar do luxo, do glamour, de vários prêmios (três Oscar, Globo de Ouro, Urso
de Prata etc.) e do carinho dos fãs, Liz lutou contra muitas doenças até o fim da
vida. Teve um tumor no cérebro, câncer de pele, insuficiência cardíaca crônica,
pneumonia, osteoporose, fraturas, e passou por inúmeras cirurgias: “Tive sorte
durante toda a minha vida. Tudo me foi dado de mão beijada: beleza, fama, fortuna,
honras, amor. Mas paguei essa sorte com desastres, doenças terríveis, vícios
destrutivos e casamentos falidos.”
Após a morte de Rock Hudson, em 1985, de quem era muito amiga, Elizabeth
Taylor tornou-se uma das pioneiras a se engajar em campanhas contra a Aids e
chegou a angariar milhões de dólares para pesquisas.
Um dos mais belos ícones da história de Hollywood saiu de cena, aos 79 anos, em
23 de março de 2011.
Inúmeras celebridades poderiam ser incluídas neste capítulo, pessoas cuja
maneira de ser e viver é bastante compatível com o funcionamento borderline. O
objetivo aqui não foi expor a vida de pessoas que já são tão públicas e idolatradas,
mas sim exemplificar o transtorno, por meio de suas histórias.
16 Amy Winehouse: A diva e seus demônios. Publicada na Rolling Stone Brasil, Ed. 10, em julho de 2007. Por:
Jenny Eliscu.
Epígrafe
E por você eu largo tudo
Vou mendigar, roubar, matar
Até nas coisas mais banais
Pra mim é tudo ou nunca mais
Exagerado
Jogado aos teus pés
Eu sou mesmo exagerado
Adoro um amor inventado
EXAGERADO
— Cazuza/Ezequiel Neves/Leoni
CAPÍTULO 10
DE ONDE VEM TUDO ISSO?
Neste capítulo será abordada uma parte mais técnica que tem por objetivo ajudar o
leitor a compreender um pouco mais do complexo funcionamento cerebral das
pessoas com transtorno de personalidade borderline.
No início do século passado, diversos psicanalistas já descreviam comportamentos
compatíveis com os sintomas do que hoje conhecemos como o transtorno de
personalidade borderline. Mas foi Thomas Verner Moore o primeiro profissional
dessa área a utilizar o termo borderline. Thomas o fez para designar uma forma de
depressão psicológica, na qual o paciente apresentava nítidos sintomas depressivos
com ideias delirantes (deliroides) de cunho persecutório (mania de perseguição). No
início da década de 70, o transtorno foi finalmente reconhecido e incluído no DSMIII,17 através dos estudos profundos de dois americanos, Gunderson e Singer, da
Escola de Medicina de Harvard. É importante destacar que o DSM é uma espécie de
“bíblia” da psiquiatria americana, e suas formulações e orientações diagnósticas
norteiam os profissionais da área de saúde mental de diversas partes do mundo.
Trata-se de um manual sério e submetido a atualizações frequentes que ocorrem
com o intuito de adicionar as novas descobertas sobre as mais diversas alterações
do comportamento humano. Dessa forma, a inclusão nesse veículo do transtorno de
personalidade borderline, seu diagnóstico e até prognóstico constituiu um passo
gigantesco para que o transtorno pudesse ser identificado e seus portadores
recebessem o tratamento mais adequado e eficaz.
Infelizmente, ainda existem controvérsias e diferentes linhas de pensamento no
meio científico e acadêmico sobre o TPB. No entanto, já podemos afirmar que é
consenso o fato de os pacientes apresentarem alterações significativas no que tange
às áreas afetiva/emocional, comportamental, social e cognitiva, como visto de forma
mais detalhada no Capítulo 2.
O transtorno de personalidade borderline deriva de diversas disfuncionalidades
neurobiológicas dentro dos incontáveis circuitos cerebrais. De forma mais didática,
isso significa dizer que existem nesse transtorno alterações na produção e na
liberação de vários neurotransmissores, que são substâncias produzidas no cérebro,
cuja função é transmitir e interconectar as informações entre os neurônios de várias
áreas cerebrais. No caso específico dos borderlines, as áreas mais importantes são
aquelas que estão relacionadas às emoções e afetividade. Essa região recebe o
nome de sistema límbico e pode ser considerado o “verdadeiro coração” do ser
humano, pois é ali que nossas emoções são geradas, moduladas e, às vezes,
extrapoladas.
Quando ouvimos expressões românticas do tipo “um coração partido”, tenha
certeza de que o coração verdadeiro está todo inteiro, mas o coração mental
(sistema límbico) encontra-se em “ebulição”. A grande estrela do sistema límbico é
a amígdala (não confundir com a amígdala da garganta), que poderá ser visualizada
na ilustração das estruturas cerebrais mais adiante.
Segundo Gunderson, com quem compartilho os fundamentos em relação aos
borderlines, o pilar central desse transtorno encontra-se na disfuncionalidade
afetiva/emocional. Esse componente tão significativo determina as maiores
dificuldades dessas pessoas: as relações afetivas de natureza interpessoal e até
mesmo a intrapessoal. A disfunção afetiva determina e molda a forma como essas
pessoas se relacionam com as mais próximas e íntimas e também com elas
mesmas.
NEUROIMAGEM FUNCIONAL: NOVAS PERSPECTIVAS DIAGNÓSTICAS
Novos e transformadores ventos sopram no estudo e na compreensão dos
transtornos do comportamento humano, graças aos avanços tecnológicos que nos
conduziram aos exames de neuroimagens. Hoje, muito mais do que ver as estruturas
do cérebro, podemos vê-lo em “ação”, como ele se comporta quando sentimos
alegria, raiva, amor, paixão, tristeza etc.
Até bem pouco tempo, os transtornos psiquiátricos eram diagnosticados levandose em consideração os sinais e sintomas descritos pelo paciente e aqueles
observados pelo médico durante o tempo de consulta. Uma revolução nesse aspecto
se anuncia, pois a neuroimagem nos possibilita observar circuitos cerebrais e as
áreas nas quais alguns deles se apresentam mais ativados ou mesmo
hipofuncionantes. É essencial frisar que a boa e insubstituível relação médicopaciente na colheita de informações, bem como a perícia e a experiência do
psiquiatra, são fundamentais para a elaboração diagnóstica e, consequentemente,
do projeto terapêutico. No entanto, os exames de neuroimagem funcional, sem
qualquer sombra de dúvidas, abrem novas perspectivas no auxílio complementar
para o diagnóstico dos transtornos mentais mais complexos que, por serem assim,
podem levar muito tempo para serem estabelecidos. No Capítulo 8, cheguei a
comentar a triste estatística de que os borderlines levam, em média, dez anos para
receberem um diagnóstico preciso, e esse tempo precioso costuma trazer
consequências desastrosas para esses pacientes nos mais diversos setores de suas
vidas, especialmente o afetivo.
Os exames de neuroimagem funcional produzem imagens dinâmicas do cérebro
nas quais podemos observar a atividade dos neurônios em diversas regiões
cerebrais. Isso, na prática, nos mostra as áreas onde os neurônios “trabalham” mais,
já que correspondem às regiões onde há mais consumo de “combustíveis” (oxigênio,
glicose etc.).
Atualmente, a personalidade borderline é um dos comportamentos disfuncionais
mais estudados e descritos pela psiquiatria. Apesar disso, esse transtorno ainda é
bastante subdiagnosticado pelos profissionais da área de saúde mental. E isso é
absolutamente justificável e compreensível, uma vez que o TPB apresenta uma forte
tendência a se sobrepor a outros transtornos, de forma fronteiriça ou mesmo
comórbida, como mostrado no esquema do Capítulo 1.
Raramente esse transtorno se apresenta de forma isolada, ou seja, sem outros
quadros comportamentais associados. O grande desafio é detectar a
disfuncionalidade primária ou central, pois, no caso dos borders, a alteração
afetiva/emocional é a geradora de todos os demais transtornos associados e, por
isso mesmo, secundários em relação à disfuncionalidade afetiva. É preciso ainda ter
em mente que o diagnóstico dos transtornos de personalidade costumam ser os
mais difíceis de serem realizados, já que, antes de tudo, o que existe é uma maneira
de ser, pensar e agir que constitui o “eixo básico” daquela pessoa. A maneira
superlativa de viver é o seu “jeito de existir”. Trata-se de uma personalidade que
apresenta várias funções mentais alteradas e, por isso mesmo, sofre e/ou faz sofrer
as pessoas ao redor por ter grandes limitações de ver a vida sob outro ângulo.
Meu entusiasmo em relação aos novos métodos de neuroimagens se torna ainda
maior em relação aos borderlines, uma vez que tais técnicas poderão nos ajudar na
árdua missão de desvendar os caminhos pelos quais as emoções e os pensamentos
determinam os comportamentos instáveis e inesperados, geradores de muito
sofrimento real e até mesmo imaginado ou fantasiado. Somente por meio de um
conhecimento mais profundo seremos capazes de auxiliar essas pessoas a
transcenderem o vazio angustiante de não conseguirem viver dentro de si mesmas.
EMOÇÃO EM TEMPERATURA MÁXIMA: O PAPEL PRINCIPAL DA AMÍGDALA
Existem evidências de que os borderlines apresentam disfunções neurobiológicas,
especialmente na região cerebral denominada frontolímbica. Essa área engloba a
parte frontal do cérebro (região da testa) — responsável pela tomada de decisões,
uma vez que o lobo frontal funciona como o nosso “freio” cerebral — e todo o
sistema límbico, constituído por diversas estruturas do cérebro (veja na figura a
seguir) que comandam nossas emoções. Dentro do sistema límbico, a amígdala é a
estrutura-chave na nossa regulação afetiva, no processamento de nossas emoções
e no exercício de nossa impulsividade.
Uma série de estudos de neuroimagem estrutural (relativo ao tamanho), realizados
por Mary C. Zanarini, da Harvard Medical School (EUA), demonstrou uma diminuição
de diversas áreas do cérebro em pacientes borderlines, tais como: o hipocampo,
que é a área do cérebro responsável pela memória; a amígdala, responsável pelas
emoções em geral; o lobo frontal, que é uma área associativa do cérebro e por isso
exerce a função de filtro ou freio para nossos excessos.
Estudos de neuroimagem funcional (metabolismo dos neurônios), também
realizados por Zanarini, revelaram anormalidades no metabolismo da glicose
(principal alimento das células cerebrais) nas mesmas regiões descritas antes, mas
também evidenciaram de forma mais precisa alterações no córtex pré-frontal orbital
— que faz parte do lobo frontal, mas é uma área mais específica onde são
processadas as informações para que nossas decisões possam ser tomadas com
mais racionalidade e equilíbrio. Outras alterações também puderam ser observadas,
como a diminuição da atividade neuronal no tálamo (área responsável por direcionar
informações vindas do corpo para áreas de interpretação e resposta), no hipocampo
esquerdo, nos núcleos de base (responsáveis pelo início e término dos movimentos)
e no córtex pré-frontal dorsolateral (área do lobo frontal específica para a regulagem
da impulsividade).
REGIÕES CEREBRAIS DO SISTEMA LÍMBICO E CÓRTEX PRÉ-FRONTAL
1. Amígdala - 2. Hipocampo - 3. Córtex pré-frontal dorsolateral - 4. Córtex pré-frontal orbital - 5. Tálamo - 6.
Hipotálamo - 7. Núcleos da base.
Elaborado por Lya Ximenez
Dois grandes estudos, também de neuroimagem funcional, realizados pelos
pesquisadores americanos Herpetz e Donegan e colaboradores, avaliaram o
metabolismo cerebral (através do consumo de oxigênio pelos neurônios) em
pacientes borderlines, quando esses eram confrontados com determinadas fotos que
continham expressões faciais diferentes e que representavam emoções bem
definidas para a maioria absoluta das pessoas. As emoções retratadas foram de
neutralidade, alegria, tristeza, medo. Com esses estudos os pesquisadores puderam
constatar que os borderlines apresentavam um significativo aumento de metabolismo
nos neurônios da região da amígdala em comparação aos indivíduos que não
apresentavam esse tipo de transtorno. Dessa forma, eles puderam evidenciar uma
maior reatividade frente às emoções sugeridas pelas expressões faciais nos
pacientes borders quando comparadas com as pessoas não borders, que
constituíam o grupo de controle.
Donegan et al (2003). Atividade da amígdala frente à visualização
das expressões faciais: neutro, alegre, triste, medo.
Se a amígdala está hiperfuncionante nos borderlines, isso nos ajuda a entender o
porquê desses indivíduos viverem no limite de suas emoções e por que, às vezes,
eles vivenciam “hemorragias emocionais”, que podem ser observadas de forma
inequívoca em seus ataques de raiva e fúria ou mesmo em seus atos desesperados
de automutilação. Além da sua função básica de dar o tom de todas as nossas
emoções, a amígdala acaba influenciando muitas outras funções mentais, uma vez
que ela mantém íntimas conexões com diversas estruturas cerebrais. Dessa forma,
tais estruturas em parceria com a amígdala tornam-se responsáveis pelo
processamento, interpretação e armazenamento das informações advindas do
próprio corpo e do ambiente externo e, consequentemente, do processo de
aprendizagem decorrente de todo esse sistema sofisticado de trocas e
conectividade de mensagens entre corpo, cérebro e o ambiente ao redor.
EMOÇÃO X RAZÃO
Segundo António Damásio, autor do livro O erro de Descartes, as melhores decisões
são tomadas quando existe um equilíbrio entre o nosso lado emocional e o nosso
lado racional. E para que nossas emoções possam nos auxiliar nas tomadas de
decisão é necessário que elas se conectem com nossa memória; assim, emoções
positivas tenderão a ser repetidas no futuro. Em contrapartida, a memorização das
emoções negativas e causadoras de sofrimentos tenderão a fazer com que
aprendamos a não repeti-las em outras ocasiões de nossas vidas. Para que essa
relação entre emoção e razão seja harmônica e produtiva, é preciso haver uma
conexão estreita entre a amígdala e o hipocampo. Nossa memória é um processo
completamente associativo, e a responsável por essa associação entre a emoção e
o sentimento com o acontecimento ocorrido dentro ou fora de nosso corpo é a
amígdala, em parceria com o hipocampo.
A amígdala também mantém estreita relação com o núcleo accumbens, uma
estrutura bem pequena que fica no meio do cérebro e é formada por um conjunto de
neurônios capazes de produzir e liberar dopamina (neurotransmissor responsável
pela sensação de prazer e motivação). O núcleo accumbens juntamente com a
amígdala (coração cerebral) e o hipocampo (memória) são responsáveis pela
interpretação dos fatos que vivenciamos e seus consequentes significados. Todas as
situações (boas ou ruins) que fazem o núcleo accumbens liberar dopamina vão
acionar em nosso cérebro a vontade de repetição, em busca da sensação do prazer.
O que irá definir se a repetição é benéfica ou não para o indivíduo são a amígdala e
o hipocampo, que juntos são responsáveis pela interpretação emocional e o
armazenamento das informações na forma de aprendizado.
Outra estrutura que guarda estreita relação com a amígdala é o córtex pré-frontal.
Ele tem por objetivo “frear” o excesso de emoções advindo da amígdala
hiperfuncionante desses pacientes, o que, convenhamos, não é uma tarefa fácil no
caso das pessoas borderlines. Antes de chegarmos ao córtex pré-frontal temos que
recordar o papel decisivo da amígdala na regulação afetiva das pessoas. As
informações sensoriais, oriundas dos nossos sentidos ou do meio externo, ao
chegarem ao cérebro passam pelo tálamo, que tem papel de redirecionar essas
informações, ora para o córtex pré-frontal, onde as associações são feitas e as
decisões tomadas, ora para a amígdala, que dá o tom emocional da história. Da
amígdala os estímulos podem percorrer dois caminhos: um mais rápido e automático
ou um mais lento, elaborado e racionalizado.
O caminho rápido não passa pelo lobo frontal, vai direto para o hipotálamo, que
libera uma série de hormônios para a manutenção da homeostasia do organismo.
Entre esses hormônios está o cortisol, responsável pelo estresse, especialmente
crônico, do organismo. Para o cérebro, o cortisol é uma substância extremamente
tóxica a médio e longo prazos, e as células do hipocampo (memória) são as mais
sensíveis a essa toxicidade. Como os borderlines vivem estressados, é fácil
entender por que sua memória relativa a coisas desagradáveis não os impede de
cometer os mesmos erros muitas vezes, especialmente no campo afetivo. Dessa
forma, a via rápida propicia a exacerbação das emoções e falha no aprendizado,
ambos gerados pelo cortisol que ativa mais ainda a amígdala e intoxica e lesa as
células da memória localizadas no hipocampo.
No caminho mais lento a amígdala passa as informações de volta ao tálamo, que,
por sua vez, aciona novamente o córtex pré-frontal, que reforça o freio sobre as
emoções amigdalianas.
Quando a amígdala está hiperativada, como ocorre nos borders, ela acaba
chamando toda a atenção para si, fazendo com que os circuitos cerebrais se
desviem sempre em sua direção, através da via rápida. Isso gera o que
denominamos de sequestro neuronal, em que as tomadas de decisões tendem a ser
automáticas e instintivas em vez de serem pensadas e mais elaboradas.
Sendo assim, o córtex pré-frontal é subativado nos borders, pois a maioria das
informações segue o caminho rápido que reforça a hiper-reatividade emocional
desses indivíduos. Sem poder exercer o papel de filtro e freio emocional, o córtex
pré-frontal pouco pode fazer para impedir as hemorragias emocionais que tomam
conta dessas pessoas.
Na matemática cerebral da razão X emoção, os borders mostram que a razão é
um perdedor contumaz. O estado de estresse crônico que constitui a vida dos
borderlines também acaba por desregular o metabolismo de outra substância
cerebral fundamental para que eles possam ser menos impulsivos, irritáveis ou
agressivos. Essa substância é a serotonina, que nesses pacientes costuma
apresentar uma profunda desregulação no seu processo de liberação. A alteração no
metabolismo da dopamina e da serotonina diminui ainda mais a responsividade do
lobo frontal e do seu conteúdo mais racional e elaborado na forma de pensar e de
agir. Tal condição reforça e retroalimenta, de forma mais desastrosa, o
hiperfuncionamento amigdaliano desses pacientes.
FATORES GENÉTICOS
Sabemos que, desde o nascimento, o cérebro está em constante transformação. Em
alguns momentos da vida essa transformação é maior, como a que acontece na
transição da infância para a adolescência. O que já é consenso entre os
especialistas é que nascemos com o nosso temperamento bem definido, mas nossa
personalidade não nasce pronta. Ela vai sendo construída ao longo da nossa vida de
acordo com as experiências vivenciadas. As mais diversas situações experimentadas
por cada um de nós influencia esse “modelamento” rumo ao desenvolvimento pleno
de nossa personalidade. Assim, podemos dizer que, quando nascemos, a nossa
genética traz a nossa personalidade pré-formada. E é em cima dessa predisposição
que poderemos desenvolver certos tipos de transtornos mentais e/ou físicos. Tudo
vai depender de quanto o fator genético é determinante em cada caso. Além disso,
temos que considerar as influências que o meio externo nos traz. Um ambiente
desfavorável (traumas infantis, estresse crônico, relações familiares conturbadas
etc.) poderá se constituir em um fermento propício ao desenvolvimento das formas
mais graves dos transtornos.
Em relação ao transtorno de personalidade borderline há um consenso de que 50%
é determinado pela genética. Estudos realizados (Zanarini) evidenciaram um alto
percentual de parentes de primeiro grau (mãe ou pai) com este mesmo transtorno ou
ainda com traços bem marcados dele. Em outros estudos feitos na Noruega,
comparando gêmeos dizigóticos e monozigóticos, verificou-se uma concordância de
35% para os gêmeos monozigóticos e de 7% para os dizigóticos. Dentre todos os
transtornos de personalidade, o borderline se mostrou o transtorno com maiores
estimativas genéticas.
Tendo em vista a dificuldade diagnóstica nesse transtorno, ainda existem poucos
estudos que apresentem um número significativo de casos para que conclusões mais
específicas e precisas possam ser tomadas como algo definitivo. Dessa maneira,
Mary Zanarini, da Harvard Medical School, concluiu que o componente genético no
desenvolvimento do transtorno de personalidade borderline é bastante forte e que os
fatores ambientais também influenciam a modelagem do mesmo, de forma mais
expressiva do que em outros transtornos de personalidade em geral. E destaca
ainda que estudos em grupos maiores, especialmente de gêmeos, são necessários
para tornar essas conjecturas mais fidedignas.
FATORES AMBIENTAIS
A constituição de nossa afetividade está intimamente ligada à maneira pela qual uma
pessoa se relaciona com os outros e consigo mesma. O processo em que um
indivíduo se enxerga como um ser único e independente dos demais é denominado
de “subjetivação do eu”, e ele ocorre através das experiências vivenciadas desde o
início da infância. Entre 4 e 5 anos, uma criança já tem noção exata de que ela é um
ser diferente de seus pais, especialmente de sua mãe. É nessa fase da vida que os
pequenos começam a “mentir” e se divertem com a constatação de que seus
pensamentos não podem ser totalmente desvendados por seus familiares e/ou
cuidadores. Nas meninas esse processo costuma acontecer mais cedo do que nos
meninos. Perceber-se um sujeito único, ao mesmo tempo que é mágico e fascinante
para a maioria das crianças, pode se revelar algo aterrorizador e angustiante para
aquelas que já nascem com uma genética bem marcada para a disfuncionalidade
afetiva dos borderlines. Ver-se único para essas crianças pode fazê-las se sentir
vazias, sós e desprotegidas. E é nesse momento que a influência do ambiente
externo poderá fazer uma profunda diferença entre as crianças que apresentarão as
formas mais leves ou apenas traços do transtorno, e aquelas nas quais
evidenciaremos quadros graves com disfuncionalidades interpessoais capazes de
colocar em risco suas próprias vidas e das pessoas com as quais estabeleçam
relações intensas e doentias.
Nessa fase tão importante da infância, a estrutura familiar se mostra fundamental
para um bom prognóstico para essas pessoas no futuro. Crianças que viveram em
ambientes familiares violentos, com presença de brigas verbais e/ou físicas,
apresentam maiores dificuldades em desenvolver uma afetividade saudável e
estável. Essas famílias ensinam que o desrespeito é algo aceitável. Esse tipo de
ensinamento dificulta em muito o desenvolvimento empático do indivíduo. Empatia é a
capacidade de uma pessoa se colocar no lugar da outra. Sem o pleno
desenvolvimento da empatia é impossível estabelecer uma relação interpessoal,
especialmente de caráter afetivo, com o mínimo de harmonia e respeito. A questão
da empatia é tão importante quando se trata de borderlines que ela é capaz de
estabelecer a gravidade do quadro, bem como o seu prognóstico. Borderlines
empáticos possuem uma maior capacidade de autorreflexão e, consequentemente,
são capazes de apresentar mudanças comportamentais significativas quando se
engajam em um trabalho psicoterápico adequado.
Nos casos mais graves de pessoas com transtorno de personalidade borderline é
possível identificar em suas histórias infantis a presença de abusos sexuais, abusos
físicos e maus-tratos por períodos prolongados de tempo (Zanarini).
E quando a criança tem uma mãe borderline ou com traços bem marcantes do
transtorno?
Bom, aí fatores genéticos podem se somar a fatores externos de caráter
educacional com consequências previsivelmente desfavoráveis. A mãe border, como
vimos no Capítulo 5, é sempre de difícil convivência, mas, se ela for uma borderline
grave, o envolvimento mãe-filho tenderá a gerar uma relação marcada pela
ambivalência afetiva, imprevisibilidade, ansiedade e insegurança. Esses
“ingredientes” são quase infalíveis para a construção de uma afetividade, no mínimo,
conturbada.
Por todos os aspectos destacados é possível observar que o transtorno de
personalidade borderline trata-se de um dos mais complexos quadros relacionados
às disfunções comportamentais humanas.
O que sabemos até o momento talvez seja apenas a ponta de um iceberg, mas
todos os esforços para desvendar esse universo são válidos e necessários, pois
conhecer o universo dos afetos e das emoções humanas é como revelar a origem de
nossa essência. Descartes um dia afirmou “Penso, logo existo” e durante muito
tempo não questionei essa afirmação, cheguei a citá-la com entusiasmo em diversas
aulas sobre o funcionamento mental de nossa espécie. No entanto, hoje necessito
rever alguns conceitos e esse é um deles.
Tenho o firme propósito de acreditar que, se Descartes pudesse ter acesso a todo
o conhecimento científico gerado nos últimos vinte anos, pelo menos em relação ao
funcionamento cerebral, ele se reescreveria em algo mais ou menos assim: “Sou
humano, logo me emociono e, se as emoções me permitirem, pensarei
adequadamente.”
17 Manual diagnóstico e estatístico dos transtornos mentais, 3ª edição. Em inglês: Diagnostic and Statistical
Manual of Mental Disorders.
Epígrafe
De que é feito o amor?
Dizem que o amor é paz
O que o amor me deu
Ninguém vai me tirar
O meu amor só crê
Nas visões que o amor me dá
Se uniu dois corações
Não vai mais separar
DOIS CORAÇÕES
— André Sperling/Ronaldo Bastos
CAPÍTULO 11
É PRECISO REVER NOSSAS RELAÇÕES
AFETIVAS
A importância das relações saudáveis
O poeta já dizia: “Navegar é preciso, viver não é preciso.”
Como seres sociais, nós estamos predestinados ou até mesmo compelidos a
navegar em relação aos nossos semelhantes. De um jeito ou de outro, nossas
embarcações mentais estão sempre percorrendo ou ancorando em novos mares e
oceanos.
Tal como o mar, nossas relações interpessoais estão sempre sujeitas a calmarias,
tempestades, maremotos e até tsunamis.
Os estudos mais recentes no campo da neurociência confirmam o que os conceitos
antropológicos, evolutivos e psicológicos já descreviam: fomos constituídos e
programados para estabelecer relações conectivas com o outro. Nesse aspecto,
podemos ir além: nascemos para nos conectar e essas conexões possuem um
poder significativo de “esculpir” nossas vivências e também nossa biologia cerebral.
Dessa forma, nossas relações interpessoais mais íntimas e intensas são capazes de
moldar nosso comportamento, bem como nosso equilíbrio bioquímico interno, o que
inclui alterações hormonais e imunológicas que regem nossa homeostasia orgânica.
Nestes 20 e poucos anos de profissão voltados para os transtornos do
comportamento humano e os funcionamentos mentais que orquestram tais padrões
de ser e viver, aprendi uma lição: todo paciente tem muito a nos ensinar sobre a
mente humana e nossas condições existenciais, como indivíduos e como espécie. E,
a respeito disso, não tenho dúvidas de que a maneira borderline de ser, em suas
diversas manifestações, tem muito a nos ensinar sobre a nossa função afetiva.
Quando falamos de afeto, imediatamente nos remetemos ao maior de todos eles: o
amor.
A palavra amor talvez seja a mais utilizada nas mais variadas línguas e culturas. As
citações sobre ele são incontáveis e abarcam os diferentes tipos de pensamentos e
emoções. Os poetas já o definiram em inimagináveis facetas, todas reflexos de certa
cultura e de determinado tempo. Os sentidos atribuídos ao amor foram se alterando
no decorrer dos séculos e alguns desses significados foram supervalorizados, numa
homenagem a seus respeitados autores de diversas épocas. Reverenciar certos
textos, obras e autores é uma tendência da espécie humana, que tem por objetivo
acrescer seu grau de significância frente a nossa fragilidade individual perante o
universo. Se por um lado esse comportamento nos nutre de autoconfiança coletiva,
por outro pode gerar equívocos conceituais capazes de se cristalizarem por muitos
séculos e gerações. O temor infundado do final do mundo no ano 2000 é um bom
exemplo desse aspecto do imaginário coletivo da humanidade.
Dentro desse contexto, podemos tirar uma primeira lição sobre o amor: é
necessário repensá-lo, sob uma ótica mais cuidadosa e menos reducionista. Para
tal, devemos estar libertos de conceitos predefinidos tanto no passado longínquo
quanto recente da história da humanidade. É hora de redefinirmos o conceito de
amor, de tal sorte que possamos aprofundar nosso entendimento sobre esse
sentimento que sempre exerceu fascínio sobre homens e mulheres. Por ele muitos
vivem, se desesperam, cometem atos insanos, morrem e até matam. Mas será que
o amor genuíno e verdadeiro é capaz de gerar tantos efeitos nefastos?
O AMOR EM SUA ORIGEM
A palavra amor vem do latim amore e tem no radical am sua raiz; raiz essa presente
em diversas palavras, tais como amor, amizade, amante, amigo, âmago. O radical
am traduz aquilo que vem de dentro, que é profundo. Dentro dessa visão, considero
o amor o instrumento capaz de conectar o que há de mais profundo e genuíno entre
um ser e outro. No meu entender, essa ligação interpessoal e/ou coletiva denominase amor verdadeiro. Sob esta ótica pessoal, o amor verdadeiro é um processo
funcional em nossas vidas, que está intrinsecamente relacionado aos movimentos de
amadurecimento, transformação, transcendência, compartilhamento, aconchego e
solidariedade. O amor verdadeiro guarda em si um caráter construtivo e, por ser
assim, tem a capacidade de despertar o que há de melhor em nós, tanto para nós
mesmos quanto para os demais.
Em outro extremo, existe o falso amor ou amor possessivo que aprisiona, priva a
liberdade pessoal, angustia, manipula, controla, reprime, machuca, enlouquece e
humilha. Trata-se de um sentimento francamente disfuncional que, a meu ver, não
deveria receber a denominação de amor. No entanto, em nossa cultura, muitos
atribuem a esse tipo de relações afetivas o nome de amor, mesmo que esse título
venha acompanhado de adjetivos pejorativos: amor bandido, amor de malandro,
amor veneno, amor sofrido, amor tormento, amor vício, dentre outras denominações.
Em nossa cultura musical observamos a presença desse tipo de amor em letras de
cunho romântico e que enaltecem e alimentam esses sentimentos tão destrutivos
como disfuncionais.
O AMOR NOS DIAS DE HOJE
Observo uma grande contradição no que tange o amor nos tempos pós-modernos. O
pós-modernismo tem como seu sustentáculo filosófico o individualismo, que, por sua
vez, prega a satisfação pessoal como o grande objetivo a ser alcançado por cada
um de nós. No mundo ocidental e já em boa parte do Oriente (China, especialmente),
essa forma de pensar é estimulada ao extremo, até porque, o consumo de objetos
materiais de todos os tipos cresce de forma espantosa, e faz a economia que
movimenta bilhões de dólares se globalizar e se constituir no único meio de
“felicidade possível” para grande parte da população mundial.
Talvez você esteja se perguntando: e o amor nisso? Pois é, eu também me
pergunto, o amor pode ser comprado em prol da satisfação individual? É claro que a
resposta é não. Como eu disse anteriormente, o amor em sua essência, que
denominei amor verdadeiro, é algo que vem “de dentro”, do universo individual de
cada um de nós. Ele existe dentro de nós e cumpre seu destino de nos conectar de
forma funcional e transformadora a outras pessoas, seja esse movimento individual
ou coletivo. E aí como fica o amor na era pós-moderna? Fica como tem ficado:
manco, capenga e exercido de forma extrema e disfuncional sob dois aspectos
centrais:
1. Amor egocêntrico. O indivíduo só vê a si mesmo e estabelece “falsas conexões
amorosas” que só servem para se satisfazer, se envaidecer e se autopromover.
Nossa mídia está repleta de exemplos de ligações amorosas que não possuem
nenhum vestígio de amor verdadeiro. Tudo é feito para “parecer” amor, mas na
realidade são relações que conectam um ego faminto de exaltação, poder ou status
a outro ego sedento de aceitação.
2. Amor aderência. No exercício desse tipo de conexão, o indivíduo se conecta
com o outro por pura necessidade de possuir alguma identidade, uma vez que ele a
possui de forma muito frágil e, em casos extremos, esta lhe é praticamente nula.
Alguém assim também busca a satisfação pessoal, no entanto essa satisfação não
está em conectar-se ao outro com o intuito de expandir seu próprio universo; o outro
não é um meio para o crescimento, mas sim o fim, onde se instalará após tomar
posse do novo território. Trata-se de uma tentativa de adquirir uma identidade que a
pessoa não encontra em si mesma. Nesses casos, é comum observarmos um dos
parceiros afetivos (ou ambos) realizar uma verdadeira “fusão” existencial, que resulta
na anulação de uma ou de ambas as personalidades prévias. Exemplo típico dessa
situação em nossa sociedade são as mulheres ou homens que carregam em seus
nomes o título de “mulher do Fulano” ou “marido de Beltrana”.
Seja como for, essas duas formas de se relacionar afetivamente são frequentes
em nossos dias e, a meu ver, bastante disfuncionais sob o ponto de vista do que é o
exercício de relações amorosas. Definitivamente, essas formas de conexões
interpessoais não correspondem ao que denominei amor verdadeiro.
Ao mesmo tempo que o amor nos tempos pós-modernos tende a se apresentar de
maneira tão disfuncional, grande parte dos desejos amorosos das pessoas de nossa
época tem no mito do amor romântico um arquétipo a ser conquistado e, nessa
conquista, muitos de nós colocamos boa parte das expectativas de alcance da
felicidade eterna.
O AMOR ROMÂNTICO
Para não nos perdermos em derivações filosóficas, poéticas, antropológicas e
socioculturais, tentarei definir e explicar o amor romântico dentro de um conceito
mais científico. Deixo claro que essa escolha não visa excluir nenhum dos aspectos
anteriormente citados, que particularmente me interessam muito. Resolvi proceder
assim para ser mais didática e tornar mais acessível um assunto tão complexo. Os
estudos mais recentes sobre o amor no campo da neurociência distinguem três
grandes sistemas neurais: o do apego, o do cuidado e o do sexo.
O apego nos conduz à procura de pessoas com quem possamos contar em
situações de perigo, aquelas que estariam prontas a nos socorrer quando
precisássemos de ajuda. As pessoas pelas quais desenvolvemos apego são aquelas
das quais mais sentimos falta em situações em que elas estão ausentes em nossas
vidas.
O cuidado responde pelo impulso que temos de cuidar de alguém, especialmente
das pessoas com as quais nos importamos mais e, consequentemente, nos
preocupamos. Para facilitar o entendimento sobre apego e cuidado, podemos
afirmar que o apego promove a união, funciona como uma “cola” que une o casal, a
família, os amigos e demais afetos amorosos. Já o ato de cuidar visa suprir as
necessidades dos que amamos.
O sexo, por sua vez, além de ser muito bom, é responsável pelo início de todo
esse processo amoroso interpessoal. Convém destacar que o sexo, isoladamente,
não constitui uma relação afeto-amorosa; no entanto, todos concordamos que um
sexo de qualidade propicia, em muito, o desenvolvimento do apego e do cuidado
entre cônjuges ou parceiros amorosos.
Quando existem apego, sentimentos de cuidado e atração sexual, podemos afirmar
que experimentamos um romance completo. A este estado de harmonia e
completude denominou-se amor romântico. O grande problema do amor romântico
não é a sua definição teórica, e sim a sua prática cotidiana. Isso é facilmente
compreendido, pois os circuitos neurais subjacentes ao apego, cuidado e sexo são
neurobiologicamente
independentes
e
envolvem
caminhos
neurais
e
neurotransmissores diversos, como foi visto no Capítulo 10. Em diversas situações
de nossas vidas, um dos três sistemas pode se destacar mais que os outros dois,
por isso podemos ter apego e cuidado genuínos por alguém sem, necessariamente,
exercermos atividades sexuais com ele. E o oposto também pode ocorrer. Por outro
lado, quando esses três sistemas estão conectados de forma simultânea, o amor
romântico se manifesta em toda a sua plenitude, desencadeando uma ligação
afetuosa, aconchegante e sensual. O que, convenhamos, é a glória da vida afetiva!
Aqui cabe uma observação importante: os caminhos do amor percorrem estradas
diversas no cérebro, uma estrada não racional (denominada subcortical ou
secundária) e outra estrada racional ou cognitiva. Dessa maneira, os motivos do
amor sempre foram irracionais, mas a sua execução e o seu exercício demandam de
nós racionalidade e planejamento, caso contrário o destino do amor será sempre a
dor e a desilusão.
AMOR ROMÂNTICO X CASAMENTO NOS DIAS ATUAIS
De forma contraditória ao individualismo de nossos tempos, o amor romântico se
tornou um mito de felicidade e tem, até hoje, na instituição do casamento o seu
representante social de maior expressão. O casamento ainda é um produto
“vendido” como um remédio para muitos males do indivíduo em nossos tempos. Ele
propõe a fusão de dois seres que se complementam perfeitamente na tríade apego,
cuidado e sexo pelo resto da vida. Visto dessa forma, o produto casamento seria
algo mágico, capaz de modificar nossa condição básica e existencial de seres únicos
e solitários.
Por mais que não nos seja agradável aceitar esse fato, nossa condição humana
nos faz seres dotados de um universo interior próprio e singular, no qual precisamos
mergulhar solitariamente. Porém, não com objetivos egocêntricos infantis, e sim com
o desafio de sermos inteiros em nós mesmos a fim de conectarmos o que há de
melhor em nós com o inteiro e o melhor que há no outro. Nascemos sós e morremos
sós, e isso pode não significar solidão e sim sermos solitários muito bemacompanhados por nós mesmos.
A utopia do amor romântico, tal qual ele é “vendido” pela indústria dos casamentos
de contos de fada, tem se mostrado uma usina geradora de crises nas relações
amorosas entre as pessoas. Os indivíduos entram em um casamento repletos de
expectativas incentivadas pelo mito do amor romântico: todos apostam na
estabilidade, no aconchego, na perenidade. No entanto, desejam e esperam que tais
ingredientes salutares sejam acompanhados com o tempero da paixão e da atração
sexual inflamada.
Não podemos esquecer que as pessoas, em sua grande maioria, casam ou se
unem quando estão apaixonadas, e é justamente nesse momento que todas as suas
expectativas amorosas encontram-se exacerbadas, tal como um número elevado a
potências grandiosas, fazendo da união uma equação que se mostra imprecisa e
potencialmente desencantadora.
A MANEIRA BORDER DE SER NESSE CONTEXTO
A personalidade borderline carrega consigo a disfuncionalidade amorosa, e quando
nos referimos a isso podemos tomar como base de entendimento o estado de
paixão que, provavelmente, todos nós já experimentamos algum dia. O amor não é
cego, mas a paixão sim. A paixão nos faz ver o que não existe e apaga de nossa
visão o que sinaliza perigo ou “não perfeição”. Quem já viveu uma paixão sabe disso
e não é por acaso que ela corresponde a um estado de desequilíbrio orgânico
intenso e, como tal, tem sua duração predeterminada pelo organismo. Nosso
cérebro é tão perfeito na tarefa de nos manter vivos, que o estado de paixão
geralmente tem duração limitada, de poucos meses a até dois anos. Se assim não
fosse, a paixão, em vez de nos proporcionar uma experiência rica em nossas vidas,
seria responsável por grandes adoecimentos físicos e mentais.
Se entendermos que a maneira como os borders vivem se assemelha, em muito, à
experiência da paixão, poderemos compreender o quão desesperador é o cotidiano
dessas pessoas. Enquanto para a maioria das pessoas a paixão é um estado
passageiro e revigorante durante o seu curso, para os borders viver é estar
apaixonado todo o tempo, mas com os sentimentos negativos dessa experiência em
predomínio absoluto. Eles são incapazes de se desprenderem das pessoas com as
quais estão, sentem que nunca mais serão amadas, temem o abandono e a rejeição
e, por isso mesmo, se submetem a muitas situações que a maioria das pessoas não
suportaria no contexto de uma união afetiva.
Como foi visto, os amores dos tempos pós-modernos se apresentam sob a ótica
do individualismo, sendo o amor egocêntrico e o amor aderência os mais comuns
neste sentido. Para uma personalidade border se encaixar nessas formas de amor
disfuncional é algo muito fácil e até, de certa maneira, natural.
No caso do amor egocêntrico, os borders podem ser tanto agentes ativos quanto
passivos. Isso porque existem borders que apresentam um comportamento
extremamente infantil e egoísta nas conexões afetivas e, nesses casos, se apegam
ao outro para suprir a necessidade de serem importantes para alguém. Nesses
casos, os sentimentos do outro costumam não ser percebidos, pois somente as suas
necessidades é que contam. De forma inversa, pessoas borders também podem se
submeter a parceiros extremamente egoístas e deles suportarem tudo com o único
intuito de não serem abandonadas.
No que tange o amor aderência, a dinâmica disfuncional é semelhante, mas nessas
situações as pessoas borders costumam ter um papel passivo e subserviente. Seus
parceiros, em geral, exercem sobre elas um domínio absoluto que pode ser perigoso
para o desenvolvimento pleno de suas identidades.
No caso do amor romântico, os borders têm a capacidade de torná-lo ainda mais
fantasioso e idealizado. Por conta disso, suas vidas afetivas tendem a uma
instabilidade que beira o caos, com repercussões em todas as áreas da vida desses
indivíduos.
Como podemos ver, a disfuncionalidade amorosa é uma marca do amor nos
tempos pós-modernos, que propagam a individualização e a autossatisfação ao
mesmo tempo que alimentam e industrializam o mito do amor romântico em
publicidades belíssimas, romances literários, filmes, novelas, programas
casamenteiros, agências de encontros amorosos, sites de relacionamento e um
suntuoso comércio que abrange as cerimônias sofisticadas de casamento. Diante
desse panorama todos se angustiam e se questionam: como amar e ser amado de
verdade nos dias atuais? O amor de fato pode existir nos tempos pós-modernos ou
o amor verdadeiro seria mais uma utopia?
Não tenho dúvidas de que o amor verdadeiro pode ser alcançado em qualquer
tempo. A conexão com o outro está escrita em nossos genes. O vínculo amoroso
não pode nem deve ser nosso fim, mas com certeza trata-se do nosso destino.
Mesmo de forma utópica, o amor romântico continua a ser um dos maiores desejos
de cada ser humano. Isso significa que não estamos dispostos a abrir mão de um
sonho amoroso.
O que está em jogo não é a desconstrução do amor e sim a sua reinvenção e sua
resignificação. Precisamos entender que as relações de amor podem e devem ser
duradouras, mas, para isso, o amor precisa ser trabalhado e cuidado, não como
uma enfadonha obrigação, e sim como um processo em constante movimento que se
mostra apto a se ajustar às transformações que o mundo e as circunstâncias da vida
impõem a cada um de nós. O primeiro passo para isso é compreender que
amadurecer implica abrir mão de falsas e infantis expectativas, é fazer o que pode
ser feito, sem nos distanciar de nossa ética essencial.
Com o amor não é diferente. Para que ele sobreviva e siga seu destino
transformador, devemos exercê-lo sobre alicerces reais de amizade,
companheirismo, cumplicidade. O amor verdadeiro é aquele que nos faz
conectarmos com o outro e com o social, é o que há de melhor em nós em cada
etapa de nossa existência. Esse amor não é o idealizado em nossos sonhos infantis,
mas é real e está ao alcance de nossas escolhas e ações diárias. Difícil? Sim, mas
possível.
Todos os questionamentos e informações aqui discutidos provocaram em mim
profundas reflexões, que podem se revelar futuramente ideias úteis ou simplesmente
se perderem no tempo. Na primeira hipótese, ficarei imensamente feliz em
compartilhar estas ideias com diversas pessoas. Porém, se o conteúdo se mostrar
sem valor na reinvenção da vida amorosa de quem ler esta obra, também me sentirei
realizada pela oportunidade de pensar sobre esse sentimento que nos move desde
que o tempo é tempo e nossa humanidade foi esculpida pelo exercício do amor.
Não terei constrangimento em me repensar e, quem sabe, novamente dividir com
você, leitor, todos os meus pensamentos. Isso para mim é uma relação de amor
verdadeiro, que a função de escritora me faz conhecer. Você daí e eu daqui, mas
em conexão mente a mente, cérebro a cérebro, do que há de melhor no meu interior
para o que existe de melhor em você. Esse é um amor funcional e bilateral que nos
transforma mutuamente. Espero que essa história de amor não tenha fim, pois a
busca do autoconhecimento é eterna, solitária, mas pode e deve ser compartilhada
sempre.
Com amor verdadeiro,
Ana Beatriz.
ANEXO
Critérios Diagnósticos para Transtorno da Personalidade Borderline — DSM-IV-TR
(301.83)* 18
Um padrão global de instabilidade dos relacionamentos interpessoais, da
autoimagem e dos afetos e acentuada impulsividade, que se manifesta no início da
idade adulta e está presente em uma variedade de contextos, indicado por, no
mínimo, cinco dos seguintes critérios.
1. esforços frenéticos no sentido de evitar um abandono real ou imaginário. Nota:
Não incluir comportamento suicida ou automutilante, coberto no critério 5.
2. um padrão de relacionamentos interpessoais instáveis e intensos, caracterizado
pela alternância entre extremos de idealização e desvalorização
3. perturbação da identidade: instabilidade acentuada e resistente da autoimagem
ou do sentimento de self
4. impulsividade em pelo menos duas áreas potencialmente prejudiciais à própria
pessoa (p. ex., gastos financeiros, sexo, abuso de substâncias, direção
imprudente, comer compulsivo). Nota: Não incluir comportamento suicida ou
automutilante, coberto no Critério 5.
5. recorrência de comportamento, gestos ou ameaças suicidas ou de
comportamento automutilante
6. instabilidade afetiva devido a uma acentuada reatividade do humor (p.ex.,
episódios de intensa disforia, irritabilidade ou ansiedade geralmente durando
algumas horas e apenas raramente mais de alguns dias)
7. sentimentos crônicos de vazio
8. raiva inadequada e intensa ou dificuldade em controlar a raiva (p. ex.,
demonstrações frequentes de irritação, raiva constante, lutas corporais
recorrentes)
9. ideação paranoide transitória e relacionada ao estresse ou graves sintomas
dissociativos
18* O texto desta página foi reproduzido como consta no DSM-IV-TR. (N. da E.)
DICAS DE FILMES
A fantástica fábrica de chocolate
Atração fatal
Borderline — Além dos limites
Garota interrompida
Gia — fama e destruição
Mulheres à beira de um ataque de nervos
O fabuloso destino de Amélie Poulain
Sete dias com Marilyn
Shame
Taxi Driver
Um grande garoto
Vicky Cristina Barcelona
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