UNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIA – UNEB

Transcrição

UNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIA – UNEB
1
UNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIA – UNEB
DEPARTAMENTO DE CIÊNCIAS HUMANAS – CAMPUS V
PROGRAMA DE MESTRADO EM HISTÓRIA REGIONAL E LOCAL
Cristiane Lopes da Mota
O GOLPE DE 1964 E SUAS REVERBERAÇÕES EM SANTO ANTÔNIO DE JESUS
(1960-1983)
SANTO ANTÔNIO DE JESUS
2013
2
CRISTIANE LOPES DA MOTA
O GOLPE DE 1964 E SUAS REVERBERAÇÕES EM SANTO ANTÔNIO DE JESUS
(1960-1983)
Dissertação apresentada ao Programa de PósGraduação em História Regional e Local do
Departamento de Ciências Humanas – Campus
V, Santo Antônio de Jesus, da Universidade do
Estado da Bahia, como requisito parcial para
obtenção do grau de Mestra em História, sob a
orientação do Prof. Dr. Paulo Santos Silva.
SANTO ANTÔNIO DE JESUS – BAHIA
2013
3
FICHA CATALOGRÁFICA
Sistema de Bibliotecas da UNEB
O Golpe de 1964 e suas reverberações em Santo Antônio de Jesus (1960-1983) /
Cristiane Lopes da Mota .– Santo Antônio de Jesus, 2013.
Orientador: Prof. Dr. Paulo Santos Silva.
Dissertação (Mestrado em História Regional e Local) – Universidade do Estado da
Bahia. Departamento de Ciências Humanas. Campus V. 2013.
CRISTIANE LOPES DA MOTA
Contém referências e anexos.
1. Partidos Políticos. 2. Golpe Militar. 3. Ditadura Civil Militar. 4. Santo Antônio de
Jesus-BA I. Silva, Paulo Santos. II. Universidade do Estado da Bahia,
Departamento de Ciências Humanas.
CDD: 329.0281
O GOLPE DE 1964 E SUAS REVERBERAÇÕES EM SANTO ANTÔNIO DE JESUS
(1960-1983)
Dissertação apresentada ao Programa de PósGraduação em História Regional e Local do
Departamento de Ciências Humanas – Campus
V, Santo Antônio de Jesus, da Universidade do
Estado da Bahia, como requisito parcial para
obtenção do grau de Mestra em História, sob a
orientação do Prof. Dr. Paulo Santos Silva.
Santo Antônio de Jesus, 08 de novembro de 2013.
Banca Examinadora
Prof. Dr. Paulo Santos Silva (Orientador)
Universidade do Estado da Bahia (UNEB)
Prof. Dr. Raimundo Nonato Pereira Moreira
Universidade do Estado da Bahia (UNEB)
Profa. Dra. Lucileide Costa Cardoso
Universidade Federal da Bahia (UFBA)
SANTO ANTÔNIO DE JESUS – BAHIA
2013
Para Guilherme, meu filho
AGRADECIMENTOS
O conhecimento acontece a partir de múltiplas trocas de experiências, valores,
dificuldades... Enfim, dificilmente conseguimos executar bem uma tarefa fechados em nós
mesmos. Esta dissertação é fruto do desprendimento e compromisso de muitas pessoas.
Começando pela minha família, com quem aprendi que não precisa ir muito longe para
encontrar o amor. Meu pai, Elizeu, me ensinou a trilhar meus sonhos com responsabilidade e
honestidade. Venância, minha mãe, faz com que a vida fique mais leve e o amor se torna
grande em pequenos gestos. Meus irmãos, José, Paulo, Graça, Vane, Terezinha, Zezeu,
Vando, Fernando e David são companheiros e amigos de todas as horas. Amores da minha
vida!
Meu esposo Ursicino, muito obrigada por fazer dos meus sonhos os seus, sempre
cúmplice e companheiro, tem o poder de tornar as coisas mais simples, sobretudo, de forma
concreta me ajudando com o nosso filho para poder concluir mais essa etapa. Amo você!
Guilherme, meu filho, por mais que as pessoas falassem não imaginava a plenitude do
que é ser mãe. Seu olhar faz o meu coração sorrir. Te Amo!
Aos tios, tias, primos, primas, cunhados e cunhadas, sobrinhos, sobrinhas e afilhados
valeu pela solicitude e afagos. A Daniela cunhada, que se fez irmã no transcurso da minha
gravidez acompanhando e me dando forças em todos os momentos.
A Simone que me ajudou a cuidar de Guilherme com muito carinho para que eu
pudesse estudar.
Minhas amigas, obrigada! Camila, Daniela Lima, Dilma, Juciana, Lidiane, Liliane,
Lorena, Luciana e Meire, pessoas especiais que marcaram a minha história em diferentes
momentos.
Amélia, amizade construída ao longo do mestrado. Suas correções para a escrita da
dissertação foram importantes.
Aos professores Denílson Lessa, Edinaldo Souza, Ely Estrela (in memoriam), Nancy
Assis e a amiga Adriana (Lali) pelas sugestões no processo de seleção para ingressar no
Programa de Pós-graduação em História Regional e Local.
Aos professores da graduação, pelo compromisso e troca de conhecimento.
Professora Nora de Cássia, incentivo constante nessa caminhada acadêmica. Amigas
para sempre!
7
Professor Paulo Santos Silva, desde que conheci fiquei fascinada pelo seu
conhecimento. Nas orientações, conduziu com muita competência, sendo exigente, mas muito
gentil e sensível. Foi um privilégio tê-lo como orientador, oportunidade ímpar. Muito
Obrigada!
Aos professores Lucileide Costa Cardoso e Raimundo Nonato Moreira, obrigada por
ter aceitado compor a banca de qualificação, suas sugestões foram muito importantes para dar
continuidade à escrita da dissertação. Espero ter incorporado parte delas.
A todo o corpo docente do programa, grata pela solicitude e construção do
conhecimento.
A professora Cristina Luna pela oportunidade de realização do Tirocínio Docente em
sua companhia e pelo aprendizado. Aos estudantes da turma 2008.1 (UNEB, Campus V), pela
boa recepção.
A minha turma de mestrado, obrigada a todos, em especial a Ana Paula, Carmem,
Giseli, Liliane, Lorena e Sinara.
Agradeço também a todos os funcionários dos arquivos em que pesquisei, sobretudo, a
Meire da Câmara Municipal de Vereadores e a Augusto, Salvador e Maria do arquivo
Municipal de Santo Antônio de Jesus.
Às pessoas que partilharam comigo um pouco de suas memórias e lembranças,
através de suas narrativas pude perceber as nuances do contexto político no período do golpe
civil-militar em Santo Antônio de Jesus.
À secretaria do mestrado, Ane, Andressa, Andréia e Helder, muito obrigada pelo
carinho.
À CAPES, pela concessão de Bolsa, sem a qual a finalização desse trabalho exigiria
um esforço muito maior.
Na oportunidade da instalação do período legislativo de 1964, a
Câmara de Vereadores de Santo Antônio de Jesus, “Interpretando o
sentimento do Senhor Prefeito e de todo o povo deste município,
congratula-se com Vossas Excelências pela patriótica solução dada ao
problema Nacional, que nos garantirá um período de Paz, Ordem e
Prosperidade”.1
1
Ata da sessão de instalação do primeiro período legislativo da câmara de vereadores do município de Santo
Antônio de Jesus, em 1964.
RESUMO
Esta dissertação aborda a recepção ao golpe civil-militar e suas reverberações em Santo
Antônio de Jesus, Bahia, Brasil. Para tanto, retornam-se a alguns anos precedentes à
deposição de João Goulart a fim de analisar as articulações político-partidárias em âmbito
local e compreender a conjuntura na cidade em 1964. A abordagem também ocupa-se dos
anos subsequentes ao golpe, abrangendo o processo de implantação do bipartidarismo a partir
do Ato Institucional número 2 (AI-2), a composição da Aliança Renovadora Nacional (Arena)
e a sua subdivisão em Arena 1 e Arena 2, as suas dissidências e acordos. Abordam-se as
homenagens aos militares que comandaram o país e o posicionamento de distintos sujeitos
frente aos ideais disseminados pela ditadura civil-militar. Esta pesquisa foi realizada à luz de
diferentes fontes, especialmente das atas da Câmara Municipal de Vereadores de Santo
Antônio de Jesus e de livros memória.
Palavras-chave: Partidos políticos. Golpe civil-militar. Ditadura civil-militar. Santo Antônio
de Jesus.
ABSTRACT
This paper analyzes the reception to civil-military coup and its reverberations in Santo
Antônio de Jesus, Bahia, Brazil. To do that research, we returned a few years earlier to the
deposition of President João Goulart. We aim to analyze the organization and alliances of
local political parties and understand the political situation of the city in 1964. The approach
also deals with the years after the military dictatorship, including the deployment process of
bipartisanship from the Institutional Act 2 (IA-2), the composition of the National Renewal
Alliance (ARENA) and its subdivision in Arena 1 and Arena 2, its agreements and
disagreements. It also addresses the tributes to the military officers who governed the country
and the position of some important people facing the guidelines for the dictatorship This
research was conducted based on different sources, especially the minutes of the City Council
Chamber from Santo Antônio de Jesus and the memory books.
Keywords: Political Parties. Civil-military coup. Civil-military dictatorship. Santo Antônio
de Jesus.
11
LISTA DE SIGLAS
AI – Ato Institucional
AI-2 – Ato Institucional número dois
AI -5 – Ato Institucional número cinco
ACM – Antônio Carlos Magalhães
ADS – Aliança Democrática Santantoniense
ALER – Academia de Letras do Recôncavo
ALN – Aliança Libertadora Nacional
ARENA – Aliança Renovadora Nacional
BNB – Banco do Nordeste do Brasil
CAMDE – Campanha da Mulher pela Democracia
CERIN – Centro Regional Integrado
CHESF – Companhia Hidroelétrica do São Francisco
CONCLAP – Conselho Nacional de Classes Produtoras
CPC – Centro Popular de Cultura
CPDOC – Centro de Pesquisa e Documentação de História Contemporânea do Brasil
EMC – Educação Moral e Cívica
ESG – Escola Superior de Guerra
FAB – Força Aérea Brasileira
FIESP – Federação das Indústrias do Estado de São Paulo
FMP – Frente de Mobilização Popular
IBAD – Instituto Brasileiro de Ação Democrática
IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
12
IPES – Instituto de Pesquisa e Estudos Sociais
JAC – Juventude Agrária Católica
LBA – Legião Brasileira de Assistência
MEB – Movimento de Educação de Base
MDB – Movimento Democrático Brasileiro
NISSA – Núcleo de Integração Social e Profissional da Juventude de Santo Antônio
OSPB – Organização Social e Política do Brasil
PCB – Partido Comunista Brasileiro
PDC – Partido Democrata Cristão
PMDB – Partido do Movimento Democrático Brasileiro
PR – Partido Republicano
PRP – Partido de Representação Popular
PSD – Partido Social Democrático
PTB – Partido Trabalhista Brasileiro
SAJ – Santo Antônio de Jesus
SNI – Serviço Nacional de Informação
SUDENE – Superintendência de Desenvolvimento do Nordeste
UDN – União Democrática Nacional
UEB – União dos Estudantes da Bahia
UFBA – Universidade Federal da Bahia
UNEB – Universidade do Estado da Bahia
USAID – United States Agency for International Development
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LISTA DE QUADROS E FIGURAS
Figura 1: Mapa da localização do município de Santo Antônio de Jesus / Bahia, 2012, 24.
Figura 2: Capa Da Enciclopédia de Educação Moral, Cívica e Política De 1970, 81.
Figura 3: Desfile da Escola Nossa Senhora das Mercês, 85.
Figura 4: Provavelmente uma solenidade de formatura em uma das instituições comandada
pela Madre Rosário, 86.
Figura 5: Desfile de uma das Escolas comandada pela Madre Rosário, 88.
Figura 6: Madre Rosário na Câmara Municipal de Santo Antônio de Jesus, 89.
Figura 7: Madre Rosário e Antônio Carlos Magalhães, 90.
Figura 8: Alunos das creches criadas pela Madre Rosário em homenagem à sua chegada em
Santo Antônio de Jesus, 91.
Figura 9: O tenente Geraldo Pessoa Sales e sua família em 1965, trinta dias depois de sua
chegada a Santo Antônio de Jesus, 92.
Figura 10: Página 109 do livro Santo Antônio de Jesus 1965 a cidade que encontrei, 94.
Quadro 1: Vereadores eleitos no pleito de 1962 e filiação partidária, 33.
Quadro 2: Vereadores eleitos no pleito de 1962 e composição das legendas, 34.
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO, 15.
2 ALIANÇAS E DESACORDOS: A RECEPÇÃO AO GOLPE DE 1964, 24.
2.1 Um Panorama histórico-político de Santo Antônio de Jesus, 24.
2.2 Às vésperas do golpe: coligações político-partidárias, 25.
2.3 Olhares acerca da recepção ao golpe e congratulações à ditadura civil-militar, 37.
2.4 Marchas e Homenagens: mecanismos de apoio à ditadura, 47.
3 DISSIDÊNCIAS E CONFLITOS: OS BASTIDORES DA ARENA 1 E ARENA 2, 52.
3.1 Os rumos da política santantoniense após o estabelecimento do AI-2 e a implantação do
bipartidarismo, 52.
3.2 Disputas pelo poder local entre Arena 1 e Arena 2, 61.
3.3 Oposição a ditadura civil-militar, 65.
4 A FARDA E O HÁBITO EM DEFESA DA DITADURA: O TENENTE GERALDO
PESSOA SALES E A MADRE MARIA DO ROSÁRIO, 71.
4.1 Mudanças no ensino após o estabelecimento da ditadura, 71.
4.2 “Versos e Reversos” da educação em Santo Antônio de Jesus, 77.
4.3 O Tenente Geraldo Pessoa Sales e a Madre Maria do Rosário: trajetórias de sustentação da
ditadura, 84.
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS, 101.
FONTES, 103.
REFERÊNCIAS, 106.
15
1 INTRODUÇÃO
“Sessão Especial da Câmara de Vereadores de Santo Antônio de Jesus em homenagem
ao Comando Revolucionário”. Assim registrou-se a presença dos militares na política do
município em 21 de maio de 1964. Apesar da referência à homenagem prestada aos
representantes da junta militar, composta pelo tenente Masiere, do Segundo Exército, e pelo
general Manoel Mendes Pereira, comandante da 6ª Região Militar, o documento evidencia um
dos primeiros atos de intervenção das forças armadas na cidade. 2
Os militares citados acima fizeram uma “exposição minuciosa” a respeito do que
houve antes e depois do golpe de 31 de março e alertaram para fatos que poderiam acontecer a
partir daquele momento. 3 Portanto, a intervenção dos militares demonstrou a ligação de uma
cidade do interior da Bahia com a política nacional.
O objetivo desta dissertação é compreender o golpe em Santo Antônio de Jesus, a fim
de mostrar suas singularidades, considerando-se, porém, o contexto nacional. Procuramos
entender como os segmentos santantonienses receberam o golpe e estabeleceram ligações com
a política estadual e nacional. Com base na realidade local, buscamos identificar as estratégias
adotadas para apoiar a ditadura civil-militar, as junções e as dissidências político-partidárias,
bem como os grupos que disputaram o poder em âmbito local.
Investigar esse acontecimento histórico, a partir de um município do interior da Bahia,
constituiu uma tentativa de analisar os fatos que marcaram aquele contexto para melhor
compreender o golpe em pequenas cidades brasileiras, que, em suas peculiaridades, sofreram
impactos e tiveram suas vivências modificadas.
Quanto ao recorte temporal, optamos por uma cronologia flexível, que permitiu pensar
no golpe como resultado de articulações anteriores a 1964, para melhor acompanhar seus
desdobramentos em Santo Antônio de Jesus. Por isso, fixamos o ano de 1960 como marco
inicial, por ter se encontrado nesta data os primeiros documentos que revelam o processo
político da cidade diretamente relacionado ao movimento de 1964. Porém, foi no período das
primeiras reformas da constituição de 1945, que se localizou maior número de fontes para esta
pesquisa.
As reverberações foram intensificadas com a institucionalização do regime,
sobretudo a partir de 1967, com a nova constituição sendo largamente emendada em 1969, ao
absorver instrumentos arbitrários, a exemplo do AI-5, implantado em 1968. O último registro
documental desta investigação data de 1983, marco final do recorte temporal aqui adotado.
2
3
Ata da sessão especial da Câmara de Vereadores do Município de Santo Antônio de Jesus. 21 de maio de 1964.
Ibidem
16
A construção desta pesquisa, assim como a definição da proposta, está relacionada à
produção do Trabalho de Conclusão do Curso (TCC) que tinha como objetivo compreender
alguns aspectos referentes aos projetos dos governos militares durante a ditadura civil/militar
(1964-1985), voltados para a educação, sobretudo para o ensino de história em Santo Antônio
de Jesus. O contato com as fontes escritas, orais e iconográficas ajudou a pensar acerca das
atitudes, em âmbito local, referentes ao golpe militar e à instalação do novo regime.4
Para
realizarmos
este
estudo,
que
trabalha
expressivamente
com
fontes
memorialísticas, dialogamos com alguns autores que discutem a relevância e o cuidado no
trato com a memória nos estudos históricos. Segundo Jacques Le Goff, “a memória contém os
elementos básicos para a construção de uma concepção histórica”.5 Para Pierre Nora, a
memória é a vida, sempre carregada por grupos vivos, e, nesse sentido, ela está em
permanente evolução, aberta à dialética da lembrança e do esquecimento.6 As experiências
são rastros significativos e podem se tornar pontos de referência para qualquer estudo
histórico, sobretudo quando os indícios esquecidos ou ignorados revelam interpretações
distintas de histórias já consolidadas.7
Com relação à história política, perspectiva na qual se orienta esta dissertação, a obra
Por Uma História Política (1988), organizada por René Remond, enfatiza sua expansão. O
autor discute que o político não escapa das determinações externas, das pressões e das
solicitações postas em cada contexto vivido. Remond parece reivindicar um status
diferenciado para a história política ao afirmar, quando organizou seu livro em 1988, que
estava ocorrendo o “retorno” dessa história. Entendemos, portanto, que um novo olhar sobre a
política, sobretudo, a partir da década de 1970, ampliou o campo de atuação dos historiadores
e lhes sugeriu novas abordagens. Isso tem como consequência o uso de variadas fontes que ao
serem cruzadas apresentam múltiplos caminhos de pesquisa a partir de um mesmo objeto de
estudo, inclusive no que tange à história local. A história política é constituída por realidades
heterogêneas imbricadas e inter-relacionadas em seu conjunto, o que possibilita dinâmicas
sociais muitas vezes conflituosas.
4
MOTA, Cristiane Lopes. Versos e Reversos: o Ensino de História e a Ditadura Militar em Santo Antônio de
Jesus (1964-1985). Trabalho monográfico de conclusão de curso. Universidade do Estado da Bahia (UNEB),
Campus V. 2010.
5
LE GOFF, Jacques. Prefácio. In: LE GOFF, Jacques. História e Memória. São Paulo: Editora da UNICAMP,
2003, p. 13.
6
NORA, Pierre. Entre memória e história. A problemática dos lugares. São Paulo: Projeto História, nº 10, p. 728, dez.1993.
7
POLLAK, Michael. Memória, esquecimento, silêncio. Rio de Janeiro: Estudos Históricos, vol. 2. n. 3, 1989.
17
A expansão historiográfica voltada para o âmbito político refletiu-se nos estudos que
têm o golpe como temática. Esse fato possibilitou à sociedade brasileira rememorar parte de
sua história não muito distante, que pela pretensão dos golpistas e de seus aliados deveria
ficar escondida, haja vista a repercussão negativa da ditadura durante o processo de abertura
política. Conforme Lucileide Costa Cardoso: “Os valores utópicos de um tempo morto
renascem na busca de um sentido para o presente que se concretiza no posicionamento
político frente às diversas perspectivas de transformação da sociedade”8.
Ainda que não se tenha realizado aqui um levantamento exaustivo dos estudos acerca
do tema, cabe elencar alguns trabalhos que têm guiado nossa investigação. No Brasil, um dos
que iniciaram os estudos em torno do golpe de 1964, a partir de uma análise institucional, foi
René Armand Dreifuss. Seu livro 1964: A Conquista do Estado (1981)9, apresenta em mais de
800 páginas, pesquisas sobre as articulações políticas que levaram ao golpe. Este autor
analisou as estratégias de desestabilização do governo de João Goulart pela ação de uma elite
orgânica formada por empresários, tecnoempresários, intelectuais e militares. Eram
representantes dos interesses financeiros multinacionais e associados, que se organizavam
através do complexo IPES/IBAD, junto a FIESP e ao CONCLAP, núcleo ativo desse “golpe
de classe”, segundo Dreifuss.
Já o livro A esquerda e o golpe de 1964 (1989),10 de Dênis de Moraes, reconfigura o
protagonismo de sujeitos coletivos e personalidades da esquerda que exerceram papel
importante na conjuntura política dos anos de 1960. O objeto do autor é o elenco de
concepções, táticas, projeções e, sobretudo, de ilusões e equívocos com os quais os diferentes
setores da esquerda brasileira se movimentaram especialmente sob o governo João Goulart.
A obra Visões do Golpe: a memória militar sobre 1964 (1994), organizada por Maria
Celina D‟Araujo, Gláucio Ary Dillon Soares e Celso Castro, avança numa discussão
inovadora no que diz respeito ao estudo do golpe a partir do olhar dos militares sobre 1964 e a
instauração da ditadura. Os militares que concederam entrevistas, em sua maioria, foram
peças importantes na implementação e manutenção da nova ordem estabelecida. Suas
narrativas ajudaram a entender a lógica e a origem da intervenção militar conforme seus
ideais políticos, e a compreender a participação ativa de alguns personagens de apoio a
ditadura na cidade, a exemplo do militar Geraldo Pessoa Sales, analisado no terceiro capítulo.
8
CARDOSO, Lucileide Costa. Criações da memória: Defensores e Críticos da ditadura (1964-985). Cruz das
Almas / BA: UFRB, 2012, p. 138.
9
A primeira edição do livro foi publicada em 1981, portanto dentro do período do regime civil-militar. A edição
aqui utilizada é a de 1987.
10
A primeira edição do livro foi publicada em 1989, quatro anos após o término do regime. A edição aqui
utilizada é a de 2011.
18
As quatro obras do jornalista Elio Gaspari, A Ditadura Envergonhada (2002), A
Ditadura Escancarada (2002), A Ditadura Derrotada (2003) e A Ditadura Encurralada
(2004), retratam uma visão mais geral dos acontecimentos em torno do golpe e do regime de
1964. Estas obras trazem discussões acerca dos primeiros anos da ditadura, a instituição do
AI- 5, caracterizando-os como o período mais duro do governo militar. E em seguida trata do
seu desmanche com o governo de Ernesto Geisel e reconstitui o período que este comandou o
país.
A revista organizada por Caio Navarro de Toledo, Brasil: do Ensaio ao Golpe (2004),
aborda a partir do olhar de vários autores, estudos que contemplam o golpe de 1964. Carlos
Fico, no artigo Versões e controvérsias sobre 1964 e a ditadura militar (2004), ressalta que
entre 1971 e 2000 foram produzidas 214 teses e dissertações sobre a história da ditadura civilmilitar tendo como principais focos de interesse os temas da arte, cultura e economia, bem
como os assuntos relacionados à esquerda e à oposição, à censura, à crônica dos diversos
governos, ao movimento estudantil, ao estudo do próprio golpe, entre outros temas. Porém, a
maior parte da historiografia aqui citada não contempla estudos de realidades fora do eixo Rio
de Janeiro e São Paulo e revela-se insuficiente para dar conta do tema em suas manifestações
específicas.
Outra abordagem que destacamos é a do também jornalista e ex-militante Flávio
Tavares, 1961 O Golpe Derrotado (2011). A partir da experiência vivida pelo próprio autor, a
obra narra os treze dias em que o Brasil viveu uma situação de guerra civil, com a
mobilização de tropas e ordens de bombardeio aéreo para impedir a posse do vice-presidente
João Goulart, no período posterior à renúncia de Jânio Quadros. O autor mostra um
movimento de rebelião popular que paralisou e derrotou o golpe de Estado dos ministros do
Exército, Marinha e Aeronáutica e evitou a guerra civil. A partir das peripécias da rebelião
que Leonel Brizola iniciou no Sul, surge nesse livro personagens envolvidos numa trama pelo
poder que levou alguns deles ao golpe de 1964.
Com relação aos trabalhos referentes à Bahia, destacamos Tradição, autocracia e
carisma: A política de Antônio Carlos Magalhães na modernização da Bahia (2006), de
Paulo Fabio Dantas Neto. A obra evidencia o contexto político-econômico de Salvador a
partir da década de 1950. O quinto capítulo, Em torno de 1964: a Bahia dobrando a esquina,
ao traçar um panorama da política nacional com a estadual contribui para o entendimento dos
acordos políticos locais no limiar do golpe e no transcurso da ditadura no município
santantoniense.
19
Ditadura Militar na Bahia (2009), organizado por Grimaldo Zachariadhes, em seus
treze capítulos apresenta discussões em torno do golpe de 1964 e do estabelecimento da
ditadura civil-militar em Salvador e outras cidades do interior da Bahia. As análises feitas
nesse livro possibilitaram aproximar o olhar para acontecimentos em torno do período e
melhor compor a pesquisa em Santo Antônio de Jesus.
Os artigos O golpe de Estado de 1964 na Bahia (2004), de Muniz Gonçalves Ferreira
e As estratégias de dominação dos espaços políticos na Bahia durante a ditadura (2007), de
José Alves Dias, elucidam as contradições políticas e econômicas em Salvador e o
malabarismo de Lomanto Junior, então governador da Bahia, no início da ditadura para
manter-se no poder.
No que diz respeito a trabalhos inéditos que tratam do assunto em municípios baianos,
cabe citar Nacionalismo de esquerda: frente de mobilização popular de Una (2010), de
Soanne Cristino dos Santos.11 A autora analisa a organização e a formação da Frente de
Mobilização Popular de Una, município do Sul da Bahia. Evidencia que as frentes pensadas
por Leonel Brizola, em 1962, também foram organizadas em municípios baianos e discute
singularidades e semelhanças. Observa que as forças das ideias da FMP de Una estavam
sintonizadas com as frentes nacionais que tinham como principal meta articular os grupos em
defesa das reformas de base para o país. Porém, destaca as diferenças, a começar pela
composição dos grupos. Diferentemente das frentes nacionais, a de Una era formada por
homens não ligados definitivamente a partidos nem a movimentos sociais organizados. Eram
indivíduos que, além de atentar para os problemas nacionais, buscavam mudanças políticas,
sociais e econômicas no próprio município. A relevância do trabalho de Soanne dos Santos
para a abordagem aqui desenvolvida está em mostrar a existência de conexões políticas do
município com o estado e o país, como também em apontar suas singularidades.
Ao discutir o papel desempenhado por monsenhor Gilberto Vaz Sampaio no
Recôncavo baiano entre 1952 e 2008, Mayra Caldas aborda a luta do padre Gilberto pela
emancipação política de algumas cidades e da tentativa de conscientizar os cidadãos na busca
pelos seus direitos, criando sindicatos e associações. Por essa razão, foi perseguido pela
ditadura civil-militar como também pelos “homens de poder” da região. Sua pesquisa também
11
SANTOS. Soanne Cristino Almeida dos. Nacionalismo de Esquerda: Frente de Mobilização popular em Una
(1963-1965). Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de Pós-Graduação de História Regional e Local
da Universidade do Estado da Bahia (UNEB) Campus V, 2010.
20
evidencia a cidade de São Miguel das Matas como foco de resistência e fuga dos opositores
do regime conforme citado também neste trabalho.12
Ao tratar do projeto de modernização em Feira de Santana, empreendido no governo
de João Durval Carneiro, de 1967 a 1971, quando este estava à frente da prefeitura da cidade,
Diego Corrêa aborda a trajetória da União Democrática Nacional (UDN), no município e as
mudanças conferidas por esta frente antes e depois do golpe de 1964 na organização política
de Feira de Santana.13 Em Santo Antônio de Jesus, a partir das analises dos partidos e projetos
do legislativo, foi possível perceber que o corpo político também comungava dos anseios
econômicos da ditadura.
A pesquisa realizada por Thiago Machado de Lima, Esplanada é hoje cidade sem
Deus: política, religião, e anticomunismo nas correntezas do golpe de 1964 no interior da
Bahia, relata os efeitos na cidade após 31 de março de 1964, como a deposição do prefeito e a
perseguição ao comunismo. Esse fato evidencia mais uma vez os impactos desse período no
cotidiano das cidades baianas.14
Essas pesquisas ajudaram a compreender como Salvador e alguns municípios baianos
vivenciaram o golpe de 1964 e assimilaram a ditadura. Trata-se de abordagens que
contemplam o estudo da história da Bahia a partir de diferentes vieses. Elas possibilitaram
entender a recepção do golpe de 1964 em Santo Antônio de Jesus na medida em que se
buscou explicitar as ligações desse município com os projetos estaduais e nacionais.
Contribuíram ainda para o entendimento das diferentes composições partidárias dos grupos
locais que estavam no poder político no período.
Em Santo Antônio de Jesus, uma parcela dos empresários e do corpo político estavam
sintonizados com o contexto e encontram nos projetos dos governos militares perspectivas
para impulsionar ainda mais suas aspirações políticas e econômicas.
Como muitos apoiadores, os vereadores receberam a notícia do golpe como a solução
para os problemas brasileiros. Ao analisarmos as atas, fica evidente que após oito dias do
golpe, alguns vereadores, ao defenderem a ordem, a paz e a prosperidade já estavam afinados
com os anseios do novo regime.
12
CALDAS, Mayra Sara Teixeira. Monsenhor Gilberto Vaz Sampaio: uma importante liderança na construção
político social no Recôncavo Sul Baiano (1952-2008). Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de
Pós-Graduação de Historia Regional e Local da Universidade do Estado da Bahia (UNEB) Campus V, 2012.
13
CORRÊA, Diego Carvalho. O futuro do passado: Uma cidade para o progresso e, o progresso para a cidade
em João Durval Carneiro. (1967-1971). Dissertação de Mestrado pela Universidade Estadual de Feira de
Santana, 2009.
14
LIMA, Thiago Machado de. Esplanada é hoje cidade sem Deus: política, religião, e anticomunismo nas
correntezas do golpe de 1964 no interior da Bahia. Monografia de conclusão de curso pela Universidade do
Estado da Bahia. Alagoinhas, 2012.
21
Utilizamos para a construção deste trabalho processos crimes, ofícios expedidos e
recebidos, livro de registro diário, portarias e decretos que se encontram no arquivo municipal
e as atas e fichas dos vereadores da Câmara Municipal de Santo Antônio de Jesus. Esses
documentos, sobretudo as atas, revelaram-se fontes fecundas para o estudo, por apresentar o
cenário político-econômico da cidade e trazer discursos que evidenciaram as tramas políticas,
além da afinação com os ideais conservadores identificados nos projetos do Legislativo e do
Executivo e a ligação com a política nacional, estadual e local.
As fichas de assentamento individual de vereador com os dados pessoais (filiação,
profissão, grau de instrução), indicação dos cargos que ocuparam na legislatura e do partido
político a que eram vinculados permitiram compreender os acordos e as dissidências político
– partidárias dos vereadores até o pleito de 1962.
Foram utilizadas também as atas da Escola Félix Gaspar, instituição de ensino público
mais antiga da cidade, e do colégio Estadual Francisco da Conceição Menezes, fundado em
1969, um ano depois da instituição do AI-5. Essas atas apresentam as reformas educacionais
propostas pela ditadura civil-militar, praticadas no ensino em Santo Antônio de Jesus e
demonstram como essas mudanças se refletiram não só no âmbito escolar como também no
cotidiano das pessoas.
Os jornais da época, a exemplo do A Tarde, localizado na Biblioteca Central da Bahia,
do Tribuna da Bahia, no Arquivo Público do Estado da Bahia, do Jornal do Brasil, em
arquivo digitalizado e os verbetes do Centro de Pesquisa e Documentação de História
Contemporânea do Brasil (CPDOC) da Fundação Getúlio Vargas foram fundamentais para
melhor entendimento do contexto político a fim de compreender, através do cruzamento das
fontes, o golpe e suas reverberações em Santo Antônio de Jesus, bem como as ligações com o
governo estadual e nacional.
Dentro da nova perspectiva de utilização de variadas fontes na construção da pesquisa
histórica, o uso da iconografia se fez relevante, sobretudo no terceiro capítulo, ao evidenciar
algumas articulações propagandeadas pela ditadura e personagens analisados.
Os livros de memória, A Capela do Padre Mateus (1995), de Fernando Pinto de
Queiroz; Santo Antônio de Jesus, Sua Gente e Suas Origens (2005), de Hélio Valadão; Santo
Antônio de Jesus 1965 A Cidade que Encontrei (2006) e O Parlamentar, de Geraldo Pessoa
Sales, esboçam um pouco do contexto sóciopolítico, econômico e cultural da cidade.
Essas memórias apresentam também o perfil de alguns sujeitos e relatos de
acontecimentos imprescindíveis para a composição deste trabalho. Ainda no livro Santo
Antônio de Jesus 1965 a cidade que encontrei acham-se edições de O Operário, entre os anos
22
de 1975 e 1978. Trata-se de um órgão informativo da Associação Operária Santantoniense do
Clube dos 1000, de circulação trimestral, concebido e dirigido pelo próprio Geraldo Pessoa
Sales.15 As notícias que compõem O Operário referem-se às conquistas do clube dos 1000.
Mas em quase todas as páginas aparecem mensagens baseadas em textos bíblicos. É reservado
um espaço para alguns perfis biográficos, sobretudo de pessoas ligadas ao corpo político
local. Notas de nascimentos, aniversários, casamentos e falecimentos, outras sobre saúde,
educação e comemorações festivas, como o dia do trabalhador e visitas da 6ª Região Militar
ao município, também integram o periódico.
Foram utilizados ainda depoimentos dos sujeitos que vivenciaram aquele momento em
Santo Antônio de Jesus. Padres, freiras, vereadores, professores, estudantes são depoentes
que, a partir de suas memórias, propiciaram uma visão mais concreta da dinâmica local e das
várias etapas das trajetórias dos grupos sociais inseridos no período da ditadura. Esses
depoimentos permitiram entender os emaranhados discursos que, ao rememorar fatos
referentes
ao
período,
demostraram
anseios
políticos,
saudosismos
e
possíveis
arrependimentos.
Esta dissertação está dividida em quatro seções. A primeira delas é a introdução e as
outras três articulam o golpe de 1964 e suas reverberações em Santo Antônio de Jesus. Na
segunda seção, Alianças e desacordos: a recepção ao golpe de 1964, é apresentado o cenário
político de Santo Antônio de Jesus anterior ao golpe a partir do corpo político que comandou
a cidade entre os anos de 1959 e 1963, através de um mapeamento das coligações político
partidárias existentes. Neste percurso sistematizou-se o perfil biográfico de alguns indivíduos,
para melhor compreender a recepção ao golpe, e delineou-se a postura dos políticos da cidade
frente a esse novo momento da história. Deu-se destaque para Antônio Fraga, que era tido
como líder da política santantoniense até o golpe, e para José Trindade Lobo, prefeito da
cidade entre os anos de 1963 e 1967. Propôs-se também uma abordagem referente aos
programas de sustentação da ditadura, como a “Marcha da Família com Deus pela
Democracia”, que ocorreu em 30 de abril de 1964 na referida cidade. Nesta seção foram
discutidas as mudanças dos nomes de algumas ruas para homenagear tanto o dia do golpe
quanto os militares que comandaram o país no transcorrer da ditadura e também a criação do
Brasão de Armas do município.
15
Segundo as palavras do autor, edições que restaram do incêndio criminoso que destruiu o arquivo do Clube
dos 1000, atingindo em cheio documentos, móveis, inclusive piso e cobertura do pavilhão administrativo da
casa. Cf. SALES, Geraldo Pessoa. Santo Antônio de Jesus 1965 A cidade que encontrei. Santo Antônio de Jesus:
Gráfica Real. 2006. p. 139.
23
Na terceira seção, Dissidências e conflitos: os bastidores da Arena 1 e Arena 2,
analisaram-se os desacordos políticos entre esses dois grupos a partir do estabelecimento do
AI-2 e
da extinção do pluripartidarismo, em 1965. Constatou-se que os políticos
santantonienses alternaram seus mandatos entre ambos os grupos, mas não sem conflitos,
como será visto a partir da análise de um longo processo crime de 1970 que tinha como
impetrantes membros da Arena 2 e
como impetrados, indivíduos da Arena 1. É objetivo
também mostrar o perfil da oposição de alguns sujeitos frente à política estabelecida em 1964,
caracterizados em depoimentos como “desordeiros” e “grupos de fuxicagem”.
Na quarta e última seção, A farda e o hábito em defesa do regime: O tenente Geraldo
Pessoa Sales e a madre Maria do Rosário, abordam-se as posições da sociedade civil
referentes à ditadura, com base na atuação de estudantes, professores, padres, entre outros
segmentos. Discutem-se ainda os investimentos no setor educacional como perspectiva de
fortalecimento dos ideais do regime, o que contribuiu para maior adesão dos indivíduos. As
comemorações das datas cívicas e as práticas de educação moral e cívica nos colégios
ultrapassaram o âmbito escolar e tornaram-se objetos de “catequização” para a população da
cidade, temas também tratados neste capítulo. Aborda-se, ainda, o perfil de duas personagens
que contribuíram para a aceitação por parte de muitos santantonienses da política da ditadura
através da disseminação dos ideais de moralidade e civismo para o “crescimento” do
município e da nação. São estas o tenente Geraldo Pessoa Sales e a madre Maria do Rosário
de Almeida.
Madre Rosário, como era chamada, chegou a Santo Antônio de Jesus por volta de 1947.
Fundadora de duas escolas em Santo Antônio de Jesus, exercia poder não só na área
educacional como também na política, tendo sua presença nas sessões legislativas sempre
registrada em ata. É apontada nas fontes como uma mulher empreendedora que contribuiu
para o crescimento da cidade. Nas comemorações cívicas, organizava palestras sobre
moralidade e civismo para a comunidade. Em 1972, recebeu o Diploma do Fogo Simbólico da
Pátria em comemoração ao Sesquicentenário da Independência, promovido pelo Presidente da
República, Emilio Garrastazu Médici. O tenente Geraldo Pessoa Sales chegou a Santo
Antônio de Jesus, em 1965, como chefe da 6ª Delegacia do Serviço Militar. O principal
instrumento para traçar seu perfil foi o seu próprio livro, Santo Antônio de Jesus 1965 a
cidade que encontrei. O tenente Sales foi responsável também pela fundação de uma Escola e
de dois clubes sociais. Era convocado para proferir palestras nas comemorações cívicas. Em
2005, o tenente Sales recebeu a medalha “Sangue dos Heróis”, referente à sua participação na
Segunda Guerra Mundial.
24
2 ALIANÇAS E DESACORDOS: A RECEPÇÃO AO GOLPE DE 1964
2.1 Um Panorama histórico-político de Santo Antônio de Jesus
A cidade de Santo Antônio de Jesus, anteriormente denominada de Capela do Padre
Matheus, Capela de Santo Antônio de Jesus, e depois, apenas, Capela, tem suas origens
relacionadas ao sítio da Capela construído em terras doadas pelo Padre Matheus Vieira de
Azevedo, em 27 de setembro de 1776, ao redor da qual foi se edificando, conforme narra o
memorialista Fernando Pinto de Queiroz em seu livro A Capela do Padre Mateus.16
Até o ano de 1852 essas terras estavam ligadas eclesiasticamente ao município de
Nazaré, quando a Capela foi elevada à categoria de freguesia. Em 1880, tornou-se Vila, tendo
a sua Câmara instalada em 04 de março de 1883. Foi elevada juridicamente à categoria de
cidade em 1891. Limita-se ao norte com os municípios de Conceição do Almeida e Dom
Macedo Costa, ao sul, com Laje, São Miguel das Matas e Aratuípe; a leste com Muniz
Ferreira e São Felipe; e a oeste com Varzedo, conforme figura abaixo.
Figura 01 – Mapa da localização do município de Santo Antônio de Jesus / Bahia, 2012.
OLIVEIRA, Silvana Nery. Mapa de localização da cidade de Santo Antônio de Jesus. (Elaborado com base nos
dados do IBGE). Santo Antônio de Jesus, 2012.
A cidade está localizada na Região do Recôncavo da Bahia, mais especificamente no
Recôncavo Sul, às margens da BR-101, a 187 km (por via terrestre) e 90 km (via mar) de
16
QUEIROZ, Fernando Pinto de. A capela do padre Matheus. Feira de Santana-Ba: Sagra, 1995, p. 223.
25
Salvador, capital da Bahia. Possui extensão territorial de 252Km² e população estimada em
100 mil habitantes segundo o senso de 2011. Devido a sua centralidade geográfica a cidade
tem importância como núcleo comercial e de serviços em todo o recôncavo baiano, sendo
assim considerada a "Capital do Recôncavo”.17
No que se refere à política local, esteve entrelaçada por interesses familiares
construídos desde suas primeiras formações, sobretudo a partir da criação do Conselho de
Intendência após a Proclamação da República, em 1889. Os treze intendentes que governaram
a cidade de 1889 a 1930 exerceram profissões de status para época, eram médicos,
funcionários públicos, tenentes, padres e empresários. Alguns desses intendentes tiveram
filhos que se envolveram na política da cidade nos anos de 1940, 1950 e nas décadas
seguintes. Assim, em alguns casos, foram os filhos e parentes de intendentes e ex-prefeitos
que apareceram nos registros na câmara municipal da cidade recepcionando o golpe em 1964
e congratulando-se com os militares e com os projetos propostos pelo regime.
2.2 Às vésperas do golpe: coligações político-partidárias
O quadro político do Brasil na década de 1960 foi caracterizado pela maioria dos
estudiosos como um momento conturbado. Após a renúncia de Jânio Quadros, em 1961, o
presidente João Goulart assumiu a presidência do país sob o regime parlamentarista. O
primeiro gabinete parlamentarista foi formado no dia 8 de setembro de 1961 e reunia
representantes da maior parte dos partidos políticos.
A Bahia era governada nesse período por Juracy Magalhães (1959 a 1963), a partir de
duas tendências diversas, a de continuidade da modernização, fincada em ideias de
planejamento e industrialização, e a de preservação de interesses tradicionais, enraizados na
política baiana. No ano do golpe, porém, Lomanto Júnior estava à frente do governo da
Bahia.18 Para Dantas Neto, a fase final do governo Jango trouxera surpresas ao primeiro ano
de mandato de Lomanto Júnior, pois o colocou em desentendimento crescente com os
partidários udenistas. Apesar disso, manteve-se no cargo durante o regime. 19
Para melhor compreensão das discussões sobre as coligações político partidárias em
Santo Antônio de Jesus, de alguns anos anteriores ao golpe e consequentemente sobre a
17
Disponível em: http://www.mma.com.br/mma3/?open=saj_hist. Acesso em: 18 de julho de 2012.
DANTAS NETO, Paulo Fábio. Tradição, autocracia e carisma: A política de Antônio Carlos Magalhães na
modernização da Bahia (1954-1974). Belo Horizonte: UFMG, Rio de Janeiro: IUPERJ, 2006.
19
Ibidem.
18
26
configuração política da cidade em 1964, cabe uma breve análise da trajetória dos partidos em
âmbito local.
Em 1960, foi apresentada uma moção sobre o acordo do Partido Republicano (PR)
com a União Democrática Nacional (UDN) na Câmara Municipal de Santo Antônio de Jesus.
A história desses dois partidos em alguns momentos da trajetória política brasileira foi
marcada por alianças e separações na busca pelo poder em nível local, estadual e nacional.
Fato que também será percebido nas estratégias políticas daquela cidade.20
A União Democrática Nacional, fundada em 7 de abril de 1945 como uma associação
de partidos estaduais e correntes de opinião contra a ditadura estadonovista, caracterizou-se
fundamentalmente pela oposição constante a Getúlio Vargas e ao getulismo.21 Segundo Maria
Victória de Mesquita Benevides, a UDN agregou as mais variadas tendências políticas e
raízes históricas: “Adversários de tempos imperiais, velhos inimigos, desafetos jurados,
reúnem-se com a finalidade única de apressar a queda de Vargas e suprimir seu regime.”22 Na
Bahia, conforme Paulo Santos Silva, os “autonomistas procuravam costurar alianças para a
formação do núcleo baiano da UDN, já que contavam também com os ex-adversários
provenientes do antigo PSD de Juracy Magalhães.”23
Embora tenha surgido como uma frente, a UDN organizou-se em partido político
nacional, participando de todas as eleições, majoritárias e proporcionais, até 1965. Nas
eleições de 1955 para a sucessão presidencial, o Partido Republicano (PR), uniu-se ao Partido
Social Democrático (PSD), para apoiar a candidatura de Juscelino Kubitschek.
No transcurso do governo Kubitschek, formou-se então a coligação entre o PR, o PSD
e o Partido Trabalhista Brasileiro (PTB). Em 1958, o PR elegeu 17 deputados federais.
Porém, o bloco composto acabou por desfazer-se diante do apoio do PR a Jânio Quadros,
candidato apoiado também pela UDN à sucessão presidencial, em 1960.24 Na Bahia, o PR
tinha como um dos seus líderes e fundadores, o deputado Manoel Novais. Na UDN, liderava
Juracy Magalhães, então governador da Bahia.
Sobre o processo de deposição de João Goulart, Benevides destaca as posições da
União Democrática Nacional. Para os aliados da UDN, Goulart era tido como herdeiro da
20
Ata da sexta sessão ordinária da Câmara de Vereadores de Santo Antônio de Jesus. 09 de junho de 1960.
SKIDMORE, Thomas E. Brasil: de Getúlio a Castelo Branco, 1930-1964. Apresentação de Francisco de
Assis; tradução coordenada por Ismênia Tunes Dantas 7ª ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1982.
22
BENEVIDES. Maria Victória. A UDN e o Udenismo: Ambiguidades do Liberalismo Brasileiro (1945-1965).
Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1981, p. 29.
23
SILVA, Paulo Santos. Âncoras de Tradição: luta política, intelectuais e construção do discurso histórico na
Bahia (1930 -1949). Salvador: EDUFBA, 2011, p. 52.
24
Disponível em: http://www.fgv.br/cpdoc/busca/Busca/BuscaConsultar.aspx. Acesso em: 14 de Julho de 2012.
21
27
política getulista nos aspectos sociais e econômicos. Esses fatores levaram a UDN, “a se
associar aos militares, aos empresários e aos políticos da Ação Democrática Parlamentar, na
preparação e efetivação do golpe de 64.”25
Em Santo Antônio de Jesus, a moção de apoio ao acordo entre o PR e a UDN em
1960, mesmo diante de um quadro de aproximações e afastamentos, foi aprovada pela maioria
do Legislativo municipal. Inicialmente, vereadores do PR local anunciaram que seus
candidatos a presidente e vice eram o marechal Teixeira Lot e João Goulart “por serem os
mesmos nacionalistas”.26
Mas, diante do contato que os vereadores de Santo Antônio tiveram pessoalmente com
Jânio Quadros em um comício, afirmaram “que o candidato é de muita sensibilidade
mostrando na sua oratória clareza e corretismo” e que a partir desse contato votariam em
Jânio Quadros.27 Dessa forma, a aliança firmada em torno da candidatura de Jânio Quadros
passava a ter o apoio local. Os políticos eleitos em 1960 tinham uma relação acentuada de
dependência com os votos do interior, ou seja, com a máquina partidária estadual e
municipal.28
Porém, a adesão à candidatura de Jânio estava relacionada à coligação formada por
vários partidos, entre eles, o PR e a UDN e ao apoio do governador do estado Juracy
Magalhães. O vereador José Fraga, do PR, contou na sessão da câmara que no comício em
que participara em 1960, Juracy Magalhães afirmou que “o eleitorado da Bahia não tinha
dono.”29 Provavelmente, referia-se sobretudo ao PSD, partido de grande poder na época,
predominante na maioria das cidades do interior que apoiavam o marechal Teixeira Lott.30
A trajetória desses partidos, até 1965 com o AI-2, que instituiu o bipartidarismo, foi
marcada por rachaduras e alianças. José Alves Dias salienta que nas “duas décadas que vão de
1947 a 1967 todos os governadores que se sucederam na Bahia foram eleitos através de
coligações que, invariavelmente, uniam adversários políticos.”31
O PR foi constituído em 1950, tendo como um dos seus fundadores Manoel Novais,
liderança que influenciou a política santantoniense através do apoio aos candidatos do PR
25
BENEVIDES. Maria Victória. Op. Cit., p. 119
Ata da sexta sessão ordinária da Câmara de Vereadores de Santo Antônio de Jesus. 09 de junho de 1960.
27
Ibidem
28
SOUZA, Maria do Carmo Campello de. Estados e Partidos Políticos no Brasil (1930-1964). São Paulo: AlfaÔmega, 1976.
29
Ata da sexta sessão ordinária da Câmara de Vereadores de Santo Antônio de Jesus. 09 de junho de 1960.
09 de junho de 1960.
30
SKIDMORE, Thomas E. Op. cit.
31
DIAS, José Alves. As estratégias de dominação dos espaços políticos na Bahia durante a ditadura (19661983). Programa de Pós-Graduação em História Social da UFRJ. Anais das Jornadas de 2007.
26
28
local. Este líder é apontado por Paulo Santos Silva como um político habilidoso que Juracy
Magalhães escolheu para fazer a cooptação de lideranças municipais, tendo como resultado a
vitória do então interventor nas eleições realizadas em 1933 e 1934, como também a eleição
do próprio Manoel Novais para deputado pela Bahia à Assembleia Nacional Constituinte.32
Após a extinção do Estado Novo, Manoel Novais reelegeu-se deputado na Bahia,
agora na legenda da UDN. Em outubro de 1950, foi eleito deputado federal na legenda da
Aliança Democrática, integrada pelo PR, do qual foi um dos fundadores na Bahia e que
presidiria até a extinção do partido em 1965. Tornou-se vice-líder do PR na Câmara dos
Deputados, em 1952, e em 1954 voltou a se reeleger, dessa vez na legenda da Aliança
Republicana Cristã, constituída pelo PR e pelo Partido Democrata Cristão (PDC).33
Nas eleições de outubro de 1958, teve renovado o seu mandato federal, ao qual
concorreu pela legenda da Aliança Trabalhista, integrada pelo PR, o Partido de Representação
Popular (PRP) e pelo Partido Trabalhista Brasileiro (PTB), reeleito em 1962. Com a extinção
dos partidos políticos pelo Ato Institucional nº 2 (27/10/1965) e a posterior implantação do
bipartidarismo, filiou-se à Aliança Renovadora Nacional (Arena), partido de sustentação do
regime militar instalado no país em abril de 1966.34
Depois de 1966, reelegeu-se outras vezes pela Arena e filou-se a outros partidos após a
extinção do bipartidarismo. Em Janeiro de 1987, deixou a Câmara dos Deputados, ao final da
legislatura e retirou-se definitivamente da vida política.
Esse líder exercia forte influência sobre Antônio Magalhães Fraga, chefe do PR local.
Fraga, como ficou conhecido pelos santantonienses, nasceu em Santo Antônio de Jesus, em
1906 e faleceu em Salvador em 22 de novembro de 1964.35 Era filho de Francisco Magalhães
Fraga e Maria Augusta Fraga. Estudou nos colégios Antônio Vieira e Carneiro Ribeiro,
ambos em Salvador. Proprietário de fazendas de criação de gado e de culturas cítricas.
Antônio Magalhães Fraga, além de político, foi também exportador de fumo em associação
com a companhia inglesa Carleoni Ltda. Seus filhos, Haroldo Carlos Argolo Fraga e José
Antônio Argolo Fraga, foram vereadores de 1955 a 1963 pelo PR em Santo Antônio de
Jesus.36
Antônio Fraga tornou-se prefeito de sua cidade natal, exercendo mandato de 1947 a
1950. Em outubro desse mesmo ano, disputou uma cadeira na Assembleia Legislativa da
32
SILVA, Paulo Santos. Op. cit. p. 30.
Disponível em: http://www.fgv.br/cpdoc/busca/Busca/BuscaConsultar.aspx. Acesso em: 21 de julho de 2012.
34
Ibidem.
35
Disponível em: http://www.fgv.br/cpdoc/busca/Busca/BuscaConsultar.aspx. Acesso em 23 de agosto de 2013.
36
VALADÃO, Hélio. Santo Antônio de Jesus, Sua Gente e Suas Origens. Santo Antônio de Jesus. 2005, p. 81.
33
29
Bahia pela legenda do Partido Republicano (PR). Eleito, exerceu o mandato entre 1951 e
1955. Novamente prefeito de Santo Antônio de Jesus entre os anos de 1955 e 1959. Em
seguida, candidatou-se com êxito a deputado federal na Bahia pelo PR para a legislatura de
1959 a 1963.37
Além do apoio de Manoel Novais, Fraga galgou esse espaço na política local e
estadual por praticar atos considerados paternalistas. Hélio Valadão escreve que o seu carisma
era tanto que “gente esclarecida dizia: se ele indicar um cachorro para prefeito, eu voltarei no
cachorro. Ele é o nosso Galo de Ouro, o Deus santantoniense.”38 Fraga ficou conhecido como
forte liderança local, mantendo-se no poder em Santo Antônio de Jesus por longos anos.
Conforme um depoente, Fraga tinha como mentor Manoel Novais.39
Nascido em Prata, município da região do Triângulo Mineiro, o memorialista Hélio
Valadão, chegou a Santo Antônio de Jesus em 1966. Tornou-se contador de várias empresas
da cidade e corretor imobiliário. Foi Presidente do Lions Clube Internacional e colunista do
quinzenal Folha das Palmeiras, em 1989. Escritor, membro da Academia Santantoniense de
Letras e membro fundador da Academia de Letras do Recôncavo (ALER). Na política, foi
vereador entre os anos de 1979 e 1981. Intrigado, escrevia cartas ao presidente da câmara e ao
prefeito apresentando desacordos políticos e dúvidas referentes às contas públicas.
Em relação a Antônio Fraga, seu prestígio se desfez com o tempo. Juracy passou a ser
governador pela UDN (1959-1963), o que contribuiu para o enfraquecimento de Fraga. Este
líder deixou a câmara dos deputados em janeiro de 1963, ao término da legislatura, não tendo
conseguido reeleger-se em outubro de 1962. Segundo Helio Valadão, “Inicialmente seu
sucesso foi tão grande que ele resolveu ser dono do próprio nariz, rompeu com o Dr.
Gorgônio Araújo, criou o PR local, aliou-se aos grupos que haviam lutado contra sua própria
eleição.” 40 Quando eleito em 1947, Fraga era do PSD, apoiado por Gorgônio José de Araújo,
líder deste partido em âmbito local.
O médico Gorgônio de Almeida Araújo, filho de Gorgônio José de Araújo (intendente
entre 1912 e 1915), nasceu em 1904, em Santo Antônio de Jesus, de uma família de tradição
política local desde os tempos de freguesia e vila. Nos anos de 1939 a 1945 foi prefeito desta
37
VALADÃO, Hélio. Santo Antônio de Jesus, Sua Gente e Suas Origens. Santo Antônio de Jesus. 2005, p. 82.
Ibidem
39
José Pereira Reis (83 anos), vereador em Santo Antônio de Jesus pela UDN em 1964. Depoimento concedido
em 19 de abril de 2010.
40
VALADÃO, Hélio. Santo Antônio de Jesus, Sua Gente e Suas Origens. Santo Antônio de Jesus. 2005,
p. 84.
38
30
mesma cidade. Seu filho Gorgônio José de Araújo Neto, deputado federal de 1983 a 1987,
também aparecerá nas discussões do segundo capítulo deste trabalho.41
Além de prefeito de Santo Antônio de Jesus, Gorgônio Araújo, assim como seu pai na
primeira metade do século XX, foi um importante líder político, deputado estadual em 1947,
secretário de finanças de Salvador e secretário estadual de saúde e assistência social no
governo de Antônio Balbino (1955-1959). Gorgônio de Almeida Araújo liderava a facção
majoritária que se constituiu no Partido Social Democrático local.
Sérgio Miceli, ao traçar um perfil dos componentes da bancada do PSD e da UDN, diz
que a predominância desses partidos na política deveu-se à tradição de grupos dominantes e
de políticos profissionais surgidos nas décadas de 1930 e 1940.
42
Após a queda de Getúlio
Vargas, o PSD herdou a máquina que ele havia criado a partir dos círculos dos políticos
locais.43 Pode-se colocar como exemplo o pleito de 1947: dos doze vereadores eleitos em
Santo Antônio de Jesus, oito foram do PSD e quatro do PR.
O PSD elegeu presidentes da República, governadores e prefeitos, senadores,
deputados e vereadores, ocupou ministérios e secretarias, proveu equipes para todos os
escalões administrativos do país. Lúcia Hippolito explica que o PSD foi o principal
responsável pela superação das crises políticas, “constituindo-se ao longo de sua história em
verdadeiro fiador do regime político que sucedeu ao Estado Novo”.44
Outro político que também apoiou Antônio Fraga foi Humberto Guedes de Araújo,
que fazia oposição ao grupo de Gorgônio Araújo. Por desafetos políticos, Humberto registrou
em cartório a simplificação do seu nome para “Humberto Guedes” a fim de evitar desagrados
e comparações com Gorgônio Araújo.
Advogado, nascido em Santo Antônio de Jesus, em 1907, faleceu em 2000. Humberto
Guedes foi eleito deputado estadual pelo PR (1955-1959) e suplente de deputado estadual
(1959-1963), também pelo PR. Em 1963, foi eleito novamente deputado estadual, sendo
reeleito pela Arena para os anos de 1967 a 1971. Entre 1971 e 1975 foi suplente de deputado
estadual por esse mesmo partido.45 Seu filho Carlos Humberto Guedes foi delegado em Santo
41
COSTA, Alex Andrade. História e Memória da Administração Pública Municipal de Santo Antônio de Jesus.
Secretaria Municipal de Educação. Santo Antônio de Jesus, 2012, p. 43.
42
MICELI, Sérgio. Carne e Osso da Elite Política Brasileira Pós - 1930 In: Fausto, Boris (org). História Geral da
Civilização Brasileira. Tomo III. O Brasil Republicano: Sociedade e Política (1930-1964). Rio de Janeiro:
Editora Bertrand Brasil, 1986.
43
PAGE, Joseph A. A Revolução que nunca houve: O Nordeste do Brasil, 1955-1964. Tradução de Ariano
Suassuna. Rio de Janeiro: Copyright, 1972, p. 22.
44
HIPPOLITO, Lúcia. De raposas e reformistas: o PSD e a experiência democrática brasileira, 1945-1964. Rio
de Janeiro: Paz e Terra, 1985, p. 27.
45
Disponível em: http://www.al.ba.gov.br/deputados/Deputados-Interna.php?id=326. Acesso em : 11de Julho de
2013.
31
Antônio de Jesus e durante o regime interferiu juntamente com seu pai no processo político da
cidade, como será visto ainda neste trabalho.
O Executivo e o Legislativo, eleitos em 07 de outubro de 1962, administraram Santo
Antônio de Jesus até 1967 compondo o quadro político da cidade no ano do golpe, como
também nos primeiros anos da ditadura civil-militar. A disputa eleitoral de 1962 envolveu
Antônio José Gonçalves e Antônio Veiga Argolo, cunhado de Antônio Fraga, forte liderança
política municipal, enfrentando o “quase desconhecido” José Trindade Lobo.
José Trindade Lobo, além de fazendeiro, representava a firma Almerindo Portugal,
armazém de fumo localizado na Avenida Barros e Almeida tendo assumido, em março de
1950, a consultoria da Congregação Mariana. Segundo Hélio Valadão, em 1962, quando
procuraram um candidato para prefeito que tivesse condições de lutar e, se possível, derrotar o
candidato de Antônio Magalhães Fraga, missão considerada quase impossível, todos os
prefeituráveis selecionados encolheram-se.46
José
Trindade
Lobo,
que
não
era
sequer
cogitado,
aceitou
o
desafio.
“Surpreendentemente” venceu e marcou o início de uma “nova era” na política em Santo
Antônio de Jesus. Ainda segundo Valadão, Zeca Lobo, como era chamado, deu à sua
campanha um cunho diferente. O memorialista enfatiza que José Trindade Lobo venceu por
sua “modéstia, humildade e sinceridade.” Registrou: “O povo já se deparou com aquele
homem simples como ele mesmo, desprovido de qualquer tipo de vaidade, sem prometer
nada, sem comprar voto, um homem comum, amante de sua própria família, todo o povo
gostou, aprovou e o elegeu,” acrescentando:
Zeca fez uma administração sem alardes, cumpriu o seu dever, o que foi
muito bom. O povo compreendeu, então, que a vida era simples, e que o
gerenciamento de uma cidade poderia ser feito por qualquer um, desde que
fosse honesto, honrado e a amasse. Foi um bom prefeito. Não fez milagres,
mas fez aquilo que era possível. Calçou muitas ruas, melhorou estradas,
conservou calçamentos, jardins, deu melhor assistência à educação
municipal. O escolhido para o mandato tampão 1970/1972, foi novamente
José Trindade Lobo, que veio a ser substituto de seu próprio sucessor. Seu
adversário dessa vez foi o valoroso Aurino Leal Sales, comerciante, nascido
em Amargosa, homem de visão acima da média de seus conterrâneos. Zeca
Lobo, dessa vez, não foi tão feliz como na primeira gestão. Também, a sua
maneira de dirigir os negócios municipais não era mais novidade. Mesmo
assim, sua administração foi discreta e proveitosa.47
46
47
VALADÃO, Hélio. Santo Antônio de Jesus, Sua Gente e Suas Origens. Santo Antônio de Jesus, 2005, p. 86.
Ibidem.
32
As
declarações
feitas
pelo
memorialista
Hélio
Valadão
demonstram
um
posicionamento favorável ao prefeito Zeca Lobo, haja vista que Valadão também era
envolvido no cenário político da cidade e ocupou uma cadeira no Legislativo como vereador
substituto entre os anos de 1979 e 1981. Sua narrativa demarca ainda a animosidade que
existia com Antônio Magalhães Fraga, ex-chefe político da cidade, que tinha lançado o nome
de Antônio Veiga Argolo como oponente de Zeca Lobo.
José Trindade Lobo, mencionado em livros de memória, atas da Câmara Municipal e
depoimentos orais, em sua maioria, aparece nas narrativas como homem honesto, simples e
cumpridor dos seus compromissos. Aspectos que, segundo essas fontes, permitiram desbancar
o candidato apoiado pelo prefeito Antônio Magalhães Fraga.
A vitória de Zeca Lobo é consequência, também, do apoio das elites políticas de Santo
Antônio de Jesus, visto que esta cidade ganhara grande impulso no seu comércio a partir das
décadas de 1950 e 1960, no contexto desenvolvimentista do país, levado a cabo por
presidentes como Juscelino Kubitschek. Com as iniciativas de implantação da indústria
petrolífera, iniciar-se-ia a abertura de rodovias e assegurar-se-ia a chegada da energia elétrica
à região, viabilizada pela “construção da Companhia Hidroelétrica do S. Francisco (CHESF),
além de outras realizações subvencionadas por instituições estatais como a Superintendência
do Desenvolvimento do Nordeste (SUDENE) e o Banco do Nordeste do Brasil (BNB).”48
O apoio local e do governador da Bahia elucida também a permanência de Zeca Lobo
como prefeito da cidade após o golpe de 1964, o que não ocorreu em outros municípios
baianos como Vitória da Conquista, Ipiaú, Feira de Santana e Salvador. Esses municípios se
somam a tantos outros que viveram a experiência da perseguição, da cassação e do dano aos
direitos políticos nesse período.49 Eram chefiados por partidários de João Goulart e poderiam
se tornar possíveis focos de resistência. Por isso, foram rapidamente neutralizados pelos
militares que se apressaram nas intervenções e mudanças de comando.50 O ambiente de
intervenção para sucumbir às agitações populares insufladas no governo Jango já vinha sendo
48
SOUZA, Edinaldo Antônio Oliveira. Lei e costume: experiências de trabalhadores na justiça do trabalho
(Recôncavo Sul, Bahia, 1940-1960). Dissertação de Mestrado pela Universidade Federal da Bahia (UFBA),
Salvador, 2008, p. 42.
49
DIAS, José Alves. O golpe de 1964 e as dimensões da repressão em Vitória da Conquista. In:
ZACHARIADLES, Grimaldo Carneiro (org.). Ditadura Militar na Bahia: novos olhares, novos horizontes.
Salvador: EDUFBA, 2009.
50
SANTANA, Cristiane Soares de. Notas sobre a história da Ação popular na Bahia (1962-1973). In:
ZACHARIADLES, Grimaldo Carneiro (org.). Ditadura Militar na Bahia: novos olhares, novos horizontes.
Salvador: EDUFBA, 2009, p. 155.
33
preparado, tendo à frente a imprensa baiana conservadora e o setor hegemônico da Igreja
Católica.51
Voltando à posse de José Trindade Lobo, em 14 de março de 1963, na presença de oito
vereadores e autoridades “ilustres” da cidade e do estado, sob a presidência do vereador
Waldemar Pinto Queiroz, foi aberta a sessão de posse do prefeito. “Isto feito, depois de
prestado juramento legal, o presidente o declarou empossado, tendo se ouvido delirante e
vibrante salva de palmas.”52
O Executivo ficou sob o comando de José Trindade Lobo, eleito pela UDN, que
derrotou o cirurgião dentista Antônio Veiga Argolo, do PR, e Antônio José Gonçalves, do
PTB. Administrou Santo Antônio de Jesus entre 07 de abril de 1963 e 07 de abril de 1967,
eleito novamente para o período entre 01 de fevereiro de 1971 e 31 de janeiro de 1973, pela
Arena 2, derrotando o empresário Aurino Leal Sales, candidato pela Arena 1.
Quanto à composição legislativa, esta ficou distribuída em cinco partidos, organizados
em três legendas (quadro 1 e 2).
Quadro 1: Vereadores eleitos no pleito de 1962 e filiação partidária
ELEITOS
Adalício José de Almeida
Ademário Francisco dos Santos
PARTIDOS
PTB
UDN
Deraldo Félix de Jesus
Domício Francisco de Andrade
Durval Samuel de Souza
Edvaldo Oliveira Souza
João José das Mercês
José Pereira Reis
Manoel José de Souza
Maria do Carmo Nogueira Amâncio
Misael Maia Matos
Waldemar Pinto Queiroz
PR
PR
PSD
PL
PL
UDN
PSD
PR
PR
PR
Fonte: Pesquisa da autora a partir da ficha de assentamento individual de vereador.
51
ALMEIDA, Luciane Silva de. “O Comunismo é o ópio do povo”: Representações dos Batistas sobre o
comunismo, o ecumenismo e o governo militar na Bahia, (1963-1975). Dissertação de Mestrado apresentada ao
Programa de Pós-Graduação em História da Universidade Estadual de Feira de Santana (UEFS). Feira de
Santana, 2010.
52
Ata da Sessão solene para a posse do Exmo. Prefeito Municipal de Santo Antônio de Jesus, eleito no pleito de
07 de outubro de 1962 da primeira sessão ordinária da câmara de vereadores do município de Santo Antônio de
Jesus em 14 de abril de 1963.
34
Quadro 2: Vereadores eleitos no pleito de 1962 e composição das bancadas
ELEITOS
BANCADAS
Adalício José de Almeida
Partido Trabalhista Brasileiro (PTB)
Ademário Francisco dos Santos
Aliança Democrática Santantoniense (ADS)
Deraldo Félix de Jesus
Partido Republicano (PR)
Domício Francisco de Andrade
PR
Durval Samuel de Souza
ADS
Edvaldo Oliveira Souza
ADS
João José das Mercês
PR
José Pereira Reis
Manoel José de Souza
Maria do Carmo Nogueira Amâncio
ADS
ADS
PR
Misael Maia Matos
ADS
Waldemar Pinto Queiroz
ADS
Fonte: Pesquisa da autora a partir da ata da sessão solene para a posse dos vereadores eleitos no pleito de 07 de
outubro de 1962 e eleição da mesa em 07 de abril de 1963.
A maioria das cadeiras conquistadas na Câmara Municipal em 1962 ficou a cargo do
PR (quadro 1), diferentemente de outras cidades do país, questão abordada por Maria Celina
D‟Araujo ao afirmar que nesse pleito as lideranças foram distribuídas entre a UDN e o PSD.
A força do PR local, apesar do candidato a prefeito não ter vencido as eleições em 1962, pode
ter explicação na influência dos deputados Manoel Novais e Humberto Guedes e na força
política exercida por Antônio Fraga.
Conforme a ata da câmara de 14 de abril de 1963, no Legislativo, os doze vereadores
eleitos no pleito de 1962 ficaram distribuídos em três bancadas: Ademário Francisco dos
Santos, Manoel José de Souza, Edvaldo Oliveira Souza, Waldemar Pinto Queiroz, José
Pereira Reis, Durval Samuel de Souza e Misael Maia Matos na Aliança Democrática
Santantoniense (ADS), agremiação política de orientação conservadora que congregava os
políticos locais, sobretudo, os ligados à UDN; Maria do Carmo Nogueira Amâncio, João
Mercês, Domício Francisco de Andrade e Deraldo Félix de Jesus no PR e Adalício José de
Almeida no PTB.
Pode-se observar, a partir da análise dos quadros, que candidatos eleitos pelo mesmo
partido, a exemplo do PL e PR, ficaram em lados opostos na composição das bancadas.
Coube à agremiação Aliança Democrática Santantoniense a maioria dos vereadores na
35
câmara. Diferentes desta, as outras bancadas permaneceram com a denominação de partidos,
no caso, o PR e o PTB. Eis o texto que registra a posse:
Aos sete dias do mês de abril de mil novecentos e sessenta e três, às quatorze
horas, na sala das reuniões da Câmara de Vereadores, localizada no edifício
da Prefeitura Municipal desta cidade, sob a presidência do EXMº Sr. Dr. Juiz
Eleitoral desta 56ª zona – D. D. Bel. José Efrem Barreto Pereira – presente
os doze vereadores eleitos no pleito de sete de outubro do ano passado e
numerosa assistência foi declarada aberta a sessão.53
Posteriormente, foi iniciada a votação para composição da mesa legislativa. Para
presidente, Waldemar Pinto Queiroz – oito votos; vice-presidente, Edvaldo Oliveira Souza –
oito votos; primeiro secretário, Ademário Francisco dos Santos – oito votos; segundo
secretário, Adalício José de Almeida – oito votos. Verificou-se, ainda, a existência de quatro
votos em branco.54 Majoritariamente, os cargos ficaram sob o comando da ADS, com exceção
de Adalício José de Almeida do PTB, mas que já na cerimônia de posse aliou-se a essa
referida bancada.
Waldemar Queiroz, eleito presidente da câmara municipal para o pleito de 1963 a
1967, foi um líder de influência na política da cidade. Nasceu em 1902, em Santo Antônio de
Jesus e tinha por profissão o serviço público. Iniciou seu primeiro mandato como vereador de
sua cidade natal, em 1947, pelo PR, sendo reeleito por este mesmo partido por mais três
candidaturas. Filiou-se à UDN para o período de 1963 a 1967.
Waldemar Queiroz foi vereador por longos anos, segundo levantamento feito nos
arquivos da prefeitura, durante as quinze vezes em que foi presidente da câmara, assumiu o
cargo de prefeito municipal por vinte vezes. Seus filhos, Ursicino Pinto de Queiroz e José
Edmundo Pinto Queiroz, também foram formadores de opinião e propagadores dos projetos
do regime de 1964 em Santo Antônio de Jesus. Ursicino Pinto de Queiroz formou-se em
medicina e foi prefeito de Santo Antônio de Jesus pela Arena nos anos de 1976 a 1982 e José
Edmundo Pinto Queiroz, militar, eleito vereador também pela Arena para esse mesmo
período.
Voltando à mesa legislativa empossada em 1963, os vereadores que faziam parte da
Aliança Democrática Santantoniense foram questionados pelo presidente se ficariam na
câmara sob tal bancada ou se subdividiriam cada qual pelo seu partido. Foi dito “que a mesma
continuaria em toda sua Plenitude”, com o acréscimo de Adalício Almeida que passou a fazer
53
Ata da sessão solene para a posse dos vereadores eleitos no pleito de 07 de outubro de 1962 e eleição da mesa
em 07 de abril de 1963.
54
Ibidem.
36
parte da ADS.55 A composição da mesa ficou a cargo da situação, primeiro porque sua
bancada já era maioria, segundo porque foi reforçada com um voto a mais de Adalício de
Almeida.
A junção de políticos à bancada majoritária não é algo singular na sociedade brasileira
e para isso concorrem vários fatores: interesses particulares para manter-se na política,
estratégia para fazer oposição sem temer maiores riscos, visto que o partido pelo qual foi
eleito era de pouca expressão na cidade, ou candidatar-se por um partido que o levaria ao
poder e posteriormente desvinculação.
Nascido em Santo Antônio de Jesus, em 1926, funcionário público, Adalício de
Almeida, eleito vereador, em 1962, desenvolveu várias funções no legislativo local. Foi
secretário por quase toda legislatura e membro das comissões de Justiça, Redação, Finanças e
Orçamentos. Em 1962, Adalício de Almeida exerceu a função de secretário do Diretório do
PTB como também foi nomeado delegado desse mesmo partido em agosto de 1962.
Juntamente com ele concorreram outros nove candidatos a vereador nas eleições de outubro
de 1962 pelo PTB.
Historicamente, o Partido Trabalhista Brasileiro representava o esforço de Vargas para
bloquear a marcha dos comunistas e beneficiar-se com o voto da classe operária de
importância crescente. A partir da promulgação do Ato Adicional nº 9 em 28 de fevereiro de
1945, começou a se articular a criação do PTB por inspiração do próprio presidente Vargas. 56
O PTB fazia parte da estrutura triangular partidária que se tornou hegemônica no conjunto dos
partidos constituídos em 1945 (UDN, PSD e PTB). Conforme Lucília Delgado, “Seus
principais quadros foram recrutados entre operários e demais trabalhadores sindicalizados e
também junto aos funcionários públicos que integravam a poderosa máquina do Ministério do
Trabalho em todo território nacional.”57
Segundo Alzira Vargas do Amaral Peixoto, o PTB, na concepção de Vargas,
“destinava-se a ser um anteparo entre os verdadeiros trabalhadores e o Partido Comunista que
tinha então voltado à legalidade”.58 Sabendo que os trabalhadores não se filiariam ao PSD
55
Ata da Sessão solene para a posse do Exmo. Prefeito Municipal de Santo Antônio de Jesus, José Trindade
Lobo, eleito no pleito de 07 de outubro de 1962 da primeira Sessão ordinária da Câmara de Vereadores do
município de Santo Antônio de Jesus em 14 de abril de 1963.
56
SKIDMORE, Thomas E. Op. cit. p. 82.
57
DELGADO. Lucília de Almeida Neves. Partidos políticos e frentes parlamentares: projetos, desafios e
conflitos na democracia In: DELGADO, Lucília de Almeida Neves; FERREIRA, Jorge; (Org.) O tempo da
experiência democrática: da redemocratização de 1945 ao golpe civil-militar de 1964. Rio de Janeiro:
Civilização Brasileira, 2003, p. 140.
58
Disponível em: http://www.fgv.br/cpdoc/busca/Busca/BuscaConsultar.aspx. Acesso em: 21 de julho de 2012.
37
nem à UDN, ao contrário, iriam compor os quadros do comunismo, o PTB, serviria como
freio contra a expansão comunista.59
A trajetória do PTB foi marcada por alianças e cisões. Para Maria Celina de Araújo,
João Goulart foi a única pessoa na direção do partido a “imprimir-lhe estabilidade”. Segundo
a autora, “Novas lideranças surgiam dentro do partido, mas só se mantiveram na agremiação
desde que respeitado o esquema Janguista”. Ainda de acordo com Celina de Araújo, nas
eleições de 1962 o PTB teve um crescimento expressivo, embora em termos proporcionais as
lideranças das cadeiras conquistadas permanecessem com o PSD e a UDN.60
A expressão política do PTB em Santo Antônio de Jesus, nas eleições de 1962, estava
relacionada ao momento de maior mobilização das classes populares, à vitória de Lomanto
Junior na Bahia e ao fato de ser João Goulart líder nacional do PTB. Nos anos de 1960, o
poder político parecia estar se deslocando, de modo lento, mas perceptível, de um círculo de
famílias ricas para segmentos identificados com setores populares. Mesmo tendo apenas um
candidato eleito, constatamos esse fenômeno no pleito que compôs o corpo político de Santo
Antônio de Jesus, em 1962, com a eleição de Adalício Almeida.
2.3 Olhares acerca da recepção ao golpe e congratulações à ditadura civil-militar
Conforme o memorialista Hélio Valadão, a sociedade santantoniense era dividida em
grupos familiares que viviam independentes e quase isolados. Geralmente reuniam-se na
igreja por ocasião de eventos religiosos: missas, novenas, procissões, batizados, casamentos e,
de vez em quando, festas animadas por bandas de música a exemplo da Filarmônica Amantes
da Lira ou da Carlos Gomes, e quermesses organizadas pelos fiéis a fim de angariar donativos
para custear despesas da igreja e dos padres.61
Segundo este memorialista e outros que também escreveram sobre Santo Antônio de
Jesus, o cenário do município passou a ganhar novos contornos a partir dos anos de 1960:
[...] A cidade que encontrei em junho de 1965 era ainda acanhada, embora
fosse, já àquela época, uma das melhores da região. Ainda não tinha água
encanada e o fornecimento de luz elétrica era feito precariamente. Todavia
59
Ibidem.
ARAÚJO, Maria Celina de. Raízes do Golpe: ascensão e queda do PTB. In: ARAÚJO, Maria Celina de e
SOARES, Gláucio Ary Dillon. 21 Anos de Regime Militar Balanços e Perspectivas. Rio de Janeiro: Fundação
Getúlio Vargas, 1994.
61
VALADÃO, Hélio. Santo Antônio de Jesus, Sua Gente e Suas Origens. Santo Antônio de Jesus. 2005, p. 113.
60
38
algo nos dizia que seu futuro seria promissor, como realmente o foi e
continua sendo62.
Na década de 60 do século XX, houve uma grande mudança nos costumes
de Santo Antônio de Jesus, motivada por uma série de acontecimentos
auspiciosos e a chegada de uma geração de jovens formados, gente de visão
voltada unicamente para o desenvolvimento, desvinculada de velhos e
tradicionais laços do passado63.
Estas passagens assinalam momentos de mudanças em Santo Antônio de Jesus,
sobretudo no que tange aos ideais desenvolvimentistas. No segundo texto, Hélio Valadão fala
de “acontecimentos auspiciosos”, o que supõe pensar na implantação da ditadura como forma
de favorecer esses eventos de transformações. Conforme Lucileide C. Cardoso, “A defesa ou
a condenação do regime autoritário constitui o viés ideológico presente nas criações
memorialísticas.” Ao articular vários aspectos do regime no Brasil, numa complicada
composição de rememorações “pessoais” e “exteriores”, fornece-se uma resposta singular aos
ultimatos do passado relembrado.64
A partir da década de 1960, Santo Antônio de Jesus passou a ter mais instituições a
exemplo de clubes sociais, escolas, igrejas. Enfim, a sociedade tornou-se mais complexa. Ou
seja, o Estado passou a se comunicar com esses setores e, em alguns momentos, indivíduos
dessas instituições compunham o próprio Estado. Sendo esses sujeitos majoritariamente
privilegiados economicamente, explicam-se as decisões governamentais visando beneficiar
um grupo em detrimento de outros.
Santo Antônio de Jesus, a partir dos meados do século XX, passou a atrair as atenções
de muitos municípios vizinhos, alcançando um relevante crescimento urbano. A cidade foi se
redimensionando e organizando cada vez mais seu espaço urbano, principalmente o centro.
De alguma forma, as transformações realizadas pelos governos populistas e a política urbana,
estabelecida em 1964, “são incorporadas nas cidades do recôncavo. [...] durante as décadas de
1950 e 1960, a cidade ciência mostrou-se de forma mais acabada e predominou a ideia de
progresso que tudo pode”.65
62
SALES, Geraldo Pessoa. Santo Antônio de Jesus 1965 A cidade que encontrei. Santo Antônio de Jesus:
Gráfica Real, 2006, p. 23.
63
VALADÃO, Hélio. Santo Antônio de Jesus, Sua Gente e Suas Origens. Santo Antônio de Jesus, 2005, p. 113
e 114.
64
CARDOSO, Lucileide Costa. Construindo a memória do regime de 64. Revista Brasileira de História, 19541964. Vol. 14, nº 27, p.179-96. São Paulo: ANPUH – Marco Zero, 1994. p.180.
65
SANTANA, Charles D‟ Almeida. As filarmônicas e a Música urbana no Recôncavo. In. CASTELLUCCI
JUNIOR, Wellington; LEAL, Maria das Graças de Andrade; MOREIRA, Raimundo Nonato Pereira (Org.).
Capítulos de uma história da Bahia: Novos enfoques novas abordagens. São Paulo: Annablume, 2009, p. 268.
39
É diante desse quadro que Valadão fala de eventos esperançosos para as décadas
seguintes, quando o poder ficaria ainda mais centralizado no governo dos militares, mas não
sem a intervenção e o apoio dos setores da sociedade civil no processo de desestabilização do
presidente João Goulart, de tomada de poder e organização de estratégias durante todo o
transcurso do regime.
Com o aumento das atribuições do Estado, é cada vez mais comum ações e decisões
cotidianas expressarem sua dimensão política, como as crises econômicas, os conflitos
armados, o desenvolvimento de políticas públicas e a ampliação do domínio da ação política.
Para Florestan Fernandes, “Não se pode dissociar o Estado, o governo e a sociedade. Se isso
fosse feito, não se poderiam entender as origens, os limites e as funções do Estado [...].”66
Dessa forma, o apoio do Executivo e do Legislativo de Santo Antônio ao golpe pode ser
pensado a partir dessas construções históricas permeadas por interesses que balizaram os
conflitos e alianças entre partidos diante dos anseios pretendidos, numa rede de
entrelaçamentos sociais na construção do Estado Nacional.
Podemos perceber a expressão desses interesses nos gestos de congratulações dos
vereadores ao general comandante da 6ª região militar, ao governador do estado e ao
presidente da Assembleia Legislativa da Bahia. Na oportunidade da instalação do período
Legislativo de 1964, na câmara de vereadores de Santo Antônio de Jesus, fez-se o registro:
“Interpretando o sentimento do Senhor Prefeito e de todo o povo deste município, congratulase com Vossas Excelências pela patriótica solução dada ao problema Nacional, que nos
garantirá um período de Paz, Ordem e Prosperidade.”67
As palavras, “patriótica”, “paz”, “ordem” e “prosperidade”, observadas nas atas,
fizeram parte dos discursos cotidianos dos vereadores. As propostas e propagandas políticas
exaltavam um nacionalismo ufanista, pregando a ordem e a paz. Essa política que tinha por
finalidade a consolidação econômica do país, à custa do cerceamento dos direitos e do
exercício da cidadania, refletia-se na administração da cidade.
Seguindo a ordem das congratulações a ditadura, o vereador Domício Francisco de
Andrade enfatizava: “vitorioso o movimento militar que afastou do poder o governo cuja
associação com o credo comunista comprometia seriamente a estabilidade da democracia no
Brasil.” Depois da fala, Domício Francisco pede ainda para todos os vereadores do partido
Republicano assinar a ata como forma de representar “os pensamentos dos seus líderes”,
66
FERNANDES, Florestan. A ditadura em questão. São Paulo: T. A. Queiroz Editor Ltda, 1982, p. 10
Ata da sessão de instalação do primeiro período legislativo da Câmara de Vereadores do Município de Santo
Antônio de Jesus – de 1964. Neste período era prefeito da cidade o senhor José Trindade Lobo.
67
40
como também do “eleitorado do município”, demonstrando “aplausos e confiança” às forças
armadas que “salvaram a nação das garras que ameaçavam as liberdades democráticas”. 68
Outro ponto que merece destaque é o pedido do vereador para os demais assinarem a
ata como forma de representar o pensamento da população santantoniense, deixando
transparecer “aplausos e confiança” aos militares. O político Domício Francisco ao referir-se
às forças armadas interpreta seus anseios e convicções como sendo os mesmos do eleitorado
do município.
À semelhança de muitos apoiadores, a maioria dos vereadores recebeu a notícia do
golpe como se fosse a solução para os problemas brasileiros ou quis fazer crer que assim
pensava. Após oito dias, alguns afirmavam o desejo de ordem, paz e prosperidade procurando
identificar-se com os anseios do novo regime. O ideal dos militares de disseminar sua
ideologia de “remédio” para os “males” do país dentro de uma estratégia de fortalecimento da
economia, mesmo que esse progresso econômico resultasse em um fechamento político e na
depreciação da liberdade de expressão, teve apoio imediato da maioria dos representantes
políticos de Santo Antônio de Jesus.
Essas manifestações favoráveis à ditadura do corpo político local também puderam ser
verificadas em cidades circunvizinhas a exemplo de Nazaré, como demonstra o jornal O
Alvitre.69 O periódico foi lançado em 1954, circulou na região por um período e retornou em
1972: “A Câmara Municipal de Nazaré cumprimenta o jornal O Alvitre, tradicional órgão de
imprensa da região, pelo seu reaparecimento nesta data. Nazaré 25 de fevereiro de 1972.”70
Logo no primeiro exemplar, em 05 de julho de 1954, foi enfatizado pelo colunista que a
posição do jornal seria neutra no que diz respeito à política: “Não temos a mínima ligação
com qualquer partido, motivo pelo qual aceitaremos toda publicação partidária, artigos e
notas.”71 Contudo, quando retornou em 1972, o noticiário girou em torno do golpe, até porque
nesse momento não havia liberdade de expressão e a censura ainda era rígida.
Não de maneira diferente dos vereadores de Santo Antônio de Jesus, os de Nazaré
congratularam-se pelo aniversário do regime ditatorial, como veremos numa nota enviada
pelo presidente da câmara, Raymundo de Araújo Pereira: “No transcurso do VIII aniversário
da Revolução de março a Câmara Municipal de Nazaré congratula-se com as nossas Forças
Armadas e toda a Nação brasileira pelo histórico acontecimento que consolidou os ideais de
68
Ibidem.
Disponível em: http://www.skyscrapercity.com/showthread.php?t=1183199. Acesso em: 10 de setembro de
2013.
70
O Alvitre. Cidade de Nazaré, Bahia. 25 de fevereiro de 1972. Número 52.
71
O Alvitre. Cidade de Nazaré, Bahia. 05 de julho de 1954. Número 1.
69
41
ordem e progresso para a nossa querida Pátria.”72 Em 1973, O Alvitre publicou um convite
enviado pela Prefeitura Municipal de Nazaré, convocando todos da cidade “para tomarem
parte da Sessão Cívica que será realizada na prefeitura, em justa homenagem de mais um
aniversário da benéfica Revolução de 1964.”73
Voltando às congratulações dos vereadores de Santo Antônio de Jesus, José Pereira
Reis, vereador em 1964 pela União Democrática Nacional, falou em depoimento sobre o
golpe na cidade. Afirmou que naquela época todos no Brasil viviam apavorados, inclusive
esperando uma guerra civil. Segundo o depoente, Santo Antônio foi o primeiro município do
Brasil a ir à região de Minas Gerais prestar solidariedade, tendo sido ele o intermediador,
“tanto que em função disso todas as vezes que os militares vinham para cá fazer reuniões,
mostrar para o povo que o governo daquela época não desejava acabar com a vida de
ninguém, e sim dar outra vida ao Brasil, eu era convidado para fazer parte das comissões.”74
Conforme suas palavras, “um regime inicialmente bom, muito bom, mas depois como tudo no
Brasil prevaricou, o que passou a desacreditar inclusive da Revolução.”75
José Reis nasceu em 1927 no município de Jandaíra (BA). Em 1945, ingressou na
Força Aérea Brasileira (FAB), como voluntário, especializou-se em mecânica de automóveis
e aviões e fez cursos de Cabo e Sargento da Infantaria. Em 1953, veio para Santo Antônio de
Jesus para gerenciar o Banco Econômico da Bahia. Foi eleito vereador pela UDN (19631967) na cidade e líder do partido. Assumiu o cargo de auditor fiscal da Secretaria da Fazenda
Estadual em 1971, período em que foi também assessor do Secretário Estadual da Fazenda
Luiz Sande. Bacharelou-se em Direito pela Universidade Católica de Salvador, em 1981.76
José Reis fala com empolgação sobre o início da ditadura no país, e sua participação
efetiva de apoio aos golpistas evidencia posição coerente como político aliado dos militares.
Porém, quando menciona que a “revolução prevaricou”, sua fala expressa um tom de
decepção.
Como anunciado na introdução, a primeira intervenção concreta dos militares em
Santo Antônio de Jesus deu-se com a presença de membros do Exército Nacional – Henrique
Almir Masiere e Manoel Mendes Pereira – em uma sessão da Câmara Municipal, nomeada
72
O Alvitre. Cidade de Nazaré, Bahia. 29 de março de 1972. Número 53.
O Alvitre. Cidade de Nazaré, Bahia. 31 de março de 1973. Número 58.
74
Com relação à participação de Minas Gerais no movimento de deposição de Goulart como cita o depoente
José Reis, ver: STARLING, Heloísa. Os Senhores das Gerais: Os Novos inconfidentes e o golpe de 1964.
Petrópolis: Vozes, 1986.
75
José Pereira Reis (83 anos), vereador em Santo Antônio de Jesus pela UDN em 1964. Depoimento concedido
em 19 de abril de 2010.
76
SALES, Geraldo Pessoa. Santo Antônio de Jesus 1965 A cidade que encontrei. Santo Antônio de Jesus:
Gráfica Real, 2006, p. 226.
73
42
como sessão especial, visando redirecionar os trabalhos do Legislativo e do Executivo da
cidade, no intuito de enquadrar suas ações ao projeto proposto pelos militares.
Apesar de não haver como recuperar diretamente o conteúdo da interferência dos
representantes do governo militar, pode-se fazê-lo a partir do testemunho dos vereadores,
registrados em ata. Essa intervenção aponta a ligação da cidade com a política nacional como
também mostra que Santo Antônio sofreu os impactos do golpe e modificou sua dinâmica
organizacional demandada pelos novos preceitos. Isso ajuda a pensar no alcance do golpe de
1964 para além dos grandes centros urbanos, geralmente consagrados pela historiografia que
estuda o período.
Conforme a ata, o presidente da câmara municipal nomeou uma comissão composta
por vereadores a fim de conduzir os homenageados à mesa. Em seguida, concedida a palavra
ao tenente Masiere, representante do Segundo Exército e ao general Manoel Mendes Pereira,
comandante da 6ª Região Militar, fizeram uma exposição minuciosa a respeito do que houve
antes e depois do golpe de 31 de março, e ainda do que poderia acontecer daquele momento
em diante. Os oradores transmitiram aos presentes, com muita eloquência, a mensagem do
presidente Humberto Castelo Branco e do comando revolucionário.77
Ao encerrar, agradeceram a acolhida que tiveram na cidade, aproveitando para orientar
os vereadores de como deviam conduzir os trabalhos Legislativos. Franqueando a palavra,
dela fez uso o líder da maioria na casa, o vereador José Pereira Reis, que, ao exaltar as forças
armadas, dirigiu os agradecimentos ao orador que lhe antecedeu, fazendo também ligeiro
relato a respeito dos últimos acontecimentos do país. O orador hipotecou solidariedade às
forças armadas em nome da “Loja Maçônica Deus é Amor”, e enviou também mensagem de
solidariedade da câmara ao Comando Revolucionário.78
Provavelmente, as orientações dadas pelos referidos militares conferiram mudanças na
organização legislativa e executiva local e refletiram-se nos diversos setores da cidade e no
cotidiano das pessoas. A fala do vereador José Pereira Reis, ao exaltar as forças armadas,
tomou como ponto de partida o governo anterior de João Goulart associado à desordem e à
má utilização dos ideais democráticos. O destaque para a loja maçônica “Deus é Amor”,
conforme um político da época, estava relacionado com a participação da maioria dos
vereadores, expressivamente udenistas, nessa congregação.
77
Ata da sessão especial da Câmara de Vereadores do Município de Santo Antônio de Jesus. 21 de maio de
1964.
78
Ibidem.
43
Vários documentos apontam o envolvimento político de Santo Antônio de Jesus com
as esferas estaduais e nacionais como apresentado acima. Sinalizam também que esta cidade
era importante no contexto político de então. Outros exemplos dessa conexão são os ofícios
citados na ata, mas não encontrados durante a pesquisa, dos secretários da Agricultura e da
Segurança Pública do governo do estado em agradecimento “à comunicação da eleição e
posse da nova mesa” da Câmara Municipal, e uma carta de Ademar de Barros, governador de
São Paulo, “agradecendo a solidariedade do vereador Ademário Francisco dos Santos naquele
momento histórico da nacionalidade”. 79
Ademário Francisco dos Santos nasceu em Santo Antônio, em 1923 e tornou-se
funcionário público estadual. Homem de destacado poder político na cidade, exerceu seu
primeiro mandato para vereador pelo PSD em 1959, tendo sido eleito e reeleito várias vezes
até 1988. Sempre ocupou cargos importantes da Câmara Municipal, a saber, secretário,
membro da comissão legislativa, finanças, justiça e cultura. Em 1973, foi líder da Arena.
Esses dados podem explicar sua ligação com Ademar de Barros.
São palavras de alguns vereadores no transcorrer do período que o município
santantoniense estava no caminho certo, que a harmonia entre o poder municipal, estadual e
federal contribuía para o avanço e a consolidação dessa cidade. O vereador Albertino Lira fala
do prazer que sente ao ver as obras que estavam sendo realizadas, principalmente na Praça
Padre Mateus e nas rodovias municipais.80
Na mesma sessão, o vereador Misael Maia Matos enfatizou que fazia sentido o
contentamento dos santantonienses, porque as coisas na terra estavam tomando o endereço
certo. O vereador achava ainda muito pouco o que acabava de ser dito pelo líder do governo,
face ao muito que estava sendo feito pelo prefeito José Trindade Lobo. Felizmente, segundo
ele, em Santo Antônio de Jesus não existia nenhuma ameaça ou coação por parte do
Executivo, do Legislativo nem das autoridades policiais. Em suas palavras, só exista um
caminho a seguir: “Estender seu incondicional apoio a essas autoridades no sentido de
engrossar as fileiras daqueles que desejam bem servir a esta terra.” 81
O governador Lomanto Junior numa visita à Associação Comercial da Bahia, em
1966, enfatizou a necessidade de demonstrar “às classes produtoras, a identidade e a perfeita
79
Ata da 4ª sessão ordinária, do primeiro período Legislativo, da Câmara de Vereadores do Município de Santo
Antônio de Jesus, 27 de maio de 1964.
80
Ata da 6ª sessão ordinária do 1º período legislativo (8ª do ano, 34ª de legislatura), da câmara de vereadores do
Município de Santo Antônio de Jesus, Estado Federado da Bahia, realizada no ano de 1970.
81
Ibidem.
44
harmonia entre os que governavam a Bahia no momento e os que lutavam para construir a sua
grandeza e o seu progresso.”82
Em 1970, já no governo de Luiz Viana Filho, a tônica foi a mesma, ou melhor, ainda
mais enfática numa ocasião em que o país “orgulhosamente” falava em milagre brasileiro83
com o crescimento da economia a partir de 1968. O Jornal da Bahia anunciava: “a Bahia está
crescendo com paz, trabalho e confiança”.84
Imbuído de uma visão liberal, Celso Lafer afirma em seus estudos que o sistema
político brasileiro pós-1964 funcionou “bastante bem”, o que permitiu um significativo
crescimento econômico. Porém, o autor assinalou que “estes resultados econômicos foram
obtidos com custos: custos políticos em termos de supressão de liberdades públicas; custos
sociais em termos de acentuadas desigualdades na distribuição de renda [...]”, dentre outros.85
Mas, conforme a análise de Daniel Aarão Reis “quem não estivesse gostando, que se retirasse:
Brasil ame-o ou deixe-o. Ou então, que enfrentasse o braço duro da repressão e tortura como
política de Estado, executada pelos serviços de inteligência das forças armadas, [...].”86
Por isso, o sentido de milagre econômico foi posteriormente questionado diante da
desigualdade verificada no país. O que ocorreu foi um desenvolvimento conservador
beneficiando uma privilegiada minoria por meio do fechamento político e da depreciação dos
direitos da população. O aumento da dívida externa foi considerado outro ponto negativo na
política econômica praticada durante o governo militar.87 Para Paul Singer, o milagre
econômico não é algo natural surgido espontaneamente numa sociedade, tampouco o
resultado de uma política irracional ou ingênua por parte de algum governo. Todo
82
Jornal A Tarde – Bahia, março de 1966.
A expressão “milagre econômico” foi usada pela primeira vez em relação à Alemanha Ocidental. A rapidez da
recuperação desse país na década de 1950 foi tão inesperada que muitos analistas passaram a chamar o fenômeno
de “milagre alemão”. A expressão foi posteriormente repetida para o crescimento japonês na década de 1960.
Finalmente, na década de 1970, a expressão “milagre brasileiro” passou a ser usada como sinônimo do boom
econômico observado desde 1968 e também como instrumento de propaganda do governo. Cf. EARP, Fábio Sá e
PRADO, Luiz Carlos Delorme. O “milagre” brasileiro: crescimento acelerado, integração internacional e
concentração de renda (1967-1973). In: DELGADO, Lucília de Almeida Neves; FERREIRA, Jorge; (Org.) O
tempo da ditadura: regime militar e movimentos sociais em fins do século XX. Rio de Janeiro: Civilização
Brasileira, 2003, p. 219.
84
Jornal da Bahia Salvador, Sábado 10 de Janeiro de 1970.
85
LAFER, Celso. O Sistema Político Brasileiro: estrutura e processo. São Paulo: Perspectiva. 1978, p. 101.
86
REIS, Daniel Aarão. Ditadura e Sociedade: as reconstruções da memória. In. REIS, Daniel Aarão; RIDENTI,
Marcelo e MOTTA, Rodrigo Patto Sá. (orgs.). O golpe e a ditadura militar 40 anos depois (1964-2004). São
Paulo: Edusc, 2004, p. 42.
87
OLIVEIRA, Francisco de. Ditadura Militar e Crescimento Econômico: A Redundância Autoritária. In: REIS,
Daniel Aarão; RIDENTI, Marcelo e MOTTA, Rodrigo Patto Sá. (orgs.). O golpe e a ditadura militar 40 anos
depois (1964-2004). São Paulo: Edusc, 2004, p. 123.
83
45
crescimento econômico segue uma lógica de planejamento, tem um caráter político, balizado
por causas e consequências.88
O poder Legislativo e Executivo de Santo Antônio de Jesus, na maioria das vezes,
registrou seu envolvimento e sua satisfação com a política nacional, agradecendo às forças
armadas pelo apoio dado ao Legislativo e às autoridades do município. Segundo esses
vereadores, o poder local, estadual e nacional trabalhou “unido” em benefício da coletividade,
é o que se pode depreender do agradecimento e dos parabéns dirigidos “às bancadas aqui no
legislativo e ao Presidente da República Garrastazu Médici pela maneira com que vem
conduzindo os destinos do Brasil.”
89
Contudo, os votos de apoio ao regime autoritário por
parte dos vereadores da cidade podem ser entendidos como garantia de mecanismos eleitorais
que conferissem através do bipartidarismo a legitimidade política.
Nesse momento, de olhares voltados para o crescimento econômico, até mesmo parte
da letra do Hino Nacional passou a incomodar. Edward Catete Pinheiro90, senador da
República, propôs trocar a parte considerada ociosa do Hino: “deitado eternamente em berço
esplêndido”, por um trecho mais dinâmico e agressivo: “atento aos desafios que enfrenta e
vence”. 91
A tentativa de mudança de um dos versos do Hino Nacional foi criticada em jornal que
circulava no estado da Bahia pelo músico Lindembergue Cardoso, do Seminário de Música da
Universidade Federal da Bahia e pelo escritor baiano Jorge Amado, para quem a letra do Hino
“era realmente muito feia”, mas todos já estavam acostumados e que apenas uma parte “não
adiantaria em nada”.92 Se não foi possível lograr êxito com a mudança no hino nacional o
mesmo não se pode dizer em relação ao hino da cidade de Santo Antônio de Jesus.
88
SINGER, Paul. A crise do milagre: interpretação crítica da economia brasileira. 7ª ed. Rio de Janeiro: Paz e
Terra, 1982.
89
Ata da Sessão de Encerramento do segundo período Legislativo da Câmara de Vereadores da Cidade de Santo
Antônio de Jesus no ano de 1969.
90
Edward Catete Pinheiro nasceu em Monte Alegre (PA) no dia 27 de fevereiro de 1912, filho de José Antônio
Pinheiro e de Valdomira Catete Pinheiro. Prefeito de sua cidade natal de 1939 a 1943 e de 1948 a 1950, Catete
Pinheiro elegeu-se no pleito de outubro deste último ano, primeiro suplente de deputado federal pelo Pará, na
legenda da Coligação Democrática Paraense, formada pelo Partido Libertador (PL), Partido Social Trabalhista
(PST), Partido Social Progressista (PSP) e União Democrática Nacional (UDN). Ocupou uma cadeira na Câmara
de junho a setembro de 1951, tendo aí integrado a Comissão de Serviço Público. Durante o governo de
Alexandre Zacarias de Assunção (1951-1956) foi secretário de Saúde Pública do Pará. No pleito de outubro de
1962 elegeu-se senador pelo Pará, mais uma vez na legenda da Coligação Democrática Paraense, agora integrada
pelo Partido Trabalhista Nacional (PTN), o Partido Renovador Trabalhista (PRT), o Partido Republicano (PR), o
Movimento Trabalhista Renovador (MTR), o PL, o PSP e a UDN. Deixando a Assembleia paraense em janeiro
de 1963, assumiu seu mandato no Senado em fevereiro seguinte e em março tornou-se vice-líder do PTN na
casa,
função
que
voltaria
a
desempenhar
em
1964
e
1965.
Disponível
em:
http://www.fgv.br/cpdoc/busca/Busca/BuscaConsultar.aspx. Acesso em 11 de Julho de 2013.
91
Jornal Tribuna da Bahia Salvador, 28 de Abril de 1970. p.3.
92
Ibidem.
46
Em 1972, foi realizado um concurso para escolha do hino oficial da cidade.
93
Os
jurados compostos por maestros e professores de letras elegeram o hino de autoria de Maria
de Lourdes Passos Coni. Não por acaso, cada verso que compõe o hino expressa a ideia
propagandeada para sustentação do regime, “dinamicidade”, “progresso” e “atitude”, palavras
em voga, sobretudo entre os anos de 1968 e 1976, quando as taxas de crescimento econômico
estavam em torno de 10% ao ano. A segunda estrofe é a mais incisiva: “segue sempre em
frente, cresce mais e mais, mostra que é capaz de produzir, cria novas metas e seus ideais
procura a todos difundir”.94
Com o golpe, a Bahia acentuou seu desenvolvimento econômico, mas assim como a
maioria dos estados brasileiros, ficou impossibilitada de usufruir de autonomia e liberdade,
principalmente no campo político, econômico, sociocultural e educacional, por meio da
repressão e do cerceamento da liberdade.
A Irmã Benedita, que no início do regime foi aluna interna do Colégio Santo Antônio
e, posteriormente, professora do colégio Nossa Senhora das Mercês (Colégio Técnico), ao ser
questionada sobre os impactos do golpe em Santo Antônio de Jesus, revelou, diferentemente
de testemunhos anteriores, um entendimento para além do ideal de “paz e prosperidade”. A
Irmã Benedita respondeu a partir de sua vivência como aluna interna do Colégio Santo
Antônio, ao se reportar à sua chegada em Santo Antônio de Jesus, em 1964.
Ela relatou que o golpe foi um momento de muito choque, muita tensão, muitas
conversas do povo. “Ah, vai mandar embora as freiras, vai mandar embora o padre, vai fechar
a igreja católica.” Disse ainda que foi um momento de conflito, aflição, insegurança, medo e
que as internas ficaram apavoradas. A área do colégio Santo Antônio ficou cheia de policiais,
as madres não queriam falar com ninguém. “Foi uma situação muito dolorosa, sofrida e
insegura. O boato que corria no momento é que era uma perseguição comunista, que ia fechar
a igreja católica, os conventos não eram do governo eram dos católicos.”95
Essa imagem do golpe como a de um momento de medo e insegurança faz lembrar a
passagem do romance A hora dos ruminantes, de José J. Veiga quando conta a história de um
lugarejo (Manarairema), que é submetido à opressão de homens desconhecidos e misteriosos
que se instalam próximo ao lugar. “Dois ou três dias antes o povo notou que os cachorros da
Tapera estavam ficando inquietos, turbulentos, aflitos como em véspera de uma grande
93
APMSAJ - Decreto nº22 de 04 de setembro de 1972 aprova o Hino Oficial da Cidade de Santo Antônio de
Jesus.
94
Ibidem.
95
Irmã Benedita, Estudante do Colégio Santo Antônio, no transcorrer do regime. Depoimento concedido em 27
de abril de 2010.
47
caçada. À noite o alarido era tal que chegava a perturbar o sossego na cidade.” 96 José Veiga,
ao escrever a primeira edição do romance, em 1966, utilizou o recurso da literatura fantástica
para burlar a censura, oficializada no Brasil nas décadas de 1960 e 1970, para denunciar
injustiças sociais causadas pela ditadura.
Outro aspecto que a entrevistada destacou foi o da divulgação de uma possível
perseguição comunista e de que muitas instituições seriam fechadas como, por exemplo, a
Igreja Católica. Essa afinidade conferida a alguns segmentos da instituição com o comunismo
deve-se à proximidade de segmentos do clero em relação às camadas populares, sobretudo, no
final da década de 1950 e início de 1960. Lucília Delgado destaca que essas novas propostas
não ocorreram em nível de toda a Igreja, e que esta não constituía um grupo homogêneo, ao
contrário, era composta por vários religiosos de interesses políticos e sociais distintos. 97
Outros setores do clero católico, sobretudo os seus líderes, viam o comunismo como
um mal a ser combatido. De acordo Rodrigo Motta, o medo da Igreja estava para além da
ideia de que o comunismo conquistaria a classe trabalhadora. Na ótica dos responsáveis
católicos, a nova doutrina promoveria questionamentos aos fundamentos da religião, pois suas
bases não estavam restritas a uma revolução econômico-social. O comunismo se constituía
“num sistema de crenças que concorreria com a religião em termos de fornecer uma
explicação para o mundo em uma escala de valores, ou seja, uma moral.”98
2.4 Marchas e Homenagens: mecanismos de apoio à ditadura
Com relação às políticas de sustentação e consolidação da ditadura, em estudos feitos
por Ediane Lopes de Santana, vê-se que algumas manifestações, a exemplo das “Marchas da
Família com Deus pela Democracia e pela Liberdade”, foram importantes para o processo de
desestabilização do governo Goulart e validação da tentativa de caracterizar o golpe militar
como um anseio da população. 99
Essas manifestações em alguns momentos eram institucionalizadas, a exemplo da
Campanha da Mulher pela Democracia (CAMDE), entidade feminina criada em São Paulo
96
VEIGA. José V. A hora dos ruminantes. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1988, p. 33.
DELGADO. Lucília de Almeida Neves e PASSOS, Mauro. Catolicismo: direitos sociais e direitos humanos.
(1960-1970). In: DELGADO, Lucília de Almeida Neves; FERREIRA, Jorge; (Org.) O tempo da ditadura:
regime militar e movimentos sociais em fins do século XX. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2003, p. 97.
98
MOTTA, Rodrigo Patto Sá. Em guarda contra o “Perigo Vermelho”: o anticomunismo no Brasil (19171964). São Paulo: Perspectiva, FAPESP, 2002, p. 20.
99
SANTANA, Ediane Lopes de. Campanha de desestabilização de Jango: as „donas‟ saem às ruas. In:
ZACHARIADLES, Grimaldo Carneiro (org.). Ditadura Militar na Bahia: novos olhares, novos horizontes.
Salvador: EDUFBA, 2009.
97
48
que lutava contra a infiltração comunista no Brasil em defesa da “democracia” e mantinha
ramificações em vários estados e cidades brasileiras.100
Quanto à atuação desse grupo feminino em Salvador, de acordo com Lopes, já no
início de 1963, nos primeiros meses da gestão de Lomanto Júnior, setores católicos
conservadores e senhoras soteropolitanas planejaram suas primeiras estratégias e ações de rua
para a derrubada de João Goulart e a contenção das reformas de base. As “Marchas da Família
com Deus pela Liberdade e Democracia” são tidas como ápice dessas organizações e
ocorreram em vários estados brasileiros:
Em Salvador, em 15 de abril de 1964, a multidão se reuniu na Catedral
Basílica em direção ao Campo Grande, formando uma impressionante
torrente de homens, mulheres e crianças, que entoando hinos patrióticos e
religiosos, davam vivas às Forças Armadas e à Democracia.”.101
O sucesso da caminhada realizada em Salvador incentivou outros municípios baianos
a realizar as suas, a exemplo de Nazaré das Farinhas, Camaçari, Santo Antônio de Jesus,
Alagoinhas, Jaguaquara, entre outros. O apoio de Santo Antônio de Jesus a essas marchas está
registrado também nas atas da Câmara Municipal da cidade:
Aos 30 dias do mês de abril de mil novecentos e sessenta e quatro nesta
cidade de Santo Antônio de Jesus [...] Agradecendo a composição da mesa,
desta câmara, do segundo tenente Paulino de Freitas Loudovice [...], da
Madre Maria do Rosário, solidarizando-se com a ideia de manifestação
pública da “Marcha da Família com Deus pela Democracia”, e pondo todos
os estabelecimentos sob sua direção à disposição do programa elaborado102.
O registro demonstra como esses programas elaborados com ideais anticomunistas,
durante as campanhas de desestabilização do governo de Jango e no transcorrer da ditadura,
receberam apoio das autoridades santantonienses e também de pessoas que influenciavam
diretamente o cotidiano da cidade, como a madre Maria do Rosário, na época diretora do
Colégio Santo Antônio de Jesus e da Escola Nossa Senhora das Mercês. Essas mobilizações
100
Ibidem.
As Marchas da Família com Deus pela Democracia e pela Liberdade na Bahia. Este trabalho faz parte da
pesquisa “As mulheres baianas na luta contra a Ditadura Militar – Participação e Resistência” coordenada pela
Professora Ana Alice A. Costa, desenvolvida através do Núcleo de Estudos Interdisciplinares sobre a Mulher –
NEIM/UFBA, com o apoio do Programa de Iniciação Cientifica UFBA/CNPQ/FAPESB. (Jornal da Bahia.
16/04/1964),
Disponível
em:
<http://www.google.com.br/#hl=ptBR&source=hp&q=As+Marchas+da+Fam%C3%ADlia+com+Deus+pela+Democracia+e+pela+Liberdade+na+
Bahia&btnG=Pesquisa+Google&aq=f&aqi=&aql=&oq=as+marchas+das+familia+com+deus&gs_rfai=&fp=de8
3a197345c8b04>. Acesso em 20 de maio de 2012.
102
Ata da 1ª sessão ordinária do 1º período legislativo da câmara de vereadores do Município de Santo Antônio
de Jesus, ano de 1964.
101
49
tornaram-se instrumentos importantes para a consolidação das propostas da ditadura civilmilitar.
O apoio da madre Maria do Rosário às propostas da ditadura era fervoroso,
incentivando muitas pessoas, principalmente os alunos dessas referidas escolas, a ser patriotas
e contribuir com os militares. Os pais eram instados a dar seu apoio e ser exemplo para seus
filhos, em especial, participando do movimento “A Marcha da Família com Deus pela
Liberdade”, que pregava que a ordem e a paz começavam no seio familiar.
Sentindo-se responsáveis pela harmonia da família, e mostrando a preocupação com os
rumos do país, na maioria das vezes, eram as mulheres que se colocavam à frente da
organização dessas marchas. Ediane Santana nos chama atenção para o fato de que as
reuniões das mulheres para organizar essas marchas não tinham um caráter de movimento
feminista, a maior preocupação delas era alertar as pessoas contra o “perigo comunista”, que
poderia tirar a paz e desordenar as famílias, pois os opositores nesse período eram vistos
como desordeiros e céticos.
Outro ponto de apoio à política desenvolvida no país a partir de 31 de março de 1964
foi a nominação de ruas e instituições com a data do golpe e os nomes dos militares que
ficaram à frente do poder Executivo no Brasil. Em 27 de maio de 1964, em menos de dois
meses de golpe foi discutido na câmara de Santo Antônio de Jesus o Projeto Resolução nº
3/1964 que tratava da mudança do nome da Rua 24 de Agosto para 31 de Março. O
documento não traz informações como os nomes dos moradores, a quantidade de pessoas que
foi reivindicar a mudança do nome da rua para 31 de Março, nem cita os moradores de outros
logradouros, além dos da Rua 24 de Agosto.
Assim, a Câmara Municipal elaborou o projeto de mudança de rua, ficando o prefeito
autorizado a efetuar as despesas decorrentes da modificação da placa. Um dos artigos da lei
anuncia a revogação de qualquer disposição contrária à mudança do nome da rua.
Acompanhada do projeto lei nº 3/1964, estava a sua justificativa ao afirmar que após o
restabelecimento da “democracia” no país, que teve seu início em data de 31 de março, vários
moradores daquela rua procuraram o significado do projeto e “numa real demonstração de
solidariedade com as Forças Armadas, solicitaram que fosse transferido o nome para 31 de
março, o que ora o autor do presente projeto esperava sua aprovação por unanimidade de
votos dos Srs. Vereadores. ”103
103
Atas da Câmara Municipal de Santo Antônio de Jesus 1964, 1971 e 1975.
50
Em 06 de junho de 1964, o prefeito José Trindade Lobo sancionou a lei proposta pelos
vereadores. Nesse mesmo dia, sancionou também a lei que mudou o nome da Rua Forte de
São José para Avenida Juracy Magalhães. Em 1971, outra rua foi denominada Presidente
Médici e, em 1975, a transversal da Rua São Bento no Bairro São Benedito mudou para
Presidente Costa e Silva. 104
“Decreto de Viana declara o 31 de março data cívica”. Assim é intitulada a matéria do
jornal Tribuna da Bahia para falar da decisão do governador da Bahia, Luiz Viana Filho. O
Jornal anuncia que considerando o movimento revolucionário “pelo seu sentido renovador dos
costumes políticos e administrativos do país, restaurador da moralidade pública e garantidor
do regime democrático, deve ser cada vez mais difundido entre o povo e em especial, entre a
juventude.”105
Dessa forma, essas mudanças não foram despropositadas. Cidades e ruas são
perpassadas por inúmeras representações marcadas por fatos e vivências que carregam
significados semelhantes ou distintos para cada indivíduo que nelas habitam, muitas vezes
formando laços de solidariedade ou sendo motivos de desavenças. As pessoas são
identificadas pelos espaços que frequentam e habitam.106
Os espaços são lugares de memória, entrelaçados pelos anseios de cada tempo, “as
peculiaridades de cada um dos processos de criação e os conteúdos das lembranças invocadas
apontam o lugar e o tempo da memória-história.”107 A elite orgânica sabendo dos signos que
compõem os espaços como, por exemplo, ruas e instituições, utilizou essa estratégia de
nomeá-los com o sentido por eles utilizado de “Revolução Gloriosa” e “Heróis da Pátria”,
associando estes nomes a um momento de paz, que livrou o país do comunismo.
Mais uma ação que podemos considerar como suporte na política da ditadura é a
criação do “Brasão de Armas”, ato que tem origens medievais. No município de Santo
Antônio de Jesus, sua criação foi anunciada em jornais e numa sessão solene em 19 de
novembro de 1969, comemoração também ao Dia da Bandeira. Uma data, portanto, carregada
de signos, momento considerado ideal para se promover uma festa e afirmar que aquela
cidade estava no mesmo compasso ritmado pelo governo. O brasão que tinha entrado em
104
Ibidem.
Jornal Tribuna da Bahia. Salvador 21 de março de 1970 pag. 3.
106
REVEL, Jacques. Micro análise e construção social. In. Jogos de escalas. A experiência da microanálise. Rio
de Janeiro: FGV, 1998.
107
SANTANA, Charles D‟ Almeida. Linguagens urbanas, memórias da cidade: vivências e imagens da Salvador
de migrantes. São Paulo: Annablume, 2009.
105
51
desuso com a ascensão ao poder da burguesia no século XIX renasceu no século XX, mas
ligado à simbologia coletiva, como estados e munícipios.
A matéria sobre o Brasão de Armas, do jornal Tribuna da Bahia, além de trazer a
explicação para os símbolos relacionados à história do município, onde o religioso sobressai,
enfatiza que Santo Antônio de Jesus estava em festa e comemorava o momento com alegria.
Destaca ainda a participação das pessoas na festa de lançamento do Brasão de Armas do
município, que contou com aviões da Força Aérea Brasileira (FAB) sobrevoando a cidade, “e
sob eles uma multidão se concentrava na Praça da Prefeitura, local das solenidades”, inclusive
indivíduos de cidades vizinhas.
É enfatizada também a presença das autoridades eclesiásticas e militares, assim como
o envolvimento efetivo destes últimos na solenidade. A criação de um Brasão de Armas em
alguns municípios naquele momento da história do país foi mais um instrumento simbólico do
governo no intuito de fazer crer que a ditadura era apoiada, senão por todos, pela maioria da
população brasileira.108
108
Tribuna da Bahia 1º Caderno Salvador, 02 de dezembro de 1969 Pág. 4.
52
3 DISSIDÊNCIAS E CONFLITOS: OS BASTIDORES DA ARENA 1 E
ARENA 2
3.1 Os rumos da política santantoniense após o estabelecimento do AI-2 e a
implantação do bipartidarismo
Na sessão de instalação do primeiro período Legislativo de 1965, a vereadora Maria
do Carmo Nogueira Amâncio falou do seu partido, o PR, e dos trabalhos desenvolvidos pelo
deputado Manoel Novais. Ao se pronunciar numa sessão em abril de 1965, referiu-se à “nova
era político-administrativa, preconizada e desenvolvida pelo preclaro Presidente da República
o Marechal Humberto Castelo Branco”, para dizer que o PR estava compreensivo com o
momento. Aproveitou o ensejo para convocar a nação a se movimentar de forma unânime e
cooperar com as estruturas partidárias nos estados.
O nome de Marita Amâncio, como ficou conhecida, ganhou uma rua da cidade de
Santo Antônio de Jesus em sua homenagem. Exercia a profissão de professora primária com o
grau de instrução secundária. Foi professora e diretora da Escola Félix Gaspar, professora
titular do curso de parteira, especializou-se em obstetrícia no Rio de Janeiro e também foi
funcionária da Legião Brasileira de Assistência (LBA). Filha do intendente Jovino Amâncio
(1929), Marita Amâncio tornou-se vereadora de sua cidade natal de 1963 a 1981. Durante a
legislatura de 1963 a 1967 liderou o PR e em 1977 foi eleita membro das comissões de
Justiça, Redação, Finanças e Orçamentos de Obras e Serviços Públicos.
As questões de gênero possivelmente influenciaram-na, visto que ela era a única
vereadora do pleito em discussão, além de ter sido líder da bancada da “minoria”. Marita
Amâncio demonstrou a partir desse pronunciamento e de sua trajetória profissional e política,
ter sido uma mulher de decisões firmes e de influência na política local.
A vereadora convocou o Legislativo para obedecer às recomendações do deputado
Manoel Novais, que estava “sempre empenhado na arregimentação de forças e
solidariedades” para o município de Santo Antônio de Jesus.109 Apresentou ainda uma moção
de apreço e reconhecimento a esse político. Segundo Marita Amâncio, Manoel Novais
demonstrou muito interesse nos trabalhos desenvolvidos na câmara. Sobretudo nas
109
Ata da sessão de instalação do 1º período legislativo e eleição da Mesa da Câmara de Vereadores do
Município de Santo Antônio de Jesus aos sete dias do mês de abril de 1965.
53
consignações e defesa de verbas federais para o município, principalmente para o setor dos
serviços de canalização de água para a cidade.
A vereadora demonstrou habilidade ao saudar o presidente da câmara pertencente à
Aliança Democrática Santantoniense, grupo da situação, “num gesto de confiança, disciplina
e anseios para a boa marcha dos trabalhos Legislativos em prol do engrandecimento do
município”. A fala da vereadora indicou que no Legislativo, mesmo com a demonstração de
união em “prol da nação e da cidade”, os conflitos e rachaduras partidárias continuavam. Esse
pronunciamento pode ser interpretado também como a oportunidade de aproximação da
política da ditadura.
Com relação ao deputado Manoel Novais, evidencia-se que sua influência política foi
responsável pela permanência de Antônio Fraga e dos políticos aliados ao PR no comando
Executivo da cidade por um longo período. Com o decreto do bipartidarismo, Manoel Novais
ingressou na Arena e foi eleito quatro vezes.
Demonstrou ser um político habilidoso, ao se aliar ou se opor às coligações políticas,
conforme o contexto apresentado em diferentes momentos, como nas eleições de 1962, em
que apoiou a candidatura de Lomanto Júnior.110 Manoel Novais possuía poder político,
sobretudo na região de São Francisco, mas mostrou que exercia influência também na política
de Santo Antônio, o que permite supor que esse domínio se estendeu a outros municípios do
Recôncavo Baiano.
O pronunciamento da vereadora estava articulado com a “nova era” nacional e, como
tal, justificou seu voto ao presidente da câmara que fazia parte da bancada da situação, ao
dizer que estava comprometida com uma “cooperação unânime”. Diplomática, tentou
demonstrar que o seu compromisso estava para além das dissidências partidárias. Esse
registro mostra ainda que no segundo ano da ditadura civil-militar a vereadora fez elogios ao
então presidente Castelo Branco pela sua ação administrativa. O jornal A Tarde também
relatou a comemoração com a seguinte chamada: “Povo e Forças Armadas festejam o
Segundo Aniversário da Revolução”:
A hora em que encerrávamos os trabalhos da presente edição, tropas de terra,
mar e ar, além da polícia militar, desfilavam ao longo da Avenida Sete, nas
comemorações do segundo aniversário da Revolução que hoje transcorre,
que está sendo festejada em todo Brasil111
110
111
DANTAS NETO, Paulo Fábio. Op. cit.
Jornal A Tarde, 1965 (este jornal estava muito rasurado, por isso, não conseguimos os dados completos).
54
Em 1965, com o golpe já consolidado, Castelo Branco sentiu dificuldade para
administrar o país com as instituições remanescentes do sistema democrático, como também,
com as pressões de grupos militares sob seu governo após a vitória da oposição nas eleições
para Governador em Minas Gerais e na Guanabara (Rio de Janeiro), em 1965.112 Conforme a
discussão de Maria do Carmo Campello de Souza, a dispersão dos partidos em amplas
coligações entre os anos de 1945 a 1964, favoreceu a fragmentação e o realinhamento do
sistema partidário. Esse fato induziu à participação e à ampliação de partidos menores como o
PTB no corpo político do país.113 O crescimento dificultava a administração do governo
militar que tinha por base a centralização do poder.
Para conter a dispersão partidária e as oportunidades de maiores mobilizações
populares, foi baixado o Ato Institucional de nº 2 (AI-2), que criou o bipartidarismo com o
intuito de reduzir a instabilidade política supostamente causada pelo pluripartidarismo. O AI2, além de eliminar todos os partidos, constituiu eleições indiretas para presidente da
República, aprovou a cassação de mandatos e a suspensão de direitos políticos.114 Funcionava
como instrumento político visando sobretudo concentrar prerrogativas no Executivo sobre o
qual as forças armadas possuíam completo poder.
Com o AI-2, Castelo Branco transferiu as ações políticas para a justiça militar.
Iniciou-se um processo de corrosão da cidadania que impediu os brasileiros de exercer seus
direitos.115 Em novembro de 1965, foram criados a Aliança Renovadora Nacional (ARENA) e
o Movimento Democrático Brasileiro (MDB), cumprindo dispositivos do AI-2, que instituíam
o bipartidarismo, tendo sido esses partidos oficializados em março de 1966. Segundo
Florestan Fernandes, o regime de dois partidos tutelados foi adotado por motivos conhecidos:
a necessidade de articulação política das forças sociais heterogêneas que preparou e liderou o
golpe de 1964, como também, a de forjar uma imagem democrática desta República no
exterior, que precisava dessa visibilidade em seus circuitos políticos internos.116
Como partido para sustentação da ditadura, foi criada a Arena, para onde confluíram
os aliados e apoiadores do movimento de março. A Arena agrupou políticos da UDN, do
112
ARAUJO, Maria Celina de; CASTRO, Celso e SOARES, Gláucio Ary Dillon (orgs). Visões do Golpe: a
memória militar de 1964. Rio de Janeiro: Relume-Dumará, 1994.
113
SOUZA, Maria do Carmo Campello de. Op. cit.
114
BENEVIDES. Maria Victória. Op. cit.
115
GASPARI, Elio. A ditadura envergonhada. São Paulo: Companhia das Letras, 2002.
116
FERNANDES, Florestan. Op. cit.
55
PSD, do PDC, do PR e PTB numa mesma legenda, somando dissidências e atraindo para si
complexidades orgânicas maiores que as dos antigos partidos.117
A Arena era formada em sua maioria por políticos profissionais, pertencentes aos
principais grupos em atividade, que tinham em comum uma experiência de décadas na vida
política nacional. Segundo Lúcia Grinberg, a Arena não foi uma bancada sem
representatividade social, nem foi, durante o regime, o “partido do sim senhor.” Mesmo sendo
composta e apoiada por setores favoráveis ao regime, houve conflitos entre a Arena e os
militares.118 As funções classicamente exercidas por um partido político em um contexto de
pluralidade política e social dificilmente poderiam ter sido desempenhadas pela Arena, em
virtude das leis de exceção então em vigor. A Arena representou o papel de esteio partidário
parlamentar do autoritarismo vigente dentro de um Congresso desvestido de suas
prerrogativas clássicas.
A partir de novembro de 1966 com a criação do Ato complementar número 26 que
instaurou o recurso da sublegenda, esses grupos políticos passaram a ser denominados de
Arena 1 e Arena 2. A sublegenda era mais favorável à Arena, pois era o partido da situação, e
a regra facilitava a manutenção do poder.119 “A Arena reunia, na maioria dos estados, quadros
dos dois antigos partidos conservadores PSD e UDN, numa só legenda, cuja tensa unidade
seria mantida e regulada por instituições casuísticas, como as sublegendas.”120
Para a Bahia, o trabalho de Paulo Fábio Dantas Neto mostra as dissidências e divisões
na Arena. Em 1974, a Arena estava dividida entre “carlistas” e “não carlistas”. Antônio Carlos
Magalhães, Luiz Viana Filho, Lomanto Junior, Juracy Magalhães e posteriormente Roberto
Santos disputavam o poder na agremiação.121 Contudo, a fusão compulsória de forças
conservadoras em âmbito estadual e nacional permitiu um consenso baiano em torno do
regime militar e facilitou a Antônio Carlos Magalhães impor seu comando sem concessões
maiores às antigas facções partidárias. Conforme Ary Guimarães, ainda em 1978, a Bahia era
predominantemente rural e a Arena estava sempre na frente. Nesse contexto, a oposição só
lograria mais votos com o crescimento do eleitorado urbano, mais crítico e independente.122
117
DIAS, José Alves As estratégias de dominação dos espaços políticos na Bahia durante a ditadura (19661983). Programa de Pós-Graduação em História Social da UFRJ. Anais das Jornadas de 2007.
118
GRINBERG, Lúcia. Partido político ou bode expiatório: Um estudo sobre a Aliança Renovadora Nacional
(ARENA), 1965-1979. Rio de Janeiro: Mauad X, 2009.
119
JACOBINA, André Teixeira. Clivagens Partidárias: ARENA e MDB em tempos de distensão (1974-1979).
Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de Pós-Graduação em História da Universidade Federal da
Bahia (UFBA). Salvador, 2010.
120
DANTAS NETO, Paulo Fábio. Op. cit. p. 253.
121
JACOBINA, André Teixeira. Op. cit.
122
GUIMARÃES, Ary. Partidos e Comportamento Eleitoral em 1978. In.: FLEISCHER, David Verge. (org). Os
partidos políticos no Brasil. Brasília: UNB, 1981.
56
Em Santo Antônio de Jesus, no primeiro período Legislativo de 1966, o presidente da
Câmara Municipal consultou o plenário para saber como eleger a comissão técnica da casa
com a extinção do pluripartidarismo, tendo o plenário resolvido que se obedecesse ao mesmo
critério que vinha sendo adotado na câmara. Isto é, um grupo pertencente à extinta “Aliança
Democrática Santantoniense”, representando a maioria na casa, e o outro pertencendo ao
extinto Partido Republicano representando a minoria.123
Em 1967, o vereador Oséas Guimarães de Souza apresentou uma indicação subscrita
pelos vereadores da Arena 2, compondo as várias comissões e declarando que alguns
vereadores, eleitos no pleito de 15 de novembro de 1966 pela Aliança Renovadora Nacional,
“comunicam à mesa executiva que a partir desta data, passam a compor neste Legislativo a
bancada denominada Arena dois”.124 Muitas vezes os políticos que em determinado pleito era
Arena 1, no seguinte poderia estar ligado à Arena 2. Infelizmente as fontes consultadas não
mostram em qual Arena cada vereador estava vinculado, e nas fichas de assentamento
individual de vereador consta somente que o vereador fora eleito pela Arena, não informando
se um ou dois. Em Santo Antônio de Jesus, de 1966 até às eleições de 1976, todos os
vereadores foram eleitos pela Arena.
Com a instalação do bipartidarismo foi criado também o Movimento Democrático
Brasileiro. A criação do MDB caracterizou-se como estratégia para implantação de emendas
constitucionais propostas ao Congresso. O objetivo de criar o bipartidarismo “como um
grande partido de sustentação do governo e um pequeno partido de oposição formal, que
propiciasse uma fachada democrática ao regime militar.”125 Contudo, a maioria dos
indivíduos de oposição mais combativa já tinha seus mandatos cassados, filiando-se ao MDB
aqueles que por algum motivo permaneceram ligados às cadeiras partidárias. Diante disso, a
ditadura não enfrentou uma oposição partidária mais rígida, facilitando aprovações de
projetos e maiores estratégias em favor do governo militar.
André Jacobina aponta que além das sublegendas que prejudicavam a organização do
MDB, a fidelidade partidária estabelecida em 1969 que tinha como regra a perda de mandato
por infidelidade partidária aos parlamentares, mantinha no MDB membros que não eram da
oposição. Assinala também a existência desta mesma característica no MDB baiano, “já que o
123
Ata da 1ª sessão ordinária do 1º período legislativo da câmara de vereadores do município de Santo Antônio
de Jesus, referente ao exercício de 1966. p. 9.
124
Ata da 2ª sessão ordinária do 1º período legislativo da câmara de vereadores do município de Santo Antônio
de Jesus referente ao exercício de 1967.
125
KINZO, Maria D‟Alva Gil. O Legado Oposicionista do MDB, o Partido do Movimento Democrático
Brasileiro. In: SOARES, Gláucio Ary Dillon e D‟ARAUJO Maria Celina (orgs.). 21 Anos de Regime Militar:
Balanços e Perspectivas. Rio de Janeiro: Fundação Getúlio Vargas, 1994, p. 143.
57
diretório regional era dominado pelos adesistas[...], tendo o MDB autêntico tentado, inclusive,
dissolver o diretório em 1974.”126
Veiculava-se também que o MDB era contra a Bahia e o Brasil por não colaborar com
os projetos desenvolvimentistas, ideias fortalecidas pelos discursos patrióticos a fim de
fortalecer o governo ditatorial. “Quando na verdade, para muitos a atitude mais patriótica, no
sentido de amor à pátria e aos seus cidadãos, era exatamente o contrário.”127
A criação do Diretório do MDB em Santo Antônio foi anunciada em 1968 numa
sessão da câmara, a qual foi elogiada por alguns vereadores “pela feliz ideia de trazer para a
nossa terra, um Diretório de um Partido de Oposição”, enquanto outros discordaram e
afirmaram que permaneceriam leais às fileiras da Arena. O vereador Oséias Barreto
Guimarães Souza fez votos para que o MDB em Santo Antônio de Jesus trilhasse “o
verdadeiro caminho da democracia, da decência política e o caminho do bem, assim como
lutasse pelo verdadeiro nacionalismo e não o nacionalismo pregado pelos inimigos da Pátria e
do regime.”128
Oséias Guimarães, comerciante, eleito para o período de 1967 a 1971 enfatizava qual
o tipo de oposição deveria ser praticada pelo MDB naquele Legislativo e logo tentou
caracterizar a oposição dos grupos que discordavam do governo em vigência naquele período.
A fala de Oséias elucida ainda que o MDB foi criado para mascarar o regime autoritário na
busca por conferir-lhe um caráter democrático.
Em 1969, o jornal Tribuna da Bahia, em matéria intitulada “MDB toca diretórios”
referia-se ao impulso que vinha tomando na organização dos diretórios municipais na Bahia,
os quais já somavam 107. Neste mesmo jornal, a coluna “Política Nacional” iniciou-se com a
seguinte pergunta: “Que é contestação?” A partir desse questionamento a reportagem
desdobrou-se pontuando que tipo de contestação seria aceita pelo presidente Médici, como
também a diferenciação entre oposição e contestação.129
Segundo a mesma reportagem, para o presidente Médici, contestação foi o que houve
no Congresso em 1968, que levou ao estabelecimento do AI-5.130 “É o ataque sistemático à
126
JACOBINA, André Teixeira. Op. cit. p. 13
Ibidem, p.67
128
Ata da 4ª sessão ordinária do segundo período legislativo da Câmara de Vereadores do Munícipio de Santo
Antônio de Jesus referente ao exercício de 1968.
129
Jornal Tribuna da Bahia 1º Caderno Salvador, 5 de Novembro de 1969. p.2.
130
O ato era uma reedição dos conceitos trazidos para o léxico político em 1964. Restabeleciam-se as demissões
sumárias. Cassações de mandatos, suspensões de direitos políticos. Além disso, suspendiam-se as franquias
constitucionais da liberdade de expressão e reunião. Um artigo permitia que se proibisse ao cidadão o exercício
de sua profissão. Outro patrocinava o confisco dos bens. A pior das marcas ditatoriais, segundo Elio Gaspari, foi
aquela que haveria de ferir toda uma geração de brasileiros, encontrava-se no seu artigo 10: “Fica suspensa a
127
58
revolução com o objetivo de afastá-la, de voltar ao status anterior a ela”. Assim, termina esse
registro: “ao que parece tanto a ARENA quanto o MDB estão conscientes disso. E tanto a
ARENA como o MDB principalmente o MDB sabem tirar disso todas as consequências para
o seu comportamento.”131
A reportagem discorreu sobre qual oposição era aceita pelo presidente Médici,
especificamente, e para o regime, em geral, além de tratar das suas consequências, como a
edição do AI-5, que estreitou ainda mais as participações políticas. Anunciou ainda que os
dois partidos políticos existentes sabiam disso, chamando atenção para o MDB, partido
situado naquele momento na oposição, mas que em muitos espaços políticos se
descaracterizou ou tentou articular suas estratégias da maneira mais disfarçada possível para
manter-se.
Em 1969, o vereador Carlos Alberto Almeida Souza pediu a unificação da Arena para
que os poderes Legislativos juntamente com o Executivo se tornassem uma só força.
Salientou ainda que essas políticas de grupo e individual só trazem prejuízos e que “unidos
poderíamos nos mirar no governo da revolução que está dando outro aspecto ao
desenvolvimento do País e nós devemos fazer com que Santo Antônio de Jesus tenha também
reflexos deste desenvolvimento.” 132
Nessa mesma sessão ocorreram as eleições para compor a mesa legislativa de 1969,
onde Misael Maia Matos foi eleito presidente da câmara para o período de 1969 a 1970.
Terminando a eleição, Misael Matos discursou e enfatizou “as razões de sua luta pela
presidência da casa”, ao dizer que seu objetivo era dispor de “sua juventude e força” para que
o Legislativo de Santo Antônio “sentisse o calor de uma nova mesa”. O presidente da câmara
solicitou aos vereadores todo apoio ao governo do presidente Artur da Costa e Silva, e a Luiz
Viana Filho, “e em Santo Antônio, disse ao prefeito Florentino Firmino de Almeida que se
preparasse, pois a atual mesa e a câmara em si estavam dispostas a organizar um esquema
para os trabalhos do desenvolvimento do município.” 133
Esse vereador teve uma trajetória marcada por fatos que causaram repercussão
importante na política da cidade. Misael Maia Matos nasceu em Nova Canãa (Ba),
comerciante, teve seu primeiro mandato como vereador da cidade de Santo Antônio de Jesus,
garantia de habeas corpus em casos de crimes políticos contra a segurança nacional”. Cf. GASPARI, Elio. A
Ditadura Envergonhada. São Paulo: Companhia das Letras, 2002, p. 340.
131
Jornal Tribuna da Bahia 1º Caderno Salvador, 5 de Novembro de 1969. p.2.
132
Ata da 1ª sessão ordinária do 1º período legislativo da Câmara de Vereadores do Município de Santo Antônio
de Jesus, referente ao exercício de 1969.
133
Ata da 1ª sessão ordinária do primeiro período legislativo da Câmara de Vereadores do Município de Santo
Antônio de Jesus, referente ao exercício de 1969.
59
em 1963, pelo PR e continuou no Legislativo da cidade até 1981 pela Arena,
initerruptamente. Nesse período, foi líder da bancada da Arena local e membro das comissões
de Finanças e Orçamento.
Empossado para presidente da câmara em 1969, Misael Matos propôs-se a “manter
acima de tudo e por tudo um clima de trabalho sadio e profícuo, dentro do espírito da
Revolução Democrática de 31 de março de 1964.” De maneira enfática, afirma que “a
anarquia, o desmando, o personalismo vaidoso, a subversão, a corrupção, devem ser
extirpados da vida pública para que nos sintamos honrados e respeitados no presente,
lembrados e venerados pelos pósteros.”134
Enfatizou que o Legislativo dispunha de instrumentos vigorosos para exercer a tarefa
através dos dispositivos das leis criadas pelo regime de 1964: “Com ela estamos, por ideal,
por patriotismo, por amor aos nossos irmãos brasileiros, integralmente comprometidos.”135
Continuou seu discurso afirmando que a política partidária seria exercitada
plenamente, fiel aos compromissos assumidos com as lideranças válidas. Mas convocou os
vereadores a estabelecer uma unidade de ação para favorecer o poder Executivo. Dando ao
prefeito os meios e recursos capazes de assegurar condições para bem administrar e dotar o
município dos serviços públicos essenciais e vitais de que necessita, educação, saúde, energia,
transporte, comunicação, saneamento e urbanização.
Ainda com a palavra, falou que o Legislativo dá os meios e recursos e o prefeito
solicita e os executa. “Da perfeita sincronia, do melhor entendimento entre legisladores e
executor, resultará por certo como consequência, o bem-estar, o desenvolvimento e a
prosperidade do Município.”136 É trabalho patriótico humano e cristão, do qual o Legislativo e
o Executivo não poderiam se divorciar, trair ou relegar.
Misael Matos encerrou falando do pensamento da presidência da câmara, “por ele
pautará todos os seus atos, por certo e nisto creio com absoluta convicção seja igualmente o
pensamento dos sres. vereadores, homens públicos de comprovado valor e de acendrado amor
às causas sagradas da Grande Pátria Brasileira.”137 Em outra sessão, Misael Matos alertou
sobre a maneira com que se falava das Forças Armadas e sugeriu que os vereadores
134
Ibidem.
Ata da 2ª sessão ordinária do primeiro período Legislativo da Câmara de Vereadores do Município de Santo
Antônio de Jesus, referente ao exercício de 1969.
136
Ibidem.
137
Ata da 2ª sessão ordinária do primeiro período Legislativo da Câmara de Vereadores do Município de Santo
Antônio de Jesus referente ao exercício de 1969.
135
60
moderassem o tom quando se referissem ao Exército “mesmo porque estamos governados por
uma bandeira revolucionária.”138
As palavras de Misael Matos marcaram as posições partidárias do Executivo e do
Legislativo, visto que fora eleito pela Arena 1 e o prefeito pela Arena 2. Ao findar seu
discurso de advertência, de ordem e de trabalho na prossecução dos ideais do regime,
convocou os vereadores, a “integrarem-se sem limitações, sem reservas, no esforço nacional
pelas reformas básicas preconizadas pela Revolução para a felicidade do Povo Brasileiro e
pela Grandeza da Pátria”. 139
A partir desses discursos de Misael Maia Matos é possível identificar nele um sujeito
enfático, de retórica convincente, que no desempenho do Legislativo proclamava os ideais do
regime. Mas também ficou conhecido como agitador e agressor, conforme o processo que será
analisado posteriormente.
Em 1969, alguns vereadores falaram do mandato de Médici e solicitaram afinação da
política local com o governo do país. O vereador Edvaldo Oliveira pediu também a ajuda de
Deus para a paz e a tranquilidade da família santantoniense. Encaminhou moção de
solidariedade aos dois brasileiros que assumiam a direção do país, o general Emílio
Garrastazu Médici e o almirante Augusto Rademaker, presidente e vice-presidente da
república. Ao encerrar, pediu a Deus que iluminasse a todo o povo brasileiro que naquela hora
confiava na sua proteção.140
Um discurso semelhante foi proferido pelo vereador Carlos Alberto de Almeida
Souza. Em estilo eloquente, descreveu desde o golpe de 31 de março até aqueles dias.
Comentou a atuação do ex- presidente Artur da Costa e Silva, continuador dos trabalhos de
organização do país traçados pelo ex-presidente Castelo Branco, e descreveu a vida do então
presidente Médici, desde as suas primeiras lutas pela democracia.141
Disse que o povo impôs a Médici que assumisse o governo do país, “e ele como
militar reconhecedor do dever não pôde recuar, mas pedia ao povo brasileiro um voto de
confiança para o seu governo e que ele prometia corresponder a esta confiança dinamizando o
desenvolvimento da Pátria dentro da ordem, respeito e paz.” Na oportunidade, o orador
138
Ata da 4ª sessão ordinária da Câmara Municipal de Santo Antônio de Jesus referente ao 1º período de 1969.
Ibidem.
140
Ata da 6ª sessão ordinária da Câmara de Vereadores da Cidade de Santo Antônio de Jesus no 2º período de
1969.
141
Ibidem.
139
61
solicitou aos seus colegas que, num voto de paz e confiança, procurassem trabalhar a fim de
que Santo Antônio de Jesus pudesse acompanhar a marcha de desenvolvimento do país.142
Mesmo com as divisões partidárias, o corpo político da cidade procurou evidenciar o
apoio ao governo estadual e nacional. Esses gestos podem ser interpretados como uma
demarcação de espaço no poder político local.
3.2 Disputas pelo poder local entre Arena 1 e Arena 2
As divergências político-partidárias locais podem ser mostradas mais uma vez a partir
da análise de um processo crime, que relata a atuação de candidatos e partidários da Arena 1
na passeata realizada pelo grupo da Arena 2. Conforme o processo, essa intervenção se deu
por causa do favoritismo da Arena 2 comprovado no pleito de 1970.143 Esses
desentendimentos ocorriam sobretudo por causa da complexidade dos grupos políticos que
passaram a compor a Arena.
No dia 26 de outubro de 1970, numa passeata de propaganda do grupo político da
Arena 2, no Largo do São Benedito, acompanhada por trio elétrico e milhares de pessoas,
foram verificadas provocações dos adversários. Segundo o escrivão do processo, por
“criminosos incidentes, abertamente provocados pela facção contrária especialmente por
diversos dos seus líderes”, a exemplo de Misael Matos e Carlos Humberto Cerqueira Guedes.
Carlos Humberto Cerqueira Guedes, advogado e delegado de Santo Antônio de Jesus,
era filho de Humberto Guedes, também advogado e deputado, como já citado neste trabalho.
Influenciou na politica local nas décadas de 1950, 1960 e 1970, quando juntamente com
Manoel Novais apoiava o PR local. Carlos Humberto, além de se envolver nas disputas, foi o
advogado que defendeu os impetrados acusados de tumultuar a passeata promovida pela
Arena 2.
Conforme o documento analisado, Misael Matos e Carlos Humberto Cerqueira Guedes
solicitaram a colocação de cartazes com dizeres agressivos ao candidato dos requerentes no
meio da rua de onde se aproximava o trio elétrico. Gorgônio José de Araújo Neto solicitou a
retirada do cartaz. Ao perceber tal intento, Misael Matos e Carlos Humberto “partiram para
142
Ata da 6ª sessão ordinária da Câmara de Vereadores da Cidade de Santo Antônio de Jesus no 2º período de
1969.
143
Processo crime de 1970. Arquivo Público Municipal de Santo Antônio de Jesus.
62
agredi-lo tendo Misael após aplicar uma gravata, puxado sob a camisa um cassetete, tentando
desfechar um golpe no crâneo do companheiro Gorgônio.”144
A família de Gorgônio José de Araújo Neto tinha tradição na política local, seu avô foi
intendente (1912-1915) e seu pai prefeito (1939-1945), ambos de Santo Antônio de Jesus.
Gorgônio Neto também enveredou na política, candidatando-se e sendo eleito deputado
federal para o mandato de 1983 a 1987. Gorgônio Neto cursou o secundário no Colégio
Estadual da Bahia, Salvador. Formou-se em Direito pela Faculdade de Direito da
Universidade Federal da Bahia - UFBA, em 1963. Diretor do jornal Unidade e presidente do
Centro Popular de Cultura - CPC, da União dos Estudantes da Bahia - UEB. Foi preso por
liderar movimento estudantil de esquerda, em 1964.145
Iniciou a vida política elegendo-se deputado estadual pela Aliança Renovadora
Nacional (Arena), partido de sustentação do regime militar, em novembro de 1978. Com a
extinção do bipartidarismo em novembro de 1979 e a consequente reorganização partidária,
filiou-se ao Partido Democrático Social (PDS), agremiação que deu continuidade à Arena.
Durante essa legislatura, acumulou a direção do Centro Executivo Municipal de Santo
Antônio de Jesus, do Centro Regional Integrado (CERIN) da 1ª Região Administrativa e da
Companhia de Navegação do Estado da Bahia.146 Algumas vezes seu nome foi citado por
depoentes como aliado ao grupo que fazia oposição ao regime tendo sido preso em Salvador
pelo governo da época.
O clima de rivalidades na passeata continuou. Outros sujeitos aproximaram-se na
tentativa de retirar a placa provocativa, mas foram agredidas por um grupo de pessoas, dentre
as quais, um indivíduo sacou uma “peixeira”, não tendo, porém, se consumado o assassinato.
O carro com serviço de autofalante do candidato a vereador pela Arena 2, o pastor Albertino
Lira, foi cercado e tentaram quebrar a aparelhagem obrigando o candidato a sair do local sob
ameaça de depredação do veículo, conforme consta no processo: “As agitações continuaram,
sendo proferidos palavrões na presença de inúmeras famílias.” 147
Albertino Lira, natural de Pernambuco, grau de instrução secundária, Pastor
Evangélico, filho de Pedro Maximino Lira e Firmina Lira, foi eleito vereador pela Aliança
144
Processo crime de 1970. Arquivo Público Municipal de Santo Antônio de Jesus.
Disponível em: http://www.al.ba.gov.br/deputados/Deputados-Interna.php?id=276. Acesso em: 12 de julho de
2013.
146
Disponível em: http://www.fgv.br/cpdoc/busca/Busca/BuscaConsultar.aspx. Acesso em: 12 de julho de 2013.
147
Processo crime de 1970. Arquivo Público Municipal de Santo Antônio de Jesus.
145
63
Renovadora Nacional para o período de 1971 a 1973. Foi indicado líder do partido por toda
legislatura e reeleito novamente pela Arena para os anos de 1973 a 1977. 148
Essas brigas políticas no interior baiano foram também noticiadas pelo jornal A Tarde,
que colocou a seguinte chamada: “Arena briga no interior e aumentam pedidos de tropas”.
Relata a matéria: “Nos últimos dias da campanha política para o pleito direto que será
realizada no dia quinze de novembro, cresce lamentavelmente o clima de intranquilidade e
violência em grande número de municípios do estado.”149 As divergências mais acentuadas
nas cidades do interior geralmente ocorreram entre as sublegendas em que se dividiu o partido
situacionista. Em poucos municípios, a disputa pelos cargos eletivos estava colocada em
termos de Arena e MDB. Pode-se argumentar que o voto na Arena era uma opção, sim,
ressaltando-se ainda que naquele ano houve uma forte campanha pelos votos brancos e nulos,
cujos percentuais foram bem altos.
O jornal A Tarde também ressaltou esse aumento de votos brancos e nulos em
municípios baianos e o Jornal da Bahia tentou traçar uma justificativa para o aumento, ao
escrever que o grande número de votos nulos e brancos registrados nas últimas eleições em
todo país continuava dando margem às mais variadas interpretações por parte dos
observadores políticos: “Há os que veem no fenômeno uma prova da insatisfação de parcelas
do eleitorado para com o regime, pelo prolongamento das medidas excepcionais que retardam
a restauração democrática.”150 A injustiça na legislação que permitia as candidaturas em
sublegenda, prejudicando o MDB foi também levada em consideração na tentativa de explicar
o aumento dos votos brancos e nulos nas eleições de 1970.151
Voltando à análise do processo, foi citado que o quartel general dos agressores estava
instalado na residência do guarda fiscal Faustino Almeida Cunha, residente no Largo do São
Benedito na cidade. Faustino Cunha foi candidato a vice-prefeito em 1976 pela Arena 1 e
numa entrevista realizada em 26 de março de 2012, declarou que apoiou o regime: “Eu
trabalhei na revolução, trabalhou eu e o capitão Loudovice na época, invadimos casas
comerciais para fiscalizar, tinha gente que tremia quando a gente chegava, Loudovice com
arma do lado, Capitão do Exército.”152
148
Ficha de assentamento individual de vereador da Câmara Municipal de Santo Antônio de Jesus.
Jornal A Tarde. Sexta-feira 06 de Novembro de 1970.
150
Jornal da Bahia. Salvador, domingo e segunda-feira 29 e 30 de novembro de 1970.
151
GRINBERG, Lúcia. Uma memória política sobre a Arena: dos “revolucionários de primeira hora” ao “partido
do sim, senhor” In. MOTTA, Rodrigo Patto Sá; REIS, Daniel Aarão e RIDENTI, Marcelo (orgs.). O golpe e a
ditadura militar 40 anos depois (1964-2004). São Paulo: Edusc, 2004.
152
Faustino Almeida Cunha (86 anos) vice-prefeito em Santo Antônio de Jesus pela Arena 1 em 1976.
Depoimento concedido em 26 de março de 2012.
149
64
Os termos dos interrogatórios do processo desdobraram-se entre acusações dos
componentes da Arena 2 contra os da Arena 1. Quanto a Misael Maia Matos, negou que tenha
provocado qualquer lesão em Gorgônio Araújo Neto. Disse ele: “estava no local tão somente
para acalmar os ânimos.”153
Como citado acima, Carlos Humberto Guedes, que juntamente com Misael Matos
participou das confusões entre Arena 1 e Arena 2 por motivações político-partidárias, foi o
advogado de defesa dos sujeitos que juntamente com ele se envolveram na briga em favor da
Arena 1.
Sua defesa se dava a partir de uma petição de habeas corpus que tinha como
justificativa a ilegalidade da prisão: “A ameaça que sofreu o paciente é real, uma vez que
várias prisões, ilegais, abusivas, e por motivações político partidárias foram realizadas ontem,
nesta comarca, gerando um clima de terror e de pânico”.154 Ou a ilegalidade da prisão se
“caracteriza por ter sido o paciente preso sem que houvesse flagrante delito ou mandado de
autoridade competente, tanto que não lhe foi dada nota de culpa nem lhe foi fornecido
exemplar do mandado de prisão.”155
Outra petição de habeas corpus, já em 1976, evidenciou novamente a vida conturbada
de Misael Maia Matos. O documento informou que Misael se encontrou preso em flagrante
por ter, no dia 14 de agosto de 1976, desacatado o delegado de polícia local e resistido à voz
de prisão, além, de ter causado lesões corporais na referida autoridade.156
Contudo, o advogado impetrante, Givandro José Cardoso, alegou que o cliente não
cometeu qualquer crime, razão pela qual estranhou a atitude reprovável do delegado.157
Givandro Cardoso ressaltou que não havia entendido até aquele momento os motivos que
levaram o delegado a cometer o desatino da agressão contra o requerente, que foi atingido por
arma de fogo na altura do joelho sendo levado para o Hospital Maternidade Luiz Argolo,
unidade de saúde de Santo Antônio de Jesus.
Segundo o documento em análise, o delegado juntamente aos seus subordinados
tentou invadir o hospital onde se encontrava Misael, com metralhadoras, deixando em pânico
o corpo médico daquela instituição e toda a comunidade local. O advogado Givandro Cardoso
julgou injusta e ilegal a prisão de Misael, ao alegar que não existiu qualquer nota de culpa.
153
Processo crime de 1970. Arquivo Público Municipal de Santo Antônio de Jesus.
Petição de Habeas Corpus de 1970. Arquivo Público Municipal de Santo Antônio de Jesus.
155
Ibidem.
156
Ibidem.
157
Givandro José Cardoso, natural de São Miguel das Matas, município do Recôncavo baiano, cursou o primário
numa escola municipal de Santo Antônio de Jesus. Fez o ginásio na cidade de Ibicuí (BA) e o colegial no
Colégio Estadual da Bahia. Formou-se em direito pela UFBA, em 1971, e magistrou-se em 1990. Em 1998, foi
promovido para a 3ª entrância em Santo Antônio de Jesus.
154
65
Esses relatos de brigas e disputas políticas demonstram as rivalidades locais, e que a
Arena não era apenas um partido novo que carregava o ideal de sustentação do regime,
disposto a deixar de lado interesses particulares. Ao contrário, ela foi composta por indivíduos
que em sua maioria tinha tradição política, sendo muitos desses integrantes dos extintos
partidos PSD e UDN, no caso especifico de Santo Antônio de Jesus, partidários também do
PR.158
Contudo, mesmo tendo sido a Arena composta por indivíduos que almejavam a
concretização dos seus anseios, seus discursos, como já vimos neste trabalho, estavam
pautados em elogiar as políticas desenvolvidas pelo regime, além de usá-las como modelo
para consolidação de seus projetos, sendo a Arena, portanto, como já firmado pela
historiografia, o partido de sustentação do regime.
3.3 Oposição a ditadura civil-militar
Neste capítulo, falamos do tipo de contestação que era aceita pela ditadura, como
também do MDB, partido caracterizado como de oposição, quando serviu na maioria das
vezes para traçar uma imagem democrática da sociedade. Em relação à oposição a ditadura
civil-militar em Santo Antônio de Jesus, apesar das dificuldades na busca por fontes,
encontramos algumas evidências. O depoente José Pereira Reis fala sobre um dos
participantes do grupo que contestava o regime autoritário na cidade, por ele identificado
como o líder. José Reis disse que Gonzalo Antunes Blanco era quem mais incentivava o povo,
em função de sua adesão ao comunismo. “Porque ele veio de lá da Europa, né? E aqui ele
achou que devia mudar o regime também e influenciar os incautos. E em função disso, ele era
tido como líder, marido da promotora, então todo mundo dava crédito ao que ele dizia.” 159
No processo crime que analisamos acima o nome de Gonzalo aparece de forma bem
sucinta, mas endossa a fala do depoente José Reis ao identificá-lo como crítico do regime
autoritário. No processo é registrado que correu um boato na cidade segundo o qual Gonzalo
Blanco, “espanhol expatriado, agitador por profissão, com sorriso nos lábios, esteve na noite e
no local da briga entre Arena 1 e 2.”160
Outro documento demonstra a existência de indivíduos que manifestaram sua oposição
na cidade. Em 1969, o vereador Edvaldo Oliveira Souza protestou contra a atitude tomada
158
GRINBERG, Lucia. Uma memória política sobre a Arena. Op. cit.
José Pereira Reis (83 anos) Vereador em Santo Antônio de Jesus pela ARENA em 1964. Depoimento
concedido em 19 de abril de 2010.
160
Processo crime de 1970. Arquivo Público Municipal de Santo Antônio de Jesus.
159
66
pelo governador do estado, quanto à vinda de um delegado de polícia para o município às
vésperas da convenção da Arena, “parecendo um meio de coação à família santantoniense.”161
Lançou sua denúncia contra o que aconteceu com o vereador João José das Mercês,
que fora intimado a depor por fatos que, segundo ele, não tinha culpa. Conforme Edvaldo
Souza, o que transparecia uma coação política orientada por “subversivos daqui de Santo
Antônio que se fossem às ruas não conseguiriam voto de ninguém, por isto estavam
aproveitando de arbitrariedades para pressionar o povo, daí o seu protesto contra as atitudes
do governo do Estado.”162
O presidente da Câmara Municipal, Misael Matos, protestou também e disse que não
via razão para a polícia agir daquela maneira, pois o vereador em nada teve culpa no caso em
que lhe atribuíram responsabilidades. Por outro lado, disse que tudo aquilo não passava de
“insinuação e orientações subversivas que outra coisa não fazem a não ser provocar a
agitação, causando intranquilidade à família desta terra que sempre viveu tranquilamente, em
meio da oração.”163
Não dá para identificar ao certo se os pronunciantes estavam se referindo aos
integrantes da Arena 2, quando alegavam que estes não conseguiram votos de ninguém ou se
houve indivíduos opositores do regime, que se utilizaram de estratégias nos dias próximo à
convenção da Arena para demonstrar insatisfação com a política da ditadura.
Faustino de Almeida Cunha, vice-prefeito pela Arena 1, em 1976,
relatou em
depoimento que no transcorrer da ditadura as pessoas não podiam conversar com ninguém,
que os policiais “mandavam abrir”, já que pensavam que se tratava de uma conspiração contra
o governo. “Aqui mesmo tiveram umas duas ou três pessoas que viviam aqui dizendo que
eram do Jornal da Bahia, e eram oficiais do exercito que estavam aqui olhando, eu não sabia.
Assistiram a sessões da câmara e essa coisa toda.”164
Faustino disse que o impacto causado pela ditadura em Santo Antônio de Jesus foi a
assombração de algumas pessoas e dos sujeitos que foram presos, tidos como comunistas.
Mas, segundo suas palavras, Santo Antônio de Jesus nem conhecia o que era comunista. Eram
torcedores daquela época e não sabiam o que estavam falando sobre o comunismo, chegaram
até a ser presos.
161
Ata da 1ª sessão ordinária do segundo período Legislativo de 1969.
Ibidem.
163
Ibidem.
164
Faustino Almeida Cunha (86 anos) vice-prefeito em Santo Antônio de Jesus pela Arena 1 em 1976.
Depoimento concedido em 26 de março de 2012.
162
67
No documentário Memórias da Ditadura em Santo Antônio de Jesus é relatada a
prisão de Ezequias José de Almeida Sampaio (Quito), Geraldo Martins Santos (Geraldo da
bicicleta) e José Carneiro Neves. Os três foram presos em 29 de março de 1964 e liberados
em 17 de junho do mesmo ano. Segundo relatos dos familiares, todos foram acusados de ser
comunistas e de praticar atos subversivos.165
O filho de José Carneiro Neves, Félix Neves, relata as humilhações que ele e seus
irmãos sofreram após a prisão de seu pai: “aqui em Santo Antônio quando eu e minha irmã
fomos fazer uma visita ao meu pai, os policiais nos agrediram. Muitas pessoas nos chamavam
de filhos de comunistas, jogavam lixos, até nos queimaram com ponta de cigarro.”166 Félix
Neves lembra também que, na escola, alguns professores e pais de alunos os isolaram:
“alguns colegas não sentavam mais próximos da gente.”167 Dona Marialva Cruz, esposa de
Geraldo da bicicleta, relatou que quando ia visitar seu esposo na prisão o encontrava inchado
porque dormia no chão: “ele sofreu muita tortura psicológica, pois era acordado no meio da
noite ao som de tiros para interrogatório.”168 Ela disse ainda que depois que ele foi liberado,
tinha noites que acordava chorando ao se lembrar do período que estava preso.169
Faustino ressalta a ocorrência de boatos sobre um grupo de opositores que fazia
reuniões em Santo Antônio. Mas, o que ele sabia mesmo era que em São Miguel das Matas,
município do Recôncavo Baiano, ocorreram reuniões: “Eu como era do grupo que ficou do
lado da Revolução fui até São Miguel assistir prisões lá. Aí a polícia foi lá prendeu gente,
prendeu até o padre, eu não sei o nome do padre, mas ameaçaram lá.”170 De fato, desde 1964,
tornou-se rotina a prisão arbitrária de suspeitos de “subversão”, que eram levados a
interrogatórios e submetidos a sevícias.171
A cidade de São Miguel das Matas é citada por alguns entrevistados como foco de
oposição às propostas do regime. Mayra Caldas, em seu trabalho sobre o papel sociopolítico
do monsenhor Gilberto Vaz Sampaio, explica que essa oposição estava relacionada à luta do
165
O documentário, Memórias da Ditadura em Santo Antônio de Jesus, de Lauro Souza, foi construído a partir
de entrevistas, sobretudo com os feirantes de Santo Antônio de Jesus. Lauro Souza questiona se eles estavam
lembrados do período da ditadura civil-militar e revela que muitos já esqueceram ou lembram vagamente. Em
meio a essas entrevistas, Lauro traz para a discussão familiares de alguns sujeitos que foram perseguidos e
presos pelo regime, endossando mais uma vez que Santo Antônio de Jesus sofreu os impactos do período.
166
SOUZA, Lauro. Memórias da ditadura em Santo Antônio de Jesus. Documentário apresentado como trabalho
de conclusão de curso (TCC), da Universidade do Estado da Bahia. 2012.
167
Ibidem.
168
Ibidem.
169
Marialva Cruz. Professora aposentada. Depoimento concedido em março de 2013.
170
Faustino Almeida Cunha (86 anos) vice-prefeito em Santo Antônio de Jesus pela Arena 1 em 1976.
Depoimento concedido em 26 de março de 2012.
171
FICO, Carlos. A pluralidade das censuras e das propagandas da ditadura. In. MOTTA, Rodrigo Patto Sá;
REIS, Daniel Aarão e RIDENTI, Marcelo. (orgs.). O golpe e a ditadura militar 40 anos depois (1964-2004). São
Paulo: Edusc, 2004, p. 265.
68
monsenhor iniciada na década de 1950, ao envolver-se na Ação Católica e no grupo de
Juventude Agrária Católica (JAC). Gilberto Vaz Sampaio nasceu em Amargosa, no dia 6 de
janeiro de 1927, onde viveu sua infância e adolescência, fez sua opção religiosa e foi
ordenado padre no ano de 1952. A partir daí passou a exercer seu sacerdócio, transitando por
algumas das cidades circunvizinhas, até assumir a paróquia de Varzedo no dia 1º de janeiro de
1982. Em 13 de maio de 2008, indo celebrar uma missa numa comunidade próxima, faleceu
de acidente de automóvel.
Em 1963, monsenhor Gilberto criou o Sindicato dos Trabalhadores Rurais de São
Miguel, mobilizando a comunidade em busca dos direitos sociais e políticos além de
incentivar a educação com a fundação do Colégio Normal, do qual foi o primeiro diretor. “A
comunidade de São Miguel, então, tomada pelo discurso libertador, adquiria outras feições e
se posicionava de maneira menos passiva ante o que lhes afligia.”172
Diante disso, como é apontado por Mayra Caldas, Monsenhor Gilberto passou a ser
perseguido pelos fazendeiros locais. Com o golpe de 1964, o sindicato foi extinto e alguns
sindicalistas foram presos. O padre Gilberto refugiou-se numa fazenda da região. Luiz Argolo
de Melo em estudo sobre o religioso, também se refere a essa perseguição em São Miguel das
Matas, ao dizer que os líderes sindicais foram presos e que se abateu na organização sindical a
intervenção militar, o que acabava amedrontando os trabalhadores rurais e dificultando sua
atuação.173 Nesse período, o padre Gilberto Vaz Sampaio, vigário da paróquia, apoiou os
trabalhadores rurais para dar continuidade na organização sindical. Com o golpe, o
Movimento de Educação de Base (MEB) foi fechado na diocese de Amargosa e todo material
pedagógico e os relatórios, bem como os rádios, foram confiscados.174 Nesse período, foi
montada uma estrutura civil-militar criada para controlar dois aspectos considerados chave
pelo regime: informação e repressão, sendo um desses instrumentos o Serviço Nacional de
Informação (SNI).175
Em 1967, sofrendo muitas ameaças e perseguições, com a ditadura civil-militar, o
bispo Dom Florêncio achou por bem transferir o padre Gilberto para protegê-lo e arrefecer os
ânimos em São Miguel das Matas. O padre Gilberto assumiu as paróquias de Santo Antônio
de Jesus, Sant‟Ana do Rio da Dona e Aratuípe. Em 1972, fundou o Curso Clássico do Colégio
172
CALDAS, Mayra Sara Teixeira. Op. cit. p. 93.
MELO, Luiz Argolo de. Fé, poder e vida nas comunidades Eclesiais de Base de Mutuípe. (1975-2000).
Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de Pós-Graduação de História Regional e Local da
Universidade do Estado da Bahia (UNEB) Campus V, 2012.
174
Ibidem.
175
QUADRAT, Samantha Viz. Muito além das fronteiras In. MOTTA, Rodrigo Patto Sá; REIS, Daniel Aarão e
RIDENTI, Marcelo (orgs.). O golpe e a ditadura militar 40 anos depois (1964-2004). São Paulo: Edusc, 2004.
173
69
Santo Antônio de Jesus, e em 1977, residindo em Santo Antônio de Jesus, passou a atuar nas
paróquias de Castro Alves e Rafael Jambeiro, até que, em 1982, assumiu a paróquia de
Varzedo.176
Ainda sobre a oposição em Santo Antônio de Jesus, Faustino diz que quando houve o
golpe e a polícia chegou na cidade, eles desmancharam tudo e encontraram dez caixas de bala
no posto fiscal em Santo Antônio:
“Mas, eu considero que Santo Antônio, talvez fosse o
município que teve menos número de comunistas, não eram comunistas, tendências, aqui não
tinha comunistas. Tanto não tinha que ninguém resistiu ninguém criou problema aqui.”177
A concepção de comunismo de Faustino Cunha está relacionada ao imaginário
anticomunista disseminado ao longo dos anos, sobretudo, pela igreja católica que associava o
comunismo com o mal.178 Segundo Faustino, se não houve problema é porque não tinha
comunista em Santo Antônio de Jesus.
Mas o imaginário anticomunista propiciou também a associação entre tudo que
subvertesse a ordem estabelecida e o comunismo.179 Na maioria das entrevistas, quando se
falava em oposição, os depoentes diziam: “é, tinha uns comunistas aí.” Segundo Carla
Rodeghero, “o anticomunismo é o conjunto das atividades realizadas por grupos diversos, que
constroem e se guiam por um conjunto de representações que tem sido chamado de
imaginário anticomunista.”180 O anticomunismo constituiu-se em um imaginário próprio,
uma gama de imagens dedicadas a caracterizar os comunistas e o comunismo. Tais
representações concentram-se em destacar aspectos negativos de suas doutrinas.181
O depoente José Reis avalia que não existia uma movimentação mais aberta, porém,
identificou alguns integrantes de grupos de esquerda:
Não movimentavam socialmente não, o que existia aqui muito era fuxico.
Então aqueles que não comungavam com aquela situação, esses eram tidos
como comunistas dentre eles tivemos aqui: o Quito foi preso, Gorgônio
Araújo, Geraldo da bicicleta foi preso e alguns outros aí.182 (grifos nossos)
176
CALDAS, Mayra Sara Teixeira. Op. cit.
Faustino Almeida Cunha (86 anos) vice-prefeito em Santo Antônio de Jesus pela Arena 1 em 1976.
Depoimento concedido em 26 de março de 2012.
178
MOTTA, Rodrigo Patto Sá. Op. cit.
179
RODEGHERO, Carla Simone. O diabo é vermelho: imaginário anticomunista e Igreja Católica no Rio
Grande do Sul (1945-1964). 2. ed. Passo Fundo: UPF, 2003.
180
Ibidem.
181
MOTTA, Rodrigo Patto Sá. Op. cit.
182
José Pereira Reis (83 anos) Vereador em Santo Antônio de Jesus pela ARENA em 1964. Depoimento
concedido em 19 de abril de 2010.
177
70
O descrédito em relação aos grupos que faziam oposição à ditadura civil-militar, ao dizer que
esses grupos “não se movimentavam socialmente, o que existia era fuxico”, evidencia sua
posição de político aliado dos militares, haja vista que ele foi vereador, em 1964, pela Aliança
Democrática Santantoniense, agremiação de direita e, como já citado neste trabalho, foi quem
intermediou o apoio da câmara de vereadores de Santo Antônio de Jesus aos militares.
Com base nas fontes escritas encontradas e nos depoimentos concedidos, podemos
assegurar que a oposição ao regime de 1964 em Santo Antônio de Jesus foi relevante, pois
mesmo constituindo um grupo pequeno, pode-se perceber que era fortalecido em seus
propósitos e provocava incômodos à situação, tanto que os seus integrantes foram perseguidos
e presos.
Esse grupo, que era contrário aos ideais da ditadura, possivelmente questionou os
projetos políticos do governo dos militares que beneficiariam majoritariamente a elite da
cidade. A oposição em Santo Antônio de Jesus não optou por enfrentamentos radicais. No
entanto, a sintonia da elite política santantoniense com o regime civil/militar não representou
a conduta política de toda a sociedade local. Conforme visto, outros sujeitos, outras vozes
dissonantes se pronunciaram, apesar de ser minoria.
71
4 A FARDA E O HÁBITO EM DEFESA DA DITADURA: O TENENTE
GERALDO PESSOA SALES E A MADRE MARIA DO ROSÁRIO
4.1 Mudanças no ensino após o estabelecimento da ditadura
Numa ata de inauguração da instalação do curso de 2º grau, do Colégio Estadual
Francisco da Conceição Meneses, de 04 de março de 1975, em missa solene, foi destacado o
alinhamento das propostas educacionais em Santo Antônio de Jesus com o crescimento
econômico do país. O padre José Raimundo Galvão, que nesse período também foi professor
e coordenador do centro cívico do referido colégio, convidou o professor Pedro Sancho da
Silva para uso da palavra.
O palestrante iniciou dizendo que após a mensagem de fé que deu início a uma nova
vida, gostaria que o ano de 1975 tivesse um marco feliz, e acrescentou que este marco feliz já
existia em termo de lei. Em seguida, passou a palavra ao representante do secretário de
educação, Sr. José Edelzuito Soares, diretor do departamento do ensino de 2º grau da
Secretaria de educação e cultura, para a instalação oficial do 2º grau.
José Edelzuito mostrou seu entusiasmo quando se referiu aos problemas educacionais
e, conforme o escrivão da ata, falou para os educadores que a todo o momento estão buscando
o sentido da vida dos professores e alunos. Salientou também que o professor era um
sacerdote do ensino e que devia sorrir diante das dificuldades, principalmente “nesse
momento em que o país cresce dia a dia, se agiganta na realidade socioeconômica. Já não é
mais um sonho o dia em que o aluno de Santo Antônio de Jesus poderá comandar o
desenvolvimento de sua terra, uma vez que contamos com um governo como esse.”183
Finalizou deixando uma mensagem de otimismo e pedindo a colaboração daqueles que
viviam indiferentes. Dirigiu-se especialmente aos pais e mestres, profissionais e pedagogos
dizendo “que é hora da grande escalada, é a hora de darmos os braços, pois só crescemos
quando crescem ao nosso lado aquele que cativamos.” 184
O representante do secretário de educação, José Edelzuito Soares, ressaltou a
importância dos educadores, ao afirmar que o papel do professor era de sacerdote do ensino,
caracterizando a profissão como honrosa e elevada, imbuída de caráter vocacional permeado
pela aceitação e sacrifício, distanciando-se então da crítica e do enfrentamento.
183
Ata de ocorrência da inauguração do curso básico do Colégio Estadual Francisco da Conceição Meneses, 04
de março de 1975.
184
Ibidem.
72
Em seguida, anunciou que os professores deveriam sorrir diante das dificuldades.
Observemos que primeiro o secretário relembra a responsabilidade de ser educador ao
qualificá-lo como sacerdote, depois fala das dificuldades do setor educacional. Podemos supor
a pretensão do secretário em propor aos professores que tomassem para si o encargo de,
juntamente com seus alunos, contribuir para o crescimento do país, além de assumir a
responsabilidade também pelo desenvolvimento de Santo Antônio de Jesus.
Afirmou ainda que por contar com “um governo como esse”, era a hora da “grande
escalada”. Governo que era visto como “salvador” pelo secretário, como aquele que
proporcionou o renascimento do país. Por isso, as pessoas ali presentes não deveriam ficar
“indiferentes” às propostas e aos projetos do governo, que a “todo momento busca o sentido
da vida”.
185
O poder autocrático realiza uma divulgação de intentos, que tem a finalidade de
banir articulações políticas em decadência, nas hostes de sua base de poder, e de propagar
esperança no seio da população.186
Essa ata informa também a respeito da instalação do segundo grau na cidade,
atendendo a uma mudança proposta pela lei 5.692/71, ao ensino chamado secundário que
instruía os alunos egressos do ginasial para prestar vestibular e ingressar em uma
universidade. A partir de 1971, além da mudança da nomenclatura, o segundo grau foi
ressignificado, passando a incorporar cursos profissionalizantes a fim de preparar os alunos
para o mercado de trabalho que estava em expansão. Em Santo Antônio de Jesus, essa
mudança foi celebrada solenemente em 1975.
Na década de 1960 e 1970, em consonância com o ideário vivido no país, implantado
pelos governos militares, a educação foi atrelada ao ideal de desenvolvimento econômico e de
segurança nacional. Em conformidade com o projeto político econômico do regime, o ensino
passou a ter uma dimensão cívica e disciplinadora.
A enciclopédia de educação moral, cívica e política, utilizada pelos alunos do Colégio
Francisco da Conceição Menezes na década de 1970, define por civismo a atuação consciente
e esclarecida do cidadão no seio da comunidade, através do cumprimento de seus deveres de
cidadania e de seu esforço em contribuir para o progresso e engrandecimento da Pátria.
Caracteriza-se por uma atitude ativa de interesse e participação nos problemas da
comunidade.
185
Ata de ocorrência da inauguração do curso básico do Colégio Estadual Francisco da Conceição Meneses, 04
de março de 1975.
186
FERNANDES, Florestan. Op. cit.
73
Ressalta que o civismo não é um gozo pacífico dos direitos assegurados por lei, mas
sim a vigilância permanente e a ação constante, para que se alcancem os seguintes objetivos:
obediência às leis, preservação da ordem, defesa da moral e dos bons costumes, estímulo aos
valores sociais positivos, repressão aos elementos ou fatores sociais negativos, incentivo aos
jovens, para que desenvolvam sua personalidade de forma harmoniosa e sadia, colaboração
nas obras sociais e iniciativas que visem o bem estar da comunidade. “O civismo não pode ser
ensinado mediante simples formulação de regras de comportamento. Ele é o resultado de uma
convicção interior, nascida da prática cotidiana das virtudes que caracterizam uma
personalidade bem formada.”187
Esse trecho elucida o formato que os militares definiram para a educação, utilizandose muitas vezes das artimanhas da linguagem, disseminavam para os alunos a relevância de se
conhecer suas responsabilidades individuais em benefício do coletivo. Em outro momento do
trecho, as forças armadas tentaram justificar a utilização da repressão, da tortura em seu
governo, afirmando que “o civismo não é um gozo pacífico assegurado por lei”.
Pelos manuais, ensinavam aos alunos que se necessário fosse eles deveriam lutar com
suas próprias mãos em favor da “ordem e do bem da comunidade e do país”, isso constituía-se
um ato de bravura e civismo. Fortalecia-se assim, a política de repressão “aos elementos e aos
fatores sociais negativos.”
Na citada enciclopédia é trazida a seguinte definição propagada pelos militares no que
se refere ao socialismo: “Para o socialismo o homem é um simples produto social, totalmente
subordinado à sociedade. Segundo esse sistema, só existem deveres sociais, pois o Estado ou
a Nação (legítimos representantes da sociedade) são o centro irradiador de todos os deveres e
direitos.” 188
Partindo dessa discussão, pode-se dizer que os militares articulavam muito bem suas
ideias e desejos. No trecho sobre civismo, o indivíduo, neste caso o educando, é colocado
como possuidor do destino de sua comunidade, cidade ou país, além de ser tido como “peça”
fundamental nesse “jogo” que pode definir o destino do país para o “progresso”, ou deixá-lo
jogado a sua própria sorte, nas mãos dos comunistas. Quando define o socialismo, o homem é
representado como um “simples produto social”, subordinado aos mandos do Estado e sem
nenhuma autonomia. Esse discurso reforça a imagem negativa do comunismo e do socialismo
187
MICHALANY, Douglas e RAMOS, Ciro de Moura. Enciclopédia de Educação Moral e Cívica, volume I.
São Paulo: Ed. “A Grande Enciclopédia da Vida”, 1970. p. 67.
188
Ibidem, p.55.
74
e deixa transparecer a falsa impressão de que as forças armadas restabeleceram a democracia
no país.
O modelo educacional daquele período entendia por educação a ação exercida pelas
gerações adultas sobre as gerações jovens, para adaptá-la à vida social. Era definida como um
conjunto de processos que visavam transmitir aos jovens determinados conhecimentos e
padrões de comportamento, a fim de garantir a continuidade da cultura da sociedade. Assim, a
educação é um trabalho sistematizado, seletivo e orientador, pelo qual o sujeito se ajusta à
vida, de acordo com as necessidades, ideais e propósitos dominantes. 189
Numa administração de estilo progressista, o caráter crítico do ensino foi subjugado
em função do chamado “milagre brasileiro”. Nesse sentido, alguns autores que estudam a
educação nesse período, dentre esses José Willington Germano, destacam que o Estado
militar desenvolveu políticas sociais em diversos setores como educação, saúde, previdência,
habitação, entre outros, porém, sempre favoreceu à acumulação de renda nas mãos de poucos,
contribuindo para a manutenção discrepante da desigualdade social.
Na educação, os militares procuraram manter um discurso de valorização do saber,
mas que na prática se configurava mais como propaganda do que efetivamente um projeto
comprometido com um ensino de qualidade. Segundo Germano, a política educacional é,
entre todas as outras políticas setoriais, o exemplo mais patente de como o Estado busca
produzir uma aparência de igualdade de oportunidades, quando, na verdade, o status social e
as oportunidades de vida do indivíduo estão ligados ao movimento de uma economia regulada
pelo lucro190.
O Estado iniciou várias mudanças no campo da educação. Ao propor as reformas, os
dirigentes tinham como um de seus princípios o controle político-ideológico através da
disseminação de discursos carregados de civismo e patriotismo a fim de manter-se de forma
hegemônica no poder.191
Após 1968, com a instituição do AI-5, qualquer crítica às Forças Armadas era alvo de
enérgica repressão. E muitos profissionais da educação tiveram seus cargos confiscados e
foram substituídos por indivíduos que compartilhavam com os ideais da ditadura ou assim
faziam parecer, para garantir seus interesses. Nessa perspectiva é que as políticas repressivas
foram pensadas imediatamente após o desferimento do golpe. “A mera acusação de que uma
pessoa, um programa educativo ou um livro tivesse inspiração „comunista‟ era suficiente para
189
Ibidem, p.23.
GERMANO, José Willington. Estado militar e a educação no Brasil. 4 ed.- São Paulo: Cortez, 2005, p. 165166.
191
Ibidem, p. 20.
190
75
demissão, suspensão ou apreensão”.192 Muitos diretores, professores, e programas
educacionais foram afetados pela nova ordem constituída.
Contudo, a historiografia do período assinala que sempre houve manifestações por
parte de alunos e professores, como os diversos movimentos estudantis espalhados pelo país,
que lutavam, para além de erradicar a ditadura, por um ensino público de qualidade. Visto
que naquele momento os empresários da educação estavam voltados para uma educação
privada e, no intuito de favorecer esse intento, desqualificavam e diminuíam os investimentos
na educação pública.
Uma das medidas relacionadas a esse processo de desqualificação da educação foi a
instituição da licenciatura curta em 1968 após o AI-5, objetivando a formação aligeirada do
professor e a manutenção do controle burocrático e ideológico do corpo docente. Conforme
assinala Selva Guimarães Fonseca, “A desqualificação dos professores em especial de
História, no bojo do processo de reformas, era estratégica para o poder político
autoritário.”193, que objetivava formar alunos que desejassem “bem servir a Pátria”, e não
questionassem as estruturas impostas.
No decorrer das décadas de 1970 e 1980, o ensino foi direcionado a partir da lei
5.692/71 que acarretou em muitas mudanças, principalmente, na sua organização curricular,
definindo os conteúdos desejáveis nas diversas disciplinas, estando estas, porém, sob o
controle das esferas governamentais. No entanto, Selva Guimarães destaca que a lei 5.692/71
não modificou em profundidade o ensino brasileiro, tão-somente consolidou medidas que já
eram utilizadas, “institucionalizou algumas experiências já realizadas, como os Estudos
Sociais, por exemplo, e estabeleceu as diretrizes educacionais em consonância com o projeto
de educação mais amplo do Estado Brasileiro.” 194
É perceptível que essas mudanças foram elaboradas mais com o objetivo da
normatização da educação, haja vista que “a economia do país estava crescendo a taxas
superiores a 10% ao ano, impulsionando a ideia de Brasil- potência”195, e sua elaboração,
regulamentação e domínio ficaram sob o comando dos órgãos governamentais, cabendo a
estes o controle técnico burocrático sobre as escolas e os professores.
Uma das mudanças acarretadas pela lei 5.692/71 foi a junção das matérias de História
e Geografia que passaram a se chamar Estudos Sociais. Essa consolidação ocorreu no ensino
fundamental e tinha, além de outros objetivos, o intuito de suprimir ainda mais a carga horária
192
CUNHA, Luiz Antônio. GÓES, Moacyr. O golpe na educação. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2002, p. 36.
FONSECA, Selva Guimarães. Caminhos da Historia Ensinada. Campinas, São Paulo: Papirus, 1993, p.29
194
Ibidem. p.53.
195
GERMANO, José Willington. Op. cit. p.159.
193
76
dessas disciplinas. Os conteúdos de história e geografia foram escasseados, o que favoreceu a
aceitação dos projetos nacionais implantados pelo governo da época.196
Dentre as mudanças, destaca-se também a habilitação profissional no ensino de 2º
grau. A educação profissionalizante assegurava presumivelmente que o estudante saísse do
ensino médio preparado para desenvolver o ofício que aprendeu na escola. Com isso, muitos
educandos perdiam o foco de prestar o vestibular e continuar seus estudos na universidade.
Segundo o professor José Raimundo, “o ensino técnico tirou muitas vezes os pobres da
educação para ingressarem no mercado de trabalho” 197.
A expressão “tirou os pobres da educação” de José Raimundo, diz respeito ao
momento em que os mais abastados transferem seus filhos das escolas públicas para as
particulares, por entender que o ensino técnico comprometeria o processo de aprendizagem,
afastando seus filhos da Universidade.
Havia pais que também não concordavam com o ensino profissionalizante, mas não
tinham condições financeiras para arcar com os estudos de seus filhos numa escola privada.
Assim, o que se verifica é uma inversão na situação educacional do país. A escola pública que
até a década de 1960 era considerada por muitos uma instituição de maior qualidade, passa a
enfrentar um crescente processo de desqualificação e descrédito institucional.
Nesse contexto, pode-se afirmar que a lei 5.692/71 favoreceu e fortaleceu o processo
de privatização da educação brasileira, visto que a “educação no âmbito da ditadura
civil/militar foi concebida como um instrumento a serviço da racionalidade tecnocrática, com
o objetivo de se viabilizar o slogan „Brasil Grande Potência‟.” 198
Diante dessa subordinação, as reformas expressaram o autoritarismo dos militares. As
mudanças proporcionadas pela referida lei, não foram suficientes para atender o ideal do
ensino de História, que seria ampliar os horizontes dos educandos em favor de uma melhor
percepção da realidade vivenciada. Ideais estes acalentados por muitos professores que, no
final dos anos de 1970, travaram lutas “por melhores condições de trabalho, por mudanças no
processo de trabalho, no projeto educacional dominante e pela democratização do país.” 199
196
No ano de 1980 o Conselheiro Paulo Natanael Pereira de Souza defendia um currículo mínimo para o ensino
de Estudos Sociais, unificando a ele o curso de História e Geografia. Em revelia a esse parecer houve uma ampla
mobilização, em todo Brasil, por parte de professores e estudantes, através da AMPHU e da AGB, que no ano de
1982 publicou vários documentos de protesto contra o projeto. Cf. FONSECA, Selva Guimarães. op. cit., p. 31.
197
Professor José Raimundo Galvão. Durante o regime militar foi padre da cidade e coordenador do Centro
Cívico do Colégio Nossa Senhora da Conceição Menezes. Depoimento concedido em 23 de abril de 2010.
198
FERREIRA, Amarilio. BITTAR, Marisa. Educação e Ideologia Tecnocrática na Ditadura Militar. Os Vinte
e um anos de ditadura militar no Brasil e a educação: Seu legado para o debate educacional atual. Cadernos do
Cedes/ Centro de Estudo Educação e Sociedade. São Paulo: Cortez; Campinas Cedes, 1980, p. 336.
199
FONSECA, Selva Guimarães. Op. cit. p.85.
77
Esse desejo de modificações favoreceu o surgimento de expressivas discussões na área
científica, nas associações sindicais e na mídia que apontavam para possíveis caminhos, nos
três graus de ensino – fundamental, médio e superior – como, por exemplo, o rompimento
com o ensino conteudista, tecnicista e reprodutivista da história.
4.2 “Versos e Reversos” da educação em Santo Antônio de Jesus
Os argumentos utilizados pelos militares e direitistas, com o objetivo de disseminar
para a população do país que o comunismo era o mal do mundo, o retrocesso de uma nação
que ambicionava desenvolver-se, causando medo e até repulsa nos cidadãos brasileiros,
contribuíram para a aceitação da ditadura civil-militar. Esse fato interferiu na aprendizagem
dos alunos dificultando sua formação política cidadã, visto que deles foi suprimido o direito
de discutir os assuntos da política em vigor e os contrários a ditadura em questão.
O professor Clóvis Ezequiel, que durante o regime autoritário foi aluno dos Colégios
Francisco da Conceição Meneses e Nossa Senhora das Mercês (Colégio Técnico), relatou
sobre a postura dos professores e da instituição de ensino durante esse período. Conforme
suas palavras, os professores legitimaram uma postura que, diante do medo, sempre
trabalharam com a lógica de não criar conflitos e nem promover questionamentos aos alunos.
As escolas não tinham autonomia de escolher seus conteúdos. Tudo era engessado,
desde as disciplinas e os conteúdos dessas disciplinas. Nas palavras do professor Clóvis
Ezequiel: “Então nós tínhamos o conhecimento das disciplinas básicas e outras vocações
voltadas para as prendas do lar para a educação moral e cívica e que o Sete de Setembro era
obrigatório desfilar, não é?”. Ainda segundo ele, havia professores que desejavam outro ideal
de educação, porém com limitações, justamente porque os diretores escolhidos eram aqueles
que representavam a lógica do regime. 200
A vivência dos professores e alunos era delimitada pelo formato ideológico e
disciplinador que era imposto na educação. Tanto as forças armadas quanto os dirigentes
sabiam que o setor educacional, sobretudo a área de humanas, era campo fértil para o
desenvolvimento da criticidade que permitiria ao indivíduo questionar e participar
politicamente do espaço em que estava inserido.
200
Professor Clóvis Ezequiel, aluno do Colégio Nossa Senhora das Mercês (Colégio Técnico) a partir de 1976.
Depoimento concedido em 16 de abril de 2010.
78
A fim de implementar seus ideais, as propostas educacionais, principalmente para a
disciplina Estudos Sociais, pregavam ordem, paz e civismo. Ou seja, na contramão do que
entendemos por criticidade, disseminavam o conformismo. Ao afirmar que havia professores
que almejavam outro ideal de educação, professor Clóvis faz questão de salientar que o
impedimento de fazer da sala de aula um ambiente de discussões e questionamentos estava
dentro da própria escola.
É sabido que depois de 31 de março de 1964, a maioria dos cargos administrativos
dos vários setores do país, dentre estes a educação, foram ocupados por pessoas que
comungavam com os ideais da nova ordem instituída. Não foi possível identificar se em Santo
Antônio de Jesus houve destituições de cargo no setor educacional, mas, nas atas analisadas e
em entrevistas com diretoras do período, foi constatado que estas partilhavam dos anseios
políticos vigentes, como analisado no depoimento da professora Marisete Brito Reis e no
estudo sobre a Madre Rosário.
Ao ser indagada sobre a vivência de professores e alunos durante a ditadura civilmilitar, a irmã Benedita diz que os professores ficaram limitados demais. O professor ficou
quase que inerte fechado no livro: “E os alunos percebiam muito essa situação, eles ficavam
inseguros, insatisfeitos, ninguém sabia o que falava nem o que dizia, nem como falava, nem
como dizia, tinha que tudo está limitado controlado, era uma situação difícil.”201
A Irmã Benedita de Almeida Camurugi nasceu em 11 de julho de 1941, na cidade de
Laje – Bahia. Filha de Praxedes Teodoro de Almeida e Aurelina Camurugi de Almeida. Em
1964, entrou no noviciado da Congregação das Irmãs Mercedárias Missionárias do Brasil na
cidade de Santo Antônio de Jesus. Durante o período de formação, lecionou no Colégio Santo
Antônio de 1ª a 8ª série as disciplinas Geografia, História e Educação Religiosa. Em 1970, foi
transferida para a cidade de São Raimundo Nonato, onde viveu durante 6 anos. Cursou a
faculdade em Metodologia dos Estudos Sociais em Teresina – Piauí. Em 1980, cursou
Teologia no Instituto Social da Bahia em Salvador – Bahia. Depois foi transferida para Barras
do Maratoam no Piauí, em 1978, trabalhou no movimento Juvenil, na Comissão da Pastoral
da Terra e na coordenação do ensino religioso diocesano. Morou durante 24 anos no Piauí.
Em 1994, foi transferida para Santo Antônio de Jesus, onde assumiu a direção do Colégio
Técnico durante 3 anos. Com o falecimento da Madre Maria do Rosário de Almeida, em
1997, assumiu a coordenação do Núcleo de Integração Social e Profissional da Juventude de
201
Irmã Benedita, Estudante do Colégio Santo Antônio, no transcorrer do regime. Depoimento concedido em 27
de abril de 2010.
79
Santo Antônio (NISSA), desenvolvendo vários projetos para a construção de quatro creches
na cidade, Mário Moreira Sampaio, São José, Fernando Battiste e o Lar Madre Rosário. 202
Conforme a Irmã Benedita, a limitação no espaço da sala de aula, o “medo” de muitos
professores e alunos de expressarem seus ideais e críticas diante da “escalada repressiva” do
governo militar, possivelmente impossibilitaram maiores questionamentos, e uma
desenvoltura mais dinâmica de ambos, no universo da aprendizagem.
Em 1969, foi anunciada a inclusão de duas novas matérias nos currículos escolares do
país, Educação Moral e Cívica e Estudos de Problemas Brasileiros. Conforme a matéria do
jornal Tribuna da Bahia, sob nenhum pretexto essas disciplinas poderiam deixar de ser
ministradas nos níveis escolares. Além disso, as disciplinas deveriam ser ministradas em todas
as séries dos três níveis de ensino com, no mínimo, duas aulas semanais e em regime de
frequência e verificação de aprendizagem idêntica às demais disciplinas obrigatórias.
Também foi anunciada a criação de Centros Cívicos a fim de estimular a prática educativa da
moral e do civismo.203
A junção das disciplinas História e Geografia, tornando-se Estudos Sociais, abriu
espaço na grade curricular para matérias que contemplavam os ideais da ditadura. As escolas
do país, assim como as de Santo Antônio de Jesus, passaram a ensinar disciplinas como
Organização Social e Política do Brasil (OSPB) e Educação Moral e Cívica (EMC), entre
outras, que tinham conteúdos imbuídos de civismo e subordinação dos indivíduos à pátria.
Esses conteúdos eram pensados a partir de temas que buscavam garantir a ordem na
família, na sociedade, e o amor à pátria. O professor José Raimundo em seu depoimento
relacionou os principais conteúdos de Educação Moral e Cívica e Organização Social e
Política do Brasil. Conforme afirmou, “A maioria dos conteúdos dessas disciplinas eram:
Quais eram os poderes? Quem são os governantes? O que é família? Conceito sobre ética e o
que era a Pátria.”204
A Irmã Benedita também destacou que “o livro didático sofreu muitas mudanças no
período do regime, porque eram fiscalizados os conteúdos programáticos, a escola era
fiscalizada e supervisionada.”
205
A Enciclopédia de Educação Moral e Cívica da década de
1970, analisada para a construção deste trabalho, traz todos esses temas de forma enfática. Os
202
SALES, Geraldo Pessoa. Santo Antônio de Jesus 1965 A cidade que encontrei. Santo Antônio de Jesus:
Gráfica Real, 2006.
203
Tribuna da Bahia. Salvador, 27 de fevereiro de 1969.
204
Professor José Raimundo Galvão. Durante o regime militar foi padre da cidade e coordenador do Centro
Cívico do Colégio Nossa Senhora da Conceição Menezes. Depoimento concedido em 23 de abril de 2010.
205
Irmã Benedita, estudante do Colégio Santo Antônio, no transcorrer do regime. Depoimento concedido em 27
de abril de 2010.
80
conteúdos presentes nessa enciclopédia foram agrupados em torno de três perspectivas:
Civismo, Estado Brasileiro e Moral, que apresentavam subitens, com questões relacionadas ao
patriotismo, nacionalismo, trabalho, a cidadania, democracia, realidade brasileira, família e a
religião.
O papel da família, da escola e das forças armadas na formação cívica foi delimitado a
partir da seguinte divisão. No nível primário, deveriam ser fixadas as manifestações externas
do Civismo, através dos símbolos da Pátria. O canto e a pintura são elementos de grande
poder de fixação. Pintar a bandeira da Pátria, cantar os hinos mais queridos e importantes,
seriam experiências guardadas indelevelmente pela criança. No nível médio, no início da
adolescência, deve-se cultuar a Pátria e seus heróis, através da História, da Geografia e do
idioma.206
O projeto educacional dos militares foi concebido com a intenção de direcionar os
indivíduos desde o ensino primário, de tal forma que a didática considerada mais eficiente
pelas forças armadas, como a utilização de símbolos, canto e pintura, pudesse garantir a
eficácia das propostas de ensino. Mais uma vez, convém ressaltar que a área das ciências
humanas foi a mais visada pelos militares, na disseminação do controle político ideológico:
“deve-se cultuar a Pátria e seus heróis, através da História, da Geografia”, assim diz a
enciclopédia.
Durante o regime militar, viveu-se uma situação autoritária em que o Estado, além de
controlador do ensino oficial, almejou tornar-se controlador das produções científicas e
culturais, como também de uma gama de propagandas para circulação de ideias, em especial a
partir da utilização de imagens, como pode ser percebido na imagem que se segue.
206
MICHALANY, Douglas e RAMOS, Ciro de Moura. Enciclopédia de Educação Moral e Cívica, volume I.
São Paulo: Ed. “A Grande Enciclopédia da Vida”, 1970, p. 68.
81
Figura 2 - Capa da Enciclopédia de Educação Moral, Cívica e Política de 1970.
MICHALANY, Douglas e RAMOS, Ciro de Moura. Enciclopédia de Educação Moral e Cívica, volume I. São
Paulo: Ed. “A Grande Enciclopédia da Vida”, 1970.
A imagem registra de forma enfática o contexto brasileiro durante a ditadura. Deve-se
considerar que essa enciclopédia, de 1970, foi produzida numa ocasião caracterizada como de
maior repressão, posterior à instalação do AI-5, em 1968, momento em que a economia do
país foi alavancada. A partir de 1968, “o ano em que a repressão se tornou mais violenta, a
economia subiu e ultrapassou a do período de Kubitschek, mantendo-se em torno de 10% até
1976, como um máximo de 13,6% em 1973, em pleno governo Médici.”207
É revelado pela imagem certa efervescência desenvolvimentista, que ganhou fôlego no
transcorrer da ditadura.
As fotos de indústrias, maquinários, caminhões e hidrelétrica,
aparecem de forma mais evidente do que as imagens de agricultura e pecuária.
207
CARVALHO, José Murilo de. Cidadania no Brasil: o longo caminho. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira,
2009, p. 168.
82
Essa imagem relaciona-se com o crescimento na industrialização e com a
modernização do país nas décadas posteriores a 1964. Pode-se dizer também que a força desse
crescimento industrial e, consequentemente, econômico, deveu-se à política exercida pelos
militares. É também revelado pela imagem que o monumento dos dois candangos208 de
Brasília tem uma dimensão superior às outras fotos, como se tivesse sobreposto, inferindo que
esta imagem simbolizasse o ideal de modernização almejado pelos militares e por segmentos
dos grupos dirigentes. Visto que Brasília, naquele momento da história, representava o que
havia de mais inovador no país. Não se pode deixar de assinalar a colocação do nome Brasil
sobre as fotos, aludindo ao patriotismo, ao comprometimento com o país e à possibilidade de
que a partir do nacionalismo, a sociedade cresceria e quiçá tornar-se-ia uma potência
econômica mundial.
Voltando ao entendimento da leitura imagética como uma fonte didática de “leitura
mais fácil”, verifica-se a eficácia dela nos livros escolares do período. O colorido da imagem,
por exemplo, já atrai mais facilmente o educando do que um exercício de leitura. As imagens
expressam os intentos de desenvolvimento e modernização das Forças Armadas. A partir da
aquisição dos conceitos de ordem, civismo, progresso, contemplados na referida enciclopédia,
a visualização da imagem supostamente levaria o aluno à seguinte conclusão: a prática desses
conceitos tem como resultado o crescimento e a modernização do país. E mesmo que os
alunos não entendessem, teria a imagem ao seu alcance como mais uma fonte de propaganda
ideológica.
Diante desse intento, os projetos governamentais, em sua maioria, favoreciam a
economia do país, o que pode ser analisado também a partir das propostas educacionais feitas
de cima para baixo beneficiando o pensamento elitista comprometido com a concentração de
capital e com a propagação de uma ideologia que favorecia a permanência das Forças
Armadas no comando do país. Em 1969, numa coluna intitulada “Médici aos estudantes”, no
jornal Tribuna da Bahia, o presidente enfatiza que deseja a participação da mocidade, “pois
não há obra duradora sem a solidariedade das gerações.”209
Conforme Luiz Antônio Cunha, “os regimes ditatoriais sempre procuraram substituir
as instituições livres da sociedade para, na escola, imporem ao povo a educação moral e cívica
208
Não se sabe bem porque a palavra “candango” foi utilizada para designar aqueles que trabalharam na
construção da cidade de Brasília. No passado, este termo era utilizado pelos africanos para designar os
portugueses. Entretanto, a grande massa de construtores da nova capital era constituída tanto por descendentes de
africanos, como de portugueses, além dos descendentes de muitas outras nacionalidades. Mas a tendência
estratificadora de nossa sociedade levou, a partir de um dado momento, a elite que participou da empreitada
histórica a abjurar essa denominação e a preferir o rótulo de pioneiro. Ser candango passou a ser sinônimo de
pioneiro. In: LARAIA, Roque de Barros. Candangos e Pioneiros. Brasília: Série Antropologia, 1996, p.3.
209
Tribuna da Bahia , 1º caderno, Salvador, 18 de novembro de 1969.
83
que servisse para consolidar o seu poder”.210 Luiz Cunha sugere que a ditadura civil-militar
encontrou vivas as ideias do Estado Novo (1937-1945) e que muitos dos seus partidários
tinham sobrevivido para engrossar as fileiras antidemocráticas que reinaram nos anos de 1964
a 1985, contribuindo na formatação de um ensino voltado para o moralismo, patriotismo e
civismo.
Sobre isso, o professor José Raimundo salienta que era muito discutido o tema da
família, da cidadania, do civismo “de forma muito batida e através de uma visão seca
querendo que o povo se formasse carregado de patriotismo e civismo, no momento do hino
nacional eram todos muito sérios sem brincadeiras, era realmente carregado de patriotismo”
211
.
Sob essa ótica, as disciplinas da área de humanas nesse momento, direcionaram o
aprendizado resgatando os “grandes feitos e heróis da história”. Numa tentativa de
comprometer cada vez mais o educando para que ele se sentisse responsável pelo
“engrandecimento” ou “retrocesso” do país. Nesse contexto, nota-se nas atas das instituições
educacionais pesquisadas que o corpo docente, principalmente representado pelas diretoras
das escolas, era fervoroso em seu apoio a ditadura e nas comemorações das datas cívicas.
Em umas das reuniões denominadas “cívicas”, a professora diretora do Colégio Felix
Gaspar, Zenaide Barreto, fez uma palestra ressaltando “os heróis” que lutaram em prol da
liberdade da nação. Incentivou a todos, dizendo que deviam ser a continuação dos vultos
célebres, porque assim procedendo seriam donos do “Brasil tão rico, que o homem
miraculosamente tudo pode conseguir para a glória do país.” 212
Nessa mesma reunião, foi feita uma homenagem a Joana Angélica e a Maria Quitéria
e vários alunos recitaram poesias. A diretora usou a palavra e disse que o Brasil não
significava “território extensão” e sim “homem”. Zenaide Barreto lembrou-se do sacrifício de
Joana Angélica, que não teve a glória de ver o Brasil liberto como aconteceu com Maria
Quitéria. Ainda conforme o texto da ata, lançou um apelo a todos os alunos: “nunca se tomem
do encontro das forças armadas porque se elas se unem é para defender o nosso Brasil. Esta
data que comemoramos deve ser sempre lembrada, pois representa a nossa liberdade.”213
Uma característica marcante nesse documento é o apelo para a consciência individual.
Ao dar exemplos de Maria Quitéria e Joana Angélica, a professora Zenaide reforça o discurso
210
CUNHA, Luiz Antônio. GÓES, Moacyr. Op. cit. p.71.
Professor José Raimundo Galvão. Durante o regime militar foi padre da cidade e coordenador do Centro
Cívico do Colégio Nossa Senhora da Conceição Menezes. Depoimento concedido em 23 de abril de 2010.
212
Ata da Reunião Cívica realizada no turno noturno do Grupo Escolar Félix Gaspar em comemoração aos 07 de
Setembro em 1983.
213
Ibidem.
211
84
dos “grandes feitos e heróis” e também das forças armadas, para consolidar em cada indivíduo
o sentimento de responsabilidade no que se refere ao rumo do país, e neste caso, de Santo
Antônio de Jesus.
4.3 O tenente Geraldo Pessoa Sales e a madre Maria do Rosário: trajetórias de sustentação
da ditadura.
Antes, porém, de discorrer sobre a atuação do tenente Geraldo Pessoa Sales,
abordaremos sobre o papel desempenhado pela madre Maria do Rosário que desde a década
de 1940, já morava em Santo Antônio de Jesus. O tenente Sales quando chegou à cidade em
1965, encontrou a madre envolvida na educação do município, à frente de duas instituições de
ensino, o Colégio Nossa Senhora das Mercês (1947) e a Escola Técnica Nossa Senhora de
Fátima (1961).
A madre Maria do Rosário de Almeida, filha de Máximo José de Almeida e Argemira
Rodrigues da Silva Almeida, nasceu em Inésia de Almeida, lugarejo vizinho à cidade de LajeBA, em 30 de agosto de 1905, e faleceu em 23 de março de 1997, em Santo Antônio de JesusBA. Em 1942, ingressou na Congregação das Irmãs Mercedárias Missionárias do Brasil,
fundada em 1938, na cidade de São Raimundo Nonato-PI. Conforme Hélio Valadão, além de
religiosa, “abraçou a educação como fonte de evolução, de defesa do patriotismo, de servir ao
país, de engrandecer o povo simples, humilde e operoso.” 214
Esse memorialista diz ainda que o desejo da madre era ficar em Valença-BA, mas
passando por Santo Antônio, conheceu a realidade do povo e ficou entusiasmada com as
potencialidades do progresso diante da necessidade da educação na cidade. Conseguiu com o
prefeito da época, Antônio Magalhães Fraga, fundar o Colégio Nossa Senhora das Mercês, em
1947, que se tornou Colégio Santo Antônio de Jesus.215 Abaixo a imagem de um desfile, na
faixa, pode-se observar uma homenagem dos alunos da escola Nossa Senhora das Mercês à
madre Rosário: “Madre Rosário. 90 anos de luta pela educação. Parabéns!”
214
215
VALADÃO, Hélio. Santo Antônio de Jesus, Sua Gente e Suas Origens. Santo Antônio de Jesus. 2005.
Ibidem, p. 98.
85
Figura 3 - Desfile da Escola Nossa Senhora das Mercês.
Fonte: Arquivo do NISSA
A imagem demonstra também o valor simbólico da madre Rosário na memória local,
vista por muitos santantonienses como mulher empreendedora e pioneira na educação, e
revela as marcas de suas atitudes no passado da cidade.
A madre Rosário estudou e especializou-se através da diretoria do ensino secundário,
em Salvador. Em 13 de junho de 1947 completava o curso de aperfeiçoamento de professores
de português, na Fundação Getúlio Vargas. Em 06 de novembro de 1962, concluiu o curso de
orientação pedagógica, patrocinado pelo sindicato dos estabelecimentos de ensino do Estado
da Bahia. Concluiu, no centro de recuperação e atuação científica, o curso para pessoal
docente em linguística aplicada ao ensino de português em 28 de fevereiro de 1975. 216
A madre Rosário fundou a Escola Técnica Nossa Senhora de Fátima (1961), com os
cursos Técnicos de Contabilidade, Patologia e Administração de Empresas. Preocupava-se
com o desenvolvimento civil dos alunos, promovia palestras sobre datas históricas do país e
todos os anos movimentava alunos e alunas fazendo desfiles, sempre usando as cores da
bandeira do Brasil. “As suas escolas marcaram época, por mais de quarenta anos foram
consideradas as melhores da Bahia. Conforme a freira Altair Mendes, também integrante da
Congregação das Irmãs Mercedárias Missionárias do Brasil, madre Rosário fez de Santo
216
Ibidem, p. 101.
86
Antônio a sua cidade adotiva, promovendo sempre a expansão da educação e,
consequentemente, ajudando no desenvolvimento econômico e social de todo o município.”217
De acordo com Altair Mendes, para a realização de seus objetivos a madre Rosário
fundou em 1971, em convênio com a Legião Brasileira de Assistência, o NISSA, Núcleo de
Integração Social e Profissional da Juventude de Santo Antônio, a fim de ajudar crianças,
adolescentes, jovens e mulheres, favorecendo as condições mínimas de vida: saúde, educação,
alimentação, lazer e profissionalização das pessoas.
O vereador Ademário Francisco dos Santos, autor do projeto de lei Nº 03/1972,
declarou de utilidade pública para os devidos fins o Núcleo de Integração Social e
Profissional da Juventude de Santo Antônio. Dizia ainda que ao apresentar esse projeto de lei,
acreditava estar praticando um ato de justiça, com a certeza de que a esta iniciativa se
associaria todos do legislativo. Conforme o projeto, o NISSA, fundado pela madre Maria do
Rosário de Almeida desde 21 de janeiro de 1971, mantém cursos de bordado, costura, corte
profissional, malharia, flores, arte culinária, pintura, decoração, artesanato, datilografia,
educação moral e cívica e religião, já tendo diplomado 14 alunas em corte e algumas delas
estão exercendo a profissão em outras cidades.218
Figura 4: Provavelmente uma solenidade de formatura em uma das instituições comandada pela Madre
Rosário.
Arquivo: NISSA
217
MENDES, Altair Ribeiro. Empreendedorismo Feminino: uma análise das Ações de Madre Rosário
em Santo Antônio de Jesus. Trabalho de conclusão de curso (TCC), pela Faculdade de Ciências
Empresariais (FACEMP), 2009.
218
Arquivo Municipal de Santo Antônio de Jesus. Projeto Lei Nº 03/1972.
87
A imagem acima mostra uma colação de grau realizada pela madre Rosário,
provavelmente em um dos cursos técnicos ministrados nas instituições sob seu comando.
Altair Mendes aponta essas articulações da madre Rosário com o setor educacional e
econômico reveladas na criação de uma escola técnica e do NISSA, com o oferecimento de
cursos profissionalizantes para abastecer o comércio da cidade que era visto pela madre como
carente de profissionais qualificados.
De acordo com a memória local, sobretudo a partir dos livros de memória analisados,
a madre Rosário elegeu a educação como a ferramenta que lhe daria suporte ao trabalho que
buscava desenvolver junto à população de Santo Antônio de Jesus. Ela teve a oportunidade de
fundar instituições de ensino como a Escola Nossa Senhora das Mercês, o Colégio Santo
Antônio (1947)219, e a Escola Técnica e Comercial Nossa Senhora de Fátima.
Conforme Valadão, “o ensino em Santo Antônio de Jesus, historicamente, foi
dividido em dois períodos: antes e depois de madre Rosário, tal a importância do trabalho em
prol da educação desenvolvido por santa mulher e a consequente evolução sob a dinâmica de
liderança da mesma”.220 Até a primeira década do século XXI a madre Rosário era lembrada
pelo povo santantoniense. Três colégios na cidade e a antiga Praça do Cata-vento recebem o
seu nome.
O memorialista Geraldo Pessoa Sales ressalta ainda que a posteridade deve ter sempre
em mente o serviço educacional prestado pela madre Rosário em Santo Antônio de Jesus.
Antes dela o ensino fundamental e o segundo grau não existiam na cidade. Geraldo Pessoa
Sales enfatiza: “Madre Rosário foi pioneira, liderando também junto à iniciativa privada que
culminou com a construção do colégio Santo Antônio em 19 de março de 1947.”221
Pode-se perceber o ideal de responsabilidade e patriotismo da madre Rosário no
depoimento do professor José Raimundo Galvão. Segundo ele, o centro cívico também
organizava as comemorações da “Revolução Gloriosa”, mas dava mais ênfase às
comemorações de 07 de setembro já que todos eram obrigados a desfilar.222
219
O Colégio Santo Antônio de Jesus atende, em média, mil alunos provenientes do município e de cidades
circunvizinhas, de condições econômicas diversificadas.
220
VALADÃO, Hélio. Santo Antônio de Jesus, Sua Gente e Suas Origens. Santo Antônio de Jesus. 2005, p. 97.
221
SALES, Geraldo Pessoa. Santo Antônio de Jesus 1965 A cidade que encontrei. Santo Antônio de Jesus:
Gráfica Real, 2006, p. 35
222
Professor José Raimundo Galvão. Durante o regime militar foi padre da cidade e coordenador do Centro
Cívico do Colégio Nossa Senhora da Conceição Menezes. Depoimento concedido em 23 de abril de 2010.
88
Figura 5: Desfile de uma das Escolas comandada pela Madre Rosário.
Arquivo: NISSA
A imagem mostra um desfile em que duas alunas trazem à frente o brasão de uma das
instituições educacionais sob o comando da madre Rosário, e revela efetivamente momentos
cívicos realizados na cidade.
O professor José Raimundo explicita o patriotismo e civismo da madre Maria do
Rosário, que a partir da vivência como educadora da cidade, dava muito valor à disciplina
Educação Moral e Cívica e fazia questão de disseminar essa ideologia nos estabelecimentos
que direcionava. Assim, a madre Rosário tornou-se um instrumento importante na veiculação
das propostas educacionais da ditadura civil-militar em Santo Antônio de Jesus.
As atas da Câmara Municipal (1964-1985) demonstram a interferência da madre não
só na educação, sua presença era sempre citada nas comemorações cívicas, visitas de oficiais
das forças armadas e demais solenidades. Outro exemplo é o de 1972, quando recebeu o
Diploma do Fogo Simbólico da Pátria em comemoração ao Sesquicentenário da
Independência, promovido pelo Presidente da República, Emilio Garrastazu Médici.
A foto abaixo da madre Rosário na Câmara Municipal de vereadores de Santo Antônio
de Jesus, embora sem data, pode ter sido tirada no transcurso do regime, visto que compondo
a mesa está o vereador Ademário Francisco dos Santos de camisa estampada o qual atuou no
89
legislativo da cidade, entre os anos de 1959 e 1983, perfil já traçado no primeiro capítulo. Ao
centro de branco está monsenhor Gilberto Vaz Sampaio. Como visto no segundo capítulo
deste trabalho, o religioso foi perseguido pelo governo por discutir política com a população
de algumas cidades circunvizinhas a Santo Antônio de Jesus, promovendo maior mobilização
em movimentos e sindicatos. Conforme a atuação da madre Rosário no transcorrer do regime,
possivelmente na política local, os dois estavam em campos opostos, mas unidos pelo laço
religioso e o anseio de concretizar seus projetos.
Figura 6 - Madre Rosário na Câmara Municipal de Santo Antônio de Jesus.
Arquivo: NISSA
Em 27 de novembro de 1973, o vereador Ademário Francisco dos Santos fez a leitura
de um ofício dirigido ao governador do estado Antônio Carlos Magalhães, expondo que há 26
anos as irmãs mercedárias em especial a madre Rosário, criaram em Santo Antônio de Jesus
os cursos primário, ginasial feminino, ginasial masculino, pedagógico, contabilidade e
cientifico, e afirmando que elas sempre foram voltadas para o sentido social da educação.
Ao expor esse fato os vereadores solicitavam do governador a sua interferência
firmando um novo contrato com as mercedárias, para que fossem asseguradas as condições de
funcionamento das instituições de ensino.223 Esse ocorrido demonstra a afinidade do corpo
político da cidade com os projetos da madre Rosário.
223
Ata da 16ª sessão ordinária do segundo período legislativo da Câmara Municipal de Santo Antônio de Jesus,
Estado federado da Bahia, realizada no dia 27 de novembro de 1973.
90
Encontramos nos arquivos do NISSA uma fotografia da madre Rosário com Antônio
Carlos Magalhães. Provavelmente trata-se de um registro das vindas de ACM a Santo
Antônio de Jesus como governador ou em apoio a candidatos lançados por ele. Mas o que se
quer destacar são as articulações da madre ao se envolver politicamente tomando uma posição
partidária como forma de influenciar a dinâmica educacional, econômica e política da cidade.
Figura 7 - Antônio Carlos Magalhães e Madre Rosário.
Arquivo: NISSA
As características traçadas a respeito da madre Rosário colaboram para o
entendimento de seu apoio, através de gestos concretos, aos projetos desenvolvidos pelo
governo dos militares, como a organização da Marcha da Família com Deus pela Democracia,
já discutida neste trabalho. Conforme Altair Mendes, a madre Rosário tornou-se o maior
nome no que se referia à dinâmica empreendedora. Ela exerceu com excelência a arte de
empreender. “Ajudou o povo santantoniense a perceber o quão valioso e grandioso era o seu
91
projeto de transformação social, cultural e econômico, e tudo isso o fez porque tinha a alma
inclinada para o empreendedorismo educacional.”224
Segundo Hélio Valadão, em “23 de março de 1997, a luz de Santo Antônio de Jesus se
apagou, sua santa protetora, a exemplo de Tereza de Calcutá na Índia e Ir. Dulce na Bahia foi
chamada ao céu. Na Terra ficou a felicidade marcante, otimista, perseverante, patriota e digna
de todos os aspectos”.225
Figura 8 - Alunos das creches criadas pela Madre Rosário em homenagem a sua chegada em Santo
Antônio de Jesus.
Arquivo: NISSA
A memória local, como mostra a fotografia acima, evidencia que a imagem da madre
Rosário como uma mulher santa e empreendedora foi perpetuada por santantonienses.
Percebemos através das fontes analisadas que a madre Rosário, a fim de defender seus
objetivos, transitava entre vários setores na cidade. E seu apoio a ditadura, para além de um
ideal, estava relacionado à busca para realização dos seus projetos.
Outro indivíduo que de forma eloquente foi portador da política da ditadura no
município foi o tenente Geraldo Pessoa Sales. O seu livro, Santo Antônio de Jesus 1965 a
224
225
MENDES, Altair Ribeiro. Op. cit.
VALADÃO, Hélio. Santo Antônio de Jesus, Sua Gente e Suas Origens. Santo Antônio de Jesus. 2005, p. 101.
92
cidade que encontrei, composto por inúmeras mensagens patrióticas e informes de caráter
conservador, foi essencial para traçar seu perfil.
Geraldo Pessoa Sales nasceu em Aracajú-Se, em 31 de julho de 1921, filho de
Francisco Ferreira Sales e Maria Pessoa Sales. Em Aracaju, concluiu o curso primário. Em
1942, foi incorporado ao Exército como voluntário da Pátria durante a II Guerra, servindo no
34º BC em Belém-Pa. Posteriormente, passou a servir em Val-de-Cans, ao lado dos
americanos, conquistando a medalha da “Campanha do Atlântico Sul”, conferida pela
Aeronáutica do Brasil. Já graduado após a Guerra, foi removido para Fortaleza - Ce, passando
a servir em várias unidades daquela 10ª RM, servindo após sua promoção a 3º Sgt no 23º BC
de onde foi transferido em 1948, para a Vila Militar no Rio de Janeiro. Em 1955, cursou no
Exército o CRAS, que lhe deu acesso ao oficialato. Após o golpe de 1964, foi removido para
o Quartel de Pirajá em Salvador, meses depois, já oficial do Exército, passou a servir no forte
São Pedro e em seguida foi removido para Santo Antônio de Jesus. No dia 15 de junho de
1965, em solenidade militar perante as autoridades locais, o tenente Geraldo Sales assumiu a
chefia da 6ª Del SM.
Figura 9: O tenente Geraldo Pessoa Sales e sua família em 1965, trinta dias depois de sua chegada a
Santo Antônio de Jesus.
Arquivo: SALES, Geraldo Pessoa. Santo Antônio de Jesus 1965 A cidade que encontrei. Santo Antônio
de Jesus: Gráfica Real, 2006.
93
Em 1970, tenente Sales, como ficou conhecido, criou a escola Olavo Bilac. Ele
dedicou 20 páginas do seu livro Santo Antônio de Jesus 1965 a cidade que encontrei para
falar de acontecimentos em torno da escola Olavo Bilac, sobretudo de suas manifestações
cívicas. Juntamente com essas notícias encontram-se inúmeras mensagens patrióticas,
afirmando que cultuar e referenciar a memória daqueles que deixaram exemplos de
verdadeiro patriotismo e empreenderam campanhas cívicas por “este grande Brasil é dever de
todos para que a posteridade prossiga no esforço constante de bem servir à Pátria querida e
conduzir aceso o archote iluminado do sentimento cívico nacional.”226 O poema “ A Pátria”
se repete ao longo do livro:
Ama, com fé e orgulho, a terra em que nasceste! Criança! não verás nenhum
país como este! Olha que céu! Que mar! Que rios! Que floresta! A Natureza,
aqui, perpetuamente em festa, É um seio de mãe a transbordar carinhos. Vê
que vida há no chão! Vê que vida há nos ninhos, Que se balançam no ar,
entre os ramos inquietos! Vê que luz, que calor, que multidão de insetos! Vê
que grande extensão de matas, onde impera Fecunda e luminosa, a eterna
primavera! Boa terra! jamais negou a quem trabalha O pão que mata a fome,
o teto que agasalha... Quem com seu suor a fecunda e umedece, Vê pago o
sue esforço, e é feliz, e enriquece! Criança! não verás país nenhum como
este: Imita na grandeza a terra em que nasceste! ( Olavo Bilac)
Além do patriotismo da mensagem, esta se refere à homenagem ao poeta Olavo Bilac
conhecido pelos seus poemas de teor nacionalista. Sendo este, não por acaso o nome da escola
criada pelo tenente Sales.
Entre tantas mensagens e pensamentos em sua maioria a tônica é a mesma, a
responsabilidade de cada indivíduo pela nação a qual pertence. “Pátria. Amá-la é virtude;
esquecê-la é ingratidão; desprezá-la é infâmia.”227 Eram utilizados pensamentos de escritores
como Rui Barbosa: “Oração e trabalho são os recursos mais poderosos na criação moral do
homem.”228 Também pensamentos de Confúcio: “Não são as más ervas que sufocam a boa
semente; é a negligência do cultivador.”229 Esses discursos eram característicos da ditadura
civil-militar que imprimia culpabilidade às pessoas pelos rumos da nação, difundidos a partir
de livros de memória, programas de rádio e televisão e de forma significativa também no
226
SALES, Geraldo Pessoa. Santo Antônio de Jesus 1965 A cidade que encontrei. Santo Antônio de Jesus:
Gráfica Real, 2006, p. 97.
227
SALES, Geraldo Pessoa. Santo Antônio de Jesus 1965 A cidade que encontrei. Santo Antônio de Jesus:
Gráfica Real. 2006, p. 110.
228
Ibidem, p. 100.
229
Ibidem.
94
ambiente escolar juntamente com seus aparatos, a exemplo, dos livros didáticos, alvo
importante na disseminação de tais ideais.
A imagem abaixo, de 16 de Dezembro de 1973, faz parte de uma compilação do
Órgão Informativo da Escola Olavo Bilac no livro Santo Antônio de Jesus 1965 a cidade que
encontrei. Essa página elucida bem o viés cívico levado a cabo por Geraldo Pessoa Sales,
além de explicitar sua influência como um difusor da política nacionalista e patriótica da
ditadura.
Figura 10: Página 109 do livro Santo Antônio de Jesus 1965 a cidade que encontrei
Arquivo: SALES, Geraldo Pessoa. Santo Antônio de Jesus 1965 A cidade que encontrei. Santo Antônio
de Jesus: Gráfica Real. 2006. p. 109.
95
No livro do tenente Sales foram publicadas algumas edições, entre os anos de 1975 e
1978, do órgão informativo da Associação Operária Santantoniense – Clube dos 1000. Clube
que, segundo suas palavras, foi construído num terreno doado por ele e por sua esposa
Terezinha Sales. O Operário, órgão de circulação trimestral foi concebido e dirigido pelo
próprio tenente Sales.
As notícias que compõem O Operário referem-se às conquistas do clube dos 1000.
Mas, em quase todas as páginas, aparecem mensagens baseadas em textos bíblicos. É
reservado um espaço para alguns perfis biográficos, sobretudo, de pessoas ligadas ao corpo
político local. Notas de nascimentos, aniversários, casamentos e falecimentos, outras sobre
saúde, educação e comemorações festivas, como o dia do trabalhador e as visitas da 6ª Região
Militar ao município, também integram o periódico.
Uma dessas visitas foi a do general Adyr Fiuza de Castro da 6ª Região Militar
acompanhado de outros oficiais de seu Estado Maior. Conforme o tenente Sales, o “ilustre”
visitante e sua comitiva foram recepcionados na entrada da cidade pelas autoridades locais.
Em seguida, o general foi conduzido ao Club dos 1000 onde foi preparada uma recepção,
ocasião em que ele e outros oficiais usaram da palavra em nome do prefeito municipal,
Florentino Firmino de Almeida.
Nascido em 25 de outubro de 1920, o general Adyr Fiuza comandou a Polícia Militar
da ex-Guanabara antes de assumir a 6ª Região Militar. Foi ativo participante do movimento de
31 de março tendo sido colocado como um dos “revolucionários” que trabalhou em prol do
movimento desde 1961. Em 1964, foi adjunto da seção de informações do gabinete do
ministro, voltando a esta seção como chefe, em 1967. Como coronel, em 1968, chefiou o
Centro de Informações do Exército e, entre 1971 e 1973, foi executivo do CODI e
respondendo pela subchefia do Estado Maior do I Exército. No ano seguinte, assumiu o
comando da 6ª Região Militar em Salvador. Em seu currículo oficial, destacam-se dois itens:
foi representante do Estado Maior na comissão de elaboração do manual de informação das
forças armadas e foi designado para assumir a chefia da 2ª Seção do MGR/1.230
Essa visita foi destacada pelo tenente Sales como um momento importante naquele
contexto para o país e para Santo Antônio de Jesus, ao demonstrar mais uma vez que esse
município estava articulado aos direcionamentos da ditadura através da ligação com esses
oficiais e a prática cotidiana dos projetos do governo em setores da cidade, como aqui já
explicitado.
230
http://www.arqanalagoa.ufscar.br/pdf/recortes/R06181.pdf. Acesso em 08 de janeiro de 2012.
96
Ainda sobre O Operário, numa coluna intitulada “Primeiro o ideal, nada sem ideal,
tudo pelo ideal”, o tenente Sales destaca que outra coisa não está sendo feita na cidade que
não seja política. Mas ressalta que é no sentido construtivo da palavra que a política praticada
tem somado e multiplicado, contribuindo para o progresso da comunidade. Diz também que
naquela conjuntura política os interesses santantonienses estavam resguardados, “visto que os
dois candidatos da Arena que disputavam a prefeitura eram excelentes.”231
Numa ata do Ginásio Estadual Francisco da Conceição Menezes, sob a presidência da
diretora do estabelecimento, reuniram-se professores e alunos para comemorar os cinco anos
do golpe. Antes da sessão foi cantado o Hino Nacional pelos professores e alunos, enquanto o
Pavilhão Nacional era hasteado. Aberta a sessão, a diretora professora Marisete Brito Reis
explicou aos alunos o porquê da reunião e o que comemorava.232
Marisete Brito Reis esposa de José Pereira Reis nasceu em Conceição do Almeida –
Bahia, em 10 de novembro de 1926, filha de Bernardino Pereira de Brito e Maria Mercês de
Souza Brito. Submeteu-se a concurso e foi aprovada para provimento de vagas no Magistério
Primário, na cidade de Salvador, em 1950. Também foi aprovada no concurso para o Ensino
Médio, na cadeira de desenho na mesma cidade em 1968.
Na sessão, a professora Marisete Reis comunicou que havia convidado o tenente
Geraldo Pessoas Sales, chefe do recrutamento militar daquela cidade, o qual por ser um
representante das forças armadas e por possuir qualidades conhecidas por todos, era uma
pessoa indicada para falar sobre “a revolução que salvou o Brasil do abismo.”
Feita a apresentação, o tenente Geraldo Sales, “brilhante e entusiasticamente explicou
a razão da revolução.” Começou por falar do governo Jânio Quadros e de seus problemas, em
seguida lembrou a “anarquia reinante no governo de João Goulart que para atrair a simpatia
do povo esquecia a sua autoridade de presidente da república para num excesso de
democracia dar as mãos às classes mais baixas e mais fomentadoras de indisciplina no país.”
Lembrou as greves existentes naquele período “triste” da história.233
Segundo as palavras do tenente Sales, foi aí que “milagrosamente, sem
derramamento de sangue, deu-se a revolução, a trinta e um de março de mil novecentos e
sessenta e quatro; militares, tendo à frente o General Mourão Filho e outros, puseram fim à
baderna que fatalmente levaria o Brasil às mãos dos comunistas”. Falou ainda sobre o
231
SALES, Geraldo Pessoa. Santo Antônio de Jesus 1965 A cidade que encontrei. Santo Antônio de Jesus:
Gráfica Real, 2006, p. 165.
232
Ata do Colégio Estadual Francisco da Conceição Menezes, referente à sessão comemorativa do aniversário da
Revolução de 31 de março de 1969.
233
Ibidem
97
governo do marechal Castelo Branco que com seus “atos justos e disciplinados” solidificou o
movimento revolucionário, lembrou também o seu substituto, ou melhor, sucessor que em boa
hora editou o Ato Constitucional nº 5 que fez com que se cumprissem leis que antes ficavam
apenas no papel, evitando que todas as classes sociais inclusive os estudantes notassem aquela
posição antiga, greves e mais greves para dificultar o progresso do país.234
No artigo, “Os discursos de celebração da Revolução de 1964,” Lucileide Cardoso
mostra a construção feita pelos militares a respeito dos motivos das articulações para o golpe
de 1964. A autora evidencia que a principal justificativa para o golpe foi a oposição à
“Revolução Comunista” que, segundo os militares, estava em curso. Esses discursos
perpetuaram na mente de muitos indivíduos, a exemplo da Madre Rosário e do Tenente Sales,
também veículos desses ideais em Santo Antônio de Jesus.235
Encerrando a palestra o orador conclamou “os alunos a estudarem mais, a se
orientarem melhor, a trabalharem pelo engrandecimento da querida pátria. Nada mais
havendo a tratar foi encerrada a reunião pela diretora que agradeceu ao palestrante pelas suas
sábias e oportunas palavras dirigidas aos educandos e aos professores de Santo Antônio de
Jesus.” 236
O texto da Ata da sessão comemorativa do aniversário da revolução de 31 de março de
1969, registrou mediante o discurso do tenente Geraldo Sales a perspectiva educacional de
Santo Antônio de Jesus ao longo do regime. A fala do tenente estava notadamente em
comunhão com as forças armadas quando considerou o golpe militar como a solução para o
Brasil, “salvando-o do abismo”.
Deve-se destacar, entretanto, uma contradição nesse discurso, quando o tenente alega
que João Goulart cometeu um “excesso de democracia dando as mãos às classes mais baixas e
mais fomentadoras de indisciplina do país,” uma vez que o argumento dos militares e da elite
sempre foi de que o governo de João Goulart tinha inclinações comunistas e que estes eram
autoritários. Portanto, segundo os militares, o indivíduo não tinha liberdade, sendo o novo
regime a solução para restabelecer a democracia.
As reivindicações de adesão a valores democráticos por regimes autoritários não é
novidade. É comum que ditaduras utilizem símbolos da democracia e até mantenham parte de
suas instituições e procedimentos para passar uma impressão de permanência democrática.
234
Ata do Colégio Estadual Francisco da Conceição Menezes, referente à sessão comemorativa do aniversário da
Revolução de 31 de março de 1969.
235
CARDOSO, Lucileide Costa. Os discursos de celebração da “Revolução de 1964”. Revista Brasileira de
História. Vol. 31, nº 62. p.117-140. São Paulo: Dec. 2011.
236
Ata do Colégio Estadual Francisco da Conceição Menezes, referente à sessão comemorativa do aniversário da
Revolução de 31 de março de 1969.
98
Destarte, democracia para os militares foi o poder e o controle político ideológico em suas
mãos e nas das classes que no plano econômico dominavam o país.
Outro aspecto que se sobressai é a utilização da palavra “milagrosamente” não só com
o sentido de solução, mas também com a ideia de inesperado. É válido ressaltar o apoio do
tenente Sales à Instituição do AI-5, como ato que solidificou o movimento de 1964. Sendo
evidenciado também que depois dessa medida diminuíram as greves e consequentemente os
movimentos contrários a ditadura civil-militar, em vista da arbitrariedade, através da censura
e da repressão a qualquer ato qualificado como subversivo.
Em tom nacionalista, o tenente Sales conclui sua fala convocando os alunos para
estudar mais e trabalhar em favor do “engrandecimento da pátria”. Mediante esse discurso,
percebe-se que o respectivo tenente sabia das reformas executadas no âmbito educacional, e
que elas direcionavam as propostas de ensino em favor da ditadura.
Os depoimentos orais ressaltaram alguns atos considerados subversivos, mas que não
foram caracterizados como movimentos organizados.
Acompanhemos um registro de
apreensão de alguns alunos, porém sem maiores informações sobre o acontecido.
O vereador Athanagildo Tourinho denunciou em uma sessão na câmara que alguns
estudantes do Ginásio Estadual haviam sido presos por um policial, quando regozijados pelo
término das aulas, saíram em festa pelas ruas da cidade. Esclareceu o vereador Misael Maia
Matos que quatro ou cinco estudantes foram apenas levados à delegacia, ali ficando até a
chegada do delegado de polícia Clodoaldo Rocha, que ao chegar à delegacia “tomou enérgica
medida contra o policial e liberou os estudantes.”237
Esse registro é passível de múltiplas interpretações, a partir de diversas possibilidades,
pois quando o vereador Athanagildo Tourinho denunciou a prisão de alguns estudantes,
imediatamente foi interpelado pelo vereador Misael Matos que caracterizou o imprevisto
como uma má atuação do policial.
A professora Marisete Brito Reis, que a partir de 1969 foi Diretora do Colégio
Francisco da Conceição Meneses, ressaltou que tinha um número pequeno de alunos
considerados subversivos, mas não deixava de ter: “Tinha um grupinho de alunos que
queriam botar as manguinhas de fora, como que diz assim, tipo uns desordeiros, mas a gente
237
Ata da 6ª sessão ordinária do 2º período Legislativo, 25ª realizada no ano, da câmara de vereadores do
município de Santo Antônio de Jesus, Estado da Bahia referente ao exercício de 1971.
99
controlava, bem, pelo menos lá no Estadual, eu controlava, assim com a conversa, sempre
pedindo a colaboração deles que não era aquilo certo e tal, eu conseguia.”238
As expressões utilizadas pela professora Marisete Reis, “botar as manguinhas de fora”
e “tipo uns desordeiros” evidencia seu alinhamento em relação ao regime, adjetivando todos
os comportamentos contrários aos ideais militaristas como bagunças. Possivelmente, todos os
alunos que questionaram o formato que os militares deram à educação foram vistos como
“desordeiros”, sem razão de ser. A fala da professora Marisete Reis é impregnada dos ideais
da ditadura, ao qualificar os indivíduos que não compactuavam com a ideologia do regime
autoritário de subversivos. Significa dizer que a propaganda de desqualificação dos
movimentos esquerdistas foi essencial para induzir muitas pessoas a defender a ditadura civilmilitar como causa própria.
Sobre o controle exercido pelas forças armadas a professores e alunos, o professor
Clóvis Ezequiel também ressalta que na escola tinha muitas coisas de civismo. Naquela época
disputavam as eleições do grêmio os representantes do centro cívico, e eram justamente
“aqueles alunos mais patriotas, que os professores tinham como aqueles que não iam criar
problemas, e não poderia surgir numa escola alunos questionando a ditadura, questionando
desde coisas da escola até mesmo a ordem estabelecida no país.”239
Podemos supor a partir da fala do professor Clóvis Ezequiel, que a política repressiva
e de controle das instituições, dificultava a organização de movimento estudantil. Contudo,
esse fato deveu-se à proibição dos grêmios em 1968. No lugar dos grêmios foram instituídos
os centros cívicos que não tinham autonomia e não podiam realizar atividades de natureza
política, numa concepção equivocada de que escola era lugar para estudar e não para fazer
política. Diante disso, de forma estratégica, a exemplo do colégio Nossa Senhora das Mercês,
eram escolhidos “os alunos mais patriotas”, que provavelmente não “questionariam a ordem
estabelecida no país”.
Vale salientar que alguns professores e alunos reivindicaram mais autonomia no
ambiente escolar, criando meios para criticar a política educacional exercida pelos militares.
Lutavam contra a ditadura dentro dela, pois utilizavam as aulas para promover
questionamentos, assim, o domínio não se perpetrava de forma integral. Ao ser entrevistada, a
professora Ruthe Souza, que lecionou Estudos Sociais durante a ditadura, lembrou que os
238
A professora Marisete Brito Reis foi Diretora do Colégio Estadual Francisco da Conceição Meneses de 19691980. Depoimento concedido em 19 de abril de 2010.
239
Professor Clóvis Ezequiel, aluno do Colégio Nossa Senhora das Mercês (colégio Técnico) a partir de 1976.
Depoimento concedido em 16 de abril de 2010.
100
alunos daquela época, apesar da repressão e da censura e de um ensino direcionado para
Educação Moral e Cívica, eram muito questionadores.
Todavia, muitas vezes, por medo da censura, ela tentava contornar as perguntas de
modo a impossibilitar que as discussões propostas pelos alunos permanecessem, mantendo as
discussões centradas na figura do professor. Porém, a professora Ruthe Souza ressalta: “eu
queria dar outras respostas aos questionamentos propostos, para despertar o senso crítico dos
educandos, mas por temer as consequências, preferia me ater à política de ensino do governo
militar.” 240
O depoimento da professora Ruthe demonstra que mesmo diante de todo esforço das
forças armadas para defender a ditadura como um exercício democrático da cidadania e
divulgar esse feito através dos meios de comunicação e dos programas governamentais,
muitos alunos e professores questionaram para além das propostas educacionais, a falta de
liberdade de expressão, como também discutiram os conteúdos pré-estabelecidos mais
criticamente.
Jorge Luiz da Silva, aluno do Colégio Francisco da Conceição Meneses nesse período,
ressalta que a visão que temos de um dado momento histórico é diferenciada quando fazemos
parte da dinâmica desse momento: “Como eu estava dentro daquele contexto, não questionava
se o ensino poderia se dar de outra maneira. Porém, eu me lembro de que os livros didáticos e
a fala dos professores eram carregados de patriotismo e civismo. Recordo-me da frase Brasil,
ame-o ou deixe-o.” O ensino era regido de forma estritamente tradicional, sendo o professor o
detentor do conhecimento, aos alunos cabia o papel de ouvinte sem interação com o processo
educacional241.
Alguns alunos, a exemplo do professor Jorge Luiz, vivenciaram o cotidiano da
ditadura civil-militar como mais um momento de sua trajetória de estudante. Outros alunos,
provavelmente mais rebeldes, com uma leitura mais crítica e até mesmo com uma militância
política de esquerda questionaram e subverteram as estruturas propostas.
Assim, entende-se que essas interferências por parte do educando no contexto escolar
dificultaram o andamento dos anseios dos militares, visto que não houve plena aceitação de
tais propostas, ao menos por aqueles que, dentro de suas possibilidades, se manifestaram
contrários às medidas arbitrárias do governo.
240
Professora Ruthe Correia de Lima Souza lecionou Educação Moral e Cívica ao longo do regime militar.
Depoimento concedido em 17 de abril de 2009.
241
Professor Jorge Luiz da Silva. Estudante ao longo do regime militar. Depoimento concedido em 23 de abril
de 2009.
101
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
O objetivo desta dissertação foi discutir o golpe de 1964 e suas reverberações em
Santo Antônio de Jesus. Para fazer essa discussão, buscou-se analisar o contexto político de
alguns anos anteriores a 1964, a fim de compreender as articulações em âmbito local e a
recepção ao golpe pelo corpo político santantoniense. Esse estudo mostrou que a cidade assim
como outras em todo o país, também teve sua dinâmica modificada para atender os projetos
do novo governo. Como foi visto, em menos de dois meses do estabelecimento do regime,
membros do exército nacional se fizeram pressentes na sessão da Câmara Municipal de
vereadores para redirecionar os trabalhos do Legislativo e Executivo.
Nesse processo, percebeu-se que a política local foi guiada pelos projetos da ditadura
civil-militar, e que esta interferiu na dinâmica da cidade. Cada Ato Institucional baixado
repercutia no município. Com o AI-2, foi visto a movimentação das agremiações em torno da
Aliança Renovadora Nacional, provocando conflitos na política local. As mudanças em torno
do ensino e as propagandas em favor da ditadura se fizeram presentes na prática educacional e
ultrapassaram o âmbito escolar. Outro ponto marcante foram os votos de congratulações do
Legislativo e Executivo, como também o papel de alguns sujeitos na disseminação dos
projetos da ditadura. Este fato mostrou a eficácia organizacional do governo ao atrair para se
indivíduos que se tornassem veículos em função de formar uma consciência coletiva.
Esta dissertação foi construída, portanto, a partir de várias fontes. As questões aqui
discutidas podem ser analisadas a partir de diversas possibilidades de se escrever e entender a
história e ganhar significados distintos, o que confere a oportunidade de vislumbrar o mesmo
acontecimento histórico inserido em narrativas diferenciadas.
Dentre as fontes utilizadas, destacam-se aquelas que mais deram conta das discussões
em torno das reverberações do golpe em Santo Antônio de Jesus. Dentre estas, as atas da
Câmara Municipal de vereadores, as fichas de assentamento individual de vereadores, os
documentos do arquivo municipal e os livros de memória da cidade possibilitaram uma visão
mais próxima dos acontecimentos, o que permitiu mostrar no texto em questão, as
articulações, projetos e estratégias praticadas durante o regime num município do interior da
Bahia no contexto da ditadura civil-militar.
A partir dessas investigações, na segunda seção, traçamos o perfil de alguns políticos
da cidade, como também a trajetória dos partidos políticos, e vimos que os membros do
102
Executivo e Legislativo de Santo Antônio de Jesus no ano do golpe tinham ligações históricas
com a política local. A recepção ao golpe e aos seus idealizadores foi calorosa, a exemplo, das
homenagens feitas aos militares e ao regime como as trocas dos nomes de algumas ruas para a
data do golpe e os nomes dos militares.
Na terceira seção, mostramos como o corpo politico santantoniense se posicionou
diante do estabelecimento do bipartidarismo. Não diferente de outras localidades, se dividiu
entre Arena 1 e Arena 2, evidenciando mais uma vez que o advento das sublegendas
favoreceu o partido de sustentação a ditadura. Contudo, a Arena não significou um trajeto
harmonioso, as complexidades das aglomerações partidárias em torno dessa agremiação
provocaram disputas conflitosas.
Observou-se também que a “sintonia” com os projetos da ditadura não foi plena,
considerando-se o conjunto dos atores políticos envolvidos. Mesmo que em menor escala em
relação ao apoio, houve oposições, a exemplo de Ezequias José de Almeida Sampaio (Quito),
Geraldo Martins dos Santos (Geraldo da Bicicleta) e José Carneiro Neves, que ficaram dois
meses e dezessete dias presos. Supostamente estas pessoas incomodaram e até mesmo
redirecionaram possíveis mudanças na política santantoniense.
Na quarta seção foi visto que através de uma propaganda ferrenha e do autoritarismo,
utilizou-se da educação para fazer dela veículo disseminador das propostas da ditadura. A lei
5.692/71 fez-se também instrumento que privilegiou os anseios da elite dirigente do país. Foi
percebido que a educação em Santo Antônio de Jesus coadunava com os projetos dos
militares. Ao analisar os “versos” e “reversos” do ensino daquele período, evidencia-se que
seus conteúdos e práticas foram redefinidos para favorecer a nova ordem, o que certamente
atingiu a vivência dos professores e alunos, assim também como o cotidiano dos
santantonienses.
Em face do golpe de 1964 e da implantação do regime, como possivelmente ocorreu
em outras cidades do interior do país, Santo Antônio de Jesus foi atingida pelos novos
caminhos abertos na politica brasileira. Os grupos dirigentes da cidade se dividiram em
facções. A adesão ao governo e os votos de congratulação do Legislativo e do Executivo
foram vistos não só como apoio ao regime, mas, sobretudo, como estratégia para garantir
posições de mando no âmbito do poder local. A aproximação de membros das forças armadas
de religiosos que atuavam na cidade endossou os projetos da ditadura no município, ao
caracterizá-los como solução para os problemas do país. Esses fatos e seus desdobramentos
político-partidários evidenciaram as reverberações do golpe de 1964 em Santo Antônio de
Jesus.
103
FONTES
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Arquivo Público Municipal de Santo Antônio de Jesus.
Arquivo da Câmara de Vereadores de Santo Antônio de Jesus.
Arquivo Público do Estado da Bahia.
Arquivo dos Colégios Félix Gaspar e Nossa Senhora da Conceição Meneses.
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Ficha de assentamento individual de vereador ( 1947-1981)
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Ata de ocorrência da inauguração do curso básico do Colégio Estadual Francisco da
Conceição Meneses, 04 de março de 1975.
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Ata da Reunião Cívica realizada no turno noturno do Grupo Escolar Félix Gaspar em
comemoração aos Sete de Setembro em 1983.
Arquivo Publico Municipal de Santo Antônio de Jesus (APMSAJ)
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Processo crime de 1970.
Pleito de 1962 PTB.
Documento referente à aprovação do hino oficial de Santo Antônio de Jesus, 1972.
Ata discussão mudança nome de ruas para Presidente Costa e Silva e Presidente Médici,
1975.
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1978.
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de abril de 1975 a 31 de julho de 1978).
Jornal Tribuna da Bahia (1968, 1969, 1970 e 1971).
Jornal A Tarde (1964-1970).
Jornal da Bahia (1970).
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Professora Marisete Brito Reis foi Diretora do Colégio Estadual Francisco da Conceição
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regime militar. Depoimento concedido em 17 de abril de 2009.
Professor Clóvis Ezequiel, aluno do Colégio Nossa Senhora das Mercês (colégio Técnico) a
partir de 1976. Depoimento concedido em 16 de abril de 2010.
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em 23 de abril de 2009.
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em 23 de abril de 2010.
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