Revista Subtexto nº 06 (2009)

Transcrição

Revista Subtexto nº 06 (2009)
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um
máárriioo
A cena contemporânea em movimento
Tendências, práticas e processos
Relação do dramático com o real
λν
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μρ
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νρ
νρ
Irrupções do real no teatro
contemporâneo José da Costa
Atenção, porosidade e vetorização: Por onde
anda o ator contemporâneo? Tatiana Motta Lima
Teatralidades do real Sílvia Fernandes
Movimentos coletivos da Cena
Criação Coletiva entre Coletivos: um olhar
desde a Universidade Luiz Fernando Ramos
ολ
ολ
Agrupando grupos, coletivizando coletivos
Fernando Yamamoto
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Galpão em foco
Criação teatral compartilhada com o
espectador Chico Pelúcio
ρλ
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Cine Horto em foco
ρσ
ρσ
Centro de Pesquisa e Memória do Teatro: potencializando a
informação no contexto do Galpão Cine Horto
Luciene Borges Ramos e Adriane Maria Arantes de Carvalho
Figurino e patrimônio cultural: a experiência do Núcleo de
Pesquisa em Figurino do Galpão Cine Horto com o inventário do
acervo de figurinos do Grupo Galpão Ana Luisa Santos
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ςρ
σν
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Teatro e Política
Teatro e política
Sérgio Mamberti
SUBTEXTO • REVISTA DE TEATRO DO GALPÃO CINE HORTO • Nº 6 ISSN 1807 5959
COORDENAÇÃO EDITORIAL: Luciene Borges
ASSISTENTE DE PRODUÇÃO EDITORIAL: Fernanda Christina da Costa
JORNALISTA RESPONSÁVEL: Luciene Borges (MG 09820 JP)
CONSELHO EDITORIAL: Chico Pelúcio, Fernando Mencarelli e Leonardo Lessa
COLABORADORES DESTA EDIÇÃO: Adriane Maria Arantes de Carvalho, Ana Luisa Santos,
Chico Pelúcio, Fernando Yamamoto, José da Costa, Luiz Fernando Ramos, Sérgio
Mamberti, Silvia Fernandes e Tatiana Motta Lima
ARGVMENTVM EDITORA
PRODUÇÃO EDITORIAL: Daniela Antonaci
REVISÃO ORTOGRÁFICA: Erick Ramalho
CAPA PROJETO GRÁFICO: Milton Fernandes
Fotos
Daniel Protzner PÁGINA
Edu Marin PÁGINA
Galpão Cine Horto PÁGINAS , ,
Guilherme Bonfati PÁGINAS , ,
Guto Muniz PÁGINAS , ,
Nelson
Kao PÁGINAS , , ,
Renata Kaiser PÁGINAS ,
Roberto Setton PÁGINAS ,
Sérgio Furman PÁGINA
exp
expeeddie
expediieenntte
e
expediente
Centro de Pesquisa e Memória do Teatro / Galpão Cine Horto
Rua Pitangui, 3613 – Horto | 31.030-065
Belo Horizonte – Minas Gerais – Brasil | Tel. +55 31 3481 5580
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A Revista Subtexto é uma publicação independente.
As opiniões expressas nos artigos são de responsabilidade exclusiva de seus autores.
TIRAGEM 2000 EXEMPLARES IMPRESSÃO DEL REY INDÚSTRIA GRÁFICA DEZEMBRO 2009
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Se alguém perguntasse ao Galpão Cine Horto a sua idade, em tom jovial
certamente ele responderia:
— “Vou fazer uma dúzia em março”.
Mais do que isso, ares de esperança, de desejos e de muitos projetos estariam presentes no olhar de quem alimenta as melhores expectativas.
E não é por menos. Ao passar por
, ano marcado pela crise mundial,
sem arranhões e sem retrocessos, pelo contrário, com vários avanços, o
Galpão Cine Horto se permite apostar em um
bastante auspicioso.
No ano que se encerrou foi possível atingir metas importantes, ampliar
projetos, parcerias, fortalecer sua equipe, se aproximar mais do público
e do Grupo Galpão, lapidar seus conceitos e desenhar novos caminhos. E,
principalmente, dar alguns passos em busca de uma nova sede.
Com o lançamento da VI edição da Revista Subtexto o Centro de Pesquisa
e Memória do Teatro – CPMT – fecha o ciclo de
e pode comemorar
um ano muito importante na sua trajetória.
De forma inédita cria o projeto “Subtexto em Diálogo” seminário que
proporcionou o encontro dos articulistas da revista com o público para
debater, discutir e compartilhar os temas que seriam objetos de seus artigos. O resultado foi muito gratificante pois possibilitou um artigo mais
maduro fruto desse compartilhamento de idéias. Ao que tudo indica, o
seminário “Subtexto em Diálogo” se tornará mais uma importante ação
do CPMT.
Outra boa notícia foi a verba de R
.
, liberada pelo Fundo Nacional de Cultura do Ministério da Cultura para aquisição de livros, DVDs
e algum equipamento que permitirá um crescimento significativo dos
títulos oferecidos pelo CPMT.
Entretanto, o fato mais importante desse ano que passou foi o lançamento
do portal de teatro www.primeirosinal.com.br. O projeto elaborado em
a parceria com a PUC Minas levou dois anos de trabalho para ser concluído e desde outubro, quando foi lançado, tornou-se uma importante
ferramenta de pesquisa, de formação, de difusão e compartilhamento
para artistas, pesquisadores e público em geral.
Ainda com foco principal no teatro, o “primeiro sinal” pretende ampliar seu
raio de alcance aperfeiçoando e disponibilizando fácil acesso às informações
das artes cênicas.
Paralelamente ao CPMT, o Galpão Cine Horto reformulou os editais do Festival de Cenas Curtas e do Cena Espetáculo com a novidade dos “rascunhos de
cena”, que representa para nós o início de um novo caminho de provocação
criativa aos artistas e grupos.
Scratch em inglês, “rascunho de cena” pretende abrir espaço para que
criadores e público se encontrem desde o esboço de uma primeira idéia
de cena e permaneçam “parceiros e cúmplices” durante todo o período de
elaboração de um espetáculo teatral. Assim, pretendemos organizar uma
agenda para nossos projetos que se apropriem desse procedimento e através
dele possam melhor definir seus conteúdos. No edital é possível ter mais
detalhes dessas mudanças.
Fazendo parte dos novos projetos está a criação dos Núcleos de Pesquisa
revelados a partir da implantação do Núcleo de Pesquisa em Figurino coordenado por Ana Luisa Santos.
Ao se apresentar como uma importante ação para reciclagem de profissionais tratamos de reestruturar os cursos já existentes de Produção e Gestão
Cultural, Jornalismo Cultural e Dramaturgia que atuaram como núcleospiloto durante
.
Em
, pretendemos criar também os Núcleos de Iluminação, Cenografia, Sonorização e Teatro para Educadores. Dessa forma, buscamos unir a
formação teórica com vivências práticas utilizando não só os projetos do
Galpão Cine Horto como também do próprio Grupo Galpão.
É com orgulho e muito trabalho que oferecemos mais um número da Subtexto, revista que nasceu de uma parceira com o Redemoinho – Movimento
Brasileiro de Espaços de Criação, Pesquisa e Compartilhamento Teatral e que
agora, com muito pesar, volta às ruas sem a sua companhia.
Equipe do Galpão Cine Horto
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Relação do dramático com o real |
IRRUPÇÕES DO REAL NO
TEATRO CONTEMPORÂNEO
José da Costa*
A respeito da emergência do real na cena e na ficção teatral, eu gostaria de
mencionar inicialmente um espetáculo do Amir Haddad não realizado por
seu conhecido Grupo Tá Na Rua. Como é sabido, no meio teatral carioca e das
cidades por onde circulam seus trabalhos, Amir tem a tendência a valorizar
uma espécie de não representação por parte do ator em cena. Há um desejo
de reduzir o histrionismo vinculado à caracterização de personagens, o que
não significa evidentemente eliminar todo e qualquer tipo de externalização
da energia e da expressividade cênica do ator, aspecto que constitui também
uma dimensão específica, dentre outras possíveis, do histrionismo atorial. O
diretor encenou recentemente a peça Bodas de Sangue de Garcia Lorca no
Teatro Tom Jobim, localizado dentro do Jardim Botânico, no Rio de Janeiro.
O Teatro tem um formato muito flexível, podendo ser utilizado cenicamente
como arena, como palco frontal em relação à plateia e segundo outros usos,
dependendo da encenação. Haddad utilizou-se do imenso espaço do Teatro
Tom Jobim assumindo radicalmente sua forma arquitetônica, que é a de um
grande galpão, recentemente adaptado para acolher atividades teatrais e
dando origem assim ao Teatro ali instalado. O encenador espalhou as cenas
por toda a área interna e nela distribuiu as cadeiras utilizadas pelo o público,
bem como dispensou o palco de um uso exclusivamente cênico, também
Um trabalho importante no que tange à reflexão sobre a emergência do real na arte contemporânea, especialmente nas artes plásticas, mas que pode ser bastante útil também para os
estudos teatrais, é o livro de Hall Foster The return of the real publicado originalmente em
pelo Massachusetts Institute of Technology. Chamo a atenção especialmente para o
capítulo , homônimo ao título do livro. Nesse capítulo, a experiência do real na arte contemporânea é claramente distinguida de uma ideia de referência, logicamente ordenada
e organizada, das obras de arte ao mundo social e histórico. O real que, na visão do autor,
aparece na arte atual é mais próximo a um âmbito de forças não dominadas pelo consciente
organizador, não categorizadas pelo entendimento racional (FOSTER,
: - ).
* Professor do
Departamento de
Teoria do Teatro
e do Programa de
Pós-Graduação em
Artes Cênicas da
Universidade Federal
do Estado do Rio de
Janeiro (UNIRIO),
Pesquisador do CNPq,
autor do livro Teatro
contemporâneo
no Brasil: criações
partilhadas e presença
diferida (Rio de
Janeiro: Letras:
)
e de vários ensaios e
artigos publicados em
livros coletivos e em
revistas especializadas
como Sala Preta (São
Paulo: ECA/USP), O
Percevejo (Rio de
Janeiro: UNIRIO)
e Folhetim (Rio de
Janeiro: Teatro do
Pequeno Gesto).
| Subtexto . Revista de Teatro do Galpão Cine Horto
alocando espectadores em boa parte dele. A iluminação era predominante
aberta e clara, enquanto os elementos cenográficos muito parcimoniosos e
de função meramente alusiva, mantendo-se o espaço livre para o trânsito
e as evoluções do elenco muito numeroso. Ao se abrirem as portas para a
entrada dos espectadores, esses últimos presenciavam um alegre prólogo
com os atores cantando e dançando, vestindo roupas muito coloridas e
apresentando um espírito carnavalesco e festivo, que lembrava o tom dos
espetáculos também dirigidos por Amir Haddad, realizados por seu grupo, o
Tá Na Rua, e apresentados em praças e outros logradouros públicos.
Logo após o envolvente prólogo, de tom fortemente afetuoso na relação dos
atores com os espectadores presentes, tinha início a representação da peça
propriamente dita. Quer dizer, a partir daí o espectador se deparava com um
campo energético distinto daquele instituído pelo prólogo musical e festivo.
Por mais tênue que se quisesse, definia-se temporalmente uma espécie de
ponto de passagem ou fronteira clara distinguindo o real (encontro das pessoas dos atores com os espectadores, não mediado por qualquer fábula) e a
ficção (constituição da situação e das personagens dramáticas), que passava
a ter início a partir do final do prólogo festivo. O encenador seguiu sua antiga
orientação, presente não só nos trabalhos do Grupo Tá na Rua, mas também
nas encenações que realiza no circuito profissional-comercial a pedido de atores e atrizes que o solicitam como diretor ou como supervisor (Pedro Cardoso,
Clarisse Niskier e outros). Essa orientação quanto ao trabalho atorial é a de
valorizar a aparição da pessoa e da subjetividade do ator em cena, evitando
ao máximo do possível que o intérprete/atuador seja encoberto por traços
de caracterização da personagem e evitando também uma representação
cenográfica muito forte ou acentuada do lugar da ação representada, ou
seja, do ambiente da ficção dramática. Tanto o lugar, quanto a personagem
devem ser apenas indicados, simplesmente comentados, citados, por meio de
traços representacionais tênues ou por elementos meramente alegóricos. É
verdade que, se os elementos representacionais/referenciais do microcosmo
ficcional são atenuados, os traços da manifestação da teatralidade podem,
ao contrário, ser bastante destacados. No caso dos espetáculos do Tá na Rua,
há uma utilização de cores abertas e intensas nos figurinos, como de forte
musicalidade, elementos esses que tendem a valorizar não exatamente a
Relação do dramático com o real |
representação orgânica e fechada da narrativa ou do drama ficcional, mas a
realidade efetiva do evento teatral visto fundamentalmente como momento
alegre e crítico de encontro entre os intérpretes e espectadores nas praças
e logradouros públicos.
Mas, a opção por desconstruir o arsenal de táticas de caracterização/representação de personagem pode implicar, algumas vezes, certa redução da energia
ou, pelo menos, do tipo de energia com a qual habitualmente os atores e atrizes
buscam angariar a atenção concentrada e contínua do espectador no teatro
dramático (aquele que tem texto definido, com personagens claros, com uma
fábula que se desenvolve, etc.). Talvez em decorrência disso, tenha ocorrido,
no caso de Bodas de Sangue, certa decepção em parte do público quanto ao
estilo de representação fornecido no espetáculo. Ouvi manifestações de desapontamento, especialmente da parte de estudantes universitários de teatro
com os quais convivo em minhas aulas. Esses jovens atores em formação se
incomodaram com a atitude de não-representação dos intérpretes em cena,
Grupo Teatro
de Vertigem –
Espetáculo BR
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compreendendo, a princípio, essa orientação como sendo uma fragilidade
técnica dos artistas e não como uma experiência deliberada de irrupção da
subjetividade real dos atores e das atrizes em meio à ordem ficcional do drama.
Experiência essa por meio da qual se desfazem certos formatos padronizados e
certas noções de eficiência teatral, bem como se desconstroem determinadas
estruturas rítmicas predominantemente aceitas como adequadas ao temporitmo cênico e à dinâmica intensificada do evento teatral.
Busquemos entender o que se deu. Tratava-se de um elenco muito grande,
que foi formado durante uma oficina de trabalho ministrada por Haddad
para atores e atrizes profissionais ora mais, ora menos experientes. Quer
dizer, havia, de fato, um desnível entre os intérpretes do ponto de vista de
sua experiência anterior e de seu domínio técnico. Esse desnível não deve ter
sido considerado um problema, uma vez que não parece ter havido qualquer
seleção entre os integrantes da oficina para a constituição posterior do elenco,
mas provavelmente o aproveitamento do conjunto dos que participaram até
o final da oficina. O que tendia a se destacar como fundamental no espetáculo
era o agenciamento coletivo de modos de subjetivação por meio do teatro.
Modos de subjetivação esses que, ao que tudo indica, já tinham se iniciado
na oficina de trabalho (e que estavam ligados aos fluxos afetivos, à interação
coletiva, ao prazer da ação em comum, sem perda das singularidades e diferenças individuais). Pode-se supor que, na etapa de duração da oficina, mais
Quando falo em modos de subjetivação, tenho em mente a ideia de Michel Foucault de que
o sujeito se constitui no interior de uma série de relações com o poder, com os modos de
sujeição do indivíduo, mas também com uma dimensão de interioridade que só se constitui na relação com os outros, com o fora de si. As reflexões sobre a subjetividade e sobre o
poder estão, portanto, fortemente imbricadas no pensamento foucaultiano. Os modos de
subjetivação como produção de singularidades não marcadas pela padronização exercida
pelo poder vai interessar também a pensadores como Gilles Deleuze e Felix Guatarri e,
mais recentemente, a filósofos como Antônio Negri e, no Brasil, Peter Pál Pelbart e Suely
Ronik. Seguem algumas referências bibliográficas: DELEUZE, GUATARRI (
); GUATARRI,
ROLNI (
); FOUCAULT (
); PELBART (
).
Antônio Negri e Michael Hardt, no livro Multidão, escrito em parceria pelos dois autores,
chamam a atenção para a diferença da noção de multidão, como conceito operacional
para a formação de coletividades de resistência política no contexto contemporâneo em
relação a categorias modernas como povo, classe operária e outras que foram importantes
em momentos cruciais das lutas políticas no século XX. A ideia multidão lida com a articulação de desejos e necessidades comuns, sem, porém, a criação e a imposição de padrões
Relação do dramático com o real |
do que se treinarem técnicas tais ou quais parecia ser importante a revisão
de princípios gerais do teatro, a libertação dos participantes frente à força
aprisionadora da noção de técnica e dos modos hegemônicos de legitimação
profissional do ator (o norte único do sucesso individual, a hierarquização
entre o trabalho nas grandes mídias e os percursos teatrais mais alternativos,
etc.). Essa apreensão da experiência anterior à estreia me é inspirada pelos
modos de constituição do próprio espetáculo (fortemente coral, com os
integrantes do elenco se revezando nos vários papéis de uma apresentação
para a outra) e também pelo conhecimento da trajetória de Amir Haddad
como encenador e como líder teatral, notório fomentador da constituição
de grupos de teatro de longa duração e da busca de trajetórias alternativas
de realização e de veiculação pública do produto teatral.
No instante em que o trabalho em torno de Bodas de Sangue se torna público,
completa-se, agora com a presença dos espectadores, a experiência coletiva
fundamental de produção de subjetividade, de descoberta de modos de
sentir e de estar junto, de conceber diferentemente a expressão artística e
de recebê-la também de modo singular. A festividade marcante do prólogo
é indicativa de uma alegre vontade de constituir momentos de experiência
compartilhada, bem como de laços de solidariedade no processo de libertação
de certos constrangimentos, dentre os quais aqueles ditados pelos formatos
profissionais-comerciais dominantes para o evento teatral. Esses formatos são
vistos, então, como padronizadores e opressivos tanto para a sensibilidade
do artista, quanto dos espectadores e da atitude individualizada a que são
conduzidos na recepção dos espetáculos teatrais tradicionais. A pulsação dos
intérpretes ou agentes do evento cênico, no espetáculo dirigido por Amir no
Teatro Tom Jobim, não poderia se pautar prioritariamente por qualquer horizonte de correção supostamente técnica na representação de personagens
ficcionais. O que se almejava parecia ser, ao contrário, a instauração de um
fluxo de intensidades necessariamente pouco formalizadas por parte dos
atuadores. Ocorre, porém, que, dentre eles, aquelas e aqueles mais experientes souberam, a meu ver, tensionar ou equilibrar melhor o exercício de
gerais, de identificações orgânicas e unificadoras, sem a exclusão das múltiplas diferenças
e singularidades. (HARDT, NEGRI,
). Penso que esse livro de Negri e Hardt pode ser de
grande auxílio para se pensar a relação do teatro do presente com o real.
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atenuação da composição representacional em prol de fluxos livres com, por
outro lado, a manutenção de pelo menos alguns traços, ainda que sutilizados,
de caracterização das personagens, de definição de seus objetivos, de seus
impulsos interiores e de seu pathos específico na situação dada.
Quando vemos os espetáculos de Amir Haddad na rua, a exemplo do que
ocorria em Bodas de Sangue, também testemunhamos, frequentemente,
uma espécie de prólogo, que é um tipo de aquecimento inicial dos atores, por
meio de canções e danças, incluindo-se uma série de evoluções do elenco pelo
espaço físico em que logo depois tem início a peça ou a narrativa específica
que estará em jogo. Os espetáculos do Grupo Tá na Rua em espaços abertos
dialogam intensamente com as condições urbanas da localidade em que se dá
cada apresentação e com as contingências específicas do momento (da hora,
dos passantes, da população de rua que pode ter um tipo de participação
menos educada do que a dos espectadores habituados a acompanharem a
produção teatral). Nessas condições particulares, a etapa inicial de dança e
de música não tem apenas a finalidade de levar os atores a se aquecerem,
mas tem também o objetivo de estabelecer, de configurar o ambiente teatral,
o ambiente extraordinário da cena em pleno campo de circulação habitual,
banal e corriqueira de pessoas, de veículos e de mercadorias no cotidiano da
cidade. Nesse ambiente teatral, como constituído pelo Grupo Tá na Rua em
seus espetáculos – ambiente em que se produz uma grande roda, mas não se
configura um palco construído – passa a ser de pouca importância, de fato, as
formas de composição minuciosa e detalhada do personagem pelo ator. Esse
tipo de procedimento seria possivelmente de efeito expressivo desprezível.
No espaço sensível instaurado no ambiente urbano pela presença festiva do
Grupo Tá Na Rua, os elementos cênico-dramático-narrativo-musicais do evento performático são perpetrados pelas injunções do acaso e do real externo à
ficção teatral, do mesmo modo como aqueles elementos teatrais, por sua vez,
transformam e até transtornam momentaneamente as configurações materiais e afetivas, as dinâmicas subjetivas, na ordem e nos fluxos da cidade.
Há algumas referências bibliográficas bastante úteis sobre o Grupo Tá Na Rua. Em primeiro
lugar, está o belo livro organizado por Licko Turle e Jussara trindade (TURLE, TRINDADE,
), mas também alguns trabalhos acadêmicos inéditos como a dissertação de Ana Carneiro (
) e a monografia de final de curso de Angela Rebello (
).
Relação do dramático com o real |
Quanto ao Teatro Oficina e no que tange à discussão em foco, ou seja, a relação do dramático com o real, eu gostaria, a princípio, de chamar a atenção
para alguns aspectos do espaço físico do edifício. O teatro é provido de teto
móvel, que permite, ao ser aberto, a visão do céu, das estrelas ou da luz do
dia. Há também, em um dos lados, uma grande parede de vidro que dá acesso
à visão dos carros que circulam sobre o minhocão (aquele imenso viaduto
que cruza o centro da cidade de São Paulo e que passa em frente ao edifício
do Teatro Oficina). Para o ciclo Os sertões, foram construídas aberturas e
varandas em várias alturas da parede vidro. Essas estruturas de varandas e
janelas dotaram a companhia de mais um recurso teatral: a passagem de
atores e atrizes, durante os espetáculos, para fora do volume arquitetônico
do teatro cruzando a parede de vidro e podendo, inclusive, encontrar, na
parte externa, a copa de alguma grande árvore.
A ligação com o fora não se dá, nos espetáculos do Teatro Oficina, apenas
pelas partes altas e aéreas do edifício (teto móvel e janelas/varandas), mas
também pelo chão, no andar térreo, por meio do portão que se abre a toda
hora e pelo qual as atrizes e os atores circulam durante as apresentações,
ora com os figurinos dos personagens, ora desnudados, como sabem os frequentadores das peças dirigidas por Zé Celso. Ocorre também que, em muitos
dos espetáculos da companhia paulista, a abertura da grande porta dupla
do edifício no começo das sessões não se destina de imediato à entrada do
A arquiteta Lina Bo Bardi foi a criadora, ao lado de Edson Elito, do projeto arquitetônico
do atual Teatro Oficina, com seu palco-pista, suas arquibancadas verticais suportadas por
estruturas de ferro, sua parede de vidro em grande extensão de uma das laterais do teatro,
seu teto móvel, seu canteiro, no qual nasce uma árvore centenária que atravessa a parede
de vidro, para crescer e respirar do lado de fora. No projeto de Lina Bardi e Edson Elito,
concebido em diálogo com o diretor José Celso, estava prevista a instalação de numerosos
monitores de TV (ideia do terreiro eletrônico), para a utilização com imagens a serem exibidas durante os espetáculos. Sobre o projeto arquitetônico do Teatro, pode-se consultar
o livro que contem desenhos, aquarelas, plantas, de Lina Bardi e Edson Elito, bem como
textos dos dois e de José Celso (BARDI; ELITO; CORRÊA,
).
Essas e outras intervenções arquitetônicas foram de responsabilidade de Oswald Gabrielli,
que assina, na temporada de
do ciclo completo de Os sertões (conjunto de cinco espetáculos construídos entre
e
), as direções de cena das primeiras encenações
do ciclo em sua remontagem para essa temporada e assina, no último espetáculo do ciclo
(A luta II, que estreia em
), a “direção de arte e arquitetura cênica”, como aparece no
programa da peça.
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público, mas serve à saída do elenco que vem de dentro para o exterior do
teatro, várias vezes cantando e dançando, de um modo em muito irmanado
ao que indiquei acima sobre o início de Bodas de Sangue de Amir Haddad.
Dessa forma, não são os espectadores que caminham para seus lugares e
para o encontro individual do sonho dramático-ficcional que se espera que
o palco instaure. São, antes, os artistas que se deslocam ao encontro do
real externo a esse sonho, onde estão os espectadores que aguardam do
lado de fora, na estreita faixa de rua, entre a fachada do teatro e o viaduto
do minhocão.
No último espetáculo do ciclo Os sertões, ou seja, a Luta II, a saída dos atores
do teatro se dava com uma energia fundamentalmente violenta. Concretizavase, com a abertura abrupta e ruidosa dos portões pelos atores e atrizes, uma
situação repentina e inesperada de conflito urbano entre policiais e supostos
bandidos, todos fortemente armados. Alguns dos atores traziam de dentro
do teatro um latão oxidado, cheio de gasolina, onde se colocava fogo e o
latão incendiado era, então, jogado para o meio da rua, depois que os atores
haviam interrompido momentaneamente o trânsito, levando, assim, ao menos algum susto aos motoristas, antes que esses últimos compreendessem,
possivelmente num segundo momento, que se tratava de teatro e, portanto,
de ficção e não de realidade. Nas apresentações ocorridas no Rio de Janeiro,
em meio à programação do Festival Internacional de Teatro Riocenacontemporânea de
, não houve a interrupção do trânsito e nem a remessa do
latão para o meio da pista de circulação de veículos. Talvez essa opção para
as apresentações cariocas se explique pelo receio das consequências que o
susto pudesse acarretar como reações dos motoristas já tão traumatizados
por assaltos e ações criminosas de grupos que agem em vias públicas, como
as que são conhecidas como Linha Amarela e Linha Vermelha, bem como no
interior e nas saídas dos túneis que interligam zonas distintas da cidade.
O espectador que, durante as apresentações, acompanha o trânsito dos atores para dentro e para fora do edifício do Teatro Oficina em São Paulo percebe
que esse trânsito se associa semanticamente tanto às circunstâncias da ficção,
quanto ao discurso paralelo que sempre se acrescenta, nas encenações de Zé
Celso, ao enunciado ficcional propriamente dito. Esse enunciado pode ser o
da história do príncipe Hamlet na peça de Shakespeare, o das sacerdotisas do
Relação do dramático com o real |
Deus Dionísio na tragédia de Eurípedes ou, ainda, o da biografia de uma atriz
importante em certo momento da história do teatro brasileiro, Cacilda Becker.
Mas, as pessoas que circulam a pé ou em veículos na rua e que se deparam
com atores, muitas vezes sem roupas, circulando em frente ao teatro, não
têm como fazer essas associações semânticas facultadas aos espectadores.
No caso de uma ação teatral forte como a que se dava no início de A luta II do
lado de fora do teatro, seria especialmente interessante que tivesse havido
algum registro e algum estudo consequente sobre a reação dos passantes e
motoristas desavisados. Mas, no interesse deste artigo, gostaria apenas de
chamar a atenção para o fato de que a vontade de intervenção no mundo, a
vontade de falar e de agir no presente, é que parece levar os atores a estabelecerem a todo instante uma relação não apenas referencial, mas também,
digamos, tátil, experiencial, com o ambiente externo ao teatro. Nesse caso,
o drama só serve ao artista como plataforma para que ele salte e atinja o
entorno em que ele vive na atualidade. Esse é o desejo que o move. O drama
encenado nunca é dado apenas pelas linhas de um microcosmo ficcional
fechado e pela interação entre personagens dentro desse microcosmo. O
drama é também e sempre a cena do real e do presente.
O viés do discurso paralelo e do comentário potencializa uma notória multiplicação da ordem do sentido nas peças do Teatro Oficina. Nas encenações,
fala-se sempre da cidade de São Paulo, do bairro em que se localiza o Teatro, das lutas de interesses na configuração do espaço urbano, das tensões
políticas mais amplas a nível nacional e internacional. Mas, ainda que o discurso paralelo promova um fluxo desterritorializante e desestabilizador de
quaisquer significados fechados e unívocos, de qualquer dinâmica ficcional
encerrada em si mesma, ele também tem sua ordem interna de prioridades,
certa continuidade ou certa persistência de tópicos que retornam. O discurso
paralelo tem, enfim, uma densidade própria na qual e por meio da qual se
revelam as posições políticas e existenciais fundamentais que se quer afirmar
no momento presente. A força da enunciação, chamando a atenção para o
lugar e para o tempo em que se está, constitui, assim, no Teatro Oficina, tanto
um fluxo desterritorializante, quanto a configuração de uma territorialidade.
Os dois aspectos são simultâneos, interdependentes e ambos fundamentais
para a compreensão do que se opera nos trabalhos do Teatro Oficina. É em
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Grupo Teatro
de Vertigem –
Espetáculo BR
meio a um jogo permanente de vai e vem entre âmbitos heterogêneos ou
forças distintas (o enunciado ficcional e a situação de enunciação, a desterritorialização de significados e a constituição de território) que, no Oficina,
configura-se um campo importante de consistência do desejo. Campo no qual
se dão os agenciamentos políticos operados pela Companhia e os processos
de subjetivação promovidos pela experiência dos seus espetáculos e por
meio, fundamentalmente, da grande interação entre artistas e espectadores
que neles se verifica. Um recurso importante para abertura do enunciado
dramático-ficcional ou narrativo-teatral aos conflitos e às forças do presente,
no Teatro oficina, é a utilização da imagem técnica. Projeta-se grande quantidade de vídeos durante as apresentações não só sobre os telões, mas por
todo o espaço do teatro e sobre os corpos dos espectadores. Essas imagens
podem ser tomadas dos atores durante as exibições por certos cameramen
Relação do dramático com o real |
que integram a equipe e circulam entre os intérpretes. Mas podem também
ser trechos extraídos do telejornalismo do presente ou imagens criadas especialmente para os espetáculos e por meio das quais se faz menção a grande
número de questões e aspectos da vida coletiva, das relações de força e de
poder, dos confrontos circunscritos e pontuais e de outros mais amplos e
gerais na vida planetária do presente.
Gostaria ainda de fazer menção brevemente ao Teatro da Vertigem de Antônio
Araújo. Como é fato conhecido entre artistas, pesquisadores, professores e
estudantes de teatro, os espaços físicos onde os espetáculos do Teatro da
Vertigem ambientam-se são lugares carregados de memória histórica e vivência coletiva. Há nesses espaços as marcas de uma experiência efetiva. Em
sua trajetória, a companhia de Antônio Araújo lançou mão frequentemente
da utilização de edifícios já desativados em sua função original, como antigos
hospitais e presídios, para instalar suas representações teatrais. Num trabalho mais recente, o Teatro da Vertigem voltou-se para um território móvel e
inimaginável para uso teatral: as águas poluídas do Rio Tietê em São Paulo
ou da Bahia de Guanabara no Rio de Janeiro. No barco em que assistiam
ao espetáculo enquanto percorriam um trecho do Tietê, os espectadores
tinham não só a visão das cenas do espetáculo BR , mas também a percepção
da cidade de São Paulo a partir de um interior mais remoto, da cloaca da
cidade, que é o rio que recebe os esgotos das residências e das indústrias.
Esse aspecto da localização no que é mais marginal e desprezível, do estabelecimento desse ponto de vista específico, é radicalizado pelas temáticas e
pelas personagens da ficção dramático-narrativa encenada. Os personagens
são pobres e marginais e são vistos em lugares também marginalizados e
Os espetáculos do ciclo do Teatro da Vertigem conhecido como Trilogia Bíblica foram três:
) O paraíso perdido (dramaturgia de Sérgio de Carvalho), ) O livro de Jó (dramaturgia de
Luís Alberto Abreu) e ) Apocalipse , (dramaturgia de Fernando Bonassi); todos dirigidos
por Antônio Araújo, tiveram respectivamente as seguintes locações e anos de estreia: )
Igreja Santa Ifigênia, São Paulo,
; ) Hospital Humberto Primo, São Paulo,
; ) Presídio do Hipódromo, São Paulo,
.
A peça, com dramaturgia de Bernardo Carvalho, direção de Antônio Araújo, dramaturgismo de Sílvia Fernandes e Ivan Delmanto, estreia em São Paulo em
e se apresenta no
Rio de Janeiro em
na programação do Festival Riocenacontemporânea (FERNANDES,
ÁUDIO,
; MATERNO,
).
| Subtexto . Revista de Teatro do Galpão Cine Horto
violentos. Esses lugares ficcionais referidos são muito distantes entre si:
Brasília no período de sua construção, um bairro periférico paulista flagrado
anos após a ocorrência ficcional verificada na construção de Brasília e, ainda,
uma cidade do Acre a que um dos personagens chega ao final em busca do
pai desconhecido. A última cena do espetáculo em São Paulo se dava numa
parte superior e aberta do barco dos espectadores. No Rio de Janeiro, essa
cena ocorria em uma ilha da Bahia de Guanabara, onde o barco atracava e
os espectadores desembarcavam para se dirigirem a uma antiga edificação
e nela assistirem ao momento derradeiro da ficção encenada.
Não será possível, para não me alongar em demasia, deter-me nos espetáculos
do Teatro da Vertigem. Mas a breve menção à companhia já permite reuni-la,
por mais distintas que sejam as linguagens teatrais, aos exemplos anteriormente referidos. Todos eles apontam para um traço comum a diferentes vertentes
da produção teatral contemporânea. Esse traço compartilhado por diversos
grupos e companhias tem a ver com o desejo de uma fala e de um gesto teatrais
que se façam como drama do local, como dramaturgia do real, mas também
como intervenção na vida e no tempo presentes. Essa ambição do teatro atual,
essa dimensão da cena do presente, penso que só pode ser adequadamente
compreendida se visualizada em sua condição de modos de subjetivação, de
produção de subjetividade coletiva e individual, de agenciamentos de formas
de sentir e de estar no mundo. O que se revela em trabalhos teatrais como
esses que mencionei aqui é uma vontade de ação corporal no mundo. Ação
essa que é também fala, discurso, intervenção, interação dos corpos individuais
com o corpo do mundo. Penso que essa ação teatral não pode ser suficientemente percebida se o observador a circunscreve em um âmbito puramente
formal, seja como qualidade de movimento, seja como visualidade teatral,
seja como pura poética da cena entendida como muito específica e vista
como ordem que exclui a linguagem verbal. Na verdade essa última deve ser
apreendida, a meu ver, como um dos aspectos também importantes, dentre
vários outros, da cena atual, dependendo de ênfases e prioridades ditadas,
evidentemente, por diferentes necessidades e questões artísticas dos vários
criadores e agrupamentos teatrais. Boa parte do teatro do presente carregase de um campo consistente de desejo que é de caráter fundamentalmente
político. Essa dimensão política, evidentemente, não se limita de modo algum
Relação do dramático com o real |
a conteúdos pedagógicos sobre os sofrimentos e opressões coletivas, ainda
que não exclua necessariamente o interesse por tais conteúdos e referências.
Mas é, fundamentalmente, na relação com os lugares, na interação dos artistas
entre si e desses com os espectadores, na ressonância de uma fala ficcional
vazada para o real externo à ficção, que se poderá dar início ao trabalho teórico e crítico de compreensão da profunda dimensão política assumida por
boa parte da criação teatral contemporânea, seja no âmbito cênico, seja no
campo dramatúrgico, seja no trabalho dos atores.
Referências bibliográficas:
BARDI, Lina Bo. Teatro Oficina. Lisboa: Editorial Blau, Instituto Lina Bo e P.
M. Bardi,
.
CARNEIRO, Ana Maria Pacheco. Espaço cênico e comicidade: a busca de
uma definição para a linguagem do ator (Grupo Tá Na Rua –
).
Dissertação de Mestrado em Teatro. Programa de Pós-Graduação
em Artes Cênicas / Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro
(UNIRIO),
.
DELEUZE, Gilles e GUATARRI, Félix. Anti-Édipo: capitalismo e esquizofrenia.
Trad. Joana Moraes Varela e Manuel Carrilho. Lisboa: Assírio &Alvim,
.
FERNANDES, Sílvia; AUDIO, Roberto (orgs). Teatro da Vertigem: BR . São
Paulo: Perspectiva,
.
FOSTER, Hal. Le retour du réel: situation actuelle de l’avant-garde. Bruxelas: La Letre Volée,
.
FOUCAULT, Michel. História da sexualidade I: a vontade de saber. Trad.
Maria Thereza da Costa Albuquerque e J. A. Guilhon Albuquerque. Rio
de Janeiro: Edições Graal,
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GUATARRI, Felix; ROLNIK, Suely. Micropolítica do desejo. Petropólis: Vozes,
.
HARDT, Michael e NEGRI, Antônio. Multidão. Trad. Clóvis Marques. Rio de
Janeiro: Record,
.
MATERNO, Angela. Meditação sobre a noite: paisagem e fronteira em BR .
In: Sala Preta: Revista do PPG em Artes Cênicas, N. . Sâo Paulo: ECA/
USP,
.
| Subtexto . Revista de Teatro do Galpão Cine Horto
NESTROVSKI, Arthur (apresentação). Trilogia bíblica. São Paulo: Publifolha,
.
PELBART, Peter Pál. Vida Capital: ensaios de biopolítica. São Paulo: Iluminuras,
.
REBELLO, Angela. Somma ou Os melhores anos de nossas vidas: arqueologia de um exercício teatral. Monografia de final de curso de Bacharelado em Artes Cênicas. Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro
(UNIRIO),
.
TURLE, Licko; TRINDADE, Jussara. Tá na Rua: teatro sem arquitetura, dramaturgia sem literatura e ator sem papel. Rio de Janeiro: Instituto Tá
na Rua,
.
Relação do dramático com o real |
ATENÇÃO, POROSIDADE E
VETORIZAÇÃO:
Por onde anda o ator contemporâneo?
Tatiana Motta Lima*
Neste texto, pretendo refletir sobre algumas possibilidades para o ator na
contemporaneidade. Essas possibilidades não são ideias descarnalizadas ou
proposições ideais. Elas já estão presentes em algumas experiências teatrais ou
parateatrais e em certos modos de pensar/praticar a formação de atores.
Pelos limites deste texto, não vou descrever essas experiências, ou referir-me
a tal ou qual espetáculo. Preferi, ao contrário, apresentar diretamente certos
modos de pensar/fazer que, acredito, estejam envolvidos nessas práticas.
Mas, embora tenha optado por não descrever as experiências das quais
nasceram essas reflexões sobre o trabalho do ator na contemporaneidade,
refiro-me a elas nessa introdução apenas para que não se acredite que objetivo é o de fazer um texto de caráter normativo; que busco oferecer um
número de regras que permitiriam julgar a contemporaneidade (ou não) do
trabalho de um certo ator.
O esforço por nomear certos procedimentos ou modos de abordagem do trabalho atoral nasce muito mais em diálogo com (e a partir de) minhas dúvidas,
interesses e gostos pessoais do que da pretensão de estabelecer parâmetros
para o trabalho de qualquer um. Espero, por outro lado, que as ideias e reflexões levantadas neste texto possam ajudar a pensar e a colocar em questão
nossa própria prática de artistas e/ou de professores de atuação.
O que tem mais me chamado à atenção são aquelas experiências nas quais o
processo criativo é ao mesmo tempo uma indagação sobre diferentes modos
de ser no mundo, sobre possíveis modos de subjetivação, uma indagação
sobre esta gente de hoje que somos nós. E, quem é essa gente de hoje que
* Atriz e professora
do Departamento
de Interpretação
da Escola de Teatro
da UNIRIO. Seus
principais temas
de pesquisa são
Grotowski, processo
criativo do ator e
formação do ator.
| Subtexto . Revista de Teatro do Galpão Cine Horto
somos nós? Parece que esta é a pergunta que certos processos criativos e
pedagógicos atorais perseguem, tentando provisórias respostas através do
contato desta gente entre si e com os diferentes materiais – personagens,
textos, objetos, locais – que têm à sua disposição no teatro.
Beckett diz em O Inominável: “Quanto a mim vai demorar mais, quanto a
mim vai ser alegre que ainda não foi dado estabelecer com o menor grau de
precisão o que sou, onde estou, se sou palavras entre palavras ou se sou o
silêncio no silêncio, para lembrar apenas duas das hipóteses lançadas sobre
o assunto”.
Pois é desta gente que não sabe com precisão o que é, nem conhece o sentido último das coisas que estamos falando, gente em pesquisa de si mesmo,
em observação de si mesmo e, consequentemente, em devaneios, ilusões,
esperanças, epifanias e fracassos.
Talvez valha a pena também citar uma poesia de Fernando Pessoa: “Apontamento”. Nela, a alma do poeta “partiu-se como um vaso vazio” e fez-se
em inúmeros pedaços. Ele diz: “Sou um espalhamento de cacos sobre um
capacho por sacudir”. Duas imagens me são caras nesta poesia: Pessoa diz
ter, como caco, “mais sensações do que quando me sentia eu” e fala, ainda,
de “cacos absurdamente conscientes, ... conscientes de si mesmos”.
Permitindo-me fazer uma relação com as experiências de atuação e com as
experiências de processos de formação de ator que têm me interessado,
posso dizer que elas dialogam com esses cacos de organismos, com os homens fragmentados que somos e nos sentimos. Esses homens que seguem
as transformações internas sem querer corrigi-las, mas observando-as com
curiosidade, tentando estar absurdamente consciente dos pedaços, sem negálos, sem rejeitá-los e vendo aonde isto vai dar, se vai dar em algum lugar.
Não há nessas experiências a afirmação (e a posse) de um eu fixo (esse “quando me sentia eu”, do qual falou Pessoa), sujeito de suas ações e objetivos que
olha o mundo como objeto de sua planificação consciente. Ao contrário, aparecem cacos conscientes e sensíveis, agindo e se observando agir; afetando-se
mutuamente, deixando-se transpassar pelo mundo. Descobrindo-se caco,
pedaço, fragmento, coisa, homem, mais que homem.
Relação do dramático com o real |
Pode-se mesmo dizer que, nessas abordagens, o ator experimenta-se
(criando-se ou desvelando essa possibilidade, não importa) como ‘cacos
conscientes’, como subjetividade porosa, no sentido de permeável ao mundo,
e pode, talvez, experimentar também uma espécie de ‘corpo-vetor’, uma
corporeidade que não bloqueando o dinamismo da vida pode moldar, mediar
ou vetorizar esse fluxo junto ao espectador.
Num certo sentido, essas são experiências que podem ameaçar algumas
representações estáveis (e, portanto, ilusórias) de ator, de espectador, de
teatro, de gente; enfim, certas representações estáveis (e ilusórias) de algumas identidades profissionais ou não.
Depois desta introdução, gostaria de apresentar alguns modos de abordagem
do trabalho do ator que podem contribuir para essas experiências.
Um dos pontos importantes da investigação desse ator que aceita e acolhe a
instabilidade é o que nós nos acostumamos a chamar em teatro de “trabalho
sobre a escuta”, mas que também pode ser nomeado como a possibilidade
de vivenciar uma ‘atenção flutuante’ ou um alargamento (ou descondicionamento) da percepção.
A noção de ‘escuta’ pressupõe que o ator trabalha todo o tempo em ‘relação’
ou em ‘contato’ com os inúmeros parceiros materiais (textos, sequências,
companheiros, espaço físico, etc.) e imateriais (imagens, sentimentos,
sensações). Ele não se vê como ‘separado’ da relação com esses parceiros
(como se houvesse um lado ‘de fora’, ou lugar objetivante) e, muito menos,
como ‘manipulador’ desses elementos (como se houvesse um lugar de
trabalho separado do lugar de ‘afetação’). Estar em contato significa, ao
contrário, perceber-se como parte da anima mundi e, permanentemente,
reagir e ajustar-se ao dinamismo desses parceiros sem submetê-los a uma
‘objetivação’ ou, em outras palavras, a um controle estrito da ‘expressão’.
Essa é, portanto, uma subjetividade (de ator? de homem?) mais ‘aberta’ aos
atravessamentos do fluxo da vida no corpo (ou melhor, que compreende o
corpo enquanto partícipe do fluxo da vida).
A ‘escuta’ pressupõe também que a ação do ator não é nem voluntarista – no
sentido de que é precedida e suportada por uma ideia ou um pensamento que
| Subtexto . Revista de Teatro do Galpão Cine Horto
não se relaciona com o ‘momento presente’ –, nem dependente – no sentido
de que realiza apenas aquilo que é indicado ou controlado de fora, por outrem.
Uma escuta ‘ativa’ pressupõe uma ação ‘passiva’, entendendo aqui ‘passividade’ como a permissão de receber, deixar ressoar e reagir às permanentes
mudanças que ocorrem no espaço interno/externo do próprio ator.
O espaço da cena é muito menos um espaço de expressão voluntária (de
uma ideia, de um texto) ou de composição (um sujeito que reúna e organize
previamente todos os elementos da cena) e mais um espaço de afetação ou
de contágio. Não é que o ator não possa trabalhar sobre ‘partituras’ ou que
não possa ter organizações ou estruturas prévias, mas ele entende essas ‘partituras’ como redes capazes de ajudá-lo, ao mesmo tempo, a aguçar/alargar
os canais de percepção e a sair dos automatismos. A ‘partitura’ aqui não é
proteção contra o devir, contra a transformação permanente dos quadros
internos/externos nem deve favorecer o ensimesmamento do ator como se
agora ele ‘possuísse’ ou ‘controlasse’ a sua expressão.
Talvez possa se pensar a ‘partitura’ (como fez Grotowski) como as margens
de um rio caudaloso. As margens fazem a contenção e propõem um percurso
para a água do rio, mas seria absurdo se elas intentassem paralisar o seu
fluxo. Grotowski também utiliza a imagem das rédeas postas em um cavalo
e manejadas por um bom cavaleiro. O bom cavaleiro não prende o galope
selvagem do cavalo; seu ‘controle’ é, ao mesmo tempo, ‘submissão’. E talvez
seja mesmo nesse paradoxo do controle/submissão – como também naquele
da passividade/atividade – que devamos pensar esse trabalho de ator que
estou querendo explicitar.
Podia-se ainda dizer que a ‘atenção flutuante’ abre aos atuantes a possibilidade de estar em um campo de afetação ininterrupta, transformando, portanto,
um modelo de subjetividade fixa, racional. Além disso, acompanhando o
percurso desse ator, o espectador é convidado não a contemplar uma obra,
mas a compartilhar uma experiência.
Falei mais acima em ‘fuga dos automatismos’ e gostaria de explicitar um
pouco mais essa expressão através de um fragmento de texto de Cassiano
Quilici, no seu livro Antonin Artaud – Teatro e Ritual. Quilici diz que “os automatismos corporais não se manisfestariam apenas nos movimentos externos
Relação do dramático com o real |
do corpo, nos seus gestos mecânicos e estereotipados. Eles atuariam em um
nível micro-físico, por exemplo, no nascer de uma sensação e no modo com
que ela é rapidamente nomeada, classificada, interpretada, trazidas para o
campo do já conhecido”.
Essa afirmação de Quilici permite, em primeiro lugar, que entendamos os
automatismos dentro de um campo psicofísico. O clichê aqui seria todo e
qualquer bloqueio feito às inúmeras e sempre presentes ações inerentes à
dinâmica da vida psicofísica. Os automatismos bloqueariam novas possibilidades de afetação/significação, sendo uma ‘leitura’ apressada e, muitas
vezes, confortável – menos perigosa – dos acontecimentos.
A cena à qual venho me referindo (e mesmo a sala de aula de atuação) é, ao
contrário, um lugar de percepção e fuga desses automatismos, desses esquemas prontos de causa-efeito, de sensação-nomeação; as significações – e
portanto a expressão – não são conhecidas e controlas a priori.
O ator suspende, nessa ‘cena instável’, o que Beckett chamou, em seu livro
sobre Proust, de “vigilância do hábito”: um modo de olhar e de olhar-se que
não abre espaço para o desconhecido e, portanto, para as descobertas, mas
que remete imediatamente cada nova percepção aos esquemas prévios do já
conhecido. Em outro momento do livro, Beckett refere-se à queda daquela
vigilância: “...quando o objeto é percebido como particular e único e não
como um simples membro de uma família, quando ele aparece independente de qualquer noção geral e desligado da sanidade de uma causa, isolado
e inexplicável à luz da ignorância, então e somente então poderá ser uma
fonte de encantamento”.
Os ‘encantamentos’, as ‘epifanias’ são justamente os lugares onde a esforço feito pelo sujeito para perceber-se como individualidade estável, fixa e
apartada cede, relaxa, permitindo, ao mesmo tempo, a fragmentação e,
paradoxalmente, o alargamento da noção de subjetividade.
Essa percepção da particularidade de cada evento, de cada objeto, de cada
micro-sensação só pode ser realizada por um ‘olhar em movimento’, por
aquela ‘atenção flutuante’ que, aceitando a instabilidade, não intenta ‘possuir’
o evento por uma definição/objetivação feita a priori, mas que consente estar
| Subtexto . Revista de Teatro do Galpão Cine Horto
como partícipe do evento e, dessa maneira, restitui a ele novas possibilidades
de significação.
Um outro ponto importante é que esse ator – que estou chamando aqui de
contemporâneo – não é um ator ‘identificado’ com a personagem, com as
situações cênicas, com suas ações. A identificação pressupõe, novamente,
um sujeito que se esforça por anular toda a alteridade trazendo-a para o
campo conhecido do que considera ‘eu’. O que me interessa, ao contrário,
é um ‘eu’ que se perceba instável e dinâmico e que, portanto, não possa
trabalhar dentro da identificação, mas da afetação ou, como chama Peter
Brook, de um ‘comprometimento’ com seu personagem.
Para clarear essa oposição entre identificação e comprometimento, Brook
propõe a imagem da mão e da luva como uma analogia para a relação atorpersonagem. A mão veste a luva, mas não é a luva. O que interessa a Brook
é chamar a atenção para o ‘espaço vazio’, para um espaço que poderíamos
chamar de espaço de ‘respiração’, que há entre a mão e a luva. E é desse
espaço de suspensão, de não nomeação a priori, mas de comprometimento
e afeto que, parece-me, falava também Pessoa quando se referiu àqueles
‘cacos conscientes’ e que tinham ‘mais sensações do que quando me sentia
eu’. Um espaço de alargamento da percepção é, ao mesmo tempo, um espaço
de alargamento da própria subjetividade.
Aqui um novo par paradoxal, além daqueles que relacionam atividade/
passividade e controle/submissão, aparece: é o par proximidade/distância.
Parece que sem um ‘espaço’, sem uma certa ‘distância’, não há como acolher
ou aproximar-se da alteridade, mesmo do que podemos experimentar como
nossa própria alteridade, ou seja, aquilo que é desconhecido em nós. Sem
essa distância, o corpo do ator transforma-se no que venho experimentando
chamar de um ‘corpo-imã’ e todos os eventos e acontecimentos são lidos a
partir da sua personalidade já conhecida, são rapidamente anexados a sua
‘pessoalidade’. O ator acredita-se único produtor e beneficiário preferencial
dos acontecimentos, como – para contar uma anedota – um estudante que
questionou a nota baixa que recebera em um resumo, dizendo que resumir
era “muito pessoal”.
Relação do dramático com o real |
Em oposição – ainda quase dicotômica – ao ‘corpo-imã’, tenho experimentado
o termo ‘corpo-vetor’. Creio que esses dois termos nasceram, entre outras
coisas, de um exemplo que já se tornou em certa medida célebre entre a
gente de teatro e que vem do livro O Ator Invisível de Yoshi Oida. Oida fala
de dois atores que, no teatro Kabuki, devem apontar a lua: o primeiro faz
o espectador ver a sua maneira específica de apontá-la, recolhe o olhar do
espectador ao seu próprio corpo de ator e à sua maneira de trabalhar sobre
esse corpo. O espectador, dependendo da virtuose do ator, pode se encantar
com esse corpo que aponta. O segundo ator, ao apontar a lua imaginária,
faz o espectador se encantar – lembrar, presentificar – a própria lua. Oida
diz preferir o segundo.
Em primeiro lugar parece ser verdade que a atenção do ator pode conduzir
aquela do espectador, o que significa dizer que quando o ator se preocupa
(coloca a sua atenção) com o seu corpo, com a composição desse corpo, etc.,
o espectador também acessa essa mesma percepção. Não se trata aqui de
uma questão moral. Não estou dizendo que o primeiro ator é narcisista ou
algo do gênero. Mas, parece-me que ele constrói com seu ato uma noção de
sujeito e de ator diferente daquele que – ‘corpo-vetor’ – nos faz ver, o seu
próprio atravessamento – e a lua aqui vira metáfora.
O segundo ator é passagem, mas também vetor já que, aceitando os atravessamentos, permite que esses sejam visíveis. A partir desse ator, o espectador
pode ver os outros atores, o espaço, o texto, pode se ver a si mesmo como
espectador. Ele não é seduzido e cooptado para dentro do ator e de seu
virtuosismo, não fica refém do ‘corpo-imã’.
Todos esses elementos permitem perceber modos de subjetivação que
não separam de forma estrita aquilo que geralmente chamamos de espaço
ficcional e de espaço real.
Um ator que estivesse aguçado nas suas percepções, poroso, vazado, relacional, capaz de epifanias, aceitando contágios, afetações e, portanto, aceitando
a sua singularidade e solidão, que permanecesse junto a seu corpo enquanto
realidade instável, parte da anima mundi, seria um ator que estaria fora de
uma divisão mais estrita entre aquilo que é real e aquilo que é ficção. Pois,
afinal, em que campo colocar um certo tipo de memória, a sensação, a fan-
| Subtexto . Revista de Teatro do Galpão Cine Horto
tasia, a imaginação, as micropercepções fugidias, senão em um campo da
potência e da virtualidade? E aí, onde está a ficção e onde o real?
Esse ator estaria em uma experiência que Quilici nomeou de ‘não forma’,
e que ele descreve assim: “Um corpo que se mantêm no fluxo contínuo de
sensações, afetos, percepções que aparecem e se dissolvem incessantemente
sem querer agarrá-las ou rejeitá-las”. E continua: “O fazer poético exigiria
a conquista da intimidade com os espaços informes, que podem conduzir a
dissolução da própria representação do ‘sujeito’. É dessa familiaridade com
o informe e a impermanência vivida no próprio corpo e nas relações que
poderá surgir uma nova qualidade de ‘ação’ e de ‘presença’”. Finalizando,
Quilici ainda cita Holderin, dizendo que, para o poeta, o artista “expõe-se à
força do indeterminado, sustentando essa abertura. Ao mesmo tempo, ele
deverá ser o mediador, aquele capaz de moldar a forma que acolhe o puro
fluir silencioso”.
O ator pode – na bela descrição de Quilici – tornar-se íntimo e familiar ao
informe e ao impermanente. Pode expor-se a (e sustentar uma) abertura
ao indeterminado. Ao mesmo tempo, por sua própria função, ele tem a
possibilidade de – novo paradoxo – dar forma ao informe, acolher em uma
dita ‘estrutura’ o fluxo dinâmico da vida. O espaço da cena (normalmente
chamado de espaço ficcional) seria, assim, um espaço de experimentação e
de indagação de certas intensidades/subjetividades diferentes daquelas mais
comumente experimentadas no cotidiano.
Assim, como disse Pelbart no texto “Ueinzz, viagem a Babel”, o teatro pode
“ajudar a curar-nos da tentação de substancializar nossas personagens cotidianas e seus impasses desejantes”. Já que, na experiência teatral, “cada
personagem emerge com a força secreta da ficção, isto é, contingente e necessária, precária e eterna, volátil e imemorial, tudo isso ao mesmo tempo.
E cada personagem faz fremir, por trás de seu contorno fugidio e do ‘por um
triz’ em que se sustenta, singularidades impalpáveis”.
Há algo, nessa afirmação, que diz respeito a uma ‘ecologia da cena’ e do
trabalho do ator. A percepção/consciência da fragmentação, da participação,
da instabilidade e do dinamismo da subjetividade pode ser, em um primeiro
momento, aterradora para um sujeito demais aferrado à estabilidade e de-
Relação do dramático com o real |
mais preso ao que denominou como seus contornos individuais; por outro
lado, ela também pode ser ‘cura’ e liberdade em relação a essa figura que
exige esforços desmesurados – e talvez desnecessários – para bloquear os
atravessamentos, a porosidade, a afetação e a percepção dos cacos.
Referências Bibliográficas
BECKETT, Samuel. Proust. Porto Alegre: L&PM Editores.
BECKETT, Samuel. O Inominável. Rio de Janeiro: Nova Fronteira,
.
PESSOA, Fernando. Apontamento. In: Poemas de Alvaro de Campos, obra
poética IV. Porto Alegre, LP&M.
PELBART, Peter Pal. Ueinzz, Viagem a Babel
OIDA, Yoshi. O Ator Invisível. São Paulo:Via Lettera.
QUILICI, Cassiano. Antonin Artaud – Teatro e Ritual. São Paulo: Fapesp; Anna
Blume,
QUILICI, Cassiano. A Experiência da Não-Forma. In: TFC. Edição
(revista eletrônica).
, ano
,
Relação do dramático com o real |
Teatralidades do real
Sílvia Fernandes*
É visível que uma parcela considerável das práticas cênicas de hoje, especialmente dos grupos de teatro, não visa apenas à criação de uma peça,
ou do que se poderia considerar um produto teatral acabado e comercializável no mercado da arte. Uma parte significativa do teatro de grupo, especialmente quando opta por processos colaborativos, é reconhecida pelo
envolvimento em longos projetos de pesquisa que, ainda que visem, em
última instância, à construção de um texto e de um espetáculo, parecem
distender-se na produção de uma série de eventos pontuais. Talvez se pudesse caracterizar essas breves criações apresentadas em ensaios públicos
ou produzidas em workshops internos como teatralidades episódicas, inacabadas, contaminadas de performatividade, cujo caráter instável explicita
uma recusa à formalização. Essas experiências em geral aparecem de modo
mais urgente que o desejo de finalização num objeto/teatro, e em geral se
processam numa relação corpo a corpo com o real, entendido aqui como
a investigação das realidades sociais do outro e a interrogação dos muitos
territórios da alteridade e da exclusão social no país.
Talvez por isso os trabalhos de grupo em geral se desviem do domínio relativamente seguro do produto teatral acabado, em que o assunto é o mote
de vinculação ao contexto, para invadir territórios de natureza política, antropológica, ética e religiosa por meio de pesquisas de campo que, aparentemente, deixam em segundo plano tanto as investigações de linguagem
quanto a militância explícita. Na verdade, são os próprios processos que se
desdobram em mecanismos recidivos de intervenção direta na realidade e
funcionam como microcriações dentro de um projeto maior de trabalho.
Essas intervenções de teatralidade operam um desvio no que se considera a
mais genuína intenção da criação teatral – a produção de uma dramaturgia
e de um espetáculo – e sinalizam a multiplicação de práticas criativas pouco
* Professora
adjunta da USP. Fez
graduação, mestrado
e doutorado em Artes
Cênicas na Escola de
Comunicações e Artes
da Universidade de
São Paulo. Realizou
pós-doutoramento
na Universidade de
Paris , em
.
Tem experiência na
área de Artes, com
ênfase em Teoria
do Teatro, atuando
principalmente na área
de teatro brasileiro
contemporâneo.
| Subtexto . Revista de Teatro do Galpão Cine Horto
ortodoxas, cuja potência de envolvimento no território da experiência social tende a superar a força da experimentação estética.
Em um texto recente, Jean-Claude Bernardet observa um movimento semelhante no cinema e nas artes plásticas, que associa a procedimentos da
crítica genética em seu empenho de compreender o itinerário das produções. Nessa visada, as etapas de elaboração da obra não constituem os momentos de um processo que antecede um objetivo final, a obra, ou uma
mera preparação que deve necessariamente ser superada por ela. “Nas
obras que me inspiram estas reflexões, tendencialmente não há obra. Ou
então, a obra é outra coisa. O quê? A obra não é o resultado de um processo
de elaboração superado por uma finalização, ela é o próprio processo de
criação”. Bernardet vê nessa obra processual uma atitude de resistência à
obra definitiva e significativa.
Para o filósofo francês Jacques Rancière, a dimensão política dos coletivos
se evidencia em práticas processuais como essas, em que modos de discurso misturam-se a formas de vida e em que cabe aos artistas criar condições
para que uma experiência comunitária se exteriorize, atuando de modo a
tornar pública determinada realidade política, cultural e econômica. Rancière considera os artistas coletivos “relacionais”, por desenharem esteticamente as figuras da comunidade, ou melhor, recomporem não apenas a
paisagem do visível, mas favorecerem sua evidenciação. E conclui que essas
práticas artístico-sociais não são a simples ficcionalização do real, pois encontram seu conteúdo de verdade na mescla entre a “razão dos fatos” e a
“razão da ficção”.
Um bom exemplo dessas práticas são as intervenções em espaços públicos que os coletivos organizam por meio de exaustivas pesquisas de campo
dedicadas à coleta de depoimentos dos mais diversos cidadãos, de viagens
É interessante notar que Jean-Claude Bernardet comenta nesse texto, “O processo como
obra”, a exposição “A respeito de situações reais”, realizada no Paço das Artes de São Paulo
em maio de
. O artigo foi publicado na Folha de S. Paulo – Caderno Mais! em de
julho de
.
Jacques Rancière, A partilha do sensível: estética e política, São Paulo, Ed.
- .
,
, p.
exploratórias a bairros de periferia das grandes metrópoles brasileiras, de
convívio em zonas urbanas de tráfico, criminalidade e prostituição, de ocupação teatral de albergues de moradores de rua, hospitais psiquiátricos e
prisões, da prática de oficinas, debates e ensaios públicos abertos à opinião
dos espectadores e, principalmente, de processos colaborativos altamente
socializados, que fazem questão de incluir interlocutores tradicionalmente
alijados da criação teatral e buscam uma aproximação com o espectador
não restrita ao momento de apresentação do espetáculo.
Daí a complexidade do coro dissonante que resulta de alguns trabalhos de
grupo, formada pela sobreposição de vozes, saberes e culturas marginais,
em que se explicita uma fragmentação de enunciação que funciona como
mimese exata da fratura social brasileira. Pode-se mencionar casos exemplares desse tipo de produção, como o espetáculo BR do Teatro da Vertigem, as Bastianas da Companhia São Jorge de Variedades e Ueinzz – Viagem
a Babel, da Companhia Teatral Ueinzz.
Não por acaso, dois dos grupos mencionados – o Vertigem e a Companhia
São Jorge – buscam espaços urbanos de uso público para suas apresentações, em geral contaminados de alta carga política e simbólica, além de
Grupo Teatro
de Vertigem
Espetáculo
Apocalipse ,
| Subtexto . Revista de Teatro do Galpão Cine Horto
apresentarem um desvio geográfico de interesses, do centro para as periferias urbanas e nacionais e, especialmente, recusarem-se a funcionar em
circuitos fechados de produção e recepção teatral. Em seus trabalhos, o que
aparece em primeiro plano é a vontade explícita de contaminação com a
realidade social mais brutal, em geral explorada em um confronto corpo a
corpo com o outro, o diferente, o excluído, o estigmatizado.
Na maioria das vezes, o espetáculo que resulta dessas longas trajetórias de
pesquisa não consegue dar conta do intrincado percurso social e artístico que
o precedeu. Um bom exemplo é BR- , do Teatro da Vertigem, fruto de um
processo de mais de dois anos, que envolveu criadores de várias áreas e foi
apresentado em curta temporada de dois meses no leito do rio Tietê, em São
Paulo, em
(e, pouco depois, também poucas vezes, na baía de Guanabara). Independentemente da qualidade do trabalho final, a comparação entre
a brevidade da temporada e a extensão da pesquisa é um dos índices de uma
mudança radical de foco, do produto para o processo criativo, do teatro-espetáculo para performances inacabadas, processuais, que se distanciam das
formalizações canonizadas pela tradição crítica, como é o caso do épico, para
dar vazão a uma teatralidade extrínseca e híbrida. Não se trata, evidentemente, de um repúdio às formas narrativas, mas da projeção de uma “estética da
imperfeição” que se contrapõe às imagens bem acabadas e sedutoras postas
em circulação na “sociedade do espetáculo”, ou mesmo de um “retorno do
rejeitado que não se submete ao beneficiamento da montagem”.
A ensaísta Maryvonne Saison observa que outra face do mesmo processo
é a opção recidiva por mecanismos de confronto do teatro com escritos
testemunhais, como depoimentos, cartas e entrevistas, que hoje proliferam
nas cenas de teatro e cinema, como comprova a explosão de documentários ou a tensão entre realidade e ficção recorrente em alguns filmes, como
os de Eduardo Coutinho, ou na maioria das criações da Companhia dos Atores. O “depoimento pessoal” dos processos colaborativos, da mesma forma
que o “self as context” das teorias performativas de Richard Schechner e
a performance autobiográfica de artistas como Marina Abramovich talvez
sejam sintomas da necessidade de encontrar experiências “verdadeiras”,
Jean-Claude Bernardet, op. cit.
Relação do dramático com o real |
“reais”, colhidas em práticas extra-cênicas e vivenciadas na exposição imediata do performer diante do espectador, como observa Óscar Cornago em
uma palestra recente, em que recorre a Giorgio Agamben para creditá-las
ao déficit de experiência que está na base da modernidade.
Nos casos mais radicais, essas experiências são transplantadas para a cena
em estado bruto, gerando manifestações extremamente incômodas para o
espectador, que podem acontecer por várias vias. Um dos casos exemplares, por sua radicalidade, continua sendo Apocalipse , , trabalho do Teatro
da Vertigem estreado há quase dez anos. Algumas cenas do espetáculo, de
brutalidade desconcertante, pareciam, à primeira vista, modos realistas de
remissão ao contexto social brasileiro. No entanto, um observador atento
percebia uma alteração de estatuto nessas intervenções de realidade. A impressão que se tinha era de que os criadores procuravam anexar fragmentos do real ao tecido teatral que se apresentava. Era visível, por exemplo,
que os traumas da mobilização inicial para o espetáculo, como a queima
de um índio pataxó, em Brasília, e o massacre de cento e onze detentos no
presídio do Carandiru, em São Paulo, ganhavam analogias brutais, como a
cena do corredor polonês, em que os espectadores, pressionados contra a
parede, no escuro, eram roçados pelos corpos que os atores carregavam
sob rajadas de metralhadora; ou a visão do ator crucificado, suspenso pelos
pés de uma altura alarmante; ou a da atriz escancarando o sexo ou sofrendo
agressões físicas reais, depois que um ator urina em seu corpo diante de
espectadores perplexos.
A sofrida experiência do elenco e a exposição de sua intimidade em estados extremos, em que os corpos manifestavam o estado de guerra urbano,
pareciam funcionar como fragmentos do horror da vida pública brasileira
das últimas décadas. Era como se a violência dessa teatralidade espetacular, às vezes próxima do monstruoso, abrisse frestas para a infiltração de
sintomas dessa realidade. O que definia o parentesco da experiência com
alguns dos processos mais radicais da performance contemporânea, pelo
Óscar Cornago, “Actuar de verdad. La confécion como estrategia escénica”. Ver também o
artigo de Ana Bernstein “A performance solo e o sujeito autobiográfico” publicado no primeiro número da revista Sala Preta ,
, p. - . Maryvonne Saison faz as observações
mencionadas no livro Les théâtres du réel, Paris, L’Harmattan,
.
| Subtexto . Revista de Teatro do Galpão Cine Horto
enfrentamento dos limites de resistência física e emocional dos atores, pela
resposta agressiva às questões políticas e sociais da atualidade brasileira
e, especialmente, pela diluição do estatuto ficcional. Nesses momentos de
intensa fisicalidade e autoexposição, a representação parecia entrar em colapso, interceptada pelos circuitos reais de energia desses vários sujeitos.
Grupo Teatro
de Vertigem
Espetáculo
Apocalipse ,
É inevitável especular sobre a possível diluição do estatuto de representação nessas situações de turbulência expressiva. Pois parece claro que um
teatro de vivências e situações públicas não pretende representar alguma
coisa que não esteja ali. A impressão que se tem é de uma tentativa de
escapar do território específico da reprodução da realidade para tentar sua
anexação, ou melhor, ensaiar sua presentação, se possível sem mediações.
Nesse movimento, o que parece evidente é a dificuldade de dar forma estética a uma realidade traumática, a um estado público que está além das
A respeito das referidas práticas da performance, ver especialmente Renato Cohen, Performance como linguagem, São Paulo, Perspectiva,
, e Work in progress na cena contemporânea, publicado pela mesma editora em
.
Relação do dramático com o real |
possibilidades de representação, e por isso entra em cena como resíduo,
como presença intrusa na teatralidade, indicando algo que não pode ser
totalmente recuperado pela simbolização.
De certa forma, faz parte do mesmo processo a incorporação de não-atores a algumas manifestações cênicas contemporâneas, como acontecia em
Ueinzz – Viagem a Babel, criado por Renato Cohen e Sérgio Penna com pacientes do hospital psiquiátrico “A Casa”. É talvez um dos exemplos mais
contundentes da experiência com corpos desviantes que, pela doença, pela
exclusão, pela transgressão da norma, interferem em cena como presença
extra-cênica, que se apresenta mais como sintoma que como símbolo.
A apresentação cênica desses corpos no limiar da loucura define uma das
etapas de um percurso que Renato Cohen chama de “teatro do inconsciente” e continua em Gotham São Paulo, de
, e mais recentemente em
Finnegans Ueinzz. No resgate de alguns pressupostos do teatro da crueldade de Antonin Artaud, essa “cena da loucura” se aproxima de inúmeras
experiências limítrofes do teatro contemporâneo na tentativa de instaurar
o que Grotowski chama de pára-representação. É evidente que, nesse tipo
de teatro, fica difícil discernir texto e cena, e o tênue roteiro ficcional que
descreve a viagem de uma trupe nômade no deserto, em busca de esclarecimento do enigma primordial, ganha em cena uma dimensão quase trágica. Os atuantes cruzam mitos inaugurais, como os do labirinto, da travessia
e dos percursos do herói, a fragmentos de Hesíodo, Paulo Leminski e Ítalo
Calvino que se rearticulam e se potencializam em seus corpos. Segundo
Cohen, coube a ele e Sérgio Pena, os diretores-dramaturgos, a tarefa hermenêutica de trabalhar essa intertextualidade, dando conjunto cênico aos
fragmentos cifrados que iam se apresentando no processo, e se aliavam
a excertos literários e filosóficos, formando um complexo textual feito de
lógicas paradoxais como a do “labirinto que anda”.
Para o espectador, o que emergia dessa teatralidade assustadora eram
densidades, pesos, signos opacos da experiência humana mais abissal que,
entretanto, paradoxalmente, às vezes vinham organizados por princípios
Renato Cohen, “Rito, tecnologia e novas mediações na cena contemporânea brasileira”,
Sala Preta ,
, p. - .
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de condensação e deslocamento, mecanismos específicos da elaboração
onírica que Freud discrimina e definem operações frequentes na arte contemporânea. Por meio deles, uma partitura instável de palavras, espasmos
e movimentos se construía entre os atores, o espaço e o espectador. Era
visível a tentativa dos encenadores de organizá-la em esquetes fixos, acompanhados por música ao vivo. Mas os atores sempre preferiam a deriva.
Interrompiam suas performances para assistir à cena dos outros, ou para
encarar o público, e retomavam, mais tarde, as sequências inacabadas, improvisando monólogos em vozes inaudíveis, ou glossolalias estranhamente
amplificadas pelo aparato eletrônico montado no palco. O que Renato Cohen considerava uma “estridente partitura de erros”, de achados e de reinvenções, instituía uma espécie de ritual laico, plasmado na temporalidade
incomum de uma disritmia feita de pausas entre os monólogos e os movimentos, que colocava o espectador em estado de produção. A verdade é
que a relação entre o texto e sua presentação ficava profundamente altera-
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Relação do dramático com o real |
da por esses novos sujeitos da cena, que criavam uma espécie de suspensão
da teatralidade, sustentando-se no acontecimento e não na representação.
Talvez acontecesse, nessa experiência, o que Jean-François Lyotard chama
de “teatro energético”, para referir-se a um teatro que não procura a significação, mas as forças, as intensidades e as pulsões da presença. Uma proposta que, de certa forma, já se delineia na poética artaudiana, como uma
teatralidade de gestos, figurações e encadeamentos que evita os signos de
ilustração, indicação ou simbolização, na tentativa de projetar-se como corrente de energia que atua como sinalização de limiar.
No entanto, é preciso notar que, ao contrário de Lyotard, vários teóricos do
teatro contemporâneo, como Herbert Blau e Philip Auslander, na esteira
de Jacques Derrida e sua crítica à metafísica da presença em Antonin Artaud, argumentam que seria ingênuo imaginar situações em que o teatro
conseguisse neutralizar seus próprios dispositivos e tentasse a retração da
linguagem para lutar contra a representação ou a adesão irrestrita a determinadas tradições. Para essa linhagem crítica, só há real significante e o
significante existe apenas na linguagem. Dito de outra forma, tudo é signo e
é impossível fugir à representação.
No entanto, alguns estudiosos do teatro contemporâneo procuram olhar
a questão de outro ponto de vista. É o que faz Josette Féral em um texto
recente, em que sustenta que todo espetáculo é uma relação recíproca entre teatralidade e performatividade. A ensaísta define a teatralidade como
o resultado de um jogo de forças entre as estruturas simbólicas específicas do teatro e os fluxos energéticos – gestuais, vocais, libidinais – que se
atualizam na performance e geram processos instáveis de manifestação
cênica. Por recusar a adoção de códigos rígidos, como a definição precisa
de personagens e a interpretação de textos, a performance apresenta ao
espectador sujeitos desejantes, que em geral se expressam em movimen-
Não há espaço nem fôlego para discutir aqui a posição de Jacques Derrida, para quem a
poética do teatro da crueldade de Antonin Artaud quer, simultaneamente, produzir e destruir a cena e por isso sua gramática permanece no limite inacessível de uma representação que não seja representação, mas presença plena. A escritura e a diferença, São Paulo,
Perspectiva,
. O ensaio de Jean-François Lyotard, “Le dent, la palme”, foi publicado em
Des dispositifs pulsionelles, Christian Bourgeois,
.
Grupo Teatro
de Vertigem
Espetáculo BR-
tos autobiográficos e tentam escapar à representação, lutando por definir
suas condições de expressão a partir de redes de impulso. Em resumo, para
Féral a performatividade é responsável por aquilo que torna uma performance única a cada apresentação enquanto a teatralidade é o que a faz
reconhecível e significativa dentro de um quadro de referências e códigos.
Não apenas o teatro, mas outras formas de arte como a dança, o circo, o
ritual e a ópera procedem da combinação entre diferentes instâncias de
performatividade e teatralidade, e o que varia é exatamente o grau de preponderância de uma ou outra.
Féral avança uma nova etapa dessa discussão em ensaio publicado há um
ano, em que projeta o conceito de “teatro performativo”. Discordando
de Hans-Thies Lehmann a respeito do conceito de teatro pós-dramático, a
autora considera algumas das experiências analisadas pelo teórico alemão
como resultado da contaminação radical, que acontece no teatro contemporâneo, entre procedimentos da teatralidade e da performance, o que
Lehmann já havia observado em seu estudo, quando notava a emergência
de um “campo de fronteira entre performance e teatro à medida que o
Josette Féral, “Entre performance et théâtralité: le theatre performatif, Théâtre/Public,
n. ,
, p. - .
Relação do dramático com o real |
teatro se aproxima cada vez mais de um acontecimento e dos gestos de
autorrepresentação do artista performático”.
No que se refere especificamente à dramaturgia brasileira da última década – e me refiro aos textos produzidos em cena ou para a cena, qualquer
que seja sua natureza – é visível que algumas criações também sofrem o
processo de desdramatização analisado por Lehmann, concomitante ao
afastamento dos pressupostos épicos praticados e teorizados por Bertolt
Brecht e exemplarmente analisados por Walter Benjamin e Peter Szondi. De
fato, o que se percebe é que certas práticas de escritura compartilhada que
definem a cultura de grupo, e de que participam dramaturgos, atores, encenadores e dramaturgistas, usam estratégias de composição do texto que
não mais se ligam ao especificamente dramático ou épico, e parecem indicar
o recuo desses modos de representação frente a uma realidade social que
já os superou. Na tentativa de traduzir uma percepção particular da realidade social brasileira, certos textos operam versões modificadas dos gêneros,
contaminadas de traços épicos, líricos e dramáticos, o que acaba criando
um modo alternativo de expressão dramatúrgica que o teórico francês JeanPierre Sarrazac chama de rapsódico, referindo-se ao uso livre e variado que
o rapsodo faz dos gêneros. Segundo Sarrazac, a pulsão rapsódica está presente nas manifestações impuras e paradoxais da dramaturgia contemporânea, ao mesmo tempo épica e íntima, que se constrói no jogo de oposições
entre traços dramáticos, líricos, narrativos e até mesmo argumentativos, e
entre os gêneros trágico, farsesco, grotesco e patético, na tentativa de expressar o movimento incessante de tensão entre os contrários.
No caso de alguns autores brasileiros, como Newton Moreno e Bernardo
Carvalho, por exemplo, o “devir rapsódico” resulta numa espécie de dramaturgia migratória, que tenta mapear jornadas exploratórias à memória
rural ou ao presente das grandes metrópoles brasileiras destruídas pela
violência, pela fome e pela desigualdade social. É da união de formas tea-
Hans-Thies Lehmann, Teatro pós-dramático, trad. Pedro Süssekind, São Paulo, Cosac Naify,
.
Jean-Pierre Sarrazac, O futuro do drama – escritas dramáticas contemporâneas, Campo
das letras, Lisboa,
.
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Cia. Teatral Ueinzz
Espetáculo Viagem
a Babel
trais e extra-teatrais, e da expressão de vozes narrativas contaminadas por
subjetividades líricas e dramáticas que surgem peças como Agreste e BR ,
em que o texto processual acompanha a mobilidade e o questionamento da
identidade dos protagonistas. Ismail Xavier observa o mesmo traço no cinema dos anos
, em que questões de identidade e de movimento na história brasileira são traduzidas em termos de deslocamento espacial. E Flora
Sussekind reconhece característica semelhante na literatura do período,
em que histórias de migração e inadaptação social combinam traços da experiência rural ao cotidiano citadino, operando “uma reconfiguração artística das tensões entre localismo
e cosmopolitismo”. O crítico Kil
Abreu detecta na dramaturgia
brasileira o mesmo fenômeno,
notando que certos textos teatrais justapõem a vida cotidiana
aos processos históricos de tal
forma que a problemática individual acaba apontando para
a tragédia coletiva, em uma
permanente oscilação entre o
microcosmo dramatúrgico e o
macrocosmo social e político
que o desestabiliza. Emprestando suas palavras, “é no interstício espacial e temporal que a narrativa
acontece, e dimensiona-se à margem, ou em um lugar que é só trânsito, em
tese fora do espaço histórico, que no entanto evoca por ocultação.”
É nos interstícios desse trânsito que se constituem as experiências dramatúrgicas e cênicas, sociais e existenciais, poéticas e políticas, processuais e
espetaculares, reais e ficcionais aqui relatadas. Dessa familiaridade paradoxal emerge uma nova qualidade de real no teatro.
Kil Abreu, Trajetórias de migrantes. Narrativa e questões de gênero na dramaturgia brasileira contemporânea, dissertação de mestrado apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Artes Cênicas da ECA/USP,
.
Movim
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Movimentos coletivos da ccena
Movimentos coletivos da cena |
Criação Coletiva entre Coletivos:
um olhar desde a Universidade
Luiz Fernando Ramos*
O teatro brasileiro contemporâneo apresenta algumas características marcantes, que o distinguem sobremaneira não só frente ao teatro, no Brasil,
em outros períodos históricos, como o destacam na comparação com a realidade, por exemplo, da produção teatral europeia contemporânea. Interessa-me aqui focar em duas características que se combinam para constituir
essa especificidade temporal e geográfica. A primeira é a cumplicidade cada
vez mais estreita entre as pesquisas desenvolvidas no âmbito dos programas de pós-graduação em artes cênicas e os processos criativos dos novos grupos teatrais, principalmente aqueles que, a partir dos anos noventa,
passaram a trabalhar em regime colaborativo, para além das hierarquias
funcionais do teatro comercial. A segunda, que tem estreita relação com
a anterior, é o caráter de compartilhamento que as práticas desses novos
coletivos assumem, numa franca troca e soma de esforços, implicando esses territórios comuns tanto em ganhos cumulativos como em indesejada
padronização de procedimentos.
Pesquisa Teórica e Investigação Artística
No Brasil dos anos sessenta, o teatro assumiu um papel central na articulação dos processos culturais, liderando a resistência à ditadura militar e
tornando-se referência aos artistas de outras áreas como o cinema e a música. Como espaço de convivência presencial, no aqui e agora, era natural
que os teatros se tornassem o âmbito privilegiado para o debate de ideias
e a proposição de formas de luta contra a censura e o arbítrio. Nesse período, a relação dos artistas teatrais com a Universidade era ambígua. Por um
lado, boa parte do público que afluía às salas para partilhar as transforma-
* Professor do
Departamento de
Artes Cênicas da USP.
Pesquisador do CNPq,
coordena o GIDE –
Grupo de Investigação
do Desempenho
Espetacular – e o
Programa de PósGraduação em
Artes Cênicas da
USP. É encenador,
dramaturgo,
crítico de teatro e
documentarista.
Realizou pesquisas
em torno da produção
teatral de Gordon
Craig, Samuel Beckett,
Tadeusz Kantor,
José Celso Martinez
Corrêa e Martins
Pena. Atualmente
pesquisa em torno dos
conceitos de mimese
e teatralidade como
operadores da cena
contemporânea.
| Subtexto . Revista de Teatro do Galpão Cine Horto
ções estéticas propostas era de estudantes universitários. Por outro, a própria universidade vivia uma profunda crise, com muitos de seus professores
presos ou exilados. Assim, havia um “bode” com a instituição universitária
e era impensável qualquer compromisso com a produção intelectual que
emanasse dela naquelas circunstâncias de exceção. É dessa época o neologismo “universotário” que tanto traduzia um preconceito, como cavava
um abismo entre os que criavam e os que pensavam, ou entre exploração
artística e pesquisa científica.
A realidade das relações contemporâneas entre grupos teatrais e grupos de
pesquisa na universidade é completamente distinta. De fato, com a consolidação dos cursos superiores de artes cênicas, nos anos , foi a geração
que se formou nas habilitações de interpretação, direção, dramaturgia e
teoria que iniciou um processo de renovação da cena brasileira, propondo
novas metodologias de trabalho de caráter coletivo e um novo olhar para
as questões sociais e políticas, em perspectiva renovada frente à da geração
dos anos sessenta. Paralelamente, com o crescimento do sistema de pósgraduação brasileiro, a área de artes, e particularmente a de artes cênicas,
teve um desenvolvimento notável e, nos últimos anos, diversos programas
se consolidaram em todo território nacional. Curiosamente muitos dos pesquisadores que realizam mestrados e doutorados no momento, ou que já
assumem a condição de orientadores nesses programas, pertencem à geração que, saída dos cursos de graduação em Artes, criaram seus próprios
grupos e, de algum modo, passaram a trabalhar seus processos criativos
numa perspectiva de investigação teórica e empírica próxima da que costuma ocorrer no âmbito da universidade.
Esse fenômeno se revela de forma mais nítida no caso de São Paulo e da USP,
universidade brasileira que primeiro abrigou um Programa de Pós-Graduação em Artes Cênicas. De algum modo, a massa crítica gerada no âmbito desse programa pode adensar suas propostas de criação na perspectiva de uma
investigação vertical, graças à lei municipal de fomento ao teatro, que, desde
o início da última década, já estimulou quase uma centena de grupos a encetarem processos de investigação prática e teórica de longo prazo. Muitas
vezes esses processos têm reverberado em mestrados e doutorados, criando-se um círculo virtuoso de alimentação mútua das pesquisas universitárias
Movimentos coletivos da cena |
e dos processos criativos. A mesma perspectiva tem se difundido em todo o
país e, de outras formas que não a da lei do fomento da cidade de São Paulo,
tem havido um estreitamento da relação entre a universidade e a produção
teatral. Reconhecendo-se que nessa simbiose, além dos aspectos positivos,
também há os problemáticos – não se pode deixar de manter uma perspectiva crítica frente à qualidade real tanto das pesquisas teórico práticas geradas
no âmbito dos programas de pós-graduação, quanto da densidade das práticas teóricas dos grupos fomentados e que realizam investigações de fôlego
–, independente disso, contudo, creio que há consenso sobre a singularidade
do atual momento da produção teatral brasileira frente a outras épocas e,
principalmente, frente ao que se observava nos anos sessenta.
No que diz respeito ao panorama internacional, mais especificamente o europeu, é interessante observar para além das aparências imediatas em que
medida a experiência brasileira nesse aspecto é também única. Na realidade, nos últimos anos, desde a assinatura do chamado “acordo de Bolonha”,
as instituições europeias de ensino superior de artes tem sido pressionadas
a estreitarem seus programas entre si e com a produção cultural fora da
universidade. Nesse sentido, poder-se-ia aproximar o quadro descrito sobre
o Brasil com o dos países europeus. Mas não é tão simples. No caso brasileiro trata-se de um fenômeno que emerge a partir dos próprios grupos,
que na ausência de vínculos com o mercado teatral e sem a perspectiva de
financiamento de suas pesquisas artísticas encontram na universidade, seja
enquanto lugar de trabalho seja como espaço de investigação financiada, um
horizonte. No caso europeu, como bem apontou o pesquisador espanhol Óscar Cornago em uma recente palestra, trata-se muito mais de uma pressão
institucional para “aproximar as instituições de ensino superior da sociedade
em geral”, ou, de outro modo, garantir “que o que se produz nas universidades responda de uma maneira mais clara às necessidades da sociedade”.
É certo que os apontamentos de Cornago poderiam ser extensivos ao caso
brasileiro, quando ele, por exemplo, se questiona “porque converter as artes
“La Investigación em artes escênicas: conocimiento e experiência”, texto apresentado na
mesa redonda “Pesquisa teórica e os processos de criação na cena contemporânea”, realizada na V Reunião Científica da Associação Brasileira de Pesquisa e Pós-Graduação em
Artes Cênicas, no dia de novembro de
, na USP.
| Subtexto . Revista de Teatro do Galpão Cine Horto
em uma forma de investigação”, traçando interessantes e inquietantes questionamentos sobre essa cumplicidade que aqui se destaca como positiva.
De qualquer modo, no caso europeu, essa aproximação é de fato artificial e
está sendo forçada, pois muitos espaços de ensino prático de artes cênicas,
mais aproximados dos conservatórios, têm resistido a aderirem ao “acordo
de Bolonha”, e, nas Universidades, as áreas práticas e teóricas, de pesquisa
do fazer e do pensar permanecem em tensão, driblando as exigências institucionais de fusão das atividades de pesquisa. Assim, fica exposto porque se
pode pensar na experiência brasileira de afinidade entre criadores e pesquisadores, dentro e fora da universidade, como inédita e relevante.
Práticas coletivas: contaminações e migrações de procedimentos
O chamado processo colaborativo, que se tornou prática corrente entre a
maioria dos grupos de teatro brasileiros contemporâneos, pressupõe investigações artísticas abertas. Tanto no sentido de não haver de início um ponto de chegada definido, como no que diz respeito aos procedimentos que
serão utilizados. A relação não hierárquica entre os criadores, e a noção de
saberes especializados se friccionando e contrapondo, para que se obtenha um resultado final satisfatório, sugere menos a busca de um método a
ser buscado obsessivamente, e mais a composição de procedimentos, muitas vezes estranhos entre si, na exploração de novos resultados possíveis
pela combinação inédita dos mesmos. Sendo assim, é natural que, com o
fortalecimento coletivo dessas práticas, a maior organização política dos
grupos frente aos agentes financiadores e, inclusive, com a criação de uma
massa crítica, envolvendo um público que também é compartilhado, surjam
migrações de procedimentos e contaminações entre processos criativos a
princípio distantes entre si.
Essa assimilação generalizada de procedimentos pelos grupos tem aspectos
tanto positivos como negativos. No que diz respeito aos primeiros, interessa aqui exemplificar com um caso em que essa migração favoreceu a qualidade dos processos. Quanto aos senões, me permitirei pontuar em que
medida essa padronização se torna indesejável.
Espetáculo Rainha [(s)] –
duas atrizes em busca de
um coração
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Um exemplo recente pode ser observado no processo de criação do espetáculo “Rainha [(s)] – duas atrizes em busca de um coração” estreado no final
de
, em São Paulo e já apresentado em diversos festivais por todo o
país. Reunindo atrizes de diferentes companhias e a diretora de um terceiro
grupo, o processo desse espetáculo foi muito peculiar e abrigou a combinação de procedimentos desenvolvidos em processos que o antecederam.
A atriz e encenadora Georgette Fadel, da Cia São Jorge de Variedades, foi
convidada pela atriz e produtora Isabel Teixeira para dividirem a cena em
uma adaptação de Mary Stuart de Schiller, a ser inicialmente conduzida pelo
dramaturgo Fernando Bonassi. Para dirigir, Isabel convidou a encenadora Cibele Forjaz, da Cia Livre, com quem trabalhara por muito anos, mas de quem
se separara para integrar o elenco do espetáculo “Da Gaivota”, dirigido por
Enrique Diaz. Logo no início da pesquisa o dramaturgo convidado teve que
se retirar e as duas atrizes e a encenadora assumiram a tarefa da adaptação, passando a trabalhar em processo colaborativo e a levantar a dramaturgia através de improvisos. Tendo aprendido na montagem de Da Gaivota
o procedimento desenvolvido por Enrique Diaz, que grava em vídeo todos
os improvisos para depois transcrevê-los e ter um mapa concreto do que foi
criado antes de fechar a encenação, Isabel Teixeira passou a fazer o mesmo
no processo com Georgette e Cibele. Foi dessa maneira que se constituiu a
dramaturgia do espetáculo e que Isabel desenvolveu uma metodologia própria, que agora difunde em oficinas. Temos aqui um singelo e interessante
exemplo de contaminação, cujo alcance não se encerra neste caso isolado,
mas, provavelmente, se desdobrará em novas experiências de apropriação.
Outro exemplo que ainda se poderia evocar, menos localizado e mais genérico, diz respeito ao procedimento predominante nos processos de criação
dos grupos brasileiros, que é o famigerado “colaborativo”. Remontando
historicamente aos anos
do século passado, nas primeiras experiências
do encenador alemão Erwin Piscator, e tendo um desenvolvimento importante nos anos sessenta e setenta na acepção da “criação coletiva”, o processo colaborativo instalou-se como prática dominante no início dos anos
noventa justamente entre grupos que se formavam nos cursos de graduação em artes cênicas. A eliminação da hierarquia de mando no processo,
sem prejuízo do respeito às diversas funções criativas em uma encenação,
Movimentos coletivos da cena |
visava a um novo modo de organização, mas, também, atendia à carência
de financiamento e à busca de uma forma sustentável de produção. A essas primeiras experiências vieram se juntar procedimentos apreendidos no
exterior, como a técnica do “view points” desenvolvida pela encenadora
norte-americana Anne Bogart, adotados por companhias influentes nesse
período como a Cia dos Atores e o Teatro da Vertigem. Tudo isso, somado
ao fato de os artistas desses grupos, e outros que adotavam o procedimento, passarem a difundir essas técnicas nos cursos universitários em que atuavam, e em oficinas por todo o Brasil, transformou aquele procedimento
de criação em prática corrente. Hoje, pode-se dizer, o que era um método
de compartilhamento da criação tornou-se quase uma fórmula necessária
a qualquer grupo jovem de teatro, ilustrando de certo modo o que pode
haver de nocivo na padronização coletiva de procedimentos.
A aproximação do processo criativo em teatro de uma investigação científica, ou à perspectiva do cientista, que experimenta em laboratório muitas vezes tateando sem nenhuma certeza o caminho a percorrer, é a princípio benigna e inspiradora. Na Rússia dos primeiros anos da revolução bolshevique,
artistas como Malévich e Tatlin criaram um “Instituto de Pesquisa da Cultura
da Arte” para mais do que criar obras pensar sobre a criação das mesmas e
investigar os caminhos de sua efetivação. Bertolt Brecht também utilizou a
metáfora da ciência para defender, por exemplo, o uso dos “livros modelo”
nas encenações do Berliner Ensemble. A ideia não era criar um padrão rígido
a ser copiado em futuras montagens, como, infelizmente, acabou sendo reduzida a sua contribuição, mas compreender que, como na ciência, há sempre que se pesquisar partindo-se de terrenos conquistados. Uma pesquisa
será tanto mais potente quanto incorpore ganhos e os faça avançar além dos
limites do que já é conhecido. Assim, tanto os processos criativos em teatro
quanto as pesquisas em artes cênicas realizadas no âmbito da universidade
só têm que ser fiéis a esse pressuposto básico das experiências científicas.
Não estar aferrado a dogmas e estar sempre disposto a colocar em dúvida as conquistas obtidas na experimentação. Assim como não há limites ao
conhecimento humano tanto nos níveis macro, como o da investigação do
cosmos, como micro, da pesquisa biológica e das partículas da matéria, a
investigação artística não se encerra em obras-primas, ou procedimentos
| Subtexto . Revista de Teatro do Galpão Cine Horto
hegemônicos, mas deve estar aberta a constantes revoluções. É claro que
o ser humano e a sociedade em que ele habita continuarão sendo o sol em
torno do qual orbitarão os artistas e cientistas. Mas sempre haverá um novo
ponto de vista a ser desvendado em meio às infinitas rotações da vida.
Espetáculo Rainha [(s)] – duas atrizes em busca de um coração
Movimentos coletivos da cena |
Agrupando grupos,
coletivizando coletivos
Fernando Yamamoto*
É comum o reconhecimento do o Encontro Brasileiro de Teatro de Grupo, realizado por quinze grupos na cidade de Ribeirão Preto (SP), em
,
como um marco inaugural de um novo momento do teatro de grupo do
país. Desde então, o movimento dos coletivos teatrais brasileiros ganhou
força e vem conquistando um espaço cada vez mais importante na história
do nosso teatro.
Muito se tem pensado e produzido sobre estas práticas, seja na academia
ou nos próprios grupos. Continuidade, pesquisa, treinamento cotidiano, práticas pedagógicas, relação com a comunidade são alguns termos associados
ao pensamento do teatro de grupo, nesta vasta produção de conhecimento
sobre o tema.
No entanto, passadas quase três décadas desde este referencial encontro,
alguns novos traços surgem com muita força e recorrência na produção
mais recente dos grupos brasileiros e, por consequência, a necessidade de
uma tentativa de reflexão e mapeamento destas tendências.
O pesquisador e encenador André Carreira, em seu artigo no quinto número da revista Subtexto aponta, na atividade dos grupos a partir dos anos
, o distanciamento do vigor militante que norteava a prática dos grupos
durante os anos
, dando espaço para uma busca pela investigação da
própria noção de grupalidade.
A constatação de Carreira abre caminho para entendermos que traços o
teatro de grupo contemporâneo vem buscando. Esta busca pela noção de
CARREIRA, André. “Teatro de grupo: a busca de identidades”. In Subtexto, no , dezembro
de
.
* É um dos fundadores
do Grupo de
Teatro Clowns de
Shakespeare, de
Natal (RN). Pelo
grupo, dirigiu vários
espetáculos, dentre
eles Muito Barulho
por Quase Nada,
Roda Chico, Fábulas
e O Casamento do
Pequeno Burguês.
Recebeu diversos
prêmios, como APCA
e FEMSA/CocaCola, em
, pela
direção do espetáculo
Fábulas. Atualmente
desenvolve a pesquisa
“Cartografia do
Teatro de Grupo no
Nordeste”, viabilizada
pela Bolsa Funarte de
Produção Crítica.
| Subtexto . Revista de Teatro do Galpão Cine Horto
grupalidade é observada, por exemplo, no crescente número de publicações – em livros, revistas e outros formatos – que os próprios grupos vêm
desenvolvendo nos últimos anos. O pesquisador Alexandre Mate, ao fazer
uma análise sobre esta tendência, indica que “(...) decorrente da insistência
de artistas e de pesquisadores, que entendem a memória como um processo de troca de experiência, diversas trajetórias de andança de trabalhos
absolutamente significativos no pais têm sido registradas”.
Outro aspecto relevante na tentativa de radiografar este instante do teatro
de grupo no país são as aproximações dos processos criativos com o público, como investiga o ator Chico Pelúcio em seu artigo nesta revista.
Além destes, também é muito significativa na produção contemporânea de
coletivos a ocorrência de experiências de trocas e intercâmbios, seja em movimentos mais amplos, seja em experiências mais pontuais e restritas, tema
em relação ao qual pretendo apontar alguns questionamentos neste artigo.
Nestas três tendências – publicações, aberturas de processos criativos e
movimentos de intercâmbio –, vejo a busca por um reconhecimento da sua
própria forma de organização o leitmotiv comum.
O que vem acontecendo?
Podemos enxergar estes movimentos de articulação entre grupos em quatro diferentes tendências:
a. Eventos de pensamento
É cada vez mais recorrente a realização, por parte dos grupos, de eventos de ideias, como seminários e ciclo de debates, em geral estabelecendo trocas com pensadores de outras áreas e integrantes de outros grupos.
Como exemplo podemos citar o “Seminário Teatro de Grupo: Reinventando
a Utopia”, da Tribo de Atuadores Oi Nóis Aqui Traveiz, de Porto Alegre (RS);
MATE, Alexandre. “Memória de coletivos teatrais: breves apontamentos de percursos e
andanças”. In Revista Balaio, no , setembro de
, p. .
Movimentos coletivos da cena |
o “Projeto Fiandeiros Repertório: A Dramaturgia poética de Autores Pernambucanos”, da Cia. Fiandeiros, de Recife (PE); dois projetos envolvendo
a Cia. Piollin, de João Pessoa, um com o Teatro Commune, de São Paulo,
investigando a linguagem da Commedia Dell’ Arte, e outro com a Cia. Clara, de Belo Horizonte (MG); e os inúmeros projetos do Galpão Cine Horto,
ligado ao Centro Cultural do Grupo Galpão, de Belo Horizonte (MG), como o
próprio “Seminário Subtexto em Diálogo”, que resultou na criação de material para a presente revista.
b. Festivais e mostras
É inegável a importância dos maiores festivais de teatro do país, como
aqueles do Núcleo de Festivais Internacionais de Artes Cênicas, que têm
trazido ao Brasil nomes do quilate de Peter Brook, Arianne Mnouchine, Robert Wilson, dentre outros.
No entanto, o teatro de grupo brasileiro tem se fortalecido muito graças a
um “segundo escalão” de festivais que acontecem no país, sem a mesma
projeção de mídia e sem os mesmos orçamentos destes principais festivais,
mas que têm proporcionado um alto grau de troca entre grupos, e acabam
inevitavelmente gerando uma série de desdobramentos para além do próprio festival.
Estes festivais, em geral, têm por característica a permanência dos integrantes dos grupos durante todo o evento – “como era antigamente”, como
diriam os mais nostálgicos – e a realização de atividades formativas – oficinas, demonstrações técnicas, debates e bate-papos – na mesma proporção
da mostra de espetáculos. Alguns destes festivais, inclusive, são iniciativas
de grupos, ou têm grupos envolvidos na sua realização.
Podemos citar alguns casos como o Festival Nordestino de Teatro de Guaramiranga (em especial nos últimos três anos, quando deixou de ser competitivo e focou sua atuação para o pensamento e as trocas); a Mostra LaNúcleo formado pelo Festival Internacional de Teatro de São José do Rio Preto (SP), Festival
Internacional de Teatro Palco & Rua de Belo Horizonte (MG), Porto Alegre em Cena (RS),
Festival Internacional de Londrina (PR), Cena Contemporânea (DF), riocenacontemporanea
(RJ) e Festival Internacional de Artes Cênicas de Salvador (BA).
Grupo Teatro
de Vertigem
Espetáculo A
última palavra é a
penúltima
tino-Americana de Teatro de Grupo, realizada pela Cooperativa Paulista de
Teatro; o FILTE – Festival Latino-Americano de Teatro da Bahia, promovido
pelo Oco Teatro, grupo de Lauro de Freitas, cidade da grande Salvador, que
é realizado em concomitância com o NORTEA – Núcleo de Laboratórios Teatrais do Nordeste; e o Festival Recife do Teatro Nacional, que também vem
se aproximando desse pensamento desde que começou a ser realizado sob
a curadoria de Kil Abreu.
Por fim, vale lembrar de duas experiências recentes significativas, que surgiram com muita força, mas não tiveram pernas para continuar, que são o
I Festival Brasileiro de Teatro de Itajaí (SC) e o Festival de Teatro de Cuiabá
(MT), realizado pelo grupo Teatro Fúria.
c. Próximo Ato
Apesar do “Próximo Ato – Encontro Internacional de Teatro Contemporâneo”, promovido pelo Itaú Cultural, não ser uma “tendência”, mas uma ação
pontual, entendo que este projeto tem cumprido uma função de extrema
importância neste processo ao qual tento me aproximar neste artigo, daí o
porquê de dedicar um item exclusivamente a ele.
Movimentos coletivos da cena |
Existente há sete anos, o projeto ganhou musculatura nos últimos três,
quando assumiu a curadoria um comitê formado por Maria Tendlau (Coletivo Bruto), Antônio Araújo (Teatro da Vertigem) e José Fernando Azevedo
(Teatro de Narradores), não por acaso todos ligados a grupos.
Grupo Teatro
de Vertigem
Espetáculo A
última palavra
é a penúltima
Paulatinamente, o conselho curador do Próximo Ato conseguiu aproveitar
o fato de contar com a disponibilidade de grande corporação financeira,
que demonstrou abertura para este tipo de evento, em especial pelo afinco
da sua gerente de artes cênicas, Sonia Sobral, e subsidiou o projeto para,
ao longo dos três anos de sua atuação, realizar encontros nas cinco regiões do país, proporcionando trocas entre os grupos e com pesquisadores
e teóricos internacionais, até a realização, em novembro de
, de um
grande e inédito encontro em São Paulo com representantes de grupos dos
estados brasileiros, além do Distrito Federal. Deste encontro, que finalizou a atuação desta etapa do projeto, surgiu o desejo de uma continuidade
pleiteada pelos participantes, como desdobramento do Próximo Ato, mas
independente dele a partir de então.
| Subtexto . Revista de Teatro do Galpão Cine Horto
Apesar do tênue equilíbrio dessa convivência entre os grupos e a empresa
proponente, o Próximo Ato é hoje um espaço singular no panorama do teatro de grupo brasileiro.
Grupo Espanca e
Grupo XIX de teatro
Mostra de trabalho
e processo do
espetáculo
Barco de Gelo
d. Movimentos políticos
Surgido em
a partir da iniciativa do Galpão Cine Horto, o Redemoinho
– Movimento Brasileiro de Espaços de Criação, Compartilhamento e Pesquisa Teatral foi a mais importante experiência de articulação política entre
grupos no país nos últimos anos. Criado como uma rede de compartilhamento, e transformado em movimento político três anos depois, no encontro anual realizada em Campinas (SP), o Redemoinho foi o espaço de maior
longevidade de trocas entre grupos na história recente do teatro brasileiro,
tendo durante cinco anos (de
a
) reunido coletivos de onze estados em busca de uma organização representativa política para atuação
junto ao governo federal.
Movimentos coletivos da cena |
Nos seus dois últimos encontros
presenciais, em Porto Alegre
(dezembro de
) e Salvador
(março de
), o movimento
entrou em colapso diante da
incapacidade de equalizar as
diferenças regionais entre seus
integrantes. Mais do que uma
impossibilidade de articulação
política, a crise do Redemoinho
apontou para a necessidade de
assunção da falência daquele
modelo de organização, mais
aparentado a um movimento
estudantil de trinta anos atrás
ou de uma arcaica estruturação sindical, ignorando as idiossincrasias que nos diferenciam
destes outros dois modelos.
O movimento de teatro de grupo brasileiro deparou-se, portanto, com uma
contradição (até agora) insolúvel: explicitou-se a urgência, mas também a
incapacidade, quanto ao reconhecimento de uma identidade nacional do
teatro de grupo.
Passado esse turbilhão, o momento hoje, quase um ano depois, é ainda de
ressaca. Boa parte do país não consegue ainda reestruturar qualquer tipo
de reaproximação, até mesmo “regionais” reconhecidas como articuladas,
como o caso de Belo Horizonte. Em São Paulo, cidade que abarca um grande
número de grupos, e boa parte dos nomes mais expressivos no movimento
de grupos do país, vive uma profusão de movimentos (e proto-movimentos), alguns surgidos a partir de acontecimentos pontuais, culminando não
raramente em curiosidades como um mesmo grupo “participar” de dois ou
três movimentos simultaneamente.
Grupo Espanca e
Grupo XIX de teatro
Mostra de trabalho
e processo do
espetáculo
Barco de Gelo
| Subtexto . Revista de Teatro do Galpão Cine Horto
Enquanto isso...
Em meio a esse caótico e complexo movimento, várias experiências vêm
surgindo na busca de formas de articulação voltadas para o fazer artístico.
Um dos exemplos mais efusivos é a aliança entre os grupos Espanca!, de
Belo Horizonte, Cia. Brasileira de Teatro, de Curitiba (PR) e Grupo XIX de
Teatro (SP). Estes coletivos têm uma assumida identificação estética, e vêm
desenvolvendo uma série de ações em conjunto, como o projeto Acto –
Encontro de Teatro, que teve o objetivo de promover, além da apresentação
de espetáculos, demonstrações de trabalho, palestras e bate-papos. Esta
parceria ganhou um formato ainda mais radical na realização do projeto
Barco de Gelo, uma montagem compartilhada entre o Espanca! e o XIX, que
já teve mostras de processo em Belo Horizonte e São Paulo, e em
entra
em fase de finalização de montagem.
Também em São Paulo o badalado grupo Teatro da Vertigem realizou, em
, uma intervenção cênica denominada “A Última Palavra é a Penúltima”, na qual ocupou a passagem subterrânea da Rua Xavier de Toledo, no
centro de São Paulo, em parceria com o grupo Lot, do Peru, e o grupo de
dança mineiro Zikzira.
Outra iniciativa desta natureza é o espetáculo Bruta Flor, empreitada conjunta da Cia. Livre, Núcleo São Jorge de Variedades, Núcleo Bartolomeu de
Depoimentos e Cia. Oito Nova Dança. Sob direção de Cibele Forjaz (Cia. Livre), dramaturgia de Claudia Schapira (Bartolomeu), e atuação de Mariana
Senre (São Jorge) e Lucienne Guedes, esta é a mais recente experiência neste formato.
Do Nordeste vem o movimento A Lapada, um coletivo de coletivos que tem
como objetivo promover trocas estéticas entre grupos dos estados do Ceará (Máquina e Bagaceira), Rio Grande do Norte (Clowns de Shakespeare
e Estandarte) e Paraíba (Alfenim, Ser Tão e Piollin), além de alguns grupos
pernambucanos que começam a aproximar-se do movimento. Criado há
três anos, A Lapada realizou dois Lapadões – encontros de intercâmbio com
a participação de todos os integrantes de todos os grupos –, um em Natal e
Movimentos coletivos da cena |
outro em João Pessoa, ambos no ano de
. Deste movimento, uma série
de parcerias vêm surgindo, como a colaboração de integrantes do Coletivo
Alfenim nos processos de montagem do Grupo de Teatro Clowns de Shakespeare e vice-versa, e na integração entre os grupos cearenses Bagaceira e
Máquina a ponto de passarem a dividir a mesma sede. No início de
,
os grupos Clowns de Shakespeare e Ser Tão Teatro entraram em processo
compartilhado para a montagem do espetáculo A Farsa da Boa Preguiça,
com direção dos encenadores dos dois grupos e elenco formado pelos atores de ambos os coletivos.
Grupo de Teatro Clowns
de Shakespeare
Movimento a Lapada
| Subtexto . Revista de Teatro do Galpão Cine Horto
E então?
Este conjunto de modalidades de ações de trocas, como os festivais, os
eventos de pensamento, os movimentos políticos, o Próximo Ato e as ações
pontuais entre grupos, são evidências latentes da necessidade que o teatro de grupo brasileiro vive de autorreconhecimento, de entender a real
dimensão do significado dessa grupalidade.
Obviamente trata-se de uma leitura em movimento, sujeita às distorções de
um ponto de vista comprometido com o objeto. Por outro lado, é inegável
o momento de amadurecimento dos grupos no tocante às formas de relacionamento entre si.
Grupo de Teatro Clowns
de Shakespeare
Movimento a Lapada
Aproximando-nos dos trinta anos desde Ribeirão Preto, a crise e os percalços que definem o momento atual apontam para uma reorganização do
nosso teatro de grupo, buscando uma redefinição territorial verdadeiramente nacional, colocando em questão a terminologia que desgastou seu
sentido de tão utilizada e banalizada e, principalmente, encontrando nos laços mais estreitos, entre aqueles que se reconhecem como pares estéticos
e de pensamento, para a partir daí ampliar um movimento que realmente
reflita a cara do teatro feito por coletivos no país.
G
allp
G
a
Galppããooo
Galpão
em foco
Galpão em foco |
CRIAÇÃO TEATRAL COMPARTILHADA
COM O ESPECTADOR
Chico Pelúcio*
O mundo virou a página do milênio e com ele mudanças fundamentais na
economia, na política, na comunicação, na tecnologia e no conhecimento
de modo geral.
A interdependência do homem planetário assume proporções gigantescas,
ocupando lugar obrigatório na mesa das decisões. As relações das “coisas”
com as pessoas passaram a ser intermediadas por pesquisas, por medidas e
por indicadores detectados por tecnologias cada vez mais avançadas.
O público e sua opinião passam a ser consultados e pesquisados para se
desenhar uma nova mercadoria, para se lançar um novo produto, para se
elaborar o discurso político, para se escolher a nova aparência física do
candidato a cargo político, para se determinar a pauta dos jornais, para se
escolher a cor de um terno, o decote de um vestido e que certamente influencia até mesmo conversas de botequim, os assuntos das reuniões mais
informais e assim por diante.
Sem entrar no mérito dessa questão e sem lançar aqui as vantagens e desvantagens dessas constatações, as perguntas que faço são como o teatro,
ou parte dele, tem se influenciado ou não por tal premissa? Como e com
que finalidade se tem tentado uma aproximação com o espectador no seu
dia a dia? Obviamente que a forma e os objetivos perseguidos pelo teatro,
pelo menos assim se espera, são diferentes dos mencionados na introdução
deste artigo. Não estamos em busca de “sabonetes”.
Recentemente, em especial nos grupos de teatro brasileiros, tem se verificado tentativas cada vez mais verticais de se trazer o público para dentro
das salas de ensaio, com possibilidades de participação efetiva na criação
de um espetáculo de teatro. Se na prática de muitos grupos e artistas, já há
* Ator e diretor de
teatro, integrante
do Grupo Galpão
e Diretor Geral do
Galpão Cine Horto
Grupo Galpão
Espetáculo
Till, a saga
de um herói
torto
algum tempo, podíamos constatar o espaço para ensaios abertos e encontros com colaboradores, hoje podemos afirmar que existe deliberadamente
uma tendência de estabelecer esse tipo de “parceria” com o espectador em
todos os momentos da criação, dando a ele o papel de observador especial
do processo com direito a opiniões e sugestões.
O curioso é encontrar essa característica no outro lado do Atlântico, mais
precisamente no Battersea Art Centre em Londres, onde se adotaram procedimentos para a criação de espetáculos em que se organizam a presença
e a participação do público desde o início de uma ideia até a conclusão final
de uma obra teatral.
Este artigo modestamente pretende levantar perguntas sobre esse assunto. Para isso, além da experiência da montagem de Till, a saga de um herói
torto, do próprio Grupo Galpão, do qual participei como ator, conversei com
três outros integrantes de grupos distintos que experimentaram tal processo. Foram eles Fernando Yamamoto, do Grupo Clowns de Shakespeare, de
Natal, Anderson Aníbal, da Cia Clara, e Leonardo Lessa, do Grupo Teatro
Invertido, ambos de Belo Horizonte.
Galpão em foco |
Alguns aspectos me parecem bastante claros. Essa é uma prática recorrente
em núcleos de criadores que tem um trabalho de continuidade, em especial
grupos de teatro que tem sua própria sede. O fato de ter seu próprio espaço
de trabalho facilita significativamente, para um grupo, esses encontros com
o espectador, possibilita a aproximação com os moradores do entorno e
caracteriza tal espaço como um lugar de diálogo e encontro com parceiros.
A pergunta que se faz é: até que ponto essa prática forma um novo público
ou acaba por especializar o público já existente? Sendo uma ou outra, ou
ambas as coisas, o resultado é sempre positivo e bem vindo.
Entretanto, poderíamos nos perguntar se tem sentido o espectador participar da construção de uma obra que deveria ser uma visão do artista. Quais
o riscos que isso traz para a elaboração do espetáculo? A má condução desses encontros com o espectador poderia contaminar negativamente a concepção do criador, levando-o a caminhos que somente busquem atender o
que se quer ver e não o que queremos dizer. Ao invés de arte, produziríamos
bons sabonetes com formato, cor e aroma já desejados e conhecidos pelos
consumidores. O novo não teria espaço.
Por outro lado, se potentes e bem conduzidos, esses encontros poderiam
representar um resultado rico e coerente com a realidade, ampliando seu
poder de comunicação e afetando o espectador de forma mais profunda.
Eu ainda pergunto até que ponto esses processos dialogam com Brecht e
com o teatro Fórum de Augusto Boal. Seriam eles alguma forma de desdobramento da busca do reconhecimento do espectador na obra construída
como propuseram o diretor e o dramaturgo mencionados?
Fernando Yamamoto diz “o caráter formativo desse tipo de ação me remete
completamente à pequena pedagogia do teatro que Brecht defendia, a explicitação de todos os mecanismos que compõe o teatro”.
Boal, ao abrir o espetáculo à participação do espectador na determinação
da solução da cena, criava um mecanismo que obrigava o público a se deslocar de uma posição passiva para de fato pensar e propor caminhos para
os atores em cena. Creio que ambas as “técnicas” tinham como objetivo
despertar no cidadão o olhar crítico e instigá-lo a uma atuação efetiva na
sua vida cotidiana.
| Subtexto . Revista de Teatro do Galpão Cine Horto
Do ponto de vista interno, o diretor Anderson Aníbal levanta uma curiosa
observação. Ele diz que, ao adotar esse procedimento, a Cia Clara aproxima
o ensaio do espetáculo e vice-versa. Isto é, o ator, ao se apresentar num
ensaio para o público, trata aquele momento como um momento acabado
e, quando já “estreado”, os atores passam a considerar as apresentações
ainda como processo. Nos dois momentos, o grupo passa a ter esses dois
olhares simultaneamente, o que me parece bastante interessante.
Segundo Leonardo Lessa do Grupo Teatro Invertido, depois de montar cinco cenas distintas, com os atores se revezando tanto na direção como na
dramaturgia de cada cena, e apresentá-las ao público, houve a escolha de
qual material desdobrar em um espetáculo reforçada pelas questões dos
espectadores. A cena que provocou mais questionamentos e que mobilizou
mais discussões foi a cena escolhida para se transformar no mais recente
espetáculo do Grupo “Proibido retornar”.
O Grupo Galpão passou por uma experiência muito parecida na montagem
de Till, a saga de um herói torto. Também decidimos o que montar depois
de apresentar quatro diferentes cenas, dirigidas por quatro atores do próprio grupo no processo de workshops, prática que temos adotado há muitos
anos em nossas criações.
Entretanto, os encontros que se sucederam com o público durante os ensaios me pareceram ora bastante instigantes, ora muito aborrecidos. Isso
me leva a crer que tais encontros têm que ser mais bem elaborados, que
precisam ter procedimentos de exposição e diálogo que permitam um melhor aproveitamento desses momentos.
Ao se abrir um ensaio puro, simplesmente corre-se o risco de perder público e sua possível contribuição, ao invés de cativá-lo.
Temos aí um bom tema de discussão: como promover tais encontros, como
encaminhá-los, como abrir para opiniões, como ouvi-las.
Por outro lado, pareceu-me importante a exposição de nossas fragilidades,
dúvidas e limitações. Desconfio que essa disponibilidade a qual, principalmente os atores, experimentam, expondo-se sem muitas garantias ao olhar
do espectador, contribui para estabelecer uma relação mais madura com
Galpão em foco |
seus personagens e com a obra encenada, uma vez que o retorno dado aos
criadores diminui o abismo entre o que achamos que estamos fazendo e o
que realmente estamos representando em cena.
Os encontros frequentemente contribuíram para reafirmar suspeitas de
fragilidades e para revelar caminhos possíveis.
Grupo Teatro Invertido
Espetáculo Proibido
Retornar
| Subtexto . Revista de Teatro do Galpão Cine Horto
Sob outro aspecto, acredito que a sequência de ensaios abertos de Till, a
saga de um herói torto, normalmente divulgados na mídia, antecipou de
forma diferenciada o encontro do espetáculo com o público, possibilitou
um acompanhamento, mesmo que distante, criando uma expectativa com
relação a estreia. Certamente esse processo também colaborou para o sucesso de público em Belo Horizonte quando atingimos uma média de
mil pessoas em seis apresentações. É isso mesmo, mil. Bom para o espetáculo, bom para a cidade, bom para o investimento público, bom para o
patrocinador e bom principalmente para a população.
A experiência do Battersea Art Centre vai um pouco além. Como gestores
de um centro cultural voltado para o teatro, o BAC organiza eventos em que
os artistas possam apresentar ao público cenas ainda embrionárias, pouco
ensaiadas, normalmente guiadas pela intuição, mas que apresentem “faíscas/rascunhos” de uma proposta de encenação. A isso eles chamam de
“scratch”. Logo após essas apresentações, artistas e público se encontram
no bar do próprio teatro, onde é sugerido aos espectadores que paguem
aos atores uma cerveja e deem suas opiniões sobre aquilo a que eles acabaram de assistir. Essas cenas seguem se desenvolvendo ao longo do tempo,
sempre na presença do público. A essa sequência de encontros eles chamam de “escada do desenvolvimento”. A esse processo vai se agregando os
produtores do BAC que, a partir de um certo momento, estabelecem uma
parceria de produção para a montagem definitiva da proposta. Posteriormente, as artistas que passaram por esse ciclo retornam a casa, e então
como colaboradores participam de diversas formas na construção de uma
nova proposta que se ingressa no primeiro degrau da escada de desenvolvimento. Assim, se forma um espiral de compartilhamentos autoalimentada.
Estas são algumas questões preliminares que levanto nesse artigo para que
possamos investigar os riscos, as vantagens e desvantagens, dessa prática
que vem sendo adotada com significativo entusiasmo por muitos criadores
nos dias de hoje.
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Cinee H
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Cine H
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Cine Horto
em foco
Cine Horto em foco |
Centro de Pesquisa e
Memória do Teatro:
potencializando a informação no
contexto do Galpão Cine Horto
Luciene Borges Ramos* e
Adriane Maria Arantes de Carvalho**
No ano de
o folder institucional do Galpão Cine Horto já apresentava
ao público da casa a proposta de se implantar o Centro de Pesquisa e Memória do Teatro, idealizado como um centro de referência das artes cênicas. Não havia ainda clareza quanto à estrutura que seria posteriormente
criada e tampouco estava estabelecido institucionalmente o conceito de
unidade de informação especializada que viria sustentar todo o processo de
implantação do CPMT. Iniciado em janeiro de
, esse processo consolidou-se em um ano, mas continuou sendo aperfeiçoado ao longo dos anos
seguintes, originando um equipamento de informação e memória do e para
o teatro, com capacidade para propor e gerir projetos e ações próprios,
inseridos no cotidiano e na política de ação do Galpão Cine Horto.
Neste momento, quase cinco anos após o início de seu processo de implantação, o CPMT acumula não somente uma biblioteca e videoteca especializadas em teatro, que oferecem serviços diversos ao público da casa, mas
também projetos como o selo Edições CPMT, que atualmente publica a Revista Subtexto e os Cadernos de Dramaturgia do Galpão Cine Horto; o portal Primeiro Sinal, desenvolvido em parceria com a PUC Minas; o Seminário
Subtexto em Diálogo e o projeto de Preservação do Acervo de Figurinos do
Grupo Galpão, cuja etapa de inventário encontra-se iniciada. O CPMT integra a REMIG (Rede Memória das Instituições de Minas Gerais), tendo sediado
o I Seminário Memória e Informação nas Instituições, promovido pela rede
e é responsável pela preservação e organização da memória institucional do
* Coordenadora
do CPMT; Mestre
em Ciência da
Informação pela
UFMG; autora do
livro Centros de
Cultura, Espaços
de Informação: um
estudo sobre a ação
do Galpão Cine
Horto; pesquisadora
e redatora da
Enciclopédia Itaú
Cultural de Teatro
em Minas Gerais.
** Doutora
em Ciência da
Informação pela
UFMG; professora
da PUC Minas e
Coordenadora
técnica do portal
Primeiro Sinal
| Subtexto . Revista de Teatro do Galpão Cine Horto
Galpão Cine Horto e do Grupo Galpão. As atividades desenvolvidas apontam
para grande potencial de realizações inovadoras dentro da área abrangida
pelo centro, com um escopo de ações certamente mais amplo do que aquele
inicialmente pensado. O caminho que se afigura no momento é o da institucionalização do CPMT, o que lhe garantirá maior autonomia e abrirá espaço
para o estabelecimento de nova parcerias, a elaboração e gestão de novos
projetos e o crescimento de sua infraestrutura física, de acervo e serviços.
Dentre os projetos realizados atualmente pelo CPMT, destacam-se o selo
Edições CPMT e o portal Primeiro Sinal, descrito abaixo, além do projeto de
Preservação do Acervo de Figurinos do Grupo Galpão, objeto do artigo de
Ana Luisa Santos, apresentado a seguir.
Selo Edições CPMT: registro e produção editorial
para o teatro em Minas Gerais
Cadernos de
Dramaturgia do
Galpão Cine Horto
Série Oficinão vols.
O selo editorial criado pelo CPMT em
tem o objetivo de fomentar a criação e o registro editoriais no campo das artes cênicas, produzindo publicações
diversas sobre teatro, advindas de projetos do Galpão Cine Horto, ou de grupos e instituições teatrais em parceria com o Centro de Pesquisa. Implantado
Cine Horto em foco |
junto à Editora Argvmentvm, que agrega ao projeto uma produção editorial
de qualidade profissional, o novo selo reafirma o compromisso do Galpão
Cine Horto de gerar e difundir o conhecimento na área teatral, com uma forte
preocupação em preservar a memória de uma arte marcada pela efemeridade e incentivar projetos editoriais de caráter não-comercial, voltados para a
pesquisa e produção artística e além da trajetória de grupos teatrais.
Além de publicar a Revista Subtexto, o selo Edições CPMT lançou, em março
de
, a coleção Cadernos de Dramaturgia do Galpão Cine Horto, cuja
primeira série traz três volumes que contêm sete textos dramatúrgicos originais, além de ensaios reflexivos e críticos de processos de criação e adaptação de dez montagens do Oficinão, projeto mais antigo do Galpão Cine
Horto, voltado para a criação teatral e o aperfeiçoamento técnico.
Em
, a primeira edição do projeto pesquisou as comédias de Shakespeare e encenou Noite de Reis. A partir de
, o dramaturgo Luis Alberto de
Abreu foi convidado para dirigir a Oficina de Dramaturgia do Galpão Cine
Horto, com o objetivo de criar um texto original para o Oficinão. A oficina
durou quatro anos e gerou quatro textos teatrais, publicados na íntegra na
coleção Cadernos de Dramaturgia do Galpão Cine Horto: Caixa Postal
(Oficinão
), Por Toda Minha Vida (Oficinão
), Cães de Palha (Oficinão
), O Homem que não Dava Seta (Oficinão
). Ao final desse
período, a Oficina desdobrou-se no projeto Cena x , e as edições seguintes do Oficinão passaram a contar com dramaturgos convidados. Esse novo
ciclo deu origem a adaptações de textos teatrais, como no caso de A Vida é
Sonho, de Calderón de La Barca (Oficinão
) e Estado de Sítio (Oficinão
), de Albert Camus; e novos textos originais, como In Memoriam (Oicinão
) e Quando o Peixe Salta (Oficinão
). Em
, por ocasião
da décima edição do Oficinão, a Oficina de Dramaturgia foi retomada, com
os alunos acompanhando o desenvolvimento do texto de Lúdico Circo da
Memória (Oficinão
), assinado por Luis Alberto de Abreu.
A produção desta primeira série dos Cadernos de Dramaturgia do Galpão
Cine Horto está, portanto, ancorada em um ciclo de fértil produção dramatúrgica ligada aos projetos desenvolvidos pelo centro cultural ao longo de
sua história. Os projetos de criação teatral realizados pela casa formaram
| Subtexto . Revista de Teatro do Galpão Cine Horto
dramaturgos que hoje atuam profissionalmente no cenário local e nacional
e geraram textos já levados ao palco, com inegável sucesso. Publicar esses
textos é uma forma de valorizar e incentivar a produção dramatúrgica mineira atual, e colocar em discussão o processo de produção que acontece
junto à sala de ensaio, no calor da criação dos espetáculos.
A próxima série da coleção lançará os textos produzidos para espetáculos
de rua, dentro do projeto Cine Horto Pé na Rua, iniciado em
.
Uma ação que veio a reboque do selo editorial e tem trazido excelentes
resultados do ponto de vista da discussão e do compartilhamento de informações em torno do teatro tem sido a participação do Galpão Cine Horto
em eventos de alcance nacional e internacional, como festivais e encontros
de grupos de teatro, para lançar as suas publicações. Essas participações
tem se dado na forma de lançamentos acompanhados de debates sobre a
situação atual da dramaturgia brasileira, gerando novos conteúdos informacionais e abrindo espaço para a disseminação da nova produção dramatúrgica mineira e brasileira.
Outro desdobramento advindo de produtos do selo editorial é o Seminário Subtexto em Diálogo, cuja primeira edição aconteceu em setembro de
e marcou o processo de produção dos artigos da seção principal deste
número da revista. O Seminário reuniu os colaboradores da Subtexto no. 5,
para debaterem previamente os temas de seus artigos com pesquisadores,
estudantes e o público da revista. O debate suscitou novas questões, perspectivas e idéias que foram incorporadas aos artigos publicados na revista.
Primeiro Sinal: porta de entrada para a informação
sobre teatro na internet
O portal Primeiro Sinal é uma iniciativa do CPMT desenvolvida a partir da
idéia original do jornalista Israel do Vale, que, em mais uma de suas ebulições criativas conectadas aos avanços tecnológicos, alimenta há mais de
dez anos o projeto de implantação de um grande portal de artes cênicas
na internet. Uma vez que a área de arte cênicas agrega campos de conheci-
Cine Horto em foco |
mento e prática artística variados, como o teatro, a dança, a performance,
o circo e a ópera, a ação do CPMT possibilitou concretizar parte do projeto
inicial, de Do Vale, circunscrito à área de abrangência do Galpão Cine Horto,
o campo do teatro.
Entendendo que a implantação de um portal caracteriza-se como um processo interdisciplinar que requer a articulação de conhecimentos e práticas
oriundos de distintos campos do saber; desde o início da criação do portal
está presente a noção de que este deverá ser um espaço de construção
coletiva dos diferentes atores relacionados ao campo das artes cênicas e
da área de informação. Para efetivação do projeto, buscou-se, portanto,
a parceria interinstitucional entre o Galpão Cine Horto e a PUC Minas. A
parceria com a Universidade foi constituída através de um projeto de extensão universitária aprovado junto à Pró-reitoria de Extensão da PUC Minas e
desenvolvido por professores e alunos dos cursos de Ciência da Informação,
Comunicação Social, Sistemas de Informação e Ciência da Computação.
Dessa forma, ao longo de dois anos, estabeleceu-se um processo de aprendizagem e construção extremamente rico, no qual ficou claro que a internet
propicia o surgimento de uma nova dinâmica coletiva de compartilhamento
de informações, que favorece a criação de ambientes colaborativos e convergentes. No processo de construção do portal Primeiro Sinal, a equipe da
PUC Minas atuou na área técnica, ao passo que a equipe do CPMT gerenciou
o projeto, atuando principalmente no campo do conteúdo.
Um portal é um local que agrupa diversos serviços ofertados por meio eletrônico, de tal forma que a variedade oferecida atenda às necessidades de
informação de determinado grupo de usuários, estabelecendo um ponto
de passagem (BARBALHO,
). Uma diferença básica entre um portal e
um site é a capacidade do primeiro de filtrar informações e links que atendam as demandas informacionais de seus usuários, constituindo-se numa
referência para acesso a outras aplicações (LAPA,
). O portal Primeiro
Sinal configura-se como um portal de conteúdo, por organizar acervos de
conteúdo (publicações, fotografias, artigos) a partir dos temas ou assuntos
neles contidos (teatro), conectando as pessoas às informações. Além disso,
incorpora características de portais interativos por possuir aplicativos que
facilitem a interação do usuário como o provedor de conteúdo.
| Subtexto . Revista de Teatro do Galpão Cine Horto
O projeto da arquitetura de informação do portal procurou e atender a três
dimensões de variáveis: os usuários, suas necessidades, tarefas, hábitos e
comportamentos; as características do conteúdo apresentado (objetivo,
uso, volume, formato, estrutura) e as especificidades do contexto de uso do
sistema de informação (ROSENFELD; MORVILLE, apud REIS,
).
No processo de definição do escopo do portal, foi estabelecido um Conselho Gestor e um Conselho Editorial, que contou com a assessoria do Prof. Dr.
Fernando Mencarelli, do Curso de Teatro da EBA/UFMG, então presidente
da Abrace (Associação Brasileira de Pesquisa e Pós-Graduação em Artes Cênicas). Nesse processo, analisou-se o conteúdo disponível na internet sobre
o tema, considerando-se as particularidades dos diferentes tipos de conteúdo (cadastro de instituições, links, publicações, fotos). Foi então elaborado
um diagrama com a estrutura de hierarquia das páginas e, na medida em
que as funcionalidades do portal foram sendo implantadas, procedeu-se
o desenho estrutural das telas. O trabalho de construção das páginas do
portal seguiu os seguintes parâmetros: especificação dos Casos de Uso –
identificação de atores; levantamento das pré-condições de uso; programação – implementação do banco de dados; programação das páginas; conexão entre sistemas e recursos; testes de funcionalidade e de usabilidade;
implantação – instalação e acompanhamento do funcionamento durante o
período determinado.
Em outubro deste ano o portal foi lançado oficialmente, apresentando a
seguinte estrutura: um catálogo de grupos, escolas e espaços teatrais, além
de associações de classe, montado a partir do cadastro das instituições no
sistema; um guia de festivais nacionais e internacionais, espetáculos e cursos; acesso a diversas publicações especializadas em teatro; uma ferramenta de busca de informações direcionada a sites e portais selecionados como
banco de teses das principais universidades do Brasil, a Enciclopédia Itaú
Cultural de Teatro, entre outros; uma seção de artigos opinativos redigidos
por colaboradores e colunistas, artistas e pesquisadores de diverso estados
do país; um banco de imagens e uma galeria de exposições fotográficas voltadas, principalmente, para a recuperação e disseminação de acervos particulares ou institucionais de relevância histórica para o teatro nacional.
Cine Horto em foco |
Espera-se, na etapa que se segue, ampliar as ferramentas de interatividade
criando-se, por exemplo, um diretório de blogs e uma seção de cursos virtuais. Também será realizado um esforço para ampliar as seções e o corpo de
colaboradores e instituições parceiras do portal, mantendo o compromisso
institucional de disponibilizar uma ferramenta de democratização da informação constantemente atualizada e consistente do ponto de vista tecnológico e de seu conteúdo.
Com tais ações e projetos, o Centro de Pesquisa e Memória do Teatro se fortalece como instituição viva e dinâmica que avança para além do armazenamento de acervo, transformando em realizações concretas o seu potencial
para gerar informações e agregar pessoas em torno de idéias e inquietudes
intelectuais que sempre acompanharão os processos artísticos.
Portal Primeiro Sinal
| Subtexto . Revista de Teatro do Galpão Cine Horto
Referências Bibliográficas:
BARBALHO, Célia Regina Simonetti. Portais eletrônicos: estudo comparativo da oferta em comunicação. XVI ENDECOM Porto Alegre
.
REIS, Guilhermo Almeida dos. Centrando a Arquitetura de Informação no
usuário.
. Dissertação (Mestrado) – Universidade de São Paulo,
Escola de Comunicação e Artes, São Paulo.
Cine Horto em foco |
Figurino e patrimônio cultural:
a experiência do Núcleo de Pesquisa em Figurino
do Galpão Cine Horto com o inventário do
acervo de figurinos do Grupo Galpão
Ana Luisa Santos*
Desde
, o Centro de Pesquisa e Memória do Teatro do Galpão Cine
Horto tentava iniciar as atividades de inventário e catalogação do acervo
de figurinos do Grupo Galpão, considerando a relevância artístico-cultural
desse patrimônio para o teatro nacional. Por falta de recursos, o projeto só
foi iniciado em
, através da parceria com o recém-constituído Núcleo
de Pesquisa em Figurino do Galpão Cine Horto.
O Núcleo consiste em um projeto de formação e pesquisa desenvolvido
como desdobramento do projeto de inventário do acervo de figurinos do
Grupo Galpão. Tem como principal objetivo desenvolver metodologias de
pesquisa e criação de figurinos a partir do estudo de referências artísticoculturais ligadas ao design de moda, patrimônio, artes cênicas e visuais e
da realização de atividades práticas ligadas ao inventário e ao desenvolvimento de figurinos artísticos. As atividades propostas tentam aprofundar
alguns questionamentos: quais são os pontos de interseção entre o figurino como área da direção de arte das produções culturais e a moda como
fenômeno histórico? Como a experiência de moda na contemporaneidade
se aproxima do figurino? Como o figurino utiliza a moda? Não seria a moda
a fonte criadora e produtora de figurinos cotidianos? No fio desse pensamento, busca-se também refletir sobre o conceito de figurino, seu papel e
importância na linguagem cênica.
Um dos aspectos mais interessantes do Núcleo de Pesquisa em Figurino é
sua proposta de formação horizontal a partir do trabalho colaborativo. Do
ponto de vista metodológico, o Núcleo possibilita a formação de uma rede
* Jornalista e mestre
em comunicação pela
UFMG. Atua como
consultora e gestora
cultural nas áreas
de design de moda,
figurino, patrimônio,
diversidade cultural
e sustentabilidade.
É diretora da attlas
– agência de moda,
comunicação e
cultura e idealizadora
do grupo donceveo
performance.
Coordena o Núcleo de
Pesquisa em Figurino
do Galpão Cine Horto
e o Inventário do
Acervo de Figurinos
do Grupo Galpão.
| Subtexto . Revista de Teatro do Galpão Cine Horto
entre seus participantes, colaboradores, projetos parceiros e demais projetos do Galpão Cine Horto que geram uma sinergia entre suas ações.
Em seu segundo módulo, o Núcleo expandiu o trabalho colaborativo para
além dos limites do Galpão Cine Horto e propôs parcerias com outros projetos culturais, como o seminário do Museu Capital da Moda realizado no
auditório da Escola de Belas Artes da UFMG. O Núcleo também integra as
atividades do projeto “Figurinos Artísticos”, que propõe o desenvolvimento de figurinos para grupos artísticos das comunidades de Belo Horizonte
como, por exemplo, o grupo Meninas de Sinhá, da região do Alto Vera Cruz
em Belo Horizonte.
O inventário de figurinos do Grupo Galpão é um projeto de conservação e
valorização do acervo de figurinos e adereços de cada obra do Galpão desde
a fundação do grupo em
, que inclui atividades de catalogação, registro
e formação em patrimônio e figurino, desenvolvidas dentro do Núcleo de
Pesquisa em Figurino do Galpão
Cine Horto. A catalogação dos
figurinos do Galpão tem o objetivo de levantar sua dimensão
quantitativa e simbólica, além
de seu estado de conservação.
O acompanhamento do inventário do acervo de figurinos do
Grupo Galpão é uma das atividades práticas desenvolvidas
pelo Núcleo: os integrantes participam da catalogação e análise
dos figurinos e depois elaboram
relatórios sobre o laboratório.
Durante o ano de
, foram
catalogados os figurinos das
obras E a noiva não quer casar (
), De olhos fechados
(
), Ó pro ce vê na ponta do
Mostra de trabalhos do Núcleo
de Pesquisa em Figurino do
Galpão Cine Horto,
Mostra de trabalhos do Núcleo
de Pesquisa em Figurino do
Galpão Cine Horto,
pé (
), Arlequim, servidor de tantos
amores (
), A comédia da esposa
muda (
), Foi por amor (
) e Corra enquanto é tempo (
). O trabalho
de análise e de registro de informações
sobre cada figurino até a peça Romeu e
Julieta (
) conta com a consultoria
de Teuda Bara, atriz do Grupo Galpão.
A catalogação do acervo de figurinos
consiste na análise das peças e elaboração de fichas de inventário com registro fotográfico e informações que
incluem a obra teatral da qual faz parte, equipe técnica, material utilizado e
estado de conservação. Esse trabalho
revela, entre materiais, formas e adereços, o desenvolvimento do grupo
em sua trajetória de
anos de montagens e apresentações. Através do
inventário, podemos perceber o progresso do figurino do ponto de vista da
elaboração técnica, conceitual e estética ao longo da história do Galpão.
Um dos aspectos de pesquisa indicados pelo inventário diz respeito aos
conhecimentos exigidos para a catalogação das peças do acervo – ligados
à história do Galpão e do teatro e às particularidades de cada produção
e montagem do grupo; mas, principalmente, com relação à nomeação da
cartela de cores, identificação de matérias-primas e formas, principalmente
as históricas. O trabalho exige pesquisa e formação em figurino, indicando
necessidade de aprofundamento constante dos conhecimentos.
Para dar suporte ao trabalho com o inventário do acervo de figurinos do
Grupo Galpão, o Núcleo recebeu em seu ciclo de palestras quatro figurinistas profissionais que integraram equipes de montagem das peças do
Galpão: Mona Magalhães (maquiagem de Moliére Imaginário, Partido, Um
Trem chamado Desejo, O Inspetor Geral, Um Homem é um Homem, Till – a
saga de um herói torno), Márcio Medina (Partido, Um Trem Chamado Desejo, Till – a saga de um herói torto), Wanda Sgarbi (A Rua da Amargura, Moliére Imaginário) e Kika Lopes (O Inspetor Geral, Um homem é um homem).
| Subtexto . Revista de Teatro do Galpão Cine Horto
Mais do que catalogar o acervo de figurinos de um dos maiores grupos de
teatro do Brasil, o inventário propicia a análise de obras artísticas tridimensionais extremamente ricas do ponto de vista da diversidade de conceitos,
materiais, formas, processos criativos e produtivos específicos para cada
espetáculo. A experiência do inventário e do Núcleo de Pesquisa em Figurino, ainda em fase de desenvolvimento e elaboração, aponta para o reconhecimento dos processos criativos artísticos como patrimônios culturais
– saberes e fazeres complexos, fundamentados em pesquisas, conhecimentos e técnicas que demandam formação e investimento.
O Núcleo Pesquisa em Figurino consolidou-se como uma iniciativa que tem
fôlego para diversas atividades e possibilidades de formação e geração de
conhecimento. Além de aliar atividades práticas à pesquisa, produção de
informação à geração de memória, o Núcleo atua no campo da democratização do conhecimento e dos acervos ligados ao teatro, às artes cênicas e
demais áreas relacionadas. O trabalho com o inventário do acervo de figurinos do Grupo Galpão será mantido com vistas à sua disponibilização em um
banco de dados digital e, se assim o futuro permitir, será o pontapé inicial
do sonhado Museu do Galpão.
Trabalho com o inventário de
figurinos do Grupo Galpão,
TTTeeeaatr
atrooo
Teatro
e Política
Teatro e Política |
Teatro e política
Sérgio Mamberti*
Não há como dissociar teatro e política. Em sua própria gênese – a tragédia
grega – o teatro se apresenta como arte política. Tanto assim que, ao teorizar sobre o tema, Aristóteles não se concentrou em aspectos técnicos, mas
sim no comportamento do público: para ele espetáculo era o momento da
catarse, quando o auditório, assistindo à dilaceração do herói, purgava suas
paixões. Pouco mais tarde, ao forjar a sátira como gênero teatral e literário, Aristófanes não poupou seus contemporâneos – nem as figuras ilustres,
nem as instituições, nem mesmo os deuses.
Não à toa, a origem do teatro ocidental é simultânea ao que consideramos
o momento inaugural da nossa civilização. Períodos históricos que se revelaram definitivos para a formação, a ascensão ou a queda de determinados
povos coincidem com momentos de suma inventividade cultural, especialmente no teatro.
O período elisabetano, quando a Inglaterra se estabeleceu como a maior
potência política e comercial da Europa, viu nascer ninguém menos que
William Shakespeare. O mesmo aconteceu na Espanha, com o florescimento da dramaturgia de Calderón de la Barca e Lope de Veja durante o Século
de Ouro. Todas as revoluções do século
foram transpostas para o palco
em forma de vanguarda artística, num momento de revolução também estética, a exemplo do teatro expressionista alemão de Ernst Toller e Georg
Kaiser. Em sintonia com a revolução soviética e seus expoentes no teatro
como Gorki, Tchekhov, Meyerhold e Stanislavski, Bertolt Brecht propôs uma
nova e instigante dramaturgia que provocava o senso crítico da plateia.
Mesmo quando o teatro não é declaradamente político ou social, o ato de
representar diante de uma plateia não escapa de ser um ato político.
No Brasil, teatro e política estiveram de mãos dadas desde sempre. No período abolicionista, dramaturgos como Castro Alves e Gonçalves Dias escre-
* Ator e atual
Presidente da
Funarte (Fundação
Nacional de Artes)
| Subtexto . Revista de Teatro do Galpão Cine Horto
veram peças de caráter libertário, pela causa dos escravos. Esse cunho social se estendia às companhias teatrais, tanto que Eugênia Câmara, a amada
musa inspiradora de Castro Alves, era uma das maiores atrizes da época. A
mítica Semana de Arte Moderna de
acontece quase simultaneamente
à fundação do Partido Comunista Brasileiro. Em peças como O Rei da Vela
ou O Homem e o Cavalo, o irreverente teatro de Oswald de Andrade celebra
o socialismo, sua literatura e, sobretudo, sua dramaturgia.
As décadas de
e , anos de crescimento econômico e euforia política,
viram nascer em São Paulo o Teatro Brasileiro de Comédia (TBC), trazendo
diretores, cenógrafos e cenotécnicos italianos que renovaram e modernizaram a cena teatral brasileira, com repertório nacional e internacional de
qualidade. É a partir do TBC que se formam novas companhias no Brasil,
como o Teatro dos Sete, encabeçado por Fernanda Montenegro e Fernando
Torres, a Companhia Tônia–Celi–Autran e a Companhia Nydia Lícia–Sérgio
Cardoso. No Rio de Janeiro, Os Comediantes e a própria Companhia Dulcina
de Morais participam desse momento criativo, que muda radicalmente a temática e a estética do teatro brasileiro. Nesta época, Pascoal Carlos Magno
cria o Teatro do Estudante e seus famosos festivais, dos quais tive a oportunidade de participar e que mobilizavam a juventude de norte a sul do Brasil.
Alfredo Mesquita funda a Escola de Arte Dramática de São Paulo, ainda hoje
considerada uma das melhores do país. Lá se formaram alguns dos maiores
nomes do nosso teatro, que fizeram parte da vanguarda cultural e política
dos anos
e .
Minha geração produziu um teatro voltado para a nossa cultura tradicional,
em grupos que hoje fazem parte da história do país: Centro de Cultura Popular, Teatro de Arena, Teatro Oficina, Grupo Opinião, Grupo Decisão (do
qual fiz parte) e grupos como o pernambucano Movimento da Cultura Popular, que se expressava genialmente pelo Auto da Compadecida de Ariano
Suassuna. Participávamos ativamente do processo de transformação social
que atravessava o Brasil e os países da América do Sul. Talvez esse tenha
sido um dos momentos mais importantes da nossa cultura política, que se
expressava de forma altamente criativa e que, mesmo depois do golpe, foi
o esteio da resistência à ditadura.
Teatro e Política |
O teatro, por seu caráter social e político, e por sua função mais profunda
de ser o espelho da sociedade, foi a voz e a imagem da luta do povo brasileiro para recuperar a liberdade. Não foi à toa que, nas passeatas, comícios
e manifestações públicas, os artistas de teatro ocupavam a primeira fila. O
teatro cumpria sua missão de discutir, provocar e criar novas perspectivas
para o desenvolvimento do país. Em
, Gianfrancesco Guarnieri coloca
pela primeira vez o movimento operário em cena, com Eles não usam blacktie. Augusto Boal, depois de se aprofundar nas técnicas de Stanislavski em
Nova York, procura uma interpretação teatral genuinamente brasileira para
textos como Arena conta Zumbi e Arena conta Tiradentes, em que revisitava expoentes da luta pela independência do Brasil. Desenvolvia, assim,
o conceito do Teatro do Oprimido, uma interferência direta no social, pois
fornece instrumentos para o cidadão comum ser protagonista de sua própria história. Plínio Marcos não deixa por menos e, alguns anos depois, traz
à cena o excluído, o marginalizado, em obras como Navalha na carne e Dois
perdidos numa noite suja, que sacodem a sociedade brasileira.
Hoje o Brasil decola como uma das economias mais pujantes do globo. Seria inevitável que nossa cultura também despontasse como uma das mais
criativas. A teledramaturgia brasileira, cujo elenco é majoritariamente composto por grandes nomes do teatro, é um produto cultural exportado para
dezenas de países. Apesar da precariedade de recursos que é ainda um desafio para o Ministério da Cultura, o teatro comprometido com seu papel
transformador da sociedade subsiste com vigor em grupos como o Teatro
do Oprimido (de alcance internacional), a Companhia do Latão, o Ói Nois
Aqui Traveiz e (por que não?) o Grupo Galpão, que mantêm viva essa chama
que se perpetua olimpicamente há mais de dois mil anos.
A diversidade e a riqueza cultural do país são valores largamente reconhecidos pela comunidade internacional. Essa profusão de linguagens e estéticas
que se manifesta em cada polo cultural do país é um de nossos maiores
insumos. Revelar essas vozes, fazer girar a economia da cultura e ampliar o
acesso à cidadania cultural – essa é a principal missão da Fundação Nacional de Artes e do Ministério da Cultura. Se a cultura preservou ao longo da
história o seu caráter político, a política nunca teve seu viés cultural tão evidente quanto hoje. Compreender a cultura como uma disciplina transversal
| Subtexto . Revista de Teatro do Galpão Cine Horto
a todos os grandes temas da atualidade – da educação à saúde, da ciência
à economia – foi uma atitude política que rendeu ao país frutos ainda incomensuráveis.
Nosso trabalho tem se pautado pela Convenção para a Proteção e Promoção da Diversidade das Expressões Culturais da Unesco, que busca estreitar
os vínculos que unem cultura e desenvolvimento sustentável e reitera o
respeito aos direitos humanos e às liberdades fundamentais, a igual dignidade das distintas culturas, o acesso equitativo às expressões culturais e a
abertura às culturas do mundo.
O resultado é que o teatro no Brasil renasce, forte, apropriando-se de novidades tecnológicas e associando-se às demais linguagens, como as artes
visuais. Outros segmentos também se apropriam da linguagem dos palcos,
como o cinema, a exemplo do brilhante Dogville, de Lars Von Trier. Se o teatro filmado já foi considerado um empobrecimento estético do espetáculo
ao vivo, hoje a vídeo-arte oferece elementos cênicos que complementam
e revigoram o espetáculo, possibilitando a recontextualização da cena. A
interação emocional com a plateia, no entanto, jamais deixará de ser o ingrediente fundamental dessa arte, que por isso mesmo é essencialmente
política.
EQUIPE GALPÃO CINE HORTO
DIREÇÃO GERAL
Chico Pelúcio
CONSELHO GESTOR
Beto Franco, Chico Pelúcio, Júlio Maciel, Leonardo Lessa e
Lydia del Picchia
COORDENAÇÃO GERAL
Leonardo Lessa
COORDENAÇÃO DE PRODUÇÃO
Joyce Malta
PRODUÇÃO EXECUTIVA
Cristiane Moreira e Natália Dornas
ESTAGIÁRIO DE PRODUÇÃO
Gustavo Ruas
COORDENAÇÃO DO CENTRO DE PESQUISA E MEMÓRIA DO TEATRO CPMT
Luciene Borges
BIBLIOTECÁRIA DO CPMT
Fernanda Christina da Costa
ESTAGIÁRIO DO PORTAL PRIMEIRO SINAL
Thiago Prata
SUPERVISÃO PEDAGÓGICA
Lydia del Picchia
COORDENAÇÃO PEDAGÓGICA
Ana Domitila
SECRETÁRIA DE CURSOS
Cláudia Rodrigues
NÚCLEO PEDAGÓGICO
Gláucia Vandeveld, Juliana Martins, Kenia Dias, Manuela
Rebouças, Michelle Ferreira, Reginaldo Santos e Tarcísio
Ramos
COORDENAÇÃO DO PROJETO SÓCIO CULTURAL CONEXÃO GALPÃO
Lúcia Ferreira
EQUIPE DO PROJETO CONEXÃO GALPÃO
Dayane Lacerda, Gustavo Baracho, Priscila Cruz e Reginaldo
Santos
COORDENAÇÃO TÉCNICA
Bruno Cerezoli
TÉCNICO
Orlan Torres (Sabará)
ESTAGIÁRIO DA TÉCNICA
Wellington Santos
GERÊNCIA ADMINISTRATIVA E FINANCEIRA
Maria José dos Santos
AUXILIAR ADMINISTRATIVO
Leandro Dias
GERÊNCIA OPERACIONAL
Rose Campos
RECEPCIONISTA
Cláudia Maria
PORTEIRO
Eberton Pereira
SEGURANÇA
Odelmo Marques da Silva Júnior
SERVIÇOS GERAIS
Juarez Pereira, Maria Márcia e Rozeli Dias
CONSULTORIA PEDAGÓGICA
Fernando Mencarelli
CONSULTORIA EM PLANEJAMENTO
Romulo Avelar
ASSESSORIA DE PLANEJAMENTO
Lú Gomes
ESTAGIÁRIA DE PLANEJAMENTO
Luciana Avelar
ASSESSORIA DE COMUNICAÇÃO
Tiago Penna
ASSISTENTE DE COMUNICAÇÃO
Caio Otta
FOTOGRAFIA
Guto Muniz / Casa da Foto
PROGRAMAÇÃO VISUAL
Otávio Santiago
GRUPO GALPÃO
Atores
Antonio Edson
Arildo de Barros
Beto Franco
Chico Pelúcio
Eduardo Moreira
Fernanda Vianna
Inês Peixoto
Júlio Maciel
Lydia Del Picchia
Paulo André
Rodolfo Vaz
Simone Ordones
Teuda Bara
Equipe
COORDENAÇÃO DE PRODUÇÃO
Gilma Oliveira
CONSULTORIA EM PLANEJAMENTO
Romulo Avelar
ASSESSORIA DE PLANEJAMENTO
Ana Amélia Arantes
ASSESSORIA DE COMUNICAÇÃO
Paula Senna
PRODUÇÃO EXECUTIVA
Beatriz Radicchi
ILUMINAÇÃO E SONOPLASTIA
Alexandre Galvão
ILUMINAÇÃO
Wladimir Medeiros
CENOTÉCNICA
Helvécio Izabel
GERÊNCIA ADMINISTRATIVA
Arlene Marques
AUXILIAR ADMINISTRATIVO
Andréia Oliveira
ESTAGIÁRIOS DE COMUNICAÇÃO
Ana Alyce Ly e João Luis Santos
RECEPÇÃO
Gabrielle Silva
SERVIÇOS GERAIS
Marlene Oliveira
Assessorias
DESENVOLVIMENTO ORGANIZACIONAL
LP Consultoria
ADVOGADA E ASSESSORIA JURÍDICA
Dra. Guilhermina Schmidt Prado
GESTÃO FINANCEIRA
Artmanagers
CONTABILIDADE
Maurício José da Silva

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