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GT 1
Estudos Históricos e Epistemológicos da
Ciência da Informação
O GTI 1 aborda Estudos Históricos e Epistemológicos da Ciência da Informação.
Constituição do campo científico e questões
epistemológicas e históricas da Ciência da
informação e seu objeto de estudo - a informação. Reflexões e discussões sobre a disciplinaridade, interdisciplinaridade e transdisciplinaridade, assim como a construção do
conhecimento na área.
SUMÁRIO
INFORMAÇÃO SEGUNDO NIKLAS LUHMANN: BASE TEÓRICA PARA UMA “CIÊNCIA
DO INFORMAR-SE”
Marcos Gonzalez Souza........................................................................................................................4
INTEGRAÇÃO EPISTEMOLÓGICA DA ARQUIVOLOGIA, DA BIBLIOTECONOMIA E DA
MUSEOLOGIA NA CIÊNCIA DA INFORMAÇÃO: POSSIBILIDADES TEÓRICAS
Carlos Alberto Ávila Araújo...............................................................................................................20
O CAMPO DA INFORMAÇÃO
Angelica Alves Marques......................................................................................................................39
O IMPERATIVO MIMÉTICO: A FILOSOFIA DA INFORMAÇÃO E O CAMINHO DA QUINTA
IMITAÇÃO
Gustavo Silva Saldanha .....................................................................................................................56
RUÍDO, PERTURBAÇÃO E INFORMAÇÃO: NOTAS PARA UMA TEORIA CRÍTICA DOS
SISTEMAS AUTOPOIÉTICOS.
Antonio Saturnino Braga....................................................................................................................72
RELAÇÕES OU “SEMELHANÇAS DE FAMÍLIA” EM CRITÉRIOS UTILIZADOS PARA
JULGAMENTO DE INFORMAÇÕES NA WEB
Márcia Feijão de Figueiredo, Maria Nélida González de Gómez......................................................88
A INTERDISCIPLINARIDADE NA CIÊNCIA DA INFORMAÇÃO: ESTRATÉGIAS DO
DISCURSO CONTEMPORÂNEO INTEGRADOR
Edivanio Duarte de Souza, Eduardo José Wense Dias.....................................................................104
SOCIEDADE, INFORMAÇÃO, CONDIÇÕES E CENÁRIOS DOS USOS SOCIAIS DA
INFORMAÇÃO
Francisco das Chagas de Souza.......................................................................................................122
ABORDAGEM FENOMENOLÓGICA EM CIÊNCIA DA INFORMAÇÃO: QUESTÕES E
DESAFIOS NO CENÁRIO DA PESQUISA
José Mauro Matheus Loureiro, Maria Lúcia Niemeyer Matheus Loureiro,
Sabrina Damasceno Silva, Daniel Maurício Vianna Souza.............................................................137
MIGRAÇÃO CONCEITUAL ENTRE SISTEMAS DE RECUPERAÇÃO DA INFORMAÇÃO
E CIÊNCIAS COGNITIVAS: UMA INVESTIGAÇÃO SOB A ÓTICA DA ANÁLISE DO
DISCURSO
Fernando Skackauskas Dias, Monica Nassif Erichsen ....................................................................150
ANTES DA GESTÃO DE DOCUMENTOS: PROSPECÇÃO
NA LEGISLAÇÃO BRASILEIRA
Renato Pinto Venancio......................................................................................................................170
A PRESENÇA FRANCESA E O DESENVOLVIMENTO DA LEITURA: ORIGENS DA
GT12
DIFUSÃO E MEDIAÇÃO DE SABERES NO BRASIL
Katia Carvalho.................................................................................................................................183
ENTRE VALORES E VERDADES: ANÁLISE SOBRE A INFLUÊNCIA DO POSITIVISMO NAS
CONCEPÇÕES DA ARQUIVÍSTICA SOBRE DOCUMENTOS
Raquel Luise Pret..............................................................................................................................194
O CONCEITO ONTOLÓGICO FENOMENOLÓGICO DA INFORMAÇÃO: UMA
INTRODUÇÃO TEÓRICA
Marcos Luiz Mucheroni, Robson de Andrade Gonçalves.................................................................211
DOCUMENTO “SENSÍVEL” E INFORMAÇÃO (IN)ACESSÍVEL?
Icléia Thiesen....................................................................................................................................226
AS DUAS CULTURAS E OS REFLEXOS NO MUNDO ATUAL NAS CIÊNCIAS E NA
CIÊNCIA DA INFORMAÇÃO*
Valeria Gauz, Lena Vania Ribeiro Pinheiro......................................................................................240
A IDENTIDADE DA CIÊNCIA DA INFORMAÇÃO BRASILEIRA NO CONTEXTO DAS
PERSPECTIVAS HISTÓRICAS DA PÓS-GRADUAÇÃO: ANÁLISE DOS CONTEÚDOS
PROGRAMÁTICOS DOS PPGCI’S
Jonathas Luiz Carvalho Silva, Gustavo Henrique de Araújo Freire................................................255
CARACTERÍSTICAS NATURAIS DA INFORMAÇÃO: VISÃO INTERDISCIPLINAR DA
CIÊNCIA DA INFORMAÇÃO COM A FÍSICA E A BIOLOGIA
Marcelo Stopanovski Ribeiro, Rogério Henrique de Araújo Júnior.................................................275
BREVES REFLEXÕES ACERCA DA INTERDISCIPLINARIDADE NA CIÊNCIA DA
INFORMAÇÃO: UM OLHAR ATRAVÉS DA FORMAÇÃO ACADÊMICA DO CORPO
DISCENTE DO PPGCI IBICT / UFRJ – 2009 E 2010
Leandro Coelho de Aguiar, Renata Regina Gouvea Barbatho.........................................................283
A TEORIA MATEMÁTICA DA COMUNICAÇÃO E A CIÊNCIA DA INFORMAÇÃO
William Guedes.................................................................................................................................290
CIÊNCIA DA INFORMAÇÃO: RELAÇÃO INTERDISCIPLINAR COM AS DISCIPLINAS
INTELIGÊNCIA COMPETITIVA E GESTÃO DO CONHECIMENTO
Simone Alves da Silva, Simone Faury Dib, Neusa Cardim da Silva.................................................295
DO DOCUMENTO CONTÁBIL ELETRÔNICO ENQUANTO PROVA: ANÁLISE
INTERDISCIPLINAR ENTRE O DIREITO E A ARQUIVÍSTICA.
Rúbia Martins, João Batista Ernesto Moraes...................................................................................302
A VERDADE, A INFORMAÇÃO E O ARQUIVO: PRIMEIRAS IMPRESSÕES NA BUSCA
POR UMA FILOSOFIA DA INFORMAÇÃO
Aluf Alba Elias..................................................................................................................................307
GT13
COMUNICAÇÃO ORAL
INFORMAÇÃO SEGUNDO NIKLAS LUHMANN: BASE
TEÓRICA PARA UMA “CIÊNCIA DO INFORMAR-SE”
Marcos Gonzalez Souza
Resumo:
No âmbito de sua oniabarcadora teoria de sistemas, Niklas Luhmann (2010 [1995])
recusou a “metáfora da transferência de informação”, conceito hegemônico desde a “teoria da
comunicação” de Claude Shannon (1948), o que o colocou em uma “posição minoritária” em
relação à pesquisa acadêmica de sua época. No esforço de erigir “um edifício suficientemente
complexo, capaz de servir de contraste ao que foi obtido pela tradição”, Luhmann propôs
então um conceito de informação substitutivo, que é aqui interpretado à luz de argumentos
linguísticos. Concluímos que, para Luhmann, informação é tanto a própria “ação de informar-se”
quanto o “resultado ou efeito” dessa ação, que deve ser compreendida no sentido de “instrução
de processos”. Consideramos, por fim, que seus conceito e teoria são capazes de expandir os
horizontes epistemológicos da Ciência da Informação.
Palavras-chave: Teoria de sistemas, Autopoiesis, epistemologia da Ciência da Informação
Abstract:
In the context of his encompassing systems theory, Niklas Luhmann (2010 [1995]) rejected the
“metaphor of information transfer”, an hegemonic concept since the “theory of communication” of
Claude Shannon (1948), which put him in a “minority position” in relation to the academic research
of his time. In an effort to erect “a building complex enough to serve as a contrast to what was
obtained by tradition”, Luhmann then proposed a surrogate concept of information, which is here
interpreted in the light of linguistic arguments. We conclude that, for Luhmann, information is either
“action of self information” or “a result or effect” of this action, which must be understood in the
sense of “instruction of processes”. We consider, in the end, that his concept and theory are able to
expand the epistemological horizons of Information Science.
Keywords: Systems theory, Autopoiesis, epistemology of Information Science.
1. Introdução
Tendo como ponto de partida a mesma pretensão oniabarcadora dos “sistemas veteroeuropeus”,
o sociólogo Niklas Luhmann ambicionou ir além da tentativa de renovar em profundidade as categorias
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do modo ocidental de pensar o homem e a sociedade, a que a tradição chamou “filosofia prática”,
ou mesmo as categorias do pensar enquanto tal, que seriam igualmente as do ser, e que a tradição
tematizou sob o nome de “ontologia” (SANTOS, 2005b, p. 8-9). Sua obra insere-se no domínio da
sociologia de Talcott Parsons, sua principal referência, mas insere um leque muito significativo de
novos contributos, de grande originalidade e ainda maior radicalidade, desenvolvidos no âmbito da
“Teoria Sistêmica de Segunda Geração” (ESTEVES, 2005, p. 281-282).
Na década de 1920, Ludwig von Bertalanffy havia introduzido a “Teoria Geral de Sistemas”,
definindo sistemas como um “conjunto de elementos de interação” (VON BERTALANFFY, 2009
[1967], p. 63). Naquele tempo, a física convencional tratava dos sistemas fechados, isto é, isolados
de seu ambiente. O segundo princípio da termodinâmica, por exemplo, enuncia num sistema
fechado uma certa quantidade chamada “entropia”. Sendo entropia uma medida da probabilidade,
um sistema fechado tende para o estado de distribuição mais provável, ou seja, um estado de
equilíbrio. Von Bertalanffy dá como exemplos “uma mistura de contas de vidro vermelhas e
azuis ou de moléculas com velocidades diferentes”, em um estado de completa desordem. Uma
situação altamente improvável é “encontrar todas as contas vermelhas separadas de um lado e de
outro todas as contas azuis ou ter em um espaço fechado todas as moléculas rápidas, isto é, uma
alta temperatura do lado direito, e todas as moléculas lentas, numa baixa temperatura, do lado
esquerdo”. Ao contrário, a tendência para a máxima entropia ou a distribuição mais provável é a
tendência para a máxima desordem.
No entanto, encontramos sistemas que por sua própria natureza e definição não são sistemas
fechados: todo organismo vivo, por exemplo, é essencialmente um sistema aberto. Para
esses, as formulações convencionais da física são em princípio inaplicáveis; von Bertalanffy,
porém, observou que concepções e pontos de vista gerais semelhantes surgiram em várias
disciplinas da ciência moderna para lidar com os sistemas:
Enquanto no passado a ciência procurava explicar os fenômenos observáveis reduzindo-os
à interação de unidades elementares investigáveis independentemente umas das outras, na ciência
contemporânea aparecem concepções que se referem ao que é chamado um tanto vagamente
“totalidade”, isto é, problemas de organização, fenômenos que não se resolvem em acontecimentos
locais, interações dinâmicas manifestadas na diferença de comportamento das partes quando isoladas
ou quando em configuração superior, etc. (VON BERTALANFFY, 2009 [1967], p. 61-62)
Concepções e problemas desta natureza surgiram em todos os planos da ciência quer o objeto
de estudo fossem coisas inanimadas quer fossem organismos vivos ou fenômenos sociais. Aparecem
os “sistemas de várias ordens”, que não são inteligíveis mediante a investigação de suas respectivas
partes isoladamente.
Os sistemas abertos responderam, conforme resgate histórico de Luhmann (2010 [1995],
p. 203)1, a essa referência teórica, na medida em que os estímulos provenientes do meio podiam
1 Doravante neste texto, faremos referências a essa edição citando-lhe apenas a página
GT15
modificar a estrutura do sistema: uma mutação não prevista, no caso do biológico; uma comunicação
surpreendente, no social:
Mantém-se em um contínuo fluxo de entrada e de saída, conserva-se mediante a construção e
a decomposição de componentes, nunca estando, enquanto vivo, em um estado de equilíbrio
químico e termodinâmico, mas mantendo-se no chamado estado estacionário, que é distinto
do último. Isto constitui a própria essência do fenômeno fundamental da vida, que é
chamado metabolismo, os processos químicos que se passam no interior das células (VON
BERTALANFFY, 2009 [1967], p. 65).
As categorias de variação, seleção, estabilização, consolidaram o modelo dos sistemas abertos
na teoria geral dos sistemas, mas para Luhmann, ainda era preciso enfrentar o conceito de causalidade
(acaso), que colocava a relação entre sistema e meio “no terreno dos impulsos de variação que se
situam fundamentalmente na parte relativa ao meio”. Segundo essa teoria, tais impulsos levam a
mutações no sistema (mudanças químicas operadas no meio, seleção de formas de sobrevivência que
não estão de modo algum visíveis no sistema), tratando-se, portanto, de uma determinação externa da
estrutura do sistema.
Com efeito, desde Darwin, era preciso explicar a multiplicidade das espécies biológicas: como
é possível que de um acontecimento único fundador da vida (a célula) se tenha chegado a tão distintas
formas orgânicas? No âmbito do social, poder-se-ia estabelecer uma inquietação equivalente: partindose do pressuposto de que a consciência é um programa praticamente em branco com uma estrutura
biológica mínima, no sentido de estruturas inatas chomskyanas, competentes para a linguagem, ou
com alguns instintos biológicos ancorados, como é possível explicar que, uma vez que a linguagem
emerge como fenômeno universal de socialização, tenha se desenvolvido tamanha diversidade de
culturas e de linguagens? (p. 62)
Dispondo de um arquivo acumulado durante quarenta anos, contendo, segundo ele próprio,
“cerca de umas cem mil anotações bibliográficas” (p. 203), Luhmann realizou um meticuloso trabalho
de “ajuste” dos conceitos relevantes, para que pudessem comportar um corpo teórico coerente: “não
se trata de introduzir, nem de dispor a contento dos conceitos”, dizia ele, “sem levar em conta as
tradições teóricas que os acompanham e, caso necessário, substituí-los” (p. 292).
Uma preocupação teórica de Luhmann consistia em articular a ideia de que a evolução não
podia ser prognosticada, uma vez que a admiração pela complexidade do mundo sempre acarretou
“o recurso às teorias da criação” e, finalmente, “à admiração por Deus”. Aí, “a ordem era a execução
de um plano, porque o mundo não podia ser explicado sem que houvesse uma intencionalidade por
detrás” (p. 143-144). Se não há intencionalidade, porque intencionalidade implicaria a volta a um
sistema de causa e efeito, Luhmann não podia admitir qualquer tráfego de mensagens do meio para o
sistema, muito menos informação: “Em outros preceitos teóricos”, explica Luhmann, “a informação
é entendida como um transfer a partir do meio; no contexto do acoplamento estrutural [em sua teoria
de sistemas autopoiéticos], trata-se de um acontecimento que se realiza por uma operação efetuada
no próprio sistema”. Luhmann associa essa metáfora do transfer à Segunda Cibernética, com seus
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“sistemas que interpretam o mundo (sob o preceito da energia ou da informação) e reagem conforme
esta interpretação”. Em ambos os casos, a entropia faz com que os sistemas estabeleçam um processo
de troca entre sistema e meio:
Abertura significou comércio com o meio, tanto para a ordem biológica como para os
sistemas voltados para o sentido (sistemas psíquicos, sistemas sociais...). Surgiu, assim, uma
nova ênfase no modelo: o intercâmbio. Para os sistemas orgânicos se pensa em intercâmbio
de energia; para os sistemas de sentido, em intercâmbio de informação (p. 61).
Aí reside a ruptura nas elaborações teóricas de Luhmann (GUIBENTIF, 2005, p. 221), por
ele qualificada de “mudança de paradigma” ou “refundação da teoria” (p. 125), quando orientou,
de maneira bastante inovadora, sua conceptualização dos sistemas sociais em torno do conceito de
“autopoiesis”. O termo foi inicialmente cunhado pelo biólogo chileno Humberto Maturana que,
com Francisco Varela, postulou que “o que caracteriza o ser vivo é sua organização autopoiética”
(MATURANA e VARELA, 2010 [1984], p. 55): seres vivos diferentes se distinguem porque têm
estruturas distintas, que destaca o fato de que os seres vivos são unidades autônomas, embora sejam
iguais em organização.
A dúvida fundamental de Luhmann é “se a teoria da socialização pode ser entendida a partir
do modelo da transmissão” (p. 148). Desde os anos 1950, diz o sociólogo, “verifica-se um ápice
no emprego do conceito de informação, sem, contudo, denotar algum esforço em atingir clareza
conceitual” (p. 139-140). A “teoria da comunicação” (SHANNON, 1948) é uma que fala em que
“os meios de comunicação transmitem informação”, caindo aí no problema de “ter de afirmar que a
individualidade é, portanto, somente uma cópia que se desenvolve no campo amplo da diferenciação
cultural”. E não constitui um avanço substancial – prossegue o sociólogo – a afirmação de que isso
se dá “mediante processos de ensino-aprendizagem, conduzidos por pessoas que desempenham o
papel social de professor, educador – como sendo os que entendem o comportamento adequado –, e
são capazes de transferir esses modelos de socialização aos demais”: isto seria, novamente, “basear a
socialização na teoria da transmissão”.
Maturana seria, segundo Luhmann, “um dos poucos que, decididamente, opôs-se ao emprego
da metáfora da transferência”, ponto de vista que os colocou “numa posição minoritária” no meio
acadêmico (p. 294). No Brasil, essa situação foi constatada empiricamente. Francelin (2004) cita o
sociólogo entre os autores que formam as “bases do pensamento pós-moderno”, mas, como resultado
de sua análise de 258 volumes de oito revistas de CI no Brasil, no período de 1972-2002, mostra que, na
categoria de análise “Complexidade”, que abarca “teoria de sistemas” e “relações de complexidade”,
há apenas 10 artigos. Arboit et al. (2010), um estudo que analisa a configuração epistemológica
da CI brasileira com base na análise de citações da produção periódica da área entre 1972 e 2008,
confirmam a ausência de Luhmann entre os autores que mais influenciam a área, muito embora um de
seus mais proeminentes seguidores, Rafael Capurro, seja o autor estrangeiro mais citado. A Ciência
da Informação, apesar dos esforços em aprimorar abordagens teóricas alternativas, não conseguiu, na
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opinião de Hofkirchner (2011) e outros, desenvolver um corpo teórico que fosse reconhecido como
uma teoria mais geral da informação.
Daí nosso interesse em Luhmann, que acredita ter erigido “um edifício suficientemente
complexo, capaz de servir de contraste ao que foi obtido pela tradição” (p. 203). O que pretendemos
é analisar o papel que o conceito de informação tem nesse “edifício”. Sabemos que, como dizem
Capurro e Hjørland (2007 [2003]), “as definições não são verdadeiras ou falsas, mas sim, mais ou
menos produtivas”, e concordamos com Basilio (1999) quando ela diz que “o conjunto de objetos
do mundo externo designado por uma palavra não é suficientemente especificado pela estrutura
morfo-semântica, estabelecendo-se com ela uma caracterização genérica”. Para nosso fins, estaremos
satisfeitos se pudermos apontar, com base em um sistema de categorias suficientemente robusto
(descrito na próxima seção), a essência da diferença entre as teorias de sistemas de Luhmann e
daquelas que ele refuta.
2. Método
Na Morfologia linguística, “derivação” é o nome do processo formador de novas palavras, e
“produtividade”, da formação de palavras novas por determinada Regra de Formação de Palavras,
ou RFP. A princípio, uma palavra como informação é formada por uma regra que pode ser
representada como em [X]V → [[X] V -ção] N, que nos diz que se pode formar um nome em -ção a
partir de um verbo (representado pela variável X) e, ademais, que a produtividade dessa RFP só se
aplica a verbos, e não a qualquer lexema (ROSA, 2000; FREITAS, 2007). Eis porque é chamada
“nominalização deverbal”.
As nominalizações deverbais possuem duas funções reconhecidas pelos estudiosos das línguas:
de mudança categorial e designadora (ou denotativa). A primeira obedece, sobretudo, a motivações
de estruturação textual, sendo uma construção transparente e sem objetivos designadores. Já a
nominalização denotativa tem uma função de designação de “seres, processos, eventos, situações”
específicos (BASILIO, 2004).
As nominalizações em -ção costumam ser interpretadas como uma “ação ou resultado da
ação” expressa pela base verbal correspondente. Por essa regra geral, informação pode então ser
interpretada como a nominalização da ação informar (informar → informação) “ou resultado dessa
ação”. Não devemos nos esquecer, ainda, que o verbo em estudo admite reflexividade, informar-se,
portanto, informação também é a nominalização da ação informar-se (informar-se → informação),
ou o resultado dessa ação.
Há, porém, quem não considere relevante a origem da base das nominalizações, mas a relação
geral verbo/nome, que obedeceria, em princípio, a um padrão derivacional, segundo o qual, “dada
a existência de um verbo no léxico do Português, é previsível uma relação lexical entre este verbo
e um nome”. É comum em algumas línguas como o português e o japonês encontrarmos termos
com o mesmo étimo que muito frequentemente extrapolam os limites das suas famílias linguísticas.
Afirma-se que, para o significado original, produtos da derivação sufixal em -ção, como informação,
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referem-se basicamente a “seres abstratos”, mas o mesmo não vale, necessariamente, para as demais
acepções da palavra, que podem ser concretas: criação (“ato de criar”), por exemplo, pode ser referir
a animais; coração, aparentemente, o concreto veio antes do sentido abstrato, “a menos que tenha
tido algum significado abstrato inicial que não podemos restaurar” (VIARO, 2011, p. 117-122). Não
podemos descartar, em suma, a hipótese de que informação é que deu origem aos verbos (informação
→ informar; informação → informar-se).
Admite-se, ainda, que informação pode ser usada ignorando-se completamente a base verbal,
aproximando o termo daquilo que, no “mito do objetivismo” identificado por Lakoff e Johnson (2002
[1980], p. 295-297), entenderíamos como um “objeto”, algo com propriedades independentes de
quaisquer pessoas ou outros seres que os experienciem, conceitos como pedra, âncora, azeite ou
escudo. Segundo esses autores, sob esse paradigma, mesmo “eventos, ações, atividades e estados”
são metaforicamente conceptualizados como “objetos”. Uma corrida, por exemplo, é um evento
compreendido como uma entidade discreta, e a prova está na língua: existe no tempo e no espaço
(“você vai à corrida?”), tem demarcações bem definidas (“você viu a corrida?”) e contém participantes
(“você está na corrida no Domingo?”).
Quanto à semântica, seguimos aqui as categorias de Salgado (2009), que, em estudo sobre
as regências de informar em galego, estabeleceu quatro significados fundamentais para o verbo.
A acepção 1 é “continuadora do significado etimológico do verbo” (lat. informare, “dar forma”,
“modelar”, “formar no ânimo”) que, no galego moderno aparece quase exclusivamente em textos
de caráter filosófico. Com o significado 2, informar é um “verbo de transferência” que seleciona três
argumentos potestativamente, isto é, que podem estar expressos ou não, que projetam, sintaticamente,
os papéis de emissor, destinatário e tema. No dicionário Houaiss (2001), essa acepção é registrada
como “fazer saber” ou “cientificar”, e informação, então, é a “comunicação de um conhecimento
ou juízo” ou um “acontecimento ou fato de interesse geral tornado do conhecimento público ao ser
divulgado pelos meios de comunicação; notícia”. Segundo Salgado, a acepção 2 é “a estrutura mais
documentada de informar”, o que faz dela o sentido default para o verbo em galego. No significado
3, informar especializou-se no meio jurídico-administrativo como “[um organismo, perito, corpo
consultivo] emitir informes da sua competência”. Essa acepção está lexicografada no Houaiss como
sinônimo de “instruir (um processo)”. Por último, na acepção 4, informar aparece sempre em construção
pronominal (informar-se), que no Houaiss é o informar-se (“tomar ciência de” ou “cientificar-se”);
informação está associada à “recepção de um conhecimento ou juízo” ou um “conhecimento obtido
por meio de investigação ou instrução”.
Tomando como corpus o último livro Luhmann (2010 [1995]), vamos buscar, então, uma
“caracterização genérica” para seu conceito de informação, nos seguintes termos:
(A) Informação é uma “ação” ou “objeto”?
(B)se denota “ação”, como se pode interpretá-la: como (i) “ação de informar”, (ii) “ação de
informar-se”, “(iii) “resultado ou efeito da ação de informar” ou (iv) “resultado ou efeito
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da ação de informar-se”?
(C)ainda, se denota uma “ação”, expressa qual dos significados fundamentais de Salgado
(2009)?
3. A “metateoria” de Niklas Luhmann
Em Luhmann, o que mudou com a apropriação do conceito de autopoiesis, em relação aos
avanços alcançados nos anos 1950 e 1960, foi a definição de sistema como “a diferença entre sistema
e meio” (LUHMANN, 2010 [1995], p. 81). Poder-se-ia dizer: “o sistema é a diferença resultante da
diferença entre sistema e meio” ou, ainda, “a fundação da unidade está colocada junto da diferença”
(p. 304). Assim, a Teoria dos Sistemas não começa sua fundamentação com uma unidade, ou com uma
“cosmologia que represente essa unidade, ou ainda com a categoria do ser, mas sim com a diferença”.
A “afirmação mais abstrata” que se pode fazer sobre um sistema – e que é válida para qualquer tipo
de sistema – é que a diferença que há entre sistema e meio pode ser descrita como diferença de
complexidade: o meio de um sistema é sempre mais complexo do que o próprio sistema (p. 183-184).
Cada organismo, máquina e formação social, tem sempre um meio que é mais complexo, e oferece
mais possibilidades do que aquelas que o sistema pode aceitar, processar, ou legitimar.
Na definição de Maturana, diz Luhmann, “autopoiesis significa que um sistema só pode
produzir operações na rede de suas próprias operações, sendo que a rede na qual essas operações se
realizam é produzida por essas mesmas operações”; ademais, “dentro do sistema não existe outra
coisa senão sua própria operação” (p. 119-120). Ao tomar como ponto de partida esse “encerramento
de operação”, deve-se entender por autopoiesis, então, “que o sistema se produz a si mesmo, além de
suas estruturas”.
O axioma do “encerramento operativo” leva aos dois pontos mais discutidos na atual Teoria dos
Sistemas: a) auto-organização; b) autopoiésis. Os dois têm como base um princípio teórico sustentado
na diferença e um mesmo princípio de operação: cada um acentua aspectos específicos do axioma,
mas o sistema só pode dispor de suas próprias operações (p. 112).
Se Maturana e Varela (2010 [1984], p. 53) entendem “organização” como “as relações que
devem ocorrer entre os componentes de algo, para que seja possível reconhecê-lo como membro
de uma classe específica”, para Luhmann só há “auto-organização”, no sentido de uma “construção
de estruturas próprias dentro do sistema”. Como os sistemas estão enclausurados em sua operação,
eles não podem “conter” estruturas, eles mesmos devem construí-las. Enquanto Maturana e Varela
entendem por “estrutura de algo” os “componentes e relações que constituem concretamente uma
unidade particular e configuram sua organização”, Luhmann diz que “uma estrutura constitui a
limitação das relações possíveis no sistema” (p. 113). O sistema dispõe de um campo de estruturas
delimitadas, que determinam o espectro de possibilidades de suas operações.
Mas a estrutura luhmanniana não é o fator produtor, a origem da autopoiesis: trata-se de um
processo circular interno de delimitação. Por exemplo (de Luhmann), “numa conversa”, que o
autor enxerga como um sistema (o sistema “comunicação”), “o que se disse por último é o ponto de
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apoio para dizer o que se deve continuar dizendo; assim como o que se percebe no último momento
constitui o ponto de partida para o discernimento de outras percepções”. Portanto, o conceito de autoorganização deve ser entendido, primeiramente, como produção de estruturas próprias, mediante
operações específicas.
Autopoiesis significa para Luhmann a determinação do estado posterior do sistema, a partir
da limitação anterior à qual a operação chegou. Somente por meio de uma estruturação limitante,
um sistema adquire a suficiente direção interna que torna possível a autorreprodução. As estruturas
condicionam o espectro da possibilidade no sistema; a autopoiesis determina o que é possível, de
fato, na operação atual. O molde das estruturas pré-condiciona o que é passível de ser examinado; e a
autopoiesis determina o que, realmente, deve sê-lo (LUHMANN, 2010 [1995], p. 138).
Os sistemas luhmannianos são “autônomos no nível das operações”. Entende-se por “autonomia”
a propriedade que os sistemas têm de somente a partir da operação ser possível determinar o que
lhe é relevante e, principalmente, o que lhe é indiferente. Por conta da “teoria do encerramento
operativo”, Luhmann conclui que “a diferença sistema/meio só se realiza e é possível pelo sistema”.
Assim, o sistema não pode importar nenhuma operação a partir do meio, mas não está, por outro
lado, condicionado a responder a todo dado ou estímulo proveniente do meio ambiente (p. 120). O
meio, por sua vez, só pode produzir efeitos destrutivos no sistema se conseguir irromper na operação
da autopoiesis, daí que a autopoiesis é construída de maneira altamente seletiva, resguardando-se
precisamente de que o meio a destrua, “chegando a interromper o processo da evolução” (p. 280) se
necessário. Donde se deduz que, segundo Luhmann, sobreviver é ainda mais fundamental que viver.
Ao transferir seu centro de gravidade para o conceito de autopoiesis, a Teoria dos Sistemas
defronta-se com o problema de como estão reguladas as relações entre sistema e meio; uma vez que,
principalmente na estratégia teórica, “a distinção sistema/meio faz referência ao fato de que o sistema
já contém a forma meio” (p. 128). Faz-se necessário mais um conceito fundamental da metateoria, o
conceito de “acoplamento estrutural” (p. 130). As causalidades que podem ser observadas na relação
entre sistema e meio situam-se exclusivamente no plano dos acoplamentos estruturais – o que significa
dizer que estes devem ser compatíveis com a autonomia do sistema. Os acoplamentos estruturais podem
admitir uma diversidade muito grande de formas, desde que sejam compatíveis com a autopoiesis. Um
exemplo de acoplamento estrutural, dado pelo autor, é a musculatura dos organismos, que é condizente
com a força da gravidade, embora restrita a âmbitos de possibilidades de movimentos.
A linha de demarcação que divide o meio, entre aquilo que estimula ao sistema e aquilo que
não o estimula – e que se realiza mediante o acoplamento estrutural – tende a reduzir as relações
relevantes entre sistema e meio a um âmbito estreito de influência, pois acoplamento estrutural exclui
que dados existentes no meio possam definir, conforme as próprias estruturas, o que acontece no
sistema. Ele não determina, mas deve estar pressuposto, já que, do contrário, a autopoiesis se deteria
e o sistema deixaria de existir. Mediante o acoplamento estrutural, o sistema desenvolve, por um lado,
um campo de indiferença e, por outro, faz com que haja uma canalização de causalidade que produz
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efeitos que são aproveitados pelo sistema (p. 132). Em suma, todos os sistemas estão adaptados ao
seu meio (ou não existiriam), ainda que dentro do raio de ação que lhes é conferido eles tenham todas
as possibilidades de se comportar de um modo não adaptado (p. 131).
Com a ajuda de modelos de seletividade, os sistemas se tornam, segundo Luhmann, mais
capacitados para processar os dados – ou, como prefere Luhmann, as “irritações provenientes do
meio” – o que proporciona “a possibilidade de aproximar-se da racionalidade”. Um sistema pode, no
entanto, construir sua própria irritabilidade:
Ele pode inserir a distinção sistema/meio de ambas as partes, mediante ulteriores distinções
e, dessa forma, ampliar suas possibilidades de observação. Também pode utilizar indicações
e, com isso, condensar referências; ou então, não fazê-lo, deixando assim que umas
possibilidades caiam no esquecimento. Ele pode recordar e esquecer e, portanto, “reagir à
frequência das irritações”.
Diferentemente das concepções próprias da tradição, Luhmann não quer se aproximar de um
ideal, nem de uma justiça maior, ou de uma construção superior, e tampouco da autorrealização
de um espírito objetivo ou subjetivo. Também não se trata de atingir a unidade: a racionalidade
do sistema significa expor-se à realidade, colocando-lhe à prova uma distinção, entre sistema
e meio (p. 200). A radicalidade desses princípios teóricos, para Luhmann, subentende uma
mudança radical na teoria do conhecimento e na ontologia que lhe serve de pressuposto. Quando
se aborda a teoria da autopoiesis tendo em conta o encerramento de operação, “fica evidente que
se trata de um rompimento com a tradição ontológica do conhecimento, na qual algo pertencente
ao meio pode ser transportado ao ato de conhecer, seja como representação, reflexo, imitação, ou
simulação” (p. 125).
4. Objeções à “metáfora da transferência”
Na vida cotidiana, assim como em alguns processos de pesquisa das ciências, diz Luhmann,
“o conceito de comunicação se baseia na metáfora da transferência (transmissão)”. Essa metáfora
coloca, segundo o autor, “a essência da comunicação no ato da transmissão, no ato de partilhar a
comunicação”. Ela dirige a atenção e os requisitos de habilidade para o emissor e acentua “o caráter
de multiplicação, e não de perda, que se efetua com ela” (p. 294-295)
As objeções feitas a esse conceito usual de comunicação concentram-se, de acordo com
Luhmann, em “dois aspectos”2, sendo que o primeiro é “relativamente superficial e sempre foi
conhecido” (p. 294): dar-se conta de que na comunicação não se trata de desfazer-se de algo – por
exemplo, que, ao se comunicar, o transmissor deixa de possuir algo; assim como em uma transação
econômica, na qual um pagamento pressupõe desfazer-se de uma quantidade de dinheiro, ou em uma
venda, por meio da qual um proprietário se desfaz de um imóvel.
2 Luhmann fala em “dois aspectos”, mas elenca três, como veremos.
GT112
Luhmann discorda: “a comunicação é uma sucessão de efeitos multiplicadores”, primeiramente,
um a tem, e depois, dois, e logo ela pode ser estendida a milhões, dependendo da rede comunicacional
na qual se pense (por exemplo, a televisão). A metáfora sugere que o emissor transmite algo que é
recebido pelo receptor; “mas este não é o caso, simplesmente porque o emissor não dá nada, no sentido
de perder algo”. A metáfora do possuir, ter, dar e receber, portanto, “não serve para compreender a
comunicação” (p. 296-297). Enfim, a metáfora da transmissão não é útil, pois implica “demasiada
ontologia”.
O sociólogo apóia-se aí em Gregory Bateson (1972), que pensava que a produção de redundâncias
é a manifestação primordial da comunicação; mais que isso, “o fenômeno da comunicação serve para
a elaboração de redundâncias”; isto é, para a criação de um excedente comunicacional a serviço de
todo aquele que se interesse por ele: “todo mundo”, enfim, “pode saber algo que foi transmitido pela
televisão”. Trata-se de uma sobreprodução de excedentes, na qual o conhecimento se multiplica a si
mesmo, que possui também uma elevada “cota de esquecimento” ou “desatualização”: “aquilo que se
soube ontem já não interessa mais”.
A segunda objeção ao “conceito usual de comunicação” – “menos difundida, mas de maior
peso” – é se o modelo de transmissão não pressupõe, no fundo, que se tenha conhecimento do estado
interno dos que participam. Ou seja, para afirmar que A e B sabem a mesma coisa, é necessário
conhecer o que existe em A e em B. Se o que se existe em A for diferente do que existe em B, como
se poderá dizer que houve um acontecimento de comunicação? (p. 295) A metáfora da transferência
exagera, segundo o autor, a identidade do que se transmite. Embora “possa haver algo de verdade
nisso”, admite Luhmann, “o ato de partilhar a comunicação não é mais do que uma proposta de
seleção, uma sugestão: somente quando se retoma essa sugestão e se processa o estímulo é que se
gera a comunicação” (p. 297).
Luhmann não admite um programa cultural para a individualidade. Para ele, a socialização
“é sempre autossocialização”. Tomando-se como ponto de partida a autopoiesis, torna-se mais
compreensível que tanto a estruturação da consciência, como a da própria memória, reflitam para
enfrentar os oferecimentos de cultura sob a dupla disposição de aceitação ou rejeição. Somente assim,
afirma Luhmann, “é possível explicar a enorme diversidade individual”. Cada sistema de consciência
desenvolve suas próprias estruturas, na medida em que se orienta conforme expectativas, palavras,
frases e modos de ser específicos. O mesmo individuo cumpre com os requisitos determinados no
comércio social, ou reage negativamente.
Quando se entende a individualidade a partir da possibilidade radical do indivíduo de dizer
sim ou não, e de principalmente pensar que, sob a forma de rejeição, a individualidade se reafirma
mais, torna-se, então, compreensível a origem das particularidades individuais: “a repulsa secreta a
assimilar os costumes, o desconhecimento das normas, a aceitação normativa somente mediante a
coação...” (p. 148-149).
Uma terceira ressalva à metáfora da transmissão se dirige contra a tese de que o processo
GT113
comunicacional está “disposto na simultaneidade do ato de comunicar e de entender”. Diz-se: “a
metáfora da transmissão pressupõe simultaneidade. Ao estar ligada a um espaço delimitado pelas
presenças individuais, a comunicação oral se torna dependente do presente” (p. 296). Mas, diz
Luhmann, na compreensão básica do processo de comunicação, não há extensão de espaço nem de
tempo: “o que se diz, deve ser imediatamente compreendido (simultaneamente), assim como quando
alguém fala e vai paralelamente compreendendo a si mesmo; ou quando se pressupõe que aquele que
escuta também está localizado nesse tempo e espaço da simultaneidade”.
O advento da escrita rompeu, porém, com essa concepção espacial, já que consiste em uma
organização totalmente nova da temporalidade da operação comunicacional. A escrita também acontece
no presente, e simultaneamente. Mas, com a escrita se realiza uma presença completamente nova do
tempo; isto é, ilusão da simultaneidade do não-simultâneo. O efeito da escrita consiste, para Luhmann,
“na separação espacial e temporal entre o ato de transmissão e o de recepção”. Portanto, a metáfora da
transmissão ligada à ideia da simultaneidade – na qual não se deixa terreno para analisar a relação entre
espaço e tempo –não é suficiente para explicar o fenômeno constitutivo da comunicação (p. 296).
5. Informação em Luhmann
O que o sistema experimenta no meio, segundo Luhmann, não são corpos (coisas), mas elementos
constantes, “que são canalizados desse meio até o sistema” (p. 142). No plano dos acoplamentos
estruturais, há possibilidades armazenadas (ruídos) no meio, que podem ser transformadas pelo
sistema; portanto, mediante o acoplamento estrutural, o sistema desenvolve, por um lado, um campo
de indiferença e, por outro, faz com que haja uma “canalização de causalidade”, como vimos. Os
acoplamentos estruturais não determinam os estados do sistema, sua função consiste em “abastecer
de uma permanente irritação (perturbação, para Maturana) o sistema”; do ponto de vista do sistema,
trata-se da constante capacidade de ressonância: “a ressonância do sistema se ativa incessantemente,
mediante os acoplamentos estruturais” (p. 136-137).
Tratando-se de sistemas autopoiéticos, não existe transfer de irritação do meio ao sistema assim
como não existe irritação do sistema no meio: informação é sempre “informação de um sistema” (p.
140), sempre “uma autoirritação, posterior a influxos provenientes do meio” (p. 132). As irritações
surgem de uma confrontação interna (não especificada, num primeiro momento) entre eventos
do sistema e possibilidades próprias, que consistem, antes de tudo, em estruturas estabilizadas,
expectativas. Por exemplo: “no momento em que surge um odor cheirando a queimado, não se sabe
se são as batatas ou algo que se incendeia na casa, mas, em todo o caso, sempre há uma interpretação
limitada da percepção de um odor inabitual de queimado” (p. 138).
O conceito de informação precisa, segundo Luhmann, ser concebido “no marco de referência
da forma, como um conceito com dois lados”: a) o caráter de surpresa que traz implícita a informação;
b) o fato de que a surpresa só existe se as expectativas já estiverem pressupostas no sistema, e se já
estiver delimitada a margem de possibilidades dentro da qual a informação pode optar.
Informação é seleção que só acontece uma vez, na escala das possibilidades, e que, quando é
GT114
repetida, perde o caráter de surpresa. Essa seleção é efetuada em um contexto de expectativas, pois
“somente aí a informação constitui uma surpresa” (p. 300). Uma notícia desportiva, por exemplo,
figura necessariamente dentro de um contexto (expectativa): “o futebol não pode ser confundido com
o tênis”. Portanto, os horizontes de seleção já estão predefinidos (p. 300).
Como os “acontecimentos” são elementos que se fixam pontualmente no tempo, ocorrendo
apenas uma vez e somente no lapso mínimo necessário para sua aparição, seu suceder temporal
identifica-os, e eles são, portanto, irrepetíveis. Por isso, diz Luhmann, servem como “elementos de
unidade dos processos”. Uma informação cujo caráter de surpresa se repita já não é informação;
conserva seu sentido na repetição, mas perde o valor de informação. Por outro lado, não se perde a
informação, mesmo que tenha desaparecido como acontecimento. Modificou-se o estado do sistema e
deixou-se, assim, um efeito de estrutura: o sistema reage perante essas estruturas modificadas e muda
com elas (p. 140). Portanto, informação pressupõe estrutura, embora não seja em si mesma nenhuma
estrutura, mas sim “um acontecimento que atualiza o uso das estruturas” (p. 140). Uma vez que
existem estruturas que limitam e pré-selecionam as possibilidades, o sistema “reage apenas quando
pode processar informação e transformá-la em estrutura”. Nesse contexto, há uma seleção sobre essa
margem de possibilidades.
Informação, prossegue o teórico, é o “acontecimento que antecede e sucede a irritação”, um
período em que “estados do sistema” são selecionados (p. 140). Luhmann adota, a título de processo
de seleção, a formulação clássica de Bateson: informação é a “diferença que faz diferença” para o
sistema. É uma diferença que leva a mudar o próprio estado do sistema: “tão somente pelo fato de
ocorrer, já transforma”: “lê-se que o fumo, o álcool, a manteiga, a carne congelada, colocam a saúde
em risco”, exemplifica Luhmann, “e passa-se a ser outro – quer se acredite, ou não, na informação”.
Cada sistema produz sua informação, já que cada um constrói suas próprias expectativas e esquemas
de ordenação. A influência exterior se apresenta como “uma determinação para a autodeterminação”
e, portanto, como informação: “esta modifica o contexto interno da autodeterminação, sem ultrapassar
a estrutura legal com a qual o sistema deve contar” (p. 140-141).
O fundamental é que a informação “tenha realizado uma diferença” (p. 83). Todo acontecimento
do processamento de informação fica sustentado por uma diferença e se orienta precisamente para
ela. É a diferença que engendra a informação posterior (p. 84). A autopoiesis, diz Luhmann, “tanto
da vida como da comunicação”, é um fenômeno tão forte, que o máximo que toda mudança estrutural
produz, de forma quase imperceptível, é mais diversidade. A informação, enfim, não é a exteriorização
de uma unidade, mas sim a seleção de uma diferença que leva a que o sistema mude de estado
e, consequentemente, opere-se nele outra diferença. Os sistemas autopoiéticos se diversificam, ou
evoluem, continuamente.
A informação se realiza “por uma operação efetuada no próprio sistema” (p. 142). São, por
conseguinte, acontecimentos que delimitam a entropia, sem determinar necessariamente o sistema.
Segundo Luhmann, seu conceito de informação “toma o lugar do conceito encarregado da finalidade
GT115
de equilíbrio” na Teoria dos Sistemas. O ponto fundamental da reflexão acerca dessa problemática
consiste em Luhmann “ter compreendido que o estado de equilíbrio pressupõe uma situação de
demasiada fragilidade para que possa ser estável”. A ênfase de sua pesquisa “não reside no equilíbrio,
mas na estabilidade, uma vez que há sistemas que não estão em equilíbrio, e são estáveis, ou podem
sê-lo” (p. 137-138). O conceito de autopoiesis, como o proposto por Luhmann, “acaba por reforçar
o equilíbrio, ao especificá-lo”: não é possível predizer como o sistema se comportará, uma vez que a
informação é um estado que surge de dentro dele mesmo (p. 143).
A informação reduz complexidade, na medida em que permite conhecer uma seleção,
excluindo, com isso, possibilidades. No entanto, informação também pode aumentar a complexidade.
Operando de maneira seletiva, tanto no plano das estruturas, como no dos processos, “sempre há
outras possibilidades que podem ser selecionadas, quando se tenta atingir uma ordem”. Precisamente
porque o sistema seleciona uma ordem, ele se torna complexo, “já que se obriga a fazer uma seleção
da relação entre seus elementos” (p. 184). A consequência é que, para ordens quantitativamente
grandes, os elementos podem se conectar somente sob a condição de que este acoplamento se realize
de maneira seletiva. Tal seletividade pode ser observada no fluxo da comunicação habitual, como
nos círculos de vizinhos: “não é possível comunicar-se com todos, mas somente com determinadas
pessoas, que, por sua vez, dão continuidade à comunicação” (p. 184-185). Portanto, “a redução de
complexidade é condição para o aumento de complexidade” (p. 132).
6. Interpretação
Na teoria de sistemas de Niklas Luhmann não há espaço, conforme procuramos expor, para
um conceito de comunicação que se baseie na “metáfora da transferência (transmissão)”. Com isso,
podemos afirmar que, dentre os “significados fundamentais” identificados por Salgado (2009), Luhmann
claramente descarta a acepção de informar como um “verbo de transferência”. Informação não pode ser
interpretada nem como a nominalização da “ação de informar” nem como o resultado ou efeito dessa
ação, pois ambas são, para ele, reflexos de uma metáfora que implica “demasiada ontologia”.
Em Luhmann, também não se pode conceber informação como um “objeto”, pois “o que o
sistema experimenta no meio não são corpos (coisas), mas elementos constantes, que são canalizados
desse meio até o sistema”. A identidade de uma informação deve ser pensada paralelamente ao fato
de que seu significado é distinto para o emissor e para o receptor. Cada sistema está voltado para
as expectativas possíveis, “que já trazem impresso um sentido de avaliação”, se orienta “conforme
expectativas, palavras, frases e modos de ser específicos” e pode, portanto, acatar ou negar a ocorrência
ou existência de “objetos”, “seres”, “eventos” ou “situações” reais. Por eliminação, concluímos que
a informação luhmanniana denota um “processo”.
Informação, enquanto “processo”, é uma “operação” efetuada no próprio sistema. Envolve a
seleção de uma diferença, um “acontecimento” que se fixa pontualmente no tempo: eles antecedem e
GT116
sucedem a irritação, selecionando “estados do sistema”. A seleção leva o sistema a mudar de estado
e, consequentemente, operar-se nele outra diferença. Argumentos como esses nos permitem postular
que informação em Luhmann nominaliza a “ação de informar-se”.
Mas a informação luhmanniana também é “um estado que surge de dentro” do próprio sistema,
ou seja, informação também é o resultado, ou efeito, da “ação de informar-se”. Não se perde a
informação, diz o sociólogo, mesmo que tenha desaparecido como acontecimento: “modificou-se o
estado do sistema e deixou-se, assim, um efeito de estrutura”. A influência exterior se apresenta como
“uma determinação para a autodeterminação”, pois cada sistema constrói suas próprias expectativas
e “esquemas de ordenação”. A informação, assim, reduz complexidade, na medida em que exclui
possibilidades, o que confere “valor de informação” a toda experiência. Como os “acontecimentos”
ocorrem apenas uma vez e somente no “lapso mínimo necessário para sua aparição”, eles são
irrepetíveis – eis porque, diz Luhmann, servem como “elementos de unidade dos processos”. Por tudo
isso, observa-se que “o resultado ou efeito da ação de informar-se” aproxima-se de uma informação
que nominaliza a acepção 3 de Salgado (2009), aquela em que informar significa “emitir informes da
sua [organismo, perito, corpo consultivo] competência”.
Conclusão: informação, para Luhmann, é tanto a própria “ação de informar-se” quanto o
“resultado ou efeito” dessa ação, que deve ser entendida com um sentido que tem grande produtividade
no Direito (formação originária de Luhmann3): a de instrução de processos. Os sistemas instruem-se
(= informam-se) continuamente, e cada instrução (= informação) fixa-se na própria estrutura, o que
permite que as informações de um sistema possam ser “recuperadas” por um sistema-observador.
7. Considerações finais
A teoria dos sistemas de Niklas Luhmann nos leva a compreender a CI como uma “ciência do
informar-se”, e não como uma “ciência do informar”, conceito que, ainda hoje, parece ser hegemônico
na Ciência da Informação. Essa mudança de perspectiva, embora reducionista, parece cumprir
um papel didático eficaz o suficiente para contemplar outros horizontes epistemológicos como o
desenvolvimento de uma Science of Information, como vem propondo Hofkirchner (2011, p. 372):
Currently, a Science of Information does not exist. What we have is Information Science.
Information Science is commonly known as a field that grew out of Library and Documentation
Science with the help of Computer Science: it deals with problems in the context of the
so-called storage and retrieval of information in social organizations using different media,
and it might run under the label of Informatics as well. A Science of Information, however,
would be a discipline dealing with information processes in natural, social and technological
systems and thus have a broader scope.4
A informação ocupa, em Luhmann, um papel que nos parece central na epistemologia da
3 Luhmann estudou direito na Universidade de Freiburg entre 1946 e 1949, quando obteve seu doutorado e começou uma carreira na
administração pública.
4 Mantivemos o texto no original, pois, em português, tanto Science of Information como Information Science são traduzíveis para
Ciência da Informação. De qualquer forma, em algum momento – caso a proposta de Hofkirchner se consolide como paradigma
emergente – será preciso encontrar uma solução terminológica para a questão.
GT117
Ciência da Informação: a autonomia do sistema, propriedade já reconhecida ortogonalmente entre
os “natural, social and technological systems”. Aqui recorremos a Günter Uhlmann (2002, p. 57ss),
que nos explica que a autonomia do sistema é obtida a partir da memória do “estoque”, como em
Luhmann. O autor cita como exemplos a água que o camelo absorve para sobreviver uma travessia
de um deserto; a gordura que o urso acumula antes da Hibernação; o conhecimento, que permite ao
homem “sobreviver” em ambientes competitivos. Sistemas “necessitam” sobreviver, sob a imposição
da termodinâmica universal; para isso “exploram” seus meios ambiente, “trabalhando” os “estoques”
adequados a essa permanência.
Além de garantirem alguma forma de permanência ou sobrevivência sistêmica, os estoques
acabam por ter um caráter histórico, gerando o que Uhlmann chama de “função memória” do sistema.
Uma função memória conecta o sistema presente ao seu passado, possibilitando possíveis futuros.
Em sistemas de baixa complexidade, a memória é simples (como o caso do fenômeno da histerese
em sistemas físicos ou o que é descrito por uma “função de transferência” em um circuito elétrico,
por exemplo) mas em sistemas complexos ela pode surgir exatamente como na memória de um ser
humano, um complexo processo cerebral e celular. A memória mais marcante em biologia é sem
duvida aquela do código genético.
Luhmann descreve sua obra como “uma espécie de metateoria, que não deve ser apresentada
como instrução da base metodológica da pesquisa empírica, no sentido de exigir-lhe prognósticos
estruturais, mas sim como uma orientação geral” (p. 125). O resultado, porém, já foi equiparado
à Fenomenologia do Espírito de Hegel (MOELLER, 2006, p. 199) e considerado uma das “mais
ambiciosas e potentes reformulações da sociedade tardo-moderna” (FARÍAS e OSSANDRON, 2006,
p. 15) – “talvez mesmo a mais plausível” (SANTOS, 2005a, p. 161). Sua “Teoria Sistêmica de Terceira
Geração”, como a entendemos, oferece de fato “um edifício suficientemente complexo” capaz de
servir de contraste “ao que foi obtido pela tradição” e merece, na nossa opinião, ser apropriada pela
Ciência da Informação.
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GT119
COMUNICAÇÃO ORAL
INTEGRAÇÃO EPISTEMOLÓGICA DA ARQUIVOLOGIA,
DA BIBLIOTECONOMIA E DA MUSEOLOGIA NA CIÊNCIA
DA INFORMAÇÃO: POSSIBILIDADES TEÓRICAS
Carlos Alberto Ávila Araújo
Resumo:
O objetivo deste artigo é apresentar as conclusões de uma pesquisa que buscou problematizar
e discutir as possibilidades de integração epistemológica da Arquivologia, da Biblioteconomia e da
Museologia na Ciência da Informação. Para tanto, é analisada a origem e evolução teórica das três
áreas, sendo identificado um paradigma custodial-tecnicista e teorias que apontam para sua superação.
A seguir, analisa-se a origem e evolução da Ciência da Informação, propondo-se que o conceito de
informação tal como estudado recentemente pode favorecer o avanço das perspectivas teóricas nas
três áreas e possibilitar sua integração epistemológica.
Palavras-chave: Ciência da Informação. Arquivologia. Biblioteconomia. Museologia.
1 INTRODUÇÃO
O objetivo deste texto é apresentar os resultados de uma pesquisa de pós-doutoramento junto
à Universidade do Porto, em Portugal, intitulada “Ciência da Informação como campo integrador
para as áreas de Biblioteconomia, Arquivologia e Museologia”, realizada de junho de 2010 a maio
de 2011. A pesquisa nasceu de uma questão bastante concreta: a criação, na Escola de Ciência da
Informação da Universidade Federal de Minas Gerais (ECI/UFMG), dos cursos de graduação em
Arquivologia e Museologia, que passaram a conviver com o já existente curso de Biblioteconomia. A
intenção da escola desde o início foi promover uma integração entre esses três cursos na Ciência da
Informação (CI).
Desde então, uma série de esforços vêm sendo realizados, tanto para a consolidação das
condições institucionais como para o avanço das aproximações teóricas. A pesquisa aqui relatada
insere-se nesse segundo tópico, buscando problematizar aspectos relacionados com possíveis
aproximações e diálogos entre as três áreas e destas com a Ciência da Informação. Os resultados
encontrados apontam fortes evidências e argumentos em defesa da ideia de que é possível promover
a integração epistemológica entre as áreas da Arquivologia, Biblioteconomia e Museologia, no
campo da CI, dadas certas condições teóricas, que serão aqui analisadas e tensionadas. Pretende-se
demonstrar que a evolução teórica das três áreas (e alguns desdobramentos práticos), ao longo do
século XX, tem apontado frequentemente para a superação das distinções disciplinares entre elas – e,
GT120
portanto, abrem caminho para a possibilidade de sua integração. Nesse cenário, a CI e o conceito de
informação surgem como possíveis aglutinadores e potencializadores dos desenvolvimentos futuros
destas três áreas.
2 O LONGO CAMINHO ATÉ A CONSOLIDAÇÃO
Os campos de conhecimento hoje conhecidos como Arquivologia, Biblioteconomia e
Museologia têm raízes em atividades práticas ligadas ao funcionamento das instituições arquivo,
biblioteca e museu. Estas, por sua vez, surgiram há milênios e se configuraram de maneiras muito
diferentes, até chegar aos modelos existentes atualmente. Todas elas, de uma forma ou de outra (seja
pelas atividades de colecionismo que deram origem aos primeiros museus, pelas ações de acúmulo
de documentos por motivos administrativos ou comerciais nos primeiros coletivos humanos, entre
outros), ligam-se aos registros materiais do conhecimento humano e, portanto, têm estreita relação
com as distintas atividades culturais humanas – entendendo aqui cultura como a ação simbólica,
humana, de interpretar o mundo e de produzir registros materiais dessas ações em qualquer tipo
de suporte físico. Assim, é com a invenção da escrita e do estabelecimento das primeiras cidades,
há mais de cinco milênios, que surgem os primeiros espaços específicos voltados para a guarda e a
preservação de acervos documentais. Autores que tratam da história dos arquivos, bibliotecas e museus
frequentemente listam algumas instituições que se tornaram paradigmáticas (como os arquivos de
Ebla, a Biblioteca de Alexandria, o Mouseion alexandrino), embora distinções muito rígidas do que
seria arquivo, biblioteca ou museu se revelem infrutíferas (SILVA, 2006). No Egito Antigo, na Grécia
Clássica, no Império Romano, nos mundos árabe e chinês do primeiro milênio e na Idade Média na
Europa, ergueram-se diversos arquivos, bibliotecas e museus, relacionados com os mais diversos fins
– religiosos, políticos, econômicos, artísticos, jurídicos, entre outros.
Contudo, é com o Renascimento, a partir do século XV, que aparecem os primeiros traços
efetivos daquilo que se poderia chamar de um conhecimento teórico específico nas três áreas, com a
publicação dos primeiros tratados relativos a estas instituições. Nesta época, renasce o interesse pela
produção humana, pelas obras artísticas, filosóficas e científicas – tanto as da Antiguidade GrecoRomana como aquelas que se desenvolviam no próprio momento. Salientou-se o interesse pelo culto
das obras, pela sua guarda, sua preservação.
Proliferaram, nos séculos XV a XVII, tratados e manuais voltados para as regras de procedimentos
nas instituições responsáveis pela guarda das obras, para as regras de preservação e conservação física
dos materiais, para as estratégias de descrição formal das peças e documentos, incluindo aspectos
sobre sua legitimidade, procedência e características. A produção simbólica humana, compreendida
como um “tesouro” que precisaria ser devidamente preservado, tornou-se objeto de uma visão
patrimonialista (o conjunto da produção intelectual e estética humana, a ser guardado e repassado para
as gerações futuras). Contudo, o foco do interesse fixou-se no conteúdo dos acervos. Os arquivos, as
bibliotecas e os museus eram apenas instituições a serviço dos campos de estudo da Literatura, das
Artes, da História e das ciências. Não se constroem, neste momento, conhecimentos arquivísticos,
GT121
biblioteconômicos ou museológicos consistentes - exceto algumas regras operativas muito próximas
do senso comum.
O passo seguinte na evolução destas áreas se deu com a Revolução Francesa e as demais
revoluções burguesas na Europa, que marcam a transição do Antigo Regime para a Modernidade.
Ocorreu uma profunda transformação em todas as dimensões da vida humana e, também, nos arquivos,
nas bibliotecas e nos museus. Surgem os conceitos modernos de “Arquivo Nacional”, “Biblioteca
Nacional”, “Museu Nacional”, que têm no caráter público (no sentido de “nacional”, relativo ao
coletivo dos nascentes Estados modernos) sua marca distintiva. Formaram-se as grandes coleções,
com amplos processos de aquisição e acumulação de acervos – o que reforçou a natureza custodial
destas instituições. A necessidade de se ter pessoal qualificado levou à formação dos primeiros
cursos profissionalizantes, voltados essencialmente para regras de administração das rotinas destas
instituições e, seguindo a tradição anterior, para conhecimentos gerais em Humanidades (ou seja, os
assuntos dos acervos guardados).
Por fim, com a consolidação da ciência moderna como forma legítima de produção de
conhecimento e de intervenção na natureza e na sociedade, também o campo das humanidades
se viu convocado a constituir-se como ciência. Surgiram, no século XIX, diversos manuais que
buscaram estabelecer o projeto de constituição científica da Arquivologia, da Biblioteconomia e da
Museologia. O modelo de ciência então dominante, oriundo das ciências exatas e naturais, voltado
para a busca de regularidades, estabelecimento de leis, ideal matemático e intervenção na natureza
por meio de processos técnicos e tecnológicos, se expande para as ciências sociais e humanas através
do Positivismo. Esse é o modelo que inspira as pioneiras conformações científicas das três áreas, que
privilegia os procedimentos técnicos de intervenção: as estratégias de inventariação, catalogação,
descrição, classificação e ordenação dos acervos documentais. Opera-se um verdadeiro “efeito
metonímico”: aquilo que antes era uma parte do processo (operações técnicas para possibilitar o
uso das coleções) se torna o núcleo, em alguns casos a quase totalidade do conteúdo dos nascentes
campos disciplinares. Arquivologia, Biblioteconomia e Museologia tornaram-se as ciências
(positivas) voltadas para o desenvolvimento das técnicas de tratamento dos acervos que custodiam.
Ao mesmo tempo, o movimento de consolidação positivista destas áreas promove sua “libertação”
de outras áreas das quais eram apenas campos auxiliares (como as Artes, a História, a Literatura) e a
sua autonomização científica.
Os três movimentos acima destacados se somam. A perspectiva patrimonialista volta-se para
os “tesouros” que devem ser custodiados, ressaltando a importância da produção simbólica humana.
Ainda que preservado em parte o sincretismo verificado nos séculos anteriores, há já alguma distinção
entre arquivos, bibliotecas e museus. A entrada na Modernidade enfatiza as especificidades das
instituições arquivos, bibliotecas e museus, que devem ter estruturas organizadas e rotinas estabelecidas
para o exercício da custódia. E a fundamentação positivista prioriza as técnicas particulares de cada
instituição a serem utilizadas para o correto tratamento do material custodiado. Constituem-se assim,
GT122
nos finais do século XIX e início do século XX, os elementos que marcam a consolidação de um
paradigma patrimonialista, custodial e tecnicista (SILVA, 2006) para as três áreas.
Um dos efeitos mais sensíveis deste modelo é que, ao privilegiar a dimensão física das coleções,
em seguida as instituições que as guardam e finalmente as técnicas operadas para seu tratamento,
ele efetivamente promove e incentiva a separação das três áreas e sua constituição como campos
científicos autônomos. Tal fato se complementa com as ações, nas primeiras décadas do século XX, das
associações profissionais em prol do estabelecimento das distinções entre os profissionais de arquivo,
de biblioteca e de museu. Profissionais diferentes, em instituições diferentes, utilizando técnicas
diferentes para o tratamento de acervos específicos – tal é a resultante da soma das ações ocorridas
no plano teórico (com o paradigma custodial) e prático (com o fortalecimento das instituições, dos
movimentos profissionais e associativos, e o início dos primeiros cursos universitários).
No século XX, contudo, o desenvolvimento de reflexões e teorias nas três áreas não
conduziu ao fortalecimento do paradigma dominante. Ao contrário, a vasta produção científica
que se seguiu identificou, com muita freqüência, os vários limites desse modelo, ressaltando
diversos aspectos que, pouco a pouco, foram conduzindo à necessidade de sua superação. Além
disso, novos fatores surgidos neste século (a crescente importância da informação nos setores
produtivos da sociedade, o desenvolvimento das tecnologias digitais, o incremento das práticas
interdisciplinares e a importância da especificidade das ciências sociais e humanas) também
exerceram importante papel na mudança do cenário de atuação de arquivos, bibliotecas e museus,
conduzindo a iniciativas práticas que também evidenciavam mudanças no paradigma dominante.
Em meio a tudo isso, surgiu ainda a Ciência da Informação, com uma proposta de cientificidade
capaz de acolher e potencializar os diferentes aspectos da produção teórica das três áreas – como
se pretende demonstrar a seguir.
3 O DESENVOLVIMENTO CIENTÍFICO
A diversidade de conhecimentos científicos e teóricos produzidos sobre arquivos, bibliotecas e
museus, tanto nos próprios campos científicos como em outras áreas (como a História, a Pedagogia,
a Literatura, entre outros), torna extremamente difícil apresentar ou mapear essa produção. Para os
fins deste artigo, optou-se por um arranjo que privilegia a discussão aqui empreendida. Seria possível
agrupar as diversas teorias e autores sob uma variedade imensa de aspectos (região geográfica,
época histórica, disciplina de origem, inspiração filosófica, etc) mas optou-se por agrupar as variadas
contribuições pelos aspectos que apontaram elementos de superação do paradigma custodial e
tecnicista predominante. Tais aspectos foram organizados em cinco eixos. Para a composição desses
eixos, foram considerados tanto a vinculação dos estudos a diferentes correntes de pensamento
(dentre aquelas existentes de uma forma ampla nas ciências sociais e humanas) quanto relacionados
a diferentes objetos de pesquisa e formas de abordagem desses objetos. Assim, dentro de cada eixo
GT123
apresentado a seguir, misturam-se teorias e perspectivas construídas a partir de aspectos analíticos
de diferentes ordens – tendo-se portanto o seu agrupamento em eixos relacionados, cada um, a um
aspecto específico de crítica/superação do modelo custodial.
3.1 Os estudos de inspiração funcionalista
Já no final do século XIX, ensaios, manifestos e iniciativas vinham reivindicando mudanças nos
arquivos, bibliotecas e museus, por meio de expressões como “arquivo efetivamente útil”, “biblioteca
viva”, “museu dinâmico”, entre outras. Criticava-se o fato de estas instituições estarem voltadas apenas
para seus acervos e suas técnicas, sugerindo que elas se “mexessem”, buscassem atuar ativamente nos
contextos sociais em que se inseriam. E, ao propor isso, provocaram também mudanças consideráveis
nas formulações teóricas.
Em comum, essas várias manifestações têm como fundamento o Funcionalismo. Trata-se de
uma perspectiva que se sustenta numa visão da realidade humana a partir da inspiração biológica
do organismo vivo. A sociedade humana é entendida como um todo orgânico, composto de partes
que desempenham funções específicas necessárias para a manutenção do equilíbrio do todo.
Estudos funcionalistas se voltam, pois, para a determinação das funções (no caso, dos arquivos,
das bibliotecas e dos museus), para verificar se as funções estão ou não sendo cumpridas (e para a
identificação e eliminação dos obstáculos que impedem seu cumprimento), para a identificação de
disfunções que possam estar ocorrendo e a formulação de estratégias para superá-las. Por todo o
raciocínio encontra-se a ideia de eficácia: a investigação científica como fator para impulsionar o
funcionamento adequado das instituições e, consequentemente, o desenvolvimento e o progresso
das sociedades.
No campo da Arquivologia, as primeiras manifestações deste pensamento se encontram
nos manuais de Jenkinson, de 1922, e de Casanova, de 1928, que apontavam para a necessidade
de os arquivos terem um impacto efetivo no aumento da eficácia organizacional. Mas é com o
desenvolvimento da subárea de Avaliação de Documentos, assumindo para o campo a tarefa de
eliminação dos documentos, que um pensamento pragmatista mais efetivo começou a formular-se.
Sua maior expressão se deu com a chamada “escola norte-americana” da primeira metade do século
XX, com os trabalhos de Warren (a partir dos quais formalizou-se uma associação que seria o embrião
da American Records Management Association); de Brooks, sobre as três categorias de valor, e
principalmente de Schellenberg,, sobre o valor primário e secundário dos documentos arquivísticos
(DELSALLE, 2000). Tais proposições visavam conservar o máximo de informação preservando um
mínimo de documentos – priorizando a funcionalidade em oposição aos aspectos de arranjo e valor
histórico dos documentos. Uma outra vertente arquivística, também funcionalista, é a que prioriza a
ação cultural dos arquivos e suas funções pedagógicas, que também provocou a busca por uma maior
“dinamização” destas instituições (ALBERCH I FUGUERAS et al, 2001).
Na Biblioteconomia, em meados do século XVIII surgem as primeiras manifestações em prol
das bibliotecas efetivamente públicas (MURISON, 1988). O termo “efetivamente” ressalta que as
GT124
primeiras bibliotecas modernas, embora “públicas” no nome, seriam demasiadamente auto-centradas
e elitistas. Atos, manifestos e iniciativas práticas no campo das bibliotecas públicas (Public Library
Movements), liderados por bibliotecários como Mann e Barnard, buscaram romper com o isolamento
destas e atrair cada vez mais pessoas para seu espaço. Já em 1876, Green defendia inovações
práticas nas bibliotecas para aumentar a acessibilidade física e intelectual, sendo o precursor dos
posteriormente chamados serviços de referência (FONSECA, 1992). A consolidação científica dessa
vertente se deu na Universidade de Chicago, onde em 1928 foi criado o primeiro doutorado em
Biblioteconomia. Autores como Butler, Shera, Danton e Williamson defendiam uma Biblioteconomia
científica, voltada não para os processos técnicos mas para o cumprimento de suas funções sociais –
ou seja, o fundamento da biblioteca se encontra no fato de ela ir ao encontro de certas necessidades
sociais. Shera chegou a propor um novo espaço de reflexão científica, a “Epistemologia Social”, para
o estudo do papel do conhecimento na sociedade. Teóricos de diferentes países, tais como Lasso de
la Vega, Litton, Buonocore, Mukhwejee e Usherwood, seguiram essas orientações, ao defender o
conceito de biblioteca como instituição democrática, ativa, e não como depósito de livros (LÓPEZ
CÓZAR, 2002). Na Índia, Ranganathan, numa clara perspectiva funcionalista, desenvolveu as cinco
“leis” da Biblioteconomia, defendendo o efetivo uso da biblioteca e de seus recursos e, ao mesmo
tempo, o atendimento às necessidades da sociedade, por meio do atendimento a cada um de seus
componentes. Desenvolvimentos posteriores de leis ou princípios da Biblioteconomia, como os de
Thompson e de Urquhart, também priorizaram as funções sociais e a necessidade da biblioteca ser
dinâmica e ativa. Recentemente, estudos sobre as tipologias de bibliotecas e sobre os impactos das
tecnologias audiovisuais e digitais de informação também se inserem nesta perspectiva, buscando
otimizar o papel da biblioteca e dinamizar o uso de seus recursos.
No campo da Museologia, o maior destaque é a área de Museum Education. Conforme Gómez
Martínez (2006), trata-se de uma museologia “verbal”, voltada para a ação, erigida em oposição
à tradição “nominalista”, voltada para a posse e a descrição dos objetos. Zeller (1989) aponta que
floresceu, principalmente nos EUA do final do século XIX e início do século XX, uma Museologia
voltada para a eficácia dos museus, para uma efetiva difusão de certos valores junto à população,
e para oferecer à sociedade um “retorno” dos investimentos feitos. Autores como Flower, Goode,
Dana e Rea marcavam a especificidade dos museus como instituições que teriam como valor não a
contemplação mas o uso, e que não esperariam pelos visitantes, mas iriam “buscá-los”, atraindo-os
para os museus por meio da eliminação de barreiras e da busca por acessibilidade. Diversas parcerias
foram realizadas com o setor privado para o incremento de atividades industriais e comerciais,
resultando em inovações museográficas. Essa perspectiva manifestou-se em outros contextos. Na
França, destaca-se o pioneirismo do “museu imaginário” de Malraux, no plano teórico, e do Centro
Pompidou, em Beaubourg, como aplicação prática. No Canadá, aproximações foram feitas entre
os museus e o conceito de “comunicação” a partir dos trabalhos de Cameron. A partir da década
de 1980, com as tecnologias digitais, houve uma revitalização da corrente funcionalista, com as
GT125
possibilidades de acesso remoto, interatividade e design de exposições, com manifestações em
várias escolas e correntes como, por exemplo, no grupo de pesquisadores ligados à Universidade
de Leicester (Merriman, Pearce, Hooper-Greenhill, entre outros) e, ainda no contexto inglês, com a
“Nova Museologia” defendida por Vergo e outros.
3.2 A perspectiva crítica
Abordagens críticas sobre os fenômenos humanos e sociais se desenvolveram intensamente
desde o século XIX como reação ao pensamento positivista. Onde as recentes ciências humanas
e sociais buscavam estabelecer padrões e regularidades, as manifestações críticas denunciavam o
caráter histórico da realidade, reivindicando o estudo dos contextos históricos para a compreensão dos
fenômenos. Em oposição ao Funcionalismo, que almejava o bom funcionamento do social, as teorias
críticas argumentavam que o conflito, e não a integração, constitui o principal fundamento explicativo
da realidade humana. A partir de uma postura epistemológica de suspeição, desenvolveram-se
abordagens críticas em praticamente todas as ciências sociais e humanas – e, também, nos campos
da Arquivologia, Biblioteconomia e Museologia, buscando ver o papel dos arquivos, bibliotecas e
museus nas dinâmicas de poder e dominação, a partir da denúncia de suas ações ideológicas.
No âmbito da Arquivologia, os primeiros traços de pensamento crítico encontram-se em análises
de pesquisadores como Bautier, sobre os interesses ideológicos que motivaram critérios usados pelos
arquivos ainda no início da era Moderna. Outros estudos relacionam-se com a questão do poder de
posse dos documentos em várias ocasiões, como no caso dos processos de descolonização da África
e da Ásia (SILVA et al, 1998). Nas décadas de 1960 e 1970, debates sobre as políticas nacionais
de informação promovidos pela Unesco tematizaram o papel dos arquivos, a questão do direito à
informação e a necessidade de transparência por parte do Estado (JARDIM, 1995). Numa linha
diferente, autores como Colombo argumentaram contra a obsessão das sociedades contemporâneas
com o arquivamento e o registro das atividades humanas. É na Arquivologia canadense, contudo, que
se desenvolvem as principais perspectivas críticas contemporâneas. Com origem nos trabalhos de
Terry Cook, tal corrente buscou superar os pressupostos de neutralidade e passividade das práticas
arquivísticas, analisando em que medida os arquivos constituem espaços em que relações de poder
são negociadas, contestadas e confirmadas – numa virada de ênfase das coleções para os contextos,
feita por autores como Caswell, Harris e Montgomery.
Na Biblioteconomia, manifestações de um pensamento crítico surgiram principalmente em
países de terceiro mundo, vinculadas aos processos de redemocratização após ditaduras militares.
Num primeiro momento, tais manifestações foram de caráter prático (com a criação de novos
serviços bibliotecários de extensão, como o carro-biblioteca), com o objetivo de aumentar o acesso ao
conhecimento por parte de populações socialmente excluídas. Anos depois, foram formuladas teorias
relacionadas a essas práticas no escopo das reflexões sobre “ação cultural” e “animação cultural”, nas
quais buscava-se distinguir os diferentes tipos de ideologias culturais e propor que o bibliotecário
deveria identificá-las e atuar perante elas, não numa perspectiva de “domesticação” mas sim de
GT126
“emancipação” (FLUSSER, 1983). As bibliotecas deveriam ser dinâmicas e ativas, mas contra os
processos de alienação - num sentido bem diferente da perspectiva funcionalista (MILANESI, 2002).
Estudos críticos diferentes também se desenvolveram em outros países, como na França, em que
autores como Estivals, Meyriat e Breton se uniram em torno de uma abordagem marxista para estudar
os circuitos do livro e do documento impresso (ESTIVALS, 1981).
Na Museologia, as manifestações pioneiras de pensamento crítico se encontram na obra de artistas
e ensaístas como Zola, Valéry e Marinetti (BOLAÑOS, 2002), que viam o museu como “mausoléu”,
instituição que degradava a arte, instrumento de poder de alguns povos sobre outros. Na década de
1960, uma nova onda de críticas provocou o aparecimento de formas de “antimuseu” (BOLAÑOS,
2002), com importantes inovações museológicas. Porém, é na aproximação com a sociologia da
cultura que estão as manifestações mais consolidadas da perspectiva crítica, com Bourdieu inspirando
toda uma geração de pesquisadores. Bourdieu aliou as dimensões material e simbólica, analisando
como diferentes grupos sociais têm relações distintas com a cultura (e inclusive com os museus).
Abordagens atuais utilizam-se desse referencial e do conceito de “capital cultural” para o estudo de
distintas práticas museológicas (LOPES, 2007). Outros estudos buscam correlacionar o papel que
os museus tiveram (e ainda têm) na construção ideológica da idéia de nação, a partir do trabalho
pioneiro de Anderson. Há ainda uma área recente, a “Museologia Crítica”, voltada para a crítica
das estratégias museológicas intervenientes nos patrimônios naturais e humanos (SANTACANA
MESTRE; HERNÁNDEZ CARDONA, 2006).
3.3 Os estudos a partir da perspectiva dos sujeitos
Arquivos, bibliotecas e museus tiveram historicamente relações muito diferentes com a questão
dos públicos (usuários ou visitantes). Há relatos de coleções privadas, cujo acesso era restrito a
pouquíssimas pessoas, e mesmo acervos proibidos e secretos ligados a interesses políticos, militares
ou religiosos. Na Era Moderna, em que passou a vigorar as ideias de universalização, cidadania e de
arquivos, bibliotecas e museus “públicos”, a questão tomou uma nova dimensão. Contudo, durante
a vigência do paradigma custodial, se formalmente buscou-se abertura e acolhida para os diferentes
públicos, conhecê-los nunca chegou a constituir uma prioridade. Foi nos primeiros anos do século XX
que as abordagens funcionalistas começaram a se preocupar com o público, tentando obter dados sobre
índices de satisfação para a melhoria dos serviços. Aos poucos, a importância de se conhecer a visão
dos sujeitos concretos que se relacionam com estas instituições foi aumentando, a ponto de acabar
se tornando uma área de estudos autônoma. Os usuários e visitantes deixaram de ser vistos apenas
como alvo dos processos arquivísticos, biblioteconômicos e museológicos, sendo compreendidos como
seres ativos, construtores de significados e interpretações, com necessidades e estratégias diversas. A
compreensão dessas novas questões trouxe relevantes impactos para a teoria e para a prática.
No campo da Arquivologia, o tema da relação entre os usuários e os arquivos começou a ser
discutido na década de 1960 (SILVA et al, 1998), dentro das reflexões sobre o acesso aos arquivos
GT127
nas reuniões do Conselho Internacional de Arquivos (CIA). Contudo, a temática sempre foi pouco
expressiva no campo. Conforme Jardim e Fonseca (2004), estudos pioneiros são os de Taylor, Dowle,
Cox e Wilson, voltados para o entendimento das necessidades informacionais de diferentes tipos de
usuários. Há também estudos de usuários no campo de dinamização cultural, principalmente sobre
tipologia de usuários e sobre cidadãos e seus interesses em história familiar e em atividades de ensino
(COEURÉ; DUCLERT, 2001).
Na Biblioteconomia, as primeiras manifestações foram os “estudos de comunidade” realizados
por pesquisadores da Universidade de Chicago, que tinham como foco os grupos sociais tomados em
seu conjunto. Foram realizadas diversas pesquisas empíricas, nas décadas seguintes, sobre hábitos de
leitura e fontes de informação mais usadas. Aos poucos, o interesse foi se deslocando para a avaliação
dos serviços bibliotecários, convertendo os estudos de usuários em estudos de uso para diagnóstico
de bibliotecas. Situando-se na temática de Avaliação de Coleções, tais estudos impulsionaram
várias inovações técnicas, tais como a disseminação seletiva de informações. Na década de 1970,
pesquisadores como Line, Paisley e Brittain deslocaram o foco de interesse para as necessidades de
informação, que se converteram na principal linha de pesquisa sobre os usuários (FIGUEIREDO,
1994). Recentemente, destacam-se as pesquisas de autores como Kuhlthau e Todd no ambiente da
biblioteca escolar, numa perspectiva cognitivista, identificando o uso da informação nas diferentes
fases do processo de pesquisa escolar.
Na Museologia, como parte da grande mudança nos museus, de depósitos de objetos para
lugares de aprendizagem, operou-se uma alteração do foco, das coleções para os públicos – surgindo
desse movimento a subárea de Estudos de Visitantes (HOOPER-GREENHILL, 1998). No começo do
século XX foram realizados os primeiros estudos empíricos, com Galton seguindo os visitantes pelos
corredores dos museus e Gilman estudando a fadiga e os problemas de ordem física na concepção
de exposições. Na década de 1940, proliferaram estudos sobre os impactos nas exposições junto aos
visitantes, realizados por autores como Cummings, Derryberry e Melton. Outros estudos, conduzidos
por autores como Rea e Powell na mesma época, tiveram como objetivo traçar perfis sócio-demográficos
dos visitantes e mapear seus hábitos culturais. Na década de 1960, Shettel e Screven inauguraram uma
nova perspectiva com as medidas de aprendizagem nos estudos de visitantes. Nas décadas seguintes,
desenvolveram-se abordagens de base cognitivista, sobre a efetividade das exposições (Eason,
Friedman, Borun), e de natureza construtivista – como o modelo tridimensional de Loomis, a teoria
dos filtros de McManus, o modelo sociocognitivo de Uzzell, a abordagem comunicacional de HooperGreenhill e o modelo contextual de Falk e Dierking. Em comum, essas várias abordagens buscaram
ver como os usuários interpretam as exposições museográficas, construindo significados diversos,
imprevisíveis, relacionados com suas distintas vivências, experiências e contextos socioculturais
(DAVALLON, 2005).
3.4 Estudos sobre representação
GT128
Se em sua origem os arquivos, as bibliotecas e os museus se constituíram como instituições
de coleta e guarda de acervos, há registros de que, desde muito cedo (há pelo menos dois milênios),
estas instituições desenvolveram técnicas específicas com o fim de inventariar suas coleções para fins
de controle e guarda, catalogá-las e classificá-las para fins de recuperação, descrevê-las para facilitar
o acesso e o uso. Ao longo dos séculos tais técnicas foram sendo criadas, adaptadas, recriadas, de
forma a se produzir um grande acúmulo de conhecimentos sobre formas de organização dos materiais
custodiados nestas instituições. Tal conjunto de conhecimento, contudo, sempre foi historicamente
concebido como uma questão eminentemente técnica – encontrar as formas mais adequadas para
atingir os objetivos. Nos séculos XVIII e XIX, o enciclopedismo, o historicismo e o positivismo
marcaram fortemente as tarefas de representação com a proposição de esquemas universais de
representação. Ao longo do século XX, contudo, diferentes teorias buscaram problematizar esses
processos, conformando aos poucos uma subárea de estudos com forte influência das ciências da
linguagem. De tarefa técnica, as questões da representação se converteram em importante campo de
investigação científica.
A temática relativa a princípios de organização e descrição de documentos arquivísticos surgiu
e foi debatida durante todo o período de consolidação do paradigma custodial. A partir de 1898, com
a publicação do manual de Muller, Feith e Fruin, ela ganhou um estatuto diferente, com a construção
de um espaço reflexivo sobre as normas e técnicas arquivísticas. Diversas aplicações práticas de
instrumentos de classificação, inclusive de sistemas de classificação bibliográfica, foram testados
nos anos seguintes, embora sem uma significativa reflexão teórica – o que só aconteceu em manuais
posteriores, como os de Tascón, de 1960, e de Tanodi, em 1961, e em obras teóricas de pesquisadores
como Schellenberg. Nas décadas de 1970 autores como Laroche e Duchein problematizaram os
princípios de ordenamento confrontando o conceito de record group surgido nos EUA com o princípio
da proveniência europeu, e autores como Dollar e Lytle inseriram a questão dos registros eletrônicos
e a recuperação da informação (SILVA et al, 1998). Os aspectos relacionados com preservação e
autenticidade também estiveram no centro dos debates sobre os documentos digitais, envolvendo
pesquisadores como Duranti e Lodolini, que buscaram confirmar o valor do princípio de proveniência
e o respeito aos fundos como critério fundamental da Arquivologia. O impacto dos suportes digitais
motivou o crescimento da pesquisa na área de normalização arquivística, principalmente a partir da
ideia de interoperabilidade de sistemas e possibilidade de ligação em rede. A temática da indexação
dos documentos arquivísticos também ganhou espaço nos últimos anos (RIBEIRO, 2003).
As questões relacionadas com a descrição e a organização estão na origem mesma da fundação
da Biblioteconomia como campo autônomo de conhecimento. A Catalogação, relacionada com a
descrição dos aspectos formais dos documentos, teve seus primeiros princípios formulados no século
XIX. A partir da década de 1960, padrões internacionais de descrição bibliográfica foram formulados
e envolveram diversos grupos de estudo. Também nesta época surgiram os primeiros modelos de
descrição pensando-se na leitura por computador, gerando padrões que, anos depois, conformariam o
GT129
campo conhecido como Metadados. Paralelamente, a área de Classificação teve início com a criação
dos primeiros sistemas de classificação bibliográfica gerais e enumerativos, como os de Dewey, Otlet,
Bliss e Brown. Na primeira metade do século XX, os trabalhos de Ranganathan sobre classificação
facetada revolucionaram o campo, propondo formas flexíveis e não-hierarquizadas de classificação.
Suas teorias tiveram grande impacto na ação do Classification Research Group, fundado em
Londres em 1948, que congregou pesquisadores como Foskett, Vickery e Pendleton, empenhados
na construção de sistemas facetados para domínios específicos de conhecimento e problematização
dos princípios de classificação (SOUZA, 2007). Nos anos seguintes, diversos campos e setores de
pesquisa estabeleceram diálogo ou se apropriaram dos princípios da classificação facetada, tais
como os tesauros facetados de Aitchison, os estudos de bases de dados facetados de Neelameghan,
a abordagem dos boundary objects de Albrechtsen e Jacob e o mapeamento de sentenças para a
evidenciação de facetas por Beghtol.
O espírito nacionalista e historiográfico dos primeiros museus modernos foi decisivo para a
configuração de critérios de ordenamento, descrição, classificação e exposição dos acervos (MENDES,
2009). A subárea de Documentação Museológica surgiu no início do século XX, a partir do trabalho
de autores como Wittlin, Taylor e Schnapper (MARÍN TORRES, 2002). Nas décadas de 1920 e 1930
houve grandes debates sobre os critérios de classificação adotados nos museus, mas a temática só
se converteu em campo de investigação décadas depois. Entre as várias abordagens desenvolvidas,
encontram-se aquelas que buscaram problematizar aspectos classificatórios dos museus, como a
questão da representação dos gêneros, dos diferentes povos do mundo, das diferentes culturas humanas,
numa linha marcada pelos cultural studies (PEARCE, 1994). Os aspectos envolvidos no trabalho de
ordenamento também foram estudados por Bennett numa perspectiva foucaultiana. No campo das
aplicações práticas, Bolaños (2002) apresenta vários exemplos históricos de inovações em métodos
de representação, como o historicismo radical de Dorner, os period rooms do Museu do Prado, o
enfoque multidisciplinar do Museu de Arte Moderna de Nova Iorque, a postura antiracista do Museu
Trocadero e o modelo dinâmico do Museu de Etnografia de Neuchâtel, merecendo destaque, ainda, a
criação de edifícios que em si mesmos constituem peças museológicas, numa linha inaugurada pelo
Museu Guggenheim de Bilbao.
3.5 Abordagens contemporâneas: fluxos, mediações, sistemas
Os avanços mais recentes nos campos da Arquivologia, Biblioteconomia e Museologia têm
buscado agregar as várias contribuições das últimas décadas. Novos tipos de instituições, serviços
e ações executadas no âmbito extra-institucional conferiram maior dinamismo aos campos, que
passaram a se preocupar mais com os fluxos e a circulação de informação. Buscando superar os
modelos voltados apenas para a ação das instituições junto ao público, ou para os usos e apropriações
que o público faz dos acervos, surgiram modelos voltados para a interação e a mediação, contemplando
as ações reciprocamente referenciadas destes atores. Modelos sistêmicos também apareceram na
GT130
tentativa de integrar ações, acervos ou serviços antes contemplados isoladamente. A própria ideia de
acervo, ou coleção, foi problematizada, na esteira de questionamentos sobre o objeto da Arquivologia,
da Biblioteconomia e da Museologia. Somado a tudo isso, desenvolveram-se as tecnologias digitais
com um impacto muito mais profundo, reconfigurando tanto o fazer quanto a teorização destes três
campos.
Na Arquivologia, na década de 1960, houve uma maior teorização sobre o objeto do campo
(destacando-se o pioneirismo de Tanodi que, em 1961 definiu o objeto como sendo a “arquivalia”);
uma ampliação de seus domínios (como os arquivos administrativos, os arquivos privados e de
empresas); e ainda o surgimento de campos novos (os arquivos sonoros, visuais e o uso do microfilme).
Tais avanços tiveram como consequência a criação, na década seguinte, do Programa de Gestão dos
Documentos e dos Arquivos (RAMP), estrutrurado pelo CIA e pela Unesco, no âmbito de seu Programa
Geral de Informação (PGI) criado em 1976. Tal programa assegurou a publicação de trabalhos em
diferentes áreas da Arquivologia, tais como os de Kula (arquivos de imagens em movimento); de
Naugler (registros eletrônicos); de Guptil (documentos de organizações internacionais); de Harrison
e Schuurma (arquivos sonoros) e de Cook (documentos contendo informações pessoais). Contudo,
a maior inovação teórica, a Arquivística Integrada, surgiu no começo dos anos 1980 com o artigo
inaugural de Ducharme e Rousseau, que apresenta uma visão sistêmica do fluxo documental. Dois
anos depois, Couture e Rousseau formalizaram a busca de uma síntese dos records management
e da archives administration, a partir de uma visão global dos arquivos, considerando a gestão de
documentos no campo de ação da Arquivologia, isto é, abarcando as tradicionalmente chamadas
três idades dos documentos numa perspectiva integrada. Tal abordagem passou a desenvolver-se de
formas específicas por autores de variados contextos, tais como Cortés Alonso e Conde Villaverde
na Espanha, Menne-Haritz na Alemanha, Cook na Inglaterra e Vásquez na Argentina. Pouco depois,
surgiu a expressão “pós-custodial” para designar uma nova fase da Arquivologia (COOK, 1997).
Nessa mesma linha desenvolveu-se a perspectiva sistêmica em torno da ideia de “arquivo total” em
Portugal, congregando pesquisadores como Silva e Ribeiro (SILVA et al, 1998). Outras temáticas
contemporâneas são as que relacionam os arquivos com as atividades de registro da história oral, e o
campo dos arquivos pessoais e familiares (COX, 2008).
Dentro das abordagens contemporâneas em Biblioteconomia, destacam-se três grandes
tendências que, embora possam ser separadamente identificadas, possuem vários elementos em
comum. A primeira delas é a que se apresenta contemporaneamente sob a designação de “Mediação”.
Tal vertente foi primeiramente trabalhada por Ortega y Gasset, em 1935, num sentido de ponte,
filtro, sendo o bibliotecário um orientador de leituras dos usuários. Anso depois, expressou-se numa
alteração estrutural do conceito de biblioteca, sendo esta considerada “menos como ‘coleção de
livros e outros documentos, devidamente classificados e catalogados’ do que como assembléia de
usuários da informação” (FONSECA, 1992, p. 60). Assim, a ideia de mediação sofreu uma mudança,
enfatizando menos o caráter difusor (de transmissão de conhecimentos) e mais o caráter dialógico da
GT131
biblioteca (ALMEIDA JR., 2009). A segunda vertente também pode ser entendida como parte dos
estudos sobre mediação, embora tenha se desenvolvido de modo mais específico. Trata-se do campo
da Information Literacy, surgido nos EUA em 1974, voltado para a identificação e a promoção de
habilidades informacionais dos sujeitos, que não são mais entendidos apenas como usuários portadores
de necessidades informacionais (Campello, 2003). Por fim, a terceira vertente é a dos estudos sobre
as bibliotecas eletrônicas ou digitais, com todas as implicações em termos de acervos, serviços e
dinâmicas relativas a essa nova condição (ROWLEY, 2002).
Na Museologia, merece destaque o desenvolvimento dos ecomuseus e da chamada Nova
Museologia. Conforme Davis (1999), o conceito de “ecomuseu” surgiu no começo do século XX,
sob o impacto das ideias ambientalistas, de conceitos relativos à ecologia e ecossistemas, com a
criação dos “museus ao ar livre”, que, numa perspectiva ampliada de museu, incorporavam sítios
geológicos ou naturais ao seu “acervo”. Um outro sentido para o termo foi dado, a partir das ideias
de Rivière, Hugues de Varine e Bazin, pela Nova Museologia, que propôs repensar o significado
da própria instituição museu. Nessa visão, os museus deveriam envolver as comunidades locais
no processo de tratar e cuidar de seu patrimônio. Tal proposta foi apresentada pela primeira vez
em 1972, numa Mesa Redonda organizada pelo International Council of Museums (ICOM), sendo
formalizada na Declaração de Quebec, em 1984. Do ponto de vista teórico, tal noção propõe que
a Museologia passe a estudar a relação das pessoas com o patrimônio cultural e que o museu seja
entendido como instrumento e agente de transformação social – o que significa ir além das suas
funções tradicionais de identificação, conservação e educação, em direção à inserção da sua ação
nos meios humano e físico, integrando as populações. Defendendo a participação comunitária no
lugar do “monólogo” do técnico especialista, tais ideias colocaram no lugar do tradicional tripé
edifício/coleções/público da Museologia uma nova rede de conceitos, composta por território,
patrimônio e comunidade. Deve-se distinguir, porém, essa Nova Museologia dos recentes estudos
com a mesma designação, propostos por Vergo e Marstine, entre outros, que representam, antes,
uma revitalização do pensamento funcionalista. Soma-se a isso a recente ênfase nos estudos
sobre a musealização do patrimônio imaterial. Por fim, o fenômeno contemporâneo dos museus
virtuais representa uma dimensão com variados desdobramentos práticos e teóricos. Para Deloche
(2002), a chegada da tecnologia digital à realidade dos museus acarreta a reformulação da própria
concepção de instituição museal. Sem edifício ou coleções, marcos institucionais tradicionais
definidores do próprio campo, o museu se vê na condição de oferecer novos serviços, por meio de
novas práticas e funções, a usuários que também ganham novas condições de ação. A adoção de
tecnologias tanto para o tratamento como para o planejamento de exposições aproxima também
o museu do conceito de sistema de informação, tal como apontam os estudos da área de Museum
Informatics, que trata das interações sociotécnicas (entre as pessoas, a informação e a tecnologia)
nos espaços museais (MARTY; JONES, 2008).
GT132
GT133
4 A CIÊNCIA DA INFORMAÇÃO
As raízes da CI se encontram na área de Documentação, criada por Otlet e La Fontaine no início
do século XX. Preocupados com a disponibilização de registros sobre a totalidade do conhecimento
humano (mais do que com o armazenamento destes registros), os autores desenvolveram o conceito
de “documento”, alargando o campo de intervenção para além dos livros e demais registros impressos.
Embora tratando de arquivos, bibliotecas e museus numa perspectiva integradora, a área acabou se
desenvolvendo como uma atividade profissional distinta, paralela, atuando principalmente no campo
da informação científica e tecnológica.
Foi justamente neste espectro de atuação, do registro e fornecimento de informações para
campos específicos de ciência e tecnologia, que começaram a atuar aqueles que primeiramente
ficaram conhecidos como “cientistas da informação” (FEATHER; STURGES, 2003). Na esteira das
tentativas de institucionalização das atividades destes profissionais, entre as quais a realização da
International Conference on Scientific Information, realizada em Washington, em 1958, deu-se a
base para a criação da nascente “Ciência da Informação”. Poucos anos depois, em 1966, o American
Documentation Institute (ADI) mudou sua designação para American Society for Information
Science (ASIS), tornando-se a primeira instituição científica específica da CI. Os fundamentos
teóricos imediatamente adotados foram a Teoria Matemática da Comunicação de Shannon e Weaver,
a Cibernética de Wierner e as contribuições de Vannevar Bush. Juntos, consolidaram um conceito
“científico” de informação e uma agenda de pesquisa da área, expressa num artigo de Borko, de 1968.
Contudo, o que viria a ser a CI nos anos seguintes ultrapassou em muito o imaginado nos
primeiros anos. Conforme González de Gómez (2000), nas décadas seguintes a CI desenvolveu-se
por meio de subáreas relacionadas a diversos “programas de pesquisa”: os fluxos da informação
científica, a recuperação da informação, os estudos métricos da informação, os estudos de usuários,
as políticas de informação, a gestão do conhecimento e as possibilidades trazidas com o hipertexto e
a interconectividade digital. O objeto de estudo do campo ampliou-se para além dos registros físicos
em sistemas de informação. Foram estudados, por exemplo, os “colégios invisíveis” (processos de
troca de informação em ambiente informal), o “conhecimento tácito”, as necessidades de informação
e as competências informacionais dos sujeitos, entre outros.
Segundo Capurro (2003), as diferentes teorias e subáreas acabaram por consolidar três amplos
modelos de estudo do fenômeno informacional: o físico (que privilegia a idéia de informação como
“coisa” a ser transferida de um ponto a outro), o cognitivo (inspirado na filosofia de Popper e que
enfatiza a informação como elemento alterador dos modelos mentais dos usuários) e o social (que
busca entender o que é informação por parte de comunidades de usuários, resgatando a idéia de
construção intersubjetiva).
Silva (2006) também expressou essa ampliação por meio da definição das seis “propriedades” da
informação como conceito científico. A informação é algo comunicável, reprodutível e quantificável
(pode-se dizer que correspondem ao conceito “físico” de Capurro); possui pregnância de sentido
GT134
(corresponde à dimensão “cognitiva” identificada por Capurro); integra-se de forma dinâmica a seu
contexto e é estruturada pela ação humana (corresponde à dimensão “social” de Capurro).
A CI tem sido caracterizada, ainda, como uma ciência interdisciplinar (SARACEVIC, 1996),
pós-moderna (WERSIG, 1993) e pertencente ao campo das ciências humanas e sociais (GONZÁLEZ
DE GÓMEZ, 2000). Tais características a têm credenciado como um campo flexível, capaz de fazer
dialogar e interagir, dentro dela, campos disciplinares distintos; crítico aos limites do Positivismo e
ao mesmo tempo sensível às especificidades da atual “sociedade da informação”; e capaz de permitir
a convivência de diferentes escolas e correntes teóricas.
5 CONCLUSÕES
Os avanços teóricos na Arquivologia, Biblioteconomia e Museologia apontam para a efetiva
superação do modelo custodial consolidado no final do século XIX. Ao propor o estudo das relações
entre essas instituições e a sociedade (tanto na perspectiva funcionalista como na crítica), ao focar o
ponto de vista dos sujeitos, ao problematizar os aspectos relacionados ao significado nas representações
e ao pensar os fluxos e as mediações, as teorias desenvolvidas no século XX tensionaram os limites das
áreas de conhecimento. Assim, a dinâmica mais ampla dos processos passou a ser contemplada, com
objetos que vão desde a produção dos registros (e até mesmo o que ainda não possui existência física, o
imaterial), a composição dos acervos, as competências dos usuários no uso e apropriação dos acervos,
até as diferentes camadas de significação criadas com a intervenção profissional e os instrumentos
de descrição e classificação. Na Museologia, tal passagem pode ser caracterizada com a mudança do
objeto “museu” para a “musealidade” ou a “musealização” (STRÁNSKÝ apud DELOCHE, 2002);
na Arquivologia com o conceito de “arquivalia” ou o de “arquivo total” (SILVA et al, 1998); e na
Biblioteconomia com o próprio conceito de “informação” (como vem sendo feito desde a década de
1980, quando as pós-graduações em Biblioteconomia começaram a mudar sua denominação para CI).
A CI aparece, então, como campo profícuo para os avanços reivindicados pela evolução
das várias teorias desenvolvidas e para fazer dialogarem dentro dela as três áreas. Além disso,
constituindo-se desde o início como ciência, é capaz de proporcionar o efetivo espaço de reflexão e
problematização, buscando superar o caráter eminentemente prático, de aplicação de regras, que as
disciplinas de arquivo, biblioteca e museu trazem de sua origem.
O conceito de informação também é relevante, mas, para que ele propicie essa integração, é
preciso retornar à própria origem do termo, que, conforme Capurro (2008), remonta aos conceitos
gregos de eidos (ideia) e morphé (forma), significando “dar forma a algo”. Informação, portanto,
se inscreve no âmbito da ação humana sobre o mundo (“in-formar”), apreendendo-o por meio do
simbólico, nomeando e classificando os objetos que conhece (objetos da natureza), criando objetos
que passa a utilizar (instrumentos com diversas finalidades), produzindo registros que constituem
novos objetos (textos impressos, visuais, sonoros) e criando ainda registros destes registros (catálogos,
índices, inventários, etc).
GT135
Informação é portanto um conceito que perpassa todo esse processo. Tem origem na produção de
registros materiais e se prolonga nas atividades humanas (arquivísticas, biblioteconômicas, museológicas)
sobre esses registros. Mas é ainda mais ampla do que isso, é tudo aquilo que envolve essa ação humana a
partir do primeiro registro, do primeiro ato de “in-formar”. Parte da ação humana comum, cotidiana, de
apreender o mundo e produzir registros materiais desse processo, chega às instituições e procedimentos
técnicos criados especificamente para intervir junto a estes registros e os ultrapassa nos mais diversos
usos, fluxos, apropriações, contextos. Dada sua amplitude, surge com grande potencial de tratar os
variados processos arquivísticos, biblioteconômicos e museológicos como sendo muito mais do que os
procedimentos técnicos definidos pelo paradigma custodial/tecnicista. Ao fazer isso, potencializa também
uma parcial dissolução das rígidas fronteiras disciplinares (sem perda de identidade e de especificidade
de cada uma) em benefício de reflexões teóricas e aplicações práticas mais ricas – como demonstram,
entre outros, os recentes exemplos de construção da Europeana (um amplo sistema digital que constitui
ao mesmo tempo um arquivo, uma biblioteca e um museu de acervos da cultura europeia) ou a fusão do
Arquivo Nacional e da Biblioteca Nacional no Canadá. A CI, sem se impor sobre as três áreas, aberta às
especificidades e contribuições de cada uma, pode proporcionar o diálogo necessário para a construção de
um conhecimento científico que não se reduz ao estudo e à prática das instituições que cada área contempla.
A CI pode possibilitar que as três áreas sejam mais do que “a ciência do arquivo”, “a ciência da biblioteca”
e “a ciência do museu” – e ainda se enriqueçam mutuamente.
Abstract: The aim of this paper is to present the findings of a research about the possibilities of
epistemological integration of Archival Science, Library Science and Museum Studies in the
Information Science. To this end, it reviews the origin and evolution of the three theoretical areas,
and identified a custody and technical paradigm and theories that point to overcome. Next, it explores
the origin and evolution of Information Science, proposing that the concept of information as studied
recently can foster the advancement of theoretical perspectives in three areas and enable their
epistemological integration.
Keywords: Information Science; Archival Science; Library Science; Museum Studies.
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GT138
COMUNICAÇÃO ORAL
O CAMPO DA INFORMAÇÃO
Angelica Alves Marques
Resumo: Esta comunicação apresenta, a partir de uma revisão bibliográfica e análise documental, o
histórico de algumas iniciativas internacionais e nacionais voltadas para a harmonização do ensino
das disciplinas da informação. Partindo da definição de campo científico de Bourdieu e de jurisdição
no sistema de profissões de Abbott, a Arquivologia, Biblioteconomia, Museologia, Documentação e
Ciência da Informação são entendidas como disciplinas independentes que têm por objeto a gênese,
organização, comunicação e recuperação da informação. Objetiva apreender as convergências e
peculiaridades dessas disciplinas, especialmente da Arquivologia, para o delineamento do campo
da informação, entendido como o espaço de alianças e conflitos entre essas disciplinas. Defende a
autonomia da Arquivologia como disciplina científica, sem, contudo, perder de vista suas relações
extradisciplinares e seus diálogos com as demais disciplinas que lhe são próximas.
Palavras-chave: Arquivologia. Biblioteconomia. Museologia. Ciência da Informação.
1 INTRODUÇÃO
Há alguns anos, buscamos compreender a trajetória da Arquivologia como disciplina no Brasil,
a partir do estudo das suas práticas, da história dos arquivos, dos cursos de graduação, das associações
de arquivistas e da configuração atual da área, ou seja, dos quadros docentes dos cursos, das pesquisas
desenvolvidas na graduação e na pós-graduação com temas arquivísticos e, de certa forma, da sua
epistemologia.
Desenvolvida em três fases (projeto de iniciação científica, dissertação e tese), o último estágio
da pesquisa voltou-se para a investigação das interlocuções entre a Arquivologia internacional
e a nacional, tendo em vista o desenvolvimento da disciplina no Brasil. Evidentemente, o estudo
tangenciou a trajetória de outras disciplinas que têm por objeto a informação e que, institucionalmente,
compartilham o mesmo espaço acadêmico dos cursos de Arquivologia, comungando, inclusive,
objetos de pesquisa.
Desse modo, parte da tese dedicou-se à apreensão dos marcos históricos da Museologia, da
Biblioteconomia, da Documentação e da Ciência da Informação (CI). Embora outras disciplinas
também tenham por objeto a informação, restringimo-nos a essas quatro áreas (como afins à
Arquivologia), considerando a sua vinculação academicoinstitucional. Identificamos aspectos comuns
que facilitam os seus diálogos e que, em parte, justificam tal vinculação e, também, pontos específicos
que as individualizam.
GT139
Afinal, a Arquivologia teria uma identidade disciplinar própria? Ou sua identidade limitar-se-ia
às suas aplicações e, consequentemente, poderia ser considerada Ciência da Informação ou uma das
Ciências da Informação? Se existem profissões e, mais recentemente, disciplinas que estão envolvidas
com a gênese, organização, comunicação e recuperação de documentos/informações, os paradigmas
da Arquivologia alinhar-se-iam àqueles dessas disciplinas no campo da informação?
Inspirados e inquietados por essas questões, ainda que não objetivemos respondê-las,
retomamos, mediante uma revisão de literatura e análise documental, o histórico de algumas iniciativas
internacionais e nacionais voltadas para a harmonização do ensino das disciplinas da informação,
ponto de partida para a conjugação das suas convergências e especificidades, além de estímulo para o
delineamento do campo da informação, apresentado nesta comunicação.
2 EM BUSCA DE PONTOS COMUNS
As preocupações em torno das relações de cooperação entre as disciplinas que têm por objeto
a gênese, organização, comunicação e recuperação da informação são sistematizadas em 1934, por
Paul Otlet, no Traité de Documentation (OTLET, 1934). A Organização das Nações Unidas para a
Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO) as valida com a criação do International Council on
Archives (ICA), em 1948; com a aproximação entre a Fédération Internationale de Documentation
(FID) e a International Federation of Library Associations (IFLA); e com a realização da Conferência
Intergovernamental sobre a Planificação das Infraestruturas de Documentação, que marca um “pacto”
entre as bibliotecas e os arquivos (MATOS; CUNHA, 2003).
No relatório apresentado à IFLA e à FID, acerca do inquérito sobre a formação profissional
dos bibliotecários e documentalistas, Suzanne Briet retoma o problema dessa formação, lembrando
o papel dos arquivistas, bibliotecários e curadores de museus como especialistas na preservação e
divulgação dos acervos (UNESCO, 1951).
A partir da década de 1960, são realizados alguns eventos internacionais com foco na integração
dos serviços de documentação, bibliotecas e arquivos: em Quito (Equador, 1966), Colombo (Sri
Lanka, 1967), Kampala (Uganda, 1970) e Cairo (Egito, 1974). Nessa perspectiva, são também feitas
consultas sobre a planificação, os métodos aplicáveis e a formação de pessoal desses serviços – Paris,
1972, 1973 e 1974 (CONFERENCE INTERGOUVERNEMENTALE SUR LA PLANIFICATION
DES INFRASTRUCTURES NATIONALES EN MATIÈRE DE DOCUMENTATION, DE
BIBLIOTHÈQUES ET D’ARCHIVES, 1974).
Em 1972 é realizado, em Washington, o Seminário Interamericano de Integração dos Serviços
de Informação de Arquivos, Bibliotecas e Centros de Documentação na América Latina e no Caribe,
no âmbito da UNESCO, da Organização dos Estados Americanos (OEA), do Departamento de Estado
e Comissão Nacional dos Estados Unidos para a UNESCO, da American Library Association e do
Council on Library Resources. Foram declarados os princípios, as conclusões e as recomendações
aos governos dos países americanos, considerando-se a responsabilidade do Estado em promover o
GT140
acesso à informação (ARQUIVO NACIONAL, 1974).
Para facilitar a permuta e a transferência internacional de informação, é criado, em 1973, o
UNESCO’s World Scientific Information Programme (UNISIST) no âmbito da UNESCO (CARNEIRO,
1977).
Alinhado às propostas dessas iniciativas, nos anos 1970, o movimento pela integração das
instituições voltadas para a organização e disponibilização de documentos (inicialmente os arquivos,
as bibliotecas e os institutos/centros de documentação) se fortalece, liderado pela UNESCO, no sentido
de “estabelecer uma forma mais eficaz e flexível, base da cooperação e assistência em apoio aos
esforços dessas organizações” (INTERGOVERNMENTAL CONFERENCE ON THE PLANNING
OF NATIONAL DOCUMENTATION, LIBRARY AND ARCHIVES INFRASTRUCTURES, 1974,
p. 28, tradução nossa).
Exemplo desse esforço é a realização da Intergovernmental Conference on the Planining of
National Documentation, Library and Archives Infrastructures, em Paris, no ano de 1974, com o
objetivo de proporcionar o compartilhamento de experiências sobre o planejamento coordenado
de bibliotecas e arquivos (INTERGOVERNMENTAL CONFERENCE ON THE PLANNING OF
NATIONAL DOCUMENTATION, LIBRARY AND ARCHIVES INFRASTRUCTURES, 1974, p.
2, tradução nossa).
O Brasil participa desse evento, no qual é proposto o National Information System (NATIS),
como um sistema relacionado às ações da UNESCO voltadas para o entrosamento entre os arquivos
e bibliotecas nas infraestruturas nacionais (CARNEIRO, 1977). “O conceito NATIS objetiva ação
nacional e internacional como base para uma estrutura geral que abrangerá todos os serviços, que
proporcionarão assim informação a todos os setores da comunidade e a todas as categorias de usuários”
(ARQUIVO NACIONAL, 1976a, p. 16). Nesse sentido, o mesmo documento inclui os arquivos nos
serviços de comunicação.
O ICA, por sua vez, reconhece a necessidade de organização das estruturas de arquivos e de
gestão de documentos como responsabilidade do Governo e se coloca à disposição da UNESCO para
colaborar em seus esforços para a execução do Programa (ARQUIVO NACIONAL, 1976b).
Em relação aos arquivos, as preocupações centram-se na gestão dos documentos
administrativos, intermediários (com destaque para a avaliação) e nos arquivos nacionais, além da
microfilmagem e autenticação de documentos (CONFERENCE INTERGOUVERNEMENTALE
SUR LA PLANIFICATION DES INFRASTRUCTURES NATIONALES EN MATIÈRE DE
DOCUMENTATION, DE BIBLIOTHÈQUES ET D’ARCHIVES, 1974).
Embora a reunião de especialistas para estudar a aplicação desse Sistema no Brasil (Rio de
Janeiro, 1975) tenha cogitado apenas os problemas relacionados às bibliotecas (ASSOCIAÇÃO DOS
ARQUIVISTAS BRASILEIROS, 1977a), parte da justificativa de criação do Sistema Nacional de
Arquivos brasileiro é amparada na recomendação dessa Conferência, isto é, “num Sistema Nacional
de Documentação, Bibliotecas e Arquivos, ao qual caiba o comando normativo da política arquivística
GT141
no País” (ARQUIVO NACIONAL, 1975a, p. 2).
É importante ressaltar que o Brasil participa dessa Conferência como estado-membro,
representado por seu embaixador e delegado na UNESCO, pelo então diretor do Arquivo Nacional,
pelo ministro dos Negócios Exteriores e pelos consultores técnicos do Instituto Brasileiro de
Bibliografia e Documentação (IBBD) e do Ministério das Minas e Energia (CONFERENCE
INTERGOUVERNEMENTALE SUR LA PLANIFICATION DES INFRASTRUCTURES
NATIONALES EN MATIÈRE DE DOCUMENTATION, DE BIBLIOTHÈQUES ET D’ARCHIVES,
1975).
Tendo em vista um tronco comum para o ensino de Documentação, Biblioteconomia e
Arquivologia, é apresentado o seguinte quadro:
Quadro 1: Proposta de tronco comum nos estudos de documentalistas, bibliotecários e
arquivistas
Documentação
Fundamentos
(histórico,
desenvolvimento,
evolução dos
conceitos)
Materiais
Biblioteconomia
A biblioteca na
sociedade
Sociologia da
História das
informação
bibliotecas e
História da Informação educação a esse
respeito
Científica
Teoria da comunicação Legislação relativa às
bibliotecas
Métodos de pesquisa
Estudos de usuários
Métodos de pesquisa
Formas de
documentação:
periódicos, relatórios,
novas mídias, bases de
dados
Serviços de
informação
Formas de
documentação:
publicações, livros,
periódicos, novas
mídias
Ferramentas
bibliográficas
História das artes do
livro
GT142
Arquivologia
Organização
administrativa (passado
e presente): geografia
histórica
História dos arquivos
Legislação relativa aos
arquivos
Teoria da Arquivologia
Métodos de pesquisa
Formas de documentação:
dossiês, registros,
manuscritos, cartas,
material audiovisual,
dossiês legíveis por
máquinas, etc.
Categorias de dossiês:
públicos, privados,
notariais, etc.
Sistemas de registro
(organização dos arquivos
intermediários)
Métodos
(organização,
interpretação,
avaliação e
utilização dos
materiais)
Indexação, resumos
analíticos, análise
de conteúdo,
armazenamento,
linguagens
documentárias e
sistemas de pesquisa
documentária
Organização de bases
de dados
Difusão de informação
Serviços destinados
aos usuários
Processos de consulta
Organização do
conhecimento
Indexação, resumos
analíticos, análise de
conteúdo
Serviços de leitores
Análise sistêmica
Gestão (fixação
de objetivos e
métodos)
Gestão e administração
Pessoal
Aspectos jurídicos
Planificação de
sistemas
Gestão e
administração
Pessoal
Tipos de operações
Organização de
sistemas
Aplicações
informáticas
Reprografia
Aplicações
informáticas
Reprografia
Conservação e
restauração
Tecnologia
Gestão de dossiês e
depósitos intermediários
Triagem
Classificação e inventário,
instrumentos de pesquisa
Operações e serviços
destinados aos usuários
Gestão e administração
Pessoal
Aspectos jurídicos
Organização e planificação
de sistemas
Aplicações informáticas
Reprografia
Conservação e restauração
Fonte: adaptação do quadro apresentado na Conférence Intergouvernementale sur la Planification
des Infrastructures Nationales en matière de Documentation, de Bibliothèques et d’archives (1974,
tradução nossa).
A partir desse quadro, há a recomendação de uma formação regular comum, complementada com
cursos de aperfeiçoamento, atualização e reciclagem, reforçada pelo movimento para a harmonização
das formações nessas áreas de informação, que ganha fôlego com a multiplicação dos estudos e dos
encontros (COUTURE; MARTINEAU; DUCHARME, 1999).
Em 1976, a UNESCO ratifica essa proposta de harmonização por meio do General Information
Programme (PGI). Depois disso, ocorre o Seminaire International sur les stratégies pour le
devélopment des archives dans le Tiers Monde, organizado pelo ICA em cooperação com a UNESCO
(Berlim, 1979), que, a partir de uma terminologia geopolítica, reconhece a importância da integração
parcial das disciplinas e dos profissionais do domínio da informação e documentação. Sintonizado
a essas preocupações, o IV Congresso Brasileiro de Arquivologia (CBA) – Rio de Janeiro, 1979 –
contemplaria, nas sessões plenárias, a integração dos arquivos nos centros de informação (ARQUIVO
NACIONAL, 1980).
GT143
No mesmo ano é realizada a Reunión d’experts sur l’harmonisation des programmes de
formation en matière d’archives (Paris, 1979), com o fim de se estudar os programas de formação em
Arquivologia e as suas relações com os programas de formação teórica e prática em Biblioteconomia
e CI. Além dessa reunião, a UNESCO, por meio do programa Records and Archives Management
Program (RAMP), realiza uma consulta junto aos especialistas da área (também em Paris, 1979),
com o objetivo de melhorar a gestão de documentos (além da sua preservação como herança cultural).
As recomendações decorrentes dessa consulta voltam-se para a implementação de políticas e planos,
normas e padrões, infraestrutura de desenvolvimento, formação e treinamento de profissionais
(EXPERT CONSULTATION ON THE DEVELOPMENT OF A RECORDS AND ARCHIVES
MANAGEMENT PROGRAMME (RAMP) WITHIN THE FRAMEWORK OF THE GENERAL
INFORMATION PROGRAMME, 1979).
Esses estudos também recebem a atenção dos profissionais e estudiosos da Biblioteconomia, que
discutem o tema num seminário da IFLA (Filipinas, 1980). A relevância dos arquivos é, então, reconhecida:
Os arquivos públicos, cuidadosamente conservados, são o instrumento indispensável
para administração de uma comunidade. Por sua vez, consignam a gestão dos assuntos
públicos e a facilitam, ao mesmo tempo que descrevem as vicissitudes da história humana;
por conseguinte, são de interesse para pesquisadores e administradores. Quer sejam
secretos ou públicos, constituem um patrimônio e uma propriedade por cuja existência
pública inalienável e imprescritível, em geral, zela o Estado. (RIGTH REPORT ON
SUCCESSION OF STATES IN RESPECT OF MATTERS OTHER THAN TREATICES,
1976, p. 35).
Em 1980, a FID, o ICA e a IFLA se reúnem na Itália para definir as ações e os programas
comuns viáveis. Essas instituições voltam a se reunir em Viena (1983) em torno do tema Gestion
des professions de l’information: incidences sur l’enseignement et la formation, quando discutem
questões teóricas e práticas que o perpassam (WASSERMAN, 1984).
Nessa mesma perspectiva, a UNESCO organiza, em Paris, o Colloque International sur
l’harmonisation des programmes d’enseignement et de formation en Sciences de l’Information,
Bibliotheconomie et Archivistique (1984a; 1984b), que, como o próprio nome indica, focaliza a
integração do ensino dessas áreas, em nível nacional e regional, considerando que os seus serviços
têm em comum a aquisição, preservação e comunicação da informação registrada e, em graus
variados, a análise e difusão das informações contidas em seus fundos e coleções. São, também,
consideradas suas peculiaridades, determinadas, em grande medida, pela origem e natureza dos
materiais tratados.
Dentre as vantagens dessa integração estariam: os benefícios econômicos, a redução de
barreiras psicológicas e sociais entre os grupos, a preparação dos estudantes para um mercado
flexível, a implementação de uma base tecnológica comum às três disciplinas e o fortalecimento
GT144
do status representativo das profissões diante do Governo (TEES5 apud MENDES, 1992, p. 16).
Em relação a esse evento, cabe-nos destacar, ainda, a presença da Profª Susana Mueller, então
chefe do Departamento de Biblioteconomia da Universidade de Brasília (UnB), representando o Brasil
no âmbito dessas preocupações (COLLOQUE INTERNATIONAL SUR L’HARMONISATION DES
PROGRAMMES D’ENSEIGNEMENT ET DE FORMATION EN SCIENCES DE L’INFORMATION,
BIBLIOTHECONOMIE ET ARCHIVISTIQUE, 1984b). Ao relatar as discussões e conclusões do
evento, Mueller reflete sobre uma possível reunião
em um só conselho profissional [de] todos esses setores envolvidos com serviços de
informação, resguardadas a identidade e a especialidade de cada um, mas todos colaborando
para uma mesma causa – a aquisição, preservação, organização e difusão de material
informacional em vários formatos e suportes. (MUELLER, 1984, p. 164).
Complementarmente, é realizado o Colóquio Internacional sobre Harmonização de Programas
de Ensino e Treinamento de Pessoal de Biblioteca, Informação e Arquivo no ano de 1987, em Londres
(MENDES, 1992).
Esses eventos propiciam a elaboração de alguns documentos que sintetizam suas preocupações
em torno da harmonização das profissões e disciplinas da informação e propõem programas comuns
nesse sentido.
Por todas as iniciativas descritas, podemos perceber que a atuação da UNESCO, desde a
sua criação em 1946, sempre foi de grande relevância para o desenvolvimento, a organização, a
padronização, o estudo e a reflexão das disciplinas da informação. Devemos lembrar que, além dessas
ações, e mais especificamente em relação à valorização dos arquivos, a instituição, já no seu primeiro
programa, propõe um projeto de criação, em cada estado membro, de um centro de informação sobre
os seus arquivos. A criação do ICA, o mais importante órgão de cooperação internacional da área,
também ocorre no seu âmbito.
Outro exemplo das relevantes contribuições da UNESCO é o fundo internacional para o
desenvolvimento de arquivos, na tentativa de auxiliar os países em desenvolvimento a adotar sistemas
nacionais de arquivos eficazes (INTERNATIONAL COUNCIL ON ARCHIVES, 1974).
No Brasil, desde 1923 já existiam preocupações explícitas quanto à necessidade de cooperação
entre os profissionais de arquivos, bibliotecas e museus: naquele ano, a Biblioteca Nacional e o Museu
Histórico Nacional abrem inscrições para o Curso Técnico, comum a essas duas instituições e ao AN
(CASTRO, 2000).
No plano politicoinstitucional, a agência brasileira de fomento que faz a classificação das áreas
do conhecimento com finalidades práticas, o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e
Tecnológico (CNPq), já contemplava a CI, desde 1976, como uma subárea da Comunicação na sua
5 TEES, Miriam. Harmonisation of education and training programmes for library, information and archival personnel: a repport of
the colloquium held in London, 9-15 August 1987. IFLA Journal, v. 14, n. 3, p. 243-246, 1988.
GT145
Tabela de Áreas do Conhecimento (TAC). Nessa classificação, a CI tinha duas especialidades: 1) os
Sistemas da Informação e 2) a Biblioteconomia e Documentação (CONSELHO NACIONAL DE
DESENVOLVIMENTO CIENTÍFICO E TECNOLÓGICO, 1978a). Na TAC de 1984, a CI aparece
como área, denominada “Ciência da Informação, Biblioteconomia e Arquivologia”. Já na TAC em
vigor6, a CI compõe, com outras áreas, a grande área das Ciências Sociais Aplicadas e tem como
subáreas, a Teoria da Informação, a Biblioteconomia e a Arquivologia (FERNANDEZ, 2008). Essa
classificação demonstra a emancipação da CI no campo científico e o seu “domínio” sobre as subáreas
que a compõem. Além disso, parece ir ao encontro da proposta internacional de conceber a Ciência da
Informação no plural, de forma a agregar as áreas que têm por objeto a informação.
Em 2005, o CNPq, a Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES)
e a Financiadora de Estudos e Projetos (FINEP) compõem uma comissão especial de estudos
para propor uma nova TAC7. Considerando a defasagem da tabela em vigor e a “forte tendência
de interdisciplinaridade das áreas do conhecimento”, essa comissão deveria, em sintonia com
as tendências internacionais e com a comunidade científica, estudar as profissões com base na
Organização Internacional do Trabalho (OIT), mapear os problemas das grandes áreas e definir as
bases epistemológicas para a nova tabela. Em decorrência dos trabalhos da comissão, o CNPq propõe
uma classificação que diferencia, nitidamente, a Arquivologia da CI. No entanto, essa proposta ainda
não foi aprovada8, embora a comissão tenha previsto a conclusão dos trabalhos para dezembro do
mesmo ano9.
Nas universidades, já observamos a concretização de algumas iniciativas quanto à integração
da Arquivologia, da Biblioteconomia e da Museologia na CI: a Universidade Federal de Minas Gerais
(UFMG), a UnB e a Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) começaram a estudar e a
implementar (no caso da UFMG) a integração dos currículos dos três cursos no escopo mais amplo
da CI (ARAÚJO; MARQUES; VANZ, 2011).
3 PARTICULARIDADES DA ARQUIVOLOGIA
Um dos principais autores que constituíram nossos referenciais teóricos foi Pierre Bourdieu,
segundo o qual
O campo científico é sempre o lugar de uma luta, mais ou menos desigual, entre agentes
desigualmente dotados de capital específico e, portanto, desigualmente capazes de se
apropriarem do produto do trabalho científico que o conjunto dos concorrentes produz pela
sua colaboração objetiva ao colocarem em ação o conjunto dos meios de produção científica
disponíveis. (BOURDIEU, 1983a, p. 136).
6 As informações quanto à atual TAC encontram-se disponíveis em: <http://www.memoria.cnpq.br/areas/cee/proposta.htm>. Acesso
em 19 jul. 2011.
7 Portaria conjunta do CNPq, CAPES e FINEP, de 2 de março de 2005.
8 Informações disponíveis em: <http://www.memoria.cnpq.br/areas/cee/proposta.htm>. Acesso em 19 jul/2011.
9 Memória da 2ª reunião da comissão especial de estudos das áreas do conhecimento realizada no Rio de Janeiro, na sede da Academia
Brasileira de Ciências, nos dias 30 e 31 de maio de 2005.
GT146
Considerando a luta concorrencial que perpassa o campo científico, buscamos situar e
compreender a formação e configuração da Arquivologia no âmbito das disciplinas da informação
que comungam paradigmas comuns em torno da gênese, organização, comunicação e recuperação
da informação. Para compreender as relações entre essas disciplinas, retomamos, novamente,
Bourdieu (2001). Para ele, a noção de campo científico contempla, simultaneamente, a unidade
existente na ciência e as diversas posições que as diferentes disciplinas ocupam no espaço, isto é, sua
hierarquização. O que acontece no campo depende dessas posições e este pode ser descrito como um
conjunto de campos locais (disciplinas), que têm em comum interesses e princípios mínimos.
Assim vamos, num primeiro momento, ao encontro do campo científico e profissional da CI,
entendido, mais especificamente, como subcampo, entrecruzado com os daquelas disciplinas que
lhe são próximas e que também lidam com a informação (a Arquivologia, a Biblioteconomia, a
Documentação e a Museologia); e, num segundo momento, do campo da informação, que congrega
essas disciplinas, numa abordagem mais ampla.
Nesse sentido, não distinguimos os (sub)campos definidos por essas disciplinas (o que exigiria
um estudo epistemológico mais profundo), mas procuramos entender suas relações de parceria,
cooperação e conflitos, como profissões que passaram por processos de profissionalização e
institucionalização até conquistarem seu espaço e estatuto científico.
O estudo de Abbott (1988) mostrou-se valioso na apresentação e análise da história das
profissões, sua formação em sistemas na sua busca por “jurisdição no sistema de profissões”. O
autor considera as influências de forças internas e externas ao sistema de profissões, ideia que parece
ser compatível com a proposta de campo transcientífico de Knorr-Cetina (1981)10 e com Bourdieu
(1983a), quanto às lutas internas ao campo científico.
A partir das reflexões desses autores, pudemos compreender a trajetória da profissão de
arquivista e a sua formação acadêmica. Observamos que a concentração dos documentos em arquivos
centrais a partir do século XVI demandou profissionais especializados para gerir as grandes massas
documentais acumuladas. Silva et al (1999) explicam que, a partir daí, a profissão de arquivista
começa a ser regulamentada, com normas que, em alguns casos, já contemplariam os postulados da
disciplina que desenvolver-se-ia mais tarde.
A partir do século XVII, Duchein lembra que:
Como as administrações locais e centrais multiplicaram e se tornaram mais especializadas,
sua produção de registros cresceu em importância. Tornou-se necessário criar sistemas de
conservação, arranjo, descrição e gestão geral em larga escala para as novas massas de
pergaminhos e papéis. Gradualmente, a profissão de arquivista tornou-se reconhecida como
uma atividade distinta, exigindo um savoir-faire especializado. (DUCHEIN, 1992, p. 16,
tradução nossa).
É assim que a profissão de arquivista, uma prática tão antiga, passa por distintas configurações de
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Para a autora, o campo transcientífico “remete a redes de relacionamentos simbólicos que em princípio vão além dos limites de uma
comunidade científica ou do campo científico” (KNORR-CETINA, 1981, p. 81-82, tradução nossa).
GT147
acordo com as mudanças ocorridas, sobretudo a partir do século XIX: a criação dos grandes depósitos
dos arquivos nacionais, que desprezavam o Princípio da Proveniência11 em nome de uma centralização;
o aumento da produção e acumulação de documentos, agravado com o aparecimento da fotografia que
favoreceu a multiplicação das cópias; o surgimento dos documentos eletrônicos e os desafios quanto
ao seu acesso (DUCHEIN, 1993). Segundo o mesmo autor, uma das consequências dessa evolução foi
a crescente especialização e autonomia dos arquivistas, com a criação de instituições cada vez mais
especializadas e de escolas de formação em vários países a partir da segunda metade daquele século,
além da maior sensibilização em torno dos princípios básicos da Arquivologia (DUCHEIN, 1992).
Couture, Ducharme e Rousseau (1988) lembram que é um pouco mais tarde, na primeira metade
do século XX, que estão as bases da profissionalização do pessoal da Arquivologia:
Tributária de um estatuto de ciência auxiliar que lhe fora atribuído pela História positivista
do século dezenove, a Arquivologia tradicional, submissa às pressões exercidas pela criação
massiva de documentos pelas administrações, teve de inventar novos métodos e pensar novas
intervenções para canalizar e racionalizar o fluxo incessante. (COUTURE; DUCHARME;
ROUSSEAU, 1988, p. 51, tradução nossa).
A área então se divide em dois segmentos: um para atender às demandas administrativas, mais
voltadas para a gestão de documentos; e outro para dar conta das demandas de pesquisas históricas.
Essa divisão apresenta-se de forma mais clara nos Estados Unidos, embora a partir da Segunda Guerra
Mundial tenha se repercutido no mundo.
À frente da especialização da profissão do arquivista estariam, grosso modo, duas correntes
de formação: 1) aquela liderada pelos países europeus, fiéis aos arquivos históricos, cuja formação
dá-se independentemente da Biblioteconomia; 2) e aquela de fora da Europa, que tende a conceber a
formação do arquivista mais próxima à do profissional da informação (principalmente do bibliotecário/
documentalista). Para Duchein (1993), essas correntes, aparentemente antagônicas, sintetizam de
forma complementar dois papéis dos arquivos, como conservadores da memória histórica e como
elementos da informação corrente.
Essa constatação parece ir ao encontro das reflexões canadenses, difundidas sobretudo a partir
dos anos 1980 por meio da proposta da “Arquivística Integrada”, quando se verifica uma tendência
geral de valorizar os arquivos como recursos de informação vitais nas instituições. Decorrentes dessa
valorização, são verificadas lacunas na organização de documentos administrativos, que, segundo
Couture, Ducharme e Rousseau (1988), aguçariam os problemas de identidade da área.
Entretanto, esses estudiosos lembram que, se por um lado as associações profissionais
distinguiam os arquivos em dois segmentos, as instituições e a legislação arquivística não o faziam.
Essa tendência de integração da Arquivologia tradicional com a gestão de documentos configuraria
a natureza da profissão do arquivista. Nessa perspectiva, a Arquivologia, por meio de um programa
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“Princípio básico da arquivologia segundo o qual o arquivo produzido por uma entidade coletiva, pessoa ou família não deve ser
misturado aos de outras entidades produtoras” (ARQUIVO NACIONAL, 2005, p. 136).
GT148
centrado na missão institucional e integrado à sua política de gestão da informação, passa a contribuir,
de forma particular, para a organização de documentos. É nesse sentido que os autores defendem a
perspectiva integrada da área, bem como suas definições internas estratégicas e suas alianças com
outras disciplinas.
De fato, a informação orgânica registrada, objeto do olhar arquivístico, embora não seja a única
definidora das decisões tomadas pelas instituições, contribui valiosamente para tal, como afirma
Moreno:
Considerando-se que a informação estratégica é aquela capaz de apoiar às principais
atividades de uma organização; é essencial para a tomada de decisão, reduzindo incerteza;
e a informação arquivística, por sua vez, também apresenta características similares, então
é possível afirmar que as informações estratégicas ou gerenciais amplamente utilizadas
pelos administradores para a tomada de decisão nas organizações, sejam elas públicas ou
privadas, podem ter uma parcela significativa de informações com característica e natureza
arquivística. (MORENO, 2007, p. 9).
A configuração integrada da Arquivologia (considerando o valor administrativo e o valor
histórico dos arquivos), como uma das mais recentes tendências, além de propiciar a unidade das
intervenções arquivísticas nos documentos, a articulação e estruturação das atividades arquivísticas
sob uma política organizacional, de forma a ampliar a definição de arquivo, permite, segundo os
canadenses, uma imagem mais forte da área e, consequentemente, o seu reconhecimento social
(COUTURE; DUCHARME; ROUSSEAU, 1988).
Se, ao longo da sua trajetória, a Arquivologia teve contribuições relevantes da História na formação
dos seus profissionais, estas não foram exclusivas: como afirmam esses autores, outros elementos
de formação lhe foram indispensáveis, como aqueles oriundos da Administração, Informática, CI e
outras disciplinas especializadas que auxiliam a área na organização de tipos específicos de arquivos.
Há que se acrescentar, ainda, que as percepções acerca da profissão de arquivista variam conforme
o país ou região. Assim, as diferenças se dão em razão da tradição arquivística nacional, mais ou menos
próxima da História ou da CI (MARÉCHAL; EICHENLAUB12 apud LIMON, 1999-2000).
Ao analisar a trajetória da área, observamos que, se por um lado, a prática arquivística é antiga,
por outro, a formação especializada, ou seja, a profissionalização, consolida-se a partir das escolas
europeias do século XIX e dos cursos universitários (de graduação e pós-graduação) que se espalham
no mundo ao longo do século XX (LIMON, 1999-2000). A partir desse século e, sobretudo a partir
das duas guerras mundiais, a formação em Arquivologia desenvolve-se em razão das demandas das
instituições arquivísticas e do mundo do trabalho, preocupadas com a gestão de grandes volumes
documentais.
É nessa perspectiva que Schaeffer afirma que “O campo arquivístico hoje é, como o foi nas suas
origens, uma profissão de praticantes” (SCHAEFFER, 1994, p. 32). Essa afirmação pode, em parte,
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MARÉCHAL, Michel; EICHENLAUB, Jean-Luc. La formation des archivists en Europe. In: Les archives françaises à la veille de
l’intégration européene: actes du XXXIe Congrès National des Archives Français, 1990. Paris: Archives Nationales, 1992.
GT149
justificar o viés técnico assumido pela área, que na maioria dos países resume-se nas demandas por
classificação, avaliação e descrição documental. Evidentemente, esse viés abriga necessidades e desafios
teóricos e metodológicos, que, mesmo vagarosamente, têm se desenvolvido assimetricamente no mundo,
sobretudo a partir do século XIX. Schaeffer complementa que é, a partir da base teórica, que o arquivista
pode avaliar os documentos e disponibilizá-los ao pesquisador ou ao administrador, conforme os interesses
de cada um. E é assim que esse profissional pode distinguir-se dos demais que lhe cercam no campo da
informação: com a regulamentação da profissão, acompanhada da formação profissional.
Todavia, o autor lembra que, diferentemente das profissões consolidadas há mais tempo, a
Arquivologia não tem uma tradição que associe formação universitária com a profissionalização.
Como vimos, essa associação acontece tardiamente e acaba desencadeando um distanciamento entre
a teoria e a prática. Esse distanciamento, por sua vez, retoma as questões iniciais, demandando uma
aproximação entre as duas vertentes, como novamente pontua Schaeffer (1994, p. 27): mesmo no
âmbito da formação acadêmica, não se deve dispensar a prática. Vale lembrar que a prática arquivística
ocorre em instituições variadas e em situações de compartilhamento de experiências com diversos
profissionais, sendo frequentes as relações com os demais profissionais da informação.
4 O CAMPO DA INFORMAÇÃO: CONSIDERAÇÕES FINAIS
A proposta do CNPq de separação da CI e da Arquivologia nos instiga à reflexão. Talvez, a
nova concepção dessa disciplina como uma área do conhecimento, independente da CI e diretamente
ligada à nova grande área Ciências Socialmente Aplicáveis – ainda que seja questionável esta última
denominação –, dê um novo rumo à configuração científica da Arquivologia no Brasil. Afinal, como
afirma Bourdieu, “Não há ‘escolha’ científica [...] que não seja uma estratégia política de investimento
objetivamente orientada para a maximização do lucro propriamente científico, isto é, a obtenção do
reconhecimento dos pares-concorrentes” (BOURDIEU, 1983a, p. 126-127).
Delsalle (1998), por sua vez, nos lembra que a especificidade e autonomia da Arquivologia em
relação a outras áreas aparecem nuançadas nos diferentes países. Embora não exista consenso entre
os estudiosos das disciplinas da informação sobre a definição de fronteiras entre essas disciplinas,
reconhecemos suas relações extradisciplinares, permeadas por encontros e desencontros. Todavia,
gostaríamos de destacar suas particularidades, considerando:
• suas trajetórias (no caso dos arquivos, bibliotecas e museus, desde a Antiguidade, como
espaços voltados para a guarda de documentos, a preservação da memória e, em alguns
casos, como locais reservados para o estudo que, mais tarde, teriam suas práticas estudadas
por disciplinas que tornar-se-iam científicas e regulamentadas por leis que demarcariam a
jurisdição das diferentes profissões – arquivistas, bibliotecários e museólogos);
• seus objetos, que têm naturezas e objetivos distintos e, consequentemente, organização
diferenciada segundo métodos específicos. Nessa perspectiva, devemos realçar que, embora
os arquivos tenham funções culturais e sociais, sua produção/acumulação é orgânica, isto é,
GT150
decorre das atividades de uma instituição ou pessoa e, portanto, os documentos de arquivo
devem ser classificados, avaliados, descritos, conservados/preservados e difundidos tendose em vista a manutenção de informações relativas ao seu contexto de criação.
Mediante a combinação desses aspectos, defendemos a autonomia da Arquivologia como
disciplina. A profissão de arquivista desenvolveu-se ao longo do tempo nas diversas sociedades, na
medida em que evoluía a concepção da natureza dos documentos que deveriam ser conservados e o tipo
de informação que se procurava. Sua especialização diante de outras profissões parte de uma origem
mais ou menos indistinta entre as profissões de notário, ajudante de notário, escrivão, bibliotecário e
documentalista. Aos poucos, as regras vão se formando, ligadas às práticas administrativas próprias
de cada instituição e de cada país. A partir do século XIX, os estudiosos e profissionais da área
começam a redigir obras sobre a sua prática, na tentativa de consolidar os princípios gerais13. No
final daquele século, as técnicas de gestão de arquivos começam a dar espaço a um corpo teórico,
aparecendo os grandes manuais que consubstanciariam as bases teóricas da Arquivologia (DUCHEIN,
1993). Dos primeiros registros humanos formadores dos arquivos até a inserção da Arquivologia nas
universidades e sua atual configuração como campo científico-transcientífico-discursivo, verificamos
discursos mais ou menos homogêneos/articulados, perpassados por habitus (BOURDIEU, 1983b;
2001)14 decorrentes de contingências históricas, que, por sua vez, passaram a caracterizar paradigmas,
modelos, correntes, tradições e tendências do pensamento arquivístico internacional.
Há, portanto, que se considerar a amplitude e a complexidade do objeto (informação) nos seus
desdobramentos comuns e específicos, bem como as iniciativas de diálogo e cooperação entre as disciplinas
da informação (ver ações da UNESCO nesse sentido) e as tentativas de delimitação de fronteiras profissionais
e científicas (legislação de regulamentação das profissões e tabelas de áreas do conhecimento).
Conjugando esses fatores, podemos observar que, por um lado, as características gerais do objeto
propiciam a interação das diferentes profissões e disciplinas; por outro, seus traços específicos as
individualizam. Considerando seus pontos comuns e singulares, propomos, então, uma abordagem que
não hierarquize a Documentação, a CI, a Biblioteconomia, a Museologia e a Arquivologia, mas que
combine suas particularidades, respeitando suas trajetórias, práticas e avanços científicos. Assim, com
base em Bourdieu, acreditamos que as disciplinas que têm por objeto a informação constituem, a partir
da sua busca por autonomia científica, um campo comum, espaço de parcerias, mas também de conflitos.
Nessa perspectiva, o campo da informação é entendido como o campo científico e profissional
que abriga as disciplinas que têm por objeto a gênese, organização, comunicação e disponibilização da
informação. Nele, estão entrecruzadas as trajetórias da Arquivologia, Biblioteconomia, Museologia,
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Segundo Fonseca (2004), alguns estudiosos afirmam que essas obras datam do século XVI.
14 Ao explicitar a noção de habitus, o pesquisador articula passado (reprodução de estruturas objetivas) e futuro (objetivos contemplados
num projeto): a estrutura objetiva que define as condições sociais de sua produção é conjugada com as condições de exercício desse
“habitus como transcendental histórico”, no qual ele está a priori, como estrutura estruturada e produzida por toda uma série de
aprendizagens comuns ou individuais (BOURDIEU, 2001).
GT151
Documentação e, mais recentemente, da CI, como (sub/inter)campos simultaneamente parceiros,
cooperativos, conflitantes, relativamente comuns e singulares.
Assim como o faríamos com a biblioteca, o museu, o centro de informação/documentação,
podemos apreender o singular papel do arquivo no contexto organizacional: na contribuição
do documento arquivístico como prova que apoia a administração e auxilia a preservação da
memória15. Ou seja, o documento de arquivo é prova porque é produzido, recebido e acumulado
no desenvolvimento das atividades de uma instituição/pessoa e, portanto, permite o registro da sua
memória como processo. É dessa forma que se dá a construção do conhecimento pela preservação não
fragmentada dos registros de memória, que Derrida (1997) chama de “blocos mágicos do passado”16.
É como informação orgânica registrada que o documento de arquivo contribui, singularmente, para a
gestão da informação nas organizações: como um auto-retrato institucional, não completo, mas único.
Evidentemente, a exemplo de Couture, Ducharme e Rousseau (1988), vislumbramos relações
de parceria, cooperação (e por quê não de conflito?) entre a Arquivologia e essas disciplinas, sem,
contudo, concebê-las como de subordinação desta a qualquer outra área. Afinal, a interdisciplinaridade
(e suas variações) parece ser uma característica intrínseca à Arquivologia, considerando que os
arquivos são decorrentes de atividades institucionais e pessoais diversas.
Abstract: This communication presents, beginning with a bibliographical review and a documental
analysis, the history of some international and national initiatives aimed at harmonizing the teaching
of information disciplines. Starting with Bordieu’s definition of scientific field and Abbott’s
definition of jurisdiction in the system of professions, Archival Science, Library Science, Museology,
Documentation and Information Science are understood as independent disciplines that purport
information genesis, organization, communication, and retrieval. The goal hereunder is to apprehend
the convergences and peculiarities of these disciplines, especially of Archival Science, for outlining
the information field, seen as the space for alliances and conflicts among these disciplines. This work
also supports the autonomy of Archival Science as scientific discipline, without, notwithstanding,
disregarding its extra-disciplinary relations and its dialogues with the other proximate disciplines.
Keywords: Archival Science. Library Science. Museology. Information Science.
REFERÊNCIAS
ABBOTT, Andrew. The system of professions: an essay on the division of expert labor. Chicago/
Londres: Universidade de Chicago, 1988.
ARAUJO, Carlos Alberto Ávila; MARQUES, Angelica Alves da Cunha; VANZ, Samile Andréa Souza.
15 ��������������������������������������������������������������������������������������������������������������������������������
É válido lembrar que o valor de prova dá-se, sobretudo, pela conjugação das características do documento apontadas por Duranti
(1994) no contexto da organização: imparcialidade, autenticidade, naturalidade, interrelacionamento e unicidade.
16 �����������������������������������������������������������������������������������������������������������������������
Referência de Derrida à maneira pela qual Freud pensava representar a sua memória, isto é, por meio dos seus escritos.
GT152
Arquivologia, Biblioteconomia e Museologia integradas na Ciência da Informação: as experiências
da UFMG, da UnB e da UFRGS. Ponto de Acesso, v. 5, p. 85-108, 2011.
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COMUNICAÇÃO ORAL
O IMPERATIVO MIMÉTICO: A FILOSOFIA DA
INFORMAÇÃO E O CAMINHO DA QUINTA IMITAÇÃO
Gustavo Silva Saldanha
RESUMO
O texto desenvolve uma análise filosófica do conceito de mimese inserido na filosofia da
organização dos saberes como uma unidade fundamental para o pensamento histórico da Ciência
da Informação. É revisada a noção de mimese no contexto da Antiguidade, demarcando a rejeição à
imitação manifestada por Platão e a abordagem aristotélica sobre as representações. Os fundamentos
dos estudos informacionais são revisados a partir da presença determinante deste conceito em sua
formalização. Três abordagens são investigadas neste contexto: Gutenberg e a prensa; Otlet e o
livro; Bush e o Memex. O trabalho conclui demarcando a dupla significação de uma fundamentação
mimética para o campo, a saber, representação e educação.
Palavras-chave: Filosofia da Ciência da Informação – Epistemologia - Filosofia da Informação Mimese
1 INTRODUÇÃO
Remota, a preocupação com o discurso sobre a mimese atravessa os séculos e pode ser observada
como uma das questões que conferem vida à própria reflexão filosófica em seus primórdios. É sobre a
abordagem da imitação que Platão se debruça para distinguir o mundo inteligível do mundo corruptível
– no léxico de Lovejoy (2005), outra-mundanidade e esta-mundanidade, respectivamente. No campo
informacional, esta reflexão se apresenta não apenas como objeto importante, mas, muita das vezes,
como espaço privilegiado de produção de um domínio distinto. A condição da mimese no contexto de
formalização de discursos institucionalizados em terminologias que abrangem as noções de bibliologia,
de bibliografia, de biblioteconomia, de documentação e de ciência da informação, pode ser tomada
como, no mínimo, fundamental em nosso discurso epistemológico. Recentemente, Floridi (2002),
ao discutir uma “filosofia da informação”, aponta que é possível reconstituir a “história do conceito
informação” muito antes de seu significante se tornar legitimado. Em seu olhar, é “perfeitamente
legítimo” falar em uma “filosofia da informação” no passado, antes da “revolução informacional”.
Em nossa visão, esta genealogia conceitual toca diretamente na mimese como unidade estrutural da
organização dos saberes – OS.
Percebendo o surgimento dos traços semânticos da CI enquanto arte de um organizador de
saberes, surgida na Antiguidade, quando aparecem os primeiros instrumentos que transcendem a
GT156
prática irreflexiva, como o catálogo, o reconhecimento do conceito de mimese nos estudos da
informação pode ser interligado ao próprio leit motiv da travessia da história das ideias acerca da
noção e da instrumentalização da informação enquanto um meta-discurso – a meta-informação que
leva ao meta-conhecimento transversal da OS (GONZÁLEZ DE GÓMEZ, 1996). Temos aqui a
“questão do registro” – de onde deriva a “questão do livro” – como essencial para o fazer/refletir do
artífice da OS.
Sob, para e pelo conceito de mimese, a prática meta-informacional se desenvolve, ganhando a
formalização de “ciência” nos séculos XIX e XX. Explicitamente aplicado em disciplinas fundacionais
da CI, como Reprografia, Preservação, Catalogação, Classificação, Recuperação da Informação –
RI - e Comunicação Científica, o conceito pode ser, na verdade, observado como uma sombra que
perpassa a linha de atuação da prática da OS. De uma maneira mais clara, este conceito é fundamental
quando chegamos até a noção de informação elaborada na epistemologia da CI a partir dos anos 1960.
À primeira vista, a questão que se coloca ao campo está envolvida com a noção de cópia, que se
desdobra em setores cruciais do desenvolvimento do discurso científico da CI, como acesso, direitos
autorais, tecnologia da informação, censura, e, naturalmente, preservação. Ao tratar de mimese,
tratamos, desde Aristóteles, de aprendizagem – apropriação de significado esta que recai em toda
tentativa novecentista de formalização de uma ciência para a informação, principalmente em sua face
cognitiva. No entanto, o desenvolvimento do discurso da OS acompanha um percurso que desdobrase em uma cadeia de compreensão da mimese iniciada por Platão em diálogos como Górgias, Fedro
e Sofista, tendo continuidade na República. Esta cadeia conduz à constituição da meta-informação
como objeto da epistemologia da CI, representada em ferramentas como tesauros e ontologias, em
práticas como o mencionado serviço de referência e os estudos de usuários, em conceitos como
informação e conhecimento.
Procuramos aqui demonstrar que a reflexão sobre a mimese é um terreno fértil de discussão,
capaz de ampliar as possibilidades de interpretação de nossas análises histórica, teórica e prática.
Mais do que isto, afirmamos a relevância do conceito para a própria filosofia da CI, identificando-o
como motor diferencial para reflexão da filosofia da informação. Nosso percurso observa a seguinte
linha de reflexão: a) reconhecimento da conceituação platônica de mimese e da revisão aristotélica do
conceito; b) identificação da mimese nos fundamentos da OS; c) análise da presença de um imperativo
mimético na sedimentação dos estudos informacionais.
Seguimos neste estudo a trilha filosófica aberta pela meta-reflexão de Nitecki (1995) sobre
a filosofia da OS. O epistemólogo aponta que, apesar de reduzida, a reflexão filosófica no campo
permite a identificação de algumas influências estruturais. Dentre elas, o autor reconhece filósofos
ocidentais como Francis Bacon e Karl Popper. No entanto, apesar da longa tradição profissional, o
coração do campo, para o autor, está ainda fundado na influência da metafísica de Platão, por um
lado, e na abordagem empírica de Aristóteles. É a partir de uma análise interpretativa entre ambos,
que procuramos construir nossa argumentação.
GT157
2 O IMITADO PELO IMITADOR
Podemos destacar a mimese como tema estrutural para a Filosofia, como também para
inúmeros saberes deste oriundo, como Ciência Política, História, Literatura e Psicanálise. A tradução
da noção de mimese do grego para as línguas latinas pode apresentar os significados de imitação,
representação, reprodução, dentre outros. Na Grécia platônica, reconhecemos este conceito aplicado
à ideia de representação artística, ou seja, no discurso sobre a arte. A estrutura do olhar de Platão sobre
a mimese está na crítica da noção a partir da acusação de falsidade – a mimese como conceito que
se apresenta como negação da verdade. Encontramos um ponto de vista que toma a imitação como
recurso negativo, abrindo margens para a interpretação dos “povos imitadores” como inferiores aos
“povos que negam a imitação”.
Contra a mimese o pensamento ocidental viria se constituir, separando “ser” e “imagem do ser”.
Entre Platão e Aristóteles, há, porém, um distanciamento claro sobre a noção. Se, por um lado, encontramos
sua condenação, por outro, em Aristóteles, reconhecemos a readmissão do conceito no debate filosófico –
ou sua afirmação como elemento potencial para a reflexão que se afirma verdadeira. Aristóteles reabilita
a mimese afastada da relação com o conhecimento lançada por seu mestre. O estagirita determina uma
relação fundamental para compreensão das representações na atualidade: a aproximação entre mimese e
aprendizagem. Menos atento ao que deve ou não ser imitado – postura platônica -, Aristóteles pergunta-se
pela capacidade mimética presente no homem – “pelo mimeisthai no qual se enraíza a poietiké, entendida
como criação de uma obra artística”. (GAGNEBIN, 1993, p. 70)
Platão, na tentativa de cura da cidade, postula a doutrina de negação da poesia de caráter
mimético (PLATÃO, 595a, 2008, p. 449). Para o filósofo da Academia, os imitadores que atuam sob
a estratégia da mimese são destruidores da inteligência dos ouvintes. Para conceituar a expressão
mimética, Platão recorre ao clássico exemplo da cama (PLATÃO, 596a-597b , 2008, p. 450-453).
Há uma ideia de cama, atualizada pelo artífice que, baseado nesta ideia, produz o móvel doméstico.
Temos também, como um “fabricante” de “camas”, o pintor. Porém, este não realiza a verdade da
cama a partir da ideia, mas da cópia da ideia, ou seja, da cama do artífice. Assim, ele atua pelas
aparências. Nesta cadeia mimética, há três formas de cama: a “natural” (o conceito), a do artífice e
aquela do pintor. Esta última, dista da “verdadeira cama” – a “cama natural” – no mínimo três pontos
(PLATÃO, 597d , 2008, p. 454). É sob esta avaliação que Platão conclui que a arte de imitar está
longe da verdade e que o criador de representações, o imitador, nada entende, e apenas reconhece/
reproduz aparências.
No Fedro, Platão (2000) emprega a ironia, na abertura do diálogo, para criticar a imitação
em uma dupla significação: tanto na capacidade de reprodução oral dos discursos, como
na capacidade mais distante ainda da verdade do discurso escrito – imitar a imitação do
manuscrito. Na cadeia de distribuição da alma divina detalhada no diálogo, ocupa apenas
o sexto patamar o poeta – este, tomado como construtor de imitações. A visão contrária à
mimese é sintetizada ao final do diálogo, quando Fedro é interpelado, afirmando que aquele
que expõe suas regras por escrito conduzirá um outro ouvinte a tomar o escrito como verdade,
atribuindo, em um futuro cada vez mais afastado do “conhecimento verdadeiro”, valor
GT158
maior ao escrito que às “essências” que estariam em sua forma. À palavra escrita, sinônimo
do discurso morto, opor-se-ia a palavra viva, fruto do discurso inserido na dialética. Está
evidenciada no diálogo a preocupação platônica com os riscos de uma memória ampliada,
artificial, capaz de transportar os discursos no tempo. No Sofista, esta racionalidade que se
interpõe contrária à mimese é afirmada como uma “demiurgia das imagens” (VERNANT,
2010, p. 53): a mimese nada mais é que uma fabricação (poíesis) de imagens (éidolon).
Segundo Aristóteles, “o imitar é congênito no homem (e nisso difere dos outros viventes,
pois, de todos, é ele o mais imitador, e, por imitação, aprende as primeiras noções) e os homens se
comprazem no imitado” (ARISTÓTELES, 1966, p. 71). Segundo o estagirita,
o poeta é imitador, como o pintor ou qualquer outro [...]; por isso, sua imitação incidirá num
destes três objetos: coisas quais eram ou quais são, quais os outros dizem que são ou quais
parecem, ou quais deveriam ser. Tais coisas, porém, ele as representa mediante uma elocução
que compreende palavras estrangeiras e metáforas, e que, além disso, comporta múltiplas
alterações, que efetivamente consentimos ao poeta. (ARISTÓTELES, 1966, p. 99)
A Poética, entre os gregos, representava a arte produtiva, ou, arte que produz imagens, ou,
ainda, ciência da produção. Tratava-se, pois, da “arte da imitação das coisas sensíveis ou dos
acontecimentos que se desenrolam no mundo sensível, constituindo, antes, a recusa de ultrapassar
a aparência sensível em direção à realidade e aos valores” (ABBAGNANO, p. 426, 2000). Em sua
Poética, Aristóteles não se preocupa com a questão moral da “reprodução do modelo”, mas atenta
para a faculdade de reproduzir, característica essencial do homem. Para Gagnebin (1993, p. 71), duas
inovações elementares na Poética de Aristóteles referentes à mimese são destacáveis:
a) a mímesis faz parte da natureza humana, caracteriza em particular o aprendizado humano.
[...]; b) ao descrever esse ganho de conhecimento, Aristóteles insiste na sua característica de
“reconhecimento”. Os homens olham para as imagens e reconhecem nelas uma representação
da realidade; dizem: “esse é tal”. A atividade intelectual aqui remete ao logos, mas não
repousa sobre uma relação de causa e efeito; enraíza-se muito mais no reconhecimento de
“semelhanças”. (GAGNEBIN, 1993, p. 71)
O caminho da representação à aprendizagem aberto por Aristóteles em sua reflexão sobre a mimese
intensifica as possibilidades de reflexão do conceito no âmbito da OS. Em resumo, a partir do olhar
aristotélico sobre os efeitos da mimese, podemos chegar aos seguintes apontamentos: a) a mimese
pressupõe aprendizagem; b) a mimese pressupõe reconhecer a imitação enquanto forma – eidos que também leva ao conhecimento; c) a mimese é uma ferramenta para classificar o mundo, pois
possibilita perceber as semelhanças; d) a mimese é fonte de prazer (é um jogo).
3 A IMITAÇÃO DO MUNDO IMITADO
A partir da breve exploração do conceito de mimese, podemos conceber uma genealogia de sua
aplicação na filosofia da CI. Fragmentos de gestos históricos na Antiguidade e no período medieval
podem desvelar a relação entre mimese e OS como experiência intrínseca de uma arte distinta.
GT159
Naquilo que nos é mais claro no Ocidente no âmbito da OS, encontramos o significado da Biblioteca
da Alexandria como um centro clássico de cópia & exegese (reprodução de meta-informação) e
educação. Por sua vez, o conjunto de regras que orientavam a prática da cópia de manuscritos – ars
scribendi - no Medievo, esta cópia desenvolvida em um ambiente próprio de reprodução – a scholae
scribendi -, em si já sustenta a fundamentação de uma escola mimética em curso no passado.
Não representa, pois, uma coincidência a identificação de “crises” nos regimes epistemológicos
do campo quando as transformações técnicas impulsionam saberes miméticos como as artes
reprográficas. As galáxias “de Gutenberg” e “da Internet”, para utilizarmos as noções comuns de
McLuhan e Castells, podem ser identificadas como frutos de grandes crises da OS, exigindo diferentes
modelos de teorização para uma prática remota. Diferentes são os territórios histórico-teóricos da OS
que permitem uma reflexão sobre a questão. Correlacionadas com estas “galáxias”, a presença de
Johannes Gutenberg, Paul Otlet e Vannevar Bush na contextualização das transformações na prática
do organizador dos saberes foi, neste momento, identificada para a análise do conceito de mimese e a
construção epistemológica da OS.
3.1 A mimese gutenbergiana: o mundo engolido por um só livro
A edição prensada da Bíblia como manifestação primeira da nova técnica de reprodução
de artefatos no século XV coincide com a síntese do Medievo realizada pela Baixa Idade Média:
encontro do “Platão poeta” e do “Aristóteles físico”. É contemporâneo a este fato, o aparecimento
das universidades e a demanda de novas “classes” como a de professores e a de alunos por cópias
de documentos para o ensino e a aprendizagem. Encontramos ainda neste contexto a apropriação
aristotélica de Santo Tomás de Aquino e a grande recepção do estagirita no ocidente. De um modo
geral, principalmente a partir desta última evidência, temos aqui a transformação do olhar do homem
sob a mimese.
A manifestação da prensa de Gutenberg permite-nos encontrar o indício final da reabilitação
aristotélica da noção de mimese, demarcada na imitação que abarca as demais imitações do mundo: o
livro. Antes disso, a reprodução manuscrita dos textos de Aristóteles nos séculos anteriores ao XV
revela mais do que uma (re)apropriação filosófica e uma demanda filológica: com a “chegada” do
estagirita ao Ocidente e a leitura tomista sobre a empiria, o homem se abre para um reconhecimento
gradual da mimese. Neste sentido, as imitações começam a serem tomadas como expressões não
mais nocivas ao saber. A partir do início da era da reprodutibilidade bibliográfica, demarcada pelo
Renascimento, instaura-se a vigência de um regime de pensamento que se debruçará sobre a imagem,
não para negá-la, mas para buscar nela possibilidades de apreensão crítica e de transformação do
homem. A mimese agora é também reconhecimento, educação, prazer. Dentre diferentes avaliações –
como as análises sociológicas, políticas, bibliológicas -, a invenção da prensa está atrelada a uma profunda
travessia filosófica, demarcada por esta recepção aristotélica dois séculos antes da adaptação de Gutenberg.
Acompanha a apropriação do livro a afirmação da mimese como pressuposto da OS. Os
GT160
elementos desdobrados da Poética de Aristóteles são recuperados, principalmente, as relações
mimese-aprendizagem, mimese-classificação e, principalmente, mimese-conhecimento. Merece
esta última uma caracterização pormenorizada, mesmo que impossível de ser explorada neste
espaço. Destacamos a relação confusa, por vezes, entre informação (representação) e conhecimento
(tomado ora como abstração, ora como compartilhamento) que se dá na categorização conceitual do
léxico epistemológico da CI. Esta relação, por vezes tratada como naturalista, pode ser identificada
na reflexão sobre a mimese como conceito fundacional do itinerário das ideias bibliológicas. É
através do reconhecimento da mimese como fragmento da filosofia da OS que podemos perceber as
razões que ocasionaram a afirmação que a representação (a imitação) é uma espécie de “tradução”
do conhecimento, e com ele se assemelha, ainda que com o mesmo não se identifique – mais
verossimilhança, menos identidade.
A prática da reprodução dos textos nos fins da Idade Média, ainda no contexto pré-Gutenberg,
o início da leitura silenciosa – como se fosse possível adquirir conhecimento através do contato
com um livro, questão que, no platonismo do Fedro e do Sofista, poderia ser interpretada como
absurdo -, uma declarada obra de Bibliofilia, de Richard de Bury, e uma das primeiras grandes obras
de Bibliografia, de Conrad Gesner -, demarcam, em tese, não apenas o reconhecimento da mimese
como ferramenta para responder às demandas da passagem do Medievo para a Modernidade, mas
também a reapropriação afirmativa do conceito como parte da estrutura de um saber que inicia os
passos de sua autonomia: uma epistemologia para OS lança os primeiros marcos de sua formalização.
Com a invenção consagrada no nome de Gutenberg, estabelece-se a compreensão de que a mimese é
sustentáculo de uma “razão bibliográfica” e que a OS depende da mesma: tem-na como um dever e,
mais do que isto, um imperativo. Poucas categorias profissionais, como lembra Peter Burke (2002),
seriam tão diretamente atingidas pela prensa como aquela do organizador dos saberes. E esta crise
pode ser tomada como a definitiva margem para um auto-reconhecimento: só existe este artífice
em um mundo sustentado pela racionalidade mimética; e um mundo sustentado pela racionalidade
mimética não existe sem esta arte. O século XIX, que abrigará a formalização dos primeiros cursos
de Biblioteconomia e o surgimento da Documentação, será diretamente movido por este imperativo.
3.2 A mimese otletiana: o livro-signo e a máquina bibliológica
A partir dos fins do oitocentos, junto do desdobramento técnico oriundo da invenção da prensa,
Paul Otlet percebe nas novas tecnologias algo que está fundado na filosofia da OS: sua potência
mimética. A principal virtualidade bibliológica estaria na capacidade irrestrita de reprodutibilidade.
Orientado pela mimese, Otlet concebia as possibilidades de construção da paz mundial baseada no
progresso proporcionado pela ciência positivista: a concepção mimética otletiana vai da reprodução
de fichas à aplicação de tecnologias como telégrafo para a organização e a transmissão da informação
intensivamente imitada.
Diferentes autores apontam como diferença entre a Documentação otletiana e outros discursos
interessados na organização dos saberes entre o século XIX e o século XX sua preocupação com
GT161
a tecnologia que potencializaria o fluxo informacional e com os sistemas sociais de produção e de
disseminação dos conteúdos. Registra-se, pois, uma ênfase na “integração utilitarista da tecnologia e
da técnica para fins sociais específicos” (DAY, 2001, p. 10). A hipérbole consagrada do olhar sobre a
mimese em seu caráter de representação icônica pode ser encontrada em Shera & Cleveland (1977).
Encontramos aqui a Documentação significada, por vezes, como a prática de desenvolvimento e de
uso do microfilme, ferramenta mimética compacta fundamental para a história da OS.
Especificamente, o conceito de livro estabelece a relação direta entre o pensamento
documentalista e a mimese. Para Otlet, o livro é tanto um objeto físico como um conceito cultural
que se estabelece como forma de um conhecimento positivo – um “reflexo natural” do mundo social
traduzido nos “fatos”, sendo, por isto, uma encarnação concreta da história. Segundo Day (2010,
p. 10), o livro otletiano deveria ser nada mais do que uma reprodução, um sumário, ou, ainda, uma
síntese de tudo de melhor que a humanidade pudesse produzir. Ao conceituar o livro como recipiente
do conhecimento, o documentalista belga postula a passagem da mimese do conhecimento para a
mimese do artefato – sua razão icônica. Esta imagem é determinada a partir de três modelos: o
livro como organismo; o livro como modalidade dinâmica de energia; o livro como máquina de (re)
produção. (DAY, 2001, p. 13)
Interessa-nos aqui objetivamente o terceiro modelo de reconhecimento da noção de livro.
Através dele, Otlet estabelece uma “função mimética” original para o livro. Em outras palavras,
o livro, mimese “por excelência” (na medida que trata-se de uma “assinatura do conhecimento”),
atua, por sua vez, como um engenho de imitações. A visão otletiana do livro como organismo aberto
confere ao significado do artefato bibliográfico uma noção múltipla e inovadora, ainda que a própria
história já tenha significado esta condição de sentido do livro. Ao voltar-se para a “relação todo-parte
orgânica das funções do livro” (DAY, 2001, p. 14), Otlet percebe neste artefato um organismo autosuficiente.
A visão otletiana tem simultaneamente uma integração com o pensamento de Platão sobre
a mimese (uma física da OS emanada de uma metafísica do livro) e as possibilidades atentadas
por Aristóteles em sua apropriação do conceito. Na visão do advogado belga, o livro representa a
materialização objetiva do pensamento, este, já uma espécie de imitação. Em suas palavras, a cadeia
platônica da mimese é descrita no imaginário otletiano: “como o pensamento é uma imagem das
coisas, o livro aí está para proporcionar uma reprodução, uma cópia do mundo, tendo este como
modelo” (OTLET, 1996, p. 425). Uma epistemologia documentalista tem, desta maneira, sustentação
objetiva no conceito de mimese.
De fato, três grandes resultados ou leis bibliográficas dominam o enorme crescimento dos
documentos do nosso tempo: a) existe, graças aos livros, um desdobramento dos espíritos,
o ‘duplo da humanidade’ (‘doble da la humanidad’); b) esta ‘duplicação documental’
(‘doble documental’) restará cada vez mais distanciada de seus criadores, os escritores. Em
seguida, ela atua distante de seus criadores e produz um efeito em extensão, que permite a
acumulação dos dados escritos, e em profundidade, através do desenvolvimento cada vez
maior da abstração e da generalização das ideias que são possibilitadas pelo documento;
GT162
c) por todas as direções, a condição humana é modificada. (OTLET, 1996, p. 425, tradução
nossa, grifo nosso)
Day (2001, p. 14) nos chama a atenção para o fato de que o conceito de livro de Otlet aponta
menos para o objeto, e mais para suas possíveis relações. Desta maneira, munido de uma complexa
noção de rede – reséau -, o documentalista volta-se para o potencial criado pelos nós existentes entre
todos os “acidentes” do livro, como códices, bibliografias, coleções de museu, ou seja, tudo aquilo
que ganha a configuração de registro devido a algum processo de apropriação. A conclusão da razão
mimética como sustentáculo de uma filosofia bibliológica está descrita na visão do “livro como a
própria extensão do livro”: um livro não é um livro, mas o complexo de desdobramentos que a ideia
de livro pode conter em um só conceito-matéria que se pressupõe livro. Isto fica claro na noção
proposta de documento como substituto do significante livro. O documento tanto pode figurar-se
como “o” livro – em seu modelo códice -, como pode ser tomado como a capa deste livro, ou sua folha
de rosto, um de seus capítulos ou uma de suas páginas, um parágrafo, ou ainda, apenas, uma palavra
que, dentro daquele contexto, pode representar outro documento, passível de conduzir um leitor a,
inspirado, produzir todo um novo livro. A rede interna produzida por este emaranhado é, em si, um
outro documento, um outro livro, que se desdobra em interpretações múltiplas.
O livro otletiano é, pois, estruturalmente, uma máquina mimética - uma máquina que, na visão
do criador do Mundaneum, conserva uma força intelectual em permanente expansão/replicação.
O mecanismo do livro permite que sejam formadas as reservas das forças intelectuais: é
um acumulador. Enquanto uma externalização do cérebro, ele se desenvolve em detrimento
de si próprio, como os instrumentos se desenvolvem em detrimento do corpo. Em seu
desenvolvimento, o homem, em vez de adquirir novos sentidos, novos órgãos (por exemplo,
três olhos, seis orelhas, quatro narizes), percebe o desenvolvimento de seu cérebro por
abstração, esta pelo signo, e o signo pelo livro. (OTLET, 1996, p. 426, tradução nossa, grifo
nosso)
Como partes de um processo, o conceito otletiano de livro aponta para uma característica
fundada na mimese: a repetição. A ideia da repetição aparece em Otlet, segundo Day (2001), não
como a possibilidade de duplicação de um resultado único, mas como um princípio que toma o repetir
como amplificação – esta, conduz à expansão universal do conhecimento. Esta expansão sugere “que
há uma mudança de escala para a natureza e valor do conhecimento”. Para Otlet, “os textos são tanto
veículos como incorporações de repetição dinâmica, levando a uma expansão do conhecimento e
também uma mudança na forma do conhecimento”. (DAY, 2001, p. 14)
Nesta dinâmica, o livro-signo de Paul Otlet pressupõe a máquina-livro: a máquina mimética
que se funda como prolongamento do homem – a imitação da imitação da imitação.
Análogo a um organismo que está sendo analisado em termos da sua agência no âmbito de um
sistema ecológico, o livro-máquina está ligado a outros livros e outras “máquinas” orgânicas,
formando conjuntos sistêmicos na conservação e transformação de energia mental ao longo
da história. Otlet explica no Traité de que as máquinas são extensões [prolongement] do
corpo humano. (DAY, 201, p. 18, tradução nossa, grifo nosso)
GT163
É relevante perceber que esta ideia da máquina mimética em Otlet se irrompe como uma
das principais metáforas do século XX, ligada principalmente a três conceitos: rede, tecnologia
e comunicação. Importante também é perceber que estas três noções estão enraizadas em uma
epistemologia informacional de cunho fisicalista que conceberia o neologismo “ciência da informação”,
respectivamente vinculadas às ideias de interdisciplinaridade, recuperação da informação e
comunicação científica. A metáfora está diretamente relacionada, ainda, a uma formulação matemática
para a informação, manifestada em termos objetivos no projeto comunicacional de Vannevar Bush,
que realimenta a apropriação da mimese na OS.
3.3 A mimese bushiana: o Memex e a hiperimitação da grande máquina mimética...
À visão conceitual de Paul Otlet de uma máquina bibliológica na constituição de uma cadeia
mimética se soma o projeto de Vannevar Bush, dentro do Governo dos Estados Unidos no contexto
da 2a Guerra Mundial. Seu conhecido conceito de Memex, explorado no artigo “As we may think”,
estabelece outro foco sobre a ideia da máquina mimética, agora orientada para as possibilidades de um
fluxo ainda mais dinâmico que aquele arquitetado por Otlet e possibilitado séculos atrás pela prensa.
Afora as diferentes abordagens críticas sobre a verdadeira contribuição do projeto de Bush para o
futuro da engenharia das telecomunicações, que atravessam as noções de hipertexto e de Internet
chegando até Tim Berners-Lee, discutidas em Houston & Harmon (2007), e as análises comparativas,
como a de Eugene Garfield (1968), entre o projeto bushiano e aquele de H. G. Wells - o World Brain
-, importa-nos aqui os traços filosóficos deixados sobre a reflexão conceitual da mimese na OS. Estão
presentes na visão de Bush as noções de memória ampliada e de extensão do homem, vinculadas ao
pensamento de Otlet e lançadas como pontos de inflexão a partir da invenção da prensa no âmbito do
que chamamos hoje de filosofia da informação.
Bush propôs o desenvolvimento de um certo mecanismo que teria a capacidade de relacionar
documentos pré-existentes com outros conjuntos de documentos gerados tanto particularmente como
por terceiros. O foco estava na procura pela otimização da informação científica dentro de bibliotecas
especializadas – em outras palavras, apresentava-se aqui a semente de uma disciplina específica do
discurso da CI, que aparecerá em sua primeira face no currículo de Farradane, em 1958, duas décadas
depois, ou seja, a RI no âmbito da comunicação científica. (HOUSTON; HARMON, 2007)
Bush preocupava-se com o atraso nas possibilidades de acesso à informação decorrido dos
esquemas tradicionais adotados pelas bibliotecas. Em sua visão, a incapacidade humana de acessar
um documento estava diretamente ligada aos entraves dos sistemas de indexação então em vigência.
Um problema crucial o incomodava: a linearidade como percurso necessário para obtenção de um
determinado dado nos sistemas bibliográficos, oferecido, por exemplo, pela ordem alfabética (BUSH,
1945). O Memex – a máquina anti-platônica de extensão da memória – era centrado na experiência
individual de um pesquisador e em seu processo cognitivo de busca e de percepção da informação.
Bush procurava (re)constituir o processo de RI a partir da imitação da prática do pesquisador, ou
seja, a partir da “busca por associações”. Estas associações, diferentemente de um processamento
GT164
linear, permitiria ao especialista de uma determinada área do conhecimento chegar até a informação
procurada sem necessitar percorrer longos canais de informação. (HOUSTON; HARMON, 2007).
Utilizando uma noção “positiva” da mimese, Bush buscava reconhecer a mente humana em sua
experiência de raciocínio no processo de seleção da informação, inaugurando, em parte, um profícuo
debate no terreno dos estudos cognitivos da informação na OS. Se a mente funciona por meio de
associações, é através de uma mimese mecanizada que chegaremos até a recuperação “ideal” dos
dados disponíveis na massa de publicações científicas.
O homem não pode sonhar em duplicar este processo artificialmente, mas certamente
deve ser capaz de aprender com ele. [...] Não se pode contar com a mesma velocidade e
flexibilidade associativa da mente humana, mas podemos supera-la, decididamente, em
relação à permanência e clareza dos elementos recuperados dos acervos. Consideraremos
um dispositivo futuro de uso individual que é uma espécie de arquivo-biblioteca mecanizado.
Já que é importante um nome, o chamarei de MEMEX. Um MEMEX é um dispositivo
que permitirá a uma pessoa armazenar todos os seus livros, arquivos, e comunicações, e
que poderá ser consultado com grande velocidade e flexibilidade. Na verdade, seria um
suplemento ampliado [enlarged] e particular de sua memória. (BUSH, 1945, tradução
nossa, grifo nosso)
Orientado para uma procura de “amplificação” da memória humana, seguindo o percurso contrário
de Platão e seguindo as margens abertas por Aristóteles, o projeto de Vannevar Bush, guardadas as
nuances de tempo, espaço e foco, postula-se como complemento ao conceito de livro oriundo de
Paul Otlet. Ambas as visões se aproximam e se interpenetram em uma instância: a compreensão da
mimese como noção fundamental para o desenvolvimento da OS. Outras aproximações podem ser
aqui observadas: há, por exemplo, em Otlet e em Bush, uma perspectiva civilizatória e progressista,
verificadamente de cunho positivista, que toma o Livro e o Memex como ferramentas para a “evolução”
do homem. Preocupa-nos aqui a relação com o profícuo conceito de mimese no discurso da CI. Ao
atentar para os estudos cognitivos em seu processo de associação de ideias, a proposta mecânica de
Bush (1945) concentra-se no uso da imitação como possibilidade de desenvolvimento do homem e,
principalmente, a otimização e a evolução dos sistemas de recuperação de informação. É esta visão
do associativismo cognitivo que deflagra a hipérbole das comparações do pesquisador como pai e/ou
grande inspirador dos sistemas multimídia, da Internet, dos hiperlinks, da Web e das bibliotecas digitais.
Conceito fundamental dentro da ideia de Memex é oriundo da noção de “replicador”. A “principal
função” do projeto de Bush seria replicar – no sentido de reproduzir – a mente humana, permitindo com
que todo o conhecimento edificado pelo homem não se perdesse na impossibilidade de armazenamento. O
Memex seria capaz de imitar e, a partir da imitação, ampliar a mente humana, expandida em ferramentas
de replicação (HOUSTON, HARMON, 2007). No entanto, os princípios miméticos do projeto do
Memex estão fundados ainda naquilo que o fim do século XX passou a tratar como fundamental para
o desenvolvimento humano, inspirado na Web: a produção coletiva e aberta do conhecimento. Esta coprodução leva Bush a apontar uma “total liberdade” do usuário para alimentar o Memex, determinando
possíveis atalhos para localização da informação. Seria facultativo a ele, indica Bush (1945), inserir
GT165
comentários/notas no sistema. Soma-se a isto, a possibilidade de uma indexação associativa e instantânea.
Esta, tomada por Bush como “característica essencial” do Memex, representaria a grande inovação a possibilidade de relacionar dois elementos diferentes entre si por usuários distintos. À medida que
procura o item desejado, o usuário, na visão antecipada de Bush (1945), criaria atalhos, que poderiam se
associar com um conjunto indefinido de novos elementos.
Vannevar Bush, desta maneira, repassa para o usuário o papel de reprodutor/construtor
mimético e colaborador direto da infra-estrutura de organização dos saberes de uma estação local, de
um município, de um estado, de um país. “A princípio, ele usa uma enciclopédia para encontrar um
breve, mas interessante artigo. Depois, nos registros de História, ele encontra algo interessante para
relacionar com o material encontrado na enciclopédia. E continua criando atalhos com vários itens”
(BUSH, 1945, tradução nossa). Sua visão é mais ampla e chega a postular um futuro com o novo
ofício na OS:
Haverá a nova profissão de criador de atalhos, pessoas que terão a tarefa de estabelecer
atalhos entre o enorme volume de registros correspondentes. Para os discípulos de qualquer
mestre, o legado dele passará a ser não apenas suas contribuições ao acervo mundial, mas
também as bases que sustentarão seus discípulos. Presumivelmente o espírito humano
se elevaria se fosse capaz de rever o obscuro passado e analisar mais completamente e
objetivamente os problemas atuais. Ele edificou uma civilização tão complexa, que agora
precisa mecanizar inteiramente seus registros caso almeje levar a uma conclusão lógica seus
experimentos, ao invés de meramente bloquear-se por estar sobrecarregando sua limitada
memória. Sua vida poderia ser desfrutada melhor se ele pudesse ter o privilégio de esquecer
as múltiplas coisas que não necessitasse imediatamente às mãos, com a certeza de poder
encontra-las quando fosse preciso. (BUSH, 1945, tradução nossa, grifo nosso)
A proposta de Vannevar Bush estará relacionada com a Teoria Matemática da Comunicação,
partindo de uma visão da informação como um dígito, capaz de ser operacionalizada. Ambas as
abordagens, o Memex e a teoria de Shannon e Weaver, são sustentáculos para a epistemologia
fundacional da CI. Ambas permitem, ao mesmo tempo, estabelecer em definitivo a importância do
conceito de mimese para o pensamento na OS, como a seguir procuramos demonstrar a partir de uma
síntese entre a genealogia de nossas ideias e de nossas práticas, que levou o campo a se apresentar
como uma escola da quinta imitação.
4 A ESCOLA DA QUINTA IMITAÇÃO E A ÉTICA DO MÍMEMA
Ao tomar a CI como um campo aplicado da filosofia da informação – ou uma filosofia
aplicada da informação -, Luciano Floridi (2002) estabelece que a epistemologia da OS circula em
torno do conceito de informação. Este, por sua vez, aponta-nos uma vinculação objetiva à ideia de
representação. O epistemólogo reconhece que nosso saber original não está no conhecimento em
si – via platônica de conceituação da verdade -, mas nas fontes de informação que podem levar até
este possível conhecimento. Quando postula a visão de que a Filosofia da Informação deve percorrer
três destinos – a saber, constituição e modelização de ambientes de informação, ciclos de vida da
GT166
informação e computação – Floridi (2002, p.46) assume que o objeto principal da filosofia da CI é
a informação não em seu sentido forte, significativo e verdadeiro, mas em um sentido tratado como
fraco e específico, oriundo do sentido dos dados gravados (documentos).
A visão filosófica floridiana aproxima-se das abordagens de Otlet e Bush, e da própria construção
moderna da noção de registro duplicado de informação a partir da invenção da prensa. No entanto,
apesar do olhar empirista sobre a aplicação do conceito informação realizado pela CI, Floridi busca
uma filosofia tradicional - o foco no conceito, para além do sujeito - estabelecendo a informação
como unidade metafísica, que transcende a própria prática profissional. Desta unidade é que pode
ser reconhecida a aplicabilidade – a funcionalidade – da práxis do profissional da informação. O
epistemólogo esclarece isto ao contrapor sua visão à Epistemologia Social de Jesse Shera, esta, mais
focada no sujeito, e menos no conceito. De certo modo, a visão de Floridi permite-nos integrar idealismo
platônico – “existe” uma filosofia da informação – e empirismo aristotélico – a CI fundamenta-se
como uma “filosofia aplicada da informação”.
Retomando, para o filósofo da Academia, a prática do registro pode ser tomada como a
representação (imitação da linguagem) da representação (imitação do pensamento) da representação
(imitação do mundo inteligível). Explicitada de outra forma, poderíamos conceber a cadeia mimética
da seguinte maneira:
• Mundo inteligível/Outramundanidade (o “grau zero da imitação”)
• Mundos miméticos/Estamundanidade (espaço das imitações)
o Mundo do pensamento – estados mentais (1a imitação);.
o Mundo da linguagem oral – discursos (2a imitação);
o Mundo das inscrições da linguagem - ícones (3a imitação);
o Mundo das cópias dos ícones – reproduções (4a imitação);
o Mundo das meta-linguagens – meta-representações (5a imitação).
Na leitura platônica, o livro-signo de Otlet é aquele ausente de ser – a imitação icônica, ou das
imagens gestadas em representação plana. Não responde pela essência do conhecimento, não guarda
a forma da sabedoria e se reproduz, como a imagem poética ou plástica, de maneira inconsciente.
Enquanto cópia, apresenta-se como 3a imitação, um artefato que é gerado entre o pensamento que
se dá pela linguagem e a linguagem que o manifesta. No entanto, a mimese da prática da OS vai
ao extremo de determinar um quinto momento imitativo como fundacional em sua constituição: o
mundo das metalinguagens, que ocupa-se em construir representações das representações, ou apenas,
as meta-informações – onde se encontram a prática e o produto das linguagens documentárias – que
se sedimentam como o objeto, o meta-conhecimento, da CI (GONZÁLEZ DE GÓMEZ, 1996). Em
outras palavras, trata-se de um domínio científico que não só toma a representação como imagem do
conhecimento, como a aborda como objeto-conhecimento.
Inaugura-se na filosofia da OS uma escola de reprodutibilidade muito antes da Idade Moderna,
GT167
uma vez determinada a mimese como nuclear para a constituição desta arte. Funda-se uma agenda de
pesquisa, orientada em seu núcleo, em linhas gerais, para a
a) preservação do “ícone original” (3a imitação) – representada por disciplinas como
Biblioteconomia de Obras Raras, Arqueologia, Conservação;
b) reprodução do “ícone original” (4a imitação) – representada por disciplinas como
Reprografia, Recuperação da Informação, Bibliotecas digitais;
c) microdescrição do “ícone original” em meta-linguagens (5a imitação) – representada por
disciplinas como Classificação, Indexação e Catalogação.
Esta agenda se sedimenta no século XX como campo científico orientado pela/para mimese,
travestida no conceito de informação. Apesar de dialogar permanentemente com a 1a imitação – os
estados mentais – e a 2a imitação – os discursos -, o principal foco desta epistemologia está no trânsito
entre a terceira, quarta e quinta imitações. Em outras palavras, a mimese se torna um imperativo:
trata-se de um dever do organizador dos sabres não apenas cuidar da cadeia mimética, mas também
construir ferramentas passíveis de amplificação desta cadeia. O conhecimento é por vezes tomado aqui
como sinônimo do próprio saber representado, tamanha a dimensão do imperativo que se estabelece
como ética primeira da relação entre indivíduo e objeto nos estudos informacionais.
A quinta imitação, significada por metodologias/produtos como tesauros e ontologias, construtos
de uma cadeia mimética circular e aberta, sintetiza um ideal permanente do organizador dos saberes:
simultaneamente mimetizar e educar pela mimese. A partir da apreensão de domínios lingüísticos
em comunidades discursivas especializadas, ou apenas “línguas de especialidade”, o artífice da OS
manipula mímemas de mímemas – imitações do produto da arte de imitar (VERNANT, 2010) -, ou,
ainda, meta-mímemas, expressões distantes de uma verdade essencialista de viés platônico, e mais
próximas de uma verossimilhança contextual de viés aristotélico, que toma a poesia (construção)
como ciência. Trata-se de um fazer que estabelece a relação preponderante com a ética que se sustenta
na imagem como juízo bom, e explora nela as possibilidades do bom enquanto ferramenta de autoreplicação imagética. Antes de se perguntar se a imagem existe, se ela responde pela verdade, o
organizador dos saberes já, sob um imperativo mimético, atualiza sua arte na replicação da imagem,
procurando fundar nela as semelhanças possíveis, por contextos de significação, com o conhecimento.
Este artífice, em linhas gerais, procura insistentemente demonstrar que o mímema, independente de
ser ou não bom em essência, pode ser bom em ato.
5 OS DESTINOS DO IMPERATIVO MIMÉTICO
Apesar de seu destino voltar-se para a 5a imitação, tomando por base a cadeia mimética platônica,
é na tentativa de um deslocamento da 3a imitação – artefatos – para a 2a - discursos – e desta para a
1a imitação – pensamento -, que reconhecemos a produção da epistemologia da OS no século XX,
principalmente aquela que procura demarcar a cientificidade de uma ciência para a informação nos
GT168
anos 1960. Cabe-nos aqui reconhecer que a CI não conseguiu escapar – se era este o seu intuito –
da chamada 3a imitação. Mesmo quando se propõe a encarar a informação a partir da linguagem –
paradigma social, enfoque pragmático, 2a imitação - e/ou a partir da cognição – paradigma cognitivo,
enfoque semântico, 1a imitação ou ainda concepção tradicional de conhecimento como conteúdo
de estados mentais (FURNER, 2004) - os estudos informacionais se debruçam sobre a informação
como uma entidade objetiva - conhecimento como algo que é registrado ou que é apresentado em um
sentido objetivo, externo, público (FURNER, 2004). Cabe ao epistemólogo da CI, pois, não apenas
reconhecer este imperativo, mas, sem dúvida, principalmente munido das leituras contemporâneas da
informação, de cunho pragmatista e pós-estruturalista, por exemplo, criticá-lo – a crítica do mímema
como fazer epistemológico da CI.
A prática histórica do organizador dos saberes pode ser reconhecida, pois, nesta revisão,
como a de um imitador que coleciona e produz imitações. Em outras palavras, este artífice atua com
meta-mímemas. O mímema apresenta-se como seu objeto primeiro. Sua crença no saber está no
reconhecimento de que, o que existe, antes, é a crença de que há a “crença na imitação” – donde provém
seu ofício/mistério. E que esta imitação pode também ser conhecimento, prazer, jogo, educação.
Disciplinas comuns na formalização dos currículos das escolas de Biblioteconomia, Documentação
e Ciência da Informação entre o oitocentos e novecentos, como Introdução à cultura histórica e
sociológica, Introdução à cultura filosófica e artística; Paleografia (que envolvia o estudo geral da
origem dos alfabetos, da paleografia greco-latina, medieval, portuguesa e dos documentos nacionais
até século XIX), Direitos Autorais, Reprografia, Recuperação da Informação, Comunicação Científica,
Biblioteca digital são elementos conceituais que se estabelecem na fronteira de reconhecimento da
mimese e de construção de uma virtude no organizador dos saberes que deve perceber a imitação
como fundamental, mas também como questão-problema.
Como observação final, cabe-nos destacar o horizonte mais distante que, por hora, pode atingir
nossa reflexão: a CI, em sua experiência histórica, pode ser determinada como um espaço discursivo
dos mais remotos e dos mais profícuos de conciliação entre mimese e saber, traduzida, no discurso
novecentista do campo, pela aproximação entre as noções de informação (um outro nome do mímema)
e conhecimento. Por vezes, esta conciliação ganha uma análise naturalista – a informação leva ao
conhecimento -, afastada de uma argumentação que é, em sua base, anti-essencialista: aquela que
reconhece a mimese como solo desta relação. Nitecky (1995) observou esta aproximação comum
no discurso filosófico do campo entre a CI e o conceito de conhecimento, assim como Chaim Zins
(2006) apontou como objeto estrutural do campo o mesmo conceito. Logo, muito distante da essência,
tratamos aqui das imagens, a partir da (re)produção permanente de metalinguagens. Cumpre-nos,
finalmente, estabelecer uma distinção importante: a mimese, para o organizador dos saberes, não é o
conhecimento; no entanto, para este organizador, entre os homens, o conhecimento é fundamentalmente
potencializado pela relação mimética estabelecida como ferramenta de representação e de educação.
GT169
ABSTRACT
This paper investigates the concept of mimesis in the knowledge organization’ philosophy in the
context of Information Science from the philosophical analyses. The argumentation presents the
mimesis’s concept in archaic philosophy between Plato e Aristotle. The view point of the article
indicates the relevance of the mimesis for the epistemology e the history of Information Science. For
the discussion, three approaches are presented: Gutenberg and the press; Otlet and the book; Bush
and the Memex. The work concludes with indication of the double signification of mimesis for the
knowledge organization: representation and education.
Key-words: Philosophy of Information Science – Epistemology - Philosophy of information –
Mimesis
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GT171
COMUNICAÇÃO ORAL.
RUÍDO, PERTURBAÇÃO E INFORMAÇÃO: NOTAS PARA
UMA TEORIA CRÍTICA DOS SISTEMAS AUTOPOIÉTICOS.
Antonio Saturnino Braga
Resumo.
Neste artigo, recorremos ao comentário de Dretske sobre a teoria matemática da comunicação para
perseguir três objetivos. Primeiro, defender a hipótese de que o conceito de informação oriundo
desta teoria pode ser associado a uma interpretação segundo a qual o processo informacional tem
caráter circular e envolve três sentidos do conceito complementar de ruído: dado informacionalmente
irrelevante, dado incorreto e perturbação. Segundo, defender a hipótese de que, ao ser visto como
processo circular, o processo informacional pode ser associado ao conceito luhmanniano de sistemas
sociais autopoiéticos. Terceiro, defender a hipótese de que o conceito de perturbação permite encaixar
o conceito de autopoiese no quadro lógico-conceitual de uma teoria crítica: no caso, uma teoria crítica
dos sistemas informacionais de tendência autopoiética.
Palavras-chave: Informação, Ruído, Perturbação, Autopoiese, Teoria Crítica.
Abstract.
In this article, I turn to Dretske’s commentary on the mathematical theory of communication to pursue
three goals. First, to defend the hypothesis that the concept of information derived from this theory
may be associated with an interpretation according to which the informational process is circular
and involves three senses of the complementary concept of noise: informationally irrelevant datum,
incorrect datum and perturbation. Secondly, to defend the hypothesis that, when seen as a circular
process, the informational process can be associated with the luhmannian concept of autopoietic
social systems. Thirdly, to support the hypothesis that the concept of perturbation allows to fit the
concept of autopoiesis in the logical framework of a critical theory: in this case, a critical theory of
the informational systems of autopoietic tendency.
Keywords: Information, Noise, Perturbation, Autopoiesis, Critical Theory.
1 A TEORIA MATEMÁTICA DA COMUNICAÇÃO E O CARÁTER CIRCULAR DO
PROCESSO INFORMACIONAL.
No primeiro capítulo de seu livro Knowledge & the Flow of Information (DRETSKE 1981, p.339), Fred Dretske faz uma apresentação bastante elucidativa da teoria matemática da comunicação,
GT172
associada ao trabalho pioneiro de Claude Shannon (SHANNON & WEAVER 1949). A característica
mais interessante da exposição de Dretske é o fato de ela ser relativamente independente dos aspectos
mais técnicos do trabalho de Shannon, preocupando-se preferencialmente com o esclarecimento das
intuições e conceitos fundamentais da teoria da informação a que ele dá origem.
Com base na exposição de Dretske, pode-se afirmar que, na teoria matemática da comunicação,
informação tem dois sentidos fundamentais, intimamente relacionados: redução da incerteza e
ocorrência de uma novidade (Dretske usa o termo “surpresa”, em vez de novidade, mas suas explicações
evidenciam claramente que este último termo também pode ser usado. Para nossos propósitos, ele é
mais conveniente, e por isso vamos preferi-lo). Para esclarecer essas idéias, recorrerei ao exemplo
que o próprio Dretske apresenta. Neste exemplo, o processo informacional é situado no contexto das
relações humanas e sociais, e esta característica irá definir esta primeira seção de nosso artigo. Oito
empregados encontram-se numa situação em que um deles deve ser selecionado para desempenhar
uma desagradável tarefa determinada pelo chefe. Os empregados decidem efetuar a escolha por
meio de um procedimento de sorteio do tipo cara ou coroa. Ao final do procedimento, um deles é
selecionado, Herman, cujo nome é escrito num memorando imediatamente enviado ao escritório do
chefe.
Antes da seleção efetuada pelos funcionários, as oito possibilidades iniciais (oito funcionários
podendo ser selecionados) equivaliam a uma certa incerteza; mais precisamente, equivaliam a uma
certa quantidade de incerteza (se houvesse inicialmente maior número de possibilidades, a incerteza
seria proporcionalmente maior). De modo correspondente, a redução dessas oito possibilidades
iniciais à possibilidade efetivamente selecionada (no nosso exemplo, a possibilidade selecionada
foi Herman) equivale a uma certa redução da incerteza; mais precisamente, equivale a uma certa
quantidade de redução da incerteza (se houvesse inicialmente maior número de possibilidades, a
redução da incerteza seria proporcionalmente maior). Por fim, o evento no qual se consubstancia a
redução da incerteza (Herman sendo selecionado) representa uma novidade – entendida, nesse caso,
em termos essencialmente quantitativos, como um evento que se define pela quantidade de redução
de incerteza que ele representa. E a informação é, justamente, a novidade.
Tal como apresentada até aqui, a informação ainda não é a indicação de qual foi, exatamente, a
possibilidade selecionada; informação é, simplesmente, o fato de que uma possibilidade foi selecionada
dentre um conjunto de possibilidades iniciais: trata-se da quantidade de redução de incerteza associada
à seleção de uma possibilidade (se a possibilidade realizada tivesse sido Maria em vez de Herman, a
quantidade de informação seria a mesma). Do ponto de vista da teoria matemática da comunicação, o
passo fundamental consiste na formulação de um procedimento para a determinação dessa quantidade
visada no conceito de informação. E o procedimento adotado é o das decisões binárias: a quantidade
de redução de incerteza gerada pela seleção de uma possibilidade equivale ao número de decisões
binárias envolvidas na redução das possibilidades iniciais à possibilidade efetivamente realizada. No
nosso exemplo, teríamos o seguinte processo na fonte de geração da informação. Os oito empregados
GT173
(oito possibilidades) inicialmente se dividem em dois grupos de quatro, jogando a moeda para efetuar
uma primeira decisão binária. Os quatro empregados restantes se dividem em dois grupos de dois,
e, após uma segunda decisão binária, os dois empregados restantes se submetem a uma terceira
e última decisão binária, de modo a finalmente selecionar a novidade na qual se consubstancia a
redução da incerteza. Como o processo envolve três decisões ou escolhas binárias, ele gera três bits
de informação: cada decisão binária equivale a um bit de informação (supondo que a cada etapa do
processo as possibilidades em jogo são igualmente prováveis).
Até agora, limitamo-nos à consideração do que sucedeu na sala dos empregados (situaçãofonte), e desconsideramos o fato de que a novidade ali ocorrida pode ser tomada como uma indicação
que vai ser utilizada por um usuário em outra situação, a sala do chefe (situação-recepção). Em outras
palavras, desconsideramos o fato de que a informação pode ser considerada como uma indicação
de qual foi, precisamente, a possibilidade realizada, a ser utilizada por um usuário (da informação)
na situação-recepção. Este aspecto até aqui negligenciado corresponde ao conteúdo semântico da
informação.
Para ser utilizada por um usuário na situação-recepção, a informação precisa ser transmitida da
situação-fonte para a situação-recepção. A teoria matemática da comunicação focaliza este processo
de transmissão de um ponto de vista essencialmente quantitativo, concebendo a confiabilidade do
mesmo em termos de minimização das perdas na quantidade de informação transmitida da fonte.
Mais precisamente, o que caracteriza a teoria em tela é a preocupação com a eficiência no processo
de transmissão, sendo que a eficiência nela aparece como uma espécie de combinação e equilíbrio
entre a fidelidade e a economia: por um lado, fidelidade ao que ocorreu na situação-fonte, evitando
qualquer perda na informação gerada (no vocabulário da teoria, evitando “equivocação”), e, por outro
lado, economia nos sinais através dos quais se dá a transmissão à situação-recepção, evitando o que
a teoria chama de redundância. Na teoria matemática da comunicação, a fidelidade à situação-fonte
é elaborada em termos essencialmente quantitativos: se não há perda quantitativa da informação
gerada, ou se a perda é minimizada na maior medida possível, pressupõe-se que a mensagem recebida
na situação-recepção seja confiável, ou seja, pressupõe-se que tenha sido preservado o conteúdo
informacional do sinal emitido na situação-fonte.
Ao conceber a confiabilidade da informação em termos essencialmente quantitativos, a teoria
matemática da informação negligencia os aspectos semânticos do processo informacional: em vez
de preocupar-se com o significado da mensagem para o usuário na situação-recepção, a teoria visa
a minimização da perda puramente quantitativa da informação gerada na situação-fonte. Pode-se
por outro lado afirmar que, embora negligencie os aspectos semânticos, a teoria matemática não
é incompatível com eles. Ao contrário, o esforço de Dretske consiste justamente em encaminhar a
discussão semântica a partir da visada essencialmente quantitativa da teorização de Shannon. Isso
só é possível porque Dretske se enquadra no movimento de naturalização da semântica, que procura
depurar os conceitos de significado e verdade de todas as associações com noções irredutivelmente
GT174
mentalistas, como representação, razões para crer e justificação (destacando que, neste contexto,
mente se opõe a cérebro). Entretanto, assim como Dretske recorre a Shannon para desenvolver seu
projeto de uma semântica naturalizada, podemos continuar recorrendo a Dretske para desenvolver
a questão da conexão entre o conceito de informação e, por outro lado, aspectos irredutivelmente
semânticos e pragmáticos da dinâmica dos sistemas sociais.
O processo informacional constitui-se a partir de duas relações. Em primeiro lugar, a relação
entre, por um lado, um conjunto de possibilidades iniciais, e, por outro lado, uma novidade, ou
seja, um evento cuja emergência equivale à realização ou seleção de uma dessas possibilidades. Em
segundo lugar, a relação entre, por um lado, situação-fonte, como situação na qual emerge ou ocorre a
novidade constitutiva do processo informacional, e, por outro lado, situação-recepção, como situação
na qual se dá o conhecimento e utilização (assimilação, processamento) dessa novidade, na medida
mesmo em que há uma necessidade ou interesse nessa utilização. A partir dessas duas relações, podese afirmar que a informação é, essencialmente, indicação de uma novidade para um usuário, ou seja,
alguém que vai de algum modo assimilar e utilizar essa novidade.
Mas o papel da relação entre situação-fonte e situação-recepção na constituição do processo
informacional vai além dessa conexão (de resto essencial) entre indicação de uma novidade e utilização
dessa indicação. Para elaborar esse tópico, precisamos do conceito de ruído; para obtê-lo, retornemos
ao exemplo acima referido. No exemplo, o memorando com o nome Herman representa, justamente,
uma indicação da novidade ocorrida na situação-fonte, para um usuário, o chefe, que vai utilizar essa
indicação nas atividades que lhe são próprias. O memorando representa uma mensagem – outro nome
que se dá à informação como indicação a ser utilizada na situação-recepção. Mais precisamente,
tomada como mensagem, a informação é a indicação precisa e fiel, na situação-recepção, da novidade
ocorrida em outra situação, a situação-fonte. O aparecimento, no escritório do chefe, do memorando
com o nome Herman é um evento que deve ser tomado, não tanto como novidade em sentido estrito,
mas antes como mensagem, ou seja, indicação precisa e fiel da novidade ocorrida em outra situação,
a situação-fonte. Considerada como mensagem, a informação é tomada como novidade oriunda da
situação-fonte.
Suponhamos agora que a pessoa encarregada de levar o memorando até o escritório do chefe
perca o envelope no meio do caminho, e resolva proceder por conta própria a outro processo de
eliminação de possibilidades, do qual resulta a novidade Maria, que é então codificada em papel
timbrado e envelope-padrão que o encarregado de transmissão tinha de reserva. Ora, o aparecimento,
no escritório do chefe, do memorando com o nome Maria, pode ser tomado, estritamente, como
novidade. Tomado estritamente como novidade, tal evento tem não apenas a mesma quantidade de
informação (quantidade de redução da incerteza) que teria o evento do memorando com o nome
Herman, mas a mesma natureza de indicação para um usuário, ou utilizável pelo usuário.
Mas o aparecimento, no escritório do chefe, do memorando com o nome Maria, pode ser
tomado também como mensagem, ou seja, indicação precisa e fiel da novidade oriunda da sala dos
GT175
funcionários. Na verdade, no tipo de processo informacional ilustrado pelo exemplo com que estamos
trabalhando, é dessa forma que ele é usualmente tomado. Ora, tomado como mensagem, tal evento é
informacionalmente nulo: ele é puro ruído. Ele não carrega nenhuma informação (indicação precisa da
possibilidade realizada) sobre a situação-fonte; ele carrega uma indicação sobre a novidade ocorrida
numa situação externa à situação-fonte, no caso o canal de transmissão, mas, justamente por isso, ele
é puro ruído. O que caracteriza a informação como mensagem é o fato de ela ser dependente e fiel em
relação à novidade ocorrida na situação-fonte.
De acordo com Dretske (DRETSKE 1981, p.15-16), a mensagem é uma expressão da
dependência e fidelidade da situação-recepção em relação à situação-fonte. Para este autor, do
ponto de vista das exigências contidas no conceito de mensagem, pode-se afirmar o seguinte. Se há
mensagem sobre um determinado tópico, qualquer novidade sobre esse tópico ocorrida na situaçãorecepção é totalmente dependente e fiel em relação à novidade sobre o mesmo previamente ocorrida
na situação-fonte: por um lado, não há na situação-recepção, garantidamente, nenhuma perda da
novidade gerada na situação-fonte (não há equivocação); por outro lado, não há na situação-recepção,
garantidamente, nenhuma novidade nova, ou seja, independente em relação à novidade previamente
gerada na situação-fonte (não há ruído).
A ênfase de Dretske recai sobre a dependência da situação-recepção em relação à situaçãofonte. Mas algumas observações que ele faz a respeito das noções de equivocação e ruído permitem
direcionar seu comentário no sentido de uma ênfase oposta. Nesta elaboração, a informação passa a
aparecer, não apenas como novidade para um usuário, mas, antes disso, como novidade possibilitada
pelo interesse e foco do usuário situado na situação-recepção – visão que vai além dos comentários
de Dretske, para enfatizar uma dependência informacional oposta à que ele enfatiza, a saber, a
dependência da situação-fonte (como situação na qual ocorre a geração das novidades para o usuário)
em relação à situação-recepção (como situação na qual se dá não apenas o uso das informações pelo
usuário, mas, antes disso, o foco e interesse do usuário). Nesta elaboração, o processo informacional
passa a aparecer como um processo essencialmente circular: a partir da focalização efetuada pelo
usuário na situação-recepção, geram-se na situação-fonte as novidades que podem ser assimiladas e
usadas pelo mesmo usuário na situação-recepção.
Nessa elaboração por assim dizer não-dretskiana dos comentários de Dretske sobre a teoria
matemática da informação, o conceito de ruído vai ganhar outros sentidos, relativamente distantes
do sentido original, mas que terão grande importância na seqüência deste trabalho. Comecemos
com algumas observações que o próprio Dretske faz a respeito das noções de equivocação e ruído
(DRETSKE 1981, p.19-21). Ele admite que muitas informações (eventos que equivalem a “eliminação
de possibilidades”, e que nesse sentido equivalem a novidades) geradas na situação-fonte podem não
chegar à situação-recepção, sem que isso implique equivocação no sentido mais estrito do termo.
Por exemplo, o lugar e posição que cada um dos funcionários assume na sala dos funcionários no
momento do processo de seleção – eventos na situação-fonte – podem tecnicamente ser tomados
GT176
como novidades (havia possibilidades alternativas, cada um deles poderia ter assumido lugares e/ou
posições diferentes, e por isso o lugar e posição efetivamente assumidos por cada um deles representam
eliminação de possibilidades, ou seja, novidade). Essas novidades não são sinalizadas no memorando
com o nome do funcionário selecionado; essas novidades, portanto, não chegam à situação-recepção,
elas são informação perdida, ou seja, no sentido amplo do termo elas constituem equivocação. Mas
este sentido amplo distingue-se do sentido mais estrito do termo, segundo o qual equivocação consiste
em perda apenas daquela informação que se liga ao ponto focalizado no processo informacional, a
qual pode ser chamada de informação relevante – a equivocação relevante é, então, a informação
relevante que é perdida.
Do mesmo modo, há muitas novidades ocorridas na situação-recepção que não são oriundas
ou dependentes dos eventos ocorridos na situação-fonte, mas que nem por isso constituem ruído no
sentido mais estrito do termo. Por exemplo, o lugar da sala do chefe (situação-recepção) em que o
encarregado da transmissão coloca o memorando é uma novidade, pois havia várias possibilidades
alternativas, e o evento de ele colocar o envelope em um determinado lugar equivale à realização
de uma determinada possibilidade dentre um conjunto de possibilidades iniciais. Esta novidade na
situação-recepção não é oriunda nem dependente dos eventos ocorridos na situação-fonte; ou seja,
no sentido amplo do termo ela é mero ruído. Mas este sentido amplo distingue-se do sentido mais
estrito do termo, segundo o qual ruído – o ruído relevante – consiste apenas naquela informação
independente que se liga ao ponto focalizado no processo informacional.
As observações de Dretske levam então à seguinte constatação. É a focalização efetuada
pelo usuário na situação-recepção que permite distinguir a informação relevante da irrelevante; é
essa operação de focalização, conseqüentemente, que permite distinguir a equivocação relevante
da irrelevante, assim como o ruído relevante do irrelevante. Mas tais observações ainda podem ser
radicalizadas, levando nesse caso às seguintes afirmações. O que a focalização do usuário permite
não é apenas a distinção entre informação relevante e irrelevante, mas, mais radicalmente, a própria
identificação da informação como dado operacionalmente utilizável no processo informacional. No
limite, a informação irrelevante é informação potencial mas inidentificável, indisponível, inutilizável.
Com efeito, sem a focalização do usuário a situação-fonte retrocede à dimensão de continuum caótico
de infinitas possibilidades, no qual não é possível identificar qualquer conjunto de possibilidades
iniciais, nem, conseqüentemente, qualquer evento realizador de uma possibilidade identificada, ou
seja, qualquer evento redutor de incerteza – em outras palavras, nesse continuum não é possível
identificar qualquer novidade, qualquer informação.
Cabem aqui as observações feitas por Floridi sobre a noção de entropia informacional (FLORIDI
2005, p.22-25). Na teoria matemática da comunicação, a entropia informacional designa a quantidade
de incerteza própria da situação-fonte, que representa ao mesmo tempo o potencial informacional
presente na situação-fonte. Maior entropia equivale a maior incerteza na situação-fonte, equivale,
portanto, a maior potencial informacional nessa situação. Mas a entropia máxima corresponde ao
GT177
continuum caótico das infinitas possibilidades, no qual a incerteza é tão grande que qualquer evento
redutor da incerteza se torna inidentificável. Nesse caso, embora a informação potencial seja máxima,
a informação é indisponível, inutilizável.
E aqui podemos introduzir um novo conceito de ruído. No continuum caótico de infinitas
possibilidades, embora a informação potencial seja máxima, só há ruído, no sentido de informação
operacionalmente indisponível e inutilizável. A transformação da informação potencial em informação
disponível e utilizável exige uma operação de observação que, ao focalizar e com isso constituir
um âmbito de possibilidades relevantes, permite identificar eventos realizadores de possibilidades
relevantes, ou seja, permite identificar novidades, informações – como dito acima, o adjetivo relevante
aposto à informação é em última instância redundante, porque a informação irrelevante em última
instância ainda não é informação, quer dizer, ainda não é informação disponível e utilizável, mas é
mero potencial informacional, mero ruído (no segundo sentido de ruído).
O elemento gerado pela operação de focalização do usuário pode também ser intitulado de
quadro de expectativas, equivalendo a um quadro das possibilidades relevantes. É somente nesse
quadro que a incerteza se torna solo da informação utilizável. Sem esse quadro de expectativas,
ou fora dele, só há ruído, mero potencial informacional, que ainda não é informação. Suponhamos
que haja um grão de poeira colado ao memorando que chega ao escritório do chefe. No processo
informacional que estamos focalizando, este dado representa uma informação inidentificável, ou
seja, uma informação absolutamente alheia ao quadro de expectativas constitutivo do processo. E
aqui importa distinguir duas dimensões da operação de identificação da informação. A primeira é a
dimensão física: nos processos informacionais propriamente humanos, esta dimensão é constituída
pelas capacidades sensoriais dos homens, eventualmente amplificadas por instrumentos como lentes,
microscópios, etc. Nesta primeira dimensão, o grão de poeira é identificável – talvez seja preciso
uma poderosa lente, mas, se o quadro de expectativas incluir a possibilidade de um grão de poeira
colado ao envelope (podemos pensar no quadro de expectativas de um detetive), esta necessidade em
princípio não impede a identificação da informação. A segunda dimensão refere-se, justamente, ao
quadro de expectativas: mesmo que se trate de uma mancha de tinta facilmente identificável do ponto
de vista físico, se o quadro de expectativas não incluir essa possibilidade, a mancha permanece sendo,
do ponto de vista informacional, uma informação não identificada: um dado fisicamente identificado,
mas informacionalmente inutilizável e, nesse sentido, inidentificável como informação. Assim,
a informação propriamente dita, quer dizer, a informação disponível e utilizável, entendida como
nutriente de que se sustenta o processo informacional, sempre se situa entre o ruído (mero potencial
informacional, anterior a qualquer operação de focalização) e, por outro lado, a uniformidade, que
ocorre quando o quadro de expectativas se estreita tanto que chega a abolir a incerteza (o “podia ser
diferente”), sem a qual não há informação.
Distinguimos acima dois sentidos de ruído. O ruído apareceu, em primeiro lugar, como dado
relevante que não é oriundo ou dependente da fonte informacionalmente estruturada pela focalização
GT178
do usuário na situação-recepção. Neste primeiro sentido, o ruído é o dado incorreto, enganador.
Exemplo desse tipo de ruído é a novidade “Maria” (memorando com o nome Maria) oriunda da
pessoa encarregada da transmissão – em vez de oriunda da sala dos funcionários como situação-fonte.
A preocupação com a correção ou incorreção dos dados situa-se na dimensão semântica do processo
informacional: até que ponto os dados recebidos correspondem fielmente às informações geradas
na fonte? Em outras palavras, até que ponto os dados recebidos respondem corretamente à pergunta
embutida no quadro de expectativas do usuário da informação?
Ruído apareceu, em segundo lugar, como mero potencial informacional, quer dizer, informação
potencial mas inidentificável, indisponível, inutilizável. Nesse sentido, ruído é aquilo que Floridi
chama de “dedomena” (dado em grego. Ver FLORIDI 2005, p.6-7): dados informacionalmente
inidentificáveis e inacessíveis, por serem anteriores à focalização constitutiva do processo
informacional (operação que Floridi elabora sob o conceito de “nível de abstração”. Ver FLORIDI
2005, p.7 e p.27-28). Ilustração desse tipo de ruído é o grão de poeira colado ao memorando que
chega à sala do chefe. Neste segundo sentido, por designar uma informação meramente potencial, a
noção de ruído é independente da questão da origem, e também da correção ou incorreção. Somente
a partir da focalização do detetive, que transforma esse evento (o grão de poeira que podia não estar
lá), transplantando-o da categoria de informação meramente potencial para a categoria de informação
disponível e utilizável, pode surgir a questão sobre a origem dessa novidade – é ela mensagem da
situação-fonte estruturada pela focalização do detetive, ou mero ruído (no primeiro sentido)? Equivale
ela a um dado correto e confiável ou a um dado enganador (ruído no primeiro sentido)?
Imaginemos agora um outro evento. No memorando que chega ao escritório do chefe, abaixo
do nome Herman, aparece a seguinte frase: “repudiamos essa tarefa e esse procedimento da empresa”.
É fácil perceber a diferença entre este dado e, por outro lado, o dado Herman inscrito no memorando
– ou mesmo o dado (enganador) Maria. Neste último caso, tanto o dado correto quanto o incorreto se
encaixam perfeitamente no quadro de expectativas do usuário da informação. No caso da frase, em
contrapartida, o dado recebido é relativamente alheio ao quadro de expectativas; - mas só relativamente,
uma vez que, se o compararmos à mancha de tinta no envelope do memorando, perceberemos que a
frase não é tão alheia ao quadro quanto a mancha o é. E aqui podemos introduzir um terceiro sentido
de ruído. Se a mancha é ruído no sentido de dado informacionalmente inidentificável e, portanto,
irrelevante; se o nome Maria é ruído no sentido de dado incorreto, ou seja, dado que não responde
corretamente à pergunta embutida no quadro de expectativas do usuário da informação, a frase acima
imaginada é ruído no sentido de dado que, apesar de relativamente alheio ao quadro de expectativas
do usuário da informação, é ainda assim relevante para o mesmo – trata-se de um dado perturbador,
uma “perturbação”, usando este termo para indicar um meio-termo entre o dado irrelevante e, por
outro lado, a informação como dado que, por encaixar-se perfeitamente no quadro de expectativas
constitutivo do processo informacional, é imediatamente utilizável nas operações próprias do mesmo.
É importante destacar que se trata aqui de um sentido distinto daquele que o termo “perturbação”
GT179
exibe na teoria dos sistemas autopoiéticos, na qual, usado como sinônimo de “irritação” (LUHMANN
1995, p.138; MATURANA & VARELA 1984, p.107-116), tende a ser identificado à informação em
sentido estrito. A justificativa para este uso será apresentada mais à frente.
Enquanto o dado enganador é um ruído que se situa na dimensão semântica do processo
informacional, a perturbação representa uma forma de ruído que se situa na dimensão pragmática
do mesmo. No caso da perturbação, o que está em jogo não é o significado unívoco que o dado
ganha a partir do quadro de expectativas que o usuário aplica à realidade em sentido amplo, mas a
interpretação que se deve dar a um dado que perturba o quadro de expectativas do usuário, e que diz
respeito, não à relação do usuário com a realidade por ele interpelada, mas à sua relação com outros
sujeitos, outros quadros de expectativa, outros processos e sistemas informacionais (sobre a crescente
importância que a dimensão pragmática tem adquirido nos estudos da informação, ver CAPURRO &
HJORLAND 2003).
2 A PERTURBAÇÃO E OS SISTEMAS INFORMACIONAIS DE TENDÊNCIA
AUTOPOIÉTICA.
A partir do que foi visto na seção 1, pode-se afirmar o seguinte. Embora a informação por
um lado consista na seleção de uma possibilidade, ela por outro lado só existe, pelo menos quando
considerada como informação relevante, a partir de uma seleção prévia, anterior à seleção que
propriamente a constitui como novidade, que é a seleção do âmbito das possibilidades relevantes.
Trata-se de proceder, no continuum caótico das infinitas possibilidades, a uma seleção e focalização do
âmbito das possibilidades relevantes. Assim, o que origina e caracteriza qualquer processo ou sistema
informacional é um ato primordial de diferenciação: no continuum caótico das infinitas possibilidades,
estabelece-se uma distinção entre o âmbito das possibilidades relevantes e, por outro lado, o restante
das possibilidades, que constituem o espaço dos dados informacionalmente irrelevantes.
Nesta segunda seção do trabalho, tentaremos relacionar este ato primordial de diferenciação ao
quadro conceitual da teoria dos sistemas autopoiéticos, tal como exposta nos trabalhos de Maturana
e Varela (MATURANA & VARELA 1984) e, principalmente, Niklas Luhmann (LUHMANN 1984
e LUHMANN 1995). Mais precisamente, tentaremos elaborar uma conexão lógico-conceitual entre
a teoria da informação, tal como exposta na primeira seção, e a teoria dos sistemas autopoiéticos, tal
como exposta nos trabalhos desses autores, principalmente Luhmann. Na verdade, ao contrário do
que ocorre em Maturana e Varela, em Luhmann tal conexão é explicitamente afirmada em diversas
passagens da obra (ver, por exemplo, LUHMANN 1984, p.67-68 e LUHMANN 1995, p.140-142); o
que tentaremos fazer é, simplesmente, aproveitar os resultados obtidos na seção anterior para traduzir
a conexão afirmada por Luhmann.
Por outro lado, com relação às críticas de Maturana e Varela ao conceito de informação (ver,
por exemplo, MATURANA & VARELA 1984, pp. 188 e 218), pode-se afirmar o seguinte. Tais
GT180
críticas decorrem de uma interpretação representacionista da informação, segundo a qual informação
equivaleria a uma instrução externa que se impõe ao receptor (passivo), determinando as respostas
que ocorrerão neste, ou seja, (in)formando-o e modelando-o. Trata-se de uma interpretação que não
leva em conta o caráter circular do processo informacional. Se se leva em consideração este caráter
circular, o conceito de informação se ajusta perfeitamente ao projeto geral de Maturana e Varela (ver
MATURANA & VARELA 1984, p. 146-154): elaborar uma terceira via entre o representacionismo
(formação/modelagem do receptor por instruções oriundas e dependentes apenas do ambiente externo)
e o solipsismo (total independência das respostas do receptor em relação a qualquer entidade externa).
Com efeito, conforme se esclarecerá logo a seguir, o caráter circular do processo informacional
revela justamente que, embora as atividades de autoprodução que ocorrem no sistema autopoiético
(tomado como situação-recepção) sejam dependentes das novidades ocorridas no seu ambiente
(descartando assim o solipsismo), tais novidades são por outro lado dependentes de operações de
observação e focalização efetuadas pelo próprio sistema, através das quais eventos meramente
externos são transformados em eventos operativamente utilizáveis na dinâmica autopoiética do
sistema (descartando assim o representacionismo).
Com relação à estrutura e limites da nossa argumentação, é importante enfatizar o seguinte.
Tendo em vista nossos propósitos, não começaremos com a definição de autopoiese apresentada pelos
autores com que iremos trabalhar, nem a discutiremos no restante do artigo. Partiremos de uma noção
bastante vaga e genérica, segundo a qual autopoiese é a autoprodução de certos tipos de sistema, e
tentaremos fazer com que o conteúdo e sentido dessa noção venham à tona a partir da elaboração dos
conceitos e intuições da teoria da informação apresentados na seção anterior. Tampouco abordaremos
as diferenças entre os três tipos de sistemas autopoiéticos que Luhmann admite, a saber, sistemas
biológicos, sistemas psíquicos e sistemas sociais (para uma boa apresentação dessa questão e da teoria
de Luhmann em geral, ver MOELLER 2006 e SEIDL 2005). No presente artigo, trata-se apenas de
apresentar um quadro geral do conceito de autopoiese, em associação com os conceitos e intuições da
teoria da informação apresentados na seção anterior. O quadro geral faz abstração das especificidades
que concretamente caracterizam sistemas biológicos, psíquicos e sociais, ele tem antes o caráter de
uma estrutura lógica altamente abstrata, subjacente a estes diferentes tipos de sistema.
Depois de apresentar esta estrutura lógica geral, tentaremos estabelecer uma relação entre o
conceito de perturbação, tal como introduzido na seção anterior, e a dinâmica autopoiética específica
dos sistemas sociais. Com relação a este objetivo, importa destacar os seguintes pontos. Como já foi
dito, o conceito de perturbação com que iremos trabalhar difere daquele que comparece na teoria
da autopoiese; nesta teoria, com efeito, a noção de perturbação é equivalente à de irritação, e tem
o sentido de dado operacionalmente utilizável na dinâmica autopoiética do sistema, o que a torna
praticamente idêntica à informação em sentido estrito. No nosso trabalho, ao contrário, perturbação
tem o sentido de um meio-termo entre o dado informacionalmente irrelevante e, por outro lado,
o dado imediatamente utilizável nos processos informacionais de caráter circular e auto-referente
GT181
(informação em sentido estrito). A justificativa para este uso é que, em nosso trabalho, não usaremos
o conceito de autopoiese para descrever a essência dos sistemas sociais, mas para indicar apenas
uma tendência dos mesmos, à qual se contrapõe a perturbação como dado capaz de desencadear uma
reconfiguração da dinâmica do sistema. Ao introduzir aspectos pragmáticos na dinâmica dos sistemas
sociais, a perturbação abre espaço, se não para uma “pragmática universal” (veja HABERMAS
1976), ao menos a uma “pragmática local”, ou seja, intra-sistêmica, correspondendo a relações mais
comunicativas dentro dos sistemas e entre eles, que atenuam sua tendência autopoiética.
Comecemos então com a afirmação acima feita, na qual procuramos retomar e resumir os
resultados obtidos na seção anterior. O que origina e caracteriza qualquer sistema informacional é
um ato primordial de diferenciação: no continuum caótico das infinitas possibilidades e dos infinitos
eventos realizadores de possibilidades, estabelece-se uma distinção entre o âmbito das possibilidades
e eventos relevantes e, por outro lado, o restante das possibilidades e eventos. Adotando-se o quadro
teórico de Luhmann, não se deve pensar aqui num sujeito do ato de diferenciação, tomado como um
substrato previamente estabelecido ao qual o ato por assim dizer pertence. Trata-se de conceber um
ato (operação) de diferenciação sem sujeito ou substrato: estabelece-se e mantém-se uma distinção –
uma distinção entre o âmbito das possibilidades e eventos relevantes e, do outro lado, o restante das
possibilidades e eventos.
Ora, considerando-se que “possibilidades relevantes” são, por definição, possibilidades
relevantes para um X, ao se estabelecer a distinção acima referida estabelece-se simultânea e
paralelamente uma segunda diferenciação, a saber, a distinção entre o X para o qual destacam-se ou
existem possibilidades relevantes e, por outro lado, o espaço (continuum) das possibilidades e eventos
em geral, no qual e do qual destacam-se as possibilidades e eventos relevantes para X. Mais uma vez,
não se deve conceber X como um sujeito, quer dizer, como um substrato previamente estabelecido ao
qual pertence o interesse nas respectivas possibilidades relevantes. Trata-se de conceber X como uma
espécie de lugar, um lugar lógico, e não tanto físico: X é o espaço lógico no qual se desenvolve, mantém
e reproduz a operação de diferenciação acima referida, que é, simultaneamente, o lugar de operações
para o qual destacam-se e existem possibilidades e eventos relevantes. Correspondentemente, o
espaço das possibilidades e eventos em geral também deve ser concebido como uma espécie de lugar
lógico: trata-se de um outro lugar, um lugar diferente, no qual e do qual destacam-se as possibilidades
e eventos relevantes para X.
Cabe enfatizar, por fim, que as duas distinções estão mutuamente implicadas: as operações que
se desenvolvem em X só mantêm a distinção entre o lugar “X” e o lugar “espaço das possibilidades e
eventos em geral” à medida que mantêm a distinção entre o âmbito das possibilidades relevantes para
X e, do outro lado, o restante das possibilidades, o continuum caótico das infinitas possibilidades e
dos infinitos eventos realizadores de possibilidades. Embora X (o lugar de operações) se distinga do
espaço em geral, ele (as operações que nele se realizam) só o faz na medida em que focaliza (observa)
neste espaço o âmbito das suas possibilidades e eventos relevantes, constituindo dessa forma o seu
GT182
meio-ambiente, ou seja, o meio do qual se sustentam as operações de assimilação e uso através das
quais se mantêm sua (de X) individualidade e identidade.
Dando continuidade à apresentação que estamos tentando fazer da conexão teórica entre o
conceito de informação e o conceito de sistema autopoiético, podemos afirmar o seguinte. X é um
sistema autopoiético, que se autoproduz na medida mesmo em que se constitui como situaçãorecepção das novidades ocorridas no seu meio-ambiente, quer dizer, no seu âmbito de possibilidades
e eventos relevantes, o qual se constitui então como situação-fonte. A dinâmica autopoiética de
X envolve dois tipos fundamentais de operações, intimamente relacionados. Em primeiro lugar,
operações de observação, focalização e codificação, que criam o meio-ambiente (situação-fonte) de
X à medida mesmo que elevam os dados difusos do continuum das infinitas possibilidades e eventos
ao patamar de dados operacionalmente utilizáveis no lugar de operações X (situação-recepção). Em
segundo lugar, operações de assimilação e uso, que produzem os elementos e estruturas de que se
compõe X (situação-recepção) à medida mesmo que processam, conectam e organizam os dados
operacionalmente utilizáveis que se apresentam no meio-ambiente (situação-fonte) de X.
Do ponto de vista dessa apresentação, sistemas autopoiéticos podem ser definidos como sistemas
que assimilam e usam as novidades do seu meio-ambiente para produzir os elementos e estruturas de
que se compõem; ora, como esse uso depende por sua vez de operações de focalização e codificação
que se efetuam a partir dos elementos e estruturas do sistema, pode-se afirmar que tais sistemas usam
seus elementos e estruturas para (re)produzir seus elementos e estruturas, mediante assimilação e
uso das novidades que se tornam disponíveis em seu meio a partir das suas próprias operações de
focalização e codificação.
Neste momento da exposição, e sempre de acordo com as sugestões propiciadas pelo quadro
teórico luhmanniano, é importante enfatizar o seguinte tópico. Embora o meio-ambiente (situaçãofonte) seja num certo sentido externo a X, essa exterioridade é intra-sistêmica, ela é estabelecida
e mantida por X, quer dizer, pelas operações que se realizam em X. É nesse sentido que o meioambiente é meio-ambiente de X. O meio é externo ao sistema, mas é intra-sistêmico. Em outras
palavras, a distinção sistema-meio é intra-sistêmica; o sistema é distinção e unidade entre sistema e
meio.
Assim, embora seja verdade que, do ponto de vista do processo informacional, os elementos e
estruturas (re)produzidos em X (situação-recepção) sejam de algum modo dependentes das novidades
ocorridas no meio de X (situação-fonte), a distinção entre situação-recepção e situação-fonte é por
sua vez dependente de atos de observação, focalização e codificação que são realizados em X – nosso
lugar de operações. Mais precisamente, a distinção entre situação-recepção (sistema) e situaçãofonte (meio do sistema) é dependente de operações de observação e focalização que estabelecem a
distinção entre o âmbito das possibilidades e eventos relevantes (meio do sistema) e, do outro lado, o
espaço contínuo das infinitas possibilidades e eventos, que pode ser chamado de espaço meramente
externo, lugar de eventos meramente externos. Assim, tomado como componente fundamental das
GT183
operações autopoiéticas de X, o processo informacional é essencialmente circular. Num primeiro
momento do círculo, é a partir do sistema X que se estabelece a distinção entre o sistema (constituído
como situação-recepção de novidades) e o meio (constituído como situação-fonte de novidades),
através de operações de observação e focalização que estabelecem a distinção entre o âmbito das
possibilidades e eventos relevantes (meio do sistema) e, do outro lado, o contínuo das infinitas
possibilidades e eventos (espaço meramente externo). No segundo momento do círculo, é a partir
do meio, configurado pelo sistema como situação-fonte, que se estabelecem as novidades de que
se sustentam as operações de autoprodução do sistema. Com efeito, as operações de autoprodução
do sistema são, fundamentalmente, operações de assimilação e uso (processamento, conexão e
organização) das novidades ocorridas no meio do sistema.
Partindo deste quadro lógico geral, passemos agora a uma análise da dinâmica autopoiética
específica dos sistemas sociais. Importa antes de tudo destacar que, até o presente momento da
exposição, estivemos identificando “meio de X” e “situação-fonte de X”. No caso dos sistemas
sociais, entretanto, essa identificação pode gerar equívocos. Tais sistemas, com efeito, são sistemas
de comunicação, ou seja, sistemas cujos elementos são eventos comunicativos como cristalizações
das atividades de observação, codificação e assimilação próprias desse tipo de sistema. Ora, o fato de
os sistemas sociais serem sistemas de comunicação implica que, no caso deles, é preciso diferençar
uma situação-fonte estritamente interna ao sistema, que não pode ser identificada ao meio do sistema,
e uma situação-fonte que se caracteriza por aquela exterioridade intra-sistêmica típica do meio do
sistema. A situação-fonte estritamente interna ao sistema é, simplesmente, um dos pólos envolvidos
nos eventos comunicativos constitutivos do sistema social em tela, e um pólo que se caracteriza
pela reversibilidade: nas comunicações constitutivas de um determinado sistema social, a situaçãofonte de uma comunicação pode perfeitamente ser situação-recepção em outra comunicação. Essa
reversibilidade é impossível no caso da situação-fonte como meio do sistema: nesse caso, em nenhum
momento a situação-fonte pode tornar-se situação-recepção (o meio do sistema nunca pode tornar-se
sistema).
Para ilustrar essa questão, recorramos ao exemplo apresentado na seção anterior. Em princípio,
sala dos funcionários e sala do chefe são, simplesmente, pólos em torno dos quais se desenvolvem os
eventos comunicativos constitutivos da identidade e individualidade do sistema social em tela. Como
pólo estritamente interno ao sistema, a sala dos funcionários é situação-fonte de uma comunicação
que tem por situação-recepção a sala do chefe como pólo igualmente interno ao mesmo sistema. E
como pólo estritamente interno ao sistema, a sala dos funcionários pode ser situação-recepção de
uma outra comunicação, que teria por situação-fonte a sala do chefe como outro pólo interno. Em
outras palavras, como pólo estritamente interno ao sistema a sala dos funcionários é uma situaçãofonte definida pela reversibilidade, ou seja, possibilidade de ser situação-recepção em outro evento
comunicativo.
Aplicando os conceitos da teoria da autopoiese, pode-se afirmar que o sistema a que pertencem
GT184
sala dos funcionários e sala do chefe constitui uma unidade que se autoproduz à medida mesmo que
assimila e usa as novidades que ocorrem em seu meio externo (exterioridade intra-sistêmica) para
reproduzir os elementos e estruturas nos quais se cristalizam as atividades comunicativas que lhe são
próprias. Para transformar eventos meramente externos em informações assimiláveis e utilizáveis
na sua auto-(re)produção, o sistema precisa submeter tais eventos às suas operações de focalização
e codificação, que vão ou simplesmente descartar tais eventos como dados informacionalmente
irrelevantes, ou reconfigurá-los segundo o código próprio do sistema, permitindo que este lhes dê um
encaminhamento adequado à sua auto-reprodução.
Tomados como sistemas autopoiéticos, os sistemas sociais são impermeáveis a dados que não
podem ser reconfigurados e encaixados segundo o código próprio do sistema – tais dados tendem a
ser ignorados, descartados como informacionalmente irrelevantes. Isso não exclui a possibilidade
de que o encaixe na autopoiese do sistema equivalha a uma forma de processamento que responde
a certos dados com comunicações meramente mercadológicas, dirigidas exclusivamente à opinião
pública e desvinculadas das comunicações estritamente internas do sistema. Neste caso, tais dados
podem decerto ser utilizados nas operações comunicativas que constituem o sistema, o que significa
que eles podem ser considerados “informações para o sistema” – ainda que se trate de informações
que só serão utilizadas nas comunicações mercadológicas da organização.
Suponhamos que o sistema do nosso exemplo seja estruturado segundo um código econômico
rigidamente técnico, centrado na noção de maximização da produtividade e da eficiência. Poderíamos
imaginar que no ambiente externo ao sistema surja uma comunicação produzida pelo programa de um
partido político voltado para a defesa dos trabalhadores, e veiculada no médium da opinião pública (que
é o médium do sistema da mídia, assim como o dinheiro é o médium do sistema econômico). Diante
deste dado, o sistema em princípio tem duas alternativas: ou descartá-lo como informacionalmente
irrelevante (não focalizá-lo), ou transformá-lo em dado operacionalmente utilizável pelo sistema, ou
informação para o sistema, o que exige que o dado seja reconfigurado segundo o código próprio do
sistema. Neste caso, é razoável conjecturar que a informação seria assimilada e processada no plano
das comunicações meramente mercadológicas, tendo por resultado comunicações do tipo “a empresa
respeita e valoriza seus colaboradores”.
É neste momento da exposição que se pode perceber o sentido e relevância do conceito de
perturbação como meio-termo entre o dado informacionalmente irrelevante e, por outro lado, a
informação como dado operacionalmente utilizável na dinâmica autopoiética dos sistemas sociais.
Retomemos o exemplo da frase “repudiamos esta tarefa e este procedimento da empresa”, gerada
na sala dos funcionários como pólo estritamente interno ao sistema estruturado segundo um código
econômico rigidamente técnico. Dentro deste sistema, e segundo este código, o dado constituído
por essa frase será provavelmente descartado como informacionalmente irrelevante; ele será tratado
praticamente do mesmo modo que a mancha de tinta no envelope do memorando. Outra possibilidade,
ainda inscrita no quadro teórico da autopoiese, é a divisão do sistema em tela em dois subsistemas,
GT185
um técnico e outro político; neste caso, o subsistema político passaria a ser meio do técnico, e
vice-versa. Deste ponto de vista, a frase apareceria no subsistema técnico como dado gerado no
subsistema político. Isto significa que ela poderia ser tomada como informação do meio, informação
em sentido estrito, ou seja, dado operacionalmente utilizável pelo sistema – mas sua assimilação e
processamento exigiriam uma reconfiguração conforme o código específico do subsistema técnico, o
que provavelmente levaria a uma comunicação com a marca “para o ambiente externo”, meramente
mercadológica (do tipo “somos uma comunidade de colaboradores”), desvinculada das comunicações
estritamente internas do subsistema (técnico) e por isso mesmo inofensiva para as mesmas e para o
código que as define.
No quadro lógico-conceitual da teoria da autopoiese, não há lugar para o conceito de perturbação
como meio-termo entre o dado informacionalmente irrelevante e a informação em sentido estrito. Isto
ocorre porque a perturbação assim entendida representa no fundo uma perturbação para o código do
sistema, que aponta para a possibilidade de uma flexibilização relativamente intencional do mesmo,
ao passo que a teoria da autopoiese inclina-se antes para a concepção da rigidez e inflexibilidade do
código que define o sistema; na teoria da autopoiese, alterações no código tendem a ser vistas como
nascimento de outro sistema. Mas o fato de não haver lugar para nosso conceito de perturbação na
teoria da autopoiese não implica que não se possa estabelecer uma relação entre este conceito e a
dinâmica autopoiética dos sistemas sociais. Tudo depende do modo como se entende essa noção de
“dinâmica autopoiética”. Se não usarmos o conceito de autopoiese para descrever a essência dos
sistemas sociais, mas apenas para indicar uma tendência dos mesmos (que não pode ser negligenciada,
como parece ocorrer em Habermas), poderemos usar o conceito de perturbação para indicar um fator
capaz de atenuar esta tendência, um fator capaz de forçar o estabelecimento de comunicações menos
autopoiéticas (ou seja, estruturadas segundo um código inflexível) e mais comunicativas, ou seja,
mais abertas às competências e realizações dos sujeitos racionais, como argumentação, justificação,
discussão, entendimento.
Se usarmos o conceito de autopoiese, não para descrever o que os sistemas sociais “são”, mas o
que eles “tendem a ser”, poderemos unir os conceitos de autopoiese e perturbação (como meio-termo
entre o dado informacionalmente irrelevante e a informação em sentido estrito) no quadro lógico
de uma teoria crítica que interpreta os sistemas sociais como sistemas informacionais de tendência
circular e auto-referente.
GT186
4 REFERÊNCIAS
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www.capurro.de/infoconcept.html
DRETSKE, Fred. 1981. Knowledge and the Flow of Information. Cambridge, MA: MIT Press.
FLORIDI, Luciano. 2005. Semantic Conceptions of Information. Stanford Encyclopedia of
Philosophy. Disponível em http://plato.stanford.edu
HABERMAS, Jürgen. 1976. Que Significa Pragmática Universal? In Teoría de la Acción
Comunicativa: complementos y estudios prévios. Madrid: Cátedra, 1989.
LUHMANN, Niklas. 1984. Social Systems. Tradução de John Bednarz Jr e Dirk Baecker. Stanford:
Stanford University Press, 1995.
LUHMANN, Niklas. 1995. Introdução à Teoria dos Sistemas – Aulas publicadas por Javier Torres
Nafarrate. Tradução de Ana Cristina Arantes Nasser. Petrópolis: Vozes, 2009.
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biológicas da compreensão humana. Tradução de Humberto Mariotti e Lia Diskin. São Paulo: Palas
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Business School Press, p.21-53.
SHANNON, C. e WEAVER, W. 1949. The Mathematical Theory of Communication. Urbana:
University of Illinois Press, 1980.
GT187
COMUNICAÇÃO ORAL
RELAÇÕES OU “SEMELHANÇAS DE FAMÍLIA” EM
CRITÉRIOS UTILIZADOS PARA JULGAMENTO DE
INFORMAÇÕES NA WEB
Márcia Feijão de Figueiredo, Maria Nélida González de Gómez
Resumo: Esse trabalho tem por objetivo apresentar possíveis critérios de julgamento de informações na
web e categorias que os compõem, evidenciando as relações ou ‘semelhanças de família’ apresentadas
na literatura de modo confuso para o pesquisador. Para a realização desse análise, levantou-se na
literatura trabalhos que possuem conceitos e definições da Qualidade da Informação, Autoridade
Cognitiva e Credibilidade dentro da Ciência da Informação e em seguida criou-se quadros descritivos
de categorias para organizar e verificar o seu uso dentro de cada critério. Algumas observações a
respeito de cada critério foram feitos e sugere-se estudos empíricos para confirmar ou confrontar os
trabalhos teóricos utilizados para a realização desse estudo.
Palavras-chave: Qualidade da Informação. Autoridade Cognitiva. Credibilidade. Julgamento da
informação.
1 INTRODUÇÃO
O advento da web como meio para o compartilhamento de informações é recente e, ao mesmo
tempo, o que oferece mais oportunidades e facilidades para acessar informações. Todavia, não dispõe
de recursos que auxiliem na discriminação e seleção das informações disponibilizadas, tal como
ocorre com fontes de informação no meio impresso. Na última década, um volume significativo
de literatura tem como tema os modos de selecionar informações na web, e os critérios utilizados
pelos usuários no julgamento das informações encontradas durante o processo de busca. Porém, tais
critérios são descritos pelos mais diversos conceitos, com cruzamentos de significados e de relações,
sem que possa identificar definições consensuais.
Para reconstruir o que se entende como validade da informação, procedeu-se em realizar um
levantamento mapeando os principais conceitos que lhe são atribuídos, na literatura da Ciência
da Informação. A partir dos trabalhos de autores como RIEH e METZGER, dentre outros, foram
identificadas num primeiro momento três grandes categorias: Qualidade da Informação (em geral
referente ao objeto informacional ou à fonte de informação); Autoridade Cognitiva (a qual remete
a autoria e os contextos de legitimação da informação) e a Credibilidade (que implica na aceitação
de uma informação como válida pelo usuário). Em seguida verificou-se que tais categorias são
apontadas por diferentes autores como tendo relações ou funções semelhantes, assim como podem
GT188
ser igualmente vinculadas a outros termos.
Essa análise é relevante para a compreensão do estado atual da definição e uso de critérios
seletivos, sendo que, ao mesmo tempo em que a questão validade da informação é convertida
em tema de muitos estudos e publicações, a literatura apresenta uma vasta e complexa rede de
significados flutuantes: isto mostraria tanto o caráter contingente dos critérios como as incertezas que
ainda encontramos na busca de informação em ambientes eletrônicos. O principio wittgenstiano da
construção de significados pelos usos, e de sua agregação por semelhanças de família, tem servido
assim de matriz metodológica para a reconstrução da rede de conceitos, usados como critérios de
seleção e aferimento da validade da informação.
Deste modo, a divisão desse trabalho está em apresentar, em um primeiro momento, os critérios
escolhidos para análise através dos conceitos e definições difundidos principalmente na literatura da
Ciência da Informação. Em seguida é demonstrado, por meio de quadros, uma análise exploratória
dos critérios e categorias vinculadas e as “relações ou semelhanças de famílias” que o constituem,
tornando perceptível a estreita e, por vezes, confusa inter-relação entre os conceitos. Finaliza-se essa
análise avaliando esses quadros e qual seria sua finalidade nos julgamentos de informação na web.
Acredita-se que a descrição das relações pode favorecer novos estudos sobre esses critérios,
viabilizando estudos teóricos mais profundos e proporcionado conceitos para o desenvolvimento de
estudos empíricos de informações disponíveis na web. A evidenciação das relações torna possível
a aplicação dos critérios e das categorias em estudos empíricos sobre o julgamento realizado por
usuários. O objetivo neste trabalho foi tornar mais evidente o papel que cada critério possui para
estudar como o usuário pode realizar um processo de validação de informações imagéticas disponíveis
na web, possivelmente desenvolvido em um próximo artigo.
2 CONCEITOS ACERCA DOS CRITÉRIOS DE JULGAMENTO DAS INFORMAÇÕES
2.1 Qualidade da Informação
A Qualidade da informação é um dos critérios mais citados nos estudos empíricos de julgamentos
de informações, de acordo com o trabalho de Rieh e Belkin (1998; 2000). Contudo, seu contexto
de uso é diversificado e não há um consenso do conceito dentro da Ciência da Informação. Para
Paim, Nehmy e Guimarães (1996, p. 112) “a qualidade da informação é considerada uma categoria
multidimensional. Deve-se notar, no entanto, que não há consenso na literatura sobre definições
teóricas e operacionais da qualidade da informação”.
Os pesquisadores utilizam a Qualidade da Informação sem situar de forma clara a definição
ou extensão. O resultado é a ocorrência de interpretações ambíguas ou conflituosas do conceito de
Qualidade da informação (WORMELL, 1990, apud RIEH; BELKIN, 1998, p. 280). Para desenvolver
estudos sobre julgamento preditivo e avaliativo na web, Rieh e Belkin (1998) utilizam o conceito
de Qualidade da informação apresentado no modelo de valor agregado de Taylor (1986) entendido
como uma das categorias de critérios utilizados pelos usuários e detentor de cinco valores: precisão
GT189
(accuracy), abrangência (comprehensiveness), informação corrente/ informação atualizada (currency),
confiabilidade (reliability) e validade (validity).
Os cincos valores apresentados por Taylor, além de outros valores encontrados na literatura,
são chamados por Paim Nehmy e Guimarães (1996, p. 115) de “atributos intrínsecos” em um modelo
multidimensional que desenvolveram, se referindo “aos valores inerentes ao dado, ou ao documento
enfim, à informação. [...] Na verdade, a integridade da noção de Qualidade da informação pressupõe,
necessariamente, a presença do conjunto dos atributos intrínsecos”. As outras classificações de atributos
utilizados no modelo multidimensional com “o objetivo de ressaltar os atributos de responsabilidade
do provedor da informação, evitando o excessivo subjetivismo de definições usuais de qualidade da
informação” (PAIM, NEHMY E GUIMARÃES, 1996, p. 115).
Rieh (2002, p. 146) é a única autora na Ciência da Informação que apresenta dois níveis de
definição para a Qualidade da Informação: no nível conceitual utiliza o argumento de Taylor ao
afirmar que é “um critério do usuário que tem a ver com a excelência ou, em alguns casos a veracidade
da rotulagem” (TAYLOR, 1986, p. 62 apud RIEH, 2002, 146, tradução nossa) e no nível operacional,
compreende que é a extensão do que os usuários pensam da informação, se é útil (useful), excelente
(good), atualizada (current) e precisa (accurate).
Paim, Nehmy e Guimarães (1996, p. 115) descrevem as características da fonte de informação
a partir do caráter contingencial do meio, ou seja, se é eletrônico, impresso, oral ou microforma,
integral ou sintético, se formal ou informal, entendendo que seus atributos se relacionam com a forma
de apresentação do produto. Rieh (2002, p. 146) observa que, no meio impresso, os indicadores de
qualidade se encontram consolidados, como: a reputação das editoras, os processos de arbitragem,
além de opiniões sobre a fonte. Nesse processo de julgamento, as pessoas possuem menos dificuldades
porque acumularam também conhecimentos e experiências com os recursos de informação tradicionais
de qualidade, como é o caso da seleção editorial.
Compreende-se que a Qualidade da Informação se aplica na avaliação da informação enquanto
fonte documental. Seus aspectos enquanto documento podem trazer ao usuário pistas que resultem
em filtros no processo de seleção das fontes de informação encontrada durante a busca, como a
apresentação da página, e, no caso da web, a velocidade de carregamento da página (download) e a
qualidade da resolução das imagens.
2.2 Autoridade Cognitiva
O conhecimento adquirido pelo homem ocorre de duas maneiras: através da experiência em
primeira mão, ou seja, o que as pessoas adquirem através de um estoque de idéias adquirido sozinho,
levando-a a interpretar e compreender o mundo e; em grande parte, o conhecimento que se adquire
através das idéias e informações fornecidas por outras pessoas, o que Wilson (1983) denomina
GT190
“conhecimento de segunda mão”17. Patrick Wilson (1983) introduz o conceito de “Autoridade
Cognitiva” para explicar esse tipo de conhecimento adquirido através de uma autoridade que influencia
pensamentos e que as pessoas conscientemente reconhecem como apropriado (RIEH, 2003).
Wilson (1983, p.13) utiliza o termo Autoridade cognitiva para o fenômeno que aborda, apesar
de “autoridade epistêmica” (epistemic authority) ser, em seu entendimento, uma alternativa melhor. A
Autoridade cognitiva difere da Autoridade Administrativa (administrative authority), que é a pessoa
que se encontra em posição de dizer a outros o que fazer, um direito reconhecido de comandar,
dentro de certos limites prescritos. Wilson (1983, p. 18 apud SAVOLAINEN, 2007) observa que a
Autoridade cognitiva não é valorizada apenas pelo seu estoque de conhecimentos (respostas para
perguntas fechadas), mas também pelas suas opiniões (perguntas abertas).
As Autoridades cognitivas não se limitam ao domínio da produção científica, mas se estendem
a todo tipo de área: moral, religiosa, política, estética, técnica, filosófica, e em áreas que possuam
questões abertas indefinidamente. (WILSON, 1983, p. 18). Assim, nos apresenta algumas pontuações
sobre a Autoridade cognitiva:
a. Autoridade cognitiva requer um relacionamento que envolve pelo menos duas pessoas; a
autoridade de alguém é reconhecida por aquele individuo, o constitui num especialista, embora outra
pessoa possa não reconhecê-lo como tal; é logo uma atribuição social de competência;
b. Autoridade cognitiva é uma questão de formação (degree), podendo-se ter muita ou pouca
sobre o assunto;
c. Autoridade cognitiva é relativa à esfera de interesse e experiência de um indivíduo, em
algumas questões pode-se falar como autoridade, enquanto que em outras situações pode não ter
autoridade nenhuma;
d. Autoridade cognitiva implica o exercício de um tipo de influência, que não está relacionada
a autoridade administrativa ;
e. Autoridades cognitivas são aquelas consideradas fontes credíveis de informação. (WILSON,
1983, p. 13-15).
Com relação às fontes de informação, Wilson (1983, p. 166) afirma que a base para o
reconhecimento de uma autoridade cognitiva é o autor. Rieh (2003) apresenta algumas considerações
sobre o reconhecimento de autoridade através de testes externos:
a) A Autoridade cognitiva está relacionada ao reconhecimento da autoria, onde o texto é
confiável se o indivíduo ou grupo de indivíduos que o produziram são confiáveis18;
17 Para algumas linhas de pensamento, em todo conhecimento novo se parte de um conhecimento previamente existente, de modo que
não se poderia diferenciar tão claramente um “conhecimento de segunda mão”.
18 ������������������������������������������������������������������������������������������������������������������������������������
“We can trust a text if it is the work of an individual or group of individuals whom we can trust”. […]The second consideration is
that cognitive authority can be associated with a publisher: a publishing house, a single journal, publication sponsorship, and published
reviews, all can acquire this
authority. The third consideration is found in document type. For example, a standard dictionary has authority in its own right; people
do not concern themselves about the names of compilers in reference books. The fourth and final consideration is the recognition of a
text’s contents as plausible or implausible and bestows or withholds authority accordingly. (RIEH, 2003);
GT191
b) a Autoridade cognitiva pode estar associada, também, ao editor (publisher): editoras
(publishing house), um periódico singular, publicações patrocinadas (publication sponsorship) e
publicações que possuem revisão realizada por pares possuem e transmitem autoridade;
c) um determinado tipo de documento pode impor Autoridade cognitiva. Por exemplo, um
dicionário renomado para as pessoas é mais importante do que os compiladores da obra;
d) o reconhecimento do conteúdo de um texto como plausível ou não.
O uso das redes e das Tecnologias de Comunicação e Informação (TIC’s) no meio científico
demonstra a interdependência entre os produtores de conhecimento, que aceitam e reconhecem os
estudos desenvolvidos em outras disciplinas como fontes de consulta, e entendem que especialistas
não conseguiriam produzir sozinhos todo o conhecimento requerido numa pesquisa. Para Pierre Levy
(1999, p. 135) “o pensamento se dá em uma rede na qual neurônios, módulos cognitivos, humanos,
instituições de ensino, línguas, sistemas de escrita, livros e computadores se interconectam” e o
resultado são as novas formas de produção do conhecimento. Gonzalez de Gómez (2007) propõe
reformular o conceito Autoridade Cognitiva, que estaria assentada em contextos centralizados de
autorização, e não se aplicaria adequadamente a produção de conhecimentos em redes colaborativas,
ou a empreendimentos transdisciplinares e intertemáticos, onde as questões e os julgamentos de
validade requerem o julgamento participativo de mais de um especialista e modos de saber.
[...] autoridade epistêmica distribuída - não só entre diversos especialistas e áreas do
conhecimento científico, mas também entre diversos atores econômicos e socioculturais,
implicados nas novas configurações relacionais de conhecimento e ação (GONZALEZ DE
GÓMEZ, 2007, grifo da autora).
A Autoridade cognitiva como um critério para julgamento de informações é, como a Qualidade
da informação, amplamente citado tanto em estudos empíricos como nas revisões de literatura. A
sua contribuição estaria em avaliar a fonte enquanto origem, verificando os tipos de autoria e suas
afiliações, e reconhecendo também as colaborações desenvolvidas em rede, por diferentes atores e
autores, “autoridade epistêmica distribuída”.
De fato, um dos critérios de avaliação da autoridade cognitiva é o conhecimento prévio que o
usuário já possui sobre o assunto investigado.
2.3 Credibilidade
A Credibilidade na literatura científica começou a ser estudada na década de 50, principalmente
nas áreas de psicologia e comunicação. Os estudiosos concordam que a Credibilidade é uma qualidade
percebida que não se encontra no objeto ou na pessoa: o que deve se discutir é a percepção humana
de avaliar a credibilidade de um objeto. Existem diversas dimensões que contribuem para a avaliação
da Credibilidade, mas a grande maioria identifica a confiabilidade (trustworthiness) e a perícia
(expertise) como essenciais. O uso conjunto desses dois conceitos permite avaliar tanto a idoneidade
GT192
como a experiência, permitindo uma avaliação global (TSENG; FOGG, 1999, p. 40, grifo nosso).
Metzger (2007, p. 2078), além de reconhecer as perícia e a confiabilidade como as principais
dimensões da Credibilidade, observa que dimensões secundárias afetam a percepção, como é o caso
da atratividade da fonte (source attractiveness) e o dinamismo (dynamism), todos como parte do
julgamento baseado no receptor.
Tseng e Fogg (1999) observaram que na literatura se utilizam duas palavras em inglês que,
em boa parte dos casos encontrados na pesquisa, são sinônimas quanto a seu significado e diferentes
do idioma: credibilidade (credibility) e credibilidade (believability). “Pessoas credíveis (credible)
são pessoas credíveis (believable) e informação credível é informação crível (believable)”. Porém,
ressaltam que a definição de Credibilidade foi originada do termo believability.
O conceito de Credibilidade tem aplicação em diversas disciplinas, como a Ciência da
Informação, comunicação, psicologia, sociologia, marketing, ciências da saúde e administração, além
das abordagens interdisciplinares, como os estudos de interação entre o homem e o computador
(human-computer interaction – HCI) (WALTHEN, BURKELL, 2002, p. 135; RIEH, DANIELSON,
2007, p. 1). Rieh e Danielson (2007, p. 11-22) propõem o uso a Credibilidade em estudos que o
relaciona as áreas de busca e recuperação da informação, comportamento do consumidor, ciências
da saúde, e avaliação de recursos da web. Tseng e Fogg (1999, p. 41-43) especificam os tipos de
Credibilidade, e uma avaliação global pode incluir todos os tipos simultaneamente:
Credibilidade Presumida (Presumed credibility). Descreve o quanto um observador acredita em
alguém ou algo por causa de pressupostos gerais de sua mente. Suposições e estereótipos contribuem
para a percepção da Credibilidade. Ex.: As pessoas assumem que seus amigos falam a verdade, então
vêem seus amigos como credíveis (credible), e o oposto é a visão negativa que existe dos vendedores
de automóveis.
Credibilidade Reputada (Reputed credibility). Descreve o quanto o observador acredita que
alguém ou alguma coisa por causa do que terceiros relataram. Ex.: prêmios de prestígio (como o
Prêmio Nobel), ou títulos oficiais (como Doutor ou Professor) concedidos por terceiros, tendem a
tornar as pessoas que os receberam mais credíveis.
Credibilidade da Superfície (Surface credibility). Descreve o quanto um observador acredita
que alguém ou algo baseado em uma simples inspeção, como o julgamento de um livro pela capa.
Ex.: uma página da web pode aparentar Credibilidade por causa de seu projeto visual.
Credibilidade Experimentada (Experienced credibility). Refere-se a quanto uma pessoa acredita
em alguém ou algo baseado em sua experiência em primeira mão. Interagindo com as pessoas ao
longo do tempo, podemos avaliar sua competência (expertise) e confiabilidade (trustworthiness). Ex.:
advogados tributaristas que se provam justos e competentes com o tempo ganham a percepção de seus
clientes de que possuem Credibilidade.
Rieh e Danielson (2007, p. 307-308, tradução nossa, com grifo do autor) conseguem sintetizar
os estudos na Ciência da Informação e sua relação com a Credibilidade:
GT193
Dentro da Ciência da Informação, o foco é na avaliação da informação, tipicamente instanciado
em documentos e demonstrações. Aqui, a credibilidade tem sido visto principalmente como
um critério relevante para julgamento (Barry, 1994; Bateman, 1999; Cool, Belkin, Frieder,
& Kantor, 1993; Park, 1993; Schamber, 1991; Wang & Soergel, 1998), com pesquisadores
focando como as pessoas que buscam informações avaliam um provável nível de qualidade
de um documento. (Liu, 2004; Rieh, 2002; Rieh & Belkin, 1998).
Rieh e Danielson (2007, p. 22), ao abordar a avaliação da Credibilidade na web observaram
que, em diversas vezes o objeto avaliado não está definido na literatura, e se torna incompreensível
o tipo de avaliação realizada. Para os autores, a avaliação de credibilidade na web se divide em três
tipos: a avaliação da web enquanto mídia, a avaliação de web sites, ou páginas na web; e avaliação da
informação na web. Essa divisão encontra confirmação de alguns trabalhos na literatura, e abaixo segue
a definição de Rieh e Danielson (2007, p. 22-24) de cada tipo de avaliação, seguido de observações
feitas por outros autores.
Avaliação da web: avalia a web enquanto mídia, equiparando-a a outros meios, como televisão
e periódicos e verificando se os participantes dos estudos de Credibilidade a percebem como
uma fornecedora de recursos credíveis de informação. Algumas observações sobre esse tipo de
avaliação foram feitas durante o levantamento: a) os usuários mais experientes com a web são mais
propensos a verificar a Credibilidade da informação (FLANAGIN, METZGER, 2000; GRAHAM,
METAXAS, 2003); b) as percepções das pessoas variam conforme o tipo de informação que buscam
e o contexto na qual será utilizada (notícia, entretenimento, comercial). (FLANAGIN; METZGER,
2000).
Avaliação de web sites: tipo de avaliação mais utilizada em pesquisas, o site é visto como a fonte
de informação disponibilizada na web. Fallis e Frické (2002, p.75) são alguns dos autores que abordam
a avaliação desse tipo de fonte. Eles publicaram um artigo sobre indicadores de precisão (accuracy)
para consumidores das informações em saúde na Internet e, para essa avaliação, levantaram algumas
categorias que agrupavam esses indicadores de Credibilidade em sua pesquisa: domínio comercial
(.com, .org, .edu); atualização de dados e da página; HONcode (site que certifica as páginas sobre
saúde que voluntariamente aderem ao Health On the Net Foudation’s Code of Conduct); espaço de
publicidade; autor reconhecido; erros ortográficos; uso de pontos de exclamação; citação de literatura
médica; e se há uso elevado de in-links.
Avaliação da informação na web: avaliação individualizada informação na web. A questão
levantada nesse item é se as pessoas podem confiar naquilo que encontraram em suas buscas,
pressupondo que o nível de Qualidade das informações pode variar até mesmo dentro de um web
site. No mesmo texto, os autores apontam duas abordagens possíveis dessa questão: a primeira seria
identificar algumas diretrizes acerca dos critérios que poderiam influenciar as percepções dos usuários
sobre a Qualidade das informações que obtêm; a segunda, tratar de compreender as avaliações dos
usuários através de suas próprias declarações, conforme for desenvolvida por esses autores, em 2000.
(RIEH; DANIELSON, 2007, p. 26).
GT194
As avaliações utilizando a Credibilidade como critério se aplicam a qualquer mídia, pois divide-se
em mídia (web), a fonte (websites) e a informação. Acredita-se que a credibilidade é um critério que não
se baseia na fonte, enquanto documento ou autoria, mas nos conhecimentos do usuário que os avaliam.
3 ANÁLISE DOS CRITÉRIOS E DIMENSÕES COM “RELAÇÕES OU SEMELHANÇAS
DE FAMÍLIA”
A literatura científica que estuda o uso de critérios para avaliar informações na web identifica,
além da Qualidade da informação, Autoridade cognitiva e Credibilidade, categorias que se encontram
dentro de cada critério e, por diversas vezes, de forma simultânea em mais de um critério, tendo por
função descrever as facetas apresentadas durante o julgamento. Um conceito que pode explicar a relação
entre os critérios e as categorizações levantadas é o que Wittgenstein chama de semelhanças de família.
Semelhanças de família (Familienänhlichkeiten) (I. F. 67, 77, 108) são, assim, as semelhanças
entre aspectos pertencentes aos diversos elementos que estão sendo comparados, mas de
tal forma que os aspectos semelhantes se distribuem ao acaso por esses elementos. [...]
A semelhança não envolve uma propriedade comum invariável. Ao dizer que alguma
coisa possui semelhanças de família com outra, não se está de forma alguma postulando a
identidade entre ambas, mas apenas a identidade entre alguns aspectos de ambas (CONDÉ,
2004, p. 53-54).
Para dar visibilidade as relações ou “semelhanças de família” estabelecidas entre essas três
categorias-âncora, segue abaixo um quadro que apresenta os critérios com as categorias utilizadas por
diferentes autores. Num segundo momento, listou-se esses conceitos qualificadores das categorias e
seus autores, para cada uma dos critérios principais. Diversos autores e trabalhos não foram inseridos
nesse trabalho por dois motivos: apenas citaram a dimensão relacionada ao critério sem, no entanto,
utilizar alguma definição; não foram utilizadas expressões ou descrições que fossem pertinentes a esta
pesquisa ou se prestaram a alguma confusão.
Principais
Qualidade da Informação
categorizações
Qualidade da
Informação
Autoridade Cognitiva
Autoridade
Cognitiva
Metzger (2007)
Credibilidade
Tseng e Fogg (1999);
Savolainen (2007)
Metzger (2007);
Paim, Nehmy e Guimarães (1996);
Rieh (2002)
Credibilidade
Rieh (2002)
Precisão
(accuracy)
Paim, Nehmy e Guimarães
(1996);
Taylor (1986 apud RIEH,
BELKIN, 1998);
Rieh (2002)
GT195
Metzger (2007)
Abrangência
(comprehensiveness)
Paim, Nehmy e Guimarães
(1996);
Taylor (1986 apud RIEH,
BELKIN, 1998)
Atualidade
(currency)
Paim, Nehmy e Guimarães
(1996)
Taylor (1986 apud RIEH,
BELKIN, 1998)
Rieh (2002)
Paim, Nehmy e Guimarães
Confiabilidade
(trustworhiness/
(1996);
reliability)
Rieh, Belkin
(2000);
Taylor (1986 apud RIEH,
1
BELKIN, 1998)
Metzger (2007);
Rieh (2002);
Savolainen (2007);
Savolainen
Hilligoss, Rieh
(2007)
Validade
(validity)
Tseng e Fogg (1999);
(2007)
Paim, Nehmy e Guimarães
(1996);
Taylor (1986 apud RIEH,
BELKIN, 1998)
Relevância
(relevance)
Paim, Nehmy e Guimarães
Taylor (1986
apud RIEH, BELKIN,
(1996);
Taylor (1986 apud RIEH,
Excelência
BELKIN, 1998)
Marchand (1990 (apud PAIM,
(goodness)
NEHMY E GUIMARÃES, 1996);
Rieh e Belkin (1998)
1998)
Taylor (1986
apud RIEH, BELKIN,
1998)
Rieh (2002)
Quadro 1 – termos com “relação de família ou semelhanças”
3.1 Qualidade da Informação
Dimensões como validade, confiabilidade, precisão, completeza, novidade, pertinência,
atualidade, significado através do tempo, abrangência, as quais mantêm entre si uma estreita
interrelação. Por exemplo, para que a informação tenha valor real, ela deve também ser
válida, confiável, precisa, etc. [...] Deve-se notar que a relação entre os diferentes atributos
intrínsecos da qualidade da informação é extremamente forte, dificultando o estabelecimento
de fronteiras entre um e outro, como, por exemplo, entre os atributos precisão e a validade,
que têm significados muito próximos. Na verdade, a integridade da noção de qualidade da
GT196
informação pressupõe necessariamente a presença do conjunto dos atributos intrínsecos.
(PAIM; NEHMY; GUIMARÃES, 1996, p. 116).
Categorias
Autoridade Cognitiva
Descrição e autoria
Relacionado com a confiabilidade, a idéia de autoridade cognitiva
remete a “prestígio, respeito, reputação da fonte, autor ou instituição”.
Paim, Nehmy e Guimarães (1996)
É um dos componentes do controle de qualidade na recuperação da
informação. Rieh (2002)
Precisão (accuracy)
A precisão tem o sentido aproximado de exatidão, correção, o que
nos remete à ‘forma de registro fiel ao fato representado’. Paim,
Nehmy e Guimarães (1996)
O valor agregado pelo sistema de processos que asseguram a
transferência de dados e informações serem livre de erros. Taylor
(1986, apud RIEH; BELKIN, 1998)
Se a informação no documento é precisa (accurate). Rieh (2002)
A b r a n g ê n c i a A abrangência diz respeito ao volume de dados necessários para que
(comprehensiveness)
a informação se torne eficaz, nem muito, nem pouco. Paim, Nehmy
e Guimarães (1996)
O valor agregado pela integralidade (completeness) da cobertura de
um determinado assunto ou disciplina (química, por exemplo) ou de
uma forma particular de informação (patentes, por exemplo). Taylor
(1986, apud RIEH; BELKIN, 1998)
Atualidade (currency)
A atualidade implica consonância com o ritmo de produção da
informação, ou seja, opõe-se à obsolescência. Paim, Nehmy e
Guimarães (1996)
O valor agregado: (a) pela atualidade (recency) dos dados adquiridos
pelo sistema, e (b) pela capacidade do sistema (capability of system)
em refletir os modos correntes de pensamento em seus acessos aos
vocabulários. Taylor (1986, apud RIEH; BELKIN, 1998)
Se o documento está atualizado (up-to-date). Rieh (2002)
GT197
C o n f i a b i l i d a d e A confiabilidade significa credibilidade no conteúdo e na fonte da
(trustworhiness/reliability) informação. Paim, Nehmy e Guimarães (1996)
Reliability - A confiança (trust) que um usuário possui na consistência
da qualidade do sistema (quality of the system) e dos seus resultados
ao longo do tempo. Taylor (1986, apud RIEH; BELKIN, 1998)
Validade (validity)
Embora a literatura não registre definição satisfatória, pode-se
afirmar que o conceito validade pressupõe integridade da fonte de
informação e forma de registro fiel ao fato que representa. Paim,
Nehmy e Guimarães (1996)
Até que ponto os dados ou informações apresentadas aos usuários
são julgados como válido. Taylor (1986, apud RIEH; BELKIN,
1998)
Relevância (relevance)
Próximo à eficácia, o atributo relevância significa para Saracevic
(1970, p. 112)... “medida do contato eficaz entre uma fonte e um
destinatário”. Paim, Nehmy e Guimarães (1996)
As facetas de qualidade também são consideradas consistentes para
os estudos de usuários sobre critérios de relevância (user relevance
criteria). Rieh, Belkin (1998)
Julgamento na qual as pessoas tomam a decisão de aceitar ou rejeitar
itens específicos se baseando no item ser relevante ou não. Rieh
(2002)
Excelência (goodness)
A qualidade, considerada sob a ótica transcendente, implica
o reconhecimento do valor da informação como absoluto e
universalmente aceitável. Qualidade nesse sentido aproxima-se
da idéia de excelência, é extra-temporal e permanente, mantendose, portanto com as mesmas características através dos tempos e
nos diversos lugares, apesar das mudanças de gostos e estilos.
(MARCHAND, 1990 apud PAIM, NEHMY E GUIMARÃES,
1996)
Em geral, pessoas reconhecem qualidade e autoridade em publicações
impressas porque foram acumulados padrões para publicações que
julgam ter excelência (goodness) para a informação. Rieh, Belkin
(1998)
Uma das facetas primárias da qualidade da informação. Seu uso
aparece quando uma informação sobressai ou é superior. Rieh (2002)
Quadro 2 – conceitos de “Qualidade da Informação” e relação com categorias
Fonte: O autor.
GT198
3.2 Autoridade cognitiva
Categorias
Descrição e autoria
Qualidade da Informação
Julgamento objetivo que faz parte dos julgamentos baseados
no receptor sobre a credibilidade de uma fonte ou mensagem.
Metzger (2007)
Credibilidade
Uma das seis facetas de autoridade cognitiva. Rieh (2002)
C o n f i a b i l i d a d e Reliability – componente principal da noção de credibilidade.
(trustworthiness/reliability) Rieh, Belkin (2000)
Uma das facetas da autoridade cognitiva. Rieh (2002)
Os dois conceitos são facetas da autoridade cognitiva, e a
confiabilidade (trustworthiness) foi percebida como uma faceta
primária. Savolainen (2007)
Relevância (relevance)
A autoridade cognitiva se encontra dentro do julgamento dos
critérios de relevância. Rieh, Belkin (1998)
Excelência (goodness)
Pessoas reconhecem a qualidade e autoridade em publicações
impressas porque foram acumulados padrões para publicações
que julgam ter excelência (goodness) para a informação. Rieh,
Belkin (1998)
Quadro 3 – conceitos de “Autoridade Cognitiva” e relação com categorias
Fonte: O autor.
3.3 Credibilidade
Categorias
Descrição e autoria
Qualidade da Informação
A credibilidade é uma qualidade percebida que não reside em
um objeto, uma pessoa ou um pedaço de informação. Tseng e
Fogg (1999)
Autoridade Cognitiva
Credenciais, qualificações a afiliações do autor, se o site é
recomendado por uma fonte confiável. Metzger (2007)
O conceito de autoridade cognitiva e credibilidade da mídia são
similares, sendo o primeiro utilizado em pesquisas da Ciência
da Informação e o segundo nos estudos da comunicação.
Savolainen (2007)
GT199
Precisão (accuracy)
O nível em que o site é isento de erros, se a informação pode
ser verificada on line, e a confiabilidade das informações no
site. Metzger (2007)
Atualidade (currency)
A informação é atualizada (up-to-date) Metzger (2007)
C o n f i a b i l i d a d e Trustworthiness: é definido como bem intencionado,
(trustworthiness/reliability)
verdadeiro e imparcial. A dimensão confiabilidade da
credibilidade captura a excelência percebida ou a moralidade
da fonte. Tseng e Fogg (1999)
Trustworthiness: dimensão primária
credibilidade. Metzger (2007)
do
conceito
de
A confiabilidade (trustworthiness) da fonte afeta
significantemente a aceitação da mensagem em pesquisa de
opinião. Savolainen (2007)
Trustworthiness: elemento chave para avaliação da
credibilidade. A informação é confiável (trustworthy) quando
aparenta ser fidedigna (reliable), imparcial (unbiased) e justa
(fair). Hilligoss e Rieh (2007)
Quadro 5 – conceitos de “Credibilidade” e relação com categorias
Fonte: O autor.
3.4 Resultados e discussões
A Qualidade da informação foi o critério que apresentou maior número de relações com as categorias
apresentadas na literatura (oito), enquanto que a Autoridade cognitiva e a Credibilidade se mantiveram
com cinco relações cada. Os autores que mais apresentam definições para as relações descritas foram Rieh
e Belkin (1998) com nove relações e Rieh (2002) com sete, nos critérios de Qualidade da informação e
Autoridade cognitiva. Nehmy, Paim e Guimarães (1996) apresentaram, dentro de Qualidade da informação,
sete relações definidas com as categorias. Metzger (2007) apresentou cinco relações, Savolainen (2007)
três, Tseng e Fogg (1999) duas e Hiligoss e Rieh (2007) uma relação. Pesquisas que não tinham como
critério principal as categorias citadas não foram incluídas em nossos estudos.
Diversas categorias conceituadas por autores e que fazem parte da Qualidade da Informação
propõem julgamentos que se remetem ao próprio documento: a Autoridade Cognitiva teria o autor
como faceta confiável de qualidade; a precisão remete “forma de registro fiel ao fato representado”,
conceito quase igual ao utilizado pelos autores para a validade (PAIM, NEHMY E GUIMARÃES,
GT1100
1996, p. 116). Rieh (2002) utiliza o termo diretamente com a palavra documento duas vezes, para
precisão e atualidade.
O termo que se sobressai no quadro que analisa a Autoridade Cognitiva é a confiabilidade:
enquanto tradução de Reliability, a confiabilidade é compreendida por Rieh e Belkin (2000) por
componente principal de uma autoridade; a tradução de Trustworthiness é percebida por Metzger
(2007) por faceta primária. A confiança na autoridade cognitiva pode ser o princípio para a aceitação
de alguém sobre o conhecimento adquirido em segunda mão.
Tseng e Fogg (1999) ressaltam que a Credibilidade não reside no documento ou autor, mas na
percepção. Metzger (2007) complementa essa afirmação ao indicar que a Credibilidade é recomendada
por uma fonte confiável, aonde se entende que seja uma terceira pessoa. Se a Credibilidade é uma
percepção que reside no homem, o conhecimento de um domínio pode se apresentar como fator de
julgamento que atribui a credibilidade a algo ou alguém.
Sobre as relações existentes entre as categorias e os critérios, alguns termos têm um caráter
genérico, podendo preceder ou incluir algumas das outras categorias, como é o caso da validade e da
relevância. Observou-se que os três conceitos escolhidos, que é a Qualidade da informação, Autoridade
cognitiva e a Credibilidade, são considerados em alguns trabalhos sub-categorias de outros critérios.
Por exemplo, a Credibilidade é considerada uma importante característica da Autoridade cognitiva
(WILSON, 1983, p. 15).
Outra observação diz respeito à relação igualitária estabelecida entre os critérios Credibilidade
e Autoridade cognitiva nos estudos de Savolainen (2007). Essa abordagem não permite que um
critério seja soberano sobre outro a ponto de se tornar uma dimensão. Os dois critérios são fatores que
determinam a seleção e utilização das fontes de informação. São conceitos intimamente relacionados
que se torna difícil dissociar de maneira inequívoca. (SAVOLAINEN, 2007).
4 CONCLUSÕES
Os trabalhos utilizados nos quadros não aplicaram o uso dos critérios em pesquisas empíricas
de uma determinada área de conhecimento, com exceção de Savolainen (2007) que aborda a
credibilidade da informação ambiental nos meios de comunicação, incluindo a web. A preocupação de
alguns autores consistiu em conceituar e delimitar o uso dos critérios, criando um quadro conceitual
próprio, como Nehmy, Paim e Guimarães (1996) para a qualidade da informação, Wilson (1983) em
autoridade cognitiva e Rieh e Danielson (2007) para a credibilidade.
Observou-se durante o levantamento dos critérios e categorias que a Qualidade da Informação
é o critério que permite o julgamento da informação enquanto fonte documental, a Autoridade
Cognitiva seria critério para julgar informações se baseando na autoria e a Credibilidade utilizaria
os conhecimentos do usuário como modo de realizar o julgamento das informações encontradas
na web. Algumas categorias, como se observou, apresentam indícios que podem confirmar esse
entendimento.
GT1101
A confirmação desses pressupostos teóricos poderia ocorrer através de estudos empíricos
com pesquisadores que possuem a web como meio para a busca de informações. Esses estudos
também trariam dados sobre o uso de critérios para julgamento de informações no Brasil, e como os
pesquisadores utilizam a web como ferramenta de busca durante o desenvolvimento de suas pesquisas.
Abstract: This paper aims to present possible criteria for judging information on the web and its
categories, showing the relationship or ‘family resemblances’ presented in the literature that confuses
researchers. To perform this analysis It has been arosen in the literature that have concepts and
definitions of information quality, cognitive authority and credibility within the Information Science
and then created storyboards in order to organize categories and verify its use within each criteria.
Some comments on each criteria were made and it is suggested empirical studies to confirm or
confront the theoretical work used for this study.
Keywords: Information Quality. Cognitive Authority. Credibility. Information Judgments.
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Notes
1. O conceito de confiabilidade, em inglês, possui duas traduções distintas: Trustworhiness e
Reliability. Savolainen (2007) cita as duas terminologias separadamente no trabalho, vinculando
tanto a Autoridade cognitiva como a Credibilidade na avaliação das fontes de informação.
GT1103
COMUNICAÇÃO ORAL
A INTERDISCIPLINARIDADE NA CIÊNCIA DA
INFORMAÇÃO: ESTRATÉGIAS DO DISCURSO
CONTEMPORÂNEO INTEGRADOR
Edivanio Duarte de Souza, Eduardo José Wense Dias
Esta “cobertura” lógica de regiões heterogêneas do real é um fenômeno bem mais maciço
e sistemático para que possamos ver aí uma simples impostura construída na sua totalidade
por algum Príncipe mistificador: tudo se passa como se, face a essa falsa-aparência de
um real natural-social-histórico homogêneo coberto por uma rede de proposições lógicas,
nenhuma pessoa tivesse o poder de escapar totalmente, mesmo, e talvez sobretudo, aqueles
que acreditam “não-simplórios”: como se esta adesão de conjunto devesse, por imperiosas
razões, vir a se realizar de um modo ou de outro (PÊCHEUX, 1990, p. 32).
Resumo: A epistemologia interdisciplinar vem sendo reconhecida como um dos principais
fundamentos da Ciência da Informação, tomando como referência, pelo menos, dois elementos
que apontam para a constituição de um campo epistemológico interdisciplinar: a complexidade do
objeto de estudo e a multiplicidade de formações que caracterizam sua comunidade científica. Com
efeito, essas constatações têm por base pontos estabilizados, desconsiderando o processo discursivo,
que abarca suas condições de produção. Procura compreender o funcionamento do discurso da
interdisciplinaridade na Ciência da Informação a partir da perspectiva da Análise do Discurso da
escola francesa fundada por M. Pêcheux. Para tanto, foram analisados artigos da produção científica
brasileira que discutem a integração disciplinar. A seleção dos artigos foi realizada com base em
fase anterior da pesquisa, que buscou a delimitação do espaço em que se inscrevem a construção do
objeto e do processo discursivos. O discurso da interdisciplinaridade na Ciência da Informação é
permeado por mais de uma formação discursiva, mas se encontra ancorado no discurso dominante,
que tem como vetor as determinações do modo de desenvolvimento informacional. Esse discurso
é permeado de estratégias naturalizantes e generalizantes, que mascaram seu posicionamento
ideológico. O pluralismo constitutivo do campo informacional promove a fragilidade no processo de
integração disciplinar, que se traduz em dificuldade na constituição da identidade e na consolidação
epistemológica da Ciência da Informação.
Palavras-chave: Ciência da Informação. Discurso da Interdisciplinaridade. Epistemologia da Ciência
da Informação. Epistemologia Interdisciplinar.
1 INTRODUÇÃO
GT1104
A Ciência da Informação apresenta a epistemologia interdisciplinar como um dos seus
principais pressupostos de origem, desenvolvimento e consolidação epistemológica. Se por um
lado a interdisciplinaridade é tomada como pressuposto, por outro, esse campo de conhecimento
ainda não dispõe de estudos e pesquisas que caracterizem, evidenciem e fundamentem as práticas
interdisciplinares realizadas no seu interior. Além disso, quando desenvolvidos, grande parte deles
adotam como procedimentos a construção de indicadores bibliométricos, visando a apresentar o
desenho epistemológico a partir de temáticas que se constituem em objeto de estudos de diversas
áreas do conhecimento, tais como Administração, Biblioteconomia, Documentação, Ciência da
Computação, Comunicação, Linguística, entre outras. Nos últimos anos, alguns autores, a exemplo
de Saracevic (1999, 2009) e White e McCain (1998), vêm apontando a existência de preocupação
centrada nas inter-relações com outras áreas do conhecimento e a dificuldade de integração dos
elementos internos que a compõem.
Torna-se cada vez mais evidente a necessidade de pesquisas que procurem, ao mesmo
tempo, dedicar-se à compreensão da integração disciplinar externa e interna, numa perspectiva
de construção da autonomia do campo científico. A rigor, a dinâmica da integração disciplinar em
direção à construção de sua autonomia se dá a partir das relações estabelecidas entre seus elementos
constituintes e outros campos de conhecimento com os quais mantêm relações disciplinares, sejam
elas multi, pluri, inter ou transdisciplinares. A interdisciplinaridade, que corresponde atualmente ao
ponto máximo da integração disciplinar, desenvolve-se numa dinâmica de movimentos convergentes
de forças centrípetas e centrífugas, promovendo, a um só tempo, a definição de identidade disciplinar
e a participação ativa no movimento amplo de integração do conhecimento.
Assim, faz-se necessário compreender a base desse pressuposto interdisciplinar da Ciência da
Informação com vista ao entendimento das implicações deste nos processos de constituição e de
consolidação epistemológicas. O fato é que a proposta de desenho do campo da Ciência da Informação
negligencia alguns elementos que permitem ir além da constatação do compartilhamento de temáticas
com outras áreas do conhecimento. Trata-se de olhar para as construções interdisciplinares a partir
da ótica formal, considerando suas condições de produção sócio-histórica. O conhecimento da
formalização da integração disciplinar, no interior da Ciência da Informação, possibilita o entendimento
das implicações da epistemologia interdisciplinar que vem sendo nela desenvolvida.
A prática científica é essencialmente uma prática social e, em sentido amplo, é condicionada
pelo modo de produção capitalista e pelo modelo de desenvolvimento informacional vigentes. A
Ciência da Informação, portanto, apresenta como condição ampla de origem e de desenvolvimento
as determinações sociais, políticas, econômicas e, em última instância, histórico-ideológicas dessa
estrutura capitalista. No que se refere às condições restritas de produção da interdisciplinaridade,
é indispensável considerar o modelo de desenvolvimento científico contemporâneo, que tem como
principais características o reconhecimento da complexidade da natureza, da relação sujeito-objeto
e da insuficiência do modelo de analiticidade desenvolvido sob a égide da ciência moderna. Além
GT1105
disso, é imprescindível compreender os elementos que fazem parte da formação do campo científico
da Ciência da Informação no mundo e no Brasil. A revolução informacional ocorrida a partir de fins
da primeira metade do século XX se constitui, portanto, no contexto e ponto de partida dos elementos
amplos e restritos que integram as condições de produção da interdisciplinaridade na Ciência da
Informação.
A Análise do Discurso francesa de Pêcheux permite que se alcancem os meandros do discurso,
partindo do dito presente na materialidade discursiva para o não-dito, que é também constitutivo do
sentido. Assim, é possível atingir o não-dito por intermédio dos implícitos e silenciamentos, que além
de evidenciar os efeitos de sentido construídos estão além das proposições lógicas aparentemente
estabelecidas (PÊCHEUX, 1990).
O presente artigo expõe parte da pesquisa de doutoramento que busca compreender a formação do
processo discursivo da interdisciplinaridade na Ciência da Informação, bem como suas implicações no
processo de consolidação epistemológica do campo. Essa pesquisa foi realizada em duas fases (exploratória
e focalizada), que se dedicaram respectivamente à descrição dos ditos e à descrição e à interpretação
de montagens ou arranjos dos enunciados sobre a interdisciplinaridade. Os resultados aqui apresentados
correspondem à parte da segunda fase da pesquisa, atendo-se à compreensão das estratégias discursivas
que permeiam o processo discursivo da interdisciplinaridade na Ciência da Informação.
2 SOCIEDADE DA INFORMAÇÃO E CIÊNCIA CONTEMPORÂNEA: CONTEXTOS DA
INTEGRAÇÃO DISCIPLINAR
A compreensão da constituição e do progresso do conhecimento científico, bem como de suas
respectivas condições materiais, pode se dar, conforme Lyotard (2000), a partir de, pelo menos, dois
entendimentos de sociedade que influenciam o funcionamento dos setores, econômicos, políticos,
sociais e ideológicos. A concepção da sociedade como um todo funcional e a concepção da sociedade
composta por duas partes que tem como base na luta de classes a dialética como fundamento da
unidade social. Esses entendimentos condicionam e particularizam as bases teórico-metodológicas de
estudos e pesquisas que procuram compreender as condições da prática científica.
Aliando-se à segunda concepção de sociedade e ao pensamento de Castells (2000, p. 33,
grifo do autor), “a perspectiva teórica que fundamenta essa abordagem postula que as sociedades
são organizadas em processos estruturados por relações historicamente determinadas de produção,
experiência e poder”. E, ainda, que “as instituições sociais são constituídas para impor o cumprimento
das relações de poder existentes em cada período histórico, inclusive os controles, limites e contratos
sociais conseguidos nas lutas pelo poder” (CASTELLS, 2000, p. 33).
A revolução informacional e a ciência contemporânea são, portanto, produto e processo do
desenvolvimento técnico-científico, que foi gestado em fins do século XIX e vem sendo desenvolvido,
sobretudo, a partir das duas últimas décadas do século XX. Por outro lado, esse desenvolvimento
GT1106
técnico-científico é responsável pela constituição e manutenção do novo modo de desenvolvimento
informacional. De acordo com Castells (2000), contudo, o fator histórico decisivo para essas
transformações foi e continua sendo o processo de reestruturação do capital, que vem sendo
desenvolvido desde a década de 1980, resultando em um novo sistema econômico e tecnológico
denominado de capitalismo informacional.
Assim, no horizonte da compreensão da base material do processo integrativo característico
da ciência contemporânea, é fundamental considerar que, nas palavras de Castells (2000, p. 35, grifo
nosso):
Cada modo de desenvolvimento tem, também, um princípio de desempenho estruturalmente
determinado que serve de base para a organização dos processos tecnológicos: o
industrialismo é voltado para o crescimento da economia, isto é, para a maximização da
produção; o informacionalismo visa o desenvolvimento tecnológico, ou seja, a acumulação
de conhecimentos e maiores níveis de complexidade do processo informacional. Embora
graus mais altos de conhecimentos geralmente possam resultar em melhores níveis de
produção por unidade de insumos, é a busca por conhecimentos e informação que caracteriza
a função da produção tecnológica no informacionalismo.
Na esfera científica, a partir de fins do século XIX, começa a se esboçar, no mundo ocidental,
um novo modelo de cientificidade, que, no início do século XX, resultaria nas bases da atual ciência
contemporânea. Esse modelo, segundo Santos (2003), é caracterizado pelo reconhecimento da
complexidade da natureza, da relação sujeito-objeto e da insuficiência do modelo de analiticidade
moderno diante daquela constatação. A ciência contemporânea é resultado de dois movimentos
convergentes: a insatisfação com o modelo de analiticidade, que vinha sendo desenvolvido no
interior da ciência moderna, caracterizado, sobretudo, pelo esfacelamento do objeto e a segmentação
da ciência em áreas e/ou campo do conhecimento cada vez mais especializado. Essa prática
científica contemporânea representa não somente uma nova forma de estudar e compreender a
natureza, mas essencialmente o estabelecimento de novas relações políticas, econômicas, sociais e,
consequentemente, científicas sedimentadas no capital informacional.
Assim, considera que, para além de questões epistemológicas, o alargamento das fronteiras em
diversos campos do conhecimento, conforme destacaram Domingues (2004) e Pombo (2003), tem
por base os princípios do modo de desenvolvimento informacional, que visa, segundo Castells (2000),
à acumulação de conhecimento e à obtenção da complexidade do processo informacional. Considerase ainda que este estado de coisa se faz mais presente naqueles campos e/ou áreas científicos que
têm a informação e o conhecimento como objetos de estudo. Com efeito, o projeto transdisciplinar
“[...] remete a processos de conhecimento que concebem a fronteira como espaço de trocas e não
como barreira, processos que incitam à migração de conceitos, à frequentação exploratória de outros
territórios, ao diálogo modificador com o diverso e o de outra forma, processos que não se esgotam na
partição de um mesmo objeto entre disciplinas diferentes, prisioneiras de pontos de vista singulares,
irredutíveis, estanques, incomunicados” (SILVA, 2004, p. 36-37).
GT1107
A produção científica realizada, nesse espaço, coloca-se em um movimento de alargamento
crescente da área ou campo de conhecimento que, tal como o aprofundamento especializado,
constitui-se, segundo Domingues (2004), em obstáculo epistemológico, notadamente ao processo de
consolidação epistemológica. A prática da integração disciplinar, principalmente a interdisciplinaridade,
que se localiza nas proximidades do ponto transdisciplinar, deve ser objeto de constante vigilância
epistemológica, uma vez que se encontra no ponto de conflito existente e ainda não resolvido “[...]
entre ‘o generalista’ (que se esforça para alargar e unificar o conhecimento) e o ‘especialista’ (que se
esforça por aprofundá-lo)” (DOMINGUES, 2004, p. 14).
O processo de consolidação epistemológica ou de autonomia do campo, segundo Bourdieu
(1983), implica, ao mesmo tempo, na integração dos elementos constituintes do campo e no
estabelecimento de relações com áreas e/ou campos do conhecimento circunvizinhos, considerando
os diversos contextos em que essas relações se realizam.
As condições amplas de produção da prática científica da Ciência da Informação se inserem na
nova ordem técnico-científica. De um lado, a superação do modelo de desenvolvimento industrial e
do outro, mas como parte integrante daquele, a correspondente superação do modelo de analiticidade
construído e estabelecido durante toda a era moderna. A palavra de ordem, nessa nova fase do
capitalismo e, portanto, da ciência, é complexificar, que, em termos teórico-metodológicos, significa
re-ligar, buscar as múltiplas facetas que compõem os objetos de estudo da ciência (MORIN, 2007).
Numa vertente político-econômica, essa nova ordem se sustenta, respectivamente, na política neoliberal
e na globalização dos mercados (CASTELLS, 2000), ao passo que, na esfera científica, fundamentase numa nova topa de conhecimento reticular (DOMINGUES, 2005), baseada na integração dos
saberes. Esse contexto amplo referencia todo o desenvolvimento da Ciência da Informação, que
procura corresponder às exigências do mercado capitalista e atender às demandas ou às necessidades
sociais, do período em que foi criada aos dias atuais.
3 CONDIÇÕES EPISTEMOLÓGICAS DA CIÊNCIA DA INFORMAÇÃO
Nascida sob a influência da Revolução Informacional, na segunda metade do século XX, a
Ciência da Informação é, de acordo com Le Coadic (1996), resultado da valorização convergente da
informação por três setores da sociedade: a indústria da informação, a tecnologia da informação e o
campo científico. Nesse sentido, resultante de esforços conjuntos de diversas áreas e profissionais a
elas ligados, esse campo de conhecimento nasce no epicentro dos principais elementos constituintes
do novo modelo de desenvolvimento. Esse contexto, associado a diversos fatores tais como múltiplas
necessidades de informação; diversas áreas interessadas nos processos de informação e com ele já
envolvidas, naquele período, e atuação de profissionais de diferentes formações técnico-científicas,
constituiu nas condições para a conformação de um campo de conhecimento de difícil organização e
compreensão, mas tão logo reconhecido como interdisciplinar.
GT1108
Ao longo de sua recente história epistemológica, o conceito amplo que fez parte da
institucionalização da Ciência da Informação parece acompanhar os períodos de sua evolução:
[...] disciplina que investiga as propriedades e o comportamento da informação, as forças
que governam seu fluxo e os meios de processamento para otimizar sua acessibilidade e
utilização. Relaciona-se com o corpo de conhecimentos relativo à produção, coleta,
organização, armazenagem, recuperação, interpretação, transmissão, transformação e
utilização da informação (BORKO, 1968, p. 3).
Esse entendimento sobre a Ciência da Informação vem possibilitando diversas leituras e,
consequentemente, diferenciadas construções em torno do objeto de estudo, do campo profissional, dos
profissionais da informação e, sobretudo, de relações interdisciplinares. Por outro lado, parece não ter
contribuído de forma significativa para definição do domínio epistemológico, que corresponde à base
de todas aquelas definições. O conceito de Borko (1968) pode ser considerado amplo, mas se constitui
em um projeto eficiente para o desenvolvimento epistemológico da Ciência da Informação. Há uma
grande possibilidade de os conceitos posteriormente desenvolvidos se localizarem no seu todo, ou em
alguma parte daquele. O problema é que algumas leituras sobre Borko (1968) consideram o conceito
na sua completude, no entanto, focam na segunda parte deste. Para o desenvolvimento do domínio
epistemológico, isso se constitui em um entrave, uma vez que as propriedades – principalmente
elas –, o comportamento da informação e as forças que governam seu fluxo correspondem, pelo
menos neste momento, àquilo que mais se aproxima do vetor de integração epistemológica da
Ciência da Informação. Ele possibilita, ao mesmo tempo, a integração de seus elementos internos e os
desdobramentos de relações interdisciplinares. Esses últimos, principalmente, a partir das construções
teórico-metodológicas em torno do conjunto de processos que compõem a segunda parte do conceito
de Borko (1968).
Considerando, contudo, o contexto e os problemas que vêm orientando o desenvolvimento da
Ciência da Informação, pode-se observar que a sua prática interdisciplinar se aproxima daquilo que
Domingues et al (2004) denominaram de vício de origem, ou seja, trata-se mais de um compartilhamento
de objeto de estudo ou de alguns aspectos deste, mas segundo pontos de vista diferentes por diversos
campos e/ou áreas do conhecimento, tais como Biblioteconomia, Documentação, Recuperação da
Informação, Comunicação, entre outros.
Para balizar a postura epistemológica vigilante necessária, algumas constatações feitas,
na literatura especializada, no que concerne ao objeto de estudo, ao domínio epistemológico e às
relações interdisciplinares, devem ser mencionadas e refletidas. Apesar de a Ciência da Informação se
encontrar na fase de consolidação epistemológica e de aprofundamento das relações interdisciplinares
(PINHEIRO, 2005), “[...] ninguém aceita ‘informação’ como objeto porque ninguém sabe o que ela é
(se alguém sabe parece ser um tema de alguma disciplina já existente). Ela [Ciência da Informação] não
poderia desenvolver um método específico por causa da obscuridade do suposto objeto.” (WERSIG,
1992, p. 210). Segundo González de Gómez (2000, grifo da autora),
GT1109
A pesquisa em Ciência da Informação apresentaria um problema particular que podemos
identificar de modo quase imediato: Se existe grande diversidade na definição das heurísticas
afirmativas, as que definem as estratégias metodológicas de construção do objeto e que
permitem a estabilização acumulativa do domínio, maior é a dificuldade para estabelecer
as heurísticas negativas, as que definem o que não poderia ser considerado objeto do
conhecimento da Ciência da Informação, condição diferencial que facilita e propicia as
relações de reconhecimento e complementaridade com outras disciplinas.
Além disso, a Ciência da Informação apresenta ritmos de desenvolvimento diferenciados entre
teoria e prática, e, por vezes, desvinculação entre essas (LE COADIC, 1996). No que concerne ao
campo, este é pouco desenvolvido no interior e muito povoado nas encostas (WHITE; MCCAIN,
1998). As relações interdisciplinares com a Biblioteconomia, que é apontada ao lado da Administração
como fonte de maior exercício dessa prática (PINHEIRO, 2005), segundo Dias (2000), não possuem
bases sólidas. E, fechando o quadro, após alguns anos de discussão sobre a origem, a evolução e as
relações interdisciplinares da Ciência da Informação (SARACEVIC, 1992, 1995, 1996, 1997, 1999),
Saracevic (2009) destaca a dificuldade de integração dos elementos internos que compõem o campo.
Considerando a recente história da Ciência da Informação e as observações realizadas, em
um período de, pelo menos, dez anos, por pesquisadores de diversas partes do mundo, parece
necessário encontrar um fio condutor para algumas discussões. Há pelo menos duas possibilidades:
os pesquisadores que estão ingressando no campo não estão fazendo os necessários movimentos de
interiorização e integração, ou os que aí já estão, numa ânsia interdisciplinar, esquecem de interligar
os nós que constituem a rede de seu campo.
De modo geral, a comunidade científica corresponde ao grupo de profissionais que se dedicam
à pesquisa científica e tecnológica (LE COADIC, 1996). No campo da Ciência da Informação,
esta se compõe, desde sua origem, por um conjunto de profissionais originários de diferentes
áreas do conhecimento, dentre eles, Administradores, Bibliotecários, Cientistas da Computação,
Documentalistas, Engenheiros e Tecnólogos, que vêm se dedicando aos estudos, pesquisas e atividades
relacionados à informação, seus processos e suas tecnologias. A multiplicidade da formação básica
dos profissionais que constituem essa comunidade é uma característica que interfere diretamente nas
suas produções e, portanto, deve ser considerada nas questões do domínio epistemológico do campo.
Além da diversidade de especialistas que compõem a comunidade científica da Ciência da
Informação no Brasil e em vários países, o seu campo de conhecimento, a construção de seu objeto
de estudo e o modelo contemporâneo de desenvolvimento científico correspondem a um conjunto de
elementos que condicionam a sua prática científica. Alguns autores, a exemplo de Le Coadic (1996,
p. 56), entendem que, em que pese esse conjunto de condições de desenvolvimento, “pouco a pouco,
foram sendo elaborados conceitos, métodos, leis e teorias próprios dessa nova ciência”.
Se, no entendimento desse autor, o objeto de estudo e os problemas fundamentais de pesquisa,
cujas composições se dão na correlação com o respectivo arcabouço teórico-metodológico, foram
suficientemente delimitados, esse processo se deu, grosso modo, num apanhado de conceitos,
GT1110
métodos, leis e teorias advindos de outras áreas ou campos de conhecimento que também têm no
campo amplo da informação seus problemas e objetos de pesquisa, tais como aqueles por ele citados:
Biblioteconomia, Museoconomia, Documentação, Jornalismo, Informática, Psicologia, Sociologia,
Ciências Cognitivas e Comunicação. Embora não se possa elencar, e muito menos discutir, todos
aqui, é importante citar alguns a título de ilustração. No conjunto de “conceitos próprios” dessa
nova ciência, Le Coadic (1996) cita alguns científicos (descrição de dados, manipulação de dados,
gerenciamento de transações, controle de fila, citação, hipertexto, obsolescência e classificação) e
técnicos (referências, tesauro e catálogo). No que concerne aos métodos, o autor cita os conhecidos
métodos de catalogação, indexação, elaboração de resumos e clustering; e outros derivados, como a
análise de co-citação e análise de termos associados.
Ainda no exercício de destacar as construções próprias da Ciência da Informação, Le Coadic
(1996), ressaltando sua característica nomotética, cita as leis bibliométricas e as leis epidemiológicas.
Os modelos do campo são sintetizados nos processos de comunicação e recuperação da informação
(vetorial, probabilístico e linguístico). Concluindo, o autor destaca que “a Ciência da Informação
não possui ainda, lamentavelmente, uma teoria ou conjunto de teorias que permita interpretar,
de forma científica, racional, essas leis e esses modelos empíricos. Em matéria de informação, a
prática precedeu a teoria. A teoria corre atrás dos fatos para compreendê-los. A teoria está atrasada
em relação ao empírico e, sobretudo, há desconexão entre os dois” (LE COADIC, 1996, p.7677). Mesmo assim, o autor cita três abordagens teóricas que dizem respeito à informação – a
teoria matemática da informação, a teoria dos meios de comunicação de massa e a teoria da
comunicação interativa.
As necessárias e devidas importações de conceitos, métodos, teorias e leis de outras ciências,
áreas e campos do conhecimento correspondem a uma importante fonte da prática do conhecimento,
principalmente se considerar a abertura e a sua correlata integração disciplinar na ciência
contemporânea; contudo, é uma porta aberta às práticas ligeiras que não são frutíferas ao processo
de consolidação. Brandão (2005) discute as práticas de importação e de tradução de conceitos em
perspectivas transdisciplinares, que se caracterizam pela dificuldade do rigor metodológico, em função
do movimento de expansão, da inexistência de limites precisos e de objetos claramente configuráveis
e passíveis de serem visados.
Além da importação de conceitos sem a devida fundamentação teórico-conceitual, faz-se
também necessário observar as características dos métodos e das técnicas de pesquisa utilizados no
campo. Aqui duas questões merecem atenção. A flutuação teórico-metodológica é uma porta aberta
aos estudos exploratórios e descritivos, que têm sua importância e devido lugar na produção científica,
mas que carecem serem aprofundados, no âmbito dos outros dois níveis metodológicos apontados por
Domingues (2004), isto é, da explicação e da interpretação. O pluralismo epistemológico decorre da
contínua e crescente importação de conceitos de outras ciências ou campos de conhecimento, muitas
vezes, sem os devidos processos de tradução.
GT1111
Além disso, é preciso lembrar e considerar que os critérios epistemológicos de escolhas e
utilização de determinados conceitos, teorias e metodologias, que compõem e/ou comporão o seu
domínio, têm por base não o conjunto desses elementos enquanto tal, mas o que se diz ou se pode
dizer – e em que condições - sobre aqueles elementos, na construção do seu domínio. Nesse sentido, a
epistemologia define suas bases analíticas, mas, embora numa proposta não nomotética, define também
certo nível normativo que possibilita, pelo menos, alguns compromissos teórico-metodológicos e, em
última análise, a comunicação entre os pesquisadores.
A necessidade da integração disciplinar, na Ciência da Informação, aponta para o desenvolvimento
de pesquisas e práticas consilientes, na relação com o conjunto de áreas ou ciências que trabalham com
a informação. Embora outras ciências ou disciplinas trabalhem de forma indireta com a informação
e, por isso, possuem um estatuto “periférico” do fenômeno informacional, é dever dos pesquisadores
delas originários fazer movimentos de deslocamento e aproximação do conjunto integrado do campo
da Ciência da Informação e, a partir daí, estabelecerem relações com suas respectivas áreas de origem.
4 CONSTITUIÇÃO DO CORPUS E ANÁLISES DAS ESTRATÉGIAS DISCURSIVAS
A análise do discurso se processa a partir da composição de um dispositivo de interpretação, que
implica na correlação entre um referencial teórico e os procedimentos de análise, ou seja, na construção
do lugar da interpretação. Dessa forma, esse dispositivo tem como característica desenvolver novas
práticas de leitura que “[...] consiste, como se sabe, em multiplicar as relações entre o que é dito aqui
(em tal lugar), e dito assim e não de outro jeito, com o que é dito em outro lugar e de outro modo, a fim
de se colocar em posição de ‘entender’ a presença de não-ditos no interior do que é dito” (PÊCHEUX,
1990, p. 44).
Partir do dito ao não-dito significa, segundo Orlandi (2001), considerar as pistas e os vestígios
naquele inscritos, que, em sendo marcas formais para o analista, só interessam na relação destes com
a materialidade discursiva, que promove a relação entre língua e história, ou seja, a relação línguaexterioridade. Nesse movimento, utilizam-se os implícitos e os silenciamentos como fios condutores
da compreensão do processo discursivo. De acordo com Ducrot (1972)19, distinguem-se duas formas
de não-dito: o pressuposto e o subentendido. Aquele deriva propriamente da instância da linguagem,
estando necessariamente presente no dito. Este, por sua vez, que caracteriza o silêncio, deriva do
contexto, não podendo ser necessariamente relacionado ao dito.
Algumas noções possibilitam, nesse espaço, a compreensão do não-dizer, quais sejam, condições
de produção, formação ideológica, interdiscurso e formação discursiva. As condições de produção
correspondem ao conjunto de elementos estruturais que engendram os discursos e se classificam em
amplas e restritas. As primeiras expressam a relação do discurso com o contexto sócio-histórico, ao
passo que estas correspondem às condições imediatas que possibilitam o acontecimento discursivo.
19 Ducrot (1972) citado por Orlandi (1992, 2001).
GT1112
As formações ideológicas se referem a um conjunto de atitudes e representações de caráter regional
que concerne às posições de classe em um conflito. Caracterizado por uma reconfiguração constante,
o interdiscurso corresponde à relação entre os sentidos anteriormente constituídos e uma formulação
atual. Este constitui o espaço do pré-construído (FLORÊNCIO et al, 2009). A formação discursiva,
por sua vez, define aquilo que, numa formação ideológica dada, determina o que pode ser dito
(ORLANDI, 2001).
Na definição do corpus discursivo foram extraídas as sequências discursivas (SD) veiculadas
em 28 (vinte e oito) artigos, que versam sobre a integração disciplinar na Ciência da Informação,
publicados nos periódicos científicos Ciência da Informação, Data Grama Zero – Revista de Ciência
da Informação, Encontros Bibli – Revista Eletrônica de Biblioteconomia e Ciência da Informação,
Informação & Sociedade: Estudos, Perspectivas em Ciência da Informação, e Transinformação. Sua
constituição teve como base as orientações de Orlandi (2001), ou seja, o problema da pesquisa, a
natureza do material a ser analisado e as probabilidades de análise.
As análises desenvolvidas a partir desses indicadores da materialidade discursiva possibilitam,
conforme destaca Orlandi (2001), a constituição do objeto de-superficializado, por intermédio das
mobilizações das noções e dos dispositivos teóricos, na perspectiva da definição do dispositivo
analítico. Esses dados não são considerados meras ilustrações, mas como fatos da linguagem com sua
memória, sua espessura semântica, sua materialidade-discursiva.
Nos procedimentos de análise do discurso, seguem-se ainda as orientações amplas de Orlandi (2001),
procurando remeter os textos ao discurso e esclarecer as relações deste com as formações discursivas e as
relações destas com a ideologia. Assim, foram analisadas as estratégias discursivas, procurando estabelecer
os processos discursivos, e a constituição do sujeito do discurso nas relações entre formações discursivas e
formações ideológicas, independente da autoria dos textos que compõem a base material.
5 ESTRATÉGIAS DISCURSIVAS NO DOMÍNIO INTERDISCIPLINAR DA CIÊNCIA DA
INFORMAÇÃO
O discurso da integração disciplinar, notadamente, da interdisciplinaridade se encontra
fundamentado numa rede de proposições lógicas aparentemente homogêneas, que interferem nas
análises de primeira aproximação. Nesse conjunto, podem-se destacar tanto proposições lógicas
positivas (“a informação é um objeto complexo, então o conhecimento sobre esta é necessariamente
interdisciplinar”; “a Ciência da Informação tem sua origem em diversas disciplinas, resultando em
um campo interdisciplinar”; e “a comunidade científica da Ciência da Informação é constituída por
profissionais oriundos de diversas áreas do conhecimento, donde decorre sua prática interdisciplinar”)
quanto disjuntivas (“ciência moderna” x “ciência contemporânea ou pós-moderna”; “conhecimento
disciplinar” x “conhecimento interdisciplinar” e “prática disciplinar” x “prática inter-, multi-, pluri- e/
ou transdisciplinar”).
GT1113
O fato é que, conforme Pêcheux (1990), apesar da multiplicidade de proposições lógicas, estas
se constituem em espaços estabilizados ligados por evidências lógico-práticas. Por outro lado, esses
espaços são atravessados por uma série de não-ditos (implícitos e silenciamentos), que evidenciam, a
um só tempo, as construções discursivas e os efeitos de sentidos por elas produzidos. A análise desses
implícitos e dos silêncios presentes na formação do processo discursivo possibilita a compreensão
desse processo e das implicações dele decorrentes.
Assim, partindo das evidências já esboçadas nos resultados da pesquisa exploratória, pode-se dizer
que, na perspectiva epistemológica, a interdisciplinaridade corresponde atualmente ao instrumento
teórico-metodológico mais exequível da integração interna e externa dos campos científicos, uma vez
que, conforme Domingues (2004), ainda não existe exemplo preciso de práticas transdisciplinares.
Os ditos presentes nas SD sobre a integração disciplinar da/na Ciência da Informação têm por base o
novo modo de fazer ciência (DOMINGUES, 2004; SANTOS, 2003), a nova topologia da sociedade
da informação e o novo modelo de desenvolvimento informacional (CASTELLS, 2000). Assim, com
base nessa materialidade lógica, pode-se dizer que a interdisciplinaridade se apresenta como elemento
fundamental à constituição e à consolidação do campo da Ciência da Informação. Outros elementos
precisam, contudo, ser considerados para compreender os efeitos de sentido presentes na produção
científica, considerando as condições de produção desse discurso e, por conseguinte, as implicações
do discurso no processo de consolidação epistemológica.
O discurso da interdisciplinaridade na Ciência da Informação é constituído por uma
heterogeneidade discursiva e atravessado por uma rede interdiscursiva que traz as marcas dos discursos
da política neoliberal e do processo de globalização da economia. Essas formações discursivas
solidificam suas bases no novo modelo de desenvolvimento capitalista denominado por Castells
(2000) de informacionalismo. Assim, é preciso considerar que, embora a prática interdisciplinar
se caracterize pela constante tensão, disputa e negociação entre disciplinas, áreas e/ou campos do
conhecimento, o discurso da interdisciplinaridade se apresenta como aparentemente homogêneo e
se fundamenta em constatações também aparentemente lógicas. Essas constatações se encontram
centradas basicamente no movimento de formação do campo científico, na complexidade do objeto de
estudo, na diversidade de formação dos pesquisadores do campo e no novo modelo de cientificidade
proposto pela ciência contemporânea. Partindo dessas constatações aparentemente estabilizadas, o
discurso interdisciplinar na Ciência da Informação é ancorado numa rede de estratégias discursivas
que pretende se revelar de ordem natural, geral e substancial. A marca do apagamento das diferenças,
de acordo com Orlandi (2001), é característica do discurso autoritário.
No conjunto da primeira estratégia, pode-se observar algumas SD que evidenciam a procura
da naturalização da prática interdisciplinar na Ciência da Informação, seja a partir da constituição
de seu campo de conhecimento, da complexidade do seu objeto de estudo ou do novo modelo de
cientificidade. Assim, apresenta a “[...] característica da interdisciplinaridade como um traço típico
das ciências contemporâneas” (SD 1.1.10). Além disso, não se trata de uma questão específica da
GT1114
Ciência da Informação, uma vez que “essa concepção de interdisciplinaridade nasceu, naturalmente,
da crise da fragmentação do saber e se constitui num procedimento que visa à superação dessa crise,
através da busca da unidade de uma área, da unidade do homem, da unidade do universo” (SD 1.4.12).
É oportuno ainda destacar que, ao se colocar nessa esfera, a Ciência da Informação é invocada a
se desenvolver a partir de uma perspectiva que se coloque a serviço da nova ordem. Para tanto, “cabe, a
seguir, refletir a respeito da contribuição que a ciência da informação, área do conhecimento tipicamente
interdisciplinar, pode oferecer” (SD 1.8.2). Esse projeto de interligação do conhecimento deve ser
desenvolvido a partir de um “diálogo intermediado por uma ciência tipicamente interdisciplinar: a
ciência da informação.” (SD 1.8.7).
A construção do discurso interdisciplinar, na Ciência da Informação, esconde as tensões e lutas
que se desenvolvem, de forma ampla, no campo científico, como bem esclarece Bourdieu (1983).
Isso pode ser observado na SD 1.9.6, ao destacar que “[...] a característica interdisciplinar da ciência
da informação não precisa ser procurada, está lá, no âmago do próprio campo científico. [...]”.
Ademais o discurso destaca “[...] a sua natureza interdisciplinar como ‘... disciplina que surge de
uma ‘fertilização cruzada’ de ideias [...]’” (SD 1.23.6).
O generalismo corresponde à outra estratégia discursiva utilizada na ligação dos espaços
aparentemente estabilizados do discurso da interdisciplinaridade na Ciência da Informação. De forma
ampla, o discurso interdisciplinar na Ciência da Informação encontra repouso em um metadiscurso
da ciência contemporânea. Isso fica bastante patente ao observar que “‘os avanços científicos mais
recentes vêm colocando objeções ao paradigma da objetividade e universalidade da Ciência’ e, por
extensão, trazem reflexos para as ciências humanas e sociais, cada vez mais interdisciplinares” (SD
1.1.5). E ainda, numa perspectiva mais restrita ao campo informacional, pode-se constatar que “[...] a
interdisciplinaridade que, embora não explícita, está presente na gama de disciplinas que compõem o
universo da informação” (SD 1.4.4). Ainda, nesse sentido, pode-se destacar: “[...] trocas significantes
estão acontecendo entre vários campos científicos que abordam os mesmos problemas de informação,
ou semelhantes, de formas bastante diferentes. A ciência da informação definitivamente deveria unir
esses campos.” (SD 1.9.6).
Outra porta de acesso às estratégias substancialistas e generalistas está vinculadas ao
objeto informação que, atrelado ao modelo de desenvolvimento da ciência contemporânea,
permite compreender que “[...] existe uma forte característica de interdisciplinaridade nas mais
diversas ciências. [...] A informação por si só, base fundamental para se investigar os Sistemas de
Informação, é objeto de interesse de diversas áreas do conhecimento, conforme demonstrado pelos
pesquisadores em Ciência da Informação [...]” (SD 1.7.4). É preciso ter em mente que o discurso
autoritário interdisciplinar não considera as particularidades da informação como objeto de estudo
de uma ciência específica, desconsiderando o processo de construção do objeto científico com suas
definições teórico-metodológicas. Essa postura está implícita na literatura sobre interdisciplinaridade,
como pode ser observada na seguinte SD 1.28.1: “[...] como resultante do seu próprio objeto de
GT1115
estudo - a informação - presente em todas as áreas do conhecimento humano, a CI assume caráter
interdisciplinar e transdisciplinar”.
A rede conceitual do discurso interdisciplinar é construída a partir de uma multiplicidade
de constatações lógico-práticas, tais como diversidade de informação, de sistemas de informação,
disciplinas, de profissionais e de necessidades de informação, que, como esclarece Pêcheux (2002,
1990)20, permitem montagens ou arranjos de enunciados assim como os seguintes: “A característica
interdisciplinar dos Sistemas de Informação deve-se também ao fato de que [...] quase toda disciplina
científica usa o conceito de informação dentro de seu próprio contexto e com relação a fenômenos
específicos” (SD 1.7.8) e ainda “A existência e necessidade da informação para quase todas as
profissões, ciências e culturas [...]” (SD 1.23.8).
A complexidade é também reivindicada como ponto de estabilidade no discurso da
interdisciplinaridade na Ciência da Informação, tanto no que concerne ao objeto de estudo quanto ao
sujeito conhecedor. “Como área emergente e interdisciplinar, a ciência da informação deve beneficiarse com a exploração da complexidade” (SD 1.3.3). E ainda a SD 1.23.7 “[...] a complexidade e
multidimensionalidade do sujeito da ciência da informação [...]”.
A diversidade de formação dos profissionais envolvidos na composição do campo científico da
Ciência da Informação é também utilizada como ponto de estabilidade das construções discursivas.
Pode se observar uma sequência lógica da interdisciplinaridade nas SD seguintes, que produzem um
efeito de sentido lógico-prático nas condições e na prática efetiva da interdisciplinaridade, ou seja, a
existência de diferentes disciplinas e profissionais de diferentes formações. Dessa forma, a SD 1.4.11
esclarece que “na prática, um grupo interdisciplinar se compõe de pessoas com diferentes formações,
portanto de diferentes disciplinas, com seus conceitos, métodos, dados e linguagens, reunidas com
um só objetivo de trabalho”. E, nesse sentido, “[...] muitos dos atores da CI integram o campo desta
ciência oriundo de outras formações, o que, na visão dos autores, apenas reforça a característica
interdisciplinar da área de conhecimento” (SD 1.1.6). Portanto, “[...] a Ciência da Informação apoia
o seu caráter interdisciplinar na Documentação, Comunicação e Pesquisa Linguística e atua como
uma verdadeira ciência interdisciplinar ao envolver esforços de bibliotecários, lógicos, linguistas,
engenheiros, matemáticos e cientistas do comportamento” (SD 1.5.4).
O discurso interdisciplinar fundamentado, de modo geral, no novo modelo de cientificidade
mascara as lutas que são travadas no campo científico, apontando para uma aparente cooperação
natural, como se pode observar na SD 1.4.2: “[...] a subjetividade e a interdisciplinaridade com
componentes dessa nova ordem que se esboça ou prenuncia.” Trata-se da mesma lógica da política
neoliberal e da economia global, que procuram estabelecer uma visão distorcida das determinações
política e econômica postas pelo modo de produção capitalista e pelo modelo de desenvolvimento
informacional. Acrescente-se a isso que a interdisciplinaridade é utilizada, na esfera científica, como
instrumento de controle das relações de poder aí estabelecidas. De forma mais precisa, tal como ocorre
20 Pêcheux (2002) apud Florêncio et al (2009).
GT1116
com a ótica do processo de globalização, o processo interdisciplinar liga e desliga os centros das zonas
periféricas conforme as exigências do capital. Contudo, essa postura é camuflada por enunciados
aparentemente inocentes tais como das SD seguintes. “A interdisciplinaridade se coloca, pois, como
meio para superação do individualismo, seja no desenvolvimento científico, seja no desenvolvimento
técnico, seja mesmo no ensino” (SD 1.4.14). E ainda a SD 1.4.15: “A interdisciplinaridade, portanto,
apresenta-se na sociedade atual como uma proposta de procedimentos que busca levar os homens,
através do trabalho em parceria, a dividirem suas dúvidas, suas angústias, suas descobertas, em
benefício de um todo.”
Apesar dos espaços existentes entre aquela multiplicidade de proposições lógicas, a estabilidade
do discurso interdisciplinar, na Ciência da Informação, ganha maior fôlego numa rede de evidências
lógico-práticas, conforme destaca Pêcheux (1990), formada por proposições naturalizantes e
generalizantes, que camuflam os efeitos de sentidos dela decorrentes. Assim, pode-se observar na
SD 1.4.12, que ilustra a composição dessa rede: “Essa concepção de interdisciplinaridade nasceu,
naturalmente, da crise da fragmentação do saber e se constitui num procedimento que visa à superação
dessa crise, através da busca da unidade de uma área, da unidade do homem, da unidade do universo.”
Assim, no imbricado dessa rede discursiva, o discurso interdisciplinar da Ciência da Informação
traz, embora que implicitamente, a proposta de servir ao novo modelo de desenvolvimento do
informacionalismo, ao colocá-la como instrumento científico que visa, de modo geral, contribuir com
a acumulação de conhecimento e maiores níveis do processo informacional (CASTELLS, 2000),
pois, de acordo com a SD 1.9.1, “Esta nova ciência tem sido caracterizada, desde os primórdios,
por uma abordagem interdisciplinar de problemas e uma visão social da informação, o que permite
propor como responsabilidade social do novo campo: facilitar a comunicação do conhecimento
científico”. É necessário considerar que a revolução informacional e a ciência contemporânea são,
ao mesmo tempo, produto e processo do desenvolvimento técnico-científico que vem sendo gestado
desde fins do século XIX. Esse desenvolvimento é responsável pela constituição do novo modelo de
desenvolvimento informacional que busca formas de manutenção na nova ordem global.
Na heterogeneidade discursiva, é possível observar também alguns deslizes na constituição do
processo discursivo que evidenciam o discurso polêmico que, segundo Orlandi (2001), deixam escapar
a relação tensa pela disputa de sentido. Nessa formação discursiva da interdisciplinaridade na Ciência
da Informação, o processo discursivo rompe ou, pelo menos, questiona as estabilidades pautadas
na naturalização, no substancialismo e no generalismo. Isso pode ser observado em Smit, Tálamo e
Kobashi (2004), para quem a Ciência da Informação “[...] associa a propalada interdisciplinaridade da
área a uma reunião de diferentes disciplinas, revelando uma inconsistência teórica, associando à área
uma abordagem a-histórica”. Ao contrário do discurso ancorado na formação ideológica dominante,
esse discurso apresenta, de acordo com Orlandi (2001), os conflitos e tensões que se instalam no
processo discursivo. Nesse sentido, é oportuno observar que os discursos logicamente estabilizados
tornam opacos os fundamentos da construção da autonomia de um campo científico. O discurso com
GT1117
formação polêmica destaca, contudo, que “[...] seja qual for a designação a ela atribuída [a Ciência da
Informação], afirmou-se na interdisciplinaridade [...] sem examinar com clareza sua própria trajetória
disciplinar autônoma” (SMIT; TÁLAMO; KOBASHI, 2004).
6 CONSIDERAÇÕES FINAIS
A integração disciplinar tem atualmente na interdisciplinaridade o seu principal instrumento
teórico-metodológico, uma vez que, embora a ciência contemporânea tenha como proposta o
desenvolvimento de estudos transdisciplinares, ela se constitui na prática exequível de integração
dos elementos internos e externos dos campos de conhecimento específicos. Nesse contexto,
a Ciência da Informação, desde a sua origem na segunda metade do século XX, vem adotando a
interdisciplinaridade como um de seus pressupostos. Contudo, ao mesmo tempo em que a assume,
apresenta algumas dificuldades na identificação e na definição de suas práticas científicas.
O discurso interdisciplinar, na Ciência da Informação, é construído a partir de um conjunto
de constatações e proposições lógicas aparentemente estabilizadas, que estão centradas basicamente
no metadiscurso da ciência contemporânea e da complexidade, de forma ampla; e na compreensão
da constituição do campo de conhecimento da Ciência da Informação, da formação da comunidade
científica e da construção do objeto de estudo, de modo específico.
A partir das análises das SD, pode-se dizer que o discurso da integração disciplinar, na Ciência
da Informação, é permeado por mais de uma formação discursiva, contudo, encontra-se ancorado num
discurso dominante, que tem por base as determinações do modo de desenvolvimento informacional.
Assim, embora a formação ideológica que sustenta esse discurso pareça apagar a heterogeneidade
e camuflar os conflitos presentes por intermédio de estratégias discursivas lógico-práticas de ordem
naturais, substanciais e gerais, é possível observar as lacunas e marcas da distância discursiva,
conforme sugere Pêcheux (1990). A interdisciplinaridade, na Ciência da Informação, é apresentada
em um espaço logicamente estabilizado, desconsiderando as tensões, disputas e negociações que
existem no campo de lutas e forças que as constituem, com toda a carga de determinações sociais,
políticas, econômicas e histórico-ideológicas.
Compreende-se que, do ponto de vista epistemológico, há certa fragilidade nos processos
de integração disciplinar, sobretudo interno, uma vez que, longe de se constituir em fundamentos
de práticas integradoras, o discurso interdisciplinar, na Ciência da Informação, tem por base
um metadiscurso contemporâneo homogeneizador que camufla o seu compromisso com a
tecnociência e o controle dos fluxos de informação e conhecimento, em detrimento de efetivas
contribuições teórico-metodológicas orientadas à construção de sua autonomia. Nessa perspectiva,
a interdisciplinaridade que vem sendo construída na Ciência da Informação se constitui em entrave
ao processo de consolidação epistemológica, na medida em que esta se disciplina em torno de um
jogo subversivo da tecnociência em detrimento das necessidades teórico-metodológicas de seu
GT1118
campo epistemológico.
De forma mais precisa, pode-se dizer que o seu forte vínculo com a revolução informacional,
com o novo modelo de desenvolvimento econômico e com a ciência contemporânea, desconsiderando
as particularidades de seu campo de conhecimento e de seu objeto de estudo específico, bem como
das teorias e metodologias, em um movimento de busca incessante de relações interdisciplinares,
representa a aceitação acrítica das proposições gerais e aparentemente estabilizadas. Essa postura
colabora, por um lado, com a flutuação conceitual, teórica, metodológica e prática presente no campo
da Ciência da Informação e, por outro, com a dificuldade de construção de sua identidade.
Abstract:
The interdisciplinary epistemology has been recognized as one of the cornerstones of Information
Science, with reference to at least two elements that point to the epistemological constitution of an
interdisciplinary field: the complexity of the subject matter and the multiplicity of formations that
characterize the community scientific. Indeed, these findings are based on stable points, ignoring the
discursive process, which covers their production conditions. Try the operation of the discourse of
interdisciplinarity in information science from the perspective of Discourse Analysis of the French
school founded by M. Pêcheux. To do so, the articles of the Brazilian scientific production, discussing
the disciplinary integration. The selection of articles was based on previous phase of research that
sought to delimit the space in which are inscribed the construction of the object and discursive
process. The discourse of interdisciplinarity in information science is permeated by more than a
discursive formation, but is anchored in the dominant discourse, which is the vector determinations
informational mode of development. This discourse is permeated by naturalizing strategies and
generalizing that mask their ideological stance. The constitution of pluralism informational field
promotes the fragility in the process of disciplinary integration, which translates into difficulty in the
formation of identity and epistemological consolidation of Information Science.
Keywords: Information Science. Discourse of Interdisciplinarity. Epistemology of Information
Science. Interdisciplinary Epistemology.
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GT1121
COMUNICAÇÃO ORAL
SOCIEDADE, INFORMAÇÃO, CONDIÇÕES E CENÁRIOS
DOS USOS SOCIAIS DA INFORMAÇÃO
Francisco das Chagas de Souza
Resumo
Objetiva expor uma reflexão epistemológica sobre a Ciência da Informação, que parte de uma
discussão dos conceitos de sociedade e informação. Coloca em exame, a partir da ideia de usos sociais
da informação, um quadro de análise constituído por dois focos que vêm se desenhando nos anos
recentes, em face do predomínio da submissão humana aos dispositivos tecnológicos empregados, a
título de aceleração das comunicações e melhoria da produtividade econômica, para dar prevalência
a enfoques econômicos ou conformadores/normalizadores da existência humana e das relações e
interações que a fariam configurar-se como sociedade, em detrimento de quaisquer outros aspectos
constituidores dessa existência. Para a reflexão, toma como referência teórica fundamentalmente a
sociologia do conhecimento e uma filosofia de feição fenomenológica. Parte da concepção de que as
comunidades humanas e as comunidades de ciência, ao se realizarem como construtos históricos, são
inacabadas, portanto, estão em processo, estão em transformação e, por isso, se modificam enquanto
se constroem. É apresentado um conceito de informação que tenciona ser representativo para a
Ciência da Informação e que leva em conta os fundamentos teóricos empregados. Por fim, expõe
o entendimento de que os conceitos de sociedade e informação seriam representáveis como duas
páginas de uma folha de papel, sem pauta e sem indicação de frente e de verso.
Palavras-chave: Sociedade. Informação. Uso social da informação. Epistemologia.
1 INTRODUÇÃO
O trabalho que se desenvolve em um campo de investigação, pelo esforço contínuo dos
integrantes das diversas organizações que compõem a sua comunidade, tais como associações
científicas, programas de pós-graduação, grupos de pesquisadores, núcleos de pesquisa, editores de
livros e periódicos especializados, dentre outros a ele relacionados, visa na parceria com o Estado,
nem sempre sem conflitos, oferecer respostas às demandas da população que constitui esse Estado e
das pessoas que constituem essa comunidade científica.
Essa parceria, idealmente, representa para o Estado a responsabilidade de oferecer meios
para que o trabalho científico produza respostas para a população, que sejam eficazes no sentido de
melhorar seu padrão de educação, saúde, alimentação, acesso à riqueza, etc. Isso implica que o Estado
deverá constituir organismos que sejam dotados de fundos econômicos e regulações apropriadas às
GT1122
missões que lhes forem atribuídas. Na relação com a comunidade científica, esses organismos, além
de seu quadro burocrático, abrigam a presença dos representantes da comunidade científica, dos mais
distintos campos. Isso tem como finalidade sua participação na orientação da tomada de decisões
que tornem efetivas as estratégias que esses agentes do Estado seguirão, para executar as ações de
políticas a que se propõem a fim de propugnar a formulação e execução das ações definidas como
parte da política desse mesmo Estado.
Assim, ao participarem dos vários comitês de especialistas científicos e ao proporem os
instrumentos pelos quais se realizarão os fomentos à investigação, esses representantes da comunidade
científica estão colocando em andamento ações de política científica, em resposta a proposições
anteriormente transformadas em legislação pelo Poder Legislativo e em planos de ação pelo Poder
Executivo. Igualmente, contribuem na definição das ações prioritárias, das linhas de estudos
pertinentes, dos incentivos aos eventos científicos, da quantificação de bolsas e recursos a serem
alocados para o desenvolvimento da pesquisa no país, etc.
Dessa maneira, a atuação da comunidade científica, em quaisquer dos campos científicos
constituídos em dado país, se faz em consonância com as necessidades manifestas da população, de
um lado, com as demandas do Estado, de outro e, por fim, como parte da responsabilidade profissional
dessa comunidade.
No caso da comunidade de Ciência da Informação no Brasil, há uma tradição iniciada nos
anos que antecedem à criação do Curso de Mestrado em Ciência da Informação, no antigo Instituto
Brasileiro de Bibliografia e Documentação - IBBD, em 1970 e que a acompanha desde então. Dentro
dessa tradição estão inseridas concepções de sociedade e de informação, que revelam visões do que
se deve organizar, propor e executar a fim de atender às sempre mutantes características das demandas
apresentadas pelas distintas camadas econômicas e sociais da população brasileira, quanto ao uso do
conhecimento e os resultados que sua aplicação pode produzir.
Uma face marcante dessa tradição é a assimilação por essa comunidade, com significativa
aceitação de seus membros, de conceitos hegemônicos sobre sociedade, informação e uso social
da informação. Parte desses conceitos advém de respostas intelectuais e de conhecimento científico
produzido pelas Ciências Sociais, em outros contextos populacionais, históricos e econômicos, e
que, por isso, produzem outro quadro de relações ou interações individuais ou coletivas que, gerando
outras sociedades, quando assimiladas ao Brasil, chegam com vieses de dominação, manipulação ou
tendendo a impor falsas ideias sobre esses mesmos conceitos.
O objetivo desta comunicação, partindo desta percepção rapidamente esboçada nos parágrafos
anteriores, é expor uma proposta de reflexão epistemológica sobre a Ciência da Informação. Começa
pela discussão dos conceitos de sociedade e informação, e coloca em exame, a partir da ideia de usos
sociais da informação, um quadro de análise constituído por dois focos que vêm se desenhando nos
anos recentes, em face do predomínio da submissão humana aos dispositivos empregados, a título
de aceleração das comunicações, para a prevalência dos enfoques econômicos ou conformadores/
GT1123
normalizadores sobre quaisquer outros aspectos constituidores da existência humana e das relações e
interações que a fariam se configurar como sociedade.
Esta reflexão toma por referência teórica fundamentalmente a sociologia do conhecimento e
uma filosofia de feição fenomenológica. De um lado, parte-se da concepção de que as comunidades
humanas e as comunidades de ciência, ao se realizarem como construtos históricos, são sempre
inacabados, portanto, estão em processo, estão em transformação e, por isso, se modificam enquanto
se constroem. Entretanto, e mesmo por isso, constroem os conceitos que as constroem, as modificam
e as destroem naquilo que não mais respondem às necessidades de seus componentes, para provocar
sempre a percepção e a indução de uma construção permanente. Dentre os conceitos chaves
explorados nesta reflexão estão, portanto, os conceitos de Sociedade e de Informação na medida em
que estes seriam essencialmente as duas faces de uma mesma moeda que vitaliza a própria existência
da Humanidade, mesmo nos ambientes de maior intensificação não gráfica. Essa essência vitalizadora
é Sociedade, que é Informação, que é Sociedade.
2 CONCEPÇÕES DE SOCIEDADE
A noção ou concepção do que seja sociedade resulta de construção histórica, que pode manifestar
nuances, mas, em nenhuma dessas, deixa de representar circunstância que ocorre imaterialmente num
dado ambiente do qual participam dois ou mais indivíduos humanos. Por essa perspectiva, a sociedade
não são grupos de indivíduos. Grupos de indivíduos podem constituir a lotação de um ônibus, trem,
navio, avião ou a população que assiste presencialmente a um espetáculo ou o público reunido em um
cinema, em um evento científico, dentre outros, mas não, necessariamente, constituem uma sociedade.
Para conceituar grupos de indivíduos as Ciências Sociais desenvolveram também o conceito de massa,
querendo reforçar a noção de encontros ocasionais, ad hoc, onde não há organização pré-estabelecida.
Para Berger (1994, p. 37) a sociedade se define como “[…] um grande complexo de
relações humanas ou, para usar uma linguagem mais técnica, um sistema de interação”. Isso,
então, ultrapassa a noção de sociedade como resultado da simples presença de indivíduos em
dado lugar. Reforçando esse conceito, o mesmo autor afirma que sociedade é então: “[…] um
complexo de relações […] suficientemente complexo para ser analisado em si mesmo, entendido
como uma entidade autônoma, comparada com outras da mesma espécie”. (BERGER, 1994,
p. 37). É no âmbito desse sistema de interação que se dá a ação social. Para Weber (2009, v. 1,
p. 3), ação social é “uma ação que, quanto ao seu sentido visado pelo agente ou os agentes, se
refere ao comportamento de outros, orientando-se por este em seu curso”. Nesse sentido, Berger
se manifesta sobre o significado que tem o termo social. Segundo ele, o social é a “qualidade de
interação, interrelação, reciprocidade” (BERGER, 1994, p. 37).
Considerando essa percepção, em que se reúne a reflexão de Weber à de Berger, na essência da
sociedade, ou do conceito de sociedade, está a própria informação em ação, que sendo ação social
mobiliza o agente conforme o que espera ser a reação do interlocutor.
GT1124
Mas em Elias, um pensador das Ciências Sociais, de grande expressão na segunda metade
do século XX, que se esforçou em construir uma distinção entre os conceitos de sociedade e de
indivíduos, há um chamamento à atenção sobre a necessidade de melhor se captar a definição de
sociedade. Em seu ensaio “A sociedade dos indivíduos”, originalmente escrito em 1939, ele inicia
afirmando:
Todos sabem o que se pretende dizer quando se usa a palavra sociedade, ou pelo menos
todos pensam saber. A palavra é passada de uma pessoa para outra como uma moeda cujo
valor fosse conhecido e cujo conteúdo já não precisasse ser testado. Quando uma pessoa diz
sociedade e outra a escuta, elas se entendem sem dificuldade. Mas será que realmente nos
entendemos? (ELIAS, 1994, p. 13).
É preciso considerar que essa questão continua a ser muito relevante, especialmente para os
esforços direcionados a produzir um conhecimento que seja válido para expor uma compreensão
sobre os cenários e condições de usos sociais da informação. Todo o esforço que Elias (1994) vai
empregar neste texto e em outros (ELIAS, 2008) vem no intuito de esmiuçar o sentido que tem
essa polarização conceitual: indivíduo e sociedade, sobretudo quando trata das ações sociais que se
deram no último milênio no ocidente e que foram, em grande parte, objeto de sua análise no estudo
O Processo Civilizador (ELIAS, 1993). A sua discussão apontava para a concepção de sociedade
no mesmo rumo mais tarde expresso por Berger (1994) e acima citada, isto é, que a sociedade é um
sistema de interação. Elias, em 1939, quando produziu esse texto, dizia:
O que nos falta são modelos conceituais e uma visão global mediante os quais possamos
tornar compreensível, no pensamento, aquilo que vivenciamos diariamente na realidade,
mediante os quais possamos compreender de que modo um grande número de indivíduos
compõem entre si algo maior e diferente de uma coleção de indivíduos isolados: como é que
eles formam uma sociedade e como sucede a essa sociedade poder modificar-se de maneiras
específicas, ter uma história que segue um curso não pretendido ou planejado por qualquer
dos indivíduos que a compõem. (ELIAS, 1994, p. 16)
Mais adiante, nesse mesmo texto, ele expunha, após resgatar o pensamento de Aristóteles sobre
a relação entre as pedras (partes) e a casa (todo), que a casa não seria tal pela simples acumulação
de pedras. O vir a ser casa seria explicável pela relação que se dava entre essas partes, ligadas
efetivamente por um elemento de relação, a argamassa. Ora, essa relação não é em si nem as partes
(pedras) e nem o todo (casa), mas é um “meio”. Pode considerar-se que sendo os indivíduos humanos
não simplesmente partes fechadas como pedras, mas sim os seus próprios modos de compreensão,
comunicação e, assim, cooperação, seriam essas manifestações que advém desses modos de
compreender e comunicação e, por isso, de tendência à cooperação, a própria essência da sociedade.
E é justamente no conjunto dessas manifestações que se formulam todas as bases para se conceber
que isso é a informação.
Porém antes de chegar-se à discussão das concepções de informação, pode-se passar, ainda que
rapidamente, pela reflexão de Flusser (1983), sobre as operações comunicativas dos indivíduos na
GT1125
sociedade. Segundo este filósofo tcheco, historicamente a humanidade construiu dois processos de
comunicação: o diálogo e o discurso. Pelo diálogo, se estabelece a relação de troca face a face, em que
os participantes estão em ação comunicacional presencial, o que lhes permite uma real relação de troca,
na medida em que o debate se faz iminente e concreto, pode-se dizer: corporal. Pelo discurso, a relação
comunicacional não é direta. Trata-se de uma relação mediada, em que o debate está condicionado
a um meio exterior aos corpos dos participantes. Pode-se dizer que ao telefone sua voz é a mesma
que se dá no ponto de emissão? Que na televisão a imagem do corpo que chega ao telespectador é a
mesma que foi captada pelo aparelho de filmagem? Que o discurso impresso é o mesmo que se faria
de viva voz? Então esse discurso, uma expressão que corre sobre outra, transformada num dispositivo
ou aparelho (FLUSSER, 2011), não é o mesmo que o diálogo, na medida em que está condicionado às
condições do equipamento ou recurso que o transmite. Esse discurso é forma condicionada por outras
formas, tornando-se complexos de informações, ou multiprojetos de informações. Nesse sentido,
quando se fala de informação também se pode aplicar a questão que Elias levantara para o conceito
de sociedade, isto é, o que se quer afirmar quando se fala o termo informação?
3 CONCEPÇÕES DE INFORMAÇÃO
Os estudiosos da Ciência da Informação têm desenvolvido grande esforço para “agarrar”
conceitualmente as várias noções que poderiam ser atribuídas para o todo que constitui o teor do que
se chama sociedade nas concepções acima expostas, com base em Berger (1994) e em Elias (1993;
1994; 2008). Isto é, todos os conceitos de informação que têm sido apresentados tendem a levar em
conta, num dado quadro de realidade criada nas relações entre indivíduos humanos, o que tem de
materialidade instrumental ou não, sendo configurado um movimento que tende a se objetivar através
de conceitos como: conhecimento de senso comum/conhecimento especializado, conhecimento
tácito/conhecimento explícito, etc. Notoriamente, o que está presente nesses conceitos se reporta às
noções de diálogo e discurso. O diálogo tem uma relação mais imediata com a sociedade informal,
ágrafa, mas não só com esta, pois situa o corpo do indivíduo como o recurso último de comunicação,
bem como do conhecimento como vivência; já o discurso tem uma relação mais consistente com a
sociedade formal, da escrita, em que o corpo do indivíduo supõe portar uma mente capaz de criar
e comandar de fora de seu próprio corpo o conhecimento, feito como produto do processamento
informacional. Essa atitude ilusória, nos parâmetros de discussão propostos por Flusser (1983; 2011)
está na base do conceito tomado pela Ciência da Informação como etapa histórica em que começou a
predominar e que permanece como um fenômeno da realidade atual, de acordo com Barreto (2007) a
Gestão da Informação. Por que ilusória? Porque todas as possibilidades de trabalhar com o fenômeno
das relações dos indivíduos humanos, estão condicionadas pelos aparelhos ou pelos pensamentos
que os constituem e que lhes permitem operar. É ilusório porque o cientista dessa informação está
subordinado pelo aparelho: pelas potencialidades e limites desse.
GT1126
Considerando seus aspectos históricos, como apresentados por Barreto (2007) ou
epistemológicos, como apresentados por Capurro (2003), há uma identificação de três momentos no
discurso do primeiro ou de três concepções no discurso do segundo em que surgem ou se definem
concepções do que seja a Ciência da Informação.
Em Barreto (2007, p. 25), esses momentos estão marcados no tempo, considerando o período
de sua predominância, mas sustentando a sua permanência e seus efeitos e práticas sociais e, por
isso, sobrepondo-se ao (ou convivendo com o) perfil instalado socialmente como predominante no
momento subsequente. São eles:
• Tempo gerência da informação de 1945 – 1980
• Tempo relação informação e conhecimento de 1980 – 1995
• Tempo do conhecimento interativo de 1995
Capurro (2003, s/p), afirma:
Minha tese é que a ciência da informação nasce em meados do século XX com um paradigma
físico, questionado por um enfoque cognitivo idealista e individualista, sendo este por sua
vez substituído por um paradigma pragmático e social. Nesse mesmo texto, Capurro (2003, s/p) detalha, então, o que entende sobre o alcance de cada
uma dessas concepções ou paradigmas. Em relação ao chamado paradigma físico, após analisar o
que lhe deu base, isto é, a information theory de Claude Shannon e Warren Weaver associada com a
cibernética de Norbert Wiener, o autor vai concluir:
Torna-se evidente que, no campo da ciência da informação, o que esse paradigma exclui
é nada menos que o papel ativo do sujeito cognoscente ou, de forma mais concreta, do
usuário, no processo de recuperação da informação científica, em particular, bem como em
todo processo informativo e comunicativo, em geral. Não por acaso, essa teoria refere-se a
um receptor (receiver) da mensagem. (CAPURRO, 2003, s/p)
Sobre o paradigma cognitivo, Capurro (2003, s/p) vai entender que representa a reação imediata
e necessária ao paradigma físico. Para ele, com o paradigma cognitivo se:
Trata de ver de que forma os processos informativos transformam ou não o usuário, entendido
em primeiro lugar como sujeito cognoscente possuidor de “modelos mentais” do “mundo
exterior” que são transformados durante o processo informacional. (CAPURRO, 2003, s/p)
Em relação ao chamado paradigma social, Capurro (2003, s/p) tece uma discussão, que,
partindo de Frohmann, a quem se refere, ressalta a importância de se considerar na ação da Ciência da
Informação os “processos sociais de produção, distribuição, intercâmbio e consumo de informação”
(...) e “A construção social dos processos informativos, ou seja, a constituição social das necessidades
dos usuários, dos arquivos de conhecimentos e dos esquemas de produção, transmissão, distribuição
e consumo de imagens”
Ora, essa diversidade de possibilidades de afirmação do que seja a Ciência da Informação vai
GT1127
desembocar em uma discussão que provoca como questão a formula exposta por Robredo (2007):
Existe uma filosofia da Ciência da Informação? Esse autor, ao fazer reflexão sobre tal questão,
inevitavelmente chega à necessidade de discutir um conceito de informação, o que resulta no
entendimento de que:
A ‘informação’ pode ser: registrada, duplicada, transmitida, armazenada, organizada,
processada, recuperada. (...) mas somente quando extraída da mente e codificada, pela
linguagem natural (falada ou escrita), seguindo normas e padrões (gramática, sintaxe) próprios
de cada língua, ou de outras linguagens criadas pelo homem (linguagens de programação,
que também têm suas gramáticas e sintaxes). Há, de fato, um processo de transformação do
conhecimento (dentro da mente) em ‘informação’ fora da mente. Então, ‘informação’ seria
o conhecimento ‘externalizado’, mediante algum tipo de codificação. Observe-se que isso
somente se aplica ao conhecimento já existente na mente. (...) A informação não é, pois,
uma entidade física, um objeto tangível, visível, audível. O que se toca, se vê ou se ouve é o
‘documento’ escrito, gravado, etc. contendo conhecimento registrado, em geral, mediante um
código de representação. (ROBREDO, 2007, p. 60-61)
Nessa linha de reflexão, que visa formular uma compreensão do objeto informação, em longo
texto de 59 páginas, Capurro e Hjorland (2007), em acurada análise do conceito de Informação, iniciamno com a afirmação de que no inglês cotidiano informação significa “conhecimento comunicado”.
E seguem o estudo, repassando os vários sentidos dados historicamente ao termo. Os autores vão
às suas raízes latinas e gregas, verificam os usos modernos e pós-modernos, examinam o seu caráter
interdisciplinar, discorrem sobre o uso do conceito nas ciências naturais, nas ciências humanas e sociais
e chegam à sua análise do ponto de vista da Ciência da Informação. Com mais detalhe, examinam
já no campo da Ciência da Informação: o conceito de recuperação da informação em confronto com
informação; o conceito de informação em contraste com a noção de coletânea de fatos; a noção de
informação em contraste com divisão científica do trabalho; as diferentes manifestações sobre as teorias
da informação em Ciência da Informação; a visão cognitiva da Ciência da Informação; a informação
como coisa e outras perspectivas associadas ao sociocognotivismo, hermenêutica, semiótica e análise de
domínio. No final desse longo percurso, concluem que há muitos conceitos de informação e que esses
estão inseridos em estruturas teóricas mais ou menos explicitas; que:
a distinção mais importante é aquela entre informação como um objeto ou coisa
e informação como um conceito subjetivo, informação como signo; isto é, como
dependente da interpretação de um agente cognitivo. (CAPURRO; HJORLAND,
2007, p. 193).
Considerando a discussão acima, vê-se uma predisposição para situar objeto e ação da Ciência
da Informação em torno do fenômeno comunicacional. Ele está no início da reflexão de Capurro e
Hjorland (2007), se expande quando de sua reflexão epistemológica feita por Capurro (2003) e guarda
sentido com a historicidade da Ciência da Informação, fórmula escolhida por Barreto (2007) para
tratar da Ciência da Informação como campo. Quando se chega à reflexão de Robredo (2007) fica
ainda mais evidente essa perspectiva comunicacional pela sua afirmação de que “informação seria o
GT1128
conhecimento externalizado, mediante algum tipo de codificação”. Nessa concepção, então, pode-se
compreender que a informação é o elo que “liga” os indivíduos dando-lhes a condição de existirem
em sociedade, o que daria sentido aos conceitos de sociedade propostos por Berger (um sistema
de interação), por Elias (conjunto de relações) e Weber (a ação social parte de um indivíduo e está
sempre orientada ao outro). Confrontando essas concepções com o pensamento de Flusser (1983;
2011), vê-se que essa informação como pensada no campo da Ciência da Informação não está no
âmbito do diálogo, mas no plano do discurso, especialmente quando considerado o paradigma físico,
em que se objetiva a presença do documento, como enfatizado por Robredo.
Diante disso, torna-se possível apresentar-se nesta comunicação a proposição de uma concepção
de informação, para uso no campo da Ciência da Informação que, coerente com a discussão até agora
exposta, insere as noções de sociedade de Weber (2009), Elias (1993; 1994; 2008) e Berger (1994)
e as noções de comunicação de Flusser (1983; 2011). Tal proposição se expressa pelo seguinte teor:
Informação é o conteúdo exposto por meio de sinais, de signos ou de símbolos construídos
pela intelecção humana, originados das sensações ou idealizados, e que se destina a instituir,
reproduzir e transformar a sociedade; é gerado e utilizado pelos indivíduos em suas múltiplas
relações, como expressão dos papéis que exercem, e tornado fluente pelos dispositivos
continuamente criados para assegurar a realização dos processos de comunicação; depende
do emprego direto da energia humana ou de fontes de energia construídas pelo engenho
humano.
4 CONDIÇÕES E CENÁRIOS DOS USOS SOCIAIS DA INFORMAÇÃO
As concepções de sociedade, informação só adquirem todo o sentido na medida em que estão
situadas. É por essa razão que sofrem os efeitos dos fatores de tempo e espaço, quando se leva em
conta as narrativas como as apresentadas no livro Destruição do passado, de Stille (2005). Mesmo
quando o cotidiano entra em consideração, ele deverá ser entendido como o quadro de existência,
vivência e relação dos indivíduos dentro de sua circunstância, como refletia Ortega y Gasset (2010).
Desse modo, entram em cena as noções de cenários e condições da realidade em que os indivíduos
estavam situados ou para falar a partir do campo da Ciência da Informação, estão em jogo as condições
de uso social da informação.
Pode-se considerar que o uso social de um objeto material (um telescópio) ou do pensamento (o
conceito de informação), por exemplo, tem implicações com uma ou mais funções a eles atribuídas
pelos indivíduos que constroem e vivem a sociedade. Isto viria a exame ao se considerar que “uso
social” é equivalente à “função social” que o objeto cumpre. Uma exemplificação (elaborada
artisticamente) do uso ou função social do telescópio, quando de sua aplicação inicial por Galileu
Galilei, pode ser vista na peça teatral A vida de Galileu, de Brecht (1991). Isto coloca como inicial o
saber sobre o que vem a ser o objeto material ou o objeto do pensamento que está diante do indivíduo.
E decorrente desse saber, dessa assimilação de um conteúdo, virão outras questões, como: Que função
social tem o telescópio? Quais resultados decorrem do exercício dessa função ou de seu uso, tendo em
vista a finalidade pretendida? Essa função social é unidirecional ou tem múltiplo foco? As mesmas
GT1129
perguntas podem ser feitas para o conceito de informação. Por isso, está exposta a discussão no tópico
anterior deste texto, mesmo que, supostamente, se saiba conceituar informação nos dias atuais e no
campo da Ciência da Informação. Mas que função social tem a Informação nos distintos campos em
que ela se aplica? Quais resultados decorrem do exercício dessa função ou de seu uso, tendo em vista
a finalidade pretendida? Essa função social é unidirecional ou tem múltiplo foco?
Um primeiro aspecto que se pode considerar, em uma grande dimensão, é que a Informação
tem uma dupla função ou uso social. A primeira função tem foco na Economia, isto é, toda a realidade
material ou imaterial que é constituída pelos fatores que podem ser tomados como fontes de distinção,
objetivante, de escassez e objeto de disputa entre indivíduos-pessoas (EU) ou indivíduos-sociedades
(NÓS) em torno desta distinção. A segunda função tem como foco a Conformação ou Normalização
dos indivíduos-pessoas (EU) ou indivíduos-sociedades (NÓS) em torno de compromissos pactuados
conscientemente pelas partes envolvidas ou impostos pelos detentores dos meios e/ou discursos
materiais e imateriais de regulação: Igreja (religião), Estado (força bélica, força tributadora, força
jurídica, etc.), Empresa (força econômica), etc. Um segundo aspecto, não menos forte, é que a
informação subsume a comunicação, transformando esta última em um dos vetores de sua realização.
A informação se faz por meio de sinais, de signos ou de símbolos construídos pela intelecção
humana com o propósito de dar eficácia ao processo de comunicação. Sinais, signos e símbolos
são instrumentos que a informação utiliza para se realizar como um objeto do pensamento. E esses
sinais, signos e símbolos, em sendo resultado de produção histórica para comunicar a informação
proporcionam impactos, sobretudo, na produção social e econômica, por isso, competem entre si e
também se distinguem em sua visualidade conforme a origem do grupo humano que lhe formulou.
Dessa distinção, se sabe claramente pelas diferenças visíveis entre os caracteres mandarins, árabes,
latinos, etc. com seus distintos níveis de dificuldades para decodificação, exigindo do leitor o
letramento necessário para “receber” a informação que carregam, quando organizados em unidades
lingüísticas sob o plano sintático e semântico.
Consideradas essas condições de uso social da informação, pode-se investigar sua presença
em alguns cenários construídos como recurso analítico para se apreciar dois aspectos apontados
na concepção de sociedade em Berger, em Elias e em Weber, isto é, relação e interação entre os
indivíduos como fenômenos de efetivação da sociedade. Abaixo estão destacados oito cenários que
cabem em dois extratos: a – de foco econômico, ao qual se vincula apenas um cenário e b – de foco
conformador ou de normalização, ao qual se vinculam seis cenários.
Numa aproximação inicial, o que se vislumbra é a impossibilidade de quaisquer uns desses
cenários serem tornados ativos pela exclusiva participação de um único indivíduo. Qualquer um deles
requer a presença de indivíduos-pessoas (EU) em relação ou interação num ambiente de indivíduossociedades (NÓS).
a) Extrato de FOCO ECONÔMICO:
GT1130
1 – Cenário: Produção Econômica e controle da escassez – Desse cenário participam: quem produz e
troca bem ou bens num ambiente de mercado. A produção econômica em si responde às necessidades
de consumo, como uma primeira referência do outro apontado na discussão de Weber (2009). Quer
dizer que o produtor econômico desenvolve sua ação de produção, que é social, porque está mirando
uma fonte de necessidade do produto criado e a ser distribuído. Por mais linear e imediato que possa
ser esse raciocínio, mesmo em uma relação de escambo, ou de mercado sem moeda, há necessidades
de objetos ou bens de terceira produção. Aqui estaria presumida a ideia de diferentes vocações
produtivas, mesmo em um contexto extrativista, em parte determinado também pelas disponibilidades
que estariam naturalmente limitadas pelas especificidades de solo, flora, fauna, disponibilidades de
instrumentos, etc. As relações e interações ai estabelecidas forjam modos de, em torno dos objetos
materiais-fins (mercadorias palpáveis pelo tato, por exemplo), se comunicarem conteúdos como
objetos de pensamentos-pró-meios (o nome da mercadoria, a orientação sobre seu uso ou consumo,
a instrução sobre sua conservação, etc.). Num estágio mais avançado ou complexo das relações
estabelecidas pelos indivíduos, objetos de pensamentos-pró-meios adquirem características de objetos
imateriais-fins. Esses têm seus conteúdos comunicados por objetos de pensamentos-pró-meios (um
tratado sobre o conceito de informação, por exemplo), numa relação interativa entre pesquisadores/
docentes de Ciência da Informação e seus alunos ou financiadores de projetos de pesquisa, em um
mercado de produção-consumo de informação científica, subordinados a um projeto de política
pública de desenvolvimento e inovação de conhecimento.
b) Extrato de FOCO CONFORMADOR OU DE NORMALIZAÇÃO:
1 – Cenário: Governo e regulação da cidadania
2 – Cenário: Cultura e valoração estética
3 – Cenário: Religião e apaziguamento da consciência
4 – Cenário: Desportos e sublimação guerreira
5 – Cenário: Infraestrutura energética
6 – Cenário: Acessibilidade e uso do conhecimento
Nesse conjunto de cenários verificam-se fenômenos da mesma ordem dos manifestados no
Cenário: Produção Econômica e controle da escassez, sobretudo quando se projeta a ideia de que
objetos imateriais-fins têm seus conteúdos comunicados por objetos de pensamentos-pró-meios. Mas
o que passa a predominar são especificidades em que o fator econômico ou razões que se impõem ao
argumento da escassez sejam prevalentes, ainda quando possam ter um peso aparentemente muito
significativo. Considere-se o Cenário: Governo e regulação da cidadania. O que há aí? Se for tomado
para a reflexão o pensamento de Flusser (2011), há aí a manifestação do aparelho, isto é um conjunto
de normas que regulam a atuação dos indivíduos partícipes das relações que aí se desenvolvem.
Normas essas que são executadas a partir de conteúdos comunicados por objetos de pensamentosGT1131
pró-meios, por exemplo, a Legislação estabelecida para a mediação das relações entre os indivíduos.
Poder-se-á abrir a discussão se caberia ao Cenário: Cultura e valoração estética aplicar o
entendimento que o enquadra como parte do foco conformador ou de normalização. Essa discussão
impõe duas direções, conforme sejam as arenas de suas manifestações. Quando da execução da
atividade fim, um espetáculo teatral, por exemplo, ou a execução musical em pequenas salas ou
espaços que facilitem a interação “direta” entre executante e audiência, sempre está potencializada
a relação comunicacional dialógica. Essa possibilidade da intervenção de uma plateia sobre o artista
não elimina, contudo, outras facetas relacionadas ao próprio modo de organização do conteúdo, as
técnicas empregadas, os equipamentos utilizados, em que o artista tem o poder discricionário de
realizar suas escolhas, conforme o conhecimento e informações de que dispõe. De outro lado, no
caso da cultura distribuída por canais de comunicação de massa, em que a transferência do conteúdo
se dá por uma mediação instrumental tecnológica, que dispõe o produto artístico simultaneamente
para grupos diversos, em locais distintos, sem a possibilidade de estes intervierem enquanto se dá a
execução original do espetáculo; fica patente o efeito de conformação ou de normalização empregado
para a geração do conteúdo realizado neste cenário.
Certamente, a análise de cada um desses cenários apontará para o acento do efeito de
conformação ou de normalização que se argumenta ao considerar a relação discurso/diálogo. Mas,
se pode enfatizar, sem a intenção de dar menor importância aos demais, os Cenários: Infraestrutura
energética e Acessibilidade e uso do conhecimento.
Dá para dizer que a infraestrutura energética disponível nos dias atuais é surpreendentemente
modeladora – conformadora e normalizadora – das ações humanas nos distintos lugares e regiões
em que as pessoas habitam, tendo em conta os recursos naturais de que dispõem, os conhecimentos
que sabem empregar para explorá-los, os capitais financeiros a que têm acesso para investimento na
captura, transformação, mercadorização e distribuição dos produtos finais derivados e apropriados ao
uso. As fontes energéticas variam desde a força animal (incluída a força do homem), até às forças que
vêm dos cursos d`água, do vento, do sol, do átomo, de várias fontes de biomassa, etc.
Há, hoje, grandes investimentos realizados no aproveitamento maciço das diversas fontes
energéticas. Eles totalizam bilhões de dólares anuais, decorrente de um crescimento contínuo de
demanda (ENERGY developments, p. 2) e da progressiva inclusão anual de milhões de pessoas
de todos os continentes do planeta, que ainda não dispõem da provisão regular de eletricidade
ou decorrente do crescimento da atividade industrial e da aceleração do uso de dispositivos de
comunicação e transferência eletrônica de dados. Mas, em função do crescimento tido como
necessário, considerando estimativas do ano de 2010, se impõem como inescapáveis, investimentos
anuais de aproximadamente 36 bilhões de dólares, totalizando mais de 700 bilhões até o ano de 2030,
somente em fontes renováveis de energia. Isso atenderia à oferta de melhoria de qualidade de vida no
planeta, pois supriria milhões de pessoas, atualmente e nos próximos anos, sem acesso à eletricidade
e a meios de uso de combustíveis para uso doméstico (INTERNATIONAL ENERGY AGENCY).
GT1132
Mas não há somente pessoas sem combustíveis necessários para o seu dia a dia. Há nesse dia
a dia um crescimento vertiginoso das demandas de energia que advém da presença cada vez maior
de indivíduos envolvidos com o uso dos instrumentos de comunicação e transferência eletrônica de
dados e conteúdos e deles tornando-se dependentes, isto é, passando a ser conformados pelos limites
técnicos desses instrumentos e pela sua normalização quanto ao acesso, uso, disponibilização e custos.
Segundo registros feitos em 2010 pelo site INDEX MUNDI (NÚMERO DE ...), nos sete primeiros
países por quantidade de usuários (China, Estados Unidos, Japão, Brasil, Alemanha, Índia e Reino
Unido), de um total de 216 países, havia perto de um bilhão de pessoas usuárias da internet. Se o
olhar dirige-se à quantidade e tipo de transações realizadas em 2010 conforme o recurso empregado,
então os números tendem a ser estarrecedores. A fonte Internet 2010 in numbers arrola o seguinte:
de E-mails foram: 107 trilhões de mensagens enviadas; 294 bilhões o número médio de e-mails
emitidos por dia; 1 bilhão e 880 milhões o número de usuários de e-mail ao redor do mundo; 480
milhões o número de novos usuários a mais que em 2009; 262 bilhões o número de spam enviado
por dia; 2 bilhões e 900 milhões o número de contas de e-mail; desse número, 25% das contas de
e-mails são corporativas. De sites: surgiram 21 milhões e 400 mil novos sites em 2010; havia 255
milhões de sites em dezembro desse ano. De domínios havia: 88 milhões e 800 mil sites com final
.com; 13 milhões e 200 mil sites com domínio .net; 8,6 milhões de sites com final .org; 79,2 milhões
de códigos de domínios de países; em relação ao número anterior, foi de 7% o aumento no número de
novos domínios. Nas mídias sociais havia: 152 milhões de blogs; 25 bilhões de tweets; 100 milhões
de novas contas no Twitter; 175 milhões de novas contas registradas de setembro ao final do ano;
600 milhões de pessoas no Facebook; 250 milhões de novas contas no Facebook; 30 bilhões de itens
de conteúdo compartilhado no Facebook (links, fotos, status); 70% de usuários do Facebook fora
dos Estados Unidos; 20 milhões de aplicativos para o Facebook instalados por dia. Em Vídeos: dois
bilhões de vídeos foram vistos só no YouTube; 35 horas de vídeo são enviados ao YouTube a cada
minuto; 186 é o número médio de vídeos visto por um usuário americano comum; 84% é a chance dos
usuários da web assistir vídeos online nos EUA; 14% dos usuários americanos têm vídeos postados
na web; mais de dois bilhões de vídeos foram assistidos no Facebook; 20 milhões foi o número de
vídeo enviados ao Facebook por mês. Em Imagens: cinco bilhões de fotos foram postados no Flickr
do seu início até setembro de 2010; três mil fotos foram enviadas por minuto para o Flickr; 130
milhões de fotos foi a média que o Flickr recebeu por mês. O Facebook deverá ter recebido 36 bilhões
de fotos no final de 2010.
Diante desse volumoso fluxo de operações que compõe o Cenário: Acessibilidade e uso do
conhecimento, o qual para ser funcional é totalmente dependente das condições asseguradas pelas
disponibilidades oferecidas pelo Cenário: Infraestrutura energética, parece impossível deixar de
imaginar que está aí uma confirmação da inevitabilidade da conformação dos indivíduos ao aparelho
e a conseqüente subordinação à normatividade. Nesse caso, essa conformação e essa subordinação
constituem a informação que faz da relação das pessoas que aí interagem, o que vem sendo chamado
GT1133
de sociedade da informação.
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Ao final desta reflexão, chega-se a compreender que há um debate em aberto, continuamente
em aberto, em torno dos conceitos de informação e sociedade. Este debate se impõe como parte de
um movimento dialógico que envolve a todos na direção de uma resignificação do lugar do humano.
Quando as pessoas humanas, também designadas indivíduos interagem é, aí, nesse momento de
relações mútuas, que se estabelece a sociedade.
Assim, o conceito de sociedade não está dotado da autonomia necessária para representar as
populações de uma dada nação, com Estado constituído e com suas distintas comunidades, incluídos
os profissionais da ciência, para ser tida como receptora de políticas de informação.
Uma perspectiva surpreendente é que o conceito de sociedade, ainda que não possa ser tomado
como sinônimo imediato do conceito de informação, naquilo que concerne ao campo da Ciência
da Informação, ao ser considerado o olhar teórico empregado no desenrolar desta discussão, tem
tanta similaridade com aquele, quanto à essência própria, que se tornam ambos, numa imagem,
representáveis na figura de uma moeda, as faces indistintas da mesma. Talvez uma imagem ainda
mais representativa seja a de informação e de sociedade figurando-se como as páginas que constituem
uma folha de papel, sem pauta e sem definição a priori de frente e de verso.
Considerando essa perspectiva o que se chama de sociedade da informação não seria tão
somente um conjunto de mundos humanos interagentes ou em relação pelo uso de conteúdos com fins
econômicos e de conformação em torno da existência? E, em sendo assim, denominar tais mundos de
sociedade da informação não seria uma forma de escamotear interesses de dominação e mando que,
se dando pela relação dos contatos dialógicos de núcleos muito concentrados de poder, transformam
as transações de máquinas em discursos que, no interesse majoritariamente econômico, dominam
as relações humanas assimilando as pessoas a funções complementares ao mero, mas não menos
significativo funcionamento esterilizante das máquinas?
GT1134
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GT1135
Abstract
It aims to expose an epistemological reflection on the Information Science. The reflection begins of a
discussion of concepts society and information, and places under review, from the idea of social uses
of information, a framework for analysis consists of two out breaks that have been drawing in recent
years, given the predominance of human submission to technological devices used, as an acceleration
of communications and improving economic productivity, to give effect to economic approaches or
compliance/standard of human existence and relationships and interactions that would set as society,
to the detriment of other aspects of this existence. For the reflection takes as a reference mainly
theoretical sociology of knowledge and a phenomenological philosophy of feature. It starts with the
assumption that human communities and communities of science, to develop as historical constructs
are unfinished, therefore, are in the process, are changing and, therefore, are modified as they build.
It presented a concept of information that will be representative for Information Science and that
takes into account the theoretical foundations employees. Finally, sets forth the understanding that
the concepts of society and information would be representable as two pages of a sheet of paper with
no lines and no indication of front and back.
Keywords: Society. Information. Social use of information. Epistemology.
GT1136
COMUNICAÇÃO ORAL
ABORDAGEM FENOMENOLÓGICA EM CIÊNCIA DA
INFORMAÇÃO: QUESTÕES E DESAFIOS NO CENÁRIO DA
PESQUISA
José Mauro Matheus Loureiro, Maria Lúcia Niemeyer Matheus Loureiro,
Sabrina Damasceno Silva, Daniel Maurício Vianna Souza
Resumo: O texto apresenta uma síntese sobre Fenomenologia, refletindo sobre sua relação
possível com a Ciência da Informação. Enfoca aspectos relacionados à metodologia da pesquisa, à
interdisciplinaridade e à busca de novos objetos e campos de aplicação pela Ciência da Informação.
A partir da análise fenomenológica de Martin Heidegger sobre a obra de arte, reflete sobre questões
relacionadas às pesquisas no campo da Informação em Arte.
Palavras-chave: Ciência da Informação; Fenomenologia; Metodologia da Pesquisa; Informação em
Arte.
Abstract: The text presents a synthesis of phenomenology, reflecting on its possible relationship with
Information Science. It focuses on aspects related to the research methodology, interdisciplinarity
and the search for new objects and fields of application for Information Science. From the
phenomenological analysis of Martin Heidegger on the artwork, it raises questions related to the
field of Information in Art.
Keywords: Information Science; Phenomenology; Research methodology; Information in art.
1. INTRODUÇÃO
As características que singularizam a Ciência da Informação e o vasto território teóricoconceitual que envolve sua inter-relação possível com a Fenomenologia estimulam reflexões e
desafios no cenário da pesquisa. O presente texto aborda a Fenomenologia por meio de uma síntese
que privilegia as perspectivas essenciais desse universo complexo e heterogêneo, discute seus reflexos
no âmbito de Metodologia da Pesquisa e propõe questões relacionadas à pesquisa na área de Ciência
da Informação, enfatizando novos objetos e campos de aplicação e reflexão, como a Informação em
Arte.
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2. ALGUMAS PALAVRAS SOBRE FENOMENOLOGIA
Etimologicamente o termo fenomenologia significa estudo ou ciência do fenômeno. Contudo,
a categoria fenômeno, entendida “como tudo o que aparece” (DARTIGUES, 1973, p.11), confere
grande abrangência ao termo levando a considerar como fenomenólogo todo estudioso dedicado
ao estudo de algum fenômeno. Ricoeur (1987, p.87) adverte, entretanto, que “se nos atemos à
etimologia, qualquer um que trate da maneira de aparecer do que quer que seja, qualquer um, por
conseguinte, que descreva aparências ou aparições, faz fenomenologia”. Sem desconhecer, portanto,
os empreendimentos anteriores que empregaram tal termo21, a Fenomenologia que influenciará
de maneira indelével o pensamento do século XX se dá a partir das noções e conceitos propostos
por Husserl que se diferenciou dos pensadores precedentes ao afirmar que os sentidos do ser e do
fenômeno são indissociáveis.
A gênese da fenomenologia ocorre em um ambiente filosófico caracterizado, principalmente na
Alemanha, pela perda da tradição idealista, pelo questionamento dos sistemas filosóficos tradicionais
e a preponderância da perspectiva neo-kantiana. A esses elementos soma-se, ainda, a falência dos
modelos metafísicos e o questionamento do panorama positivista. Esse ambiente de crise é constatado
por Husserl (1996, p.13) ao denunciar o estado de decadência em que se encontrava a filosofia
ocidental desde meados do século XIX, além da “falta de unidade na determinação de objetivos,
colocação dos problemas e no método”.
Foi nesse contexto que Husserl procurou primordialmente estruturar uma filosofia que reunisse
em si o universo metafísico e o rigor da ciência. O elemento central dessa perspectiva filosófica,
descartando as reflexões metafísicas, volta-se para a análise do fenômeno tomado no sentido do
vocábulo grego phainesthai – do qual deriva o particípio phainomenon, aparecer, aquilo que se
apresenta ou que se mostra. A tentativa de Husserl, que se opunha ao psicologismo e ao subjetivismo,
foi desenvolver a fenomenologia como filosofia primeira apta a prover uma sólida base para todas as
demais ciências.
O grande objetivo da obra husserliana foi configurar a filosofia como ciência do rigor e prover
sólidos fundamentos à ciência refletindo acerca dos elementos da experiência em sua totalidade,
considerando sua natureza e as diferenciações que apresenta. O que o levou a empreender tal indagação
foi a percepção de que “o fenômeno está penetrado no pensamento, isto é, de logos; este por sua vez
revela-se, mas somente no fenômeno. É apenas a partir daí que se torna factível a ‘fenomenologia’ ”.
(DARTIGUES, 1973, p. 20)
A fenomenologia volta-se, assim, para o estudo e as reflexões dos fenômenos absolutos ou puros,
por meio de procedimentos descritivos ou analíticos, descartando a atividade dedutiva. Fenômeno é
compreendido como algo apreendido pelos sentidos e portador de uma essência. Por não se tratar
21 Como exemplos, podemos citar Lambert, Kant e Hegel cuja ‘Fenomenologia do Espírito’ torna a palavra de uso freqüente na
Filosofia.
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de uma construção, mas de alguma coisa sempre acessível aos sujeitos, Husserl conclui que o logos
(pensamento racional) também o é, o que o leva a propor “uma filosofia nova que realizaria enfim o
sonho de toda filosofia: tornar-se uma ciência rigorosa”. (DARTIGUES, 1973, p. 20)
A Fenomenologia não se apresenta como uma doutrina unificada, mas como um universo
de reflexão que pode ser sintetizado por três diferentes tradições, as quais se ancoram em suas
perspectivas originárias: a “fenomenologia transcendental” ou “descritiva”, desenvolvida por Husserl;
a “interpretativa” ou “hermenêutica”, iniciada por Heidegger e uma fenomenologia “integrativa” desenvolvida a partir da década de 90 do século XX – que pretende inter-relacionar as duas primeiras.22
Do ‘horizonte’ husserliano, entendido como ‘mundo da vida’, à linguagem na filosofia de
Martin Heidegger, e daí à tradição ou à ‘história-eficaz’ na obra de Hans Georg Gadamer,
há muitas rupturas, tensões, muitos atalhos sinuosos, além da pura continuidade intelectual.
De todo modo, preserva-se a idéia básica: pré-compreensões atuam inevitavelmente nos
bastidores inconscientes em que se engendram as proposições, mesmo as científicas (...).
(SOARES, 1994, p.12)
Quanto às abordagens hermenêuticas, é imprescindível diferenciá-las ainda que de modo
conciso. Inicialmente desenvolvida por Heidegger, a “hermenêutica-ontológica” teve sua continuidade
no “acontecer lingüístico na tradição” proposto por Gadamer. Em um diálogo com ambos os autores,
Ricoeur privilegia, mais tarde, uma “fenomenologia orientada lingüisticamente”. As críticas e
debates contemporâneos trazidos por autores pós-modernos sobre os diversos rumos hermenêuticos,
destacam-se por enfocar diferentes atividades em estruturas específicas de interpretação objetivando
fomentar a interação comunicativa.
Todas essas fenomenologias, entretanto, possuem como traços basilares as obras iniciais de
Husserl. Ainda que submetida a diferentes interpretações, é possível sublinhar a preeminência de
alguns aspectos essenciais que integram suas abordagens analíticas até a atualidade. Prevalece, em
linhas gerais, a oposição primordial ao Positivismo, a exclusão das abordagens metafísicas, as reflexões
acerca dos fenômenos puros, o acionamento da experiência intuitiva como elemento apto para a
apreensão do mundo exterior e o primado da análise descritiva dos fenômenos que se apresentam no
âmbito da consciência transcendental. A análise fenomenológica, por princípio acrítica e, portanto,
isenta de juízos oriundos de valores subjetivos, não se volta para fatos, mas para essências (eidos) e a
percepção da essência dos atos (epoché).
Resgatar o pathos próprio da filosofia é a grande motivação da fenomenologia. Chamamos aqui
de fenomenologia não só a filosofia de Edmund Husserl e Heidegger, mas a de todos aqueles que
pensaram sob a inspiração do fenômeno. A fenomenologia tem o sentido amplo de uma busca não
só de fundamento, mas, essencialmente, de ‘correspondência’. Por isso, o lógos do fenômeno é,
no fundo, uma ‘homologia do fenômeno’. Se, na tradição, costumou-se traduzir o nome filosofia
por amor à sabedoria, a fenomenologia é, propriamente, o amor à correspondência. Sua questão é
mais saber-corresponder (homologia) do que saber. (SCHUBACH, 1996, p.32)
22 Com essa síntese, buscamos traçar um panorama radicalmente sucinto do universo da Fenomenologia. Cabe ressaltar a coexistência
de outras correntes de pensamento fenomenológico nos âmbitos da Filosofia, Ciências Humanas e Sociais.
GT1139
À pergunta “o que é fenomenologia?” corresponde uma heterogênea gama de respostas que
contemplam distintas linhagens e mediações. É necessário, assim, estar atento à sua assimetria
constitutiva e à multiplicidade de seus pressupostos. Abordar a Fenomenologia, como sublinha
Giddens (1996, p. 37), não constitui a descrição de um pensamento simples e unificado.
3. A ESTREITA RELAÇÃO FENOMENOLOGIA-METODOLOGIA
Ao fazer referências aos princípios fenomenológicos adotados no âmbito da Metodologia da
Pesquisa nas várias áreas do conhecimento, emergem dificuldades advindas de sua heterogeneidade.
Desse modo, adotamos uma visada a partir da qual são focalizadas as metodologias oriundas da
fenomenologia em seus princípios gerais, que vêm permeando de maneira transversal e singular as
várias esferas dos saberes em concorrência com diferentes domínios epistemológicos.
Ao fazermos referências às premissas da fenomenologia, encontramo-nos concomitantemente
aludindo à sua metodologia e vice-versa – ambas são, portanto, consubstanciais. Essa afirmativa é
confirmada pelo próprio Husserl que, em um verbete publicado em 1929 na Enciclopédia Britânica,
define a Fenomenologia como um método.23 Merleau-Ponty (1999, p. 7) afirma igualmente que a
fenomenologia compreende “o ensaio de uma descrição direta de nossa experiência tal como ela se
processa e sem qualquer preocupação com sua gênese psicológica ou com suas explicações causais
que o sábio, o historiador ou o sociólogo lhe podem fornecer”.
A metodologia da pesquisa ocupa-se sistematicamente com os princípios lógicos que balizam
a pesquisa científica e filosófica. Quando implicada nas análises e descrições fenomenológicas
caracterizam-se, principalmente, pela renúncia às abordagens hipotético-dedutivas ancoradas no solo
positivista e a elaboração e experimentação de hipóteses. Contrariamente aos horizontes metodológicos
cartesianos e positivistas cujos instrumentos propiciam o enquadramento dos fenômenos em
perspectivas quantitativas vinculadas a leis e princípios, a metodologia fenomenológica encaminha
o pesquisador para a descrição interpretativa do fenômeno. Volta-se, assim, à construção de uma
dinâmica racional centrada na experiência humana contada na primeira pessoa (CAVEDON, 2001).
Considerando o existencial, que não pode ser decomposto em uma realidade natural, as análises
fenomenológicas não buscam verdades definitivas, mas a possibilidade de interpretações diferenciadas
dos fenômenos, razão pela qual não parte de métodos previamente definidos.
Como metodologia da pesquisa, a abordagem fenomenológica passa a ser, conseqüentemente,
a análise/estudo dos fatos vividos da consciência na sua pura generalidade essencial e não como
fatos realmente experimentados e apreendidos empiricamente por seres conscientes. Os estudos
e análises fenomenológicos partem de um cogito transcendental na busca de uma perspectiva em
que um indivíduo (sujeito) extramundano se dirija ao mundo. O caminho que conduz ao universo
23 O verbete, intitulado “Phenomenology”, foi produzido originalmente para a Encyclopaedia Britannica. 14th Ed. Vol.
17 (1929): 699-702.
GT1140
específico da fenomenologia é o processo de redução. Destacam-se aqui a redução eidética e a
redução fenomenológica. Na primeira, procuram-se essências ou significados através da busca
do “significado ideal e não empírico dos elementos empíricos” (Husserl, 1985, p. xii). A redução
fenomenológica, por sua vez, opera uma redução transcendental que se dirige à essência da própria
consciência “enquanto constituidora ou produtora das essências ideais” (FRAGATA, 1959, p. 135).
Não se trata, entretanto, de negar a existência do mundo, mas de colocá-lo entre parênteses, em
uma perspectiva de relativização do conhecimento. A constituição de um objeto de pensamento é a
essência (ou eidos).
Baseado em Brentano, Husserl propõe a consciência como intencionalidade - conceito proveniente
da Escolástica e essencial para a Fenomenologia, e que significa “dirigir-se para, visar alguma coisa”
(HUSSERL, 1985, p. ix). A consciência tomada como intencionalidade distingue-se sempre como
consciência de. É a intencionalidade, propõe Husserl, que caracteriza em sentido pleno a consciência,
ensejando, ainda, entender o curso da vivência como curso consciente e unidade de consciência. A
intencionalidade se encontra qualificada como imanência pura, possuindo como ponto de partida o
eu puro cujos elementos não possuem configuração psicológica. Para Husserl (1996, p. 48), “a palavra
intencionalidade significa apenas esta particularidade intrínseca e geral que a consciência tem de ser
consciência de qualquer coisa, de trazer, na sua qualidade de cogito, o seu cogitatum próprio”.
Para os fenomenólogos, a metodologia da pesquisa parte do pressuposto de que o mundo que
pretendem abordar é intersubjetivamente construído por significados. Para sua compreensão, priorizase a experiência do indivíduo no mundo aplicando-se métodos nos quais predominam análises
conceituais, análises lingüísticas, abordagens hermenêuticas e lógica formal. Há que se abandonar
qualquer hipótese prévia acerca do mundo adotando uma perspectiva reflexiva. A metodologia da
pesquisa de base fenomenológica volta-se para o questionamento da experiência do fenômeno na
consciência procurando entender como os agentes constroem os significados. Considera-se que a
experiência de mundo dos Sujeitos ocorre com e por meio do Outro, modo pelo qual convencionamos
nossa visão do mundo; todo e qualquer significado por nós criado encontra-se vinculado às ações
humanas. A fenomenologia busca apreender a essência da natureza humana e os significados conferidos
pelos Sujeitos às suas experiências. Para tanto, o pesquisador deve colocar o mundo externo entre
parênteses detendo-se unicamente na percepção do mundo a ser analisado.
4. CIÊNCIA DA INFORMAÇÃO E INTERDISCIPLINARIDADE
A afirmação do estatuto científico da Ciência da Informação e sua posição nos quadros da ciência
moderna vêm sendo objeto de estudo da disciplina desde sua institucionalização24. Estudos e reflexões
sobre a área são marcados pelo empenho em confrontá-la com as ciências clássicas, assinalando
24 Exemplos dos esforços voltados para a afirmação da cientificidade da Ciência de Informação podem ser percebidos nas tentativas
de sua incorporação ao universo das Ciências Humanas ou Sociais. (PINHEIRO, 1999)
GT1141
suas características singulares e marcas distintivas. Wersig (1993), por exemplo, qualifica a Ciência
da Informação como “ciência pós-moderna” para enfatizar as mudanças no papel do conhecimento
no mundo contemporâneo e a inexistência de método único. Assim como a Ecologia, a disciplina
integraria um grupo de ciências de um novo tipo, que lidam com os problemas trazidos pelas ciências
clássicas, e desempenharia um papel estratégico na articulação de interconceitos, o que contribuiria
para minimizar o problema da fragmentação do conhecimento, ou seja, de sua pulverização em
disciplinas autônomas.
A construção da Ciência da Informação encontra-se associada às transformações ocorridas
nas sociedades contemporâneas, nas quais conhecimento, Comunicação, Sistemas de Significado e
uso de linguagens tornaram-se objetos de pesquisa científica e domínios de intervenção tecnológica
(GONZÁLEZ DE GÓMEZ, 2000, p. 3). A informação, considerada fenômeno mais amplo tratado
pela Ciência da Informação, vincula-se a diversas camadas ou estratos de realização.
Formam parte desses estratos a linguagem, com seus diversos níveis sintáticos, semânticos
e pragmáticos e suas plurais formas de expressão – sonoras, imagéticas, textuais, digitais/
analógicas -; os sistemas sociais de inscrição de significados – a imprensa e o papel, os meios
audiovisuais, o software e o hardware, as infra-estruturas das redes de comunicação remota;
os sujeitos e organizações que geram e usam informações em suas práticas e interações
comunicativas. (GONZÁLEZ DE GÓMEZ, 2000, p. 5)
Esse contexto é permeado ainda por crises nas estruturações epistemológicas da Ciência
Moderna, levando a área a assumir parte dos discursos construídos a partir dos resultados formalizados
da produção de conhecimentos. Desse modo, a Ciência da Informação constitui-se como uma nova
demanda de cientificidade e sintoma de mudanças que afetaram a produção de conhecimento no
Ocidente. A fim de fazer frente aos desafios trazidos por esse contexto a área desenvolve-se tendo
como um dos vetores canônicos de sua natureza o conceito de interdisciplinaridade.
Esse aspecto tem sido afirmado como elemento distintivo da Ciência da Informação, provendo-a
de um perfil peculiar diante das rígidas fronteiras disciplinares e atendendo, concomitantemente, aos
novos pressupostos científicos contemporâneos. Para Tefko Saracevic (1992, p.1), três características
permitiriam estudar a Ciência da Informação no passado, presente e futuro: 1) sua natureza
interdisciplinar, as mudanças nas suas relações com outras disciplinas e perspectivas de longa duração
da evolução à interdisciplinaridade; 2) conexão à tecnologia da informação; e 3) participação ativa na
sociedade da informação. Outro aspecto importante destacado pelo autor é de que a base da disciplina
relaciona-se aos processos de comunicação humana, sendo então um
campo devotado à investigação científica e prática profissional que trata dos problemas de
efetiva comunicação dos conhecimentos e de registros do conhecimento entre seres humanos,
no contexto de usos e necessidades sociais institucionais e/ou individuais de informação.
No tratamento desses problemas tem interesse particular em usufruir, o mais possível, da
moderna tecnologia da informação. (SARACEVIC, 1992, p. 1)
Como característica essencial da área, a interdisciplinaridade facultou ainda a incorporação e
GT1142
ampliação progressiva de diferentes objetos de estudo, teorias e metodologias advindas de diferentes
campos científicos. Para que se possa melhor estudar esses objetos, recorre-se à interdisciplinaridade
para a construção de uma estrutura teórica - conceitos, enunciados e teorias - buscando proporcionar
uma justificação desse corpus teórico (RENDÓN ROJAS, 2005) e, consequentemente, sua
validação como conhecimento científico. As heterogêneas abordagens que caracterizam o horizonte
interdisciplinar acrescido dos diferentes sentidos e empregos no território da Ciência da Informação
facultam reflexões baseadas na Fenomenologia acerca das diversas metodologias estruturantes de
seus planos teóricos e analíticos.
González de Gómez (2001, p. 5, 13) ressalta o permanente questionamento da área, o que
se deveria ao “caráter estratificado” da informação, resultante de uma “orientação interdisciplinar
ou transdisciplinar do campo, na medida em que este se vê obrigado a trabalhar na articulação das
dimensões plurais do objeto informacional: semânticas, sintáticas, institucionais, infra-estruturais,
entre outras”. Observa, ainda, a tendência atual para reconhecer o “pluralismo metodológico próprio
das ciências sociais e de um campo interdisciplinar”.
A reflexão epistemológica sobre a Ciência da Informação se faz instrumental em sua
interdisciplinaridade para seu entendimento disciplinar, tanto interna como externamente. Observase nas Ciências Sociais e Humanas uma discussão constante sobre os marcos filosóficos que reflitam
adequadamente a natureza complexa do fenômeno humano e social, além da existência de uma
comunidade científica marcada pela diversidade de escolas e correntes sem que estas rompam com
sua unidade.
5. NOVOS OBJETOS, NOVOS DESAFIOS: A INFORMAÇÃO EM ARTE
Tendo a informação como elemento estruturante e objeto de estudo, a Ciência da Informação
concentra-se em práticas, processos e fluxos informacionais complexos, marcados por forte
componente interdisciplinar e pelas especificidades de uma gama diversificada de instituições sócioculturais. A partir do conceito de ‘programa de pesquisa’ proposto por Imre Lakatos25, Gonzalez de
Gómez enfatiza ainda o “caráter poli-epistemológico” da disciplina:
Se existe grande diversidade na definição das heurísticas afirmativas, as que definem
as estratégias metodológicas de construção do objeto e que permitem a estabilização
acumulativa do domínio, maior é a dificuldade para estabelecer as heurísticas negativas,
as que definem o que não poderia ser considerado objeto do conhecimento da Ciência da
Informação, condição diferencial que facilita e propicia as relações de reconhecimento e
complementaridade com outras disciplinas. E isto acontece na Ciência da Informação por
um lado, pela referência intrínseca de seu objeto a todos os outros modos de produção
25 Um programa de pesquisa é constituído por um núcleo firme e uma heurística. O núcleo é um conjunto de proposições
convencionalmente aceitas, e, por decisão metodológica, irrefutáveis e não testáveis. A heurística é um corpo de regras metodológicas
integrado por uma heurística positiva, que indica direções a seguir, e uma heurística negativa, que indica caminhos a serem evitados a
fim de preservar o núcleo firme e impedir que o mesmo seja refutado.
GT1143
de saberes, gerando constantemente novas treliças interdiscursivas, e por outro lado, pela
natureza estratificada e poli-epistemológica dos fenômenos ou processos de informação.
(GONZÁLEZ DE GÓMEZ, 2000)
Essa condição confere à Ciência da Informação uma configuração dinâmica e um caráter
multidimensional que se manifestam pela incorporação de novos objetos. Embora a disciplina tenha
privilegiado tradicionalmente os domínios da Ciência e Tecnologia (em virtude da propalada urgência
em recuperar a informação científica e tecnológica), observou-se nas últimas décadas do século XX
uma tendência para a busca de novos objetos e domínios de aplicação. Entre estes, Pinheiro (1997, p.
255) ressalta a Arte, que se manifestaria pela criação de um grupo de interesse em Arte e Humanidades
na ASIS - American Society for Information Science26. Trata-se, para a autora, de uma nova área de
pesquisa cuja origem estaria ligada às bibliotecas de arte, e que teria recebido forte impulso com a
criação do “The Getty Art History Information Program” pela Fundação Getty.
O novo campo de estudo, que se convencionou chamar “Informação em Arte”, está estreitamente
ligado à área de representação do conhecimento e às questões teóricas a ela relacionadas. Vickery
(1986, p. 145) destaca a relevância do problema para diversas disciplinas e campos de atuação
profissional, que também necessitam representar informações com fins instrumentais. González de
Gómez (1993, p. 217-218) enfatiza o caráter estratégico da transferência da informação, que se apresenta
como “um conjunto de ações sociais com que os grupos e as instituições organizam e implementam a
comunicação da informação através de processos seletivos que regulam sua geração, distribuição e uso”.
As práticas voltadas à transferência da informação seriam, para a autora, orientadas por valores que
devem ser examinados à luz de um contexto de ação social. Pinheiro (1996, p. 4), por sua vez, enfatiza
a complexidade da tarefa de “representar e interpretar a obra de arte, no tempo e no espaço”, para a qual
“é essencial a compreensão do processo de criação artística”.
A questão da representação de obras de arte (vistas como documentos) em sistemas de
representação de informação é apresentada a título de exemplo. Para permanecermos na esfera da
fenomenologia, apresentamos de modo sintético a reflexão proposta por Martin Heidegger (1992,
p. 11) em “A origem da obra de arte”. Na obra, resultante de conferências realizadas em 1936 e
publicadas em 1950, o filósofo se propõe a desvelar a essência da Arte. Esta, entretanto, não seria
mais que “uma palavra a que nada de real corresponde”; trata-se de uma idéia à qual corresponderiam
como coisas reais apenas as obras e os artistas.
Obras de arte teriam um caráter de coisa - ou um “caráter coisal” - impossível de ser contornado
ou ignorado:
Há pedra no monumento. Há madeira na escultura talhada. Há cor no quadro. Há som na
obra falada. Há sonoridade na obra musical. O caráter de coisa está tão incontornavelmente
na obra de arte, que devíamos até dizer antes ao contrário: o monumento está na pedra. A
escultura está na madeira. O quadro está na cor... (HEIDEGGER, 1992, p. 13)
26 Desde 1999, a Sociedade adotou o nome “American Society for Information Science and Technology” e a sigla ASIST.
GT1144
A obra de arte, entretanto, não é apenas uma mera coisa, ela é sempre reveladora de alguma
coisa a mais: “à coisa fabricada reúne-se ainda, na obra de arte, algo de outro. (...) A obra é símbolo”.
Ela seria, assim, uma coisa à qual adere esse algo a mais. (HEIDEGGER, 1992, p. 13-14)
Na Modernidade ocidental predominariam três diferentes interpretações sobre o que é uma
coisa: a primeira a interpreta como uma soma de características, ou como “aquilo em torno do qual se
agrupam propriedades”, a segunda a define como “o que é perceptível nos sentidos da sensibilidade
através das sensações”, e a terceira concentra-se em sua materialidade: “a coisa é uma matéria
enformada”. Esta última, predominante no Ocidente, teria sua origem na essência do útil, ou daquilo
que é fabricado expressamente para ser utilizado. (HEIDEGGER, 1992, p. 16-19)
A obra de arte, para Heidegger (1992, p 20-21), distingue-se da mera coisa (como um bloco de
granito) e do apetrecho ou utensílio (como um par de sapatos). Este último revela afinidade com a
mera coisa, na medida em que é algo material em uma forma definida; e também com a obra de arte,
na medida em que é feita pelo homem. Neste sentido, é “meio coisa, porquanto determinado pela
coisidade, e todavia, mais; ao mesmo tempo é obra de arte e, todavia, menos, porque não tem a autosuficiência da obra de arte”. Ocupa, portanto, “uma peculiar posição intermediária, a meio caminho
entre a coisa e a obra”.
Para buscar a essência do utensílio, que residiria em seu “caráter instrumental”, o procedimento
adotado por Heidegger (1992, p. 24) é a descrição de um par de sapatos de camponês, o que não é feito
diretamente, mas por meio de uma representação pictórica: uma pintura de Van Gogh, apresentada na
figura 1, a seguir.
Figura 1
Figura 1 - Par de sapatos. Óleo sobre tela (37,5 x 45)cm. Vincent Van Gogh, 1986.
Museu Van Gogh, Amsterdam.
GT1145
Na escura abertura do interior gasto dos sapatos, fita-nos a dificuldade e o cansaço dos passos
do trabalhador. Na gravidade rude e sólida dos sapatos está retida a tenacidade do lento
caminhar pelos sulcos que se estendem até longe, sempre iguais, pelo campo, sobra o qual
sopra um vento agreste. No couro, está a umidade e a fertilidade do solo. Sob as solas,
insinua-se a solidão do caminho do campo, pela noite que cai... (HEIDEGGER, 1992, p. 25)
Com esse procedimento descritivo e interpretativo, Heidegger (1992, p. 30-31) atinge a
essência do utensílio sapato, ou sua verdade. Adverte, entretanto, que é inútil buscar a essência
da arte a partir do isolamento e descrição de sua coisidade. “A tentativa de apreender o caráter
coisal da obra, através dos conceitos habituais da coisa, fracassou”, afirma o filósofo, sugerindo
que o caminho que conduz da coisa à obra de arte, deve ser invertido, ou seja, substituído por
aquele que leva da obra de arte à coisa. O filósofo ressalta a impossibilidade de tornar as obras
acessíveis em si:
As próprias obras encontram-se e estão penduradas nas coleções e exposições. Mas estarão
elas porventura aqui em si próprias, como as obras que elas mesmas são, ou não estarão antes
aqui como objetos do funcionamento das coisas no mundo da arte (Kunstbetrieb)? As obras
tornam-se acessíveis ao gozo artístico público e privado. As autoridades oficiais tomam a
cargo o cuidado e a conservação das obras. Críticos e conhecedores de arte ocupam-se delas.
O comércio de arte zela pelo mercado. A investigação em história da arte transforma as obras
em objetos de uma ciência, Mas no meio de toda essa manipulação, vêm as próprias obras
ainda ao nosso encontro? (HEIDEGGER, 1992, p.31)
Por melhores que sejam a conservação e interpretação das obras, a transferência para uma
coleção retirou-as de seu mundo, e de seu “espaço essencial”. No entanto, mesmo que se faça um
esforço para evitar essa transferência, o mundo das obras já não existe mais:
A subtração e a ruína do mundo não são reversíveis. As obras não são mais o que foram. São
elas mesmas, é certo, que se nos deparam, mas são aquelas que já foram (die Gewesenem).
Como aquelas que foram, estão perante nós, no âmbito da tradição e da conservação. A partir
daqui, permanecem apenas enquanto tais objetos. (HEIDEGGER, 1992, p.31-32)
Do ponto de vista fenomenológico, representar uma obra de arte em um sistema de recuperação
de informação implica em ir ao encontro de algo que já não é mais. Autores que se debruçaram
sobre a questão levantaram alguns pontos que podem servir para dimensionar a complexidade da
tarefa. Scott (1988) enfatiza a própria natureza da obra de arte, cujo valor é, de modo geral,
aceito como de apreensão intuitiva e, portanto, impossível de ser expresso por meio de escalas
objetivas. Stam e Giral (1988) destacam o que chamam “dilema conceitual”, e que consistiria em
traduzir para uma linguagem verbal uma entidade de natureza não verbal. Essa intradutibilidade
é enfatizada por Svenonius (1994, p. 600, 605) ao refletir sobre a indexação de obras de arte. A
autora questiona a capacidade das palavras para expressar o assunto de uma entidade não verbal
como a obra de arte, observando que só se pode expressar parcialmente aquilo que é comunicado
pela arte, e advertindo para a existência de uma “realidade indizível” impossível de ser traduzida
por palavras-chave.
GT1146
Estudos no âmbito da Informação em Arte implicam ainda, em um confronto inevitável com as
limitações inerentes aos modelos técnicos, cujo caráter reducionista torna-se ainda mais evidente diante
da singularidade do objeto em questão.
6. CONSIDERAÇÕES FINAIS
A adoção de métodos fenomenológicos na Ciência da Informação, assim como nas Ciências
Humanas e Sociais, constitui-se “uma postura diante do mundo” (BOEMER, 1994, p. 87),
uma abertura do ser humano para entender a vivência a partir do outro, isto é: a adoção do viés
fenomenológico é um debruçar-se sobre o vivido dos sujeitos efetuando uma reflexão sobre as
coisas tal como elas se manifestam no mundo da vida. Há que se voltar para a essência construindo
uma descrição significativa do fenômeno objetivado tal como vivenciado no mundo da vida. As
premissas e metodologias fenomenológicas encontram-se infletidas nesses campos quando, para a
compreensão de um dado fenômeno, são acionados os referenciais da relação noética-noemática, da
intencionalidade, da redução transcendental e da empatia.
Sob este ângulo e sem desconhecer as distintas visões que integram as metodologias no
ambiente da Ciência da Informação, aparentemente duas vertentes fenomenológicas são exploradas
com maior freqüência: aquelas pautadas nas metodologias desenvolvidas para e nas ciências sociais
e as abordagens hermenêuticas. (cf. GIDDENS, 1996; 1998)
Os estudos e pesquisas que privilegiam metodologias inerentes às ciências sociais derivam
da influência da sociologia compreensiva iniciada por meio das reflexões de Schutz (1967; 1978) e,
posteriormente, das propostas desenvolvidas por Berger e Luckmann (1998). Trata-se de privilegiar
a análise dos modos por meio dos quais os agentes sociais vivenciam a cotidianidade e impregnam
de significados suas ações. Distingue-se um Lebenswelt já constituído, significativo e permeado pela
intersubjetividade contemplando, desse modo, o fenômeno informacional sob diferentes abordagens e
priorizando as descrições da experiência de vida (Erlebnis) no mundo da vida cotidiana (Lebenswelt).
Essa face fenomenológica encontra-se, via de regra, nas pesquisas de cunho qualitativo que balizam
estudos interpretativos e exploratórios, principalmente quando se voltam para a descrição de fenômenos
e comportamentos em diferentes configurações sociais. A pesquisa qualitativa, essencialmente
indutiva, utiliza-se de procedimentos interpretativos e relativistas privilegiando um “real” subjetivo
e o social como construção que enseja o emprego dos procedimentos fenomenológicos. Quanto às premissas e metodologias fenomenológicas no seio da Ciência da Informação, é preciso
cotejá-las com os diferentes momentos do campo em sua existência formal. Suas transformações,
reformulações e relação intrínseca com diferentes campos científicos ao longo do tempo sugerem
que as metodologias fenomenológicas encontram-se presentes em diferentes momentos da disciplina,
e são acionadas principalmente quando nos dedicamos a questões que privilegiam a essência dos
fenômenos no âmbito da linguagem, da informação no mundo da vida e, sobretudo, quando nos
GT1147
encaminhamos em um plano transcendentalista a reflexões destinadas a descrever significativamente,
se é que é possível, aquilo que simultaneamente nos une e separa teórica e conceitualmente: o
fenômeno Informação.
A adoção das premissas e métodos fenomenológicos pode ser um ponto de partida privilegiado
para a configuração das essências e das origens em um contexto sócio-cultural que valoriza cada vez
mais o contingente e o secundário em detrimento do essencial e originário. Heidegger (1988, p. 70)
destaca que o essencial da fenomenologia “não é ser uma ‘corrente’ filosófica real. Mais elevada do
que a realidade está a possibilidade. A compreensão da fenomenologia depende unicamente de se
apreendê-la como possibilidade”.
Para Derrida (1994, p. 35), “a fenomenologia só tem sentido se uma apresentação pura e
originária for possível e original”. Tal como Heidegger, alerta para os elementos axiais das premissas
e metodologias que adotam de modo apropriado o ponto de vista fenomenológico. Enfim, ao ir de
encontro a tudo aquilo que advém do território fenomenológico devemos estar atentos a sua fonte
primordial expressa nas palavras de Husserl: “às próprias coisas!”27
7. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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GT1149
COMUNICAÇÃO ORAL
MIGRAÇÃO CONCEITUAL ENTRE SISTEMAS DE
RECUPERAÇÃO DA INFORMAÇÃO E CIÊNCIAS
COGNITIVAS: UMA INVESTIGAÇÃO SOB A ÓTICA DA
ANÁLISE DO DISCURSO
Fernando Skackauskas Dias, Monica Nassif Erichsen
Resumo: Este artigo discute a dinâmica e o impacto da migração conceitual no âmbito da Ciência da
Informação sob a ótica da análise discursiva. Devido à sua extensa fronteira disciplinar, a Ciência da
Informação se vê frequentemente às voltas com conceitos que migram entre as suas áreas limítrofes,
especialmente quando os pesquisadores em Sistemas de Recuperação da Informação se apropriam de
conceitos das Ciências Cognitivas. Partindo da hipótese de que a migração é realizada sob a égide
de diversas formações discursivas que se imbricam para estruturar o conceito migrado, tem-se como
proposta investigar a migração de conceitos entre as áreas de Sistemas de Recuperação da Informação
e Ciências Cognitivas, utilizando-se, como ferramental metodológico, os princípios da Análise do
Discurso. Como corpora de investigação foram analisados artigos publicados em periódicos nacionais
e internacionais da Ciência da Informação. Pelos resultados é possível constatar que, quando um
determinado conceito é migrado por pesquisadores distintos, ocorrem deformações no seu sentido.
Durante a migração de um conceito, não havendo uma definição que reduza a sua ambigüidade, não
é possível saber a qual de vários domínios possíveis ele está associado e, conseqüentemente, não
permite que o autor adote uma postura teórica e metodológica clara.
Palavras-chave: Sistemas de Informação, Ciências Cognitivas, Análise do Discurso
Abstract: This article discusses the dynamics and impact of conceptual migration on the area of
Information Science from the perspective of discourse analysis. Due to its long border discipline,
Information Science is often seen struggling with concepts that migrate between their adjoining areas,
especially when researchers in Information Retrieval Systems appropriating concepts from Cognitive
Science. Assuming that migration is performed under the umbrella of various discursive formations
that overlap the concept migrated, is proposed to investigate the migration of concepts between the
areas of Information Retrieval Systems and Cognitive Sciences, using, as a methodological tool, the
principles of Discourse Analysis. As corpora research was analyzed articles published in national
and international Information Science journals. From the results it is clear that, from the perspective
of discourse analysis, deformations occur in the direction of the same concept as we migrated by
different researchers. During the migration of a concept, there is no one definition that reduce its
GT1150
ambiguity, it is not possible to know which of several possible areas it is associated, and consequently
does not allow the author adopts a clear theoretical and methodological approach.
Keywords: Information Systems, Cognitive Science, Discourse Analysis
1 INTRODUÇÃO
Em um cenário amplo é possível constatar que as ciências evoluem numa determinada dinâmica
que, em vários momentos, observa-se uma ruptura entre os seus limites, transcendendo fronteiras e
transbordando conceitos. Segundo Morin (2007) haveria pouca evolução das ciências se não fosse a
“circulação clandestina da viagem dos conceitos”. Ou seja, o fluxo de informações e conceitos entre
áreas científicas é intenso e transforma teorias, criando novas implicações e alterando abordagens. Por
outro lado, Oliveira Filho (1995) explica que, a partir do momento em que se utiliza um determinado
conceito entre uma ciência e outra pode haver uma alteração do seu significado, comprometendo
a transmissão do conhecimento. O autor explica que existe uma “patologia metodológica” - entre
outras formas de “ecletismo” da produção científica - que ocorre quando os cientistas formulam
suas teorias e migram conceitos, podendo interferir na comunicação das ciências. Sendo assim, a
migração conceitual é inevitável e necessária para a evolução das ciências, mesmo que estas migrações
paguem certo preço ao comprometer a comunicação do conhecimento. Como exemplo, quando ElHani & Queiroz (2007) discutem sobre o conceito de “emergência” no estruturalismo da semiose
computacional, eles citam:
O termo ‘emergência’ (e derivados) tem sido largamente usado em diversos campos de
pesquisa, como Vida Artificial e Robótica Cognitiva. Contudo, pouca discussão é encontrada
sobre o significado de ‘emergência’, ‘emergente’, nestes campos, embora segmentos destes
campos cheguem a ser descrito como ‘computação emergente’ [...] Tendo em vista os debates
e as confusões sobre o tema ao longo do século XX, [...], é fundamental ter clareza sobre o
conceito”. (EL-HANI & QUEIROZ, 2007, pg.94).
Nesse sentido, a Ciência da Informação, devido à sua extensa fronteira disciplinar, carrega
fortemente em si a influência de diversas áreas do conhecimento que tem como interesse o fenômeno
informacional ocorrendo, invariavelmente, uma forte migração de conceitos. Como mostram os estudos
de Le Coadic (1993), a informação é objeto de interesse de diversas ciências e, conseqüentemente,
os pesquisadores procuram agrupar teorias advindas de diversas áreas para desenvolverem suas
investigações. O que é possível identificar é que, entre as áreas que circundam a Ciência da Informação,
os estudos sobre Sistemas de Recuperação da Informação e Ciências Cognitivas têm se sobressaído
pela forte influência de uma sobre a outra (DIAS, 2006, 2007; DIAS & NASSIF, 2008) e, verifica-se,
uma forte migração de conceitos entre elas. Portanto, a pergunta desta pesquisa é: como se formam
as migrações conceituais realizadas pelos pesquisadores de Sistema de Recuperação da Informação
quando estruturam suas teorias com base nas Ciências Cognitivas?
Por outro lado, outra característica inerente ao desenvolvimento das pesquisas científicas
GT1151
é que, como ocorre em qualquer área da atividade humana, os pesquisadores são levados
por ideologias (FIORIN, 2007). O que se pode considerar, portanto, é que os pesquisadores,
ao reformularem conceitos entre uma ciência e outra, o fazem sob determinadas “condições
ideológicas” e não são destituídos de intencionalidade. As possíveis ideologias a que se submetem
os pesquisadores não ocorrem somente na escolha do objeto de análise ou nas mais diversas
metodologias de investigação, mas também ao recorrerem a conceitos oriundos de outras ciências.
Considerando que toda ideologia cria um discurso, e que a partir do momento em que a migração
conceitual advém de diversas áreas, cria-se um “espaço discursivo”, ou seja, um conjunto de
discursos que se imbricam para construir um conceito formado da interação entre as ciências.
Fiorin (2007, pg.32) descreve:
Uma formação ideológica deve ser entendida como a visão de mundo de uma determinada
classe social, isto é, um conjunto de representações, de idéias que revelam a compreensão
que uma dada classe tem do mundo. Como não existem idéias fora dos quadros da linguagem,
entendida no seu sentido amplo de instrumento de comunicação verbal ou não-verbal, essa
visão de mundo não existe desvinculada da linguagem. Por isso, a cada formação ideológica
corresponde uma formação discursiva, que é um conjunto de temas e de figuras que materializa
uma data visão de mundo.
Considerando esse princípio, é justamente neste espaço discursivo28 que ocorre a formação
de conceitos entre áreas científicas. Partindo do exposto, tem-se como hipótese que, quando os
pesquisadores da Ciência da Informação investigam sobre Sistema de Recuperação da Informação
e migram conceitos das Ciências Cognitivas, o fazem regidos por diversas condições ideológicas
existentes em um espaço discursivo advindo de diversas áreas. Nesta perspectiva, o princípio do
“interdiscurso”, estabelecido por Maingueneau (2008), que tem como alvo a compreensão da
interdiscursividade constitutiva, ou seja, a análise do espaço de trocas entre discursos se apresenta
como um aparato metodológico que pode dar conta de penetrar no espaço de circulação e troca de
conhecimento e compreender a estrutura da migração conceitual.
Para a construção do corpus de investigação foram selecionados artigos nacionais e internacionais
publicados em periódicos científicos da Ciência da Informação. O critério de seleção baseou-se na
identificação dos artigos que tem como característica central pesquisar sobre Sistema de Recuperação
da Informação e estruturarem suas metodologias utilizando-se de conceitos oriundos das Ciências
Cognitivas. Inicialmente foram agrupados pares de artigos que utilizam o mesmo conceito central na
estrutura da metodologia da pesquisa. Ao final do processo, foram selecionados oito artigos, sendo
quatro internacionais e quatro nacionais. Os conceitos analisados foram: Rizoma e Redes Neurais,
Processo Cognitivo, Carga Cognitiva.
28 Dentro do no universo discursivo existe o espaço discursivo, isto é, no conjunto dos discursos que interagem em uma dada
conjuntura, tem-se como recorte os “espaços discursivos” que é um conjunto de formações discursivas que estão em relação de
concorrência no sentido amplo. Maingueneau (2008).
GT1152
2 PROBLEMA
O problema reside em que, quando os pesquisadores investigam e publicam suas teorias adotando
e adaptando vários conceitos, incorrem no risco de “deformarem” a idéia inicial. Estas migrações
entre áreas impactam na comunicação das pesquisas desenvolvidas, pois essa “adaptação” pode gerar
“distorções” na idéia central do conceito e toda a comunicação científica pode ser comprometida,
como Oliveira Filho (1995) cita:
A metodologia das ciências sociais apresenta algumas dificuldades que não são exclusivas de
determinadas correntes, mas estão presentes em todas elas, sejam analíticas, hermenêuticas
ou dialéticas. Estas patologias metodológicas são o ecletismo, o reducionismo e o dualismo.
[...] O ecletismo como patologia metodológica pode ser definido pelo uso de conceitos fora
dos seus respectivos esquemas conceituais e sistemas teóricos, alterando os seus significados.
(OLIVEIRA FILHO, 1995, pg.263).
Oliveira Filho (1995) explica o ecletismo como “patologia metodológica” como sendo o uso
de conceitos fora dos seus respectivos esquemas, alterando os seus significados, como ele cita: “A
ocorrência do termo sem definição que reduzisse ou eliminasse a sua ambigüidade, não permitiria
saber a qual de vários conceitos possíveis está associado [...] sem que o cientista social perceba que
a sua linguagem pode dificultar a comunicação” (OLIVEIRA FILHO, 1995, pg.263). O fenômeno
tem três aspectos estruturais. Inicialmente, no ecletismo têm-se termos vazios de significado e
que não podem funcionar como instrumental de reconstrução teórico-metodológica. Em seguida,
o ecletismo dá uma função teórica a expressões descritivas ou o oposto. Isto se trata de uma das
conseqüências mais notórias do uso inadequado dos conceitos. Por fim, o ecletismo impede que
o autor adote claramente uma postura teórico-metodológica forte, tendo grande dificuldade em
apreender diferenças entre posições adotadas por autores e escolas com respeito às estratégias
gerais de investigação.
3 OBJETIVO
O objetivo deste trabalho é realizar uma análise comparativa entre artigos de Sistemas de
Recuperação da Informação que realizam a migração de um mesmo conceito advindo das Ciências
Cognitivas procurando identificar a existência de uma forma de ecletismo conceitual. Como ferramental
metodológico será utilizado os princípios da teoria da Análise do Discurso de Maingueneau (2008).
Portanto, busca-se investigar se, no momento da estruturação de determinado conceito migrado
entre artigos distintos, existe uma deformação do seu sentido central, caracterizando como patologia
metodológica, conforme definido por Oliveira Filho (1995).
4 SISTEMAS DE RECUPERAÇÃO DA INFORMAÇÃO E CIÊNCIAS COGNITIVAS
A história da relação entre Ciências Cognitivas e Sistemas de Recuperação da Informação, no
âmbito da Ciência da Informação, tem sido permeada por pesquisas de diversas origens (De Mey,
GT1153
1992; Ingwersen, 1996). O que acontece é que, as áreas de Sistemas de Recuperação da Informação
e Ciências Cognitivas têm estágios diferentes de evolução, não ocorrendo necessariamente de forma
simultânea. Mas, atualmente, ocorre um interesse renovado por ambos os temas (Dias, 2006; 2007).
Como descreve Maimone & Silveira (2007):
A Ciência da Informação definida como ciência interdisciplinar propõe diversos pontos de
intersecção com outras áreas do conhecimento que lhe são correlatas. Neste sentido, aspectos
informacionais tangenciam com processos da psicologia cognitiva a fim de desvendar os
“mecanismos” da mente humana sob o ponto de vista social ao qual se apresentam. Os
paradigmas da Ciência da Informação são descritos a partir das concepções teóricas de cada
época. (MAIMONE & SILVEIRA, 2007, pg.56).
Lima (2003) descreve que, com o desenvolvimento dos estudos das Ciências Cognitivas, a
maneira como são categorizadas as informações sofreu forte modificação, passando de um “processo
cognitivo individual a um processo cultural e social de construção da realidade, que organiza
conceitos baseando-se parcialmente na psicologia do pensamento” (LIMA, 2003, pg.82). Ou seja, a
informação que se percebe no primeiro momento é fundamental na definição de uma categoria, pois
a categorização leva em conta as informações do mundo a que pertencem aqueles que organizam a
informação e aqueles que a buscam. Na etapa de indexação ocorre um acoplamento dos sistemas
aos aspectos cognitivos no momento da compreensão do texto e a composição da representação do
documento. Nas três etapas pela qual o processo de indexação é realizado (análise do documento,
identificação dos conceitos e tradução em indexação), há uma interação com os aspectos cognitivos
do profissional da informação. Como citado por Lima (2003, pg.83): “As habilidades intelectuais
poderiam ser harmonizadas de uma maneira mais eficiente, se as atividades pudessem simular
processos cognitivos ou percepções sensoriais”. Neste sentido, Ingwersen (1996) cita:
The cognitive point of view in Information Sciences implies that each act of information
processing – whether perceptual or symbolic – is mediated by a system of categories
and concepts witch, for the information processing device, constituted a world model.
(INGWERSEN, 1996, pg.5).
De acordo com Ingwersen (1996), o modelo cognitivo dos usuários pode ser dinâmico, mas
não contido em si mesmo, ou seja, independente de qualquer estrutura que envolva um Sistema de
Recuperação da Informação. Segundo o autor, o conhecimento do usuário sofre alterações diante
a interação com a informação extraída dos Sistemas de Recuperação da Informação, o que reflete
na modificação no seu estado “anômalo” de conhecimento. Ingwersen (1996), entre as diversas
referências sobre Sistemas de Recuperação da Informação e as Ciências Cognitiva, cita duas
características fundamentais da sua importância: a incerteza está presente na interação em um Sistema
de Recuperação da Informação associada com a interpretação tanto do usuário quanto do sistema e
as pressuposições e intencionalidade entre as mensagens trocadas são vitais para a percepção e o
entendimento de tais mensagens. Portanto, é fundamental que o fator “humano” ocupe um lugar de
destaque nas mais diversas pesquisas realizadas sobre Sistema de Informação. Diante desse quadro,
GT1154
mais e mais pesquisadores em Sistemas de Recuperação da Informação têm desenvolvido suas
investigações recorrendo a conceitos das Ciências Cognitivas.
5 METODOLOGIA
Maingueneau (2008, pg. 19) salienta que Discurso é um “sistema de regras que define a
especificidade de uma enunciação”. Ou seja, discurso é a junção de um sistema de restrições de
formação semântica (formação discursiva) e um conjunto de enunciados produzidos de acordo com
um sistema (superfície discursiva). Portanto, ele considera formação discursiva como um conjunto de
coerções semânticas globais (vocabulários, temas, instâncias, intertextualidade, enunciação).
Um dos principais fundamentos da teoria de Análise do Discurso de Maingueneau (2008) é a
“interincompreensão”. Dado que o interdiscurso precede o discurso no sentido de que “o discurso introduz
o outro no seu interior, traduzindo enunciados nas próprias categorias” (Maingueneau, 2008, pg.22), a
interincompreensão é a “forma” com que os discursos se estabelecem no seu corpo. Como ele cita:
Não basta constatar que um conjunto de textos, com base em certas hipóteses, pode
ser disposto em uma mesma formação discursiva: seria igualmente necessário compreender
como, em determinado lugar, uma população de autores pôde produzir enunciados similares,
partilhar um conhecimento tácito das fronteiras de uma formação discursiva, sabendo o que
pode ou não ser dito ai. (MAINGUENEAU, 2008, pg. 22).
Seguindo sua estrutura teórica, a competência discursiva permite esclarecer a articulação do
discurso e da capacidade dos sujeitos de interpretar e de produzirem enunciados que decorram dele. O
que Maingueneau denomina, então, de competência discursiva são os sistemas de restrição única – a
semântica global – que determina, no interior de um discurso, as regras de formação dos enunciados
produzidos pelos sujeitos. Portanto, a abordagem de Maingueneau apresenta-se como apropriada
ao objetivo da pesquisa, pois procura compreender a formação de um dado discurso (intradiscurso)
– discurso científico predominante – pela relação “entre” discursos (interdiscurso) – Sistema de
Recuperação de Informação e Ciências Cognitivas – e as suas relações como “sistema de regras”
(interincompreensão). A análise de um discurso pelos diversos discursos que instalam (dialogismo),
apresenta-se como uma maneira de fazer compreender a migração conceitual entre Sistema de
Recuperação de Informação e Ciências Cognitivas.
Como forma de operacionalização da análise dos artigos, a primeira etapa é definir os planos do
discurso contidos no artigo que servirão de referência. Estes planos determinam em que nível do texto
deve ser realizado a análise do discurso. A análise se operacionaliza pela decomposição do texto em
suas partes constitutivas, com o objetivo de perceber o valor e o relacionamento que guardam entre si e
no interior do texto, para melhor compreender e interpretar o sentido da obra como um todo completo
e significativo. A análise se baseia em três tipos de decomposição: inicialmente no discurso indireto,
quando o autor do texto se posiciona como tradutor, ou seja, usa de suas próprias palavras para remeter
a outra fonte do “sentido”. Em seguida quando se trata de um discurso direto, no momento em que
GT1155
o autor do texto coloca-se como “porta-voz”, recortando as palavras do outro e citando-as. Por fim,
no caso de uma conotação autonímica o autor do texto inscreve as palavras do outro no seu discurso,
sem que haja interrupção do transcorrer discursivo, mostrando, seja por aspas, uso do itálico, de uma
entonação específica ou por um comentário, uma glosa. Como apoio para investigação, é descrita a
formação conceitual sob forma gráfica de Mapa Conceitual. As regras utilizadas para estruturar o
mapa seguem as diretrizes: O conceito central está escrito em letras maiúscula, negrito e representado
como elipse. Em torno do conceito central estão distribuídos os termos utilizados para sua formação.
A linha que une o conceito central aos termos adjacentes é unida pela descrição “utiliza termo”. Cada
conceito ou termo adjacente ao conceito central está associado a uma “Área de origem” e representa
de que área foi migrado o conceito. Por fim, a cada área estão conectados quais foram os autores.
6 PROCESSO DE SELEÇÃO DOS ARTIGOS
Para se estruturar o corpus de investigação, inicialmente foram selecionados os editores que
publicam periódicos da Ciência da Informação. A fonte de obtenção dos trabalhos foi o Portal CAPES
- http://www.periodicos.capes.gov.br. Para a realização da pesquisa no Portal, fez-se uma busca na
opção “Textos Completos” utilizando-se as palavras-chave “Information Science” e “Ciência da
Informação”.
A primeira seleção dos artigos inicia-se com a procura daqueles que investigam Sistemas de
Recuperação da Informação e Cognição. Para tal, em cada editora foi realizada a busca por artigos
usando como filtro as palavras-chave: “Information Retrieval System”, “Cognition” e “Cognitive”
para as editoras internacionais e “Sistemas de Informação”, “Cognição” e “Cognitivo” para as
editoras nacionais. Além do filtro realizado, também foi usado como parâmetro somente os arquivos
que estão disponíveis em “texto completo” no formato PDF. A segunda etapa da seleção dos artigos
baseia-se na busca por aqueles que concentram suas investigações em Sistemas de Recuperação da
Informação e se apropriam de conceitos das Ciências Cognitivas. Para esse filtro, foram utilizados
os princípios estabelecidos na “Análise de Conteúdo. As regras gerais de Bardin (1977) seguem as
seguintes etapas: Leitura flutuante: primeiro contato com os documentos a analisar e em conhecer
o texto. A seguir é feita a escolha dos documentos pela “regra da exaustividade”, que desconsidera
os artigos que não abordam o objetivo da análise. A seguir a “regra da representatividade”, onde
a amostragem diz-se rigorosa se a amostra for parte representativa do universo inicial. A seguir a
“regra da homogeneidade”, onde os documentos retidos devem ser homogêneos. Por fim, a “regra
de pertinência”, onde os documentos retidos devem ser adequados. A partir da seleção dos artigos,
seguindo as regras estipuladas acima, foram selecionados pares de artigos que estruturam suas
metodologias utilizando como eixo central o mesmo conceito. O critério de escolha do conceito
considera o conceito como o mais significativo e que sustenta a investigação proposta. No Quadro 1
estão descritos os artigos nacionais e Quadro 2 estão descritos os artigos internacionais.
Artigo
GT1156
Conceito
As redes cognitivas na ciência da informação brasileira: um estudo nos artigos
científicos publicados nos periódicos da área
PINHEIRO, Liliane Vieira & SILVA, Edna Lúcia da
Ci. Inf., Brasília, v. 37, n. 3, pg. 38-50, set./dez. 2008
Rizoma
A Organização Virtual do Conhecimento no Ciberespaço
MONTEIRO, Silvana Drumond.
DataGramaZero – Revista de Ciência da Informação. v. 4, n. 6. Dez/2003.
O poder cognitivo das redes neurais artificiais modelo ART1 na recuperação da
informação
CAPUANO. Ethel Airton.
Ci. Inf., Brasília, v. 38, n. 1, pg. 9-30, jan./abr. 2009.
Rede
Neural
Redes neurais e sua aplicação em sistemas de recuperação de informação
FERNEDA, Edberto.
Ci. Inf., Brasília, v. 35, n. 1, pg. 25-30, jan./abr. 2006
Artigo
Human Perception And Knowledge Organization: Visual Imagery
Barat, Agnes Hajdu
Library Hi Tech, Vol. 25, No. 3, Pg. 338-351. 2007
Towards Metacognitively Aware IR Systems: An Initial User Study
Gorrell, Genevieve; Eaglestone, Barry; Ford, Nigel, Holdrige, Peter; Madden,
Andrew.
Journal of Documentation, Vol. 65, No. 3, Pg. 446-469. 2009
Testing User Interaction With A Prototype Visualization-Based Information
Retrieval System
Koshman, Sherry
Journal of the American Society for Information Science and Technology; .824-833.
2005
Conceito
Processo
Cognitivo
Carga
Cognitiva
Distribution of Cognitive Load in Web Search
Jacek Gwizdka
Journal of the American Society for Information Science and Technology. Volume
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6 ANÁLISE
6.1 Análise do conceito Rizoma
O conceito “rizoma” estruturado no artigo “As redes cognitivas na ciência da informação
brasileira: um estudo nos artigos científicos publicados nos periódicos da área” de Pinheiro & Silva
(2008), centraliza-se, fundamentalmente, no sentido de “Redes Egocêntricas”, “Redes Cognitivas” e
“Redes de Citação” como alusão ao princípio de rizoma fundado na botânica e migrado por Deleuze
e Guattari (1997) para a filosofia, agregando, também a este termo, os fundamentos da Biologia
GT1157
do Conhecer de Maturana (1998), quando associa essa noção de rede aos conceitos de “unidade
Autopoiética” e “circularidade cognitiva”. Ou seja, a formação do conceito é “atravessada” por outros
conceitos no sentido de adaptá-lo à pesquisa em questão, conforme citação:
Dessa forma, as redes de citação podem ser denominadas redes cognitivas, pois são nós e
relações que possibilitam representar o conhecimento, e se reportam à teoria da autopoiese,
utilizada por Maturana e Varela (1995) e Maturana (2001), para explicar a cognição. A teoria
da autopoiese tem como idéia básica que os seres vivos produzem-se continuamente a si
mesmos e que seus componentes estão dinamicamente relacionados em uma rede contínua
de interações (PINHEIRO & SILVA, 2008, pg.39).
Portanto, a adoção do mesmo termo em ambos os artigos são direcionados por discursos distintos
que se agregam para formar o mesmo conceito, havendo uma deformação do conceito central da
metodologia entre os artigos. No primeiro, que tem como objetivo mapear as Redes de Publicação em
forma de Sistemas de Informação, as autoras estruturam a idéia de Cognição acoplando ao conceito de
Rizoma, o qual é formulado a partir dos conceitos de “Redes de Citação”, “Redes Egocêntricas”,
“Circularidade Cognitiva” e “Densidade”, originados das áreas da Ciência da Informação (abordagem
cognitivista), da Filosofia e da “Unidade Autopoiética” advinda da Biologia do Conhecer. A
estruturação central para se construir a idéia de redes de citações (cognitivas), é formada pela idéia de
circularidade do conhecimento de Maturana (1998). Portanto, são utilizadas três áreas: a Biologia
do Conhecer, a Filosofia e a Ciência da Informação, comprovando a heterogeneidade que está na base
mesma do discurso. Inicialmente, formulou-se o conceito de “Redes Cognitivas” a partir do paradigma
da complexidade – filosofia - tendo como objetivo final o mapeamento das comunidades estabelecidas
pelas citações. Considerando que o Discurso é produto e conjunção de diversos discursos que o
precedem (ou sucedem), ou seja, ele se constrói no âmbito do interdiscurso, neste caso, a formação
discursiva do principal conceito estruturado pelas autoras advém dos discursos conexionistas e da
Biologia do Conhecer, servindo a filosofia de “ponte” entre as duas linhas de formações discursivas da
cognição. O discurso cognitivista predominante é o uso de metáfora para Redes que “constitui-se de nós
interligados, que conectam qualquer ponto independentemente da sua natureza; não é feito de unidades,
e sim de dimensões; não tem começo nem fim, mas possui um meio pelo qual cresce e se estende” é um
simulacro sobre as Ciências Cognitivas, acrescentando o fato de que “o conhecimento de um Sistema
de Informação produz-se continuamente a si mesmo e que seus componentes estão dinamicamente
relacionados em uma rede contínua de interações”, visão predominantemente contemporânea da
Biologia do Conhecer, pois é uma rede que continuamente cria a si mesma. Já o artigo “A Organização
Virtual do Conhecimento no Ciberespaço” de Monteiro (2003) fundamenta o mesmo conceito com
base nos princípios de “virtualidade” e “materialidade”, diferentemente do primeiro, sendo que agrega
ao conceito central estabelecido um sentido de “fluidez” na acepção de “continuidade”, e não mais de
“circularidade” como no primeiro, conforme citado:
O virtual é o principal atributo do ciberespaço e que melhor o descreve. Ele dispõe o
conhecimento e a informação em um espaço e estado contínuos de modificação, em função
GT1158
de sua plasticidade e fluidez, permitindo a interatividade e organizando o conhecimento em
forma de rizoma, um novo tipo de escritura, descrita por Deleuze e Guattari. (MONTEIRO,
2003, pg.1).
No segundo artigo a autora aplica sua perspectiva à Ciência da Informação pela “materialidade”
que a virtualidade entendida em Rizoma com os documentos dispersos pelo ciberespaço. Neste sentido,
a autora utiliza como “ponte” entre virtualidade do ciberespaço e a representação materializada os
princípios do Cognitivista. Portanto, é possível constatar que o conceito é estruturado diferentemente
por força de imbricação de discursos distintos na sua base. Tal fato reforça o princípio de ecletismo
como patologia metodológica de Oliveira Filho (1995). O mapa cognitivo da Figura 1 e Figura 2
mostra a formação do conceito Rizoma em ambos os artigos.
FIGURA 1: Mapa conceitual do conceito Rizoma do artigo “As Redes Cognitivas na Ciência da
Informação Brasileira: Um Estudo nos Artigos Científicos Publicados nos Periódicos da Área”
GT1159
FIGURA 2: Mapa conceitual do conceito Rizoma no artigo do artigo “A Organização Virtual
do Conhecimento no Ciberespaço”
6.2 Análise do conceito Redes Neurais
Analisando a utilização do conceito “Redes Neurais” nos artigos “O poder cognitivo das
redes neurais artificiais modelo ART1 na recuperação da informação” (Capuano, 2009) e “Redes
Neurais Artificiais e sua Aplicação em Sistemas de Recuperação da Informação” (Ferneda, 2006),
é possível constatar que ele é estruturado diferentemente em ambos os artigos. O primeiro artigo
procura estruturar a concepção de Rede Neural acoplando a ele os princípios da Biologia do
Conhecer de Maturana e Varella (1998), como também agrega os fundamentos do conexionismo
associando as camadas de neurônios aos termos de busca, indexação e documentos, recorrendo
fundamentalmente aos princípios da Biologia do Conhecer em forma de conotação autonímica,
conforme citado:
GT1160
Tendo como principal característica sua similaridade com os processos de aprendizado
humano. Esse paradigma se contrapõe ao tradicional, baseado na lógica de primeira ordem
e na heurística, porque busca na própria natureza os processos de aprendizado, entendendo
que os seres vivos sobrevivem porque aprendem a se adaptar continuamente ao ambiente
mutante. (CAPUANO, 2009, pg.17).
Isto caracteriza fortemente a noção de interdiscurso estabelecido por Maingueneau (2008), pois
há uma imbricação de discursos distintos que se estabelecem em forma de aliança pelo simulacro
que criam entre si. No primeiro artigo, que tem como objetivo a simulação computacional de um
Sistema de Recuperação da Informação composto por uma base de índices textuais, o autor estrutura
sua teoria pelo paradigma de Rede Neural, que tem similaridade com os processos de aprendizagem
humana, adaptando-se ao ambiente, recorrendo aos princípios próximos ao de acoplamento e poder
cognitivo de Maturana e Varella (1998), considerando um aspecto dinâmico das Redes Neurais. Para
reconhecimento automático de padrões, o autor utiliza o conceito de Neurônio, como sendo um ponto
de entrada da Rede Neural, adaptando esse termo para o conceito de Redes Cognitivas. Portanto,
quando o autor propõe o conceito de “Redes Cognitivas” recorre, fundamentalmente aos princípios
da Biologia do Conhecer em forma de conotação autonímica. No segundo artigo utiliza o termo Rede
Neural para estruturar a sua metodologia de pesquisa, o autor retoma igualmente aos princípios
da Ciência da Computação, Ciência da Informação e Ciências Cognitivas, caracterizando o
interdiscurso, conforme mostrado abaixo:
A habilidade de um ser humano em realizar funções complexas e principalmente a sua
capacidade de aprender advém do processamento paralelo e distribuído da rede de neurônios
do cérebro. [...] De uma forma simplificada, uma rede neural artificial pode ser vista como um
grafo onde os nós são os neurônios e as ligações fazem a função das sinapses. (FERNEDA,
2006. Pg 2).
A estruturação conceitual é próxima ao do artigo analisado anteriormente, porém, o autor deste
artigo agrega um sentido mais forte do conexionismo adaptativo quando articula aos termos como
“nó” e “conexão” o sentido de “ativação”, diferentemente do primeiro artigo. O autor associa o termo
à representação e relevância da informação à busca de um Sistema de Recuperação da Informação
através da sua capacidade de “adaptar” aos seus parâmetros específicos. O mapa cognitivo da Figura
3 e Figura 4 mostra a migração do conceito Rede Neural em ambos os artigos.
GT1161
FIGURA 3: Mapa conceitual do conceito Rede Neural do artigo “O poder cognitivo das redes neurais
artificiais modelo ART1 na recuperação da informação“
GT1162
FIGURA 4: Mapa conceitual do conceito Rede Neural do artigo “Redes Neurais Artificiais e sua
Aplicação em Sistemas de Recuperação da Informação“
6.4 Análise do conceito Processo Cognitivo
Analisando a utilização do termo Processo Cognitivo nos artigos “Human Perception and
Knowledge Organization: Visual Imagery” (Barat, 2007) e “Towards metacognitively aware
IR systems: an initial user study” (Gorrell et al, 2008), é possível constatar que ele é estruturado
diferentemente em ambos os artigos. Tal fato corrobora com o princípio de interdiscurso estabelecido
por Maingueneau (2008), pois as suas formações advêm de discursos diferentes e modos diferentes
de utilização do termo.
No primeiro artigo, o autor estrutura o conceito “processo cognitivo” como um evento
baseado nos princípios da psicologia clássica dos processos lingüísticos, visual. Mas, agrega
a este conceito os princípios da Biologia do conhecer de Maturana (1998) referindo-se à
assimilação da linguagem. O autor do artigo estrutura toda a sua metodologia em torno do conceito
Processo Cognitivo. Para tal se faz recorrência a três áreas do conhecimento no sentido de
“formar” o conceito advindo diretamente das CC, caracterizando, portanto, como uma formação
interdiscursiva. Das CC, o autor recorre aos termos Processos Cognitivos definindo a relação
entre o tópico da pesquisa e o tópico da informação avaliada acoplando o termo Processos
Lingüísticos, que significa a efetividade da similaridade lógica das características inferidas
como relevantes no desenvolvimento do Sistema, conforme citado:
GT1163
Perceptual and linguistic symbols are in theory constituted differently. Perceptually received
symbols are input directly. Linguistic symbols are transmitted as encoded, or language-based,
inputs. The linguistic model suggests that knowledge organization is itself language-based
generally. […] The visual experience connects with visual symbols primarily; the hearing
experience connects with auditory symbols. Other symbols come from different modes.
(BARAT, 2007, pg. 2).
Para completar a estruturação do termo Processo Cognitivo, o autor se remete aos princípios
da Biologia do Conhecer de Maturana. Portanto, para a formação do conceito, se Fez necessário
agregar a ele uma perspectiva tanto do psicologismo clássico das Ciências Cognitivas quando aos
fundamentos contemporâneos, conforme descrito abaixo:
One of the most important contributions of Humberto Maturana is his theory of language.
For Maturana, language as a phenomenon of life participates in human evolutionary
history. Humans (and arguably some other primates) are animals characterized by living
simultaneously in two dimensions of experience: first, in the immediate dimension of reacting
to external reality – that which happens to us – and second (unique to humans and perhaps
some other primates) in the dimension of explanation, which utilizes language. (BARAT,
2007, pg. 3).
No segundo artigo o conceito “processo cognitivo” é considerado como um processo inferencial
de natureza inconsciente, sendo então considerado uma estratégia cognitiva de leitura. Os autores,
quando determinam o “processo cognitivo” em um Sistema de Recuperação da Informação, que o
que importa não é diretamente o reforço ao processo, mas sim o que o individuo faz com o estímulo
recebido. Portanto, os autores se apóiam na possibilidade de analisar a relação entre os conhecimentos
do sujeito e a resolução efetiva da tarefa, e/ou também analisar a relação entre a forma de regular a
própria atividade e a resolução dada a ela. Em ambas as situações, os conhecimentos e as atividades
metacognitivas se referem à cognição do mesmo sujeito e não a cognição em geral ou a cognição de
outras pessoas. Portanto, há uma referência ao psicologismo clássico, conforme citado:
Cognitive factors relating to individual searchers have also been found to be influential in
affecting searching, such as level of search experience, domain knowledge and cognitive
style. […]Osman and Hannafin (1992) suggest that metacognition is “awareness of one’s
own knowledge and the ability to understand, control, and manipulate individual cognitive
processes. (GORRELL et al, 2008, pg.3).
Portanto, os autores estruturam o termo “processo cognitivo” associando a ele os princípios do
psicologismo clássico e recorrendo aos fundamentos do conexionismo, caracterizando uma forma
de interdiscurso. O mapa cognitivo da Figura 5 e Figura 6 mostra a migração do conceito Processo
Cognitivo em ambos os artigos.
GT1164
FIGURA 5: Mapa conceitual do conceito Processo Cognitivo do artigo “Human Perception and
Knowledge Organization: Visual Imagery”
GT1165
FIGURA 6: Mapa conceitual do conceito Processo Cognitivo do artigo “Towards metacognitively
aware IR systems: na initial user study”
GT1166
6.7 Análise do conceito Carga Cognitiva
O conceito “Carga Cognitiva” foi utilizado pelos autores dos artigos “Testing User Interaction
with a Prototype Visualization-Based Information Retrieval System” (Koshman, 2005) e “Distribution
of Cognitive Load in Web Search” (Gwizdka, 2010). O primeiro artigo estrutura o termo “carga
cognitiva” fundamentalmente na perspectiva da psicologia Gestalt em forma de aliança com os
fundamentos da ciência da informação quando se refere aos conceitos de retenção da informação
e nível de satisfação do usuário no processo de busca. Esta perspectiva coloca o termo sob uma
determinada ótica, já que o autor recorre aos fundamentos da psicologia Gestalt associando aos
conceitos de proximidade, terminalidade e continuidade conforme citado:
Although the Gestalt laws for visual processing are well suited for
understanding better the user’s overall perceptual pattern building when using
VIBE and other visualization based, IR interface displays, these principles
do not help with the deciphering and decoding of the interface’s icons or
symbols. (KOSHMAN, 2005, pg. 1).
Portanto, é possível determinar a interdiscursividade em forma de aliança na formação do conceito
neste artigo pela imbricação de termos oriundos da ciência da informação e da teoria de gestáltica. No
primeiro artigo os autores consideram que a carga cognitiva e formada índices textuais sintagmáticos
distribuídos em rede. Portanto, os autores estruturam o conceito por uma visão predominantemente
conexionista, utilizando os termos “proximidade” e “terminalidade” e “continuidade”. Porém, como forma
de estruturação do conceito, os autores acoplam os fundamentos da psicologia Gestalt e da Biologia
do Conhecer, demonstrando a similaridade com os processos de aprendizagem humanos, adaptando ao
ambiente No segundo artigo, autor, recorre aos princípios do psicologismo para tratar a carga mental.
São articulados os termos informação visual e memória de longo prazo ao termo de carga cognitiva
através do processo de aquisição onde são considerados os aspectos icônicos da informação disponível.
Para acoplar à estrutura de informação visual, o autor considera a memória de longo prazo como as
informações que são disponíveis de maneira permanente na busca da informação. Neste caso, o conceito
de carga cognitiva se baseia não somente na perspectiva do psicologismo, mas também com referência aos
fundamentos do conexionismo e da Ciência da Informação. O princípio utilizado pelo autor para tratar a
carga cognitiva recorre, fundamentalmente aos fundamentos da Ciência da Informação baseando-se em
Belkin quando ele insere os termos processo cognitivo e busca da Informação de Belkin, que considera
a relação da criação de estratégias desenvolvidas pelo usuário no processo de busca da informação com um
Sistema de Recuperação da Informação conforme citado:
Here, workload is understood as the relation between the demand for mental
resources imposed by a task and the person’s ability to supply those resources.
[…] The concept of cognitive load is closely related to the notion of limited
mental resources. (GWIZDKA, 2010, pg. 2).
GT1167
Portanto, o segundo artigo articula o termo “carga cognitiva” apropriando-se do conexionismo
e não da teoria gestáltica conforme o primeiro. A interdiscursividade aparece no segundo artigo pelo
acoplamento ao conceito “carga cognitiva” oriundos de termos como estrutura e recurso mental
do conexionismo, agregando conceitos da ciência da informação – busca da informação – e do
psicologismo. O mapa cognitivo da Figura 7 e Figura 8 mostra a relação interdiscursiva na migração
do conceito Carga Cognitiva em ambos os artigos.
7 CONCLUSÕES
Foi possível constatar que, quando os pesquisadores da Ciência da Informação investigam
Sistemas de Informação e “migram” conceitos oriundos das Ciências Cognitivas, o fazem
recorrendo a diversas áreas do conhecimento para alicerçarem suas construções teóricas, alterando
consideravelmente o sentido do conceito ou termo migrado entre uma pesquisa e outra dentro do
mesmo “campo” de produção, configurando-se, portanto, como uma “patologia metodológica”,
conforme foi descrito por Oliveira Filho (1995), Ou seja, as pesquisas científicas publicadas em
periódicos da área da Ciência da Informação, que tratam do assunto de Sistemas de Recuperação da
Informação e Cognição, contêm transformações conceituais consideráveis. A Análise do Discurso,
calcada nos trabalhos de Maingueneau (2008) se mostrou como um aparato metodológico capaz de
elucidar a estruturação dos conceitos e termos migrados em pesquisas de Sistemas de Informação e
Cognição. Foi possível constatar que neste “discurso” de que se apropria o pesquisador no momento
da “migração conceitual”, a transformação obedece ao princípio de “simulacro”. Portanto, os
pesquisadores da área de Sistema de Informação, ao se “apropriarem” de conceitos oriundos das
Ciências Cognitivas, o fazem por diversos “vieses” paradigmáticos, alterando consideravelmente
a estruturação teórica da pesquisa. Essa “alteração” pode ser compreendida pela “competência
discursiva” assumida pelo autor e pela “interincompreensão regrada”, criada ao recorrerem aos
fundamentos das principais linhas das Ciências Cognitivas: o cognitivismo, conexionismo e Biologia
do Conhecer, no caso desses artigos, assumindo uma posição de “aliança”. Ou seja, os pesquisadores
apropriam-se de ternos “aglutinando” fundamentos do Cognitivismo Clássico e de vertentes mais
contemporâneas, em forma de aliança e não em forma de confronto, confirmando a hipótese geral
da pesquisa de que, quando os pesquisadores da Ciência da Informação investigam sobre Sistema
de Recuperação da Informação e migram conceitos das Ciências Cognitivas, o fazem regidos por
diversas condições ideológicas existentes em um espaço discursivo advindo de diversas áreas.
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GT1169
COMUNICAÇÃO ORAL
ANTES DA GESTÃO DE DOCUMENTOS: PROSPECÇÃO
NA LEGISLAÇÃO BRASILEIRA
Renato Pinto Venancio
Resumo: O presente texto tem por objetivo apresentar o resultado de uma pesquisa na legislação
federal brasileira. Através do levantamento da recorrência das expressões “archivo/arquivo”, nos
textos legislativos promulgados entre 1889 e 1990, procura-se identificar os temas tratados pela
administração pública federal, no que diz respeito às práticas arquivísticas.
Palavras-chave: Arquivo. Administração. Legislação arquivística
INTRODUÇÃO
A presente pesquisa procura identificar as práticas arquivísticas da esfera pública, registradas
na legislação federal brasileira. Trata-se de um estudo que visa ampliar os levantamentos existentes
em relação ao tema.29 A prospecção proposta não se restringe às políticas arquivísticas, procurando
também identificar toda e qualquer prática arquivística registrada na documentação legislativa federal.
Para tanto, empreendemos um levantamento da incidência dos termos “archivo/arquivo”30 nas leis
promulgadas entre 1889 e 1990, período que geralmente é alvo de pouco interesse, tendo em vista
que é anterior à Lei de arquivos de 1991 (Lei 8.159), considerada, em relação ao Brasil, como marco
legal regulador da gestão arquivística contemporânea.
O conceito que norteia a presente pesquisa é o de que as práticas arquivísticas são um elemento
central na constituição da “esfera pública”. Para que isso ocorra, no entanto, é necessário que tais
práticas visem assegurar o acesso à informação e à transparência das ações governamentais. Em
situações nas quais esse direito não é assegurado, as práticas arquivistas servem para fortalecer o
Estado autoritário, dificultando a constituição de uma “esfera pública” na sociedade.
Para Jurgen Habermas, a “esfera pública” pode ser compreendida como uma instância
mediadora entre Estado e Sociedade, tornando-se um elemento chave na organização da opinião
29 ��������������������������������������������������������������
Este é o caso da publicação eletrônica do CONARQ, intitulada Legislação arquivística brasileira (2011), Disponível em: http://
www.conarq.arquivonacional.gov.br/media/legarquivos_2011_fevereiro.pdf Acesso em: 20 jun 2011.
30 Na legislação federal brasileira, a grafia “archivo” foi empregada pela última vez em 1945, no Decreto nº 11.840, Dá novo
regulamento ao Corpo de Marinheiros Nacionaes. Parece, porém, ter sido um erro ortográfico, pois a grafia “arquivo” predominou
nas leis sancionadas neste período. Disponível em: http://www2.camara.gov.br/legin/fed/decret/1940-1949/decreto-11840-29dezembro-1945-573650-publicacaooriginal-96951-pe.html Acesso em: 20 jun 2011.
GT1170
pública. Nesse universo, a informação, associada à tomada de decisão (CAPURRO ; HJORLAND,
2007), desempenha um papel chave:
Como consequência da definição constitucional da esfera pública e das suas funções,
a publicidade tornou-se o princípio organizacional dos procedimentos dos próprios
órgãos do Estado... O caráter público das deliberações parlamentares garante à opinião
pública sua influência; assegura a relação entre representantes e eleitores como partes
do mesmo público.
A esfera pública é um sistema de alarme dotado de sensores especializados, porém,
sensíveis no âmbito de toda a sociedade. Na perspectiva de uma teoria da democracia,
a esfera pública tem que reforçar a pressão exercida pelos problemas, ou seja, ela
não pode limitar-se a percebê-los e a identificá-los, devendo, além disso, tematizálos, problematizá-los e dramatizá-los de modo convincente e eficaz, a ponto de serem
assumidos e elaborados pelo complexo parlamentar (HABERMAS, 2003, p. 91).
Portanto, a “esfera pública” torna possível a emergência da política enquanto campo racional,
sendo definida como:
.... uma rede adequada para a comunicação de conteúdos, tomadas de posição e
opiniões; nela os fluxos comunicacionais são filtrados e sintetizados, a ponto de se
condensarem em opiniões públicas enfeixadas em temas específicos... A esfera pública
constitui principalmente uma estrutura comunicacional do agir orientado para o
entendimento, a qual tem a ver com o espaço social gerado no agir comunicativo não
com as funções, nem com os conteúdos da comunicação cotidiana.
Nesse sentido, o conceito de “esfera pública” – cuja aplicação tem se estendido aos mais
diversos campos (ciência política, sociologia, história, direito, pedagogia etc) – também proporciona
importantes contribuições no campo da arquivística, em suas conexões com a história e a ciência da
informação (JARDIM, 1999, 1995, 2003; INDOLFO, 2008). Em tais pesquisas têm sido enfatizado
os seguintes aspectos:
- o reconhecimento da informação governamental como um recurso fundamental para
o Estado e a sociedade civil;
- a informação governamental contempla a sociedade civil com o conhecimento do
Estado e da própria sociedade civil – passado e presente;
- a informação assegura transparência ao Estado, facilitando ao governo administrar
suas diversas funções sociais;
- o livre fluxo de informação entre Estado e sociedade civil é essencial para uma
sociedade democrática ... (JARDIM, 1999, p. 32).
A ausência da “esfera pública”, com certeza, não é um déficit conjuntural, mas um problema
estrutural, gerando uma subcidadania e constituindo fator impeditivo à democracia. A seguir veremos
GT1171
algumas conexões entre essa situação e as práticas arquivísticas registradas na legislativa federal
brasileira.
1. LEGISLAÇÃO ARQUIVÍSTICA NO BRASIL
As primeiras referências à legislação arquivística brasileira datam do século XIX. Um
número bastante elevado de textos legais registrou as práticas vigentes nas instituições federais.
O levantamento da legislação de 1889 a 1990 revela a existência de 2.405 atos legislativos (leis,
decretos-leis, resoluções etc), que fazem referência aos termos “archivo/arquivo” - esse banco de
dados se encontra disponível no Portal da Câmara de Deputados do Congresso Nacional.
Uma primeira visualização dos dados consiste em sua apresentação em ordem cronológica. O
Gráfico 1 tem por objetivo apresentar essa evolução. Cabe destacar que, na amostragem abarcando
um século, em apenas um ano não se observa a promulgação de resolução legal a respeito do tema em
questão. Uma primeira aproximação em relação à evolução constatada consiste em sublinhar que, nos
períodos de rupturas políticas, intensifica-se a produção legislativa referente às práticas arquivísticas.
Gráfico 1 -Legislação nacional: número absoluto de menções aos termos “archivo/arquivo”, 1889-1990
Fonte: http://www2.camara.gov.br/atividade-legislativa/legislacao/pesquisa/avancada Acesso em: 20 jun. 2011.
O período imediatamente posterior à proclamação da República foi uma dessas épocas.
GT1172
Entre 15 de novembro de 1889 e 31 de dezembro de 1894, por exemplo, 121 novos decretos e leis,
mencionando a palavra “archivo” foram aprovados. Outros dois momentos de intensificação dessa
produção legislativa ocorreram, respectivamente, nas décadas de 1930 e 1960. Quanto a isso, basta
citar que, apenas no ano de 1938, no quadro de implantação do Estado Novo (1937-1945), foram
aprovadas 58 textos legais nas quais são registradas menções à palavra “arquivo”. O mesmo pode
ser afirmado em relação ao período de implantação da ditadura militar. Em 1966, nada menos que 60
resoluções legais, aprovadas pelo Congresso Nacional, fazem referência ao termo.
Dessa forma, uma primeira interpretação dos dados seria a de associá-los não só aos períodos
de ruptura, como também de autoritarismo político. Tal constatação revela uma das dificuldades da
constituição da “esfera pública” no Brasil. Em outras palavras, a preocupação do Estado, em relação
à organização e implementação de práticas arquivísticas, parece ocorrer principalmente nos períodos
antidemocráticos da história brasileira. Nesses períodos, a intensificação da promulgação de leis reflete
o aparelhamento autoritário do Estado e não o aumento da transparência da informação pública.
Tabela 1 Legislação nacional: número absoluto de menções aos termos “archivo/arquivo”
Período
Número absoluto de ocorrências
1889-1899
218
1900-1909
112
1910-1919
243
1920-1929
141
1930-1939
367
1940-1949
377
1950-1959
276
1960-1969
372
1970-1979
169
1980-1990
116
Fonte: http://www2.camara.gov.br/atividade-legislativa/legislacao/pesquisa/avancada Acesso em: 20 jun. 2011.
No entanto, deve ser evitada a equivalência entre o aumento da preocupação arquivística e
autoritarismo político. No Gráfico 1 também podemos observar que, nos períodos não ditatoriais, foi
elevada a incidência de aprovação de atos legislativos em relação ao tema. Aliás, o ápice da curva do
referido gráfico diz respeito ao ano de 1946, quando então o Congresso Nacional aprovou 75 normas
legais relativas às práticas arquivísticas. A Tabela 1 também confirma que períodos de normalidade
democrática, como a década de 1950, foram fecundos em termos dessa produção legislativa. Outra
sugestão interessante deste levantamento diz respeito à identificação de conjunturas. Dessa forma,
GT1173
é interessante observar que a Lei de Arquivos (Lei n° 8.159), de 1991, consistiu em uma vigorosa
reação da área, frente a um declínio da preocupação com o tema, nas duas décadas que a antecederam.
Conforme é sabido, a esta lei consistiu no esforço da implementação, no Brasil, dos princípios
norteadores de Gestão de Documentos. A origem dessa conceituação data da década de 1940, tendo
como referência os trabalhos de Philip C. Brooks (1940; 1943). Tal perspectiva se baseou na noção
de “ciclo vital” dos documentos administrativos:
O ciclo vital dos documentos administrativos compreende três idades. A primeira é a
dos arquivos correntes, nos quais se abrigam os documentos durante seu uso funcional,
administrativo, jurídico; sua tramitação legal; sua utilização ligada às razões pelas
quais foram criados [...] A segunda fase – a do arquivo intermediário – é aquela
em que os papéis já ultrapassaram seu prazo de validade jurídico-administrativo,
mas ainda podem ser utilizados pelo produtor. Permanecerão em um arquivo que já
centraliza papéis de vários órgãos, porém sem misturá-los ou confundi-los, pelo prazo
aproximado de 20 anos [...] Abre-se a terceira idade aos 25 ou 30 anos (segundo a
legislação vigente no país, estado ou município), contados a partir da data de produção
do documento ou do fim de sua tramitação. A operação denominada recolhimento
conduz os papéis a um local de preservação definitiva: os arquivos permanentes
(BELLOTTO, 2004, p. 23-24).
A adoção desses procedimentos, primeiramente nos Estados Unidos, representou uma revolução
na arquivística. Sua origem está relacionada ao extraordinário aumento da produção documental,
registrada na primeira metade do século XIX.31 A Gestão de Documentos abrange, conforme foi
mencionado, várias etapas, de acordo com a idade arquivística em questão. Como ferramenta de
controle desse processo foram desenvolvidos o Plano de Classificação de Documentos e a Tabela de
Temporalidade. O primeiro instrumento é definido como: Esquema de distribuição de documentos
em classes, de acordo com métodos de arquivamento específicos, elaborado a partir do estudo das
estruturas e funções de uma instituição e da análise do arquivo por ela produzido (DICIONÁRIO,
2005, p. 21 e 132). Ao passo que a segunda ferramenta, preside a passagem da primeira idade
(arquivos correntes) para a segunda (arquivos intermediários), tanto quanto presidirá a passagem
seguinte, para a terceira idade (BELLOTTO, 2004, p. 117).
A Lei de Arquivos – quando corretamente implementada – estabelece os pré-requisitos para a
transparência da informação pública, condição fundamental para a constituição da “esfera pública”.
Quais seriam, no entanto, as questões presentes na legislação anterior a sua promulgação? Tendo em
vista os limites do presente texto, é obviamente impossível apresentar e discutir, item por item, um
século de legislação federal brasileira. Uma alternativa consiste em fazer aproximações frente a esse
corpo documental a partir de chave interpretativa baseada nas preocupações da época, que distinguiam
31 ������������������������������������������������������������������������������������������������������������������������������
Tal fenômeno decorreu da expansão da burocracia, tanto nas organizações públicas quanto nas privadas, assim como resultou do
avanço tecnológico que viabilizou a produção crescente de cópias de documentos. Conforme sublinha Schellenberg: Os primeiros
papéis carbonos eram oleosos e não fixavam bastante. Os carbonos permanentes só começaram a aparecer depois de 1905. Essa
mudança tecnológica foi acompanhada por diversas outras (por exemplo, a reprodução xerográfica, surgida nos Estados Unidos dos
anos 1940), com implicações bem mais profundas (SCHELLENBERG, 1973, p. 65 e 119).
GT1174
dois tipos de acervos: o indispensável para a administração e aquele que, sendo desnecessário a esta,
apenas conserva mero interesse histórico-cultural (SILVA, 1999, p. 101-102) Em outras palavras,
a legislação em questão refletiu a divisão baseada na dicotomia entre “arquivos administrativos” e
“arquivos históricos”.
Em razão disso, o foco da legislação ora se volta à questão dos arquivos como um elemento
de aumento da eficiência administrativa, ora como um repositório dos vestígios documentais da
memória nacional. Contudo, esses dois universos arquivísticos raramente estabelecem diálogos.
Talvez a melhor forma de compreender essa questão seja através da apresentação de três exemplos,
referentes às décadas de maior produção legislativa em relação ao tema.
2. ARQUIVOS ADMINISTRATIVOS E ARQUIVOS HISTÓRICOS
Após o golpe militar que implantou a República no Brasil, um dos primeiros decretos teve por
objetivo alterar a designação do Arquivo Nacional. Em 21 de novembro de 1889, portanto, quando o
novo regime ainda não havia completado uma semana de existência, Marechal Deodoro da Fonseca
sancionou o Decreto n. 10, que continha:
Artigo unico. O estabelecimento designado até ao presente com a denominação de
- Archivo Publico do Imperio - terá de ora em deante o nome de - Archivo Publico
Nacional.32
Dessa forma, a instituição arquivística federal transitou para um novo período. Por essa época
foi dado início a um processo de reforma do regimento do Arquivo Nacional (HEYNEMANN, 2009,
p. 210). As mudanças propostas resultaram no Decreto nº 1.580, de 31 de Outubro de 1893, de Reforma
o Archivo Publico Nacional. A leitura desse documento releva o quanto o governo republicano,
embora bastante recente, se preocupou em perenizar as mudanças políticas em curso. O referido
decreto identificou os documentos fundadores da nova ordem política, equiparando-os aos da época
de formação da nação independente. Por isso mesmo cabia ao Archivo Público Nacional preservar:
I. Os originaes da Constituição politica do extincto Imperio, de 25 de março de
1824; do respectivo acto addicional, de 12 de agosto de 1834; da Constituição da
Republica, de 24 de fevereiro de 1891 e do projecto de Constituição offerecido pelo
Governo Provisorio ao Congresso Constituinte; bem assim os documentos relativos á
elaboração desses actos.
III. Os originaes de todos os actos legislativos da mesma Assembléa Constituinte, dos
do Governo Provisorio da Republica e dos do Congresso Nacional Constituinte.
IV. Os originaes de todas as leis, decretos, resoluções, da Assembléa Geral Legislativa,
e hoje do Congresso Nacional.
VI. Cópias authenticas, impressas ou manuscriptas, dos actos legislativos das
32 �Decreto nº 10, de 21 de Novembro de 1889. Altera a denominação do Archivo Publico do Imperio. Disponível em: http://www2.
camara.gov.br/legin/fed/decret/1824-1899/decreto-10-21-novembro-1889-518583-publicacaooriginal-1-pe.html Acesso
em: 29 jul. 2011.
GT1175
Assembléas Provinciaes e das Assembléas ou Congressos dos Estados da Republica.
VII. Cópias authenticas dos actos dos governadores provisorios dos Estados e das
Juntas governativas, sobre assumptos que depois passaram a ser regulados pelos
Congressos Estadoaes.
VIII. Cópias authenticas das Constituições dos Estados, quer vigentes, quer anteriores.33
Os documentos serviriam para a escrita da história, relatando do ponto de vista oficial o
surgimento e implantação da República. A versão dos republicanos vencedores, dessa forma, seria
perenizada. Paralelamente à preservação dos vestígios documentais da nova ordem política, são
implementadas mudanças nas instituições públicas. Em 1894, por exemplo, é aprovado o Decreto
193, que
estabelece as bases para reorganisação da Repartição Geral dos Telegraphos, para
corresponder às exigencias do desenvolvimento do serviço telegraphico no paiz e no
exterior.
O capítulo XXXVI do decreto tem como título a expressão “Archivo”. Nele podemos ler as atribuições
desse serviço e sua estrutura de funcionamento:
Art. 317. O archivo da repartição ficará a cargo de um official archivista, auxiliado por
um continuo designado pela directoria.
Art. 318. Ao official archivista compete:
§ 1º Colleccionar por ordem chronologica e providenciar sobre a encadernação
das minutas originaes do expediente da directoria, organisando o indice destas, fazer
o protocollo geral dos papeis que lhe forem remettidos inventariados pelas diversas
divisões da administração.
§ 2º Velar pela boa organisação do archivo para que sejam regularmente catalogados
todos os documentos nelle entrados e dispostos de modo a facilitar a sua consulta.
§ 3º Escripturar alphabeticamente nos livros apropriado e de accordo com os
assentamentos existentes e com as notas fornecidas pela secretaria, as nomeações,
commissões, licenças e penas dos empregados.
Art. 319. Incumbe-lhe ainda extrahir cópia dos actos da directoria e dos do Ministerio
relativos ao serviço telegraphico que tenham de ser transcriptos no boletim da
Repartição dos Telegraphos de que trata o art. 553 e cuidar da sua publicação por cuja
regularidade é responsavel.
Art. 320. O official archivista é responsavel pelo extravio de quaesquer papeis, livros
ou documentos que tenham dado entrada no archivo.34
33 Decreto nº 1.580, de 31 de Outubro de 1893, de Reforma o Archivo Publico Nacional. Disponível em http://www2.camara.gov.
br/legin/fed/decret/1824-1899/decreto-1580-31-outubro-1893-517576-publicacaooriginal-1-pe.html Acesso em: 20 jul.
2011.
34 �����������������������������������������������������������������������������������������������������������������������
Decreto nº 1.663, de 30 de Janeiro de 1894. Approva o regulamento da Repartição Geral dos Telegraphos. Disponível em: http://
www2.camara.gov.br/legin/fed/decret/1824-1899/decreto-1663-30-janeiro-1894-540570-publicacaooriginal-40996-pe.
html Acesso em: 29 jul. 2011.
GT1176
Como se vê, pelo menos do ponto de vista normativo, a Repartição Geral dos Telégrafos,
em fins do século XIX, deveria adotar procedimentos arquivísticos visando maior eficiência
administrativa. Noutro capítulo do referido decreto há determinações detalhadas a respeito de outros
serviços arquivísticos, inclusive prevendo prazos de guarda e eliminação de séries documentais.35 É
o que lemos nos artigos abaixo:
Art. 246. Os originaes dos telegrammas e os documentos a elles relativos serão
conservados nos archivos das sub-contadorias durante seis mezes contados da sua
data, com todas as precauções necessarias no que diz respeito ao segredo.
Paragrapho unico. Para os telegrammas internacionaes o prazo de conservação no
archivo é de doze mezes.
Art. 247. Terminado esse prazo regulamentar, devem os contadores proceder
mensalmente á incineração dos originaes dos telegrammas que tenham entrado no
7º e 13º mezes, segundo forem interiores ou exteriores. Esse acto será assistido por
empregado de confiança, de sorte que fique assegurado não haver extravio de qualquer
documento.
Paragrapho unico. Igualmente devem as contadores providenciar para que sejam
queimados os talões que tenham mais de 18 mezes de archivo.
Os exemplos acima citados estão longe de ser excepcionais. A dicotomia “arquivos
administrativos”/“arquivos históricos” é uma constante na legislação brasileira. Essa perspectiva,
por exemplo, também é observada quando da implantação do Estado Novo. Nesse período se recorre
à idéia de eficiência burocrático-administrativa, numa vertente autoritária, como um contraponto ao
domínio oligárquico-coronelístico. Entre 1937 e 1945, 325 textos legislativos federais mencionam
o termo “arquivo”. Um exemplo desse esforço ficou cristalizado, em 1938, através da instituição
do DASP - Departamento Administrativo do Serviço Público (SANTOS, 2010, p. 75-80). Essa
instituição representou a tentativa de implantar, no Estado brasileiro, uma racionalidade burocráticoadministrativa. Seu regulamento previa a criação de uma Divisão de Organização e Coordenação,
relativa aos serviços públicos. Essa última, por sua vez, compreendia uma Secção de Serviços Gerais,
cuja finalidade era:
I, estudar a organização e funcionamento das repartições e serviços incumbidos das
atividades de pessoal, material, orçamento, contabilidade, obras, comunicações,
arquivo, documentação, biblioteca, estatística e outras, comuns a todos os orgãos
da Administração;
II, elaborar ou rever planos e sugestões que visem ao aperfeiçoamento progressivo da
organização e funcionamento dessas repartições; e
III, elaborar ou rever os regimentos de tais orgãos, bem como projetos de legislação
que digam respeito à organização e funcionamento dos mesmos.36
35 ��������������������������������������������������������������������������������������������������������������������������
Cabe sublinhar que questão da autoria dos procedimentos de “Gestão de Documentos” é questionada. Talvez o pioneirismo de
Philip Brooks tenha sido o de registrar e sistematizar práticas que estavam ocorrendo, há tempos, em arquivos locais e regionais. Para
um histórico da questão, consultar: (COX, 2000, p. 2-14)
36 Decreto nº 11.101, de 12 de Dezembro de 1942. Aprova o Regimento do Departamento Administrativo do Serviço
GT1177
Como é possível observar, o DASP reconheceu que arquivo, documentação e biblioteca
consistiam em elementos fundamentais da administração pública. Uma pista explorada para se
identificar a origem dessa perspectiva é a de vinculá-la à recepção das teorias da Documentação no
Brasil, tal como elas vinham sendo desenvolvidas internacionalmente por Paul Otlet (ODDONE,
2010; ORTEGA, 2009, p. 72). Essa interpretação sugere temas de pesquisa interessantes, podendo
ser complementada por outras abordagens. Uma delas consiste em recuperar, em uma perspectiva
comparativa, o debate arquivístico da época. Quanto a isso é importante mencionar a experiência
italiana. Na Itália – cujo modelo de governo fascista, diga-se de passagem, serviu de inspiração
aos construtores do Estado Novo37 – a preocupação com os serviços arquivísticos, como fonte de
racionalização da administração pública, inspirou-se no modelo tailorista da “administração científica”
(FALCONE, 2006, p. 27). No Brasil essa aproximação também parece ter ocorrido, sendo F. W.
Taylor citado até mesmo em discursos de Getúlio Vargas (VARGAS, 1938, p. 116 e 146).
Como seria de esperar, o tailorismo consistiu em uma das fontes teóricas do DASP, cabendo,
inclusive, levantar a hipótese de que esse filtro de entendimento levou à recepção superficial e, por
vezes, equivocada da proposta de Otlet, conforme foi observado em pesquisas da área. (ODDONE,
2010). Vários indícios documentais confirmam a aproximação do DASP em relação ao tailorismo. Num
texto publicado pela daspiana Revista do Serviço Público, em 1940, lemos: Atualmente o tailorismo
não mais se limitando às questões exclusivamente de fabricação, abrange todos os aspectos de uma
indústria, empregando os métodos científicos de investigação para obter a solução de qualquer
problema. Em editorial de volume publicado quatro anos mais tarde, o periódico institucional do
DASP relaciona essa perspectiva às questões arquivísticas:
... é o papel da documentação administrativa, concebida não como um conjunto de
documentos sistematicamente arquivados, mas como um laboratório de fusão, aferição
e depuração da experiência esparsa ... [ a documentação administrativa] é ‘meio’
quando serve de instrumento à administração para que esta possa manter continuidade
e coerência em seus atos; é ‘fim’ quando satisfaz necessidades coletivas que vivem
dentro da órbita de ação do Estado e que a este, na sua preponderante função protetora,
incumbe atender.
Portanto, durante o Estado Novo observa-se a ampliação das preocupações arquivísticas,
relacionadas a uma perspectiva de serviços de documentação nos órgãos da administração pública.
Essa mudança, cabe salientar, ocorreu paralelamente a ação do Arquivo Nacional. Em relação a essa
instituição, o Estado Novo reafirma sua dimensão histórica, sublinhando, por exemplo, a necessidade
de recolhimento dos arquivos pessoais de heróis nacionais, assim como da publicação desses
documentos. Tal postura, inclusive, ficou legalmente registrada em relação a Bejamin Constant38, um
Público. Disponível em: http://www2.camara.gov.br/legin/fed/decret/1940-1949/decreto-11101-12-dezembro-1942467206-publicacaooriginal-1-pe.html Acesso em: 29 jul. 2011.
37 Em relação a esse segmento, afirma-se: Não obstante... procurar definir o Estado Novo, no Brasil, como algo de
específico e de “nacional”, os termos em que o faz são praticamente os mesmos que os usados, por exemplo, por Del
Vecchio, na conceituação do Estado fascista, na Itália (MEDEIROS, 1978, p. 43).
38 Tratava-se de recolher e publicar a documentação, conforme consta no texto da lei: Art. 1º Fica o Poder Executivo autorizado a
GT1178
dos principais líderes da proclamação da República e – de forma semelhante a Getúlio Vargas - não
subordinado aos grupos oligárquicos.
O terceiro momento selecionado em nossa pesquisa diz respeito à década de 1960. A seleção
desse período também serve para identificar reformas em períodos não ditatoriais. Conforme pode ser
observado no Gráfico 1, na referida década houve intensa promulgação de leis referentes às práticas
arquivísticas. Em 1960-1961, dois decretos estruturam um Grupo de Trabalho com a finalidade de
estudar os problemas de arquivo no Brasil e sua transferência para Brasília.39 O texto legal aponta
para a necessidade de superação da ação desconectada entre “arquivos administrativos” e “arquivos
históricos”. Segundo o primeiro decreto que regulou a questão:
Art. 1º Fica criado, diretamente subordinado à Presidência da República, um Grupo de
Trabalho com a finalidade de propor as medidas necessárias à seleção e preservação
dos documentos que, pelo valor administrativo, histórico ou legal, sejam considerados
de relêvo para o País.
Art. 2º O Grupo de Trabalho será constituído dos seguintes membros:
I - Um representante da Presidência da República, que será o seu dirigente;
II - o Diretor do Arquivo Nacional, que será o Secretário Geral do órgão;
III - um representante do Departamento Administrativo do Serviço Público;
IV - um representante de cada Ministério.
Tal equipe ficaria encarregada das seguintes tarefas:
I - estudar a situação dos arquivos das diferentes repartições públicas componentes do
Poder Executivo;
II - elaborar os planos de organização, seleção e microdocumentação dos materias
arquivados;
III - determinar quais os arquivos que deverão ser transferidos imediatamente para
Brasília;
IV - verificar as necessidades do Arquivo Nacional, quanto a espaço, material e
pessoal, a fim de que seja aparelhado para a execução das medidas propostas que
vierem a ser aprovadas;
mandar publicar, sob a direção do Arquivo Nacional, os documentos, inéditos ou não, aproveitando nessa publicação os que forem
entregues pela família ou pelos amigos, e que se refiram à existência e à ação de Benjamin Constant Botelho de Magalhães. Lei nº
558, de 28 de Outubro de 1937. Manda publicar, como patrimônio do Estado, documentos inéditos de Benjamin Constant. Disponível
em: http://www2.camara.gov.br/legin/fed/lei/1930-1939/lei-558-28-outubro-1937-555666-publicacaooriginal-75008-pl.
html Acesso em: 20 jun. 2011.
39 ����������������������������������������������������������������������������������������
Sou grato à profa. Marta Melgaço pela lembrança da importância desse período histórico.
GT1179
V - propor a incineração dos documentos que forem considerados sem valor;
VI - elaborar o plano de funcionamento para o projeto do Edifício do Arquivo Nacional
em Brasília.40
Em 1960, o Arquivo Nacional também patrocina a vinda, ao Brasil, de T. R. Schellenberg.
Esse último produziu um relatório intitulado Problemas arquivísticos do governo brasileiro. Nas
palavras do então diretor do Arquivo Nacional:
Sua visita e sua lição autorizada chegaram-nos na hora exata, não só porque tentávamos
empreender uma larga reforma da instituição, como porque a transferência para
Brasília e o desenvolvimento econômico exigiam cuidadosa atenção pelo problema
da avaliação documental e da eficiência e boa organização dos arquivos, instrumentos
indispensáveis da boa e eficiente organização administrativa (RODRIGUES, 1973, p.
16-17).
Como resultado dessa experiência, em 1962, é elaborado um anteprojeto propondo a criação
de um Sistema Nacional de Arquivos. No entanto, devido a razões circunstanciais a proposta nem
mesmo chega a ser votada. Em 1978, tenta-se novamente a criação desse sistema. De acordo com a
nova proposta,
o DASP continuou com a competência de órgão central no que se referia aos arquivos
correntes, cabendo ao Arquivo Nacional, como órgão central do Sistema Nacional de
Arquivos, os arquivos intermediários e permanentes federais.
Tal fragmentação refletia um quadro que se reproduzia desde o início do período republicano, situação
reforçada a partir da criação do DASP: Este fracionamento do ciclo vital dos documentos em dois
sistemas inviabilizaria, por princípio, o desenvolvimento de uma política de gestão de documentos
no Governo Federal (JARDIM, 1995, p. 88). Finalmente, na década de 1990, uma proposta melhor
estruturada abre caminho para a implantação destes procedimentos:
Após três décadas de tentativas de dotar o Brasil de uma lei de arquivos, foi finalmente
promulgada, em 8 de janeiro de 1991, a Lei n° 8.159, que dispõe sobre a política
nacional de arquivos públicos e privados, cabendo ao Conselho Nacional de Arquivos
(Conarq), órgão vinculado ao Arquivo Nacional, definir essa política como órgão
central do Sistema Nacional de Arquivos (Sinar), ambos criados por força de seu
artigo 26 e regulamentados pelos decretos n°1.173, de 29 de junho de 1994, e n° 1.461,
de 25 de abril de 1995 (PAES, 2007, p. 161).
CONCLUSÃO
Os exemplos apresentados sugerem a importância das fontes legislativas. Por um lado, a
existência de leis não significa a efetiva implantação de políticas arquivísticas. Por outro lado, sua
40 �����������������������������������������������������������������������������������������������������������������������������
Decreto nº 48.936, de 14 de Setembro de 1960. Cria um Grupo de Trabalho com a finalidade de estudar os problemas de arquivo
no Brasil e sua Transferência para Brasília. Disponível em: http://www2.camara.gov.br/legin/fed/decret/1960-1969/decreto48936-14-setembro-1960-388357-publicacaooriginal-1-pe.html Acesso em: 29 jul. 2011.
GT1180
promulgação indica que parcela importante dos dirigentes públicos se preocupou em projetar reformas;
cabendo a realização de estudos de casos para avaliar a implementação, ou não, das mesmas.
Os testemunhos registrados nos textos legais também servem para que se compreenda melhor
os processos de acumulação da documentação da administração pública federal. Na ausência - ou
implantação tardia - do Sistema Nacional de Arquivos, as leis permitem que se compreenda parte
dos procedimentos previstos neste campo. Aliás, conforme observamos, desde fins do século
XIX, há referência a legislação regulando processos de eliminação de documentos. Outro aspecto
importante consiste em avaliar o impacto do surgimento dos serviços de documentação – funcionando
paralelamente aos arquivos administrativos - na fragmentação de fundos documentais.
Enfim, mas não menos importante, a identificação das práticas arquivísticas é um fio condutor
para se conhecer as possibilidades de acesso à informação por parte dos cidadãos. Através dessa
pesquisa, é possível vislumbrar o lento processo de constituição da “esfera pública” no Brasil.
ABSTRACT:
The present text aims to present the results of a research on the Brazilian federal legislation. The
recurrence of the expressions “archivo/arquivo” (archive) in texts enacted between the years 1889
and 1990 was collected, enabling the verification of the topics covered by the federal government
administration concerning archival practices at the time.
Keywords: archive. administration. archive legislation
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GT1182
COMUNICAÇÃO ORAL
A PRESENÇA FRANCESA E O DESENVOLVIMENTO DA
LEITURA: ORIGENS DA DIFUSÃO E MEDIAÇÃO DE
SABERES NO BRASIL
Katia Carvalho
Resumo: Os estudos sobre informação, tema central da Ciência da Informação e da
Biblioteconomia, privilegiam a informação em detrimento da leitura e criam uma lacuna ao minimizar
o seu papel. O objetivo deste artigo é o desenvolvimento da leitura, a presença francesa e as raízes
da difusão e mediação de saberes no Brasil, aprofundando questões basilares da área. Justifica-se o
trabalho por ser a leitura inerente à informação e ao ampliar as fronteiras da Ciência da Informação
e da Biblioteconomia, contribui-se para a apropriação da informação e para a pré-história da Ciência
da Informação, privilegiando uma abordagem histórica e epistemológica. A proposta é exploratória e
abre caminhos que levam ao fortalecimento da área.
Palavras-chave: Leitura e cultura. Mediação e leitura. Difusão da informação; Leitura- influência
francesa.
Abstract: The French presence and the development of reading in the roots and mediate the diffusion
of knowledge in Brazil. The proposal aims to explore issues of reading, of great relevance to library
and information science. Justified the proposal to be reading the information inherent in the process of
mediation and to extend the frontiers of information science aims to develop research and contribute to
the ownership of information, since the reading is intrinsic to information. It is intended to contribute
to the pre-history of information science with historical and epistemological approach. The proposed
exploratory opens new avenues to strengthen the area. Studies on information as a central theme of
information science, librarianship by then, focuses on information as a central theme of the area,
instead of reading. By minimizing the role of reading that is inherent to information creates a gap in
the study area and consequently influences the mediation.
Keywords: Reading and culture. Mediation and reading. Dissemination of information. ReadingFrench influence.
1 INTRODUCÃO
Pretende-se com este projeto investigar a informação visando contribuir para a história da
ciência da informação e desta maneira para a história dos saberes. A intenção é buscar fundamentos
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que possam apoiar e ampliar o quadro de referências da área, para estabelecer novas fronteiras sendo
a sociedade brasileira, do século XIX, o ambiente da pesquisa.
Recuando no tempo, pretende-se realizar recortes históricos e epistemológicos do tema. Desta
maneira, apresentou-se o projeto de pesquisa para ser desenvolvido no estágio pós-doutoral realizado
na Universidade Paul Sabatier, no Laboratoire d’Etudes et de Recherches Apliquées en Sciences
Sociales (LERASS). O projeto intitula-se: Desenvolvimento da leitura e influência das elites cultas:
pesquisa sobre a presença francesa nas origens da difusão e mediação de saberes no Brasil, orientado
pela Profª. Drª. Viviane Couzinet.
Convém esclarecer que a pesquisa trata de questões relativas à vida cultural quando a Corte
Portuguesa deixa a Europa conturbada pelas perseguições de Napoleão e se transfere para o Brasil.
Trata-se de um período de mudanças importantes no plano político, cultural econômico e social
de grande relevância para a história brasileira. Essa decisão acarretou contribuições positivas e
estratégicas para a condução da política, como a abertura dos portos a todas as nações amigas, a
liberdade de comércio e a entrada de embarcações estrangeiras no país, simbolizando o início da vida
cultural a implantação da Biblioteca Nacional e a criação da Gazeta do Rio de Janeiro.
Para penetrar nesse passado de maneira a compreender a formação do pensamento social
brasileiro escolheu-se como locus da pesquisa, Salvador, cidade de importância cultural para
investigar o papel da informação no país. Assim sendo, para Couzinet (2000) é necessário entender o
que representa informação no processo de mediação, difusão e apropriação social do conhecimento.
Nesse espaço urbano práticas culturais se desenvolvem confirmando a presença de instituições e
arquivos, destacando-se a criação da primeira biblioteca pública brasileira, fundada a partir do apelo
da população, mediante pedido enviado à sua Alteza Real, D. João VI, por intermédio do Presidente
da Província, o Conde dos Arcos. Ainda em Salvador ocorre a primeira publicação periódica editada
pela iniciativa privada, intitulada A idade D’Ouro do Brasil com circulação no país entre 1811 a 1821,
impressa pelo português Manuel Antonio da Silva Serva.
Nesse período, cria-se em 1808 o primeiro estabelecimento de ensino superior no país, a
Escola Médico-Cirúrgica da Bahia, como também as Aulas Médicas isoladas, no Rio de Janeiro
(VIANNA, l972). Enquanto no exterior a Universidade de Coimbra formava os filhos das famílias
abastadas, os alunos das classes menos favorecidas enfrentavam maiores dificuldades no próprio
país. Um interessante estudo da historiadora Kátia Mattoso (1992) oferece importante contribuição
para a história econômica e social da Bahia, destacando a organização política baiana e os seus
representantes, deputados provinciais, deputados gerais e senadores, todos atuantes, no país e no
exterior.
Nesse sentido, um olhar crítico sobre idéias, crenças e práticas institucionais é necessário
levando a compreender o espaço urbano e assim, resgatar o papel da informação, ampliando as
fronteiras epistemológicas que podem fortalecer as teorias. A intenção é constatar o que é informação,
idéias, processos, produção documental e no ambiente da comunicação reconhecer estratégias. Assim,
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a abordagem sobre informação, circulação e mediação proporciona uma contribuição valiosa para a
ciência da informação.
Portanto, a influência francesa difunde-se nesse âmbito cultural e é reconhecida nos acervos
da biblioteca pública e nas bibliotecas privadas. Nesse sentido a produção bibliográfica europeia, ao
ser introduzida no Brasil, estabelece uma espécie de processo de mediação entre as duas culturas.
Desta maneira, os leitores tem acesso às correntes do pensamento europeu pelas obras que liam
e desta maneira o Iluminismo é introduzido no país mediante a difusão pelos periódicos, bibliotecas,
tipografias e editoras e também, pela moda emergente, arte, estética e arquitetura das cidades, sendo
Paris a referência maior.
Convém lembrar que em Portugal reinava, na época, uma forte retração econômica com graves
conseqüências para o parque tipográfico local, atrofiando a circulação e difusão do conhecimento
com prejuízos para o comércio editorial e para a vida cultural do país. Os livros que vinham de
Portugal para o Brasil passavam pelo controle da Inquisição ou vinham da Europa nas malas dos
estudantes, viajantes e imigrantes (CARVALHO, 1999). Com a vinda da Corte portuguesa para a
colônia a vida cultural local ganhou novos contornos. Robert Darnton (1992) afirma ser necessário
estimular o aprofundamento de temas de pesquisa que contribuem para a história das mentalidades,
história social ou das idéias ou simplesmente história cultural da humanidade.
Deste modo, nasceu este projeto que contempla as raízes da vida cultural brasileira e o
desenvolvimento da leitura.
Por isto, busca-se recuperar em vivências passadas a memória brasileira resgatando as raízes
culturais fortalecidas pela reprodutibilidade técnica e, como se fossem hipertextos, trazer do passado
conhecimentos que no presente, pela produção de sentidos, possam levar a compreender o futuro e
pela leitura e escrita entender a passagem da sociedade gutenberguiana para a sociedade eletrônica.
Justifica-se o projeto por investigar o desenvolvimento da leitura que, sob a influência das
elites cultas, tornou-se relevante, sendo a leitura desejada pela população. Desta maneira, a presença
francesa nas suas raízes conduz à investigação em um ambiente cultural favorável. Deste modo
é importante buscar processos de difusão e mediação, métodos e técnicas que ampliem o acesso
ao pensamento brasileiro, no século XIX. Busca-se assim um saber resultante de um processo de
reflexão e de pesquisa, tendo a leitura como pólo central, para compreender a influência das elites
cultas brasileiras no âmbito cultural impregnado de uma acentuada influência francesa.
O desenvolvimento do tema é um desafio e visa à inovação de conceitos procurando pela
interlocução ampliar e sedimentar conhecimentos.
Pelo exposto, um estágio pós-doutoral pode oferecer as condições de interlocução necessárias
para o desenvolvimento da pesquisa. O Laboratoire d’Études et Recherches Apliquées en Sciences
Sociales (LERASS) por ser formado por pesquisadores reconhecidos no meio universitário da França
e que desenvolve o campo de estudo em questão, justifica a sua escolha, considerando a relevância do
tema e a necessidade de interagir com um centro de pesquisa voltado para a área. Por isto a importância
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do estágio pós-doutoral na Universidade Paul Sabatier, Toulouse 3, tendo como interlocutora da
proposta a professora doutora Viviane Couzinet, diretora do LERASS onde se desenvolve sob sua
liderança estudos sobre Médiations en Information et Communication Scientifique. O LERASS
acolheu a nossa proposta, assegurando a interlocução necessária para desenvolver o projeto, e que
se enquadra no Programa de Pós-graduação em Ciência da Informação (PPGCI), do Instituto de
Ciência da Informação da Universidade Federal da Bahia e se insere na linha de pesquisa Produção,
circulação e mediação da informação, e no grupo de pesquisa Disseminação e uso da informação,
sob nossa coordenação, contemplando estudos sobre processos de apropriação e uso da informação,
mediação e difusão da leitura, e entre outras publicações, destaca-se o livro/coletânea intitulado O
ideal de disseminar: novas perspectivas, outras percepções.
A motivação para o tema teve origem em um longo processo de amadurecimento intelectual e
evidenciado na produção científica declarada no CV; o interesse pela leitura resulta do reconhecimento
da sua importância para a informação. Nesse percurso, destaca-se o livro Travessia das Letras
que contempla a vinda do livro para o Brasil, com apoio do CNPq e bolsa de produtividade e
estagiários. O aprofundamento do assunto teve continuidade no projeto Leitura e Memória, também
apoiado, privilegiando as obras que vinham para o Brasil, pesquisa desenvolvida nas bibliotecas
que pertenceram aos senhores de engenho do Recôncavo baiano, onde surgiu a primeira atividade
econômica açucareira, com resultados importantes para explicar a entrada do conhecimento científico
no Brasil.
O projeto tem o objetivo de pesquisar o desenvolvimento da leitura sendo o primeiro meio de
comunicação a permitir o acesso ao conhecimento, entrando no país por via marítima, contribuindo
para a construção da memória social brasileira. Nesse contexto, a circulação e mediação da informação
levam a compreender a passagem de uma cultura fundamentada na literatura para a cultura apoiada
no conhecimento cientifico.
Os objetivos visam pesquisar no Brasil, na primeira metade do século XIX, o papel das elites
cultas influenciadas pela cultura européia, principalmente pela cultura francesa, se insere na evolução
da oferta cultural. Busca-se as origens da difusão da informação e da mediação de saberes para
obter resultados, pretende-se: a) identificar a contribuição das elites cultas brasileiras em relação
ao desenvolvimento da leitura; b) buscar a influência francesa nas origens, tendo a leitura como
elemento central; c) identificar pela mediação e difusão fatos que levem a compreender a passagem
da cultura baseada na literatura impressa para a cultura em que predomina a ciência.
A abrangência da pesquisa, circunscrita ao século XIX, constata muitas mudanças, sendo
também um período político, econômico e social de grande relevância.
Os procedimentos metodológicos utilizados visam organizar o imaginário da sociedade para
perceber a informação materializada pelo registro documental. A abordagem é histórica e social
e na ciência da informação procura apoiar questões que se relacionam com a área, ressaltando os
aspectos epistemológicos inerentes à leitura e mediação, circulação, informação, conhecimento e
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fundamentação teórica com base na integração de áreas afins. Utiliza-se ainda literatura complementar
necessária para a compreensão do tema. Os autores que apóiam a argumentação são citados nas
referências e alguns deles incorporados nas discussões que integram o texto, segundo as normas
vigentes adotadas pela ABNT. Alguns autores são interlocutores, sempre consultados durante a
construção do texto para garantir a coerência desejada, reconhecidos nos seus campos de atuação,
entre eles, Vakkari, Capurro, Barthes, Chartier, Couzinet, Darnton, entre outros. Ressalta-se questões
relativas ao contexto, análise das fontes de informação que se entrecruzam para revelar o pensamento
social da época, atores sociais e instituições representativas.
Assim são relevantes: pesquisa documental, pesquisa de campo e redação do texto a partir
do projeto. Pesquisa bibliográfica: visando o levantamento seletivo das obras sobre o tema. Pesquisa
documental: a) leitura de fontes sobre o tema, análise, levantamento e estudo das fontes de informação
a serem analisadas; Pesquisa de campo: a) análise das informações obtidas pesquisadas segundo
critérios que levam á construção de um texto crítico sobre o tema, utilizando-se técnicas e métodos
utilizados pela ciência da informação; Redação final do texto: privilegiando a análise documentária,
entrevistas e análise dos dados visando resultados.
O acesso aos documentos históricos permite recorrer a correntes que influenciaram a leitura,
a exemplo das idéias iluministas que difundiam a ascensão do homem com a missão de transformar
o mundo, sendo o princípio da doutrina iluminista o processo de humanização da sociedade, por se
tratar de um movimento de renovação que abrange todo o saber, valorizando a atividade intelectual e
mediante fontes de informação tais como, bibliografias, periódicos e enciclopédias que documentam
a produção humana. Nesse período, a ciência, em plena expansão, articula-se com a tecnologia e, no
domínio social com os meios de comunicação, tendo o livro como principal meio de comunicação
(MORAES, 1979).
Nesse sentido, vislumbra-se o diálogo entre disciplinas, que possibilita reunir áreas afins, como
a ciência da informação (organização do conhecimento, história, biblioteconomia, epistemologia).
Por isso, Thiesen (2007) reconhece a importância dos estudos históricos de Couzinet e Boure
desenvolvidos no LERASS que analisam processos de mediação na formação de redes de pesquisadores
e profissionais e efeitos das revistas científicas como meio de disseminação do conhecimento oriundo
das pesquisas apropriadas nas práticas profissionais (COUZINET, 2000).
Os primeiros estudos sobre a ciência da informação ressaltam a preferência da pesquisa
centrada nos sistemas de desempenho e eficácia, negligencia a presença humana e o contexto. Nos
anos 50 e 60 estudos enfatizam a necessidade de uso da informação e a aproximação da ciência da
informação com as ciências sociais, utilizando uma abordagem mais qualitativa, trazendo o usuário
para o centro de interesse, fortalecendo a identidade da área sob influencia positivista e funcionalista
provenientes das ciências exatas; assim, na década de 80 e 90, emerge a relação dissociada do conflito,
sendo o usuário um elemento passivo, prevalecendo a necessidade de abordar as relações de poder,
sob um olhar mais qualitativo em relação ao uso da informação. Desta maneira, o fortalecimento da
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produção social coletiva, resultante de uma cultura compartilhada, com o sujeito na centralidade do
problema e passa a valorizar os processos de informação em diferentes contextos, sendo a mediação
direcionada para o usuário em relação ao contexto social e cultural (CABRAL; VAKKARI, 1992).
Convém lembrar que a fundamentação teórica da pesquisa apóia-se também na leitura, difusão
e mediação, para aprofundar questões que levam a potencializar o acesso à informação e conhecimento
na sociedade. Assim, a ciência da informação estrutura-se e emerge a necessidade de alargar os limites
disciplinares da área, mediante segmento epistemológico esquecido pela biblioteconomia e também
pela ciência da informação deixando uma lacuna, a partir do momento em que a informação ocupa
a centralidade dos estudos e pesquisas da área. Percebe-se na atualidade os prejuízos resultantes
que prejudicam o fortalecimento da área no plano teórico, refletindo-se na informação e sua função
social. Esse hiato na literatura da área precisa ser minimizado e, por isto, a proposta apresentada visa
colaborar para pensar esta vertente.
A literatura desse universo é relevante e, assim, Capurro reconhece que a informação e o
conhecimento tratam da criação humana sendo que a informação perpassa a convivência social
(CAPURRO, 2003). Por isto, é preciso consolidar as raízes da área e fortalecer estudos teóricos da
ciência da informação e da biblioteconomia apoiando a pesquisa de natureza prática. Reconhecese a necessidade de bases conceituais sólidas e por isto a relevância das interfaces com áreas afins,
história, sociologia e suas relações, aspectos teóricos e metodológicos que ampliam o avanço das
idéias partilhadas com a ciência da informação. Marteleto acrescenta a relação entre sociedade e
conhecimento, inclusive o conhecimento cientifico e o conhecimento produzido social e historicamente
(MARTELETO, 1992).
Convém lembrar que a leitura inerente à apropriação da informação que ocorre no processo
de mediação, estabelece a relação entre o ser humano e o mundo (ALMEIDA JUNIOR, 2007). Em
diferentes planos, reitera-se que a leitura sendo uma relação entre o homem e o texto estabelece
diferenças, pelas expressões culturais, pela intimidade da vida privada. Ler é uma forma de sabedoria
e assim a leitura pode ser entendida como acesso aos conhecimentos produzidos pelo pensamento
humano. Nesse caso, a leitura é uma via de acesso para a aquisição de novos conhecimentos e que
pode conduzir à cidadania que é própria da esfera privada e depende do campo social onde se insere
e se articulam escola, biblioteca e família.
Para Barthes e Compagnon a leitura também é um método, permitindo a assimilação do texto
e o desenvolvimento da inteligência de maneira crítica (BARTHES; COMPAGNON, 1987). Ressaltase assim, escola e biblioteca com papéis definidos em que a primeira apresenta o livro, que ensina a
ler, enquanto a segunda representa o lugar das práticas de leitura, sendo responsável pela difusão e
uso do texto (CARVALHO, 1999). Para Iser (1999), o processo de leitura é uma interação dinâmica
entre o texto e o leitor e acentua o papel do receptor.
A leitura passa a usufruir espaços de sociabilidade que sugerem outros comportamentos e
novas formas alternativas de utilização de tecnologias. Ao compreender a função da leitura é possível
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compreender a informação como objeto da ciência da informação e da biblioteconomia e isto ocorre
quando se faz uso da leitura, presente nos processos de mediação. Para Almeida Junior (2007) a
mediação é o processo que vai comunicar pelo documento e, por este motivo a informação não pode
prescindir da leitura, sendo relevante para a ciência da informação. Couzinet (2009), Lamizet (1995)
e Régimbeau (2006) contribuem significativamente para explicar a relevância da mediação no âmbito
das ciências sociais aplicadas. Para Lamizet (1995) a mediação é um processo: “[...] le processus par
lequel s’instaure dans le champ social, une dialectique entre le singulier et le collectif [...]”, isto é,
um processo pelo qual se instaura no campo social uma dialética entre o individuo e o coletivo, porém
para que isto aconteça é necessário que haja uma articulação entre o que é da esfera individual e o que
é do domínio do coletivo, no âmbito da cultura, lugar onde ocorre a mediação sendo ela marcada
pela pluralidade e sentido multidirecional (COUZINET, 2000).
A mediação na ciência da informação é vista em três planos por Jeanneret (2008) quando
afirma que “elle fournit des outils pour décrire avec une certaine précision le processus d’informationcommunication”; elle permet de requalifier socialement les dynamiques et regimes de la culture
[…].” Couzinet acrescenta aos estudos a expressão “mediations mosaïques”, no contexto da relação
entre pesquisa científica e atividade profissional, para exprimir que temáticas e gêneros discursivos
se complementam (COUZINET, 2000). A mediação no espaço da ciência da informação consiste em
exercer um poder mediador, destacando a cultura coletiva característica de uma identidade. Assim, a
ciência da informação direciona-se para analisar os objetos, ou seja, o saber registrado, as formações
(as práticas e usos) e as formas de acesso à informação (tratamento, análise automática e tecnologia
numérica) (JEANERET, 2008).
Portanto uma realidade empírica pode ser apreendida de diferentes maneiras, transformandose em outra realidade. Assim sendo, a contextualização oferece as condições de produção dos sentidos
sociais. Araujo (2008) defende os estudos culturais, da linguagem e poder, da recepção e do discurso,
reconhecendo a necessidade de enfatizar os sujeitos e as relações sociais. Desta maneira, pode-se
contribuir para compreender as práticas informacionais que estimulam as formas de socialização da
informação e conhecimento.
Faz-se necessário perceber os movimentos sociais produtores de informação e conhecimento,
de um novo senso comum em que aspectos sociais e culturais passam a ser relevantes à transmissão
da informação, sendo a mediação humana essencial no processo que se institui no ambiente urbano
onde pode ocorrer a confluência de saberes.
A propósito, as cidades européias se notabilizaram como centros de informação e produção
do conhecimento culto a partir do século XVII, destacando Paris, Londres, tendo, esta última, a
função de porto e capital ao mesmo tempo. Nesse ambiente urbano, a biblioteca, primeiro sistema
de informação que se tem notícia desde a Antiguidade, reforça a importância da cidade e expressa
o desejo humano de registrar e fazer circular a informação e conhecimento. Desta maneira o espaço
urbano representa o ambiente adequado para favorecer o desenvolvimento da leitura e a relação com
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as elites cultas.
Burke (2003) afirma que a distribuição do conhecimento espacial denominado a geografia
do conhecimento pode ser vista em dois níveis: o macro que foca as cidades e são relevantes para as
redes de longa distância, interligando-as por serem representativas para a difusão da informação e
conhecimento; e o micro, composto de sedes do conhecimento: mosteiros, universidades, hospitais
e ainda, laboratórios, galerias de arte, livrarias, escritórios, cafés e bibliotecas porque proporcionam
a possibilidade de encontros interpessoais, sendo esses lugares significativos para a história do
conhecimento. A difusão de conhecimentos para outras culturas faz com que o documento ultrapasse
fronteiras geográficas, favorecendo cidades como espaços públicos que facilitam encontros entre
pessoas.
Por este motivo, ressaltam-se aspectos relevantes para explicar as origens do pensamento
francês e o desenvolvimento da leitura no país. Em primeiro lugar a importância da Revolução dos
Alfaiates, em 1798, movimento social e político que ocorre na Bahia e que abre a discussão sobre
as idéias que pulsam na França e que chegam ao Brasil no período que antecede a instalação da
Família Real no Rio de Janeiro (MATTOSO, 1969). Constata-se a influência das idéias liberais
na comunicação, no final do século XVIII e a bibliotecas pertencentes a Cipriano Barata e Pantoja
documentam a presença francesa pelos livros que integram as suas bibliotecas. A pesquisa de campo
tem continuidade mediante duas vertentes: a) a primeira biblioteca publica brasileira e seu acervo
inicial; b) as bibliotecas privadas pertencentes aos senhores de engenho do Recôncavo baiano.
Deste modo a primeira biblioteca pública em Salvador bem como o primeiro curso de medicina
do Brasil são instituições pioneiras, seguidas da implantação de tipografias e instituições culturais,
tais como as academias, proporcionando um ambiente adequado para a criação de uma biblioteca de
caráter público, instituição central para o apoio e estímulo à leitura e acesso a novos conhecimentos.
A biblioteca é assim comentada por Tavares:
Maxiliano, Príncipe de Wied-Neuwide, que visitou Salvador em 1816, quando a governava
D. Marcos de Noronha e Brito, 8º Conde dos Arcos, observou várias reformas urbanas.
Também encontrou motivos de admiração na biblioteca de 7.000 volumes que o Conde dos
Arcos fizera organizar e instalar na antiga igreja dos jesuítas, com a colaboração de Francisco
Agostinho e Alexandre Gomes Ferrão (TAVARES, 1974, p. 166, grifos do autor).
A criação da Biblioteca Pública evidencia a existência de uma classe culta de baianos. Este
fato destaca o papel social da biblioteca sendo um dos caminhos para investigar uma sociedade
preocupada com o acesso à informação e conhecimento. Em virtude da presença majoritária de obras
em língua francesa que integram a lista de obras do núcleo inicial do acervo da Biblioteca Pública da
Bahia é de se supor que pelo livro o conhecimento chegava ao Brasil (MORAES, 1979).
As bibliotecas privadas que pertenceram aos senhores proprietários de engenhos de canade-açúcar, elite representativa na Bahia, tinham o controle do poder político, econômico e social
e possuíam propriedades rurais e residências na capital (VERGER, 1999). Conseqüentemente, um
público leitor em formação cresceu cada vez mais exigindo livros (MORAES, 1979). Esta vertente
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permitiu conhecer as preferências de leitura de natureza privada.
As bibliotecas particulares, além do interesse cultural indicavam a importância social
e intelectual dos seus proprietários, senhores de engenho, membros da elite urbana e rural que
contribuíram, ao mesmo tempo, para a implantação da primeira biblioteca pública em Salvador
(CARVALHO, 2007).
Convém salientar que entre as principais obras que registram a história baiana o livro intitulado
Memórias sobre a Bibliotheca Publica da Província da Bahia reproduz uma retrospectiva de fatos
marcantes ocorridos na sociedade brasileira e destaca a criação da primeira tipografia responsável pela
publicação do periódico A Idade D’Ouro do Brasil e finalmente a inauguração da Biblioteca Pública
da Bahia que, ao ser criada em Salvador tem um papel significativo e de caráter social relevante para
a história das mentalidades, por sinalizar, literalmente, a entrada do conhecimento científico no país.
(ARAGÃO, 1878).
O acesso a novas idéias e o empenho dos membros das elites cultas e dos representantes da
população, imbuídos dos mesmos ideais motivam o encaminhamento do pedido de criação de uma
biblioteca de caráter pública em Salvador. Nesse cenário, a doação de obras por membros da população
reuniu a coleção de cerca de 3.500 livros e que teve a contribuição do acervo do próprio Conde dos
Arcos, Presidente da Província e do Padre Agostinho Gomes, entre outros membros integrantes das
elites cultas e possuidores de livros.
Assim sendo, o aparecimento de um público leitor influenciou um mercado editorial (tipografias
e editoras) que surge com as primeiras casas tipográficas e editoras instaladas na capital do país, no Rio
de Janeiro, sob o olhar atento da Inquisição. Na virada do século XVIII, para o século XIX iniciativas
de comercialização de livros aparecem com os editores e livreiros franceses. Na Bahia destaca-se a
tipografia do editor português Manuel Antonio da Silva Serva e a Associação Tipográfica da Bahia
(ATB), formada por tipógrafos radicados em Salvador afirmando uma importante liderança local
em relação ao trabalho tipográfico de qualidade que utilizava o livro de Fourier, tipógrafo francês,
e também exigia dos tipógrafos o domínio da língua portuguesa para garantir a qualidade das obras
editadas (CAIEIRO, 1990).
A influência francesa no Brasil permeia os segmentos sociais em diferentes níveis e esta é outra
vertente da pesquisa, uma vez que, a censura controlava o comércio emergente. De outra maneira
a entrada de livros ocorria clandestinamente, através dos imigrantes, estudantes e viajantes que os
traziam entre os seus pertences quando viam para o Brasil.
Os primeiros resultados aqui expressos constam, ainda, do Relatório final da pesquisa intitulado
Rapport Final: Développement de la lecture, influence des élites cultivées et présence française: premiers
résultats de recherche sur les origines de la diffusion et de la médiation des savoirs au Brésil.
Os estudos históricos e epistemológicos são de grande relevância para o projeto uma vez que
ampliam as fronteiras da ciência da informação, da biblioteconomia. Portanto, o projeto pretende
contribuir para os estudos sobre leitura, informação e mediação ampliando caminhos que levam ao
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fortalecimento da área.
Finalmente pretende-se contribuir no plano cultural para a história da leitura no Brasil e a
influência francesa, e, portanto para a história cultural, conseqüentemente das idéias e das mentalidades;
b) identificar processos de mediação nas suas origens e que fortaleçam a relevância da leitura no
plano cultural. No plano científico: a) consolidação da experiência necessária para a compreensão do
uso de técnicas e tecnologias e suas formas mediadoras inerentes à informação; b) identificação da
produção cientifica relativa às obras vindas para o Brasil e existentes nas bibliotecas públicas e nas
bibliotecas privadas.
A pesquisa continua seguindo rumos imprevisíveis que tem como desafio a constatação de
estar diante de uma realidade fecunda de importância para o país.
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ENTRE VALORES E VERDADES: ANÁLISE SOBRE A
INFLUÊNCIA DO POSITIVISMO NAS CONCEPÇÕES DA
ARQUIVÍSTICA SOBRE DOCUMENTOS
Raquel Luise Pret
Resumo: Análise das características documentais defendidas pela Arquivística, sobretudo pelos estudos
elaborados por Hilary Jenkinson (1965) e Luciana Duranti (1994). Abordagem sobre as possíveis
relações existentes na construção de valores pela Arquivística, como autenticidade, imparcialidade
e naturalidade nos documentos, com os métodos positivistas de investigação de fenômenos sociais.
O documento, na concepção de Jenkinson (1965) e Duranti (1994), seria prova de ação, registro de
intenções, ações, transações e fatos que foram gerados ou recebidos no curso das atividades pessoais e
institucionais. No entanto, os documentos que poderiam ser considerados dessa forma necessitariam
possuir cinco características que fariam parte de sua natureza: a imparcialidade, a autenticidade,
a naturalidade, o inter-relacionamento e a unicidade. Esses valores, criados pelos agentes sociais
que atuam na Arquivística, são artificialmente camuflados e transformados em atributos, partes
componentes dos documentos. Tais atributos seriam verificados a partir de observações, estudos e
amparados por modelos que permitiriam ser identificados. Postura semelhante ao método positivista
proposto por Auguste Comte no século XIX. Essa prática do campo inscreve-se na busca da disciplina
em estabelecer a verdade por meio do documento. A verdade por essa abordagem seria algo natural
e verificável nos documentos, camuflando as manipulações, juízos de valor, coerções, acordos e
exclusões realizados pelos arquivistas nas suas ações de seleção, classificação, avaliação e descarte
dos documentos.
Palavras-chave: Documento. Arquivística. Positivismo. Campo Disciplinar
1 INTRODUÇÃO
Luciana Duranti, em seu artigo, Registro documentais contemporâneos como provas de
ação (1994), chama a atenção sobre a necessidade de refletir-se sobre a natureza dos documentos
considerados arquivísticos na contemporaneidade, sobretudo, em função do grande desenvolvimento
social e tecnológico que estamos atravessando desde a Segunda Guerra Mundial.
Nosso estudo parte desta observação para repensarmos a categoria documento no campo da
Arquivística e os próprios princípios indicados por Duranti (1994) como partes constituintes da natureza
do documento arquivístico.
Luciana Duranti professora do Programa de Estudos Arquivísticos (MAS) da School of Library,
Archival and Information Studies, da University of British Columbia, Canadá, atua como membro
ativo da Society of American Archivist e coordena o International Research on Permanent Authentic
Records in Electronic Systems (InterPARES). Seu nome tornou-se um expoente na área Arquivística
por seus estudos sobre preservação dos documentos arquivísticos contemporâneos e, sobretudo, a
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respeito da preservação de suas características no meio digital.
Duranti (1994) estabelece como princípios de classificação para documentos arquivísticos
critérios metodológicos da Diplomática e os fundamenta com argumentos da doutrina positivista do
século XIX, aproximando o conceito de documento arquivístico ao de prova documental. Segundo a
autora, o registro documental seria o nosso “remédio para a lembrança” e por esse motivo os arquivistas
seriam guardiões incumbidos da “proteção física e moral dos arquivos” (DURANTI, 1994, p. 50).
Caberia ao arquivista proteger a autenticidade dos registros documentais sob sua responsabilidade. A
autora, influenciada pelos estudos de Hilary Jenkinson (1965) sobre a autenticidade dos documentos,
retoma a qualificação atribuída pelo arquivista inglês sobre o registro documental como prova de
ação, e amplia seu conceito descrevendo o documento como registro de intenções, ações, transações
e fatos que foram gerados ou recebidos no curso das atividades pessoais e institucionais. (DURANTI,
1994, p. 50) Por essa capacidade de registro dos documentos, eles seriam dignos de confiança e,
portanto, o arquivista precisaria garantir a inviolabilidade dos mesmos. Os documentos deveriam ser
preservados de acordo com procedimentos claramente estabelecidos e consolidados pelo campo da
Arquivística. (JENKINSON, 1965, p. 114) (DURANTI, 1994, p. 51).
Nossa proposta de análise parte do entendimento que a concepção de Luciana Duranti
(1994) sobre documento mostra grande afinidade com os métodos de investigação dos fenômenos
sociais defendidos pela Ciência Positivista de Auguste Comte, defendida pelo mesmo em 1852.
Para o positivismo, os fatos fossem eles naturais, fossem eles sociais obedeciam a lógicas inatas,
leis universais que poderiam ser identificadas e compreendidas por seus pesquisadores a partir
de observações, análises, experimentos, construções de modelos que chegassem à comprovação
de suas regularidades, seus funcionamentos, seus regimentos operativos. Caberia ao pesquisador
o papel de intérprete de tais leis, de descobridor das leis que regiam o fato abordado. (COMTE,
1988, p. 23) Não haveria espaço para a crítica, o julgamento, as adjetivações, pois o que importava
à Ciência Positiva era a compreensão dos fenômenos tal como eles eram, em sua natureza, sem
a interferência externa. A verdade dos fatos se revelaria a partir do estudo minucioso de sua
formação e regularidade. (COMTE, 1988, p. 23) No entanto, os critérios, as normas e os padrões
estipulados tanto por Luciana Duranti (1994) para afirmar o que é um registro documental, quanto
por Auguste Comte (1988) para analisar fenômenos sociais estão repletos da subjetividade tão
criticada pelos mesmos. As leis sociais, os mecanismos funcionais, as regularidades observadas
por Comte em seus estudos são construções artificiais, invenções humanas que servem para
interpretar e compreender o mundo. Igualmente, a atribuição de certas características aos
documentos que seriam pertinentes à imparcialidade, à autenticidade e à naturalidade é feita a
partir de valores, crenças, costumes, poderes, violências, coerções, ações e relações construídas
pelo campo da Arquivística. (FOUCAULT, 1996)
No entanto, nem todos os documentos poderiam ser considerados registros de ação. Eles
necessitariam possuir cinco características que, segundo Duranti (1994), seriam componentes, fariam
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parte de sua natureza: a imparcialidade, a autenticidade, a naturalidade, o inter-relacionamento e a
unicidade.
A imparcialidade do documento residiria no fato deste ser produzido para desenvolver uma
ação e sob circunstâncias, ou seja, rotinas processuais, que assegurassem uma promessa de fidelidade
dos fatos e das ações. (DURANTI, 1994, p. 51).
Já a autenticidade estaria associada à capacidade do documento ter mantido a sua integridade
apesar das possíveis manipulações sofridas. Ele precisaria ser produzido, mantido e arquivado de
acordo com normas e padrões autorizados. Qualquer alteração fora deste contexto faria o documento
perder seu caráter autêntico, pois sofreria distorções que o fariam perder a sua essência (DURANTI,
1994, p. 52).
De acordo com Duranti (1994), os documentos arquivísticos acumulam-se naturalmente, no
curso de suas transações, de acordo com as necessidades de agir. A autora os compara com formações
geológicas que se formam progressivamente de acordo com a coesão espontânea da natureza. Essa
terceira característica diferenciaria os arquivos dos museus e bibliotecas que escolheriam seus
acervos, selecionando o que deveria ou não pertencer as suas coleções, uma forma de aquisição
artificial (DURANTI, 1994, p. 52).
O inter-relacionamento seria a quarta característica dos registros documentais que consistiria
na forma destes estabelecerem relações entre si no desenvolvimento das ações ou das transações que
os produziram. “Cada documento está intimamente relacionado com outros tanto dentro quanto fora
do grupo no qual está preservado e seu significado depende de suas relações.” (DURANTI, 1994,
p. 52) Nesse sentido, um único documento não poderia se constituir em um testemunho suficiente
dos fatos e dos atos passados, ele perderia sua capacidade probatória. Os registros documentais
seriam conjuntos indivisíveis de relações intelectuais que perderiam seu sentido se fossem analisados
separadamente.
A última característica do registro documental apontada por Luciana Duranti (1994) seria a
unicidade, ou seja, cada registro documental ocuparia um lugar único na estrutura documental do
universo documental ao qual pertenceria. O complexo de relações desencadeado por cada registro
é concebido por Duranti (1994) como único. Não pode haver documentos completamente idênticos
em uma estrutura, pois essa atitude quebraria uma série de cadeias de relacionamentos (DURANTI,
1994, p. 52).
A nossa análise está focada nas três primeiras características dos registros documentais
defendidas por Luciana Duranti (1994) que vêm sendo adotadas por diversos cursos de Arquivologia
no Brasil como princípios que classificam documentos como arquivísticos ou não-arquivísticos.
Elegemos os três primeiros princípios por entendermos que estes se assemelham sensivelmente
com princípios positivistas defendidos por Auguste Comte em sua obra do século XIX, Curso
de Filosofia Positiva (1852), na qual defende métodos cientificistas para o estudo de fenômenos
sociológicos.
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Nossa proposta é refletir sobre a influência positivista comteana na formação dos princípios
defendidos por Duranti (1994) de registros documentais como provas de ação. No entanto, para
realizarmos uma análise mais ampla do desenvolvimento desses princípios na Arquivística
contemporânea precisamos compreender a própria formação do campo arquivístico.
2 O DOCUMENTO E O CAMPO ARQUIVÍSTICO
Ao longo da história, a conceituação de arquivo mudou em conformidade com as mudanças
políticas e culturais em que as sociedades ocidentais viveram. Os arquivos são reflexos da sociedade
que os produziram e o modo de interpretá-los também acompanha as mudanças que ocorreram ao longo
dos séculos. (SCHELLENBERG, 1973)
Os arquivos procuraram aproximar-se da disciplina Diplomática para desenvolver suas formas de tratar
e classificar os documentos sob sua custódia, desde seu surgimento como instituição autônoma ainda
no século XVIII. (RABELLO, 2009).
A Diplomática surgiu como método de análise empírica de documentos oficiais ainda no
século XIV para atestar a veracidade dos registro de terras, após o Período Feudal. No entanto, a
partir do século XVII tornou-se uma disciplina científica, sob a influência dos estudos filosóficos
e científicos do Renascimento. A busca de maior rigor nos estudos diplomáticos se deu após a
iniciativa dos jesuítas, em 1672, liderados por Jean Bolland, que resolveram publicar a história dos
santos em um documento denominado Acta Sanctorun, objetivando descobrir o que era verdadeiro
ou falso na vida dos santos. Os beneditinos considerados especialistas na crítica documental e na
análise textual, por meio de Jean de Mabillon, responderam à obra dos jesuítas, com a publicação
De re diplomatica libri VI, dividida em seis volumes. O método aplicado por Mabillon e os critérios
utilizados tornaram-se fundamentos da Diplomática e passaram a ser utilizados para validarem os
documentos ou os considerarem falsos. A linguagem, a tinta, o tipo de escrita, selos, pontuação,
abreviação, datas, entre outros elementos do documento serviam de parâmetros para conceder a
chancela de verdadeiro ou falso. (RABELLO, 2009, p. 105).
No final do século XIX, com base nos estudos elaborados pela École des Chartes, desde 1821, a
Diplomática firmou-se como ciência capaz de comprovar a autenticidade ou a falsidade dos documentos.
No entanto, não eram todos os documentos submetidos a sua análise. Seu alcance limitava-se aos
documentos antigos e medievais de caráter jurídico. Portanto, a Diplomática firmou-se como disciplina
que fornecia técnicas e metodologias capazes de “verificar” e “atestar” a verdade dos documentos
tão fundamentais para o Direito, para a História e para a Arquivística no século XIX. Ademais, como
Schellenberg (1978) e Rabello (2009) mostram, os Arquivos foram criados junto à Administração Estatal
e a formação de seu campo disciplinar, até o século XIX, esteve associada e influenciada pelos campos
do Direito, da Diplomática e da História.
Tanto que a missão dos primeiros arquivos nacionais
criados em 1790, os Archives Nationales de Paris, segundo a própria ata da Assembléia Nacional
que o funda, seria salvaguardar os documentos relativos às glórias e às conquistas da Nova França.
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(SCHELLENBERG, 1973, p. 26) Por mais que os arquivos nacionais guardassem os documentos
referentes à Administração Pública, até o final da Segunda Guerra Mundial, a racionalidade de suas
classificações não estava voltada para o atendimento prioritário deste campo, e sim para a pesquisa dos
historiadores. Ademais, os primeiros a assumirem as funções de arquivistas – seleção, classificação
e organização – , que trabalhavam dentro dos arquivos, pensando a própria prática da arquivística,
foram os historiadores, que trabalhavam em causa própria, procurando criar sistemas que facilitassem a
busca dos documentos históricos a serem pesquisados. Os arquivos nacionais franceses do governo do
Diretório do século XIX corroboram essa afirmativa (SCHELLENBERG, 1973).
2.1. NÃO À DISCIPLINA AUXILIAR, SIM À GESTÃO: O RITUAL DE PASSAGEM DA
ARQUIVÍSTICA
Segundo Theo Thomassen (2006), a partir da publicação do Manual dos Holandeses (1898), no final
do século XIX, a Arquivística passou a desprender-se da tradição diplomática no que se refere a analisar
os itens individualmente e passou a aproximar-se da tradição administrativa de considerar o conjunto de
documentos pertencente à determinada estrutura ou ação. Essa mudança não somente fundou o princípio
arquivístico do respeito aos fundos e o princípio do respeito à proveniência, mas também instituiu o
princípio da inter-relação entre os documentos, quarta característica apontada por Duranti (1994) como
essencial aos documentos arquivísticos. A partir de então, o importante não era o documento enquanto
peça individual, mas todo o conjunto de documentos decorrentes de uma ação, uma instituição, uma
estrutura.
A autonomização disciplinar da Arquivística só podemos situar em finais do século
XIX. Com efeito, é a publicação, em 1898, do célebre “manual dos arquivistas
holandeses” que constitui o marco a partir do qual a Arquivística deixa de se configurar
como um auxiliar da ciência histórica para inserir uma progressiva afirmação como
disciplina de caráter marcadamente técnico, embora sem deixar de continuar marcada
pela matriz historicista. (RIBEIRO, 2002, p. 99)
No entanto, a Arquivística somente mudou a forma de analisar o documento no tocante à
quantidade, a análise não se dava apenas dos itens em separado, como anteriormente, mas de uma
totalidade de documentos, de todo o processo que produziu o registro e continuou desencadeando
outros registros. A Diplomática não foi abandonada como técnica de aferição de verdade dos
documentos arquivísticos. Todavia, esse importante rompimento no final do século XIX, levou a
Arquivística a aproximar-se mais da Administração Pública e do Direito em detrimento da História.
(JARDIM, 1987, p. 54) O importante para os arquivos deixou de ser a informação histórica ou cultural
que cada documento apresentava, mas a sua ordenação para melhor atender a rotinas administrativas
das instituições a que estavam subordinados e às demandas do judiciário no tratamento das provas
documentais em seus processos. (THOMASSEN, 2006) Essa ruptura com o campo da História veio
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a consolidar-se no século XX, após a Segunda Guerra Mundial, quando a Arquivística assumiu uma
vertente mais tecnicista em seus estudos sobre documentação. (JARDIM, 1987)
A severa crítica ao conceito de documento produzida pela École des Annales, na primeira metade
do século XX, sobretudo na figura do historiador Marc Bloch que em 1949 propôs o abandono do método
cientificista do positivismo e colocou em xeque os documentos e as suas verdades, denunciando abusos,
omissões, coerções, conciliações, acordos e silenciamentos, promoveu uma profunda transformação no
campo da História no que se refere à concepção de documento e ao tratamento dado pelos historiadores.
Segundo March Bloch, em seu livro póstumo Apologia da História ou o ofício do historiador
(2001), o historiador deveria analisar não somente o que o documento registrava, mas também o que
ele deixava de registrar. Os estudos dos Annales, de grande repercussão no campo historiográfico,
mostraram a fragilidade da imparcialidade dos documentos e da autenticidade contida neles,
denunciando a intenção de seus produtores e a força política de seus registros. Segundo Bloch (2001), o
método defendido pelo historicismo alemão e pelo positivismo comteano era precário, pois ao conceber
somente os documentos históricos como registros do passado desconsideravam uma infinidade de
outros indícios importantes para a análise histórica como os hábitos, os costumes, a formação, as lutas,
as classes, os interesses políticos ocultados e revelados, a economia, os modos de vida, as crenças, e
outras variáveis que influenciariam qualquer conjuntura histórica. (BLOCH, 2001, p. 58)
Essa concepção de documento se consolidou na historiografia ao longo do século XX, sobretudo,
depois dos artigos de Jacques Le Goff, Memória e Documento/Monumento (1984), da segunda geração
da École des Annales, que passou a considerar diversas outras formas como registros documentais a
exemplo de narrativas orais, monumentos, rituais religiosos, objetos do cotidiano, entre outros, e não
somente os documentos textuais salvaguardados em arquivos. Essa postura da História provocou um
distanciamento da Arquivística que continuou a preservar a Diplomática como disciplina que legitimava
e autorizava suas práticas de seleção e classificação de documentos arquivísticos e procurou no Direito
positivista e na Administração Pública bases para a sua consolidação enquanto campo disciplinar.
Esta prática, segundo Van Gennep (1969 apud TURNER, 1974), inscreve-se em um ritual de
passagem onde um determinado indivíduo, ou clã, ou instituição, procura desvincular-se das suas
relações de afinidade e parentesco a fim de alterar ou extinguir a sua identidade e familiaridade, não
existindo assim mais a condição de pertencimento anterior. O antropólogo definiu os rites de passage
como “ritos que acompanham toda mudança de lugar, estado, posição social”. “Para indicar o contraste
entre ‘estado’ e ‘transição’, emprego ‘estado’, incluindo todos os seus outros termos. É um conceito
mais amplo do que ‘status’ ou ‘função’, e refere-se a qualquer tipo de condição estável ou recorrente,
culturalmente reconhecida.” (VAN GENNEP apud TURNER, 1974, p 115). Van Gennep (1969)
mostrou que todos os ritos de passagem ou de “transição” caracterizam-se por três fases: separação,
margem (ou “limen”, significando “limiar” em latim) e agregação. A primeira fase (de separação)
abrange o comportamento simbólico que significa o afastamento do indivíduo, do grupo, ou de uma
instituição, quer de um ponto fixo atrelado à estrutura social, quer de um conjunto de condições
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culturais (um “estado”), ou ainda de ambos. Durante o período “limiar” intermédio, as características
do sujeito ritual (o “transitante”) são ambíguas; passa através de um domínio cultural que tem poucos,
ou quase nenhum, dos atributos do passado ou do estado futuro. Na terceira fase (reagregação ou
reincorporação), consuma-se a passagem. O sujeito ritual, seja ele individual ou coletivo, permanece
num estado relativamente estável mais uma vez, e em virtude disto tem direitos e obrigações perante
os outros de tipo claramente definido e “estrutural”, esperando-se que se comporte de acordo com
certas normas costumeiras e padrões éticos, que vinculam os incumbidos de uma posição social, num
sistema de tais posições. (TURNER, 1974, p. 116)
Ao procurar romper com a História e a sua concepção de documento no século XX, a Arquivística
realizou um ritual de passagem, pois se separou de uma estrutura social e das condições sociais em
que se encontrava. Houve a separação no final do século XIX com o aparecimento do “Manual dos
Arquivistas Holandeses” (1898). Já a transição, o segundo estágio do ritual de passagem, ocorreu na
primeira metade do século XX, onde houve a preocupação com a racionalidade do trabalho arquivístico
voltado à Administração, no entanto ainda era forte o trabalho dos arquivistas junto às demandas dos
historiadores. Por fim, a partir da Segunda Guerra Mundial, concluiu-se o rito com a reagregação
e a reincorporação total da Arquivística a uma nova estrutura, voltada à Administração e à Gestão
de Documentos. Enquanto campo disciplinar a Arquivística procurou desvincular-se do status de
disciplina auxiliar da história e firmar-se como campo autônomo e de excelência no tratamento da
informação arquivística e do documento como registro de ação.
2.2 AUTONOMIA E FORMAÇÃO DO CAMPO DISCIPLINAR
Segundo Nobert Elias (1994), considera-se figuração uma estrutura social em transformação contínua
operada pelo tempo, pela ação dos seus sujeitos, pelas coerções, impedimentos, crenças, desastres
naturais, relações, tensões, silenciamentos e conciliações, enfim todos os agentes presentes nos seus
contextos. Uma maneira diferente de proceder de um desses agentes contribuirá para modificar toda
a figuração da estrutura. (ELIAS, 1994, p. 146)
Os sujeitos que procuravam afirmar a Arquivística enquanto campo disciplinar autônomo viramse levados a desprenderem-se da figuração que oferecia a sua área um papel secundário seja no tratamento
dos documentos, seja na análise dos documentos. A partir do século XX, a Arquivística apropriouse da Diplomática para analisar não somente os documentos históricos custodiados pelos arquivos,
mas para o tratamento dos documentos contemporâneos, oriundos da burocracia da Administração
Pública. Segundo Rondinelli (2002, p. 45), “[...] trata-se, na verdade, da reinvenção da Diplomática
pela Arquivística, com o objetivo de melhor compreender os processos de criação dos documentos da
burocracia moderna”.
Esse pensamento ganhou força, sobretudo, após a Segunda Guerra Mundial quando a
Arquivística passou a sofrer grandes demandas dos campos da tecnologia e da comunicação por
informações precisas, eficientes e organizadas para o desenvolvimento de seus campos que estavam
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em plena ascensão e desfrutavam de grandes recursos devido à Guerra Fria. (JARDIM, 1987, p. 58)
A partir de então, a Arquivística voltou-se a atender tais demandas, buscando selecionar, classificar,
organizar e avaliar os documentos de acordo com as exigências específicas do campo tecnológico.
No entanto, não deixou de alicerçar-se na Diplomática e no Direito como disciplinas que autorizavam
as suas práticas. A mudança de paradigma na Arquivística a partir da segunda metade do século
XX, como observou Theo Thomassen (2006) ocasionou o distanciamento deste campo disciplinar
com a História e o aproximou das teorias administrativas, sobretudo da Administração Científica
proposta por Frederick Taylor (1911). Os documentos classificados e organizados pelos arquivos
deveriam disponibilizar informações autênticas e legítimas que possibilitassem o desenvolvimento
pleno das ciências tecnológicas, físicas, nucleares, entre outras que buscavam exatidão e eficiência,
como estabelecia a doutrina taylorista (1911).
A Arquivística e seus agentes sociais perceberam que tal demanda figurava-se como oportunidade
de ruptura com status de disciplina auxiliar e de mudança para uma estrutura que permitisse maior
autonomia e identidade com o seu próprio campo, sendo possível a elaboração de uma espistemologia
e uma metodologia próprias. Retomando Van Gennep, a Arquivística, na segunda metade do século
XX, teria concluído o seu ritual de passagem, reagregando-se, reincorporando-se a uma nova estrutura
social, onde suas relações passaram a ser com grupos distintos: a Administração e a Tecnologia.
Igualmente, novas relações foram construídas com a Diplomática e com o Direito, ainda que seus laços
com essas duas áreas sejam mais antigos em comparação com a Administração e a Tecnologia, de
mais de três séculos. (RABELLO, 2003). Essa nova figuração do campo da Arquivística transformou
profundamente a sua identidade, passando a ser reconhecida como uma área de gestão de documentos,
voltada a organizar as ações e informações produzidas por instituições, órgãos, estados que possuam
administrações científicas.(JARDIM, 1987)
Segundo Pierre Bourdieu (1987), na formação de um campo existe um processo de automização,
autonomia que exige um público de consumidores virtuais cada vez mais extenso, socialmente
diversificado e capaz de propiciar aos produtores de bens simbólicos não somente as condições
mínimas de independência social, econômica, cultural e simbólica, mas também um princípio de
legitimação paralela.
No caso da Arquivística, o campo começou a crescer a partir da Segunda Guerra Mundial com
a demanda do campo da administração e da tecnologia pela racionalização do tratamento documental,
surgindo assim o conceito de Gestão de Documentos. Portanto, havia uma crescente demanda de
áreas diversificadas pelo trabalho da Arquivística, consumidores na ótica bourdesiana, e produtores,
ou seja, arquivistas, que procuravam criar saberes próprios da área e buscavam na Diplomática, no
Direito e na Administração discursos que a autorizavam e a legitimavam enquanto campo disciplinar
autônomo.
A preocupação da Arquivística passou a ser a produção de critérios, metodologias e classificações
de documentos que atendessem prontamente com o máximo de eficiência e rapidez às demandas das
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áreas da tecnologia, ciência e comunicação. Retomando Bourdieu (1987), o crescimento do campo
arquivístico com o boom informacional no período da Guerra Fria, tanto de produção de documentos,
quanto de demanda por informação, caracteriza o que o antropólogo chamava de constituição do campo
simbólico, onde há um corpo de produtores e instituições de bens simbólicos cuja profissionalização
faz com que estes passem a se reconhecer exclusivamente. A partir da segunda metade do século
XX, consolidam-se na Arquivística imperativos técnicos, normas e metodologias que formam um
conjunto de determinações que passam a definir as condições de acesso à profissão e participação no
meio. (BOURDIEU, 1987, p. 100)
Ao produzir informações tratadas, classificadas e disponibilizadas aos seus consumidores por
meio de seus documentos custodiados, os arquivistas delimitaram seu campo, criando seus imperativos
técnicos e suas normas que restringiam o acesso ao seu campo de atuação.
No entanto, alguns autores como Hilary Jenkinson (1965) e Luciana Duranti (1994) ao
procurarem legitimar seu campo por meio do Direito e da Diplomática, construíram uma concepção
positivista da Arquivística, ainda que algumas correntes teóricas dessas áreas que influenciaram sua
constituição tenham criticado e se afastado do positivismo comteano.
3 O POSITIVISMO NA ARQUIVÍSTICA E SUAS INFLUÊNCIAS
O positivismo surgiu na segunda metade do século XIX, com os pressupostos defendidos por
Auguste Comte com o objetivo de fundar uma doutrina filosófica, sociológica e política que levaria
ao desenvolvimento pleno do espírito humano. Influenciado pelos avanços tecnológicos oriundos da
Revolução Industrial e o cientificismo das consideradas ciências naturais, Comte defendia que o único
conhecimento possível era o que as ciências permitiam conhecer, pois o único método de conhecimento
advinha das ciências naturais. Havia assim a positividade da ciência e a divinização do fato, postura
que levava à mentalidade positivista a combater as concepções idealistas e espiritualistas da realidade,
concepções que os positivistas rotulavam como metafísicas (GIDDENS, 2005).
O caráter fundamental da filosofia positiva é tornar todos os fenômenos como
sujeitos a leis naturais invariáveis, cuja descoberta precisa e cuja redução ao menor
número possível constituem o objetivo de todos os nossos esforços, considerando como
absolutamente inacessível e vazia de sentido para nós a investigação das chamadas
causas, sejam primeiras, sejam finais. (COMTE, 1988, p. 9)
De acordo com Comte, os fenômenos sociais deveriam ser estudados com a mesma metodologia
de ciências como a astronomia, a física, a matemática e a fisiologia. Pois os fenômenos sociais também
seriam fatos lógicos e somente a partir da observação aprofundada de tais fatos que se poderia atingir o
conhecimento de suas leis. Todos os conhecimentos deveriam ser fundados em observações, quer dos
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fatos aos princípios, quer dos princípios aos fatos, e quaisquer outros aforismos parecidos. (COMTE,
1988, p. 15)
Todas as vezes que chegamos a exercer uma grande ação, é somente porque
o conhecimento das leis naturais nos permite introduzir, entre as circunstâncias
determinadas sob a influência das quais se realizam os diversos fenômenos, alguns
elementos modificadores que, em que pese a sua própria fraqueza, bastam, em certos
casos, para fazer reverter, em nosso proveito, os resultados definitivos do conjunto das
causas exteriores. (COMTE, 1988, p. 23)
Comte afirmava que somente a partir do conhecimento aprofundado das leis relativas ao
indivíduo seria possível estudar os fenômenos sociais. A física social baseava-se num corpo de
observações diretas que lhe era próprio, possuindo uma relação íntima com a fisiologia propriamente
dita. (COMTE, 1988, p. 33)
A proposta metodológica de Comte (1988) para as ciências sociais consistia no estudo dos
fenômenos sociais a partir da investigação, observação, proposição de teses, modelos, para, enfim,
a elaboração de leis sociais. Isto é, uma transposição das técnicas e metodologias utilizadas pelas
ciências naturais que haviam se consolidado como campos disciplinares conceituados e legitimados
socialmente no século XIX. Comte procurava legitimidade em áreas como a medicina, a astronomia,
a matemática e a física para consolidar a sua física social, a sua ciência positiva.
O positivismo comteano, usado como arcabouço teórico nas ciências humanas no século
XIX, estabelecia que o conhecimento se explicaria por si mesmo, necessitando apenas o estudioso
recuperá-lo e colocá-lo à mostra. A teoria positivista ganhou força num momento em que se
acreditava ser a verdade um fim atingível e somente possível por meio dos métodos científicos
como a investigação, a observação e comprovação das leis do mundo – princípios naturais que
regiam as coisas e que estavam no universo prontos a serem descobertos assim como foram as
leis newtoneanas (LÖWY, 2003).
No próprio campo do Direito, que tanto influenciou a Arquivística, havia a corrente positivista
que defendia não haver lacunas no direito do homem, as lacunas estariam nas leis ou na falta de
compreensão destas. Os juristas seriam intérpretes das leis, deveriam se distanciar de seus juízos
e assumir uma postura neutra baseada em provas produzidas pelas partes litigantes num processo.
(NEUMAN, 1986, p. 29)
A Teoria Crítica do Direito que surgiu na década de 1930, em seu embate com o positivismo,
afirmava que as lacunas não estariam nas leis, mas nas ações “político-jurídicas” dos agentes do campo
do Direito. Nesse sentido, a jurisprudência, a sentença e outros atos de poder decisório dos juristas
seriam atos soberanos, pois julgariam subjetivamente, utilizando o aparelho coercitivo do Estado para
impor suas sentenças transformadas em obrigações de fazer e deixar de fazer aos que se submetessem
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às regras e aos critérios criados pelo poder judiciário. Essas decisões seriam atribuições de valores
baseadas nos discursos apresentados pelas partes, na subjetividade dessas, mas também na subjetividade,
na interpretação das leis e nos valores preservados pelo jurista, responsável por mediar tal questão.
(NEUMAN, 1986, p. 32)
Portanto, a doutrina positivista do século XIX criou a necessidade de se utilizar na pesquisa e na
análise dos fenômenos sociais o máximo de documentos possíveis com o objetivo de se obter a totalidade
sobre os fatos. A busca desses fatos deveria ser feita por mentes neutras, pois qualquer juízo de valor
na pesquisa e análise alteraria o sentido e a verdade própria dos fatos, modificando a própria História,
ou o próprio julgamento da justiça que deveria ser imparcial. Análises subjetivas e parciais tornariam
os saberes falhos, sem caráter científico, destituídos assim de valor e validade. Fustel de Coulanges,
historiador do século XIX, influenciado por Comte, chegou a afirmar que: “a História não é arte, mas
uma ciência pura (...) a busca dos fatos é feita pela observação minuciosa dos textos, da mesma maneira
que o químico encontra os seus em experiências minuciosamente conduzidas” (COULANGES, 2003).
A objetividade, a minuciosidade, o detalhe e a dedicação impessoal, portanto, foram as grandes
lições da escola positivista para o estudo de áreas que influenciaram o campo da Arquivística como a
História e o Direito no século XIX. Numa sociedade européia que buscava seu próprio desenvolvimento
e avançava rumo a grandes descobertas na ciência e na tecnologia, a cientifização que marcou a época
também se espalhou para o campo dos estudos humanos, reduzindo o papel do profissional das ciências
humanas a um mero coletor de informações (LÖWY, 2003).
Entretanto, tanto a História com a École des Annales e a Nova História, quanto o Direito com
a Teoria Crítica do Direito a partir dos anos de 1930 procuraram repensar seus campos, abandonando
a doutrina positivista. Já a Arquivística, fez o caminho inverso, ao aproximar-se do campo da
Administração e das Ciências Tecnológicas e tecer novas relações com o Direito e com a Diplomática, a
partir dos estudos, primeiramente de Hilary Jenkinson, em 1965, e posteriormente de Luciana Duranti, a
partir do final da década de 1980, sendo aprofundados pelo grupo InterPARES, em 2001. A concepção
arquivística, a partir desses nomes da área, alinhou-se com os pressupostos positivistas de método
científico e documento para legitimar o seu campo e as suas práticas.
3.1. O PRIMADO DA ARQUIVÍSTICA: TRATAMENTO DOCUMENTAL POSITIVISTA
A Arquivística no século XX continuou a defender os princípios positivistas como arcabouço
teórico para suas práticas mesmo que as áreas que haviam legitimado o seu campo como a História e
o Direito já tivessem abandonado tal filosofia.
No período entre as duas guerras mundiais, preocupações de nova ordem caracterizaram a
Arquivística, especialmente sobre o ofício do arquivista. Os problemas de avaliação, seleção e
eliminação, em consequência do aumento considerável da produção de documentos levou a uma
reflexão da própria práxis do campo.
A década de 50 caracterizou-se pelas preocupações de caráter pragmático do campo da
GT1204
Arquivística, embora a componente teórica não tenha estado ausente por completo. Obras como o
manual do alemão Adolf Brenneke (1953), o estudo já referido de Theodore Schellenberg, sob o
título Modern archives: principles and techniques (1956), são exemplos da procura de sistematização
teórica que envolveu a Arquivística, num período em que a acentuada evolução tecnológica criou e
agudizou problemas práticos de vulto, acentuando-se a tendência tecnicista na forma de encarar a
disciplina.
A necessidade de se controlar a produção documental fez com que os arquivos deixassem
de prioritariamente servir à pesquisa histórica e ao desenvolvimento cultural, e passassem a atuar
de forma mais pragmática, procurando atender às demandas de informação com metodologias
semelhantes às utilizadas pelas ciências exatas, ou seja, por meio de observações, teses, modelos e
leis. A Arquivística ao aproximar-se dos saberes exatos procurou utilizar de seus métodos para obter
a sua legitimação entre seus consumidores.
Nas décadas de 1960 e 1970 a Arquivística preocupou-se com o debate de questões de
ordem técnica envolvendo a classificação e o armazenamento dos documentos custodiados pelos
arquivos como, por exemplo, a problematização dos fundamentos da Arquivística no Canadá, sendo
significativo o artigo que Louis Garon publicado no primeiro número da revista Archives (1969) sobre
o princípio da proveniência e a problematização de Michel Duchein em 1977, sobre o princípio do
respeito aos fundos, na França.
Todavia, a partir dos anos de 1980, a Arquivistica procurou legitimar-se enquanto campo
científico com métodos e epistemologia próprios. As revistas Archives e Archivaria produzidas no
Canadá tiveram grande influência neste campo, sobretudo os estudos de Luciana Duranti sobre as
características dos registros documentais a partir da década de 1980. Influenciados pela teoria de
Hilary Jenkinson (1965) sobre documentos, os estudos da autora aproximam-se da Diplomática e do
método positivista de Auguste Comte ao estabelecer como características inerentes aos documentos,
que deveriam ser observadas e extraídas destes, valores atribuídos por seus produtores, classificadores
e arquivistas.
Em seu artigo Registros documentais contemporâneos como provas de ação (1994), Luciana
Duranti afirma que a imparcialidade, a autenticidade e a naturalidade seriam atributos verificáveis
nos documentos que comprovam ações. Caso não fosse possível a observação destes atributos, o
motivo seria por se tratarem de documentos ilegítimos e, portanto, não deveriam ser analisados pela
Arquivística.
Esse posicionamento denuncia o caráter positivista dos estudos elaborados por Duranti e por seu
grupo InterPARES (2001), uma vez que impõem aos documentos características naturais, inerentes a
eles, que são invenções, valores atribuídos pela própria Arquivística ao selecionar, classificar, avaliar
e excluir documentos.
Essa prática do campo inscreve-se na busca da disciplina em estabelecer a verdade por meio do
documento. A verdade por essa abordagem é algo natural e verificável nos documentos, camuflando
GT1205
as manipulações, juízos de valor, coerções, acordos e exclusões realizados pelos arquivistas nas suas
ações de seleção, classificação, avaliação e descarte dos documentos. (FOUCAULT, 1996)
A verdade que se diz revelada pelos documentos é construída por valores e critérios criados,
institucionalizados e legitimados pela Arquivística e forjada como dado disponível e observável nos
documentos, pensamento semelhante ao positivismo comteano do século XIX.
De acordo com Michel Foucault (1996), para se encontrar o verdadeiro é necessário obedecer às
regras de uma polícia discursiva que devemos reativar em cada um de nossos discursos. (FOUCAULT,
1996, p. 35) A disciplina torna-se um princípio de controle da produção do discurso. Ela fixa os limites pelo
jogo de uma identidade que tem a forma de reatualização permanente de regras. Assim, o documento para
ser considerado um registro de ação deverá conter as características defendidas pela Arquivística, seguindo
e comprovando seu discurso, caso contrário, não pertencerá ao campo por ela limitado, fará parte de outra
esfera, talvez da História, talvez do Direito, mas não da gestão documental arquivística.
Ao imputar aos documentos atributos e funções como se fossem de sua natureza, esses
princípios defendidos por Luciana Duranti (1994) mascaram o trabalho dos arquivistas procurando
apagar sua responsabilidade e seu poder ao selecionar e atribuir o que deve ser ou não documento
que registre uma ação, sua classificação, sua forma de acesso, seu tempo de vida. São ações muito
complexas e que denunciam o grande poder exercido pela Arquivística ao operar com memórias,
relações reatualizadas e revisitadas, discursos em trânsito e formas de conhecimento disponíveis, não
disponíveis ou descartadas, excluídas, não validadas.
Ao afirmar que os registros documentais são imparciais, pois as razões por que eles foram
produzidos e as circunstâncias de sua criação (rotinas processuais) não possuem outra finalidade
que não seja o registro dos fatos e das ações, a Arquivística, defendida por Hilary Jenkinson (1965)
e Luciana Duranti (1994), mostra quais os enunciados são autorizados e os que não são autorizados
em seu campo disciplinar. Os documentos permitidos e considerados pelos arquivos são aqueles
ligados ao fazer da Administração que sigam padrões e critérios legitimados pelo campo – aqueles
relacionados ao campo da Diplomática e do Direito positivo.
Ao definir “imparcialidades” e “autenticidades”, segundo determinados códigos socioculturais,
os arquivistas o fazem com propósitos políticos. Essas definições sobre documentos, criadas pelos
agentes sociais da Arquivística, têm conseqüências em termos de práticas sociais que delimitam e
circunscrevem sujeitos, objetos, relações e ações possíveis e permitidas dentro do campo disciplinar
firmado. (BOURDIEU, 1987, p. 102)
Os documentos tornam-se entidades que possuem estatutos próprios independentes de ações
humanas. O lugar de fala do arquivista e de ação permanece invisível, sendo “a própria realidade” que
se manifestaria nos documentos. (ARAÚJO, 1988). Os fatos e as ações descritos pelos documentos
são apresentados como uma “realidade” cuja existência independeria do arquivista, sendo sua tarefa
disponibilizar as informações tal como o documento revela.
Há nessa teoria defendida por Hilary Jenkins (1965) e Luciana Duranti (1994), um processo
GT1206
ilusório, que produz autenticidades, imparcialidades e naturalidades que permitem a Arquivística
não somente atestar a verdade, mas chancelar os documentos que podem ser considerados como
verdadeiros ou ilegítimos.
Igualmente, o acúmulo natural que afirmam estes autores existir na formação do acervo dos
arquivos, não revela a seleção e manipulação feitas pelo arquivista como sujeito classificador. Como
afirma Jean Baudrillard (1989), o ato de acumular distingue-se do ato de colecionar. Na acumulação
há o caos, o amontoamento, tudo é retido. O acúmulo, de acordo com Baudrillard, é um seqüestro
onde tudo que é alvo de interesse. Retira-se de circulação o objeto de desejo, esconde-se para que
ninguém tenha acesso, somente o acumulador. É um ato passional de ciúmes onde o acumulador
torna-se um neurótico narcisista que opera num sistema de exclusão sobre as coisas acumuladas.
(BAUDRILLARD, 1989, p. 106)
A coleção, ao contrário, seleciona e classifica, submetendo as coisas colecionadas a uma
hierarquia. Ela visa objetos diferenciados, de valor de comércio, de ritual social, de exibição, de
comprovação, ou mesmo fonte de benefícios. Esses objetos colecionáveis são acompanhados de
projetos. Sem cessar, remetem-se uns aos outros, incluem nesse jogo uma exterioridade social de
relações humanas. (BAUDRILLARD, 1989, p. 111)
Nessa perspectiva, os documentos assumem uma característica de coleção e não de acúmulo,
pois, apesar de haver um processo de guarda de grandes massas documentais, há um tratamento
colecionista a estes registros. Certamente, as formas de seleção e coleção são completamente
distintas das áreas da Biblioteconomia e Museologia – de que são sempre comparados – no entanto,
a organização complexa de tais documentos, o ordenamento em séries, a singularidade absoluta de
cada registro documental no acervo e as complexas relações construídas entre eles são elementos que
constituem o caráter colecionista dos arquivos.
4 CONCLUSÕES
Destarte, o que procuramos realizar nesse trabalho foi um exercício de reflexão sobre as
possíveis relações da Arquivística com a Doutrina Positivista de Auguste Comte (1988) a partir dos
conceitos sobre registro documental elaborados por Luciana Duranti (1994). Nossa proposta, a partir
dos estudos baseados em Bourdieu (1987) e Foucault (1996; 1998; 2001), foi perceber como essas
relações configuraram-se a partir da constituição do campo Arquivístico e as suas implicações na
práxis dos arquivistas.
Um possível desdobramento de pesquisa deste trabalho seria aprofundar o estudo da busca
pela legitimidade da Arquivística, enquanto disciplina, a partir do rito de passagem de Van Gennep
(1969), com o distanciamento da História e a aproximação das Ciências Tecnológicas. Procurar
perceber como esse ritual de passagem pode ter influenciado a escolha dos agentes que procuraram
refletir sobre seu campo a partir da década de 1980, isto é sobre a Arquivística, na escolha pelo
método positivista de análise documental.
GT1207
Outra questão suscitada por este estudo foi procurar pensar uma proposta conceitual para a
abordagem dos documentos no campo da Arquivística que não esteja tão alinhada com o pensamento
positivista. Seguindo os apontamentos feitos por Michel Foucault, em seu livro Arqueologia do Saber
(1998), procuraremos em uma pesquisa futura conceber o documento como enunciado, ou seja, aquilo
que faz com que existam conjuntos de signos e permite com que regras e formas de construção desses
conjuntos de signos se atualizem. “Mas se os faz existirem, é de um modo singular que não poderia
se confundir com outros conjuntos de signos alheios às suas relações.” (FOUCAULT, 1998, p. 69)
Todavia, esta análise será retomada em um momento posterior, pois foge a nossa proposta
inicial, apenas registrada aqui para servir de orientação, sugestão, que iremos, em outro momento,
seguir.
Portanto, este trabalho trata-se de um breve exercício, um sobrevôo em teorias complexas com
a intenção de que sirva de ponto de partida para desdobramentos futuros mais aprofundados.
ABSTRACT
Analysys about the characteristics of documents approached by the Archivist. According to Hilary
Jenkinson (1965) and Luciana Duranti (1994), impartiality, authenticity, naturalness, oneness and
interrelatedness are natural features present the documentary record. Should the archivist investigate,
observe and verify the existence of such attributes. If they are not identified in the documents is because
there is no archival documents. The values and
​​ criteria for assessment of the documents established
by the archivists are artificially camouflaged and transformed into transformed into features of the
documents. Method similar to the positivism of Auguste Comte in the nineteenth century that sought
to analyze social phenomena as universal laws that are present in the world. This Archival pratice
shows the search for establishing the discipline that would be possible from the verification of the
truth contained in the documents. The truth, by this approach, it would be something natural and
verifiable documents, in this way, hiding the manipulations, value judgments, constraints, exclusions
and agreements made ​​by archivists in their stock selection, classification, evaluation and disposition
of documents.
Keywords: Document. Archival. Positivism. Disciplinar Area
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GT1210
COMUNICAÇÃO ORAL
O CONCEITO ONTOLÓGICO FENOMENOLÓGICO DA
INFORMAÇÃO: UMA INTRODUÇÃO TEÓRICA
Marcos Luiz Mucheroni, Robson de Andrade Gonçalves
Resumo: O conceito de informação é tomado em sua peculiaridade ao ponto em que definições
não convergem em um consenso. Os conjuntos dos conceitos e fatores contingentes que tornaram
aportes sobre a informação e, sobretudo, o ato de informar-se diz respeito à historicidade do
conceito de informação e, em especial, da existência da Ciência da Informação enquanto disciplina
especializada. A crítica de Lukács e Adorno perante a ontologia clássica, que separa sujeito e objeto,
incidem diretamente na discussão da informação que em suas interpretações pelas ciências abandona
o seu papel essencial de fundo que premedita a ação de cada ser e faz no seu ato de informar algo no
qual é impressa sua visão de mundo. Assim este trabalho explora o retorno ontológico do conceito
de informação a partir da filosofia de Heidegger no seu aspecto fenomenológico e de crítica ao
esquecimento do ser, numa urgente mudança de visão de mundo que a incorpora condicionada a
cultura, a temporalidade e a peculiaridade de cada indivíduo pensado como ser, além das objetivações
científicas e métodos aplicáveis.
Palavras-chave: Epistemologia. Ontologia da Informação. Informação Ontológica-Fenomenológica.
Ciência da Informação.
Abstract: The concept of information is taken in its uniqueness to the point that definitions do not
converge on a consensus. The sets of concepts and contingent factors that have made contributions
over the information and, above all, the act of informing concerns the historicity of the concept
of information and in particular, the existence of Information Science as a discipline expert. The
criticism of Lukacs and Adorno in the face of classical ontology that separates subject and object
falls directly in the discussion of the information in their interpretations by science that abandons
its essential role that premeditates background of every action and makes the act of informing its
something in the which is printed their worldview. Thus this paper explores the return of the ontological
concept of information from the philosophy of Heidegger in his appearance and phenomenological
critique of the forgetfulness of being, in urgent change of worldview that incorporates the conditioned
culture, temporality and the peculiarity of each be thought of as individuals, beyond the scientific
quantification and applicable methods.
Keywords: Information Ontology. Ontological-Phenomenological Information. Epistemology.
1 INTRODUÇÃO
Informação é antes uma questão. A Ciência da Informação (C. I.) tem como objeto de estudo a
Informação, um conceito complexo que não satisfaz a compreensão com definições. A multiplicidade
de definições e a divergência entre tais relatam um quadro de inconsistência epistemológica na área
nos fazendo questionar a relação entre informação e ciência, sociedade, cultura, ética, etc. O caminho
da definição mostra-se insuficiente e a análise crítica das ciências, da historicidade do conceito de
GT1211
informação, assim como a crisis da visão de mundo atual faz-se urgente.
Entre o nascimento dos estudos em informação científica e o pensamento de Otlet há uma clara
divergência. Otlet tinha em mente a visionária, porém eurocentrista ideia de acesso aos documentos
e a importância do estudo destes. O contexto histórico é díspare. Na Royal Empire Society Scientific
Conference a intenção era de entender a informação e sua importância nas comunidades científicas
criando linhas de pesquisa e impulsionando a discussão da informação científica para o uso político
desta. Quanto mais se estuda e compreende a informação, mais se manipula a tecnologia a favor
daquele que detém o poder monetário e de investimentos, esta é a lógica militar. A C.I. nasceu em
uma gama de interesses, regiões, culturas e ideologias41 diferentes; sendo que as interpretações e
textos que discorrem a “História da Ciência da Informação” divergem quanto ao seu começo. Uns
relatam a gênese na biblioteconomia/documentação (com Otlet), confundindo documentação com
informação (eis a visão materialista42) (LE COADIC, 2004), outros remetem ao início da C.I. com
as conferências citadas acima, dos EUA e Europa (SARACEVIC, 1996), porém, o conceito de
informação é pertinente tanto quanto a documentação e biblioteconomia e tanto a C.I. como uma
ciência autônoma, independentemente de questionamentos quanto a quem detém o nascimento da
ciência. É sabido que esse nascimento é crítico e mantém-se em uma crise de mutagênese, pois aderiu
a si um conceito peculiar, ou não passível de definição, a informação.
Nesta crítica colocamos em cheque a razão de existência de uma ciência social que deveria
pensar realmente a sociedade, no idealismo (para alguns, infelizmente ingênuo) de que a ciência
existe para o progresso humano e para o bem-estar comum, como também, a condição histórica do
afastamento ontológico das ciências e o conceito de informação nesse contexto histórico e crítico.
Questões surgem, como: o bem-estar de quem é a meta das ciências? Realmente quer-se democratizar a
informação para todos? Todos os governos desejam investir em pesquisas que expandam a capacidade
de conhecer, de criticar e consequentemente, de transformar? É importante que não nos esqueçamos
destas questões, para que a crítica vá além da simples análise de teorias e paradigmas e fundamentese no ser.
Quanto mais simplificadas, mais comprimidas estiverem as teorias sobre informação, mais
distante estaremos de vislumbrar as possibilidades de compreender, a partir de outras lentes, como
conhecemos o mundo, de que modo podemos apontar os interesses escusos de pequenos grupos,
de fomentar a crítica e de valorar o que nos afirma como ser, o Outro. As tecnologias nos permitem
visualizar, sentir o mundo de múltiplas maneiras, são ferramentas na sua materialidade, sendo que em
essência são um saber. Aqueles que manipulam as ferramentas constroem e modificam-nas, sustentamse na sociedade que tem poder de consumo. Consumir deriva de consumar, destruir. O que se usa se
Ideologia – uma questão de contexto discursivo, de relação de poder, sendo direcionada à promoção ou
legitimação de uma ideia correspondente a uma visão de mundo, ou crenças situadas em relações vivenciadas.
(EAGLETON, 1997).
42 Materialista aqui é retratada como uma visão objetivada do conceito de informação, ou seja, informação
como coisa, confundindo-se com o documento, o livro, etc. Não nos referimos ao Materialismo Histórico ou a
qualquer doutrina marxista neste ponto.
41
GT1212
descarta. A tecnologia do descartável nos leva a uma discussão mais profunda e ao questionamento
do papel da ciência na sociedade. Frente a ideologias e a hierarquização do poder do Estado, situa-se
mais uma ciência que é a C.I. Seu papel é importante e discutível, e como ciência evolui perante o
criticismo e a proposição de outros caminhos a seguir.
Com as novas mídias, esse quadro é confrontado com novas possibilidades nunca antes
vistas. A Internet e a Rede inauguraram um novo mundo do agir, da participação e da comunicação.
Nunca antes na História foi possível escrever uma opinião sobre qualquer assunto e compartilhar
com o mundo rapidamente. Pode-se criar um blog, comentar, interagir, ler e ser lido, sendo que o
tempo nesse processo é condensado e o espaço configurado a perder as distâncias. Um brasileiro
pode reivindicar no seu blog próprio, ter comentários do Japão, por exemplo, e replicar praticamente
no mesmo momento. Claramente esta revolução das comunicações trouxe uma mudança no viver,
e no agir da sociedade. Porém ainda se mostra como processo, está distante da sua queda e vê-se
nova sua nascente. O que difere de outros processos de revolução tecnológica é que na Internet
acontecem mudanças em curtos espaços de tempo. A noção cronotópica, ou seja, de tempo-espaço,
foi completamente transformada, mas essa realidade não é possível para todos, não em todas as
culturas. A hierarquização, o modelo emissor-receptor de comunicação (no sentido ontológico)
tem sua insuficiência demonstrada na relação intersubjetiva da Rede. O centro está por toda parte,
por nós de rede, que ao tornarem-se ativos, produzem em uma interação possível de modo aberto e
horizontalizado.
2 UM PRESSUPOSTO TEÓRICO PARA O CONCEITO ONTOLÓGICO DA INFORMAÇÃO
Mário Ferreira dos Santos foi um filósofo notável, buscou uma própria forma de pensar,
olhando de modo crítico as teorias classicamente estudadas da filosofia e como ele mesmo diz com
uma acidez digna, “confrontando o espírito colonialista passivo de muitos brasileiros, que não crêem,
não admitem e não toleram que algum de nós tenha a petulância de formular pensamentos próprios”
(SANTOS, 1956, p. 16). Suas considerações sobre a Teoria do Conhecimento contribuem para um
esclarecimento do pensamento grego e as raízes do pensamento ocidental sobre o conhecer. Do
mesmo modo que o filósofo, este trabalho não se fecha em nenhuma categoria definidora geralmente
tendenciosa e a posteriori das intenções do autor. É acima de tudo um fazer crítico concatenando
logicamente as ideias que melhor possam mostrar o quanto é profunda a fenda epistemológica da
Ciência da Informação e o quanto são peculiares o conceito que esta toma de objeto. Para assim,
acharmos outras fendas, ou modificarmos o nosso pensar sobre as fendas atuais. O criticismo
neste trabalho está em primeira vista muito além de alguma intenção de seguir doutrinariamente
categorizações e posições filosóficas quaisquer.
A questão do conceito de informação e seu problema epistemológico movimentam as
GT1213
publicações científicas sobre metateorias43. Este é um sinal do estágio de construção epistemológica
da C.I. Se nos referimos à construção, isto quer dizer que há uma meta, uma teleologia. Especulações
sobre uma C.I. com uma epistemologia única, concreta e produtiva são meros vôos ideais, como
no exemplo do trabalho de Schrader (1983), que identificou mais de 700 definições no contexto da
C.I. Há um claro esforço na construção de uma epistemologia da C.I., porém as divergências ainda
apontam para maiores e contínuos conflitos. A posição de Brookes (1991) mostra a necessidade de
uma unificação teórica, em que esta ciência tenha sua própria visão dos casos humanos e desenvolva
seus próprios princípios e técnicas. Mas como é possível desenvolver tal ambição se a ciência tem um
problema congênito em sua epistemologia e recorre a conceitos de outras ciências? Como podemos
pensar informação sem uma relação com o conhecimento, comunicação, política, direitos, ética? Sua
junção com outros correlatos de outras áreas é inevitável. Talvez o que se pode dizer de lúcido em
Brookes é a construção de uma nova visão de mundo, uma concepção própria da C.I., para que então
esta consiga delinear-se, tornar-se clara a si, porém sempre remetendo ao meio e à rede emaranhada
de relações científicas. Não há possibilidade para se pensar numa ciência estanque, mas sim numa
ciência comunicativa e permeadora, ou seja, uma ciência do conflito de ideias per se.
Uma maior atenção ao aspecto semântico da informação causou uma reconsideração na
teoria de Shannon, emergindo o Paradigma Cognitivo da Informação que considera o significado
e não somente o sinal. Significado está intrínseco à linguagem e esta, por sua vez, ao indivíduo em
sociedade. A C.I. afirma-se uma ciência social de fato, porém de que modo são entendidos, linguagem,
significado e indivíduo social? Resquícios do behaviorismo, do positivismo, mais recentemente do
logicismo neopositivista e do reducionismo cartesiano ainda perduram nas teorias da C.I., tal como
visto em Bates (2005), sobre o leitor ser informado no ato da leitura, e então se faz conhecimento
neste ato, além de segregar informação em duas concepções distintas, 1 e 2. Uma materialista: “O
padrão de organização da matéria e energia”44. E outra complementar e semântica: “Algum padrão
de organização de matéria e energia cujo sentido é definido a partir de um dado ser vivo”45 (BATES,
2005). São definições e, a partir destas, Bates constrói sua linha de pensamento sob a visão de mundo
reducionista e mesmo declara, “Neste ensaio, o objetivo foi o de fornecer uma definição que seja
útil no sentido físico, biológico e social do termo”46 (BATES, 2005, p. 26, grifo nosso). A busca pela
definição é clara, como sublinhamos, sendo que as definições são demasiadamente gerais, a partir do
ponto de vista de diversas áreas, que não necessariamente convergem quanto ao significado do termo
informação.
Metateoria é a discussão teórica frente a teorias e paradigmas de uma ciência, uma discussão sobre as teorias
predominantes em uma ciência, pelo viés ontológico, axiológico, epistemológico, teleológico e ideológico
(TALJA, 2005).
44 Tradução nossa de: “The pattern of organization of matter and Energy”
45 Tradução nossa:“Some pattern of organization of matter and energy given meaning by a living being”
6
Tradução nossa de: “In this essay, the objective has been to provide a definitionthat is usable for the physical,
biological and social meaning of the term”
43
GT1214
As estruturas são construídas na complexidade das relações sociais, em um tempo, sob a visão
de mundo predominante e não somente na simples ação humana da subjetividade pura ou mesmo
em face do dado, como objeto, numa suposta objetividade pura. O criticismo aqui empregado deseja
apreender o fenômeno e sua manifestação nessa complexidade de existência. Pensar a estrutura
de uma ciência é pensar na visão de mundo que ela fora construída e de que modo (a partir das
considerações políticas, ideológicas, sociais e particularidades) ela se molda no tempo, e como pode
encontrar caminhos para um melhor esclarecimento da sua epistemologia. A compreensão aqui de
epistemologia é o caminho do conhecimento, como tecer, sempre considerando os fatores adversos
que se situam na manifestação entre sujeito e objeto. Neste sentido, Santos (1956), cita o que Lavelle,
filósofo francês metafísico, pensa sobre a tarefa da filosofia:
A filosofia não inventa nada. Ela é em cada um de nós a consciência do ser e da
vida. Ela é esse esforço de reflexão pelo qual ensaiamos atingir, no fundo de nós
mesmos, a fonte de uma existência, que parece ter-nos sido imposta [...]. Ela busca
captar a realidade internamente num ato de viva participação em vez de nos dar
um espetáculo do qual nós mesmos estaríamos ausentes. (LAVELLE, 1935 apud
SANTOS, 1956, p.31).
Objetivar em análises esse aspecto fenomênico seria uma contradição, por isso há o trabalho
crítico, ausente de determinações e condições objetivadoras, instrumentalizadoras do conceito de
informação. Como Lavelle diz, a filosofia é a consciência crítica da questão presente em todos e
necessária para toda ciência. Não nos referimos como também Lavelle, à filosofia como profissão,
como cargo acadêmico, mas o ato de filosofar, de refletir sobre a nossa condição na sociedade e na
existência, ou seja, como seres pensantes dotados de voz ativa e viva, que permite o diálogo e cria
possibilidades de construir e propor novos caminhos para o vislumbramento, sendo assim, nos faz
seres presentes na realidade.
À luz de novas descobertas científicas no campo da física, as teorias da complexidade, esta
visão se reorganizou no pensamento neopositivista, já presente desde o Renascimento:
Não se trata mais de saber se cada momento singular da regulação linguística
científica resultados práticos imediatos mas, pelo contrário, do fato de que o inteiro
sistema do saber é elevado à condição de instrumento de uma manipulabilidade geral
de todos os fatos relevantes [...] É evidente que a vanguarda desta concepção dirigese, sobretudo contra a teoria e a práxis da filosofia da natureza desde o Renascimento
até o século XIX (LUKÁCS, 1984, p. 9).
Lukács aborda a condição da ciência moderna na sua instrumentalidade e do afastamento
ontológico das ciências neopositivistas, positivistas, behavioristas criticando não somente a prática,
mas a visão de mundo tomada pelas ciências, em especial as ciências naturais, assim como, as
ciências sociais e do espírito; que taxam a metafísica como ilusão, ou mero idealismo, corrompendo
o conceito em seu cerne. Este afastamento ontológico nos leva diretamente às ideologias do sistema
socioeconômico atual, a formatação objetivadora e meramente calculista que se acha em uma posição
de instrumentalização e voltada à práxis, aos números, dados e métodos aplicáveis. Essa condição
GT1215
é histórica, nasceu de acordo com Lukács, no Renascimento e perdura nos nossos dias mesmo no
momento crítico científico, político e econômico de hoje, se pensarmos em uma atualização da crítica
de Lukács.
Essa situação remonta à nossa discussão perante a condição epistemológica da C.I. que em
suas teorias e visões de mundo encontra-se nesta condição histórica, sendo que a partir desta crítica
do esquecimento do ser nas ciências, podemos ampliar a compreensão do conceito de informação e
consequentemente propor uma mudança de visão de mundo direcionada para uma visão ontológica.
3. O CONCEITO DE INFORMAÇÃO ONTOLÓGICA-FENOMENOLÓGICA
Kant foi o responsável por uma revolução copernicana na filosofia, quando postulou a
dependência do pensar aos sentidos, ao sujeito, porém o isolou de certo modo, recebendo críticas de ser
um idealista e desconsiderar a materialidade do mundo. Não nos cabe entrar nessas discussões sobre
o Idealismo ou Realismo, em ambos os pensamentos extremistas que caíram por terra nas discussões
filosóficas47 e se mostraram insuficientes ao tempo. A pluralidade das verdades se dá no fenômeno
quando a coisa (ente) manifesta-se aos nossos sentidos (não de modo unilateral ou hierárquico), estes
passíveis à pluralidade e à infinitude das interpretações, que vai além de sabermos onde se forma a
realidade. Temos de primeiramente compreender a relação sujeito-objeto para então abordarmos com
mais clareza o conceito ontológico-fenomenológico de informação.
A Teoria Crítica de Adorno e Max Horkheimer alertam-nos sobre a condição objetivadora do
espírito na sociedade industrial, e do modo de produção capitalista infiltrado na cultura e nas artes. Em
momentos turbulentos de uma Europa assolada pela mais genocídica guerra da história, o pensamento
crítico seria a única saída válida para transformar a visão de mundo e aprofundar as fendas no sistema
capitalista, que iria além da análise da época de Marx; vai ao cerne de questões filosóficas do ser, do
homem, microcosmo, dentro de uma sociedade complexa, e se constroem como tais dialeticamente.
Nesse contexto, Adorno faz uma reflexão crítica sobre o sujeito e objeto, sobre a clássica
ambiguidade e oposição entre os dois conceitos quando afirma que “A ambigüidade não pode ser
eliminada simplesmente mediante uma classificação terminológica. Pois ambas as significações
necessitam-se reciprocamente; mal podemos apreender uma sem a outra” (ADORNO, 1995, p. 62).
Nos caminhos permeados pela Teoria do Conhecimento na história da filosofia sempre houve
o grande questionamento da natureza do sujeito e do objeto. Ob-jeto, aquilo que se opõe ao sujeito,
que por sua vez, pro-jeta, é entendido como aquilo que está fora da consciência de um indivíduo,
assim assinala-se a concepção clássica. Porém, Adorno atenta para a questão social não considerada
nas discussões filosóficas da teoria do conhecimento. O homem é um ser social, o conceito de
indivíduo não pode fechar em si mesmo. Não há indivíduo fora de uma sociedade e a alteridade é
uma determinante para o conceito de homem, ser que se faz, atualiza-se no outro, na sociedade, e cria
47
Cf. BERGSON, 1984.
GT1216
deste modo, o movimento complexo entre sujeito e objeto, alvos da persistente ideia categorizadora e
definidora da Teoria do Conhecimento. Sobre definir, Adorno nos esclarece: “Definir é o mesmo que
capturar – objetividade, mediante o conceito fixado, algo objetivo, não importa o que isto seja em si.
Daí a resistência de sujeito e objeto a se deixarem definir.” (ADORNO, 1995, p. 62). O mesmo se
dá com o conceito de informação, um conceito peculiar, que foge a qualquer definição reducionista,
pois o olhar objetivador não se identifica com este conceito, sendo que na sua etimologia já existe
como conceito plural, metafísico, e requisitado para os olhos do filosofar que não se restringe
totalmente à visão de mundo objetiva. O pensar filosófico faz o caminho do questionar à pluralidade
conceitual de “Informação”, suas definições modificadas e reestruturadas pela história construindo
uma epistemologia.
Adorno questiona a veracidade dos postulados da Teoria do Conhecimento sobre a separação
sujeito-objeto, e percebe em sua manifestação os interesses ideológicos dessa cisão, principalmente
em Kant, na sua revolução copernicana da filosofia, onde pôs o sujeito à frente dele mesmo,
questionando sua origem como tal e a cognoscência dos objetos, eis o indivíduo vivente, indivíduo
de fato. Há, para Adorno, uma íntima relação entre sujeito e objeto e nessa relação um complexo
movimento ideológico, político, e interesses condicionantes que vão além de qualquer análise restrita
à metafísica. A condição histórica e social do homem é o viés que deve ser abordado quando se
questiona filosoficamente sujeito e objeto. Salienta essa relação indissociável, Adorno,
Nenhum dos dois existe sem o outro; o particular só existe como determinado e,
nesta medida, é universal; o universal só existe como determinação do particular e,
nesta medida, é particular. Ambos são e não são. Este é um dos motivos mais fortes
de uma dialética não-idealista (ADORNO, 1995, p. 70).
O sujeito é objeto tanto quanto o objeto é sujeito em níveis variantes, sempre em movimento
e indeterminação. Ao descentrarmos sujeito e objeto podemos refletir no seu fazer, no ato e relação; e
isso nos conduz à historicidade deste fazer, suas variantes, e nos afastam da ilusão do poder absoluto
da objetividade e da analítica.
Uma intenção de crítica à Ciência da Informação e uma investigação filosófica sobre o conceito
de informação permeia também uma crítica do conhecimento, pois informação e conhecimento
estão intrinsecamente ligados, pode-se dizer que são semelhantes, em outras palavras, distintos
em concepção, porém idênticos em conceituação. Abordar um conceito informacional é tomar a
consciência imediata de um conceito do conhecer. Informar e conhecer são o mesmo no seu sentido
ontológico, porém ao mesmo tempo distintos como concepção. Podemos dizer que o ato de informar
é um ato de conhecer, mas não podemos igualar informação e conhecimento; este último termo vai
além da ação, perdura na memória, situa-se na história e na própria efetivação do ser. A partir desse
pensamento crítico, atual, e emergencial construímos os argumentos da hipótese deste trabalho que
sugere outro olhar perante esse conceito “que não se deixa definir”.
O afastamento ontológico creditado às ciências naturais, que resultou em uma construção
de uma visão de mundo cientificista e fisicista taxa quaisquer questionamentos que vá considerar as
GT1217
contingências, a historicidade e a impossibilidade de neutralidade de uma observação de devaneio
metafísico. Lukács, pensador marxista tece uma crítica fundamentada na historicidade do aparecimento
dessa visão de mundo quantificadora, chamada Neopositivismo:
Tanto desvaneceu o idealismo kantiano no curso do século XIX que surgiu uma
corrente idealista no positivismo dirigida não apenas contra o materialismo, mas
com a pretensão de criar um meio filosófico que extradita do campo do conhecimento
toda visão de mundo, toda ontologia e, igualmente, cria um - pretenso - terreno
gnosiológico que nem materialista-objetivo e que, justamente nesta neutralidade,
pode oferecer garantia de um conhecimento científico puro. Os momentos iniciais
desta tendência remontam à Mach, Avenarius, Poincaré etc... (LUCÁKS, 1984, p. 6).
A distinção entre o indivíduo subjetivo e o ser social são concepções claramente behavioristas,
onde todas as pesquisas sobre o homem são feitas em termos da psicologia, da biologia e da física,
sempre incluída a linguagem-objeto, para Carnap: “Muitos termos podem ser definidos sobre esta
base, podendo o resto ser certamente reduzido a ela” (CARNAP, 1938 apud LUCÁKS, 1984, p. 59).
Este é o fundamento e a síntese do pensamento logicista ou neopositivista, um homem fora do seu
contexto, seu ser reduzido à lógica e à relação instrumental da linguagem, sendo assim possível a
manipulação da pretensa neutralidade científica.
A tendência à homogeneização das concepções e dos métodos aplicáveis afasta o fazer
científico da visão ontológica e quando pensamos nas chamadas ciências do espírito a questão complica
a sua gravidade. E ainda nesse sentido surge a questão ontológica da informação, principalmente
perante a ciência e à condição histórica que esta se coloca. Frente essa questão propomos o caminho
fenomenológico que considera a historicidade e as contingências, a partir do viés filosófico, no
pensar da informação em concatenação com a fenomenologia heideggeriana, tomando a si o método
não determinante de análise do como, ou seja, como se manifesta a coisa investigada, quais são
suas peculiaridades existenciais, o que assim se mostra em si mesmo (DUBOIS, 2004). A lógica da
ontologia e fenomenologia de Heidegger está na hermenêutica, na interpretação das sentenças e na
relação do ser com a linguagem e na intencionalidade do ser. Estes tópicos são cruciais para se pensar
a informação pelo âmbito do ser, por uma ótica ontológica que se presta ao fenômeno para ampliar
a compreensão do como da informação, ou, como a informação se dá, processa como tal, no ser.
O principal tradutor e estudioso da obra heideggeriana, Emmanuel Carneiro Leão, descreve numa
síntese a condição da fenomenologia em Heidegger e também da sua ontologia no posfácio da edição
brasileira de Ser e Tempo:
A necessidade de um esquematismo espacial, temporal e gestual para dizer e
compreender todos os modos de ser e agir mostra à sociedade que a presença fundadora
de nossa existência não se dá na órbita de consciência de um cogito sem mundo, nem
na complementaridade recíproca de sujeito e objeto. Abrange, ao contrário, todas as
peripécias de uma co-presença originária que se realiza através de uma história de
tempos, espaços e gestos, que se desenvolve num mundo de interesses e explorações,
de lutas e fracassos, de libertação e escravidão. (HEIDEGGER, 2009, p. 557).
GT1218
A fenomenologia de Heidegger como método, se molda a partir da coisa mesma, isto é, não se
acaba como método próprio, imóvel e infalível, tal qual o cartesiano. O fenômeno é a própria questão
e o método para se pensá-lo se dá nele mesmo. O caminho a se percorrer é a própria questão, que vai
se clareando à medida que se caminha. Se informação é um processo, um fenômeno e logo temos que
adentrar na sua ação através do questionamento de como o informar-se se dá. Deste modo escapamos
dos estanques metodológicos de análise positivista, e de qualquer outra universalização totalizante.
Pensar informação, filosofar sobre este conceito, é uma ação informativa, que através do próprio
caminho se descobrem as possibilidades de caminhar. Nessa pretensão fenomenológica podemos
clarear e expandir as possibilidades de compreender o que é informar-se. Dar sentido ao ser no ato
informativo, imerso e vivo no mundo, em essência, significante.
Na busca fenomenológica fomos à origem do conceito informação para então refletirmos a
sua historicidade e transformação. Informação, em consenso com os dicionários consultados vem do
latim, Informatio, Informatione que significa, “modelar, formar, representar idealmente [...] formar
no espírito”, segundo Machado (1990); de acordo com Saraiva (1924), “Dar forma, afeiçoar, formar;
formar no espírito, delinear, esboçar, instruir, educar”. Em alguns dicionários em inglês encontramos
a etimologia em Scheller (1835), “uma representação, ideia, esquema, para enquadrar na mente” 48;
e também em Glare (1982), “esforço (em palavras), formas na mente, para formar a ideia de (algo),
imaginar”49.
Dentre os verbetes é consenso a origem da palavra informação, sendo que in – dentro, e
formatio – deriva de forma, dar forma a algo. É a origem da palavra que permite diversas interpretações
em dependência da visão de mundo, assim como o termo fora usado pelos escolásticos (Idade Média),
diferentemente depois das ideias de Descartes e mais precisamente Kant, que considerou o sujeito
como cognoscente e primordial no processo do conhecer. No aspecto figurativo, todos os dicionários
consultados remetem para “formar no espírito”, ou algo que se forma no espírito, daí a interpretação
de in-formar, dar a formação no interior, imaginar, ou seja, no intelecto, ou no sujeito cognoscente.
O sujeito é, portanto, um conceito chave para se compreender o conceito de informação, mas ainda
mostra limitações, pois esse carrega uma definição insuficiente, abstrata e idealista de informação. É
preciso pensar como o processo se dá, em que meio e de que forma.
Se há um sujeito há um objeto; se pensamos um sujeito cognoscente, pensamos numa
sociedade em que esse sujeito está inserido, no contexto histórico, na sua linguagem, na sua cultura.
Diversos fatores tornam a discussão mais complexa e a interpretação pode ir além. Do mesmo modo,
se pensamos em forma, pensamos em matéria, no conteúdo desta forma, na apreensão das coisas,
de certa forma, pensamos também sujeito e objeto, e, além disto, pensamos no processo em sua
totalidade na relação entre sujeito e objeto, matéria e forma.
Quantificar a informação é criar enunciados sem um fundamento ontológico; é destituir do
48
49
Tradução nossa de: “a representation, idea, sketch, to frame in the mind.
Tradução nossa de: “Sketch (in words), to form in the mind, to form and idea of (something),
imagine”.
GT1219
conceito de informação sua essência, pois não é possível pensarmos o informar-se sem considerarmos
o homem que pensa e seu meio. Os labirintos da mente e do fenomênico não são quantificáveis ainda.
Se, por conseguinte, afirma-se que se pode manipular a informação, logo, se pode manipular alguma
forma de pensamento. 50
Aristóteles foi o filósofo grego que estudou a relação entre matéria e forma, também conhecida
como hilemorfismo. Para o filósofo, a relação de existência entre matéria e forma constrói a realidade,
assim, pensa-se o sentido de processo no movimento que existe nessa relação. Henri Bergson, filósofo
francês, exemplifica o pensamento do hilemorfismo de Aristóteles,
[...] a árvore, a planta que provém da semente. A semente é a matéria, a planta, a
forma. Essa forma é o objetivo, o fim que o desenvolvimento da semente persegue;
[...] esse devir tem sua causa na necessidade de realizar a forma, na necessidade de
tornar-se planta, de modo que é a atração da forma que causa o movimento e a forma
é realmente causa motora, ao mesmo tempo em que causa final. (BERGSON, 2005,
p.123).
Para Aristóteles, a forma está (em potência) nos objetos, nas coisas, no ente, pois assim
é logicamente permitido haver mais de uma visão, ou compreensão dos objetos. Eles podem ter
múltiplas formas. A prova está no microscópio, por exemplo, um copo contém água num recipiente
no estado líquido. Quando olho com olhos microscópicos, vejo não mais a forma líquida, mas sim
as moléculas de água, “vejo” a molécula de H2O, assim como se pode usar uma “lente quântica” e
“ver” o quantum, o interior do núcleo e outro mundo físico com outras leis mecânicas. A matemática
permite, através da sua linguagem, esta outra visão que experimentalmente é um sucesso.
Nossa percepção cognitiva efetiva-se em quatro dimensões (três dimensões espaciais e uma
temporal), outro ser, hipotético, pode ver o mundo em 4, 5, 9 dimensões, como a física atual já pensa,
nas teorias atuais. Como ele veria? E em duas dimensões? A partir da percepção, como agiria esse
ser? Parece aceitável que esse ser agiria completamente diferente de nós, seres de uma percepção em
quatro dimensões. A forma está em potência no objeto, pois independe de nós para essencialmente ter
a forma, já que pode ser visto em diversas realidades formais, microscópica, quântica, macroscópica,
mítica, etc;
A realidade está em partes no subjetivo e no objetivo, logicamente falando, é uma relação
fenomênica entre ambos que dá a forma, que in-forma. A visão de mundo determina a forma, o
informar. Temos uma limitação fisiológica, fato que a neurociência estuda, por isso sua importância,
justamente para sabermos o quão longe nosso cérebro pode ir fisicamente, quantas realidades, quantas
formas pode se desprender e desenvolver dos objetos e do real.
A complexidade desta realidade se dá nas contingências que a permeiam e a determinam
naquilo que a ciência não atinge, apenas quantifica e abstrai. Apesar de estar além da ciência, o ato,
o movimento de organização das coisas, o ser em sua afirmação de si é crucial para compreendermos
a magnitude do conceito de informação. É o que chamamos de Meio Elucidativo, cuja complexidade
50 Reditum
ad absurdum.
GT1220
é explícita na linguagem, na cultura, na diferença. É a partir da diferença do Outro (alteridade) que
devemos refletir o conceito de informação e como a prática desse pensamento se dá na educação, na
epistemologia da C.I., na configuração das bibliotecas, na Documentação, que neste caso especial
estuda a organização dos documentos e principalmente para quem organizar. Documentos não existem
sem uma ação, e esta ação é causada por um ser, com direitos e deveres, num contexto político, numa
temporalidade, em uma forma de discurso, em uma cultura.
Elucidar vem de esclarecer, tornar lúcido, deriva do latim elucidativus (BUENO, 1963).
Para se tornar elucidado, o meio deve organizar-se de uma maneira em que estes fatores estejam
consoantes no ato de informar-se e distinguível para aquele que está se comunicando. Na relação
comunicativa, seja entre pessoas, ou numa leitura de análise a um documento, existe uma conexão
cognitiva, uma atenção do indivíduo para aquilo que se estabelece comunicação. O pensamento se
faz atento, intencional, atualizando-se com o outro e nesse movimento de pensamento, linguagem,
cultura e individualidades existe o ato de informar.
Uma horizontalidade é possível nesse processo comunicativo e o ato de informar-se movimenta
em sua temporalidade afirmada pelo potencial de informar, que se atualiza e informa. O potencial de
informar torna-se ato no Meio Elucidativo, ao ponto que os objetos tomam forma no espírito, ou
“nous” 51 em grego, e neste sendo do ser, há o processo, o movimento, portanto, ação em que se
informa; a informação. Logo, as coisas têm a potencialidade de informar, assim como a semente tem
em potência a árvore e seus frutos, ou seja, existe uma virtualidade. Nesse sentido podemos pensar
a Internet como outra realidade, virtual e não irreal, de possibilidades técnicas, de compartilhamento
de saberes e de relações humanas, assim como uma possível horizontalização dessas relações. A
partir dessa hipótese, distinguimos o que é registro, ou documento, de informação. Um livro tem
a potencialidade de informar, mas este ato dependerá dos fatores de linguagem, da cultura, da
temporalidade, do sujeito que é informado.
Quando nos informamos, a forma se dá em nós, porém não se fecha em uma redoma em
nossa consciência ou subconsciência; está em nós em ato, em nossas opiniões, na linguagem, está
culturalmente vivo e formado em nós, por isso o “informar-se sob um ponto de vista”. É a forma que
se dá no espírito, e este o modifica, dá movimento ao espírito, ao pensamento, e exige o questionar. É
importante usar o pronome nós, no sentido de remeter ao mundo, quando nos referimos à informação,
pois a solidão do cogito não é mais tomada como verdade. Há de se superar o pensamento isolado do
cartesianismo e pensar o “nós”, ao invés da consciência pura. A experiência viva, ainda que mesclada
com o ser e os outros entes, se dá unicamente em cada um de nós, por isso é um ponto de vista, ou
seja, somente uma posição (dentro da interpretação de espacialidade que este conceito remete) que
tem sua unidade de posicionamento e não de completude, pois um ponto se dá num espaço, e este é
mais abrangente, deste modo, o ponto de vista é por si relativo. Todavia, o pensamento, fundamento
desta experiência viva e do humano, é compreendido como ao mesmo tempo único em cada ser
51 Nous
depende do contexto filósofo, aqui é a noção qualitativa de estar ligado ao ser e o todo.
GT1221
(pode-se dizer de consciência) e total para o ser (pode-se dizer a existência do Outro).
Existir é compreender, e no pensamento, em que nasce o questionar, nos fazemos ser.
Informar, conhecer, fazer parte do processo do conhecer a si e ao outro (ser-no-mundo, ou o Dasein
de Heidegger) é questionar-se, não somente como uma dúvida a ser sanada, mas o próprio informarse no seu processo de atualização é o questionar, daí se deriva a sua essência, não presa a um sujeito,
nem mesmo ao objeto, mas na relação entre o ser e o mundo, no fenômeno, na história52.
Informação é essencialmente o questionar-se. Todo ato de informar-se remete a uma questão,
não se informa sem uma dúvida. É uma busca particular incutida nos mistérios da mente e do pensar,
do ser, portanto. Informação é antes uma característica existencial, ontológica. Pensar a informação é
debruçar-se sobre o questionar-se, tendo em vista o ôntico, o histórico, a cultura e o tempo. A essência do
informar-se está em cada ente que transcende no seu ser, de modo que o conceito de ser-aí (HEIDEGGER,
2009) está além do informar-se53, é antes o fundamento deste; portanto, pensar informação é um pensar
de geração, pelo espírito de um tempo. Pensa-se em educação, o educar de uma sociedade, sua história
e cultura. O nosso tempo deve sempre perguntar-se da essência do saber do informar-se na sua cultura,
pois a nossa busca pela essência varia, nos diferenciamos, pelo tempo. O mundo é descoberto, assim
como descobrimos a nós mesmos criando identidade na diferença, dialeticamente. Informação nos
remete à relação de diferença e identidade, portanto, a cultura.
4 CONSIDERAÇÕES FINAIS: MUDANÇA DE VISÃO DE MUNDO, UM NOVO FAZER
CIENTÍFICO E SOCIAL
Como visto, a complexidade de conceitos conjuntos e fatores de contingência que abordam a
informação e, sobretudo, o informar-se se amplia ao ponto em que questionamos mais a natureza e a
historicidade do conceito de informação e da existência da Ciência da Informação. Esta complexidade,
na sua universalidade, é sintetizada a partir da palavra alemã Weltanschauung deriva de, welt –
mundo, e Anschauung - visão, intuição. Geralmente traduzida por visão de mundo, ou visão da vida,
e pode ser interpretada como a nossa posição no mundo e o modus do nosso agir (HEIDEGGER,
2007). Regularmente usada na filosofia, este termo sintetiza o ser-no-mundo, isto é, a visão de mundo
premedita a ação de cada ser, é condicionada pela cultura, pela temporalidade, pelo pensamento que
temos em nossa subjetividade e ao mesmo tempo, mesclada ao objetivo, ao mundo, às relações que
mantemos em sociedade e a cultura como determinante na formação de cada um. A visão de mundo
da ciência atual encontra-se em uma crise, como dito, juntamente com o conflito de outras visões
emergentes. Esta mudança de visão gera o conflito, e afirma o diálogo. O que propomos é uma
substancial mudança de visão de mundo, para então pensarmos como o agir há de se modificar, tal
qual Heidegger, que relê a famosa frase de Marx, “[...] a transformação do mundo, [...] exige, antes,
que o pensamento se transforme, assim como já se oculta uma modificação do pensamento atrás da
Deve-se entender história dentro da historicidade experimentável do ser.
Questionamento: ou podemos considerar que o informar-se vai além, tal qual o ser-aí? Ter uma dúvida
sanada, satisfazer a necessidade do saber é existir?
52
53
GT1222
aludida exigência.” (HEIDEGGER, 1983, p. 236).
Heidegger refere-se à provocação de Marx na Ideologia Alemã de 1846, onde este último
critica os filósofos de somente interpretar as maneiras do mundo, sendo que o importante é transformálo. A transformação só é possível com uma mudança de visão de mundo, uma mudança essencial,
ou seja, profunda e cultural. A C.I. está neste momento de mudança, sob um capitalismo senil, no
avanço tecnológico da Internet e na reestruturação das formas e possibilidades de comunicação e de
conhecimento. A tecnologia é um fenômeno cultural e a Internet nos mostra como essa cultura age,
se atualiza, se transforma e se movimenta na sociedade. Informação permeia a tecnologia (technè), a
cultura, a sociedade, a ética, a educação e o saber principalmente. O questionamento, a visão crítica,
a ética do diálogo e do convívio com o diferente devem ser levadas em consideração não somente nas
teorias de uma ciência, mas na sua construção epistemológica, na ação e educação de seus cientistas
e profissionais.
É necessário construir uma prática profissional a partir de um ensino e pesquisa que não
consideram primordialmente aquele que detém o conhecimento, ou a informação; aquele que a controla,
mas aquele que pode alcançá-la a partir da própria reflexão, da busca conjunta, da consideração do
outro. O pesquisador da informação irá relatar e estudar os problemas sociais sobre a informação, o
acesso, a democratização, o uso de novas tecnologias, pesquisas com novas mídias direcionadas para
o serviço público, a educação; assim como para o profissional do mercado de trabalho que encontra
uma possibilidade de pensar o contexto político e prático em que o mercado se situa e nos atinge
diretamente. No método de ensino, o professor que supostamente detém o conhecimento e articula
todas as informações em si, cai por terra. Há um diálogo entre professor e aquele que quer aprender,
e não mais o aluno; a-luminum, o sem luz. Analogicamente tal como o usuário da biblioteca, ou de
uma base de dados, é antes um ser, um indivíduo.
O informar é um processo que depende do outro, daquele que ob-jeta o sujeito e também
pode ser sujeito, ou além, é uma ação derivada de um sujeito. Dar forma ao espírito é o conceito
primário de informação que ao ser retomado, nos apresenta uma nova forma de se desvelar o conceito
de informação, ao ponto de reestruturarmos a nossa visão de mundo como uma possibilidade de
transformação. O transformar está fadado à historicidade do ser, tais quais as ideias deste trabalho, que
enfrenta a realidade da ciência no Brasil, do sistema político atual e da crise do sistema socioeconômico
capitalista. As ideias são sementes, podem vir a ser, e fadadas à latência, podem ser germinadas sob o
ditar da temporalidade e das contingências.
Informar-se é um vir a ser da transformação. E transformar necessita da crise, da crítica, do
questionar, o que nos faz humanos e nos afirma o ser-no-mundo. Esta é a mudança de Visão de Mundo,
que nos permite explorar outras maneiras de vivência e novas possibilidades de existir mais próximos de
um conceito de humanidade, e não fadados ao esquecimento do ser, ou um distanciamento dissimulado
do que somos de fato. A busca é incessante e este trabalho representa esta necessidade do questionar e
do conflito crítico, que até então, se mostra como a mais lúcida maneira de atingir o transformar.
GT1223
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GT1225
COMUNICAÇÃO ORAL
DOCUMENTO “SENSÍVEL” E INFORMAÇÃO (IN)
ACESSÍVEL?
Icléia Thiesen
Resumo: A existência de fontes de informação para a pesquisa científica é fundamental para o avanço
do conhecimento. O documento enquanto material da memória coletiva e da história constitui matériaprima dos pesquisadores, razão pela qual encontra lugar de destaque nos estudos acadêmicos, mas
também no imaginário social. Objeto de estudo de várias disciplinas, sobretudo da Arquivística, da
Diplomática e, mais recentemente, da Ciência da Informação, o documento primário ou documento
de arquivo não é mero portador de informações e, em suas relações com a sociedade, possui uma
materialidade que o reinscreve no processo de construção da ciência, gerando fatos e representações.
Este trabalho visa caracterizar e discutir a natureza dos chamados “documentos sensíveis” produzidos
pela comunidade de informações, durante a ditadura de 1964-1985, bem como os conflitos gerados
na luta pela abertura total dos arquivos responsáveis por sua guarda permanente, face aos diferentes
interesses em jogo. Os resultados parciais da análise das condições de produção de tais documentos
servem de alerta para a ilusão do real que esses “tesouros” suscitam, para em seguida se transformarem
em “miragem”.
Palavras-chave: documento “sensível”; comunidade de informações; organização do conhecimento;
memória e história.
Abstract: Information sources for scientific research are fundamental to the expansion/evolution of
knowledge. The document - the element of collective memory and history ─ is the raw material of the
researchers; that´s why it is prominent in academic studies and in the social imaginary. The primary
document or file is object of study of various disciplines, especially Archives, Diplomatics and, more
recently, the Information Science; besides being an information carrier, in its relationship with society,
the document, by its materiality, is reinserted it in the process of building science, generating facts
and representations. This paper aims to describe and discuss the nature of the “sensitive documents”
produced by the “intelligence community” during the 1964-1985 Brazilian dictatorship, as well as
the conflicts generated in the struggle for opening up the documents by those responsible for their
permanent custody, due to so many interests at stake. Partial results of the analysis of the production
conditions of such documents serve as a warning to the illusion that these “treasures” raise; an
illusion that becomes a “mirage.”
Key-words: “sensitive documents”; intelligence community; knowledge organization; memory and
history.
Documento “sensível” e informação (in)acessível?
1 Introdução
O conhecimento é sempre uma certa relação estratégica em que o homem
se encontra situado. É essa relação estratégica que vai definir o efeito de
GT1226
conhecimento e por isso seria totalmente contraditório imaginar um
conhecimento que não fosse em sua natureza obrigatoriamente parcial,
obliquo, perspectivo. (...) Pode-se falar do caráter perspectivo do conhecimento
porque há batalha e porque o conhecimento é o efeito dessa batalha.
Michel Foucault
A teoria do conhecimento, em suas principais correntes - empirismo, racionalismo, idealismo,
etc. - trata do fenômeno do conhecimento sob os prismas os mais diversos. Aqui interessa abordar os
aspectos da natureza do conhecimento, o que nos remete à epistemologia. Muitos são os pensadores
que trataram do tema dentro da história da ciência e de seus campos fronteiriços, mas objetivamos no
horizonte deste estudo a “modalidade de investigação na qual o conhecimento examina a si mesmo”,
vale dizer, a epistemologia ou o conhecimento do conhecimento. (OLIVA: 2011, p.14)
No presente trabalho levantaremos a questão do conhecimento científico construído a partir
de fontes primárias para a indagação acerca da natureza da informação extraída de documentos com
vistas aos trabalhos da memória e da história. Seria possível identificar padrões de registro documental
que configurassem comunidades de sentido (BACZKO: 1984)? Como se constroem os processos de
apropriação da informação e como se instituem no âmbito da sociedade? Na esteira desses processos
como a materialidade do documento marca o imaginário social nas relações de força?
Pensar sobre a natureza da informação e do documento que dá sustentação à construção do
conhecimento tornou-se uma questão premente da Ciência da Informação, campo do conhecimento que
tem suas origens e suas bases sustentadas pelas experiências do conhecer acumuladas no fio da história
pela Bibliografia, Documentação, Biblioteconomia, Comunicação, Organização do Conhecimento,
mais recentemente aproximando-se da Museologia, da Arquivística e da Diplomática, entre outras
áreas afins às chamadas Ciências Sociais Aplicadas, sem esquecer os estudos da Memória Social e
da História, tendência mundial das pesquisas informacionais preocupadas com aspectos históricos e
epistemológicos do campo de estudos da Ciência da Informação. Diálogos interdisciplinares indicam
algum nível de independência entre si, mas também que há fronteiras teóricas e metodológicas a
serem demarcadas.
Este trabalho visa contribuir para essas reflexões trazendo para o centro das discussões a
especificidade dos documentos primários ou de primeira mão, os chamados documentos de arquivo54,
particularmente documentos “sensíveis” produzidos durante o período da Ditadura militar no Brasil
(1964-1985)55. Qual a natureza desses documentos?
Sabemos que o documento encontra-se nas bases históricas e epistemológicas da Ciência
54 Trataremos como sinônimos os documentos primários, também conhecidos como documentos de arquivo, para caracterizar os que
“apresentam uma informação original, ou seja, lida ou vista pelo leitor no estado em que o autor a escreveu ou concebeu”. (BOULOGNE:
2005, p.85) Trata-se, ainda, segundo a ABNT, NBR 9578, de documento que, “produzido ou recebido por uma instituição pública ou
privada, no exercício de suas atividades, constitua elemento de prova ou de informação”.
55 Trata-se de “documentos produzidos ao longo do tempo, de caráter histórico ou permanente, cujo conteúdo informacional contém
segredos de Estado e/ou expressam polêmicas e contradições envolvendo personagens da vida pública ou seus descendentes”.
(THIESEN; PIMENTA: 2011, p. 231) Rodrigues explica que a noção de “arquivos sensíveis” remete, conforme Pierre Nora, à memória
e à história. O historiador assinala “uma tensão entre dois tipos de memória (histórica e vivida)”. (RODRIGUES: 2007, p.139)
GT1227
da Informação. Enquanto material da memória coletiva e da história seu papel nos estudos
contemporâneos é incontestável, apesar das diferentes concepções teóricas que o definem ora como
suporte de informação a ser comunicada, ora como superfície de inscrição de traços e signos, entre
outras. Contudo, é importante ressaltar que o documento, enquanto fonte, ganha especificidades
apenas quando responde a questões formuladas pelo pesquisador sobre sua natureza, seu contexto de
produção, sua intencionalidade (THIESEN; PIMENTA: 2011, p. 229).
Por outro lado, interessa também aos propósitos deste estudo enfocar a problemática do
documento no horizonte da Organização do Conhecimento, enquanto campo de pesquisa amplo e
interdisciplinar, dedicado aos fundamentos científicos que norteiam “os processos de organização
do conhecimento, assim como os sistemas de organização do conhecimento usados para organizar
documentos, representações de documentos, trabalhos e conceitos” (HJØRLAND: 2008, p.86).
Ao discutir os fundamentos da Organização do Conhecimento, em outro trabalho, o mesmo
autor chama a atenção para o processamento da informação na divisão social do trabalho, vale dizer,
para o “papel especial dos profissionais de informação no estudo ou manipulação da informação”
(HJØRLAND: 2003, p. 92). O que representa um documento não publicado para um bibliotecário ou
cientista da informação e para um historiador, já que este último considera esse tipo de documento
como básico para suas pesquisas? De que maneira o profissional arquivista utiliza as ferramentas
teórico-metodológicas do seu campo para lidar com seu objeto de estudo, vale dizer, o documento?
Sabe-se que a informação registrada e institucionalizada constitui insumo fundamental para
a construção do conhecimento, tanto no contexto da Ciência da Informação, quanto no âmbito das
demais Ciências Sociais e Humanas. Entretanto, cabe à primeira desenvolver quadro referencial
teórico e procedimentos metodológicos interdisciplinares no processo de produção e organização
da informação, especialmente no que se refere à análise, representação e recuperação do conteúdo
informacional de documentos custodiados por instituições-memória. Em suas dimensões teórica e
aplicada, a organização da informação é fundamental para a construção do conhecimento científico e,
por via de consequência, para a história das ciências.
Trata-se de antigas discussões que retornam de tempos em tempos já que questões pertinentes
à organização e recuperação da informação, segundo HJØRLAND, não foram resolvidas nem mesmo
com o apoio das tecnologias de rede implementadas desde a década de 1990. A problemática ultrapassa
aspectos técnicos e demanda mais pesquisas sobre como as pessoas pensam e buscam informação e
sobretudo como esta se encontra organizada. Abordagens histórica, cultural e social do conhecimento
vêm se impondo como uma tendência das pesquisas em Organização do conhecimento, em diálogos
frutíferos com a História, a Epistemologia, a Filosofia da Ciência, etc. Dando especial ênfase aos
documentos e aos usuários, Souza recupera parâmetros básicos de análise da informação, ou seja,
Natureza da Informação (o que);
Recuperação da Informação (para que);
Tratamento e Processamento da Informação (como);
GT1228
O papel social da informação (contexto de uso). (SOUZA: 2007, p.118)
Contudo, problemas de recuperação da informação não são exclusivos no que se refere
aos propósitos que norteiam este estudo. Nosso foco está centrado prioritariamente – mas não
exclusivamente – nas condições de produção dos documentos que viram a luz do dia no contexto
histórico da Ditadura militar de 1964. Onde se encontra essa especificidade que precisa ser elucidada?
Nosso campo empírico de análise diz respeito aos chamados “arquivos da repressão”56. Objeto de
disputas políticas e jogos de poder esses arquivos guardam documentos com informações de interesse
público e privado, social e institucional, razão pela qual compreender como foram produzidos e em
quais condições torna-se fundamental.
Tarefa urgente a ser realizada, no momento em que se discute na sociedade brasileira a mudança
na legislação de acesso aos arquivos da repressão, no âmbito da terceira versão do Plano Nacional
de Direitos Humanos (PNDH-3) cujo Eixo Orientador VI diz respeito ao Direito à Memória e à
Verdade. A criação de uma Comissão Nacional da Verdade ainda não se efetivou no Brasil, sofrendo
diversos entraves de setores a quem não interessa recompor o passado recente do país e, por via
de consequência, promover a reconciliação nacional. O dilema atual se apresenta entre o direito
à memória e a vontade de esquecimento (THIESEN: 2011). Sabemos que o silêncio não significa
esquecimento, mas a impossibilidade temporária de inscrição de experiências na memória coletiva
e, na sua forma mais aprimorada, a memória nacional (POLLAK: 1989). Problematizar a natureza
dos chamados “documentos sensíveis” é o objetivo central deste trabalho. Os procedimentos teóricometodológicos constituem a crítica às fontes selecionadas e sua confrontação com o referencial teórico
da Ciência da Informação, disciplina que tem as questões documentais como sua marca de batismo.
2 Tesouros e miragens: escritas do Estado
Em pesquisas anteriores57 detectamos singularidades que dizem respeito à natureza dos
documentos produzidos nesse período da História do Brasil contemporâneo. Aqui está o cerne da
questão que aponta para os cuidados da análise documentária. Poderíamos utilizar metáforas para a
56 Os “arquivos da repressão” ou “da Ditadura” são os que foram produzidos pelos órgãos da repressão, ou seja, pelas polícias políticas,
bem como pelos organismos criados com a função de repressão, como os centros de informação do Exército (CIE), da Aeronáutica
(CISE) e da Marinha (CENIMAR), além dos DOI-CODIs Destacamentos de Operações de Informações-Centros de Operações de
Defesa Interna que existiam em alguns estados (COSTA, 2004).
57 No projeto de pesquisa « Imagens da clausura: informação, memória e espaço prisional no Rio de Janeiro », desenvolvido no
Departamento de História da UNIRIO (2003-2011), verificamos a existência de um sistema de informações de natureza jurídica e
caráter identificatório, com valor de inteligência, configurado no século XIX, na corte imperial do Brasil. No âmbito dessa pesquisa,
em sua última etapa, enfocamos a experiência prisional no período da chamada Ditadura civil-.militar de 1964-1985. A pesquisa foi
encerrada com a recente publicação “Imagens da clausura na Ditadura de 1964: informação, memória e história”, editada pela 7Letras.
Paralelamente, em estágio de pós-doutoramento no LERASS (Laboratoire d’Études et de Recherches Appliquées en Sciences Sociales)
da Université Paul Sabatier, Toulouse 3, em 2008-2009, sob a orientação de Viviane Couzinet, estudamos elementos da pré-história
da Ciência da Informação, de onde nasceu a concepção de Inteligência Informacional, o que nos permitiu verificar a sua existência já
bastante aprimorada no período da Ditadura de 1964. Demos prosseguimento a esses “achados”, verticalizando tais problemáticas no
projeto “A informação na pré-história da Ciência da Informação: pré-conceito, natureza, episteme” (THIESEN: 2009-2012), em fase
final e com apoio do CNPq (PQ-2).
GT1229
definição de nossa problemática e hipóteses preliminares – o tesouro e a sua miragem. Em levantamento
realizado no sentido de conhecer e analisar os referidos arquivos, verificamos a existência de
verdadeiro “tesouro” sobre a experiência histórica do período mencionado. Ao examinarmos alguns
documentos que constituem fontes de pesquisa para diversos campos do conhecimento, entre os quais
o da Ciência da Informação, constatamos que, diferentemente do que é divulgado na imprensa, há
uma grande quantidade de documentos e arquivos da repressão recolhidos e custodiados por arquivos
públicos estaduais, mas especialmente pelo Arquivo Nacional (APÊNDICE I)58. Entretanto, estes
“tesouros” podem ser verdadeiras “miragens”, para usar expressão a que Étienne François se refere
em seu estudo59.
Isso porque, não se conhecendo suas condições de produção, assim como seu ciclo vital,
poderíamos tomar essas fontes como a expressão dos fatos e acontecimentos que marcaram a história
recente do país. Mas, não é disso que se trata. Mentiras, meias-verdades e verdades estão depositadas
nesses arquivos (THIESEN; PIMENTA: 2011). O documento possui uma materialidade que o
reinscreve no processo de construção da ciência, gerando fatos e representações (FROHMANN:
2011). Contudo, entre os fatos e as representações que eles expressam e suscitam, pode se estabelecer
um fosso e muitas armadilhas. Há processos de produção, contextos sociopolíticos e dispositivos
institucionais que definem a formação dos arquivos acumulados nas atividades administrativas em
questão. Se a informação é um “conceito contextual” (MAHLER apud CAPURRO; HJØRLAND:
2007, p.163), se “é aquilo que é capaz de produzir conhecimento e uma vez que o conhecimento
requer verdade, a informação também a requer” (DRETZKE apud CAPURRO; HJØRLAND: 2007,
p.170), então a equação deve incluir a verdade, que poderia ser definida, no âmbito dessa temática,
como “aquilo que não pode ser mudado”. Como chegar a ela?
Além das dificuldades de acesso, do excesso de documentos depositados nos arquivos, da
ausência de arquivos tidos como desaparecidos/destruídos, há, ainda, outras lacunas constituídas de
forma intencional ou não. Henri Rousso lembra que todos os arquivistas sabem que “perto de nove
décimos dos documentos são destruídos para um décimo conservado” (ROUSSO: 1996, p.90). Como
discernir tudo isso? Com quais ferramentas teórico-metodológicas? Para que possamos responder tais
indagações, torna-se imprescindível conhecer os processos e o contexto de produção dos referidos
documentos. Este é o ponto de intersecção dessas ideias com nova proposta de pesquisa em fase de
definição.
58 Conforme pode ser verificado no Quadro Instituições, Acervos, Localização e Acesso (Apêndice I), os arquivos do CIE (Centro de
Informações do Exército) e do CENIMAR (Centro de Informações da Marinha) nunca foram localizados. Na realidade, a questão que
hoje se coloca diz respeito ao acesso a esses documentos, condicionado a exigências da legislação de arquivos em vigor. O PLC-41/10,
em tramitação no Senado, prevê mudanças quanto ao caráter sigiloso dos arquivos e, entre outras alterações, acaba com a renovação
indefinida da classificação de documentos (ultrassecretos, secretos, etc.). Ver Legislação Arquivística Brasileira, CONARQ, Arquivo
Nacional. (http://www.conarq.arquivonacional.gov.br/cgi/cgilua.exe/sys/start.htm)
59 Ao defrontar-se com a abertura dos arquivos da STASI, a temível polícia política dos tempos da Guerra Fria na Alemanha, percebeu
as contradições existentes entre a quantidade de documentos ali depositados e as inúmeras armadilhas que eles suscitam. FRANÇOIS,
Étienne. Os “tesouros” da STASI ou a miragem dos arquivos. In: JULIA, Dominique; BOUTIER, Jean. Passados recompostos: campos
e canteiros da história. Rio de Janeiro: Editora UFRJ; Editora FGV, 1998.
GT1230
Um novo desafio que vem ao encontro de preocupações de muitas nações. Por ocasião da
36ª. Conferência Internacional da Mesa Redonda de Arquivos (CITRA), ocorrida em Marselha, em
2002, os diretores de arquivos nacionais ali presentes declararam que “os arquivos estão no coração
da sociedade da informação”. Com a finalidade de assegurar a preservação e o acesso aos arquivos,
encaminharam diversas resoluções, entre as quais a que “convida os governos dos países em transição
democrática a se engajarem ou a perseguirem ativamente o processo de liberação do acesso aos
arquivos”. Mais adiante, eles recomendam à UNESCO e ao Conselho Internacional de Arquivos
(CIA), a elaboração de um programa de identificação e de salvaguarda dos arquivos policiais na
América Latina.
Analisar o circuito informacional nos processos de produção e apropriação da informação por
setores da sociedade, assim como as instituições que integraram o regime e produziram informações
sobre ele, poderá contribuir para a história do passado recente ainda encoberta pelas batalhas da
memória definidas por Michael Pollak como trabalho de enquadramento (POLLAK: 1989; THIESEN
& PIMENTA: 2011). Outras mediações são necessárias, no contexto desta proposta, no sentido de
contribuir para elucidar os dispositivos institucionais ou regimes de verdade que marcaram a origem e
o ciclo desses documentos e para que, dentro do campo de possibilidades, se dissipem as “miragens”.
Étienne François nos lembra que “nada é mais enganador que a aparência da evidência” (1998, p.
158). É relevante saber o que o regime dizia de si mesmo mas, especialmente, o que não dizia.
A oportunidade da presente pesquisa poderá constituir uma contribuição para a análise dos
aspectos teóricos e metodológicos que definem o estatuto desses documentos desde a sua gênese,
examinando-se não apenas as suas características orgânico-funcionais e exógenas, mas detendo-se
na “análise qualitativa em que se insere a interpretação/explicitação e a formulação de hipóteses/
teorias” RIBEIRO apud RODRIGUES: 2009, p.5), no sentido de entender sua natureza e produzir
conhecimento sobre o conceito de documento em questão.
Com base na teoria das três idades, sistematizada pelos norte-americanos na década de 1970,
é necessário o conhecimento sobre o ciclo de vida desses documentos, que corresponde ao seu uso,
em suas fases corrente, intermediária e permanente ou histórica. Em cada uma de suas “idades” fica
estabelecido seu percurso de tramitação, objetivo, temporalidade, guarda e uso. Na primeira fase sua
responsabilidade se deve aos seus produtores. Antes de atingirem a idade permanente ou histórica,
tais documentos passam por uma fase intermediária, ainda sendo utilizados por seus produtores. Já na
ultima fase, quando atingem o valor histórico, passam à responsabilidade das instituições arquivísticas.
Tais procedimentos passam por definições prévias constantes de tabelas de temporalidade que
determinam o recolhimento dos documentos, passando pelo trabalho de arranjo e descrição. Diversas
mediações ocorrem nesse processo. No caso dos arquivos das polícias políticas como isso ocorreu?
É importante identificar, no interesse desta pesquisa, como se deu o processo de passagem
dos documentos de uma idade para outra até alcançarem o status de “fundo”. Outro aspecto a ser
analisado é o fluxo dos documentos em sua fase corrente, quando eram produzidos pelas instituições
GT1231
que integravam o SISNI (Sistema Nacional de Informações e Contra-Informações), um imenso
aparelho de vigilância constituído por 16 instituições. É fácil supor que a natureza dessas organizações
determinava, em sua rígida hierarquia, um fluxo seletivo de documentos, cujo acesso se restringia ao
alto escalão militar. Isso poderia explicar as lacunas existentes em tais arquivos. O desaparecimento
dos arquivos do CIE e do CENIMAR permanece misterioso até hoje.
Contudo, o cruzamento de fontes analisadas nos dá algumas pistas nesse sentido. Em “Perdão,
Mister Fiel”, por exemplo, documentário premiado em 2009, um ex-agente de informação a serviço
do regime militar, conta em detalhes o modus operandi da polícia política para a extração forçada
de confissões, assim como os crimes cometidos diuturnamente nos centros de tortura, como os DOICODI. Entre uma frase e outra afirma que, ao término do último governo militar, foi convocado para
destruir documentos e arquivos, embora não afirme se cumpriu ou não as ordens superiores60.
Outra prática desses agentes do Estado era a de publicar matérias em jornais da grande
imprensa sobre mortes de pessoas que ainda estavam vivas. Um dos casos mais emblemáticos – entre
inúmeros outros – diz respeito a Eduardo Collen Leite (1945-1970), conhecido também por Bacuri.
Retirado da carceragem do DEOPS (SP) pelo delegado de plantão, para que ficasse longe do olhar dos
demais presos, Eduardo foi levado mais tarde ao Forte dos Andradas, no Guarujá, onde foi executado.
A noticia de sua morte foi transmitida à imprensa pela polícia política: “ofereceu tenaz resistência a
tiros” (GASPARI apud Relatório Direito à Memória e à Verdade, p.139). Consta, ainda, que ele viu
a manchete de sua própria morte ainda com vida (TIERRA: 1998)61. A verdadeira causa de sua morte
somente foi esclarecida após a abertura dos arquivos do DOPS de Pernambuco, muitos anos depois,
quando “se comprovou a falsidade de sua suposta fuga” (Relatório, p.139).
Trata-se, no caso, de documentos supostamente “autênticos” produzidos, desde a origem, com
a intenção de inculpar militantes que participavam ou eram acusados de participar da resistência
ao regime militar, cujas prisões eram realizadas sem respaldo legal e, por essa e outras razões
demandavam justificativas documentadas. Eram documentos fabricados sob a chancela do Estado
e, até que fossem cotejados com testemunhos e outros documentos da mesma natureza, assumiam a
expressão da verdade. É a conhecida “escrita do Estado”, assinalada por Chartier (1993) e analisada
por Jardim (1999, p.45), embora os autores se refiram a outros períodos e episódios da História.
Em pesquisas antes realizadas e/ou na literatura memorialística publicada, confirma-se que
parte considerável dos prontuários produzidos por esses organismos e hoje existentes nos fundos das
policias políticas de instituições arquivísticas compreende informações incriminatórias produzidas
60 OLIVEIRA, Jorge. Perdão, Mister Fiel. 95min., JCV Produções, 2009. O título do documentário se refere a Manuel Fiel Filho,
operário metalúrgico morto sob tortura, no DOI-CODI de São Paulo, em 1976, após assinar uma confissão de que era comunista.
O mesmo fato havia ocorrido com o jornalista Vladimir Herzog, torturado e morto três meses antes. Ambos foram fotografados
e a divulgação das respectivas mortes fez constar que se deu por “suicídio”. Todos os documentos não correspondiam aos fatos.
A repercussão desses crimes, como se sabe, provocou a demissão do Comandante do II Exército e do Chefe do CIE, sabidamente
contrários à abertura política que se iniciava. Diversas testemunhas presenciaram tais atos que se repetiam sistematicamente em todas
as prisões.
61 Tierra, Pedro. Os arquivos da repressão: do recolhimento ao acesso. Apresentação. Quadrilátero – Revista do Arquivo Público do
Distrito Federal, Brasília, v.1, n.1, p.1-130, mar./agosto 1998.
GT1232
em sessões de tortura sistemática, típicas de regimes de exceção e de ações de inteligência, com
valor jurídico e identificatório. Parte considerável dessa documentação instruía processos que
tramitavam na justiça militar, especialmente os que atingiam a esfera do Superior Tribunal Militar.
Esses documentos, assim como as informações que veiculam e nele se encontram materializadas, não
podem, portanto, ser validados sem que haja tratamento analítico que preceda seu uso público.
3 Considerações finais
Os registros informacionais realizados por agentes do Estado, como vimos, possuem o
caráter justificador do regime, na medida em que se tratava de construir provas mediante métodos de
constrangimento, entre os quais, a tortura. Carregam, por essa razão, a marca da suspeita, suscitando
consequências desastrosas para os que se encontram retratados e representados nesses documentos e
sofreram as penalidades que lhes foram impostas à época. Hoje, além dos prejuízos computados em
períodos de clausura, tortura e mortes, muitos dos sobreviventes enfrentam outro tipo de prisão – a
presentificação ritualizada de um passado que não passa.
Entretanto, as implicações sociais extrapolam os limites dos acontecimentos contemporâneos
a essa produção documental. Do ponto de vista da informação, da memória e da história, é preciso
que os processos de identificação dos fundos arquivísticos considerem seu contexto de produção e a
intencionalidade que lhes era pressuposta. Isso requer o conhecimento não apenas do funcionamento
do regime e das instituições que lhe deram suporte, mas do ciclo informacional dessa documentação,
sua natureza, sua produção, seu uso e sua apropriação. Numa palavra, recontextualizar a produção
documental é uma estratégia de pesquisa central para a organização do conhecimento, mas também
para a sua confrontação com o referencial teórico da Ciência da Informação.
As ideias esboçadas neste trabalho encontram-se na bifurcação de duas pesquisas, uma em vias
de finalização e outra buscando verticalizar o tema utilizando tais documentos sensíveis como corpus
de pesquisa. Dessa forma, considerando-se o conhecimento restrito sobre esse tema, pensamos em
contribuir para a produção de conhecimento sobre a especificidade dos documentos “sensíveis”, com
seus atributos, suas contradições, suas lacunas, mas especialmente as implicações que representam
quando manuseados enquanto fontes de informação para a pesquisa.
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APÊNDICE I
Instituições, Arquivos, Localização e Acesso
SIGLA
INSTITUIÇÃO
SISNI
Sistema Nacional
de Informações e
Contra-Informações.
Sistema de
Espionagem
SNI
CRIAÇÃO E
LEGISLAÇÃO
FUNÇÕES
ACERVOS, ARQUIVOS E
ACESSO
LOCALIZAÇÃO
Composto
por 16 orgãos
especializados,
sendo o SNI seu
órgão central.
Ver acervos dos 16 orgãos
do Sistema, alguns dos quais ___
aqui mencionados.1
Serviço Nacional de Decreto-lei n. 4341, de Órgão central do
Informações
13.06.1964
SISNI
GT1235
COREG
Coordenação Regional
do Arquivo Nacional no
Distrito Federal. Contém
cerca de 220 mil microfichas
e outros documentos do
período de 1964 a 1990. 2*
Aberto.
Consultar
acervos dos
órgãos dos
governos
militares no
Portal do AN.
SNI/CADA
CSN
DSIs
308.000 prontuários
com a identificação
e qualificação de
Banco de dados
Cadastro Nacional
cidadãos brasileiros COREG
produzido pelo SNI
e estrangeiros,
empresas privadas e
instituições.
COREG - Contém
Criado pelo artigo 162
90 metros lineares de
da Constituição de
Assessoramento
documentos - processos
Conselho de
1937, foi recriado com
direto ao Presidente sobre cassações de direitos
Segurança Nacional outras funções pelo
da República
políticos e mandatos
Decreto-lei n. 900, de
eletivos, fichas e pastas
29.09.1969.
individuais (1964 a 1980)
Divisões de
Combate à
Segurança e
corrupção. Faziam
Informações,
investigações
Decreto-lei n. 60.940,
em diversos
de funcionários,
de 04.07.1967;
COREG
Ministérios. Orgãos
entidades e
Decreto n. 67.325, de
Há 22.164 dossiês
complementares do
pessoas que
02.10.1970.
CSN até 1970. A
mantinham relações
partir de então estão
profissionais com os
ligadas ao SNI.
órgãos públicos.
Aberto.
Consultar
acervos dos
órgãos dos
governos
militares no
Portal do AN.
Aberto.
Consultar
acervos dos
órgãos dos
governos
militares no
Portal do AN
Aberto.
Consultar
acervos dos
órgãos dos
governos
militares no
Portal do AN.
Promover
investigações
sumárias para o
confisco de bens.
COREG
Processos de investigação
(1964-1979), totalizando
264 metros lineares de
documentos.
Aberto.
Consultar
acervos órgãos
dos governos
militares no
AN.
ASI, AESI
Assessorias de
Segurança e
Informações criadas
nos ministérios
Decreto n. 75.640, de
civis; Assessorias 22.04.1975.
Especiais de
Segurança e
Informações.
Produção de
informações nos
ministérios civis,
organismos e
empresas federais.
Acervos de alguns órgãos
estão sob a custódia do
Arquivo Nacional que
identificou no fundo SNI
“6.987 dossiês e a existência
de 249 DSI ou ASI
específicas”.
Aberto.
Consultar
acervos dos
órgãos dos
governos
militares no
Portal do AN.
SISSEGIN
Criado com a
institucionalização
da OBAN, através de
diretrizes para uma
política de segurança
interna, em janeiro de
1970.
Promover a
segurança interna,
através da criação,
em cada comando
militar de área,
de órgãos como
CONDI, CODI E
DOI.
Ver CODI-DOI
___
CGI
Comissão Geral
de Investigações
(Ministério da
Justiça)
Sistema de
Segurança Interna
Decreto n. 53.897, de
27.04.1964
GT1236
CODI-DOI
DOPS
CIE
CENIMAR
CISA
CDI/DPF
Criados em 1970 os
do RJ (I Exército), do
II Exército (SP), do
IV Exército (Recife),
Centro de Operações e do Comando Militar
de Defesa Interna
do Planalto (DF). Em
– Destacamento
1971 criados os da
de Operações
5ª Região (Curitiba),
de Informações
da 4ª Divisão do
(desdobramento
Exército (BH), da 6ª
da Operação
Região (Salvador),
Bandeirantes da 8ª Região Militar
OBAN/SP, criada
(Belém), da 10ª Região
em 01.07.1969)
Militar (Fortaleza). Em
1974 a DCI de Porto
Alegre é substituída
pelo CODI-DOI do III
Exército.
Delegacias/
departamentos de
Ordem Política e
Diversas leis
Social, vinculadas às
secretarias estaduais
de segurança
Centro de
Informações
do Exército,
20.05.1970 tem inicio
subordinado ao
as suas operações.
respectivo Ministro
e esse ao CODI.
Centro de
Informações da
Marinha (existia
Reformulado pelo
desde 1955
Decreto 68.447, de
como Serviço de
30.03.1971
Informação da
Marinha)
Centro de
Informações de
Segurança da
Aeronáutica
Divisão de
Inteligência da
Polícia Federal
Divisão de Censura
DCDP do DPF de Diversões
Públicas
Os CODI eram
órgãos de
planejamento e
coordenação de
defesa interna e
os DOI efetuavam
investigações,
prisões,
interrogatórios e
torturas.
Consultar os
respectivos
Arquivos.
Polícias políticas
nos estados
Ver Arquivos
Arquivos públicos estaduais
Públicos
(RJ, SP, MG, PR, ES,
Estaduais e
CE, GO, RS (Centro de
condições de
Tradições Gaúchas)
acesso.
Produção de
informações,
executava também
operações de
segurança
Não se conhece o paradeiro
dos arquivos
___
Produção de
informações,
executava também
operações de
segurança
Não se conhece o paradeiro
dos arquivos
___
Decreto n. 66.608, de
20.05.1970
Produção de
informações,
executava também
operações de
segurança
____
Investigava lideres
comunistas,
“atividades
subversivas”,
“congressos
de terroristas”,
movimento
estudantil etc.
____
Arquivos Públicos estaduais
Existente antes
do Golpe, assume
funções de censura
política
GT1237
COREG
COREG
“Contém processos sobre
peças teatrais, filmes, letras
de músicas, novelas (...) no
período de 1960 a extinção
da DCDP, em 1988”
(ISHAQ; FRANCO, 2008)
Consultar
acervos dos
órgãos dos
governos
militares no
Portal do AN.
Aberto
Consultar
acervos dos
órgãos dos
governos
militares no
Portal do AN.
Aberto.
Consultar
acervos dos
órgãos dos
governos
militares no
Portal do AN.
CIEX
Centro de
Informações do
Não há legislação
Exterior (Ministério
própria
das Relações
Exteriores)
Monitoramento
de brasileiros
exilados pelos
governos militares.
Informações
destinadas ao
SNI, CIE, CISA,
CENIMAR.
COREG
Contem cerca de 8.000
documentos
(19661985). Originalmente
parte do acervo da DSI do
Ministério das Relações
Exteriores, passou a
constituir novo fundo no
AN.
ASI, AESI
Assessorias de
Segurança e
Informações criadas
nos ministérios civis
Produção de
informações nos
ministérios civis,
organismos e
empresas federais.
Consultar
acervos dos
Acervos de alguns órgãos do
órgãos dos
sistema estão sob a custódia
governos
do Arquivo Nacional.
militares no
Portal do AN.
___
Coleção Brasil Nunca
Mais (1964-1979) –
Arquivo Edgard Leuenroth,
UNICAMP. Contém cópia
de 700 processos de presos
políticos reproduzidos dos
arquivos do STM e do STF.
Aberto a
consulta e
reprodução
“Reconhecer
formalmente caso
a caso, aprovar
a reparação
indenizatória e
buscar a localização
dos restos mortais
que nunca foram
entregues para
sepultamento”.3
COREG
Documentos oriundos dos
acervos recolhidos pelo
Arquivo Nacional sobre
mortos e desaparecidos
políticos, entregues
à CEMDP, para o
cumprimento de seus
objetivos, foram recolhidos
ao AN em 06.08.2009.
(ISHAQ; FRANCO: 2008)
Aberto a
consulta
Consultar
acervos dos
órgãos dos
governos
militares no
Portal do AN.
___
COREG
Acervo constituído de
cerca de mil folhas de
documentos que estiveram
sob a guarda da jornalista e
pesquisada brasiliense Taís
Morais sobre a Guerrilha do
Araguaia. (SILVA: 2008)
Aberto a
consulta
Consultar
acervos dos
órgãos dos
governos
militares no
Portal do AN.
___
COREG
Reproduções digitais de
documentos da Força
Aérea incendiados na
base aérea de Salvador,
cujos originais estão sob a
guarda do GTNM da Bahia.
(SILVA:2008)
Aberto a
consulta
___
___
___
___
___
CEMDP
Comissão Especial
de Mortos e
Desaparecidos
Políticos, hoje
vinculada à
Secretaria Especial
de Direitos
Humanos da
Presidência da
República.
­­­___
___
___
Lei n. 9.140, de
04.12.1995
___
___
Aberto a
consulta.
Ver Portal do
AN.
Fonte : THIESEN, Icléia. Inteligência informacional : dialogando com a informação, a memória e a história. In: __.
Imagens da clausura na ditadura de 1964: informação, memória e história. Rio de Janeiro: 7Letras, 2011.
(Footnotes)
1
SNI; DSIs; ASIs; segundas seções do EMFA (Estado Maior das Forças Armadas), denominadas F2; do Exército,
E2; da Marinha, M2; da Aeronáutica, A2; dos 3 ministérios militares, S2; CIE, CISA; Serviços Secretos da Polícia
Federal; as DOPS e os Serviços Secretos das Polícias Militares, P2; os CODI-DOIs. In: Portal do Acervo da Luta Contra a
GT1238
Ditadura, cuja Comissão “foi criada por ocasião das comemorações dos 20 anos da Anistia no Brasil através do Decreto n.
39.680, de 24 de agosto de 1999. Com o compromisso de recuperar a memória da luta pela democracia durante o período
do regime militar e suas consequências para o Rio Grande do Sul, a Comissão está vinculada à Secretaria da Cultura
através do Arquivo Histórico do Rio Grande do Sul”. A relação de órgãos acima listada e disponível nesse Portal é um
fragmento de FAJARDO (1993). Disponível em: www.acervoditadura.gov.br. Acesso em 08.10.2010.
*
“... no conjunto do acervo do SNI, encontram-se 3.757 dossiês produzidos pelo Centro de Informações do Exército –
CIE, 311 pelo Centro de Informações e Segurança da Aeronáutica – CISA e 220 pelo Centro de Informações da Marinha
– CENIMAR”. (ISHAQ; FRANCO: 2008, p.29)
3
ROTTA, Vera. Comissão Especial de Mortos e Desaparecidos Políticos. Acervo, Rio de Janeiro, v.21, n.2,
p.193-200, jul./dez. 2008.
GT1239
COMUNICAÇÃO ORAL
AS DUAS CULTURAS E OS REFLEXOS NO MUNDO ATUAL
NAS CIÊNCIAS E NA CIÊNCIA DA INFORMAÇÃO
62*
Valeria Gauz, Lena Vania Ribeiro Pinheiro
Resumo: Diferenças entre as Ciências Naturais e as Humanidades a partir da palestra de Charles Snow
na University of Cambridge, em 1959, As Duas Culturas. Para esse cientista e escritor de Literatura,
a industrialização se constituía em única solução para o avanço dos países menos favorecidos. O
assunto já havia sido debatido nos Estados Unidos em outras oportunidades, sob a ótica dos modelos
educacionais e seu impacto no progresso desse país, onde as Ciências desempenhariam papel
importante, mas também as Artes, por formar hábitos de reflexão. Apesar do afastamento ocorrido
dentro das próprias disciplinas das Ciências Naturais e entre estas e as Humanidades, também existem
interseções entre as duas Ciências. Na História, por exemplo, as aproximações se manifestam por
meio das práticas da produção científica. Pesquisa recente em Ciência da Informação, no Brasil,
detectou que as comunicações de pesquisadores da área de História do Brasil Colonial apresentam
aspectos que até a década de 1980 eram relacionados às investigações das Ciências Naturais, como a
autoria múltipla em artigos, a participação em projetos colaborativos e o uso regular das tecnologias
de informação e comunicação. As idéias de Snow são uma contribuição para a História da Ciência e a
Ciência da Informação, ainda que as Ciências tenham passado por significativas transformações, com
as aproximações epistêmicas da interdisciplinaridade.
Palavras-chave: Duas Culturas; Ciências e Humanidades; Ciência da Informação; Comunicação
Científica; História; História da Ciência.
1Introdução
O abismo entre as Ciências e as Humanidades pode ser conciliado por
meio de um conhecimento profundo da poesia da Ciência e do caráter
de revelação da verdade da Música, da Literatura e da Arte (Keith Ward,
2006 apud HANSON, 2009).
Duas Culturas é termo cunhado por Charles Snow para sua palestra na University of Cambridge,
publicada no mesmo ano de 1959, cuja tradução brasileira data de 1995. A tônica de sua apresentação
foram as diferenças entre as áreas das Ciências Naturais e das Humanidades. Em breves palavras,
Snow condenava os literatos pela falta de familiaridade com a Segunda Lei da Termodinâmica - o
62 * Pesquisa originada da tese de doutorado História e Historiadores de Brasil Colonial, uso de livros raros digitalizados na
Comunicação Científica e a produção do conhecimento, 1995-2009, defendida em junho 2011 no IBICT, Rio de Janeiro. Alguns
parágrafos constam, aqui, na íntegra, com as devidas citações.
GT1240
equivalente científico a conhecer a obra de Shakespeare -, lamentando o abismo entre os intelectuais
e os cientistas, assim como a “imagem distorcida” que um grupo tinha do outro. Desde então, muitas
são as distinções possíveis entre as Ciências, embora cada vez mais se aproximem, desde o final do
século XX.
A imagem de água e álcool, trazida por Meadows, reflete as disciplinas caracterizadas como
hard e soft, a primeira significando conhecimento quantitativo e rigoroso, a segunda conhecimento
flexível, divisão geralmente encontrada no ambiente acadêmico, no qual as Ciências Naturais e a
Tecnologia estariam enquadradas como hard e as Humanidades como soft (e as Ciências Socias entre
uma e outra). De fato, para o autor, todas as áreas apresentam aspectos hard e soft, de acordo como
são tratadas. “A pesquisa, em geral, não se enquadra totalmente num ou noutro caso” (MEADOWS,
1999, p. 60).
As transformações das Ciências, em geral, intensificadas nos últimos anos, foram abordadas
pelo pensador português Boaventura de Sousa Santos (2002, apud Pinheiro, 2008), na sua versão
ampliada da “Oração da sapiência”, proferida na Universidade de Coimbra, há mais de 20 anos. Este
autor considera “não só profunda como irreversível” a revolução científica iniciada com Einstein e a
mecânica quântica, e a crise vivida na ciência, assim como as mudanças de paradigmas, numa “nova
ordem científica” emergente [...]”, marcada pelas “condições teóricas e as condições sociológicas
[...]” .
As Duas (ou múltiplas) Culturas, causas e consequências de sua existência são analisadas
no presente texto, cuja abordagem histórica pretende lançar um olhar sobre as confluências entre
as Ciências e, simultaneamente, as suas especificidades ou singularidades, além de examinar,
ilustrativamente, uma pesquisa em Ciência da Informação que traduz esses padrões reveladores de
comunicação e informação e sua evolução da áreea de História.
2
As Múltiplas Culturas
A expressão Duas Culturas sugere distância entre conhecimentos, como domínios paralelos,
saberes sem interseção. Entretanto, pode haver – como pesquisas mais recentes demonstram
cientificamente – mais pontos em comum entre as Ciências do que sugeriu a nossa vã filosofia até o
século XX. Analogias e assimetrias estão presentes nas pesquisas sobre o tema.
Dentre as divergências entre as Duas Culturas, Meadows aponta a que se passa nas Humanidades
e Ciências Sociais, nas quais é tênue o limite entre quem descreve um determinado acontecimento
e o próprio acontecimento, ao contrário do que ocorre nas Ciências Naturais. Nestas Ciências, da
mesma forma, quando há mudança de paradigma, os conceitos e conteúdos informacionais antigos
não são mais empregados; nas Humanidades, tanto os paradigmas antigos quanto os novos coexistem
(MEADOWS, 1999).
A alteridade existente entre Duas Culturas também é apontada por autores citados por
GT1241
Timmons (2007), como o ritmo por meio do qual cada cultura evolui (as Ciências [Naturais] mais
rapidamente). Esse autor menciona as idéias de David Barash, professor de Psicologia da University
of Washington, ao afirmar que
[...] o progresso nas Humanidades não ameaça a Ciência, mas quanto mais a Ciência avança,
mais os humanistas parecem estar em risco; na medida em que a Ciência avança, a sabedoria
requerida para lidar com seus resultados se torna sempre mais crítica para o nosso futuro
(BARASH, 2005 apud TIMMONS, 2007, p. 21).
A verticalização do conhecimento no Ocidente, observada principalmente a partir do século
XVIII, ocasionou certa “cisão” entre as Ciências (e entre estas e as Humanidades), aprofundada
ao longo dos tempos e institucionalizada nas universidades, em especial após o século XIX, com a
separação das disciplinas acadêmicas. Aspectos dessa cisão também aparecem a partir da visão de
Snow, por meio das palavras do documentarista de cinema Salles (2010, p. [2]):
As características de cada grupo seriam bem peculiares. Enquanto artistas tenderiam ao
pessimismo, cientistas seriam otimistas. Aos artistas, interessaria refletir sobre a precariedade
da condição humana e sobre o drama do indivíduo no mundo. O interesse dos cientistas,
por sua vez, seria decifrar os segredos do mundo natural e, se possível, fazer as coisas
funcionarem. Como frequentemente obtinham sucesso, não viam nenhum despropósito na
noção de progresso.
Comparações, similaridades e diferenças entre as Ciências são, na realidade, assuntos anteriores
a Snow e temas de debate nos Estados Unidos. Thomas Jefferson, o terceiro presidente a governar
os norte-americanos, de 1801 a 1809, trabalhou para construir um modelo de educação superior
que contemplasse juristas, interesses da agricultura, manufaturas, comércio e pudesse, ao mesmo
tempo, ampliar horizontes, cultivar os costumes e “ensinar Matemática e Física, as quais contribuem
para o avanço das Artes e formar os hábitos de reflexão […]” (TIMMONS, 2007, p. 9). Ao dividir
a University of Virginia em dez grupos, cada um dirigido por um professor, de línguas antigas às
Ciências, tornou a educação mais prática – e mais departamentalizada.
Em Yale College, em 1828, estudantes questionariam o sistema educacional, a fim de atender
às necessidades de uma nação em vias de mercantilização, como a daquele país então. Disciplinas
voltadas para a exploração dos recursos dos Estados Unidos e a diminuição do estudo de línguas
mortas já ocupavam a pauta de discussão porém, nas palavras de Frederick Rudolph, em 1977 (apud
TIMMONS, 2007), seria o ensino de literatura antiga para jovens estudantes o que os imbuiria dos
princípios da liberdade, patriotismo, nobreza e generosidade. Assim, para os responsáveis pelo
relatório de Yale College, um currículo único era o apropriado para a adequada educação dos alunos.
Embora a palestra de Snow sobre as Duas Culturas não apresente bibliografia, o autor cita que,
GT1242
antes de meados do século XIX, se fazia necessário o treinamento em Ciências (principalmente as
Aplicadas) para a produção de riqueza. Timmons (2007, p. 16) relata que Snow, essencialmente, falou
sobre as mesmas dificuldades reportadas no relatório de Yale de 1828, “mas que o conflito entre as
Duas Culturas, que Snow tão desesperadamente alegou que deveria acabar, parecia não existir em
1828”. Igualmente, conforme nos traz Timmons, dois anos antes da palestra de Snow foi publicado
comentário do então presidente da Harvard University, James Bryant Conant, aparentemente repetido
por Snow, sobre a pouca preocupação com a inclusão da Ciência na educação inglesa e a falta de
importância da elite literária com relação ao entendimento da Ciência (a não ser que fosse um cientista
ou um engenheiro).
Conant salientou que não era comum para um cientista participar de uma discussão literária,
mas que era impossível, a não ser para um cientista, participar de uma reunião científica.
Além disso, Conant registrou que a principal diferença entre as duas culturas (embora
não tenha utilizado esse termo) é que o mérito relativo das peças de Shakespeare tem sido
debatido e continuará a sê-lo no futuro, enquanto ninguém admira ou condena os metais ou o
comportamento dos sais (TIMMONS, 2007, p. 19).
A polarização entre os mundos “soft” e “hard”, o vácuo entre as Duas Culturas, os mais
diversos sentimentos entre autores que estudam o assunto. Na palestra original de Snow, houve
ênfase maior na valorização nas Ciências, em especial a Ciência Aplicada, como forma de diminuir
o sofrimento das populações dos países pobres. Snow também pareceu desconsiderar a Revolução
Científica do século XVII como etapa significativa do processo de desenvolvimento das Ciências
(que, mais tarde, nomeará de “primeira onda da revolução científica”):
Nos dois países [Inglaterra e Estados Unidos], e na verdade em todo o Ocidente, a primeira
onda da Revolução Industrial rebentou sem que ninguém percebesse o que estava acontecendo.
Claro que ela era – ou pelo menos estava destinada a ser, sob os nossos próprios olhos e em
nosso próprio tempo – de longe a maior transformação na sociedade desde a descoberta da
agricultura. De fato, essas duas revoluções, a agrícola e a científico-industrial, são as únicas
mudanças qualitativas na vida social do homem (SNOW, 1995, p. 41-42).
Não obstante o entendimento que temos do contexto de Snow, cremos que foram justamente os cem
anos que antecederam a Revolução Industrial o que permitiu que esta ocorresse, graças ao conhecimento já
institucionalizado, que proporcionou o avanço de Ciência organizada e das especializações manifestadas de
várias maneiras no processo produtivo econômico e social inglês do século XVIII. A Revolução Científica
do século XVII foi, essencialmente, a alavanca que impulsionou a sociedade ao Iluminismo, à Razão. A
“revolução” de Snow está situada no século XX, quando do uso de partículas atômicas na indústria, da
sociedade industrial da eletrônica, da energia atômica, da automação.
Faz sentido, para nós, a observação de England (2009) sobre a palestra Two Cultures, de
Snow, representando mais um conflito entre ideologias do que propriamente entre disciplinas. Sua
GT1243
preocupação com as disparidades socias entre países é, talvez, o pano de fundo de seus dois textos e
o leitmotif que o faz crer na necessidade premente de encurtar as brechas entre os ricos e os pobres.
As palavras de Sir Charles Snow suscitaram reação favorável por parte de muitos, mas não
apenas. Frank Raymond Leavis, crítico literário inglês, em palestra proferida e impressa na mesma
University of Cambridge em 1962, desferiu ataque pessoal repleto de ironia sobre Snow, sua “péssima
escrita e falta de conteúdo intelectual”, seus “numerosos clichés”, “frases pomposas” e “banalidades
sentimentais” e o fato de ser “pretensiosamente ignorante” (LEAVIS, 1962). A contundência foi
tamanha que, no prefácio do folheto, admite a abundância de comentários adversos, ao mesmo tempo
em que convida Michael Yudkin para compor, no mesmo volume, seus comentários previamente
publicados no The Spectator sobre a palestra de Snow e que Leavis desconhecia na ocasião de sua
própria – os de Yudkin, sem dúvida, críticos mas educados.
A análise de Yudkin sobre o discurso de Snow também aponta para a falta de explicações
sobre as causas da polarização entre as culturas e os conflitos em cada disciplina. Lembra esse
autor (apud Leavis, 1962, p. 36) que a questão não se prende ao conhecimento de leis científicas
por literatos, mas sim o valor do “entendimento do processo do pensamento científico”, como a
construção de uma hipótese, que daria à Ciência algum valor como campo disciplinar para um nãocientista. “Não faz sentido lamentar a falta de conhecimento científico em especialistas de outro
campo” (LEAVIS, 1962, p. 39).
A crítica de Leavis se prendeu, igualmente, ao fato de Snow apenas levantar questões, sem
oferecer alternativas para solucioná-las. Apesar do tom descortês, Leavis não incorre em erro ao
afirmar que o avanço da Ciência e da Tecnologia aconteceria tão rapidamente que a humanidade
precisaria ter total controle de sua condição de ser humano.
Em 1963, Snow se arrependeria da imagem utilizada na palestra original e avançaria na ideia
da existência de mais do que duas culturas. E nessa mesma ocasião – na qual, aliás, dedica muitas
linhas às Humanidades, ao contrário da primeira palestra -, registraria que publicações anteriores à
sua palestra (e dele desconhecidas na época) tocaram nos mesmos assuntos.
Snow via as Ciências como solução para o fosso criado entre as nações (as desenvolvidas e
outras nem tanto), fosso este também assinalado por Vickery (2000). No contexto do pós-guerra em
que viveu, sua natural inclinação para as Ciências (apesar de transitar nas duas culturas) na verdade
refletia grande preocupação com o sistema educacional inglês. Para Snow (1995, p. 45), ele próprio
beneficiado pelas bibliotecas frequentadas, apesar de sua origem humilde -, a industrialização era “a
única esperança do pobre”.
A mencionada brecha entre as Ciências ocorreu interna e externamente, isto é, dentro das Ciências
Naturais e entre esta e as Ciências Humanas e Sociais. Snow (1995) admite que cientistas das Ciências
Puras e Aplicadas fazem parte da mesma cultura científica, mas o abismo entre esses é grande; e que os
primeiros talvez sejam os mais afastados das questões sociais. Lembra, ainda, que o mesmo não parece
ter acontecido com os soviéticos, por transitarem entre as duas culturas mais facilmente.
GT1244
Nas relevantes pesquisas em Ciência da Informação (em russo Informatika) de Mikhailov
e colaboradores, por exemplo, a escrita em 1975 e publicada no Brasil em 1980, sobre estrutura
e principais características da informação científica, fica evidente a visão mais ampla de ciência
pelos soviéticos, diferente do entendimento anglo-saxão. Esses teóricos reconheciam os aspectos
lingüísticos, semânticos e a natureza social da área, uma vez que “estuda fenômenos e regularidades
inerentes apenas à sociedade humana”.
Outro ponto de tensão entre as ciências é apontado por Medawar (2008), quando ressalta uma
certa aversão inglesa pelas Ciências Aplicadas, como se fossem mais vulgares que as Ciências Puras.
No entanto, as contraposições, afastamentos, desconhecimento mútuo e incompreensões nem
sempre marcaram a História da Ciência.
A quase simbiose – algumas vezes aplicação – entre as Ciências há muito existe. Ao lançarmos
nosso olhar para a Antiguidade, passando pela Idade Média e pela Renascença, antes mesmo de
se pensar nas diversas Ciências na era moderna, percebemos o conhecimento abrangente que se
expressa por meio de muitos matizes, como na presente citação:
Para Pitágoras e seus seguidores, os números eram a chave para o universo e a música
era inseparável dos números ... Claudio Ptolomeu (fl. 127-48 AD.), o principal astrônomo
da Antiguidade, era também notável compositor. Leis e proporções matemáticas eram
consideradas a sustentação tanto dos intervalos musicais quanto dos corpos celestes e
acreditava-se que certos planetas, as distâncias entre esses e seus movimentos correspondiam
a certas notas, intervalos e escalas musicais (ENGLAND, 2009, p. 5).
Também as Artes/Humanidades se relacionam com as Ciências e a Tecnologia, por meio da
prensa de Gutenberg, por exemplo, tecnologia já existente, utilizada para a confecção de azeite e
vinho, adaptada e aprimorada para fabricar livros; com o uso da perspectiva nas pinturas renascentistas
(e outras) e muitas situações em que a interação claramente se revela e cuja figura emblemática é
Leonardo da Vinci.
Dicotomicamente, as mesmas Ciências - como sistemas estabelecidos com suas próprias regras
e normas - “se opõem” às Artes – “técnicas à espera de uma teorização”, manifestadas na Enciclopédia
de Diderot e D´Alembert, mostrando os lugares de teoria e prática no século XVIII (CRIPPA, 2010) ,
época de acentuação da razão, quando outras faculdades, como a da Memória e da Imaginação, não são
consideradas autênticas na assimilação do conhecimento (DARNTON, 2001 apud CRIPPA, 2010, p.
5). Crippa também discorre sobre a construção do campo das Ciências Humanas, cujo conhecimento,
considerado “cientificamente inválido” é visto como oposto ao das Ciências Naturais.
Em editorial da Ciência da Informação, no número comemorativo dos 25 anos dessa revista,
Pinheiro (1996) ressalta a simultaneidade da institucionalização da Ciência e das Artes no século XVII,
da Revolução Científica, berço do Iluminismo. Este é o momento da criação, em 1648, da Académie
Royale de Peintures et de Sculptures e, em 1665, dos primeiros periódicos considerados científicos,
GT1245
o Journal de Sçavans e o Philosophical Transatictions. Muto tempo depois, no Impressionimo, as
convergências entre Ciência e Arte se fortaleceriam, sobretudo por meio da Química.
Conforme assinalado por Barash (2005 apud Timmons, 2007) anteriormente, o relevante papel
das Humanidades na construção e análise do conhecimento produzido também se atém à necessidade
dessas Ciências pensarem as Naturais, seus avanços, abrangências e consequências para a sociedade.
Afinal, interpretações e aplicações de uma Ciência em outra, no passado, por vezes resultaram em
discursos e práticas inapropriadas, como é o caso das teorias de seleção natural do darwinismo e
do darwinismo social: “ao serem empregadas em esferas que não a Biologia, foram usadas para
justificar um capitalismo incontido e expansão territorial. Eugenia, guerra e genocídio se tornaram
necessidades biológicas” (HANSON, 2009, p. 8). A eugenia não se referia à Darwin, naturalmente,
mas a Francis Galton, naturalista e meio-primo do primeiro.
Guerreiros de pele mais clara – Maori, alguns indígenas norte-americanos – poderiam ser
respeitados a ponto de negociar tratados. Quanto mais escura a pele, mais perto de serem
selvagens os povos estariam. Embaixo na lista, acima apenas dos animais, estavam os
hotentotes e os aborígenes australianos (HAECKEL apud BARTA, [s.d.], p. 46).
Em um dos campos das Humanidades, as Artes, England expressa a existência de um contraste
entre o pragmatismo das Ciências Naturais e as “Ciências das Artes”, por assim dizer, que creem nas
emoções, na intuição e nos sentimentos refletidos pela literatura, pela música e por outras áreas como
canais de transmissão de conhecimento (England, 2009), apesar de (ainda?) não serem considerados
científicos. Não se imaginaria, até recentemente, o estudo da (assim denominada) Ciência da Felicidade,
na Harvard University, como disciplina específica no departamento de Psicologia e conferências na
subárea de Positive Psychology, criada há menos de 10 anos63.
Em 2009, a Oxford University organizou evento em homenagem aos 50 anos da palestra de Snow,
assumindo a existência de três culturas: Ciências, Humanidades/Artes e Religião, a fim de analisar
em que proporção as brechas entre essas áreas eram positivas e em qual extensão a reconciliação se
fazia necessária. Hanson (2009) faz um histórico do início dessa divisão- não construída sobre a base
da observação e aceita sem muitos questionamentos -, desde o pensamento de Aristóteles, passando
por Bacon, Descartes, Kant, e outros nomes que tentaram unir as diferentes culturas, como o poeta,
pintor e impressor William Blake e o filósofo Georg Wilhelm Friedrich Hegel, ou os também poetas
John Keats e William Wordsworth.
Francis Bacon (1561-1626) inaugurou a era da Ciência fundamentada na observação e na
indução mas, pergunta Hanson no mesmo artigo, se apenas podemos saber aquilo que observamos
com o nosso juízo, onde situamos as Artes/Humanidades como forma de conhecimento? Para o
autor, Bacon desconsiderou a contemplação desinteressada como fator de criação, de contribuição
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The Science of Happiness: http://harvardmagazine.com/2007/01/the-science-of-happiness.html
GT1246
para o aprimoramento da condição humana, o mesmo fazendo com a fé – que considerava apenas
um “caminho discreto para a Verdade” (HANSON, 2009, p. 2-3). Esse fato acarretou um crescente
ceticismo. “A brecha estava aberta”.
Artistas do movimento Realista também fizeram aproximações com as Ciências ao criar uma
arte de observação objetiva: “enciumados do método científico, vislumbravam imitar a natureza
materialista”, como Emile Zola, criador do romance experimental, que empregava o método
experimental científico como reflexo da evolução científica do século XIX. No século XX, os filósofos
do Círculo de Viena e o movimento do positivismo lógico afirmavam que apenas o verificável
poderia ser considerado Ciência (HANSON, 2009, p. 5-6). Para este autor, é nas Humanidades que as
disciplinas adquirem força, ultrapassando nossas defesas, nos movendo para a anagnorisis – aquele
momento da descoberta crítica que produz conhecimento sobre algo. Os fatos e proposições dividem;
as Artes/Humanidades unem.
O evento de Oxford se referiu às três culturas como Ciências, Humanidades/Artes e Religião,
conforme citado, mas outros pesquisadores sugerem classificações diferentes. Em 1960, o próprio
Snow pensava que os cientistas sociais se constituiriam na terceira cultura (DIZIKES, 2009). Da
mesma maneira, há duas décadas, o editor John Brockman considerou a noção de terceira cultura para
descrever certos cientistas – principalmente os biológos evolucionários, psicólogos e neurocientistas,
que “dão um profundo significado às nossas vidas” e, segundo a sua visão, suplantam artistas literários
em suas habilidades de moldar os pensamentos de sua geração (HANSON, 2009). Sobre esse assunto,
preferimos pensar em um mundo com múltiplas culturas científicas em constante interligação, em
especial por meio da interdisciplinaridade que norteia hoje as Ciências, ainda que a humanidade não
perceba todos os pontos de interseção entre as Ciências.
3
Estudos de Informação em História e as Duas Culturas: evidências de aproximação
Pesquisa com historiadores de Brasil Colonial neste país (GAUZ, 2011) teve por objetivo
analisar em que dimensão o conteúdo dos livros raros digitalizados e disponibilizados na internet,
além dos impressos, integram o processo da Comunicação Científica da área citada, se e como esses
causaram impacto na pesquisa nos primeiros 15 anos de existência dos projetos de digitalização de
acervo raro em bibliotecas, de 1995 a 2009. A escolha do tema ocorreu em decorrência do interesse
em averiguar as práticas de produção científica desses pesquisadores das Humanidades, ou seja, como
se daria a interseção entre a Ciência da Informação e a História.
A Ciência da Informação, até mesmo por seu histórico, teve como foco inicial de estudo as
Ciências Naturais. Muitas das pesquisas desenvolvidas nos últimos 50 anos contemplam, no âmbito
da Comunicação Científica, as práticas de cientistas das áreas da Física, Química etc. mais do que
as de cientistas sociais ou (menos ainda) os humanistas. Em decorrência disso, as investigações
realizadas especificamente na área de História existem em número reduzido.
GT1247
Ziman considera a História como uma “zona fronteiriça” entre as atividades científicas e as
não-científicas, pois não pode ser explicada de uma maneira clara em termos de causa e efeito.
Dificilmente essa área do conhecimento é aceita de forma universal, eliminando hipóteses diferentes.
Como o autor registra, é “uma área em que o principal objetivo não é alcançar um consenso científico”
(ZIMAN, 1979, p. 35). De certa maneira, essa definição se afina com as palavras do historiador
Robert Darnton (2002, p. 390): “A História continua sendo uma ciência interpretativa e não possui
linhas de demarcação do tipo supostamente existentes em algumas ciências sociais”.
Se, por um lado, a forma de fazer Ciência, os objetivos dessa área diferem daqueles das Ciências
Naturais, no geral, por outro, não podemos dizer que as Ciências Naturais e as Humanas jamais se
aproximam, já que “os conhecimentos [podem] ser adquiridos tanto sob a forma de fatos isolados
quanto sob a de explicações já aceitas pelo consenso” (ZIMAN, 1979, p. 36).
Florescano também expõe sobre a natureza do historiador:
A função da História não é a de produzir conhecimentos passíveis de comprovação ou
refutação pelos métodos da Ciência experimental. Ao contrário do cientista, o historiador,
como o etnólogo e o sociólogo, sabe que não pode isolar hermeticamente seu objeto de
estudo, pois as ações humanas estão inextricavelmente vinculadas ao conjunto social que as
conforma. ... (FLORESCANO, 1997, p. 77).
Entre os séculos XVI e XVIII temos, de um lado, a história oficial, dos reis, príncipes e das
nações, com uma simbiose entre essas partes; de outro, a história dos eruditos, que já se apóia em
investigações governamentais, arqueológicas etc. e se aproxima dos costumes sociais. Apesar do
cruzamento eventual entre essas, para Chartier (2009, p. 18), “esta [última] estabeleceu, até hoje,
a coexistência ou a concorrência entre as histórias gerais, sejam nacionais ou universais, e os
trabalhos históricos dedicados ao estudo de objetos em particular (um território, uma instituição, uma
sociedade)”.
A História clássica predominou na Europa do Renascimento ao Iluminismo – ainda que não
tenha desaparecido de forma abrupta em 1800. Essa supremacia deve ser entendida pelo menos até
meados do século XVIII, “como uma espécie de limite” (ARAÚJO, 1988, p. 29). A Ciência, base
de todas as verdades na época, substituiria a Religião na compreensão do social. Os assuntos se
fragmentariam e especializariam cada vez mais, conforme dito anteriormente, assim como cresceria
o número de sociedades científicas, com clara independência dos interesses governamentais.
Para Edward Carr (1982), data do final do século XVIII a preocupação com a História como
Ciência, mas foi no início do século XIX, com as Ciências Sociais (na qual, então, era inserida a área),
que o método utilizado pela Ciência para estudar o mundo natural foi aplicado ao estudo do homem.
Coube à Darwin, segundo Carr (1978, p. 52), trazer para a Biologia a História a partir da ideia
da sociedade como um organismo, um “processo de mudança e desenvolvimento”. Assim como o
método científico, primeiramente o fato era coletado; posteriormente era interpretado pelos cientistas.
No século XIX, vemos surgir o nacionalismo em vários [hoje] países europeus que, de mãos
GT1248
dadas com a História, deflagra a ideia de pátria, não apenas na França, mas na Itália e na Alemanha
– países carentes de unidade. A par disso, e graças à Revolução Francesa do século anterior, os
progressos na Educação (básica e avançada) permitiram a difusão de uma cultura histórica também
para as massas (LE GOFF, 1992).
De acordo com Ferreira, M. (2002), até o final do século XIX, a pesquisa histórica na França
era regida por eruditos tradicionais, hostis à República e era uma disciplina sem autonomia. Em
decorrência dessa situação, as novas elites da Terceira República, a partir de 1870, se colocaram
à frente da produção da memória daquele país. É nesse momento que surge uma história científica,
com visão retrospectiva dos fatos. “Só o recuo no tempo poderia garantir uma distância crítica”
(FERREIRA, M., 2002, p. 315). Para a autora, os estudos contemporâneos ficariam para os amadores,
daí a desqualificação dos testemunhos diretos nesse período.
Essas também são as palavras do historiador norte-americano:
A profissionalização, a fundação da História acadêmica, ou científica, teve início na
Alemanha no final do século XIX. Vários norte-americanos foram para esse país estudar
com os grandes mestres, como Leopold von Ranke. A primeira escola de pós-graduação
em História nos Estados Unidos foi a Johns Hopkins, no início dos anos de 1920. A
concepção que então prevalecia era que a História seria, realmente, uma Ciência, quase
como uma Ciência Natural, e através do uso de uma nova metodologia de pesquisa e
crítica seria construído um corpo de pesquisa permanente e cumulativo sobre o passado.
Por essa razão, até 1950, os professores de pós-graduação tinham um plano geral e
designavam temas de tese aos seus alunos (que não tinham liberdade de escolha). Assim,
em um determinado conhecimento, construía-se ´a verdade` (FIERING, 2010).
Fiering menciona que ainda não havia consciência sobre a impermanência dos fatos. A
reconstrução, por cada geração, de domínios do passado e a interpretação singular de todo historiador
são constantemente reconstruídas “como resultado de suas experiências presentes e aspirações futuras”.
Dessa forma, de acordo com o autor, a concepção de que a História era uma Ciência cumulativa ruiu.
A linha do pensamento historiográfico da geração da École des Annales introduziu uma
abordagem nova à área, de construção de novos objetos de pesquisa e novos enfoques a antigos temas
(LAPA, 1976). Com a fundação da revista dos Annales, em 1929, haveria uma profunda transformação
na História. Essa geração trouxe novos olhares às investigações, em que se incluíam, principalmente,
o econômico e o social, diferentemente da visão anterior, mais elitista (FERREIRA, M., 2002). A
Sociologia e a Antropologia seriam fundamentais na transformação ocorrida no século XX nesse
campo do conhecimento.
Se “a historiografia de um país pode ser um dos melhores sintomas do amadurecimento ou
não de sua ciência histórica” (LAPA, 1976, p. 13), então podemos dizer que a História, no Brasil,
amadureceu significativamente nas últimas décadas. Esse fato se reflete no aumento do número de
cursos de pós-graduação oferecidos em universidades e no número de periódicos científicos criados,
demonstrando crescente interesse por parte dos pesquisadores. Do ponto de vista qualitativo, isso
GT1249
acarretou o crescimento da produção científica da área. Até a década de 1980 e conforme exposto
por Ferrez (1981), os historiadores brasileiros publicavam em periódicos de outras áreas, devido à
quase inexistência desses instrumentos especificamente para a História. No final do século XX, os
periódicos nessa área são um instrumento de disseminação da produção científica legitimamente
aceitos pela comunidade, muitos avaliados pelos pares (apesar de a monografia continuar a ser o
instrumento mais importante).
A pesquisa com historiadores de Brasil Colônia, já citada, identificou os seguintes periódicos:
Revista Brasileira de História (Associação Nacional de História - ANPUH), Revista de História
(Universidade de São Paulo - USP), Topoi (Universidade Federal do Rio de Janeiro - UFRJ), Tempo
(Universidade Federal Fluminense - UFF), Varia História (Universidade Federal de Minas Gerais –
UFMG), e Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro (RIHGB), todos de acesso aberto e
existentes nos formatos impresso e eletrônico (GAUZ, 2010).
Lapa previu algumas tendências para a historiografia brasileira que se concretizaram. A
primeira foi a reinterpretação permanente do passado e do presente, na qual há uma revisão factual e
ideológica por parte do historiador – confirmada pela produção científica em História mais recente e
exemplificada pela publicação de pesquisas realizadas por ocasião das comemorações dos 500 anos
do Descobrimento do Brasil. A segunda tendência está relacionada com inovações metodológicas e
técnicas de pesquisa, assim como tratamento de fontes, quando historiadores dão a conhecer novos
assuntos e investigam perspectivas diferentes de antigas questões. Também os projetos de pesquisa
interdisciplinares de historiadores com [então] outros cientistas sociais são hoje uma realidade,
imaginadas na década de 1970 (LAPA, 1976). Outro historiador se refere a esse período como
um de novos contornos da historiografia brasileira e de grande revisão do conhecimento histórico,
pela quantidade de livros, periódicos especializados, teses e dissertações surgidos na academia e no
mercado editorial (BOSCHI, 2006).
Alguns resultados encontrados na investigação mencionada com historiadores de Brasil
Colonial tornam clara a mudança de algumas práticas na produção científica desses pesquisadores.
Até a década de 1980, por exemplo, a autoria única de artigos era preponderante (Ziman, 1979;
Meadows, 1999; Vickery, 2000; Ferrez, 1981; Brasil, 1992; Barbatho, 2011); hoje, a publicação de
artigos e projetos em colaboração não é incomum (GAUZ, 2011).
O fato de haver poucos trabalhos cooperativos e comunicações eletrônicas, assim como baixo
uso de computadores para pesquisa histórica (McCrank, 1995), até a década de 1980, é compreensível
se levarmos em conta que só mais recentemente projetos cooperativos em História têm sido elaborados,
após o surgimento dos programas de pós-graduação e a rapidez das comunicações através da internet,
aproximando pesquisadores. A diminuição das distâncias entre cientistas por meio do uso das
tecnologias de informação e comunicação (TICs) e a abordagem científica da pesquisa em História,
somado ao surgimento de periódicos científicos e a outros aspectos da área aproximou esse humanista
do cientista natural, guardadas as características próprias de cada Ciência.
GT1250
4
Considerações temporárias
Conforme dito, as especializações ocorridas nas Ciências na era moderna, manifestadas na verticalização
(e fragmentação) do conhecimento, afastaram as Ciências em geral. Mais recentemente, desde a
segunda metade do século XX e paulatinamente, essas mesmas Ciências reiniciaram um caminho de
aproximação pelas profundas mudanças paradigmáticas e de metodologias e ações interdisciplinares
nas pesquisas, com o objetivo de reunir o conhecimento fragmentado e transformá-lo em algo que faça
mais sentido no mundo atual, um todo talvez semelhante ao que tenha correspondido à sua origem.
O caminho da aproximação pode ser moderno, porém o desejo de unificação é antigo e expressado,
em especial, por representantes das Humanidades (os que, em geral, veem uma verdade além do
conhecimento objetivo, os que pensam as culturas), mas também por cientistas de praticamente todos
os campos, como o Nobel de Medicina e autor inglês nascido no Brasil, Peter Medawar, citado no
decorrer deste texto, ao registrar, em 1984, a necessidade de fazer com que os cientistas se tornassem
mutuamente compreensíveis: “os cientistas, na verdade, estão se tornando menos especializados”
(MEDAWAR, 2008, p. 17).
A direção contrária à verticalização do conhecimento e o movimento interdisciplinar tornam
as culturas mais próximas e na direção do seu ponto de origem para concretizar o que Japiassu
(1976) denomina “diálogo entre disciplinas”. Pode-se dizer que existe uma zona de aproximação
das Ciências, para onde converge o conhecimento de cada disciplina em área mais próxima daquela
que idealmente as reúne.
O movimento de retorno ao que talvez seja a essência de todas as Ciências, basta lembrar a
Antiguidade Clássica, quando Filosofia, Literatura, História, Teatro, Religião e Mitologia não tinham
fronteiras. Este retorno está em harmonia com os tempos atuais e se expõe, igualmente, na Ciência
da Informação, a partir de pesquisas cada vez mais frequentes nas Humanidades, como a que une
o estudo de Comunicação Científica de historiadores à análise das duas (ou mais) culturas, ou a
Informação em Arte, além de outras áreas do conhecimento, .
Yudkin (citado no presente texto na publicação de Leavis) era de opinião de que uma única
cultura não tardaria, talvez se referindo a essa aproximação hoje mais visível. Os esforços perpetrados
para diminuição das distinções entre as culturas (aquelas necessárias; não são todas as distinções que
devem ser abolidas) será, ainda, tema de muitas discussões. Pode ser que o abismo entre as culturas
seja menor atualmente, mas o afastamento se deu de tal ordem que a necessidade de re-união se
impôs.
Qualquer consideração sobre o assunto é temporária. Na medida em que as Ciências se aproximam,
novos olhares são lançados sobre os conhecimentos produzidos e, lentamente, assimilados e aceitos.
Afinal, a poeisis, o fazer, o criar, pode tanto gerar uma pesquisa científica quanto uma bela poesia,
ambas ricas fontes de progresso intelectual.
GT1251
The Two Cultures as Represented Today in the Sciences and in Information Science
Abstract: Refers to the differences between the Sciences and the Humanities as described in Charles
Snow’s famous lecture on The Two Cultures, presented at the University of Cambridge in 1959.
For Snow, the industrialization was the only path to advancement by poor countries. That argument
was not altogether new. In the Unites States, there had been occasions when the importance of the
Sciences for the development of that country had been debated, and the relevance of the Humanities,
as well, as the basis of forming productive thinking habits. Despite the marked differences between
the various disciplines of the Sciences and between those and the Humanities, there are similarities
in the methods of the Two Cultures. In History, for instance, scholarly communication practices
approximate those in the Sciences. Recent research in Information Science in Brazil, looking at the
current practices of historians of Colonial Brazil, show similarities to practices that until the 1980s were
especially characteristic of the Natural Science, such as multiple authorship of articles, participation
in collaborative projects, and the heavy use of technologies of information and communication There
is evidence that nowadays the gap between the Sciences and the Humanities has become smaller.
Snow’s ideas are a contribution to the History of Sciences and to Information Science, even though
the Sciences have suffered major transformations due to the epistemic approximations proper of
interdisciplinarity.
Key-words: Two Cultures; Sciences and Humanities; Information Science; Scholarly Communication;
History; History of Science.
5Referências
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Abreu. Estudos Históricos, Rio de Janeiro, n. 1, 1988, p. 28-54.
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Ciência e Tecnologia (IBICT), Rio de Janeiro, 2011. Orientadores: Lena Vania Ribeiro Pinheiro e
Tânia Maria Tavares Bessone da Cruz Ferreira.
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contemporânea. Varia História, Belo Horizonte, v. 22. n. 36, v, 2006, p. 291-313.
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da Fundação Casa de Rui Barbosa: um estudo de caso. Dissertação (Mestrado em Ciência da
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Tecnologia (IBICT), Rio de Janeiro, 1992. Orientadoras: Lena Vania Ribeiro Pinheiro e Maria José
M. C. de Macedo Wehling.
CARR, Edward H. Que é História? Conferências George Macaulay Trevelyan proferidas por E.
GT1252
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FERREZ, Helena Dodd. Análise da literatura periódica brasileira na área de História.
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GT1254
COMUNICAÇÃO ORAL
A IDENTIDADE DA CIÊNCIA DA INFORMAÇÃO
BRASILEIRA NO CONTEXTO DAS PERSPECTIVAS
HISTÓRICAS DA PÓS-GRADUAÇÃO: ANÁLISE DOS
CONTEÚDOS PROGRAMÁTICOS DOS PPGCI’S
Jonathas Luiz Carvalho Silva, Gustavo Henrique de Araújo Freire
Resumo: Aborda a identidade da Ciência da Informação brasileira por meio das perspectivas
históricas da pós-graduação. A problemática do presente trabalho pode ser sintetizada nas
seguintes interpelações: Quais as características identitárias da Ciência da Informação, no que
se refere ao seu contexto histórico das pós-graduações no Brasil? Como se apresenta a realidade
dos conteúdos programáticos dos PPGCI’s brasileiros que possuem mestrado e doutorado a partir
de suas áreas de concentração, linhas de pesquisa e disciplinas? O objetivo central do trabalho
é investigar a construção da identidade epistemológica do campo da Ciência da Informação por
meio de uma análise dos conteúdos programáticos dos PPGCI’s, contemplando suas perspectivas
teóricas. Metodologicamente, a pesquisa é classificada quanto aos fins, sendo de nível exploratório
e quanto aos meios, sendo bibliográfica e documental, uma vez que serão analisados documentos
que constam nos sites dos PPGCI’s e o método de análise é dedutivo e indiciário que delibera
procedimentos de “caça” para caracterizar a identidade da Ciência da Informação no contexto da
pós-graduação. Conclui que os PPGCI’s passam por grandes e rápidas modificações identitárias
no seu corpo acadêmico-científico apresentando marcas identitárias diversas em suas áreas de
concentração e linhas de pesquisa.
Palavras-chave: Ciência da Informação. História. Pós-Graduação. Identidade. Epistemologia.
Abstract: Covers the identity of the Brazilian Information Science through the historical
perspectives of postgraduate students. The problem of this work can be summarized in the
following interpolations: What are the characteristics of identity information science, with
regard to its historical context of post-graduate in Brazil? How is the reality of the syllabus
of PPGCI’s Brazilians who have masters and doctorate degrees from its focus areas, research
areas and disciplines? The main objective of the work is to investigate the epistemological
construction of identity in the field of information science through an analysis of the syllabus
of PPGCI’s, contemplating their theoretical perspectives. Methodologically, the research
is classified according to purpose, and level exploratory and as to means, and bibliographic
and documentary, as they will be analyzed documents in the websites of PPGCI’s and the
method of analysis is deductive and evidentiary acting procedures “hunting “to characterize
the identity of information science in the context of post-graduation. PPGCI’s conclusion
that undergo large and rapid changes of identity in your body providing academic and
scientific identity marks in their various areas of concentration and research lines.
Keywords: Information Science. History. Graduate. Identity. Epistemology.
GT1255
1 Introdução
O presente trabalho apresenta o resultado de pesquisa de mestrado que investigou a identidade
da Ciência da Informação, tendo como enfoque as pós-graduações. A identidade é fruto de uma
“marca estampada” no percurso histórico de qualquer área do conhecimento.
Contudo, percebe-se que os desafios dos quais a Ciência da Informação está incumbida, não
são fáceis de serem concretizados por diversos motivos, tais como: a diversidade de conteúdo, as
opiniões diversas dos indivíduos e grupos sociais, educacionais, políticos e econômicos, assim como
os investimentos em profissionais e materiais para o desenvolvimento das atividades profissionais de
organização do conhecimento.
Escolher o Brasil como delimitação desse trabalho se justifica por dois motivos: o primeiro visa
saber como as teorias da Ciência da Informação em nível global têm sido absorvidas e interpretadas
em nível nacional e o segundo ocorre em face da necessidade de verificar como se dá a configuração
dos estudos em Ciência da Informação entre os Programas de Pós-Graduação (PPGCIs) brasileiros,
verificando suas relações, convergências, divergências, a fim de verificar a situação dessa área do
conhecimento em nível nacional.
O presente trabalho teve como objetivo geral investigar a construção da identidade
epistemológica do campo da Ciência da Informação por meio de uma análise dos conteúdos
programáticos dos PPGCI’s, contemplando suas perspectivas teóricas. Os objetivos específicos foram
identificar os programas de pós-graduação em Ciência da Informação no Brasil e analisar o processo
historiográfico (histórico-social) do campo científico da pós-graduação da Ciência da Informação
no Brasil. Esta pesquisa apresenta como procedimentos metodológicos um nível exploratório
com abordagem bibliográfica e documental e utiliza os métodos dedutivo e indiciário que são de
fundamental importância para análise dos PPGCI’s que possuem mestrado e doutorado (IBICT/
UFRJ; UFBA; UFBA; UnB; UNESP e USP).
2 A pós-graduação em Ciência da Informação no Brasil: dimensões educativas e científicas na
busca de sua identidade
1.
2.
O final da década de 1960 é marcante para o IBBD pelas suas mudanças
políticas, técnicas, científicas e tecnológicas. O curso de Documentação Científica promoveu
significativos resultados, porém, o IBBD identificou no final da década de 60 a necessidade
de mudanças. Assim, o IBBD instaura, em 1970, o Mestrado em Ciência da Informação (o
primeiro da América Latina). Hagar Espanha Gomes (1974, p. 14-15) relata que:
3.
4.
[...] O curso de Documentação Científica está necessitando de uma redefinição:
extensão aperfeiçoamento, especialização ou reciclagem? Provavelmente
será reestruturado para servir de base para o mestrado, considerando-se que o
interesse principal reside nos profissionais não bibliotecários. Ao mesmo tempo
verifica-se uma mudança no panorama bibliotecário de nosso país: engenheiros
GT1256
e técnicos começam, a sentir necessidade de desenvolver serviços de informação
especializados e sofisticados e, por não terem uma base sólida nesta parte, esses
serviços têm deixado a desejar; por outro lado, a automação começou a ser a
palavra de ordem e a maioria dos profissionais não tem condições de dialogar com
os homens do computador, e por sua vez, a estes carece suficiente conhecimento de
biblioteconomia e/ou documentação para elaborar eficientes desenhos de sistemas;
por outro lado, a reforma universitária vem pressionando professores no sentido de
procurarem cursos de mestrado.
5.
6.
O curso de mestrado surge como alternativa para o desenvolvimento das atividades
voltadas para a informação científica e tecnológica no Brasil, o que propiciava a participação de vários
profissionais de diversas áreas do conhecimento. Como afirma Mueller (1985, p. 8) “A clientela
visada pelo curso não se restringia aos bibliotecários, mas sim a formados em áreas
diversas com interesse na área de informação”. O mestrado em Ciência da Informação do
IBBD pode ser entendido como inovador e experimental. É preciso considerar que a noção
de experimental aponta as dificuldades iniciais que o IBBD teve de enfrentar para construir
o mestrado em Ciência da Informação, especialmente durante a década de 1970.
Em 1976, ocorre uma mudança de nomenclatura no IBBD que passaria a se chamar Instituto
Brasileiro de Informação, Ciência e Tecnologia (IBICT). É importante ressaltar que não ocorre apenas
uma substituição de nomenclatura, mas também uma mudança nas competências e nas finalidades,
nas áreas de atuação, fonte de recursos, vendas de produtos e serviços do Instituto, além da mudança
de direção que passou a ser de José Adolfo Vencovsky. (CNPQ/IBICT, 1976). Como corolário das
mudanças institucionais do Instituto, bem como da mudança de direção, houve também uma relativa
mudança na pós-graduação em Ciência da Informação do IBICT a partir de 1977. Abigail de Oliveira
Carvalho (1978, p. 292) fala que com a criação do IBICT:
O curso de mestrado passou a ser uma das atribuições da Coordenadoria de Treinamento,
Pesquisa e Desenvolvimento. Foram feitas novas alterações no regulamento, aprovadas em
abril de 1977 pela UFRJ, visando a dar ao curso melhores condições de atendimento de
seus objetivos, dentro das normas universitárias e levando-se em consideração os recursos
realmente disponíveis. Seguiu-se o critério de maior flexibilidade através de programação de
estudos que compreendesse um elenco de disciplinas optativas.
Uma síntese da pós-graduação em Biblioteconomia e Ciência da Informação na década de 1970
que se deu em nível de mestrado pode ser visualizada no quadro que segue:
Quadro 1: Pós-graduações em Biblioteconomia/Ciência da Informação na década de 1970
Universidade
Programa
Especialidade
Área(s) de concentração
GT1257
Ano de
criação
Finalidade
IBBD/IBICT
UFRJ
Ciência da
Informação
“Usuários”,
“Administração de
Sistemas de Informação/
Documentação” e
“Transferência de
Informação”
1970
Formas professores e
pesquisadores para atuar
com sistemas de informação
especializados e informação
científica
UFMG
mestrado
Administração
de Bibliotecas
(Biblioteconomia)
“Biblioteca e Educação”
E “Biblioteca e Informação
Especializada”
1976
Formar lideranças profissionais
para atuar em sistemas de
informação especializada para
organização e disseminação da
informação
PUC mestrado
Biblioteconomia
“Metodologia do Ensino
em Biblioteconomia”
1977
Qualificar bibliotecários para
atuação na docência
UnB mestrado
Biblioteconomia e
Documentação
“Planejamento,
Organização,
Administração de
Sistemas de Informação”
e “Recursos e Técnicas de
Documentos e Informação
Científica”.
1978
Qualificar profissionais para
atuação em planejamentos
de sistemas e informação
científica.
UFPB
mestrado
Biblioteconomia
“Sistemas de Bibliotecas
Públicas”
1978
Qualificar bibliotecários para
atuação no planejamento e
gerenciamento de bibliotecas
públicas
1972
1980
Formar pesquisadores
e professores para atuar
com tomadas de decisões,
organização e usuários
USP
mestrado e
doutorado
Comunicação
com área de
concentração em
Biblioteconomia
e Documentação
Fonte: Adaptado de Mueller (1988)
A década de 1970 tem grande enfoque na abertura de mestrados em Biblioteconomia realçando
que os mestrados desta década foram criados entre 1976 e 1978 (UFMG, PUC DE CAMPINAS,
UnB e UFPB), com exceção da USP, em 1972. Embora haja uma efetiva contigüidade entre a
Biblioteconomia e a Ciência da Informação no Brasil, os mestrados tiveram perspectivas diferentes.
Esses cursos como afirma Mueller (1985, p. 11) “Talvez tenham sido impulsionados não apenas pela
pressão exercida pela classe, mas pela necessidade sentida pêlos órgãos financiadores dos cursos de
pós-graduação, especialmente a CAPES, de pessoal qualificado para gerir as bibliotecas universitárias
que davam suporte àqueles cursos”. Acredita-se que as histórias da Biblioteconomia e da Ciência da
Informação compõem um espectro de identidade fragmentada. De acordo com Carvalho (1978, p.
294) a fragmentação dessa identidade ocorre em virtude de que “A criação dos cursos de mestrado em
Biblioteconomia e Ciência da Informação não obedeceu a uma coordenação geral, mas, de alguma
forma, cada novo curso busca preencher um vazio identificado.
Na década de 1980 surgem novas e/ou contínuas concepções identitárias a partir do
aperfeiçoamento dos programas, como iremos observar a partir do quadro abaixo:
GT1258
Quadro 2: Pós-graduações em Biblioteconomia e Ciência da Informação na década de 80
Universidade
Programa
Especialidade
Áreas de concentração
Situação das áreas
de concentração
IBICT UFRJ
mestrado
Ciência da
Informação
Entre maio de 1983 e outubro de 1986 o mestrado
do IBICT/UFRJ esteve inserido como área de
concentração da Pós-Graduação da ECO/UFRJ
Modificou
A partir de outubro de 1986 torna-se novamente um
mestrado independente com as seguintes áreas:
1. Processamento de Informação, 2. Estrutura e Fluxo
de Informação e 3. Informação, Cultura e Sociedade.
UFMG
mestrado
Administração
de Bibliotecas
(Biblioteconomia)
1. Biblioteca e Educação 2. Biblioteca e Informação
Especializada.
Permaneceu
PUC mestrado
Biblioteconomia
Planejamento e Administração de Sistemas
Modificou
UnB mestrado
Biblioteconomia e
Documentação
Organização e Administração de Sistemas de
Informação Científica.
Permaneceu
UFPB
mestrado
Biblioteconomia
Até 1987 – “Sistemas de Bibliotecas Públicas”
A partir de 1988 – ”Biblioteca e sociedade”
Modificou
(ampliou)
USP
mestrado e
doutorado
Comunicação
Biblioteconomia e
Documentação
1. Geração e Uso da
Informação, 2. Análise
Documentária e 3. Ação
Cultural e Biblioteca
(linhas de pesquisa)
Modificou as linhas
de pesquisa
Fonte: Adaptado de Mueller (1988)
A pós-graduação brasileira nas décadas de 1930 a 1970 construiu seus pressupostos baseados
em uma identidade não-essencialista em face da comumente incorporação dos estudos, teorias e dos
pesquisadores estrangeiros na conduta de elaboração e disciplinarização dos cursos. Como afirma
Woodward (2000) a identidade essencialista vai buscar enaltecer o contexto nacional, seus êxitos,
características, sua história, enquanto a identidade não-essencialista busca valorizar as diferenças,
a fragilidade no estabelecimento de fronteiras sociais, culturais, econômicas, políticas e científicas.
No caso da Ciência da Informação, essa afirmação de uma identidade nacional, a partir da década de
1980 começou a ganhar força, principalmente pelo olhar atento das potencialidades e problemáticas
nacionais, regionais e locais percebidas no contexto da informação e da biblioteca. Na década de 80,
não houve a criação de novas pós-graduações em Biblioteconomia e Ciência da Informação, mas
sim o aperfeiçoamento das pós-graduações já existentes com a sua mudança de conteúdo (área de
concentração, disciplinas, etc.).
A década de 1990 foi significativa para a consolidação da Ciência da Informação, especialmente
pela substituição das pós-graduações em Biblioteconomia para pós-graduação em Ciência da
Informação; abertura de outras pós-graduações e criação, em 1989, da Associação Nacional de
Pesquisa e Pós-Graduação em Ciência da Informação (ANCIB). O quadro a seguir sintetiza a realidade
GT1259
das pós-graduações na década de 90:
Quadro 3: Situação das pós-graduações em Ciência da Informação na década de 1990
Universidade
Especialidade
Ano da
modificação
Ano de
criação do
Programa
Área(s) de
concentração
Linhas de pesquisa
IBICT
UFRJ
Ciência da
Informação
(Não houve
modificação)
Mestrado
1970
Doutorado
1994
“Conhecimento,
processos de
comunicação e
informação”
1. Processamento e tecnologias da
informação
2. Teoria, epistemologia e
interdisciplinaridade
“Política e gestão
do conhecimento e
da informação”
1. Configurações sociais e políticas da
informação
2. Gestão da informação
“Organização
da Informação
(1992/96)”
1. Informação gerencial e tecnológica
2. Informação e sociedade
3. Tratamento da informação e bibliometria
(a partir de 1997)
UFMG
Ciência da
Informação
(A partir de
1991)
Mestrado
1976
Doutorado
1997
PUC
CAMP
Biblioteconomia
e Ciência da
Informação
(a partir de
1995)
Mestrado
1977
“Planejamento e
Administração
de Sistemas de
Informação”
1. Administração de serviços, bibliotecas,
arquivos e informação 2. Desenvolvimento
e administração de programas de leitura
3. Filosofia/história da biblioteconomia e
4. Informação para indústria e negócios.
UnB
Ciência da
Informação e
Documentação
(a partir de
1991)
Mestrado
1978
Doutorado
1991
Planejamento
e Gestão da
Informação e do
Conhecimento
1. Comunicação Científica;
2. Formação profissional e mercado de
trabalho;
3. Planejamento, gerência, avaliação de
bibliotecas e sistemas de informação
4. Processos e linguagens de indexação
UFPB
Ciência da
Informação
(a partir de
1997)
Mestrado
Biblioteca e
Sociedade
(1988-1996)
1. Informação para o desenvolvimento
científico e tecnológico
2. Informação e cidadania.
Informação e
Sociedade
(1997-2001)
1. Informação e cidadania
2. Informação para o Desenvolvimento
Regional
Produção,
Organização e
Utilização da
Informação
(a partir de 1997)
USP
Comunicação
(não houve
modificação)
Mestrado
1972
Doutorado
1980
Biblioteconomia e
Documentação
1. Geração e Uso da Informação
2. Análise Documentária
3. Ação Cultural e Biblioteca
4. Informação, Comunicação e Educação.
UNESP
Ciência da
Informação
(não houve
modificação)
Mestrado
1998
Informação,
tecnologia e
conhecimento
1. Informação e tecnologia
2. Organização da informação
GT1260
UFBA
Ciência da
Mestrado
Informação
1998
(não houve
modificação)
Fonte: Adaptado de Smit (1999; 2002)
Estratégias de
disseminação da
informação
1. Estruturas e linguagens de informação
2. Informação e contextos
Dando destaque a pós-graduação em Ciência da Informação, é preciso verificar três quesitos
fundamentais para seu desenvolvimento no Brasil na década de 90: o primeiro é referente a substituição
do nome pós-graduação em Biblioteconomia para pós-graduação em Ciência da Informação; o
segundo refere-se a abertura de doutorados ampliando a margem produtiva da pós-graduação e o
terceiro implica na abertura de novos cursos de pós-graduação.
Em 1991, houve a modificação da nomenclatura dos cursos da UFMG e da UNB. Paim (2000,
p. 105) destaca com relação a UFMG que também foi partilhado em outras instituições:
A mudança do nome da Escola reflete transformações em nível macro decorrentes do
deslocamento do paradigma anterior (ênfase na instituição biblioteca) em direção ao novo
paradigma que enfatiza o fenômeno informação. O mesmo fato (mudança de paradigma)
ocorreu com relação à evolução do Programa de Pós-Graduação em Ciência da Informação.
Por isso, as faculdades, institutos e escolas de pós-graduação, diante do crescente número
de pesquisas sobre o termo informação e suas nuances, assim como do crescimento da Ciência da
Informação em nível global perceberam a necessidade de mudança. Finalmente, crê-se que há uma
visão latente de identidade modificada para todos os programas que precisaram adequar suas linhas
de acordo com as necessidades nacionais e locais que compõem a realidade científica e acadêmica da
Ciência da Informação.
2.1 O início do século XXI para a Ciência da Informação: a busca da construção de uma
identidade de projeto
O título dessa seção fala em construção da identidade de projeto (CASTELLS, 2008) ao
refletir sobre o posicionamento da Ciência da Informação (seus atores sociais) na busca de construir
uma nova identidade a fim de promover um novo posicionamento na sociedade e modificações na
estrutura social.
Población e Noronha (2003) destacam dois momentos da história da Ciência da Informação
que caracterizam a expansão dos Programas de Pós-graduação: 1. Ambiente que propicia a demanda
pelos sistemas de informação iniciado na sociedade brasileira nas décadas de 70 e 80 e 2. A explosão
tecnológica que culmina no final do século XX. Esses momentos podem ser considerados relevantes
e responsáveis pelos desafios da Pós-Graduação em Ciência da Informação do século XXI na busca
pela construção de uma identidade de projeto.
GT1261
O quadro que segue mostra um conjunto de transformações nas áreas de concentração:
Quadro 4: Área de concentração da Pós-Graduação em Ciência da Informação no Brasil na primeira
década do século XXI
PROGRAMAS/CURSOS
IBICT
ÁREAS DE CONCENTRAÇÃO/ANO
1 Programa de Pós Graduação em Ciência da
Informação – IBICT-UFF
Informação e Mediações Sociais e
Tecnológicas para o Conhecimento (20042008)
2 Programa de Pós Graduação em Ciência da
Informação – IBICT-UFRJ
Informação e Mediações Sociais e
Tecnológicas para o Conhecimento. (a partir
de 2009)
3Programa de Pós Graduação em Ciência da Informação – USP
Cultura e informação (a partir de 2006)
4Programa de Pós Graduação em Ciência da Informação –
UFMG
Produção, organização
informação (desde 1997)
5 - Mestrado em Ciência da Informação – UFPB
Informação, Conhecimento e Sociedade (a
partir de 2007)
6 – Programa de Pós-Graduação em Ciência da Informação e
Documentação - UnB
Doutorado: Transferência da Informação
Mestrado: Planejamento e Gerência de
Unidades de Informação (até 2009)
e
utilização
da
Gestão da informação (a partir de 2010)
7 - Curso de Mestrado em Ciência da Informação –PUCCAMP
Administração da Informação (a partir de
2001)
8 Programa de Pós-Graduação em Ciência da Informação –
UNESP
Informação, tecnologia e conhecimento (a
partir de 2005)
9 Programa de Pós-Graduação em Ciência da Informação –
UFBA
Informação e Conhecimento na Sociedade
Contemporânea (a partir de 2006)
10 - Curso de Mestrado em Ciência da Informação – UFSC
Gestão da Informação (a partir de 2003)
11 – Curso de Mestrado em Ciência da Informação - UFPE
Informação, Memória e Tecnologia (a partir
de 2009)
Fonte: Adaptado de Pinheiro (2007)
A identidade de projeto propalada por Castells (2008) pode ser concebida a partir da idéia de
que a Ciência da Informação tem um papel produtivo na construção de estudos investigativos que
busquem resolver problemas de informação (PINHEIRO, 2007), bem como no seio das relações
regionais entre alguns programas de pós-graduação e para a sociedade em um contexto mais lato. Essa
identidade de projeto (CASTELLS, 2008) ainda é embrionária em virtude de que muitos programas
ainda estão iniciando suas atividades e, provavelmente, outros programas irão surgir.
O próximo quadro apresenta as linhas de pesquisa atualmente:
GT1262
Quadro 5: Linhas de pesquisa das Pós-Graduações em Ciência da Informação na primeira década do
século XXI
LINHAS DE PESQUISAS
DAS PÓS-GRADUAÇÕES
EM CIÊNCIA DA
INFORMAÇÃO
Apropriação Social da
Informação
Comunicação e Mediação da
Informação
Comunicação e Visualização da
Memória
Comunicação, Organização
e Gestão da Informação e do
Conhecimento
Configurações Socioculturais,
Políticas e Econômicas da
Informação
Ética, Gestão e Políticas de
Informação
Fluxos de Informação
Fluxos e Mediações Sóciotécnicas da Informação
Gestão da Informação
Gestão da Informação e do
Conhecimento
Gestão de dispositivos da
informação
Gestão, Mediação e Uso da
Informação
Informação e Tecnologia
Informação, Cultura e Sociedade
Memória, Organização,
Produção e Uso da Informação
Memória da Informação
Científica e Tecnológica
Organização da Informação
Organização da Informação e do
Conhecimento
Organização e Uso da
Informação
Políticas e Tecnologias da
Informação
Produção, Circulação e
Mediação da Informação
Produção e Organização da
Informação
Profissionais da Informação
Fonte: Adaptado de Pinheiro (2007).
IBICT
U
F
R
J
P
U
C
C
A
M
P
UFF
U
F
B
A
U
F
M
G
U
F
P
B
UFPE
U
F
S
C
UnB
U
N
E
S
P
USP
x
x
x
x
x
x
x
x
x
x
x
x
x
x
GT1263
x
x
x
x
x
x
x
x
x
x
Portanto, notifica-se que a Ciência da Informação está começando a desenvolver sua
identidade de projeto (CASTELLS, 2008) ampliando suas pós-graduações e fortalecendo sua estrutura
acadêmico-curricular.
3 Procedimentos metodológicos
3.1 Caracterização do estudo
Para a classificação da pesquisa, tomou-se como base a taxonomia apresentada por Vergara
(2003), que qualifica a pesquisa em dois aspectos: fins e meios. Quanto ao nível de pesquisa é de
cunho exploratório, haja vista que busca discutir a realidade da Ciência da Informação e delinear
os aspectos que caracterizam a sua identidade. Para corroborar com o pensamento da pesquisa
exploratória, Gil (1999, p. 43) afirma que as pesquisas exploratórias são realizadas “Especialmente
quando o tema escolhido é pouco explorado e torna-se difícil sobre ele formular hipóteses precisas e
operacionalizantes”. Em nível documental foram utilizados essencialmente os documentos virtuais
dos PPGCIs para análise da pós-graduação em Ciência da Informação no Brasil e caracterizar sua
identidade.
No que concerne ao método de análise de acordo com Gil (1999) pode-se dividi-lo em dois
aspectos: métodos técnicos de investigação e métodos lógicos de investigação. Quanto ao primeiro
tipo foi adotado o método dedutivo como forma de analisar as características teóricas e gerais da
Ciência da Informação. Quanto ao segundo tipo apresenta o método de análise indiciário também
chamado de paradigma indiciário que foi desenvolvido por Ginzburg (1989) no contexto das ciências
humanas, especialmente da semiótica. Embora seja fundamentado por Ginzburg na década de 1980
considerando a realidade a partir do final do século XIX, tem raízes históricas desde a Antiguidade.
Como afirma Freire (2001, p. 63) “Esse paradigma, que Ginzburg chama de indiciário, tem raízes
muito antigas, que remontariam à própria evolução da humanidade”. Em suma, o método indiciário se
aplica a presente pesquisa em virtude da busca por indícios nos sites dos PPGCI’s que contemplassem
as áreas de concentração, linhas de pesquisa e as disciplinas dos Programas.
3.2 Técnicas de coleta de dados
É de fundamental importância estabelecer uma conexão entre a análise dos PPGCI’s e a
fundamentação teórica do presente trabalho, especialmente no que tange a contextualização históricosocial da pós-graduação em Ciência da Informação no Brasil. Vale ressaltar que a análise dos
PPGCI’s foi efetuada a partir do site de cada programa (IBICT/UFRJ, USP, UFMG, UnB e UNESP)
contemplando os seguintes enunciados de seu conteúdo programático: área de concentração e linhas
de pesquisa, seguindo as discussões desenvolvidas no referencial teórico do presente trabalho.
A escolha desses Programas deve-se ao fato de que possuem mestrado e doutorado, o que
GT1264
possibilita uma análise mais completa da pós-graduação em Ciência da Informação em nível nacional.
A importância em contemplar estes enunciados é referente ao fato de que compõem a base da estrutura
acadêmico-curricular dos programas de pós-graduação.
4 Análise e interpretação dos dados
A seguir, são apresentados e analisados os dados da pesquisa, sendo estabelecido, ao longo
do texto, com os pressupostos levantados na introdução, no referencial teórico e nos procedimentos
metodológicos que compõem o presente trabalho.
4.1 Das áreas de concentração
A área de concentração de um Programa de Pós-Graduação atenta para significados gerais
do que o programa pretende abordar. Por isso, é interessante observar que a análise do presente
trabalho em torno das áreas de concentração dos PPGCI’s considera aspectos gerais que definem sua
política de atuação acadêmico-científica, visando estabelecer algumas marcas identitárias genéricas.
Para adentrar na análise sobre as áreas de concentração dos PPGCI’s faz-se necessário expor sua
estruturação, conforme mostra o quadro.
Quadro 6: Área de concentração dos PPGCI’s no Brasil atualmente
PROGRAMAS/CURSOS
ÁREAS DE CONCENTRAÇÃO/ANO
Programa de Pós Graduação em Ciência da Informação IBICT/UFRJ
Informação e Mediações Sociais e
Tecnológicas para o Conhecimento.
Programa de Pós-Graduação em Ciência da Informação UFBA
Informação e Conhecimento na
Sociedade Contemporânea
Programa de Pós Graduação em Ciência da Informação UFMG
Produção, organização e utilização da
informação
Programa de Pós-Graduação em Ciência da Informação UnB
Gestão da informação
Programa de Pós-Graduação em Ciência da Informação UNESP
Informação, tecnologia e conhecimento
Programa de Pós Graduação em Ciência da Informação USP
Cultura e informação
Partindo para a área de concentração do PPGCI do IBICT/UFRJ intitulada Informação e
Mediações Sociais e Tecnológicas para o Conhecimento, observa-se uma variedade de interpretações
conceituais. Com efeito, considera-se uma primeira marca identitária da área de concentração do
IBICT/UFRJ que é a identidade subjetiva. Isso ocorre em virtude de que pensar interdisciplinaridade e
sociedade da informação implica em concepções diversas (opostas, convergentes ou complementares)
de como avaliar o fenômeno da sociedade da informação pelo viés da interdisciplinaridade. A ação de
informação (GONZÁLEZ, 2004) no contexto da geração, organização, preservação, disseminação,
acesso e recuperação convencional e eletrônica e usos socialmente significativos da informação
GT1265
indicam outra marca identitária da Pós-Graduação do IBICT/UFRJ que é a identidade afirmativa. A
identidade afirmativa é necessária por dois motivos: o primeiro para enfatizar a Pós-Graduação do
IBICT em termos de pesquisa, ciência e percepção acadêmica em Ciência da Informação. O segundo
é para mostrar as particularidades do referido PPGCI.
O PPGCI da UFBA tem como área de concentração Informação e Conhecimento na Sociedade
Contemporânea. Percebe-se que o PPGCI da UFBA enfatiza já em sua ementa a relação entre a área
de concentração e as linhas de pesquisa. Compreende-se que a área de concentração do PPGCI da
UFBA destaca a possibilidade de estudos sobre a informação como fenômeno social, econômico e
cultural para o desenvolvimento da nação. Destarte, notifica-se que o PPGCI da UFBA possui uma
identidade social no contexto da informação. Silva (2000, p. 89) afirma que “A identidade é um
significado – cultural e socialmente atribuído”.
Com relação ao PPGCI da UFMG a sua área de concentração intitulada Produção, organização
e utilização da informação pode ser destacada como reconhecidamente consolidada em virtude de ter
sido constituída desde 1997 e se perpetua até os dias de hoje. Não foi encontrado ementa ou qualquer
outro texto que especifique os estudos referentes a área de concentração do PPGCI da UFMG. Podese definir a área de concentração do PPGCI da UFMG a partir de uma identidade interseccional. Essa
identidade pode ser configurada quando há uma relação efetiva entre determinados fenômenos que
possuem ampla complementaridade e, principalmente, quando não é possível claramente identificar o
início de uma e o término de outra. No caso da identidade interseccional entre produção, organização
e utilização da informação, é possível aferir que são processos interligados de tal modo que torna-se
muito difícil separá-los e identificá-los de forma isolada, pois o sentido efetivo ocorre quando são
avaliados de forma conjunta.
No que se refere ao PPGCI da UnB a sua área de concentração em Gestão da informação
apresenta um caráter peculiar. Não foi encontrada uma ementa ou qualquer outro texto que especifique
a área de concentração. Compreende-se, no caso do PPGCI da UnB (chamado de PPGCInf) que
a Gestão da Informação compreende os processos de organização da informação; comunicação e
mediação da informação que constituem as linhas de pesquisa do Programa. Entende-se que a área
de concentração do PPGCInf da UnB toma como base um procedimento de estudos sobre identidade
profissional, dado que é muito comum o pensamento da gestão da informação como estudo voltado
para questões informacionais que envolvam estratégias, planejamentos e processos relacionados
a diferentes espaços de informação voltados para profissionais, usuários e meios de organização,
comunicação e mediação da informação.
O PPGCI da UNESP apresenta como área de concentração Informação, Tecnologia e
Conhecimento. Observa-se que a área de concentração do PPGCI da UNESP atenta para um diálogo
específico em dois ambientes: ambiente interno e ambiente externo. O primeiro ambiente indica as
discussão e pesquisa no âmbito da organização, gestão e uso da informação, tendo as tecnologias
papel fundamental nesse processo. O segundo ambiente indica o diálogo do PPGCI com órgãos como
GT1266
a ANCIB e a ABECIN a fim de fortalecer a base acadêmico-científica do PPGCI, assim como contribuir
para as pesquisas sobre Ciência da Informação no Brasil. Assim como no PPGCI da UFMG, o PPGCI
da UNESP prioriza as reflexões sobre organização, gestão e uso da informação de forma integrada
atestando a necessidade de pensar a informação, a tecnologia e o conhecimento em uma perspectiva
gerencial, organizacional e mediacional. Isso mostra mais uma vez a constatação de uma identidade
interseccional que compõe a necessidade de uma relação direta entre os termos atribuídos nos estudos
da área de concentração (gestão, organização, mediação e uso da informação).
O PPGCI da USP possui como área de concentração Cultura e Informação. Percebe-se que
esta área de concentração é uma das mais peculiares dos PPGCI’s, haja vista que dedica enfaticamente
espaço para estudos culturais atrelados a informação. A área de concentração do PPGCI da USP pode
ser basicamente dividida em dois fatores: a primeira atenta para a relevância da informação como
instrumento propositivo no enfoque organizacional, de preservação e circulação (coleta, seleção,
organização, acesso) em equipamentos culturais inferindo que informação e cultura possuem um
entrelaçamento que pode produzir novos sentidos sociais para indivíduos e grupos. Pode-se afirmar
que a área de concentração do PPGCI da USP apresenta uma identidade subjetiva, de sorte que cultura
e informação, tanto isolada como conjuntamente podem abarcar estudos em diversas perspectivas
sociais, educacionais, políticas e econômicas.
4.2 Das linhas de pesquisa
As linhas de pesquisa especificam a abordagem geral definida nas áreas de concentração. Isso
significa afirmar que o conceito de área de concentração pode apresentar certas inconsistências, pois
como afirma Menandro (2003, p.180) “o conceito de área de concentração padece de “frouxidão”.
Por isso, a área de concentração ganha caráter elucidativo mais sólido quando se define as linhas de
pesquisa do Programa.
O PPGCI do IBICT/UFRJ está articulado em duas linhas de pesquisa:
Quadro 7: Linhas de pesquisa do PPGCI do IBICT/UFRJ
PPGCI/IBICT/UFRJ
Nome da linha de pesquisa
Linha de pesquisa 1
Comunicação, Organização e Gestão da Informação e do Conhecimento
Linha de pesquisa 2
Configurações socioculturais, políticas e econômicas da informação
Na primeira linha de pesquisa verifica-se que possui grande diversidade de assuntos, tornando-a
eminentemente densa e dispersiva. Pode-se dividir esta linha de pesquisa em vários quesitos: o primeiro
está relacionado aos estudos históricos e epistemológicos. O segundo quesito é uma conseqüência
do primeiro, pois insere as questões sobre comunicações científicas e tecnológicas e a aplicação de
estudos métricos da informação. O terceiro quesito está relacionado aos sistemas de organização e
GT1267
representação do conhecimento, ontologias, web semântica e contribuições da lingüística. A segunda
linha de pesquisa pode ser desenvolvida em três eixos: ética, políticas e tecnologias da informação e
da comunicação; estudos socioculturais e econômicos da informação, ciência e tecnologia no contexto
das transformações do trabalho no sistema capitalista; conhecimento, informação e linguagem
no contexto sociocultural e tecnológico relativo ao uso, colaboração, produção e competência em
informação.
Dessa maneira, verifica-se que as linhas de pesquisa do PPGCI do IBICT/UFRJ configuramse em uma identidade fragmentada em virtude de que há uma densidade muito ampla de assuntos.
Assim, é possível identificar como vantagem a possibilidade de investigação sobre assuntos variados.
O PPGCI da UFBA se articula em duas linhas de pesquisa, como mostra o quadro:
Quadro 8: Linhas de pesquisa do PPGCI da UFBA
PPGCI/UFBA
Nome da linha de pesquisa
Linha de pesquisa 1
Políticas e tecnologias da informação
Linha de pesquisa 2
Produção, circulação e mediação da informação
A primeira linha de pesquisa anuncia uma perspectiva relativa a política de informação como
objeto voltado para o acesso e controle da informação considerando a importância das tecnologias
intelectuais. A política deve ser entendida em dois aspectos: a partir de um discurso extrinsecamente
compartilhado e uma condição interna que prevê a execução de ações. Assim, a política de informação,
seria uma proposta de transição de um discurso para uma ação que visa transformar uma determinada
realidade de produção, comunicação, geração, organização e/ou acesso à informação. Já a segunda
linha de pesquisa centra seus estudos na produção, disseminação, transferência, mediação e apreensão
da informação contemplando três aspectos: processos, fluxos e comportamentos informacionais; redes
sociais e humanas no uso da informação; e competências informacionais e programas de inclusão
digital. Desse modo, a mediação da informação fundamenta os pressupostos que dão vazão aos três
aspectos estabelecidos na linha de pesquisa: processos, fluxos e comportamentos informacionais, pois
a mediação da informação será vital para entender como a informação é produzida, assim como os
comportamentos informacionais envolvidos.
Percebe-se nas linhas de pesquisa do PPGCI da UFBA uma marca identitária muito latente
que é a identidade estrutural. A identidade estrutural ocorre de acordo com a afirmação de Dubar
(1998) quando as categorias dos discursos de determinados fenômenos definem-se pelo ponto de
vista de outros fenômenos. Aplicando ao caso do PPGCI da UFBA cumpre ressaltar que as linhas de
pesquisa e suas ementas são compostas de elementos que são interdependentes e necessitam de uma
relação direta a fim de que possam coexistir.
O PPGCI da UFMG apresenta as seguintes linhas de pesquisa, como dispõe o quadro:
GT1268
Quadro 9: Linhas de pesquisa do PPGCI da UFMG
PPGCI/UFMG
Nome da linha de pesquisa
Linha de pesquisa 1
Gestão da Informação e do Conhecimento – GIC
Linha de pesquisa 2
Informação, Cultura e Sociedade – ICS
Linha de pesquisa 3
Organização e Uso da Informação – OUI
A primeira linha de pesquisa apresenta um enfoque claro e objetivo que é investigar a gestão
da informação e do conhecimento no contexto organizacional. Isto mostra uma preocupação da
linha de pesquisa em promover perspectivas de estudos acadêmicos e científicos sobre gestão da
informação e do conhecimento voltados para questões mercadológicas, institucionais, políticas,
sociais, tecnológicas, empresariais e organizacionais, seja no setor público, seja no setor privado.
Com relação a segunda linha de pesquisa destaca-se dois fatores: aborda o campo da Ciência da
Informação em seu construto epistemológico que envolve uma gama de estudos teóricos sobre este
campo do conhecimento; em segundo lugar, abrange a informação em diversas condições teóricas e
aplicativas nos desdobramentos sociais, culturais, políticos, governamentais e tecnológicos (ênfase
nos estudos sobre sociedade da informação). A terceira linha de pesquisa segundo o site do PPGCI
da UFMG pode ser considerada como um instrumento que aproximam Ciência da Informação como
campo do conhecimento e Biblioteconomia como disciplina em virtude da valorização da biblioteca
através de dois vieses: sistemas de recuperação de informação; organização e uso da informação.
Entende-se que as linhas de pesquisa do PPGCI da UFMG apresentam uma identidade em
uma tessitura de subjetividade. A subjetividade da identidade no PPGCI da UFMG está nas múltiplas
possibilidades de investigação que o pesquisador pode se ocupar através dos seus estudos, visando a
concretização de objetivos e finalidades previamente estabelecidas.
O PPGCI da UnB apresenta as linhas de pesquisa descritas no quadro abaixo:
Quadro 10: Linhas de pesquisa do PPGCInf da UnB
PPGCInf/UnB
Nome da linha de pesquisa
Linha de pesquisa 1
Organização da Informação
Linha de pesquisa 2
Comunicação e Mediação da informação
A primeira linha de pesquisa três fatores chamam atenção: o primeiro se refere ao fato de que
refletir sobre organização da informação implica em avaliar um processo que vai desde a produção até
o uso da informação identificando a importância da recuperação e tratamento da informação; o segundo
atenta que a investigação sobre organização da informação remete a reflexão de que recuperação e
tratamento da informação em diferentes formatos devem ser estudados observando o usuário e suas
necessidades; o terceiro é que a organização da informação necessita de estudos sobre políticas e
planejamentos relacionados a espaços de informação diversos. Na segunda linha de pesquisa vale
GT1269
considerar dois pontos: o primeiro é referente aos processos de comunicação em diversos setores
da sociedade, especialmente no contexto da comunicação científica que está atrelado aos fluxos de
informação, os atores e canais utilizados nesse fluxo; o segundo inclui estudos sobre políticas de
comunicação nos desdobramentos sociais, políticos, culturais e econômicos da comunicação e acesso
à informação levando em consideração estudos de algumas profissões ligadas a esse processo de
comunicação.
Identifica-se como marca do PPGCInf da UnB a identidade profissional. Essa identidade
profissional ocorre por dois motivos: por um lado pelo fato de que existe uma valorização muito grande
nas linhas de pesquisa do Programa concernente a discursos profissionais e ênfase em investigações
sobre profissões e mercado de trabalho ligado a informação e, por outro lado, pela valorização
sobre estudos referentes a gestão, comunicação, política e mediação da informação aplicados em
organizações.
O PPGCI da UNESP apresenta três linhas de pesquisa, conforme mostra o quadro:
Quadro 11: Linhas de pesquisa do PPGCI da UNESP
PPGCI/UNESP
Nome da linha de pesquisa
Linha de pesquisa 1
Informação e Tecnologia
Linha de pesquisa 2
Produção e Organização da Informação
Linha de pesquisa 3
Gestão, Mediação e Uso da Informação
Na primeira linha de pesquisa observa-se uma atenção especial as tecnologias como instrumento
vital para o desenvolvimento dos estudos da linha de pesquisa, principalmente no que toca à geração,
armazenamento, gestão, transferência, utilização e preservação da informação e de documentos nos
ambientes científico, tecnológicos, empresarial e da sociedade em geral. Isso significa dizer que
as tecnologias assumem um papel primordial nas pesquisas destinadas a investigar os sistemas de
informação. A partir da segunda linha pode-se conceber duas dimensões: a primeira relativa a produção
que é de nível teórico-epistemológico e envolve a produção científica e a produção documental
(teoria da ciência e organização do conhecimento); a outra de nível aplicativo e profissional voltada
para os estudos métricos da informação, procedimentos para organização da informação (análise,
síntese, condensação, representação e recuperação do conteúdo informacional), além de perspectivas
de investigação sobre a formação e atuação profissional sobre produção e organização da informação.
Com relação a terceira linha de pesquisa Fadel et al (2010) entende que os estudos relacionados às
competência em informação preocupam-se fundamentalmente com o desenvolvimento do usuário,
tendo como enfoques a mediação da informação e a apropriação da informação.
Com efeito, vê-se como principal marca das linhas de pesquisa do PPGCI da UNESP identidade
organizacional. Essa identidade organizacional acontece em virtude da tonalidade de pesquisa
essencialmente voltada para gestão, produção, mediação, apropriação, recuperação, representação,
GT1270
uso e organização da informação e do documento em uma tessitura tecnológica64. Caldas e Wood
Jr (1997) afirmam que a identidade organizacional está preocupada na forma como a organização é
percebida pelo meio e como a própria organização percebe a si mesma (autopercepção).
O PPGCI da USP apresenta três linhas de pesquisa de acordo com o quadro:
Quadro 12: Linhas de pesquisa do PPGCI da USP
PPGCI/UNESP
Nome da linha de pesquisa
Linha de pesquisa 1
Apropriação social da informação
Linha de pesquisa 2
Gestão de dispositivos de informação
Linha de pesquisa 3
Organização da informação e do conhecimento
A primeira linha de pesquisa estuda a ação cultural que pode ser vista no discurso de Coelho
(2004) a partir de dois fundamentos: o primeiro é referente a ação cultural de serviços, entendida mais
como uma animação cultural, onde diferentes produtos ou serviços são propostos para um público
ou clientela, lançando mão de atividades de divulgação, cujo objetivo é vender/aproximar produto
e cliente; o segundo é relativo a ação cultural de criação, na qual a proposta é fazer a ponte entre as
pessoas e a obra de cultura ou arte para que, dessa obra, possam as pessoas retirar aquilo que lhes
permitirá participar do universo cultural como um todo.
Vale destacar na linha de pesquisa a infoeducação (união epistêmica entre informação e
educação) no sentido de mostrar que mais importante do que simplesmente transmitir informações é
observar o usuário como sujeito do processo de aprendizagem.
A segunda linha de pesquisa possui grande complexidade em virtude de relacionar assuntos
de naturezas diversas, que estão atrelados a gestão de dispositivos de informação, tais como: serviços
de informação; estudos métricos da informação; produção, circulação e acesso à informação em
ambientes virtuais; estudos de comunidades virtuais e de usuários, entre outros. A terceira linha
de pesquisa agrega alguns eixos (construção de linguagens documentárias; epistemologia da
organização do conhecimento; políticas de informação em uma perspectiva organizacional) a fim
de que as pesquisas sobre organização da informação e do conhecimento possam conquistar efetivo
amadurecimento epistemológico.
Com efeito, afere-se que o PPGCI da USP, assim como foi caracterizado em sua área de
concentração, possui uma identidade marcadamente subjetiva pelo fato de que o Programa possui
três linhas com grande densidade epistemológica atentando para as múltiplas possibilidades de
investigação que o pesquisador pode se ocupar através dos seus estudos com relação a informação65.
64
Entenda-se organização aqui como objeto de pesquisa a ser construído e investigado. Como a proposta do PPGCI da UNESP
envolve amplamente aspectos organizacionais, a organização pode ser entendida como uma empresa, uma indústria, um centro de
informação (biblioteca, arquivo, museu, web. etc.) e seus suportes documentais e informacionais, além dos seus contextos gerenciais,
mediacionais e tecnológicos que se constituem como objeto de pesquisa de docentes e discentes.
65
É preciso conceber uma diferenciação entre a identidade subjetiva da USP e a identidade subjetiva da UFMG. Pode-se
GT1271
5 Considerações finais
Percebe-se que a Pós-Graduação em Ciência da Informação tem seu início no ano de 1970
que se firmou como a primeira Pós-Graduação em Ciência da Informação no Brasil e na América
Latina idealizada pelo IBBD em parceria com a UFRJ. É importante frisar que esta foi a única PósGraduação que já foi criada com o nome Ciência da Informação.
Verifica-se, na década de 1980, o início da formação de uma autonomia em Ciência da
Informação, a partir do início da concentração de docentes e pesquisadores nacionais. A década de
1990 é um marco para a Pós-Graduação em Ciência da Informação no Brasil, especialmente pelo
fato de que as Pós-Graduações em Biblioteconomia passaram a se chamar Ciência da Informação
(PPGCI’s). Essa mudança de Biblioteconomia para Ciência da Informação, tanto foi de nível
institucional, quanto de nível acadêmico. Essas mudanças acadêmicas promoveram uma marca
chamada de identidade institucionalmente modificada, pois as mudanças ocorreram em contextos
formais, mas também na perspectiva de ampliar as atividades com informação em seus Programas.
A primeira década do século XXI continua com um conjunto de mudanças ao qual pode-se chamar
do início da construção de uma identidade de projeto (CASTELLS, 2008) para a Pós-Graduação em
Ciência da Informação no Brasil.
A partir da análise das áreas de concentração constata-se que os PPGCI’s possuem características
identitárias específicas. No que se refere as linhas de pesquisa constatou-se marcas identitárias nos
PPGCI’s considerando a realidade específica de cada Programa.
Finalmente, espera-se que o presente trabalho possa contribuir com as discussões referentes
a epistemologia da Ciência da Informação no Brasil em suas perspectivas históricas, científicas,
tecnológicas, sociais e institucionais.
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CNPq/IBICT. Criação do Instituto Brasileiro de Informação em Ciência e Tecnologia (IBICT).
afirmar que a identidade subjetiva da USP é extrínseca em virtude da informação poder ser associada a outra gama de assuntos denso,
tais como: cultura, educação, entre outros. Já a identidade subjetiva da UFMG é intrínseca em virtude de a informação é acompanhada
de instrumentos como produção, organização, utilização, gestão que são inerentes aos processos de informação.
GT1272
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GT1274
PÔSTER
CARACTERÍSTICAS NATURAIS DA INFORMAÇÃO: VISÃO
INTERDISCIPLINAR DA CIÊNCIA DA INFORMAÇÃO COM
A FÍSICA E A BIOLOGIA
Marcelo Stopanovski Ribeiro, Rogério Henrique de Araújo Júnior
Resumo: A informação é um dos, ou o, objeto da Ciência da Informação, por óbvio. No entanto,
seria possível afirmar que a categoria “informação”, na forma como é discutida e compreendida nas
ciências naturais, tem igual relevância para a Ciência da Informação? Seria possível – e conveniente
- transportar interdisciplinarmente as características da informação encontradas na natureza para o
campo de interesse da Ciência da Informação? Eis o ponto de inquietação do relato que segue, o
qual esboça o andamento de uma tese de doutorado que possui estas perguntas como seu ponto de
partida e que pretende as aplicar em exemplos práticos do entendimento de ferramentas de análise
de informação no mundo da Ciência da Informação. Este escrito é uma comunicação de pesquisa
visando à crítica dos pares na construção válida do transporte interdisciplinar de conceitos.
Palavras-chave: Conceito de Informação. Características da Informação nas Ciências Naturais.
Interdisciplinaridade.
Abstract: Information is one of, or the object of Information Science, obviously. However, is it
possible to say that the category “information”, in the way it is discussed and understood in the
natural sciences, has equal relevance to information science? It would be possible - and convenient
– to interdisciplinarly transfer characteristics of information found in the nature to the field of
Information Science? This is the point of interest of the following report, which outlines the progress
of a doctoral thesis that has these questions as its starting point and that intends to apply them in
practical examples of the understanding of data analysis tools in the world of Information Science.
This written communication aims at being criticized towards the valid transport of interdisciplinary
concepts.
Key-words: Information concept. Information characteristics on Natural Sciences. Interdisciplinary.
1 INTRODUÇÃO
Há alguns anos a pergunta se a informação descrita na Teoria Matemática da Informação de
Shannon seria a mesma informação da Termodinâmica, ramo da Física, implicando que a categoria
entropia descrita nessas duas teorias seria a mesma, seria vista como imprópria, pois o argumento era
de que a Teoria da Informação usou a entropia da Termodinâmica como uma analogia da organização
da informação com a das moléculas.
Pois bem, recentemente, mais precisamente em junho de 2011, um artigo publicado na revista
Nature descreveu que apagar (deletar) dados poderia esfriar os computadores em nível quântico! Uma
clara e esmiuçada comprovação de que as duas entropias eram a mesma. “‘Nós demonstramos agora
GT1275
que, em ambos os casos, o termo entropia está de fato descrevendo a mesma coisa, mesmo no regime
da mecânica quântica,’ explica Renato Renner, do Instituto de Tecnologia de Zurique”, cita a notícia
sobre a novidade [INOVAÇÃO, 2011].
Interessante constatação, mas ela não figura sozinha na discussão cotidiana das ciências naturais
sobre a informação. Diariamente, a Física fala sobre informação, na questão das partículas quânticas
e sua possibilidade de transmitir informação independente do espaço e do tempo ou na pergunta
cosmológica de Stephen Hawking se a informação escapa ou é destruída por um buraco negro, sem
citar o LHC66 como o maior coletor de informações da humanidade. Diariamente, a Biologia pensa
em informação, na transmissão da informação por feromônios ou na evolução dos seres vivos vista
como o aprimoramento da capacidade de processar informação, sem falar na genética. Isso só para
citar alguns exemplos de como as ciências naturais se interessam pela informação.
E informação é um dos, ou o, objeto da Ciência da Informação, por óbvio, mas nem tanto assim,
seria a categoria informação discutida nas ciências naturais de interesse da Ciência da Informação?
Seria possível transportar interdisciplinarmente as características da informação encontradas na
natureza para o campo de interesse da Ciência da Informação?
Eis o ponto de inquietação do relato que segue, o qual esboça o andamento de uma tese
de doutorado que possui as perguntas acima como seu ponto de partida e que quer as aplicar em
exemplos práticos do entendimento de ferramentas de análise de informação no mundo da Ciência da
Informação. Este escrito é uma comunicação de pesquisa visando à crítica dos pares na construção
válida do transporte interdisciplinar de conceitos.
2 A TESE
O trabalho monográfico consubstanciado na tese de doutoramento propõe um quadro de
referência teórica para ferramentas de análise de informações probatórias jurídicas, construído com
base em características naturais da informação.
A metodologia para a construção do quadro inicia pela identificação na literatura de
características da informação na natureza. Essa fase concentra-se em quatro estratégias para a revisão
de literatura: a) livros de divulgação científica de Física e Biologia, escolhidos com base na sua
popularidade e destaque do autor; b) artigos em revistas de Ciência da Informação brasileiras e
em inglês que incluam os termos Física ou Biologia; c) artigos em bases de pesquisa abertas que
apresentem os termos Ciência da Informação e Física ou Biologia; e d) artigos em revistas de Física e
Biologia em inglês que apresentem termos como propriedade ou característica da informação.
Como exemplo do volume coletado nas revistas de Ciência da Informação, vide as tabelas 1
e 2 a seguir:
66 Large Hadrons Colisor (Grande Colisor de Hádrons), acelerador de partículas considerado a maior experiência científica da
humanidade e que colhe 15 Petabytes (15 milhões de Gigabytes) por ano [CERN, 2011].
GT1276
Tabela 1: Artigos de revistas brasileiras.
Revista
1
BIBLOS
2
CIÊNCIA DA INFORMAÇÃO
3
DATAGRAMAZERO
4
EM QUESTÃO
5
Termos
Física
Biologia
1
1
68
21
0
0
66
13
ENCONTROS BIBLI
5
4
6
INFORMAÇÃO & INFORMAÇÃO
3
0
7
INFORMAÇÃO & SOCIEDADE: ESTUDOS
1
0
8
PERSPECTIVAS EM CIÊNCIA DA INFORMAÇÃO
7
1
9
PONTO DE ACESSO
2
0
10
REVISTA ACB
5
1
11
REVISTA BRASILEIRA DE BIBLIOTECONOMIA E
DOCUMENTAÇÃO
1
0
12
REVISTA DIGITAL DE BIBLIOTECONOMIA E CIÊNCIA DA
INFORMAÇÃO
2
0
13
LIINC EM REVISTA
2
1
14
TRANSINFORMAÇÃO
2
0
15
EXTRA LIBRIS
12
3
177
45
Total
Fonte: Autores. Período do levantamento: jan-fev/2011.
As informações que constam nas tabelas referem-se ao início do ano de 2011. No estado
atual da pesquisa pode-se verificar que uma parte significativa dos artigos, com números ainda não
fechados, trata de assuntos ligados a fontes de informação e Bibliometria sobre Física e Biologia ou
à utilização dos termos em contextos diferentes dos procurados.
O resultado parcial do levantamento indica pouca literatura nacional sobre questões de fundo
a respeito das características ou propriedades da informação nas ciências naturais escolhidas.
Tabela 2: Artigos de revistas em língua inglesa.
Revista
1
AMERICAN LIBRARY ASSOCIATION
2
ASLIB PROCEEDINGS NEW INFORMATION
PERSPECTIVES
3
CURRENT CITES
GT1277
Termos
Physics
Biology
6
1
375
175
5
5
4
ETHICS AND INFORMATION TECHNOLOGY
1
0
5
IFLA JOURNAL
77
31
6
IN THE LIBRARY WITH THE LEAD PIPE
2
7
7
INFORMATION RESEARCH
103
86
8
INFORMING SCIENCE
29
32
9
INTERNATIONAL INFORMATION AND LIBRARY REVIEW
25
9
10
INTERNATIONAL REVIEW OF INFORMATION ETHICS
5
5
11
JOURNAL OF DOCUMENTATION
287
184
12
JOURNAL OF INFORMATION SCIENCE
235
131
13
JOURNAL OF LIBRARIANSHIP AND INFORMATION
SCIENCE
89
42
14
JOURNAL OF THE ASIS&T
1238
819
15
NEW LIBRARY WORLD
241
176
16
PROGRESSIVE LIBRARIAN
66
46
17
RESOURCESHELF
116
113
18
SRRT NEWSLETTER
4
5
19
THE INDEXER
120
92
3024
1959
Total
Fonte: Autores. Período do levantamento: jan-fev/2011.
Após a leitura do material coletado a metodologia definida para a tese propõe agregar as
características da informação encontradas em um quadro conceitual, o qual deve ser utilizado em
entrevistas com especialistas das áreas naturais para a validação do entendimento da categoria e de
sua proposta de aplicação na Ciência da Informação.
A última fase da construção da tese é a identificação, ou não, dessas características em
ferramentas de análise de informações probatórias jurídicas. Ferramentas, estas, utilizadas ou
prospectadas, por duas unidades de análise de informações para o campo jurídico delimitadas no
governo federal com base na excelência de suas atividades.
O ponto específico da tese descrito neste artigo é o quadro de características da informação
nas ciências naturais que será submetido aos especialistas visando o transporte interdisciplinar dessas
propriedades para fenômenos de interesse da Ciência da Informação, notadamente a análise de
informações.
3 CARACTERÍSTICAS DA INFORMAÇÃO NAS CIÊNCIAS NATURAIS
O presente estudo está ligado à Teoria Geral da Informação e usa como base para esta
GT1278
classificação o referencial texto de Wersig e Neveling (1975), no qual os autores prescrevem que
qualquer estudo dito de Ciência da Informação deve de pronto identificar a área em que se está
trabalhando, dentre as ciências da informação, a Teoria Geral da Informação e a própria Ciência da
Informação. A importância das duas ciências (Física e Biologia) foi, inclusive, esquecida no artigo
dos autores citados. Ao descreverem os fenômenos de interesse da Ciência da Informação, das 47
(quarenta e sete) áreas, campos, disciplinas ou ciências citadas, nenhuma foi a Biologia ou a Física.
No artigo de vasta revisão da literatura escrito por Capurro e Hjørland sobre o conceito de
informação, logo na parte introdutória os autores já avisam que a discussão epistemológica desse
conceito põe em jogo processos de informação não-humanos, “particularmente na Física e Biologia”
[CAPURRO E HJØRLAND, 2007], assim como desafia a Psicologia e a Sociologia a usarem
parâmetros objetivos ou situacionais.
Já no início da abordagem da Física Quântica, Niels Bohr, explica em seus ensaios sobre física
atômica e conhecimento humano que a essência de sua argumentação “é que, para uma descrição
objetiva e uma compreensão harmoniosa, é necessário, em quase todos os campos do conhecimento,
prestar atenção às circunstâncias em que os dados são obtidos” [BOHR, 1995, p 3], revelando uma
relatividade extrema apoiada no contexto de coleta e indicando que a questão central da física passaria
a ser uma questão de informação.
Tais aspectos encontram resumo no livro A Face Oculta da Natureza, que descreve impactos
da física quântica no entendimento do mundo. No livro o autor, um físico renomado e candidato ao
Prêmio Nobel conclui em um capítulo inteiro sobre informação que “realidade e informação são a
mesma coisa” [ZEILINGER, 2005, p 267].
Em um artigo recente sobre cognição, comunicação e mediação nas organizações do
conhecimento disponível na revista Documentación de las Ciencias de la Información da Universidade
Complutense de Madri, Morillo (2006) aponta para a classificação dos mundos de Popper como base
para entender o lócus do conhecimento e da cognição.
A questão do paradigma cognitivo é baseada na abordagem biológica da informação.
Os filósofos e biólogos chilenos Maturana e Varella, em seu livro “A Árvore do Conhecimento”,
explicam a construção dos seres vivos em relação a sua capacidade de autonomia pela busca da
sobrevivência e perpetuação reprodutiva, mecanismo denominado autopoiese. Esse mesmo conceito
foi absorvido interdisciplinarmente por Niklas Luhman que definiu informação, segundo Capurro e
Hjørland, como um evento que faz a conexão entre diferenças. Ainda, segundo os últimos autores
citados, essa abordagem também é comum entre os cibernéticos, a exemplo da frase de Norbert
Wiener: “informação é informação, não matéria, nem energia” [WIENER e colaboradores, 1970],
cunhada em um contexto de entendimentos com biólogos que acrescentavam a categoria informação
como um complemento nos seres vivos da dualidade matéria-energia da Física moderna.
Outra abordagem existente na Biologia é a que considera a capacidade de processamento da
informação como: a) um dos diferenciais entre o que está vivo ou não; e b) um fator fundamental
GT1279
na evolução - quanto maior a capacidade de processar informação, mais evoluído o ser, até chegar
aos seres que usam ferramentas (coisas externas ao corpo) para o processamento da informação,
conforme Maynard Smith e Szathmáry (1999).
Um exemplo da abordagem biológica na Ciência da Informação é um artigo no qual é
proposto um quadro conceitual de referência para a Ciência da Informação baseado em concepções
da informação advindas da Teoria da Evolução [BATES, 2005].
O Quadro 1 apresenta as características da informação levantadas até o momento da pesquisa. A
coluna B lista a ciência natural de onde a característica foi colhida. A alcunha “categoria” foi escolhida
para a coluna C, pois o que se elenca são partes teóricas das ciências estudadas que versam sobre a
informação, muitas vezes não apenas características ou propriedades. A coluna sobre entendimento
coloca a maneira como o conceito foi entendido no campo de origem, em complementaridade com a
coluna sobre aplicação que versa sobre a hipótese de como o conceito pode ser aplicado na Ciência
da Informação.
Ciência
Fonte
1
2
3
4
Física
Física
Física
Física
Categoria
Entendimento
Aplicação
Entropia
Tendência dos sistemas
para “desorganizarem”
informações
Menor entropia pode
significar maior
possibilidade de
entendimento
Incerteza
Impossibilidade de coleta
Ciência de que a
total de informações sobre um informação nunca será
fenômeno
completa
Emaranhamento
Ligação profunda entre
as informações de dois
elementos
Uma informação pode
levar ao entendimento de
outra
Decoerência
Decaimento de todas
as possibilidades para a
informação que foi medida
Organizar significa perder
parte da informação
5
Física
Relatividade
O contexto do
A dependência do observador
usuário transforma o
só não ocorre em relação à luz
entendimento
6
Física
Quanta
Partículas são múltiplos de
alguma coisa, não ocorrem
em pedaços
Informação é um conjunto
Evolução
Tendência de melhor
processamento de
informações nos organismos
mais evoluídos
Avançar envolve
processar melhor a
informação
7
Biologia
GT1280
8
Biologia
9
Biologia
10
Física e
Biologia
Autopoiese
Autonomia do processamento
de informações nos
organismos
Gene
Possibilidade de variação
Unidade de informação de um
significativa com poucas
organismo
fontes
Holos x Meros
As partes possuem
informações do todo e viceversa
Visão de cada usuário é
única
Entendimento de uma
parte pode significar
compreensão do todo e
vice-versa
Quadro 1: Categorias sobre informação nas Ciências Naturais
Fonte: Autores
4 CONCLUSÕES PARCIAIS
John Wheeler, físico que cunhou o termo “buraco negro”, é citado por Zeilinger (2005, p
248) afirmando que “Amanhã teremos aprendido como entender a Física inteira na linguagem da
informação e como expressá-la nessa linguagem.”
Na Filosofia da Informação de Floridi (2002), a categoria informação aparece conceituada
como uma interface, um elemento que somente se manifesta quando dois lados se encontram e por
essa categoria são mediados. Para o filósofo, a informação estaria no encontro do ser humano com
o registro em um suporte. Essa compreensão da informação parece ser a que mais se aproxima do
entendimento encontrado nas abordagens atuais das duas ciências aqui em foco, a Física e Biologia.
Já que informação parece ser, no entendimento próprio do autor da tese: “a interface entre os seres
vivos com a matéria e a energia”.
REFERÊNCIAS
BOHR, N. Física Atômica e Conhecimento Humano: Ensaios 1932-1957. Rio de Janeiro: Contraponto, 1995.
CAPURRO, R.; HJØRLAND, B. O conceito de informação. Perspectivas em Ciência da Informação,
Belo Horizonte, v.12, n.1, p. 148-207, abr.2007.
CERN. The European Organization for Nuclear Research. Worldwide LHC Computing Grid. URL:
http://public.web.cern.ch/public/en/LHC/Computing-en.html, acesso em 05/08/2011.
FLORIDI, L. On defining library and information science as applied philosophy of information.
Social Epistemology, v. 16, n. 1, p. 37-49. 2002.
INOVAÇÃO TECNOLÓGICA. Deletar dados pode resfriar computadores. URL: http://
www.inovacaotecnologica.com.br/noticias/noticia.php?artigo=conhecimento-quantico-resfriarcomputadores, acesso em 01/08/2011.
GT1281
MATURANA, H. e VARELA, F. A árvore do conhecimento: as bases biológicas do entendimento
humano . Campinas: Psy II, 1995.
MAYNARD SMITH, J. and SZATHMÁRY, E. The Origins of Life. From the birth of life to the
origin of language. Oxford Press. New York, 1999.
MORILLO, J. P.. De la comunicación documental informativa a la comunicación cognoscitiva.
Perspectivas teóricas de los procesos de mediación en las organizaciones de conocimiento.
Documentación de las Ciencias de la Información, v. 29, p. 69-89, 2006.
WERSIG, G.; NEVELING, U. Os fenômenos de interesse da ciência da informação. Information
Scientist, v.9, n.4, p. 127-140, Dec. 1975.
WIENER, N. et al. Colóquios Filosóficos Internacionais de Royanmont. O conceito de informação
na ciência contemporânea. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1970.
ZEILINGER, A. A face oculta da natureza: O novo mundo da física quântica. Rio de Janeiro:
Globo, 2005.
GT1282
PÔSTER
BREVES REFLEXÕES ACERCA DA
INTERDISCIPLINARIDADE NA CIÊNCIA DA
INFORMAÇÃO: UM OLHAR ATRAVÉS DA FORMAÇÃO
ACADÊMICA DO CORPO DISCENTE DO PPGCI IBICT /
UFRJ – 2009 E 2010
Leandro Coelho de Aguiar, Renata Regina Gouvea Barbatho
Resumo: O objetivo deste trabalho é refletir acerca da interdisciplinaridade da Ciência da Informação
através da análise da formação acadêmica e no nível de graduação do corpo discente do Programa
de Pós-Graduação em Ciência da Informação do Instituto Brasileiro de Informação em Ciência e
Tecnologia, convênio com a Universidade Federal do Rio de Janeiro (PPGCI do IBICT / UFRJ)
que ingressaram no curso em 2009 e 2010. A hipótese que norteia este trabalho, baseada nas obras
clássicas de Wersig, Borko, Saracevic e Pinheiro, é que a interdisciplinaridade como característica
marcante da Ciência da Informação, se reflete na composição do corpo discente do programa de pósgraduação da área com múltiplas formações acadêmicas.
Palavras-chave: Epistemologia da Ciência da Informação. Interdisciplinaridade. Corpo discente.
PPGCI IBICT UFRJ.
1 INTRODUÇÂO
A natureza interdisciplinar da Ciência da Informação (CI) atrai indivíduos de diversas áreas
do conhecimento, pesquisadores dos mais diversos campos disciplinares convergem para a atmosfera
da Ciência da Informação numa conjunção de saberes que, mesmo de forma inconsciente, evidencia
a natureza interdisciplinar da área.
O objetivo deste trabalho é refletir acerca da interdisciplinaridade da CI através da análise da
formação acadêmica, em nível de graduação, do corpo discente do Programa de Pós-Graduação em
Ciência da Informação do Instituto Brasileiro de Informação em Ciência e Tecnologia convênio com a
Universidade Federal do Rio de Janeiro (PPGCI do IBICT / UFRJ) ingressante nos anos de 2009 e 2010.
A hipótese que norteia este trabalho é que a interdisciplinaridade, como uma característica
marcante da Ciência da Informação, influencia e reflete na composição do corpo discente do programa
de pós-graduação da área, no que diz respeito às múltiplas formações acadêmicas dos seus discentes.
2 A INTERDISCIPLINARIDADE NA PRODUÇÃO CIENTÍFICA
GT1283
Para Japiassú (1976 apud PINHEIRO, 2009) a Interdisciplinaridade caracteriza-se pela
presença de pressupostos comum a um grupo de disciplinas conexas e definidas no nível hierárquico
imediatamente superior, o que introduz a noção de finalidade. Diz que na interdisciplinaridade há
cooperação e diálogo entre as disciplinas do conhecimento.
Muito se discuti acerca do papel da interdisciplinaridade, reconhecida como um dos princípios
fundamentais da construção do conhecimento contemporâneo, devido principalmente às características
e problemas fecundos na sociedade moderna, como por exemplo, a proliferação da informação, o
crescimento da especialização das diferentes áreas de conhecimento e a necessidade de ligações entre
estas áreas especializadas – e de certa forma fragmentadas.
A construção e uso do conhecimento social vêm se modificando ao longo do tempo, não apenas
refletindo na vida do indivíduo, mas principalmente para a sociedade, onde estas mudanças
tornam-se cada vez mais aparentes. Tais mudanças conotam quatro traços relevantes na produção
do conhecimento: (1) a despersonalização do conhecimento; (2) a crença no conhecimento; (3) a
fragmentação do conhecimento; e, finalmente (4) a racionalização do conhecimento. Destes traços
é que nascem as novas formas de conhecimento e práticas que propõem resoluções a problemas
decorrentes destas novas relações sociais (WERSIG, 1993).
As formas de conhecimento pós-modernas não devem ser comparadas aos paradigmas das ciências
tradicionais, mas entendidas como um conjunto de novas formas de produção de conhecimento, com
abordagens, metodologias e características distintas. (WERSIG, 1993).
3 INTERDISCIPLINARIDADE NA CIÊNCIA DA INFORMAÇÃO
“O que é a Ciência da Informação? O que faz o cientista da informação?” São com estes questionamentos
que Borko inicia seu texto “Information science: what is it?” (1968). O autor definia CI como
uma disciplina interdisciplinar que investiga as propriedades e o comportamento da informação;
as forças que o governam e o seu fluxo; a sua utilização; e as suas técnicas, tanto manuais como
mecânicas, de processos da informação para armazenagem, recuperação e disseminação. Saracevic
(1995) descreve três características da CI: (1) sua conexão com a Tecnologia da Informação; (2)
o entendimento de que ela é parte da evolução da sociedade da informação; (3) e, a sua natureza
interdisciplinar. Deste a década de 1960 teóricos que apresentaram formulações conceituais sobre a CI, observando
sua natureza interdisciplinar da área e enumerando as áreas de relacionamento. Borko defendia que
a área deriva de outras áreas além da Biblioteconomia e Documentação, sendo de forte ligação com
a Ciência e Tecnologia; Merta, destacou a Matemática, Lingüística e Semiótica Cibernética, Teoria
Matemática da Comunicação, Reprografia e Teoria do Conhecimento automático, e a Engenharia
de Sistemas; e Mikahilov et all, expuseram a relação da CI com a Semiótica e a Psicologia. Mais
recentemente Tefko Saracevic abordou as razões interdisciplinares com a Ciência Cognitiva,
GT1284
Comunicação e a Ciência da Computação. (Borko; e Merta, 1968; Mikahilov et all, 1969; Saracevic,
1992 apud PINHEIRO 2009).
Pinheiro mapeou as disciplinas ou subáreas da CI com suas respectivas áreas interdisciplinares,
tendo como fonte os artigos do ARIST – Annual Review for Information Science and Technology –
referentes ao período de 1966 a 2004, como resultado ressaltou mais uma vez o caráter interdisciplinar
da área, observando uma rede de relacionamento interdisciplinar com pelo menos vinte outras áreas
de conhecimento, com predominância da Ciência da Computação, Biblioteconomia, Administração e
Lingüística. (1997 apud 2009).
4 ESTUDO DE CASO DA INTERDISCIPLINARIDADE NA CI – ANÁLISE DO CORPO DISCENTE
DO PPGCI DO IBICT / UFRJ 2009 -2010.
Uma interessante forma de refletir acerca do caráter interdisciplinar da CI é estudar seu corpo
discente dentro dos programas de pós-graduação da área, chamando atenção a formação e a trajetória
acadêmica. O que levaram estes alunos a procurarem os caminhos da CI? Quais são as perspectivas e
necessidades, tanto destes pesquisadores quanto da própria área a qual eles representam?
A análise da trajetória acadêmica destes discentes pode ajudar a compreender o papel da CI na
produção do conhecimento e a identificar quais as possibilidades de contribuições da mesma às outras
áreas, e vise-versa, nesta relação interdisciplinar. Por isso que esta análise propõe a identificar quais
são estas áreas de conhecimento originária dos pesquisadores stricto-sensu do IBICT, contribuindo
para entendimento das formas com que estas trocas interdisciplinares estão acontecendo no campo da
pesquisa acadêmica.
CORPO DISCENTE 2009 e 2010 do PPGCI IBICT / UFRJ POR FORMAÇÃO
(Graduação)
ÁREA DE FORMAÇÃO
DOUTORANDOS
MESTRANDOS
TOTAL
Administração
0
2
2
Agronomia
1
0
1
Arquivologia
4
6
10
Biblioteconomia
5
17
22
Ciência da Computação
1
1
2
Comunicação
2
4
6
Direito
1
0
1
Engenharia Civil
0
1
1
GT1285
Engenharia Mecânica
1
0
1
Estatística
0
1
1
Filosofia
1
0
1
História
1
2
3
Letras
1
0
1
Matemática
1
2
3
Medicina
1
1
2
Museologia
3
0
3
Pedagogia
0
1
1
Relações Internacionais
0
1
1
Não identificado***
4
3
7
TOTAL
23
39
69**
Tabela 1 - Fonte: *Dados extraídos através de questionário respondido pelo corpo discente. ** São 68 alunos no PPGCI IBICT / UFRJ entre
os anos de 2009 e 2010. Todavia foram contabilizados mais de uma vez aqueles que tinham mais de uma graduação. *** O campo “Não
identificados” corresponde aos discentes que não responderam ao questionário.
Na tabela 1, pode observar-se a diversificação da formação dos discentes que ingressaram no curso,
pois dos 68 pós-graduandos, de mestrado e doutorado do PPGCI UFRJ IBICT dos anos de 2009 e
2010, existem pelo menos 18 áreas de conhecimento diferentes. Tal fato corrobora o entendimento
acerca da característica interdisciplinar da área, tendo em vista que seu corpo discente reflete esta
diversificação, no que diz respeito a sua trajetória acadêmica até chegar ao programa de CI.
Pelo Gráfico 1 (abaixo), pode-se observar que a área de conhecimento que mais aparece,
com 22 formações (32%) é a Biblioteconomia, seguida a distância pelas áreas de Arquivologia, com
10 formações (14%); Comunicação com 6 formações (9%); História, Museologia e Matemática,
empatadas com 3 formações cada (4%); e as outras áreas que somadas resultam em 4%. Este
amplo destaque da Biblioteconomia é explicado talvez pela aproximação histórica, assim como a
Bibliografia e Documentação, principalmente no que diz respeito ao seu nascimento em meados do
século passado. Outro fator ocorrido nas últimas décadas foi a mudança da nomenclatura de alguns
departamentos de graduação e de programas de pós-graduação em Biblioteconomia e Documentação
para o nome de DCI e PPGCI respectivamente, o que provocou uma maior aproximação entre estas
áreas (BARBOSA et. al., 1997)
GT1286
CORPO DISCENTE 2009 e 2010 DO PPGCI do IBICT / UFRJ POR ÁREA DE FORMAÇÃO (GRADUAÇÃO
Não identificado***; 7
Biblioteconomia; 22
Arquivologia; 10
Comunicação; 6
Museologia; 3
FORMAÇÃO (GRADUAÇÃO)
Matemática; 3
História; 3
Medicina; 2
Ciência da Computação; 2
Administração; 2
Relações Internacionais; 1
Pedagogia; 1
Letras; 1
Filosofia; 1
Estatistica; 1
Engenharia Mecânica
Engenharia Civil; 1
Direito; 1
Agronomia; 1
0
5
10
Quantidade
15
20
25
Gráfico 1 - Dados extraídos através de questionário respondido pelo corpo discente
Uma característica importante a ser observada na questão do relacionamento interdisciplinar
nas áreas de conhecimento é se estas relações extrapolam os limites pré-determinados de áreas afins,
neste caso os limites da Tabela de Áreas de Conhecimento do CNPq.
Na tabela 2, se observa que a interdisciplinaridade extrapola para outras Grandes Áreas de
conhecimento, como as Ciências Exatas e da Terra, as Engenharias (neste caso, surpreende a entrada
da Engenharia Civil e a ausência da Engenharia de produção, por exemplo), a entrada de áreas que
historicamente não são mencionadas pelos teóricos da CI, como o caso da Ciência da Saúde e algumas
áreas das Ciências Humanas, como a pedagogia.
CORPO DISCENTE 2009 E 2010 do PPGCI IBICT / UFRJ POR ÁREA E GRANDEÁREA
DE CONHECIMENTO DE FORMAÇÃO (Graduação)
ÁREAS*
GRANDES ÁREAS*
Administração / Arquivologia
Biblioteconomia / Comunicação
Direito / Museologia
Ciências Sociais Aplicadas 44 Agronomia
Ciências Agrárias
1
Engenharia Civil / Engenharia
Mecânica
Engenharias
2 Ciência da Computação
Estatística / Matemática
Ciências Exatas e da Terra 6 Filosofia / História
Pedagogia / Relações Internacionais
Ciências Humanas 6 Letras
Lingüística, Letras e Artes
1
Medicina
Ciências da Saúde
2
GT1287
TOTAL***
Tabela 2 - Fontes: * Questionário preenchido pelo corpo discente. ** Tabela de Áreas de Conhecimento (TAC) do CNPq.
*** Estão excluídos desta contagem os discentes cuja formação não foram identificadas.
No gráfico 2 ratifica-se a superioridade das Ciências Sociais Aplicadas no relacionamento
com a CI, cerca de 70 % do corpo discente é oriundo desta Grande Área. Em seguida, vêm as Ciências
Exatas e da Terra – elevadas pela participação da Ciência da Computação e da Matemática – e as
Ciências Humanas, onde cada uma tem 10 % de freqüência. As Engenharias e a Ciências da Saúde,
no qual cada uma tem 3% e, finalmente, as Ciências Agrárias e a Lingüística, Letras e Artes, com 1
% do corpo discente oriundos.
CORPO DISCENTE 2009 e 2010 do PPGCI do IBICT por Área e Grande Área de
Conhecimento de formação acadêmica (Graduação)
2%
2%
3%
3%
Ciências Sociais Aplicadas (44)
10%
Ciências Humanas (6)
Ciências Exatas e da Terra (6)
10%
Engenharias (2)
Ciências da Saúde (2)
70%
Ciências Agrárias (1)
Lingüística, Letras e Artes (1)
Gráfico 2 - Fontes: * Questionário preenchido pelo corpo discente. ** Tabela de Áreas de Conhecimento (TAC) do CNPq. *** Estão excluídos desta
contagem os discentes cuja formação não foram identificadas.
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Este estudo buscou contribuir na visualização e no entendimento de uma pequena parte dos
relacionamentos de interdisciplinaridade na CI em que se pôde observar que de fato esta possibilita a
existência de atuações envolvendo múltiplas áreas, tendo em vista sua característica de ciência pósmoderna, como afirmou Wersig. E reconhecendo a importância da interdisciplinaridade na sociedade
contemporânea, principalmente na produção de conhecimento científico e tecnológico, pode-se
concluir que esta área permite, pelo menos na teoria, em melhorias sociais.
Abstract: The aim of this paper is to reflect on the interdisciplinarity of Information Science through
the analysis of academic and graduate level of the student body of the Graduate Program in
Information Science from the Brazilian Institute of Information Science and Technology agreement
with the Federal University of Rio de Janeiro (PPGCI IBICT / UFRJ) who entered the course
in 2009 and 2010. The hypothesis that guides this work, based on classic works Wersig, Borko,
Saracevic and Pinheiro, is the hallmark of interdisciplinary and Information Science, is reflected in
the composition of the student body of the program graduate with multiple formations of the area
academic.
Keywords: Epistemology of Information Science. Interdisciplinarity. The student body PPGCI
IBICT UFRJ.
GT1288
REFERÊNCIAS
BARBOSA, Ricardo Rodrigues; BAX, Marcello Peixoto; CALDEIRA, Paulo da Terra ; e
CENDÒN, Beatriz Valadares. Proposta apresentada à UFMG para mudança de nome da
Escola de Biblioteconomia. Belo Horizonte: UFMG, 1997. Acessado no endereço <www.ufmg.br/
escoladebiblioteconomia.00123.pdf> Acessado em 14 de julho de 2010.
BORKO, H. Information Science: what is it? American Documentation, 19 (1), 3:5, janeiro, 1968.
CAPURRO, R. “Epistemologia e Ciência da Informação”. In: Encontro Nacional de Pesquisa em
Ciência da Informação, V. Belo Horizonte, 10 de Novembro de 2003.
PINHEIRO, Lena V. Ribeiro. Configurações disciplinares e interdisciplinares da Ciência da
Informação no ensino e pesquisa no Brasil. In: BORGES, Maria Manuel; CASADO, Elias
Sanz (Orgs.). A Ciência da Informação criadora de conhecimento. Coimbra: Imprensa da
Universidade de Coimbra, University Press, 2009, pp. 99-111.
SARACEVIC, Tefko. A natureza interdisciplinar da Ciência da Informação. Revista Ciência da
Informação – vol. 24, n. 1, 1995.
BARBOSA, et all. A interdisciplinaridade da Ciência da Informação determinando a formação
de seus profissionais. In: Encontro Nacional de Ciência da Informação, 7, 2007, Salvador. Anais...
Salvador: [s.n.], 2007.
WERSIG, Gernot. Information Science: the study of postmodem knowledge usage. Information
Processing & Management, v. 29, n. 2, 1993, pp. 229-239, 1993.
GT1289
PÔSTER
A TEORIA MATEMÁTICA DA COMUNICAÇÃO E A CIÊNCIA
DA INFORMAÇÃO
William Guedes
RESUMO
Este trabalho ressalta as diferenças conceituais que termos comuns à Ciência da Informação e
à Teoria Matemática da Comunicação possuem em cada um de seus contextos e discute os limites
da aplicação dessa teoria na CI. Resultados provisórios indicam que o significado, a relação entre
informação e redução da incerteza e o próprio entendimento sobre o que é informação têm sido os
temas de maior divergência.
Palavras-chave: informação, significado, teoria da matemática da comunicação, Ciência da
Informação.
ABSTRACT
This paper emphasizes the conceptual differences that common terms to information science
and the mathematical theory of Communication have in each of its contexts, and discusses the limits
of application of this theory in IS. Provisional results indicate that the meaning, the relationship
between information and reduction of uncertainty and their own understanding of what information
is have been the subjects of greater divergence.
Key words: information, meaning, the mathematical theory of communication, Information Science
1. Introdução
A Teoria da Matemática da Comunicação foi desenvolvida por Claude Shannon (1948) e Warren
Weaver (1949), e sua contribuição fundamental foi provar que existe um limite para a transmissão de
sinais em um canal físico de comunicação, e que este limite pode ser calculado. As conclusões foram
fortemente baseadas em estatística e em teoremas matemáticos com aplicação direta em sistemas
telegráficos. Foi uma resposta aos problemas de transmissão de sinais por meio de canais físicos
de comunicação. Ela considera as condições reais de transmissão, como a presença de ruído e a
distribuição estatística da mensagem a ser transmitida.
Apesar desse foco ligado às ciências exatas, ela contém conceitos, premissas e conclusões que
têm sido usados pela Ciência da Informação. O emprego da palavra informação foi estabelecido de
forma rigorosa, assim como foram discutidas expressões como liberdade de escolha, entropia e canal.
GT1290
O uso dessa teoria em trabalhos da Ciência da Informação tem sido possível pela interpretação
de seus postulados, e são os limites para essa interpretação que este trabalho visa discutir.
2. A essência da Teoria Matemática da Comunicação e a Ciência da Informação
Preliminarmente à apresentação da teoria, Shannon e Weaver descreveram simbolicamente
um sistema de comunicação, e definiram os seguintes elementos, ilustrados na figura 01: i) fonte da
informação; ii) mensagem; iii) transmissor; iv) sinal; v) fonte de ruído; vi) canal de comunicação; vii)
sinal recebido; viii) receptor; e ix) destinatário. A compreensão desses elementos permitirá discutir
sua aplicação na Ciência da Informação.
Figura 01: Diagrama esquemático de um sistema geral de comunicação
Fonte: Shannon (1948) – tradução do autor
Logo no início de seu trabalho, Shannon (1948) afirma que
O problema fundamental da comunicação é o de reproduzir em um ponto ou exatamente ou
aproximadamente uma mensagem selecionada em outro ponto. Frequentemente as mensagens
têm significado, isto é, elas se referem a ou são correlacionadas com algum sistema com certas
entidades físicas ou conceituais. Estes aspectos semânticos da comunicação são irrelevantes
para o problema de engenharia. (SHANNON, 1948, p. 1).
A irrelevância dos aspectos semânticos da comunicação para a engenharia tem uma razão muito
simples: um canal de comunicação deve funcionar igualmente, qualquer que seja o significado da
mensagem que transmite.
Um ponto crucial para a compreensão da teoria é que a mensagem a ser transmitida é uma
dentre várias possíveis. A fonte da informação é quem escolhe a mensagem, selecionando-a do
conjunto de possibilidades e enviando-a ao transmissor. Sendo uma escolha, há associada a cada
mensagem uma probabilidade de ser escolhida e enviada ao transmissor. Toda a teoria está baseada
nessa probabilidade de uma mensagem ser a escolhida para a transmissão.
GT1291
Informação, mensagem, significado, semântica, receptor. Todos esses são termos usados na
CI e que também estão presentes na Teoria Matemática da Comunicação, mas não necessariamente
representando os mesmos fenômenos. A CI tem há muito discutido o conceito de informação (ZINS,
2008). Na Teoria Matemática da Comunicação, informação é uma medida da liberdade de escolha que
se tem ao se selecionar a mensagem que será transmitida. A informação está relacionada nem tanto ao
que diz, mas ao que se pode dizer (WEAVER, 1949), e é explicitamente diferenciada de significado.
A palavra informação, nessa teoria, é usada em um sentido especial que não deve ser
confundido com seu uso comum. Em particular, a informação não deve ser confundida com
significado.
Na verdade, duas mensagens, uma das quais fortemente carregada de significado e outra
que seja puro disparate, podem ser exatamente equivalentes, do presente ponto de vista, em
matéria de informação. (Weaver, 1949, p. 4)
A propósito do modo como a palavra informação foi utilizada pela Teoria Matemática da
Comunicação, convém lembrar a distinção entre definição e conceito proposta por Belkin (1978):
“uma definição presumivelmente diz o que o fenômeno definido é, enquanto que um conceito é
um modo de olhar para, ou de interpretar o fenômeno” (BELKIN, 1978, p. 58). Ele diz que seu
interesse está no conceito de informação, e não em sua definição. Argumenta que, aceitando-se
essa ideia, fica-se livre para procurar um conceito de informação que seja útil, ao invés de uma
definição universalmente verdadeira (BELKIN, 1978). Shannon (1948) e Weaver (1949) fizeram isso,
trabalharam com conceitos de informação e de redução de incerteza que lhes foram úteis, sem a
pretensão de criarem definições.
O teorema fundamental da Teoria Matemática da Comunicação é que há um limite para a
transmissão de sinais em um canal, e este limite é calculado dividindo-se a capacidade do canal pela
entropia da fonte de informação.
3. A influência da Teoria Matemática da Comunicação na Ciência da Informação
Alguns termos presentes na Teoria Matemática da Comunicação são encontrados na literatura
da Ciência da Informação, tais como informação e redução de incerteza. Shannon (1948) e Weaver
(1949) alertaram para o uso peculiar da palavra informação em seu trabalho, conceituando-a como
uma medida da liberdade de escolha ao se selecionar uma mensagem, e ressaltando que não deve ser
confundida com significado. Além disso, a informação tem relação direta com a incerteza:
A informação é, devemos constantemente lembrar, uma medida da própria liberdade de
escolha na seleção de uma mensagem. Quanto maior essa liberdade de escolha e, portanto,
maior a informação, maior é a incerteza de que a mensagem realmente selecionada é alguma
em particular. Assim, maior liberdade de escolha, maior incerteza, maior informação andam
de mãos dadas (WEAVER,1949, p. 8).
Esses conceitos de informação e incerteza diferem do uso corriqueiro dessas palavras no diaa-dia, e isso tem causado mal-entendidos. O trabalho de Pinheiro e Loureiro (1995) é uma coletânea
de pensamentos, definições, propostas e registros históricos sobre a ciência da informação, citando
autores brasileiros e estrangeiros. Sobre Shannon e Weaver escreveram:
GT1292
A teoria da informação ou Teoria Matemática da Comunicação, de Shannon e Weaver, traz
importante contribuição ao conceito da informação, ainda que sua origem esteja na solução de
problemas técnicos de transmissão de sinais, na comunicação. Para Shannon, “informação é
uma redução de incerteza oferecida quando se obtém resposta a uma pergunta”. (PINHEIRO;
LOUREIRO, 1995, p.46)
O conceito de informação usado na Teoria Matemática da Comunicação é específico e sua
extensão a outros contextos deve ser cuidadosamente avaliada – afinal, é um conceito, não uma
definição. A citação sobre a redução da incerteza relacionada à resposta a uma pergunta é contrária à
relação que Shannon (1948) e Weaver (1949) apresentam entre incerteza e informação. Talvez havido
um equívoco na interpretação, influenciado pelo senso comum sobre a palavra incerteza.
O uso da expressão “redução da incerteza” vinculada a informação aparece em outros trabalhos.
Ingwersen (1992) aponta a dificuldade de uma conceituação para informação que sirva a todos os
propósitos. Exemplifica que “uma abordagem adere à semiótica, isto é, essencialmente ao significado,
a outra vê informação como um meio de redução da incerteza” (INGWERSEN, p. 26), e ressalta que
o conceito de medida da informação de Shannon não pode ser aplicado a todo o contexto da ciência
da informação onde, em geral, significado está relacionado a informação (INGWERSEN,1992).
Quando se considera significado, informação pode ser facilmente entendida como aquilo que
vai aumentar a certeza, que vai eliminar a dúvida. Bates (1999) parece fazer essa interpretação da
relação entre informação e incerteza:
O primeiro trabalho a ter impacto mais eletrizante foi a teoria da informação de Claude
Shannon (Shannon e Weaver, 1949). Shannon mede a quantidade de informações passando
por um fio de telefone. Tal desenvolvimento não pareceu revolucionário, mas foi, porque
sua teoria foi abstrata e aparentemente aplicável a muitos ambientes, incluindo não só os
técnicos, mas também linguagem humana e psicologia. Os limites da teoria de Shannon para
as ciências humanas tornaram-se evidentes, mas o legado de um sentido novo, abstrato, de
informação como redutora da incerteza em quantidades mensuráveis, manteve-se. (BATES,
p. 1047)
Novamente, relacionou-se a informação como redutora da incerteza, quando o colocado por
Shannon foi precisamente o oposto, atentando-se para os conceitos de ambos os termos na Teoria
Matemática da Comunicação. Capurro (2003) também fez a ressalva de que a informação não reduz
a incerteza, atribuindo essa capacidade ao que entende como mensagem.
Brookes (1980) aborda essa teoria de forma diferente. Afirma que
Medidas de informação – de informação objetiva – foram propostas 50 anos atrás e são
usadas na teoria de Shannon aplicada aos sistemas de telecomunicações e computadores,
por exemplo. Até onde sei, tais medições ainda não foram aplicadas ao conhecimento
objetivo, mas não vejo razão porque não deveriam ser, e todas as razões porque deveriam.
(BROOKES,1980 p. 133)
Em sua obra, Brookes (1980) estabelece relação entre o que chama de informação objetiva
GT1293
e de conhecimento objetivo. O significado está no conhecimento, que requer interpretação da
informação. Referindo-se à informação que comanda uma máquina, ele afirma que “a informação que
ela usa é simplesmente uma sequência programada de sinais; não foi estruturada em conhecimento.
Permanece informação objetiva” (BROOKES, p. 133). A informação objetiva, portanto, pode ou não
ter significado, o que é compatível com o que foi definido na Teoria Matemática da Comunicação.
4. Conclusão
A Teoria Matemática da Comunicação tem sido citada pela CI basicamente nas discussões sobre
conceitos de informação. Isso é curioso, pois em algum momento parece ter havido um intercâmbio
entre os termos comunicação e informação. O trabalho de Shannon e Weaver trata da transmissão
de sinais e explicitamente desconsidera o significado que eles carregam. A relação entre informação
e redução da incerteza feita pela CI tem sido diferente daquela presente na Teoria Matemática da
Comunicação, apesar de, supostamente, essa teoria suportar, ao menos em parte, aquelas conclusões.
5. Referências
BATES, Marcia J. The invisible substrate of information science. Journal of American Society of Information
Science, v. 50, n.2. p:1043-1050, 1999.
BELKIN, N. J., Information Concepts for Information Sciense. Journal of Documentation, Vol. 34, n. I, p.
55-85, Mar. 1978.
BROOKES, B.C. The foundations of Information Science: Part I. Philosophical aspect. Journal of information
Science, v.2, n.3-4, p.125-133, Jun.1980.
BUCKLAND, Michael K. Information as thing. Journal of the American Society for information Science, v.
42. n. 5. p. 351-360, 1991.
CAPURRO, R. Epistemologia e ciência da informação. In: Encontro Nacional de Pesquisa em Ciência
da Informação, V Encontro Nacional de Pesquisa em Ciência da Informação, Belo Horizonte, Nov. 2003.
Disponível em: <http://www.capurro.de/enancib_p.htm>. Acesso em: 28 jun. 2011.
INGWERSEN, Peter. Information Science in context. In: INGWERSEN, Peter, Information Retrieval
Interaction. London: Taylor Graham Publishing, 1992, cap.1, p.1-14. Disponível em: <www.db.dk/pi/iri>.
Acesso em: 28 jun. 2011.
PINHEIRO, Lena Vania R.; LOUREIRO, José M. M. Traçados e limites da ciência da informação. Ciência da
Informação, Brasília, DF, v. 24, n. 1, p. 42-53, jan./abr. 1995.
SHANNON, Claude E.; A Mathematical Theory of Communication, 1948. Disponível em: <http://cm.belllabs.com/cm/ms/what/shannonday/shannon1948.pdf>. Acesso em: 28 jun. 2011.
WEAVER, Warren. Recent Contributions to The Mathematical Theory of Communication, Sep 1949.
Disponível em: <http://ada.evergreen.edu/~arunc/texts/cybernetics/weaver.pdf>. Acesso em: 28 jun. 2011.
ZINS, Chaim. Conceptions of information science. Journal of the American Society for Information Science
and Technology, v. 58, n. 3, p. 335-350, Feb. 1, 2007.
GT1294
PÔSTER
CIÊNCIA DA INFORMAÇÃO: RELAÇÃO
INTERDISCIPLINAR COM AS DISCIPLINAS INTELIGÊNCIA
COMPETITIVA E GESTÃO DO CONHECIMENTO
Simone Alves da Silva, Simone Faury Dib, Neusa Cardim da Silva
Resumo: Aborda a relação interdisciplinar entre a Ciência da Informação (CI) e as disciplinas
Inteligência Competitiva (IC) e Gestão do Conhecimento (GC), com base no mapeamento da produção
científica da pós-graduação stricto sensu brasileira, no período de 2008 a 2010. A metodologia
compreende a pesquisa bibliográfica e a coleta de dados sobre essa produção no portal da Biblioteca
Digital Brasileira de Teses e Dissertações (BDTD), do Instituto Brasileiro de Informação em Ciência
e Tecnologia (IBICT). Mostra que a interdisciplinaridade entre a CI e as disciplinas IC e GC se
manifesta no objeto de estudo que partilham – a informação, que se destaca como elemento primordial
da característica interdisciplinar da CI e condição epistemológica essencial à integração com outras
disciplinas.
Palavras-chave: Ciência da Informação. Inteligência Competitiva. Gestão do Conhecimento.
Interdisciplinaridade.
.
1 INTRODUÇÃO
A transição da Sociedade Industrial para a Sociedade da Informação culminou com mudanças
econômicas, sociais e políticas entre as nações. Com isso, a competitividade entre as organizações
determinou um novo modelo de atuação baseado nos conceitos de Inteligência Competitiva (IC) e de
Gestão do Conhecimento (GC), disciplinas que fornecem instrumental teórico e prático para captar
e utilizar as informações externas e internas em benefício da própria organização, tornando-a mais
produtiva, dinâmica e competitiva.
O presente estudo objetiva abordar a relação interdisciplinar entre a área Ciência da Informação (CI)
e as disciplinas IC e GC, mapeando a produção científica da pós-graduação stricto sensu brasileira,
no período de 2008 a 2010.
A metodologia utilizada no estudo compreendeu duas etapas. Na primeira, realizou-se pesquisa
bibliográfica para contextualizar as temáticas abordadas. Na segunda etapa, a pesquisa foi feita no
portal da Biblioteca Digital Brasileira de Teses e Dissertações (BDTD), do Instituto Brasileiro de
Informação em Ciência e Tecnologia (IBICT), com o objetivo de coletar dados sobre essa produção,
no período analisado.
A opção pela BDTD/IBICT deveu-se ao fato de ser um repositório de teses e dissertações
(TDEs) que reúne a produção científica citada, oriunda das Instituições de Ensino Superior (IES) e
GT1295
de pesquisa brasileiras. É importante ressaltar que a amostra, embora representativa, não deve ser
considerada como um retrato fiel do cenário brasileiro, uma vez que apenas parte das IES brasileiras
participam da BDTD/IBICT e as que participam podem não ter disponibilizado toda a sua produção.
Este fato é ratificado por Silva (2011) quando relata, em sua pesquisa, que apenas 50% das 102
universidades públicas brasileiras participam do projeto BDTD/IBICT e, desse contingente, apenas
17 incluíram na base um quantitativo superior a 1.000 TDEs.
2 CIÊNCIA DA INFORMAÇÃO, INTELIGÊNCIA COMPETITIVA E GESTÃO DO
CONHECIMENTO: VISÃO INTERDISCIPLINAR
No início da década de 70, a expansão da especialização da ciência, provocada pela
fragmentação das áreas de conhecimento, induz ao debate sobre a interdisciplinaridade nos espaços
das instituições acadêmicas e das grandes organizações internacionais, cuja principal proposta era
atender à emergência de uma nova epistemologia, que Japiassu (1976) denomina epistemologia da
complementaridade ou da convergência.
No entanto, a abrangência do conceito não assegura um sentido epistemológico único e estável,
por essa razão, não há unanimidade entre os teóricos sobre a significação de interdisciplinaridade,
havendo visões diferenciadas para o seu papel. Pombo ([2000?]) considera que a melhor noção
de interdisciplinaridade está relacionada aos valores da convergência, da complementaridade e do
cruzamento. Este pensamento corrobora o conceito elaborado por Japiassu (1976, p. 75):
[...] a colaboração entre as diversas disciplinas ou entre os setores heterogêneos
de uma mesma ciência [que] conduz a interações propriamente ditas, isto é,
há uma certa reciprocidade nos intercâmbios, de tal forma que, no final do
processo interativo, cada disciplina saia enriquecida. Possibilita incorporar os
resultados de várias especialidades, tomar de empréstimo a outras disciplinas
certos instrumentos e técnicas metodológicos, fazendo o uso de esquemas
conceituais [...] a fim de fazê-los integrarem e convergirem, depois de terem
sido comparados e julgados.
A discussão sobre a relação interdisciplinar da CI com outras áreas do conhecimento perpassa
pela compreensão do conceito de conhecimento, que implica entender a diferença entre dado,
informação, conhecimento e inteligência. Os dados referem-se aos fatos objetivos acerca de eventos
e registros organizados de transações. Quando contextualizados, categorizados ou condensados, os
dados transformam-se em informações. Conhecimento, por sua vez, pode ser compreendido como o
[...] estoque de informação que foi processado, analisado, avaliado e
testado e que é continuamente atualizado e enriquecido pela permanente
confrontação entre novas informações e aquelas previamente armazenadas
em uma memória (que pode ser humana, eletrônica ou a experiência de uma
instituição). (COELHO; DOU, 1999-2000).
GT1296
Na visão de Jequier e Dedijer (1987 apud COELHO; DOU, 1999-2000), a inteligência representa
a soma dos demais conceitos – que possibilita ao ser humano utilizar todo o tipo de informação e
conhecimento para planejar estratégias, implementar ações e tomar decisões, aumentando o valor
agregado.
A informação, por sua condição de artefato e substrato de todas as ciências, destaca-se como
elemento primordial da característica interdisciplinar da CI e condição epistemológica essencial à
integração com outras disciplinas, como a IC e a CG.
Saracevic (1995), em seu conceito de CI, demonstra a plasticidade e o caráter interdisciplinar
da área ao mencionar que ela é devotada à investigação científica e prática profissional que trata
dos problemas de comunicação de conhecimentos e registros, bem como do uso da informação em
diversos contextos, como o social, o institucional e o organizacional.
Borko (1968) também destaca o caráter interdisciplinar da CI, ao afirmar que a área deriva
da Matemática, da Lógica, da Lingüística, da Tecnologia de Computadores, da Biblioteconomia, da
Administração entre outras, com as quais também se relaciona. O mesmo acontece com a IC e a GC
em relação a áreas como Administração, Engenharia e Ciência da Computação. O aprofundamento
da discussão sobre a relação interdisciplinar da CI com cada campo do conhecimento ocorreu na
década de 90, juntamente com a consolidação de sua denominação, princípios, métodos e teorias
(PINHEIRO, 2006).
Pinheiro (2006), em pesquisa empírica, mapeou o campo interdisciplinar da área e constatou sua
constante mutação. Verificou que, desde a década de 90, a Administração mantém uma estreita relação
interdisciplinar com a CI, pela utilização de conceitos comuns, como Sistemas de Informação, Políticas
de Informação, Gestão da Informação, Gestão do Conhecimento e Inteligência Competitiva. A autora
atribuiu o surgimento da IC e da GC ao advento da Sociedade da Informação, das novas tecnologias da
informação e comunicação, da globalização do mercado e ao acirramento da competitividade entre as
empresas, resultando em mudanças econômicas, sociais e políticas entre as nações.
Pinheiro (2006) ressalta que, na discussão conceitual entre IC e GC, é importante estabelecer
algumas distinções, uma vez que os campos nem sempre são descritos com claras delimitações. Nesse
sentido, Alves (2008) estabelece uma delimitação de âmbito e escopo ao considerar que a GC se
concentra na identificação, classificação, organização e disseminação de conhecimento relevante para
áreas da organização, para tomada de decisão e solução de problemas. Na visão de Canongia et al.
(2004, p. 236)
[...] a Gestão do Conhecimento promove a codificação e a circulação do
conhecimento internamente, enquanto a Inteligência Competitiva fornece
meios para adquirir conhecimento sobre o ambiente externo, conhecimento
esse que pode ser, em grande parte, introduzido na rede interna de circulação.
Quanto à IC, Alves (2008) afirma que a disciplina se concentra na recuperação de recursos
informacionais, tanto externamente como internamente à organização, para desenvolver análises
GT1297
estratégicas que irão subsidiar a tomada de decisão e assegurar o caráter competitivo da organização.
Verifica-se, portanto, que a perspectiva interdisciplinar torna-se fundamental ao desenvolvimento
científico e à produção de inovação, pois possibilita, segundo a concepção de Pombo ([2000?], p. 14),
“[...] tocar zonas do objeto de investigação que o olhar disciplinar especializado não permitia ver”,
favorecendo as “[...] trocas generalizadas de informações e de críticas, contribuindo, dessa forma,
para uma reorganização do meio científico.” (JAPIASSU, 1976, p. 32).
Assim, as relações da IC e GC com a CI, e com outras áreas do conhecimento, revelam a
sua natureza interdisciplinar, posto que todas utilizam conceitos e ferramentas comuns no trato da
informação, o que pode ser observado no levantamento da produção científica, em TDEs, realizado
na BDTD/IBICT.
3 INTELIGÊNCIA COMPETITIVA E GESTÃO DO CONHECIMENTO: PRODUÇÃO
CIENTÍFICA NA BDTD/IBICT
Os dados coletados foram reunidos por ano, tipo de publicação, instituição de origem, regiões do
país e programas de pós-graduação. Os dados referentes à classificação das instituições, se pública ou
privada, não foram computados. Embora alguns programas de pós-graduação tivessem nomenclatura
parecida, foram mantidos individualmente, em virtude de suas especificidades. A análise dos dados
baseou-se nas variáveis: quantitativo de TDEs produzidas em IC e GC, no período de 2008 a 2010;
instituições em que foram elaborados os trabalhos acadêmicos e as respectivas regiões do Brasil e
Programas de pós-graduação que originaram as TDEs.
As TDEs depositadas na BDTD/IBICT, na temática IC, totalizaram 24 documentos. Constatase que 83% dessa produção corresponde às dissertações e apenas 17% às teses. O período analisado
indica crescimento, sendo o ano de 2010 o mais produtivo. A produção em GC foi a mais representativa.
Foram recuperados 164 documentos, sendo que 74% são dissertações e 26% são teses e, em 2008,
registrou-se o maior quantitativo de dissertações produzidas no tema. Em comparação com os anos
posteriores, percebe-se que houve diminuição dessa produção. O quantitativo da produção, nas duas
temáticas, indica a elevação da produção em IC e o decréscimo em GC. No entanto, a produção em
GC ainda é superior à em IC.
As TDEs que abordam IC foram produzidas em 12 universidades do país, enquanto, verificase que as TDEs em GC foram produzidas em 29 instituições, compreendendo 26 universidades e três
centros de pesquisa. Ao comparar esses dados, constata-se que a maioria das universidades (75%) que
tem produção científica em IC apresenta produção em GC.
Embora a maioria das universidades com produção científica em IC fique localizada nas regiões
Sudeste e Sul, com percentuais de 42% e 33%, respectivamente, é no Centro-Oeste do Brasil que se
encontra a IEs com o maior percentual de TDEs em IC – a Universidade Católica de Brasília. Este
fato também ocorre em relação à GC: a região Sudeste concentra a maioria das instituições com
GT1298
essa produção (45%), embora nas regiões Sul e Centro-Oeste estejam as universidades com maior
produção de TDEs em GC. Cabe destacar a importante participação das instituições localizadas no
Nordeste (24%), na temática GC, e registrar a ausência dessa produção, nas duas temáticas, no Norte
do país.
A produção científica em IC indica as diversas áreas com as quais mantêm relações
interdisciplinares, sendo que os PPGs em Administração lideraram as áreas com 42% do universo
pesquisado, seguido pelos programas de Gestão do Conhecimento e da Tecnologia da Informação
(25%) e, o de Ciência da Informação, com apenas 9% do conjunto. É interessante observar que,
apesar da interdisciplinaridade da IC com a CI, os resultados sugerem que a temática começa a ocupar
espaço timidamente na agenda dos PPGCIs, tendo em vista que apenas em dois programas de CI esse
tipo de produção foi encontrada.
No caso da GC, há um número elevado de PPGs produtores. Os quatro programas com maiores
percentuais foram Gestão do Conhecimento e da Tecnologia da Informação (23%); Engenharia e
Gestão do Conhecimento (23%); Administração (15%) e Ciência da Informação (10%). No caso da
GC, a representatividade da CI foi maior, com cinco programas tratando da temática. Observa-se que
a GC envolve um quantitativo expressivo de programas e de instituições, o que ratifica o seu caráter
interdisciplinar com diversas áreas do conhecimento.
Há diversas áreas do conhecimento que possuem produção científica, tanto em IC quanto
em GC, entre elas a de Ciência da Informação e a de Administração. Com isso, observa-se a relação
estreita entre IC e GC e as áreas que tratam de gestão, informação, conhecimento e tecnologias.
4 CONSIDERAÇÕES FINAIS
A literatura indica que a interdisciplinaridade da IC e da GC manifesta-se no objeto de estudo
que partilham – a informação –, e que há contribuições mútuas para o aperfeiçoamento dos processos
que a envolvem. Neste cenário interdisciplinar, a CI tem papel fundamental, uma vez que o seu objeto
de estudo perpassa as diversas áreas do conhecimento, tal como o da IC e da GC. O estabelecimento
de relações estreitas com a CI poderá se consolidar tendo em vista as relações interdisciplinares que
essas disciplinas mantêm com áreas de conhecimento comuns, como a Administração e a Ciência da
Computação.
Os dados apresentados, no período delimitado, embora restritos à produção disponível na
BDTD/IBICT, são representativos do que se produziu no Brasil de 2008 a 2010. O mapeamento
realizado revelou as instituições que investem no desenvolvimento das temáticas no país.
Ainda que o estudo seja representativo apenas da produção nacional depositada na BDTD/
IBICT, portanto sujeito a limitações, revela o interesse dos pesquisadores nas temáticas IC e GC, o
que é evidenciado não apenas pela produção de TDEs, como também pela incidência de programas
de pós-graduação que abordam as temáticas. Acredita-se que este fato esteja relacionado à busca
GT1299
constante pela inovação de produtos e serviços, em um ambiente competitivo e globalizado, em
que a informação e o conhecimento são valorizados e considerados ativos, que geram vantagem
competitiva.
Abstract: The article discusses the interdisciplinary relations between the Information Science (IC)
and the disciplines Competitive Intelligence (CI) and Knowledge Management (KM), based on the
mapping of graduate stricto sensu studies in Brazil at the period from 2008 to 2010. The methodology
includes a literature search and collection of data on the production site of the Brazilian Digital
Library of Theses and Dissertations (BDTD), of the Brazilian Institute of Information Science and
Technology (IBICT). It shows that the interdisciplinarity between IC and the disciplines CI and
KM manifests on the object of study that share – information, that is the essential element feature
interdisciplinary of IC and epistemological key to integration with other disciplines
Keywords: Information
Interdisciplinarity.
Science.
Competitive
Intelligence.
Knowledge
Management.
6 REFERÊNCIAS
ALVES, José Alexandre da Costa. Ciência da Informação e Ciência da Administração: questões
epistemológicas e o fenômeno da informação. 2008. 135 f. Dissertação (Mestrado em Ciência da
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GT1301
PÔSTER
DO DOCUMENTO CONTÁBIL ELETRÔNICO ENQUANTO
PROVA: ANÁLISE INTERDISCIPLINAR ENTRE O DIREITO
E A ARQUIVÍSTICA.
Rúbia Martins, João Batista Ernesto Moraes
Resumo:
O principal objetivo do presente trabalho gira em torno do estudo comparativo entre o direito brasileiro
e a arquivística no que diz respeito ao documento contábil eletrônico enquanto prova. Analisamos
a maneira mediante a qual o ordenamento jurídico brasileiro e a arquivística concebem o próprio
conceito de documento e consequentemente o de documento eletrônico. Além disso, verificamos
em que medida a legislação brasileira prevê e legitima a utilização de documentos eletrônicos na
contabilidade das instituições, públicas e privadas, e o impacto de tais normas nos arquivos. Para
tanto, foram analisadas as mudanças ocorridas na legislação brasileira durante a década de 2000 no que
concerne à legitimação do uso de documentos contábeis eletrônicos e seu impacto nos arquivos. Para
o desenvolvimento do presente trabalho, utilizamos eminentemente a pesquisa teórica bibliográfica
(análise de doutrinas, legislação vigente, jurisprudência, periódicos e sites especializados no assunto),
fundamentando-a em autores como: Bellotto (2004); Ortega e Lara (2010); Otlet (1996); Greco Filho
(2006); Santos (1994); Petrenco (2009); Marion (2004). Houve consideráveis mudanças na legislação
brasileira quanto aos documentos contábeis eletrônicos principalmente a partir de 2007, com o
advento do Sistema Público de Escrituração Digital – Sped. Tais mudanças fazem emergir no cenário
jurídico brasileiro discussões acerca do que vem a ser documento, documento eletrônico e a validade
destes como meio de prova legítima no processo judicial. Assim, mister se faz a análise a respeito
das semelhanças e diferenças entre a arquivística e o direito no que tange ao próprio conceito de
documento e à segurança, autenticidade e integridade dos documentos eletrônicos contábeis, já que
no ordenamento jurídico brasileiro há diferentes interpretações a respeito dos mecanismos previstos
por este quanto à segurança das informações contábeis armazenadas em meio digital.
Palavras-chave: Documento; Documento contábil eletrônico; Arquivística; Direito.
1 INTRODUÇÃO
Apesar de não haver em nosso ordenamento jurídico hierarquia quanto aos meios de prova, o
documento é considerado a prova mais importante possível de ser apresentada pelas partes em uma
lide processual.
Nos processos judiciais que versam sobre a questão contábil, o documento é, na maioria das
vezes, o único modo de que dispõem as partes para provarem os fatos alegados. (MARION, 2004).
Ou seja, quando se trata de fatos contábeis controvertidos, a documentação contábil é considerada a
“rainha das provas”.
GT1302
Nos últimos anos, evidenciaram-se profundas mudanças quanto ao suporte material desses
documentos. Houve nos arquivos contábeis, a introdução dos documentos contábeis eletrônicos.
O ordenamento jurídico brasileiro passou a prever instrumentos normativos com relação à
validade probatória de tais documentos. No entanto, há intensa discussão entre juristas e representantes
do Poder Judiciário pátrio a respeito da segurança, autenticidade, integridade e valor probante dos
documentos contábeis eletrônicos.
2 O CONCEITO DE DOCUMENTO CONTÁBIL
Para analisarmos o conceito de documento contábil mister se faz apresentarmos breve explanação a
respeito do próprio conceito de documento.
Segundo Bellotto (2004), há enorme abrangência quanto ao que pode ser considerado documento.
Este seria qualquer elemento gráfico, iconográfico, plástico, fônico (etc), através do qual o homem
manifestaria o seu pensamento. Seria a informação registrada em um suporte material.
Dessa forma, o conceito de documento deriva da necessidade de transmitir informações dos
mais diversos modos possíveis e pressupõe a existência de um receptor, que é aquele quem recebe as
informações do documento.
Ortega e Lara (2010), também ressaltam essa condição de informatividade presente na noção de
documento e citam Paul Otlet como o principal documentalista e teórico da Documentação. Para as
autoras, “a proposta de Otlet pode ser resumida na noção de documento como registro do pensamento
individual que permite o transporte de idéias, servindo como instrumento de pesquisa, ensino, cultura
e lazer.” (ORTEGA; LARA, 2010, p. 13). 67
Já no âmbito jurídico, busca-se conceituar o documento como o meio através do qual objetivase a provar a existência de algum fato. (MARQUES, 2010).
Moacyr Amaral Santos (1994, p. 387), define documento como “a coisa representativa de um
fato e destinada a fixá-lo de modo permanente e idôneo, reproduzindo-o em juízo”.
Importante salientarmos que os documentos possuem valor probante variável no âmbito jurídico
na medida em que apresentam em seu conteúdo elementos que os indiquem como equivalentes à
verdade fática. (RAMIRES, 2002; GRECO FILHO, 2006). Ou seja, na medida em que satisfaçam às
características de autenticidade (procedência) e de integridade (conteúdo original).
Conforme indicamos em nossa introdução, nas lides processuais que versam sobre questões
contábeis o documento contábil é elemento fundamental no quesito provas.
Por documento contábil entende-se toda e qualquer informação proveniente do conhecimento
contábil registrada em um suporte material, como por exemplo: notas de compra e venda de serviços;
duplicatas pagas; extratos bancários; comprovantes de despesas e custos; comprovantes de débitos/
67 Para explicarmos a concepção da documentação no âmbito da arquivística é de fundamental importância o estudo das obras de
YEPES (1995) e LOPES (1998).
GT1303
créditos bancários, etc. Esses documentos são utilizados para a realização da escrituração contábil,
mediante a qual se registram em livros próprios todos os atos e fatos ocorridos com a finalidade de
construir e relatar o histórico patrimonial da entidade contábil. (RIBEIRO, 2009).
Segundo a Norma Brasileira de Contabilidade Técnica 2 (NBCT 2), a documentação contábil
compreende “ [...] 2.2.1 todos os documentos, livros, papéis, registros e outras peças, que apóiam ou
compõem a escrituração contábil [...].” (BRASIL, 1985, p.1).
Existem quatro tipos de documentos contábeis: 1) documentos financeiros e fiscais de transações
de entradas e saídas; 2) documentos de registros das transações; 3) documentos administrativos; 4)
documentos de informações de empregados e previdência social e demais tributos. (FRANCO, 1997).
Cada um desses tipos de documentos contábeis possui prazos diferentes quanto à transferência,
eliminação e recolhimento em arquivos, pois os prazos prescricionais desses documentos são
diferentes conforme o tipo e a função que apresentam. Dessa maneira, os documentos contábeis
devem ser analisados caso a caso conforme legislação vigente, e a sua eliminação deve respeitar,
inclusive, as normas estabelecidas pelo Conselho Nacional de Arquivos, o Conarq. (BRASIL, 2009).
Os prazos prescricionais dos documentos utilizados na contabilidade são analisados e
fundamentados em lei quando estes se encontram no arquivo intermediário. Haja vista, que os
documentos contábeis permanecem no arquivo corrente durante todo o exercício social da entidade
contábil, período que corresponde a 1 (um) ano.
Dessa maneira, percebemos que a adoção de uma política de preservação de documentos
contábeis deverá estabelecer uma Tabela de Temporalidade mediante a qual todos os documentos
estejam discriminados individualmente com suas respectivas fundamentações legais.
Tal política de preservação de documentos contábeis vem encontrando, nos últimos tempos, um
novo desafio, a gestão dos documentos contábeis eletrônicos.
3 O DOCUMENTO CONTÁBIL ELETRÔNICO COMO MEIO DE PROVA
Como sabemos o papel não é o único suporte material possível do documento. Existem outros
suportes de fixação da informação e, entre eles, o meio digital. Os documentos que possuem o meio
digital como suporte material são chamados de documentos eletrônicos. (PASA, 2001).
No início dos anos 2000 a publicação da Medida Provisória nº 2.200-2, de 24 de agosto de 2001,
criou a ICP-Brasil através da qual determinou-se a validade de documentos assinados digitalmente
(BRASIL, 2001). No dia 02 de março de 2005, o Conselho Federal de Contabilidade publicou a
Resolução 1.020, alterada em 23 de dezembro de 2005, pela Resolução 1.063, estabelecendo normas
para a escrituração contábil em meio digital (BRASIL, 2005).
Tais normas permitem aos contabilistas e às entidades contábeis a digitalização de livros e
documentos contábeis e fiscais. Os livros contábeis mantidos em meio digital devem ser protegidos
contra fraudes através da assinatura digital. Além disso, os documentos contábeis digitais devem estar
GT1304
autenticados por um tabelião.
Podemos afirmar que o ordenamento jurídico pátrio vem produzindo vários instrumentos
normativos a fim de legitimar e atribuir valor probante aos documentos contábeis eletrônicos. Segundo
Ramalho e Pita (2009, p. 156), merece destaque nesta seara,
O Sistema Público de Escrituração Digital – Sped, instituído formalmente
pelo Dec. 6.022, de 22.01.2007 e açambarcado pelo Programa de Aceleração
do Crescimento do Governo Federal (PAC 2007-2010), que objetiva a
substituição gradual da emissão de livros e documentos contábeis e fiscais
em papel por seus correspondentes eletrônicos.
Devemos lembrar que a alteração de suporte dos documentos e livros contábeis e fiscais deve
satisfazer a todos os requisitos de validade probatória dos quais estão investidos os documentos
contábeis registrados em papel. Dentre tais requisitos, podemos citar que o documento eletrônico
deve: possuir carcacterísticas que possibilitem sua posterior consulta; identificar a sua procedência; e
garantir a consistência de seu conteúdo original. (PASA, 2001; SOUZA, 2009).
4 CONCLUSÕES
A figura do documento contábil eletrônico em nosso sistema jurídico é extremamente
recente, e para que tais documentos sejam capazes de provar a verdade fática discutida no
processo, eles devem apresentar: descrição dos fatos que se quer registrar; identificação das
partes de maneira inequívoca; e segurança, de modo que não possa ser adulterado sem deixar
vestígios localizáveis. (SANTOLIM, 1995).
Dessa forma, ao analisarmos o documento eletrônico como meio de prova devemos trazer à baila
duas características apontadas pela doutrina jurídica e pela arquivística como fundamentais à prova
documental: a autenticidade (procedência) e a integridade (conteúdo original). Tais requisitos estão
extremamente vinculados à idéia de valor probatório dos documentos eletrônicos. O fato é que ainda
existem muitas dúvidas no ordenamento jurídico brasileiro quanto à manutenção da autenticidade e
da integridade dos documentos contábeis eletrônicos faltando ao magistrado subsídios normativos
para valorar esta tipificação documental enquanto meio legítimo de prova documental.
Assim, torna-se fundamental a profunda análise a respeito do que vem a ser o documento e o
documento eletrônico enquanto prova sob as concepções arquivística e jurídica para que possamos
desenvolver um quadro teórico de referência sobre o documento contábil eletrônico como meio de
prova lícito e legítimo.
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GT1306
PÔSTER
A VERDADE, A INFORMAÇÃO E O ARQUIVO: PRIMEIRAS
IMPRESSÕES NA BUSCA POR UMA FILOSOFIA DA
INFORMAÇÃO
Aluf Alba Elias
Resumo: Investiga-se através da contextualização do pensamento filosófico contemporâneo, a noção
de verdade, partindo para a noção de arquivo enquanto lugar de memória, donde, possivelmente,
subjaz uma vontade de verdade e justificação. Na busca da apreensão deste desígnio, estabelecerse-á um inter-relacionamento entre os pensamentos dos franceses Pierre Nora (Lugares de Memória,
1993), Jacques Le Goff (Documento/Monumento, 1977), Jacques Derrida (O mal de Arquivo,
2001) e Michel Foucault ( A Arqueologia do Saber, 1969; A Ordem do Discurso, 1970; Microfísica
do Poder; 1979). A partir da definição da perspectiva apreendida, verificar-se-á a abrangência do
conceito de Ação de Informação (Wersig, 1985 e González de Gómez, 1999) através do viés de seu
caráter seletivo desdobrando na questão da formação do Arquivo enquanto indício, prova (Briet,
2006 [1951])), numa reflexão sobre as práticas documentárias (Frohmann, 2004) em busca de uma
filosofia da informação.
Palavras-chave: verdade -1 ; informação - 2; arquivo
1. INTRODUÇÃO
A noção de Verdade é algo caro à filosofia e, como tal, não poderia deixar de ser para a Ciência
da Informação e a Arquivística em geral. Entretanto, apreender a totalidade que esta noção implica é
uma tarefa que por si só justificaria inúmeras teses, dada a amplitude de sua possibilidade.
Assim, na intenção de estabelecer um arcabouço teórico que pudesse sustentar a argumentação
que se pretende desenvolver, definiu-se utilizar como recurso para este fim a noção de verdade
empreendida por Michel Foucault. Entretanto, para o exercício de extração desta noção faz-se necessário
a imersão no significado de alguns termos que são centrais em sua metodologia de investigação. Iniciase então, de forma breve, um esforço ainda preliminar, de apreensão do pensamento desenvolvido por
Foucault ao longo dos anos. Segue:
Ao tratar do termo arqueologia Foucault “pretende a exumação das estruturas de conhecimento
ocultas que dizem respeito a um período histórico particular” (STRATHERN, 2003, p.36). Nisto
estaria presente, geralmente de forma inconsciente, toda gama de pré-supostos e preconceitos, que
estrutura e põe limites no modo de pensar de um determinado espaço de tempo. “Tais coisas são
essencialmente distintas da inclinação subjetiva ou até da ignorância coletiva – pelo contrário, são o
modo de pensar que afeta todos os indivíduos pensantes daquela época”. (ibidem).
A arqueologia busca definir não os pensamentos, as representações, as imagens,
os temas, as obsessões que se ocultam ou se manifestam nos discursos, mas os
GT1307
próprios discursos, enquanto práticas que obedecem a regras. Ela não trata o
discurso como documento, como signo de outra coisa (...); ela se dirige ao
discurso em seu volume próprio, na qualidade de monumento. Não se trata
de uma disciplina interpretativa: não busca um “outro discurso” mais oculto.
Recusa-se a ser “alegórica”. (FOUCAULT, 2007, p.158)
Por episteme, cuja palavra deriva “da mesma raiz grega que o ramo da filosofia conhecido como
epistemologia”68, Foucault determina “todo o conjunto de pressupostos, preconceitos e tendências
que estruturam e delimitam o pensamento de qualquer época”. Estaria relacionada à determinação
dos limites das experiências vividas em um período, na extensão de seu conhecimento, atingindo
inclusive sua noção de verdade. (STRATHERN, 2003, p.36).
Eu definiria épistémè retroativamente como o aparato estratégico que permite a
separação – entre todas as afirmações possíveis – aquelas que serão aceitáveis
dentro de não de uma teoria científica específica, mas de um campo de
cientificidade. [Essa separação] torna possível dizer que algo é verdadeiro
ou falso. A épistémè é o ‘aparato’ que torna possível a separação, não entre
verdadeiro ou falso, mas entre o que pode ou não pode ser caracterizado como
científico. (FOUCAULT, 2008, p. 247)
A episteme, neste molde, pode originar uma forma de conhecimento, que Foucault convencionou
chamar de discurso que é “a acumulação de conceitos, práticas, declarações e crenças produzidas por
uma determinada episteme”. (STRATHERN, 2003, p. 37).
Colocando nestes termos, a questão da episteme foucaultiana é cara a esta intenção de pesquisa,
pois ajuda a compreender a inaplicabilidade da verdade absoluta. Como salienta Paul Strathern (2003),
leva a indagar que, se o modo de pensar será sempre determinado por uma episteme, tudo indica que
jamais se poderá lograr uma verdade. E perfaz-se: se todas as epistemes são contingentes, como se
pode provar que uma é melhor que a outra? Impossível, “pois toda verdade é relativa e só depende de
como as coisas são vistas”.(ibidem, p.44).
Ainda sim, o conceito de episteme desdobrou-se para a formulação da primeira noção de
discurso, que como um estopim de investigação, foi mais tarde ampliada dando origem à noção de
saber/poder.
Segundo Foucault (1996, p. 10):
O discurso (...) não é simplesmente aquilo que manifesta (ou oculta) o desejo; é,
também, aquilo que é o objeto do desejo”. (...) “o discurso não é simplesmente
aquilo que traduz as lutas ou os sistemas de dominação, mas aquilo por que,
pelo que se luta, o poder do qual nos queremos apoderar.
68 Epistemologia (do gr. episteme: ciência, e logos: ciência) Disciplina que toma as ciências como objeto de investigação tentando
reagrupar: a) a crítica do conhecimento científico – exame dos princípios, das hipóteses e das conclusões das diferentes ciências, tendo
em vista alcançar seu valor objetivo –; b) a filosofia das ciências – empirismo, ralacionismo etc –; c) a história das ciências. (JAPIASSU
e MARCONDES, 1991, p.82-83)
GT1308
Deste modo fica mais evidente o inter-relacionamento entre o discurso, o saber/poder e a
questão da verdade ou Regimes de Verdade. Ou seja, “a verdade está circularmente ligada a sistemas
de poder, que a produzem e a apóiam, e a efeitos de poder que ela induz e que a reproduzem (...)”. Não
existe possibilidade de desvinculação entre a verdade e sistema de poder, pois isso “seria quimérico
na medida em que a própria verdade é poder”.( FOUCAULT, 2008, p.14)
A vontade de verdade se apoiou, como os outros sistemas de exclusão, em um suporte
institucional, sendo reforçada e reconduzida por um conjunto conciso de práticas: sistemas de
pedagogia, de bibliotecas, dos livros, como a sociedade dos sábios de outrora. (ibidem, p. 17). “E
essa vontade de verdade apoiada sobre um suporte e uma distribuição institucional tende a exercer
sobre os outros discursos uma espécie (...) de poder de coerção”. (p. 18). Até a palavra de lei parece
não ser mais autorizada, em nossa sociedade, senão por um discurso de verdade. (p. 19). Emerge a
questão da disciplina induzida pelos jogos de verdade e a vontade de poder.
Observar a relação entre a vontade de verdade e o suporte institucional, fornece a essa intenção
de pesquisa possibilidade de estender o diálogo entre outros autores, tratando mais especificamente
da questão da ação de documentar. A ação implica na vontade de verdade. Documentar sugere, de
certa forma, um desejo de materializar algo. Essa materialidade seria uma espécie de conceito social,
ou seja, documenta-se para fora a fim de dar durabilidade. Isso envolve a questão das inscrições,
mas não unicamente, pois apesar destas serem dotadas de intencionalidade sua legitimidade está no
valor indicial. Talvez resida aí o fundamento da colocação de Jacques Le Goff (2010 [1977]): “todo
documento é mentira”. Para o autor, levar em conta o “fato que todo documento é ao mesmo tempo
verdadeiro e falso, trata-se de por à luz as condições de produção (...) e de mostrar em que medida o
documento é um instrumento de poder (...)”. (p. 525).
Para Le Goff à memória coletiva aplica-se a dois tipos de materiais: os documentos e os
monumentos e neste sentido “o que sobrevive não é o conjunto daquilo que existiu no passado, mas
uma escolha efetuada quer pelas forças que operam no desenvolvimento temporal do mundo e da
humanidade, quer pelos que se dedicam à ciência do passado e do tempo que passa (...)”. (p. 525).
Aqui se pode notar uma zona de convergência com os estudos empreendidos pela CI, através de
González de Gómez (1999), em relação ao caráter seletivo das ações de informação. Não há dúvida
de que há uma seleção do que servirá como informação, documento, validação, prova e isso inclui a
problemática do discurso que se deseja.
Monumento deriva da palavra latina monumentum, “significa um sinal do passado e liga-se ao
poder de perpetuação, voluntária e involuntária das sociedades históricas.” (Le Goff, 1999, p. 526).
Documento, da mesma forma, se origina de documentum, que deriva de docere, quer dizer, ensinar,
evoluindo posteriormente para o significado de prova. No “séc XVII se difunde na linguagem jurídica
francesa a expressão tritres et documents.
Na década de 20 do séc. XIX com a advento do movimento da história nova, os fundadores
da revista Annales d`Histoire Économique et Sociale (1929), insistiram na ampliação da noção de
GT1309
documento, assim como Paul Otlet alguns anos mais tarde. O valor documental (prova/testemunho)
não seria mais uma exclusividade do documento escrito. Nas palavras de Samaram apud Le Goff, “há
que se tomar a palavra documento no sentido mais amplo, documento escrito, ilustrado, transmitido
pelo som, a imagem ou qualquer outra maneira”. A ampliação desta noção foi a mola propulsora para
a explosão documental a partir dos anos 60 (p. 531), o que deu origem, inclusive, a própria CI.
Houve a simbiose dos termos documento/monumento, muito embora, Le Goff desconsidere
que isto decorra da explosão documental. Cita Paul Zumthor para revelar que o que transforma o
documento em monumento seria sua utilização pelo poder. “O documento não é qualquer coisa que
fica por conta do passado, é um produto da sociedade que o fabricou segundo as relações de força que
aí detinham o poder. Só a análise do documento enquanto monumento permite à memória coletiva
recuperá-lo”. (p.536).
Efetivamente o documento é a coisa que fica, um testemunho, um ensinamento, que deve ser
desmistificado em seu aparente significado. “O documento é um monumento na medida em que é o
resultado do esforço das sociedades históricas (...) para impor ao futuro determinada imagem de si
própria”. (p. 538). Corroborando com as idéias de Foucault, Jacques Le Goff conclui que “qualquer
documento é ao mesmo tempo verdadeiro e falso, pois o monumento é uma roupagem, uma aparência
enganadora, uma montagem. É preciso (...) começar a demolir essa montagem, desestruturar essa
construção e analisar as condições dos documentos-monumento” (ibdem).
Fazendo um paralelo com o que Pierre Nora (1993) definiu como lugares de memória que,
numa acepção tríplice, são alinhavados como lugares materiais (um depósito de arquivo, por
exemplo) onde se aporta a memória social e pode ser alcançada pelos sentidos; lugares funcionais
(um testamento) pois possuem ou adquiriram a função de subsidiar memórias coletivas; e lugares
simbólicos (um minuto de silêncio) por onde a memória coletiva (uma espécie de identidade) se
expõe e manifesta, ou seja, lugares carregados de uma vontade de memória. Mas os lugares de memória estão distantes de ser uma entidade natural e espontânea, “são,
antes de tudo restos [...] rituais de uma sociedade sem ritual, sacralidades passageiras em uma
sociedade que dessacraliza,” (p.12-13). Como objetos de uma construção histórica, o interesse pelo
seu exame vem, justamente, do seu valor como documento e monumento capazes de revelar os
processos sociais, os conflitos, os interesses e as paixões e que de forma conscientemente ou não, os
revestem de uma função icônica. “Há locais de memória, pois não existe mais meios de memória”
(p.7) talvez isso explique o fato de “nenhuma época foi tão voluntariamente produtora de arquivos
como a nossa” (p.15), pois “à medida em que desaparece a memória tradicional, nos vimos obrigados
a acumular (...) vestígios, (...) documentos (...)” e é “impossível prejulgar aquilo que se deverá lembrar.
Daí a inibição em destruir, a constituição de tudo em arquivo.” (p.15).
Trazendo Jacques Derrida (2001) para o diálogo vemos que “a perturbação de arquivo deriva
do mal de arquivo. Estamos com mal de arquivo. Escutando o idioma francês e nele, o atributo em
mal de, estar com mal de arquivo, pode significar outra coisa que não sofrer de um mal. É arder de
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paixão. É não ter sossego, é incessantemente, interminavelmente procurar o arquivo onde ele se
esconde” ( p. 118). Portanto, o mal de arquivo, o desejo de lembrar a origem e decifrar o que nos
comanda, ou o comando, é efeito da ausência originária e estrutural da memória. É preciso arquivo
para lembrar, é preciso arquivo para se ter indícios e também para provar.
No âmbito da problemática do arquivo enquanto memória, rastro, indício, prova e toda
fragilidade que estes atributos constituem, o próprio caráter contingente abre para a possibilidade de
pensar os arquivos comos inscrições, revestidas (ou não) de autoridade, podem ser ressignificadas
seletivamente a partir do resgate das redes de jogos de verdade e significação, do que foi dito e do que
não foi dito e a intenção que subjaz.
Como baliza de abstração, resgata-se Suzanne Briet ([1951] 2006) que atesta que “um
documento é uma prova suporte de um fato” (p. 9-10) e, ainda, que um documento é “a base de
conhecimento fixado materialmente”, ou seja, todo “signo (índice) concreto ou simbólico, preservado
ou registrado com o fim de representar, reconstruir ou provar um fenômeno físico ou intelectual”.
Logo, não se pode desconsiderar o caráter probatório das inscrições e tudo que se desdobra em seu
entorno. O documento, como forma de materialização de uma ação ou atestado de um fato, ainda é o
modus operandi pelo qual a sociedade trava seu diálogo em busca da verdade.
Por tanto, a fim de finalizar as primeiras orientações teórico-instrumentais necessárias ao
alcance dos objetivos propostos, convoca-se ao diálogo Bernard Frohmann (2004), que ao tratar
das práticas documentárias evoca quatro propriedades desta ação: 1) a materialidade, “since
documents exist in some material form, their materiality configures practices with them” (p. 396 );
2) a institucionalização, “of documentary practices is how deeply embedded they are in institutions.”
(p. 396); 3) a disciplina social, “documentary practices, like most others, require training, teaching,
correction, and other disciplinary measures; the point is reinforced by the role of training in many of
Wittgenstein’s language-games and emphasized by Foucault’s link between disciplinary apparatus
and the field of documentation” (p.397) e 4) a historicidade, “practices arise, develop, decline, and
vanish-all tinder specific historical circumstances.” (p.397).
Na acepção de Bernard Frohmann, essas quatro idéias constituem um caminho útil para a
investigação de uma filosofia da informação cujo ponto de partida é o conceito de práticas documentárias.
E de certa maneira, esta forma de defrontar a questão do documento, da ação de documentar e da
própria formação do arquivo, corroborava e alinhava todo o esforço que se depreendeu para sustentar
esta intenção de pesquisa. Sendo um estímulo para continuar a investigação.
CONCLUSÕES
Discutir de forma crítica o fenômeno que levou e leva as mais diversas sociedades a
produzirem documentos, criando arquivos para que estes sirvam, confabulando nas idéias de Jacques
Derrida, como comando, ou seja, aquilo que direciona e, portanto, levam a crer que através deles
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pode-se encontrar sempre uma resposta é algo que poderá ser realmente significativo para a Ciência
da Informação e a sociedade em geral.
Da mesma forma, não se pode esquecer o valor de pesquisar a construção dos diversos
discursos sociais através da formação dos arquivos e principalmente o que subjaz aos discursos, quiçá
a intenção de verdade e justificação.
Utilizar a CI como um medium para a discussão e envolver no diálogo outras suas áreas de
conhecimento, a Filosofia e a Arquivística, parece ser uma forma enriquecedora de ampliar o próprio
campo da CI, fazendo prevalecer o próprio estatuto científico que prima por devolver a sociedade
uma reflexão crítica mais elaborada das questões que a cercam.
Abstract:. Investigate through the contextualization of contemporary philosophical thought,
the notion of truth, from concept to file as a place of memory, hence, possibly, an underlying will
to truth and justification. In the search for understanding of this area, it will establish an interrelationship between the thoughts of the French Pierre Nora (Places of Memory, 1993), Jacques Le
Goff (Document / Monument, 1977), Jacques Derrida (Evil File, 2001) and Michel Foucault (the
Archaeology of Knowledge, 1969, the Order of Discourse, 1970, Microphysics of Power, 1979). From
the perspective of the definition seized, there would be the scope of the concept of Action Information
(Wersig, 1985 and González Gómez, 1999) through its selective bias in the unfolding issue of training
file as evidence, proof (Briet, 2006 [1951])), a reflection on the documentary practices (Frohmann,
2004) in search of a philosophy of information.
Keywords: true – 1; information – 2; archive – 3.
REFERÊNCIAS
BRIET, S. What is documentation? Lanham: Scarecrow, 2006. Trad. de: Qu’est-ce que la
documentation? Paris: Édit, 1951. Disponível em: http://www.slis.indiana.edu/faculty/roday/
what%20is%20documentation.pdf. Acesso em 19 de junho de 2011.
DERRIDA, Jacques. O mal de arquivo: uma impressão freudiana. Rio de Janeiro: Relume Dumará,
2001.
FOUCAULT, M. A arqueologia do saber. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2007.
______­­­­________. A ordem do discurso. 7. ed. São Paulo: Loyola, 1996.
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______________. Microfísica do poder. São Paulo: Graal, 2003.
______________. Vigiar e Punir. 35 ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 2008b.
FROHMANN, Bernard. Documentation Redux: Prolegomenon to (Another) Philosophy of
Information. Library Trends 54 (2004): 387-407. Disponível em: http://www.fims.uwo.ca/people/
faculty/frohmann/selected%20papers.htm. Acesso em: 15 de novembro de 2010.
GONZÁLEZ DE GÓMEZ, M. N. O caráter seletivo das ações de informação. Informare (Rio de
Janeiro), Rio de Janeiro, v. 5, n. 2, p. 7-31, 2000.
NORA, Pierre. Entre memória e história: a problemática dos lugares. In: Projeto História. São
Paulo, nº 10, p. 7-28, dez. 1993. Disponível em: http://www.pucsp.br/projetohistoria/downloads/
revista/PHistoria10.pdf. Acesso em 10 de janeiro de 2011.
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