primeiras páginas - allan kardec editora
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Regis de Morais Palavras Despedaçadas por um Mundo Insano CAMPINAS – SP 2009 Sumário conversando sobre uma conversação (introdução) .....................................................................XIII Capítulo I pensando o mundo insano ............................................ 1 Capítulo II agredir ou abandonar palavras.................................. 7 Capítulo III caridade .................................................................................. 15 Capítulo IV diferença ................................................................................ 23 Capítulo V escutar ..................................................................................... 31 Capítulo VI utopia ....................................................................................... 39 Capítulo VII o outro ................................................................................... 47 Capítulo VIII o espírito e a espiritualidade ...................................... 55 XII regis de morais Capítulo IX desejo e temperança ......................................................... 63 Capítulo X liberdade ................................................................................ 71 Capítulo XI política e solidariedade ................................................ 79 Capítulo XII nobreza .................................................................................... 85 Capítulo XIII deus e eternidade .............................................................. 91 Capítulo XIV pessoa ...................................................................................... 101 Capítulo XV humanidade ........................................................................ 109 Capítulo XVI passo importante para curar nossa vida ........... 117 palavras conclusivas ..................................................... 129 bibliografia ......................................................................... 133 conversando sobre uma conversação (introdução) Este é um livro intencionalmente breve, muito mais com um tom de conversação do que com jeito de texto pesquisado e redigido com obsessividade lógica. O que ele significará para todos os que o folhearem, não sei. Talvez as inteligências muito exigentes não lhe deem importância; mas a idade ensina uma serenidade que não me deixa preocupar-me com isso. O que imagino – e isto faz-me bem – é que aqueles que têm estado atentos aos desacertos e sofrimentos deste nosso tempo encontrarão em suas páginas alguns alertas aos quais quererão dar atenção. Para não fazer perder tempo aos céticos, digo que é livro espiritualista sem cores sectárias. Suas páginas estarão à procura de um entendimento espiritual de nós e do tempo no qual estamos vivendo, mas sem separativismos e com espírito aberto de partilha. Sem nenhum arrebatamento proselitista (feito o dos que imaginam que só os crentes são queridos de Deus), medito muito sobre a presença divina em minha vida com a força das seguintes palavras de Santo Agostinho: XIV regis de morais Por mais altos que sejam os vôos do pensamento, Deus está ainda para além. Se compreendeste, não é Deus. Se imaginaste compreender, compreendeste não Deus, mas apenas uma representação de Deus. Se tens a impressão de tê-lo quase compreendido, então foste enganado por tua própria reflexão. (Sermão 52, n. 16: PL 38, 360). Não conheço Deus, pois não o concebo como objeto de cognição; logo, não sei como Ele é ou quem é. Mas sua presença é fortemente experienciada por mim. Inefável e inexplicável presença que alimenta e adorna uma vida, nesta intervindo claramente! Estas páginas têm uma história peculiar que eu próprio só a entendo muito parcialmente. Penso dever, de modo breve, contá-la nestas palavras introdutórias. Eu vagava, certa manhã, por uma megastore de livros, à procura de uns que pudessem enriquecer a pesquisa universitária que fazia então. Por necessidade, dirigi-me ao toalete e, ao fechar a porta atrás de mim, disse em voz alta um estranho título que em nenhum momento percebera ocupando-me a mente: Palavras despedaçadas por um mundo insano. Isto, sem mais nem menos. Senti-me um pouco aturdido, perguntando a mim mesmo o que era aquilo. Ato contínuo, peguei um pedaço de papel que trazia no bolso e, firmando-o contra a parede, principiei a redigir um rol de palavras – todas, vi depois, maltratadas pelos tempos atuais. Imaginei que tudo isso viesse a ser um projeto de escrita para dali a um tempo, talvez para o ano seguinte (2009). Algo me deixava claro duas coisas: a) que não deveria ser um tex- conversando sobre uma conversação (introdução) XV to com tom acadêmico; b) e que os capítulos não deveriam ser longos. Em cerca de dois meses escrevi estas páginas com delicioso entusiasmo e também com preocupação. Não quero dar a este livrozinho simples uma aura de mistério. Eu o escrevi muito consciente do que fazia. Mas há algo absolutamente verídico: seu tema e sua estrutura de capítulos surpreenderam-me maravilhosamente lá, na toalete da megastore. Não olhei para trás. Não fiquei questionando as forças misteriosas da vida. Escrevi estas páginas como se cumprisse um doce dever. Na profunda treva mineral, no seio da terra, encontram-se diamantes que, sabe-se, foram outrora carvões. Certa vez li (já não me lembro onde), que o diamante é um carvão que acolheu um poderoso raio de luz. Pensei, então, que nós, seres humanos, com nosso jeito de carvão, somos uma tessitura de luzes postas por Deus. Muitas e muitas vezes nem imaginamos a luz que nos tece – como matéria e ainda mais como espírito. As vicissitudes da vida endurecem a muitos e não lhes permitem vislumbrar a própria luz. Desde o século XX, passados os pesadelos das duas Guerras Mundiais, o caráter resistente dos humanos quis reconstruir a vida. Mantinha-se a busca da felicidade como o objetivo de sempre, desde Aristóteles apontado como a motivação humana por excelência. No entanto, novamente, os caminhos escolhidos foram equivocados. Vários mitos libertários foram erigidos; o mito da libertação de valores da tradição; o mito de um XVI regis de morais progresso constante e sem ônus; o mito da liberação sexual; mitos feministas e machistas, os primeiros buscando caminhos inventivamente livres para as mulheres, e os segundos à procura de um novo macho desesperado por fitness e academias de atletismo, um macho que queria mesmo era ser objeto sexual consumível. Movimentos contraculturais viveram o mito da inteira libertação de normas sociais, com a criação do “bom selvagem lúbrico”; e assim por diante. Mas Alceu Amoroso Lima, em sua obra Mitos de nosso tempo (1943), observara que, em meados do século XX, toda absolutização de um relativo era a criação de um mito; e que sempre, a criação de um mito implicava a criação de uma mística para alimentá-lo. Por meio desse desvario ântropo-social, as sociedades se desorientavam, superficializavam-se, e... o consumismo desumano gostava (como ainda gosta) imensamente disso. Outras desventuras político-sociais foram manobrando genocídios no Cambodja, na África, na antiga Iugoslávia, etc., terrorismos e demais horrores. Nesse turbilhão, sem que percebêssemos quase, fomos destruindo ideais e conceitos estruturados ao longo de séculos por uma linguagem humanitária, a qual veio sendo trocada por outra dura e desumanizada. Conquanto não possamos pôr todos os desacertos à conta apenas da linguagem, esta é um dos importantes elementos capazes de recuperar as paisagens fecundas de nossas atuais vidas humanas. Leiamos com atenção o biólogo e pensador Humberto Maturana, o qual, mantendo o seu materialismo, escreve: conversando sobre uma conversação (introdução) XVII No conversar construímos nossa realidade com o outro. Não é uma coisa abstrata. O conversar é um modo particular de viver juntos em coordenações do fazer e do emocionar. Por isso, o conversar é construtor de realidades. Ao operarmos a linguagem, nossa fisiologia muda. Por isso, podemos ferir ou acariciar com as palavras. Nesse espaço relacional uma pessoa pode viver em disputa ou em harmonia com os outros. Ou se vive no bem estar estético de uma convivência harmônica, ou no sofrimentos da disputa negadora contínua.1 Diz Maturana que o meio propriamente humano é o entrecruzamento de muitas conversações.2 Escrevendo, falando, exprimindo-nos de todos os modos, apresentamos nossos ideais particulares e coletivos que, juntos, perfazem os ideais de uma época. Há quase cem anos (1910), em curso ministrado na Faculdade de Filosofia de Buenos Aires, o ítalo-argentino José Ingenieros disse: Um ideal não é uma fórmula morta, senão uma hipótese perfectível; para que sirva, deve ser concebida assim, ou seja, atuante em função da vida social da qual incessantemente advém. A imaginação, é certo, partindo da experiência, antecipa juízos sobre futuros aperfeiçoamentos: os ideais, entre todas as crenças, representam o resultado mais alto da função de pensar.3 1 Humberto Maturana. El sentido de lo humano, p. 23. 2 Ibidem, p. 242. 3 José Ingenieros. XVIII regis de morais Um ideal é um ponto e um momento entre os infinitos possíveis que povoam o espaço e o tempo.4 Nós os humanos, embora nascidos em uma dada cultura e em uma sociedade, e vigorosamente condicionados por essas portentosas realidades, temos que exercer avaliações críticas sobre os condicionamentos a nós impostos. Se não o fizermos, ficaremos como um feto cadaverizado no ventre da cultura. Dedicando-nos a tais avaliações críticas, comungaremos com a dinâmica sociocultural e, sem passividade, estaremos vivos e poderemos nascer e até mesmo renascer. Nascer para uma outra dimensão não passiva, mas participante do nosso mundo e do nosso tempo. Herdamos cultura e vida social, mas também nos cumpre examinar o herdado e, se necessário, contribuir para mudá-lo em alguns aspectos. Tal participação é que nos enseja termos e vivermos ideais, tais como comentados por Ingenieros. Criticamos nosso meio humano exatamente por amá-lo muito e por necessitarmos rejeitar uma destinação robótica; se estivermos em nosso meio sem criticá-lo, de pouco ou de quase nada lhe valeremos. Então, atuarmos na trama de palavras e conceitos que tecem nosso mundo sem abdicação da criatividade que precisa tipificar os seres humanos, dará a nós plena oportunidade de que vivamos responsavelmente perante o nosso próximo e nós mesmos. 4 Ibidem. conversando sobre uma conversação (introdução) XIX É sabido que a linguagem é imensamente maior do que a língua, sendo que esta é, por sua vez, maior do que a fala. Mas não quero aqui deter-me em conceitos de lingüística. É óbvio que podemos usar nosso idioma (a língua) para contestar erros e equívocos que têm sido enunciados pelo mesmo idioma, rebelando-nos contra tendências derivadas de desvios sociais que tendem a inutilizar palavras de valor e a desprezar importantes conceitos. Essas tendências não são apenas atos de linguagem e de idioma; elas podem ser ofensas à estruturação de um mundo que haveremos de deixar para os nossos descendentes. Eis por que o mundo humano é tramado e sustentado pela linguagem; eis, também, por que esta me importará vivamente nas páginas dos ensaios muito simples que ora apresento à reflexão dos que tiverem a gentileza de lê-los. Nunca, portanto, duvidemos da força misteriosa das palavras. Inicio este pequeno livro com dois ensaios que diria preparatórios: “Pensando o mundo insano” e “Agredir ou abandonar palavras”. A estes se seguirá um rol de palavras que serão temas de outras reflexões. Sigo adiante com uma reflexão intitulada “Passo importante para curar nossas vidas”. E termino com uma reflexão conclusiva. Na realidade, é uma trajetória curta que traz, no entanto, análises e meditações necessárias ao nosso mundo de agora. São pensares que só pretendem iniciar – não mais que iniciar – um urgente processo de pensamento.