James G. Hay

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James G. Hay
BIOMECÂNICA DO ESPORTE:
EXPLORANDO OU EXPLICANDO? >
James G. Hay
Departamento de Educação Física
Universidade de Iowa, Iowa City, Iowa
Traduzido da obra original
INTRODUÇÃO
A questão que me foi colocada como título desta apresentação é
“Biomecânica do esporte: explorando ou explicando?”. Mantendo-me fiel à
natureza dupla deste título, proponho dividir minha apresentação em duas partes.
A primeira, que ocupará praticamente todo o meu tempo, será devotada a uma
visão geral do campo da biomecânica desportiva. A segunda será devotada a uma
curta discussão da questão colocada no título. Para preparar as bases para o que
se segue, é provavelmente desejável gastar um ou dois minutos na questão
fundamental: o que é biomecânica?
DEFINIÇÃO DE BIOMECÂNICA
De acordo com a mais amplamente aceita definição do termo, biomecânica
é “o estudo dos sistemas biológicos usando os métodos da mecânica”. Quando o
sistema biológico de interesse é o corpo humano, como o é na maioria dos casos
do esporte e da educação física, a biomecânica pode ser definida em termos mais
explícitos como “o estudo do corpo humano sob o ponto de vista das forças
internas e externas exercidas sobre ele”. As forças internas são aquelas exercidas
pelos músculos, ligamentos, ossos e outros tecidos de que o corpo é composto.
As forças externas são as exercidas pela gravidade (o peso do indivíduo), a
resistência oferecida pelo meio através do qual o corpo se move (resistência do ar
ou da água), as produzidas pelo contato com o solo (força de reação do solo e
força de atrito) e as produzidas pelo contato com outros corpos. Os efeitos
>
Trabalho publicado nos números 9 e 10 do Boletim da Sociedade Internacional de Biomecânica.
produzidos por estas forças são os movimentos, ou, para ser preciso, as
acelerações e deformações que delas resultam. Uma questão que logicamente
surge desta definição de biomecânica é: “como os biomecânicos, isto é, as
pessoas que trabalham com biomecânica, determinam estas forças e seus
efeitos?”.
MEDINDO FORÇAS E SEUS EFEITOS
As forças são medidas em termos dos efeitos que produzem. Se o corpo
sobre o qual uma força é aplicada se deforma, a extensão da deformação pode
ser usada como base para se determinar a magnitude da força exercida. Assim,
por exemplo, se é sabido que uma plataforma de salto se desloca três centímetros
para cada 400 N aplicados verticalmente para baixo sobre ela, a força exercida
sobre a plataforma pode ser determinada a qualquer instante, embora um tanto
grosseiramente,
observando-se
a
deformação
e
fazendo-se
os
cálculos
necessários.
Existem dispositivos que permitem que a deformação mecânica produzida
por uma força seja monitorada eletronicamente. Estes dispositivos são conhecidos
como transdutores, uma palavra derivada do latim transducere, que significa
transformar (converter). Estes dispositivos convertem a deformação mecânica em
sinais elétricos.
O mais conhecido destes é o strain-gauge, um fio fino e curto em forma de
zigue-zague, montado sobre uma fina base de papel. Quando o strain-gauge é
colado a, por exemplo, uma barra e apropriadamente conectado a um amplificador
e a um dispositivo de registro, as deformações na barra produzem variações
correspondentes na resistência elétrica do strain-gauge. Se cargas conhecidas
são aplicadas à barra, a variação na resistência que elas produzem pode ser
determinada mediante a ajuda do dispositivo de registro e de um apropriado fator
de conversão. O sistema barra - strain-gauge - amplificador - registrador estará
então apto para ser usado a fim de determinar forças desconhecidas.
Outro transdutor bastante conhecido e utilizado para monitorar forças é o
cristal piezoelétrico. Quando deformados por uma carga, tais cristais produzem um
potencial elétrico entre suas faces opostas. Mediante amplificação e registro, estes
transdutores podem ser usados, tal como o strain-gauge, para registrar as forças
exercidas sobre os dispositivos aos quais estão conectados.
Strain-gauges, cristais piezoelétricos e outros transdutores são utilizados
para medir forças em uma ampla variedade de situações na educação física e nos
esportes. Eles são usados, por exemplo, em dispositivos projetados para registrar
as forças exercidas em pedais de bicicletas, em blocos de partida para corrida e
em remos. São também utilizados em plataformas de força, dispositivos altamente
versáteis projetados para registrar as forças horizontais e verticais exercidas sobre
sua durante o curso de alguma atividade.
As forças podem também ser determinadas medindo-se as acelerações que
elas produzem. Quando esta abordagem é usada, as acelerações são medidas
por pequenos dispositivos eletrônicos chamados acelerômetros (ou, por algum
outro método menos direto) e as forças necessárias para produzir estas
acelerações são computadas usando a equação básica F = ma ou uma forma
mais complexa desta mesma equação. Quando um corpo é deformado ou
acelerado pelas forças sobre ele exercidas, sua forma e sua posição no espaço
são modificadas. Estes efeitos são mais comumente registrados usando alguma
forma de fotografia. Em alguns poucos casos, uma única exposição, num tempo
adequado, é usada para este fim. Em outros, pequenas luzes (diodos emissores
de luz - LED’s) fixados a pontos selecionados no corpo e uma exposição
fotográfica ampla são usados para registrar as trajetórias seguidas por estes
pontos. Em outros casos ainda, técnicas estroboscópicas são utilizadas para
registrar o movimento dos vários segmentos.
Embora
estas
e
outras
técnicas
similares
geralmente
produzam
interessantes e úteis resultados, é a cinematografia sem dúvida a técnica mais
versátil e mais amplamente utilizada para registrar o movimento humano.
Geralmente câmeras cinematográficas filmando entre 100 e 200 quadros por
segundo ou, ocasionalmente, a velocidades da ordem de vários milhares de
quadros por segundo, têm sido usadas na maioria dos estudos realizados em
biomecânica desportiva.
Tendo definido biomecânica e descrito algumas das principais técnicas de
pesquisa utilizadas neste campo, é agora apropriado partirmos para a pesquisa
propriamente dita.
PESQUISA EM BIOMECÂNICA
Pesquisa Metodológica
Estudos conduzidos por biomecânicos do esporte podem ser geralmente
classificados sob três amplos títulos. Aqueles nos quais o objetivo é avaliar
técnicas existentes ou desenvolver novas técnicas a fim de obter informação,
classificam-se na categoria de pesquisa metodológica. Estes incluem estudos
voltados para o desenvolvimento de métodos para registrar movimentos
tridimensionais complexos usando cinematografia, desenvolvimento de técnicas
mais adequadas para determinar as características dos vários segmentos do
corpo humano tal como a técnica de gamma-scanning (varredura por raios gama)
desenvolvida na União Soviética e desenvolvimento de técnicas automatizadas
para obtenção de dados a partir da filmagem de uma atividade.
O desenvolvimento de técnicas apropriadas de pesquisa é de importância
crítica em qualquer ciência emergente e, por esta razão, um grande número de
estudos em biomecânica desportiva levados a cabo no final dos anos 60 e
princípio dos 70 foram metodológicos em sua natureza. Embora esta ênfase inicial
na metodologia tenha declinado em anos recentes, os estudos metodológicos
continuarão a ser parte importante do desenvolvimento futuro do campo.
Pesquisa Básica
Estudos cuja finalidade é obter informação fundamental sobre a maneira
como o corpo se move, independente deste conhecimento ter aplicação óbvia ou
imediata na prática, classificam-se na categoria de pesquisa básica. Estudos
relativos à relação entre a força que o músculo exerce e a velocidade com que
varia seu comprimento; estudos que dizem respeito à relação entre o comprimento
de um músculo e a tensão que ele é capaz de desenvolver e estudos
concernentes às contribuições da energia elástica para o trabalho realizado por
um músculo, são todos exemplos de pesquisa básica. Outro exemplo são os
poucos estudos que têm tratado de como os segmentos do corpo são
coordenados para produzir um resultado particular.
Um destes últimos, um estudo realizado por Carol Putnan intitulado
“Segment interaction in selected two-segment motions” (Interações de segmentos
em movimentos bi-segmentares selecionados), pode ser usado para ilustrar
algumas das características deste tipo de pesquisa. Como uma pequena parte
deste estudo, Putnan analisou dois movimentos distintos para ver se o momento
angular que um segmento do corpo perde ao reduzir sua velocidade é transferido
para outro segmento (ou para o corpo como um todo) de acordo com o princípio
da transferência do momento angular. Em um chute (com a bola partindo das
mãos do atleta), ela descobriu que a diminuição da velocidade da coxa à medida
que esta se aproximava do limite anterior de seu curso, não provocou um aumento
no momento angular da perna ou do pé. Ao invés disto, a redução da velocidade
da coxa fez com que o momento angular da perna e do pé fossem menores do
que teriam sido se a coxa não tivesse reduzido a sua velocidade.
No outro caso, o movimento de balanço que precede a saída das barras
paralelas em um salto mortal para a frente, os resultados obtidos foram
consistentes com a noção que o momento angular perdido pelas pernas
(seguindo-se à ação brusca no início da saída das barras) foi transferido para o
corpo como um todo.
A relevância destes resultados para o ensino prático e o preparo físico, não
é de modo algum óbvia. Eles certamente não fornecem substância alguma para os
técnicos de futebol ou de ginástica. Nem estavam destinados a isto. O chute e o
movimento da ginástica foram simplesmente atos convenientes com os quais se
testou o reputado princípio geral.
As principais conclusões a serem tiradas desta pequena parte do estudo de
Putnan são que segmentos do corpo nem sempre interagem um com o outro de
acordo com o princípio da transferência do momento e que deve-se ter
considerável precaução ao explicar movimentos humanos com referência a este
princípio.
Desta
maneira,
estas
conclusões
representam
uma
pequena
contribuição no sentido de compreender como os segmentos interagem e como
eles podem interagir da melhor forma. Quando tal compreensão é eventualmente
obtida, ela poderá ser aplicada a virtualmente tudo o que se faz na educação
física, nos esportes e também em muito da vida quotidiana. O estudo portanto
fornece pouco ou quase nada, de imediato, aos praticantes. Entretanto ele traz
uma contribuição, possivelmente uma contribuição significativa, no sentido de um
entendimento compreensível que deverá trazer grande subsídio no futuro.
Os professores e preparadores físicos sempre viram tais estudos com
ceticismo. Isto porque eles não podem ver um uso prático para resultados obtidos
e contestam, algumas vezes veementemente, que a pesquisa é inútil e que o
tempo, dinheiro e esforço dispendidos nela foram desperdiçados. Esta posição
compreensível, porém insana e de curta visão, tem tido sem dúvida influência
sobre os pesquisadores da biomecânica desportiva. Ao invés de estudar fatos
fundamentais que têm ou poderão ter vasta aplicação, os pesquisadores neste
campo são geralmente guiados por aqueles que os financiam e por seus colegas
de profissão no sentido de trabalharem em programas práticos, de significância
limitada e geralmente transitória. Se os senhores têm julgado a pesquisa apenas
em termos de sua relevância imediata, creio que fariam um favor aos seus colegas
pesquisadores e para a educação física como um todo se reconsiderassem sua
posição. Necessitamos mais gente trabalhando em pesquisa básica.
Pesquisa Aplicada
Estudos nos quais a finalidade é responder uma questão de significância
prática imediata em educação física ou no esporte, classificam-se na categoria de
pesquisa aplicada, a terceira de nossas três categorias. Estudos propostos para
identificar as diferenças nas técnicas utilizadas por praticantes, peritos ou não;
estudos a respeito das características de uma técnica particular ou de comparação
de características de diferentes técnicas e estudos relativos à avaliação de
aparelhos e equipamentos para o esporte são exemplo de pesquisa aplicada.
Um estudo levado a cabo em nosso laboratório há alguns anos pode ser
usado como um exemplo deste tipo de pesquisa. Este estudo foi conduzido a
pedido de um fabricante de equipamento de ginástica, preocupado tal como
muitos outros estavam na época, com a freqüência crescente com que as barras
paralelas assimétricas estavam quebrando-se quando em uso. Os padrões em
ginástica feminina haviam aparentemente alcançado um nível tal que a segurança
da ginasta estava ameaçada, pois as barras não foram projetadas para as forças
que estavam sendo exercidas sobre elas. A solução óbvia seria refazer o projeto
do equipamento. Para tanto era necessário se ter alguma idéia da magnitude das
forças exercidas contra as barras durante o uso normal. Para obter esta
informação, fixamos strain-gauges a um par de barras assimétricas e monitoramos
as forças sobre elas exercidas durante uma certa variedade de exercícios. Estes
dados foram então utilizados no desenvolvimento de um novo projeto. As novas
barras têm sido utilizadas há alguns anos e, embora mantendo as características
de flexibilidade das antigas, não se quebram como elas. Na verdade, até o
momento, não houve um único caso relatado de que as novas barras tenham
quebrado.
À primeira vista, isto parece ter sido uma pesquisa útil e satisfatória. Um
problema prático e importante foi identificado e uma decisiva contribuição foi dada
para a solução deste problema. Contudo, embora certamente satisfatória, sua
utilidade, tal como muitos outros estudos aplicados, foi muito menor do que
poderia ter sido. Ao término do estudo sabíamos apenas um pouco mais sobre os
mecanismos envolvidos na ruptura das barras, sobre a atenuação das forças
durante o impacto e sobre o potencial do corpo para exercer ou absorver a força
do que sabíamos antes. Aparte algumas novas visões metodológicas, obtivemos
muito pouco que possa auxiliar na solução de problemas outros que não os que
tínhamos em mãos. Nosso estudo, resumindo, deixou de ter generalidade. Embora
este seja talvez um exemplo extremo, os estudos aplicados são geralmente como
este. Eles sempre requerem sacrificar a generalidade por um resultado que possa
ser imediatamente aplicado na prática.
Eu não pretendo dizer com tudo isto que a pesquisa aplicada é de forma
alguma inferior; ela é geralmente pesquisa de boa qualidade. Também não
pretendo dizer que não devamos estar realizando pesquisa aplicada, pois existem
muitos problemas práticos, especialmente aqueles em que a saúde do participante
corre risco, que urgentemente requerem nossa atenção. Eu quero simplesmente
frisar que seguir uma série interminável de problemas práticos limitados e
geralmente transitórios é uma maneira ineficiente e ineficaz de se obter uma maior
compreensão de como movimentar o corpo humano a fim de obter melhores
resultados. O que se necessita em biomecânica e também em outros campos
irmãos como a fisiologia do exercício, controle motor e psicologia desportiva, é um
balanço razoável entre a pesquisa básica e a aplicada. Até o momento não temos
isto e pelo menos, do meu ponto de vista, esta falta de equilíbrio está emperrando
seriamente o desenvolvimento de nosso campo.
CONTRIBUIÇÕES À PRÁTICA
Uma das metas da biomecânica desportiva é melhorar as práticas na
educação física e no esporte. Tal afirmação levanta as questões óbvias “até onde
está a biomecânica desportiva nesta meta?” e “de que forma a biomecânica
desportiva tem influenciado as práticas na educação física e no esporte?”.
Tais questões são mais fáceis de perguntar do que responder. Existem
poucas evidências palpáveis nas quais basear uma resposta, e quais são estas
evidências nem sempre nos é dado a saber por razões comerciais e políticas.
Somos, portanto, obrigados a confiar em nossas próprias observações e nos
relatórios de outros se quisermos obter mesmo uma simples indicação do impacto
que a biomecânica desportiva tem tido na prática. Meu próprio julgamento da
situação é o seguinte: creio que a biomecânica desportiva tem tido um impacto de
duas maneiras distintas. Primeiro, ela tem feito alguns dos estudantes dos cursos
de biomecânica de nossas escolas e departamentos de educação física melhores
professores de destreza do que eles o seriam por uma outra maneira. Segundo,
ela tem em certas ocasiões fornecido a professores, técnicos e atletas
equipamentos ou técnicas mais adequadas com as quais atuar. Quase todo
estudante de educação física do mundo tem agora como exigência fazer um ou
mais cursos de biomecânica ou de cinesiologia, termo preferido por alguns que
não conhecem seu passado de incertezas! O conteúdo de alguns desses cursos é
de grande relevância para as situações práticas no ensino e na preparação física
às quais o grosso dos estudantes recorrem. Nestes casos alguns dos estudantes
dominam os conceitos básicos tão bem que ficam aptos a fazer o elo conceitual
desde a teoria dos livros às práticas de campo. É através destes estudantes, creio,
que a biomecânica desportiva tem tido influência na prática.
Embora as contribuições que a biomecânica desportiva tenha dado à
prática sob a forma de novos equipamentos e novas técnicas sejam
ocasionalmente proclamadas nos meios de divulgação e freqüentemente
divulgada nos catálogos de materiais esportivos, é muito difícil tirar conclusões
sobre seus impactos. É também difícil afirmar, em muitos casos, se um novo
desenvolvimento é resultado de uma pesquisa biomecânica rigorosa ou de um
pensamento inspirado. Vamos considerar, por exemplo, algumas das mudanças
recentemente ocorridas no equipamento usado por esquiadores de montanha.
Foram feitos orifícios nos esquis correspondendo às posições dos dedos, as redes
nos bastões foram substituídas por esferas e os bastões foram encurvados de
forma a acomodar-se ao corpo do esquiador quando este está na posição
característica ao deslizar montanha abaixo.
Que efeito cada um destes desenvolvimentos no equipamento tem tido nas
performances e que crédito a biomecânica desportiva deve reclamar a si por isto
não é do conhecimento público. Embora existam muitos exemplos similares que
podem ser citados, existem também alguns casos em que o grau de melhora e as
contribuições feitas pela biomecânica desportiva são amplamente proclamadas.
Estes proclames são, entretanto, geralmente supervalorizados, ou mesmo
distorcidos, a fim de aumentar as vendas do produto que está sendo divulgado e
são, pois, virtualmente, como que uma medida do impacto que a biomecânica
desportiva tem tido na prática. Existem também problemas na avaliação dos
efeitos que a pesquisa biomecânica tem tido nas técnicas de ensino e
treinamento. Como é virtualmente impossível determinar-se precisamente que
efeito a modificação em uma técnica, baseada em pesquisa, tem sobre uma
performance, pois o efeito do treinamento, motivação e outros fatores
invariavelmente o encobrem, somos obrigados a basear-nos mais uma vez em
observações pessoais ou nos relatórios sucintos e por vezes anedóticos de
terceiros. Tais observações e relatórios são necessariamente subjetivos;
provavelmente distorcidos e possivelmente de proveito próprio. Apesar destas
óbvias e sérias limitações, eles são contudo a única fonte de informação que
temos sobre o assunto. O que então eles indicam?
Da maneira que eu vejo, eles indicam que a biomecânica desportiva tem
tido notável impacto sobre o ensino de técnica em educação física e nos esportes.
Existem muitos exemplos que poderiam ser citados em apoio desta conclusão.
Pretendo citar apenas três que são de minha própria experiência como atleta,
técnico e pesquisador.
Em 1940, como parte de seu programa de mestrado no Springfield College,
Richard Ganslen realizou uma análise cinematográfica ampla das técnicas
utilizadas no salto com vara. Anos após ele publicou os principais achados deste
estudo, juntamente com uma coleção de outros materiais sobre o evento em um
livro intitulado Mechanics on the pole vault (Mecânica no salto com vara). Este livro
tornou-se um trabalho de referência para os saltadores e seus técnicos. Por mais
de duas gerações ele tem sido transportado na bagagem dos saltadores, através
do mundo, juntamente com seus sapatos, cintas e outras ferramentas essenciais
que são de hábito destes saltadores. Ele exerceu sem dúvida uma grande
influência na prática do evento.
No início dos anos 50 Franklin Henry e seus colaboradores realizaram uma
série de estudos sobre a partida para a corrida rasa. Com base nestes estudos
eles concluíram que uma partida tendo os pés distanciados de 40 centímetros
dava melhores resultados que quando os pés estavam mais próximos ou mais
afastados. Concluíram também que 90% da velocidade máxima era obtida nos 14
metros iniciais e a velocidade máxima após 6 segundos, ou cerca de 45 a 55
metros, dependendo da habilidade do corredor. Eu sei por experiência própria
como técnico de pista na Nova Zelândia, que estes resultados exerceram uma
considerável influência no ensino e treinamento de partidas naquele país. Eles
foram a base para recomendar, através de manuais de instrução e sessões de
treinamento, que a partida em posição média fosse ensinada nas escolas e
clubes; por decisões sobre as distâncias que praticantes deveriam perfazer no
treinamento; e por decisões sobre as extensões ótimas da aproximação nos saltos
em distância e triplo. Suspeito que eles tenham tido uma influência igualmente
importante sobre professores, técnicos e atletas em muitos países.
Em 1970, James Counsilman e Ronald Brown publicaram os resultados de
um estudo que eu acredito tenha tido a maior influência no ensino e no preparo da
destreza no esporte que qualquer outro que eu conheça. Baseados em
observações bastante simples das trajetórias seguidas pelas mãos de nadadores
de alto nível, eles concluíram que a propulsão obtida por um nadador pelas ações
de seus braços provém mais das forças de elevação produzidas quando as mãos
se movem lateralmente do que das forças de arrasto geradas quando estas se
movem para trás. Esta conclusão provisória de Counsilman e Brown tem sido
desde então sustentada pelos achados de Robert Schliehauf e outros
pesquisadores.
Esta conclusão conflitou com as práticas até então estabelecidas em
natação. Durante décadas, professores e técnicos tinham estado exigindo de seus
nadadores mover suas mãos para trás em linha reta, na crença de que era este
movimento para trás gerando uma força de arrasto propulsiva, que impulsionava o
corpo para frente através da água. Os achados de Counsilman e Brown e a
evidência em seu favor de Schleihauf e outros vieram mudar tudo isto. Os
professores e técnicos de todo o mundo agora estão enfatizando os movimentos
laterais das mãos. Estão também conscientes que o passo das mãos, até então
considerado de pouca conseqüência, é na verdade de uma importância crítica na
determinação das forças propulsivas geradas por elas.
Em resumo, é de minha crença que a biomecânica tem tido uma influência
muito maior nas práticas de educação física do que geralmente se reconhece ou
anuncia. Tendo dado o máximo de mim para mostrar que a biomecânica tem muito
a oferecer, gostaria de chamar a atenção para duas áreas onde a biomecânica
tem menos a oferecer do que geralmente se acredita.
Professores, técnicos e atletas freqüentemente encontram-se na situação
de fazer uma escolha entre duas técnicas destinadas a obter uma mesma
finalidade, como por exemplo uma escolha entre a passagem de costas e a
tesoura no salto em altura, entre o balanço circular dos braços e a partida brusca
na natação ou entre as técnicas ortodoxa e russa para o salto mortal em ginástica.
A escolha para um dado caso seria bastante simplificada se pudesse ser
demonstrado que uma das técnicas era decisivamente superior à outra e diversos
estudos tem sido feitos com esta finalidade.
O procedimento comum nestes estudos é tomar um grupo de indivíduos
previamente treinados de acordo com a técnica ortodoxa, dar-lhes algum
treinamento da nova técnica alternativa e então determinar suas performances
quando da realização de cada técnica. Procede-se então a uma análise estatística
para determinar se uma das técnicas foi significativamente melhor que a outra.
Existem dois grandes problemas com este procedimento: os tempos de
prática dedicados às duas técnicas não são iguais e as diferenças na
complexidade das técnicas não são levadas em conta, assim como o tempo
requerido para obter um domínio comparável dessas técnicas. Desta forma o
procedimento é distorcido em favor da técnica ortodoxa numa primeira instância
porque o indivíduo tinha mais prática no uso daquela técnica e em favor da técnica
menos complexa numa segunda instância. Para demonstrar os efeitos da
distorção, considere-se um experimento no qual um certo número de saltadores
em altura com estilo tesoura são destinados a saltar no estilo de costas e
treinados no seu uso durante algumas semanas. Existem apenas três resultados
possíveis quanto as performances com os dois estilos são comparadas:
1. O estilo tesoura é significativamente melhor que o de costas.
2. Não existe diferença significativa entre os dois.
3. O estilo de costas é significativamente melhor que o estilo tesoura.
Imaginemos que o estilo tesoura foi considerado significativamente melhor
que o estilo de costas. Este achado poderia ser interpretado da seguinte maneira:
a) o estilo tesoura é significativamente melhor que o estilo de costas.
b) não há diferença significativa entre os dois, mas diferenças na
quantidade de tempo de prática dedicado a cada um deles, distorceu os
resultados em favor do estilo tesoura.
c) o estilo de costas é significativamente melhor que o tesoura, mas
diferenças na quantidade de tempo de prática dedicada a cada um deles
distorceu os resultados em favor do estilo tesoura.
Resumindo, o pesquisador, ao término do estudo, fica sabendo menos que
antes, isto é, as duas técnicas são igualmente eficazes ou então uma é melhor do
que a outra. Situação similar acontece se qualquer dos outros dois resultados é
obtido.
Dada estas circunstâncias, é óbvio que estudos com um projeto
experimental como o aqui descrito são pouco úteis. Eles certamente não
respondem à questão de qual a técnica superior, exceto talvez, quando
excepcionalmente a técnica menos praticada e mais complexa fornece resultados
significativamente melhores que a outra técnica considerada. Isto, portanto, deixa
sem resposta a questão básica, e esta permanecerá sem resposta até que um
procedimento científico rigoroso seja desenvolvido a fim de nos permitir avaliar os
méritos relativos de diferentes técnicas. Urgentemente necessitamos de tal
procedimento. No presente momento eu estou envolvido como consultor em um
processo judicial multimilionário envolvendo um determinado produto. Este
processo deve-se a um acidente no qual um ginasta falhou ao completar um
movimento acrobático, caindo de cabeça e quebrando o pescoço. Ele está
atualmente tetraplégico, com praticamente nenhum movimento abaixo do nível dos
ombros. Os advogados deste caso, de ambos os lados, mantiveram um certo
número de consultores trabalhando em diversos aspectos. Entre eles estão dois
engenheiros com muita base em biomecânica. Ambos, um de cada lado, usaram
abordagens similares para determinar se o colchão sobre o qual o ginasta caiu foi
responsável pela lesão. Esta abordagem consistiu em deixar cair um boneco
instrumentado
(como
aqueles
usados
nas
pesquisas
de
acidentes
automobilísticos) ou um bloco instrumentado com a forma de uma cabeça humana
e determinar as acelerações sofridas ao se chocarem com o colchão. Esta
informação foi então usada juntamente com um modelo matemático, uma série de
equações empregadas para descrever como um corpo real comportar-se-ia nas
mesmas circunstâncias, a fim de determinar se as forças transmitidas ao pescoço
seriam suficientes para produzir a lesão sofrida pelo ginasta. Os resultados
mostraram total desacordo. Um dos engenheiros concluiu que o colchão fora sem
dúvida a causa da severa lesão enquanto o outro concluiu que o colchão poderia
talvez não ter sido o responsável. Várias conclusões podem ser tiradas de tudo
isso. Uma delas é que a modelagem matemática, isto é, o processo de representar
os movimentos humanos por meio de equações que são então manipuladas para
se ver o que acontece sob condições diversas, é, até o presente, uma ciência
inexata.
Esta inexatidão deve-se a duas causas principais. Primeiro, porque o corpo
humano é um sistema mecânico extremamente complexo, e é necessário que se
faça um certo número de simplificações antes que ele possa ser realmente
modelado. Por exemplo, em alguns casos assume-se que o corpo comporta-se do
mesmo modo que uma partícula tendo a mesma massa que o corpo. Em outros,
assume-se que o corpo move-se como se fosse feito de uma série de elos rígidos
conectados por meio de pinos nas juntas. Estas concepções e outras que são
empregadas na modelagem matemática introduzem erros. Estes erros podem ser
triviais ou podem ser tão grandes que invalidem completamente os resultados
obtidos quando o modelo é usado. Segundo, existem diversas características
importantes do corpo humano que são desconhecidas e talvez jamais venham a
ser conhecidas. Por exemplo, e por razões óbvias, não sabemos quanto de força
deve ser exercida em várias direções para quebrar o pescoço (ou seccionar a
medula) de um ginasta. Podem apenas fazer estimativas, provavelmente
estimativas grosseiras, com base em experimentos com cadáveres ou com
animais. Os erros introduzidos por estimativas falhas das características do corpo
humano podem também invalidar os resultados obtidos ao usar um modelo.
Desejamos que os pesquisadores em biomecãnica superem estes grandes
problemas no uso de modelos matemáticos, ou pelo menos minimizem seus
efeitos adversos sobre a precisão dos resultados obtidos. Até lá, os estudos de
modelagem matemática devem ser vistos com precaução. Certamente não
devemos aceitar os anúncios extravagantes, ocasionalmente feitos na televisão e
na imprensa leiga, dizendo que através da modelagem os biomecânicos
desportivos podem agora determinar rotineiramente a técnica ideal para um dado
atleta. Exceto em poucos casos isolados, estes anúncios carecem de fundamento.
CONCLUSÃO
A biomecânica do esporte é um campo vasto, reunindo ou aproximando-se
de diversas ciências, muitas tecnologias e toda a faixa de técnicas de movimentos
usadas na educação física e no esporte. Muito ainda este campo pode oferecer.
Ele pode explicar o que já é sabido na prática e desta maneira fornecer uma base
científica para coisas tais como a seleção de um equipamento, o ensino de uma
técnica e a prevenção de lesões. Ele pode também explorar o desconhecido. Pode
procurar respostas para questões fundamentais relativas a como o corpo humano
se move, e, especialmente importante, uma vez que a maioria de nós na
educação física e esporte estamos preocupados com melhorar a performance,
como o corpo pode ser movido para obter o melhor efeito. Na verdade, o título
desta palestra bem poderia ter sido “Biomecânica do esporte: explorando e
explicando”, uma vez que o campo tem realmente preocupação com ambos.
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