Artigos - Poéticas Visuais

Transcrição

Artigos - Poéticas Visuais
No entrecruzar de leituras, um caminho para o leitor
In the interlace of readings, a new way for the reader
Léa Sílvia Braga de Castro Sá* & Cinthia Maria Ramazzini Remaeh**
*Licenciada em Letras – Português-Francês – pela Universidade Sagrado Coração, USC - Bauru, SP; Mestre em
Filologia e Língua Portuguesa pela UNESP – Campus de Assis; Doutora em Comunicação e Poéticas Visuais pela
UNESP – Campus de Bauru. Professora aposentada da UNESP – Campus de Marília. Professora Titular da USC –
Bauru, SP, Brasil. Pesquisadora na área de Comunicação e Poéticas visuais.
**Licenciada em Letras Vernáculas pela Universidade Sagrado Coração, USC – Bauru, SP; Mestre em Comunicação
e Poéticas Visuais pela UNESP – Campus de Bauru; Professora Adjunta da USC – Bauru, SP, Brasil. Pesquisadora
na área de Comunicação e Poéticas visuais.
Resumo
Com o objetivo de ressaltar a importância da formação do leitor, propomos uma análise comparativa entre o livro
“Romeu e Julieta” (Ruth Rocha) e o texto homônimo de William Shakespear, a partir da Teoria da Iconicidade
Verbal estabelecida por Darcília Simões, com base na Teoria Semiótica de Charles Sanders Peirce. Neste caminho
de leitura apresentado, produtor enunciador e interpretador, no jogo da linguagem, mobilizam uma série de estratégias – de ordem sociocognitiva, interacional e textual – com vistas à produção do sentido.
Palavras-Chave: Leitura; Análise Semiótica; Iconicidade; Romeu e Julieta; Ruth Rocha e Shakespeare.
Abstract
With the goal of emphasizing the importance of the reader’s education, this article proposes a comparative analisys between the book “Romeo and Juliet” (Ruth Rocha) and the homonymous text by William Shakespeare, from
the Theory of Verbal Iconicity established by Darcilia Simoes, based on Charles Sanders Peirce’s Semiotics Theory.
On this presented reading path, producer, enunciator and interpreter, in the game of language, mobilize a series of
strategies – of sociocognitive, interactional and textual nature – aiming for the construction of sense.
Keywords: Reading; Semiotic analysis; Iconicity; Romeo and Juliet; Ruth Rocha e Shakespeare.
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O
que é ler?
Ler é desvendar o mundo, é abrir horizontes, é ampliar o conhecimento de mundo. É
abrir os olhos de ver e fazer a colheita de sinais significativos, coisas diferentes, pistas as mais diversas.
É deslumbrar-se com o desconhecido.
A leitura é imprevisível e cativante; desafiadora, mas garantia de segurança; inquietante, porém apaziguadora. É um processo discursivo em que se articulam dimensões linguística e histórica. É
uma atividade estruturante do pensamento-linguagem, do conhecimento e da cultura.
Bronckart (1999, p.53), ao discutir os pressupostos da relação pensamento-linguagem, adverte que a interiorização dos signos é marcada pelo social, pois somente sob o efeito das intervenções
sociais a criança pode construir representações elementares dos objetos e produções sonoras, ou seja,
“na ausência de tais intervenções, não há construção nem da linguagem nem do pensamento”. De maneira análoga, podemos dizer que a habilidade da leitura constitui-se também em um processamento
de interiorização de representações de produções escritas e ou visuais.
Como diz Sá (2013, p.11), leitura é direção, é caminho, é encontro.
Leitura é direção. Leitura é, de um lado, a instabilidade de sentidos; de outro, a restrição de
uma direção apresentada no texto.
Leitura é caminho – previamente esboçado pelo autor-enunciador – a ser desbravado e percorrido pelo leitor-enunciatário. Leitura é caminho com itinerário móvel em que se estabelecem paradas obrigatórias para ajustes de percurso e definições de rumo. Ler é trilhar, é seguir rastros, vestígios
de pegadas, indícios e sinais deixados ao longo do trajeto.
Leitura é encontro. É aproximação. É choque. É duelo. É uma busca incessante pelo outro (e
por si mesmo) que se disfarça e se descobre no ir-e-vir do texto. É aproximação de ideias e ideais que
se cruzam e se aninham propondo novos horizontes. É choque de opiniões e vontades que se recusam,
se dispersam e se avolumam para criar novos textos. É duelo entre emoções e desejos; é um morrer
para (re)nascer.
Falar em leitura é, ainda e necessariamente, falar em leitor-enunciatário e em texto (pressupondo-se sua autoria). Essa correlação encontra-se no centro do processo de leitura, visto que cabe
ao leitor a tarefa de reconstruir o sentido do texto por meio de experiência linguístico-discursiva. Por
isso, ao realizar a leitura, o leitor precisa criar laços com o texto.
Leituras cruzadas: Ruth Rocha e Shakespeare
Numa releitura de Shakespeare, Ruth Rocha propõe em seu livro Romeu e Julieta uma redescoberta da importância da união, do respeito pela individualidade e do amor entre os diferentes.
Utilizando como personagens principais duas borboletas (amarela e azul), faz um confronto entre as
duas famílias (Montecchio e Capuleto) do romance de Shakespeare .
Enquanto a rivalidade entre as famílias leva à morte o apaixonado casal (Romeu e Julieta),
a união entre as famílias das borboletas proporciona o encontro das borboletinhas (amarela e azul)
que se encontravam perdidas e apavoradas pelos meninos que tentavam caçá-las para completar sua
coleção.
Como em todo conto há uma trama, no livro de Ruth Rocha, Ventinho é quem provoca o encontro das borboletinhas amarela e azul. No romance de Shakespeare, o Baile promove o encontro de
Romeu e Julieta e, entre eles, nasce o amor proibido.
Para introduzir o pequeno leitor ao mundo maravilhoso da leitura, podemos fazer com que, pouco a
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pouco, através do ato de ver-ler/ler-ver, admirando os signos verbais e não verbais, consiga compreender a relação existente entre os variados signos para buscar a significação.
A busca pelo significado é uma necessidade constante e, se partirmos do próprio texto, seguindo as pistas do produtor/enunciador, a margem de erro é muito pequena.
Sabemos da dificuldade que muitos têm de compreender e interpretar e da necessidade de formarmos
leitores-enunciatários. Julgamos, então, oportuno, conhecer a Teoria da Iconicidade Verbal proposta
por Darcília Simões (2009).
A Teoria da Iconicidade Verbal surgiu da necessidade de criar-se uma base teórica, que observasse o signo em sua materialidade (sonora ou visual); pois, a atenção para a materialidade do signo
surge quando se considera a mediação da interação comunicativa. Seja oralmente, seja por escrito,
dá-se uma materialização de signos.
De acordo com Darcília Simões, a classificação peirceana dos signos entre ícones, índices e
símbolos não é taxinomia gratuita, mas é a distribuição de funções e valores com consequência perceptivo-cognitiva. Isto porque os níveis de representação configurados nos tipos sígnicos promovem
reações diferenciadas nas mentes receptoras, gerando assim processos semióticos distintos.
Seguindo as pegadas de Charles Sanders Peirce, para facilitar a leitura de textos, Darcília Simões desenvolveu a Teoria da Iconicidade Verbal, salientando que, no âmbito em que se explora a iconicidade,
pôde-se desenvolver estratégias de análise que, entre outras, tratam os seguintes aspectos: iconicidade
diagramática; iconicidade lexical; iconicidade isotópica
• A Iconicidade diagramática consiste basicamente na distribuição dos signos na folha de
papel, em uma materialidade do texto escrito, no projeto visual do texto e na estruturação dos sintagmas;
• A Iconicidade lexical realiza-se no potencial de ativação de imagens mentais que o texto
pode gerar, discutindo a seleção dos itens lexicais ativados no texto;
• A Iconicidade isotópica é extraída das duas anteriores e funciona como uma trilha temática
para a formação do sentido, agindo como um recorte temático.
Com esta estratégia, partindo do próprio texto, é possível uma leitura mais pertinente de textos verbais e não verbais, numa proposta de valorização tanto do produtor-enunciador quanto do
leitor-enunciatário, já que ambos são muito importantes para desvendar a trama do texto. O enunciador trama os fios de sua enunciação e deixa pistas para que o enunciatário tenha mais facilidade para
destecer os fios desta trama, chegando a uma interpretação não subjetiva e sim textual.
Segundo Darcília Simões (2009), ler significa coproduzir um texto, através do qual autor/
enunciador e leitor/enunciatário/coautor funcionem como parceiros. Interpretar é dialogar com os
signos, dando a eles representações diversas. Sendo o texto multissígnico, o homem tem de ser polileitor para interpretá-lo e dialogar com os signos, dando a eles representações diversas.
E de acordo com a Teoria da Iconicidade Verbal:
1. O signo verbal é uma imagem (sonora ou visual);
2. A seleção e a combinação produzem a iconicidade textual no nível diagramático;
3. O projeto comunicativo funda-se na verossimilhança e visa à eficácia textual;
4. O texto deve também ser analisado em seus atributos plásticos;
5. A eficiência do projeto de dizer é a comunicação de uma mensagem verdadeira ou falaciosa;
6. Há intima relação entre a iconicidade da imagem textual e a cognição ;
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7. as imagens textuais ativam imagens mentais (espaços cognitivos) que deflagram raciocínios.
Essa teoria tem como objetivo maior subsidiar o entendimento da semiose textual e das consequências semióticas derivadas da interação entre sujeito e texto, sob as interferências do contexto de
produção da interlocução.
A Semiótica, por sua vez, teoria que busca a significação, não estabelece distinções entre a
natureza verbal ou não verbal de um signo, porque a ela interessa qualquer sistema de signos. Já que a
iconicidade é a base da construção dos signos, a rede de signos com que se constrói um texto pode ser
examinada como uma trama de unidades sígnicas que podem presentificar, conduzir ou representar
ideias, sentimentos, emoções, ideologias.
Utilizando parte da terminologia de Simões, vamos analisar Romeu e Julieta, numa tentativa
de comparar os textos de Ruth Rocha e Shakespeare.
Analisando a iconicidade lexical, observamos que a história de Ruth Rocha se inicia como
todo conto imaginário: quando? (há muito tempo); onde? (não muito longe daqui); havia um reino
muito engraçado. Qual a graça? (todas as coisas eram separadas pela cor).
Interessante é que não há separação entre a iconicidade lexical e a iconicidade diagramática.
Apenas a vírgula separa as cores: branco, amarelo, azul, vermelho, preto. Isto para dar a ideia de continuidade: há muitas outras cores e não há necessidade de citar todas. A página seguinte apresenta a
cor branca, tanto no signo verbal como no signo não verbal.
A partir daí, Ruth Rocha destaca apenas as cores azul e amarela e caracteriza as duas borboletinhas personagens da história: Julieta (a borboleta amarela), Romeu (a borboleta azul). Cada uma
delas não podia sair de seu canteiro. Para esta representação, cada página (apresentando o verbal e o
não verbal) é colorida com a cor da borboleta (ou amarela ou azul) e há sempre uma moldura segurando as borboletinhas em seu reino.
Podemos comparar esta separação com a separação das duas famílias inimigas (Montecchio e
Capuleto) a que pertenciam os heróis Romeu e Julieta do romance de Shakespeare.
Como em todo conto há uma trama, no livro de Ruth Rocha, Ventinho é quem provoca o encontro
das borboletinhas amarela e azul. No romance de Shakespeare, o Baile promove o encontro de Romeu
e Julieta e, entre eles, nasce o amor proibido.
Durante todo o passeio das duas borboletinhas, a moldura não aparece e as cores vão se misturando, formando um jardim todo colorido.
No entanto, aparecem meninos que tentam caçar as borboletas para sua coleção, assim como a
separação do casal Romeu e Julieta provocada pela intriga. Nos dois casos há um socorro: no livro de
Ruth Rocha, quem ajuda é Ventinho que sopra uma poeira para atrapalhar os meninos; no romance
de Shakespeare, a ajuda vem da Ama de Julieta e de Frei Lourenço.
Novamente, aparecem em Ruth Rocha, na mesma página, blocos com as cores amarela e azul:
os pais das borboletinhas notam a falta dos filhos. Porém, por mais que procurassem, não saíam de
seus canteiros.
Julieta e Romeu, cansados de tanto voar, percebem que estão perdidos. Por sorte, Dona Margarida, aquela em que Romeu se escondeu enquanto Ventinho trazia Julieta para conhecê-lo, contou
à mãe da borboletinha amarela que Julieta tinha saído com Romeu e Ventinho.
Nesta hora, criando coragem, a borboleta-mãe amarela foi falar com a borboleta-mãe azul e,
juntas, chamaram os maridos e foram falar com o senhor Vento e dona Ventania. Todos saíram de
canteiro em canteiro, procurando. “Quando amanheceu o dia, o céu estava todo cheio de cores” e,
“Romeu e Julieta, encolhidinhos no seu galho, viram chegar uma revoada de pontinhos coloridos”.
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“Quando chegou a primavera tudo estava diferente naquele reino. Os canteiros tinham todas
as cores misturadas”.
Na última página do livro não podia ser diferente: O Globo rodeado de borboletas de todas as
cores. As borboletinhas brincavam de roda e cantavam: “Se todas as borboletas do mundo pudessem
se dar as mãos, fariam uma grande roda, uma grande roda em volta do mundo”.
Percebemos claramente a iconicidade isotópica. Tudo foi muito bem construído: a seleção
lexical (iconicidade lexical), a estrutura dos signos verbal e não verbal (iconicidade diagramática) e, o
resultado (a iconicidade isotópica), não podia ser outro: somente a união gera força e vence barreiras.
Infelizmente, isso não aconteceu no romance de Shakespeare: a intolerância e o ódio levaram
os dois heróis à morte. Chegou muito tarde a notícia de que Julieta estava apenas adormecida. Um
final trágico, lastimável, que poderia ser evitado, não fosse o ódio entre as famílias Montecchio e
Capuleto.
Considerações Finais
se costuma denominar como conhecimento compartilhado (conjunto de proposições de memória
semântica que são aceitas tanto por falante quanto por ouvinte).
A compreensão de textos procede de uma negociação entre imagens mentais construídas por
um enunciador e reconstruídas por um coenunciador (leitor ou intérprete). Tais imagens são traduzidas em signos verbais e não-verbais combinados na cadeia falada (quando o texto é oral) e na folha
de papel (no caso do texto escrito). Essa produção sígnica constrói uma entidade plástica (sonora ou
visual) cuja imagem pode ser identificada por interlocutores dotados de competências e habilidades
de enfrentamento do signo e de captura de suas funções e valores.
Cientes desse caminho, formaremos leitores mais amadurecidos e aptos a confrontar, por
exemplo, a leitura de Ruth Rocha com a de William Shakespeare, estabelecendo comparações, fazendo inferências, partindo do próprio texto - leitura centrípeta (JOUVE, 2002) - para uma leitura centrífuga, aproveitando o conhecimento de mundo e preenchendo os vazios deixados pelo enunciador.
Com esta comparação, podemos perceber que textos se constroem e desconstroem, tendo um
único ponto de partida e, em cada leitura e releitura, em cada atualização, autores os mais diversos,
numa linguagem velada, metafórica, ou não, proporcionam uma leitura mais adequada a cada tipo de
leitor, fazendo com que leitores críticos lancem mão de seu conhecimento de mundo e estabeleçam a
relação entre o que já foi dito e a atualização estabelecida.
Desconstruir o texto, no entanto, não significa destruí-lo, nem mostrar como foi construído,
mas refletir sobre o não-dito como subjacente ao que foi dito, buscar o silenciado sob o que foi falado.
Assim, o conto maravilhoso lido, de forma literária, relacionado com os problemas básicos da vida,
especialmente os inerentes à luta pela aquisição da maturidade, advertem contra as consequências
destrutivas de não conseguirmos desenvolver níveis superiores de responsabilidade, dando exemplo
através das personagens que compõem as estórias.
A leitura do conto maravilhoso por crianças que estão com seu caráter em formação é de suma
importância, pois, segundo a psicanálise, os significados simbólicos presentes nestes contos estão ligados aos eternos dilemas que o ser humano enfrenta ao longo de seu amadurecimento emocional e,
além disso, com o maniqueísmo que divide as personagens em boas ou más facilita para a criança a
compreensão de certos valores da vida que desde sempre regeram a conduta humana. Intuitivamente,
a criança compreenderá que tais estórias, embora irreais, não são falsas, pois ocorrem de maneira
semelhante no plano de suas próprias experiências.
O texto é um lugar de interação entre sujeitos sociais, empenhados em uma atividade sociocomunicativa. É claro que esta atividade compreende um “projeto de dizer”, exige do interpretador uma
participação ativa na construção do sentido, por meio da mobilização do contexto, a partir das pistas e
sinalizações que o texto lhe oferece. Produtor enunciador e interpretador são, portanto, “estrategistas”,
na medida em que, ao jogarem o “jogo da linguagem”, mobilizam uma série de estratégias – de ordem
sociocognitiva, interacional e textual – com vistas à produção do sentido (KOCH, 2002, p.19).
Desse modo, observamos que a atividade de leitura é uma co-produção textual que precisa ser
negociada entre os “parceiros” (autor/enunciador e leitor/ enunciatário/co-autor). Tal negociação é
estabelecida pelas marcações linguístico-icônicas que se apresentam ao leitor como elementos mapeadores do texto, uma vez que revelam a organização das microestruturas que se combinam e constroem
o tecido textual, ao mesmo tempo que ativam esquemas mentais indispensáveis à captação dos possíveis referenciais do enunciador, associando-os (ou não) aos referenciais do leitor, construindo o que
BRONKCART, Jean-Paul. Atividade de linguagem, textos e discursos: por um interacionismo sociodiscursivo. Tradução Anna Rachel Machado, Pericles Cunha. São Paulo: EDUC, 1999.
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Referências
KOCH, Ingedore Vilaça. Desvendando os segredos do texto. São Paulo: Cortez, 2002.
JOUVE, Vincent. A leitura. Tradução Brigitte Hervor. São Paulo: Ed. UNESP, 2002.
SÁ, Léa Sílvia Braga de Castro; ARANTES, Helena Aparecida Gica; CASRO, Adriane Belluci Belório
de. Dos alicerces da leitura à construção do texto. Bauru: EDUSC, 2013
SIMÕES, Darcilia Marindir Pinto. Iconicidade verbal. Teoria e Prática. Rio de Janeiro: Dialogarts
publicação, 2009. www. Dialogarts.uerj.br
Recebido em 23 de Julho de 2014.
Aprovado para publicação em 19 de outubro de 2014
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Memórias de yolanda penteado:
gestão de artes e modernidade
Introdução
Memoirs of Yolanda Penteado: arts management and modernity
Marcos José Mantoan
* Graduação em Ciências Econômicas pela PUC/Campinas (1988) e mestrado em Estética e História da Arte/USP
(2010). Doutorando em História da Arte – Programa de Artes Visuais – ECA USP
Resumo
E
A memória é um fenômeno sempre atual, uma ligação vivida no presente eterno
(...). Porque é afetiva e mágica, a memória só se acomoda aos detalhes que a confortam (...) (NORA, 1984, p. 24-25).
m sua autobiografia, “Tudo em Cor de Rosa” (São Paulo: Nova Fronteira, 1976), Yolanda Penteado escolhe o caminho das lembranças para descrever sua trajetória. Filha de Juvenal Penteado
e dona Guiomar de Ataliba Nogueira, Yolanda remete sua ascendência ao século XVII, a partir
da presença de Francisco Rodrigues Penteado no Vale do Parnaíba, entre o Maranhão e o Piauí, na
época da invasão holandesa. João Carlos Leite Penteado, descendente desse ramo e avô paterno de
Yolanda, migrou para o sul e colonizou Mogi-Mirim, além de fundar a cidade de Limeira (no interior
do Estado de São Paulo).
Nesse artigo, mapeiam-se as relações subjetivas que movem Yolanda Penteado, no período entre 1950 e 1960, a
promover a arte moderna nacional e internacional. O recorte ora selecionado dedica atenções especiais aos relacionamentos de Yolanda com artistas modernos nacionais e, particularmente internacionais. Além disso, pontua
sua rede de contatos sociais com políticos, empresários e corpo diplomático. Essas inserções no universo subjetivo
de Yolanda são guiadas por seu livro autobiográfico Tudo em Cor de Rosa. Acrescidas por outras referências, suas
memórias, auxiliam na compreensão dos principais fatos e motivações que transformam Yolanda Penteado em
grande incentivadora das artes modernas no Brasil.
Palavras-Chave: Yolanda Penteado; Arte Moderna; Memórias; Gestão de Artes; Modernidade.
Abstract
In this article, subjective relations that moves Yolanda Penteado, in the period between 1950 and 1960 to promote
domestic and international modern art are mapped. The clipping selected devotes special attention to Yolanda
relationships with national and modern artists, particularly international ones. In addition, scores its network of
social contacts with politicians, businessmen and diplomats. These inserts in the subjective universe of Yolanda are
guided by his autobiographical book Tudo em Cor de Rosa. Plus other references, her memories, help in understanding the main facts and motivations that transform Yolanda Penteado in a great promoter of modern arts in
Brazil.
Keywords: Yolanda Penteado; Modern Art; Memoirs; Art Management; Modernity.
Yolanda Penteado, década de 1950.
Fonte: Arquivo Histórico Wanda Svevo/Fundação Bienal de São Paulo.
Juvenal Penteado e Guiomar Nogueira fixaram-se na Fazenda Empyreo (região de Leme/SP),
onde Yolanda Penteado nasceu e viveu por sete anos até a mudança para São Paulo – a família se
instalou na esquina da rua Ipiranga com a avenida Rio Branco, em um casarão que pertenceu ao
barão de Pirapitingui, construído por Ramos de Azevedo. Contudo, Yolanda sempre teve grandes recordações ligadas a acontecimentos ocorridos na fazenda Empyreo durante toda a sua vida. Palco de
grandes festas promovidas por Yolanda, a fazenda Empyreo recebeu convidados célebres, tais como:
o ex-presidente norte-americano Ronald Reagan, na época em que ainda era ator em Hollywood; o
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poeta Vinícius de Moraes, os intelectuais Sérgio Buarque de Holanda e Gilberto Freyre e, o político e
ex-presidente brasileiro Juscelino Kubitschek.
“Toda a minha vida está ligada à terra, à Fazenda Empyreo” (PENTEADO, 1976, p. 37). Essa
ligação afetiva com a terra, Yolanda levou por todos os lugares por onde passou. Por mais que se tornasse “uma cidadã do mundo”; que falasse em diversos idiomas; que tratasse com a elite paulistana e
depois com milionários, personalidades, intelectuais e artistas internacionais (gozando de amizades e
contatos em Paris, Nova York, Berlim, Nova Delhi, Amsterdã, entre outros centros urbanos importantes), Yolanda jamais deixou de ser a “Caipirinha de Leme” (como lhe chamava carinhosamente Assis
Chateaubriand).
Sobrinha de Olívia Guedes Penteado (patronesse das artes em São Paulo, durante os anos de
1920), Yolanda sempre conviveu com fazendeiros, empresários, intelectuais e artistas que, em primeiro momento, compuseram as elites paulistas e cariocas. Porém, Yolanda da provinciana cidade de
São Paulo dos anos de 1920 saltou para os grandes centros artísticos dos anos de 1950 e 1960 (Paris e
Nova York) e mais do que isso proporcionou a inserção de São Paulo e, concomitantemente o Brasil,
no circuito das artes internacionais.
Aqui cabe questionar: como “a caipirinha de Leme” conseguiu promover a arte moderna no
Brasil e inserir São Paulo no âmbito das artes internacionais? Sua rede de relacionamentos seria um
fator importante nessa ação? Quais os mecanismos subjetivos que estão envolvidos na gestão das artes
praticadas por Yolanda Penteado? Todas essas são indagações remetem às memórias e às realizações
da mecenas.
Na busca por reviver essas memórias optou-se por dar voz ao seu relato, carregado de subjetividade e afetividade em Tudo em Cor de Rosa. Às suas memórias unem-se referências estéticas e
históricas que revelam suas ações para a emergência e consolidação de projeto moderno no país dos
anos de 1950 e 1960. Entre essas estão: o Museu de Arte Moderna de São Paulo; as Bienais; a doação
das coleções que originaram o Museu de Arte Contemporânea da Universidade e, a colaboração com
Assis Chateaubriand no Museu de Arte de São Paulo e na implantação dos Museus Regionais (Olinda,
Campina Grande e Feira de Santana).
No presente artigo, se recupera as lembranças de Yolanda e dos seus relacionamentos com
personalidades, fazendeiros, empresários, intelectuais e artistas. Essas recordações evocam os principais fatos que deram margem às contribuições de Yolanda no campo das artes no país. A pesquisa
centra-se na leitura desses contatos diante de suas realizações relacionadas à gestão da arte moderna
no Brasil. O artigo divide-se em dois momentos: 1) relacionamentos com personalidades, fazendeiros
e empresários e 2) aproximações com artistas modernos nacionais e internacionais. Desse modo, sucintamente, pretende-se reconstruir os laços de amizades e a personalidade de Yolanda Penteado para
mais tarde compreender sua maneira de gestar e incentivar a arte dentro e fora do país.
Personalidades, fazendeiros e empresários
No Brasil, o modernismo caminhou em paralelo com a modernização paulista. Na São Paulo
modernista, ocorreu uma confluência de povos e culturas advinda da imigração e da industrialização: eram imigrantes abastados, tais como o empresário Francisco Matarazzo Sobrinho, o Ciccillo,
assim como imigrantes operários que vieram trabalhar nos cafezais no interior de São Paulo, mas que
retornaram à cidade como mão-de-obra para a indústria emergente. Somem-se ainda nessa cidade:
fazendeiros vindos do interior para capital, administrando suas fazendas à distância (cada vez mais
envolvidos, na rotina urbana); negros à margem do novo sistema de trabalho assalariado e, novos
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imigrantes fugidos dos fatos da I Guerra Mundial na Europa.
Yolanda Penteado, vinda da elite agrária paulista, viveu o cotidiano da cidade de São Paulo –
que ainda não era moderna, mas já não tinha passado. “Afinal, São Paulo não era uma cidade nem de
negros, nem de brancos e nem mestiços; nem de estrangeiros e nem brasileiros” (SEVCENKO, 2003,
p. 30-31). Na São Paulo da juventude de Yolanda Penteado, as famílias da elite se conheciam, tinham
negócios comuns e, acima de tudo, firmavam laços familiares e de amizade. Todos se conheciam,
confirma Yolanda e a impressão que paira sobre sua biografia é a de que todos são aparentados. Ela
mesma tem seu primeiro casamento com um primo seu Jayme da Silva Telles. A cidade de São Paulo
dessa época era fechada e provinciana. A sociedade não se misturava, circulava entre si, arrogando-se
uma nobreza à parte de tudo e de todos. Uma elite que viveu primeiro nos campos Elíseos, depois
migrou para Higienópolis.
Yolanda Penteado, Juscelino Kubitschek e Ulisses Guimarães, década de 1960.
Fonte: Arquivo Histórico Wanda Svevo/Fundação Bienal de São Paulo.
Jovem, bonita, culta e alegre, Yolanda despertava o interesse de todos: seu primeiro admirador
foi Júlio Mesquita Filho. Durante a adolescência Yolanda passou uma temporada no Rio de Janeiro.
Lá compartilhou longas conversas e passeios com Alberto Santos Dumont – um declarado admirador
da jovem, porém, 30 anos mais velho do que a moça. Juntos viveram um namora platônico. Outro admirador foi Assis Chateaubriand – dono dos Diários Associados – um império do setor das comunicações no Brasil – que sempre se demonstrou apaixonado por Yolanda Penteado. Com o empresário,
Yolanda teve uma longa amizade e essa parceria deu resultados em empreendimentos importantes,
tais como o apoio na formação da coleção que originara o Museu de Arte de São Paulo e os Museus
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Regionais, nos quais Yolanda era a presidente honorífica.
O casamento com Jayme da Silva Telles aconteceu em 1921 – um ano antes da Semana de Arte
Moderna – os primeiros passos do movimento modernista Yolanda não acompanhou, uma vez que
a vida de casada se dividia entre a Hípica, Santos, Rio de Janeiro e São Paulo, os três últimos lugares
face aos negócios do marido. Nesse período, também, Yolanda e Jayme passam uma longa temporada
na Europa – a primeira de muitas outras. Nessa viagem à Europa, Yolanda conheceu Charles Chaplin,
além de vivenciar novas experiências em meio sofisticado no entreguerras.
Um dos relacionamentos mais destacados, no que tange à gestão da arte no país, é seu casamento com Francisco Matarazzo Sobrinho, Ciccillo, em 1946. Juntos eles participaram da organização do Museu de Arte Moderna MAM SP (1947), as Bienais (a partir de 1951) e mais tarde, as
coleções que iriam formar o Museu de Arte Contemporânea (1963). Yolanda foi parceira de Ciccillo
em todas as iniciativas e em muitas delas, como foi o caso da organização das bienais, o seu traquejo
social permitiu que os investimentos e as ações tivessem êxitos. Após diversas tentativas e contatos de
Ciccillo e Arturo Profili, eles, certeiramente, resolveram atribuir a tarefa para Yolanda Penteado.
Yolanda Penteado e Alberto Santos Dumont, 1919.
Fonte: Arquivo Histórico Wanda Svevo/Fundação Bienal de São Paulo.
Os contatos com Maria Martins, artistas e esposa de Carlos Martins (embaixador do Brasil em
Washington – EUA), facilitaram os trâmites com Getúlio Vargas, presidente da República, que telegrafou às embaixadas para que essas dessem toda a infraestrutura e apoio a iniciativa. Segundo Yolanda:
Logo depois que o Getúlio foi eleito presidente, os Embaixadores não sabiam muito
bem a quantas andavam as coisas. Era um enigma essa nomeação. Foi muito bom,
porque eles se redobraram em amabilidade (PENTEADO, 1976, p. 178).
O contato com as embaixadas foi significativo para o êxito das representações dos países na I
Bienal de São Paulo. André Malraux, naquele tempo, em início de carreira, foi importante na organização do evento. A partir de lista redigida por ele, indicando as pessoas a quem Yolanda deveria buscar na França para que o país aderisse à ideia da Bienal. Em seguida, ela buscou o apoio da Itália, na
figura de Giulio Andreotti, subsecretário de Estado para a Presidência do Conselho Italiano, porém,
foi com o apoio do Conde Dino Grandi que reuniu mais 18 personalidades influentes na vida cultural italiana, que ela viu mais um país importante aderir ao seu projeto. E assim, foi com os demais
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países, entre eles, Bélgica, Holanda e Londres. Como uma “embaixadora das artes”, Yolanda serviu-se
do corpo diplomático brasileiro na Europa para as adesões dos países. Quando a diplomacia não foi
suficiente, no caso da Suíça, Yolanda não teve dúvidas em colocar sua veia empresaria em ação:
Acrescentei que havia sabido, por membros da família de meu marido, que eles estavam indecisos entre a Inglaterra e a Suíça para fazer teares. Se os suíços continuassem inflexíveis com a arte, talvez seus teares não se materializassem (PENTEADO, 1976, p. 181).
Após o final da “campanha diplomática” na Europa, Yolanda ainda consegue, por intermédio
de Assis Chateaubriand, o pavilhão para abrigar a I Bienal. Assim como na I Bienal, Yolanda teve
participação marcante em todas as outras edições do evento, especialmente a II Bienal (que acompanhava as comemorações dos IV Centenário da cidade de São Paulo; trouxe Guernica, 1937, de Pablo
Guernica ao Brasil – um dos maiores acontecimentos do cenário artístico até aquele momento e,
transformou a ideia das bienais brasileiras em algo consolidado e reconhecido internacionalmente).
Sua participação somente se ressentiu com a separação de Ciccillo, em 1962.
Yolanda Penteado e Francisco Matarazzo Sobrinho, Ciccillo, 1951.
Fonte: Acervo Última Hora/FolhaPress
Artistas, escritores e poetas
Tia Olívia sempre misturou artistas com gente da sociedade (PENTEADO, 1976, p. 82).
Herdeira de D. Olívia Guedes, Yolanda Penteado sempre manteve contatos om artistas nacionais e internacionais. Era muito boa anfitriã, especialmente em sua fazenda. Durante as primeiras
bienais, por exemplo, ela organizou inúmeros jantares para os convidados especiais do evento. A abertura da IV Bienal de São Paulo (1957) deu-se na fazenda de Leme, com os convidados transportados
em aviões que pousavam na pista construída nas terras de Yolanda e depois cedida ao poder público
municipal. Naquela noite, o principal convidado era o presidente Juscelino Kubitschek, que jantou e
pernoitou no local (OLIVEIRA, 2001).
Na casa de sua tia Olívia Guedes, Yolanda relacionou-se com a primeira geração de modernPoéticas Visuais, Bauru, v 5, n.2 , p. 20-29, 2014.
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istas em São Paulo, como já mencionado, não acompanhou de perto os fatos decorrentes da Semana
de Arte Moderna. Em suas memórias, Di Cavalcanti mereceu um capítulo especial. Em Tudo em Cor
de Rosa, Yolanda transcreveu um “bate-papo” com o artista. Nessa transcrição, eles mostram como se
conheceram:
Meu conhecimento com você não foi propriamente conhecimento com a pessoa.
Foi conhecimento com a entidade. Quando fu estudar Direito em São Paulo, havia
uma porção de mulheres que eram verdadeiras entidades. Yolanda Penteado era
uma delas (PENTEADO, 1976, 255).
Para além das lembranças afetivas, a conversa entre Di Cavalcanti e Yolanda Penteado mostra
os acontecimentos que desencadearam e sucederam a Semana de Arte Moderna. Nessa narrativa,
emergem personagens, tais como: Oswald de Andrade, Érico Veríssimo, José Lins do Rego, Paulo
Prado, Villa-Lobos, Graça Aranha, Noêmia Mourão, Lasar Segall, Tarsila do Amaral e muitos outros.
O diálogo entre Yolanda e Di tornou-se um registro íntimo da vida artística e intelectual de São Paulo
nos anos de 1920 e 1930. Flávio de Carvalho também surge nas memórias de Yolanda. Para ela, o artista era revolucionário, irreverente e um gentleman.
Dos artistas amigos de Yolanda, destaca-se Maria Martins, cercada por contatos no corpo
diplomático (como já mencionado) e com uma grande inserção internacional – amiga de Marcel
Duchamp, Mondrian, Ozenfant, Max Ernest e de artistas surrealistas do período. Maria acompanhou
Yolanda em suas viagens motivadas pela organização das Bienais de São Paulo.
Face aos contatos realizados para a organização do Museu de Arte Moderna e depois das Bienais de São Paulo, Yolanda manteve contatos com diversos artistas internacionais que hoje se inscrevem
na história da arte, entre eles estão: Fernand Léger, Matisse, Alberto Magnelli, Brancusi e Picasso.Um
dos relatos mais marcantes em Tudo em Cor-de-Rosa discorre sobre sua convivência com Pablo Picasso. Eram encontros diários, em Antibes (França), por volta de 1952/1953. Nesse período, ela tinha
a intenção de trazer trabalhos do artista espanhol para o Brasil. Nos primeiros dias, foi aconselhada
por Marie Cuttolie (amiga do pintor) a ouvi-lo com paciência e não pedir nada. Seu jeito prestativo e
carismático convenceu Picasso há trazer para o País, Guernica, 1937 – que à época estava na reserva
técnica do Museu de Arte Moderna de Nova York (MoMA), aguardando a mudança de governo espanhol para retornar ao seu país.
Pablo Picasso, Guernica, 1937
Exposta na II Bienal de São Paulo
1953/1954
Fonte: Arquivo Histórico Wanda
Svevo/Fundação Bienal de São Paulo
Pablo Picasso, Guernica, 1937
Exposta na II Bienal de São Paulo, 1953/1954.
Fonte: Arquivo Histórico Wanda
Svevo/Fundação Bienal de São Paulo.
Diariamente, nos encontrávamos com Picasso em Antibes. O convívio com o Mestre
e as duas Marias cria uma grande camaradagem. Pedi a Picasso uma dedicatória
num seu livro. Ele pegou meu batom e desenhou a cabeça de cabra, escrevendo:
Pour Yolanda, Picasso (PENTEADO, 1976, p. 255).
Yolanda também teve estreito relacionamento com cineastas, diretores e atores de cinema,
uma vez que Ciccillo era sócio da Companhia Cinematográfica Vera Cruz, na década de 1950, em São
Bernardo do Campo, tendo como produtor Franco Zampari. A Companhia durou 04 anos e realizou
22 filmes longa-metragem, marcando a história do cinema brasileiro.
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Considerações finais
Referências
Yolanda, Ciccillo e Assis Chateaubriand inauguram um mecenato moderno no Brasil. Somam
suas atividades empresarias ao cenário artístico nacional e internacional. Marcados por uma transição política que se desloca do nacionalismo de Vargas ao desenvolvimentismo de JK, passando pela
implantação definitiva de uma sociedade urbana modernizada. Essa atmosfera política, econômica e
social, faz emergir uma nova geração de mecenas imbuída de uma nova sensibilidade estética e novos
hábitos frente à arte. Tendo como carro-chefe, a arte moderna, Yolanda e Ciccillo apostaram recursos econômicos e, sobretudo, prestígio social, na formação do Museu de Arte Moderna de São Paulo
MAM SP (1947) e na organização da Bienal de São Paulo (1951).
À frente das instituições modernas – o MAM SP e a Bienal – tem-se Yolanda e Ciccillo como
representantes da burguesia industrial nacional. Graças a essas duas instituições o País teve acesso às
tendências internacional e pôde-se mostrar em circuito internacional a produção brasileira.
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Recebido em 23 de Junho de 2014.
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Crônica de um verão e a relativização da felicidade
Chronicle of a summer and the relativity of happiness
Denis Porto Renó*
*Jornalista e documentarista, possui Mestrado (2006) e Doutorado em Comunicação Social pela Universidade Metodista de São
Paulo (2010) e graduação em Jornalismo pela Universidade do Vale do Paraíba (2003). Desenvolveu sua pesquisa de pós-doutorado na Universidade Complutense de Madri (Espanha), com o tema “Jornalismo Transmídia: Um estudo sobre a produção de reportagens para mídias digitais”, sob a supervisão do prof Dr Jesus Miguel Flores Vivar. Desenvolveu outra pesquisa de pós-doutorado
a Universidade de Aveiro (Portugal). É professor do Departamento de Comunicação Social e do Programa de Pós-graduação em
Mídia e Tecnologia da Unesp-Bauru, Bauru, São Paulo.
Resumo
Você é feliz? Com essa pergunta, Jean Rouch e Edgar Morin começam a desenvolver o plot do documentário Crônica de um verão. A obra, finalizada em 1961, discute questões sociais e políticas da França naquele momento e
antecipa a revolta ocorrida sete anos depois no país. O trabalho foi desenvolvido a partir da metodologia análise
fílmica, de Francis Vanoye e Anne Goliot-Iété (2008), e tem como objetivo compreender e interpretar a construção
de diversos modelos de felicidade e infelicidade pelos diretores a partir do filme-dispositivo, também discutido
nesse estudo, assim como a presença dessa filosofia de produção audiovisual. Se espera, com a conclusão do estudo, oferecer subsídios para a compreensão do papel do documentário na construção de realidades previamente
determinadas.
Palavras-chave: Comunicação; Documentário; Análise fílmica; Filme-dispositivo; Felicidade.
Abstract
Are you happy? With this question, Jean Rouch and Edgar Morin begin to develop the plot of the documentary
Chronicle of a Summer. The work, completed in 1961, discusses social and political issues in France at that time
and anticipates the revolt occurred after seven years in the country. The work was developed from the methodology
film analysis, Francis and Anne Vanoye Goliot-Iété (2008), and aims to understand and interpret the construction
of many happiness and unhappiness by the directors from the film-device also discussed in this study, as well as the
presence of this philosophy of audiovisual production. Expected with the completion of the study provide insight
for understanding the role of documentary in building predetermined realities.
Keywords: Communication; Documentary; Film Analysis; Movie-device; Happiness.
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Introdução
P
ensar sobre documentário exige uma franqueza nas conclusões, além de uma profundidade
de olhar, pois uma narrativa documental pode oferecer mensagens apoiadas em linguagens
comunicacionais construídas por mensagens subjetivas e ocultadas em aparências pouco significativas. Também podem ser construídas sobre uma intertextualidade imagética que dissipa os
traços lógicos narrativos, construindo e consolidando a mensagem de uma maneira discreta, ainda
que eficaz. Entretanto, faz-se necessário considerar que o gênero documentário situa-se em uma linha
tênue que o separa da ficção, alterando a forma de observar-se o conteúdo, assim como as técnicas de
construção narrativas, alguns casos limitadas pela confusão de formato ao posicionar o gênero como
técnica jornalística de comunicação. Documentário, assim como todas as artes audiovisuais, é arte,
acima de tudo. Uma arte que em alguns casos serve como suporte jornalístico, em outros educacionais, e que outrora foi amplamente adotado como ferramenta de marketing, como a obra Louisiana
Story (1948), de Robert Flaherty, financiadas por uma indústria petroleira. Outra obra que merece
destaque no campo da publicidade, neste caso direcionada à guerra e à construção da opinião pública,
é o longa-metragem O triunfo da vontade (1934), de Leni Reifenstahl. Curiosamente, essa obra foi
considerada documentário por décadas, até que a própria cineasta confessou tratar-se de uma ficção
produzida para convencer os alemães sobre a importância e o triunfo do movimento nazista na Alemanha e no mundo. Trata-se, entretanto, de obras que constroem, senão uma verdade, parte de um
olhar verdadeiro, onde são transmitidos pontos-de-vista do cineasta para o observador, podendo,
inclusive, carregar opiniões e posicionamentos previamente definidos (RAMOS, 2008), e não uma
obrigatória imparcialidade.
Essas possibilidades de linguagem, e de conteúdos, são encontradas em diversos documentários, como as obras do francês Jean Rouch, considerado um importante responsável pela consolidação do filme de realidade. Nessas obras, Rouch adotava narrativas que não somente apresentavam as
“verdades” ao público, como também envolvia-os na situação, tornando-os testemunhas oculares do
acontecimento. Tal possibilidade foi alcançada na obra Les maitres fous (1955), que apresenta cenas
de uma aldeia africana em um ritual espiritual. No documentário, filmado em apenas um dia, Rouch
utiliza câmera de mão como técnica de movimentos e, a partir dos enquadramentos compostos por
plano detalhe e primeiro plano, coloca os espectadores “no local” do ritual, fazendo com que o público sinta-se realmente dentro da cena, do acontecimento espiritual da aldeia. Porém, suas criações
misturavam conceitos de realidade e de ficção, passeando literalmente entre os dois formatos, o que
provocava interesse no público. Essas possibilidades propostas por Rouch e o seu interesse em filmar
pessoas e culturas provocou a criação de um subgênero, conhecido como etno-ficção.
Mas a diversidade narrativa no gênero documentário é ampla e encontramos obras onde a
mensagem subjetiva ajuda a entender a narrativa, num plano menos profundo em sua percepção direta. Dentre os destacados, podemos pensar em Nascidos em bordeis (2004), de Zana Briski e Ross Kauffman, que destaca, a partir de uma composição de música e luzes, as diferentes sensações emocionais
ao tratar da vida de crianças moradoras no bairro da luz vermelha de Calcutá, onde prostitutas trabalham em suas próprias casas, ao lado de Mário e filhos. Preocupados em produzir um documentário
sobre as prostitutas do bairro, Zana e Ross se envolvem com seus filhos, preparando cursos de fotografia. Entretanto, os diretores descobrem que a sensibilidade dessas crianças extrapolava a normalidade,
e resolvem alterar o plot da história para a maneira como eles retratavam o mundo. Trata-se de uma
obra em que a esperança e a sensibilidade são transmitidas por imagens documentais subjetivas.
Porém, o clímax de uma construção pouco perceptiva de maneira direta, ainda que acomPoéticas Visuais, Bauru, v 5, n.2 , p. 30-39, 2014.
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panhada de diversas mensagens, ode ser encontrado em documentários como Um homem com uma
câmera (1929), de Dziga Vertov. Na obra, o documentarista esbanja de técnicas de montagem para
provocar relações de caos urbano e tempos do dia através de um cinema não falado verbalmente. E
consegue, retratando, a partir de diversas tomadas e momentos de produção, um único dia em uma
grande cidade. A música (composta pelo próprio Vertov) complementa o que depois passou a ser definida como montagem rítmica. A partir da repetição imagética, e de seu espelhamento em algumas
cenas, Dziga Vertov consegue colocar o espectador dentro do caos das grandes cidades pós-revolução
industrial.
Dentro dessa lógica – a de colocar o espectador dentro da cena - Crônica de um verão (1961),
de Jean Rouch e Edgar Morin, não fica atrás. Na obra, os franceses apresentam uma discussão social
e política sobre as diferentes formas de felicidade, ou sua inexistência, a partir de questionamentos a
pessoas comuns e realizados por pessoas também comuns. Para tanto, os diretores começam má obra
perguntando a uma jovem se ela era feliz ou não. A partir desse ponto, ambos entrevistam diversos
personagens, inclusive um de seus filhos, para entender o que passava. Entretanto, as inovações propostas por Rouch e Morin em Crônica de um verão caminham por diversos outros espaços, entre eles
a estética. Na obra, os diretores, também participantes ativos do documentário como personagens e
interlocutores, adotam técnicas de entrevista etnográfica, estética jornalística e a inserção de imagens
e enquadramentos subjetivos pouco comuns no documentário tradicional, ainda que outras obras
reflexivas – como Um homem com uma câmera, de Vertov – adotem essa técnica. Por fim, Jean Rouch
e Edgar Morin conseguem obter, via entrevistas, indicativos de uma realidade que estava por vir na
França, a partir da crise econômica e social da década de 1960, que impulsionou diversas revoltas
sociais naquele país.
Entre diversas temáticas, percebemos a diversidade na forma de construir narrativas a partir
do gênero documentário. Entretanto, a felicidade, proposta especialmente por Crônica de um verão,
é um tema que provoca indagações sobre a forma e o conteúdo apresentados. Por essa razão, esse artículo oferece, a partir da análise fílmica como procedimento metodológico, parâmetros sobre como a
obra aborda a felicidade em sua diversidade de significação, além de uma crítica aos problemas sociais
da França na década de 1960. Espera-se deste estudo não somente uma interpretação linguística, mas
também o entendimento sobre uma maneira particular de construir mensagens pelas opções criativas
de Jean Rouch e Edgar Morin.
Discussões sobre documentário e filme-dispositivo
Documentário é um gênero audiovisual que tem como fundamento a discussão sobre a realidade, ou as consequências reais sobre algo. Nesta segunda possibilidade podemos imaginaram documentário sobre o fim do mundo a partir de uma terceira guerra mundial. A guerra não aconteceu, ou
seja, não é real, mas oferece informações e suposições apoiadas em realidade.
Algumas correntes acadêmicas sobre documentário sustentam que uma obra do gênero não
pode ter encenação. Entretanto, diversas obras documentais adotam essa técnica para construção
de conteúdos documentais. Um dos mais expressivos a obra Nanook of the north (1922), de Robert
Flaherty. Na obra, o personagem Nanook é encenação por um esquimó da tribo Nuit, que revela a
maneira de viver de sua tribo, ou seja, um Nuit encenando como vive um Nuit.
Outra obra que adota a encenação é o contemporâneo A pessoa é para o que ela nasce (2006),
de Roberto Berliner. Ainda que as protagonistas da história (as irmãs cegas de Caruaru) revelem em
diversos momentos a rotina em Caruaru, em alguns momentos há direção de atores e diversas enca-
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nações delas para valorizar a narrativa apresentada.
Fernão Ramos (2009) propõe que as definições sobre documentário devem ser discutidas novamente, pois, para ele, o gênero é muito mais amplo do que parece. Tal proposta vem publicada em
um livro de sua autoria intitulado “Mas, afinal, o que é documentário?”. Essa obra é dedicada em sua
totalidade a polemizar para propor uma recisão sobre o que vem a ser o documentário a partir de divisões exemplos. Para tanto, apóia a discussão e obras clássicas e também contemporâneas e polêmicas.
Vemos o Crônica de um verão como uma obra documental fundamental para compreender o
gênero, inclusive por se tratar de uma obra importante no que diz respeito à experimentação e fortalecimento do que Rouch viria a denominar como cinema vérité.
Mas a discussão sobre o documentário em si pode ser mais ampla, como a existência de um
documentário-dispositivo (oriundo do conceito de filme-dispositivo que, de maneira mais ampla,
propõe o papel do cinema como algo além do retrato audiovisual).
A existência de um filme-dispositivo no cinema é algo que proporciona discussões teóricas
variadas. Algumas correntes acadêmicas consideram a ideia de filme-dispositivo algo vazio, frágil em
sustentação e, acima de tudo, inexistente. Outras correr, porém, a consideram válida e fundamental
para compreender uma diversidade de possibilidades na construção imagética, essencialmente na
narrativa documental. Para esse estudo, consideram,os fundamental apresentar essa discussão para,
então, desenvolver a análise fílmica proposta. Isso se dá porque, se existe o filme-dispositivo, Crônica
de um verão é um exemplo ideal para diversos teóricos.
Entender o filme-dispositivo como algo válido significa considerar que o cinema pode construir situações e realidades a partir de si mesmo, ou seja, considera que ele pode ser independente,
autônomo na construção narrativa.
Entre as correntes que defendem a existência de um filme-dispositivo, a de influência francesa
é uma das mais marcantes. Para esse grupo, filme-dispositivo é a reconstrução, a “materialização” de
algo pelo registro imagético por dispositivo fílmico, seja documental ovo ficção. Para reforçar essa
ideia, o cineasta francês Jean Luc Godard defende que o filme em si é um dispositivo modelo, com sala
escura, ambiente e espectador para a construção da experiência fílmica, ou seja, o cinema é essencialmente dispositivo.
Defensor da existência do filme-dispositivo (e mais, do documentário-dispositivo), o pesquisador brasileiro Cezar Migliorin (2010) entende dispositivo como estratégia narrativa capaz de produzir acontecimento na imagem e no mundo. Uma reconstrução do documentário-dispositivo possibilitada por técnicas e linguagens, além de um controle sobre o que se registra (ou será registrado).
Porém, essa reconstrução deve ser apoiada basicamente em três pontos fundamentais: realizador, texto e espectador. A partir desses pontos torna-se possível o papel do filme-dispositivo.
Entretanto, outras correntes recusam a existência de um filme-dispositivo. Para esse grupo, o
filme, especialmente o documentário, não pode ser reconstruído. A existência de uma ficção-dispositivo ainda é parcialmente aceita, mas o documentário não deve ser considerado dispositivo por ser
“puramente verdade”, sem controle ou reconstrução. Bill Nichols (1997) propõe modelos de documentário, e em nenhum desses modelos considera o filme-dispositivo como aceito. Henri Gervaiseau
(2006), ainda que defensor de um documentário como um gênero narrativo mais amplo que simplesmente o cinema do real (também, mas não somente), compartilha essa exclusão do filme-dispositivo
do mundo documental. Entretanto, em algumas obras podemos ver esse controle e essa capacidade de
“materializar” e provocar acontecimentos, como em Filmefobia (2008), de Kiko Goifman, ou mesmo
Crônica de um verão, de Jean Rouch e Edgar Morin.
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A felicidade em Crônica de um verão
Essa construção de uma realidade e de acontecimentos em Crônica de um verão é visível em
diversos momentos da obra. Esses momentos de reconstrução são marcados pela própria proposta da
obra, quando, no começo, Rouch e Morin propõem a Marceline que seja ela uma das responsáveis por
entrevistas. E logo aceito o convite, a jovem passa a abordar pessoas pelas ruas e em locais privados
para escutar os pontos-de-vista sobre a felicidade. A partir disso, Rouch e Morin provocam novas
discussões sobre felicidade (Morin chega ao ponto de envolver seu filho e sua esposa na discussão,
perguntando a eles sobre o sentimento da felicidade, e se são felizes também).
Imagem 2: Entrevista coletiva dentro de um cinema
A resposta foi categórica: não. Isso provoca uma série de perguntas exploratórias e de construção de
um clímax entre os entrevistados para, em seguida, escutar do jovem argelino se ele é feliz. Ainda que
diga sim, o jovem titubeia e não apresenta clareza nesse sentimento. Nessa sequência, o que se destaca
é uma reconstrução da realidade a partir de um momento de controle, ou seja, justifica a existência
do filme-dispositivo. Também provoca outro momento com discussão sobre racismo, desta vez com
a ajuda do personagem Angelo, participante ao contar sobre sua própria história momentos antes, e
agora como entrevistador a um jovem nigeriano. O tema é a sensação de inferioridade do jovem e seu
povo em Paris.
Imagem 1: Rouch, Marceline e Morin sobre sua participação no documentário.
A obra é marcada sobre esse questionamento em toda a sua linearidade. Com o objetivo de
construir uma obra imagética que propõe uma realidade sobre a sociedade francesa da época, Rouch
e Morin provocam momentos para a a construção e o registro de diálogos sobre o que é ser feliz, e se
é possível essa sensação. Para tanto, diversifica personagens e técnicas de entrevista. Um exemplo de
diversidade nas técnicas de entrevista é a entrevista coletiva, pouco ou raramente usual e que reúne
todos os participantes em uma sala de cinema e, após assistir ao copião do filme, voltam a ser entrevistados. Tal técnica se aproxima das adotadas por Claude Lanzman em Shoah e por Eduardo Coutinho
em praticamente todas as suas obras.
Um momento marcante podemos ver quando os dois entrevistam um casal de jovens sobre a
felicidade de ambos, um na presença do outro. Nessa hora, fica claro que um considera sua vida feliz,
enquanto o outro não, ou seja, a felicidade é relativa e particular. Ainda que ambos teoricamente compartilham uma vida, essa recebe valores diferentes de cada um.
Outro momento provocado pelo documentário, Jean Rouch propõe a discussão sobre o racismo contra um jovem negro de origem argelina presente no grupo entrevistado. Nesse momento, o entrevistados pergunta a uma garota se ela teria coragem e interesse em envolver-se com o jovem negro.
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A técnica adotada
por Jean
Rouche eJovem
Edgarargelino
Morin para avaliar os resultados do debate, além
Imagem
3: Angelo
de observar a construção narrativa produzida, foi a projeção da obra pré-editada, seguida de um dePoéticas Visuais, Bauru, v 5, n.2 , p. 30-39, 2014.
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bate sobre o significado de felicidade para cada um dos participantes. Para tanto, os documentaristas/
personagens registraram a discussão com os personagens da obra, conduzida por Rouch, provocando
uma interpretação final de que para cada um a felicidade tem um significado distinto, ou seja, a felicidade, assim como a verdade, não é absoluta, como conclui Morin em um de seus diálogos. Entretanto,
Rouch emenda a ideia com a proposta de que a verdade é diferente para cada um, mas necessidades
básicas, como justiça social, são fundamentais para que as felicidades sejam encontradas.
Imagem 5: Edgar Morin dialoga com
Rouch ao final de Crônica de um verão
Imagem 6: Edgar Morin aparece
sozinho ao final da obra.
Imagem 4: Debate entre os personagens após projeção.
Outra cena onde torna clara ao menos a tentativa de construção de uma narrativa a partir
do filme-dispositivo é o final da obra, quando Rouch entrevista Morin sobre a produção do documentário e as diversas discussões apresentadas sobre a felicidade. Essa sequência provoca a sensação
de uma obra controlada pelos dois de maneira considerável, inclusive na apresentação das perguntas e
respostas de ambos nesse diálogos. Não se sabe ao certo quando os personagens são documentaristas
ou não na execução dessa cena, especialmente ao perceber que em um determinado momento aparece
apenas Morin, e não mais Rouch, que marca presença somente com sua voz no diálogo. Ou seja, pode
ser Rouch o operador de câmera nesse momento? Será o olhar de Rouch representado pelo enquadramento? O olhar do outro, como propõe Henri Gervaiseau (2012) está presente nessa sequencia a partir do “desaparecimento” de Jean Rouch, que passa a existir somente no extracampo? Essas questões
surgem durante toda a obra – já que nunca se sabe ao certo se Rouch e Morin são documentaristas
ou protagonistas -, mas no final isso vem à tona de maneira sublime. Essa é uma importante inovação
de Crônica de um verão, que nos faz pensar em um documentário além das estratégias “puras” de
Griffith ou dos irmãos Lumière no início do cinema.
Entretanto, a maior contribuição do documentário circunda questões sociais. Jean Rouch e
Edgar Morin provocaram na sociedade da época uma reflexão sobre a França e seus valores, sejam éticos, morais, raciais ou mesmo de consumo. O curioso é que a obra foi lançada em 1961 e em 1967 estourou a revolta social na França, com greves, passeatas e manifestações por um país mais justo e melhores condições de alcançar a felicidade. A partir disso, podemos discutir, inclusive, o compromisso
do documentário com o registro da realidade, já que a proposta apresentada por Rouch e Morin nessa
obra sequer era um fato naquele momento histórico, ainda que fosse uma tendência social e econômica. E se não é realidade, como se constrói uma narrativa documental a partir disso? Fernão Ramos
(2008) discute sobre isso ao apontar diversos exemplos contrários, como uma produção documental
sobre o fim do mundo – já que o mundo não acabou – ou mesmo sobre a extinção dos dinossauros –
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pois existem somente indícios de como isso aconteceu, e não registros (especialmente) audiovisuais a
respeito. Por essa razão, o documentário Crônicas de um verão passa a ser um importante dispositivo
de construção narrativa a partir de seu ponto de vista, de sua crença sobre a realidade. E o faz de maneira especial, trazendo para a filmografia da época novas formas de dialogar com o público através
de uma narrativa de não-ficção.
No campo estético, Crônicas de um verão apresenta uma construção narrativa apoiada na
câmera de mão. Também trabalha com captação de som direto e produz ao menos com uma equipe
de três pessoas (em alguns casos, quatro, além do entrevistado. Em algumas cenas, a câmera enquadra não somente a pessoa responsável pela entrevista, mas também a assistente de áudio, talvez para
valorizar a complexidade para a época. Trata-se de uma estética incomum para a época, ainda que
hoje tais procedimentos de construção da sensação de realidade sejam comuns na produção cinematográfica (especialmente no gênero documentário, mas não exclusivo, podendo ser encontrado em
diversas obras de ficção).
A obra é rica em abordagens e provoca a conclusão de que não existe felicidade em. Paris
naquela época. Por exemplo, constrói uma ideia de que a fábrica automotiva Renault provoca uma
superficialidade, uma vida de aparências em seus funcionários. Fica a pergunta: Crônica de um verão
é um filme-dispositivo? Essa resposta pode não ser respondida somente com esse estudo, mas os resultados da pesquisa apresentam indícios de que a obra oferece subsídios para sustentar essa condição,
ao menos nesta específica narrativa, o que não pode ser sustentado para outras obras audiovisuais.
Produzir um documentário a partir dos conceitos de filme-dispositivo talvez não tenha sido a proposPoéticas Visuais, Bauru, v 5, n.2 , p. 30-39, 2014.
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ta de Jean Rouch e Edgar Morin, ainda que os mesmos tenham conseguido tais resultados. E, apesar
das possíveis críticas que essa defesa possa receber, considero que para a pergunta acima apresentada
a resposta viável é a afirmativa de que Crônica de um verão acaba por tornar-se um filme-dispositivo
para a construção do conceito e do ponto-de-vista apresentados na obra.
MIGLIORIN, Cezar. Eu sou aquele que está de saída: dispositivo, experiência e biopolítica no
documentário contemporâneo. Tese (Doutorado em Comunicação) – Universidade Federal do Rio
de Janeiro, CFCH/ECO, 2008.
Conclusões
RAMOS, Fernão. Mas, afinal, o que é documentário?. São Paulo: SENAC, 2008.
A tentativa de construção de conceitos sociais pelo documentário é uma realidade no gênero,
seja qual for o tema apresentado. Os conceitos podem ser estruturados a partir de modelos narrativos
documentais diversos, como propõe Bill Nichols (1997). Seu papel circunda ao redor da construção
de conceitos. Porém, a construção de conceitos não se limita a questões de conteúdo, mas também no
que diz respeito a formas narrativas, como propõe o próprio Nichols (1997) ao definir os modelos de
documentário a partir de suas formas e conteúdos.
Dentre os modelos e conteúdos, destaca-se a proposta de existência de um documentário
como dispositivo fílmico – tema questionado por diversas correntes acadêmicas e defendido por outras, demonstrando que a verdade na ciência dificilmente é absoluta. Entretanto, ainda que exista uma
discussão expressiva ao redor do documentário-dispositivo, percebemos que Crônicas de um verão é
uma obra que cumpre o papel proposto por Jean Luc Godard, entre outros, na defesa de sua existência. Na obra, Rouch e Morin constroem uma realidade e uma experiência audiovisual que apontam
para essa possibilidade de filme-dispositivo. O estudo aqui apresentado não se limitou a entender e
avaliar a proposta de dispositivo, mas de entender o papel da obra de Jean Rouch e Edgar Morin na
construção de uma narrativa que aborda a felicidade em sua existência, ou inexistência, como propõe
tal documentário, assumindo em alguns momentos o papel de dispositivo, e não somente de narrativa
audiovisual.
Desde as primeiras cenas do documentário, Jean Rouch e Edgar Morin buscam respostas ao
plot proposto, ou seja, “você é feliz?”, que foi a pergunta fundamental durante toda a obra. Porém,
percebe-se que os dois diretores estavam mesmo interessados em confirmar a percepção de ambos
(de que não existia a felicidade em uma França depressiva, à beira de uma crise) do que descobrir se
os entrevistados eram felizes, e como essa felicidade era vivida no cotidiano. A edição e a definição do
enquadramento narrativo pode parecer a alguns como uma manipulação da realidade ou uma imparcialidade equivocada. Não é, como defende Fernão Ramos (2008) em diversos momentos de sua obra,
especialmente quando propõe que o documentário é o ponto-de-vista do cineasta.
A informação extracampo, presente no documentário, toma força a partir da segunda metade
da obra, especialmente quando Angelo entra na história. Os comentários sobre o significado da felicidade para o trabalhador da Renault como um equívoco, em seu ponto-de-vista, é o primeiro sinal do
que Rouch e Morin querem discutir. E assumem tal discussão ao oferecer ao personagem uma posição
de destaque frente a outros que participam do filme. O mesmo volta a se repetir quando o jovem garoto argelino aparece e manifesta uma sensação de vítima de racismo em uma Paris preconceituosa e
repleta de valores equivocados, para os diretores.
Crônica de um verão é um documentário que antecipa uma revolta social ocorrida na França
seis anos depois. A obra relativiza a felicidade, ainda que a mesma seja abordada com diversos formatos durante a narrativa. Em diversos casos, o documentário assume o papel de promover um conceito
ou mesmo ideia que, a partir da obra (ou com a colaboração da mesma, em conjunto com outras
ações) passa a sustentar uma condição que ultrapassa as barreiras da realidade, em diversos casos
sobre uma subjetividade. Dentro dessa ideia, afinal, o que é ser feliz? Essa resposta somente conseguimos pela nossa consciência, e para ela.
VANOYE, Francis; GOLIOT-IÉTÉ, Anne. Ensaio sobre a análise fílmica. Campinas: Papirus, 2008.
NICHOLS, Bill. La representación de la realidad. Cidade do México: Paidós, 1997.
Filmografia
Crônica de um verão (1961), de Jean Rouch e Edgar Morin.
Filmefobia (2008), de Kiko Gifman.
Le maitres fous (1955), de Jean Rouch.
Nascidos em bordeis, (2004), de Zana Briski e Ross Kaurman.
Um homem com uma câmera (1929), de Dziga Vertov.
Nanook of the north (1922), de Robert Flaherty.
A pessoa é para o que ela nasce (2006), de Roberto Berliner.
Recebido em 20 de Junho de 2014.
Aprovado para publicação em 22 de setembro de 2015
Referências
GERVAISEAU, Henri. O abrigo do tempo – abordagens cinematográficas da passagem do tempo.
São Paulo: Alameda, 2012.
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Tatiana blass: percursos, interlocuções e referências
Tatiana Blass: Routes, dialogues and references
Viviane Baschirotto*
* Pós-Guaduada em História da Arte. UDESC – Universidade do Estado de Santa Catarina – Programa de Pós-Graduação em Artes Visuais – Mestrado. Florianópolis, Santa Catarina, Brasil. Área de pesquisa: História da Arte
Resumo
O artigo se propõe a pensar questões iniciais para entender as obras de Tatiana Blass. A artista trabalha com
distintos tipos de meios como pintura, escultura, instalação, vídeo e gravura. Também com diferentes materiais
como o bronze, o mármore, a tinta a óleo, a cera e todas as apropriações de objetos. As referências e interlocuções
na história da arte com outros artistas e teóricos formaram e enriqueceram a artista e são detalhes fundamentais
para um estudo mais aprofundado sobre ela.
Início, meios e materiais
T
atiana Blass é paulistana nascida em 1979. Trabalha com pintura, escultura, instalações, vídeo,
performance e desenho. Embora sendo uma artista jovem, iniciou sua produção artística cedo
e, à medida que expunha seu trabalho, foi se construindo como artista, processo este que continua acontecendo. Apesar de jovem, participou da 29ª Bienal de São Paulo e foi vencedora do Prêmio
Pipa 2011, recebendo como prêmio uma residência artística de dois meses em Londres no ano de
2012. Com seu trabalho na 29ª Bienal de São Paulo intitulado Metade da fala no chão – piano surdo
(figura 1) ganhou destaque no cenário nacional e internacional de arte quando fez uma performance
inserindo cera líquida em um piano enquanto o músico o toca. E à medida que mais cera é colocada,
mais dificuldade o pianista tem de tocar a música, chegando ao ponto de calar o piano através da cera.
A performance foi realizada duas vezes, uma no palco do Sesc Pompéia em São Paulo para a gravação
de vídeo e outra na Bienal para que a escultura permanecesse na exposição. Assim como com o piano,
a artista “cala” outros instrumentos na mesma série intitulada Metade da fala no chão. Sobre a obra,
a artista afirma: “Há a performance do pianista tocando, nesse processo de realização da escultura, e
depois o que resta é a escultura pronta” (BLASS, 2013).
Palavras-chave: Tatiana Blass; Percursos; Interlocuções; Referências.
Abstract
The article proposes tothinkinitial questionsto understandthe works ofTatianaBlass. Theartist workswith differenttypes ofmediasuch as painting, sculpture, installation, video and engraving.Also withdifferent material likemarbleandoil paint,wax and allappropriations ofobjects.Referencesanddialoguesin the history ofart withother artists
andtheoristsformedand enriched theartist anddetailsare fundamentaltofurther studyon it.
Keywords: Tatiana Blass; Routes; Dialogues; References.
Imagem 1: Tatiana Blass. Metade da fala no chão – piano surdo. 2010. Piano de cauda, cera
microcristalina,vaselina, pianista. Fonte: http://www.tatianablass.com.br
Tatiana Blass foi se transformando enquanto se construía como artista, do colorido passou às
cores mais opacas e frias. Sua poética vem mudando junto com ela. E por poética entende-se a definição de Pareyson (1984), que define a poética como algo que colhe a espiritualidade do artista:
À atividade artística é indispensável uma poética, explícita ou implícita, já que o
artista pode passar sem um conceito de arte mas não sem um ideal, expresso ou
inexpresso, de arte. Embora em linha de princípio todas as poéticas sejam equivalentes, uma poética é eficaz somente se adere à espiritualidade do artista e traduz
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seu gosto em termos normativos e operativos, o que explica como uma poética está
ligada ao seu tempo, pois somente nele se realiza aquela aderência e , por isso, se
opera aquela eficácia. (PAREYSON, 1984, p.26)
A artista foi se construindo enquanto artista ao longo dos anos e suas poéticas foram se modificando. Os trabalhos onde se encontram com frequência cortes e recortes do início da carreira foram
dando lugar a linhas cada vez mais orgânicas. O trabalho intitulado Cauda#2 (figura 2), de 2005, da
série Caudas, exposto na exposição 30x Bienal que aconteceu entre 21 de setembro e 8 de dezembro
de 2013 a respeito da história das Bienais de São Paulo, é um trabalho de seu período inicial enquanto
artista. Cauda#2é uma obra que remete à ilusão, pois apesar de encenar um derretimento, o trabalho
é feito de madeira e possui dobradiça na parte dobrada entre o chão e a parede. É um trabalho que
fica entre aquilo que é, mas que não pode ser, pois a madeira é um material rígido que não derrete
e se espalha feito uma massa líquida. As cores fortes e antagônicas também são características deste
período inicial da artista enquanto se constrói. Sobre este período a artista comenta:
Em Cauda #2 é engraçado ver como aquele falso derretimento era feito com madeira. Era quase uma cenografia de algo derretendo, e depois eu usei um material
que faz parte da característica dele derreter facilmente. Acredito que o momento
do Cauda #2 era um momento de formação. Naquele momento as esculturas eram
quase pinturas no espaço ou esculturas pictóricas, elas eram muito ligadas às pinturas e elas tinham essa ideia de pensar um pouco qual é o espaço da pintura no
mundo, que era algo que me interessava, como é a pintura para além dela mesma.
(BLASS, 2013)
Mais tarde Tatiana Blass escolhe outros materiais que realmente derretem como em Metade da
fala no chão – piano surdo e então causam outro tipo de encenação.
Imagem 2: Tatiana Blass. Cauda #2. 2005. Fonte: http://www.tatianablass.com.br
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O vídeo é mais uma das linguagens que a artista utiliza, além de pinturas, desenhos, esculturas, instalações e performances. Até o momento foram produzidos seis vídeos e todos que possuem
textos foi a artista quem os escreveu, o que revela também seu interesse pela escrita e construção de
narrativas. Recentemente a artista lançou seu primeiro livro infanto-juvenil A Família Mobília, pela
editora Cosac & Naify.
Como muitos artistas contemporâneos, Tatiana Blass possui uma versatilidade, pois trabalha
com diferentes materiais para produzir suas obras. Desde o início a artista mostrou-se diversificada
e utiliza diferentes meios e matérias para criação, e a técnica não é algo neutro na concepção de uma
obra. “Não devemos subestimar os efeitos da técnica. À força se pensarmos a técnica à maneira moderna – como um meio prático para atingir determinados fins – esquecemos e suas consequências.”
(DUARTE, 2010, p.204). Ao se escolher uma técnica, espera-se um tipo de resultado, e o artista conhece a manufatura e os resultados que serão obtidos na escolha do óleo em detrimento da aquarela
para realizar uma pintura, por exemplo. Portanto, a técnica é fundamental para obter os resultados de
uma obra, ela é produto humano e “traz em si as relações sociais que a engendraram” (DUARTE, 2010,
p.205). Sobre seu processo de criação em diferentes materiais, comenta:
Como eu trabalho com mídias bem diferentes, são casos diversos. Na pintura não
existe projeto, então geralmente tem uma ideia que agrega a aquilo que eu estou
fazendo em determinado momento. (...) É diferente, por exemplo, quando faço os
projetos que exigem outros profissionais, pois é preciso maior clareza do que quero
para poder explicar para as outras pessoas. Mas sou muito contaminada e gosto de
ser contaminada pelas pessoas que acabam trabalhando junto comigo. Na fundição, por exemplo, quando comecei a fazer, não conhecia muito a técnica, de como
ficaria uma escultura em bronze, seu processo, as pátinas possíveis, então com os
profissionais fui descobrindo. Há pouco tempo fiz um primeiro trabalho em fundição em ferro, que pode também gerar um monte de escolhas, de como ficará. Então
normalmente há uma ideia, uma rota, mas eu gosto muito de ser contaminada pelas
coisas, acho que enriquece. (BLASS, 2013)
Quando Tatiana Blass produz suas pinturas com colagens, cada material agregado à tela vai
modificando visualmente a obra e criando outro efeito. A maneira que dispõe os objetos em suas
instalações e os próprios objetos escolhidos vão formando suas obras. Cada elemento é importante
na construção da obra e precisou ser pensado para ser seccionado. Ou quando escolhe a cera em detrimento de materiais mais rígidos para produzir esculturas, a artista sabe o efeito que busca e qual
a finalidade da cera. Sendo um material mais maleável, nos remete mais ao corpo humano, à pele do
que o bronze ou o mármore, embora existissem artistas ao longo da história da arte que mesmo com
materiais rígidos conseguiram transmitir as emoções dos objetos, o calor que passam as dobras de um
tecido por exemplo. Mas a artista opta por um material de durabilidade instável, maleável e de certa
forma perecível, o que não é por acaso. O material faz parte da obra, o material é parte fundamental
para a obra e se a obra não fosse produzida em cera, ela não poderia ter acontecido. Sobre a diversidade de materiais empregados em suas obras, a artista comenta
:
Acredito que cada meio tem suas especificidades, mas acho que estão todos relacionados. O fato de usar muitas linguagens e mídias diferentes, na verdade não é
uma opção, foi talvez um jeito desconcentrado, meio bagunçado de ter uma pulPoéticas Visuais, Bauru, v 5, n.2 , p. 40-53, 2014.
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são, de querer fazer as coisas e se interessar por muitas linguagens diferentes. Até
também de trabalhar com coisas de outro universo, como os atores, ou mesmo me
apropriar de coisas de literatura, de música. Tudo para mim é bem parecido, querer um trabalho em mármore, querer usar o Chopin. Todas as coisas que estão no
mundo e que me desafiam a querer fazer, a ir para muitos lados, eu não consigo
trabalhar de uma única forma. (BLASS, 2013)
Duarte (2010) problematiza as questões das novas tecnologias como uma nova forma do público interagir com a obra de arte, com obras que exigem maior participação do espectador, além da
contemplação das obras convencionais, mas chega à conclusão de que: “No final, entretanto, qualquer
que seja a revolução técnica, persistirá na arte a exigência da qualidade poética.” (DUARTE, 2010, p.
207). Ou seja, independente da técnica ser nova ou mais antiga, o que prevalece na arte é a exigência
da qualidade poética que essa obra consegue atingir. Tatiana Blass transita entre a pintura, a escultura, instalação, vídeo, performance e desenhos com grande desenvoltura e parece sempre escolher o
melhor meio de realizar suas ideias.Um dos gestos de Tatiana Blass é pensar em diversos materiais,
trabalhar diversas formas e assim tratar de temas como a morte, a ilusão, a encenação, o tempo, as
narrativas e o vestígio.
A complexa montagem de uma exposição
Cada artista possui um gesto, e como tal cria suas obras. Os artistas se organizam dentro da
própria regra que criam e assim produzem. Mas a arte não cabe dentro do ateliê do próprio artista.
À obra gerada é necessária a saída do útero-ateliê. Pensar em uma montagem de exposição é pensar
diversos agentes como produtores, curadores, montagens de som, luz, publicidade, mediação, enfim,
diversos personagens que podem surgir com uma montagem. É preciso considerar até mesmo certa
modificação que as obras sofrem, do ateliê ao espaço expositivo, ou da intenção do artista ao projeto
de execução à definitiva montagem da obra. Tatiana Blass trabalha com diversos materiais, e por isso
necessita de profissionais que realizem seu trabalho. As únicas obras em que não existe uma terceira
mão são as pinturas, todas as outras obras passam por diversas traduções, sobre isso a artista comenta:
Existem alguns profissionais que eu trabalho. O que eu tenho capacidade de fazer
sozinha é pintura, o restante eu preciso de ajuda. Mesmo uma escultura em mármore como Patas, tem o marmorista. Eu acompanho todo o processo e vou fazendo
junto, mas a técnica eu não tenho. Na fundição, que acho que é a relação mais forte
que eu tenho, já fiz muitos trabalhos com as mesmas pessoas. A primeira vez que eu
fiz uma fundição foi em 2007, e quando eu fui fazer, entendi o processo da técnica
perdida (ou cera perdida), vi uma escultura em cera e foi então que começou a me
dar ideia de trabalhar direto com a cera. Pois muitas vezes a partir de um trabalho, da experiência de realizar um trabalho é que gera outras ideias para realizar
outros. (...) Então conforme o projeto eu acabo indo atrás desses profissionais.
(BLASS, 2013)
Com tantas parcerias nas obras é inevitável considerar que o pensamento da artista acaba
modificando-se através das possibilidades técnicas e das interpretações de uma obra. Tatiana Blass
afirma:
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(...) são várias traduções. Acontece de você ter um trabalho que surge como uma
ideia, ele está na sua cabeça, no suporte da sua cabeça, e quando você transfere
para a imagem do desenho ou tenta explicar, você já está traduzindo e formalizando de outro jeito. Então são várias traduções. Passar para uma pessoa é mais uma
camada de tradução e se você ficar querendo chegar muito próximo ao original
da sua ideia vai ser sempre uma frustração. Porque, na verdade, você nunca vai
chegar ao suporte da sua cabeça. (BLASS, 2013)
Jean-Marc Poinsot (2012) reflete a respeito da complexa montagem de uma exposição e designa narrativas autorizadas as informações que o artista possa dar a respeito da montagem de sua obra,
como comentários, notas explicativas, ilustrações e projetos que ossam ajudar em uma possível montagem posterior da mesma obra. Todas as informações são relevantes para uma futura montagem,
pois lugares diferentes podem conter diferenças específicas.
Pensar o espaço expositivo é pensar como as obras estão dispostas nele, sendo a exposição
uma situação de discurso. O século XX acompanhou diversas mudanças na forma de expor as obras
de arte. Poinsot (2012) lembra que Lissitzky comparava as grandes exposições internacionais a zoológicos, onde o visitante ficava atordoado. As paredes das exposições não deveriam ser sobrecarregadas
de informações, era preciso dar intervalos para as obras respirarem e o público poder apreciar individualmente cada uma. Alguns artistas como o próprio Lissitzky ou Kiesler, citados pelo autor, começaram a pensar esse espaço expositivo de outra forma, o que culminaria nas paredes brancas das galerias
e museus de hoje. Afirma que foi apenas lentamente “e primeiro de maneira totalmente excepcional,
que pôde se instaurar uma relação claramente assumida entre a obra e a parede, ou o espaço de sua
representação, no quadro institucional das exposições e dos museus” (POINSOT, 2012, p.176).
A obra Cerco (figura 3) de Tatiana Blass de 2007, pode evocar um pensamento a respeito do
espaço expositivo. O faisão que tenta levantar voo permanece dentro do quadrado de latão preso ao
chão. Aqui a relação de duplicidade, mais uma vez presente em suas obras, é percebida pelo momento
da captura ou do escape do faisão. Abstendo-se do sentido que possa existir com relação à encenação
de caça e caçador, a obra trabalha essencialmente com o espaço da exposição. O quadrado perfeito
é desfeito pela ação sugerida do voo do pássaro. O quadrado invade então o espaço, sugerindo uma
ocupação. Parte deste quadrado está fixado na parede, formando outro espaço, o que faz com que a
obra ocupe a parede, o chão e o meio, o espaço como um todo. A delimitação condicionada ao pássaro pode ser metáfora da delimitação em que se encontram as obras no espaço expositivo, de forma
organizada, limpa e com certo enquadramento. Tatiana Blass ocupa o espaço tridimensional e Cerco
torna-se uma representação do seu próprio espaço de exposição. “A exposição instaura uma lógica,
uma sintagmática e uma concepção do signo que se encontra em comportamentos que ultrapassam
amplamente os limites habituais da exposição no sentido estrito” (POINSOT, 2012, p.163).
Referências e interlocuções
O artista contemporâneo não cria sozinho, carrega consigo toda a história da arte. Seria ingenuidade pensar que as questões discutidas hoje não estavam presentes há séculos na arte. Cada época
enxerga e reflete sobre detalhes que parecem pertinentes dentro da história da arte. Tatiana Blass não
é diferente, é uma artista que carrega consigo o conhecimento imagético e historiográfico da arte.
Herdeira direta dos modernistas possui algumas influencias e interlocuções reconhecíveis em seus
trabalhos, assim como outras que serão percebidas apenas mais tarde. “Em cada um de seus gestos,
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muito importantes para mim com os quais fiz cursos livres (...).Então fiz muitos
cursos com artistas, como com o José Resende. Com o grupo de amigos da faculdade fizemos encontros com o Paulo Monteiro. Nos encontrávamos todos os meses
com o Paulo e cada vez chamávamos uma pessoa diferente para falar dos nossos
trabalhos. Chamamos várias pessoas, como Nuno Ramos, Paulo Pasta, Cássio
Michalany, críticos como Carmela Gross, Sônia Salzstein. (BLASS, 2013)
Imagem 3: Tatiana Blass. Cerco. 2007.
Faisão-coleira taxidermizado e latão. 360x390x130cm.
Fonte: http://www.tatianablass.com.br
a arte inicia também a questão de seu ‘ser’: ela busca seu próprio rastro. Ela tem talvez consigo uma
relação de vestígio, e de investigação” (NANCY, 2012, p.291). A arte contemporânea carrega, portanto, o rastro de toda a história da arte. Não se pode mais pensar a história como evolutiva, mas sim
como uma montagem de tempos, onde detalhes retornam ao longo dos tempos. “(...) a arte tem uma
história, e ela é talvez radicalmente história, isto é, não progresso, mas passagem, sucessão, aparição,
desaparecimento, acontecimento” (NANCY, 2012, p.294).
Tatiana Blass comenta as interlocuções de críticos, artistas e pesquisadores que foram importantes na
sua construção como artista:
(...) a crítica de arte brasileira foi muito importante para mim. Fiz um curso com
o Rodrigo Naves de história da arte que foi importante. Com o Alberto Tassinari
também fiz um curso sobre o Impressionismo. Há também o Lorenzo Mammi, eu fiz
parte de um grupo de estudos que ele coordenava no Centro Universitário Maria
Antônia da USP, fazíamos vários seminários, e essas pessoas eram muito próximas
e foram parte de uma formação importante. Houve um momento em que estudei
bastante história e teoria da arte e fazia parte de grupos de crítica (..).(BLASS,
2013)
É importante ressaltar esse período de formação na arte que reflete na qualidade da produção
da artista. Possuir uma fundamentação teórica é a base para os artistas contemporâneos poderem
ir além em suas produções. Tatiana Blass possui a formação em Artes Plásticas pela UNESP, uma
recorrência dos artistas mais jovens no Brasil, que buscam uma formação acadêmica. A respeito do
momento inicial de estudos e pessoas importantes na formação, Tatiana Blass completa:
Todos os nomes citados pela artista são personagens importantes na arte contemporânea. Rodrigo Naves, Alberto Tassinari e Lorenzo Mammi são pessoas que escreveram e pensaram muito a
respeito da arte no Brasil, são referências para críticos e historiadores, sem dúvida foram de grande
valia os cursos feitos pela artista. Pensar a respeito da história da arte faz com que a arte se fortaleça
e continue a trazer algo de diferente. Nuno Ramos, Carmela Gross e Paulo Pasta, alguns outros nomes citados por Tatiana Blass, são referências de artistas brasileiros consolidados em suas carreiras.
O ambiente em que a artista se formou, a cidade de São Paulo, oferece uma gama de oportunidades e
referências diretas que contribuíram para o amadurecimento da artista. A formação de repertório visual foi dando-se desde muito jovem, com as visitas às Bienais e outras exposições, com a participação
nesses cursos livres, feitos desde a adolescência e também com sua graduação em Artes Plásticas.
ções:
Em entrevista, Tatiana Blass comenta um pouco sobre os artistas com os quais estabelece relaUma relação eu vejo com o próprio Paulo Monteiro, com Nuno Ramos também,
que possui vários trabalhos que eu gosto. Na pintura o Sérgio Sister, Paulo Pasta,
a Cristina Canale, há muitos. Do exterior também, Matthew Barney, Urs Fischer,
Bruce Naumann. (BLASS, 2013)
Uma referência internacional apontada por Tatiana Blass é o artista suíço Urs Fischer (1973),
que atualmente vive e trabalha em Nova York, Estados Unidos. Tatiana Blass e Urs Fischer tem em
comum o uso de diversos meios e materiais para compor suas obras. O universo das obras de Urs
Fischer é um universo imaginário, onde insere ovos no rosto de pessoas fotografadas, cria um rombo
na parede do espaço expositivo, combina elementos que a princípio nada podem ter relação um com
o outro, como a fotografia de uma mulher com um fragmento de corrente por sobre seu rosto na obra
Invisible Problem de 2013. São obras inusitadas que causam um estranhamento no espectador assim
que se dá o primeiro contato, parecendo serem fruto de um fluxo de consciência do artista.
Além de trabalhar com esculturas de cerâmicas não fundidas, Urs Fischer possui algumas
obras onde trabalha com a cera, como Tatiana Blass. São trabalhos muito semelhantes às escultura-performances da artista. As obras de Tatiana Blass possuem maior limpeza de elementos, sendo
apenas a escultura feita de cera e poucos outros objetos, como uma cadeira onde a figura está sentada,
ou uma coluna vertebral em bronze que aparece enquanto a escultura derrete. Como na obra Luz que
cega – sentado, (figura 4) de 2011, que se trata de um homem de cera que vai derretendo lentamente
por meio do refletor posicionado em suas costas. Encontra-se nesta obra uma situação de dualidade
com relação à luz, pois ao mesmo tempo em que ilumina e destaca a figura, a luz a destrói e ensaia seu
desaparecimento. A cera que escorre dá a ver outro elemento do qual o personagem se constitui: uma
espinha dorsal feita de bronze.
(...) Há referências de todos os lados, mas há artistas de São Paulo que foram
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Imagem 4: Tatiana Blass. Luz que cega – sentado. 2011.
Cera microcristalina, bronze fundido, cadeira e refletor.
Fonte: http://www.tatianablass.com.br
Os trabalhos de Urs Fischer possuem visualmente mais elementos, como na obra Sem Título
de 2011 (figura 5), onde um homem sentado em uma cadeira está derretendo. A descrição simplista
da obra pode levar a crer que esta obra de Urs Fischer é realmente muito semelhante à Luzque cega –
sentado de Tatiana Blass. Mas um olhar mais apurado detecta que a obra de Urs Fischer diz a respeito
de algo bem diferente da obra de Tatiana Blass.
Urs Fischer coloca um homem, vestido de jaqueta verde, camisa, calça jeans e tênis, sentado
sobre uma cadeira de estofamento colorido, apoiando suas mãos, que estão juntas, em cima de uma
mesa redonda. Em cima da mesa há uma vela grossa, que está derretendo e na cabeça do homem há
pavios que vão derretendo sua cabeça. As soluções encontradas por Urs Fischer e por Tatiana Blass
são diferentes: enquanto o primeiro utiliza o pavio, algo próprio do derretimento de uma vela feita de
cera; a segunda utiliza algo externo para o derretimento do sujeito sentado à cadeira, bem como de
todas as outras obras produzidas em cera por Tatiana Blass, que contam sempre com um elemento externo para seu derretimento, seja ele um refletor de luz ou uma chapa de metal aquecida. Urs Fischer
traz o elemento próprio do derretimento da vela, aquilo que é inerente à ela, como se o homem sentado estivesse causando sua própria ruína, como se ele fosse autodestrutivo. Em Tatiana Blass, todos os
personagens dependem de algo externo à sua ruína.
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Imagem 5: Urs Fischer. Sem título. 2011.
Mistura de parafina, aço, pigmentos. Dimensões variadas.
Fonte: www.ursfischer.com
São questões de tempo e ilusão, que se fazem presentes nas obras dos dois artistas. Paradoxalmente, as obras de Tatiana Blass e Urs Fischer são ao mesmo tempo parecidas e diferentes em diversos
aspectos, e outra característica que pode ser encontrada nos dois artistas é a questão da cenografia da
exposição. Ambos são preocupados em montar uma cena bem construída para problematizarem suas
obras. São locais escolhidos para favorecer a cenografia de uma exposição.
As relações que se podem estabelecer entre Tatiana Blass e Urs Fischer vão além das obras em
cera. Ambos possuem obras que desafiam o formato de móveis, como cadeiras e pequenas mesas.
Tatiana Blass corta cadeiras ao meio, agrega um escorrido que não é maleável e Urs Fischer empilha
mesas e cadeiras, constrói desarranjos com elas, cria buracos, inutilizando-as. Ambos também possuem esculturas que agregam elementos variados, que parecem não pertencer àquele objeto. Mas as
obras de Urs Fischer parecem ser muito mais frutos de devaneios, de sonhos sem sentido aparente,
são fluxos de consciência de uma mente com grande potência imaginativa.
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Genealogia da pintura
Imagem 8: Uma das paredes do ateliê de Tatiana Blass em outubro de 2013.
Fonte: arquivo pessoal.
Imagem 6: Cartaz sobre exposição
retrospectiva de Rico Blass de 1983 em
Frankfurt, Alemanha.Fonte: Acervo pessoal.
Imagem 7: Rico Blass. Meu ateliê. 1957.
Óleo sobre tela. 118x82,5 cm.
Fonte: http://www.artnet.com
Em sua casa/ateliê Tatiana Blass possui um cartaz (figura 6) sobre uma exposição retrospectiva
de Rico Blass, do ano de 1983 que ocorreu em Frankfurt, Alemanha. Rico Blass nasceu na Alemanha
em 1908 e faleceu no mesmo país em 2003 com 95 anos. Era pintor e artista gráfico, fez seus estudos
em Zurich e em Paris. O artista foi tio-avô de Tatiana Blass, irmão de seu avô. Tatiana Blass não o
conheceu pessoalmente, pois Rico Blass faleceu um mês antes de seu encontro marcado. Na figura do
cartaz vê-se a imagem do pintor com sua tela diante de uma paisagem, esta que pode ser outra pintura
também. A pintura é uma metalinguagem sobre o ofício do pintor, uma obra escolhida para ilustrar
uma mostra retrospectiva.
Rico Blass foi um pintor figurativo: pintava muitas paisagens, interiores, trabalhava com óleo,
guache, aquarela dentre outros materiais como a serigrafia. Na figura 7 pinta seu próprio ateliê, novamente a respeito da ação do pintor, a pintura. Seu ateliê possui tintas, potes para lavar pincéis, um
vaso com pincéis de diferentes formatos e várias pinturas espalhadas pelo ambiente. O pincel e as
tintas amassadas sobre a mesa, bem como o pincel dentro do pote para lavá-lo dão o indício de que
o pintor esteve no ateliê há pouco tempo. Na verdade o pintor está presente, mesmo que não apareça
diretamente na pintura, mas está por trás dela. A pintura do ateliê é o índice de que o pintor esteve e
está ali.
Muitos foram os artistas dentro da história da arte que pintaram seus ateliês, locais de tra-
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balho, e retrataram um pouco de seu universo. Na figura 8 há a fotografia do ateliê de Tatiana Blass,
fotografado em 2013 em ocasião de visita. Na imagem vê-se que muitos quadros foram pintados nesta
mesma parede, que receberam muitas camadas de ficções. Um sucessivamente depois ao outro foram
construindo o que Tatiana Blass produz e é hoje. Muitas pinturas foram pensadas e produzidas nesta
parede. As camadas de bordas de tintas que vazam da tela também são o índice da presença de Tatiana
Blass, mesmo em sua ausência. A pintura existe há muito tempo, o ofício de pintor transformou-se ao
longo dos séculos e Tatiana Blass carrega em sua genealogia o desejo da pintura.
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Considerações
Pensar a poética e a fatura de Tatiana Blass é pensar a respeito da história da arte, bem como
da arte contemporânea e das questões que as engendram. Toda formação de Tatiana Blass, referências
e interlocuções foram agregando qualidade e profundidade a sua produção. O estudo e interesse pela
História da Arte é fundamental para os artistas contemporâneos. O contato com a arte desde cedo
possibilita que o artista torne-se mais completo. O repertório visual de Tatiana Blass foi sendo construído desde criança por meio de visitas a exposições como as Bienais, que agregaram conhecimento
a artista.Pensar a obra por ela mesma é uma leitura necessária para a compreensão da obra, mas é
preciso pensar também o percurso, as interlocuções e referências que a artista possui ao longo de sua
trajetória. São questões indispensáveis para entender a construção de sua arte e compreendê-la dentro
do sistema
Referências eletrônicas
TATIANA Blass. Disponível em: <http://www.tatianablass.com.br/>. Acesso em: 15 maio 2014.
URS Fischer. Disponível em: <http://www.ursfischer.com>. Acesso em: 15maio 2014.
RICO Blass. Disponível em: <http://www.artnet.com>. Acesso em: 15 maio 2014.
Recebido em 30 de Julho de 2014.
Aprovado para publicação em 22 de outubro de 2014
Referências
BLASS, Tatiana. Tatiana Blass: entrevista [dez. 2013]. Entrevistadora: Viviane Baschirotto. São Paulo,
2013. Entrevista concedida ao projeto de pesquisa Tatiana Blass e o gesto na matéria em Joinville.
DUARTE, Paulo Sérgio. Chega de Futuro? (Arte e tecnologia diante da questão expressiva). In:
COHN, Sérgio (org.). Ensaios Fundamentais Artes Plásticas. Rio de Janeiro: Beco do Azougue,
2010, p. 203-215.
NANCY, Jean-Luc. O Vestígio da Arte. In: HUCHET, Stéphane (org.). Fragmentos de uma teoria da
arte. São Paulo: Edusp, 2012.
PAREYSON, Luigi. Os problemas da estética. São Paulo: Martins Fontes, 1984.
POINSOT, Jean-Marc. A arte exposta. O advento da obra. In: HUCHET, Stéphane (org.). Fragmentos de uma teoria da arte. São Paulo: Edusp, 2012.
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Cenário de um percurso para a (des)construção do
conceito de comunicação digital
A path´s scenario to (de)construction of the digital communication concept
Lucilene Cury* & co-autores:
Ana Flávia Souza Sofiste(1), Beatrice Bonami Rosa (2), Ligia Capobianco(3), Luiz Roberto de Almeida(4),
Nelson Santo Rocco(5), Regina Kyomi Murakoshi(6), Renato Almada Alonso(7) e Robson de Sousa(8)
*Docente da Escola de Comunicações e Artes (ECA) da Universidade de São Paulo (USP), São Paulo, SP. Realizou estudos de
Pós-Doutorado na Universidade de Paris-Sorbonne voltados à Televisão. É líder do Grupo de Pesquisa - Cibernética Pedagógica:
Laboratório de Linguagens Digitais, certificado pelo CNPq. E -Mail: [email protected]; co-autores:(1)mestre em Educação, Politica, História e Sociedade pela Pontifícia Universidade Católica, PUC-São Paulo, São Paulo, SP. Doutoranda em Educação pela
PUC-São Paulo; (2)Mestranda ECA-USP – Programa de Pós-Graduação em Ciências da Comunicação – Interfaces Sociais da
Comunicação;(3)Mestre em Ciências da Comunicação pela Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo na
área Interfaces Sociais da Comunicação. Pesquisadora do Grupo de Pesquisa CNPq- Cibernética Pedagógica, Laboratório de Linguagens Digitais, da ECA-USP;(4)publicitário e pesquisador do Grupo de Pesquisa CNPq – Cibernética Pedagógica - Laboratório
de Linguagens Digitais da ECA-USP;(5)jornalista e aluno especial da Disciplina: Tecnologias Digitais em Espaços Educativos da
ECA/USP;(6)mestranda em Design pela FAU-USP;(7)mestrando em Tecnologias da Inteligência e Design Digital pela PUC-São
Paulo;(8)comunicador social: rádio e TV. Coordenador dos Laboratórios de Imagem e Som (LIS) da Uninove, São Paulo(SP).
Resumo
Este artigo analisa o contexto da comunicaçãoe os conceitos que estão atribuídos ao seu uso nas práticas cotidianas, bem como sua aplicação no contexto das tecnologias digitais em ambientes educativos. Nesse percurso, a
ideia que orienta o artigo é a de pensar que ela pode não ser uma“comunicação” digital, para trilhara busca de um
“devir” ou “quase conceito” de comunicação digital.
Palavras-chave: Comunicação Digital; Desconstrução; Cultura Digital, Interfaces; Design.
Abstract
This article analyzes the context of communication and the concepts that are attributable to the use of it in everyday practices, as well as the application in the context of digital technologies in educative settings. In this way, the
idea that guides the article is to think what cannot be digital “communication” to beat a search for a “becoming” or
“almost” concept of digital communication.
Keywords: Digital Communication; Deconstruction; Digital Culture, Interfaces; Design.
Introdução
A
ideia deste texto é criar uma maneira de expor o que podemos considerar como “comunicação digital”a
partir das noções propostas pela teoria da desconstrução do filósofo Jacques Derrida, que parte do
princípio da inexistência de uma verdade absoluta. Assim, consideramos inicialmente o que não é a
comunicação digital, num percurso às avessas, até chegar à construção de um “quase conceito”, que seja capaz
de nortear nossos novos estudos pelos caminhos do mundo digital.
Nesse percurso remetemo-nos a outros autores, tais como Jesús Martín-Barbero, expoente da teoria
da recepção; Martin Buber, da filosofia do diálogo;Michel Serres, que considera a conversação como a arte
suprema; Umberto Eco, teórico da comunicação, dentre outros, para fazer a composição do tecido básico da
comunicação desde sua forma mais autêntica -o diálogo - até chegar às conexões ou pontos de conexão que as
interfaces homem/máquina propiciam.
Durante um semestre de aulas de Pós-Graduação, na ECA/USP, alunos de diversas áreas do saber juntaram-se para estudar as tecnologias digitais em espaços educativos e, motivados pela interdisciplinaridade na
formação dos mesmos e, pelos textos de livros, também dos mais diversos matizes, formou-se um grupo muito
saudável para novas propostas e propício a encontrar outras formas de pensar a comunicação e a educação, o
que levou a esse voo que consideramos de vanguarda, o que muito nos anima e instiga a seguir adiante, para
além do mesmo, ou mais do mesmo, instigando para cada vez mais inquietudes, como é próprio do saber e do
desejo de conhecimento.
O mundo hoje, circunscrito no âmbito dos aparatos digitais, oferece uma multiplicidade de contatos
que são tratados indistintamente de comunicação, noção a ser mais explicada, a fim de ser utilizada nos inúmeros textos em que aparece de forma corrente, “quase” sem questionamento. Se a comunicação é assim tratada,
a comunicação digital, então, consta como título, como conteúdo, como formato, como tecnologia, enfim, é
sucessivamente utilizada sem parâmetros, sem explicações convincentes.
Nessa linha de pensamento a respeito da comunicação figuram como aspectos centrais para estudo a linguagem e os variados entendimentos sobre ela ou, basicamente, suas diversas naturezas: a natural e a artificial
como caracterizamos, respectivamente, a linguagem humana e das máquinas, de tipo digital.
Linguagens essas que estão inseridas no âmbito da cultura e no cotidiano das pessoas, com texto e
contexto, imagem e design, no tempo e no espaço da sociedade planetária em que estamos vivendo, onde cada
mensagem dá lugar a novas mensagens e o espaçoinfla (SERRES, 2001, p.308).
O excesso de mensagens (informações) decorre, segundo Flusser (2007), da dificuldade que temos
vivido atualmente em produzir diálogos efetivos. Somos inundados por muitos discursos (como notícias jornalísticas, por exemplo), mas não conseguimos contrapor informações a essas que recebemos a fim de sintetizar
uma nova informação, ou seja, falta o diálogo efetivo.
Trabalhamos com a intenção de desmontar o estabelecido, deixando de usar nesse percurso o retrovisor, para olhar de frente, para frente, de modo a mirar menos a paisagem e deixar prevalecer um novo olhar,
para ver de modo diferente, assim como faz Martín-Barbero, que instiga-nos com sua afirmação de que a cultura é exatamente isso –“menos a paisagem que o olhar” (2014, p.47).
De forma que é preciso olhar tudo com outros olhos, sem dados pré-estabelecidos, ainda que a paisagem seja em muitos casos, a mesma que se via antes, em termos de comunicação/educação, ou na relação
indispensável entre esses dois processos.
Assim, fazemos uma espécie de vislumbre do que pode vir a ser a simulação do universo educacional
para nossos próximos tempos.E, com isso esperamos caminhar no sentido de pensaro que pode ser a comunicação. Nesse mesmo caminho, como se apresenta a chamada “comunicação digital”? Seguindo ainda esse
rastro, o que vem a ser a comunicação digital de hoje e a do futuro?
De forma que nossa proposta foi realizar um percurso pelas trilhas da comunicação,iniciando pelas
ideias e significados que o tema sugere, passando pelas reflexões do grupo, até chegar a um ponto capaz de levar
à sugestão de ações concretas no universo das interfaces comunicação/educação, cada um no seu saber fazer,
no espaço próprio em que executa seu trabalho, seja ele em qualquer desses dois processos - o da comunicação
e o da educação, sempre no contexto das tecnologias digitais.
Enfim, esperamos ter chegado a um ponto que leve a tantos outros, como uma espécie de teia no emaranhado
tecido que envolve o estudo e a prática da comunicação/educação.
1. Interfaces Homem/Máquina
A conexão entre homem/máquina leva à simulação de uma atividade comunicativa, ou seja, a uma
aproximação da máquina com o usuário. A conexão generalizada via internet, com o uso das máquinas de
comunicar, oportunizou e ampliou as formas de ações e de comunicação do homem sobre o mundo.
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Essa conectividade possibilita a troca de informações de forma autônoma e independente a partir de
uma relação do “estar só sem estar isolado” (LEMOS, 2003). Por outro lado, entendemos que as noções de interatividade e de interação, ainda que não possam ser classificadas como dialógicas, um espaço de diálogo no
sentido estrito do termo, são também diferentes da noção de conectividade, que para este trabalho representam
encontrar sentido nos sinais do mundo digital.
A interface, ou a intérprete da comunicação homem/máquina,surgena forma de um canal de comunicação, que se convencionou chamar de “realidade virtual”. Embora o termo realidade virtual esteja muito
inflacionado, como tudo o que condiz com a mediação tecnológica, ele ainda não se constitui como um conhecimento epistemológico dado, fechado, segundo a visão deVilches(2003).
O que temos de maneira ainda incipiente é a ideia de que, principalmente, essas interfaces são conexões, como pode ser representado pelas cenasdo filme “Her”a seguir apresentadas, que encontramos na caminhada em busca de noções mais aprofundadas sobre o tema comunicação/educação, em tempos de tecnologias
digitais.
Imagem 1: A maioria das pessoas no metrô está conectada com outras pessoas que não estão ali por meio de dispositivos.
Imagem 2: Enquanto Theodore caminha pela rua conectado a Samantha, vemos mais dois homens andando na direção contrária também conectados a pessoas distantes por meio de seus dispositivos
Imagens 3 e 4: Conexão de Theodore com Samantha (sistema operacional) por tela.
Imagens 5 e 6: Theodore passeando na praia fisicamente sozinho, mas conectado com Samantha.
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O filme “Her”, de Spike Jonze, foilançado em dezembro de 2013 nos EUA, indicado ao Oscar 2014 em 5
categorias e vencedor de melhor roteiro original.Theodore(Joaquin Phoenix), relaciona-se com o sistema operacional chamado Samantha (voz de Scarlett Johansson),chegando em alguns momentos a considerar queesse
é um relacionamento real, pois, mesmo sabendo que se trata de uma máquina, Theodore “sente” que Samantha
está com ele quando fala com ela.
As interfaces que começaram na tela do computador passam a estar presentes em todos os momentos
da vida cotidiana de Theodore, criando simulações de contatos reais.
O filme “Her” foi motivo de debate promovido pelo IEA (Instituto de Estudos Avançados da Universidade de São Paulo) no dia 11 de agosto de 2014 – com a participação do filósofo Renato Janine Ribeiro,do
antropólogo MassimoCanevacci, e da filósofa Olgária Matos. Dentre outras, constatou-se que a tecnologia já se
tornou invisível, de tão arraigada está na vida humana.
Essas cenas do filme exemplificam, portanto, um modo de comunicação entre pessoas e entre pessoas
e sistemas, a partir da ideia da interface homem/máquina, gerando conexões. Esse modelo de comunicação (o
dos contatos, ou das conexões) estabelecido em uma relação tempo/espaço atual, inserido no sistema planetário, está caracterizado pelas tecnologias digitais,que as tomam como uma nova forma de linguagem.
Como parte integrante na construção dos significados, as metáforas de interfaces projetam sistemas de
gerenciamento aplicados que se adequam à própria experiência humana. Da mesma forma que as metáforas da
linguagem empregam uma relação de semelhança entre dois termos, as metáforas de interfaces projetam modelos naturais invisíveis que executam tarefas úteis fundadas na usabilidade. São como pontes que podem fazer
uma aproximação das fronteiras entre antigos e novos meios virtuais e entre os meios passivos e os interativos.
Como exemplo, a representação prática pode ser colocada no quadro abaixo:
[...] um usuário quando arrasta um documento em um diretório (ou pasta) para outro nos
sistemas de gerenciadores de arquivos de ambientes Windows, ele efetivamente acredita que
está mudando o documento de lugar e o que efetivamente ocorre é que o apontador para o
arquivo mudou (o apontador também é uma metáfora) (ROCHA; BARANAUSKAS, 2003,
p.12).
As metáforas de interfaces procuram aproximar, em uma relação amigável, a linguagem da máquina ao
sistema cognitivo humano com ações que se desenvolvem dependentes do seu resultado. Seu objetivo é tornar
menos técnicas as ações, sem a preocupação coma forma como as máquinas funcionam. Para isso, diversos
fatores implicam na construção da linguagem, envolvendo diferentes especialidades como os processos psicológicos na interação, no design instrucional ena linguística, dentre outros.
Uma metáfora auxiliar correta possibilita a correlação efetiva na linguagem. O contrário pode causar
dificuldades ao usuário, desencadeando a exposição da máquina, ou seja, uma reação de distanciamento ou de
rompimento na relação homem/máquina.
Assim, essa nova forma de linguagem deve ser aprendida, pois uma linguagem não se determina pela
técnica, mas pelos usos que se fazem dela. Esse aprendizado é configurado como basal, uma vez que o indivíduo está sempre em estado de mudança. Quando tais características da comunicação digital encontram-se na
essência, a própria maleabilidade do sujeito comporta as novas configurações dessa constelação de possibilidades.
O digital, como uma linguagem comum de dados, como interpreta Martín-Barbero (2014), pode tornar o acesso à informação e o direito à comunicação como um novo espaço público e uma nova usabilidade
das configurações da sociedade, a transição de uma sociedade com um sistema educativo para uma sociedade
educativa e comunicativa.
A novidade da comunicação eletrônica, que explora a interatividade e que transforma a exposição/
audição em uma arte (LEMOS, 2003) pode ser exemplificada na própria configuração do comando WWW World Wide Web (Grande Teia Mundial), onde se estabelece um nível hierárquico horizontal em que todos
supostamente podem ter o mesmo poder de consumo, produção e enunciação não importando o tempo ou o
lugar.
As diferenças dos meios de comunicação devem ser matizadas, pois o que se debate é a proposta de
uma nova conjectura espaço-tempo, onde está presente a renovação do tempo cronológico e do espaço físico,
como pode ser visto na obra do geógrafo Milton Santos, Professor Emérito da Universidade de São Paulo e
autor de mais de 30 livros relacionados ao tema da globalização e dos novos tempos nos quais estão incluídos/
excluídos os cidadãos.
Trata-se de seguir por um caminho que seja capaz de pensar sobre a necessidade do redimensionamento da vida humana/tecnológica, considerando as questões básicas destes tempos de globalização, que remetem
à complexidade da comunicação e da educação, do presente e do futuro.
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2. Sinais, Sentidos e (des) Construções Simbólicas
A comunicação digital abre as possibilidades de interpretação para algo próximo daquilo que Umberto
Eco (1968) chamou de “obra aberta”, uma vez que o texto impresso segue características rígidas com exposição
discursiva linear. Dessa forma, a construção de sentidos na comunicação digital está sempre na margem da
incompletude, pois não há a possibilidade de determinar rigidamente o início e o fim da informação reticular,
já que essa ideia pressupõe uma relação onde o emissor e receptor fundem-se em um processo contínuo de
autoria compartilhada.
O conhecimento que se constrói pela navegação está muito mais próximo do imaginário, fruto da ação em rede
e de associações não sequenciais, de tipo hipermídia, que do resultado de uma classificação sistemática e linear
da compreensão, algo que está contemplado no texto impresso (BAIRON, 2011, p.46).
Derrick de Kerckhove, do McLuhan Canadian Institute, também fala de um sentido comum quando
argumenta sobre a possibilidade de que o digital venha a criar um canal em que as autoestradas da informação
juntem-se para formar um único ambiente, onde o usuário individual, o consumidor e o produtor transformem-se numa espécie de entidade ubíqua e nodal (KERCKHOVE, 2009, p.222).
Imagens, sons, textos interativos, hiperlinks, conteúdos reticulares, são os recursos simbólicos ao alcance dos interagentes motivados a jogar com as interfaces digitais no processo de produção de conhecimento,
que pressupõe um modo coletivo de reconfiguração do status simbólicoda matriz verbal escrita, tradicionalmente difundida pelas instituições.
A transição entre os polos analógico e digital não exclui necessariamentenenhuma de suas extremidades, pois essa área de transição é o próprio reflexo de uma nova sociedade, definida como sociedade do conhecimento em que ninguém sabe tudo, mas todos sabem alguma coisa.
SherryTurkle, pesquisadora doMassachussettsInstituteofTecnology, em palestra concedida ao TED
(2014), aponta para um cenário atravessado pelas conexões, relacionado às linguagens digitais, onde cada vez
mais o diálogo interpessoal é substituído pela conectividade virtual.
A autora do livro Alone Together (2012) faz uma análise crítica sobre as relações humanas interconectadas,em quea coletividade está apenas no âmbito virtual, sem se dar conta da importância e da perda das
interações presenciais, das relações olho no olho, seja no ambiente de trabalho, no contexto familiar ou em
eventos públicos.
Entre o lado que aborda de maneira otimista a conectividade e a interação coletiva interceptada pelas
tecnologias digitais e, as ressalvas que revelam uma preocupação moderada com relação ao isolamentodos
indivíduos conectados, consequência do uso indiscriminado de dispositivos eletrônicos, há uma linha tênue
que cabe à ciência refletir crítica e constantemente sobre as (des)construçõessimbólicas e culturais impactadas
pelas linguagens e tecnologias digitais.
No entanto, a questão que se levanta diz respeito aos níveis de diálogos efetivos e os graus interativos
nos processos conectivos entre grupos de pesquisa, comunidades científicas e instituições de ensino. Há diálogo? Há interação? Em quais níveis?
Sem uma resposta para essas indagações, sabemos ao menos que novas estruturas simbólicas estão
(des)construindo os espaços educativos tradicionais, criando desafios e questões que impõem novas dinâmicas
relacionais nas estruturas convencionais das instituições de ensino,com o objetivo de reconstruir teórica e metodologicamente novos modelos funcionais de produção de conhecimento.
A questão é a da naturezados significados, conforme pode ser compreendido através do trabalho da socióloga
peruana María Teresa Quiroz (2012), para quem é possível progredir para integrar as tecnologias digitais aos
processos de aprendizagem. A educação deflagra hoje o papel de gerar,compartilhar e produzir novos saberes,
“pois ela não se define como um fundo de verdades fechadas e pré-definidas, arquivadas e transmissíveis. Ela é
o campo fértil que engloba o desconhecido” (Ibid., p. 17).
Há uma hibridização das lógicas globais em que a própria sociedade corresponde às configurações da hipertextualidade. Por mais que essa, ou mesmo a pluralidade das lógicas de comunicação estejam muito relacionadas
à dimensão técnica, a ideia da tecnicidade não se relaciona ao aparato tecnológico, mas às competências na
linguagem, pois a tecnicidade não é da ordem do instrumento, mas da ordem cognitiva.
A incorporação de tecnologias no ensino deverá propiciar esses espaços e possibilidades de encontro
ao conhecimento. Importa assim, romper com o sistema educacional unidirecional e unilateral e incorporar
uma nova lógica de ensino que contemple as oportunidades de acesso e qualificação do uso dos ambientes virtuais.
As decisões políticas no setor da educação e as políticas de gestão escolar são insuficientes, pois não
atendem às mudanças relacionadas à função comunicadora de educar, limitando-se a investir em máquinas e
tecnologias informáticas. O problema não pode se reduzir a treinar professores para navegar em computado-
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res ou navegar na internet. Trata-se de trabalhar e preparar os docentes para que compreendam o sentido da
formação de seus estudantes como futuros cidadãos, como sujeitos autônomos, com capacidades de discernir
e criar.
Segundo Martín-Barbero (2014), a tecnologia hoje serve como decoração do ensino e não é utilizada
como transformação radical de estruturas e metodologias. É preciso incorporar as novas tecnologias de comunicação e informação como “tecnologias intelectuais”.
O que está em jogo é a diversidade dos modos de ler e as múltiplas formas de leitura coletiva. Então,
a crise que perpassa o sistema educacional tem menos a ver com a fascinação das novas tecnologias e mais a
ver com a profunda reorganização pela qual passa o mundo ao lado das transformações dos modos de ler. O
fundo da crise do sistema escolar reside em uma mudança: a educação já não é concebível em um modelo de
comunicação escolar ultrapassado, tanto espacial quanto temporalmente, por processos de formação da era
informacional, na qual não há idade pré-estabelecida nem tampouco lugares específicos.
3. Imagem e design
A tecnologia e sua conectividade trouxeram experiências não lineares de comunicação e possibilidades
de diferentes interações no acesso às informações e às “coisas” envolvidas na rotina do cotidiano. Em contrapartida, vieram com ela questões do quão a vida cotidiana é facilitada ou potencializada por ela, como também
a lógica do seu processo de desenvolvimento: as pessoas se adaptam à tecnologia ou a tecnologia se adapta às
pessoas, afinal “a tecnologia de ponta muda rapidamente, mas a vida quotidiana muda devagar” (NORMAN,
2002, p.16).
A tecnologia avança e é inserida em nosso cotidiano de forma tão rápida que ela muda antes do tempo
necessário para que se tenha o domínio sobre ela. Um exemplo é o relógio de pulso, que antes apenas informava as horas, agora o telefone móvel possibilita conversas, informações como a temperatura, calorias perdidas e
também as horas, mas adaptando-se automaticamente ao fuso horário conforme a sua localização. Entretanto,
com todas estas funcionalidades adquiridas, vem também a complexidade da interação, podendo causar para
os menos adeptos a ela frustrações em algo que parecia tão promissor. Diante desse cenário, Norman (2002)
apresenta a seguinte questão:
Porque toleramos as frustrações de objetos do quotidiano, com coisas que não conseguimos descobrir
como usar, com aquelas elegantes embalagens embrulhadas em plástico que parecem impossíveis de abrir, com
portas que prendem pessoas, com máquinas de lavar e secadoras que se tornaram confusos demais para serem
usados, com sistemas de áudio-estéreo-televisão-gravadores-videocassetes que nos anúncios de publicidade
afirmam fazer tudo, mas que tornam quase impossível fazer qualquer coisa? (NORMAN, 2002, p.25).
As tecnologias geralmente não cumprem o seu papel de auxiliar a humanidade na execução de tarefas
devido às pessoas que os projetaram. Segundo Norman (2002, p.26), “a mente humana é feita sob medida e com
extraordinária perfeição para entender o mundo. Dê-lhe a mais tênue pista e lá vai ela, fornecendo explicação,
racionalização e compreensão”. Assim, para o autor, quando os objetos são bem projetados, eles são fáceis de
interpretar e compreender e, consequentemente, podem de fato servir nossas atividades cotidianas.Desta forma, o autor defende o uso correto da visibilidade:
É a falta de visibilidade que torna tantos aparelhos controlados por computador tão difíceis de operar.
E é um excesso de visibilidade que torna o equipamento de som ou o aparelho de videocassete entupido de
dispositivos e sobrecarregado de aplicativos tão intimidadores (NORMAN, 2002, p.32).
Esta visibilidade pode ser realizada por meio de imagens, a partir de ícones, ou palavras singulares que
permitem interpretações das possíveis ações percebidas e de sua estrutura. Desta forma, Norman defende o
desenvolvimento da tecnologia voltado ao homem, colocando-o no centro do processo de desenvolvimento.
Assim, faz-se necessário o entendimento do design neste processo de criação. Segundo Goodwin (2009,
p.3) “design é a habilidade de visualizar soluções concretas que atendem às necessidades humanas e os objetivosdentro de suas restrições”. Essa ligação com as necessidades humanas, segundo Thakara (2001), aproxima
as inovações tecnológicas no contexto da vida diária e traz a preocupação de usufruir da tecnologia de forma
proativa em benefício das pessoas. “Quando isto vem para inovação, nós estamos olhando pelo telescópio para
a direção errada: longe das pessoas e em direção às tecnologias.” (THAKARA, 2001,p. 48, tradução nossa).
A interface de uma tecnologia, muitas vezes é formada por imagens e textos e a partir de sua composição é que se dá visibilidade de seu funcionamento para o usuário. A experiência do usuário não se restringe
apenas ao equipamento tecnológico, mas principalmente à interação com sua interface. Será a composição do
seu conteúdo e orientação de uso que auxiliarão a aproximação da tecnologia com seu usuário:
É necessário que a composição da interface seja estruturada e apresentada de acordo com padrões
ergonômicos e de usabilidade, considerando suas funções de “comunicação e interação” homem/computador.
Isso envolve preceitos expressivos, estéticos ou sintáticos, e comunicativos, significativos ou semânticos, além
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de outros aspectos interativos e funcionais (OBREGON; VARZIN; ULBRICH, 2010, p.24).
4. Proposições
Como conectividade não pode ser considerada uma forma dialógica, na verdade o que se propõe é a
possibilidade da construção de plataformas digitais amigáveis (user-friendly), que constituam algum tipo de
sentido entre o homem e a máquina, de forma que a linguagem natural (humana) tenha conexão adequada à
linguagem artificial da máquina (digital).
Nicholas Negroponte, pesquisador norte-americano de tecnologia, diretor do MediaLab e um dos criadores
da revista Wired, vai mais longe. Em palestra para a conferência TED (Technology, Entertainment, Design) de
março de 2014, faz um retrospecto de 30 anos de carreira e relembra de algumas criações suas, como o uso dos
dedos como uma ferramenta de interação com a máquina e o embrião do que viria a ser o comando de voz para
ações de computadores, ambos considerados irrealizáveis diante da tecnologia disponível naquele momento.
Ao final da palestra, o pesquisador é questionado sobre sua previsão para o futuro. Ele dispara:
Obrigado por perguntar.Vou dizer qual é a minha previsão. Minha previsão,e isso é uma previsão,
porque será em 30 anos e eu não estarei aqui, mas é uma das coisas sobre aprender a ler.Nós temos consumido
muitainformação com nossos olhos e esse canal é muito ineficiente.Minha previsão é que vamos ingerir informação.Você vai engolir uma pílula e aprender inglês.Você vai engolir uma pílula e aprender Shakespeare.E
isso se dará pela corrente sanguínea.E, uma vez na corrente sanguínea, basicamente ela vai para o cérebro, e
quando ela souber que está no cérebro, nas diferentes partes,vai depositá-lo no lugar certo.Então, isso é ingerir
(informação verbal).
Com num sistema vivo, a informação serácomo os elementos orgânicos que poderão ser incorporados
ao corpo humano, sem a necessidade de interação com os órgãos dos sentidos: audição; visão e tato. Não haverá
necessidade de um meio de comunicação para que a informação possa ser apreendida.
Como propõe Nicholas Negroponte, estamos em via de (des)construção da comunicação para uma
nova relação com a informação, que não depende de uma interação a partir do diálogo, mas de uma conectividade com uma interface (pílula). Será somente isso, ou isso já é muito? Será que ampliaremos essa relação para
formas mais reais de comunicação, ou isso não será mais preciso? Qual será o futuro das comunicações?
E de que futuro estamos falando? Se caminharmos no sentido de vislumbrar a educação ou os ambientes educativos, que apostas e propostas poderíamos apresentar, para não ficarmos no nível da “educonexão”,
que pode ser entendida comoeducação com possibilidades de conexão à internet, de boa definição, banda
larga de tipo avançado e acessível a todos os alunos da escola, do sistema educacional geral do pais - o quenão
caracteriza, de forma alguma, a expectativa que temos para a educação, ou educação de qualidade, que é a que
propomos.
Assim, resta-nos terminar estas reflexões sobre a vida hoje com uma frase do cineasta italiano Casanova, diretor do filme A criação dosentido, ementrevista ao Jornal O Estado de S. Paulo, Caderno 2, de 19 de outubro de 2014, p.C11, quando afirma: “este filme é uma busca pessoal do que significa o modo de vida de hoje e
é também minha homenagem a Robert Bresson, que retratou como poucos a natureza e a falta de comunicação
da sociedade”.
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Recebido em 8 de Setembro de 2014.
Aprovado para publicação em 15 de novembro de 2014
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O sistema de informação da fotografia publicitária: as
transformações tecnoimagéticas do fotógrafo
David Lachapelle
The information system of advertising photography: The techno image transformations of the photographer David Lachapelle
Carlo Martins Gaddi* & Júlio César Riccó Plácido da Silva**
* Graduado em Comunicação Social – Publicidade e Propaganda pela Anhembi Morumbi, São Paulo, SP, Brasil.Área
de pesquisa: estratégias de comunicação entre publicidade e arte. E-mail: [email protected]
** Doutorando pela USP - Faculdade de Arquitetura e Urbanismo, São Paulo, SP, Brasil.Área de pesquisa: Projeto,
Processos e Linguagens em Design. E-mail: [email protected]
Resumo
A era da informação digital possibilitou mudanças sociais que, para o filósofo VilémFlusser, torna-se preciso pensar
em uma nova sociologia, a sociologia das imagens técnicas. Nesse panorama, o presente artigo propõe identificar,
através da análise de uma imagem publicitária de David Lachapelle,um sistema comunicacional do qual se utiliza para melhor atingir grandes audiências. Esse sistema vemde encontro com a Teoria da Informação, uma vez
constatado que suas obras operam com um determinado conjunto estruturado de signos. Analisando as estratégias
visuais na imagem fotográfica, torna-se possível identificar as forças exercidas pelos meios de comunicação e como
as novas mídias vem se apropriando desses recursos para disseminar, de maneira eficaz, a mensagem publicitária.
Palavras-chave: Sistema de informação; Tecnoimagética; Fotografia; Comunicação; David Lachapelle.
Abstract
The era of the digital information enable social changes that, for the philosopher VilémFlusser,becomes precise
to think about a new sociology, the sociology of the technical images. In this view, the present article proposes to
identify, through the analysis of a publicity image of David Lachapelle, a system communicational of which it
makes use to reach better great audiences. That system comes from meeting with the Theory of the Information,
once evidenced that his works operate with a determined structured set of signs. Analysing the visual strategies in
the photographic image, it becomes possible identify the forces exercised by the means of the communication media
and how new media comes appropriating these resources to spread, effectively, the advertising message.
Keywords: Information System; Techno image; Photography, Communication, David Lachapelle.
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Introdução
É
possível observar uma crescente demanda pela utilização da imagem publicitária nas mídias
digitais, já que essas possuem meios de disseminar rapidamente sua mensagem. Essa nova profusão de possibilidades técnicas e utilização do ambiente digital como plataforma midiáticaamplia o processo de criação artística, tornando pertinentes novos estudos no campo da análise dos
signos e da comunicação visual.
O presente artigotem como centro de entendimento a imagem técnica que, na visão deVilémFlusser, promovem uma nova sociedade:
Surge uma estrutura social nova, a da “sociedade informática”, a qual ordena as
pessoas em torno da imagem (...) Essa nova estrutura exige novo enfoque sociológico e novos critérios (...) A sociologia futura partirá da imagem técnica e do
projeto delaimanente. (FLUSSER, 2008:55).
A imagem técnica se transforma em canal de informação, projetando o mundo e modificando
a estrutura social que, se outrora saía em busca de informação, hoje se isolaà medida que a informação chega até ela. “As imagens técnicas não juntam pessoas em seu entorno, mas sim que espalham a
sociedade. Dirigem-se a elas ao indivíduo solitário e o alcançam nos seus cantos mais íntimos e escondidos” (FLUSSER, 2008:55), o que pode acarretar no fim dos espaços públicos (ou pelo menos, em
menor escala, a diminuição do mesmo em prol ao crescimento do espaço privado).Ainda, “as linhas
escritas, apesar de serem muito mais frequentes do que antes, vem se tornando menos importante
para as massas do que as superfícies” (FLUSSER, 2007:1033), pensamento que já pode ser confirmado
com o crescimento dos dispositivos móveis capazes de criar, acessar ou transferir grandes números de
imagens técnicas.
Partindodo pressuposto que as imagens não existem mais de forma isolada, mas em interação
com as novas tecnologias digitais, questiona-se como os meios de comunicação trabalharão com o
suporte visual para gerar a mensagem publicitária. É essa possibilidade de discursos que amplia as
estratégias visuais inseridas no ambiente digital.
As imagens técnicas publicitárias aqui analisadas serão as imagensfotográficas,pois a fotografia que, em seu recente percurso de transformações, foi influenciada diretamente pelas possibilidades
dos equipamentos digitais e a potencialização da difusão que a Internet permitiu,expandindo o universo fotográfico eimprimido traços expressivos que mesmo em sua complexidade, podem-se detectar pontos recorrentes. Utilizaremos para tal estudo, o fotógrafo David Lachapelle .
O fotógrafo tornou-se referência da publicidade contemporânea, tendo seu estilo reconhecido pelo globo e rapidamente absorvido pelos meios de comunicação, realizando campanhas para
diversas marcas como: Dos Equis (figura 01), Havaianas (figura 02), Schweppes (figura 03), Smirnoff
(figura 04), Mac (figura 05) entre outras. A grande importância do estudo se baseia em identificar os
pontos aplicados pelo sistema de David Lachapelle, afirmando que a publicidade assume um posicionamento sociológico, já que retrata o comportamento, as crenças e as interações sociais.
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Figura 1: Dos Equis (2009). Disponível em: <http://goo.gl/oNMz6H> acesso em 17 de fev. de 2015.
Figura 3: (2011).Disponível em: <http://goo.gl/bbDjto>acesso em 17 de fev. de 2015.
Figura 2: Havaianas Superhero (2012).
Disponível em:<http://goo.gl/wsYLvY> acesso em 17 de fev. de 2015.
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Figura 4: Smirnoff (2011).Disponível em: <http://goo.gl/EYYHbO >
acesso em 17 de fev. de 2015.
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Para realizar a análise, será aplicado o método de Umberto Eco (2001), da qual sustenta a ideia
de que a imagem é suscetível de ser decomposta em unidades menores, permitindoà imagem ser tratada como conglomerado de camadas que podem ser analisadasseparadamente.
Eco divide a imagem publicitária em cinco níveis — os três primeiros tratam especificamente da imagem e os outros dois sobre a argumentação:
a) Nível icônico: está situado no plano da denotação e inclui os dados concretos da
imagem ou os elementos gráficos que representam o objeto de referência.
b) Nível iconográfico: trabalha com dois tipos de codificação: histórico e
publicitário. No primeiro, a publicidade usa significados convencionais, no
segundo, inclui convenções criadas pela própria publicidade. As conotações são,
portanto, significados convencionais decorrentes de um aprendizado cultural.
c) Nível tropológico: composto pelas figuras de retórica clássicas aplicadas à
comunicação visual (hipérbole, metáfora, antonomásia, etc...).
d) Nível tópico: compreende as premissas e os lugares argumentativos, que são
marcos gerais do processo persuasivo estabelecido pelo texto e imagem. O autor
considera que se trata de um nível ideológico entre a argumentação e a opinião.
e) Nível entimemático: refere-se às conclusões desencadeadas pela argumentação,
do nível anterior, no aparecimento de uma determinada imagem no anúncio.
(SOUZA, SANTARELLI, 2008:138-139)
Figura 5: Viva Glam (2012).Disponível em: <http://goo.gl/nUsxXV>acesso em 17 de fev. de 2015.
O artigo tem por objetivo analisar as potencialidades comunicativas que existem nas fotografias publicitárias de David Lachapelle, estimulando uma leitura das peças e campanhas atuais com
relevância à imagem e suas estratégias de produção de sentido, tornandoum convite para uma exploração metodológica que possa compreendê-lasem sua complexidade visual, suas potencialidades
e suas recorrências no sistema construtivo da imagem.Acredita-se que ao analisarmos a peça aqui
selecionada, constatar-se-á uma grande presença da reafirmação de imaginários sóciodiscursivos que
endossam os papéis sociais.
Análise das campanhas
A análise irá destacaras características plásticas do artista ecomo ele as ordena, permitindo
identificar sua originalidade, autoria, autonomia e visibilidade. Assim, torna-sepossível identificar o
repertório de signos do qual David Lachapelle se apropria,os quais serão aplicados à Teoria da Informação, ampliando o estudo das significações dacomunicação visual e os processos de interação entre
emissor e receptor. Cauquelin (2005) ajudará na compreensão da maneira que as mídias se articulam
com as imagens, ao permitir relacionar o impacto das peças publicitárias de David Lachapelle com a
sociedade e como a interação das mídias digitais assume um papel importante nesse processo.
Carnivalholics
Na imagem abaixo, Carnivalholics (figura 06), tem-se uma iluminação frontal, sem sombras
marcantes e pontos de contraluz que podem ser encontrados no céu: a mesma luz atinge todos os
planos da imagem, criando um esquema de iluminação difusa e padronizada . No que se diz à cor, o
circulo cromático é complementar: existe uma coloração amarelada com tons dourado em oposições
a um azul com tons arroxeados; cores opostas entre si no círculo cromático. O artista evita trabalhar
com meios tons, esquemas análogos e cores pastel, predominando apenas tons opostos entre si e em
seu estado saturado.
Para o estudo, optou-se por uma das imagens do case Havaianas, realizada nos Estados Unidos
em 2012. O motivo dessa escolha deve-se ao fato das Havaianas serem uma marca de sandálias brasileira que nos últimos anos investiu em reposicionar-se no mercado, oferecendo produtos diferenciados e atingindo novos públicos, como as estrelas de cinema, o mundo da moda e as celebridades.
A campanha iniciou sua circulação na temporada de primavera/verão do mesmo ano no hemisfério norte, sendo divulgada emrevistas, pontos de venda e circulando pela Internet.
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Figura 06. Havaianas Carnivalholics (2012).
Disponível em: <http://goo.gl/sHkWZo>acesso em 17 de fev. de 2015
A imagem é apresentada com a seguinte narrativa: uma mulher, jovem e exótica, posa em um
pedestal dourado,exibindo suas sandálias; um homem ajoelha-se perante a mulher, submisso e atraído por sua beleza. Ao fundo, elementos arquitetônicos misturam-se e fundem-se entre si, formando
uma imagem fantasiosa e visualmente atraente.
No nível da conotação, o signo “mulher” é tido como típica dos países latino-americanos. A
mesma é vista como atraente e ao mesmo tempo exótica, com estereótipos diferentes das mulheres
dos países do hemisfério norte (Estados Unidos e Europa). Outra conotação aliada à mulher é seu
status; vestida e posando como uma sambista de carnaval, conota a uma brasileira típica (signo que
faz referência direta com a marca Havaianas, de origem brasileira). O “homem” é do tipo exótico e
sua posição remete à submissão perante a “mulher” (o que reforça discursos feministas em pauta na
última década). Ambos com corpos nos padrões de beleza da indústria de moda atual que, sendo diferente da maioria, reforçam uma ideia de exclusividade.
Ao fundo, contraluzes conotam explosões, provenientes de uma invasão alienígena que podem ser observadas pelos discos espaciais. A mulher, posando como uma rainha egípcia é protegida
por sua beleza e por suas sandálias, enquanto que o homem, na altura de seus joelhos, tenta alcançá-la,
mas é impedido e isolado do restante. O fim do mundo vem para anunciar a chegada das Havaianas,
em uma imagem surrealista e cheia de humor.
Os textos, na imagem Carnivalholics, diferem-se dos textos publicitários que são inseridos
para explicar, contextualizar ou nomear a imagem e a campanha. Não possuem relação referencial ou
explicativa, no limite, não possuem função textual, atuando como pertencentes à imagem como um
todo. O texto sem a imagem nada diz, não possui sentido algum.A utilização do e/ou como ligação entre carnivalholics(loucos por carnaval), bubblemaster(mestre da bolha de chiclete) e ex-mermaids(ex-sereias), atuam como um componente que não limita a interpretação do leitor. David Lachapelle já
explora conceitos e pressupostos de que textos não são mais necessários para ler e interpretar signifi-
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cados das imagens, podendo ser utilizados para compô-las.
É através da hibridização de elementos de diversas culturas (edifícios ocidentais contemporâneos, esfinges egípcias reinterpretadas em uma cultura pop hollywoodiana e glamourosa, a própria
mulher, ora caracterizada como uma sambista brasileira, ora rainha Cleópatra) até a utilização da
coloração dourada, traz a ideia de riqueza e glamour das sandálias, estabelecendo uma relação intertextual da qual remete à ideia de uma aproximação cultural oriunda da globalização.O artista articula
elementos imagéticos de fácil codificação, onde em âmbito internacional, podem ser interpretados
de acordo com o repertório cultural de cada um (possibilitando que uma imagem publicitária seja
carregada de ideologia).
Ao comunicar a mensagem publicitária de forma clara, atende assim seu público alvo, enquanto que ao mesmo tempo cria alegorias de possíveis e diversas interpretações, gerando um valor artístico à campanha em questão. A própria ideologia de base do anúncio gera ambiguidade, podendo ser
interpretada como uma simples apelação erótica, ou complexos discursos sociais. Dialoga, portanto,
entre uma comunicação de massa, rico em humor e ironia e discursos artísticos contemporâneos.
Pode-se resumir que em todas as peças publicitárias apresentadas no artigo, existe uma repetição de
padrões estéticos. A saturação tonal, cores opostas, plasticidade e artificialidade dos personagens, hibridização de diversas culturas, enfim, tem-se uma fotografia encenada. O uso da cenografia em suas
fotos demostra seu diferencial estético perante os demais fotógrafos publicitários, criando um clima
teatral devido à cenografia utilizada. Os movimentos e expressões dos modelos utilizam como base a
dramaturgia teatral, presente na maioria de suas imagens para conferir uma identidade visual única.
Barthes (1985, p. 132) afirma que, na foto, a imagem transforma-se numa escrita, a partir do
momento em que é significativa, e que uma fotografia será, por nós, considerada fala, exatamente
como um artigo de jornal. Nesse sentido, “a moda aparece [...] como um sistema de significantes, uma
atividade classificadora, uma ordem bem mais semiológica que semântica” (BARTHES, 1979, p. 264).
A fotografia, neste contexto, cumpre seu papel ao registrar e gerar uma memória coletiva que
assegura a divulgação do produto destacando o desejo de aquisição. Desse modo, torna-se um fator
de coexistência do produto ao fornecer elementos que a tornam imprescindível para esse propósito
representativo, mas cria relações de valor que vão além da própria materialidade e estilo do produto.O
artista ao criar um sistema, tende a conferir um valor novo ao que é exposto, um valor positivo ao qual
o consumidor irá se identificar.
Inter-relação imagem-comunicação
Conforme já havia sido observado na análise por Gaddi e Jesus (2015)o artista utiliza-se de um
conjunto estruturado de signos para realizar todas as suas fotografias autorais, realocando-as e ressignificando-as de modo a gerar todo seu repertório visual. Essa característica pôde ser observada novamente nas peças publicitárias, onde estão presentes elementos de diversas culturas e signos distintos
entre si, realocados de tal forma que superam seus significados originais e geram novos discursos,
tanto artísticos como sociais. Em suas obras para campanhas publicitárias, estratégias semelhantes são
mantidas, como a oposição das cores, baixo contraste e sombras difusas, saturação tonal, elementos
arquitetônicos surrealistas, ordenação visual e uma notável plasticidade e artificialidade nospersonagens. Lachapelle apenas adapta seu repertório de signos para o mundo publicitário, dando destaque à
marca.Ao utilizar das mesmas estratégias visuais, atua como um estrategista da comunicação, tendo
consciência de que opera em um mundo midiatizado e que o sucesso está na propagação eficaz da
mensagem. Essa característica faz com que suas obras sejam rapidamente absorvidas pelo mercado e
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seu sucesso se torne grandioso em âmbito global. Respectivamente,elas atuam num contexto artístico
e comunicacional ligadas às redes e aos meios de propagação de informação, tornando-se necessárias
para compreender como operam as estratégias visuais da imagem publicitária no ambiente midiático
atual.
Para isso, será necessário identificar o sistema (conjunto de princípios, coordenados entre si
de maneira a formar um todo científico) do qual o artista opera em suas obras. Esse sistema virá ao
encontro da Teoria Matemática da Informação (ilustrado resumidamente na figura 07, abaixo) e sua
relação com as obras de arte contemporânea,para então compreender o papel das imagens de David
Lachapelle.
nesse caso, no mesmo plano, na mesma circularidade” (CAUQUELIN, 2005:61). A repetição indiscriminada conduz inevitavelmente à homogeneidade e previsibilidade dos resultados. Para corrigir esse
problema, recorre-se à nominação. “O nome cria uma diferença, marca um objeto dentro do sistema.
Uma sociedade nominativa se instaura, onde o nome funciona como identidade, classifica e designa
uma particularidade (...) a nominação é de fato individualizante”. (CAUQUELIN, 2005:61-62).
Essa teoria vem ao encontro com a arte contemporânea (figura 08) que, ao propor uma estrutura artística que exige do fruidor um empenho autônomo e consequentemente uma reconstrução
sempre variável do material proposto, reflete uma tendência geral em direção àqueles processos em
que, ao invés de uma sequência unívoca e necessária de eventos, se estabelece como um campo de
probabilidades, uma “ambiguidade” de situação, capaz de estimular uma interpretativa sempre diferente e pessoal. Segundo Cauquelin (2005), essa característica da arte contemporânea faz com que a
mesma deixe de ser linear (do produtor ao seu consumidor final) para tornar-se circular onde, entre
os produtores, estão todos os agentes da comunicação.
A Teoria da Informação discrimina alguns efetuadores das quais se colocam as práticas da
Figura 07: Teoria da Informação.
comunicação: 1) redes; 2) redundância e saturação; 3) nominação .
Disponível em: <http://goo.gl/Z85xvt>acesso em 17 de fev. de 2015.
Em termos de comunicação, possuímos uma rede que é um sistema de ligações
multipolar no qual pode ser conectado um número não definido de entradas, cada
ponto da rede geral podendo servir de partida para outras micro redes. Isso é o
mesmo que dizer que o conjunto é extensível. Nesse conjunto, pouco importa a
maneira pela qual se efetua a entrada. Os diversos canais tecnológicos encontram-se ligados entre si: telefonia, audiovisual ou informática e inteligência artificial.
Entrar em uma rede significa ter acesso a todos os pontos do conjunto, a conexão
operando à maneira das sinapses no sistema neural. (CAUQUELIN, 2005:59)
A consequência disso é uma estruturação mais próxima da topologia, que se baseia na noção
de um espaço não quantitativo em que apenas se consideram as relações de posições dos elementos
das figuras do que do organograma, onde se assinalam as disposições e inter-relações de suas unidades constitutivas. “Significa que a noção de sujeito apaga-se em favor de uma produção global de comunicação” (CAUQUELIN, 2005:59). Para manter o funcionamento dessa rede, deve-se aplicar certo
nível de redundância . “A redundância assegura a manutenção da rede” (CAUQUELIN, 2005:61).
Embora o sistema de comunicação necessite de certa taxa de redundância para ser compreendido,
torna-se inutilizável se essa taxa for ultrapassada. “Assim como o autor (de certa mensagem) não é
mais tido como origem, o acontecimento também deixa de ser novidade. Todo conteúdo se encontra,
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VilémFlusser propõe a ideia de uma interação imagem-homem circular e fechada, à medida
que ambos são dependentes entre si, atuando em uma circularidade onde uma obtém significado da
Figura 08: Arte Contemporânea(CAUQUELIN, 2005:84).
outra que por sua vez concedem significado àquelas; uma relação de reciprocidade.
A circulação entre a imagem e o homem parece ser um circuito fechado. Queremos
e fazemos o que as imagens querem e fazem, e as imagens querem e fazem o que
nós queremos e fazemos (...) Imagens mostram maquinas de lavar roupa, a quais
querem que as queiramos, e nós as queremos e queremos também que as imagens
as mostrem. FLUSSER, 2008:61
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Compreende-se, portanto que a nova sociedade das imagens técnicas vive num campo de relações intersubjetivas.
Flusser diz: somos todos pré-programados pelas imagens técnicas, as vemos, mas
não as entendemos (...) diz que somos programados para os meios de comunicação,que antes (...) era preciso ler a propaganda, o leitor pensava e decifrava, realizando uma recepção ativa, e que hoje ele não lê, é bombardeado com imagem e
não reflete, que se antes as pessoas se dobravam sobre textos, hoje estão rodeadas
de imagens (FILHO, 2006, pg. 442).
A nova sociedade comunicacional opera inserida ao esquema apresentado, o que transforma
as imagens tradicionais emimagens informatizadas. Nesse panorama, serão analisadas as operações
informacionais de David Lachapelle.
O sistema David Lachapelle
A análise das campanhas torna possívelassegurar que David Lachapelle compreende que o
mundo informatizado e seus desdobramentos, como o sistema publicitário, trabalham com repetição
ou tautologia, o que torna necessário para impactar o público, cobri-los com imagens, repetindo incessantemente os mesmos signos e discursos e saturando as redes com a mensagem publicitária. A repetição de seus elementos vem a ser então um facilitador da decodificação da mensagem visual. Suas
imagens seguem essa estratégia, transformando-as em produtos pela lei do mercado e abandonando a
estética tradicional (entendida aqui como esfera associada à questão do gosto, do belo e especialmente
do único) .
Correndo o risco de saturar as redes com suas grandes repetições de elementos, tendo como
resultado imagens banais, que deixariam de ser uma novidade ao público, o artista recorre finalmente ao efetuador nominativo,criandouma identidade visual diferenciada e facilmentereconhecida (um
padrão visual que se mantém tanto em suas obras autorias como peças publicitárias), agregando valor
às imagens e ao seu estilo. “Para se tornar rico, célebre, para ter o tamanho que você deseja, é preciso
frequentar celebridades, e melhor ainda, fabricá-las.” (CAUQUELIN, 2005: 117). Nesse sistema, ele
apenas terá o trabalho de escolher os signos que mostrará, selecionando elementos que tornem quaisquer imagens sensacionais.
Praticante da fotografia digital, da construção gráfica dos elementos e de uma arte tecnológica
orientada segundo os princípios da teoria da informação, suas imagens são realizadas na qualidade
de um sistema de signos que circulam dentro das redes comunicacionais. São os mesmos signos,
recuperados e reaproveitados diversas vezes, que criam os possíveis significados em suas obras. Essa
característica pôde ser observada na análise daspeças publicitárias, onde o fotógrafo demonstrou uma
identidade visual marcada pela estereotipia dos personagens, saturação hiper-real das cores, hibridização de culturas e uma ordenação visual na composição, circulando em suas diferentes obras e facilitando o reconhecimento nas redes de comunicação pelo público alvo; ele apenas adapta seu repertório
de signos de acordo com a mensagem da qual deseja transmitir.
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BARTHES,Rolland. Mitologias. Tradução de Rita Buongermino e Pedro de Souza. 6ed. São
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ECO, Umberto. A Estrutura Ausente. São Paulo: Perspectiva, 2001.
ECO, Umberto. Obra Aberta. São Paulo: Perspectiva, 2003.
FARINA, Modesto; Perez, Clotilde; BASTOS, Dorinho. Psicodinâmica das Cores em Comunicação. São Paulo:Edgard Blucher, 2011.
FILHO, Ciro Marcondes. A Comunicação como uma caixa preta: propostas e insuficiências de VilémFlusser. Porto Alegre: EM Questão. V.12, n.2, p 423-456, jun/dez. 2006.
Considerações finais
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Partindo do pressuposto de que os indivíduos estão inseridos em um ambiente midiático, interessa-nos a compreensão dos seus sistemas de trocas e significações. Com isso, este artigo partiu da lógica
interna de um destes processos que envolvem a razão publicitária e o conhecimento produzido pelo
continuum (espaço topológico; estruturas que permitem a formalização de conceitos tais como convergência, conexidade e continuidade) das mídias nas transformações sociais.
David Lachapelle, ao aceitar, utilizar e contribuir com o esquema de comunicação informacional,pratica uma arte tecnológica e colabora com a dispersão da mensagem nas mídias.Utiliza o hibridismo, a
ressignificação e a ordenação visual, trazendo novas possibilidades de interpretações e discussões para
o mundo contemporâneo enquanto que ao mesmo tempo desloca a imagem para o universo publicitário, dandodestaque à marca. A ordenação visual, uma de suas importantes características, muitas
vezes abandonadas pelos fotógrafos, que apostam na espontaneidade no momento do ato fotográfico,
é essencial para se trabalhar com publicidade, já que é ela quem permite preestabelecer qual discurso
será gerado e qual público será atingido.
Suas estratégias visuais são acopladas dentro de um sistema de comunicação, o que faz com que as
redes topológicas, a saturação e a nominação sejamartifícios em suas imagens. Desse modo, pode-se
dizer que suas imagens são utilizadas como elemento que qualificam os ambientes (espaço qualitativo
onde ocorrem trocas de informação) comunicacionais. Consecutivamente, tais ambientes possibilitam a expansão da lógica convencional dos meios de comunicação de massa: emissor - canal – receptor, gerando interações entre o receptor e o emissor em uma circularidade de operação contínua
onde ambos saem transformados. A imagem entãotem o poder de induzir, absorver e gerar novos
significados.
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FLUSSER, Vilém. O Mundo Codificado– Por uma Filosofia do Design e da Comunicação São Paulo:
Cosac Naify, 2007.
FLUSSER, Vilém. O Universo das Imagens Técnicas – Elogio da Superficialidade. São Paulo: Annablume, 2008.
GADDI, Carlo Martins; JESUS, Adriano Miranda Vasconcellos de. As estratégias visuais na fotografia digital: os discursos híbridos e as trajetórias intertextuais na obra do fotógrafo David Lachapelle. Anagrama, [S.l.], v. 8, n. 1, dez. 2013. ISSN 1982-1689. Disponível em: <http://www.revistas.
usp.br/anagrama/article/view/78972>. Acesso em: 19 Fev. 2015.
McLUHAN, Marshall. Os meios de comunicação como extensões do homem. São Paulo: Ed. Cultrix, 2012.
SOUZA, Sandra Maria Ribeiro de; SANTARELLI, Christiane Paula Godinho. Contribuições para
uma história da análise da imagem no anúncio publicitário. São Paulo:Intercom – Revista Brasileira de Ciência da Comunicação. V.31, n.1, p 133-156, jan/jul. 2008.
dados, criptografia, codificação, teoria do ruído, correção de erros, compressão de dados, etc.
6. Vale lembrar aqui que os três efetuadores citados não resumem a Teoria Matemática da Informação,
do qual não é o objetivo da pesquisa. Os três efetuadores são, segundo Anne Cauquelin, os mais
importantes na relação entre Arte e Comunicação, sendo assim serão eles a serem estudados para
relacionar as estratégias visuais de David Lachapelle com o universo da comunicação publicitária.
7. No livro Obra Aberta, de Umberto Eco, existe uma passagem que resume o significado de
redundância na Teoria Matemática da Informação. Basicamente, a redundância é a introdução de
códigos complexos para transmitir uma mensagem que poderia ser dita com um menor número
de códigos. Um pequeno número de códigos para transmitir uma mensagem pode gerar ruídos
(distúrbios que se inserem no canal e podem alterar a estrutura do sinal) na comunicação. Assim,
códigos extras (elementos de redundância) são inseridos de maneira a reduzir as séries de distúrbios
no canal, assegurando finalmente a manutenção das redes topológicas.
Explicações detalhadas podem ser conferidas em Eco (2003) pág. 94-95.
8. A estética tradicional, no âmbito da imagem fotográfica, pode ser estudada em Walter Benjamin,
no livro A Obra de Arte na Era de sua Reprodutibilidade Técnica, 2014
Notas de Rodapé
1. Entendem-se “superfícies” como “imagens”. Para melhor entendimento, ler capítulo Linha e
Superfície do livro O Mundo Codificado – Para uma Filosofia do Design e da Comunicação, 2007,
de VilémFlusser.
2. A análise dos elementos das fotografias autorais de David Lachapelle foi realizada no artigo“As
estratégias visuais na fotografia digital: os discursos híbridos e as trajetórias intertextuais na obra
do fotógrafo David Lachapelle”, publicado pela revista Anagrama, 2014.Foi possível categorizar
diversos elementos característicos do artista, dentre eles, seu posicionamento como bricoleur, pois
este não cessa de interrogar símbolos e figuras que constituem seu estoque de signos para gerar
sentido em sua obra. É incorporando, apropriando e hibridizando elementos distintos que ele gera
toda sua gama de significados e seu repertório visual.
Recebido em 22 de Fevereiro de 2015.
Aprovado para publicação em 18 de março de 2015
3. Nas pesquisas de percepção visual e Gestalt realizadas por Rudolf Arnheim, constatou-se que a
luz frontal facilita a comunicação visual ao evitar áreas muito claras e áreas nas sombras, enquanto
que a contraluz realça os contornos de cada elemento e auxilia na separação dos planos da imagem.
Para conferir a análise, ver capítulo6- Luz, do livro Arte e Percepção Visual – Uma Psicologia da
Visão Criadora, 2005.
4. Para análise completa, ver parte 4, capítulo 7 – Significado cultural e psicológico das cores, do
livro Psicodinâmica das Cores em Comunicação, 2011
5. A Teoria da informação ou Teoria matemática da comunicação, proposta por Warren Weaver
e Claude Shannon (The Mathematicsof Communication), 1948-1949, é um ramo da teoria da
probabilidade e da matemática estatística que lida com sistemas de comunicação, transmissão de
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A Nova Crítica de Frederico Morais e a noção de verdade
em Nietzsche – uma introdução1
The new criticism of Frederico Morais and the notion of truth in Nietzsche - An introduction
Tamara Silva Chagas*
*Mestra em Artes, na linha “Estudos em Teoria e História da Arte” – UFES. Pesquisadora Independente em História
da Arte. Vila Velha/ES, Brasil. Área de pesquisa: História e Crítica da Arte Moderna e Contemporânea
Resumo
O presente artigo visa estabelecer conexões entre a Nova Crítica, elaborada pelo crítico Frederico Morais, e a interpretação nietzschiana acerca da relação entre arte e verdade. Para tanto, buscou-se problematizar a questão da
crítica como criação para Morais e correlacioná-la à noção de verdade segundo Nietzsche a partir das conjecturas
presentes no ensaio do filósofo Sobre verdade e mentira no sentido extra-moral, bem como nos escritos de Frederico
Morais.
Palavras-Chave: Frederico Morais; Nietzsche; Crítica de arte; Arte e verdade; Nova Crítica.
Abstract
The article aims to establish connections between Nova Crítica – a theory created by the art critic Frederico Morais
– and the Nietzschean interpretation of the relation between art and truth. For this purpose, the issue of criticism
as creation according to Morais will be analyzed and correlated to the notion of truth according to Nietzsche, from
the guesses included in the assay On truth and lies in a nonmoral sense, and from the writings of Frederico Morais.
Keywords: Frederico Morais; Nietzsche; Art criticism; Art and truth; New critics.
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Uma alternativa de crítica aberta e criativa
O
desmantelamento da narrativa mestra da Arte Moderna, ou seja, a crise da hegemonia do formalismo de origem greenberguiano – tal como designa Arthur Danto2 –, diante do terreno
fértil, plural, criado pelas poéticas artísticas dos anos 1960, foi paradigmático para o debate
crítico sobre as artes plásticas naquele momento. Tais poéticas foram, no contexto internacional, impulsionadas pelos trabalhos neodadás da década anterior e pelo resgate das questões duchampianas
(como o ready-made) sob uma nova ótica, não mais moderna, mas pós-moderna.
Levando em consideração que essa problemática ultrapassou os limites dos chamados “Anos
Rebeldes” e intensificou-se na medida em que se acelerava o processo de desmaterialização3 da obra
de arte, já no início da década de 1970, torna-se válido elucidar como se deu esse debate e quais perspectivas sobre a atividade da crítica de arte, no contexto da pós-modernidade, foram articuladas. É
a partir desse panorama que se pretende trazer à tona e analisar a proposta da Nova Crítica4, elaborada pelo crítico de arte brasileiro nascido em Minais Gerais e radicado no Rio de Janeiro, Frederico
Morais (1936-), e verificar de que maneira é possível estabelecer conexões entre a mesma e a noção
nietzschiana acerca da relação entre arte e verdade.
Teorizada a partir de 1969, a Nova Crítica estabeleceu-se como uma alternativa para a crítica
de arte tradicional, de caráter fortemente formalista, compreendida por Morais5 como produtora de
discursos incompatíveis com o novo panorama vigente para as artes plásticas na conjuntura do mundo contemporâneo. A emergência de sua teoria vem ao encontro da constatação, por parte do crítico,
da forte presença de tal crítica conservadora no cenário artístico brasileiro da época.
A crítica formalista de influência greenberguiana pauta-se em critérios de pureza dos meios
específicos de cada linguagem e promove o conceito de gênio atrelado à noção de artista. Malgrado
os textos de Clement Greenberg terem sido traduzidos e publicados no Brasil apenas tardiamente, é
possível que tais ideias tenham penetrado no âmbito da crítica de arte brasileira de maneira indireta e
fragmentada, por meio dos museus de arte moderna, inaugurados no Brasil durante a década de 1940
e inspirados no MoMA de Nova York, museu-modelo para as instituições museológicas modernas6.
Vale ressaltar que não apenas a crítica greenberguiana era refutada por Morais, mas também, e
principalmente, a ortodoxia da crítica formalista alinhada à tendência concretista. Essa última muitas
vezes mostrou-se incapaz de compreender as poéticas surgidas nos anos 1960.
Apesar da ampla presença desse tipo de crítica no Brasil, ainda nos anos 1960 e 1970, ela submetia os trabalhos de arte contemporânea da época a critérios de julgamento já defasados. Sua alienação da realidade da produção artística de seu tempo e do processo de re-significação do conceito de
arte que essa última desencadeou a impossibilitavam de estabelecer um discurso sobre tal produção,
salvo desqualificando-a.
Diante disso, percebendo a defasagem dessa crítica, Frederico Morais7 salientou seu caráter
autoritário, uma vez que ela estabelece os mesmos critérios cristalizados para julgar as mais variadas
obras de arte. O discurso dessa crítica baseia-se na análise dos quesitos plásticos da obra, submetendo-a a leis compositivas e buscando, ainda, explicá-la objetivamente.
A crítica tradicionalista, ao pretender tecer um discurso objetivista, reduz a possibilidade de
ser do trabalho de arte: ela estabelece e impõe um sentido como o único viável. Essa crítica é também
chamada por Morais de judicativa, por, segundo ele8, incumbir ao crítico um papel semelhante ao do
juiz de tribunal.
Tal crítica utiliza-se de um método cientificista, cerceando da arte seu caráter múltiplo, seu
aspecto aberto, que sua aproximação com a esfera da vida, promovida pelas poéticas vivenciais das
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décadas de 1960 e 1970, intensificou. Nesse contexto, as figuras do artista e do público são oprimidas
mediante a onipotência do crítico-juiz de tribunal, único munido com um instrumental teórico específico capaz de revelar a essência da obra.
Frederico Morais, ao propor a Nova Crítica nos anos 1970, visava trazer à crítica de arte uma
abertura coerente com processo pelo qual as artes plásticas passavam. Uma abertura para a incursão
criativa tanto do crítico quanto do público na arte, co-autores do trabalho artístico processual e agentes contribuintes, junto ao artista, para a formação de uma vasta rede de significados possíveis.
Como sugere Frederico Morais, a crítica deve surgir a partir da obra, deve ser um desdobramento capaz de explicitá-la sem explicá-la, ou seja, também deve ser criação. Nesse ínterim, a proposta da Nova Crítica aproxima-se da noção nietzschiana da arte como vontade de potência, ou seja,
como afirmação da vida. É sobre essa possibilidade de diálogo entre ambos, crítico e filósofo, que se
discutirá a seguir.
Um diálogo entre a noção nietzschiana de verdade e a Nova Crítica de Frederico Morais
No ensaio Sobre verdade e mentira no sentido extra-moral, publicado originalmente em 1873,
Nietzsche desmistifica a verdade, explicitando o conhecimento como um valor criado pelo homem. A
verdade é aqui encarada como uma convenção estabelecida, isto é, uma ficção, a qual é imposta como
válida universalmente. Porém, sendo a verdade apenas crença na verdade, como poderia ela ser um
valor privilegiado diante da ilusão do falso? A verdade de um objeto, não é, para Nietzsche, no contexto da obra supracitada, apreensível às pessoas, senão “sob a forma da tautologia, isto é, com conchas
vazias”9.
A coisa em si passa, necessariamente, pela criação, ou seja, por um processo de múltiplas metaforizações: a primeira ocorre quando, no ato da percepção, a imagem se forma a partir de estímulos
nervosos; a segunda, quando a imagem converte-se em som. Em seguida, outras metáforas são construídas, sempre com a transposição, que é artística, de um ente em outro diverso10.
Assim são formados – ou forjados – toda a linguagem e o conhecimento. Afirma Nietzsche:
“Acreditamos saber algo acerca das próprias coisas, quando falamos de árvores,
cores, neve e flores, mas, com isso, nada possuímos senão metáforas das coisas,
que não correspondem, em absoluto, às essencialidades originais. Tal como o som
sob a forma de figura de areia, assim se destaca o enigmático ‘x’ da coisa em si,
uma vez estímulo nervoso, em seguida imagem, e, por fim, como som. De qualquer
modo, o surgimento da linguagem não procede, pois, logicamente, sendo que o
inteiro material no qual o homem da verdade, o pesquisador, o filósofo, mais tarde
trabalha e edifica, tem sua origem, se não em alguma nebulosa cucolândia, em
todo caso não na essência das coisas.”11
No trecho acima citado, percebe-se que o próprio processo de percepção e de transformação
das coisas em linguagem é responsável por transformar um ente em outro. Isso ocorre, pois, ao tentar
apreender as coisas, criamos metáforas acerca delas. O que resta ao homem a respeito da coisa em si
são essas metáforas, cada vez mais distantes do ente original, e não sua essência.
Pensa-se, no contexto deste artigo, que com o estabelecimento da verdade científica, uma vez
abstraída sua natureza poética e enrijecida a metáfora em normativas e conceitos cristalizados, sob o
imperativo da racionalidade, o mundo é compreendido de acordo com medidas antropomórficas, é
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tomado como um objeto apartado, puro, composto por leis imutáveis e passível de ser apreendido em
sua essencialidade. Essa é a perspectiva cientificista sobre o mundo, considerado como objeto estável
de análise a partir de um critério estabelecido a priori, a convenção da verdade.
Nesse sentido, esquece-se de que a verdade tem sua origem nos nexos existentes entre um sujeito criador e o mundo. E é essa relação estética entre o ser humano e as coisas que Nietzsche salienta
como “criação altamente subjetiva”12, ou como “impulso fundamental do homem”13. O homem intuitivo, contraposto ao homem extremamente racional, é aquele que goza a vida como bela aparência,
deixa-se enganar pela ilusão da arte e é despretensioso mediante a realidade.
Segundo Nietzsche14: “Única possibilidade de vida: na arte. De outro modo nos desviamos
da vida. O movimento instintivo das ciências é o aniquilamento da ilusão: se não houvesse arte, a
consequência seria o quietismo”. A vida, por ser acessível ao homem apenas como ilusão, só pode ser
afirmada por meio do véu ilusório da arte, por intermédio de um homem que se assume artista e tem
consciência de que o mundo se manifesta apenas em aparência, em criação. 15
Enquanto o instinto ilimitado de conhecimento é niilista, ou seja, nega a vida, afastando-se do
sentido da terra e almejando além-mundos, ou desejando a verdade das coisas, a arte é um estimulante para a vida, pois que, “promovendo a origem do que o ente é”16, a saber, criação e ilusão – uma
presença, e não uma representação –, “a arte o faz aparecer de um modo pleno, mais intenso, mais
forte”17. Por outro lado, o instinto de conhecimento é, consoante Nietzsche, uma força necessária à
sociedade, uma vez que a vida precisa de “não verdades tidas como verdades”18. O filósofo alemão propõe, assim, uma inversão de valor das forças: o instinto estético deve dominar a ciência, discipliná-la.19
Trata-se, portanto, de estabelecer a arte como critério para uma nova instauração de valores
e de possibilidades de ser. Nesse sentido, a Nova Crítica de Frederico Morais parece estar afinada ao
pensamento nietzschiano, afora a distância espaço-temporal que separa o pensador alemão do crítico
brasileiro e o fato de Morais não citar Nietzsche como referência, tendo em vista o material levantado
até o presente momento para esta pesquisa.
A proposta de Morais traz à tona uma alternativa de crítica de arte aberta a uma polifonia. A
crítica de arte, na proposição de Morais, ao sair do conforto de seu isolamento – de onde dita valores, impõe normativas caducas à criação artística com pretensão de verdade –, passa a acompanhar
a obra em suas diversas temporalidades, seja na elaboração da proposição pelo artista, no ateliê, seja
no contato com o espectador. A Nova Crítica compreende crítico, artista e espectador (não apenas o
especializado, mas também o grande público), como elementos capazes de intervir no devir de um
trabalho de arte, de atribuir-lhe novos significados e atualizar seu sentido por meio do vivenciar a arte.
Dessa forma, eles também participam do processo criativo.
Assim como para o pensamento nietzschiano, o qual considera o instinto de conhecimento
desmesurado um aniquilador da vida, a pretensão de objetividade e o cientificismo da crítica formalista são problematizados e evidenciados como elementos opressores do ato criador. Sob a ótica do
velho, tal crítica, autoritária e legitimadora de um sentido único para a obra de arte, julga o novo, e
obviamente, o condena, por não conseguir entendê-lo. No entanto, para Morais, a arte, longe de manifestar-se como certeza, é contradição.20 Cabe ao crítico potencializar o aspecto contraditório da arte
para, assim, afirmá-la. Conforme Morais:
Ora, se a crítica não é julgamento (condenar a criação), ela é criação (que exclui
julgamento). Pode-se aceitar isso? Não em termos absolutos, pois o julgamento
não exclui rigorosamente a participação, que deve ser entendida como criação, da
mesma forma como a crítica criadora não exclui o julgamento. O que se recusa é a
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crítica autoritária, opressora, que em nome de uma hierarquia de valores submete
a obra de arte a critérios absolutos e imodificáveis. O crítico de arte, aceitando
a relatividade dos valores, contribui para a própria obsolescência dos valores à
medida em que, criando-os, propõe sua fruição imediata, vale dizer, sua desvalorização. Quanto menos judicativa e parcial, mais criadora é a crítica de arte.21
Tal qual em Nietzsche tudo é interpretação criativa, na Nova Crítica, o texto crítico traça, assumidamente, uma perspectiva da obra que ele comenta – e não uma análise, buscando compreendê-la
em sua totalidade para esgotar suas possibilidades. A crítica sugerida por Morais é desdobramento,
propõe-se como criação, a saber, como uma segunda obra comentando uma primeira, acrescentando-lhe novos significados. O crítico torna-se, então, crítico-criador, aquele quem, quando escreve, é
também escritor, e que, quando expõe, é também artista.
Nesse sentido, Morais, a partir da elaboração dos postulados da Nova Crítica, participou de
exposições de arte não apenas como organizador22 e “crítico-escritor”, papéis com os quais já estava familiarizado, porém também como “crítico-artista”, em primeiro lugar, propondo trabalhos paralelos a
outros. Depois, Morais também passou a produzir audiovisuais sem pretensão de comentar trabalhos
de outros artistas, ao longo dos anos 1970. Tal como o próprio crítico diz: “(...) tive a preocupação de
afirmar o audiovisual como linguagem. Afirmá-lo como novo modo de expressão poética (...)”.23
Um exemplo de trabalho no qual Morais ultrapassa os limites da função da crítica tradicional
e atua como autor de uma obra relacionada à criação de outro artista é o videoarte “O pão e o sangue
de cada um”, comentário crítico-visual dos trabalhos do artista português Artur Barrio, realizado em
1970. Desde essa época, Barrio elabora seus trabalhos com materiais precários, tais como urina, lixo,
sangue, papel higiênico e restos de alimentos, em um atitude crítica em relação ao sistema da arte e à
situação sócio-política do Brasil, naquele momento especificamente, sob ditadura.
“O pão e o sangue de cada um” conta com trilha sonora de J. Lins e fotografias de Frederico
Morais, César Carneiro e Luiz Alphonsus. Contrapondo imagens dos trabalhos de arte-guerrilha de
Barrio – isto é, obras efêmeras, caracterizadas pela radicalidade artística e política, pela imprevisibilidade, e realizadas, na maioria das vezes, com materiais precários – a imagens de pessoas passeando
tranquilamente, alheias à realidade política do País, e a pinturas como “Os Comedores de Batata”
(1985), de Van Gogh, e os Fuzilamentos de três de maio” (1814), de Goya, Morais revela o estado de
conformismo da sociedade brasileira em plena vigência do Ato Institucional Nº 5.24
De acordo com as conjecturas de Morais25, a atividade do novo crítico deve ser teórica, ou seja,
deve ser uma reflexão sobre a obra, podendo ser realizada sob a forma textual tradicional ou sob a
forma de arte contemporânea. Não obstante, Morais salienta que a crítica deve partir do contato com
a obra para estabelecer seu método de abordagem, abdicando da subordinação a teorias e fórmulas a
priori. Em palestra realizada no Instituto Moreira Salles, no ano de 201026, Morais defende uma crítica
erótica, apaixonada, parcial e militante, como também sugeriu Baudelaire.27
A crítica criativa desvela sem, porém, submeter a obra, oprimindo-a, ao dogmatismo de um
instrumental teórico alheio a ela, pretendendo extrair, assim, a verdade da mesma, tal como faria a
crítica mais ortodoxa, a qual, pensa-se, aproxima-se da racionalidade do método cientificista. Para a
Nova Crítica, a teoria, sim, é necessária. Todavia, como Morais salientou, “a obra em si indica o caminho a se seguir”28, ou seja, a obra, o ato criador, é a origem dessa crítica mais intuitiva.
Tal como Nietzsche percebe que a verdade é uma ficção, e, portanto, a essência das coisas não é
acessível ao sujeito, para Morais, o discurso único, cujo objetivo é apreender a obra em sua totalidade
e fixar um valor a ela, é prejudicial, pois empobrece a arte. Se, por um lado, Nietzsche propõe o con-
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ceito de verdade como um processo de produção de metáforas, Morais busca, com sua Nova Crítica,
a abertura da arte a inúmeras possibilidades de interpretação.
Os discursos realizados sobre a obra, pensa-se, são metáforas as quais ajudam a construí-la
conceitualmente – mesmo que eles se contradigam – e, ao fazer isso, permitem que ela seja sempre
atual e cada vez mais vigorosa. Assim sendo, é permitido à arte ser o que ela de fato é: aparência,
transitoriedade. O mesmo Nietzsche deseja para a vida. Por isso, o filósofo valoriza tanto o papel do
criador.
Desse modo, tão próxima, ainda que, à primeira vista, distante da abordagem nietzschiana da
arte como o modo de ser da vida e do instinto de verdade ilimitado como niilismo, a Nova Crítica de
Frederico Morais contribui de forma relevante para a revisão da atividade da crítica de arte nos anos
1960 e 1970, ao propor uma crítica afirmativa, posto que poética e polivalente – efetivamente imersa
no processo criativo. Onde a velha crítica buscava respostas definitivas e impunha o rigor de seu discurso especializado, a Nova Crítica vai ao cerne da própria arte/vida e se nutre da potência do falso.
Considerações finais
A proposta de uma crítica criativa e aberta, trazida à tona pela Nova Crítica de Frederico Morais, aproxima-se, portanto, das noções nietzschianas acerca da arte como afirmação da vida, uma vez
que a mesma, de forma semelhante à vida (tal como ela se manifesta ao homem), é ilusão, criação e
aparência. A crítica de Morais, por reconhecer-se como criação, é polivalente e polifônica, busca participar da obra em sua multiplicidade, explicitando-a por meio do alargamento de seus sentidos.
A Nova Crítica distingue-se da crítica formalista mais ortodoxa por não pretender decifrar a
obra, extrair da mesma uma verdade definitiva. De modo semelhante à Nietzsche, que concebe a vontade de verdade ilimitada como niilismo, um aniquilador da vida, Morais entende a ânsia da crítica
conservadora por determinar um juízo definitivo para a obra de arte, através da análise e da imposição
de um sentido único, como um fator redutor da potencialidade artística.
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Notas de rodapé
Paulo: Graal, 1999, p. 39.
1. Artigo escrito originalmente em 2011. Revisto e ampliado em 2015.
15. MACHADO, 1999, p. 39-40.
2. DANTO, Arthur. Após o fim da arte: a arte contemporânea e os limites da história. São Paulo:
Odysseus, 2006, p. 67-87.
16. PESSOA, Fernando. Arte e verdade no pensamento de Nietzsche. In: PESSOA, Fernando (Org.).
SEMINÁRIOS INTERNACIONAIS MUSEU VALE DO RIO DOCE: ARTE NO PENSAMENTO, 2006,
Vila Velha. Vila Velha: Museu Vale do Rio Doce, 2006. p. 267.
3. Conceito cunhado pelos teóricos Lucy Lippard e John Chandler, em artigo de 1968 publicado na
revista “Art International”. Nesse contexto, esse termo relacionava-se a uma arte calcada apenas
da ideia. Seu uso, no entanto, é polêmico, uma vez que no livro “Six years: the dematerialization of
the art object from 1966 to 1972”, de Lippard, a palavra é usada para se referir a páticas artísticas bastante heterogêneas, conforme explicita Jacob Lillemose. Cf. CHAGAS, Tamara. Da crítica à
Nova Crítica: as múltiplas incursões do crítico-criador Frederico Morais. Dissertação (Mestrado
em Artes) – Programa de Pós-Graduação em Artes, Universidade Federal do Espírito Santo, Vitória, 2012. Disponível em: <http://portais4.ufes.br/posgrad/teses/tese_5967_Da%20cr%EDtica%20
%E0%20Nova%20Cr%EDtica.pdf>. Acesso em: 17 fev. 2015. p. 17, nota 12.
4. Não confundir com o movimento literário norte-americano New Criticism, surgido na década de
1920.
5. MORAIS, Frederico. Artes plásticas: a crise da hora atual. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1975, p.
44.
6. O’DOHERTY, Brian. No interior do cubo branco: a ideologia do espaço na arte. São Paulo: Martins Fontes, 2002, p. XIII.
17. Ibid., loc. cit.
18. NIETZSCHE, Friedrich, 1870 apud MACHADO, Roberto, 1999, p. 39.
19. MACHADO, 1999, p. 42.
20. MORAIS, 1975, p. 52.
21. Ibid., p. 48.
22. As denominações “organizador” e “diretor geral” eram, segundo Tadeu Chiarelli, mais frequentemente utilizadas até os anos 1970 para se referir ao profissional que se ocupa com as tarefas que
atualmente são atribuídas ao curador, termo esse importado e associado ao processo de espetacularização da arte no Brasil, durante os anos 1980. Cf. CHIARELLI, Tadeu. As funções do curador, o
Museu de Arte Moderna de São Paulo e o Grupo de Estudos de Curadoria do MAM. In: CHAIMOVICH, Felipe (Org.). Grupo de Estudos em Curadoria do Museu de Arte Moderna de São Paulo. São
Paulo: MAM/SP, p.13.
7. MORAIS, 1975, p. 46.
23. MORAIS, Frederico. Audiovisuais. São Paulo: Museu de Arte Moderna de São Paulo, 1973.
Catálogo de exposição do crítico-artista Frederico Morais, p.18.
8. Ibid., p. 47.
24. Para mais informações sobre essa obra, Cf. CHAGAS, 2012, p. 137-139.
9. NIETZSCHE, Friedrich. Sobre verdade e mentira no sentido extramoral. São Paulo: Hedra, 2007,
p. 30.
25. Id. Arte é o que eu e você chamamos de arte. Rio de Janeiro: Record, 1998, p. 292.
10. Ibid., p. 32.
26. Id.; COCCHIARALE, Fernando; AVELAR, José Carlos. Encontros Contemporâneos com a Arte.
Instituto Moreira Salles, Rio de Janeiro, 16 out. 2010.
27. BAUDELAIRE, Charles. Para que serve a crítica? In: COELHO, Teixeira (Org.). A modernidade
de Baudelaire. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1988, p. 19-21.
11. Ibid., p. 33-35.
12. Ibid., p. 44.
28. MORAIS, Frederico; COCCHIARALE, Fernando; AVELAR, José Carlos. Encontros
Contemporâneos com a Arte. Instituto Moreira Salles, Rio de Janeiro, 16 out. 2010.
13. Ibid., p. 46.
14. NIETZSCHE, Friedrich, 1870 apud MACHADO, Roberto. Nietzsche e a Verdade. 2. ed. São
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O quarto de dormir nas lentes das artes visuais e de outras
disciplinas: um relato de experiência
The bedroom in the lens of the visual arts and other subjects: an experience report
Idonézia Collodel Benetti*, Mirna Collodel**,
Cristiane Deon Busnello*** & Daniela Cristina Aidar Azevedo****
* Psicóloga, Psicopedagoga, Mestre em Letras e em Psicologia e Doutoranda em Saúde Coletiva na Universidade
Federal de Santa Catarina – Florianópolis – Brasil. E-mail: [email protected]
** Arte-educadora, Psicopedagoga e Professora de Artes Visuais da Rede Pública Estadual de Santa Catarina – Florianópolis – Brasil. E-mail: [email protected]
*** Professora de Matemática da Rede Pública Estadual de Santa Catarina – Florianópolis - Brasil. E-mail: crisdeon.
[email protected]
**** Pedagoga, Especialista em Administração Escolar e Administração de Recursos Humanos pela USP e Coordenadora Pedagógica da Rede Pública Estadual de Santa Catarina. Florianópolis – Brasil. E-mail: danielaaidar@
hotmail.com
Resumo
O presente trabalho caracteriza-se por ser um relato de experiência, uma vez que tem como principal objetivo trazer a
descrição de uma experiência interdisciplinar, realizada em uma escola pública do Estado de Santa Catarina, envolvendo professores, gestores, alunos e pais de uma comunidade de periferia da capital deste Estado. A extensão dos
trabalhos teve a duração de um bimestre letivo e envolveu três áreas do conhecimento – Artes Visuais, Inglês e Matemática. O resultado aponta para mais engajamento no trabalho colaborativo entre todos os participantes do processo,
mais interação entre os pares – professor/professor, aluno/aluno – e entre alunos e professores, além da comunidade.
Palavras-Chave: Interdisciplinaridade; Professores; Alunos; Engajamento; Quarto de dormir.
Abstract
This work is characterized as an experience report, since it aims at bringing the description of an interdisciplinary
experience held in a public school in the state of Santa Catarina, involving teachers, schools managers, students
and parents of a community in the outskirts of Florianopolis, SC. The tasks` length lasted for one academic quarter and involved three areas of knowledge - Visual Arts, English and Mathematics. The result points out to more
engagement in collaborative work between all participants in the process, more interaction among peers – teacher/
teacher, student/student – and between students and teachers, besides the community.
Keywords: Interdisciplinarity; Teachers; Students; Engagement; Bedroom..
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Considerações iniciais
A
“O que nós vemos é só aparência. A arte não
reproduz o visível; ela torna visível.” (Paul Klee)
habitação não é simplesmente um lugar para se viver. A moradia tem um significado psicológico profundo, que vai além da função meramente instrumental de fornecer abrigo e de ser
um lugar onde o comportamento doméstico tem espaço; valores pessoais, aspirações e motivações se encontram associados ao estilo de vida do residente e são satisfeitos no local de moradia, ou
através dele (ARAGONÉS; AMÉRIGO; PÉREZ-LÓPEZ, 2010).
Os aposentos arquitetados para dormir não são diferentes. São espaços especiais na casa,
que começam a ser construídos ainda antes do indivíduo nascer e, para muitos, são lugares que representam verdadeiras fortalezas e esconderijos secretos; é, também, onde a autoimagem se reflete
(ZWARTS; COOLEN, 2006).
Para os adolescentes, constitui-se como um espaço fundamental de expressão; um local que
presencia e faz parte de um processo contínuo de formação de identidade e experimentação. Quartos
de adolescentes são locais importantes de construção da identidade da juventude contemporânea e,
também, de exibição, principalmente para as meninas (LINCOLN, 2013).
Considerando a importância que este cômodo tem no cenário doméstico, este relato de experiência
traz o quarto como tema de interdisciplinaridade no cotidiano escolar de ensino/aprendizagem em
três diferentes áreas do conhecimento: Artes, Inglês e Matemática. Aqui serão descritos alguns momentos que foram vivenciados e capturados pela observação das professoras e pelas lentes de uma
máquina fotográfica.
A intenção foi a de relatar o envolvimento dos alunos em um trabalho colaborativo e integrado
entre docentes, discentes, escola e família, cujo desfecho estabeleceu-se com uma exposição de trabalhos no espaço escolar. Ainda, é objetivo dos professores convidar outros colegas para se aventurarem
no mundo fantástico da docência, ao integrar saberes e dialogar sobre um tema em comum, colocando em prática a interdisciplinaridade.
Interdisciplinaridade e projetos pedagógicos : Superando as fronteiras da disciplinaridade
No mundo real os desafios e problemas raramente podem ser resolvidos somente com a utilização dos conhecimentos adquiridos em uma disciplina acadêmica. Por esta razão, muitos educadores e estudiosos do assunto advogam favoráveis a programas de ensino que se ancoram na interdisciplinaridade, por acreditarem que esta maneira de ensinar é mais envolvente, uma vez que ela captura
o interesse intelectual dos alunos e os ajuda a conectar informações de disciplinas distintas (LENOIR,
2007; LENOIR; LAROSE; DIRAND, 2006; KLEIN, 2002; MIRON; STAICU, 2010).
A interdisciplinaridade é um processo que presume uma organização dialógica do conhecimento, uma articulação voluntária e coordenada das ações produzidas em sala de aula, orientadas
por um interesse comum (MORIN, 2002). É a coordenação das informações através da conexão e
articulação de conteúdos cuidadosamente selecionados, com a finalidade de trazer mais conhecimento, novas perspectivas, consolidação (ou modificação) de conceitos e provocar crescimento pessoal e
grupal.
Aprofundando um pouco mais, do ponto de vista das ações realizadas e das experiências vivi2 , p. 86-99, 2014.
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das no contexto escolar, a interdisciplinaridade é “uma estratégia de trabalho que recupera ao sujeito
a possibilidade de assumir a gestão de si mesmo, de autorreferenciar-se, como forma de produzir, a
cada vez, o novo, o outro, o diferente, o nunca sido de si mesmo” (PEREIRA, 1998, p.14). Então, foi
nesta perspectiva que o presente trabalho foi idealizado, delineado e aplicado.
O papel das Artes Visuais em contexto interdisciplinar
Em uma estratégia de trabalho articulado, as artes visuais têm papel fundamental, uma vez
que é um excelente meio pelo qual os alunos podem tornar sua aprendizagem visível. Ao enfatizar o
processo de criação, muito mais que o produto final, o “todo” que representa a aprendizagem – que
geralmente envolve o desenvolvimento de habilidades básicas, os desafios do trabalho em grupo, solução de problemas, etc. – pode ser mostrado para aqueles que não acompanharam o processo em
primeira mão, tais como pais, avós, diretores, etc. (JUNO, 2010).
Além disso, as artes oferecem oportunidades únicas para que os alunos se expressem e, desta
forma, revelem sua lógica interna de uma maneira somente visível quando expressa em trabalhos
artísticos (WEISS; LICHTENSTEIN, 2008), refletindo o que está oculto sob a superfície, revelando o
que vai para além do que está posto, apontando significados, como bem retratado por Paul Klee, na
epígrafe que inaugura este trabalho. Vale salientar ainda que, em uma sala de aula, onde são abordados conteúdos articulados com Artes Visuais, há uma relação simbiótica entre as artes e as outras
áreas curriculares, que auxilia o processo de aprendizagem e convida à profundidade intelectual; as
artes dão representação sensorial à cognição, algo que não poderia ser experimentado por meio de
memorização ou “decoreba” para provas (DAVIS, 2007).
Assim, quando os alunos se envolvem em atividades de arte significativas, eles desenvolvem
habilidades que podem ajudá-los a construir significado a partir do assunto que está sendo abordado.
Por exemplo, os estudantes que têm dificuldades em compreender o que lêem e, consequentemente,
não conseguem extrair significado de um texto, podem se utilizar das artes dramáticas e/ou das artes visuais para trazer a história e seus personagens à vida. Neste exemplo, os alunos são capazes de
mergulhar no texto através das artes, podendo posteriormente ser capaz de desenvolver estratégias de
visualização interna.
Mas, indo além do processo, o produto final da arte também pode ser usado para aprofundar a
compreensão, já que as artes podem nos colocar a par de aspectos de outros tempos e lugares, de uma
forma mais real e precisa, que outras linguagens somente podem fazer de maneira aproximada (GELINEAU, 2012). Em outras palavras, a título de ilustração, o texto pode ser muito abstrato e inacessível,
enquanto pinturas, vídeos, esculturas, etc. podem ser vistos e explorados a partir de uma variedade de
pontos de vista.
É importante realçar que o envolvimento com as artes está associado a ganhos em matemática,
leitura, habilidades cognitivas, pensamento crítico, e habilidades verbais, além de melhorar aspectos
relevantes como concentração, confiança, motivação e autoestima. (HETLAND; WINNER; VEENEMA, 2007). O prazer e a estimulação, provocados pela experiência com a arte, fazem mais do que
simplesmente adoçar a vida das pessoas; são fenômenos que podem conectar os indivíduos com o
mundo, de maneira mais profunda, e também podem oferecer oportunidades de abertura para novas
formas de enxergá-lo, fornecendo bases para tecer laços sociais e coesão com a comunidade.
Enfim... Desenhar, esculpir, modelar, construir, em tempos de tecnologia avançada e apelos visuais, cada vez mais chamativos, auxiliam no desenvolvimento de habilidades visuais e espaciais, cada
vez mais presentes no cotidiano dos alunos. A arte-educação ensina os alunos a interpretar, criticar, e
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usar a informação visual, e como fazer escolhas com base nela. O conhecimento sobre as artes visuais
é especialmente importante, também, para ajudar as crianças a se tornarem consumidores inteligentes
e navegar em um mundo cheio de logotipos.
Notas sobre a importância da Matemática na interdisciplinaridade
A disciplina de Matemática tem representações diferentes, de acordo com cada individuo. Se
para os matemáticos ela representa uma maneira agradável de viver, para muitos estudantes, é simplesmente um dos obstáculos que devem ser superados para se obter um diploma (Cox, 2013). Para
a maioria dos alunos, as aulas de matemáticas são difíceis e entediantes; muitos reclamam que não
veem aplicação e utilidade no dia a dia e afirmam não gostar das atividades e ter medo da disciplina.
No pacote de queixas, a disciplina é apontada como a responsável pelo maior número de notas baixas
nos boletins escolares.
Entretanto, à parte as diferenças, é importante salientar que a matemática, enquanto linguagem das ciências, está presente no cotidiano, fora da sala de aula, e também é cada vez mais necessária na indústria e nos negócios. Ela auxilia e melhora a compreensão dos processos mais básicos que
encontramos como habitantes deste universo. Por isso deveria estar relacionada com todas as outras
disciplinas científicas, pois, embora seja um componente essencial em assuntos da área de Ciências
Exatas, ela também acrescenta lógica e charme a contextos do mundo das Ciências Sociais e das Ciências Humanas.
Então, quando o professor revela, exemplifica e aplica, mostrando como a matemática está
conectada a outras áreas do conhecimento, os alunos passam a ver mais sentido na disciplina, conseguem compreendê-la melhor e ver mais sentido na sua existência (GUTSTEIN; PETERSON, 2013).
Vale apontar que há uma relação estreita entre a Matemática, o Desenho e Artes Plásticas. O conhecimento matemático é aplicado em desenho e pintura com simetria, oferecendo razão e proporção na
medida certa, etc.
Assim, quando um conceito de matemática é incorporado a uma obra de arte, ou usado como
um elemento no desenvolvimento de uma trama escrita, ele pode fornecer um novo caminho para
a compreensão. Daí, a importância de correlacionar o conteúdo da Matemática a outras disciplinas,
trabalhando de forma interdisciplinar.
Resumindo, a Matemática, quando aprendida de maneira descontextualizada e por obrigação,
e/ou a contragosto, faz parecer que é uma disciplina irrelevante e o aluno esquece rapidamente o conteúdo ao qual foi exposto. Porém, quando as habilidades de resolução de problemas são desenvolvidas
e adquiridas, mesmo que o conteúdo ministrado seja pouco, esta exposição reduzida é compensada
pelo fato de que a aprendizagem, quando aprendida de maneira intelectualmente atraente e relevante,
incentiva a persistência e aumenta a retenção dos conteúdos expostos (LEONARD; BROOKS; BARNES-JOHNSON, 2010).
Ensino de Inglês baseado em tópicos e centrado no aluno
A linguagem é um fenômeno social – uma ferramenta de comunicação com significado; é o
código que todos nós usamos para nos comunicar com os outros. Portanto, a linguagem é, potencialmente, um meio de comunicação capaz de expressar idéias e conceitos, bem como humor, sentimentos e atitudes. Enquanto meio de comunicação humana, no atual contexto de globalização, a língua
inglesa tem se tornado um elemento indispensável em áreas como economia, cultura, ciência, tecno2 , p. 86-99, 2014.
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logia, etc. Além disso, é a língua da mídia mundial, do cinema, da TV, da música pop e do mundo da
informática. Em outras palavras, é uma língua universal e, devido a sua importância, está presente nos
currículos escolares.
Na maioria das escolas brasileiras, o ensino de Inglês ainda repousa em métodos centrados
no professor. Isso significa uma pedagogia onde os professores estão ativos no repasse de instruções e
informações, sendo eles o foco da sala de aula, enquanto os alunos, basicamente, recebem o conteúdo
de maneira passiva (DIANE, 2013). Então, o contexto de ensino, geralmente, é um lugar de pouco
movimento discente, onde há fronteiras rígidas ente o processo de ensinar e de avaliar ou testar; nesta
abordagem, primeiro vem o ensino/instrução e, em seguida, a avaliação como maneira de conferir se
os estudantes apreenderam o conhecimento repassado.
Neste trabalho, houve a predominância do foco de ensinar/aprender centrado nos alunos
(WEIMER, 2013). Então, foi instalado um espaço de trocas mais movimentado e barulhento, se comparado a uma aula tradicional. Neste contexto, permeado pela interatividade, houve provocação ao
envolvimento e ao engajamento e as habilidades de colaboração e de comunicação entre os alunos se
sobressaíram.
Com alunos mais envolvidos, oportunizou-se a responsabilidade e estimulou-se a liderança;
assegurou-se que eles, efetivamente, soubessem ouvir uns aos outros e fossem responsáveis por sua
própria aprendizagem, pesquisando, lendo, fazendo a lição de casa, testando a própria compreensão,
etc. Na verdade, com uma abordagem centrada no aluno, o educador e educando são ambos participantes ativos, uma vez que partilham a responsabilidade de aprendizagem do aluno; o professor atua
como um mediador da aprendizagem, auxiliando a identificar como os alunos devem usar a linguagem (BLUMBERG, 2009).
Alem disso, trabalhar com um tema/tópico, de interesse pessoal, favoreceu o envolvimento,
engajamento, a interatividade e o trabalho, envolvendo a aquisição das competências linguísticas da
língua-alvo. O ensino baseado em tópicos é organizado em torno de um assunto ou tema específico,
onde a ênfase é colocada sobre o conteúdo, sem perder de vista ou distanciar-se dos objetivos da linguagem. Sob tais circunstâncias, os alunos estariam mais familiarizados com o conteúdo e o significado do tema. Assim, o uso de temas em sala de aula aumenta a motivação e facilita a aprendizagem,
porque o aluno concentra sua curiosidade no conteúdo e o “efeito colateral” é a aprendizagem da
língua (BELLANCA, 2010).
Para esta empreitada, o tópico comum foi o quarto de dormir, enquanto território pessoal,
que provocou o diálogo entre as disciplinas e convidou os professores para a cooperação/colaboração
interdisciplinar. O trabalho oportunizou ensinar/aprender em diferentes espaços1 e fazer pontos de
contato entre as áreas envolvidas, bem como proporcionou que os alunos utilizassem vários materiais
e recursos que não apenas livros didáticos.
Contexto e participantes
O que inspirou e fomentou o processo de integração entre as disciplinas, e a efetivação do
projeto realizado, foi o livro Where children sleep2, do fotógrafo queniano James Mollison. Publicada
em 2011, a obra3 retrata a relação entre crianças de vários lugares do planeta e os espaços onde elas
dormem, emoldurando diferentes culturas e níveis socioeconômicos, capturados pela sensibilidade
das lentes humanas e pela precisão da tecnologia.
E, embora seja uma série de fotografias que encanta os adultos, é uma obra endereçada e escrita para crianças e pré-adolescentes entre 9 a 13 anos de idade, com o objetivo de mostrar as dispa-
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ridades existentes no mundo infanto-juvenil, com foco no espaço destinado para o repouso noturno.
As fotografias são, neste livro, uma ferramenta oferecida pela Arte para revelar as condições culturais
e as circunstâncias, que contribuem para o estilo de vida das crianças retratadas, no sentido de trazer
compreensão e aprendizado sobre os paradoxos e as contradições da vida: diversidades, privilégios,
exclusão social, direitos humanos, etc.
O público-alvo do projeto foram duas turmas do sétimo ano do Ensino Fundamental de uma escola
pública estadual da periferia da capital do Estado de Santa Catarina – pré-adolescentes na faixa etária
entre 12 e 13 anos. A extensão dos trabalhos teve a duração de um bimestre letivo e envolveu três áreas
do conhecimento – Arte, Inglês e Matemática. Além das três disciplinas, a escola e os pais dos alunos
estiveram engajados no apoio à compra de materiais e ao incentivo nas atividades.
Articulando a interdisciplinaridade
O professor, que opta por movimentar-se em direção à interdisciplinaridade, trabalha para escolher práticas metodológicas e estratégias que possam dinamizar o trabalho pedagógico e “encantar”
os alunos pela sua forma de selecionar, organizar e contextualizar os conteúdos. Assim, com a finalidade de ter os jovens adolescentes dentro de uma atmosfera de aprendizagem autêntica, envolvidos
intelectual e fisicamente nas aulas, em interação com os outros, em exploração emocional – relevante
e aplicável ao seu mundo –, empreendeu-se um esforço para tornar reais as intenções planejadas, que
exigiu dedicação de todos os participantes no processo. Uma lista com conteúdos a serem trabalhados
foi interdisciplinarmente foi elaborada:
Tabela 1:Conteúdos elencados para trabalhar as três disciplinas
O envolvimento e a participação efetiva dos alunos renderam relações positivas entre os participantes e tiveram reflexos no engajamento comportamental, cognitivo e emocional deles. A produção discente, resultante da compreensão dos conteúdos, durante o período de duração dos trabalhos,
é listada a seguir:
Arte
- Discussão sobre a vida e a obra de Vincent van Gogh;
- Análise da obra “Quarto em Arles”;
- Releitura da obra “Quarto em Arles”;
- Confecção de maquetes do quarto dos alunos, incluindo as dimensões e medidas estudadas na
disciplina de matemática.
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Inglês
- Apresentação das fotografias e dos respectivos textos do livro Where Children Sleep;
- Discussão dos conteúdos fotográficos e textuais da obra de Mollison;
- Leitura e compreensão de texto sobre a vida e a obra de Vincent van Gogh;
- Elaboração de hipóteses e inferências frente ao desafio de compreender os textos;
- Nominação da mobília e dos objetos de cada quarto arquitetado em maquete.
Matemática
- Relações entre unidades de medida como milímetros, centímetros e metros;
- Cálculo de área e cálculo de perímetro do quarto dos alunos;
- Proporção: do quarto real para a representação reduzida em maquete;
- Resolução de problemas envolvendo cálculo de área;
- Resolução de problemas envolvendo proporção.
A socialização dos resultados, parte fundamental de um projeto, é considerada de suma importância para as pessoas que participam dos trabalhos de integração entre escola, família e comunidade. Na intenção de valorizar e compartilhar o resultado dos trabalhos do bimestre, uma exposição
foi organizada no espaço físico da escola, juntamente com a Feira de Ciências, evento anual que faz
parte do calendário escolar.
Foi o momento de coroação do esforço de todos. As maquetes, retratos pessoais de um espaço
privativo, foram elaboradas fielmente com as medidas do quarto real de cada aluno, porém com representação da realidade em escala reduzida; elas informavam as medidas de perímetro e área, bem
como os nomes, em inglês, dos objetos que compunham cada quarto.
Além das maquetes, a exposição contou, também, com as releituras do Quarto em Arles. Cada
aluno utilizou-se da referência artística de van Gogh para emprestar seu próprio olhar, seu toque pessoal e uma nova maneira de ver e sentir esta maravilha artística. Então, dentro de um contexto novo
e diferente, eles reconstruíram e reinterpretaram a obra do pintor francês, num autêntico processo
criativo.
Avaliação da experiência
As relações entre as pessoas e seus contextos favorecem diferentes formas de interação e consequente promoção de desenvolvimento dos indivíduos. E, em se tratando de ambientes, os contextos
mais próximos das pessoas em determinado momento do ciclo da vida são a família e a escola. Partindo dessa premissa, a escola está, enquanto contexto de desenvolvimento, investida do papel de: a)
estimular o desenvolvimento físico, afetivo, moral, e cognitivo, b) desenvolver a consciência para a
cidadania, promovendo a capacidade de buscar intervenção no âmbito social e, c) instigar a aprendizagem sistemática e contínua, com a finalidade de propiciar formas diversificadas de aprender, com
vistas à preparação para a vida em sociedade e à inserção no mercado de trabalho (MARQUES, 2001).
Assim, o trabalho articulado interdisciplinarmente mostrou que a colaboração entre os participantes, incluindo também a gestão escolar e as famílias, pode ser um excelente caminho para
fortalecer os elos que sevem de sustentação para que o desenvolvimento do aluno seja alcançado. A
avaliação desta experiência mostra o envolvimento da família e da escola e sugere que a colaboração
entre estas duas instâncias tem muito a oferecer para o desenvolvimento acadêmico e integral discente
e para o fortalecimento docente, no sentido de firmar parcerias e melhor gerenciar as mudanças necessárias ao seu cotidiano de trabalho.
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O envolvimento docente
O trabalho articulado interdisciplinarmente mostrou que as parcerias promovem uma atuação docente com mais desenvoltura e segurança em relação a novas propostas de trabalho com equipes colaborativas. Foi constatado, também, que os professores engajados no projeto foram além das
especificidades das suas respectivas área do conhecimento, encurtando as distâncias de linguagem,
perspectivas e métodos entre as disciplinas. Além disso, eles deram um passo além das já tão conhecidas queixas relacionadas à presença de currículos inadequados e à ausência de espaço, recursos e
tempo para preparar, refletir, avaliar e implementar inovações educativas. O engajamento dos docentes permitiu que eles transcendessem uma tradição escolar pautada na fragmentação e na compartimentalização.
Houve mudança na configuração da sala de aula e os professores atuaram como arquitetos na
construção de espaços, os mais adequados possíveis, a partir da disposição dos móveis, influenciando
significativamente as condições de aprendizagem. Como arquitetos, os professores foram os responsáveis por criar o lugar, e o espaço, que se tornou o “lar doce lar” da aprendizagem; um espaço que
proporcionou o estabelecimento de um processo ativo de ligação, partilha, re-criação e co-criação.
Neste processo percebeu-se que os professores apoiaram-se numa relação de ajuda mútua,
para que os alunos fossem incentivados a construir e produzir conhecimento de maneira significativa, agenciando experiências e ambientes que promoveram aprendizagem ativa e colaborativa. Para
isso, estabeleceram o diálogo da troca e da construção de saberes, promovendo a mobilização da
comunidade escolar em torno de objetivos educacionais mais amplos, que estão acima de quaisquer
conteúdos disciplinares (CARLOS, 2006), tornando real o que é preconizado pelos PCNs, com relação
à interdisciplinaridade (BRASIL, 2002).
Os benefícios foram muitos, partindo do princípio que o mundo se abre para quem acredita
em si mesmo e (re)conhece as suas potencialidades. Neste processo esteve envolvida a descoberta de
novas possibilidades, melhor gerenciamento e manejo do estresse do cotidiano escolar, bem como a
elevação e o fortalecimento da autoestima do professor, que acreditou que pode desenvolver um trabalho diferenciado e confiou que seus alunos também pudessem realizá-lo.
A participação da família
Dentro de uma proposta interdisciplinar, as diferentes linguagens usadas neste trabalho tornaram as aulas mais atrativas para alunos e professores, numa combinação de conhecimento aliado
a sentimentos, sensações, intuição e imaginação, que deram mais significado ao conteúdo escolar,
estimulando a articulação entre saberes, habilidades e competências. Tais benefícios transcenderam
a esfera da docência e permearam os discentes, as famílias e a escola como um todo. Pais e irmãos
se engajaram nos trabalhos, principalmente na construção das maquetes, como parceiros e colaboradores, estimulando o crescimento do aluno e resgatando o fortalecimento da auto-estima; foi uma
empreitada que trouxe alguns pais curiosos até a escola.
Foi possível observar a presença da colaboração, suporte e cooperação das famílias. Muitos
irmãos dos alunos participantes também se engajaram nos trabalhos, quando havia tarefas para serem
realizadas em casa. Houve movimento no sentido de apoiar a construção das maquetes e transportá-las para casa/escola, sempre que necessário. Mais importante que isso, alguns alunos comentaram
que seus pais acharam interessante o fato que um só trabalho pudesse envolver vários professores e
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diferentes áreas do conhecimento. Neste caso, a interdisciplinaridade cumpriu uma importante função: mostrar a visão de totalidade subjacente ao conhecimento, que permite perceber que o mundo
é composto pela soma de vários fatores, que levam à totalidade, e que isso pode ser organizado em
forma de ensino/aprendizagem no cotidiano escolar.
Cabe aqui discutir as razões pelas quais esse interesse ficou mais evidente com a construção
das maquetes. Teria o aspecto lúdico e tridimensional desta atividade atraído os pais, mais do que as
tarefas tradicionais também solicitadas e exigidas como dever de casa? Foi mais fácil e/ou prazeroso
engajar-se na elaboração deste trabalho do que ajudar a resolver um problema de matemática, ou a
interpretação de um texto em língua inglesa? Teria o aspecto interdisciplinar chamado a atenção dos
pais, quando diferentes professores, trabalhando em torno de uma mesma atividade, conseguiram
desenvolver conteúdos diferentes de maneira integrada?
Não é possível precisar, mas talvez a resposta para estas questões seja “sim”. O que de fato foi
observado, como sendo marcante durante todo o processo, é que esse tipo de atividade contagiou
não só os alunos; houve uma extensão positiva, prazerosa e criadora que foi para além dos portões da
escola. Observou-se, ainda, a vontade das famílias em realizar o melhor trabalho – quase uma competição –, mesmo que não se tivesse oferecido premiações ou recompensas para o desempenho nas
elaborações.
O engajamento discente
Observou-se uma atmosfera de colaboração, apoio e cooperação entre os participantes, principalmente nos momentos quando eles eram desafiados e, ao mesmo tempo, apoiados pelos próprios
pares. Isso significou receber suporte oriundo da mesma esfera de aprendizagem, um aspecto que é
muito importante, mesmo fora do ambiente escolar; o fato de colaborar com outros na resolução de
problemas, ou dominar atividades mais difíceis, prepara os alunos para lidar com as desordens e as
situações improvisadas que irão encontrar na vida (BELLANCA, 2010). Assim, mesmo os alunos que,
habitualmente, não se mostravam envolvidos nas atividades de sala de aula, foram encorajados a participarem.
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Figuras. 01, 02, 03 e 04 – Sequência de imagens com maquetes em construção
Fonte: Acervo da escola
Constatou-se que os participantes constituíram-se em recursos valiosos uns para os outros.
Verificou-se que se eles têm oportunidades de se envolver e explorar tópicos e conteúdo, de forma
colaborativa, a compreensão e o engajamento são resultados naturais. Então, é possível concordar que
comportamentos, muitas vezes rotulados como preguiça, desmotivação, falta de vontade e desrespeito, podem ser resultado direto de desengajamento (HERRELL; JORDAN, 2008). Neste mesmo viés,
observou-se que, quando a aprendizagem envolve pensar, sonhar, brincar, interagir, comunicar, explorar, descobrir, questionar, investigar e criar, quem é comumente apático, e tem pouco ou nenhum
interesse, acaba se envolvendo.
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Concluindo, este relato de experiência encontrou consenso entre os professores sobre resultados educacionais satisfatórios, quando da articulação entre as disciplinas. O saldo positivo incluiu: a)
mais capacidade de retenção, aplicação e compreensão crescente do conteúdo ensinado, b) aumento
da habilidade em tomar decisões, c) mais capacidade de pensar de forma crítica e criativa, d) mais
poder para sintetizar o conhecimento, e) mais capacidade para identificar, avaliar e transferir informações relevantes necessárias para a solução de problemas novos, f) aumento de contextos de aprendizagem cooperativa, e g) melhor atitude em relação a si mesmo como aprendiz e como membro de
uma comunidade significativa. Além disso, verificou-se um clima mais amistoso entre os alunos e,
também, mais motivação para os trabalhos.
Considerações finais
Figuras. 05, 06, 07 e 08 Maquetes prontas
Fonte: Acervo da escola
As múltiplas linguagens artísticas funcionaram como um catalisador da expressividade de
cada um, não com a intenção de descobrir artistas (o que até pode acontecer), mas de oferecer mais
oportunidades para o indivíduo exercitar e experimentar o lúdico, descobrindo com qual linguagem
e elemento se sente mais à vontade, buscando através de sua contribuição pessoal completar um projeto. Foi possível perceber que a arte, em contexto interdisciplinar, serviu como pretexto para alunos
mais envolvidos com seu trabalho, mais persistentes frente a desafios e obstáculos e, visivelmente,
mais satisfeitos em realizar as atividades propostas.
Para além da integração das disciplinas, e do trabalho colaborativo entre todos os participantes do processo, esta empreitada proporcionou discussões mais amplas, que transcenderam o espaço
da própria residência – no caso, o quarto de dormir –, para debater sobre milhões de crianças do
mundo todo que, cotidianamente, vivem diferentes infâncias. Neste sentido os debates abrangeram
reflexões que foram desde a infância vivida na pobreza, com déficits de alimentação e saneamento
básico, até a infância dos que nasceram privilegiados, em países onde as necessidades básicas para o
desenvolvimento humano são garantidas.
Nesta ação interdisciplinar todos ganharam, além das conquistas do conhecimento. Os professores melhoraram sua interação com os colegas e tiveram varias e diferentes oportunidades para repensar sua prática docente; os alunos estiveram em contato com o trabalho em grupo, tendo o ensino
voltado para compreensão do mundo que os cerca; por fim, a escola, que teve sua proposta pedagógica
refletida a todo instante. Além disso, houve o fortalecimento da parceria entre a comunidade e a escola.
É possível afirmar, enquanto experiência, que interdisciplinaridade se apresenta como uma
excelente opção, quando a pretensão é implantar novas abordagens de ensino, e ter alunos mais motivados, mais interessados, alcançando melhores níveis de aprendizagem. Na busca para expandir horizontes, para transcender a realidade imediata, para realizar atividades de aprendizagem com significado, a interdisciplinaridade mostrou ser um fenômeno mediador de importância vital na construção
do conhecimento e na aproximação entre família e escola – professores, gestores e alunos.
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Figuras.09, 10, 11 e 12 Releituras do Quarto em Arles – Vincent van Gogh
Fonte: Acervo da escola
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Notas de rodapé
1. Nesta unidade de ensino, cada professor tem sala própria e os alunos se deslocam a cada troca de
disciplina. Além dos diferentes espaços de sala de aula, foram usados outros locais da escola para a
elaboração dos trabalhos.
2. “Onde dormem as crianças” (tradução livre).
3. Fragmentos da obra podem ser recuperados em diversos sites na Internet, ao ser digitado seu
titulo.
Recebido em 4 de Fevereiro de 2015.
Aprovado para publicação em 6 de março de 2015
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