Contando_e_Ouvindo_historias_Constroem_sujeitos_da_historia
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Contando_e_Ouvindo_historias_Constroem_sujeitos_da_historia
Círculos de Leitura: contando e ouvindo histórias que constroem os sujeitos da História Queridos multiplicadores, Escolhemos estes textos para apresentar o método do Círculos de Leitura aos jovens selecionados para se tornarem multiplicadores. Após a viagem, relembrando os encontros e revendo anotações, ficamos felizes ao perceber que os objetivos foram atingidos. A primeira das obras foi “Fernão Capelo Gaivota”, de Richard Bach. Na história, Bach retoma as ideias de Platão do amor como conhecimento. Algumas pessoas gostam de aprender, e o aprendizado desperta nelas a vontade de ensinar. É o que acontece em todos os Círculos de Leitura: existem muitos Fernãos apaixonados pelo aprendizado. “Isto porque, a despeito do passado solitário, Fernão Gaivota nascera para tornar-se um instrutor, e sua maneira de demonstrar amor era doar um pouco da verdade que conhecera a uma gaivota que pedia apenas a oportunidade de vê-la por si mesma.” Quando Fernão pensa que não há mais nada novo para aprender, duas gaivotas brilhantes aparecem para conduzi-lo a um outro lugar, onde encontra gaivotas que pensam como ele. Este lugar está cheio de novas possibilidades de aprendizado e de gaivotas apaixonadas pelo aprendizado, assim como Fernão. Após a leitura de “Fernão Capelo Gaivota”, lemos o conto de Guimarães Rosa, “Sequência”, onde a vaquinha tem, para o jovem da história, a mesma função das duas gaivotas brilhantes. Após algum tempo seguindo a vaquinha, ele se deparou com um rio “liso e brilhante, de movimentos invisíveis, como cortando o mundo em dois”, e então vê: “quase que mal os dois chifres nadando – a vaca vermelha o transpondo, a esse rio, de tardinha.” Quando chega à margem do rio, a principio hesita em atravessá-lo, mas é tomado por uma “oculta, súbita saudade”, e, “passo extremo!”, descalçou as botas e “entrou – de peito feito.” A vaquinha o conduz, através do “rio e seu além. Estava, já, do outro lado”. Na outra margem, acessível apenas àqueles que confiam e abrem o peito às novas possibilidades, há uma recompensa: O Amor. Em “A lenda das areias”, de autor anônimo, um rio encontra um obstáculo intransponível. Ao mesmo tempo em que as areias são seu obstáculo, elas sabem como superá-lo. Será preciso ouvir e prestar muita atenção no que as areias têm para dizer: o rio precisa se deixar carregar pelo vento. Ao ouvir estas palavras, o rio se lembra de outros tempos em que já tinha sido carregado nos braços do vento, e confiante faz a travessia. Em “O caminho de Homero”, trechos selecionados do livro “A Comédia Humana”, o autor William Saroyan, ao nomear a cidade californiana de Íthaca e os seus personagens de Ulysses e Homero, recupera a “Odisseia”, de Homero. Na primeira história, o país está vivendo uma guerra e o jovem Homero trabalha como mensageiro. Muitos dos telegramas que precisa entregar são notícias de morte. Ser mensageiro resgata a função dos antigos aedos, que iam de casa em casa contando as façanhas dos heróis. Ambas as histórias tratam do absurdo da guerra e da possibilidade de entendimento. Quando o jovem Homero entrega um telegrama que anuncia a morte, sente a mesma dor das pessoas. Ulysses, na “Odisseia”, quando retorna vitorioso e conta sua história ao Rei Alcino, se lembra do sofrimento das mulheres que perderam seus maridos na guerra e também chora. Herói mesmo, como diz a mãe do jovem Homero, é aquele homem que sente a dor dos outros e faz de tudo para que possam suportá-la. O jovem Homero e o herói Ulysses são considerados heróis pela sua capacidade de sentir empatia: empatia é aquele sentimento instintivo que nos liga a um outro ser humano. A empatia pode trazer muita dor, mas é ao mesmo tempo um grande aprendizado que nos ajuda e nos prepara para a vida em sociedade. William Saroyan, através do dialogo de Homero com sua mãe, de forma bela e profunda, ilustra bem as ideias que acabamos de expor: “Passei por uma casa onde no começo da noite, estavam dando uma festa, mas agora ela estava às escuras. Eu havia levado um telegrama para aquela casa umas horas antes. Você sabe o tipo de telegrama. Depois de passar pela segunda vez na frente da casa, eu fui pedalando até o centro e olhei todas as casas e todos os prédios com muita atenção. Olhei com muita atenção todas as ruas e todos os lugares que conheço desde que era pequenininho e vi um monte de gente. E então eu finalmente vi realmente Ithaca e realmente conheci as pessoas que vivem em Íthaca. Senti pena deles e rezei para que nada de ruim pudesse acontecer a eles. Depois disso, parei de chorar. Pensei que um sujeito não choraria nunca depois que crescesse. Parece, no entanto, que é quando o sujeito cresce que ele começa a chorar porque é quando começa a entender o significado das coisas. – Ele parou por um momento e quando voltou a falar sua voz estava ainda mais grave. Esperou por algum comentário da mãe, mas ela não disse nada e continuou trabalhando na pia, de costas para ele. – Por que é que as coisas são assim? – ele perguntou. A Sra. Macauley começou a falar, ainda de costas. - Você vai descobrir. Ninguém pode responder à tua pergunta. Cada pessoa precisa descobrir a resposta por si mesma, trilhando o seu próprio caminho porque todo ser humano é um universo em si mesmo. Cada homem é o mundo. - Por que foi que eu chorei e por que, depois de parar de chorar, eu não consegui falar? Não havia nada que eu pudesse dizer? Não havia nada que eu pudesse dizer para ninguém? Nada para dizer para você ou para mim mesmo? - Compaixão. – disse a Sra. Macauley. – Suponho que você chorou por sentir compaixão. Se um homem não sente compaixão pelos seus semelhantes, ele não é verdadeiramente um homem. Se o homem não chorou pelas dores do mundo, ele é apenas meio homem e sempre haverá dores neste mundo. Mas não é por saber disso que o homem deve desesperar. Um homem bom procurará sempre retirar a dor de todas as coisas. Um tolo não perceberá a dor a não ser que ele a esteja sentindo. E o pobre homem que não teve a sorte de ter encontrado um homem bom na sua vida se tornará mau. Este desafortunado homem fará a dor penetrar sempre mais profundamente em todas as coisas e espalhará a dor por onde andar. Todo homem, porém, acredito eu, é inocente, porque não pediu para vir a este mundo. Ele não veio novinho em folha de lugar algum ou de nada. Ele veio de gente. Eu realmente não acredito que as pessoas más saibam que são más. Elas não têm sorte e isso é tudo. Agora tome o seu café da manhã como uma pessoa sensata. De repente, Homero achou natural comer e enfiou a colher na tigela de aveia com leite.” Da leitura do módulo “O caminho de Homero”, o grupo foi conduzido para o poema de John Donne: Nenhum homem é uma ilha; Nenhum deles está só. A alegria de cada homem me contagia; A dor que cada um sente me corrói. Precisamos uns dos outros, Assim, hei de defender Cada homem como se um irmão fosse; Cada um como se fora um amigo fiel. Sou parte do gênero humano... O último texto foi a “Peça Kouros”, de Nikos Kazantzakis, em que o autor reescreve o mito de Teseu. Kazantzakis é um discípulo do filósofo Friedrich Nietzsche, e para este filósofo, as forças opostas, que se intensificam no encontro, precisam entrar em acordo. Na lenda antiga, Teseu mata o minotauro, mas a releitura mostra um outro caminho para resolver o problema: nem matar nem morrer, mas transformar. Teseu, príncipe de Atenas, tem a coragem de enfrentar o seu inimigo, o rei de Creta. No encontro conversam e, de antigos inimigos, se tornam aliados na tarefa de libertar o minotauro. Quem liberta o minotauro é Teseu, com ajuda de Ariadne e os sábios conselhos do rei Minos. Em “Fernão Capelo Gaivota”, foram as duas gaivotas brilhantes que foram buscá-lo. No conto “Sequência”, foi a vaquinha quem conduziu o jovem. Em “A lenda das areias”, o rio precisou ouvir as areias e confiar no vento. Em “O caminho de Homero”, foi no trabalho, entregando mensagens que o jovem Homero aprendeu a olhar com muita atenção a cidade e as pessoas. Ele aprendeu a conhecê-las verdadeiramente, descobrindo o porquê das guerras e de como evitá-las. Na “Peça Kouros”, foi no dialogo verdadeiro entre Teseu e Minos, antes inimigos, que surgiu um novo caminho para revolver o problema. Em comum, estes textos trazem a ideia da “travessia”, ou seja, chegar até esse outro lugar, em que existe o entendimento e a solidariedade. Na leitura em grupo, cuidando uns dos outros, podemos chegar a esse outro lugar. Afinal, como diz o poeta, “somos todos parte do gênero humano”. No Círculos de Leitura, lemos livros das mais diversas culturas. Todas elas têm algo em comum e muito a nos ensinar. Contribuem tanto para nosso conhecimento enquanto pessoa como para o entendimento do mundo. Dessa maneira, construímos nossa própria identidade e nos tornarmos sujeitos na construção da História.