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Lagos andinos O desafio de chegar ao topo do vulcão Villarrica é uma das principais atrações dessa região dos lagos Andinos 54 Fevereiro 2012 a nova travessia Paz e adrenalina nos Andes No verão, as cidades de Pucón, no Chile, e San Martin de los Andes, na Argentina, deixam de lado o esqui para se entregar ao trekking, aos esportes de aventura e às cristalinas águas dos lagos andinos foto: pedro henrique CUNHA texto Luís patriani | fotos cristiano carniel Fevereiro 2012 55 Lagos andinos P ucón. Chile. 1984. A constante fumaça que sai da cratera do Villarrica, sinal de que o vulcão respira sem dificuldades e está livre de explosões, desaparece por semanas indicando uma obstrução de sua artéria com o manto de magma no interior do planeta. Os sismógrafos, por sua vez, revelam o aumento significativo dos tremores de terra e a iminente erupção. Como era de se esperar, a peculiar montanha, já totalmente tampada e engasgada com a pressão, é obrigada a cuspir fora toda a lava, gases e rochas que estavam entalados em sua garganta. Acima: crianças brincam no Pucón. Verão de 2012. Trinta anos após a última erupção – que não chafariz da praça central de San teve consequências além do belo e pirotécnico espetáculo do rio Martin de los Andes; Paróquia San incandescente que se formou – um grupo de 30 turistas de diferentes países Sebastian, em Panguipulli. se prepara para subir até a cratera de 200 metros de diâmetro do vulcão Na página ao lado: vulcão Villarrica visto da praia Poza, Villarrica, a exatos 2.847 metros de altura. no lago Villarrica A rota até o pico nevado em formato de cone, famosa mundialmente pela relativa facilidade de se alcançar o topo (só é preciso caminhar usando botas com grampos e bastões), é feita em zigue-zague para minimizar a inclinação, dura quatro horas e é uma das principais atividades dessa fotogênica região chamada de Araucanía, localizada às portas da Patagônia, a 780 quilômetros de distância da capital Santiago. “Levamos quase cinco horas para chegar ao cume, mas valeu muito a pena. A vista alcança os outros vulcões da região e a Cordilheira dos Andes. Quanto ao Villarrica, não dá para ver o magma porque ele fica 200 metros para dentro da cratera e sai muita fumaça dela, mas conseguimos permanecer uma hora lá em cima por conta dos ventos que aliviavam o cheiro de enxofre. Depois descemos fazendo skybunda em apenas uma hora”, diz o carioca Daniel Schulte, de 35 anos. Enquanto legiões de aventureiros como Daniel (20 mil pessoas sobem a montanha por ano) exploram a intrigante boca do Rucapillan (nome dado ao vulção pelos índios mapuches, cujo significado é casa dos espíritos), a rotina em Pucón, lá em baixo, sob um calor que passa dos 30 ºC, é idêntica à de um aprazível e típico balneário litorâneo. No lago glacial Villarrica, de 176 quilômetros quadrados (área quase do tamanho de Buenos Aires), centenas de guarda-sóis no verão, os esportes de aventura são a grande atração de pucón. entre eles, trekking ao topo do vulcão villarrica 56 Fevereiro 2012 Fevereiro 2012 57 Lagos andinos postos lado a lado colorem moradores e visitantes a areia preta de origem vulcânica da Praia Grande. tomando banho de sol Dentro d’água, que impressiona pela agradável temperatura e as cores à beira do lago é verde e azul, os esportes náuticos dividem a cena com incrédulos banhistas cena inusitada que custam a acreditar estarem num lugar em cujo inverno a neve atinge três metros de altura e o maior atrativo é a estação de esqui localizada no nos andes imponente e onipresente vulcão. Abaixo: turistas aproveitam o clima ameno e passeiam pela cidade de Pucón; flor de madeira, artesanato típico da cidade chilena. Na página ao lado: no verão, a Praia Grande, em Pucón, fica cheia de banhistas e praticantes de esportes náuticos A 14 quilômetros a leste de Pucón, na parte alta do rio Trancura, abastecido com o degelo da Cordilheira dos Andes, dois botes de borracha estão posicionados a espera de um grupo de suíços e irlandeses que recebem instruções para encarar o rafting proporcionado por suas corredeiras. Após uma aula de comandos e regras básicas, os europeus, comandados por guias experientes, partem em uma área de remanso para iniciar a descida, onde os desníveis chegam a nível 4 de dificuldade. Detalhe: a partir da escala 5 os raftings não são operados comercialmente. Cerca de duas horas e muita adrenalina no sangue depois, os aventureiros de primeira viagem estão extasiados com o turbilhão de água e emoções. “É muito excitante. Estava com medo no início, mas a descida é segura e empolgante. A sensação de descer o rio no rápido ritmo de seu fluxo é um desafio”, diz a irlandesa Jessica Taylor, ainda com o olhar de quem acabou de conseguir um feito pessoal. Nas Termas Huife, um dos maiores centros termais da região (são dez no total), as águas de origem vulcânica que surgem da terra ganham outro atributo, além de divertir: aqui elas são terapêuticas. Ricas em sais minerais extraídos das rochas e com temperaturas que variam entre 30º e 45º, elas são ideais para relaxar o corpo e recuperar a energia depois de esforços físicos como subir até a cratera do Villarrica, além de tratar de doenças inflamatórias, como reumatismo. Quem também se beneficia das águas da região de Pucón são os peixes. No rio Liucura, formado pelas cristalinas fontes subterrâneas que saem do lago Coiaque, a oxigenação é festejada pelas brânquias de trutas e salmões que nadam e respiram despreocupados. Margeado por uma preservada mata ciliar, o rio de tonalidade 58 Fevereiro 2012 Fevereiro 2012 59 Lagos andinos 60 Fevereiro 2012 em uma região de tanta beleza natural, não é raro encontrar pessoas que largaram tudo para viver aqui azul-turquesa e verde-esmeralda é morada de muitas aves, assim como de algumas espécies de patos selvagens. Sorte deles e dos inúmeros praticantes de fly-fishing (pesca esportiva que devolve os peixes para a água) e birdwatching (observação de pássaros). Às dez horas da noite, com a ajuda do horário de verão e da latitude, o sol finalmente se manda para o outro hemisfério e deixa a lua cheia se apropriar de Pucón por algumas horas. Nas animadas vias da cidade de pouco mais de 20 mil habitantes, onde as construções não podem ter mais do que quatro Na página ao lado: as luzes do andares e precisam ser feitas com madeira e cores preestabelecidas fim de tarde na praia Poza, em pela prefeitura, a atmosfera cosmopolita se traduz nas diferentes Pucón, revelam a força da natureza do local. Acima: Raul nacionalidades de visitantes que circulam pelos hotéis, bares, lojas e Bueno, proprietário do restaurantes. A rua Fresia é o ponto dos melhores cardápios, a exemplo do restaurante Posta Criolla, em ll Fiore, que se vale dos italianos estabelecidos em Pucón desde sua fundação, em San Martin; e o atraente rafting 1883, para servir nhoque alpino recheado com queijo roquefort. A poucos passos da no rio Trancura, em Pucón deliciosa massa, o La Marmita aproveita a influência da vizinha argentina, cuja fronteira fica a cerca de 200 quilômetros de distância e para onde nossa viagem seguirá logo depois, e oferece sem rodeios pratos dignos dos hermanos mais exigentes, a exemplo de tenros lomos. No dia seguinte, seja depois de passar a noite num confortável hotel como o Green Park, com seus privilegiados quartos voltados para o vulcão, ou acordado na balada em algumas das agitadas danceterias da cidade, a meta é atravessar a Cordilheira dos Andes e conhecer a bucólica cidade de San Martin de los Andes, na Argentina. O trajeto até lá é cheio de interesses e já vale por si só. O carro mal sai de Pucón e seu significado na língua mapuche (entrada da cordilheira) se faz entender apenas com a visão. Ao largo da estrada, se impõem altos e escarpados paredões rochosos cobertos por bosques valdivianos, caracterizados por árvores típicas como coihues e avellanos, além de preservadas florestas de araucárias. As grandes montanhas não são os únicos cenários do roteiro patagônico que passam pela janela do automóvel. Fevereiro 2012 61 Lagos andinos 62 Fevereiro 2012 embora sem o icônico vulcão, a argentina cidade de san martin é igualmente sedutora Os lagos também se fazem presentes nesse longa-metragem dirigido pela natureza e rodado sobre quatro rodas. São pelo menos quatro cinematográficos lagos até San Martin. O primeiro a cruzar o caminho é o Calafquén, com 120 quilômetros quadrados, sete ilhas e três cidades às suas margens: Lican Ray, Calafquén e Conaripe. O lago Panguipulli não foge à regra e deixa bocas e olhos bem abertos na expectativa de que a cada curva da estrada se possa encontrar uma enseada banhada por águas tão verdes quanto as densas matas que o cercam. A cidade de Panguipulli, por sua vez, contraria um pouco o menu de Na página ao lado, em sentido horário: o sol atrai os turistas à paisagens naturais e oferece às câmeras fotográficas a Paróquia San Sebastian, beira do lago Lacar, em San uma singela igrejinha de madeira construída no início do século 20 em Martin; a canoagem é um dos homenagem à Virgem de Carmen, a padroeira do Chile. A viagem segue, assim como esportes mais praticados no as atrações do roteiro. Agora é a vez da reserva particular de Huilo Huilo, de 150 mil lado argentino dos lagos andinos; a entrada da baía onde hectares de área e muitas opções de atividades. As alternativas de peso começam pelo fica a cidade de San Martin de vulcão Mocho, de 2.442 metros de altura, onde há uma estação de esqui que, ao contrário do los Andes. Acima: vista Villarrica, funciona inclusive no verão. A próxima atração vale entender a partir da repetição das panorâmica do cerro Chapelco, palavras usadas pelos mapuches para dar ênfase ao significado de algumas coisas. Explica-se: Huilo em San Martin Huilo, por exemplo, quer dizer sulco na rocha. Quando se vê como o rio Fuy rasga a montanha formando um vale encaixado por onde despenca uma cachoeira, entende-se bem o superlativo empregado pelos índios que ficaram conhecidos por resistirem com bravura à invasão espanhola na época da colonização. No espelho retrovisor, à medida que Huilo Huilo fica para trás, a esperada travessia da Cordilheira dos Andes se aproxima. Surpreendente é a forma como se faz isso. Esqueça aviões, mosquetões e jipes com tração nas quatro rodas. Nessa parte do maciço, que é mais baixa, é possível transpô-lo cruzando dois lagos andinos de barco. O primeiro, ainda no lado chileno, é o Pirihueico. São necessárias uma hora e meia para a balsa ir de uma ponta a outra. Tempo suficiente para admirar as montanhas que o cercam e indagar como é possível estar atravessando os Andes numa embarcação. O lago Lacar, já na Argentina, é cruzado em uma grande lancha em duas horas, tempo para observar suas pequenas praias, baías e ilhas, como a Fevereiro 2012 63 Lagos andinos 64 Fevereiro 2012 foto: pedro henrique Cunha atingir o cume do villarrica é uma recompensa memorável após horas de esforço e perseverança de Santa Teresita, onde se faz uma pequena parada a fim de conhecer uma centenária e minúscula igreja de madeira. No fim do percurso de 40 quilômetros, com direito à perseguição de um bando de gaivotas atrás de comidas jogadas por passageiros, lá está San Martin de los Andes, tranquilamente postada ao fundo de uma pequena baía ao lado de uma península. A primeira constatação é a semelhança com Pucón. As duas cidades têm quase o mesmo tamanho (San Martin Na página ao lado: o trekking abriga 25 mil habitantes), são banhadas por grandes lagos, em direção ao topo do Villarrica cercadas de montanhas e compartilham a atmosfera de é feito em zigue-zague para tranquilidade na época do verão. Isso tudo na porta de aliviar a inclinação. Acima: entrada da Patagônia. rochas vulcânicas podem ser vistas com frequência; é preciso “Quem conhece San Martin não quer mais sair. Moro aqui há 12 caminhar cerca de 4 horas para anos e tudo que preciso está ao meu alcance. Adoro viver à beira do lago, chegar ao cume do vulcão, a pescar e andar no meu barco”, conta o portenho Raul Bueno, proprietário 2.847 metros de altura do restaurante Posta Criolla, enquanto sugere um strudel de javali. É fácil entender a decisão de Raul em trocar a agitação de Buenos Aires por San Martin. O primeiro argumento é gastronômico e corroborado pelos pratos de carne de cervo, cordeiro, javali e trutas servidos em seu restaurante, assim como outras excelentes cozinhas argentinas espalhadas pela cidade. Aos chocólatras, os motivos estendem-se às inúmeras lojas de chocolates artesanais. A segunda razão é o ecoturismo. Nos meses quentes, caiaques e refrescantes banhos no lago Lacar. No inverno, snowboard nos 1.980 metros de altitude do cerro Chapelco, onde um cordão de montanhas recortadas pelo tempo, que mais se parecem com castelos medievais e catedrais góticas, fazem da geologia algo semelhante à arquitetura. Após dois dias de muito calor, praia andina e comida, é hora de voltar a Pucón e encerrar o mais novo circuito dos lagos andinos do Chile e da Argentina. O retorno, dessa vez, é por terra. Antes de cruzar o passo Mamuil Malal, na fronteira, o Parque Nacional Lanin, com 412 mil hectares de matas e bosques de araucárias, lagos como o Quilelhe – que fica congelado no inverno – e o inativo vulcão Lanín, do alto de seu pico nevado a 3.776 metros, dão um até breve com sotaque argentino. Em Pucón, como não poderia deixar de ser, a despedida chilena se dá no lago Villarrica, num dia de sol, praia e muito calor patagônico. Fevereiro 2012 65 Lagos andinos RESPIRADORES DE FOGO Se não fossem os vulcões, a Terra explodiria como uma bola de bilhar cheia de gás, rocha, metais e fogo. As erupções são como respiradores para o nosso planeta que, através delas, libera toda a pressão do manto e seus superaquecidos bolsões de magma. “A formação dos vulcões e suas erupções acontecem a partir da trombada das placas tectônicas de diferentes densidades que flutuam sobre o manto. Quando elas batem, a maior desliza sobre a menor e, conforme ela afunda atingindo altas temperaturas, libera o magma do manto, que sobe até a superfície em forma de lava. Esta, por sua vez, ao entrar em contato com o ar, resfria-se e vira uma rocha, elevandose a cada erupção até virar uma montanha vulcânica”, diz Luiz Echenique, proprietário de um sítio na base do vulcão Villarrica, onde um rio de lava de uma remota erupção abriu uma fenda 650 metros de comprimento, conhecida por covas vulcânicas. LP A Equipe Lonely Planet viajou com o apoio da operadora Freeway Brasil 66 Fevereiro 2012 o verdadeiro perigo é se a cratera parar de expelir os gases vulcânicos foto: pedro henrique Cunha Com 200 metros de diâmetro, a cratera do vulcão Villarrica solta uma fumaça constante de seu interior Fevereiro 2012 67
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