juristas robotizados - Revista Opara

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juristas robotizados - Revista Opara
JURISTAS ROBOTIZADOS1
Há homens que nascem póstumos (Raul Seixas).
RESUMO
Por que o “sentido comum teórico dos juristas” ainda persiste na cabeça dos nossos atuais juristas? Para
Warat, o “sentido comum dos juristas” é um conjunto de representações, imagens, noções baseadas em
costumes, metáfora e preconceitos valorativos e teóricos, que governam seus atos (dos juristas), suas
decisões e suas atividades. Nesse aspecto, procuramos fazer uma comparação entre este “sentido” e o
filme “Show de Truman”, mostrando o automatismo, enquanto meio de reprodução de nossos hábitos.
Coube, também, aqui, a problemática da superação do “sentido comum teórico” através de uma teoria
crítica.
Palavras Chave: Senso Comum teórico, Juristas, O show de Truman, Direito, Filosofia do Direito,
Automatismo.
ABSTRACT
Why the "common sense theory of lawyers” still persists in the minds of our current lawyers? To Warat,
the "common sense of lawyers" is a set of representations, images, notions based on customs, metaphor
and evaluative and theoretical prejudices that govern their actions (jurists), their decisions and activities.
In this regard, we make a comparison between this "sense" and the movie "The Truman Show", showing
the automation as a means of reproduction of our habits. It fell, too, here, the problem of overcoming the
"common sense theory" through a critical theory.
Palavras Chave: Common Sense theoretical, jurists, The Truman Show, right, Philosophy of Right,
automatism.
1. INTRODUÇÃO
O filme “O Show de Truman”, do diretor Peter Weir, trata da vida de “um pacato
vendedor de seguros que leva uma vida simples com sua esposa Meryl Burbank (Laura
Linney). Porém, algumas coisas ao seu redor fazem com que ele passe a estranhar sua
cidade, seus supostos amigos e até sua mulher. Após conhecer a misteriosa Lauren
(NataschaMcElhone), ele fica intrigado e acaba descobrindo que toda sua vida foi
monitorada por câmeras e transmitida em rede nacional” 2. Truman Burbank,
1
Luis Eduardo Gomes do Nascimento (Advogado e Professor da FACAPE, email: [email protected]); Breno
S. Amorim (Acadêmico de Direito, FACAPE); Jefferson Siqueira (Acadêmico de Direito, FACAPE); Isabela Camila (Acadêmico
de Direito, FACAPE); Thais Renata (Acadêmico de Direito, FACAPE); Sammilca de Cale (Acadêmico de Direito, FACAPE).
2
Http://www.adorocinema.com/filmes/filme-1867
interpretado por Jim Carrey, vive, sem perceber, em uma trama novelística, levando sua
vida de uma forma medíocre, repetindo, dia após dia, as mesmas atividades.
A partir desta sinopse, pergunta-se: vivemos o nosso dia-a-dia como Truman? Se sim,
por que deixamos nossas vidas se transformarem em meras novelas? Por que repetir, dia
após dia, os mesmos atos, como se fóssemos sujeitos a-históricos, não passíveis de
mudança? Por que vivemos, como diz Belchior, como nossos pais? E o que dizer do
automatismo frente ao sistema jurídico?
Por seu turno, o “sentido comum teórico dos juristas” “é um conjunto de representações,
imagens, noções baseadas em costumes, metáfora e preconceitos valorativos e teóricos,
que governam seus atos (dos juristas), suas decisões e suas atividades”, diz Warat3. E
continua: “o „sentido comum teórico‟ é desse modo o conjunto de crenças, valores e
justificativas por meio de disciplinas específicas, legitimadas mediante discursos
produzidos pelos órgãos institucionais, tais como os parlamentos, os tribunais, as
escolas de direito, as associações profissionais e a administração pública”.
Desse modo, devemos levar em conta a repercussão que advém desse “sentido comum
teórico dos juristas”, já que este é aplicado através do operador do Direito, e que este
último é um dos responsáveis por estabelecer o controle social. Assim, como nos diz
Warat, há, por trás de tudo isso, um saber teórico acumulado, que serve,
necessariamente, para a prática desse controle. Destarte, o “sentido comum teórico”
desempenha um grande papel dentro da eficácia controladora, fazendo com que, através
da repetição, dando uma ideia de uniformidade, esse saber ganhe legitimidade,
ocasionando certa “segurança”.
Ora, um dos problemas reside nessa ideia de “segurança”, sendo a mesma percebida por
Truman, que, ao se ver cercado por uma uniformidade de comportamentos, via-se
totalmente seguro. Tudo lhe parecia no seu devido lugar, as pessoas acenando pela
manhã, repetindo o mesmo “bom dia”, o caminho para o trabalho do mesmo modo de
sempre, sem nenhum imprevisto, nenhuma casualidade, transmitindo-lhe, assim, um
sentimento de segurança.
Do mesmo modo se veem os juristas impregnados por esse “sentido comum”. Para eles,
a sociedade funciona como querem os funcionalistas, de modo que, qualquer conflito,
passe a ser visto pela ótica da anormalidade, da disfunção. Quer dizer, esses juristas, de
certa forma, podem ser considerados funcionalistas, já que, ao olhar para a realidade,
olham-na com ingenuidade, vendo a sociedade como uma grande máquina e seus
membros, como “peças dessa máquina”.
Para eles, “toda mudança social radical é uma disfunção, uma falha no sistema, que não
consegue mais integrar as pessoas em suas finalidades e valores”, como nos diz
Sabadell (2010:84). E “ingênuos” que são, “consideram a sociedade como um sistema
3
http://casadewaratportoalegre.blogspot.com.br.
harmônico e interpretam qualquer conflito como uma manifestação de patologia social”
(20120:84).
2. O AUTOMATISMO JURÍDICO
Para começo de conversa, podemos afirmar que o “sentido comum teórico” é formado
pelo saber dogmático jurídico. Nesse aspecto, a dogmática jurídica cumpre o seu papel
de algumas formas, tais quais: com sua função pedagógica e função de institucionalizar
a tradição jurídica. Destarte, consoante Tercio Sampaio, a primeira função forma e
conforma o modo pelo qual os juristas encaram os conflitos sociais; enquanto a última,
gera certa segurança e uma base comum para os técnicos do direito. Ora, é através da
formação e, principalmente, da conformação que a dogmática gera esse “sentido
comum”, assim como no caso da perspectiva da geração de segurança, fazendo com
que, o jurista, faça uma “subsunção às cegas”, por ver, na norma jurídica, essa suposta
segurança. Onde há segurança, há conformismo, e onde há dogmática, há segurança e
conformismo.
Dessa forma, podemos imaginar o jurista agindo da mesma forma que agiu Truman
durante boa parte de sua vida. Ficam presos à realidade na qual se defrontam, não
permitindo a abertura de novos horizontes, de novos olhares, de novas atitudes. Assim,
com Truman, os juristas “contaminados” pelo “sentido comum” fazem dos seus dias os
mesmos dias, de suas atividades, as mesmas atividades. São, pois, levados a viver
repetindo as mesmas ações, de forma que não percebam, agindo de acordo com o que o
costume pede, sem renovação. Todas as suas vidas se tornam meras rotinas, e já nos
alertava Sêneca, que toda “vida rotineira é uma espécie de servidão, que nos prende ao
costume, ao já esperado pela sociedade”. Então, pois, pergunta-se: qual jurista, ao
observar como fez Truman, não veria atos e mais atos repetidos diuturnamente?
Disse-nos Warat (1982) que existe um conjunto de saberes que, de forma imperceptível,
condiciona todas as atividades cotidianas do direito. Asseverando que, “sem estes
saberes, não poderia haver prática jurídica, isto é, não existiriam as condições
objetiváveis para produzir decisões significativas socialmente legitimáveis, exigir o
acatamento das relações sociais e de poder impostas e manter o controle social”. Dessa
forma, estes saberes se fazem pela repetição, pela uniformidade, fazendo com que, ao
dar a população sempre as mesmas respostas, estas tenham valores precisos,
“irrefutáveis”, imbuídas de segurança. Assim, os mesmos são legitimados através de um
discurso ideológico, que como diz Marilena Chauí (2002), “o discurso ideológico é um
discurso feito de espaços em branco, como uma frase na qual houvesse lacunas”.
Ora, Truman foi tomado por um discurso ideológico, de maneira que, ao mesmo tempo
em que não lhe contavam toda a verdade ao seu respeito, passavam-lhe uma imagem de
vida maravilhosa, sem imperfeições, fazendo com que se acostumasse à sua suposta
realidade. Destarte, Truman vivia, assim como os juristas, com um sentimento de
segurança, de paz, vendo tudo com muita normalidade, levando a vida sem indagações.
Nesse aspecto, de tanto passar, através desse discurso ideológico, uma imagem de
bondade intrínseca ao direito, os juristas acabam por acreditar que o mesmo é sempre
bom, belo e justo. Partindo daí, o seu fechar de olhos para o entorno, a sua
despreocupação com a realidade para além daquela possível de se enxergar. Assim, esse
tipo de jurista, não mais avaliará cada caso concreto com a atenção que se pede,
resolvendo uma “situação a” da mesma forma que uma “situação b”, como se tivesse
uma gaveta onde guardasse todos os casos anteriormente avaliados, usando-se deste
“dispositivo” para permanecer na sua preguiça e no seu conformismo permanente.
Outrossim, podemos usar a noção de obstáculo epistemológico, criado por Bachelard
(1996:17). No âmbito da realidade, diz o autor: “o conhecimento do real é luz que
sempre projeta algumas sombras. Nunca é imediato „o que se poderia achar‟ mas é
sempre o que se deveria ter pensado”. Nesse aspecto, pode-se dizer que, possivelmente,
o jurista conduzido pelo “sentido comum teórico” não queira conhecer, realmente, o real
pelo fato de ele projetar certas sombras. Ora, se no transcorrer da sua prática jurídica, tal
jurista, buscar, incessantemente, a realidade veria, sem sombra de dúvida, muitas
sombras no seu modo de agir. Será, então, porque ver estas sombras, que este jurista se
nega a ver a realidade das coisas? E no caso de Truman, ao conhecer o real, não veria
que sua vida não passava de uma novela, que, até aquele ponto, nada tinha acontecido
realmente, enchendo a sua vida, também, de sombras? “Diante do mistério do real, a
alma não pode, por decreto, tornar-se ingênua” (1996:18).
Destarte, ainda sobre a noção do real, disse Bachelard (1996): “diante do real, aquilo
que cremos saber com clareza ofusca o que deveríamos saber”. A partir dessa frase,
percebe-se que o jurista, do mesmo modo que Truman é “contagiado” pela crença de
acharem que sabem de realidade, fazendo com que essa convicção os torne cegos diante
do que, de fato, deveriam saber. E esse saber ingênuo é bastante perigoso, de modo que,
por achar, realmente, que conhece a verdade, estagna-se e acaba por ceder ao instinto
conservativo, fazendo com que, chegue “o momento em que o espírito prefere o que
confirma seu saber àquilo que o contradiz, em que gosta mais de respostas do que de
perguntas” (1996:19).
Dessa forma, o olhar para o real se faz através de um olhar apriorístico, que consiste
numa visão apressada e equivocada do sujeito para o objeto, ou seja, faz-se de forma
superficial. Assim, como, de certa forma, sob um olhar empirístico, sendo que, na
relação sujeito-objeto, nada mais é do que um conhecimento produzido através de
experiências e que, no momento em que o sujeito lança seu olhar sobre o objeto com
esta atribuição, já pode vê-lo de forma acabada, pronto, gerando, dessa forma, o estado
conservativo. No entanto, podemos perceber que, tanto no caso do jurista, quanto de
Truman, não há esse olhar para a realidade através de um olhar construtivista, de modo
que, no momento em que o sujeito olha para o objeto, aquele não o olha, apenas, com
suas próprias perspectivas, mas utiliza da sua formação, enquanto ser humano, e das
características do objeto, levando em conta a própria formação deste último. Desse
modo, em se tratando desta última forma de observação sujeito-objeto, só podemos
encontrar no jurista que se libertou do “sentido comum teórico”, e, no caso de Truman,
no final do filme, quando ele começa a ver a realidade com seus próprios olhos, vendo,
de fato a própria substância da realidade.
Depois do que fora discorrido, podemos, então, falar sobre as funções do “sentido
comum teórico dos juristas”. Segundo Warat (1982), este “sentido comum” têm quatros
funções, tais quais: função normativa, função ideológica, função retórica e função
política.
Desse modo, a função normativa se dá pelo fato dos juristas atribuírem significação ao
texto legal, fazendo com que se estabeleçam critérios redefinitórios e disciplinem a ação
institucional dos próprios juristas. Por seu turno, a função ideológica (já falada
anteriormente) socializa e homogeneiza valores sociais e jurídicos, de silenciamento do
papel social e histórico do Direito, de projeção e de legitimação axiológica, ao
apresentar como ética e socialmente necessários os deveres jurídicos. Já a função
retórica proporciona um complexo de argumentos (lugares ideológico-teóricos para o
raciocínio jurídico), efetivando a função ideológica. Por último, a função política, que é
derivada das demais funções, funciona como uma tendência do saber acumulado em
reassegurar as relações de poder como um conjunto unívoco e bem ordenado aos fins
propostos.
Para fazer uma última comparação entre o “sentido comum teórico dos juristas” e o
filme “show de Truman”, vale-se utilizar do “meio musical” para tal. Destarte, a música
de Raul Seixas, “meu amigo Pedro”, representa muito bem essa perspectiva. Este Pedro
da música é uma pessoa autômata, sem senso de realidade, que faz as coisas mais por
costume e “bons modos” do que por qualquer outra coisa. É o indivíduo que, como diz a
música, “vai pro seu trabalho todo dia, sem saber se é bom ou se é ruim e quando quer
chorar vai ao banheiro”. É a pessoa que só usa sempre o mesmo terno, mostrando sinal
de rotina, de estagnação de mudança. Pedro é uma pessoa que leva a vida a sério, que
não permite a seu amigo o estado da loucura, chamando-lhe de vagabundo, enquanto
este último o chama de careta, não à toa. Enfim, Pedro é uma pessoa como Truman e
como o jurista que carrega consigo o “sentido comum”, vivendo toda uma vida da
mesma forma, sem perceber a “realidade real” que lhe cerca, vivendo todos os dias
como os mesmos dias, por não ter aprendido com Sêneca que, “o último dos males é
sair do número dos vivos antes de morrer”.
3. SUPERANDO O “SENTIDO COMUM TEÓRICO DOS JURISTAS”
Em primeiro lugar, para superar o “sentido comum teórico dos juristas”, é preciso que
os juristas escutem o grande músico e poeta Belchior, quando ele diz:
Você não sente nem vê
Mas eu não posso deixar de dizer, meu amigo
Que uma nova mudança em breve vai acontecer
E o que há algum tempo era jovem novo
Hoje é antigo, e precisamos todos rejuvenescer...
(...) No presente a mente, o corpo é diferente
E o passado é uma roupa que não nos serve mais
No presente a mente, o corpo é diferente
E o passado é uma roupa que não nos serve mais...” (Velha roupa colorida)
(Grifo nosso)
Depois de ouvirem esta bela lição de Belchior, perceberão que o arsenal ideológico
usado para a prática cotidiana do Direito já está ultrapassado. Sendo que este mesmo
arsenal faz com que, como diz Warat, “os juristas de profissão sempre se encontrem
„condicionados‟, em suas práticas cotidianas, por um conjunto de representações,
imagens, noções baseadas em costumes, metáfora e preconceitos valorativos e teóricos,
que governam seus atos, suas decisões e suas atividades”.
Desse modo, faz-se necessário a extinção desse “sentido comum”, fazendo com que, o
“discurso crítico” cumpra a sua função de superação do dado. Assim, “o „discurso
crítico‟ deve intervir no interior do “sentido comum teórico” para desarticular todos os
efeitos que freiam os impulsos de superação e de desenvolvimento” (WARAT, 1996).
Podemos falar, ainda, da semiose não-verbal e do pensamento visual como formas de
superarmos o referente ou a realidade fabricada. Dessa forma, os juristas devem atentar
para a atuação da linguagem, de modo que, não se permita que ela crie o seu mundo real
através de visões estereotipadas. Pois como nos fala Izidoro Blikstein, em seu “Kaspar
Hauser ou a fabricação da realidade” (1998:80), “agindo sobre a práxis, a língua
também pode modelar o referente e „fabricar‟ a realidade”. E assevera: “a nossa
cognição estaria sujeita, portanto, a um processo ininterrupto de estereotipação, a ponto
de considerarmos real e natural todo um universo de referentes e realidades
fabricadas”.
Destarte, agem os juristas, assim como Truman, de forma que não percebem que o que
lhes é mostrado como real é, nada mais, do que uma criação. E como não compreende a
realidade, utilizam “os estereótipos verbais para reiterar o referente ou a realidade
fabricada por nossos corredores isotópicos” (1998:82). Assim, como nos ensina
Blikstein, os juristas deve usar a linguagem de modo que, ela se subverta a si própria,
para, assim, subverter a percepção de mundo.
Somos partícipes da ideia de que “o aluno de Direito (Juristas) tem direito à realidade
do Direito”. A partir desta lúcida proposição, é possível salientar a importância do novo,
do não esperado para uma melhor construção do Direito. Destarte, o jurista que obtém a
realidade do Direito sai desse paradigma do “sentido comum”, tomando suas decisões
de uma forma sensata, de acordo com as exigências reais. Implica dizer, também, que
obtendo a realidade, obtém-se a História, a Sociologia, passando a julgar não mais, tão
somente, a partir da norma, mas a partir dos acontecimentos, dos movimentos sociais.
Assim, para afastar-se do “sentido comum” é preciso uma leitura da palavra(norma) e
do mundo(movimentos sociais), consoante os ensinamentos do mestre Paulo Freire. “É
preciso reconhecer que o direito é uma obra aberta. De que o direito ao desejo coloca o
social-histórico em que o direito emerge na indeterminação e, portanto, na invenção”
(MRQUES, EDUARDO, 2011).
Outrossim, para a superação do “sentido comum teórico dos juristas” é necessário uma
contracultura do Direito. Esta contracultura não difere muito da “teoria crítica”, no
entanto, aquela, de acordo com os ensinamentos do professor Ivanildo, não existe
somente às nossas vistas, ela está presente, ainda que de forma silenciosa, dentro de
cada ser humano que não dá legitimidade ao que está posto.
Dessa forma, para que possamos obter um mundo mais sadio, mais igualitário e mais
justo é preciso extinguir, de uma vez por todas, esse “clichê judiciário” que é o “sentido
comum teórico dos juristas”. Acabando com essa convicção que este “modus operandi”
oferece, pois como disse Nietzsche, “as convicções são cárceres”, e tudo que menos
precisamos é de juristas fechados para novas ideias, apartado do seio social. Precisamos
de juristas que conheçam a História, que não se auto-enclausurem do mundo, que
busquem nos movimentos sociais e nas necessidades humanas o fulcro para suas
decisões. É preciso que nós, enquanto operadores do Direito, tomemos a atitude do
personagem Truman e nos libertemos desse “sentido comum”, com rigor, sem
adiamento.
E que, tenhamos a coragem de Truman para se libertar da cegueira que os juristas
insistem em não notar. Que, assim como Truman, enfrentemos tempestade, altas marés
e todos os problemas que nos forem postos para nos enclausurar dentro dessa realidade
mentirosa, que nos conforta e, por isso, nos corrói; que enfrentemos com toda a audácia
necessária os responsáveis pelos nossos “aprisionamentos” e que, no momento da luta,
vençamos nosso principal inimigo: o medo.
Assim, no momento em que os juristas perceberem o quão autômatos, robotizados e
cegos são, perguntarão, como o fez a personagem do romance “Ensaio sobre a cegueira”
(1995:310), de Saramago, quando recuperou a visão, e que, ao perguntar, obtenha a
mesma resposta dada a esta personagem:
- Por que foi que cegámos?
- Não sei, talvez um dia se chegue a conhecer a razão.
- Queres que te diga o que penso?
- Diz!
- Penso que não cegamos, penso que estamos cegos. Cegos que vêem.
Cegos que, vendo, não vêem. (Grifo nosso)
Destarte, este artigo, tentou mostrar uma postura crítica frente ao “sentido comum
teórico dos juristas”, utilizando, para tanto, de uma comparação entre o mesmo e o filme
“Show de Truman”. Propõe-se, neste ensaio, o fim deste “sentido” para tornar a prática
judiciária mais justa e atenta para a realidade “verdadeira”. Destacamos: “diante do
mistério do real, a alma não pode, por decreto, tornar-se ingênua”(1996:18)!
REFERÊNCIAS
BACHELARD, Gaston. A formação do espírito científico. 1ª ed. Rio de Janeiro: Contraponto, 1996.
BLIKSTEIN, Izidoro. Kaspar Hauser ou a fabricação da realidade. 5ª ed. Cultrix, 1998.
CHAUI, Marilena. Cultura e democracia. 1ª ed. São Paulo: Cortez, 2002.
EDUARDO, Luis; MARQUES, Juracy. A descienciação do direito.Revista Opara, Petrolina, v. 1, n. 1,
2011.
FERRAZ, Tercio Sampaio. Introdução ao estudo do direito. 6ª ed. São Paulo: Atlas Editora, 2008.
SABADELL, Ana Lucia. Manual de sociologia jurídica. 5ª ed. Editora Rt, 2010.
SARAMAGO, José. Ensaio sobre a cegueira. 1ª ed. São Paulo: Companhia das Letras, 1995.
SÊNECA, Lúcio Anneo. Aprendendo a viver. 1ª ed. Porto Alegre, RS: L&PM, 2010.
_______. Da tranquilidade da alma. 1ª ed. Porto Alegre, RS: L&PM, 2011.
WARAT, Luiz Alberto. Saber crítico e senso comum teórico dos juristas. Revista Sequência, Santa
Catarina, v. 3, n. 5, 1982.
_______. As vozes incógnitas das verdades jurídicas. Revista Sequência, Santa Catarina, v. 8, n. 14,
1987.

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