Vivendo o Magnificat A Bem-Aventurada Virgem Maria como

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Vivendo o Magnificat A Bem-Aventurada Virgem Maria como
Vivendo o Magnificat
A Bem-Aventurada Virgem Maria como
Modelo e Inspiração para a Missão Ecumênica
Rev. Luiz Coelho
(Diocese Anglicana do Rio de Janeiro)
Embora diversas denominações tenham entrado em diálogo em relação ao papel da
Bem-Aventurada Virgem Maria na vida da Igreja, uma mariologia universal ainda
carece de aceitação entre cristãos de diferentes confissões. Enquanto cristãos em geral
são capazes de concordar quanto à natureza e obras de Nosso Senhor Jesus Cristo, ainda
permanecem muitas desavenças em círculos ecumênicos quanto ao papel da BemAventurada Virgem Maria na história da salvação e se ela deve, ou não, ser venerada
por isso. Como resultado, o debate ecumênico e missiológico tem geralmente ignorado
o papel da mãe de Nosso Senhor na Missão contínua da Igreja em todo o mundo.
Mas o relato que aprendemos através das Escrituras Sagradas e da Tradição da Igreja dá
bastante importância ao ministério dela através de Cristo. O testemunho da BemAventurada Virgem Maria é uma fonte de esperança e encorajamento a todos os cristãos
engajados em Missão, numa variedade de eras e contextos. Independentemente de sua
tradição de origem, sempre é possível aos cristãos aprender bastante sobre o caminho de
Jesus se seguirem os passos de Maria. Ela é, assim, um exemplo de inspiração a todas as
pessoas que levam adiante a tarefa de cumprir a Missão da Igreja de Cristo.
Maria: Humilde e Pobre
Embora a Tradição tenha transmitido belas histórias sobre o nascimento e infância de
Maria, temos, de fato, pouquíssima informação histórica sobre o passado da VirgemMãe. Pelas Escrituras, aprendemos que ela vivia no lugarejo de Nazaré, na Galileia (Lc
1:26). Essa região era, muito provavelmente, um agrupamento multiétnico de vilarejos,
os quais haviam sido conquistados pelos Hasmoneus por volta de um século antes e
reassentados com judeus. É seguro dizer, contudo, que as origens de Maria não eram
exatamente nobres. A Galileia estava longe de ser o poder central da Judeia e suas vilas
eram pobres se comparadas com o luxo das grandes cidades. Tratava-se de “parte de
um estado ocupado sob a égide da Roma Imperial. A Revolução estava no ar. A
atmosfera era tensa. A violência e a pobreza prevaleciam”.[1]
Maria era, assim, uma representante da grande população de camponeses, que
constituíam a quase-totalidade do povo naquela região. É digno de nota que ela havia
sido prometida em casamento a um homem que descendia da Casa de Davi, mas a
linhagem de Davi também continha ancestrais que não poderiam ser classificados
exatamente como nobres. De fato, José, seu noivo, era da classe popular também. Sob
este aspecto, o status da Virgem como mulher do povo é representativo de muitos
cristãos, que foram chamados em meio aos pobres, para trabalhar tanto com eles quanto
com os ricos, em nome de Deus. Mais ainda: ela desponta como modelo de humildade
cristã e de discipulado e plena confiança em Deus.
Ao caminhar com ela, descobrimos que Deus está sempre disposto a nos surpreender e
levantar vocações nos lugares mais imprevisíveis, especialmente entre aqueles que,
apesar de suas pobres origens, estão dispostos a obedecer a vontade do Todo-Poderoso.
Maria: Fiel e Serva
Talvez um dos momentos mais impressionantes da história de Cristo é a Anunciação – a
narrativa do Arcanjo Gabriel ao visitar a Virgem Maria, através da qual ela descobre
que foi escolhida para conceber o Filho de Deus em seu útero (Lc 1:26-38). O relato se
desdobra em uma mistura de tensão, profecia e alegre aceitação. Em tudo, é
impressionante notar como a atitude de Maria rapidamente muda de espanto e
preocupação para total reconhecimento da vontade de Deus.
Certamente, não é possível ignorar sua fé e coragem – as quais permitiram a ela aceitar
tal missão. Não é todo dia que um anjo aparece anunciando o nascimento miraculoso do
Salvador do Mundo. De certa forma, sua obediência relaciona-se diretamente com o que
Kierkegaard chamou de um “grande salto de fé”. “A pureza de fé que Kierkegaard
tanto admirava em Abraão aqui é levada ao auge de sua intensidade.”[2]
Essa é, talvez, a principal razão para louvar o exemplo de Maria na vida da Igreja.
Como o teólogo reformado Karl Barth apresenta, através de Maria, a humanidade se
revela no encontro: “a criatura diz ‘Sim’ a Deus …. [C]ada vez que as pessoas tentam
fugir desse milagre”, elas “deixam para trás o mistério da unidade entre Deus e homem
em Jesus Cristo, o mistério da graça gratuita de Deus”.[3] Em diversos aspectos, a fé de
Maria é muito similar à nossa própria. Ela, a primeira fiel, aceitou a Jesus Cristo
completamente pela fé, ao invés dos primeiros discípulos de Jesus, que precisavam de
sinais e maravilhas para nEle acreditarem.
A Missão cristã nos convida a um salto de fé. O chamado de levar o trabalho de Cristo
no mundo é certamente assustador. É geralmente impossível se levarmos em
consideração parâmetros humanos. Mesmo assim, nos encoraja a aceitar alegremente o
trabalho de Cristo e envolver-nos com ele, porque a Missão ultimamente aponta para o
trabalho de Deus, e nossa resposta a tudo isso deve envolver um discernimento em
fidelidade, a fim de predizer e agir de acordo com a vontade de Deus, mesmo quando
não podemos plenamente compreendê-la. Maria disse sim a Deus, mesmo sem saber o
grau das implicações de sua obediência. Mais tarde, à medida que a Encarnação se
desdobra e os pobres do mundo achegam-se ao redor do Criador do Universo, vestido
na carne de um simples bebê, a Mãe guarda tal experiência em seu coração (Lc 2:19),
bem como o profeta e místico Daniel (Dn 7:28) e outros visionários, que refletem sobre
“uma revelação misteriosa, da qual apenas parte é plenamente compreendida”.[4]
“A cena da Anunciação, conforme biblicamente analisada nos dias de hoje, mostra a
Virgem de Nazaré sendo chamada à vocação de ser parceira de Deus no trabalho de
redenção, de modo similar ao chamado de Moisés na sarça ardente”.[5] Como ela,
também somos chamados a ser parceiros de Deus, alcançando as pessoas necessitadas.
Após o salto de fé tomado por ela, nós também devemos declarar: “Eis a serva do
Senhor. Faça-se em mim segundo a tua palavra.” (Lc 1:38).
Maria: Cheia de Graça e Bendita
Na narrativa da Anunciação, o anjo refere-se à Virgem Maria como “muito favorecida”
e “cheia de graça”. Isso sugere que ela possuía um padrão de santidade acima do de
outras mulheres, de tal forma que ela veio a ser escolhida por Deus para levar adiante
Sua vontade. De fato, como disse Santo Ambrósio de Milão, ela era “tão pura a ponto
de ser escolhida como Mãe do Senhor. Deus a fez de quem Ele havia escolhido e a
escolheu para dela fazer a Si”.[6]
Intrinsecamente ligado à aceitação por Maria da vontade de Deus em sia vida está o
título a ela atribuída por Deus, e perpetuado pela Igreja ao longo dos séculos: bemaventurada. Como sua prima, Santa Isabel diria, ela é bendita entre as mulheres (Lc
1:45), por ter acreditado no que era impossível acreditar.
Ambas as expressões foram rapidamente amalgamadas pela Igreja em orações, hinos de
louvor e antífonas, as quais levariam a fórmulas como a Saudação Angélica das Igrejas
Orientais e a Ave Maria, nas Igrejas Ocidentais. Esses títulos veneráveis atribuídos à
Bem-Aventurada Virgem Maria são fundação das reflexões teológicas da Igreja, pois
nos encorajam à busca constante de santificação. Mesmo não podendo nos tornar Deus
em essência, podemos nos tornar “deuses” pela graça, como criaturas da natureza
humana. Esse conceito é melhor expresso pela teologia cristã oriental como deificação,
ou Theosis. “[A] encarnação também apresenta a vocação da humano-deidade como
uma nova obrigação moral, que os seres humanos busquem imitar a Jesus Cristo, que é
ao mesmo tempo arquétipo e exemplo perfeito de uma humanidade deificada”.[7]
Especialmente no encontro com o outro, é imperioso que nós cristãos sejamos vistos
como justos, puros e santos: bem-aventurados e uma bênção àqueles que nos cercam. A
Virgem Maria foi a primeira a encher-se de graça e ser deificada em Cristo. Sua
santidade aponta o caminho para Ele e para o nosso próprio trabalho no mundo, o qual
nos move em direção à theosis, ao liderar o caminho para que outras pessoas encontrem
o Filho de Deus através de nossas palavras e ações como representantes do Corpo de
Cristo ativo no mundo, que, como Maria, abençoa os pobres e liberta os oprimidos.
Maria: Profetisa da Justiça de Deus
A Bem-Aventurada Virgem Maria é geralmente louvada por sua humildade, calma e
resiliência. Tais qualidades são certamente naturais de seu caráter; contudo, não se deve
pensar que as mesmas a tornam sem importância. Maria também é uma voz profética
muito importante para a Igreja. Ela era pobre e humilde. Ela era uma mulher em meio à
sociedade patriarcal de então. Ela era, para a humanidade, alguém sem muito valor, mas
o Todo-Poderoso a escolheu para, através dela, fazer grandes coisas. Seu hino de
louvor, o “Magnificat” (Lc 1:46-55), profundamente expressa sua gratidão e fidelidade
ao amor com que Deus a abraçou. Contudo, o cântico de Maria é mais que um hino de
ação de graças. É um grito profético através do qual ela também anuncia a justiça de
Deus a todos os pobres que O temem. Ela proclama uma justiça divina que derruba os
orgulhosos e poderosos de seus tronos, e que exalta os humildes. Ela exclama a
fidelidade de Deus para alimentar os famintos de coisas boas, e avisa aos ricos que
confiam apenas em si mesmos que Deus os esvaziará. O Magnificat é uma proclamação
ousada e revolucionária da justiça de Deus em relação aos pobres e oprimidos,
anunciada por uma simples mulher, a qual foi elevada por Deus e cheia de graça e
bênçãos, para que por sua vez ela pudesse oferecer bênçãos ao mundo. Maria,
fortalecida pelo Espírito Santo, “encarna os ignorados deste mundo, para os quais Deus
é o último refúgio …. Esta é uma grande oração; é uma canção revolucionária de
salvação.”[8]
Assim, Santa Maria é testemunha do amor inclusivo de Deus. A pobre virgem de
Nazaré, cujo hino de louvor é o texto mais longo atribuído a uma mulher no Novo
Testamento[9], proclama a chegada do Reino de Deus, e sua revolução social que
redimirá a todos os povos. Ela é, assim, parceira em nossa esperança de que todos os
oprimidos serão ultimamente libertos pelo Maravilhoso Deus. A Missão cristã, de
semelhante modo, deve ser tão corajosa e profética quanto a voz da Bem-Aventurada
Virgem Maria. Senão, acaba por se tornar irrelevante num mundo cheio de
desigualdades. Se nos conformarmos com as estruturas de poder corruptas e demoníacas
deste mundo, não poderemos proclamar, com Maria, a vinda do Reino de Deus. Pelo
contrário, somos chamados, como ela, a nos conformarmos com Cristo, e a rezar para a
vinda do Reino de Deus, de justiça e paz.
Maria: Mãe
O fato de que Nossa Senhora concebeu o Senhor Jesus não é desconhecido para nenhum
cristão. Até as crianças sabem dizer que ela é a mãe de Jesus Cristo. Mas então, o que
significa ser uma mãe? O que significa ser a mãe do Senhor do Universo?
A proximidade física do relacionamento mãe-filho começa desde o momento da
concepção. São José certamente amava e se preocupava com Jesus, como pai adotivo
que era. Mas sua esposa experimentava um relacionamento com o filho que é único
entra mães. Seu próprio corpo nutriu o Jesus embriônico à medida que Ele crescia em
seu útero. Seus seios o alimentaram em sua infância, e seus beijos e abraços cobriram
aquele bebê de amor materno. O Primeiro Concílio de Éfeso (431) a declarou
Theotokos: “Geradora de Deus”, ou mais comumente, Mãe de Deus, e não apenas a mãe
da natureza humana de Jesus. Ao pensar no relacionamento físico que existe entre uma
mãe e seu filho, e reconhecer a total dependência que a criança tem para seu cuidado
emocional e físico, em parceria com o mistério de Nossa Senhora ser a Mãe de Deus, é
impossível não se impressionar com a vontade amorosa de Deus de compartilhar a frágil
natureza de nossa humanidade.
A iconografia cristã primitiva logo desenvolveu um padrão de representação da Virgem
e de seu filho recém-nascido em um abraço forte: um abraço de amor e cuidado mútuos.
Como muitas mães, Maria estava preocupada quanto ao cuidado e proteção de seu filho.
Jesus cresceu em meio a tempos assustadores. As preocupações de sua mãe não eram
muito diferentes das preocupações de muitas mães hoje em dia. Este bebê que eu
carrego em meus braços sobreviverá a infância? Será este menino saudável e livre de
doenças? Serei capaz de alimentá-lo e vesti-lo? O que acontecerá se a guerra, ou a
violência, irromper nestas terras? Como poderei garantir que ele estará seguro? Como
vou ensinar a ele os valores que lhe permitirão crescer e ser uma pessoa honesta, amável
e santa? Maria, como tantas outras mães, queria que seu filho fosse saudável, feliz,
seguro e salvo; entretanto, ela logo aprende que o caminho do seu filho O levará a dor e
sofrimento inevitáveis. Por não ser capaz de prevenir tal sofrimento que recai sobre seu
filho, nem protegê-lo dele, ela aceita sofrer com ele, e com sua comunidade, e aprende a
ver sua dor como uma porta para a salvação, e como canal da presença de Deus em
meio ao Seu povo.
Como é que “geramos a Deus” nestes tempos desafiadores? Devemos nos lembrar do
diálogo entre Jesus e Nicodemos em relação a “novo nascimento”, e percebermos que
“dar a luz a Deus” acontece no mesmo tipo de experiência mística que envolve nosso
novo nascimento em Cristo, pois permite que Cristo nasça entre nós, e para os outros,
enquanto seguimos e servimos a Ele na vida daquelas pessoas que estão em necessidade
(Mt 23:35 ). Uma fé realmente encarnacional nos compele a ser como Maria Bendita, e
“dar a luz” a Cristo entre aquelas pessoas a quem servimos, e ver a face desse mesmo
Cristo em cada uma delas, e em cada ser humano em geral. Devemos servi-los, amá-los,
protegê-los e cuidá-los – como se Cristo fossem.
Maria: Intercessora
Nas bodas de Caná (Jo 2:1-12), conhecemos uma Maria que intercede junto a seu Filho
por pessoas necessitadas. A razão por detrás disso pode parecer ingênua: não havia
vinho! Em princípio, Jesus mostrou-se hesitante em agir, e explicou a sua mãe que o
Seu tempo não havia chegado. Entretanto, ao fim Ele acaba por fazer o milagre, talvez
devido à fé e confiança persistentes de sua mãe. Maria intercede junto a ele, para que
ajude àqueles que estão em necessidade, já confiante que Ele fará o que for apropriado
naquela situação. E ao final, ela diz: “Fazei tudo o que Ele disser”. (Jo 2:5)
O papel de Maria como intercessora nessa história pode ser sutil, mas certamente nos
ensina a ser ousados no que pedimos a Deus e na confiança que nEle depositamos acima
de qualquer outra coisa. À medida que intercedemos uns pelos outros, não tenhamos
medo de pedir a Deus o que precisamos para nossas necessidades, já confiantes que Sua
vontade será o melhor para nós.
Qualquer tarefa orientada à Missão deve confiar numa rede de intercessores que conecta
aqueles que estão trabalhando no campo missionário com seus sustentadores remotos. A
oração é uma ferramenta poderosa para unir o povo de Deus em suas necessidades, e
através dela somos capazes de compartilhar parte da tristeza que aqueles que trabalham
como companheiros em missão sentem. Se acreditamos que a Comunhão dos Santos se
une através da oração, nunca devemos nos esquecer de orar por nossos irmãos e irmãs
em Cristo e solicitar suas orações também.
E não nos esqueçamos das palavras finais de Maria em tal relato: “Fazei tudo o que ele
mandar”. Além de ser sustentada por oração, a Missão precisa ser cristocêntrica. Isso
significa que, em toda parte e em todo tempo, devemos nos lembrar que tudo o que tem
que ser feito deve ser de acordo com a vontade do nosso Deus. Deus em Cristo nos
deixou diversos ensinamentos que sugerem qual é a Sua vontade. A Missão
cristocêntrica nunca deixa de se perguntar se suas tarefas estão compatíveis com a
Mente de Cristo, à qual sua mãe gentilmente aponta.
Maria: Sofredora
Quão desesperada a Mãe do nosso Salvador deve ter ficado ao contemplar seu Filho
oferecer-se em sacrifício pela nossa salvação? A mãe que sofre ao pé da cruz (Jo 19:2527) tornou-se um tema tradicional na arte sacra cristã. Ali, ela se junta a São João e
outras mulheres fiéis, que foram leais a Jesus até o fim. Apesar do medo e da dor, eles
sabiam que era a hora de Jesus terminar o trabalho que Ele tinha de fazer (Jo 19:28).
Assim como a Bem-Aventurada Mãe sofre com seu Filho, Jesus tem compaixão dela e a
nomeia mãe do Discípulo Amado, entregando-os mutuamente em amor e cuidado.
Mediante tal bênção, Jesus estende sua família a todos os seus discípulos. No Evangelho
de São Marcos, quando perguntado sobre sua família, Jesus claramente diz que todos os
que fazem a vontade de Deus são sua família (Mc 3:35). “Se em Marcos e Mateus há
um contraste entre duas famílias, uma por natureza e uma por discipulado, em João
(assim como em Lucas), a mãe natural é trazida à família de discipulado de modo
proeminente”. [10]
Como em nossos batismos, nascemos de novo nesta mesma família em Cristo, somos
chamados a compartilhar dos sofrimentos de cada membro da família, à medida que
compartilhamos das alegrias. Santa Maria e todas as pessoas que sofrem ao pé da cruz
consolavam-se uns aos outros, oravam e trabalhavam juntos confiando que não era o
fim. E realmente não era. Jesus ressuscitaria dos mortos em três dias, e toda a criação
seria transformada. Aquele momento era apenas o início.
O chamado à Missão nos conclama a juntar-nos a Maria, João e todos os outros
discípulos de Jesus na tarefa de ajudarmo-nos a carregar nossas dores e sofrimentos, já
que somos todos família de Deus. Um coração missionário nos impele a suportarmos
em oração todas as pessoas que sofrem ao pé da cruz. No mundo de hoje, em que
calamidades acontecem a cada momento, é ainda mais imperioso que isso aconteça.
Compartilhar da dor, construir comunidades – famílias mesmo: é isso que vemos no
exemplo de Maria, e é isso o que agrada ao nosso Senhor.
Maria: Glorificada por Deus, Louvada pela Igreja
Não há fontes escriturais que descrevem como a Mãe de Deus deixou este mundo. Tudo
o que sabemos das Escrituras é que ela se encontrava em uma posição de importância
entre aqueles que receberam o Espírito Santo em Pentecostes (Atos 1:13-14). A
Tradição da Igreja Primitiva, contudo, relata uma história, a qual eventualmente evoluiu
a ponto de tornar-se uma festa cristã, celebrada pela maioria dos cristãos orientais (e por
alguns cristãos ocidentais) como a Festa da Dormição da Theotokos, e por católicos
romanos como a Festa da Assunção de Nossa Senhora, segundo a qual Maria foi assunta
aos céus de corpo e alma. Muitos, mas nem todos, protestantes decidiram não especular
sobre a partida de Maria, preferindo atribuir qualquer significado doutrinário ao seu cair
no sono, já que seguem o princípio Sola Scriptura.
Entretanto, é seguro dizer que a coleta anglicana para a Festa (do Cair no Sono) de
Santa Maria Virgem[11] expressa uma declaração com a qual a grande maioria dos
cristãos concordaria:
“Ó Deus, que chamaste à tua presença Maria, bem-aventurada mãe de teu Filho
Encarnado, por cujo sangue fomos redimidos; concede-nos participar com ela na
glória do teu eterno reino, por Jesus Cristo, nosso Senhor, que vive e reina contigo e
com o Espírito Santo, um só Deus, agora e sempre. Amém.”[12]
Não há dúvidas que a Mãe de Deus, uma senhora de fé e virtude impressionantes, foi
abraçada por Deus no momento de sua partida. Foi um abraço de amor. E essa mesma
Senhora continua a ser louvada e relembrada pela Igreja em leituras, orações, hinos e
antífonas. Com ela, multidões de santos e criaturas celestiais louvam nosso Senhor e
Deus incessantemente.
Que nós possamos aprender, à medida que fazemos a Missão da Igreja, a seguir esse
caminho de santidade e os passos de Nossa Senhora na imitação de Cristo. Que
possamos aprender a ser fiéis verdadeiros até mesmo em meio a dor e sofrimento. Que
possamos aprender a ser profetas, e incessantemente proclamar a libertação e justiça de
Deus. E que em todas as coisas deixemos Deus falar e agir através de nós. Esses são
princípios básicos de Missão que podem ser aplicados independentemente de onde,
quando ou como servimos. E na nossa fidelidade, seremos abraçados por Deus – um
abraço irresistível de amor que alcança o mundo inteiro.
[1] Elizabeth Johnson, “In Search of the Real Mary,” Catholic Update (May 2001).
[2] W. Paul Jones. “Mariology: An Unrecognized Entree to Ecumenical Dialogue,” The
Journal of Religion 44, no. 3 (1964), http://jstor.org/stable/1200813 (accessed
December 15, 2009), 217.
[3] Jones, 219.
[4] Raymond Brown, “Mary: The First Disciple,” Scripture from Scratch (May 1997).
[5] Johnson
[6] John A. Hammes, “The Patristic Praise of Mary,” Faith and Reason (Summer 1990).
[7] Vigen Guroian. “Notes Toward an Eastern Orthodox Ethic,” The Journal of
Religious Ethics 9, no. 2 (1981), http://jstor.org/stable/40014936 (accessed December
15, 2009), 231.
[8] Johnson
[9] Johnson
[10] Brown
[11] Embora a maioria dos Livros de Oração Comum descrevem tal festa como apenas
“Santa Maria Virgem”, alguns livros, como o escocês e o canadense, restauraram o
nome original “o Cair no Sono de Santa Maria Virgem”.
[12] Livro de Oração Comum da Igreja Episcopal Anglicana do Brasil, 192.