Revista Brasileira de História da Educação

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Revista Brasileira de História da Educação
Revista Brasileira de
História da Educação
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Revista Brasileira de História da Educação
Publicação quadrimestral da Sociedade Brasileira de História da Educação – SBHE
Revista
Sociedade Brasileira de História da Educação –
SBHE
Conselho Diretor
Dermeval Saviani (UNICAMP); Marta Maria Chagas
de Carvalho (PUC-SP); Ana Waleska Pollo Campos
Mendonça (PUC-Rio); Libânia Nacif Xavier (UFRJ).
A Sociedade Brasileira de História da Educação
(SBHE), fundada em 28 de setembro de 1999, é uma
sociedade civil sem fins lucrativos, pessoa jurídica
de direito privado. Tem como objetivos congregar
profissionais brasileiros que realizam atividades de
pesquisa e/ou docência em História da Educação e
estimular estudos interdisciplinares, promovendo
intercâmbios com entidades congêneres nacionais e
internacionais e especialistas de áreas afins. É filiada
à ISCHE (International Standing Conference for the
History of Education), a Associação Internacional
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ISSN 1519-5902
janeiro/abril
2009
no 19
H
Revista Brasileira de
ISTÓRIA
da
EDUCAÇÃO
SBHE
Sociedade Brasileira de História da Educação
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Revista Brasileira de História da Educação, n. 19, 240p., jan.abr. 2009.
A RBHE tem o objetivo de divulgar a produção científica nacional e internacional sobre História
e Historiografia da Educação, que se revele de interesse para as grandes áreas de pesquisa
em Educação e em História, abrindo novos horizontes de discussão e estimulando debates
interdisciplinares.
Revista Brasileira de História da Educação, SBHE, Ed. Autores Associados, SPCampinas, 2001.
Quadrimestral
Publicação da Sociedade Brasileira de História da Educação
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Carlos Roberto Jamil Cury
Dermeval Saviani
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Diretor Executivo
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Revisão
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DPG Editora
Projeto Gráfico, Arte Final
Érica Bombardi
Impressão e Acabamento
Gráfica Paym
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Sumário
CONTENTS
7
EDITORIAL
9
ARTIGOS
Organismos estatales de selección y control de manuales escolares
María López García
11
A educação na Itália fascista (1922-1945)
José Silvério Baia Horta
47
A contribuição de Aléxis de Tocqueville por meio da obra A democracia
na América para a elaboração das argumentações de Tavares Bastos
sobre a organização escolar e político-institucional no Brasil
Josefa Eliana Souza
A Reforma Antônio Carneiro Leão no final dos anos de 1920
Cristina Araújo
Dos “discursos fundadores” à criação de uma “memória coletiva”:
formas de como se escrever a(s) história(s) da Universidade de São Paulo
Diogo da Silva Roiz
Os primórdios da Universidade de São Paulo
Macioniro Celeste Filho
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Nem “programa de índio”, nem “presente de grego”: uma crítica
a concepções teórico-metodológicas em pesquisas sobre educação
escolar indígena, em Mato Grosso e Mato Grosso do Sul (1995-2001)
Léia Teixeira Lacerda Maciel e Giovani José da Silva
205
RESENHA
Educação, história e cultura no Brasil Colônia
Cézar de Alencar Arnaut de Toledo e Marcos Ayres Barboza
227
ORIENTAÇÃO AOS COLABORADORES
235
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Contents
ARTICLES
State departments for the selection and control of school textbooks
María López García
12
Education in Fascist Italy (1922-1945)
José Silvério Baia Horta
48
The contribution of Aléxis of Tocqueville’s book, The democracy
of America, to Tavares Bastos’s discussions about school and
political-institutional organization in Brazil
Josefa Eliana Souza
Antônio Carneiro Leão’s Reform at the end of 1920’s
Cristina Araújo
From the “founding speeches” to the creation of a “collective memory”:
forms of writing the history(ies) of the University of São Paulo
Diogo da Silva Roiz
The beginning of São Paulo University
Macioniro Celeste Filho
Neither a waste of time nor a trojan horse: a criticism to theoretical
and methodological conceptions in research on indigenous school
education in Mato Grosso and Mato Grosso do Sul (1995-2001)
Léia Teixeira Lacerda Maciel e Giovani José da Silva
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206
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BOOK REVIEW
Educação, história e cultura no Brasil Colônia
Cézar de Alencar Arnaut de Toledo and Marcos Ayres Barboza
227
GUIDES FOR AUTHORS
235
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Editorial
Editorial
Procurando dar seqüência ao projeto editorial acadêmico de oferecer
ao leitor temas relevantes no campo da história da educação, o número
19 da Revista Brasileira de História da Educação apresenta um conjunto de artigos resultantes de pesquisas que representam uma importante
contribuição para a área.
Este número abre suas páginas com o artigo internacional de María
López García, que realiza um estudo sobre o controle dos textos escolares por parte do Estado argentino, salientando o papel das comissões
de regulação dos textos escolares e a execução de políticas editoriais
paralelas que contribuem para o fortalecimento da indústria editorial
dos livros de texto escolares.
José Silvério Baia Horta analisa a educação italiana durante o fascismo, 1922-1945, tomando como ponto de partida a Reforma Gentile,
marco do processo de fascistização da escola em seus diversos níveis.
Esse processo teve início com a fascistização das associações de professores, com a militarização da escola e com a implementação de leis
racistas no ensino.
O texto de Josefa Eliana Souza aborda a influência da obra de Aléxis Toqueville intitulada A democracia na América sobre os escritos de
Tavares Bastos. Estes têm como tema o valor da escola como instituição
fundamental para a unidade e identidade nacional e para a complemen-
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Editorial
tação do debate acerca da educação como forma de integrar o imigrante
à sociedade brasileira.
O trabalho de Cristina Araújo analisa a reforma de Antonio Carneiro
Leão, no final dos anos de 1920 e início dos anos de 1930, em Pernambuco, inspirada no ideário da Escola Nova. Destaca que a educação cívica
e a educação profissionalizante tinham a possibilidade de “neutralizar a
carga vergonhosa advinda das nossas origens raciais”. O ponto central da
reforma foi a qualificação profissional, objetivando preparar mão-de-obra
para o país que iniciava seu processo de industrialização.
O texto de Diogo da Silva Roiz analisa como Júlio de Mesquita Filho
e Fernando de Azevedo construíram “discursos fundadores” sobre a criação da Universidade de São Paulo (USP) com a finalidade de estabelecer
a memória coletiva e os acontecimentos relacionados ao surgimento da
instituição universitária.
Macioniro Celeste Filho, em seu texto, analisa os conflitos entre
duas unidades de ensino no momento da fundação da USP: a Escola
Politécnica, que desejava ser o núcleo, e a Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras.
O artigo de Léia Teixeira Lacerda Maciel e Giovani José da Silva
preocupa-se em divulgar os resultados dos estudos realizados sobre
história da educação escolar indígena na Região Centro-Oeste, particularmente nos estados de Mato Grosso e Mato Grosso do Sul.
Por fim publicamos também a resenha elaborada por Cézar de Alencar Arnaut de Toledo e Marcos Ayres Barboza sobre o livro Educação,
história e cultura no Brasil colônia, organizado por José Maria Paiva,
Marisa Bittar e Paulo Assunção.
Acreditamos que esse conjunto de colaborações vem acrescentar
algo de proveitoso a quem, como educador, tem interesse pelos avanços
e recuos a que está exposta a educação em todos os tempos.
Boa leitura!
A Comissão Editorial
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María López GARCÍA
Organismos estatales de selección
y control de manuales escolares*
1
María López García**
2
Resumen:
El artículo estudia las Comisiones estatales de Regulación de
Textos escolares, instituidas en Argentina a comienzos del siglo
XX. El análisis revela una liberalización en las prescripciones
y una cesión de decisiones a los editores e imprenteros así
como la instauración del libro de texto como herramienta
ineludible del trabajo escolar. El fortalecimiento de la industria
editorial escolar derivó en un desplazamiento de las funciones
de control y selección por parte del Estado sobre el material
producido hacia las mismas editoriales -y, eventualmente, los
maestros-. Los vínculos entre las propuestas estatales y las
tecnologías del mercado acarrearon una validación por parte
del Estado de las conveniencias de la industria del libro; con su
consiguiente injerencia creciente sobre los aspectos pedagógicos
a implementar en la escuela.
Palabras-claves:
libros de texto escolar; control editorial; control estatal de libros;
formación docente; mercado del libro.
*
Una versión preliminar de este trabajo fue presentada en el VIII Congreso Argentino
de Hispanistas “Unidad y multiplicidad: tramas del hispanismo actual”, organizado
por la Asociación Argentina de Hispanistas y la Facultad de Filosofía y Letras
(UNCu), 21 al 24 de mayo de 2007.
** María López García es licenciada, profesora en Letras y especialista en Procesos
de Lectura y Escritura por la Universidad de Buenos Aires, Argentina.
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Organismos estatales de selección y control de manuales escolares
State departments for the selection
and control of school textbooks
María López García
Abstract:
The article studies the State Commissions for the regulation
of Schoolbooks, instituted in Argentine at the beginning of the
20th-century. The analysis exhibits a gradual liberalization of the
prescriptions and a reassignment of decisions to the publishers,
as well as the institution of schoolbooks as ineludible tool of
the pedagogical methodology throughout that century. The
growing of the publishing industry resulted in a displacement of
the functions of control and selection of the produced teaching
materials from the State on teachers and publishing companies.
The bonds between State proposals and market technologies
entailed a state validation of the companies’ conveniences; one
of its more harmful consequences was their increasing meddling
in the pedagogical methodology to implement in the school.
Keywords:
schoolbooks; publishing regulation; state schoolbooks regulation;
teacher’s instruction; schoolbooks industry.
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María López GARCÍA
Introducción
Pese a que el uso del libro de texto no es legalmente obligatorio en
Argentina1, se observa que los docentes optan en su mayoría por la adopción de un manual para el trabajo en el aula y que los padres ejercen una
fuerte presión para que así sea2. Atribuimos los motivos a una variedad
de factores, entre ellos, las deficiencias en la formación disciplinar de
los docentes, la desjerarquización de su profesión y las representaciones
de los padres sobre la garantía del saber vehiculado por la letra impresa
frente a la falta de formación docente3. Convenientemente, el criterio
instrumental que sostiene al libro de texto como herramienta de transmisión de saberes curriculares tiene como principio rector la posibilidad
de neutralizar la diferencias biográficas de los maestros (en especial, las
vinculadas con la diversidad lingüística) y el contexto de interacción,
es decir, las condiciones específicas de cada intercambio escolar como
práctica social.
Por su parte, el poder público contribuye a consolidar esta situación.
El Ministerio de Educación se encarga de la planificación y la selección
de contenidos pero no se ocupa de establecer los principales transmisores
(entre los que contamos a los manuales escolares), no interviene en la
regulación de los mismos, ni implementa un sistema para su control y
evaluación. Las encuestas relevadas sobre el tema4 arrojan como resultado
que los criterios de evaluación y selección de los libros (que corren por
cuenta de los docentes) se centran en aspectos tales como la adecuación
al curriculum prescripto y la implementación de criterios pedagógicos
1.
2.
3.
4.
Existen, además, disposiciones ministeriales vigentes que ponen de manifiesto la
libertad para elegir el libro de texto y la imposibilidad de exigir el uso obligatorio
de uno determinado (Ossanna, 1993, p. 31).
Tal como se ha comprobado en las encuestas realizadas por varios investigadores
del campo de la educación, entre los que figuran: Carbone y Rodríguez (1996),
Carbone et al. (2001), Contursi, Nogueira y Miñones (2003) y Grinberg (1995).
Una versión desarrollada de estos puntos se encuentra en nuestro trabajo “La variedad
geográfica del español en el género manual escolar” (López García, 2006b).
Que figuran en los trabajos mencionados en la nota 3.
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Organismos estatales de selección y control de manuales escolares
actuales, pero también al precio, la calidad de las imágenes y la presencia
de actividades para el trabajo del alumno.
En este marco, la elección de libros por parte de los docentes está
a merced de la oferta de la industria porque no cuenta con el auxilio
ministerial. En efecto, desde el Estado no se implementan mecanismos
internos ni externos de control “científico” de los materiales como lo
muestran la comparación entre la legislación vigente y los documentos
sobre las Comisiones de Textos Escolares, que veremos a continuación
y que constituyen el foco de análisis de este trabajo.
Lo que intentamos probar aquí es que las características que tiene
actualmente la relación entre el Ministerio de Educación y las empresas
editoriales en relación al diseño, la producción y la distribución de los
libros de texto es el resultado de las pujas que protagonizaron estos dos
sectores a lo largo del siglo XX y que las remozadas leyes de educación de
1993 y 2007 constribuyen a resolver, pero a favor del mercado y en función de deslindar al Estado de su función de garantizar la educación.
Presentación: el Consejo Nacional de Educación
En el marco de la ley n. 1.4205 y posteriormente la Ley Láinez (n.
4.874) (aprobadas el 8 de julio de 1884 y 19 de octubre de 1905, respectivamente) cuyos principales cometidos eran constituir a los habitantes del
territorio en ciudadanos del Estado nación argentino a través del aparato
escolar (Arnoux, 1995; Blanco, 1995), se confió al Consejo Nacional de
Educación (en adelante, CNE) el control sobre los textos escolares6. En
5.
6.
14
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Cuyo antecedente histórico corresponde al Congreso Pedagógico convocado en 1882
por el entonces presidente Julio A. Roca para analizar la situación de la enseñanza
en el país. Allí participaron 250 delegados del país y del extranjero, que sesionaron
por 25 días sobre los principios generales de la educación popular, los programas,
métodos etc.
Tal como consigna Marengo (1991), la ley n. 1.420 reemplaza la Comisión Nacional
de Educación por el Consejo Nacional de Educación y declara la gratuidad de la
enseñanza. En el marco de esta nueva ley, se distribuyen por primera vez libros
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María López GARCÍA
su trabajo Spregelburd (2004) explica que la elite liberal del siglo XIX
entendía la lectura como canal de civilización de los sectores populares y,
en función de este proyecto, la preocupación por crear lectores se transformaría luego en la preocupación por formar lectores. En efecto, los
intelectuales de ese modelo de nación entendían la formación de lectores
como una herramienta para la construcción de la ciudadanía. De allí que el
control sobre los textos y las formas de apropiación de los mismos fueran
una manera de apoyar ese proyecto de la elite intelectual decimonónica.
Spregelburd señala que la selección de textos era central en el contexto de maestros carentes de preparación profesional7. A comienzos de
siglo esta formación debía ser provista por el Estado, que había tomado
esa responsabilidad de manos de la Iglesia, pero que no contaba con
recursos suficientes para implementarla.
Por otra parte, la existencia de la CNE colaboraba con la imposición
de un sistema educativo homogéneo a partir de un uso uniforme de textos
escolares que permitieran unificar las prácticas y facilitaran el control
del aparato escolar. Spregelburd explica que, a comienzos de siglo XX,
las inspecciones a las escuelas eran de carácter eminentemente técnico
y no político y, en ese sentido, la regulación de la práctica a través del
libro aligeraba el trabajo de inspección. No obstante, según los datos
aportados por Spregelburd, hubo denuncias de uso de libros de texto
7.
de texto y materiales de uso escolar para los alumnos cuyos padres no pudieran
enfrentar ese gasto.
Blanco (1999) señala en un artículo sobre la enseñanza de la lengua nacional
durante el siglo XIX que, por un lado, la carencia de docentes idóneos se cubrió
nombrando profesores extranjeros y, por otro, la falta de libros de texto se resolvió
de dos maneras diferentes: el rector del Colegio Nacional de Mendoza hizo traer
de Chile un conjunto de textos (entre los que figuraba la Gramática de Bello) para
los alumnos, se hizo la primera edición argentina de un compendio escolar de la
obra de Bello, y se importó de Estados Unidos otro compendio de esta obra. Por
otro lado, los profesores a cargo de las cátedras de lengua y literatura comenzaron
a diseñar sus propios materiales (Blanco, 1999, p. 81). En otros artículos hemos
mostrado que también en la actualidad el manual escolar también cumple la función
de neutralizar las diferencias biográficas (sociales, enciclopédicas, pedagógicas,
lingüísticas etc.) de los docentes y de disminuir el efecto provocado por su deficiente
formación (López García, 2004, 2006a, 2006b).
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Organismos estatales de selección y control de manuales escolares
que no contaban con la aprobación del CNE8, lo que hacía evidente la
falta de control efectivo y también ponía de manifiesto la existencia de
disidencias por parte de los usuarios de los textos obligatorios.
La escuela no sólo es el ámbito donde va a circular la lengua oficial
sino también el dispositivo institucional que va a permitir, en una sociedad
moderna, unificar las prácticas lingüísticas. Así como el pueblo de la Nación
se construye desde el Estado y se convierte luego en lo que lo legitima, así la
variedad de lengua impuesta desde la escuela se legitima por ser “el modo que
la gente instruida la habla” [Arnoux, 1999, p. 41, las comillas corresponden
a la Gramática de Andrés Bello].
La uniformidad estaba garantizada por la centralización del sistema.
La aplicación en todo el territorio de la ley n. 1.420 consagraba la intervención directa de la CNE sobre la educación provincial en la sumisión
de los inspectores provinciales a la subvención nacional y al hacerlos
dependientes de la CNE. Se consagraba de esta forma la centralización
del control, que se iría acrecentando hasta comienzos del siglo XX.
Si bien, tal como señala Muscia de Cicchitti (1998), había un claro
afán de coordinar y potenciar las iniciativas del repeto a la uniformidad y calidad de los manuales escolares9, convivieron en el seno de la
Comisión Nacional de Didáctica diversas tendencias y posiciones. Los
manuales, por lo tanto, reflejan esa pluralidad de discursos. No obstante,
explica la autora:
8.
9.
16
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Hemos encontrado documentos que corroboran las afirmaciones de Spregelburd:
“Antes de terminar este informe, creemos conveniente agregar: [...] 2º Que debe
establecerse de una manera terminante que los libros que por haber sido aprobados
tengan el derecho a hacerlo constar así en la carátula, deberán expresar el período
para el cual rige la aprobación, pues abusivamente siguen editándose con el lema
obra aprobada u obra autorizada por la CNE, libros que hace tiempo han sido
excluidos” (Consejo Nacional del Educación, 1907, p. 17, bastardilla en el original).
Aunque Muscia de Cicchitti (1998) también registra la perdurabilidad de materiales y elementos tachados de impertinentes o inadecuados por los informes de los
inspectores al presidente de la CNE.
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María López GARCÍA
la conocida dependencia cultural – y no solo cultural – con respecto al
pensamiento europeo y estadounidense, promovió una literartura producida
casi de espaldas a la realidad argentina. Ignoró su diversidad geográfica,
étnica, lingüística [...] Este vicio congénito de las clases acomodadas [...] se
tradujo tanto en la propuesta curricular, como en los materiales usados para
el desarrollo efectivo de las clases, en donde los textos jugaron siempre un
papel muy importante [Muscia de Cicchitti, 1998, pp. 116-117].
En un informe que Pablo Pizzurno le eleva dr. Ponciano Vivanco
se sugiere dejar mayor espacio de decisión a los docentes y evitar la
aparición de actividades para los alumnos en los libros de texto “[que]
el maestro preparado pueda elegir un poco más, según sus gustos y
aptitudes, los medios auxiliares para su trabajo. Se hará así más responsable, más empeñoso; tendrá iniciativas que hoy no toma [...] el
texto ha de considerarse como un auxiliar y nada más” (Informe de la
Educación Común, 1905 y 1906, pp. 53-54, apud Muscia de Cicchitti,
1998, p. 125).
De este modo la CNE se constituyó en uno de los órganos ejecutores
de la ley n. 1.420 y pivote del sistema educativo oficial durante casi un
siglo (aunque con claras diferencias entre la institución presidida por
Sarmiento en 1881 y la comisión suprimida por el peronismo en 1949 en
cuanto a su tamaño, recursos y poder10). No obstante, a lo largo de todo
el período, la CNE se convirtió en una institución central de la administración del Estado para el desarrollo de la política educativa. Uno de los
primeros Concursos de Aprobación de Libros de Texto en el marco de las
gestiones de este consejo data de la década de 1890 y, desde entonces, se
sucedieron reglamentos de la Comisión de Didáctica y de la Comisión
10. Según consigna la publicación La Nación Argentina. Justa Libre y Soberana en
1950, el 4 de junio de 1948 se crea el CNE con la función de propiciar conciertos,
conferencias para maestros, exposiciones de arte como forma de perfeccionamiento
cultural del maestro. No se especifica la existencia de una comisión de control de
textos escolares y, como veremos más adelante, un proyecto de ley propone el uso
de un libro de texto único. La resolución de 1957, a la que haremos referencia,
corrobora la reimplantación de la CNE.
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Organismos estatales de selección y control de manuales escolares
Nacional de Textos Escolares que evaluaban la calidad de los libros de
textos propuestos por las editoriales para poner a la venta.
Entre 1880 y 1910 la CNE intervino en la definición de los libros
que podían ser usados en las aulas. Pero los criterios empleados para la
evaluación sufrieron sucesivas modificaciones, en especial, las referidas
al sistema de selección. El Monitor de la Educación Común y el Boletín
del Consejo Nacional de Educación (alternativamente) agrupaban y
difundían las resoluciones de las autoridades nacionales destinadas a la
organización del sistema educativo y a la formación del personal docente11. Las decisiones sobre los criterios de selección seguían el derrotero
marcado por la vida política y económica en el país.
Registro de los concursos de evaluación y selección
de libros de texto
Para el primer concurso, llamado en 188612, una comisión de
especialistas seleccionaba un número limitado de libros que serían
utilizados durante un período de dos o tres años. A partir de 1905, el
consejo autorizó los títulos que podrían ser empleados en las escuelas
sin la mediación de un concurso: los maestros junto con los directores
de cada escuela seleccionarían los libros según sus preferencias13. Pablo
11. Las deficiencias en el servicio de catalogación del material del Centro de Documentación del Ministerio de Educación de la Nación (que funciona en el ámbito
de la Biblioteca Nacional del Maestro, Ministerio de Cultura y Educación) supuso
una gran dificultad para acceder a las resoluciones. El catálogo de la Biblioteca
del Maestro cuenta con El Monitor de la Educación Común, Consejo Nacional de
Educación, 1881-1949; 1959-1961; 1965-1976, Buenos Aires.
12. El primer reglamento corresponde al 18 de enero de 1887.
13. Linares consigna que en 1936 se anuló la selección del libro único por parte de
las autoridades para dejar en manos de los maestros y directivos de las escuelas la
elección de los libros a emplear, sobre la base de la nómina de libros aprobados
por la CNE desde la resolución del 16 de diciembre de 1925 hasta 1935 inclusive
(Linares, 2005, p. 207). Según Marengo (1991), en el año 1900 hubo un primer
intento de permitir la libre elección del libro de texto; esta propuesta fue el evada
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Pizzurno, integrante de la CNE en ese período, sostenía que esta medida
fomentaba la responsabilidad y el compromiso de los docentes con su
trabajo14. El concurso fue reimplantado nuevamente con la resolución del
año 1907. Cincuenta años más tarde, la resolución del 13 de noviembre
de 1957 ratifica:
Los textos de lectura para uso en las escuelas nacionales deberán ser
aprobados por el Consejo Nacional de Educación con el asesoramiento de una
Comisión de Textos Escolares, cuyo dictamen se ajustará a las condiciones
establecidas en esta reglamentación.
Art. 2do. La Comisión de Textos Escolares estudiará las obras recibidas
y dictaminará sobre los méritos de las mismas a la brevedad posible, con
el objeto de permitir la actualización constante de las nóminas de textos
aprobados.
Art. 6to.: La comisión estudiará los libros y propondrá antes del 30 de
noviembre la nómina de los que a su juicio merezcan ser aprobados. El número
de estos podrá ser menor pero no mayor a doce para cada grado. El consejo
se pronunciará sobre dicho dictamen dentro de los treinta días de elevado
[...] y válida por un período de seis cursos escolares la aprobación acordada
de los libros impresos que se incluyan en la nómina [Comisión de Textos
Escolares, 1957, pp. 1-2].
Un texto posterior producido por la Organización de Los Estados
Americanos (OEA) y cursado en el año 1962 por el Centro Nacional de
Documentación e Información Educativa del Ministerio de Educación
y Justicia corrobora que la selección de libros de texto para las escuelas
primarias comunes se efectuaba mediante el sistema de concurso de
por los inspectores técnicos (de índole local) que fue rechazado por unanimidad por
todo la CNE con el argumento de que los maestros no contaban con la suficiente
preparación para ejercer esa facultad.
14. Educación Común en la Capital, las Provincias y los Territorios Nacionales 19041905, 1907, pp. 54-55.
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acuerdo con una reglamentación que comprendía la presentación del
material, su estudio, selección, aprobación y elección anual. En ese
texto se aclara además que dicha reglamentación contemplaba el precio
de venta, las condiciones didácticas y el contenido literario, los elementos ilustrativos y la presentación del material. En general, estos libros
aprobados eran editados por orden del autor en editoriales comerciales
privadas y, si bien el Estado no editaba textos de lectura para sus escuela
primarias comunes, preveía la compra de ejemplares para los alumnos
que no pudieran pagarlos.
Poco tiempo más tarde, en un artículo periodístico (sin referencias)
consultado en el Centro de Documentación de Ministerio de Educación
con fecha 13 de agosto de 1965 se anuncia la reaparición del Monitor
de la Educación (órgano de difusión de las decisiones en materia de
educación) y se menciona el nuevo régimen de aprobación según el cual
se suprime el concurso. En efecto, la reglamentación de 1965 considera
definitiva “la aprobación acordada a los libros impresos y que no hayan
sido objeto de observación por parte del Consejo” (Consejo Nacional
de Educación, 1965, p. 3). Este es uno de los últimos documentos que
registramos antes de la resolución n. 1.354 (1981) del Ministerio de Cultura, que crea la Comisión de Textos Escolares para los niveles primario
y pre-primario. La resolución prueba, por defecto, una anulación previa
de esta comisión15.
Esta nueva Comisión de Textos Escolares debía estar integrada
por docentes en actividad. Las especificaciones que se presentan en la
resolución de 1981, a diferencia de informes y resoluciones anteriores,
son de orden exclusivamente administrativo, es decir que consignan las
pautas formales de selección pero no las condiciones de la evaluación del
contenido. Las indicaciones referentes al contenido se limitan a señalar
que se deben seguir los lineamientos curriculares y no hay referencias a
temas específicos. La única mención figura en el punto 30:
15. No hemos podido dar hasta el momento con la resolución que la anula, probablemente asociada a las políticas de control escolar ejercidas durante la dictadura
1976-1983.
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Todos los libros de lectura, en adecuada proporción, deben contener
referencias de las distintas regiones del país, en lo concerniente al paisaje,
forma de vida y tradición [Ministerio de Cultura y Educación, resolución
n. 1.354, 29 oct. 1981, s.p].
De este modo las prerrogativas impuestas por el Estado a los imprenteros y editoriales, la capacidad de selección por parte de las comisiones,
las pautas indicadas a los maestros y directivos fueron declinando su exigencia en favor del mero control de las formas y depositando la práctica
concreta de selección en las instancias escolares particulares.
Características de los reglamentos de evaluación y
selección
El siguiente recorrido no pretende ser exhaustivo, sino sólo dar
cuenta de las instancias representativas que nos permitan ver el derrotero
de la legislación sobre los libros de textos escolares y caracterizar desde
esa perspectiva histórica la posición que se asume desde la legislación
actual16. A los fines de nuestro trabajo, nos detendremos en los apartados
vinculados con la regulación de la acción del docente en su relación con
el libro de texto.
16. En una nota a pie de página de su artículo, Cristina Linares (Linares, 2004, p. 183)
cita las observaciones de Narodowski y Manolakis sobre la regulación de los libros
de texto. Estos autores hacen un distingo entre el primer período (1884-1930) en el
que la regulación estaba cargo de una Comisión de Didáctica y un segundo período
(1930-1983) en el que el Estado asume esta tarea. Según estos autores, en 1983 es la
demanda del mercado la que decide sobre los valores y conocimientos a transmitir.
Estos sucesivos cambios curriculares, según Linares, determinaron cambios en las
ediciones. La autora lo ve en el período 1936-1937 en el que se reclama la aparición
en los libros de cuestiones morales y la mención del Ser Supremo, y también sucede
en el período 1952-1953 en que aparecen los contenidos vinculados con los tópicos
del ideario peronista cuyas ediciones son rápidamente corregidas o prohibidas hacia
1957-1958 (Linares, 2004, p. 184). Para profundizar el análisis de las reglamentaciones
sobre los libros de lectura en Argentina cf. también Linares (2005).
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Algunos factores que evidencian los sucesivos cambios en relación
con el control del material publicado para la enseñanza primaria17 se
pueden ver en la comparación de los reglamentos anteriores a las resoluciones del 26 de octubre de 1956 y del 4 de septiembre de 1964; y la
resolución del 13 de noviembre de 1957 (vigente hasta fin del año 1966).
Estos reglamentos son: proyecto de estudio de textos de lectura, 194018;
reglamento sobre estudio, selección y concurso de textos escolares, 1942;
proyecto de ley sobre creación de un texto único, 1946; reglamento de
concurso, estudio y aprobación de textos de lectura para la enseñanza
primaria, 1951; régimen de aprobación de textos de lectura, 1965.
Estos documentos regulaban la presentación del material impreso
para ser vendido en todo el territorio en sus diversos aspectos:
Pedagógico-didácticos: determinaban la corriente pedagógica a la que
el libro de texto debía adscribir, en especial la relacionada con la alfabetización, considerada la principal herramienta de constitución y consolidación
de la ciudadanía. Entre otros muchos ejemplos podemos observar:
Art. 53 Los requisitos fundamentales del libro en cuanto a las condiciones
didácticas y al contenido literario, son las siguientes: a) Que responda a un
plan didáctico racional en lo que respecta a la gradación de las dificulades
y al proceso pedagógico de la enseñanza. [...] Art. 54 a) que se ajuste al
método de palabras de acuerdo con las siguientes normas generales: 1º Las
generadoras deberán ser palabras familiares al niño, preferentemente nombres que evoquen imágenes nítidas... [Ministerio de Educación de la Nación,
Concurso, 1957, p. 9].
17. Además de las reglamentaciones para someter a los textos a los regímenes de
aprobación, el Centro Nacional de Documentación e Información Educativa del
Ministerio elaboraba sus “Contribucion(es) al estudio del castellano en la Argentina.
Plan de Enseñanza y moralidad del Idioma” donde se exponían listados de palabras
y giros de uso incorrecto, y su correspondiente versión correcta (algo así como un
appendix probi).
18. Existe un reglamento del año 1941 que luego se publica en 1951 con contenidos
peronistas (“orientación espiritual y filosófica, política, social y económica de la
Nueva Argentina”) que son suprimidos en 1957.
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Art. 49 [del concurso vigente desde 1953] c) que cualquiera sea el método
utilizado se tenga en cuenta que la enseñanza de la lectura y la escritura debe
ser simultánea [Consejo Nacional del Educación, Concurso, 1957, p. 15].
En las críticas y observaciones publicadas por las comisiones de
selección y evaluación puede verse la atención a los mismos aspectos:
Los textos para la enseñanza rudimentaria de la lectura o responden a métodos inconvenientes – los hay hasta de deletreo – o no aplican bien el método
de palabras adoptado [Informe de la Comisión Especial, 1907, p. 10].
No faltan obras escritas en mal disimulada forma de catecismo [Informe
de la Comisión Especial, 1907, p. 13].
Contenido: especificaban los contenidos que debían tratarse obligatoriamente y las imágenes que debían aparecer en el texto, en especial las
relacionadas con la construcción de una iconografía nacional: mapas de
las zonas geográficas de la Argentina, retratos de los héroes nacionales,
presencia del himno nacional etc. En el mismo espíritu, se especificaba
que debía haber una proporción mayoritaria de textos de autores argentinos. El reglamento contaba como complemento de los contenidos
especificados en la ley n. 1.420 (1884):
Cap. 1 - Art. 6º El minimum de instrucción obligatoria, comprende las
siguientes materias: [...] la ley nacional de monedas, pesas y medidas; Geografía particular de la República y nociones de Geografía Universal; de Historia
particular de la República y nociones de Historia General; Idioma nacional,
Moral y Urbanidad, nociones de Higiene; nociones de Ciencias Matemáticas,
Físicas y Naturales, nociones de Dibujo y Música vocal; Gimnástica y conocimiento de la Constitución Nacional [Ley n. 1.420, p. 12].
Recursos de interpelación ideológica: hacían hincapié en la función
de adoctrinamiento moral (y, durante el peronismo, también religioso)
que debían asumir los libros de texto. También se acotaba el tipo de
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interpelación que debía hacerse de las costumbres de los lectores -entre
los que contaban también a los padres, destinatarios previstos de esos
libros (Spregelburd, 2004). La formación de una conciencia nacional
suponía que los libros de texto eran transmisores de la moral cristiana
y las reglas de conducta social19. Esa premisa incluía la formación en
relación con el urbanismo y la higiene:
Ciertos capítulos no debieran faltar, v.gr., los que estimulen hacia las
virtudes cardinales, el culto a la verdad y a la justicia, el amor al trabajo, el
respeto a la ley, la tolerancia, la solidaridad entre los hombres etc. [...] Debe
haber vida, calor, alma, en las narraciones dirigidas a moralizar [Informe de
la Comisión Especial, 1907, pp. 8-9].
Los personajes suelen pertenecer a una sola clase social, por ejemplo, a
la clase acomodada, de modo que ante la vista de los niños de las escuelas de
pueblo, se hace desfilar constantemente las comodidades, los lujos, las felicidad
sin sombra visible para ellos, de que gozan los ricos, y quizá no sea esto, sobre
todo por la forma en que los hechos se presentan, destinado a despertar los más
sanos sentimientos en el lector pobrecito que a veces no concurre a la escuela
porque le falta el calzado [Informe de la Comisión Especial, 1907, p. 14].
Gráficos: describían el tipo de letra; tamaño, cantidad y pertinencia
de las ilustraciones; diagramación de la página; calidad del papel y de la
tinta etc.; en atención a cuidar que el objeto material concordara con el
proyecto pedagógico. El papel mate, por ejemplo, respondía a la necesidad de evitar el cansancio visual; el tamaño mayor de la letra, a facilitar
la lectura en los alumnos de los primeros niveles de alfabetización20:
19. Tal como consignan Artieda, Cucuzza y Linares (2007), la metáfora empleada en los
libros de texto para identificar a la Patria fue la familia patriarcal, urbana, de clase
media y blanca en la que se depositaban las virtudes ciudadanas. La convivencia
entre ricos y pobres se lograba mediante la exaltación de un obrero que aceptaba
su destino de trabajo.
20. El primer registro que se tiene del empleo de este recurso es la Gramática Castellana
destinada al uso de los americanos, en la que Andrés Bello introduce a mediados del
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Art. 59 Las condiciones que deben reunir los libros en cuanto a su presentación material, son las siguientes: a) papel obra alisado o papel mate de color
blanco marfil o agarbanzado. c) impresión en tinta negra mate. c) composición
tipográfica en medida no menor de veinte cíceros ni mayor de veintiséis, con
interlínea proporcionada al cuerpo de la letra, de dos puntos como mínimo.
El margen será de un centímetro y medio [...] Se empleará tipografía [...]
con cuerpo de letras adecuado a cada grado escolar, según la siguiente escala
mínima: Primero Inferior: cuerpo 24 para las primeras palabras y ejercicios
y hasta 18 para los ejercicios y lecturas subsiguientes... [Consejo Nacional
del Educación, 1957, p. 13].
En este brevísimo panorama hemos querido delinear el recorrido
de los concursos hacia versiones cada vez menos estrictas en relación
no solo con la selección de contenidos e imágenes, sino también con las
pautas de edición e impresión por parte de las imprentas o editoriales. En
concordancia con esos cambios, como hemos consignado al comienzo
de este trabajo, el proceso de selección por parte de las comisiones pasan
de la forma de concurso a la de evaluación.
Representaciones de la función docente y el uso
del libro de texto
No obstante el ejercicio de regulación por parte de la CNE y el control
ejercido por los inspectores, el material publicado no dejaba conformes
a los asesores de las disciplinas, quienes veían en las publicaciones, en
conjunto con la falta de formación docente, un problema de difícil solución. Uno de esos problemas estaba vinculado con la diferencia entre
la responsabilidad asumida por el Estado de educar a la ciudadanía y
las estrategias empleadas por las editoriales para adecuar el material
publicado a sus necesidades económicas.
siglo XIX (c.1860) la variación en el tamaño de la letra como recurso para dividir
a los lectores de una única gramática escolar en principiantes y avanzados.
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En un informe que transcribe varias reuniones llevadas a cabo
durante 1939 por la Comisión de Didáctica, firmado por Alemandri y
Etchebarne, se indica:
se tenga presente que entre nosotros la industria editorial cuenta al libro
escolar como el renglón más proficuo, se podrá afirmar que no ha tenido por
incentivo “el progreso de la enseñanza” de que habla la ley, sino un afán de
lucro muy semejante al que se manifestó en ocasión de uno de los primeros
concursos de textos, el de 1900, cuando se volcaron en el Consejo 1262 impresos de todo género. Algunos sin la menor atingencia pedagógica [Consejo
Nacional del Educación, 1941, p. 3].
El informe de la Comisión Especial de 1940 (integrada, entre otros investigadores, por Berta Vidal de Battini) señala concordantemente que:
la previsión oficial, sin embargo, no había contemplado hasta ahora en su
verdadero alcance este aspecto fundamental del problema del libro escolar. Es
sabido, en efecto, que solo existían acerca del mismo disposiciones fragmentarias y generalmente de carácter impreciso. Esto hizo que la preparación del
material quedara librada al criterio particular del autor [...] La realización del
libro se convirtió de este modo, por obvia razón, en tarea de fácil estímulo y
poco riesgo, que invitaba a la improvisación. Como consecuencia lógica de
todo ello, la producción, con desmedro de la calidad, se multiplicó notablemente en los últimos años, hasta llegar al estado de cosas actual [Consejo
Nacional del Educación, 1941, p. 21].
Este tipo de argumentos prepararon el terreno para posiciones que
consideraban la imposición de un libro único de uso obligatorio editado
por el Estado como solución a la puja de las editoriales por obtener (a
costa de una presunta debilitación de la calidad de los materiales) mayores
sectores del mercado.
En efecto, encontramos ejemplos de esta lucha por el control de ese
nicho del mercado que muestran el alcance de estos intereses. En 1946 un
proyecto de ley de los senadores Teisaire, Saadi y Sosa Loyola elevado al
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Senado el 24 de julio proponía la adopción de un texto único aprobado
y editado por el Estado. Esta propuesta fue rápidamente apelada por la
Cámara Argentina del Libro y la Asociación de Industriales Gráficos
de la Argentina en un texto presentado en agosto de 1946 que exponía
objeciones a ese proyecto de ley. Ambas asociaciones se muestran de
acuerdo con la defensa de la gratuidad de la enseñanza extendida a todos
los ciclos y especialidades, y con el control por parte del Estado de los
textos que propone el proyecto de ley. No obstante, en la presentación de
sus objeciones quedan en evidencia los intereses económicos que guían su
crítica al proyecto. Mencionamos aquí solo algunos puntos específicos de
la presentación que servirán como ejemplo de las operaciones de ambas
asociaciones comerciales frente a la propuesta del Estado.
En el proyecto de ley variados argumentos intentan mostrar que adecuar el precio del libro al costo de su producción facilitaría el acceso al
libro de una mayor porción de la población. Esta propuesta es rechazada
a partir de la justificación del precio que las editoriales asignan a sus
productos (el argumento principal es la relación costo-beneficio y no la
relación con la calidad académica, o siquiera material, de los libros) y se
complementa con la sugerencia de que el Estado sea el que garantice el
acceso al material mediante la entrega gratuita de libros escolares.
La gratuidad debe ir al encuentro de estos hogares, pero no con el texto
único ni la edición estatal, sino ampliando las partidas en los presupuestos
escolares o tendiendo a que el Consejo Nacional de Educación o el Ministerio
de Justicia e Instrucción Pública puedan adquirir los libros necesarios para
distribuirlos entre sus alumnos [D’Urbano Viau, 1946, pp. 13-14].
Como hemos dicho, el principal cambio que el proyecto pretendía
imponer era la adopción de un texto único editado por el Estado. El
financiamiento de esta edición se obtendría de un gravamen especial al
papel industrial. Al rechazo de la aplicación de este impuesto por parte
de ambas asociaciones, se agrega la insólita sugerencia de que los gastos
originados por la edición se obtengan de rentas generales y figuren anualmente en el Presupuesto General de Gastos de la Nación. Este tipo de
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intercambios se repiten desde comienzos de siglo XX hasta la actualidad
ponen de manifiesto que la edición estatal se enfrentó al argumento imperante en la relación entre Estado y editoriales: el Estado debe garantizar
la libre competencia de las editoriales. De este modo, y en atención a
los planteos de los grupos editores, el Estado no solo no debe editar un
libro único, sino que debe propender el uso del libro en la escuela para
asegurar el lugar en el mercado del libro al manual escolar.
Por último, en el proyecto se sugiere que, al reservarse la edición de
los libros de texto para el Estado, quedaría asegurada la independencia
de los intereses económicos respecto de la educación: “que no se lucre,
que no se comercie a costa de la instrucción, porque de lo contrario se
propenderá el analfabetismo”. La impertinencia de sus argumentos liberales obliga a las asociaciones a entender los intereses económicos como
una forma de financiar actividades culturales. Argumentan entonces:
Las legítimas ganancias de los autores, editores, impresores, libreros,
artistas, gráficos etc. no pueden considerarse sin grave injusticia como lucro
obtenido a costa de la instrucción, y mucho menos como propulsoras del
analfabetismo. Son el producto de una de las actividades más altas del hombre, que alienta y favorece su desarrollo educativo y espiritual [D’Urbano
Viau, 1946, p. 16].
En este breve recorrido vimos que la puja por el control de los libros
de texto y la participación en su producción estuvo ligada desde los inicios de las prácticas educativas en Argentina a los sectores económicos
vinculados con la producción y circulación de libros. Spregelburd (2004)
explica que los libros eran generados por particulares y por eso era central
el control del Estado para garantizar que el material se adecuara a los
propósitos y necesidades del sistema educativo21. Creemos que, en esa
21. No obstante, se registran situaciones faltas de claridad en las relaciones entre los
funcionarios encargados de regular la aprobación de los libros y las casas editoriales.
Linares (2004, p. 184) menciona un caso ocurrido en 1937 y son varios los registrados en los últimos años. Como ejemplo, véase uno de los informes producidos por
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operación, el Estado se liberaba de la obligación de generar el material
y a la vez se apropiaba del material conservando para sí la potestad
de otorgarle o negarle validez. Además, el Estado ocupaba espacios
geográficos que el mercado editorial aún no había podido alcanzar y le
habilitaba (con la recomendación e incluso con la compra de partidas
para distribuir entre los alumnos carenciados) sectores de mercado que
le eran inaccesibles22. Según consigna Spregelburd,
la organización del sistema educativo constituyó un factor central en la
ampliación de la circulación de impresos. Esta afirmación no se refiere solo
al aumento del público alfabetizado, sino también a la creación de una nueva
demanda: la del texto escolar [Spregelburd, 2004, p. 169].
la fundación Poder Ciudadano (2005), cuya responsable en el área de Educación
es Silvina Gvirtz, en el que se establece el marco para que el proceso de selección
y compra de manuales para entregar gratuitamente a las escuelas de las provincias
sea transparente. El informe revisa el procedimiento anterior, llevado a cabo en el
año 2002 y señala los motivos por los cuales fue anulado por el entonces ministro
de Educación, Daniel Filmus. Propone una modalidad más clara y más equitativa
de selección de la Comisión encargada de evaluar los textos y la modalidad de
compra directa, de manera de garantizar la calidad, la transparencia en la elección,
y los precios que debe pagar el Ministerio por la compra.
22. En la actualidad las editoriales, cuyos amplios canales de distribución les permiten
acceder incluso a otros países, continúan con la modalidad de vender partidas al
Ministerio. Éste pasó de distribuidor a garante de acceso al material por parte de
todos los sectores y cumplir con esto una función asistencialista. En este acto se
está confirmando nuevamente la necesidad y obligatoriedad de uso del manual
escolar como herramienta de aprendizaje. Tal como mostrábamos en apartados
anteriores, después de largas pujas entre las empresas editoriales y funcionarios
del gobierno, quedó depositada en el Ministerio la responsabilidad de garantizar
la posesión del libro de texto: “Capítulo X, Artículo 51 de la Ley de Educación
Nacional (2007): El Ministerio de Educación, Ciencia y Tecnología, en acuerdo
con el Consejo Federal de Educación, es responsable de definir las medidas
necesarias para que los servicios educativos brindados en zonas rurales alcancen
niveles de calidad equivalente a los urbanos. Los criterios generales que deben
orientar dichas medidas son: e) proveer los recursos pedagógicos y materiales
necesarios para la escolarización de los/as alumnos/as y estudiantes del medio
rural tales como textos, equipamiento informático, televisión educativa, instalaciones y equipamiento para la educación física y la práctica deportiva, comedores
escolares, residencias y transporte, entre otros”.
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El control de los libros de texto en la actualidad
Actualmente no se conoce ninguna comisión encargada de estos
menesteres, sino que las comisiones de manuales escolares se constituyen ad hoc para evaluar el material presentado por las editoriales
comerciales a la licitación para la compra de libros de texto por parte
del ministerio23.
Tal como señala Linares (2005), la eliminación de las regulaciones
sobre los libros de lectura operadas progresivamente hasta mediados de
los años setenta y ratificadas en la recuperación de la democracia pudo
haber sido interpretada como un avance en relación con las normas represivas existentes durante el siglo XX en relación con el material de lectura
escolar.
23. Algunas afirmaciones del ministro de Educación, Daniel Filmus, a cuento de la
compra de libros para las escuelas son elocuentes en relación a la concepción imperante sobre uso del libro en la escuela y el grave problema del acceso a ese bien
económico por parte de la población. Durante el acto de presentación del Programa
Global de Compra de Libros 2004-2006, realizado el 12 de octubre de 2004 Filmus
expresó que “el Gobierno Nacional realizará una inversión récord para continuar
las acciones iniciadas para la incorporación del libro en el sistema educativo” y
señaló “El haber planteado el acceso al libro como una política de Estado desde que
iniciamos la gestión, hace que los docentes comiencen a sentirse más autorizados
para exigir el uso del libro en las escuelas. Si el Estado llega todos aquellos niños
y jóvenes que no pueden comprar su libro, contribuirá a que el docente tenga derecho a exigir más lectura en el aula”. La entrega gratuita consiste en libros de texto
(manuales) y en textos literarios. En relación con los primeros, las afirmaciones
corroboran que el uso del libro de texto en la escuela es una premisa instalada en el
imaginario de las Ciencias de la Educación. Además, la práctica usual de emplear
el mismo libro de texto para el trabajo con todos los alumnos es afianzada con la
entrega gratuita por parte del Estado del mismo libro para los alumnos del mismo
año (que, si bien no está indicada en la cita, lo confirman las comunicaciones informales que mantenemos con escuelas de la Provincia de Buenos Aires). En relación
ambos tipos de texto, es interesante reponer el presupuesto de que la posesión del
libro garantiza la práctica de lectura escolar; esta vinculación olvida la necesaria
intervención docente y confirma la relación sin intermediarios que las editoriales
intentan construir con los alumnos a partir de estrategias lingüísticas operadas en
el manual escolar. En Taboada (2006, p. 547) se corrobora esta idea con la cita de
un docente: “los chicos si no tiene un libro no leen. No leen. Entonces, así [con la
posesión del libro] me favorece la lectura.”
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Finalmente en el último período, que comienza en 1983, la demanda del
mercado decidió sobre los valores y conocimientos a transmitir. El gobierno
democrático comenzó un proceso de desregulación transfiriendo las responsabilidades al mercado editorial ya que se supone que la regulación estaba en
contra de la libertad del docente y del desarrollo de los libros escolares. La
educación se volvió una “razón del mercado” [Linares, 2005, p. 30].
Quizá se haya entendido que esta medida de no-regulación era más democrática que el ajuste a reglamentos que, por otro lado, como ya observamos,
tenían cuarenta años de vigencia [idem, p. 108].
Estas interpretaciones explican la proliferación de argumentos de
raigambre neoliberal como el que presentamos a continuación. Este tipo
de concepciones han permitido que el creciente espacio ocupado por la
industria editorial contara con importantes reaseguros. Por un lado, al quedar huérfanos de auxilio ministerial y escasos de formación disciplinar,
los docentes carecen de herramientas para la selección de los libros de
texto y están expuestos a las propuestas editoriales. Por otro lado, la instauración del uso del libro de texto como una práctica escolar necesaria,
abonada a lo largo del siglo XX, silencia las propuestas alternativas que
reconsideran esta obligatoriedad. Las conmina, además, al arduo trabajo
de organizar la planificación en función de la variedad y labilidad de los
Contenidos Comunes o Núcleos de Aprendizajes Prioritarios (NAP) y
diseñar luego el material24.
Dos artículos publicados en los años noventa en uno de los canales
de difusión del Ministerio de Educación, la revista Zona Educativa, nos
permiten entrever las representaciones de la relación de los maestros con
el libro de texto en la palabra de supuestos especialistas. Estas concepciones, que atienden a la forma de seleccionar el libro de texto y cómo
24. Tal vez conviene señalar aquí que ninguna de las gestiones político-educativas
hasta la actualidad han previsto un salario mayor al monto que delimita la línea
de pobreza en Argentina para los docentes que desarrollan las tareas mencionadas.
Estas condiciones materiales son, entre otras tales como la deficiente formación,
las que impedirían el cumplimiento de las obligaciones de planificación y diseño.
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debe emplearse en el aula, responden a un principio orientador de las
prácticas de selección en el mercado de consumo.
En pocos días reciben gran cantidad de material para analizar, evaluar y
elegir cuál será el libro que utilizarán durante el año. [...] Pero, ¿cómo hacerlo
con profesionalismo?, ¿con qué herramientas?, ¿qué hay que hacer y qué hay
que tratar de evitar? [S/A, 1997, p. 16].
Veamos entonces, en qué consiste una elección del libro de texto en
tanto que “profesionales” de la educación.
A la hora de evaluar el texto es bueno pensarlo por lo menos de tres maneras diferentes: como medio de comunicación (tanto verbal como gráfica),
como elemento del proceso de enseñanza-aprendizaje y como mediador de
los CBC y de las distintas ciencias y asignaturas. [...] El texto escrito ofrece el
contenido, las actividades, los ejercicios y otros elementos como resúmenes,
lecturas complementarias, bibliografías, curiosidades y otros elementos [Zona
Educativa, 1997, p. 17].
Es destacable el hecho de que en esta revista se considere al libro
de texto un medio de comunicación (preanunciando lo que la Ley de
Educación Nacional corroboraría más tarde al incluirlo junto con los
medios masivos en la libre regulación) y, al mismo tiempo, mediador
(entre los maestros/alumnos, y la ley) con lo que debería quedar bajo la
órbita y el control estatal (regulador del ejercicio escolar).
La desprofesionalización docente que permitió la instalación de
un manual que se comunicara directamente con los alumnos25 se toma
como un hecho al suponer que los docentes necesitan una guía para
seleccionar el material para sus clases. Se los llama “profesionales” y a
la vez les indica las pautas de selección que los docentes debieron haber
desarrollado en las instancias de su formación. En efecto, en el artículo
se sugiere que el docente considere, entre otras cosas:
25. Estas afirmaciones se encuentran desarrolladas en López García (2004).
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si las páginas tienen la cantidad adecuada de información, o si están muy
vacías o muy llenas. [...] Qué hay que evitar: [...] la tapa, el colorido, las imágenes son solo algunas de las cosas que hay que evaluar, pero no las únicas
ni las más importantes [...] ni dejarse convencer por las promociones de las
editoriales. Las promociones y los obsequios de las editoriales son útiles y
necesarios. Ayudan a ampliar el panorama y a conocer las opciones sobre las
que se puede elegir y trabajar. Pero la que más libros regala no tiene por qué
ser la que mejores textos hace [S/A, 1997, p. 17].
Si bien la Ley de Educación de 1994 modificó la forma de concebir
la labor docente y ha dejado a su criterio decisiones sobre el material, los
recursos didácticos etc. este tipo de textos dejan entrever que la práctica
docente es pensada por los ámbitos de decisión como una zona liberada,
en manos de agentes que no cuentan con la necesaria formación para
operar en el margen que les es otorgado26.
Esta tensión entre considerar a los docentes alumnos y, a la vez,
profesionales se manifiesta en formas variadas. Mientras que párrafos
antes guiaban su elección en los aspectos más superficiales, en la cita
que sigue se les pide un nivel de conocimiento con el que el docente no
cuenta27.
La información que contiene debe ser veraz, válida, objetiva28. Los datos deben estar suficientemente actualizados, lo mismo que la bibliografía,
las ilustraciones y todos aquellos elementos que aportan información a los
alumnos” [S/A, 1997, p. 18].
26. Tal como señala Linares, “la eliminación de las regulaciones sobre los libros de lectura
pudo haberse leído en su momento como uno más de los pasos para la eliminación
de las normas represivas. Cuando las ideologías neoliberales-neoconservadoras
comenzaron a ser hegemónicas durante el gobierno de Carlos Menem esta idea de
des-regular en función de una mayor democratización fue, en definitiva, funcional a
estas ideas” (Linares, 2005, p. 108). Creemos que éste es el principal argumento por el
cual las editoriales encuentran un espacio tan fructífero para insertar sus productos.
27. Creemos que esto se debe al conocido déficit en las instancias de formación terciaria (un curso de tres años para el trabajo en todas las asignaturas, y condiciones
laborales que no facilitan la formación continua).
28. Antes decía: “es bueno observar [...] si el modelo pedagógico incluye mecanismos
para ver el texto como un medio y no como una verdad indiscutible y absoluta”.
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Otras variables a considerar son, por ejemplo: si al maestro “le gusta
que el libro proponga ejercicios y a otros les gusta redactarlos personalmente” (S/A, 1997, p. 18).
No es nuestro interés hacer hincapié en problemáticas sobre las
que se ha escrito suficiente, sino mostrar las tensiones ideológicas a
las que los docentes están expuestos sin herramientas que les permitan
posicionarse críticamente. Este texto que citamos pone de manifiesto las
representaciones que los docentes tienen de su tarea, de los saberes con
los que deberían contar y con la evaluación que deben hacer de un libro
y, con ello, exponen las características que se espera que el libro de texto
reúna. Estos factores constituyen los ejes de selección de los manuales
escolares que, ayunos de todo auxilio ministerial, recaen en la experticia
y el compromiso de los docentes, a su vez expuestos a la profusa oferta
del mercado editorial.
El libro de texto como producto de mercado
Posturas como la nuestra pueden ser interpretadas como intentos
de alentar la regulación autoritaria de la circulación de libros escolares
en Argentina. Una forma de entender la regulación estatal de los libros
de texto por parte de posiciones neoliberales se puede ver en el artículo de Sergio España (1999) “Las políticas públicas y los libros en las
escuelas”. En Zona Educativa, el subsecretario de gestión educativa y
posteriormente Secretario de Programación y Evaluación Educativa
(durante 1997) señala:
Hace 20 años los argentinos sufríamos el más crudo autoritarismo, que
prohibía centenares de títulos por la sola sospecha de expresar pensamientos
distintos de quien ostentaba el poder [...] ¿cómo suponer que ello no impactaría
seriamente en la relación que se va construyendo entre el libro y el lector que
en las escuelas y universidades se va formando en la tarea cotidiana? [S/A,
1999, p. 41].
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Por si fuera poco, a ello se sumaron interpretaciones extremas de corrientes pedagógicas que terminaron cuestionando los libros por “demasiado
rígidos para los chicos, que los manuales eran poco creativos o los textos
limitaban la imaginación.” [...] Fueron casi 20 años y administraciones que,
por autoritarismo o por erradas concepciones alejaron al libro de las prácticas
cotidianas de aprendizaje [España, 1999, p. 42].
Ambas afirmaciones se apoyan sobre la premisa de que los libros de
texto son un instrumento de uso inapelable en el contexto escolar.
El Estado, en lugar de prohibir debe fomentar su uso, y esto significa que
ayuda a quien no puede comprar entregándole el libro para que esté en igualdad
de posibilidades con quienes efectivamente pueden hacerlo [idem, p. 42].
En el marco de esa premisa, se alienta la proliferación de libros que
garanticen una presunta libertad ideológica, creatividad y cercanía con
la práctica concreta. El hecho de que no se mencione la calidad de los
contenidos no parece menor. Por otro lado, creemos que la calidad no
reside necesariamente en la diversidad, sino, entre otros factores, en la
capacidad de los usuarios de seleccionar el material. La realidad es que
los maestros buscan libros que les solucionen la tarea diaria frente a los
alumnos29 y esto es lo que ofrecen las múltiples y variadas propuestas
de las editoriales. De este modo, el mercado ejerce el “crudo autoritarismo”.
No existe en Argentina el “libro oficial”. Por el contrario, se propicia la
más amplia diversidad de producción, para que el sector privado desarrolle
creativamente el material que luego será utilizado por docentes y alumnos con
29. Los maestros suelen privilegiar esta variable frente a la presentación de determinados contenidos o la presencia de cierta corriente pedagógica. Esto explica que
suelan instar a sus alumnos a comprar el mismo libro para el uso en el aula; una
de las funciones de esta práctica es controlar más fácilmente las tareas escolares y
“descansar” en las propuestas ofrecidas por las editoriales.
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la más absoluta libertad de elección del libro más adecuado. [...] En esto hay
que hacer público el reconocimiento a la participación de la Cámara Argentina
del Libro, que con su presencia institucional permitió dar máximas garantías
a todos los interesados. [...] Por eso las editoriales necesitaban confiabilidad
en la reforma, certeza de que no se trataba de una linda idea pasajera ni una
nueva moda, sino de un proyecto a largo plazo: única forma de emprender el
desafío de renovar la producción editorial educativa [S/A, 1999, pp. 42-43].
El Estado argentino de los años noventa permitió renovar el mercado
editorial al costo de adscribirlo al sistema liberal de oferta y demanda de
bienes y servicios. En efecto, en la cita anterior queda en evidencia el
resguardo de un mercado liberado que el Estado garantiza a las empresas
editoriales. Creemos que este encuadre ideológico sigue su curso hasta
la actualidad. La Ley de Educación Nacional n. 26.206 del año 2007 les
otorga a las empresas un espacio de decisión sobre los materiales que se
produzcan y circulen en los espacios educativos. Es decir que las editoriales gozarán de la potestad de evaluar, en conjunto con el Ministerio
de Educación, el material que ellas mismas producen.
El Ministerio de Educación, Ciencia y Tecnología creará un Consejo Consultivo constituido por representantes de los medios de comunicación escritos,
radiales y televisivos, de los organismos representativos de los anunciantes
publicitarios y del Consejo Federal de Educación, con el objeto de promover
mayores niveles de responsabilidad y compromiso de los medios masivos de
comunicación con la tarea educativa de niños y jóvenes [Título VII, Educación,
nuevas tecnologías y medios de comunicación, art. 103, p. 21].
En esta ley, el Estado se libera definitivamente de la tarea de control
del material y exhorta a las empresas a que asuman el compromiso de
elaborar productos conforme a “ética” y “valores” no especificados:
o) Comprometer a los medios masivos de comunicación a asumir mayores grados de responsabilidad ética y social por los contenidos y valores que
transmiten [Capítulo II, Fines y objetivos de la política educativa nacional,
art. 11, p. 2].
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Promoción, distribución y venta de textos escolares
en la actualidad
Una de las estrategias de venta de las editoriales en la actualidad se
apoya en la inestimable ayuda que los ejercicios de los libros de texto les
prestan a los maestros. En efecto, la presencia de ejercicios y actividades
en el manual constituye un excelente argumento para la adopción de textos escolares por parte de los docentes. Este hecho tiene un antecedente
en buena parte de las versiones de las resoluciones de CNE:
Art. 56º c) que no se incluyan ejercicios de léxico, cuestionarios ni ningún
otro texto adicional destinado a impartir conocimientos que por su naturaleza
correspondan al maestro [Consejo Nacional del Educación, 1941, p. 34; art.
50 c) en la versión de 1957 del Ministerio y art. 53 h) en la versión de 1957
de la CNE].
En la práctica del aula, los maestros seleccionan los manuales de
acuerdo con criterios personales y en pocos casos institucionales. La
figura del promotor que recorre las escuelas publicitando las bondades
del material de cada editorial se tornó central y son pocos los directivos
que cumplen el Reglamento General de Escuelas vigente, que prohíbe
la venta de manuales en las escuelas y la entrada de ajenos para su promoción.
Este proceder es mencionado por Linares en su texto, allí registra la
práctica de promoción hacia el año 1956. De ese mismo año toma una
cita de la revista La Obra donde se corrobora la práctica:
Debido a que en las actuales circunstancias estamos dedicados a la urgente
tarea de reimprimir los textos de nuestro sello recientemente autorizados por
el Ministerio de Educación de la Nación, deploramos hallarnos en la imposibilidad de obsequiar a los señores docentes con los respectivos ejemplares
correspondientes a los grados a su cargo, tal como hemos procedido siempre
en cumplimiento de una norma ya tradicional en la Editorial Estrada [la obra
n. 536, abr. 1956, apud Linares, 2004, p. 187].
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En otros trabajos (ver López García, 2004, 2006) mostramos la
ineludible función de reemplazo o, por lo menos, acompañamiento a los
maestros que en la actualidad cumplen los manuales escolares. Concientes de esa función y sin riesgo de ofensa por parte de los interesados,
las editoriales incluyen en sus páginas web y en los catálogos impresos
que distribuyen entre los docentes el siguiente material de apoyo: “Planificación didáctica para todas las jurisdicciones”; “guías de trabajos
suplementarios fotocopiables”; “una variedad de láminas que acompañan
el trabajo diario con esta propuesta”; “Discos con cuentos completos
narrados por cuentistas profesionales”; “completa guía de trabajos
suplementarios fotocopiables. (Catálogo de Novedades EGB 1/EPB 1,
2007, Editorial Puerto de Palos). También: “Incluye[n] la planificación
didáctica para todas las jurisdicciones según los CBC y los NAP y las
soluciones a todas las actividades del libro”; “las soluciones a todas las
actividades del libro [de Matemática/Ciencias Sociales/Ciencias Naturales de Segundo Ciclo] para facilitar la tarea de corrección” (Catálogo
de Novedades EGB 2/EPB, 2007, Editorial Puerto de Palos).
La promoción de estos anexos para el docente que acompañan los
libros de texto constituye una estrategia de venta en el sentido de que
ostenta la suficiente provisión de actividades para trabajar en el aula y,
con ella, garantiza al maestro independencia y a los padres el aprendizaje
de los contenidos del año por parte de sus hijos.
Por medio de esta oferta se afianzan las representaciones sobre la
tarea docente y sobre las atribuciones que revisten su función. El hecho
de que no se considere como función correspondiente estrictamente al
docente la planificación de su propia tarea, la selección de contenidos
adecuados al contexto inmediato (obligación señalada en los CBC, que
permite explicar la extensión y labilidad de los mismos) y el diseño de
actividades para trabajar los contenidos construye a un docente cuyas
actividades son, consecuentemente, otras. Podemos pensar dos opciones:
a los docentes les corresponden o bien tareas asistencialistas (ya señaladas por gran cantidad de trabajos de corte sociológico provenientes de
las Ciencias de la Educación), o bien la tarea de organizar/coordinar las
actividades propuestas por los libros de texto. En ambos casos se des38
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plaza el rol docente hacia actividades no disciplinares y se los despoja
del poder simbólico que la institución escolar otorga a los que portan el
saber. Esto explica que los padres exijan como garantía del aprendizaje
de sus hijos la compra de determinado manual para el trabajo en el aula30.
En efecto, en la página web de la Editorial Estrada, por ejemplo, bajo el
link “solicitá promotor” se pide consignar la ocupación del que escribe y
las opciones predeterminadas son: “asesor pedagógico, auxiliar docente,
bibliotecario, directivo, docente, estudiante, padre”.
No obstante, este tipo de promociones (verbales, impresas o, en la
actualidad, virtuales) han sido objeto de prohibiciones explícitas. En el
reglamento de 1957, art. 35:
Queda terminantemente prohibido, bajo responsabilidad de los directores,
efectuar en las escuelas actos de propaganda comercial en favor o en contra
de determinado libro. Los interesados limitarán su gestión al envío de obras,
circulares y folletos explicativos [CNE, 1957, p. 6; también art. 34 del Reglamento del Ministerio de Educación de la Nación, 1957, p. 10].
En el reglamento de la CNE de 1965 esta prerrogativa desaparece
junto con el concurso.
Más tarde encontramos en los artículos 149, 150 y 152 del Reglamento General de Escuelas, Obligaciones Comunes al Personal del Ministerio
de Educación de la Provincia de Buenos Aires vigente al año 2007:
Artículo 149: Prohibiciones
3. Vender libros y útiles escolares, por su cuenta o por la de terceros, dentro de
la jurisdicción escolar o hacer propaganda en favor de determinados materiales.
4. Permitir o estimular dentro de los locales escolares la acción de agentes
comerciales o vendedores de productos [decreto n. 6.013/58 del Poder Eje-
30. Que figuran en Carbone y Rodríguez (1996), Carbone et al. (2001), Contursi, Nogueira y Miñones (2003) y Grinberg (1995).
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cutivo de la Provincia de Buenos Aires, n. 619, anexo al Reglamento General
de Escuelas Públicas].
En la actualidad, la entrada de promotores a las escuelas, prohibida
por el Reglamento General de Escuelas vigente, es, no obstante, una
práctica corriente. Se ha instalado hace ya varios años31 como una de
las actividades primordiales del inicio del trabajo anual de los maestros
(período previo al comienzo de clases de los alumnos reservado exclusivamente para la organización docente e institucional) la elección del
libro de texto y la coordinación con las colegas de otras áreas u otros
años. La tarea de elección se lleva a cabo con el asesoramiento de los
promotores de las distintas editoriales, que llevan a las escuelas el material a promocionar y se reúnen a tal fin con las docentes interesadas.
Esta práctica lleva años instalada en las escuelas a pesar de su expresa
prohibición. La editoriales constatan la práctica alentándola desde los
mecanismos de promoción. En todas las páginas web de las editoriales
existe el link “solicitar promotor”, allí se pide ingresar nombre y cargo
del que consulta la página, aunque lo destacable no es que confirmen
la expresa violación del Reglamento General de Escuelas ofreciendo
promoción personalizada, sino que, además, la confirmen con el pedido
de ingreso de la dirección postal (no del que solicita promotor sino) de
la escuela.
Conclusiones
Las Comisiones de Regulación de Textos escolares han contribuido
a generar, a lo largo del siglo XX, la idea del uso inapelable del libro
de texto en la escuela. Esta representación de las tareas de enseñanza
y aprendizaje escolar acompaña y permite explicar el fortalecimiento
de la industria editorial vinculada con este ámbito. En el trabajo hemos
31. Según obtuvimos en entrevistas informales con docentes de escuela primaria de la
Provincia de Buenos Aires.
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mostrado cómo la CNE, en las gestiones correspondientes a los distintos
gobiernos, intentó conservar para el Estado la potestad de decidir qué libros se adecuaban a su proyecto ideológico y convertir al libro de texto en
una herramienta política. Además, hemos visto que la evolución a través
de los años de los reglamentos de concurso y evaluación tendió hacia la
relajación en las prescripciones y en la apertura a las decisiones de los
editores e imprenteros. Con esta pretensión se logró también afianzar el
lugar del libro de texto en la escuela y alentar la participación del mercado
en su producción. Este último aspecto se tornó crucial especialmente en
el marco de un desprendimiento paulatino de las funciones de control y
selección, y el traspaso de estas funciones de manos del Estado a manos
de los maestros y editoriales.
De este modo, lo que se originó como una colaboración entre las
propuestas estatales y las tecnologías del mercado se fue inclinando
hacia la validación por parte del Estado de las conveniencias de las empresas. En efecto, buena parte de las editoriales de gran circulación en
la actualidad son las que, a lo largo del siglo XX, supieron construir un
perfil ligado al ámbito educativo y consolidaron una imagen vinculada
con la garantía del aprendizaje de los contenidos obligatorios. Son estas
editoriales las que en la actualidad deciden la selección de temas que se
trabajarán en el ámbito escolar y la corriente didáctica a la que adscribirán
las prácticas de los maestros que opten por el uso de sus productos. Entre
las consecuencias más peligrosas contamos la capacidad de decisión que
actualmente tiene la industria del libro en los aspectos pedagógicos y,
en especial, en relación con la variedad lingüística a implementar en el
ámbito escolar.
Por otro lado, la inversión de los roles del Estado y las empresas que,
como hemos visto, tuvo lugar a lo largo del siglo pasado, y la instauración de la obligatoriedad de su uso repercutió en que, en la actualidad, el
Estado se ve obligado a garantizar el acceso de todos los sectores de la
población a los libros de texto. La compra de partidas de libros para su
entrega gratuita a las escuelas de escasos recursos atiende a esta función
que el Estado ha asumido.
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Este hecho corrobora, no obstante, la diferencia de clase. El libro
gratuito lleva la marca estigmatizante de la imposibilidad de elegir que
coarta a maestros y padres; y, a pesar de que es el Ministerio de Educación
el que los selecciona, carga con la duda sobre su contenido. Esto se debe
a que las formulaciones discursivas asociadas al libro de texto no pueden
valorarse haciendo abstracción de las condiciones reales de inserción. La
actualidad en el tratamiento de los temas, la incorporación de las nuevas
tecnologías de impresión, el acceso a la información disciplinar específica,
la complementación con material anexo, la capacitación para el uso del
material a partir de cursos gratuitos para maestros etc. son las garantías
que ofrecen las editoriales comerciales para el aprendizaje de los alumnos.
Esta representación que han sabido generar las editoriales de sí mismas
imprimen al libro gratuito las características de su lugar de inserción: la
formación del docente y las posibilidades económicas de las escuela y
los alumnos. En ese sentido, el Estado convierte la entrega de libros en
otra forma de asistencialismo (en nombre de las libertades y garantías de
acceso al libro) y resguarda las representaciones de las editoriales y la
portación de sus productos como fuentes de los saberes que facilitan el
ascenso social.
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Endereço para correspondência:
María López García
Marcelo T. de Alvear, 1.694 (1.060)
Buenos Aires – Argentina
E-mail: [email protected]
Recebido em: 19 nov. 2008
Aprovado em: 1 dez. 2008
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José Silvério Baia HORTA
A educação na Itália fascista
(1922-1945)
José Silvério Baia Horta*
1
Resumo:
Este artigo analisa a educação na Itália no período 1922-1945,
identificando os mecanismos postos em prática pelo regime
fascista para colocar a escola a seu serviço. Partindo da Reforma
Gentile, estuda o processo de fascistização da escola em seus
diferentes níveis. Esse processo, que se inicia com a fascistização
das associações de professores, acentua-se a partir de 1935, com
a militarização da escola e a implantação das leis racistas no
sistema de ensino, em 1938. Alcança seu auge com a Carta da
Escola, em 1939. Toda essa estrutura começa a ser desmontada
em 1943, com a queda de Mussolini.
Palavras-chave:
educação fascista; história da educação: Itália; totalitarismo
e educação.
*
Doctorat d’Etat es Lettres et Sciences Humaines – Université Paris V – René
Descartes, 1985. Pesquisador visitante do Conselho Nacional de Desenvolvimento
Científico e Tecnológico (CNPq)/ Universidade Federal do Amazonas (UFAM).
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A educação na Itália fascista
Education in Fascist Italy
(1922-1945)
José Silvério Baia Horta
Abstract:
This article analyzes education in Italy in the period of 19221945, identifying the mechanisms put into practice, by the fascist
regime, so that schools would serve its interests. Beginning
with the Gentile Reform, it examines the process of schools’
fascist indoctrination in its different levels. This process begins
with the Teachers’ Associations in 1935, and increases with the
schools’ militarization. In 1938, racist laws were introduced
in the teaching system. It reaches its climax with the School
Letter in 1939. All this structure began to collapse in 1943 with
Mussolini’s fall.
Keywords:
fascist education; history of education: Italy; totalitarianism
and education
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José Silvério Baia HORTA
Introdução
Este artigo, situado no campo da história política da educação,
procura oferecer, por meio de um estudo de caso, elementos para uma
discussão das relações entre educação e política.
Analisa a educação na Itália no período 1922-1945, identificando os
mecanismos postos em prática pelo regime fascista para colocar a escola
a seu serviço. Partindo da Reforma Gentile, estuda o processo de fascistização da escola em seus diferentes níveis. Esse processo, que se inicia
com a fascistização das associações de professores, acentua-se a partir
de 1935, com a militarização da escola e a implantação das leis racistas
no sistema de ensino, em 1938, e alcança seu auge com a identificação
entre escola e partido na Carta della Scuola, em 1939.
Trata-se de uma pesquisa documentária que utiliza, como fontes primárias, publicações oficiais, especialmente os anais e boletins do Ministério da Educação – nos quais foi realizada ampla pesquisa da legislação
e das decisões normativas relacionadas com o sistema de ensino –, além
de livros e periódicos da época, pesquisados, em sua quase totalidade,
nos Centros de Documentação da Università Cattolica del Sacro Cuore,
de Milão. Todas essas fontes estão referenciadas na bibliografia.
Com relação aos periódicos publicados na Itália durante o fascismo,
cabe aqui a observação de Bobbio (1973), segundo o qual a Crítica,
dirigida por Croce, é a única revista da época que merece ser chamada
de antifascista. De acordo com Bobbio, além dos periódicos claramente
fascistas, podemos identificar alguns periódicos independentes, outros
que inicialmente aderiram ao regime, mas que foram pouco a pouco se
afastando dele, além daqueles que, ao contrário, passaram da oposição
ou indiferença ao regime à sua aceitação.
No caso dos periódicos utilizados como fonte na pesquisa que deu
origem a este artigo, destaca-se, entre os independentes, L’Educazione
nazionale: organo di studio dell’educazione nuova, fundado e dirigido
por Lombardo-Radice, publicado entre 1919 e 1933. Entre aqueles que,
tendo inicialmente aderido ao regime, foram pouco a pouco se afastando
dele, incluímos La nuova scuola italiana, fundado e dirigido por ErnesRevista Brasileira de História da Educação, n° 19, p. 47-89, jan./abr. 2009
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to Codignola, publicado de 1923 a 1938, e Levana, também dirigido
por Codignola, publicado de 1922 a 1928 e continuado, com o nome
de Civilta moderna, até 1943. Nascidos com a influência de Gentile,
afastam-se dele cada vez mais, após a dispersão e o enfraquecimento da
escola gentiliana. Fascista da primeira hora, Codignola teve papel atuante
na fundação da Corporazione della Scuola, associação de professores
criada pelos fascistas em 1923. Após a assinatura da Concordata, em
1929, Codignola afasta-se do fascismo e aproxima-se de uma posição
socialista. Data desse momento a transformação da revista Levana
em Civilta moderna. Mais tarde Codignola adere ao Partito d’Azione,
organização antifascista criada em 1942. Entre aqueles periódicos que
passaram da oposição ou indiferença ao regime à sua aceitação podemos
citar a Rivista Pedagógica, publicação da Associazione Nazionale per gli
Studi Pedagogici (ANSP). Fundado em 1908, esse periódico sobreviveu
à dissolução da ANSP, em 1923, sendo publicado até 1939. No início do
período fascista, sua luta contra a Reforma Gentile deu-lhe uma aparência
de periódico de oposição. Mais tarde, com o afastamento de seus antigos
colaboradores e com a caminhada progressiva de seus colaboradores mais
jovens em direção ao fascismo, a Rivista Pedagógica tornou-se cada vez
mais próxima do regime, mesmo sem se ter tornado um periódico de
propaganda fascista.
Finalmente, podemos incluir, entre os periódicos claramente fascistas, Gerarchia, revista oficial do Partido Nacional Fascista (PNF), dirigida
por Mussolini, “cada vez mais cinzenta, mais pobre, mais esvaziada de
qualquer sinal de inteligência” (Bobbio, 1973, p. 235); Crítica fascista,
publicado ininterruptamente de 1923 a 1943, sob a direção de Bottai;
L’Educazione política, criado em 1925, sob a direção de Gentile, que se
torna, em 1926, órgão oficial do Istituto Nazionale Fascista de Cultura,
sucessivamente rebatizado com os nomes de Educazione fascista, em
1927, e Civiltà fascista, em 1934; Giuventu fascista, órgão das organizações da juventude dos PNF, criado em 1931, transformado em Libro
e moschetto, em 1939, e em Passo romano, ainda no mesmo ano, e finalmente, Primato educativo, publicado de 1934 a 1939, sob a direção
de Nazareno Padellaro. Para todos esses pode ser aplicada a observação
de Bobbio (1973, p. 235):
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Quem lê hoje uma revista fascista, do primeiro ao último ano [...] fica
impressionado pela monotonia mortífera dos argumentos, pela estreiteza de
horizontes culturais, pela falta total de análise concreta de situações reais: um
horrível espelho para os intelectuais que enxergam refletida nesse exercício de
palavras que falam a si mesmas sua própria função de fabricantes de cortinas
de fumaça. Com o agravamento que de ano em ano o tom se faz sempre mais
exaltado, a retórica sempre mais tediosa, as idéias cada vez mais aberrantes
[p. 235].
1. O ponto de partida: idealismo gentiliano e
fascismo
Ao assumir o poder, na Itália, em outubro de 1922, o fascismo não
trazia um projeto educacional bem definido. O programa do PNF, aprovado em Florença, em dezembro de 1921 (apud Bellucci & Ciliberto,
1978, p. 199), definia os objetivos da escola de forma bastante vaga,
declarando:
A escola deve ter por objetivo formar pessoas capazes de garantir o
progresso econômico e histórico da nação; elevar o nível moral e cultural da
massa e promover os melhores elementos de todas as classes para garantir a
renovação contínua das camadas dirigentes.
Ao Estado caberia um controle rígido sobre os programas, a escolha
e a ação dos professores da escola elementar, de modo que esta preparasse
“também física e moralmente os futuros soldados da Itália”. Quanto às
escolas médias e universitárias livres, a ação do Estado deveria limitarse ao controle sobre os programas e sobre o “espírito do ensino” e à
promoção da instrução pré-militar, destinada a facilitar a formação de
oficiais. Com relação à formação profissional, para que esta cumprisse a
sua finalidade de “elevar a capacidade produtiva da nação e criar a classe
média de técnicos entre os executores e os dirigentes da produção”, o
Estado deveria “integrar e coordenar a iniciativa privada, substituindo-a
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onde ela faltasse”. Além disso, o Estado deveria promover a unificação
de todas as bolsas de estudo e demais benefícios escolares, criando e
controlando um instituto para “selecionar, ao final do ensino elementar,
os alunos mais inteligentes e dispostos e assegurar-lhes a instrução superior” (idem, pp. 199-200).
Trata-se de um programa que incorpora as posições liberais conservadoras e os traços nacionalistas defendidos pelos educadores idealistas,
reunidos em torno de Gentile, bem como algumas teses do programa
escolar do Partido Popular1, principalmente as relacionadas com a liberdade de ensino.
Mais tarde, no Congresso de Nápoles, às vésperas da Marcha sobre
Roma, o Partido Fascista adotará uma ordem do dia na qual se oporá
firmemente ao projeto de lei sobre o exame de Estado, apresentado pelos
populari e defendido pelos idealistas2. Entretanto, como afirma Ostenc
(1973, p. 386):
Esta declaração não era talvez senão uma conseqüência do papel que o
fascismo atribuía ao Estado, concebido como imanente na vida pública. Mas
ela só teria tido efeito se os fascistas tivessem sido capazes de elaborar um
programa escolar que lhes fosse próprio. Isso não foi o caso e Mussolini disso
tinha consciência. É por isso que no seio do “Fascio” da Educação nacional,
parece ter encorajado a colaboração entre fascistas e idealistas, Codignola
desempenhando o papel de intermediário.
1.
2.
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Trata-se de partido político fundado por Don Sturzo, em 1919, buscando aglutinar
os católicos italianos em torno de uma proposta democrata cristã. O Partido Popular
Italiano teve vida curta, tendo se dissolvido em outubro de 1924. Sobre o Partido
Popular, ver Milza e Bernstein (1980, pp. 158-172).
“O Conselho Nacional do Partido Fascista, afirmando que a escola se situa fora e
acima de todo partido e considerando primeiro e principal dever do Estado a formação da consciência nacional, o que implica que este deve revigorar e valorizar
sua escola, pede uma política escolar que responda às exigências da vida moderna
e convida o Grupo Parlamentar a combater o projeto de lei sobre o Exame de Estado que, na forma em que está redigido, visa sufocar a antiga e gloriosa escola do
Estado em proveito da escola confessional” (apud Jovine, 1980, p. 259).
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Essa aproximação entre idealistas e fascistas pode ser explicada
apenas em parte por razões táticas. Estas existiam, tanto da parte de
Mussolini, que desejava garantir o apoio de intelectuais bem conhecidos
e abrir assim uma brecha no mundo da cultura oficial, como da parte
dos idealistas, que viam nessa aproximação a possibilidade de colocar
em prática o seu projeto pedagógico. Entretanto, existiam razões mais
profundas. Mussolini via no princípio do Estado ético de Gentile um
caminho para o Estado totalitário; os idealistas, que “identificavam os
valores universais com a Nação e o Estado”, consideravam “a restauração
da autoridade estatal realizada pelo fascismo como um meio de libertação
humana” (Borghi, 1974, p. 236).
Borghi mostra até que ponto a dualidade do pensamento idealista –
que, por um lado, acentuava a autoridade e, por outro, a liberdade e a
espontaneidade – era apenas aparente:
É preciso lembrar que a imanência dos valores no homem – que os idealistas afirmavam – não significava sua imanência no indivíduo. O Espírito
é, em si, um princípio universal que exclui toda particularidade e, conseqüentemente, a espontaneidade espiritual à qual eles se referem, já é, em si,
uma qualidade que não pertence ao indivíduo como tal. Para eles, liberdade
e espontaneidade não se referem a seu sujeito verdadeiro e se dissolvem em
seu oposto. Assim, a dualidade de motivos constatada é aparente e não real
e a própria instância da liberdade se reveste, no idealismo, de uma dimensão
autoritária. Isto explica como os idealistas puderam dar o nome de liberdade
ao conceito de dissolução do indivíduo no universal (encarnada nas instituições
e no Estado) e contribuir assim para reforçar essa singular confusão mental
que levou numerosos italianos a aceitar o fascismo como um movimento de
libertação [Borghi, 1974, p. 237].
A colaboração entre idealistas e fascistas, iniciada com a transformação do Fascio di Educazione Nazionale em Gruppo di Competenza
per la Scuola, no seio do Partido Fascista, antes da Marcha sobre Roma,
concretizou-se com nomeação de Gentile para o Ministério da Instrução
Pública, no primeiro Governo Mussolini, em outubro de 1922. Os hisRevista Brasileira de História da Educação, n° 19, p. 47-89, jan./abr. 2009
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toriadores acentuam o oportunismo e a habilidade política de Mussolini
pela escolha de Gentile como ministro:
A decisão de Mussolini de oferecer o Ministero della Pubblica Istruzione ao
filósofo siciliano revelou-se particularmente hábil. Graças à inclusão, no novo
Governo, do independente Gentile, que constituía, talvez, um dos pontos de
referência mais prestigiosos da cultura italiana e que havia sido a única pessoa
capaz de figurar no mesmo nível de Croce no último governo Giolitti, o fascismo
garantia o apoio dos idealistas e do partido da escola, que o próprio Gentile
havia, anteriormente, tomado de Salvemini [Ricuperati, 1977, p. 87].
Mas o mesmo Recuperati sublinha, também, o oportunismo dos
idealistas:
Era uma relação equívoca e, de certa forma, condenada ao fracasso, mas
que encontrava sua justificativa exatamente nessa persistente imagem da
neutralidade da escola, que acreditava ser possível fazer uma boa reforma
mesmo em um regime duvidoso, desde que se possuísse idéias claras [Ricuperati, 1973, p. 1.712].
Os idealistas sentiram-se confortados por essa nomeação. Como
afirma Jovine (1980, p. 254):
a pessoa do filósofo parecia uma garantia para todo o programa de governo.
Era difícil perder a fé na reforma tão demoradamente meditada apenas porque realizada por um governo instaurado pela violência; era mais fácil pensar que a forte
personalidade de Gentile conseguiria levar a termo a transformação escolar que se
apresentava como urgente, guardando fidelidade às premissas do idealismo.
Dessa forma, apesar de algumas dissensões ocorridas no Fascio de
Educazione Nazionale, no momento de sua transformação em Gruppo
di Competenza3, o ministro consegue obter a colaboração de vários de
3.
Entre essas dissensões podemos citar as de Piero Gobetti e Augusto Monti. Os dois
formularam, no jornal Rivoluzione Liberale, severas críticas às posições assumidas
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seus discípulos, entre os quais Lombardo-Radice, que aceita o convite do
filósofo e torna-se diretor-geral da Instrução Primária4. Lombardo-Radice
será o responsável pela reforma do ensino primário, realizada em 1923,
no início do governo de Mussolini5.
O caso de Lombardo-Radice é típico. Em novembro de 1922, em
carta escrita à Codignola, em nome dos colaboradores da revista Educa-
4.
5.
por Gentile, até o fechamento desse jornal, em 1925. Esses intelectuais não aceitaram
colaborar com os fascistas e aprovar o programa do Gruppo de Competenza, que
afirmava, em seus “Princípios Gerais”: “Nosso sistema de educação pública deve
visar, antes de tudo, revigorar o caráter moral dos jovens e sua força física. Para
esse fim supremo devem se dirigir todos os esforços do fascismo, o que significa
promover por todos os meios o espírito de iniciativa, o sentido da responsabilidade
individual, o respeito e o culto dos mais altos valores de nossa tradição nacional
e religiosa. O fascismo concebe o Estado como expressão suprema da vontade
coletiva, atribuindo-lhe, assim, uma função essencialmente ética, cuja primeira
realização deve ser a promoção da educação nacional, para subtraí-la dos partidos
e das seitas” (apud Jovine, 1980, p. 262).
Giuseppe Lombardo-Radice nasceu na Sicília, em 1879. Começou a lecionar em
1903, após seus estudos na Escola Normal Superior de Pisa, onde foi contemporâneo de Gentile. Tendo inicialmente lecionado letras nos liceus de Aderno, Arpino
e Nápoles, tornou-se depois professor de moral e pedagogia nas Escolas Normais
de Foggia, Palermo, Messina e Catânia. Em 1915, torna-se professor titular de
pedagogia na Universidade de Catânia. Conforme Goy (1926, p. 52), “é grande
a sua participação na campanha que conduz o idealismo ao poder. Em 1907, ele
funda a revista I Nuovi Doveri, que cede lugar, em 1912, à Rivista di Pedagogia
e di Política Scolastica. [...] Após o armistício, ele retoma o combate de idéias,
fundando, em 1919, a elegante e viva revista Educazione Nazionale”. Ainda em
1919, Lombardo-Radice funda, juntamente com Codignola, o Fascio di Educazione
Nazionale (que, apesar do nome, não tinha nada a ver com o movimento fascista). Em
janeiro de 1920, Lombardo-Radice lança, no Fascio di Educazione Nazionale, um
apelo aos educadores: ele os convida a trabalhar pela regeneração das consciências,
pedindo-lhes que abandonem as antigas associações profissionais que, movidas por
preocupações exclusivamente econômicas, “se mostram incapazes de defender os
supremos interesses coletivos” (apud Jovine, 1980, p. 221).
Será principalmente com base nessa reforma que Adolphe Ferrière, diretor-adjunto
do Bureau International d’Éducation e vice-presidente da Ligue Internationale pour
l’Éducation Nouvelle, incluirá Lombardo-Radice entre os três pioneiros da educação
nova na Europa (Ferrière, 1928, p. 105 ss.). A reforma realizada por Lombardo-Radice
será muito elogiada por Ferrière, que a considerará um exemplo e um modelo para o
mundo inteiro (Ferrière, 1927, pp. 21-22). Sobre essa reforma, ver Horta (2006).
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zione Nazionale, depois de saudar a nomeação de Gentile, “hoje ministro
devido ao simpático respeito de Mussolini ao alto valor que ele representa na Itália”, Lombardo-Radice afirmava categórico: “Nós, da revista
Educazione Nazionale, que somos uma parte do Fascio de Educazione
Nazionale, não somos fascistas... somos italianos que queremos trabalhar
na escola em favor da pátria, fora e, se necessário, contra os partidos”6.
Ainda em novembro de 1922, em artigo publicado em Educazione
Nazionale (apud Jovine, 1980, p. 254), Lombardo-Radice, comentando
a nomeação de Gentile, escrevia:
Gentile retoma e continua a tradição recente, mas fortemente enraizada,
iniciada poderosamente por Croce e mantida por Anile: a tradição dos Gruppi
di Azione per la Scuola que se reuniram no Fascio di Educazione Nazionale,
em 1919. Ele próprio é o fundador moral desta organização, com o seu livro: Il
Problema del Dopoguerra. A contribuição que esperamos dele não é técnica,
mas política: nós observamos o Ministro Gentile que participa do Supremo
Conselho político da nação, em um Ministério criado por caminhos totalmente
novos e que abrirá precedentes graves se não tiver, imediatamente, a força de
dominar os acontecimentos e reconduzir a Itália à liberdade constitucional.
E Lombardo-Radice sente-se no direito de dizer a Gentile o que
espera dele, enquanto ministro:
A Gentile, nós dizemos: nós desejamos que os jovens dependam de ti,
Ministro da Educação, pois eles são agora teus. Faça que os jovens voltem
para a única ocupação que lhes diz respeito: a escola. Nós sabemos que Gentile
não teria entrado no Ministério sem antes ter tido a certeza que os jovens se
consagrariam, de agora em diante à sua formação intelectual e moral na escola,
que ele chama de oficina sagrada do espírito [idem, p. 255].
Assim, mesmo consciente dos perigos que a onda fascista representa
para a Itália, Lombardo-Radice confia em Gentile e aceita o cargo que ele
6.
A carta de Lombardo-Radice a Codignola, datada de 21 de novembro de 1922,
encontra-se transcrita na íntegra em Bellucci e Ciliberto (1978, pp. 195-198).
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lhe oferece7. Suas intenções, ao aceitá-lo, transparecem na carta que ele escreve à sua mulher, em dezembro de 1922 (apud Ostenc, 1973, p. 387):
Giovanni Gentile oferece-me a transferência definitiva para Roma, no
posto de diretor geral da Instrução Primária e Popular. Essa função não me
assusta: considero-a como a coroação digna de toda a minha vida. Eu saberei
como desempenhá-la. Há um campo admiravelmente fecundo para desbravar.
Há uma escola para criar, na Itália, começando das bases. Espero uma palavra
tua. Pensa que eu não realizarei nenhuma outra tarefa a não ser a minha, que
é uma função didática, não política.
Dessa maneira, segundo Jovine (1980, p. 256), as reformas centralizadoras e autoritárias introduzidas por Gentile no setor da administração
da educação, as medidas tomadas contra as associações de professores
e as circulares restritivas à liberdade de crítica enviadas por Gentile aos
provveditori8 “apareciam como pequena sombra diante do esforço de
7.
8.
Não foi apenas Lombardo-Radice que depositou confiança em Gentile. Ferrière,
mesmo depois do afastamento de Lombardo-Radice e da demissão de Gentile,
refere-se a esse último como “o filósofo moderno que um conjunto providencial de
circunstâncias havia colocado no cargo de Ministro da Instrução Pública na Itália”
(Ferrière, 1928, p. 105, grifo nosso).
Os provveditori eram os representantes do Ministério da Educação nas províncias.
As circulares de Gentile tinham relação direta com as críticas formuladas pela
Unione Magistrale ao projeto de aposentadoria compulsória de um grande número
de professores idosos, sem o correspondente aumento das pensões (Régio Decreto
de 11 de março de 1923). A reação de Gentile a essas críticas, publicadas em algumas revistas de associações de professores, foi imediata. Em 23 de abril de 1923,
o ministro envia uma circular aos provveditori, pela qual esperava impedir toda
discussão ou crítica. Dirigida contra “uma certa imprensa de classe, que deseja
transformar toda organização de professores em instrumento de luta contra os
plenos poderes”, e contra “velhos demagogos, agitadores do corpo de professores,
que se apresentam ao Ministério debaixo do aspecto mentiroso de devotados colaboradores”, a circular conclui: “Os senhores provveditori agli studi são informados
da interdição que eu imponho a meus funcionários de receber os representantes de
classe acima mencionados, que não se mostrartam dignos de falar em nome dos
professores italianos” (Circolare n. 35, de 23 de abril de 1923. Bolletino Ufficiale
Del Ministero della Istruzione Pubblica, n. 10, 1923, pp. 1482-1483). Essa circular
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reconstrução da escola que o fascismo permitia aos expoentes do idealismo, no período de plenos poderes concedidos à Mussolini”9.
Entretanto, com a crise que se seguiu ao assassinato de Matteoti10,
essa pequena sombra transformou-se em nuvem ameaçadora. LombardoRadice demitiu-se do cargo e cortou toda ligação com o fascismo. Ele
explicará essa decisão em artigo publicado pouco depois, em setembro
de 1924, na revista Educazione Nazionale:
Não somos ligados a nenhum partido; o nosso partido é a escola. Por este
partido ideal, superior aos partidos, o autor dessas linhas chegou a renunciar
à sua escola para transformar-se, durante um ano e meio, em um burocrata e
cuidar da execução da reforma da instrução elementar. Contra todas as suas
tormentosas dúvidas de caráter político, ele estava dominado pela a esperança de
que a Itália pudesse progredir; a presença de Giovanni Gentile era uma garantia
contra a ilegalidade sem controle [...] Gentile fascista era apesar de tudo Gentile
educador. Eu que, politicamente, não aderira ao fascismo, que ele ao contrário
aceitava, poderia, mesmo depois de sua inscrição no Partido, ficar ao lado dele
[...] Fiquei no ministério enquanto acreditei poder esperar que os dirigentes do
fascismo pudessem melhorar moralmente a vida italiana e não somente a escola.
Quando esta esperança se dissipou... [apud Goy, 1926, p. 51].
foi acompanhada de medidas concretas tomadas contra a Unione Magistrale. Na
verdade, o caráter autoritário de Gentile havia se revelado antes, por meio de circular
enviada aos funcionários, que continha a seguinte ameaça: “Todo ato capaz de perturbar o funcionamento normal das instituições de ensino e de insinuar nos espíritos
a desconfiança e a indisciplina em relação à autoridade do Estado será severamente
punido. Os chefes de setor serão considerados responsáveis por toda infração às
presentes disposições” (Circolare de 25 de novembro de 1922. Bolletino Ufficiale
Del Ministero della Istruzione Pubblica, 30 de novembro de 1922, p. 2153).
9. No final de novembro de 1922, as duas câmaras atribuem, por um ano, plenos poderes
a Mussolini, que se torna assim “o ditador legal da Itália” (Milza & Berstein, 1980,
p. 127). Concebida pelos parlamentares como um instrumento que possibilitasse
ao chefe de governo proceder a uma “normalização” do país, a lei de plenos poderes, promulgada em 3 de dezembro de 1922, será utilizada por Mussolini “para
estabelecer os mecanismos que permitirão aos fascistas e a ele próprio manter-se
à frente do Estado” (idem, p. 127).
10. Deputado do Partido Socialista Unitário, seqüestrado e assassinado por membros
da Milícia Fascista, em junho de 1924.
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Assim, acreditando que “permanecer em um posto de direção na
administração do Estado fascista após o assassinato de Matteoti significaria para ele viver na mentira” (Borghi, 1974, p. 244), Lombardo-Radice
renunciou ao cargo e retomou a direção de Educazione Nazionale, de
onde continuou, dentro dos estreitos limites que lhe foram impostos pelo
fascismo, a defender a sua reforma dos ataques de que ela começou a
ser alvo, da parte dos fascistas, após a demissão de Gentile, em junho
de 1924.
À demissão de Gentile, conseqüência da forte oposição que ele
encontra no seio do Partido Fascista, e que se realiza no bojo da crise
gerada pelo assassinato de Matteoti, segue-se uma série de retoques à
sua reforma, inicialmente para atender às exigências dos meios liberais
tradicionais e, depois, para abrir caminho ao processo de fascistização da
escola, que se seguiu ao endurecimento do regime, em janeiro de 1925.
Tal processo, que foi acompanhado da fascistização das associações de
professores, conduziu à “bonifica fascista” da escola, em 1935, e às leis
racistas de 1938 e culminou com a Carta della Scuola, em 1939. Concomitantemente, realizou-se um amplo movimento de fascistização da
juventude, que se iniciou com a criação da Opera Nazionale Balilla, em
1926, e se completou com a transformação desta em Gioventú Italiana
del Littorio, em 193711. A fascistização da escola e da juventude foi
acompanhada de tentativas mais ou menos bem-sucedidas de fascistização
da cultura, que se inicia com a publicação do “manifesto dos intelectuais
fascistas”, em 1925, e culmina na criação do Istituto Nazionale di Cultura
Fascista, em 193712.
2. A política de retoques
As reações à Reforma Gentile começam no momento mesmo de sua
aplicação. Alvo das severas críticas da oposição, Gentile deve enfrentar
11. Sobre a mobilização da juventude na Itália fascista, ver Horta (2004).
12. Sobre as relações entre fascismo e cultura, ver Bobbio (1973).
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uma resistência crescente no seio mesmo do fascismo. A pequena burguesia, próxima do fascismo, inquieta-se com o caráter seletivo da escola
gentiliana; os nacionalistas, que consideram a escola “a arma mais eficaz
do Estado italiano para a manutenção e garantia de unidade espiritual da
Nação” (Ostenc, 1980, p. 131), denunciam a redução drástica das escolas públicas, sobretudo de nível elementar; outros, enfim, consideram a
“liberdade escolar” dos idealistas como incompatível com a concepção
fascista do Estado. Enfim, como afirma Borghi (1974, p. 251), as famílias
italianas rejeitam categoricamente a escola complementar, recusando-se
a nela matricular os seus filhos13.
Em um primeiro momento, Gentile consegue resistir, graças ao
apoio dos católicos e à intervenção direta de Mussolini a seu favor. Em
dezembro de 1923, por ocasião da agitação causada nas universidades
em razão da aplicação da Reforma do Ensino Superior, Mussolini ordena aos prefeitos reprimir toda agitação estudantil, enviando-lhes um
telegrama no qual afirma: “Considero a Reforma Gentile como a mais
fascista das reformas aprovadas pelo meu Governo” (apud Ambrosili,
1980, p. 135). Poucos dias depois, falando aos universitários fascistas,
o chefe do governo dirá:
De todas as reformas que votamos, a Reforma Gentile é a única verdadeiramente revolucionária [...]. Durante cinqüenta anos se falou na necessidade
13. A escola complementar, criada por Gentile no bojo da Reforma do Ensino Médio,
em substituição à antiga escola técnica, tinha, segundo o ministro, a função de
“preparar os alunos para empregos menores e para a direção de pequenos negócios”
(Circolare de 11 de dezembro de 1923, n. 117. Bolletino Ufficiale Del Ministero
della Istruzione Pubblica, n. 59, 31 de Dezembro de 1923, p. 5290). Segundo o
decreto que estabeleceu os programas para o novo ensino médio, do aluno da escola complementar se espera que conheça “o seu valor e o seu lugar” na sociedade
da qual faz parte, e se prepare “para a vida modesta mas nem por isto isenta de
pesados e difíceis deveres, que ele deverá viver como pessoa e como cidadão”. Em
suma, enquanto na instrução clássica o conhecimento deve ser buscado “em seu
grau mais elevado”, na escola complementar ele deverá ser dado “na medida em
que é necessário para ser bom cidadão” (Régio Decreto de 14 de outubro de 1923,
n. 2.345. Bolletino Ufficiale Del Ministero della Istruzione Pubblica, n. 50, de 17
de novembro de 1923, p. 4413).
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de uma renovação da escola, que foi criticada de todas as formas; em mil
tons se gritou que era necessário dar seriedade à escola, torná-la formadora
do caráter e do homem. O Governo fascista necessita da classe dirigente.
Pela experiência destes 14 meses de governo pude descobrir que a classe
dirigente fascista não existe. Não posso improvisar funcionários para toda a
administração do Estado: eles devem vir, pouco a pouco, das Universidades
[...]. É portanto necessário que os estudantes estudem a sério se se quer criar
uma Itália nova. Eis as razões profundas da Reforma Gentile: daquele que
eu considero o maior ato revolucionário ousado pelo Governo fascista nestes
meses de poder14.
Uma análise das circunstâncias em que essas palavras foram pronunciadas permite determinar bem o seu verdadeiro alcance. Mussolini
refere-se aqui especificamente à Reforma do Ensino Superior. As disposições da reforma haviam sido mal acolhidas pelos estudantes, que
se inquietavam com o rigor que esta introduzia e com a exigência do
Exame de Estado para o exercício profissional. Essa insatisfação foi a
causa de greves e manifestações em algumas universidades. Ora, como
afirma Ambrosili (1980, p. 135), “Mussolini julgava deplorável as agitações estudantis e admirava-se que elas tivessem sobrevivido à guerra e à
‘revolução fascista’, pois eram expressão de um costume que deveria ser
considerado superado para sempre”. Aos estudantes fascistas, Mussolini
procura acalmar fazendo apelo ao seu espírito fascista e acenando-lhes
com a perspectiva de ocuparem futuramente funções dirigentes na administração do Estado. Aos outros, contra os quais ele não hesitou em
empregar a força, ele prometia ser intransigente. No citado discurso de
dezembro de 1923, Mussolini afirma:
O caráter desta agitação revela-se pela imprensa francesa e italiana que
a apóia: mesmo na hipótese de que os estudantes tivessem todas as razões
possíveis, enquanto eles estiverem nas praças e forem apoiados pela imprensa
14. O discurso de Mussolini encontra-se transcrito na íntegra em La Nuova Scuola
Italiana, ano I, n. 13, p. 161, 23 dez. 1923.
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da oposição, eles não obterão a mínima satisfação. [...] Daqui a alguns meses,
quando esta agitação transformar-se em uma simples e infeliz recordação,
poder-se-á examinar se alguns aspectos secundários da reforma são mais ou
menos adequados às necessidades.
Como se pode ver, mesmo afirmando ser de uma “intransigência
absoluta” no que se refere à manutenção da “substância” da Reforma
Gentile, Mussolini admite que ela possa sofrer modificações. Essas
modificações começaram logo após a demissão de Gentile do Ministero
della Pubblica Istruzione e a sua substituição por Pietro Fedele, após
uma rápida passagem de Casati pelo ministério. A politica dei ritocchi,
iniciada por Fedele em 1925, visará inicialmente atender às pressões
da pequena e média burguesia, descontente com a severidade e o rigor
da escola gentiliana; mas visará, principalmente, atender, naquilo que
competia à escola, a proposta mussoliniana de “fascistizar a nação”. A
fascistização da escola, que será antecedida pela fascistização das associações de professores, realizar-se-á por meio de uma série de retoques que,
sem atingir a Reforma Gentile na sua substância, procurará aproveitar
ao máximo o potencial autoritário nela contido.
3. A fascistização das associações do professores
A fascistização das associações de professores realizou-se, rapidamente, entre 1923 e 1925.
Quando o fascismo assumiu o poder, existiam na Itália três grandes
associações de professores: a Unione Magistrale, de tendência maçônica,
o Sindicato Magistrale, de obediência socialista, e a associação Niccolo
Tommaseo, do grupo católico. A essas veio juntar-se, em 1923, a Corporazione della Scuola, criada pelos fascistas. Eis como Cremaschi (1952,
pp. 164-165) descreve a situação de cada uma delas, no final de 1923:
O Sindicato Magistrale estava praticamente impedido de realizar qualquer atividade orgânica, em vista da situação política, da qual ele recebia
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todos os contragolpes. A Tomaseo tinha obtido mais do que podia esperar
no que se refere ao ensino religioso e à valorização da escola particular. A
Corporazione della Scuola não podia agir a não ser por influência isolada de
algumas pessoas. A Unione Magistrale estava excluída de todo o contato com
o Ministro Gentile, que havia se ofendido com as críticas desta à aposentadoria
compulsória dos antigos professores.
A Unione Magistrale, depois de fracassar em uma tentativa de estabelecer um pacto com a Corporazione della Scuola, realiza, em maio
de 1924, aquele que seria seu último congresso. Insistindo sobre a independência da Unione com relação aos partidos políticos, os congressistas
reafirmam que ela tem “uma razão de ser e o direito de viver” (Cremaschi,
1952, pp. 170-171)15. Mas a principal associação de professores tem os
seus dias contados. Em julho de 1924, Accuzio Sacconi assume a direção
da Corporazione della Scuola e propõe-se a obter, para sua associação, o
monopólio da representação dos professores. Para atingir esse objetivo,
por um lado ele exerce pressões, por intermédio do partido, para que o
ministro não receba os dirigentes das outras associações e, por outro lado,
como nos mostra Ostenc (1980, p. 162), procura provar aos professores
que estava pronto a defender seus interesses. Atendendo ao desejo de
Sacconi, Fedele recusa-se, em outubro de 1925, a receber os representantes das associações de professores não fascistas. Ao mesmo tempo,
começam as pressões sobre os professores para que adiram à corporação
fascista e as violências contra a Unione. Esta tenta uma solução de última
chance, propondo a Mussolini uma fusão entre as duas associações, com
a formação de uma federação. Mas a proposta é rejeitada e a Unione
Magistrale se dissolve, em novembro de 192516.
Em dezembro de 1925 será a vez do Sindicato Magistrale. Quanto à Tomaseo, nem mesmo a intervenção indireta do Vaticano junto a
15. Sobre a reação da Corporazione della Scuola às conclusões do congresso da Unione
Magistrale, ver Sacconi (1924, pp. 505-506).
16. Para Ernesto Codginola, essa dissolução constitue uma grande vitória da Corporazione della Scuola (Codignola, 1925a, p. 161).
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Mussolini, pelo intermédio do jesuíta Tacchi Venturi, no sentido de que
o Duce se empenhasse pessoalmente para garantir a sobrevivência da
associação dos professores católicos, foi suficiente para impedir o seu
desaparecimento17.
Assim, em dezembro de 1925, ao realizar o seu Congresso Nacional,
a Corporazione della Scuola apresenta-se como a única representante de
todos os professores18. O congresso será inaugurado por Mussolini, na
presença do secretário do PNF e do ministro Fedele19. Em seu discurso, o
Duce, após manifestar sua alegria de ver reunidos todos os representantes
da escola, “do asilo infantil até a universidade”, afirmará:
Um outro motivo de alegria consiste em constatar, através da palavra dos
oradores que me precederam e através da vossa manifestação, que a escola
italiana tornou-se fascista. [...] Assim sendo - e assim realmente é - o governo
exige que a escola inspire-se nos ideais do fascismo, exige não apenas que
a escola não seja hostil ao fascismo, mas também que ela não seja estranha
ou agnóstica diante dele, exige que toda a escola, em todos os seus graus
e em todas as disciplinas eduque a juventude italiana para compreender o
fascismo, a renovar-se no fascismo, a viver do clima histórico criado pela
revolução fascista.
17. O padre Tecchi Venturi havia enviado, em 21 de dezembro de 1925, uma carta a
Mussolini, na qual solicita a intervenção do chefe de governo a favor da associação dos professores católicos, por se tratar de uma associação “que aderia plena e
totalmente ao regime” (apud Ambrosili, 1980, pp. 202-203).
18. Ao comentar o congresso, Codginola não esconde o seu entusiasmo: “É a primeira
vez na história da Itália moderna que toda a escola, sem distinção de interesses e de
categorias, reúne-se, concorde e unânime, em uma atmosfera de entusiasmo quase
religioso, ao redor de seus chefes, que falam, antes e acima de tudo, de deveres e
de sacrifícios. É a primeira vez que o Chefe do Estado e os chefes das organizações
políticas e sindicais proclamam com sinceridade franca e rude, o firme propósito de
transformar a escola em um grande anfiteatro da austera disciplina civil e nacional e
em um vigoroso organismo propulsor da expansão espiritual do mundo” (Codignola,
1925b, p. 217, grifos do original).
19. Os discursos pronunciados durante o congresso serão publicados na revista La nuova
Scuola Italiana, ano III, n. 11, 13 de dezembro de 1925, de onde foram extraídas
as citações que se seguem.
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Accuzio Sacconi, ao apresentar o seu relatório perante os congressistas, renovará seu apoio à Reforma Gentile e explicitará a sua concepção
da fascistização da escola:
A Corporazione della Scuola tem o mérito de ter imposto à escola o espírito fascista. A fascistização da escola comporta dois tempos: 1. a reforma
e a conseqüente reorganização dos institutos. Esta parte já foi realizada. 2.
separação nítida entre o velho e o novo sistema e conseqüente liquidação dos
velhos homens. Esta parte está ainda para ser realizada.
E o secretário-geral da Corporazione della Scuola, levando ao extremo a exigência de vigilância e intransigência feitas pelo secretário do
PNF nessa mesma ocasião, promete proceder a uma depuração radical
na escola italiana:
A classe dirigente deve ser fascista, [...] os conselhos escolares deverão
ser compostos exclusivamente de fascistas, os diretores gerais nas comunas
autônomas serão substituídos por homens nossos, esquadristas autênticos. Não
se pode deixar a escola sob a direção de homens que traem o nosso trabalho
cotidiano. É necessário recrutar para os postos dirigentes da Administração
central e para os estabelecimentos escolares pessoas verdadeiramente idôneas.
[...] Procederei com mão firme e a depuração será radical. [...] Um terço dos
atuais provveditori deverá partir.
Como afirma Ambrosili (1980, p. 205), Sacconi traduzia, em termos coerentes com a vocação totalitária fascista, a relação entre escola
e política:
Se na escola se realizava a formação do cidadão, era necessário que o
fascismo controlasse integralmente a escola, impondo-lhe a sua ideologia
por meio de programas adequados a isto; mas também impondo à escola
professores que fossem executores fiéis das decisões tomadas pelo governo
fascista e que fossem fiéis intérpretes da ideologia do regime.
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Accuzio Sacconi foi aclamado mais uma vez secretário-geral da
Corporazione. Mas o seu discurso inquieta os moderados do PNF e
desagrada ao próprio Mussolini, que não podia aceitar a pretensão de
Sacconi de dirigir com “plenos poderes” o movimento corporativo dos
professores italianos. Poucos dias depois, durante a discussão parlamentar sobre a nova legislação sindical, o Duce intervém para afirmar
que a delicada missão “de modelar o espírito e formar o caráter [...]
destacava de tal forma a individualidade do professor que este deveria
colocar-se diante do Estado como indivíduo singular e não como grupo
ou associação” (apud Ambrosili, 1980, p. 206). Assim, a nova legislação
sindical20 incluiu os professores do ensino médio e universitário entre as
categorias de funcionários que não poderiam organizar-se em sindicatos
ou associações. Quanto aos professores primários, a lei permitia a sua
organização em associações de caráter cultural e assistencial. Desse
modo, a Corporazione della Scuola transforma-se em Associazione Nazionale degli Insegnanti Fascisti, com finalidades culturais, assistenciais
e políticas, sob a dependência direta do PNF.
Em setembro de 1926, será criada, por decreto do chefe de governo21,
a Associazione Nazionale Fascista della Scuola Primaria, destinada “aos
professores e diretores das escolas primárias inscritos no PNF e aos não
inscritos que tivessem dado provas de leal adesão ao Regime” (art. 15).
A associação, “inspirada nos princípios fundamentais do fascismo”, se
propunha a promover a renovação da cultura dos professores “de acordo
com o novo conceito da vida, da história e da Nação estabelecido pelo
fascismo como baliza para a sua ação e o seu futuro” (art. 4).
Quanto aos professores do ensino médio e superior, o regime não
hesitou em utilizar contra eles a repressão direta. Durante o ano de 1926,
vários professores universitários antifascistas foram demitidos com base
na lei de 24 de dezembro de 1925, que permitia a demissão de qualquer
20. Legge 3 Aprile 1926, n. 563, art. 11. Gazzetta ufficiale del Regno d’Italia, n. 87,
1926.
21. Decreto Del Capo del Governo, 17 set. 1926. Bolletino Ufficiale Del Ministero della
Pubblica Istruzione, n. 40, set. 1926, p. 2.516.
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funcionário cujas opiniões não garantissem sua fidelidade ao regime e à
política geral do governo. Em janeiro de 1927, uma nova lei permite a
demissão de professores em caso de incompatibilidade com as diretrizes
políticas do governo, manifestada dentro ou fora da escola. A mesma lei
permite o fechamento de universidades ou institutos “quando o ensino
neles ministrados não estiver orientado pelos princípios que dirigem a
ordem social do Estado”22. Em abril desse mesmo ano, essas disposições
são estendidas aos professores de qualquer nível de ensino23.
4. A fascistização da escola
Como vimos, as tentativas de fascistização do corpo docente fazem
parte de um processo mais amplo de fascistização da escola, que se iniciará em 1926 e atingirá seu ponto culminante em 1935, com a bonifica
fascista de De Vecchi.
A primeira etapa desse processo inicia-se com a introdução obrigatória da saudação fascista na escola24 e estende-se até a declaração do
Gran Consiglio de novembro de 1927. Ela pode ser caracterizada por
aquilo que Segre (1963, p. 324) denominou “fascistização episódica” da
escola. Por meio de circulares e de proclamações ministeriais a serem
lidas obrigatoriamente em classe, Fedele aproveita todas as ocasiões para
fazer os professores falarem do fascismo, para exaltar o Duce e sua obra.
Segundo Ostenc (1980, p. 167), para Fedele, “fascistizar a escola significa
inocular nela o amor á pátria e a convicção profunda de que a cultura e
a educação não devem se limitar à formação do homem universal, mas
do cidadão que consagra a totalidade dele mesmo ao bem da Nação e
lhe oferece o fruto de sua educação espiritual”. Mas isso não parece su22. Regio Decreto Legge, 13 gennaio 1927, n. 38. Bolletino Ufficiale Del Ministero
della Pubblica Istruzione, n. 5, fev. 1927, p. 533.
23. Régio Decreto Legge, 13 aprile 1927, n. 641. Sobre a repressão aos professores de
ensino médio e superior, ver Ostenc (1973).
24. Circolare 2 gennaio 1926, n. 1. Bolletino Ufficiale Del Ministero della Pubblica
Istruzione, n. 1, jan. 1926, p. 37.
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ficiente e, em novembro de 1927, Sammartano (1927, p. 426) afirma que
a revolução fascista ainda não havia entrado na escola: estava ainda na
soleira da porta. E na mesma ocasião, fazendo um balanço da Reforma
Gentile, o Gran Consiglio del Fascismo constata que ainda resta muito
a fazer para a fascistização da escola (Ostenc, 1980, p. 177).
Em julho de 1928, Mussolini dá ao ministro da Instrução diretrizes
precisas para “o aperfeiçoamento da fascistização de todas as escolas,
não só em seus programas, mas também nos homens” (Salvatorelli &
Mira, 1964, p. 401). Inicia-se, assim, uma segunda etapa na fascistização da escola, que incluirá modificações nos manuais e nos programas
e aumento das pressões sobre os professores, especialmente de nível
médio e superior. Essas medidas serão facilitadas pela transformação
do Ministero della Pubblica Istruzione em Ministero dell’Educazione
Nazionale, em setembro de 192925, e pela maior presença das organizações de juventude dentro da escola.
Em nível do ensino elementar, “no conjunto, apesar da sobrevivência
de alguns professores primários socialistas que não querem se curvar, o
corpo docente é favorável ao regime” (Ostenc, 1980, p. 288). A fascistização completa-se pela adoção do livro único e pela modificação dos
métodos e programas. Um decreto de março de 1928 proíbe, na escola
elementar, o uso de livros de texto que não correspondam “no âmbito
dos programas vigentes, às exigências históricas, políticas, jurídicas e
econômicas estabelecidas a partir de 28 de outubro de 1922”26. Justificando essa decisão, o ministro da Educação afirmará que os livros de
texto em uso, “embora úteis e bons do ponto de vista puramente didático,
não atingiam aquela que deveria ser a sua finalidade precípua, ou seja,
formar a nova consciência nacional, plasmando o tipo do italiano novo,
totalmente dedicado à pátria e consciente dos próprios deveres para com
ela”. Assim, segundo o ministro, “a maior parte dos autores de livros
25. Régio Decreto 12 set. 1929, n. 1.661. Bolletino Ufficiale Del Ministero della Pubblica Istruzione, n. 40, 1 out. 1929, p. 2.816.
26. Régio Decreto 18 marzo 1928, n. 780. Bolletino Ufficiale Del Ministero della
Pubblica Istruzione, n. 18, 1 maio 1928, p. 1.569.
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de texto não tinha uma visão clara, exata e completa daquilo que era o
núcleo central do problema da educação, a saber, desenvolver na criança
o senso viril da vida, e limitavam-se a dar ao livro apenas a veste e não
a alma fascista” (Relazione riguardante l’exame e la scelta del libri di
testo per lê scuole, apud Cannistraro, 1975, p. 425).
Em setembro de 1928, a comissão encarregada de examinar os manuais de ensino elementar em função dessa nova exigência afirma não
ter encontrado “nenhum livro que correspondesse perfeitamente às finalidades da escola fascista e merecesse uma verdadeira e plena aprovação”
(Relazione..., 1928, p. 3162). Em vista disso, a comissão manifesta a sua
satisfação pela decisão governamental de introduzir, na escola elementar,
o livro de texto único, preparado pelo Estado. Em janeiro de 1929, será
criada uma comissão para dirigir e coordenar o trabalho de elaboração
do texto único do Estado a ser obrigatoriamente adotado por todas as
escolas elementares públicas e privadas, a partir de 193027. Ao inaugurar
os trabalhos da comissão, Mussolini afirmará:
O livro de texto do Estado, do Estado fascista, deverá ser uma obra prima
didática e técnica; o seu conteúdo deverá educar os adolescentes na nova
atmosfera criada pelo fascismo e plasmar neles uma consciência imbuída dos
deveres do cidadão fascista [apud Jovine, 1980, p. 311]28.
De acordo com Ricuperati (1977, p. 106), o Estado editou e distribuiu mais de cinco milhões de exemplares do livro de texto único, a
partir de 1930. A apresentação era cuidada; quanto ao conteúdo “duas
constantes não variarão e representarão sempre mais de 50% do total do
texto: a exaltação do fascismo e a exaltação da Igreja”. Segundo Gentili
(1979, p. 37),
27. Legge 7 gennaio 1929, n. 5. Bolletino Ufficiale Del Ministero della Pubblica Istruzione, n. 4, 22 jan. 1929, p. 226.
28. A respeito das orientações dadas pelo ministro à Comissão, ver Il Libro único di
stato per la scuola elementare. Annali dell’Istruzione Elementare, anno III, n. 5-6,
dez. 1928, pp. 136-139.
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os redatores, adaptando-se à orientação da pedagogia italiana da época e
dentro dos limites econômicos e técnicos impostos pela editora, visaram, direta
ou indiretamente, utilizando tanto o texto como as figuras, de um lado criar um
mito em torno da figura e dos atos de Mussolini e, de outro, reforçar os conceitos
religiosos, sociais e morais tradicionais, para inculcar nos jovens os valores da
‘religião` e da ‘pátria`, o respeito à autoridade e aos homens que a detêm, o
nacionalismo, o culto da força e do heroísmo, a aceitação da sociedade dividida
em classes e, eventualmente, da posição de subordinado como um fato natural
na ordem das coisas humanas, em função do bem comum29.
A fascistização da escola elementar completa-se pela deturpação
total dos métodos e programas introduzidos por Lombardo-Radice em
1923. Como afirma Ostenc (1980, p. 188), “tudo que devia contribuir
para tornar a escola serena será abandonado ou utilizado para fascistizála. [...] No plano pedagógico, a reforma de 1923 parece não ser mais que
uma distante lembrança”.
A exigência da adequação às orientações do novo regime será
estendida aos livros de texto do ensino médio, em janeiro de 192930.
Entretanto, essas medidas não se limitarão aos livros de texto. Em abril
de 1934, o ministro da Educação envia aos diretores das escolas uma
circular, determinando que fosse feita uma revisão na biblioteca escolar e fosse eliminada toda publicação que não estivesse “em completa
harmonia com as exigências espirituais da atual vida nacional” ou que
pudesse “oferecer aos jovens idéias confusas ou sugestões prejudiciais
à sua educação fascista”. Das bibliotecas deveriam ser excluídas
todas as obras nas quais os personagens e os acontecimentos da Revolução
fascista, os princípios nos quais esta se inspirou e aplicou à sua legislação, as
instituições que criou, os problemas que resolveu fossem apresentados com
29. Quanto à reação dos professores e alunos ao novo livro de texto, ver Cremaschi
(1952, p. 189).
30. Circolare 19 gennaio 1929, n. 22. Bolletino Ufficiale Del Ministero della Pubblica
Istruzione, n. 5, 22 jan. 1929, p. 426.
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reservas mais ou menos abertas ou debaixo da luz de velhas verdades políticas
que o fascismo condenou ou superou31.
Mas os esforços de fascistização das escolas médias e da universidade concentrar-se-ão, principalmente, no corpo docente. Em março de
1930, o Gran Consiglio decide aumentar as pressões sobre os professores:
“daí em diante, ninguém poderá tornar-se professor se não for um confirmado fascista; os reitores das universidades, os decanos das faculdades,
os provedores e diretores dos estabelecimentos de nível médio devem
ser escolhidos entre os professores inscritos no partido há cinco anos no
mínimo” (Ostenc, 1980, p. 293). Em 1931, a Associazione Nazionale
degli Insegnanti Fascisti transforma-se em Associazione Fascista della
Scuola (AFS). Congregando professores de todos os níveis de ensino, a
AFS é colocada na dependência direta do secretário do PNF. Em agosto
de 1931, exige-se dos professores universitários um juramento de fidelidade ao regime fascista, sob pena de perderem a cátedra32. Dos 1.250
professores universitários, apenas 12 recusaram-se e foram demitidos.
Segundo Ostenc (1980, p. 299), esse juramento foi inútil, não constituindo uma demonstração de adesão da universidade ao regime:
sob a aparência fascista, a escola continua a funcionar e, em geral, ela
funciona bem. É verdade, o regime manifesta sua presença pelas contínuas
intervenções [...] Contudo, a escola não é fascista por causa disso. [...] Se se
descontam as concessões ao triunfalismo do regime, aliás sem grande significação diante da atmosfera geral da época, deve-se admitir que os esforços do
ativismo fascista não podem prevalecer, na escola italiana, sobre o movimento
cultural tradicional.
31. Circolare n. 19, 5 aprile 1934. Bolletino Ufficiale Del Ministero dell’Educazione
Nazionale, n. 16, 17 abr. 1934, p. 661. A organização das bibliotecas populares e
escolares será regulamentada pela Circolare n. 55 de novembro de 1934. Bolletino Ufficiale Del Ministero dell’Educazione Nazionale, n. 46, 6 de nov. 1934, p.
2.509.
32. Régio Decreto 28 aggosto 1931, n. 1.227, art. 18. Bolletino Ufficiale Del Ministero
dell’Educazione Nazionale, n. 41, out. 1931, p. 2.509.
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5. A militarização da escola e as leis racistas de
1938
Em 1933, Mussolini, consciente que a escola, sobretudo média e
superior, não está ainda penetrada da “alma fascista”, decide concentrar
os esforços do regime nessa direção. Em agosto de 1933, diante de um
grupo de professores, ele dirá: “A escola deve ser sempre mais fascista.
Não se deve crer que impomos a seu ensino uma linha demasiado fascista. A escola não será nunca suficientemente fascista. Quando se trata
de fascismo, eu amo os excessos” (apud Goy, 1937, pp. 15-17).
No mês seguinte, diante do Consiglio Superior dell’Educazione
Nazionale ele insiste que a escola deve ser profundamente fascista “não
somente na forma, mas sobretudo no espírito” (Ostenc, 1980, p. 331). Ora,
especialmente nesse momento, em que se iniciam os preparativos para a
campanha da Etiópia, “espírito fascista” significa “espírito guerreiro”33.
Será esse espírito, do qual já estavam imbuídas as organizações de juventude, que Mussolini procurará impor à escola, introduzindo cursos de
cultura militar no ensino médio e superior e nomeando para o Ministério
da Educação um “esquadrista” e antigo comandante-geral da Milícia, o
quadriunvir Cesare De Vecchi.
Em setembro de 1934, Mussolini apresentará ao conselho de ministros seu projeto de preparação militar da nação, que será transformado
em lei em dezembro do mesmo ano34. Com base no princípio de que “as
funções de cidadão e de soldado são inseparáveis no Estado fascista”,
a preparação militar será considerada “parte integrante da educação
nacional”. Iniciada “a partir do momento em que a criança estiver em
condições de aprender”, ela deve continuar “enquanto o cidadão estiver
em condições de empunhar armas para a defesa da pátria”. A preparação
militar propriamente dita, iniciada pela instrução pré-militar, a ser realizada no quadro das organizações da juventude, deverá ser completada
33. Sobre a campanha da Etiópia, ver Rochat (1971).
34. Legge 31 dicembre 1934, n. 2.150. Bolletino Ufficiale Del Ministero dell’Educazione
Nazionale, n. 6, 5 fev. 1935, p. 347.
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pelo ensino da cultura militar, a ser ministrado em todas as escolas de
nível médio e superior.
O programa dos cursos de cultura militar será estabelecido em
dezembro de 193435. Para os alunos das escolas médias inferiores, noções elementares de cultura militar, comuns aos graduados das Forças
Armadas; para os alunos do liceu, os conhecimentos indispensáveis
aos futuros oficiais. Aos alunos do ensino superior seriam ministrados
os conhecimentos necessários àqueles que futuramente iriam exercer
funções de comando.
O novo papel confiado à escola será comentado pelo ministro da
Educação, em outubro de 1934. Segundo o ministro, com a introdução
da cultura militar
elimina-se toda separação entre vida civil e vida militar; são demolidas
as barreiras existentes entre as instituições civis e as instituições militares;
opera-se uma íntima fusão entre as beneméritas Organizações juvenis, as
gloriosas Forças Armadas e a Escola; a educação militar, assumindo um
altíssimo valor moral, torna-se um elemento substancial da educação geral;
e à Escola, principalmente, cabe a honrosa e lisonjeira missão da formação
do italiano novo, do Cidadão Soldado36.
E o ministro conclui:
A Escola, potente expressão da revolução fascista, a Escola, primeira e
grande oficina do Regime, na qual se forja e se tempera o cidadão novo desejado pelo Duce, não pode não compreender a grande importância da missão
que lhe foi dada, e não sentir-se orgulhosa de cumprí-la dignamente.
Mas para que a escola assumisse realmente essa missão, era necessário alguém capaz de comportar-se como “camisa negra” no Ministé35. Legge 31 dicembre 1934, n. 2.152. Bolletino Ufficiale Del Ministero dell’Educazione
Nazionale, n. 6, 5 fev. 1935, p. 352.
36. Circolare 29 ottobre 1934, n. 52. Bolletino Ufficiale Del Ministero dell’Educazione
Nazionale, n. 44, 30 out. 1934, p. 2.450.
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rio. Assim, em janeiro de 1935, Mussolini nomeará para o Ministério
da Educação Nacional o conde Cesare Maria De Vecchi. Saudado pela
imprensa educacional fascista como alguém capaz de “transformar a
escola em uma espada temperada e afiada à disposição do Duce para
o cumprimento dos seus grandes desígnios”37, De Vecchi realizará em
dois anos uma reforma administrativa radical, que ficará conhecida por
bonifica scolastica. Visando sujeitar totalmente a escola, ele “suprime
praticamente todas as leis, avocando para si plenos poderes” (Cremaschi,
1952, p. 193). Em setembro de 1935, serão abolidas todas as disposições
legislativas relacionadas com os poderes e as funções dos provveditori, determinando-se que “os poderes e as funções relacionados com o
governo do ensino elementar incumbem exclusivamente ao Ministro da
Educação Nacional”. A partir de então, todas as decisões dos provveditori
são tomadas “em nome do Ministro”, que pode, a qualquer momento,
modificá-las ou anulá-las38. Em abril de 1936, considerando a “necessidade urgente e absoluta” de uniformizar os programas da escola elementar e média, o governo decretará: “as matérias de ensino, os exercícios
práticos, os programas e os horários para todas as escolas primárias e
médias de todas as ordens e graus são estabelecidos por decretos reais,
por proposta do ministro da Educação Nacional”39. De Vecchi assumirá,
também, o poder de nomear, transferir e punir diretores e professores
do ensino médio, sem possibilidade de recurso40. O tempo destinado aos
37. Ver, por exemplo, o editorial da revista Scuola e Cultura, ano XI, n. 1, jan./fev. 1935.
38. Régio Decreto Legge 26 settembre 1935, n. 1.866. Bolletino Ufficiale Del Ministero dell’Educazione Nazionale, out. 1935, p. 2971. A aplicação desse decreto será
regulamentada por uma circular de dezembro de 1935, na qual De Vecchi afirma
que, a partir dele, “o Ministro torna-se a única fonte de toda atividade e o sujeito de
todo poder discrecional. [...] Os funcionários permanecem, mesmo com relação às
atividades a eles delegadas, subordinados hierarquicamente ao Ministro, atuando a
vontade dele, nunca a própria vontade” (Circolare 14 dicembre 1935, n. 1, Bolletino
Ufficiale Del Ministero dell’Educazione Nazionale, n. 1, 7 jan. 1936, p. 33).
39. Régio Decreto Legge 10 aprile 1936, n. 634. Bolletino Ufficiale Del Ministero
dell’Educazione Nazionale, n. 19, 12 maio 1936, p. 492.
40. Régio Decreto 2 settembre 1935, n. 1.845, art. 2. Bolletino Ufficiale Del Ministero
dell’Educazione Nazionale, n. 45, 5 nov. 1935, p. 2961.
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cursos de cultura militar e às atividades das organizações de juventude
será ampliado, em detrimento de outras matérias41. Os livros de texto
para o ensino médio passarão por nova revisão, feita por uma comissão
nomeada pelo ministro42. Quanto ao ensino superior, desaparece o que
restava de autonomia universitária. De Vecchi assume o poder de criar
e suprimir faculdades, escolas e cursos universitários, reagrupar as faculdades e escolas em institutos, escolher e transferir os professores e
estabelecer a lista das matérias fundamentais de cada curso43. Em junho
de 1935, todas as universidades públicas passarão para a dependência
direta do Estado44 e o Consiglio Superiore dell’Educazione Nazionale
perderá todas as suas funções deliberativas, passando a ser um órgão
puramente consultivo, devendo pronunciar-se apenas sobre as questões
que o ministro decidir submeter ao seu exame45.
Apesar dos protestos causados por essas medidas e pelas atitudes
arrogantes de De Vecchi à frente do Ministério da Educação Nacional,
ele permanecerá no cargo até final de 1936. Como afirma Gentili (1979,
p. 2),
Ás vésperas da guerra da África, no momento em que era necessário
prevenir e controlar toda divergência que pudesse manifestar-se na escola
ou entre os intelectuais, a presença no Ministério da Educação Nacional de
um homem “duro” e ideologicamente intransigente como De Vecchi tinha
um significado preciso. Mas, uma vez realizado o seu papel, ingrato embora
funcional para o Regime, era necessário pensar em sua substituição.
41. Régio Decreto 7 maggio 1936, n. 762. Bolletino Ufficiale Del Ministero
dell’Educazione Nazionale, n. 19, 12 maio 1936 (suplemento).
42. Régio Decreto 2 settembre 1935, n. 1.845, art. 7. Bolletino Ufficiale Del Ministero
dell’Educazione Nazionale, n. 45, 5 nov. 1935, p. 2.961.
43. Legge 13 giugno 1935, n. 1.100. Bolletino Ufficiale Del Ministero dell’Educazione
Nazionale, n. 29, 16 jul. 1935, p. 2.408.
44. Régio Decreto 20 giugno 1935, n. 1.071. Bolletino Ufficiale Del Ministero
dell’Educazione Nazionale, n. 29, 16 jul. 1935, p. 2.023.
45. Régio Decreto Legge 20 giugno 1935, n. 1.070. Bolletino Ufficiale Del Ministero
dell’Educazione Nazionale, n. 29, 16 jul. 1935, p. 2.020.
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Em novembro de 1936, De Vecchi deixará o ministério. Para
substituí-lo será nomeado Giuseppe Bottai, autor da Carta del Lavoro,
considerado “o maior expoente do corporativismo fascista” (Borghi,
1974, p. 298).
Mesmo mantendo a concepção totalitária e centralizadora própria
ao regime, Bottai procurará reduzir o excesso de centralização imposto
por De Vecchi. Os poderes delegados aos provveditori provinciais serão
ampliados46 e as atribuições do Ministério da Educação Nacional serão
mais bem definidas47. Mas ao mesmo tempo será ampliado o controle
estatal sobre as escolas médias particulares, pela criação do Ente Nazionale Istruzione Media (ENIM), com a finalidade de “administrar escolas
médias por delegação do Estado e impor uma fundamental unidade didática, educativa e política aos institutos particulares de ensino médio”.
A partir desse momento, só seriam reconhecidas as escolas particulares
que oferecessem “garantia segura de realizar as suas atividades em total
correspondência com as exigências do Estado fascista”48.
A concepção militarista da escola será, também, mantida por Bottai
e a escola será convocada para seguir a palavra de ordem do Duce e
“elevar-se ao nível do Império”49. Mas os programas de cultura militar
serão reformulados no sentido de acentuar a sua função “educativa” de
“aumentar, reforçar e tornar consciente nos jovens o espírito militar”.
Paralelamente à instrução pré-militar desenvolvida nas organizações
de juventude, a escola civil, “harmonizando as disciplinas literárias,
históricas, artísticas e científicas com as disciplinas militares”, deveria
visar principalmente à formação do “caráter” entendido como “o conjunto de qualidades intelectuais e físicas e principalmente morais que
46. Decreto Ministeriale 16 dicembre 1936. Bolletino Ufficiale Del Ministero
dell’Educazione Nazionale, n. 5, 2 fev. 1937, p. 226.
47. Régio Decreto 5 novembre 1937, n. 2.031. Bolletino Ufficiale Del Ministero
dell’Educazione Nazionale, n. 52, 28 dez. 1937, p. 3.128.
48. Régio Decreto Legge 3 giugno 1938, n. 928, Art. 1 e Art. 15. Gazzetta ufficiale del
Regno d’Italia n. 155, 1938. A respeito do ENIM ver Belardinelli (1938, p. 283).
49. Circolare 30 Novembre 1936, n. 23. Bolletino Ufficiale Del Ministero dell’Educazione
Nazionale, n. 48, 1 dez. 1936, p. 1.364.
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são o fundamento da eficiência dos quadros das Forças Armadas”50.
Conseqüentemente, o tempo destinado ao ensino de cultura militar,
propriamente dito, será reduzido e o Ministério da Educação passará a
ter maior influência nessa matéria51.
Mas a passagem de Bottai pelo ministério será marcada sobretudo
pelas medidas racistas aplicadas à escola e pela publicação da Carta
della Scuola.
Drásticas medidas “em defesa da raça” foram adotadas pelo regime
fascista, a partir de 1938. A escola colocou-se “na vanguarda” da aplicação dessas medidas: os professores judeus foram demitidos de suas
funções, os livros de autores judeus foram proibidos nas escolas e os
alunos judeus excluídos das escolas públicas e particulares de qualquer
nível, freqüentadas pelos italianos, sendo previstas a instalação de escolas elementares especiais para as crianças judias52. Bottai (1939, pp.
209-210) defenderá essas medidas, em outubro de 1938:
Em 1938, conquista e proclamação do Império. A escola sente a formidável sacudidela; e prescreve a si mesmo a fórmula mussoliniana: sul piano
dell’Impero. Mas 1938 fez amadurecer dois fatos que são conseqüências
necessárias do Império: o primado da Itália na Europa; o racismo italiano. [...]
A escola deve ser levada, verdadeiramente levada à frente da nova batalha com
todas as suas forças orientadas para o sucesso. É uma batalha de cultura e de
civilização. [...] A escola italiana para os italianos, dizemos. Os judeus terão,
no âmbito do Estado, a sua escola; os italianos, a deles. Isto é tudo.
As medidas racistas serão apoiadas pela imprensa fascista. Para
Maggiore (1938, p. 386), “livrar a escola dos judeus significa italianizar
50. Régio Decreto 23 settembre 1937, n. 1.711. Bolletino Ufficiale Del Ministero
dell’Educazione Nazionale, n. 42, 19 out. 1937, p. 2.668.
51. Régio Decreto Legge 8 luglio 1937, n. 1.541. Bolletino Ufficiale Del Ministero
dell’Educazione Nazionale, n. 39, 28 set. 1937, p. 2.518.
52. Régio Decreto Legge 5 settembre 1938, n. 1390. Gazzetta ufficiale del Regno
d’Italia, n. 209, 1938; Régio Decreto Legge 15 novembre 1938, n. 1.779. Gazzetta
ufficiale del Regno d’Italia, n. 272, 1938.
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a escola”. Por isso, a prioridade dada à escola na aplicação da política
racial não é casual. Em editorial de setembro de 1938, Critica Fascista
defenderá uma escola cem por cento italiana:
Na escola forma-se a personalidade do homem; por isso a depuração
deve começar pela escola. Se desejamos italianos cem por cento devemos
formá-los como tal; assim, devemos ter uma escola que seja cem por cento
italiana, isto é, italiana no seu ensino, nos livros, nos alunos. Italiana em
todos os seus graus53.
Não faltarão tentativas de criação de uma “pedagogia racista”, pedagogia “centrada não no indivíduo – que nunca é encontrado em estado
puro na natureza – mas na raça” (Cottone, 1939, p. 35). Não faltarão também as sugestões para o estabelecimento de “meios e formas de enraizar
na criança o orgulho e a altivez da própria raça” (Padellaro, 1938)54.
Mas as medidas racistas suscitam uma vaga de indignação no povo italiano e causam desgosto e irritação entre os professores e estudantes, principalmente no meio universitário. Como afirma Ostenc (1980, p. 360):
O racismo anti-semita fracassa, pois, na tentativa de enxertar na cultura
universitária italiana um novo humanismo fundado não somente no voluntarismo de uma educação ‘heróica’ e guerreira, mas também na exaltação da raça
53. “Primo: la scuola”. Critica Fascista, anno XVI, n. 22, 15 sept., 1938, p. 338.
54. Eis o “método” apresentado por Nazareno Padellaro para convencer a criança de sua
superioridade racial: “Se, por exemplo, devo fazer os alunos compreenderem que os
povos de cor pertencem a uma raça inferior, não devo multiplicar os enunciados, mas
colocar-me no ponto de vista da criança. [...] Se um dia vejo uma criança incapaz de
sair do impasse na análise lógica ou noto nela uma maneira confusa de agir, ou a vejo
paralizada diante de um fato novo e digo-lhe: ‘Você é um negro hoje’, certamente
lançarei nela o germe de um julgamento que criará nela o sentimento de superioridade
diante da raça de cor, superioridade que não é desprezo, mas justa valorização. [...]
Da raça de cor tiro os elementos para fazê-la compreender o problema judeu. Aqui
bastará enunciar esse axioma: ‘Os judeus pertencem a uma outra raça’. A criança,
que compreendeu a forma de diferenciação da raça negra, através das características
exteriores, se convencerá que, mesmo não visíveis, devem existir características
diferentes entre a raça ariana e a raça judia” (Padellaro, 1938, pp. 390-392).
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italiana. A reação humanitária do povo italiano, apiedando-se e se indignando
diante da injustiça e da brutalidade estúpida das disposições anti-semitas, é
a prova evidente que, apesar dos esforços do regime, os italianos se recusam
a endurecer na direção esperada pelo fascismo.
Mas o regime continua forte e politicamente todo-poderoso e alimenta ambições ainda maiores:
O “manifesto da raça” se insere num contexto mais amplo e pretende
contribuir para a elaboração de uma nova civilização. Esta quer se construir
em proveito do “homem de Mussolini” e cultivar os valores de um novo
humanismo [...]. Nada é mais significativo a esse respeito que a Carta da
Escola [Ostenc, 1980, p. 360].
6. A Carta da Escola
Logo após ter sido nomeado para o Ministério da Educação Nacional,
Bottai recebeu de Mussolini a tarefa de estudar e realizar a unificação, em
uma escola média única, das três classes do ginásio, do instituto técnico e
da Escola Normal (Bottai, 1939, p. XIV). Mas o novo ministro estava consciente que a crise da escola não se resolveria por meio de novos retoques
e propõe ao Duce a aprovação de uma Carta della Scuola, isto é, “de um
documento programático que contivesse todos os princípios pedagógicos
do regime e constituísse a base de toda futura legislação” (Gentili, 1979,
p. 14). Bottai, que estava convencido da existência de uma tradição “cartista” italiana, pretendia assim “juntar à ‘sua’ Carta del Lavoro uma ‘sua’
Carta della Scuola, destinada a colocar os fundamentos, respectivamente,
do Estado Corporativo e da educação fascista” (Gentili, 1979, p. 14).
A Carta della Scuola, elaborada por Bottai e aprovada pelo Gran
Consiglio del Fascismo em fevereiro de 193955, divide-se em duas par55. Carta della Scuola. Bolletino Ufficiale Del Ministero dell’Educazione Nazionale, n. 13,
28 mar. 1939, p. 801. As citações que se seguem são tiradas desse documento.
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tes. A primeira apresenta os princípios, os fins e os métodos da escola
fascista; a segunda traça as grandes linhas da nova organização a ser
dada à escola.
Agindo no quadro da “unidade moral, política e econômica da Nação
italiana, que se realiza integralmente no Estado Fascista”, a escola, que
constitui “o primeiro fundamento da solidariedade de todas as forças
sociais, da família às Corporações e ao Partido”, tem por função formar
“a consciência humana e política das novas gerações”. A escola fascista
realiza essa função por meio do estudo e do trabalho. Pelo estudo, ela
desenvolve as bases “de uma cultura do povo, inspirada nos valores eternos da raça italiana e de sua civilização”; pelo trabalho, ela insere esses
valores nas “atividades concretas dos ofícios, das artes, das profissões, da
ciência, das armas”. O estudo visa a “formação moral e intelectual dos
jovens” bem como “a sua preparação política e guerreira”. O trabalho,
que deve fazer parte do programa de todas as escolas, associa-se ao estudo
com a finalidade de “educar a consciência social e produtiva própria da
ordem corporativa”. Escola e família, atuando em uma “comunhão de
intenções e de métodos”, dirigem “a força da infância e da adolescência
no caminho da religião dos pais e dos destinos da Itália”.
Mas a escola não é a única instância educativa no Estado fascista.
Escola e organizações da juventude formam juntas “um instrumento
unitário de educação fascista”. Por meio dele, o cidadão, desde a primeira idade até os 21 anos, cumpre o seu “serviço escolar” obrigatório,
concretizando, assim, o princípio que “na ordem fascista, idade escolar e
idade política coincidem”. A família participa também da vida da escola
e colabora com ela na educação e orientação dos alunos.
Na segunda parte, a Carta della Scuola fixa a nova estrutura da escola
italiana, em seus diferentes níveis e graus e apresenta as características
e finalidades próprias de cada um deles. A XXV Declaração resume o
caminho seguido pelo aluno no sistema:
Da escola materna passa-se à escola elementar e, em seguida, à escola do
trabalho. Esta dá acesso à escola artesanal para aqueles que não pretendem
prosseguir os estudos no nível médio; à escola profissional e desta à escola
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técnica para aqueles que não pretendem continuar os estudos no nível superior e, finalmente, através de um exame de admissão, à escola média. Desta
se ascende, por meio de um exame de admissão, a todas as escolas de nível
superior. Os formados nas escolas de nível superior passam, ou diretamente
ou por meio de um exame, para as faculdades de nível universitário.
A escola italiana estrutura-se, assim, em quatro níveis: elementar,
médio, superior e universitário.
No nível elementar, a escola maternal, de dois anos, “disciplina e
educa as primeiras manifestações da inteligência e do caráter”; a escola
elementar, de três anos, com programas e métodos distintos para a zona
urbana e a zona rural, “dá uma primeira formação concreta do caráter”;
a escola do trabalho, de dois anos, “suscita, com atividades práticas organicamente inseridas nos programas de estudo, o gosto, o interesse e a
consciência do trabalho manual”; a escola artesanal, de três anos, educa
às tradições de trabalho da família italiana”. O trabalho ultrapassa nela
a fase didática e assume a forma de “trabalho produtivo”.
No nível médio, a escola de três anos, comum a todos que pretendem
prosseguir os estudos de nível superior, “dá aos jovens de 11 a 14 anos
os primeiros fundamentos da cultura humanística”; a escola profissional, na qual o trabalho, cientificamente organizado, ocupa uma posição
preponderante, destina-se aos jovens de 11 a 14 anos “que pretendem
preparar-se para as exigências do trabalho próprio aos grandes centros”; a
escola técnica, de dois anos, continua a escola profissional “preparando,
especialmente, para os empregos menores e o trabalho especializado nas
grandes empresas industriais, comerciais e agrícolas”.
No nível superior, o liceo classico, de cinco anos, “integrando o
ensino da língua e da literatura antigas àquele da língua e literatura
modernas, perpetua e reaviva a alta tradição humanística”; o liceo
scientifico, de cinco anos, “associa tradições clássicas e valores da vida
atual na formação de um humanismo moderno”; o istituto magistrale,
de cinco anos, de caráter ao mesmo tempo humanístico e profissional,
“prepara à educação da criança”; o instituto técnico comercial, de cinco
anos, “cuida da preparação do jovem para os empregos na administração
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pública e privada”; os institutos profissionais, de quatro anos, “cuidam da
preparação dos jovens para o exercício prático das profissões de perito
agrário, perito industrial, agrimensor e náutico”.
Ainda em nível superior, o Istituto Femminile e o Magistero Femminile eram destinados a receber as jovens saídas da escola média “preparando-as espiritualmente para o governo da casa e o ensino maternal”.
Finalmente, em nível universitário, a universidade “com a finalidade de promover em um nível de alta responsabilidade política e moral
o progresso da ciência e fornecer a cultura científica necessária para o
exercício dos ofícios e profissões”.
Como se pode ver, embora afirmando que “o acesso aos estudos e
o seu prosseguimento são regulados exclusivamente pelos critérios de
capacidade e aptidão”, a Carta della Scuola mantém e amplifica o caráter
seletivo da escola fascista. A escolha da carreira é feita após a escola
do trabalho, isto é, aos 11 anos, por critérios estritamente econômicos.
Aliás, o próprio ministro havia justificado isso, afirmando “ser ilusório
pensar que a luta no campo da escola deve realizar-se em igualdade de
condições entre os alunos das diferentes classes sociais” (Bottai apud
Jovine, 1980, p. 369). Segundo Bottai (1939, p. 34), uma escola igual
para todos até os 14 anos seria demagógica, além de ser “fomentadora de
ambições, criadora de uma massa de desocupados e descontentes, fator
constante de desordem e de perturbação na vida econômica e social do
país”. Como solução, a Carta della Scuola propõe a criação dos Collegi
di Stato, internatos gratuitos, “cuidadosamente organizados em um estilo
militar e fascista”, destinados a receber os melhores alunos das escolas
artesanais e profissionais e oferecer-lhes um curso de integração que lhes
possibilitasse ascender aos cursos superiores, inclusive universitários.
Dessa forma, segundo Bottai (1939, p. 34), “o povo estaria em condições
de ser representado, através de seus melhores, nas classes dirigentes do
país”. Segundo Ostenc (1980, p. 352), tratava-se de um “paliativo”. Mas,
muito mais que um paliativo, tratava-se de uma armadilha:
Os poucos membros da classe trabalhadora admitidos nos Collegi di Stato
seriam mantidos debaixo de uma estreita vigilância estatal, seriam educados
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no espírito da autoridade e da obediência e, ao mesmo tempo em que seriam
transformados em cães policiais do fascismo, dariam a este condições de
afirmar que todos os estratos do povo italiano eram chamados a participar da
nova classe dirigente no Estado Corporativo [Borghi, 1974, p. 305].
A Carta della Scuola será muito bem recebida nos meios fascistas.
Um concerto de louvores acolhe a Carta della Scuola. [...] Todos se esforçam em demonstrar que a Carta da Escola não corrige, mas substitui uma
reforma Gentile completamente ultrapassada, ligada a uma sociedade liberal
e burguesa, feita para educar o cidadão e não o fascista, fundada sobre o saber
mais que sobre a fé política e formulada antes que a organização corporativa,
o Império e o partido abrissem novos horizontes educativos [Ostenc, 1980,
pp. 354-355]56.
Nos meios católicos, embora a atitude oficial da Igreja fosse de “uma
prudente adesão” (Ostenc, 1980, p. 355), a imprensa católica manifestava
sua satisfação pela importância atribuída, na Carta della Scuola, à família, pela manutenção da orientação humanística na educação destinada
à formação das “personalidades dirigentes”, pela manutenção do latim
na escola média e pela clara manifestação do desejo de estabelecer uma
educação distinta para a mulher (Gentili, 1979, pp. 76-83).
Em fevereiro de 1939, Bottai exigirá a adesão dos professores aos
novos princípios estabelecidos pela carta, destinada a operar “uma renovação radical da escola fascista nos seus sistemas didáticos, nos seus
métodos, na sua estrutura, no seu estilo”57.
Entretanto, esta “renovação radical” previsão de Bottai não se concretizará. A única concretização da Carta della Scuola será a escola média
56. São muitos os artigos elogiosos à Carta della Scuola na imprensa pedagógica
fascista. Ver, por exemplo, La Carta della Scuola e la sua etica. Critica Fascista,
anno XVII, n. 9, mar. 1939, pp. 130-131, e Padellaro (1939, pp. 5-11).
57. Circolare 16 febbraio 1939, n. 5, Bolletino Ufficiale Del Ministero dell’Educazione
Nazionale, n. 8, 21 fev. 1939, p. 425.
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única, regulamentada por um decreto de julho de 194058. Todo o restante
ficará na carta e será abafado pela guerra. Em julho de 1943, uma circular
de Leonardo Severi, ministro da Educação do Governo Badoglio, abolirá
a carta, iniciando, assim, o processo de desfascistização da escola, que se
acentuará, a partir de 1945, pela atuação da Subcomissão de Educação
do Governo Militar Aliado, dirigida por C. W. Washburne59. E, sintomaticamente, I Diritti della Scuola, no seu primeiro número após a queda
de Mussolini, reclamará um “retorno” à Lombardo-Radice! (Masselli,
1943, pp. 403-404).
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59. Washburne era professor do Brooklin College de Nova York. Deweyniano, tornouse conhecido pela experiência de ensino individualizado por ele desenvolvida em
Winnetka. Sobre a atuação da Subcomissão de Educação do Governo Militar Aliado,
ver Jovine (1980, pp. 398-404), Tomasi (1976, p. 14) e Washburne (1970).
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Endereço para correspondência:
José Silvério Baia Horta
Rua 2, casa 2, Conjunto Jardim Primavera 1, quadra 1
Parque 10 de Novembro – Manaus-AM
CEP 69054-230
E-mail: [email protected]
Recebido em: 9 out. 2007
Aprovado em: 18 fev. 2008
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Josefa Eliana SOUZA
A contribuição de Aléxis de Tocqueville
por meio da obra A democracia
na América para a elaboração das
argumentações de Tavares Bastos
sobre a organização escolar e políticoinstitucional no Brasil
Josefa Eliana Souza*
1
Resumo:
Neste artigo, objetiva-se demonstrar a contribuição que A
democracia na América propiciou aos escritos de Tavares Bastos
(1839-1875), no que se refere à escola como um ambiente
indispensável à formação da unidade e identidade nacional
e à discussão da educação como uma forma de integrar o
imigrante à sociedade brasileira, temas também abordados por
Aléxis de Tocqueville, no estudo realizado sobre a sociedade
norte-americana. Percebe-se o uso por Tavares Bastos de idéias
defendidas por Tocqueville especialmente no que se refere
ao reordenamento político administrativo, à valorização do
aparato jurídico, que deveria amparar as instituições do país, e,
finalmente, à defesa do bem-estar social, da educação cívica e
da liberdade, defendidos por Tavares Bastos (1975).
Palavras-chave:
Aléxis de Tocqueville; Tavares Bastos; educação; unidade;
identidade nacional.
*
Doutora em Educação: História, Política e Sociedade pela Pontifícia Universidade
Católica de São Paulo (PUC-SP). Mestre em educação, Universidade Federal de
Sergipe. Professora titular III da Universidade Tiradentes (UNIT/SE).
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A contribuição de Aléxis de Tocqueville por meio da obra A democracia na América...
The contribution of Aléxis of
Tocqueville’s book, The democracy
of America, to Tavares Bastos’s
discussions about school and politicalinstitutional organization in Brazil
Josefa Eliana Souza
Abstract:
The objective of this article is to show the contribution of The
democracy of America in the writings of Tavares Bastos (18391875), which depicts the school as an indispensable environment
for the construction of national unity and identity, as well as
discusses education as a form of integrating the immigrant into
the Brazilian society. Such themes were also dealt with by Aléxis
de Tocqueville in his study of North-American society. It is
noticeable that Tavares Bastos makes use of the ideas defended
by Tocqueville, especially regarding political-administrative
reorganization, the importance of the juridical apparatus, that
should give support to the country’s institutions, and, finally,
the defense of social welfare, civic education, and freedom, also
defended by Tavares Bastos (1975).
Keywords:
Aléxis de Tocqueville; Tavares Bastos; education; unity; national
identity.
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O objetivo, com este estudo, é examinar a contribuição que a leitura de A democracia na América propiciou aos escritos produzidos por
Tavares Bastos (1938), no que se refere à escola como um ambiente
indispensável para a formação da unidade e identidade nacional e na
discussão que esse autor realizou, ao tratar a educação como uma forma
de integrar o imigrante à sociedade brasileira, uma vez que esses temas
suscitaram a atenção de Aléxis de Tocqueville, no estudo que realizou
sobre a sociedade norte-americana.
Mas é pelas prescrições relativas à educação pública que desde o princípio, vemos revelar-se com toda a sua clareza o caráter original da civilização
americana. Diz a lei: “Considerando que Satanás, o inimigo do Gênero humano, encontra na ignorância dos homens suas mais poderosas armas e que
é importante que as luzes que nossos pais trouxeram não fiquem sepultadas
em seu túmulo; considerando que a educação das crianças é um dos primeiros
interesses do Estado, com a assistência do Senhor” seguem-se as disposições
que criam escolas em todas as comunas e obrigam os habitantes, sob pena de
fortes multas, a tributar-se para sustentá-las [Tocqueville, 2001, p. 49].
Nessa afirmação de Aléxis de Tocqueville (2001), percebe-se a relevância da educação no processo de constituição da sociedade norte-americana, assim como a profundidade que o espírito de religião e o espírito
de liberdade desempenharam como destaca o autor. Tocqueville (2001),
ao olhar para a Europa, viu com clareza que do lado de cá do Atlântico
nascia uma nova sociedade com outros padrões de civilidade.
Impressionado por esses princípios, após a leitura de A democracia
na América, Aureliano Cândido Tavares Bastos1 (1976a) revela, desde
1.
Aureliano Cândido Tavares Bastos nasceu a 20 de abril de 1839, na cidade de Alagoas, à época, capital da província de Alagoas, hoje Marechal Deodoro. Morreu em
3 de dezembro de 1875, em Nice, no sul da França. Em 1858, tornou-se bacharel
pela Faculdade de Direito de São Paulo e em 1859 recebeu o grau de doutor em
direito, com exposição e debate dos seguintes temas: “Sobre quem recaem os
impostos lançados sobre os gêneros produzidos no país? Sobre o consumidor? O
que sucede quanto aos gêneros importados e exportados?”. Com o apoio de José
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o início do lançamento das publicações que fez, interesse pela obra
de Tocqueville (2001), que pode ser verificado na leitura dos variados
panfletos2 do autor/parlamentar alagoano, cujos temas também se fazem
presentes na obra do escritor francês. Além de indícios, na produção
bibliográfica de Tavares Bastos, de que ele tenha lido A democracia na
América, não se pode deixar de considerar que ele pertenceu ao grupo
dos representativos leitores brasileiros, a considerar os publicistas,
políticos e intelectuais do Segundo Império que se interessaram pela
referida obra.
A obra de Tocqueville (2001) não demorou a entrar em circulação
no Brasil após sua publicação, em 18353, data do lançamento do primeiro
tomo. Foi o primeiro livro publicado por Tocqueville, resultado da viagem que esse francês empreendeu, juntamente com o amigo Gustave de
Beaumont, aos Estados Unidos da América.
Em maio de 1831, os dois jovens magistrados embarcaram no porto
de Havre (França), incumbidos da missão, a eles confiada pelo Ministério
da Justiça, de examinar as instituições penitenciárias norte-americanas.
A missão foi coroada por um “relatório”, remetido aos poderes públicos
e publicado em seguida em dois tomos, com o título A democracia na
América. O primeiro é dedicado principalmente à descrição analítica das
instituições norte-americanas, e, no segundo, publicado em 1840, o autor
2.
3.
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Antonio Saraiva (1823-1895) e João Lins Vieira Cansansão de Sinimbu (1810-?)
ingressou na vida parlamentar, em 1861, como deputado pela província de Alagoas
e exerceu três legislaturas seguidas. Com a dissolução da câmara em 16 de julho
de 1868, deixou a carreira parlamentar sem, contudo, se afastar dos vínculos que o
mantiveram ligado aos problemas políticos, econômicos e sociais do país. Publicou
vários panfletos, pelos quais expunha reflexões acerca do país, de 1861 até o ano
de 1873 (cf. Souza, 2006).
Entre os anos de 1861 a 1873, Tavares Bastos publicou oito panfletos: Os males
do presente e as esperanças do futuro (1861), Cartas do solitário (1862), O vale
do Amazonas (1866), Memória sobre imigração (1867), A província (1870), A
situação e o Partido Liberal (1872), A reforma eleitoral e parlamentar (1873) e A
constituição da magistratura (1873).
Dedução construída a partir da afirmação que segue: “Seu [de Aléxis Tocqueville]
primeiro livro, American Democracy (1834), foi quase espontaneamente um bestseller na Europa Ocidental” (Barbu, 1982, p. 11).
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ocupou-se de um conhecimento mais abstrato, verificando a contribuição
da democracia sobre os costumes e os hábitos americanos.
Aléxis Charles-Henri-Maurice Clérel de Tocqueville nasceu em
Paris, a 29 de julho de 1805, e morreu em Cannes, a 16 de abril de 1859.
Por parte do pai, pertencia à pequena nobreza da Normandia, e por parte
da mãe, tinha ligações próximas com os Malesherbes. Teve uma infância
repleta de recordações tenebrosas dos acontecimentos dos primeiros anos
da revolução, por terem sido seus pais aprisionados e seu avô materno,
o marquês de Rosambo, morto na guilhotina em defesa da liberdade,
igualdade e fraternidade (Barbu, 1982, pp. 12-13).
Em que pesem os embaraços motivados pelas circunstâncias, Tocqueville integrou-se com a nova sociedade, inicialmente como magistrado,
depois como membro do parlamento na fase da monarquia orleanista
e também como secretário de Assuntos Estrangeiros, num período pequeno, durante a Segunda República. Barbu (1982), na apresentação da
obra O Antigo Regime e a Revolução de Aléxis de Tocqueville, afirma
que o pensador francês
era um liberal convicto, o que, no contexto de sua época, significava a
favor da Restauração e contra as classes médias, tendo-se em vista os seus
laboriosos esforços para atingirem uma posição de dominação política.
Desapontado com a orientação política da França, particularmente durante
o período da Restauração, abandonou a vida política como protesto contra o
coup d’Etat de Luís Bonaparte, e com o objetivo de dedicar-se ao estudo da
História [Barbu, 1982, p. 13].
Tocqueville era formado em direito e publicou, em 1835, Ensaio
sobre a pobreza e O Antigo Regime e a Revolução, em 1856. Os escritos
deixados pelo referido autor revelam a extensão do interesse dele na
viagem que empreendeu para os Estados Unidos da América. O autor
explicita que, muito mais que se informar acerca do sistema penitenciário
norte-americano, o interesse era ver, in loco, como se desenrolavam, nos
Estados Unidos, os ideais de igualdade e de liberdade, como, na prática, essa questão estava sendo trabalhada pelos norte-americanos. Em
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Tocqueville (2001), evidencia-se também a pequena comunidade política,
uma vez que nela é possível proporcionar a solidariedade tão necessária
para incentivar a prática da virtude cívica e a preservação da liberdade.
Algumas dessas questões foram vistas por Tavares Bastos (1975)
e permitiram que ele elaborasse uma compreensão acerca da realidade
brasileira. O entendimento do deputado alagoano revelou-se indispensável para o que ele formulou sobre o papel das províncias no âmbito
da organização política, administrativa e social do Brasil do século XIX.
Assim, questões como: a descentralização administrativa, o papel das
leis para o funcionamento das instituições e a importância da escola na
discussão dos costumes e hábitos, assim como na formação do “caráter
nacional” da população, foram aspectos privilegiados por Tavares Bastos
(1975) como foram para Tocqueville (2001).
A escola como um ambiente para a formação da
unidade e identidade nacional
Tavares Bastos (1976a) havia compreendido que a degeneração moral
do país era um problema a ser solucionado e que a escola poderia exercer
um papel fundamental para isso. Nesse sentido, entendia que a instituição
escolar seria uma fonte na qual a criança e o jovem poderiam beber as
informações que propiciariam a formação moral, intelectual e política,
necessárias para um cidadão realizar os próprios projetos e atender as necessidades da sociedade brasileira na busca do caminho para a civilização.
O autor/parlamentar havia percebido que o Brasil tinha herdado
alguns problemas provenientes do atraso motivado pela colonização
portuguesa. Ressaltava que a metrópole passara por uma espécie de
“desfalecimento silencioso” que lhe motivara a ganância pelo ouro.
Entretanto, à imagem da exploração material somava-se a do estímulo à
degeneração moral. O fato de ser uma sociedade marcada pela indolência,
ignorância e servilismo havia transformado “a independência pessoal em
crime de lesa-majestade”, afirma Tavares Bastos (1976a, p. 31) em Os
males do presente e as esperanças do futuro.
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Segundo ele, a escravidão estava inserida nesse quadro de exploração e degeneração. A escravidão do indígena e do negro, além de alterar
completamente a ordem natural do trabalho, promovia a degeneração
moral com tal profundidade que entendia ser a “maior corrupção dos
costumes” (Tavares Bastos, 1976a, p. 31) em uma sociedade em formação, como era o caso da brasileira. Por isso, era preciso tratar urgentemente da inserção do Brasil na órbita das civilizações que primavam
pela valorização da igualdade, do progresso e nas quais a liberdade era
um princípio valioso.
Desse modo, Tavares Bastos (1976a) chamava a atenção dos seus
pares ao argumentar em favor da liberdade que deveria prevalecer nas
instituições brasileiras. E o modelo de liberdade que ele considerava
essencial para que o Brasil tomasse como referente era o dos Estados
Unidos da América. “O exemplo dos Estados Unidos caracteriza bem
o nosso pensamento. Sim, não conhecíamos o espírito público, nem a
liberdade do indivíduo, ao começar este século” (Tavares Bastos, 1976a,
p. 32). Com, isso, o autor indicava o lugar para onde se devia olhar e
pensar nas transformações que poderiam ser operadas no Brasil.
Era preciso superar a herança e modificar a sociedade brasileira. Era
preciso formar homens modernos, com consciência pública, espírito de
iniciativa e liberdade individual. Carecia, pois, suplantar aquela mentalidade nefasta, atrasada que havia produzido homens dependentes, servis
e sem a necessária compreensão do que era a coisa pública e como o
país poderia alcançar outro patamar. Ou seja, esse país, segundo Tavares
Bastos (1938), precisava de homens que tivessem cultura cívica.
Para ele, os Estados Unidos da América representavam o ideal da
cultura cívica e era o mais eloqüente exemplo de sociedade em que essa
cultura tinha raízes bastante profundas e estava entranhada na alma do
povo. Assim, para pensar a reforma moral a ser instituída no Brasil,
Tavares Bastos (1938) considerou a necessidade de formar a criança e
o jovem em uma cultura moral e cívica, tal qual acontecia na sociedade
norte-americana, que chamou a atenção de Tocqueville (2001).
Mas, para que isso se realizasse, o deputado alagoano percebeu que
era necessário que a instrução pública fosse disseminada em todo o território nacional. Cuidar dos interesses do povo, acabar com a “mesquinhez
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da instrução” e retirar os projetos enterrados na burocracia estatal, acabar
com os “tristes hábitos e os expedientes da inércia [...], fundando, por
toda a parte, escolas, preparando, em suma, o caminho da liberdade, a
exaltação da democracia” (Tavares Bastos, 1975, p. 201). Essa era uma
tarefa a ser realizada, segundo esse autor, pelo governo central.
Contudo, o autor tinha convicção e já havia expressado, em diversas oportunidades, o quanto considerava antiquado o funcionamento
da máquina estatal, em que pese não fosse contrário ao regime político
implantado no Brasil – a monarquia, embora não concordasse com a
forma como o estado funcionava. A estrutura burocrática e centralizada
consistia em um dos maiores elos da tradição funesta presente na mecânica do Estado brasileiro. E, por isso, era uma barreira na articulação do
povo-nação. Nessa direção, a perspectiva de transformação era possível
por meio da educação pública generalizada e implantação de escolas
técnicas e agrícolas, respeitando, assim, as diferenças regionais. Essa
medida poderia configurar uma das possibilidades de instituição de laços e vínculos de identidade nacional, proporcionando unidade moral,
a essência de uma nação.
Contudo, identifica-se, na visão de Tavares Bastos (1975), um fator
de impedimento da realização da escola pública, que advinha da natureza
do Estado brasileiro e manifestava-se na excessiva centralização políticoadministrativa, que se configurava como sendo um dos maiores entraves
para a conformação da escola pública. Contrário a essa situação, Tavares
Bastos (1975) defendia a reorganização político-institucional do Estado,
como um ponto de apoio;
Quanto a nós, não há outro; é a autonomia da província. Votai uma lei
eleitoral aperfeiçoada, suprimi o recrutamento, a guarda nacional, a polícia
despótica, restabelecei a independência da magistratura, restaurai as bases do
código do processo ou aboli o poder moderador; - muito tereis feito, muitíssimo, pela liberdade do povo e pela honra da nossa pátria: mas não tereis ainda
resolvido este problema capital, ecúleo de quase todos os povos modernos:
limitar o poder executivo central às altas funções políticas somente [Tavares
Bastos, 1975, p. 29].
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Percebe-se, por essa afirmação, que o autor, embora defendesse a
efetivação de outras reformas e as considerasse necessárias, destacava o
reordenamento político-institucional, assentado no princípio federativo,
que dava a conotação de reforma indispensável na sua consideração.
Nesse sentido, pode-se afirmar que o modelo de centralização política e
administrativa aplicado pelo Estado brasileiro foi analisado, por Tavares
Bastos (1975), com base nas críticas e à luz das idéias defendidas por
Tocqueville (2001) acerca das instituições norte-americanas.
O autor francês, ao trabalhar numa perspectiva comparativa entre os
diferentes modelos, evidenciava as características da democracia francesa
em relação à das democracias americana e inglesa. E Tavares Bastos
(1975), por sua vez, analisava a centralização política e administrativa
do Brasil, no Segundo Império, com o olhar voltado para os Estados
Unidos da América.
Tavares Bastos já havia compreendido a dimensão das idéias defendidas por Tocqueville (2001) para discutir a questão da centralização
versus descentralização, afirmando, com clareza, em 1862:
Ninguém pretende certamente repudiar a centralização governamental
ou política, segundo a diferença introduzida pelo autor de A democracia na
América. Mas é impossível não combater a centralização administrativa. Ela,
com efeito, compreende assunto mais vasto, do que geralmente se costuma
ligar à palavra [Tavares Bastos, 1938, p. 44].
Tavares Bastos (1938), ao referir-se à “diferença introduzida
pelo autor...”, certamente estava alertado pelo argumento do pensador
francês, quando esse trata “Dos efeitos políticos da descentralização
administrativa nos Estados Unidos” (no capítulo V do primeiro tomo).
Nesse capítulo, Tocqueville (2001) alertava que a centralização era uma
palavra muito utilizada, naquele momento, mas com sentido impreciso.
Isso justifica por que considerou necessário esclarecer seu entendimento
acerca do conceito.
O pensador francês acreditava que uma das centralizações era necessária para a prosperidade da nação: “quanto a mim não conseguiria
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conceber que uma nação seja capaz de viver nem, sobretudo, de prosperar
sem uma forte centralização governamental” (Tocqueville, 2001, p. 99),
embora não atribuísse importância ao outro tipo de centralização – a administrativa, por defender que promovia o enfraquecimento dos povos,
diminuía o espírito de cidadania e era nociva à reprodução das forças.
Defendia que a centralização administrativa poderia até contribuir para
a grandeza breve de um indivíduo, mas não para a prosperidade permanente de um povo.
No que se refere ao uso da descentralização administrativa e à centralização governamental, Tocqueville (2001) exemplifica, mostrando o
modelo norte-americano:
Vimos que nos Estados Unidos não existia centralização administrativa. Lá
mal encontramos o indício de uma hierarquia. A descentralização foi levada a
um grau que nenhuma nação européia seria capaz de suportar, penso eu, sem
profundo mal-estar, e que inclusive produz efeitos importunos na América.
Mas, nos Estados Unidos, a centralização governamental existe em alto grau.
Seria fácil provar que a potência nacional está mais concentrada aí do que em
qualquer das antigas monarquias da Europa [Tocqueville, 2001, p. 100].
Verifica-se que, ao tratar da centralização governamental, Tocqueville
(2001) explica com os Estados Unidos, onde, em cada Estado, existia
apenas um corpo que elaborava as leis, apenas um corpo era capaz de
criar vida política em torno de si, evitando, dessa forma, a reunião de
numerosas assembléias de distritos ou condados, para que essas não
caíssem na tentação de extrapolar as suas funções administrativas e
obstruíssem a ação do governo. A legislatura de cada Estado não tinha,
segundo Tocqueville (2001), privilégios, imunidade local, nem influência pessoal. Ao seu lado e sob sua mão estava o representante do poder
executivo que, apoiado pela força material, tinha a obrigação de fazer a
lei ser cumprida pelos desobedientes.
O escritor francês avalia que era por meio das esferas da ação social
que o cidadão norte-americano poderia exercer a cidadania e aprender a
arte da política. Compreendia o papel relevante das instituições da esfera
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social, comparando com as condições que viu na França, de sua época.
Lá, as instituições intermediárias haviam sido destruídas pela sanha da
revolução francesa.
Já segundo Tavares Bastos (1938), o momento mais importante para
o projeto da descentralização havia sido, no Brasil, o ato adicional, assinado em 10 de agosto de 1834, por ele denominado, na quarta carta, de
“bula de ouro”. O ato adicional poderia ser interpretado como o momento
das conquistas democráticas, que vinham sendo preparadas, desde 1832,
pela geração que havia efetuado a independência e tentado operacionalizar a descentralização do poder. Portanto, era contrário aos que tinham
considerado a descentralização, um “pensamento desconexo e isolado
na história do nosso desenvolvimento político” (Tavares Bastos, 1975, p.
63). Para ele, a lei, inspirada pela democracia, tinha abolido o Conselho
de Estado, decretado uma regência nomeada pelo povo, propiciando à
sociedade brasileira o ensaio do governo eletivo durante algum tempo,
além de ter criado o poder legislativo provincial. Esse, porém, tornouse limitado, porque estava preso às mãos do Poder Executivo, já que os
presidentes de províncias continuavam nomeados pelo imperador.
Na quarta carta, Tavares Bastos (1938), objetivando esclarecer os
danos causados pela centralização no âmbito das províncias, dedica-se
a mostrar também o quanto era importante o desenvolvimento não só
material, mas também moral das unidades administrativas. No entendimento dele, o poder transformador do ato adicional era muito importante
e, se pensado a partir das necessidades do povo brasileiro, poderia ser
extremamente benéfico se colocado em prática. Mas, no que se refere à
autonomia das províncias, ele constata o quanto elas puderam usufruir:
Percorremos os atos legislativos de algumas das maiores províncias no
período de 1835 a 1840. Encontramos leis organizando as novas repartições,
erigindo cadeias, fundando templos, abrindo escolas, construindo estradas e
melhorando rios [...] Tinham as províncias iniciativas para abrir o caminho
ao progresso; de si mesmas dependia o seu porvir: não ficariam a desfalecer
aguardando o ilusório impulso do governo central [Tavares Bastos, 1975,
p. 67].
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O ato adicional teria sido positivo, também, em termos educacionais, pois havia descentralizado a educação primária e secundária,
deixando a sua gerência a cargo das províncias, à exceção do Colégio
dom Pedro II, que continuava sob a autonomia da Corte. Era esse
colégio que deveria servir de parâmetro para todos os demais do país
dedicados ao ensino secundário. Entretanto, o ensino ministrado no
Colégio dom Pedro II foi, portanto, durante todo o Império um padrão
ideal. O padrão real foi fornecido pelos preparatórios e exames parcelados (Haidar, 1972).
Na análise de Tavares Bastos (1975), o ato adicional, ao permitir
que as assembléias provinciais criassem novas escolas elementares,
secundárias e superiores, favorecia a possibilidade de colocar o Império
brasileiro ao lado das nações civilizadas e modernas. No entanto, o que se
verificou foi uma partilha das atribuições entre a Assembléia Legislativa
Geral e as Assembléias Legislativas das Províncias. Estas ficaram com
a educação primária e o curso de formação de professores, cabendo o
controle tanto do ensino superior quanto das aulas do Colégio dom Pedro
II à Assembléia Geral e aos ministros do Império.
Ao analisar as dificuldades criadas pelos presidentes de província,
Tavares Bastos (1975) percebe que muitas das medidas adotadas por
eles eram norteadas muito mais pela preocupação política do que pela
intenção de bem servir aos interesses das províncias. Nesse sentido, o
deputado era um crítico da incapacidade, do despreparo e da instabilidade
dos presidentes de província – chamados por ele de delegados do poder
central. Por esse motivo, o parlamentar alagoano era defensor da eletividade dos presidentes de província, tendo apontado, em seus escritos,
as mazelas oriundas das nomeações efetuadas pelo governo central. A
afirmação que segue é elucidativa no que concerne a esse aspecto:
inábeis e fúteis são tantos dos presidentes nomeados pelo governo imperial que, sem hipérbole, poder-se-ia dizer que o povo, inda que quisesse,
não elegeria piores. Alguns conhecemos literalmente ignorantes de qualquer
ciência ou arte; outros que nem aprenderam a gramática; muitos que não
brilhavam por seus costumes privados... Não; piores não pode haver que os
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governadores daqui enviados a perverter, atrasar, endividar e desgovernar as
províncias [Tavares Bastos, 1975, p. 92].
Por isso, ele defendia que, se eleito, o presidente de província
exerceria suas funções dentro de um mandato de quatro anos, “como
em grande número dos Estados Unidos” (Tavares Bastos, 1975, p. 90).
Com isso, acabaria a instabilidade deplorável que reinava nas províncias
brasileiras.
Na república norte-americana, os governadores, secretários e altos funcionários que o presidente nomeia para os territórios, servem quatro anos,
com quanto possam ser exonerados antes. Nos estados constituídos, todos os
altos funcionários têm um período fixo, exceto se destituídos em virtude de
processo. Imagina-se a segurança que daí resulta para a marcha administrativa,
e sua benéfica influência na promoção de melhoramentos públicos [Tavares
Bastos, 1975, p. 90].
Para o autor, enquanto nos Estados Unidos a marcha administrativa
funcionava de modo que respeitasse o direito do contribuinte que mantinha aquela estrutura, no Brasil, a imobilidade emperrava o funcionamento
da máquina administrativa e a vida do cidadão. A estrutura administrativa
tornava o funcionário perpétuo, em que pese possa ser registrado um
“troca-troca” de presidentes, chefes de polícia e outros empregados.
Esses fatos não se verificavam somente pela inconstância política, que
não cessava de nomear e demitir ministérios, mas considerava que a
instabilidade era, às vezes, conveniência política “para o poder e alívio
do povo, quando ambos libertam-se de administradores cuja conservação
fora insuportável ou perigosa” (Tavares Bastos, 1975, p. 91), sendo, por
vezes, vista como um mal necessário.
Mesmo assim, o autor não perdia de vista os “sacrifícios” impostos
pela “organização viciosa” que, repetidas vezes, promovia lamentações
na imprensa e na tribuna parlamentar. Nesse sentido, afirmava a necessidade que tinham as províncias de um impulso eficaz para executarem
melhorias reais e acabar com os comprometimentos e a fraseologia oficial
que consumiam o tempo e a paciência do povo, para quem faltam
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a instrução primária, professores idôneos, casas, livros de escola, e não
existe a secundária quase em parte alguma, não obstante assinalar-se cada
presidência por um novo regulamento para as escolas públicas; que, finalmente, em ofícios, intrigas eleitorais e viagens de recreio passam esses breves
governos de uma estação. O lugar comum é aqui a viva expressão da realidade
[Tavares Bastos, 1975, p. 91].
Tavares Bastos (1975) entendia que o poder arbitrário do governo
era uma das fontes da opressão e da decadência moral do povo brasileiro.
Por isso, defendia a necessidade de promover a recuperação moral do
povo. Essa recuperação, segundo ele, seria possível pela aquisição de
conhecimento, que propiciaria novos costumes, novos hábitos, além da
formação cívica. A união desses fatores constituiria o “caráter nacional”
da população. A fim de que isso fosse efetivado, a instrução pública
deveria ser promovida pelos poderes municipais e, principalmente,
provinciais.
A deflagração do processo reformista e de expansão do sistema
de ensino não poderia, durante a fase inicial – “período dos primeiros
ensaios” –, prescindir do auxílio do poder central “ao menos em favor
das menores províncias” (Tavares Bastos, 1975, p. 158).
Defendia que a educação no país precisava ser reformada, em decorrência de uma série de problemas, a exemplo da insuficiência do número
de escolas, da falta de preparo pedagógico dos professores, das verbas
limitadas para o funcionamento adequado das escolas, das sinecuras nas
nomeações de professores e administradores escolares, da inadequação
dos programas de ensino, da necessidade de escolas técnicas etc.
A preocupação de dar conta desses problemas decorre do fato que
carecia alimentar não somente os corpos dos homens, mulheres e crianças
do interior e das cidades, mas o espírito, por meio do “derramamento
da instrução elementar e dos conhecimentos úteis”, pois esses eram as
marcas da “medida de progresso de um povo”, que o retiraria da decadência moral a que estava submetido, e porque difundiriam princípios
de civilização (Tavares Bastos, 1938, pp. 58-73).
Esses fatos e essas idéias levaram o parlamentar a questionar as
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medidas adotadas pelos presidentes de províncias no país. Ele achava
que havia uma certa inércia por parte desses representantes do governo
central que, erradamente, escolhia pessoas para governar as províncias
obedecendo às regras da amizade ou as preferências partidárias. Essas
atitudes do governo de Pedro II acabavam promovendo um descompromisso do governante em relação à coisa pública. Por isso, Tavares Bastos
(1938) defendia a eletividade dos presidentes de província, assim como
uma reforma no âmbito educacional.
Entre as medidas sugeridas por Tavares Bastos (1938), para reparar imediatamente alguns dos problemas já citados, estavam: reduzir o
número de cadeiras, remunerar bem o professorado, destituir os mestres
que fossem considerados inábeis para o exercício do magistério, contratar
professores nacionais ou estrangeiros para enriquecer o quadro de educadores, já que eles trariam conhecimentos e experiências indispensáveis
para o fortalecimento moral das crianças, contribuiria na formação de
novos costumes e hábitos, além de sedimentar o “espírito cívico” na
estruturação do “caráter nacional” da população brasileira.
A idéia do progresso, assim como a de colocar o país no patamar
das nações mais civilizadas, aparece de forma latente em textos do
parlamentar alagoano que, freqüentemente, recorre ao modelo norteamericano para apontar o caminho no qual o Brasil deveria se espelhar
(Tavares Bastos, 1938, 1975, 1976b). Ao tratar da estrutura das escolas
brasileiras, ele observava que os norte-americanos poderiam ensinar a
modificar os prédios das Escolas Normais, caso fosse dedicada atenção
à school-house. Para Tavares Bastos (1938), cabia ao governo brasileiro
aparelhar e estruturar, de modo adequado, as Escolas Normais do país,
pois nelas seriam formados os futuros profissionais do magistério:
um pequeno edifício circular, acomodado as leis da acústica, em anfiteatro e com os repartimentos necessário; essas escolas normais seriam a fonte
abundante de onde sairiam meninos bem educados e ilustrados, que, dentro
de pouco tempo, se derramariam pelos campos e pelo interior, facilitando a
seus habitantes a aquisição de bons professores. É este o sistema adotado
nos estados da União Americana. O que atualmente praticamos é, como tudo
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entre nós, uma simples aparência para iludir os olhos do povo. Desde que essa
idéia entrasse nos planos administrativos dos governos, preocupados, aliás,
com os meios de corromper as câmaras e de ganhar eleições; desde que ele
a recomendasse eficazmente a seus delegados, operar-se-ia no Brasil a mais
salutar das revoluções [Tavares Bastos, 1938, pp. 64-65].
Constata-se que a educação, para Tavares Bastos (1938), era tão
relevante quanto o desenvolvimento industrial ou os avanços da agricultura para avaliar o progresso de um país. Na verdade, entendia que
uma profunda transformação poderia ser operada no seio da sociedade
brasileira. Uma “revolução” pacífica, que atingiria diversos setores sociais e proporcionaria um aumento de consciência e elevação moral. A
revolução possibilitaria a formação de uma gente mais preparada não
somente para as tarefas materiais, mas para a compreensão do papel de
cidadão que teria o direito de exercer.
Por isso, a busca do aperfeiçoamento deveria ter espaço reservado
dentro das escolas brasileiras, as quais, segundo Tavares Bastos (1938),
careciam de um programa de estudos moderno e afinado com os interesses
do momento, afinado com as idéias que valorizassem as disciplinas de
cunho científico. Criticava o ensino daquelas que considerava pouco úteis
aos jovens estudantes, por serem mais voltadas à formação humanística
e trazerem poucos resultados práticos.
Nos textos que publicou, ele evidencia o interesse pelos problemas
que afetavam a instrução primária, questionando o sentido da aplicação
cotidiana dos conhecimentos lá obtidos, ao dizer da necessidade de uma
instrução voltada para o conhecimento científico e prático, ao passo que
avaliava ser o ensino nas províncias bastante onerado por aulas dispensáveis: de latim, retórica e poética (Tavares Bastos, 1938).
Percebe-se que, nesse aspecto, o autor diferenciava-se de Tocqueville
(2001), uma vez que este defendia o estudo da literatura grega e latina
nas escolas, porque as considerava importantes para melhorar o conhecimento das sociedades democráticas. Ele entendia que não havia uma
literatura que desse destaque mais ao estudo das democracias do que a da
Antigüidade. Ao tempo que fazia essa análise, compreendia também que
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“um estudo pode ser útil à literatura de um povo e não ser apropriado as
suas necessidades sociais e políticas” (Tocqueville, 2001, p. 72), dado que
o interesse dos indivíduos, nas sociedades democráticas, assim como a
segurança do Estado, exige que a educação da maioria da população tenha
um caráter menos literário e mais científico, comercial e industrial.
Desse modo, apesar de defendê-lo, via com restrições o ensino da
literatura grega e latina, em razão da forma como essas disciplinas eram
ministradas, sendo as universidades, segundo Tocqueville (2001), o lugar
mais apropriado para o ensino da literatura antiga, em contraposição ao
colégio. Nas palavras do autor francês,
o grego e o latim não devem ser ensinados em todas as escolas; mas é
importante que aqueles cuja natureza ou fortuna destina a cultivar as letras
ou predispõe a apreciá-las encontrem escolas em que possam se apossar
perfeitamente da literatura antiga e fazer-se impregnar inteiramente por seu
espírito. Algumas universidades excelentes valeriam mais para atingir essa
meta, do que uma multidão de maus colégios, em que estudos supérfluos mal
feitos impedem fazer estudos necessários [Tocqueville, 2001, pp. 72-73].
Na obra A província, Tavares Bastos (1975) retoma a discussão
acerca do estudo das línguas mortas. Continua afirmando que as duas
línguas (grego e latim) não deveriam ser ensinadas nas escolas públicas
e recorre à necessidade de tornar o ensino livre, para argumentar que não
faltariam colégios particulares, onde as classes abastadas pudessem mandar “educar e aperfeiçoar seus filhos no gosto da Antigüidade” (Tavares
Bastos, 1975, p. 157). Porém, assim como Tocqueville (2001), criticava
a forma como eram ministradas as aulas sobre as línguas mortas.
Tavares Bastos (1938) não colocava o estudo do latim e do grego
na ordem do dia, pois, por compreender o quadro das necessidades brasileiras, percebia que, antes de fazer investimentos para promover uma
instrução “desinteressada”, era preciso contemplar as prioridades. No
entanto, defendia que a liberdade de ensino das línguas clássicas propiciaria às classes abastadas a possibilidade de aperfeiçoar seus filhos no
“gosto da Antigüidade”, para o que haveria as escolas particulares.
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O que é possível apreender é que tanto Tocqueville (2001) quanto
Tavares Bastos (1975) compreendiam a importância do uso do latim para
aprofundar o conhecimento acerca da Antigüidade. Entretanto, percebiam
que as exigências do cotidiano moderno, mais direcionadas para setor
da produção material, tinham modificado os requisitos das exigências
para o homem que iria atuar em determinados setores que, como afirma
Tocqueville (2001, p. 72), exigia “que a educação da maioria da população
[tivesse] um caráter menos literário e mais científico, comercial e industrial”. Algo semelhante havia defendido Tavares Bastos (1938, p. 63), ao
sugerir a “aquisição de conhecimentos úteis” na instrução primária, assim
como as ciências positivas, física, mecânica, as matemáticas e a economia
política, por entender que essas eram as disciplinas fundamentais para a
formação de uma sociedade civilizada e amante do progresso.
O foco deveria recair sobre a necessidade de promover, no país,
a reforma que instauraria novo reordenamento político-institucional,
assentado no princípio federativo. Constituída a federação, a realização do poder provincial derivaria de uma reforma institucional, com
a distribuição do poder pelas várias unidades do país: as províncias.
Desse modo, o poder local teria como missão cívica instituir a reforma
educacional que proveria o espírito cívico e a unidade nacional e, assim,
realizar-se-ia na prática a verdadeira “escola de liberdade”, como aponta
Tocqueville (2001).
Na concepção de Tocqueville (2001), essa “escola de liberdade”
institui-se a partir da realização da vontade, do interesse e da virtude
cívica do homem, quando opta pela participação política no âmbito do
poder local, a comuna. Ela representa o “foco de febril atividade social
e de sadia emulação” (Rodriguez, 1998, p. 99), pois é nela que se realiza
a competição sadia das idéias, das discussões acerca das decisões que
dizem respeito a todo e qualquer cidadão a ela pertencente.
Tocqueville (2001) destaca que o papel das instituições políticas locais
é o de fazer com que o cidadão aprenda a utilizar correta e responsavelmente
o direito à liberdade, para o que era importante que o cidadão percebesse as
vantagens que poderiam advir do uso responsável da liberdade. Mas, mais
que isso, caberia plantar, no cidadão, o amor à liberdade, que se efetivaria
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ao praticá-la e, para Tocqueville (2001), só a prática da liberdade poderia
desenvolver o gosto pelo debate e pela ação política e ver a liberdade de
ação como um valor possível de ser alcançado.
Contudo, mais do que fortalecer a democracia da comuna, o que
Tocqueville (2001) via era a possibilidade de formação e de amadurecimento do corpo eleitoral, instrumento indispensável para que a democracia se consolidasse no âmbito nacional. Isso representa, segundo o
autor, renunciar ao hábito de dirigir por si mesmo e habilmente escolher
aqueles que o devem conduzir.
A capacidade do exercício da cidadania do brasileiro não foi
marginalizada por Tavares Bastos (1975), pois, por meio das reformas
constitucionais, defende a presença de instituições capazes de garantir
os direitos do cidadão, visando entre outras salvaguardas à livre manifestação política.
No entanto, a expressão da liberdade dependia, segundo o autor
alagoano, da capacidade que o brasileiro teria de escolher os seus representantes. E, nesse sentido, a consolidação de um sistema político
pautado na liberdade dependeria, na sua base, da capacidade de escolha
manifestada pela população.
Assim, à escola caberia parte da responsabilidade na formação desse
cidadão habilitado para o exercício da política. Outra contribuição poderia
ser obtida na própria participação do cidadão em instituições como a imprensa, reuniões ou associações de qualquer natureza, ou no parlamento. Mas,
o ponto de destaque do cidadão seria a liberdade de opinião e a capacidade
de aprender com a experiência obtida no exercício da cidadania. A prática
constante desse exercício daria a formação e a unidade que o brasileiro
carecia, no sentido de construir a unidade e a identidade nacional.
A educação como meio de integração do imigrante
na sociedade brasileira
Assim, o europeu deixa sua casinha para ir habitar nas orlas transatlânticas, e o americano que nasceu nessas mesmas costas penetra por sua vez nas
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solidões do centro americano. Esse duplo movimento de imigração não pára
nunca: começa no fundo da Europa, continua no grande oceano, prossegue
através das solidões no novo mundo [Tocqueville, 1938, p. 330].
Assim como Tocqueville (1938), que percebeu no imigrante um
instrumento de ordem e prosperidade e que poderia estar no amálgama
da sociedade norte-americana, compondo um sentimento de coesão e
de marcha para fortuna material e espiritual, Tavares Bastos (1976b) via
na imigração um instrumento de grande relevância para a construção
da nova civilização política brasileira. Assim como as transformações
materiais que planejava ver realizadas, com a finalidade de ver o país
transpor as barreiras do atraso e se inserir na “órbita da civilização”, a
presença do imigrante estrangeiro era apontada pelo deputado como um
dos elementos que comporiam o leque das reformas que deveriam ser
colocadas em prática na segunda metade do século XIX.
Constata-se que, segundo Tavares Bastos (1938), a cultura norteamericana, e, especialmente, a educação norte-americana, era de fundamental importância para pensar os caminhos que poderiam ser tomados
pela educação pública para organizar e delimitar a função do aluno,
fosse ele criança ou jovem, no conjunto das mudanças que deveriam ser
adotadas, assim como o papel do professor e a organização que seria
imposta, caso o modelo norte-americano fosse institucionalizado.
Uma das soluções apresentadas pelo parlamentar alagoano, para
fazer com que o Brasil se aproximasse cada vez mais dos princípios
culturais norte-americanos, e o meio de viabilizá-la, era abrir as portas
do país para os imigrantes. Esse fato consubstanciar-se-ia com a elaboração de leis que permitissem a emigração e a fixação dos estrangeiros
em terras brasileiras.
Além dessa medida, outro meio de promover a aproximação entre
brasileiros e os norte-americanos seria facilitando as comunicações entre
uns e outros. Essa foi uma das razões que justificou a defesa de Tavares
Bastos (1938) à abertura do Rio Amazonas para o estrangeiro. Essas
medidas trariam modificações profundas para a sociedade brasileira,
pois, segundo o parlamentar alagoano, era “preciso mudar de hábitos,
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[era] preciso pôr outra alma no corpo brasileiro” (Tavares Bastos, 1938,
p. 414).
Verifica-se que o contato do Brasil com os povos norte-americanos,
germânicos, ingleses e irlandeses enriqueceria, segundo Tavares Bastos
(1938), moralmente o brasileiro, não somente pelo acesso a outros hábitos e costumes, mas também porque outras leis seriam promulgadas a
fim de propiciar a “mais plena liberdade religiosa e industrial” (Tavares
Bastos, 1938, pp. 414-415).
Certamente, pode-se afirmar que a leitura da obra de Tocqueville
(2001) contribuiu bastante para a defesa apresentada por Tavares Bastos
(1938) acerca da moralização dos costumes e da sua institucionalização
pelas leis elaboradas no país, uma vez que esses dois pontos haviam
sido apontados pelo autor francês como fundamentais na construção da
sociedade e da democracia americana. Quanto aos costumes, entendia
Tocqueville (2001, p. 338), como “todo o estado moral e intelectual
de um povo”, ao tempo em que considerava “uma das grandes causas
gerais a que se [podia] atribuir a manutenção da república democrática
nos Estados Unidos”.
Observa-se que, para Tocqueville (2001), a educação pública teve
um papel destacado para a consolidação da democracia na formação da
sociedade norte-americana. Essa avaliação pode ser claramente percebida nas próprias palavras do autor; “mas é pelas prescrições relativas
à educação pública que, desde o princípio, vemos revelar-se com toda
a sua clareza o caráter original da civilização americana” (Tocqueville,
2001, p. 49).
Como foi a Nova Inglaterra, a comuna, que o autor francês utilizou
como o modelo nos dois tomos de A democracia na América, ele informa que, desde 1650, essa comuna estava completa e definitivamente
constituída e foi dessa unidade que destacou um decreto, que trazia, em
seu preâmbulo, uma observação às leis divinas, mostrando que estas (a
religião) conduziriam o homem para o caminho da liberdade.
Tocqueville (2001) explica que, a partir dessa prescrição legal e
geral, disposições orientaram a sociedade americana no sentido de criar
escolas em todas as comunas, obrigando os habitantes, sob fortes penas
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de multas, a pagá-las para que fossem sustentadas. Na interpretação
da lei, percebe-se que a ignorância foi vista como uma arma poderosa
do demônio e, por isso, era necessário que as luzes, os conhecimentos
trazidos pelos imigrantes, não ficassem sepultadas juntamente com o pó
dos ancestrais dos norte-americanos. Portanto, guiados pela luz divina
e com a “assistência do Senhor” (Tocqueville, 2001, p. 50), a lei, que
estabelecia a criação de escolas, deveria ser mantida pela população.
As escolas superiores obedeceriam aos mesmos critérios para a sua
manutenção e seriam criadas nos distritos mais populosos. Cabia aos
magistrados municipais o dever de zelar para que os pais mandassem
os seus filhos para a escola, com o direito de atribuir multas contra os
que se recusassem. E, se a resistência dos pais continuasse, a sociedade
ficaria no lugar da família, apossando-se dos seus filhos, retirando dos
pais “os direitos que a natureza lhes dera, mas que sabiam utilizar tão
mal” (Tocqueville, 2001, p. 50).
Percebe-se que Tocqueville (2001, p. 50) chama atenção para o
preâmbulo do decreto, anteriormente citado, para destacar que “é a
religião que leva as luzes; é a observância das leis divinas que conduz o
homem à liberdade” na sociedade norte-americana do século XVII. Em
contrapartida, ele, examinando o funcionamento da realeza européia,
espantava-se ao dar-se conta de que ela havia desconhecido ou marginalizado princípios que conhecidos pela nobreza; a exemplo das idéias
dos direitos, vida política e noções de verdadeira liberdade. Ao passo
que os norte-americanos haviam percebido e estimulavam a ampliação
dessas idéias.
No seio dessa Europa brilhante e literária, nunca talvez a idéia dos direitos
havia sido mais completamente ignorada; nunca os povos haviam vivido menos
da vida política; nunca as noções da verdadeira liberdade haviam preocupado
menos os espíritos; e era então que esses mesmos princípios, desconhecidos
das nações européias ou por elas menosprezados, eram proclamados nos
desertos do novo mundo e tornavam-se o símbolo futuro de um grande povo
[Tocqueville, 2001, p. 50].
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Constata-se que, enquanto nos Estados Unidos a religião e as leis
haviam contribuído para a disseminação da instrução e do conhecimento,
no Brasil, na segunda metade do século XIX, Tavares Bastos (1938) percebia a religião como um empecilho para o progresso da sociedade. Ao
tempo que lamentava o descuido dos administradores do país em relação
à educação do povo, também lamentava a ignorância e a degradação dos
costumes e apontava para o perigo do fanatismo religioso, como responsável por embaraçar o avanço da sociedade, presa às noções ultrapassadas
de uma religiosidade que desviava do caminho das esperanças das luzes
lançadas no século XVIII.
Tavares Bastos (1975) defendia que o aparato legal devolveria à
sociedade brasileira a liberdade que lhe era de direito. As críticas, que
fazia à lei que prescrevia a concessão de licença para reuniões públicas,
deviam-se ao fato de que “a mais alta manifestação da liberdade de
pensamento é a do ensino em conferências públicas, onde [sic] a palavra
inspirada atrai e subjuga o auditório, propagando-se com a rapidez da
eletricidade” (Tavares Bastos, 1975, p. 146).
Acredita-se que, por isso, ele tenha reivindicado a revogação dessa
lei, pois entendia que se contrapunha à liberdade fundamental, à expressão
livre do pensamento. E, ao analisar as medidas aplicadas por leis opressoras, Tavares Bastos (1975) conclui que, até 1850, não se conhecera,
no Brasil, tantos abusos, como o de inspiração européia, que permitiam
intervir no ensino privado, de modo que crescia, nas províncias, imposição
institucionalizada pelos presidentes que cerceavam esse tipo de ensino.
Contrário a essas ações, Tavares Bastos (1975, p. 148) prescrevia:
Seja livre o ensino: não há mais abominável forma de despotismo do
que o de governos nulos que, sem cooperarem seriamente para o progresso
das luzes, embaraçam os cidadãos que empreendem esta obra evangélica, e
ousam sujeitar ao anacrônico regime das liberdades e patentes a mais nobre
das artes, aquela que lavora com o espírito.
No entanto, foi para o ensino público que Tavares Bastos (1975)
dedicou maior interesse. Nesse sentido, uma das soluções apresentadas
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por ele, no tocante aos problemas do orçamento financeiro da instrução
pública, foi a criação da taxa escolar, que consistiria em uma contribuição
direta paga por cada habitante ou por cada família. Era preciso admitir,
segundo Tavares Bastos (1975), que não havia nenhum sistema de instrução eficaz sem que nele fosse gasto muito dinheiro. A taxa escolar,
pensada por Tavares Bastos (1975), seria composta por dupla imposição:
local e provincial.
A manutenção da escola pública brasileira se daria com a contribuição da população, sem isentar os poderes públicos de sua obrigação.
Ou seja, no elenco de questões vinculadas à escola, Tavares Bastos
(1975) primava pela defesa de pontos que considerava indispensáveis ao
desenvolvimento da instrução pública: a criação da taxa escolar, descentralização administrativa, ensino livre, liberdade de culto, valorização do
ensino agrícola, regulamentação da profissão do professor, escola mista,
revisão do conteúdo curricular, educação dos africanos, defesa da escola
privada e do ensino público e obrigatório onde existisse escola, considerando desumano os pais retirarem dos filhos o direito de freqüentar a
escola. Defendia, com muita firmeza, assim como Tocqueville (2001)
viu acontecer nos Estados Unidos, a necessidade de coagir os pais ou
tutores que se comportassem de forma negligente, por meio de penas,
sobretudo, àqueles “obstinados em afastar os filhos e pupilos dos templos
da infância” (Tavares Bastos, 1975, p. 150).
Cabe considerar que, para Tavares Bastos (1938, 1975), realizar essas
modificações era necessário para colocar o Brasil nos trilhos do progresso, o que o levou a propor, por meio de escritos, reformas em diversos
campos da vida pública: livre-cambismo, reforma eleitoral, incentivo à
vinda de imigrantes para o Brasil, reforma educacional e federalismo.
Inspirado nas idéias defendidas por Tocqueville (2001), entendia ser
imprescindível o reordenamento, sobretudo administrativo nas províncias
brasileiras, de modo que facilitasse para a máquina gestora aumentar a
eficácia dos serviços que eram prestados pelo Estado.
No que se refere ao âmbito da política, Tavares Bastos (1975) defendia a descentralização política e entendia ser necessário resgatar o espírito
democrático que ele acreditava estar presente no ato adicional de 1834 e
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que havia sido apagado pelos conservadores na Lei de Interpretação do
Ato Adicional em 1840. Por Tavares Bastos (1975) compreender como
fundamental o papel que a instrução poderia exercer para os povos modernos, avaliava que a centralização havia sido um empecilho funesto
para a propagação de um bem indispensável: a educação. Esse era, para
ele, um instrumento capaz de moldar o “caráter nacional” e modificar
os costumes, os hábitos do povo brasileiro, afastando-o da ignorância e
fortalecendo o sentimento necessário de cidadania.
Percebe-se que Tocqueville (2001) havia entendido que não bastava ensinar a ler e a escrever para fazer, imediatamente, os homens
cidadãos, pois as verdadeiras luzes nasciam principalmente da experiência e, se os norte-americanos não tivessem sido habituados, pouco
a pouco, a se governar, os conhecimentos literários que possuíam não
lhes seriam, naquele momento, de grande auxílio para o êxito. Também
atribuía a manutenção das instituições democráticas nos Estados Unidos
da América às circunstâncias, às leis e aos costumes. Defendia que a
democracia lá se estabelecera em virtude do estado social democrático,
para o que as leis e os costumes dos anglo-americanos haviam sido a
razão da sua grandeza.
Nesse sentido, percebe-se que Tocqueville (2001) contribuiu na formação das idéias e propostas defendidas por Tavares Bastos (1975), no
que se refere ao reordenamento político administrativo, mas, sobretudo,
na valorização do aparato jurídico, que deveria amparar as instituições
do país, e, finalmente, na defesa do bem-estar social, da educação cívica
e da liberdade. Elementos que seriam conseguidos não somente por meio
da reforma político-administrativa, mas que deveriam somar-se à disseminação da instrução no Brasil, com vistas a propiciar a construção de
uma sociedade que usufruísse, como a norte-americana, dos benefícios
do direito à cidadania e que estivesse pronta para cumprir os seus deveres
como cidadã (Tavares Bastos, 1938, 1975).
Desse conjunto de elementos dependeria o bom ou mau funcionamento da escola brasileira, instituição que podia desempenhar um papel
relevante na difusão dos costumes e hábitos necessários para a formação
do “caráter nacional” do povo no país. Desse modo, a sociedade brasileira
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estaria preparada para agir por si e sobre si mesma e seria constituída por
uma população que pudesse participar da composição das leis por meio
da escolha de seus legisladores, do Poder Executivo, de forma que fosse
possível afirmar que era possível governar a si próprio. Assim, realizarse-ia a sociedade democrática vista por Tocqueville (2001).
Desse modo, a idéia de preparar uma sociedade, de acordo com o
programa político defendido por Tavares Bastos (1975) e adequado às
exigências dos partidos aos quais ele esteve ligado durante a sua trajetória, na qual homens livres e instruídos pudessem desempenhar com
competência e conhecimento os papéis que as exigências do mercado
lhes cobrassem, era primordial. Os panfletos lançados, entre os anos de
1861 a 1873, foram muito importantes no sentido de expressarem as
idéias de renovação e mudança defendidas pelo parlamentar alagoano,
ao perceber que o futuro da nação brasileira não deveria ser delineado
a partir dos valores absorvidos no processo de colonização portuguesa.
Assim, Tavares Bastos (1938) alertava um outro motivo de embaraço, a
manutenção do modelo francês, ao qual ele não se mostrava favorável,
embora ainda presente em alguns aspectos, porque era preciso olhar que
o progresso estava se realizando noutra direção.
Considerações finais
Portanto, com base na leitura de escritos de Tavares Bastos é possível
perceber que a obra de Tocqueville contribuiu para que o parlamentar
alagoano pensasse o Estado, a economia, a sociedade e a cultura dos
brasileiros. A partir dela, parecia entender, com maior clareza, o quanto
era necessário a organização de um Estado de direito democrático, que
abolisse as amarras que prendiam as relações comerciais entre o Brasil e
os outros povos, assim como era fundamental a preparação de um lastro
cultural que oferecesse à gente brasileira ferramentas mentais para construir uma nação mais moderna e plasmada nos valores de democracia e
racionalidade que amparavam a sociedade norte-americana.
Ou seja, o modelo cultural norte-americano passava a ser uma referência para o Brasil, a partir dos exemplos que apresentou por meio das
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Josefa Eliana SOUZA
escolas que instituiu. Pode-se dizer, com isso, que as escolas protestantes americanas, criadas inicialmente em São Paulo, foram as principais
responsáveis por trazer, para o país, o modelo norte-americano.
Observa-se que, nos Estados Unidos, ao mesmo tempo em que nascia
uma nova forma de produção, o novo trabalhador e uma indústria mais
moderna e mais atenta às necessidades do capital, formava-se um caldo
de cultura profundamente singular, já que se mantinham, em seu seio,
assimilações de outros padrões culturais que ali chegaram como parte
de iniciativas governamentais ou não e produziram um novo padrão de
organização, tanto da vida material quanto simbólica, objetiva e subjetiva:
o americanismo.
Portanto, para o deputado alagoano, era imprescindível ter conhecimento do que acontecia nos Estados Unidos da América, onde estava
se realizando uma transformação de tal monta que carecia ser examinada e aproveitada. Na concepção de Tavares Bastos, a solução passava
pela compreensão do modelo que podia ser traduzido no Brasil como o
ideal de mudança de uma sociedade que caminhava a largos passos em
direção ao crescimento, progresso e civilização. Era esse tipo de reflexão e de ação transformadora que modificaria a estrutura da sociedade
brasileira, favoreceria desenhar uma face mais moderna e mais afinada
com o ideal do país que deveria entrar na ordem das nações civilizadas.
Por isso, para Tavares Bastos a educação pública era indispensável nesta
transformação.
Referências bibliográficas
BARBU, Z. Apresentação. In: TOCQUEVILLE, A. O Antigo Regime e a Revolução.
Brasília: Editora Universidade de Brasília, 1982. [1856]
HAIDAR, M. de L. M. O ensino secundário no Império brasileiro. São Paulo:
Grijalbo/Ed. da Universidade de São Paulo, 1972.
RODRIGUEZ, R. V. A democracia liberal segundo Aléxis Tocqueville. São Paulo:
Mandarim, 1998.
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A contribuição de Aléxis de Tocqueville por meio da obra A democracia na América...
SOUZA, J. E. Uma compreensão a partir de referente norte-americano do “Programa de Instrução Pública” de Aureliano Cândido Tavares Bastos (1861-1873).
Tese (Doutorado em Educação) – Pontifícia Universidade Católica de São Paulo,
São Paulo, 2006.
TAVARES BASTOS, A. C. Cartas do solitário. São Paulo: Companhia Editora
Nacional, 1938. [1862] (Coleção Brasiliana.)
. A província. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1975.
[1870] (Coleção Brasiliana.)
. Os males do presente e as esperanças do futuro. São Paulo:
Companhia Editora Nacional, 1976a. [1861] (Coleção Brasiliana.)
. Memórias sobre a imigração. São Paulo: Companhia Editora
Nacional, 1976b. [1867] (Coleção Brasiliana.)
TOCQUEVILLE, A. de. A democracia na América. São Paulo: Martins, 2001.
[1835]
Endereço para correspondência:
Josefa Eliana Souza
Rua Matilde Silva Lima, 400 – Condomínio Costa Verde, bloco
Iguape, 201
Luzia – Aracaju-SE
CEP 49045-080
E-mail: [email protected]
Recebido em: 1 abr. 2007
Aprovado em: 8 abr. 2008
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Cristina ARAÚJO
A Reforma Antônio Carneiro Leão
no final dos anos de 1920
Cristina Araújo*
1
Resumo:
A Reforma Carneiro Leão da educação pernambucana,
promulgada pelo governador Estácio Coimbra, em 1928,
inscreve-se entre as ocorridas no Brasil, nos anos de 1920 e
1930, inspiradas na Escola Nova, respondendo a um clamor de
modernização do país. Impunha-se republicanizar a República,
mediante uma educação que atendesse às exigências de uma nova
sociedade industrial e urbana, evoluindo para uma democracia
social e econômica. Para Carneiro Leão, a educação tornaria o
povo brasileiro uma força criadora, neutralizando a carga nociva
e vergonhosa advinda de nossas raízes étnicas. Uma educação
cívica e profissionalizante minimizaria essa herança danosa.
A reforma, implantada por educadores paulistas, teve duração
efêmera em razão dos fatos de 1930 e da queda do Governo
Coimbra.
Palavras-chave:
educação; Pernambuco; Escola Nova; Reforma Carneiro Leão;
1920.
*
Mestre em educação.
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A Reforma Antônio Carneiro Leão no final dos anos de 1920
Antônio Carneiro Leão’s
Reform at the end of 1920’s
Cristina Araújo
Abstract:
Carneiro Leão’s Reform of the education in Pernambuco,
promulgated by the State Governor Estácio Coimbra, in 1928,
is among those taken place in Brazil, in the 1920s and 1930s,
which were inspired by Escola Nova (New School) Movement.
Such reforms were intended as an answer to the claims for the
Country’s modernization. It was a necessity to make the Republic
look like one, by means of an education that could meet the
demands of a new urban, industrial society, which was evolving
into a social economic democracy. According to Carneiro Leao,
education should turn the Brazilian people into a creative power,
neutralizing the damaging and embarrassing burden generated
from our ethnical roots. A professionalizing civic education
would diminish such damaging heritage. The reform, put into
practice by educators from São Paulo, was short-lived due to the
happenings of the 1930s, as well as to the falling of Coimbra’s
administration.
Keywords:
Education; Pernambuco; Escola Nova; Carneiro Leão’s Reform;
1920s.
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Cristina ARAÚJO
A Reforma Carneiro Leão (Pernambuco, 1929), instituída pelo ato
n. 1.239, de 27/12/1928, do governador de Pernambuco Estácio Coimbra,
inscreve-se entre as reformas educacionais ocorridas no Brasil nos anos
de 1920, início dos anos de 1930, inspiradas no ideário da Escola Nova.
São Paulo antecipou-se, com a de Caetano de Campos, em 1892. Vale
lembrar que Carneiro Leão, já nos anos de 1910, elogia as inovações
introduzidas no Ensino Normal, no Rio de Janeiro e em São Paulo, sob
inspiração americana, registrando a presença do learning by doing.
Em 1920-1921 acontece, em São Paulo, a Reforma Sampaio Dória.
Pela repercussão obtida, o governador do Ceará, Justiniano Serpa, solicita ao de São Paulo, Washington Luiz, a colaboração de um educador
paulista para reformular a educação naquele estado: Lourenço Filho é
enviado para esse fim e elabora a reforma entre 1922-1923. A da Bahia,
realizada por Anísio Teixeira, acontece em 1924. No Rio de Janeiro, à
época Distrito Federal, verifica-se, entre 1922-1926, a de Carneiro Leão,
então diretor-geral da Instrução Pública. No seu discurso de posse, afirma
ele que o projeto que havia elaborado para a educação no Distrito Federal
deveria servir de modelo para toda a República Brasileira e referência
para o nosso progresso pedagógico e cultural. Seu sucessor, Fernando
de Azevedo, entre 1927 e 1931, promove, mais uma vez, uma reforma
educacional no então Distrito Federal, e, em seguida, vem a de Anísio
Teixeira, entre 1931 e 1935. No Rio Grande do Norte, José Augusto
Bezerra de Menezes é o autor da reforma educacional, entre os anos
de 1925 e 1928. Finalmente, a pernambucana, em 1928, efetivada por
Antônio de Arruda Carneiro Leão.
Tais reformas atendiam a um forte apelo, a um verdadeiro clamor,
então existente, de modernização da sociedade brasileira. O livro À
margem da História da República (apud Nunes, 1996), elaborado por
um grupo de jovens intelectuais, em 1929, entre os quais Carneiro Leão,
expressa a frustração dos seus autores e o desejo de mudança para o
país. Partem do suposto da ausência do povo e da necessidade da sua
construção por intermédio de uma república educadora. Era imperioso
republicanizar a República, e a educação era considerada o instrumento
adequado. Obviamente, não uma educação qualquer, mas aquela que
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viesse responder às exigências de uma nova sociedade, de formato industrial, urbano, em evolução para uma democracia social e econômica.
Importante era a unificação de ideais e objetivos a serem atendidos pelo
sistema educacional, em âmbito nacional, por uma política traçada pelas
elites governantes. O ideal democrático valorizava o ensino profissional.
E o liberal acenava para a mobilidade social via escola, defendendo o
lema educação para todos como instrumento viabilizador da ascensão
social, tornando possível, pela escola, uma sociedade aberta. Salientemos
que, no escolanovismo, está também presente o princípio de igualdade
e oportunidade para todos. A educação deveria tornar o povo brasileiro
uma força criadora.
Pela afinidade com esses ideais, todas as reformas se pautaram
pelos princípios da Escola Nova, movimento pedagógico que surgiu na
Inglaterra (pátria da Revolução Industrial), no século XIX. É interessante
constatar, também, seu parentesco com os princípios proclamados pela
Revolução Francesa quanto aos ideais de escola pública: universalidade,
obrigatoriedade, laicidade, gratuidade.
Os grandes mentores da Escola Nova, críticos ferrenhos da escola
tradicional, respaldados no desenvolvimento das ciências biológicas e
psicológicas, estabeleceram um conjunto de regras das quais se destacam: a supremacia dos métodos ativos, a preocupação com a criança e
sua interação com a sociedade, a ênfase no aprender fazendo (o famoso
learning by doing), o apelo ao trabalho individual, baseado no interesse,
e a iniciação da criança no mundo do trabalho.
Dos valores que davam respaldo a esse conjunto de idéias e ideais
perseguidos pela elite de então – explicitados ao longo da obra de Carneiro Leão, e presentes na Justificação (Carneiro Leão, 1929b) dirigida
ao secretário da Justiça e Negócios Interiores do Estado de Pernambuco,
Gennaro Guimarães, em dezembro de 1928, bem como no texto da própria
Reforma –, destaca-se a apologia do novo, que caracterizou a obra de
importantes educadores nos anos de 1920 e 1930. O momento histórico
era marcado, igualmente, pela absorção de valores culturais europeus
e norte-americanos pós-1a Guerra Mundial, conduzindo ao fomento à
indústria nacional, a um novo estágio do capitalismo, à imigração, à
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identificação com o positivismo. Tal ideário marcou profundamente o
Brasil, aportando na Faculdade de Direito do Recife, pela Escola do
Recife, produto do positivismo aplicado ao Direito, no final do século
XIX. Carneiro Leão, nascido em 1887, forma-se na Faculdade de Direito
do Recife em 1911. Celso Kelly (1966, pp. 3-4) o considerava um autêntico fruto da Escola do Recife, que se caracterizou pela reação à visão
projetada da sociedade e do Direito, do dever-ser idealizado católico, no
entender de Joaquim Falcão (1984, p. 184).
As correntes de idéias que se difundiam pela Europa chegaram vigorosamente ao nosso país, interferindo na nossa vida econômica, política,
social, educacional. Junto com o positivismo, vieram o evolucionismo, as
teorias raciais, conduzindo à justificativa da eugenia. Duas das disciplinas
introduzidas pela Reforma Carneiro Leão para o ensino normal, Inglês
e Sociologia, são vistas por ele como auxiliares da atenção que deveria
ser dispensada à eugenia. Assim é que, justificando a adoção da língua
inglesa, afirma Carneiro Leão (1929a):
As medidas de inteligência, o esforço pela generalização de uma consciência segura do valor indiscutível da eugenia no meio escolar, as experimentações
sociais, as experiências pedagógicas, os ensaios de métodos novos, as mil e
uma investigações que se estão realizando, em grande parte com êxito, devem
ser conhecidas do professorado brasileiro. E como consegui-lo se a língua
inglesa continua vedada ao magistério primário?
A sociologia, que teve em Gilberto Freyre seu primeiro professor,
viria proporcionar a conscientização dos grandes problemas da sociedade,
alertando os jovens quanto à importância dos exames pré-nupciais, a proibição do alcoolismo, a propaganda da eugenia, o combate à ociosidade,
tal como proclama o nosso reformador, textualmente.
Na entrevista que me concedeu, em setembro de 1985, contou-me
Gilberto Freyre que havia dado ao ensino de Sociologia uma visão, um
caráter inteiramente novo de pesquisa de campo, escandalizando a conservadora sociedade pernambucana, ao sair com suas alunas da Escola
Normal pelos bairros do Recife, ele um jovem professor. Realizavam
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inquirições das quais resultaram a implantação de parques públicos,
playgrounds, como preferia chamar, destinados ao lazer. Destacou o
pioneirismo de tal empreendimento, pois, no seu entender, constituía-se
uma inovação de notável alcance social, vez que visava dar às crianças
todas, crianças ricas, crianças pobres, da classe média, dos dois sexos,
adolescentes, a oportunidade de brincarem juntos, uma grande novidade
para a época.
Foram promovidas também excursões ao interior do Estado, para as
quais eram alugados automóveis a fim de conduzir as normalistas com
os seus professores, dada a precariedade dos transportes públicos para
aqueles municípios. Refere-se ainda Gilberto Freyre aos inquéritos que
as alunas faziam sobre os mais diversos temas, tais como: O que é o Ginásio Pernambucano?, Quais são as faculdades que existem no Recife?
Enfim, diversos assuntos indicados pelo professor, realizações essas, no
seu vaidoso entender, que se constituíam um pioneirismo pernambucano,
pois, conforme me declarou, não havia nada disso então, no Rio, São
Paulo ou Minas Gerais.
Vale referir uma série de acontecimentos ocorridos no país pelos
anos de 1910, como a Liga Contra o Analfabetismo, criada no Clube
Militar do Rio de Janeiro, e a de Defesa Nacional, ambas em 1915, a
Liga Nacionalista, fundada em São Paulo, em 1916, com forte conotação
nacionalista, incluindo reivindicações relativas à instrução popular. Foram
essas iniciativas amplamente louvadas por Carneiro Leão, embora fosse
ele possuidor de forte ambigüidade entre o nacional e o estrangeiro.
No livro Educação, 1909, Carneiro Leão alude à conferência que
pronunciou no Primeiro Congresso Brasileiro de Estudantes, em 1909,
referindo-se às nossas raízes étnicas:... E assim, de um fusionamento tal,
de íncolas na idade da pedra, de negros na idade do bronze e brancos
degenerados, só um resultado medíocre poderíamos lograr.
Mas, no seu entender, a educação, sobretudo a cívica e aquela de
caráter profissionalizante, viria neutralizar a carga nociva e vergonhosa
advinda das nossas origens raciais, minimizando essa herança danosa.
É oportuno advertir que os valores atribuídos às idéias não têm conotação absoluta, são relativos ao tempo/espaço onde ocorrem.
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Ainda voltando aos acontecimentos que sobressaem, no contexto
brasileiro dos anos de 1920 e 1930, do ponto de vista político e cultural,
e que contribuíram para o estabelecimento de um clima de mudança e
transformação, destaquemos: a criação e a atuação marcante da Associação Brasileira de Educação (ABE), com suas Conferências Brasileiras
de Educação (em 1927, Miguel Couto discursa sobre o tema No Brasil
só há um problema nacional: a educação do povo); a Semana de Arte
Moderna, em São Paulo, em 1922; o Tenentismo, o Movimento Regionalista de 1926, liderado por Gilberto Freyre, a fundação do Partido
Comunista, em 1922.
Os festejos do Centenário da Independência mobilizaram enormemente o país, seus políticos, governantes e os intelectuais. O presidente
Epitácio Pessoa discursa pelo rádio – inaugurando a radiotransmissão
oficial no Brasil –, veículo de comunicação que vem a ser bastante valorizado pelos escolanovistas, e, juntamente com o cinema educativo,
adotado pela Reforma Carneiro Leão.
É importante lembrar que, já no livro Educação, de 1909, Carneiro
Leão inclui um plano de instrução popular para o estado de Pernambuco,
similar, nas suas grandes linhas, à reforma, a qual, só em 1928, às vésperas da Revolução de 1930 – com uma nova ordem social emergindo,
gerando diferentes necessidades profissionais, contando com a vontade
política e com a adesão, pela afinidade de idéias e propósitos com o
plano apresentado, do governador Estácio Coimbra –, encontra terreno
propício para florescer. E faz-se realidade, embora, por uma série de
circunstâncias, efêmera.
Há algo significativo a mencionar: em conferência pronunciada no
Rio de Janeiro, na ABE, pouco após a promulgação da reforma, afirma
Carneiro Leão (1929b) que:
Pernambuco devia a seu passado uma reforma radical da sua instrução
pública. Até agora as forças econômicas que atuam implacavelmente, sem
preocupação de justiça, haviam retardado essa obra, devida a um dos mais
importantes Estados do Brasil.
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A quem estaria se referindo Carneiro Leão? À oligarquia canavieira
pernambucana, aos proprietários pernambucanos do açúcar? A ela pertencia Estácio Coimbra, sobre quem, a propósito, declara o reformador,
dizendo-se consciente da dificuldade de semelhante empreendimento:
Ao contacto, porém, daquele que o inspirava, de sua convicção ardente, de
sua vontade, de sua cultura, eu pressentia a realização. O Sr. Estácio Coimbra
desejava que a reforma fosse uma realidade ativa, inspirada nos métodos modernos e nos ideais mais altos... Basta evocar as formosas palavras com que
ele, ainda candidato ao Governo do Estado, traçava a sua concepção de uma
reforma de ensino: “Simultaneamente com o aperfeiçoamento econômico”,
diz o Sr. Estácio Coimbra, na sua plataforma, “impõe-se a valorização do
homem, pois a melhor condição de trabalho nos campos, nos balcões, nas
oficinas e nas fábricas não será elemento poderoso de vigor e de vitória para
o organismo social, se o indivíduo se conserva ignorante e incapaz, como
uma partícula inconsciente na elaboração do progresso humano” [Carneiro
Leão 1929b].
Para elaborar a reforma, Carneiro Leão visitou as escolas da capital
e grande parte das existentes no sertão. A partir do que observou, redigiu a Justificação, incluída no documento Organização da Educação
em Pernambuco: justificação, lei orgânica, explicações e comentários,
opiniões de associações e da imprensa, publicado pela Imprensa Oficial
do Estado, em 1929 (pp. 5-33).
Uma das coisas que mais o impressionou foi a falta de assistência
e apoio ao professorado. Os inspetores faziam apenas a fiscalização de
ordem administrativa. E, no Interior, esse papel era desempenhado pelo
promotor de Justiça.
O ensino primário durava quatro anos, e o ingresso na Escola Normal
era feito aos onze, doze anos, desde que se demonstrasse idade mental
de treze anos.
Redigido de forma clara e precisa, o texto da reforma apresenta 27
títulos, 61 capítulos, 424 artigos, deixando patente o propósito do seu
autor de instituir um rigoroso controle de todos os aspectos do sistema
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educacional em Pernambuco, incluindo a tabela de vencimentos de todo
o pessoal integrante do quadro de educação do estado. E deixando claro,
em última instância, um projeto de nação.
Entre os elementos presentes à reforma, além do cuidado com a
modernização, podemos nomear:
a) a racionalidade, traduzida pela forma adotada para organizar o
sistema educacional, visando a assegurar a qualidade, a eficiência
e a eficácia, mediadas pela introdução dos métodos ativos e pela
segurança do bom funcionamento da Diretoria Técnica de Educação,
órgão criado com o fim de superintender, dirigir e orientar tudo o
que se referir à parte técnica da Educação;
b) o cientificismo do ensino, da atividade escolar, aliado da modernização, da preocupação de estar absolutamente em dia com as últimas
novidades dos centros mais avançados;
c) os cuidados com a saúde dos que integravam o aparelho estatal
escolar, sobretudo os alunos, que a educação física – em moldes
científicos, praticada diariamente – viria, senão afiançar, pelo menos
concorrer para melhorar, aqui incluída a higiene (permeia o documento da reforma a preocupação com o aprimoramento da raça, a
boa aparência das pessoas, a eugenia, a vitalidade);
d) o controle exercido em todos os níveis do sistema escolar: os livros
adotados, os adquiridos para as bibliotecas, o prédio, o currículo, o
método de ensino, as nomeações de docentes e diretores, a obrigatoriedade de freqüência à escola, os discursos e pronunciamentos
feitos nos estabelecimentos de ensino, e até mesmo a exigência de
autorização para os professores gozarem férias fora da capital ou
do estado.
Mas, o ponto central, o núcleo da reforma localiza-se na qualificação
profissional, em função da qual gravitam todos os outros, como que a
servirem de suporte, de apoio para a sua efetivação. Aparece na justificação e no ato n. 1.239, de 1928, bem como em livros de Carneiro Leão
e na Plataforma de Estácio Coimbra, quando candidato ao governo.
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Na realidade, até a introdução – grandemente defendida e destacada –
de novos métodos desde o jardim de infância e classes primárias, a ênfase
nas manualidades guarda coerência com os propósitos de formação de
mão-de-obra qualificada.
Essas constatações nos levam à evidência de um pensamento perversamente maniqueísta que acompanha o nascimento histórico da escola,
concebida liberal para os privilegiados da sociedade e profissional para o
imenso contingente da população menos favorecida. Questão complexa,
não desconhecemos...
A reforma possui inúmeros aspectos positivos. Mencionaremos
alguns deles: a preocupação com a expansão da escolaridade; a revitalização da carreira de professor; o estabelecimento da licença-maternidade, da jubilação, da licença-prêmio para os professores e técnicos
de educação; a melhoria da qualidade do ensino; a criação da Diretoria
Técnica de Educação; o aumento da duração da escola primária; a
elevação da idade para ingresso na Escola Normal; o desdobramento
do curso Normal em dois: geral e profissional; a criação dos cursos de
férias e de aperfeiçoamento, nos quais os professores do Interior e da
Capital, respectivamente, teriam a chance de rever e atualizar os seus
conhecimentos profissionais; a criação da Escola Normal Superior, da
Escola de Aplicação, da Biblioteca do Professor, do Museu Pedagógico;
o incremento do ensino de música, e, até mesmo, a adoção de medidas
de amparo aos alunos mais pobres, com o estabelecimento da assistência
escolar, compreendendo o fundo escolar, as caixas escolares e as ligas
de bondade, assistências médica e dentária, diárias para os alunos das
escolas técnico-profissionais.
Para a execução da reforma, coerentemente com a admiração de
Carneiro Leão por São Paulo e pelo vanguardismo de sua educação, era
imprescindível a vinda de educadores paulistas. Das diversas viagens
realizadas para aquele estado, ainda nos anos de 1910, quando estudante
de direito, existem inumeráveis registros nos seus livros, bem como no
texto da Justificativa da Reforma, reveladores da forte e favorável impressão que tais visitas lhe causaram, influenciando-o de maneira definitiva
e provocando apaixonados elogios.
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Alguns exemplos podem ser encontrados no seu O Brazil e a educação popular:
A ação fecunda da educação paulista foi hipnótica sobre o meu espírito.
E felizes os que, vendo e compreendendo o futuro magnífico que aqui se
elabora, sofrem o influxo de São Paulo, porque esses terão um surto novo na
sua vida, uma nova diretriz no seu destino.
Ou convidam-se educadores de São Paulo para que criem a educação
popular brasileira, ou ter-se-á de mandar à América do Norte, à Inglaterra ou
à Suíça, os nossos mestres, para estudarem e adaptarem, nos seus Estados,
o que de interessante e facilmente aplicável encontrarem no estrangeiro
[Carneiro Leão, 1918, p. 20].
Dessa forma, contando com a colaboração do governador de São
Paulo, Júlio Prestes, do seu secretário do Interior, Fábio Barreto, e do
diretor da Instrução, Amadeu Mendes, promove-se a vinda para o Recife
dos professores José Ribeiro Escobar, sua mulher Philomena Bernardes Escobar, José Scaramelli, Paschoal Montesano Salgado e Fabiano
Losano. José Ribeiro Escobar, professor de Matemática da Escola Normal de São Paulo, considerado um educador competente, comprometido
com as inovações pedagógicas do ensino normal paulista, é designado
diretor técnico de Educação; Philomena Bernardes Escobar, diretora da
Escola Técnico-Profissional Feminina; José Scaramelli, professor da
cadeira de Didática da Escola Normal Oficial de Pernambuco, função
acumulada com a de diretor da Escola de Aplicação, como preconizava
a reforma.
Paschoal Montesano Salgado, então diretor da Escola TécnicoProfissional de Franca, é nomeado diretor da Escola Técnico-Profissional
Masculina, e o maestro Fabiano Losano, mencionado como um destacado
renovador no ensino da música nas escolas primárias de São Paulo, é
encarregado de conduzir a educação musical.
José Ribeiro Escobar, empenhado na preparação pedagógica dos
profissionais da educação pernambucana, publica Educação Nova e
assim se manifesta, na sua introdução:
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Para orientar o professorado pernambucano, estimulei os colegas a publicarem livros didáticos modernos e eu mesmo escrevi muitos, dos quais
estão publicados: ‘Planos de aula de aritmética’, com 46 páginas; ‘Programa
do Curso Primário, com planos metodológicos’, com 262 páginas; ‘Ensino
de Didática’, com 144 páginas; ‘Ensino das Frações’, com 141 páginas; e
‘Educação Nova’, com 104 páginas.
Este último livro é apenas uma reunião de trabalhos esparsos para fixar
várias informações, dadas nas sessões pedagógicas de inspetores e diretores,
as quais instituí, duas vezes por semana, na Diretoria Técnica de Educação.
Doutrinando incessantemente e realizando as idéias mais insinuantes,
preparo a transição para Pernambuco, dignamente, executar a educação
nova, sonhada por John Dewey em ‘School and Society’ (1899); ‘The child
and the curriculum’, ‘Moral Principles in Education’, ‘Interest and Effort in
Education’, ‘Democracy and Education’.
A realização sincera destes ideais pedagógicos, que a consciência de todo
educador escrupuloso deve apressar, será uma glória para o Brazil, porque
uma felicidade para a infância brasileira.
Em consciência não sei dizer quando aprendi mais, se nos quarenta minutos durante os quais visitei a granja Windsor, se nos cinco anos da Escola de
Direito. Todo trabalho do professor só tem um fim – fazer o aluno trabalhar.
A educação vem pelos músculos [Escobar, 1930].
A despeito do empenho demonstrado pelos paulistas na sua nova
missão, as coisas não se passaram de forma tão tranqüila e construtiva
como desejavam os idealizadores da reforma e os seus executores, que
se defrontavam com grandes dificuldades para a sua realização.
Aliada ao fato de o momento histórico não ser favorável à sustentação
política do Governo Estácio Coimbra, além da falta de envolvimento/
comprometimento com a reforma, dos integrantes do sistema educacional,
obrigados a aceitar uma equipe vinda de São Paulo, encontra-se a escassez de recursos financeiros, apesar da promessa feita pelo governador a
Escobar, persuadido a assumir a Diretoria Técnica de Educação porque
a verba seria elevada.
A maneira como foi conduzida a nova disciplina Anatomia e Fi130
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siologia Humanas praticamente inviabilizou o êxito da implantação
da reforma. Criou uma enorme polêmica, um verdadeiro escândalo na
conservadora sociedade pernambucana, em setores expressivos da Igreja Católica e da imprensa. É que, fiel ao experimentalismo, atribuindo
à execução da reforma um caráter pragmático, introduz elementos de
educação sexual na matéria Anatomia e Fisiologia Humanas, assunto
controvertido e inviável numa escola pública pernambucana dos anos
de 1920, constituindo-se um verdadeiro impasse.
Ademais, as aulas práticas eram realizadas na Fazenda Modelo, no
subúrbio recifense de Tegipió, dando margem a veementes protestos e
indignações, paralelamente a modinhas bastante jocosas que as meninas da Escola Normal, com o seu tradicional uniforme azul e branco,
cantaram, em passeata dirigida ao Palácio do Governo, com a música da
canção popular Gosto que me enrosco, em voga na época, como registra
Waldemar Valente:
Dizem que o programa da Normal tem coisas que eu não posso acreditar;
que tem sapos, minhocas e lagartixas e como o rato faz pra se casar. Gosto
que me enrosco de pensar só no que lá em casa vai dizer vovó quando a Ziza
contar tudo o que viu e que assistiu lá em Tegipió [Valente, 1973].
O governador cuidou, habilidosamente, de dissolver a passeata.
Mas, não pôde responder por todo um clima de hostilidade ao seu governo, aos executores da reforma, às críticas endossadas pelo seu amigo
e colaborador Gilberto Freyre, que considerava Escobar e Scaramelli
uns desastrados, bobalhões em atividade, matutões importados de São
Paulo (embora ressalvando tratar-se de bons técnicos), desaguando num
impasse incontornável. Declinando do convite feito pelo governador
para aceitar o cargo de diretor do Ensino Normal, com vistas a dirigir do
alto a execução da reforma, Gilberto Freyre sugere que o amigo Estácio
Coimbra traga do Rio de Janeiro, para a direção suprema da reforma, o
próprio reformador.
As críticas não se limitaram, apenas, à provinciana cidade do Recife.
Gilberto Freyre comenta, conversando com seu diário:
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A Reforma Antônio Carneiro Leão no final dos anos de 1920
Recife, 1929
Que dizer a V., amigo diário, da Reforma Carneiro Leão de ensino da
qual tanto se está falando nos jornais do Recife, do Rio e até nos dos Jesuítas
de Paris, que a combatem? É inteligente no seu modo de ser modernizante.
Revolucionariamente modernizante. Tem certos aspectos mais que modernizantes: modernistas, que me repugnam. Enfaticamente modernistas
para uma província, como é Pernambuco, como toda província apegada a
convenções. Direi, como homenagem ao seu valor e restrição ao seu método,
que é uma espécie de Semana de Arte Moderna – o Modernismo – de São
Paulo, 1922, em termos pedagógicos. Vai ter, no ensino brasileiro, uma
atuação semelhante à que o Modernismo teve nas artes e nas letras. Porque
do Recife repercutiria noutros pontos do país. A oposição está sendo violenta. É, em parte, de politicóides inimigos de Estácio. Mas também dos
Padres Jesuítas do Recife, que conseguiram associar a sua hostilidade de
ultraconservadores a uma reforma que não pode ser considerada anticatólica,
ou seus superiores intelectuais, mas no caso, mal informados, de La Croix,
os Jesuítas de Paris. Está se dizendo contra a Reforma e contra o seu principal executor, o Professor José Escobar, trazido de São Paulo, muita coisa
falsa: ou maliciosamente inexata. O casal Escobar foi mal escolhido pelo
Carneiro Leão para a delicadíssima missão. São do interior de São Paulo.
Falta-lhes, além de traquejo social, tato. Afinal Pernambuco é Pernambuco.
Bons técnicos, eles são. Mas com essas deficiências. São uns matutões do
interior [Freyre, 1975].
Por outro lado, o Padre Montenegro, nos sermões durante as missas
dominicais celebradas na Matriz da Boa Vista –, bairro do Recife àquela
época habitado, em boa parte, pela elite local -, contando com grande
afluência de fiéis, era enfático ao condenar as ousadas inovações introduzidas pela reforma.
Atendendo ao convite do governador pernambucano, Carneiro Leão
ocupa o cargo de secretário da Justiça e Negócios Interiores do Estado
de Pernambuco, estando aí incluída a responsabilidade pela educação,
de setembro de 1929 a setembro do ano seguinte, quando volta para o
Rio de Janeiro.
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A reforma teve duração efêmera em razão dos acontecimentos de
30 e da queda do Governo Coimbra. Contudo, várias iniciativas foram
concretizadas: a implantação da Diretoria Técnica de Educação, das
Escolas Técnicas Profissionais Feminina e Masculina, da Escola de
Aplicação, nos moldes preconizados pela Reforma, dos cursos de férias;
a utilização dos métodos ativos, da nova estrutura curricular proposta
para a Escola Normal.
A título de ilustração, reporto-me aos depoimentos de dois dos meus entrevistados. Uma delas, professora primária no alto sertão de Pernambuco,
me informou ter freqüentado, com grande proveito, o Curso de Férias na
Capital, no ano de 1929. Outro, aluno da quinta série primária no grupo
escolar Amaury de Medeiros, no Recife, em 1929, estabelecimento de
ensino que teve atuação destacada nas inovações introduzidas pela Escola
Nova, deu-me conta de fatos demonstrativos de tais novidades: o caráter
lúdico dado às aulas de educação física, para onde as crianças se dirigiam
cantando canções alusivas àquela atividade escolar; os chás promovidos
entre as diversas séries da escola, quando uma turma convidava a outra,
como parte da preocupação com a sociabilidade, com o aprimoramento
do traquejo social; a ênfase dada, nas aulas de Português ao poeta Olavo
Bilac e à feição alegre e dinâmica imprimida ao ensino em geral.
Barbosa (1982, p. 94) diz-nos: “...José Scaramelli, no seu livro sobre
a Reforma Educacional em Pernambuco, refere-se diretamente a Dewey
como o inspirador do sistema de educação da Reforma no Estado de
Pernambuco”. Adiante, à p. 98, Barbosa (1982) refere-se ao entusiasmo
de Scaramelli, que julgava excelente o ensino na Escola Normal de
Pernambuco.
Finalmente, transcreve o que aquele educador considerara uma aula
tão maravilhosa que só poderia dar uma pálida descrição dele. Eis as
palavras de Scaramelli:
Apresentarei a largos traços, para exemplificar, uma aula-modelo sobre
peixes dada na Escola de Aplicação, anexa a Escola Normal Oficial do Recife, pela professora senhorita Maria Cavalcanti de Albuquerque Maranhão,
uma de minhas mais brilhantes colaboradoras, quando me coube a honra de
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A Reforma Antônio Carneiro Leão no final dos anos de 1920
dirigir a referida Escola de Aplicação e de organizá-la de conformidade com
os princípios da Escola Nova.
Se me não assaltasse o receio de me acoimarem de imodéstia, porque fui
nisso mínima parte, com certeza a menos valiosa – receio terrível que me há
refreado, na vida, constantemente, o anseio de voar -, ousaria afirmar que talvez
se tivesse realizado, naquele casarão secular da praça 13 de Maio, no Recife,
o mais sério ensaio de Escola Nova que se operou até esta data no Brasil.
Com a Revolução de 1930, aparentemente grandes mudanças ocorrem no sistema educacional do estado. Seus condutores, mediante atos
do sr. interventor Carlos de Lima Cavalcanti, procedem a modificações
na equipe de educação do estado.
Pelo ato n. 1, de 6 de outubro de 1930, é nomeado o dr. Arthur de
Souza Marinho para exercer, em comissão, o cargo de secretário da Justiça e Negócios Interiores, em substituição ao dr. Gennaro Guimarães,
que voltara a ocupar aquele posto após o retorno de Carneiro Leão para
o Rio de Janeiro. Na mesma data, pelo ato n. 10, é nomeado o dr. Luiz
de Barros Freire para diretor da Educação Normal e, pelo ato n. 35, de
14/10/1930, é determinado que este exerça, também, provisoriamente,
as funções de diretor técnico de Educação.
Pelo ato n. 29, de 13/10/1930, são exonerados os professores que
vieram de São Paulo para a execução da reforma.
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do seu meio e do seu tempo. Recife: Instituto Joaquim Nabuco de Pesquisas
Sociais, 1973. p. 44-64.
Endereço para correspondência:
Cristina Araújo
Res. Osman Loureiro, 77, quadra D6
Clima Bom – Maceió-AL
CEP 57071-330
Recebido em: 1 dez. 2006
Aprovado em: 20 maio 2008
1
Nota: Outras informações e análises mais aprofundadas sobre a Reforma Carneiro
Leão encontram-se no meu livro A Escola Nova em Pernambuco: educação e
modernidade, resultante da minha dissertação de mestrado, defendida em 1987,
na UFPE, bem como no verbete monográfico, de minha autoria, sobre Antônio de
Arruda Carneiro Leão que integra o Dicionário de Educadores do Brasil (Fávero
& Britto, 2002).
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Diogo da Silva ROIZ
Dos “discursos fundadores” à criação
de uma “memória coletiva”: formas
de como se escrever a(s) história(s) da
Universidade de São Paulo*
1
Diogo da Silva Roiz**
2
Resumo:
O objetivo deste artigo é demonstrar como Júlio de Mesquita Filho
e Fernando de Azevedo preocuparam-se em elaborar “discursos
fundadores”, por meio de “pronunciamentos” e “discursos”
efetuados em momentos de consagração da instituição, em que
eram convidados a participar, com vistas a definir os principais
momentos e “atores sociais” que vieram a participar da criação
da Universidade de São Paulo (USP), em 1934. Esses discursos,
em parte, fixados na “memória coletiva” serviram, muitas vezes,
de base para indicar formas de como se deveria escrever a(s)
história(s) da USP. Indica-se, ainda, que, em muitos casos, tais
discursos eram criticados, e às vezes até refeitos, por outros
“atores sociais” do período, que, direta ou indiretamente, também
haviam participado da criação da universidade.
Palavras-chave:
memória coletiva; discurso fundador; formação profissional;
Faculdade de Filosofia.
*
Gostaria aqui de agradecer ao professor doutor Ivan Aparecido Manoel, à professora
doutora Márcia Regina Capelari Naxara, ao professor doutor José Luís Sanfelice, ao
professor doutor Jean Marcel Carvalho França, ao professor doutor Nelson Schapochnik e ao professor doutor Jonas Rafael dos Santos, pelas sugestões e críticas, que
dentro do possível foram incorporadas a essa versão do texto. Uma versão deste texto
foi apresentada no XVI Encontro Regional de História, na Universidade Federal de
Minas Gerais (UFMG), em Belo Horizonte. O texto é resultado parcial da pesquisa em
desenvolvimento: “O ofício de historiador na Universidade de São Paulo: entre o ‘autodidatismo’ e a profissionalização do trabalho intelectual de história (1934-1968)”.
** Professor do Departamento de História nos cursos de história e de ciências sociais da
Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul (UEMS), na unidade de Amambai.
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Dos “discursos fundadores” à criação de uma “memória coletiva”
From the “founding speeches” to the
creation of a “collective memory”:
forms of writing the history(ies) of the
University of São Paulo
Diogo da Silva Roiz
Abstract:
The purpose of this article is to show how Julio de Mesquita
Filho and Fernando de Azevedo worried abou to prepare
“fouding speeches”, through “pronouncements” and “speeches”
effectuated at moments of consecration of the institution, which
were invited to participate, in order to define the principal
moments and “social actors” that participate of the Universtity of
Sao Paulo’s creation, in 1934. These speeches, in part, fixed on
the “collective memory”, helped, many times, of basis to indicate
the form of how to writing the history(ies) of the University of
São Paulo. It indicates, that, in many cases, such speeches were
criticized, and sometimes even remade, by another “social actors”
of the period, which directly or indirectly, they had participated
of the creation of the university.
Keywords:
coletive memory; discurse; professional; Philosophy College.
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Diogo da Silva ROIZ
Introdução
O objetivo deste artigo é demonstrar como Júlio de Mesquita
Filho (1892-1969) e Fernando de Azevedo (1894-1974) preocuparam-se
em elaborar “discursos fundadores”, com vistas a definir os principais
momentos e “atores sociais” que vieram a participar da criação da
Universidade de São Paulo (USP). Para efetuar tal empreendimento,
utilizaram-se, principalmente, cerimoniais de formatura e comemorações
da instituição, que eram corriqueiramente convidados, em que orações
de paraninfos de turma, palestras e conferências vieram a servir diretamente para a formulação e manutenção de uma “memória coletiva”1
entre alunos e professores da universidade, por meio da repetição. De
modo que esses discursos, em parte, fixados na “memória coletiva”,
serviram, muitas vezes, de base para indicar formas de como se deveria
escrever a(s) história(s) da USP. Evidentemente, como se mostrará no
decorrer do texto, tais discursos, embora fundadores de uma “tradição
inventada”, para incutirem, via repetição, uma “memória coletiva” sobre
a criação da instituição, entrava diretamente em choque com leituras e
interpretações (distintas) de outros “atores sociais” que participaram,
direta ou indiretamente, da fundação da Universidade de São Paulo, em
1934. Tais histórias associavam a trajetória do estado de São Paulo, a
experiência histórica da Alemanha do final do século XVIII e da França
pós-1870, como ocorrera com os protagonistas que escreveram o projeto
piloto de criação da universidade, a exemplo de Fernando de Azevedo
e Júlio de Mesquita Filho; ou então, voltavam-se para a história do
bandeirantismo paulista, de modo que indicassem o pioneirismo de São
Paulo, como justificativa histórica para a sua recuperação após 1930, a
1.
Para Maurice Halbawachs, a “memória coletiva” resultaria de um quadro histórico
de uma época, porque é uma construção social que dá sentido a identidade de um
grupo de pessoas. Ao mesmo tempo em que estariam limitadas as circunstancias
sociais dessa época. Por isso entenderiam aquela história rememorada como “real”.
Esses atores sociais, por isso, seriam resultados e resultantes daquela atmosfera
psicológica que construiu suas personalidades individuais (Halbawachs, 1990).
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Dos “discursos fundadores” à criação de uma “memória coletiva”
exemplo de Afonso D’Escragnolle Taunay (1876-1958) e Alfredo Ellis
Júnior (1896-1974). No primeiro caso, defendia-se a vinda de profissionais estrangeiros como um dos critérios para a formação de professores
para o ensino “secundário” e de especialistas para o ensino superior, no
segundo caso, se era contrário a tal justificativa, associando-se a necessidade de aproveitar os “autodidatas” do estado e do país (Carelli, 1994;
Bontempi Jr., 2001; Ferreira, 2002; Araujo, 2006; Roiz, 2007). Portanto,
é sobre essa questão que o texto irá se deter mais pausadamente. Assim,
levanta-se, no artigo, a possibilidade de fabricação de uma imagem, entre
as décadas de 1930 e 1950, sobre a criação da USP, que viria a se constituir
como uma tradição. Destarte, conforme havia dito Eric Hobsbawm, na
introdução do livro A invenção das tradições, “muitas vezes ‘tradições’
que parecem ou são consideradas antigas são bastante recentes, quando
não são inventadas”. Assim:
[...] por “tradição inventada” entende-se um conjunto de práticas, normalmente reguladas por regras tácitas ou abertamente aceitas; tais práticas,
de natureza ritual ou simbólica, visam inculcar certos valores e normas de
comportamento através da repetição, o que implica, automaticamente, uma
continuidade em relação ao passado. Aliás, sempre que possível, tenta-se
estabelecer continuidade com um passado histórico apropriado [...]. Contudo,
na medida em que há referência a um passado histórico, as tradições “inventadas” caracterizam-se por estabelecer com ele uma continuidade bastante
artificial. Em poucas palavras, elas são reações a situações novas que ou
assumem a forma de referência a situações anteriores, ou estabelecem seu
próprio passado através da repetição quase que obrigatória [Hobsbawm &
Ranger, 1997, pp. 9-10].
Para este, a “invenção de uma tradição”, que envolve a elaboração
de práticas e de um “relato fundador” que se repita no tempo, ocorre,
fundamentalmente, quando os “atores sociais” que fazem parte desse
relato fundador deixam de desempenhar as suas funções. Quanto a esse
aspecto, tanto Júlio de Mesquita Filho, quanto Fernando de Azevedo, em
suas falas, viam na figura de Armando de Salles Oliveira (1887-1945) a
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base para o sucesso do projeto de criação de uma universidade no Estado
de São Paulo nos anos iniciais da década de 1930. Em contrapartida, de
acordo com Ângela Alonso:
É da natureza dos movimentos intelectuais e políticos inventarem rótulos
de identidade, como estratégia de diferenciação, bem como uma tradição, um
panteão de heróis e obras de legitimação de suas posições, especialmente em
períodos de mudança social [Alonso, 2002, p. 32].
Portanto, os movimentos intelectuais e políticos, no Brasil, desde o
século XIX, pelo menos, procuraram construir as suas tradições, por meio
de um repertório discursivo que os diferenciassem de outros grupos, ao
mesmo tempo em que delineavam uma pretendida originalidade teórica e
prática, com obras e manifestos de fundação elaborados por seus “atores
sociais” originários (Alonso, 2002). Ou ainda, a faziam retrospectivamente, como forma de definir campos de atuação, a partir da ação dos
fundadores do movimento e das obras e autores a ele vinculados, com os
quais se preocupavam em situar objetivos paralelos, na medida em que
se definia uma “identidade em comum” (Ferreira, 2002).
No caso específico da fundação da USP, como se verá, ambas as possibilidades se mesclavam, por se tratar de um movimento em que os atores
sociais que deram origem as primeiras iniciativas para sua criação, atuarem em momentos emblemáticos da instituição (como comemorações,
rituais de consagração, aulas e orientações de pesquisas), formando nas
primeiras turmas dos cursos da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras,
“laços de continuidade”2. Muitas vezes, os alunos que prosseguiam na
2.
Bontempi Jr. (2001) observou questão similar ao analisar o tema. Sua preocupação,
fundamental, estava em demonstrar o contexto no qual surgiu a cadeira de história e
filosofia da educação da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da USP, entre as
décadas de 1940 e 1960, por meio da análise pormenorizada da trajetória de Laerte
Ramos de Carvalho, que a regeu durante vários anos. Principalmente, por que esse
teria elaborado “aquele que é considerado o primeiro projeto acadêmico de escrita da
história da educação brasileira”, nas palavras do autor. E quanto a esse aspecto, qual
foi a sua contribuição para a história da historiografia da educação no Brasil. Nossa
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Dos “discursos fundadores” à criação de uma “memória coletiva”
Faculdade de Filosofia, como assistentes nas cátedras, mantinham uma
tradição intelectual: ou por manutenção dos ideais dos fundadores, ou
por discordância as suas iniciativas (Gomes, 1999). Assim, para delimitar
melhor a exposição nos pautaremos nos seguintes pontos: a) como foi
interpretada a criação da universidade; b) quem foram os “atores sociais”
que participaram do empreendimento; c) e quais os objetivos principais
da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras. Esses três pontos estiveram
nos pronunciamentos e discursos aqui analisados.
É comum a constatação de que a história da criação das universidades
brasileiras, e por extensão do ensino universitário, ainda ser um tema
pouco investigado na historiografia nacional3. Embora muitos estudos
aventem as diferenças estaduais quanto à implantação de universidades
no Brasil, a partir da década de 1920, constituindo-se em importante
referência para pesquisadores, revelam-se insuficientes no que diz respeito à fundação de várias universidades, ao desenvolvimento de cursos,
programas de ensino e pesquisa e ao formato curricular das “novas” áreas
que foram criadas nos anos de 1930 (Cunha, 1975, 1986, 1989; Falcon,
1996; Roiz, 2004, 2007). A importância deste estudo justifica-se, portanto, por procurar delinear melhor a forma de como foram elaborados
os primeiros relatos sobre a criação da USP, e que, em muitos casos,
serviram de base para a escrita de algumas de suas histórias4.
3.
4.
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preocupação, por outro lado, esteve mais em demarcar diferentes modos de “escrita
da história” sobre a universidade, que direta ou indiretamente, eram “influenciados”
pela “memória coletiva” elaborada sobre a instituição. Que, em geral, esbarrava-se
perante as críticas de “atores sociais” contrários a maneira como o projeto havia sido
colocado em “pratica”, com a criação da instituição em 1934.
Nas últimas duas décadas a bibliografia sobre a história das universidades e dos cursos
universitários no Brasil vem se apresentando de forma mais expressiva, a exemplo de
trabalhos como: Miceli (1989, 1995, 2001) e Schwartzman (1979, 1982).
A construção dessa “memória coletiva” foi também ensejada por uma parte dos intérpretes da história da instituição. Ernesto de Souza Campos ao procurar historiar o
processo de construção da USP procurou desenvolver os caminhos percorridos pela
intelectualidade paulista. Diferente de sua oração como paraninfo da turma de 1938,
aqui o autor demonstrava a participação do grupo de O Estado de S. Paulo e de Fernando de Azevedo, e o grupo da Escola Nova (Campos, 1954). Heládio Antunha em sua
tese de livre docência sobre a história da universidade procurava historiar os caminhos
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Os principais informes compulsados nesta pesquisa foram os Anuários
da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da USP, produzidos entre as
décadas de 1930 e 1950. Na década de 1930, elaboraram-se três números referentes aos anos de: 1934-1935; 1936; 1937-1938. Neles apresentavam-se:
reprodução total (às vezes parcial) dos discursos de paraninfos e oradores
de cada turma de formandos da instituição; aulas inaugurais (proferidas
pelo catedrático mais recente no início do ano letivo); os programas de
disciplinas de cada um dos cursos das subseções (com súmula de matéria
da disciplina, em alguns casos acrescentada de bibliografia organizada
pelo docente); listas de matrículas de alunos e listas de formandos entre os
cursos; relatórios de cadeira, de onde os docentes avaliavam procedimentos
didáticos, matéria e leituras; reprodução de atas das reuniões da congregação da Faculdade de Filosofia; súmula curricular de docentes contratados
para os cursos e gráficos de orçamentos e gastos da faculdade. Na década
de 1940 a produção dos anuários foi interrompida, principalmente, em
função de problemas orçamentários. Foi nos anos iniciais da década de
1950, com a administração de Eurípides Simões de Paula (1910-1977),
então diretor da Faculdade de Filosofia, que os anuários voltaram a ser
produzidos. Na década de 1950 foram organizados mais quatro números:
1939-1949, 2 v.; 1950; 1951; 19525. O formato foi similar aos daqueles
5.
trilhados pela intelectualidade paulista para alcançarem a meta de construção de uma
universidade no Estado (Antunha, 1974). Diferente desses, Simon Schwartzman, que
não teve sua formação enraizada na USP, acabava também por concordar com as linhas
gerais daquele relato que delineava a fundação e os objetivos da instituição, como uma
forma de recuperar a hegemonia perdida pelo estado de São Paulo (Schwartzman, 1978).
Nesse sentido, pode-se observar a força e os prolongamentos daquela “memória coletiva”
construída sobre a instituição entre os anos de 1930 e 1950. Evidentemente esse relato
já foi consideravelmente revisto pela historiografia, como discorrem os trabalhos de:
Prado (1974), Cardoso (1982), Nadai (1987), Limongi (1988), Freitas (1993). Todavia,
até aqui nenhum trabalho procurava historiar a construção daquele relato fundador sobre
a história da instituição.
Na década de 1930 foram impressos três volumes: USP, FFCL. Anuário da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras, 1934-1935. São Paulo: Empreza Grafica da
Revista dos Tribunaes, 1937;
. Anuário da FFCL,1936. São Paulo:
Empreza Grafica da Revista dos Tribunaes, 1937;
. Anuário da
FFCL, 1937-1938. São Paulo: Empreza Grafica da Revista dos Tribunaes, 1939.
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Dos “discursos fundadores” à criação de uma “memória coletiva”
produzidos nos anos de 1930. Contudo, diminuiu-se a reprodução de atas e
aumentou a de editais de concursos de cátedra e das legislações aprovadas
pela Câmara dos Deputados da Assembléia Legislativa de São Paulo para os
cursos. Neste estudo detivemo-nos na análise e comparação dos discursos
de paraninfos e oradores de cada turma de formandos da instituição (e de
suas respectivas obras).
A escolha das fontes ocorreu principalmente por serem locais de
reunião e organização do espaço de decisões do trabalho intelectual,
tanto individual como coletivamente, em que posições são tomadas e
propostas são criadas e, conseqüentemente, conhecidas e divulgadas6.
A preocupação com o tempo em que foram produzidas as fontes, nesse
sentido, resulta como uma das necessidades para se rastrear o tempo
histórico no qual e pelo qual o historiador ordena e seleciona os acontecimentos. Por suas características próprias, existe o “tempo” em que houve
a criação da USP e o estabelecimento institucional de suas delimitações;
o “tempo” em que foi elaborado o seu “relato fundador”; o “tempo” da
rememoração dos acontecimentos, a partir das formaturas e rituais de
consagração, nos quais se procurava criar uma “memória coletiva” e o
“tempo” de produção e publicação de livros e artigos sobre a história
da instituição.
De acordo com vários autores, dentre os quais Sérgio Miceli (2001),
formar-se-ia a partir da Primeira República (1889-1930), as condições
6.
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Na década de 1950 foram publicados outros cinco volumes: USP, FFCL. Anuário
da FFCL, 1939-1949. São Paulo: Seção Gráfica; Industria Gráfica José Magalhães
Ltda., 1953, 2 v.;
. Anuário da FFCL, 1950. São Paulo: Seção
Gráfica; Industria Gráfica José Magalhães Ltda., 1952;
. Anuário
da FFCL, 1951. São Paulo: Seção Gráfica; Industria Gráfica José Magalhães Ltda.,
1953;
. Anuário da FFCL, 1952. São Paulo: Seção Gráfica; Industria
Gráfica José Magalhães Ltda., 1954.
Bruno Bontempi Jr., em sua tese de doutorado (2001, pp. 31-76), já havia trabalhado
com as mesmas fontes e historiado de modo consistente parte do processo histórico
que desencadeou a produção de uma “memória coletiva” sobre a USP. Procurou-se,
com esse texto, avançar em alguns pontos daquele “relato fundador”, mas sem com isso
deixar de observar a importante contribuição efetuada por Bontempi Jr. para o tema.
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básicas necessárias ao desenvolvimento de um “campo intelectual”7 no
Brasil, no qual a crítica especializada, a impressão seqüencial de livros
e revistas especializadas, e a formação de intelectuais nos mais diversos
campos do saber seriam o alicerce fundamental, a expansão dos debates e intercâmbios culturais, que marcariam em congressos, institutos e
universidades os lugares sociais essenciais, às trocas de idéias e disputas
pelo poder. Além disso, consistiria ainda do “campo intelectual” os rituais
de consagração que se estenderiam aos momentos comemorativos da
instituição, a defesas de dissertações e teses, a nomeações, a concursos e
ao recebimento de títulos. O conceito de intelectual a ser utilizado nesta
pesquisa restringe-se ao produtor de “bens simbólicos” (participante ou
não na arena dos debates políticos), envolvendo-se essencialmente com
a interpretação da realidade social e sendo um elaborador e divulgador
de “visões de mundo” (Gomes, 1996, pp. 38-39).
Os locais ou espaços de sociabilidade8 que se formavam na USP,
na Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras, e no interior de cada curso
8
7.
8.
Para Pierre Bourdieu o campo é o espaço de disposição e de diferenciação dos grupos
sociais. Nele se avaliariam as formas de enfrentamento e disputas pelo poder. O
campo possuiria um grau de autonomia relativa com relação ao espaço exterior, mas
não se fecharia sobre si, porque não deixaria de analisar condicionantes e disposições
externas. Apesar de seu grau de autonomia relativa, o campo depende das disposições de lucro, preço, venda, determinações políticas, no espaço social. No campo
intelectual, tudo que o envolve formariam ritos de consagração. Para ele, o campo
científico “enquanto sistema de relações objetivas entre posições adquiridas (em
lutas anteriores) é o lugar, o espaço de jogo de uma luta concorrencial. O que está
em jogo especificamente nessa luta é o monopólio da autoridade científica definida,
de maneira inseparável, como capacidade técnica e poder social; ou, se quisermos,
o monopólio da competência científica, compreendida enquanto capacidade de
falar e agir legitimamente (isto é, de maneira autorizada e com autoridade), que é
socialmente outorgada a um agente determinado” (Bourdieu, 1983, pp. 122-123).
Para Ângela de Castro Gomes, as redes de sociabilidade tratariam de idéias defendidas por grupos e distinguiriam as próprias posições que os atores sociais ocupariam no interior do grupo. Elas se formariam a partir de interesses comuns entre
as pessoas que compõe o grupo, ou que estão nos seus arredores (Gomes, 1999).
De modo que, os espaços de sociabilidades devem ser vistos num duplo sentido,
como locais de produção e como espaços de trocas ocorridas nestes locais. Para
Jean-Françóis Sirinelli “a palavra sociabilidade reveste-se, de uma dupla acepção, ao
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Dos “discursos fundadores” à criação de uma “memória coletiva”
caracterizavam os laços de amizade, as escolhas políticas e as predisposições teóricas e práticas de cada um dos professores e alunos da instituição
(Trigo, 1997; Cerdeira, 2001). Teresa Malatian (2001, pp. 20-21) notou
que o conceito de “colégio invisível” empregado por Raquel Glezer se
mostra útil para a compreensão do conceito de espaço de sociabilidade,
porque o colégio consiste em um:
[...] grupo de pessoas, em cada ramo do conhecimento [...] razoavelmente
bem relacionadas entre si, encontrando-se em conferências, permutando publicações e colaborando em instituições de pesquisa. Constituem um grupo
de poder, em níveis locais e nacionais, controlando instituições, prestígio
pessoal, destino de novas idéias e orientação para abordagem de novas áreas
[Glezer, 1976, p. 22].
Desse modo, definindo-se como órgão de formação de professores
para o ensino “secundário” e de pesquisadores profissionais para o ensino
superior, versados em áreas específicas do conhecimento, a Faculdade de
Filosofia, Ciências e Letras, constituía-se como a principal instituição da
USP, criada em 1934, segundo parte de seus fundadores9.
Nesse sentido, a hipótese que acompanha esta análise é que se
procurava elaborar um discurso específico sobre a fundação da instituição, principalmente por parte do grupo que a organizou, dispondo-o
9.
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mesmo tempo ‘redes’ que estruturam e ‘microclimas’ que caracterizam um microcosmo intelectual particular” (Sirinelli, 1996, pp. 252-253) variando, naturalmente,
de acordo com o grupo ou a época estudada. No sentido conferido pelo autor, o
espaço de sociabilidade representaria simultaneamente as estruturas institucionais
e as redes organizacionais derivadas das relações dos intelectuais naqueles locais
específicos. Assim, os espaços de sociabilidade corresponderiam a locais geograficamente situados e a relações afetivamente construídas pelos “pares”.
Dentre os quais: Azevedo (1963, 1971) e Mesquita Filho (1969). Para uma análise
do contexto social em que essas idéias foram pensadas e implantadas ver: Mate
(2002) e Rocha (2004). Para uma análise detalhada a respeito do movimento da
Escola Nova ver: Cunha (1992). Para uma análise de O Estado de S. Paulo nesse
período ver: Prado (1974). E para um estudo a respeito das discussões do grupo “d’O
Estado” com o grupo “da Escola Nova” ver: Cardoso (1982) e Limongi (1988).
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em momentos comemorativos (como formaturas, aulas inaugurais e
conferências), e almejando-se estabelecer uma “memória coletiva”
sobre os acontecimentos que viabilizaram a fundação da universidade.
Embora a forma de recepção daquele discurso fosse variada entre alunos
e professores, procuraremos mostrar que, entre os anos de 1930 e 1950,
tentava-se viabilizá-lo para diferenciar a Faculdade de Filosofia, Ciências
e Letras da USP10 de instituições similares criadas no período, como a
Escola Livre de Sociologia e Política, fundada em 1933 (Limongi, 1989).
Procuravam também definir uma identidade para a instituição, no interior
da universidade. Indica-se que a justificativa para tais propostas decorria,
de um lado, do momento em que foi fundada a universidade, e de outro,
da maneira como foram organizadas as faculdades. As faculdades que
fizeram parte da organização institucional, representada na forma da
USP, já contavam com uma história particular, porque foram criadas separadamente, no século XIX, para a formação de profissionais em áreas
“práticas” – como a medicina, a engenharia e o direito11.
Dos projetos de fundação à criação da USP
A história do ensino universitário brasileiro tem demonstrado que
iniciativas para a criação de faculdades e universidades no país – com
exceção do projeto educacional dos jesuítas (Da Cás, 1996) – não foram
anteriores a instalação da família real portuguesa em sua colônia, no ano
de 180812. E, assim, seria do “conhecimento de todos que a educação
superior foi instalada [...] de uma forma isolada e desarticulada dos níveis e graus, como decorrência da necessidade de formação de quadros”
10. De agora em diante, salvo exceções: Faculdade(s) de Filosofia; FFCL; USP; ou FFCL/
USP.
11. Para mais detalhes sobre o tema ver: Campos (1954), Nadai (1987), Sawaia (1979),
Adorno (1988), Balbachevisky (1996) e Barros (1959).
12. Entre os vários autores que discutiram o assunto ver, entre outros: Cunha (1986),
Nadai (1987), Schwartzman (1979), Alonso (2002), Barros (1959), Coelho (1999),
Haidar (1972) e Iglésias (2000).
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Dos “discursos fundadores” à criação de uma “memória coletiva”
(Nadai, 1983, p. 3). Embora pareça facilmente convincente esta interpretação, porque, evidentemente, representa uma análise cuidadosa sobre
o assunto, na verdade acaba, senão por desconsiderar outros caminhos,
no mínimo a reduzir a complexidade do processo.
O contexto social no qual foi criada a USP talvez seja representativo
para justificar esse apontamento. Porque pensar a criação de uma universidade no estado de São Paulo esteve relacionado às discussões da Câmara
dos Deputados e permaneceu na pauta de vários intelectuais, desde, pelo
menos, o final do século XIX. A primeira tentativa de implantação de
uma universidade, chamada Universidade de São Paulo, ocorreu nos anos
de 1910, com caráter particular e não público. Por diversos motivos a
iniciativa foi criticada e não se desenvolveu: faltavam alunos e em algumas cadeiras não havia professores (Nadai, 1987). Porque também, entre
as décadas de 1930 e 1950, procurava-se ainda definir a identidade da
instituição, criada em 1934, agora com caráter público. Evidentemente,
muitas universidades foram criadas nesse período.
Em 1930 havia no país duas universidades em funcionamento: a Universidade do Rio de Janeiro, criada em 1920 por decisão do governo federal,
e a Universidade de Minas Gerais, formada em 1927, como realização do
governo desse estado. Além delas, foram criadas mais três após a reforma de
1931: a Universidade do Rio Grande do Sul que obteve o seu reconhecimento
em 1934; a Universidade de São Paulo (USP), formada em 1934, durante o
governo de Armando de Salles Oliveira e a Universidade do Distrito Federal
(UDF), organizada por Anísio Teixeira em 1935, quando Pedro Ernesto era
prefeito do Rio de Janeiro. Tanto na USP quanto na UDF, existia uma FFCL
[Gomes, 2002, p. 421].
Mas o que nos interessa é demonstrar que os protagonistas participantes na criação da USP, para justificarem a fundação da instituição,
procuraram cobrir toda a história nacional, com vistas a reconstituir o
processo histórico, segundo seus próprios fins. Para alcançarem esses
objetivos, entretanto, foram obrigados, inevitavelmente, a indicarem os
momentos decisivos, em que projetos de criação de universidades foram
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pensados no Brasil e as razões que promoviam a dissolução daquelas
iniciativas. As formaturas foram, assim, momentos propícios para celebrarem a realização de um projeto e, com isso, se aproveitar à ocasião
para formularem um “discurso fundador” sobre os acontecimentos, que
dariam margem à execução das iniciativas que resultariam na criação de
uma universidade no estado de São Paulo.
Quando, em 1934, foi criada a USP muito já se tinha discutido sobre
o que era a universidade e qual a sua função. Para Francisco Campos
(1891-1968), ainda no início dos anos de 1930, a universidade era entendida como uma “unidade administrativa e didática que reun[iria], sob
a mesma direção intelectual e técnica, todo o ensino superior, seja o de
caráter utilitário e profissional, seja o puramente científico e sem aplicação imediata” (Campos, 1940, p. 60). O mesmo entendimento sobre a
universidade era tido pelo grupo que se convencionou caracterizar como
movimento por uma Escola Nova (Cunha, 1992). Diversos intelectuais
participariam daquele grupo, dentre os quais, Fernando de Azevedo,
Anísio Teixeira (1900-1971), M. B. Lourenço Filho (1897-1970), Roquette Pinto (1884-1954), Sampaio Dória (1923-1964), Paschoal Leme
(1904-1997), Afrânio Peixoto (1876-1947) e o próprio Júlio de Mesquita
Filho. Antes de serem organizadas as primeiras universidades no Brasil,
alguns daqueles intelectuais participaram de importantes reformas no
ensino. Sampaio Dória foi responsável pela reforma de 1920, em São
Paulo. Lourenço Filho pela reforma de 1922 no Ceará. Fernando de
Azevedo foi, ao lado de Paschoal Leme, que fazia parte de sua equipe,
responsável pela reforma de 1927 no Distrito Federal13.
Embora seja Francisco Campos considerado adepto da Escola Nova,
assim como outros pedagogos da década de [19]20, incluindo Fernando de
Azevedo, e tendo realizado a reforma do ensino primário e normal em Minas Gerais [quando secretário do interventor no governo do estado, Antônio
Carlos (1926-1930)], a partir desta postura pedagógica, isto não impede um
13. Para uma avaliação dessas reformas ver: Mate (2002) e Piletti (1982).
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Dos “discursos fundadores” à criação de uma “memória coletiva”
posicionamento político e ideológico, que guarda grandes diferenças com
o “sistema de princípios” que preside o projeto da Comunhão [paulista do
grupo ‘do Estado]. É Francisco Campos defensor das instituições políticas
vigentes na década de 20: defende, quando deputado federal [por Minas
Gerais entre 1922 e 1926], o regime de estado de sítio, as medidas de exceção e repressão contra as manifestações militares de protesto às instituições
vigentes; é opositor das manifestações tenentistas e do programa político de
Assis Brasil. Coloca-se contra a autonomia dos municípios e dos estados e
defende o fortalecimento do Poder Central. É contra o voto secreto, o sistema
de partidos e os parlamentos, propondo a iniciativa e o monopólio da legislação
pelo Poder Executivo [Cardoso, 1982, pp. 101-102].
Nos anos de 1930, o movimento diversifi cou sua ação, indo
parte do grupo para gabinetes estaduais e federais, outra parte para
escolas e institutos normais de formação de professores, e outros se
dirigiram para iniciativas, que pretendiam construir universidades no
país (Rocha, 1990, 2004). Anísio Teixeira foi um dos idealizadores
da Universidade do Distrito Federal, fundada em 1935, e Júlio de
Mesquita Filho e Fernando de Azevedo contribuiriam diretamente na
fundação da USP, em 1934, quando Armando de Salles Oliveira era
o interventor do estado.
Quando foi criada a instituição, segundo o decreto estadual n. 6.283
de 25 de janeiro de 1934, assinado por Armando de Salles Oliveira, aquela
seria a “primeira universidade” criada sob o regime direcionado pelo
“Decreto de 1931” (Cardoso, 1982, pp. 95-126), de Francisco Campos,
então ministro da Educação e Saúde, no qual ressaltaria a compreensão
exposta sobre o que era a universidade. Iriam se agrupar a ela: a Faculdade de Direito (ainda pertencente ao governo federal); a Faculdade de
Medicina (criada pelo governo estadual em 1913); a Faculdade de Farmácia e Odontologia (criada pelo governo estadual em 1899); a Escola
Politécnica (criada pelo governo estadual em 1894); o Instituto de Educação; a Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras (criada pelo decreto
de 1934); o Instituto de Ciências Econômicas e Comerciais (que viria a
ser instalado em 1946); a Escola de Medicina Veterinária (criada pelo
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governo estadual em 1928) e a Escola Superior de Agricultura (criada
pelo governo estadual em 1899)14. Além dessas, englobariam a instituição,
dentre outros: o Instituto Butantã, o Museu de Arqueologia, História e
Etnografia (mais conhecido como Museu do Ipiranga), o Serviço Florestal, o Instituto Biológico, o Instituto Agronômico de Campinas etc. De
acordo com Irene Cardoso, o decreto de criação da universidade trazia
entre os primeiros artigos as seguintes deliberações: a) a formação das
classes dirigentes e a democracia; b) a função primordial da universidade
deveria ser a de afetar a “consciência social”; c) a universidade deveria
estar voltada para a resolução dos problemas da nacionalidade; d) primar
pelos altos estudos e a cultura livre e “desinteressada”; e) buscar a preparação dos jovens ao exercício de todas as profissões, por meio de uma
concepção de divisão do trabalho intelectual, com vistas a organizar os
quadros; f) por fim, ao Estado caberia a manutenção da educação, nesta
instituição (Cardoso, 1982, pp. 122-123).
Assim, para aqueles protagonistas uma pergunta talvez tenha sido
crucial: quais as condições que possibilitaram a criação da USP na década de 1930?
Sem dúvida esse questionamento (como outros similares) serviu de
base para que Júlio de Mesquita Filho e Fernando de Azevedo construíssem um relato convincente sobre a fundação da instituição, entre as
décadas de 1930 e 1950, a partir da repetição de um discurso proliferado,
em especial, nos momentos comemorativos da instituição. Para ambos15,
o fato de ter sido convocado, em 1933, Armando de Salles Oliveira16
14. Para mais detalhes consultar: Nadai (1987) e Cardoso (1982).
15. Oração do paraninfo Júlio de Mesquita Filho In: Anuário da Faculdade de Filosofia,
Ciências e Letras 1936, 1937, pp. 198-206; Discurso do paraninfo Júlio de Mesquita Filho. In: Anuário da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras, 1939-1949,
2v., 1953, pp. 273-283; Discurso do paraninfo prof. dr. Fernando de Azevedo. In:
Anuário da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras, 1950, 1952, pp. 56-70.
16. Nasceu em 24 de dezembro de 1887 na cidade de São Paulo. Filho de comerciante
português, também envolvido com o negócio de exportação de café. Fez seus estudos primários e secundários na capital do estado, fazendo em seguida o curso de
engenharia civil na Escola Politécnica de São Paulo. A partir de 1908, com a morte
dos pais, trabalhou em vários projetos, com a construção de trechos da Mojiana.
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(aquela altura cunhado de Júlio de Mesquita Filho e diretor de o jornal O
Estado de S. Paulo), como interventor do estado de São Paulo, a convite
de Getúlio Vargas, então presidente da República, foi-lhes decisivo na
viabilização do projeto que daria o formato da futura universidade.
Mas se foram aquelas circunstâncias precisas que favoreceram a
execução do empreendimento, o projeto que deu forma a iniciativa, em
contrapartida, era fruto das discussões efetuadas pela intelectualidade
paulista, desde, pelo menos, a década de 1920.
Na década de 20, enquanto Júlio de Mesquita era ainda diretor-presidente
de O Estado de S. Paulo, Júlio de Mesquita Filho era secretário do jornal (cargo
que assumiu em 1921) e Francisco Mesquita, seu irmão, gerente. Os redatores
principais eram Nestor Rangel Pestana e Júlio de Mesquita Filho. Armando
de Salles Oliveira já era um dos diretores da Sociedade Anônima desde 1914,
ao lado de Júlio Mesquita, pai. Com a morte deste, em 1927, Armando de
Salles Oliveira tornou-se presidente da empresa e Júlio de Mesquita Filho,
diretor do jornal. São redatores, nesta época, Plínio Barreto, Paulo Duarte,
Léo Vaz, Amadeu Amaral e Vivaldo Coaracy. Fernando de Azevedo ingressou
na redação em 1923, permanecendo até 1926 [Cardoso, 1982, p. 43].
Para Irene Cardoso (1982), que inventariou uma parte daquelas
discussões, as relações da intelectualidade se mantinham presentes
Destacava-se como engenheiro e empresário, quando do casamento com Raquel
de Mesquita, filha de Júlio de Mesquita, com quem fez sociedade em O Estado
de S. Paulo. Lá conheceu Júlio de Mesquita Filho, Fernando de Azevedo e Rangel
Pestana. Antes de se tornar interventor do estado (entre 1933 e 1936), foram interventores: João Alberto Lins de Barros (que permaneceu entre novembro de 1930 até
13 de junho de 1931), Laudo Ferreira de Camargo (que ficou até 13 de novembro
de 1931), Manuel Rabelo (até o final de 1931), Pedro de Toledo (nomeado em 2
de março de 1932 permaneceu até o início de 1933). Entre o final de 1932 e início
de 1933 foram solicitadas eleições para o estado, mas permaneceram inexistentes
em função da pressão militar. Quando ocorreu a saída de Pedro Toledo ficou no
seu lugar Valdomiro Lima ligado a “Chapa única por São Paulo Único”. Em 14 de
julho Valdomiro Lima foi exonerado do cargo, substituindo-o Manuel de Cerqueira
Daltro Filho. A 17 de agosto de 1933, devido as pressões partidárias do estado,
Armando de Salles Oliveira era nomeado por Getúlio Vargas como interventor do
estado. Para mais detalhes: Abreu (2001, pp. 5.175-5.180).
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principalmente a partir da imprensa periódica, naquele momento centralizada em São Paulo, no grupo de “O Estado”17. Segundo ela, com a
obra de Júlio de Mesquita Filho A crise nacional, publicada originalmente em 1925, que as discussões sobre a universidade se revigoraram.
Porque a obra foi à pioneira de um conjunto de outras que discutiriam
a necessidade de criação no país, de centros de ensino e pesquisa nos
mais variados ramos do conhecimento. E que foi aprofundada, primeiro,
com o inquérito sobre a educação nacional, e paulista em particular,
produzido por Fernando de Azevedo em 1926, a pedido do próprio Júlio de Mesquita Filho, e publicado na íntegra no jornal O Estado de S.
Paulo; segundo, com o manifesto dos pioneiros da educação de 1932,
no qual se reuniria parcela significativa dos integrantes do grupo da
‘Escola Nova’ (Mate, 1991, 2002; Cunha, 1992; Miranda de Sá, 2003;
Rocha, 1990, 2004).
Para o “O ESP” as causas dos problemas políticos com que se defrontava a Nação [...] residiam na ausência das “elites intelectuais” e a superação
desses problemas só se poderia conseguir mediante o forjamento de uma
nova elite à altura das necessidades do país [...] na perspectiva de “O ESP”
um dos fatores determinantes do caos político do país residia precisamente
na ausência de uma elite intelectual, capaz de compreender os problemas de
17. Segundo Irene Cardoso: “‘Grupo do Estado’ corresponde à prática política do
partido, partido que faz aliança com o P.D., mas não se confunde com ele; que se
alia à Aliança Liberal e, nessa condição, é chamado a participar do ‘secretariado do
P.D.’ (Plínio Barreto); que tem um seu representante (ainda Barreto) indicado para a
interventoria em São Paulo, por João Alberto; que tem um representante novamente
indicado e, desta vez, aceito, para a interventoria (Armando de Salles Oliveira); que
assume o governo constitucional de São Paulo (A. S. O.); que lidera a formação do
Partido Constitucionalista e que lança a candidatura de um seu representante para a
Presidência da República (A. S. O.); que participa da União Democrática Brasileira
[...]. O ‘grupo do Estado’ é dissidência do P.R.P. de que se afasta por não se ver
representado, ao lado do P.D., também dissidência [...] o Partido Constitucionalista
e a União Democrática Brasileira, partidos institucionalizados dentro da estrutura
partidária, não são a mera expressão do ‘grupo do Estado’, constituem alianças
feitas sob a liderança efetiva dele” (Cardoso, 1982, p. 45).
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Dos “discursos fundadores” à criação de uma “memória coletiva”
sua época e de dar a eles solução adequada. O preenchimento desse “vazio
intelectual” foi a tarefa que “O ESP” reservou às universidades, por cuja
criação desencadeou intensa campanha [...]. O projeto inicial de Júlio de
Mesquita Filho previa a criação de três universidades – uma ao norte, outra
no centro e a terceira no sul – que seriam responsáveis pela transformação
da mentalidade brasileira. Foi em função desse plano que se fundou a Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da atual Universidade de São Paulo [...].
Assim, a formação de “elites intelectuais”, capazes de discernir e equacionar
os problemas brasileiros, liga-se ao desenvolvimento da consciência nacional
e à própria elaboração da cultura do país. O papel que lhes era reservado, no
plano político e cultural, revestia-se de suma importância, de vez que “O ESP”
entendia que as soluções para os intrincados problemas nacionais deveriam
brotar da educação. Mesmo quando afastados do contato direto com as coisas
da política, caberia a esses intelectuais – a partir da imprensa, da cátedra ou
da literatura – formar e dirigir a massa inculta, forjando a “opinião pública”,
esteio sobre o qual se assentava, na concepção do jornal, o destino político
da nação [Prado, 1974, pp. 98-101].
Quando Fernando de Azevedo ingressou no jornal O Estado de S.
Paulo em 1923, ele já conhecia Júlio de Mesquita Filho. Foi em 1926,
que Fernando de Azevedo organizou um inquérito sobre a educação,
publicado na íntegra no jornal naquele mesmo ano, com o objetivo
de verificar a situação da educação pública paulista, circunstanciar as
relações entre educação e política, e demonstrar que ao Estado caberia
a promoção da educação. Mesmo após sua saída do jornal, em 1926,
continuou-se, nos anos seguintes, a se divulgar notícias e artigos sobre
a universidade e o ensino “secundário” do estado de São Paulo, e depois
de criada a universidade em 1934, o jornal passou a indicar também as
suas contribuições, para resolver parte daqueles problemas educacionais, políticos e econômicos (Bontempi Jr., 2006, pp. 121-158). Nesse
sentido, segundo Irene Cardoso, a universidade “teria basicamente duas
funções dentro da sociedade: formação do professorado secundário e
superior e, ‘função superior e inalienável’, formação, isto é, preparo
e aperfeiçoamento das classes dirigentes” (Cardoso, 1982, pp. 29-30).
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Neste ponto, Jorge Nagle observa de forma semelhante à questão. Para
ele no inquérito de 1926 se acentuava a:
[...] tríplice função dos estabelecimentos universitários, “de elaborar,
ensinar e divulgar as ciências” [...] ao [...] regime universitário atribuíam-se
tarefas de suma importância: o preparo das classes dirigentes [...] a formação do professorado secundário e superior – problema importante devido ao
autodidatismo reinante – e o desenvolvimento de uma obra nacionalizadora
da mocidade – núcleo para o qual convergem os problemas da universidade
e da sociedade [Nagle, 1976, p. 134].
A aproximação dos autores deve-se ao fato de o inquérito ter sido
proposto como parte integrante das ações do grupo de “O Estado”18. A
ação daqueles protagonistas pode ser mais bem analisada quando comparados seus discursos de paraninfos na universidade. Em seu discurso como
paraninfo da primeira turma da Faculdade de Filosofia, na cerimônia
realizada a 25 de janeiro de 1937, não por acaso, junto à comemoração
do aniversário da cidade de São Paulo, Júlio de Mesquita Filho19 ressaltaria a precariedade dos níveis de ensino “primário” e, principalmente,
“secundário”. Para ele, proporcionada pela falta de pessoal qualificado
para atender as necessidades de formação de uma “cultura geral” nos
alunos, e pela falta de salas e escolas para atender ao público crescente de
crianças em idade escolar. A universidade, portanto, cumpriria um papel
fundamental na formação de quadros. Mas, para Júlio de Mesquita Filho,
esse papel se desdobraria na elevação cultural dos alunos, na medida em
que fossem conscientizados da tarefa na qual estavam ligados, quando
fossem ao encontro dos pais, com a função de esclarecê-los sobre o lugar
do estado de São Paulo na “nação brasileira”.
Criava-se, desse modo, com a data comemorativa um momento de
18. Muitos outros autores têm chamado atenção para esse ponto: Mate (2002), Rocha
(2004), Cunha (1992), Prado (1974) e Limongi (1988).
19. Oração do paraninfo Júlio de Mesquita Filho In: Anuário da Faculdade de Filosofia,
Ciências e Letras 1936, 1937, pp. 198-206
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Dos “discursos fundadores” à criação de uma “memória coletiva”
consagração20, no qual o projeto de elaboração de universidades constituiria o ponto central da cerimônia, dispondo na “memória coletiva” das
pessoas que compareceram ao anfiteatro, o enaltecimento de um projeto
dirigido por uma parte da “elite dirigente paulista”, em que se agrupava
“empresários” e “educadores”, desde o final dos anos de 1920 (Limongi,
1989, pp. 111-187; Cardoso, 1982). Nele se reuniram, de um lado, profissionais liberais que viriam a ser conhecidos como o “grupo do jornal
O Estado de S. Paulo” sob o comando de Júlio de Mesquita Filho, e do
outro, com integrantes do que veio a ser denominado “escolanovismo
brasileiro”, no qual se reuniriam, entre outros, Fernando de Azevedo21.
A meta almejada por aqueles homens e mulheres (que compunham o
movimento escolanovista) foi à reconstrução do país, a partir da expansão do ensino ‘primário’ e ‘secundário’ por todo o território nacional
(Nunes, 2001; Cunha, 1992; Bueno, 1987). Dentro desse contexto social
específico, que se deve observar o discurso de Júlio de Mesquita Filho,
paraninfo da turma de 1936 da Faculdade de Filosofia. Nesse discurso,
Júlio de Mesquita Filho, propôs uma maneira para a qual deveria ser
entendida a fundação da USP e de sua FFCL, e, conseqüentemente, os
caminhos que ela deveria seguir. Nas suas palavras:
... não me seria licito equiparar a entrega de diplomas à primeira turma
de licenciados [...] ao ato banal e corriqueiro pelo qual, findo os cursos
regulares, são considerados aptos a exercer as chamadas profissões liberais
àqueles que [se formavam] no Direito, na Engenharia ou na Medicina [...]. As
vossas preocupações são de outra natureza. Não são passíveis de aplicação
imediata as disciplinas em que formastes o vosso espírito. Egressos de uma
Faculdade onde se professa o culto pela ciência, espontâneamente votastes a
vossa vida e a vossa inteligência ao progresso dos conhecimentos humanos
[...] cabe-vos de direito um lugar destacado na comunhão universitária, e
20. Sobre a questão dos níveis de consagração ver: Abreu (1996). Para uma análise da
atuação profissional no setor acadêmico ver: Balbachevisky (1996).
21. Para mais detalhes e análise do assunto consultar, entre outros: Cardoso (1982),
Mate (2002) e Bittencourt (1990).
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a vossa formatura, ultrapassando de muito o significado de uma simples
festividade escolar, marca um etapa decisiva na história do pensamento nacional [...]. Com a vossa licenciatura, pela primeira vez, no decorrer de nossa
evolução, aparece, para atuar nos destinos da nacionalidade, um grupo de
jovens, oriundos de um instituto de alta cultura, cujos diplomas [...] integram
a totalidade das disciplinas de que se constitui o saber humano. Assim, o fato
de vos achardes prontos a preencher a lacuna centenária que nos relegava à
condição humilhante e subalterna de colônia intelectual, passa a assinalar
uma das mais profundas transformações jamais verificadas em nosso meio.
Encerrastes definitivamente um ciclo da nossa existência, para dar início a
outro: o da maioridade cultural22.
Continuava o discurso, expondo as razões pelas quais o Estado de
São Paulo havia estado no centro da economia nacional – com a produção
e exportação de café –, para onde saiu (parcialmente) do cenário, depois
da ‘crise de 1929’ (em meio aos turbilhões internacionais nas bolsas de
valores), quando acabou perdendo força política23, junto com o Estado
de Minas Gerais, em função da “Revolução de 1930” (Fausto, 1997).
Naquelas circunstâncias, segundo ele, o Estado de São Paulo buscou
em vão o retorno “glorioso” por meio da “Revolução constitucionalista
de 1932”, porque era necessária uma transformação, naquele momento,
não apenas estadual, mas em nível nacional. A melhor forma para isso,
prosseguia, era a criação de uma “nova elite dirigente” formada nas
Universidades, para buscar cultivar nas “gerações” de jovens do ensino
“primário” e “secundário” a “consciência nacional”. Por “elite dirigente”
entendia um conjunto de indivíduos de origens diversas, mas detendo
posições econômicas e políticas significativas no interior da sociedade,
a partir das quais atingiam setores de comando estatal, onde as decisões
do Estado e da Nação eram tomadas. Mas, já nesse momento, não via
22. Oração do paraninfo Júlio de Mesquita Filho In: Anuário da Faculdade de Filosofia,
Ciências e Letras 1936, 1937, p. 198.
23. Para uma análise dos desdobramentos políticos, econômicos e sociais daquele período consultar, entre outros: Cano (1998a, 1998b), Mello (1998) e Arruda (2001).
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mais a “elite dirigente”, somente enquanto proveniente da reprodução
dos próprios grupos políticos e econômicos no poder, mas enquanto
um grupo diversificado que tinha como ponto em comum originar uma
“elite dirigente”, por meio do ensino oferecido em escolas “primárias” e
“secundárias” (Miceli, 2001; Cardoso, 1982). Na verdade, muito poucos
jovens atingiam o ensino superior, e por isso o público alvo daquela iniciativa foram às crianças e jovens do ensino “primário” e “secundário”,
as quais deveriam proliferar aqueles ensinamentos dentro do ambiente
familiar, no qual a maioria dos pais não sabia ler ou escrever (Cunha,
1992; Bueno, 1987). Portanto, para São Paulo voltar à sua posição de
“locomotiva do país” deveria antes de tudo alfabetizar a população do
Estado. Evidentemente, Júlio de Mesquita Filho, não se referia a uma
efetiva reestruturação da educação pública e privada. O seu interesse
era na formação de “novos quadros” para o ensino – em que até aquele
momento se dirigiam os “derrotados” das profissões liberais – com o
objetivo de suprir, além das necessidades de formação de pessoal qualificado, dirigir a população os caminhos que “efetivamente” deveriam
ser tomados pelo Estado. Daí, para ele, a importância do professor secundário: “formar grupos dirigentes”. Quer dizer: capacitar a população
para conhecer as alternativas que deveriam ser tomadas pelo Estado e
preparar as próximas gerações de “grupos dirigentes”, que receberiam
a etapa final de sua formação nas universidades. Diz ainda:
Sabeis o que representa para um povo o ensino das humanidades. Não
desconheceis que dêle depende principalmente a maior ou menor aptidão dos
povos para conservar a própria independência, senão o lugar que porventura
venham a ocupar na hierarquia internacional. É [...] de capital importância
para as nacionalidades a organização de um ensino secundário capaz de
suscitar valores e capacidades em condições de constituir uma sólida elite
dirigente [...]. Para os advogados sem causas reserva[vam]-se as cadeiras
de português, de história, de lógica e de psicologia. Nunca conseguira um
engenheiro um trecho de estrada ou a construção de uma ponte? Dava-se-lhe
no ginásio mais próximo, como ficha de consolação, a cadeira de álgebra
ou de física, de desenho ou de aritmética. Ao médico destituído de clientela
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cabia lecionar química ou as ciências naturais [...] eu vos dizia, há pouco,
que, entre as múltiplas tarefas que vos incumbe realizar, está na primeira
plana o dever de substituir o conceito do saber por um outro: o do saber
posto ao serviço da coletividade [...] tendes por principal missão criar um
ideal, uma consciência coletiva ou, para falar a linguagem da época, tendes
por principal missão criar no espírito da juventude e instilar-lhe na alma
coletiva a mística nacional [...]. Sois, na quási totalidade, nascidos em S.
Paulo; e, se porventura alguns de vós aquí não viram pela primeira vez a luz
do sol, dentro de nossas fronteiras formaram o seu caráter e amadureceram
para a vida do pensamento. Nessas condições, basta que volvais o olhar
para o passado, basta que vos apliqueis a penetrar o verdadeiro sentido da
nossa história, para que não vos assalte sombra de uma dúvida sobre a rota
a indicar às gerações de amanhã24.
Assim, a fala de Júlio de Mesquita Filho veio destacar como uma
das principais funções da USP e de sua FFCL, a formação de pessoal
qualificado para suprir as necessidades do ensino público e privado oferecido até aquele momento no nível “primário” e “secundário” das escolas
federais, estaduais, municipais, religiosas ou fundadas por imigrantes
(Bittencourt, 1990; Bueno, 1987; Tanuri, 1973). Mesmo que, desde 1925,
com a publicação do texto A crise nacional, Júlio de Mesquista Fillho já
viesse esboçando tais idéias, foi apenas depois de 1930, com as reviravoltas do sistema político e econômico, que o projeto ganhou contornos
mais definidos (Bontempi Jr., 2001). Para Júlio de Mesquita Neto:
[...] quase todos se esquecem de que o projeto da Universidade e da
Faculdade de Filosofia, tal qual sonhado em 1925 por Júlio de Mesquita
Filho e publicado em ‘A crise nacional’, consistia não apenas em criar um
centro de investigação científica, mas também de formação de professores
capacitados para o ensino secundário. Mais ainda, esquece-se de que o ensino na Universidade de São Paulo e na Faculdade de Filosofia era público
24. Oração do paraninfo Júlio de Mesquita Filho. In: Anuário da Faculdade de Filosofia,
Ciências e Letras 1936, 1937, pp. 203-205.
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e gratuito [com exceção de matrículas em exames de ingresso] e que uma
das obsessões de Júlio de Mesquita Filho e de Armando de Salles Oliveira
era que o ensino secundário fosse de alto nível e para isso bem remunerado.
[Em seguida ressalta que as idéias de] Júlio de Mesquita Filho sobre a crise
nacional, expostas em 1925 [...] são o alicerce sobre o qual se construirão a
Universidade e a Faculdade de Filosofia. Não havia questão de hegemonia
paulista em 1925; havia consciência, isto sim, de que contribuição São Paulo
poderia dar para auxiliar o Brasil a superar suas dificuldades [Mesquita Neto
in Freitas, 1993, pp. 12-13].
Júlio de Mesquita Neto (1922-1996), não entendia, por isso, porque
foi proliferada uma outra “memória coletiva” sobre aqueles acontecimentos. Na verdade, Mesquita Neto, não teve contato direto com os
discursos e as ocasiões a que vinha participando Júlio de Mesquita
Filho, depois de fundada a Universidade – o que lhe possibilitaria verificar como a proposta de 1925 se adequou as características da década
de 1930.
Quando, em 1945, foi novamente paraninfo de outra turma de formandos, Júlio de Mesquita Filho lembraria que não:
[...] vos terá passado [...] despercebida a importância que vimos emprestando em nossa exposição ao ensino secundário. É que formamos da
universidade um conceito integral. Concebemo-la como um todo orgânico,
que, acompanhando o adolescente nos bancos ginasiais, só o restitui a sociedade, completada a sua formação intelectual, após os cursos do chamado
ensino superior. Qualquer distinção fundamental que se pretenda estabelecer
entre as duas fases do processo educativo não encontraria base na natureza
essencial do sistema. E era o que sempre tivemos em vista ao estabelecer as
linhas mestras do plano primitivo da nossa Universidade. [Para ele os órgãos]
em que se subdividiriam o organismo na sua totalidade, seria uma resultante
das necessidades da nação, das suas aspirações culturais, respeitadas, é claro,
e como acabais de ver pelo que já ficou dito, as nossas tradições [Mesquita
Filho, 1969, pp. 184-185].
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Tarefa semelhante foi incluída na fala de Fernando de Azevedo25,
na cerimônia de formatura realizada em 1950. Assim, indicando que a
repetição e a proximidade de objetivos faziam parte de um projeto em
comum defendido tanto por Júlio de Mesquita Filho, quanto por Fernando de Azevedo. Para ambos o papel de Armando de Salles Oliveira foi
fundamental não apenas na construção da universidade, mas também no
desenvolvimento da instituição.
O próprio Armando de Salles Oliveira avaliaria sua intervenção
no estado diante da Assembléia Legislativa de São Paulo, em 1937, da
seguinte maneira:
O ensino é hoje, em São Paulo, um apparelhamento complexo, que vae
das formas rudimentares adaptadas aos meios ruraes á organização grandiosa
de sua Universidade [...]. A escola e o voto são as armas das democracias
– serão as grandes armas do Brasil. No governo de São Paulo, disseminei
escolas e respeitei o voto. Por isso, ainda que não tivesse realizado as obras
que realizei, teria feito um genuíno governo para o povo26.
Em discurso pronunciado no Theatro Municipal de Belo Horizonte,
a 16 de agosto de 1937, acrescentaria as suas realizações que:
Nunca será demais repetir que as universidades, qualquer que seja o logar
do paiz em que se ergam, devem ser criadas para exercer sua influencia, não
sobre uma região, mas sobre toda a nação. Essas instituições, que não podem
subsistir sem um sólido systema de educação secundaria, têm o objetivo de
cultivar as sciencias, ajudar o progresso do espírito humano e dar á sociedade
elementos para a renovação incessante de seus quadros scientificos, culturaes,
technicos e políticos27.
25. Discurso do paraninfo prof. dr. Fernando de Azevedo. In: Anuário da Faculdade
de Filosofia, Ciências e Letras, 1950, 1952, pp. 56-70.
26. Armando de Salles Oliveira. In: Annaes da Assembléia Legislativa do Estado de
São Paulo. Sessão ordinária de 1937. São Paulo: Industria Gráfica Siqueira S. A.,
1953, v.1, p. 985 e 992.
27. Discurso pronunciado no Theatro Municipal de Belo Horizonte, em 16 de agosto de
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Muitos anos depois, em entrevista concedida a Sônia de Freitas
(1992), Antônio Candido de Mello e Souza (1918 - )28 assim se lembraria
daquele momento:
A Universidade [...] nasceu realmente de um projeto político de setores
esclarecidos da classe dominante, e seu idealizador, a pessoa que mais lutava,
que mais tinha vontade de que houvesse uma Universidade em São Paulo, foi
Júlio de Mesquita Filho. Isso foi possível quando o cunhado dele, Armando
de Salles Oliveira, se tornou interventor federal, quer dizer, o homem que
dirigia o Estado. Tendo os instrumentos políticos na mão, os referidos setores esclarecidos das classes dirigentes de São Paulo realizaram o projeto da
Universidade, que acarretou a criação da Faculdade de Filosofia, Ciências e
Letras. Júlio de Mesquita Filho disse mais de uma vez que eles desejavam que
São Paulo, derrotado pelas armas em 1932, recuperasse a sua força através
da cultura. É curioso que, numa espécie de paranóia de classe, ele compara
a situação de São Paulo com a situação da França, depois de derrotada pela
Alemanha em 1870, como se fosse um país. Acho que esta é a versão mais
próxima da realidade: um projeto político, a fim de equipar o Estado com
os instrumentos culturais necessários para ele assumir em nível elevado a
liderança da Federação [Melo & Souza in Freitas, 1993, pp. 35-36].
1937. In: Annaes da Assembléia Legislativa do Estado de São Paulo. Sessão ordinária
de 1937. São Paulo: Industria Gráfica Siqueira S. A., 1953, v.1, pp. 993-994.
28. Essa não foi à primeira ocasião em que Antônio Candido se referiu ao tema. Muitos
anos antes, em 1947, quando foi paraninfo de uma turma de formandos da FFCL,
assim já percebia a questão: “Nas Faculdades jovens, como a nossa, as distâncias
entre professôres e alunos são, felizmente, pequenas, porque todos têm o sentimento
vivo de participar, lado a lado, na construção de alguma coisa que não adquiriu
contornos definitivos; a tradição ainda não ergueu, em nossa casa, as barreiras
segregadoras do status, as pequenas querelas de precedência e as grandes vaidades
catedráticas. [...] No conjunto das vocações universitárias, pertence-vos a do magistério secundário – convicção de grandeza intelectual de um povo. Independente
da pesquisa e da criação, que também definem a Faculdade de Filosofia, é como
professôres que nos apresentaremos à comunidade universitária e à sociedade do
nosso país, e é nessa qualidade que tanto se espera de nós”. In: Oração do paraninfo
Antônio Cândido de Mello e Souza. In: Anuário da Faculdade de Filosofia, Ciências
e Letras, 1939-1949, 2v., 1953, p. 283.
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Os “discursos fundadores” pelos olhares de outros
protagonistas
A participação de Armando de Salles Oliveira, entretanto, não era
vista com tamanha contribuição por outros protagonistas, seja na efetivação do projeto de criação da universidade no estado, seja quanto à
melhoria e a expansão dos níveis de ensino. O mesmo vale, para o papel
desempenhado por Júlio de Mesquita Filho e por Fernando de Azevedo,
que para muitos foi secundário, se comparado a história da universidade
no Brasil.
Alfredo Ellis Júnior (1896-1974), por exemplo, então Deputado da
Câmara Estadual e vinculado ao Partido Republicano Paulista (o PRP),
observava da seguinte forma a sua intervenção no estado:
[...] a administração do sr. Armando de Salles Oliveira fez crescer a
dívida interna consolidada e a dívida interna flutuante, as quaes subiram nas
proporções phantasticas de 200 e 300%, crescendo egualmente em proporções
formidáveis a dívida externa, em virtude da queda do câmbio, ao qual ainda
estamos amarrados na nossa vida financeira29.
Não era apenas uma disputa partidária. Alfredo Ellis Júnior diferenciava-se do grupo de O Estado, também sob a análise do processo.
Para ele o:
[...] dr. Armando de Salles Oliveira, quando era Interventor, em 1935,
para ‘fazer bonito’ para os outros Estados brasileiros em propaganda da sua
futura candidatura á Presidência da República [depois cancelada, por causa do
golpe de 1937], creou, de uma só vez 1.024 [...] escolas públicas. Mal sabem
os nossos ilustres patrícios que essa proeza foi feita com grande sacrifício
para o misero professor paulista, á custa da reducção dos seus minguados
29. Alfredo Ellis Júnior. 25ª sessão ordinária em 9 de agosto de 1937. In: Annaes da
Assembléia Legislativa do Estado de São Paulo. Sessão ordinária de 1937. São
Paulo: Industria Gráfica Siqueira S. A., 1953, v.1, p. 531.
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Dos “discursos fundadores” à criação de uma “memória coletiva”
vencimentos de rs. 400$000 para 300$000 no Estado que se diz o ‘leader’ da
Federação. Introduziu no magistério [...] a famosa classe de estagiários que
não têm direito a cousa alguma na vida30.
Alfredo Ellis Júnior, antes de eleito deputado, era professor secundário de História da Civilização em colégios da cidade de São Paulo.
Ressaltava corriqueiramente sua trajetória, nas sessões da Câmara. Manifestava abertamente seu “orgulho” em “ser paulista” e:
[...] desde 1935 que venho dizendo em successivos discursos, que o nosso
magno objectivo na guerra de 1932 foi tirar uma satisfacção contra a oppressão
que a dictadura [...] baixava sobre nós, desde 1930 [...] queríamos lavar a nossa
cara! [...]. Queríamos nos reabilitar perante nós mesmos [...] outro objectivo
era a conquista do regimen constitucional. Elle nos daria a autonomia que
nos fôra arrancada em 1930 naquella tragédia que se iniciava soturnamente
[...] quer por meio da palavra quer por meio das armas31.
Esse quadro nos leva inevitavelmente a questionar como esses
discursos foram recebidos e interpretados por outros protagonistas no
período, principalmente aqueles que estiveram próximos à universidade. Na maioria dos casos notou-se que esses discursos eram pouco
conhecidos. Eram discutidos apenas quando os protagonistas os haviam
escutado. No caso destes, porém, as indagações não ficavam tão somente
sobre o que permitiu a criação da instituição, mas se desdobravam em:
qual a história do ensino superior brasileiro e o que o diferenciava de
outros países? Porque a criação de universidades no Brasil foi tardia?
E, finalmente, como deveria ser pensado o papel das universidades no
país? (Ferreira, 2002).
30. Alfredo Ellis Júnior. Leitura da carta ‘Os estagiarios’ na 28ª sessão ordinária em 12 de
agosto de 1937. In: Annaes da Assembléia Legislativa do Estado de São Paulo. Sessão
ordinária de 1937. São Paulo: Industria Gráfica Siqueira S. A., 1953, v.1, p. 604.
31. Alfredo Ellis Júnior. 14ª sessão ordinária em 27 de julho de 1937. In: Annaes da
Assembléia Legislativa do Estado de São Paulo. Sessão ordinária de 1937. São
Paulo: Industria Gráfica Siqueira S. A., 1953, v.1, p. 320.
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Verificou-se que nem sempre eram conhecidos os discursos de um
paraninfo para outro. Mesmo no que dizia respeito ao conhecimento da
publicação de obras de um para o outro, que se davam, em geral, fora
da universidade, os discursos tocavam pouco (e na maioria das vezes
nada) no assunto. Por exemplo, Ernesto de Souza Campos (1882-1970),
médico, professor de ensino superior durante vários anos, foi convocado
pela turma de formandos de 1938 a ser o paraninfo, convite a que concordou de imediato. Em sua fala alertava que não se devia apenas viver
do passado, mas pensar caminhos para o futuro. Embora as Faculdades
de Filosofia estivessem cumprindo seu papel ao formarem “professôres
para o magistério secundário”, o campo da pesquisa acadêmica estava
pouco desenvolvido, contando ainda com o “intercâmbio científico com
o estrangeiro” para colher seus frutos. A USP não era a mais antiga no
país “mas ocupava excelente posição entre as suas congêneres brasileiras
[...] ela não se limitou, na sua formação, a um simples agrupamento de
escolas superiores. Com ela se criou o núcleo fundamental que é esta
Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras”32. Assim, considerava importante observar a experiência de outros países.
Harvard [nos EUA] já celebrou o seu terceiro centenário. Vem de 1636.
Conta hoje a América do Norte 81 grandes Universidades em uma percentagem de 21% sôbre as 356 existentes no globo. Em relação à população, tem
uma para cada 1.628.000 habitantes. É o país mais rico em Universidades.
São também bem antigas as outras Universidades da América. Entre as 14
do Canadá, a mais velha vem de 1800, datando a mais moderna de 1912. No
México, a ‘Universidad Nacional’, criada com a denominação de real e pontifícia, em 1553, foi renovada em 1910, tornando-se autônoma em 1922. Das
cinco Universidades argentinas, a mais antiga, que é a de Córdoba, formou-se
ainda sob o domínio de Espanha. A de Bogotá, na Colômbia, vem de 1622;
a de Quito, no Equador, de 1640. Santiago, no Chile, marca a sua fundação
de 1838; Montevidéu, de 1849. Mesmo nas repúblicas que resultaram da
32. Oração do paraninfo Ernesto de Souza Campos. In: Anuário da Faculdade de
Filosofia, Ciências e Letras, 1939-1949, 2v., 1953, p. 190.
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Dos “discursos fundadores” à criação de uma “memória coletiva”
fragmentação política da América Central, são antigas as Universidades. A de
Guatemala, fundada pelo Supremo Conselho das Índias, tem sua origem em
1675; a de Honduras provém de 1847. [...] Fora da América, outros países,
novos como o nosso, cuidaram destas instituições desde épocas remotas.
Sidney começou em 1850, Melbourne, três anos depois, Adelaide, em 1874.
Na Nova Zelândia a mais antiga é de 1869. Na África do Sul elas se instalaram desde 1881. O Brasil, com seus 40 milhões de habitantes, só cogitou
dêste assunto em 1920. Entre os países da América foi o último a tratar dêste
problema. Por isso, hoje só temos 4 Universidades, quando a Argentina, com
13 milhões, tem cinco, o Canadá, com 9 milhões, 13, a Austrália, 6 para os
seus 6 milhões e meio de habitantes e a Nova Zelândia, 3 para uma população
de 1 milhão e quinhentos mil33.
Em seu exame, Ernesto de Souza Campos, comparava a situação do
Brasil com a de outros países. Inferia que aqui as universidades ainda
não haviam tido a devida atenção, como ocorria em outros lugares. Para
demonstrar a sua afirmação procurava historiar as tentativas de execução
de tal empreendimento, e que tiveram início na América Portuguesa
(depois no Brasil independente), a partir do século XVI, quando padres
jesuítas tentaram instalá-las aqui. O movimento, entretanto, foi desfeito
quando o Marquês de Pombal, no século XVIII, decretou a expulsão
destes (Da Cás, 1996).
A segunda tentativa de criação de uma Universidade foi estabelecida nos
planos da Inconfidência Mineira. As referências são encontradas em vários
documentos que fazem parte dos ‘Autos de devassa da Inconfidência Mineira’.
Depois essas tentativas se foram sucedendo, sempre sem êxito, tôda a vez que
um grande acontecimento se registrava na história do país. Com a mudança
de sede da monarquia portuguêsa, o comércio da Bahia, interessado em que
se estabelecesse naquela cidade a sede do govêrno da metrópole, ofereceu-se
para construir o palácio real, reservando, ainda, a soma de 80 contos, con-
33. Oração do paraninfo Ernesto de Souza Campos. In: Anuário da Faculdade de
Filosofia, Ciências e Letras, 1939-1949, 2v., 1953, pp. 191-192.
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siderável naquele tempo, para que se fundasse ali uma Universidade. Foi a
terceira investida. Não aceitou o Príncipe Regente nem uma, nem outra oferta,
fazendo-se de velas para o Rio de Janeiro [onde desembarcaria em 1808]34.
A quarta tentativa ocorreu quando o Brasil foi elevado à categoria
de reino, depois de 1808. Mas a proposta foi rejeitada, em 1816, pela Assembléia Constituinte. Segundo Ernesto de Souza Campos as esperanças
foram renovadas a partir da Independência. Mas em função de disputas
políticas, em torno de onde seria instalada a universidade, novamente
o projeto seria silenciado. Para ele iniciava uma ‘vitória incompleta’
quando começaram a serem criadas escolas médicas (uma na Bahia e
outra no Rio de Janeiro em 1808), escolas de engenharia e “os cursos
jurídicos de São Paulo e Olinda [a 11 de agosto de 1827]”. Segundo ele,
apresentava-se, na década de 1840, outros projetos de reformas gerais do
ensino, mas todos foram engavetados. Com tantas tentativas, encerrarse-ia o século XIX com mais de dez, todas elas desfeitas. Terminada
a Monarquia, nos primeiros anos da República nada de significativo
alterou a situação. Fato, que segundo este, só se reverteria na década de
1920, quando as primeiras tentativas de criação de universidades foram
realmente concretizadas.
No início dos anos de 1930, com a emenda “Roquette Pinto”, exigiase para a instalação de universidades o agrupamento, ou criação, de pelo
menos três escolas superiores, sendo uma das quais, a Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras. Na década de 1930, só eram encontradas em São
Paulo (com uma na recém-criada USP) e no Rio de Janeiro (com uma na
Universidade do Distrito Federal (UDF), depois anexada à Universidade
do Brasil, criada em 1939, em função da extinção da UDF). Outras foram
inauguradas, nos anos de 1930, mas tiveram vida curta (provavelmente
por terem sido empreendimentos privados). Assim, em sua fala lembraria
mais a história do ensino superior no Brasil, do que o empreendimento
realizado nos anos de 1930 pelo grupo de O Estado.
34. Oração do paraninfo Ernesto de Souza Campos. In: Anuário da Faculdade de
Filosofia, Ciências e Letras, 1939-1949, 2v., 1953, p. 198.
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Dos “discursos fundadores” à criação de uma “memória coletiva”
O mesmo caminho foi escolhido por Afonso d’Escragnolle Taunay
(1876-1958), em 1939, quando foi o paraninfo da turma de formandos.
Para ele:
As velhas faculdades superiores que vieram da colônia, as academias
militares de guerra e de marinha, as escolas de medicina e a de belas artes,
todas ainda de fundação joanina, desdobraram-se na época imperial como se
deu com as faculdades médicas, a separação do ensino da engenharia militar
do da civil, a fundação dos cursos jurídicos de São Paulo e Olinda, da Escola
de Minas de Ouro Preto.
Veio a República encontrar um aparelhamento de ensino superior constante de um número de órgãos já assaz vultuoso e subdividido em diversas
especializações.
[...]
A reforma da instrução pública, em 1915, decretada na presidência
Wenceslau Braz, sob a inspiração do Ministro Carlos Maximiliano, previa a
criação da Universidade do Brasil que só foi levada a efeito em 1924, sob a
presidência Epitácio Pessoa.
Mas esta criação nada mais era do que um esbôço de regime universitário.
Sob a presidência de Getúlio Vargas, em 1932, caberia ao ministro da
educação Dr. Francisco Campos o grande mérito de dar ao nosso ensino superior a organização ora vigente, sob um estatuto que, sem favor algum, é obra
obediente a tão sólido critério quanto elevado conhecimento das condições
universitárias universais.
[...]
Não era possível, de início, certamente, estabelecer cursos minudentemente especializados como os que constituem os elencos da atividade anual dos
aparelhos universitários seculares europeus e notadamente americanos.
Impunham as circunstâncias que os nossos programas abrangessem,
sobretudo, as linhas mestras das grandes disciplinas, coordenadas num curso
de aperfeiçoamento cultural35.
35. Discurso do professor Afonso d’Escragnolle Taunay, paraninfo da turma de 1939.
In: Anuário da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras, 1939-1949, 2v., 1953,
pp. 224 e 226-227.
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O seu discurso incluiria apenas algumas palavras a Fernando de
Azevedo, que teria o mérito de incentivar a criação de associações, editoras, bibliotecas e auxiliar na execução do projeto de criação da USP.
Não ressaltava nem a participação de Júlio de Mesquita Filho, nem de
Armando de Salles Oliveira. Sua ressalva se deve, em parte, a sua discordância quanto à contratação de professores estrangeiros, em prol dos
profissionais do país, com a justificativa de que tinham uma formação
“autodidata”. Discordava ainda, sobre a comparação feita por tais pioneiros, de São Paulo se assemelhar a história da Alemanha, nos séculos
XVIII e XIX, e a França pós-187036. Suas obras, naquele momento em
elaboração, refletiam o papel do bandeirante, como em História Geral das
bandeiras paulistas, obra publicada entre 1924 e 1950 em 11 volumes,
e em História do café no Brasil, também em 11 volumes lançados entre
1929 e 1941 (Araújo, 2006). Não foi por acaso, portanto, que ele e sua
obra tenham sido homenageados várias vezes na Assembléia Legislativa
de São Paulo, entre 1936 e 193737; em especial, por Alfredo Ellis Júnior,
autor de, entre outros, Os primeiros troncos paulistas e o cruzamento
euro-americano (de 1936), A nossa guerra (de 1933) – em que ressaltava
as conseqüências da “Revolução de 1930”, para o estado de São Paulo –
e Meio século de bandeirismo (de 1939), tese de cátedra, com a qual se
efetivou na cadeira de História da Civilização Brasileira do curso de
Geografia e História da FFCL/USP, que até então havia sido ocupada por
Afonso de Taunay (Ferreira, 2002), seu “antigo” mestre e amigo.
O mesmo faria Adhemar Pereira de Barros (1901-1969), então
governador do estado, em seu discurso de 1940, para a turma de formandos. Nele lembraria que a Faculdade de Filosofia “não foi incorporada
à organização universitária de São Paulo por mero embelezamento. Os
36. Bontempi Jr. (2001) avança nessa discussão, ao demonstrar a complexa rede de
circunstâncias históricas que viabilizaram a inserção de movimentos católicos e de
direita no interior da instituição, a partir dos anos de 1940, durante a Segunda Guerra
Mundial, e a forma como esse discurso “politizado” era discutido e absorvido por
outros professores e pelos alunos da universidade nesta época.
37. Annaes da Assembléia Legislativa do Estado de São Paulo. Sessão ordinária de
1937. São Paulo: Industria Gráfica Siqueira S. A., 1953, 3v.
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Dos “discursos fundadores” à criação de uma “memória coletiva”
diferentes cursos que a compõem preparam os moços para as finalidades
mais diversas e, ao mesmo tempo, mais necessárias”38. Recordando,
então, a função de qualificação de pessoal para o ensino “secundário”
e para o superior.
Alguns anos depois, o professor André Dreyfus (1897-1952), paraninfo da turma de 1943, iria também lembrar que a Faculdade de Filosofia
“visa[va] dois fins principais: preparar professorado de carreira para o
ensino secundário e estimular a formação de pesquisadores nos vários
campos do saber humano”39.
Em busca de uma “memória coletiva” sobre a
criação da USP
Se, como vimos, os protagonistas do período formularam interpretações diversificadas sobre a origem da instituição, tendo como ponto em
comum observarem a centralidade da Faculdade de Filosofia na formação
de profissionais para o ensino “secundário” e para o superior, no caso
dos alunos formados pela instituição, e que permaneceram nesta como
professores, houve uma similitude de pensamento, devido à maneira
como foram periodicamente relembradas, nas cerimônias de formatura,
as origens e a função da universidade40.
Para João Cruz Costa (1904-1978), por exemplo, orador da primeira
turma de formandos de 1936, no “inevitável desenrolar dos acontecimentos políticos, deram-se os movimentos revolucionários de 1930 e 1932.
38. Discurso do Dr. Adhemar Pereira de Barros, paraninfo da turma de 1940. In: Anuário
da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras, 1939-1949, 2v., 1953, p. 242.
39. Discurso do professor André Dreyfus, paraninfo da turma de 1943. In: Anuário da
Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras, 1939-1949, 2v., 1953, p. 250.
40. No que diz respeito à recepção daquele “discurso fundador” entre os alunos da
instituição, e que contribuíram também com a elaboração da “memória coletiva”
sobre a criação e o desenvolvimento da Universidade de São Paulo, e de sua Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras, além da discussão aqui desenvolvida, ver:
Roiz (2006).
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O que êles mostraram, o que êles ensinaram e o que nos mostrou e o
que nos ensina ainda hoje a experiência de outras nações, é que devemos
cuidar da educação e da cultura do nosso povo, afim de nos aprestarmos
para iniciar uma nova e mais segura rota”41. Portanto, a “nossa missão,
quaisquer que sejam os caminhos que agora tenhamos de trilhar, está
intimamente ligado aos destinos da Universidade. Interessa-nos altamente
a sua existência e a sorte que lhe está reservada, porque o seu destino se
confunde com o nosso. É mister, pois, definir a nossa posição e o nosso
pensamento acêrca da renovação que a Universidade veio operar em
nosso meio”42. Acreditava João Cruz Costa que a função da universidade
não estava somente na formação de pessoal qualificado para o ensino
secundário, mas também na formação de novos quadros de professores
para suprir as próprias necessidades do ensino superior, na medida em
que se procurava nos alunos o desenvolvimento do cultivo pelas ciências
e pela “cultura do espírito”. Para ele esta renovação se dera, quando Júlio
de Mesquita Filho, Fernando de Azevedo e Armando de Salles Oliveira,
então interventor do Estado de São Paulo, se uniram para fundar uma
universidade no estado.
Posição semelhante foi a de Carlos Marques Pinho, licenciado e
orador da turma de 1945, quando relembrou o papel de Fernando de
Azevedo, Júlio de Mesquita Filho e, principalmente, de Armando de
Salles Oliveira (1887-1945) na concretização do projeto de criação da
Universidade de São Paulo. Em suas palavras: “Armando de Salles Oliveira não morreu! Vive imperecìvelmente pelas suas idéias, pelas suas
obras, pela sua sábia conduta de líder democrata sincero, na profissão
de fé, na Democracia e na Honestidade”43.
Em 1949, não contrariando tal “memória coletiva”, o licenciado Roque Spencer Maciel de Barros (1927-1999), orador daquela turma, diz:
41. Discurso pronunciado pelo orador da turma João Cruz Costa em 25/1/1937. In:
Anuário da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras, 1936, 1937, p. 192.
42. Discurso pronunciado pelo orador da turma João Cruz Costa em 25/1/1937. In:
Anuário da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras, 1936, 1937, pp. 190-191.
43. Discurso pronunciado pelo orador da turma de 1945, o licenciado Carlos Marques Pinho.
In: Anuário da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras, 1939-1949, 1953, p. 339.
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Dos “discursos fundadores” à criação de uma “memória coletiva”
E, confrontando a realidade e o sonho, pudemos de fato chegar a um
ideal legítimo de Universidade, pelo qual creio estarmos todos dispostos a
lutar, ainda que árdua seja a nossa luta. Compreendemos, de início, que a
Universidade no Brasil, continua ainda uma aspiração, não um fato. Que êsse
reino de justiça e de razão deve ser construído com sacrifício e persistência,
com luta e desprendimento. Porque ele, indubitavèlmente, é uma necessidade
para o destino cultural e moral do País, como o compreendeu, no momento
oportuno, aquêle que foi grande demais para ter continuadores: Armando de
Salles Oliveira44.
Com argumentos semelhantes, na cerimônia de colação de grau
realizada no Teatro Municipal da cidade de São Paulo, a 27 de dezembro
de 1950, para conferir os títulos de licenciados e bacharéis a mais uma
turma que se formava na FFCL/USP, aproveitava-se o momento para
repetir um ritual de consagração e manter a ‘imagem’ que estava sendo
construída sobre a instituição. Nela participaram como paraninfo o prof.
dr. Fernando de Azevedo e o orador de turma Dante Moreira Leite (19271976), do curso de Filosofia, além, evidentemente, dos convidados e
formandos. Na ocasião, Fernando de Azevedo aproveitava para “reavivar”
as circunstâncias pelas quais passaram os “atores sociais” envolvidos na
construção da instituição, ressaltando o papel que agora cabia “as novas
gerações” continuar por meio de sua atuação profissional. Diz ele:
Não há atmosfera tão impregnada do sentimento de continuidade e de
espírito de renovação como esta em que se envolve a solenidade de hoje, e
que, ultrapassando-os, prolonga os mestres nos discípulos e mantém viva a
idéia de ligação do passado e do presente, na sucessão ininterrupta de gerações
de educadores [...]. Mas, se essas tradicionais festas escolares assumem, por
isto, o caráter de uma cerimônia ritual, por assim dizer religiosa, com que
se alimenta uma fé constante no primado das cousas do espírito e nos fins
44. Discurso pronunciado pelo orador da turma de 1949, o licenciado Roque Spencer
Maciel de Barros. In: Anuário da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras, 19391949, 1953, p. 356.
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superiores da vida, traz a solenidade magnífica desta noite um significado
particular, verdadeiramente agradável a todos os que empenharam suas fôrças
em obter, através da unidade de formação dos mestres, a unidade de espírito
nas escolas normais e secundárias do país. Pela complexidade de sua estrutura,
pela extensão de suas ramificações, a Faculdade de Filosofia que vos confere
o grau de licenciado, visa, certamente, não estancar nenhuma fonte, levar em
conta todos os pontos de vista e despertar o hábito e o gôsto dos horizontes
largos [...]. Para essa função primordial de elevar, aperfeiçoar e renovar, de
concentrar e difundir a cultura, filosófica, literária e científica, é que se fundou,
como parte integrante do sistema universitário, a Faculdade em que terminastes
vossos cursos, nas diversas seções de sua vasta e complexa organização [...] é
dela que os outros institutos, guardadas as suas finalidades específicas, devem
haurir os princípios universais da ciência para os fazer frutificar no campo
da aplicação e da especialização profissional; é por ela, que tôdas as outras
escolas superiores, que se elaboram a inter-penetração e a coordenação dos
conhecimentos humanos, a unidade de espírito na diversidade dos estudos, a
reintegração do saber num tipo de cultura45...
A essa altura, o discurso de Fernando de Azevedo já dispunha de
condições “oportunas” e “favoráveis” para possíveis comparações entre
os anos de 1930, antes da criação da Faculdade de Filosofia, e os anos
de 1940 e início dos anos de 1950, quando esta havia conferido o título
de licenciados para várias turmas de formandos. O seu objetivo foi mostrar a transição na qual passava a sociedade brasileira: de tipicamente
rural e agro-exportadora, para urbana e industrial. E no interior dessa
mudança, assentava-se outra transformação: a expansão do ensino público em escolas oficiais de níveis “primário” e “secundário” (Arruda,
2001). Na reorganização que passava a escola secundária, prosseguia
Fernando de Azevedo, o papel do professor, formado em Faculdades
de Filosofia, apresentava-se essencial para renovar o ensino, que ainda
naquela altura dos anos de 1950 era ministrado, indistintamente, tanto
45. Discurso do paraninfo Prof. Dr. Fernando de Azevedo. In: Anuário da Faculdade
de Filosofia, Ciências e Letras, 1950, 1952, pp. 56-58.
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Dos “discursos fundadores” à criação de uma “memória coletiva”
por não-licenciados (formados em outras áreas), como por licenciados46.
Ressalta ainda:
Mas, a escola secundária, capaz de exercer essa função, na sua plenitude,
não é como sabeis e já tendes a experiência, o tipo de escola que encontrareis
no país, e sôbre o qual, a despeito da transformação parcial dos métodos de
ensino, não passou ainda um sôpro vigoroso de renovação, inspirada no sentido real do humano e mais nìtidamente orientada para a cultura do espírito.
Aquêles, dentre vós, que pretendem dedicar-se ao magistério secundário e
não à pesquisa e às atividades científicas, no domínio dos estudos em que se
especializaram, terão, pois, sôbre os ombros uma tarefa difícil e árdua – a de
contribuir, cada qual na sua disciplina e todos, pela unidade fundamental de
espírito e de métodos, para a renovação do ensino secundário no Brasil. A
essência dêsse ensino virá do seu germe, de suas raízes, do ar que respirou,
de tôdas as secretas influências de escolas como as Faculdades de Filosofia,
mantidas no mais alto nível, de que deve ser o produto vivo, e cujos progressos,
por sua vez, embora dependentes sobretudo do trabalho de seus mestres e do
impulso dado às atividades criadoras, estão ìntimamente ligados, pela base,
aos do ensino secundário, em seu novo espírito e em suas novas formas47.
No seu discurso, Dante Moreira Leite, além de concordar com as
opiniões de Fernando de Azevedo, apontava outro ponto sobre o problema
do ensino secundário: a má compreensão por parte da “sociedade civil”
das funções e das necessidades da pesquisa.
[...] Temos compreendido a inteligência como ato milagroso, capaz de
superar anos de pesquisa metódica [...]. O mesmo acontece com a profissão
que a maioria dos licenciados adota: o professorado. Pois também se julga
que para ensinar determinado assunto, não é, de maneira alguma, necessário
estudá-lo antes [...] não se compreendeu a importância decisiva que tem a
46. Volta novamente a discutir o tema em: Azevedo (1963, 1971).
47. Discurso do paraninfo prof. dr. Fernando de Azevedo. In: Anuário da Faculdade
de Filosofia, Ciências e Letras, 1950, 1952, p. 59.
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formação de escola secundária, mesmo para os que vão seguir uma carreira
liberal. Tem-se firmado a idéia da especialização, como se esta não supusesse, antes, um preparo geral, sem o que, longe de preparar um homem ou
uma mulher as nossas escolas estarão fabricando técnicos incapazes de ser
verdadeiros cidadãos. O resultado dessa estreita concepção do ensino como
preparação para uma carreira, abandonando a educação como preparação para
a vida, é que os nossos alunos saem da escola exatamente como entraram
para ela. Além de um pequeno preparo técnico, não se nota um progresso, por
pequeno que seja, no desenvolvimento da capacidade de pensar as situações
concretas da existência; não se nota em que êsses alunos são superiores aos
que não tiveram possibilidades de preparo escolar. Em outras palavras, o
estudo, nesse caso, foi perfeitamente inútil48.
O fato concreto, portanto, que sobrepunha à fala de ambos foi o lugar
a ser ocupado na sociedade pela FFCL/USP. Quer dizer, em momentos
de transformações generalizadas deflagradas naquelas décadas na sociedade brasileira (como a urbanização repentina causada pelo crescimento
populacional e pelo desenvolvimento industrial, a formação de “novos
estratos sociais” dentro da sociedade, com a incorporação do imigrante
europeu e asiático, e a reestruturação do ensino oficial), qual deveria ser
o posicionamento das instituições de ensino superior, já que desde os
anos de 1930, procurou-se construir uma tradição, onde as Faculdades
de Filosofia, preferencialmente, deviam ser os suportes para a formação
de “grupos dirigentes”? (Nadai, 1991).
Esse foi, efetivamente, o problema que pareceu, de tempos em tempos,
situar-se nos cerimoniais de formatura, e nos discursos de paraninfos e de
oradores de turma. Na cerimônia realizada em fevereiro de 1952, referente à turma de formandos de 195149, Eurípides Simões de Paula (atual
48. Discurso do orador, o Licenciado Dante Moreira Leite. In: Anuário da Faculdade
de Filosofia, Ciências e Letras, 1950, 1952, pp. 73-74.
49. Atraso ocorrido por causa das paralisações daquele ano, em prol das Faculdades de
Filosofia, que estavam em risco, em função de solicitações de “autodidatas” e nãolicenciados, junto ao Congresso Nacional, reivindicando-se paridades entre eles e os
licenciados nos concursos e nas escolas. As greves das Faculdades de Filosofia fizeram
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Dos “discursos fundadores” à criação de uma “memória coletiva”
diretor da Faculdade de Filosofia) foi o paraninfo, ao lado do licenciado,
em ciências sociais, Renato Jardim Moreira, orador da turma. No seu
discurso Eurípides Simões de Paulo (1910-1977) ressaltava que em “1932
[...] um grupo de intelectuais paulistas, chefiados por Alcântara Machado,
fundou a Faculdade Paulista de Letras e Filosofia [...] [indicando] que o
papel desempenhado pelas nossas tradicionais escolas superiores, Direito,
Politécnica, Medicina, já não era suficiente” para subsidiar as necessidades
da sociedade, que estava se tornando mais complexa. Apoiando-se nos
discursos de Júlio de Mesquita Filho, pronunciados em 1936 (quando foi
formando de turma), e outro em 1950, no I Congresso de ex-alunos da
Faculdade de Filosofia (quando já era professor da faculdade), Eurípides
retornou a tradição discursiva para a qual a fundação da Faculdade de
Filosofia, Ciências e Letras e da USP ocorreu “principalmente devido
ao desfecho da nossa Revolução [de 1932]. São Paulo iria agora disputar
a primazia no campo intelectual, já que no terreno político parecia que
perdera hegemonia”. Mas justamente por causa disso “a nossa Faculdade
[nasceu], num ambiente de luta e de incompreensão e, nele, infelizmente,
ainda nos mantemos”. Aí notaria o paraninfo, as sutilezas dos paradoxos
subjacentes a ‘memória coletiva’ que foi construída sobre aqueles eventos
históricos, ao ressaltar a diversidade de interpretações que acabaram sendo
elaboradas entre ex-alunos e professores. Também notava a divisão entre
os favoráveis e os contrários a iniciativa da fundação da universidade. Aos
contra o projeto, outro fator contribuiu para a “incompreensão”. Para ele,
quando Armando de Salles Oliveira enviou o professor Teodoro Ramos
a Europa para contratar professores e pesquisadores para ministrarem
disciplinas, em que no Brasil não havia especialistas, tivemos, segundo
Eurípides, “então, um movimento de repulsa a Faculdade. Muitos autodidatas se insurgiram contra ela, sentindo-se prejudicados”50.
o congresso nacional voltar atrás ao projeto de lei, que foi engavetado. Para maiores
detalhes consultar: Anuário da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras, 1951, 1952,
pp. 52-56; Anuário da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras, 1952, 1953.
50. Discurso do Paraninfo, Prof. Dr. Eurípides Simões de Paula. In: Anuário da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras, 1951, 1952, p. 52. Para uma discussão dessa
questão ver: Carelli (1994)
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Em função de todos esses fatores estiveram presentes aos discursos à
“repetição” e o uso de uma “tradição” sobre a origem da instituição, fixada
na “memória coletiva”, ora alicerçando as falas e as ulteriores iniciativas,
ora servindo de base para novas orientações de ação e planejamento. Tal
foi à recepção daquela “tradição discursiva”, que Renato Jardim Moreira,
assim se referiu sobre a fundação da Faculdade de Filosofia:
[...] originou-se da compreensão dessa realidade [...] estava presente ao
espírito de seus fundadores [Júlio de Mesquita Filho, Fernando de Azevedo e
Armando de Salles Oliveira] a necessidade imperiosa de se organizar um Instituto para formar professôres e pesquisadores capazes de satisfazer às exigências
da vida moderna, por intermédio de uma formação universitária especializada;
[e, ainda assim, uma] série de fatôres, decorrentes de nossa formação históricosocial, tem contribuído para que o seu êxito não seja completo51.
Conclusões
A partir desse quadro se verifica que os protagonistas mesmo tendo fins
diversos, aproximavam-se sobre a pretensão de construírem uma identidade para a universidade, a partir da FFCL/USP. Ao historiarem o processo
que culminaria na criação da universidade, apoiavam-se em suas próprias
experiências e nas ações dos grupos que faziam parte. Observavam que a
criação de universidades no Brasil tardou, fundamentalmente, em função
da sua condição de colônia de Portugal, e da sua localização no mercado
internacional ser, naquele momento, secundária. Para justificarem a volta
do estado de São Paulo à “soberania nacional”, após os eventos de 1929,
1930 e 1932, de um lado, comparavam a condição deste “Estado”, a vivida
pela França, após a guerra franco-prussiana de 1870; de outro, com base
no bandeirantismo paulista, o estado de São Paulo deveria olhar para a sua
própria história de pioneirismo, diante da “nação”. Essas posições, como
51. Discurso do orador da turma, o Licenciado Renato Jardim Moreira. In: Anuário da
Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras, 1951, 1952, p. 57.
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Dos “discursos fundadores” à criação de uma “memória coletiva”
vimos, definiam os grupos, suas disputas políticas e intelectuais, e seus
olhares sobre o processo. Observavam ainda que a função da universidade,
nos anos de 1930, era caracterizada, principalmente, a partir da Faculdade
de Filosofia, que organizaria quadros para o ensino “secundário” e para o
superior – ainda que aqui também houvesse uma tensão entre o “autodidatismo” e a profissionalização do trabalho intelectual no país (Bontempi
Jr., 2001; Miranda de Sá, 2003; Roiz, 2004).
Desse modo, vimos como durante esse período Fernando de Azevedo
e Júlio de Mesquita Filho procuraram rememorar a fundação da instituição, tendo em vista o papel crucial exercido por Armando de Salles
Oliveira, quando foi o interventor do estado de São Paulo, e de como as
tentativas de se criar uma “memória coletiva” sobre àqueles acontecimentos, esbarravam-se, muitas vezes, as leituras e interpretações de outros
protagonistas, tornando cada vez mais complexa a tarefa de se escrever
uma história sobre a USP, e, por extensão, sobre a sua Faculdade de
Filosofia, Ciências e Letras. Portanto, as formas de manutenção daquele
“discurso fundador”, a partir da elaboração de uma “memória coletiva”,
sobre os acontecimentos que vislumbraram a fundação da USP e de sua
FFCL, ocorreram em um período de “transição da sociedade brasileira”
(Cano, 1998a, 1998b; Arruda, 2001) e, por isso, as iniciativas receberam
diversas interpretações52.
Fontes e referências bibliográficas
a) Fontes impressas:
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52. Embora em sua pesquisa Sônia Maria de Freitas não analise os discursos de paraninfos e oradores de turma, entre as décadas de 1930 e 1950, para compreender a
diversidade de interpretações sobre a fundação da USP, que haviam sido incorporadas por ex-alunos e professores, a sua pesquisa contribui para revelar justamente
a forma como ocorria a transmissão e assimilação da “memória coletiva” de um
grupo para outro (Freitas, 1992, 1993).
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Endereço para correspondência:
Diogo da Silva Roiz
Rua José Luiz Sampaio Ferraz, 1.133
Vila Gisele – Amambai-MS
CEP 79990-000
E-mail: [email protected]; [email protected]
Recebido em: 1 mar. 2006
Aprovado em: 6 maio 2008
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Macioniro Celeste FILHO
Os primórdios da
Universidade de São Paulo
Macioniro Celeste Filho*
1
Resumo:
A criação da Universidade de São Paulo (USP) no início da
década de 1930 comportou disputas de projetos quanto à sua
organização. A Escola Politécnica de São Paulo pretendia
tornar-se o núcleo da futura instituição. No entanto, a opção
adotada em 1934 atribuiu essa incumbência à recém-criada
Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras. Isso provocou forte
reação das antigas unidades profissionalizantes incorporadas à
universidade, em especial na Escola Politécnica. O atual trabalho
pretende acompanhar os conflitos entre a Escola Politécnica e
a Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras nos tumultuados
primórdios da USP.
Palavras-chave:
Escola Politécnica; Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras;
Universidade de São Paulo; sistema de cátedras; Teodoro
Ramos.
*
Doutor em educação, com área de especialização em história da educação, pelo
Programa de Estudos Pós-Graduados em Educação: História, Política, Sociedade,
da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP).
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Os primórdios da Universidade de São Paulo
The beginning of
São Paulo University
Macioniro Celeste Filho
Abstract:
The foundation of São Paulo University, in the beginning of the
decade of 1930, suffered disputes of projects for its organization.
The São Paulo Polytechnic School intended to become the
nucleus of the coming institution. Meanwhile, the option
adopted in 1934 imputed this duty to the newly created Faculty
of Philosophy, Sciences and Literature, which provoked a strong
reaction of the early professionalizing units that were connected
to the university, specially in Polytechnic School. The present
text intends to study the conflicts between São Paulo Polytechnic
School and Faculty of Philosophy, Sciences and Literature during
the tumultuous beginnings of São Paulo University.
Keywords:
Polytechnical School; Faculty of Philosophy, Sciences and
Literature; São Paulo University; cathedra system; Teodoro
Ramos.
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Macioniro Celeste FILHO
Os primórdios da Universidade de São Paulo (USP) foram turbulentos. Existiu, por breve momento, entre 1932 e 1934, a possibilidade
da Escola Politécnica de São Paulo transformar-se em núcleo da futura
universidade estadual de São Paulo. Não foi este o projeto a ser implantado em 1934. A opção de que a recém-criada Faculdade de Filosofia,
Ciências e Letras fosse a unidade a dar coesão à USP provocou forte
reação das antigas unidades profissionalizantes, em especial na Escola
Politécnica. O atual trabalho pretende acompanhar os conflitos entre
estas duas unidades na nascente Universidade.
A criação de universidades no Brasil, tema debatido desde as últimas
décadas do século XIX e início do século XX no país, destacadamente na
década de 1920, tem sua configuração articulada em 1931 com o Estatuto
das Universidades Brasileiras. Um dos motivos de conflito na nascente
universidade da década de 1930 era como equacionar sua organização.
Manteria-se o sistema de cátedras? A criação de uma unidade nova, incumbida da coesão universitária, poderia arejar ou aperfeiçoar o sistema
de cátedras? Em quais unidades da universidade deveriam permanecer
ou serem alocadas as cátedras básicas de ciência?
Para entender o sistema de cátedras, recorreu-se à bibliografia sobre
o assunto. Entre outros estudos, existem dois trabalhos fundamentais
sobre sistema de cátedras. A dissertação de mestrado de Helena Coharik Chamlian (1977) com o título de O departamento na estrutura
universitária. E o texto de Maria de Lourdes de Albuquerque Fávero
(2001) intitulado “Da cátedra universitária ao departamento: questões
para um debate”.
O trabalho de Helena Coharik Chamlian tem a vantagem de ter sido
escrito quando a Reforma Universitária de 1968 ainda era recente e o
sistema de cátedras havia desaparecido há poucos anos. A autora afirma
que a descrição do sistema de cátedras, desde o modelo da Universidade
de Coimbra até a década de 1960, deveria ser apenas parte introdutória
do texto. Porém, a análise do sistema de cátedras adquiriu, durante a
pesquisa, importância crucial. A autora divide seu trabalho em duas
partes. A primeira parte analisa a cátedra e suas características na estrutura tradicional do ensino superior brasileiro; assim como as mudanças
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Os primórdios da Universidade de São Paulo
ocorridas no período final de sua existência. A segunda parte investiga
o surgimento dos departamentos antes da Reforma Universitária e a
concepção de departamento que foi consagrada nos dispositivos legais
desta reforma. Nas considerações finais, Helena Coharik Chamliam
descreve casos concretos da implantação dos departamentos em alguns
estabelecimentos de ensino superior até meados da década de 1970. O
trabalho desta autora possibilita a compreensão detalhada do sistema de
cátedras existente nas universidades brasileiras até 1968.
O trabalho de Maria de Lourdes de Albuquerque Fávero é sintético.
Embora busque as origens da cátedra no ensino superior brasileiro desde
o século XIX, a autora dedicará maior atenção aos seus últimos trinta
anos de existência. Neste texto, é abordada a luta pela constituição da
carreira do magistério em paralelo às críticas ao sistema de cátedras. A
autora analisa os artigos vetados na Lei de Diretrizes e Bases da Educação
Nacional (LDB) de 1961 que tratavam do tema, resultando então no fim
da obrigatoriedade das cátedras no ensino superior brasileiro. Maria de
Lourdes Fávero trata da convivência no ensino superior brasileiro, na
década de 1960, entre os dois sistemas: de cátedras e de departamentos.
A autora encerra seu texto com a descrição da institucionalização do
sistema departamental no final da década de 1960. Seu texto é fundamental para compreender a importância das cátedras de ciência básica
e sua conseqüente disputa por unidades diferentes da universidade em
seus primeiros anos de existência.
No século XX, a primeira reestruturação importante na configuração
do ensino superior brasileiro acontece em 1931 com a criação do Estatuto das Universidades Brasileiras, também conhecida como Reforma
Francisco Campos.
Em relação à cátedra, o Estatuto [de 1931] ratifica o professor catedrático como o primeiro na hierarquia do corpo docente e coloca em termos de
exigência para o provimento no cargo o concurso público de títulos e provas.
Prevê, também, a nomeação de professor sem concurso, no caso de candidato
insigne que tenha realizado invento ou descoberta de alta relevância, ou tenha
publicado obra doutrinária de excepcional valor [Fávero, 2001, p. 225].
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O Estatuto das Universidades Brasileiras, ao manter a cátedra,
acarreta um adiamento na criação de uma carreira para o magistério
superior. Os diversos auxiliares do catedrático, quer sejam chefes de
clínica, chefes de laboratórios, assistentes ou auxiliares de ensino deveriam ser de confiança do respectivo catedrático. Eram por ele escolhidos
e sua permanência no cargo, dele quase sempre dependia. A ascensão
na carreira dos assistentes e auxiliares estava calcada na vontade do catedrático, em decisões às vezes tendenciosas e eivadas de autoritarismo.
Década e meia depois, a Constituição de 1946 consagra três aspectos no
sistema de cátedras. Segundo a Carta Magna, o provimento das cátedras
se dará por concurso de títulos e provas, ela será a garantia da liberdade
de ensino e será vitalícia (Fávero, 2001, pp. 226-227).
A reforma do ensino superior de 1931 possibilitou que as universidades criadas nos anos seguintes adaptassem, em termos de estrutura
administrativa e didática, diversas práticas há muito tempo em vigor nas
escolas isoladas oficiais. O ensino superior na década de 1930, na maior
parte das vezes, não visou instituir universidades inteiramente novas, mas
incorporar os institutos isolados aos novos organismos a serem criados.
Isso provocou um longo processo de marchas e contramarchas em prol
da integração das velhas instituições nas novas universidades.
As escolas tradicionais, aparentemente, sempre tiveram uma atitude de
ambivalência em relação ao novo regime: de uma parte sempre se interessaram por elevar-se ao novo “status” universitário, em virtude do prestígio das
novas instituições, da maior facilidade em obtenção de verbas etc, mas, de
outra parte, algumas delas resistiram sempre a qualquer medida destinada a
romper o seu tradicional isolamento e a efetivamente incorporá-las ao complexo universitário [Antunha, 1974, p. 75].
Uma das soluções encontradas na década de 1930 para a constituição da universidade, marcadamente em São Paulo, foi a criação de uma
unidade central, de caráter não profissional, a Faculdade de Filosofia,
Ciências e Letras na qual seriam reunidas todas as cátedras de ensino de
tópicos gerais, até então dispersas pelas diversas faculdades profissionais.
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Neste trabalho, não será possível tratar da estruturação das várias universidades surgidas no país desde a década de 1930, optando-se então em
usar como referência a Universidade de São Paulo. No caso específico
da USP, sua Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras possibilitou uma
flexibilização na rigidez do sistema de cátedras com a contratação em
caráter temporário de professores estrangeiros.
Nesses primeiros tempos, o rígido regime de cátedras foi, em grande
parte, colocado de lado com a efetivação do sistema de contrato de mestres
estrangeiros. Ao contrário do que ocorria com as demais escolas, que possuíam professores catedráticos – vitalícios e inamovíveis – a nova Faculdade
pode dispor, durante muito tempo, de um corpo de professores, relativamente
jovens, sem intenções de perpetuação nas funções para as quais haviam sido
contratados, porém com profundas ambições de natureza intelectual. Isto
redundou, sem dúvida, num arejamento do sistema e, ao mesmo tempo que
levantou críticas e objeções, trouxe à Universidade um novo espírito, marcado por um certo “cosmopolitismo”, bem como por um intenso dinamismo
e pela produtividade intelectual. Na verdade, a intenção dos fundadores da
USP era a de fazer com que a influência da missão estrangeira ultrapassasse
os limites da própria Faculdade de Filosofia, desbordando para as outras
escolas, contribuindo assim para reformar a Universidade como um todo
[Antunha, 1974, p. 108].
A transferência das cadeiras de ensino de tópicos gerais das diversas
escolas profissionais da USP, como matemática ou química, por exemplo,
para a Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras não se concretizou. O
argumento freqüentemente utilizado para evitar isto era diferenciar a
formação de um cientista da preparação de um profissional. O profissional
desenvolvia um saber técnico, enquanto a ciência não tinha finalidade de
aplicação prática. Portanto, deveria impor-se a separação didática entre
um cientista da área da física e um engenheiro, por exemplo. A última
tentativa de transferência das cadeiras básicas da USP para a Faculdade
de Filosofia, Ciências e Letras ocorreu em 1937. Para tanto, Armando de
Sales Oliveira – interventor que governava São Paulo – nomeou Alexandre
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Albuquerque para a direção da Escola Politécnica, com a incumbência de
que as cadeiras das disciplinas fundamentais devessem ser desagregadas
desta escola para serem exclusivas da Faculdade de Filosofia, Ciências
e Letras. Tal mudança afetaria posteriormente todas as demais faculdades tradicionais e não apenas a Escola Politécnica. Esta transferência
de cátedras impossibilitaria a total autonomia curricular das unidades
tradicionais da USP na formação profissional de nível superior. Caso a
transferência ocorresse, os catedráticos oriundos da Escola Politécnica
trabalhariam lado a lado com os professores estrangeiros contratados em
caráter temporário pela Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras. Na
década de 1930, seria duvidosa a submissão dos professores estrangeiros
à rígida hierarquia catedrática das tradicionais escolas profissionais que
formaram a USP. Nesse cenário, a Congregação da Escola Politécnica,
contrariando seu diretor, recusa-se a aprovar a transferência das cadeiras
básicas para a Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras, opondo-se a
qualquer tentativa do Conselho Universitário neste sentido.
Heladio Antunha, Beatriz Fétizon e Bruno Bontempi Jr., em seus
respectivos trabalhos sobre a USP, abordaram os conflitos entre a Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras e a Escola Politécnica. No entanto,
estes autores enfocaram privilegiadamente o papel da Faculdade de
Filosofia, Ciências e Letras (FFCL) em relação à organização da USP.
Em seus importantíssimos textos, as outras unidades da universidade
foram tratadas secundariamente.
Ana Paula Hey e Afrânio Mendes Catani sintetizaram a reação que
os professores contratados para a FFCL provocaram na comunidade
intelectual de São Paulo:
Por uma gama de motivos, o modelo concebido originalmente para a
FFCL jamais se implementou nesses termos. Beatriz Fétizon (1986) realiza
um inventário das razões desse insucesso. Entendemos que Irene Cardoso
(1982) fornece explicação abrangente a respeito. A partir da entrevista com
Roger Bastide constatou-se que havia um clima hostil à missão francesa por
parte dos católicos, “que julgavam os professores de esquerda; por parte das
escolas profissionais, que achavam que o Brasil não precisava de humanismo,
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mas de técnicos para o seu progresso econômico; por parte dos integralistas,
que defendiam um nacionalismo de direita e julgavam dispensável a presença
de professores franceses na Faculdade. Conforme entrevista com Cruz Costa,
o jornal A Gazeta teria combatido intensamente a Universidade, especialmente a vinda de professores franceses para a Faculdade. [...] A reação das
faculdades profissionais da própria Universidade expressa nos debates do
Conselho Universitário, contra a idéia da integração naquela Faculdade de
todas as cadeiras de conteúdo não profissionalizante da Universidade” [Hey
& Catani, 2006, p. 302].
Para esclarecer os motivos dessas reações, é apropriado atentar um
pouco mais à dinâmica da disputa entre a FFCL e a Escola Politécnica.
Os embates entre a Escola Politécnica e a recém-criada Faculdade de
Filosofia, Ciências e Letras pelas cátedras de ciência básica têm por
personagem central o professor Teodoro Augusto Ramos. Nascido em
1895, um ano depois da criação da Escola Politécnica, era professor
concursado nesta instituição desde 1922. Em 1929, Rodolpho Baptista
de São Thiago, diretor da Escola Politécnica, planejando que esta Escola
se configurasse como raiz da universidade a ser criada em São Paulo,
envia questionário aos catedráticos da Escola Politécnica como forma de
colher idéias sobre este projeto. Teodoro Ramos, em viagem de estudos
à Europa, envia carta em 19 de agosto de 1929 afirmando que:
Caso a Escola Politécnica de São Paulo venha a fazer parte de uma
organização universitária, as questões de caráter didático e administrativo
referentes ao ensino nela professado deverão ser resolvidas pela sua congregação.
[...]
A criação imediata de uma Faculdade de Letras e o aperfeiçoamento da
nossa Escola Politécnica de modo a dar-lhe uma organização semelhante, em
muitos pontos, à que possuem as universidades técnicas alemãs, poderiam
talvez constituir medidas sobre as quais se assentaria em São Paulo, mais
tarde, uma sólida universidade [Escola Politécnica de São Paulo, 1937,
pp. 101-102].
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Antes da sondagem executada em 1929 pelo diretor da Escola
Politécnica de São Paulo, no inquérito sobre o ensino realizado por
Fernando de Azevedo em 1926 para o jornal O Estado de S. Paulo,
embora cogitasse na criação de uma Faculdade de Filosofia e Letras,
Teodoro Ramos afirmava que os futuros cursos científicos deveriam
ser integrados à Escola Politécnica. Ainda em 1926, não questionava o
papel privilegiado a ser desempenhado pelas tradicionais congregações
na formação das universidades:
No que diz respeito especialmente à instrução superior, penso que contrariamente ao que tem sido praticado pela União, a questão da orientação do
ensino deveria ser, de preferência, discutida e resolvida pelas congregações
das escolas superiores.
[...]
Penso que, inicialmente, poderia o governo do Estado criar uma
Faculdade de Filosofia e Letras, um Instituto de Educação e alguns
cursos superiores de matemática, física e química anexos à Escola
Politécnica, cujos laboratórios seriam completados [Azevedo, 1937,
p. 402 e p. 409].
Após a tomada do poder federal por Getúlio Vargas, esse posicionamento e a atuação de Teodoro Ramos como secretário da Educação
e Saúde Pública do estado de São Paulo desde novembro de 1930 garantiram ao professor o apoio da direção da Escola Politécnica para que
compusesse, em companhia de Carlos Chagas e de Figueira de Mello,
a comissão encarregada de elaborar o Estatuto das Universidades Brasileiras, ainda nos primeiros meses do Governo Provisório. Assim, no
início de 1931, um engenheiro, um médico e um advogado redigiram
o primeiro Estatuto para a criação das universidades no Brasil (Escola
Politécnica de São Paulo, 1937, p. 101). O estatuto foi editado como
decreto n. 19.851 em 11 de abril de 1931.
Um ano depois, em 18 de abril de 1932, a Escola Politécnica de São
Paulo é autorizada pelo decreto federal n. 21.303 a constituir-se como
Universidade Técnica de São Paulo. Porém, este decreto não concede
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completa autonomia ao Estado de São Paulo na organização da futura
universidade, nem era esse o propósito do Estatuto das Universidades Brasileiras. Em seu primeiro artigo, o decreto n. 21.303 estabelecia que:
Os estatutos da Universidade, de que trata este artigo [1º.], logo que as
condições financeiras do Estado de São Paulo permitirem a sua organização
completa, deverão ser submetidos à aprovação do Governo Federal.
O decreto estabelecia que a Escola Politécnica de São Paulo passasse
a apresentar anualmente ao governo federal relatório orçamentário e de
suas atividades didáticas:
Nos termos deste artigo [3º.], o Governo do Estado de São Paulo apresentará anualmente, ao Governo Federal, relatório circunstanciado sobre a atividade
didática e a situação financeira da Escola Politécnica de São Paulo.
Tal aspecto da lei demonstra a intenção de constituir um sistema
universitário onde possíveis universidades estaduais tivessem que prestar
contas ao governo federal. Ao mesmo tempo em que autorizava a transformação da Escola Politécnica de São Paulo em universidade, também
estabelecia premissas inéditas de controle federal sobre esta Escola. Isso
talvez tenha favorecido a que o governo do estado optasse pela criação
da USP por outros caminhos.
No primeiro trimestre de 1933, Teodoro Ramos exerceu o cargo de
prefeito de São Paulo. Ao término do terceiro mês de sua administração,
demite-se do cargo por divergir da política de gastos e obras públicas.
Em sua carta de demissão, recomenda a suspensão de “todas as obras
públicas adiáveis” e a paralisação “do início de obras, salvo as de urgente
necessidade para São Paulo”. Afirmava ainda que sua administração, entre
outros fatores, se caracterizara pela defesa de uma regulamentação dos
serviços públicos e pela preocupação de só realizar as obras de necessidade urgente para São Paulo (FGV-CPDOC, Teodoro Ramos, 2001).
Talvez estejam na passagem de Teodoro Ramos no cargo de Prefeito de
São Paulo os motivos de sua progressiva ruptura com a Escola Politécnica
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de São Paulo. É hipótese plausível que em sua breve experiência como
prefeito, em choque com executores de obras públicas, Teodoro Ramos
tenha se indisposto com engenheiros e escritórios de engenharia encarregados dessas obras. Tais profissionais eram provavelmente oriundos
da Escola Politécnica de São Paulo, ou, ao menos, com fortes laços de
sociabilidade com membros dessa instituição.
Em 1934, quando da criação da USP, Armando Sales de Oliveira
– interventor do Estado e engenheiro formado pela Escola Politécnica –
opta pelo projeto idealizado por seu cunhado Julio de Mesquita Filho em
parceria com Fernando de Azevedo, Paulo Duarte e Teodoro Ramos1. Esse
projeto concebia a USP tendo como unidade aglutinadora da instituição
a Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras e não a Escola Politécnica.
Teodoro Ramos, catedrático da Escola Politécnica, é nomeado como primeiro diretor da recém-criada Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras
(FFCL). Ainda em 1934, Teodoro Ramos é incumbido por Armando Sales
de Oliveira de viajar à Europa para convidar professores estrangeiros
para trabalhar na nascente USP.
Os conflitos entre a Escola Politécnica e a FFCL têm como ponto
inicial a contratação do matemático italiano Luigi Fantappié para a
cadeira de complementos de geometria analítica, cálculo diferencial e
integral e nomografia, mais conhecida como cátedra de cálculo. Para
tanto, o concurso para esta cadeira, em litígio desde o final de 1933, teve
que ser suspenso por Armando de Sales Oliveira2. O convite feito a Luigi
Fantappié em 1935 para que lecionasse cálculo simultaneamente aos
alunos da FFCL e da Escola Politécnica teve repercussão negativa entre
os professores da Politécnica. Em discursos na Assembléia Legislativa
de São Paulo Mariano Wendel, deputado estadual pelo PRP e profes1.
2.
Para uma análise da atuação desse grupo de intelectuais no processo de criação da
USP, veja o trabalho de Fernando Limongi (1989) intitulado “Mentores e clientelas da Universidade de São Paulo” e também o livro de Irene Cardoso (1982): A
universidade da comunhão paulista.
José Otávio Monteiro de Camargo – professor aprovado em concurso em 1933
para a cadeira de Cálculo –, em seu livro citado na bibliografia, relatou a trajetória
judicial bem-sucedida na década de 1930 para a recuperação dessa cátedra.
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sor licenciado da Escola Politécnica, ataca duramente Teodoro Ramos
(Wendel, 1935, pp. 1-24).
Em 1937, o confronto entre a Escola Politécnica e a FFCL atinge
seu apogeu. Até esse ano, alunos da Politécnica e da FFCL tinham aulas
comuns em cadeiras de ciência básica. Com a pressão para que estas
cadeiras fossem agrupadas na FFCL, o conflito entre as duas unidades
da USP eclode. Em 30 de agosto de 1937, Alexandre Albuquerque – diretor da Escola Politécnica – e Altino Antunes sancionam o parecer do
Conselho Universitário da USP para que a cátedra de cálculo, a cátedra
de mecânica racional, a cátedra de Física e parcialmente a cátedra de
mineralogia sejam transferidas da Escola Politécnica para a FFCL. A
Faculdade de Farmácia e Odontologia deveria transferir para a FFCL
as cadeiras de física aplicada à farmácia, botânica aplicada à farmácia,
parcialmente a cátedra de zoologia e a cátedra de química orgânica. A
Faculdade de Medicina Veterinária deveria transferir para a FFCL parcialmente as cátedras de química orgânica e de zoologia médica (Escola
Politécnica de São Paulo, 1937, pp. 169-170).
Sucessor de Teodoro Ramos na direção da FFCL, Ernesto de Souza
Campos publica entre 9 e 16 de setembro de 1937 no jornal O Estado
de S. Paulo três artigos onde explicita seu voto favorável no Conselho
Universitário da USP para que as cadeiras de ciência básica das diversas
unidades da Universidade fossem agrupadas na Faculdade de Filosofia,
Ciências e Letras. Em sua argumentação, Souza Campos defende que a
universidade só merece este nome quando é foco de cultura, isto é, divulga
a ciência adquirida e cria ciência nova. Nessa perspectiva:
Sem laboratórios bem montados e bem aparelhados, instituídos sob o
regime de tempo integral e da investigação original não se faz ciência. Sem
tais elementos pode-se obter apenas uma simulação de cursos científicos. Não
chegamos, porém, a ponto de podermos possuir, nem mesmo em duplicata,
grandes institutos de ensino que são de aparelhamento caro, difíceis de organizar, manejar e manter, e dos quais ainda não possuímos entidades capazes
de se por em paralelo com as melhores do mundo. Concentremos, pois, os
nossos esforços a fim de nos ser possível atingir o nível desejável.
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Tal concentração, porém, só pode ser feita na Faculdade de Ciências. Esta
Faculdade abrange não só a física e a matemática, que mais se relacionam
com a Escola Politécnica, como ainda compreende outros assuntos, tais como:
zoologia, botânica, biologia geral etc. Se fôssemos reunir os departamentos de
física e matemática à Escola Politécnica, teríamos de fazer outro tanto com a
zoologia, a botânica e a biologia, em relação a diversas outras instituições da
nossa Universidade, que com igual direito poderiam pleitear a incorporação
destes cursos aos seus domínios, como a Faculdade de Medicina, a de Medicina Veterinária ou a Escola Agrícola etc. Desaparecida, pois, entre nós, a
Faculdade de Ciências, instituição que desde os primórdios das organizações
universitárias existe em todas as partes do mundo. Com tal deliberação seria
extinta a nossa Universidade, pois que para tal título se exige que haja – Plano
Nacional de Educação – pelo menos três escolas superiores, devendo uma delas
ser fatalmente a Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras [Escola Politécnica
de São Paulo, 1937, pp. 165-166].
É importante ressaltar que o diretor da FFCL faz referência aos futuros “departamentos” de física e matemática, por exemplo, e não mais
às respectivas cátedras.
A Congregação da Escola Politécnica, contrariando seu diretor,
nega-se a transferir as cadeiras de ciência básica para a FFCL. A argumentação apresentada pela Congregação da Escola Politécnica é a
de que a especialização moderna torna necessário um ensino também
especializado:
O professor de ciências fundamentais na escola de engenharia e o professor
dessas mesmas ciências na faculdade de filosofia estão hoje, em conseqüência
do avanço da técnica e do progresso científico, na obrigação de ensinarem
disciplinas diversas (em quantidade, qualidade, métodos e orientação, como
nas matemáticas, em escala maior ou menor). De tal modo diversas que
correspondem a formações distintas.
E o problema é este: é possível ao que recebeu uma das formações, satisfazer ao que é requerido pela outra?
[...]
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Transferido o ensino da matemática para a Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras, o Conselho Universitário da Universidade de São Paulo concede
apenas à Escola Politécnica a elaboração de programas. O professor, esse, é
recrutado pela Faculdade de Filosofia e segundo a orientação própria desta – a
pesquisa em ciência pura. É justamente isso que não basta; a Escola Politécnica, na defesa da formação dos seus engenheiros, necessita ter o direito de
conservar sob sua alçada a escolha dos seus professores de matemática, para
os quais não basta ser matemático.
[...] Não repugna mesmo supor o poder encontrar-se professores capazes
de bem desempenhar a sua missão, simultaneamente, na Faculdade [de Ciências] e na Escola [Politécnica]. O que repugna em absoluto é admitir-se que,
pelo motivo de suas qualidades corresponderem ao que lhe pede a Faculdade
de Ciências, a Escola Politécnica tenha de se dar por satisfeita no que lhe diz
respeito. Seria simplesmente absurdo [Escola Politécnica de São Paulo, 1937,
pp. 29-32, grifos do original].
A Congregação da Escola Politécnica utiliza o Estatuto das Universidades Brasileiras como argumento jurídico para não acatar a decisão
do Conselho Universitário da USP:
Desse marcado retrocesso conseguirá escapar a Escola Politécnica e, por
conseqüência, a própria Universidade, com a simples observância do princípio
da “autonomia das congregações”, parte integrante do regime universitário
e, como tal, constituindo disposição essencial do Estatuto das Universidades
Brasileiras [Escola Politécnica de São Paulo, 1937, p. 40].
Em seu artigo 44, o estatuto assegurava que a centralização das
disciplinas fundamentais num único instituto universitário dependia da
aprovação das congregações das unidades envolvidas nesse processo.
Assim:
A lei não autoriza a modificação sem o assentimento da Escola Politécnica, e esta, pela sua Congregação, lhe nega o assentimento [Escola Politécnica
de São Paulo, 1937, p. 42, grifos do original].
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Esse conflito chega ao Conselho Nacional de Educação (CNE). É
que a Escola Politécnica de São Paulo tem informações de que o CNE
pretende modificar o artigo 44 do Estatuto das Universidades Brasileiras,
apontado como responsável pelo fracasso da criação da universidade no
país (Escola Politécnica de São Paulo, 1937, p. 131). Para evitar mudanças no estatuto, a Escola Politécnica de São Paulo organiza atuação em
conjunto com a Escola Politécnica do Rio de Janeiro, a Escola Politécnica
da Bahia, a Escola de Minas de Ouro Preto e a Escola de Engenharia de
Belo Horizonte para pressionar o CNE a não mudar o estatuto no que se
refere à autonomia das congregações universitárias (Escola Politécnica de
São Paulo, 1937, p. 132). O movimento é bem-sucedido. As cadeiras de
ciências básicas não são transferidas, ao menos na USP, para a FFCL.
A Escola Politécnica de São Paulo pretendia que a coesão universitária fosse incumbência dela. Sua proposta é de que as disciplinas de ciência
básica fossem concentradas na Escola Politécnica nos dois primeiros
anos curriculares dos cursos da universidade. A partir do terceiro ano,
os futuros engenheiros continuariam nesta Escola. Os demais poderiam
cursar três anos complementares na FFCL, incumbida de formar doutores,
isto é, pesquisadores e cientistas (Escola Politécnica de São Paulo, 1937,
pp. 126-127). A proposta da FFCL era exatamente o oposto. Nenhuma
das duas unidades da USP conseguiu implantar seu projeto. Mantiveram
ou criaram, então, estruturas curriculares paralelas.
Um dos resultados desse confronto foi a expulsão dos cursos ministrados pela FFCL de espaços que pertencessem à Escola Politécnica.
As escolas profissionais encontravam-se, de um modo geral, instaladas
com um certo conforto, porém localizadas em pontos distantes umas das
outras, em diferentes lugares da cidade. A Faculdade de Filosofia não possuía
qualquer edifício próprio e o seu destino nos primeiros tempos foi dispersarse, localizando suas secções em diversos edifícios e mudando várias vezes
de um lugar para outro [Antunha, 1974, pp. 120-121].
Até 1937, vários cursos da FFCL ocorriam em salas de aula e laboratórios da Escola Politécnica. A expulsão destes cursos de espaços da
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Escola Politécnica e a negativa de sua congregação para que as cadeiras
básicas fossem transferidas para a FFCL marcam o fim das primeiras
tentativas para se conseguir a integração universitária da USP. Em dezembro de 1937, aos 42 anos de idade, morre Teodoro Ramos, primeiro
diretor da FFCL. Com ele, sucumbe também a tentativa de integrar a
universidade tendo como seu núcleo a FFCL. As diversas unidades da
USP continuariam a se manter isoladas por muito tempo.
Nos primórdios da criação da USP, a Escola Politécnica de São
Paulo pretendia ser o núcleo da nascente universidade. A Escola Politécnica não teve força bastante para impor-se como tal, mas teve força
suficiente para impedir que qualquer outra unidade da USP ocupasse
essa função. Dos conflitos desse período surge a universidade brasileira
que conhecemos, sem coesão e predominantemente conglomerada em
torno de suas unidades profissionalizantes. A Reforma Universitária da
década de 1960 tentou reverter tais características. É então proposta a
possibilidade de uma universidade mais integrada, com a substituição
das Faculdades de Filosofia, Ciências e Letras por Institutos de Ciência;
extingue-se definitivamente ness reforma o sistema de cátedras, mas essa
é outra história.
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Macioniro Celeste FILHO
advogado Percival de Oliveira. São Paulo: Empreza Graphica da “Revista dos
Tribunaes”, 1937.
CARDOSO, I. de A. R. A universidade da comunhão paulista. São Paulo: Autores
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Endereço para correspondência:
Macioniro Celeste Filho
Av. Paes de Barros, 1.252, ap. 22
São Paulo-SP
CEP 03114-000
E-mail: [email protected]
Recebido em: 21 nov. 2007
Aprovado em: 24 mar. 2008
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Léia Teixeira Lacerda MACIEL e Giovani José da SILVA
Nem “programa de índio”, nem
“presente de grego”: uma crítica a
concepções teórico-metodológicas
em pesquisas sobre educação escolar
indígena, em Mato Grosso e Mato
Grosso do Sul (1995-2001) ∗
1
Léia Teixeira Lacerda Maciel** e
Giovani José da Silva***
2
3
Resumo:
A escolarização formal de indígenas ocorre no Brasil há quase um século,
mas grande parte da história da educação escolar nas aldeias ainda está
por ser escrita. Ainda são poucos os estudiosos que se debruçam sobre
os processos de educação formal realizados junto aos índios pelo órgão
indigenista oficial, missões religiosas e outras instituições ao longo do
século XX. O objetivo do artigo é apresentar, sinteticamente, os primeiros
resultados de um amplo estudo empreendido pelos autores sobre a história
da educação escolar indígena no Brasil, com ênfase na Região CentroOeste, particularmente Mato Grosso e Mato Grosso do Sul.
Palavras-chave:
História; educação escolar indígena; Mato Grosso, Mato Grosso do Sul.
*
O artigo trata-se de uma versão modificada e ampliada da comunicação apresentada
pelos autores no VI Congresso Luso-Brasileiro de História da Educação, ocorrido
em Uberlândia (MG), em abril de 2006 (cf. José da Silva & Lacerda, 2006). Aos
colegas que colaboraram com críticas e sugestões, sinceros agradecimentos dos
autores, únicos responsáveis pelas idéias contidas no texto.
** Mestre em psicologia e em história pela Universidade Católica Dom Bosco (UCDB) e
Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS), respectivamente. Doutoranda
em educação na Universidade de São Paulo (USP) e docente da Universidade Estadual
de Mato Grosso do Sul (UEMS), unidade universitária de Campo Grande.
*** Especialista em antropologia pela Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT),
mestre em história pela Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS) e
doutorando em história pela Universidade Federal de Goiás (UFG).
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Nem “programa de índio”, nem “presente de grego”
Neither a waste of time nor a trojan
horse: a criticism to theoretical
and methodological conceptions
in research on indigenous school
education in Mato Grosso and Mato
Grosso do Sul (1995-2001)
Léia Teixeira Lacerda Maciel e
Giovani José da Silva
Abstract:
Formal schooling of Indians has occurred in Brazil for almost
one century, but great part of the History of Schooling in the
settlements has not been written yet. Few scholars dedicate
themselves to the processes of formal schooling involving
the Indians, carried out by official Indian organisms, religious
missions and other institutions throughout the 20th century. The
aim of this article is to present a synthesis of the first results of
a broad study carried out about the History of Indian Schooling
in Brazil, focusing the Midwest, especially Mato Grosso and
Mato Grosso do Sul.
Keywords:
History; indian schooling; Mato Grosso; Mato Grosso do Sul.
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Léia Teixeira Lacerda MACIEL e Giovani José da SILVA
Considerações iniciais
O Brasil é reconhecidamente um país pluriétnico, constituído por
uma considerável variedade de sociedades indígenas, cada uma delas
com histórias, saberes, tradições, usos, línguas e costumes próprios (algumas correndo o risco, ainda hoje, de desaparecer sem terem sido sequer
conhecidas!). Importante reafirmar que mesmo antes da introdução de
instituições escolares em terras indígenas, esses grupos têm desenvolvido
complexos sistemas de saberes, independentemente de terem acesso à
educação formal. Antropólogos, sobretudo, vêm-se dedicando ao estudo
desses sistemas, mas ainda pouco se sabe sobre os processos históricos
que engendraram as experiências escolares formais entre as sociedades
indígenas do país. Reconhecem-se, comumente, duas tendências nas
relações entre o Estado brasileiro e os indígenas no Brasil, ao longo da
história, no tocante à educação: a de dominação, por meio de tentativas
de integração, assimilação e homogeneização cultural (predominante,
porém não exclusiva, desde o período colonial até o final do século XX)
e a de reconhecimento ao pluralismo cultural, intensificada nas últimas
décadas e ainda em curso.
O presente artigo tem, assim, o objetivo de apresentar os primeiros
resultados de uma ampla pesquisa acadêmica desenvolvida nos últimos anos sobre a história da educação escolar indígena no Brasil, com
ênfase na Região Centro-Oeste, particularmente nos estados de Mato
Grosso e de Mato Grosso do Sul. Para tanto, o recorte temporal proposto é predominantemente o século XX e as fontes utilizadas para este
empreendimento são diversificadas (escritas, iconográficas, orais etc.)
e provenientes, sobretudo, de pesquisas desenvolvidas em programas
de pós-graduação em universidades localizadas na região mencionada.
Além disso, os arquivos de missões religiosas e dos arquivos do órgão
indigenista oficial (antigo Serviço de Proteção aos Índios – SPI –, atual
Fundação Nacional do Índio – FUNAI) também servirão de fontes de
consulta no decorrer da pesquisa.
Neste primeiro exercício de sistematização empreendido pelos
autores, atém-se somente à produção acadêmica a respeito do tema,
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Nem “programa de índio”, nem “presente de grego”
problematizando-a teórica e metodologicamente a partir de algumas obras
consideradas significativas no âmbito da trajetória histórica da educação
escolar entre os índios no Brasil. Os estados de Mato Grosso e de Mato
Grosso do Sul1 foram escolhidos para uma breve amostra, pois neles se
concentram as atuais pesquisas dos autores. Um contraponto crítico aos
trabalhos produzidos até o momento fez-se necessário, tendo em vista a
verificação de certas limitações teórico-metodológicas recorrentes nos
trabalhos arrolados e investigados até o momento.
As pesquisas acadêmicas em história da educação
escolar indígena no Brasil: breve panorama
Em levantamento publicado em 2003, o antropólogo Luís Donisete
Benzi Grupioni destacou que, no período compreendido entre 1978 e
2002, foram defendidas, pelo menos, setenta e quatro dissertações e teses em diferentes áreas do conhecimento que versam sobre a educação
escolar indígena no Brasil (Grupioni, 2003). O número, porém, pode
estar incorreto, haja vista que, por exemplo, as dissertações de mestrado
de Silvia Helena Andrade de Brito (Brito, 1995) e de Renata Lourenço
Girotto (Girotto, 2001), defendidas respectivamente em 1995 e 2001, na
UFMS, não foram incluídas na relação apresentada pelo antropólogo.
Crê-se, portanto, que o número de dissertações e teses seja ligeiramente
maior do que o registrado por Grupioni no referido inventário.
Percebe-se que as universidades localizadas na Região CentroOeste contribuíram com aproximadamente 30% de toda a produção
acadêmica brasileira a respeito da educação escolar indígena no período
compreendido entre 1978 a 2002. 35% de toda a produção abordaram
diretamente grupos indígenas localizados na região. Interessante notar
que há um enorme hiato na década de 1980 a respeito do tema, visto que
de 1981 a 1990 não há o registro de um único trabalho versando sobre
1.
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Salienta-se que até 1977 os atuais estados de Mato Grosso e de Mato Grosso do
Sul compunham um único estado, o de Mato Grosso.
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educação nas aldeias. Outro dado interessante do inventário é que em
muitos trabalhos realizados fora do Centro-Oeste, os temas das pesquisas
focalizaram sociedades indígenas localizadas na região, especialmente
as sociedades xinguanas (Kuikuro, Kayabi, dentre outras). Xavante e
Terena aparecem como os grupos mais pesquisados, enquanto outros
ainda carecem de investigações.
O primeiro trabalho acadêmico de que se tem notícia sobre educação escolar indígena no país foi defendido, em 1978, na Faculdade de
Educação da Universidade de Brasília (UnB) por Nancy Antunes Tsupal,
orientada pelo professor doutor José Maria Gonçalves Júnior. Intitulada
Educação indígena bilíngüe, particularmente entre os Karajá e Xavante:
alguns aspectos pedagógicos, considerações e sugestões (Tsupal, 1978),
a dissertação, de acordo com a autora, é um relato de natureza etnográfica
sobre aspectos da educação indígena no Brasil, especificamente entre as
etnias Karajá e Xavante, localizadas nos estados de Goiás/Tocantins e
Mato Grosso. No texto, Tsupal apresenta algumas considerações e sugestões, sobretudo a respeito do caráter da política indigenista educacional
praticada na época pela Funai.
Um marco das pesquisas em educação escolar indígena é, sem dúvida,
a dissertação de mestrado defendida, em 1992, na Universidade de São
Paulo (USP) pela antropóloga Mariana Kawall Leal Ferreira. Intitulada
Da origem dos homens à conquista da escrita: um estudo sobre povos
indígenas e educação escolar no Brasil (Ferreira, 1992), a dissertação foi
orientada pela professora doutora Maria Aracy de Pádua Lopes da Silva
e passou a servir como referência para muitos dos posteriores trabalhos
de investigação acadêmica sobre o tema em questão no Brasil, inclusive
alguns daqueles produzidos no âmbito dos programas de pós-graduação
em educação das universidades de Mato Grosso e de Mato Grosso do
Sul, instituições que, ao lado da UnB e da Universidade Federal de Goiás
(UFG), se destacam no cenário nacional pela fecunda produção na área.
No referido trabalho, a autora afirma que:
Dos diferentes momentos da história da educação escolar para as sociedades indígenas no Brasil, cabe a nós, antropólogos, interpretar o último
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Nem “programa de índio”, nem “presente de grego”
deles – a luta pela conquista da autodeterminação dos índios também em
relação às práticas escolares – à luz da tendência política que tem marcado
a Antropologia feita no Brasil. O compromisso político dos etnólogos para
com os ideais do movimento indígena formaliza-se, na visão de Gersem
[Luciano dos Santos, indígena Baniwa, do Estado do Amazonas], enquanto
aliança mútua, possibilitando a índios e não-índios, assessorados e assessores,
compartilhar conhecimentos oriundos de diferentes modos de ser, agir e pensar
das distintas sociedades [Ferreira, 1992, p. 214].
Como se verá adiante, este referencial já foi alvo de duras críticas
por parte de outros antropólogos (Cavalcanti, 1999, por exemplo).
Em posterior artigo intitulado “A educação escolar indígena: um
diagnóstico crítico da situação no Brasil” (Ferreira, 2001), a mesma autora examina as experiências educativas desenvolvidas pelo Serviço de
Proteção aos Índios, a FUNAI, missões religiosas, secretarias municipais
e estaduais de educação, entidades indígenas e indigenistas e, também,
as práticas pedagógicas vivenciadas pelos próprios índios na região
norte do país. A antropóloga, a exemplo do que escreveu na dissertação
de mestrado de 1992, defende que o Estado brasileiro procurou, ao
longo do tempo, integrar os índios por meio da escolarização, situação
que se confrontaria, atualmente, com os ideais de autodeterminação das
sociedades indígenas.
Assim, Ferreira salienta que:
Para os índios, a educação é essencialmente distinta daquela praticada
desde os tempos coloniais, por missionários e representantes do governo. Os
índios recorrem à educação escolar, hoje em dia, como instrumento conceituado de luta [Ferreira, 2001, p. 71].
Contudo, pergunta-se quem seriam exatamente “os índios” de que
fala a antropóloga em seu texto. Seriam todos os membros das sociedades indígenas brasileiras? A quem a autora realmente se refere quando
escreve? Além disso, parece haver uma idéia que todo o passado colonial
tenha sido de experiências negativas, numa visão uniforme e cronologica210
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mente linear, e que agora, “todos” os índios estariam utilizando o espaço
escolar como “instrumento de luta”! Para afastar qualquer perspectiva de
generalização, uma das inúmeras armadilhas nas quais pesquisadores da
educação escolar indígena em perspectiva histórica correm o risco de se
deixarem emaranhar, os autores do presente texto optaram por iniciar os
trabalhos de investigação histórica sobre os processos de escolarização
formal nas aldeias do Brasil, a partir dos estados de Mato Grosso e de
Mato Grosso do Sul, Região Centro-Oeste.
As pesquisas sobre educação escolar indígena em
Mato Grosso e Mato Grosso do Sul: levantamento
preliminar
A Região Centro-Oeste do Brasil possui uma rica diversidade sociocultural e étnico-racial e abriga/ abrigou inúmeras sociedades indígenas
ao longo do tempo. Mato Grosso do Sul, por exemplo, é um dos estados
da federação que apresenta uma das maiores populações indígenas do
país na atualidade e onde estão presentes, pelo menos, dez etnias – Atikum, Guarani-Kaiowá, Guarani-Ñandeva, Guató, Kadiwéu, Kamba,
Kinikinau, Ofaié, Terena e Xamacoco (Ricardo & Ricardo, 2006). A
diversidade encontrada em terras sul-mato-grossenses revela distintas
situações vivenciadas por cada uma das etnias no que se refere à presença
de escolas nas aldeias. Cada um dos grupos étnicos, portanto, vivencia/
vivenciou uma situação particular e específica no tocante à educação
escolar. Entretanto, é possível verificar pontos em comum em todas essas
experiências, sobretudo no aspecto da violência física e psicológica a
que foram submetidos inúmeros indígenas nos ambientes escolares. A
esse respeito, os trabalhos de Darlene Taukane (1996, 1999), além das
comunicações de Giovani José da Silva (2002) e de Giovani José da Silva
e Léia Teixeira Lacerda (2004), dentre outros, são contundentes.
Se a Constituição Federal Brasileira de 1988 foi de fundamental
importância para uma mudança de postura jurídica em relação à educação
escolar oferecida às sociedades indígenas, é necessário que se refira à
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década de 1970 como um momento de estruturação de diferentes organizações indígenas e indigenistas (Brito, 2004). Essas organizações tiveram
como objetivos a defesa das terras e lutas por outros direitos, dentre eles
a educação. Em Mato Grosso e Mato Grosso do Sul, verifica-se que este
movimento social se intensificou nas últimas décadas do século XX e
no início do século XXI, inclusive com a emergência de etnias outrora
consideradas “extintas”, tais como os Kinikinau, os Ofaié e os Kamba,
atualmente em território sul-mato-grossense e os Guató, que se encontram
no Pantanal de Mato Grosso e de Mato Grosso do Sul.
Duas instituições universitárias destacam-se na Região CentroOeste, com trabalhos que versam sobre educação escolar indígena:
a UFMT e a UCDB, ambas com programas de pós-graduação em
educação. No período de 1978 a 2002, Luis D. B. Grupioni (2003)
registrou a significativa defesa de oito trabalhos na UFMS, sendo cinco deles orientados pela antropóloga professora doutora Edir Pina de
Barros. Já na UCDB, sediada em Campo Grande, quatro dissertações
foram defendidas no mesmo período. Atualmente, a linha de pesquisa
em educação escolar indígena encontra-se desativada na UFMT, ao
contrário do que ocorre na UCDB, que tem incrementado a mesma ao
longo dos últimos anos.
Os grupos pesquisados em Mato Grosso foram os seguintes: Xavante
(Silva, 1995; Mata, 1999), Bororo (Aguilera, 1999; Isaac, 1997, 2004),
Paresi (Souza, 1997), Bakairi (Taukane, 1996, 1999), Tikuna (Leite,
1994) e Parintintin (Schroeder, 1995), os dois últimos do estado do
Amazonas. Em um estado que conta com mais de 35 etnias atualmente,
poucas, portanto, foram estudadas. Já em Mato Grosso do Sul, as etnias
pesquisadas foram apenas Terena (Carvalho, 1996, 1998; Mangolim,
1998; Fernandes Jr., 1998), Guarani-Kaiowá e Guarani-Ñandeva (Doreto,
1997). Observa-se que nesse caso as etnias Atikum, Guató, Kadiwéu,
Kamba, Kinikinau, Ofaié e Xamacoco não receberam atenção alguma
por parte de pesquisadores da educação escolar indígena, entre as décadas de 1970 e 1990. Nesse levantamento preliminar, destaca-se, ainda, o
pioneiro trabalho de Rosely Fialho de Carvalho, intitulado Subsídios para
a compreensão da educação escolar indígena Terena do Mato Grosso
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do Sul (Carvalho, 1995), defendido no Programa de Pós-Graduação em
Educação, da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), Rio Grande
do Sul, em 1995, sob a orientação de Aldema Menine Trindade.
Renata Lourenço Girotto, em dissertação de mestrado em história
defendida na UFMS, campus de Dourados (atual Universidade Federal
da Grande Dourados – UFGD), abordou o processo de organização
do movimento de professores indígenas Guarani-Kaiowá e GuaraniÑandeva no estado de Mato Grosso do Sul (Girotto, 2001). Já Silvia
Helena Andrade de Brito, em dissertação defendida no Programa de
Pós-Graduação em Educação da UFMS, tratou dos projetos educacionais dirigidos pelo movimento indigenista, entre as décadas de 1970
e 1990, em todo o Brasil (Brito, 1995). Como já observado, ambos os
trabalhos foram ignorados no inventário organizado e comentado por
Grupioni (Grupioni, 2003).
Nos últimos três congressos brasileiros de história da educação – Natal (2002), Curitiba (2004) e Goiânia (2006) – registrou-se a participação
de reduzido número de pesquisadores da temática indígena e, particularmente dos estados de Mato Grosso e de Mato Grosso do Sul, apenas dois
trabalhos versaram sobre a educação escolar entre indígenas Kadiwéu
(José da Silva, 2002; José da Silva; Lacerda, 2004). Recentemente, na
revista Sociedade e Cultura, do curso de ciências sociais da UFG, em
número que traz um dossiê sobre “Identidade Indígena e Território”, foi
publicado um artigo sobre a educação escolar indígena entre os Kinikinau (José da Silva; Souza, 2003). Esses são apenas alguns dos trabalhos
realizados nos últimos anos, em âmbito acadêmico, que versam sobre
educação escolar e sociedades indígenas no Brasil.
Nesse cenário ainda pouco promissor, os trabalhos de Darlene Yaminalo Taukane sobre a educação escolar entre os Kurâ-Bakairi, etnia a qual
a pesquisadora pertence, ilustram exemplarmente o estágio das pesquisas
sobre a temática no Brasil e, em particular, no estado de Mato Grosso
(Taukane, 1996, 1999). A autora periodiza a educação escolar entre os
Bakairi em dois momentos: de 1920 a 1984, marcado pela atuação do
órgão indigenista oficial (SPI, depois FUNAI) e de 1985 até os dias atuais,
com a apropriação da escola pelos próprios Bakairi. Essa periodização,
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Nem “programa de índio”, nem “presente de grego”
de caráter linear e etapista, parece ser a tônica dos estudos acadêmicos
em história da educação escolar nas aldeias e merece uma análise mais
minuciosa e crítica.
Aponta-se, dessa forma, que é necessário romper com a história historicizante, factual, eivada de senso comum e que ainda marca algumas
pesquisas e que se traduzem, por exemplo, na linearidade e na divisão
rígida por etapas ou fases. Com isso, será possível a elaboração de uma
história da educação escolar indígena no Brasil mais holística, plural e
em uma perspectiva de longa duração. O problema de se produzir uma
história marcada pelo caráter linear, cronológico e por etapas é que
desse modo não são contemplados os múltiplos aspectos e perspectivas
espaciais e temporais, aprisionando uma realidade rica e complexa em
cânones há muito questionados no interior do próprio saber historiográfico. Isso sem contar com outros problemas, apontados por especialistas
de diversas áreas, tais como o engajamento ideológico e militante de
certos pesquisadores, a escatologia presente em muitos trabalhos, além
da chamada “armadilha arianista” (Funari, 1998).
Contrapontos aos resultados das pesquisas
acadêmicas em história da educação escolar
indígena: uma crítica
A visão apresentada por Mariana Kawall Leal Ferreira, embora
bastante utilizada até hoje pelos pesquisadores da história da educação
escolar indígena no Brasil, é passível de críticas, dado o caráter de divisão
histórica em etapas linear e taxativamente estabelecidas – as primeiras
às quais se outorga um caráter negativo (catequese no Brasil colonial,
integração do índio pelo SPI/ FUNAI, influência da Sociedade Internacional
de Lingüística – SIL, antigo Summer Institute of Linguistics – e missões
religiosas) e às últimas, um caráter positivo (projetos alternativos de
organizações não-governamentais indigenistas e indígenas). É como se
a história da educação escolar indígena tivesse um “passado de trevas”,
promovido por agentes não-índios, e um “futuro iluminado” exclusiva214
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Léia Teixeira Lacerda MACIEL e Giovani José da SILVA
mente pela presença de professores, técnicos e gestores indígenas nas
escolas localizadas nas aldeias.
A concepção de educação escolar indígena apresentada nos Referenciais Curriculares Nacionais para a Educação Indígena (RCNEI),
documento lançado pelo Ministério da Educação em 1998 (Brasil, 1998),
não escapa dessa visão e vai ao encontro de inúmeras das idéias de Mariana K. L. Ferreira (não por acaso, pois a antropóloga foi uma de suas
consultoras e redatoras!). O texto do documento não problematiza, por
exemplo, a questão de como o ensino vem ocorrendo nas aldeias de norte
a sul do Brasil há tempos. É como se professores, técnicos e gestores
indígenas estivessem começando “da estaca zero”, sem uma história das
escolas em suas aldeias e sem atentar para o que eles próprios aprenderam
a considerar o que seja adequado para o processo ensino-aprendizagem
em outras épocas e que os influenciam até os dias de hoje.
A própria obra da indígena Darlene Y. Taukane, anteriormente citada, revela os limites da periodização estabelecida pela autora: há uma
espécie de fase de “decadência”, sob a responsabilidade de instituições
governamentais e religiosas e uma fase “áurea”, em que os índios se
apropriaram e assumiram o papel de protagonistas em suas escolas.
Pergunta-se: será que há uma real apropriação das escolas por parte
da maioria das comunidades indígenas no Brasil de hoje? É possível
se construir uma história da educação escolar indígena recorrendo-se
somente às já consagradas etapas dicotômicas de fases “decadentes” e
fases “áureas”? As respostas a essas perguntas, pelo material examinado
até o momento, apontam caminhos diferentes daqueles adotados pela
maioria dos pesquisadores.
Para auxiliar na compreensão do que foi exposto, recorre-se ao texto
da própria Taukane. Na introdução de sua obra, por exemplo, a autora
revela que:
Meu grande desejo é que este estudo, realizado por uma Kurâ, membro
da sociedade em foco possa contribuir para o debate da questão da educação
escolar indígena, de uma maneira mais ampla e particular. Parto da premissa
de que podemos e devemos contar e recontar a nossa história, na nossa conRevista Brasileira de História da Educação, n° 19, p. 205-226, jan./abr. 2009
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Nem “programa de índio”, nem “presente de grego”
cepção. Precisamos desafiar os nossos horizontes e dilemas, que precisam ser
respeitados na construção dos nossos projetos [Taukane, 1999, p. 30].
Longe de questionar o direito de Taukane ou de qualquer outro indígena de escrever sobre a sua própria história, os autores problematizam
o fato de que apenas a autoria indígena garanta a qualidade da escrita da
história da educação escolar indígena. Em texto apresentado em 2003, no
II Seminário Internacional Educação Intercultural, Gênero e Movimentos
Sociais, ocorrido em Florianópolis, o historiador e antropólogo Giovani
José da Silva questionou se é prerrogativa exclusiva dos indígenas a
pesquisa sobre educação formal em sociedades nativas. Inspirado pelo
antropólogo estadunidense Clifford Geertz (2002), o autor comenta que
“[...] não é necessário ser um ‘nativo’ para conhecer um, ou melhor, a
interpretação do modo de vida de uma sociedade não deve ficar limitada
pelos horizontes mentais dessa mesma sociedade” (José da Silva, 2003).
Isso equivale a dizer que, a princípio, a qualidade dos trabalhos sobre
indígenas não será melhor (ou pior) se os pesquisadores forem os índios!
Além disso, é a própria Darlene Y. Taukane quem afirma ser necessário
desafiar seus próprios horizontes e dilemas...
Entretanto, não é apenas a periodização o único problema a ser
apontado nas pesquisas em educação escolar indígena que se realizam
hoje. De acordo com a antropóloga Mariana Paladino:
Certos temas e polêmicas também são recorrentes e permitem identificar
as questões legítimas a serem discutidas sobre educação escolar indígena.
São: introdução da escrita em sociedades de tradição oral, importância que o
ensino formal adquire para estas populações, efeito das intervenções externas, possibilidade de autonomia e maior controle do relacionamento com a
sociedade nacional que oferece o conhecimento escolar, papel do professor
indígena, impacto da educação missionária, conflitos entre aprendizagem
formal e tradicional, relação entre oralidade/ escrita e mito/ história. Estas
questões estabelecem um padrão nas discussões e nas linhas de pesquisa, que
dificilmente se afastam delas ou apontam para outras problemáticas. [...]. De
fato, depois de 20 anos continuam sendo as mesmas.
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Ainda de acordo com Paladino:
[...] muitas dessas polêmicas se originam e desenvolvem a partir de um
posicionamento político pessoal sem pesquisa que fundamente as apreciações.
[...]. Outro traço comum é o destaque que se dá a certos agentes, suas falas ou
textos, esses tornam-se referenciais ao serem mencionados por grande parte
dos agentes e tomados como base de hipóteses e focos de extrapolações para
outros períodos históricos e etnias, às vezes sem o suficiente rigor comparativo
[Paladino, 2003].
Mariana Paladino também critica o engajamento ideológico e
militante de alguns pesquisadores, pois revela o quanto essa postura
influi nos resultados das pesquisas e nas atuais práticas pedagógicas
implantadas nas escolas localizadas em áreas indígenas, em que se verificam, ainda, práticas que poderiam ser consideradas “paternalistas”
ou “assistencialistas”.
Da mesma forma, o antropólogo Ricardo Cavalcanti (1999), ao realizar
uma contundente crítica ao trabalho de Mariana K. L. Ferreira, revela que:
O que me impressiona em muitas dessas histórias da educação formal para
índios, que usualmente começam pelo período da Colônia, é passar pelo alto
dos séculos para caracterizá-los como uma espécie de preâmbulo de opressão
colonial, ao fim do qual despontaria a Nova Era. [...] Quero dizer, não me
parece tanto uma história, mas antes uma escatologia. Creio que nesse caso,
o que move são exatamente aquelas idealizações em torno da autonomia e
da autodeterminação.
Cavalcanti ainda sugere que:
Tensionar o quanto possa haver de idealização e o quanto tais referências
possam ser histórica e discursivamente determinadas seria uma forma de
recusar as soluções finalistas, ao mesmo tempo em que se recusa a evidência
demasiada natural desses ideais que embalam sonhos politicamente corretos.
Que em nome desses ideais os índios sejam declarados (ou imputados como)
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Nem “programa de índio”, nem “presente de grego”
“autores” parece-me, sociologicamente, no mínimo, uma precipitação. Os
índios sim, podem ser vistos como autores ou sujeitos sociais (desde que
não sirvam apenas – como se usa correntemente em certa vulgata – para
ocupar os lugares de vítimas da história ou heróis ecológicos), mas não creio
que antropologicamente se deva ter o mal [sic] senso de fazê-lo a partir das
idealizações dos brancos [Cavalcanti, 1999, pp. 31-32].
Aos autores do presente artigo, as provocações de Mariana Paladino e
Ricardo Cavalcanti parecem bastante pertinentes. Nos trabalhos até agora
levantados e estudados para esta pesquisa, percebeu-se que, em inúmeros
casos, seus autores também estiveram profundamente engajados nos
trabalhos de educação escolar indígena que se propuseram a analisar.
Em uma das primeiras dissertações defendidas no Programa de PósGraduação em Educação na UFMT sobre educação escolar indígena,
por exemplo, o texto de Teodorico Fernandes da Silva revela uma das
tendências apontadas e criticadas por Cavalcanti:
Decorridos quase quarenta anos, já não há mais internato e foi implantado o Curso do Magistério em Sangradouro, a partir de 1994 atendendo
as reivindicações dos Xavante no sentido de formação de membros de sua
própria sociedade para atender as demandas das escolas existentes em suas
inúmeras aldeias.
Os Xavante hoje, como outros tantos povos indígenas, participam do
movimento em direção à autogestão do seu processo escolar. O Curso do
Magistério conta com a participação de aproximadamente meia centena de
alunos, oriundos, de diversas aldeias Xavante. A história acusa essas e outras
mudanças, tanto a nível das práticas quanto dos discursos, que merecem ser
registradas e analisadas [Silva, 1995, pp. 15-17].
No trecho reproduzido, verifica-se como a escatologia apontada por
Ricardo Cavalcanti revela-se na pesquisa empreendida sobre a educação
escolar indígena entre os Xavante, de Mato Grosso. Trata-se, pois, de
uma outra armadilha teórica a ser evitada por quem pesquisa e escreve
a respeito da história da educação escolar nas aldeias.
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Afinal, como sabiamente ressalvam as pesquisadoras Circe Bittencourt e Adriane Silva:
Catequizar, civilizar, integrar e preservar são práticas de educadoreseruditos a serviço da Igreja, do Estado nacional, monarquista ou republicano
e, finalmente, da ciência, agentes cujas ações educativas foram e parecem
ser ainda motivadas pela crença na inevitabilidade da passagem do estado
de barbárie para o de civilização e no desaparecimento das populações indígenas. Afinal, continuamos a mistificar a escola, atribuindo-lhes o poder
de ensinar a mágica da escrita, evitando por esta concepção educacional
as críticas relativas ao projeto de colonização simbólica dos não-índios e
justificar nossos projetos “alternativos” de escolas para índios, muitos deles
atualmente apoiados/ encampados pelas agências governamentais envolvidas
com pesquisa e educação [Bittencourt & Silva, 2002, pp. 75-76].
Um outro problema merece ser citado, dada à recorrência com que
aparece nos textos: trata-se daquilo que o arqueólogo Pedro Paulo Abreu
Funari qualifica sugestivamente como “armadilha arianista”, ou seja, a
utilização de um discurso relativo aos indígenas que os aprisiona em uma
interpretação culturalista e, por que não dizer, racista:
[...] o discurso sobre os indígenas americanos, antes do contato com os
europeus e nos séculos posteriores, ainda constrói-se, no Brasil, a partir dos
conceitos arianistas, aqui transpostos para os grupos indígenas. Língua guarani, povo guarani, cultura guarani, território guarani, migrações guaranis,
remetem ao modelo arianista de Kossina [...], agora aplicados aos ameríndios.
Não é casual que teorias racistas vicejem na sociedade abrangente, pois, no
interior da academia, geram-se interpretações culturalistas que retornam à
sociedade, intensificando os preconceitos do senso-comum. “Raças (ou povos)
são assim ou assado”, “As sociedades são todos coesos, homogêneos, cujos
integrantes seguem regras e normas de comportamento socialmente aceitos”
[...] [Funari, 1998, p. 159].
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Nem “programa de índio”, nem “presente de grego”
Determinados autores, enfoques, lideranças indígenas são encontrados com facilidade, e até certa repetição, nos trabalhos sobre educação
escolar indígena elaborados pelo país afora. Falar em escola indígena
intercultural, bilíngüe, diferenciada e específica tornou-se, portanto, um
chavão esvaziado de conteúdos e significados. Pesquisas etnográficas
nas atuais escolas localizadas em áreas indígenas, contudo, poderiam
revelar práticas pedagógicas tão ou mais autoritárias que as exercidas
em escolas não-indígenas no passado e no presente. Afinal, por quais
métodos pedagógicos os atuais professores indígenas passaram em seu
processo de escolarização formal? Com certeza, muitos desses profissionais carregam, em si mesmos, marcas de violência psicológica e física
a que foram submetidos quando crianças, adolescentes e jovens e não é
possível, portanto, começar “da estaca zero” sem se referir à escola dos
“tempos de antigamente” para desvelar a escola do “tempo presente”.
Desvendar esse passado ainda é um grande desafio para todos os que se
aventuram pela história da educação escolar indígena no Brasil.
Considerações finais
O presente texto não pretendeu ser exaustivo em seu levantamento
sobre os estudos que versam a respeito da educação escolar indígena,
pois se sabe que há inúmeros trabalhos defendidos em programas de pósgraduação por todo o Brasil, aos quais os autores ainda não obtiveram
acesso. No momento, realiza-se um volumoso levantamento das fontes
documentais e verificam-se, inclusive, muitos trabalhos de mestrado
e de doutorado elaborados em diferentes pontos do país, nos últimos
anos, sobre a temática2. Entretanto, a produção ainda pode ser considerada incipiente e pouco divulgada, fazendo-se necessário, portanto, a
criação de uma rede de colaboradores para a melhoria na qualidade da
2.
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Conferir, por exemplo, Cota (2000), sobre a educação escolar entre os Tupinikim,
do Espírito Santo, e Pieruccini (2002), sobre educação escolar indígena nos aldeamentos Guarani no estado do Paraná.
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obtenção de dados, troca de informações e o refinamento dos debates
teórico-metodológicos.
Ressalta-se, entretanto, que não se pretendeu aqui estabelecer um
diálogo com militantes da causa indígena. Almeja-se, sim, organizar um
referencial teórico-metodológico (apoiado nas contribuições da história,
da antropologia e de outras disciplinas), a partir dos trabalhos acadêmicos
já realizados, criticando visões simplistas e reducionistas encontradas em
muitos deles. Evidentemente, sabe-se que para os índios da atualidade e
seus assessores interessa um discurso politicamente correto que vai ao
encontro de textos acadêmicos calcados na linha dicotômica “passado
triste” versus “futuro brilhante” das escolas localizadas em áreas indígenas. Busca-se, dessa forma, travar um diálogo com os pesquisadores
da história da educação escolar indígena no Brasil, ainda que sejam em
número reduzido e de distintas áreas do conhecimento.
A história da educação escolar indígena no país, e particularmente
de cada uma das mais de duzentas sociedades que compõem o atual
cenário étnico, não é linear e, tampouco, pode ser dividida em rígidas
etapas estanques, cristalizadas. A escolarização formal de indígenas já
ocorre no Brasil há muito tempo, mas grande parte da história da educação
escolar nas aldeias ainda é desconhecida e está por ser desvelada. Poucos
ainda são os estudiosos que se debruçam sobre os processos de educação
formal realizados junto aos índios ao longo do tempo, especialmente pelo
órgão indigenista oficial em convênio com missões religiosas e outras
instituições ao longo do século XX. Sabe-se que há muito a ser lido,
especialmente a produção mais recente sobre o assunto, infelizmente
pouco divulgada, às vezes no próprio meio acadêmico!
As conclusões, ainda parciais, apontam para o crescimento dos
estudos sobre a história das instituições escolares em áreas indígenas
no país, em que pese os problemas apontados. Mais importante do que
chegar a conclusões, contudo, é levantar a problemática relacionada
à introdução dessas escolas nas aldeias, criticar os pressupostos das
atuais pesquisas e estimular outros pesquisadores a compreenderem
os instigantes percursos e desafios da pesquisa de história da educação
escolar indígena no Brasil. Pensar a história da educação e seus sujeitos
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Nem “programa de índio”, nem “presente de grego”
obriga os pesquisadores também a pensar sobre a histórica exclusão a
que foram submetidos determinados sujeitos do processo escolar, tais
como as populações indígenas e a população negra. Perceber as trajetórias espaciais e temporais dessas populações e suas relações com a
instituição escolar enriquece a própria história da educação brasileira,
infelizmente ainda bastante focada em escolas urbanas e pouco atenta à
diversidade étnico-cultural.
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Nem “programa de índio”, nem “presente de grego”
Endereço para correspondência:
Giovani José da Silva
Av. Capitão Olinto Mancini, 1.606, ap. 19
Jardim Primaveril – Três Lagoas-MS
CEP 79603-011
E-mail: [email protected]
Léia Teixeira Lacerda Maciel
Av. Júlia Maksoud, 593, ap. 33, bloco A9,
Residencial José Pedrossiam
Campo Grande-MS
CEP 79011-100
E-mail: [email protected]
Recebido em: 1 jan. 2007
Aprovado em: 1 maio 2008
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Resenha. Cézar de Alencar Arnaut de Toledo, Marcos Ayres Barboza
Resenha
Educação, história e cultura no Brasil Colônia
autores
cidade
editora
ano
José Maria de Paiva,
Marisa Bittar
Paulo de Assunção
São Paulo
Arké
2007
A presente obra é o resultado do trabalho de pesquisa de nove
pesquisadores de universidades públicas e privadas brasileiras, ligados ao Grupo de Pesquisa “Educação, História e Cultura: Brasil,
1549-1759”, liderado pelo pesquisador José Maria de Paiva, professor da Universidade Metodista de Piracicaba (UNIMEP).
O grupo de pesquisa, criado em 2000, está vinculado ao Programa
de Pós-Graduação em Educação da UNIMEP, com núcleos de pesquisa
na Universidade Federal de São Carlos (UFSCAR, São Carlos-SP); na
Universidade Estadual de Maringá (UEM, Maringá-PR); no Centro
Universitário Assunção (UNIFAI, São Paulo-SP) e na Universidade
Estadual do Rio de Janeiro (UERJ, Rio de Janeiro-RJ).
O objetivo do livro é apresentar ao campo científico da área de
ciências humanas, notadamente da educação e da história da educação, o resultado de pesquisas e debates promovidos nos encontros
de apresentação e discussão de trabalhos do grupo de pesquisas,
ocorridos em sua trajetória. Para tanto, está organizado em sete capítulos da seguinte maneira: capítulo um, “Religiosidade e cultura
brasileira – século XVI”, escrito por José Maria de Paiva; capítulo
dois, “Educação jesuítica no império português do século XVI: o
colégio e o Ratio Studiorum”, escrito por Célio Juvenal Costa; capítulo três, “As relações epistolares: humanistas e jesuítas”, escrito por
Edmir Missio; capítulo quatro, “Os exercícios espirituais e o teatro”,
escrito por Paulo Romualdo Hernandes; capítulo cinco, “Educação
e cultura na América portuguesa: as reformas de Sebastião José de
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Educação, história e cultura no Brasil Colônia. Resenha
Carvalho Melo”, escrito por Paulo de Assunção; capítulo seis, “A
pesquisa em história da educação colonial”, escrito por Marisa Bittar
e Amarílio Ferreira Júnior e, por último, capítulo sete, “Educação
jesuítica no Brasil colonial: estudo baseado em teses e dissertações”,
escrito por Maria Cristina Innocentini Hayashi e Carlos Roberto
Massao Hayashi.
No capítulo um, “Religiosidade e cultura brasileira no século
XVI”, José Maria de Paiva afirma que não se pode compreender
a religiosidade brasileira sem que se faça referência à cultura,
considerada como a maneira de ser da sociedade e, na qual, as
pessoas se expressam por meio das relações. Na primeira parte, “A
religiosidade nas práticas sociais”, analisa documentos oficiais de
um período histórico em que a cultura portuguesa, como um tudo,
tinha um único objetivo, o cuidado da religião. A religiosidade
cristã era a forma de ser da sociedade portuguesa. A existência
humana em conformidade com a fé era uma exigência cultural e,
como tal, uma obrigação pública e social. A vida em sociedade era
regida pela “nossa santa fé”; os comportamentos considerados de
“bons costumes” fundamentavam-se na doutrina da Igreja e, também, na legislação do Reino. Aqueles que se desviavam dos “bons
costumes”, aos olhos dos indivíduos e da sociedade mereciam reprovação social e punição pelos seus pecados. Na segunda parte, “A
religiosidade na sua expressão devocional”, o professor José Maria
de Paiva analisa a prática devocional e cultural dos portugueses na
colônia, visando demonstrar a formação da subjetividade portuguesa
alicerçada sobre a religiosidade. Ser cristão, nesse período, significava ir a missa e comungar; além disso, uma maneira de apreender
e pregar os “bons costumes”. A devoção era caracterizada como o
novo modo de vida que se assumia, por meio de jejuns, abstinência
e disciplina para a renovação ou reformulação da espiritualidade. A
fé cristã, na sociedade portuguesa, não implicava na conformidade
com os ensinamentos dos padres, mas no viver uma vida em que
Deus se põe presente. Assim, para não se cair em contendas com a
figura do poder sagrado, a solução era ganhar as boas graças pelo
cumprimento da obediência.
No capítulo dois, “Educação jesuítica no império português
do século XVI: o colégio e o Ratio Studiorum”, Célio Juvenal
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Resenha. Cézar de Alencar Arnaut de Toledo, Marcos Ayres Barboza
Costa afirma que o objetivo inicial da Companhia de Jesus era
a reconquista da cidade de Jerusalém para os cristãos, mas, no
decorrer dos primeiros decênios de sua existência, por influência
dos fundamentos teológicos e filosóficos da escolástica, igualmente
pela austera formação dos clérigos, contribuíram com os objetivos
da Igreja que visavam lidar com questões novas, como a expansão
do comércio e a descoberta do novo mundo. Para discutir o papel
do colégio e do Ratio Studiorum no trabalho jesuítico de formação escolar no século XVI, dividiu o trabalho em quatro partes: a
primeira, “O jesuíta como instrumento da Reforma Católica”; a
segunda, “A racionalidade educacional jesuítica”; a terceira, “O
colégio” e, por último, a quarta, “Ratio atque Institutio Studiorum
Societatis Iesu”. Segundo o autor, os colégios e o programa de
formação elaborado pelos jesuítas, disponíveis aos jovens em geral,
desenvolviam uma educação séria e exigente, o que se observa na
análise dos cursos de humanidades, filosofia e teologia do Ratio
Studiorum. Nas colônias, os colégios não se restringiam somente
à formação, eram responsáveis também pela administração de
povoações, cidades, igrejas e fazendas. Desse modo, conclui que
tanto o plano de estudos como os colégios foram a expressão de
experiências históricas que, avaliadas e reavaliadas, instituiu a
forma de ser da Companhia de Jesus.
No capítulo três, “As relações epistolares: humanistas e jesuítas”, Edmir Missio analisa o papel exercido pelas cartas como
instrumento de formação, que contribuía para a educação dos filhos
da família Sforza, futuros governantes do ducado de Milão. Nas
cartas, os filhos relatavam suas experiências e, também, serviam
como um instrumento à manutenção das relações e hierarquias. A
escrita das cartas exprimia as ações e os pensamentos, exigindo um
grande esforço argumentativo, com o qual se verificava a formação
recebida. Tratava-se de “uma técnica de composição e elaboração
[dos] estudos de retórica e poética” (p. 46); elas eram avaliadas como
um instrumento, “[...] de propaganda política e difusão cultural”
(p. 46). Desse modo, o aprendizado das cartas passou “[...] a fazer
parte do currículo das escolas fundadas pelos humanistas, as quais
proverão quadros administrativos dos governos, como secretários e
diplomatas” (p. 49). Assim, no decorrer do século XVI, a expansão do
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Educação, história e cultura no Brasil Colônia. Resenha
comércio e a descoberta do novo mundo, transformaram as relações
sociais e culturais, e exigiram o desenvolvimento de uma educação
mais apropriada aos desafios da época, isto é, uma educação de
caráter utilitário.
Capítulo quatro, “Os exercícios espirituais e o teatro”, Paulo
Romualdo Hernandes discute a importância histórica dos exercícios
espirituais, entendidos como um exame mental criado por Inácio
de Loyola que, depois de aperfeiçoado, tornou-se um manual de
educação e ensino da religiosidade cristã católica. Tratava-se de um
método rigoroso, constituído por quatro semanas de exercícios; na
primeira, o exercitante era convidado a realizar orações, colóquios,
penitências e arrependimentos para se livra de seus pecados e,
assim, purgado e penitenciado, o exercitante passa para a segunda
semana de exercícios. A principal característica desse período
chamado de semana era a iluminação divina; nela, o exercitante
seguia a Jesus em todos os seus passos. As tarefas do diretor espiritual, como um mediador pedagógico, era possibilitar as condições
necessárias para que o exercitante chegasse a experiência interior.
Imitar Cristo significa “morrer para a vida que se tem, realidade
real, para ressuscitar e viver eternamente espiritualmente” (p. 64).
Ao aceitar o caminho de imitação de Cristo, o exercitante entra
na terceira semana que também é iluminativa. Nela, ele vivia
intensamente a Paixão de Cristo com todas as implicações que
ela pudesse causar. Segundo Hernandes, “o que faz a plástica e
a didática dos exercícios são o sentir interiormente trazendo para
a memória, entendimento e vontade as dores da Paixão” (p. 65).
Pelo renascer com Cristo, o exercitante entrava na quarta semana,
caracterizada como um momento de União com Deus. Os exercícios
espirituais não eram simples experiências místicas mas, também,
uma dramatização, representações interiores que possibilitaram aos
que não viveram na época de Jesus, conhecer a história da salvação
do povo de Deus. Enfim, as dramatizações tinham como objetivo
tornar possível, por meio das representações, o conhecimento das
verdades do sofrimento de Cristo e, notadamente, viver a alegria
de Cristo Ressuscitado.
No capítulo cinco, “Educação e cultura na América portuguesa:
as reformas de Sebastião José de Carvalho Melo”, Paulo de Assunção
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Resenha. Cézar de Alencar Arnaut de Toledo, Marcos Ayres Barboza
analisa o contexto histórico de Portugal após a morte do monarca
dom João V, em 31 de julho de 1750, com a nomeação de Sebastião
José de Carvalho e Melo, como primeiro-ministro de Portugal. Ele,
ao assumir suas funções, implementou um conjunto de medidas para
ampliar o poder do Estado, por meio da centralização do poder monárquico em relação ao poder exercido pela Igreja e pela nobreza. O
rompimento com a Igreja ocorreu entre 1760-1770, período em que
o Estado português delegou aos tribunais civis poderes para legislar
sobre assuntos de ordem pública, revogando o cumprimento dos documentos oficiais da Igreja. A reformulação institucional “procurou
atuar por meio de leis que clarificassem o papel das instituições, bem
como das relações entre elas” (p. 76). A reorganização do império
português visava o saneamento das contas do Estado, debilitada pelos
acordos celebrados entre Portugal e a Inglaterra. As transformações
repercutiram também no campo subjetivo e social, influenciadas pela
efervescência das idéias iluministas. “O pensamento iluminista foi
profícuo na discussão da liberdade e autonomia do Estado em relação
à Igreja” (p. 78). Esses debates ainda repercutiram na educação e
nos sistemas pedagógicos, já que a afirmação do poder do Estado
evidenciou um ideal progressista que exigia o estabelecimento de
uma educação de base científica, sobretudo da formação recebida
nas escolas e universidades, que se encontravam sobre a influência
da educação jesuítica.
No capítulo seis, “A pesquisa em história da educação colonial”, os autores, Marisa Bittar e Amarílio Ferreira Júnior,
discutem a produção científica no campo da educação, referente
ao período colonial em que os jesuítas tiveram o domínio sobre
a sistematização do trabalho pedagógico na colônia brasileira. A
criação de um grupo de pesquisa, intitulado “Educação Jesuítica
no Brasil colonial”, desenvolvido na UFSCAR, ligado ao Diretório
de Pesquisa “Educação, História e Cultura Brasileira: 1549-1759”,
liderado por José Maria de Paiva, possibilitou a análise de lacunas
temáticas sobre essa produção, o que objetivou o desenvolvimento
de pesquisas para ampliar a historiografia da educação brasileira
desse período. Os autores, para analisarem a produção científica
sobre a educação colonial, entre 1549 a 1759, estabeleceram seis
categorias analíticas: a primeira, “A hegemonia dos jesuítas e a
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Educação, história e cultura no Brasil Colônia. Resenha
presença de sua ação pedagógica nos eventos científicos”; a segunda, “As correntes interpretativas sobre a ação pedagógica dos
jesuítas”; a terceira, “O tema nos manuais didáticos”; a quarta,
“O tema em artigos e capítulos de livros”; a quinta, “O tratamento
teórico-metodológico” e, por último, a sexta, “A questão das fontes”. Na conclusão, afirmaram que ainda existe uma enorme gama
de assuntos não pesquisados, relacionados ao tema, sendo que as
chances de estudos inéditos são maiores, porém, essa temática atrai
um número restrito de profissionais em razão da necessidade de
afeição com a história de nossos primeiros séculos; da disciplina de
estudo para trabalhar com documentos históricos, da abrangência
do campo de pesquisa em educação e a exigência de um tratamento
epistemológico que dê materialidade a totalidade histórica dos
primeiros séculos da formação social brasileira.
E, por fim, no capítulo sete, “Educação jesuítica no Brasil colônia: um estudo baseado em teses e dissertações”, Maria Cristina
Innocentini Hayashi e Carlos Roberto Massao Hayashi analisam a
produção científica sobre a educação jesuítica no Brasil colônia. O
material de estudo constituiu-se de teses de livre docência e doutorado e dissertações defendidas em programas de pós-graduação de
instituições de ensino superior; para a coleta de materiais elegeu-se
as bibliotecas digitais de teses e dissertações como fonte de pesquisa com base em uma abordagem bibliométrica. Essa abordagem
consiste no estudo da atividade científica, visando o desenvolvimento de indicadores de avaliação da produção de conhecimento.
De acordo com o levantamento bibliográfico disponibilizado em
diversas fontes de dados na Internet, das instituições de ensino
superior, os resultados demonstraram que a maior parte da produção científica relacionada ao tema encontra-se em programas de
pós-graduação da Região Sudeste do Brasil. A distribuição das 275
teses e dissertações realizadas possibilitou verificar que a maioria
dos trabalhos encontra-se vinculados a programas de história (119
trabalhos); educação (46); letras (16) e antropologia social (12). A
análise bibliométrica da produção científica relacionada ao tema
da educação jesuítica no Brasil colônia possibilitou a afirmação
de que, a partir dos anos de 1990, houve um aumento significativo do número de trabalhos acadêmicos sobre a temática, sendo
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Resenha. Cézar de Alencar Arnaut de Toledo, Marcos Ayres Barboza
que a maioria desta produção concentra-se nas áreas de história
e educação.
O trabalho desenvolvido pelo grupo envolve pesquisas relacionadas à presença jesuítica no Brasil colônia. Tem como centro
a história da educação, definida como a aprendizagem da maneira
de ser, a qual se constitui pela formação da identidade dos indivíduos e da sociedade. A educação e a cultura são compreendidas
como dois elementos de análise do mesmo processo social; nele,
a educação é ligada à aprendizagem e a cultura às formas de ser. A
história, nesse contexto, é analisada com base na ação dos homens,
que transformam e são transformados pelo produto de sua própria
atividade material.
A disponibilização das pesquisas realizadas pelo grupo de pesquisa tem o mérito de abordar uma área de pesquisa que não tem
recebido a devida atenção na área de educação. A tarefa de revisitar
as fontes já conhecidas e de tratar temas também conhecidos, além
de descortinar novas possibilidades interpretativas, pode apontar
novos rumos e novas fontes para a pesquisa acadêmica. O livro é
bem apresentado e cumpre uma importante função de apresentar, de
forma acadêmica, temas e assuntos conhecidos.
A editora Arké traz ao público brasileiro uma importante referência temática da história da educação no Brasil, uma vez que a
história da educação colonial é uma área pouco estudada entre os
pesquisadores brasileiros que, nos últimos anos, tem ganhado expressividade com o trabalho realizado pelo Grupo de Pesquisa “Educação,
História e Cultura: Brasil, 1549-1759”. Além disso, contribui para a
divulgação do trabalho desenvolvido por pesquisadores da área. O
livro destaca especialmente a atuação dos jesuítas no Brasil e, esse
destaque, mostra a proeminência incontestável da Companhia de
Jesus no campo da educação e mesmo da religião.
Cézar de Alencar Arnaut de Toledo
Universidade Estadual de Maringá (UEM)
Doutor em educação pela Universidade Estadual de Campinas
(UNICAMP, 1996), professor no Departamento de Fundamentos da
Educação e do Programa de Pós-Graduação em Educação da UEM
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Educação, história e cultura no Brasil Colônia. Resenha
Marcos Ayres Barboza
Mestre em educação (2007) pela Universidade Estadual de
Maringá (UEM)
Endereço para correspondência:
Cézar de Alencar Arnaut de Toledo
Rua Saldanha Marinho 870, ap. 301
Zona 7 – Maringá-PR
CEP 87030-070
E-mail: [email protected]
Recebido em: 29 ago. 2008
Aprovado em: 2 set. 2008
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Orientação aos Colaboradores
Orientação aos colaboradores
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resenhas e notas de leitura inéditos no Brasil, relacionados à história e historiografia da
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reservando-se o direito de encomendar trabalhos e compor dossiês.
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e historiografia da educação.
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da história da educação. Os dossiês serão analisados na íntegra, e pode ocorrer que nem
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textos, estes poderão ser publicados isoladamente. Só serão publicados como dossiês
um conjunto mínimo de três artigos aprovados pelos pareceristas.
As resenhas, notas de leitura e traduções são avaliadas pela Comissão Editorial.
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Revista Brasileira de História da Educação
A Revista Brasileira de História da
Educação é uma publicação quadrimestral da Sociedade Brasileira de
História da Educação – SBHE – que
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2008
n. 16
Artigos
Emigrantes, escuelas y regeneración social: Los emigrantes
gallegos a América y el impulso a la educación (1879 – 1936)
Antón Costa Rico
Reabrindo o debate sobre Nagle, a educação e a saúde na
historiografia brasileira
Luiz Antonio de Castro Santos
Intelligentsia e intelectuais: sentidos, conceitos e possibilidades para a história intelectual
Carlos Eduardo Vieira
Bernardo Guimarães, pensador social
Luciano Mendes de Faria Filho
Um bacharel na secretaria do interior e justiça: o intelectual
Delfim Moreira e a reforma do ensino em Minas Gerais
Irlen Antônio Gonçalves
O pensamento de Edward Palmer Thompson como programa
para a pesquisa em história da educação: culturas escolares,
currículo e educação do corpo
Marcus Aurélio Taborda
Difusão, apropriação e produção do saber histórico:
A Revista Brasileira de História da Educação (2001-2007)
Ana Maria Galvão, Dislane Zerbinatti Moraes,
José Gonçalves Gondra e Maurilane de Souza Biccas
Resenha
A micro-história italiana: escalas, indícios e singularidades
Alessandra Frota Martinez de Schueler e José Cláudio
Sooma Silva
A história do currículo oficial de ensino fundamental e médio
no Brasil
Diogo da Silva Roiz
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maio/agosto
2008
n. 17
Artigos
O manual didático Práticas escolares: um estudo sobre
mudanças e permanências nas prescrições para a prática
pedagógica
Vera Valdemarin
Mapas de freqüência a escolas de primeiras letras: fontes para
uma história da escolarização e do trabalho docente em São
Paulo na primeira metade do século XIX
Diana Gonçalves Vidal
Dossiê
Concepções de universidade e de educação superior no
Brasil nos anos de 1920 e 1930
Apresentação
José Carlos Souza Araújo
Concepções de universidade e de educação superior no
Inquérito de 1926 de Fernando de Azevedo
José Carlos Souza Araújo
Carneiro Leão e a questão da educação superior
Maria Cristina Gomes Machado
O “Manifesto dos Pioneiros” de 1932 e a cultura universitária
brasileira: razão e paixões
Marcus Vinicius da Cunha
A universidade brasileira na Reforma Francisco Campos de 1931
José Carlos Rothen
Anísio Teixeira e a Universidade do Distrito Federal
Maria de Lourdes Albuquerque Fávero
Tradução
A Escola de Psicologia de Genebra em Belo Horizonte:
um estudo por meio da correspondência entre Edouard
Claparède e Hélène Antipoff (1915-1940)
Martine Ruchat
Trad. de José Gonçalves Gondra e Ana Maria Magaldi
Resenha
A higienização dos costumes: educação escolar e saúde
no projeto do Instituto de Hygiene de São Paulo (1918-1925)
Maria Aparecida Augusto Satto Vilela
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Revista Brasileira de História da Educação
setembro/dezembro
2008
n. 18
Artigos
O ensino da escrita, da leitura, do cálculo e da doutrina
religiosa nas escolas de primeiras letras da província de Goiás
no século XIX
Sandra Elaine Aires de Abreu
Leituras de formação: raça, corpo e higiene em publicação
pedagógica do início do século XX
Regina Cândida Ellero Gualtieri
História da matemática e positivismo nos livros didáticos de
Aarão Reis
Maria Laura M. Gomes
Educação dos índios na Amazônia do século XVIII: uma
opção laica
Mauro Cezar Coelho
Das escolas mistas industriais ao grupo escolar: a educação
do operário viabilizada na Companhia Taubaté Industrial
(CTI) e divulgada pelo CTI Jornal (1937-1941)
Mauro Castilho Gonçalves
Ser Stella: um estudo sobre o papel da mulher e da educação
feminina na Juiz de Fora do início do século XX
Ana Luiza de Oliveira Duarte Ferreira
Tradução
A história das disciplinas escolares
Antonio Viñao
Trad. de Marina Fernandes Braga
Nota de leitura
História da educação pela imprensa
Cynthia Lushiuen Shieh
Relação de pareceristas ad hoc 2008
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