REVISTA CIENTÍFICA DO ISCTAC
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REVISTA CIENTÍFICA DO ISCTAC Propriedade do ISCTAC Vol. 01, Ano I, Edição Nº 01, Setembro de 2014 Registo: Nº 82/GABINFO-DEC/2014 www.isctac.org Email: [email protected] DESTAQUES Desafios do Modelo de Crime Como Ofensa ao Bem Jurídico no Direito Penal Contemporâneo RAPTO: Modus Operandi, Consequências à Prevenção – Uma Perspectiva Moçambicana Breve Ensaio Sobre Evolução Histórica e Política das Relações Entre China e o Mundo em Desenvolvimento Dimensões Psicológicas da Paz e da Guerra Direito à e da Morte: Omissos Pelas Constituições Resenha da Obra: Conflito, Paz e Segurança de Rizuane Mubarak INSTITUTO SUPERIOR DE CIÊNCIAS E TECNOLOGIA ALBERTO CHIPANDE Rua Correia de Brito n˚ 952, Tel. +25823320794 Cidade da Beira - Moçambique REVISTA CIENTÍFICA DO ISCTAC Ano I Volume 1 Número 01 Setembro de 2014 Director da Revista Msc. Júlio Taimira Chibemo [email protected] Editor da Revista Msc. Emílio J. Zeca [email protected] Registo Nº 82/GABINFO-DEC/2014 Propriedade: Instituto Superior de Ciências e Tecnologia Alberto Chipande Rua Correia de Brito, Nº 952 Cidade da Beira - Moçambique revistacientí[email protected] www.isctac.org 2 Vol. 1, Nº 01, Ano I, Setembro de 2014 REVISTA CIENTÍFICA DO ISCTAC Vol. 01, Ano I, Edição Nº 01 Ficha Técnica: Propriedade: ISCTAC Director: Msc. Júlio Taimira Chibemo Editor: Msc. Emílio J. Zeca Redacção: Prof. Dr. Fabio Roberto D’Avila, Msc. Paulo Sandro Sousa, Prof. Dra. Anna Carletti, Prof. Msc. Rizuane Mubarak e Msc. Emílio J. Zeca Distribuição: ISCTAC Beira, Setembro de 2014 3 Vol. 1, Nº 01, Ano I, Setembro de 2014 NOTA EDITORIAL D iversos factos, fenómenos, marcos e eventos demarcam um determinado contexto e tornam-se dignos de realce e nota, no percurso de crescimento, consolidação e afirmação de uma instituição. No processo do desenvolvimento e consolidação do Instituto Superior de Ciências e Tecnologias Alberto Chipande, o aparecimento, em público, em Setembro de 2014, a Revista Científica representa um marco, no conjunto de realizações da instituição. A Revista Científica do ISCTAC de publicação trimestral aparece com um veículo de comunicação que pretende ser um modesto subsídio à formação de uma cultura académica, na Cidade da Beira, em particular, e em Moçambique, no geral, vinculando pontos de vistas e posicionamentos dos docentes, discentes, investigadores e público em geral sobre aspectos da vida nacional e internacional. O número de registo atribuído ao Boletim à Revista Científica do ISCTAC é: Registo Nº 82/GABINFODEC/2014. Os textos apresentados nesta edição são fruto da reflexão dos investigadores e docentes do ISCTAC, as comunicações apresentadas no IIº Congresso de Criminalística realizado na Cidade da Beira entre os dias 16 e 18 de Julho de 2014, o texto da Prof. Dra Anna Carletti da UFRGS do Brasil e a resenha da obra Paz, Conflito e Segurança. Aguardamos dos prezados leitores a vossa estimada colaboração com críticas, sugestões e contribuições positivas e oportunas para a renovação do Boletim o Mensal. O Editor Emílio J. Zeca 4 Vol. 1, Nº 01, Ano I, Setembro de 2014 DESAFIOS DO MODELO DE CRIME COMO OFENSA AO BEM JURÍDICO NO DIREITO PENAL CONTEMPORÂNEO Fabio Roberto D’Avila Doutor em Ciências Jurídico-Criminais pela Universidade de Coimbra (Portugal), Pós-Doutorando pela Johann Wolfgang Goethe Universität (Frankfurt am Main – Alemanha), Professor Titular de Direito Penal da Faculdade de Direito da PUCRS e do Programa de Pós-Graduação em Ciências Criminais (Mestrado e Doutorado) da PUCRS, Brasil. Contato: [email protected] Resumo O modelo de crime como ofensa ao bem jurídico encontra no direito penal contemporâneo um ambiente hostil, muito embora, em um aparente paradoxo, também um dos espaços de juridicidade em que mais tem a oferecer. Trata-se de uma projeção principal de base político-ideológica que reflete uma forma de pensar o direito penal e o fenômeno criminoso não só adequada, mas até mesmo intrínseca ao modelo de Estado democrático e social de Direito, e que, uma vez recepcionada constitucionalmente, quer no âmbito dos princípios, quer no âmbito das regras constitucionais, torna a ofensa a bens jurídico-penais exigência indeclinável à legitimação de todo e qualquer ilícito penal. crime como violação de um dever, marca mais saliente de ordenamentos penais autoritários. Problema que tende ainda a se agravar em países em desenvolvimento, como é o caso de Brasil e Moçambique, por meio do uso populista e irresponsável das leis penais. Leis no lugar de políticas públicas. Como se a lei, por si só, fosse capaz resolver problemas sociais, melhorar a qualidade de vida e reduzir os índices de criminalidade. Neste preciso horizonte de coisas, um voltar de olhos à questão do conceito material de crime (i.e., o que é ou poder vir a ser um crime) e dos limites de legitimidade do direito penal (até onde pode avançar os domínios de um direito penal não autoritário) apresenta-se como tarefa irrenunciável em qualquer Estado democrático de direito. E diferente não é entre nós. O direito penal brasileiro, neste âmbito, nitidamente influenciado pela tradição penal portuguesa1, alemã2 e italiana3, sempre manifestou-se tendo por base a denominada teoria do bem jurídico (Rechtsgutstheorie), cujas raízes remetem ao direito penal alemão, e a doutrina italiana do crime como ofensa a bens jurídicos; ambas a destacar a importância do resultado jurídico na constituição do ilícito penal: crime é o fato culpável ofensivo a bens jurídico-penais. Mais recentemente, por ocasião dos trabalhos de reforma do Código Penal brasileiro de 1984, e na linha do que está a ocorrer no movimento de reforma do Código Penal italiano, o conceito material de crime é elevado à posição central da nova legislação. A Comissão de Reforma do Código Penal decidiu por consolidar a noção de ofensa a bens jurídicos como elemento material indispensável à ideia de crime, 1. Considerações Introdutórias V ivemos tempos de mudança. Independente de como se pretenda definir a sociedade atual, certo é que estamos a vivenciar transformações sociais de incomum velocidade e profundidade. O nosso tempo é marcado pelo aumento da complexidade das relações sociais, pelo surgimento de novos espaços de conflitualidade e por uma intensa crise de referenciais. Em momentos como este, a expansão do direito penal é um fenômeno absolutamente natural e previsível. Se há novos espaços de conflitualidade (meio ambiente, informática, genética, entorpecentes, terrorismo, mercado de valores, dentre tantos outros), é de se esperar o avanço regulatório do direito e, daí também, do direito penal. Avanço que se dá normalmente, embora não só, na forma de leis especiais, usualmente denominadas de direito penal secundário (em referência à expressão alemã Nebenstrafrecht), a gravitar em torno do Código Penal. Esta forte expansão do direito penal é, por si só, preocupante. Contudo, o que mais preocupa a ciência penal contemporâneo não é o simples fato de haver “mais direito penal”, e sim a conformação que este “novo” direito penal passa a assumir. Percebe-se uma significativa flexibilização, senão mesmo afastamento, dos princípios reitores do direito penal clássico, em prol de uma espécie de “administrativização” do direito penal, de um direito penal submetido, de forma ampla e franca, aos mais variados interesses da administração pública. O conceito de crime, ainda que no seio de Estados democráticos, passa a encontrar fundamento na ideia de mera violação de um dever, no odioso modelo de 5 Vol. 1, Nº 01, Ano I, Setembro de 2014 mediante expressa previsão legislativa. Em sua última versão, estabelecida pelo Substitutivo do Senado4, ora em tramitação no Congresso Nacional, a proposta de redação para o novo artigo 14 do Código Penal ficou assim definida: “Art.14. A realização do fato criminoso exige ação ou omissão, dolosa ou culposa, que produza lesão ou risco de lesão a determinado bem jurídico.” Se aprovado o Projeto de Reforma, não se estará a inaugurar um referencial material novo para o direito penal brasileiro. Contudo, a noção de crime como ofensa a bens jurídicos ganhará muito em densidade e importância, (re)colocando antigos e novos problemas. Problemas que vão desde o efetivo significado dogmático e político-criminal da adoção do modelo de crime como ofensa a bens jurídicos, passando pela sua derrogabilidade, até o enfrentamento de problemas dogmáticos pontuais, como, v.g., a controvertida legitimidade de (i) crimes de perigo presumido, da (ii) criminalização de atos meramente preparatórios e de (iii) condutas ofensivas a interesses do próprio autor (autolesão/autointoxicação). Não há dúvida de que valor dogmático do modelo de crime como ofensa a bens jurídicos depende da compreensão que se tenha tanto da noção de bem jurídico, como da noção de ofensividade. Daí que – e não poderia ser diferente – a reflexão a que nos propomos tenha de optar por um ou outro caminho, embora indissociáveis em seu entendimento como um todo, para que possamos avançar algumas reflexões sobre o tema. O estudo da teoria do bem jurídico, por essa razão, não poderá ter espaço neste breve escrito, senão na forma de algumas notas, com o objetivo de viabilizar o estudo da ofensividade, esta sim, objeto do nosso cuidado. A ofensividade como fenômeno jurídico que pressupõe o bem jurídico, mas que possui, em si mesma, consistência suficiente para servir de objeto de investigação, é que tomaremos como centro da reflexão que segue. idêntica separação de tarefas e âmbito de atuação. À Igreja competiria o pecado, a maldade, os vícios, enfim, o homem em suas dimensões interna e externa. Ao Estado, por outro lado, sem qualquer pretensão de interferir no modo de ser humano, na sua postura interior ou no seu modo de pensar10, competiriam as intervenções do homem no mundo, ou, mais propriamente, as ações humanas externas causadoras de um dano à Nação11. O conteúdo de vontade expresso em uma ação externa e concretizado em um dano à Nação era, pois, o fenômeno criminoso em sua emergente compreensão laica. Fenômeno que, embora conformado pelo conteúdo de vontade, encontrava na objetividade do dano a pedra angular do seu conteúdo de desvalor. Não por outra razão, Beccaria, em célebre passagem, embora resguardando um importante papel ao dolo e à culpa na constituição do crime, sublinha, de forma categórica, que “a única e verdadeira medida dos delitos é o dano causado à nação, e por isso erraram aqueles que acreditaram como verdadeira medida dos delitos a intenção de quem os comete”12. Esse dano de que nos fala Beccaria, capaz de representar com singular eloqüência a medida do crime, em contraposição a juízos acentuadamente subjetivistas e moralistas, ascende como marca do primado objetivista do ilícito penal no período iluminista. Para Beccaria, não haveria legitimidade em criminalizar condutas que prejuízo algum causassem à comunidade. O dano como medida do crime assumiase, assim, como elemento central do fenômeno criminoso, mas também como elemento crítico de criminalização13, preenchendo um importante papel na realização das aspirações ilustradas de contenção e validação do poder punitivo do Estado, através da imposição de vínculos objetivos de legitimidade. Contudo, nesse momento histórico, falar-se em tutela de bens jurídicos em sentido estrito, não era ainda possível. O ilícito penal do período iluminista erigia-se, não a partir da noção de bem jurídico, mas sim da noção de direito subjetivo. Em verdade, o direito subjetivo, para usar as palavras de Sgubbi, “representa a anima da concepção de mundo própria do liberalismo clássico”14. O contrato social substitui a matriz divina do Estado e da sociedade por uma matriz meramente terrena, na qual o direito subjetivo surge como eixo central, capaz de sustentar e promover os princípios de liberdade e igualdade, para além de outros princípios estruturantes da visão de mundo liberal, de modo a propiciar as condições fundamentais de vida em sociedade15. A consideração do direito subjetivo de cada um diante do direito dos demais permite traçar simultaneamente os limites de liberdade garantidos pela ordem jurídica e o início do seu exercício arbitrário, violador de direitos alheios, o que, considerado em conjunto, confere a cada indivíduo um determinado Lebenskreis (âmbito de vida), demarcador da fronteira entre o lícito e o ilícito, entre a violação e a não-violação de direitos subjetivos alheios, de modo que, neste preciso cenário, outra não poderia ser a essência do crime, senão a violação do Lebenskreis, ipso facto, a violação de um direito subjetivo16. Tal forma de compreender o crime pode ser 2. Do Pecado ao Crime: Elementos Históricos sobre o Surgimento do Modelo de Crime como Ofensa ao Bem Jurídico A distinção entre crime e pecado é, sem dúvida alguma, um dos momentos de maior importância na gênese do direito penal moderno. Muito embora já se possa perceber no trabalho de um dos mais importantes juristas do séc. XVI, o Tractatus Criminalis do italiano Tiberius Decianus5, um detido exame dos conceitos de peccatum, delictum e crimen6, é a partir do jusnaturalismo de autores como Christian Thomasius7 e, principalmente, da obra epocal de Cesare Beccaria, dei Delitti e delle Pene (1764), que o crime ganha autonomia em relação ao pecado, em uma virada que assinala o nascimento do direito penal secularizado. Não mais enquanto pecado, mas como fato danoso à sociedade é que o crime assume o lugar central no âmbito da nascente ordem penal dessacralizada8. No período pré-iluminista, o ilícito penal movimentava-se em uma dimensão acentuadamente teológica. Crime e pecado confundiam-se. Era nada mais que violação da vontade de Deus9. A separação entre Estado e Igreja, entretanto, implicou uma 6 Vol. 1, Nº 01, Ano I, Setembro de 2014 surpreendida, em sua mais forte expressão, na célebre obra de Anselm von Feuerbach, a quem se pode atribuir a primeira tentativa frutuosa em obter um “conceito material de crime, transcendente e crítico face ao direito penal vigente”17. Já no início de seu Lehrbuch des peinlichen Rechts (primeira edição de 1801), Feuerbach assinala, como o mais importante princípio de direito penal, que toda pena aplicada pelo Estado é “a conseqüência jurídica de uma lei fundamentada através da necessidade de conservação de direitos alheios, e que ameaça a violação de um direito com um mal sensível” (§19)18, concluindo que, por crime, em sentido amplo, dever-se -ia entender a “a ofensa contida em uma lei penal, ou uma ação que, sancionada por uma lei penal, contraria o direito de outrem” (§21)19. Fortemente influenciado pelo pensamento kantiano, Feuerbach nega legitimidade à utilização do direito penal como instrumento de persecução de finalidades transcendentes, quer de fundo religioso, quer estabelecidas no bem comum20. A existência e finalidade do Estado justificam-se na proteção das liberdades, na prevenção da violação de direitos subjetivos, e só com este fim, somente para a proteção de direitos subjetivos da atuação de ações externas, é que se legitima a competência do legislador21. Percebe-se, assim, que Feuerbach não deixa de se ocupar da danosidade social de que nos fala Beccaria, mas o faz de forma particularizada. A dimensão social do dano é trazida indiretamente e, por isso, com prejuízo de sua autonomia22, para o centro de desvalor do crime, através da violação de um direito subjetivo. Como bem observa Amelung, a lógica contratualista indica não só as diretrizes normativas do direito penal, como descreve aquilo que é prejudicado pela ação socialmente danosa. Ou seja, socialmente danosa é a conduta que desorganiza a ordem posta pelo contrato, violando direitos individuais ou do Estado como pessoa moral23, erigidos a partir de uma orientação individualista24. E, nesta medida, o direito subjetivo torna-se o objeto jurídico da proteção normativa, implicando uma conseqüente leitura da ofensividade a partir da sua violação. Todavia, muito embora o crime como violação de um direito subjetivo tenha proporcionado um importante contributo em prol da elaboração e afirmação de um conceito material de crime, acentuadamente crítico em relação ao direito penal vigente – o que se percebe com especial clareza no que tange aos crimes contra a religião e aos crimes contra a moral sexual, incapazes de representar uma qualquer violação a um direito subjetivo25 –, a concepção apresentava também limitações de difícil solução, nomeadamente no que se refere à sua capacidade explicativa e ao conteúdo de ofensividade que pretende expressar. Reconhecer, para além da violação de um direito subjetivo do indivíduo, também a violação de um direito subjetivo do Estado como um fato criminoso, é algo não só possível, mas presente no pensamento de autores como Feuerbach – razão de ser, inclusive, da distinção entre crimes privados e crimes públicos, respectivamente –, agora, admitir, na esfera das condutas violadoras de direitos subjetivos, crimes como, v.g., a falsidade, atentados contra a incolumidade pública ou contra a ordem pública, cuja legitimidade não era posta por ninguém em questão, era ir longe demais26. Estaríamos, bem observam Marinucci e Dolcini, ou diante de uma categoria de crime marcada pela ausência de violação de um direito subjetivo, ou desnaturando a própria noção de violação, ao admitir, na hipótese de valores em que não é possível identificar o titular em um determinado sujeito (v.g., valores coletivos, sociais, etc.), um direito subjetivo sem sujeito27. Para além disso, também a própria noção de ofensividade apreensível na violação de um direito subjetivo é, em si mesma, equivocada. Quando alguém lesiona a integridade física de outrem ou subtrai para si bens móveis alheios, não suprime ou lesiona o direito subjetivo em questão. Ele se mantém intacto, nada sofre com a agressão, pois, em verdade, a ofensa nada pode causar ao direito, mas, sim, apenas ao seu objeto. É o próprio objeto do direito, isto é, a vida, a honra, a integridade física, o patrimônio, e não o direito em si, que sofre a ação criminosa, que pode, enfim, ser objeto e expressar o efetivo conteúdo de desvalor da ofensa28. Surgiam, portanto, aos poucos, os elementos que iriam propiciar uma nova compreensão do conteúdo material do crime, que iriam propiciar o surgimento do modelo de crime como ofensa a bens jurídicos. A teoria da proteção de bens jurídicos (Lehre vom Rechtsgüterschutz) tem o seu primeiro desenvolvimento em um conhecido escrito de Birnbaum (1834), no qual o autor afirmava que o conteúdo do crime deveria ser buscado, não na violação de direitos subjetivos, mas na ofensa a valores assim reconhecidos pela sociedade29, isto é, na ofensa a bens protegidos pela norma30. Para Birnbaum, o crime deveria ser reconhecido na “lesão ou pôr-emperigo, atribuível à vontade humana, de um bem a todos garantido igualmente pelo poder do Estado”31. Uma formulação que põe em destaque a incipiente noção de bem jurídico como objeto de proteção da norma penal incriminadora. Mas não só. Também a emergente noção de ofensividade em suas duas formas fundamentais, dano e perigo, encontram-se já delineadas na proposta de Birnbaum. Em verdade, tal qual a teoria da violação de um direito subjetivo, a teoria da proteção de bens jurídicos também encontra a sua origem na concepção iluminista de dano social, em que pese com ela não se confundir. Não se trata, como bem salienta Amelung, de diferenças meramente descritivas, isto é, ao invés da violação de um direito subjetivo, teríamos a violação de um bem jurídico, o que, no entanto, por si só, já representaria um significativo ganho teórico e prático32. Há também diferenças normativas de grande significado. Embora possamos afirmar que a maior parte dos bens jurídicos reconhecidos pela ordem jurídico-penal sejam oriundos dos direitos subjetivos em ascensão33, não houve, de início, uma preocupação em restringi-los ao âmbito dos direitos individuais. Birnbaum, inclusive, propôs o conceito de Gemeingut (bem comum), ao qual subsumia convicções morais e religiosas da comunidade34, em total dissonância com as aspirações que norteavam os ideais iluministas, tornando controvertida, até hoje, a idéia de um possível aumento do âmbito de punibilidade penal 7 Vol. 1, Nº 01, Ano I, Setembro de 2014 com o advento da noção de bem jurídico35. Certa ou não, não é o que aqui importa, a mera possibilidade de admitir-se uma ampliação do espaço de intervenção penal a partir do conceito de bem (jurídico) de Birnbaum coloca em evidência as então incipientes dimensões fundamentais da teoria do crime como ofensa a bem jurídicos, o objeto de tutela da norma e as formas de sua violação, ou, se assim preferirmos, o bem jurídico e a ofensividade, permitindo, desde então, antever muito dos problemas que os acompanhariam durante a sua trajetória jurídicodogmática. A ofensividade, mesmo que concebida tal qual a temos, a partir de uma perspectiva ontoantropológica, pode ter seu conteúdo de garantia suprimido em razão de sua natureza relacional, dependendo do conteúdo que é atribuído à noção de bem jurídico. Da mesma forma que o bem jurídico pode representar nada mais que um elemento de inspiração legislativa, desprovido de qualquer potencial crítico, se abrirmos em demasia os limites da ofensividade. Daí não percebermos o estudo da ofensividade em uma posição dicotômica em relação à teoria da proteção de bens jurídicos36, mas como dimensão insuprimível desta, que precisa ser desenvolvida a partir da sua compreensão e delimitação, para que possamos assim, e somente assim, obter a totalidade do potencial explicativo e heurístico da teoria do crime como ofensa a bens jurídicos. Até alcançar a conformação crítica e transistemática de base constitucional que tem hoje o bem jurídico, muitos foram os momentos em que teve enfraquecida e até mesmo suprimida a sua capacidade de legitimação (crítica) da intervenção jurídico-penal incriminadora. Já em sua primeira elaboração, como vimos, Birnbaum permite uma abertura através da qual eram resgatados valores transcendentais de base puramente moral ou religiosa37. Binding, em acentuado positivismo, supervaloriza o processo legislativo na formulação do bem jurídico, restringindo-o a uma relação de total e inquestionável conformidade com a norma. O bem jurídico, limitado unicamente à lógica e às considerações próprias do direito, encontra na norma o seu referencial de validade, o seu próprio fundamento, suprimindo desta relação qualquer possível foco de tensão38. Honig, ainda em uma compreensão intrasistemática, com o seu conceito metodológico, esvazia o conteúdo liberal de garantia do bem jurídico, relegandolhe apenas uma modesta função de orientação na interpretação do tipo39. E, para ficarmos em apenas alguns exemplos, já agora em uma outra perspectiva, a própria experiência jurídico-penal da Alemanha Nacional-Socialista, na qual o ilícito penal como expressão extrema de autoritarismo assume a forma de uma mera violação de dever (Pflichtverlezung), uma simples desobediência aos deveres impostos pelo Estado, não excluiu, de pronto, a noção de bem jurídico. Embora estranha ao pensamento da Escola de Kiel (Schaffstein e Dahm), para a qual o bem jurídico era a representação forte de um indesejado legado liberal-individualista, Schwinge e Zimmerl propugnavam uma concepção de bem jurídico supra-individual, representativa dos valores da Alemanha nazista, que, por este exato motivo, em nada prejudicava o eticismo despótico característico da compreensão nacional-socialista de crime40. Não há dúvida, portanto, de que de nada vale falar em ofensividade como limite material da incriminação se não partirmos de um conceito de bem jurídico-penal que propicie uma tal construção teórica. Hoje, todavia, a significativa e crescente aceitação de leituras constitucionais do bem jurídico-penal, tanto no Brasil como no exterior, em uma perspectiva transistemática, permite-nos confiar em um terreno já suficientemente delimitado e seguro, para que possamos avançar algumas linhas sobre a ofensividade em direito penal. 3. Sobre a Fundamentação Constitucional da Ofensividade A estreita relação entre os modelos de crime e os modelos de Estado, claramente percebida em uma perspectiva histórica, revela elementos significativos sobre uma maior ou menor dificuldade de assimilação de certas formas de estruturação do ilícito penal, servindo, no mais das vezes, como índice confiável de autoritarismo penal. Da mesma forma que o fortalecimento da compreensão do crime como mera violação dos deveres impostos pelo Estado, em uma política-criminal de exaltação dos vínculos éticos de fidelidade e obediência durante o nacional-socialismo, muito tem a dizer sobre a relação Estado-cidadão na Alemanha Nazista, também o modelo de crime como ofensa a bens jurídico-penais pretende refletir e concretizar linhas ideológicas comuns à grande maioria dos Estados ocidentais contemporâneos. Em verdade, podemos dizer que o modelo de crime como ofensa a bens jurídicos em sua vertente principiológica, o denominado Princípio da Ofensividade é, antes de qualquer coisa, uma projeção principial de base políticoideológica que reflete uma forma de pensar o direito penal e o fenômeno criminoso não só adequada, mas até mesmo intrínseca ao modelo de Estado democrático e social de Direito. Muitas são, nesta perspectiva, as linhas de força axiológicas que poderiam ser invocadas como elementos fundantes de tal orientação política do Estado. Mas, primando pela simplicidade de exposição e atento aos limites deste breve escrito, poderíamos dizer que indiscutível nessa precisa forma de ver as coisas está o comprometimento forte do Estado para com os direitos e garantias fundamentais. Um Estado que se quer nãoliberticida, autoritário, intolerante, mas sim, laico, plural e multicultural, erigido a partir da diferença e com ela comprometido, em que não há espaço para perseguições de credo, cor ou classe, em que não se punem pessoas ou grupos, mas apenas fatos41. Enfim, um Estado em que todos, absolutamente todos, podem valer-se da condição de cidadãos e, assim, resguardados pela totalidade dos direitos e garantias constitucionais, resistir às manifestações de inaceitável autoritarismo que, sazonalmente, quer por razões de cunho meramente pragmático, quer por razões ideológicas, insistem em tentá-lo42. Elementos, portanto, fortemente recepcionados tanto pela Carta Constitucional brasileira de 1988, inclusive em seu próprio preâmbulo43, como pela Constituição da República de Moçambique de 2004, em seus artigos 3, 11, 12 e 35: Artigo 3 (Estado de Direito Democrático): “A República de Moçambique é um Estado de Direito, baseado no pluralismo 8 Vol. 1, Nº 01, Ano I, Setembro de 2014 admita ser ponderada com outros valores, está longe de admitir uma ponderação irrestrita. Há aqui a inclusão de uma “cláusula restritiva referida a princípios”, decorrente da vinculação de ambos os planos – regras e princípios – que admite o balancing, porém o faz impondo determinadas exigências para que o conteúdo rígido de regra não seja violado47. Toda previsão legislativa de um tipo penal incriminador, se bem a vemos, é o resultado da ponderação de valores na qual o direito fundamental à liberdade é restringido em benefício da conservação de outros valores de fundamental relevo em sociedade (liberdade versus patrimônio, versus integridade física, versus honra, etc.), mesmo que se trate de uma liberdade meramente potencial, como ocorre na restrição da liberdade em prol da tutela da vida, nos crimes contra a vida48. E, se isso é correto, mostrar-se inaceitável a restrição do direito fundamental à liberdade em benefício da obtenção de meros interesses político-criminais de organização e regulamentação social. Para a sua restrição, é preciso atender não só a uma exigência formal de hierarquia normativa que limita a ponderação a bens com dignidade constitucional – referência mesmo que indireta na Constituição – como a uma necessária compatibilidade axiológica que justifique a restrição, para além, é certo, de um juízo de necessidade de tutela. Enfim, exigências que descartam a ponderação com interesses que sequer possam ser reconhecidos como um bem jurídico-penal, pois, afinal, seria no mínimo contraditório o reconhecimento constitucional do direito inviolável à liberdade simultaneamente à criminalização fácil e irrestrita do seu exercício49. A proteção jurídico-constitucional do direito à liberdade – como também da dignidade da pessoa humana que, por sua vez, veda a instrumentalização do homem em benefício de meros interesses administrativos – impede, por tudo isso, o alargamento da tutela penal para além dos casos em que o seu exercício implique a ofensa a outros bens jurídicos em harmonia com a ordem constitucional50. Por estas, entre outras razões, é a ofensividade uma inafastável exigência para a legitimidade do ilícito penal na ordem jurídico-penal brasileira, após a Constituição Federal de 1988. E não parece ser diferente no espaço constitucional moçambicano. Muito pelo contrário. O art. 56, 2. da Constituição da República de Moçambique mostra-se contundente neste sentido: de expressão, na organização política democrática, no respeito e garantia dos direitos e liberdades fundamentais do Homem”. Todavia, a falta, muitas vezes, de patamares mínimos de racionalidade e univocidade da política criminal em países em desenvolvimento faz com que se sinta mais acentuadamente a insuficiência de diretrizes meramente político-ideológicas e, daí, a conseqüente necessidade de vínculos positivos. A dissonância entre a prática político-criminal levada a cabo pelo Estado e aquela esperada a partir dos compromissos políticojurídicos assumidos pela Constituição demonstram a necessidade de trabalharmos com critérios positivos, capazes de conferir limites razoavelmente seguros para os processos de criminalização e descriminalização. E mais. A necessidade de trabalharmos com critérios constitucionais suficientemente aptos a delimitar adequadamente os processos legislativo e hermenêutico-aplicativo. Em outras palavras. Importa saber se o modelo de crime como ofensa a bens jurídicos é ou não uma exigência constitucional. No Brasil, este é um tema controverso. Temos sustentado, na linha de importante doutrina e jurisprudência italianas, a constitucionalidade de tal exigência. Parece-nos possível encontrar elementos que justifiquem a sua constitucionalidade tanto em âmbito puramente principiológico como, e principalmente, à luz das regras constitucionais. Partindo de um ordenamento constitucional fundado na inter-relação de regras e princípios44, podemos, mediante a admissão de uma proposição de ordem e paz a cargo do Estado de Direito45, reconhecer um princípio geral fundamental de tutela de bens jurídicos, densificador do princípio estruturante do Estado de Direito. Pois é exatamente desse princípio geral de tutela de bens jurídicos que decorre tanto o princípio geral de garantia representado pela necessária ofensa, como o princípio constitucional impositivo, representado pela intervenção penal necessária, o que significa dizer que ambos estão submetidos ao âmbito normativo do princípio originário, não admitindo uma conflitualidade que extrapole os limites da tutela de bens jurídicos, ou seja, que toda incriminação que vá além dos limites da ofensividade não corresponde a um interesse políticocriminal legítimo, eis que estaria fora do âmbito de proteção do seu princípio conformador46. Por outro lado, não é sob uma ótica estritamente principiológica, mas a partir das regras constitucionais – ou, mais precisamente, das normas constitucionais de “caráter duplo” (Doppelcharakter) – que a ofensividade alcança o seu momento de maior concreção legislativoconstitucional. No seguimento da teoria dos direitos fundamentais de Alexy, devemos reconhecer que tanto a norma constitucional que prevê a inviolabilidade do direito à liberdade (art.5.º CF brasileira) como a norma constitucional que prevê a dignidade da pessoa humana (art.1.º CF brasileira) são normas constitucionais de caráter duplo (Doppelcharakter), simultaneamente, regra e princípio. Da inviolabilidade do direito à liberdade decorre, pois, tanto o princípio da liberdade que, enquanto princípio, está sujeito à ponderação, como a regra da liberdade, esta submetida ao regime duro das regras; o que diferente não é no que tange à dignidade da pessoa humana. Significa dizer que, muito embora a norma constitucional concernente à liberdade Artigo 56 (Princípios gerais). 2. O exercício dos direitos e liberdades pode ser limitado em razão da salvaguarda de outros direitos ou interesses protegidos pela Constituição. No que tange ao Brasil, independente da reforma em curso, muitos outros indicativos da concretização legislativa da exigência material de ofensividade podem ser ainda encontrados na legislação infraconstitucional, mais precisamente no Código Penal brasileiro. São muitos os dispositivos que atestam a recepção de um ilícito penal de base objetiva, em nítida contraposição a uma orientação subjetivista. Os institutos da tentativa (art.14, II CP), do crime impossível (art.17 CP) e até a própria primeira parte do art.13 do CP permitem o claro reconhecimento de um direito penal acentuadamente comprometido com o desvalor que representa a ofensa a bens jurídico-penais, no 9 Vol. 1, Nº 01, Ano I, Setembro de 2014 seguimento do chamado direito penal do resultado (Erfolgstrafrecht), e reclamam o desenvolvimento sistemático de uma hermenêutica consistente e verdadeiramente comprometida com uma tal orientação. princípios constitucionais orientadores da legitimação normati va a parti r das próprias normas infraconstitucionais. (b) A proposta de Mantovani não atenta às implicações jurídicas do reconhecimento da ofensividade como norma constitucional de caráter duplo, regra e princípio, decorrente da norma constitucional da liberdade e da norma constitucional da dignidade da pessoa humana, o que, como vimos, coloca limites claros e intransponíveis ao processo legislativo infraconstitucional. E (c), por fim, restringindo-nos aos traços mais salientes, há, ainda, um acentuado equívoco lógico, tanto na orientação político-criminal quanto na fundamentação jurídica. (aa) A grande valia, hoje, de um retorno ao essencial, do resgate de uma compreensão objetiva do ilícito penal – de uma compreensão de base objetiva, porém não exclusiva, diga-se –, (re)visitada através da ofensa ao bem jurídico, encontra-se justamente na sua capacidade de delimitação do conteúdo material do ilícito nos novos espaços de incriminação, em clara oposição às atuais tendências de orientação meramente formal ou normativa. Mas, se isso é verdade, se aqui está a grande valia da categoria em análise, negar-lhe entrada justamente nos espaços em que é posta em questão é negar-lhe sua principal utilidade, é relegá-la a mera condição de critério de interpretação do tipo, com muito pouco a dizer ao direito penal secundário. De forma breve: o motivo que Mantovani apresenta para justificar o afastamento da ofensividade é a exata razão que nos leva a acreditar que ela deve ter sua aplicação intensificada. (bb) E, por outro lado, propor a criação e manutenção de tipos-de-ilícito desprovidos de ofensa, sob a alegação da necessidade de tutela de bens primários, coletivos e institucionais, é contraditório e evidentemente insustentável. Ora, alegar a necessidade de crimes sem ofensa ao bem jurídico para evitar a ocorrência de ofensa ao bem jurídico é não só falacioso, como chegaria ao absurdo de justificar até mesmo a punibilidade indiscriminada de atos preparatórios, eis que, também aqui, poderíamos buscar teleologicamente o seu desvalor na possível ocorrência de um evento futuro e incerto. Daí reconhecermos plena razão às palavras de Faria Costa ao referir que tal idéia, isto é, a idéia de que é “precisamente em nome da proteção de bens jurídicos que se devem ou têm de punir condutas elas mesmas não violadoras de bens jurídicos”, consiste em “uma das expressões mais acabadas de subversão e incompreensão metodológicas”54. 4. Ofensividade e Direito Penal Contemporâneo 4.1. É legítimo afastar a exigência de ofensividade de determinados crimes em prol do atendimento a interesses de política criminal (prevenção geral positiva)? Chegando até aqui, acreditamos ter elementos suficientes para reconhecer a ofensividade como efetiva exigência constitucional de legitimidade do ilícito jurídico -penal e, a partir disso, questionarmos acerca da sua importância como elemento de delimitação também no espaço de maior complexidade do direito penal contemporâneo, o denominado direito penal secundário. Questão que assume especial relevância quando a crescente utilização, neste particular âmbito do direito penal, de categorias de crime tradicionalmente reconhecidas como hipóteses de ilícito incompatíveis com a noção de ofensa ao bem jurídico, alimentada por fortes interesses de política criminal, mais especificamente, de prevenção geral positiva, tem propiciado a manutenção de um significativo espaço de tensão que não raramente convida a uma relativização da ofensa como regra geral a todas as formas de aparição do ilícito-típico, em prol de espaços de livre disposição político-criminal. Não outra tem sido, v.g., a orientação proposta por um dos principais estudiosos da ofensividade, Ferrando Mantovani: em que pese reconheça a recepção constitucional do princípio da ofensividade, faz isso como princípio regular, mas não absoluto. Segundo Mantovani, é importante admitir a possibilidade de derroga do princípio da ofensividade quando estivermos diante de categorias totalmente desprovidas de tal atributo, isto é, diante dos denominados crimes sem ofensividade (reati senza offesa ai beni giuridici), os quais encontrariam a sua razão de ser na necessidade político -criminal de prevenir ofensas a bens primários, coletivos, institucionais, devendo aqui “a racionalidade do princípio moderar-se com a necessidade de prevenção geral”51. Em outras palavras, a existência de interesse político-criminal na manutenção de categorias jurídicopenais desprovidas de qualquer ofensividade justificaria, por si só, a derroga do princípio. Derroga que, inclusive, no entender de Mantovani, viria a preservar o conteúdo de garantia da ofensividade de uma excessiva abertura, ocasionada por tentativas inúteis de recuperação da ofensa em crimes sabidamente desprovidos dela52. Uma tal compreensão é equivocada por inúmeras razões53. (a) Há, de pronto, uma clara inversão metodológica. Não é possível partirmos de um dado empírico, do reconhecimento da existência de crimes desprovidos de ofensividade e insuscetíveis de recuperação hermenêutica – de uma hermenêutica assumidamente interessada em resgatar o conteúdo material do ilícito através da restrição do âmbito do tipo – para afastar a incidência da exigência constitucional de ofensividade, sob a simples alegação da existência de interesses políticos na sua manutenção. Seria o mesmo que propor, absurdamente, a leitura de 4.2. Os planos de aplicação da ofensividade: lege ferenda e lege lata Os elementos que nos fazem crer em uma recepção constitucional da ofensividade e os moldes em que se dá essa recepção, por nós já considerados, são, como vimos, elementos suficientes para garantir a sua aplicação ampla e irrestrita em todo o direito penal, sob de pena inconstitucionalidade. A ofensividade torna-se, por isso, no plano de lege ferenda (plano legislativo), um importante critério de 10 Vol. 1, Nº 01, Ano I, Setembro de 2014 orientação legislativa e, no plano de lege lata (plano hermenêutico-aplicativo), critério de validade e delimitação do ilícito, reitor de uma hermenêutica que se quer constitucionalmente orientada. Em outras palavras, não só o legislador deve aterse à exigência de ofensividade na proposição de novas figuras delitivas que, na sua interação com outros princípios penais, leva-lo-á a priorizar sempre as formas de ofensa mais intensas, como a aplicação da norma penal exigirá do interprete uma hermenêutica atenta à sua efetiva existência. O que é o mesmo que dizer que todas as deficiências legislativas deverão ser corrigidas a partir de um filtro hermenêutico que, muitas vezes, poderá restringir o âmbito de aplicação do ilícito-típico, em um processo hermenêutico de correção e recuperação do ilícito, quando, por certo, o tipo penal permitir tal correção, e, outras vezes, pela total incapacidade de adequação à noção de ofensividade, deverá levar inevitavelmente ao reconhecimento da sua inconstitucionalidade. No direito penal secundário, a necessidade de atenção a ser dispensada, nos planos de lege ferenda e lege lata, à exigência constitucional de ofensividade aumenta significativamente em razão das particularidades que envolvem os bens jurídico-penais tutelados (normalmente, supra-individuais), da maior complexidade dos elementos que envolvem e constituem o fato, e da forma de tutela possível (muitas vezes através de crimes de perigo abstrato). Aqui, mesmo que partíssemos de um funcionamento ideal do plano legislativo, o normal aumento da normatividade, por decorrência das vicissitudes inerentes ao objeto e à forma de tutela, concluiríamos por uma maior valorização do trabalho hermenêutico. Mas, se tomamos, p. ex., a realidade legislativa brasileira, tal como se apresenta, na qual a falta de preocupação com as exigências constitucionais de validade e a acentuada falta de rigor técnico são marcas comuns, podemos perceber, então, o grau de responsabilidade que recai sobre o intérprete, e daí, a necessidade de um intenso e contínuo aprimoramento do plano hermenêutico-aplicativo, o que, sem dúvida alguma, passa por uma melhor compreensão e delimitação do que devemos entender por ofensividade. O estudo da ofensividade e das formas de ofensa torna-se, pois, tarefa irrenunciável ao processo de atualização da ciência jurídico-penal, decorrência normativa do chamamento à “superação” que nos é feito, responsavelmente, por Anselmo Borges55. entendimento são inúmeras. A título de mera ilustração, traremos aqui apenas três exemplos. 5.1. Necessidade de (re)leitura dos crimes de perigo abstrato Em termos tradicionais, os crimes de perigo abstrato são definidos como figuras de perigo meramente presumido. O perigo seria apenas elemento de motivação legislativa, não figurando como elemento constitutivo do tipo. Vale dizer: ao estabelecer um crime de perigo abstrato, o legislador selecionaria condutas normalmente perigosas, presumindo a ocorrência do perigo sempre que a conduta viesse a ser praticada. Contudo, e como sói ocorrer, uma tal presunção não é infalível, dando azo a situações em que, embora realizada a conduta, não está presente o perigo. E, se assim é, os crimes de perigo abstrato não seriam compatíveis com uma exigência de efetiva e real ofensa ao objeto de tutela da norma. Isso não significa, por outro lado, a imediata inconstitucionalidade desta espécie delitiva. Muito pelo contrário. Os crimes de perigo abstrato são suscetíveis de recuperação hermenêutica, não constituindo, por isso, uma categoria necessariamente desprovida de ofensividade. Restringir a riqueza e complexidade da noção jurídico-penal de perigo às situações tradicionalmente denominadas de perigo concreto, relegando aos crimes de perigo abstrato uma exangue presunção absoluta de perigo, é, sem dúvida, desnecessário e equivocado. A literatura especializada há muito vem tentando resgatar os crimes de perigo abstrato do rol dos ilícitos meramente formais e já conta hoje com inúmeras elaborações significativas56. Da proposta de (re)leitura dos crimes de perigo abstrato como presunção relativa de perigo (Schröder), ao perigo abstrato como perigosidade (Gefärlichkeit) (Gallas, Giusino, Meyer, Hirsch, Zieschang e Mendoza Buergo), passando pela tomada do perigo abstrato como probabilidade de perigo concreto (Cramer), como negligência sem resultado (Horn, Brehm, Schünemann e Roxin), ou como risco de lesão ao bem jurídico (Wolter e Martin), podese encontrar diferentes formas de perceber e enfrentar o problema. Quanto a nós, acreditamos ser plenamente possível recuperar o conteúdo material dos crimes de perigo abstrato, mediante a exigência de uma possibilidade, não insignificante, de dano ao bem jurídico, a ser verificada mediante um (único) juízo ex ante (i.e., no momento da prática da ação perigosa)57. Seria, assim, algo diferente dos crimes de perigo concreto, nos quais são exigidos dois juízos de probabilidade de dano, um juízo ex ante (no momento da ação) e um juízo ex post (após o decurso da ação); juízo duplo este que nem sempre é possível, a depender da natureza da matéria de regulação. No âmbito dos crimes ambientais, p. ex., a realização do de um juízo ex post é, por vezes, muito difícil, senão mesmo impossível. Basta tomar, a título de ilustração, o crime de poluição do ar ou das águas. Nestes, o resultado da ação costuma estar muito distante do momento da ação e se dá mediante a 5. Decorrências práticas da adoção do modelo de crime como ofensa a bens jurídicos Por ofensa a bens jurídicos entende-se, em termos dogmáticos, o dano ou o perigo de dano ao objeto de tutela da norma. Logo, afirmar que não há crime (legítimo) sem ofensa a bens jurídico-penais é o mesmo que exigir de todo e qualquer ilícito penal a efetiva ocorrência de dano ou, ao menos, de perigo de dano ao objeto de tutela da norma. O resultado jurídico (dano ou perigo) torna-se, assim, ao lado do desvalor da ação, elemento indispensável na constituição do ilícito-típico. As decorrências práticas de tal 11 Vol. 1, Nº 01, Ano I, Setembro de 2014 de perigo ao objeto de tutela, por outro, afirma ser igualmente ilegítima a criminalização de fatos direcionados a interesses do próprio autor. A autolesão não é, por isso, punível no Brasil, independente da sua gravidade, como também não a tentativa de suicídio. Pune-se apenas o auxílio e a instigação ao suicídio (art. 122 CP), na medida em que seus efeitos recaem sobre terceiro, bem como hipóteses em que a autolesão é apenas meio para lesar bem jurídico diverso, como ilustra o crime de autolesão para para fraudar seguro (art. 171 V CP). Neste dispositivo, o bem tutelado é não o corpo ou a saúde, mas o patrimônio da seguradora. A existência de consenso acerca da não criminalização da autolesão e da tentativa de suicídio faria presumir igual consenso no que tange à não punição da autointoxicação. E, de fato, isso é assim, no que diz respeito a drogas lícitas, como o álcool ou o cigarro. No que se refere a drogas ilícitas, o consenso simplesmente desaparece, dando azo a um espaço de forte controvérsia doutrinária e jurisprudencial. Até o advento da Lei 11.343/2006, a posse de drogas para uso próprio era punida no Brasil com pena de detenção de 6 meses a 2 anos58. O novo regramento, por sua vez, estabeleceu uma melhor posição para o usuário de drogas, mediante uma sanção criminal não privativa de liberdade59. O fato, contudo, manteve-se no rol das condutas penalmente puníveis. O problema, portanto, coloca-se em âmbito hermenêutico-aplicativo. Uma vez que o legislador penal insiste em criminalizar a posse de drogas para uso, compete ao magistrado analisar a compatibilidade do referido dispositivo com a exigência constitucional de ofensividade. E exatamente aqui se dá a divergência. Seja porque uma tal exigência constitucional não é de todo pacífica, seja porque alguns a consideram derrogável, quando diante de interesses políticocriminais de grande magnitude, como costuma ser o alegado “combate às drogas”. O entendimento majoritário, como, aliás, não poderia ser diferente, opta por uma leitura meramente formal do art. 28 da Lei de Entorpecentes, desconsiderando toda e qualquer argumentação acerca do seu conteúdo material. Em contrapartida, embora minoritária, uma interessante jurisprudência em favor da inconstitucionalidade do referido dispositivo tem ganhado força, mostrando-se presente tanto nos tribunais brasileiros, como, até mesmo, em julgados monocráticos. Vejamos aqui alguns exemplos. Reconhecimento da inconstitucionalidade pelo Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, ainda sob a vigência da antiga lei de entorpecentes: viés libertário, orientado pela ideologia iluminista, ficam vedadas as punições dirigidas à autolesão (caso em tela), crimes impossíveis, atos preparatórios: o direito penal se presta, exclusivamente, à tutela de lesão a bens jurídicos de terceiros. - Prever como delitos fatos dirigidos contra a própria pessoa é resquício de sistemas punitivos prémodernos. O sistema penal moderno, garantista e democrático não admite crime sem vítima. Repito, a lei não pode punir aquele que contra a própria saúde ou contra a própria vida – bem jurídico maior – atenta: fatos sem lesividade a outrem, punição desproporcional e irracional! Lições de Eugênio Raul Zaffaroni, Nilo Batista, Vera Malaguiti Batista, Rosa del Olmo, Maria Lúcia Karam e Salo de Carvalho. (...) (Apelação Crime n.º 70004802740, Quinta Câmara Criminal, Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, Relator: Amilton Bueno de Carvalho, Julgado em 07/05/2003). (grifo nosso) Reconhecimento da inconstitucionalidade pelo Tribunal de Justiça de São Paulo, já no âmbito da nova legislação: 1.- A traficância exige prova concreta, não sendo suficientes, para a comprovação da mercancia, denúncias anônimas de que o acusado seria um traficante. 2.- O artigo 28 da Lei n. 11.343/2006 é inconstitucional. A criminalização primária do porte de entorpecentes para uso próprio é de indisfarçável insustentabilidade jurídicopenal, porque não há tipificação de conduta hábil a produzir lesão que invada os limites da alteridade, afronta os princípios da igualdade, da inviolabilidade da intimidade e da vida privada e do respeito à diferença, corolário do principio da dignidade, albergados pela Constituição Federal e por tratados internacionais de Direitos Humanos ratificados pelo Brasil. (Apelação Criminal n.º 01113563.3/0.0000-000, 6ª Câmara Criminal do 3º Grupo da Seção Criminal, Tribunal de Justiça de São Paulo, Relator José Henrique Rodrigues Torres, julgado em 31/03/2008) (grifo nosso) Decisão monocrática, Poder Judiciário do Rio de Janeiro: Em suma, deixando a hipocrisia de lado, não afetando a conduta incriminada pelo art. 28 da Lei 11.343/2006 bens jurídicos de terceiros, e sendo lícita a prática da autolesão, não guardando tal ação pertinência com a saúde ou incolumidade pública, estamos no âmbito do direito constitucionalmente assegurado à dignidade humana, à liberdade, à privacidade e à intimidade de cada cidadão, inexistindo bem jurídico concreta e legitimamente tutelável; logo, carecendo a conduta tipificada de ofensividade, e violando a incriminação os supra citados princípios constitucionais, carece aquele tipo penal de respaldo na Carta Maior, impondo-se o reconhecimento de sua inconstitucionalidade, o que ora declaro. (Processo n.º 0021875-62.2012.8.19.0208, 37ª Vara Criminal da Comarca da Capital, Estado do Rio de Janeiro, Magistrado Marcos Augusto Ramos Peixoto, 20/03/2014). (grifo nosso) Conclusão: é ilegítima a criminalização de condutas autolesivas, independentemente das razões político-criminais que lhe possam conceder fundamento. 6. Considerações Finais Não há crime (legítimo) sem ofensa a bens jurídicos; não há crime (legítimo) sem dano ou perigo a bens jurídico-penais. E, quanto a isso, não se pode admitir exceções, a despeito dos interesses de prevenção geral que o atendimento dessa premissa possa defraudar. Esta forte assertiva sintetiza a ideia reitora do presente texto. Mas não só. Deixa também insinuada uma importante proposta de base. Penal. Art. 16 da Lei 6368/76. Ausência de lesão a bem jurídico penalmente relevante. Inconstitucionalidade. (Unânime): a Lei anti-tóxicos brasileira é caracterizada por dispositivos viciados nos quais prepondera o “emprego constante de normas penais em branco (...) e de tipos penais abertos, isentos de precisão semântica e dotados de elaborações genéricas” (ver: Salo de Carvalho, A Política Criminal de Drogas no Brasil: do discurso oficial às razões da descriminalização, Rio de Janeiro, 1997, p.33-34). Diante destes dados, tenho como limites ao labor na matéria, a principiologia constitucional impositora de freios à insurgência punitiva estatal. Aqui interessam primordialmente os princípios da dignidade, humanidade (racionalidade e proporcionalidade) e da ofensividade. No Direito Penal de O que aqui se propõe, ao fim e ao cabo, é o fortalecimento da ciência normativa do direito penal, constitucionalmente informada, enquanto lugar por 12 Vol. 1, Nº 01, Ano I, Setembro de 2014 interação com inúmeras outras condutas poluidoras, o que dificulta sobremaneira a verificação do curso causal e, assim, o juízo ex post de probabilidade. Razão pela qual é recomendável a criminalização por meio de crimes de perigo abstrato, no qual a verificação do perigo estará restrita ao juízo ex ante de possibilidade de dano ao bem jurídico. Conclusão: os crimes de perigo abstrato passariam a exigir a ocorrência de efetivo perigo ao bem jurídico, na forma de uma possibilidade, não insignificante, de dano ao bem jurídico tutelado. 5.2. Não punibilidade de actos meramente preparatórios (ainda que no âmbito do terrorismo) O crime tentado é, em termos materiais, um crime de perigo. O fundamento da punibilidade da tentativa é justamente a exposição a perigo do bem jurídico-penal. Fundamento que, em contrapartida, não acompanha os casos de mera preparação. Com exceção das hipóteses em que os atos preparatórios configuram crimes autônomos, em razão da ofensa a bem jurídico diverso daquele tutelado por meio da punibilidade dos atos executórios – como ocorre usualmente no crime de porte ilegal de arma de fogo, no qual é punido o porte independentemente da intenção (lícita ou não) do agente –, os atos preparatórios correspondem a um momento do iter criminis em que, ao menos em princípio, não há qualquer perigo para os valores tutelados pela norma penal. O que significa dizer que a punibilidade dos atos preparatórios não é – na perspectiva aqui defendida – constitucionalmente legítima. Todavia, não é essa a orientação que se mostra presente no âmbito inúmeras leis, como, aliás, bem demonstra a legislação europeia de repressão ao terrorismo. A título de ilustração, podemos considerar a Lei de Combate ao Terrorismo de Portugal, Lei n.52/2003 (aprovada em cumprimento à Decisão-Quadro 2002/475/JAI e recentemente modificada pela Lei 17/2011, em atenção à Decisão-Quadro 2008/919/JAI) que, entre outras coisas, em seu art.2, 4, criminaliza a prática de atos meramente preparatórios da constituição de grupo, organização ou associação terrorista. In verbis: “Artigo. 2.º Organizações Terroristas. (...) 4 - Quem praticar actos preparatórios da constituição de grupo, organização ou associação terrorista é punido com pena de prisão de 1 a 8 anos.” Este não é, certamente, o único dispositivo da lei que criminaliza condutas usualmente reconhecidas como atos de mera preparação, o que, inclusive, bem demonstra a criminalização do recrutamento e o treinamento para o terrorismo, nos termos da DecisãoQuadro 2008/919/JAI. Entretanto, ele destaca-se dos demais pelo fato de criminalizar condutas que sequer consistem em atos preparatórios de um “ato terrorista”, mas preparatórios da “constituição de uma organização terrorista”, ou seja, de um tipo penal que já consiste, por si só, em uma inequívoca antecipação de tutela. Em outras palavras: partindo do pressuposto de que a punibilidade da constituição de um grupo criminoso já representa uma antecipação da tutela penal do terrorismo (Vorfeldschutz), a punibilidade dos seus atos preparatórios revela não só a incriminação de atos desprovidos de ofensa a um bem jurídico (como costuma ocorrer com a generalidade dos atos de mera preparação), mas também uma dupla e extrema antecipação da tutela penal, uma espécie de tutela anterior à própria tutela antecipada (‘Vor’vorfeldschutz). Pode-se argumentar – como, aliás, normalmente se faz – no sentido de que o mal que representa o terrorismo é demasiadamente grande, o que justificaria a adoção de medidas extremas, de modo a se obter o máximo de eficiência no seu controle. Vale dizer: que um bom e forte motivo (ex.: luta contra o terror) é suficiente para afastar ou mitigar a aplicação de princípios reitores do direito penal. Tal argumento, todavia, como já assinalado no início desse escrito, parece-nos absolutamente inaceitável nos quadros de um Estado Democrático de Direito. O reconhecimento e a manutenção dos princípios e regras penais não podem ser tratados como uma questão de conveniência estatal no combate à criminalidade. Não bastasse isso, parece-nos igualmente equivocada a comum supervalorização dos custos de um direito penal mais enxuto. Não acreditamos, definitivamente, que o rigoroso atendimento aos princípios reitores do direito penal democrático produza riscos elevados para os objetivos de prevenção e repressão do terror. Em verdade, defender o contrário parece-nos valorizar em demasia a efetividade do direito penal enquanto instrumento de intervenção e regulação do Estado, no que diz respeito, muito especialmente, a prevenção e repressão do terrorismo. Dadas as particularidades e a complexidade do fenômeno terrorista, é difícil acreditar que seja possível obter efeitos práticos dissuasórios a partir da simples edição e aplicação de normas penais e, menos ainda, pelo simples aumento da faixa de condutas penalmente proibidas, de modo a compreender também atos extremos como a mera preparação. Em regra, o que se tem nesses casos é apenas um aumento do âmbito de punibilidade e, assim, de repressão, na forma de uma intervenção penal fortemente antecipada; o que não corresponde, obviamente, à prevenção. Nessa perspectiva, importa considerar que a repressão internacional ao terrorismo já conta com uma área de intervenção penal bastante alargada, mediante a ampla criminalização do concurso de pessoas – pune-se toda forma de colaboração moral e material à prática de atos terroristas -, bem como da criminalização da associação com fins terroristas e da apologia ao terrorismo. Contexto em que restaria à criminalização autônoma de atos preparatórios apenas condutas verdadeiramente extremas, condutas que sequer constituiriam alguma forma de contributo material ou moral ao terror, ou mesmo uma associação ilícita para o terrorismo, para a qual, como se sabe, bastam apenas duas pessoas. Conclusão: é ilegítima a punição de atos meramente preparatórios, independentemente dos interesses político-criminais em jogo. 5.3. Não punibilidade da autolesão (ainda que no âmbito da legislação antidrogas) Se por um lado, o modelo de crime como ofensa a bens jurídicos considera ilegítimo um ilícito desprovido 13 Vol. 1, Nº 01, Ano I, Setembro de 2014 excelência de convergência e afirmação das garantias fundamentais em matéria penal, diante dos interesses de política criminal, como tarefa indispensável para a manutenção da racionalidade do direito penal contemporâneo. Ponto de chegada que convoca a todos nós. Que convoca a academia em seu agir responsável e comprometido para com a manutenção de conquistas que lhe dão sentido, mas também para com um tempo e uma sociedade que se perfaz em novos, nem sempre bem compreendidos, traçados. Afinal, nas lúcidas palavras de Mia Couto, através da figura do Barbeiro de Vila Longe, “não é fácil sair da pobreza. Mais difícil, porém, é a pobreza sair de nós”. einem Strafgesetz enthaltene Beleidigung, oder eine durch ein Strafgesetz bedrohte, dem Recht eines Andern wiedersprechenden Handlung). 20 COSTA ANDRADE, Manuel da, ob. cit., p.45. 21 COSTA ANDRADE, Manuel da, ob. cit., p.48 s.. 22 Ver COSTA ANDRADE, Manuel da, ob. cit., p.50. 23 FEUERBACH, Anselm Ritter von, ob. cit., p.48 s.. 24 AMELUNG, Knut, “Rechtsgutverletzung und Sozialschädlichkeit”, in: Recht und Moral. Beiträge zu einer Standortbestimmung, org. por Jung, Müller-Dietz e Neumann, Baden-Baden : Nomos, 1991, p.269. 25 AMELUNG, Knut, ob. cit., p.269. 26 MARINUCCI, Giorgio; DOLCINI, Emilio, ob. cit., p.433. 27MARINUCCI, Giorgio; DOLCINI, Emilio, ob. cit., p.433. 28 Esta crítica pode ser encontrada já no célebre trabalho de Birnbaum, ao qual se credita o surgimento do conceito de bem jurídico, muito embora o termo “bem jurídico”, propriamente dito – isto é, a tradução para o português da expressão Rechtsgut –, tenha sido primeiramente utilizada por Binding, na primeira edição do Die Normen, em 1872 (assim, COSTA ANDRADE, Manuel da, ob. cit., p.64 s.). Observava Birnbaum que, se o perigo é uma situação na qual tememos a perda ou a privação de um bem, é totalmente inadequado falar-se em “perigo de um direito” (Rechtsgefahr), pois o que estaria em questão é a perda ou privação do objeto do nosso direito, e não o direito em si, insuscetível de ser, in casu, reduzido ou suprimido. Inadequação esta que, embora perceptível também nos crimes de lesão – quando então se falaria em “lesão a um direito” (Rechtsverletzung) –, vista da perspectiva das situações de perigo, revela-se com ainda maior clareza (BIRNBAUM, J., “Über das Erfordernis einer Rechtsverletzung zum Begriffe des Verbrechens, mit besonderer Rücksicht auf den Begriff der Ehrenkränkung”, Arquiv des Criminalrechts, (1834), p.172). 30 Birnbaum acreditava que os valores suscetíveis de tutela poderiam advir de uma dimensão natural ou dimensão comunitária, ou seja, poderiam ser dados pela natureza ou ser encontrados no desenvolvimento da sociedade (BIRNBAUM, J., ob. cit., p.177). 31 BIRNBAUM, J., ob. cit., p.172 e 175 ss.. 32 BIRNBAUM, J., ob. cit., p.179. 33 Para mais detalhes, ver AMELUNG, Knut, ob. cit., p.269 ss.. 34 Ver FIGUEIREDO DIAS, Jorge de, ob. cit., p.110; e, do mesmo autor, Temas básicos da doutrina penal. Sobre os fundamentos da doutrina penal. Sobre a doutrina geral do crime, Coimbra : Coimbra Ed., 2001, p.43 s.. 35 BIRNBAUM, J., ob. cit., p.178. Sobre a questão, ver, também, AMELUNG, Knut, ob. cit., p.270; GÜNTHER, Klaus, “Von der Rechts - zur Pflichtverletzung. Ein “Paradigmawechsel” im Strafrecht?”, in: Vom unmöglichen Zustand des Strafrechts, Frankfurt am Main : Peter Lang, 1995, p.452 s.. 36 MARINUCCI, Giorgio; DOLCINI, Emilio, ob. cit., p.434. Ver, também, COSTA ANDRADE, Manuel da, ob. cit., p.53 s.. 37 Em referência crítica sobre a nossa compreensão, FIGUEIREDO DIAS, Jorge de, ob. cit., p.290. 38 BIRNBAUM, J., ob. cit., p.178. 39 Para Binding, bem jurídico é tudo aquilo que, aos olhos do legislador, é valorado como condição de vida saudável da comunidade jurídica, em cuja conservação inalterável e imperturbável a comunidade tem interesse, e que, por isso, através de uma norma, busca evitar uma indesejada lesão ou pôr-em-perigo (BINDING, Karl, Die Normen und ihre Übertretung, vol. I, 3.ª ed., Leipzig : von Felix Meyer, 1916, p.353 ss.). Para uma cuidadosa análise da compreensão do bem jurídico em Binding, ver COSTA ANDRADE, Manuel da, ob. cit., p.61 ss.. 40 FIGUEIREDO DIAS, Jorge de, ob. cit., p.110 s.. 41 Sobre o direito penal nacional-socialista, ver GÜNTHER, Klaus, ob. cit., p.452 ss; COSTA ANDRADE, Manuel da, ob. cit., p.68 s., nota 86; MARINUCCI, Giorgio; DOLCINI, Emilio, ob. cit., p.438 ss.; FERNÁNDEZ, Gonzalo, Bien jurídico y sistema del delito. Un ensayo de fundamentación dogmática, Buenos Aires : Julio Cezar Faria Ed., 2004, p.31 ss.; entre nós, SOUZA, Paulo Vinicius Sporleder de, Bem jurídico-penal e engenharia genética humana. Contributo para a compreensão dos bens jurídicos supra-individuais, São Paulo : RT, 2004, p.94 ss.. Notas e Referências Ver, por todos, FIGUEIREDO DIAS, Jorge de, Direito penal. Parte geral, tomo I, Coimbra : Coimbra Ed., 2004, p.109; e FARIA COSTA, José de, O perigo em direito penal. Contributo para a sua fundamentação e compreensão dogmáticas, Coimbra : Coimbra Ed., 1992, passim. 2 Ver HEFENDEHL, Roland; HIRSCH, Andrew von; WOHLERS, Wolfgang, Die Rechtsgutstheorie. Legitimationsbasis des Strafrechts oder dogmatisches Glasperlenspiel?, Baden-Bende : Nomos, 2003; ROXIN, Claus, "Das strafrechtliche Unrecht im Spannungsfeld von Rechtsgüterschutz und individueller Freiheit", ZStW, 116 (2004), p.944. 3 Ver, por todos, MARINUCCI, Giorgio; DOLCINI, Emilio, Corso di diritto penale, vol.1, 3.ª ed., Milano : Giuffrè, 2001, passim. 4 Emenda nº 807 – CTRCP – Substitutivo ao Projeto de Lei do Senado nº 236/2012, publicado no DSF em 20.12.2013. 5 Sobre a vida e obra de Tiberius Decianus, ver SCHAFFSTEIN, Federico, La ciência europea del derecho penal en la época del humanismo, tradução de Jose Maria Rodriguez Devesa, Madrid : Civitas, p.1957, p.81 ss.. 6 Conf. SCHAFFSTEIN, Federico, ob. cit., p.100. 7 Ver MARINUCCI, Giorgio; DOLCINI, Emilio, ob. cit., p.430. 8 Conf. MARINUCCI, Giorgio; DOLCINI, Emilio, ob. cit., p.429. 9 SGUBBI, Filippo, Responsabilità penale per omesso impedimento dell’evento, Padova : Cedam, 1975, p.7. 10 FIANDACA, Giovanni, "Laicità e beni tutelati", in: Studi in memoria di Pietro Nuvolone, vol.1, Milano : Giuffrè, p.171. 11 MARINUCCI, Giorgio; DOLCINI, Emilio, ob. cit., p.430. 12 BECCARIA, Cesare, Dos delitos e das penas, trad. de José de Faria Costa, com ensaios introdutórios de José de Faria Costa e Giorgio Marinucci, Lisboa : Fund. Calouste Gulbenkian, 1998, VII, p.75. 13 FARIA COSTA, José de, “Ler Beccaria hoje”, in: BECCARIA, Cesare, Dos delitos e das penas, trad. de José de Faria Costa, Lisboa : Fund. Calouste Gulbenkian, 1998, p.10. 14 SGUBBI, Filippo, ob. cit., p.16. 15 SGUBBI, Filippo, ob. cit., p.14 ss.. 16 O que não significa, por certo, que toda violação de um direito subjetivo implique a existência de um ilícito penal. Aqui, oportuna a observação de Sgubbi ao salientar o caráter excepcional da intervenção penal (SGUBBI, Filippo, ob. cit., p.18). 17 COSTA ANDRADE, Manuel da, Consentimento e acordo em direito penal. Contributo para a fundamentação de um paradigma dualista, Coimbra : Coimbra Ed., 1991, p.43. 18 FEUERBACH, Anselm Ritter von, Lehrbuch des gemeinen in Deutschland gültigen peinlichen Rechts, 13.ª ed., Giessen : Georg Friedrich Heyer, 1840, p.41 (§19: Aus obiger Deduction ergiebt sich folgendes höchste Princip des peinl. Rechts: Jede rechtliche Strafe im Staate ist die rechtliche Folge eines, durch die Nothwendigkeit der Erhaltung äusserer Rechte begründeten, und eine Rechtsverletzung mit einem sinnlichen Uebel bedrohenden Gesetzes). 19 FEUERBACH, Anselm Ritter von, ob. cit., p.45 (itálico nosso) (§21. Dieses [das Verbrechen], im weitesten Sinne, ist daher eine unter 1 14 Vol. 1, Nº 01, Ano I, Setembro de 2014 Neste exato sentido, porém em referência à Constituição italiana, afirmam Marinucci e Dolcini que, na proposta de Estado delineada na Constituição de 1948, isto é, em um Estado pluralista, laico, inspirado em valores de tolerância, no qual todo o poder emana do povo e que reconhece no homem a sua dignidade e um conjunto de direitos invioláveis, “num Estado desta natureza, dizíamos, o direito penal não pode perseguir fins transcendentes ou éticos; não pode degradar o homem à condição de mero “objeto de tratamento” pelas suas presumíveis tendências anti-sociais, nem pode fazer assentar o crime em meras atitudes interiores ou na vontade pura e simples – de qualquer maneira manifestada – de desobedecer às leis” (MARINUCCI, Giorgio; DOLCINI, Emilio, “Constituição e escolha de bens jurídicos”, Rev. Portuguesa de Ciências Criminais, 4 (1994), p.152). 43 Nada melhor para exemplificar as tendências autoritárias, revestidas de um colorido democrático que hoje tentam o direito penal que o denominado direito penal do inimigo (Feindstrafrecht) de Jakobs (ver JAKOBS, Günther; CANCIO MELIÁ, Manuel, Derecho penal del enemigo, Madrid : Civitas, 2003; e, de forma crítica, PRITTWITZ, Cornelius, “O direito penal entre direito penal do risco e direito penal do inimigo. Tendências autais em direito penal e política criminal”, RBCCrim, 47 (2004), p.31 ss.). 44 O próprio preâmbulo da Constituição Federal brasileira já dá suficiente notícia do modelo de Estado instituído, ou seja, “um Estado Democrático, destinado a assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bemestar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos”. 45 CANOTILHO, José Joaquim Gomes, Direito constitucional e teoria da Constituição, 5.ª ed., Coimbra : Almedina, 2002, p.1157. 46 CANOTILHO, José Joaquim Gomes, ob. cit., p.1168. 47 Para maiores detalhes, remetemos o leitor para o nosso Ofensividade e crimes omissivos próprios. Contributo à compreensão do crime como ofensa ao bem jurídico, Stvdia Ivridica 85, Coimbra : Coimbra Ed., 2005, p.63 ss. 48 ALEXY, Robert, Theorie der Grundrechte, Baden-Baden : Suhrkamp, 1994, p.123. 49 ALEXY, Robert, ob. cit., p.296 ss.. 50 MARINUCCI, Giorgio; DOLCINI, Emilio, ob. cit., p.489. 51 Nesse mesmo sentido, FIGUEIREDO DIAS, Jorge de, ob. cit., p.114; PRADO, Luiz Regis, Bem jurídico-penal e Constituição, São Paulo : RT, 1996, p.58 e 68. 52 MANTOVANI, Ferrando, “Il principio di offensività nello schema di delega legislativa per un nuovo codice penale”, Riv. ital. dir. proc. penale, 2 (1997), p.323. Do mesmo autor, ver, também, Diritto penale. Parte generale, 4.ª ed., Padova : Cedam, 2001, p.196; “Il principio di offensività tra dogmática e politica criminale”, in: Il diritto penale alla svolta di fine milenio, org. por Stafano Canestrari, Torino : Giappichelli, 1998, p.251. 53 MANTOVANI, Ferrando, Il principio..., ob. cit., p.323 ss.. 54 Recepcionando a ofensividade como princípio não sujeito à derroga, FIORE, Carlo, “Il principio di offensività”, L´Indice penale, (1994), p.279; MARINUCCI, Giorgio; DOLCINI, Emilio, ob. cit., p.559 e 254; DOLCINI, Emilio, “Il reato come offesa a un bene giuridico. Un dogma al servizio della politica criminale”, in: Il diritto penale alla svolta di fine milenio, org. por Stafano Canestrari, Torino : Giappichelli, 1998, p.214 s.. 55 FARIA COSTA, José de, ob. cit., p.621, nota 130. Nesse sentido, ver também KINDHÄUSER, Urs, Gefährdung als Strafrecht. Rechtstheoretische Untersuchungen zur Dogmatik der abstrakten und konkreten Gefährdungsdelikte, Frankfurt am Main : Klostermann, 1989, p.168. 56 BORGES, Anselmo, «O crime econômico na perspectiva filosófico-teológica», Rev. Portuguesa de Ciência Criminal, 1 (2000), p.21. 57 Para uma breve exposição de todas estas elaborações, ver D’AVILA, Fabio Roberto, ob. cit., p.112 ss. 58 Para uma exposição detalhada, ver D’AVILA, Fabio Roberto, ob. cit., p.159 ss. 59 Lei 6.368/1976. Art. 16. Adquirir, guardar ou trazer consigo, 42 15 para o uso próprio, substância entorpecente ou que determine dependência física ou psíquica, sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar: Pena Detenção, de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos, e pagamento de (vinte) a 50 (cinqüenta) dias-multa. 60 Lei 11.343/2006. Art. 28. Quem adquirir, guardar, tiver em depósito, transportar ou trouxer consigo, para consumo pessoal, drogas sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar será submetido às seguintes penas: I - advertência sobre os efeitos das drogas; II - prestação de serviços à comunidade; III - medida educativa de comparecimento a programa ou curso educativo. (…) ALEXY, Robert, Theorie der Grundrechte, Baden-Baden : Suhrkamp, 1994. AMELUNG, Knut, “Rechtsgutverletzung und Sozialschädlichkeit”, in: Recht und Moral. Beiträge zu einer Standortbestimmung, org. por Jung, Müller-Dietz e Neumann, Baden-Baden : Nomos, 1991. BECCARIA, Cesare, Dos delitos e das penas, trad. de José de Faria Costa, com ensaios introdutórios de José de Faria Costa e Giorgio Marinucci, Lisboa : Fund. Calouste Gulbenkian, 1998, VII. BINDING, Karl, Die Normen und ihre Übertretung, vol. I, 3.ª ed., Leipzig : von Felix Meyer, 1916. BIRNBAUM, J., “Über das Erfordernis einer Rechtsverletzung zum Begriffe des Verbrechens, mit besonderer Rücksicht auf den Begriff der Ehrenkränkung”, Arquiv des Criminalrechts, (1834). BORGES, Anselmo, «O crime econômico na perspectiva filosófico-teológica», Rev. Portuguesa de Ciência Criminal, 1 (2000). CANOTILHO, José Joaquim Gomes, Direito constitucional e teoria da Constituição, 5.ª ed., Coimbra : Almedina, 2002. COSTA ANDRADE, Manuel da, Consentimento e acordo em direito penal. Contributo para a fundamentação de um paradigma dualista, Coimbra : Coimbra Ed., 1991. D’AVILA, Fabio Roberto, Ofensividade e crimes omissivos próprios. Contributo à compreensão do crime como ofensa ao bem jurídico, Stvdia Ivridica 85, Coimbra : Coimbra Ed., 2004. DOLCINI, Emilio, “Il reato come offesa a un bene giuridico. Un dogma al servizio della politica criminale”, in: Il diritto penale alla svolta di fine milenio, org. por Stafano Canestrari, Torino : Giappichelli, 1998. EMENDA Nº 807 – CTRCP – Substitutivo ao Projeto de Lei do Senado nº 236/2012, publicado no DSF em 20.12.2013. FEUERBACH, Anselm Ritter von, Lehrbuch des gemeinen in Deutschland gültigen peinlichen Rechts, 13.ª ed., Giessen : Georg Friedrich Heyer, 1840. FERNÁNDEZ, Gonzalo, Bien jurídico y sistema del delito. Un ensayo de fundamentación dogmática, Buenos Aires : Julio Cezar Faria Ed., 2004. GÜNTHER, Klaus, “Von der Rechts- zur Pflichtverletzung. Ein “Paradigmawechsel” im Strafrecht?”, in: Vom unmöglichen Zustand des Strafrechts, Frankfurt am Main : Peter Lang, 1995. HEFENDEHL, Roland; HIRSCH, Andrew von; WOHLERS, Wolfgang, Die Rechtsgutstheorie. Legitimationsbasis des Strafrechts oder dogmatisches Glasperlenspiel?, BadenBende : Nomos, 2003. JAKOBS, Günther; CANCIO MELIÁ, Manuel, Derecho penal del enemigo, Madrid : Civitas, 2003. FARIA COSTA, José de, “Ler Beccaria hoje”, in: BECCARIA, Cesare, Dos delitos e das penas, trad. de José de Faria Costa, Lisboa : Fund. 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MANTOVANI, Ferrando, “Il principio di offensività tra dogmática e politica criminale”, in: Il diritto penale alla svolta di fine milenio, org. por Stafano Canestrari, Torino : Giappichelli, 1998. MARINUCCI, Giorgio; DOLCINI, Emilio, “Constituição e escolha de bens jurídicos”, Rev. Portuguesa de Ciências Criminais, 4 (1994). MARINUCCI, Giorgio; DOLCINI, Emilio, Corso di diritto penale, vol.1, 3.ª ed., Milano : Giuffrè, 2001. ROXIN, Claus, "Das strafrechtliche Unrecht im Spannungsfeld von Rechtsgüterschutz und individueller Freiheit", ZStW, 116 (2004). SCHAFFSTEIN, Federico, La ciência europea del derecho penal en la época del humanismo, tradução de Jose Maria Rodriguez Devesa, Madrid : Civitas, p.1957. SGUBBI, Filippo, Responsabilità penale per omesso impedimento dell’evento, Padova : Cedam, 1975. PRADO, Luiz Regis, Bem jurídico-penal e Constituição, São Paulo : RT, 1996. PRITTWITZ, Cornelius, “O direito penal entre direito penal do risco e direito penal do inimigo. Tendências autais em direito penal e política criminal”, RBCCrim, 47 (2004). SOUZA, Paulo Vinicius Sporleder de, Bem jurídico-penal e engenharia genética humana. Contributo para a compreensão dos bens jurídicos supra-individuais, São Paulo : RT, 2004. O RAPTO: Modus Operandi, Consequências à Prevenção Uma Perspectiva Moçambicana Paulo Sandro Aboobacar de Sousa Jurista e Criminalista, Mestre em Ciências Jurídicas Público Forense-ISCTAC, Email: [email protected]. Resumo O crime de rapto tem sido nos últimos tempos matéria de preocupação e debate, com fundamento negativo na esfera social, política e económica, nesta ordem de ideias. O(s) raptor(es) tendem a ser mais astutos e criativos, com tendência a modernizar-se no pressuposto criminoso, identificando lacunas legais ou dos sistema de justiça em geral, o estudo e/ou premeditação da prática do rapto é prova evidente disto, identificando a vitima, sua característica económica ou dos seus familiares, o trajecto e/ou percurso quotidiano deste, formas de direccionamento aquando do rapto ao local do esconderijo, a característica do esconderijo, a forma do pedido ou exigência da compensação ou resgate, a quantia e o modelo de pagamento. Na vitima, sem sombra de dúvidas, ficam alguma sequelas ou traumas como consequência do sofrimento, das limitações, das ameaças que passara como também, fica sequelas sobre a comunidade em geral, desde dúvidas do pressuposto de segurança que o Estado deve garantir, como medo e/ ou receio de ter, seguir uma vida tranquila, passando nesta ordem de ideias a ser mais oculta no pressuposto de “exposição” da vida quotidiana; pelo conseguinte, notoriamente os males ou os ilícitos criminais devem ser combatidos e prevenidos, logo, a que ter mais cautela no pressuposto expositivo social e financeiro, garantir a segurança das presumíveis vitimas, desde forma particular, como no papel dos órgãos de garantia de tranquilidade e segurança pública. Palavras-Chave: rapto; forma operativa; consequências; prevenção. 16 Vol. 1, Nº 01, Ano I, Setembro de 2014 A polícia de investigação criminal (PIC) e o Ministério Público (MP) ambos jogam um papel preponderante na investigação de crimes e na determinação dos seus agentes, com vista a formação do corpo de delito e, por conseguinte na realização da acção penal e no processo da administração da justiça, dai que devem estar dotados de recursos humanos altamente especializados e equipados com meios que estejam a altura de realizar uma investigação criminal mais sólida e profunda nas missões tácticas e perícias que lhes forem incumbidas. A ineficácia que se verifica nos processos de investigação criminal derivados aos factores acima mencionados tem consequentemente resultado na falta de produção da verdade material irrefutável e irrecusáveis as reacções do acusado. Introdução O rapto é hoje uma realidade, os modelos e/ ou mecanismos preventivos e combativos deste ilícito criminal, tendem a ser ignorado em consonância o pressuposto inovador dos criminosos, pois, embora a elevação, reconhecimento deste ilícito atípico só aconteceu nos últimos dois anos, este já é conhecido a longo tempo, os motivos de só hoje estarmos a constituir elementos para prevenção e entendimento dos moldes de sucessão constitui um atraso prejudicial, pois, o infractor tende a ser inteligente, descobrindo as lacunas dos dispositivos legais e quiçá a capacidade de entendimento dos legisladores e automaticamente a capacidade operativa geral dos agentes de investigação, protecção e outros, pois, estes visivelmente capacitam-se conforme os ilícitos consagrados, deixando de lado pressupostos futuros ou que eventualmente possa ocorrer, fazendo da prática preventiva, combativa um modelo cíclico. Oque se traz aqui, relativo a este ilícito contínuo e com tendência a incrementar-se e modernizarse (pressuposto dos criminosos dos tempos modernos e/ou que correm), é pela capacidade de entendimento de algumas características de ainda persistir, desenvolver-se este acontecimento. Acredito que traduzir os pressupostos de modus operandi, consequências e prevenção dos raptores e raptos respectivamente, requer um conhecimento cientifico aplicado as ciências criminais e/ou criminalística em geral. Deduzindo deste modo, uma lacuna enorme nos quadros que ocupam os lugares da administração da justiça em geral, pois, o processo formativo, capacitativo outrora fora demasiadamente virado a esfera civil, ignorando deste modo a esfera criminal e/ou penal. Se quisermos que haja uma mudança há que inovar, intensificar, modernizar as características de formação nas áreas de Direito e ciências policiais. Em termos estatísticos, de Janeiro de 2013 a sensivelmente Março de 2014 ocorreram em Moçambique 44 (quarenta e quatro) casos de raptos e sequestros, uma média de 3 (três) raptos por cada mês. Salienta-se, que os dados estatísticos acima foram os conhecidos pelos órgãos da administração da justiça, como se sabe e pela natureza de exigência dos raptores muitos foram desconhecidos ou resolvidos entre as vítimas e os raptores. Neste âmbito, com intuito de introduzir conteúdo de respostas as questões, onde vamos parar oque esta a ser feito para fácil identificação do raptor, oque esta a ser feito para minimizar a/ou combater esta atipicidade? Passo a citar alguns pressupostos de realce. Necessidade de oficialização do 4º poder, o defense juri O M.P. deve sob ponto de vista geral, conforme competência, defender a legalidade a todo custo, mostrando independência e/ou autonomia; deste modo cairá por terra o pressuposto defendido continuamente de existência de (três) poderes, o poder legislativo, o poder judicial e o poder executivo; o M.P. não se junta ao poder judicial, pois, um defende e promove a legalidade e outro aplica a legalidade, deste modo, o pressuposto extensivo da defesa da legalidade, de uma forma notória pressupõe a promoção da legalidade, nascendo ou designando-se o M.P. de um poder próprio defense juri. Caracterização no fundamento da dúvida de separação de acções A PIC é uma unidade policial que possui uma forte intervenção me matéria processual penal. Nos termos do art° 4°, n° 2, do estatuto orgânico da polícia da República de Moçambique, a PIC especificamente compete investigar e proceder à instrução preparatória de processos relativos aos crimes de delito comum, cumprir as deligências processuais requisitadas pelas autoridades judiciais e do M.P., exercer a vigilância e fiscalização de estabelecimentos e locais suspeitos ou propensos a preparação e execução de crimes ou utilização dos seus resultados. Da leitura conjugada do estatuto orgânico do MINT, publicado pelo diploma ministerial n° 68/2001, Lei n° 19/92 de 31 de Dezembro (lei que cria a PRM) decreto n° 35042 de 20 de Outubro de 1945, concluise que a PIC tem dupla subordinação, designadamente, administrativa (MINT) e funcional (MP). Neste entendimento, conclui-se que o MP e a PIC devem sem qualquer dúvida esperarem-se efectivamente, sem nenhum vínculo, poi, ninguém pode servir a dois senhores, comprometendo deste modo o interesse das partes. Características Negativas Que Influem Sobre o Processo Investigativo e Processual: Caracterização no fundamento formativo e capacitativo polícia de investigação criminal e Ministério Público. A necessidade do retorno do real papel do MINT (Ministério do interior) Da interpretação da Lei 17/97 de 07 de Outubro, que se refere a políticas de defesa e segurança da República de Moçambique, percebe-se que o 17 Vol. 1, Nº 01, Ano I, Setembro de 2014 Ministério da defesa é entidade máxima dos pressupostos de políticas defensivas, todavia, o MINT, entra sem sobra de dúvidas como parte integrante desta (sob ponto de vista de objectivos - art° 3° da mesma). Deste modo, o MINT em geral deverá de grosso modo dedicar-se a essa causa, a PIC que esta incorporada nesta, deverá de alguma forma afastar-se, o MINT não investiga crimes, pois, esse papel deverá vir de um órgão autónomo. Dos fundamentos acima expostos, percebe-se notoriamente que constituem motivos de ineficácia para o alcance do real interesse na esfera da administração da justiça, desde os aspectos de celeridade à interpretação e resposta a altura de surgimento de novos crimes e/ou crimes atípicos. ocorre sempre existindo um estrangeiro (naturalidade indiana), e se assim for o pedido é quase sempre avultado em moeda estrangeira ao cambio do metical (acima de vinte milhões de meticais) contrário quando intervém só nacionais, sempre exigência em metical e abaixo de seis milhões de meticais). Dos meios usados: Telefones celulares pré-pagos sem registo efectivo, com permanente mutação, com incidência nas redes Movitel e Vodacom, viaturas com características físicas alteradas (vidros fumados), matricula ou chapa de inscrição adulterada e normalmente alugada ou com simulação de outro proprietário (articulado 3° do proc. 12/PPS/2014), armas de fogo tipo pistola ou AKM e outra simulativas (plástico). O Modus Operandi do Raptor Falar de modus operandi, é mesmo que traduzir as formas de actuação, tácticas e técnicas usadas em determinada operação, neste caso, há-de ser o rapto. Há vários factores que levam um individuo a cometer circunstâncias que ferem as normas e/ou princípios de regulação de um Estado, desde factores sociólogos, psiquiátricos ou antropológicos. O crime de rapto é, pois uma prática que requer a premeditação, uma preparação técnica, metódica e táctica, deduz-se deste modo que o sujeito idealizante e extensivo ao sujeito que prática, são indivíduos com algum conhecimento cientifico inerentes e/ou experientes. Do percurso direccionado ao local de cativeiro: Analisando os processos expostos, conjugando com informação obtida de meios de comunicação em geral, os raptores tendem a conhecer os locais de afluência continua ou permanente das autoridades policias nos arredores da Cidade, pelo que, usam maioritariamente ruas ou avenidas alternativas e pouco movimentadas (ver articulado 14° despacho de acusação do proc.33/5ª/2014). Do cativeiro: Da identificação da vítima: De forma a garantir “segurança” do produto da troca (vitima), os raptores procuram domicílios nas zonas “recônditas” com pouca afluência de vizinhança, pouco acolhedoras, arrendadas (só para tal objectivo) e com desconhecimento do proprietário. A vítima de um rapto pode ser qualquer um, ou seja, cidadão de qualquer idade (criança, jovem ou adulto), deve ter ou ser de uma família com condição financeira notória, ou com condição visível de pagamento do resgate. Do resgate: Da identificação da condição financeira da vítima: A troca (vitima pelo valor do resgate) é feita em dinheiro, cuja exigência transcreve o receio de uso de outros meios, pois, poderá ser identificada, a entrega ocorre em um local distinto do lugar do carcere, por vezes em sacolas ou pastas diferenciadas. A identificação da condição financeira da vítima ou alguém que possa responsabilizar-se por esta, faz-se mediante o estudo da profissão, ocupação ou actividade que exerce, sendo de preferência empresários, olhando ao fundo se cré que os funcionários bancários com acesso ou privilégio de consulta de saldos de clientes também ajudam o raptor na passagem da respectiva informação; outro elemento que sustenta ao raptor na confiança de que o resgate irá ser pago é pela visibilidade da exposição dos bens móveis ou imóveis a partir do sujeito (a ser raptado), modo e forma de vida, caracterização luxuosa; o informador também pode ser um membro da família ou colaborador da presumível vítima. Consequências Todo e qualquer crime ou delito tem sempre consequências negativas. No caso dos raptos, para além de limitar ilegalmente a liberdade das pessoas, estes normalmente são acompanhados por agressões, ameaças, humilhações, violações, torturas físicas e mentais. Regra geral é pouco os casos de raptos em que as vítimas são muito bem tratadas. O rapto tem consequências dolorosas para as vítimas, seus familiares, as comunidades à volta, para os países em geral e por essa via para a comunidade internacional. A maioria dos sobreviventes ou das pessoas que já experimentaram raptos, enquanto vítimas, não se recuperam cabalmente dos traumas, aliado ao trauma de todas as pessoas próximas (familiares e amigos). Dos raptores: Analisando os processos n° 12/5ª/2014, proc. n° 14/6ª/2014, proc. n° 33/5ª/2014, facilmente deduz-se a distinção do sujeito raptor, a partir da quantia exigida, 18 Vol. 1, Nº 01, Ano I, Setembro de 2014 A nível individual, logo à partida, as pessoas perdem a capacidade defensiva e são anulados socialmente, devido à privação imediata e forçada de liberdade. Pode ter como efeitos distúrbios mentais, transtornos afectivos, instabilidade emocional e no caso de crianças pode afectar o seu normal desenvolvimento psicossocial. Mesmo para os raptores, que permanecem no controle dos reféns sofrem uma tensão permanente que se pode elevar a uma perca do controle da situação e resultar em agressão à vítima. A nível económico, os raptos propiciam o surgimento de paraísos fiscais e uma economia paralela ilegal, devido aos valores monetários que origina. Quando os raptos são orientados para empresários, podem retrair os investimentos, no caso de estrangeiros ou mesmo nacionais que queiram investir, mas desistem por medo de extorsão. Portanto, as consequências dos raptos podem ir desde o nível individual, até afectar o nível mais alto de desenvolvimento do país, o funcionamento do Estado, com repercussões sociais, políticas, económicas e efeitos muitas vezes difícil de medi-los. A um nível mais generalizado, os sequestros originam a perca de confiança pública tanto a nível nacional, como internacionalmente, pela percepção de incapacidade do Estado para responder a tal fenómeno. te também distribuir o respectivo património (financeiro) em agencias bancárias distintas. Sobre o ponto de vista de políticas públicas ou institucionais É importante seguir a dinâmica social, politica e económica da sociedade (pressuposto determinante para criação de normas ou dispositivos legais), nunca pensar em fazer depois de sentir-se a consequência ou o dano; logo, há que criar dispositivos legais com impacto directo sobre o determinado ilícito (raptos), atendendo as consequências do mesmo, traduzir penas com intuito efectivo de dissuasão desta prática. Cancelar e/ou determinar que para aquisição de um cartão inicial para uso comunicativo móvel pressupõe imediatamente registo presencial do interessado, de modo a evitar uso de cartões de telefonia móvel não identificáveis. Criar órgãos específicos de investigação deste tipo de crime, capacitados sobre o ponto de vista académico, como sobre o ponto de vista técnica e táctica operativa, dotar de instrumentos próprios de investigação e determinação dos supostos autores deste crime. Conclusão Prevenção Em jeito conclusivo, poderá dizer-se que a partir do fim comum do rapto (obter dinheiro de forma quase rápida), com mecanismos operativos quase cíclicos, as formas de prevenção são na efectividade, elemento importante para extinguir essa prática, demostrando a este grupo (raptores) que os mecanismos de estratégia foram identificados, para este efeito há que intensificar os meios preventivos individuais, colaboração comunitária e criação de politicas públicas de segurança mais eficiente e eficaz. Para elementos preventivos, dentro da esfera dos sequestros, há que ter em conta dois principais, criação de mecanismos de prevenção individual e mecanismos de políticas públicas e institucionais. Sobre o ponto de vista individual: Há que ter atenção do modus vivendi quotidiano, evitando exposição geral da capacidade financeira, da posse dos bens móveis e imóveis; analisemos uma foto exposta numa das redes socias (facebook), onde uma determinada jovem mostra ao mundo a rotina dos finais de semana, viagens em helicópteros fretados, hospedagem em hotéis ou lodjes 5 estrelas, aquisição continua de telefones celulares de última geração, entre outros. É pertinente o cultivo do hábito de inverter ou alterar as rotas de passagem rotineiras, sem prévio conhecimento do motorista, sendo a alteração no momento do percurso, evitar a frequência permanente de locais de diversão e/ou lazer, prestar sempre atenção em movimentos estranhos, presença de indivíduos desconhecidos e de conduta duvidosa, ser seguido por uma viatura com características outrora identificadas por mais de 5 minutos; Antes de entrada ou saída da escola ou local de trabalho, verificar aos redores se há presença de alguma viatura ou individuo atento aos seus movimentos, analisar a capacidade ou comportamento psicológico do motorista; certificar-se que o staff é de confiança, evitar depósitos bancários rotineiros e de elevadas somas, podendo ser feito parcialmente e sem data fixada, é importan- Notas e Referências 1 Expressão usada no ultimo informe do Procurador Geral da República a Assembleia da República. 2 Ministra da Justiça, na cerimónia de auscultação pública sobre a estratégia nacional de prevenção criminal 2015-2019. 3 Vide normas e princípios das nações unidas em material de prevenção do crime e de justice penal. 4 Paulo Sandro A. de Sousa. Monografia de licenciatura em CJIC, a ineficácia no processo de investigação criminal e o sector de justiça em Moçambique. Análise critica. P.3 5 Designação do Prof.Msc. Rizuane Mubarak. 6 Art° 4° da Lei n° 22/2007, de 01 de Agosto – Lei Orgânica do Ministério Público. 7 Prof. Msc. Rizuane Mubarak. 8 Cronologia dos raptos em Moçambique, publicado em 09/11/2013 ., http://www.jn.pt/paginainicial/mundo/palops/ interior.aspx?content_id=3524120&page=1; proc.n° 12/5ª/2014 , proc.n° 14/6ª/2014, proc. n° 33/5ª/2014. 9 proc.n° 12/5ª/2014 (fls 2 do despacho de acusação pública) . 10 Cronologia dos raptos em Moçambique, publicado em 09/11/2013 http://www.jn.pt/paginainicial/mundo/palops/ interior.aspx?content_id=3524120&page=1 . 11 proc.n° 12/5ª/2014 (fls 6 do despacho de acusação pública) e proc. n° 33/5ª/2014 (despacho de acusação, articulado 17° e 20°). 19 Vol. 1, Nº 01, Ano I, Setembro de 2014 12 Pedro Jurisprudência Processo n° 12/5ª/2014 - TJPS Processo n° 14/6ª/2014, - TJPS Processo n° 33/5ª/2014 - TJPS Paulo Sandro Aboobacar de Sousa, Monografia de licenciatura em CJIC, a ineficácia no processo de investigação criminal e o sector de justiça em Moçambique. Análise critica. Jornal Diário de Moçambique de 20 de Março de 2014 Jornal a verdade de 30 de Outubro de 2013 @ hora da verdade. António, in hora da verdade, Outubro de 2013 . Legislação Lei n° 19/92 de 31 de Dezembro (lei que cria a PRM) Lei 17/97 de 07 de Outubro, (politicas de defesa e segurança da República de Moçambique) Lei n° 22/2007, de 01 de Agosto (Lei orgânica do Ministério Público) Decreto n° 35042 de 20 de Outubro de 1945 Diploma Ministerial n° 68/2001 de 02 de Maio (estatuto orgânico do MINT) Breve Ensaio Sobre Evolução Histórica e Política das Relações Entre China e o Mundo em Desenvolvimento Autora: Anna Carletti Doutora em História pela UFRGS, Pós-Doutora em Ciência Política pela UFRGS. Professora Adjunta do Curso de Graduação em Relações Internacionais da Universidade Federal do Pampa e Professora Colaboradora junto ao Programa de Pós-Graduação em Estudos Estratégicos Internacionais da UFRGS. Email: [email protected] O objectivo desse artigo é evidenciar as principais etapas da construção histórica e política das relações chinesas com os países em desenvolvimento, o que poderá tornar mais legível o tipo de inserção que a China está construindo actualmente no Sul do mundo junto aos outros membros do BRICS. A análise parte da hipótese de que a aproximação chinesa com o mundo em desenvolvimento não é algo recente: ela se enraizaria em relações políticas e históricas já consolidadas que justificariam a percepção positiva da maioria dos países em desenvolvimento acerca da crescente inserção junto a essa parte do mundo. A pesquisa se concentrará na evolução histórica das relações chinesas com os países em desenvolvimento a partir da proclamação da República Popular da China até os dias actuais. N usar o discurso de cooperação com o mundo em desenvolvimento para explorar os recursos naturais dessa porção do mundo. Apesar de tais acusações, em sua maioria os países em desenvolvimento estão respondendo de forma positiva às ofertas de cooperação chinesa. O interesse da China em construir um relacionamento privilegiado com tais países não é algo recente, pois, já nos seus primeiros anos de vida, a República Popular da China aproximou-se desses países. A partir da Conferência de Bandung, em 1954, a China alinhou oficialmente sua trajectória com a dos países em desenvolvimento, sobretudo na base das experiências históricas de exploração imperialista, comuns aos países da Ásia, África e América Latina. No período maoista, a abordagem da China com o mundo em desenvolvimento era, de fato, prioritariamente ideológica. Após a morte de Mao Zedong, a política de Portas Abertas inaugurada por Deng Xiaoping, na primeira década de 1980, deu prioridade às relações com os países desenvolvidos, o que resultou num aparente distanciamento dos países em desenvolvimento. Nos anos recentes, porém, as autoridades de Pequim retomaram o discurso de aproximação com o mundo em desenvolvimento, dessa vez por razões pragmáticas, sobretudo em busca de novos mercados e dos recursos naturais vitais Introdução a véspera da IV cúpula dos BRICS, em Nova Délhi (Índia), o então presidente da República Popular da China, Hu Jintao, enfatizou o papel dos BRICS junto aos países emergentes. Ele declarou que o grupo do BRICS deve ser o defensor e promotor dos interesses do mundo em desenvolvimento (HU JINTAO, 2012). Ao lado da China, a Rússia, Índia, Brasil e África do Sul compõem esse grupo que vem fortalecendo a cada ano seus laços de cooperação, tornando-se actualmente um grupo de impacto crescente no âmbito internacional. Contudo, as afirmações do ex-presidente Hu Jintao podem suscitar alguns questionamentos. Na composição dos BRICS, a China está ocupando cada vez mais um lugar de destaque. Além de ser o único país em desenvolvimento com assento permanente no Conselho de Segurança das Nações Unidas, seu vertiginoso crescimento económico a obrigou a redesenhar sua posição no âmbito mundial. A busca de relações privilegiadas com países em desenvolvimento por parte do gigante asiático tem despertado preocupações nas democracias ocidentais que a acusam de 20 Vol. 1, Nº 01, Ano I, Setembro de 2014 para a crescente indústria chinesa. Ao lado dos acordos comerciais, o governo de Pequim vem reforçando também laços políticos com estes países junto aos quais a China se apresenta ao resto do mundo como parte do mundo em desenvolvimento. A cooperação com estes países continua fundamentada nos Cinco Princípios de Coexistência Pacífica, pilares tradicionais da política externa chinesa e no discurso da Cooperação Sul-Sul, discurso este adoptado há tempo também pelos integrantes do BRICS (com excepção da Rússia). A partir dessas considerações, busca-se, nesse artigo, evidenciar as principais etapas da construção histórica e política das relações chinesas com os países em desenvolvimento, o que poderá tornar mais legível o tipo de inserção que a China está construindo actualmente no Sul do mundo junto aos outros membros do BRICS. A análise parte da hipótese de que a aproximação chinesa com o mundo em desenvolvimento não é algo recente: ela se enraizaria em relações políticas e históricas já consolidadas que justificariam a percepção positiva da maioria dos países em desenvolvimento acerca da crescente inserção junto a essa parte do mundo. Na primeira parte do artigo, serão evidenciadas as características principais do grupo do BRICS, que se tornou, no âmbito da política externa chinesa, um instrumento privilegiado de sua inserção internacional, sublinhando, de forma especial, o olhar preferencial do grupo para com as economias emergentes e os países em desenvolvimento. Na segunda parte do trabalho, a pesquisa se concentrará na evolução histórica das relações chinesas com os países em desenvolvimento a partir da proclamação da República Popular da China até os dias actuais. da República Popular da China pela maioria dos países aliados aos Estados Unidos. De fato, as grandes potências ocidentais recusaram-se de reconhecer o novo país comunista, permanecendo ligadas, do ponto de vista diplomático, à República da China (R.O.C.), localizada na ilha de Taiwan, onde Chiang Kai-shek havia se refugiado depois da vitória comunista. Apenas os países do bloco soviético e mais a Mongólia Externa reconheceram imediatamente o novo governo. Zhou Enlai, Ministro das Relações Exteriores procurou, então, estreitar relações com países vizinhos à China como a Mongólia Externa, e a República Democrática da Coreia, promovendo, ao mesmo tempo, relações com Índia, Mianmar e os grupos revolucionários do Vietnã que lutavam contra a colonização francesa (MITCHELL, 2007). Desde o início da Nova China, a política chinesa acompanhou as lutas de libertação dos países até então objecto do imperialismo ocidental. De acordo com Dittmer (2010), a China foi a primeira - no mundo comunista - a reconhecer a importância ideológica e estratégica do grupo dos países emergentes. Já nos primeiros dias de vida da Nova China, em 26 de Outubro de 1949, Mao Zedong escreveu um telegrama ao Comité Central do Partido Comunista Algeriano - expressando a simpatia da Republica Popular da China para com as lutas de libertação dos povos oprimidos. “Estou convencido” – afirmava Mao no telegrama – “de que o povo da Argélia, sob a guia do Partido Comunista algeriano e com a ajuda da frente internacional da paz e da democracia conseguirá abater a dominação imperialista”. No mês seguinte, em Novembro de 1949, Mao escreve ao Secretário Geral do Partido Comunista Indiano, que enviara um telegrama festejando a proclamação da República Popular da China. Mao Zedong sublinhou os muitos aspectos comuns entre Índia e China, dando ênfase, sobretudo, às vivências passadas comuns e ao futuro dos dois países, fazendo voto que logo a Índia também conseguisse se libertar do jugo imperialista entrando na família socialista. No ano seguinte, a Índia ingressou no grupo dos países que mantinham relações diplomáticas com a China, sendo o primeiro país a reconhecer a Nova China fora do bloco comunista. Em 1953, Zhou Enlai, Ministro das Relações Exteriores da República Popular da China, idealizou e anunciou os “Cinco Princípios de Coexistência Pacífica”, durante o encontro com uma delegação indiana em 31 de dezembro, apresentando-os como princípiosguia da nova política externa chinesa e apelando ao mundo em desenvolvimento que, como a China, tinha sido submetido à exploração colonialista por parte das potências ocidentais (MITCHELL, 2007). Os princípios foram lançados oficialmente durante a Conferência de Bandung, na Indonésia, em 1955, da qual participaram representantes de 29 países da Ásia e da África. Resultado dessa conferência foi a promoção da solidariedade entre África e Ásia e a inauguração da nova política externa chinesa, cujo objectivo era romper o isolamento diplomático e ocupar uma posição de liderança ideológica dentro do grupo dos países em desenvolvimento. A Conferência de Bandung resultou também na criação do Movimento dos Não Ali- A Aproximação Chinesa ao Mundo em Desenvolvimento Durante o Período Maoista Após a proclamação da República Popular da China em 1 de Outubro de 1949, Mao Zedong declarou que as relações exteriores haveriam de ser construídas ex -novo, considerando nulas todas as relações diplomáticas estreitadas até aquele momento. A intenção de Mao Zedong era construir uma nova China, não mais baseada nos valores clássicos confucionistas que haviam demonstrado sua ineficiência, mas nos valores ideológicos que haviam alimentado a luta dos comunistas durante os longos anos de guerra civil. A China pretendia ser reconhecida, de agora em diante, como igual às outras nações. No discurso de Junho de 1949, comemorando a fundação do Partido Comunista da China, Mao afirmou que, para obter a vitória e consolidá-la, fazia-se necessário a escolha de apenas um lado, o do socialismo. Contudo, mesmo alinhando-se ao bloco soviético, logo a política chinesa iniciou a ensaiar o discurso de adesão a um terceiro caminho, acentuando suas relações com os países em desenvolvimento, como estratégia para sair do isolamento diplomático provocado pela ausência de reconhecimento internacional 21 Vol. 1, Nº 01, Ano I, Setembro de 2014 nhados, através do qual os países do assim chamado Terceiro Mundo afirmaram sua recusa ao alinhamento de um lado ou outro da ordem bipolar vigente na época. Isso beneficiou ulteriormente a República Popular da China que passou a ser reconhecida pelos países membros do Movimento dos Não Alinhados. Em 1956, numa conversação com duas personalidades da América Latina, Mao Zedong falou sobre o imperialismo americano comparando-o a um tigre de papel do qual não se devia ter medo porque ele estava destinado a ser derrotado. “Os fortes devem ceder o lugar aos fracos.” Nesse caso, os fracos eram, na visão de Mao Zedong, todos os povos oprimidos pelo imperialismo norte-americano. Colocando a China no mesmo patamar dos outros países, afirmou que Nós nos encontramos nas mesmas condições dos nossos amigos da América Latina, da Ásia e da África dado que fazemos o mesmo trabalho: operar no interesse do povo para reduzir a opressão do imperialismo (...) Na luta contra a opressão imperialista, entre nós e vocês há uma identidade substancial, as diferenças dizem respeito à área geográfica, à nacionalidade e à língua(T.d.A). A Nova China de Mao Zedong contava, em suas relações externas, com o peso que os novos países poderiam exercer numa possível reconfiguração do cenário internacional. A partir disso, compreende-se o apoio maoista à primeira guerra da Indochina no Vietnã, às guerras de libertação de Cuba e Argélia, à condenação do ataque de Israel-França-Inglaterra na Crise de Suez de 1956 e o apoio à revolução no Iraque (DITTMER, 2010, p. 205). Na década de 1960, a ideologia terceiromundista chinesa aprofundou-se ulteriormente. Analisando a intensa atividade de Zhou Enlai, que nessa época visitou vários países da Ásia e da África para conseguir apoio ao modelo chinês de socialismo, podemos deduzir como a China apostava nessa frente unida contra a oposição ocidental. A campanha ideológica foi acompanhada pela assistência material aos movimentos comunistas nos países asiáticos e africanos. Tal assistência consistia no envio de armas, em ajudas em dinheiro e instrutores militares para fortalecer os grupos guerrilheiros desses países. O dinamismo e participação nos movimentos revolucionários dos países em desenvolvimentos foram revistos e corrigidos durante o ápice da Revolução Cultural no final da década de 1960, quando as autoridades de Pequim destinaram tais ajudas quase que exclusivamente aos movimentos comunistas desses países. Isso gerou reclamações por parte dos governos dos países africanos e asiáticos que pediram explicação ao próprio Zhou Enlai sobre a coerência entre os Cinco Princípios de Coexistência Pacífica, proclamados pela República Popular da China como linhas-guia de sua política externa e as ajudas chinesas oferecidas aos insurgentes comunistas em países alheios, as quais evidentemente violavam principalmente o princípio defendido pela China de não interferência nos assuntos alheios. Segundo Dittmer (2010), na aproximação aos países em desenvolvimento, a China adotara simultaneamente duas atitudes: uma atitude ideológica, como membro do bloco comunista, e uma postura desenvolvimentista, ou nacionalista. Dependendo do momento, da conjuntura política interna e externa, uma das faces predominava, redesenhando – ao menos de forma conjuntural, ou seja, não definitivamente - as relações internacionais da China. Frente ao apoio chinês aos movimentos comunistas do sudeste Asiático, os países dessa região criaram a Associação das Nações dos Sudeste Asiático (ASEAN) como forma de conter a influência chinesa. Nesse mesmo período, em consequência da ruptura entre URSS e a China comunista, a aproximação chinesa aos países em desenvolvimento assumiu a forma de disputa ideológica entre a China e URSS. Não obstante tudo, a ajuda efetiva da República Popular da China aos países do Terceiro Mundo se revelou bastante modesta, não podendo se comparar à ajuda soviética. Em 1963, Mao Zedong elaborou outra teoria do sistema internacional chamada das Duas Áreas Intermédias. Essa teoria enfatizava a existência de um espaço intermédio entre os Estados Unidos e a União Soviética. Os países que se encontrariam nesse espaço intermédio, como a China, deviam se reunir para formar uma frente unida contra a América Imperialista. A região intermédia por sua vez estava dividida em duas secções. A primeira incluía os países em desenvolvimento da Ásia, África e América Latina – esses países formavam o núcleo da coalizão anti-EUA. A outra compreendia o Japão, Canadá, Oceania e os países capitalistas da Europa Ocidental, países que segundo Mao eram controlados ou influenciados negativamente pelos Estados Unidos. No encontro dessas duas secções, os países em desenvolvimento da Ásia, América Latina e África eram concebidos como os países que tinham a responsabilidade de liderar a luta contra o imperialismo, defendendo a revolução proletária e a autossuficiência econômica (MITCHELL, 2007). O discurso de apoio à revolução mundial tornou -se prática quando, nesse período, o governo de Pequim apoiou as lutas armadas em 24 países, 18 dos quais possuíam governos pró-ocidentais (DITTMER, 2010, p. 207). A ajuda chinesa aos países em desenvolvimento durante toda a década de 1960 se concretizou também através de projetos conhecidos como turn key, projetos que entregavam o produto pronto para o uso. O mais famoso foi a ferrovia de 12000 milhas que ligava as minas do estado de Zâmbia à capital da Tanzânia, Dar-Es-Salam. Segundo Alicia Altorfer-Ong (2009), a construção da ferrovia com financiamento chinês foi o marco das relações entre a República Popular da China e a Tanzânia. A aproximação do país africano à Tanzânia ocorreu depois do país africano ter se decepcionado com as promessas não cumpridas das maiores potências e instituições financeiras da época (Banco Mundial, EUA, Grã-Bretanha, URSS e Japão). Num relato do encontro entre o presidente da Tanzânia, Nyerere e Mao Zedong, aparece a hesitação do presidente da Tanzânia em pedir ajuda econômica à China, tendo ciência das dificuldades da nova República. Contudo, assim que souberam qual era a necessidade mais premente do país africano, Mao prometeu atender logo a tal necessidade e a ferrovia que ligava a capital da Tanzânia ao estado de Zâmbia estava pronta em 1967. 22 Vol. 1, Nº 01, Ano I, Setembro de 2014 Dentro desse objectivo, a política externa chinesa foi redesenhada, estabelecendo uma hierarquia de prioridades quanto a seus parceiros estrangeiros. Estabelecer relações estáveis com os Estados Unidos e com os países desenvolvidos estava no topo da pirâmide de construção de sua política externa. Contudo, apesar da diminuição do quantitativo de ajudas financeiras destinadas ao Terceiro Mundo, o governo de Pequim procurou manter relações de cooperação mútua com os países em desenvolvimento, apoiando o discurso de cooperação Sul-Sul. Argélia, Irão, Iraque, Paquistão, Arábia Saudita e Síria receberam, nesse período, principalmente ajuda militar, incluindo tecnologia nuclear e sistemas de mísseis. Segundo Becard, nesse período, a política externa chinesa In an interview many years later, Nyerere recalled that in his meeting with Chairman Mao Zedong, President Liu Shaoqi and Premier Zhou Enlai, Liu had inquired what Tanzania needed most at that time. Nyerere was reluctant to mention the rail link at first because he was aware of the extent of poverty in China. But he eventually did and Liu replied, ‘If [the railway] is important to you and Zambia, we will build it for you.’Mao replied that China, which had gained independence earlier, was ‘duty-bound’ to help those which are in the process of being emancipated, and that they would ‘build the best railway for you’29 That offer was made on 18 February for the entire rail route, including the Zambian section, and with it came the Chinese government’s assurance that full ownership would be handed over to Tanzania and Zambia upon the project’s completion, along with the relevant technology and equipment Durante os anos de 1963-1964, o Ministro das Relações exteriores, Zhou Enlai, visitou 11 países asiáticos e africanos (MUSSO, 1995). Segundo vários analistas, essa dinâmica de ajuda por parte da República Popular da China era alimentada pelo desejo de ganhar espaço e apoio estratégico nos países em desenvolvimento e obter apoio na tentativa de tirar Taiwan do assento permanente do Conselho de Segurança da ONU e, ao mesmo tempo, competir com a URSS na liderança ideológica junto aos países africanos e asiáticos. No final da década de 1960, em função do aberto conflito com a vizinha URSS, a República Popular da China viu-se obrigada a elaborar uma nova estratégia diplomática para enfrentar a nova situação geopolítica. Apesar de os EUA terem sido sempre considerados o inimigo acérrimo, frente à nova situação internacional e à mudança de postura política da URSS, o país vizinho foi classificado como o inimigo mais perigoso e a aproximação gradual aos Estados Unidos veio a fazer parte da nova política externa chinesa. Em 1971, tal aproximação resultou no ingresso da China Maoista no Conselho de Segurança da ONU no lugar de Taiwan. As relações diplomáticas com os EUA foram estreitadas oficialmente em 1978. tanto para África quanto para América Latina foi condicionada às possibilidades de contribuição ao desenvolvimento nacional tendo sido dada prioridade às realizações menos espetaculares e onerosas. A opção de não mais rivalizar com grandes potências e avançar nos projectos de modernização levou a China a colocar ênfase apenas na cooperação ‘Sul-Sul’ que pudesse trazer vantagens económico-comerciais concretas. (BECARD, 2007, p. 146) Deng Xiaoping, durante um discurso em 1982, explicitou com muita clareza sua recusa em apresentar a China como líder do mundo em desenvolvimento: We say, China is simply a member of the third world. Many friends say that China is the leader of the third world. We say, we should not be the leader. Once we become the leader, things will wrong. Hegemony had a bad reputation, so does the leader of the third world. Saying this is not being modest. It is out of real political consideration. Tal posicionamento pode ser mais bem compreendido se pensarmos no direccionamento da política externa de Deng Xiaoping pautada na fórmula: “Esconder nossas capacidades e ganhar tempo, permanecer livre de ambição, nunca clamar para si a liderança”. Contudo, os inesperados fatos de Tian Anmen, em Maio de 1989, que ameaçaram destruir tudo quanto Deng Xioping havia construído até aquele momento, trouxeram à política externa chinesa um novo incentivo às relações com os países em desenvolvimento. A decisão do governo de Pequim de adoptar a lei marcial para colocar um fim às manifestações populares que estavam abalando o país numa época de fragilidade interna do próprio Partido Comunista e de vastas tensões sociais, resultou em condenação por parte da maioria dos países ocidentais. A China passou a sofrer com o certo isolamento internacional, o que a levou a uma reaproximação aos países africanos e do sudeste asiático, países estes que não compartilharam da condenação ocidental à China (VISENTINI, 2011, p. 139). Durante a década de 1990, as relações externas de Pequim, tanto com os países desenvolvidos quanto com os países em desenvolvimento, foram caracterizadas pelo pragmatismo em vista do desenvolvimento económico e da defesa da política de Deng Xiaoping: Mudanças nas Relações com os Países em Desenvolvimento A morte de Mao Zedong marcou o fim da política externa chinesa de cunho predominantemente ideológico. Com a chegada ao poder de Deng Xiaoping, a China começou a se abrir à economia internacional. Ao invés de dar ajuda económica, a China apelou às comunidades chinesas além-mar para receber investimentos e assistência económica. A diáspora chinesa consistia em 21 milhões de chineses em Taiwan, 6 milhões em Hong Kong, 400 mil em Macau e 30 milhões no resto do mundo. Desde 1978, quando a China retomou as relações diplomáticas com o vizinho Japão, a China também contou com a transferência tecnológica japonesa em troca de exportação de matérias-primas (VISENTINI, 2012). O Japão passou a beneficiar a China também através de seu programa ODA (Overseas Development Assistance). Na década de 1980, a República Popular da China se tornou também o país receptor de maiores empréstimos do Banco Mundial, com um valor de 5.5 bilhões em 52 projectos (MITCHELL, 2007, p. 17). A prioridade de Deng Xiaoping era o crescimento económico e o desenvolvimento nacional em aparente detrimento do projecto ideológico. 23 Vol. 1, Nº 01, Ano I, Setembro de 2014 “uma só China” (One China policy). O objectivo de tal política era isolar internacionalmente Taiwan buscando convencer os países que ainda mantinham relações diplomáticas com a ilha a reconhecer a República Popular da China como governo legítimo. Com o fim da Guerra Fria, os Estados Unidos apressaram-se em proclamar a vitória dos valores democráticos e se prepararam em assumir o papel de hegemonia numa ordem unipolar que eles consideravam como o desdobramento mais natural. Numerosas obras, entre elas a mais famosa, a de Francis Fukuyama, “O Fim da História” enalteceram a vitória do mundo capitalista, prevendo o início de uma época sem conflitos. Frente a essa perspectiva, e passando a sofrer com as crescentes pressões norte-americanas quanto a seu sistema político, a China abraçou a causa da construção de uma ordem multipolar que resultaria numa diversificação das parcerias internacionais da China e numa relativa desvinculação da aliança com os Estados Unidos. sanções por parte da comunidade internacional. Para defender seus interesses nessas regiões, Pequim, mesmo fazendo uso da devida prudência diplomática, não hesita em manifestar a própria solidariedade usando do seu veto junto ao Conselho de Segurança para proteger tais países das censuras ocidentais. O caso do Sudão, na África, é um exemplo dessa política. Contudo, é importante lembrar que durante uma viagem no Sudão, em Junho de 2007, Hu Jintao pediu ao presidente do Sudão para mitigar os excessos de violência e aceitar a missão pacificadora da ONU e da União Africana. O Sudão estava sendo objecto de severas críticas por parte da comunidade internacional e como de consequência a China estava sendo incluída nessas críticas. Para salvaguardar sua imagem internacional, a China abriu uma excepção ao princípio da não interferência. Não obstante as críticas aos métodos de actuação chinesa junto aos países em desenvolvimento, principalmente os do continente africano, por parte dos representantes dos antigos impérios coloniais, a percepção dos próprios países em desenvolvimento é, na sua maioria, positiva. A cooperação e o benefício mútuos oferecidos pela China, não apresentam o perigo de endividamento sem saída, como aconteceu para muitos dos países que sofreram a exploração directa e indirecta por parte do Norte do mundo. A China está repetindo com os países em desenvolvimento a experiência vivida com o Japão quando do estreitamento das relações diplomáticas em 1978. Visentini (2012) lembra que a China exportava para o Japão matérias-primas que alimentavam a indústria japonesa e em troca o Japão fornecia tecnologia e infra-estrutura, elementos básicos que prepararam a abertura económica chinesa e isso sem endividamento. Trata-se de um tipo de cooperação que actualmente é conhecido como “modelo de Angola”, caracterizado justamente pela utilização de recursos naturais como garantia de pagamento dos empréstimos obtidos (ESTEVEZ, 2011). A ajuda chinesa aos países emergentes consiste principalmente na construção de obras de infraestrutura: estradas, pontes, escolas, portos e outras grandes obras públicas. A única condição imposta pela República Popular da China para estreitar tais relações de cooperação é que estes países adiram de forma incondicionada à política de Uma Só China, a mesma condição exigida pelas autoridades chinesas desde os primeiros anos de vida da Nova China. De acordo com Estevez (2011), a cooperação de Pequim apresenta-se como uma prática horizontal, onde a China se enquadra como país em desenvolvimento no mesmo patamar que os seus parceiros. Tal postura, em evidente contraste com a prática de cooperação verticalizada dos tradicionais detentores do poder, está emergindo como um novo modelo de cooperação, compartilhado também pelos outros membros do BRICS. Buscando a construção do “mundo harmonioso”, Hu Jintao direcionou a política externa chinesa ao fortalecimento dos laços regionais e internacionais através de uma participação afirmativa nas mais importantes organizações regionais e internacionais. Na Ásia, fortaleceu a política de boa vizinhança, trabalhando na aproximação aos países do sudes- Características da Actual Estratégia de Inserção Chinesa no Mundo em Desenvolvimento A partir da primeira década do século XXI, a China inaugurou uma nova diplomacia apostando nas organizações multilaterais. O ingresso da República Popular da China na OMC (Organização Mundial do Comércio), em 2001, durante a presidência de Jiang Zemin, marcou o início de um envolvimento chinês mais afirmativo junto às organizações regionais e mundiais. Com a passagem da terceira à quarta geração, registrou-se uma ulterior mudança na política externa chinesa. Ao assumir a presidência da República Popular da China, Hu Jintao inaugurou uma nova fase, a da “sociedade harmoniosa”, no plano doméstico, e a “do mundo harmonioso”, no plano internacional. Nesse âmbito, o discurso em favor dos países em desenvolvimento pareceu entrar numa nova época com características diferentes do auge do período maoista, mas com a mesma intensidade e prioridade da época anterior. De acordo com Dittmer (2007, p. 215), a identificação da República Popular da China com os países em desenvolvimento não era “apenas retórica, mas reflexo da coincidência de interesses materiais”. A China precisa de novos mercados e dos recursos materiais dos quais os países em desenvolvimento são ricos, seja pelo aumento do consumo interno de sua imensa população, seja para alimentar suas indústrias. Desde então, sua forma de inserção internacional apresenta diversas peculiaridades. Uma delas é a tendência, por parte do governo de Pequim, de entrar em regiões onde o clima ou as condições geográficas e políticas dificultam ou até desencorajam a actuação das multinacionais ocidentais. Outra característica importante é a defesa do princípio de não interferência (um dos Cinco Princípios de Coexistência Pacífica). Alguns dos países com os quais Pequim mantém intensas relações de cooperação são países que sofrem 24 Vol. 1, Nº 01, Ano I, Setembro de 2014 te asiático através da ASEAN+3 e aos países da Ásia Central através da Organização para Cooperação de Xangai. Fora da Ásia, a China intensificou as relações comerciais e políticas com a América Latina e com o continente africano. Em 2000, foi criado o Fórum de Cooperação China-África, visando à regulamentação das relações entre China e os países africanos. O Fórum tem reuniões a cada 3 anos. Em novembro de 2006, foi realizada a terceira Cúpula China-África. Contando com a presença de 40 líderes africanos, a China lançou um plano de ajuda para os países africanos. Segundo Visentini Um ponto em comum entre chineses e africanos é o fato de que compartilhavam a visão de que as críticas ocidentais apenas procuravam retardar o desenvolvimento dos mais pobres. Ambos têm um passado comum de exploração europeia, o que os torna desconfiados de eventuais manifestações contrárias às suas políticas domésticas e soberania. Além disso, a possibilidade de crescimento económico, desvinculado da sujeição a agendas de liberalização política impostas pelos países da organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) anima inúmeros governantes africanos. (VISENTINI, 2011, p. 140) Na América Latina, a China ingressou na Organização dos Estados Americanos e no Banco Interamericano de Desenvolvimento como Observador Permanente na primeira década do novo século. Desde 2004, participa também do Fórum Econômico Caribenho. No que diz respeito às organizações internacionais, a China participa ativamente também de grupos extrarregionais, como o G-20 e, principalmente, o grupo dos BRICS, com as quais compartilha iniciativas internacionais relevantes no âmbito da cooperação SulSul. A mudança de postura frente ao seu envolvimento junto às instituições regionais, internacionais e novos grupos, como o dos BRICS, pode ser buscada na mudança de concepção chinesa a respeito dessas organizações e na avaliação dos benefícios que elas podiam trazer à estabilidade chinesa. A China passou a perceber as organizações regionais mais como instrumentos úteis para seu crescimento e inserção regional que como organismos que visariam a contenção de seu poderio. A adesão da China ao grupo dos BRICS parece ligada aos objectivos da China de trabalhar junto com outros países emergentes visando garantir um âmbito pacífico que não dificulte seu desenvolvimento. Em Janeiro de 2004, a China lançou um novo conceito de segurança baseado na confiança e nos benefícios mútuos, na igualdade e na cooperação, além de ser já fundamentado nos cinco princípios de coexistência pacífica que promovem o ideal de uma ordem mundial pluralista e com base na soberania, incluindo forte apoio à ONU. Hu Jintao acrescentou a necessidade de reforma e aprimoramento dos sistemas financeiros internacionais e mais abertura aos mercados dos países em desenvolvimento, eliminando barreiras comerciais, objectivos em comum com os outros integrantes do grupo BRICS. A China mantém firme sua posição de apoio à Organização das Nações Unidas, consideran- do-a como a única fonte de autoridade internacional que poderia impor constrangimentos ao uso arbitrário de poder por parte dos Estados Unidos. A preservação de um ambiente internacional pacífico continua sendo uma das prioridades da política externa chinesa nos dias de hoje. A construção colectiva empreendida pelo grupo dos BRICS de um mundo multipolar através da democratização das relações internacionais parece ser o caminho escolhido pela China para alcançar tal prioridade. Conclusões Desde os primeiros anos de vida da República Popular da China, os países em desenvolvimento se tornaram uma realidade geográfica e política estratégica para o fortalecimento da inserção da Nova China no cenário internacional. Apesar das mudanças ocorridas ao longo das quatro décadas de vida, as relações com o mundo em desenvolvimento permaneceram como um elemento de continuidade na política externa chinesa. A China aproximou-se dos países emergentes, ora se apresentando sob o perfil ideológico como possível líder de uma revolução mundial, ora sob o perfil nacionalista, como país em desenvolvimento ao lado de outros países em desenvolvimentos que compartilhavam um passado comum de exploração económica e que buscavam maior autonomia e protagonismo dentro do âmbito internacional. Através da afirmação do Movimento dos Não Alinhados, tais países acreditaram na possível construção de uma ordem alternativa baseada nos Cinco Princípios de Coexistência Pacífica. Nas diversas etapas da política externa chinesa para o mundo em desenvolvimento, os países em desenvolvimento talvez tenham ocupado um lugar diferente na ordem de prioridades das relações externas da China com o resto do mundo. Tal alternância explica-se, evidentemente, pela dependência existente entre a reformulação da política externa de um país, seu interesse nacional e as prioridades exigidas do projecto estratégico nacional em um determinado período. Contudo, podemos observar, pela análise das relações chinesas com os países em desenvolvimento nos diversos períodos, que tais relações nunca foram abandonadas e que, de forma mais intensa ou mais branda, elas continuaram presentes na agenda internacional da República Popular da China. O que talvez diferencie as primeiras três décadas de política externa chinesa da actual fase de aproximação do mundo em desenvolvimento poderia ser o fato de a China ter escolhido, conjuntamente com as insubstituíveis relações bilaterais, participar activamente também de organizações regionais e internacionais, como o agrupamento dos BRICS, apostando numa construção colectiva como caminho privilegiado rumo a uma futura ordem multipolar. A China juntamente com os outros integrantes do grupo BRICS reitera a importância de um desenvolvimento económico inclusivo e transparente, uma maior representatividade nas instituições financeiras internacionais, um apoio ágil e flexível às economias em desenvolvimento e a democratização das relações internacionais. Tais exigências reforçariam uma prática 25 Vol. 1, Nº 01, Ano I, Setembro de 2014 de cooperação inovadora já ensaiada pela China, Brasil, Índia e África do Sul conhecida como Cooperação Sul-Sul. Através da análise das relações chinesas com o mundo em desenvolvimento, foi constatado que o fato de a China contar com décadas de relacionamento com os países em desenvolvimento, com os quais compartilha um passado comum de domínio imperialista (conhecido como o “século da humilhação”), facilitou sua inserção nesses países. Naturalmente, os questionamentos por parte da comunidade internacional referentes às modalidades da cooperação chinesa com o mundo em desenvolvimento, principalmente pela defesa do princípio de não ingerência, levam a China a uma revisão constante de sua actuação internacional, corrigindo as falhas e procurando se adequar às normas internacionais, sem prejudicar, porém, os princípios tradicionais de sua actuação internacional, como foi visto no caso do Sudão. O desafio é resistir às críticas e pressões cíclicas dos Estados Unidos e da União Europeia, que mesmo sendo importantes parceiros comerciais e políticos dos países do grupo BRICS, e em particular da China, parecem estar prontos a repensar e consolidar uma aliança do Norte do mundo. Se o futuro será de colisão entre o Norte e o Sul do mundo ou de integração mundial pacífica, somente o tempo nos dirá. Development, v. 36, n. 2, p. 274-292. KANG, David. 2007. China Rising: Peace, power and order in East Asia. 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Essas duas máximas revelam as dimensões psiquicas interiores e as motivações dos mentores da guerra e dos promotores da paz para enveredar por uma ou outra alternativa. O presente artigo tem como objectivo central apresentar as dimensões psicológicas para a ocorrência da guerra ou promoção da paz enquanto condição social e política onde se assegura a justiça e estabilidade através de instituições formais e informais credíveis, práticas e normas tendo em conta o equilíbrio de poder político, legitimidade dos tomadores de decisões, reconhecimento e valorização da interdependência, existência de instituições credíveis e fiáveis de resolução de conflitos, igualdade, respeito e compreensão mútua. A cia da guerra ou promoção da paz enquanto condição social e política onde se assegura a justiça e estabilidade através de instituições formais e informais credíveis, práticas e normas tendo em conta o equilíbrio de poder político, legitimidade dos tomadores de decisões, reconhecimento e valorização da interdependência, existência de instituições credíveis e fiáveis de resolução de conflitos, igualdade, respeito e compreensão mútua. Para a sua elaboração recorreu-se a técnica documental baseada no desk review de obras e artigos que versam sobre os contornos da psicologia da paz e da guerra e a interpretação dos dados foi com base no método analítico. Introdução guerra e a paz acompanharam todo o percurso histórico da evolução da humanidade. Desta feita, a psicologia foi sempre usada como ferramenta para promover a paz assim como a guerra. “Com o final da Guerra Fria, nos anos 1990, a tradicional visão da guerra como sendo uma questão de disputa entre Estados tornou‑se limitada, com a maioria das situações de conflito dentro dos Estados, relacionando‑se, “não tanto com as fronteiras do Estado, mas com a etnia, a religião, o bem‑estar económico, a densidade populacional e a sustentabilidade ambiental e outros aspectos” (Christie, et. all., 2001:12). A paz na Psicologia da Paz passou a ser entendida dentro de “uma grelha muito mais compreensiva que vai além da ‘mera’ ausência de conflito, pressupondo, também, um compromisso com os direitos humanos e a justiça social” (Barbosa et.all, 2013:54). A Psicologia da Paz procura desenvolver teorias e práticas dirigidas à prevenção e mitigação de violência directa e estrutural. Definida de uma forma positiva, a Psicologia da Paz promove a gestão não violenta dos conflitos e a procura da justiça social, ou seja, o peacemaking e o peacebuilding, respectivamente (Christie et al. (2001:13) A paz negativa existe quando, após um conflito, cessa a violência directa mas permanece a violência estrutural. Já a paz positiva pressupõe também a ausência de violência estrutural. Deste modo, a paz positiva apenas está presente quando o Estado zela pelos direitos humanos e pela inclusão social. Na perspectiva de Galtung (1990:9-14), a ausência de violência directa não significa paz (Barbosa et. al., 2013:56). O presente artigo tem como objectivo central apresentar as dimensões psicológicas para a ocorrên- 1. Debate Conceptual: Paz e Guerra Muitas vezes, a definição do conceito de paz é feita com recurso a guerra (definição negativa – ausência da guerra). A paz é uma situação de um grupo, comunidade, Estado, grupo de Estados ou de qualquer outra unidade política que não está em guerra ou conflito armado. A paz remete-nos a ideia da alternância dialéctica entre a paz e guerra e é um facto incontornável no processo evolutivo das sociedades. A fronteira entre a guerra e a paz está sempre presente na discussão desses dois conceitos. Segundo o senso comum, paz é vulgarmente entendida como sendo o oposto de guerra ou a sua ausência. É assim que a define Bouthoul ao escrever que “guerra e paz são as duas faces do mesmo Janus, o reverso e o anverso da vida social”. Também para Vauvernargues, a paz é um intervalo entre duas guerras. Estas são, obviamente, formas negativas de definir a situação de paz. Neste conceito de paz incluem-se, portanto, situações como as de conflito e de crise, e nela podem ocorrer inúmeras e variadas manifestações de todas as formas 27 Vol. 1, Nº 01, Ano I, Setembro de 2014 de violência, com a única excepção da violência entre unidades políticas que seja considerada guerra (Sousa, 2005:140). Na pesrpectiva de Galtung (1990:4-9), do conceito dois aspectos sobressaem: “a paz visa reduzir a violência por meios pacíficos e os estudos de paz são estudos das condições do trabalho da paz”. Mary King na sua obra “Terms and Concepts” refere que A paz “é uma condição política que assegura a justiça e estabilidade social através de instituições formais e informais, práticas e normas onde se verifica equilíbrio de poder político, legitimidade dos decisionmakers, reconhecimento e valorização da interdependência, existência de instituições credíveis e fiáveis de resolução de conflitos, igualdade e respeito mútuo e compreensão mútua” (King, 2007:29-30). Nesta perspectiva, a autora corrobora com a ideia de que paz vai para além da ausência da guerra ou hostilidades armadas e adianta que é improvável encontrar uma situação de ausência total de conflito, devido a existência de interacção humanas voluntárias e involuntárias; a inerência do conflito ao ser humano; e conflitos aparecem como catalisador de mudanças e desenvolvimento nas sociedades. Existem várias formas de conceptualizar a guerra. “A guerra é um tipo de conflito, neste caso, armado. O campo da ciência que se ocupa do estudo da guerra chama-se Polemologia, surgida, cientificamente por volta de 1946, com o sociólogo Gaston Bouthoul, autor da obra “Cent Milions de Mort”. A Polemologia é uma ciência que estuda as causas, funções, efeitos, consequências e enquadramento social da guerra (Fernandes, 1991:351 e Santos, 2009:177-178). Gaston Bouthoul, no seu “Traité de Polémologie”, citado por Sousa (2005:93) define a guerra como “uma luta armada e sangrenta entre grupos organizados”. Trata-se, assim, de um conflito em que a violência é aberta e as armas são efectivamente utilizadas. Por seu turno, Clausewitz (1984:75) refere que “a guerra é um conflito violento e armado onde a violência organizada tem como objectivo fundamental submeter a outra parte às suas revindicações e vontade”. Em termos práticos, a guerra é a forma extrema de luta política. Ela é desencadeada de forma deliberada, instrumental e racional para atingir determinados objectivos políticos impossíveis de atingi-los de forma pacífica. Trata-se de um conflito entre Estados ou grupos nacionais e governos conduzido pela força, envolvendo hostilidades abertas e suspensão da lei. Ela é uma das forma de manifestação da violência política organizada cuja finalidade é forçar o adversário a executar a nossa vontade por meios bélicos e estratégia militar. Existem várias causas que dão origem às guerras. As percepções entre actores sociais, questões territoriais, aspectos históricos, problemas económicos, ausência de democracia, insatisfação de necessidades, questões étnicas, questões ambientais, o militarismo, a pobreza, entre outros aspectos. A nível das comunidades e dos Estados, a origem das guerras é uma soma multifactorial de várias causas. Deve-se ressaltar o valor da pobreza e das desigualdades como as causas de conflitos violentos e armados, porque se considera que onde há um maior número de desigualdades é mais provável o surgimento da violência directa e, ao mesmo tempo, é mais provável que essa violência, por sua vez, siga produzindo mais desigualdade e pobreza (Sáez, 1997; Duffield, 2004). A abordagem dos estudos da paz é diferente e contrária da dos estudos da guerra. Os estudos da guerra visam garantir uma vitória de apenas uma das partes, por meios violentos, associado a estratégia de maximização dos ganhos. Nos estudos da paz, qualquer vitória deve ser partilhada por todos envolvidas no conflito ou na contenda. Portanto, A paz e a guerra são dois conceitos que se interlaçam na sua concepção. A definição negativa de um dos conceitos lega a evocação do outro e a fronteira entre a guerra e a paz está sempre presente na discussão desses dois conceitos. 2. Dimensões Psicológicas da Paz e da Guerra O Preâmbulo da Constituição da UNESCO (1945) refere que “como as guerras se iniciam nas mentes dos homens, é nas mentes dos homens que as defesas da paz devem ser construídas”. A Psicologia da Paz se estabeleceu como disciplina na década de 1980. Os temas relacionados com paz, conflito, violência e guerra tinham sido objecto de estudo e pesquisa de vários psicólogos e a história da Psicologia ao serviço da guerra é tão antiga quanto a história da própria guerra e da Psicologia. Vários psicólogoscontribuíram para o estudo da guerra e da paz nas comunidades, Estados e no Sistema Internacional. Os psicólogos da paz procuram compreender e promover a construção da paz (McNair, 2012). Esta é uma tarefa particularmente ambiciosa, uma vez que a noção de paz, na óptica da Psicologia da Paz, vai além da mera ausência de conflito, pressupondo também um compromisso com os direitos humanos e a justiça social. Além do mais, a crescente internacionalização desta área da Psicologia tem conduzido a uma progressiva diferenciação dos objectivos dos psicólogos da paz em função dos seus contextos geográfico, históricos, político, económico e de outra índole, tendo em conta o seu canto de actuação (Christie, 2006). Barbosa et. al. (2013:49) citando James (1995:1726) referem que “James (1910) surpreendeu a comunidade académica ao referir‑se aos atractivos da guerra. De acordo com o autor, a guerra oferece aos indivíduos a oportunidade de expressar virtudes como a lealdade, a honra, ou a disciplina. Consequentemente, para acabar com a guerra, seria necessário as sociedades encontrarem ‘equivalentes morais’ alternativos para a expressão dessas virtudes”. Todavia, os psicólogos contemporâneos não seguem esses conselhos, mas sim a busca de contributos e esforços para explicar as causas psicológicas da guerra e não de alternativas para a eclosão da mesma (Christie, Wagner & Winter, 2001:531-535). A Primeira Guerra Mundial foi o primeiro palco de um profícuo envolvimento de psicólogos em assuntos militares (Smith, 1986:24). Através de testes psicológicos para estabelecer as funções e cargos no exército, à intervenção psicológica com militares, o desenvolvimento de propaganda de guerra, a estratégias para a desmoralização do inimigo e à selecção e treino de indivíduos envolvidos em missões secretas e de espionagem fazem parte dos grandes contributos da psicologia 28 Vol. 1, Nº 01, Ano I, Setembro de 2014 na guerra (Christie et al., 2001). Na Segunda Guerra Mundial, os psicólogos foram participantes entusiastas nos esforços para ganhar a guerra. Neste contexto, os psicólogos intensificaram o seu envolvimento em questões militares. Na Guerra Fria, um crescente número de psicólogos desempenharam funções no governo ou no exército, onde usavam o seu conhecimento para avaliar e mudar as atitudes do público perante a questão atómica, para lidar com os problemas emocionais experienciados por pessoas expostas aos testes nucleares, ou para reduzir o medo dos soldados e a sua relutância em participar nas manobras nucleares (Rand, 1960, cit. Christie et al., 2001; Schwartz & Winograd, 1954, cit. Christie et al., 2001). No final da IIª Guerra Mundial muitos psicólogos começaram a apelar à necessidade de valorizar o contributo do conhecimento psicológico para a prevenção da guerra e promoção da paz. Nos Estados Unidos, este apelo deu origem ao The Psychologists’ Manifesto: Human Nature and the Peace. No início da década de 1960, a Crise dos Mísseis de Cuba pôs em evidência que a Guerra Fria tinha atingido um absurdo lógico, já que a corrida ao armamento por parte das duas superpotências culminava numa realidade de destruição mútua, porque caso a guerra nuclear ocorresse, o resultado não seria somente a destruição total destas superpotências, mas o fim da vida na Terra” (Christie et al., 2001:8). Assistiu‑se, nesta altura, a uma mudança de paradigma no seio da comunidade psicológica, começando a emergir vozes que desafiavam a mentalidade da Guerra Fria e que reclamavam para a Psicologia o papel de contribuir para a prevenção da guerra e não para a sua preparação (Wagner, 1985; Morawski & Goldstein, 1985:276-284). Em vez de se centrarem em maneiras de assegurar que a opinião pública coincidisse com as considerações da realpolitik, os psicólogos começaram a desenvolver estudos com uma lógica sobretudo preventiva. Nos anos 1980, os psicólogos contribuíram com a operacionalização do conceito de Perturbação de Stress Pós‑Traumático. Com o fim da Guerra Fria, o diálogo e a reflexão dos psicólogos sobre as temáticas do conflito e da paz contribuíram para dar credibilidade e legitimidade à aplicação do conhecimento psicológico a estas temáticas, sustentando, deste modo, os esforços de psicólogos pioneiros nos estudos da paz que, de outra forma, se teriam sentido isolados e marginalizados, e oferecendo os alicerces necessários à criação de um ramo da Psicologia dedicado a estas temáticas. Das diversas visões que existem sobre a guerra e a paz, as visões realista e liberal ganham protagonismo quando se pretende analisar a dimensão psicológica da guerra e da paz. A visão realista preconiza que “a paz só é possível quando a guerra não é necessária” (Albuquerque, 2005:34). Neste contexto, a paz só é possível quando a guerra não é necessária indica que a paz é uma possibilidade, enquanto a guerra é uma necessidade. Portanto, estado natural” das relações inter-pessoais e inter-estatais são marcadas pelo conflito, e a solução última do conflito é a guerra ou ameaça de guerra. Para a perspectiva realistas, as relações entre os estados e os grupos sociais inseridos neles são definidas pelos conflitos de interesses. A concepção realista do mundo concebe as relações inter-pessoais e interestatais como uma luta pelo poder e pela segurança entre as comunidades políticas diferentes, primordialmente nações-estados (Baylis e Rengger, 1992:9). Cada estado busca o nível máximo de segurança, gerando insegurança em um ou em outros estados que, por sua vez, buscam conseguir a maior segurança. Esta busca produz uma sistemática instabilidade que pode ser parcialmente remediada pelo equilíbrio de poder (Aguirre, 1995:24-25). A perspectiva realista arma-se sob premissas hobbesianas do Leviatã, nas quais se afirma que o homem é lobo do homem e que as relações internacionais se baseiam nas relações de poder, em que o principal e único actor é o Estado. Os conflitos surgem devido ao choque de interesses entre os Estados, pois parte -se do princípio epistemológico que o sistema internacional é anárquico já que cada actor é soberano e que o sistema não conta com uma sólida cabeça de poder. Esta situação provoca a existência de uma constante disputa entre os Estados para assegurar a segurança através do exercício de poder. A hierarquização do sistema internacional é apresentada em função do poder que cada Estado é capaz de exercer, estando este caracterizado por sua capacidade militar e política para impor seus interesses a outros estados (Morgenthau, 1993). A melhor maneira de manter a paz entre duas potências é através do equilíbrio de poder (principalmente entendido em termos armamentistas). A maioria dos realistas possui uma visão muito pessimista quanto a natureza humana. Os Homens são vistos pelos realistas como inerentemente destrutivos, egoístas, competitivos e agressivos. Eles são capazes de generosidade, bondade e cooperação, mas o orgulho e o egoísmo aspectos inerente à sua natureza humana fazem com que a humanidade seja propensa a conflitos, violência e grandes males. Uma das grandes tragédias da condição humana é que esses traços destrutivos nunca podem ser erradicados. Os realistas tendem a ver as relações interpessoais e inter-estatais em termos pessimistas. Dai que os conflitos e guerras são considerados fenómenos endémicos no da vida nas comunidades e nos Estados e nada demonstra que o futuro na seja parecido com o passado belicista da humanidade. Assim como os indivíduos buscam seus próprios interesses, os Estados também estão envolvidos em uma luta competitiva implacável pelos interesses nacionais. Portanto, na sociedade doméstica, os conflitos são tratados e resolvidos através do papel do governo autoritário e hierárquico. Na sociedade internacional, os conflitos entre Estados são muito mais difíceis de resolver devido a anarquia do sistema. E, devido a ausência de governo mundial, os Estados têm de adoptar uma abordagem de “autoajuda” em relação aos seus interesses, sobretudo, nas questões de segurança. Na obra “Guerra do Peloponeso”, Tucídides (460 -400 a.C.) refere que “a luta constante é um fenómeno marcante na vida humana e ganha as lutas não quem esteja certo, mas quem é o mais poderoso”. Desta feita, a condição humana é marcada por uma luta incansável pelo poder que cessa apenas com a morte. Em caso de conflitos, os realistas dão um papel limitado a razão, lei, moral e às instituições. Nos Estados, a lei 29 Vol. 1, Nº 01, Ano I, Setembro de 2014 pode ser uma forma eficaz para lidar interesses egoístas. No Sistema Internacional, os Estados recorrem às leis quando lhes convém, mas as ignoram se seus interesses estiverem ameaçados. E quando os Estados querem quebrar as regras, há muito pouco para detê-los, excepto com forças de compensação – coligação e alianças. Os realistas não acreditam que as questões morais possam restringir de forma significativa o comportamento dos Estados na arena internacional. Alguns realistas acreditam que deve ser dado muito pouca atenção à moral na actuação dos Estados na política mundial. Portanto, os realistas defendem ausência de um código moral universal e desencorajam o seguimento de princípios morais, quando o Estados acredita que seus interesses estão ameaçados. A visão liberal defende que “a guerra só é necessária quando a paz não é possível” (Albuquerque, 2005:34). Desta feita, a guerra só é necessária quando a paz não é possível indica que a guerra poder ser uma necessidade, mas apenas na impossibilidade da paz. O estado natural das relações inter-pessoais e interestatais, dada a racionalidade humana é baseado na cooperação. A racionalidade humana permite que os indivíduos busquem evitar riscos inerentes à solução unilateral dos conflitos. O conflito não é a única tendência inerente à convivência humana, porque a racionalidade permite alcançar convergência. Portanto, a condição essencial da vida humana e das comunidades é marcada pela cooperação é a paz. A guerra é necessária quando, por erros humanos, catástrofes, a cooperação torna-se impossível. Tendo em conta os pressupostos acima apresentados, dois desafios emergem. O primeiro é o desafio realista que deve demonstrar como é que, num ambiente intrinsecamente competitivo e anárquico, a paz é de tudo possível como acontece em muitas comunidades e Estados. O segundo é o desafio liberal que deve demonstrar como, dada a inclinação humana para a racionalidade e cooperação, a guerra pode ocorrer como já se viu em muitos casos ao longo da evolução da humanidade. Apesar da coerência intelectual, os pressupostos realistas foram submetidos a críticas ferozes pelos liberais. Os liberais e os teóricos da escola crítica referem que os realistas são obcecados à guerra e ao uso da força e menos preocupados com as questões éticas, nas suas abordagens para a resolução dos problemas e busca da paz. Eles preocupam-se com o uso da violência e da guerra e tendem a ignorar as acções cooperativas e os aspectos pacíficos da convivência entre as pessoas, comunidades e Estados. As comunidades e os Estados estão a sofrer um conjunto de ameaças e vulnerabilidades fruto das dinâmicas da globalização, mundialização e interdependência global. Fenómenos como guerras intra-estatais, violência social, violência política organizada, tráfico de droga, terrorismo e outras ameaças, proliferação de armamentos, ameaça da informação, violências urbanas, entre outros tipos de ameaças são semeados por grupos instigador que politizam aspectos como cultura, etnia, religião e ideologia para levar a cabo acções de violência e guerra. Desta feita, a educação para paz, justiça, reconciliação e tolerância tornam-se fundamentais nas comunidades e nos Estados. Ideias relacionadas com a necessidade de preservar a paz são fundamentais, porque a guerra não é necessária tendo em conta que as suas consequências são devastadoras que vão desde mortes, passando por destruições até ao atraso do desenvolvimento e crescimento das comunidades e das nações. O ensino e disseminação dos métodos de resolução pacífica de conflitos recorrendo a arbitragem, conciliação, facilitação, negociação, mediação, são fundamentais para a coexistência pacífica das comunidades e dos seus membros seja efectiva e se reduza os níveis de violência quer directa, assim como estrutural e cultural. A cultura do acordo se caracteriza pela união solidária e complementaridade sustentada na diversidade, no respeito à diferença, no intercâmbio sem confrontação, na resolução do conflito em vez de se ocultá-lo ou de se evitá-lo, na explicitação do dissenso para buscar e encontrar a partir disso o consenso, na existência de diálogos e na coesão social que sirva a uma melhor qualidade de vida, sendo essa qualidade um elemento básico de que todos devem desfrutar. A partir dessa dimensão é possível se edificar uma comunidade e um Estado são e livre de situações de propensão para violência. Por isso, é fundamental que os líderes comunitários e os governos tomem decisões de sofisticar do sistema de administração de conflitos para que não haja instrumentalização de mentes para recorrer a violência como mecanismo para resolver diferendos. Desta feita há que promover a confiança que consiste em reconhecer algum mérito a outra parte na interpretação dos acontecimentos; a justiça através da disposição de meio para devolver e restaurar os danos provocados no passado; o respeito mútuo que reside no reconhecimento do outro, perdão ou absolvição por parte de vítimas e autores; e a segurança que deve ser entendida como de coexistência pacífica, visto que o ambiente comunitário é, em si, um espaço de grande riqueza para fomentar a difusão e a aprendizagem dos métodos pacíficos de resolução de conflitos, e a promoção da mediação de conflitos sem recorrer à força. Considerações Finais A guerra e a paz são dois fenómenos que têm fortes ligações com a dimensão psicológica e anímica do homem. Assim como a violência é algo passível de ser ensinada a apreendida, a paz é passível de ser construída socialmente, como defende a UNICEF - como as guerras se iniciam nas mentes dos homens, é nas mentes dos homens que as defesas da paz devem ser construídas. Desta feita, constata-se que enquanto fenómeno fruto da construção psíquica e social do Homem, a paz é uma condição natural social, enquanto a guerra é uma criação social. A paz é uma situação social em que se verifica a ausência ou redução dos níveis de violência e a transformação criativa e não-violenta do conflito. Trata-se de uma situação em que não se regista violência, conflito, guerra, instabilidade, convulsões sociais, manifestações violentas. Na realidade, a paz que existe é sempre o resultado de uma guerra anterior, mais ou menos afastada no tempo, e as condições que ela estabelece, a ordem que ela representa, sempre 30 Vol. 1, Nº 01, Ano I, Setembro de 2014 beneficiam uns, a quem naturalmente agrada, e prejudicam outros, que gostariam de a modificar. O uso da violência impõe-se como a solução que resta para tentar alterar a situação. Uma paz que venha alterar o status quo pode significar o desencadear da violência. A paz, como situação social de não guerra, resulta sempre de uma guerra precedente, e engendra e explica a guerra seguinte, numa continuidade guerra e paz que marca o ritmo profundo das relações entre as unidades políticas. Portanto, a guerra e a paz são dois fenómenos que sempre acompanharam a evolução da humanidade. sity Press, Princepton, New York. Fernandes, António José (1991), Relações Internacionais – Factos, Teorias e Organizações, Edito-rial Presença, Colecção: Biblioteca de Textos Universitários, Lisboa. Galtung, J. (1990), Violence and Peace, In P. Smoker, R. Davies, & B. Munske (Eds.), A Reader in Peace Studies, Pergamon, New York. Hobbes, Thomas (1988) Leviatã, Tradução de Michael Oakeshott, Basil Blackwell: Oxford. James, W. (1995), The Moral Equivalent of War, Peace and Conflict: Journal of Peace Psychology, Nr1, PP. 17‑26. King, Mary (2005), Glossary of Terms, University of Peace, ONU. McNair, R. (2012), The Psychology of Peace: an Introduction, Praeger, Westport. Morawski, J. G., & Goldstein, S. E. (1985), Psychology and nuclear war: a chapter in our legacy of social responsibility, American Psychologist Nr. 40, PP.276‑284. Morgenthau, H. J. (1993). Politics Among Nations. The Struggle for Power and Peace. McGraw Hill, New York. Morgenthau, J. 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[email protected] ou [email protected] Doutorando em Educação: Inovação e Currículo pela Unipiaget -Beira/Moçambique; Doutorando em Projectos de Energias Fosseis, pela Funiber, Mestre Em Relações Internacionais e Resolução de Conflitos Jurista/Criminalista e Docente de Direitos Fundamentais, Direito Constitucional e Retórica e Ética jurídica No ISCTAC- Moçambique. O presente artigo tem como objectivo central discutir os contornos dos direitos fundamentais e a constituição. Para a elaboração do artigo recorreu-se a pesquisa e revisão bibliográfica seguida da análise dos conteúdos. O artigo constata que toda constituição surge para proteger a vida humana e limitar a sociedade política dos excessos contra esta vida. Esta protecção faz com que a vida passasse a ser um direito fundamental do próprio homem acima da morte, apesar de esta ser uma certeza incontornável. A morte é um direito natu31 Vol. 1, Nº 01, Ano I, Setembro de 2014 ral e inato, a sua preservação e manutenção na sociedade tradicional não deve ter um fim que seja apenas de discursos moralistas e para herança. A morte é a certeza para todos os que nascem completos e com vida. Para esta protecção baseada em normas orais, tendo em conta a unificação da diversidade étnico-tribal, é necessário reconhecer e registar estas normas mediante à forças das leis positivadas pelos Estados. O registo destas normas ou ordem social poderia dignificar este direito de morte e seria um direito de felicidade e não de temor. N Introdução a era da globalização sócio-cultural, assiste-se a tendência de uniformização das teorias dos Direitos Fundamentais, que antes eram direitos tratados em matéria do Direito Constitucional ou direito internacional Público. Nesta uniformização, fala -se muito pouco da importância do direito à morte, matéria que de certa forma está ligada a todos os seres animados em geral e a vida humana em particular. Ainda, temos que perceber que não faria sentido regular uma comunidade sem ter em conta o motivo, objectivo ou ainda o fim pelo qual nos leva a limitar os direitos de uma comunidade. A morte é um direito humano inato, é um direito fundamental omisso com debate filosoficamente teológico. Hoje os investigadores, filósofos, religiosos, estudantes, jovens, crianças e os demais se pronunciam sobre esta temática e ainda procuram defini-la como o fim da vida ou a cessação da personalidade jurídica, tendo como hipóteses o seguinte: A morte é o centro nevrálgico da vida humana e, a vida humana é o reconhecimento da existência da morte. Sendo assim, há necessidade de positivar este direito universal inato nos Estados de Direito e Democrático. Direito à Morte A Morte A matéria aqui a abordar é de carácter filosófico, jurídico e científico. Para esta matéria, PRATA (2010:319) advoga que “concebemos a morte como à cessação irreversível das funções do tronco cerebral. (…) A verificação da morte é da competência dos médicos, nos termos legais”. Segundo De Freitas (2012:12) A forma como se encara a morte tem vindo a mudar, ao longo do tempo e das diferentes culturas. Descreve a evolução das atitudes face à morte no ocidente da seguinte forma: a morte domesticada, a morte de si próprio, a morte do outro e a morte interdita. Na cultura ocidental, até aproximadamente ao séc. XII, a morte foi caracterizada pelos historiadores como um acontecimento “domado”. Não se morria sem se ter tido tempo para se preparar. Normalmente o moribundo era advertido de que o fim estava próximo, por sinais naturais, ou por convicções íntimas. No entanto, esta informação do seu estado, ou seja, o anúncio da morte que vinha (nuncius mortis), era também dada pelo médico, familiares e amigos, embora fosse maioritariamente o pároco o responsável por tal tarefa. De tal modo, este facto foi sendo comum, que a entrada do pároco na casa de um enfermo era o nuncius mortis, deixando este de ter um carácter meramente verbal. O mori- 32 bundo tomava então todas as medidas que considerasse necessárias a nível terreno, bem como a nível espiritual. Para este autor, citando Gonçalves, a morte era um acontecimento solene que proporcionava uma oportunidade de reunião dos familiares, amigos e da comunidade mais próxima para prestar uma última homenagem à pessoa que morrera. DE FREITAS (2012:12) A partir do séc. XII esta familiaridade é alterada e confere-se à morte um carácter dramático e pessoal. Esta mudança de pensamento resulta de vários factores, por exemplo, a representação do juízo final. De facto, verifica-se que a partir do séc. XII surgem alterações nas perspectivas das pessoas em relação à morte. O julgamento final deixava de ser visto como um evento que ocorreria nos Tempos Finais e passou a ser visto como um evento que aconteceria imediatamente após a morte, do qual resultaria a separação dos justos e dos condenados, através de um balanço entre as boas e as más acções, dependendo da conduta do moribundo antes da morte. Cabe à Igreja intermediar o acesso da alma ao paraíso. Assim, a morte deixou de ser algo natural e passou a ser uma provação. A partir do momento em que surge esta linha de pensamento do juízo final, adquire-se uma dimensão individual no momento de morrer que anteriormente não existia. DE FEITAS (2012:13) Para CHAVLOVSKI (2014:30) a morte deve ser entendida mais como um “processo” do que como um facto instantâneo. Na transição da vida para a morte do organismo como um todo, podemos reconhecer estados intermediários, concorrentes ou sucessivos (conforme o caso). Para CHAVLOVSKI (ibd), existem as seguintes mortes: Morte Simulada Estados patológicos que simulam a morte. As funções vitais estão aparentemente abolidas. Observa-se inconsciência, hipotonia muscular, imobilidade, actividade circulatória mínima, respiração aparentemente parada ou até apneia. Morte Relativa Ocorre uma paragem efectiva e duradoura da função nervosa, respiratória e circulatória. A reanimação, porém, é possível com manobras terapêuticas extraordinárias. Morte própria. Caracteriza-se pelo desaparecimento definitivo de toda a actividade biológica do organismo. Para este autor, existe o momento da morte: Vol. 1, Nº 01, Ano I, Setembro de 2014 Morte Cardiorrespiratória “Do ponto de vista médico-sanitário, social e jurídico é preciso estabelecer o “momento da Morte””. (2014:30) Morte Cerebral, morte Encefálica No Século XX, a evolução da Transplantologia indicou a necessidade de definição jurídica do momento da morte do doador, em face da necessidade da doação do material biológico de origem humana. O momento jurídico da morte foi designado como a morte cerebral. (ibd) Segundo DE FREITAS (2012:17) citando Ariè,"Antigamente, a morte era uma tragédia - muitas vezes cómica - na qual se representava o papel daquele que vai morrer. Hoje, a morte é uma comédia - muitas vezes dramática - onde se representa o papel daquele que não sabe que vai morrer.” Segundo Gonçalves, citado por DE FREITAS (2012:14) avança que “Actualmente, a morte deixou de ter um carácter público, passando os sinais da mesma a ser ocultados. O sentimento para com a morte alterouse, vivendo-se numa era de impotência perante a inevitabilidade da mesma (Nunes et al., 2009). Esta mudança de pensamento e de atitude que ocorreu ao longo do séc. XX é o que Philippe Ariès (1989) denomina de “morte invertida”, como se esta fosse o negativo da atitude tradicional. Ao nível dos profissionais de saúde a morte de um doente é, por vezes, seguida de reuniões, com carácter pedagógico, onde se pretende compreender o que aconteceu e se ocorreram procedimentos que deverão ser evitados no futuro. Esta modificação da mentalidade ocorreu concomitantemente com a melhoria das condições de vida e com o aumento da esperança média de vida. Adicionalmente importa considerar que a melhoria nas condições de vida foi também responsável por um maior isolamento das famílias e por uma menor interligação entre os membros da comunidade. Este isolamento poderá, por exemplo, estar correlacionado com um aumento de independência financeira das famílias”. A morte é um direito natural que deve ser considerada sem o cinismo ou comédia. Todo ser humano tem o direito a uma BOA MORTE, digno e respeitável em resultado da sua personalidade jurídica exercida. A origem epistemológica de boa morte vem do grego “kalos thanatos”, que significa morte ideal ou exemplar, na qual se pretende respeitar um conjunto de comportamentos socialmente sancionados, de modo a que adquira um sentido para quem estiver envolvido (Clark, 1999, citado por DE FREITAS, 2012:9). O conceito de boa morte, como término de uma vida que teve dignidade e sentido até ao fim, e especialmente na fase final, é muito importante para o movimento moderno dos cuidados paliativos. De facto, este conceito pode ser utilizado para explorar a diversidade de influências históricas e filosóficas cuja convergência originou o padrão de ideias que constitui o modelo de prestação de cuidados paliativos (Magalhães, 2009, citado por DE FREITAS, 2012:9). Á medida que os cuidados paliativos se foram institucionalizando, também o conceito de “boa morte” foi objecto de ampla discussão. Em 1995, foi publicado 33 um estudo realizado por MacNamara e colaboradores que pretendia avaliar a compatibilidade entre “boa morte” e cuidados paliativos. Neste contexto, MacNamara e colaboradores indicam a definição de “boa morte” colhida nos profissionais de saúde: “ haver consciência, preparação e aceitação para a sua ocorrência, e um processo de morrer digno e com tranquilidade”. O inquérito foi apresentado aos profissionais de saúde, por terem um papel fundamental na obtenção deste ideal de boa morte. De facto, está ao alcance da equipa multidisciplinar dos cuidados paliativos a “possibilidade de dar conforto através de gestos e interacções”, sendo estes considerados essenciais para que ocorra uma boa morte (MacNamara et al., 1995, citado por DE FREITAS, 2012:10). Adicionalmente, estes autores revelam que os profissionais de saúde que participaram no estudo indicaram que: “era necessário um sério esforço dos profissionais de saúde para que se cumprissem os princípios inerentes a uma boa morte, sendo reconhecido que era um ideal difícil de atingir”. Tendo por base estas afirmações, conclui-se que, embora a ideologia de uma boa morte seja louvável e desejável, nem sempre é atingida. A aceitação da morte, que resulta da conclusão de assuntos pendentes e de ultrapassar as fases de negação e raiva corresponde à ideologia de uma morte suave, frequentemente acompanhada pela convicção de que a experiência de morrer pode servir como compensação das frustrações da vida. Neste sentido, a ideologia da boa morte é um objectivo da equipa multidisciplinar dos cuidados paliativos, uma vez que desta forma é possível assumir algum controlo social do morrer e da morte (Magalhães, 2009, citado por DE FREITAS, 2012:11). O Direito Segundo Dinis (1989:13) a palavra direito pertence até a linguagem corrente-basta recordarmos as expressões: “não há direito”, “é de meu direito ”-sem que, os que usam, se apercebam da sua grande ambiguidade. No estado moderno é corrente utilizar a expressão Direito como significando um conjunto de normas de conduta social, emanadas pelo Estado e garantidas pelo seu poder. Para este autor, o direito tem a função de imprimir uma ordem à vida social, orientando as condutas humanas, segundo a justiça. Assim, o direito exprime um certo tipo de ordem, uma ordem de justiça, a chamada ordem jurídica (1989:20). No Direito, temos o direito subjectivo, que é aquele que o ser humano, titular de direito objectivo, possui mas este tem a faculdade de agir ou não de acordo com o conteúdo do direito objectivo. O Direito Objectivo é aquela que é expresso em forma de uma magna carta ou norma jurídica, e.g. artigo 79º da Constituição da República de Moçambique, “todos os cidadãos tem direito de apresentar petições, queixas e reclamações perante autoridade competente para exigir o restabelecimento dos seus direitos violados ou em defesa do interesse geral”. Aqui, o Cidadão tem o direito (Objectivo) segundo o artigo 79º da CRM mas aquele pode apresentar (….) ou não (…), é um Direito (Subjectivo) que o sujeito tem. Vol. 1, Nº 01, Ano I, Setembro de 2014 Personalidade Jurídica Antes de falarmos da personalidade jurídica temos que falar da relação jurídica numa sociedade política. Numa relação jurídica, num Estado de direito, é necessário a um conjunto de elementos. Nomeadamente: os Sujeitos, Objecto, facto jurídico e a Garantia. Os sujeitos da relação jurídica são as pessoas jurídicas entre as quais ela se estabelece. São os titulares do Direito Subjectivo e das posições passivas correspondentes-dever jurídicas ou sujeição2. O Objecto é o elemento cujo conceito tem sido o motivo de controvérsia. Podemos defini-lo como aquilo sobre que recaem os poderes do titular do direito.3 O Facto Jurídico é todo o acontecimento natural ou acção humana produtivo de efeitos ou consequências jurídicas4. A Garantia é a susceptibilidade da protecção coactiva da posição do sujeito activo da relação jurídica5. Os sujeitos de direitos são entidades susceptíveis de serem titulares da relação jurídica. O sujeito é necessariamente pessoa em sentido jurídico. Esta pessoa jurídica é dotada de Personalidade jurídica, pois esta é precisamente a aptidão para se ser titular de relação jurídica, ou seja de direitos e vinculações6. Começo da Personalidade Todos os homens nascem igualmente livres e independentes, têm direitos certos, essenciais e naturais dos quais não podem, pôr nenhum contrato, privar nem despojar sua posteridade: tais são o direito de gozar a vida e a liberdade com os meios de adquirir e possuir propriedades, de procurar obter a felicidade e a segurança7. Em Moçambique, a Personalidade jurídica adquire-se no momento de nascimento completo e com vida (nº 1 do Artigo 66º do Código Civil). Os direitos que a lei reconhece aos nascituros dependem do seu nascimento (nº 2 do Artigo 66º do Código Civil). O Começo da personalidade tem sido um assunto que divide os académicos, claro que cada um tem a sua influência, pode ser religiosa ou civilização ideológica. Não seria completo se estivéssemos a cingir-nos apenas na personalidade jurídica. Para o efeito é necessário falar da capacidade jurídica que é a parte quantitativa da personalidade jurídica numa relação jurídica. Em Moçambique e quase em todos os países com o sistema jurídico Romano-germânico é proibido a renúncia da capacidade jurídica, a parte quantitativa da personalidade jurídica. (E.g. Ninguém pode renunciar, no todo ou em parte, à sua capacidade jurídica. Artigo 69º Código Civil). O espírito do legislador originário deste código pretende impedir que os sujeitos da relação jurídica não coloquem insegura a ordem jurídica, sem desprezarmos da violabilidade8 da norma jurídica. Este artigo cria bases para criminalização de suicídio, amputações, abortos, eutanásias entre outras formas de renúncias quantitativa da personalidade jurídica. Exemplo: para o caso de aborto. O conceptura humano ou nascituro, antes do nascimento completo 34 (que resulta no corte do contacto umbilical mãe/ nascituro fora da barriga da mãe) faz parte da mãe grávida como se fosse braço, coração, rins, olho, perna ou outra parte do corpo. Abortar voluntariamente estaria a renunciar em parte a sua capacidade jurídica, parte quantitativa da personalidade jurídica. Este acto é proibido desde o seculo XIX. A criminalização do aborto advém do código civil que tem como tradição o sistema jurídico Romanogermânico e menos a influências religiosas. Pode-se admitir que o código em referência tenha a sua influência religiosa. A Constituição Segundo Canotilho (2003:53) entende-se em sentido histórico o conjunto de regras (escritas ou consuetudinárias) e de estruturas institucionais conformadoras de uma dada ordem jurídico-política num determinado sistema político-social. A constituição entende-se como a ordenação sistemática e racional da comunidade política através de um documento escrito no qual se declaram as liberdades e os direitos e se fixam os limites do poder político (id p52). Em matéria de Direito Constitucional, para GOUVEIA9 consiste no conjunto de princípios e de normas que regulam a organização, o funcionamento e os limites do poder público do Estado, assim como estabelecem os direitos das pessoas que pertencem à respectiva comunidade política. Para DA CUNHA, a constituição é terreno de normatividade10, e não apenas de políticidades. Mesmo o carácter político da constituição se encontra juridificado e particularmente normativizado (2008:247). Assim, entendemos que a constituição é o conjunto racional de regras de uma sociedade politicamente organizada através da qual fixa mecanismos de defesa da vida humana e limita excessos do poder político. Os Direitos Fundamentais Os Direitos Fundamentais são aqueles imanados da vida humana que o ser humano já os tem inactivamente. Porém, nas sociedades política e moderna, os direitos fundamentais precisam o seu reconhecimento político através da positivação. Para QUEIROZ (2010:48) os Direitos fundamentais são direitos constitucionais, que não devem em primeira linha ser compreendidos numa dimensão “técnica” de limitação do poder do Estado. Devem antes ser compreendidos e interligados como elementos definidores e legitimadores de toda a ordem jurídica positiva. Proclamam uma “cultura jurídica” e “política” determinada, numa palavra, um concreto e objectivo “sistema de valores”. Segundo CANOTILHO (2003:377), (…) a positivação de Direitos Fundamentais significa a incorporação na ordem jurídica positiva dos direitos considerados “naturais” e “inalienáveis” do indivíduo. Não basta uma qualquer positivação. É necessário assinalar-lhes a dimensão de fundamental rigths colocados no lugar cimeiro das fontes de direito: as normas constitucionais. O autor pretende aqui afirmar que seja possível a Vol. 1, Nº 01, Ano I, Setembro de 2014 existência de uma constituição de um Estado sem direitos fundamentais, sem a figura da vida, a outra face omissa nas constituições, Direito à morte. Para nós seria impossível, tanto em pensamento como na prática considerar e valorizar a vida sem a morte. A má morte (morte da Morte), não desejada, é a ameaça do homem e é esta ameaça que cria a oportunidade de defesa legal dos Estados contra o mal (Má morte). A morte norteia a limitação dos excessos do poder político contra o homem. “O homem sendo lobo do homem”11 é necessário afastar todo tipo de arma, até a mente, que possa prejudicar o direito de Morte (Vida da morte). A constituição moçambicana omite este direito natural, que de certa maneira é irrenunciável e inalienável. É um direito que o ser humano, ao nascer se manifesta com sinais como: o choro do nascituro por ter que enfrentar o Direito a vida, susceptível de condicionar negativamente a sua morte e, ter a incerteza de obter a morte digna. A Relação entre a Morte e Legislação Para que haja respeito a vida, a outra face da morte, é necessário criar uma sociedade política (Estado) e positivar a ordem máxima social, plasmando princípios e regras, organização da sociedade entre outras matérias das funções Estado (Constituição). Segundo QUEIROZ (2010:47) “(…)os Estados da antiguidade e da idade média possuíam também uma constituição no sentido de um “estatuto” definidor da unidade e ordenação dos respectivos poderes ou, nas palavras de Aristóteles, um “estatuto” de ordenação dos poderes do Estado”. Este conceito “institucional” de constituição, essencialmente como status e institutio, corresponde a toda comunidade dotada de um mínimo de organização política, pois (…) se se suprime a constituição cessa o Estado, dando lugar à “anarquia”. Para QUEIROZ (id) este conceito de “constituição” como “ordem do bem comum” (respublicam constituere), derivado do modelo jurídico -romano, será mais tarde aperfeiçoado, e está na origem do chamado conceito racional de constituição como “ordem jurídica fundamental do Estado”, orientada por determinados princípios, própria do conceito “modernista’ de constituição do início do “Constitucionalismo”. As constituições garantem mecanismos de protecção e manutenção da vida humana, dando direitos e deveres aos cidadãos. Os direitos podem ser objectivos e Subjectivos. Contudo, os direitos constitucionais, os chamados direitos e liberdades fundamentais, são os que representam a vida humana. EX: Direito a Saúde; Direito a Educação; Direito a habitação Direito ao meio ambiente; Direito a propriedade; Direito a herança; Direito a greve, Direito ao desporto; Direito do pensamento; Direito de criação; Direito a filiação, liberdade de Expressão, Liberdade de associação, entre outros direitos e liberdades. Termina o QUEIROZ (Ibid:p48) afirmando que “fica assim determinada a vinculação directa dos direitos fundamentais à ideia de constituição, o que conduz, no contexto do século XVIII,(…) assim, nas ciências jurídicas, o conceito da “constituição”, ao contrario das 35 ciências naturais, não se apresenta como um conceito descritivo, mas essencialmente normativo: prescreve um determinado comportamento, o de dar uma ordem política à sociedade. O Direito à Morte Para melhor se percebermos sobre a temática do direito à morte é preciso socorrermo-nos dos dispositivos legais existentes. Falar da morte é falar da dignidade da vida para obter a morte (Boa morte). Assim vejamos: Todo cidadão tem direito à vida e a integridade física e moral e não pode ser sujeito à tortura ou tratamentos cruéis ou desumanos. Nº1 do Artigo 40º da Constituição da Republica de Moçambique. A norma constitucional moçambicana demonstra, a priori, que este direito é geralmente para os nacionais. Ainda, o Estado (Artigo 11º da CRM) tem como objectivos fundamentais da sua constituição como Sociedade Política: (1) defesa da independência e da soberania (base de uma sociedade política referida ao longo da introdução deste artigo). Este objectivo é o motivo de sacrifícios que os associados fizeram para defender a vida humana até a independência do Estado sobre outros povos. (2) Consolidação da unidade nacional. Este objectivo é importante para a vida humana na medida em que, no processo da unificação das culturas, tribos, etnias e raças poderia perigar a própria vida humana, a razão do Estado, por vários motivos que passamos a indicar alguns: Conflito étnico-civilizacional dentro da sociedade moçambicana que levaria a um mal-estar, a uma insegurança e a uma permanente ameaça a personalidade humana; má percepção na organização e distribuição dos recursos; luta pelo poder na organização do Estado; Estes e outros motivos que poderiam perigar o Estado em geral e a personalidade humana em particular, o Estado optou por positivar este objectivo. (3) Edificação da sociedade de justiça social e a criação do bem-estar material, espiritual de qualidade de vida dos cidadãos; (4) promoção do desenvolvimento equilibrado, económico, social e regional do país; (5) a defesa e a promoção dos direitos humanos e da igualdade dos cidadãos perante a lei; (6) reforço da democracia, da liberdade, da estabilidade social e da harmonia social e individual; (7) promoção de uma sociedade de pluralismo, tolerância e cultura de paz; (8) o desenvolvimento da economia e o progresso da ciência e da técnica; (9) a afirmação da identidade moçambicana, das suas tradições e demais valores socioculturais; (10) o estabelecimento e desenvolvimento de relações de amizade e cooperação com outros povos e estados; Assim, os direitos fundamentais, ex-direitos naturais, moçambicanos são classificados como base da vida humana como: Direitos Especiais; Os direitos especiais são aqueles que, carecem de uma melhor atenção pelas características Vol. 1, Nº 01, Ano I, Setembro de 2014 próprias. Os sujeitos destes direitos são as crianças, os deficientes e os sobreviventes (os incapazes por idade ou por anomalias anatómico-psicopatológicos). Ex: os direitos da criança. Ao se regular os direitos da criança não significa que estas tenham duas vidas ou as suas vidas sejam mais importantes que as dos adultos mas a criança é assumida como incapaz de interpretar os direitos subjectivos como titular do direito objectivo. Uma criança precisa de suprir a sua incapacidade. Esta é suprida pela tutela do Estado. Porém, pela necessidade de um ambiente societal, enquanto portador da vida, necessita dos pais, encarregados de educação e seus familiares. A personalidade em geral e a vida humana em particular da criança fica ameaçada desde o nascimento, seguindo os conhecimentos empíricos e científicos em matéria da Psicologia do desenvolvimento do Erik Erikson, Jean Piaget e outros investigadores. Assim, uma vida mal vivida compromete a boa morte ou fere o Direito à Morte. Direitos deveres e liberdades; Estes direitos são aqueles que o cidadão procura usar para melhor se socializar no meio diversificado. O cidadão pode, quando assim entender, obter melhor informação, usando os meios que o estado/ sociedade possui como Exemplos, rádios, televisão, pode se expressar, logicamente com limites, denunciar a sociedade de qualquer fenómeno/facto que ameaça a vida humana, associar-se aos partidos políticos, entre outros. Direitos, liberdade e garantia individuais; Estes direitos são aqueles que, em defesa directa da vida humana, o cidadão procura antecipar das ameaças, criando assim mecanismos objectivos e, em caso de dano do seu bem jurídico encontra meios possíveis de compensação. Assim, o cidadão tem meios de seguranças em relação a sua vida. Na antiguidade, a vida humana equiparavase a de uma galinha, não havia nenhuma dignidade, tanto que se compara com a vida humana no absolutismo, autoritarismo governativo, entre outros sistemas de governação constitucional. Nesta constituição limita-se a autoridade do Estado na aplicação da lei criminal, responsabilização do Estado em caso de ilegalidades contra a vida humana, limites das penas e medidas de segurança, acesso aos tribunais, a defesa jurídica condigna, mecanismos de reclamação em prisões ilegais entre outros. O cadáver era tratado como se fosse um corpo de uma formiga, uma barata ou outros animais. Ainda hoje, a corpos (cadáveres) que vão às valas comuns, são expostos aos abutres, animais carnívoros e outros sem qualquer dignidade. Ferindo assim a dignidade do Morto. Por último, o Homem entendeu que é necessário estar em condições físicas, económicas, sociais e culturais para melhor defender a própria vida e preparar a sua morte. Assim vejamos: O direito a propriedade, a herança, ao trabalho, a educação, a Saúde, ao ambiente, a habitação condigna, a assistência na incapacidade por velhice, entre outros, faz parte directa da protecção 36 da dignidade humana na vida e na morte. O ser humano produz Maios e propriedade e quando morre os seus familiares ou Estado são herdeiros patrimoniais. Porém, há momentos em que a quando da sua vida não tenha construído um património aceitável ou tenha constituído dívidas. Cabe aos herdeiros cobrirem todas as suas responsabilidades e manter a sua dignidade humana (vida e morte). Ainda, cabe ao Estado valorizar todo ser humano, criando todas as condições de respeitabilidade do morto. Afastar todo tipo de vala comum e violação da personalidade humana. Todas mortes deve ser naturais e dignas, caso contrário ferem-se os direitos fundamentais, que por natureza provêm da vida e morte do homem. Segundo o nº1 do artigo 71º do CC moçambicano, os direitos de personalidade gozam de protecção depois da morte do respectivo titula. A legislação em apreço demonstra que a morte não faz cessar os direitos da personalidade. Isto é, o morto tem direito a dignidade, bom nome, confidencialidade, memórias, boa imagem, intimidade sobre os retratos da sua vida privada antes e depois da morte, Artigo 71º ss do CC. Segundo o nº1 do artigo 2133º do CC, a ordem por quem são chamados os herdeiros, sem prejuízo dos dispostos no título da adopção, é a seguinte: Descendentes; Ascendentes; Irmãos e seus descendentes; Cônjuge; Outros colaterais até ao sexto grau; Estado; Verifica-se aqui, que, a morte de um cidadão endividado ou abastado de património, o Estado faz parte que tem o direito e o dever sobre a vida do morto. O Estado tem, relativamente à herança, os mesmos direitos e obrigações de qualquer outro herdeiro. O artigo 2153º CC. Assim, o Estado deve liquidar dívidas de qualquer cidadão, declarado morto, devedor ou receber créditos e património depois de ser declarada herança vaga. Artigo 2155º CC12. No mundo dos vivos, o morto, os herdeiros representam os direitos como os tutores dos incapazes o fazem. Isto é, o morto tem direitos e deveres dos incapazes, inabilitados e interditados no mundo dos vivos. Porém, os direitos e deveres dos mortos no mundo dos mortos são percebidos e vividos pelos próprios. Exemplos dos animais no mundo dos animais, dos extraterrestres no mundo extra planeta terra. Conclusão Concluímos que a morte é um direito natural fundamental e as constituições e outras cartas devem respeitar este direito. A morte humana é o bem jurídico próprio do ser humano. É um direito irrenunciável e inalienável. Toda a matéria tratada na constituição, directa ou indirectamente surgiu para proteger o homem das ameaças ao direito de Morte digna. Ter uma boa vida é sinónimo de preparar uma boa morte. Vol. 1, Nº 01, Ano I, Setembro de 2014 Lei complementar em relação a constituição e Ordenaria na hierarquia das normas. Notas Referencia Bibliográfica 1 https://ubithesis.ubi.pt/bitstream/10400.6/1161/1/Tese% 20Nina%20Freitas.pdf 2 DINIS Almerinda (1989:148), Direito, Lisboa, Texto Editora. 3 DINIS Almerinda (Id:148); 4 Ibd 5 ibidem 6 DINIS Almerinda (1989:156), Direito, Lisboa, Texto Editora 7 Artigo 1o da Declaração dos Direitos de Virgínia de 1776. 8 Uma das características da norma jurídica. 9 Cfr Jorge Bacelar (2011:39) Manual de Direito Constitucional Coimbra, Almedina 10 Garcia de Enterria, Eduardo-La Constituición como norma Jurídica, in “Anuário de Direcho Civil”, Série I, n° 2, Madrid, Ministerio de Justicia y Consejo Superior de Investigaciones Cientificas, P. 292 ss. (Cit Paulo Ferreira da Cunha 2008:247) 11 Frase do Thomas Hobbes (S/d) 12 Todo código (Civil, Penal, Processual e outros) é uma 37 CANOTILHO, J.J. Gomes (2003) Direito Constitucional e Teoria da Constituição, 7ª Edição, Coimbra, Almedina; CHAVLOVSKI (2014) Medicina Legal, Escolar Editora, Lisboa. DINIS, Almerinda (1989), Direito, Lisboa, Texto Editora Da CUNHA, Paulo Ferreira (2008) Direito Constitucional Anotado, Lisboa, Editora Quid Juris GOUVEIA, Jorge Bacelar (2011), Manual de Direito Constitucional, Coimbra, 4ª Edição revista actualizada, Editora Almedina; MANDLATE, Filipe Código Civil: República de Moçambique, 3ª Edição, Plural Editora; MIRANDA, Jorge, (2000), Manual de Direito Constitucional Tomo IV, 3ª Edição, Coimbra, Coimbra Editora. QUEIROZ, Cristina (2010), Direitos fundamentais: Teoria geral, 2ª edição, Coimbra, Coimbra Editora; Código Civil moçambicano (1967) Constituição da República de Moçambique (2004), Plural Editora. Vol. 1, Nº 01, Ano I, Setembro de 2014 Resenha da Obra Paz, Conflito e Segurança de Rizuane Mubarak A obra “Paz, Conflito e Segurança” foi escrita pelo Prof. Msc. Rizuane Mubarak com a colaboração do Dr. José Bernardo Rafael. O autor é o actual Reitor do Instituto Superior de Ciências e Tecnologias Alberto Chipande e é doutorando em Educação: Inovação e Currículo pela Unipiaget Beira/Moçambique; Doutorando em Projectos de Energias Fosseis, pela Funiber, Mestre Em Relações Internacionais e Resolução de Conflitos Jurista/Criminalista e Docente de Direitos Fundamentais, Direito Constitucional e Retórica e Ética jurídica No ISCTAC- Moçambique. A obra foi publicada pela chancela da Escolar Editora. Trata-se da primeira obra escrita por um moçambicano que versa, exclusivamente, sobre os assuntos de paz, conflito e segurança, não obstante da existência de obras nacionais que discutem os referidos assuntos, mas de forma isolada e não nessa perspectiva de trinómio. Paz, conflito e segurança são três temas que sempre acompanharam a evolução do sistema internacional e o progresso da humanidade. A paz, na sua perspectiva mais alargada, é um condição social e política em que assegura a justiça e estabilidade social através de instituições formais e informais, práticas e normas e onde há redução da vviolência por meios pacíficos. O conflito refere-se a uma situação social que duas ou mais pessoas lutam, conscientemente, para a obtenção, ao mesmo tempo, de recursos escassos. Já a segurança significa coisas diferentes para pessoas diferentes, mas os estudiosos desse campo referem que ela tem que ver com a ausência de ameaças contra valores centrais de um referente de segurança. A obra discute a relação que se pode estabelecer entre a paz, o conflito e a segurança com vista a manutenção da paz onde são apresentadas de forma pro- funda a relação entre a paz, a violência, segurança e desenvolvimento, aspectos que fazem parte dos temas centras discutidos na mesma. Nas discussões levantadas ao longo do texto, o autor estabelece um claro distanciamento da dicotomia simplista que confundem conflito e manifestações da violência, dando uma clara visão do mesmo através de um debate conceptual apurado, as teorias e as perspectivas apresentadas. Neste contexto, dentre as perspectivas de interpretação, estruturações e resolução do conflito, o destaque vão para a perspectiva Mundho e Wanthu que trata da operacionalização da concepção do conflito e sua resolução tendo em conta as bases epistemológica e axiológicas da cultura banto. A preocupação por sistematizar e apresentar os contornos da origem, conceitos e teorias sobre o conflito e a paz, a presentação da visão integral da segurança e as suas respectivas escolas, bem como a sua relação com o desenvolvimento faz da obra uma referência para os estudantes, investigadores e tomadores de decisões nos domínios da paz, conflito e segurança. Os mecanismos de prevenção, gestão e resolução de conflitos de forma pacífica apresentados na obra faz da mesma uma referência para os líderes comunitários e gestores de instituições que lidam no seu dia-a-dia com situações de conflitos. O prefácio da Obra foi redigido pelo Prof. Dr. Damião Cardoso que é docente e investigador da Faculdade de Ciências Económicas do ISCTAC. Referências Mubarak, Rizuane (2014), Paz, Conflito e Segurança, 1ª Edição, Escolar Editora, Maputo. 38 Vol. 1, Nº 01, Ano I, Setembro de 2014 A Revista Científica do ISCTAC é um veículo informativo do Instituto Superior de Ciências e Tecnologia Alberto Chipande – ISCTAC com tiragem trimestral que se destina a servir de foro livre para a apresentação e publicação de conhecimentos e ideias inovadoras sobre os diversos temas candentes da sociedade moçambicana e internacional, tendo em conta as linhas de pesquisa do ISCTAC e outras áreas afins. As opiniões expressas ou insinuadas nesta revista pertencem aos seus respectivos autores e não representam, necessariamente, as do ISCTAC ou qualquer outro órgão da instituição. Os artigos que constam desta edição podem ser reproduzidos no todo ou em parte, para fins académicos, desde que a revista e o autor sejam citado como fonte. 39 O Instituto Superior de Ciências e Tecnologia Alberto Chipande é uma instituição de ensino superior de Direito Privado, dotada de autonomia financeira, pedagógica e administrativa, juridicamente reconhecida pelo Decreto 27/2009 e publicado no BR nº 32 série I de 12 de Agosto de 2009. Tem a sua sede na Cidade da Beira - Sofala, Av. Correia de Brito nº 952 , e Delegação na cidade de Pemba e Maputo. O ISCTAC oferece cursos de Licenciatura (1º ciclo) e Mestrados Integrado (2º ciclo) nas seguintes áreas: Ciências Jurídicas e Investigação Criminal, Ciências Económicas, Ciências Políticas e Sociais, Ciências de Saúde, Ciências Agrárias e Ciências Tecnológicas. Cada uma das áreas de formação citadas acima é constituída por uma estrutura bietápica, contemplando um tronco comum onde durante 3 anos (1º ciclo) se providência uma formação básica em várias ciências, que culminará deste modo com a obtenção do grau de Licenciatura. O 1º ciclo dá acesso imediato ao 2º ciclo (mestrado integrado), onde durante (1,5 à 2 anos) se realiza o processo que culminará com formação atribuindo o grau de Mestre. INSTITUTO SUPERIOR DE CIÊNCIAS E TECNOLOGIA ALBERTO CHIPANDE Rua Correia de Brito n˚ 952, Tel. +25823320794 40- Moçambique Cidade da Beira