REVISTA CIENTÍFICA DO ISCTAC

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REVISTA CIENTÍFICA DO ISCTAC
REVISTA CIENTÍFICA DO ISCTAC
Propriedade do ISCTAC
Vol. 01, Ano I, Edição Nº 01, Setembro de 2014
Registo: Nº 82/GABINFO-DEC/2014
www.isctac.org
Email: [email protected]
DESTAQUES

Desafios do Modelo de Crime Como Ofensa ao Bem Jurídico no Direito Penal
Contemporâneo

RAPTO: Modus Operandi, Consequências à Prevenção – Uma Perspectiva
Moçambicana

Breve Ensaio Sobre Evolução Histórica e Política das Relações Entre China e
o Mundo em Desenvolvimento

Dimensões Psicológicas da Paz e da Guerra

Direito à e da Morte: Omissos Pelas Constituições

Resenha da Obra: Conflito, Paz e Segurança de Rizuane Mubarak
INSTITUTO SUPERIOR DE CIÊNCIAS E TECNOLOGIA ALBERTO CHIPANDE
Rua Correia de Brito n˚ 952, Tel. +25823320794
Cidade da Beira - Moçambique
REVISTA CIENTÍFICA DO ISCTAC
Ano I
Volume 1
Número 01
Setembro de 2014
Director da Revista
Msc. Júlio Taimira Chibemo
[email protected]
Editor da Revista
Msc. Emílio J. Zeca
[email protected]
Registo Nº 82/GABINFO-DEC/2014
Propriedade:
Instituto Superior de Ciências e Tecnologia Alberto Chipande
Rua Correia de Brito, Nº 952
Cidade da Beira - Moçambique
revistacientí[email protected]
www.isctac.org
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Vol. 1, Nº 01, Ano I, Setembro de 2014
REVISTA CIENTÍFICA DO ISCTAC
Vol. 01, Ano I, Edição Nº 01
Ficha Técnica:
Propriedade: ISCTAC
Director: Msc. Júlio Taimira Chibemo
Editor: Msc. Emílio J. Zeca
Redacção: Prof. Dr. Fabio Roberto
D’Avila, Msc. Paulo Sandro Sousa,
Prof. Dra. Anna Carletti, Prof. Msc.
Rizuane Mubarak e Msc. Emílio J. Zeca
Distribuição: ISCTAC
Beira, Setembro de 2014
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Vol. 1, Nº 01, Ano I, Setembro de 2014
NOTA EDITORIAL
D
iversos factos, fenómenos, marcos e eventos demarcam um determinado contexto
e tornam-se dignos de realce e nota, no
percurso de crescimento, consolidação e
afirmação de uma instituição. No processo do desenvolvimento e consolidação do Instituto Superior
de Ciências e Tecnologias Alberto Chipande, o aparecimento, em público, em Setembro de 2014, a Revista Científica representa um marco, no conjunto
de realizações da instituição.
A Revista Científica do ISCTAC de publicação trimestral aparece com um veículo de comunicação que pretende ser um modesto subsídio à formação de uma cultura académica, na Cidade da
Beira, em particular, e em Moçambique, no geral,
vinculando pontos de vistas e posicionamentos dos
docentes, discentes, investigadores e público em
geral sobre aspectos da vida nacional e internacional. O número de registo atribuído ao Boletim à Revista Científica do ISCTAC é: Registo Nº 82/GABINFODEC/2014.
Os textos apresentados nesta edição são fruto da reflexão dos investigadores e docentes do ISCTAC, as comunicações apresentadas no IIº Congresso de Criminalística realizado na Cidade da Beira entre os dias 16 e 18 de Julho de 2014, o texto da Prof.
Dra Anna Carletti da UFRGS do Brasil e a resenha da
obra Paz, Conflito e Segurança.
Aguardamos dos prezados leitores a vossa
estimada colaboração com críticas, sugestões e
contribuições positivas e oportunas para a renovação do Boletim o Mensal.
O Editor
Emílio J. Zeca
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Vol. 1, Nº 01, Ano I, Setembro de 2014
DESAFIOS DO MODELO DE CRIME COMO OFENSA AO BEM
JURÍDICO NO DIREITO PENAL CONTEMPORÂNEO
Fabio Roberto D’Avila
Doutor em Ciências Jurídico-Criminais pela Universidade de Coimbra (Portugal), Pós-Doutorando pela Johann
Wolfgang Goethe Universität (Frankfurt am Main – Alemanha), Professor Titular de Direito Penal da Faculdade de Direito da
PUCRS e do Programa de Pós-Graduação em Ciências Criminais (Mestrado e Doutorado) da PUCRS, Brasil.
Contato: [email protected]
Resumo
O modelo de crime como ofensa ao bem jurídico encontra no direito penal contemporâneo um ambiente
hostil, muito embora, em um aparente paradoxo, também um dos espaços de juridicidade em que mais tem a
oferecer. Trata-se de uma projeção principal de base político-ideológica que reflete uma forma de pensar o
direito penal e o fenômeno criminoso não só adequada, mas até mesmo intrínseca ao modelo de Estado
democrático e social de Direito, e que, uma vez recepcionada constitucionalmente, quer no âmbito dos
princípios, quer no âmbito das regras constitucionais, torna a ofensa a bens jurídico-penais exigência
indeclinável à legitimação de todo e qualquer ilícito penal.
crime como violação de um dever, marca mais saliente
de ordenamentos penais autoritários. Problema que
tende ainda a se agravar em países em
desenvolvimento, como é o caso de Brasil e
Moçambique, por meio do uso populista e irresponsável
das leis penais. Leis no lugar de políticas públicas. Como
se a lei, por si só, fosse capaz resolver problemas sociais,
melhorar a qualidade de vida e reduzir os índices de
criminalidade.
Neste preciso horizonte de coisas, um voltar de
olhos à questão do conceito material de crime (i.e., o
que é ou poder vir a ser um crime) e dos limites de
legitimidade do direito penal (até onde pode avançar
os domínios de um direito penal não autoritário)
apresenta-se como tarefa irrenunciável em qualquer
Estado democrático de direito. E diferente não é entre
nós.
O direito penal brasileiro, neste âmbito,
nitidamente influenciado pela tradição penal
portuguesa1, alemã2 e italiana3, sempre manifestou-se
tendo por base a denominada teoria do bem jurídico
(Rechtsgutstheorie), cujas raízes remetem ao direito
penal alemão, e a doutrina italiana do crime como
ofensa a bens jurídicos; ambas a destacar a
importância do resultado jurídico na constituição do
ilícito penal: crime é o fato culpável ofensivo a bens
jurídico-penais.
Mais recentemente, por ocasião dos trabalhos de
reforma do Código Penal brasileiro de 1984, e na linha
do que está a ocorrer no movimento de reforma do
Código Penal italiano, o conceito material de crime é
elevado à posição central da nova legislação. A
Comissão de Reforma do Código Penal decidiu por
consolidar a noção de ofensa a bens jurídicos como
elemento material indispensável à ideia de crime,
1. Considerações Introdutórias
V
ivemos tempos de mudança. Independente
de como se pretenda definir a sociedade
atual, certo é que estamos a vivenciar
transformações
sociais
de
incomum
velocidade e profundidade. O nosso tempo é marcado
pelo aumento da complexidade das relações sociais,
pelo surgimento de novos espaços de conflitualidade e
por uma intensa crise de referenciais.
Em momentos como este, a expansão do direito
penal é um fenômeno absolutamente natural e
previsível. Se há novos espaços de conflitualidade (meio
ambiente, informática,
genética,
entorpecentes,
terrorismo, mercado de valores, dentre tantos outros), é
de se esperar o avanço regulatório do direito e, daí
também, do direito penal. Avanço que se dá
normalmente, embora não só, na forma de leis
especiais, usualmente denominadas de direito penal
secundário (em referência à expressão alemã
Nebenstrafrecht), a gravitar em torno do Código Penal.
Esta forte expansão do direito penal é, por si só,
preocupante. Contudo, o que mais preocupa a ciência
penal contemporâneo não é o simples fato de haver
“mais direito penal”, e sim a conformação que este
“novo” direito penal passa a assumir.
Percebe-se uma significativa flexibilização, senão
mesmo afastamento, dos princípios reitores do direito
penal clássico, em prol de uma espécie de
“administrativização” do direito penal, de um direito
penal submetido, de forma ampla e franca, aos mais
variados interesses da administração pública. O
conceito de crime, ainda que no seio de Estados
democráticos, passa a encontrar fundamento na ideia
de mera violação de um dever, no odioso modelo de
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Vol. 1, Nº 01, Ano I, Setembro de 2014
mediante expressa previsão legislativa. Em sua última
versão, estabelecida pelo Substitutivo do Senado4, ora
em tramitação no Congresso Nacional, a proposta de
redação para o novo artigo 14 do Código Penal ficou
assim definida: “Art.14. A realização do fato criminoso
exige ação ou omissão, dolosa ou culposa, que produza
lesão ou risco de lesão a determinado bem jurídico.”
Se aprovado o Projeto de Reforma, não se estará a
inaugurar um referencial material novo para o direito
penal brasileiro. Contudo, a noção de crime como
ofensa a bens jurídicos ganhará muito em densidade e
importância, (re)colocando antigos e novos problemas.
Problemas que vão desde o efetivo significado
dogmático e político-criminal da adoção do modelo de
crime como ofensa a bens jurídicos, passando pela sua
derrogabilidade, até o enfrentamento de problemas
dogmáticos pontuais, como, v.g., a controvertida
legitimidade de (i) crimes de perigo presumido, da (ii)
criminalização de atos meramente preparatórios e de (iii)
condutas ofensivas a interesses do próprio autor
(autolesão/autointoxicação).
Não há dúvida de que valor dogmático do
modelo de crime como ofensa a bens jurídicos depende
da compreensão que se tenha tanto da noção de bem
jurídico, como da noção de ofensividade. Daí que – e
não poderia ser diferente – a reflexão a que nos
propomos tenha de optar por um ou outro caminho,
embora indissociáveis em seu entendimento como um
todo, para que possamos avançar algumas reflexões
sobre o tema. O estudo da teoria do bem jurídico, por
essa razão, não poderá ter espaço neste breve escrito,
senão na forma de algumas notas, com o objetivo de
viabilizar o estudo da ofensividade, esta sim, objeto do
nosso cuidado. A ofensividade como fenômeno jurídico
que pressupõe o bem jurídico, mas que possui, em si
mesma, consistência suficiente para servir de objeto de
investigação, é que tomaremos como centro da reflexão
que segue.
idêntica separação de tarefas e âmbito de atuação. À
Igreja competiria o pecado, a maldade, os vícios,
enfim, o homem em suas dimensões interna e externa.
Ao Estado, por outro lado, sem qualquer pretensão de
interferir no modo de ser humano, na sua postura
interior ou no seu modo de pensar10, competiriam as
intervenções do homem no mundo, ou, mais
propriamente, as ações humanas externas causadoras
de um dano à Nação11. O conteúdo de vontade
expresso em uma ação externa e concretizado em um
dano à Nação era, pois, o fenômeno criminoso em sua
emergente compreensão laica. Fenômeno que,
embora conformado pelo conteúdo de vontade,
encontrava na objetividade do dano a pedra angular
do seu conteúdo de desvalor. Não por outra razão,
Beccaria,
em
célebre
passagem,
embora
resguardando um importante papel ao dolo e à culpa
na constituição do crime, sublinha, de forma
categórica, que “a única e verdadeira medida dos
delitos é o dano causado à nação, e por isso erraram
aqueles que acreditaram como verdadeira medida
dos delitos a intenção de quem os comete”12.
Esse dano de que nos fala Beccaria, capaz de
representar com singular eloqüência a medida do
crime, em contraposição a juízos acentuadamente
subjetivistas e moralistas, ascende como marca do
primado objetivista do ilícito penal no período
iluminista. Para Beccaria, não haveria legitimidade em
criminalizar condutas que prejuízo algum causassem à
comunidade. O dano como medida do crime assumiase, assim, como elemento central do fenômeno
criminoso, mas também como elemento crítico de
criminalização13, preenchendo um importante papel
na realização das aspirações ilustradas de contenção
e validação do poder punitivo do Estado, através da
imposição de vínculos objetivos de legitimidade.
Contudo, nesse momento histórico, falar-se em tutela
de bens jurídicos em sentido estrito, não era ainda
possível.
O ilícito penal do período iluminista erigia-se,
não a partir da noção de bem jurídico, mas sim da
noção de direito subjetivo. Em verdade, o direito
subjetivo, para usar as palavras de Sgubbi, “representa
a anima da concepção de mundo própria do
liberalismo clássico”14. O contrato social substitui a
matriz divina do Estado e da sociedade por uma matriz
meramente terrena, na qual o direito subjetivo surge
como eixo central, capaz de sustentar e promover os
princípios de liberdade e igualdade, para além de
outros princípios estruturantes da visão de mundo
liberal, de modo a propiciar as condições
fundamentais de vida em sociedade15. A consideração
do direito subjetivo de cada um diante do direito dos
demais permite traçar simultaneamente os limites de
liberdade garantidos pela ordem jurídica e o início do
seu exercício arbitrário, violador de direitos alheios, o
que, considerado em conjunto, confere a cada
indivíduo um determinado Lebenskreis (âmbito de
vida), demarcador da fronteira entre o lícito e o ilícito,
entre a violação e a não-violação de direitos subjetivos
alheios, de modo que, neste preciso cenário, outra não
poderia ser a essência do crime, senão a violação do
Lebenskreis, ipso facto, a violação de um direito
subjetivo16.
Tal forma de compreender o crime pode ser
2. Do Pecado ao Crime: Elementos
Históricos sobre o Surgimento do Modelo
de Crime como Ofensa ao Bem Jurídico
A distinção entre crime e pecado é, sem dúvida
alguma, um dos momentos de maior importância na
gênese do direito penal moderno. Muito embora já se
possa perceber no trabalho de um dos mais
importantes juristas do séc. XVI, o Tractatus Criminalis do
italiano Tiberius Decianus5, um detido exame dos
conceitos de peccatum, delictum e crimen6, é a partir
do jusnaturalismo de autores como Christian Thomasius7
e, principalmente, da obra epocal de Cesare
Beccaria, dei Delitti e delle Pene (1764), que o crime
ganha autonomia em relação ao pecado, em uma
virada que assinala o nascimento do direito penal
secularizado. Não mais enquanto pecado, mas como
fato danoso à sociedade é que o crime assume o lugar
central no âmbito da nascente ordem penal
dessacralizada8.
No período pré-iluminista, o ilícito penal
movimentava-se em uma dimensão acentuadamente
teológica. Crime e pecado confundiam-se. Era nada
mais que violação da vontade de Deus9. A separação
entre Estado e Igreja, entretanto, implicou uma
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Vol. 1, Nº 01, Ano I, Setembro de 2014
surpreendida, em sua mais forte expressão, na célebre
obra de Anselm von Feuerbach, a quem se pode
atribuir a primeira tentativa frutuosa em obter um
“conceito material de crime, transcendente e crítico
face ao direito penal vigente”17. Já no início de seu
Lehrbuch des peinlichen Rechts (primeira edição de
1801), Feuerbach assinala, como o mais importante
princípio de direito penal, que toda pena aplicada
pelo Estado é “a conseqüência jurídica de uma lei
fundamentada
através
da
necessidade
de
conservação de direitos alheios, e que ameaça a
violação de um direito com um mal sensível” (§19)18,
concluindo que, por crime, em sentido amplo, dever-se
-ia entender a “a ofensa contida em uma lei penal, ou
uma ação que, sancionada por uma lei penal,
contraria o direito de outrem” (§21)19. Fortemente
influenciado pelo pensamento kantiano, Feuerbach
nega legitimidade à utilização do direito penal como
instrumento
de
persecução
de
finalidades
transcendentes, quer de fundo religioso, quer
estabelecidas no bem comum20. A existência e
finalidade do Estado justificam-se na proteção das
liberdades, na prevenção da violação de direitos
subjetivos, e só com este fim, somente para a proteção
de direitos subjetivos da atuação de ações externas, é
que se legitima a competência do legislador21.
Percebe-se, assim, que Feuerbach não deixa de
se ocupar da danosidade social de que nos fala
Beccaria, mas o faz de forma particularizada. A
dimensão social do dano é trazida indiretamente e, por
isso, com prejuízo de sua autonomia22, para o centro
de desvalor do crime, através da violação de um
direito subjetivo. Como bem observa Amelung, a lógica
contratualista indica não só as diretrizes normativas do
direito penal, como descreve aquilo que é prejudicado
pela ação socialmente danosa. Ou seja, socialmente
danosa é a conduta que desorganiza a ordem posta
pelo contrato, violando direitos individuais ou do Estado
como pessoa moral23, erigidos a partir de uma
orientação individualista24. E, nesta medida, o direito
subjetivo torna-se o objeto jurídico da proteção
normativa, implicando uma conseqüente leitura da
ofensividade a partir da sua violação.
Todavia, muito embora o crime como violação
de um direito subjetivo tenha proporcionado um
importante contributo em prol da elaboração e
afirmação de um conceito material de crime,
acentuadamente crítico em relação ao direito penal
vigente – o que se percebe com especial clareza no
que tange aos crimes contra a religião e aos crimes
contra a moral sexual, incapazes de representar uma
qualquer violação a um direito subjetivo25 –, a
concepção apresentava também limitações de difícil
solução, nomeadamente no que se refere à sua
capacidade explicativa e ao conteúdo de
ofensividade que pretende expressar.
Reconhecer, para além da violação de um
direito subjetivo do indivíduo, também a violação de
um direito subjetivo do Estado como um fato criminoso,
é algo não só possível, mas presente no pensamento
de autores como Feuerbach – razão de ser, inclusive,
da distinção entre crimes privados e crimes públicos,
respectivamente –, agora, admitir, na esfera das
condutas violadoras de direitos subjetivos, crimes
como, v.g., a falsidade, atentados contra a
incolumidade pública ou contra a ordem pública, cuja
legitimidade não era posta por ninguém em questão,
era ir longe demais26. Estaríamos, bem observam
Marinucci e Dolcini, ou diante de uma categoria de
crime marcada pela ausência de violação de um
direito subjetivo, ou desnaturando a própria noção de
violação, ao admitir, na hipótese de valores em que
não é possível identificar o titular em um determinado
sujeito (v.g., valores coletivos, sociais, etc.), um direito
subjetivo sem sujeito27.
Para além disso, também a própria noção de
ofensividade apreensível na violação de um direito
subjetivo é, em si mesma, equivocada. Quando
alguém lesiona a integridade física de outrem ou
subtrai para si bens móveis alheios, não suprime ou
lesiona o direito subjetivo em questão. Ele se mantém
intacto, nada sofre com a agressão, pois, em verdade,
a ofensa nada pode causar ao direito, mas, sim,
apenas ao seu objeto. É o próprio objeto do direito, isto
é, a vida, a honra, a integridade física, o patrimônio, e
não o direito em si, que sofre a ação criminosa, que
pode, enfim, ser objeto e expressar o efetivo conteúdo
de desvalor da ofensa28. Surgiam, portanto, aos
poucos, os elementos que iriam propiciar uma nova
compreensão do conteúdo material do crime, que
iriam propiciar o surgimento do modelo de crime como
ofensa a bens jurídicos.
A teoria da proteção de bens jurídicos (Lehre
vom Rechtsgüterschutz) tem o seu primeiro
desenvolvimento em um conhecido escrito de
Birnbaum (1834), no qual o autor afirmava que o
conteúdo do crime deveria ser buscado, não na
violação de direitos subjetivos, mas na ofensa a valores
assim reconhecidos pela sociedade29, isto é, na ofensa
a bens protegidos pela norma30. Para Birnbaum, o
crime deveria ser reconhecido na “lesão ou pôr-emperigo, atribuível à vontade humana, de um bem a
todos garantido igualmente pelo poder do Estado”31.
Uma formulação que põe em destaque a incipiente
noção de bem jurídico como objeto de proteção da
norma penal incriminadora. Mas não só. Também a
emergente noção de ofensividade em suas duas
formas fundamentais, dano e perigo, encontram-se já
delineadas na proposta de Birnbaum.
Em verdade, tal qual a teoria da violação de um
direito subjetivo, a teoria da proteção de bens jurídicos
também encontra a sua origem na concepção
iluminista de dano social, em que pese com ela não se
confundir. Não se trata, como bem salienta Amelung,
de diferenças meramente descritivas, isto é, ao invés
da violação de um direito subjetivo, teríamos a
violação de um bem jurídico, o que, no entanto, por si
só, já representaria um significativo ganho teórico e
prático32. Há também diferenças normativas de grande
significado. Embora possamos afirmar que a maior
parte dos bens jurídicos reconhecidos pela ordem
jurídico-penal sejam oriundos dos direitos subjetivos em
ascensão33, não houve, de início, uma preocupação
em restringi-los ao âmbito dos direitos individuais.
Birnbaum, inclusive, propôs o conceito de Gemeingut
(bem comum), ao qual subsumia convicções morais e
religiosas da comunidade34, em total dissonância com
as aspirações que norteavam os ideais iluministas,
tornando controvertida, até hoje, a idéia de um
possível aumento do âmbito de punibilidade penal
7
Vol. 1, Nº 01, Ano I, Setembro de 2014
com o advento da noção de bem jurídico35.
Certa ou não, não é o que aqui importa, a mera
possibilidade de admitir-se uma ampliação do espaço
de intervenção penal a partir do conceito de bem
(jurídico) de Birnbaum coloca em evidência as então
incipientes dimensões fundamentais da teoria do crime
como ofensa a bem jurídicos, o objeto de tutela da
norma e as formas de sua violação, ou, se assim
preferirmos, o bem jurídico e a ofensividade, permitindo,
desde então, antever muito dos problemas que os
acompanhariam durante a sua trajetória jurídicodogmática. A ofensividade, mesmo que concebida tal
qual a temos, a partir de uma perspectiva ontoantropológica, pode ter seu conteúdo de garantia
suprimido em razão de sua natureza relacional,
dependendo do conteúdo que é atribuído à noção de
bem jurídico. Da mesma forma que o bem jurídico pode
representar nada mais que um elemento de inspiração
legislativa, desprovido de qualquer potencial crítico, se
abrirmos em demasia os limites da ofensividade. Daí não
percebermos o estudo da ofensividade em uma posição
dicotômica em relação à teoria da proteção de bens
jurídicos36, mas como dimensão insuprimível desta, que
precisa ser desenvolvida a partir da sua compreensão e
delimitação, para que possamos assim, e somente assim,
obter a totalidade do potencial explicativo e heurístico
da teoria do crime como ofensa a bens jurídicos.
Até
alcançar
a
conformação
crítica e
transistemática de base constitucional que tem hoje o
bem jurídico, muitos foram os momentos em que teve
enfraquecida e até mesmo suprimida a sua capacidade
de legitimação (crítica) da intervenção jurídico-penal
incriminadora. Já em sua primeira elaboração, como
vimos, Birnbaum permite uma abertura através da qual
eram resgatados valores transcendentais de base
puramente moral ou religiosa37. Binding, em acentuado
positivismo, supervaloriza o processo legislativo na
formulação do bem jurídico, restringindo-o a uma
relação de total e inquestionável conformidade com a
norma. O bem jurídico, limitado unicamente à lógica e
às considerações próprias do direito, encontra na norma
o seu referencial de validade, o seu próprio fundamento,
suprimindo desta relação qualquer possível foco de
tensão38. Honig, ainda em uma compreensão intrasistemática, com o seu conceito metodológico, esvazia o
conteúdo liberal de garantia do bem jurídico, relegandolhe apenas uma modesta função de orientação na
interpretação do tipo39. E, para ficarmos em apenas
alguns exemplos, já agora em uma outra perspectiva, a
própria experiência jurídico-penal da Alemanha
Nacional-Socialista, na qual o ilícito penal como
expressão extrema de autoritarismo assume a forma de
uma mera violação de dever (Pflichtverlezung), uma
simples desobediência aos deveres impostos pelo Estado,
não excluiu, de pronto, a noção de bem jurídico. Embora
estranha ao pensamento da Escola de Kiel (Schaffstein e
Dahm), para a qual o bem jurídico era a representação
forte de um indesejado legado liberal-individualista,
Schwinge e Zimmerl propugnavam uma concepção de
bem jurídico supra-individual, representativa dos valores
da Alemanha nazista, que, por este exato motivo, em
nada prejudicava o eticismo despótico característico da
compreensão nacional-socialista de crime40.
Não há dúvida, portanto, de que de nada vale
falar em ofensividade como limite material da
incriminação se não partirmos de um conceito de bem
jurídico-penal que propicie uma tal construção teórica.
Hoje, todavia, a significativa e crescente aceitação de
leituras constitucionais do bem jurídico-penal, tanto no
Brasil como no exterior, em uma perspectiva
transistemática, permite-nos confiar em um terreno já
suficientemente delimitado e seguro, para que possamos
avançar algumas linhas sobre a ofensividade em direito
penal.
3. Sobre a Fundamentação
Constitucional da Ofensividade
A estreita relação entre os modelos de crime e os
modelos de Estado, claramente percebida em uma
perspectiva histórica, revela elementos significativos
sobre uma maior ou menor dificuldade de assimilação
de certas formas de estruturação do ilícito penal,
servindo, no mais das vezes, como índice confiável de
autoritarismo penal. Da mesma forma que o
fortalecimento da compreensão do crime como mera
violação dos deveres impostos pelo Estado, em uma
política-criminal de exaltação dos vínculos éticos de
fidelidade e obediência durante o nacional-socialismo,
muito tem a dizer sobre a relação Estado-cidadão na
Alemanha Nazista, também o modelo de crime como
ofensa a bens jurídico-penais pretende refletir e
concretizar linhas ideológicas comuns à grande maioria
dos Estados ocidentais contemporâneos. Em verdade,
podemos dizer que o modelo de crime como ofensa a
bens jurídicos em sua vertente principiológica, o
denominado Princípio da Ofensividade é, antes de
qualquer coisa, uma projeção principial de base políticoideológica que reflete uma forma de pensar o direito
penal e o fenômeno criminoso não só adequada, mas
até mesmo intrínseca ao modelo de Estado democrático
e social de Direito.
Muitas são, nesta perspectiva, as linhas de força
axiológicas que poderiam ser invocadas como
elementos fundantes de tal orientação política do
Estado. Mas, primando pela simplicidade de exposição e
atento aos limites deste breve escrito, poderíamos dizer
que indiscutível nessa precisa forma de ver as coisas está
o comprometimento forte do Estado para com os direitos
e garantias fundamentais. Um Estado que se quer nãoliberticida, autoritário, intolerante, mas sim, laico, plural e
multicultural, erigido a partir da diferença e com ela
comprometido, em que não há espaço para
perseguições de credo, cor ou classe, em que não se
punem pessoas ou grupos, mas apenas fatos41. Enfim, um
Estado em que todos, absolutamente todos, podem
valer-se da condição de cidadãos e, assim,
resguardados pela totalidade dos direitos e garantias
constitucionais, resistir às manifestações de inaceitável
autoritarismo que, sazonalmente, quer por razões de
cunho meramente pragmático, quer por razões
ideológicas, insistem em tentá-lo42.
Elementos, portanto, fortemente recepcionados
tanto pela Carta Constitucional brasileira de 1988,
inclusive em seu próprio preâmbulo43, como pela
Constituição da República de Moçambique de 2004,
em seus artigos 3, 11, 12 e 35:
Artigo 3 (Estado de Direito Democrático): “A República de
Moçambique é um Estado de Direito, baseado no pluralismo
8
Vol. 1, Nº 01, Ano I, Setembro de 2014
admita ser ponderada com outros valores, está longe de
admitir uma ponderação irrestrita. Há aqui a inclusão de
uma “cláusula restritiva referida a princípios”, decorrente
da vinculação de ambos os planos – regras e princípios –
que admite o balancing, porém o faz impondo
determinadas exigências para que o conteúdo rígido de
regra não seja violado47.
Toda previsão legislativa de um tipo penal
incriminador, se bem a vemos, é o resultado da
ponderação de valores na qual o direito fundamental à
liberdade é restringido em benefício da conservação de
outros valores de fundamental relevo em sociedade
(liberdade versus patrimônio, versus integridade física,
versus honra, etc.), mesmo que se trate de uma
liberdade meramente potencial, como ocorre na
restrição da liberdade em prol da tutela da vida, nos
crimes contra a vida48. E, se isso é correto, mostrar-se
inaceitável a restrição do direito fundamental à
liberdade em benefício da obtenção de meros interesses
político-criminais de organização e regulamentação
social.
Para a sua restrição, é preciso atender não só a
uma exigência formal de hierarquia normativa que limita
a ponderação a bens com dignidade constitucional –
referência mesmo que indireta na Constituição – como a
uma necessária compatibilidade axiológica que
justifique a restrição, para além, é certo, de um juízo de
necessidade de tutela. Enfim, exigências que descartam
a ponderação com interesses que sequer possam ser
reconhecidos como um bem jurídico-penal, pois, afinal,
seria no mínimo contraditório o reconhecimento
constitucional do direito inviolável à liberdade
simultaneamente à criminalização fácil e irrestrita do seu
exercício49. A proteção jurídico-constitucional do direito à
liberdade – como também da dignidade da pessoa
humana que, por sua vez, veda a instrumentalização do
homem em benefício de meros interesses administrativos
– impede, por tudo isso, o alargamento da tutela penal
para além dos casos em que o seu exercício implique a
ofensa a outros bens jurídicos em harmonia com a ordem
constitucional50.
Por estas, entre outras razões, é a ofensividade
uma inafastável exigência para a legitimidade do ilícito
penal na ordem jurídico-penal brasileira, após a
Constituição Federal de 1988. E não parece ser diferente
no espaço constitucional moçambicano. Muito pelo
contrário. O art. 56, 2. da Constituição da República de
Moçambique mostra-se contundente neste sentido:
de expressão, na organização política democrática, no
respeito e garantia dos direitos e liberdades fundamentais
do Homem”.
Todavia, a falta, muitas vezes, de patamares
mínimos de racionalidade e univocidade da política
criminal em países em desenvolvimento faz com que se
sinta mais acentuadamente a insuficiência de diretrizes
meramente político-ideológicas e, daí, a conseqüente
necessidade de vínculos positivos. A dissonância entre a
prática político-criminal levada a cabo pelo Estado e
aquela esperada a partir dos compromissos políticojurídicos assumidos pela Constituição demonstram a
necessidade de trabalharmos com critérios positivos,
capazes de conferir limites razoavelmente seguros para
os processos de criminalização e descriminalização. E
mais. A necessidade de trabalharmos com critérios
constitucionais suficientemente aptos a delimitar
adequadamente
os
processos
legislativo
e
hermenêutico-aplicativo. Em outras palavras. Importa
saber se o modelo de crime como ofensa a bens
jurídicos é ou não uma exigência constitucional.
No Brasil, este é um tema controverso. Temos
sustentado, na linha de importante doutrina e
jurisprudência italianas, a constitucionalidade de tal
exigência. Parece-nos possível encontrar elementos que
justifiquem a sua constitucionalidade tanto em âmbito
puramente principiológico como, e principalmente, à luz
das regras constitucionais.
Partindo de um ordenamento constitucional
fundado na inter-relação de regras e princípios44,
podemos, mediante a admissão de uma proposição de
ordem e paz a cargo do Estado de Direito45, reconhecer
um princípio geral fundamental de tutela de bens
jurídicos, densificador do princípio estruturante do Estado
de Direito. Pois é exatamente desse princípio geral de
tutela de bens jurídicos que decorre tanto o princípio
geral de garantia representado pela necessária ofensa,
como o princípio constitucional impositivo, representado
pela intervenção penal necessária, o que significa dizer
que ambos estão submetidos ao âmbito normativo do
princípio originário, não admitindo uma conflitualidade
que extrapole os limites da tutela de bens jurídicos, ou
seja, que toda incriminação que vá além dos limites da
ofensividade não corresponde a um interesse políticocriminal legítimo, eis que estaria fora do âmbito de
proteção do seu princípio conformador46.
Por outro lado, não é sob uma ótica estritamente
principiológica, mas a partir das regras constitucionais –
ou, mais precisamente, das normas constitucionais de
“caráter duplo” (Doppelcharakter) – que a ofensividade
alcança o seu momento de maior concreção legislativoconstitucional. No seguimento da teoria dos direitos
fundamentais de Alexy, devemos reconhecer que tanto
a norma constitucional que prevê a inviolabilidade do
direito à liberdade (art.5.º CF brasileira) como a norma
constitucional que prevê a dignidade da pessoa
humana (art.1.º CF brasileira) são normas constitucionais
de caráter duplo (Doppelcharakter), simultaneamente,
regra e princípio. Da inviolabilidade do direito à
liberdade decorre, pois, tanto o princípio da liberdade
que, enquanto princípio, está sujeito à ponderação,
como a regra da liberdade, esta submetida ao regime
duro das regras; o que diferente não é no que tange à
dignidade da pessoa humana. Significa dizer que, muito
embora a norma constitucional concernente à liberdade
Artigo 56 (Princípios gerais). 2. O exercício dos direitos e
liberdades pode ser limitado em razão da salvaguarda de
outros direitos ou interesses protegidos pela Constituição.
No que tange ao Brasil, independente da reforma
em curso, muitos outros indicativos da concretização
legislativa da exigência material de ofensividade
podem ser ainda encontrados na legislação
infraconstitucional, mais precisamente no Código Penal
brasileiro. São muitos os dispositivos que atestam a
recepção de um ilícito penal de base objetiva, em
nítida contraposição a uma orientação subjetivista. Os
institutos da tentativa (art.14, II CP), do crime impossível
(art.17 CP) e até a própria primeira parte do art.13 do
CP permitem o claro reconhecimento de um direito
penal acentuadamente comprometido com o desvalor
que representa a ofensa a bens jurídico-penais, no
9
Vol. 1, Nº 01, Ano I, Setembro de 2014
seguimento do chamado direito penal do resultado
(Erfolgstrafrecht), e reclamam o desenvolvimento
sistemático de uma hermenêutica consistente e
verdadeiramente comprometida com uma tal
orientação.
princípios constitucionais orientadores da legitimação
normati va
a
parti r
das
próprias
normas
infraconstitucionais.
(b) A proposta de Mantovani não atenta às
implicações
jurídicas
do
reconhecimento
da
ofensividade como norma constitucional de caráter
duplo, regra e princípio, decorrente da norma
constitucional da liberdade e da norma constitucional
da dignidade da pessoa humana, o que, como vimos,
coloca limites claros e intransponíveis ao processo
legislativo infraconstitucional.
E (c), por fim, restringindo-nos aos traços mais
salientes, há, ainda, um acentuado equívoco lógico,
tanto na orientação político-criminal quanto na
fundamentação jurídica.
(aa) A grande valia, hoje, de um retorno ao
essencial, do resgate de uma compreensão objetiva do
ilícito penal – de uma compreensão de base objetiva,
porém não exclusiva, diga-se –, (re)visitada através da
ofensa ao bem jurídico, encontra-se justamente na sua
capacidade de delimitação do conteúdo material do
ilícito nos novos espaços de incriminação, em clara
oposição às atuais tendências de orientação
meramente formal ou normativa. Mas, se isso é verdade,
se aqui está a grande valia da categoria em análise,
negar-lhe entrada justamente nos espaços em que é
posta em questão é negar-lhe sua principal utilidade, é
relegá-la a mera condição de critério de interpretação
do tipo, com muito pouco a dizer ao direito penal
secundário. De forma breve: o motivo que Mantovani
apresenta para justificar o afastamento da ofensividade
é a exata razão que nos leva a acreditar que ela deve
ter sua aplicação intensificada.
(bb) E, por outro lado, propor a criação e
manutenção de tipos-de-ilícito desprovidos de ofensa,
sob a alegação da necessidade de tutela de bens
primários, coletivos e institucionais, é contraditório e
evidentemente
insustentável.
Ora,
alegar
a
necessidade de crimes sem ofensa ao bem jurídico
para evitar a ocorrência de ofensa ao bem jurídico é
não só falacioso, como chegaria ao absurdo de
justificar até mesmo a punibilidade indiscriminada de
atos preparatórios, eis que, também aqui, poderíamos
buscar teleologicamente o seu desvalor na possível
ocorrência de um evento futuro e incerto. Daí
reconhecermos plena razão às palavras de Faria Costa
ao referir que tal idéia, isto é, a idéia de que é
“precisamente em nome da proteção de bens jurídicos
que se devem ou têm de punir condutas elas mesmas
não violadoras de bens jurídicos”, consiste em “uma
das expressões mais acabadas de subversão e
incompreensão metodológicas”54.
4. Ofensividade e Direito Penal Contemporâneo
4.1. É legítimo afastar a exigência de ofensividade de
determinados crimes em prol do atendimento a
interesses de política criminal (prevenção geral
positiva)?
Chegando até aqui, acreditamos ter elementos
suficientes para reconhecer a ofensividade como efetiva
exigência constitucional de legitimidade do ilícito jurídico
-penal e, a partir disso, questionarmos acerca da sua
importância como elemento de delimitação também no
espaço de maior complexidade do direito penal
contemporâneo,
o
denominado
direito
penal
secundário. Questão que assume especial relevância
quando a crescente utilização, neste particular âmbito
do
direito
penal,
de
categorias
de
crime
tradicionalmente reconhecidas como hipóteses de ilícito
incompatíveis com a noção de ofensa ao bem jurídico,
alimentada por fortes interesses de política criminal, mais
especificamente, de prevenção geral positiva, tem
propiciado a manutenção de um significativo espaço
de tensão que não raramente convida a uma
relativização da ofensa como regra geral a todas as
formas de aparição do ilícito-típico, em prol de espaços
de livre disposição político-criminal.
Não outra tem sido, v.g., a orientação proposta por
um dos principais estudiosos da ofensividade, Ferrando
Mantovani: em que pese reconheça a recepção
constitucional do princípio da ofensividade, faz isso
como princípio regular, mas não absoluto. Segundo
Mantovani, é importante admitir a possibilidade de
derroga do princípio da ofensividade quando estivermos
diante de categorias totalmente desprovidas de tal
atributo, isto é, diante dos denominados crimes sem
ofensividade (reati senza offesa ai beni giuridici), os quais
encontrariam a sua razão de ser na necessidade político
-criminal de prevenir ofensas a bens primários, coletivos,
institucionais, devendo aqui “a racionalidade do
princípio moderar-se com a necessidade de prevenção
geral”51. Em outras palavras, a existência de interesse
político-criminal na manutenção de categorias jurídicopenais desprovidas de qualquer ofensividade justificaria,
por si só, a derroga do princípio. Derroga que, inclusive,
no entender de Mantovani, viria a preservar o conteúdo
de garantia da ofensividade de uma excessiva abertura,
ocasionada por tentativas inúteis de recuperação da
ofensa em crimes sabidamente desprovidos dela52.
Uma tal compreensão é equivocada por inúmeras
razões53.
(a) Há, de pronto, uma clara inversão
metodológica. Não é possível partirmos de um dado
empírico, do reconhecimento da existência de crimes
desprovidos de ofensividade e insuscetíveis de
recuperação hermenêutica – de uma hermenêutica
assumidamente interessada em resgatar o conteúdo
material do ilícito através da restrição do âmbito do tipo
– para afastar a incidência da exigência constitucional
de ofensividade, sob a simples alegação da existência
de interesses políticos na sua manutenção. Seria o
mesmo que propor, absurdamente, a leitura de
4.2. Os planos de aplicação da
ofensividade: lege ferenda e lege lata
Os elementos que nos fazem crer em uma
recepção constitucional da ofensividade e os moldes
em que se dá essa recepção, por nós já considerados,
são, como vimos, elementos suficientes para garantir a
sua aplicação ampla e irrestrita em todo o direito
penal, sob de pena inconstitucionalidade.
A ofensividade torna-se, por isso, no plano de lege
ferenda (plano legislativo), um importante critério de
10
Vol. 1, Nº 01, Ano I, Setembro de 2014
orientação legislativa e, no plano de lege lata (plano
hermenêutico-aplicativo), critério de validade e
delimitação do ilícito, reitor de uma hermenêutica que
se quer constitucionalmente orientada.
Em outras palavras, não só o legislador deve aterse à exigência de ofensividade na proposição de novas
figuras delitivas que, na sua interação com outros
princípios penais, leva-lo-á a priorizar sempre as formas
de ofensa mais intensas, como a aplicação da norma
penal exigirá do interprete uma hermenêutica atenta à
sua efetiva existência. O que é o mesmo que dizer que
todas as deficiências legislativas deverão ser corrigidas
a partir de um filtro hermenêutico que, muitas vezes,
poderá restringir o âmbito de aplicação do ilícito-típico,
em um processo hermenêutico de correção e
recuperação do ilícito, quando, por certo, o tipo penal
permitir tal correção, e, outras vezes, pela total
incapacidade
de
adequação
à
noção
de
ofensividade, deverá levar inevitavelmente ao
reconhecimento da sua inconstitucionalidade.
No direito penal secundário, a necessidade de
atenção a ser dispensada, nos planos de lege ferenda
e lege lata, à exigência constitucional de ofensividade
aumenta
significativamente
em
razão
das
particularidades que envolvem os bens jurídico-penais
tutelados (normalmente, supra-individuais), da maior
complexidade dos elementos que envolvem e
constituem o fato, e da forma de tutela possível (muitas
vezes através de crimes de perigo abstrato). Aqui,
mesmo que partíssemos de um funcionamento ideal do
plano legislativo, o normal aumento da normatividade,
por decorrência das vicissitudes inerentes ao objeto e à
forma de tutela, concluiríamos por uma maior
valorização do trabalho hermenêutico. Mas, se
tomamos, p. ex., a realidade legislativa brasileira, tal
como se apresenta, na qual a falta de preocupação
com as exigências constitucionais de validade e a
acentuada falta de rigor técnico são marcas comuns,
podemos perceber, então, o grau de responsabilidade
que recai sobre o intérprete, e daí, a necessidade de
um intenso e contínuo aprimoramento do plano
hermenêutico-aplicativo, o que, sem dúvida alguma,
passa por uma melhor compreensão e delimitação do
que devemos entender por ofensividade. O estudo da
ofensividade e das formas de ofensa torna-se, pois,
tarefa irrenunciável ao processo de atualização da
ciência jurídico-penal, decorrência normativa do
chamamento à “superação” que nos é feito,
responsavelmente, por Anselmo Borges55.
entendimento são inúmeras. A título de mera ilustração,
traremos aqui apenas três exemplos.
5.1. Necessidade de (re)leitura dos crimes
de perigo abstrato
Em termos tradicionais, os crimes de perigo
abstrato são definidos como figuras de perigo
meramente presumido. O perigo seria apenas
elemento de motivação legislativa, não figurando
como elemento constitutivo do tipo. Vale dizer: ao
estabelecer um crime de perigo abstrato, o legislador
selecionaria
condutas
normalmente
perigosas,
presumindo a ocorrência do perigo sempre que a
conduta viesse a ser praticada.
Contudo, e como sói ocorrer, uma tal presunção
não é infalível, dando azo a situações em que, embora
realizada a conduta, não está presente o perigo. E, se
assim é, os crimes de perigo abstrato não seriam
compatíveis com uma exigência de efetiva e real
ofensa ao objeto de tutela da norma.
Isso não significa, por outro lado, a imediata
inconstitucionalidade desta espécie delitiva. Muito pelo
contrário. Os crimes de perigo abstrato são suscetíveis
de recuperação hermenêutica, não constituindo, por
isso, uma categoria necessariamente desprovida de
ofensividade. Restringir a riqueza e complexidade da
noção jurídico-penal de perigo às situações
tradicionalmente denominadas de perigo concreto,
relegando aos crimes de perigo abstrato uma exangue
presunção absoluta de perigo, é, sem dúvida,
desnecessário e equivocado.
A literatura especializada há muito vem tentando
resgatar os crimes de perigo abstrato do rol dos ilícitos
meramente formais e já conta hoje com inúmeras
elaborações significativas56. Da proposta de (re)leitura
dos crimes de perigo abstrato como presunção relativa
de perigo (Schröder), ao perigo abstrato como
perigosidade (Gefärlichkeit) (Gallas, Giusino, Meyer,
Hirsch, Zieschang e Mendoza Buergo), passando pela
tomada do perigo abstrato como probabilidade de
perigo concreto (Cramer), como negligência sem
resultado (Horn, Brehm, Schünemann e Roxin), ou como
risco de lesão ao bem jurídico (Wolter e Martin), podese encontrar diferentes formas de perceber e enfrentar
o problema.
Quanto a nós, acreditamos ser plenamente
possível recuperar o conteúdo material dos crimes de
perigo abstrato, mediante a exigência de uma
possibilidade, não insignificante, de dano ao bem
jurídico, a ser verificada mediante um (único) juízo ex
ante (i.e., no momento da prática da ação perigosa)57.
Seria, assim, algo diferente dos crimes de perigo
concreto, nos quais são exigidos dois juízos de
probabilidade de dano, um juízo ex ante (no momento
da ação) e um juízo ex post (após o decurso da ação);
juízo duplo este que nem sempre é possível, a depender
da natureza da matéria de regulação.
No âmbito dos crimes ambientais, p. ex., a
realização do de um juízo ex post é, por vezes, muito
difícil, senão mesmo impossível. Basta tomar, a título de
ilustração, o crime de poluição do ar ou das águas.
Nestes, o resultado da ação costuma estar muito
distante do momento da ação e se dá mediante a
5. Decorrências práticas da adoção do
modelo de crime como ofensa a bens
jurídicos
Por ofensa a bens jurídicos entende-se, em termos
dogmáticos, o dano ou o perigo de dano ao objeto de
tutela da norma. Logo, afirmar que não há crime
(legítimo) sem ofensa a bens jurídico-penais é o mesmo
que exigir de todo e qualquer ilícito penal a efetiva
ocorrência de dano ou, ao menos, de perigo de dano
ao objeto de tutela da norma. O resultado jurídico
(dano ou perigo) torna-se, assim, ao lado do desvalor
da ação, elemento indispensável na constituição do
ilícito-típico.
As decorrências práticas de tal
11
Vol. 1, Nº 01, Ano I, Setembro de 2014
de perigo ao objeto de tutela, por outro, afirma ser
igualmente ilegítima a criminalização de fatos
direcionados a interesses do próprio autor. A autolesão
não é, por isso, punível no Brasil, independente da sua
gravidade, como também não a tentativa de suicídio.
Pune-se apenas o auxílio e a instigação ao suicídio (art.
122 CP), na medida em que seus efeitos recaem sobre
terceiro, bem como hipóteses em que a autolesão é
apenas meio para lesar bem jurídico diverso, como
ilustra o crime de autolesão para para fraudar seguro
(art. 171 V CP). Neste dispositivo, o bem tutelado é não
o corpo ou a saúde, mas o patrimônio da seguradora.
A existência de consenso acerca da não
criminalização da autolesão e da tentativa de suicídio
faria presumir igual consenso no que tange à não
punição da autointoxicação. E, de fato, isso é assim,
no que diz respeito a drogas lícitas, como o álcool ou
o cigarro. No que se refere a drogas ilícitas, o
consenso simplesmente desaparece, dando azo a um
espaço de forte controvérsia doutrinária e
jurisprudencial.
Até o advento da Lei 11.343/2006, a posse de
drogas para uso próprio era punida no Brasil com
pena de detenção de 6 meses a 2 anos58. O novo
regramento, por sua vez, estabeleceu uma melhor
posição para o usuário de drogas, mediante uma
sanção criminal não privativa de liberdade59. O fato,
contudo, manteve-se no rol das condutas
penalmente puníveis.
O problema, portanto, coloca-se em âmbito
hermenêutico-aplicativo.
Uma vez que o legislador penal insiste em
criminalizar a posse de drogas para uso, compete ao
magistrado analisar a compatibilidade do referido
dispositivo com a exigência constitucional de
ofensividade. E exatamente aqui se dá a divergência.
Seja porque uma tal exigência constitucional não é de
todo pacífica, seja porque alguns a consideram
derrogável, quando diante de interesses políticocriminais de grande magnitude, como costuma ser o
alegado “combate às drogas”.
O entendimento majoritário, como, aliás, não
poderia ser diferente, opta por uma leitura meramente
formal do art. 28 da Lei de Entorpecentes,
desconsiderando toda e qualquer argumentação
acerca do seu conteúdo material. Em contrapartida,
embora minoritária, uma interessante jurisprudência em
favor da inconstitucionalidade do referido dispositivo
tem ganhado força, mostrando-se presente tanto nos
tribunais brasileiros, como, até mesmo, em julgados
monocráticos. Vejamos aqui alguns exemplos.
Reconhecimento
da
inconstitucionalidade
pelo
Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, ainda sob a
vigência da antiga lei de entorpecentes:
viés libertário, orientado pela ideologia iluminista, ficam
vedadas as punições dirigidas à autolesão (caso em tela),
crimes impossíveis, atos preparatórios: o direito penal se
presta, exclusivamente, à tutela de lesão a bens jurídicos de
terceiros. - Prever como delitos fatos dirigidos contra a
própria pessoa é resquício de sistemas punitivos prémodernos. O sistema penal moderno, garantista e
democrático não admite crime sem vítima. Repito, a lei não
pode punir aquele que contra a própria saúde ou contra a
própria vida – bem jurídico maior – atenta: fatos sem
lesividade a outrem, punição desproporcional e irracional!
Lições de Eugênio Raul Zaffaroni, Nilo Batista, Vera Malaguiti
Batista, Rosa del Olmo, Maria Lúcia Karam e Salo de
Carvalho. (...) (Apelação Crime n.º 70004802740, Quinta
Câmara Criminal, Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul,
Relator: Amilton Bueno de Carvalho, Julgado em
07/05/2003). (grifo nosso)
Reconhecimento da inconstitucionalidade pelo
Tribunal de Justiça de São Paulo, já no âmbito da nova
legislação:
1.- A traficância exige prova concreta, não sendo
suficientes, para a comprovação da mercancia, denúncias
anônimas de que o acusado seria um traficante. 2.- O
artigo 28 da Lei n. 11.343/2006 é inconstitucional. A
criminalização primária do porte de entorpecentes para
uso próprio é de indisfarçável insustentabilidade jurídicopenal, porque não há tipificação de conduta hábil a
produzir lesão que invada os limites da alteridade, afronta
os princípios da igualdade, da inviolabilidade da
intimidade e da vida privada e do respeito à diferença,
corolário do principio da dignidade, albergados pela
Constituição Federal e por tratados internacionais de
Direitos Humanos ratificados pelo Brasil. (Apelação Criminal
n.º 01113563.3/0.0000-000, 6ª Câmara Criminal do 3º Grupo
da Seção Criminal, Tribunal de Justiça de São Paulo,
Relator José Henrique Rodrigues Torres, julgado em
31/03/2008) (grifo nosso)
Decisão monocrática, Poder Judiciário do Rio
de Janeiro:
Em suma, deixando a hipocrisia de lado, não afetando a
conduta incriminada pelo art. 28 da Lei 11.343/2006 bens
jurídicos de terceiros, e sendo lícita a prática da autolesão,
não guardando tal ação pertinência com a saúde ou
incolumidade pública, estamos no âmbito do direito
constitucionalmente assegurado à dignidade humana, à
liberdade, à privacidade e à intimidade de cada cidadão,
inexistindo bem jurídico concreta e legitimamente tutelável;
logo, carecendo a conduta tipificada de ofensividade, e
violando a incriminação os supra citados princípios
constitucionais, carece aquele tipo penal de respaldo na
Carta Maior, impondo-se o reconhecimento de sua
inconstitucionalidade, o que ora declaro. (Processo n.º
0021875-62.2012.8.19.0208, 37ª Vara Criminal da Comarca da
Capital, Estado do Rio de Janeiro, Magistrado Marcos Augusto
Ramos Peixoto, 20/03/2014). (grifo nosso)
Conclusão: é ilegítima a criminalização de
condutas autolesivas, independentemente das razões
político-criminais
que
lhe
possam
conceder
fundamento.
6. Considerações Finais
Não há crime (legítimo) sem ofensa a bens
jurídicos; não há crime (legítimo) sem dano ou perigo a
bens jurídico-penais. E, quanto a isso, não se pode
admitir exceções, a despeito dos interesses de
prevenção geral que o atendimento dessa premissa
possa defraudar. Esta forte assertiva sintetiza a ideia
reitora do presente texto. Mas não só. Deixa também
insinuada uma importante proposta de base.
Penal. Art. 16 da Lei 6368/76. Ausência de lesão a bem
jurídico
penalmente
relevante.
Inconstitucionalidade.
(Unânime): a Lei anti-tóxicos brasileira é caracterizada por
dispositivos viciados nos quais prepondera o “emprego
constante de normas penais em branco (...) e de tipos
penais abertos, isentos de precisão semântica e dotados de
elaborações genéricas” (ver: Salo de Carvalho, A Política
Criminal de Drogas no Brasil: do discurso oficial às razões da
descriminalização, Rio de Janeiro, 1997, p.33-34). Diante
destes dados, tenho como limites ao labor na matéria, a
principiologia constitucional impositora de freios à
insurgência punitiva estatal. Aqui interessam primordialmente
os princípios da dignidade, humanidade (racionalidade e
proporcionalidade) e da ofensividade. No Direito Penal de
O que aqui se propõe, ao fim e ao cabo, é o
fortalecimento da ciência normativa do direito penal,
constitucionalmente informada, enquanto lugar por
12
Vol. 1, Nº 01, Ano I, Setembro de 2014
interação com inúmeras outras condutas poluidoras, o
que dificulta sobremaneira a verificação do curso
causal e, assim, o juízo ex post de probabilidade. Razão
pela qual é recomendável a criminalização por meio
de crimes de perigo abstrato, no qual a verificação do
perigo estará restrita ao juízo ex ante de possibilidade
de dano ao bem jurídico.
Conclusão: os crimes de perigo abstrato passariam
a exigir a ocorrência de efetivo perigo ao bem jurídico,
na forma de uma possibilidade, não insignificante, de
dano ao bem jurídico tutelado.
5.2. Não punibilidade de actos meramente
preparatórios (ainda que no âmbito do terrorismo)
O crime tentado é, em termos materiais, um
crime de perigo. O fundamento da punibilidade da
tentativa é justamente a exposição a perigo do bem
jurídico-penal. Fundamento que, em contrapartida, não
acompanha os casos de mera preparação.
Com exceção das hipóteses em que os atos
preparatórios configuram crimes autônomos, em razão
da ofensa a bem jurídico diverso daquele tutelado por
meio da punibilidade dos atos executórios – como
ocorre usualmente no crime de porte ilegal de arma de
fogo, no qual é punido o porte independentemente da
intenção (lícita ou não) do agente –, os atos
preparatórios correspondem a um momento do iter
criminis em que, ao menos em princípio, não há
qualquer perigo para os valores tutelados pela norma
penal. O que significa dizer que a punibilidade dos atos
preparatórios não é – na perspectiva aqui defendida –
constitucionalmente legítima.
Todavia, não é essa a orientação que se mostra
presente no âmbito inúmeras leis, como, aliás, bem
demonstra a legislação europeia de repressão ao
terrorismo.
A título de ilustração, podemos considerar a Lei de
Combate ao Terrorismo de Portugal, Lei n.52/2003
(aprovada em cumprimento à Decisão-Quadro
2002/475/JAI e recentemente modificada pela Lei
17/2011, em atenção à Decisão-Quadro 2008/919/JAI)
que, entre outras coisas, em seu art.2, 4, criminaliza a
prática de atos meramente preparatórios da
constituição de grupo, organização ou associação
terrorista. In verbis: “Artigo. 2.º Organizações Terroristas.
(...) 4 - Quem praticar actos preparatórios da
constituição de grupo, organização ou associação
terrorista é punido com pena de prisão de 1 a 8 anos.”
Este não é, certamente, o único dispositivo da lei
que criminaliza condutas usualmente reconhecidas
como atos de mera preparação, o que, inclusive, bem
demonstra a criminalização do recrutamento e o
treinamento para o terrorismo, nos termos da DecisãoQuadro 2008/919/JAI. Entretanto, ele destaca-se dos
demais pelo fato de criminalizar condutas que sequer
consistem em atos preparatórios de um “ato terrorista”,
mas
preparatórios
da
“constituição
de
uma
organização terrorista”, ou seja, de um tipo penal que já
consiste, por si só, em uma inequívoca antecipação de
tutela. Em outras palavras: partindo do pressuposto de
que a punibilidade da constituição de um grupo
criminoso já representa uma antecipação da tutela
penal do terrorismo (Vorfeldschutz), a punibilidade dos
seus atos preparatórios revela não só a incriminação de
atos desprovidos de ofensa a um bem jurídico (como
costuma ocorrer com a generalidade dos atos de mera
preparação), mas também uma dupla e extrema
antecipação da tutela penal, uma espécie de tutela
anterior
à
própria
tutela
antecipada
(‘Vor’vorfeldschutz).
Pode-se argumentar – como, aliás, normalmente
se faz – no sentido de que o mal que representa o
terrorismo é demasiadamente grande, o que justificaria
a adoção de medidas extremas, de modo a se obter o
máximo de eficiência no seu controle. Vale dizer: que
um bom e forte motivo (ex.: luta contra o terror) é
suficiente para afastar ou mitigar a aplicação de
princípios reitores do direito penal. Tal argumento,
todavia, como já assinalado no início desse escrito,
parece-nos absolutamente inaceitável nos quadros de
um Estado Democrático de Direito. O reconhecimento e
a manutenção dos princípios e regras penais não
podem ser tratados como uma questão de
conveniência estatal no combate à criminalidade.
Não bastasse isso, parece-nos igualmente
equivocada a comum supervalorização dos custos de
um direito penal mais enxuto. Não acreditamos,
definitivamente, que o rigoroso atendimento aos
princípios reitores do direito penal democrático produza
riscos elevados para os objetivos de prevenção e
repressão do terror. Em verdade, defender o contrário
parece-nos valorizar em demasia a efetividade do
direito penal enquanto instrumento de intervenção e
regulação do Estado, no que diz respeito, muito
especialmente, a prevenção e repressão do terrorismo.
Dadas as particularidades e a complexidade do
fenômeno terrorista, é difícil acreditar que seja possível
obter efeitos práticos dissuasórios a partir da simples
edição e aplicação de normas penais e, menos ainda,
pelo simples aumento da faixa de condutas
penalmente proibidas, de modo a compreender
também atos extremos como a mera preparação. Em
regra, o que se tem nesses casos é apenas um aumento
do âmbito de punibilidade e, assim, de repressão, na
forma de uma intervenção penal fortemente
antecipada; o que não corresponde, obviamente, à
prevenção.
Nessa perspectiva, importa considerar que a
repressão internacional ao terrorismo já conta com uma
área de intervenção penal bastante alargada,
mediante a ampla criminalização do concurso de
pessoas – pune-se toda forma de colaboração moral e
material à prática de atos terroristas -, bem como da
criminalização da associação com fins terroristas e da
apologia ao terrorismo. Contexto em que restaria à
criminalização autônoma de atos preparatórios apenas
condutas verdadeiramente extremas, condutas que
sequer constituiriam alguma forma de contributo
material ou moral ao terror, ou mesmo uma associação
ilícita para o terrorismo, para a qual, como se sabe,
bastam apenas duas pessoas.
Conclusão: é ilegítima a punição de atos
meramente preparatórios, independentemente dos
interesses político-criminais em jogo.
5.3. Não punibilidade da autolesão (ainda
que no âmbito da legislação antidrogas)
Se por um lado, o modelo de crime como ofensa
a bens jurídicos considera ilegítimo um ilícito desprovido
13
Vol. 1, Nº 01, Ano I, Setembro de 2014
excelência de convergência e afirmação das garantias
fundamentais em matéria penal, diante dos interesses de
política criminal, como tarefa indispensável para a
manutenção da racionalidade do direito penal
contemporâneo. Ponto de chegada que convoca a
todos nós. Que convoca a academia em seu agir
responsável e comprometido para com a manutenção
de conquistas que lhe dão sentido, mas também para
com um tempo e uma sociedade que se perfaz em
novos, nem sempre bem compreendidos, traçados.
Afinal, nas lúcidas palavras de Mia Couto, através da
figura do Barbeiro de Vila Longe, “não é fácil sair da
pobreza. Mais difícil, porém, é a pobreza sair de nós”.
einem Strafgesetz enthaltene Beleidigung, oder eine durch ein
Strafgesetz
bedrohte,
dem
Recht
eines
Andern
wiedersprechenden Handlung).
20 COSTA ANDRADE, Manuel da, ob. cit., p.45.
21 COSTA ANDRADE, Manuel da, ob. cit., p.48 s..
22 Ver COSTA ANDRADE, Manuel da, ob. cit., p.50.
23 FEUERBACH, Anselm Ritter von, ob. cit., p.48 s..
24
AMELUNG,
Knut,
“Rechtsgutverletzung
und
Sozialschädlichkeit”, in: Recht und Moral. Beiträge zu einer
Standortbestimmung, org. por Jung, Müller-Dietz e Neumann,
Baden-Baden : Nomos, 1991, p.269.
25 AMELUNG, Knut, ob. cit., p.269.
26 MARINUCCI, Giorgio; DOLCINI, Emilio, ob. cit., p.433.
27MARINUCCI, Giorgio; DOLCINI, Emilio, ob. cit., p.433.
28 Esta crítica pode ser encontrada já no célebre trabalho de
Birnbaum, ao qual se credita o surgimento do conceito de bem
jurídico, muito embora o termo “bem jurídico”, propriamente
dito – isto é, a tradução para o português da expressão
Rechtsgut –, tenha sido primeiramente utilizada por Binding, na
primeira edição do Die Normen, em 1872 (assim, COSTA
ANDRADE, Manuel da, ob. cit., p.64 s.). Observava Birnbaum
que, se o perigo é uma situação na qual tememos a perda ou a
privação de um bem, é totalmente inadequado falar-se em
“perigo de um direito” (Rechtsgefahr), pois o que estaria em
questão é a perda ou privação do objeto do nosso direito, e
não o direito em si, insuscetível de ser, in casu, reduzido ou
suprimido. Inadequação esta que, embora perceptível também
nos crimes de lesão – quando então se falaria em “lesão a um
direito” (Rechtsverletzung) –, vista da perspectiva das situações
de perigo, revela-se com ainda maior clareza (BIRNBAUM, J.,
“Über das Erfordernis einer Rechtsverletzung zum Begriffe des
Verbrechens, mit besonderer Rücksicht auf den Begriff der
Ehrenkränkung”, Arquiv des Criminalrechts, (1834), p.172).
30 Birnbaum acreditava que os valores suscetíveis de tutela
poderiam advir de uma dimensão natural ou dimensão
comunitária, ou seja, poderiam ser dados pela natureza ou ser
encontrados no desenvolvimento da sociedade (BIRNBAUM, J.,
ob. cit., p.177).
31 BIRNBAUM, J., ob. cit., p.172 e 175 ss..
32 BIRNBAUM, J., ob. cit., p.179.
33 Para mais detalhes, ver AMELUNG, Knut, ob. cit., p.269 ss..
34 Ver FIGUEIREDO DIAS, Jorge de, ob. cit., p.110; e, do mesmo
autor, Temas básicos da doutrina penal. Sobre os fundamentos
da doutrina penal. Sobre a doutrina geral do crime, Coimbra :
Coimbra Ed., 2001, p.43 s..
35 BIRNBAUM, J., ob. cit., p.178. Sobre a questão, ver, também,
AMELUNG, Knut, ob. cit., p.270; GÜNTHER, Klaus, “Von der Rechts
- zur Pflichtverletzung. Ein “Paradigmawechsel” im Strafrecht?”,
in: Vom unmöglichen Zustand des Strafrechts, Frankfurt am
Main : Peter Lang, 1995, p.452 s..
36 MARINUCCI, Giorgio; DOLCINI, Emilio, ob. cit., p.434. Ver,
também, COSTA ANDRADE, Manuel da, ob. cit., p.53 s..
37 Em referência crítica sobre a nossa compreensão, FIGUEIREDO
DIAS, Jorge de, ob. cit., p.290.
38 BIRNBAUM, J., ob. cit., p.178.
39 Para Binding, bem jurídico é tudo aquilo que, aos olhos do
legislador, é valorado como condição de vida saudável da
comunidade jurídica, em cuja conservação inalterável e
imperturbável a comunidade tem interesse, e que, por isso,
através de uma norma, busca evitar uma indesejada lesão ou
pôr-em-perigo (BINDING, Karl, Die Normen und ihre Übertretung,
vol. I, 3.ª ed., Leipzig : von Felix Meyer, 1916, p.353 ss.). Para uma
cuidadosa análise da compreensão do bem jurídico em
Binding, ver COSTA ANDRADE, Manuel da, ob. cit., p.61 ss..
40 FIGUEIREDO DIAS, Jorge de, ob. cit., p.110 s..
41 Sobre o direito penal nacional-socialista, ver GÜNTHER, Klaus,
ob. cit., p.452 ss; COSTA ANDRADE, Manuel da, ob. cit., p.68 s.,
nota 86; MARINUCCI, Giorgio; DOLCINI, Emilio, ob. cit., p.438 ss.;
FERNÁNDEZ, Gonzalo, Bien jurídico y sistema del delito. Un ensayo de fundamentación dogmática, Buenos Aires : Julio Cezar
Faria Ed., 2004, p.31 ss.; entre nós, SOUZA, Paulo Vinicius
Sporleder de, Bem jurídico-penal e engenharia genética
humana. Contributo para a compreensão dos bens jurídicos
supra-individuais, São Paulo : RT, 2004, p.94 ss..
Notas e Referências
Ver, por todos, FIGUEIREDO DIAS, Jorge de, Direito penal. Parte
geral, tomo I, Coimbra : Coimbra Ed., 2004, p.109; e FARIA
COSTA, José de, O perigo em direito penal. Contributo para a
sua fundamentação e compreensão dogmáticas, Coimbra :
Coimbra Ed., 1992, passim.
2 Ver HEFENDEHL, Roland; HIRSCH, Andrew von; WOHLERS,
Wolfgang, Die Rechtsgutstheorie. Legitimationsbasis des
Strafrechts oder dogmatisches Glasperlenspiel?, Baden-Bende :
Nomos, 2003; ROXIN, Claus, "Das strafrechtliche Unrecht im
Spannungsfeld von Rechtsgüterschutz und individueller Freiheit",
ZStW, 116 (2004), p.944.
3 Ver, por todos, MARINUCCI, Giorgio; DOLCINI, Emilio, Corso di
diritto penale, vol.1, 3.ª ed., Milano : Giuffrè, 2001, passim.
4 Emenda nº 807 – CTRCP – Substitutivo ao Projeto de Lei do Senado nº 236/2012, publicado no DSF em 20.12.2013.
5 Sobre a vida e obra de Tiberius Decianus, ver SCHAFFSTEIN,
Federico, La ciência europea del derecho penal en la época
del humanismo, tradução de Jose Maria Rodriguez Devesa,
Madrid : Civitas, p.1957, p.81 ss..
6 Conf. SCHAFFSTEIN, Federico, ob. cit., p.100.
7 Ver MARINUCCI, Giorgio; DOLCINI, Emilio, ob. cit., p.430.
8 Conf. MARINUCCI, Giorgio; DOLCINI, Emilio, ob. cit., p.429.
9 SGUBBI, Filippo, Responsabilità penale per omesso impedimento
dell’evento, Padova : Cedam, 1975, p.7.
10 FIANDACA, Giovanni, "Laicità e beni tutelati", in: Studi in
memoria di Pietro Nuvolone, vol.1, Milano : Giuffrè, p.171.
11 MARINUCCI, Giorgio; DOLCINI, Emilio, ob. cit., p.430.
12 BECCARIA, Cesare, Dos delitos e das penas, trad. de José de
Faria Costa, com ensaios introdutórios de José de Faria Costa e
Giorgio Marinucci, Lisboa : Fund. Calouste Gulbenkian, 1998, VII,
p.75.
13 FARIA COSTA, José de, “Ler Beccaria hoje”, in: BECCARIA,
Cesare, Dos delitos e das penas, trad. de José de Faria Costa,
Lisboa : Fund. Calouste Gulbenkian, 1998, p.10.
14 SGUBBI, Filippo, ob. cit., p.16.
15 SGUBBI, Filippo, ob. cit., p.14 ss..
16 O que não significa, por certo, que toda violação de um
direito subjetivo implique a existência de um ilícito penal. Aqui,
oportuna a observação de Sgubbi ao salientar o caráter
excepcional da intervenção penal (SGUBBI, Filippo, ob. cit.,
p.18).
17 COSTA ANDRADE, Manuel da, Consentimento e acordo em
direito penal. Contributo para a fundamentação de um
paradigma dualista, Coimbra : Coimbra Ed., 1991, p.43.
18 FEUERBACH, Anselm Ritter von, Lehrbuch des gemeinen in
Deutschland gültigen peinlichen Rechts, 13.ª ed., Giessen :
Georg Friedrich Heyer, 1840, p.41 (§19: Aus obiger Deduction
ergiebt sich folgendes höchste Princip des peinl. Rechts: Jede
rechtliche Strafe im Staate ist die rechtliche Folge eines, durch
die Nothwendigkeit der Erhaltung äusserer Rechte begründeten,
und eine Rechtsverletzung mit einem sinnlichen Uebel
bedrohenden Gesetzes).
19 FEUERBACH, Anselm Ritter von, ob. cit., p.45 (itálico nosso) (§21.
Dieses [das Verbrechen], im weitesten Sinne, ist daher eine unter
1
14
Vol. 1, Nº 01, Ano I, Setembro de 2014
Neste exato sentido, porém em referência à Constituição
italiana, afirmam Marinucci e Dolcini que, na proposta de
Estado delineada na Constituição de 1948, isto é, em um
Estado pluralista, laico, inspirado em valores de tolerância, no
qual todo o poder emana do povo e que reconhece no
homem a sua dignidade e um conjunto de direitos invioláveis,
“num Estado desta natureza, dizíamos, o direito penal não
pode perseguir fins transcendentes ou éticos; não pode
degradar o homem à condição de mero “objeto de
tratamento” pelas suas presumíveis tendências anti-sociais,
nem pode fazer assentar o crime em meras atitudes interiores
ou na vontade pura e simples – de qualquer maneira
manifestada – de desobedecer às leis” (MARINUCCI, Giorgio;
DOLCINI, Emilio, “Constituição e escolha de bens jurídicos”,
Rev. Portuguesa de Ciências Criminais, 4 (1994), p.152).
43 Nada melhor para exemplificar as tendências autoritárias,
revestidas de um colorido democrático que hoje tentam o
direito penal que o denominado direito penal do inimigo
(Feindstrafrecht) de Jakobs (ver JAKOBS, Günther; CANCIO
MELIÁ, Manuel, Derecho penal del enemigo, Madrid : Civitas,
2003; e, de forma crítica, PRITTWITZ, Cornelius, “O direito penal
entre direito penal do risco e direito penal do inimigo.
Tendências autais em direito penal e política criminal”,
RBCCrim, 47 (2004), p.31 ss.).
44 O próprio preâmbulo da Constituição Federal brasileira já dá
suficiente notícia do modelo de Estado instituído, ou seja, “um
Estado Democrático, destinado a assegurar o exercício dos
direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bemestar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores
supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem
preconceitos”.
45 CANOTILHO, José Joaquim Gomes, Direito constitucional e
teoria da Constituição, 5.ª ed., Coimbra : Almedina, 2002,
p.1157.
46 CANOTILHO, José Joaquim Gomes, ob. cit., p.1168.
47 Para maiores detalhes, remetemos o leitor para o nosso
Ofensividade e crimes omissivos próprios. Contributo à
compreensão do crime como ofensa ao bem jurídico, Stvdia
Ivridica 85, Coimbra : Coimbra Ed., 2005, p.63 ss.
48 ALEXY, Robert, Theorie der Grundrechte, Baden-Baden :
Suhrkamp, 1994, p.123.
49 ALEXY, Robert, ob. cit., p.296 ss..
50 MARINUCCI, Giorgio; DOLCINI, Emilio, ob. cit., p.489.
51 Nesse mesmo sentido, FIGUEIREDO DIAS, Jorge de, ob. cit.,
p.114; PRADO, Luiz Regis, Bem jurídico-penal e Constituição,
São Paulo : RT, 1996, p.58 e 68.
52 MANTOVANI, Ferrando, “Il principio di offensività nello
schema di delega legislativa per un nuovo codice penale”,
Riv. ital. dir. proc. penale, 2 (1997), p.323. Do mesmo autor, ver,
também, Diritto penale. Parte generale, 4.ª ed., Padova :
Cedam, 2001, p.196; “Il principio di offensività tra dogmática e
politica criminale”, in: Il diritto penale alla svolta di fine milenio,
org. por Stafano Canestrari, Torino : Giappichelli, 1998, p.251.
53 MANTOVANI, Ferrando, Il principio..., ob. cit., p.323 ss..
54 Recepcionando a ofensividade como princípio não sujeito à
derroga, FIORE, Carlo, “Il principio di offensività”, L´Indice
penale, (1994), p.279; MARINUCCI, Giorgio; DOLCINI, Emilio,
ob. cit., p.559 e 254; DOLCINI, Emilio, “Il reato come offesa a un
bene giuridico. Un dogma al servizio della politica criminale”,
in: Il diritto penale alla svolta di fine milenio, org. por Stafano
Canestrari, Torino : Giappichelli, 1998, p.214 s..
55 FARIA COSTA, José de, ob. cit., p.621, nota 130. Nesse
sentido, ver também KINDHÄUSER, Urs,
Gefährdung als
Strafrecht. Rechtstheoretische Untersuchungen zur Dogmatik
der abstrakten und konkreten Gefährdungsdelikte, Frankfurt am
Main : Klostermann, 1989, p.168.
56 BORGES, Anselmo, «O crime econômico na perspectiva filosófico-teológica», Rev. Portuguesa de Ciência Criminal, 1
(2000), p.21.
57 Para uma breve exposição de todas estas elaborações, ver
D’AVILA, Fabio Roberto, ob. cit., p.112 ss.
58 Para uma exposição detalhada, ver D’AVILA, Fabio Roberto,
ob. cit., p.159 ss.
59 Lei 6.368/1976. Art. 16. Adquirir, guardar ou trazer consigo,
42
15
para o uso próprio, substância entorpecente ou que determine
dependência física ou psíquica, sem autorização ou em
desacordo com determinação legal ou regulamentar: Pena Detenção, de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos, e pagamento de
(vinte) a 50 (cinqüenta) dias-multa.
60 Lei 11.343/2006. Art. 28. Quem adquirir, guardar, tiver em
depósito, transportar ou trouxer consigo, para consumo pessoal, drogas sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar será submetido às seguintes penas:
I - advertência sobre os efeitos das drogas; II - prestação de
serviços à comunidade; III - medida educativa de comparecimento a programa ou curso educativo. (…)
ALEXY, Robert, Theorie der Grundrechte, Baden-Baden :
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Contributo
para
a
compreensão dos bens jurídicos supra-individuais, São Paulo :
RT, 2004.
O RAPTO:
Modus Operandi, Consequências à Prevenção
Uma Perspectiva Moçambicana
Paulo Sandro Aboobacar de Sousa
Jurista e Criminalista,
Mestre em Ciências Jurídicas Público Forense-ISCTAC,
Email: [email protected].
Resumo
O crime de rapto tem sido nos últimos tempos matéria de preocupação e debate, com fundamento negativo
na esfera social, política e económica, nesta ordem de ideias. O(s) raptor(es) tendem a ser mais astutos e criativos, com tendência a modernizar-se no pressuposto criminoso, identificando lacunas legais ou dos sistema de
justiça em geral, o estudo e/ou premeditação da prática do rapto é prova evidente disto, identificando a vitima, sua característica económica ou dos seus familiares, o trajecto e/ou percurso quotidiano deste, formas de
direccionamento aquando do rapto ao local do esconderijo, a característica do esconderijo, a forma do pedido
ou exigência da compensação ou resgate, a quantia e o modelo de pagamento. Na vitima, sem sombra de
dúvidas, ficam alguma sequelas ou traumas como consequência do sofrimento, das limitações, das ameaças
que passara como também, fica sequelas sobre a comunidade em geral, desde dúvidas do pressuposto de segurança que o Estado deve garantir, como medo e/ ou receio de ter, seguir uma vida tranquila, passando nesta
ordem de ideias a ser mais oculta no pressuposto de “exposição” da vida quotidiana; pelo conseguinte, notoriamente os males ou os ilícitos criminais devem ser combatidos e prevenidos, logo, a que ter mais cautela no
pressuposto expositivo social e financeiro, garantir a segurança das presumíveis vitimas, desde forma particular, como no papel dos órgãos de garantia de tranquilidade e segurança pública.
Palavras-Chave: rapto; forma operativa; consequências; prevenção.
16
Vol. 1, Nº 01, Ano I, Setembro de 2014
A polícia de investigação criminal (PIC) e o
Ministério Público (MP) ambos jogam um papel preponderante na investigação de crimes e na determinação dos seus agentes, com vista a formação do
corpo de delito e, por conseguinte na realização da
acção penal e no processo da administração da justiça, dai que devem estar dotados de recursos humanos altamente especializados e equipados com meios
que estejam a altura de realizar uma investigação
criminal mais sólida e profunda nas missões tácticas e
perícias que lhes forem incumbidas.
A ineficácia que se verifica nos processos de
investigação criminal derivados aos factores acima
mencionados tem consequentemente resultado na
falta de produção da verdade material irrefutável e
irrecusáveis as reacções do acusado.
Introdução
O
rapto é hoje uma realidade, os modelos e/
ou mecanismos preventivos e combativos
deste ilícito criminal, tendem a ser ignorado
em consonância o pressuposto inovador
dos criminosos, pois, embora a elevação, reconhecimento deste ilícito atípico só aconteceu nos últimos
dois anos, este já é conhecido a longo tempo, os motivos de só hoje estarmos a constituir elementos para
prevenção e entendimento dos moldes de sucessão
constitui um atraso prejudicial, pois, o infractor tende a
ser inteligente, descobrindo as lacunas dos dispositivos
legais e quiçá a capacidade de entendimento dos
legisladores e automaticamente a capacidade operativa geral dos agentes de investigação, protecção e
outros, pois, estes visivelmente capacitam-se conforme os ilícitos consagrados, deixando de lado pressupostos futuros ou que eventualmente possa ocorrer,
fazendo da prática preventiva, combativa um modelo cíclico.
Oque se traz aqui, relativo a este ilícito contínuo e com tendência a incrementar-se e modernizarse (pressuposto dos criminosos dos tempos modernos
e/ou que correm), é pela capacidade de entendimento de algumas características de ainda persistir,
desenvolver-se este acontecimento. Acredito que
traduzir os pressupostos de modus operandi, consequências e prevenção dos raptores e raptos respectivamente, requer um conhecimento cientifico aplicado as ciências criminais e/ou criminalística em geral.
Deduzindo deste modo, uma lacuna enorme nos quadros que ocupam os lugares da administração da
justiça em geral, pois, o processo formativo, capacitativo outrora fora demasiadamente virado a esfera
civil, ignorando deste modo a esfera criminal e/ou
penal. Se quisermos que haja uma mudança há que
inovar, intensificar, modernizar as características de
formação nas áreas de Direito e ciências policiais.
Em termos estatísticos, de Janeiro de 2013 a
sensivelmente Março de 2014 ocorreram em Moçambique 44 (quarenta e quatro) casos de raptos e sequestros, uma média de 3 (três) raptos por cada mês.
Salienta-se, que os dados estatísticos acima foram os
conhecidos pelos órgãos da administração da justiça,
como se sabe e pela natureza de exigência dos raptores muitos foram desconhecidos ou resolvidos entre
as vítimas e os raptores.
Neste âmbito, com intuito de introduzir conteúdo de respostas as questões, onde vamos parar oque
esta a ser feito para fácil identificação do raptor,
oque esta a ser feito para minimizar a/ou combater
esta atipicidade? Passo a citar alguns pressupostos de
realce.
Necessidade de oficialização do 4º poder, o defense juri
O M.P. deve sob ponto de vista geral, conforme competência, defender a legalidade a todo custo, mostrando independência e/ou autonomia; deste
modo cairá por terra o pressuposto defendido continuamente de existência de (três) poderes, o poder
legislativo, o poder judicial e o poder executivo; o M.P.
não se junta ao poder judicial, pois, um defende e
promove a legalidade e outro aplica a legalidade,
deste modo, o pressuposto extensivo da defesa da
legalidade, de uma forma notória pressupõe a promoção da legalidade, nascendo ou designando-se o
M.P. de um poder próprio defense juri.
Caracterização no fundamento da dúvida de
separação de acções
A PIC é uma unidade policial que possui uma
forte intervenção me matéria processual penal. Nos
termos do art° 4°, n° 2, do estatuto orgânico da polícia
da República de Moçambique, a PIC especificamente compete investigar e proceder à instrução preparatória de processos relativos aos crimes de delito comum, cumprir as deligências processuais requisitadas
pelas autoridades judiciais e do M.P., exercer a vigilância e fiscalização de estabelecimentos e locais suspeitos ou propensos a preparação e execução de crimes
ou utilização dos seus resultados.
Da leitura conjugada do estatuto orgânico do
MINT, publicado pelo diploma ministerial n° 68/2001,
Lei n° 19/92 de 31 de Dezembro (lei que cria a PRM)
decreto n° 35042 de 20 de Outubro de 1945, concluise que a PIC tem dupla subordinação, designadamente, administrativa (MINT) e funcional (MP).
Neste entendimento, conclui-se que o MP e a
PIC devem sem qualquer dúvida esperarem-se efectivamente, sem nenhum vínculo, poi, ninguém pode
servir a dois senhores, comprometendo deste modo o
interesse das partes.
Características Negativas Que Influem
Sobre o Processo Investigativo e Processual:
Caracterização no fundamento formativo e capacitativo polícia de investigação criminal e Ministério Público.
A necessidade do retorno do real papel
do MINT (Ministério do interior)
Da interpretação da Lei 17/97 de 07 de Outubro, que se refere a políticas de defesa e segurança
da República de Moçambique, percebe-se que o
17
Vol. 1, Nº 01, Ano I, Setembro de 2014
Ministério da defesa é entidade máxima dos pressupostos de políticas defensivas, todavia, o MINT, entra
sem sobra de dúvidas como parte integrante desta
(sob ponto de vista de objectivos - art° 3° da mesma).
Deste modo, o MINT em geral deverá de grosso
modo dedicar-se a essa causa, a PIC que esta incorporada nesta, deverá de alguma forma afastar-se, o
MINT não investiga crimes, pois, esse papel deverá vir
de um órgão autónomo.
Dos fundamentos acima expostos, percebe-se
notoriamente que constituem motivos de ineficácia
para o alcance do real interesse na esfera da administração da justiça, desde os aspectos de celeridade à
interpretação e resposta a altura de surgimento de
novos crimes e/ou crimes atípicos.
ocorre sempre existindo um estrangeiro (naturalidade
indiana), e se assim for o pedido é quase sempre avultado em moeda estrangeira ao cambio do metical
(acima de vinte milhões de meticais) contrário quando intervém só nacionais, sempre exigência em metical e abaixo de seis milhões de meticais).
Dos meios usados:
Telefones celulares pré-pagos sem registo efectivo, com permanente mutação, com incidência nas
redes Movitel e Vodacom, viaturas com características físicas alteradas (vidros fumados), matricula ou
chapa de inscrição adulterada e normalmente alugada ou com simulação de outro proprietário (articulado
3° do proc. 12/PPS/2014), armas de fogo tipo pistola
ou AKM e outra simulativas (plástico).
O Modus Operandi do Raptor
Falar de modus operandi, é mesmo que traduzir as formas de actuação, tácticas e técnicas usadas
em determinada operação, neste caso, há-de ser o
rapto. Há vários factores que levam um individuo a
cometer circunstâncias que ferem as normas e/ou
princípios de regulação de um Estado, desde factores
sociólogos, psiquiátricos ou antropológicos.
O crime de rapto é, pois uma prática que requer a premeditação, uma preparação técnica, metódica e táctica, deduz-se deste modo que o sujeito
idealizante e extensivo ao sujeito que prática, são
indivíduos com algum conhecimento cientifico inerentes e/ou experientes.
Do percurso direccionado ao local de cativeiro:
Analisando os processos expostos, conjugando
com informação obtida de meios de comunicação
em geral, os raptores tendem a conhecer os locais de
afluência continua ou permanente das autoridades
policias nos arredores da Cidade, pelo que, usam
maioritariamente ruas ou avenidas alternativas e pouco movimentadas (ver articulado 14° despacho de
acusação do proc.33/5ª/2014).
Do cativeiro:
Da identificação da vítima:
De forma a garantir “segurança” do produto
da troca (vitima), os raptores procuram domicílios nas
zonas “recônditas” com pouca afluência de vizinhança, pouco acolhedoras, arrendadas (só para tal objectivo) e com desconhecimento do proprietário.
A vítima de um rapto pode ser qualquer um,
ou seja, cidadão de qualquer idade (criança, jovem
ou adulto), deve ter ou ser de uma família com condição financeira notória, ou com condição visível de
pagamento do resgate.
Do resgate:
Da identificação da condição financeira
da vítima:
A troca (vitima pelo valor do resgate) é feita
em dinheiro, cuja exigência transcreve o receio de
uso de outros meios, pois, poderá ser identificada, a
entrega ocorre em um local distinto do lugar do carcere, por vezes em sacolas ou pastas diferenciadas.
A identificação da condição financeira da
vítima ou alguém que possa responsabilizar-se por
esta, faz-se mediante o estudo da profissão, ocupação ou actividade que exerce, sendo de preferência
empresários, olhando ao fundo se cré que os funcionários bancários com acesso ou privilégio de consulta
de saldos de clientes também ajudam o raptor na
passagem da respectiva informação; outro elemento
que sustenta ao raptor na confiança de que o resgate
irá ser pago é pela visibilidade da exposição dos bens
móveis ou imóveis a partir do sujeito (a ser raptado),
modo e forma de vida, caracterização luxuosa; o
informador também pode ser um membro da família
ou colaborador da presumível vítima.
Consequências
Todo e qualquer crime ou delito tem sempre
consequências negativas. No caso dos raptos, para
além de limitar ilegalmente a liberdade das pessoas,
estes normalmente são acompanhados por agressões,
ameaças, humilhações, violações, torturas físicas e
mentais. Regra geral é pouco os casos de raptos em
que as vítimas são muito bem tratadas.
O rapto tem consequências dolorosas para as
vítimas, seus familiares, as comunidades à volta, para
os países em geral e por essa via para a comunidade
internacional. A maioria dos sobreviventes ou das pessoas que já experimentaram raptos, enquanto vítimas,
não se recuperam cabalmente dos traumas, aliado
ao trauma de todas as pessoas próximas (familiares e
amigos).
Dos raptores:
Analisando os processos n° 12/5ª/2014, proc. n°
14/6ª/2014, proc. n° 33/5ª/2014, facilmente deduz-se a
distinção do sujeito raptor, a partir da quantia exigida,
18
Vol. 1, Nº 01, Ano I, Setembro de 2014
A nível individual, logo à partida, as pessoas perdem a capacidade defensiva e são anulados socialmente, devido à privação imediata e
forçada de liberdade. Pode ter como efeitos distúrbios mentais, transtornos afectivos, instabilidade
emocional e no caso de crianças pode afectar o
seu normal desenvolvimento psicossocial. Mesmo
para os raptores, que permanecem no controle
dos reféns sofrem uma tensão permanente que se
pode elevar a uma perca do controle da situação
e resultar em agressão à vítima.
A nível económico, os raptos propiciam o
surgimento de paraísos fiscais e uma economia
paralela ilegal, devido aos valores monetários que
origina. Quando os raptos são orientados para
empresários, podem retrair os investimentos, no
caso de estrangeiros ou mesmo nacionais que
queiram investir, mas desistem por medo de extorsão.
Portanto, as consequências dos raptos podem ir desde o nível individual, até afectar o nível
mais alto de desenvolvimento do país, o funcionamento do Estado, com repercussões sociais, políticas, económicas e efeitos muitas vezes difícil de
medi-los. A um nível mais generalizado, os sequestros originam a perca de confiança pública tanto
a nível nacional, como internacionalmente, pela
percepção de incapacidade do Estado para responder a tal fenómeno.
te também distribuir o respectivo património
(financeiro) em agencias bancárias distintas.
Sobre o ponto de vista de políticas
públicas ou institucionais
É importante seguir a dinâmica social, politica e económica da sociedade (pressuposto determinante para criação de normas ou dispositivos
legais), nunca pensar em fazer depois de sentir-se
a consequência ou o dano; logo, há que criar
dispositivos legais com impacto directo sobre o
determinado ilícito (raptos), atendendo as consequências do mesmo, traduzir penas com intuito
efectivo de dissuasão desta prática.
Cancelar e/ou determinar que para aquisição de um cartão inicial para uso comunicativo
móvel pressupõe imediatamente registo presencial
do interessado, de modo a evitar uso de cartões
de telefonia móvel não identificáveis.
Criar órgãos específicos de investigação
deste tipo de crime, capacitados sobre o ponto
de vista académico, como sobre o ponto de vista
técnica e táctica operativa, dotar de instrumentos
próprios de investigação e determinação dos supostos autores deste crime.
Conclusão
Prevenção
Em jeito conclusivo, poderá dizer-se que a
partir do fim comum do rapto (obter dinheiro de
forma quase rápida), com mecanismos operativos
quase cíclicos, as formas de prevenção são na
efectividade, elemento importante para extinguir
essa prática, demostrando a este grupo (raptores)
que os mecanismos de estratégia foram identificados, para este efeito há que intensificar os meios
preventivos individuais, colaboração comunitária e
criação de politicas públicas de segurança mais
eficiente e eficaz.
Para elementos preventivos, dentro da
esfera dos sequestros, há que ter em conta dois
principais, criação de mecanismos de prevenção
individual e mecanismos de políticas públicas e
institucionais.
Sobre o ponto de vista individual:
Há que ter atenção do modus vivendi quotidiano, evitando exposição geral da capacidade
financeira, da posse dos bens móveis e imóveis;
analisemos uma foto
exposta numa das redes socias (facebook),
onde uma determinada jovem mostra ao mundo
a rotina dos finais de semana, viagens em helicópteros fretados, hospedagem em hotéis ou lodjes 5
estrelas, aquisição continua de telefones celulares
de última geração, entre outros.
É pertinente o cultivo do hábito de inverter
ou alterar as rotas de passagem rotineiras, sem
prévio conhecimento do motorista, sendo a alteração no momento do percurso, evitar a frequência
permanente de locais de diversão e/ou lazer, prestar sempre atenção em movimentos estranhos,
presença de indivíduos desconhecidos e de conduta duvidosa, ser seguido por uma viatura com
características outrora identificadas por mais de 5
minutos; Antes de entrada ou saída da escola ou
local de trabalho, verificar aos redores se há presença de alguma viatura ou individuo atento aos
seus movimentos, analisar a capacidade ou comportamento psicológico do motorista; certificar-se
que o staff é de confiança, evitar depósitos bancários rotineiros e de elevadas somas, podendo ser
feito parcialmente e sem data fixada, é importan-
Notas e Referências
1 Expressão
usada no ultimo informe do Procurador Geral da
República a Assembleia da República.
2 Ministra da Justiça, na cerimónia de auscultação pública
sobre a estratégia nacional de prevenção criminal 2015-2019.
3 Vide normas e princípios das nações unidas em material de
prevenção do crime e de justice penal.
4 Paulo Sandro A. de Sousa. Monografia de licenciatura em
CJIC, a ineficácia no processo de investigação criminal e o
sector de justiça em Moçambique. Análise critica. P.3
5 Designação do Prof.Msc. Rizuane Mubarak.
6 Art° 4° da Lei n° 22/2007, de 01 de Agosto – Lei Orgânica do
Ministério Público.
7 Prof. Msc. Rizuane Mubarak.
8 Cronologia dos raptos em Moçambique, publicado em
09/11/2013 ., http://www.jn.pt/paginainicial/mundo/palops/
interior.aspx?content_id=3524120&page=1; proc.n° 12/5ª/2014 ,
proc.n° 14/6ª/2014, proc. n° 33/5ª/2014.
9 proc.n° 12/5ª/2014 (fls 2 do despacho de acusação pública) .
10 Cronologia dos raptos em Moçambique, publicado em
09/11/2013
http://www.jn.pt/paginainicial/mundo/palops/
interior.aspx?content_id=3524120&page=1 .
11 proc.n° 12/5ª/2014 (fls 6 do despacho de acusação pública)
e proc. n° 33/5ª/2014 (despacho de acusação, articulado 17° e
20°).
19
Vol. 1, Nº 01, Ano I, Setembro de 2014
12 Pedro
Jurisprudência
Processo n° 12/5ª/2014 - TJPS
Processo n° 14/6ª/2014, - TJPS
Processo n° 33/5ª/2014 - TJPS
Paulo Sandro Aboobacar de Sousa, Monografia de licenciatura
em CJIC, a ineficácia no processo de investigação criminal e o
sector de justiça em Moçambique. Análise critica.
Jornal Diário de Moçambique de 20 de Março de 2014
Jornal a verdade de 30 de Outubro de 2013 @ hora da verdade.
António, in hora da verdade, Outubro de 2013 .
Legislação
Lei n° 19/92 de 31 de Dezembro (lei que cria a PRM)
Lei 17/97 de 07 de Outubro, (politicas de defesa e segurança da
República de Moçambique)
Lei n° 22/2007, de 01 de Agosto (Lei orgânica do Ministério Público)
Decreto n° 35042 de 20 de Outubro de 1945
Diploma Ministerial n° 68/2001 de 02 de Maio (estatuto orgânico
do MINT)
Breve Ensaio Sobre Evolução Histórica e Política das
Relações Entre China e o Mundo em Desenvolvimento
Autora: Anna Carletti
Doutora em História pela UFRGS, Pós-Doutora em Ciência Política pela UFRGS. Professora Adjunta do
Curso de Graduação em Relações Internacionais da Universidade Federal do Pampa e Professora
Colaboradora junto ao Programa de Pós-Graduação em Estudos Estratégicos Internacionais da
UFRGS. Email: [email protected]
O objectivo desse artigo é evidenciar as principais etapas da construção histórica e política das relações chinesas com os países em desenvolvimento, o que poderá tornar mais legível o tipo de inserção que a China
está construindo actualmente no Sul do mundo junto aos outros membros do BRICS. A análise parte da
hipótese de que a aproximação chinesa com o mundo em desenvolvimento não é algo recente: ela se enraizaria em relações políticas e históricas já consolidadas que justificariam a percepção positiva da maioria dos
países em desenvolvimento acerca da crescente inserção junto a essa parte do mundo. A pesquisa se concentrará na evolução histórica das relações chinesas com os países em desenvolvimento a partir da proclamação
da República Popular da China até os dias actuais.
N
usar o discurso de cooperação com o mundo em desenvolvimento para explorar os recursos naturais dessa
porção do mundo.
Apesar de tais acusações, em sua maioria os
países em desenvolvimento estão respondendo de
forma positiva às ofertas de cooperação chinesa. O
interesse da China em construir um relacionamento
privilegiado com tais países não é algo recente, pois, já
nos seus primeiros anos de vida, a República Popular
da China aproximou-se desses países. A partir da Conferência de Bandung, em 1954, a China alinhou oficialmente sua trajectória com a dos países em desenvolvimento, sobretudo na base das experiências históricas
de exploração imperialista, comuns aos países da Ásia,
África e América Latina. No período maoista, a abordagem da China com o mundo em desenvolvimento
era, de fato, prioritariamente ideológica. Após a morte
de Mao Zedong, a política de Portas Abertas inaugurada por Deng Xiaoping, na primeira década de 1980,
deu prioridade às relações com os países desenvolvidos, o que resultou num aparente distanciamento dos
países em desenvolvimento. Nos anos recentes, porém,
as autoridades de Pequim retomaram o discurso de
aproximação com o mundo em desenvolvimento,
dessa vez por razões pragmáticas, sobretudo em busca de novos mercados e dos recursos naturais vitais
Introdução
a véspera da IV cúpula dos BRICS, em Nova
Délhi (Índia), o então presidente da República Popular da China, Hu Jintao, enfatizou o
papel dos BRICS junto aos países emergentes. Ele declarou que o grupo do BRICS deve ser o defensor e promotor dos interesses do mundo em desenvolvimento (HU JINTAO, 2012).
Ao lado da China, a Rússia, Índia, Brasil e África
do Sul compõem esse grupo que vem fortalecendo a
cada ano seus laços de cooperação, tornando-se
actualmente um grupo de impacto crescente no âmbito internacional.
Contudo, as afirmações do ex-presidente Hu
Jintao podem suscitar alguns questionamentos. Na
composição dos BRICS, a China está ocupando cada
vez mais um lugar de destaque. Além de ser o único
país em desenvolvimento com assento permanente no
Conselho de Segurança das Nações Unidas, seu vertiginoso crescimento económico a obrigou a redesenhar sua posição no âmbito mundial. A busca de relações privilegiadas com países em desenvolvimento por
parte do gigante asiático tem despertado preocupações nas democracias ocidentais que a acusam de
20
Vol. 1, Nº 01, Ano I, Setembro de 2014
para a crescente indústria chinesa. Ao lado dos acordos comerciais, o governo de Pequim vem reforçando
também laços políticos com estes países junto aos
quais a China se apresenta ao resto do mundo como
parte do mundo em desenvolvimento. A cooperação
com estes países continua fundamentada nos Cinco
Princípios de Coexistência Pacífica, pilares tradicionais
da política externa chinesa e no discurso da Cooperação Sul-Sul, discurso este adoptado há tempo também
pelos integrantes do BRICS (com excepção da Rússia).
A partir dessas considerações, busca-se, nesse
artigo, evidenciar as principais etapas da construção
histórica e política das relações chinesas com os países
em desenvolvimento, o que poderá tornar mais legível
o tipo de inserção que a China está construindo actualmente no Sul do mundo junto aos outros membros do
BRICS.
A análise parte da hipótese de que a aproximação chinesa com o mundo em desenvolvimento não é
algo recente: ela se enraizaria em relações políticas e
históricas já consolidadas que justificariam a percepção positiva da maioria dos países em desenvolvimento acerca da crescente inserção junto a essa parte do
mundo.
Na primeira parte do artigo, serão evidenciadas
as características principais do grupo do BRICS, que se
tornou, no âmbito da política externa chinesa, um instrumento privilegiado de sua inserção internacional,
sublinhando, de forma especial, o olhar preferencial do
grupo para com as economias emergentes e os países
em desenvolvimento.
Na segunda parte do trabalho, a pesquisa se
concentrará na evolução histórica das relações chinesas com os países em desenvolvimento a partir da proclamação da República Popular da China até os dias
actuais.
da República Popular da China pela maioria dos países aliados aos Estados Unidos. De fato, as grandes
potências ocidentais recusaram-se de reconhecer o
novo país comunista, permanecendo ligadas, do ponto de vista diplomático, à República da China (R.O.C.),
localizada na ilha de Taiwan, onde Chiang Kai-shek
havia se refugiado depois da vitória comunista. Apenas os países do bloco soviético e mais a Mongólia
Externa reconheceram imediatamente o novo governo.
Zhou Enlai, Ministro das Relações Exteriores procurou, então, estreitar relações com países vizinhos à
China como a Mongólia Externa, e a República Democrática da Coreia, promovendo, ao mesmo tempo,
relações com Índia, Mianmar e os grupos revolucionários do Vietnã que lutavam contra a colonização francesa (MITCHELL, 2007).
Desde o início da Nova China, a política chinesa acompanhou as lutas de libertação dos países até
então objecto do imperialismo ocidental. De acordo
com Dittmer (2010), a China foi a primeira - no mundo
comunista - a reconhecer a importância ideológica e
estratégica do grupo dos países emergentes. Já nos
primeiros dias de vida da Nova China, em 26 de Outubro de 1949, Mao Zedong escreveu um telegrama ao
Comité Central do Partido Comunista Algeriano - expressando a simpatia da Republica Popular da China
para com as lutas de libertação dos povos oprimidos.
“Estou convencido” – afirmava Mao no telegrama –
“de que o povo da Argélia, sob a guia do Partido Comunista algeriano e com a ajuda da frente internacional da paz e da democracia conseguirá abater a dominação imperialista”.
No mês seguinte, em Novembro de 1949, Mao
escreve ao Secretário Geral do Partido Comunista Indiano, que enviara um telegrama festejando a proclamação da República Popular da China. Mao Zedong
sublinhou os muitos aspectos comuns entre Índia e China, dando ênfase, sobretudo, às vivências passadas
comuns e ao futuro dos dois países, fazendo voto que
logo a Índia também conseguisse se libertar do jugo
imperialista entrando na família socialista. No ano seguinte, a Índia ingressou no grupo dos países que mantinham relações diplomáticas com a China, sendo o
primeiro país a reconhecer a Nova China fora do bloco comunista.
Em 1953, Zhou Enlai, Ministro das Relações Exteriores da República Popular da China, idealizou e anunciou os “Cinco Princípios de Coexistência Pacífica”,
durante o encontro com uma delegação indiana em
31 de dezembro, apresentando-os como princípiosguia da nova política externa chinesa e apelando ao
mundo em desenvolvimento que, como a China, tinha
sido submetido à exploração colonialista por parte das
potências ocidentais (MITCHELL, 2007). Os princípios
foram lançados oficialmente durante a Conferência
de Bandung, na Indonésia, em 1955, da qual participaram representantes de 29 países da Ásia e da África.
Resultado dessa conferência foi a promoção da solidariedade entre África e Ásia e a inauguração da
nova política externa chinesa, cujo objectivo era romper o isolamento diplomático e ocupar uma posição
de liderança ideológica dentro do grupo dos países
em desenvolvimento. A Conferência de Bandung resultou também na criação do Movimento dos Não Ali-
A Aproximação Chinesa ao Mundo
em Desenvolvimento Durante o Período
Maoista
Após a proclamação da República Popular da
China em 1 de Outubro de 1949, Mao Zedong declarou que as relações exteriores haveriam de ser construídas ex -novo, considerando nulas todas as relações
diplomáticas estreitadas até aquele momento. A intenção de Mao Zedong era construir uma nova China,
não mais baseada nos valores clássicos confucionistas
que haviam demonstrado sua ineficiência, mas nos
valores ideológicos que haviam alimentado a luta dos
comunistas durante os longos anos de guerra civil. A
China pretendia ser reconhecida, de agora em diante,
como igual às outras nações.
No discurso de Junho de 1949, comemorando a
fundação do Partido Comunista da China, Mao afirmou que, para obter a vitória e consolidá-la, fazia-se
necessário a escolha de apenas um lado, o do socialismo.
Contudo, mesmo alinhando-se ao bloco soviético, logo a política chinesa iniciou a ensaiar o discurso
de adesão a um terceiro caminho, acentuando suas
relações com os países em desenvolvimento, como
estratégia para sair do isolamento diplomático provocado pela ausência de reconhecimento internacional
21
Vol. 1, Nº 01, Ano I, Setembro de 2014
nhados, através do qual os países do assim chamado
Terceiro Mundo afirmaram sua recusa ao alinhamento
de um lado ou outro da ordem bipolar vigente na época. Isso beneficiou ulteriormente a República Popular
da China que passou a ser reconhecida pelos países
membros do Movimento dos Não Alinhados.
Em 1956, numa conversação com duas personalidades da América Latina, Mao Zedong falou sobre
o imperialismo americano comparando-o a um tigre
de papel do qual não se devia ter medo porque ele
estava destinado a ser derrotado. “Os fortes devem
ceder o lugar aos fracos.” Nesse caso, os fracos eram,
na visão de Mao Zedong, todos os povos oprimidos
pelo imperialismo norte-americano. Colocando a China no mesmo patamar dos outros países, afirmou que
Nós nos encontramos nas mesmas condições
dos nossos amigos da América Latina, da Ásia e da
África dado que fazemos o mesmo trabalho: operar no
interesse do povo para reduzir a opressão do imperialismo (...) Na luta contra a opressão imperialista, entre
nós e vocês há uma identidade substancial, as diferenças dizem respeito à área geográfica, à nacionalidade
e à língua(T.d.A).
A Nova China de Mao Zedong contava, em
suas relações externas, com o peso que os novos países poderiam exercer numa possível reconfiguração do
cenário internacional. A partir disso, compreende-se o
apoio maoista à primeira guerra da Indochina no Vietnã, às guerras de libertação de Cuba e Argélia, à condenação do ataque de Israel-França-Inglaterra na
Crise de Suez de 1956 e o apoio à revolução no Iraque
(DITTMER, 2010, p. 205).
Na década de 1960, a ideologia terceiromundista chinesa aprofundou-se ulteriormente. Analisando a intensa atividade de Zhou Enlai, que nessa
época visitou vários países da Ásia e da África para
conseguir apoio ao modelo chinês de socialismo, podemos deduzir como a China apostava nessa frente
unida contra a oposição ocidental.
A campanha ideológica foi acompanhada
pela assistência material aos movimentos comunistas
nos países asiáticos e africanos. Tal assistência consistia
no envio de armas, em ajudas em dinheiro e instrutores
militares para fortalecer os grupos guerrilheiros desses
países. O dinamismo e participação nos movimentos
revolucionários dos países em desenvolvimentos foram
revistos e corrigidos durante o ápice da Revolução
Cultural no final da década de 1960, quando as autoridades de Pequim destinaram tais ajudas quase que
exclusivamente aos movimentos comunistas desses
países. Isso gerou reclamações por parte dos governos
dos países africanos e asiáticos que pediram explicação ao próprio Zhou Enlai sobre a coerência entre os
Cinco Princípios de Coexistência Pacífica, proclamados pela República Popular da China como linhas-guia
de sua política externa e as ajudas chinesas oferecidas
aos insurgentes comunistas em países alheios, as quais
evidentemente violavam principalmente o princípio
defendido pela China de não interferência nos assuntos alheios. Segundo Dittmer (2010), na aproximação
aos países em desenvolvimento, a China adotara simultaneamente duas atitudes: uma atitude ideológica,
como membro do bloco comunista, e uma postura
desenvolvimentista, ou nacionalista. Dependendo do
momento, da conjuntura política interna e externa,
uma das faces predominava, redesenhando – ao menos de forma conjuntural, ou seja, não definitivamente
- as relações internacionais da China. Frente ao apoio
chinês aos movimentos comunistas do sudeste Asiático,
os países dessa região criaram a Associação das Nações dos Sudeste Asiático (ASEAN) como forma de
conter a influência chinesa.
Nesse mesmo período, em consequência da
ruptura entre URSS e a China comunista, a aproximação chinesa aos países em desenvolvimento assumiu a
forma de disputa ideológica entre a China e URSS.
Não obstante tudo, a ajuda efetiva da República Popular da China aos países do Terceiro Mundo se
revelou bastante modesta, não podendo se comparar
à ajuda soviética.
Em 1963, Mao Zedong elaborou outra teoria do
sistema internacional chamada das Duas Áreas Intermédias. Essa teoria enfatizava a existência de um espaço intermédio entre os Estados Unidos e a União
Soviética. Os países que se encontrariam nesse espaço
intermédio, como a China, deviam se reunir para formar uma frente unida contra a América Imperialista. A
região intermédia por sua vez estava dividida em duas
secções. A primeira incluía os países em desenvolvimento da Ásia, África e América Latina – esses países
formavam o núcleo da coalizão anti-EUA. A outra
compreendia o Japão, Canadá, Oceania e os países
capitalistas da Europa Ocidental, países que segundo
Mao eram controlados ou influenciados negativamente pelos Estados Unidos. No encontro dessas duas secções, os países em desenvolvimento da Ásia, América
Latina e África eram concebidos como os países que
tinham a responsabilidade de liderar a luta contra o
imperialismo, defendendo a revolução proletária e a
autossuficiência econômica (MITCHELL, 2007).
O discurso de apoio à revolução mundial tornou
-se prática quando, nesse período, o governo de Pequim apoiou as lutas armadas em 24 países, 18 dos
quais possuíam governos pró-ocidentais (DITTMER, 2010,
p. 207).
A ajuda chinesa aos países em desenvolvimento
durante toda a década de 1960 se concretizou também através de projetos conhecidos como turn key,
projetos que entregavam o produto pronto para o uso.
O mais famoso foi a ferrovia de 12000 milhas que ligava
as minas do estado de Zâmbia à capital da Tanzânia,
Dar-Es-Salam.
Segundo Alicia Altorfer-Ong (2009), a construção da ferrovia com financiamento chinês foi o marco
das relações entre a República Popular da China e a
Tanzânia. A aproximação do país africano à Tanzânia
ocorreu depois do país africano ter se decepcionado
com as promessas não cumpridas das maiores potências e instituições financeiras da época (Banco Mundial, EUA, Grã-Bretanha, URSS e Japão).
Num relato do encontro entre o presidente da
Tanzânia, Nyerere e Mao Zedong, aparece a hesitação do presidente da Tanzânia em pedir ajuda econômica à China, tendo ciência das dificuldades da nova
República. Contudo, assim que souberam qual era a
necessidade mais premente do país africano, Mao
prometeu atender logo a tal necessidade e a ferrovia
que ligava a capital da Tanzânia ao estado de Zâmbia
estava pronta em 1967.
22
Vol. 1, Nº 01, Ano I, Setembro de 2014
Dentro desse objectivo, a política externa chinesa foi redesenhada, estabelecendo uma hierarquia de
prioridades quanto a seus parceiros estrangeiros. Estabelecer relações estáveis com os Estados Unidos e com
os países desenvolvidos estava no topo da pirâmide de
construção de sua política externa.
Contudo, apesar da diminuição do quantitativo
de ajudas financeiras destinadas ao Terceiro Mundo, o
governo de Pequim procurou manter relações de cooperação mútua com os países em desenvolvimento,
apoiando o discurso de cooperação Sul-Sul. Argélia,
Irão, Iraque, Paquistão, Arábia Saudita e Síria receberam, nesse período, principalmente ajuda militar, incluindo tecnologia nuclear e sistemas de mísseis.
Segundo Becard, nesse período, a política externa chinesa
In an interview many years later, Nyerere recalled that in his
meeting with Chairman Mao Zedong, President Liu Shaoqi
and Premier Zhou Enlai, Liu had inquired what Tanzania
needed most at that time. Nyerere was reluctant to mention
the rail link at first because he was aware of the extent of
poverty in China. But he eventually did and Liu replied, ‘If
[the railway] is important to you and Zambia, we will build it
for you.’Mao replied that China, which had gained independence earlier, was ‘duty-bound’ to help those which are
in the process of being emancipated, and that they would
‘build the best railway for you’29 That offer was made on 18
February for the entire rail route, including the Zambian
section, and with it came the Chinese government’s assurance that full ownership would be handed over to Tanzania
and Zambia upon the project’s completion, along with the
relevant technology and equipment
Durante os anos de 1963-1964, o Ministro das
Relações exteriores, Zhou Enlai, visitou 11 países asiáticos e africanos (MUSSO, 1995).
Segundo vários analistas, essa dinâmica de ajuda por parte da República Popular da China era alimentada pelo desejo de ganhar espaço e apoio estratégico nos países em desenvolvimento e obter apoio
na tentativa de tirar Taiwan do assento permanente do
Conselho de Segurança da ONU e, ao mesmo tempo,
competir com a URSS na liderança ideológica junto
aos países africanos e asiáticos.
No final da década de 1960, em função do
aberto conflito com a vizinha URSS, a República Popular da China viu-se obrigada a elaborar uma nova estratégia diplomática para enfrentar a nova situação
geopolítica. Apesar de os EUA terem sido sempre considerados o inimigo acérrimo, frente à nova situação
internacional e à mudança de postura política da
URSS, o país vizinho foi classificado como o inimigo mais
perigoso e a aproximação gradual aos Estados Unidos
veio a fazer parte da nova política externa chinesa.
Em 1971, tal aproximação resultou no ingresso
da China Maoista no Conselho de Segurança da ONU
no lugar de Taiwan. As relações diplomáticas com os
EUA foram estreitadas oficialmente em 1978.
tanto para África quanto para América Latina
foi condicionada às possibilidades de contribuição ao
desenvolvimento nacional tendo sido dada prioridade
às realizações menos espetaculares e onerosas. A opção de não mais rivalizar com grandes potências e
avançar nos projectos de modernização levou a China
a colocar ênfase apenas na cooperação ‘Sul-Sul’ que
pudesse trazer vantagens económico-comerciais concretas. (BECARD, 2007, p. 146)
Deng Xiaoping, durante um discurso em 1982,
explicitou com muita clareza sua recusa em apresentar
a China como líder do mundo em desenvolvimento:
We say, China is simply a member of the
third world. Many friends say that China is
the leader of the third world. We say, we
should not be the leader. Once we become the leader, things will wrong. Hegemony had a bad reputation, so does the
leader of the third world. Saying this is not
being modest. It is out of real political consideration.
Tal posicionamento pode ser mais bem compreendido se pensarmos no direccionamento da política
externa de Deng Xiaoping pautada na fórmula:
“Esconder nossas capacidades e ganhar tempo, permanecer livre de ambição, nunca clamar para si a
liderança”.
Contudo, os inesperados fatos de Tian Anmen,
em Maio de 1989, que ameaçaram destruir tudo quanto Deng Xioping havia construído até aquele momento, trouxeram à política externa chinesa um novo incentivo às relações com os países em desenvolvimento. A decisão do governo de Pequim de adoptar a lei
marcial para colocar um fim às manifestações populares que estavam abalando o país numa época de
fragilidade interna do próprio Partido Comunista e de
vastas tensões sociais, resultou em condenação por
parte da maioria dos países ocidentais. A China passou
a sofrer com o certo isolamento internacional, o que a
levou a uma reaproximação aos países africanos e do
sudeste asiático, países estes que não compartilharam
da condenação ocidental à China (VISENTINI, 2011, p.
139).
Durante a década de 1990, as relações externas de Pequim, tanto com os países desenvolvidos
quanto com os países em desenvolvimento, foram
caracterizadas pelo pragmatismo em vista do desenvolvimento económico e da defesa da política de
Deng Xiaoping: Mudanças nas Relações
com os Países em Desenvolvimento
A morte de Mao Zedong marcou o fim
da política externa chinesa de cunho predominantemente ideológico. Com a chegada ao poder de Deng
Xiaoping, a China começou a se abrir à economia
internacional. Ao invés de dar ajuda económica, a
China apelou às comunidades chinesas além-mar para receber investimentos e assistência económica. A
diáspora chinesa consistia em 21 milhões de chineses
em Taiwan, 6 milhões em Hong Kong, 400 mil em Macau e 30 milhões no resto do mundo. Desde 1978,
quando a China retomou as relações diplomáticas
com o vizinho Japão, a China também contou com a
transferência tecnológica japonesa em troca de exportação de matérias-primas (VISENTINI, 2012).
O Japão passou a beneficiar a China também
através de seu programa ODA (Overseas Development
Assistance). Na década de 1980, a República Popular
da China se tornou também o país receptor de maiores empréstimos do Banco Mundial, com um valor de
5.5 bilhões em 52 projectos (MITCHELL, 2007, p. 17).
A prioridade de Deng Xiaoping era o crescimento económico e o desenvolvimento nacional em aparente detrimento do projecto ideológico.
23
Vol. 1, Nº 01, Ano I, Setembro de 2014
“uma só China” (One China policy). O objectivo de tal
política era isolar internacionalmente Taiwan buscando
convencer os países que ainda mantinham relações
diplomáticas com a ilha a reconhecer a República
Popular da China como governo legítimo.
Com o fim da Guerra Fria, os Estados Unidos
apressaram-se em proclamar a vitória dos valores democráticos e se prepararam em assumir o papel de
hegemonia numa ordem unipolar que eles consideravam como o desdobramento mais natural. Numerosas
obras, entre elas a mais famosa, a de Francis Fukuyama, “O Fim da História” enalteceram a vitória do mundo capitalista, prevendo o início de uma época sem
conflitos.
Frente a essa perspectiva, e passando a sofrer
com as crescentes pressões norte-americanas quanto
a seu sistema político, a China abraçou a causa da
construção de uma ordem multipolar que resultaria
numa diversificação das parcerias internacionais da
China e numa relativa desvinculação da aliança com
os Estados Unidos.
sanções por parte da comunidade internacional. Para
defender seus interesses nessas regiões, Pequim, mesmo fazendo uso da devida prudência diplomática,
não hesita em manifestar a própria solidariedade usando do seu veto junto ao Conselho de Segurança para
proteger tais países das censuras ocidentais. O caso do
Sudão, na África, é um exemplo dessa política.
Contudo, é importante lembrar que durante
uma viagem no Sudão, em Junho de 2007, Hu Jintao
pediu ao presidente do Sudão para mitigar os excessos
de violência e aceitar a missão pacificadora da ONU e
da União Africana. O Sudão estava sendo objecto de
severas críticas por parte da comunidade internacional e como de consequência a China estava sendo
incluída nessas críticas. Para salvaguardar sua imagem
internacional, a China abriu uma excepção ao princípio da não interferência.
Não obstante as críticas aos métodos de actuação chinesa junto aos países em desenvolvimento,
principalmente os do continente africano, por parte
dos representantes dos antigos impérios coloniais, a
percepção dos próprios países em desenvolvimento é,
na sua maioria, positiva. A cooperação e o benefício
mútuos oferecidos pela China, não apresentam o perigo de endividamento sem saída, como aconteceu
para muitos dos países que sofreram a exploração
directa e indirecta por parte do Norte do mundo. A
China está repetindo com os países em desenvolvimento a experiência vivida com o Japão quando do
estreitamento das relações diplomáticas em 1978. Visentini (2012) lembra que a China exportava para o
Japão matérias-primas que alimentavam a indústria
japonesa e em troca o Japão fornecia tecnologia e
infra-estrutura, elementos básicos que prepararam a
abertura económica chinesa e isso sem endividamento. Trata-se de um tipo de cooperação que actualmente é conhecido como “modelo de Angola”, caracterizado justamente pela utilização de recursos naturais como garantia de pagamento dos empréstimos
obtidos (ESTEVEZ, 2011).
A ajuda chinesa aos países emergentes consiste
principalmente na construção de obras de infraestrutura: estradas, pontes, escolas, portos e outras
grandes obras públicas. A única condição imposta
pela República Popular da China para estreitar tais
relações de cooperação é que estes países adiram de
forma incondicionada à política de Uma Só China, a
mesma condição exigida pelas autoridades chinesas
desde os primeiros anos de vida da Nova China.
De acordo com Estevez (2011), a cooperação
de Pequim apresenta-se como uma prática horizontal,
onde a China se enquadra como país em desenvolvimento no mesmo patamar que os seus parceiros. Tal
postura, em evidente contraste com a prática de cooperação verticalizada dos tradicionais detentores do
poder, está emergindo como um novo modelo de
cooperação, compartilhado também pelos outros
membros do BRICS.
Buscando a construção do “mundo harmonioso”, Hu Jintao direcionou a política externa chinesa ao
fortalecimento dos laços regionais e internacionais
através de uma participação afirmativa nas mais importantes organizações regionais e internacionais.
Na Ásia, fortaleceu a política de boa vizinhança, trabalhando na aproximação aos países do sudes-
Características da Actual Estratégia de
Inserção Chinesa no Mundo em Desenvolvimento
A partir da primeira década do século XXI, a
China inaugurou uma nova diplomacia apostando nas
organizações multilaterais. O ingresso da República
Popular da China na OMC (Organização Mundial do
Comércio), em 2001, durante a presidência de Jiang
Zemin, marcou o início de um envolvimento chinês
mais afirmativo junto às organizações regionais e mundiais.
Com a passagem da terceira à quarta geração, registrou-se uma ulterior mudança na política
externa chinesa. Ao assumir a presidência da República Popular da China, Hu Jintao inaugurou uma nova
fase, a da “sociedade harmoniosa”, no plano doméstico, e a “do mundo harmonioso”, no plano internacional.
Nesse âmbito, o discurso em favor dos países
em desenvolvimento pareceu entrar numa nova época com características diferentes do auge do período
maoista, mas com a mesma intensidade e prioridade
da época anterior.
De acordo com Dittmer (2007, p. 215), a identificação da República Popular da China com os países
em desenvolvimento não era “apenas retórica, mas
reflexo da coincidência de interesses materiais”. A China precisa de novos mercados e dos recursos materiais
dos quais os países em desenvolvimento são ricos, seja
pelo aumento do consumo interno de sua imensa população, seja para alimentar suas indústrias.
Desde então, sua forma de inserção internacional apresenta diversas peculiaridades. Uma delas é a
tendência, por parte do governo de Pequim, de entrar
em regiões onde o clima ou as condições geográficas
e políticas dificultam ou até desencorajam a actuação
das multinacionais ocidentais. Outra característica
importante é a defesa do princípio de não interferência (um dos Cinco Princípios de Coexistência Pacífica).
Alguns dos países com os quais Pequim mantém intensas relações de cooperação são países que sofrem
24
Vol. 1, Nº 01, Ano I, Setembro de 2014
te asiático através da ASEAN+3 e aos países da Ásia
Central através da Organização para Cooperação de
Xangai.
Fora da Ásia, a China intensificou as relações
comerciais e políticas com a América Latina e com o
continente africano. Em 2000, foi criado o Fórum de
Cooperação China-África, visando à regulamentação
das relações entre China e os países africanos. O Fórum tem reuniões a cada 3 anos. Em novembro de
2006, foi realizada a terceira Cúpula China-África. Contando com a presença de 40 líderes africanos, a China
lançou um plano de ajuda para os países africanos.
Segundo Visentini
Um ponto em comum entre chineses e africanos
é o fato de que compartilhavam a visão de que as
críticas ocidentais apenas procuravam retardar o desenvolvimento dos mais pobres. Ambos têm um passado comum de exploração europeia, o que os torna
desconfiados de eventuais manifestações contrárias às
suas políticas domésticas e soberania. Além disso, a
possibilidade de crescimento económico, desvinculado da sujeição a agendas de liberalização política
impostas pelos países da organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) anima
inúmeros governantes africanos. (VISENTINI, 2011, p.
140)
Na América Latina, a China ingressou na Organização dos Estados Americanos e no Banco Interamericano de Desenvolvimento como Observador Permanente na primeira década do novo século. Desde
2004, participa também do Fórum Econômico Caribenho.
No que diz respeito às organizações internacionais, a China participa ativamente também de grupos
extrarregionais, como o G-20 e, principalmente, o grupo dos BRICS, com as quais compartilha iniciativas internacionais relevantes no âmbito da cooperação SulSul.
A mudança de postura frente ao seu envolvimento junto às instituições regionais, internacionais e
novos grupos, como o dos BRICS, pode ser buscada na
mudança de concepção chinesa a respeito dessas
organizações e na avaliação dos benefícios que elas
podiam trazer à estabilidade chinesa. A China passou
a perceber as organizações regionais mais como instrumentos úteis para seu crescimento e inserção regional
que como organismos que visariam a contenção de
seu poderio.
A adesão da China ao grupo dos BRICS parece
ligada aos objectivos da China de trabalhar junto com
outros países emergentes visando garantir um âmbito
pacífico que não dificulte seu desenvolvimento. Em
Janeiro de 2004, a China lançou um novo conceito de
segurança baseado na confiança e nos benefícios
mútuos, na igualdade e na cooperação, além de ser
já fundamentado nos cinco princípios de coexistência
pacífica que promovem o ideal de uma ordem mundial pluralista e com base na soberania, incluindo forte
apoio à ONU. Hu Jintao acrescentou a necessidade de
reforma e aprimoramento dos sistemas financeiros internacionais e mais abertura aos mercados dos países
em desenvolvimento, eliminando barreiras comerciais,
objectivos em comum com os outros integrantes do
grupo BRICS. A China mantém firme sua posição de
apoio à Organização das Nações Unidas, consideran-
do-a como a única fonte de autoridade internacional
que poderia impor constrangimentos ao uso arbitrário
de poder por parte dos Estados Unidos.
A preservação de um ambiente internacional
pacífico continua sendo uma das prioridades da política externa chinesa nos dias de hoje. A construção
colectiva empreendida pelo grupo dos BRICS de um
mundo multipolar através da democratização das
relações internacionais parece ser o caminho escolhido pela China para alcançar tal prioridade.
Conclusões
Desde os primeiros anos de vida da República
Popular da China, os países em desenvolvimento se
tornaram uma realidade geográfica e política estratégica para o fortalecimento da inserção da Nova China
no cenário internacional.
Apesar das mudanças ocorridas ao longo das
quatro décadas de vida, as relações com o mundo
em desenvolvimento permaneceram como um elemento de continuidade na política externa chinesa.
A China aproximou-se dos países emergentes,
ora se apresentando sob o perfil ideológico como possível líder de uma revolução mundial, ora sob o perfil
nacionalista, como país em desenvolvimento ao lado
de outros países em desenvolvimentos que compartilhavam um passado comum de exploração económica e que buscavam maior autonomia e protagonismo
dentro do âmbito internacional.
Através da afirmação do Movimento dos Não
Alinhados, tais países acreditaram na possível construção de uma ordem alternativa baseada nos Cinco
Princípios de Coexistência Pacífica.
Nas diversas etapas da política externa chinesa
para o mundo em desenvolvimento, os países em desenvolvimento talvez tenham ocupado um lugar diferente na ordem de prioridades das relações externas
da China com o resto do mundo. Tal alternância explica-se, evidentemente, pela dependência existente
entre a reformulação da política externa de um país,
seu interesse nacional e as prioridades exigidas do projecto estratégico nacional em um determinado período. Contudo, podemos observar, pela análise das relações chinesas com os países em desenvolvimento nos
diversos períodos, que tais relações nunca foram abandonadas e que, de forma mais intensa ou mais branda,
elas continuaram presentes na agenda internacional
da República Popular da China. O que talvez diferencie as primeiras três décadas de política externa chinesa da actual fase de aproximação do mundo em desenvolvimento poderia ser o fato de a China ter escolhido, conjuntamente com as insubstituíveis relações
bilaterais, participar activamente também de organizações regionais e internacionais, como o agrupamento dos BRICS, apostando numa construção colectiva
como caminho privilegiado rumo a uma futura ordem
multipolar.
A China juntamente com os outros integrantes
do grupo BRICS reitera a importância de um desenvolvimento económico inclusivo e transparente, uma maior representatividade nas instituições financeiras internacionais, um apoio ágil e flexível às economias em
desenvolvimento e a democratização das relações
internacionais. Tais exigências reforçariam uma prática
25
Vol. 1, Nº 01, Ano I, Setembro de 2014
de cooperação inovadora já ensaiada pela China,
Brasil, Índia e África do Sul conhecida como Cooperação Sul-Sul.
Através da análise das relações chinesas com o
mundo em desenvolvimento, foi constatado que o fato
de a China contar com décadas de relacionamento
com os países em desenvolvimento, com os quais
compartilha um passado comum de domínio imperialista (conhecido como o “século da humilhação”),
facilitou sua inserção nesses países.
Naturalmente, os questionamentos por parte da
comunidade internacional referentes às modalidades
da cooperação chinesa com o mundo em desenvolvimento, principalmente pela defesa do princípio de
não ingerência, levam a China a uma revisão constante de sua actuação internacional, corrigindo as falhas
e procurando se adequar às normas internacionais,
sem prejudicar, porém, os princípios tradicionais de sua
actuação internacional, como foi visto no caso do
Sudão.
O desafio é resistir às críticas e pressões cíclicas
dos Estados Unidos e da União Europeia, que mesmo
sendo importantes parceiros comerciais e políticos dos
países do grupo BRICS, e em particular da China, parecem estar prontos a repensar e consolidar uma aliança
do Norte do mundo.
Se o futuro será de colisão entre o Norte e o Sul
do mundo ou de integração mundial pacífica, somente o tempo nos dirá.
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26
Vol. 1, Nº 01, Ano I, Setembro de 2014
Dimensões Psicológicas da Paz e da Guerra
Emílio Jovando Zeca
Docente e Investigador de Paz, Conflito e Segurança
Email: [email protected]
A paz e a guerra são dois fenómenos que acompanharam o processo evolutivo dos indivíduos, Estados e sociedades seguindo as máximas de que “a paz só é possível quando a guerra não é necessária” e “a guerra só é
necessária quando a paz não é possível”. Essas duas máximas revelam as dimensões psiquicas interiores e as
motivações dos mentores da guerra e dos promotores da paz para enveredar por uma ou outra alternativa. O
presente artigo tem como objectivo central apresentar as dimensões psicológicas para a ocorrência da guerra
ou promoção da paz enquanto condição social e política onde se assegura a justiça e estabilidade através de
instituições formais e informais credíveis, práticas e normas tendo em conta o equilíbrio de poder político,
legitimidade dos tomadores de decisões, reconhecimento e valorização da interdependência, existência de instituições credíveis e fiáveis de resolução de conflitos, igualdade, respeito e compreensão mútua.
A
cia da guerra ou promoção da paz enquanto condição social e política onde se assegura a justiça e estabilidade através de instituições formais e informais credíveis, práticas e normas tendo em conta o equilíbrio de
poder político, legitimidade dos tomadores de decisões, reconhecimento e valorização da interdependência, existência de instituições credíveis e fiáveis de resolução de conflitos, igualdade, respeito e compreensão
mútua. Para a sua elaboração recorreu-se a técnica
documental baseada no desk review de obras e artigos
que versam sobre os contornos da psicologia da paz e
da guerra e a interpretação dos dados foi com base no
método analítico.
Introdução
guerra e a paz acompanharam todo o percurso histórico da evolução da humanidade.
Desta feita, a psicologia foi sempre usada
como ferramenta para promover a paz assim
como a guerra. “Com o final da Guerra Fria, nos anos
1990, a tradicional visão da guerra como sendo uma
questão de disputa entre Estados tornou‑se limitada,
com a maioria das situações de conflito dentro dos
Estados, relacionando‑se, “não tanto com as fronteiras
do Estado, mas com a etnia, a religião, o bem‑estar
económico, a densidade populacional e a sustentabilidade ambiental e outros aspectos” (Christie, et. all.,
2001:12).
A paz na Psicologia da Paz passou a ser entendida dentro de “uma grelha muito mais compreensiva
que vai além da ‘mera’ ausência de conflito, pressupondo, também, um compromisso com os direitos humanos e a justiça social” (Barbosa et.all, 2013:54). A
Psicologia da Paz procura desenvolver teorias e práticas dirigidas à prevenção e mitigação de violência
directa e estrutural. Definida de uma forma positiva, a
Psicologia da Paz promove a gestão não violenta dos
conflitos e a procura da justiça social, ou seja, o peacemaking e o peacebuilding, respectivamente (Christie et
al. (2001:13)
A paz negativa existe quando, após um conflito,
cessa a violência directa mas permanece a violência
estrutural. Já a paz positiva pressupõe também a ausência de violência estrutural. Deste modo, a paz positiva apenas está presente quando o Estado zela pelos
direitos humanos e pela inclusão social. Na perspectiva
de Galtung (1990:9-14), a ausência de violência directa
não significa paz (Barbosa et. al., 2013:56).
O presente artigo tem como objectivo central
apresentar as dimensões psicológicas para a ocorrên-
1. Debate Conceptual: Paz e Guerra
Muitas vezes, a definição do conceito de paz é
feita com recurso a guerra (definição negativa – ausência da guerra). A paz é uma situação de um grupo,
comunidade, Estado, grupo de Estados ou de qualquer
outra unidade política que não está em guerra ou conflito armado. A paz remete-nos a ideia da alternância
dialéctica entre a paz e guerra e é um facto incontornável no processo evolutivo das sociedades.
A fronteira entre a guerra e a paz está sempre
presente na discussão desses dois conceitos. Segundo o
senso comum, paz é vulgarmente entendida como
sendo o oposto de guerra ou a sua ausência. É assim
que a define Bouthoul ao escrever que “guerra e paz
são as duas faces do mesmo Janus, o reverso e o anverso da vida social”. Também para Vauvernargues, a
paz é um intervalo entre duas guerras. Estas são, obviamente, formas negativas de definir a situação de paz.
Neste conceito de paz incluem-se, portanto, situações
como as de conflito e de crise, e nela podem ocorrer
inúmeras e variadas manifestações de todas as formas
27
Vol. 1, Nº 01, Ano I, Setembro de 2014
de violência, com a única excepção da violência entre
unidades políticas que seja considerada guerra (Sousa,
2005:140). Na pesrpectiva de Galtung (1990:4-9), do
conceito dois aspectos sobressaem: “a paz visa reduzir
a violência por meios pacíficos e os estudos de paz são
estudos das condições do trabalho da paz”.
Mary King na sua obra “Terms and Concepts”
refere que A paz “é uma condição política que assegura a justiça e estabilidade social através de instituições
formais e informais, práticas e normas onde se verifica
equilíbrio de poder político, legitimidade dos decisionmakers, reconhecimento e valorização da interdependência, existência de instituições credíveis e fiáveis de
resolução de conflitos, igualdade e respeito mútuo e
compreensão mútua” (King, 2007:29-30). Nesta perspectiva, a autora corrobora com a ideia de que paz
vai para além da ausência da guerra ou hostilidades
armadas e adianta que é improvável encontrar uma
situação de ausência total de conflito, devido a existência de interacção humanas voluntárias e involuntárias; a inerência do conflito ao ser humano; e conflitos
aparecem como catalisador de mudanças e desenvolvimento nas sociedades.
Existem várias formas de conceptualizar a guerra. “A guerra é um tipo de conflito, neste caso, armado.
O campo da ciência que se ocupa do estudo da guerra chama-se Polemologia, surgida, cientificamente por
volta de 1946, com o sociólogo Gaston Bouthoul, autor
da obra “Cent Milions de Mort”. A Polemologia é uma
ciência que estuda as causas, funções, efeitos, consequências e enquadramento social da guerra
(Fernandes, 1991:351 e Santos, 2009:177-178).
Gaston Bouthoul, no seu “Traité de Polémologie”,
citado por Sousa (2005:93) define a guerra como “uma
luta armada e sangrenta entre grupos organizados”.
Trata-se, assim, de um conflito em que a violência é
aberta e as armas são efectivamente utilizadas. Por seu
turno, Clausewitz (1984:75) refere que “a guerra é um
conflito violento e armado onde a violência organizada
tem como objectivo fundamental submeter a outra
parte às suas revindicações e vontade”.
Em termos práticos, a guerra é a forma extrema
de luta política. Ela é desencadeada de forma deliberada, instrumental e racional para atingir determinados
objectivos políticos impossíveis de atingi-los de forma
pacífica. Trata-se de um conflito entre Estados ou grupos nacionais e governos conduzido pela força, envolvendo hostilidades abertas e suspensão da lei. Ela é
uma das forma de manifestação da violência política
organizada cuja finalidade é forçar o adversário a executar a nossa vontade por meios bélicos e estratégia
militar.
Existem várias causas que dão origem às guerras. As percepções entre actores sociais, questões territoriais, aspectos históricos, problemas económicos, ausência de democracia, insatisfação de necessidades,
questões étnicas, questões ambientais, o militarismo, a
pobreza, entre outros aspectos. A nível das comunidades e dos Estados, a origem das guerras é uma soma
multifactorial de várias causas. Deve-se ressaltar o valor
da pobreza e das desigualdades como as causas de
conflitos violentos e armados, porque se considera que
onde há um maior número de desigualdades é mais
provável o surgimento da violência directa e, ao mesmo tempo, é mais provável que essa violência, por sua
vez, siga produzindo mais desigualdade e pobreza
(Sáez, 1997; Duffield, 2004).
A abordagem dos estudos da paz é diferente e
contrária da dos estudos da guerra. Os estudos da
guerra visam garantir uma vitória de apenas uma das
partes, por meios violentos, associado a estratégia de
maximização dos ganhos. Nos estudos da paz, qualquer vitória deve ser partilhada por todos envolvidas no
conflito ou na contenda. Portanto, A paz e a guerra são
dois conceitos que se interlaçam na sua concepção. A
definição negativa de um dos conceitos lega a evocação do outro e a fronteira entre a guerra e a paz está
sempre presente na discussão desses dois conceitos.
2. Dimensões Psicológicas da Paz e da
Guerra
O Preâmbulo da Constituição da UNESCO (1945)
refere que “como as guerras se iniciam nas mentes dos
homens, é nas mentes dos homens que as defesas da
paz devem ser construídas”. A Psicologia da Paz se estabeleceu como disciplina na década de 1980. Os
temas relacionados com paz, conflito, violência e guerra tinham sido objecto de estudo e pesquisa de vários
psicólogos e a história da Psicologia ao serviço da guerra é tão antiga quanto a história da própria guerra e da
Psicologia. Vários psicólogoscontribuíram para o estudo
da guerra e da paz nas comunidades, Estados e no
Sistema Internacional.
Os psicólogos da paz procuram compreender e
promover a construção da paz (McNair, 2012). Esta é
uma tarefa particularmente ambiciosa, uma vez que a
noção de paz, na óptica da Psicologia da Paz, vai
além da mera ausência de conflito, pressupondo também um compromisso com os direitos humanos e a
justiça social. Além do mais, a crescente internacionalização desta área da Psicologia tem conduzido a uma
progressiva diferenciação dos objectivos dos psicólogos
da paz em função dos seus contextos geográfico, históricos, político, económico e de outra índole, tendo em
conta o seu canto de actuação (Christie, 2006).
Barbosa et. al. (2013:49) citando James (1995:1726) referem que “James (1910) surpreendeu a comunidade académica ao referir‑se aos atractivos da guerra. De acordo com o autor, a guerra oferece aos indivíduos a oportunidade de expressar virtudes como a
lealdade, a honra, ou a disciplina. Consequentemente,
para acabar com a guerra, seria necessário as sociedades encontrarem ‘equivalentes morais’ alternativos
para a expressão dessas virtudes”. Todavia, os psicólogos contemporâneos não seguem esses conselhos, mas
sim a busca de contributos e esforços para explicar as
causas psicológicas da guerra e não de alternativas
para a eclosão da mesma (Christie, Wagner & Winter,
2001:531-535).
A Primeira Guerra Mundial foi o primeiro palco
de um profícuo envolvimento de psicólogos em assuntos militares (Smith, 1986:24). Através de testes psicológicos para estabelecer as funções e cargos no exército,
à intervenção psicológica com militares, o desenvolvimento de propaganda de guerra, a estratégias para a
desmoralização do inimigo e à selecção e treino de
indivíduos envolvidos em missões secretas e de espionagem fazem parte dos grandes contributos da psicologia
28
Vol. 1, Nº 01, Ano I, Setembro de 2014
na guerra (Christie et al., 2001). Na Segunda Guerra
Mundial, os psicólogos foram participantes entusiastas
nos esforços para ganhar a guerra. Neste contexto, os
psicólogos intensificaram o seu envolvimento em questões militares.
Na Guerra Fria, um crescente número de psicólogos desempenharam funções no governo ou no exército, onde usavam o seu conhecimento para avaliar e
mudar as atitudes do público perante a questão atómica, para lidar com os problemas emocionais experienciados por pessoas expostas aos testes nucleares, ou
para reduzir o medo dos soldados e a sua relutância
em participar nas manobras nucleares (Rand, 1960, cit.
Christie et al., 2001; Schwartz & Winograd, 1954, cit.
Christie et al., 2001).
No final da IIª Guerra Mundial muitos psicólogos
começaram a apelar à necessidade de valorizar o
contributo do conhecimento psicológico para a prevenção da guerra e promoção da paz. Nos Estados
Unidos, este apelo deu origem ao The Psychologists’
Manifesto: Human Nature and the Peace. No início da
década de 1960, a Crise dos Mísseis de Cuba pôs em
evidência que a Guerra Fria tinha atingido um absurdo
lógico, já que a corrida ao armamento por parte das
duas superpotências culminava numa realidade de
destruição mútua, porque caso a guerra nuclear ocorresse, o resultado não seria somente a destruição total
destas superpotências, mas o fim da vida na Terra” (Christie et al., 2001:8).
Assistiu‑se, nesta altura, a uma mudança de
paradigma no seio da comunidade psicológica, começando a emergir vozes que desafiavam a mentalidade
da Guerra Fria e que reclamavam para a Psicologia o
papel de contribuir para a prevenção da guerra e não
para a sua preparação (Wagner, 1985; Morawski &
Goldstein, 1985:276-284). Em vez de se centrarem em
maneiras de assegurar que a opinião pública coincidisse com as considerações da realpolitik, os psicólogos
começaram a desenvolver estudos com uma lógica
sobretudo preventiva. Nos anos 1980, os psicólogos
contribuíram com a operacionalização do conceito de
Perturbação de Stress Pós‑Traumático.
Com o fim da Guerra Fria, o diálogo e a reflexão
dos psicólogos sobre as temáticas do conflito e da paz
contribuíram para dar credibilidade e legitimidade à
aplicação do conhecimento psicológico a estas temáticas, sustentando, deste modo, os esforços de psicólogos pioneiros nos estudos da paz que, de outra forma,
se teriam sentido isolados e marginalizados, e oferecendo os alicerces necessários à criação de um ramo da
Psicologia dedicado a estas temáticas.
Das diversas visões que existem sobre a guerra e
a paz, as visões realista e liberal ganham protagonismo
quando se pretende analisar a dimensão psicológica
da guerra e da paz. A visão realista preconiza que “a
paz só é possível quando a guerra não é necessária” (Albuquerque, 2005:34). Neste contexto, a paz só é
possível quando a guerra não é necessária indica que
a paz é uma possibilidade, enquanto a guerra é uma
necessidade. Portanto, estado natural” das relações
inter-pessoais e inter-estatais são marcadas pelo conflito, e a solução última do conflito é a guerra ou ameaça de guerra.
Para a perspectiva realistas, as relações entre os
estados e os grupos sociais inseridos neles são definidas
pelos conflitos de interesses. A concepção realista do
mundo concebe as relações inter-pessoais e interestatais como uma luta pelo poder e pela segurança
entre as comunidades políticas diferentes, primordialmente nações-estados (Baylis e Rengger, 1992:9). Cada
estado busca o nível máximo de segurança, gerando
insegurança em um ou em outros estados que, por sua
vez, buscam conseguir a maior segurança. Esta busca
produz uma sistemática instabilidade que pode ser
parcialmente remediada pelo equilíbrio de poder
(Aguirre, 1995:24-25).
A perspectiva realista arma-se sob premissas
hobbesianas do Leviatã, nas quais se afirma que o homem é lobo do homem e que as relações internacionais se baseiam nas relações de poder, em que o principal e único actor é o Estado. Os conflitos surgem devido ao choque de interesses entre os Estados, pois parte
-se do princípio epistemológico que o sistema internacional é anárquico já que cada actor é soberano e que
o sistema não conta com uma sólida cabeça de poder. Esta situação provoca a existência de uma constante disputa entre os Estados para assegurar a segurança através do exercício de poder. A hierarquização
do sistema internacional é apresentada em função do
poder que cada Estado é capaz de exercer, estando
este caracterizado por sua capacidade militar e política para impor seus interesses a outros estados
(Morgenthau, 1993). A melhor maneira de manter a paz
entre duas potências é através do equilíbrio de poder
(principalmente entendido em termos armamentistas).
A maioria dos realistas possui uma visão muito
pessimista quanto a natureza humana. Os Homens são
vistos pelos realistas como inerentemente destrutivos,
egoístas, competitivos e agressivos. Eles são capazes de
generosidade, bondade e cooperação, mas o orgulho
e o egoísmo aspectos inerente à sua natureza humana
fazem com que a humanidade seja propensa a conflitos, violência e grandes males. Uma das grandes tragédias da condição humana é que esses traços destrutivos nunca podem ser erradicados.
Os realistas tendem a ver as relações interpessoais e inter-estatais em termos pessimistas. Dai que
os conflitos e guerras são considerados fenómenos endémicos no da vida nas comunidades e nos Estados e
nada demonstra que o futuro na seja parecido com o
passado belicista da humanidade. Assim como os indivíduos buscam seus próprios interesses, os Estados também estão envolvidos em uma luta competitiva implacável pelos interesses nacionais. Portanto, na sociedade doméstica, os conflitos são tratados e resolvidos
através do papel do governo autoritário e hierárquico.
Na sociedade internacional, os conflitos entre Estados
são muito mais difíceis de resolver devido a anarquia
do sistema. E, devido a ausência de governo mundial,
os Estados têm de adoptar uma abordagem de “autoajuda” em relação aos seus interesses, sobretudo, nas
questões de segurança.
Na obra “Guerra do Peloponeso”, Tucídides (460
-400 a.C.) refere que “a luta constante é um fenómeno
marcante na vida humana e ganha as lutas não quem
esteja certo, mas quem é o mais poderoso”. Desta feita, a condição humana é marcada por uma luta incansável pelo poder que cessa apenas com a morte.
Em caso de conflitos, os realistas dão um papel limitado
a razão, lei, moral e às instituições. Nos Estados, a lei
29
Vol. 1, Nº 01, Ano I, Setembro de 2014
pode ser uma forma eficaz para lidar interesses egoístas. No Sistema Internacional, os Estados recorrem às leis
quando lhes convém, mas as ignoram se seus interesses
estiverem ameaçados. E quando os Estados querem
quebrar as regras, há muito pouco para detê-los, excepto com forças de compensação – coligação e
alianças.
Os realistas não acreditam que as questões morais possam restringir de forma significativa o comportamento dos Estados na arena internacional. Alguns realistas acreditam que deve ser dado muito pouca atenção à moral na actuação dos Estados na política mundial. Portanto, os realistas defendem ausência de um
código moral universal e desencorajam o seguimento
de princípios morais, quando o Estados acredita que
seus interesses estão ameaçados.
A visão liberal defende que “a guerra só é necessária quando a paz não é possível” (Albuquerque,
2005:34). Desta feita, a guerra só é necessária quando
a paz não é possível indica que a guerra poder ser uma
necessidade, mas apenas na impossibilidade da paz. O
estado natural das relações inter-pessoais e interestatais, dada a racionalidade humana é baseado na
cooperação. A racionalidade humana permite que os
indivíduos busquem evitar riscos inerentes à solução
unilateral dos conflitos. O conflito não é a única tendência inerente à convivência humana, porque a racionalidade permite alcançar convergência. Portanto, a
condição essencial da vida humana e das comunidades é marcada pela cooperação é a paz. A guerra é
necessária quando, por erros humanos, catástrofes, a
cooperação torna-se impossível.
Tendo em conta os pressupostos acima apresentados, dois desafios emergem. O primeiro é o desafio
realista que deve demonstrar como é que, num ambiente intrinsecamente competitivo e anárquico, a paz é
de tudo possível como acontece em muitas comunidades e Estados. O segundo é o desafio liberal que deve
demonstrar como, dada a inclinação humana para a
racionalidade e cooperação, a guerra pode ocorrer
como já se viu em muitos casos ao longo da evolução
da humanidade.
Apesar da coerência intelectual, os pressupostos
realistas foram submetidos a críticas ferozes pelos liberais. Os liberais e os teóricos da escola crítica referem
que os realistas são obcecados à guerra e ao uso da
força e menos preocupados com as questões éticas,
nas suas abordagens para a resolução dos problemas e
busca da paz. Eles preocupam-se com o uso da violência e da guerra e tendem a ignorar as acções cooperativas e os aspectos pacíficos da convivência entre as
pessoas, comunidades e Estados.
As comunidades e os Estados estão a sofrer um
conjunto de ameaças e vulnerabilidades fruto das dinâmicas da globalização, mundialização e interdependência global. Fenómenos como guerras intra-estatais,
violência social, violência política organizada, tráfico
de droga, terrorismo e outras ameaças, proliferação de
armamentos, ameaça da informação, violências urbanas, entre outros tipos de ameaças são semeados por
grupos instigador que politizam aspectos como cultura,
etnia, religião e ideologia para levar a cabo acções de
violência e guerra. Desta feita, a educação para paz,
justiça, reconciliação e tolerância tornam-se fundamentais nas comunidades e nos Estados.
Ideias relacionadas com a necessidade de preservar a paz
são fundamentais, porque a guerra não é necessária tendo
em conta que as suas consequências são devastadoras que
vão desde mortes, passando por destruições até ao atraso
do desenvolvimento e crescimento das comunidades e das
nações. O ensino e disseminação dos métodos de resolução pacífica de conflitos recorrendo a arbitragem, conciliação, facilitação, negociação, mediação, são fundamentais
para a coexistência pacífica das comunidades e dos seus
membros seja efectiva e se reduza os níveis de violência
quer directa, assim como estrutural e cultural.
A cultura do acordo se caracteriza pela união
solidária e complementaridade sustentada na diversidade, no respeito à diferença, no intercâmbio sem
confrontação, na resolução do conflito em vez de se
ocultá-lo ou de se evitá-lo, na explicitação do dissenso
para buscar e encontrar a partir disso o consenso, na
existência de diálogos e na coesão social que sirva a
uma melhor qualidade de vida, sendo essa qualidade
um elemento básico de que todos devem desfrutar. A
partir dessa dimensão é possível se edificar uma comunidade e um Estado são e livre de situações de propensão para violência.
Por isso, é fundamental que os líderes comunitários e os governos tomem decisões de sofisticar do sistema de administração de conflitos para que não haja
instrumentalização de mentes para recorrer a violência
como mecanismo para resolver diferendos. Desta feita
há que promover a confiança que consiste em reconhecer algum mérito a outra parte na interpretação dos acontecimentos; a justiça através da disposição de meio para devolver e restaurar os danos provocados no passado; o respeito mútuo que reside no reconhecimento do outro, perdão ou absolvição por
parte de vítimas e autores; e a segurança que deve ser
entendida como de coexistência pacífica, visto que o
ambiente comunitário é, em si, um espaço de grande
riqueza para fomentar a difusão e a aprendizagem dos
métodos pacíficos de resolução de conflitos, e a promoção da mediação de conflitos sem recorrer à força.
Considerações Finais
A guerra e a paz são dois fenómenos que têm
fortes ligações com a dimensão psicológica e anímica
do homem. Assim como a violência é algo passível de
ser ensinada a apreendida, a paz é passível de ser
construída socialmente, como defende a UNICEF - como as guerras se iniciam nas mentes dos homens, é nas
mentes dos homens que as defesas da paz devem ser
construídas.
Desta feita, constata-se que enquanto fenómeno fruto da construção psíquica e social do Homem, a
paz é uma condição natural social, enquanto a guerra
é uma criação social. A paz é uma situação social em
que se verifica a ausência ou redução dos níveis de
violência e a transformação criativa e não-violenta do
conflito. Trata-se de uma situação em que não se regista violência, conflito, guerra, instabilidade, convulsões
sociais, manifestações violentas. Na realidade, a paz
que existe é sempre o resultado de uma guerra anterior,
mais ou menos afastada no tempo, e as condições que
ela estabelece, a ordem que ela representa, sempre
30
Vol. 1, Nº 01, Ano I, Setembro de 2014
beneficiam uns, a quem naturalmente agrada, e prejudicam outros, que gostariam de a modificar.
O uso da violência impõe-se como a solução
que resta para tentar alterar a situação. Uma paz que
venha alterar o status quo pode significar o desencadear da violência. A paz, como situação social de não
guerra, resulta sempre de uma guerra precedente, e
engendra e explica a guerra seguinte, numa continuidade guerra e paz que marca o ritmo profundo das
relações entre as unidades políticas. Portanto, a guerra
e a paz são dois fenómenos que sempre acompanharam a evolução da humanidade.
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O Direito à e da Morte:
Omisso Pelas Constituições
“The only inalienable and indefeasible rights of man are death. This is a natural right of man and the state
must respect and protect free speech for life and legacies.”
“A Personalidade Jurídica cessa com a morte.” Artigo 68° C.C. moçambicano
Autor: Rizuane Mubarak.
[email protected] ou [email protected]
Doutorando em Educação: Inovação e Currículo pela Unipiaget -Beira/Moçambique;
Doutorando em Projectos de Energias Fosseis, pela Funiber, Mestre Em Relações Internacionais e Resolução de Conflitos Jurista/Criminalista e Docente de Direitos Fundamentais,
Direito Constitucional e Retórica e Ética jurídica No ISCTAC- Moçambique.
O presente artigo tem como objectivo central discutir os contornos dos direitos fundamentais e a constituição. Para a elaboração do artigo recorreu-se a pesquisa e revisão bibliográfica seguida da análise dos conteúdos. O artigo constata que toda constituição surge para proteger a vida humana e limitar a sociedade política dos excessos contra esta vida. Esta protecção faz com que a vida passasse a ser um direito fundamental
do próprio homem acima da morte, apesar de esta ser uma certeza incontornável. A morte é um direito natu31
Vol. 1, Nº 01, Ano I, Setembro de 2014
ral e inato, a sua preservação e manutenção na sociedade tradicional não deve ter um fim que seja apenas
de discursos moralistas e para herança. A morte é a certeza para todos os que nascem completos e com vida. Para esta protecção baseada em normas orais, tendo em conta a unificação da diversidade étnico-tribal,
é necessário reconhecer e registar estas normas mediante à forças das leis positivadas pelos Estados. O registo destas normas ou ordem social poderia dignificar este direito de morte e seria um direito de felicidade e
não de temor.
N
Introdução
a era da globalização sócio-cultural, assiste-se
a tendência de uniformização das teorias dos
Direitos Fundamentais, que antes eram direitos
tratados em matéria do Direito Constitucional
ou direito internacional Público. Nesta uniformização, fala
-se muito pouco da importância do direito à morte, matéria que de certa forma está ligada a todos os seres
animados em geral e a vida humana em particular. Ainda, temos que perceber que não faria sentido regular
uma comunidade sem ter em conta o motivo, objectivo
ou ainda o fim pelo qual nos leva a limitar os direitos de
uma comunidade.
A morte é um direito humano inato, é um direito
fundamental omisso com debate filosoficamente teológico. Hoje os investigadores, filósofos, religiosos, estudantes,
jovens, crianças e os demais se pronunciam sobre esta
temática e ainda procuram defini-la como o fim da vida
ou a cessação da personalidade jurídica, tendo como
hipóteses o seguinte: A morte é o centro nevrálgico da
vida humana e, a vida humana é o reconhecimento da
existência da morte. Sendo assim, há necessidade de
positivar este direito universal inato nos Estados de Direito
e Democrático.
Direito à Morte
A Morte
A matéria aqui a abordar é de carácter filosófico, jurídico e científico. Para esta matéria, PRATA
(2010:319) advoga que “concebemos a morte como à
cessação irreversível das funções do tronco cerebral. (…)
A verificação da morte é da competência dos médicos,
nos termos legais”.
Segundo De Freitas (2012:12) A forma como se
encara a morte tem vindo a mudar, ao longo do tempo
e das diferentes culturas. Descreve a evolução das atitudes face à morte no ocidente da seguinte forma: a morte domesticada, a morte de si próprio, a morte do outro
e a morte interdita.
Na cultura ocidental, até aproximadamente ao
séc. XII, a morte foi caracterizada pelos historiadores como um acontecimento “domado”. Não se morria sem se
ter tido tempo para se preparar. Normalmente o moribundo era advertido de que o fim estava próximo, por
sinais naturais, ou por convicções íntimas. No entanto,
esta informação do seu estado, ou seja, o anúncio da
morte que vinha (nuncius mortis), era também dada pelo
médico, familiares e amigos, embora fosse maioritariamente o pároco o responsável por tal tarefa. De tal modo, este facto foi sendo comum, que a entrada do pároco na casa de um enfermo era o nuncius mortis, deixando este de ter um carácter meramente verbal. O mori-
32
bundo tomava então todas as medidas que considerasse necessárias a nível terreno, bem como a nível espiritual.
Para este autor, citando Gonçalves, a morte era um
acontecimento solene que proporcionava uma oportunidade de reunião dos familiares, amigos e da comunidade mais próxima para prestar uma última homenagem à
pessoa que morrera. DE FREITAS (2012:12)
A partir do séc. XII esta familiaridade é alterada
e confere-se à morte um carácter dramático e pessoal.
Esta mudança de pensamento resulta de vários factores,
por exemplo, a representação do juízo final. De facto,
verifica-se que a partir do séc. XII surgem alterações nas
perspectivas das pessoas em relação à morte. O julgamento final deixava de ser visto como um evento que
ocorreria nos Tempos Finais e passou a ser visto como um
evento que aconteceria imediatamente após a morte,
do qual resultaria a separação dos justos e dos condenados, através de um balanço entre as boas e as más acções, dependendo da conduta do moribundo antes da
morte. Cabe à Igreja intermediar o acesso da alma ao
paraíso. Assim, a morte deixou de ser algo natural e passou a ser uma provação. A partir do momento em que
surge esta linha de pensamento do juízo final, adquire-se
uma dimensão individual no momento de morrer que
anteriormente não existia. DE FEITAS (2012:13)
Para CHAVLOVSKI (2014:30) a morte deve ser
entendida mais como um “processo” do que como um
facto instantâneo. Na transição da vida para a morte do
organismo como um todo, podemos reconhecer estados
intermediários, concorrentes ou sucessivos (conforme o
caso).
Para CHAVLOVSKI (ibd), existem as seguintes
mortes:
Morte Simulada
Estados patológicos que simulam a morte.
As funções vitais estão aparentemente
abolidas. Observa-se inconsciência,
hipotonia muscular, imobilidade, actividade circulatória mínima, respiração
aparentemente parada ou até apneia.
Morte Relativa
Ocorre uma paragem efectiva e duradoura da função nervosa, respiratória e
circulatória. A reanimação, porém, é
possível com manobras terapêuticas
extraordinárias.
Morte própria.
Caracteriza-se pelo desaparecimento definitivo de toda a actividade biológica
do organismo.
Para este autor, existe o momento da morte:
Vol. 1, Nº 01, Ano I, Setembro de 2014
Morte Cardiorrespiratória
“Do ponto de vista médico-sanitário, social e jurídico é
preciso estabelecer o “momento da Morte””. (2014:30)
Morte Cerebral, morte Encefálica
No Século XX, a evolução da Transplantologia
indicou a necessidade de definição jurídica do momento
da morte do doador, em face da necessidade da doação do material biológico de origem humana. O momento jurídico da morte foi designado como a morte
cerebral. (ibd)
Segundo
DE
FREITAS
(2012:17)
citando
Ariè,"Antigamente, a morte era uma tragédia - muitas
vezes cómica - na qual se representava o papel daquele
que vai morrer. Hoje, a morte é uma comédia - muitas
vezes dramática - onde se representa o papel daquele
que não sabe que vai morrer.”
Segundo Gonçalves, citado por DE FREITAS
(2012:14) avança que “Actualmente, a morte deixou de
ter um carácter público, passando os sinais da mesma a
ser ocultados. O sentimento para com a morte alterouse, vivendo-se numa era de impotência perante a inevitabilidade da mesma (Nunes et al., 2009). Esta mudança
de pensamento e de atitude que ocorreu ao longo do
séc. XX é o que Philippe Ariès (1989) denomina de “morte
invertida”, como se esta fosse o negativo da atitude tradicional. Ao nível dos profissionais de saúde a morte de
um doente é, por vezes, seguida de reuniões, com carácter pedagógico, onde se pretende compreender o
que aconteceu e se ocorreram procedimentos que deverão ser evitados no futuro. Esta modificação da mentalidade ocorreu concomitantemente com a melhoria das
condições de vida e com o aumento da esperança média de vida. Adicionalmente importa considerar que a
melhoria nas condições de vida foi também responsável
por um maior isolamento das famílias e por uma menor
interligação entre os membros da comunidade. Este isolamento poderá, por exemplo, estar correlacionado com
um aumento de independência financeira das famílias”.
A morte é um direito natural que deve ser considerada sem o cinismo ou comédia. Todo ser humano
tem o direito a uma BOA MORTE, digno e respeitável em
resultado da sua personalidade jurídica exercida.
A origem epistemológica de boa morte vem do
grego “kalos thanatos”, que significa morte ideal ou
exemplar, na qual se pretende respeitar um conjunto de
comportamentos socialmente sancionados, de modo a
que adquira um sentido para quem estiver envolvido
(Clark, 1999, citado por DE FREITAS, 2012:9).
O conceito de boa morte, como término de
uma vida que teve dignidade e sentido até ao fim, e
especialmente na fase final, é muito importante para o
movimento moderno dos cuidados paliativos. De facto,
este conceito pode ser utilizado para explorar a diversidade de influências históricas e filosóficas cuja convergência originou o padrão de ideias que constitui o modelo de prestação de cuidados paliativos (Magalhães,
2009, citado por DE FREITAS, 2012:9).
Á medida que os cuidados paliativos se foram
institucionalizando, também o conceito de “boa morte”
foi objecto de ampla discussão. Em 1995, foi publicado
33
um estudo realizado por MacNamara e colaboradores
que pretendia avaliar a compatibilidade entre “boa morte” e cuidados paliativos. Neste contexto, MacNamara e
colaboradores indicam a definição de “boa morte” colhida nos profissionais de saúde: “ haver consciência,
preparação e aceitação para a sua ocorrência, e um
processo de morrer digno e com tranquilidade”. O inquérito foi apresentado aos profissionais de saúde, por terem
um papel fundamental na obtenção deste ideal de boa
morte. De facto, está ao alcance da equipa multidisciplinar dos cuidados paliativos a “possibilidade de dar conforto através de gestos e interacções”, sendo estes considerados essenciais para que ocorra uma boa morte
(MacNamara et al., 1995, citado por DE FREITAS, 2012:10).
Adicionalmente, estes autores revelam que os
profissionais de saúde que participaram no estudo indicaram que: “era necessário um sério esforço dos profissionais de saúde para que se cumprissem os princípios
inerentes a uma boa morte, sendo reconhecido que era
um ideal difícil de atingir”. Tendo por base estas afirmações, conclui-se que, embora a ideologia de uma boa
morte seja louvável e desejável, nem sempre é atingida.
A aceitação da morte, que resulta da conclusão de assuntos pendentes e de ultrapassar as fases de
negação e raiva corresponde à ideologia de uma morte
suave, frequentemente acompanhada pela convicção
de que a experiência de morrer pode servir como compensação das frustrações da vida. Neste sentido, a ideologia da boa morte é um objectivo da equipa multidisciplinar dos cuidados paliativos, uma vez que desta forma
é possível assumir algum controlo social do morrer e da
morte (Magalhães, 2009, citado por DE FREITAS, 2012:11).
O Direito
Segundo Dinis (1989:13) a palavra direito pertence até a linguagem corrente-basta recordarmos as expressões: “não há direito”, “é de meu direito ”-sem que,
os que usam, se apercebam da sua grande ambiguidade. No estado moderno é corrente utilizar a expressão
Direito como significando um conjunto de normas de
conduta social, emanadas pelo Estado e garantidas pelo
seu poder.
Para este autor, o direito tem a função de imprimir uma ordem à vida social, orientando as condutas
humanas, segundo a justiça. Assim, o direito exprime um
certo tipo de ordem, uma ordem de justiça, a chamada
ordem jurídica (1989:20).
No Direito, temos o direito subjectivo, que é
aquele que o ser humano, titular de direito objectivo,
possui mas este tem a faculdade de agir ou não de acordo com o conteúdo do direito objectivo. O Direito Objectivo é aquela que é expresso em forma de uma magna carta ou norma jurídica, e.g. artigo 79º da Constituição da República de Moçambique, “todos os cidadãos
tem direito de apresentar petições, queixas e reclamações perante autoridade competente para exigir o restabelecimento dos seus direitos violados ou em defesa do
interesse geral”.
Aqui, o Cidadão tem o direito (Objectivo) segundo o artigo 79º da CRM mas aquele pode apresentar
(….) ou não (…), é um Direito (Subjectivo) que o sujeito
tem.
Vol. 1, Nº 01, Ano I, Setembro de 2014
Personalidade Jurídica
Antes de falarmos da personalidade jurídica
temos que falar da relação jurídica numa sociedade
política.
Numa relação jurídica, num Estado de direito, é
necessário a um conjunto de elementos. Nomeadamente: os Sujeitos, Objecto, facto jurídico e a Garantia.
Os sujeitos da relação jurídica são as pessoas
jurídicas entre as quais ela se estabelece. São os titulares
do Direito Subjectivo e das posições passivas correspondentes-dever jurídicas ou sujeição2.
O Objecto é o elemento cujo conceito tem sido
o motivo de controvérsia. Podemos defini-lo como aquilo
sobre que recaem os poderes do titular do direito.3
O Facto Jurídico é todo o acontecimento natural ou acção humana produtivo de efeitos ou consequências jurídicas4.
A Garantia é a susceptibilidade da protecção
coactiva da posição do sujeito activo da relação jurídica5.
Os sujeitos de direitos são entidades susceptíveis
de serem titulares da relação jurídica. O sujeito é necessariamente pessoa em sentido jurídico. Esta pessoa jurídica é dotada de Personalidade jurídica, pois esta é precisamente a aptidão para se ser titular de relação jurídica,
ou seja de direitos e vinculações6.
Começo da Personalidade
Todos os homens nascem igualmente livres e
independentes, têm direitos certos, essenciais e naturais
dos quais não podem, pôr nenhum contrato, privar nem
despojar sua posteridade: tais são o direito de gozar a
vida e a liberdade com os meios de adquirir e possuir
propriedades, de procurar obter a felicidade e a segurança7.
Em Moçambique, a Personalidade jurídica adquire-se no momento de nascimento completo e com
vida (nº 1 do Artigo 66º do Código Civil). Os direitos que a
lei reconhece aos nascituros dependem do seu nascimento (nº 2 do Artigo 66º do Código Civil).
O Começo da personalidade tem sido um assunto que divide os académicos, claro que cada um tem
a sua influência, pode ser religiosa ou civilização ideológica.
Não seria completo se estivéssemos a cingir-nos
apenas na personalidade jurídica. Para o efeito é necessário falar da capacidade jurídica que é a parte quantitativa da personalidade jurídica numa relação jurídica.
Em Moçambique e quase em todos os países
com o sistema jurídico Romano-germânico é proibido a
renúncia da capacidade jurídica, a parte quantitativa
da personalidade jurídica. (E.g. Ninguém pode renunciar,
no todo ou em parte, à sua capacidade jurídica. Artigo
69º Código Civil).
O espírito do legislador originário deste código
pretende impedir que os sujeitos da relação jurídica não
coloquem insegura a ordem jurídica, sem desprezarmos
da violabilidade8 da norma jurídica. Este artigo cria bases
para criminalização de suicídio, amputações, abortos,
eutanásias entre outras formas de renúncias quantitativa
da personalidade jurídica.
Exemplo: para o caso de aborto. O conceptura
humano ou nascituro, antes do nascimento completo
34
(que resulta no corte do contacto umbilical mãe/
nascituro fora da barriga da mãe) faz parte da mãe grávida como se fosse braço, coração, rins, olho, perna ou
outra parte do corpo. Abortar voluntariamente estaria a
renunciar em parte a sua capacidade jurídica, parte
quantitativa da personalidade jurídica. Este acto é proibido desde o seculo XIX.
A criminalização do aborto advém do código
civil que tem como tradição o sistema jurídico Romanogermânico e menos a influências religiosas. Pode-se admitir que o código em referência tenha a sua influência
religiosa.
A Constituição
Segundo Canotilho (2003:53) entende-se em
sentido histórico o conjunto de regras (escritas ou consuetudinárias) e de estruturas institucionais conformadoras
de uma dada ordem jurídico-política num determinado
sistema político-social.
A constituição entende-se como a ordenação
sistemática e racional da comunidade política através
de um documento escrito no qual se declaram as liberdades e os direitos e se fixam os limites do poder político
(id p52).
Em matéria de Direito Constitucional, para
GOUVEIA9 consiste no conjunto de princípios e de normas
que regulam a organização, o funcionamento e os limites do poder público do Estado, assim como estabelecem os direitos das pessoas que pertencem à respectiva
comunidade política.
Para DA CUNHA, a constituição é terreno de
normatividade10, e não apenas de políticidades. Mesmo
o carácter político da constituição se encontra juridificado e particularmente normativizado (2008:247).
Assim, entendemos que a constituição é o conjunto racional de regras de uma sociedade politicamente organizada através da qual fixa mecanismos de defesa da vida humana e limita excessos do poder político.
Os Direitos Fundamentais
Os Direitos Fundamentais são aqueles imanados
da vida humana que o ser humano já os tem inactivamente. Porém, nas sociedades política e moderna, os
direitos fundamentais precisam o seu reconhecimento
político através da positivação.
Para QUEIROZ (2010:48) os Direitos fundamentais
são direitos constitucionais, que não devem em primeira linha ser compreendidos numa dimensão “técnica”
de limitação do poder do Estado. Devem antes ser
compreendidos e interligados como elementos definidores e legitimadores de toda a ordem jurídica positiva.
Proclamam uma “cultura jurídica” e “política” determinada, numa palavra, um concreto e objectivo “sistema
de valores”.
Segundo CANOTILHO (2003:377), (…) a positivação de Direitos Fundamentais significa a incorporação
na ordem jurídica positiva dos direitos considerados
“naturais” e “inalienáveis” do indivíduo. Não basta uma
qualquer positivação. É necessário assinalar-lhes a dimensão de fundamental rigths colocados no lugar cimeiro das fontes de direito: as normas constitucionais.
O autor pretende aqui afirmar que seja possível a
Vol. 1, Nº 01, Ano I, Setembro de 2014
existência de uma constituição de um Estado sem direitos fundamentais, sem a figura da vida, a outra face
omissa nas constituições, Direito à morte. Para nós seria
impossível, tanto em pensamento como na prática
considerar e valorizar a vida sem a morte.
A má morte (morte da Morte), não desejada, é a
ameaça do homem e é esta ameaça que cria a oportunidade de defesa legal dos Estados contra o mal (Má
morte).
A morte norteia a limitação dos excessos do poder político contra o homem. “O homem sendo lobo
do homem”11 é necessário afastar todo tipo de arma,
até a mente, que possa prejudicar o direito de Morte
(Vida da morte).
A constituição moçambicana omite este direito
natural, que de certa maneira é irrenunciável e inalienável. É um direito que o ser humano, ao nascer se
manifesta com sinais como: o choro do nascituro por
ter que enfrentar o Direito a vida, susceptível de condicionar negativamente a sua morte e, ter a incerteza de
obter a morte digna.
A Relação entre a Morte e Legislação
Para que haja respeito a vida, a outra face da
morte, é necessário criar uma sociedade política
(Estado) e positivar a ordem máxima social, plasmando
princípios e regras, organização da sociedade entre
outras matérias das funções Estado (Constituição).
Segundo QUEIROZ (2010:47) “(…)os Estados da
antiguidade e da idade média possuíam também uma
constituição no sentido de um “estatuto” definidor da
unidade e ordenação dos respectivos poderes ou, nas
palavras de Aristóteles, um “estatuto” de ordenação
dos poderes do Estado”. Este conceito “institucional”
de constituição, essencialmente como status e institutio, corresponde a toda comunidade dotada de um
mínimo de organização política, pois (…) se se suprime
a constituição cessa o Estado, dando lugar à
“anarquia”.
Para QUEIROZ (id) este conceito de “constituição”
como “ordem do bem comum” (respublicam constituere), derivado do modelo jurídico -romano, será mais
tarde aperfeiçoado, e está na origem do chamado
conceito racional de constituição como “ordem jurídica fundamental do Estado”, orientada por determinados princípios, própria do conceito “modernista’ de
constituição do início do “Constitucionalismo”.
As constituições garantem mecanismos de protecção e manutenção da vida humana, dando direitos e deveres aos cidadãos. Os direitos podem ser objectivos e Subjectivos. Contudo, os direitos constitucionais, os chamados direitos e liberdades fundamentais,
são os que representam a vida humana. EX: Direito a
Saúde; Direito a Educação; Direito a habitação Direito
ao meio ambiente; Direito a propriedade; Direito a
herança; Direito a greve, Direito ao desporto; Direito do
pensamento; Direito de criação; Direito a filiação, liberdade de Expressão, Liberdade de associação, entre
outros direitos e liberdades.
Termina o QUEIROZ (Ibid:p48) afirmando que “fica
assim determinada a vinculação directa dos direitos
fundamentais à ideia de constituição, o que conduz,
no contexto do século XVIII,(…) assim, nas ciências jurídicas, o conceito da “constituição”, ao contrario das
35
ciências naturais, não se apresenta como um conceito
descritivo, mas essencialmente normativo: prescreve
um determinado comportamento, o de dar uma ordem política à sociedade.
O Direito à Morte
Para melhor se percebermos sobre a temática do
direito à morte é preciso socorrermo-nos dos dispositivos
legais existentes. Falar da morte é falar da dignidade
da vida para obter a morte (Boa morte). Assim vejamos:
Todo cidadão tem direito à vida e a integridade
física e moral e não pode ser sujeito à tortura ou tratamentos cruéis ou desumanos. Nº1 do Artigo 40º da
Constituição da Republica de Moçambique.
A norma constitucional moçambicana demonstra, a priori, que este direito é geralmente para os nacionais. Ainda, o Estado (Artigo 11º da CRM) tem como
objectivos fundamentais da sua constituição como
Sociedade Política: (1) defesa da independência e da
soberania (base de uma sociedade política referida ao
longo da introdução deste artigo). Este objectivo é o
motivo de sacrifícios que os associados fizeram para
defender a vida humana até a independência do Estado sobre outros povos. (2) Consolidação da unidade
nacional. Este objectivo é importante para a vida humana na medida em que, no processo da unificação
das culturas, tribos, etnias e raças poderia perigar a
própria vida humana, a razão do Estado, por vários
motivos que passamos a indicar alguns:
Conflito étnico-civilizacional dentro da sociedade moçambicana que levaria a um
mal-estar, a uma insegurança e a uma
permanente ameaça a personalidade
humana; má percepção na organização e
distribuição dos recursos; luta pelo poder
na organização do Estado;
Estes e outros motivos que poderiam perigar o
Estado em geral e a personalidade humana em particular, o Estado optou por positivar este objectivo. (3)
Edificação da sociedade de justiça social e a criação
do bem-estar material, espiritual de qualidade de vida
dos cidadãos; (4) promoção do desenvolvimento equilibrado, económico, social e regional do país; (5) a
defesa e a promoção dos direitos humanos e da igualdade dos cidadãos perante a lei; (6) reforço da democracia, da liberdade, da estabilidade social e da harmonia social e individual; (7) promoção de uma sociedade de pluralismo, tolerância e cultura de paz; (8) o
desenvolvimento da economia e o progresso da ciência e da técnica; (9) a afirmação da identidade moçambicana, das suas tradições e demais valores socioculturais; (10) o estabelecimento e desenvolvimento de
relações de amizade e cooperação com outros povos
e estados;
Assim, os direitos fundamentais, ex-direitos naturais, moçambicanos são classificados como base da
vida humana como:
Direitos Especiais;
Os direitos especiais são aqueles que, carecem de uma melhor atenção pelas características
Vol. 1, Nº 01, Ano I, Setembro de 2014
próprias. Os sujeitos destes direitos são as crianças, os
deficientes e os sobreviventes (os incapazes por idade
ou por anomalias anatómico-psicopatológicos). Ex: os
direitos da criança. Ao se regular os direitos da criança
não significa que estas tenham duas vidas ou as suas
vidas sejam mais importantes que as dos adultos mas a
criança é assumida como incapaz de interpretar os
direitos subjectivos como titular do direito objectivo.
Uma criança precisa de suprir a sua incapacidade.
Esta é suprida pela tutela do Estado. Porém, pela necessidade de um ambiente societal, enquanto portador da vida, necessita dos pais, encarregados de educação e seus familiares. A personalidade em geral e a
vida humana em particular da criança fica ameaçada
desde o nascimento, seguindo os conhecimentos empíricos e científicos em matéria da Psicologia do desenvolvimento do Erik Erikson, Jean Piaget e outros investigadores. Assim, uma vida mal vivida compromete a
boa morte ou fere o Direito à Morte.
Direitos deveres e liberdades;
Estes direitos são aqueles que o cidadão procura usar para melhor se socializar no meio diversificado. O cidadão pode, quando assim entender, obter
melhor informação, usando os meios que o estado/
sociedade possui como Exemplos, rádios, televisão,
pode se expressar, logicamente com limites, denunciar
a sociedade de qualquer fenómeno/facto que ameaça a vida humana, associar-se aos partidos políticos,
entre outros.
Direitos, liberdade e garantia individuais;
Estes direitos são aqueles que, em defesa directa da vida humana, o cidadão procura antecipar
das ameaças, criando assim mecanismos objectivos
e, em caso de dano do seu bem jurídico encontra
meios possíveis de compensação. Assim, o cidadão
tem meios de seguranças em relação a sua vida.
Na antiguidade, a vida humana equiparavase a de uma galinha, não havia nenhuma dignidade,
tanto que se compara com a vida humana no absolutismo, autoritarismo governativo, entre outros sistemas de governação constitucional. Nesta constituição limita-se a autoridade do Estado na aplicação
da lei criminal, responsabilização do Estado em caso
de ilegalidades contra a vida humana, limites das
penas e medidas de segurança, acesso aos tribunais,
a defesa jurídica condigna, mecanismos de reclamação em prisões ilegais entre outros. O cadáver era
tratado como se fosse um corpo de uma formiga,
uma barata ou outros animais. Ainda hoje, a corpos
(cadáveres) que vão às valas comuns, são expostos
aos abutres, animais carnívoros e outros sem qualquer
dignidade. Ferindo assim a dignidade do Morto.
Por último, o Homem entendeu que é necessário estar em condições físicas, económicas, sociais
e culturais para melhor defender a própria vida e
preparar a sua morte. Assim vejamos:
O direito a propriedade, a herança, ao trabalho, a educação, a Saúde, ao ambiente, a habitação condigna, a assistência na incapacidade por
velhice, entre outros, faz parte directa da protecção
36
da dignidade humana na vida e na morte.
O ser humano produz Maios e propriedade e
quando morre os seus familiares ou Estado são herdeiros patrimoniais. Porém, há momentos em que a
quando da sua vida não tenha construído um património aceitável ou tenha constituído dívidas. Cabe
aos herdeiros cobrirem todas as suas responsabilidades e manter a sua dignidade humana (vida e morte).
Ainda, cabe ao Estado valorizar todo ser humano, criando todas as condições de respeitabilidade do morto. Afastar todo tipo de vala comum e
violação da personalidade humana. Todas mortes
deve ser naturais e dignas, caso contrário ferem-se os
direitos fundamentais, que por natureza provêm da
vida e morte do homem.
Segundo o nº1 do artigo 71º do CC moçambicano, os direitos de personalidade gozam de protecção depois da morte do respectivo titula.
A legislação em apreço demonstra que a
morte não faz cessar os direitos da personalidade. Isto
é, o morto tem direito a dignidade, bom nome, confidencialidade, memórias, boa imagem, intimidade
sobre os retratos da sua vida privada antes e depois
da morte, Artigo 71º ss do CC.
Segundo o nº1 do artigo 2133º do CC, a ordem por quem são chamados os herdeiros, sem prejuízo dos dispostos no título da adopção, é a seguinte:
Descendentes;
Ascendentes;
Irmãos e seus descendentes;
Cônjuge;
Outros colaterais até ao sexto grau;
Estado;
Verifica-se aqui, que, a morte de um cidadão
endividado ou abastado de património, o Estado faz
parte que tem o direito e o dever sobre a vida do morto. O Estado tem, relativamente à herança, os mesmos
direitos e obrigações de qualquer outro herdeiro. O
artigo 2153º CC. Assim, o Estado deve liquidar dívidas
de qualquer cidadão, declarado morto, devedor ou
receber créditos e património depois de ser declarada
herança vaga. Artigo 2155º CC12.
No mundo dos vivos, o morto, os herdeiros representam os direitos como os tutores dos incapazes o
fazem. Isto é, o morto tem direitos e deveres dos incapazes, inabilitados e interditados no mundo dos vivos.
Porém, os direitos e deveres dos mortos no mundo dos
mortos são percebidos e vividos pelos próprios. Exemplos dos animais no mundo dos animais, dos extraterrestres no mundo extra planeta terra.
Conclusão
Concluímos que a morte é um direito natural fundamental e as constituições e outras cartas devem
respeitar este direito. A morte humana é o bem jurídico
próprio do ser humano. É um direito irrenunciável e
inalienável. Toda a matéria tratada na constituição,
directa ou indirectamente surgiu para proteger o homem das ameaças ao direito de Morte digna. Ter uma
boa vida é sinónimo de preparar uma boa morte.
Vol. 1, Nº 01, Ano I, Setembro de 2014
Lei complementar em relação a constituição e Ordenaria na hierarquia das normas.
Notas
Referencia Bibliográfica
1 https://ubithesis.ubi.pt/bitstream/10400.6/1161/1/Tese%
20Nina%20Freitas.pdf
2 DINIS Almerinda (1989:148), Direito, Lisboa, Texto Editora.
3 DINIS Almerinda (Id:148);
4 Ibd
5 ibidem
6 DINIS Almerinda (1989:156), Direito, Lisboa, Texto Editora
7 Artigo 1o da Declaração dos Direitos de Virgínia de
1776.
8 Uma das características da norma jurídica.
9 Cfr Jorge Bacelar (2011:39) Manual de Direito Constitucional Coimbra, Almedina
10 Garcia de Enterria, Eduardo-La Constituición como
norma Jurídica, in “Anuário de Direcho Civil”, Série I, n°
2, Madrid, Ministerio de Justicia y Consejo Superior de
Investigaciones Cientificas, P. 292 ss. (Cit Paulo Ferreira
da Cunha 2008:247)
11 Frase do Thomas Hobbes (S/d)
12 Todo código (Civil, Penal, Processual e outros) é uma
37
CANOTILHO, J.J. Gomes (2003) Direito Constitucional e
Teoria da Constituição, 7ª Edição, Coimbra, Almedina;
CHAVLOVSKI (2014) Medicina Legal, Escolar Editora,
Lisboa.
DINIS, Almerinda (1989), Direito, Lisboa, Texto Editora
Da CUNHA, Paulo Ferreira (2008) Direito Constitucional
Anotado, Lisboa, Editora Quid Juris
GOUVEIA, Jorge Bacelar (2011), Manual de Direito
Constitucional, Coimbra, 4ª Edição revista actualizada, Editora Almedina;
MANDLATE, Filipe Código Civil: República de Moçambique, 3ª Edição, Plural Editora;
MIRANDA, Jorge, (2000), Manual de Direito Constitucional Tomo IV, 3ª Edição, Coimbra, Coimbra Editora.
QUEIROZ, Cristina (2010), Direitos fundamentais: Teoria
geral, 2ª edição, Coimbra, Coimbra Editora;
Código Civil moçambicano (1967)
Constituição da República de Moçambique (2004),
Plural Editora.
Vol. 1, Nº 01, Ano I, Setembro de 2014
Resenha da Obra
Paz, Conflito e Segurança de Rizuane Mubarak
A
obra “Paz, Conflito e Segurança” foi escrita
pelo Prof. Msc. Rizuane Mubarak com a colaboração do Dr. José Bernardo Rafael. O autor
é o actual Reitor do Instituto Superior de Ciências e Tecnologias Alberto Chipande e é doutorando
em Educação: Inovação e Currículo pela Unipiaget Beira/Moçambique; Doutorando em Projectos de Energias Fosseis, pela Funiber, Mestre Em Relações Internacionais e Resolução de Conflitos Jurista/Criminalista e
Docente de Direitos Fundamentais, Direito Constitucional e Retórica e Ética jurídica No ISCTAC- Moçambique.
A obra foi publicada pela chancela da Escolar Editora.
Trata-se da primeira obra escrita por um moçambicano
que versa, exclusivamente, sobre os assuntos de paz,
conflito e segurança, não obstante da existência de
obras nacionais que discutem os referidos assuntos, mas
de forma isolada e não nessa perspectiva de trinómio.
Paz, conflito e segurança são três temas que sempre
acompanharam a evolução do sistema internacional e
o progresso da humanidade.
A paz, na sua perspectiva mais alargada, é um condição social e política em que assegura a justiça e
estabilidade social através de instituições formais e
informais, práticas e normas e onde há redução da
vviolência por meios pacíficos. O conflito refere-se a
uma situação social que duas ou mais pessoas lutam,
conscientemente, para a obtenção, ao mesmo tempo,
de recursos escassos. Já a segurança significa coisas
diferentes para pessoas diferentes, mas os estudiosos
desse campo referem que ela tem que ver com a
ausência de ameaças contra valores centrais de um
referente de segurança.
A obra discute a relação que se pode estabelecer
entre a paz, o conflito e a segurança com vista a manutenção da paz onde são apresentadas de forma pro-
funda a relação entre a paz, a violência, segurança e
desenvolvimento, aspectos que fazem parte dos temas
centras discutidos na mesma. Nas discussões levantadas
ao longo do texto, o autor estabelece um claro distanciamento da dicotomia simplista que confundem conflito e manifestações da violência, dando uma clara visão do mesmo através de um debate conceptual apurado, as teorias e as perspectivas apresentadas.
Neste contexto, dentre as perspectivas de interpretação, estruturações e resolução do conflito, o destaque vão para a perspectiva Mundho e Wanthu que
trata da operacionalização da concepção do conflito
e sua resolução tendo em conta as bases epistemológica e axiológicas da cultura banto.
A preocupação por sistematizar e apresentar os
contornos da origem, conceitos e teorias sobre o
conflito e a paz, a presentação da visão integral da
segurança e as suas respectivas escolas, bem como a
sua relação com o desenvolvimento faz da obra uma
referência para os estudantes, investigadores e
tomadores de decisões nos domínios da paz, conflito e
segurança. Os mecanismos de prevenção, gestão e
resolução de conflitos de forma pacífica apresentados
na obra faz da mesma uma referência para os líderes
comunitários e gestores de instituições que lidam no seu
dia-a-dia com situações de conflitos.
O prefácio da Obra foi redigido pelo Prof. Dr.
Damião Cardoso que é docente e investigador da
Faculdade de Ciências Económicas do ISCTAC.
Referências
Mubarak, Rizuane (2014), Paz, Conflito e Segurança, 1ª Edição,
Escolar Editora, Maputo.
38
Vol. 1, Nº 01, Ano I, Setembro de 2014
A Revista Científica do ISCTAC é um veículo informativo do Instituto Superior de Ciências e Tecnologia Alberto Chipande – ISCTAC com tiragem trimestral que se destina a servir de foro livre
para a apresentação e publicação de conhecimentos e ideias inovadoras sobre os diversos
temas candentes da sociedade moçambicana e internacional, tendo em conta as linhas de
pesquisa do ISCTAC e outras áreas afins. As opiniões expressas ou insinuadas nesta revista pertencem aos seus respectivos autores e não representam, necessariamente, as do ISCTAC ou
qualquer outro órgão da instituição. Os artigos que constam desta edição podem ser reproduzidos no todo ou em parte, para fins académicos, desde que a revista e o autor sejam citado
como fonte.
39
O Instituto Superior de Ciências e Tecnologia Alberto Chipande é uma instituição de
ensino superior de Direito Privado, dotada
de autonomia financeira, pedagógica e administrativa, juridicamente reconhecida pelo
Decreto 27/2009 e publicado no BR nº 32
série I de 12 de Agosto de 2009. Tem a sua
sede na Cidade da Beira - Sofala, Av. Correia
de Brito nº 952 , e Delegação na cidade de
Pemba e Maputo. O ISCTAC oferece cursos
de Licenciatura (1º ciclo) e Mestrados Integrado (2º ciclo) nas seguintes áreas: Ciências
Jurídicas e Investigação Criminal, Ciências
Económicas, Ciências Políticas e Sociais, Ciências de Saúde, Ciências Agrárias e Ciências
Tecnológicas. Cada uma das áreas de formação citadas acima é constituída por uma estrutura bietápica, contemplando um tronco
comum onde durante 3 anos (1º ciclo) se
providência uma formação básica em várias
ciências, que culminará deste modo com a
obtenção do grau de Licenciatura. O 1º ciclo
dá acesso imediato ao 2º ciclo (mestrado integrado), onde durante (1,5 à 2 anos) se realiza o processo que culminará com formação
atribuindo o grau de Mestre.
INSTITUTO SUPERIOR DE CIÊNCIAS E TECNOLOGIA ALBERTO CHIPANDE
Rua Correia de Brito n˚ 952, Tel. +25823320794
40- Moçambique
Cidade da Beira

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