a influência dos recursos energéticos na agenda
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a influência dos recursos energéticos na agenda
UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA MARIA CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS E HUMANAS DEPARTAMENTO DE CIÊNCIAS ECONÔMICAS CURSO DE RELAÇÕES INTERNACIONAIS A INFLUÊNCIA DOS RECURSOS ENERGÉTICOS NA AGENDA DA POLÍTICA EXTERNA RUSSA DURANTE A ERA PUTIN/MEDVEDEV (1999-2014) Boris Perius Zabolotsky Santa Maria, RS, Brasil 2015 A INFLUÊNCIA DOS RECURSOS ENERGÉTICOS NA AGENDA DA POLÍTICA EXTERNA RUSSA DURANTE A ERA PUTIN/MEDVEDEV (1999-2014) Boris Perius Zabolotsky Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao Curso de Relações Internacionais da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM, RS), como requisito parcial para obtenção do grau de Bacharel em Relações Internacionais. Orientador: Prof. Dr. Arthur Coelho Dornelles Junior Santa Maria, RS, Brasil 2015 Universidade Federal de Santa Maria Centro de Ciências Sociais e Humanas Departamento de Ciências Econômicas Curso de Relações Internacionais A Comissão Examinadora, abaixo assinada, aprova o Trabalho de Conclusão de Curso A INFLUÊNCIA DOS RECURSOS ENERGÉTICOS NA AGENDA DA POLÍTICA EXTERNA RUSSA DURANTE A ERA PUTIN/MEDVEDEV (1999-2014) elaborado por Boris Perius Zabolotsky como requisito parcial para obtenção do grau de Bacharel em Relações Internacionais COMISSÃO EXAMINADORA: Arthur Coelho Dornelles Junior, Dr. (Presidente/Orientador) Günther Richter Mros, Ms. (UFSM) José Renato Ferraz da Silveira, Dr. (UFSM) Santa Maria, 11 de dezembro de 2015. À minha amada família, Jacinto, Ilse Ana e Tatiane, tudo que eu faço é para orgulhar vocês. AGRADECIMENTOS A concretização desta pesquisa, se deu através de inúmeras dificuldades ao longo desta caminhada, os períodos de insegurança e bloqueio durante este trabalho foram constantes, portanto o fato deste estudo ter se consolidado se deve em grande medida aos que me ajudaram ao longo deste percurso, a estes devo uma grande dívida de gratidão, que talvez nunca seja capaz de recompensar. Primeiramente, gostaria de agradecer à minha família, aos meus pais Jacinto, Ilse Ana e à minha irmã Tatiane, por em nenhum momento duvidarem de minha capacidade e por sempre serem os meus principais motivadores para seguir adiante, mesmo que por vezes estivessem distantes, vocês ultrapassaram comigo cada fase deste estudo, é a vocês que eu dedico este trabalho. Meus agradecimentos também ao meu orientador Arthur Dornelles, que desde o primeiro momento que eu ingressei no curso, foi uma das minhas referências mais valorosas no campo de estudo das Relações Internacionais, além de ter me guiado ao longo deste trajeto me oferecendo ajuda nos momentos de angústia, obrigado pela paciência e confiança depositada em mim que permitiu-me explorar com liberdade e responsabilidade este estudo. Agradeço também aos demais professores da UFSM, que ao longo de minha graduação indubitavelmente auxiliaram na minha formação acadêmica e intelectual incentivando-me a estudar, a questionar e criticar. Foi um grande e enriquecedor prazer ser vosso aluno. Aos meus queridos amigos e/ou colegas Amanda da Cruz, Bibiana Poche, Cristiane de Oliveira, Daniela Bertolo, Douglas Jung, Débora Mapelli, Eduarda Piacentini, Gustavo Manduré, Gabriela Behling, Lauren Machado, Larlecianne Piccoli, Liliane Fraga, Luiza Zanini, Júlia Hoppe, Júlia Loose, Mariane Perius, Maiquel Pies, Manoela Machado, Nicole Kuhn, Pedro Chamun, Nattan Perius e Renan Stein, por serem constantemente estes “desconstrutores de paradigmas”, vocês marcaram a minha vida e fizeram com que minha graduação fosse uma experiência maravilhosa e inesquecível. Por fim, agradeço à República Federativa do Brasil, pela oportunidade de estudar em uma universidade federal pública, gratuita e de elevada qualidade de ensino. "Finanças (a energia) é a arma, a política é para saber quando puxar o gatilho." 1 O Poderoso Chefão III (1990) “O segredo da política? Faça um bom tratado com a Rússia.” 2 Otto Von Bismarck (1863) 1 Do original em inglês: “Finance (energy) is the weapon, politics is to know when to pull the trigger.” The Goodfather III, 1990 2 Do original em alemão: “Das Geheimnis der Politik? Machen Sie einen guten Vertrag mit Russland.” RESUMO: Trabalho de Conclusão de Curso Curso de Relações Internacionais Universidade Federal de Santa Maria A INFLUÊNCIA DOS RECURSOS ENERGÉTICOS NA AGENDA DA POLÍTICA EXTERNA RUSSA DURANTE A ERA PUTIN/MEDVEDEV (19992014) AUTOR: BORIS PERIUS ZABOLOTSKY ORIENTADOR: ARTHUR COELHO DORNELLES JUNIOR Data e Local da Defesa: Santa Maria, 11 de dezembro de 2015. Este trabalho se propõe a analisar o uso dos recursos energéticos russos enquanto um instrumento de política externa nas suas relações com os seus parceiros comercias, tendo em vista a importância dos hidrocarbonetos no contexto atual de desenvolvimento econômico e considerando a disponibilidade limitada destas commodities – especialmente o petróleo e o gás. A pergunta que a pesquisa visa responder é: qual o papel que as estatais russas do setor de hidrocarbonetos exercem na materialização dos objetivos da política externa do Kremlin? Dessa maneira, nossa hipótese considera que Moscou se vale da relativa escassez dos recursos em questão, como uma forma de barganhar melhores condições em suas negociações externas. O método utilizado nesta pesquisa é a abordagem histórica, e para técnica de pesquisa vale-se de estudo bibliográfico e análise documental. Os resultados demonstram que a abundância dos recursos naturais (gás e petróleo) que a Rússia possui, associados a infraestrutura de entrega necessária, faz com que as interações entre Moscou e Bruxelas possuam um forte componente energético que molda os cálculos políticos de ambos atores. Além disso, o Kremlin se apropria da dependência que os países da antiga URSS (sobretudo Ucrânia e Belarus) possuem especialmente dos recursos energéticos provindos da Rússia para ampliar sua influência nestes países e impedir prováveis deserções para o lado ocidental. Palavras-chaves: Política Externa Russa; Recursos Energéticos; União Europeia; ABSTRACT: Senior Thesis International Relations Major Universidade Federal de Santa Maria THE INFLUENCE OF ENERGY RESOURCES IN THE FOREIGN POLICY AGENDA OF RUSSIA DURING THE PUTIN/MEDVEDEV ERA (1999-2014). AUTHOR: BORIS PERIUS ZABOLOTSKY ADVISOR: ARTHUR COELHO DORNELLES JUNIOR Presentation’s Date and Place: Santa Maria, December 02 This study aims to analyze the use of Russian energy resources as an instrument of foreign policy in its relations with its partners, given the importance of oil in the current context of economic development and considering the limited availability of these commodities - especially oil and gas. The question that the research aims to answer is what role the Russian State Hydrocarbon Sector plays in the realization of its objectives in the foreign policy of the Kremlin. Hence, our hypothesis considers that Moscow uses the relative scarcity of the resources in question, as a way to bargain for better conditions in its external negotiations. The method used in this research is the historical approach, and research techniques draw on bibliographic study, document analysis and data collection. The results show that the abundance of natural resources (oil and gas) that Russia has, associated with the delivery infrastructure required, makes the interactions between Moscow and Brussels have a strong energy component that shapes the political calculations of both actors. In addition, the Kremlin utilizes the dependence of the countries from the former USSR (especially Ukraine and Belarus) that have stemmed from Russia to increase its influence in these countries and likely have prevented any defections to the West. Keywords: Russian Foreign Policy; Energy Resources; European Union; SUMÁRIO: INTRODUÇÃO: ............................................................................................................. 9 1.0 CARACTERIZAÇÃO DO SETOR DE HIDROCARBONETOS NA URSS/RÚSSIA ENTRE A ERA BREZHNEV E O FINAL DO GOVERNO DE BORIS YELTSIN ......................................................................................................... 13 1.1 O papel dos hidrocarbonetos na URSS nos anos 1970-1980 ........................................................................................................................................ 13 1.2 A era Gorbachev - Uma breve transição: entre o desgaste e a reforma política e econômica ...................................................................................................................... 20 1.3 A era Yeltsin - Uma longa transição: entre o caos econômico e o novo sistema político............................................................................................................................ 24 2.0 AS “CAMPEÃS NACIONAIS” DO SETOR ENERGÉTICO DA RÚSSIA (1999-2012) .................................................................................................................... 30 2.1 A estratégia de reestatização das empresas do setor energético russo durante o governo Putin ................................................................................................................ 31 2.2 Uma recuperação rápida: a bonança de petróleo e a nova fase da economia russa. .............................................................................................................................. 38 2.3 A diarquia Medvedev-Putin e a crise financeira internacional de 2008 ............ 43 2.4 A política energética russa e as projeções do setor energético russo para o futuro ............................................................................................................................. 45 3.0 AS RELAÇÕES COMERCIAIS RUSSAS COM OS SEUS PARCEIROS: UMA VISÃO SOB O PRISMA ENERGÉTICO. ...................................................... 48 3.1 As relações entre Rússia e União Europeia, e o papel que nelas exercem os hidrocarbonetos ............................................................................................................ 49 3.2 As relações entre Rússia, Ucrânia e Belarus: a política dos hidrocarbonetos: . 61 3.2.1 As relações entre Rússia e Ucrânia e a questão energética .............................. 62 3.2.2 As relações entre a Rússia e Belarus .................................................................. 71 CONSIDERAÇÕES FINAIS ....................................................................................... 78 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ....................................................................... 81 ANEXO I – LISTA DE SITES CONSULTADOS ..................................................... 87 9 INTRODUÇÃO: No estágio atual de desenvolvimento econômico, a segurança energética se tornou um dos mais importantes componentes da agenda política global. A significativa redução das reservas de hidrocarbonetos no mundo e o crescimento da demanda energética principalmente nos países emergentes, associado ao aumento progressivo da instabilidade política em países ricos em energia no Norte Africano e no Oriente Médio, possibilitou a emergência do uso dos mais diferentes mecanismos políticos, a fim de estabelecer o controle sobre os fluxos mundiais de energia, principalmente a provinda de combustíveis fósseis. Neste contexto, a Federação Russa é detentora de uma maiores reservas de gás natural do planeta, e se destaca por ser uma das principais produtoras de petróleo no mundo, além de possuir a infraestrutura de entrega necessária para exportar estes recursos à uma diferente gama de países europeus e asiáticos, tais riquezas naturais não podem ser ignoradas em um mundo cada vez mais depende de hidrocarbonetos, portanto a escolha do tema, justifica-se a partir da necessidade de um estudo mais aprofundado sobre o caso russo, desse modo, é fundamental elucidar a eventual influência que estes podem exercem na economia e na política externa russa. Assim, a análise da experiência russa por meio de sua política energética, associado ao seu papel de destaque na atual configuração mundial no âmbito de hidrocarbonetos, é de salutar importância para o recrudescimento do debate relativo as questões sobre segurança energética no mundo. Face a esse cenário, a problematização que se revela nesta pesquisa, procura responder a seguinte pergunta: qual o papel que as estatais russas do setor de hidrocarbonetos exercem na concretização dos objetivos da política externa do Kremlin? Por meio desse objeto de estudo busca-se trazer sob o método de análise histórica uma perspectiva da utilização dos recursos energéticos russos enquanto uma ferramenta diplomática nas relações exteriores da Rússia. A técnica de pesquisa utilizada vale-se de estudos bibliográficos e análise documental. Dessa maneira, a hipótese que direciona a presente monografia pondera que tais recursos energéticos quando usados corretamente podem incrementar a exportação destes para os parceiros comerciais da Rússia e auxilia-la no desenvolvimento de sua economia nacional, e ao mesmo tempo possibilitar uma escalada da influência política e 10 econômica de Moscou, e consequentemente reforçar as suas posições geopolíticas no Sistema Internacional (SI), pois assume-se que devido a relevância que os recursos energéticos possuem na economia da Rússia, estes estarão inevitavelmente presentes, de modo direto ou indireto, nos cálculos diplomáticos do Kremlin. O objetivo geral deste trabalho, visa analisar o papel do componente energético na formação das diretrizes da política externa russa e como estes são usados como ferramenta geopolítica estratégica em seu relacionamento com a UE e os países que compunham a União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS), especialmente Ucrânia e Belarus. Os objetivos específicos procuram, por meio de uma análise histórica compreender como se ampliou o processo de (inter)dependência energética da Europa em relação aos hidrocarbonetos provindos da Rússia; apresentar uma retrospectiva histórica com o intuito de entender as políticas adotadas no governo de Vladimir Putin para refortalecer o Estado Nacional; analisar as características da política energética da Rússia; identificar as principais perspectivas para a expansão da influência geopolítica de Moscou, tendo em conta o fator energético; desenvolver e especificar os possíveis cenários da política energética da Rússia para o período até 2030 e por fim, analisar casos específicos em que os hidrocarbonetos foram usados como critério de barganha para atender os interesses nacionais russos. A pesquisa aborda incialmente o contexto da Era Brezhnev (1964-1982) onde vislumbra-se um aprimoramento das relações comerciais entre a então União Soviética e os países ocidentais, tal momento histórico justifica-se pelo desenvolvimento de inúmeros oleodutos e gasodutos que interligaram o bloco oriental socialista ao bloco ocidental capitalista, este fato terá reflexos no relacionamento entre a Federação Russa e a União Europeia (UE) atualmente. Além disso, a importância de analisar este período histórico igualmente se apresenta na influência que Moscou exerce nos países que faziam parte da órbita soviética, visto que a Rússia é o ator que detém a maior quantidade de recursos energéticos da região e foi a principal herdeira das infraestruturas de entrega de hidrocarbonetos orientadas para atender as demandas dos países que constituíam a esfera socialista. Assim, com o fim da Guerra Fria e o posterior desmantelamento da URSS, observa-se um constante alargamento da UE para o leste europeu, bem como um estabelecimento de uma parceria estratégica entre Moscou e Bruxelas, durante o período de duas décadas, essa cooperação evoluiu para uma nova relação de vulnerabilidade 11 mútua, neste caso, não mais orientado pelo dilema militar da Guerra Fria, mas sim pela dependência da UE dos recursos energéticos russos e pela dependência russa das receitas geradas pela exportação do gás ao bloco europeu (HENDLER, 2014). A natureza deste tipo de relacionamento baseado principalmente nas trocas comerciais de recursos energéticos, remete imediatamente a questões geopolíticas e econômicas, fato que deve-se primordialmente ao reforço do componente energético na política mundial. No caso da relação com a UE, a Rússia depende que os produtos sejam escoados principalmente via dois países: Ucrânia e Belarus para assim atingir principais compradores europeus (ADAM, 2008), a partir desta dinâmica estabelecida, deriva-se inúmeros conflitos envolvendo os mais diversos atores e interesses. A partir desta breve explanação, podemos entender a estrutura escolhida para a apresentação da pesquisa, que se dará em três capítulos. O primeiro capítulo: Caracterização do setor de hidrocarbonetos na URSS/Rússia entre a Era Brezhnev e o final do governo de Boris Yeltsin possui como objetivo geral oferecer ao leitor um panorama de como se desenvolveu na então União Soviética a importância dos hidrocarbonetos em sua economia, e ao mesmo tempo demonstrar como se configuraram os primeiros passos para o aprimoramento das relações comerciais no âmbito energético entre a URSS e o ocidente. Além disso, procura-se neste capítulo explanar sobre o processo de privatizações ocorridos na Rússia após a desmontagem do bloco socialista, para assim entendermos as políticas adotadas pelo governo de Vladimir Putin. O capítulo dois intitula-se As campeãs nacionais do setor energético da Rússia (1999-2012) e visa demonstrar a partir da ascensão de Putin como se desenvolveram os processos para a reestatização de inúmeras companhias do setor energético russo e os impactos destas ações no recrudescimento da economia nacional e o concomitante aumento da presença externa russa. Ainda procura-se especificar algumas perspectivas de expansão da influência geopolítica da Rússia, tendo por base o fator energético bem como elucidar possíveis direções do desenvolvimento da política energética da Rússia para o período até 2030. Por fim, no capítulo três As relações comerciais russas com os seus parceiros: uma visão sob o prisma energético apresentaremos um estudo em que é possível identificar alguns casos do uso dos hidrocarbonetos como um instrumento da diplomacia russa em seu relacionamento com UE, Ucrânia, Belarus e alguns países da 12 Ásia Central. Neste contexto, sublinha-se especial atenção as características da política energética da Rússia, enquanto um dos maiores exportadores de recursos energéticos para o mercado mundial. 13 1.0 CARACTERIZAÇÃO DO SETOR DE HIDROCARBONETOS NA URSS/RÚSSIA ENTRE A ERA BREZHNEV E O FINAL DO GOVERNO DE BORIS YELTSIN Nesta primeira parte do capítulo descreveremos o contexto econômico em que na era Brezhnev (1964-1982), a URSS estava inserida e as políticas de cunho reformista empreendidas por Gorbachev, que a partir de 1985 culminaram no fim da Guerra Fria e posteriormente no fim da URSS em 1991, após o desmantelamento do bloco soviético relataremos brevemente sobre como se deu a transição da economia planificada para a economia de mercado e quais foram as principais políticas adotadas pelo governo Yeltsin durante os processos de privatizações no setor energético russo. Deste modo, nesta seção procura-se elucidar como esta política influenciou na crise econômica e social que a Rússia vivenciou nos anos 1990 e tiveram uma relação causal com a ascensão de Vladimir Putin e a subsequente reestatização das áreas chaves da economia russa. Procura-se também descrever a situação global do setor de hidrocarbonetos e os impactos desta no ambiente interno soviético/russo, bem como fornecer um breve panorama sobre o setor energético no país. 1.1 O papel dos hidrocarbonetos na URSS nos anos 1970-1980 Durante os quase 70 anos de existência da União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS), a exportação de hidrocarbonetos e outros recursos naturais, foi um dos principais instrumentos para assegurar o crescimento econômico e sua influência em vários países (GOLDMAN, 2008). Na era Leonid Brezhnev, as autoridades soviéticas começaram a investir massivamente na exploração de recursos em áreas inexploradas de seu território, tais como a Sibéria Ocidental e o Extremo Oriente. Para desenvolver essas regiões do território soviético, a Sibéria Ocidental recebeu cerca de 20% do investimento total de capital da indústria petrolífera entre 1964 e 1970, devido a isso, um programa experimental para desenvolver novos campos de petróleo da Sibéria foi iniciado em 1964. Até o final do mesmo ano a abertura de quinze novos poços tinha sido concluída, 14 produzindo fluxos de petróleo bruto de aproximadamente 209 mil toneladas (CONSIDINE; KERR; 2002). O desenvolvimento dessa região pode ser expressado através da tabela abaixo: Tabela 1.1 -Produção de petróleo bruto da URSS entre 1965-1980 (mil toneladas métricas): Região 1965 1970 1975 1980 1985 1986 1987 1988 Rússia 199.191 281.010 05.345 n/a 534.375 550,590 557,513 552,740 Kaliningrado 0 0 0 0 1.523 1,511 1,421 1,300 34.156 23.037 18,412 10.521 10,116 9,835 9,380 Norte do Cáucaso 19,97 1 Volga-Urais 173.634 208.357 224.905 185.869 135.544 128,394 122.853 115.831 Komi 2.223 5.609 7,120 18.075 18.215 18,269 17.344 15.600 Sibéria Ocidental 953 31.416 154.679 322.459 365.805 389.665 403.403 407.845 Sakhalinas 2.410 2.472 2.244 n/a n/a 2.452 2.410 2.400 Outras n/a n/a n/a 25 178 183 247 384 Ucrânia 7.339 13.501 11.544 6.283 4.853 4.756 4.652 4.487 Belarus 39 4.234 8.244 2.551 2.019 2.028 2.041 2.010 Geórgia 30 24 261 3.186 552 179 183 120 Azerbaijão 21.500 7.287 5.840 5.053 3.909 3.902 3.734 3.700 Cazaquistão 1.688 13.161 23.890 18.836 21.493 21.688 21.914 21.925 Turcomenistão 9,636 14.430 15.307 7.150 5.423 5.359 5.241 5.080 Uzbequistão 1,563 1.016 947 909 939 956 981 960 Tajiquistão 47 181 274 391 287 367 322 300 15 Quirguistão 305 298 230 219 190 190 186 180 Não especificado 1.550 3.997 7.555 42.864 11.918 15.318 17.340 17.979 Total 242.888 353.039 490.801 603.207 595.291 614.752 624.177 619.410 Fonte: ARBATOV (1991) apud CONSIDINE; KERR; (2002 p. 137); Conforme demonstra a tabela acima, podemos observar a abundância de hidrocarbonetos no território soviético especialmente nas regiões da Sibéria Ocidental e na região dos Urais, bem como a crescente extração de hidrocarbonetos nestas áreas, apresentam um aumento de cerca de 5 vezes entre os anos 1970 e 1975. A partir do inicio da década de 1970, os países da OPEP (Organização dos Países Exportadores de Petróleo) decidiram reduzir sua produção petrolífera além de aumentar tarifas e encargos fiscais, provocando expressiva alta do preço do barril que passou de três para doze dólares. (SCALERCIO, 2003, p. 204). Dessa forma, a conjuntura internacional no setor energético e os altos preços do petróleo praticados no mercado internacional, favoreceram uma reaproximação da URSS com os países ocidentais e contribuíram em alguma medida para dar um novo impulso para a econômica soviética. Esse redirecionamento da política energética europeia foi em grande medida influenciado pela instabilidade na região do Oriente Médio e pela Guerra do Yom Kippur3 em 1973, frente a isso, as principais economias do mundo capitalista uniram-se na Cúpula de Rambouillet4 para tratar de temas relacionados à dependência dos recursos energéticos e à crise econômica provocada pelo corte do fornecimento de petróleo aos países europeus. As crises do petróleo de 1973 e 1979 pressionaram a Europa Ocidental a desenvolver uma estratégia mais ampla de gestão dos recursos energéticos baseada na economia de energia e diversificação. Assim, a Europa Ocidental tentou alcançar uma diminuição da dependência energética externa. No entanto, devido ao fracasso das negociações da construção do gasoduto IGAT-II (gás iraniano) a importação de 3 A Terceira Guerra Árabe-Israelense ou Guerra do Yom Kippur (para os judeus) ocorreu entre Israel e um grupo de nações sob a liderança da Síria e do Egito. O combate deu-se entre os dias 6 e 26 do mês de outubro de 1973. (SCARLECIO, 2003) 4 Ideia do presidente francês Valéry Giscard d’Estaing que, em 1975, tomou a iniciativa de reunir os chefes de Estado e de governo da Alemanha, dos Estados Unidos, do Japão, da Itália, do Reino Unido, em Rambouillet a fim de discutir questões mundiais (dominadas na época pela crise do petróleo). Esta cúpula ficou conhecida por dar origem ao grupo dos sete ou G-7. (SMITH, 2011) 16 hidrocarbonetos da URSS começou a aumentar (GUSEV, 2008). A nova orientação das potências capitalistas abriu margem para uma inserção ainda maior dos hidrocarbonetos da URSS nos países ocidentais. A partir deste momento aumenta-se consideravelmente as exportações de gás natural para a Europa Ocidental e demais países (ver tabela 1.2). Aproximadamente metade do total comercializado foi vendido a países não comunistas (ver tabela 1.2). De acordo com Ebel (1970, p. 50) essa aquisição fora realizada "com praticamente nenhum investimento em mecanismos de prospecção de mercados externos”5. Assim, durante a esteira dos anos 1970, os hidrocarbonetos tornaram-se o principal componente do comércio entre a Europa e a URSS. O desenvolvimento do comércio de energia foi acompanhado com a construção de grandes sistemas de abastecimento de energia transeuropeias. Tabela 1.2 - Produção bruta de petróleo soviético e estatísticas do comércio internacional (milhões de toneladas métricas): Ano 5 Produção de petróleo bruto e condensado Total de exportações Exportações soviéticas de Exportações soviéticas de de produtos Petróleo Bruto e demais Petróleo Bruto e demais petrolíferos brutos Produtos para o Ocidente produtos para a COMECON 1971 377.1 105.02 53.75 51.27 1972 400.4 106.51 53.75 52.76 1973 429.0 118.46 55.75 62.71 1974 458.9 116.47 50.27 66.19 1975 491.0 128.91 57.74 71.18 1976 519.7 147.83 70.68 77.15 1977 545.8 155.79 75.16 80.63 1978 571.5 164.25 79.64 84.61 1979 585.6 163.25 72.67 90.59 Do original em inglês: “with virtually no investment in foreign marketing facilities”; Tradução nossa. 17 1980 603.2 162.76 70.68 92.08 1981 608.8 162.26 70.18 92.08 1982 612.6 169.23 83.62 85.61 Fonte: GOLDMAN (1980); STERN (1987); HEWETT (1984) apud CONSIDINE; KERR; (p. 97, 2002) Diante da tabela acima, observa-se um exponencial aumento das exportações de produtos petrolíferos da URSS entre os anos de 1971 e 1978. A partir de 1979 nota-se que as exportações soviéticas sobretudo aquelas para os países ocidentais começam a diminuir consideravelmente, isto em grande medida influenciada pelos desdobramentos da Guerra do Afeganistão (1979-1989) onde a URSS se envolveu diretamente e obteve forte oposição dos países europeus e dos Estados Unidos. Mesmo em meio a Guerra do Afeganistão e as exportações da URSS terem diminuído consideravelmente a partir de 1979, a produção de petróleo seguiu o caminho oposto, registrando um ritmo acelerado de crescimento (ver tabela 1.2). Os soviéticos usaram do fato de haver um relativo corte na demanda de hidrocarbonetos da URSS para os países ocidentais, para assegurar sua influência sobre os países do Conselho para Assistência Econômica Mútua (COMECON)6 vendendo gás e petróleo por preços bem abaixo dos praticados no mercado internacional (ver gráfico I). Esta política ficou conhecida como doutrina Brezhnev, e baseava-se na ideia principal de manter a ingerência sobre os países que integravam o Pacto de Varsóvia 7 por meio das importações de energia subsidiadas pela União Soviética (ROSNER, 2006). Já nos países terceiro-mundistas a URSS usava sua influência sobre o fornecimento de petróleo como uma forma de puni-los caso houvesse maior abertura as potências ocidentais em seus países. (GOLDMAN, 2008). 6 O COMECON foi fundado em 1949, e visava a integração econômica das nações do Leste Europeu. Os países que integraram a organização internacional foram a União Soviética, Alemanha Oriental (19501990), Tchecoslováquia, Polônia, Bulgária, Hungria e Romênia. Mais tarde outros países juntaram-se ao COMECON: Mongólia (1962), Cuba (1972) e Vietnã (1978). Seu objetivo era fornecer ajuda mútua para o desenvolvimento dos países membros. (SWASS, 1989). 7 A Organização do Tratado de Varsóvia (também conhecido como o Pacto de Varsóvia) foi uma aliança política e militar estabelecida em 14 maio de 1955 entre a União Soviética e vários países da Europa Oriental, estabelecia-se através do Pacto um compromisso de ajuda mútua em caso de agressões militares. A União Soviética formou esta aliança como um contrapeso à Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN). Os signatários originais da Organização do Tratado de Varsóvia foram: União Soviética, Albânia, Polônia, Tchecoslováquia, Hungria, Bulgária, Romênia e da República Democrática Alemã. (Fonte: ESCRITÓRIO DE HISTORIADOR, BUREAU DE ASSUNTOS PÚBLICOS DEPARTAMENTO DE ESTADO DOS ESTADOS UNIDOS, 2013, disponível em: https://history.state.gov/milestones/1953-1960/warsaw-treaty acesso em 10/06/2015) 18 As exportações de hidrocarbonetos para os países capitalistas voltaram a crescer a partir de 1982 (ver tabela 1.2), pois havia na Europa Ocidental um forte movimento com vistas a diminuir a dependência da energia nuclear, e por conseguinte reduzir as chances de acidentes nucleares, e como a URSS já havia demonstrado ser um parceiro relativamente confiável em relação ao fornecimento de hidrocarbonetos, a partir dos anos 1980, a Alemanha concordou em começar a importar gás dos soviéticos, porém havia-se uma cláusula no contrato que estipulava que o uso do gás soviético não poderia ultrapassar 30% do consumo geral interno – logo esta regra seria esquecida pelos dirigentes alemães e como consequência industrias e residências passaram a incorporar o gás natural russo em suas atividades diárias (GOLDMAN, 2008). Gráfico I: FONTE: GOLDMAN (1980); STERN (1987); HEWETT (1984) apud CONSIDINE; KERR; (p. 137, 2002) Enquanto as exportações de hidrocarbonetos para a Europa crescia, o consumo e a demanda por petróleo nos países socialistas do leste europeu também aumentava consideravelmente (conforme demonstra a tabela 1.2), impondo restrições sobre a quantidade de petróleo bruto disponível para exportação. Estes fatores fizeram com que o governo soviético investisse na modernização do setor industrial petrolífero através de um Plano de Gestão Geral, para assim assegurar a autossuficiência da URSS em recursos energéticos. O petróleo e o gás passariam a serem produzidos sob um sistema de gestão de dois níveis. A nova política visava uma maior especialização do núcleo de produção e de manutenção, criando 19 condições necessárias para a autossuficiência da indústria do petróleo, o documento propunha a implementação de sistemas automatizados de gestão dos hidrocarbonetos nas empresas do setor. Com este plano, o Ministério da Indústria do Petróleo tinha a intenção de incluir algumas empresas e organizações independentes no setor com o intuito de ampliar as companhias de perfuração existentes no país possibilitando a criação de novas unidades de produção de petróleo no futuro. A introdução deste plano geral teve como objetivo otimizar a estrutura burocrática central, através da redução do número de empregados, esta também ficou conhecida como uma das primeiras medidas de cunho liberalizante empreendidas pelo planejamento soviético. (ALEKPEROV, 2011). A indústria do petróleo da URSS em grande medida influenciada pela pujante produção do petróleo siberiano se desenvolveu consideravelmente durante quase toda a década de 1970, a lógica estabelecida pelo governo soviético era de uma produção rápida e crescente. Esta política fez com em 1980 a URSS emergisse como líder global da produção de petróleo, este também foi o período em que os soviéticos usufruíram o mais alto padrão de vida de sua história. Este contexto ajudou a mascarar os problemas estruturais da economia soviética, mas foram incapazes de esconder várias falhas de produção na indústria dos hidrocarbonetos que ficarão ainda mais latentes a partir da ascensão de Gorbachev. (SEGRILLO, 2012 p. 232). Com base nisso, tem-se no governo de Leonid Brezhnev uma reorganização da economia soviética, mesmo havendo uma estagnação econômica as políticas empreendidas por Brezhnev proporcionaram uma maior inserção do Estado Soviético no comércio internacional, bem como criaram a infraestrutura necessária para abastecer grande parte do continente europeu, além disso, desenvolveu-se a ideia da URSS enquanto um fornecedor confiável e estável de hidrocarbonetos à Europa, pois como os países socialistas do leste do continente não possuíam autonomia política suficiente para cortar o fornecimento aos países ocidentais, Moscou por meio de suas redes de dutos seguiu exportando por muitos anos estes recursos para abastecer o continente europeu, tais fatos associado a estrutura de gasodutos e oleodutos estabelecida durante o período soviético, funcionará como uma espécie de “cordão umbilical” que invariavelmente ligará a Rússia ao ocidente europeu e romper estes laços pode ser perigoso (GOLDMAN, 2008 p. 139). 20 1.2 A era Gorbachev - Uma breve transição: entre o desgaste e a reforma política e econômica A Guerra Fria em todo o seu contexto foi marcada como um período de competição político-econômica entre dois modelos de desenvolvimento distintos, o primeiro, liderado pelo bloco capitalista representados pelos Estados Unidos, o segundo, liderado pelo bloco socialista liderado pela URSS. Este antagonismo provocado pela bipolaridade do Sistema Internacional gerava disputas no sentindo de atingir o máximo de desenvolvimento econômico e tecnológico. O contexto de corrida armamentista durante o período da Guerra Fria exigia da URSS massivos gastos na área de defesa, limitando os investimentos em outras áreas da economia e dessa forma, provocava sérios problemas estruturais no aparato político-econômico soviético. (SEGRILLO, 2015) A URSS nos anos 1980 passava por uma situação econômica delicada, caracterizada pelo decréscimo econômico contínuo, ineficiência da produção e na qualidade dos bens produzidos, bem como uma estagnação do desenvolvimento tecnológico e científico, resultado das dificuldades de adequação da economia soviética aos novos paradigmas de desenvolvimento industrial ocorridos após a Revolução Técnico-científico (ibidem), já que: Nas décadas de 30, 40, 50 e parte da de 60, os russos estavam competindo para alcançar um paradigma industrial fordista, cujos princípios básicos (estandardização, rigidez, ênfase nos fluxos verticais “de cima para baixo” de comando e nas economias de escala) eram bastante semelhantes aos do próprio sistema soviético. Mas, a partir da década dos anos 60, mais avançados da produção flexível (toyotismo e outros) cujos pilares básicos (flexibilidade, ênfase na qualidade, na economia de escopo e nos fluxos horizontais de informação e comando) eram francamente diversos dos princípios básicos de seu sistema. Isto causaria contradições cada vez maiores entre as tentativas de adaptar a economia da URSS a estes novos padrões flexíveis e a necessidade de manutenção do controle político rígido do processo. (SEGRILLO, 2015, p. 13). A percepção da população e dos líderes do partido socialista em introduzir reformas no sistema soviético com vistas a revitalizar a economia e torná-la mais dinâmica, possibilitou a ascensão de Mikhail Gorbatchev em 1985, defendendo uma plataforma de reestruturação econômica e uma política de cunho reformista instituindo a 21 perestroika8 e a glasnot9. Mikhail Gorbachev logo que assumiu o poder voltou sua atenção para a reestruturação da indústria petrolífera do país, uma das primeiras medidas que tomou enquanto chefe de governo foi aprovar “medidas adicionais para reequipar a Indústria de Petróleo e Gás."(ALEKPEROV, 2011 p. 602). Quatro meses depois, em 10 de agosto de 1985 o Comitê Central do Partido Comunista Soviético (PCUS) e o Conselho de Ministros da URSS aprovaram uma resolução sobre o “Desenvolvimento Integral do Setor de Petróleo e Gás na Sibéria Ocidental em 1986-1990". (ALEKPEROV, 2011) Dessa forma, Gorbachev procurava promover uma modernização compulsória do setor energético soviético, a dificuldade do planejamento central em alocar o progresso técnico e a inovação tecnológica na indústria soviética provocou dependência a um sistema arcaico e pouco rentável que consumia petróleo excessivamente. Enquanto o mundo ocidental havia respondido aos choques do petróleo de 1973 e 1978-1980 por meio da diversificação de sua matriz energética, incentivando o desenvolvimento de tecnologias mais eficientes em termos energéticos, a União Soviética não estimulou políticas nestas áreas pois os preços dos hidrocarbonetos no mercado interno foram mantidos em níveis artificialmente baixos (ver gráfico I) enquanto o consumo de energia aumentava consideravelmente, além de falhar ao refletir os verdadeiros custos de produção, bem como os custos dos preços do petróleo (ver tabela 1.4) no mercado internacional (CONSIDINE; KERR; 2002). Essas políticas de reestruturação na indústria do petróleo da União Soviética não produziram efeitos imediatos na economia do país, visto que a partir de 1985 a Arábia Saudita, buscando retomar a posição que exercia no período anterior aos choques do petróleo, começou a aumentar consideravelmente sua produção de hidrocarbonetos (ver gráfico II). Como resultado, a oferta de petróleo no mercado global cresceu substancialmente. A situação se agrava ainda mais, a partir da Reunião de Ministros dos países componentes da OPEP em dezembro de 1985, onde foi decidido abandonar o 8 A palavra Perestroika significa reconstrução. Esta foi uma política introduzida na URSS a partir do XXVII Congresso do Partido Comunista Soviético (PCUS) instaurou um processo de abertura econômica permitindo a liberalização do comércio exterior, os preços, a moeda, a eliminação dos limites de fabricação de produtos, a redução de subsídios à economia e a autorização de importação de produtos estrangeiros esta também previa a redução na quantidade de dinheiro investido no setor de defesa. (SEGRILLO, 2015) 9 A glasnost (transparência) deu-se no âmbito político da URSS, procurando promover uma maior liberdade de expressão da população bem como um maior grau da liberdade dentro dos meios de comunicação. (SEGRILLO, 2015) 22 “princípio da quota” que estabelecia restrições para produção de petróleo aos países membros da organização (YERGIN, 1991). Conforme demonstra o gráfico II, podemos observar uma queda acentuada na produção de petróleo soviético a partir de 1988 e paralelamente um aumento considerável na produção de petróleo saudita a partir de 1989, ou seja, pode-se estabelecer em alguma medida, uma relação causal que a progressiva produção de petróleo da Arábia Saudita coincidiu com o período dramático que o bloco socialista viveu nos final dos anos 1980 o que culminar-se-ia no colapso da URSS em 1991. Gráfico II - Produção bruta de petróleo de URSS e Arábia Saudita: 12000 Barris/dia 10000 8000 6000 URSS 4000 Arábia Saudita 2000 0 1985 1986 1987 1988 1989 1990 1991 Ano Fonte: BP Statistical Review of World Energy (Junho, 2014) Com vistas a compensar as perdas no mercado global de hidrocarbonetos, os demais países exportadores também aumentaram sua produção. Essas políticas resultaram em disputas constantes para aumentar as suas participações nos mercados e, consequentemente em uma queda contínua dos preços do petróleo no mercado internacional (ver tabela 1.4) a partir do final do ano de 1985, quando o valor do barril de petróleo estava sendo praticado em algumas regiões do Golfo Pérsico por cerca de seis dólares (YERGIN, 1991). Tabela 1.4 - Média anual dos preços do petróleo bruto (US$/Barril): 23 Ano Preço médio do petróleo bruto (US$/Barril) 1980 36,83 1981 35,93 1982 32,97 1983 29,55 1984 28,78 1985 27,56 1986 14,43 1987 18,44 1988 14,92 1989 18,23 Fonte: BP Statistical Review of World Energy (Junho, 2014) Como se pode notar na tabela acima, observa-se uma queda acentuada dos preços do petróleo a partir de 1985 reduzindo as expectativas do Kremlin em obter um crescimento econômico acelerado no curto prazo, bem como diminuiu a produção petrolífera do país reduzindo o abastecimento de energia para o mercado interno, agravando ainda mais a situação de crise. Para ilustrar esta situação, segundo estudos da CIA (Central Intelligence Agency) feitos na época, a redução de apenas um dólar nos preços do petróleo trazia o prejuízo de cerca de 500 milhões a 1 bilhão de dólares para economia soviética a cada ano. O preço do gás natural acompanha o preço do petróleo, de modo que o lucro obtido com as vendas de gás natural para seus parceiros ocidentais também diminuíram bilhões a partir de 1985. (SCHWEITZER, 1994 p. 138). Além disso, as exportações de armas (componente crucial da balança comercial soviética) reduziram-se consideravelmente a partir da segunda metade dos anos 1980. Segundo a análise de Schweitzer (1994 p. 139) ao longo da era Brezhnev havia-se aumentado cerca de cinco vezes as exportações de armas para os países do Oriente Médio, após a redução significativa dos preços do petróleo a partir de 1986, as receitas decorrentes do fornecimento de armas soviéticas diminuíram cerca de 20%. Com essas sérias restrições orçamentárias, Moscou via-se perdendo influência em diversas partes do mundo, inclusive nos países socialistas do Leste Europeu, o que resultaria, em alguma medida, na queda do Muro de Berlim alguns anos depois. 24 Dessa forma, cumpre ressaltar que fazer um estudo detalhado da política econômica da URSS na era da perestroika e da glasnost não é o foco de nossa pesquisa, no entanto, deve-se sublinhar que as políticas adotadas por Gorbachev e o politburo10 soviético, em sua maior parte não contribuíram para melhorar a situação econômica da URSS. A criação do setor privado e as reformas liberalizantes da legislação econômica levaram a uma série de problemas internos, como evidenciado pela queda da produção de aço, a queda da produção petrolífera, um decréscimo substancial das receitas orçamentárias das principais empresas, bem como um aumento da dívida interna de cerca de quatro vezes entre os anos de 1985-1990 atingido a cifra de 566,1 bilhões de rublos (OSTROVSKY, 2011). Os empréstimos externos não minimizaram os problemas econômicos, pelo contrário, o galopante aumento da dívida externa fez com que os bancos ocidentais fornecessem novas concessões financeiras para a União Soviética. A situação também se agravava pelo acidente ocorrido na central nuclear de Chernobyl, também à época, houve significativa escassez nas colheitas agrícolas, além da guerra em curso no Afeganistão desde 1979. A soma desses fatores influenciou na conjuntura catastrófica que o país vivenciava no final dos anos 1980. Assim, a “inundação” de petróleo que o mercado internacional teve na segunda metade dos anos 1980 proporcionada pelos países árabes, em especial pela Arábia Saudita, não pode ser considerada a raiz do problema que levou ao colapso econômico da União Soviética. No entanto, o declínio considerável nas receitas de venda de petróleo e gás, juntamente com a política econômica interna equivocada adotada pelos líderes soviéticos propiciou um crescimento do déficit orçamental e uma série de outros problemas que eventualmente influenciaram à desestabilização econômica. Portanto, a queda nos preços dos hidrocarbonetos no mercado internacional foi uma das importantes conexões da cadeia de eventos que levaram ao colapso da União Soviética. 1.3 A era Yeltsin - Uma longa transição: entre o caos econômico e o novo sistema político. 10 O Politburo era o comitê executivo e o mais alto órgão do Comitê Central do Partido Comunista da União Soviética. O termo é uma abreviação Soviética de duas palavras (um método comumente usado na "nova linguagem" implementada após a Revolução de 1917), que significa literalmente "Birô Político". Durante 70 anos, foi um dos principais órgãos formuladores das políticas de governo para o Partido Comunista e do Estado. (DMITRIEV, 2014). 25 A queda de Gorbachev e as lutas de Yeltsin e outros políticos desde a independência demonstram as dificuldades que a Rússia enfrentou ao fazer a sua transição - e mostram o quão difícil será para governar o país em meio a convulsão. Esperança e desespero irão sem dúvida, conviver juntos. Esta revolução ainda está em estágio inicial, as forças são tão numerosas e complexas, as paixões tão amargas, que ninguém pode saber o que é claro na nova Revolução Russa, em última análise - se vai ser contido por forças moderadas ou, como aconteceu anteriormente, se irá se transformar radicalmente e "devorar seus próprios filhos”. (YERGIN; GUSTAFSON; 1995, p. 22)11 O final do século XX é marcado nas relações internacionais (RI) contemporâneas pelo desmantelamento do bloco soviético, para muitos especialistas este foi um dos eventos mais impactantes nos últimos anos, segundo as palavras do atual presidente russo Vladimir Putin "(...) a morte da URSS foi a maior catástrofe geopolítica do século. No que se refere aos russos, ela se tornou uma verdadeira tragédia"12. O que o presidente Putin estava querendo dizer com essas palavras se refere ao período traumático que a Rússia viveu nos anos 1990 com ascensão de Boris Yeltsin e o processo de liberalização da economia e da política. O fim do antagonismo da Guerra Fria representava para a maioria da elite política russa, um “oceano” de oportunidades para ambos os lados (ocidente e oriente), já que havia um forte sentimento entre os mais otimistas na época, que todas as disputas anteriores iriam ser substituídas por uma suposta cooperação, aceitação e integração internacional. O então presidente russo Boris Yeltsin assumiu o poder na Rússia com base na proposta principal de integrar o Estado Russo no capitalismo global promovendo uma associação com o ocidente, a fim de diluir os custos da transição de uma economia planificada13 socialista, para uma economia de capitalista de mercado e assim afastar o mais rápido possível o espectro socialista que ainda pairava sobre a sociedade russa. 11 Do original em inglês: “The fall of Gorbachev and the struggles of Yeltsin and the other politicians since independence demonstrate the difficulties Russia faces in making its transition — and show how hard it will be to govern the country through the upheaval. Hope and despair will, no doubt, alternate. This revolution is still in such an early stage, the forces are so many and complex, and the passions so bitter, that no one can know what course the new Russian revolution will ultimately take — whether it will be contained by moderate forces or, as happened once before, it will turn radical and “devour its own children.” Tradução nossa; 12 Discurso anual do presidente à Assembleia Federal da Federação Russa – 25 de abril de 2005, disponível em: http://archive.kremlin.ru/eng/speeches/2005/04/25/2031_type70029type82912_87086.shtml Acesso em: 20/06/2015; 13 A economia planificada é um sistema econômico em que as decisões em matéria de produção e de investimento estão incorporados a um plano formulado por uma autoridade central, geralmente por um organismo público como uma agência do governo. O planejamento central tem como objetivo melhorar a 26 No tocante ao campo econômico, as medidas adotadas foram drásticas e ultrarradicais, centradas no combate ao déficit público e da inflação, liberalização dos preços, dos mecanismos de controle e na privatização, os quais resultaram em uma abrupta diminuição das atividades não exportadoras (MEDEIROS, 2011). Esta rápida desmontagem do sistema planificado, na ausência de instrumentos de mercado, levou ao caos na economia e à crise transformacional profunda da década de 1990 (MIKHAILOVA, 2014 p. 02). Na esfera político-social observou-se a propagação de ações terroristas no Cáucaso, em especial na Chechênia. Esta ruptura brusca com o sistema socialista associado à falta de controle estatal nos processos de privatização e a corrupção crescente, será uma das principais causas dos problemas no período subsequente, em que se verifica a ascensão de uma elite político-econômica que tomará as rédeas do país nos próximos anos: A decisão de “abrir” a Rússia ao mundo, ao sistema capitalista internacional e à ideologia liberal, terá repercussões na classe politica dominante, e ditará posteriormente, pelos efeitos económicos catastróficos que provocou a curto prazo, uma reorganização e reapreciação de toda a politica externa do país. (LEITÃO, 2010 p. 23) No início de 1992, havia cerca de 300 empresas estatais petrolíferas que geriam as mais diversas áreas do setor energético russo, desde refino, exploração até produção e distribuição. Ao final da mesma década, seis companhias privadas emergiram como as principais do setor petrolífero: Lukoil, Yukos, Surgutneftegaz, Sibneft, TNK e Slavneft. Tamanha centralização de um dos setores mais prósperos da economia russa, deu-se em grande medida devido aos esquemas de privatização ocorridos ao longo dos anos 1990. O processo de privatização foi dividido em duas fases. Na primeira fase (19921994), foram utilizados cupons, concedidos para toda a população, a ideia inicial era distribuir os “patrimônios da URSS” para o povo russo, porém devido a delicada situação econômica que a Rússia se encontrava, bem como aos anos de propaganda anticapitalista que os russos vivenciaram durante toda a Guerra Fria, muitos deles optaram por revender seus cupons, quem tinha mais capital acabou adquirindo estes produtividade e a alocação de insumos econômicos. Assim os meios de produção são propriedade do Estado e a atividade econômica é controlada por uma autoridade central que estabelece metas de produção e distribui as matérias primas para as unidades de produção. Nesse sistema a escolha da proporção entre quanto do PIB deve ser investido, e quanto deve ser consumido torna-se uma decisão política centralizada (MYANT; DRAHOKOUPIL; 2010). 27 bens gerando uma forte concentração de riquezas a um pequeno grupo de investidores ligados às empresas estatais (GOLDMAN, 2008 p. 58). A segunda fase, deu-se a partir de 1995, em que as principais empresas do setor energético se inseriram, e consistia na concessão de empréstimos ao governo em troca de ações nestas grandes empresas, e se estabeleceu como um processo de barganha política, em troca do apoio destes investidores à reeleição presidencial de Yeltsin em 1996 (POMERANZ, 2009). Para Goldman (2008 p. 63) este processo de empréstimos por ações (loans for shares) foi considerado “[...] a maior e mais controversa transferência de riqueza já vista na história [...]” 14 . A partir desse momento que consolida-se a classe dos oligarcas ou “novos russos”, que irá exercer uma forte influência na política interna e externa do país nos próximos anos. No esquema de leilões de empréstimos por ações, o Estado, em novembro de 1995, já havia leiloado cerca de 5% de suas ações na Lukoil por um preço estimado em US$ 35,010 milhões em empréstimos, no entanto, seu preço no mercado de ações russo, era estimado em pelo menos US$ 180 milhões. Paralelamente, o valor estimado da empresa aos investidores estrangeiros foi maior: em agosto de 1995, a Lukoil recebeu cerca de US$ 250 milhões da companhia de petróleo americana ARCO como pagamento de 5,6% de suas ações e em março de 1996, a Lukoil havia obtido um adicional de US$ 90 milhões para 2,99% das ações da estatal. No caso da petroleira russa SIDANKO (uma das mais importantes da Sibéria Ocidental), o ONEKSIM Bank encabeçado por Vladimir Potanin (ex-funcionário do Ministério das Relações Econômicas Externas da URSS) pagou cerca de US$ 130 milhões para gerir em torno de 51% das ações do Estado. Dois anos mais tarde, a British Petroleum (BP) comprou do ONEKSIM Bank 10% das ações da SIDANKO por pelo menos US$ 571 milhões (SIM, 2008). A queda acentuada dos preços do petróleo no mercado internacional (ver gráfico III), bem como a maneira em que o Presidente Yeltsin e sua equipe conduziram o processo de privatizações na Rússia pós Soviética, geraram um pequeno grupo de russos que acumularam fortunas através da compra das principais estatais do setor energético, neste esquema podemos citar Boris Berezovsky que se tornou majoritário das ações da Sibneft, Mikhail Khodorkovsky que adquiriu a petrolífera Yukos e Mikhail 14 “[...] the biggest and most controversial transfer of wealth ever seen in history [...]”. Tradução nossa. 28 Fridman que em 1997 se tornou dono de 50% das ações da Tyumenskaya Neftyanaya Kompaniya (TNK). (SCHUTTE, 2011 p. 92 e 93) Conforme argumenta Stiglitz (2002) durante o período das privatizações o governo russo estava praticamente doando seus ativos estatais rentáveis, e foi incapaz de garantir o pagamento das pensões aos aposentados e/ou fornecer bem-estar para a maioria de sua população. O Kremlin seguiu emprestando bilhões do Fundo Monetário Internacional (FMI), à luz de uma lógica neoliberal no intuito de permitir o livre fluxo de capitais. Assim, a Rússia tornava-se cada vez mais endividada e dependente externamente, ao passo que os oligarcas continuavam a receber benesses e concessões do governo, e reinvestindo seus bilhões acumulados no exterior, ou seja, a política que deveria tornar o país mais atrativo para os investidores estrangeiros, exerceu o movimento oposto e propiciou uma onda de fuga de capitais para fora do país. Dessa forma, a Rússia chega no final dos anos 1990 cheia de dívidas, e com as mais altas taxas de juros desde a desmontagem da URSS. Esta estrutura equivocada de planejamentos desabou principalmente após as recessões econômicas no sudeste asiático e atingiu seu ápice quando os preços do petróleo começaram a cair a partir de 1998 (ver gráfico III). O desequilíbrio resultante entre a oferta e a procura de petróleo no mercado internacional se converteu em uma queda dramática nos preços dos hidrocarbonetos (para mais de 40% nos primeiros seis meses de 1998 em comparação com os preços médios em 1997). Sendo o petróleo um dos principais produtos de exportação e uma importante fonte de receitas fiscais do governo russo, a queda dos preços teve um efeito devastador na economia russa. Com a significativa desvalorização do rublo e a conjuntura econômica que a Rússia presenciava, havia-se sérias incertezas quanto a rentabilidade da indústria petrolífera do país, nesta conjuntura a moratória da dívida externa se tornava inevitável, desencadeando assim a crise financeira russa de 1998 (STIGLITZ, 2002, p. 145). O processo de privatização da indústria petrolífera russa, durante a Era Yeltsin é intrigante porque exerce o movimento oposto das tendências herdadas do período tzarista e soviético, conforme vimos nas seções anteriores, os hidrocarbonetos sempre exerceram um papel central na economia do país, portanto o esquema de concessões para grupos privados em alguma medida influenciou diretamente no pensamento político e no sentimento nacional dos russos de uma maneira negativa, já que gerou uma desordem social, econômica e política, culminando na crise financeira de 1998, e na 29 “terapia de choque” 15 exercida pelos tomadores de decisão que encabeçavam as políticas econômicas da Rússia, bem como o fracasso em obter resultados positivos para a economia do país deixaram marcas profundas na população russa. Gráfico III - Média anual do preço bruto do petróleo (US$/Barril): 25,00 20,00 15,00 10,00 5,00 0,00 1991 1992 1993 1994 1995 1996 1997 1998 1999 BP Statistical Review of World Energy (Junho, 2014) Conforme vimos no permear deste capítulo, a questão dos hidrocarbonetos e da segurança energética constantemente estiveram presentes nas formulações das políticas empreendidas pelo Kremlin, visto que o petróleo e gás foram sempre elementos cruciais na econômica russo-soviética. Durante o período de Brezhnev observamos um maior envolvimento da URSS com a exportação de hidrocarbonetos para os países ocidentais e um considerável aumento dos preços do petróleo no mercado internacional, fatores 15 Quando Yegor Gaidar, o novo primeiro ministro, foi encarregado pelo presidente Yeltsin da elaboração de um plano de transição para a Rússia, ele chamou vários economistas ocidentais ortodoxos. Eles preconizaram a aplicação do programa experimentado na Polônia, com algumas mudanças devidas à peculiaridade da situação russa. Essa estratégia ganhou o nome de “Terapia de Choque,” seu objetivo principal era propiciar uma transição acelerada para a economia de mercado, acompanhada de uma estabilização macroeconômica rápida. Tal política baseava-se primordialmente em quatro pilares: o primeiro pilar era a liberalização dos preços, que devia acabar com as penúrias e alinhar os preços relativos internos com os preços internacionais. O segundo pilar era a abertura para a economia mundial, tirando os obstáculos administrativos e tarifários que existiam do tempo da URSS, O terceiro pilar era uma política de restrições financeiras duras (“hard budget constraint”), O último pilar era a privatização das empresas estatais com o intuito de aumentar sua competitividade, introduzindo a noção de competição. Temendo que a população russa pudesse não apoiar as reformas por muito tempo, Gaidar e seus especialistas decidiram, então, realizar um conjunto de mudanças consideráveis no mínimo de tempo possível (MAZAT, 2007 p. 61 e 63) 30 que ajudaram a camuflar as falhas estruturais do regime socialista, dando um novo impulso a economia soviética. No decorrer do governo de Mikhail Gorbachev, nota-se um impulso por reformas no sistema, tais políticas previam uma rápida abertura econômica e política da URSS. No contexto global do setor petrolífero observa-se uma exponencial inserção de petróleo árabe e demais países exportadores no mercado internacional e paralelamente uma queda acentuada nos preços das commodities, prejudicando a economia soviética e a possibilidade de adquirir um crescimento acelerado obtido das vendas de hidrocarbonetos bem como reformar o setor energético soviético com vistas a torna-lo mais competitivo. Dessa forma, podemos dizer que o desmantelamento da União Soviética em 1991 coincidiu com o colapso do setor petrolífero da Rússia. Com o fim da Guerra-Fria e a chegada de Boris Yeltsin no poder, desenha-se um conjunto de medidas econômicas que primordialmente visavam desvincular o Estado Russo de seu passado socialista e inseri-lo no sistema capitalista de uma maneira rápida e abrupta, conforme observamos durante esta seção, tais medidas geraram instabilidade no país bem como a transmissão de quase todo aparato energético russo a uma pequena classe de especuladores (“novos russos”) que adquiriram cada vez mais influência nos ditames da política interna e externa do país durante os anos 1990. Estes fatores influenciaram na renúncia do presidente Yeltsin, ocorrida no dia 31 de dezembro de 1999, e em seu lugar assumiu Vladimir Putin, que no ano seguinte elegeu-se presidente da Federação Russa. A estratégia de Putin para reestabelecer o controle estatal sobre as diretrizes da política interna e externa, fora minada por um pequeno grupo de oligarcas que detinham o poder econômico do pais. Por conta disso, sua estratégia baseou-se justamente na adoção de políticas que visavam a centralização do setor energético, como será visto no capítulo seguinte. 2.0 AS “CAMPEÃS NACIONAIS” DO SETOR ENERGÉTICO DA RÚSSIA (1999-2012) A partir do ano de 2003 a Rússia assumiu a liderança mundial na produção de gás natural, e continua a ser responsável até os dias de hoje, por mais de 50% da produção do setor na Eurásia. Em 2009, pela primeira vez desde o fim da União 31 Soviética, a Rússia assumiu o primeiro lugar na produção de petróleo, representando cerca 12,5% do total produzido no mundo (BP Statistical Review of World Energy, 2014). Entender a maneira em que a Rússia superou uma profunda crise no período pós soviético e a partir da entrada de Vladimir Putin no final de 1999 começou a registrar altos índices de crescimento econômico será um dos principais objetivos desta seção. Desta maneira, dividimos o capítulo em quatro partes principais. O primeiro ponto se debruça sobre a estratégia empreendida por Vladimir Putin com vista à (re)centralização do setor energético russo para as mãos do Estado, interpretar essas políticas são cruciais para entender a segunda seção de nossa pesquisa, que objetiva trazer um panorama mais detalhado sobre o contexto internacional do setor de hidrocarbonetos e como este influenciou na retomada do crescimento econômico russo. A terceira seção deste capítulo, aborda a transição do governo de Vladimir Putin para Dimitri Medvedev, bem como os desdobramentos internos da crise financeira de 2008 e as consequências desta para a economia russa, na quarta e última seção deste capítulo, procura-se através da análise de documentos oficiais do governo russo, trazer as principais tendências internas e externas do setor de hidrocarbonetos e como se direciona a política energética russa até 2030. 2.1 A estratégia de reestatização das empresas do setor energético russo durante o governo Putin: A queda de Boris Yeltsin no final dos anos 1990 possibilitou a inserção de uma “nova-velha elite” no comando do Kremlin. O resultado das eleições de 24 de março de 2000, apontaram Vladimir Putin como vencedor no primeiro turno, somando mais 53% dos votos. Nessa nova fase política que emergia no inicio dos anos 2000, o problema não se limitava a mudança de um presidente para outro, e sim na construção de novas prioridades para o Estado russo. Dessa maneira, os dias caóticos e de capitalismo desenfreado durante a presidência de Yeltsin na década de 1990, deram lugar a políticas mais rigorosas sob o 32 comando de Putin a partir de 2000. A promessa inicial de Putin era trazer estabilidade econômica para o país, embora continuasse o padrão de economia de mercado estabelecido por Yeltsin. Apesar do modelo econômico continuar a ser perpetuado pela nova presidência, Vladimir Putin fixou seus objetivos em consolidar seu poder e legitimar suas decisões. Desse modo, no início de seu governo, o presidente russo, procurou “cortar pela raiz” possíveis clamores por novas reformas liberalizantes, e direcionou medidas mais assertivas no âmbito político-social impondo maiores restrições à liberdade de imprensa, bem como limitou a crescente influência dos órgãos de segurança. O objetivo primordial desta política não tinha a pretensão de extinguir a iniciativa privada na economia russa, mas reestabelecer o controle estatal nos setores estratégicos (SCHUTTE, 2010). Conforme vimos no capítulo anterior, os hidrocarbonetos sempre tiveram um papel importante na economia russa, porém foi a partir da ascensão de Vladimir Putin no inicio dos anos 2000, que o setor passou a ser visto como fator estratégico para a Rússia atingir seus objetivos na arena internacional e principalmente reestruturar o país após as sucessivas crises nas décadas passadas. Dessa maneira, a recuperação do seu status de grande potência desfrutado em outro momento, deveria passar por uma nova estratégia política e econômica, esta assentaria sobretudo na exploração do setor energético russo. Ou seja, dado o declínio nas capacidades político-militares da Rússia e a considerável diminuição de sua influência na política internacional os instrumentos econômicos são uma maneira da Rússia se projetar como uma grande potência novamente (LO, 2003). Nesse contexto, Putin lança sua tese de doutorado na qual disserta sobre a necessidade do governo russo reestabelecer o controle dos recursos naturais do país, “o processo de reestruturação da economia nacional, precisa haver o objetivo principal de criar empresas mais competitivas e eficazes no mercado doméstico e global.” “(...) as “campeãs nacionais” colocariam a promoção do interesse do estado acima da maximização do lucro” (PUTIN apud GOLDMAN, p. 97). Ou seja, a visão de Putin demonstrava que ao invés das corporações do setor energético serem controladas por um grupo de oligarcas interessados em seu lucro particular, elas deveriam ser usadas para atender os interesses nacionais da Rússia. Assim, as “campeãs nacionais” deveriam ser integradas em conglomerados industriais com capacidade de competir de maneira equânime com as grandes multinacionais ocidentais, como Exxon-Mobil e Shell. (GOLDMAN, 2008). 33 Dessa maneira, o papel da Gazprom, uma das principais empresas do setor energético russo, era extremamente relevante e estratégico para por os planos de Putin em prática, Schutte (2010 p. 21) descreve o processo de reestatização da mesma, do seguinte modo: No final dos anos 1990, embora o governo fosse o maior acionista, quase 62% das ações da empresa estavam em mãos privadas. Em junho de 2000, Putin ganhou a presidência e queria garantir o controle majoritário por parte do Estado. Um dos primeiros passos foi mudar o comando, trocando Viktor Chernomyrdin16. Um ano depois, indicou Dimitri Medvedev para presidentediretor com outros tecnoburocratas de São Petersburgo no intuito de moralizar a gestão da empresa. Ao mesmo tempo, começou um movimento para aumentar o controle acionário. Para isso, a estatal Rosneft comprou mais 10,74% das ações. Com outras articulações, o Estado aumentou sua participação para pouco mais de 50% das ações. O processo para retomar o controle da Gazprom foi relativamente simples em relação os demais, pois a empresa não participou da fase de “empréstimos por ações” (loan-for-shares, ver capítulo I) no período Yeltsin. As principais razões da Gazprom não ter participado nesse estágio das privatizações foram as seguintes: Chernomyrdin e a companhia não queriam perder o controle sobre o setor de gás ou incitar uma nova competição interna que poderia enfraquecer o controle estatal. Em segundo lugar, os preços do gás no mercado interno eram baixos e o setor era considerado muito importante para a economia para introduzir novas dinâmicas do mercado. Mesmo após as crises 1998, quando o governo russo foi à procura de mais dinheiro, o presidente Yeltsin aprovou a venda de apenas 2,5% das ações da companhia por cerca de US$ 660 milhões para a empresa alemã Ruhrgas (VICTOR, 2008). Com uma importante empresa nas mãos do Estado, Vladimir Putin adquiriu força para implementar novas ações que visavam pressionar as empresas que estavam em mãos privadas, a se moldarem as novas regras do jogo, nessa perspectiva o objetivo era efetivar uma reorganização no setor energético russo. De acordo com Considine e Kerr (2002), as principais medidas foram as seguintes: 1. Aumento do controle estatal sobre as atividades de exportação/importação e transferências de moeda. As novas iniciativas foram introduzidas para resolver o 16 Viktor Chernomyrdin foi primeiro-ministro russo entre 1992 e 1998, o segundo homem mais influente dentro do círculo de Boris Yeltsin, além de ser um dos membros fundadores da companhia Gazprom. 34 problema da fuga de capitais, e torna-se obrigatório o registro estadual de todas as transações de importações e exportações envolvendo bens e serviços adquiridos por residentes russos. 2. Aumento do número de iniciativas destinadas a estimular o investimento estrangeiro na Federação Russa. O projeto de lei e as propostas incluem um decreto aumentando os descontos de despesas para firmas estrangeiros que queriam se estabelecer na Rússia, bem como a criação de um comitê federal para apurar as questões relacionadas as disputas tributárias com entidades estrangeiras. 3. Aumento sobre o imposto de exportação. Em dezembro de 1999, Putin assinou uma resolução "temporária" para elevar o imposto de exportação de petróleo para 15 euros por tonelada (cerca de US$ 2,00 por barril). 4. As empresas petrolíferas russas serão obrigadas a pagar todos os seus débitos tributários federais até 1 de Fevereiro de 2000. A penalidade caso não haja o cumprimento do pagamento da dívida previa uma redução compulsória de 20% nas exportações de petróleo desta empresa. Além disso, desde o início de seu governo, Putin advogou que as concessões quanto à exploração do petróleo e do gás natural russo seriam prioritariamente fornecidas às empresas estatais. As companhias privadas e estrangeiras que pretendiam manter atividades de exploração na Rússia deveriam seguir as recomendações do Kremlin, sob pena de retaliações e limitações diversas (ADAM, 2008, p. 194). Desse modo, várias empresas russas privadas ou estrangeiras que se estabeleceram na Rússia durante a era Yeltsin foram paulatinamente sendo afastadas, um exemplo emblemático do que Leitão (2010) chama de “nacionalismo energético” foi o caso da TNK-BP17 no campo de gás de Kovykta. Através de meios legais, a empresa tinha a obrigação de produzir uma quantidade muito superior a qual seria possível realizar (devido sobretudo ao sub-investimento que o mesmo sofria) e como a referida empresa não conseguiu cumprir tais metas, ela se viu obrigada a vender parte de suas ações ao Estado. No dia 22 de Junho de 2007, a Gazprom adquiriu por cerca de US$ 800 milhões, 62,89% das ações da filial da TNK-BP, a Rusia Petroleum, responsável pela exploração do referido campo (LEITÃO, 2010 p. 28). 17 Tyumenskaya Neftyanaya Kompaniya (TNK) foi uma grande empresa de petróleo russo verticalmente integrada a sede em Moscou. Foi a terceira maior produtora de petróleo da Rússia, e estava entre as dez maiores petroleiras privadas do mundo. Em 2013 foi adquirida pela companhia petrolífera russa Rosneft. 35 Algo semelhante ocorreu com o contrato para a exploração do campo de Sakhalin 2, este explorado por um consórcio liderado por uma subsidiária, a Sakhalin Energy Investment Company Ltd., cujo principal acionista era a empresa angloholandesa Shell. Através da imposição de diversas normas ambientais, a pressão sobre a companhia tornou-se tamanha que a mesma não teve condições de se adequar. A Gazprom acabaria por adquirir, pelo preço de 7,45 bilhões de dólares a maioria das ações da empresa, tornando-se a acionista majoritária, e relegando para segundo plano os demais investidores (ibidem). Com base nisso, Putin dava os primeiros passos para reorganizar o aparato estatal e criava subsídios para centralizar o setor de hidrocarbonetos no Estado. Dessa maneira, o presidente russo procurou estabelecer um acordo com os oligarcas visando separá-los da esfera política, em troca o Estado respeitaria a ordem econômica estabelecida, evitando rever os planos de privatização passados, garantindo os privilégios adquiridos durante a era Yeltsin (GOLDMAN, 2008). No dia 28 de junho de 2000, o presidente Putin convocou cerca de 21 dos principais “novos oligarcas” para uma reunião no Kremlin, conforme pondera Goldman (2008, p. 103) a “maioria deles concordou em se manter fora dos assuntos políticos do país, todavia Boris Berezovsky e Mikhail Khodorkovsky não respeitaram as condicionantes do presidente russo”. Munido de seu poder econômico e controle da mídia, Khodorkovsky declarou abertamente suas ambições políticas de concorrer para a presidência da Federação Russa nas próximas eleições e anunciou-se como opositor político do presidente russo, associou-se à oposição acusando o presidente de corrupção e de defender causas de interesse próprio (LEITAO, 2010, p. 27). Além de sua influência interna, Khodorkovsky exercia forte ingerência nos negócios externos da Federação Russa, segundo Goldman (2008, p. 111) a Yukos havia se comprometido com a China em fornecer anualmente 20 milhões de toneladas de petróleo até 2005, e mais US$ 30 milhões de toneladas de petróleo por ano até 2010. Porém estima-se que este contrato estabeleceria o fornecimento de hidrocarbonetos à China, por no mínimo 20 anos. Com tamanha preponderância no cenário interno e externo da Rússia, Khodorkovsky se tornava o principal empecilho para os planos de Vladimir Putin. 36 Dessa forma, as primeiras ações do presidente russo contra a Yukos deram-se em 2003, quando o chefe de segurança da companhia foi preso, quatro meses depois, Khodorkovsky (o acionista majoritário e proprietário da empresa) foi preso, sob acusação de inúmeros delitos, como: evasão fiscal, roubo, fraude, corrupção e extorsão. Inicialmente sentenciado a oito anos de prisão na Sibéria, no ano de 2007 houve novas acusações, aumentando ainda mais seu tempo de reclusão. Além de Khodorkovsky, mais de 20 pessoas ligadas a empresa foram detidas entre 2003 e 2005. “Para poder pagar os impostos atrasados, a empresa foi obrigada a vender, em dezembro de 2004, seu ativo mais importante, a Yuganskneftegaz, que acabou sendo comprada pela estatal Rosneft. Outros ativos também ficaram com a Rosneft e a Gazprom” (SCHUTTE, 2011 p. 22-23). Putin usou o caso Yukos como uma estratégia de campanha eleitoral para angariar apoio ao seu partido, o Rússia Unida, e fazer a opinião pública não dar credibilidade aos partidos de oposição. Neste contexto, a revista russa “Yezhenedel’nyy zhurnal”(“Revista Semanal”, tradução nossa) opinou que "cada campanha presidencial na Rússia exigia um inimigo público, e nas próximas campanhas não haverá exceção. Em 1996, lutava-se contra os comunistas, em 1999, os inimigos eram os terroristas chechenos. Na campanha presidencial de 2004, a batalha será contra os oligarcas.” (ZAVADSKIY, 2003). Além disso, segundo Goldman (2008), dentro da sociedade russa havia uma insatisfação generalizada a despeito dos desdobramentos nos processos de privatização. De acordo com uma pesquisa de opinião divulgada na época, cerca de 77% dos entrevistados defendiam uma revisão parcial ou total destes processos. Isto em grande medida, explica o apoio que Vladimir Putin recebeu nas eleições de 2004. Sobre isso, Sarah Dixon (2008) afirma que: Há o sentimento de que a maioria da população russa foi roubada, embora, Ivan Ivanovich Ivanov [o homem comum] não seja diferente em tudo de Berezovsky [um oligarca]. A diferença é que Berezovsky tornou-se um bilionário, e Ivan permaneceu pobre, embora ele fosse o chefe de um laboratório, da mesma forma que Berezovsky era de um Instituto. (DIXON, 2008, p. 15, tradução nossa).18 18 Do original em inglês: There is the feeling that the majority of the population in Russia has been robbed, although, of course, Ivan Ivanovich Ivanov [the man on the street] is no different at all from Berezovsky [an oligarch]. Just that Berezovsky made himself a billionaire, and Ivan remained poverty-stricken, 37 O próximo alvo de Putin foi Boris Berezovsky, proprietário da empresa Sibneft. Seu parceiro de negócios Nikolai Gluchkov já havia sido preso e Berezovsky havia sido acusado de cumplicidade em fraude fiscal de aproximadamente dois bilhões de dólares em empresas na região russa de Samara, entre 1994 e 1995, e de lavagem de dinheiro. devido a “caça as bruxas” empreendida por Putin, Berezovsky fugiu para a França e, posteriormente, alegando sofrer perseguição política de Vladimir Putin, obteve asilo no Reino Unido, protegendo-se da extradição. (GOLDMAN, 2008) A Sibneft ficou sob o comando de Roman Abramovich, que parece ter entendido as novas regras do jogo e cooperou para que a Gazprom tomasse o controle da empresa, em mais um passo para transformar a Gazprom em campeã nacional. Nesse caso, o processo de estatização foi mais fácil, porque Boris Berezovsky ao passar seus ativos para Abramovich, deixou este com a opção de repassá-los ao Estado. Abramovich então optou por evitar animosidades com o governo e vendeu 72% da Sibneft para a Gazprom por cerca de US$ 13 bilhões, o que significou a entrada da empresa compradora no setor petrolífero. A Sibneft foi renomeada de Gazpromneft. Essa transação auxiliou não somente Putin, mas também beneficiou Abramovich que atualmente figura no ranking das pessoas mais ricas do planeta. Anos depois, ele também se mudou para Londres e se tornou o homem mais rico da Inglaterra, comprando o time de futebol inglês Chelsea por aproximadamente US$ 250 milhões (SCHUTTE, 2011, p. 23). Putin se apropriou das origens questionáveis da riqueza dos principais empresários russos para tornar este um dos principais temas de sua campanha, criando assim mecanismo para rever a política de privatizações do passado, em particular das companhias petrolíferas. Dessa maneira, Putin consolidou seu poder por meio de um grande negócio e atingiu seu plano de criar gigantes de energia controladas pelo estado. Além disso, com o partido Rússia Unida no controle de mais de dois terços dos assentos da Duma (Legislativo Federal), Putin foi capaz de usar o legislativo para legitimar estas ações políticas. Observa-se assim, durante os primeiros mandatos de Putin, uma reorganização da economia russa, estruturada na exportação de recursos energéticos e estrategicamente although he was the head of a laboratory, just the same as Berezovsky was, in an Institute. 38 orientada para o desenvolvimento econômico, crescimento e estabilização política do país. Dessa maneira, o Kremlin pode condensar suas potencialidades no setor e a infraestrutura de gasodutos e oleodutos herdada do período soviético, porém sob as novas perspectivas das econômicas mundiais – baseadas especialmente no aumento do consumo dos hidrocarbonetos. Nesta conjuntura, a alta dos preços internacionais do gás e do petróleo a partir dos anos 2000 e o subsequente aumento das suas exportações exerceram uma forte influência na retomada do crescimento econômico do país (ADAM, 2008). O caso emblemático da Yukos e da estatização das demais empresas russas, nos permite considera-los um divisor de águas na política interna e externa do Kremlin. A consolidação do projeto de Putin através da luta contra os "oligarcas mais poderosos” e a competição pelo controle dos hidrocarbonetos apresentou anacronias no sistema político da Rússia. Ou seja, um novo modelo de economia política surgiu, nas quais as reivindicações políticas do Estado passam a ser prioritárias, ou seja, apesar da economia de mercado estar instaurada na Rússia pós soviética, as demandas da elite capitalista podem estar sujeitas a condicionantes do Estado (SAKWA, 2008). 2.2 Uma recuperação rápida: a bonança de petróleo e a nova fase da economia russa. No final dos anos 1990 e inicio dos anos 2000, observou-se um aumento exponencial dos preços das commodities no mercado internacional, em grande medida influenciado pelo crescimento da demanda de hidrocarbonetos na Índia e na China, esta variante associada ao posterior incremento das exportações russas impactou diretamente na economia russa, que durante os primeiros anos do século XXI registrou altos índices de crescimento econômico. Para exemplificar esta situação, o autor Oliker et al. (2009) pondera que os rendimentos adquiridos através das exportações de petróleo e gás passaram de US $ 28 bilhões em 1998 (período da desvalorização do rublo), para US$ 217 bilhões em 2007. Além disso, observou-se um singular aumento da participação dos hidrocarbonetos nas exportações, que passou de 37% em 1998 para 61% em 2007, chegando ao ápice de 63% no ano de 2006 (ver gráfico IV). Este crescimento foi em grande parte 39 impulsionado pelo rápido aumento na produção de petróleo bruto, em especial durante a primeira metade da década. Conforme demonstra o gráfico IV, o fato de que o consumo doméstico de hidrocarbonetos permanecer praticamente inalterado durante os anos 2000, auxiliou a Rússia a aumentar a quantidade disponível de recursos energéticos para a exportação. Observa-se ainda um crescimento considerável de produtos refinados, que praticamente dobrou nos anos analisados. Esta rápida recuperação do setor petrolífero russo fez com que em 2007 o país voltou a se tornar um dos principais produtores de petróleo no mundo. Gráfico IV - Principais Tendências no Setor de Petróleo da Rússia entre os anos de 2000 à 2009 (milhões de toneladas): 600 500 400 300 2000 2009 200 100 0 Produção Bruta de Exportações Brutas Exportações de Consumo Interno Petróleo Produtos ReFinados FONTE: Federal State Statistics Service - ROSSTAT (2010); Segundo Adam (2008), o aumento dos preços dos recursos energéticos (ver gráfico V) foi crucial para a Rússia encontrar um meio de se inserir na economia internacional, e se recuperar da crise que passara nos anos 1990. O autor ainda destaca o papel da situação global do setor energético, que em alguma medida pode ter favorecido a Federação Russa a sair mais rápido do cenário de recessão econômica: 40 A conjuntura se tornou ainda mais favorável para Moscou diante das sucessivas crises no Oriente Médio, o que transformou em verdadeiras incógnitas as possibilidades de alguns dos países da região de continuarem sendo fornecedores confiáveis de tais produtos. Ademais, a crescente demanda por energia da União Europeia, bem como o acelerado desenvolvimento econômico da China e, em menor escala, da Índia configuram perspectivas reais de aumento do poderio econômico russo. Na visão do Kremlin, correta, aliás, a ascendência econômica russa no cenário internacional lhe permite angariar respeito e pleitear aceitação em organizações multilaterais como a Organização Mundial do Comércio. (ADAM, 2008, p. 153) Na virada do século, a Rússia se tornou o maior exportador mundial de gás e segundo maior exportador de petróleo no mundo, devido a isso passou a ser vista com outros olhos pelas demais potências, enquanto na época de Yeltsin a preocupação principal era que a Rússia se tornasse um país instável detentor de ogivas nucleares e com um poderio militar considerável – sob Putin, Moscou adquiriu maior importância, pois se colocou como um fornecedor de energia mais confiável que a instável região do Oriente Médio (LO, 2003 p. 66). Gráfico V - Média anual dos preços do petróleo bruto (US$/Barril): 2013 2012 2011 2010 2009 2008 2007 2006 2005 2004 2003 2002 2001 2000 US$ 1999 120,00 100,00 80,00 60,00 40,00 20,00 0,00 Fonte: BP Statistical Review of World Energy (Junho, 2014) Apesar de haver um amplo debate interno sobre a modernização da economia russa, demonstrado pelo aumento dos investimentos em inovação e tecnologia, de fato, o papel do setor de petróleo e gás continua a ser predominante. No entanto, Oliker et al. (2009) argumenta que os hidrocarbonetos não podem ser encarados como o principal 41 motor do crescimento econômico russo, já que a grande maioria destes recursos foi colocada em um fundo de estabilização econômica (que possui o objetivo principal de ser utilizado, caso haja um declínio massivo dos preços do barril de petróleo). Conforme demonstra o gráfico VI, existem outros setores da economia que não correspondem ao domínio das commodities, tais como indústria química, construção civil, e comércio, portanto, devemos reconhecer que houve outros fatores (internos e externos) que auxiliaram no processo de reestruturação econômica. Através do gráfico abaixo podemos observar que a partir do governo de Vladimir Putin houve um progressivo avanço do setor energético na balança de exportações do país, nota-se ainda que a partir do segundo mandato do presidente russo em 2004, a participação do setor de hidrocarbonetos cresce ainda mais, pois foi a partir do segundo mandato de Putin que houve a consolidação das principais “campeãs nacionais”. No entanto, não podemos diminuir a importância do papel dos hidrocarbonetos na economia russa, pois apesar de uma parcela dos lucros obtidos da venda destes terem sido colocados em um fundo nacional, uma parte significativa foi aplicada na economia, bem como auxiliou a Rússia a superar a crise financeira internacional de 2008 de uma maneira mais branda (SCHUTTE, 2010). Gráfico VI - Participação da exportação dos recursos energéticos russos no total das suas Exportações: Fonte: OLIKER et al., 2009, p. 48 apud Banco Central Russo. 42 Além disso, o aquecimento da economia russa durante os anos 2000 incrementaram as reservas cambiais russas, que alcançaram o valor de US$ 168,4 bilhões em novembro de 2005 (QUINTELLA, 2005) e no final de 2007, a Rússia já havia se tornado o terceiro maior detentor de reservas internacionais do mundo, com mais de US$ 420 bilhões, apenas atrás de China e Japão (GOLDMAN, 2008). Outro ponto importante dado a esta recuperação econômica, foi que o governo russo também pagou rapidamente suas dívidas e empréstimos externos, em 2006 eles somavam cerca de US$ 73 bilhões, enquanto que no auge da crise de 1998 a dívida externa tinha ultrapassado a marca de US$ 150 bilhões (ibidem). Estes fatores podem, em alguma medida, elucidar o recrudescimento de um país mais forte e estável a longo prazo. No contexto internacional observa-se um robusto crescimento na Ásia, principalmente China e Índia, que entraram no século XXI como fortes mercados emergentes na economia mundial, estes necessitavam uma demanda cada vez maior de energia, de acordo com Goldman (2008) entre 2001 e 2005, a China foi responsável por cerca de 30% a 40% do consumo mundial de petróleo. Este cenário foi favorável para a inserção russa nestes países. Além disso, havia desde a Era Yeltsin um forte movimento para a Rússia estreitar laços econômicos e militares com estes países. Visão esta, herdada do Ministro das Relações Exteriores da Federação Russa, na época de Yeltsin, Yevgeny Primakov, este, procurou institucionalizar uma parceria da Rússia e as potências que poderiam no futuro rivalizar com os Estados Unidos e a condição unipolar do sistema. O que foi chamado por ele de “triângulo estratégico” agrupamento entre China, Índia, Rússia (KUCHINS, 2002). Apesar de se observar uma substancial aproximação entre Rússia e os dois gigantes asiáticos, Moscou também procurou diversificar seus parceiros comerciais, estabelecendo parcerias na América Latina, África, Oriente Médio, além de fortalecer os laços econômicos com a União Europeia. Segundo a visão de Adam (2008 p. 114), “a Rússia deixaria de ser um país voltado exclusivamente ao Ocidente ou ao Oriente para se transformar em um parceiro de todos que assim o desejassem.” Ainda sugere que Putin e Sergey Lavrov (atual ministro das Relações Exteriores) adotam a visão Primakoviana, mas com uma nova roupagem - sem abandonar o pragmatismo, dando ênfase ao setor “real” da economia (isto é, o setor produtivo), em detrimento das atividades especulativas (SEGRILLO, 2015). O resultado do jogo geopolítico empreendido por Putin em seus primeiros 43 mandatos, foi um ressurgimento gradual da Rússia como grande potência, desta vez sobre uma base muito mais sólida do que anteriormente. Muda-se a também a percepção russa perante a ordem mundial, que passa a se orientar segundo uma visão de um mundo multipolar e anárquico. Lo (2003 p. 67) destaca que a chamada “geoeconomia” tornou-se para Moscou a geopolítica do novo milênio, dando um novo impulso na maneira em que a Rússia percebe seu espaço estratégico, o equilíbrio de poder, e suas esferas de influência. 2.3 A diarquia Medvedev-Putin e a crise financeira internacional de 2008: Ao final de seu segundo mandado como presidente, Vladimir Putin contava com uma aprovação de mais de 85% dos russos19, porém a constituição russa não permitia um terceiro mandado para a presidência, dessa maneira ele indicou um sucessor para ocupar seu cargo: o advogado e presidente da Gazprom Dimitri Anatolyevich Medvedev. A questão que intrigava a maioria dos analistas políticos era de que maneira Putin poderia continuar exercendo sua influência política e dar continuidade ao seu projeto econômico para Rússia? (SEGRILLO, 2015). A solução encontrada foi mais simples do que se pensava, pois a Constituição russa de 199320, estabelece um sistema semipresidencialista, ou seja, o Presidente da Federação Russa usufrui do poder primário no sistema político russo. De acordo com o artigo 80 da mesma, o Presidente é o chefe-de-estado, e eleito para um mandato de seis anos21, representante do país nas relações internacionais e Comandante Supremo das Forças Armadas da Federação Russa. Já o primeiro-ministro responde pelas suas ações ao parlamento, num regime parlamentarista, ou ao Chefe de Estado, o primeiro-ministro é indicado pelo partido detentor da maioria no parlamento e tende a continuar no poder enquanto sua base parlamentar preservar-se majoritária. Como em 2008 o partido Rússia Unida (o de 19 Levada Center, disponível em: http://www.levada.ru/eng/indexes-0 acesso em: 25/09/2015; Constituição Federal Russa (Konstitutsiya Rossiyskoy Federatsii) disponível em: http://www.constitution.ru/ acesso em: 26/09/2015; 21 Originalmente a constituição russa previa um mandato de quatro anos, após o fim do mandado de Vladimir Putin o Kremlin propôs algumas modificações na constituição federal. Estas propostas foram enviadas ao parlamento russo em novembro de 2008, entraram em vigor dia 31 de Dezembro de 2008 e tornaram-se as primeiras alterações substanciais à Constituição da Rússia de 1993 estendendo o mandato do Presidente da Rússia e da Duma de quatro para seis e cinco anos, respectivamente; 20 44 Vladimir Putin) contava com mais de 64,1% das cadeiras do parlamento22 o presidente Medvedev assim que eleito, indicou Putin para o cargo de primeiro-ministro. Dessa maneira, o ex-presidente pode perpetuar-se no poder e continuar exercendo ingerência nos assuntos internos e externos da Federação Russa. Logo que eleito presidente da Rússia, Dimitri Medvedev escolheu a China e os países da Ásia Central para fazer suas primeiras visitas oficiais. A escolha desses países não foi mera coincidência, pois a China e a região da Ásia-Pacífico eram vistas como uma importante porta de entrada da Rússia para a economia global além de serem consideradas internamente um exemplo de sucesso de modernização. Devida a sua imensas reservas de hidrocarbonetos, Moscou colocou-se como uma agente para satisfazer as demandas crescentes de energia dessa região e consequentemente usar isto como um instrumento para a modernização de sua própria economia e desvincular-se da dependência da UE (TSYGANKOV, 2010). No início do governo de Medvedev, a Rússia já apresentava um fluxo estável de investimentos na economia, e havia recuperado consideravelmente seu prestígio internacional, estas variáveis possibilitaram um postura menos subserviente de sua política externa (ibidem). Porém, foi a partir da eclosão da crise financeira internacional de 2008 que a economia russa revelou sua vulnerabilidade. De acordo com o gráfico VII, a economia russa de 2008 para 2009 decresceu cerca de 7,82%, este fator esta intimamente ligado com a queda do preços do petróleo no mercado mundial (ver gráfico V), que durante estes anos despencou de US$ 97,26 para US$ 61,67. Durante a crise de 2008, houve uma massiva fuga de capitais estrangeiros da Rússia e uma brusca desvalorização do rublo, tentando balizar a situação de crise, o governo russo ordenou a injeção de mais de US$ 150 bilhões na economia. Com o cenário de crise instaurado, o Kremlin viu-se obrigado a utilizar os recursos disponíveis no Fundo de Reserva e no Fundo Nacional de Bem-Estar23 para assegurar liquidez (SEGRILLO, 2011). Para tentar contornar a situação, Schutte (2010 p. 44) aponta que foram modificados os critérios de utilização do Fundo Nacional, e inseridas novas regras para a aplicação destes recursos: “não mais restrita a títulos no exterior, mas permitindo compra de ações e títulos domésticos. De certa forma, o fundo acabou 22 Resultado oficial das eleições da Duma Federal, disponível em: http://gduma.ru/itogi.htm acesso em: 26/09/2015; 23 Estes fundos foram criados a partir das receitas advindas da venda de petróleo, conforme mencionado na página 39. 45 assumindo o papel que o Federal Reserve System (FED) desempenhou nos Estados Unidos diante da crise”. Apesar destas medidas de caráter emergencial adotadas por Moscou, a economia russa só voltou a revigorar-se no primeiro semestre de 2010 (ver gráfico VII), ano que concomitantemente observou-se um aumento significativo dos preços do petróleo (ver gráfico V). Podemos concluir que esta crise financeira revelou que a confiança excessiva da Rússia em seus recursos energéticos e no sistema financeiro internacional deixou o país relativamente vulnerável às intempéries do mercado mundial (ADAM, 2011). Gráfico VII - Produto Interno Bruto (PIB) russo desde 1990: FONTE: Banco Mundial, última atualização: 27/07/2015; 2.4 A política energética russa e as projeções do setor energético russo para o futuro A política energética da Federação Russa se tornou uma política de Estado, e é oficialmente baseada em dois principais documentos, o primeiro foi feito em 2003 revisto regularmente, intitulado "Estratégia energética da Rússia para o período até 2020" (“Energeticheskaya Strategiia Rossii na period do 2020 goda”, 2003). O segundo documento, publicado no pós crise, em 2010 e intitula-se “Estratégia energética da Rússia para o período até 2030" (“Energeticheskaya strategiya Rossii na period do 2030 goda”). Estes documentos, ambos publicado pelo Ministério da Indústria e Energia da 46 Federação Russa, abrangem todos os setores energéticos - petróleo, gás, carvão e energia hidrelétrica - e apontam algumas estratégias para a recrudescimento de cada setor. Além disso, os documentos salientam a importância da integração da Rússia no sistema global de circulação de energia, de maneira a promover a cooperação internacional na exploração e desenvolvimento de recursos energéticos. Esta estratégia estaria assentada sob a perspectiva prioritária de desenvolver novos mercados para a distribuição de recursos energéticos. A principal ênfase destes documentos visam respaldar a posição do Kremlin como um fornecedor confiável de energia para o mercado externo, e ao mercado interno o documento busca garantir a independência e a segurança energética24 da Rússia, mantendo o potencial de exportação de hidrocarbonetos do país. De acordo com os documentos Esta estratégia sustentaria a segurança econômica da Rússia, pois o reforço das posições russas sobre os mercados mundiais do setor energético (principalmente petróleo e gás) são prioritárias para o Estado Russo: “Durante os próximos 20 anos, temos de perceber as capacidades de exportação do complexo de energia russo como garantia da segurança econômica do país, mantendo-se como um parceiro estável e confiável para os países europeus e para toda a comunidade mundial". Os documentos ainda afirmam que as principais preocupações da Rússia estão relacionadas à segurança energética, e portanto a política energética deve contribuir para o objetivo principal de garantia da segurança nacional, ou seja a política energética deve ser usada quando necessária como instrumento para evitar ameaças geopolíticas e macroeconômicas. A formação de uma zona comum de energia, através do incremento da infraestrutura de distribuição de hidrocarbonetos na Europa e na Ásia são vistos como 24 Para Sapir (2007) segurança energética é a capacidade de ter a disposição energia em quantidade e qualidade necessárias para cobrir as necessidades econômicas e sociais do país, bem como seus compromissos internacionais. O fator mais importante não é apenas o fato de que o fornecimento imediato poderia ser garantido mas que o fornecimento constante poderá ser previsto por potenciais consumidores de energia com um grau razoável de certeza. De acordo com Deese (1980) a segurança energética pode ser definida como uma condição na qual uma nação percebe a probabilidade de que irá obter oabastecimento de energia adequado e a preços acessíveis. Existem dois principais componentes econômicos e políticas de segurança energética: o primeiro é o conjunto das ações que afetam a quantidade e a confiabilidade do abastecimento de energia. O segundo inclui ações externas que afetem o abastecimento de energia. Esses dois componentes são interligados, os problemas com o fornecimento nacional podem gerar pressões para aumentar as importações de energia. E os componentes externos (as importações de recursos energéticos) impõem os riscos mais imediatos para a segurança energética nacional. 47 algumas das prioridades para o Kremlin. Para alcançar tais objetivos, o Estado russo incentiva a participação de companhias russas no desenvolvimento e na realização de grandes projetos internacionais para o transporte de gás, petróleo e energia, tanto em linhas ocidentais e orientais. Um dos exemplos desta política, pode ser vislumbrado através da exploração de petróleo e demais hidrocarbonetos no circulo polar ártico, na qual a Rússia aprovou uma reforma fiscal que reduz significativamente a carga tributária a empresas que realizam operações de upstream (exploração, extração e produção) na região (SORBELLO, 2011). Com base na invariabilidade do desenvolvimento global de energia e do setor energético nacional, o documento observa dois cenários distintos da política energética da Rússia: um otimista e outro pessimista. Os cenários de referência pressupõem o reforço da posição do país no mercado mundial de hidrocarbonetos, e a inovação no setor da energia, bem como o desenvolvimento de projetos no Norte país e no Ártico, a expansão dos processos de integração na União da Eurásia, o desenvolvimento da cooperação energética com a União Europeia e os países da região da Ásia-Pacífico, como resultado observa-se o reforço da posição geopolítica da Rússia (BUSHUYEV, V.V. et al, 2015). O Cenário pessimista esta relacionado com a falta de modernização do setor de energia do país, o que levará à perda de posições internacionais e regionais russas no setor energético, causando um agravamento das relações com os países desenvolvidos podendo provocar guerras de "Energia" e a deterioração da imagem internacional da Rússia passando a ser vista como uma agressiva "superpotência energética" (ibidem). O cenário positivo se debruça sobre a formação de um novo tipo de poder na Rússia, bem como vislumbra um declínio relativo da participação de hidrocarbonetos na balança comercial russa, promovendo um aumento de 4,5% do uso de energias renováveis no país. O cenário otimista também prevê a criação de um sistema unificado de energia no âmbito euroasiático, e ainda pressupõe o desenvolvimento de projetos comuns de grande escala com os países da região Ásia-Pacífico e a construção de um túnel sob o Estreito de Bering, que permitirá à Rússia concretizar a construção de um novo corredor de transporte global. Tudo isso vai contribuir para a expansão da influência geopolítica da Rússia como um centro global de cooperação e diálogo (ibidem). Tais projeções podem ser esboçadas através da tabela 2.1. A estratégia energética da Rússia conclui que os objetivos da política energética 48 de Moscou em relação aos demais países baseiam-se na necessidade de reforçar a posição da Rússia no mercado global de energia e maximizar a eficiência de exportação do setor energético russo, além de garantir que as empresas russas tenham igualdade de acesso aos mercados externos, tecnologia e financiamentos. Os desdobramentos da estratégia adotada pelo Kremlin com o intuito de atender os interesses de expansão das estatais russas do ramo energético veremos no próximo capítulo, bem como suas relações com os principais países parceiros no setor de hidrocarbonetos. Tabela 2.1 - A Rússia no mapa mundial de energia no futuro: Tendências Risco Requisitos para a Rússia Desaceleração da demanda mundial de hidrocarbonetos Desaceleração econômica Modernização energético Mudança na demanda de hidrocarbonetos na Ásia Forte concorrência Europa Crescimento acelerado da produção de energia renovável e de hidrocarbonetos não convencionais Obras a realizar Ineficiência / Desenvolvimento acelerado das energias renováveis na Rússia Regionalização da Energia Mundial Não exige exportações e investimento Otimização de projetos de dutos Nova fase de desenvolvimento nos países desenvolvidos Atraso Rússia Desenvolvimento tecnológico e investimentos em inovação irreversível na da Diversificação exportações do setor das FONTE: Instituto de Estratégia Energética, (2015) – Институт энергетической стратегии. Disponível em: http://www.energystrategy.ru/ acesso em: 05/10/2015; 3.0 AS RELAÇÕES COMERCIAIS RUSSAS COM OS SEUS PARCEIROS: UMA VISÃO SOB O PRISMA ENERGÉTICO. O presente capítulo procura demonstrar o papel que os hidrocarbonetos 49 desempenham no comportamento externo do Kremlin, o objetivo consiste em constatar uma eventual correlação existente entre alguns casos onde os hidrocarbonetos russos foram usados como uma ferramenta para obter ganhos políticos e o impacto destes no relacionamento bilateral entre a Rússia e a UE. A escolha do bloco europeu ocidental a ser estudado na primeira seção do capítulo justifica-se pelo fato de ser o principal destino das exportações russas no setor energético e também por apresentar laços históricos e geográficos com Moscou. A segunda seção deste capítulo aborda sobre as relações que a Federação Russa possui com os países da antiga URSS, é dada especial atenção a Ucrânia e Belarus por serem rota dos principais gasodutos e oleodutos que ligam a Rússia à UE. 3.1 As relações entre Rússia e União Europeia, e o papel que nelas exercem os hidrocarbonetos: No dia primeiro de abril de 2001, em um discurso para a Assembleia Federal da Federação Russa o presidente Putin comentou: "processos dinâmicos estão atualmente em curso na Europa. Os papéis das principais organizações europeias e fóruns regionais estão sendo transformados. Neste sentido, o significado de novos esforços [por parte da Rússia] para estabelecer parceria com a União Europeia está certamente crescendo. A direção para a integração com a Europa é uma das áreas-chave de nossa política externa". (ADAMS, 2002, p. 19)25 Conforme visto no capítulo 1, durante a década de 1990, a Rússia levava em curso uma série de políticas sociais e econômicas pró-ocidentais, o paradigma estabelecido no pós-Guerra Fria baseava-se em dois pressupostos: o primeiro apoiava-se no estabelecimento de um sistema democrático e alicerçado na economia capitalista, o segundo buscava uma crescente cooperação e integração26 política e economia com a Europa. (ALMEIDA, 2008). 25 Do original: “On April 1, 2001, in a speech to Russia’s Federal Assembly, President Putin commented: “Dynamic processes are currently under way in Europe. The roles of major European organizations and regional forums are being transformed. In this sense, the significance of further efforts [by Russia] to establish partnership with the European Union is certainly growing. The course towards integration with Europe is one of the key areas of our foreign policy.” 26 De acordo com Almeida (2008), esta integração não buscava a adesão da Rússia ao UE, e sim o estabelecimento de processos que visavam uma cooperação política institucionalizada, bem como a criação de uma zona de livre comércio entre a UE e a Rússia. 50 No decorrer da década de 2000, principalmente após a revitalização econômica ocorrida durante a era Putin (em grande medida influenciada pelo aumento dos preços do petróleo) a percepção mútua entre os dois atores (União Europeia e Rússia) mudaram. A nova geração da elite política russa assumiu uma posição diferente em relação à Europa, a Rússia não procurava mais tornar-se uma potência europeia, o desejo do Kremlin baseava-se em assumir uma posição independente no cenário internacional. Esta mudança na orientação da política externa ocorrida sob Vladimir Putin demonstraram para o mundo ocidental que os dias de fraqueza da era Yeltsin e de superioridade da UE tornaram-se um passado distante (ALMEIDA, 2008 p. 22). A partir de outubro de 2000 delineou-se a ideia de "parceria energética" entre a União Europeia (UE) e a Rússia, o que equivale a uma duplicação das importações de gás russo em troca de investimentos no setor petróleo e gás russo. Esta cooperação foi reforçada devido a muitos fatores, incluindo mudanças no sistema fornecimento de energia de alguns países europeus, como a Alemanha, que decidiu encerrar todas as centrais nucleares existentes até 2020, o que implicaria em um aumento da participação e do consumo de gás russo (CHERNITSYNA, 2015 p. 96). Assim, observa-se nos últimos anos uma evolução gradual do diálogo e um substancial aprofundamento da cooperação entre a União Europeia e a Rússia. Ou seja, mudou-se também a percepção da Europa perante a Rússia, que antes era vista como um simples exportador de recursos energéticos, a partir da última década, nota-se uma troca constante recursos econômicos entre a Rússia e companhias europeias de energia, bem como um incremento na realização conjunta de projetos. Há uma institucionalização gradual do diálogo energético que se realiza em diferentes formatos de relações mútuas e cooperação: reuniões bilaterais, cúpulas, grupos temáticos (GUSEV, 2008). Em Outubro de 2014, durante a reunião da Associação de Empresas Europeias em Moscou, o ministro das Relações Exteriores da Rússia Sergey Lavrov destacou que a Federação Russa aprecia a experiência acumulada ao longo de décadas bem como preserva a reputação de um fornecedor confiável de recursos energéticos e por isso a UE deve intensificar ainda mais esta cooperação. Os países membros da UE também estão interessados no abastecimento estável de recursos energéticos a preços razoáveis provenientes da Rússia. Nesse contexto, o Ministro da Energia da Federação Russa Alexander Novak, em seu discurso durante a Conferência de Segurança Energética de 51 Valdai, em abril de 2015, sublinhou que "a Rússia tem todas as instalações necessárias para atender a futura demanda de energia na Europa a preços competitivos." (BUSHUEV, et al, 2015 p. 32) Desta maneira, o incremento dos laços econômicos e políticos entre a comunidade europeia e a Rússia se constituíram em uma prioridade estratégica para ambos. Perante o lado europeu, cumpre destacar que a Federação Russa é o vizinho mais importante, com quem tem fronteiras. Deve-se ressaltar que a UE é o maior parceiro comercial da Rússia, e esta encontra-se em quinto lugar na tabela das relações comerciais europeias. Na área energética, a Rússia é o principal fornecedor de gás para a Europa e os estados-membros da UE são os principais compradores da energia russa. Este nível de reciprocidade e a relevância das relações bilaterais levaram ao estabelecimento de um Acordo de Parceria e Cooperação (APC), em 1997, cuja vigência terminou em 2007 (ALMEIDA, 2008). Segundo o relatório publicado pelo Instituto de Energia e Estratégia da Rússia (2015), o conceito de Política Externa da Federação Russa postula uma ação prioritária no incremento das relações com os países da região euro-atlântica, na qual a Rússia está associada geográfica, econômica e historicamente, além de partilhar profundas raízes civilizacionais. A principal tarefa para a Rússia no relacionamento com a União Europeia continua a se direcionar no sentido de promover um espaço econômico e humano do Atlântico para o Pacífico. Sob a ótica do Conceito de Política Externa, a Rússia está interessada em aprofundar a cooperação com a União Europeia consolidando-a como uma importante parceria externa no âmbito econômico, um exemplo destes laços comerciais estão presentes no volume de comércio entre a Rússia e a União Europeia que em 2013 ascendeu a 400 bilhões de euros, e com os Estados Unidos - somente 18 bilhões (BUSHUYEV, V.V. et al, 2015, p. 31). Após o fim da União Soviética, o relacionamento entre estes atores se desenvolveu em grande medida na base da interdependência, ou seja, dado o nível de trocas comerciais entre estes países ambos se tornaram vulneráveis as políticas de cada Estado. Como Buzan (2008 p. 128, tradução nossa) argumenta, "em padrões complexos de interdependência, muitos estados estarão vulneráveis a rupturas nos fluxos de comércio. De forma direta tais vulnerabilidades podem dar origem a temores de extorsão, em que os estados utilizam as suas vantagens econômicas para extrair 52 concessões políticas."27 Como as exportações de hidrocarbonetos para a Europa representam um componente relevante da balança comercial russa, caso a UE resolvesse substituir as importações de gás e petróleo provenientes da Rússia, a economia do pais ficaria enfraquecida, pois Moscou não possui parceiros importantes que possam substituir a demanda europeia em um curto prazo. Por outro lado, a Rússia, além de sua abundância em recursos energéticos, é o único país que conta com a infraestrutura adequada para entregar estes recursos à União Europeia, dessa forma, seria improvável a curto ou médio prazo a Europa obter uma estrutura de dutos capazes de substituir as importações russas. Estes dados revelam que se utilizados estrategicamente, o Kremlin tem o potencial de utilizá-los como uma poderosa arma política e econômica (GOLDMAN, 2008 p. 139). Um mapa geral dos oleodutos e gasodutos russos na Europa pode ser observado por meio da figura I. De acordo com Piccolli (2012, p. 44) esta interdependência constrange o comportamento de ambas as partes, já que: A Europa por estar sujeita às intempéries russas, como os cortes de fornecimento (pela Gazprom à Ucrânia e Belarus – em muito por motivações políticas), as disputas pelo controle da infraestrutura logística dentro da Europa, o declínio da produção russa, e os conflitos locais (Guerra da Geórgia, que ameaçou o principal corredor de fornecimento energético europeu que circunda o território russo).Por outro lado, observando-se a outra ponta da interdependência, os líderes russos alegam que tamanha dependência de capitais e tecnologia oriundos, sobretudo, da Europa, acabam por limitar o comércio com outros parceiros (demanda crescente vinda do mercado chinês), assim como o desenvolvimento de novas rotas de exportação visto a necessidade constante de manutenção da infraestrutura que atende a região da Europa Leste. A figura I esboça os mais de 46.000 km de oleodutos de petróleo bruto, 15.000 km de produtos derivados do petróleo e 152.000 km gasodutos, que a Rússia herdou do período soviético, e conforme vimos anteriormente a maioria destes são controlados pelo estado (CHOW, 2004). A figura ainda mostra os inúmeros projetos em construção 27 Do original em inglês: “where complex patterns of interdependence exist, many states will be vulnerable to disruptions in the flows of trade. In a direct way such vulnerabilities give rise to fears of extortion, where states use their economic advantages to extract political concessions”. 53 e os projetos para o futuro. Dessa maneira, fica clara a influência dos recursos energéticos nas atividades econômicas da UE, pois sem a energia proveniente destes dutos seria praticamente insustentável a matriz energética europeia. Do lado russo, resta cristalino que os países da UE são atualmente os mercados mais importantes para a venda de gás natural da Rússia. A Gazprom tem uma compreensão clara do quanto ela precisa da Europa, pois nenhum outro mercado poderia comprar a curto ou médio prazo os volumes de gás natural que a Rússia vende à UE (OLIKER et al, 2009 p. 107). FIGURA I - Gasodutos e oleodutos da Rússia na Europa: Fonte: KAPLAN (2013) Dessa maneira, a garantia do suprimento energético provindo da Rússia é colocada em primeiro lugar entre as prioridades da política energética europeia, pois o elemento-chave do diálogo sobre energia entre a Rússia e a UE se desenvolve principalmente no ramo de gás (GUSEV, 2008). Neste contexto de interdependência, Bruxelas procura diversificar seus fornecedores de hidrocarbonetos. A UE a partir da primeira década de 2000 procurou aprimorar suas relações bilaterais com os principais produtores de petróleo de diferentes regiões do mundo (incluindo a Líbia e Irã), bem 54 como outros países da região do Mar Negro e do Mar Cáspio. Por outro lado, observase em Moscou uma estratégia continua com vistas a manter o seu monopólio no fornecimento de gás para a União Europeia, dessa maneira, a Rússia procura estreitar laços comerciais com os países da Comunidade dos Estados Independentes (CEI), principalmente aqueles que possuem grandes reservas de gás como Cazaquistão, Azerbaijão e Turcomenistão (KHARLAMOVA; FILIMONOVA, 2006). Além disso, existe um forte movimento do Kremlin no qual procura-se manter sua influência nos países que passam pelo território de trânsito de recursos energéticos (principalmente, Ucrânia, Bielorrússia, Geórgia) a fim de aumentar seu controle sobre suas linhas de transmissão através do apoio a governos e partidos políticos pró-Rússia e através da manutenção dos preços subsidiados do gás natural a estes países (TSYNGANKOV, 2010) pois tanto Moscou, como Bruxelas percebem estes países como regiões estratégicas para a manutenção do sistema de segurança energética coletivo (KHARLAMOVA; FILIMONOVA, 2006). De acordo com Gusev (2008 p. 06) apesar de uma crescente interdependência, a UE e a Rússia divergem em uma série de questões, portanto a resolução destes obstáculos devem definir o futuro do desenvolvimento dos laços econômicos e políticos entre os dois atores, porém isto prova que a UE e a Rússia, atualmente, se encontram em uma nova etapa de cooperação. Os principais problemas a cerca deste tema, giram em torno da esfera econômica, pois Moscou e Bruxelas discordaram sobre o que define a segurança econômica. A UE percebe as disputas na área energética entre a Rússia com exrepúblicas soviéticas como uma ameaça aos seus próprios interesses, insistindo que a Rússia ratifique o Tratado da Carta da Energia (TCE)28. A carta tinha sido assinada por Boris Yeltsin na década de 1990 e estipulou o acesso de terceiros aos gasodutos de energia da Rússia. A UE viu também a questão sobre a diversificação de mercados e queria margem para mudar de fornecedores de energia. No entanto, a Rússia era um produtor de energia, não um consumidor, e queria assinar contratos de longo prazo com os europeus, resistindo acesso aos seus gasodutos por terceiros. Dada a importância dos elevados preços da energia para o seu desenvolvimento econômico, a Rússia queria 28 A Carta da Energia é uma organização independente com sede em Bruxelas. O tratado que a administra atualmente em vigor, estabelece regras para o investimento e contém recomendações importantes sob a questão do trânsito de recursos energéticos, bem como prevê o acesso adequado de terceiros às instalações de trânsito (por exemplo, linhas de transmissão elétricas, oleodutos e gasodutos) (MILOV, COBURN, DANCHENKO, 2013) 55 evitar uma repetição do cenário de 1985-1986, quando um declínio acentuado nos preços minaram a economia soviética. Além disso, a Rússia não via com bons olhos os esforços europeus para negociar acordos energéticos separadas com o Azerbaijão, Turquia e os países da Ásia Central. (TSYGANKOV, 2010, p. 187). O presidente Putin, não se sente confortável em ver o movimento da UE com a intenção de diversificar fornecedores de energia, em entrevista ao Financial Times ele afirmou que “Nós somos o parceiro mais confiável para a comunidade europeia em qualquer circunstância, gostando ou não, a UE jamais irá encontrar um fornecedor de hidrocarbonetos mais seguro que a Rússia” (GOLDMAN, 2008 p. 163). Com vistas a garantir sua preponderância no mercado europeu a estratégia das principais empresas russas do setor energético como a Lukoil e da Gazprom era garantir seus mercados por meio do controle de canais de distribuição de hidrocarbonetos. No caso da Gazprom, a aquisição da infraestrutura de energia na Europa é um dos objetivos estratégicos. Até 2008, a empresa possuía presença significativa na distribuição na Grã̃Bretanha (Wingas e Gazprom Marketing and Trading Ltd.), na Itália (Promgaz) e na Alemanha (Wintershall Erdgas Handelshaus GmbH&Co. KG – WIEH, Wingas e ZMB). Diante dessa estratégia, a UE introduziu, em 2008, no âmbito da política energética, restrições para a compra de ativos estratégicos, conhecidas como a Cláusula Gazprom (Gazprom Clause) (SCHUTTE apud PETROLEUM ECONOMIST, 2008). Apesar disso, a Gazprom em 2008 ainda detinha o controlava de cerca de 20% do mercado global de gás e 25% das reservas mundiais (SCHUTTE apud EHRSTEDT e VAHTRA, 2008, p. 9). Tamanha influência, pode ser vista também na França, depois que a Gazprom conseguiu convencer a companhia de gás francesa Gas de France e tomou o controle do fornecimento de mais de 3 bilhões de metros cúbicos de gás que vai direto para as residências francesas. Na Itália, através de uma parceria feita com a gigante italiana Eni, a Gazprom passou a prover cerca de 3 bilhões de metros cúbicos de gás diretamente para residências italianas (GOLDMAN, 2008 p. 167). Outro parceiro importante para a Gazprom é a Alemanha, e devido a isso, em 2011 foi inaugurado o gasoduto NordStream, um dos primeiros a fornecer energia diretamente para Alemanha sem cruzar o território de nenhum país já que este gasoduto passa pelo Mar Báltico, atualmente possui a capacidade anual de fornecer 55 bilhões de metros cúbicos, e se prevê que até 2019 esta capacidade seja duplicada para 110 bilhões 56 de metros cúbicos, além disso a Gazprom detém 51% das ações do gasoduto. O gasoduto NordStream é atualmente o maior projeto de infraestrutura na região do Mar Báltico e possui uma extensão de 1.224 km custando cerca de 100 milhões de euros. O gasoduto passa através das Zonas Econômicas Exclusivas (ZEE) e/ou em águas territoriais da Rússia, Finlândia, Suécia, Dinamarca e Alemanha29. Tal gasoduto detém uma importância estratégica pois contorna o território ucraniano e bielorrusso, e dessa maneira o fornecimento de gás russo para Alemanha estaria assegurado caso haja instabilidades de ordem política ou econômica nos países de trânsito, este gasoduto vai propiciar à Rússia a capacidade de eventualmente cortar o gás a países como a Ucrânia e Polônia, ao passo que ainda poderá enviar recursos energéticos as nações ocidentais economicamente mais ricas (como o caso da Alemanha). E isto claramente concede ao Kremlin um poder ainda maior de barganha no teatro europeu. Ou seja, a médio ou longo prazo, o status da Ucrânia como corredor estratégico de hidrocarbonetos tende a se limitar, pois a Rússia tem provado encontrar maneiras alternativas de atingir seus clientes ocidentais mais ricos. O gasoduto NordStream pode ser visto através da figura abaixo: Figura II – Gasoduto NordStream: Fonte: Site oficial do Gasoduto NordStream, disponível em: http://www.nord-stream.com/ acesso em 09/10/2015. 29 Dados retirados do site oficial do Gasoduto NordStream, disponível em: http://www.nord-stream.com/ acesso em 09/10/2015. 57 Seguindo a lógica do gasoduto NordStream de modo a balizar as linhas que passam pelos territórios dos países da ex-URSS, o Kremlin trabalhou na construção de outros projetos. Um deles é o South Stream que procurava através do Mar Negro transportar gás da Rússia para a Bulgária, Sérvia, Hungria, Eslovênia e Áustria. O projeto foi cancelado pelos russos em dezembro de 2014, depois que a Bulgária impediu que o gasoduto fosse construído pelo seu território, inviabilizando o desenvolvimento do mesmo, esta decisão foi em grande medida influenciada pela UE e pelos Estados Unidos (KORYBKO, 2015), pois este projeto era visto como um rival30 do gasoduto Nabucco31 na qual os Estados Unidos e a UE apoiavam. A crise na Ucrânia em 2014, e as imposição de sanções europeias sobre a Rússia devido a adesão da Crimeia à Federação Russa (falaremos sobre estes temas nas próximas seções) também exerceram influência no cancelamento do plano desenhado pelos russos (YARDLEY e BECKER, 2014). Na figura III, podemos observar o projeto South Stream,bem como o projeto concorrente Nabucco. A partir disso, a Rússia foi rápida em planejar uma resposta devido a suspensão do projeto, e no dia 1º de dezembro de 2014, durante a visita de Estado do presidente russo Vladimir Putin à Turquia, a Gazprom e a empresa turca BOTAS Petroleum Pipeline Corporation assinaram um memorando de entendimento prevendo a construção de um gasoduto marítimo da Rússia para a Turquia através do Mar Negro32. O projeto TurkStream poderá substituir parcialmente o seu antecessor – o South Stream. Já que a lógica de entrega do gás segue praticamente inalterada, pois a ideia do projeto pressupõe que o gasoduto passe pelo Mar Negro (assim como pretendido pelo South Stream) a diferença entre os dois consiste que ao invés do gasoduto passar pela Bulgária ele passaria pela Turquia. A partir de lá, as nações europeias poderiam comprar gás a através de um terminal na fronteira greco-turca (KORYBKO, 2015). 30 Gazprom Agrees To Boost Pipeline Capacity In: Deutsche Presse Agentur. Disponível em: http://downstreamtoday.com/news/article.aspx?a_id=16386&AspxAutoDetectCookieSupport=1 acesso em: 08/10/15; 31 O gasoduto Nabucco é um projeto de gasoduto para transportar gás natural a partir da fronteira turcobúlgara para a Áustria. O objetivo do gasoduto é diversificar os fornecedores de gás bem como diversificar as rotas de entrega para a Europa, reduzindo assim a dependência europeia da energia russa. O principal fornecedor deve ser o Iraque, e ainda negocia-se com Azerbaijão, Turcomenistão e Egito para serem potenciais fornecedores. O projeto prevê o inicio das atividades do gasoduto para 2017 (TIMU e ERSOY, 2010) disponível em: http://www.bloomberg.com/news/articles/2010-09-30/nabucco-says-iraqprobably-most-real-supplier-for-natural-gas-pipeline acesso em: 07/10/15 32 The Turkstream project is aimed to provide security of supplies to Turkey and european countries. In: Gazprom Export, disponível em: http://www.gazpromexport.ru/en/projects/6/ acesso em: 09/10/15 58 Figura III: Gasoduto South Stream e Gasoduto Nabucco: Fonte: Centre for Research on Globalization (2014) Disponível em http://www.globalresearch.ca/ acesso em: 07/10/15 O caso da emblemático da suspensão da construção do gasoduto South Stream deixa claro que muitas empresas do setor têm sido constantemente atraídas à investir no pujante mercado de energia russo, pois estão conscientes de que, se não aceitarem os termos de Moscou, as empresas concorrentes aceitarão de uma maneira ainda mais favorável para elas. Estes fatores aumentam o poder de barganha do Kremlin e geram disputas entre as empresas europeias. O gasoduto TurkStream pode ser visto através da figura IV, na página seguinte. A capacidade anual de fornecimento do gasoduto será de 63 bilhões de metros cúbicos de gás. O gasoduto marítimo será composto de quatro dutos com a capacidade de 15,75 bilhões de metros cúbicos cada. O primeiro duto é destinado exclusivamente para o mercado turco, já que a Turquia é o segundo maior mercado de vendas da Gazprom, ficando atrás apenas da Alemanha. Em 2014 a Gazprom forneceu Turquia cerca de 27,4 bilhões de metros cúbicos de gás natural. Ao longo dos últimos 10 anos o consumo de gás na Turquia mais do que duplicou, e ainda estipula-se que para os próximos anos o mercado turco irá aumentar ainda mais a importação de gás da Rússia 59 (GAZPROM WEBSITE, 2015)33. Figura IV – Gasoduto TurkStream: Fonte: Site oficial do Gasoduto TurkStream. Disponível em http://turkstream.info/project/ Acesso em: 07/10/15 Com base nisso, podemos dizer que a estratégia russa baseia-se em grande medida na lógica de construção de novos gasoduto de exportação orientados primordialmente para a Europa, onde Gazprom detém um monopólio informal da venda. A Infraestrutura de gasodutos é caracterizada por uma baixa mobilidade de mercado, ou seja, o gás só pode ser entregue a um território limitado pois necessita das rotas de oleodutos existentes para ser operacionalizado, portanto existem riscos elevados neste mercado já que a construção dos gasodutos são caras e, por isso se torna difícil atrair investimento substanciais neste mercado. No entanto, apesar de haver um forte interesse das empresas europeias que queiram investir no mercado energético russo, existem também alguns exemplos mal sucedidos nesta esfera. Por exemplo, a realização do projeto do gasoduto Blue Stream34 (ver figura I) através do Mar Negro 33 Turkish Stream Project, disponível em: http://www.gazprom.com/about/production/projects/pipelines/turkish-stream/ acesso em: 12/10/15; 34 O gasoduto Blue Stream é projetado para fornecer gás natural russo para a Turquia através do Mar Negro contornando países de trânsito.Atualmente a capacidade máxima do gasoduto é o fornecimento de cerca de 16 bilhões de metros cúbicos de gás por ano. A partir de 11 de março de 2014 a quantidade de gás fornecido via Blue Stream já totalizaram cerca de 100 bilhões de metros cúbicos (GAZPROM WEBSITE, 2014). Disponível em: http://www.gazprom.com/about/production/projects/pipelines/bluestream/ acesso em: 12/10/15; 60 para a Turquia demonstra os riscos do desenvolvimento de tais projetos. Os planejadores da Gazprom superestimaram a demanda turca de gás em 2003-2004 (quando iniciaram as entregas russas de gás para a Turquia). Uma vez que as entregas de gás foram iniciadas, o lado turco foi capaz de renegociar com êxito suas obrigações contratuais, subtraindo os volumes de entrega e o preço do gás a ser pago. (MILOV; COBURN; DANCHENKO; 2013 p. 298). Apesar disso, é importante sublinhar que a Turquia localiza-se geograficamente no centro de uma zona delimitada por países exportadores de energia no leste (Rússia, Azerbaijão, Turcomenistão etc.) e por países importadores de energia no oeste (União Europeia). Desse modo, Ancara busca cumprir seu papel de se tornar uma "ponte de energia" entre produtores e consumidores de hidrocarbonetos, assim sendo, a Turquia possui interesse em aprimorar sua relação com a Rússia (ÖZDEMIR, 2007). Ainda que estes últimos projetos se consolidaram por meio do relacionamento bilateral entre Moscou e Ankara, o destino final destes recursos energéticos serão eventualmente a UE, pois o mercado turco de hidrocarbonetos (apesar de crescente) não poderá a curto prazo ou médio absorver as exportações russas (ibidem), deste modo este delineamento deverá intensificar a dependência da UE sobre os hidrocarbonetos provindos da Rússia, de acordo com Socor (2005) as divergências no âmbito da Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN) poderão se tornar ainda mais problemáticas, pois a crescente dependência da UE pelo suprimento de energia russa irá inevitavelmente afetar a tomada de decisão no seio da aliança militar ocidental. Dessa forma, a Gazprom tornou-se um importante player dentro da Europa não restringindo seus negócios apenas aos países da UE, visto que ela controla grande parte dos gasodutos que fazem a distribuição de gás para as residências e indústrias europeias. Outrossim, a empresa russa foi bem sucedida em obter o controle interno na distribuição de gás nos países da antiga União Soviética como: Ucrânia, Bielorrússia, Geórgia, Moldávia, e controla cerca de 34% das ações da empresa lituana de gás, a Lietuvos Dujos (GOLDMAN, 2008 p. 168). Na próxima seção iremos aprofundar o estudo do relacionamento da Federação Russa com os países que compõe a CEI (especialmente Ucrânia e Belarus), bem como a busca do Kremlin por meio de seus recursos energéticos em manter sua influência econômica e política nestes países. 61 3.2 As relações entre Rússia, Ucrânia e Belarus: a política dos hidrocarbonetos: Para entendermos melhor a relação no âmbito energético da Rússia com a União Europeia é fundamental tratarmos das relações entre a Rússia e duas repúblicas que compunham a antiga União Soviética: Ucrânia e Belarus. O enfoque nestes países possui uma importância estratégica: ambos se encontram nas principais rotas do comércio de hidrocarbonetos para a Europa Ocidental, além disso Minsk e Kiev são peças-chave para Moscou no tabuleiro pós-soviético devido aos laços de reciprocidade histórica, cultural e geográfica entre estes três países. Conforme vimos nos capítulos precedentes, durante o período soviético os países da COMECON recebiam os recursos energéticos a preços reduzidos, com o intuito de assegurá-los na órbita soviética e evitar possíveis deserções para o lado capitalista, dessa maneira, o planejamento central Moscovita distribuía os hidrocarbonetos através dos inúmeros gasodutos e oleodutos que interligavam os países socialistas do leste europeu. Após a dissolução da URSS, a estrutura de transportes orientada para atender as necessidades dos países que a compunham, permaneceu praticamente inalterada, enquanto os preços pagos pelos recursos energéticos já não correspondiam a nova realidade política e econômica que se configurava. A independência destes países também abriu precedentes para conflitos acerca da questão do gás, as novas nações independentes pela primeira vez na história passaram a exigir de Moscou melhores condições de pagamento e ao mesmo tempo buscavam uma aproximação mais estreita com as nações ocidentais, o Kremlin se viu obrigado a fazer concessões a fim de não perder ainda mais sua influência nestes países, uma das principais políticas adotadas pela Rússia foi continuar concedendo descontos nos preços de gás natural e petróleo russo que são exportados à Belarus e à Ucrânia35. 35 Apesar das constantes ameaças de Moscou de cortar os subsídios à Ucrânia, devido aos desdobramentos da crise ucraniana de 2014, foi celebrado em Bruxelas no dia 25/09/15 um novo acordo assinado pelo ministro da Energia russo Alexander Novak, e o ministro da Energia ucraniano Vladimir Demchyshyn. A Rússia concordou em reduzir o preço do gás para o mesmo valor que os países vizinhos pagam, de $251 por 1.000 metros cúbicos para $227,4, cortando o imposto de exportação. Por seu lado, a Ucrânia concordou em injetar 2 bilhões de metros cúbicos de gás russo nos locais de armazenagem subterrânea no seu território para ajudar os suprimentos de estoques para os países da UE (Fonte: Sputnik News, 26/09/2015, disponível em http://br.sputniknews.com/mundo/20150926/2245408.html acesso em: 17/10/15); 62 3.2.1 As relações entre Rússia e Ucrânia e a questão energética: De acordo com Orttunga e Overland (2011), os subsídios aos preços se constituem em uma das mais poderosas ferramentas para contrabalançar a influência dos EUA na ex-União Soviética, no caso ucraniano, em 2010, Moscou ofereceu a Kiev um desconto de 30% no preço do gás natural para estender o contrato de aluguel da base naval russa de Sevastopol até 2019. Como as exportações de recursos energéticos e outras commodities constituem uma grande parte do produto interno bruto russo, o fornecimento de subsídios aos preços pode ser considerado um importante instrumento (apesar de não serem os únicos disponíveis) para atingir objetivos mais amplos da política externa russa. Portanto, a estrutura de ferramentas no setor de energia da Rússia, pode moldar os padrões de seu comportamento internacional. Um sinal da natureza prioritária nas relações com a Ucrânia, bem como a questão política envolvendo o setor de energia, também pode ser vista em 2001 quando Vladimir Putin nomeou Viktor Chernomyrdin, ex-chefe da Gazprom e ex-primeiro-ministro, como embaixador russo em Kiev (DUBIEN, 2007). A partir desta dinâmica estabelecida no âmbito dos recursos energéticos criamse importantes configurações na balança de poder entre estes três países, conforme argumenta Adam (2008): A Rússia é fornecedora de energia para os seus parceiros, ao passo que estes são países-corredor dos recursos energéticos russos até o mercado europeu. As duas configurações se interconectam, assim como se misturam as considerações geopolíticas tradicionais do espaço pós-soviético com o aspecto específico da geopolítica dos recursos energéticos referida. (...) os três países têm objetivos geopolíticos distintos. Enquanto para a Rússia manter o Complexo Regional de Segurança que domina como uma zona de influência majoritariamente sua (sem grande intromissão das grandes potências ocidentais) é um pré-requisito ao poder global que sonha, o interesse ucraniano é inverso, pois almeja sair da órbita russa e usufruir sua independência de modo pleno. Já Belarus prefere seguir o caminho de fidelidade a Moscou, até porque não lhe parece visível nenhuma outra opção no futuro imediato. Os recursos energéticos servem de instrumento na busca dos anseios geopolíticos dos Estados em voga (p. 210). Sobre a intenção ucraniana de distanciar-se da órbita de influência russa é onde observa-se um dos principais pontos de inflexão nas relações entre Rússia e Ucrânia, 63 bem como com a UE, e se dá a partir do segundo mandato de Vladimir Putin, quando em 2004 eclodiu na capital ucraniana a “Revolução Laranja” 36 que resultou na deposição do candidato apoiado pelo Kremlin, Viktor Yanukovych, em seu lugar assumiu o candidato apoiado pela UE e pelo EUA, Viktor Yushchenko, a partir deste movimento na Ucrânia observa-se uma mudança na percepção russa diante da presença norte-americana e europeia em sua tradicional zona de ingerência, que a partir deste momento passa a ser vista com uma ameaça aos interesses de Moscou, bem como um projeto de isolamento da Rússia (ADAM, 2011 p. 55). Além disso, após a Revolução Laranja, aumentou-se os receios no Kremlin, sobre a contingência da Ucrânia reforçar a sua independência em relação à Rússia e se integrar cada vez mais com a UE (ALMEIDA, 2008). Apesar disso Moscou reconheceu de maneira conciliatória os resultados das novas eleições que elegeram o candidato próocidental, Viktor Yushchenko, porém a resposta russa sobre as pretensões ucranianas de se tornar membro da OTAN encaminhou-se de uma maneira mais dura: Eu acho que é obvio que a expansão da OTAN não tem nenhuma relação com a modernização da própria Aliança ou com o aumento da segurança na Europa. Pelo contrário. Ela representa uma séria provocação que reduz o nível de confiança mútua. E nós [os russos] temos o direito de perguntar: contra quem essa expansão é tencionada? E o que aconteceu com as garantias que nossos parceiros ocidentais fizeram após a dissolução do Pacto de Varsóvia? Onde estão estas declarações hoje? Ninguém se lembra delas (PUTIN, 2007 apud ADAM, 2011 p. 55). Os resultados desta postura mais assertiva do Kremlin diante da expansão da OTAN para o leste europeu, foram vislumbrados após a rejeição da entrada da Geórgia e da Ucrânia no Membership Action Plan (MAP) da OTAN, além disso, o presidente Medvedev disse que a Rússia iria responder de forma apropriada a despeito das intenções norte-americanas de implantar parte de um sistema de defesa antimísseis na República Checa (TSYGANKOV, 2010 p. 186). Adam (2011) considera que, a decisão de negar a entrada de novos membros na aliança militar ocidental foi em grande medida influenciada pela dependência dos países membros da UE (como Alemanha, França, Itália) nos recursos energéticos russos, e as ameaças de uma possível represália de 36 A cor laranja foi adotada pelos protestantes como a cor oficial do movimento por ter sido a cor da campanha presidencial do principal candidato da oposição, Viktor Yushchenko. 64 Moscou devido a adesão à OTAN por parte de países que integram a esfera de influência russa. A ideia de uma Ucrânia autônoma em relação à Rússia, provoca temores nas elites dirigentes do Kremlin, pois Kiev é uma peça importante para a concretização dos objetivos russos na região. Brzezinski (1997 p. 92) considera que sem a Ucrânia, a Rússia não será capaz de manter sua liderança na região euroasiática. Desta maneira, uma Ucrânia econômica e politicamente distanciada da Rússia provocaria perdas para ambos países e minaria a posição russa em áreas estratégicas, como o Mar Negro, onde a região de Odessa, por exemplo, serviu por muitos anos como uma porta de entrada para a Rússia negociar com o Mediterrâneo e o exterior. O aparecimento de um estado independente ucraniano desafia os russos a repensar a natureza de sua própria identidade política e étnica, devido aos laços históricos que estes povos eslavos possuem. Além disso, é importante sublinhar que devido a Ucrânia ser um país que se destaca por ser um relevante corredor de recursos energéticos para à Europa, e grande parte das receitas russas advém da venda destes recursos, a Rússia necessita de uma Ucrânia estável para atingir com êxito seus clientes europeus. Por outro lado, a Ucrânia também necessita da Rússia para garantir seu abastecimento interno de energia, além disso as receitas ligadas aos direitos de transporte de hidrocarbonetos em seu território são um componente importante de sua economia e ainda lhe oferecem uma projeção estratégica na região ao mesmo tempo que a impede de se desvencilhar da Rússia. Ao assumir o governo ucraniano em 2005, o presidente Viktor Yushchenko e a primeira-ministra Yulia Tymoshenko, expressaram a sua vontade de reformar o sistema de energia ucraniana além de buscar uma revisão na cooperação bilateral com a Rússia. As primeiras ações tomadas neste sentido, se deram no âmbito de uma das principais estatais ucranianas no setor de gás e energia, na Naftogaz Ukrainy, o presidente da estatal Yuri Boyko foi substituído por Alexei Ivchenko, o segundo era considerado um político próximo do presidente e também detinha uma substancial influência no partido nacionalista ucraniano, o “Nossa Ucrânia”. Internacionalmente, o objetivo visava fortalecer a independência energética da Ucrânia, diminuindo gradualmente a dependência da Rússia. Em março de 2005, Victor Yushchenko foi várias vezes a Alemanha - onde obteve do Deutsche Bank um crédito de aproximadamente US$ 2 bilhões para financiar a modernização da rede de gasodutos na Ucrânia. Além disso, a 65 partir de 2004 o gabinete da premiê Tymoshenko procura reaver uma série de contratos assinados com as petrolíferas russas no período precedente ao seu governo (DUBIER, 2007). O resultado deste novo direcionamento no relacionamento entre estes dois Estados provocou crises que atingiram outros atores, como foi o caso da crise no fornecimento de gás em 2006, em que as relações de confiança entre Moscou e Bruxelas começaram adquirir novos tons, expondo divergências entre a Rússia e a UE. A crise entre os dois países iniciou-se em março de 2005, pois a nova equipe da Naftogaz Ukrainy na tentativa de impor novas dinâmicas no relacionamento com a Gazprom, exigia preços mais elevados para o direito de trânsito que a estatal russa detém para circular os hidrocarbonetos em território ucraniano, estas discussões reascenderam os desentendimentos sobre o valor que Kiev deveria pagar pelo gás russo (DUBIEN, 2007). Estes desacordos possuem razões históricas, a Ucrânia se recusa a passar para a Rússia o controle do sistema de transporte de gás que herdou após o colapso da União Soviética, ao passo que Moscou em suas relações com o vizinho procura gradualmente exigir que Kiev pague os preços de mercado pelos hidrocarbonetos. Esses fatores têm contribuído para a primeira crise russo-ucraniana, já que as relações bilaterais destes países são altamente dependentes do componente energético (CHERNITSYNA, 2015). Esta conjuntura provocou o corte no fornecimento de gás russo para a Ucrânia, e devido a isso, o governo ucraniano acabou retendo para si grande parte dos hidrocarbonetos e como as principais rotas de gasodutos passam pela Ucrânia, as entregas de gás para grande parte dos países europeus ficaram comprometidas (ADAM, 2011). O contexto peculiar que a “Guerra do Gás” desenvolveu-se foi propício para o Kremlin tomar estas medidas drásticas e pressionar o governo ucraniano, pois na Ucrânia estava instaurado um governo hostil a Moscou, e como já havia um debate bastante latente na elite política russa para exigir que os países da extinta URSS paguem pelo preço do gás nos moldes do mercado internacional, a oportunidade de fazer esta exigência neste momento crucial, foi uma saída encontrada pela Rússia, ao passo que poderia demonstrar para a sociedade e o governo ucraniano que necessitavam da cooperação perene com os russos. Em vista disso, o Kremlin exigiu que Kiev pagasse 66 cerca de US$ 230,00 por mil metros cúbicos de gás, a Ucrânia imediatamente discordou com este valor e suspendeu os pagamentos para a Gazprom, em março de 2005, a Rússia interrompeu o envio de gás para a Ucrânia, ainda que mantivesse o fornecimento para a Europa, em seguida os russos acusariam os ucranianos de roubarem o gás destinado para UE, em função disso, em 1 de janeiro de 2006, o fornecimento de gás para a Europa também foi comprometido (SEGRILLO, 2015). O fato desses cortes terem sido em pleno inverno europeu, suspendendo o aquecimento que provém do gás para milhares de residências europeias, deixou os governos europeus alarmados e deu um novo impulso a despeito da necessidade de reforçar as políticas comuns na área energética com a Rússia. Após a crise no fornecimento de hidrocarbonetos em 2006, ressurgiu na Europa a importância de tratar os temas relacionados a segurança energética, pois esta crise expôs as debilidades no bloco europeu e revelou a ascendência geopolítica do Kremlin, destes fatores é possível chegar às seguintes conclusões: a UE está vulnerável e dependente do setor energético russo, principalmente o de gás; e Moscou não hesita em usar a energia como arma política. Esta dependência energética pode simbolizar a alteração no equilíbrio de poder entre a Rússia e a UE (ALMEIDA, 2008 p. 22). Mesmo que o fornecimento de hidrocarbonetos tenha sido normalizado alguns dias após o início da crise, os reflexos das disputas sobre os preços do gás entre Rússia e Ucrânia, não estavam finalizadas, pelo contrário, reascenderam o litígio sobre a questão da dívida da Ucrânia com a Gazprom, bem como a tentativa russa que a parte ucraniana pague gradualmente os preços nos padrões do mercado internacional para o recebimento de gás. O caráter emergencial da solução desta crise, levou a assinatura de acordos paliativos entre os dois países e não impediram a repetição deste cenário no futuro. Dubien (2007, p. 11) acerca deste tema argumenta que as negociações entre “Naftogaz e Gazprom, em 2005 refletem o despreparo do lado ucraniano que pensa que pode resolver em poucos meses o desafio estratégico de longo prazo que é a dependência energética do lado russo” Kiev subestima sistematicamente o papel que a "revolução laranja" exerceu para a política externa russa, Dubien (2007 p. 12) ainda completa que “a questão ucraniana continuará sendo um exemplo da nova diplomacia de energia do Kremlin”. Dessa maneira, em outubro de 2008, a Rússia e a Ucrânia assinaram um memorando que previa uma transição gradual de três anos para os preços de mercado no 67 fornecimento de gás à Ucrânia. Em 2009, a Rússia propôs novamente o valor de US$ 250 a cada mil metros cúbicos fornecidos. No entanto, durante novas negociações o lado ucraniano expressou seu desacordo com tal preço, considerando-o excessivo. Além disso, Moscou alegava que a Ucrânia teria roubado cerca de 65,3 milhões de metros cúbicos do gás russo, e ainda devia aproximadamente US$ 600 milhões em contas para a Gazprom (TRINDADE, 2014). Por estas e outras razões, em 31 de dezembro de 2008 a Ucrânia retirou-se unilateralmente do processo de negociação. A resposta russa chegou no dia posterior: em represália a Gazprom interrompeu o fornecimento de gás à Ucrânia, a partir de 05 de janeiro o fornecimento de gás foi reduzido para os consumidores europeus, a partir de 07 de janeiro, paralisou-se o trânsito de combustível através do território da Ucrânia37 O conflito do gás foi resolvido somente em 19 janeiro de 2009 após a assinatura de um contrato entre os primeiros-ministros dos dois países, Vladimir Putin e Yulia Tymoshenko, este tratado restabelecia o fornecimento de gás para a Ucrânia e UE perante algumas alterações. O acordo foi assinado para os próximos dez anos (20092019) e previa um desconto de 20% para a Ucrânia sob preço médio de US$ 450 por mil metros cúbicos de gás, em troca o lado ucraniano manteve a taxa de trânsito em 2009 ao nível de 2008 - 1,7 dólares por mil metros cúbicos por 100 quilômetros38. Desta maneira, os resultados da "Revolução Laranja" bem como a ascensão do governo pró-ocidente deram origem a uma série de crises prolongadas nas relações entre os dois países. Durante o governo de Yushchenko os problemas econômicos da Ucrânia impuseram um custo político a seus aliados pró-ocidentais, enfraquecendo tanto apoio político e sua capacidade de implementar suas promessas de campanha (NEWNHAM, 2011 p. 141). Além disso, as sucessivas crises no fornecimento de gás mostraram mais uma vez aos países europeus os perigos da dependência das infraestruturas de distribuição ucranianas, impulsionando os projetos de diversificação para o território europeu (LEITAO, 2010). Desta maneira, a Rússia tem intensificado suas ações voltadas para a construção de gasodutos contornando a Ucrânia. A criação de rotas alternativas para o transporte de gás russo para a Europa (Yamal-Europa e NordStream e TurkStream (ver figura I) levou a um declínio gradual do volume do trânsito de gás através da Ucrânia. Em 2001, 37 Rossiysko-ukrainskiye gazovyye konflikty - Dos'ye; - (O conflito do gás russo-ucraniano – um dossiê) In: TASS Disponível em: http://tass.ru/info/1128520 Acesso em: 14/10/2015; 38 Ibidem; 68 através do território ucraniano foram transportados para a UE cerca de 124,4 bilhões de metros cúbicos, Já em 2010 - 98,6 bilhões de metros cúbicos. Em 2013, o montante caiu para 86,1 bilhões de metros cúbicos. Ainda assim, no início dos anos 2010 a Ucrânia permaneceu como o principal país de trânsito para as entregas de gás russo para a Europa (BOLKUNETS, 2014). Apesar de Kiev ainda permanecer como um “país corredor” importante no trânsito de gás, em um cenário futuro as investidas russas que visam a diversificação da dependência dos países vizinhos, podem reduzir substancialmente o poder de negociação da Ucrânia nos preços de importação, e igualmente reduzir sua relevância geopolítica na região. As sucessivas crises no abastecimento de gás para a Ucrânia, bem como a crise econômica de 2008, exerceram forte influência no governo de Yushchenko, o qual a sua posição e de seu partido foram muito criticadas pela população ucraniana devido a sua gestão durante as crises. As eleições de janeiro de 2010 abriram espaço ao antigo candidato pró-russo Viktor Yanukovych, ele venceu as eleições no segundo turno, em uma disputa presidencial acirrada contra a ex-primeira-ministra e uma das líderes da Revolução Laranja, Yulia Timoshenko (ADAM, 2011). Com a ascensão de Viktor Yanukovych em 2010, e a adoção por parte da Ucrânia de uma política mais amigável a Rússia, houve um progressivo interesse político em estreitar os laços comerciais entre os dois países. Desta maneira, observa-se um esforço por parte do Kremlin em rever a sua política de preços para a Ucrânia, o que pode demonstrar uma nova politização de suas relações no âmbito energético (ORTTUNGA; OVERLAND; 2011). Assim que chegou ao poder em 2010, Viktor Yanukovych iniciou uma política de revisão dos preços do gás para a Ucrânia. No dia, 21 de abril de 2010, reunidos na cidade Kharkiv (leste ucraniano) o presidente russo, Dimitri Medvedev e seu homólogo ucraniano assinaram uma série de acordos que previam os aditamentos de contratos no fornecimento de hidrocarbonetos à Ucrânia, aumentando a compra de gás pela Naftogaz para cerca de 36,5 bilhões de metros cúbicos ao ano, além disso, o acordo previa um desconto de aproximadamente 30% sobre o valor do gás39 Em contrapartida, a Rússia exigia a renúncia das aspirações ucranianas em se tornar membro da OTAN (PICOLLI, 2012 p. 23), bem como a extensão da garantia da 39 Fonte: Rossiysko-ukrainskiye gazovyye konflikty - Dos'ye; - (O conflito do gás russo-ucraniano – um dossiê) In: TASS Disponível em: http://tass.ru/info/1128520 Acesso em: 25/10/2015; 69 presença da frota naval russa em Sebastopol (Crimeia) no Mar Negro até 2042, o contrato previa também um aumento gradual no preço sobre o arrendamento da base naval russa no território ucraniano - a partir de 28 de maio de 2017, a Rússia deveria pagar cerca de US$ 100 milhões por ano pela locação bem como fundos adicionais recebidos através da redução do preço do gás fornecido à Ucrânia (ORTTUNGA e OVERLAND, 2011). Estima-se que com os descontos nos preços do gás dados a Ucrânia, o Kremlin deixaria de receber um total de US$ 3 bilhões ao ano (PIRANI; STERN; YAFIMAVA; 2010, p. 22), isto claramente reitera a natureza política das negociações, pois o governo russo assumiu o custo destes acordos ao invés exigir que sua principal estatal no setor energético, a Gazprom pague por estes compromissos firmados. As consequências destas práticas podem incentivar um desarranjo na política energética externa da Rússia novamente, e criar condições que podem eventualmente facilitar a eclosão de conflitos no setor de energia no futuro (ORTTUNGA; OVERLAND; 2011). O ano de 2014 foi marcado por uma profunda crise nas relações diplomáticas entre Rússia e Ucrânia, o que evidenciou ainda mais antagonismo entre Moscou e o Ocidente. A recente crise política foi desencadeada pela decisão de novembro 2013 na qual o governo ucraniano encabeçado pelo seu presidente Viktor Yanukovych, decide suspender a assinatura do Acordo de Livre Comércio com a União Europeia. Esta decisão levou a protestos em massa no centro da capital ucraniana, estes eventos receberam o nome de euro-maidan, em analogia aos protestos da Revolução Laranja de 2004 que se concentraram na região da praça Maidan, no centro de Kiev, uma análise comparativa entre os dois eventos, demonstram que ambos se deram basicamente pelos mesmos motivos, ou seja, ambos visavam um distanciamento da órbita russa e uma aproximação com o bloco europeu ocidental. Conforme argumenta Hendler (2014), a condição semiperiférica da Ucrânia, perante os principais fluxos da economia mundial aliada a entraves internos, bem como a disponibilidade escassa de acesso a recursos naturais, não permite ao país galgar uma posição de preponderância dentro da Europa, porém lhe permite extorquir uma região que é um dos centros do capitalismo, a Europa centro-ocidental. Os desdobramentos da crise política na Ucrânia resultaram na deposição do presidente Yanukovych e na incorporação da Crimeia pela Rússia realçando ainda mais uma divisão política e étnica dentro do país, este contexto trouxe à tona a apreensão em 70 torno de possíveis conflitos armados no leste europeu como também aumentaram as preocupações de uma possível descontinuidade de parte do fornecimento de gás natural para a Europa. Conforme observamos anteriormente, o temor europeu se justifica pelo histórico de retaliações russas no tocante as relações com a Ucrânia. Devido a escalada da crise ucraniana, bem como as acusações dos governos ocidentais que o lado russo estaria se envolvendo diretamente no conflito, enviando soldados para defender as áreas russófonas no leste ucraniano, os EUA e a UE lançaram uma série de sanções econômicas à Rússia direcionadas principalmente a grandes companhias estatais do setor petrolífero russo, como a Gazprom, Lukoil e Rosneft (FAUS, 2014) A administração Obama impôs à Gazprom, GazpromNeft e outras três companhias energéticas – Lukoil, Surgutneftegas e Rosneft – sanções que “proíbem” a exportação de bens e serviços e tecnologia que deem suporte aos projetos de exploração de petróleo nas áreas sob controle russo no Ártico. No caso da UE, Bruxelas mirou nos subsídios do setor energético russo a partir de capital europeu, e proibiu qualquer tipo de financiamento do bloco europeu para empresas russas nas quais o controle acionário estatal ultrapasse 50%, e cujo faturamento seja superior a 31 bilhões de euros, neste contexto as principais companhias atingidas foram a Gazprom, a Rosneft e a Transneft (gestora de oleodutos) (FAUS, 2014). Como resultado dessas sanções observa-se uma deterioração significativa das relações do Kremlin com o Ocidente e uma aproximação russa com a China. No contexto internacional há uma queda substancial dos preços do petróleo o que desferiu um novo golpe à economia russa, que em 2014 registrou um crescimento negativo, e as perspectivas para o ano de 2015 e 2016 demonstram as mesmas tendências, em consequência disso, observa-se também uma desvalorização da moeda russa, a queda do rublo se deve principalmente em virtude da diminuição dos preços do petróleo no mercado internacional, já que estes são fundamentais na formação do orçamento do país e no funcionamento da economia russa como um todo. Apesar destes entraves, a popularidade do presidente russo Vladimir Putin, dentro do país e no exterior, registrou o caminho inverso, e está crescendo consideravelmente. (CHERNITSYNA, 2015). Apesar da recente crise ter se revelado a maior entre a Rússia e o Ocidente desde o fim da Guerra Fria, o que se pode desprender desta, é uma significativa mudança no comportamento geopolítico de Moscou, pois diferente dos conflitos anteriores, o 71 fornecimento de gás à UE não foi comprometido, pois os preços destes recursos energéticos atualmente se encontram em um patamar bem mais baixo em relação aos anos anteriores, e isto comprometeu seriamente as receitas do Kremlin, dessa forma, suspender o fornecimento de hidrocarbonetos à Europa poderia provocar efeitos danosos nas finanças russas. Nestas novas condições, a Rússia começou a articular uma sequência de propostas para assegurar seu controle no mercado europeu de energia, bem como estreitar laços com outros países que compunham a URSS. Como primeira medida, os países que compõe a União Euroasiática40 devem criar um mercado único no setor energético, Vladimir Putin observou que “a localização geográfica dos países-membros pode futuramente criar rotas de transporte de energia não apenas na esfera regional, mas também de significância global”41. 3.2.2 As relações entre a Rússia e Belarus As sucessivas crises no relacionamento entre Moscou e Kiev abriram margem para uma aproximação da Rússia com a Belarus, que a partir de 2013, o trânsito de gás russo através do território da Belarus aumentou em 1,8 vezes e totalizou 48,8 bilhões de metros cúbicos (BALKUNETS, 2014). O caso bielorrusso é especialmente importante, pois destaca a ligação muito estreita entre a política externa, política doméstica e comércio de energia no espaço pós soviético. Desde 1994, Belarus esta envolvida em processo de (re)unificação política com a Rússia, estes processos foram em grande medida influenciados pela necessidade de Minsk que Moscou mantenha os subsídios de energia, visto que o Estado bielorrusso ainda controla cerca de 75% da atividade econômica do país, portanto preservar os 40 A União Econômica Eurasiática é uma proposta de aprofundamento da integração econômica e política entre a Bielorrússia, o Cazaquistão, a Rússia, com o objetivo futuro de criar uma organização supranacional. Estes países assinaram um acordo de livre circulação de pessoas, bens, serviços, capital e trabalho, e ainda acordaram na execução de políticas em sectores-chave de suas economias como o setor de energia, indústria e transporte. A formação deste mercado comum, já é considerado o maior na CEI. (Rossiya, Kazakhstan i Belorussiya podpisali dogovor o Yevraziyskom soyuze (Rússia, Cazaquistão e Belarus assinaram um acordo sobre a União Eurasiática) In: lenta.ru disponível em: http://lenta.ru/news/2014/05/29/evraz/ acesso em: 03/11/2015. 41 Discurso de Vladimir Putin na reunião do Conselho Econômico Eurasiano. Disponível em: http://en.kremlin.ru/events/president/transcripts/45788 acesso em: 03/11/2015. 72 preços baixos de energia é um fator crucial para alicerçar a economia do país como um todo (BALMACEDA, 2006). Em 2006, Belarus pagava apenas US$ 47 a cada mil metros cúbicos de gás, ao passo que o governo ucraniano (pró-ocidente) pagava cerca de cinco vezes mais (NEWNHAM, 2011). A Rússia, por sua vez, recebeu vantagens de Belarus, estendendo concessões no transporte de energia para o mercado europeu, e igualmente garantiu privilégios militares e políticos no relacionamento com Minsk (BALMACEDA, 2006). Desse modo, em virtude do posicionamento geoestratégico de Belarus, a Rússia garante uma relação privilegiada com um país que faz fronteira com a Polônia, um membro da OTAN (LEITAO, 2011 apud AGATA, 2001), em vista disso, manter a influência russa na Belarus confere ao Kremlin maior capacidade de projeção de poder, e em alguma medida assegura a improbabilidade de uma eventual tentativa da OTAN de cooptação do país vizinho, além de oferecer à Gazprom uma alternativa diante da dependência da Ucrânia enquanto território de trânsito de hidrocarbonetos. Ainda que Minsk se revele mais disposta a cooperar com a Rússia, o relacionamento entre estes dois países esteve marcado por alguns entraves quanto a questão energética, como foi o caso da crise de 2004, desde o primeiro mandado de Vladimir Putin, o Kremlin tem procurado rever sua parceria energética com a Belarus, e assim como feito com a Ucrânia, Moscou exigia um aumento gradual dos preços dos hidrocarbonetos russos pagos por Minsk, e ainda a Gazprom articulava a aquisição de grande parte da infraestrutura de gasodutos administrada pela empresa estatal bielorrussa Beltransgaz (ADAM, 2008). As condicionantes fixadas pela Gazprom para a Belarus previam aumentar o preço de US$30 para US$ 50 por mil metros cúbicos, ainda que estes preços estivessem bem abaixo dos pagos pela UE, o governo bielorrusso imediatamente recusou o acordo. As negociações seguiram quanto a aquisição da Beltransgaz, a Gazprom ofereceu uma oferta de aproximadamente US$ 600 milhões pela empresa (CALDIOLI, 2012 p. 09), enquanto Minsk pedia pelo menos US$ 5 bilhões de dólares pelo controle majoritário das ações da companhia, por conta disto as negociações da compra da Beltransgaz foram retomadas apenas em 2007 (ADAM, 2008 p. 218). O pior momento dessa crise veio em fevereiro de 2004, quando Belarus começou a desviar para seu território o gás natural que iria para os países da UE: a 73 Rússia não demorou para cortar o trânsito de gás natural para a UE através Belarus, impondo a Minsk sérias restrições a sua economia, extremante dependente não unicamente dos recursos energéticos russos, mas também do “pedágio” pago pela Gazprom para que o gás natural russo possa cruzar o território bielorrusso. Deste modo, a solução da crise veio pouco tempo depois, quando Minsk assinou um contrato com a Gazprom que antevia o pagamento de $ 46,68 por mil metros cúbicos, após a celebração deste novo acordo, os fornecimentos para a Belarus e UE foram normalizados (CALDIOLI, 2012 p. 09). Apesar da rápida solução da crise, as disputas acerca do transporte de hidrocarbonetos pela Belarus não estavam encerradas, e novos impasses sobre a questão foram retomado em 2007, quando o governo bielorrusso procurou novamente reconsiderar sua política energética com a Rússia e impôs uma tarifa de US$ 45,00 por tonelada de petróleo que passa através do oleoduto Druzhba42, uma ação legal foi movida contra a Transneft (principal gestora deste gasoduto) exigindo a regularização do pagamento destes impostos (ibidem), a empresa russa respondeu dizendo que considerava estas taxas ilegais e arbitrárias e acusou Minsk de estar roubando petróleo que estava destinado a UE, como resultado imediatamente suspendeu o fornecimento de petróleo através do oleoduto Druzhba, apesar disso, nenhum país europeu foi afetado pela medida, pois os mesmos contavam com reservas de petróleo e gás estocados para suprir a suspensão durante por algumas semanas43. Dois dias depois do corte, em 10 de janeiro de 2007, o governo bielorrusso concordou em abolir o imposto do trânsito de petróleo por este oleoduto, e novamente o fornecimento de petróleo por este gasoduto foi retomado44. Os reflexos desta disputa, foram vistos em um importante acordo entre os dois países, o presidente bielorrusso Alexander Lukashenko concordou em vender 50% das ações da empresa Beltransgaz à Gazprom, por aproximadamente US$ 2,5 bilhões a serem pagos em dinheiro em quatro prestações, com vencimentos no período de 2007 a 42 O oleoduto Druzhba (amizade, em português), é considerado um dos maiores do mundo, e fornece cerca de 20% do petróleo para Alemanha. Ele também é responsável pelo fornecimento de petróleo para a Polônia, Ucrânia, Eslováquia, República Checa e Hungria. O início da construção do mesmo, se deu ainda na URSS, na década de 1960, na Era Brezhnev, e foi concebido para atender as demandas crescentes de petróleo dos países satélites da URSS, como Bulgária, Hungria, a antiga República Democrática Alemã, Polônia e Tchecoslováquia (GOLDMAN, 2008). 43 Fonte: Russia oil row hits Europe supply In BBC News, disponível em: http://news.bbc.co.uk/2/hi/business/6240473.stm acesso em: 04/11/2015. 44 Fonte: Belorussiya otmenila tranzitnuyu poshlinu (Belarus cancela o imposto de trânsito) In: BBC Russia, disponível em: http://news.bbc.co.uk/hi/russian/russia/newsid_6248000/6248293.stm acesso em: 04/11/2015. 74 2010 (ADAM, 2008 p. 219), este valor foi quatro vezes maior do que a proposta inicial feita pela Gazprom, além disso, a Belarus receberia um desconto significativo nos preços dos hidrocarbonetos, em 2009, enquanto a Ucrânia pagava cerca de US$ 232,54 a Belarus desembolsava a quantia de US$ 151 por mil metros cúbicos de gás (ORTTUNGA; OVERLAND; 2011, p. 81). Apesar das investidas bielorrussas em pleitear melhores condições de pagamento diante dos hidrocarbonetos que recebe da Rússia, Minsk (assim como Kiev) dificilmente consegue obter sucesso na barganha com Moscou pois não vislumbra nenhuma alternativa capaz de substituir os suprimentos de hidrocarbonetos, já que praticamente todo o gás que a Belarus consome provém da Rússia, este grau elevado de dependência se reflete também no imódico da dívida que Minsk detém com a Gazprom, em 2007, o déficit de Belarus face à empresa ascendia a cifra de US$ 1.3 bilhões (NEWNHAM, 2011), cujo preço subsidiado não garantia o pagamento regular da dívida, pelo contrário atrela ainda mais o controle que o Kremlin tem em relação a Belarus. Desse modo, ainda em 2007 surgiu outra crise sobre a questão energética entre Minsk e Moscou, a Gazprom exerceu pressão para que a dívida bielorrussa fosse quitada. Neste contexto, a Gazprom ameaçou suspender o abastecimento de 45% do gás a Belarus, caso pelo menos US$ 456 milhões desta dívida não fossem pagos, Minsk em primeiro momento conseguiu pagar cerca de 190 milhões deste débito, e pediu uma semana adicional para quitar o restante do valor, caso contrário, enfrentaria um corte de 30% do fornecimento de gás (NOVIK, 2007), estas ameaças parecem ter surtido efeito no governo bielorrusso, pois em 8 de agosto de 2007, a Belarus conseguiu pagar integralmente esta dívida US$ 460 milhões, pondo fim a uma disputa entre o país e a Gazprom (CALDIOLI, 2012 p. 09). Em face deste histórico de disputas com os países de trânsito (principalmente Ucrânia e Belarus) Adam (2008) argumenta que o Kremlin vem adotando algumas estratégias para aumentar seus ganhos relativos, bem como seu poder de barganha diante dos países que compunham a URSS: Uma é procurar adquirir parcelas das empresas de distribuição de energia bielo-russas e ucranianas. A segunda é construir gasodutos que evitem os territórios dos países corredor. E a terceira é conseguir firmar posição como 75 parceira dos países da Ásia Central que possuem reservas de gás natural e petróleo. (ADAM, p. 217) As táticas acima se revelam importante, pois obter o controle dos sistemas de entrega de gás da Belarus (conforme demonstrado pela aquisição da empresa Beltransgaz), bem como a construção de oleodutos e gasodutos alternativos (NordStream, TurkStream, etc) tem permitido a Rússia minimizar os riscos da dependência dos países de trânsito, de modo a garantir um fornecimento confiável de recursos energéticos para aos seus parceiros europeus. Quanto a terceira estratégia russa, podemos afirmar que os interesses energéticos russos na região do Mar Cáspio estão inextricavelmente ligados aos interesses geopolíticos. As relações da Rússia com os países que detém grandes reservas de hidrocarbonetos na região do Cáspio e da Ásia Central ocupam um lugar de destaque no escopo das relações externas russas, face a estas circunstâncias, principalmente no âmbito da União Euroasiática, o Kremlin vem estreitando relações no domínio dos transportes em outras áreas econômicas com Cazaquistão, Uzbequistão e Turcomenistão (TSYGANKOV, 2010). É importante ressaltar que Moscou também renegociou acordos sobre os preços de hidrocarbonetos principalmente com o Turquemenistão e o Cazaquistão (ambos, principais produtores de gás na região) deixando-os com menos incentivos para exportar para a Europa e China. Com os preços mais atraentes oferecidos pela Rússia associado a um sistema de transporte de energia no local, os estados do Cáspio estariam menos dispostos para executar novos projetos de construção de gasodutos que favorecessem outras nações. Em fevereiro de 2002, por exemplo Vladimir Putin também propôs um projeto ambicioso chamado a "OPEP do gás" que envolveria a primordialmente a Rússia e os países produtores da Ásia Central, com o objetivo de dominar os mercados mundiais no setor (TSYGANKOV, 2010 p. 153). Desse modo, as investidas do Kremlin sob esta questão envolvem em grande medida o recrudescimento da cooperação e integração da Rússia, Belarus e Cazaquistão na esfera da União Euroasiática através dos planos para estabelecer um mercado comum de energia neste bloco. Esta é uma ferramenta importante para a formação de relações estáveis em matéria de trânsito dos recursos energéticos da Rússia e do Cazaquistão, através do território da república de Belarus (BALKUNETS, 2014). 76 Interesses comuns nestas áreas criam confiabilidade e uma garantia adicional de cooperação a longo prazo, numa base mutuamente benéfica. Tanto para a Rússia quanto para o Cazaquistão é importante aumentar sua presença no mercado de energia da UE, a fim de minimizar o risco de trânsito e reduzir a dependência em relação à Ucrânia. Dado os planos de Moscou e Astana de expandir a exportação de petróleo e gás para a UE, é esperado que o trânsito de petróleo vindo do Cazaquistão e da Rússia passando pela Belarus duplique até 2020 (ibidem). Nestas circunstâncias, a República de Belarus pode se beneficiar igualmente, pois calcula-se a expansão do trânsito de hidrocarbonetos através de seu território, isto outorga a Minsk maior relevância estratégica, bem como maior poder de barganha com Moscou. Dessa maneira, a política externa do Kremlin assume que a energia é parte de sua estratégia geopolítica para aumentar sua influência entre os países. Assim, a Rússia utiliza o seu poder energético para manter uma esfera de interesse especial, prolongar a existência de bases militares e apoiar a eleição de líderes simpáticos na área póssoviética (ORTTUNGA; OVERLAND, 2011). Neste contexto, observamos que os hidrocarbonetos vão invariavelmente influir no futuro das relações do Kremlin com seus parceiros no setor, a Rússia enquanto potência energética e militar, poderá usar destas variáveis para persuadir seus vizinhos (especialmente os que faziam parte da URSS) e assegurar seus interesses nestes países. No entanto, a emergência de novos atores (principalmente Turquia e China) associado ao significativo fortalecimento das relações dos países do Mar Cáspio e do Leste Europeu com o ocidente, podem representar entraves para o Kremlin alcançar seus objetivos políticos nestas regiões. A Rússia por sua vez, a fim de minimizar perdas econômicas prossegue com uma estratégia de diversificação de suas exportações de energia, primordialmente orientadas para fora do continente europeu, a implementação de importantes projetos no ramo de hidrocarbonetos direcionados aos promissores mercados asiáticos, pode cristalizar esta intenção e representar uma mudança significativa do futuro da presença russa no cenário internacional. 77 CONSIDERAÇÕES FINAIS: Para entendermos a interferência dos recursos energéticos na política externa russa precisamos levar em consideração principalmente duas premissas básicas: a primeira baseia-se na relevância que tais matérias-primas exercem no atual contexto de desenvolvimento econômico mundial e a segunda apóia-se na Rússia enquanto um relevante fornecedor de recursos energéticos para o mercado mundial (principalmente para o mercado europeu). A partir da dinâmica estabelecida na interação entre estas conjunturas deriva-se os mais diversos instrumentos usados pelo Kremlin para defender os seus interesses nacionais. Por meio da análise histórica, que remonta o período soviético, pudemos encontrar prováveis razões que fizeram a Rússia se tornar um importante fornecedor de hidrocarbonetos para um dos centros do capitalismo mundial: a Europa Ocidental. O contexto que possibilitou a aproximação entre URSS e Europa foi a instabilidade política na região do Oriente Médio e a proximidade geográfica com o Estado Soviético, assim, os dirigentes europeus viram a necessidade de diversificar seus fornecedores de energia, e como Moscou já era o principal exportador de hidrocarbonetos para os países socialistas no leste europeu, abriu-se precedentes para estender estas exportações para os países capitalistas do ocidente continental. Apesar das diferenças ideológicas existentes entre Rússia e Europa no escopo da Guerra-Fria, as exportações de energia russa nunca pararam, pelo contrário possibilitaram a difusão e desenvolvimento de inúmeros gasodutos que ligam a Rússia ao continente europeu até os dias de hoje. Os processos de privatizações ocorridos na Rússia durante a Era Yeltsin, fizeram com que grande parte do patrimônio estatal russo no ramo energético fosse adquirido por um pequeno grupo de burocratas que havia acumulado poder no curso da desmontagem da URSS nos anos 1990. Enquanto uma pequena elite econômica adquiria poder às custas da venda de hidrocarbonetos, a economia russa estava abalada e enfraquecida, ao passo que o governo russo testemunhava a perda de sua influência externa, as consequências da fraqueza política da Rússia nos anos 1990 ocasionaram uma extensão gradual do bloco regional europeu e da OTAN para os países que faziam parte da órbita soviética. O quadro de fraqueza geopolítica de Moscou no cenário internacional, 78 impulsionou a adoção de políticas no sentido de promover a reorganização do aparato estatal. Dessa maneira, Vladimir Putin assume a presidência da Federação Russa nos anos 2000 e inicia o processo de centralização das principais companhias do setor energético russo para as mãos do Estado. O concomitante aumento dos preços do petróleo no mercado internacional deu um novo fôlego à economia russa, e acelerou o processo de estatização das principais companhias do setor. O crescimento econômico registrado no primeiro mandato de Vladimir Putin, lhe atestou altos índices de aprovação interna e influiu na reeleição em 2004, bem como na continuidade de seu projeto de engendrar grandes companhias em setores-chaves para a economia russa, como por exemplo o dos hidrocarbonetos. O presidente russo utilizou-se do caráter dúbio em que os principais oligarcas adquiriram suas fortunas para conceder ao Estado legitimidade no intuito de facilitar os processos de estatização destas empresas. Assim, ao final de seu segundo mandato a maioria destas empresas já estavam em mãos estatais. Os processos de estatização do setor energético russo coincidiram com a alta expressiva dos preços de petróleo no mercado internacional e, similarmente, apresentaram uma Rússia potencialmente ressurgente e economicamente viável, com claras pretensões de se tornar um dos principais fornecedores de energia do mundo. O decorrer destes acontecimentos evidenciou o caráter cada vez mais dependente da Europa em relação aos hidrocarbonetos russos. A Rússia vale-se do caráter dependentista da UE para extorquir maiores ganhos em suas relações bilaterais com o bloco europeu, e ao mesmo tempo utiliza os hidrocarbonetos como forma de projeção internacional. Nos países limítrofes ao seu território (principalmente Ucrânia e Belarus) o Kremlin emprega os seus recursos energéticos como instrumento de barganha política para que seus interesses militares e econômicos nestas regiões sejam atingidos. Tal comportamento da diplomacia russa para com os seus parceiros comerciais pode ser visto como uma resposta do Kremlin a extensão da OTAN para os países que faziam parte de sua tradicional zona de influência, dessa maneira o uso do instrumento energético foi um meio utilizado pelos dirigentes russos visando a garantia dos seus interesses nacionais, principalmente nas regiões que faziam parte da antiga URSS. Cumpre ressaltar que a efetividade destas políticas adotadas por Moscou foram possíveis devido a relativa ausência de unificação na formulação de uma política 79 externa conjunta no sistema europeu, enquanto a Rússia é representada por um único Estado, que coloca em prática uma posição consistente no intuito de atender seus interesses, as políticas seguidas pela UE no domínio energético, privilegiam os países mais ricos do bloco (os principais consumidores de hidrocarbonetos) e nem sempre levam em consideração os interesses dos países do leste europeu que fazem parte da UE (CHERNITSYNA, 2015), estes ainda mais dependentes dos recursos energéticos russos, portanto os países mais vulneráveis e com economias mais frágeis se tornam os principais prejudicados neste jogo político. Assim, podemos dizer que a segurança energética do bloco europeu vai depender em grande medida da maneira pela qual os países gerenciam suas relações uns com os outros a nível bilateral ou no âmbito multilateral, no que concerne a questão energética. A questão geográfica e histórica obriga a Ucrânia e a Belarus a viverem à sombra dos objetivos políticos da Rússia, pois a falta de fornecedores de energia alternativos e o fato de serem o principal elo de ligação dos dutos russos à Europa irá inevitavelmente colocá-los sob a esfera russa. Dessa forma, Moscou se apropria da dependência de Minsk e Kiev dos hidrocarbonetos russos para reprimir qualquer ímpeto que estimule uma aproximação política-militar mais efetiva destes países com a coalização ocidental. É possível afirmar isto com base no histórico de crises que estes países tiveram com Moscou, o emblemático caso ucraniano chama mais atenção, pois a Ucrânia todas as vezes que tentou estreitar laços militares com a OTAN foi imediatamente coagida pelo Kremlin, resta cristalino que as crises no abastecimento de gás à Ucrânia foram em grande medida influenciadas por tais tentativas. A Rússia por sua vez, tenta burlar a importância de Belarus e Ucrânia enquanto importantes corredores de recursos energéticos russos. Acelera o desenvolvimento de dutos que balizam os territórios destes países e conecta a Federação Russa aos seus principais compradores de energia na Europa, isto a médio ou longo prazo pode diluir a importância estratégica de Kiev e Minsk. Além disso, Moscou aproveita-se de sua influência política e econômica nos principais produtores de gás na Ásia Central para coptá-los a vender seus hidrocarbonetos à Rússia ou a países não europeus, o que claramente defere à Europa ainda mais dependência de Moscou, pois compromete a consolidação de possíveis fornecedores alternativos. A emergência de grandes economias na Ásia (principalmente China e Índia) bem como a crescente demanda de suas economias por combustíveis fósseis podem 80 potencialmente redesenhar a distribuição dos consumidores de hidrocarbonetos russos, dessa maneira o Kremlin percebe a ascendência destes mercados como possíveis substitutos do mercado europeu, e sem dúvida utilizará deste fator para diversificar seus clientes de gás e petróleo, o que provavelmente concederá ao Kremlin maior poder de barganha com a UE. Dessa maneira, sugere-se como estudos futuros desta pesquisa assistir ao estreitamento das relações da Rússia com os países asiáticos e quais os reflexos que esta aproximação representará à UE, neste sentido faz-se as seguintes perguntas: Quais as alternativas que Bruxelas possui no que se refere aos seus fornecedores de energia? A ascensão do terrorismo internacional, bem como a escalada da instabilidade no Oriente Médio podem representar uma ameaça na questão energética para a UE e eventualmente beneficiar a Rússia enquanto um importante fornecedor de energia? 81 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS: ADAM, Gabriel P., A Rússia e os Países da Comunidade dos Estados Independentes no Início Do Século XXI. In: ALVES, André Gustavo de Miranda Pineli (Org.). Uma longa transição: Vinte anos de transformação na Rússia. Brasília: Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada - Ipea, 2011. 298 p. ________. 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