a influência dos recursos energéticos na agenda

Transcrição

a influência dos recursos energéticos na agenda
UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA MARIA
CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS E HUMANAS
DEPARTAMENTO DE CIÊNCIAS ECONÔMICAS
CURSO DE RELAÇÕES INTERNACIONAIS
A INFLUÊNCIA DOS RECURSOS ENERGÉTICOS NA
AGENDA DA POLÍTICA EXTERNA RUSSA DURANTE
A ERA PUTIN/MEDVEDEV (1999-2014)
Boris Perius Zabolotsky
Santa Maria, RS, Brasil
2015
A INFLUÊNCIA DOS RECURSOS ENERGÉTICOS NA
AGENDA DA POLÍTICA EXTERNA RUSSA DURANTE A
ERA PUTIN/MEDVEDEV (1999-2014)
Boris Perius Zabolotsky
Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao Curso de Relações
Internacionais da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM, RS), como
requisito parcial para obtenção do grau de
Bacharel em Relações Internacionais.
Orientador: Prof. Dr. Arthur Coelho Dornelles Junior
Santa Maria, RS, Brasil
2015
Universidade Federal de Santa Maria
Centro de Ciências Sociais e Humanas
Departamento de Ciências Econômicas
Curso de Relações Internacionais
A Comissão Examinadora, abaixo assinada,
aprova o Trabalho de Conclusão de Curso
A INFLUÊNCIA DOS RECURSOS ENERGÉTICOS NA AGENDA DA
POLÍTICA EXTERNA RUSSA DURANTE A ERA PUTIN/MEDVEDEV
(1999-2014)
elaborado por
Boris Perius Zabolotsky
como requisito parcial para obtenção do grau de
Bacharel em Relações Internacionais
COMISSÃO EXAMINADORA:
Arthur Coelho Dornelles Junior, Dr.
(Presidente/Orientador)
Günther Richter Mros, Ms. (UFSM)
José Renato Ferraz da Silveira, Dr. (UFSM)
Santa Maria, 11 de dezembro de 2015.
À minha amada família, Jacinto, Ilse Ana e Tatiane,
tudo que eu faço é para orgulhar vocês.
AGRADECIMENTOS
A concretização desta pesquisa, se deu através de inúmeras dificuldades ao
longo desta caminhada, os períodos de insegurança e bloqueio durante este trabalho
foram constantes, portanto o fato deste estudo ter se consolidado se deve em grande
medida aos que me ajudaram ao longo deste percurso, a estes devo uma grande dívida
de gratidão, que talvez nunca seja capaz de recompensar.
Primeiramente, gostaria de agradecer à minha família, aos meus pais Jacinto,
Ilse Ana e à minha irmã Tatiane, por em nenhum momento duvidarem de minha
capacidade e por sempre serem os meus principais motivadores para seguir adiante,
mesmo que por vezes estivessem distantes, vocês ultrapassaram comigo cada fase deste
estudo, é a vocês que eu dedico este trabalho.
Meus agradecimentos também ao meu orientador Arthur Dornelles, que desde o
primeiro momento que eu ingressei no curso, foi uma das minhas referências mais
valorosas no campo de estudo das Relações Internacionais, além de ter me guiado ao
longo deste trajeto me oferecendo ajuda nos momentos de angústia, obrigado pela
paciência e confiança depositada em mim que permitiu-me explorar com liberdade e
responsabilidade este estudo. Agradeço também aos demais professores da UFSM, que
ao longo de minha graduação indubitavelmente auxiliaram na minha formação
acadêmica e intelectual incentivando-me a estudar, a questionar e criticar. Foi um
grande e enriquecedor prazer ser vosso aluno.
Aos meus queridos amigos e/ou colegas Amanda da Cruz, Bibiana Poche,
Cristiane de Oliveira, Daniela Bertolo, Douglas Jung, Débora Mapelli, Eduarda
Piacentini, Gustavo Manduré, Gabriela Behling, Lauren Machado, Larlecianne Piccoli,
Liliane Fraga, Luiza Zanini, Júlia Hoppe, Júlia Loose, Mariane Perius, Maiquel Pies,
Manoela Machado, Nicole Kuhn, Pedro Chamun, Nattan Perius e Renan Stein, por
serem constantemente estes “desconstrutores de paradigmas”, vocês marcaram a minha
vida e fizeram com que minha graduação fosse uma experiência maravilhosa e
inesquecível.
Por fim, agradeço à República Federativa do Brasil, pela oportunidade de
estudar em uma universidade federal pública, gratuita e de elevada qualidade de ensino.
"Finanças (a energia) é a arma,
a política é para saber quando puxar o gatilho." 1
O Poderoso Chefão III (1990)
“O segredo da política? Faça um bom tratado com a Rússia.” 2
Otto Von Bismarck (1863)
1
Do original em inglês: “Finance (energy) is the weapon, politics is to know when to pull the trigger.”
The Goodfather III, 1990
2
Do original em alemão: “Das Geheimnis der Politik? Machen Sie einen guten Vertrag mit Russland.”
RESUMO:
Trabalho de Conclusão de Curso
Curso de Relações Internacionais
Universidade Federal de Santa Maria
A INFLUÊNCIA DOS RECURSOS ENERGÉTICOS NA AGENDA DA
POLÍTICA EXTERNA RUSSA DURANTE A ERA PUTIN/MEDVEDEV (19992014)
AUTOR: BORIS PERIUS ZABOLOTSKY
ORIENTADOR: ARTHUR COELHO DORNELLES JUNIOR
Data e Local da Defesa: Santa Maria, 11 de dezembro de 2015.
Este trabalho se propõe a analisar o uso dos recursos energéticos russos enquanto um
instrumento de política externa nas suas relações com os seus parceiros comercias,
tendo em vista a importância dos hidrocarbonetos no contexto atual de desenvolvimento
econômico e considerando a disponibilidade limitada destas commodities –
especialmente o petróleo e o gás. A pergunta que a pesquisa visa responder é: qual o
papel que as estatais russas do setor de hidrocarbonetos exercem na materialização dos
objetivos da política externa do Kremlin? Dessa maneira, nossa hipótese considera que
Moscou se vale da relativa escassez dos recursos em questão, como uma forma de
barganhar melhores condições em suas negociações externas. O método utilizado nesta
pesquisa é a abordagem histórica, e para técnica de pesquisa vale-se de estudo
bibliográfico e análise documental. Os resultados demonstram que a abundância dos
recursos naturais (gás e petróleo) que a Rússia possui, associados a infraestrutura de
entrega necessária, faz com que as interações entre Moscou e Bruxelas possuam um
forte componente energético que molda os cálculos políticos de ambos atores. Além
disso, o Kremlin se apropria da dependência que os países da antiga URSS (sobretudo
Ucrânia e Belarus) possuem especialmente dos recursos energéticos provindos da
Rússia para ampliar sua influência nestes países e impedir prováveis deserções para o
lado ocidental.
Palavras-chaves: Política Externa Russa; Recursos Energéticos; União Europeia;
ABSTRACT:
Senior Thesis
International Relations Major
Universidade Federal de Santa Maria
THE INFLUENCE OF ENERGY RESOURCES IN THE FOREIGN POLICY
AGENDA OF RUSSIA DURING THE PUTIN/MEDVEDEV ERA (1999-2014).
AUTHOR: BORIS PERIUS ZABOLOTSKY
ADVISOR: ARTHUR COELHO DORNELLES JUNIOR
Presentation’s Date and Place: Santa Maria, December 02
This study aims to analyze the use of Russian energy resources as an instrument of
foreign policy in its relations with its partners, given the importance of oil in the current
context of economic development and considering the limited availability of these
commodities - especially oil and gas. The question that the research aims to answer is
what role the Russian State Hydrocarbon Sector plays in the realization of its objectives
in the foreign policy of the Kremlin. Hence, our hypothesis considers that Moscow uses
the relative scarcity of the resources in question, as a way to bargain for better
conditions in its external negotiations. The method used in this research is the historical
approach, and research techniques draw on bibliographic study, document analysis and
data collection. The results show that the abundance of natural resources (oil and gas)
that Russia has, associated with the delivery infrastructure required, makes the
interactions between Moscow and Brussels have a strong energy component that shapes
the political calculations of both actors. In addition, the Kremlin utilizes the dependence
of the countries from the former USSR (especially Ukraine and Belarus) that have
stemmed from Russia to increase its influence in these countries and likely have
prevented any defections to the West.
Keywords: Russian Foreign Policy; Energy Resources; European Union;
SUMÁRIO:
INTRODUÇÃO: ............................................................................................................. 9
1.0 CARACTERIZAÇÃO DO SETOR DE HIDROCARBONETOS NA
URSS/RÚSSIA ENTRE A ERA BREZHNEV E O FINAL DO GOVERNO DE
BORIS YELTSIN ......................................................................................................... 13
1.1 O papel dos hidrocarbonetos na URSS nos anos 1970-1980
........................................................................................................................................ 13
1.2 A era Gorbachev - Uma breve transição: entre o desgaste e a reforma política e
econômica ...................................................................................................................... 20
1.3 A era Yeltsin - Uma longa transição: entre o caos econômico e o novo sistema
político............................................................................................................................ 24
2.0 AS “CAMPEÃS NACIONAIS” DO SETOR ENERGÉTICO DA RÚSSIA
(1999-2012) .................................................................................................................... 30
2.1 A estratégia de reestatização das empresas do setor energético russo durante o
governo Putin ................................................................................................................ 31
2.2 Uma recuperação rápida: a bonança de petróleo e a nova fase da economia
russa. .............................................................................................................................. 38
2.3 A diarquia Medvedev-Putin e a crise financeira internacional de 2008 ............ 43
2.4 A política energética russa e as projeções do setor energético russo para o
futuro ............................................................................................................................. 45
3.0 AS RELAÇÕES COMERCIAIS RUSSAS COM OS SEUS PARCEIROS:
UMA VISÃO SOB O PRISMA ENERGÉTICO. ...................................................... 48
3.1 As relações entre Rússia e União Europeia, e o papel que nelas exercem os
hidrocarbonetos ............................................................................................................ 49
3.2 As relações entre Rússia, Ucrânia e Belarus: a política dos hidrocarbonetos: . 61
3.2.1 As relações entre Rússia e Ucrânia e a questão energética .............................. 62
3.2.2 As relações entre a Rússia e Belarus .................................................................. 71
CONSIDERAÇÕES FINAIS ....................................................................................... 78
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ....................................................................... 81
ANEXO I – LISTA DE SITES CONSULTADOS ..................................................... 87
9
INTRODUÇÃO:
No estágio atual de desenvolvimento econômico, a segurança energética se
tornou um dos mais importantes componentes da agenda política global. A significativa
redução das reservas de hidrocarbonetos no mundo e o crescimento da demanda
energética principalmente nos países emergentes, associado ao aumento progressivo da
instabilidade política em países ricos em energia no Norte Africano e no Oriente Médio,
possibilitou a emergência do uso dos mais diferentes mecanismos políticos, a fim de
estabelecer o controle sobre os fluxos mundiais de energia, principalmente a provinda
de combustíveis fósseis.
Neste contexto, a Federação Russa é detentora de uma maiores reservas de gás
natural do planeta, e se destaca por ser uma das principais produtoras de petróleo no
mundo, além de possuir a infraestrutura de entrega necessária para exportar estes
recursos à uma diferente gama de países europeus e asiáticos, tais riquezas naturais não
podem ser ignoradas em um mundo cada vez mais depende de hidrocarbonetos,
portanto a escolha do tema, justifica-se a partir da necessidade de um estudo mais
aprofundado sobre o caso russo, desse modo, é fundamental elucidar a eventual
influência que estes podem exercem na economia e na política externa russa. Assim, a
análise da experiência russa por meio de sua política energética, associado ao seu papel
de destaque na atual configuração mundial no âmbito de hidrocarbonetos, é de salutar
importância para o recrudescimento do debate relativo as questões sobre segurança
energética no mundo.
Face a esse cenário, a problematização que se revela nesta pesquisa, procura
responder a seguinte pergunta: qual o papel que as estatais russas do setor de
hidrocarbonetos exercem na concretização dos objetivos da política externa do
Kremlin? Por meio desse objeto de estudo busca-se trazer sob o método de análise
histórica uma perspectiva da utilização dos recursos energéticos russos enquanto uma
ferramenta diplomática nas relações exteriores da Rússia. A técnica de pesquisa
utilizada vale-se de estudos bibliográficos e análise documental.
Dessa maneira, a hipótese que direciona a presente monografia pondera que
tais recursos energéticos quando usados corretamente podem incrementar a exportação
destes para os parceiros comerciais da Rússia e auxilia-la no desenvolvimento de sua
economia nacional, e ao mesmo tempo possibilitar uma escalada da influência política e
10
econômica de Moscou, e consequentemente reforçar as suas posições geopolíticas no
Sistema Internacional (SI), pois assume-se que devido a relevância que os recursos
energéticos possuem na economia da Rússia, estes estarão inevitavelmente presentes, de
modo direto ou indireto, nos cálculos diplomáticos do Kremlin.
O objetivo geral deste trabalho, visa analisar o papel do componente energético
na formação das diretrizes da política externa russa e como estes são usados como
ferramenta geopolítica estratégica em seu relacionamento com a UE e os países que
compunham a União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS), especialmente
Ucrânia e Belarus. Os objetivos específicos procuram, por meio de uma análise
histórica compreender como se ampliou o processo de (inter)dependência energética da
Europa em relação aos hidrocarbonetos provindos da Rússia; apresentar uma
retrospectiva histórica com o intuito de entender as políticas adotadas no governo de
Vladimir Putin para refortalecer o Estado Nacional; analisar as características da
política energética da Rússia; identificar as principais perspectivas para a expansão da
influência geopolítica de Moscou, tendo em conta o fator energético; desenvolver e
especificar os possíveis cenários da política energética da Rússia para o período até
2030 e por fim, analisar casos específicos em que os hidrocarbonetos foram usados
como critério de barganha para atender os interesses nacionais russos.
A pesquisa aborda incialmente o contexto da Era Brezhnev (1964-1982) onde
vislumbra-se um aprimoramento das relações comerciais entre a então União Soviética
e os países ocidentais, tal momento histórico justifica-se pelo desenvolvimento de
inúmeros oleodutos e gasodutos que interligaram o bloco oriental socialista ao bloco
ocidental capitalista, este fato terá reflexos no relacionamento entre a Federação Russa e
a União Europeia (UE) atualmente. Além disso, a importância de analisar este período
histórico igualmente se apresenta na influência que Moscou exerce nos países que
faziam parte da órbita soviética, visto que a Rússia é o ator que detém a maior
quantidade de recursos energéticos da região e foi a principal herdeira das
infraestruturas de entrega de hidrocarbonetos orientadas para atender as demandas dos
países que constituíam a esfera socialista.
Assim, com o fim da Guerra Fria e o posterior desmantelamento da URSS,
observa-se um constante alargamento da UE para o leste europeu, bem como um
estabelecimento de uma parceria estratégica entre Moscou e Bruxelas, durante o período
de duas décadas, essa cooperação evoluiu para uma nova relação de vulnerabilidade
11
mútua, neste caso, não mais orientado pelo dilema militar da Guerra Fria, mas sim pela
dependência da UE dos recursos energéticos russos e pela dependência russa das
receitas geradas pela exportação do gás ao bloco europeu (HENDLER, 2014).
A natureza deste tipo de relacionamento baseado principalmente nas trocas
comerciais de recursos energéticos, remete imediatamente a questões geopolíticas e
econômicas, fato que deve-se primordialmente ao reforço do componente energético na
política mundial. No caso da relação com a UE, a Rússia depende que os produtos
sejam escoados principalmente via dois países: Ucrânia e Belarus para assim atingir
principais compradores europeus (ADAM, 2008), a partir desta dinâmica estabelecida,
deriva-se inúmeros conflitos envolvendo os mais diversos atores e interesses.
A partir desta breve explanação, podemos entender a estrutura escolhida para a
apresentação da pesquisa, que se dará em três capítulos. O primeiro capítulo:
Caracterização do setor de hidrocarbonetos na URSS/Rússia entre a Era Brezhnev e o
final do governo de Boris Yeltsin possui como objetivo geral oferecer ao leitor um
panorama de como se desenvolveu na então União Soviética a importância dos
hidrocarbonetos em sua economia, e ao mesmo tempo demonstrar como se
configuraram os primeiros passos para o aprimoramento das relações comerciais no
âmbito energético entre a URSS e o ocidente. Além disso, procura-se neste capítulo
explanar sobre o processo de privatizações ocorridos na Rússia após a desmontagem do
bloco socialista, para assim entendermos as políticas adotadas pelo governo de Vladimir
Putin.
O capítulo dois intitula-se As campeãs nacionais do setor energético da Rússia
(1999-2012) e visa demonstrar a partir da ascensão de Putin como se desenvolveram os
processos para a reestatização de inúmeras companhias do setor energético russo e os
impactos destas ações no recrudescimento da economia nacional e o concomitante
aumento da presença externa russa. Ainda procura-se especificar algumas perspectivas
de expansão da influência geopolítica da Rússia, tendo por base o fator energético bem
como elucidar possíveis direções do desenvolvimento da política energética da Rússia
para o período até 2030.
Por fim, no capítulo três As relações comerciais russas com os seus parceiros:
uma visão sob o prisma energético apresentaremos um estudo em que é possível
identificar alguns casos do uso dos hidrocarbonetos como um instrumento da
diplomacia russa em seu relacionamento com UE, Ucrânia, Belarus e alguns países da
12
Ásia Central. Neste contexto, sublinha-se especial atenção as características da política
energética da Rússia, enquanto um dos maiores exportadores de recursos energéticos
para o mercado mundial.
13
1.0 CARACTERIZAÇÃO DO SETOR DE HIDROCARBONETOS
NA URSS/RÚSSIA ENTRE A ERA BREZHNEV E O FINAL DO
GOVERNO DE BORIS YELTSIN
Nesta primeira parte do capítulo descreveremos o contexto econômico em que na
era Brezhnev (1964-1982), a URSS estava inserida e as políticas de cunho reformista
empreendidas por Gorbachev, que a partir de 1985 culminaram no fim da Guerra Fria e
posteriormente no fim da URSS em 1991, após o desmantelamento do bloco soviético
relataremos brevemente sobre como se deu a transição da economia planificada para a
economia de mercado e quais foram as principais políticas adotadas pelo governo
Yeltsin durante os processos de privatizações no setor energético russo. Deste modo,
nesta seção procura-se elucidar como esta política influenciou na crise econômica e
social que a Rússia vivenciou nos anos 1990 e tiveram uma relação causal com a
ascensão de Vladimir Putin e a subsequente reestatização das áreas chaves da economia
russa.
Procura-se também descrever a situação global do setor de hidrocarbonetos e os
impactos desta no ambiente interno soviético/russo, bem como fornecer um breve
panorama sobre o setor energético no país.
1.1 O papel dos hidrocarbonetos na URSS nos anos 1970-1980
Durante os quase 70 anos de existência da União das Repúblicas Socialistas
Soviéticas (URSS), a exportação de hidrocarbonetos e outros recursos naturais, foi um
dos principais instrumentos para assegurar o crescimento econômico e sua influência
em vários países (GOLDMAN, 2008).
Na era Leonid Brezhnev, as autoridades soviéticas começaram a investir
massivamente na exploração de recursos em áreas inexploradas de seu território, tais
como a Sibéria Ocidental e o Extremo Oriente. Para desenvolver essas regiões do
território soviético, a Sibéria Ocidental recebeu cerca de 20% do investimento total de
capital da indústria petrolífera entre 1964 e 1970, devido a isso, um programa
experimental para desenvolver novos campos de petróleo da Sibéria foi iniciado em
1964. Até o final do mesmo ano a abertura de quinze novos poços tinha sido concluída,
14
produzindo fluxos de petróleo bruto de aproximadamente 209 mil toneladas
(CONSIDINE; KERR; 2002). O desenvolvimento dessa região pode ser expressado
através da tabela abaixo:
Tabela 1.1 -Produção de petróleo bruto da URSS entre 1965-1980 (mil toneladas
métricas):
Região
1965
1970
1975
1980
1985
1986
1987
1988
Rússia
199.191
281.010
05.345
n/a
534.375
550,590
557,513
552,740
Kaliningrado
0
0
0
0
1.523
1,511
1,421
1,300
34.156
23.037
18,412
10.521
10,116
9,835
9,380
Norte do Cáucaso 19,97 1
Volga-Urais
173.634
208.357
224.905
185.869
135.544
128,394
122.853
115.831
Komi
2.223
5.609
7,120
18.075
18.215
18,269
17.344
15.600
Sibéria Ocidental
953
31.416
154.679
322.459
365.805
389.665
403.403
407.845
Sakhalinas
2.410
2.472
2.244
n/a
n/a
2.452
2.410
2.400
Outras
n/a
n/a
n/a
25
178
183
247
384
Ucrânia
7.339
13.501
11.544
6.283
4.853
4.756
4.652
4.487
Belarus
39
4.234
8.244
2.551
2.019
2.028
2.041
2.010
Geórgia
30
24
261
3.186
552
179
183
120
Azerbaijão
21.500
7.287
5.840
5.053
3.909
3.902
3.734
3.700
Cazaquistão
1.688
13.161
23.890
18.836
21.493
21.688
21.914
21.925
Turcomenistão
9,636
14.430
15.307
7.150
5.423
5.359
5.241
5.080
Uzbequistão
1,563
1.016
947
909
939
956
981
960
Tajiquistão
47
181
274
391
287
367
322
300
15
Quirguistão
305
298
230
219
190
190
186
180
Não especificado
1.550
3.997
7.555
42.864
11.918
15.318
17.340
17.979
Total
242.888
353.039
490.801
603.207
595.291
614.752
624.177
619.410
Fonte: ARBATOV (1991) apud CONSIDINE; KERR; (2002 p. 137);
Conforme demonstra a tabela acima, podemos observar a abundância de
hidrocarbonetos no território soviético especialmente nas regiões da Sibéria Ocidental e
na região dos Urais, bem como a crescente extração de hidrocarbonetos nestas áreas,
apresentam um aumento de cerca de 5 vezes entre os anos 1970 e 1975. A partir do
inicio da década de 1970, os países da OPEP (Organização dos Países Exportadores de
Petróleo) decidiram reduzir sua produção petrolífera além de aumentar tarifas e
encargos fiscais, provocando expressiva alta do preço do barril que passou de três para
doze dólares. (SCALERCIO, 2003, p. 204). Dessa forma, a conjuntura internacional no
setor energético e os altos preços do petróleo praticados no mercado internacional,
favoreceram uma reaproximação da URSS com os países ocidentais e contribuíram em
alguma medida para dar um novo impulso para a econômica soviética.
Esse redirecionamento da política energética europeia foi em grande medida
influenciado pela instabilidade na região do Oriente Médio e pela Guerra do Yom
Kippur3 em 1973, frente a isso, as principais economias do mundo capitalista uniram-se
na Cúpula de Rambouillet4 para tratar de temas relacionados à dependência dos recursos
energéticos e à crise econômica provocada pelo corte do fornecimento de petróleo aos
países europeus. As crises do petróleo de 1973 e 1979 pressionaram a Europa Ocidental
a desenvolver uma estratégia mais ampla de gestão dos recursos energéticos baseada na
economia de energia e diversificação. Assim, a Europa Ocidental tentou alcançar uma
diminuição da dependência energética externa. No entanto, devido ao fracasso das
negociações da construção do gasoduto IGAT-II (gás iraniano) a importação de
3
A Terceira Guerra Árabe-Israelense ou Guerra do Yom Kippur (para os judeus) ocorreu entre Israel e
um grupo de nações sob a liderança da Síria e do Egito. O combate deu-se entre os dias 6 e 26 do mês de
outubro de 1973. (SCARLECIO, 2003)
4
Ideia do presidente francês Valéry Giscard d’Estaing que, em 1975, tomou a iniciativa de reunir os
chefes de Estado e de governo da Alemanha, dos Estados Unidos, do Japão, da Itália, do Reino Unido, em
Rambouillet a fim de discutir questões mundiais (dominadas na época pela crise do petróleo). Esta cúpula
ficou conhecida por dar origem ao grupo dos sete ou G-7. (SMITH, 2011)
16
hidrocarbonetos da URSS começou a aumentar (GUSEV, 2008). A nova orientação das
potências capitalistas abriu margem para uma inserção ainda maior dos hidrocarbonetos
da URSS nos países ocidentais.
A partir deste momento aumenta-se consideravelmente as exportações de gás
natural para a Europa Ocidental e demais países (ver tabela 1.2). Aproximadamente
metade do total comercializado foi vendido a países não comunistas (ver tabela 1.2). De
acordo com Ebel (1970, p. 50) essa aquisição fora realizada "com praticamente nenhum
investimento em mecanismos de prospecção de mercados externos”5. Assim, durante a
esteira dos anos 1970, os hidrocarbonetos tornaram-se o principal componente do
comércio entre a Europa e a URSS. O desenvolvimento do comércio de energia foi
acompanhado com a construção de grandes sistemas de abastecimento de energia
transeuropeias.
Tabela 1.2 - Produção bruta de petróleo soviético e estatísticas do comércio
internacional (milhões de toneladas métricas):
Ano
5
Produção de petróleo
bruto e condensado
Total de exportações
Exportações soviéticas de
Exportações soviéticas de
de produtos
Petróleo Bruto e demais
Petróleo Bruto e demais
petrolíferos brutos
Produtos para o Ocidente
produtos para a COMECON
1971
377.1
105.02
53.75
51.27
1972
400.4
106.51
53.75
52.76
1973
429.0
118.46
55.75
62.71
1974
458.9
116.47
50.27
66.19
1975
491.0
128.91
57.74
71.18
1976
519.7
147.83
70.68
77.15
1977
545.8
155.79
75.16
80.63
1978
571.5
164.25
79.64
84.61
1979
585.6
163.25
72.67
90.59
Do original em inglês: “with virtually no investment in foreign marketing facilities”; Tradução nossa.
17
1980
603.2
162.76
70.68
92.08
1981
608.8
162.26
70.18
92.08
1982
612.6
169.23
83.62
85.61
Fonte: GOLDMAN (1980); STERN (1987); HEWETT (1984) apud CONSIDINE; KERR; (p. 97, 2002)
Diante da tabela acima, observa-se um exponencial aumento das exportações de
produtos petrolíferos da URSS entre os anos de 1971 e 1978. A partir de 1979 nota-se
que as exportações soviéticas sobretudo aquelas para os países ocidentais começam a
diminuir consideravelmente, isto em grande medida influenciada pelos desdobramentos
da Guerra do Afeganistão (1979-1989) onde a URSS se envolveu diretamente e obteve
forte oposição dos países europeus e dos Estados Unidos.
Mesmo em meio a Guerra do Afeganistão e as exportações da URSS terem
diminuído consideravelmente a partir de 1979, a produção de petróleo seguiu o caminho
oposto, registrando um ritmo acelerado de crescimento (ver tabela 1.2). Os soviéticos
usaram do fato de haver um relativo corte na demanda de hidrocarbonetos da URSS
para os países ocidentais, para assegurar sua influência sobre os países do Conselho
para Assistência Econômica Mútua (COMECON)6 vendendo gás e petróleo por preços
bem abaixo dos praticados no mercado internacional (ver gráfico I). Esta política ficou
conhecida como doutrina Brezhnev, e baseava-se na ideia principal de manter a
ingerência sobre os países que integravam o Pacto de Varsóvia 7 por meio das
importações de energia subsidiadas pela União Soviética (ROSNER, 2006). Já nos
países terceiro-mundistas a URSS usava sua influência sobre o fornecimento de
petróleo como uma forma de puni-los caso houvesse maior abertura as potências
ocidentais em seus países. (GOLDMAN, 2008).
6
O COMECON foi fundado em 1949, e visava a integração econômica das nações do Leste Europeu. Os
países que integraram a organização internacional foram a União Soviética, Alemanha Oriental (19501990), Tchecoslováquia, Polônia, Bulgária, Hungria e Romênia. Mais tarde outros países juntaram-se ao
COMECON: Mongólia (1962), Cuba (1972) e Vietnã (1978). Seu objetivo era fornecer ajuda mútua para
o desenvolvimento dos países membros. (SWASS, 1989).
7
A Organização do Tratado de Varsóvia (também conhecido como o Pacto de Varsóvia) foi uma aliança
política e militar estabelecida em 14 maio de 1955 entre a União Soviética e vários países da Europa
Oriental, estabelecia-se através do Pacto um compromisso de ajuda mútua em caso de agressões militares.
A União Soviética formou esta aliança como um contrapeso à Organização do Tratado do Atlântico Norte
(OTAN). Os signatários originais da Organização do Tratado de Varsóvia foram: União Soviética,
Albânia, Polônia, Tchecoslováquia, Hungria, Bulgária, Romênia e da República Democrática Alemã.
(Fonte: ESCRITÓRIO DE HISTORIADOR, BUREAU DE ASSUNTOS PÚBLICOS DEPARTAMENTO DE ESTADO DOS ESTADOS UNIDOS, 2013, disponível em:
https://history.state.gov/milestones/1953-1960/warsaw-treaty acesso em 10/06/2015)
18
As exportações de hidrocarbonetos para os países capitalistas voltaram a crescer
a partir de 1982 (ver tabela 1.2), pois havia na Europa Ocidental um forte movimento
com vistas a diminuir a dependência da energia nuclear, e por conseguinte reduzir as
chances de acidentes nucleares, e como a URSS já havia demonstrado ser um parceiro
relativamente confiável em relação ao fornecimento de hidrocarbonetos, a partir dos
anos 1980, a Alemanha concordou em começar a importar gás dos soviéticos, porém
havia-se uma cláusula no contrato que estipulava que o uso do gás soviético não poderia
ultrapassar 30% do consumo geral interno – logo esta regra seria esquecida pelos
dirigentes alemães e como consequência industrias e residências passaram a incorporar
o gás natural russo em suas atividades diárias (GOLDMAN, 2008).
Gráfico I:
FONTE: GOLDMAN (1980); STERN (1987); HEWETT (1984) apud CONSIDINE; KERR; (p.
137, 2002)
Enquanto as exportações de hidrocarbonetos para a Europa crescia, o consumo e a
demanda por petróleo nos países socialistas do leste europeu também aumentava
consideravelmente (conforme demonstra a tabela 1.2), impondo restrições sobre a
quantidade de petróleo bruto disponível para exportação.
Estes fatores fizeram com que o governo soviético investisse na modernização
do setor industrial petrolífero através de um Plano de Gestão Geral, para assim
assegurar a autossuficiência da URSS em recursos energéticos. O petróleo e o gás
passariam a serem produzidos sob um sistema de gestão de dois níveis. A nova política
visava uma maior especialização do núcleo de produção e de manutenção, criando
19
condições necessárias para a autossuficiência da indústria do petróleo, o documento
propunha a implementação de sistemas automatizados de gestão dos hidrocarbonetos
nas empresas do setor. Com este plano, o Ministério da Indústria do Petróleo tinha a
intenção de incluir algumas empresas e organizações independentes no setor com o
intuito de ampliar as companhias de perfuração existentes no país possibilitando a
criação de novas unidades de produção de petróleo no futuro. A introdução deste plano
geral teve como objetivo otimizar a estrutura burocrática central, através da redução do
número de empregados, esta também ficou conhecida como uma das primeiras medidas
de cunho liberalizante empreendidas pelo planejamento soviético. (ALEKPEROV,
2011).
A indústria do petróleo da URSS em grande medida influenciada pela pujante
produção do petróleo siberiano se desenvolveu consideravelmente durante quase toda a
década de 1970, a lógica estabelecida pelo governo soviético era de uma produção
rápida e crescente. Esta política fez com em 1980 a URSS emergisse como líder global
da produção de petróleo, este também foi o período em que os soviéticos usufruíram o
mais alto padrão de vida de sua história. Este contexto ajudou a mascarar os problemas
estruturais da economia soviética, mas foram incapazes de esconder várias falhas de
produção na indústria dos hidrocarbonetos que ficarão ainda mais latentes a partir da
ascensão de Gorbachev. (SEGRILLO, 2012 p. 232).
Com base nisso, tem-se no governo de Leonid Brezhnev uma reorganização da
economia soviética, mesmo havendo uma estagnação econômica as políticas
empreendidas por Brezhnev proporcionaram uma maior inserção do Estado Soviético
no comércio internacional, bem como criaram a infraestrutura necessária para abastecer
grande parte do continente europeu, além disso, desenvolveu-se a ideia da URSS
enquanto um fornecedor confiável e estável de hidrocarbonetos à Europa, pois como os
países socialistas do leste do continente não possuíam autonomia política suficiente para
cortar o fornecimento aos países ocidentais, Moscou por meio de suas redes de dutos
seguiu exportando por muitos anos estes recursos para abastecer o continente europeu,
tais fatos associado a estrutura de gasodutos e oleodutos estabelecida durante o período
soviético, funcionará como uma espécie de “cordão umbilical” que invariavelmente
ligará a Rússia ao ocidente europeu e romper estes laços pode ser perigoso
(GOLDMAN, 2008 p. 139).
20
1.2 A era Gorbachev - Uma breve transição: entre o desgaste e a reforma política e
econômica
A Guerra Fria em todo o seu contexto foi marcada como um período de
competição político-econômica entre dois modelos de desenvolvimento distintos, o
primeiro, liderado pelo bloco capitalista representados pelos Estados Unidos, o segundo,
liderado pelo bloco socialista liderado pela URSS. Este antagonismo provocado pela
bipolaridade do Sistema Internacional gerava disputas no sentindo de atingir o máximo
de desenvolvimento econômico e tecnológico. O contexto de corrida armamentista
durante o período da Guerra Fria exigia da URSS massivos gastos na área de defesa,
limitando os investimentos em outras áreas da economia e dessa forma, provocava
sérios problemas estruturais no aparato político-econômico soviético. (SEGRILLO,
2015)
A URSS nos anos 1980 passava por uma situação econômica delicada,
caracterizada pelo decréscimo econômico contínuo, ineficiência da produção e na
qualidade dos bens produzidos, bem como uma estagnação do desenvolvimento
tecnológico e científico, resultado das dificuldades de adequação da economia soviética
aos novos paradigmas de desenvolvimento industrial ocorridos após a Revolução
Técnico-científico (ibidem), já que:
Nas décadas de 30, 40, 50 e parte da de 60, os russos estavam competindo
para alcançar um paradigma industrial fordista, cujos princípios básicos
(estandardização, rigidez, ênfase nos fluxos verticais “de cima para baixo” de
comando e nas economias de escala) eram bastante semelhantes aos do
próprio sistema soviético. Mas, a partir da década dos anos 60, mais
avançados da produção flexível (toyotismo e outros) cujos pilares básicos
(flexibilidade, ênfase na qualidade, na economia de escopo e nos fluxos
horizontais de informação e comando) eram francamente diversos dos
princípios básicos de seu sistema. Isto causaria contradições cada vez
maiores entre as tentativas de adaptar a economia da URSS a estes novos
padrões flexíveis e a necessidade de manutenção do controle político rígido
do processo. (SEGRILLO, 2015, p. 13).
A percepção da população e dos líderes do partido socialista em introduzir
reformas no sistema soviético com vistas a revitalizar a economia e torná-la mais
dinâmica, possibilitou a ascensão de Mikhail Gorbatchev em 1985, defendendo uma
plataforma de reestruturação econômica e uma política de cunho reformista instituindo a
21
perestroika8 e a glasnot9.
Mikhail Gorbachev logo que assumiu o poder voltou sua atenção para a
reestruturação da indústria petrolífera do país, uma das primeiras medidas que tomou
enquanto chefe de governo foi aprovar “medidas adicionais para reequipar a Indústria
de Petróleo e Gás."(ALEKPEROV, 2011 p. 602). Quatro meses depois, em 10 de agosto
de 1985 o Comitê Central do Partido Comunista Soviético (PCUS) e o Conselho de
Ministros da URSS aprovaram uma resolução sobre o “Desenvolvimento Integral do
Setor de Petróleo e Gás na Sibéria Ocidental em 1986-1990". (ALEKPEROV, 2011)
Dessa forma, Gorbachev procurava promover uma modernização compulsória do
setor energético soviético, a dificuldade do planejamento central em alocar o progresso
técnico e a inovação tecnológica na indústria soviética provocou dependência a um
sistema arcaico e pouco rentável que consumia petróleo excessivamente. Enquanto o
mundo ocidental havia respondido aos choques do petróleo de 1973 e 1978-1980 por
meio da diversificação de sua matriz energética, incentivando o desenvolvimento de
tecnologias mais eficientes em termos energéticos, a União Soviética não estimulou
políticas nestas áreas pois os preços dos hidrocarbonetos no mercado interno foram
mantidos em níveis artificialmente baixos (ver gráfico I) enquanto o consumo de
energia aumentava consideravelmente, além de falhar ao refletir os verdadeiros custos
de produção, bem como os custos dos preços do petróleo (ver tabela 1.4) no mercado
internacional (CONSIDINE; KERR; 2002).
Essas políticas de reestruturação na indústria do petróleo da União Soviética não
produziram efeitos imediatos na economia do país, visto que a partir de 1985 a Arábia
Saudita, buscando retomar a posição que exercia no período anterior aos choques do
petróleo, começou a aumentar consideravelmente sua produção de hidrocarbonetos (ver
gráfico II). Como resultado, a oferta de petróleo no mercado global cresceu
substancialmente. A situação se agrava ainda mais, a partir da Reunião de Ministros dos
países componentes da OPEP em dezembro de 1985, onde foi decidido abandonar o
8
A palavra Perestroika significa reconstrução. Esta foi uma política introduzida na URSS a partir do
XXVII Congresso do Partido Comunista Soviético (PCUS) instaurou um processo de abertura econômica
permitindo a liberalização do comércio exterior, os preços, a moeda, a eliminação dos limites de
fabricação de produtos, a redução de subsídios à economia e a autorização de importação de produtos
estrangeiros esta também previa a redução na quantidade de dinheiro investido no setor de defesa.
(SEGRILLO, 2015)
9
A glasnost (transparência) deu-se no âmbito político da URSS, procurando promover uma maior
liberdade de expressão da população bem como um maior grau da liberdade dentro dos meios de
comunicação. (SEGRILLO, 2015)
22
“princípio da quota” que estabelecia restrições para produção de petróleo aos países
membros da organização (YERGIN, 1991).
Conforme demonstra o gráfico II, podemos observar uma queda acentuada na produção
de petróleo soviético a partir de 1988 e paralelamente um aumento considerável na
produção de petróleo saudita a partir de 1989, ou seja, pode-se estabelecer em alguma
medida, uma relação causal que a progressiva produção de petróleo da Arábia Saudita
coincidiu com o período dramático que o bloco socialista viveu nos final dos anos 1980
o que culminar-se-ia no colapso da URSS em 1991.
Gráfico II - Produção bruta de petróleo de URSS e Arábia Saudita:
12000 Barris/dia 10000 8000 6000 URSS 4000 Arábia Saudita 2000 0 1985 1986 1987 1988 1989 1990 1991 Ano Fonte: BP Statistical Review of World Energy (Junho, 2014)
Com vistas a compensar as perdas no mercado global de hidrocarbonetos, os
demais países exportadores também aumentaram sua produção. Essas políticas
resultaram em disputas constantes para aumentar as suas participações nos mercados e,
consequentemente em uma queda contínua dos preços do petróleo no mercado
internacional (ver tabela 1.4) a partir do final do ano de 1985, quando o valor do barril
de petróleo estava sendo praticado em algumas regiões do Golfo Pérsico por cerca de
seis dólares (YERGIN, 1991).
Tabela 1.4 - Média anual dos preços do petróleo bruto (US$/Barril):
23
Ano
Preço médio do petróleo
bruto (US$/Barril)
1980
36,83
1981
35,93
1982
32,97
1983
29,55
1984
28,78
1985
27,56
1986
14,43
1987
18,44
1988
14,92
1989
18,23
Fonte: BP Statistical Review of World Energy (Junho, 2014)
Como se pode notar na tabela acima, observa-se uma queda acentuada dos preços
do petróleo a partir de 1985 reduzindo as expectativas do Kremlin em obter um
crescimento econômico acelerado no curto prazo, bem como diminuiu a produção
petrolífera do país reduzindo o abastecimento de energia para o mercado interno,
agravando ainda mais a situação de crise. Para ilustrar esta situação, segundo estudos da
CIA (Central Intelligence Agency) feitos na época, a redução de apenas um dólar nos
preços do petróleo trazia o prejuízo de cerca de 500 milhões a 1 bilhão de dólares para
economia soviética a cada ano. O preço do gás natural acompanha o preço do petróleo,
de modo que o lucro obtido com as vendas de gás natural para seus parceiros ocidentais
também diminuíram bilhões a partir de 1985. (SCHWEITZER, 1994 p. 138).
Além disso, as exportações de armas (componente crucial da balança comercial
soviética) reduziram-se consideravelmente a partir da segunda metade dos anos 1980.
Segundo a análise de Schweitzer (1994 p. 139) ao longo da era Brezhnev havia-se
aumentado cerca de cinco vezes as exportações de armas para os países do Oriente
Médio, após a redução significativa dos preços do petróleo a partir de 1986, as receitas
decorrentes do fornecimento de armas soviéticas diminuíram cerca de 20%. Com essas
sérias restrições orçamentárias, Moscou via-se perdendo influência em diversas partes
do mundo, inclusive nos países socialistas do Leste Europeu, o que resultaria, em
alguma medida, na queda do Muro de Berlim alguns anos depois.
24
Dessa forma, cumpre ressaltar que fazer um estudo detalhado da política
econômica da URSS na era da perestroika e da glasnost não é o foco de nossa pesquisa,
no entanto, deve-se sublinhar que as políticas adotadas por Gorbachev e o politburo10
soviético, em sua maior parte não contribuíram para melhorar a situação econômica da
URSS. A criação do setor privado e as reformas liberalizantes da legislação econômica
levaram a uma série de problemas internos, como evidenciado pela queda da produção
de aço, a queda da produção petrolífera, um decréscimo substancial das receitas
orçamentárias das principais empresas, bem como um aumento da dívida interna de
cerca de quatro vezes entre os anos de 1985-1990 atingido a cifra de 566,1 bilhões de
rublos (OSTROVSKY, 2011).
Os empréstimos externos não minimizaram os problemas econômicos, pelo
contrário, o galopante aumento da dívida externa fez com que os bancos ocidentais
fornecessem novas concessões financeiras para a União Soviética. A situação também
se agravava pelo acidente ocorrido na central nuclear de Chernobyl, também à época,
houve significativa escassez nas colheitas agrícolas, além da guerra em curso no
Afeganistão desde 1979. A soma desses fatores influenciou na conjuntura catastrófica
que o país vivenciava no final dos anos 1980.
Assim, a “inundação” de petróleo que o mercado internacional teve na segunda
metade dos anos 1980 proporcionada pelos países árabes, em especial pela Arábia
Saudita, não pode ser considerada a raiz do problema que levou ao colapso econômico
da União Soviética. No entanto, o declínio considerável nas receitas de venda de
petróleo e gás, juntamente com a política econômica interna equivocada adotada pelos
líderes soviéticos propiciou um crescimento do déficit orçamental e uma série de outros
problemas que eventualmente influenciaram à desestabilização econômica. Portanto, a
queda nos preços dos hidrocarbonetos no mercado internacional foi uma das
importantes conexões da cadeia de eventos que levaram ao colapso da União Soviética.
1.3 A era Yeltsin - Uma longa transição: entre o caos econômico e o novo sistema
político.
10
O Politburo era o comitê executivo e o mais alto órgão do Comitê Central do Partido Comunista da
União Soviética. O termo é uma abreviação Soviética de duas palavras (um método comumente usado na
"nova linguagem" implementada após a Revolução de 1917), que significa literalmente "Birô Político".
Durante 70 anos, foi um dos principais órgãos formuladores das políticas de governo para o Partido
Comunista e do Estado. (DMITRIEV, 2014).
25
A queda de Gorbachev e as lutas de Yeltsin e outros políticos desde a
independência demonstram as dificuldades que a Rússia enfrentou ao fazer a
sua transição - e mostram o quão difícil será para governar o país em meio a
convulsão. Esperança e desespero irão sem dúvida, conviver juntos. Esta
revolução ainda está em estágio inicial, as forças são tão numerosas e
complexas, as paixões tão amargas, que ninguém pode saber o que é claro na
nova Revolução Russa, em última análise - se vai ser contido por forças
moderadas ou, como aconteceu anteriormente, se irá se transformar
radicalmente e "devorar seus próprios filhos”. (YERGIN; GUSTAFSON;
1995, p. 22)11
O final do século XX é marcado nas relações internacionais (RI)
contemporâneas pelo desmantelamento do bloco soviético, para muitos especialistas
este foi um dos eventos mais impactantes nos últimos anos, segundo as palavras do
atual presidente russo Vladimir Putin "(...) a morte da URSS foi a maior catástrofe
geopolítica do século. No que se refere aos russos, ela se tornou uma verdadeira
tragédia"12. O que o presidente Putin estava querendo dizer com essas palavras se refere
ao período traumático que a Rússia viveu nos anos 1990 com ascensão de Boris Yeltsin
e o processo de liberalização da economia e da política.
O fim do antagonismo da Guerra Fria representava para a maioria da elite
política russa, um “oceano” de oportunidades para ambos os lados (ocidente e oriente),
já que havia um forte sentimento entre os mais otimistas na época, que todas as disputas
anteriores iriam ser substituídas por uma suposta cooperação, aceitação e integração
internacional.
O então presidente russo Boris Yeltsin assumiu o poder na Rússia com base na
proposta principal de integrar o Estado Russo no capitalismo global promovendo uma
associação com o ocidente, a fim de diluir os custos da transição de uma economia
planificada13 socialista, para uma economia de capitalista de mercado e assim afastar o
mais rápido possível o espectro socialista que ainda pairava sobre a sociedade russa.
11
Do original em inglês: “The fall of Gorbachev and the struggles of Yeltsin and the other politicians
since independence demonstrate the difficulties Russia faces in making its transition — and show how
hard it will be to govern the country through the upheaval. Hope and despair will, no doubt, alternate.
This revolution is still in such an early stage, the forces are so many and complex, and the passions so
bitter, that no one can know what course the new Russian revolution will ultimately take — whether it
will be contained by moderate forces or, as happened once before, it will turn radical and “devour its own
children.” Tradução nossa;
12
Discurso anual do presidente à Assembleia Federal da Federação Russa – 25 de abril de 2005,
disponível
em:
http://archive.kremlin.ru/eng/speeches/2005/04/25/2031_type70029type82912_87086.shtml Acesso em:
20/06/2015;
13
A economia planificada é um sistema econômico em que as decisões em matéria de produção e de
investimento estão incorporados a um plano formulado por uma autoridade central, geralmente por um
organismo público como uma agência do governo. O planejamento central tem como objetivo melhorar a
26
No tocante ao campo econômico, as medidas adotadas foram drásticas e
ultrarradicais, centradas no combate ao déficit público e da inflação, liberalização dos
preços, dos mecanismos de controle e na privatização, os quais resultaram em uma
abrupta diminuição das atividades não exportadoras (MEDEIROS, 2011). Esta rápida
desmontagem do sistema planificado, na ausência de instrumentos de mercado, levou ao
caos na economia e à crise transformacional profunda da década de 1990
(MIKHAILOVA, 2014 p. 02). Na esfera político-social observou-se a propagação de
ações terroristas no Cáucaso, em especial na Chechênia.
Esta ruptura brusca com o sistema socialista associado à falta de controle estatal
nos processos de privatização e a corrupção crescente, será uma das principais causas
dos problemas no período subsequente, em que se verifica a ascensão de uma elite
político-econômica que tomará as rédeas do país nos próximos anos:
A decisão de “abrir” a Rússia ao mundo, ao sistema capitalista internacional
e à ideologia liberal, terá repercussões na classe politica dominante, e ditará
posteriormente, pelos efeitos económicos catastróficos que provocou a curto
prazo, uma reorganização e reapreciação de toda a politica externa do país.
(LEITÃO, 2010 p. 23)
No início de 1992, havia cerca de 300 empresas estatais petrolíferas que geriam
as mais diversas áreas do setor energético russo, desde refino, exploração até produção
e distribuição. Ao final da mesma década, seis companhias privadas emergiram como as
principais do setor petrolífero: Lukoil, Yukos, Surgutneftegaz, Sibneft, TNK e Slavneft.
Tamanha centralização de um dos setores mais prósperos da economia russa, deu-se em
grande medida devido aos esquemas de privatização ocorridos ao longo dos anos 1990.
O processo de privatização foi dividido em duas fases. Na primeira fase (19921994), foram utilizados cupons, concedidos para toda a população, a ideia inicial era
distribuir os “patrimônios da URSS” para o povo russo, porém devido a delicada
situação econômica que a Rússia se encontrava, bem como aos anos de propaganda
anticapitalista que os russos vivenciaram durante toda a Guerra Fria, muitos deles
optaram por revender seus cupons, quem tinha mais capital acabou adquirindo estes
produtividade e a alocação de insumos econômicos. Assim os meios de produção são propriedade do
Estado e a atividade econômica é controlada por uma autoridade central que estabelece metas de
produção e distribui as matérias primas para as unidades de produção. Nesse sistema a escolha da
proporção entre quanto do PIB deve ser investido, e quanto deve ser consumido torna-se uma decisão
política centralizada (MYANT; DRAHOKOUPIL; 2010).
27
bens gerando uma forte concentração de riquezas a um pequeno grupo de investidores
ligados às empresas estatais (GOLDMAN, 2008 p. 58).
A segunda fase, deu-se a partir de 1995, em que as principais empresas do setor
energético se inseriram, e consistia na concessão de empréstimos ao governo em troca
de ações nestas grandes empresas, e se estabeleceu como um processo de barganha
política, em troca do apoio destes investidores à reeleição presidencial de Yeltsin em
1996 (POMERANZ, 2009). Para Goldman (2008 p. 63) este processo de empréstimos
por ações (loans for shares) foi considerado “[...] a maior e mais controversa
transferência de riqueza já vista na história [...]” 14 . A partir desse momento que
consolida-se a classe dos oligarcas ou “novos russos”, que irá exercer uma forte
influência na política interna e externa do país nos próximos anos.
No esquema de leilões de empréstimos por ações, o Estado, em novembro de
1995, já havia leiloado cerca de 5% de suas ações na Lukoil por um preço estimado em
US$ 35,010 milhões em empréstimos, no entanto, seu preço no mercado de ações russo,
era estimado em pelo menos US$ 180 milhões. Paralelamente, o valor estimado da
empresa aos investidores estrangeiros foi maior: em agosto de 1995, a Lukoil recebeu
cerca de US$ 250 milhões da companhia de petróleo americana ARCO como
pagamento de 5,6% de suas ações e em março de 1996, a Lukoil havia obtido um
adicional de US$ 90 milhões para 2,99% das ações da estatal. No caso da petroleira
russa SIDANKO (uma das mais importantes da Sibéria Ocidental), o ONEKSIM Bank
encabeçado por Vladimir Potanin (ex-funcionário do Ministério das Relações
Econômicas Externas da URSS) pagou cerca de US$ 130 milhões para gerir em torno
de 51% das ações do Estado. Dois anos mais tarde, a British Petroleum (BP) comprou
do ONEKSIM Bank 10% das ações da SIDANKO por pelo menos US$ 571 milhões
(SIM, 2008).
A queda acentuada dos preços do petróleo no mercado internacional (ver gráfico
III), bem como a maneira em que o Presidente Yeltsin e sua equipe conduziram o
processo de privatizações na Rússia pós Soviética, geraram um pequeno grupo de
russos que acumularam fortunas através da compra das principais estatais do setor
energético, neste esquema podemos citar Boris Berezovsky que se tornou majoritário
das ações da Sibneft, Mikhail Khodorkovsky que adquiriu a petrolífera Yukos e Mikhail
14
“[...] the biggest and most controversial transfer of wealth ever seen in history [...]”. Tradução nossa.
28
Fridman que em 1997 se tornou dono de 50% das ações da Tyumenskaya Neftyanaya
Kompaniya (TNK). (SCHUTTE, 2011 p. 92 e 93)
Conforme argumenta Stiglitz (2002) durante o período das privatizações o
governo russo estava praticamente doando seus ativos estatais rentáveis, e foi incapaz
de garantir o pagamento das pensões aos aposentados e/ou fornecer bem-estar para a
maioria de sua população. O Kremlin seguiu emprestando bilhões do Fundo Monetário
Internacional (FMI), à luz de uma lógica neoliberal no intuito de permitir o livre fluxo
de capitais.
Assim, a Rússia tornava-se cada vez mais endividada e dependente
externamente, ao passo que os oligarcas continuavam a receber benesses e concessões
do governo, e reinvestindo seus bilhões acumulados no exterior, ou seja, a política que
deveria tornar o país mais atrativo para os investidores estrangeiros, exerceu o
movimento oposto e propiciou uma onda de fuga de capitais para fora do país.
Dessa forma, a Rússia chega no final dos anos 1990 cheia de dívidas, e com as
mais altas taxas de juros desde a desmontagem da URSS. Esta estrutura equivocada de
planejamentos desabou principalmente após as recessões econômicas no sudeste
asiático e atingiu seu ápice quando os preços do petróleo começaram a cair a partir de
1998 (ver gráfico III). O desequilíbrio resultante entre a oferta e a procura de petróleo
no mercado internacional se converteu em uma queda dramática nos preços dos
hidrocarbonetos (para mais de 40% nos primeiros seis meses de 1998 em comparação
com os preços médios em 1997). Sendo o petróleo um dos principais produtos de
exportação e uma importante fonte de receitas fiscais do governo russo, a queda dos
preços teve um efeito devastador na economia russa. Com a significativa desvalorização
do rublo e a conjuntura econômica que a Rússia presenciava, havia-se sérias incertezas
quanto a rentabilidade da indústria petrolífera do país, nesta conjuntura a moratória da
dívida externa se tornava inevitável, desencadeando assim a crise financeira russa de
1998 (STIGLITZ, 2002, p. 145).
O processo de privatização da indústria petrolífera russa, durante a Era Yeltsin é
intrigante porque exerce o movimento oposto das tendências herdadas do período
tzarista e soviético, conforme vimos nas seções anteriores, os hidrocarbonetos sempre
exerceram um papel central na economia do país, portanto o esquema de concessões
para grupos privados em alguma medida influenciou diretamente no pensamento
político e no sentimento nacional dos russos de uma maneira negativa, já que gerou uma
desordem social, econômica e política, culminando na crise financeira de 1998, e na
29
“terapia de choque” 15 exercida pelos tomadores de decisão que encabeçavam as
políticas econômicas da Rússia, bem como o fracasso em obter resultados positivos para
a economia do país deixaram marcas profundas na população russa.
Gráfico III - Média anual do preço bruto do petróleo (US$/Barril):
25,00 20,00 15,00 10,00 5,00 0,00 1991 1992 1993 1994 1995 1996 1997 1998 1999 BP Statistical Review of World Energy (Junho, 2014)
Conforme vimos no permear deste capítulo, a questão dos hidrocarbonetos e da
segurança energética constantemente estiveram presentes nas formulações das políticas
empreendidas pelo Kremlin, visto que o petróleo e gás foram sempre elementos cruciais
na econômica russo-soviética. Durante o período de Brezhnev observamos um maior
envolvimento da URSS com a exportação de hidrocarbonetos para os países ocidentais
e um considerável aumento dos preços do petróleo no mercado internacional, fatores
15
Quando Yegor Gaidar, o novo primeiro ministro, foi encarregado pelo presidente Yeltsin da elaboração
de um plano de transição para a Rússia, ele chamou vários economistas ocidentais ortodoxos. Eles
preconizaram a aplicação do programa experimentado na Polônia, com algumas mudanças devidas à
peculiaridade da situação russa. Essa estratégia ganhou o nome de “Terapia de Choque,” seu objetivo
principal era propiciar uma transição acelerada para a economia de mercado, acompanhada de uma
estabilização macroeconômica rápida. Tal política baseava-se primordialmente em quatro pilares: o
primeiro pilar era a liberalização dos preços, que devia acabar com as penúrias e alinhar os preços
relativos internos com os preços internacionais. O segundo pilar era a abertura para a economia mundial,
tirando os obstáculos administrativos e tarifários que existiam do tempo da URSS, O terceiro pilar era
uma política de restrições financeiras duras (“hard budget constraint”), O último pilar era a privatização
das empresas estatais com o intuito de aumentar sua competitividade, introduzindo a noção de
competição. Temendo que a população russa pudesse não apoiar as reformas por muito tempo, Gaidar e
seus especialistas decidiram, então, realizar um conjunto de mudanças consideráveis no mínimo de tempo
possível (MAZAT, 2007 p. 61 e 63)
30
que ajudaram a camuflar as falhas estruturais do regime socialista, dando um novo
impulso a economia soviética.
No decorrer do governo de Mikhail Gorbachev, nota-se um impulso por
reformas no sistema, tais políticas previam uma rápida abertura econômica e política da
URSS. No contexto global do setor petrolífero observa-se uma exponencial inserção de
petróleo árabe e demais países exportadores no mercado internacional e paralelamente
uma queda acentuada nos preços das commodities, prejudicando a economia soviética e
a possibilidade de adquirir um crescimento acelerado obtido das vendas de
hidrocarbonetos bem como reformar o setor energético soviético com vistas a torna-lo
mais competitivo. Dessa forma, podemos dizer que o desmantelamento da União
Soviética em 1991 coincidiu com o colapso do setor petrolífero da Rússia.
Com o fim da Guerra-Fria e a chegada de Boris Yeltsin no poder, desenha-se um
conjunto de medidas econômicas que primordialmente visavam desvincular o Estado
Russo de seu passado socialista e inseri-lo no sistema capitalista de uma maneira rápida
e abrupta, conforme observamos durante esta seção, tais medidas geraram instabilidade
no país bem como a transmissão de quase todo aparato energético russo a uma pequena
classe de especuladores (“novos russos”) que adquiriram cada vez mais influência nos
ditames da política interna e externa do país durante os anos 1990.
Estes fatores influenciaram na renúncia do presidente Yeltsin, ocorrida no dia 31
de dezembro de 1999, e em seu lugar assumiu Vladimir Putin, que no ano seguinte
elegeu-se presidente da Federação Russa. A estratégia de Putin para reestabelecer o
controle estatal sobre as diretrizes da política interna e externa, fora minada por um
pequeno grupo de oligarcas que detinham o poder econômico do pais. Por conta disso,
sua estratégia baseou-se justamente na adoção de políticas que visavam a centralização
do setor energético, como será visto no capítulo seguinte.
2.0 AS “CAMPEÃS NACIONAIS” DO SETOR ENERGÉTICO DA
RÚSSIA (1999-2012)
A partir do ano de 2003 a Rússia assumiu a liderança mundial na produção de
gás natural, e continua a ser responsável até os dias de hoje, por mais de 50% da
produção do setor na Eurásia. Em 2009, pela primeira vez desde o fim da União
31
Soviética, a Rússia assumiu o primeiro lugar na produção de petróleo, representando
cerca 12,5% do total produzido no mundo (BP Statistical Review of World Energy,
2014).
Entender a maneira em que a Rússia superou uma profunda crise no período pós
soviético e a partir da entrada de Vladimir Putin no final de 1999 começou a registrar
altos índices de crescimento econômico será um dos principais objetivos desta seção.
Desta maneira, dividimos o capítulo em quatro partes principais.
O primeiro ponto se debruça sobre a estratégia empreendida por Vladimir Putin
com vista à (re)centralização do setor energético russo para as mãos do Estado,
interpretar essas políticas são cruciais para entender a segunda seção de nossa pesquisa,
que objetiva trazer um panorama mais detalhado sobre o contexto internacional do setor
de hidrocarbonetos e como este influenciou na retomada do crescimento econômico
russo.
A terceira seção deste capítulo, aborda a transição do governo de Vladimir Putin
para Dimitri Medvedev, bem como os desdobramentos internos da crise financeira de
2008 e as consequências desta para a economia russa, na quarta e última seção deste
capítulo, procura-se através da análise de documentos oficiais do governo russo, trazer
as principais tendências internas e externas do setor de hidrocarbonetos e como se
direciona a política energética russa até 2030.
2.1 A estratégia de reestatização das empresas do setor energético russo durante o
governo Putin:
A queda de Boris Yeltsin no final dos anos 1990 possibilitou a inserção de uma
“nova-velha elite” no comando do Kremlin. O resultado das eleições de 24 de março de
2000, apontaram Vladimir Putin como vencedor no primeiro turno, somando mais 53%
dos votos. Nessa nova fase política que emergia no inicio dos anos 2000, o problema
não se limitava a mudança de um presidente para outro, e sim na construção de novas
prioridades para o Estado russo.
Dessa maneira, os dias caóticos e de capitalismo desenfreado durante a
presidência de Yeltsin na década de 1990, deram lugar a políticas mais rigorosas sob o
32
comando de Putin a partir de 2000. A promessa inicial de Putin era trazer estabilidade
econômica para o país, embora continuasse o padrão de economia de mercado
estabelecido por Yeltsin. Apesar do modelo econômico continuar a ser perpetuado pela
nova presidência, Vladimir Putin fixou seus objetivos em consolidar seu poder e
legitimar suas decisões. Desse modo, no início de seu governo, o presidente russo,
procurou “cortar pela raiz” possíveis clamores por novas reformas liberalizantes, e
direcionou medidas mais assertivas no âmbito político-social impondo maiores
restrições à liberdade de imprensa, bem como limitou a crescente influência dos órgãos
de segurança. O objetivo primordial desta política não tinha a pretensão de extinguir a
iniciativa privada na economia russa, mas reestabelecer o controle estatal nos setores
estratégicos (SCHUTTE, 2010).
Conforme vimos no capítulo anterior, os hidrocarbonetos sempre tiveram um
papel importante na economia russa, porém foi a partir da ascensão de Vladimir Putin
no inicio dos anos 2000, que o setor passou a ser visto como fator estratégico para a
Rússia atingir seus objetivos na arena internacional e principalmente reestruturar o país
após as sucessivas crises nas décadas passadas. Dessa maneira, a recuperação do seu
status de grande potência desfrutado em outro momento, deveria passar por uma nova
estratégia política e econômica, esta assentaria sobretudo na exploração do setor
energético russo. Ou seja, dado o declínio nas capacidades político-militares da Rússia e
a considerável diminuição de sua influência na política internacional os instrumentos
econômicos são uma maneira da Rússia se projetar como uma grande potência
novamente (LO, 2003).
Nesse contexto, Putin lança sua tese de doutorado na qual disserta sobre a
necessidade do governo russo reestabelecer o controle dos recursos naturais do país, “o
processo de reestruturação da economia nacional, precisa haver o objetivo principal de
criar empresas mais competitivas e eficazes no mercado doméstico e global.” “(...) as
“campeãs nacionais” colocariam a promoção do interesse do estado acima da
maximização do lucro” (PUTIN apud GOLDMAN, p. 97). Ou seja, a visão de Putin
demonstrava que ao invés das corporações do setor energético serem controladas por
um grupo de oligarcas interessados em seu lucro particular, elas deveriam ser usadas
para atender os interesses nacionais da Rússia. Assim, as “campeãs nacionais” deveriam
ser integradas em conglomerados industriais com capacidade de competir de maneira
equânime com as grandes multinacionais ocidentais, como Exxon-Mobil e Shell.
(GOLDMAN, 2008).
33
Dessa maneira, o papel da Gazprom, uma das principais empresas do setor
energético russo, era extremamente relevante e estratégico para por os planos de Putin
em prática, Schutte (2010 p. 21) descreve o processo de reestatização da mesma, do
seguinte modo:
No final dos anos 1990, embora o governo fosse o maior acionista, quase
62% das ações da empresa estavam em mãos privadas. Em junho de 2000,
Putin ganhou a presidência e queria garantir o controle majoritário por parte
do Estado. Um dos primeiros passos foi mudar o comando, trocando Viktor
Chernomyrdin16. Um ano depois, indicou Dimitri Medvedev para presidentediretor com outros tecnoburocratas de São Petersburgo no intuito de
moralizar a gestão da empresa. Ao mesmo tempo, começou um movimento
para aumentar o controle acionário. Para isso, a estatal Rosneft comprou mais
10,74% das ações. Com outras articulações, o Estado aumentou sua
participação para pouco mais de 50% das ações.
O processo para retomar o controle da Gazprom foi relativamente simples em
relação os demais, pois a empresa não participou da fase de “empréstimos por ações”
(loan-for-shares, ver capítulo I) no período Yeltsin. As principais razões da Gazprom
não ter participado nesse estágio das privatizações foram as seguintes: Chernomyrdin e
a companhia não queriam perder o controle sobre o setor de gás ou incitar uma nova
competição interna que poderia enfraquecer o controle estatal. Em segundo lugar, os
preços do gás no mercado interno eram baixos e o setor era considerado muito
importante para a economia para introduzir novas dinâmicas do mercado. Mesmo após
as crises 1998, quando o governo russo foi à procura de mais dinheiro, o presidente
Yeltsin aprovou a venda de apenas 2,5% das ações da companhia por cerca de US$ 660
milhões para a empresa alemã Ruhrgas (VICTOR, 2008).
Com uma importante empresa nas mãos do Estado, Vladimir Putin adquiriu
força para implementar novas ações que visavam pressionar as empresas que estavam
em mãos privadas, a se moldarem as novas regras do jogo, nessa perspectiva o objetivo
era efetivar uma reorganização no setor energético russo. De acordo com Considine e
Kerr (2002), as principais medidas foram as seguintes:
1. Aumento do controle estatal sobre as atividades de exportação/importação e
transferências de moeda. As novas iniciativas foram introduzidas para resolver o
16
Viktor Chernomyrdin foi primeiro-ministro russo entre 1992 e 1998, o segundo homem mais influente
dentro do círculo de Boris Yeltsin, além de ser um dos membros fundadores da companhia Gazprom.
34
problema da fuga de capitais, e torna-se obrigatório o registro estadual de todas
as transações de importações e exportações envolvendo bens e serviços
adquiridos por residentes russos.
2. Aumento do número de iniciativas destinadas a estimular o investimento
estrangeiro na Federação Russa. O projeto de lei e as propostas incluem um
decreto aumentando os descontos de despesas para firmas estrangeiros que
queriam se estabelecer na Rússia, bem como a criação de um comitê federal para
apurar as questões relacionadas as disputas tributárias com entidades
estrangeiras.
3. Aumento sobre o imposto de exportação. Em dezembro de 1999, Putin assinou
uma resolução "temporária" para elevar o imposto de exportação de petróleo
para 15 euros por tonelada (cerca de US$ 2,00 por barril).
4. As empresas petrolíferas russas serão obrigadas a pagar todos os seus débitos
tributários federais até 1 de Fevereiro de 2000. A penalidade caso não haja o
cumprimento do pagamento da dívida previa uma redução compulsória de 20%
nas exportações de petróleo desta empresa.
Além disso, desde o início de seu governo, Putin advogou que as concessões
quanto à exploração do petróleo e do gás natural russo seriam prioritariamente
fornecidas às empresas estatais. As companhias privadas e estrangeiras que pretendiam
manter atividades de exploração na Rússia deveriam seguir as recomendações do
Kremlin, sob pena de retaliações e limitações diversas (ADAM, 2008, p. 194).
Desse modo, várias empresas russas privadas ou estrangeiras que se
estabeleceram na Rússia durante a era Yeltsin foram paulatinamente sendo afastadas,
um exemplo emblemático do que Leitão (2010) chama de “nacionalismo energético” foi
o caso da TNK-BP17 no campo de gás de Kovykta. Através de meios legais, a empresa
tinha a obrigação de produzir uma quantidade muito superior a qual seria possível
realizar (devido sobretudo ao sub-investimento que o mesmo sofria) e como a referida
empresa não conseguiu cumprir tais metas, ela se viu obrigada a vender parte de suas
ações ao Estado. No dia 22 de Junho de 2007, a Gazprom adquiriu por cerca de US$
800 milhões, 62,89% das ações da filial da TNK-BP, a Rusia Petroleum, responsável
pela exploração do referido campo (LEITÃO, 2010 p. 28).
17
Tyumenskaya Neftyanaya Kompaniya (TNK) foi uma grande empresa de petróleo russo verticalmente
integrada a sede em Moscou. Foi a terceira maior produtora de petróleo da Rússia, e estava entre as dez
maiores petroleiras privadas do mundo. Em 2013 foi adquirida pela companhia petrolífera russa Rosneft.
35
Algo semelhante ocorreu com o contrato para a exploração do campo de
Sakhalin 2, este explorado por um consórcio liderado por uma subsidiária, a Sakhalin
Energy Investment Company Ltd., cujo principal acionista era a empresa angloholandesa Shell. Através da imposição de diversas normas ambientais, a pressão sobre a
companhia tornou-se tamanha que a mesma não teve condições de se adequar. A
Gazprom acabaria por adquirir, pelo preço de 7,45 bilhões de dólares a maioria das
ações da empresa, tornando-se a acionista majoritária, e relegando para segundo plano
os demais investidores (ibidem).
Com base nisso, Putin dava os primeiros passos para reorganizar o aparato
estatal e criava subsídios para centralizar o setor de hidrocarbonetos no Estado. Dessa
maneira, o presidente russo procurou estabelecer um acordo com os oligarcas visando
separá-los da esfera política, em troca o Estado respeitaria a ordem econômica
estabelecida, evitando rever os planos de privatização passados, garantindo os
privilégios adquiridos durante a era Yeltsin (GOLDMAN, 2008).
No dia 28 de junho de 2000, o presidente Putin convocou cerca de 21 dos
principais “novos oligarcas” para uma reunião no Kremlin, conforme pondera Goldman
(2008, p. 103) a “maioria deles concordou em se manter fora dos assuntos políticos do
país, todavia Boris Berezovsky e Mikhail Khodorkovsky não respeitaram as
condicionantes do presidente russo”.
Munido de seu poder econômico e controle da mídia, Khodorkovsky declarou
abertamente suas ambições políticas de concorrer para a presidência da Federação
Russa nas próximas eleições e anunciou-se como opositor político do presidente russo,
associou-se à oposição acusando o presidente de corrupção e de defender causas de
interesse próprio (LEITAO, 2010, p. 27).
Além de sua influência interna, Khodorkovsky exercia forte ingerência nos
negócios externos da Federação Russa, segundo Goldman (2008, p. 111) a Yukos havia
se comprometido com a China em fornecer anualmente 20 milhões de toneladas de
petróleo até 2005, e mais US$ 30 milhões de toneladas de petróleo por ano até 2010.
Porém estima-se que este contrato estabeleceria o fornecimento de hidrocarbonetos à
China, por no mínimo 20 anos.
Com tamanha preponderância no cenário interno e externo da Rússia,
Khodorkovsky se tornava o principal empecilho para os planos de Vladimir Putin.
36
Dessa forma, as primeiras ações do presidente russo contra a Yukos deram-se em 2003,
quando o chefe de segurança da companhia foi preso, quatro meses depois,
Khodorkovsky (o acionista majoritário e proprietário da empresa) foi preso, sob
acusação de inúmeros delitos, como: evasão fiscal, roubo, fraude, corrupção e extorsão.
Inicialmente sentenciado a oito anos de prisão na Sibéria, no ano de 2007 houve novas
acusações, aumentando ainda mais seu tempo de reclusão. Além de Khodorkovsky,
mais de 20 pessoas ligadas a empresa foram detidas entre 2003 e 2005. “Para poder
pagar os impostos atrasados, a empresa foi obrigada a vender, em dezembro de 2004,
seu ativo mais importante, a Yuganskneftegaz, que acabou sendo comprada pela estatal
Rosneft. Outros ativos também ficaram com a Rosneft e a Gazprom” (SCHUTTE, 2011
p. 22-23).
Putin usou o caso Yukos como uma estratégia de campanha eleitoral para
angariar apoio ao seu partido, o Rússia Unida, e fazer a opinião pública não dar
credibilidade aos partidos de oposição. Neste contexto, a revista russa “Yezhenedel’nyy
zhurnal”(“Revista Semanal”, tradução nossa) opinou que "cada campanha presidencial
na Rússia exigia um inimigo público, e nas próximas campanhas não haverá exceção.
Em 1996, lutava-se contra os comunistas, em 1999, os inimigos eram os terroristas
chechenos. Na campanha presidencial de 2004, a batalha será contra os oligarcas.”
(ZAVADSKIY, 2003).
Além disso, segundo Goldman (2008), dentro da sociedade russa havia uma
insatisfação generalizada a despeito dos desdobramentos nos processos de privatização.
De acordo com uma pesquisa de opinião divulgada na época, cerca de 77% dos
entrevistados defendiam uma revisão parcial ou total destes processos. Isto em grande
medida, explica o apoio que Vladimir Putin recebeu nas eleições de 2004. Sobre isso,
Sarah Dixon (2008) afirma que:
Há o sentimento de que a maioria da população russa foi roubada, embora,
Ivan Ivanovich Ivanov [o homem comum] não seja diferente em tudo de
Berezovsky [um oligarca]. A diferença é que Berezovsky tornou-se um
bilionário, e Ivan permaneceu pobre, embora ele fosse o chefe de um
laboratório, da mesma forma que Berezovsky era de um Instituto. (DIXON,
2008, p. 15, tradução nossa).18
18
Do original em inglês: There is the feeling that the majority of the population in Russia has been robbed,
although, of course, Ivan Ivanovich Ivanov [the man on the street] is no different at all from Berezovsky
[an oligarch]. Just that Berezovsky made himself a billionaire, and Ivan remained poverty-stricken,
37
O próximo alvo de Putin foi Boris Berezovsky, proprietário da empresa Sibneft.
Seu parceiro de negócios Nikolai Gluchkov já havia sido preso e Berezovsky havia sido
acusado de cumplicidade em fraude fiscal de aproximadamente dois bilhões de dólares
em empresas na região russa de Samara, entre 1994 e 1995, e de lavagem de dinheiro.
devido a “caça as bruxas” empreendida por Putin, Berezovsky fugiu para a França e,
posteriormente, alegando sofrer perseguição política de Vladimir Putin, obteve asilo no
Reino Unido, protegendo-se da extradição. (GOLDMAN, 2008)
A Sibneft ficou sob o comando de Roman Abramovich, que parece ter entendido
as novas regras do jogo e cooperou para que a Gazprom tomasse o controle da empresa,
em mais um passo para transformar a Gazprom em campeã nacional. Nesse caso, o
processo de estatização foi mais fácil, porque Boris Berezovsky ao passar seus ativos
para Abramovich, deixou este com a opção de repassá-los ao Estado. Abramovich então
optou por evitar animosidades com o governo e vendeu 72% da Sibneft para a Gazprom
por cerca de US$ 13 bilhões, o que significou a entrada da empresa compradora no setor
petrolífero. A Sibneft foi renomeada de Gazpromneft. Essa transação auxiliou não
somente Putin, mas também beneficiou Abramovich que atualmente figura no ranking
das pessoas mais ricas do planeta. Anos depois, ele também se mudou para Londres e se
tornou o homem mais rico da Inglaterra, comprando o time de futebol inglês Chelsea
por aproximadamente US$ 250 milhões (SCHUTTE, 2011, p. 23).
Putin se apropriou das origens questionáveis da riqueza dos principais
empresários russos para tornar este um dos principais temas de sua campanha, criando
assim mecanismo para rever a política de privatizações do passado, em particular das
companhias petrolíferas. Dessa maneira, Putin consolidou seu poder por meio de um
grande negócio e atingiu seu plano de criar gigantes de energia controladas pelo estado.
Além disso, com o partido Rússia Unida no controle de mais de dois terços dos assentos
da Duma (Legislativo Federal), Putin foi capaz de usar o legislativo para legitimar estas
ações políticas.
Observa-se assim, durante os primeiros mandatos de Putin, uma reorganização
da economia russa, estruturada na exportação de recursos energéticos e estrategicamente
although he was the head of a laboratory, just the same as Berezovsky was, in an Institute.
38
orientada para o desenvolvimento econômico, crescimento e estabilização política do
país. Dessa maneira, o Kremlin pode condensar suas potencialidades no setor e a
infraestrutura de gasodutos e oleodutos herdada do período soviético, porém sob as
novas perspectivas das econômicas mundiais – baseadas especialmente no aumento do
consumo dos hidrocarbonetos. Nesta conjuntura, a alta dos preços internacionais do gás
e do petróleo a partir dos anos 2000 e o subsequente aumento das suas exportações
exerceram uma forte influência na retomada do crescimento econômico do país
(ADAM, 2008).
O caso emblemático da Yukos e da estatização das demais empresas russas, nos
permite considera-los um divisor de águas na política interna e externa do Kremlin. A
consolidação do projeto de Putin através da luta contra os "oligarcas mais poderosos” e
a competição pelo controle dos hidrocarbonetos apresentou anacronias no sistema
político da Rússia. Ou seja, um novo modelo de economia política surgiu, nas quais as
reivindicações políticas do Estado passam a ser prioritárias, ou seja, apesar da economia
de mercado estar instaurada na Rússia pós soviética, as demandas da elite capitalista
podem estar sujeitas a condicionantes do Estado (SAKWA, 2008).
2.2 Uma recuperação rápida: a bonança de petróleo e a nova fase da economia
russa.
No final dos anos 1990 e inicio dos anos 2000, observou-se um aumento
exponencial dos preços das commodities no mercado internacional, em grande medida
influenciado pelo crescimento da demanda de hidrocarbonetos na Índia e na China, esta
variante associada ao posterior incremento das exportações russas impactou diretamente
na economia russa, que durante os primeiros anos do século XXI registrou altos índices
de crescimento econômico.
Para exemplificar esta situação, o autor Oliker et al. (2009) pondera que os
rendimentos adquiridos através das exportações de petróleo e gás passaram de US $ 28
bilhões em 1998 (período da desvalorização do rublo), para US$ 217 bilhões em 2007.
Além disso, observou-se um singular aumento da participação dos hidrocarbonetos nas
exportações, que passou de 37% em 1998 para 61% em 2007, chegando ao ápice de
63% no ano de 2006 (ver gráfico IV). Este crescimento foi em grande parte
39
impulsionado pelo rápido aumento na produção de petróleo bruto, em especial durante a
primeira metade da década.
Conforme demonstra o gráfico IV, o fato de que o consumo doméstico de
hidrocarbonetos permanecer praticamente inalterado durante os anos 2000, auxiliou a
Rússia a aumentar a quantidade disponível de recursos energéticos para a exportação.
Observa-se ainda um crescimento considerável de produtos refinados, que praticamente
dobrou nos anos analisados. Esta rápida recuperação do setor petrolífero russo fez com
que em 2007 o país voltou a se tornar um dos principais produtores de petróleo no
mundo.
Gráfico IV - Principais Tendências no Setor de Petróleo da Rússia entre os anos de
2000 à 2009 (milhões de toneladas):
600 500 400 300 2000 2009 200 100 0 Produção Bruta de Exportações Brutas Exportações de Consumo Interno Petróleo Produtos ReFinados FONTE: Federal State Statistics Service - ROSSTAT (2010);
Segundo Adam (2008), o aumento dos preços dos recursos energéticos (ver
gráfico V) foi crucial para a Rússia encontrar um meio de se inserir na economia
internacional, e se recuperar da crise que passara nos anos 1990. O autor ainda destaca o
papel da situação global do setor energético, que em alguma medida pode ter favorecido
a Federação Russa a sair mais rápido do cenário de recessão econômica:
40
A conjuntura se tornou ainda mais favorável para Moscou diante das
sucessivas crises no Oriente Médio, o que transformou em verdadeiras
incógnitas as possibilidades de alguns dos países da região de continuarem
sendo fornecedores confiáveis de tais produtos. Ademais, a crescente
demanda por energia da União Europeia, bem como o acelerado
desenvolvimento econômico da China e, em menor escala, da Índia
configuram perspectivas reais de aumento do poderio econômico russo. Na
visão do Kremlin, correta, aliás, a ascendência econômica russa no cenário
internacional lhe permite angariar respeito e pleitear aceitação em
organizações multilaterais como a Organização Mundial do Comércio.
(ADAM, 2008, p. 153)
Na virada do século, a Rússia se tornou o maior exportador mundial de gás e
segundo maior exportador de petróleo no mundo, devido a isso passou a ser vista com
outros olhos pelas demais potências, enquanto na época de Yeltsin a preocupação
principal era que a Rússia se tornasse um país instável detentor de ogivas nucleares e
com um poderio militar considerável – sob Putin, Moscou adquiriu maior importância,
pois se colocou como um fornecedor de energia mais confiável que a instável região do
Oriente Médio (LO, 2003 p. 66).
Gráfico V - Média anual dos preços do petróleo bruto (US$/Barril):
2013 2012 2011 2010 2009 2008 2007 2006 2005 2004 2003 2002 2001 2000 US$ 1999 120,00 100,00 80,00 60,00 40,00 20,00 0,00 Fonte: BP Statistical Review of World Energy (Junho, 2014)
Apesar de haver um amplo debate interno sobre a modernização da economia
russa, demonstrado pelo aumento dos investimentos em inovação e tecnologia, de fato,
o papel do setor de petróleo e gás continua a ser predominante. No entanto, Oliker et al.
(2009) argumenta que os hidrocarbonetos não podem ser encarados como o principal
41
motor do crescimento econômico russo, já que a grande maioria destes recursos foi
colocada em um fundo de estabilização econômica (que possui o objetivo principal de
ser utilizado, caso haja um declínio massivo dos preços do barril de petróleo).
Conforme demonstra o gráfico VI, existem outros setores da economia que não
correspondem ao domínio das commodities, tais como indústria química, construção
civil, e comércio, portanto, devemos reconhecer que houve outros fatores (internos e
externos) que auxiliaram no processo de reestruturação econômica. Através do gráfico
abaixo podemos observar que a partir do governo de Vladimir Putin houve um
progressivo avanço do setor energético na balança de exportações do país, nota-se ainda
que a partir do segundo mandato do presidente russo em 2004, a participação do setor
de hidrocarbonetos cresce ainda mais, pois foi a partir do segundo mandato de Putin que
houve a consolidação das principais “campeãs nacionais”.
No entanto, não podemos diminuir a importância do papel dos hidrocarbonetos
na economia russa, pois apesar de uma parcela dos lucros obtidos da venda destes terem
sido colocados em um fundo nacional, uma parte significativa foi aplicada na economia,
bem como auxiliou a Rússia a superar a crise financeira internacional de 2008 de uma
maneira mais branda (SCHUTTE, 2010).
Gráfico VI - Participação da exportação dos recursos energéticos russos no total das
suas Exportações:
Fonte: OLIKER et al., 2009, p. 48 apud Banco Central Russo.
42
Além disso, o aquecimento da economia russa durante os anos 2000
incrementaram as reservas cambiais russas, que alcançaram o valor de US$ 168,4
bilhões em novembro de 2005 (QUINTELLA, 2005) e no final de 2007, a Rússia já
havia se tornado o terceiro maior detentor de reservas internacionais do mundo, com
mais de US$ 420 bilhões, apenas atrás de China e Japão (GOLDMAN, 2008). Outro
ponto importante dado a esta recuperação econômica, foi que o governo russo também
pagou rapidamente suas dívidas e empréstimos externos, em 2006 eles somavam cerca
de US$ 73 bilhões, enquanto que no auge da crise de 1998 a dívida externa tinha
ultrapassado a marca de US$ 150 bilhões (ibidem). Estes fatores podem, em alguma
medida, elucidar o recrudescimento de um país mais forte e estável a longo prazo.
No contexto internacional observa-se um robusto crescimento na Ásia,
principalmente China e Índia, que entraram no século XXI como fortes mercados
emergentes na economia mundial, estes necessitavam uma demanda cada vez maior de
energia, de acordo com Goldman (2008) entre 2001 e 2005, a China foi responsável por
cerca de 30% a 40% do consumo mundial de petróleo. Este cenário foi favorável para a
inserção russa nestes países. Além disso, havia desde a Era Yeltsin um forte movimento
para a Rússia estreitar laços econômicos e militares com estes países.
Visão esta, herdada do Ministro das Relações Exteriores da Federação Russa, na
época de Yeltsin, Yevgeny Primakov, este, procurou institucionalizar uma parceria da
Rússia e as potências que poderiam no futuro rivalizar com os Estados Unidos e a
condição unipolar do sistema. O que foi chamado por ele de “triângulo estratégico”
agrupamento entre China, Índia, Rússia (KUCHINS, 2002).
Apesar de se observar uma substancial aproximação entre Rússia e os dois
gigantes asiáticos, Moscou também procurou diversificar seus parceiros comerciais,
estabelecendo parcerias na América Latina, África, Oriente Médio, além de fortalecer
os laços econômicos com a União Europeia. Segundo a visão de Adam (2008 p. 114),
“a Rússia deixaria de ser um país voltado exclusivamente ao Ocidente ou ao Oriente
para se transformar em um parceiro de todos que assim o desejassem.” Ainda sugere
que Putin e Sergey Lavrov (atual ministro das Relações Exteriores) adotam a visão
Primakoviana, mas com uma nova roupagem - sem abandonar o pragmatismo, dando
ênfase ao setor “real” da economia (isto é, o setor produtivo), em detrimento das
atividades especulativas (SEGRILLO, 2015).
O resultado do jogo geopolítico empreendido por Putin em seus primeiros
43
mandatos, foi um ressurgimento gradual da Rússia como grande potência, desta vez
sobre uma base muito mais sólida do que anteriormente. Muda-se a também a
percepção russa perante a ordem mundial, que passa a se orientar segundo uma visão de
um mundo multipolar e anárquico. Lo (2003 p. 67) destaca que a chamada
“geoeconomia” tornou-se para Moscou a geopolítica do novo milênio, dando um novo
impulso na maneira em que a Rússia percebe seu espaço estratégico, o equilíbrio de
poder, e suas esferas de influência.
2.3 A diarquia Medvedev-Putin e a crise financeira internacional de 2008:
Ao final de seu segundo mandado como presidente, Vladimir Putin contava com
uma aprovação de mais de 85% dos russos19, porém a constituição russa não permitia
um terceiro mandado para a presidência, dessa maneira ele indicou um sucessor para
ocupar seu cargo: o advogado e presidente da Gazprom Dimitri Anatolyevich
Medvedev. A questão que intrigava a maioria dos analistas políticos era de que maneira
Putin poderia continuar exercendo sua influência política e dar continuidade ao seu
projeto econômico para Rússia? (SEGRILLO, 2015).
A solução encontrada foi mais simples do que se pensava, pois a Constituição
russa de 199320, estabelece um sistema semipresidencialista, ou seja, o Presidente da
Federação Russa usufrui do poder primário no sistema político russo. De acordo com o
artigo 80 da mesma, o Presidente é o chefe-de-estado, e eleito para um mandato de seis
anos21, representante do país nas relações internacionais e Comandante Supremo das
Forças Armadas da Federação Russa.
Já o primeiro-ministro responde pelas suas ações ao parlamento, num regime
parlamentarista, ou ao Chefe de Estado, o primeiro-ministro é indicado pelo partido
detentor da maioria no parlamento e tende a continuar no poder enquanto sua base
parlamentar preservar-se majoritária. Como em 2008 o partido Rússia Unida (o de
19
Levada Center, disponível em: http://www.levada.ru/eng/indexes-0 acesso em: 25/09/2015;
Constituição Federal Russa (Konstitutsiya Rossiyskoy Federatsii) disponível em:
http://www.constitution.ru/ acesso em: 26/09/2015;
21
Originalmente a constituição russa previa um mandato de quatro anos, após o fim do mandado de
Vladimir Putin o Kremlin propôs algumas modificações na constituição federal. Estas propostas foram
enviadas ao parlamento russo em novembro de 2008, entraram em vigor dia 31 de Dezembro de 2008 e
tornaram-se as primeiras alterações substanciais à Constituição da Rússia de 1993 estendendo o mandato
do Presidente da Rússia e da Duma de quatro para seis e cinco anos, respectivamente;
20
44
Vladimir Putin) contava com mais de 64,1% das cadeiras do parlamento22 o presidente
Medvedev assim que eleito, indicou Putin para o cargo de primeiro-ministro. Dessa
maneira, o ex-presidente pode perpetuar-se no poder e continuar exercendo ingerência
nos assuntos internos e externos da Federação Russa.
Logo que eleito presidente da Rússia, Dimitri Medvedev escolheu a China e os
países da Ásia Central para fazer suas primeiras visitas oficiais. A escolha desses países
não foi mera coincidência, pois a China e a região da Ásia-Pacífico eram vistas como
uma importante porta de entrada da Rússia para a economia global além de serem
consideradas internamente um exemplo de sucesso de modernização. Devida a sua
imensas reservas de hidrocarbonetos, Moscou colocou-se como uma agente para
satisfazer as demandas crescentes de energia dessa região e consequentemente usar isto
como um instrumento para a modernização de sua própria economia e desvincular-se da
dependência da UE (TSYGANKOV, 2010).
No início do governo de Medvedev, a Rússia já apresentava um fluxo estável de
investimentos na economia, e havia recuperado consideravelmente seu prestígio
internacional, estas variáveis possibilitaram um postura menos subserviente de sua
política externa (ibidem). Porém, foi a partir da eclosão da crise financeira internacional
de 2008 que a economia russa revelou sua vulnerabilidade. De acordo com o gráfico
VII, a economia russa de 2008 para 2009 decresceu cerca de 7,82%, este fator esta
intimamente ligado com a queda do preços do petróleo no mercado mundial (ver gráfico
V), que durante estes anos despencou de US$ 97,26 para US$ 61,67.
Durante a crise de 2008, houve uma massiva fuga de capitais estrangeiros da
Rússia e uma brusca desvalorização do rublo, tentando balizar a situação de crise, o
governo russo ordenou a injeção de mais de US$ 150 bilhões na economia. Com o
cenário de crise instaurado, o Kremlin viu-se obrigado a utilizar os recursos disponíveis
no Fundo de Reserva e no Fundo Nacional de Bem-Estar23 para assegurar liquidez
(SEGRILLO, 2011). Para tentar contornar a situação, Schutte (2010 p. 44) aponta que
foram modificados os critérios de utilização do Fundo Nacional, e inseridas novas
regras para a aplicação destes recursos: “não mais restrita a títulos no exterior, mas
permitindo compra de ações e títulos domésticos. De certa forma, o fundo acabou
22
Resultado oficial das eleições da Duma Federal, disponível em: http://gduma.ru/itogi.htm acesso em:
26/09/2015;
23
Estes fundos foram criados a partir das receitas advindas da venda de petróleo, conforme mencionado
na página 39.
45
assumindo o papel que o Federal Reserve System (FED) desempenhou nos Estados
Unidos diante da crise”.
Apesar destas medidas de caráter emergencial adotadas por Moscou, a economia
russa só voltou a revigorar-se no primeiro semestre de 2010 (ver gráfico VII), ano que
concomitantemente observou-se um aumento significativo dos preços do petróleo (ver
gráfico V). Podemos concluir que esta crise financeira revelou que a confiança
excessiva da Rússia em seus recursos energéticos e no sistema financeiro internacional
deixou o país relativamente vulnerável às intempéries do mercado mundial (ADAM,
2011).
Gráfico VII - Produto Interno Bruto (PIB) russo desde 1990:
FONTE: Banco Mundial, última atualização: 27/07/2015;
2.4 A política energética russa e as projeções do setor energético russo para o
futuro
A política energética da Federação Russa se tornou uma política de Estado, e é
oficialmente baseada em dois principais documentos, o primeiro foi feito em 2003
revisto regularmente, intitulado "Estratégia energética da Rússia para o período até
2020" (“Energeticheskaya Strategiia Rossii na period do 2020 goda”, 2003). O segundo
documento, publicado no pós crise, em 2010 e intitula-se “Estratégia energética da
Rússia para o período até 2030" (“Energeticheskaya strategiya Rossii na period do 2030
goda”). Estes documentos, ambos publicado pelo Ministério da Indústria e Energia da
46
Federação Russa, abrangem todos os setores energéticos - petróleo, gás, carvão e
energia hidrelétrica - e apontam algumas estratégias para a recrudescimento de cada
setor.
Além disso, os documentos salientam a importância da integração da Rússia no
sistema global de circulação de energia, de maneira a promover a cooperação
internacional na exploração e desenvolvimento de recursos energéticos. Esta estratégia
estaria assentada sob a perspectiva prioritária de desenvolver novos mercados para a
distribuição de recursos energéticos.
A principal ênfase destes documentos visam respaldar a posição do Kremlin
como um fornecedor confiável de energia para o mercado externo, e ao mercado interno
o documento busca garantir a independência e a segurança energética24 da Rússia,
mantendo o potencial de exportação de hidrocarbonetos do país. De acordo com os
documentos Esta estratégia sustentaria a segurança econômica da Rússia, pois o reforço
das posições russas sobre os mercados mundiais do setor energético (principalmente
petróleo e gás) são prioritárias para o Estado Russo: “Durante os próximos 20 anos,
temos de perceber as capacidades de exportação do complexo de energia russo como
garantia da segurança econômica do país, mantendo-se como um parceiro estável e
confiável para os países europeus e para toda a comunidade mundial".
Os documentos ainda afirmam que as principais preocupações da Rússia estão
relacionadas à segurança energética, e portanto a política energética deve contribuir
para o objetivo principal de garantia da segurança nacional, ou seja a política energética
deve ser usada quando necessária como instrumento para evitar ameaças geopolíticas e
macroeconômicas.
A formação de uma zona comum de energia, através do incremento da
infraestrutura de distribuição de hidrocarbonetos na Europa e na Ásia são vistos como
24
Para Sapir (2007) segurança energética é a capacidade de ter a disposição energia em quantidade e
qualidade necessárias para cobrir as necessidades econômicas e sociais do país, bem como seus
compromissos internacionais. O fator mais importante não é apenas o fato de que o fornecimento
imediato poderia ser garantido mas que o fornecimento constante poderá ser previsto por potenciais
consumidores de energia com um grau razoável de certeza.
De acordo com Deese (1980) a segurança energética pode ser definida como uma condição na qual uma
nação percebe a probabilidade de que irá obter oabastecimento de energia adequado e a preços acessíveis.
Existem dois principais componentes econômicos e políticas de segurança energética: o primeiro é o
conjunto das ações que afetam a quantidade e a confiabilidade do abastecimento de energia. O segundo
inclui ações externas que afetem o abastecimento de energia. Esses dois componentes são interligados, os
problemas com o fornecimento nacional podem gerar pressões para aumentar as importações de energia.
E os componentes externos (as importações de recursos energéticos) impõem os riscos mais imediatos
para a segurança energética nacional.
47
algumas das prioridades para o Kremlin. Para alcançar tais objetivos, o Estado russo
incentiva a participação de companhias russas no desenvolvimento e na realização de
grandes projetos internacionais para o transporte de gás, petróleo e energia, tanto em
linhas ocidentais e orientais. Um dos exemplos desta política, pode ser vislumbrado
através da exploração de petróleo e demais hidrocarbonetos no circulo polar ártico, na
qual a Rússia aprovou uma reforma fiscal que reduz significativamente a carga
tributária a empresas que realizam operações de upstream (exploração, extração e
produção) na região (SORBELLO, 2011).
Com base na invariabilidade do desenvolvimento global de energia e do setor
energético nacional, o documento observa dois cenários distintos da política energética
da Rússia: um otimista e outro pessimista. Os cenários de referência pressupõem o
reforço da posição do país no mercado mundial de hidrocarbonetos, e a inovação no
setor da energia, bem como o desenvolvimento de projetos no Norte país e no Ártico, a
expansão dos processos de integração na União da Eurásia, o desenvolvimento da
cooperação energética com a União Europeia e os países da região da Ásia-Pacífico,
como resultado observa-se o reforço da posição geopolítica da Rússia (BUSHUYEV,
V.V. et al, 2015).
O Cenário pessimista esta relacionado com a falta de modernização do setor de
energia do país, o que levará à perda de posições internacionais e regionais russas no
setor energético, causando um agravamento das relações com os países desenvolvidos
podendo provocar guerras de "Energia" e a deterioração da imagem internacional da
Rússia passando a ser vista como uma agressiva "superpotência energética" (ibidem).
O cenário positivo se debruça sobre a formação de um novo tipo de poder na
Rússia, bem como vislumbra um declínio relativo da participação de hidrocarbonetos na
balança comercial russa, promovendo um aumento de 4,5% do uso de energias
renováveis no país. O cenário otimista também prevê a criação de um sistema unificado
de energia no âmbito euroasiático, e ainda pressupõe o desenvolvimento de projetos
comuns de grande escala com os países da região Ásia-Pacífico e a construção de um
túnel sob o Estreito de Bering, que permitirá à Rússia concretizar a construção de um
novo corredor de transporte global. Tudo isso vai contribuir para a expansão da
influência geopolítica da Rússia como um centro global de cooperação e diálogo
(ibidem). Tais projeções podem ser esboçadas através da tabela 2.1.
A estratégia energética da Rússia conclui que os objetivos da política energética
48
de Moscou em relação aos demais países baseiam-se na necessidade de reforçar a
posição da Rússia no mercado global de energia e maximizar a eficiência de exportação
do setor energético russo, além de garantir que as empresas russas tenham igualdade de
acesso aos mercados externos, tecnologia e financiamentos. Os desdobramentos da
estratégia adotada pelo Kremlin com o intuito de atender os interesses de expansão das
estatais russas do ramo energético veremos no próximo capítulo, bem como suas
relações com os principais países parceiros no setor de hidrocarbonetos.
Tabela 2.1 - A Rússia no mapa mundial de energia no futuro:
Tendências
Risco
Requisitos para a Rússia
Desaceleração da demanda
mundial de hidrocarbonetos
Desaceleração
econômica
Modernização
energético
Mudança na demanda de
hidrocarbonetos na Ásia
Forte concorrência
Europa
Crescimento acelerado da
produção
de
energia
renovável
e
de
hidrocarbonetos
não
convencionais
Obras a realizar
Ineficiência
/
Desenvolvimento acelerado
das energias renováveis na
Rússia
Regionalização da Energia
Mundial
Não exige exportações e
investimento
Otimização de projetos de
dutos
Nova
fase
de
desenvolvimento nos países
desenvolvidos
Atraso
Rússia
Desenvolvimento tecnológico
e investimentos em inovação
irreversível
na
da
Diversificação
exportações
do
setor
das
FONTE: Instituto de Estratégia Energética, (2015) – Институт энергетической стратегии. Disponível em:
http://www.energystrategy.ru/ acesso em: 05/10/2015;
3.0 AS RELAÇÕES COMERCIAIS RUSSAS COM OS SEUS
PARCEIROS: UMA VISÃO SOB O PRISMA ENERGÉTICO.
O presente capítulo procura demonstrar o papel que os hidrocarbonetos
49
desempenham no comportamento externo do Kremlin, o objetivo consiste em constatar
uma eventual correlação existente entre alguns casos onde os hidrocarbonetos russos
foram usados como uma ferramenta para obter ganhos políticos e o impacto destes no
relacionamento bilateral entre a Rússia e a UE.
A escolha do bloco europeu ocidental a ser estudado na primeira seção do
capítulo justifica-se pelo fato de ser o principal destino das exportações russas no setor
energético e também por apresentar laços históricos e geográficos com Moscou.
A segunda seção deste capítulo aborda sobre as relações que a Federação Russa
possui com os países da antiga URSS, é dada especial atenção a Ucrânia e Belarus por
serem rota dos principais gasodutos e oleodutos que ligam a Rússia à UE.
3.1 As relações entre Rússia e União Europeia, e o papel que nelas exercem os
hidrocarbonetos:
No dia primeiro de abril de 2001, em um discurso para a Assembleia Federal
da Federação Russa o presidente Putin comentou: "processos dinâmicos estão
atualmente em curso na Europa. Os papéis das principais organizações
europeias e fóruns regionais estão sendo transformados. Neste sentido, o
significado de novos esforços [por parte da Rússia] para estabelecer parceria
com a União Europeia está certamente crescendo. A direção para a
integração com a Europa é uma das áreas-chave de nossa política externa".
(ADAMS, 2002, p. 19)25
Conforme visto no capítulo 1, durante a década de 1990, a Rússia levava em
curso uma série de políticas sociais e econômicas pró-ocidentais, o paradigma
estabelecido no pós-Guerra Fria baseava-se em dois pressupostos: o primeiro apoiava-se
no estabelecimento de um sistema democrático e alicerçado na economia capitalista, o
segundo buscava uma crescente cooperação e integração26 política e economia com a
Europa. (ALMEIDA, 2008).
25
Do original: “On April 1, 2001, in a speech to Russia’s Federal Assembly, President Putin commented:
“Dynamic processes are currently under way in Europe. The roles of major European organizations and
regional forums are being transformed. In this sense, the significance of further efforts [by Russia] to
establish partnership with the European Union is certainly growing. The course towards integration with
Europe is one of the key areas of our foreign policy.”
26
De acordo com Almeida (2008), esta integração não buscava a adesão da Rússia ao UE, e sim o
estabelecimento de processos que visavam uma cooperação política institucionalizada, bem como a
criação de uma zona de livre comércio entre a UE e a Rússia.
50
No decorrer da década de 2000, principalmente após a revitalização econômica
ocorrida durante a era Putin (em grande medida influenciada pelo aumento dos preços
do petróleo) a percepção mútua entre os dois atores (União Europeia e Rússia)
mudaram. A nova geração da elite política russa assumiu uma posição diferente em
relação à Europa, a Rússia não procurava mais tornar-se uma potência europeia, o
desejo do Kremlin baseava-se em assumir uma posição independente no cenário
internacional. Esta mudança na orientação da política externa ocorrida sob Vladimir
Putin demonstraram para o mundo ocidental que os dias de fraqueza da era Yeltsin e de
superioridade da UE tornaram-se um passado distante (ALMEIDA, 2008 p. 22).
A partir de outubro de 2000 delineou-se a ideia de "parceria energética" entre a
União Europeia (UE) e a Rússia, o que equivale a uma duplicação das importações de
gás russo em troca de investimentos no setor petróleo e gás russo. Esta cooperação foi
reforçada devido a muitos fatores, incluindo mudanças no sistema fornecimento de
energia de alguns países europeus, como a Alemanha, que decidiu encerrar todas as
centrais nucleares existentes até 2020, o que implicaria em um aumento da participação
e do consumo de gás russo (CHERNITSYNA, 2015 p. 96).
Assim, observa-se nos últimos anos uma evolução gradual do diálogo e um
substancial aprofundamento da cooperação entre a União Europeia e a Rússia. Ou seja,
mudou-se também a percepção da Europa perante a Rússia, que antes era vista como
um simples exportador de recursos energéticos, a partir da última década, nota-se uma
troca constante recursos econômicos entre a Rússia e companhias europeias de energia,
bem como um incremento na realização conjunta de projetos. Há uma
institucionalização gradual do diálogo energético que se realiza em diferentes formatos
de relações mútuas e cooperação: reuniões bilaterais, cúpulas, grupos temáticos
(GUSEV, 2008).
Em Outubro de 2014, durante a reunião da Associação de Empresas Europeias
em Moscou, o ministro das Relações Exteriores da Rússia Sergey Lavrov destacou que
a Federação Russa aprecia a experiência acumulada ao longo de décadas bem como
preserva a reputação de um fornecedor confiável de recursos energéticos e por isso a
UE deve intensificar ainda mais esta cooperação. Os países membros da UE também
estão interessados no abastecimento estável de recursos energéticos a preços razoáveis
provenientes da Rússia. Nesse contexto, o Ministro da Energia da Federação Russa
Alexander Novak, em seu discurso durante a Conferência de Segurança Energética de
51
Valdai, em abril de 2015, sublinhou que "a Rússia tem todas as instalações necessárias
para atender a futura demanda de energia na Europa a preços competitivos."
(BUSHUEV, et al, 2015 p. 32)
Desta maneira, o incremento dos laços econômicos e políticos entre a
comunidade europeia e a Rússia se constituíram em uma prioridade estratégica para
ambos. Perante o lado europeu, cumpre destacar que a Federação Russa é o vizinho
mais importante, com quem tem fronteiras. Deve-se ressaltar que a UE é o maior
parceiro comercial da Rússia, e esta encontra-se em quinto lugar na tabela das relações
comerciais europeias. Na área energética, a Rússia é o principal fornecedor de gás para
a Europa e os estados-membros da UE são os principais compradores da energia russa.
Este nível de reciprocidade e a relevância das relações bilaterais levaram ao
estabelecimento de um Acordo de Parceria e Cooperação (APC), em 1997, cuja
vigência terminou em 2007 (ALMEIDA, 2008).
Segundo o relatório publicado pelo Instituto de Energia e Estratégia da Rússia
(2015), o conceito de Política Externa da Federação Russa postula uma ação prioritária
no incremento das relações com os países da região euro-atlântica, na qual a Rússia está
associada geográfica, econômica e historicamente, além de partilhar profundas raízes
civilizacionais. A principal tarefa para a Rússia no relacionamento com a União
Europeia continua a se direcionar no sentido de promover um espaço econômico e
humano do Atlântico para o Pacífico. Sob a ótica do Conceito de Política Externa, a
Rússia está interessada em aprofundar a cooperação com a União Europeia
consolidando-a como uma importante parceria externa no âmbito econômico, um
exemplo destes laços comerciais estão presentes no volume de comércio entre a Rússia
e a União Europeia que em 2013 ascendeu a 400 bilhões de euros, e com os Estados
Unidos - somente 18 bilhões (BUSHUYEV, V.V. et al, 2015, p. 31).
Após o fim da União Soviética, o relacionamento entre estes atores se
desenvolveu em grande medida na base da interdependência, ou seja, dado o nível de
trocas comerciais entre estes países ambos se tornaram vulneráveis as políticas de cada
Estado. Como Buzan (2008 p. 128, tradução nossa) argumenta, "em padrões complexos
de interdependência, muitos estados estarão vulneráveis a rupturas nos fluxos de
comércio. De forma direta tais vulnerabilidades podem dar origem a temores de
extorsão, em que os estados utilizam as suas vantagens econômicas para extrair
52
concessões políticas."27
Como as exportações de hidrocarbonetos para a Europa representam um
componente relevante da balança comercial russa, caso a UE resolvesse substituir as
importações de gás e petróleo provenientes da Rússia, a economia do pais ficaria
enfraquecida, pois Moscou não possui parceiros importantes que possam substituir a
demanda europeia em um curto prazo. Por outro lado, a Rússia, além de sua abundância
em recursos energéticos, é o único país que conta com a infraestrutura adequada para
entregar estes recursos à União Europeia, dessa forma, seria improvável a curto ou
médio prazo a Europa obter uma estrutura de dutos capazes de substituir as importações
russas. Estes dados revelam que se utilizados estrategicamente, o Kremlin tem o
potencial de utilizá-los como uma poderosa arma política e econômica (GOLDMAN,
2008 p. 139). Um mapa geral dos oleodutos e gasodutos russos na Europa pode ser
observado por meio da figura I.
De acordo com Piccolli (2012, p. 44) esta interdependência constrange o
comportamento de ambas as partes, já que:
A Europa por estar sujeita às intempéries russas, como os cortes de
fornecimento (pela Gazprom à Ucrânia e Belarus – em muito por motivações
políticas), as disputas pelo controle da infraestrutura logística dentro da
Europa, o declínio da produção russa, e os conflitos locais (Guerra da
Geórgia, que ameaçou o principal corredor de fornecimento energético
europeu que circunda o território russo).Por outro lado, observando-se a outra
ponta da interdependência, os líderes russos alegam que tamanha
dependência de capitais e tecnologia oriundos, sobretudo, da Europa, acabam
por limitar o comércio com outros parceiros (demanda crescente vinda do
mercado chinês), assim como o desenvolvimento de novas rotas de
exportação visto a necessidade constante de manutenção da infraestrutura que
atende a região da Europa Leste.
A figura I esboça os mais de 46.000 km de oleodutos de petróleo bruto, 15.000
km de produtos derivados do petróleo e 152.000 km gasodutos, que a Rússia herdou do
período soviético, e conforme vimos anteriormente a maioria destes são controlados
pelo estado (CHOW, 2004). A figura ainda mostra os inúmeros projetos em construção
27
Do original em inglês: “where complex patterns of interdependence exist, many states will be
vulnerable to disruptions in the flows of trade. In a direct way such vulnerabilities give rise to fears of
extortion, where states use their economic advantages to extract political concessions”.
53
e os projetos para o futuro. Dessa maneira, fica clara a influência dos recursos
energéticos nas atividades econômicas da UE, pois sem a energia proveniente destes
dutos seria praticamente insustentável a matriz energética europeia. Do lado russo, resta
cristalino que os países da UE são atualmente os mercados mais importantes para a
venda de gás natural da Rússia. A Gazprom tem uma compreensão clara do quanto ela
precisa da Europa, pois nenhum outro mercado poderia comprar a curto ou médio prazo
os volumes de gás natural que a Rússia vende à UE (OLIKER et al, 2009 p. 107).
FIGURA I - Gasodutos e oleodutos da Rússia na Europa:
Fonte: KAPLAN (2013)
Dessa maneira, a garantia do suprimento energético provindo da Rússia é
colocada em primeiro lugar entre as prioridades da política energética europeia, pois o
elemento-chave do diálogo sobre energia entre a Rússia e a UE se desenvolve
principalmente no ramo de gás (GUSEV, 2008). Neste contexto de interdependência,
Bruxelas procura diversificar seus fornecedores de hidrocarbonetos. A UE a partir da
primeira década de 2000 procurou aprimorar suas relações bilaterais com os principais
produtores de petróleo de diferentes regiões do mundo (incluindo a Líbia e Irã), bem
54
como outros países da região do Mar Negro e do Mar Cáspio. Por outro lado, observase em Moscou uma estratégia continua com vistas a manter o seu monopólio no
fornecimento de gás para a União Europeia, dessa maneira, a Rússia procura estreitar
laços comerciais com os países da Comunidade dos Estados Independentes (CEI),
principalmente aqueles que possuem grandes reservas de gás como Cazaquistão,
Azerbaijão e Turcomenistão (KHARLAMOVA; FILIMONOVA, 2006).
Além disso, existe um forte movimento do Kremlin no qual procura-se manter
sua influência nos países que passam pelo território de trânsito de recursos energéticos
(principalmente, Ucrânia, Bielorrússia, Geórgia) a fim de aumentar seu controle sobre
suas linhas de transmissão através do apoio a governos e partidos políticos pró-Rússia e
através da manutenção dos preços subsidiados do gás natural a estes países
(TSYNGANKOV, 2010) pois tanto Moscou, como Bruxelas percebem estes países
como regiões estratégicas para a manutenção do sistema de segurança energética
coletivo (KHARLAMOVA; FILIMONOVA, 2006).
De acordo com Gusev (2008 p. 06) apesar de uma crescente interdependência, a
UE e a Rússia divergem em uma série de questões, portanto a resolução destes
obstáculos devem definir o futuro do desenvolvimento dos laços econômicos e políticos
entre os dois atores, porém isto prova que a UE e a Rússia, atualmente, se encontram em
uma nova etapa de cooperação.
Os principais problemas a cerca deste tema, giram em torno da esfera
econômica, pois Moscou e Bruxelas discordaram sobre o que define a segurança
econômica. A UE percebe as disputas na área energética entre a Rússia com exrepúblicas soviéticas como uma ameaça aos seus próprios interesses, insistindo que a
Rússia ratifique o Tratado da Carta da Energia (TCE)28. A carta tinha sido assinada por
Boris Yeltsin na década de 1990 e estipulou o acesso de terceiros aos gasodutos de
energia da Rússia. A UE viu também a questão sobre a diversificação de mercados e
queria margem para mudar de fornecedores de energia. No entanto, a Rússia era um
produtor de energia, não um consumidor, e queria assinar contratos de longo prazo com
os europeus, resistindo acesso aos seus gasodutos por terceiros. Dada a importância dos
elevados preços da energia para o seu desenvolvimento econômico, a Rússia queria
28
A Carta da Energia é uma organização independente com sede em Bruxelas. O tratado que a administra
atualmente em vigor, estabelece regras para o investimento e contém recomendações importantes sob a
questão do trânsito de recursos energéticos, bem como prevê o acesso adequado de terceiros às
instalações de trânsito (por exemplo, linhas de transmissão elétricas, oleodutos e gasodutos) (MILOV,
COBURN, DANCHENKO, 2013)
55
evitar uma repetição do cenário de 1985-1986, quando um declínio acentuado nos
preços minaram a economia soviética. Além disso, a Rússia não via com bons olhos os
esforços europeus para negociar acordos energéticos separadas com o Azerbaijão,
Turquia e os países da Ásia Central. (TSYGANKOV, 2010, p. 187).
O presidente Putin, não se sente confortável em ver o movimento da UE com a
intenção de diversificar fornecedores de energia, em entrevista ao Financial Times ele
afirmou que “Nós somos o parceiro mais confiável para a comunidade europeia em
qualquer circunstância, gostando ou não, a UE jamais irá encontrar um fornecedor de
hidrocarbonetos mais seguro que a Rússia” (GOLDMAN, 2008 p. 163).
Com vistas a garantir sua preponderância no mercado europeu a estratégia das
principais empresas russas do setor energético como a Lukoil e da Gazprom era garantir
seus mercados por meio do controle de canais de distribuição de hidrocarbonetos. No
caso da Gazprom, a aquisição da infraestrutura de energia na Europa é um dos objetivos
estratégicos. Até 2008, a empresa possuía presença significativa na distribuição na Grã̃Bretanha (Wingas e Gazprom Marketing and Trading Ltd.), na Itália (Promgaz) e na
Alemanha (Wintershall Erdgas Handelshaus GmbH&Co. KG – WIEH, Wingas e
ZMB). Diante dessa estratégia, a UE introduziu, em 2008, no âmbito da política
energética, restrições para a compra de ativos estratégicos, conhecidas como a Cláusula
Gazprom (Gazprom Clause) (SCHUTTE apud PETROLEUM ECONOMIST, 2008).
Apesar disso, a Gazprom em 2008 ainda detinha o controlava de cerca de 20% do
mercado global de gás e 25% das reservas mundiais (SCHUTTE apud EHRSTEDT e
VAHTRA, 2008, p. 9).
Tamanha influência, pode ser vista também na França, depois que a Gazprom
conseguiu convencer a companhia de gás francesa Gas de France e tomou o controle do
fornecimento de mais de 3 bilhões de metros cúbicos de gás que vai direto para as
residências francesas. Na Itália, através de uma parceria feita com a gigante italiana Eni,
a Gazprom passou a prover cerca de 3 bilhões de metros cúbicos de gás diretamente
para residências italianas (GOLDMAN, 2008 p. 167).
Outro parceiro importante para a Gazprom é a Alemanha, e devido a isso, em
2011 foi inaugurado o gasoduto NordStream, um dos primeiros a fornecer energia
diretamente para Alemanha sem cruzar o território de nenhum país já que este gasoduto
passa pelo Mar Báltico, atualmente possui a capacidade anual de fornecer 55 bilhões de
metros cúbicos, e se prevê que até 2019 esta capacidade seja duplicada para 110 bilhões
56
de metros cúbicos, além disso a Gazprom detém 51% das ações do gasoduto. O
gasoduto NordStream é atualmente o maior projeto de infraestrutura na região do Mar
Báltico e possui uma extensão de 1.224 km custando cerca de 100 milhões de euros. O
gasoduto passa através das Zonas Econômicas Exclusivas (ZEE) e/ou em águas
territoriais da Rússia, Finlândia, Suécia, Dinamarca e Alemanha29.
Tal gasoduto detém uma importância estratégica pois contorna o território
ucraniano e bielorrusso, e dessa maneira o fornecimento de gás russo para Alemanha
estaria assegurado caso haja instabilidades de ordem política ou econômica nos países
de trânsito, este gasoduto vai propiciar à Rússia a capacidade de eventualmente cortar o
gás a países como a Ucrânia e Polônia, ao passo que ainda poderá enviar recursos
energéticos as nações ocidentais economicamente mais ricas (como o caso da
Alemanha). E isto claramente concede ao Kremlin um poder ainda maior de barganha
no teatro europeu. Ou seja, a médio ou longo prazo, o status da Ucrânia como corredor
estratégico de hidrocarbonetos tende a se limitar, pois a Rússia tem provado encontrar
maneiras alternativas de atingir seus clientes ocidentais mais ricos. O gasoduto
NordStream pode ser visto através da figura abaixo:
Figura II – Gasoduto NordStream:
Fonte: Site oficial do Gasoduto NordStream, disponível em: http://www.nord-stream.com/ acesso em
09/10/2015.
29
Dados retirados do site oficial do Gasoduto NordStream, disponível em: http://www.nord-stream.com/
acesso em 09/10/2015.
57
Seguindo a lógica do gasoduto NordStream de modo a balizar as linhas que
passam pelos territórios dos países da ex-URSS, o Kremlin trabalhou na construção de
outros projetos. Um deles é o South Stream que procurava através do Mar Negro
transportar gás da Rússia para a Bulgária, Sérvia, Hungria, Eslovênia e Áustria. O
projeto foi cancelado pelos russos em dezembro de 2014, depois que a Bulgária impediu
que o gasoduto fosse construído pelo seu território, inviabilizando o desenvolvimento
do mesmo, esta decisão foi em grande medida influenciada pela UE e pelos Estados
Unidos (KORYBKO, 2015), pois este projeto era visto como um rival30 do gasoduto
Nabucco31 na qual os Estados Unidos e a UE apoiavam. A crise na Ucrânia em 2014, e
as imposição de sanções europeias sobre a Rússia devido a adesão da Crimeia à
Federação Russa (falaremos sobre estes temas nas próximas seções) também exerceram
influência no cancelamento do plano desenhado pelos russos (YARDLEY e BECKER,
2014). Na figura III, podemos observar o projeto South Stream,bem como o projeto
concorrente Nabucco.
A partir disso, a Rússia foi rápida em planejar uma resposta devido a suspensão
do projeto, e no dia 1º de dezembro de 2014, durante a visita de Estado do presidente
russo Vladimir Putin à Turquia, a Gazprom e a empresa turca BOTAS Petroleum
Pipeline Corporation assinaram um memorando de entendimento prevendo a
construção de um gasoduto marítimo da Rússia para a Turquia através do Mar Negro32.
O projeto TurkStream poderá substituir parcialmente o seu antecessor – o South Stream.
Já que a lógica de entrega do gás segue praticamente inalterada, pois a ideia do projeto
pressupõe que o gasoduto passe pelo Mar Negro (assim como pretendido pelo South
Stream) a diferença entre os dois consiste que ao invés do gasoduto passar pela Bulgária
ele passaria pela Turquia. A partir de lá, as nações europeias poderiam comprar gás a
através de um terminal na fronteira greco-turca (KORYBKO, 2015).
30
Gazprom Agrees To Boost Pipeline Capacity In: Deutsche Presse Agentur. Disponível em:
http://downstreamtoday.com/news/article.aspx?a_id=16386&AspxAutoDetectCookieSupport=1 acesso
em: 08/10/15;
31
O gasoduto Nabucco é um projeto de gasoduto para transportar gás natural a partir da fronteira turcobúlgara para a Áustria. O objetivo do gasoduto é diversificar os fornecedores de gás bem como
diversificar as rotas de entrega para a Europa, reduzindo assim a dependência europeia da energia russa.
O principal fornecedor deve ser o Iraque, e ainda negocia-se com Azerbaijão, Turcomenistão e Egito para
serem potenciais fornecedores. O projeto prevê o inicio das atividades do gasoduto para 2017 (TIMU e
ERSOY, 2010) disponível em: http://www.bloomberg.com/news/articles/2010-09-30/nabucco-says-iraqprobably-most-real-supplier-for-natural-gas-pipeline acesso em: 07/10/15
32
The Turkstream project is aimed to provide security of supplies to Turkey and european countries. In:
Gazprom Export, disponível em: http://www.gazpromexport.ru/en/projects/6/ acesso em: 09/10/15
58
Figura III: Gasoduto South Stream e Gasoduto Nabucco:
Fonte: Centre for Research on Globalization (2014) Disponível em http://www.globalresearch.ca/ acesso
em: 07/10/15
O caso da emblemático da suspensão da construção do gasoduto South Stream
deixa claro que muitas empresas do setor têm sido constantemente atraídas à investir no
pujante mercado de energia russo, pois estão conscientes de que, se não aceitarem os
termos de Moscou, as empresas concorrentes aceitarão de uma maneira ainda mais
favorável para elas. Estes fatores aumentam o poder de barganha do Kremlin e geram
disputas entre as empresas europeias. O gasoduto TurkStream pode ser visto através da
figura IV, na página seguinte.
A capacidade anual de fornecimento do gasoduto será de 63 bilhões de metros
cúbicos de gás. O gasoduto marítimo será composto de quatro dutos com a capacidade
de 15,75 bilhões de metros cúbicos cada. O primeiro duto é destinado exclusivamente
para o mercado turco, já que a Turquia é o segundo maior mercado de vendas da
Gazprom, ficando atrás apenas da Alemanha. Em 2014 a Gazprom forneceu Turquia
cerca de 27,4 bilhões de metros cúbicos de gás natural. Ao longo dos últimos 10 anos o
consumo de gás na Turquia mais do que duplicou, e ainda estipula-se que para os
próximos anos o mercado turco irá aumentar ainda mais a importação de gás da Rússia
59
(GAZPROM WEBSITE, 2015)33.
Figura IV – Gasoduto TurkStream:
Fonte: Site oficial do Gasoduto TurkStream. Disponível em http://turkstream.info/project/ Acesso em:
07/10/15
Com base nisso, podemos dizer que a estratégia russa baseia-se em grande
medida na lógica de construção de novos gasoduto de exportação orientados
primordialmente para a Europa, onde Gazprom detém um monopólio informal da
venda. A Infraestrutura de gasodutos é caracterizada por uma baixa mobilidade de
mercado, ou seja, o gás só pode ser entregue a um território limitado pois necessita das
rotas de oleodutos existentes para ser operacionalizado, portanto existem riscos
elevados neste mercado já que a construção dos gasodutos são caras e, por isso se torna
difícil atrair investimento substanciais neste mercado. No entanto, apesar de haver um
forte interesse das empresas europeias que queiram investir no mercado energético
russo, existem também alguns exemplos mal sucedidos nesta esfera. Por exemplo, a
realização do projeto do gasoduto Blue Stream34 (ver figura I) através do Mar Negro
33
Turkish
Stream
Project,
disponível
em:
http://www.gazprom.com/about/production/projects/pipelines/turkish-stream/ acesso em: 12/10/15;
34
O gasoduto Blue Stream é projetado para fornecer gás natural russo para a Turquia através do Mar
Negro contornando países de trânsito.Atualmente a capacidade máxima do gasoduto é o fornecimento de
cerca de 16 bilhões de metros cúbicos de gás por ano. A partir de 11 de março de 2014 a quantidade de
gás fornecido via Blue Stream já totalizaram cerca de 100 bilhões de metros cúbicos (GAZPROM
WEBSITE, 2014). Disponível em: http://www.gazprom.com/about/production/projects/pipelines/bluestream/ acesso em: 12/10/15;
60
para a Turquia demonstra os riscos do desenvolvimento de tais projetos. Os
planejadores da Gazprom superestimaram a demanda turca de gás em 2003-2004
(quando iniciaram as entregas russas de gás para a Turquia). Uma vez que as entregas
de gás foram iniciadas, o lado turco foi capaz de renegociar com êxito suas obrigações
contratuais, subtraindo os volumes de entrega e o preço do gás a ser pago. (MILOV;
COBURN; DANCHENKO; 2013 p. 298).
Apesar disso, é importante sublinhar que a Turquia localiza-se geograficamente
no centro de uma zona delimitada por países exportadores de energia no leste (Rússia,
Azerbaijão, Turcomenistão etc.) e por países importadores de energia no oeste (União
Europeia). Desse modo, Ancara busca cumprir seu papel de se tornar uma "ponte de
energia" entre produtores e consumidores de hidrocarbonetos, assim sendo, a Turquia
possui interesse em aprimorar sua relação com a Rússia (ÖZDEMIR, 2007).
Ainda que estes últimos projetos se consolidaram por meio do relacionamento
bilateral entre Moscou e Ankara, o destino final destes recursos energéticos serão
eventualmente a UE, pois o mercado turco de hidrocarbonetos (apesar de crescente) não
poderá a curto prazo ou médio absorver as exportações russas (ibidem), deste modo este
delineamento deverá intensificar a dependência da UE sobre os hidrocarbonetos
provindos da Rússia, de acordo com Socor (2005) as divergências no âmbito da
Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN) poderão se tornar ainda mais
problemáticas, pois a crescente dependência da UE pelo suprimento de energia russa irá
inevitavelmente afetar a tomada de decisão no seio da aliança militar ocidental.
Dessa forma, a Gazprom tornou-se um importante player dentro da Europa não
restringindo seus negócios apenas aos países da UE, visto que ela controla grande parte
dos gasodutos que fazem a distribuição de gás para as residências e indústrias europeias.
Outrossim, a empresa russa foi bem sucedida em obter o controle interno na distribuição
de gás nos países da antiga União Soviética como: Ucrânia, Bielorrússia, Geórgia,
Moldávia, e controla cerca de 34% das ações da empresa lituana de gás, a Lietuvos
Dujos (GOLDMAN, 2008 p. 168). Na próxima seção iremos aprofundar o estudo do
relacionamento da Federação Russa com os países que compõe a CEI (especialmente
Ucrânia e Belarus), bem como a busca do Kremlin por meio de seus recursos
energéticos em manter sua influência econômica e política nestes países.
61
3.2 As relações entre Rússia, Ucrânia e Belarus: a política dos hidrocarbonetos:
Para entendermos melhor a relação no âmbito energético da Rússia com a União
Europeia é fundamental tratarmos das relações entre a Rússia e duas repúblicas que
compunham a antiga União Soviética: Ucrânia e Belarus. O enfoque nestes países
possui uma importância estratégica: ambos se encontram nas principais rotas do
comércio de hidrocarbonetos para a Europa Ocidental, além disso Minsk e Kiev são
peças-chave para Moscou no tabuleiro pós-soviético devido aos laços de reciprocidade
histórica, cultural e geográfica entre estes três países.
Conforme vimos nos capítulos precedentes, durante o período soviético os
países da COMECON recebiam os recursos energéticos a preços reduzidos, com o
intuito de assegurá-los na órbita soviética e evitar possíveis deserções para o lado
capitalista, dessa maneira, o planejamento central Moscovita distribuía os
hidrocarbonetos através dos inúmeros gasodutos e oleodutos que interligavam os países
socialistas do leste europeu. Após a dissolução da URSS, a estrutura de transportes
orientada para atender as necessidades dos países que a compunham, permaneceu
praticamente inalterada, enquanto os preços pagos pelos recursos energéticos já não
correspondiam a nova realidade política e econômica que se configurava.
A independência destes países também abriu precedentes para conflitos acerca
da questão do gás, as novas nações independentes pela primeira vez na história
passaram a exigir de Moscou melhores condições de pagamento e ao mesmo tempo
buscavam uma aproximação mais estreita com as nações ocidentais, o Kremlin se viu
obrigado a fazer concessões a fim de não perder ainda mais sua influência nestes países,
uma das principais políticas adotadas pela Rússia foi continuar concedendo descontos
nos preços de gás natural e petróleo russo que são exportados à Belarus e à Ucrânia35.
35
Apesar das constantes ameaças de Moscou de cortar os subsídios à Ucrânia, devido aos
desdobramentos da crise ucraniana de 2014, foi celebrado em Bruxelas no dia 25/09/15 um novo acordo
assinado pelo ministro da Energia russo Alexander Novak, e o ministro da Energia ucraniano Vladimir
Demchyshyn. A Rússia concordou em reduzir o preço do gás para o mesmo valor que os países vizinhos
pagam, de $251 por 1.000 metros cúbicos para $227,4, cortando o imposto de exportação. Por seu lado, a
Ucrânia concordou em injetar 2 bilhões de metros cúbicos de gás russo nos locais de armazenagem
subterrânea no seu território para ajudar os suprimentos de estoques para os países da UE (Fonte: Sputnik
News, 26/09/2015, disponível em http://br.sputniknews.com/mundo/20150926/2245408.html acesso em:
17/10/15);
62
3.2.1 As relações entre Rússia e Ucrânia e a questão energética:
De acordo com Orttunga e Overland (2011), os subsídios aos preços se
constituem em uma das mais poderosas ferramentas para contrabalançar a influência
dos EUA na ex-União Soviética, no caso ucraniano, em 2010, Moscou ofereceu a Kiev
um desconto de 30% no preço do gás natural para estender o contrato de aluguel da base
naval russa de Sevastopol até 2019. Como as exportações de recursos energéticos e
outras commodities constituem uma grande parte do produto interno bruto russo, o
fornecimento de subsídios aos preços pode ser considerado um importante instrumento
(apesar de não serem os únicos disponíveis) para atingir objetivos mais amplos da
política externa russa. Portanto, a estrutura de ferramentas no setor de energia da
Rússia, pode moldar os padrões de seu comportamento internacional. Um sinal da
natureza prioritária nas relações com a Ucrânia, bem como a questão política
envolvendo o setor de energia, também pode ser vista em 2001 quando Vladimir Putin
nomeou Viktor Chernomyrdin, ex-chefe da Gazprom e ex-primeiro-ministro, como
embaixador russo em Kiev (DUBIEN, 2007).
A partir desta dinâmica estabelecida no âmbito dos recursos energéticos criamse importantes configurações na balança de poder entre estes três países, conforme
argumenta Adam (2008):
A Rússia é fornecedora de energia para os seus parceiros, ao passo que estes
são países-corredor dos recursos energéticos russos até o mercado europeu.
As duas configurações se interconectam, assim como se misturam as
considerações geopolíticas tradicionais do espaço pós-soviético com o
aspecto específico da geopolítica dos recursos energéticos referida. (...) os
três países têm objetivos geopolíticos distintos. Enquanto para a Rússia
manter o Complexo Regional de Segurança que domina como uma zona de
influência majoritariamente sua (sem grande intromissão das grandes
potências ocidentais) é um pré-requisito ao poder global que sonha, o
interesse ucraniano é inverso, pois almeja sair da órbita russa e usufruir sua
independência de modo pleno. Já Belarus prefere seguir o caminho de
fidelidade a Moscou, até porque não lhe parece visível nenhuma outra opção
no futuro imediato. Os recursos energéticos servem de instrumento na busca
dos anseios geopolíticos dos Estados em voga (p. 210).
Sobre a intenção ucraniana de distanciar-se da órbita de influência russa é onde
observa-se um dos principais pontos de inflexão nas relações entre Rússia e Ucrânia,
63
bem como com a UE, e se dá a partir do segundo mandato de Vladimir Putin, quando
em 2004 eclodiu na capital ucraniana a “Revolução Laranja” 36 que resultou na
deposição do candidato apoiado pelo Kremlin, Viktor Yanukovych, em seu lugar
assumiu o candidato apoiado pela UE e pelo EUA, Viktor Yushchenko, a partir deste
movimento na Ucrânia observa-se uma mudança na percepção russa diante da presença
norte-americana e europeia em sua tradicional zona de ingerência, que a partir deste
momento passa a ser vista com uma ameaça aos interesses de Moscou, bem como um
projeto de isolamento da Rússia (ADAM, 2011 p. 55).
Além disso, após a Revolução Laranja, aumentou-se os receios no Kremlin,
sobre a contingência da Ucrânia reforçar a sua independência em relação à Rússia e se
integrar cada vez mais com a UE (ALMEIDA, 2008). Apesar disso Moscou reconheceu
de maneira conciliatória os resultados das novas eleições que elegeram o candidato próocidental, Viktor Yushchenko, porém a resposta russa sobre as pretensões ucranianas de
se tornar membro da OTAN encaminhou-se de uma maneira mais dura:
Eu acho que é obvio que a expansão da OTAN não tem nenhuma relação
com a modernização da própria Aliança ou com o aumento da segurança na
Europa. Pelo contrário. Ela representa uma séria provocação que reduz o
nível de confiança mútua. E nós [os russos] temos o direito de perguntar:
contra quem essa expansão é tencionada? E o que aconteceu com as garantias
que nossos parceiros ocidentais fizeram após a dissolução do Pacto de
Varsóvia? Onde estão estas declarações hoje? Ninguém se lembra delas
(PUTIN, 2007 apud ADAM, 2011 p. 55).
Os resultados desta postura mais assertiva do Kremlin diante da expansão da
OTAN para o leste europeu, foram vislumbrados após a rejeição da entrada da Geórgia
e da Ucrânia no Membership Action Plan (MAP) da OTAN, além disso, o presidente
Medvedev disse que a Rússia iria responder de forma apropriada a despeito das
intenções norte-americanas de implantar parte de um sistema de defesa antimísseis na
República Checa (TSYGANKOV, 2010 p. 186). Adam (2011) considera que, a decisão
de negar a entrada de novos membros na aliança militar ocidental foi em grande medida
influenciada pela dependência dos países membros da UE (como Alemanha, França,
Itália) nos recursos energéticos russos, e as ameaças de uma possível represália de
36
A cor laranja foi adotada pelos protestantes como a cor oficial do movimento por ter sido a cor da
campanha presidencial do principal candidato da oposição, Viktor Yushchenko.
64
Moscou devido a adesão à OTAN por parte de países que integram a esfera de
influência russa.
A ideia de uma Ucrânia autônoma em relação à Rússia, provoca temores nas
elites dirigentes do Kremlin, pois Kiev é uma peça importante para a concretização dos
objetivos russos na região. Brzezinski (1997 p. 92) considera que sem a Ucrânia, a
Rússia não será capaz de manter sua liderança na região euroasiática. Desta maneira,
uma Ucrânia econômica e politicamente distanciada da Rússia provocaria perdas para
ambos países e minaria a posição russa em áreas estratégicas, como o Mar Negro, onde
a região de Odessa, por exemplo, serviu por muitos anos como uma porta de entrada
para a Rússia negociar com o Mediterrâneo e o exterior. O aparecimento de um estado
independente ucraniano desafia os russos a repensar a natureza de sua própria
identidade política e étnica, devido aos laços históricos que estes povos eslavos
possuem. Além disso, é importante sublinhar que devido a Ucrânia ser um país que se
destaca por ser um relevante corredor de recursos energéticos para à Europa, e grande
parte das receitas russas advém da venda destes recursos, a Rússia necessita de uma
Ucrânia estável para atingir com êxito seus clientes europeus.
Por outro lado, a Ucrânia também necessita da Rússia para garantir seu
abastecimento interno de energia, além disso as receitas ligadas aos direitos de
transporte de hidrocarbonetos em seu território são um componente importante de sua
economia e ainda lhe oferecem uma projeção estratégica na região ao mesmo tempo que
a impede de se desvencilhar da Rússia.
Ao assumir o governo ucraniano em 2005, o presidente Viktor Yushchenko e a
primeira-ministra Yulia Tymoshenko, expressaram a sua vontade de reformar o sistema
de energia ucraniana além de buscar uma revisão na cooperação bilateral com a Rússia.
As primeiras ações tomadas neste sentido, se deram no âmbito de uma das principais
estatais ucranianas no setor de gás e energia, na Naftogaz Ukrainy, o presidente da
estatal Yuri Boyko foi substituído por Alexei Ivchenko, o segundo era considerado um
político próximo do presidente e também detinha uma substancial influência no partido
nacionalista ucraniano, o “Nossa Ucrânia”. Internacionalmente, o objetivo visava
fortalecer a independência energética da Ucrânia, diminuindo gradualmente a
dependência da Rússia. Em março de 2005, Victor Yushchenko foi várias vezes a
Alemanha - onde obteve do Deutsche Bank um crédito de aproximadamente US$ 2
bilhões para financiar a modernização da rede de gasodutos na Ucrânia. Além disso, a
65
partir de 2004 o gabinete da premiê Tymoshenko procura reaver uma série de contratos
assinados com as petrolíferas russas no período precedente ao seu governo (DUBIER,
2007).
O resultado deste novo direcionamento no relacionamento entre estes dois
Estados provocou crises que atingiram outros atores, como foi o caso da crise no
fornecimento de gás em 2006, em que as relações de confiança entre Moscou e
Bruxelas começaram adquirir novos tons, expondo divergências entre a Rússia e a UE.
A crise entre os dois países iniciou-se em março de 2005, pois a nova equipe da
Naftogaz Ukrainy na tentativa de impor novas dinâmicas no relacionamento com a
Gazprom, exigia preços mais elevados para o direito de trânsito que a estatal russa
detém para circular os hidrocarbonetos em território ucraniano, estas discussões
reascenderam os desentendimentos sobre o valor que Kiev deveria pagar pelo gás russo
(DUBIEN, 2007).
Estes desacordos possuem razões históricas, a Ucrânia se recusa a passar para a
Rússia o controle do sistema de transporte de gás que herdou após o colapso da União
Soviética, ao passo que Moscou em suas relações com o vizinho procura gradualmente
exigir que Kiev pague os preços de mercado pelos hidrocarbonetos. Esses fatores têm
contribuído para a primeira crise russo-ucraniana, já que as relações bilaterais destes
países são altamente dependentes do componente energético (CHERNITSYNA, 2015).
Esta conjuntura provocou o corte no fornecimento de gás russo para a Ucrânia, e
devido a isso, o governo ucraniano acabou retendo para si grande parte dos
hidrocarbonetos e como as principais rotas de gasodutos passam pela Ucrânia, as
entregas de gás para grande parte dos países europeus ficaram comprometidas (ADAM,
2011).
O contexto peculiar que a “Guerra do Gás” desenvolveu-se foi propício para o
Kremlin tomar estas medidas drásticas e pressionar o governo ucraniano, pois na
Ucrânia estava instaurado um governo hostil a Moscou, e como já havia um debate
bastante latente na elite política russa para exigir que os países da extinta URSS paguem
pelo preço do gás nos moldes do mercado internacional, a oportunidade de fazer esta
exigência neste momento crucial, foi uma saída encontrada pela Rússia, ao passo que
poderia demonstrar para a sociedade e o governo ucraniano que necessitavam da
cooperação perene com os russos. Em vista disso, o Kremlin exigiu que Kiev pagasse
66
cerca de US$ 230,00 por mil metros cúbicos de gás, a Ucrânia imediatamente discordou
com este valor e suspendeu os pagamentos para a Gazprom, em março de 2005, a
Rússia interrompeu o envio de gás para a Ucrânia, ainda que mantivesse o fornecimento
para a Europa, em seguida os russos acusariam os ucranianos de roubarem o gás
destinado para UE, em função disso, em 1 de janeiro de 2006, o fornecimento de gás
para a Europa também foi comprometido (SEGRILLO, 2015).
O fato desses cortes terem sido em pleno inverno europeu, suspendendo o
aquecimento que provém do gás para milhares de residências europeias, deixou os
governos europeus alarmados e deu um novo impulso a despeito da necessidade de
reforçar as políticas comuns na área energética com a Rússia. Após a crise no
fornecimento de hidrocarbonetos em 2006, ressurgiu na Europa a importância de tratar
os temas relacionados a segurança energética, pois esta crise expôs as debilidades no
bloco europeu e revelou a ascendência geopolítica do Kremlin, destes fatores é possível
chegar às seguintes conclusões: a UE está vulnerável e dependente do setor energético
russo, principalmente o de gás; e Moscou não hesita em usar a energia como arma
política. Esta dependência energética pode simbolizar a alteração no equilíbrio de poder
entre a Rússia e a UE (ALMEIDA, 2008 p. 22).
Mesmo que o fornecimento de hidrocarbonetos tenha sido normalizado alguns
dias após o início da crise, os reflexos das disputas sobre os preços do gás entre Rússia e
Ucrânia, não estavam finalizadas, pelo contrário, reascenderam o litígio sobre a questão
da dívida da Ucrânia com a Gazprom, bem como a tentativa russa que a parte ucraniana
pague gradualmente os preços nos padrões do mercado internacional para o recebimento
de gás. O caráter emergencial da solução desta crise, levou a assinatura de acordos
paliativos entre os dois países e não impediram a repetição deste cenário no futuro.
Dubien (2007, p. 11) acerca deste tema argumenta que as negociações entre
“Naftogaz e Gazprom, em 2005 refletem o despreparo do lado ucraniano que pensa que
pode resolver em poucos meses o desafio estratégico de longo prazo que é a
dependência energética do lado russo” Kiev subestima sistematicamente o papel que a
"revolução laranja" exerceu para a política externa russa, Dubien (2007 p. 12) ainda
completa que “a questão ucraniana continuará sendo um exemplo da nova diplomacia
de energia do Kremlin”.
Dessa maneira, em outubro de 2008, a Rússia e a Ucrânia assinaram um
memorando que previa uma transição gradual de três anos para os preços de mercado no
67
fornecimento de gás à Ucrânia. Em 2009, a Rússia propôs novamente o valor de US$
250 a cada mil metros cúbicos fornecidos. No entanto, durante novas negociações o
lado ucraniano expressou seu desacordo com tal preço, considerando-o excessivo. Além
disso, Moscou alegava que a Ucrânia teria roubado cerca de 65,3 milhões de metros
cúbicos do gás russo, e ainda devia aproximadamente US$ 600 milhões em contas para
a Gazprom (TRINDADE, 2014). Por estas e outras razões, em 31 de dezembro de 2008
a Ucrânia retirou-se unilateralmente do processo de negociação. A resposta russa
chegou no dia posterior: em represália a Gazprom interrompeu o fornecimento de gás à
Ucrânia, a partir de 05 de janeiro o fornecimento de gás foi reduzido para os
consumidores europeus, a partir de 07 de janeiro, paralisou-se o trânsito de combustível
através do território da Ucrânia37
O conflito do gás foi resolvido somente em 19 janeiro de 2009 após a assinatura
de um contrato entre os primeiros-ministros dos dois países, Vladimir Putin e Yulia
Tymoshenko, este tratado restabelecia o fornecimento de gás para a Ucrânia e UE
perante algumas alterações. O acordo foi assinado para os próximos dez anos (20092019) e previa um desconto de 20% para a Ucrânia sob preço médio de US$ 450 por
mil metros cúbicos de gás, em troca o lado ucraniano manteve a taxa de trânsito em
2009 ao nível de 2008 - 1,7 dólares por mil metros cúbicos por 100 quilômetros38.
Desta maneira, os resultados da "Revolução Laranja" bem como a ascensão do
governo pró-ocidente deram origem a uma série de crises prolongadas nas relações
entre os dois países. Durante o governo de Yushchenko os problemas econômicos da
Ucrânia impuseram um custo político a seus aliados pró-ocidentais, enfraquecendo tanto
apoio político e sua capacidade de implementar suas promessas de campanha
(NEWNHAM, 2011 p. 141). Além disso, as sucessivas crises no fornecimento de gás
mostraram mais uma vez aos países europeus os perigos da dependência das
infraestruturas de distribuição ucranianas, impulsionando os projetos de diversificação
para o território europeu (LEITAO, 2010).
Desta maneira, a Rússia tem intensificado suas ações voltadas para a construção
de gasodutos contornando a Ucrânia. A criação de rotas alternativas para o transporte de
gás russo para a Europa (Yamal-Europa e NordStream e TurkStream (ver figura I) levou
a um declínio gradual do volume do trânsito de gás através da Ucrânia. Em 2001,
37
Rossiysko-ukrainskiye gazovyye konflikty - Dos'ye; - (O conflito do gás russo-ucraniano – um dossiê) In:
TASS Disponível em: http://tass.ru/info/1128520 Acesso em: 14/10/2015;
38
Ibidem;
68
através do território ucraniano foram transportados para a UE cerca de 124,4 bilhões de
metros cúbicos, Já em 2010 - 98,6 bilhões de metros cúbicos. Em 2013, o montante caiu
para 86,1 bilhões de metros cúbicos. Ainda assim, no início dos anos 2010 a Ucrânia
permaneceu como o principal país de trânsito para as entregas de gás russo para a
Europa (BOLKUNETS, 2014). Apesar de Kiev ainda permanecer como um “país
corredor” importante no trânsito de gás, em um cenário futuro as investidas russas que
visam a diversificação da dependência dos países vizinhos, podem reduzir
substancialmente o poder de negociação da Ucrânia nos preços de importação, e
igualmente reduzir sua relevância geopolítica na região.
As sucessivas crises no abastecimento de gás para a Ucrânia, bem como a crise
econômica de 2008, exerceram forte influência no governo de Yushchenko, o qual a sua
posição e de seu partido foram muito criticadas pela população ucraniana devido a sua
gestão durante as crises. As eleições de janeiro de 2010 abriram espaço ao antigo
candidato pró-russo Viktor Yanukovych, ele venceu as eleições no segundo turno, em
uma disputa presidencial acirrada contra a ex-primeira-ministra e uma das líderes da
Revolução Laranja, Yulia Timoshenko (ADAM, 2011).
Com a ascensão de Viktor Yanukovych em 2010, e a adoção por parte da
Ucrânia de uma política mais amigável a Rússia, houve um progressivo interesse
político em estreitar os laços comerciais entre os dois países. Desta maneira, observa-se
um esforço por parte do Kremlin em rever a sua política de preços para a Ucrânia, o que
pode demonstrar uma nova politização de suas relações no âmbito energético
(ORTTUNGA; OVERLAND; 2011).
Assim que chegou ao poder em 2010, Viktor Yanukovych iniciou uma política
de revisão dos preços do gás para a Ucrânia. No dia, 21 de abril de 2010, reunidos na
cidade Kharkiv (leste ucraniano) o presidente russo, Dimitri Medvedev e seu homólogo
ucraniano assinaram uma série de acordos que previam os aditamentos de contratos no
fornecimento de hidrocarbonetos à Ucrânia, aumentando a compra de gás pela Naftogaz
para cerca de 36,5 bilhões de metros cúbicos ao ano, além disso, o acordo previa um
desconto de aproximadamente 30% sobre o valor do gás39
Em contrapartida, a Rússia exigia a renúncia das aspirações ucranianas em se
tornar membro da OTAN (PICOLLI, 2012 p. 23), bem como a extensão da garantia da
39
Fonte: Rossiysko-ukrainskiye gazovyye konflikty - Dos'ye; - (O conflito do gás russo-ucraniano – um
dossiê) In: TASS Disponível em: http://tass.ru/info/1128520 Acesso em: 25/10/2015;
69
presença da frota naval russa em Sebastopol (Crimeia) no Mar Negro até 2042, o
contrato previa também um aumento gradual no preço sobre o arrendamento da base
naval russa no território ucraniano - a partir de 28 de maio de 2017, a Rússia deveria
pagar cerca de US$ 100 milhões por ano pela locação bem como fundos adicionais
recebidos através da redução do preço do gás fornecido à Ucrânia (ORTTUNGA e
OVERLAND, 2011).
Estima-se que com os descontos nos preços do gás dados a Ucrânia, o Kremlin
deixaria de receber um total de US$ 3 bilhões ao ano (PIRANI; STERN; YAFIMAVA;
2010, p. 22), isto claramente reitera a natureza política das negociações, pois o governo
russo assumiu o custo destes acordos ao invés exigir que sua principal estatal no setor
energético, a Gazprom pague por estes compromissos firmados. As consequências
destas práticas podem incentivar um desarranjo na política energética externa da Rússia
novamente, e criar condições que podem eventualmente facilitar a eclosão de conflitos
no setor de energia no futuro (ORTTUNGA; OVERLAND; 2011).
O ano de 2014 foi marcado por uma profunda crise nas relações diplomáticas
entre Rússia e Ucrânia, o que evidenciou ainda mais antagonismo entre Moscou e o
Ocidente. A recente crise política foi desencadeada pela decisão de novembro 2013 na
qual o governo ucraniano encabeçado pelo seu presidente Viktor Yanukovych, decide
suspender a assinatura do Acordo de Livre Comércio com a União Europeia. Esta
decisão levou a protestos em massa no centro da capital ucraniana, estes eventos
receberam o nome de euro-maidan, em analogia aos protestos da Revolução Laranja de
2004 que se concentraram na região da praça Maidan, no centro de Kiev, uma análise
comparativa entre os dois eventos, demonstram que ambos se deram basicamente pelos
mesmos motivos, ou seja, ambos visavam um distanciamento da órbita russa e uma
aproximação com o bloco europeu ocidental.
Conforme argumenta Hendler (2014), a condição semiperiférica da Ucrânia,
perante os principais fluxos da economia mundial aliada a entraves internos, bem como
a disponibilidade escassa de acesso a recursos naturais, não permite ao país galgar uma
posição de preponderância dentro da Europa, porém lhe permite extorquir uma região
que é um dos centros do capitalismo, a Europa centro-ocidental.
Os desdobramentos da crise política na Ucrânia resultaram na deposição do
presidente Yanukovych e na incorporação da Crimeia pela Rússia realçando ainda mais
uma divisão política e étnica dentro do país, este contexto trouxe à tona a apreensão em
70
torno de possíveis conflitos armados no leste europeu como também aumentaram as
preocupações de uma possível descontinuidade de parte do fornecimento de gás natural
para a Europa. Conforme observamos anteriormente, o temor europeu se justifica pelo
histórico de retaliações russas no tocante as relações com a Ucrânia.
Devido a escalada da crise ucraniana, bem como as acusações dos governos
ocidentais que o lado russo estaria se envolvendo diretamente no conflito, enviando
soldados para defender as áreas russófonas no leste ucraniano, os EUA e a UE lançaram
uma série de sanções econômicas à Rússia direcionadas principalmente a grandes
companhias estatais do setor petrolífero russo, como a Gazprom, Lukoil e Rosneft
(FAUS, 2014)
A administração Obama impôs à Gazprom, GazpromNeft e outras três
companhias energéticas – Lukoil, Surgutneftegas e Rosneft – sanções que “proíbem” a
exportação de bens e serviços e tecnologia que deem suporte aos projetos de exploração
de petróleo nas áreas sob controle russo no Ártico. No caso da UE, Bruxelas mirou nos
subsídios do setor energético russo a partir de capital europeu, e proibiu qualquer tipo
de financiamento do bloco europeu para empresas russas nas quais o controle acionário
estatal ultrapasse 50%, e cujo faturamento seja superior a 31 bilhões de euros, neste
contexto as principais companhias atingidas foram a Gazprom, a Rosneft e a Transneft
(gestora de oleodutos) (FAUS, 2014).
Como resultado dessas sanções observa-se uma deterioração significativa das
relações do Kremlin com o Ocidente e uma aproximação russa com a China. No
contexto internacional há uma queda substancial dos preços do petróleo o que desferiu
um novo golpe à economia russa, que em 2014 registrou um crescimento negativo, e as
perspectivas para o ano de 2015 e 2016 demonstram as mesmas tendências, em
consequência disso, observa-se também uma desvalorização da moeda russa, a queda do
rublo se deve principalmente em virtude da diminuição dos preços do petróleo no
mercado internacional, já que estes são fundamentais na formação do orçamento do país
e no funcionamento da economia russa como um todo. Apesar destes entraves, a
popularidade do presidente russo Vladimir Putin, dentro do país e no exterior, registrou
o caminho inverso, e está crescendo consideravelmente. (CHERNITSYNA, 2015).
Apesar da recente crise ter se revelado a maior entre a Rússia e o Ocidente desde
o fim da Guerra Fria, o que se pode desprender desta, é uma significativa mudança no
comportamento geopolítico de Moscou, pois diferente dos conflitos anteriores, o
71
fornecimento de gás à UE não foi comprometido, pois os preços destes recursos
energéticos atualmente se encontram em um patamar bem mais baixo em relação aos
anos anteriores, e isto comprometeu seriamente as receitas do Kremlin, dessa forma,
suspender o fornecimento de hidrocarbonetos à Europa poderia provocar efeitos
danosos nas finanças russas.
Nestas novas condições, a Rússia começou a articular uma sequência de
propostas para assegurar seu controle no mercado europeu de energia, bem como
estreitar laços com outros países que compunham a URSS. Como primeira medida, os
países que compõe a União Euroasiática40 devem criar um mercado único no setor
energético, Vladimir Putin observou que “a localização geográfica dos países-membros
pode futuramente criar rotas de transporte de energia não apenas na esfera regional, mas
também de significância global”41.
3.2.2 As relações entre a Rússia e Belarus
As sucessivas crises no relacionamento entre Moscou e Kiev abriram margem
para uma aproximação da Rússia com a Belarus, que a partir de 2013, o trânsito de gás
russo através do território da Belarus aumentou em 1,8 vezes e totalizou 48,8 bilhões de
metros cúbicos (BALKUNETS, 2014).
O caso bielorrusso é especialmente importante, pois destaca a ligação muito
estreita entre a política externa, política doméstica e comércio de energia no espaço pós
soviético. Desde 1994, Belarus esta envolvida em processo de (re)unificação política
com a Rússia, estes processos foram em grande medida influenciados pela necessidade
de Minsk que Moscou mantenha os subsídios de energia, visto que o Estado bielorrusso
ainda controla cerca de 75% da atividade econômica do país, portanto preservar os
40
A União Econômica Eurasiática é uma proposta de aprofundamento da integração econômica e política
entre a Bielorrússia, o Cazaquistão, a Rússia, com o objetivo futuro de criar uma organização
supranacional. Estes países assinaram um acordo de livre circulação de pessoas, bens, serviços, capital e
trabalho, e ainda acordaram na execução de políticas em sectores-chave de suas economias como o setor
de energia, indústria e transporte. A formação deste mercado comum, já é considerado o maior na CEI.
(Rossiya, Kazakhstan i Belorussiya podpisali dogovor o Yevraziyskom soyuze (Rússia, Cazaquistão e
Belarus assinaram um acordo sobre a União Eurasiática) In: lenta.ru disponível em:
http://lenta.ru/news/2014/05/29/evraz/ acesso em: 03/11/2015.
41
Discurso de Vladimir Putin na reunião do Conselho Econômico Eurasiano. Disponível em:
http://en.kremlin.ru/events/president/transcripts/45788 acesso em: 03/11/2015.
72
preços baixos de energia é um fator crucial para alicerçar a economia do país como um
todo (BALMACEDA, 2006).
Em 2006, Belarus pagava apenas US$ 47 a cada mil metros cúbicos de gás, ao
passo que o governo ucraniano (pró-ocidente) pagava cerca de cinco vezes mais
(NEWNHAM, 2011). A Rússia, por sua vez, recebeu vantagens de Belarus, estendendo
concessões no transporte de energia para o mercado europeu, e igualmente garantiu
privilégios militares e políticos no relacionamento com Minsk (BALMACEDA, 2006).
Desse modo, em virtude do posicionamento geoestratégico de Belarus, a Rússia
garante uma relação privilegiada com um país que faz fronteira com a Polônia, um
membro da OTAN (LEITAO, 2011 apud AGATA, 2001), em vista disso, manter a
influência russa na Belarus confere ao Kremlin maior capacidade de projeção de poder,
e em alguma medida assegura a improbabilidade de uma eventual tentativa da OTAN de
cooptação do país vizinho, além de oferecer à Gazprom uma alternativa diante da
dependência da Ucrânia enquanto território de trânsito de hidrocarbonetos.
Ainda que Minsk se revele mais disposta a cooperar com a Rússia, o
relacionamento entre estes dois países esteve marcado por alguns entraves quanto a
questão energética, como foi o caso da crise de 2004, desde o primeiro mandado de
Vladimir Putin, o Kremlin tem procurado rever sua parceria energética com a Belarus, e
assim como feito com a Ucrânia, Moscou exigia um aumento gradual dos preços dos
hidrocarbonetos russos pagos por Minsk, e ainda a Gazprom articulava a aquisição de
grande parte da infraestrutura de gasodutos administrada pela empresa estatal
bielorrussa Beltransgaz (ADAM, 2008).
As condicionantes fixadas pela Gazprom para a Belarus previam aumentar o
preço de US$30 para US$ 50 por mil metros cúbicos, ainda que estes preços estivessem
bem abaixo dos pagos pela UE, o governo bielorrusso imediatamente recusou o acordo.
As negociações seguiram quanto a aquisição da Beltransgaz, a Gazprom ofereceu uma
oferta de aproximadamente US$ 600 milhões pela empresa (CALDIOLI, 2012 p. 09),
enquanto Minsk pedia pelo menos US$ 5 bilhões de dólares pelo controle majoritário
das ações da companhia, por conta disto as negociações da compra da Beltransgaz
foram retomadas apenas em 2007 (ADAM, 2008 p. 218).
O pior momento dessa crise veio em fevereiro de 2004, quando Belarus
começou a desviar para seu território o gás natural que iria para os países da UE: a
73
Rússia não demorou para cortar o trânsito de gás natural para a UE através Belarus,
impondo a Minsk sérias restrições a sua economia, extremante dependente não
unicamente dos recursos energéticos russos, mas também do “pedágio” pago pela
Gazprom para que o gás natural russo possa cruzar o território bielorrusso. Deste modo,
a solução da crise veio pouco tempo depois, quando Minsk assinou um contrato com a
Gazprom que antevia o pagamento de $ 46,68 por mil metros cúbicos, após a celebração
deste novo acordo, os fornecimentos para a Belarus e UE foram normalizados
(CALDIOLI, 2012 p. 09).
Apesar da rápida solução da crise, as disputas acerca do transporte de
hidrocarbonetos pela Belarus não estavam encerradas, e novos impasses sobre a questão
foram retomado em 2007, quando o governo bielorrusso procurou novamente
reconsiderar sua política energética com a Rússia e impôs uma tarifa de US$ 45,00 por
tonelada de petróleo que passa através do oleoduto Druzhba42, uma ação legal foi
movida contra a Transneft (principal gestora deste gasoduto) exigindo a regularização
do pagamento destes impostos (ibidem), a empresa russa respondeu dizendo que
considerava estas taxas ilegais e arbitrárias e acusou Minsk de estar roubando petróleo
que estava destinado a UE, como resultado imediatamente suspendeu o fornecimento de
petróleo através do oleoduto Druzhba, apesar disso, nenhum país europeu foi afetado
pela medida, pois os mesmos contavam com reservas de petróleo e gás estocados para
suprir a suspensão durante por algumas semanas43. Dois dias depois do corte, em 10 de
janeiro de 2007, o governo bielorrusso concordou em abolir o imposto do trânsito de
petróleo por este oleoduto, e novamente o fornecimento de petróleo por este gasoduto
foi retomado44.
Os reflexos desta disputa, foram vistos em um importante acordo entre os dois
países, o presidente bielorrusso Alexander Lukashenko concordou em vender 50% das
ações da empresa Beltransgaz à Gazprom, por aproximadamente US$ 2,5 bilhões a
serem pagos em dinheiro em quatro prestações, com vencimentos no período de 2007 a
42
O oleoduto Druzhba (amizade, em português), é considerado um dos maiores do mundo, e fornece
cerca de 20% do petróleo para Alemanha. Ele também é responsável pelo fornecimento de petróleo para a
Polônia, Ucrânia, Eslováquia, República Checa e Hungria. O início da construção do mesmo, se deu
ainda na URSS, na década de 1960, na Era Brezhnev, e foi concebido para atender as demandas
crescentes de petróleo dos países satélites da URSS, como Bulgária, Hungria, a antiga República
Democrática Alemã, Polônia e Tchecoslováquia (GOLDMAN, 2008).
43
Fonte: Russia oil row hits Europe supply In BBC News, disponível em:
http://news.bbc.co.uk/2/hi/business/6240473.stm acesso em: 04/11/2015.
44
Fonte: Belorussiya otmenila tranzitnuyu poshlinu (Belarus cancela o imposto de trânsito) In: BBC
Russia, disponível em: http://news.bbc.co.uk/hi/russian/russia/newsid_6248000/6248293.stm acesso em:
04/11/2015.
74
2010 (ADAM, 2008 p. 219), este valor foi quatro vezes maior do que a proposta inicial
feita pela Gazprom, além disso, a Belarus receberia um desconto significativo nos
preços dos hidrocarbonetos, em 2009, enquanto a Ucrânia pagava cerca de US$ 232,54
a Belarus desembolsava a quantia de US$ 151 por mil metros cúbicos de gás
(ORTTUNGA; OVERLAND; 2011, p. 81).
Apesar das investidas bielorrussas em pleitear melhores condições de
pagamento diante dos hidrocarbonetos que recebe da Rússia, Minsk (assim como Kiev)
dificilmente consegue obter sucesso na barganha com Moscou pois não vislumbra
nenhuma alternativa capaz de substituir os suprimentos de hidrocarbonetos, já que
praticamente todo o gás que a Belarus consome provém da Rússia, este grau elevado de
dependência se reflete também no imódico da dívida que Minsk detém com a Gazprom,
em 2007, o déficit de Belarus face à empresa ascendia a cifra de US$ 1.3 bilhões
(NEWNHAM, 2011), cujo preço subsidiado não garantia o pagamento regular da
dívida, pelo contrário atrela ainda mais o controle que o Kremlin tem em relação a
Belarus.
Desse modo, ainda em 2007 surgiu outra crise sobre a questão energética entre
Minsk e Moscou, a Gazprom exerceu pressão para que a dívida bielorrussa fosse
quitada. Neste contexto, a Gazprom ameaçou suspender o abastecimento de 45% do gás
a Belarus, caso pelo menos US$ 456 milhões desta dívida não fossem pagos, Minsk em
primeiro momento conseguiu pagar cerca de 190 milhões deste débito, e pediu uma
semana adicional para quitar o restante do valor, caso contrário, enfrentaria um corte de
30% do fornecimento de gás (NOVIK, 2007), estas ameaças parecem ter surtido efeito
no governo bielorrusso, pois em 8 de agosto de 2007, a Belarus conseguiu pagar
integralmente esta dívida US$ 460 milhões, pondo fim a uma disputa entre o país e a
Gazprom (CALDIOLI, 2012 p. 09).
Em face deste histórico de disputas com os países de trânsito (principalmente
Ucrânia e Belarus) Adam (2008) argumenta que o Kremlin vem adotando algumas
estratégias para aumentar seus ganhos relativos, bem como seu poder de barganha
diante dos países que compunham a URSS:
Uma é procurar adquirir parcelas das empresas de distribuição de energia
bielo-russas e ucranianas. A segunda é construir gasodutos que evitem os
territórios dos países corredor. E a terceira é conseguir firmar posição como
75
parceira dos países da Ásia Central que possuem reservas de gás natural e
petróleo. (ADAM, p. 217)
As táticas acima se revelam importante, pois obter o controle dos sistemas de
entrega de gás da Belarus (conforme demonstrado pela aquisição da empresa
Beltransgaz), bem como a construção de oleodutos e gasodutos alternativos (NordStream, TurkStream, etc) tem permitido a Rússia minimizar os riscos da dependência
dos países de trânsito, de modo a garantir um fornecimento confiável de recursos
energéticos para aos seus parceiros europeus.
Quanto a terceira estratégia russa, podemos afirmar que os interesses energéticos
russos na região do Mar Cáspio estão inextricavelmente ligados aos interesses
geopolíticos. As relações da Rússia com os países que detém grandes reservas de
hidrocarbonetos na região do Cáspio e da Ásia Central ocupam um lugar de destaque no
escopo das relações externas russas, face a estas circunstâncias, principalmente no
âmbito da União Euroasiática, o Kremlin vem estreitando relações no domínio dos
transportes em outras áreas econômicas com Cazaquistão, Uzbequistão e Turcomenistão
(TSYGANKOV, 2010).
É importante ressaltar que Moscou também renegociou acordos sobre os preços
de hidrocarbonetos principalmente com o Turquemenistão e o Cazaquistão (ambos,
principais produtores de gás na região) deixando-os com menos incentivos para exportar
para a Europa e China. Com os preços mais atraentes oferecidos pela Rússia associado a
um sistema de transporte de energia no local, os estados do Cáspio estariam menos
dispostos para executar novos projetos de construção de gasodutos que favorecessem
outras nações. Em fevereiro de 2002, por exemplo Vladimir Putin também propôs um
projeto ambicioso chamado a "OPEP do gás" que envolveria a primordialmente a
Rússia e os países produtores da Ásia Central, com o objetivo de dominar os mercados
mundiais no setor (TSYGANKOV, 2010 p. 153).
Desse modo, as investidas do Kremlin sob esta questão envolvem em grande
medida o recrudescimento da cooperação e integração da Rússia, Belarus e Cazaquistão
na esfera da União Euroasiática através dos planos para estabelecer um mercado comum
de energia neste bloco. Esta é uma ferramenta importante para a formação de relações
estáveis em matéria de trânsito dos recursos energéticos da Rússia e do Cazaquistão,
através do território da república de Belarus (BALKUNETS, 2014).
76
Interesses comuns nestas áreas criam confiabilidade e uma garantia adicional de
cooperação a longo prazo, numa base mutuamente benéfica. Tanto para a Rússia quanto
para o Cazaquistão é importante aumentar sua presença no mercado de energia da UE, a
fim de minimizar o risco de trânsito e reduzir a dependência em relação à Ucrânia.
Dado os planos de Moscou e Astana de expandir a exportação de petróleo e gás para a
UE, é esperado que o trânsito de petróleo vindo do Cazaquistão e da Rússia passando
pela Belarus duplique até 2020 (ibidem). Nestas circunstâncias, a República de Belarus
pode se beneficiar igualmente, pois calcula-se a expansão do trânsito de
hidrocarbonetos através de seu território, isto outorga a Minsk maior relevância
estratégica, bem como maior poder de barganha com Moscou.
Dessa maneira, a política externa do Kremlin assume que a energia é parte de
sua estratégia geopolítica para aumentar sua influência entre os países. Assim, a Rússia
utiliza o seu poder energético para manter uma esfera de interesse especial, prolongar a
existência de bases militares e apoiar a eleição de líderes simpáticos na área póssoviética (ORTTUNGA; OVERLAND, 2011).
Neste contexto, observamos que os hidrocarbonetos vão invariavelmente influir
no futuro das relações do Kremlin com seus parceiros no setor, a Rússia enquanto
potência energética e militar, poderá usar destas variáveis para persuadir seus vizinhos
(especialmente os que faziam parte da URSS) e assegurar seus interesses nestes países.
No entanto, a emergência de novos atores (principalmente Turquia e China) associado
ao significativo fortalecimento das relações dos países do Mar Cáspio e do Leste
Europeu com o ocidente, podem representar entraves para o Kremlin alcançar seus
objetivos políticos nestas regiões.
A Rússia por sua vez, a fim de minimizar perdas econômicas prossegue com
uma estratégia de diversificação de suas exportações de energia, primordialmente
orientadas para fora do continente europeu, a implementação de importantes projetos no
ramo de hidrocarbonetos direcionados aos promissores mercados asiáticos, pode
cristalizar esta intenção e representar uma mudança significativa do futuro da presença
russa no cenário internacional.
77
CONSIDERAÇÕES FINAIS:
Para entendermos a interferência dos recursos energéticos na política externa
russa precisamos levar em consideração principalmente duas premissas básicas: a
primeira baseia-se na relevância que tais matérias-primas exercem no atual contexto de
desenvolvimento econômico mundial e a segunda apóia-se na Rússia enquanto um
relevante fornecedor de recursos energéticos para o mercado mundial (principalmente
para o mercado europeu). A partir da dinâmica estabelecida na interação entre estas
conjunturas deriva-se os mais diversos instrumentos usados pelo Kremlin para defender
os seus interesses nacionais.
Por meio da análise histórica, que remonta o período soviético, pudemos
encontrar prováveis razões que fizeram a Rússia se tornar um importante fornecedor de
hidrocarbonetos para um dos centros do capitalismo mundial: a Europa Ocidental. O
contexto que possibilitou a aproximação entre URSS e Europa foi a instabilidade
política na região do Oriente Médio e a proximidade geográfica com o Estado
Soviético, assim, os dirigentes europeus viram a necessidade de diversificar seus
fornecedores de energia, e como Moscou já era o principal exportador de
hidrocarbonetos para os países socialistas no leste europeu, abriu-se precedentes para
estender estas exportações para os países capitalistas do ocidente continental. Apesar
das diferenças ideológicas existentes entre Rússia e Europa no escopo da Guerra-Fria,
as exportações de energia russa nunca pararam, pelo contrário possibilitaram a difusão e
desenvolvimento de inúmeros gasodutos que ligam a Rússia ao continente europeu até
os dias de hoje.
Os processos de privatizações ocorridos na Rússia durante a Era Yeltsin, fizeram
com que grande parte do patrimônio estatal russo no ramo energético fosse adquirido
por um pequeno grupo de burocratas que havia acumulado poder no curso da
desmontagem da URSS nos anos 1990. Enquanto uma pequena elite econômica
adquiria poder às custas da venda de hidrocarbonetos, a economia russa estava abalada
e enfraquecida, ao passo que o governo russo testemunhava a perda de sua influência
externa, as consequências da fraqueza política da Rússia nos anos 1990 ocasionaram
uma extensão gradual do bloco regional europeu e da OTAN para os países que faziam
parte da órbita soviética.
O quadro de fraqueza geopolítica de Moscou no cenário internacional,
78
impulsionou a adoção de políticas no sentido de promover a reorganização do aparato
estatal. Dessa maneira, Vladimir Putin assume a presidência da Federação Russa nos
anos 2000 e inicia o processo de centralização das principais companhias do setor
energético russo para as mãos do Estado. O concomitante aumento dos preços do
petróleo no mercado internacional deu um novo fôlego à economia russa, e acelerou o
processo de estatização das principais companhias do setor.
O crescimento econômico registrado no primeiro mandato de Vladimir Putin,
lhe atestou altos índices de aprovação interna e influiu na reeleição em 2004, bem como
na continuidade de seu projeto de engendrar grandes companhias em setores-chaves
para a economia russa, como por exemplo o dos hidrocarbonetos. O presidente russo
utilizou-se do caráter dúbio em que os principais oligarcas adquiriram suas fortunas
para conceder ao Estado legitimidade no intuito de facilitar os processos de estatização
destas empresas. Assim, ao final de seu segundo mandato a maioria destas empresas já
estavam em mãos estatais.
Os processos de estatização do setor energético russo coincidiram com a alta
expressiva dos preços de petróleo no mercado internacional e, similarmente,
apresentaram uma Rússia potencialmente ressurgente e economicamente viável, com
claras pretensões de se tornar um dos principais fornecedores de energia do mundo. O
decorrer destes acontecimentos evidenciou o caráter cada vez mais dependente da
Europa em relação aos hidrocarbonetos russos.
A Rússia vale-se do caráter dependentista da UE para extorquir maiores ganhos
em suas relações bilaterais com o bloco europeu, e ao mesmo tempo utiliza os
hidrocarbonetos como forma de projeção internacional. Nos países limítrofes ao seu
território (principalmente Ucrânia e Belarus) o Kremlin emprega os seus recursos
energéticos como instrumento de barganha política para que seus interesses militares e
econômicos nestas regiões sejam atingidos. Tal comportamento da diplomacia russa
para com os seus parceiros comerciais pode ser visto como uma resposta do Kremlin a
extensão da OTAN para os países que faziam parte de sua tradicional zona de
influência, dessa maneira o uso do instrumento energético foi um meio utilizado pelos
dirigentes russos visando a garantia dos seus interesses nacionais, principalmente nas
regiões que faziam parte da antiga URSS.
Cumpre ressaltar que a efetividade destas políticas adotadas por Moscou foram
possíveis devido a relativa ausência de unificação na formulação de uma política
79
externa conjunta no sistema europeu, enquanto a Rússia é representada por um único
Estado, que coloca em prática uma posição consistente no intuito de atender seus
interesses, as políticas seguidas pela UE no domínio energético, privilegiam os países
mais ricos do bloco (os principais consumidores de hidrocarbonetos) e nem sempre
levam em consideração os interesses dos países do leste europeu que fazem parte da UE
(CHERNITSYNA, 2015), estes ainda mais dependentes dos recursos energéticos
russos, portanto os países mais vulneráveis e com economias mais frágeis se tornam os
principais prejudicados neste jogo político. Assim, podemos dizer que a segurança
energética do bloco europeu vai depender em grande medida da maneira pela qual os
países gerenciam suas relações uns com os outros a nível bilateral ou no âmbito
multilateral, no que concerne a questão energética.
A questão geográfica e histórica obriga a Ucrânia e a Belarus a viverem à
sombra dos objetivos políticos da Rússia, pois a falta de fornecedores de energia
alternativos e o fato de serem o principal elo de ligação dos dutos russos à Europa irá
inevitavelmente colocá-los sob a esfera russa. Dessa forma, Moscou se apropria da
dependência de Minsk e Kiev dos hidrocarbonetos russos para reprimir qualquer ímpeto
que estimule uma aproximação política-militar mais efetiva destes países com a
coalização ocidental. É possível afirmar isto com base no histórico de crises que estes
países tiveram com Moscou, o emblemático caso ucraniano chama mais atenção, pois a
Ucrânia todas as vezes que tentou estreitar laços militares com a OTAN foi
imediatamente coagida pelo Kremlin, resta cristalino que as crises no abastecimento de
gás à Ucrânia foram em grande medida influenciadas por tais tentativas.
A Rússia por sua vez, tenta burlar a importância de Belarus e Ucrânia enquanto
importantes corredores de recursos energéticos russos. Acelera o desenvolvimento de
dutos que balizam os territórios destes países e conecta a Federação Russa aos seus
principais compradores de energia na Europa, isto a médio ou longo prazo pode diluir a
importância estratégica de Kiev e Minsk. Além disso, Moscou aproveita-se de sua
influência política e econômica nos principais produtores de gás na Ásia Central para
coptá-los a vender seus hidrocarbonetos à Rússia ou a países não europeus, o que
claramente defere à Europa ainda mais dependência de Moscou, pois compromete a
consolidação de possíveis fornecedores alternativos.
A emergência de grandes economias na Ásia (principalmente China e Índia)
bem como a crescente demanda de suas economias por combustíveis fósseis podem
80
potencialmente redesenhar a distribuição dos consumidores de hidrocarbonetos russos,
dessa maneira o Kremlin percebe a ascendência destes mercados como possíveis
substitutos do mercado europeu, e sem dúvida utilizará deste fator para diversificar seus
clientes de gás e petróleo, o que provavelmente concederá ao Kremlin maior poder de
barganha com a UE.
Dessa maneira, sugere-se como estudos futuros desta pesquisa assistir ao
estreitamento das relações da Rússia com os países asiáticos e quais os reflexos que esta
aproximação representará à UE, neste sentido faz-se as seguintes perguntas: Quais as
alternativas que Bruxelas possui no que se refere aos seus fornecedores de energia? A
ascensão do terrorismo internacional, bem como a escalada da instabilidade no Oriente
Médio podem representar uma ameaça na questão energética para a UE e eventualmente
beneficiar a Rússia enquanto um importante fornecedor de energia?
81
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:
ADAM, Gabriel P., A Rússia e os Países da Comunidade dos Estados Independentes no
Início Do Século XXI. In: ALVES, André Gustavo de Miranda Pineli (Org.). Uma
longa transição: Vinte anos de transformação na Rússia. Brasília: Instituto de
Pesquisa Econômica Aplicada - Ipea, 2011. 298 p.
________. Gabriel P., As Relações entre Rússia, Ucrânia e Belarus e o papel que
nelas exercem os recursos energéticos. 2008. 273 f. Tese (Doutorado) - Programa de
Pós-graduação em Relações Internacionais, Instituto de Filosofia e Ciências Humanas,
Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2008.
ALEKPEROV, Vagit, Oil of Russia: Past, Present and Future, Minneapolis EUA,
East View Press., 2011. 944 p.
ALMEIDA, João Marques de. A União Europeia e a Rússia após a crise da Geórgia: o
fim do paradigma do “pós-Guerra Fria”. In: Scielo - Scientific Electronic Library
Online.
20,
dezembro/2008.
p.
17-29.
Disponível
em:
<http://www.scielo.oces.mctes.pt/pdf/ri/n20/n20a02.pdf> Acesso em: 11/10/2015
BALKUNETS, Dmitry Viktorovich. Problemy i perspektivy tranzita rossiyskikh
energoresursov cherez belarus' Zhurnal teoriya i praktika obshchestvennogo
razvitiya, (Problemas e perspectivas no trânsito dos recursos energéticos russos através
da Bielorrússia) Revista de Teoria e Prática de desenvolvimento Social. Krasnodar,
v. 8, n. 1, p. 141-144, 11 jun. 2014. Quinzenal. Disponível em: <http://teoriapractica.ru/rus/files/arhiv_zhurnala/2014/8/ekonomika/balkunets.pdf>. Acesso em: 15
out. 2015. No original: БАЛКУНЕЦ, Дмитрий Викторович. Проблемы и
перспективы транзита российских энергоресурсов через беларусьь: теория и
практика общественного развития, Краснодар, Сер. 8. Вып. 1 стр. 141-144 11
июня 2014.
BRZEZINSKI, Zbigniew. The Grand Chessboard: American Primacy and its
Geostrategic Imperatives. Nova Iorque: Basic Books, 1997. 240 p.
BUSHUYEV, V.V. et al. Global'naya Energetika i Geopolitika: Rossiya i mir
(Energia global e geopolítica: a Rússia e o mundo). Moscou: Y. K. Shafranik – M: PH,
2015. 88 p. ISBN 978-5-98908-374-9 No original: БУШУЕВ, В.В. ет ал. Глобальная
Энергетика и Геополитика: Россия и мир. Москва. 88 стр.
BUZAN, Barry. People, States and Fear: An Agenda for International Security
Starting in the Post-Cold War Era, Colchester UK. ECPR Press. 2008. 318 p.
CADIOLI, Giovanni. Belarus-Russia Energy Disputes – Political and Economic
Comparative Analysis. Pecob's Energy Policy Studies: Energy Analyses on Central
Eastern and Balkan Europe, Faenza - Italia, v. 1, n. 1, p.1-18, fev. 2012. Mensal.
CHERNITSYNA, Sofia Yuryevna. Rol' Energeticheskoĭ Diplomatii V Formirovanii
Vneshneĭ Politiki Rossii Na Sovremennom Etape (2000–2014) “O papel da
diplomacia da energia na formação da política externa da Rússia de hoje (2000-2014)”.
2015. 174 f. Tese (Doutorado) - Curso de História das Relações Internacionais e
Política Externa (Ciências Históricas), Instituto Estatal de Relações Internacionais de
Moscou - MGIMO, Moscou, 2015. No original: ЧЕРНИЦЫНА, София Юрьевна.
“Роль Энергетической Дипломатии в Формировании Внешней Политики
России на Современном Этапе (2000–2014)” (2015) 174 стр. Тезис (докторская
82
степень) История международных отношений и внешней политики (исторические
науки), Московский Государственный Институт Международных Отношений
(Университет) - МГИМО, Москва, 2015.
CHOW, Edward C.. Russian Pipelines: Back to the future?. Georgetown Journal Of
International Affairs, Washington, p.27-33, 16 jan. 2004. Trimestral. Disponível em:
<http://carnegieendowment.org/pdf/files/chowarticle-jan04.pdf>. Acesso em: 20 set.
2015.
CONSIDINE, Jennifer I.; KERR, William A. The Russian Oil Economy. Cheltenham
UK: Edward Elgar Publishing Limited, 2002. 375 p.
DEESE, David A. “Energy: Economics, Politics, and Security,” International Security
v. 4, no. 3 (1979/1980)
DMITRIEV, Oleg. Of Russian origin: Politburo. 2014. Disponível
<http://russiapedia.rt.com/of-russian-origin/politburo/>. Acesso em: 15 jun. 2015.
em:
DUBIEN, Arnaud. Russie-Ukraine: opacité des réseaux énergétiques. Russie Nei
Visions, Paris , v. 19, n. 1, p. 1-20. Maio/2007. Mensal.
EBEL, Robert. E, Communist Trade in Oil and Gas: An Evaluation of the Future
Export Capability of the Soviet Bloc, Nova Iorque: Praeger Publishers. 1970. 443 p.
FAUS, John. As novas sanções dos EUA para a Rússia miram seu setor energético. El
Pais,
Washington,
12
set.
2014.
Disponível
em:
http://brasil.elpais.com/brasil/2014/09/12/internacional/1410541477_220739.html
Acesso em: 03/11/2015
GOLDMAN, M. L. The Enigma of Soviet Petroleum: Half-Empty or Half-Full,
Londres. HarperCollins Publishers Ltd, 1980. 240 p.
_________, Marshall L.. Petrostate: Putin, power and the new Russia. Nova Iorque:
Oxford University Press, 2008. 244 p.
GUSEV, Alexander. Energy Relations between the European Union and Russia:
content, problems, prospects. Centre International de Formation Europeenne, Diplome
des Hautes Etudes Europeennes et Internationales, Nice, França, 2007-2008 131 p.
HENDLER, Bruno. O gás natural, a Ucrânia e a relação Rússia-União Europeia: o
que as teorias de relações internacionais têm a dizer? 2014. Disponível em:
<http://mundorama.net/2014/05/24/o-gas-natural-a-ucrania-e-a-relacao-russia-uniaoeuropeia-o-que-as-teorias-de-relacoes-internacionais-tem-a-dizer-por-bruno-hendler/>.
Acesso em: 31 out. 2015.
KAPLAN, Robert. Russia's Pipelines of Empire. 2014. Disponível em:
<http://www.realclearworld.com/articles/2013/11/14/russias_pipelines_of_empire.html
>. Acesso em: 03 out. 2015.
KHARLAMOVA V. N.; FILIMONOVA N. A. Vneshnyaya energeticheskaya
politika Rossii: na primere energo dialoga RF-ES (Política energética externa da
Rússia: o exemplo do diálogo energético UE-Rússia). Editora da Universidade de São
Petersburgo. São Petersburgo, 2006. v. 4. Ed. 5. p. 108-119. No original: В. Н.
ХАРЛАМОВА; Н. А. ФИЛИМОНОВА. Внешняя энергетическая политика
83
России: на примере энерго диалога РФ-ЕС Научно-теоретический журнал
«Вестник Санкт-Петербургского университета». Санкт-Петербург. Сер. 5. Вып. 4;
стр. 108-119.
KORYBKO, Andrew. Oil Geopolitics: The South Stream Pipeline Has Been
Replaced
by
“The
Balkan
Stream”. 2015.
Disponível
em:
<http://www.globalresearch.ca/oil-geopolitics-the-south-stream-pipeline-has-beenreplaced-by-the-balkan-stream/5436598>. Acesso em: 09 out. 2015.
KUCHINS, Andrew C. (Ed.). Russia After the Fall. Washington D.C: The Brookings
Institution Press, 2002. 325 p.
LEITAO, Antônio Manuel Santos. Dinâmicas e relacionamento entre a Rússia e a
Europa: o sector energético. 2010. 107 f. Dissertação (Mestrado) - Curso de
Economia, Universidade de Coimbra, Coimbra, 2010.
LO, Bobo. Vladimir Putin and the Evolution of Russian Foreign Policy. Londres:
Blackwell Publishing Ltd, 2003. 165 p.
MAZAT, Numa. Um estudo Heterodoxo da Trajetória Econômica Contemporânea
da Rússia, Rio de Janeiro: UFRJ/IE, 2007. 100 p.
MEDEIROS, C. Desenvolvimento econômico e ascensão nacional: rupturas e transições
na Rússia e na China. In: FIORI, J.; SERRANO, F.; MEDEIROS, C. O mito do
colapso do poder americano. São Paulo: Record, 2008.
MIKHAILOVA, Irina. Rússia E China: Transformações Econômicas À Luz Da História
Das Relações Bilaterais. Revista de Relações Internacionais da UFGD, Dourados, v.
2, n. 3, p.308-335, jul. 2014. Trimestral. Disponível em:
<http://www.periodicos.ufgd.edu.br/index.php/moncoes/article/viewFile/2702/1703>.
Acesso em: 20 out. 2015.
MILOV, Vladimir; COBURN, Leonard L.; DANCHENKO, Igor. Russia's Energy
Policy, 1992-2005. Eurasian Geography and Economics: Institute of Energy Policy.
Washington DC, v. 03, n. 47, p. 285-313. 15/05/2013. Mensal.
MYANT, Martin e DRAHOKOUPIL, Jan “Transition Economies: Political Economy in
Russia, Eastern Europe, and Central Asia”, Hoboken, Nova Jersey: Ed. WileyBlackwell. 2010 416 p.
NEWNHAM, Randall. Oil, carrots, and sticks: Russia’s energy resources as a foreign
policy tool. Journal Of Eurasian Studies, [s.l.], v. 2, n. 2, p.134-143, jul. 2011.
Elsevier
BV.
DOI:
10.1016/j.euras.2011.03.004.
Disponível
em:
<http://api.elsevier.com/content/article/PII:S187936651100011X?httpAccept=text/xml>
. Acesso em: 23 out. 2015.
NOVIK, Gennady. UPDATE 4- Belarus buys one week's respite in Russia gas row. US
Reuters,
Washington,
3
Ago.
2007.
Disponível
em:
http://www.reuters.com/article/2007/08/03/gazprom-belarus-settlementidUSL0347959120070803#wD4WsMFKtFzqLc5T.97 Acesso em: 04/11/2015.
OLIKER, Olga et al. Russian Foreign Policy: Sources and Implications. Santa
Monica:
Rand
Corporation,
2009.
248
p.
Disponível
em:
<http://www.rand.org/content/dam/rand/pubs/monographs/2009/RAND_MG768.pdf>.
Acesso em: 21 set. 2015.
84
ORTTUNG, Robert W.; OVERLAND, Indra. A limited toolbox: Explaining the
constraints on Russia’s foreign energy policy. Journal Of Eurasian Studies, [s.l.], v. 2,
n. 1, p.74-85, jan. 2011. Elsevier BV. DOI: 10.1016/j.euras.2010.10.006. Disponível
em:
<http://api.elsevier.com/content/article/PII:S1879366510000394?httpAccept=text/xml>.
Acesso em: 06 nov. 2015.
OSTROVSKY A.V. Glupost' ili izmena? Rassledovaniye gibeli SSSR. (Estupidez ou
traição? Investigação sobre a morte da URSS) — Moscou Krymskii Most. Ed. Forum,
2011. 864 p. No original: ОСТРОВСКИЙ А. В. Глупость' или измена?
Расследование гибели СССР. Москва: Крымский мост - изд. ФОРУМ, 2011. 864
стр.
ÖZDEMIR, Volkan. The Blue Stream Natural Gas Pipeline: Implications On Energy
Security And Foreign Policy, International Strategic Research Organisation
(USAK), Ankara, Turquia, v. 2, n. 3, p. 135-148. 06/2007. Disponível em:
http://www.usak.org.tr/dosyalar/dergi/yp9malgzflQiPyzqNGh9gHeBkEhXYR.pdf
Acesso em: 12/10/2015
PICCOLLI, Larlecianne. Europa enquanto Condicionante da Política Externa e de
Segurança da Rússia: O Papel da Defesa Antimíssil. 2012. 71 f. Dissertação
(Mestrado) - Curso de Programa de Pós-graduação em Relações Internacionais,
Faculdade de Ciências Econômicas, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto
Alegre, 2012.
PIRANI, Simon; STERN, Jonathan; YAFIMAVA, Katja. The April 2010 RussoUkrainian gas agreement and its implications for Europe. Oxford: The Oxford
Institute For Energy Studies, 2010. 46 p.
POMERANZ, L. Rússia: a estratégia recente de desenvolvimento econômico-social. In:
CARDOSO, J. C.; ACIOLY, L.; MATIJASCIC, M. (Org.). Trajetórias recentes de
desenvolvimento: estudos de experiências internacionais selecionadas. Ipea, 2009
President of the Russian Federation, “Energeticheskaya strategiya Rossii na period do
2030 goda”, aprovada pela lei decreto № 1715 (13 novembro de 2009),
disponível: http://minenergo.gov.ru/aboutminen/energostrategy/ acesso em: 27/09/2015;
President of the Russian Federation, “Energeticheskaya strategiya Rossii na period do
2020 goda”, aprovada pela lei decreto № 1234 (28 agosto de 2003),
disponível: http://www.energystrategy.ru/index.htm acesso em: 27/09/2015;
QUINTELA, Thereza Maria Machado (org.). Brasil-Rússia: fortalecimento de uma
parceria. Brasília: FUNAG, 2005. 348 p. ROSNER, Kevin. GAZPROM AND THE RUSSIAN STATE. Londres: Gmb
Publishing Ltd., 2006. 66 p.
Rossiysko-ukrainskiye gazovyye konflikty - Dos'ye (O conflito do gás russo-ucraniano
– Um Dossiê). In: TASS. Disponível em: http://tass.ru/info/1128520 Acesso em:
14/10/2015;
SAPIR Jacques, Energy Security in Russia: The case for Energy Efficiency, Working
Paper, Centre d’Études des Modes d’Industrialisation (CEMI), EHESS, Abril 2007.
SCALERCIO, Márcio. Oriente Médio - Uma análise reveladora sobre dois povos
85
condenados a conviver. Rio de Janeiro: Campus, 2003. 301 p.
SCHUTTE, Giorgio Romano. Economia política de petróleo e gás: a experiência russa.
Brasília. 2010. IPEA 51p..
SCHWEITZER Peter, Pobeda. Rol' taynoy strategii administratsii SSHA v raspade
Sovetskogo Soyuza i sotsialisticheskogo lagerya. (Vitória - Papel estratégico da polícia
secreta dos EUA no colapso da União Soviética e do campo socialista) – Minsk, 1995.
304 p. No origininal: ШВЕЙЦЕР Петер, Победа. Роль тайной стратегии
администрации США в распаде Советского Союза социалистического лагеря.
Минск, 1995. 304 стр.
SEGRILLO, Angelo. De Gorbachev a Putin: A saga da Rússia do Socialismo ao
Capitalismo. Curitiba: Editora Prismas, 2015. 254 p.
________, Angelo. Os Russos. Sao Paulo: Editora Contexto, 2012. 282 p.
________, Angelo., A Diarquia Putin-Medvedev: Dimensões da Política Interna e da
Política Externa. In: ALVES, André Gustavo de Miranda Pineli (Org.). Uma longa
transição: Vinte anos de transformação na Rússia. Brasília: Instituto de Pesquisa
Econômica Aplicada - Ipea, 2011. 298 p.
SIM, Li-Chen. The Rise and Fall of Privatization in the Russian Oil Industry.
Londres: Palgrave Macmillan, 2008. 288 p.
SMITH, Gordon S. G7 to the G8 to the G20 - The Trilateral Commission Plenary
Meeting, Washington, 2011;
SOCOR Vladimir “Caspian Gas and European Energy Security”, Jamestown
Foundation
Debate,
10
mar.
2005;
Disponível
em:
http://www.jamestown.org/downloads/Transcript_caspian031005.pdf
Acesso
em:
12/10/15
SORBELLO, Paolo. L’energia nell’Artico: geopolitica tra i ghiacci. Eurasia.: Rivista di
studi geopolitici, Milao, 24 ago. 2011. Mensal. Disponível em: <http://www.eurasiarivista.org/l’energia-nell’artico-geopolitica-tra-i-ghiacci/10801/>. Acesso em: 28 set.
2015.
TRINDADE, Vívian Silva. Conflito entre Rússia e Ucrânia – Novas alternativas e
articulações políticas na importação de gás para a Europa. 2014. Disponível em:
<https://pucminasconjuntura.wordpress.com/2014/05/26/conflito-entre-russia-e-ucranianovas-alternativas-e-articulacoes-politicas-na-importacao-de-gas-para-a-europa/>.
Acesso em: 30 out. 2015.
TSYGANKOV, Andrei P. Russia’s foreign policy: change and continuity in national
identity. Nova Yorque: Rowman & Littlefield Publishers, 2010. 265 p.
UPDATE 4-Belarus buys one week's respite in Russia gas row In: US Reuters.
Disponível em: http://www.reuters.com/article/2007/08/03/gazprom-belarus-settlementidUSL0347959120070803#wD4WsMFKtFzqLc5T.97 Acesso em: 04/11/2015.
VICTOR, Nadejda Makarova. Gazprom: Gas Giant Under Strain. Program on Energy
and Sustainable Development at Stanford University, Stanford, p.1-80, 31 jan.
2008. 80 p.
86
YARDLEY, Jim; BECKER, Jo. How Putin Forged a Pipeline Deal That Derailed. The
New
York
Times. Nova
Iorque,
31
dez.
2014.
Disponível
em:
<http://www.nytimes.com/2014/12/31/world/europe/how-putin-forged-a-pipeline-dealthat-derailed-.html?_r=0>. Acesso em: 09 out. 2015.
YERGIN, Daniel; GUSTAFSON, Thane. Russia 2010 and What It Means for the
World. 1. ed. Londres, [s.n.], 1995. 322 p.
YERGIN, Daniel. The Prize: The Epic Quest for Oil, Money, and Power. Nova Iorque:
Simon & Schuster, 1991. 912 p.
ZAVADSKIY Mark, “Vykovyrivat’ i mochit”, (Escolher e Destruir) Yezhenedel’nyy
zhurnal, Moscou. 3 nov. 2003. No original, ЗАВАДСКИЙ Марк, “Выковыривать’ и
мочить”, Еженедельный журнал, Москва. 3 нов. 2003
ZWASS, Adam "The Council for Mutual Economic Assistance: The Thorny Path from
Political to Economic Integration", M.E. Sharpe, Armonk, Nova Iorque. 1989.
87
ANEXO I – LISTA DE SITES CONSULTADOS:
Banco Central da Federação Russa: http://www.cbr.ru/eng/
Banco Mundial: http://www.worldbank.org/
BBC News: http://www.bbc.com/news
Bloomberg: https://www.bloomberg.com/
British Petroleum: http://www.bp.com/home.
Centro de Pesquisa de Opinião Pública da Rússia: http://wciom.com/
Down Stream Today: http://downstreamtoday.com/
Escritório do Historiador, Bureau de Assuntos Públicos - Departamento de Estado dos
Estados Unidos: https://history.state.gov/
Gazprom Export: http://www.gazpromexport.ru/
Gazprom: http://www.gazprom.com/
Global Research: http://www.globalresearch.ca/
Instituto Russo de Estratégia Energética: http://www.energystrategy.ru/
Lenta News: http://lenta.ru/
Levada Center: http://www.levada.ru/
Ministério de Energia da Federação Russa: http://minenergo.gov.ru/
Russia Today: https://www.rt.com/
Serviço
Estatal
Federal
de
Estatística
da
http://www.gks.ru/wps/portal/english
Sputnik News Brasil: http://br.sputniknews.com/
Tass – Russian News Agency: http://tass.ru/
Website da Constituição Russa: http://www.constitution.ru/
Federação
Russa:
88
Website do Gasoduto Nord Stream: https://www.nord-stream.com/
Website do Gasoduto Turk Stream: http://www.turkstream.info/
Website do Legislativo Federal Russo (DUMA): http://gduma.ru/
Website do Presidente da Federação Russa: http://kremlin.ru/eng/

Documentos relacionados