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Diálogos no mundo contemporâneo: por uma Cultura de Paz
1.
Uma breve introdução
As distâncias étnicas, culturais e religiosas vêm incitando grandes conflitos
no mundo atual e trazem uma inquietação sobre os rumos da humanidade. A
incapacidade de aceitar as diferenças coloca na ordem do dia a questão da
intolerância entre populações, países e civilizações. A intransigência é tão
alarmante que opiniões divergentes e formas de comportamentos distintos
chegam a ser inadmissíveis.
A falta de atitude – ou as poucas ações - entre governos e organismos
internacionais para reduzir as distâncias entre povos e culturas colocam
em jogo graves questões humanitárias e deixam à sensação de uma
incompatibilidade permanente.
O tema da intolerância e da necessidade de se estabelecer um diálogo
profícuo entre as culturas tem despertado o meu interesse enquanto cidadão
do mundo, escritor, advogado e acadêmico. É inevitável que ele nos provoque
uma reflexão sobre o papel que temos a cumprir nessa realidade. Acho que
todo o conhecimento, todo avanço, toda modernidade é nada enquanto os
espíritos estiverem congelados.
Precisamos aceitar e compreender os outros em seus múltiplos fragmentos,
em sua diversidade. Estou convencido, há muito, de que para promover a
paz não podemos cultivar ideias distorcidas de outros povos. Precisamos,
sim, compreender todos os credos, artes, tradições, raças e formas de vida
diferentes daquilo que somos nós. Devemos entender que todas as outras
culturas, em vez de enfraquecer, fortalecem a nossa.
A história do mundo é feita a partir do homem. Seja qual for sua religião,
a cor de sua pele, sexo, preferências, gostos, costumes. A conclusão a
que chego é que precisamos contribuir na construção de um mundo mais
tolerante. Com ações concretas ou com posicionamento firme contrário ao
velho discurso civilizador dos países mais fortes e ricos, contra a ascensão
da direita na Europa, o crescimento do terrorismo internacional, as
discriminações raciais e culturais dentro e fora do Brasil, os golpes militares,
os conflitos étnicos no Oriente Médio, o fundamentalismo religioso, entre
outras formas de intransigência.
2.
Nós e os outros
“A justiça só continua a ser justiça numa sociedade em que não haja distinção
entre próximos e distantes, mas na qual também haja a impossibilidade de
ignorar os mais próximos”.
O pensamento do filósofo judeu-francês Emmanuel Levinas, cuja obra
organizada na primeira metade do século 20 influenciou pensadores como
Sartre e Merleau-Ponty, remete a uma discussão que continua atual e
urgente, pois fustiga a natureza humana no que diz respeito à moral. Em
sua elaboração existencialista, Levinas constata a tendência de o homem
negligenciar a existência do seu semelhante quando, contraditoriamente,
todos deveriam estar juntos na execução de uma missão comum.
As distorções da convivência provocam alterações morais como o preconceito,
a exclusão, a opressão. E são motivadas por razões sociais e econômicas,
políticas e culturais, ou mesmo por questões pessoais. Se ampliarmos
essa lente, observamos que o mesmo se dá em relação às nações. Somos
testemunhas de um tempo em que, em nome dos seus interesses, algumas
sociedades ignoram a história, a tradição, a cultura, a religião, os costumes
de outras, como se somente elas fossem dignas de apreço e respeito. E
partem para a guerra, expressão máxima dessa conduta de intolerância. A
força e o derramamento de sangue são usados como instrumento de persuasão
ou como exemplo de supremacia.
Este é um tempo de permanente tensão. A história contemporânea está cheia
de exemplos de intolerância, o que é uma contradição em si, uma vez que
somos singulares: seres e povos distintos, com traços específicos. Somos
todos, homens e nações, diferentes por natureza, dotados de capacidades
e características diversas, aptidões e culturas que nos distinguem uns dos
outros, enquanto homens e enquanto sociedade.
A superação da intolerância ao outro é um dos grandes desafios da
humanidade neste início de século 21 e que tende a se prolongar por muitos
anos. É uma provocação cuja resposta irá depender do comportamento de
cada indivíduo e dos diferentes povos. A réplica poderá ser uma solução
se permitirmos que as diferenças se misturem, sem qualquer tipo de
preconceito; ou será uma bomba de foguete, se reagirmos com radicalismo,
dividindo o mundo ainda mais.
Somos todos diferentes, sim. Mas apesar dessas diferenças, podemos e
devemos insistir em oportunidades iguais, em respeito mútuo, em convivência
com as diferenças. Numa ética que nos ilumine para uma convivência
harmônica - entre os sexos, as religiões, as raças.
Muitas dessas diferenças são promovidas pelas deficiências sociais, pelas
questões ambientais, ou ainda são desenvolvidas pelas crises que repercutem
num dado momento histórico. E nesses jogos as pessoas nem sempre são
protagonistas, mas espectadoras involuntárias. Não se justifica, portanto,
a discriminação baseada em qualquer característica pessoal ou de um
segmento. Muito menos pelas visões distintas de mundo. O resultado tem sido
um grande desequilíbrio, por falta de aceitação do outro. Pela desumanização
do humano, gerando conflitos com relação a indivíduos ou grupos específicos
que, muitas vezes ultrapassam os limites da irracionalidade.
As diferenças são paradoxais. Não são nada mais que nós mesmos ao
contrário. Entendo que aquilo que é visto como diferente também pode ser
entendido como algo que acrescenta e potencializa porque é resultado da
soma da experiência humana na terra e, portanto, patrimônio cultural.
É a interculturalidade que nos coloca em pé de justiça igualitária: “Um mais
um é sempre mais que dois”, diz a frase a canção popular “O Sal da Terra”,
dos compositores brasileiros Beto Guedes e Ronaldo Bastos. “Vamos precisar
de todo mundo para banir do mundo a opressão, para construir a vida nova”,
complementa a música.
3.
Tolerância e intolerância
O tema “Diálogos no Mundo Contemporâneo” é muito grato a mim, que venho
advogando a ideia de uma maior integração cultural do Brasil e dos demais
países iberoamericanos com outras culturas.
É um tema de muita pertinência, levando-se em conta as novas realidades
do mundo globalizado em que as pessoas e as ideias se movimentam cada
vez com mais velocidade. As fronteiras são ultrapassadas com facilidade
e as sociedades caminham para uma coexistência intercultural. A internet
globalizou a comunicação. E na era da comunicação não pode reinar a
incomunicabilidade sem ser dito o essencial. O mundo contemporâneo não
pode prescindir do diálogo.
A convivência com outras culturas é uma prática diária. Por isso mesmo, as
sociedades marcadamente étnicas tendem a resistir a esse momento. Acham
que essa tendência é perniciosa e se manifestam em nome de uma suposta
preservação cultural e de uma improvável perda de identidade dos povos.
Mas só a tolerância à diversidade cultural poderá forjar um novo mundo e
compartilhar dele.
Dentro de minhas preocupações com o tema, tenho descoberto que, embora
o debate sobre as formas de intolerância tenha se tornado mais frequente
nos últimos anos. O filósofo e escritor francês Denis Diderot já tratara desse
assunto quando escreveu a “Enciclopédia”, obra na qual se pressupõe estar
todo o conhecimento da humanidade produzido na França iluminista do século
18.
Ele apresentou a palavra “intolerância” como verbete do discurso da ciência
política. É importante, porque sua definição nos leva a refletir sobre a
importância semântica do termo. Para Diderot a intolerância e o termo
antagônico tolerância seriam a base a partir da qual as chamadas democracias
ocidentais ou democracias contemporâneas, iriam formular juridicamente
seu funcionamento. Ou seja, a palavra já era entendida pelo viés do
relacionamento e da política. Como uma pressupõe a existência da outra,
a própria noção de tolerância já parte do pressuposto de um paradigma.
Um existe quando temos noção do outro significado. Para daí escolhermos o
caminho a seguir. Ao mesmo tempo, esse sentido é forjado sobre a maneira
como vemos e conceituamos o mundo.
É o direito quem objetiva essa significação. O direito que surge como proposta
de civilização e modelos de diálogo. Se a intolerância é essencialmente má e
a tolerância é boa para todos, imediatamente essa torna-se uma norma social,
formalmente válida porque presumivelmente é boa para todos nós. Mas isso se
assemelha a filosofia.
Numa definição mais simples, a intolerância pode ser compreendida como
a incapacidade de aceitar pessoas e seus pontos de vista. Da mesma forma,
o termo tolerância pode representar, por exemplo, uma discordância
respeitosa, sem raiva ou ódio. Os dois termos, portanto, estão abertos a
interpretações.
A intolerância pode ser manifestada desde as atitudes cotidianas, com
expressões raivosas ou de menosprezo, até às situações extremadas de
violência. O preconceito é um dos motivadores da intolerância que, por sua
vez, leva à discriminação e incitação ao ódio, a exemplo do que ocorre na
questão cultural, religiosa, política, étnica, sexista e homofóbica.
4.
Diálogos culturais no mundo pós-moderno
A globalização econômica e financeira aliada ao progresso das tecnologias de
comunicação e informação têm tido impacto sobre as identidades culturais,
colocando em risco também a diversidade cultural do mundo. As identidades
nacionais, que têm nas culturas nacionais as suas principais fontes, estão com
uma tendência de fragmentação, como resultado da homogeneização cultural
da pós-modernidade global. Novas identidades híbridas começam a ganhar
força. Dialeticamente, algumas identidades estão sendo reforçadas pela
resistência à globalização, num processo de tensão entre o local e o global,
entre culturas e religiões.
O século 21 passou da diversidade como riqueza à interculturalidade como
problema. As relações ou diálogos entre culturas estão sendo alterados pelos
deslocamentos de imigrantes, como também pela crescente interdependência
entre as sociedades em razão do efeito da globalização com fronteiras bem
mais complexas do que as convencionais.
Los Angeles é a segunda cidade do mundo em número de mexicanos. Buenos
Aires é a segunda em número de bolivianos. O que significa ser europeu,
num continente marcado não apenas pelas culturas de suas antigas colônias,
mas também por outras culturas e povos oriundos de migrações ou diásporas
pós-coloniais? Calcula-se que a Europa tenha, em seu território, cerca de 20
milhões de muçulmanos.
No seu livro Choque de Civilizações, o professor e ensaísta americano Samuel
P. Huntington previu que, depois da Guerra Fria, as disputas se dariam no
terreno da cultura e da religião. As distinções primordiais entre as pessoas não
seriam ideológicas nem econômicas, mas de natureza cultural. Realmente, as
pessoas estão cada vez mais se definindo com base no idioma, na religião, nos
costumes, nos antepassados.
Recentemente, a Suíça proibiu em seu solo novos minaretes (cúpula de
mesquitas). Vez por outra, entra na ordem do dia o debate sobre o uso da
burca na França, onde cerca de 1,5 milhão de muçulmanos vivem na região
de Paris. A legislação inglesa antiterrorismo tornou-se mais rigorosa, ante o
temor do radicalismo islâmico. Na Alemanha, cresce o medo de terrorismo
num momento em que a comunidade muçulmana chega a mais de 2 milhões
de habitantes.
Merece reflexão o pensamento do escritor Salman Rushdie ao defender
seu romance Versos Satânicos, que causou polêmica e forte reação no
fundamentalismo muçulmano por ser considerado ofensivo a Maomé. Rushdie
apresenta uma defesa do hibridismo, que é uma das veredas desse novo
caminho: “Aquelas pessoas que se opõem violentamente ao romance, hoje,
são de opinião de que a mistura entre diferentes culturas inevitavelmente
enfraquecerá e destruirá sua própria cultura. Sou da opinião oposta. O
livro Versos Satânicos celebra o hibridismo, a impureza, a mistura, a
transformação, que vêm das novas e inesperadas combinações de seres
humanos, culturas, ideias, políticas, filmes, músicas. O livro alegra-se com
os cruzamentos e teme o absolutismo do puro. Mélange, mistura, um pouco
disso e um pouco daquilo, é dessa forma que o novo entra no mundo. É a
grande possibilidade que a migração de massa dá ao mundo, e eu tenho
tentado abraçá-la. O livro Versos Satânicos é a favor da mudança-por-fusão,
da mudança-por-reunião. É uma canção de amor para nossos cruzados eus.”
(Rushdie, Imaginary homelands, 1991, Granta Books).
Como melhorar o convívio ou diálogo entre culturas e indivíduos, admitindo
diferenças, sem discriminações, passou a ser uma das principais indagações do
século 21.
O Brasil, que é um país mestiço, marcado pela mistura de etnias, deve ser
motivo de estudos quanto à tolerância e ao convívio entre raças e culturas.
Prescindimos de identidades, porque temos todas elas. O homem novo está
no Brasil. Esse traço marcante do Brasil foi objeto de estudos de alguns
brasileiros, destacando-se o sociólogo Gilberto Freyre, autor de Casa-Grande
& Senzala.
O crescimento recente da ação afirmativa do Brasil traz Gilberto Freyre
de novo à baila. Minha proposta é de que se releia Gilberto Freyre para
compreender melhor esse legado das relações raciais no Brasil contribuindo
para o debate da identidade brasileira e, certamente, para um melhor
entendimento das questões interculturais no mundo.
Está no centro da vida contemporânea o desafio de “construir pontes”, de
se estabelecer diálogos construtivos de paz, entre culturas que estão em
choque real ou aparente, em sociedades cada vez mais interculturais do que
multiculturais.
Esse foi o tema de minha palestra no ciclo de debates “O Brasil e o Futuro”,
em Estocolmo, em março de 2010.
5.
Insurgências e Ressurgências
Certo dia, ainda jovem, levado pelo meu pai, o escritor Maximiano Campos,
para conhecer Gilberto Freyre, ele perguntou o meu nome e respondi: Antônio
Ricardo. Ele retrucou: “o meu primeiro pseudônimo quando comecei a
escrever no Jornal Diario de Pernambuco”. Na ocasião, indaguei ao mestre de
Apipucos o que ele achava de mais inteligente na vida. Ele falou do paradoxo.
Quem estivesse diante de uma questão paradoxal estava diante de um
enigma. Gilberto era um ser paradoxal e os seus livros são paradoxais.
Contudo, nunca esqueço daquele encontro em que ele retirou da gaveta um
livro e me presenteou, naquela ocasião, com a seguinte dedicatória: “Para
Antônio Ricardo, meu primeiro pseudônimo, com a condição de ler. Gilberto
Freyre”. Esse livro é Insurgências e Ressurgências Atuais que tinha acabado de
ser lançado.
O sociólogo, antropólogo e escritor Gilberto Freyre, movido pela sua sabedoria
e inquietação intelectual, escreveu Insurgências e Ressurgências Atuais,
que foi publicado em 1983. Com olhar arguto, ele captou, durante viagens
que realizou por várias partes do mundo, naquela reta final do século 20, o
cenário que se montava com a insurgência da questão islâmica. Huntington,
que escreveu em 1993 sobre o choque das civilizações – dez anos depois do
livro Insurgências e Ressurgências, veio a confirmar algumas das pré-visões de
Freyre sobre as disputas que se dariam no terreno da cultura e da religião.
Nesse que foi um dos últimos livros de Freyre, ele aborda a realidade da
época e questiona o mundo, numa perspectiva de futuro. Refletindo e se
aprofundando sobre temas já tratados em sua vasta obra - como raça, religião
e identidade brasileira -, o sociólogo forjou, com base em observações
pessoais, um termo composto que veio a chamar de “tempo tríbio”. Ele
resume os três tempos nessa expressão: a herança do passado, a realidade do
momento presente e uma projeção do futuro.
Gilberto Freyre chamou a sua como uma época de insurgências e
ressurgências, daí o nome do livro. Foi uma época marcada pelas ideologias
e formalizações científicas, quando se buscava interpretar as realidades
nacionais. E ele entendeu que era preciso compreender cada civilização, cada
unidade, na sua plenitude de suas dimensões. Que era necessário observar sua
natureza sem preconceitos, na inteireza da realidade existencial. Era preciso
ver a plenitude. Os “ismos”, disse ele, falseava as realidades nacionais,
impondo absolutismos e excluindo os relativismos.
Gilberto Freyre analisou a política internacional, onde a Europa e os
Estados Unidos se colocavam impositivamente como centros de decisões e
de domínios. Mas na busca de um equilíbrio, frente a essas forças e para
confrontá-las, já ressurgiam tradições como o islamismo. E essa insurgência
islâmica seria um desafio a um cristianismo em crise.
Da mesma forma, insurgiriam novos polos de desenvolvimento como a
China, a Índia e a África do Sul. Obrigando as potências tradicionais a uma
interlocução mais ampla. E o Brasil seria modelo de futuro por causa de sua
natureza de tolerância. Nesse ponto, o sociólogo se convenceu da solidez de
sua polêmica tese de que o Brasil tem facilidade para a convivência pacífica
das misturas porque é uma civilização mestiça. Nessa tese, ele diz que essa é
uma civilização situada nos trópicos, resultante da experiência de colonização
portuguesa, que, por sua vez, trouxe consigo um estilo de convivência de
outras colonizações. E essa qualidade é que permitia se mesclar com as
populações autóctones.
No livro, ele antecipa a ressurgência de culturas que pareciam adormecidas,
por terem sentido, ao longo da história, impactos “europeizantes”
e “ianquizantes”. A partir de um momento, previa Gilberto Freyre,
ocorreriam fortes manifestações de seus valores culturais e políticos, como se
reencontrassem suas raízes. Principalmente, culturas de parte do Oriente e
da África, gerando conflitos entre civilizações. Nesse ponto, advertiu para os
riscos sobre o perigo de se desprezar os opostos. E para a necessidade de se
deixar sempre abertas as portas para esses opostos.
Para facilitar a compreensão das realidades sociais, Gilberto Freyre insistiu
na necessidade de se adotar o “pluralismo metodológico” que é nada mais
que a interdisciplinaridade tão em moda. Ele dizia que para se apreender
os fenômenos socioantropológicos não se pode deixar de considerar os
conhecimentos de áreas que vão além dos científicos e tecnológicos. Um
povo e uma nação não podem ser compreendidos somente pelos avanços
da modernidade. E recomendou que uma leitura verdadeira e objetiva de
uma civilização exige considerar também todas as formas do conhecimento
humanístico e artístico em seus diversos gêneros e áreas.
6.
Gilberto Freyre e a OTAN
A atualidade do pensamento freyriano foi comprovada, mais uma vez, com a
realização da grande Cimeira da Organização do Tratado do Atlântico Norte
(OTAN, ou NATO em inglês), em Lisboa (Portugal). , nos dias 19 e 20 de
novembro de 2010.
Chefes de Estado e de Nações importantes como Estados Unidos, França,
Alemanha, Espanha, Rússia e Itália estiveram presentes, com suas delegações
numerosas, na grande reunião porque entenderam que era chegado o tempo
de reflexão. Era preciso atualizar os objetivos e a missão da OTAN.
A Cimeira anterior ocorrera em Washington, Estados Unidos, em 1999, e
fazia-se necessário adaptar o papel da organização às mudanças ocorridas
no mundo. A insurgência do 11 de setembro de 2001, quando as torres
gêmeas do World Trade Center foram derrubadas, chacoalharam a história
contemporânea.
Os Estados Unidos deflagaram suas “guerras preventivas” e, para muitos
analistas, revelaram a truculência da sua política externa. De fato: basta
deter o olhar sobre o atual momento histórico para constatar que as
intervenções militares da Organização do Tratado do Atlântico Norte tendo os
Estados Unidos como carro chefe são realizadas sob a justificativa de conter o
terrorismo internacional e o islã radical.
Na prática, as ações estão sempre direcionadas aos povos de origem islâmica.
E as intervenções terminam por mostrar o quanto o Ocidente, notadamente os
EUA e alguns países europeus, não têm interesse na realidade exterior e estão
despreparados para lidar com outros povos e outras culturas. Ponto para as
teorias socioantropológicas de Gilberto Freyre. Os resultados são desastrosos,
despertam antipatia e críticas de que essas ações têm uma finalidade mais
econômica do que o real interesse de paz.
É tanto que a intervenção político-militar da OTAN sempre recebeu severas
críticas em países do Oriente Médio e do leste europeu, principalmente após
o conceito estratégico da organização após a Guerra Fria. A ocupação dos
territórios, dizem, atende aos desígnios dos Estados Unidos e da Europa com
o velho discurso civilizador. Os povos dos bálcãs, na década de 1990, teriam
sido as primeiras vítimas desse novo processo. Mas que as ofensivas militares
têm um objetivo geoestratégico de expansão e o domínio político-econômico
do mundo por parte das grandes potências ocidentais.
As tropas da OTAN já teriam alargado a área de influência dessas potências no
leste da Europa, no Sul da Ásia, e no Oriente Médio, onde foram estalecidas
várias bases militares, forçando países a aderir aos interesses imperialsitas.
Durante os debates foi reafirmado que o objetivo da aliança é construir
um mundo sem armas, mas que os países-membro não farão vista grossa
às ameaças nucleares. Outro ponto foi a retirada progressiva das tropas do
Afeganistão. Também reafirmaram-se as parcerias e os papeis da ONU, União
Europeia e Rússia.
Mas, faltou à OTAN reconhecer que as estratégias de atuação da organização,
em diversas intervenções, não levam em conta as complexidades
socioantropológicas - variáveis sobre as quais Freyre advertiu. E que se não
forem consideradas abrem precedente para se dizer que a Aliança é geratriz
de políticas imperialistas.
7.
Uma pedra no meio do caminho do diálogo
No início deste 2011, o mundo islâmico entrou em ebulição. Em países árabes
do norte da África e do Oriente Médio, onde predominam a autocracia, a ira
popular ficou insustentável. Numa situação rara, as multidões foram às ruas
para manifestar sua revolta contra os governantes corruptos que querem se
perpetuar no poder e não promovem as reformas democráticas prometidas.
Além dos problemas políticos, as populações enfrentam desemprego em
massa , inflação alta e precárias condições de vida. Mas o que os protestos
tinham a ver com o Ocidente?
Os líderes laicos, inimigos dos movimentos religiosos e apoiados até
recentemente pelos Estados Unidos, com a exceção do Irã e da Síria, em nome
da luta antiterror e de suposta estabilidade na região estão ameaçados de
saírem do poder e alguns já caíram dele.
Os protestos populares, em alguns casos sangrentos, começaram na Tunísia e
depois se espalharam, como efeito dominó, pelo Iêmen, Egito, Sudão, Argélia,
Jordânia e agora na Líbia. Os governos desses países são frequentemente
apoiados pelo Ocidente, através de recursos financeiros, apoio técnico
e armamentos. Em nome de uma política de combate ao terrorismo
internacional, as potências ocidentais, dos Estados Unidos à Europa, garantem
o apoio aos governantes de linha dura porque acham que os ditadores são
capazes de conter o radicalismo islâmico.
O Estado laico, em países com mais de 1.300 anos de domínio muçulmano,
identificado com o neoliberalismo e a submissão aos interesses ocidentais,
entrou em crise.
Ao usar a desculpa de que os terroristas são uma ameaça à segurança da
humanidade, os Estados Unidos e a Europa sentem-se no direito de legitimar
regimes que inspiram ódio e medo na população. Mas o Ocidente também
não oferece políticas alternativas para a região. Também não entende e nem
respeita a diversidade dos povos. Com isso, alguns setores da população
temem a eliminação da cultura muçulmana.
Comenta-se que, por trás das cortinas desse teatro, o real motivo das
ingerências são as companhias de petróleo e a estratégia de dominação
geopolítica. O que fica óbvio é que as ações ocidentais nas sociedades árabes
não ocorrem somente nos conflitos bélicos formais. Ou melhor, não é só em
época de guerra que o ocidente provoca estragos na civilização islâmica.
Com o governo autocrata fortalecido, quem sofre mesmo nesses países
muçulmanos é o povo. A corrupção e a miséria alastrou-se, a insatisfação se
generalizou e o sistema político foi ao colapso. Como já ocorreu em outras
ocasiões, é de se supor que o sentimento antiamericano e antieuropeizante no
mundo árabe se dissemine e inquiete as numerosas pessoas que, passando por
dificuldades, só encontram consolo no Islã.
E o resultado é que a ingerência ocidental, ao deflagrar reações, traz
dificuldades para a busca de um modelo de convivência pacífica entre os
povos de crenças distintas. Instala um clima de desconfiança, prejudicial
ao diálogo. As pessoas, cujo futuro é pautado pela identidade islâmica,
custarão a acreditar nos discursos vindo do ocidente sugerindo o respeito
pelas diversidades étnicas, religiosas, e pelos direitos humanos.
8.
Reações esperadas
O comportamento imperialista dos Estados Unidos e de países europeus
no Oriente Médio, que muitas vezes termina por deixar o povo à míngua,
marginaliza as liberdades individuais, desrespeita sua cultura e religião,
é muito preocupante. Alexandre, o Grande e Napoleão Bonaparte, no
passado, procuravam em suas conquistas respeitar os deuses e as culturas
dos conquistados. Esse comportamento imperialista americano não leva em
conta que o centro da história é o homem. É ele, em sua dimensão total,
quem faz girar a roda da história. As pessoas impedidas de se desenvolver, de
se expressar, de produzir, ainda assim lutam para cumprir o seu potencial.
E o resultado é o conflito. Não é à toa que o Oriente Médio é um barril de
pólvora.
Sabemos que o islamismo é a religião de propagação mais acelerada do mundo
atual. No Corão, livro sagrado dos muçulmanos, Deus manda que a ética
conduza a vida. Os versículos, no entanto, são interpretados livremente e
muitas vezes fora do contexto poético e religioso. O que os deixa sujeitos
a deturpações. Não raramente, as ideias distorcidas do islamismo geram
conflitos. Assim, os fanáticos – que estão em todas as religiões, mas aqui no
caso específico do islamismo – desvirtuam os princípios religiosos e justificam
as guerras santas. Os grupos terroristas percebem o islã com essa visão
distorcida. E, argumento forte, dizem que agem em nome de Alá.
Nos países em turbulência, são poucas as saídas. Uma alternativa, que ainda
se mostra frágil, é a implantação das reformas democráticas. A outra deixa
observadores internacionais de cabelos em pé, pois eles receiam o avanço dos
muçulmanos fundamentalistas. Afinal, o islã é um refúgio não só do ponto de
vista religioso, mas também um apoio aos que reagem à influência ocidental
que permeia a cultura daqueles países. Um perigo: o fundamentalismo é
exatamente a corrente que tem potencial de forjar fanáticos que interpretam
de forma muito particular a fé muçulmana, para justificar a violência e a
guerra santa.
9.
Islamofobia
Os muçulmanos imigrantes europeus muitas vezes são vítimas de estereótipos,
por serem confundidos com os extremistas islâmicos. É um processo
estigmatizante e de exclusão social, pois o islamismo tem as mesmas raízes
históricas do cristianismo e do judaísmo, que defendem valores fundamentais
como a dignidade à vida humana.
Muçulmano é todo adepto do islamismo, seguidor da religião de Maomé, a
qual possui como livro sagrado o Alcorão. Redigido em árabe e composto com
114 capítulos, ou suratas, ele contém o código religioso, moral e político – que
teria sido a revelação do Deus único, Alá, a Maomé, através do Anjo Gabriel.
Os extremistas islâmicos ganharam notoriedade na década de 1980, na
revolução iraniana, que instituiu o fundamentalismo no país. É uma minoria
de fanáticos, que nutrem um ódio sectário pelo Ocidente e se responsabiliza
pela ondas de violência e atentados que estão sempre nos noticiários.
São homens-bomba, suicidas que jogam aviões em prédios, e que matam
em nome de Alá. Esses radicais se ressentem da influência ocidental nos
costumes, nos hábitos de consumo, no modo de vida.
Mas o islamismo é uma religião que reconhece o valor supremo dado à
dignidade e à vida humana, a liberdade de pensamentos, o respeito pelos
outros. A maioria dos muçulmanos condena os ataques suicidas por ser um
atentado ao dom divino da vida. Acham que é um pecado extremo, uma
ofensa contra Alá.
Concordo com a historiadora Maria Aparecida de Aquino, da Universidade
de São Paulo, para quem o primeiro equívoco comum entre ocidentais e
cristãos é considerar todo islâmico um extremista suicida e, por extensão, um
terrorista em potencial. É um equívoco no qual está embutida a discriminação
religiosa. Um preconceito disseminado principalmente na Europa, justo o
continente onde os muçulmanos, milenarmente, sempre estiveram presentes,
dando importantes contribuições culturais. Hoje, há países que se preocupam
com as influências da população islâmica em sua sociedade, a longo prazo.
Um conflito fantasioso, tendo em vista que encontro vários exemplos nos
quais os muçulmanos vivem com respeito às leis e tradições dos países para
onde imigraram.
A Assembleia Parlamentar do Conselho da Europa reconhece que há
numerosos partidos políticos naquele continente incentivando o ódio e medo
ao Islã, usando o estereótipo negativo que iguala o Islã ao extremismo. O
que lembra as leis racistas da década de 1930, quando, sob a influência do
Terceiro Reich, os nazistas estabeleciam a supremacia de uma raça – no
caso, a ariana – sobre as outras. Essa postura incita a intolerância religiosa e
cultural e até mesmo o ódio contra os muçulmanos.
Não é raro encontrar muçulmanos que vivem em situação de exclusão na
sociedade européia. A Assembleia Parlamentar, no entanto, insiste que a
discriminação contra os povos islâmicos deve ser combatida, até porque
está longe da verdade imaginar que basta ser muçulmano para ser contra os
valores democráticos ou aos direitos humanos.
Muitos governos europeus fazem vista grossa em relação ao preconceito
contra os muçulmanos ou simplesmente não sabem lidar com a islamofobia,
que nada mais é que a falta de conscientização e da percepção negativa
que associa o Islã à violência. O perigoso, nesse caso, é que, com essa
percepção distorcida, o extremismo muda de lado, com radicalismo contra as
comunidades islâmicas na Europa. O confronto com os imigrantes muçulmanos
é cada vez mais intenso. Diz Tariq Ali que “há hoje, na Europa e Estados
Unidos, uma grande islamofobia que não é muito diferente do antissemitismo
nos anos 20 e 30”.
Na prática, esse preconceito se dá através de políticas e práticas adotadas
por autoridades nacionais regionais ou locais que discriminam os muçulmanos
e legitimam restrições aos direitos à liberdade de religião e expressão. Um
dos exemplos é a Suíça, com medidas de proibição geral da construção de
minaretes em mesquitas. Por outro lado, a Assembléia também estimula
para as comunidades muçulmanas abandonarem quaisquer interpretações
tradicionais do Islã que neguem a igualdade de gêneros e limitem os direitos
das mulheres tanto na família quanto na vida pública. É o caso do uso das
burcas.
Existem esforços que devem ser elogiados, da Assembleia Parlamentar e
de países-membro, de dar prioridade à promoção da inclusão social dos
muçulmanos e de outras minorias religiosas, trabalhadores migrantes e novos
cidadãos europeus. Mas essa integração, em muitos casos, ainda está longe
do ideal e do real. Os governos nem sempre são proativos ao lidarem com
desigualdades sociais, econômicas e políticas.
Ao mesmo tempo, a Assembleia também estimula as pessoas pertencentes
a culturas diversas a não se isolarem e nem tentarem desenvolver uma
sociedade paralela no país para onde imigrou. Assim, convida ao diálogo os
representantes das comunidades muçulmanas europeias para combaterem
qualquer forma de extremismo sob o manto do Islã. O que é uma medida
correta, pois espera-se que os muçulmanos sejam os primeiros a lamentar a
ação de terroristas ou extremistas políticos que usam o Islã para a sua luta
particular, desrespeitando a vida humana, que é um dos valores fundamentais
consagrados no Islã.
Neste contexto, a Assembleia convida a Organização Islâmica Educacional
Científica e Cultural (ISESCO) e a Organização Educacional, Cultural e
Científica da Liga (ALECSO) para trabalharem com o Conselho da Europa
na luta contra a discriminação às discriminações religiosas, em especial ao
islamismo. E com esses organismos também busca promover o respeito aos
direitos humanos universais. Outra estratégia tem sido o apoio aos ideais da
Aliança das Civilizações das Nações Unidas visando a criação de programas
conjuntos de ação.
10.
Aliança das civilizações
Nesse atual contexto histórico de desequilíbrio, intolerância e conflitos,
também são identificadas as vontades para formatação de um diálogo
entre as diferenças e de tolerância entre as culturas. Nesse aspecto foi
proposta, em 2004, a criação da Aliança de Civilizações, que se dispunha a
realizar mobilizações em todo o mundo visando a superação de preconceitos,
percepções equivocadas e “polarizações entre o mundo islâmico e o
Ocidente”. A ideia, do presidente do governo da Espanha, José Luis Rodríguez
Zapatero, co-patrocinada pelo primeiro ministro da Turquia, Recep Tayyip
Erdogan, é entendida como forma uma de entendimento para prevenir
conflitos entre Estados e entre as diferentes comunidades de sociedades
heterogêneas.
Um ano depois de sugerida, em 14 de julho de 2005, o então secretário
geral das Nações Unidas, Kofi Annan, formalizou o lançamento da Aliança de
Civilizações como iniciativa da ONU. E criou um Grupo de Alto Nível, formado
por 20 peritos de diversas regiões e culturas para formatar o conteúdo dessa
aliança. Entre os relatores, havia personalidades da Turquia, Espanha, Brasil,
Irã, Egito, Tunísia, Senegal, Marrocos, França, Reino Unido, EUA. Uruguai,
Índia e China, entre outros. Eles entenderam que os países, as organizações
internacionais e entidades da sociedade civil deveriam atuar nas áreas de
educação, juventude, migração e meios de comunicação, com vistas a apostar
na construção de um mundo mais igualitário.
Esses focos de atuação, segundo os relatores da Aliança das Civilizações,
são prerrogativas fundamentais e imprescindíveis para a aproximação entre
populações diversas, com o conhecimento recíproco das culturas, construindo
uma cultura de paz. Desde a criação da entidade, já foram organizados
três fóruns mundiais. O primeiro, em Madri, em janeiro de 2008, aprovou
o relatório do Grupo de Alto Nível. O segundo ocorreu em Istambul, na
Turquia, em abril de 2009, reafirmou que a Aliança das Civilizações busca uma
plataforma de diálogo, de intercâmbios e um espaço de compromisso para
mobilização política e social.
O terceiro Fórum Mundial ocorreu no Rio, entre 27 e 29 de maio de 2010.
Reuniu mais de sete mil pessoas, entre chefes de governo de três continentes
– América, Europa e África – e chanceleres de todo o mundo. Serviu para
consolidar a necessidade da elaboração de planos nacionais e estratégias
regionais em todo o mundo para lidar com a diversidade cultural. Uma
estratégia mais que acertada, pois além de superar os confrontos entre as
culturas diversas, é necessário que cada país, cada região, cada cultura,
pratique, em seu próprio território, a tolerância e os direitos básicos de
cidadania. E se essas iniciativas localizadas forem positivas poderão ser
ampliadas para outras comunidades, outros países, outras culturas.
O 4º Fórum Mundial, neste 2011, no Catar, será mais uma porta que se
abre para a confiança mútua, visando uma nova atmosfera à ordem política
internacional. Em meu entender a Aliança, que hoje inclui mais de 90
países e organismos internacionais como a Comissão Europeia, a Liga Árabe
e a Unesco, estabelece – ou pelo menos tenta - um novo diálogo e uma
convivência pacífica entre as diversas culturas e civilizações.
Muitos críticos podem ver a aliança com ceticismo ou utopia. Acham que é
muito difícil estabelecer um diálogo para superação de particularismos que
funcionam como justificativas para conflitos e dominação. Mas, prefiro a
tentativa desse diálogo ao mutismo e à indiferença. Sei que é uma discussão
complexa, mas ela funciona como uma demonstração de boa vontade para
superar as desconfianças. Sem contar que é também o primeiro passo para o
entendimento.
Pelo que observo, a Aliança de Civilizações é vista com simpatia no Brasil.
Afinal, esta é nação pluricultural e multirracial. A diversidade está em suas
raízes. Muito antes da ideia do líder espanhol José Luis Rodríguez Zapatero,
o Brasil já vinha se mobilizando no sentido de superar os preconceitos e
estimular a tolerância étnica e religiosa. Evidentemente que se faz necessário
uma permanente vigilância, com medidas para erradicação dos preconceitos.
Mas, na formação do povo brasileiro está a presença dos mais variados grupos
étnicos, com imigrantes oriundos das mais diversas culturas. O que facilita
uma convivência que serve de exemplo.
11.
Brasil
É nesse contexto, onde os conflitos estão no centro do mundo
contemporâneo, que o Brasil pode surgir como palavra nova e ser paradigma
para outros povos. Vem deste país tropical e moreno, no meu entender, o
primeiro exemplo de interculturalidade, porque agrega povos de diferentes
grupos étnicos e religiões distintas. Não tenho receio em afirmar que a maior
contribuição do Brasil ao século 21 seria mostrar, baseado na sua própria
identidade e formação, um modo de melhor convivência entre os povos.
O Brasil é essencialmente diversificado seja no tipo humano, na geografia,
na cultura. Assim, personagens e paisagens - pode parecer clichê, mas este é
insuperável - uma “Aquarela do Brasil”, como na música de Ary Barroso.
Rio e São Paulo são centros de modernidade e tecnologia, onde tudo acontece
ao mesmo tempo. No frio dos pampas, o gaúcho descendente de europeu
sorve o mate do seu chimarrão, montado em seu cavalo. Em Minas, a tradição
da história e da fé são vividas no cotidiano. Na Amazônia, grupos indígenas
ainda praticam seus rituais de festa e de guerra. A Bahia é ao mesmo
tempo África e Brasil, com seu povo negro, colorido e alegre. O pantanal
matogrossense é o santuário das aves, peixes, répteis, mamíferos. Em
Pernambuco, com suas praias acolhedoras que lembram o paraíso caribenho, o
povo dança frevo e maracatu.
O desafio constante desse imenso país é exatamente explorar a diversidade
cultural, preservando-a. A história do país foi feita por vários encontros. O
primeiro, do branco europeu do século 16 que aqui chegou e encontrou uma
civilização ainda em organização tribal. Foi um choque entre os dois mundos,
distintos em tudo. Os portugueses, mais bem aparelhados para o domínio,
prevaleceram, ocupando terras e nela introduzindo a agricultura para atender
o mercado europeu.
Aos latifúndios onde começaram a plantar a cana-de-açúcar, foram trazidos
os africanos em regime de escravidão. Nossos ancestrais negros foram
sequestrados da África para o Brasil. Foram homens e mulheres de várias
etnias que trouxeram consigo suas tradições e costumes, influenciando e
sendo influenciados. Nas origens da nossa sociedade colonial, o país ficou
marcado pela discriminação e pela exclusão de índios e negros.
Esses encontros, sem nos aprofundar nas especificidades da violência que
representou o processo de colonização, terminaram criando condições para
a formação de um povo, de uma civilização brasileira. Que se diversificava e
ficou mais colorido quando, séculos depois, outros povos – italianos, alemães,
judeus, espanhóis, holandeses, árabes, japoneses, chineses, – migraram para
o Brasil pelas mais diversas razões e tanto incorporaram hábitos e costumes,
como também influenciaram a sociedade com suas atitudes e valores.
Ao acolher essa diversidade de povos o Brasil já estava no futuro, sem o
saber ou pretender. Era intercultural antes de existir uma definição de
interculturalidade. Por isso, tem tudo para ser um exemplo de tolerância.
O exemplo brasileiro, enquanto sociedade fragmentada por diferentes
grupos sociais, é uma manifestação pós-moderna no sentido de oferecer uma
perspectiva mais ampla aos grupos étnicos e de abraçar a multiplicidade.
Hoje não somos brancos, índios, negros, nem amarelos. Não temos uma
tonalidade. Pois temos todas elas. Somos mulatos, cafuzos, pardos e
mamelucos. Incorporamos todos as matizes e diferenças, ao mesmo tempo,
pois trazemos no corpo o sangue dos nossos antepassados, dos nossos
ancestrais.
Em 1988, foi promulgada a Constituição Federal, uma das legislações mais
avançadas do mundo, e através dela somos portadores de direitos. Está
escrito no artigo primeiro que um dos objetivos fundamentais da República
Federativa do Brasil é promover o bem de todos, sem preconceitos de origem,
raça, sexo, cor, idade, ou quaisquer outras formas de descriminação. Está
implícito o reconhecimento da dignidade humana através das numerosas
etnias que formam o povo brasileiro, como também todos os credos que elas
professam.
12.
O Brasil e o preconceito
Pode-se dizer que não existe um Brasil, mas os brasis. Uma sociedade plural,
com diferentes manifestações e populações que têm concepções próprias
do mundo. E, no entanto, também, é um só país. Mas é ilusório negar a
existência dos preconceitos numa terra onde o diverso predomina.
A nossa atual luta é contra todos os tipos de discriminação. O preconceito
e a intolerância se apresentam nas mais variadas formas. Têm muitas faces.
No país, por exemplo, predominam o crime organizado e a impunidade, que
criam as exclusões. Também sabemos que o País enfrenta uma discriminação
social tão danosa quanto a racial.
Nós todos somos responsáveis por esta situação inconveniente. Não podemos
deixar esse país perder o papel de protagonista da história da tolerância. Pela
nossa formação e pela nossa identidade, pelas lutas que travamos desde a
colonização, a escravidão, as ditaduras – não podemos perder a chance de
dar ao mundo o exemplo de democracia plena, que é comprometida quando
os movimentos separatistas pregam o independentismo de certos territórios
brasileiros. Houve recentemente uma campanha de inspiração nazista que
tinha até um lema: "O Sul é meu País". A ideia foi disseminada nos três
estados daquela região, com algumas extensões em São Paulo. A autoria era
de uma certa organização clandestina chamada Odessa, que não aceitaria
conviver num país com os povos do Nordeste.
Um dos principais redutos é a cidade de Santa Cruz do Sul (RGS), centro
de colonização germânica e coração da lavoura fumageira do Brasil. Os
separatistas, no entanto, são uma minoria inexpressiva na população dos
três estados do sul. Mesmo assim, esse comportamento é inaceitável num
país onde a busca da harmonia deveria ser uma característica do povo, que
se reconhecesse no direito à livre existência, na identidade cultural, com
saberes e conhecimentos os mais diversos.
Na história recente enfrentamos um longo e doloroso período de intolerância
política no Brasil, durante a ditadura militar, que durou 21 anos, iniciado em
1964. Foi uma fase de perseguições, prisões, tortura, morte e restrições dos
direitos políticos. Em 1985 veio a abertura, mas ainda assim não podemos
falar em democracia plena. Se superamos a intolerância política, temos
outras nódoas como a miséria, a fome e a corrupção, que violentam a nossa
cidadania. E segregam muitos brasileiros.
Nessa situação de exclusão social, historicamente, negros e índios sempre
estiveram em posição desigual. Foram socialmente marginalizados. A grande
parcela da população pobre é formada por afrodescendentes, que vive em
situação precária.
Têm sido frequentes as notícias de intolerância religiosa em relação aos
terreiros das religiões de matriz afro-brasileira em diversas cidades e capitais.
Os terreiros de candomblé, tambor de mina, umbanda, tem recebido ataques
das religiões neopentecostais, que insistem em desqualificar a importância
desses credos na cultura brasileira.
Fatos que são duplamente inaceitáveis. Primeiro porque a argumentação
não corresponde à realidade e pressupõe a desvalorização da cultura
afrobrasileira. Em segundo lugar porque não se pode concretizar o ideal de
democracia no Brasil sem os princípios de liberdade e sem a igualdade. Entre
elas, a racial e de credo religioso.
Para mim, é indiscutível que a religião é um fenômeno cultural que deve ser
respeitado e tolerado. Dentro desse pressuposto, faz-se necessário construir
liberdades reais para a população negra e mestiça em todos os níveis da
vida. Por isso, é fundamental o papel das instituições e gestores do Estado
brasileiro na imperiosa missão de observar as fundações de formação da
cultura brasileira visando a construção de um mundo novo e melhor.
Não podemos aceitar que haja violência contra os homossexuais e que as
legislações previdenciárias façam distinção de cidadania a partir da condição
sexual; que as mulheres, que sendo tão produtivas e inteligentes quanto os
homens, sejam discriminadas em funções e cargos ou que recebam salários
menores. Ou ainda que sejam abusadas, violentadas e vítimas de violência
porque seus companheiros se julgam seus proprietários.
Enfim, são numerosos os exemplos. Sei que é difícil pensar em tolerância a
todo custo quando a sociedade ainda é tão cheia de contradições e de graves
problemas de subdesenvolvimento. Mas é preciso corrigir erros e injustiças
praticadas contra os negros e índios, suas religiões e organizações sociais.
Contra as mulheres, os homossexuais, os pobres, os nordestinos. Hoje, há um
crescimento de militância de grupos sociais que se articulam nesse sentido,
dando inegáveis contribuições para reverter essa realidade, mas a estrada é
longa.
O fato é que deveríamos ter uma tolerância forjada na nossa própria história,
uma vez que somos misturados na formação social, conforme ressaltam
estudiosos do porte do antropólogo e escritor Darcy Ribeiro, conhecido pelas
suas investigações com índios brasileiros; e pelo sociólogo, antropólogo,
historiador e escritor Gilberto Freyre.
13.
Freyre e a Modernidade
É inevitável falar do caso brasileiro e referenciar a obra do sociólogo e
antropólogo Gilberto Freyre, que forneceu conteúdo para entender a
identidade brasileira, ao mesmo tempo que valorizou pela primeira vez índios
e negros na nossa identidade e formação cultural.
Autor do conceito da “democracia racial” brasileira, Gilberto Freyre é
contestado por outros cientistas sociais. Essa democracia a que ele se refere
definiria o nível de tolerância nas relações raciais no Brasil. Freyre entendia
que nosso país não tinha o mesmo nível de discriminação visto, à época, em
outros países como os Estados Unidos e a África do Sul, durante o apartheid.
Mas é fato que negros e brancos, no Brasil, em várias dimensões, sempre
estiveram em posições desiguais, em relação à oportunidade. Além disso,
o negro e outras minorias também foram socialmente marginalizados.
Independentemente da polêmica levantada sobre a “democracia racial”, é
indiscutível a importância da obra de Freyre. E concordo com sua assertiva
de que “a cultura brasileira tem uma singularidade que a engrandece: a
miscigenação não é um peso, mas uma virtude”. Freyre mostrou que é dela,
da multiplicidade e da aceitação das contradições e coerências, que nasce
essa modernidade brasileira.
Da mesma forma, ele comprova que a facilidade de se visualizar o passado
histórico como uma construção coletiva é determinante para o entendimento
da identidade nacional. Nesse ponto, parece paradoxal constatar que o
discurso da modernidade se forma exatamente sobre o entendimento do
passado. Tradição e memória não se chocam com novidade e modernidade.
Pelo contrário: é na busca de semelhanças entre o passado e o presente que a
cultura sobrevive.
E aqui está um dos pontos-chave para se compreender a genialidade de
Gilberto Freyre, brasileiro à frente de seu tempo. Não é à toa que, em 1948,
quando a ONU, em conseqüência dos holocaustos judeus da 2ª Guerra, estava
preocupada com as questões raciais, convidou sete cientistas sociais, entre
eles o brasileiro Gilberto Freyre, para discutir e apresentar alternativas para
as relações raciais no mundo. O evento, realizado pela Unesco em Paris, ficou
conhecido como o Encontro dos Sete Sábios.
Freyre se assumia como um homem de paradoxos. Ele era moderno ao seu
modo tradicional e olhava, com olhar ambíguo, a modernidade. Ambíguo
porque não a condenava nem a exaltava. Apenas a aceitava. Sendo ambíguo,
assim ele também enxergava a nossa identidade cultural. Por isso, a
totalidade de sua vasta obra de Freyre, o passado histórico se comunica com
o presente, que por sua vez servem de referência para jogar luzes no futuro.
Ele teve o discernimento de que a modernidade brasileira dialogava com o
antigo e assim forjou algumas teorias.
É importante ressaltar que, quando Gilberto Freyre forjou a tese
da “democracia racial” o Brasil estava em busca de uma identidade de
povo e de Nação. À época – meados da década de 30 do século passado - os
estudiosos lamentavam porque somos descendentes do europeu degredado,
a escória da sociedade portuguesa da época, que aqui se misturou com os
indígenas, também malvistos por eles.
A baixa autoestima daqueles teóricos, ou a pouca compreensão dos fatos,
conduzia-os a dizer que no Brasil veio a incorporar depois o africano, que
recebiam referências pouco abonadoras. Essa doutrina da inferioridade
biológica, que reduzia a nossa estima, era defendida por pensadores e
antropólogos.
Havia como um desconforto com a nossa mestiçagem. Alguns estudiosos
entendiam que estávamos condenados ao fracasso por sermos mestiços.
Ou que, ao longo do tempo, iríamos passar por uma espécie de
embranquecimento, conforme diziam alguns autores. Freyre veio para
desmentir e envelhecer todos esses mitos, dizendo que a civilização brasileira
foi se erguendo e se firmando com essa mesma gente “tropicalmente
morena”.
Nas trevas das ciências sociais, lançou Casa-Grande & Senzala, em 1933.
Ao desmontar os mitos até então aceitos, ele valorizou o índio e o negro na
formação da identidade brasileira. Redescobriu o português. E transformou
em orgulho o que antes era tido, erroneamente, como vergonha. Os três
componentes étnicos passaram a ser vistos como alicerce em que se
fundamenta a sociedade brasileira, artífice de nossa civilização.
A presença africana, índia e portuguesa estava agora não apenas no sangue,
mas também na cor da nossa pele, na língua, no vocabulário, na cultura em
geral, nas expressões estéticas, na psicologia. Assim, nascia a identidade
brasileira, distinta de outros povos.
14.
Gilberto Freyre e o Oriente que tornou o Brasil possível
Em 1936, Gilberto Freyre publicou Sobrados e Mucambos, que é a continuação
de Casa-Grande & Senzala e talvez sua verdadeira obra-prima.
É um belo estudo do embate entre o Ocidente e o Oriente, no Brasil, durante
o século 19, onde defende a ideia de que a cultura brasileira havia sido
gerada a partir de uma matriz oriental de valores, hábitos e conceitos sobre o
mundo.
Desde muito cedo a ideia de uma orientalidade e de um amouriscamento do
Brasil aparecia na obra de Gilberto Freyre. A impressão de que o Brasil era, de
alguma forma, um prolongamento da cultura Oriental nos Trópicos.
Na perspectiva de Gilberto Freyre, as conexões entre o Brasil, no período
de sua formação, e o Oriente árabe ou asiático, iam muito além de aspectos
arquitetônicos, tendo sido determinantes na conformação da sensibilidade
brasileira, em sua visão do mundo e seus valores culturais mais marcantes.
O Oriente tornou o Brasil possível, no dizer de Freyre. Foram os saberes
orientais que permitiram a construção da “maior civilização moderna
dos Trópicos”. Freyre estava valorizando o Oriente como matriz cultural
formadora do Brasil em contraposição à matriz européia.
Nesse sentido, ele destacava o papel exercido pelos navegadores e
conquistadores portugueses como intermediários entre as duas metades
do mundo, o ocidental e o oriental: Foram com efeito os portugueses que
trouxeram do Oriente à Europa o leque, a porcelana de mesa, as cochas da
China e da Índia, os aparelhos de chá, e parece que também o chapéu-de-sol.
(Casa-Grande & Senzala, p. 275).
Deve-se, aliás, registrar que na maior parte das vezes que Gilberto Freyre
falava em “Oriente”, está, na verdade, se referindo tanto à África muçulmana
ou não, quanto à Ásia. No seu discurso, o Oriente é uma ampla matriz cultural
que abriga todos os valores não europeus e, inclusive, antieuropeus. Vejamos:
A verdade é que o Oriente chegou a dar considerável substância, e não apenas
algum dos seus brilhos mais vistosos de cor, à cultura que aqui se formou e à
paisagem que aqui se compôs dentro de condições predominantes patriarcais
de convivência humana [...] Modos de viver, de trajar e de transportar-se que
não pode ter deixado de afetar os modos de pensar (Sobrados e Mucambos, p.
424).
Sobrados e Mucambos apresenta o Brasil do século 19, como um capítulo
relevante da história da luta entre Ocidente e Oriente. O estopim da luta
teria sido a chegada da corte portuguesa ao Brasil, em 1808: “A colônia
portuguesa na América adquiria qualidade de vida tão exóticas – do ponto
de vista europeu – que o século 19, renovando o contato do Brasil com a
Europa [...] teve para o nosso país o caráter de uma europeização” (Sobrados
e Mucambos, p. 309). Junto com a Família Real vieram produtos ingleses e
modismos franceses. Esses chegavam cercados de tal prestígio e poder de
sedução, que tornavam difícil e resistente às “vozes de sereia do Ocidente”
(Sobrados e Mucambos, p. 453).
O século 19 representou, assim, no Brasil, o fim do “primado ibérico de
cultura”, que nunca foram “exclusivamente europeu, mas em grande porte,
impregnado de influências mouras, árabes, israelitas, maometanas”.
Por essa via do Brasil afastava de sua origem e se entregava ao processo
de descaracterização, uma frágil tentativa de transformar-se numa Europa
tropical.
O mundo atual é multipolar e o eixo do poder econômico volta-se novamente
para o Oriente do qual temos influência decisiva em nossa formação. Vejamos
a força da China e da Índia, na atualidade.
As relações, desavenças e semelhanças entre o Oriente e o Ocidente, ou
melhor, entre os Orientes e os Ocidentes, são temas de grande relevo. Por
essa necessidade de compreensão de nossas raízes, de aprofundar os diálogos
entre culturas e países no mundo contemporâneo, é que traremos, na Festa
Literária Internacional de Pernambuco - Fliporto, em sua 7ª edição, em
novembro de 2011, o tema “Uma Viagem aos Orientes”, para discutirmos tal
questão e mostramos a importante influência oriental na formação do Brasil.
O grande homenageado será Gilberto Freyre.
A Fliporto é festa e pensamento, buscando diálogos de paz, através da
literatura, das artes, do debate de ideias.
15.
Cultura de paz
Não vislumbro outra saída para as graves questões de intolerância que não
seja a adoção de uma cultura de paz e convivência. No sentido amplo, que
vai desde a rejeição a todas as formas de violência, como também o respeito
à vida e à diversidade inerente. Valorizar a solidariedade e estabelecer
a harmonia nas relações – de gênero, de religião, de culturas. Buscar o
equilíbrio do planeta. Não acredito que possa haver um mundo sem conflitos,
mas creio na direção do diálogo, do entendimento e do respeito às diferenças.
Adotar e divulgar os valores da cultura de paz passa a ser o ponto de partida
para as mudanças fundamentais do mundo, buscando-se construir um novo
paradigma de desenvolvimento. A ONU definiu o que seria a cultura de paz,
à qual me associo, na Declaração e Programa de Ação sobre uma Cultura de
Paz, divulgada em 13 de setembro de 1999:
Ela estaria “no respeito à vida, no fim da violência e na promoção e prática
da não-violência por meio da educação, do diálogo e da cooperação;
no pleno respeito aos princípios de soberania, integridade territorial e
independência política dos Estados e de não ingerência nos assuntos que
são, essencialmente, de jurisdição interna dos Estados, em conformidade
com a Carta das Nações Unidas e o direito internacional; no pleno respeito
e na promoção de todos os direitos humanos e liberdades fundamentais;
no compromisso com a solução pacífica dos conflitos; os esforços para
satisfazer as necessidades de desenvolvimento e proteção do meioambiente para as gerações presente e futuras; no respeito e promoção do
direito ao desenvolvimento; o respeito e fomento à igualdade de direitos e
oportunidades de mulheres e homens; o respeito e fomento ao direito de
todas as pessoas à liberdade de expressão, opinião e informação; na adesão
aos princípios de liberdade, justiça, democracia, tolerância, solidariedade,
cooperação, pluralismo, diversidade cultural, diálogo e entendimento em
todos os níveis da sociedade e entre as nações; e animados por uma atmosfera
nacional e internacional que favoreça a paz.”
Só se vence uma ideia com uma ideia melhor ainda. E o terror é uma ideia
enlouquecida. Quando se vence alguém pela força se ganha pela metade,
quando algo se ganha. Quando se ganha pelo convencimento, ganha-se por
inteiro. A maior arma que existe é o homem. A paz também está nele. O resto
são caminhos e escolhas. Somente diálogos construtivos de paz, uma melhor
compreensão e convivência com o outro, com o diferente, vencerão o terror e
a tensão entre religiões e etnias, que é o grande desafio do contemporâneo. O
Brasil tem uma missão nesse sentido.
Somos “diversos”, como afirma o poema do músico brasileiro Marcelo Yuka,
pois “entre a revolta e a obediência, crescer com diferenças e crescer pelas
diferenças, será sempre entender que o amor é a nossa maior forma de
inteligência.”.
Vamos criar coletivamente uma nova Guernica de Picasso ou Guerra e Paz
de Portinari, mas, dessa vez, apagando a guerra e pintando a paz. Ainda há
esperança.
Fevereiro/2011, Bairro de Casa Forte, Recife, Brasil.
Antônio Campos
Advogado, Escritor, Membro da Academia Pernambucana de Letras e Curador da
Festa Literária Internacional de Pernambuco - FLIPORTO.
[email protected]