Sobre Jesus, Paixão, liturgias e paradigmas - Versão para - Dicas-L

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Sobre Jesus, Paixão, liturgias e paradigmas - Versão para - Dicas-L
Sobre Jesus, Paixão, liturgias e paradigmas
Sobre Jesus, Paixão, liturgias e paradigmas
Por Jefferson Santos
Data de Publicação: 26 de Fevereiro de 2015
Ele chegou deslumbrante. Bem, melhor e mais prudente seria dizer: entusiasmado.
Seu MBA, recém concluído, havia lhe dado uma visão que antes nenhum mortal ousaria
ter, muito menos sobre aquela veneranda instituição pública à qual ele iria prestar sua
primeira consultoria.
Pessoas paradigmáticas em suas relações. Seara de dificílimo acesso e sem resultados
visíveis e sustentáveis.
Apesar disso, ele teria que deixar sua marca, mas precisava controlar seu modo de se
externar e, principalmente sua "verbalização". Com entusiasmo tipo assim...um tanto
"onírico-relacional-atuante".
Falar apenas, não lhe satisfazia. Cada preleção era um desempenho teatral com mãos
voando pelo espaço da plateia.
Os funcionários estavam um tanto quanto atônitos com tal figura, quando não curiosos. O
que será que aquele jovem consultor "esvoaçante" queria? Mas tudo bem. Já era
sexta-feira de meio-expediente, logo logo não sobraria nem a vanzinha de cachorro
quente e churrasquinho de gato no estacionamento, quanto mais qualquer carro de
"colaborador". A área ficaria território de pombos, cães e saguis sacanas nas árvores.
"Mudar o quê?" - divagava ele. "Paradigmas!! Resistências organizacionais e dos
indivíduos". Estas convicções enchiam a mente "ainda não bem resolvida" do novo gestor
de RH. Não...consultor!!!...desculpem a falha. Apesar de funcionário concursado, o
neologismo da nova atividade já agregava, de pronto, um valor simbólico que os mais
"decanos" do velho DP não conseguiam enxergar mas, também, jamais ousariam
questionar.
Qual seria o primeiro passo de sensibilização? Seria necessário algo marcante na liturgia
das "dinâmicas vivenciais" comuns a toda e qualquer novidade trazida por profusos
consultores a soldo de "carta convite" nos "rigores da Lei".
A família. Sim! A relegada, esquecida e injustiçada família que ficava em segundo plano,
sempre, que o consciente colaborador vivia "tuenifivforseven" os 365 dias do ano de tão
enfronhado e comprometido com qualquer projeto, mesmo os de última hora,
intempestivos, atirados nos "peito" do incauto de bobeira no corredor.
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Sua nova proposta. Sem custos. Apenas mudanças atitudinais (os dois cabocos da
segunda fila se entreolharam, um deles sutilmente anotou o novo nome para preencher
nos nove quadradinhos que insistiam em ficar em branco da última página, já incompleta,
da palavra-cruzada distribuída gratuitamente no último programa motivacional de...
vejamos, de 96. Atitudinal caberia perfeitamente.
A futura candidata a assistente, dentre as várias que concorreriam ao cargo de passar o
expediente vendo, andando, sentindo o "feeling", em interação até quase corporativa (fica
melhor esta palavra, no mais angelical sentido possível) - esforçava-se em projetar a
simpatia e competência do colega líder consultor, sobre os demais colegas. Tudo valia
para se sentir o clima.
Perfeito! Um solução barata como aquela para ser uma primeira ação revolucionadora de
um programa que atingiria níveis de evidência jamais pretendidos por aquela simples
unidade administrativa. Seria exemplo para a adminstração pública federal, país a fora.
Já se via ele em algum dos ministérios criados na nova adminstração que "chegou para
mudar o que está aí e dar esperança para o novo, humilhado, esquecido, miserável, sem
saída, sem luz no túnel"...chega, tá bom, já deu para se entender.
Opção aceita para se valorizar a família os trabalhos prosseguiriam. O primeiro passo
para um grande programa: valorização de "nossa" família. Ser chamado pelo nome de
família traria uma "sensação de casa em pleno trabalho". O prazer de se dar continuação
de seu lar no ambiente de trabalho ajudaria e consolidaria laços de eterna amizade,
comprometimento, visões e objetivos compartilhados etc etc. Ele conseguiria erradicar,
de vez, a impressão de que o último nome é coisa de quartel, militarizada. O famigerado
"nome de guerra" passaria a ser visto e aceito como um link com valores familiares, como
deveria, assim, ser o relacionamento dos colaboradores com a empresa. Uma
monumental "nuncadantes" quebra de paradigmas.
Solução: de agora em diante todos seriam tratados pelo nome da família. Para ficar
politicamente correto as mulheres poderiam, se quisessem, usar o primeiro nome antes
do essencial nome de família. Casos omissos?!...a gente vê depois.
Para a dinâmica de sensibilização foram importadas tarjetas auto adesivas, que não
estragariam o terno, o tailler, o macacão, o avental.
Ali seria colocado em letras bem desenhadas pelo cuidadoso consultor...estudou
caligrafia no "Normal" antes de achar que "entendia tudo de pessoas".
Para os colaboradores terem maior adesão e sentirem a seriedade do projeto. Ele -lídimo
representante contratado da alta cúpula- preencheria o nome citado pelo funcionário
próximo ao microfone para ser acompanhado por uma salva de palmas, com canetinha,
cata-vento para os filhos, e algo que atendesse adolescentes de ambos os sexos. Tudo
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dentro de uma sacolinha charmosa, politicamente correta fabricada por bagaço de cana
daqueles meninos que aparecem na tevê todos sujos e maltratados em campos de
bóias-frias.
Todos seriam por ele chamados pelo nome da família... até a diretoria!!! Magnífica
adesão se vislumbrava no horizonte temporal daquela, já então, pitoresca repartição
pública...
Dois paradigmas quebrados de uma só vez. Adesão total, de início, a um PQVT e chamar
funcionário público civil pelo nome de guerra...
Lá vem o Jorge: - Antunes!! uma calorosa salva de palmas...
O Severino: "Da Guia"!!! ....silêncio, duas ou três palmas de distraídos...silêncio
breve...Como?
"DAAAAAAAAA GUIIIIIIIIIAAAAAA! O senhor é môco?!?!? Da Guia!!"
"Não tem outro?"
"Não!! Toda a família foi salva por nossa Senhora da Guia!"
Ah!! Um breve desvio comportamental denunciatório de olhos em busca das anotações de
como lidar com casos assim. Nada lhe ocorreu... "Da Guia!!" - fica assim mesmo. Palmas.
A Leonor, A Silvana, A Beatriz, o Genaro....uma ruma tranquilizante de nomes normais e
previstos na zona de conforto do quase desesperado consultor...
O périplo seguia com alguns, tímidos e ainda desconfiados falando baixo, quase no pé de
ouvido, o nome de família. O consultor fazia questão de repetir, alto e em bom tom, o
nome escolhido para o crachá. Foi seguindo-se a fila.
Cochicha, discretamente, para a auxiliar: "Ué, o combinado não era o pessoal depois de
receber o crachá seguir para o lanche?"
"Era", responde a aspirante, "Não sei por quê todos voltaram para seus lugares!!"
Tanto melhor, mais palmas, mais orgulho por sustentar o indefectível nome da família..
O programa estava iniciando de vento em popa...
Carro preto, tapete vermelho, elevador privativo, medalha em palanque, descer a rampa
com a Dilma... Tudo uma mera questão de tempo....sim de tempo...
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Até o devaneio ser interrompido por um negão enorme, um armário, basquetista,
alterofilista, cara se sonso, "cantor de funk do bem"
Ele se inclina com os lábios grossos próximo ao palpitante microfone de lapela do -já
derretendo de tão trêmulo- consultor:
"Jesus"... "Paixão"!!!
Um relampejo de clarividência e percepção prospectiva de cenário aflorou na mente
hiperoxigenada do frágil consultor, dado ao nível de pulsação do indivíduo.
"Que bom iniciaremos a segunda fase do programa antes do que pensávamos!!"
"A religião e espiritualidade!!" Alto e em bom som para os ouvintes, os expectadores, pois
de fato estavam na expectativa de um desfecho deslumbrante para o imbróglio.
"Você será, como símbolo do início da nova etapa deste workshop, será chamado de ... "O
Jesus"!!!
A gargalhada retumbou no lotado auditório enquanto todos, divertidamente,
levantavam-se para o lanche lotando as cestas de lixo com tarjetas -importadas e
adesivas-, amassadas.
E aquele balançar de cabeça típico do "fala sério!!".
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