UM CURSO COMERCIAL PARA MOÇAS DA ELITE

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UM CURSO COMERCIAL PARA MOÇAS DA ELITE
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UM CURSO COMERCIAL PARA MOÇAS DA ELITE (SANTOS,1928-1938).
Maria Aparecida Martins Rollo Montero del Rio
Universidade Católica de Santos
RESUMO
O Colégio “Stella Maris”, em Santos, é um dos estabelecimentos mais antigos e tradicionais. Instalado
em 1924, com a chegada das Religiosas da Congregação Nossa Senhora (Cônegas de Santo
Agostinho) à cidade, vem desempenhando um trabalho educativo, não interrompido até os dias
atuais.O objetivo deste trabalho é contribuir para o conhecimento da história do ensino na cidade de
Santos, a respeito do que há muito por pesquisar.O alvo é a reconstituição histórica do Curso
Comercial (1928-1938) do Colégio “Stella Maris” de Santos, instituição de elite da cidade.Quando as
Cônegas aqui chegaram, já traziam uma preocupação secular, mantida desde a origem, nos idos de
1598: a profissionalização da mulher, independentemente de sua condição socioeconômica.Em 1928,
o “Stella Maris” criou o Curso Comercial com o objetivo de atender a juventude feminina,
preparando-a profissionalmente para um mercado de trabalho que se abria e se mostrava promissor na
Santos dos anos 30, ligada ao Porto e às várias atividades comerciais, e desenvolvendo a personalidade
cosmopolita e liberal, própria dos centros urbanos. Assim, o período histórico considerado é a década
1928-1938, sendo 1928 o ano da instalação do Curso Comercial no “Stella Maris”, e 1938, o ano do
seu encerramento. As investigações realizadas revelam o desejo do Colégio em manter um Curso
Comercial, destinado às meninas, para que elas tivessem um preparo geral e prático para a vida. Havia,
pois, uma preocupação desse instituto de ensino com a profissionalização da mulher, tendo-se
presente, como já foi dito, que se tratava de uma instituição que atendia as jovens da elite daquela
época. O curso foi de curta duração. Nunca apresentou um número elevado de alunas, e por isso
terminou em 1938 com apenas três diplomandas. Havia a preocupação da escola em profissionalizar as
jovens. E as elites? Não estavam interessadas nisso? Para este estudo foram utilizadas fontes primárias
do Colégio: Atas de exames, relatórios do Colégio, relatórios dos fiscais federais, livros de prêmios,
livros de matrícula, atas relativas ao trabalho administrativo e educativo. A metodologia empregada
consistiu na coleta de todo o material documental disponível, e sua organização, com vistas a um
conjunto harmonioso e coerente. O Curso Comercial do Colégio “Stella Maris” nada mais foi do que
a atualização, num dado lugar – Santos – em um certo tempo – 1928/1938 – de um projeto antigo da
Congregação, e por isso mesmo, sempre novo, de conferir à mulher autonomia e dignidade para o seu
próprio sustento e de sua família, se preciso for. É, portanto, legítimo afirmar que se o Curso
Comercial foi implantado no Colégio “Stella Maris” como possibilidade oferecida pelo Governo para
profissionalização das jovens, ele o foi, porque já havia por parte da Congregação, desde oe seus
primórdios, essa preocupação em dar às meninas, meios que lhe garantissem a sobrevivência,
compatíveis com o tempo e o lugar, sendo assim variáveis, se consideradas as exigências sociais e
culturais do ambiente e do momento histórico, vividos por essas mulheres.
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TRABALHO COMPLETO
Em dezembro deste ano de 2006, comemora-se o 1º Centenário da chegada ao Brasil, vindas da
Europa, de cinco Irmãs da Congregação de Nossa Senhora, que integraram o grupo pioneiro, fundador
da primeira comunidade dessas Religiosas em nosso país.
A pequena comunidade fixou residência na cidade de São Paulo para, em terras brasileiras, levar
por diante a tarefa e o ideal educativos de seus Fundadores, cujo desvelo pela educação, especialmente
das meninas, fez nascer esta congregação religiosa. Já instaladas, elas fundaram, em São Paulo, em
1907, o Colégio“Des Oiseaux”.
Em 14 de janeiro de 1924, foi a vez de Santos, que aqui viu despontar uma nova comunidade,
que recebeu o bonito e sugestivo nome de “Stella Maris”. O Colégio“Stella Maris” foi inaugurado em
1º de março de 1924, em cerimônia solene, presidida por Dom Duarte Leopoldo e Silva, o então
Arcebispo Metropolitano de São Paulo.
Assim, iniciava-se em Santos, na segunda década do século XX, a obra educativa da
Congregação de Nossa Senhora, Cônegas de Santo Agostinho, fundada, na Lorena, no Natal de 1597,
por Madre Alix Le Clerc e São Pedro Fourier.
Atualmente, o “Stella Maris” é a mais antiga de todas as comunidades e escolas fundadas pela
Congregação, no Brasil. Na cidade de Santos, é também um dos mais antigos e tradidionais
estabelecimentos de ensino. Instituído há mais de 80 anos, vem desempenhando, entre nós, um
trabalho educativo não interrompido até os dias de hoje.
Ao tempo da fundação do Colégio (1924), Santos já conhecia, desde as últimas décadas do
século XIX, um estimulante crescimento da vida social, pela força das atividades comerciais, oriundas
do comércio cafeeiro, do movimento portuário associado à rede ferroviária. Esse dinamismo trouxe,
como conseqüências, avanços na urbanização e contatos socioculturais mais estreitos com outros
grupos e centros, tanto nacionais como estrangeiros, estimulados pelo vigor das exportações cafeeiras
e pela imigração.
Do mesmo modo, simultaneamente ao impulso das exportações de café, inauguraram-se as casas
comissárias, os bancos, e com isso, o aumento e o aparecimento de inúmeras atividades e profissões
ligadas ao comércio, como contabilistas, secretários, atuários, guarda-livros e outras.
A intensa atividade comercial, que se impôs rapidamente na vida de Santos, começou a exigir
preparo e formação especializados na área, não só para atender os quadros mais elevados no âmbito
mercantil, mas também para tornar aptos ao exercício de tarefas subalternas um sem número de
funcionários, cujo desempenho ordenado e criterioso era fundamental para levar a cabo os negócios.
Para remediar essa falta de pessoal adequadamente qualificado, criaram-se Cursos de Comércio,
tanto em escolas particulares, como no ensino público.
A historiadora santista Maria Apparecida Franco Pereira, em seu livro Santos nos caminhos da
educação popular, faz importantes referências e pontua aspectos elucidativos sobre o ensino comercial
em Santos.
O mesmo se diga de Luiz Damasco Penna, Delegado Regional do Ensino de Santos, que nos
Relatórios anuais das atividades da Delegacia Regional do Ensino de Santos, dirigidos ao Diretor do
Ensino, 1933-1934, fazia menção aos muitos cursos comerciais em Santos, que pelo fato de ser uma
cidade caracteristicamente comercial, exigia que ela se equipasse para atender a demanda de
trabalhadores especializados naquele setor. Foi ainda nesse Relatório de 1933-1934, que Damasco
Penna deixou documentada a preferência dos estudantes da cidade de Santos pelo ensino comercial,
nos primeiros anos da década de trinta do século passado, em detrimento dos Cursos Ginasial,
Pedagógico, Técnico-Profissional.
Assim, nesse clima de expectativas, no ano de 1928, foi criado o Curso Comercial do Colégio
“Stella Maris”.
Obtendo autorização da Instrução Pública do Estado de São Paulo, em março de 1924, para
funcionamento dos cursos de Jardim da Infância, Primário e Secundário, não tardou que a Diretoria
do Colégio levasse em conta as peculiaridades do contexto sócio-econômico-cultural no qual a escola
estava inserida. A prontidão em perceber a demanda social e a disposição em atender as solicitações
do entorno social estão bem expressas neste trecho do “Relatório organizado de acordo com o art. 18
das Instruções sobre a fiscalização do Ensino Comercial pela Fiscal Valentina Brandão Silva, e
pertencente ao Colégio Stella Maris de Santos”:
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“Em 1928, de acordo com as disposições do decreto 17.329 de 28 de Maio de
1926, a diretoria do Colégio resolveu criar o Curso Comercial, o que praticou
nesse mesmo ano abrindo quatro classes (1ª, 2ª, 3ª e 4ª séries), que contavam no seu
programa, o ensino das matérias seguintes: Português, Francês, Inglês,
Matemática, Contabilidade, Geografia, História Universal, História do Brasil,
Física, Química, História Natural, Desenho, Caligrafia e Datilografia. Quando em
30 de Junho de 1931, o Ministério da Educação e Saúde Pública estatuiu o decreto
20.158 que reformou o ensino comercial no Brasil, a Diretoria do Colégio Stella
Maris adaptou imediatamente o Curso Geral à reforma criando o Curso
Propedêutico exigido pela lei, e um só curso técnico que foi o de Secretariado.
Assim sendo, as alunas aprovadas no 1º ano do Curso Geral em 1930, constituíram
o 2° ano propedêutico em 1931; as promovidas do 2º ano do curso geral formaram
o 3º ano propedêutico e as que obtiveram promoção nos 3º e 4º anos, constituíram
o Curso técnico de Secretariado”.
Como, devido à reforma de 1931, o Ensino Comercial no Brasil passou a constar de um Curso
Propedêutico de três anos e de vários cursos técnicos da área comercial, o Colégio “Stella Maris”
elegeu o Técnico de Secretário para suas alunas.
Com a reforma de 1931, o currículo do Curso Comercial ficou constituído pelas disciplinas:
Português, Francês, Inglês, Matemática, Geografia, Corografia do Brasil, História da Civilização,
História do Brasil, Física, Química, História Natural, Caligrafia, distribuídas pelos três anos do
Curso Propedêutico. Para o Secretariado estavam reservadas as disciplinas: Correspondência
portuguesa, francesa e inglesa; Direito Constitucional, Civil e Comercial; Legislação Fiscal;
Organização de Escritórios; Estenografia (Taquigrafia) e Mecanografia.
Os Cursos Técnicos do Ensino Comercial apresentavam matérias comuns a todos, e algumas
específicas, dependendo da habilitação escolhida. No Curso de Secretário, o destaque ficava para
Estenografia e Correspondência no idioma nacional e nas línguas estrangeiras.
Deste modo, as quatro séries de 1928 compunham o Curso Geral – fase inicial do ensino
comercial no Colégio “Stella Maris”, a respeito do qual , por ora, sabe-se, apenas, por meio do
Relatório de Valentina Brandão Silva, que ele seguia as disposições estabelecidas pela legislação do
ensino, seguindo e executando os programas oficiais das disciplinas que compunham o seu currículo.
Este Curso Geral prolongou-se até 1931, ano da reforma do Ensino Comercial no Brasil. Sem demora,
a Diretoria do Stella Maris adaptou o Curso Geral à reforma, de modo que os quatro anos desse curso
originaram os três anos do Propedêutico e um ano do Secretariado. Esta foi a segunda fase do ensino
comercial no Colégio, que se alongou até 1938, ano da sua extinção.
Em uma correspondência de 1931, enviada ao Ministro da Agricultura, Indústria e Comércio,
com a finalidade de justificar o pedido de oficialização do Curso Comercial, a Superiora das Cônegas
Regulares de Santo Agostinho, pelo Colégio“Stella Maris”, apontava várias razões, dentre as quais
seleciono duas, que evidenciavam a sensibilidade do Colégio em perceber as necessidades do meio, e
das famílias em preparar suas filhas para uma sociedade em franca mudança:
- “Seguindo e observando a evolução do ensino e da sociedade, o
Colégio“Stella Maris” não se descuidou de suas alunas e, procurando, tanto
quanto possível, habilitá-las para a sociedade, para a vida prática, introduziu, ao
lado dos cursos e programas oficiais, aulas de artes aplicadas, concorrendo para
elevar a cultura geral”;
- “Ultimamente, muitas famílias vêm se empenhando pelo preparo de suas
filhas para o Comércio (escritórios, bancos, empresas, casas comerciais etc.), com
o fim de melhor se adaptarem para as lutas da vida, nos casos necessários, como já
se tem verificado com alunas deste próprio estabelecimento”.
Sendo assim, como indica o Relatório de 1933 da Fiscal Valentina Brandão Silva:
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“Para poder o Colégio gozar dos favores legais instituídos pelo decreto
20.158 de 30 de junho de 1931, a sua diretoria requereu em dezembro de 1931 ao
Sr.Superintendente do Ensino Comercial, a fiscalização prévia declarando como
exige a lei, os cursos mantidos pelo Colégio, que já organizados estavam em franco
desenvolvimento”.
Eis, na íntegra, o significativo requerimento, enviado pelo “Stella Maris” ao Superintendente do
Ensino Comercial no Brasil, Dr. Victor Vianna:
“O Colégio Stella Maris, estabelecimento de ensino sob o patrocínio das
Cônegas Regulares de Santo Agostinho, com sede em Santos, Estado de São Paulo,
e destinado exclusivamente ao sexo feminino, mantendo um curso geral ginasial e
um especial de comércio, destinado a dar às meninas cuja educação lhes é confiada
um preparo geral e prático para a vida, deseja, de acordo com o recente Decreto
Nº 20.158 de 30 de junho deste ano, legalizar a sua situação e promover o seu
reconhecimento nas bases estatuídas pelo mesmo. É desejo do Colégio Stella Maris
manter o curso Propedêutico e o curso de Secretário para suas alunas; e, nesse
objetivo, vem solicitar de V. Exa. Que, determinando o que mister se faça, seja-lhe
concedida inspeção prévia e reconhecimento, tudo de acordo com o disposto em o
aludido Decreto N° 20.158, já citado, termo em que, com acatamento, P.
deferimento”.
Este Requerimento da Diretoria do Colégio “Stella Maris” ao Superintendente do Ensino
Comercial no Brasil, datado de dezembro de 1931, indica o público-alvo a que se destinavam os
cursos organizados e em funcionamento na escola, bem como evidencia a preocupação desse instituto
de ensino, isto é a profissionalização da mulher, dando-lhe um preparo geral e prático para a vida, o
que representava de fato, a clara intenção desta Congregação Religiosa. E mais, ao solicitar a
legalização e o reconhecimento do curso, o Colégio estava assegurando às suas alunas, a garantia de
um possível exercício profissional.
Em resposta a esse requerimento, a Superintendência do Ensino Comercial, pelo ofício Nº 18 de
5 de janeiro de 1932, concedeu ao Colégio “Stella Maris” a fiscalização preliminar, e nomeou para
verificar a idoneidade e as condições de funcionamento da escola o Dr. Lourival Oberlaender, fiscal
geral. O fiscal Dr. Nelson Rangel ficou responsável pela inspeção efetiva. Os relatórios desses dois
fiscais testemunharam a idoneidade do Colégio, a sua adaptação ao regime oficial e o cumprimento
das condições legais. Tudo isso ficou registrado no amplo Relatório de 1933 de Valentina Brandão
Silva.
O Curso Comercial do Colégio “Stella Maris” regeu-se pelo Decreto Nº 20.158 de 30 de junho
de 1931, no todo da sua organização, sem o que não gozaria dos privilégios conferidos pela referida
legislação. A esse respeito, a Fiscal Valentina Brandão Silva escreveu em seu Relatório de 1933, no
item Organizações dos Cursos de acordo com a lei e instruções do Sr. Superintendente:
“Esta fiscalização tem observado desde o início do exercício de suas funções,
a perfeita execução, por parte da Diretoria do Colégio,das exigências
regulamentares quanto à organização dos cursos de ensino técnico-comercial,
tendo também ensejo de verificar que em casos omissos, as resoluções do Sr.
Superintendente têm sido seguidas com perfeita retidão”.
Na verdade, o que se tem é um Curso Comercial organizado, em todos os seus detalhes,
segundo o que está disposto naquele Decreto. Desde a admissão ao Curso, passando pela organização
do ano letivo, formas de avaliação da aprendizagem, provas finais, transferências de alunos, até a
análise dos programas das disciplinas, elaborados pelos professores, mas sempre sujeitos à fiscalização
e aprovação da Superintendência, bem como a metodologia empregada e os compêndios escolhidos
pelos docentes.
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O ZELO PELA INSTRUÇÃO
Desde a origem da Congregação de Nossa Senhora, em 1597, a preocupação dos seus
fundadores – São Pedro Fourier e Madre Alix Le Clerc – em formar e bem formar o seu próprio
quadro docente, foi uma constante, que teve uma nítida e forte visibilidade, no Curso Comercial do
Colégio “Stella Maris”, que ora consideramos.
O Colégio “Stella Maris”, a exemplo de outras escolas religiosas daquela época (décadas de 20
e 30 do século XX), organizava o seu corpo docente, totalmente ou em parte, com membros da própria
Congregação, o que naturalmente não afastava a possibilidade de contratar professores leigos. Mas,
note-se que os leigos ocupavam-se apenas da docência, não da direção nem da administração, cargos
reservados exclusivamente às Religiosas.
O Relatório organizado de acordo com o Art. 18 das Instruções sobre a Fiscalização do Ensino
Comercial pela Fiscal Valentina Brandão Silva, e pertencente ao Colégio“Stella Maris” de 1933
informa:
“A diretoria do Curso Comercial anexo ao Colégio“Stella Maris”, compõese dos seguintes membros: uma diretora, uma vice-diretora, uma tesoureira, uma
secretária. Os artigos 22, 23, 24 e 25 do Regimento Interno do Colégio, indicam as
funções a que estão sujeitos os membros que compõem a sua diretoria, sendo esta
formada de professores que também exercem o magistério no estabelecimento”.
A seguir, a Fiscal menciona as Religiosas ocupantes dos cargos de direção, concluindo com esta
ressalva: “Todas professoras e registradas na Diretoria Geral de Educação”.
O Regimento Interno do Colégio diz que são funções próprias da Diretora:
“Tomar conhecimento dos pedidos de matrícula; tratar e corresponder com
as famílias e com as autoridades escolares e administrativas; assegurar (no
Colégio) a execução do regulamento e dos horários; tomar conhecimento, para
sancioná-las ou suspendê-las, das penas disciplinares impostas às alunas”.
“À vice-diretora compete substituir em tudo ou em parte a Diretora quando
esta se acha impedida ou ausente.”
“A tesoureira é encarregada da contabilidade do Colégio.”
“A secretária tem sob sua responsabilidade o arquivo escolar e a direção do
serviço da secretaria.”
Nos seus 10 anos de vigência, o Curso Comercial anexo ao Colégio“Stella Maris” foi dirigido e
administrado unicamente pelas Religiosas, todas professoras, exercendo também a docência na
Instituição, e devidamente registradas na Diretoria Geral da Educação, no Rio de Janeiro.
Estas Religiosas preparavam-se para o exercício de um magistério responsável e competente,
adequado e sempre atento às necessidades pessoais e intelectuais de suas alunas, bem como às
características e solicitações sócio-culturais do tempo e do lugar, onde sua tarefa educativa se
realizava.
A preocupação em manter um ensino de qualidade - tratando-se das Religiosas ou dos
professores leigos - fazia com que aspectos fundamentais fossem cumpridos à risca, em obediência às
normas regimentais do Colégio, na seleção e escolha do pessoal docente: formação e experiência
profissionais; estágios de dois anos, no mínimo, na sua área de competência; proficiência comprovada
por atestados de que possuem trabalhos feitos e demais provas, bem como o seu Registro na Diretoria
Geral de Educação. Todas estas informações foram dadas pela Fiscal Valentina Brandão Silva, no seu
já citado Relatório de 1933, onde ela deixou registrado:
“O quadro do Corpo Docente se compõe de brasileiros e naturalizados, cuja
proficiência é comprovada por atestados que possuem trabalhos feitos e demais
provas, bem como o seu registro na Diretoria Geral da Educação. Regularizando
as atribuições dos professores, o Regimento Interno dispõe em seu artigo 26 e
parágrafos, a ordem das mesmas. Para a forma de investidura a Diretoria do
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Colégio, resolve o caso no artigo 27 do Regimento, provendo os cargos de
professores mediante o estágio no magistério pelo menos de dois anos”.
O cuidado em compor um grupo de professores idôneos, comprometidos com a causa da
educação, empenhados na formação moral, espiritual e cívica do seu alunado, revela a ênfase dada
pelo Colégio “Stella Maris” ao aprimoramento desses profissionais.
O preenchimento dos cargos de professor, embora não estivesse sujeito a concurso, como nos
colégios públicos, era rigoroso e definido pelo Regimento Interno do Colégio, em estrita obediência ao
que era determinado pelo Decreto Nº 20.158 de 30 de junho de 1931, o que está confirmado pelos
registros deixados nos relatórios dos fiscais federais, que faziam a inspeção do “Stella Maris”.
Desde sua criação, o Curso Comercial do “Stella Maris” primou pela seleção de seus
professores, pois a idoneidade e a capacidade deles no desempenho das suas atividades era uma
ordenação do Colégio para o bom andamento, organização e avaliação governamental do curso em
questão.
Ao atestar a idoneidade da direção e do professorado do Curso Comercial, a Fiscal Valentina
Brandão Silva no seu Relatório de 1933, deixa este importante registro:
“Para o comprove da idoneidade do Colégio, sua diretoria e seu corpo
professoral, há um atenuante principal que é a existência jurídica do
estabelecimento (Colégio Stella Maris) desde fevereiro de 1924, sob o patrocínio da
Associação Instrutora da Juventude Feminina, sociedade civil legalmente
constituída e registada na capital do Estado de São Paulo, a 9 de fevereiro de 1907.
A direção dessa sociedade é confiada às Cônegas Regulares de Santo Agostinho,
cuja Casa Matriz está situada na Bélgica, em Jupille-lez-Liège, possuindo também
a Ordem vários estabelecimentos na França, na Itália, na Inglaterra, na Alemanha,
na Áustria, na Hollanda e no Brasil, no Estado de São Paulo (na capital e em
Santos) que além de manter nestas o Curso Primário fiscalizado pelo governo
estadoal, também patrocina o Ginásio (curso seriado) sob a inspeção da Diretoria
Geral da Educação do Rio, e o Curso Comercial que atualmente está sob a
fiscalização da Superintendência. A idoneidade da Diretoria bem como a do Corpo
Docente é comprovada pelo seu registo no Ministério da Educação e Saúde
Pública”.
Quanto ao aspecto regimental do “Stella Maris”, eram declarados deveres dos professores, o que
segue: a) Orientar o ensino das matérias que constituem sua cadeira; b) Lecionar em sua totalidade as
matérias que constituem o programa de ensino; c) Providenciar por todos os meios a seu alcance , para
que o ensino sob sua responsabilidade seja o mais eficiente possível; d) Tomar parte nas comissões de
exames do Curso; e) Submeter durante o ano letivo, as alunas aos trabalhos práticos nos termos deste
regimento; f) Tomar parte nas Congregações; g) Escolher o preparador quando se tratar de cadeira que
disponha de gabinete ou laboratório, propondo à Diretoria sua nomeação; h) Fiscalizar a freqüência
das respectivas alunas.
Sobre o cumprimento destes deveres dos professores, a Fiscal Valentina Brandão Silva, ainda no
aludido Relatório de 1933, no item relativo à Execução dos programas e elaboração dos programas
constantes ou a constar do Regimento Interno, declarou:
“Os programas desta escola, elaborados pelos professores, estão sendo
executados com método, tendo eu verificado os esforços e dedicação com que estão
sendo processados, procurando o Corpo Docente seguir a pedagogia moderna
especializando cada vez mais o estudo da sua cadeira. Mensalmente, esta
fiscalização envia à Superintendência os diários das lições ministradas durante o
mês, não encontrando até a presente data, deficiência no ensino, que está sendo
feito integralmente de acordo com o artigo 23 do Decreto 20.158. Os programas
que em sua totalidade foram preparados pelos professores, já foram remetidos por
esta fiscalização à Superintendência, em 17 de Maio do corrente, quando fez o seu
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primeiro relatório exigido pelo artigo 18 das Instruções sobre a Fiscalização do
Ensino Comercial”.
Além da avaliação positiva do Corpo Docente, feita pela Fiscal Valentina Brandão Silva, é
interessante resgatar um pequeno trecho de uma correspondência enviada pela Madre Superiora,
Diretora do Colégio, ao Ministro da Educação, Gustavo Capanema, com data de 21 de fevereiro de
1935, na qual ela afirmava que:
“O corpo docente é composto de Cônegas de Santo Agostinho formadas em
institutos de ensino superior e de professores contratados, todos devidamente
registrados na Diretoria Geral do Ensino Secundário, de acordo com o Artigo 87
do Decreto nº 21.241, de 4 de abril de 1932”.
Neste breve, porém importante esclarecimento, estão explícitos a situação do professor leigo,
que era a de ser contratado, bem como o grau de formação das Religiosas dedicadas ao magistério,
isto é “formadas em institutos de ensino superior”.
As Religiosas , sendo membros da Congregação, estavam na situação de professoras efetivas,
conforme consulta aos Boletins de Informações do Ministério de Educação e Saúde Pública, da
década de 30 do século XX, os quais também revelam que, com exceção da Diretora e da sua
substituta, e de um ou dois professores assistentes, os demais (Religiosas e leigos) compartilham a
mesma categoria, a de catedráticos.
Este Curso Comercial, nos seus 10 anos de existência, teve 18 professores, dos quais 11 eram
Religiosas, sendo duas brasileiras, duas da Alemanha, três da Bélgica, duas da França, uma da
Inglaterra e uma da Holanda. Os demais professores eram leigos e brasileiros, sendo dois homens e
cinco mulheres.
Todos eles, Religiosas e leigos, sem distinção, eram portadores de comprovada experiência no
magistério, cujo exercício profissional foi atestado pelo Colégio das Cônegas de Santo Agostinho em
São Paulo, por órgãos oficiais competentes e pelo próprio Colégio “Stella Maris”. Várias Religiosas
vindas da Europa já traziam de seus paises uma bagagem profissional de muitos anos nas lides
educacionais.
As disciplinas do Curso Comercial estavam assim distribuídas e atribuídas aos professores:
- Francês, Inglês, Correspondência Comercial (em Francês e em Inglês), Estenografia
(Taquigrafia), Datilografia (Mecanografia), Caligrafia, estiveram a cargo exclusivo das Religiosas
européias.
- História da Civilização e História do Brasil foram ministradas por uma Religiosa brasileira.
- Português e Correspondência Comercial em Português ficaram sob a responsabilidade de
quatro professoras brasileiras, sendo uma Religiosa e três leigas.
- Geografia e Corografia do Brasil foram ministradas por duas professoras brasileiras, leigas,
ambas com formação em Ciências e Letras.
- Legislação Fiscal e Direito Constitucional, Civil e Comercial estiveram sob a regência de um
único professor, leigo, que também atuou em Matemática e Organização de Escritório. Dono de um
currículo primoroso, especificamente voltado para o ensino comercial, este professor era diplomado
pela Escola Complementar Profissional, Escola Normal Secundária, Curso de Cultura Pedagógica,
Instituto Brasileiro de Contabilidade, Escola de Comércio Carlos de Campos, tendo todos os seus
diplomas registrados no Departamento Nacional do Ensino. Ele possuía, ainda, o título de
Contabilista, proferido pela Associação dos Contadores do Rio de Janeiro, e era Perito-Contador,
registrado na Superintendência do Ensino Comercial. Registrado na Diretoria Geral da Educação,
tinha direito a lecionar além das disciplinas já mencionadas, Contabilidade e Correspondência
Comercial.
O outro professor leigo, contratado e que lecionou Física, Química e História Natural, no Curso
Comercial, era Engenheiro e Contador, com registro na Diretoria Geral de Educação, o que o
habilitava a ministrar estas disciplinas.
As professoras, responsáveis pelo ensino dos idiomas e pela Correspondência Comercial
relativa a cada um deles, tinham Bacharelado em Ciências e Letras. As duas Religiosas brasileiras,
além dessa qualificação, eram formadas na Escola Normal Secundária de São Paulo. As professoras
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européias traziam uma formação semelhante, tendo cursado a Escola Normal em seus paises, e em
alguns casos cursos específicos na área de Ciências Comerciais. Ainda nesse rol de professoras ligadas
à área de línguas, estava uma das brasileiras, que a par da sua atividade docente, trabalhava como
tradutora juramentada.
Aqui está, portanto, em rápidas pinceladas, com dados colhidos no Fichário de Professores
Antigos do Colégio “Stella Maris”, o quadro de professores que, em sua prática pedagógica voltada
para um pequeno grupo de moças, juntos – mestres e alunas – contribuíram para dar vida a esse Curso
Comercial.
CONSIDERAÇOES FINAIS.
Ao criar o Curso Comercial, destinado às meninas, o Colégio “Stella Maris” revelava o objetivo
firme da Congregação de Nossa Senhora em dar a elas um preparo geral e prático para a vida. Havia,
pois, uma preocupação desse instituto de ensino com a profissionalização da mulher, tendo-se
presente, que se tratava de uma instituição que atendia jovens da elite daquela época. Ao mesmo
tempo, estava indo ao encontro de solicitações das famílias das suas alunas e de necessidades
funcionais da sociedade . A intenção expressa do Colégio em proporcionar às alunas meios de
adaptação às exigências do tempo, precisassem elas recorrer ou não a um exercício profissional, a
oferta desse curso profissionalizante para as jovens refletia, por parte das Religiosas, a análise lúcida
de um meio social instável, econômica e politicamente. Daí, a oportunidade da sua criação.
Poder-se-á pensar que o Colégio pretendia dar às suas alunas, as mesmas ou semelhantes
oportunidades de ingresso no mundo do trabalho, oferecidas aos homens. Na verdade, parece que a
escola soube compreender as possibilidades manifestas e latentes do Curso Comercial para o alunado
feminino. O diploma de secretária representava a possibilidade de trabalho numa profissão, cujo
campo era restrito para as mulheres. Elas iriam para os Bancos, por se um serviço mais impessoal.
Cabe lembrar que, nesse tempo, década de 30, estavam reservadas às jovens que tinham condições de
estudar, as tarefas próprias do Magistério, mais do que qualquer outra profissão.
Brasileiras, com exceção de uma, as alunas são, quase todas, filhas de pais brasileiros,
descendentes de portugueses, aqui chegados ao longo do século XIX, e que, em sua maioria,
dedicavam-se a atividades comerciais ligadas ao café.
Curso de poucas alunas, o Comercial do Colégio “Stella Maris” teve o seu corpo discente
constituído principalmente pelas que lá estudavam, desde os primeiros anos do Curso Primário. Pelos
Boletins de Informação de 1931 a 1938 inclusive , foi possível saber que apenas 51 alunas nele se
matricularam. Dessas, diplomaram-se secretárias, somente 32 moças.
1931 e 1932 foram os únicos anos em que o Curso Comercial do “Stella Maris” funcionou com
todas as séries. A partir daí, a cada ano, o curso foi perdendo as séries iniciais. Em 1936, o curso
recebeu novo alento, mas logo iniciou o processo de declínio, encerrando-se em 1938, com a
formatura de três novas secretárias, as últimas do Comercial do Colégio “Stella Maris”.
Os motivos que provocaram a progressiva desistência do Curso Comercial não foram
adequadamente esclarecidos, restando, todavia, algumas hipóteses:
- provavelmente, a falta ou a dificuldade em conseguir emprego;
- talvez, porque o Curso não correspondesse mais às expectativas que o lançaram;
- talvez, devido ao Curso Ginasial, que oferecia novas possibilidades ou atrativos às jovens;
- talvez, por conta das próprias condições sociais, que já teriam sido alteradas.
No entanto, há um aspecto interessante, que foi possível constatar pela consulta, não só ao
material do Curso Comercial, mas também aos Relatórios do Curso Ginasial do “Stella Maris”.
Como as alunas estudavam em regime de semi-internato, foi-lhes possível conciliar o Comercial e o
Ginasial, criado pelo “Stella Maris” em 1933, o que lhes garantia uma profissão já aos 17 anos, bem
como o acesso à Universidade, o que não era facultado pelo Comercial.
Penso estar aí o motivo da desistência progressiva do Curso Comercial, que embora
profissionalizante, não se abria para horizontes mais amplos.
Anos mais tarde, em 1943, a pedido das famílias de alunas, o Colégio solicitou ao Ministro da
Educação a reabertura do Ensino Comercial em seu estabelecimento. Mas, não houve resposta. A
Madre Diretora, então, envia outro ofício, com data de 29 de dezembro de 1943, ao Diretor da
Divisão do Ensino Comercial, Lafayette Belfort Garcia, nos seguintes termos:
5961
“A conselho de D. Valentina Brandão Silva, Inspetora dos Cursos
Propedêutico e Comercial em Santos, escrevi a V. Excia. com data de 17 do
corrente, pedindo-lhe esclarecimentos a respeito da reabertura do referido curso
de Secretariado no nosso Colégio, curso esse já reconhecido oficialmente em 29 de
Dezembro de 1931 e fechado em fins de 1938. Como até agora não recebi
orientação de V. Excia. Tomo a liberdade de assegurar-me se a carta registrada nº
191041 lhe chegou às mãos.
Como estou dependendo da autorização de V. Excia. para poder dar início às
matrículas ficar-lhe-ia muito grata recebendo logo uma resposta favorável.
Com muita consideração religiosa”.
A resposta ministerial não chegou.
Teria se perdido?
E, assim, encerrou-se o Curso Comercial do Colégio “Stella Maris”.
Da parte da Instituição e das famílias das meninas, uma espera ansiosa.
Da parte das autoridades governamentais competentes, impossível saber.
Embora existisse empenho em cumprir à risca as ordenações curriculares e programáticas da
Instrução Pública, o Colégio “Stella Maris” resguardou sua identidade e protegeu seus princípios,
quando no Regimento Interno do início da década de 30, declarou: -“Esta casa de educação tem por
fim dar à mocidade uma sólida educação moral, intelectual e física, moldada nos princípios da
Religião Católica”.
Apesar da submissão às leis governamentais de ensino, o Colégio não abdicou da sua
personalidade de Colégio Católico, cujo objetivo maior é a formação da pessoa humana.
Bibliografia
Fontes Primárias:
A – Documentação Interna do Colégio “Stella Maris” de Santos.
Boletins de Informações – 1931 / 1938.
Fichas de Inscrição – 1933 / 1943.
Regimento Interno do Colégio “Stella Maris” – 1932.
Requerimentos do Colégio “Stella Maris” às autoridades ministeriais
SILVA, Valentina Brandão. Relarório organizado de acordo com o art. 18 das Instruções
sobre a Fiscalização do Ensino Comercial pela Fiscal Valentina Brandão Silva, e pertencente ao
Colégio “Stella Maris”, de Santos” – de 29 de setembro de 1933.
B – Material Documental do Curso Comercial do Colégio “Stella Maris” – 1928 / 1938.
C – Outros Documentos:
PENNA, Luis Damasco (Delegado Regional do Ensino de Santos). Relatórios anuais das
atividades da Delegacia Regional do Ensino de Santos, dirigidos ao Diretor de Ensino. 1933, 1934.
Fontes Secundárias:
LICHTI, Fernando Martins. Poliantéia Santista. 1ª ed. Santos: Fernando Martins Lichti Editor,
1996. 3º vol. da História de Santos de Francisco Martins dos Santos.
MENDONÇA, Luiz Carlos Sampaio de. Stella Maris – Ano I. Breve Crônica de sua fundação.
Santos, 1974. Mimeo.
PEREIRA, Maria Apparecida Franco. Santos nos caminhos da educação popular (1870 – 1920).
São Paulo: Loyola,1996.
SANTOS, Francisco Martins dos. História de Santos. São Paulo: Empreza Graphica da Revista
dos Tribunais, 1937.