Educação rural no projeto de assentamento colibri em - Latec-UFRJ
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Educação rural no projeto de assentamento colibri em - Latec-UFRJ
JAILENE RIBEIRO SOARES EDUCAÇÃO RURAL NO PROJETO DE ASSENTAMENTO COLIBRI EM RIO BRANCO / AC – UM ESTUDO DE CASO UFRJ - 2003 2 EDUCAÇÃO RURAL NO PROJETO DE ASSENTAMENTO COLIBRI EM RIO BRANCO / AC – UM ESTUDO DE CASO JAILENE RIBEIRO SOARES DISSERTAÇÃO DE MESTRADO FACULDADE DE EDUCAÇÃO CENTRO DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO 3 JAILENE RIBEIRO SOARES Educação Rural no Projeto de Assentamento Colibri em Rio Branco/AC – Um Estudo de Caso Dissertação apresentada à Banca Examinadora da Universidade Federal do Rio de Janeiro, como exigência parcial para obtenção do título de Mestra em Educação sob a orientação dos Professores Doutores Cristina Jasbinschek Haguenauer e Manuel Severo de Farias. Universidade Federal do Rio de Janeiro/UFRJ Rio de Janeiro/RJ Abril de 2003. 4 SOARES, Jailene Ribeiro. Educação Rural no Projeto de Assentamento Colibri em Rio Branco / AC – Um estudo de Caso / Jailene Ribeiro Soares - Rio de Janeiro, 2003. Dissertação de Mestrado em Educação - Universidade Federal do Rio de Janeiro - UFRJ, Instituto de Pós-Graduação em Educação, 2003. Orientadora: Professora Doutora Cristina Jasbinschek Haguenauer I. 1. Introdução. 2. Educação Rural no Brasil – Um passeio pela História. 3. Educação Rural no Acre. 4. Programas de Educação Formal e Não-Formal no Assentamento Colibri. 5. Procedimentos Metodológicos. 6. Análise e Interpretação dos Análise de Dados. 7. Considerações Finais. (Dissertação) II. Haguenauer, Cristina Jasbinschek e Farias, Manuel Severo de. (Orientadores) III. Universidade Federal do Rio de Janeiro. Instituto de Pós-Graduação em Educação. IV. Educação Rural no Projeto de Assentamento Colibri em Rio Branco / AC – Um estudo de Caso. 5 A Jeová, o Deus Verdadeiro, pai de toda sabedoria. A meus pais, Robervaldo e Adália, por terem proporcionado a mim a educação que lhes foi negada. A Jonas, meu marido e companheiro, que me apoiou nesse momento especial. 6 AGRADECIMENTOS As experiências acumuladas ao longo de minha trajetória de vida e de profissão colocaram em meu caminho pessoas especiais. A todas manifesto minha sincera gratidão, mas de forma muito particular gostaria de agradecer: As meus orientadores, Profª Drª Cristina Jasbinschek Haguenauer, da Universidade Federal do Rio de Janeiro, e Prof° Dr. Manuel Severo de Farias, da Universidade Federal do Acre, que durante todo o período de orientação me ajudaram de forma crítica, pertinente e amiga, o que contribuiu decisivamente para a construção desse estudo. A Profª Drª Iolanda Lima Lôbo, pela leitura inicial desse trabalho e sugestões que foram incorporadas. Aos meus cinco irmãos, cada um ao seu modo, pelo incentivo e apoio: Jones, Jaciene, Juciene, Juscinaldo e Jarlene. Aos professores, alunos, diretor e da Escola Sebastião Pedrosa de Carvalho que abriram as portas daquela escola para que pudesse realizar a pesquisa empírica. Aos técnicos dos Programas Telecurso 2000 e Pronera, e Projetos Lumiar e de Energia, pelas informações e o apoio à pesquisa. A Secretaria de Estado de Educação do Acre e Secretaria Municipal de Educação de Rio Branco, pelo acesso às informações e disponibilidade. Ao Dr. Francisco Eulálio Alves dos Santos, que me apresentou à comunidade e fez valiosas contribuições para esta pesquisa. A Prefeitura Municipal de Rio Branco – AC, pelo apoio financeiro e a sensibilidade no momento oportuno, principalmente a Secretária de Educação Profª Raimunda Soares El-Shawa e Professor Lucas Augusto Rosas. 7 RESUMO SOARES, Jailene Ribeiro. Educação Rural no Projeto de assentamento Colibri em Rio Branco/AC – Um Estudo de Caso. Orientadores: Cristina Jasbinschek Haguenauer e Manuel Severo de Farias. Rio de Janeiro : UFRJ/2003. Dissertação (Mestrado em Educação). Estudo de caso em uma escola rural no Projeto de Assentamento Colibri, no município de Rio Branco, Acre, com o objetivo de investigar as causas de sucesso dos programas educacionais implantados no assentamento; as propostas dos programas com relação a educação, organização social, política e economia; e as respostas que a comunidade tem dado a esses programas. A partir das mudanças econômicas, políticas e sociais no Brasil, é traçado um histórico da Educação Rural no Brasil e no Estado do Acre. Para coleta de dados, foram entrevistados 13 técnicos e professores dos programas de educação formal - Telecurso 2000 e Pronera, e de educação não-formal - Projeto de Energia e Projeto Lumiar; e 34 moradores da comunidade atendidos pelos programas. Os resultados apontam que a ação educacional produz mais resultados quando está agregada a outras ações significativas, como produção, economia e organização social; e quando os objetivos da proposta educacional correspondem aos anseios da comunidade atendida. São apresentadas recomendações para reformulação e implementação de práticas educativas significativas no meio rural, em que instituições e comunidades dialogam juntas, como forma de promover a sustentabilidade, o resgate da cidadania e melhoria da qualidade de vida dos que vivem no campo. Palavras Chaves: Educação Rural no Brasil – Educação Rural no Acre Organização Social – Programas Educacionais. 8 ABSTRACT SOARES, Jailene Ribeiro. Rural Education on the Colibri Settlement Project in Rio Branco – AC – A Study Case. Tutors: Cristina Jasbinschek Haguenauer and Manuel Severo de Farias. Rio de Janeiro : UFRJ/2003. Thesis (Master in Education) A study case in a rural school at the Colibri Settlement Project, in Rio Branco – Acre, which aims to investigate the causes of the success of the educational program established in the settlement; the programs’ proposals in terms of the educational, political, economic and social organization; and the answers the community has given to these programs. From the economic, political and social changes in Brazil, a history of the Rural Education in Brazil and in the State of Acre is outlined. In order to gather information for this thesis, 13 technicians and teachers of the formal educational programs – Telecourse 2000 (Telecurso 2000) and Pronera – as well as of the nonformal education – Energy Project (Projeto de Energia) and Lumiar Project (Projeto Lumiar) – , and 34 people attended by the program in the community were also interviewed. The results show that educational action responds more significantly when combined with other important actions, such as production, economy, and social organization, and when the educational programs’ purposes reach the communities’ desires. Reformation and implementation of meaningful educational practices in the rural area, in which institutions and communities come together, are recommended in order to promote sustainability, citizenship rebirth, and the improvement of the quality of life for those who live in these areas. 9 Keywords: Rural Education in Brazil – Rural Education in Acre – Social Organization – Educational Programs. 10 LISTA DE ABREVIATURAS COLONACRE ............Companhia de Desenvolvimento Agrário e Colonização do Acre EJA .................................................................................... Educação de Jovens e Adultos IBGE ........................................................... Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística INCRA ........................................... Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária LDB ........................................................ Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional MDA .................................................................. Ministério do Desenvolvimento Agrário MDA .................................................................. Ministério do Desenvolvimento Agrário MEC .............................................................................. Ministério da Educação e Cultura NARI ............................................................................ Núcleo de Apoio Rural Integrado PREMEN ......................................... Programa de Expansão e Melhoria do Ensino Médio PROBOR ........................................................................ Programa Nacional da Borracha PRONASEC ........................ Programa Nacional de Ações Sócio-Educativas e Culturais PRONERA ................................... Programa Nacional de Educação em Reforma Agrária SEE ................................................................................. Secretaria Estadual de Educação SEMAG ..................................................................... Secretaria Municipal de Agricultura SEMEC ................................................. Secretaria Municipal de Educação de Rio Branco SENAR .............................................................Serviço Nacional de Aprendizagem Rural SESI ......................................................................................... Serviço Social da Indústria SUDHEVEA ...................................................................... Superintendência da Borracha TC 2000 ..................................................................................................... Telecurso 2000 UFAC ................................................................ Universidade Federal do Estado do Acre 11 SUMÁRIO CAPÍTULO I - Introdução .......................................................................................... 01 CAPÍTULO II – Educação Rural no Brasil – Um passeio pela História ..................... 09 - A luta pela terra.................................................................................................. 09 - A Educação Rural no Brasil .............................................................................. 13 - Anos 90 – A LDB n° 9394/96 e as políticas educacionais para o homem do campo ............................................................................................................ 29 Capítulo III – A Educação Rural no Acre ................................................................... 38 - A ocupação do Acre .......................................................................................... 38 - A Educação Rural no Acre ................................................................................ 47 - O projeto de Assentamento Colibri.................................................................. 55 - A escola Sebastião Pedrosa de Carvalho ....................................................... 59 - Um longo caminho a ser percorrido ................................................................ 61 Capítulo IV – Programas de educação formal e não-formal no Assentamento Colibri ........................................................................................................................ 62 - O Pronera ........................................................................................................... 62 - O Telecurso 2000 ............................................................................................... 70 - Projeto de Energia Solar e Biodigestão ........................................................... 76 - O Projeto Lumiar................................................................................................ 81 - Os Programas e a Comunidade........................................................................ 82 Capítulo V – Análise e interpretação dos dados........................................................ 84 Capítulo VI – Considerações Finais ........................................................................ ..99 Referências Bibliográficas ....................................................................................... 105 12 Não existe um processo educacional “neutro”. A educação, ou funciona como um instrumento usado para facilitar a integração das gerações na lógica do atual sistema, provocando nelas o conformismo em relação a este, ou pode se tornar “a prática da liberdade”, por meio da qual homens e mulheres lidam, crítica e criativamente, com a realidade, descobrindo como participar na transformação do seu mundo. (Paulo Freire, Pedagogia do Oprimido, 1972) 13 CAPÍTULO I INTRODUÇÃO As lutas em prol de uma educação de qualidade e acessível para toda a sociedade brasileira não são recentes. A sociedade brasileira, nos últimos anos, tem se empenhado na melhoria da qualidade da educação e expansão da oferta do ensino com mais afinco, compreendendo que o desenvolvimento do país depende de uma sociedade mais instruída. Isso é especialmente significativo no que concerne à educação em comunidades rurais. Será na década de 90, com a implantação de uma política nacional voltada para a valorização do homem do campo, com investimentos na mecanização da produção rural, financiamentos e implantação de assentamentos rurais em grandes áreas improdutivas, que a educação rural ganha novo enfoque com vistas à sustentabilidade. Nesse período, o grande marco será a aprovação da Lei de Diretrizes e Bases para a Educação Nacional n° 9394, de 20 de dezembro de 1996. As principais mudanças na lei foram: a ênfase na formação de professores, nova estruturação do currículo e abertura para criação de programas paralelos à educação formal para o combate ao analfabetismo e à distorção de idade em relação à série. Num contexto de mudanças no cenário nacional, a implementação de ações voltadas para a educação do homem do campo no Estado do Acre tem sido especialmente difícil. Mesmo projetos educacionais tecnicamente bem elaborados não têm atingido os resultados esperados em muitas comunidades rurais, pois não corresponderam às expectativas da população. A evasão e o baixo aproveitamento têm levado à descontinuidade de muitos programas. 14 Em meio a esse contexto, tive contato com o Projeto de Assentamento Colibri, uma comunidade rural localizada a 30 quilômetros de Rio Branco (Estrada de Porto Acre km 14, Ramal do Limoeiro 16), onde alguns programas implantados estavam obtendo resultados positivos. Assim, como participante de um grupo de pesquisadores e técnicos da Universidade Federal do Acre, que desenvolviam nessa comunidade um projeto de educação não-formal, o Projeto de Energia, passei a observar as relações e fatores que interferiam nos resultados dos programas. Através do Projeto de Energia foram implantadas placas solares e biogestor e instrumentos sociais de uso coletivo, como casa de farinha, revenda e cozinha industrial, entre outros equipamentos. Chamou a atenção no Assentamento Colibri a organização e a valorização da educação. A Escola Municipal Sebastião Pedrosa de Carvalho, construída recentemente com a implantação do assentamento, fica localizada no centro da comunidade e concentra as reuniões e mobilizações entre os colonos. No primeiro ano de sua criação, em janeiro de 2000, a escola apresentou diversos indicadores positivos de qualidade de ensino. Segundo dados do SESI, em dois anos de funcionamento, com a criação de uma turma de Telecurso 2000 para o Ensino Fundamental, não houve repetência, nem abandono e apenas um caso de transferência. Para investigação desse fato algumas questões foram levantadas: Como, no decorrer da História, se desenvolveu a Educação Rural no Brasil e no Acre? Quais as características dos programas de educação formal e não-formal desenvolvidos no assentamento? Como são planejados e desenvolvidos os programas educacionais no assentamento? Quais as respostas que a comunidade investigada tem dado a esses programas? E quais os fatores que influenciaram na implantação e desempenho dos programas no Projeto de Assentamento Colibri? 15 Diante deste contexto, esta pesquisa se propôs a investigar as causas de sucesso dos programas educacionais implantados no Projeto de Assentamento Colibri. A partir de uma observação empírica para me familiarizar melhor com os agentes dessa comunidade, foi possível traçar um caminho para esta pesquisa e formular algumas hipóteses: - a comunidade participou de alguns projetos do INCRA e UFAC antes de se estabelecer a educação formal, que poderiam ter tido impacto sobre os programas educacionais estabelecidos ali; - a implantação de projetos que se utilizaram de instrumentos tecnológicos relacionados com a atividade econômica da comunidade com fins à sustentabilidade pode ter sido fator motivador para uma conscientização da necessidade do conhecimento. 1. DEFINIÇÃO METODOLÓGICA A opção metodológica deste estudo foi por uma abordagem qualitativa, descritiva analítica, do tipo estudo de caso, utilizando-se da técnica de análise de conteúdo e de entrevistas. Segundo Trivinõs (1997), a pesquisa qualitativa do tipo descritiva analítica busca captar não só a aparência do fenômeno, como também sua essência. A pesquisa qualitativa busca as causas da existência do fenômeno, procurando explicar sua origem, suas relações, suas mudanças e se esforça por intuir as conseqüências que terão para a vida humana. 16 1.1 PESQUISA BIBLIOGRÁFICA Após a compreensão do problema e definição das questões de estudo, procedeu-se a pesquisa bibliográfica. Através da pesquisa foi possível traçar um breve histórico da Educação rural no Brasil e no Estado do Acre. Para coleta de informações sobre a Educação Rural no Brasil e no Estado do Acre, fez-se pesquisa nos acervos de teses das bibliotecas da Universidade Federal do Acre (UFAC) e Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Foram consultadas outras fontes como artigos de revistas indexadas, sites e livros. 1.2 ANÁLISE DOCUMENTAL O passo seguinte foi a análise documental ou de conteúdo, que tem as funções de encontrar respostas para as questões formuladas, podendo confirmar ou não as afirmações estabelecidas antes do trabalho de investigação; e descobrir o que há por trás dos conteúdos manifestos, “indo além da aparência do que está comunicado”. (MINAYO,1994, p. 74) Para a pesquisa documental, fez-se consulta no Conselho Estadual de Educação do Acre (CEE/AC) aos pareceres e relatórios de fóruns de Educação Rural, além de planos de políticas educacionais. Na Secretaria de Estado de Educação do Acre (SEE/AC) consultou-se os Sensos Escolares de 1998 e 2000. Fez-se análise dos relatórios do Projeto Lumiar na sede da Cooperagro; do relatório final do Projeto de Energia no Laboratório de Energia da UFAC; da proposta pedagógica e relatório do Telecurso 2000 no Departamento de Educação do SESI/(AC); e da proposta pedagógica e relatórios semestrais do Pronera na Pro-Reitoria de Pesquisa e Extensão /UFAC e dos relatórios do Assentamento Colibri no Incra. 17 Na Escola Municipal Rural Sebastião Pedrosa de Carvalho, localizada no Projeto de Assentamento Colibri, fez-se levantamento matrícula, quadro de notas, freqüência dos alunos e atas. A pesquisa de campo (momento empírico) possibilitou, conforme Minayo (1994), uma interação entre o pesquisador e os agentes pesquisados, etapa essencial do estudo qualitativo. O trabalho foi desenvolvido na Escola Municipal Sebastião Pedrosa de Carvalho, localizada na zona rural de Rio Branco, há 34 km da capital, apontada pela Secretaria Municipal de Educação em 2000 como referência no tocante a baixa incidência de evasão e repetência, e rendimento elevado. O trabalho de campo envolveu professores, alunos, diretor, lideranças da comunidade, e pais de alunos, equipe técnica das Secretarias Estadual e Municipal de Educação, além de observações e participação em reuniões com a comunidade e técnicos do INCRA, UFAC, SEMAG, SESI e SENAR na sede Associação de Produtores Rurais do Assentamento Colibri. 1.3 PÚBLICO ALVO Da população de 1.604 (um mil e seiscentas e quatro) escolas rurais no Estado do Acre, foi escolhida a Escola Municipal Rural Sebastião Pedrosa de Carvalho que, além de fazer parte de um projeto piloto da Universidade Federal do Acre em energia solar no campo (sendo premiado pelo Instituto Nacional de Energia em 2002), esta foi apontada por técnicos educacionais das Secretarias Estadual e Municipal de Educação como exemplo na luta pela qualidade do ensino na zona rural em 2001. Foram investigados os trabalhadores rurais do Assentamento Colibri que participam dos programas educacionais desenvolvidos na comunidade. E, ainda, foram 18 investigados os técnicos e professores dos programas de educação formal (Telecurso 2000 e Pronera) e de educação informal (projetos Lumiar e de Energia) implantados no Assentamento Colibri. 1.4 INSTRUMENTOS DA PESQUISA Foi realizada a coleta de dados utilizando como instrumento principal a entrevista semi-estruturada. Antes da aplicação do roteiro de entrevista, fez-se visitas à comunidade para, através da observação direta da dinâmica, poder definir os rumos da pesquisa e estabelecer as questões que comporiam a entrevista. A opção pela entrevista semi-estruturada se deu em virtude da sua característica de flexibilidade. Por não apresentar rigidez, ela ajuda obter dos entrevistados os aspectos considerados mais relevantes em um determinado problema, além de abrir espaço de interação para o pesquisador, que assim é um parceiro na elaboração do conteúdo da pesquisa. Segundo Viana (2001, p.165), “as questões da entrevista semi-estruturada são feitas a partir de um roteiro flexível preparado pelo entrevistador, possibilitando ampliações e enriquecimentos que se fizerem necessários”. Nesse entendimento, o instrumento de pesquisa foi utilizado com a intenção de trazer a tona uma realidade peculiar vivenciada por atores sociais, de um delimitado contexto histórico-social, ou seja, a comunidade do Projeto de Assentamento Colibri. Foram construídos dois instrumentos de pesquisa para dois grupos distintos: um roteiro de entrevista específico para os alunos atendidos nos programas educacionais e outro para os professores e técnicos dos programas. 19 1.5 TÉCNICA DE ANÁLISE DOS DADOS Concluída a coleta de informações através do levantamento bibliográfico, documental, entrevistas e observações, bem como a triagem do material adquirido, procedeu-se a etapa da produção escrita. Os dados foram categorizados de acordo com análise temática de forma que pudessem responder às questões formuladas. Os dados foram analisados qualitativa e quantitativamente. Na análise e sistematização dos dados coletados, iniciamos com a organização das entrevistas, primeiramente, reunindo e classificando para que, à luz do referencial teórico, pudéssemos caracterizar os fatores agentes na educação daquela comunidade e obter um panorama geral da presença da escola na organização comunitária do Projeto de Assentamento Colibri. O tratamento dado a este material consistiu em: selecionar os aspectos mais relevantes das informações obtidas, balizados nos objetivos estabelecidos para o estudo, analisados, também, à luz do quadro teórico conceitual; fazer um cruzamento das informações coletadas nas entrevistas e observações; classificar os dados relevantes de acordo com a freqüência em que eles ocorrem, de acordo com a importância destacada à informação pelo interlocutor. Para a apresentação final do trabalho optamos pelas recomendações para elaboração de dissertações e teses propostas pela ABNT (Associação Nacional de Normas Técnicas), diferenciando, porém, nas citações obtidas verbalmente, através das entrevistas, os trechos ilustrativos de falas diretas, que serão destacadas em itálico, com espaçamento duplo. 20 2. ESTRUTURA DA DISSERTAÇÃO Esta dissertação é estruturada em seis capítulos. O Capítulo I apresenta a problemática da pesquisa e os caminhos que foram percorridos, isto é, a abordagem e os procedimentos metodológicos utilizados na pesquisa de campo, os instrumentos de pesquisa construídos para a investigação da problemática desta dissertação e os atores investigados. O Capítulo II apresenta uma retrospectiva histórica das lutas pela terra no Brasil, os avanços da Educação Rural no Brasil a partir das LDBs (Leis de Diretrizes e Bases da Educação Nacional), e os programas e políticas voltados para a educação do homem no campo. O Capítulo III remonta à história da ocupação das terras do Acre, desde o início do Séc. XX até os dias atuais e à evolução da Educação Rural no Acre nesse contexto. Apresenta informações sobre o Projeto de Assentamento Colibri, campo de estudo dessa pesquisa, desde a sua criação às atividades desenvolvidas ali pela comunidade e por outras instituições; e a constituição da escola Sebastião Pedrosa de Carvalho, situada na comunidade. O Capitulo IV relata as experiências de educação formal presentes na comunidade, o Telecurso 2000 e o Pronera (Programa Nacional de Educação em Reforma Agrária); e de educação não-formal (Projeto de Energia e Projeto Lumiar). O Capítulo V contém a descrição e análise dos dados coletados. E o Capítulo VI apresenta-se as reflexões conclusivas com as considerações finais e as recomendações feitas a partir da pesquisa realizada. 21 CAPÍTULO II EDUCAÇÃO RURAL NO BRASIL – UM PASSEIO PELA HISTÓRIA Para se compreender os desafios e conquistas da Educação Rural em nosso tempo é preciso que se compreenda como se deram essas lutas ao longo da história e as bandeiras que foram defendidas. Este capítulo apresenta um histórico de lutas pela terra e pela educação para o homem do campo, considerando as diversas LDBs do Brasil (Leis de Diretrizes e Bases para a Educação Nacional) e os programas criados para este fim. 2.1 A LUTA PELA TERRA A luta pela organização da vida no campo no Brasil não é recente, datando desde o período colonial, com os povos indígenas defendendo seu território contra as “entradas” e “bandeiras”, patrocinadas pelo governo português e por fazendeiros da época. O que há de novidade nesse contexto de luta pela terra é a tentativa de se fazer uma ligação entre a questão cultural e educação com a problemática da concentração de terras, com a discussão da organização e da defesa da propriedade coletiva dos meios de produção e da democratização do poder político e da propriedade. As lutas pela terra ganharam impulso no século XIX, com a denominação das lutas messiânicas1. A primeira delas ocorreu no sertão da Bahia, na região de Canudos, entre os anos de 1870 e 1897, tendo como líder Antonio Conselheiro, derrotado depois de brutais incursões das tropas federais. 1 O histórico dos surgimento das lutas pela terra podem ser encontrado com mais detalhes na obra de Luiz Bezerra, Sem Terra aprende e ensina: estudo das práticas educativas do Movimento dos Trabalhadores Rurais, Editora Autores Associados, 1999. 22 Outro movimento de luta pela terra aconteceu na região do Contestado, divisa do Paraná com Santa Catarina, entre os anos de 1912 e 1916. Liderado pelo monge José Maria e envolvendo milhares de camponeses, também foi derrotado por tropas federais. Em momentos posteriores, as lutas pela terra tiveram caráter violento, com utilização de milícias armadas, entre as quais se destacaram: - a luta dos posseiros de Teófilo Otoni - MG (1945-1948); - a revolta de Dona “Nhoca”, no Maranhão (1951); - revolta de Trompas e Formoso, em Goiás (1952-1958); - revolta do Sudoeste do Paraná (1957); - luta dos arrendatários em Santa Fé do Sul, São Paulo (1959). Um terceiro momento de luta pela terra, entre os anos 1950 e 1960, se deu com o surgimento de vários movimentos de camponeses organizados em entidades como as ULTABs (União dos Lavradores e Trabalhadores Agrícolas do Brasil), nas regiões Sul e Sudeste do país; as Ligas Camponesas, no Nordeste; e o Máster (Movimento de Agrícolas Sem-Terra), no Rio Grande do Sul. Esses destacaram-se pela defesa de uma Reforma Agrária que reivindicava a redistribuição da terra, e a reformulação do sistema fundiário nacional. Com exceção das ULTABs, que pretendiam formar um movimento nacional de trabalhadores da agricultura, os demais movimentos tiveram um caráter regional, pois não conseguiam criar condições fora de seus Estados de origem para sua organização, o que dificultava o aprofundamento das lutas em defesa da Reforma agrária ou de qualquer outra reforma desejada por seus propositores. 23 Com o golpe militar de 1964, estabeleceu-se a chamada paz de cemitérios2 no campo brasileiro. Somente no final da década de 70, sobretudo após a fundação da Comissão Pastoral da Terra (1967) e as greves do ABCD Paulista, os camponeses sentiram-se estimulados a lutar por espaços para plantio, iniciando no Rio Grande do Sul as ocupações de terra. Nas últimas décadas, o movimento que mais tem se destacado é o Movimento dos Sem-Terra (MST), que nasceu das lutas de trabalhadores rurais da região Sul pela terra. O MST surgiu num momento me que aumentava a concentração de terra e ampliava a expulsão dos pobres das áreas rurais, devido à modernização da agricultura e à crise do processo de colonização implementado pelo regime militar. O MST, segundo sua home page, tem como objetivo “a luta pela construção de uma sociedade mais justa e igualitária, que deverá se dar a partir da implementação de uma reforma agrária feita sob o controle dos trabalhadores”(site do MST). O cerne do MST é a doutrinação dos participantes quanto à sua participação no movimento organizado. O MST tem insistido na luta pela manutenção do homem no campo, através de uma reforma agrária que distribua propriedade da terra, como forma de melhorar a qualidade de vida dos trabalhadores rurais e melhor distribuir a renda no país. Nos anos 90, apesar da luta desencadeada pelo MST, o problema já não é mais saber se há necessidade ou não da reforma agrária, pois sua importância já se tornou aceitável no seio da sociedade brasileira. O que tem sido discutido é qual o modelo de reforma agrária viável. 2 Expressão utilizada pelo movimento sindical para designar o período de “ausência” de reivindicações no campo, ocorrido pelo fato de que os trabalhadores que se envolviam nas lutas eram calados pelas armas da repressão política ou pelas milícias armadas de fazendeiros. 24 Apesar das contradições do MST, ora defendendo uma sociedade socialista, ora defendendo a pequena propriedade rural, este tem sido o mais expressivo movimento popular dos últimos anos. Este movimento busca sempre envolver toda a família na luta pela conquista dos benefícios sociais e defesa dos direitos da cidadania, como escola, moradia, saúde, luz elétrica e bem estar social. O atual modelo de assentamentos rurais é uma conquista a partir destes movimentos, que visam não apenas a distribuição de terras, mas a implantação de um modelo de reforma agrária viável, com a organização dos pequenos produtores em prol de uma política agrícola que os beneficie. Em 1997, o MST parou Brasília com uma manifestação pela reforma agrária que acabou se transformando no primeiro grande ato contra a política econômica do governo de Fernando Henrique Cardoso. A manifestação foi chamada “Marcha dos Sem-Terra de 17 de Abril”. A manifestação passou por 152 municípios antes de chegar a Brasília e foi notícia nos principais jornais do mundo, ganhando a atenção das autoridades brasileiras. Segundo o economista João Pedro Stédile, militante do MST, o modelo ideal de reforma agrária que defendem envolve três fatores: Levar o desenvolvimento para o meio rural, através de instalação de agroindústrias nos assentamentos. É a agroindústria que gera emprego para a juventude e utiliza profissões técnicas para o meio rural. O segundo elemento seria a democratização da educação. A educação é tão importante quanto a terra, ainda mais na sociedade moderna, em que o conhecimento científico tem um poder muito grande. O terceiro seria a organização espacial, geográfica 25 dos assentamentos, na idéia de agrovilas, com luz elétrica, água potável e escolas. E, por fim, a utilização de uma tecnologia que garanta às gerações futuras uma agricultura sustentada, sem depredação do meio ambiente.(STÉDILE, 1997, p.28) Ao fim dos anos 90, o MST, o mais notório movimento de luta pela terra da atualidade no Brasil, tem mobilizado pessoas de diversos segmentos, professores, sociólogos, economistas, entre outros, e suas conquistas já são visíveis, tanto na questão da distribuição de terra como com relação à educação para o homem do campo. 2.2 A EDUCAÇÃO RURAL NO BRASIL Contextualizar a Educação Rural no Brasil é um desafio, dado à sua imensidão e a dificuldade de coletar dados. Os censos do IBGE ainda não dão conta de fornecer informações mais precisas sobre o quadro da Educação Rural, principalmente nos Estados da Região Norte do Brasil. Outro fator que dificulta a organização de informações é que a Educação Rural se encontra, por vezes, descaracterizada, sendo agregada a outras temáticas, como Educação Popular, Educação de Jovens e Adultos, Ensino Supletivo, entre outras. No entanto, fez-se um esforço de reunir o maior número de informações possível. A educação rural no Brasil, por motivos sócio-culturais, sempre foi relegada a planos inferiores, e teve por retaguarda ideológica o elitismo acentuado do processo educacional aqui instalado pelos jesuítas e a interpretação político ideológica da oligarquia agrária, de que a educação não era para o trabalhador rural. O ensino regular em áreas rurais teve seu surgimento no fim do 2° Império e implantou-se amplamente na primeira metade do XX, época marcada por 26 lutas pela democratização da escola pública, através de movimentos como o Manifesto dos Pioneiros (1932), movimentos em prol da erradicação do analfabetismo e expansão dos sistemas públicos de ensino. Em 1920, mais da metade da população brasileira era analfabeta (64,9%), sendo a maior parte desse contingente de analfabetos concentrados nas áreas rurais e regiões mais pobres. Até 1950, 52% da população era analfabeta. Com o advento da monocultura cafeeira e o fim da escravidão (1988), na segunda metade do séc. XIX, a agricultura passou a carecer de pessoal mais especializado para o setor. Outras culturas secundárias, mas de alguma importância para o setor agrícola, também tiveram seu desenvolvimento crescente, decorrendo daí a necessidade de pessoal com qualificação que se pretendia fosse dada pela escola. Desse modo, o ensino da escola elementar, assim como da escola técnica de 2° grau, começou a se impor como uma forma de suprir as necessidades que se esperava fossem atendidas a partir do ensino escolar. É importante destacar que as classes dominantes brasileiras, especialmente as que vivem no campo, sempre demonstraram desconhecer o papel fundamental da educação para a classe trabalhadora. As revoluções agroindustriais e suas conseqüências no contexto brasileiro, principalmente a industrialização, provocaram alterações que obrigaram os detentores do poder no campo a concordar com algumas mudanças, como por exemplo a presença da escola em seus domínios. Assim, a escola surge no meio rural tardia e descontínua.3 3 Esse surgimento tardio da instrução pública especialmente no meio rural é bem uma contradição, uma vez que a escola já se fazia presente na República dos Guaranis, numa sociedade pretendida sem classes, sem privilégios, hierarquizada segundo os saberes dos cidadãos, sem oposição entre o campo e a cidade, a escola partilhada da organização coletiva do trabalho e da propriedade. Dessa proposta utópica aos nossos dias, os êxitos e fracassos da “escola” não chegaram a ser devidamente conhecidos e, sobretudo, relacionados com suas verdadeiras causas. 27 Desde a Proclamação da Independência do Brasil até a efetiva instalação de escolas públicas oficiais a necessidade de educação era tão sensível que a ausência de providências oficiais despertava a iniciativa privada. Algumas associações religiosas esforçaram-se em prol de um movimento de coordenação da instrução pública nacional. Emergem na literatura de cunho social aspectos da cultura e educação. Nela se começava a clamar por uma educação de sentido prático e utilitário, e insistia-se na necessidade de escolas adaptadas à vida rural. Dado o forte comprometimento das elites com a visão urbano-industrial que se cristalizou no país nas primeiras décadas do século XX, a concentração de esforços políticos e administrativos ficou vinculada às expectativas metropolitanas, de modo que a sociedade brasileira somente despertou para a educação rural por ocasião do forte movimento migratório internos dos anos 1910/20, quando um grande número de rurícolas deixou o campo em busca das áreas onde se iniciava um processo de industrialização mais amplo. Assim, surgiu o “Ruralismo Pedagógico”, que pretendia uma escola integrada às condições locais regionalista, com o objetivo de promover a fixação do homem do campo. Os principais ideais do grupo de pioneiros do “ruralismo pedagógico” eram consolidar: a) Uma escola rural típica, acomodada aos interesses e necessidades da região a que fosse destinada (...) como condição de felicidade individual e coletiva; b) Uma escola ‘que impregnasse o espírito do brasileiro, antes mesmo de lhe dar a técnica do trabalho racional no amanhã dos campos, de alto e profundo sentido ruralista, capaz de lhe nortear a ação para a conquista da 28 terra dadivosa e de seus tesouros, com a convicção de ali encontrar o enriquecimento próprio e do grupo social de que faz parte’ (isto em oposição à ‘escola literária’ que desenraizava o homem do campo); c) Uma escola ganhando adeptos à “vocação histórica para o ruralismo que há nesse país”. “Os homens é que perturbam essa vocação, diziam os ruralistas, criando, primeiro, centros acadêmicos para doutores e, depois, uma indústria, muitas vezes artificial, que se alimentava, em alguns casos, de matéria-prima importada. Antes da solidez da economia agrária, com a reabilitação da terra e do homem, a indústria de favor (...).(CALAZANS, 1993, p. 19 e 20) Concomitantemente se propagava a ideologia do colonialismo, impulsionada pelo esvaziamento da população nas áreas rurais, enfraquecimento social e político do patriarcalismo4 e forte oposição do movimento progressista urbano. Alguns segmentos das elites urbanas apoiaram o Ruralismo Pedagógico, pois viam na fixação do homem no campo uma maneira de evitar a explosão dos problemas sociais nos centros urbanos. O ruralismo no ensino permaneceu até a década de 1930, uma vez que a escolaridade mantinha-se vinculada à tradição colonial e distanciada das exigências econômicas do momento. Apesar de já no século XIX se dotar as populações do meio rural de escolas, só a partir de 1930 que ocorreram programas de escolarização considerados relevantes para as populações do campo. 4 Patriarcalismo é uma organização social em que a concentração do poder e do prestígio está na figura do patriarca. O patriarcalismo tradicional no Acre foi transplantado do Nordeste brasileiro com a grande migração de nordestinos durante os ciclos da borracha. O patriarcalismo foi enfraquecido com a migração de famílias para a cidade e a inserção da mulher no mercado de trabalho. 29 Antes de 1930, algumas ocorrências se destacaram, tais como: a) O Plano de Educação de 1812 (governo de Dom João VI), que inclui como um dos dispositivos “que no 1° grau da instrução pública se ensinariam aqueles conhecimentos que a todos são necessários, qualquer que seja seu estado, e, no 2° grau, todos os conhecimentos que são essenciais aos agricultores, artistas e comerciantes”.5 b) A reforma de 1826 – Plano Nacional de Educação – onde “inscreve-se que no 1° ano do 2° grau será dada uma idéia dos três reinos da natureza, insistindo-se, particularmente, no conhecimento dos terrenos e dos produtos naturais da maior utilidade nos usos da vida”.6 c) A reforma de 1879 (Decreto n° 7247) onde estabeleceu-se que “o ensino das escolas primárias do 2° grau constaria da continuação e desenvolvimento das disciplinas ensinadas no 1° grau e mais, entre outras disciplinas, noções de lavoura e horticultura”. Até antes de 1930, as iniciativas mais consistentes de formação dirigidas às populações no meio rural deram-se nos setores de ensino médio e superior, especialmente no superior, com criação de Escolas de Agronomia. Na década de 30, as proposições getulistas do Estado Novo mantiveram a tradição escolar brasileira, garantindo a obrigatoriedade e gratuidade da escolaridade, porém dando ênfase ao trabalho manual nas escolas primárias e secundárias e ao desenvolvimento de uma política educacional voltada para o ensino vocacional urbano, destinado especialmente às classes populares. 5 J. Moreira de Souza, “Educação Rural para a Escola Primária”. Revista Brasileira dos Municípios, Rio de Janeiro, (12):1908, out./dez. 1950. 6 Id.,ibid. 30 Com base num processo de industrialização amplo, Getúlio Vargas estipulou prioritariamente uma escolaridade voltada para a capacitação profissional, mediante novas possibilidades do mercado. Somente em 1937 o Estado Novo volta sua atenção para a escola rural e cria a Sociedade Brasileira de Educação Rural com o objetivo de expansão do ensino e preservação da arte e folclore rurais. “O sentido da contenção se mantém, mas, agora, coloca-se explicitamente o papel da educação como canal de difusão ideológica. Era preciso alfabetizar, mas sem descuidar dos princípios da disciplina e civismo” (MAIA, 1982, p. 28). Durante aproximadamente cinco décadas muitos levantamentos e estudos foram feitos sob a perspectiva desse “ideal pedagógico”, sendo um marco significativo a realização do Oitavo Congresso Brasileiro de Educação, em 1942.7 Reafirmou-se ali, nas linhas básicas dos trabalhos e conclusões, a necessidade de uma escola que desperte e forme uma consciência cívica e trabalhista; que extinga os resquícios de uma aristocracia falida e inoperante, herdada dos colonizadores; que represente uma reação contra o doutorismo, o diplomismo; que engrandeça as atividades do campo e da lavoura; que faça do trabalho organizado e produtivo o código social do Estado (Estado Novo). Segundo Calazans (1993), a educação brasileira, defendida no Congresso, teria como objetivo o desenvolvimento da personalidade (objetivo individual); a integração do educando na sociedade brasileira em geral (objetivo nacionalista); a formação do sentimento de solidariedade humana (objetivo humano); e 7 Associação Brasileira de Educação. Anais do Oitavo congresso Brasileiro de Educação, Goiânia, jun.1942. IBGE, 1944. 31 o ajustamento ao ambiente regional em que se desenvolva a vida do educando (objetivo vocacional). Este congresso enfatizou as tendências nacionalista-burguesas do Estado Novo, mas não definiu claramente os obstáculos da produção agrícola brasileira e da própria educação rural, mas sabia que ela era essencial para a manutenção do status quo não só da sociedade como do próprio Estado. A principal temática foi a luta por uma escola cujo objetivo essencial fosse o ajustamento do indivíduo ao meio rural, para a fixação dos elementos de produção (era uma época marcada pelo êxodo rural), isto é, a substituição de uma escola “desintegradora” por uma escola com caráter preventivo contra a desordem social. As iniciativas nos anos 30, sob o patrocínio do Ministério da Agricultura, foram: a) as colônias agrícolas e núcleos coloniais como organismos de fomento ao cooperativismo e ao crédito agrícola (1934); b) cursos de aprendizado agrícola, com padrões equivalentes aos do ensino elementar, regulamentado em 1934, com o objetivo de formar capatazes rurais; c) nos mesmos padrões foi criado o curso de adaptação, “destinado a dar ao trabalhador em geral uma qualificação profissional”.(SALES, 1945)8 As décadas de 40 e 50 do século XX foram marcadas pela multiplicidade de projetos e programas voltados para a diminuição do analfabetismo e as educações rurais, que pretendiam atingir as bases populares da maioria dos estados brasileiros. A educação rural sob o patrocínio de programas norte-americanos tomou grande impulso a partir do funcionamento da Comissão Brasileiro-Americana de Educação das 8 Apolônio Sales, O Ministério de Agricultura no Governo Getúlio Vargas (1930-1944), Rio de Janeiro, Ministério da agricultura/ Serv. Documentação, 1945. 32 Populações Rurais (CBAR).9 O objetivo desses programas era o progresso da agricultura a partir da educação do homem do campo e incluíam cursos rápidos e práticos, divulgação na imprensa e edição de publicações instrutivas, Semanas Ruralistas (debates, seminários, encontros dia-de-campo, etc) e criação e implantação dos chamados Clubes Agrícolas e dos Conselhos Comunitários Rurais. Com a criação do Serviço Social Rural na década de 40, com sedes na maioria dos estados brasileiros, foram criados projetos para preparação de técnicos destinados à educação de base rural e programas voltados para o cooperativismo, associativismo, economia doméstica, artesanato entre outros. À modelo dos primeiros, outros projetos se destacaram, tais como as “Missões Rurais de Educação de Adultos”, oriundas da Campanha de Educação de Adultos; o SESP (Serviço Especial de Saúde Pública), originalmente com ações inteiramente voltadas para a zona rural; a ACAR em Minas Gerais (Associação de Crédito e Assistência Rural), com finalidade de promover a extensão rural e o crédito rural supervisionado e que deu origem a ABCAR (Associação Brasileira de Assistência Técnica e Extensão Rural), incumbida de coordenar programas de extensão e captar recursos técnicos e financeiros, entre outros programas. A Campanha Nacional de Educação Rural (CNER) era centrada na ideologia do desenvolvimento comunitário e desconsiderava as contradições naturais dos grupos campesinos. Os pequenos grupos rurais sem representatividade – trabalhadores sem-terra, arrendatários, bóias-frias e outros – não tinham vez nem voz 9 A CBAR foi criada em virtude de acordo entre os governos do Brasil (Ministério da Agricultura) e dos Estados Unidos da América (Inter-American Education Fundation Incorporation), posteriormente Education Division do Institute of Inter-American Affair, em 20 de outubro de 1945, pelo Ministério das Relações Exteriores e Embaixada Americana no Rio de Janeiro. Entre os objetivos do acordo inclui-se “possibilitar que, no setor da educação rural, sejam programadas outras atividades que possam interessar a ambas as partes contratantes”. Ver Daniel de Carvalho, Atividade do Ministério da Agricultura, 19461950, Rio de Janeiro, Ministério da Agricultura/ Serviço de Informação Agrícola, 1951, pp.347. 33 frente às decisões comunitárias, visto que estas deveriam ser gerais, coletivas, e não para o atendimento de segmentos isolados. Os programas implantados nas décadas de 40 e 50, não tiveram muito sucesso, seja pela inadaptabilidade dos métodos e conteúdos dos programas estrangeiros à realidade brasileira ou pelo nível de discussões do pensamento social brasileiro em torno da educação rural. Acreditou-se, romanticamente, na possibilidade de transformar o rurícola brasileiro, mediante eficaz e intensivo programa educativo de base, em um farmer norte-americano do pós-guerra. Na década de 60, com a industrialização do país, a mecanização da produção e o intenso êxodo rural, o país viu a necessidade de prover educação ao homem do campo. O agravamento das disparidades regionais entre o Nordeste e o Centro-Sul (regiões mais povoadas do país) e identificação da densidade do problema, sobretudo no setor primário, levou a criação da Sudene (Superintendência de Desenvolvimento do Nordeste). A Sudene, inicialmente, investia apenas 6% de seu orçamento no desenvolvimento de recursos humanos mediante treinamento vocacional agrícola e industrial, preparo de pessoal para os estados e os municípios e programas universitários e pré-universitários. A Lei de Diretrizes e Bases n° 4.024/61, ao estabelecer um modelo único e quase inalterável de educação muito mais voltada à ordem social aristocrática, deixou de oferecer à sociedade suporte necessário para o desenrolar das atividades produtivas, políticas e sócio-econômicas. A LDB n° 4.024/61 preservou os caracteres da educação nacional dentro dos parâmetros dos centros urbanos e das classes dominantes. Essa LBD conferiu aos Estados a ampliação do corpo disciplinar escolar, mediante ação dos Conselhos Estaduais de Educação, respeitando o currículo mínimo 34 determinado pelo Conselho Federal de Educação e pelo próprio MEC. Na prática, muitas escolas acabaram compondo seu currículo de acordo com os recursos materiais e humanos que dispunham e continuaram mantendo o mesmo currículo de antes, quando não puderam improvisar professor e programa. Deixando a cargo das municipalidades a estrutura da escola fundamental na zona rural, a LDB 4.024/61 omitiu-se quanto à escola no campo, uma vez que a maioria das prefeituras municipais do interior era desprovida de recursos humanos e, principalmente, financeiros. Desta feita, com uma política educacional nem centrada nem descentralizada, o sistema formal de educação rural sem condições de autosustentação, tanto pedagógica, como administrativa e financeira, entrou em um processo de deterioração, submetendo-se aos centros urbanos. Sergio Leite (1999), em seu estudo sobre a trajetória do MST, aponta que o ensino (na zona rural) é pensado e construído para o meio urbano e aplicado ao meio rural, sem que se faça qualquer adaptação. Por não levar em conta a realidade do setor a que se destina, este tipo de educação tem contribuído para dificultar, ainda mais, o aprendizado das crianças em idade escolar que habitam no campo. O estatismo informal da educação rural e o descompasso das relações culturais, escolares e sociais no Brasil, favoreceram o aparecimento de movimentos populares, como os Centros Populares de Cultura (CPC) e, mais tarde, o Movimento Educacional de Base (MEB). Os CPCs e o MEB eram ligados aos movimentos de esquerda, às ligas camponesas, sindicatos de trabalhadores rurais e outras entidades semelhantes em favor dos desprotegidos da zona rural. Esses movimentos culminaram com a promulgação do Estatuto do Trabalhador rural, Lei 4.214, sancionada em 2 de 35 março de 1963. É importante salientar as ações de alguns bispos da Igreja Católica engajados na visão progressivista em defesa dos direitos dos trabalhadores rurais. Será na década de 60 que, a partir da práxis de grupos de periferia urbana e de zona rural, Paulo Freire revoluciona a prática educativa, criando os métodos de alfabetização de adultos e de educação popular, tendo como suporte filosóficoideológico os valores e o universo sociolingüístico-cultural desses mesmos grupos10. Sua proposta foi amplamente utilizada, apesar das rupturas ideológicas sócio-políticas a partir de 1964, com a instituição do modelo totalitário de governo no Brasil. Em contraposição, novos convênios assistenciais/educacionais entre Brasil/EUA foram firmados, dessa vez a “Aliança para o Progresso”. Esse programa de atendimento à carência rural e urbana visava acordos assistenciais e financeiros para países do hemisfério sul. Segundo Albuquerque (1986), a “Aliança para o Progresso” foi utilizada como um recurso do governo norte-americano para controlar a execução de programas governamentais latino-americanos, de maneira a impedir que a solução revolucionária cubana se alastrasse. Na Região Nordeste, foram implantados projetos integrados em áreas rurais, através dos quais as agências governamentais atuantes na região procuraram desenvolver ações educativas de forma a melhor atingir as populações, onde se destacaram o Povoamento do Maranhão (1961), o Grupo de Estudos do Vale do Jaguaribe (1961) e o Grupo de Imigração do São Francisco (1960). O objetivo desses programas era o desenvolvimento da comunidade e educação de adultos, considerada, esta última, como um processo contínuo integrado ao desenvolvimento. 10 GIRALDELLI JR, Paulo. História da Educação, São Paulo, Cortez, 1994, pp. 117 a 126. 36 Na Região Sul, diversos projetos integrados foram executados pela Superintendência da Região Sul (SUDESUL)11, tais como o Projeto Integrado Sudeste, com atividades educacionais em 19 municípios da região; e o Projeto de Desenvolvimento do Litoral do Sul de Santa Catarina. Nos setores de colonização e reforma agrária, tivemos a Supra (superintendência da Política de Reforma Agrária) em 1962: a IBRA (Instituto Brasileiro de Reforma Agrária) e o INDA (Instituto Nacional de Desenvolvimento Agrário), criados com a extinção da Supra em 1964; e o INCRA (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária), que emerge no final da década de 60 com a fusão do IBRA e do INDA. Embora esses órgãos tivessem propostas teórico-metodológicas diferentes, esses empreenderam um trabalho pautado no desenvolvimento da comunidade, e na educação popular e de adultos sob a forma organizativa de projetos rurais integrados. Segundo Leite (1999), todos esses programas tiveram como objetivo principal conter o expansionismo dos movimentos agrários e das lutas camponesas. Com o golpe militar de 1964, que modificou extremamente a estrutura sócio-política do país, houve a penetração incisiva da Extensão Rural e sua ideologia no campo, substituindo a professora do ensino formal pelo técnico e pela extensionista, mantidos por entidades como a Inter-American Foundation ou a Fundação Rockfeller. As políticas sociais brasileira, nas décadas de 1960/70 tiveram na educação apenas mais um indicador do subdesenvolvimento em que se encontrava o país, e não uma meta a ser alcançada mediante um projeto escolar autônomo, técnico e pedagogicamente estruturado. 11 A SUDESUL foi criada pelo Decreto-lei n° 301, de 28 de fevereiro de 1967, com jurisdição nos estados do Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul. 37 Nesse sentido, o governo Castelo Branco criou o Plano Decenal de Desenvolvimento Econômico e Social para o período de 1967/76, no qual o processo educativo, tanto urbano quanto rural, aparece como instrumento de capacitação mínima do cidadão para sua futura inserção no mercado de trabalho e, conseqüentemente, sua elevação da qualidade de vida. A nova estrutura curricular assume uma dimensão de nivelamento da dicotomia entre cidade e campo. Com a promulgação da LDB n° 5692/71, a educação passou a dar ênfase na profissionalização do ensino como forma de gerar economia e desenvolvimento. A Educação Rural mais uma vez não foi enfatizada e, apesar de criarem planilhas e sugestões pedagógicas, via Ministério e Conselhos de Educação, para o trabalho na zona rural, estas foram construídas sem uma filosofia e/ou uma política específica para a escolaridade nas regiões campesinas. Segundo Leite (1999), a LDB n° 5692/71 dá ênfase à profissionalização do ensino como forma de gerar economia e desenvolvimento.A LDB n° 5692/71 propõe “respeito às peculiaridades regionais”, o que abre espaço para o ensino profissional rural. Porém na prática os objetivos pretendidos na LDB n° 5692/71 não foram alcançados a contento, pois o sistema de ensino rural não contava com os insumos necessários para sua efetivação. A LDB n° 5692/71 teoricamente abriu espaço para a educação rural, porém restrita em seu próprio meio e sem recursos humanos e materiais satisfatórios. Assim, deu-se a municipalização do ensino rural, sendo os municípios apoiados por projetos como o Polonordeste (Programa de Desenvolvimento de Áreas Integradas do Nordeste Brasileiro), o Pronasec (o Programa Nacional de Ações Sócio-Educativas para o Meio Rural), o Pró-município, e outros, que suporte administrativo e financeiro que 38 acompanhavam a escolarização nas comunidades rurais (cadastramento, distribuição de merenda, e diagnóstico de escolaridade do município). No Ministério da Educação e Cultura, o II Plano Setorial de Educação, Cultura e Desporto (1975-79) estabeleceu, entre seus objetivos e diretrizes, a criação de condições para o desenvolvimento de programas de educação no meio rural que venham a repercutir na melhoria socioeconômica das populações dessas áreas. Em 1976, a Secretaria Geral do MEC, com a participação do CNRH/Seplan e PNUD/Unesco – Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento, realizou cursos de formação para educadores do meio rural, sendo o primeiro estado contemplado, Rio Grande do Norte. O objetivo desse programa era estimular a aquisição do conhecimento que levasse a comunidade à apreensão do meio em que vivem, que levasse ao aumento da produtividade e a participação no desenvolvimento, transformação ou adaptação de estruturas de natureza econômica e social, tais como cooperativas, escolas, programas, etc. Os programas das décadas de 60 e 70 pretendiam tipificar uma “educação para o desenvolvimento”. Objetivava preparar indivíduos e grupos para participarem, responsável e produtivamente, de um processo de mudança cultural identificado como um processo de desenvolvimento sócio-econômico. Tanto a extensão como a educação profissionalizante levavam aos trabalhadores a crença na modernização como caminho para a melhoria no nível de vida. Segundo Oliveira (1982), as propostas de uma educação para o desenvolvimento e para o trabalho, não geraram consenso nas discussões acadêmicas em seminários e grupos de trabalho e no estabelecimento de ações programadas. Havia os defensores da educação como investimento e das organizações externas que 39 prestavam assistência técnica no Brasil. Entre essas organizações externas se destaca a USAID (United State Agency for International Development) que firmou acordos com os governos de Pernambuco e Rio Grande do Norte, oferecendo ajuda para esses governos se contraporem politicamente às forças políticas populares rotuladas de “radicais”. O III PSECD (Plano Setorial de Educação, Cultura e Desporto - 198085), com um otimismo sócio-político e econômico, tomava a educação como uma das áreas da política social do governo e a encarava como recurso significativo para a redistribuição dos benefícios sociais a parcelas cada vez maiores da população, visando a redução das desigualdades sociais. O III PSECD propunha a expansão do ensino fundamental no campo, a melhoria do nível de vida e de ensino, e a redução da evasão e da repetência escolar. Este plano recomendava a valorização da escola rural, o trabalho do homem do campo, a ampliação de oportunidades de renda e manifestação cultural do rurícola, a extensão dos benefícios da previdência social e ensino ministrado de acordo com a realidade da vida campesina. Apesar das boas intenções, o plano não abordou questões graves no ensino rural, como a presença do professor leigo, as salas multisseriadas, a inadequação do material didático e das instalações físicas das escolas que, na maioria, eram bem precárias. O PSECD favoreceu a criação de projetos especiais do MEC para o meio rural, como o Pronasec, o EDURURAL (Programa de Educação Básica para o Nordeste Brasileiro) e o MOBRAL (Movimento Brasileiro de Alfabetização)12. 12 O MOBRAL, criado em 1967, foi concebido como um sistema que visava basicamente o controle da população (sobretudo a rural). A ditadura militar chegou mesmo a dizer que o MOBRAL poderia utilizar-se do “Método Paulo Freire desideologizado” (GUIRALDELLI Jr.,1994, p. 170) 40 O Pronasec tinha como objetivo a modernização das atividades no campo, a reativação e valorização das escolas e grupos comunitários, o incentivo e fomento a criação de pequenas cooperativas e grupos produtivos, e fornecimento de mais opções para trabalho e produção no campo. No Nordeste instalou-se o EDURURAL (1980-85). Seu principal objetivo era a ampliação de condições de escolaridade do povo nordestino, mediante melhoria da rede física e dos recursos materiais e humanos disponíveis. Com base no currículo diversificado e apropriado à realidade sóciocultural das mini-regiões onde se localizavam as unidades escolares atendidas pelo EDURURAL, esse projeto tentou viabilizar novos conceitos sobre educação no meio rural, produzindo crítica aos currículos urbanos introduzidos na zona rural e valorizando o trabalho de professores e alunos com ênfase na realidade campesina. O MOBRAL foi criado pela Lei número 5.379, de 15 de dezembro de 1967, propondo a alfabetização funcional de jovens e adultos, visando "conduzir a pessoa humana (sic) a adquirir técnicas de leitura, escrita e cálculo como meio de integrá-la a sua comunidade, permitindo melhores condições de vida". O MOBRAL, destinado tanto a grupos urbanos como rurais, propunha a erradicação do analfabetismo no país e promover o aumento e aceleração da produção, porém inibindo avanços sociais mais amplos. Segundo Correia (1979), em 1978 o MOBRAL atendeu a quase dois milhões de pessoas, atingindo um total de 2.251 municípios em todo o país Em análise geral, o MOBRAL não atingiu seus objetivos, pois não conseguiu erradicar o analfabetismo no país. 41 2.3 ANOS 90 – A LDB N° 9394/96 E AS POLÍTICAS EDUCACIONAIS PARA O HOMEM DO CAMPO Na década de 90, as dimensões da problemática da educação rural são ainda mais extensas, como a negação da escola às classes menos favorecidas, como o homem do campo, a subordinação da educação ao modelo político-econômico, as desigualdades sociais e uma necessidade crescente de maior escolaridade do homem numa sociedade pós-moderna. A atual LDB, de n° 9394/96 promove a desvinculação da escola rural dos meios e dos modelos urbanos e propõe um planejamento interligado à vida rural. Como grande meta, a educação pretende alcançar dimensões sócio-políticas e culturais ótimas, com base na cidadania e nos princípios de solidariedade. Para isso, a “educação deverá vincular-se ao mundo do trabalho e à prática social”. (Brasil/MEC, LDB n° 9394/96, art1°, § 2°). Segundo a LDB n° 9394/96 cabe aos municípios a responsabilidade pelo Ensino Fundamental, contando com calendário escolar próprio e adequado às peculiaridades locais. Isto favorece as comunidades rurais com base na sazonidade do plantio/colheita e dimensões sócio-culturais do campo. O calendário escolar deverá adequar-se às peculiaridades locais, inclusive climáticas e econômicas, a critério do respectivo sistema de ensino, sem com isso reduzir o número de horas letivas previstas na lei (Brasil/MEC, LDB n° 9394/96, art 23°, § 2°). A LDB n° 9394/96 permite adaptações na estrutura curricular à exigências das unidades escolares instaladas na zona rural (art. 28), respeitando-se os 42 dispositivos do artigo 32 e seus incisos, que dispõem sobre a organização e estruturação do ensino fundamental. Na oferta da educação básica para a população rural, os sistemas de ensino promoverão adaptações necessárias à sua adequação à peculiaridades da vida rural e de cada região, especialmente: I – conteúdos curriculares e metodologias apropriadas às necessidades e interesses dos alunos da zona rural; II – organização escolar própria, incluindo adequação do calendário escolar às fases do ciclo agrícola e às condições climáticas; III – adequação à natureza do trabalho na zona rural. (Brasil/MEC, LDB n° 9394/96, art 28). A atual LDB propõe uma escola para o homem do campo baseada na consciência ecológica, na preservação dos valores culturais e da práxis rural e, primordialmente, no sentido da ação política do trabalhador rural. A década de 90 foi decretada a Década de Educação para Todos, com a Conferência Nacional de Educação para Todos (Jomtien, Tailândia, 1990), e reforçada na V Conferência Internacional de Educação de Adultos (Hamburgo, 1997), que defenderam a ampliação dos serviços de educação básica e capacitação de pessoas jovens e adultas em competências essenciais à vida cotidiana, ao trabalho e à participação cidadã.13 Quanto aos programas que surgiram na década de 90, em 1996, o Conselho da Comunidade Solidária, organismo vinculado à Presidência da República, criou o Programa de Alfabetização Solidária – PAS – promovido em parceria entre o 13 HADDAD, Sergio e DI PERRO, Maria Clara. Satisfação das necessidades básicas de aprendizagem de jovens e adultos no Brasil: contribuições para uma avaliação da década de Educação para Todos. Anais do I Seminário Nacional de Educação para Todos, Brasília, NEP/MEC, 1999. 43 Ministério da Educação, empresas, universidades e municípios. Em 1997, o PAS alcançou 120 municípios, envolveu 22 empresas e 102 universidades públicas e privadas, criou 690 classes de alfabetização (70% das quais nas zonas rurais), formou 759 alfabetizadores e dez mil educandos. O Ministério Extraordinário da Política Fundiária deu início em 1998 ao Programa Nacional de Educação na Reforma Agrária - PRONERA, elegendo como prioridade a alfabetização dos trabalhadores rurais assentados. O Pronera maneja recursos do Ministério da Educação e do FAT (Fundo de Amparo ao Trabalhador), é desenvolvido em parceria e co-gerido por um conselho que reúne agentes governamentais, universidades, igrejas, sindicatos e organizações da sociedade civil, inclusive o MST. A meta inicial do Pronera para o primeiro ano era alfabetizar cem mil trabalhadores rurais assentados, mas os recursos alocados no Programa naquele ano só permitiram contemplar 7% dessa meta. O mais recente programa educacional voltado para a educação no campo é o Programa Escola Ativa. O Programa Escola Ativa desenvolvido pelo Fundo de Fortalecimento da Escola (Fundescola/MEC) atendeu em 2002 a 2.700 instituições rurais no Norte, Nordeste e Centro-Oeste, tendo beneficiado cerca de 106.121 estudantes. Esse programa é utilizado em escolas rurais com classes multisseriadas (de 1ª a 4ª série) e adota metodologia e material didático específicos. Os objetivos do programa são a oferta de ensino de melhor qualidade, valorização da comunidade e respeito ao ritmo do aluno. Um dos instrumentos que promovem a integração entre a escola e a comunidade é o respeito ao calendário rural, adaptando os ritmos de ensino e 44 aprendizagem aos períodos de pecuária, pesca, mineração, artesanato, ou outra atividade predominante na comunidade rural. Em 2002, outros 386 municípios situados fora da área de atendimento do Fundescola implementaram o Programa Escola Ativa por conta própria e as secretarias municipais desses municípios assumiram a capacitação dos professores. No início de 2002, a partir da aprovação do Parecer nº 36 de 2001 e da Resolução nº 01 de 2002, da Câmara de Educação Básica do Conselho Nacional de Educação, que institui as Diretrizes Operacionais para Educação Básica nas Escolas do Campo, fez-se a primeira versão do Plano Nacional de Desenvolvimento Rural, que reconhece o papel estratégico da educação no desenvolvimento rural sustentável dos estados e municípios. A segunda versão do Plano Nacional de Desenvolvimento Rural Sustentável (PNDRS) do governo foi aprovada no dia 28 de agosto de 200214, sendo que, desde sua primeira versão, o plano foi construído com a participação ampla de setores do Estado e da sociedade civil. Alem de ampliar o debate, a opção do Conselho Nacional de Desenvolvimento Rural Sustentável15 pelo planejamento participativo na elaboração do Plano visou, também, garantir o caráter pedagógico e legitimador durante todo o processo16. Incorporando várias emendas, uma terceira versão do documento foi elaborada em dezembro de 2002 e divide-se em duas partes. A primeira trata da orientação estratégica do país, das opções estratégicas de governo para o período 2003 a 14 NEAD (Núcleo de Estudos Agrários e Desenvolvimento Rural) Portal NEAD de Estudos Agrários. Notícias Agrárias 02 a 08 de Setembro de 2002 N.º 150 [email protected] . 15 www.cndrs.org.br Segunda versão do PNDRS. Acesso em setembro de 2002. 16 NEAD http://www.nead.org.br/boletim/boletim.php?boletim=150¬icia=282, Acesso em 08 de setembro de 2002 (b) 45 2006 e do Plano Plurianual (PPA 2004-2007). A segunda parte divide-se em quatro programas: Programa 1 – Democratização do acesso à propriedade da terra; Programa 2 – Fortalecimento da agricultura familiar; Programa 3 – Renovação da educação rural; e Programa 4 – Diversificação das economias rurais. No que concerne ao Programa 3, o Programa de Renovação da Educação Rural do PNDRS apresenta elementos fundamentais para o desenvolvimento sustentável no campo, mas restringe-se ao desenvolvimento econômico e à possibilidade de se adotar um modelo criativo que considere as potencialidades locais, sejam humanas, financeiras, físicas, sociais e ambientais. No entanto, apesar da educação ter “sido proclamada como uma das áreas -chave para enfrentar os novos desafios gerados pela globalização e pelo avanço tecnológico da era da informação” (Gohn, 1999, p. 07), pouco se tem discutido sobre a real articulação entre a educação e o sistema produtivo. O Programa 3 – Renovação da Educação Rural - baseia-se em dois objetivos: a) valorizar as pessoas a partir de sua situação de vida e b) valorizar os recursos do território a partir de um diagnóstico proveniente de pesquisa participativa. Segundo o Programa, a renovação da educação rural deve ser feita pela “pedagogia da alternância” que parte dos recursos locais e de sua valorização. Isto porque, dentro dessa linha, pode-se desenvolver dinâmicas envolvendo a comunidade, criando e fortalecendo valores e atitudes de transformação e mudança, condições 46 indutoras a um novo empreendedorismo solidário e protagonismo social (CNDRS, 2002:30). O documento propõe, também, envolver e articular a comunidade e fortalecer a educação pública não estatal. Nesta perspectiva, o documento prevê um Programa Estratégico para a educação rural articulado aos demais programas do PNDRS, o que implicaria num novo modelo de educação rural. Ainda na parte referente a educação propõe “construir caminhos para o desenvolvimento sustentável do Brasil rural, por intermédio de ações que mobilizem sistemas de educação formal e informal, como instrumentos de cidadania. São normas políticas, pedagógicas, administrativas e financeiras a serem observadas nos projetos das instituições que integram esses diversos sistemas”. Esta preocupação com mudanças nas normas do sistema educacional, somada à proposta de fortalecer a educação pública não estatal e de estabelecer um novo modelo de educação rural assemelha-se ao modelo de administração pública gerencial que inspirou as reformas do Governo de Fernando Henrique Cardoso (1994-2002)17. A administração pública gerencial considera a educação, saúde e a pesquisa como serviços não exclusivos da administração pública. São serviços públicos não estatais, que podem ser executadas por organizações sociais. Segundo Pretti e Júlio (2002), a educação rural não pode se tratada apenas do ponto de vista de mercado. Quando se trata da oferta da educação rural, devese pensar na liberdade que o indivíduo adquire através da capacidade de se perceber no mundo, fundada, basicamente, em estruturas mentais que possibilitam a individuação. A educação deve visar também este desenvolvimento, que é muito mais amplo do que 17 O modelo de administração gerencial foi apresentado no Seminário organizado pelo Ministério da Administração Federal e Reforma do Estado do Brasil em 1996 e organizado por Bresser Pereira e Spink em livro com prefácio do presidente Fernando Henrique Cardoso na qual reconhece a necessidade de mudanças no sentido de uma administração gerencial. (PEREIRA, L. C. Bresser e SPINK, Peter (org.). Reforma do Estado e Administração Pública Gerencial Rio de Janeiro: Fundação Getúlio Vargas, 1998.) 47 apenas a preparação para o mundo do trabalho (mesmo que este mundo seja o do empreendedor). A educação deve tratar de uma perspectiva da totalidade do ser humano18. O construtivismo (proposta pedagógica implantadas na maioria dos programas de educacionais da atualidade) implica em trabalhar com a realidade local, mas esta realidade não está circunscrita ao mundo do empreendedorismo, do desenvolvimento econômico. No entanto, segundo Pretti e Júlio (2002), há inúmeras outras questões a serem tratadas. Deixá-las de lado, significa considerar que o desenvolvimento humano pode ser realizado em etapas desconexas. Primeiro se resolve questões como a alimentação e saúde para depois se trabalhar aspectos emocionais, relacionais, psíquicos e espirituais. Acreditar nesta dissociação do homem de seus elementos constituintes essenciais implica em cair nas mesmas lógicas de propostas que já ludibriaram a tantos, como a de “crescer para depois distribuir” ou o sonho socialista da igualdade de condições econômicas e sociais sem a igual preocupação com a liberdade e a inserção na sociedade. Nos assentamentos, a educação das pessoas é entendida como um ato político. Um dos princípios educacionais em assentamentos rurais é o da responsabilidade coletiva. As discussões no campo têm levado esses trabalhadores à construção de uma consciência coletiva. Makarenko (1981,p.12) insistiu no desenvolvimento individual como condição de desenvolvimento social, assegurando que “o coletivo devia receber toda a prioridade sobre o individual [pois] não haveria 18 PRETTI, Regina e JÚLIO, Jorge Eduardo. Plano Nacional de Desenvolvimento Rural Sustentável: o Programa de Renovação da Educação Rural, (Artigo), publicado no site www.cndrs.org.br/documentos.asp?Folder=EducaçãoRural. Acesso em 04 de dezembro de 2002. 48 educação senão na coletividade, através da vida e do trabalho coletivo”. Assim, entende-se que toda a comunidade é co-participante no processo educativo. Segundo Rabelo (2002), em um artigo que discute a Educação Rural a partir de uma pesquisa no Estado do Amazonas, admite que desenvolver uma educação rural para jovens apropriada, visando uma efetiva promoção da vida no campo, não é tarefa fácil. A maneira como muitos programas têm sido aplicados pouco tem servido para este fim. Rabelo (2002) faz uma análise do quadro da Educação Rural no Brasil: Devido à dispersão das propriedades rurais, as escolas são localizadas distantes das residências dos alunos, por isso gastam tempo e recursos para deslocamento. As atividades da agricultura familiar são prioritariamente exercidas pelos membros da família do agricultor, por isso seus filhos, desde a infância, já desempenham algumas tarefas importantes dentro da propriedade, assim, o deslocamento e a permanência na escola prejudicam essas tarefas. Devido às distâncias e a precariedade das vias de acesso, o transporte dos alunos é inseguro e oneroso. Os conhecimentos que têm sido trabalhados nas escolas rurais são orientados a partir de livros didáticos cujos conteúdos não contemplam a realidade local e nem os professores têm sido preparados para adequá-los. Normalmente após as quatro primeiras séries do ensino fundamental os alunos passam a estudar na sede dos municípios, ainda mais distantes no percurso e na característica, pois contempla alunos da sede e do meio rural. Estudando no meio urbano os jovens camponeses passam a desenvolver comportamentos ajustados para esse meio, por isso aumenta a sua propensão de morar na cidade, motivando também a sua família. As escolas rurais pouco oferecem de conhecimentos relativos à agricultura, à saúde e 49 ao social, ficando restritas a atender os aspectos do ensino formal dos jovens agricultores. (RABELO, 2002, p.15). A partir de sua pesquisa, Rabelo conclui que, aliado a outros fatores, o processo educacional aplicado no meio rural contribui com a manutenção do seu atraso e com o estímulo a mudança dos agricultores para as periferias dos centros urbanos. Isto é, uma educação que não leva em conta as características locais da população a que se destina, tende levar o aluno a uma aprendizagem descontextualizada e a perder a sua identidade. Para os jovens a situação fica caótica, já que os conhecimentos obtidos no ensino fundamental, desvinculados da sua realidade e do mundo do trabalho, pouco contribuirão para o seu futuro, levando-os aos riscos da degradação social. A trajetória da Educação Rural no Brasil ao longo da história sempre foi marcada por avanços e retrocessos e as conquistas foram frutos de muitas lutas em prol da melhoria da qualidade de vida do homem do campo. Apesar dos avanços, isso é inegável, algumas questões ainda persistem, quanto aos aspectos sócio-políticos (a qualidade de vida do home do campo e sua formação de valores), a formação do professor que atua na zona rural, a condição do aluno/trabalhador rural, a participação da comunidade no processo escolar, a organização didático-pedagógica do sistema de ensino, a política educacional rural, entre outras questões. 50 CAPÍTULO III A EDUCAÇÃO RURAL NO ACRE Este capítulo considera o processo de ocupação das terras acreanas, marcada pela transformação da floresta em grandes propriedades tradicionais, os seringais, na primeira metade do século XX, e a transformações dos seringais para os latifúndios das fazendas agropecuárias, na segunda metade do século XX. É importante considerar que, enquanto o primeiro processo de ocupação, os seringais, assentava-se na preservação da cobertura florística, fator que possibilitou o desenvolvimento do ciclo extrativista da borracha natural, o segundo, ao contrário, estabelece-se utilizando métodos de ocupação antiecológicos e anti-sociais. Será considerado, ainda, neste capítulo, a situação da educação rural no Acre, cuja expansão acompanhou as mudanças no cenário agrário acreano, a partir dos anos 60, com a elevação das terras do Acre da condição de Território à condição de Estado. 3.1 A OCUPAÇÃO DO ACRE O Acre é um dos sete Estados que compõem a Região Norte, fica localizado na parte mais ocidental do Brasil, no sudoeste da Amazônia; faz fronteira internacional com o Peru e a Bolívia, e nacional com os estados de Rondônia e Amazonas. A superfície territorial do Acre é de 153.149,9 km². A vegetação natural é composta basicamente por dois tipos de florestas: Tropical Densa e Tropical Aberta; o clima é equatorial quente e úmido. A hidrografia é complexa, formada pelas bacias do Juruá e do Purus, afluentes do Solimões. 51 Segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) de 2000, a Amazônia brasileira ocupa mais de 50% do território nacional, possui as menores taxas de densidade demográfica do país, apresenta a maior reserva de espécies vivas do planeta e é nela que se concentra uma grande diversidade social e biológica. Paradoxalmente, segundo dados do último censo feito pelo IBGE, esta é uma das regiões mais pobres do país com elevados índices de mortalidade infantil e natalidade e graves problemas de educação formal e aumento da degradação ambiental. A população do Estado do Acre é de 557.526 habitantes, sendo 280.983 homens e 276.543 mulheres. Na capital Rio Branco a população é de 253.059 pessoas (quase metade da população reside na capital). Do total de habitantes do Acre, 370.267 moram em áreas urbanas e 187.259 na zona rural. A população economicamente ativa é de 178.123 pessoas19. A história do Acre é marcada por conflitos sociais, políticos, culturais e econômicos concretos relacionados com os interesses e possibilidades da biodiversidade que se apresentam nessa região. Sua sociodiversidade também é muito complexa, vez que nesse espaço encontramos sujeitos que representam interesses por vezes antagônicos como é o caso dos indígenas, seringueiros, posseiros, fazendeiros, agricultores, religiosos, missionários, ecologistas, cientistas etc., tanto do Brasil como do exterior. Para que se possa compreender as questões relacionadas à educação no meio rural no Estado do Acre, faz-se necessário fazer um recuo na sua história. Assim será possível encontrar elementos que nos ajudem a entendê-la, pois estes estão relacionados a aspectos históricos, culturais e sociais, marcados pelas longas distâncias, 19 Fonte: Censo 2000 (IBGE) 52 espacialidades heterogêneas, temporalidades distintas entre si e as demais áreas brasileiras, abundâncias em recursos naturais e pela adoção de modelos econômicos e de políticas públicas equivocadas que não atenderam aos interesses e necessidades locais, tendo historicamente favorecido a expansão agropecuária e, conseqüentemente o desmatamento. A autonomia política do Acre e sua elevação à categoria de Estado são conseqüência de um longo processo de conquista, lutas, resistências, onde questões da terra, das florestas, dos recursos naturais sempre estiveram presentes. Segundo Oliveira (1982), a primeira leva de migração de nordestinos para o Acre ocorreu no período entre 1880 a 1910. Antes desse período, a população da área que atualmente corresponde ao Estado do Acre era de 100 mil habitantes. Após esse período, a população teria aumentado para 750 mil habitantes. Impulsionados pela busca do látex, seringalistas e seringueiros adentraram na mata, chegando à parte mais ocidental da Amazônia, atingindo a área onde se localiza o Estado do Acre que na época já estava ocupada, por cerca de 50 grupos indígenas diferentes20, sendo que as sociedades do tronco lingüístico Aruak foram os primeiros habitantes, seguidos pelos grupos do tronco lingüístico Pano, que passaram a habitar a região devido à invasão espanhola. Deste cinqüenta grupos restam hoje apenas 12, os demais foram dizimados através de conflitos com seringalistas, seringueiros, pecuaristas entre outros, e brigas pela posse da terra que em alguns casos foram resolvidos através de chacinas. A história nos conta que, no início do século passado, o Acre era uma enorme frente de batalha e de trabalho. A população era constituída por um grande 20 Guia para o uso da Terra Acreana com sabedoria: Zoneamento Ecológico Econômico do Acre, elaborado sob a Coordenação de Marcos Sorrentino, Rio Branco, SECTMA, 2000. 53 exército de homens e quase não havia famílias. Os seringueiros, em sua maioria oriundos dos sertões nordestinos, viviam isolados meses a fio, no meio da floresta, proibidos de plantar, para que pudessem dedicar todo o seu tempo à extração da borracha. Comprada pela indústria da Europa, era o “ouro negro”, que atraía milhares de brasileiros do Nordeste para os afluentes do Amazonas. Subindo o Rio Purus, eles entraram em território boliviano e viveram um conflito econômico, diplomático e militar, que só terminou em 1903, com a anexação da região ao Brasil. Na primeira metade do século XX, o aumento do consumo de borracha, a mítica do enriquecimento fácil com o “ouro que jorrava das árvores” as grandes secas no nordeste brasileiro e a limitada absorção dos migrantes nordestinos pela agricultura do sudeste, levaram a transferência de um grande contingente populacional, para a Amazônia com a finalidade de trabalhar nos “latifúndios borrachíferos”, extraindo a seringa21. Segundo Duarte (1987), em 1915, os custos com a produção nativa, frente produção organizada pelos ingleses nas colônias da Ásia, levaram à derrocada dos seringais acreanos. Estes custos encareciam devido a dispersão das seringueiras na floresta, a ausência de técnicas de produção e cultivo, a falta de apoio oficial, o alto custo da mão-de-obra, a falta de capital e as dificuldades de transporte. Assim, embora 21 “seringa na linguagem amazônica, era uma bomba sem êmbolo, em forma de pêra oca, feita de borracha, com orifício na extremidade, no qual se adaptava uma Cânula. Invenção dos índios, que tinham o hábito singular de utilizá-la, como limpeza de campo, antecedendo aos jantares de gala, operação a que não se eximiam os convidados de repasto. Chegando ao conhecimento dos portugueses tais objetos, saudados como úteis à civilização, o seu nome passou a ser também, o da árvore que jorra o leite. Árvore de seringa. E da seringa surgiu o seringal, o espaço físico-social onde se erguem, dispersas pela floresta, as espécies de vegetais da borracha. E do seringal, o seringueiro, o homem que associa à planta, para explorá-la. (...) Depois do ano de 1920, apareceu o neologismo seringalista, para designar o proprietário do seringal, que, antes, era o patrão ou, mesmo, seringueiro, confundindo-se na nomenclatura, com o verdadeiro extrator da borracha. Hoje, a palavra está definitivamente integrada no vocabulário regional. Assim, passou a ser um quarteto ecológico: seringa, seringal, seringalista e seringueiro”. TOCANTINS, Leandro. Amazônia: Natureza, Homem e Tempo. Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 1992, p. 100). 54 as ondas migratórias tenham persistido, reduziu-se bastante o número de pessoas à procura da seringueira, árvore da qual se extrai o látex, para a produção da borracha. A exploração da borracha tem novo impulso com a 2ª Guerra Mundial. Com a ocupação da Malásia e Ceilão pelos japoneses, os países aliados ficaram privados do fornecimento da borracha e novamente o capital industrial voltou a se interessar pela borracha nativa produzida na Amazônia. No curso desse processo, instalou-se um tipo de exploração econômica, que teve por base a ocupação de grandes áreas de terra e, como unidade de produção, o seringal. E foi no seringal que se instalou o perverso sistema de exploração e dependência, engendrado pelo sistema de aviamento, baseado na exploração do trabalho semicompulsório e condicionado pelo crescente endividamento do trabalhador e seu isolamento na floresta. Além de toda a deteriorização do chamado sistema de aviamento22 e do extrativismo tradicional, contendas sociais relativas às populações tradicionais dos espaços florestais do Acre intensificaram-se a partir da segunda metade do século XX, desembocando no esforço de estruturação de entidades representativas dos trabalhadores rurais no Acre que teve início efetivo com as ações da igreja Católica, por meio das Comunidades Eclesiais de Base. A Igreja Católica no Acre adotou uma postura “renovada”, buscando aproximar-se e atender as populações mais carentes, estivessem elas no campo ou na cidade. Tal postura começou a ser adotada no início da década de 1970, com o bispado de Dom Giocondo e foram constantes com o seu 22 A palavra “aviamento” vem de “aviar”, que significa fornecer mercadoria a alguém em troca de outro produto. Na produção de borracha, as Casas Aviadoras eram as grandes casas de comércio que financiavam os seringalistas na formação de seringais no Acre e em outras regiões da Amazônia. Merecendo destaque as casas aviadoras de Manaus e Belém. 55 sucessor Dom Moacir Grechi, conhecido pela população acreana por suas idéias avançadas e a defesa da teologia da libertação. Segundo Duarte (1987), no Governo de Wanderlei Dantas (1970/74) foram oferecidos a empresários oriundos principalmente dos estados do centro-sul do País benefícios e incentivos fiscais na obtenção das terras acreanas. Esses incentivos foram criados com o objetivo de atrair investimentos nacionais e estrangeiros para o desenvolvimento da região, conforme o Plano de Valorização da Economia da Amazônia. Os incentivos fiscais visavam a adoção da agropecuária como atividade básica a ser desenvolvida. Estes empresários compraram terras baratas vendidas geralmente pelos seringalistas falidos e por grileiros, sem se preocuparem em saber se existiam ou não posseiros na região comprada. As conseqüências da ocupação das terras pelos paulistas, como passaram a ser chamados os pecuaristas, foram a grilagem de terras23 e a expulsão de um grande número de famílias de seringueiros que dependiam da floresta para a sua subsistências. Nos anos 70 e 80, a idéia de “progresso” e “desenvolvimento” no Acre esteve associada no imaginário do povo ao asfaltamento das estradas, ao crescimento das cidades, às obras de construção civil, ao comércio de produtos industrializados e ao consumo de carne bovina. Este pensamento, que marcou a história do Acre, trazia grandes equívocos; resultou no êxodo rural e na derrubada de florestas, dando lugar à agricultura e as grandes fazendas de gado. Isso pôde ser constatado através de alguns indicadores sociais: a falência dos seringais, o desmatamento, o conflito pela posse de terra e a crise do extrativismo. Milhares de famílias migraram para as cidades, causando um aumento desordenado das cidades e invasões nas regiões periféricas. 23 Grilagem refere-se a aquisição ilegal de terras, falsificação de títulos, registros irregulares, e esticamento das áreas (invasão de áreas vizinhas).. 56 Segundo Melo (2003, p.42), o governo fez enorme propaganda em rádio e televisão, dentro e fora do Estado para atrair criadores de gado. “Produzir no Acre, investir no Acre, exportar pelo Pacífico” era o que dizia para incentivar os empresários24 a aplicarem dinheiro na região. E dizia mais “O Acre é o nordeste sem seca e o sul sem geada”. As décadas de 70 e 80 foram marcadas por conflitos entre seringueiros e grileiros. Segundo Duarte (1987), com a superpopulação relativa latente oriunda do Nordeste brasileiro, houve população supérflua (que não produzia a borracha) que passou a se ocupar de atividades de subsistência. Com a intensificação de investimentos de capital na região, através da pecuária e da especulação fundiária, que mudou o uso do solo e a expulsão desta população. Essa situação sofreu um refluxo quando os seringueiros passaram a enfrentar o capital e lutar pela posse da terra. Um dos métodos bastante usados para expulsão de seringueiros era o desmatamento dos seringais. E os seringueiros foram resistindo através dos empates, isto é, o impedimento dos trabalhos de desmatamento. Para isso, quando a colocação de algum seringueiro estava ameaçada, os trabalhadores juntavam dezenas de companheiros e iam para frente de desmatamento para fazer o embargo do serviço. Assim, o desmatamento ficava empatado. Esses conflitos 24 A revista veja publicou longa reportagem sobre a ação dos empresários do Acre: Intitulada “Donos da Geografia”, resumidamente destacamos: “Eles são donos de rios que só desaparecem na linha do horizonte. Têm em seu patrimônio selvas que, de tão vastas, dão a impressão de nunca ter fim, mesmo quando observadas do alto da cabine de um avião. È tanta terra que poderiam aparecer no Guinnes Book, o livro dos recordes, na lista dos maiores latifundiários do mundo. Não exploram nem a décima parte do que possuem... Ou será fácil achar em algum canto do planeta proprietários de uma terra do tamanho de El Salvador? Ou de dois Líbanos juntos? Ou de treze cidades de São Paulo, uma ao lado da outra? No norte do Brasil existe essa categoria de proprietários rurais. O campeão é o paulista Pedro Aparecido Dotto... Ele é o dono de 2,1 milhões de hectares de terra no Acre... Do tamanho de El Salvador...quase 15% daquela geografia. (Revista Veja. São Paulo, Editora Abril, Edição 1295, ano 26 n. 27, 7 de abril de 1993). 57 resultaram em muitas mortes, onde os paulistas contratavam pistoleiros para matar posseiros e líderes sindicais e também eram mortos por eles. Nesse contexto, em 1975 é criada uma delegacia da Confederação Nacional dos Trabalhadores da Agricultura (CONTAG) no Estado, que incentivou à criação de Sindicatos de Trabalhadores Rurais, onde se agregaram extratores, pequenos produtores e demais segmentos sociais que trabalhavam no campo ou na mata. Os primeiros sindicatos criados foram os Sindicatos de Trabalhadores Rurais de Brasiléia (1975) e Xapuri (1977), o Conselho Nacional dos Seringueiros (CNS). Assim, a partir das organizações sindicais dos seringueiros e diante das dificuldades encontradas por esses trabalhadores para negociar livremente sua própria produção, nasceu o “Projeto Seringueiro”. Como alternativa, foi também criada a primeira cooperativa agroextrativista, a partir da qual surgiu a primeira experiência de educação popular nos seringais – a princípio, destinada especificamente a adultos – com vistas a promover a alfabetização do trabalhador seringueiro e, assim, capacitá-lo a gerenciar a sua própria produção e buscar alternativas para a melhoria de sua qualidade de vida. Iniciado em 1981, o Projeto Seringueiro - uma experiência pioneira no campo de assessoria ao movimento popular e sindical – incorporava escolas e cooperativas. A cooperativa possibilitava aos seringueiros serem seus próprios intermediários, ou seja, em vez de levarem a borracha para o barracão do seringal ou venderem-na para um marreteiro25, os seringueiros passaram a levá-la ao armazém da cooperativa. Lá, a borracha poderia ser trocada por mantimentos oferecidos a preços justos, e não inflacionados, como os do sistema antigo. Quando ocorria de a borracha 25 O termo “marreteiro” refere-se ao atravessador, o comerciante que comprava a borracha do seringueiro a baixo custo e negociava a preços elevados, ficando com o lucro da produção. 58 ser vendida no atacado, parte dos lucros retornava aos cooperadores, sendo entre eles distribuídos de acordo com sua produtividade. Para que uma cooperativa assim organizada pudesse ser viável a longo prazo, eventualmente, ela teria ela que ser administrada por seringueiros, sem a ajuda de conselheiros. Para tanto, era-lhes imprescindível adquirir o domínio da lecto-escrita e da matemática, necessidade que acabou por gerar a decisão de elaborar um projeto de alfabetização, o Projeto Seringueiro, implantado em vários pontos da floresta, que se baseava nas propostas de Paulo Freire. Será nos anos 90, com a ascensão dos movimentos sindicais (movimentos que ganharam força com a morte dos sindicalistas Wilson Pinheiro em 198026 e Chico Mendes em 198927), que as políticas relacionadas à ocupação das terras do acre passaram a ser tratadas com mais rigor. Este processo culminou com a eleição de sindicalistas e militantes de partidos ligados a esses movimentos (PC do B, PV e PT), que passaram a adotar o lema “Governo da Floresta”28, cujas metas divulgadas foram a sustentabilidade dos povos da floresta, e a melhoria da qualidade de vida destes. Uma das principais ações nesse sentido foi o mapeamento de todas as terras do Acre, identificando suas potencialidades naturais, além de áreas que deveriam ser preservadas e as que deveriam ser exploradas com a implantação de assentamentos rurais29. 26 Wilson de Souza Pinheiro era presidente do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Brasiléia e presidente da Comissão do Partido dos Trabalhadores. Foi assassinado a tiros dentro da sede do Sindicato em julho de 1980 27 Francisco Mendes era presidente do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Xapuri e ambientalista. Foi morto em dezembro de 1989 em sua casa. 28 Entre estes sindicalistas que se tornaram políticos influentes, destacam-se a professora Marina Silva, que iniciou sua carreira política como vereadora e atualmente é Ministra do Meio Ambiente, e o engenheiro florestal Jorge Viana, foi prefeito de rio Branco e pela segunda vez governador do Acre, adotando como símbolo da floresta em seus mandatos. 29 Este mapeamento foi possível com o Zoneamento Ecológico-Econômico do Acre, onde toda a região foi identificada, com o auxílio de recursos tecnológicos como GPS e especialistas em 2002. 59 A política de assentamentos rurais do INCRA, nos anos 90, aconteceu com a desapropriação de antigos seringais abandonados e ocupação organizada de trabalhadores rurais. Muitos destes seringais já eram habitados há décadas por exseringueiros que se tornaram posseiros no lugar e viviam da agricultura de subsistência. Com as atuais políticas de manutenção do homem no campo e a ênfase na sustentabilidade da economia agrária, as áreas em que habitavam esses posseiros foi dividida em lotes e estes obtiveram título definitivo dos lotes, além de terem um acompanhamento regular de empreendedores sociais do INCRA que passaram a orientar os produtores rurais quanto ao uso de recursos obtidos através de financiamento agrícola, incentivo à produção e comercialização, e organização social dos assentados. No decurso da História do Acre foram criadas reservas extrativistas entre as quais destaca-se a reserva extrativista Chico Mendes, localizada no Vale do Acre, criada em março de 1990, que tem desempenhado um importante trabalho junto às populações nativas e demarcação de terras indígenas para as etnias sobreviventes a muitas décadas de massacres. 3.2 A EDUCAÇÃO RURAL NO ACRE A tentativa de remontar a História da Educação Rural no Acre não foi uma tarefa fácil. Até os anos 70, período que antecedeu a organização dos trabalhadores – seringueiros e rurais em sindicatos e cooperativas, as experiências de acesso à educação que se tem registro foram informais e personalizadas. Será nos anos 70, a partir das pressões sociais, que os governos estaduais e municipais começaram a dar respostas às populações, de maneira aleatória a princípio, sem critério, ou sem nenhuma política sistematizada. A construção das escolas obedecia 60 a critérios baseados no clientelismo ou do favoritismo. Assim, o número de Escolas Rurais no Estado do Acre, em menos de duas décadas (1970 e 1980), cresceu de maneira desordenada, gerando um grande descompasso entre a quantidade e a qualidade. Com a universalização do ensino básico, pregada na LDB n° 4.024/61, conseguiu-se ampliar a oferta do ensino primário de 1ª a 4ª série. Isso foi possível graças à possibilidade de desenvolvê-lo com professores egressos das escolas normais, já existentes em sete municípios do Acre, e até com professores não titulados. As mudanças propostas na LDB n° 5.692/71, que estabelecia o 1° grau em oito séries (anteriormente dividido em ensino primário e secundário) e exigia a qualificação de professores em curso de nível superior para atuação nas últimas três séries, foram lentas no Acre. Apenas oito anos após a LDB n° 5692/71 entrar em vigor, conseguiu-se a implantação desse nível de ensino nas zonas urbanas de 11 dos 12 municípios acreanos30 e em apenas uma escola na zona rural. Assim, quase a totalidade da zona rural de Rio Branco não pôde gozar dos direitos propostos na LDB em vigor na época. Assim, o Plano Estadual de Educação para o quadriênio 1979-82 fez um diagnóstico da situação do ensino rural no Acre31. Os estudos constataram que o acesso das crianças à escola era dificultado pelas distâncias das famílias entre si e a escola, pela falta de estradas e meios de transportes para possibilitarem o acesso e permanência na escola, intervenção de proprietários nas escolas construídas em áreas particulares sem a 30 31 Atualmente o Acre tem 27 municípios. ZANNINI, Íris Célia Cabanellas. Ação Administrativa (1979-1982). Brasília, SEC, 1986. 61 devida doação prévia32, e construções inadequadas para populações que constantemente se mobilizavam por questões fundiárias e de trabalho. As escolas rurais, na maioria das vezes, tinham um único professor que atendia num horário de 1ª a 4ª séries (sala multisseriada) e ainda era responsável pela burocracia da escola. Em 1979, apenas 13,13% dos professores do ensino rural tinham Formação em Nível Médio (75 professores) e 0,35% com Formação Superior (02 professores) No II Seminário Estadual de Educação Rural (1980), onde estiveram reunidos professores, técnicos e entidades que atuam na zona rural, foram discutidas questões referentes à formação e atuação docente. Do Relatório Final extraíram-se as seguintes conclusões: O professor rural tem um acúmulo de funções administrativas, pedagógicas e de serviços – ele próprio dirige sua escola, leciona para os alunos de diferentes estágios de escolaridade e de diferentes idades e ainda desempenha funções de servente e merendeira, além de ser responsável pelo transporte de material escolar e de merenda da zona urbana para sua escola. Participando pouco do planejamento escolar, o professor rural já é condicionado a receber tudo pronto do Sistema, o que lhe tolhe o desenvolvimento da criatividade para superar a grande carência de material didático que se verifica nas escolas rurais. Na década de 80, as Metas Nacionais de Educação, expressas no III Plano Setorial de Educação, Cultura e Desporto (1980-85)33 levaram à mudanças 32 Com a expansão das fazendas e a vinda de grileiros para o Acre, muitas escolas foram construídas com iniciativa privada, isto é, muitos fazendeiros construíam escolas em suas terras para seus filhos e seus trabalhadores. 62 técnico-pedagógicas e administrativas direcionadas para a consolidação de novas políticas de ação para a Educação Rural. Em 1981, foi implantado no Acre o PRONASEC (Programa Nacional de Ações Sócio-Educativas e Culturais do MEC), com adequações às características acreanas. O PRONASEC foi implantado no Projeto NARI (Núcleo de Apoio Rural Integrado), onde já existia uma infra-estrutura básica de desenvolvimento rural. O Projeto NARI teve sede nas seguintes localidades: Bujari, Barro Vermelho, Panorama, Jarbas Passarinho e Aquiles Peret. Com os recursos do Projeto NARI foram construídas, ampliadas e recuperadas escolas nas áreas rurais. Essas escolas foram construídas com técnicas aprimoradas e adaptadas às comunidades rurais. Neste período, foi implantada a proposta pedagógica do Projeto de Desenvolvimento Rural integrado nas áreas de assentamento dirigido do INCRA e COLONACRE (Companhia de Desenvolvimento Agrário e Colonização do Acre), com enfoque comunitário com vistas a uma maior integração ao meio físico e social. Ainda na década de 80, foi implantado o PROBOR (Programa Nacional da Borracha)34, projeto de ação integrada com a SUDHEVEA (Superintendência da Borracha)35, que atendia nas áreas de seringais a clientela de 7 a 14 anos nas séries iniciais do 1° grau. A partir do PROBOR, surgiu o Projeto SUDHEVEA/EDUCAÇÃO, que atuava junto às mini-usinas (utilizadas na transformação do látex em borracha) e tinha como lema uma educação comprometida com as necessidades das comunidades dos seringais. Com os recursos desse projeto, foram contratados 275 professores e 33 O III PSECD (Plano Setorial de Educação Cultura e Desporto) é citado no capítulo 2 desta dissertação, pg. 21 34 O PROBOR foi um programa oficial da SUDHEVEA que incentivava a produção de seringueiras de cultivo. As duas primeiras versões dos programas não tiveram os resultados esperados. A previsão oficial era empregar 200 mil seringueiros como força de trabalho até 1992. No entanto, poucos recursos foram destinados ao Acre. A maior parte ficou concentrada no Centro-Sul do País, para aplicações mais rendosas. (OLIVEIRA, 1982, P.62). 35 A SUDHEVEA foi extinta em 1990. 63 atendidos 7.917 alunos do 1° grau (atualmente Ensino Fundamental), além do atendimento de 972 alunos nos diversos municípios com o Telecurso João da Silva ao nível das quatro primeiras séries do Ensino Fundamental e o Projeto Seringueiro, capacitação via rádio, para alfabetização de adultos. Em 1981, foi construída a Escola Agrotécnica Roberval Cardoso com recursos do PREMEN (Programa de Expansão e Melhoria do Ensino Médio), com capacidade para atendimento em regime de internato e externato, com o objetivo de formar mão-de-obra para o desenvolvimento agrícola, com técnicas apropriadas e adequadas à realidade acreana. As ações voltadas para o homem do campo não se limitaram às áreas rurais. Na cidade de Rio Branco, em bairros constituídos de populações rurais que migraram para a cidade, foram implantadas oficinas e atividades voltadas para o trabalho, como atividades hortigrangeiras, carpintaria, flandelaria, e outros36. Será com a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional n° 9394, de 20 de dezembro de 1996, que a Educação Rural se separa da Educação Indígena como modalidades de ensino distintas, conforme orienta o Parecer Estadual n° 16, de 22 de agosto de 2002. Anterior ao Parecer Estadual n° 16/2002, o Parecer Estadual n° 05/1998 reconhece os conteúdos programáticos constantes na proposta curricular para formação de professores índios do Acre e sudoeste do amazonas, tendo como base os parâmetros de uma educação diferenciada intercultural e bilíngüe, desenvolvido pela CPI37 através do Projeto de Educação “Uma experiência de autoria dos índios do Acre e Sudoeste do 36 Os bairros beneficiados com esses programas foram Aeroporto Velho, Bahia, Palheiral e Sobral, que inicialmente foram áreas ocupadas por invasões e, anos depois, foram urbanizados. 37 Comissão Pró-Índio (organização não governamental do Acre, que atua na formação de índios) 64 Amazonas”. A Resolução Estadual n° 07/1999 definiu as diretrizes para a formação de professores índios. Em menos de duas décadas (anos 70 e 80), o número de Escolas Rurais no Estado do Acre cresceu de maneira desordenada, gerando um grande descompasso entre a quantidade e a qualidade. A partir de 1999, governo do Estado traçou como política para o meio rural e florestal uma organização da rede de ensino, a partir da localização geográfica de cada uma das escolas – utilizando o GPS para a correta localização das escolas, algumas localizadas em território amazonense e boliviano. Posteriormente, outras ações foram definidas na área rural, como o Programa de Formação para professores, em nível médio, com a criação inicialmente, do Projeto Ajuri, para a complementação com o Ensino Fundamental para professores leigos e, em seguida, foi implantado o PROFORMAÇÃO – Programa de Formação de Professores em Nível Médio (Magistério). Dos 1.628 professores em exercício nas escolas rurais estaduais ou em área de floresta, 1057 participaram do curso de formação inicial – PROFORMAÇÃO, buscando assegurar a formação mínima exigida por lei para o exercício do magistério. Uma pequena parcela, aproximadamente 90 professores, detém formação em nível superior, estando os demais situados no quadro de formação em nível médio, ainda que a grande maioria exerça as suas atividades pedagógicas nas turmas de 5ª à 8ª séries do ensino fundamental. Outra ação significativa foi a oferta do Curso de Pedagogia pela a Universidade Federal do Acre, em convênio com o Governo do Estado e Prefeituras Municipais, para professores das redes estaduais e municipais de ensino. Foram criadas 52 turmas de Pedagogia, sendo 27 turmas em Rio Branco e 25 em cidades do interior do 65 Estado, e diversos cursos nas áreas específicas do Ensino Fundamental e Médio, tais como Letras, Ciências Biológicas, História, Geografia, Matemática e Educação Física. Assim, um grande número de professores da zona rural pode se capacitar e melhorar sua prática docente. Além disso, houve a implementação de Programas de Formação Continuada, o Programa Parâmetros em Ação, em que os professores estudaram todos os módulos dos PCNs (Parâmetros Curriculares Nacionais); Programa Escola Ativa, específicos para salas multisseriadas; e Programas de Construção e Adequação de Prédios Escolares etc. Segundo Silva (2002), o desafio de garantir a formação aos professores que se lançam ao desafio de entrar na floresta ou nos Projetos de Assentamento rurais é tão grande quanto a tentativa de universalizar o ensino a populações tradicionais, localizadas em regiões muitas vezes inacessíveis, em razão de sua dispersão geográfica, característica da Região. Em outubro de 2002, foi aprovado Parecer n° 25/2002 do Conselho Estadual de Educação, que dispõe sobre os princípios norteadores da proposta curricular para o Ensino Rural. Os princípios filosóficos são a solidariedade com a natureza, respeito humano e bem comum, autonomia e responsabilidade, valores políticos, igualdade dos direitos humanos, cidadania, criatividade, contemplação da natureza, e diversidade das manifestações artísticas e culturais. Os princípios políticos são a inclusão (para os alunos com necessidades especiais), multiculturalismo (educação de povos indígenas), educação para jovens e adultos e a autonomia da escola. 66 Os princípios pedagógicos são a formação de competências para o trabalho, para a vida em sociedade, para a preservação do ecossistema, para a sustentabilidade, a ética e a autonomia intelectual; a transversalidade do conhecimento, abordando temas como direitos humanos, convivência social, trabalho e costumes; a contextualização do currículo à questões como as lutas sociais e culturais e direito à terra e ao trabalho, dignidade, cultura e educação; e vinculação ao mundo do trabalho, com temas como a capacidade farmacológica das ervas, os potenciais energéticos, solo e a paisagem local, o cooperativismo, o artesanato, a produção, entre outros. Atualmente, a rede pública estadual de ensino na zona urbana da cidade de Rio Branco é composta por um universo de 79 escolas, e na zona rural 109 escolas. No surgimento das duas primeiras escolas na floresta, o número de alunos atendidos não ultrapassava 50 (em sua maioria, adultos). Hoje, no Acre, a oferta chega a 24.000 vagas, somente no ensino fundamental. De acordo com a Coordenadoria de Estatística Educacional da Secretaria de Estado de Educação do Acre – Censo 2001, o total de estabelecimentos da Rede Estadual Rural é de 584 escolas. A matrícula total é de 31.093 alunos em toda a rede, distribuída nos níveis Pré-escolar, Ensino Fundamental, Ensino Médio e Educação de Jovens e Adultos. E o número de professores é no total de 1.62838. No Acre, aproximadamente 80% das escolas estão localizadas em áreas rurais. A rede municipal de ensino de Rio Branco possui 42 escolas, sendo 26 escolas urbanas e 16 escolas rurais. Entre essas escolas rurais, quatro novos Centros de Ensino Rural foram inaugurados, dentro de quatro Projetos de Assentamentos Rurais: Figueira, Boa Água, Benfica e Baixa Verde. Estes novos centros atenderão especialmente alunos 38 Fonte: Departamento de Ensino Fundamental da SEE/AC 67 das séries finais do Ensino Fundamental, Ensino Médio e Educação de Jovens e Adultos. Os centros possuem diversos aparelhos sociais, como laboratório de informática, sala de multimeios, além de mobiliário e maquinário modernos. A Secretaria Estadual de Educação do Acre e as Secretarias Municipais implantaram em suas redes de ensino rural o Programa Escola Ativa em 2001, com estratégia de ensino para salas multisseriadas. O Programa Escola Ativa é mantido pelo FUDESCOLA e utiliza material didático específico para alunos e professores da zona rural. Os estudantes trabalham em grupos e são estimulados a participar da gestão escolar por meio do Governo Estudantil. A metodologia também contribui no combate à reprovação e ao abandono. O Programa foi implantado em 128 escolas rurais e, posteriormente, em mais 122 nas redes municipais de ensino. Em 2003, a SEMEC de Rio Branco implantou o Programa Escola Ativa em 12 escolas rurais, atendendo a mais de 600 alunos. O objetivo do programa é melhorar a qualidade do ensino de 1ª à 4ª série nas escolas rurais e, conseqüentemente, elevar o rendimento dos alunos. 3.3 O PROJETO DE ASSENTAMENTO COLIBRI O Projeto de Assentamento Colibri foi implantado pelo Decreto 224, publicado no Diário Oficial da União em 25 de novembro de 1993. A emissão de posse foi cedida em 07 de julho de 1994, com criação Projeto de Assentamento em 31 de outubro de 1995. O projeto abrange uma área de 1.356 há, dividida em 42 lotes. O assentamento, localizado a 30 km de Rio Branco, na Estrada de Porto Acre km 14, Ramal do Limoeiro km 16, O assentamento está situado à margem esquerda do Rio Acre, no sentido Rio Branco-Porto Acre. 68 O assentamento Colibri fazia parte do “Seringal Bagaço”, de propriedade das empresas Santa Clara Ltda e Agroindústria Queiroz Ltda. A desapropriação foi requerida pelas própria empresas junto ao INCRA, pois há muitos anos a propriedade se encontrava ocupada por posseiros. Aproximadamente, 30 famílias ocupavam uma área de 1.356 ha, tendo como principal atividade agrícola o cultivo da banana, com produção voltada para o alto consumo. 3.3.1 População e Organização Social A maior parte das famílias residentes no Assentamento Colibri é de origem acreana. O restante é oriundo dos estados do Amazonas e Ceará. São poucas as famílias que tiveram outras experiências profissionais não relacionadas à agricultura. Estima-se que a população do assentamento seja de 150 pessoas, distribuídas nos 42 lotes. A religião predominante no local é a católica, com 63 % de adeptos. Outra religião presente no lugar é a Assembléia de Deus, com 31% de adeptos. Há ainda 6% que não professam nenhuma religião. Os protestantes possuem um pequeno templo no centro da comunidade, onde são realizadas reuniões e círculos de orações. No assentamento Colibri existe uma associação oficialmente registrada, denominada Associação dos Produtores do Ramal Limoeiro, fundada em janeiro de 1996. A associação tem 67 sócios, sendo alguns residentes no Assentamento Boa Água, próximo ao Colibri. A produção agrícola se constitui na principal atividade econômica do assentamento Colibri, porém o orçamento doméstico é complementado com atividades relacionadas a criação de gado vacum e de peixes em açudes, extrativismo, caça e pesca. 69 3.3.2 A Participação da Universidade Federal do Acre Em 1998, o Dr. Francisco Eulálio Alves dos Santos, professor do Departamento de Ciências da Natureza, desenvolveu um projeto experimental de energia solar e biodigestão no Assentamento Colibri. O projeto de pesquisa contou com financiamento do CNPq, onde foi possível instalar no centro da comunidade placas de energia solar, que passaram a fornecer energia para os equipamentos sociais construídos ali: a escola, a revenda e a cozinha industrial. Construiu-se um curral, onde os produtores rurais guardariam seu gado para a coleta de excrementos que seriam utilizados na produção de gás natural com um biogestor (aparelho implantado na comunidade). Estes espaços ganharam um novo nome, chamado Centro de Integração do Limoeiro. Inicialmente, a implantação de placas solares na comunidade tinha como fim o incentivo a produção e desenvolvimento sustentável. Com o tempo, percebeu-se que, para que este processo de utilização dos aparelhos tivesse continuidade e a organização comunitária fosse possível, seria necessária a implantação de uma escola na comunidade, até então inexistente (a escola mais próxima estava localizada há oito quilômetros em uma estrada de chão de difícil acesso). O enfoque primeiro do projeto do Dr. Francisco Eulálio seria a energia, mas que apoiaria outras ações como educação, saúde, educação ambiental e apoio ao associativismo, entre outras que fortaleceriam a organização social. Antes de este projeto chegar à comunidade, havia ali algumas famílias de posseiros que viviam basicamente do plantio de bananas. Com o assentamento, atualmente vivem ali 42 famílias, que trabalham em regime de cooperativa, e contam com o apoio de diversos órgãos que executam ações para a melhoria da comunidade. 70 Embora o projeto seja prioritariamente voltado para a área de energia, a educação é o núcleo agregador de todas as ações. Segundo o Dr Francisco Eulálio, coordenador do programa: A educação é a única ação permanente da comunidade. Esta funciona como motivadora da comunidade, que a vê como redentora de seus filhos. Assim, a escola passa a ser a referência para a comunidade. Tudo o que a comunidade faz passa a ser uma ação educacional. A escola surgiu um ano depois do início do projeto, através de reivindicações da comunidade. O projeto agrega várias instituições, que trabalham em parceria: - A Universidade Federal do Acre (UFAC), através do Laboratório de Energia, da Pró-reitoria de Extensão e do Departamento de Ciências. - A Associação de Produtores Rurais, que são os beneficiários e mobilizadores da comunidade. - A Prefeitura Municipal de Rio Branco, através das secretarias de saúde (SEMSA), educação (SEMEC), agricultura (SEMAG) e de meio ambiente (SEMEIA). - Incra (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária), que é responsável pelo acompanhamento das atividades no assentamento rural e, junto com a UFAC, acompanha o Pronera. - SENAR (Serviço Nacional de Aprendizagem Rural), que junto com a Seater, executa ações educativas para o trabalho. - SESI (Serviço Social da Indústria), que em parceria com a SEMEC, através do Programa Telecurso 2000, que desenvolveu o ensino fundamental para meninos em idade regular e aos que não tiveram acesso na idade própria, com o 71 supletivo. - União Nacional dos Escoteiros, que dá ênfase a formação moral dos jovens moradores da localidade. Os escoteiros dão suporte à convivência coletiva, disciplina e cidadania, qualidades necessárias para o sucesso da educação rural. A participação integrada destas instituições, junto com o compromisso e a dedicação da comunidade foi fundamental na implantação do projeto coordenado pelo Dr. Francisco Eulálio Alves dos Santos. Segundo o Dr. Francisco Eulálio: As ações desenvolvidas por estas instituições pretendem que a comunidade rural tenha os mesmo benefícios da cidade, fazendo apenas um ajuste das circunstâncias, favorecendo uma integração da zona urbana com a zona rural, evitando o êxodo rural, que enfraquece a produção e marginaliza estas populações nas cidades. Através do projeto de energia, com a implantação das placas solares, foi possível a implantação do Telecurso 2000, que se utilizada de televisão e vídeo cassete com apresentação de tele-aulas gravadas. Até o momento desta pesquisa, a comunidade ainda não dispunha de energia elétrica. 3.4 - A ESCOLA SEBASTIÃO PEDROSA DE CARVALHO A Escola Municipal Sebastião Pedrosa de Carvalho, localizada no Projeto de Assentamento Colibri, foi fundada em 1999. É uma escola pequena, construída em madeira, com duas salas de aula, uma cozinha e uma sala que serve de almoxarifado e secretaria. (foto 1) Em 2000, quando esta pesquisa teve início, a escola atendia a 128 alunos. No período matutino, funcionavam classes multiseriadas das séries iniciais do Ensino 72 Fundamental. À tarde, funcionavam o segundo ciclo do Ensino Fundamental, de 5ª a 8ª séries, em regime modular com o Programa Telecurso 2000, sendo os alunos divididos em duas turmas: os em idade regular e os com defasagem de idade em relação à série. À noite, funcionavam duas turmas do MOVA (Movimento Acreano de Alfabetização) que, posteriormente, foi substituído pelo PRONERA. A escola recebia produtores do assentamento vizinho (Projeto de Assentamento Boa Água, localizado a 8 km do Assentamento Colibri) e ribeirinhos. No momento da pesquisa, o corpo docente da escola era composto, em sua maioria, de professores sem formação específica, duas professoras com formação em Nível Médio em Magistério e um engenheiro agrônomo, que é professor e diretor da escola. Este engenheiro, o Sr. Luiz Carlos, já atuava na comunidade apoiando os agricultores e, devido à carência de professores, passou a lecionar na escola também. A escola não possui equipe técnica, mas duas vezes por mês recebe visita de técnicos da Semec, SESI (enquanto funcionava o Telecurso 2000) e da Universidade. Em 2000, a escola implantou o Projeto Pronera, Programa Nacional de Educação Rural em Assentamentos, que é um programa de educação continuada. O Pronera é financiado pelo Ministério de Desenvolvimento Agrário, e executado pela UFAC. Este inicia-se com turmas de alfabetização que, posteriormente, são acompanhados nas séries subseqüentes do Ensino Fundamental. As professoras que atuam como monitoras na alfabetização e primeiras séries do Ensino Fundamental deste programa são pessoas da própria comunidade, que faziam Ensino Fundamental pelo Telecurso 2000. Este programa é coordenado pela UFAC, com a participação de professores do Departamento de Educação e acadêmicos de diversas licenciaturas. 73 Foto: 01 Vista frontal da Escola Sebastião Pedrosa de Carvalho Fonte: arquivo pessoal 3.5 UM LONGO CAMINHO A SER PERCORRIDO Analisando o contexto investigado, remontando a da história da educação rural do Acre dos anos 70 até os dias atuais, com o ensino de seringueiros e índios, em sua maioria por iniciativa de organizações não governamentais e sociedade civil, percebe-se que muitos avanços foram conquistados. No entanto, há ainda um longo caminho ser percorrido, em que barreiras naturais se impõem, como longos períodos de chuvas, florestas fechadas, estradas precárias, longas distâncias, preconceitos e aplicação de recursos necessários, para que se afirme que há oportunidades similares de ensino, na cidade e no campo. 74 CAPÍTULO IV PROGRAMAS DE EDUCAÇÃO FORMAL E NÃO-FORMAL NO PROJETO DE ASSENTAMENTO COLIBRI Nesse capítulo serão apresentados os diversos projetos que aconteceram na comunidade do Projeto de Assentamento Colibri nos anos de 1997 a 2002. Os programas voltados diretamente para a elevação da escolarização da comunidade, tais como o Pronera e o Telecurso 2000, e os programas que contribuíram indiretamente, o Projeto de Energia e o Escoteirismo. A partir de 1997, o INCRA desapropriou a área de terra que hoje corresponde ao Assentamento Colibri. Antes de serem assentados, os moradores do lugar eram posseiros que viviam basicamente da agricultura familiar e da pesca39. Com a implantação do assentamento, o INCRA estabeleceu uma política de monitoramento dos lotes distribuídos (em sua maioria, para moradores já residentes ali) para otimização dos recursos e aumento da produção, o que modificou significativamente a dinâmica da comunidade. É nesse contexto que se desenvolve essa pesquisa. 4.1 PRONERA As lutas do Movimento dos Sem Terra (MST) iniciou-se prioritariamente pela conquista da terra. Em seguida, percebeu-se de que só chegar à terra conquistada não bastava. 39 Essa área era o antigo Seringal Bagaço que, durante o primeiro e segundo ciclo da borracha, foi um centro produtor da borracha. Com a queda do preço da borracha, os antigos seringueiros continuaram em suas colocações sobrevivendo agricultura familiar (os colonos) e da pesca nas margens do Rio Acre (os ribeirinhos). 75 Nela precisavam aprender a trabalhar e produzir, dela precisavam viver. Pensavam: Os nossos filhos precisam estudar mais do que nós... a escola é importante... ela nos faz falta na vida para fazermos um financiamento bancário, para entendermos a conjuntura, para fazermos história, como sujeitos desta história (site do MST). A percepção da importância da educação levou à organização de escolas nos acampamentos do MST. A partir desse modelo de educação, com dimensão política, econômica e social, o Governo Federal criou o Pronera (Programa Nacional de Educação para a Reforma Agrária), programa específico para atender aos assentamentos rurais. No Governo de Fernando Henrique Cardoso (1995-2002), políticas de reforma agrária e valorização do homem do campo foram algumas de suas prioridades. Assim, além da distribuição de terras, foram criados programas de educação, como parte integrante e indispensável do processo de desenvolvimento local e regional sustentável e inserção do homem do campo. O Pronera, voltado para a Educação de Jovens e Adultos, foi em lançado em 1998 pelo então Ministro Extraordinário de Política Fundiária, Raul Jungmann, com a Portaria Federal n° 10/98. O PRONERA é a expressão de uma parceria entre o Governo Federal, as Instituições de Ensino Superior e os movimentos sociais rurais, com o objetivo de promover a educação, em todos os níveis, nos Projetos de Assentamento da Reforma Agrária. 76 Segundo o I Censo de Reforma Agrária no Brasil40, em 1995, existem no Brasil cerca de 23 milhões de trabalhadores no meio rural, sendo que apenas 5 milhões são classificados como assalariados rurais (permanentes ou temporários). Cerca de 65% dos assalariados rurais não possuem carteira assinada e apenas 40% desses trabalhadores possuem trabalho o ano todo. Muitos desses trabalhadores chegam a trabalhar até 14 horas por dia. Nesse contexto, as mulheres e as crianças são as mais vulneráveis. A maioria das mulheres realiza dupla jornada de trabalho, dedicando-se à produção e ao trabalho doméstico. Muitas mulheres e crianças que trabalham no meio rural não recebem remuneração. O I Censo de Reforma Agrária no Brasil41 verificou que cerca de 4 milhões de crianças entre 5 e 14 anos trabalham no meio rural nas regiões Sul, Sudeste e Nordeste do país, o que representa mais de 11% dessa população. Somente 29% das crianças que trabalham recebem remuneração. Entre as crianças de 5 a 9 anos, somente 7% recebem remuneração. Um grande número de crianças no meio rural não tem acesso à educação e, entre os adultos, o nível de analfabetismo chega a 70% em algumas regiões. Neste contexto, em 1998 é criado o documento “Reforma Agrária – Compromisso de Todos”, onde o então Presidente da República, Fernando Henrique Cardoso, destaca que não basta dar terra. É preciso assegurar programas e ações articuladas de diversos Ministérios e instituições públicas que promovam a sobrevivência dos assentamentos: crédito subsidiado para lavouras e para a construção de moradias, estradas, armazéns, 40 GASQUES, José Garcia e CONCEIÇÃO, Junia Cristina. A demanda de terra para a reforma agrária no Brasil. Disponível no site hpg//gipaf.cnptia.embrapa.br/itens/publ/sober/trab174.pdf, acessado em 22 de março de 2003. 41 Maiores informações no site www.incra.gov.br 77 escolas, postos de saúde, alimentação das famílias, criação de cooperativas, entre outras. Em outras palavras, o grande desafio da Reforma Agrária está em garantir a viabilidade do assentamento.(site do Pronera) O objetivo geral do Pronera é fortalecer a educação nos Projetos de Assentamento de Reforma Agrária, estimulando, propondo, criando, desenvolvendo e coordenando projetos educacionais, utilizando metodologias voltadas para a especificidade do campo, tendo em vista contribuir para o Desenvolvimento Rural Sustentável. Seus objetivos específicos são: alfabetizar e oferecer formação e educação fundamental a jovens e adultos nos projetos de assentamento; - desenvolver a escolarização e formação de monitores para atuar na promoção da educação nos assentamentos; - oferecer formação continuada e escolarização média e superior aos educadores de jovens e adultos – EJA – e do ensino fundamental nos assentamentos; - oferecer escolarização e formação técnico-profissional aos assentados com ênfase em áreas do conhecimento que contribuam para o Desenvolvimento Rural Sustentável; - produzir materiais didático-pedagógicos necessários à consecução dos objetivos do Programa. Os beneficiários diretos do PRONERA são jovens e adultos, moradores de Projetos de Assentamento, anafalbetos e/ou com escolarização fundamental incompleta; monitores e educadores do ensino fundamental que atuam nos projetos, coordenadores locais e alunos universitários. Os beneficiários indiretos são, além das comunidades assentadas, as comunidades adjacentes. 78 Os princípios técnico-metodológicos do Pronera são: - Caráter Interativo: as ações são desenvolvidas por meio de parcerias entre os órgãos governamentais, Instituições de Ensino Superior, movimentos sociais e sindicais e as comunidades assentadas, no intuito de estabelecer uma interação permanente entre esses atores sociais, pela via da escolarização continuada; - Caráter Multiplicador: a educação dos assentados visa a ampliação não só do número de alfabetizados mas também do número de monitores e de agentes educadores/mobilizadores nos Projetos de Assentamento de Reforma Agrária; - Caráter Participativo: a indicação das necessidades a serem atendidas é feita pela comunidade beneficiária, que deverá estar envolvida em todas as fases – elaboração, execução e avaliação – dos projetos. A principal ação do Pronera é a EJA (Educação de Jovens e Adultos). A EJA tem por base a educação popular. Os princípios norteadores dessa prática são: - Princípio do eixo norteador / eixo temático / palavras chaves: o saber se organiza a partir das situações-problema, temas e palavras-chaves fundamentadas na história e prática corrente da comunidade e dos indivíduos que a compõem; - Princípio da integração: as atividades educacionais devem adequar-se às necessidades identificadas nos assentamentos, considerando inclusive a participação das mulheres assentadas; - Princípio da interdisciplinalidade: os conteúdos são desenvolvidos a partir das relações entre as diversas áreas do conhecimento; - Princípio da participação ativa do aluno: a aprendizagem/ensino é construída pelos sujeitos envolvidos no processo. dinâmica da 79 Para que esses princípios sejam atendidos, deve-se fazer uso de instrumentos didático-pedagógicos básicos da educação popular. Assim, a proposta do Pronera para a Educação de Jovens e Adultos corresponde a três etapas: investigação de temas geradores, eixos temáticos ou palavras-chaves; codificação/decodificação dos problemas levantados, contextualizando-os criticamente; e a ação concreta visando a superação de situações limites. O processo de alfabetização do PRONERA tem duração de 12 meses, com 400 horas presenciais. Possui o objetivo de criar condições para que a cidadania possa ser exercida em sua plenitude. No Estado do Acre, o Pronera teve início em janeiro de 2000, a partir de uma parceria entre o INCRA e a Universidade Federal do Acre. O programa seria destinado a oito assentamentos no Acre, o quais são Colibri, Boa Água, Alcobrás, Moreno Maia, Remanso, Triunfo, Caquetá e Cumaru. O Pronera contou com parceria do MOVA (Movimento de Alfabetização), que já atuava com alfabetização de adultos em muitas comunidades, FETACRE (Federação dos Trabalhadores em Agricultura do Acre), sindicatos, CNS (Conselho Nacional dos Seringueiros) e ONGs que já realizavam ações nos assentamentos. Na primeira fase do Pronera no Acre, foram cadastrados 90 monitores (professores oriundos dos assentamentos), 1.800 alunos, 30 estagiários (alunos universitários) e montadas 90 salas de aula. 80 Segundo relatórios semestrais elaborados pela coordenação do Pronera, houve algumas dificuldades na implantação e operacionalização do programa e nem todos os princípios e metas do programa puderam ser cumpridos42. Inicialmente, o Pronera foi coordenado por uma equipe de professores da UFAC, oriunda de diversos departamentos, como Letras, Educação, Geografia, História e outros. Estes construíram um plano de ação para a execução do Pronera. O primeiro problema foi o corte de recursos para remuneração dos professores da UFAC, o que levou ao desligamento de todos estes do programa. O Pronera começou suas atividades no mês de janeiro de 2000. No Estado do Acre esta época é marcada por fortes chuvas, muitos ramais fecham e as estradas ficam quase intrafegáveis. Neste período, é comum interromperem as aulas nas áreas rurais, devido à baixa freqüência dos alunos43. No Projeto de Assentamento Colibri foram cadastradas 80 pessoas, e na primeira semana de aula quase metade havia desistido. Devido à baixa densidade demográfica, cada turma do Pronera abrangia uma cobertura espacial muito grande, com conglomerados populacionais ligados por picadas abertas na mata, que implicava em exaustivas caminhadas até a sala de aula. No Assentamento Colibri, quatro turmas foram montadas: duas funcionaram na Escola José Pedrosa de Carvalho, localizada no centro de integração do Colibri, e outras duas turmas funcionaram na Escola Santa Lúcia, próxima aos ribeirinhos. 42 Para maiores informações ver Relatórios de Atividades do Pronera/AC, do Projeto Ações Integradas para Educação de Jovens e Adultos nos Assentamentos de Reforma Agrária no Estado do Acre, jan/jun 2001, jul/nov 2001, dez/mar 2002, abril/dez 2002, convênio INCRA/FUNDAPE/UFAC – PRONERA. 43 No Acre, as chuvas tem início em novembro e se estendem até março. As aulas são repostas nos meses de estiagem das chuvas, o chamado “verão amazônico”, entre abril a outubro. Esta adequação está prevista na LDB n° 9394/96, Art. 28. 81 A proposta pedagógica seria voltada para os interesses da comunidade, como temática do uso da terra como condição para uma produção autônoma, com relativa fartura e dignidade da família como um todo. O projeto propunha o aproveitamento de pessoas da própria comunidade como professores do programa. No entanto, devido à baixa escolaridade da maioria dos selecionados, a Coordenação do Pronera promoveu um sistema de educação continuada, em que eram revisados aos professores conteúdos básicos de Matemática, Ciências, Português, e outros conteúdos obrigatórios no currículo. Na UFAC foram criadas salas de ensino supletivo de Ensino Fundamental para os monitores que ainda não haviam atingido este grau de escolaridade. No Assentamento Colibri, foram selecionadas pessoas que haviam concluído o Telecurso 2000 de Ensino Fundamental para lecionarem nas turmas de alfabetização. Na segunda fase do Programa foi colocada como meta principal contornar os problemas da primeira fase. Houve uma reestruturação da equipe, diminuição do número de monitores, capacitação dos estagiários e maior acompanhamento do trabalho pedagógico. Quanto aos alunos, constatou-se que um dos maiores problemas da comunidade era a pouca visão, a maior parte dos alunos estava em idade avançada. Assim, providenciou-se consultas oftalmológicas para os alunos, através de parceria com a Secretaria de Saúde, e o Incra providenciou a compra de óculos para os mesmos. Na terceira fase do Pronera (dez/2001 a mar/2002) novas metas foram estabelecidas, como a implantação da primeira fase do Ensino Fundamental (1ª a 4ª série) nos assentamentos e montagem de instrumentos de avaliação de desempenho dos alunos, monitores, estagiários e equipe de coordenação. 82 Com a descontinuidade do Telecurso 2000 no Projeto de Assentamento Colibri, por questões políticas, o Pronera montou uma turma com o 2° ciclo do Ensino Fundamental, onde foram resgatados os alunos que estavam sem estudar por falta de ensino neste nível. O Pronera ainda está em andamento e sua proposta ainda está em construção. Os resultados apresentados são parciais e, gradativamente, os problemas estão sendo assumidos pelo grupo e superados. 4.2 O TELECURSO 2000 O Telecurso 2000 é um programa criado pela Fundação Roberto Marinho, em 1995. Nesta época, ainda estava em vigor a LDB nº 5692/71, que normalizava o ensino de 1° e 2° graus e o profissionalizante. Assim, a proposta pedagógica do Telecurso 2000 incidia sobre os conteúdos básicos desses graus de ensino. Com a nova LDB n° 9394/96, o Telecurso 2000 se adequou às novas exigências para o Ensino Fundamental e Médio (que substituíram a estrutura e a nomenclatura dos 1° e 2° graus). O Telecurso 2000 pode ser desenvolvido através da aprendizagem individual (solitária, isto é, quando a pessoa aprende sozinha, por esforço próprio); e/ou aprendizagem em grupo (grupal, isto é, quando algumas pessoas se organizam em um determinado espaço, tendo orientações de um instrutor). A proposta pedagógica do Telecurso 2000, além de desenvolver o ensino-aprendizagem dos conhecimentos básicos, busca expor o aprendiz à situações de 83 vida que lhe permitam construir e solidificar atitudes de cidadania indispensáveis ao desenvolvimento individual da sociedade.44 Os princípios norteadores do currículo do Telecurso 2000 são: educação para o trabalho, ensino contextualizado, aprendizagem de habilidades básicas e construção da cidadania. Educação para o trabalho – A produtividade do trabalhador não é mais avaliada pela sua maestria numa determinada tarefa, mas pela sua habilidade de aprender, de transferir/aplicar o aprendido, num contexto de aprendizagem contínua. Novas competências são exigidas do trabalhador, tais como a capacidade de relacionar, integrar conhecimento e trabalho. Assim, o Telecurso 2000 é destinado a jovens e adultos que, pelas razões mais variadas, se inseriram no mercado (formal ou informal) de trabalho.Para esses, o Telecurso 2000 busca promover uma educação básica que possibilite uma melhoria das condições individuais de vida e trabalho e, conseqüentemente, da produção nacional. Educar para o trabalho envolve, entre outros aspectos, a produtividade nas diferentes áreas da economia, como elevação da produtividade, diminuição do desperdício e das taxas de acidentes de trabalho, e melhora da qualidade de vida do trabalhador. Ensino contextualizado – É no local de trabalho que se pode conjugar aprendizagem e transferência do que foi aprendido (relação teoria-prática). Num contexto em que as competências do indivíduo são evidenciadas/avaliadas através de seu desempenho, em que a natureza do trabalho vem se tornando cada vez mais conceitual e abstrata, há a necessidade de romper a distância entre educação na escola e educação no trabalho. Assim, o local de trabalho torna-se, portanto, um lugar 44 Informações extraídas da Síntese das Propostas Pedagógicas do Telecurso 2000, da Fundação Roberto Marinho e FIESP/SIESP/SESI/SENAI/IRS, 1995. 84 privilegiado para o ensino de habilidades básicas, permitindo uma integração mais próxima entre o saber e o fazer. Aprendizagem de habilidades básicas - As habilidades consideradas básicas para a vida em sociedade variam conforme o tempo e o espaço. O programa Telecurso 2000 considera como competências básicas para a atual sociedade “pósindustrial” ler, escrever, saber matemática e aritmética, falar e ouvir com atenção. Nessa formação são necessárias as competências cognitivas, que são as habilidades para aprender, para pensar criticamente, para tomar decisão e para resolver problemas; e o desenvolvimento de qualidades pessoais que se projetam para a responsabilidade individual, auto-regulação, sociabilidade, integridade de caráter e auto-estima positiva. Construção da cidadania – A formação profissional seria vinculada à construção da cidadania. Assim, o programa educacional deve propiciar ao cidadão condições para que exerça funções políticas, produtivas e culturais. As atitudes exploradas nesse programa são: a) valorização da escola, da criança, do bem público, da honestidade, da pontualidade, do hábito de ler e escrever; b) respeito ao idoso, às religiões, ao próximo, aos espaços públicos, às diferenças individuais, a horários, a direitos, ao patrimônio histórico; c) combate ao desperdício (de energia, de alimentos, dinheiro, recursos), à fome, à violência, às desigualdades sociais; d) compromisso com a educação, com os direitos e deveres do cidadão/trabalhador; e) cultivo das raízes culturais, dos processos democráticos de autodeterminação política e cultural e de organização comunitária. A metodologia para o programa Telecurso 2000 foi construída a partir desses quatro princípios básicos: educação para o trabalho, ensino contextualizado, aprendizagem de habilidades básicas e construção da cidadania. 85 A proposta pedagogia do Programa Telecurso 2000 segue a linha cognitivista e construtivista. A teoria cognitivista, cujo principal teórica é Jean Piaget, aborda o desenvolvimento mental do ser humano no campo do pensamento, da linguagem e da afetividade. O desenvolvimento cognitivo se realiza em estágios. Nestes, a natureza e as características da inteligência mudam com o tempo. O desenvolvimento cognitivo ocorre a partir de quatro conceitos básicos: a) Esquemas – São estruturas com que os indivíduos intelectualmente se adaptam e organizam o ambiente; b) Assimilação – É o processo cognitivo de colocar novos objetos em esquemas já existentes; c) Acomodação – Envolve a modificação dos esquemas para corresponderem aos objetos da realidade; d) Equilíbrio – É um processo ativo pelo qual uma pessoa reage a distúrbios ocorridos em sua maneira comum de pensar, através de um sistema de compensações, que resulta em equilíbrio. Este processo não ocorre só na infância, mas acompanham toda a vida do indivíduo. Para Piaget, esta teoria é uma importante fonte de análise na escola. A escola precisa reconhecer a evolução mental do indivíduo, considerando os interesses e necessidades de cada período. Os métodos desempenham um papel decisivo no desenvolvimento do espírito. Podem aumentar o rendimento dos alunos e mesmo acelerar seu crescimento espiritual, sem prejudicar sua solidez. (PIAGET, 1962, p.177). A segunda base teórica do Programa Telecurso 2000 é o Construtivismo. O Construtivismo é resultado da busca pela compreensão de como o indivíduo constrói o conhecimento e das mudanças qualitativas no desenvolvimento intelectual. O Construtivismo teve como teóricos Jean Piaget, Emília Ferreiro, Ana Teberosky, 86 Vigostsky e outros. Para Piaget (1986) todo ser vivo se adapta ao ambiente e é organizado de um modo que possibilita a adaptação. A mente e o corpo não funcionam independentemente um do outro e a atividade mental se submete às mesmas leis que, em geral, governam a atividade biológica. A inteligência está ligada à Biologia no sentido em que herdamos estruturas anatômicas, bem como o modo de funcionamento mental. Sobre esta base biológica, o homem constrói o conhecimento. Em 1999, com o projeto de energia em andamento, buscou-se apoio do Sesi para implantação do Telecurso 2000 no Projeto de Assentamento Colibri. Até então, neste lugar, havia apenas uma pequena escola, há seis quilômetros dali, que atendia de 1ª a 4ª série do Ensino Fundamental, com uma sala multisseriada, a Escola Santa Lúcia. A implantação de uma tele-sala na comunidade foi viável devido à instalação de placas solares, que possibilitava o uso da TV e vídeo cassete para as teleaulas. Com a implantação da primeira turma, o SESI ofereceu aos professores que atuariam na tele-sala um Curso de Capacitação de Multiplicadores. A aula inaugural foi um evento memorável para a comunidade. Técnicos do SESI fizeram uma avaliação de desempenho da turma, que serviria como diagnóstico para a ação pedagógica. No início do primeiro módulo, as três primeiras avaliações de aprendizagem foram realizadas pela equipe da UFAC, sendo estas, gradativamente, deixadas a critério dos professores locais. O acompanhamento pedagógico foi feito pelo próprio SESI, através de uma equipe técnica. O SESI forneceu à tele-sala implantada, vídeos e material didático de apoio. As aulas foram enumeradas e acompanhadas através de uma ficha de avaliação, que era examinada pela equipe técnica. 87 Há cada dez aulas, o professor fazia uma avaliação de aprendizagem. Se a disciplina tivesse duração de 90 horas, o professor deveria fazer nove provas, cujas notas seriam somadas e divididas pela quantidade de provas e se extraia a média final. Ao iniciar o módulo, o professor recebia do SESI o conteúdo programático. A partir do conteúdo, este elaborava suas aulas, apresentava vídeos do TC 2000 e fazia avaliações. Enquanto atuava no Assentamento Colibri, o SESI utilizava fichas de acompanhamento do aluno, que davam conta apenas do ponto de vista do ensino. No entanto, eram providenciados mensalmente encontros pedagógicos, onde os professores tinham a oportunidade de discutir seus problemas, tirar dúvidas e receber sugestões. O SESI, através da Coordenação de Educação do Trabalhador, em parceria com a UFAC, SEMEC e SENAR, desenvolveu atividades no Projeto de Assentamento Colibri por três anos. Sua primeira meta era formar uma turma de jovens e adultos trabalhadores rurais com o Ensino Fundamental. A partir do sucesso da primeira turma, com excelentes índices de rendimento (dos 23 alunos matriculados, 22 concluíram o curso), uma outra turma foi criada, abrangendo inclusive alunos mais jovens com baixa defasagem de idade em relação asérie (não havia o segundo ciclo do Ensino Fundamental ali). No entanto, após 18 meses, essa segunda turma foi descontinuada por falta de entendimento entre as secretarias de Educação estadual e municipal na liberação de recursos para este fim. Até o momento da produção dessa dissertação, as aulas do Telecurso 2000 ainda não haviam sido retomadas no Projeto de Assentamento Colibri. 88 4.3 PR0JETO DE ENERGIA SOLAR E BIOGIGESTÃO O projeto de energia solar e biodigestão, denominado Projeto de instalação de uma unidade de demonstração com energia solar e biodigestão na Associação de Produtores Rurais do Projeto de Assentamento Colibri, no município de Rio Branco, executado pela Universidade Federal do Acre, através da Pró-Reitoria de Pesquisa e Pós-Graduação, teve seu início em 1997, com a liberação da primeira parcela de recursos financiados pelo PTU/CNPq e Prodeem/MME, sendo que a execução física iniciou-se em 1998 e foi concluída em dezembro de 200045. Em 1997, o Estado do Acre encontrava-se entre os Estados Brasileiros que apresentam um dos menores índices de eletrificação rural, inferior a 5%. Aspectos geográficos referentes a extensão territorial e a pouca densidade demográfica representaram obstáculos para o suprimento de energia elétrica. As poucas perspectivas em relação aos benefícios sociais que podem ser alcançados com a energia elétrica vêm contribuindo para a migração de famílias e jovens de comunidades isoladas para as periferias urbanas. Assim, visando suprir a carência social e econômica de uma comunidade, como um projeto-piloto, o Projeto de Energia e Biodigestão46 foi desenvolvido numa comunidade em fase de mudanças, o Assentamento Colibri. A execução do projeto contou com a participação de profissionais dos Departamentos de Ciências da Natureza (DCN), Engenharia Civil (DEC), Superintendência do Campus e outros profissionais das instituições e entidades parceiras. 45 Informações extraídas do Relatório Técnico Científico Final do Projeto de Instalação de Uma Unidade de Demonstração com Energia Solar e Biodigestão em uma Associação de Produtores Rurais no Município de rio Branco, UFAC/CNPq, março de 2002. 46 O processo de biodigestão ocorre com o uso de um equipamento (biodigestor) onde se realiza, controladamente, a fermentação anaeróbica de biomassa, a fim de obter biogás. 89 Para implementação do projeto foi necessário estruturar o laboratório de energia solar do Campus da UFAC e também desmembrar, com o apoio da Associação de Produtores Rurais, uma área de terra com 2.500 m², para abrigar as instalações físicas que foram construídas com os recursos alocados pelo CNPq e pelas entidades parceiras. O objetivo primário do projeto era a instalação de uma unidade de demonstração como fonte alternativa de energia, contemplando a utilização de energia solar e biodigestão. Concomitante com a instalação desses instrumentos seriam desenvolvidas ações integradas nas áreas de ensino, saúde e produção, visando o fortalecimento do associativismo na zona rural. A partir desse projeto, seria possível acontecer trabalhos de pesquisa e extensão na área de abrangência do projeto. O projeto tinha como metas a instalação de painéis fotovoltaicos, construção de um biodigestor, construção de uma microcozinha industrial, instalação de secadores solares para grãos e desidratação de frutos e estruturação de um laboratório de energia solar. As metas alcançadas foram: - Um sistema fotovoltaico (900W) que atende o suprimento de energia da escola com iluminação e funcionamento do Telecurso 2000 (TV e vídeo). Isto favoreceu a programas de alfabetização em horário noturno e a programas educativos com auxílio de tecnologia (foto 2); - Um sistema fotovoltaico (1800W) que atende o sistema de bombeamento de água, a cozinha industrial e um freezer para conservação dos alimentos; - Instalação física de um biodigestor, projetado para operar com esterco bovino, com capacidade para armazenar 8m³ de biogás e 30m³ de biofertilizante. Fez-se 90 também a capacitação dos trabalhadores rurais para operacionalização desses instrumentos (foto 3); A construção da cozinha industrial foi equipada para atender a produção industrial em pequena escala de leite, frutas e outros produtos agrícolas da comunidade. Em parceria com o SENAR, a comunidade foi atendida com cursos de fabricação de queijo, doces, compotas e outros para utilização dessa cozinha; - Foi construída uma revenda (18 m²) para apoiar a comercialização dos produtos oriundos da cozinha industrial. Os trabalhadores rurais tiveram cursos de empreendedorismo e negócios, para estimular a comercialização dos produtos; - Foi construída uma unidade de beneficiamento da mandioca (144 m²) para a produção da farinha de mandioca, a goma e o caldo do tucupi. Boa parte dos trabalhadores da região plantava mandioca e perdia sua colheita por não conseguir escoar sua produção. Com a “casa de farinha” (como é chamada essa instalação na região), foi agregado ao seu produto maior valor econômico. Para melhor aproveitamento dessa instalação, a Emater levou cursos de industrialização da mandioca e cooperativismo. Assim, os produtores puderam trabalhar em regime de parceria; - Foi construída uma unidade de beneficiamento do arroz (15m²), também acompanhado de capacitação dos assentados rurais; - Através de parceria com a Secretaria Municipal de Educação (SEMEC) foi possível construir a Escola Municipal Sebastião Pedrosa de Carvalho em madeira (160m²), com capacidade para tender 80 alunos por turno. A escola foi construída próxima aos outros aparelhos sociais, na parte central do assentamento. Essa escola não apenas atende aos alunos da comunidade, como se tornou o espaço para reuniões da Associação de Produtores Rurais do Colibri e do Grupo de Escoteiros. 91 O Projeto de Energia e Biodigestão teve, como metodologia, todas as atividades desenvolvidas a partir de ações integradas de diversos órgãos, como Universidade Federal do Acre - UFAC, Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária - INCRA, Secretaria Executiva Assistência Técnica e Extensão Rural SEATER, Serviço Social da Indústria - SESI, Serviço Nacional de Aprendizagem Rural - SENAR, Eletronorte, Programa de Desenvolvimento Energético de Estados e Municípios do Ministério de Minas e Energia - Prodeem/MME e Comissão Estadual de Energia. Nesta parceria, o componente Energia atua como elo agregador, sendo o componente Educação o elo de sustentação para as ações de médio e longo prazo. Assim, foi montado um conselho, com representantes de diversos segmentos e da comunidade, para a implementação da tecnologia. Todas as demais ações voltadas para a comunidade tiveram como coordenação a estrutura do centro de integração, evitando assim, ações paralelas. O gerenciamento da unidade de demonstração contou com a participação majoritária dos membros da comunidade e da associação de produtores rurais. A temática energia permeou todas as ações do projeto. Esta foi um fator motivador, tanto na geração de renda como na melhoria da qualidade de vida. A temática educação, tão valorizada quanto a energia no projeto, permitiu a assimilação e consolidação da tecnologia, além da promoção de valores culturais e o exercício da cidadania. Como resultados quantitativos, houve a ampliação da oferta de vagas, elevação da escolaridade na comunidade, formação de grupo de escoteiros e formação de monitores para atuação na alfabetização de adultos (oito ex-alunos do Telecurso 2000, formados na comunidade, passaram a atuar monitores do Pronera), capacitação de adultos através da extensão rural (foram oferecidos 25 cursos as moradores do 92 Assentamento Colibri), fortalecimento do associativismo (cooperativismo, legislação ambiental, crédito rural, mecanização agrícola, entre outros, foram temas de palestras na comunidade) e infra-estrutura na área de colonização (abertura e melhoramento de ramais, construção de barragens e aragem e gradagem de solo). Como resultados qualitativos, houve a elevação da oferta e da qualidade das ações educativas, articulação e integração das ações entre os parceiros, ampliação do nível de cooperação interinstitucional, ampliação do intercâmbio entre os profissionais das instituições parceiras e a comunidade e elevação da consciência da comunidade sobre a importância da preservação ambiental. Graças ao projeto-piloto de Energia, foi possível firmar um Acordo de Cooperação Técnica entre o Programa de Desenvolvimento Energético de Estados e Municípios (PRODEEM/MME) e Eletronorte para instalação de 120 sistemas fotoválticos destinados a escolas rurais e postos de saúde nos municípios acreanos. Apesar do Projeto de Energia ter sido concluído em 2000, as ações iniciadas com o projeto ainda continuam. A UFAC, através do Laboratório de Energia, continua fazendo a manutenção dos aparelhos construídos na comunidade e auxiliando a Associação de Produtores Rurais quando solicitados47. 47 Duarte, A. F. e Santos, F. E. A. Implementação do uso de fontes alternativas de energia em comunidades rurais do Estado do Acre, Anais do VIII Congresso Brasileiro de Energia (CBE), Dezembro de 1999, pp. 1431 a 1438. 93 Foto: 03 Placas de Energia Solar Foto: 02 Fonte: arquivo pessoal Biodigestor Fonte: arquivo pessoal 3.4 PROJETO LUMIAR O projeto Lumiar foi desenvolvido pela Coopeagro (Cooperativa de Assistência Técnica, Extensão Rural e Consultoria Agropecuária Ltda.) em 1999. A Cooperagro fez um levantamento das potencialidades e limitações do Assentamento Colibri. Após esse levantamento, estabeleceu linhas de ações em diversos setores, como educação, economia, produção, saúde, infra-estrutura, política social e etc48. Quanto à educação, o Projeto Lumiar estabeleceu como prioridade alocação de recursos para construção de uma nova escola e compra de recursos didáticos, construção de áreas destinadas à realização de práticas esportivas, formalização de parcerias, realização de cursos voltados para o associativismo e realização de mutirões. 48 Informações adicionais podem ser encontradas no documento Diagnóstico da Realidade Atual do Projeto de AssentamentoColibri. Cooperagro, Rio Branco, janeiro de 1999. 94 3.5 OS PROGRAMAS E A COMUNIDADE Em todas as ações dos programas, a educação foi considerada fator fundamental para a incorporação das mudanças propostas e o uso de tecnologias no trabalho rural. Além da orientação dos técnicos quanto ao cultivo, construção de instalações adequadas, melhoria da qualidade dos produtos, o Projeto Lumiar realizou cursos sobre fruticultura, ampliação de viveiro de mudas, realização o controle fotossanitário, monitoramento de praga e análise e correção do solo. A partir do Projeto Lumiar foi possível diagnosticar as potencialidades econômicas da comunidade do Projeto de Assentamento Colibri e, a partir da integração com outros projetos, a comunidade pode ser beneficiada. Os programas citados nesse capítulo não foram os únicos desenvolvidos no Projeto de Assentamento Colibri. Outros programas também foram atuantes, tais como o MOVA (Movimento de Alfabetização de Jovens e Adultos), SESI Educa e SENAR (Serviço Nacional de aprendizagem rural). No entanto, estes não estavam em funcionamento no momento da pesquisa. Os programas investigados, independentes de suas especificidades e concepções político-pedagógicas, foram significativos na sua contribuição pela valorização e o resgate da cidadania do homem do campo. O Pronera tem como pressuposto teórico a Pedagogia Libertadora. No entanto, o programa não previu em seu cronograma um levantamento das necessidades e interesses da comunidade, isto é, um conhecimento da realidade em seus múltiplos aspectos econômico, cultural e social, bem como dimensionamento da demanda efetiva de serviços oferecidos e das condições de viabilizar a propostas. O programa não previa 95 tempo para formulação de material pedagógico e consolidação das parcerias. Às pressas, o material didático foi construído no interior da Universidade Federal do Acre (UFAC) e não foi bem aceito pelos alunos dos assentamentos. Posteriormente, o material didático sofreu alterações e foi mais bem aceito. O Telecurso 2000 foi o programa educacional mais elogiado pela comunidade, muito embora tenha havido algumas críticas ao seu funcionamento. O Telecurso 2000 levou a perspectiva de maiores graus de escolaridade na comunidade. Até antes da sua implantação, os alunos estudavam até a 4ª série do Ensino Fundamental e muitos vinham para a cidade continuar seus estudos ou paravam de estudar. Assim, com este programa, os produtores puderam manter seus filhos consigo no assentamento e proporcionar uma educação que, em sua maioria, não tiveram na juventude. 96 CAPÍTULO V ANÁLISE E INTERPRETAÇÃO DOS DADOS Antes da estruturação dos roteiros de entrevista, foram feitas várias incursões na comunidade para participação de reuniões com os moradores, conversas informais e observação das ações dos projetos para seleção das perguntas relevantes que levariam às respostas das questões levantadas na pesquisa. Foi construído um primeiro roteiro de entrevista que, após aplicação, verificou-se a necessidade de modificações. Em seguida, para a pesquisa de campo foram elaborados dois roteiros de entrevista: um destinado aos técnicos, coordenadores e instrutores dos programas implantados no Projeto de Assentamento Colibri; e o outro roteiro de entrevista foi aplicado aos moradores da comunidade assistidos por esses programas. Algumas questões foram genéricas tendo em vista as peculiaridades dos diferentes programas e das condições de atendimento e operacionalização na comunidade. O foco dos roteiros de entrevista foi na definição do perfil dos entrevistados, no envolvimento destes com a comunidade, na percepção dos entrevistados em relação aos programas e no aproveitamento dos conhecimentos aprendidos. O roteiro de entrevista dirigido aos professores do Pronera foi aplicado durante um curso de capacitação que ocorreu no mês de dezembro de 2002. Antes da entrevista, fez-se uma reunião com esses professores, onde foram informados quanto ao objetivo da pesquisa e, a seguir, foram entrevistados. As demais entrevistas foram dirigidas aos técnicos dos Programas Telecurso 2000, Lumiar e de Energia nas sedes de operação, sendo respectivamente no SESI, Cooperagro e UFAC, em horário combinado para as entrevistas. 97 Basicamente, nas respostas dos roteiros de entrevistas aplicados aos técnicos e professores dos programas educacionais implementados no Assentamento Colibri, fez-se dois tipos de tabulações: tabulação simples e tabulação com respostas múltiplas. A amostra foi de 13 entrevistados. Quanto ao segundo roteiro de entrevista, destinado à comunidade atendida pelos programas, houve dificuldades na sua aplicação. No mês de dezembro, os programas educacionais entraram em recesso e isso representou uma dificuldade na localização desses alunos. Mesmo assim, fez-se um esforço de encontrá-los em suas propriedades rurais, e isso demandou mais tempo do que o previsto. Outra dificuldade na entrevista com os alunos foi a estação chuvosa. No mês de dezembro é período chuvoso, o que dificulta o acesso aos moradores do Assentamento Colibri. Em dias de chuva, alguns trechos do Ramal do Limoeiro49 ficam totalmente interditados. Há ainda o fato de que muitos vão para a cidade até que passem as chuvas e as atividades do assentamento recomecem, como o plantio, a colheita, a produção de farinha, o escoamento da produção, entre outras. Assim, foram necessárias oito visitas à comunidade, percorrendo longos trechos a pé em ramais, para as entrevistas. A amostra foi de 34 entrevistados. 5.1. Apresentação e Análise de Dados – Roteiro de Entrevista 1 5.1.1. Perfil dos sujeitos de pesquisa. Segundo dados coletados, a maioria dos entrevistados é composta por mulheres, cerca de 10 dos 13 entrevistados. Este fenômeno é comum no Brasil, onde há predominância de mulheres nas séries iniciais do Ensino Fundamental. Segundo Kurek (2000), quando a mulher conquistou o direito à educação, em 1827, foi vedado a elas o 49 Ramal é um termo regional que indica estrada de chão que dá acesso a propriedades rurais. 98 ensino superior, com exceção das escolas normais. A feminização da educação aconteceu a partir do momento em que os homens abandonaram o magistério em busca de novas oportunidades de trabalho surgidas com a industrialização e urbanização, restando às mulheres assumirem o magistério. A faixa etária da maioria dos entrevistados, sete dos 13, está entre 20 e 30 anos. Esse dado pode ser explicado pelo fato de o Pronera atuar com um quadro de acadêmicos de diversas Licenciaturas, além de jovens com maior instrução indicados pela própria comunidade para atuarem em salas de alfabetização. Os demais entrevistados encontram-se nas faixas etárias entre 30 a 40 anos (cinco entrevistados) e 40 e 50 anos (um entrevistado). Quase metade dos entrevistados reside na comunidade (46%). Os demais viviam na cidade de Rio Branco, e se deslocavam para a comunidade para atuarem nos projetos (54%). A presença de moradores da comunidade entre professores e técnicos se dá pelo fato de que alguns programas tinham como meta a participação da comunidade na sua implementação. O Pronera recrutou moradores da comunidade com maior instrução e os capacitou para atuar no programa e o Telecurso 2000 aproveitou alguns professores que lecionavam nas séries iniciais da escola Sebastião Pedrosa de Carvalho para assumir a tele-sala implantada ali. Dos seis que vivem na comunidade, dois terços, isto é, quatro professores recebem apoio financeiro para a produção. Isto indica que, além de participarem dos programas como professores, estes são produtores rurais ativos. Quanto à formação, quatro entrevistados possuem o Ensino Fundamental, cinco possuem o Ensino Médio (neste grupo se incluem acadêmicos da UFAC e os com Magistério), e quatro possuem Ensino Superior. A existência de 99 professores atuando apenas com o Ensino Fundamental se deu pelo fato de o Pronera ter adotado como requisito mínimo a escolaridade a Nível Fundamental para professores alfabetizadores. Alguns destes professores foram ex-alunos do Telecurso 2000 da primeira turma implantada na comunidade pelo SESI. É importante ressaltar que esse número não é simular à média do Estado do Acre que, nos últimos cinco anos, tem adotado uma política de formação de professores através de programas como o Proformação, para formação de professores no o Magistério, e ProSaber, para a formação de professores com o Curso de Pedagogia e outras licenciaturas. 5.1.2. Atuação dos entrevistados na comunidade Dos 13 entrevistados, nove atuaram como professores ou instrutores e quatro como coordenadores. Do total, oito professores tinham alguma ligação com a Associação de Produtores Rurais do Assentamento Colibri, alguns como liderança, outros como membros ou colaboradores. A pesquisa aponta ainda a participação desses profissionais em outras instancias sociais da comunidade, como as igrejas locais, cooperativa e grupo de escoteiros50. No Assentamento Colibri existem apenas duas igrejas: a Igreja Assembléia de Deus, localizada no centro da comunidade, e a Igreja Católica. Segundo relatório do INCRA (2002), há a predominância de evangélicos no assentamento (60%). 50 O Grupo de Escoteiros foi atuante no ano de 2000, com a presença de adolescentes na escola Sebastião Pedrosa de Carvalho. Além de atividades lúdicas, foram trabalhados princípios de moral, respeito mútuo e outros valores sociais. 100 5.1.3. A prática educacional dos entrevistados Os dados apontam que sete entrevistados participavam pela primeira vez na educação em comunidades rurais, quatro dos entrevistados haviam tido experiências curtas de até um ano e três tinham mais de ano de experiência. 5.1.4. Motivos que levaram a participar do programa Dos 13 entrevistados, nove afirmaram que foram movidos pela vontade de ajudar a comunidade e ver a comunidade crescer. As demais respostas (questão aberta) tiveram certa similaridade: dois entrevistados afirmaram se identificar com o programa, três participaram do projeto por haver necessidades de professores no assentamento e um foi indicado pela comunidade e quis corresponder a confiança depositada nele. Assim, percebe-se nas respostas um espírito de solidariedade e compromisso com a educação da comunidade investigada. 5.1.5. Metas dos programas (questão aberta). As respostas foram variadas: três afirmaram que a meta principal do programa seria a melhoria da qualidade de vida, três afirmaram que seria a conclusão de uma turma de Ensino Fundamental, três apontaram a elevação da escolaridade como meta, dois afirmaram que seria a erradicação do analfabetismo entre os agricultores do assentamento e dois não souberam responder. As respostas foram variadas tendo em vista a diversidade e a natureza dos programas investigados. 101 5.1.6 Diretrizes metodológicas do programa (questão aberta). Esta foi a questão mais polêmica, pois muitos não tinham formação pedagógica e nem mesmo experiências com programas educacionais. As respostas foram confusas e contraditórias, no que se refere a temas como planejamento, técnicas de ensino, utilização de recursos e avaliação da aprendizagem. Isto revelou uma fragilidade na execução da proposta oficial dos programas. Muitos desconheciam a propostas do programas, mesmo estando a serviço deste. As respostas à questão seguinte, que se refere às contribuições que os entrevistados fizeram ao programa, indicaram que 85% dos entrevistados fizeram modificações no programa. Quando questionados quanto a essas contribuições, as respostas foram variadas, tais como utilização de outras técnicas de ensino, de conhecimentos e recursos locais, acréscimo de mais informações (os universitários afirmaram utilizar conhecimentos adquiridos na academia), construção de recursos didáticos e conhecimento prático. 5.1.7. Fatores favoráveis à implantação dos programas (questão de múltipla escolha) A opção mais indicada como favorável à implantação do programas foi a organização da comunidade (11 respostas). As demais respostas foram a existência de outros programas na comunidade (07 respostas), a agregação do projeto à atividade econômica (05 respostas), o apoio estatal (01 resposta) e a existência de infra-estrutura (01 resposta). Os 13 entrevistados emitiram 20 resposta, com uma média de 1,5 resposta por entrevistado. As respostas mais indicadas têm uma relação intrínseca. A 102 comunidade foi receptiva a novos programas devido a existência de programas que satisfizeram suas expectativas com relação à produção e melhor economia. Esses projetos impulsionaram a uma conscientização pela necessidade da educação como forma de melhoria de vida e retorno econômico. A educação, para esta comunidade, teve um sentido emancipatório, o que motivou a ansiarem por uma educação de qualidade e acessível a estes. 5.1.8. Fatores desfavoráveis à implantação dos programas (questão de múltipla escolha) Os principais obstáculos na implantação dos programas, segundo os entrevistados, foi a resistência da comunidade (06 respostas), a baixa-estima dos alunos (05 respostas), recursos limitados (04 respostas) e despreparo dos professores (03 respostas). Os 13 entrevistados forneceram 18 respostas, numa média de 1,4 resposta por entrevistado. O item mais indicado nesta questão foi a resistência da comunidade. Aparentemente parece contraditório em relação à questão anterior. O fato é que a resistência não foi ao programa, mas ao material didático utilizado. Isto foi especialmente notório no Programa Pronera, cujas apostilas foram desenvolvidas por professores da universidade nas áreas específicas do currículo longe do contexto em que seria utilizado. Com a rejeição inicial, o material didático foi reformulado e os alunos atendidos ficaram satisfeitos. O segundo fator que dificultou a implantação dos projetos, conforme respostas dos entrevistados, foi a baixa-estima. Isto é comum entre pessoas que já por muitos anos se sentem excluídas da sociedade por terem baixa ou nenhuma 103 escolaridade. O sentimento de insegurança e vergonha de sua condição teve de ser trabalhado através de palestras, visitas domiciliares e campanhas, para que percebessem que poderiam resgatar sua cidadania e serem mais autônomos com os com a utilização dos conhecimentos adquiridos. 5.1.9 Impactos dos programas na comunidade (questão de múltipla escolha) Os entrevistados destacaram como principais resultados: a satisfação da comunidade (09 respostas), melhor rendimento escolar (05 respostas), aplicabilidade dos conhecimentos aprendidos no dia-a-dia (04 respostas) e maior facilidade no trabalho pedagógico (04 respostas). Houve 21 respostas, numa média de 1,6 resposta por entrevistado. 5.1.10 Contribuições dos programas no Assentamento Colibri (questão de múltipla escolha) A questão se referia aos setores em que houveram maiores contribuições dos programas. Os setores apontados foram: a qualidade de vida (10 respostas), maior produção (05 respostas), maior sociabilidade dos assentados rurais (04 respostas), e saúde (02 respostas). Foram emitidas 21 respostas pelos 13 entrevistados, numa média de 1,6 resposta por entrevistado. Para uma maior compreensão dessas respostas, foi pedido que dessem exemplos dessas contribuições. As principais respostas foram: o aumento da renda e melhores oportunidades de negócio e trabalho (06 respostas), assinatura do próprio nome (04 respostas), habilidades de cálculos (04 respostas), capacidade de organização 104 social (04 respostas) e de cooperação mútua (03 respostas). Apontaram, ainda, a prevenção de doenças (01 resposta) e a aquisição de documentos (01 resposta). 5.2. Apresentação e Análise de Dados – Roteiro de Entrevista 2 O segundo roteiro de entrevista foi aplicado aos participantes dos programas como alunos. Foram entrevistados 34 alunos que, na maioria, participou de mais de um programa na comunidade. É importante ressaltar que, apesar de a escola Sebastião Pedrosa de Carvalho atender a crianças em idade escolar nas séries iniciais, o público alvo da pesquisa foram adultos que participavam dos programas voltados para a Educação de Jovens e Adultos. 5.2.1. Perfil dos sujeitos de pesquisa. Do total de entrevistados, 59% eram homens e 41% eram mulheres. Este número de mulheres participando dos cursos e dos projetos é bastante significativo, num contexto em que as mulheres se dedicam à criação de filhos e a produção. Não foram entrevistadas crianças. Todos os entrevistados tinha idade acima de 14 anos, idade prevista para a inserção em Programas de Educação de Jovens e Adultos e público alvo dos programas implantados no Assentamento Colibri. A idade dos entrevistados variou entre os até 20 anos (23%), os entre 20 e 30 anos (12%), os entre 30 anos e 50 anos (38%) e os acima de 50 anos (27%). A presença de mais de um quarto da população ser idosa, com idade acima de 50 anos, se deu nos programas de alfabetização do Pronera. A população de entrevistados mais jovens possuía maior escolaridade, sendo atendida em sua maioria pelo Telecurso 2000. 105 Os entrevistados eram oriundos, em sua maioria (71%), dos municípios do Acre, e os demais dos Estados do Amazonas (17,6%) e Ceará (11,4%). A migração de cearenses para o Acre ocorreu em conseqüência dos ciclos de extração da borracha51. Os produtores rurais assentados no Colibri não vieram de acampamentos de MST. Antes de serem assentados, um grande número dos entrevistados já vivia ali por muitos anos como posseiros (44%). Outros haviam sido colonos (20%), seringueiros (17,6%), trabalhadores em fazendas (6%), ribeirinhos (3%) ou moravam na cidade (9%). O tempo de residência dos entrevistados na comunidade variou entre os que viviam até cinco anos (17%), os entre 06 a 10 anos (32%), os entre 11 a 15 anos (23%) e os com mais de 15 anos de residência (29%). Todos os entrevistados já tinham uma vida estável no lugar (antigo Seringal Bagaço) antes de serem assentados pelo INCRA. A atividade predominante dos produtores entrevistados é a agricultura (91%). Muitos desenvolvem outras atividades, mas com menor intensidade, tais como a pesca, a piscicultura e a pecuária. 5.2.2. Participação nas instâncias sociais. Dos 34 entrevistados, 65% são filiados à Associação de Produtores Rurais do Assentamento Colibri, 70% participam das igrejas locais, 35% participam da cooperativa, e 20% do grupo de escoteiros. Apenas dois entrevistados não participavam de nenhuma das instâncias acima mencionadas. A maioria participava de mais de um 51 OLIVEIRA, Luiz Antonio Pinto de. O Sertanejo, o Brabo e o Posseiro (Os cem anos de andanças na população acreana). Belo Horizonte, UFMG, 1982. 106 agrupamento. Houve 68 respostas, numa média de duas respostas por entrevistados. Dos entrevistados, 20% assumiam posição de liderança entre os grupos e os demais eram associados. Para reconhecer o nível de discussão nessas instâncias sociais, os entrevistados foram questionados sobre que assuntos eram pautas nas reuniões dos produtores rurais. As respostas variaram em temas como produção, infra-estrutura do assentamento, financiamento rural, projetos sociais, educação e saúde. Através das respostas, pode-se constatar que a comunidade era bastante politizada e que muitas conquistas da comunidade foram frutos dessa atuação. Freqüentemente, autoridades eram convidadas a visitar o Projeto de Assentamento e a discutir diretamente com os produtores rurais as políticas de atendimento ao homem do campo. 5.2.3. Participação em cursos (promovidos pelos Projetos de Energia e Lumiar) Dos entrevistados, 47% fizeram três ou mais cursos, 18% fizeram um curso, 12% fizeram dois cursos e 23% não fizeram cursos. Os cursos mais freqüentados foram os de produção de farinha, criação de peixes, castração e vacinação de animais, produção de doces e queijos, artesanatos, courismo, embutidos e defumados, enxertia de plantas, produção de biogás e tratorista. 5.2.4. Aproveitamento dos cursos (uso dos conhecimentos) Os entrevistados foram questionados sobre o uso que fizeram dos conhecimentos aprendidos. Do total, 17 afirmaram que conseguiram gerar renda (50%). Outros 14 entrevistados (40%) aproveitaram apenas para uso doméstico e três disseram 107 não ter utilizado esses conhecimentos. Como o Assentamento Colibri é considerado uma “bacia leiteira”, muitos produzem queijos e comercializam na cidade. Na cozinha industrial, muitos produzem doces e armazenam poupa de frutas. Através dos cursos, os produtores passaram a aproveitar melhor dois dos principais produtos cultivados, a banana e a mandioca. Esta última, na produção da farinha, da goma, do caldo utilizado em comidas típicas como tacacá e rabada no tucupi. 5.2.5. Experiências anteriores de aprendizagem Dos 34 entrevistados, 14 estavam estudando pela primeira vez, 03 já tinham participado de turmas de alfabetização de adultos e os demais tinham cursado algumas das séries iniciais do Ensino Fundamental. A maior parte alegou ter interrompido ou nem iniciado os estudos devido a ausência de escolas onde moravam (61%), outros precisaram trabalhar muito cedo (20%), ou outros motivos como casamento, mudança de endereço, proibição dos pais, reprovação ou falta de interesse. Todos os entrevistados apresentaram defasagem de idade em relação a série em que cursavam. 5.2.6. Participação nos programas de educação formal Dos 34 entrevistados, 23 eram pertencentes ao Pronera (68%) e 11 ao Telecurso 2000 (32%). Não foi possível entrevistar mais alunos do Telecurso 2000 devido o programa ter se encerrado e alguns não foram localizados na comunidade. 108 5.2.7. Aspectos facilitadores da aprendizagem Quando indagados sobre o que mais contribuía para facilitar a aprendizagem, as respostas mais freqüentes foram o desempenho do professor (73%) e o interesse pessoal (44%). Outras respostas menos freqüentes foram a qualidade do material didático e o apoio dos colegas. Ao todo, houve 48 respostas, numa média de 1,4 resposta por entrevistado. As atividades que mais gostavam, segundo suas respostas, eram a leitura e a escrita (44%), os cálculos matemáticos, as experiências de ciências, as tele-aulas, atividade artísticas, entre outras. 5.2.8. Aceitação dos programas Segundo dados coletados, os entrevistados sentiram a contribuição do programa na melhoria da qualidade de vida (70%) e na produção agrícola (15%). As demais respostas variaram entre sociabilidade e prevenção de doenças. Para melhor compreensão da resposta, foi pedido que exemplificassem essas contribuições. As principais respostas foram: a facilidade na compra e venda de mercadorias através da habilidade com cálculos, a alfabetização, assinatura do nome, leitura da Bíblia, maior independência e autonomia, melhora na convivência familiar e em grupo, elevação da auto-estima, descoberta do gosto pelo estudo, entre outras respostas. Com os programas, os produtores passaram a ter um relacionamento mais próximo, passaram a trabalhar de forma consorciada e a trocar experiência sobre sua produção em seus lotes. Isto dinamizou o trabalho e aumentou a produção. 109 5.2.8. Sugestões para melhoria dos programas (questão aberta) Foi indagado aos entrevistados sobre que sugestões dariam para tornar os programas mais satisfatórios. As respostas mais freqüentes foram: a continuidade dos programas (29%), participação de professores mais qualificados (18%) e maior participação da comunidade (15%). Outras sugestões foram: os programas acontecerem no período de estiagem de chuvas, aplicação de mais recursos nos programas, maior organização administrativa, fornecimento de óculos (para os alunos com dificuldade na visão), e melhoria do material didático. 5.2.9. Perspectivas de Aprendizagem À exceção de um, os demais entrevistados manifestaram o desejo de continuar estudando, seja para a conclusão do Ensino Fundamental (32%), para a conclusão do Ensino Médio (23%), ou como educação continuada (segundo alguns, até enquanto puderem). Quando indagados sobre os motivos de quererem continuar estudando, 56% estão em busca de mais conhecimentos, 23% buscam melhor emprego ou renda. As demais respostas variaram entre querer cursar uma faculdade, adquirir mais autonomia, gostam de estudar, tentar a vida na cidade e leitura da Bíblia. Avaliando essas respostas, pôde-se perceber claramente que os alunos participantes dos programas implantados no Projeto de Assentamento Colibri interagem com as ações da comunidade, têm uma economia ativa e mostraram-se satisfeitos com os programas. 110 Isto vai de encontro às Diretrizes para Educação de Jovens e Adultos, que propõem uma educação que envolve “o questionamento das relações que engendram a sociedade e a da instrumentalização para exercer a atividade laboral” (GADOTTI & ROMÃO, 2001, p.122). 111 CAPÍTULO VI CONSIDERAÇÕES FINAIS Ao abordar as práticas didáticas e pedagógicas relacionadas aos programas de educação formal e não formal, desenvolvidas no Projeto de Assentamento Colibri, pode-se considerar que é possível e necessária uma educação comprometida com o desenvolvimento das comunidades rurais, que produza resultados positivos no grupo em que se insere. Tais ações possibilitam a todos nelas envolvidos, em diferentes graus, a aprendizagem sobre: os processos de organização social e o mundo do trabalho; o contexto histórico cultural, portanto também político, das práticas sociais de agricultores e ribeirinhos, membros das associações de produtores rurais; a postura crítica diante do conhecimento e das condições sociais de existência e de formação das múltiplas dimensões humanas. Com a pesquisa, pôde-se verificar que os técnicos e professores envolvidos nos programas implantados no Projeto de Assentamento Colibri pertenciam basicamente a três grupos: produtores rurais eleitos pela comunidade para serem alfabetizadores, estudantes de diversas Licenciaturas da UFAC e técnicos ligados às instituições parceiras dos programas. Quase metade dos entrevistados residia na comunidade e a maioria participava da Associação de Produtores Rurais, entidade de maior representatividade na comunidade. Isto significa que, além do programa a que estavam envolvidos, os professores entrevistados se inseriam no cotidiano da comunidade, compartilhando os problemas e buscando soluções conjuntamente. Desta forma, os professores passaram a 112 conhecer intimamente a comunidade a qual atendiam, com suas limitações e potencialidades, e puderam mais habilmente corresponder às suas expectativas. Essa participação ativa no cotidiano da comunidade superou o fato de quase metade dos envolvidos não haver tido experiências anteriores com programas de atendimento ao trabalhador rural. No entanto, pôde-se perceber, nas respostas dos entrevistados, uma fragilidade didática, seja na condução da ação educativa, seja na avaliação da ação e dos resultados obtidos no processo de ensino e aprendizagem. O que ficou notório, tanto nas respostas dos professores como dos alunos, foi um espírito empreendedor e solidário e um otimismo pela educação. Ambos, professores e alunos estavam comprometidos com a educação e isso influiu significativamente nos resultados dos programas. Outro fator constatado na pesquisa foi o estabelecimento de uma relação próxima entre educação e produção; entre conhecimento e qualidade de vida. O primeiro programa implantado foi o Projeto de Energia, que impulsionou a produção e o trabalho cooperativo. Os resultados desse projeto foram percebidos em curto prazo. Isso favoreceu a receptividade a novos programas. Na pesquisa, pôde-se perceber que os alunos entrevistados estavam envolvidos ativamente no cotidiano na comunidade, como igreja e associação, e que haviam participado de diversos cursos promovidos pelo Projeto de Energia e Lumiar. Os cursos permitiram a utilização diversificada dos recursos naturais que os alunos dispunham. O trabalho intensivo dos participantes dos projetos favoreceu a organização da comunidade e melhorou as condições de vida dos assentados. Em geral, o que dificultou um melhor aproveitamento dos programas foi o despreparo dos professores e a baixa auto-estima dos alunos. Segundo a pesquisa, a 113 maioria dos alunos estava com idade acima de 30 anos e era oriunda de seringais e do próprio assentamento como posseiros, onde até pouco tempo não havia escola. Assim, havia na comunidade um índice elevado de analfabetismo. Essas pessoas, ao serem trazidas para a sala de aula, eram tomadas por sentimentos de insegurança, de incapacidade e baixa-estima, devido ao preconceito quanto à educação de adultos. Nesta região, é comum o dito popular “papagaio velho não aprende a falar”. Este dito popular reforça o mito de que o saber é privilégio de uma determinada faixa etária. Assim, foi necessário um trabalho de conscientização da sua condição de explorados e da sua capacidade de superação dessas dificuldades.52 A participação da comunidade e da universidade do Acre (UFAC) na luta em prol da educação resultou na construção de uma unidade escolar, na oferta do Ensino Fundamental para os alunos em idade regular, e implantação de programas de Educação de Jovens e Adultos para atender a demanda de alunos com defasagem de idade em relação a série e os que não tiveram acesso à educação. Para esses últimos, que pela primeira vez tiveram a oportunidade de freqüentar uma escola, a aquisição da leitura e da escrita foi fator fundamental de inclusão social. A participação no “mundo letrado” elevou a auto-estima dos participantes; promoveu a autonomia destes, pois a partir de então não dependeriam de outros para compreender a informações escritas e nem de “uma esponja para marcar com o polegar” onde agora assinam seus nomes; desmistificou a ideologia de que um adulto não pode aprender; e despertou um senso de responsabilidade quanto ao conhecimento aprendido, isto é, houve uma valorização coletiva da educação à medida que foram percebendo os resultados positivos. 52 O diálogo para a conscientização dos envolvidos no processo de aprendizagem e a busca da superação de seus limites faz parte da pedagogia proposta por Paulo Freire, no livro Pedagogia do Oprimido (1999), editora Paz e Terra. 114 A maioria manifestou o desejo de houvesse continuidade dos programas e que mais pessoas da comunidade participassem e se beneficiassem. Apesar dos resultados positivos, quase sempre os projetos têm terminalidade, os recursos cessam, o grupo de trabalho se desfaz e a comunidade fica entregue ao acaso à espera de novos projetos, muitas vezes retornando ao estágio anterior. Em muitos casos, novos programas se apóiam a programas anteriores, contribuindo com mudanças. Os resultados dos programas desenvolvidos foram satisfatórios, porém alguns foram descontinuados. Muitas das ações implementadas tiveram continuidade, tais como o funcionamento da escola Sebastião Pedrosa de Carvalho, sob o acompanhamento da SEMEC; a geração de energia solar, ainda sob a assistência técnica da UFAC, através do Laboratório de Energia; o funcionamento da cooperativa, tendo em vista que a comunidade compreendeu que trabalhando em conjunto consegue maior produção e lucros; o Pronera está na sua terceira etapa na educação continuada, com oferta do 3° e 4° ciclo do Ensino Fundamental. É importante ressaltar que nem todas as metas dos projetos foram atingidas, como a participação de todos os assentados nos programas, a erradicação do analfabetismo e a continuidade de projetos de formação para o Ensino Fundamental de 5ª a 8ª série. No entanto, os projetos deram um passo significativo na melhoria da qualidade de vida dos assentados no Colibri. De fato, há ainda muitas coisas a serem conquistadas, como a efetiva sustentabilidade da comunidade, uma educação de qualidade permanente para os residentes ali, possibilidades de acesso a níveis mais elevados de ensino, entre outras. 115 Assim sendo, pode-se afirmar que quando, na implementação de um programa educacional, são respeitados os interesses e as necessidades da comunidade atendida, o programa tem mais possibilidades de obter resultados positivos. A busca de unir o querer e o fazer na ação humana pode ser entendida como um exercício de liberdade, pois segundo Chauí: A liberdade é a consciência simultânea das circunstâncias existentes e das ações que, suscitadas por tais circunstâncias, nos permite ultrapassá-las. A liberdade é a capacidade para perceber tais possibilidades e o poder para realizar aquelas ações que mudam o curso das coisas, dandolhe outra direção ou outro sentido. (CHAUI, 1996, p. 362). A questão da Educação Rural ainda é um sério problema a ser resolvido no Brasil e principalmente no Estado do Acre, cujo território é em sua maior parte composto de florestas. É preciso investimentos em infra-estrutura (escolas, transporte escolar, etc), quadro de professores qualificados, currículos e programas adaptados às peculiaridades locais. A pesquisa não deu conta de abordar todas as especificidades do Ensino Rural. Há ainda muitas questões que precisam ser investigadas, tais como: as razões de sucesso ou fracasso dos programas educacionais em outros contextos, o significados dos programas educacionais para populações tradicionais da floresta; as representações sócias da escola no campo; as inter-relações dos atores do processo educativo; as novas competências para a formação do homem do campo, o uso de tecnologias educacionais em comunidades rurais como recursos para apropriação do conhecimento, entre outras questões. 116 Não há aqui uma idéia fechada sobre a educação necessária para o homem do campo. Conforme Leite (1999, p. 114), o que de fato há é um consenso quanto ao valor inesgotável da educação para todas as classes sociais. “A escola evidencia a existência humana, a vida de todos os homens num processo contínuo de aprimoramento e transformações, de buscas, de novas orientações, de compromissos e críticas”. Enfim, segundo Paulo Freire, é importante levar em conta a vivência humana e a transformação da realidade em qualquer ação educativa: Existir, humanamente, é pronunciar o mundo, é modificá-lo. O mundo pronunciado, por sua vez, se volta problematizando aos sujeitos pronunciantes, e exige deles novo pronunciamento. (...) Não é no silêncio que os homens se fazem, mas na palavra, no trabalho, na ação-reflexão. (FREIRE, 1979, P. 92). Assim, a Educação Rural, num contexto de lutas e conquistas, se consolida como propiciadora do diálogo, da percepção crítica do mundo, na superação da ingenuidade, da tomada de ação na busca de mudanças. O conhecimento, de fato, é a maior conquista do homem. 117 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ACRE, Governo do Estado do Acre. Programa Estadual de Zoneamento EcológicoEconômico. Rio Branco: SECTMA, 2000. ALBUQUERQUE, Manoel Maurício de. Pequena História da Formação Social Brasileira. Rio de Janeiro, Graal, 1986. 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