Quem manda na minha casa sou eu – será?

Transcrição

Quem manda na minha casa sou eu – será?
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É
uma frase comum. Soa autoritária, arrogante, mas, ao menos no pequeno universo
do nosso lar, nos sentimos à vontade para
sermos um pouco donos da verdade. Afinal,
como bons cidadãos que somos, já obedecemos
ao Estado, ao chefe, à namorada. Nossa casa é
local para relaxar.
Brincadeiras à parte, se trouxermos a sua
aplicação quando tratarmos de modificações em
nossas residências, verificaremos que o exercício
desse poder é mais amplo para umas pessoas
que para outras. Por exemplo, se eu moro em
uma casa e quero pintá-la de roxo luminoso – ressalvadas a questão do bom ou mau gosto de cada
pessoa e as regras de construção da municipalidade –, não há quem impeça. E ainda terei a casa
mais famosa do bairro.
Quando falamos de apartamentos em condomínio, porém, a história muda totalmente de figura, porque temos várias “casas” com uma única
“cara”, que são as fachadas, partes comuns que
constituem patrimônio de todos e que não podem, por disposição legal, ser alteradas de forma
individual, sob pena de aplicação de penalidade
de até cinco vezes o valor da cota, conforme previsto no art. 1.336, III, e § 2° do Código Civil, além
de outras medidas para compelir o infrator a desfazer eventual modificação.
Em condomínio, tendo em vista a sua estrutura, estilo arquitetônico, harmonia estética, entre
outros aspectos, o direito de promover modificações internas com reflexo nas partes externas da
edificação fica bastante restrito. Interferências de
forma descontrolada deixam o condomínio com
uma aparência desorganizada, desleixada, o que
acaba por desvalorizar as unidades, tanto para
venda quanto para locação.
Sobre o assunto, o doutrinador Caio Mário da
Silva Pereira (em Condomínios e Incorporações,
10ª ed., Editora Forense, 2001) ensina: “...neste sentido, nenhum condômino tem o direito de
mudar a forma da fachada externa ou decorar as
paredes e esquadrias externas com tonalidades
ou cores diversas das empregadas no conjunto do edifício. É que este, embora formado de
apartamentos autônomos, como propriedade
individual de cada condômino e sem perder esta
qualidade, se apresenta como um todo ou como
unidade externa inconfundível com outro. Na sua
individualidade real está a conservação das suas
condições arquitetônicas, cujo rompimento ofende o plano inicial que nasceu da manifestação da
vontade coletiva e que não pode ser alterado pela
expressão volitiva individual. Assim se tem julgado. (...)”
Continua o mestre Caio Mário: “A aplicação
desta proibição converte-se em dever de todos
os condôminos quanto à conservação das linhas
exteriores do prédio, bem como a sua cor, seu desenho etc., e praticamente significa que cada um
é compelido a conservar, sem alterações, a porção da fachada correspondente à sua unidade autônoma, porque a fachada do edifício é um bem
comum a todos os coproprietários e, como tal,
não pode qualquer condômino nela inovar sem o
assentimento de todos.”
Agora, será que toda e qualquer modificação
implementada nas partes externas do condomínio é capaz de alterar a fachada e sujeitar o morador à aplicação de penalidades?
Trata-se de um assunto bastante complexo,
pois coloca em confronto o direito individual de
cada condômino e o direito coletivo representado
pelo condomínio. Por isso mesmo, várias vezes,
Parte integrante da Revista SECOVI RIO | NovDez 2009 | no 61
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Quem manda na minha casa
sou eu – será?
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não se encontra solução na esfera administrativa
do condomínio, e muitos desses casos acabam
sendo decididos pelo Judiciário. Nesse sentido, é
comum vermos questionamentos sobre a instalação de aparelhos de ar-condicionado, de toldos,
grades, fechamento de varandas, entre outros,
sobre os quais passamos a discorrer a seguir.
No que tange aos aparelhos de ar-condicionado, verificamos na jurisprudência que a sua instalação fora do local preestabelecido pela Convenção tem sido considerada como alteração de
fachada, modificando o aspecto arquitetônico do
prédio.
Tem-se questionado muito também se a instalação de modernos aparelhos de ar-condicionado, tipo split, que são maiores, caracterizaria
alteração de fachada.
Em recentes decisões, verificamos que o Judiciário carioca vem mantendo a mesma sistemática dos aparelhos comuns: sendo observados os
locais destinados à sua instalação, não há modificação de fachada; ao contrário, se a instalação estiver em desacordo com a Convenção e o
Regulamento Interno, as decisões têm sido pelo
desfazimento da obra.
Outro assunto antigo, mas ainda polêmico,
são os toldos, recurso bastante utilizado pelos
condôminos, visando manter a ventilação natural
com um pouco mais de conforto para os moradores, além de mais proteção do sol e da chuva.
Em tal caso também consideramos que, havendo um padrão preestabelecido pela Convenção, Regulamento Interno ou decisão assemblear, este deve ser respeitado. Vale, outrossim,
ressaltar que encontramos decisão judicial em
que o condomínio deliberou pela instalação de
toldo na cor bege e o condômino instalou toldo
transparente, sendo este mantido.
O mesmo entendimento vale para os casos de
instalação de grades e redes de proteção nas janelas das unidades; porém, nesse caso, mesmo
não havendo um padrão determinado pela coletividade, a sua instalação deve ser analisada de
uma forma menos radical, tendo em vista que tais
dispositivos estão ligados à questão de segurança das pessoas, seja em relação à possibilidade
Parte integrante da Revista SECOVI RIO | NovDez 2009 | no 61
de entrada de estranhos ou mesmo de perigo de queda de uma criança. Assim, quando colocados em confronto a harmonia estética e o direito à integridade
física ou à vida, a primeira certamente sucumbirá.
Dentro do assunto proposto, a “última moda”
nos condomínios é o fechamento das varandas. Inicialmente é importante destacar que, no município
do Rio de Janeiro, existe legislação proibindo o seu
fechamento (Decreto nº 322/1976, art. 114, § 9º),
sendo certo que, em nosso entendimento, qualquer
alteração na fachada somente poderá se operar com
a aprovação de todos os condôminos.
Na prática, porém, vários condôminos vêm procedendo ao fechamento das varandas, sob o argumento
de maior proteção contra sol, chuva, poeira e ruídos.
No entanto, até o presente momento, as decisões
judiciais têm sido no sentido de que referida instalação caracteriza alteração de fachada, principalmente
quando há vedação expressa na Escritura de Convenção, ainda que o envidraçamento seja feito com
vidros retráteis, ou seja, não fixos, sendo abertos e
fechados de acordo com o interesse do morador.
Vale destacar um trecho de interessante acórdão
sobre o assunto: “Transgride a Convenção de Condomínio e a legislação, além de desrespeitar a deliberação da assembleia, o condômino que modifica
a fachada do prédio ao envidraçar a varanda, coloca
cobertura retrátil e aumenta a mureta divisória da unidade vizinha. Irrelevante se a modificação da fachada
pode ser percebida de perto ou de longe, por alguém
ou por ninguém, pois deve ser considerado apenas o
descumprimento das regras legais e convencionais. A
tolerância com o desrespeito às normas por falta de
prejuízo a terceiros significa autorizar a qualquer um
descumprir as leis e alterar as partes comuns a seu
bel-prazer. Indispensável a autorização da assembleia, como previsto na Convenção, para o condômino realizar obras que interfiram no condomínio ou
alterem a fachada. A ausência de prévia autorização
assemblear implica na ilicitude da obra, devendo ser
reposto o estado anterior. Recurso desprovido.” (TJRJ – Apelação Cível nº 2006.001.03271)
Como se vê, sobre o assunto aplica-se perfeitamente um ditado popular muito conhecido, que já é
quase lei: “O meu direito termina onde começa o do
outro.”

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