A LÍNGUA É ROCK
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A LÍNGUA É ROCK
A LÍNGUA É ROCK Entrevista - Tony Bellotto Guitarrista do Titãs e escritor completa dez anos à frente de programa televisivo em que discute a língua portuguesa por meio da música. Guilherme Bryan Alguém que se notabilizou por tocar guitarra e escrever livros (ok, e por namorar atriz famosa...). Assim Tony Bellotto, de 51 anos, se de ne no encarte do recémlançado DVD A nando a Língua, título do programa de TV que surgiu há mais de dez anos no canal Futura, com o propósito de usar letras de música para re etir sobre o uso da língua portuguesa. Bellotto foi convidado pela emissora para ser apresentador pelo fato de ser, ao mesmo tempo, compositor e guitarrista da banda Titãs, e por ter escrito uma série de romances. É autor de BR 163: Duas Histórias na Estrada (2001), O Livro do Guitarrista (2001), Os Insones (2007),No Buraco (2010) e dos três romances com o investigador-título de Bellini e a Es nge (1995),Bellini e o Demônio (1997) e Bellini e os Espíritos (2005). Os dois primeiros já foram adaptados ao cinema, com Fabio Assunção e Malu Mader, mulher de Bellotto. O apresentador e músico garante que procura transmitir a paixão pelos livros a seus lhos Nina, de 30 anos; João, de 16 anos; e Antônio, de 14 anos; e, no futuro, fará o mesmo com o neto Francisco, de 10 meses. Nessa entrevista, Bellotto defende o valor não só literário das letras de música, como para a compreensão do idioma. "Há nelas uma construção artística, feita com a palavra e com função de métrica, rima e ritmo, tão precisa quanto a da poesia e tão informativa sobre o idioma quanto um livro." E re ete seu papel em trinta anos dos Titãs e a in uência do escritor Rubem Fonseca em sua obra. O que o atraiu na proposta de A nando a Língua? No começo, em 1999, a ideia era fazer um programa que falasse de língua portuguesa usando a música como atrativo, principalmente, para os jovens. Com o passar do tempo, ele foi se transformando num programa sobre a linguagem usada em letras de música, no jornalismo, na literatura de cção e na poesia. Como não sou um cara de TV, trago a experiência de escritor e músico, e sempre participo de forma mais ativa do que como um mero apresentador. Estou nas reuniões de pauta e faço sugestões nos roteiros. Mas o conteúdo é feito pelo pessoal do Futura. Quais as vantagens e desvantagens do ensino da língua por meio das letras de músicas? Não sou pedagogo ou educador, então só vejo vantagens, porque as letras de música usam uma linguagem que é a do dia a dia, principalmente, dos jovens. A música é algo que lhes dá prazer e, didaticamente, pode fazer as vezes de algo que o aluno tem a noção de ser entediante - o estudo da língua, sentar e abrir um livro. Ao ouvir uma música, os exemplos surgem. É a grande vantagem e sempre foi a ideia do programa. Mas o programa não é exclusivamente sobre isso, não? Há conversas com músicos sobre letras de suas composições... No começo, usávamos muitos videoclipes, mas com a crise da indústria fonográ ca, usamos cada vez mais a apresentação ao vivo, no estúdio, com artistas que estão começando ou em fase de consolidação na carreira. Assim, de anos para cá, o programa ganhou outro sabor, pois converso com músicos, compositores e cantores sobre a língua em si, mas também sobre o fazer música e o trabalho de criação no Brasil. Nota algo em comum nos novos compositores em relação às questões que envolvem o uso da língua? Não noto uma tendência ou um método homogêneo de produção. Cada um produz sua obra de maneira muito pessoal, como sempre foi. O que de fato mudou foi a maneira de promoção e venda da música. Na minha época, precisávamos de gravadora e batalhávamos para ter contrato. Com o advento da internet e o enfraquecimento do mercado de disco, eles trabalham de forma mais independente das corporações. O que acha de reunir programas em DVD? Pela primeira vez, em mais de dez anos e onze temporadas, foi feito um DVD, que é uma nova forma de perceber e olhar para o programa, saindo do contexto educacional e didático. Há ali um apanhado de quem está fazendo música no Brasil hoje e falando sobre isso. É interessante para quem está começando na carreira e para o público em geral que gosta de música e idioma. Como educa seus lhos a ter gosto pela leitura? Sempre os levei a livrarias, desde pequenos; deixei muitos livros ao alcance deles em casa; e falei sobre isso com eles. Busco mostrar o lado lúdico e prazeroso da leitura, tentando conduzi-los aos livros, em vez de impor e exigir que leiam. Mas acho cada vez mais difícil que as pessoas leiam. Todos herdaram o gosto pela música, cuja fruição é mais fácil. Agora, a Nina está com 30 anos, é mãe e não é muito de ler, não. De vez em quando, recomendo um romance a ela. O Antonio acabou de ler a coleção do Harry Potter e o João gosta da literatura mais marginal de Hunter S. Thompson e Charles Bukowski. Então, para estimular o gosto pela leitura nos lhos, tanto faz impor a leitura quanto apenas deixar o livro por perto? Além de ter livros por perto, é preciso conduzir os jovens a lerem algo que lhes interesse e seja divertido para eles. Sou a favor de novas formas de criar leitores, como usar histórias em quadrinhos. Às vezes, impor cedo demais, a uma criança por exemplo, a leitura dos livros de um Machado de Assis, que é muito prazerosa, pode provocar um efeito inverso, que é o cara car com bode da literatura em geral. Depois que o leitor está criado, é mais fácil apresentar coisas mais so sticadas. Quais as suas lembranças mais remotas de seu contato com a leitura? Tive a sorte de ter pais professores universitários [ lho da arquivista Heloisa Liberalli Bellotto e do historiador Manuel Bellotto]. Desde pequeno, tinham muitos livros em casa e não havia TV. Então, eu me apeguei aos livros. Sempre li muito e, desde adolescente, já tinha um desejo tão grande de ser guitarrista de rock como de ser escritor. Foi algo que sempre me acompanhou e cada vez mais encontro no livro uma companhia tranquila. Boto dois ou três livros na mochila quando viajo. Tecnologicamente, livro é uma criação insuperável. Quando começou a escrever? Comecei mais ou menos na adolescência a escrever letras e a compor. Na década de 1970, escrevi alguns contos e os inscrevi em concursos literários. Mas foi uma prática que abandonei com vinte e poucos anos, quando comecei a fazer sucesso com a banda. Continuei lendo, mas só escrevia esporadicamente. Quando z trinta e poucos anos, retomei o projeto de escrever com mais seriedade e disciplina. E venho escrevendo e publicando regularmente há uns dezessete anos. Como é a sua atuação de compositor nos Titãs? Eu sou basicamente o guitarrista e contribuo muito com frases de guitarra e conteúdos musicais. Mas sempre escrevi letras de música, o que é muito diferente de escrever prosa. Só que a disciplina que você precisa para um é a mesma que precisa para o outro. No momento em que nós nos reunimos para fazer um trabalho novo, eu contribuo bastante com letras. Acho até que essa atividade se aproxima mais da poesia do que da prosa. A diferença é que ela é feita basicamente para ser lida ou escutada de forma declamada. Já a letra da música não funciona para ser lida, apesar de algumas até se prestarem a isso. Ela é criada para ser cantada. Qual você considera sua melhor letra para os Titãs? É difícil escolher, mas gosto muito do resultado de Polícia, que z sozinho, tem letra muito direta e funciona, tanto que é sucesso até hoje. Foi composta em 1985 e se prestava ao projeto dos Titãs de mostrar letras que não tivessem aquele excesso de barroquismo que há até hoje na MPB. Lutamos contra isso, optamos por temas abstratos e jogos de palavras. Nossa geração dos anos 80 procurou encontrar um verbo no rock brasileiro, que até então era muito disperso, marginal, um rock com qualidade musical, mas letras cafonas ou que tentavam traduzir o clima das letras das canções inglesas ou americanas. Claro que houve exceções antes da gente, como Raul Seixas e Rita Lee. A experiência na música te ajuda na literatura? Eu não acho que tenha muita relação. Mesmo que, na essência, elas nasçam juntas, diferem muito na estrutura. Além da disciplina e da maneira como se vai estruturando a criação na cabeça - a tal centelha inspiradora -, não consigo ver em que meu trabalho como músico me ajuda na literatura e vice-versa. Como surgiu o interesse em romances policiais? Quando comecei a escrever de forma mais pro ssional, estava lendo muito e entusiasmado com a literatura policial. E me pareceu ser uma boa maneira de começar, pois o livro policial tem uma fórmula e um objetivo. Sempre há um cadáver na primeira página, um enigma a ser desvendado e um culpado na última página. Há um caminho indicado que me pareceu mais fácil. Meus dois primeiros romances foram policiais, mas, desde o começo, tinha a ideia de escrever coisas mais híbridas. O Rubem Fonseca, que não é bem um escritor policial, me in uenciou muito, assim como os mestres Dashiell Hammett e Raymond Chandler. Fonseca é parâmetro para uma geração de escritores dos anos 1990. Todos os da minha geração tiveram de passar por ele. Quando a literatura dele apareceu nos anos 60 foi muito forte, pois veio com uma linguagem diferente do que se fazia no Brasil e que nos traduz muito. Não havia resquícios de literatura regionalista. Ele é urbano até a medula e praticava uma literatura mais "brutalista", com prosa seca e descrições quase cientí cas de crimes. Como é ver Bellini adaptado a outras mídias? Muito legal ver meu personagem no cinema. No primeiro lme, Bellini e a Es nge, eu me envolvi muito, principalmente no roteiro. Apesar de você perder algo do encanto da literatura, que é cada um enxergar o personagem a sua maneira, gostei de ver ali os personagens em carne e osso, na tela. Agora estou escrevendo um conto longo para virar uma história em quadrinhos desenhada pelo Pedro França, um cartunista de Santa Catarina. É uma outra experiência, tão boa quanto. http://revistalingua.uol.com.br/textos/78/a-lingua-e-rock-255239-1.asp (Acessado em: 25/03/2013)