lixo e incineração: uma visão multidisciplinar sobre a

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lixo e incineração: uma visão multidisciplinar sobre a
LIXO E INCINERAÇÃO:
UMA VISÃO
MULTIDISCIPLINAR
SOBRE A DESTINAÇÃO
AMBIENTALMENTE
ADEQUADA DOS
RESÍDUOS SÓLIDOS
Wagner Giron De La Torre
Defensor Público.
A ideologia da sociedade industrial, baseada em noções
sobre o crescimento econômico, padrões de vida cada vez
melhores e fé nas soluções tecnológicas, a longo prazo é
inviável. Ao mudarmos nossas ideias, temos que adotar
como objetivo uma sociedade humana em que a população, o consumo de recursos, a eliminação dos resíduos e o
meio ambiente estejam num equilíbrio saudável.
Acima de tudo, temos que encarar a vida com respeito e assombro. Precisamos de um sistema ético em que o mundo
natural tenha valor não apenas para o bem-estar humano,
mas para si e em si.O universo é algo interno, tanto quanto
externo.
(Crispin Tickell, citado por James
Lovelock em A Vingança de Gaia)
Revista da Defensoria Pública - Ano 5 - n.1 - 2012
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I - SUBSTRATOS DO ANTROPOCENO
Vivemos em um universo onde a vida é rara.
Pela singular combinação de circunstâncias determinantes em meio a um universo tão estéril - de órbitas elípticas ou semicirculares, localização em uma zona
de conforto no sistema solar interno e seu equilíbrio gravitacional - nosso planeta
foi contemplado com um poder espantoso de gerar a biodiversidade, mesmo que
vagando nos arrebaldes mais distantes da galáxia, flutuando em um cosmo onde a
reprodução dessas precisas condições para a vida e sua evolução se afeiçoa bastante improvável.
Nosso planeta é único em todo o sistema solar1. Nossas manhãs são ímpares.
Como observa Carl Sagan, somos – todos os seres vivos que habitam a Terra
– filhos das estrelas, posto que todos os elementos químicos naturais que conformam
a vida2 provêm de explosões solares3.
Nessa rara combinação de conformações físicas e químicas foi que a vida vicejou neste planeta, e evoluiu para o nível atual de consciência principalmente porque,
nos últimos 12 mil anos, o clima planetário se manteve estável.
Mas essa estabilidade climática, tão essencial à vida, está sendo vilipendiada
pela “civilização” humana.
Carl Sagan, grande astro-físico norte-americano, utilizando-se sempre de linguagem multidisciplinar que
abarca noções de astronomia, física, sociologia, história, matemática, biologia e antropologia, foi um ícone
do esforço na democratização do conhecimento científico, compartilhando-o, em linguagem acessível, com
um número cada vez mais amplo de leitores e telespectadores em todo o mundo. No capítulo IX da série
televisiva “Cosmos”, dirigida por Adrian Malone, Sagan, com base em equações matemáticas bastante
plausíveis, revela que em nossa galáxia existem cerca de 400 bilhões de estrelas, sendo o nosso sol uma
das estrelas mais insignificantes, em dimensão e composição química, das existentes neste quadrante do
cosmo. Levando em conta as características da evolução biológica na Terra, as condições necessárias
de equilíbrio climático para o desenvolvimento do primeiro ser monocelular e outros fatores, os cientistas
estimam que entre bilhões e bilhões de possíveis planetas em nossa galáxia apenas 10, não mais do
que 10 deles, distantes milhões de anos-luz cada qual, possam apresentar mecanismos básicos para a
evolução da vida, ainda que em escala meramente bacteriológica. No mesmo sentido: DAWKINS, Richard.
Deus, um delírio. São Paulo: Companhia das letras, 2006, p. 190.
1
Porto-Gonçalves observa que até o fim da segunda guerra mundial a humanidade usava somente entre
20 a 25 dos elementos químicos da tabela periódica. Hoje são usados todos os 90, além dos 26 sintéticos
produzidos pela indústria e ciência ocidentais (A globalização da natureza e a natureza da globalização.
Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2006, p. 115).
2
Dawkins ensina que “estrelas relativamente pequenas, como nosso Sol, são capazes de produzir apenas elementos leves como o hélio, o segundo mais leve da tabela periódica, depois do hidrogênio. São
necessárias estrelas maiores e mais quentes para gerar as altas temperaturas necessárias para forjar a
maioria dos elementos mais pesados (...)Essas grandes estrelas podem explodir na forma de super-novas,
espalhando seus materiais, inclusive os elementos da tabela periódica, em nuvens de poeira. As nuvens de
poeira cósmica acabam se condensando e formando novas estrelas e planetas, como o nosso. É por isso
que a Terra é rica em elementos sem os quais a química – e a vida – seria impossível.” (op. cit., p. 193). Carl
Sagan realça nossa origem cósmica pontuando: “à exceção do hidrogênio, todos os átomos que compõem
cada um de nós – o ferro no sangue, o cálcio nos ossos, o carbono no cérebro – foram fabricados em
estrelas vermelhas gigantes a milhares de anos-luz no espaço e a bilhões de anos no tempo. Somos feitos,
como gosto de dizer, de matéria estelar” (O mundo assombrado pelos demônios. São Paulo: Companhia
das Letras, 1991, p. 31).
3
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Por mais paradoxal que possa parecer, o nível de evolução tecnológica combinado com um processo de desenvolvimento econômico altamente predatório e insano, estão pondo em risco o sistema natural de autorregulação climática do planeta4.
Na década de 1930 do século passado, cientistas norte-americanos e alemães,
inventaram uma classe nova de moléculas não presentes no mundo natural, para
substituírem a amônia ou dióxido de enxofre nos sistemas de refrigeradores e outros
artefatos da indústria humana, como, exemplo, aparelhos de ar condicionado, aerossóis, etc.
A essa nova substância sintética, deram o nome de clorofluorcarbonetos ou
simplesmente CFCs.
Em 1974, os pesquisadores F. Sherwood e Mario Molina constataram que os
milhões de toneladas por ano de CFCs que eram emitidos na atmosfera estavam
destruindo a camada de ozônio. Segundo seus diagnósticos, uma única molécula de
CFC seria capaz de destruir mais de 100 mil moléculas de ozônio (O3)5, e poderia
persistir por mais de cem anos na atmosfera.6
A eliminação gradual da camada de ozônio da estratosfera não se limita, apenas, na geração de câncer de pele em seres humanos.7
Como enuncia Carl Sagan,
Quando expostas à luz ultravioleta, as moléculas orgânicas
que constituem toda a vida sobre a Terra se desfazem ou
formam ligações químicas nocivas. Entre os seres que habitam os oceanos, os mais difundidos são minúsculas plantas
unicelulares que flutuam perto da superfície da água – os
fitoplânctons. Eles não podem se esconder da UV, mergulhando mais fundo, porque se sustentam colhendo luz (...)
As medições preliminares das populações dessas plantas
microscópicas nas águas antárticas mostram que ocorreu
recentemente um declínio impressionante – de até 25% perto da superfície do oceano.8
Locelock: “chamo Gaia de um sistema fisiológico porque parece dotada do objetivo inconsciente de
regular o clima e a química em um estado confortável para a vida” (A Vingança de Gaia. Ed. Intrínseca,
2006, p. 15). Releva pontuar que a teoria de Gaia foi reconhecida, inclusive, na Convenção Sobre a Diversidade Biológica – 1992 – que em seus considerandos demarca: “Conscientes, também, da importância da
diversidade biológica para a evolução e para a manutenção dos sistemas necessários à vida na biosfera”,
promulgada pelo Decreto n. 2.519-98.
4
O ozônio, em baixa altitude, é um elemento químico extremamente nocivo à vida. Mas, na estratosfera, a
cerca de 25 Km do solo, é vital à vida planetária, funcionando como um escudo natural aos raios ultravioleta
do Sol (SAGAN, 1997, p. 105).
5
Sagan: “Em 1978, os propulsores de CFC em latas de spray foram considerados ilegais nos EUA, Noruega, Suécia e Canadá” (op. cit, p. 108).
6 “Hoje, o rombo na camada de ozônio, abarca mais do que dois terços da Antártica” (SAGAN, 2009, p.
108).
7
Bilhões e bilhões. São Paulo: Ed. Cia das Letras, 1991, p. 105.
8 122
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As algas e fitoplânctons são os principais produtores de oxigênio no planeta, e
sua aniquilação subtrai da Terra sua capacidade de absorver o dióxido de carbono da
atmosfera, contribuindo para o aquecimento global.9
Em agravo aos efeitos deletérios do lançamento, pelo homem, de moléculas
sintéticas e poluentes na atmosfera, constatou-se, mais tarde, que além das algas
marinhas e fitoplânctons, animais unicelulares (zooplânctons) que habitam as superfícies oceânicas, estão sendo alvejados pelos raios ultravioleta.
Ainda com amparo nas ponderações de Carl Sagan, podemos hoje afirmar
que a aniquilação massiva dos zooplânctons pela ruptura na camada de ozônio pode
levar ao colapso no sistema de vida em escala global, posto que estão eles na base
da cadeia alimentar.10
Até o início da era industrial (por volta de 1750) a concentração de dióxido de
carbono (CO2) na atmosfera – isto, nos últimos 12 mil anos – girava em torno de 272
ppm11. Hoje, essa concentração encontra-se no patamar de 380 ppm, sendo que só
nos últimos 50 anos o lançamento de gases nocivos ao efeito estufa na atmosfera,
como CO2, metano (CH4) e óxido nitroso (NO2) se intensificou a ponto de desestabilizar a capacidade de autorregulação natural do clima pelo planeta, fazendo com que
as temperaturas globais se elevassem, em média, 0,74º.
Ainda que a humanidade repense o modelo de desenvolvimento econômico
fomentado pela queima irrefreada de combustíveis fósseis, e desde já, cesse a
combustão de petróleo, carvão, gás natural, queima de resíduos, etc., ainda assim a
temperatura do orbe terrestre aumentará em cerca de 2,4º até o ano de 2050.12
São as alterações climáticas, hoje cientificamente comprovadas como sendo
fruto da intervenção humana nos rumos dos sistemas de equilíbrio climático da Terra.
Em sua obra Direito Constitucional Ambiental, os juristas Ingo Wolfgang Sarlet
e Tiago Fensterseifer nos contam sobre
SANTOS, Maria Raquel Pereira; HELENE, Maria Elisa Marcondes. “Atmosfera, fluxos de carbono e
fertilização por CO2”, artigo contido no “Projeto Floram”, de coordenação do Prof. Azzis Ab’Saber, Instituo
de Estudos Avançados da USP, maio-agosto de 1990, p. 207-208. No mesmo sentido, ver Sagan (2009,
p. 106).
9
Carl Sagan esclarece que a extinção dos zooplâncton decorre, também, da aniquilação dos fitoplâncton,
que são a base alimentar daqueles organismos monocelulares. “por sua vez, os zooplânctons são comidos
por pequenos crustáceos (os Krill), que são comidos por pequenos peixes, que são comidos por peixes
grandes, que são comidos por golfinhos, baleias, pessoas. A destruição das plantinhas (fitoplânctons) na
base da cadeia alimentar causa o colapso de toda a cadeia” (Bilhões e bilhões, p. 106).
10
11
PPM – parte por milhão.
Fontes: IPCC – Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas, vinculado às Nações Unidas
– ONU, composto por mais de 2800 pesquisadores espalhados por todo o orbe terrestre: www.ipcc.ch.
CNBB – Campanha da Fraternidade de 2011 sob o título Fraternidade e a Vida no Planeta, Brasília: Ed.
CNBB, 2011, p. 17-25; LOVELOCK, James. A Vingança de Gaia. Rio de Janeiro: Ed. Intrínseca, 2011, p.
15-29; SARLET, Ingo Wolfgang; FENSTERSEIFER, Tiago. Direito Constitucional Ambiental. São Paulo:
RT, 2011, p. 27; SANTOS, Maria Raquel Pereira; HELENE, Maria Elisa Marcondes, in “Atmosfera, fluxos
de carbono e fertilização por CO2”, artigo contido no “Projeto Floram”, de coordenação de Azzis Ab’Saber,
Instituto de Estudos Avançados da USP, maio-agosto de 1990, p. 207-208.
12
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a situação-limite a que chegamos ou que talvez até mesmo já tenhamos ultrapassado, em termos de mudança
climática, desencadeada especialmente pela emissão de
gases geradores do efeito estufa (greenhouse effect), como
dióxido de carbono (CO2) e o metano, que são liberados
na atmosfera especialmente pela queima de combustíveis
fósseis e pela destruição das florestas.
Advertem referidos juristas que – O fenômeno das mudanças climáticas, como
resultado da ação humana – agora já oficial e mundialmente reconhecido pela comunidade científica no âmbito do Painel Intergovernamental Sobre Mudança do Clima
(IPCC) da Organização das Nações Unidas – inclui, entre os seus efeitos, a maior
intensidade e frequência de episódios climáticos extremos, a alteração nos regimes
de chuvas, como ocorre na hipótese de chuvas intensas em um curto espaço de
tempo, um desregramento climático cada vez maior e imprevisível, caracterizado,
entre outros aspectos, pela constante queda de recordes de temperaturas altas em
todo mundo, pelo desaparecimento paulatino das camadas de gelo, acompanhado
ainda de um aumento no nível dos oceanos e do nível médio de temperatura do globo
terrestre, entre outros eventos, como a perda da biodiversidade global 13
Cientistas que monitoram os oceanos alertam para o acentuado declínio das
algas nos mares em função do aumento das temperaturas.14 Jamais podemos nos
esquecer de que as algas marinhas são as principais fontes de oxigênio no planeta.
São responsáveis por cerca de 80% do oxigênio presente na atmosfera, os outros
20% provêm das florestas continentais.
No atual nível de aquecimento global, qualquer acréscimo de calor, seja de
que fonte for, terá um efeito exponenciado nos diversos ecossistemas que estamos a
aniquilar, comprimir, suprimir, devassando-os todo o santo dia.
Essa relação de causa e efeito é nomeada por James Lovelock como feedbacks positivos, no sentido de que, quando os efeitos são desencadeados suas
consequências tendem a se amplificar em um ciclo vicioso.
Para as alterações climáticas, dimensionadas pelo modelo desenvolvimentista
implementado pela humanidade, James Lovelock enumera os seguintes feedbacks
positivos:
1 - O feedback do albedo do gelo proposto originalmente pelo geofísico russo
M.J Budiko (“albedo” se refere à reflexividade de um objeto ou uma superfície). O
solo coberto de neve reflete de volta ao espaço quase toda a luz solar que o atinge e,
portanto, permanece frio. Mas, uma vez que a neve nas bordas (nos polos) começa a
derreter, o solo escuro que emerge absorve a luz solar e, portanto, fica mais quente.
Seu calor derrete mais neve, e com o feedback positivo o derretimento se acelera até
que toda a neve desapareça. Quando a tendência líquida é para o resfriamento, o
op. cit., p. 29-30. James Lovelock pondera, ainda, que “suspeitamos da existência de um limite, fixado
pela temperatura ou pelo nível de dióxido de carbono no ar. Uma vez ultrapassado, nada que as nações
do mundo façam alterará o resultado, e a Terra mudará irreversivelmente para um novo estado quente”
(2011, p. 19).
13 14
LOVELOCK, op. cit., p. 42.
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mesmo processo atua de modo inverso. Atualmente, o gelo flutuante da bacia polar
vem derretendo com rapidez, sendo um exemplo atualmente do efeito de Budiko.
2 - Com o aquecimento do oceano, aumenta a área coberta por água pobre
em nutrientes, tornando o oceano menos amigável às algas. Isso reduz a taxa de
dióxido de carbono absorvido e a geração de nuvens estratos marinhas refletoras da
luz solar.
3 - Em terra, o aumento da temperatura tende a desestabilizar as florestas
tropicais e a reduzir sua área coberta. A terra que substitui a floresta perde seus
mecanismos de resfriamento e é mais quente, de modo que, como a neve derrete, a
floresta “derrete” e desaparece.
4 - Richard Betts, em artigo de 1999 para a Nature, foi o primeiro a observar
que as florestas boreais da Sibéria e do Canadá são escuras e absorvem calor. Com
o aquecimento do mundo, elas estendem seu alcance e, portanto, absorvem mais
calor. 15
5 com a morte de ecossistemas florestais e de algas, sua decomposição libera
dióxido de carbono e metano no ar. Num mundo em aquecimento, isso também age
como feedback positivo.16
6 grandes depósitos de metano são mantidos em cristais de gelo dentro de
vazios de tamanho molecular, denominado clatratos. Estes são estáveis somente no
frio e sob alta pressão. O aquecimento da Terra aumenta o risco de que esses clatratos derretam, com o escapamento de grandes volumes de metano que é um gás de
estufa 24 vezes mais potente que o dióxido de carbono.17
E, os maiores emissores desses gases poluentes são os países ricos, industrializados, do hemisfério norte, que respondem com cerca de 70% das emissões
globais, muito embora, a mais poluente dessas potências, os Estados Unidos da
Sob o manto de gelo do território siberiano encontra-se soterrado quantidade incomensurável de matéria
decomposta em gás metano, conhecida como permafrost. O metano é um dos principais causadores
dos agravos ao efeito estufa. O derretimento do gelo sobre a Sibéria, segundo advertências de pesquisadores, pode liberar grandes quantidades de metano na atmosfera, contribuindo para a irreversibilidade
do aquecimento global. O gás metano é reconhecidamente 21 a 25 vezes mais poluente do que o dióxido
de carbono. Nesse sentido ver: Lavratti, Paula Cerski e Prestes, Vanêsca Buzelato em “Diagnóstico da
legislação:identificação das normas com incidência em mitigação e adaptação e resíduos sólidos” (BRASIL, 2009, p. 13, disponível em: www.planetaverde.org.br). Ainda: WALDMAN, Maurício. Lixo, cenários e
desafios (São Paulo: Cortez editora, 2011, p. 109. PORTO-GONÇALVES, Carlos Walter. op. cit., p. 334,
www.wikipedia.org.).
15
Segundo o livro sobre o tema, confeccionado pela CNBB na campanha da fraternidade de 2011, “o desmatamento da floresta amazônica é monitorado por diversas instituições e com diferenciadas metodologias.
Nas décadas de 1980 e 1990 constatou-se que o desmate médio atingiu 20 mil Km2, em 1995, registrou-se
um pico de 29.059 Km2 e, em 2004, outro número assustador: 27.400Km” (op. cit., p. 33). Estamos a falar
da maior floresta tropical do mundo. Como pontua Carlos Walter Porto-Gonçalves, a floresta amazônica
não é, simplesmente, um efeito da pluviosidade abundante, da insolação intensa, ou de solos ricos. Não,
a floresta participa do clima, o conforma com a evapotranspiração, com a fixação de carbono (em média
70 toneladas por hectare) redefinindo a relação da incidência da radiação solar com a refração dessa
energia (albedo) e, assim, interferindo não só no balanço hídrico da região pela evapotranspiração como
no equilíbrio térmico, contribuindo, desse modo, para o equilíbrio térmico do clima global” (op. cit., p. 74).
16
17 LOVELOCK, 2011, p. 43.
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América do Norte, por imperativos econômicos e interesses meramente internos, até
hoje se recuse a subscrever o Protocolo de Kyoto, instrumento internacional concebido para fixar limites nas emissões de gases de efeito estufa, fator que contribuiu,
enormemente, para que o ano de 2010, segundo dados levantados pela ONU, fosse
o recordista em termos de emissões e de agravamento da crise climática global.18
São as contradições entre democracia e capitalismo, como assinala Carlos
Walter Porto-Gonçalves, que nos relata que mesmo diante da mais grave crise ambiental vivenciada em razão direta do modelo civilizatório imposto pelo ocidente, multinacionais das mais predatórias que há no orbe, como a Royal Dutch Shell, Dupont,
British Petroleum, Ford, Daimler Chrysler, Texaco, General Motors dentre inúmeras
outras que se locupletam à custa do exaurimento dos recursos naturais e da queima
de combustíveis fósseis, em 1997 criaram uma ONG internacional, nominada como
Coalização Global do Clima e, à mercê de intensas ações publicitárias veiculadas, em
especial, nos EUA, pressionaram o governo norte-americano, à época capitaneado
por Bill Clinton e Al Gore, no sentido de subordinar a administração do país, impelindo-a a não assinar o Protocolo de Kyoto. Até hoje, essa miríade de corporações
detratoras do meio ambiente têm experimentado incrível sucesso em seu sinistro
intento.19
Mas, a insanidade desse ciclo predatório só se aprofunda quando divisamos
a massiva urbanização planetária, pressionando e aluindo com ecossistemas, extinguindo milhões de espécies e debilitando a capacidade da Terra em ofertar os
recursos indispensáveis à vida.
Entre 1800 e 1950 a população mundial multiplicou-se 2,5 vezes. No mesmo
período, a população urbana cresceu cerca de 20 vezes. No início do século XIX
a aglomeração citadina era de apenas 1,7% da população. Em 1950 passou para
21% e saltou para 41,5% em 1980. Ao término do século XX os citadinos passam a
representar a maior parcela da humanidade.20
Averba Maurício Waldman, que
Cidades como Londres, que reúne 12% da população britânica, com o fito de provisionar seus habitantes dos recursos
e bens de que necessita, requer superfície 120 vezes maior
do que aquela que ocupa para satisfazer suas demandas.
Este índice significa que, de fato, essa metrópole ocupa
uma área de vinte milhões de hectares, o que seria equivalente ao total de terras produtivas da Grã-Bretanha. Outros
cálculos indicam que Vancouver, no Canadá, exige um
espaço 174 vezes maior do que o de sua jurisdição direta
18
Folha.com, 21.11.2011.
op. cit., p. 336-337. A hipocrisia se agrava com o mimo que a academia Sueca ofereceu a Al Gore, em
2007, concedendo-lhe o prêmio Nobel da Paz naquele ano em função de seu “ativismo” em prol do meio
ambiente global. Note-se, premiação a um gestor público que se recusou a subscrever tratado dessa
importância. Vide SARLET, Ingo Wolfgang; FENSTERSEIFER, Tiago. op. cit., p. 28.
19 SANTOS, Milton. Metamorfoses do Espaço Habitado: fundamentos teóricos e metodológicos da geografia. São Paulo: Ed. Hucitec, 1988, p. 41.
20 126
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para ser mantida. Não fosse suficiente, as 29 cidades europeias de maior destaque requisitam áreas entre 565 a 1.130
vezes mais extensas do que ocupam para satisfazer seus
reclamos de recursos naturais, energia e confinamento dos
rejeitos que produzem.
Com base nesses parâmetros – conclui Waldman – salta aos olhos que as
cidades são mantidas à custa da apropriação dos recursos de extensões repetidas
vezes mais amplas do que suas áreas urbanas, granjeando-lhes, em uma reflexão
sucinta, a condição de indutoras de alterações ambientais globais, dado factível a
partir do próprio ‘déficit ecológico’ que as sustenta (...). O meio urbano constitui o
âmago da ordem econômica, social e geopolítica existente, eixo pulsante da tecnosfera, a esfera técnica que surge a partir da resoluta propensão da modernidade em
artificializar o Planeta.21
Para ofertar ações concretas à altura do necessário enfrentamento a essa crise
ambiental como, por exemplo, investimento global e massivo em fontes limpas de
energia, como a solar22 e imediata cessação da queima de combustíveis fósseis,
quase nada, nestes últimos 20 anos, desde a realização, neste país, da Conferência
sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento – a Rio-92 – foi concretizado, a não ser
discursos inanes como o afeto ao vago “desenvolvimento sustentável” ou a criação de
mecanismos para capitalizar, ainda mais, a natureza, qual os famigerados “créditos
de carbono” que só prestam para que as corporações que mais devassam os ecossistemas no plano terrestre possam colher dividendos investindo no cultivo de florestas
tímidas no terceiro mundo.
Com a precisão de sempre, sobre os MDL (mecanismos de desenvolvimento
limpo), outro dos paliativos introduzidos pelo sistema capitalista por meio do insosso
Protocolo de Kyoto, Carlos Walter Porto-Gonçalves ressalta:
Em relação à diluição dos objetivos do Protocolo de Kyoto
e o MDL, Ignacy Sachs afirmou que ‘bem mais grave, pelas
suas implicações éticas e práticas, é a instituição de um
mercado de direitos de poluir sob o pretexto de que esta seria a maneira de reduzir os custos da operação. Em vez de
despoluir no lugar onde poluem, os poluidores passarão a
comprar os direitos de poluir daqueles que estão abaixo de
suas cotas e se dispõem a vendê-las a um preço inferior ao
que teria custado a despoluição in loco’ (...) Mais alucinante
ainda resulta imaginar a captação direta pelos bosques da
Costa Rica do excedente de carbono da Holanda – que
desta maneira paga a ultrapassagem de sua pegada eco21
Lixo: cenários e desafios, São Paulo; Ed. Cortez2010, p. p.54-55.
O Brasil é a maior nação solar do mundo. Diariamente se espraia pelo país, ofertada gratuitamente
pelo astro-rei, energia solar equivalente à gerada por 320.000 hidrelétricas como a de Itaipu (VIDAL, José
Walter Bautista; VASCONCELOS, Gilberto Felisberto. O Poder dos Trópicos. Cidade: Ed. Casa Amarela,
2001, p. 20). No entanto, os formuladores de políticas públicas só mencionam, em suas retóricas, fontes
altamente impactantes como hidrelétricas, termelétricas, petróleo do pré-sal, etc...
22
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lógica23- através do arbitrário valor que adquire no mercado
de certificados de emissões de gases de efeito estufa.24
O sistema capitalista, ao invés de criar a consciência de seus erros e urdir
instrumentos capazes de amenizar as catástrofes que produziu, ainda forja modos
de ganho com a crise planetária gerada, sempre à mercê de um discurso construído
sobre conclamas impalpáveis e inócuos como o “desenvolvimento sustentável” que
só se evidencia diante da destruição de ecossistemas e da queima de combustíveis
fósseis, perpetuando o circulo vicioso que ora se tenta explicitar.
O dogma do “desenvolvimento sustentável” já não engana mais ninguém. Os
extremos climáticos circundantes são a prova irrefutável disso.
que:
Andressa Caldas e Sandra Quintela sintetizam esse sentimento ao assestarem
A história é sempre repetida nesses manuais de empreendedorismo vendidos em livrarias de aeroporto: em algum
idioma chinês, o anagrama para as palavras ‘crise’ e
‘oportunidade’ é o mesmo (...) De fato, é impressionante a
capacidade criativa que as grandes empresas e instituições
financeiras têm de se reinventar e auferir ainda mais lucros
nos momentos de instabilidade política, de grandes tragédias sociais ou catástrofes naturais.
Estados, corporações, ONU fazem questão de esconder o
óbvio: a atual ‘crise ecológica’ é conseqüência direta da expansão da pecuária e do agronegócio, com uso intensivo de
agrotóxicos, das indústrias de mineração, petróleo e siderurgia, entre outras, e das grandes obras de infraestrutura
que governos têm impulsionado para atender às demandas
forjadas por essas companhias. E principalmente que,
como se vê, essa onda verde não retrocede em nada na
crise, que só poderia ser freada com uma revisão profunda
nos modelos de desenvolvimento hegemônico no mundo
de hoje.25
Não há, no planeta, possibilidade alguma de haver compatibilização entre desenvolvimento econômico, na ótica capitalista, e sustentabilidade ambiental.
Pegada ecológica, também conhecida como ecoespaço ou ecological footprint, é um conceito criado nos
anos de 1990 por dois especialistas em planificação ambiental, Mathis Wackernaget e William Rees. Refere-se à área equivalente de terra produtiva e ecossistemas necessários para produzir bens requeridos por
um determinado padrão técnico, social e cultural, assim como para dimensionar o aniquilamento ambiental
gerado por esse sistema de produção. Sobre o tema, ver WALDMAN, op. cit., p. 54.
23 24
op. cit., p. 345-346.
“Esverdeando o Capitalismo: a farsa das corporações para a Rio mais 20”, artigo publicado no jornal Le
Monde Diplomatique Brasil, edição de dezembro de 2011, p.16 e 17 do suplemento especial ‘Sustentabilidade e Desenvolvimento’.
25
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Tal fato não é novo, foi constatado desde 1960 pelo chamado Clube de Roma,
grupo corporativo empresarial, formado por conhecidas transnacionais, como a
Xerox, IBM, Fiat, Remington Rand, Olivetti, entre outras, que foram advertidas, no
relatório Meadows, concebido por respeitados cientistas de uma das mais renomadas
instituições acadêmicas estadunidenses, o MIT – Massachusetts Institute of Technology – sobre os limites do crescimento econômico diante dos limites planetários em
oferecer os recursos naturais26.
Ainda sobre o mote, nos conta Maurício Waldman:
Sendo os recursos terrestres finitos e desmedida a ambição
humana em extraí-los, é de se esperar que se esgotem ou
sejam sobre-explorados. Contabilizar este saque do meio
natural levou os especialistas a criarem o conceito de Global Overshoot Day – Dia da Ultrapassagem Global. Segundo cálculos da ONG Canadense Global Fotprint Network,
as necessidades da humanidade começaram a exceder as
capacidades produtivas da Terra no ano de 1986. Deste
modo, o primeiro Global Overshoot Day foi registrado em 31
de dezembro de 1986. Isto significa que tudo o que foi produzido pelos ecossistemas terrestres foi esgotado naquele
final de ano (...) Detalhando melhor o significado do Global
Overshoot Day, no ano de 2008, quando se anunciou sua
ocorrência em 23 de setembro, isso significou que entre os
dias 1º de janeiro e 23 de setembro a humanidade consumiu todos os recursos naturais que a natureza produziu naquele ano e, pior, avançou sobre o que seriam as reservas
da natureza. Isto significa peixes que não chegam à idade
adulta, árvores de menor porte e retirada de recursos hídricos sem a devida reposição ou recarga. Metaforicamente, a
humanidade está raspando o fundo do tacho. Depois disso,
irá raspar o quê.27
Nunca antes na jornada da Terra registrou-se alterações climáticas tão profundas e em lapso tão curto de tempo como este, insuflado pela humanidade sobre
todas as espécies e ecossistemas, num átimo temporal amplamente desprezível na
história da formação geológica do planeta, conduzida por um modelo econômico que,
somente nos últimos dois séculos, produziu os mecanismos tecnológicos necessários
para exaurir, em escala industrial, os recursos naturais28.
A essa era, Paul Crutzen, ganhador do Nobel de Química em 2000, deu o nome
de antropoceno.
26
PORTO-GONÇALVES, op. cit, p.67-68.
27
op. cit., p. 119.
James Lovelock pondera que o fundamento desse sistema desenvolvimentista insano lastreia-se nas
“crenças religiosas e humanistas que acham que a Terra existe para ser explorada em prol da humanidade”
(op. cit., p. 17).
28
Lixo e incineração: uma visão multidisciplinar sobre a destinação ambientalmente...
129
Nunca antes, nenhuma catástrofe natural ou cosmológica agiu sobre o sistema
autorregulador da vida na Terra a ponto de desestabilizá-lo com tamanha eficácia.
Conseguimos mudar o mundo. Ou, como melhor sintetizado na metáfora alhures citada, estamos a raspar o tacho.
Isso é o antropoceno: raspar o tacho.
Desde a realização, no Rio de Janeiro, da Convenção Mundial Sobre Meio
Ambiente e Desenvolvimento (Rio-92), absolutamente nada, em termos de regulação
e controle da infinda capacidade de destruição dos recursos naturais pelo modelo
econômico hegemônico, foi materializado no mundo e, em especial, no Brasil que, insuflado pelo discurso dominante de ser o país “a bola da vez” em termos de emersão
como a “nova potência econômica no orbe terrestre”, tem intensificado, nos últimos
anos, uma política desenvolvimentista pautada no domínio amplo sobre a natureza,
vislumbrando os ecossistemas como meros obstáculos ou formas de mercadorias
destinados a simplesmente servir para o aprofundamento desse modelo econômico
fincado na flexibilização do acervo normativo voltado à tutela ambiental, ao avanço
do agronegócio exportador de produtos primários, como as commodities forjadas dos
vastos monocultivos, monumentais sumidouros de água, solo, ar e vicejadas por uma
incidência extraordinária de agrotóxicos que levou o país a titularizar a posição de
maior consumidor mundial de venenos agroindustriais.29 30
Consoante reportagem veiculada pelo jornal Le Monde Diplomatique Brasil, edição nº 33, junho de 2010,
o Brasil “é o maior mercado de agrotóxico do mundo e representa 16% de sua venda mundial. Em 2009,
foram vendidas aqui 780 mil toneladas de agrotóxicos, com um faturamento na ordem de 8 bilhões de
dólares. Ao longo dos últimos 10 anos, na esteira do crescimento do agronegócio, esse mercado cresceu
176%, quase quatro vezes mais que a média mundial. As 10 maiores empresas do setor de agrotóxicos
do mundo concentram mais de 80% das vendas no país” (op. cit. p. 3). A propósito do tema, Carlos Walter
Porto-Gonçalves, ao tratar dos efeitos da “revolução verde”, destaca o descompasso existente entre o
aumento do consumo de agrotóxicos e fertilizantes químicos e os efeitos em termos de produtividade. No
que se refere ao uso de fertilizantes, segundo o autor, baseando-se em dados da FAO, entre 1950 e 2000,
enquanto a produção de grãos aumentou três vezes, o uso de fertilizantes aumentou 14 vezes, o que faz a
relação produção de grãos-uso de fertilizantes cair de 42 toneladas para 13 toneladas de grãos para cada
tonelada de fertilizante utilizada no campo. Alguém está ganhando com isso, e certamente não são nem o
meio ambiente, nem os camponeses (apud MARCOS, op. cit., p. 194). Ainda sobre os deletérios impactos
socioambientais gerados pelo avanço irrefreado do agronegócio ver: DE LA TORRE, Wagner Giron. “Defensoria Pública e Meio Ambiente: os impactos socioambientais decorrentes do avanço do agronegócio...”,
artigo inserido na coletânea Uma Nova Defensoria Pública pede passagem, coordenada por José Augusto
Garcia de Souza (Rio de Janeiro: Ed. Lumen Juris, 2011, p. 427 e ss); DE LA TORRE, Wagner Giron.
“Eucalipto: o verde enganador”, artigo publicado na Revista Eletrônica dos Geógrafos Brasileiros, seção
Três Lagoas-MS, nº 13, ano 8, maio-2011, sobre o “I Simpósio do Complexo de Celulose e Papel do
Mato Grosso do Sul”, de coordenação da pesquisadora Professora da UFMS Rosemeire de Almeida; e
TRINDADE, Damião de Lima Trindade. Os Direitos Humanos na perspectiva de Marx e Engels. São Paulo:
Ed. Alfa-Omega, 2011, p. 307.
29
Uma das maiores tragédias, em termos de política governamental para fomentar o triunfo do agronegócio fundado na expansão de monoculturas industriais, como a soja transgênica, milho transgênico, eucalipto para exportação de pasta de celulose, cana de açúcar para o biocombustível e o açúcar de sempre,
encontra-se no projeto, relatado pelo deputado federal Aldo Rebello, de retaliação do Código Florestal,
reforma destinada a limitar os espaços de proteção ambiental, aumentar a área de desmatamento nos
diversos biomas, isentar latifundiários e senhores rurais das multas e sanções pelas históricas violações
aos ecossistemas, dentre outras barbáries ecológicas. Não por acaso, João Paulo Capobianco denomina a
reforma do Código Florestal como “o código do atraso”, artigo publicado pelo jornal Le Monde Diplomatique
Brasil, edição n. 46 de maio de 2011, p. 8. Para Rodrigo Guimarães Nunes, é essa mutação ideológica que
30
130
Revista da Defensoria Pública - Ano 5 - n.1 - 2012
Ou seja, o velho modelo de desenvolvimento econômico fundado na queima
de combustíveis fósseis, aumento de terras destroçadas pelo desmatamento, aniquilação massiva de ecossistemas via escala assombrosa de monocutivos mercantis e
instalação de megaobras de infraestrutura energética31, como imensas hidrelétricas
que só reproduzem erros ambientais do passado, e tudo para servir aos interesses de
uma reduzida plutocracia nacional e estrangeira.
Nas fronteiras desse “progresso econômico” tributado pela humanidade ao
orbe terrestre, estão a eclodir as alterações climáticas que só para rememorar, no
Brasil, nos últimos anos, aniquilaram milhares de vidas na região serrana do Rio de
Janeiro, destruíram o maior parque de prédios históricos tombados do estado de São
Paulo, a cidade de São Luiz do Paraitinga, onde, até hoje, mais de duzentas famílias
encontram-se sem alternativa habitacional e os casarões ostentam ruínas desabridas;
centenas de mortes e milhares de desabrigados em Angra dos Reis, o mesmo panorama em Minas Gerais, Alagoas, Rio Grande do Sul, Santa Catarina, vitimada, todos
os anos, principalmente na região do assolado Rio Itajaí com enchentes catastróficas
além de ter recepcionado o primeiro furação tropical já registrado nestas paragens em
2004, nominado como Catarina32 que, por conta de seus tormentos, manifestados por
rajadas de 180 km/h, causou prejuízos estimados em mais de 250 milhões de reais.
Essa, a face úmida das crises ambientais. Não nos esqueçamos das secas absurdas que nos últimos anos têm flagelado amplas regiões do Norte e Sul do país, causando danos ambientais, humanos e materiais ainda não devidamente mensurados.
Como a dignidade humana, nesta pátria, é historicamente sonegada em face
à sempiterna inexistência de políticas públicas preventivas, o poder dominante, por
meio dos partidos hegemônicos, sempre tenta “responder” às catástrofes por meio da
edição de leis.
“explica o comunismo transgênico de um Aldo Rebello, esforçando-se em aprovar uma reforma do Código
Florestal construída diretamente por e para o agronegócio”, no artigo intitulado “Belo Monte e Jirau: por trás
das represas”, publicado em 08.08.2011, na web, pela revista virtual Global Brasil, p. 3.
A construção de hidrelétricas não é tão inofensiva assim ao meio ambiente. Essas represas enormes
causam a compulsória remoção de um número desmedido de populações originárias, quilombolas, campesinas, que em razão de enraizamentos culturais milenares ou seculares, e estrutura vital pautada na forte
vinculação com as florestas ou meio rural devassado, não conseguem ser integradas em outras áreas ou
mesmo no corpo social, até porquê os governos não se preocupam, jamais, na construção de mecanismos
para tanto. Daí se sujeitarem, como sempre, no silêncio, conveniente, à prostituição, alcoolismo, mortes
indiscriminadas e impunes, marginalização em suas mais variadas facetas. Ademais, o alagamento de vastas áreas de florestas causa a extinção da biodiversidade, a decomposição de organismos submersos que
geram a emissão incontida de gases de efeito estufa, em especial do metano, que, como vimos, é cerca
de 25 vezes mais letal do que o dióxido de carbono. Sobre o mote ver: NUNES, Rodrigo Guimarães. “Belo
Monte e Jirau: por trás das represas”, revista Global Brasil, acessada na web em 08.08.2011; MONTEIRO,
Dión Marcio C. “UHE Belo Monte: questões sem respostas no Rio Xingu”, acessada em 24.03.10 no site
www.ecodebate.com.br; PRADO, Débora. “Hidrelétrica ‘Modelo’ Gera Danos Sociais e Ambientais”, Caros
Amigos, nº 173, agosto de 2011, p. 10.
31
SARLET, Ingo Wolfgang; FENSTERSEIFER, op. cit., p. 29. Nunca é demais repisar que a grande maioria de pessoas flageladas pelos extremos climáticos são pobres. Por conta da histórica inexistência de
políticas ambientais e habitacionais sérias, consistentes, e preventivas, a imensa maioria dessas vítimas
desterradas de suas moradas, destroçadas pelos desastres atmosféricos, até hoje encontram-se sem
alternativa habitacional alguma.
32
Lixo e incineração: uma visão multidisciplinar sobre a destinação ambientalmente...
131
Editar normas, na lógica neoliberal, é bem menos custoso do que implementar
um combate consistente e necessário, por exemplo, ao cosmológico déficit habitacional do país, ou a promover políticas ambientais efetivamente sérias.
Na práxis neoliberal, para tentar amenizar suas ingentes omissões, e, quem
sabe, apascentar um pouco a opinião pública, governos federal e estadual editaram
duas leis, quase gêmeas, ambas em 2009, instituindo suas respectivas políticas sobre mudanças climáticas.
A primeira a vir à baila foi a Lei Estadual n.º 13.798 de 09de novembro de 2009,
instituidora da “Política Estadual de Mudanças Climáticas” que, dentre um rosário de
comandos jamais cumpridos, estabeleceu, em seu artigo 32, § 1º, um compromisso
internacionalmente entoado por este Estado, que corporifica “o carro chefe da nação”,
de reduzir em 20% as emissões de dióxido de carbono, no nível das lançadas em
2005, até o ano de 2020.
No plano federal, editou-se, como salientado, a Lei n.º 12.187 de 29 de dezembro de 2009 que, à semelhança do que empreendido pelos gestores de São Paulo
entoou ao mundo - e ao âmbito jurídico interno, é claro -, a meta inafastável de reduzir
as emissões nacionais de gases de efeito estufa no aporte de até 38,9% até o ano de
2020 (artigo 12).
Porém, como padecemos, nesta pátria, de uma alucinógena compulsão de
vilipendiarmos as leis com a mesma profusão com que a criamos, o governo paulista anunciou33, no início de 2011, seu intento em fomentar a instalação de diversas
termelétricas no Estado, sendo cerca de 10 delas animadas pela incineração de lixo.
Com certeza, tal intento é fruto da política estadual de incineração de resíduos
sólidos, concebida em 2006 pela Secretaria Estadual do Meio Ambiente em parceria
com indústria alemã que detém a conveniente tecnologia.34
Na esteira dessa política pública imposta de cima para baixo, sem qualquer
diálogo mais sério com a sociedade e com a comunidade científica, o governo já
editou a Resolução SMA n.º 079/2009, reguladora do procedimento de licença ambiental para instalação dessas termoincineradoras, e tudo, para consolidar a mágica
administrativa de transformar o lixo em energia elétrica.
A final, qual o louco que se oporia a essa brilhante solução, de transformar algo
indesejável, como rebotalhos, em luz?
Ocorre que nosso sistema desenvolvimentista, além das sentidas e externadas
agressões à biosfera, é prolífico em produzir lixo, resíduos, rejeitos, detritos em profusão oceânica, como, mais detalhadamente, veremos a seguir.
Grande parte dos resíduos sólidos que produzimos, em especial os domésticos,
é composta por fração úmida que, misturada com os restolhos de plásticos, componentes de eletroeletrônicos, borracha, sintéticos corporificados em nossos monturos,
Informação disponíveis nos seguintes sites: Portal R7 (acessado em 06.08.11); wwwprogressosustentável.com.br; Agência Brasil (acessado em 06.08.11); Portal IG (acessado em 06.08.11).
33 Segundo o aludido “Plano Estadual de Recuperação Energética” a partir da queima de lixo, a empresa
fabricante dos incineradores que participou do programa é a “GMBH – Gerenciamento, Conhecimento e
Serviços de Engenharia”, com sede na Baviera.
34 132
Revista da Defensoria Pública - Ano 5 - n.1 - 2012
ao serem queimados, além das toneladas e toneladas de gases nocivos ao efeito
estufa, lançarão na já saturada bacia atmosférica das cidades, quantias indecentes
e insuportáveis de elementos altamente nocivos à vida como o já referido ozônio de
baixa altitude, dioxinas e furanos, poluentes largamente persistentes e visceralmente
cancerígenos35.
Além de não ser a destinação adequada ao lixo, a instalação de grande número
de incineradores em território excessivamente poluído, atenta aos aspectos sanitários
da população, afronta os escopos de redução das emissões de gases poluentes,
como previsto nas normas já referidas. E aqui, adentramos ao cerne da abordagem
deste ensaio, desde já reafirmando a necessidade de debate sério e profundo dessa
política incineradora com a sociedade36, haja vista seu potencial irreversível de acentuar, ainda mais, a crise climática.37
Pondo termo a este prefácio, ficamos com as advertências de James Lovelock,
as quais não podemos ignorar no contexto aqui exortado, de que
WALDMAN. op. cit., p. 164.
35 Um dos tópicos a serem considerados é sobre a pressa governamental em instalar, no território paulista,
tamanho número de geradores de energia obsoletos e em desmonte nos países desenvolvidos. O Brasil
dispõe de mais de 2.415 empreendimentos de geração de energia, com capacidade instalada para gerar
114.375.422Kw. Débora Prado, na reportagem já mencionada da Revista Caros amigos, à p. 11, informa
que só no Rio Tocantins há a previsão de construção de 11 hidrelétricas de grande porte, sem falar nas de
Belo Monte e Jirau. Para quê tanta pressa?
36
No tocante ao anúncio oficial da instalação massiva de termelétricas, o debate e a transparência é
o que menos importa na lógica empresarial abraçada pelo governo. Até agora, sabe-se do afã de erigir
termelétricas, a partir da queima de lixo, nas cidades de São Bernardo dos Campos, São Paulo, São
Sebastião-SP, São José dos Campos-SP, Taubaté-SP, Santa Branca-SP. O projeto mais acelerado, em
termos de licença ambiental já emitida pelo Estado de São Paulo vincula-se à termelétrica de Canas,
pequeno município da região do Vale do Paraíba, conferido à empresa norte-americana AES-Tietê, que irá
investir cerca de 1,1bilhão de reais em usina, fomentada pela queima de gás natural, projetada para gerar
550MW de eletricidade ao sistema Nacional Integrado. Segundo estudos técnicos contidos no EIA-Rima
dessa obra e em pesquisas críticas produzidas pela comunidade científica, essa usina, prevista para entrar
em operação até 2016, lançará na atmosfera cerca de 2 milhões de toneladas de dióxido de carbono por
ano, além de volume ingente de outros poluentes. Aniquilará cerca de 351 mil metros cúbicos de água
por hora do já super-explorado Rio Paraíba do Sul, que abastece cerca de 20 milhões de habitantes entre
os estados de São Paulo e Rio de Janeiro, para servir ao seu sistema de resfriamento. Note-se que a
licença concedida pelo CONSEMA-SP, em nenhum momento levou em consideração as críticas fundadas
a essa obra lançadas pela sociedade civil, pelo Ministério Público e Defensoria Pública, bem como ignorou
por completo a reduzida capacidade hídrica dessa bacia hidrográfica que servirá à refrigeração da usina,
bem como desconsiderou, por completo, o projeto governamental de transpor, nos próximos anos, volume
considerável da água do Paraíba para abastecer a região metropolitana de São Paulo, o que causará
profundos e irreversíveis danos a esse já combalido sistema hídrico. Para urdir essa licença amplamente
antidemocrática, a Cetesb (órgão controlador do procedimento de licença) realizou apenas 2 audiências
públicas, recusando o pedido da DPE e MP em construir um número maior de audiências em cidades que
serão diretamente impactadas pela termelétrica como S. José dos Campos, Taubaté, Cachoeira Paulista
e Lorena, audiências essas que pela lei deveriam ser obrigatórias. Em razão da série infinda de nulidades
no procedimento de licença ambiental emitida pelo Estado de São Paulo, o Ministério Público, através do
GAEMA do Vale do Paraíba e a Defensoria Pública de São Paulo, através de sua regional em Taubaté,
construíram conjuntamente a ação civil pública número 323.01.2011.008248-0, que corre perante a 1ª Vara
da comarca de Lorena, visando a suspensão da licença prévia e anulação do procedimento ambiental.
37
Lixo e incineração: uma visão multidisciplinar sobre a destinação ambientalmente...
133
somos, agora, 7 bilhões de indivíduos famintos e vorazes,
todos aspirando a um estilo de vida de primeiro mundo.
Nosso modo de vida urbano avança sobre o domínio da
Terra viva. Consumimos tanto que ela já não consegue
sustentar o mundo familiar e confortável a que nos habituamos. Agora ela está mudando, de acordo com suas próprias
regras internas, para um estado em que já não somos mais
bem-vindos.38
II O LIXO E SEUS VÁRIOS MUNDOS
No fim da década de setenta do século passado, a NASA lançou ao espaço
duas naves não tripuladas, nominadas como Voyager I e II, cuja missão, era a de
explorar e captar as imagens dos planetas localizados no sistema solar externo e
mapear seus satélites naturais, para depois, já nos lindes do sistema, serem ejetadas
para sempre, pela força gravitacional de Júpiter, ao espaço interestelar, onde estão a
vagar até hoje. Seus projetistas inseriram nas Voyagers registros iconográficos denotando saudações em sessenta idiomas, centenas de imagens da vida na Terra e um
acervo fonográfico com inúmeras canções, inclusive uma brasileira para, quem sabe,
um dia esse acervo servir para que alguma forma de vida evoluída possa saber sobre
os pequenos fragmentos de nossas vicissitudes.
Esses registros de dados foram projetados para resistirem à hostilidade do
cosmo por cerca de 1 bilhão de anos.
Entalharam nas naves mapas indicando a localização exata do planeta no
universo.
Hoje, pelo menos uma das Voyagers está a vagar, numa velocidade de 70 mil
Km por hora, pelo vácuo interestelar39 rumo a seu destino. Com certeza se tornará
mais um dos milhares de rebotalhos espaciais, como fragmentos de propulsores de
foguetes, satélites com defeito, pedaços de ferramentas de astronautas, e sucata
espacial que orbitam a Terra como adorno, e aviso, sobre nossa capacidade triunfal
de a tudo poluir, sujar, produzir monturos não só no espaço cósmico como, também,
em oceanos.
O sistema econômico é prolífico em produzir lixo, já que seu desenvolvimento é
assentado no consumo compulsivo de produtos e engenhos em que a evolução tecnológica impregna elementos cada vez mais poluentes, impulsionados por massivas
propagandas que servem para turvar e aniquilar o senso crítico e conduzir a massa
de potenciais consumidores a pautar suas existências no mundo do ter.
A cada engenhoca eletroeletrônica de cores rebrilhantes que é introduzida no
sacrossanto mercado, a compulsão para a aquisição irresponsável introduz no meio
ambiente uma desova imensurável de detritos cuja desaparição, em face aos consumidores, é materializada na ação, singela, de lançar o descarte indesejável em um
saco plástico, levá-lo aos monturos para que alguém, ou algum serviço público de
limpeza, o afaste da visão de quem, um dia, o adquiriu.
38
op. cit. p. 20.
39
SAGAN, op. cit., p. 266.
134
Revista da Defensoria Pública - Ano 5 - n.1 - 2012
Jamais nos preocupamos, ou refletimos seriamente, para onde vão esses rebotalhos.
O sistema é engendrado por teorias econômicas que veem os recursos naturais como simples mercadorias, com um potencial específico de valor. Nas teorias
econômicas, os limites planetários e a vastidão oceânica de resíduos quase nunca
são devidamente considerados.
Além da compulsão acerba de consumo que nos é imposta cotidianamente
pelo modelo desenvolvimentista, expoente máximo desse mundo cuja modernidade
coincide com a artificialização da natureza e de nossas vidas, o capitalismo é ainda
estruturado pelo dogma da obsolescência programada, pela qual os produtos são
projetados para terem uma durabilidade limitada, fomentando um ciclo massivo de
consumo quando ultrapassado o prazo de funcionamento da mercadoria40.
A prática industrial de urdir um limite de funcionalidade nos produtos industriais
começou na década de 20 do século passado, em um pacto enfeixado pelas indústrias de lâmpadas.
Originalmente, as lâmpadas eram concebidas com a validade ilimitada. Existem
até hoje lâmpadas funcionando perfeitamente após 100 anos de sua fabricação. Hoje,
pela imposição desse cartel industrial, as lâmpadas têm a eficácia medida em horas.
Essa lógica se expandiu, no mundo capitalista, para quase todas as formas de
fabrico, desde os alimentos até os utensílios domésticos, abarcando, nos dias que
correm, os eletroeletrônicos e os aportes funcionais da informática.
Mauricio Waldman corrobora estas induções quando averba tratar-se da “obsolescência planejada”:
Que transforma equipamentos como refrigeradores, rádios
e aparelhos de TV em tralha em lapsos cada vez menores
de tempo. Em 1997, a vida útil de um PC era em média de
seis anos. Contudo, a corrida tecnológica abreviou a validade dos equipamentos para apenas dois anos. Assim, esta
classe de detritos representa, nos dias de hoje, cerca de 5%
dos resíduos sólidos domiciliares gerados no planeta. São
50 milhões de toneladas anuais de resíduos eletroeletrônicos, quantidade suficiente para lotar vagões ferroviários
de carga dando a volta completa na circunferência terrestre
(...) A carência de áreas para disposição final se agrava devido à lenta degradabilidade destes resíduos: um simples
monitor pode requerer 300 anos para se decompor.41
Sobre o tema da obsolescência programada, ver documentário com esse mesmo nome, da cineasta
Cosima Dannoritzer, produzido pela TVE-Televisão Espanhola: jornal o Estado de São Paulo, caderno
Link, p.2, 23.01.2012. Ainda sobre o tema: Waldman, Mauricio, op. cit. p. 92. No referido documentário, a
cineasta nos estimula a lutar contra essa lógica capitalista do consumo exacerbado, procurando meios e
formas, factíveis, de repararmos os defeitos de nossos bens e estender-lhes a funcionalidade, evitando,
dentre outras coisas, a produção de lixo.
40 41
op. cit., p. 92.
Lixo e incineração: uma visão multidisciplinar sobre a destinação ambientalmente...
135
A questão dos resíduos eletroeletrônicos carrega um outro agravante, já que
tais restolhos da modernidade são compostos por metais pesados (cádmio, mercúrio,
arsênio, cromo, chumbo), que não possuem função biológica nos organismos vivos e
nos ecossistemas, não são biodegradáveis, tem ação bioacumulativa nos seres vivos
e por isso são extremamente cancerígenos. Sua queima, misturada ao lixo comum,
pode produzir a emissão de dioxinas e furanos na atmosfera, aumentando a propagação de doenças letais.42
Os escombros do modelo econômico não geram problemas somente no tocante à quantidade, mas absorvem grandes extensões de áreas a serem endereçadas
à sua desaparição do mercado consumerista, desmedida sina de contaminação de
diversos ecossistemas e o custo ambiental agregado na estrutura fabril dos produtos,
talvez um dos mais perversos reveses do sistema de produção do lixo.
No que atine aos recursos hídricos, por exemplo, a pegada ambiental do sistema industrial é ciclópica, já que a absorção de água virtual, ou seja, não vislumbrada
nas prateleiras dos supermercados mas necessariamente exaurida no processo de
fabricação das mercadorias, é descomunal. Veja-se estes exemplos: a fabricação de
cerveja consome de 4 a 7 litros de água para produzir 1 único litro da bebida; para a
produção de 1 quilo de açúcar são necessários 100 litros de água; a fabricação de
papel e celulose é uma das mais impactantes. Um quilo de papel significa o desperdício de 250 litros de água. O alumínio, cada quilo consome 100.000 litros de água43.
Na agroindústria os impactos ambientais se multiplicam: a produção de 1 quilo
de arroz reclama o consumo de 1.910 litros de água; cada quilo de milho exaure 1.400
litros, o trigo 900 litros de água para cada quilo; na pecuária só os bovinos exigem o
consumo de 53 litros diários de água ou, em âmbito matemático, 16.193 litros de água
para cada quilo de carne bovina posta nas prateleiras. Para a carne de galináceos,
essa soma de refração do sistema hídrico alcança o número de 3.500 litros de água
por quilo industrializado.
Por esses e outros motivos é que a luta ambiental pela redução na produção
dos resíduos sólidos e sua reciclagem em escala global se intensifica. Na verdade,
cada grama de lixo recuperado ou reciclado implica economia descomunal de recursos naturais, que deixam, com isso, de serem aniquilados no processo produtivo.
Para se ter ideia das ingentes dimensões dos problemas afetos à destinação
dos resíduos, Mauricio Waldman nos conta que o descarte de pneus representa tormento ímpar em termos de solução ambiental.
Averba, mencionado pesquisador, que
Largados ao leú, propiciam a proliferação de insetos;
jogados nos aterros, provocam instabilidade na massa
acumulada de lixo por serem ocos e apresentarem baixa
comprensividade, sendo, portanto resistentes à tração e ao
Mesma ameaça sanitária pode ser vinculada aos resíduos das lâmpadas fluorescentes, pilhas e baterias,
seja de carros ou celulares, fontes intensas de metais pesados, radiação e dioxinas quando incineradas
(WALDMAN, 2010, p. 93)
42
WALDAMN, op. cit., p.115, PORTO-GONÇALVES, op. cit., p.217.
43 136
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esmagamento; sua incineração é problemática por emitir
volume de gases tóxicos e material particulado, o que advoga controle extremamente dispendioso e caro; enterrá-los é por definição um procedimento fadado ao insucesso,
pois contendo muito óleo, eles emergem catapultados pela
infiltração d’água. Não fosse suficiente, sua perdurabilidade
é espantosa: acredita-se que um pneumático pode permanecer incólume entre 1.000 a 10.000 anos (op.cit., p. 88)44
E tudo isso é descartado e misturado nos monturos das grandes e crescentes
aglomerações urbanas que marcam nossa era.
A malha urbana mundial absorve cerca de 77% da água e energia produzidas
no mundo, embora se espalhe por cerca de 6% da superfície terrestre.45
Seus resíduos atingem o assombroso patamar de 30 bilhões de toneladas,
ano, entre rebotalhos domésticos e industriais.46
Os campeões de sujidades são os EUA, que descartam 230 milhões só de
resíduos domésticos por ano, o que representa 31% do total global. Somados ao lixo
doméstico da comunidade europeia e canadense, os países ricos são os responsáveis por 56% do lixo urdido no planeta.
Nos EUA, a média é de produzir-se 2,3 Kg/habitante/dia. Nos países baixos,
1,25; Japão 1,06, No Canadá, 0,99, na Itália 0,96. A América Latina produz anualmente mais de 100 milhões de toneladas de resíduos domiciliares.
As classes ricas brasileiras igualam-se em sujidades com as do primeiro mundo. Nós, nesse item, o alcançamos. Nossos ricos produzem 1,5Kg/habitante/dia de
lixo, enquanto que nossa média é bem mais baixa no que se refere ao estamento
pobre, que é de 0,3kg/hab/dia. A cidade de São Paulo é a campeã dos resíduos
domiciliares, gerando 1,211 Kg/hab/dia, seguida pelo Rio, com 1,162 Kg diários por
habitante.47
As pesquisadoras Paula Lavratti e Vanêsca B. Prestes constatam que, no tocante ao lixo, a situação pátria é preocupante.
O primeiro dado refere-se à quantidade de resíduos coletados, que indica que a massa de lixo coletada ampliou-se de
100 mil toneladas por dia em 1989 para 149 mil toneladas
em 2000 – um crescimento de 49%, enquanto que entre
1991 e 2000 a população cresceu 16,43%48.
44
No Brasil, a disposição final de pneus é regrada pela Resolução Conama nº 416, de 30.09.2009.
Segundo o PNUD – Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento, no mundo a quinta parta
mais rica da população consome 45% de toda a carne e pescado produzidos no planeta; 84% de todo o
papel, 74% das linhas telefônicas, detém 87% da frota mundial de veículos e consome 58% da energia
planetária. Já a quinta parte mais pobre da humanidade, os números seriam 5% da carne e pescados,
1,1% do papel, 1,5% da telefonia e menos de 4% da energia (WALDMAN, 2010, p. 129)
45
46
Ibidem, p. 45.
47
WALDMAN, op. cit., p.40-41.
48 op. cit., p. 9.
Lixo e incineração: uma visão multidisciplinar sobre a destinação ambientalmente...
137
Apenas 32,2% dos resíduos coletados são destinados a aterros adequados, sendo 13,8% endereçados para aterros sanitários e 18,4% para aterros controlados. A maior
parte, ou seja 68,5% dos resíduos gerados são descartados em lixões sem controle.49
No Brasil existem mais de 15.000 lixões, que são depósitos irregulares, descontrolados e clandestinos de descartes.50
O correto, segundo as metas estabelecidas na Política Nacional de Resíduos
Sólidos, introduzida pela Lei n.º 12.305/2010, após a implementação de políticas
públicas voltadas à massificação da educação ambiental para reduzir a produção de
resíduos, seria a concretização de ações para recuperá-los, reutilizá-los e reciclá-los,
e somente a parte inservível, irrecuperável dos resíduos, nominada tecnicamente
como rejeitos, deveriam ser destinadas a aterros sanitários devidamente legalizados,
guarnecidos com mecanismos de contenção de infiltração do chorume nos sistemas
hídricos e solos, adaptados com drenagem dos gases nocivos, como o metano, e a
conversão desses elementos poluentes em adubo, no caso do material orgânico, e
biocombustível, destinação ambientalmente adequada para o metano e outros gases
defluentes da deposição dos rebotalhos.51
Como a maior parte dos resíduos produzidos é lançada sem qualquer tratamento ou controle no ambiente, a contaminação de largas áreas de solo e o sistema
hídrico, além, é claro, da atmosfera, são consequências inevitáveis da total ausência
de políticas públicas consistentes no que tange à destinação dos restolhos da civilização.
Enfatiza Maurício Waldman que
O chorume é, ao lado do plutônio e da dioxina, uma das
três substâncias mais perigosas produzidas pelo homem.
O líquido (também conhecido como sumeiro, chumeiro,
calda negra, líquido percolado ou lixiviado) se forma com
a deterioração dos materiais putrescíveis presentes na fração úmida do lixo. À medida que percola pelos monturos, o
chorume arrasta consigo metais pesados que se desprendem dos rejeitos que encontra pelo caminho. Por si só tal
característica tornaria a calda negra uma ameaça direta
ao meio ambiente e a todas as formas de vida. Porém, no
que seria quase inacreditável, este fluido chega a ser, no
tocante às demandas química e bioquímica de oxigênio,
cerca de 200 vezes mais agressivo do que o esgoto. O lixiviado literalmente devora o oxigênio das águas, eliminando
a vida aquática e tornando-as impróprias para o consumo
humano.52
49
Ibidem, p. 9-10.
As pestilências, cujos vetores, habitam esses monturos, são: hantavirose, dengue, toxoplasmose, peste
bubônica, tiquinose, teníase, leptospirose, malária, febre amarela...
50
51
LAVRATTI, Paula; PRESTES, Vanesca B., op. cit., p. 12.
52 op. cit., p.107-108. Waldman ainda alerta para a grande capacidade dos depósitos de lixo produzirem
Revista da Defensoria Pública - Ano 5 - n.1 - 2012
138
O amontoado transbordante de resíduos se perfilam pelo ambiente, flagelando
e matando os rios e acabando por desovar nos mares.
Conforme dados do Programa Ambiental das Nações Unidas (PNUMA) a cada
2,5 quilômetros quadrados da superfície dos oceanos se é possível encontrar 46 mil
fragmentos de plástico, resíduo que responde por 70% da poluição das águas.53
Ainda com amparo em Maurício Waldman, no norte do Oceano Pacífico, espaço onde o problema alcançou um nível de gravidade verdadeiramente surrealista, o
plástico estaria formando o primeiro continente artificial da história, um vasto território
formado por 100 milhões de toneladas de refugos. Tecnicamente conhecido como
Grande Vórtice de Lixo do Pacífico, este monturo flutuante é delineado pelas correntes marítimas, formando duas áreas de concentração de detritos – ocidental e oriental
– ambas com metros de espessura nos seus pontos mais críticos.
Esse continente de lixo ostenta uma superfície de 15.000.000 de Km2, isto é,
cerca de duas vezes a extensão total do território brasileiro.
Os componentes mais comuns, nesse continente, são tênis, brinquedos,
tampinhas, garrafas PET, escovas e pastas de dente, chupetas, bolas de futebol,
sacolinhas, quase tudo de plástico.54
Não sem razão, o geógrafo francês Jean Gottman chama nosso tempo de a
Era do Lixo.
O antropoceno, como visto, inspira várias análises e denominações.
Uma delas poderia ser a Era da Injustiça Ambiental, posto que a maior parte
dessas deposições de rebotalhos talhados pela modernidade é estocada, propositadamente, nos ambientes povoados pelas comunidades pobres.
A construção do termo, nos conta Carlos Walter Porto-Gonçalves,
Teve como marco a experiência de luta concreta dos moradores de Afton, condado de Warren, na Carolina do Norte,
EUA, em 1982. Ao tomarem conhecimento da iminente contaminação da rede de abastecimento de água da cidade,
caso fosse nela executado o plano de instalação de um depósito de policlorinato de bifenil, os habitantes do condado
organizaram protestos, deitando-se diante dos caminhões
que para lá levavam a perigosa carga. Com a percepção
de que o critério racial estava fortemente presente na escolha da localização do depósito daquela carga tóxica, a luta
radicalizou-se, resultando na prisão de 500 pessoas. Afton
era composta de 84% de negros.55
o chorume. Ele noticia que em um aterro de S. Paulo o volume de chorume se perfaz no patamar de 780
litros por minuto, 46.800 litros por hora e 1.123.200 litros por dia (p. 108).
53
Revista Veja, p. 94, 05.03.2008.
54
Op. cit, p. 60-61
55
“A globalização da Natureza...”, p. 386.
Lixo e incineração: uma visão multidisciplinar sobre a destinação ambientalmente...
139
Um dos maiores ícones da Era da Injustiça Ambiental e da lógica capitalista
que domina o antropoceno, é o relatório do economista-chefe do Banco Mundial,
Lawrence Summers, que em atividades preparatórias para a realização da RIO-92,
veiculou a seus pares, no plenário da instituição, em documento que deveria ser sigiloso, porém acabou vazando para a imprensa internacional, a seguinte proposição:
“cá entre nós, não deveria o Banco Mundial estar incentivando mais a migração de
indústrias poluentes para os países menos desenvolvidos?”.
Para fundamentar suas proposições, Lawrence Summers calcava seu texto
nestas premissas:
1 - O meio ambiente seria uma preocupação “estética” típica apenas dos bem
de vida;
2 - Os mais pobres, em sua maioria, não vivem mesmo o tempo necessário
para sofrer os efeitos da poluição ambiental.
3 - Na ”lógica” econômica, poder-se-ia considerar que as mortes em países
pobres têm custo mais baixo do que nos ricos, dado que os habitantes dos países
mais pobres recebem salários relativamente mais baixos.56
É válido anotar que o absurdo intento discutido internamente pelos gestores do
Banco Mundial sempre foi prática corrente em meio às empresas que mais degradam
o planeta.
Marie-Monique Robin nos relata que a Monsanto, uma das maiores indústrias
químicas do mundo, conscientemente despejou no canal de Snow Creck, na cidade
de Anniston, Alabama, EUA, onde reside a maioria negra da cidade, milhares de toneladas de PCB – um dos elementos químicos mais letais já produzidos pelo engenho
humano – causando a contaminação de milhares de pessoas pobres que residiam
nas proximidades do canal, que morreram de cânceres e mutilações genéticas.57
Waldman, tantas vezes citado, ressalta que neste
Aspecto, a lógica da destinação dos resíduos, reforçando
políticas de ‘punição da pobreza’, termina por deslocar os
efeitos perversos do seu descarte para as áreas periféricas
das cidades. Não haveria como desmentir: equipamentos
como lixões, aterros, incineradores, depósitos de sucatas e
‘áreas de desova’ possuem localização preferencial exatamente nas áreas habitadas pelos ‘de baixo’.58
O tema levou à consolidação da Convenção da Basiléia, em 1988, no intuito
de se regrar a transposição de resíduos tóxicos, especialmente os provenientes da
indústria química e de eletroeletrônicos, aos países pobres.
Todavia, por motivos de corrupção governamental, desdém sanitário, flexibili ACSELRAD, Henri. “O meio ambiente entre o mercado e a justiça”. Suplemento especial sobre desenvolvimento sustentável do jornal Le Monde Diplomatique Brasil, edição de dez-2011, p. 14 do suplemento.
56
57
In: “O Mundo Segundo a Monsanto”, editora radical livros, SP 2008, p. 33.
58
op. cit., p.63.
Revista da Defensoria Pública - Ano 5 - n.1 - 2012
140
zação das normas protetivas ao meio ambiente, nações como Nigéria, Somália, Haiti,
Iraque, Zimbabwe, recebem rejeitos perigosos em seus territórios.59
No mundo lixo, os restolhos, detritos, rejeitos, descartes, sujidades das mais
variadas matizes fazem parte de quase toda e qualquer atividade humana.
Sejam os pacotes de pipoca, garrafas plásticas, sacos de batatas a decorar
os ambientes após as sessões de cinema, teatros, congressos, jogos esportivos ou
shows de rock, até o lixiviamento, invisível, mas infecto, penetrando pelos recônditos
da terra, o lixo é o retrato mais fiel, a mais alta iconografia deste modelo econômico
que se impõe e robustece pelo consumo exacerbado, desnecessário, mais das vezes
inflado por um simples modismo ou singela vontade de ter.
Para o Antropoceno, o ‘mundo lixo’ talvez seja a metáfora mais fiel a esta
nossa modernidade, onde escasseia inteligência e triunfa a mediocridade.
Talvez tenha faltado uma foto no acervo da Voyager.
III – INCINERANDO A LEI
Existe no país um acervo normativo que, de uma forma esparsa, tenta regrar a
destinação adequada de alguns resíduos sólidos perigosos.
Essas normas instituíram um importante mecanismo nominado como Logística
Reversa, que obriga o próprio produtor a ofertar a destinação ambientalmente adequada aos produtos, com potencial nocivo ao ambiente ou à saúde pública, após o
término de seu ciclo utilitário.
Ou seja, é uma forma de obrigar o próprio sistema produtor do resíduo a dar
cabo de sua destinação ambiental, seja reaproveitando-o, recuperando-o ou reciclando-o para nova introdução no mercado, isentando o Poder Público, em especial os
contribuintes, de carregarem nas costas os custos severos dessa solução residuária
de um rejeito que só proporcionou lucros ao sistema.
Alguns mecanismos de logística reversa há muito em vigência no país – mas
convenientemente não divulgados como manda a norma – referem-se a materiais
perigosos e amplamente impactantes ao meio ambiente como baterias automotivas
ou de celulares, pilhas em geral cuja logística reversa é regulada pela Resolução
CONAMA n.º 257/99; Pneus, pela Resolução CONAMA n.º 416/2009 e embalagens
de agrotóxicos, tratada pela Lei n.º 9.802/89.
Por conterem metais pesados e outros componentes químicos altamente letais
ao meio ambiente, esses produtos, quando encerrado o ciclo de vida de sua utilidade,
devem ser, pelos consumidores, devolvidos aos estabelecimentos comerciais onde
adquiridos, os quais, posteriormente, o encaminharão ao fabricante para a destinação
Lembra Waldman o rumoroso incidente envolvendo centenas de toneladas de lixo britânico enviadas
ao Brasil em 2009, operação fraudulenta, licenciada com base em documentos que autorizavam o recebimento da carga para fins de ‘reciclagem’. Outro criativo expediente utilizado pelos países centrais tem
sido a ‘doação’ de equipamentos fora de uso para populações carentes a título de ‘inclusão digital’. A
cidade de lagos, na Nigéria, recebe diariamente 500 toneladas de equipamentos para esta finalidade. Em
média, apenas 25% do material pode, de fato, ser aproveitado (op. cit., p. 102). Ainda sobre o tema veja o
documentário, já referido, Obsolescência Programada.
59 Lixo e incineração: uma visão multidisciplinar sobre a destinação ambientalmente...
141
ambientalmente adequada, uma logística que, como se percebe, aproveita toda a
estrutura já existente no eixo de produção, distribuição e comercialização dos produtos, invertendo essa estrutura no momento de ordenar a destinação adequada dos
resíduos.
Embora obrigatória a publicidade desse mecanismo, comando impresso em
todas a resoluções e leis referidas, nem os governos (sem suas várias esferas) tampouco as indústrias ou comerciantes desses produtos, se preocupam em divulgar
esse direito de indiscutível significado ambiental.
Essa prática de devolução desses materiais ao ciclo produtivo após o uso,
deveria, obrigatoriamente, constar, em destaque, em todas as embalagens.
O tormentoso tema inerente à destinação dos resíduos sólidos vinha, desde
a edição da Lei Federal n.º 11.445/2007, instituidora das diretrizes nacionais para o
Saneamento Básico, sendo inserida nesse campo. Até então, o tratamento e destinação final do lixo doméstico e originário da varrição dos logradouros públicos, segundo
o texto do art. 3º, I, alínea “c”, da mencionada norma, eram tratados na órbita do
saneamento básico.
A responsabilidade direta pela gestão, fiscalização e execução das políticas e
serviços públicos afetos aos resíduos sólidos é atribuída, pela Constituição Federal,
aos municípios (art. 30, V).
Para emprestar regramento coeso e efetivo à matéria tão malbaratada no histórico da administração pública, e privada, do país, após mais de duas décadas de
estagnação nos escaninhos do Congresso Nacional, adveio a Lei Federal n.º 12.305,
de 02 de agosto de 2010, diploma de ordem pública e aplicação cogente, que tem
por escopo estabelecer conceitos, objetivos, prioridades e instrumentos para a plena
efetivação de uma Política Nacional de Resíduos Sólidos.
Segundo a conceituação trazida pela norma, resíduos sólidos são considerados todo material, substância, objeto ou bem descartado resultante de atividades
em sociedade, a cuja destinação final se procede, se propõe proceder ou se está
obrigado a proceder, nos estados sólido ou semissólido, bem como gases contidos
em recipientes e líquidos cujas particularidades tornem inviável o seu lançamento na
rede pública de esgotos ou corpos d’água, ou exijam para isso soluções técnicas ou
economicamente inviáveis em face da melhor tecnologia disponível (inc. XVI, art. 3º)60
Esse diploma incorporou o consigna idealizado no campo da Educação Ambiental dos “3 Rs”: reduzir, reutilizar e reciclar,61 de modo a afastar a ideia de incineração que, como veremos mais detalhadamente adiante, é extremamente deletéria.
Esses escopos se evidenciam a partir do artigo 7º da Lei n.º 12.305/10, que
preceitua serem objetivos da Política Nacional de Resíduos Sólidos:
I proteção da saúde pública e da qualidade ambiental;
A conceituação é ampla e não está isenta de críticas. Maurício Waldman pondera que a definição é
paradoxal, pois abarcaria os resíduos sólidos, semissólidos e líquidos. Segundo o pesquisador, “acontece
que semissólido não é sólido, ainda que possa ser disposto e tratado como tal” (op. cit., p.75).
60
LAVRATTI, op. cit., p. 6 e WALDMAN, op. cit., p.172. Este autor indica mais um “r”, que seria o primeiro:
repensar o sistema.
61 142
Revista da Defensoria Pública - Ano 5 - n.1 - 2012
II não geração, redução, reutilização, reciclagem e tratamento dos resíduos
sólidos, bem como disposição final ambientalmente adequada dos rejeitos;62
III estímulo à adoção de padrões sustentáveis de produção e consumo de bens
e serviços;
IV adoção, desenvolvimento e aprimoramento de tecnologias limpas como
forma de minimizar impactos ambientais;63
V redução do volume e da periculosidade dos resíduos perigosos.
VI incentivo à indústria da reciclagem, tendo em vista fomentar o uso de matérias-primas e insumos derivados de materiais recicláveis e reciclados;64
VII gestão integrada dos resíduos sólidos.
VIII articulação entre as diferentes esferas do poder público, e destas com o
setor empresarial, com vistas à cooperação técnica e financeira para a gestão integrada de resíduos sólidos;
IX capacitação técnica continuada na área de resíduos sólidos.65
Importante frisar a diferença entre destinação e disposição final dos rejeitos. O lixo, ou seja os resíduos
sólidos defluentes dos descartes do sistema “desenvolvimentista” devem, prioritariamente, seguir os escopos traçados pela norma: primeiro, através de educação ambiental eficiente e massiva, investir-se em um
processo de conscientização populacional para reduzir a produção de resíduos. Segundo passo, reutilizar
os resíduos subjacentes ao sistema. Reciclar àqueles insuscetíveis de reaproveitamento, e somente para
os resíduos não redutíveis aos processos acima referidos, os absolutamente inservíveis para recuperação
e reciclagem, chamados tecnicamente como rejeitos, estes sim, uma pequena dimensão dos rebotalhos,
seriam, então, direcionados à disposição final em aterros devidamente adaptados e controlados. As fases
de recuperação, reaproveitamento e reciclagem encampam o anseio de destinação ambientalmente adequada. Os rejeitos, inservíveis para essas etapas, são o objeto da disposição final em aterros sanitários.
Nesse prisma, os aterros teriam sua vida útil estendida em função da diminuição da quantidade de rejeitos
descartados.
62 A obrigatoriedade de se adotar, nos processos de implementação da Política Pública de Resíduos,
tecnologias limpas contraindica, e enquadra como amplamente ilegal, a instalação de incineradores acoplados ou não com termelétricas (instrumentos do famigerado dogma oficial de ‘recuperação energética dos
resíduos sólidos’, inserido, pelos interesses empresariais, no § 1º do art. 9 do diploma em referência) que,
como veremos, são largamente impactantes à saúde e ao ambiente.
63 O fomento à reciclagem é corporificado em vários dispositivos da lei como, ex., art. 8, III, IV, 9º, caput,
18, II, X, XI, etc.. Em vários desses preceptivos divisamos o dever dos Poderes Públicos em incentivar a
formação de cooperativas de coletores de recicláveis, como forma de resgate da cidadania e expectativa de trabalho digno a milhões de pessoas que vivem desse ciclo. Note-se que esses instrumentos de
estímulo às ações de reciclagem dos resíduos também depõem contra os processos de queima do lixo
que, para mostrar-se economicamente viável às empresas, via de regra estrangeiras, que irão operar
os incineradores e geradores de energia, naturalmente aniquilarão todos esses escopos, desembocando
num ciclo de aumento da produção do lixo para tornar viável a instalação, custosa, dos incineradores e
usinas energéticas (termelétricas) queimando tudo o que vêem pela frente, inclusive a fração recuperável
e reciclável dos resíduos, fator a aniquilar, repise-se, todos esses objetivos.
64 Essa disposição tem sua importância no sentido que, como estamos a perceber, a compreensão dos
fenômenos ambientais derivados da infinda capacidade de nosso modelo econômico produzir resíduos
depende de uma visão multidisciplinar de todos os ramos da ciência enfeixados no tema dessa magnitude. A ampla maioria dos municípios não têm agentes capacitados para empreender os mecanismos
traçados pela Política Nacional. A larga maioria dos governantes, estaduais e municipais, vêem no lixo
mera oportunidade de ganho, como incentivo empresarial de artefatos para sua incineração industrial ou,
simplesmente, “varrendo-o” para debaixo do tapete que encobrem suas mediocridades administrativas.
65 Lixo e incineração: uma visão multidisciplinar sobre a destinação ambientalmente...
143
X regularidade, continuidade, funcionalidade e universalização da prestação
dos serviços públicos de limpeza urbana e de manejo de resíduos sólidos, com adoção de mecanismos gerenciais e econômicos que assegurem a recuperação dos custos dos serviços prestados, como forma de garantir sua sustentabilidade operacional
e financeira, observada a Lei n.º 11.445/2007.66
XI prioridade, nas aquisições e contratações governamentais, para:
a - produtos reciclados e recicláveis.67
b- bens, serviços e obras que considerem critérios compatíveis com padrões
de consumo social e ambientalmente sustentáveis;68
XII integração dos catadores de materiais reutilizáveis e recicláveis nas ações
que envolvam a responsabilidade compartilhada pelo ciclo dos produtos;69
XIII estímulo à implementação da avaliação do ciclo de vida do produto.
XIV incentivo ao desenvolvimento de sistemas de gestão ambiental e empresarial voltados para a melhoria dos processos produtivos e ao reaproveitamento dos
resíduos sólidos, incluídos a recuperação e o aproveitamento energético;
XV estímulo à rotulagem ambiental e ao consumo sustentável.
Para consecução destes escopos, o diploma normativo em testilha delineia,
em seu artigo 8º, os instrumentos da Política Nacional de Resíduos Sólidos, dentre
os quais, destacamos:
I os planos de resíduos sólidos;70
Como já pautado pelo art. 37, caput, da CF. Cf. e artigo 22 do CDC, os serviços de coleta e tratamento
ambiental dos resíduos sólidos devem ser prestados de maneira contínua, obrigatória, universal e eficiente,
sendo um ônus, um dever dos municípios. Devem, como visto, abranger todo o território municipal, posto
inserir-se na política sanitária e de saneamento básico, além da ambiental. Eventual omissão da administração municipal em prestar tais serviços, em especial aos bairros pobres (universalidade) a sujeitará a
eventual comando de ação civil pública, inclusive e em especial, manejada pelas Defensorias Públicas.
Mesma hipótese se apresentará quando o gestor municipal descumprir seu dever de apresentar anualmente o Plano Municipal de Resíduos Sólidos, traçado no art. 18 do mesmo codex. Isso tudo, sem prejuízo
das penas de improbidade administrativa nos termos dos artigos 10 e 11 da lei nº 8.429-92.
66
Mais um dispositivo a reforçar a obrigatoriedade do objetivo de reciclar o lixo.
67 Mais um preceptivo que inviabiliza a contratação de obras para incinerar o lixo, posto que tais usinas
energéticas são amplamente incompatíveis com os valores sanitários e com o meio ambiente equilibrado.
68 Este dispositivo tem como objetivo inserir, obrigatoriamente, os coletores de materiais recicláveis no
sistema da logística reversa, dimensionada no artigo 33 da norma. A logística, vimos alhures, é uma forma
de sujeitar o sistema produtivo dos resíduos, a emprestar destinação ambientalmente adequada àqueles
perigosos ou de difícil disposição. A logística reversa, quando regulamentada, não poderá ser implementada apenas pelo segmento empresarial, alijando os coletores de seu processo.
69
Este preceptivo obriga à realização de planos permanentes e sistemáticos sobre os resíduos e sua
destinação. Esses planos, segundo o art. 14, abarcam várias esferas da administração como plano federal, estadual, municipal, intermunicipais e microrregionais. Registre-se, ainda, que há a garantia legal de
transparência, mediante ampla publicidade e efetiva participação social (inc. VI, art. 14). Infelizmente, como
visto, esse dever de transparência quase não é obedecido por governo algum. Exemplo disso encontra-se
nessa política massiva, em S. Paulo, de incinerar o lixo em escala industrial, política implementada de cima
a baixo, sem qualquer chance de debate com a sociedade civil e comunidade científica. Também, pelo que
se sabe, não há movimentação alguma, em âmbito estadual e municipais, para elaboração desses planos,
70
Revista da Defensoria Pública - Ano 5 - n.1 - 2012
144
II inventário e o sistema declaratório anual de resíduos sólidos.71
III a coleta seletiva, os sistemas de logística reversa e outras ferramentas
relacionadas à implementação da responsabilidade compartilhada pelo ciclo dos
produtos;72
IV o incentivo à criação e ao desenvolvimento de cooperativas ou outras formas de associação de catadores de materiais e recicláveis;73
V o monitoramente e a fiscalização ambiental, sanitária e agropecuária.
VIII a educação ambiental.74
Juntamente com um Plano Estadual, agora é obrigatória a realização de Planos
Municipais de Gestão Integrada de Resíduos Sólidos, cujo conteúdo mínimo deverá
contemplar, dentre outros mecanismos, programas massivos de educação ambiental
que permitam a concretização das metas básicas de não geração, redução, reutilização e reciclagem dos resíduos (artigos 9º c.c. 19, X); incentivo à participação de
cooperativas de coletores de materiais recicláveis e reutilizáveis (XI, art. 19); metas
de redução, reutilização, coleta seletiva e reciclagem (inc. XIV).
Fica evidente que a implementação do sistema de coleta seletiva em todos
através das necessárias audiências públicas, tendo em vista que a obrigatoriedade de sua consecução se
operará a partir de agosto de 2012 (art. 55).
Inexistem inventários eficazes de levantamento e monitoramento da produção de resíduos na maioria
absoluta dos estados e municípios brasileiros. Até mesmo no âmbito federal os dados são precários. Sem
a análise detalhada de todo o trajeto do lixo, desde seu sistema de fabrico, seus componentes eletrônicos,
químicos, matérias-primas, hídrica, sua rede de consumo, quantidade declarada e capacidade de geração
residuária, se tornará impossível o enfrentamento de problema desse jaez.
71
Importante notar que por esse dispositivo a coleta seletiva se torna item obrigatório em todo plano
municipal de resíduos sólidos a partir de agosto de 2012. Ver artigos 18 e 55 da norma, dentre outros
preceptivos correlatos.
72 Numa sociedade tão desigual, milhões de pessoas amparam sua existência, e de seus familiares, no
serviço de coleta de material reciclável ou recuperável, prestando serviços inestimáveis à sociedade e
ao ambiente. Segundo o Movimento Nacional de Catadores de Materiais Recicláveis, em 2008, o Brasil
contava com cerca de 1 milhão de pessoas que viviam da coleta seletiva (WALDMAN, p. 185). O dispositivo em foco obriga a inserção e estímulo organizacional, pelo Poder Público, inclusive, das cooperativas
dos coletores de recicláveis, reconhecendo-os como importantes atores na implementação dessa política
pública. A instalação de Incineradores, por seu turno, irá, literalmente, como já acentuado, queimar milhões
de empregos no setor, aprofundando, ainda mais, a vulnerabilidade social desse segmento.
73 No campo de luta pela preservação ambiental a Educação Ambiental é relevantíssima, talvez a principal
ferramenta, infelizmente tão aviltada no país. A educação ambiental é regulada pela lei nº 9.795-99, e
deveria ser efetivada, através de disciplina própria e por profissionais especializados, em todas as séries
do ensino fundamental, médio e superior, tal a sua relevância, como temos visto ao longo deste ensaio.
Infelizmente, sempre subserviente aos imperativos empresariais, econômicos, mercadológicos e políticos,
essa lei, em seu artigo 10, § 1º, decretou a falência desse instrumento ao dispor que ‘a educação ambiental
não deve ser implantada como disciplina própria específica no currículo de ensino. Assim, a educação
ambiental é espraiada ao longo do ensino fundamental, por várias disciplinas, onde os professores não são
capacitados para disseminar a vasta gama multidisciplinar subjacente ao tema. São disseminadas vagas
noções, sempre do ponto de vista pessoal dos professores, aos alunos. Para conseguirmos a redução dos
resíduos, como aconselhado pela norma, é necessária uma revisão imediata dessa limitação normativa,
revisão essa que, infelizmente, não foi concretizada pelos governos posteriores. Educação ambiental no
Brasil continua sendo uma quimera.
74 Lixo e incineração: uma visão multidisciplinar sobre a destinação ambientalmente...
145
os municípios doravante é obrigatória. A omissão dos gestores municipais permite a
aplicação das sanções afetas aos delitos de improbidade administrativa, como visto,
e obstam o alcance, pelo município respectivo, a recursos federais específicos para
esse segmento (art. 18).
É importante novamente ressaltar que esses planos devem ser produzidos à
mercê de mecanismos que permitam ampla publicidade e transparência de seu conteúdo, bem assim um mínimo de controle social, sob pena de nulificação.
A partir de agosto de 2012, todos os municípios do país e todos os Estados deverão ostentar seus respectivos planos de destinação ambiental de resíduos sólidos
(art. 55). Essa obrigação normativa ostenta nítido color positivo, de forma que a não
observância do prazo e das normas que delineiam conteúdo mínimo a esses planos
permite aos órgãos legitimados, em especial às Defensorias Públicas, o manuseio de
ações civis públicas visando o cumprimento do encargo social, até por que a questão
da destinação adequada do lixo é de interesse integral das comunidades pobres,
da coletividade de coletores de material reciclável e ferramenta importantíssima em
termos de saúde preventiva e ambiental.75
Infelizmente, neste Estado e na grande maioria dos municípios não se antevê
movimentação alguma no sentido da construção desses planos essenciais em termos
ambientais e sanitários.76
Ao contrário, como acenado desde o primeiro tópico do presente ensaio, em
São Paulo e outros rincões do país, divisamos anúncios pirotécnicos atinentes à instalação de incineradores de lixo nos grandes aglomerados citadinos, como solução
mágica, cômoda e fácil para a desaparição do lixo.
Só no Estado de São Paulo, como vimos, o anúncio governamental tende a
impor à sociedade, sem debate algum, a construção de 18 usinas de incineração de
resíduos.77
A título de exemplo, em meados de 2011 a Defensoria Pública do Estado de São Paulo ajuizou, na comarca de Taubaté, a ação civil pública nº 625.01.2011.005232-0, para compelir o município, que não conta
sequer com um aterro sanitário, a efetivar políticas públicas para retirada, cercamento e limpeza de mais
de 18 lixões clandestinos espalhados pelo município, fontes de pestilências mil, em especial a dengue, que
assola a cidade de Taubaté desde 2007. Nunca é demais rememorar que todos os lixões, sem exceção,
são urdidos nos bairros pobres.
75
Curial assinalar-se que em São Paulo a lei nº 12.300, de 16.03.2006, instituiu a Política Estadual de
Resíduos Sólidos, reproduzindo os velhos comandos de “uso sustentável, racional e eficiente dos recursos
naturais” (inc. I, art. 3º), “preservação do meio ambiente e saúde pública” (II, art. 3º); “promover a inclusão
social dos catadores nos serviços de coleta seletiva” (IV, art. 3º); “fomentar a implantação de coleta seletiva
nos Municípios” (VII, art. 3º); O art. 2º, V, dessa norma proíbe práticas que gerem poluição e ordena à formulação de políticas tendentes a reduzir a geração dos resíduos, de modo a vedar a solução incineratória.
76
77 Para De la Torre, em “Termelétricas e democracia” : “Para tentar conscientizar a população e promover o debate até agora sonegado pela administração do estado e dos municípios envolvidos, a Defensoria
Pública Regional de Taubaté e várias entidades da sociedade civil estão promovendo debates e seminários
sobre o tema, enfrentando as conhecidas dificuldades que todos aqueles que lutam pelo fortalecimento
dos princípios democráticos vivenciam neste país, como o ocorrido em Canas, no dia 06 de julho de
2011, quando os debates tiveram que se concretizar em uma rua da cidade, porquê a administração local,
utilizando de seu aparato político e ameaças das mais variadas matizes, impediu que cidadãos e entidades
na localidade disponibilizassem um espaço para abrigar o evento. Em que pesem as conhecidas ações
antidemocráticas de nossos gestores face ao tema ambiental, o evento em Canas se realizou no único
77
146
Revista da Defensoria Pública - Ano 5 - n.1 - 2012
Nos eufemismos neoliberais, a solução incineratória do lixo foi batizada como
“Plano de Recuperação Energética de Resíduos Sólidos”, que visa, em meio à magia
impregnada na retórica oficial, transformar os resíduos em energia elétrica.
Fácil e simples não fosse o comando expresso da norma, como se vai reparando, em impor a obrigação de os Poderes Públicos velarem não para a queima
literal dos resíduos, contribuindo significativamente com o aumento da poluição atmosférica, mas sim em promover ações voltadas à reflexão, redução, recuperação e
reciclagem dos resíduos, como ordena, em letras expressas, o caput do artigo 9º da
sobredita Lei da Política Nacional de Resíduos Sólidos.
É certo que o parágrafo primeiro desse dispositivo (e é nele que se apegam
os administradores) permite, sim, a chamada “recuperação energética dos resíduos”,
mas compreendida em seu prisma ambiental, em transformar a fração orgânica do
lixo, como já foi ressaltado aqui, em adubo por meio de mecanismos de compostagens, e os gases defluentes, em especial o mais abundante deles, o metano, em
biocombustivel, para reutilização na frota dos municípios e regiões metropolitanas.
Esse o sentido teleológico do preceptivo, até porque, como pontua a pesquisadora do ITA, Delma Vidal, via de regra a solução da queima, em grande escala, dos
resíduos sólidos, é implementada em países com pequena disponibilidade de territórios, e mesmo nestes, por pressão da população afetada, esse tipo de tecnologia,
está sendo paulatinamente descartada em razão dos graves impactos ambientais,
por isso, a tentativa das transnacionais que controlam a tecnologia dos incineradores
em travarem acertos com nossos gestores para nos empurrar, goela abaixo, esses
monstrengos em desuso no primeiro mundo, sempre, é óbvio, sem o necessário debate e transparência.78
Ademais, podemos também concluir que, para viabilizar economicamente a
instalação dessas usinas de incineração – obras de grande porte e maciços investimentos – seria necessária a queima integral de todo o lixo produzido nas cidades,
incluindo a fração recuperável e reciclável dos resíduos, o que nos encaminha para
estas inafastáveis conclusões:
1 - A incineração literalmente queimará as possibilidades de concretização dos
objetivos traçados na lei, já que a incineração de todo o lixo impedirá o atingimento
das metas de redução, recuperação e reciclagem;
2 - A incineração literalmente queimará milhões de empregos de milhões de
pessoas pobres que vivem da coleta de material recuperável/reciclável, afrontando
um dos principais escopos normativos, que é o afeto a conferir expectativas de dignidade de vida a esse segmento social;
espaço liberto das ingerências oficiais: a via pública. Das reflexões colhidas sobre a relevância do tema, a
indagação que aflora é a de saber-se para quais interesses se vergam os formuladores de políticas públicas quando fogem do debate democrático como o mafarrico se evade da cruz? Antes que nossos gestores
cometam a insânia de facilitar, com insólita celeridade, a instalação dessas termelétricas na região, se faz
mais do que necessária uma prévia e ampla discussão sobre a capacidade de região, já saturada com
tantas fontes poluentes, absorver o custo sanitário e ambiental dessas fontes sujas de energia”. Artigo
acessível no blog www.progressosustentável.org.br.
De acordo com VIDAL, Delma, estudo técnico, datado de 10.06.2011, sobre o projeto de instalação de
incinerador de lixo em S. José dos Campos, juntado no procedimento de licença ambiental nº 11.220-11 da
Cetesb. Sobre a desativação dos incineradores de lixo na Europa, ver www.wasteincineration.com-news.
78
Lixo e incineração: uma visão multidisciplinar sobre a destinação ambientalmente...
147
3 - A incineração literalmente implicará o estímulo da produção do lixo nas cidades para alimentar, em um circulo vicioso, o funcionamento das usinas de queima,
contribuindo para o aumento exponencial do lixo, e não sua redução.
4 - Como grande parte das cidades sede dessas usinas não terá a capacidade de gerar o volume economicamente esperado de lixo (englobando todo o lixo,
orgânico, reciclável, recuperado, componentes químicos, eletroeletrônicos, etc.) fica
evidente que os incineradores anunciados pelo governo serão acoplados a termelétricas movidas a gás natural para cumprirem as metas de geração energética, o que
multiplicará os impactos ambientais.
Sonia Hess, uma das mais destacadas pesquisadoras brasileiras na área dos
impactos socioambientais derivados das operações das termelétricas fomentadas
pela queima de gás natural, em especial o proveniente da Bolívia, destaca que esse
elemento fóssil é detentor de compostos como o mercúrio, substância extremamente
tóxica e letal à saúde, além de gerar, em suas operações, quantidades significativas
de óxido de nitrogênio. Esses dados, segundo pontua a aludida pesquisadora,
são preocupantes, uma vez que milhares de artigos científicos têm revelado que os óxidos de nitrogênio estão envolvidos no surgimento de diversas condições patológicas, como
impotência masculina, diabetes, supressão da imunidade,
hipertensão, câncer, processos alérgicos e inflamatórios,
problemas cardíacos, entre outros males.79
Importa considerar, ainda, que os incineradores são obras de grande porte, que
exigirão a queima de todo o lixo produzido nos aglomerados urbanos onde instalados, abarcando o aniquilamento do conjunto de rebotalhos aqui inventariados como
a parcela úmida dos restolhos, resíduos de plástico, eletroeletrônicos, componentes
químicos, enfim, provocando a emissão de compostos químicos nocivos na já combalida atmosfera, tais como dioxinas, furanos, além de toneladas de gases agravantes
do efeito estufa, num ciclo de poluição que será coroado com a presença de chuvas
ácidas e outros males.
Uma das principais fontes de dioxinas no ar provêm da queima de lixo, em
especial do material orgânico. Diferentemente dos países do hemisfério norte, nossos
resíduos ostentam larga fração de compostos úmidos, cerca de 52% dos resíduos
que geramos é constituída por material molhado.80
A incineração de resíduos gera pouquíssima energia elétrica em relação aos
estragos ambientais que produz.
Nos EUA, por exemplo, para gerar eletricidade para 28.000 residências, a usina de Andover do Norte (Massachusetts) queima lixo produzido por meio milhão de
pessoas. Calcula-se que se os EUA incinerassem todos os seus resíduos sólidos, a
medida produziria apenas 1% da eletricidade consumida no país.81
“As usinas termelétricas de MS e a saúde pública”, artigo coletado em 15.06.2011 do site www.riosvivos.
org.br.
79
80
WALDAN, op. cit., p. 190.
81
Ibidem, p. 165-6
Revista da Defensoria Pública - Ano 5 - n.1 - 2012
148
Mauricio Waldman pontifica que
A bem da verdade, os compêndios admitem ser a incineração
responsável por componentes tóxicos presentes nos gases
e nas cinzas da combustão do lixo. Dentre os poluentes em
estado gasoso, constatam-se dioxinas e furanos, poluentes
persistentes de natureza tóxica e carcinogênica. A estes,
somam-se compostos clorados, metais pesados, gases
sulfurosos, monóxido de carbono e óxidos de nitrogênio. No
tocante às ejeções sólidas, as cinzas volantes, um material
granulado muito fino, podem esgueirar-se incólumes pelos
sistemas de despoeiramento e ganhar o ambiente externo
aos incineradores. Quando inaladas, são fator potencial
para doenças respiratórias e diversos casos de cânceres.
Por sinal, muitas sobras apresentam elevado nível de contaminação, criando embaraços para sua disposição final.
Isto fica muito claro nas polêmicas internacionais como foco
no descarte das cinzas da incineração, sistematicamente
proibido pelas autoridades de grande número de países.82
Em dezembro de 2009, a revista científica Environmental Health, publicou o
estudo, construído por mais de 10 anos de contínuas pesquisas, nominado como
“Systematic Review Of Epidemiological Studies on Health effects associated with
management of solid wast”, dos cientistas Daniela Porta, Simona Milani, Antonio I.
Lazzarno, Castro A. Perucci e Francesco Forastiere, onde se conclui que a ocorrência
de várias espécies de Cânceres pode aumentar na escala de 35% para as pessoas
que residem num raio de até 10 Km das fontes de incineração, probabilidade mórbida
que se intensifica na medida que a área de moradia se aproxima da fonte de combustão.83
Jamais poderemos deixar esvanecer nos horizontes neoliberais que as bacias
atmosféricas das grandes cidades que sediarão essas termelétricas incineratórias
estão extremamente saturadas, ou seja, não têm mais condições ambientais de absorver tamanha carga de poluição.
Para agravar, ainda mais, a situação, a CETESB (órgão responsável, em São
Paulo, pelo monitoramento ambiental) continua a utilizar parâmetros construídos nos
anos 1990, erigidos na ultrapassada Resolução CONAMA n.º 03/90, para realizar as
avaliações das emissões atmosféricas, o que faz com que, a região metropolitana de
São Paulo, por exemplo, apresente ar irrespirável em quase 70% do ano84/85.
82 Ibidem, p. 164.
Vide inicial da ACP nº323.01.2011.008248-0, ajuizada pela Defensoria Pública e Ministério Público perante a 1ª Vara Cível de Lorena-SP.
83 84
Folha Uol de 09.08.2011
E a área do Vale do Paraíba ostente níveis preocupantes de saturação, conforme desponta a reportagem
do jornal “O Vale”, de 18.6.11 (fls. 346), baseada em avaliações encetadas pela própria CETESB.
85 Lixo e incineração: uma visão multidisciplinar sobre a destinação ambientalmente...
149
A OMS, em 2005, alterou os indicadores de avaliação da qualidade do ar para
todo o Mundo, o que denota a defasagem em termos de controle de poluição atmosférica pela maioria dos Estados brasileiros.
A reportagem veiculada pela agência folha em 08.11.2006, produzida pelo jornalista Thiago Guimarães, é bem elucidativa sobre a questão.
Dessa matéria destacamos os seguintes e emblemáticos excertos:
Novos limites para a poluição do ar fixados pela OMS (Organização Mundial da Saúde) impõem um alerta ao Brasil:
como a legislação nacional é menos exigente, o país pode
estar respirando um ar mais perigoso do que se imagina.
(...)Dos poluentes estudados, MP(material particulado),
ozônio, dióxido de enxofre e dióxido de nitrogênio, a OMS
reduziu os limites dos três primeiros. A norma brasileira, de
1990, aceita concentrações mais altas para os quatro.
No Brasil, por exemplo, o limite considerado seguro de MP
10 – partículas suspensas da espessura de um quinto de
fio de cabelo – é de 150 microgramas por metro cúbico de
ar (média diária). A OMS informou que essa concentração
causa 5% mais mortes do que o novo limite que fixou – de
50 microgramas por metro cúbico.
(...) Os padrões nacionais de qualidade do ar, fixados em
resolução de 1990 do CONAMA, foram inspirados por parâmetros dos EUA.
O médico patologista da USP Paulo Saldiva, que estuda o impacto dos poluentes atmosféricos na saúde humana, disse que as oito capitais brasileiras que medem
a poluição do ar seriam reprovadas pela OMS nas concentrações de MP e Ozônio.86
Incineradores de lixo, como proposto no pomposo plano estadual de “Recuperação Energética de Resíduos Sólidos” são, no limite, usinas termelétricas, já que se
propõe a gerar eletricidade a partir da queima dos rebotalhos.
Para Oswaldo Sevá – pesquisador do Departamento de Energia da Faculdade
de Engenharia Mecânica da UNICAMP, em Campinas-SP – uma das maiores autoridades nacionais em fontes energéticas,
A própria OMS (Doc. 564) entoa a advertência de que “el aire limpio es uno de los requisitos básicos de
la salud y bienestar humanos. Sin embargo, la contaminación atmosférica sigue suponiendo una importante amenaza para la salud en todo el mundo. Según uma evaluación de la carga de morbidad debida
a la contaminación atmosférica hecha por la OMS, cada año se producen más de 2 miliones de muertes
prematura atribuibles a los efectos de la contaminación atmosférica urbana y la contaminación del aire de
interiores (causada por la utilización de combustibles sólidos). Más de la mitad de esa carga recae sobre la
población de los países en desarrollo”. Disponível no site da OMS, acessado em out-2011.
86
Revista da Defensoria Pública - Ano 5 - n.1 - 2012
150
A avaliação das usinas existentes deve ser feita constantemente, em muitos casos, diariamente (por exemplo, emissões pelas chaminés das termelétricas, níveis e vazões das
represas). As melhores avaliações – as mais úteis para as
empresas, para as autoridades, para os vizinhos das instalações são aquelas em que os avaliadores adotam todo
o rigor no emprego das palavras, do jargão técnico, e no
manuseio dos números que representam as grandezas
físicas, e também comerciais. Ao avaliar estamos tratando
de problemas e de atividades que podem significar custos
econômicos e também ambientais e até em termos de saúde e de vidas humanas. Não esquecer que combustíveis
incendeiam e explodem: que usinas nucleares são também
usinas termelétricas, e que podem desarranjar a ponto de
emitir radiações ou até derreter o núcleo, como a usina de
Tchernobyl, na Ucrânia, nos anos de 1980.87
Em resumo – mais uma vez fazendo uso das ponderações de Mauricio Waldman – a incineração resgata pouquíssima energia e para consegui-lo, semeia de uma
ponta à outra uma miríade de problemas. Suspeitosamente, o “resgate energético”,
mais que propriamente uma benesse tecnológica, transparece antes como argumentação para aprovar a queima do lixo. Outra pontuação difícil de contestar é que o
custo da incineração ultrapassa em muito a operação dos aterros. No Brasil, cotações
de preço confirmam que a destruição térmica alcança preços cinco vezes superiores
aos da construção de aterros sanitários. Isto, sem contar que seu funcionamento
contribui para o aquecimento global e para a formação das deposições ácidas”.88
IV DERRADEIRAS REFLEXÕES
De todo o suscitado, resta evidente que a visão multidisciplinar acerca do tormentoso problema do lixo e sua destinação se faz imperiosa diante das incontáveis
variáveis subjacentes à questão ambiental.
Ressuma irrefutável que a política oficial de incineração massiva dos resíduos
sólidos atenta, não só contra o encargo maior de assegurar a incolumidade da saúde
pública, como se mostra ilegal, não só porquê contraria os objetivos traçados pela sobredita lei instituidora da Política Nacional de Resíduos Sólidos89, mas, em especial,
impossibilita a redução das emissões de gases de efeito estufa ordenada tanto pela
Lei Paulista n.º 13.798/2009 como pela Lei Federal n.º 12.187/2009, ambas editadas
para instituir meios de aplacar os efeitos deletérios das mudanças climáticas no país.
É iniludível, sob o aspecto jurídico, que toda a normatização paulista, em es“Usinas Hidrelétricas e Termelétricas”, p. 203. Artigo que instrui a ACP nº323.01.2011.008248-0, ajuizada
pela Defensoria Pública e Ministério Público perante a 1ª Vara Cível de Lorena-SP.
87 88
op. cit., p. 166.
Também contraria os objetivos traçados pela lei estadual instituidora da Política Estadual de Resíduos
Sólidos, lei nº12.300-2006, como vimos.
89
Lixo e incineração: uma visão multidisciplinar sobre a destinação ambientalmente...
151
pecífico a resolução SMA n.º 079/2009, urdida para formalizar a política incineratória
do lixo, se afeiçoa irremediavelmente revogada pelo advento daquelas leis novas e
específicas sobre tema tão relevante, normas que dispõem contrariamente à solução
de queima dos resíduos como reduto final de sua destinação.
A principal solução no tocante à destinação ambientalmente adequada dos
resíduos é a de redução de sua geração, além da materialização de políticas massivas de reciclagem que, no país, abarca muito pouco em termos de recuperação dos
resíduos domiciliares, só 3% do total são reciclados90.
Em que pese os avanços das atividades de reciclagem, no Brasil ela, por questões de viabilidade econômica, atingem, apenas, 5 segmentos, todos da fração seca
do lixo: vidros, plásticos, aço, alumínio e papéis.
Não há uma política pública voltada para a intensificação da reciclagem. Esse
mecanismo de recuperação dos resíduos continua subordinado à lógica mercantilista,
o que é muito pouco face aos agravos ambientais e sanitários que estamos por divisar.
Os efeitos potenciais de massiva instalação de termelétricas no território
nacional vão ser, com certeza, catastróficos, principalmente em face da notória ineficiência governamental em monitorar as atividades empresariais, motivo, pelo qual,
é comum divisarmos as notícias sobre desastres atreitos a desabamentos de prédios, explosões de bueiros, restaurantes, enxurradas em todos os grandes centros
urbanos, vazamento de petróleo, violações do limite de emissões por termelétricas,
qualidade do ar saturada em todas as cidades brasileiras, extinção da vida em todos
os rios de nossas capitais, isso, para não rememorar a indisfarçável precariedade dos
procedimentos de licença ambiental no país.91
Lionel Tiger, antropólogo de renome, aduz que “há uma tendência dos seres
humanos de ver conscientemente o que gostariam de ver. Temos literalmente dificuldades em ver coisas com conotações negativas”.92
Talvez essa concepção genética explique a dificuldade de reconhecermos os
WALDMAN, op. cit., p. 110.
90 Refletindo sobre a mera catadura formal e a fragilidade dos estudos de impactos ambientais de hoje,
assim como o frouxo sistema de avaliação oficial, Carlos Bocuhy indaga, em artigo amplamente fundamentado, sobre “Quais são as nossas salvaguardas? Infelizmente não são as melhores. Vamos refletir
um pouco sobre o sistema de licenciamento. O órgão maior do sistema ambiental paulista é o Conselho
Estadual de Meio Ambiente de São Paulo (Consema). Ao longo do tempo, para agilizar processos de
licenciamento, torna-se cada vez mais apenas um apêndice burocrático do sistema de Meio Ambiente.
Nos últimos dez anos, apresenta perda de instrumentos democráticos, como possibilidade de elaboração
participativa de plano de trabalho para a construção dos EIA-RIMA – Estudo de Impacto Ambiental e
Relatório de Impacto ao Meio Ambiente. Até dois anos atrás, era possível que os segmentos da sociedade
representados no Consema pudessem contribuir apontando quesitos e metodologia a serem utilizados
na avaliação de impacto ambiental – inclusive solicitar nesta primeira fase audiências públicas, já que
a percepção das comunidades é essencial na avaliação dos processos de licenciamento ambiental. Isso
poderia interferir – e interferiu fortemente, nas alternativas locacionais que eram apresentadas nos planos
de trabalho. Hoje essa fase do licenciamento tornou-se uma negociação de balcão entre empreendedor
e governo e só haverá discussão pública quando o EIA-RIMA estiver pronto – sendo então apresentado
à sociedade. Como receita de bolo pronto, neste caso dos incineradores será o governo propondo, protocolando, licenciando e gerindo o processo” (“Termelétricas e Incineradores: por quê, onde e para quem?”,
artigo de setembro de 2011. Disponível em: www.proam.org.br. Acesso em: 28 set. 2011, p. 6).
91
92
Apud Dawkins, Richard, op. cit., p. 248.
Revista da Defensoria Pública - Ano 5 - n.1 - 2012
152
desastres ambientais que estamos gerando, bem assim a aversão atávica que carregamos para conviver com o lixo que produzimos.
Mas há a necessidade do enfrentamento do problema, e existem soluções.
São mais custosas, do ponto de vista econômico, do que a manutenção do “Mundo
Lixo”. Lutar pela preservação da biodiversidade dá mais trabalho do que destruí-la.
Algumas soluções já foram apontadas, e podem aqui serem assim resumidas:
1 - Esforços incondicionais para compelir os formuladores de políticas públicas
a cumprirem as metas de redução de emissões fixadas pelas Leis estadual e federal
de Mudanças Climáticas;
2 - Ações incondicionais para compelir os formuladores de políticas públicas
(sempre abarcando todos os estamentos da administração) a cumprirem os objetivos
e concretizarem os instrumentos traçados na lei instituidora da Política Nacional de
Resíduos Sólidos, tal como exposto ao longo deste escrito, em especial materializando os escopos de repensar a questão do lixo, reduzir sua produção, recuperar os
resíduos e de massiva reciclagem.
3 - Ações intensivas para compelir os formuladores de políticas públicas a implementar a Educação Ambiental em todos os seus quadrantes, inserindo-a, obrigatoriamente, como instrumento primordial nos Planos Municipais, Estaduais e Federal de
Resíduos Sólidos, posto ser ela essencial para conscientizar a sociedade a alcançar
um nível essencial de redução dos resíduos.
É óbvio que inúmeros fatores poderiam ser aqui listados, mas, para os objetivos traçados neste escrito, a síntese acima declinada é suficiente para materializar a
suma dos anseios ambientais cingidos ao tema proposto.
E as Defensorias Públicas, por tudo o que foi vertido, afloram como organismos
essenciais na liça pela implementação das políticas ambientais a serem concretizadas, já que as comunidades pobres que estamos destinados a defender, como visto,
são, em regra, as primeiras vítimas dos desastres naturais defluentes da desestabilização climática.
Para por termo a este já extenso arrazoado – que segue longo pela relevância
do assunto – mais uma vez faremos uso das sublimes reflexões tecidas pelo saudoso
Norberto Bobbio, por nós já referidas em um anterior escrito93. O pensamento do
filósofo italiano é tão preciso aos tempos que correm, que não resistimos, aqui, à sua
reprodução. Sobre as vicissitudes aqui tantas vezes exortadas, Bobbio enunciou:
Alguma vez aconteceu que um pequeno grão de areia levado pelo vento detivesse a máquina. Mesmo que exista um
milésimo de milésimo de probabilidade de que o pequeno
grão, levado pelo vento, vá parar na mais delicada das engrenagens, detendo o movimento, a máquina que estamos
construindo é demasiado monstruosa para que não valha a
pena desafiar o destino.94
DE LA TORRE, Wagner Giron. O direito à moradia. Revista da Defensoria Pública, n. 2, Edepe, São
Paulo, 2009, p. 242.
93
94
Diário de um século, p. 216.
Lixo e incineração: uma visão multidisciplinar sobre a destinação ambientalmente...
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Lixo e incineração: uma visão multidisciplinar sobre a destinação ambientalmente...
Resolução SMA 079/2009
Leis Federais n.º 12.187/2009; 12.305/2010 e 9.802/99.
Leis Estaduais n.º 13.798/2009; 12.300/2006.
Portais: IG. R7, Folha.com,
Jornal Le Monde Diplomatique Brasil, edições de jun e dez/2011.
Jornal O Vale.
Jornal Folha de São Paulo
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