PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC
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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC
PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC-SP Alexandre César Cunha Leite O projeto de desenvolvimento econômico chinês - 1978-2008: a singularidade de seus fatores políticos e econômicos. DOUTORADO EM CIÊNCIAS SOCIAIS SÃO PAULO 2011 PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC-SP Alexandre César Cunha Leite O projeto de desenvolvimento econômico chinês - 1978-2008: a singularidade de seus fatores políticos e econômicos. DOUTORADO EM CIÊNCIAS SOCIAIS Tese apresentada à Banca Examinadora como exigência parcial para obtenção do título de Doutor em Ciências Sociais – linha de pesquisa em Relações Internacionais pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, sob orientação do Professor Doutor Henrique Altemani de Oliveira. SÃO PAULO 2011 Banca Examinadora _____________________________________ _____________________________________ _____________________________________ _____________________________________ _____________________________________ _____________________________________ Agradecimentos Agradeço pela atenção e disponibilidade, desde o primeiro contato, ao Professor Henrique Altemani de Oliveira, que prontamente respondeu ao meu “convite” para ser orientador de uma pesquisa audaciosa e complexa. Professor Altemani é dotado de conhecimento invejável, mas, sobretudo, de uma cortesia ímpar, paciência e, no meu caso, de uma confiança sublime. Sou grato a todo o tipo de contribuição que engrandeça um trabalho de pesquisa, sem receio e sem hesitação e sem distinção de onde seja sua origem. No meu caso, não foram contribuições apenas para a pesquisa, mas para dignificar meu trabalho, ampliar meu conhecimento, alargar meus horizontes, evoluir profissionalmente. Reconheço a importância e rendo graças, particularmente, a todos os professores do Programa de Estudos Pós-graduados em Ciências Sociais da PUC/SP. Dentre esses, cada qual a sua maneira, seja no convívio, seja nas discussões, debates, reflexões propostas ou novas leituras até então desconhecidas contribuíram na minha formação acadêmica, científica e profissional. Cito particularmente os Professores Oliveiros da Silva Ferreira, Noêmia Lazzareschi, Edgard de Assis de Carvalho e Lúcia Helena Vitalli Rangel. Considero fundamental agradecer os Professores Joaquim Carlos Racy e Silvio Yoshiro Mizuguchi Miyazaki, por suas contribuições e, mais relevante ainda, pela proveitosa discussão do tema da minha pesquisa quando da minha qualificação. Ambos de uma cordialidade e polidez apropriada a membros de um sistema acadêmico ético. Agradeço aos amigos que estiveram próximos ao longo do doutorado, pois essa não é uma época fácil, menos ainda para quem se dispõe a cursá-lo, conciliando trabalho, família e estudo. Ao longo dessa trajetória, várias pessoas tiveram singular importância na minha constante vida errante, transitando entre Belo Horizonte e São Paulo, faço meu agradecimento a todos na figura do colega e contemporâneo de doutorado, Tomaz Espósito. Agradeço a contribuição isolada de amigos-professores, seja na fase seminal da ideia, na construção da tese ou em qualquer outro ponto da trajetória do doutorado, pela disponibilidade de tempo para debater e discutir meu tema, propor alterações, indicar leituras, fazer observações, todas elas importantes para essa pesquisa. Nomeio alguns deles, Matilde de Souza, Rafael Ávila, Leandro Rangel, Túlio Sérgio Henriques Ferreira e Eugênio Diniz. Agradeço pela imensa contribuição de minha aluna, orientanda e estagiária de pesquisa Jéssica Cristina Resende Máximo, que trabalhando comigo, trazia grandes contribuições, inclusive críticas reflexivas e ao seu grande senso organizativo que muito me auxiliou ao longo da redação dessa tese. Agradeço, por fim, mas com destaque inigualável, àquelas pessoas que de alguma forma compartilharam comigo o sofrimento, foram solidários e, sobretudo, estiveram sempre ao meu lado para que esse trabalho fosse concluído. Pela ausência em momentos importantes, ou até mesmo pela simples ausência, me desculpo e, simultaneamente, agradeço à Caroline. Sou eternamente grato pela sua paciência, pela compreensão diante da distância, pela dedicação, pelo seu amor e carinho, auxiliando-me diante das diversas eventualidades, diversidades e das dificuldades relativas à administração da vida familiar e do dispêndio de tempo, compensando àquele no qual estive focado em meus estudos. O tempo é fundamental na convivência familiar e na cumplicidade de um casamento e Caroline foi sempre meu refúgio, minha base. Há aqueles que não entendem ainda o significado da ausência, apenas sentem. Então, nada mais justo do que além de agradecer, esperar pelo entendimento que precede a desculpa e pela compreensão dos meus filhos, Bernardo e João Gabriel. Não posso deixar de ir à origem de tudo e agradecer à minha família, toda ela, representada na figura de minha querida afilhada Gabriella e de meu primo-afilhado André. Agradeço a meu pai e, sobretudo, à minha mãe. Sem esses nada seria possível. Léa, sou eternamente grato, sempre serei, tudo o que sou devo você. Ad Matrem: Quia fecit mihi fortis ego sum fortis. Tu es quid factus sum origo. Tenho especial estima pelo meu sogro, Victor, homem forte e perseverante, (teimosia com inteligência - uma excelente combinação) com quem aprendi coisas valiosas, boas referências para a vida. Dedicatória Dedico esse trabalho de pesquisa, estudo e redação àqueles que foram, são e sempre estarão na razão e na origem de todos os meus esforços. À Léa, Caroline, Bernardo e João Gabriel. “Meus filhos, meu tesouro, meu futuro” Jorge Ben. Ítaca Se partires um dia rumo à Ítaca Faz votos de que o caminho seja longo repleto de aventuras, repleto de saber. Nem lestrigões, nem ciclopes, nem o colérico Posidon te intimidem! Eles no teu caminho jamais encontrarás Se altivo for teu pensamento Se sutil emoção o teu corpo e o teu espírito tocar Nem lestrigões, nem ciclopes Nem o bravio Posidon hás de ver Se tu mesmo não os levares dentro da alma Se tua alma não os puser dentro de ti. Faz votos de que o caminho seja longo. Numerosas serão as manhãs de verão Nas quais com que prazer, com que alegria Tu hás de entrar pela primeira vez um porto Para correr as lojas dos fenícios e belas mercancias adquirir. Madrepérolas, corais, âmbares, ébanos E perfumes sensuais de toda espécie Quanto houver de aromas deleitosos. A muitas cidades do Egito peregrinas Para aprender, para aprender dos doutos. Tem todo o tempo Ítaca na mente. Estás predestinado a ali chegar. Mas, não apresses a viagem nunca. Melhor muitos anos levares de jornada E fundeares na ilha velho enfim. Rico de quanto ganhaste no caminho Sem esperar riquezas que Ítaca te desse. Uma bela viagem deu-te Ítaca. Sem ela não te ponhas a caminho. Mais do que isso não lhe cumpre dar-te. Ítaca não te iludiu Se a achas pobre. Tu te tornaste sábio, um homem de experiência. E, agora, sabes o que significam Ítacas. Konstantino Kaváfis (1863-1933). RESUMO Nos últimos 30 anos a China vem apresentando-se ao contexto internacional como uma nação de dinamismo econômico impressionante e, simultaneamente, vem sendo palco de grandes transformações sócio-políticas em seu cenário interno. Sua trajetória de crescimento econômico, de inserção e ascensão internacional chama atenção do mundo para o surgimento de uma nova potência. Essa tese preocupou-se em compreender esse projeto de desenvolvimento nacional chinês, definindo seu ponto de inflexão como o ano de 1978 e limitando o escopo temporal do estudo ao ano de 2008. Para alcançar esse objetivo, os esforços descritivos e analíticos foram repartidos em quatro capítulos. No primeiro capítulo apresenta-se uma breve descrição história do período, tendo como maior preocupação os principais fatos políticos, econômicos e sociais que moldaram o cenário interno da China. Pretende-se dessa forma descrever o cenário da transformação estrutural chinesa que será descrita e avaliada nos capítulos seguintes, todos eles focados na composição de uma compreensão do projeto de desenvolvimento da China e na confirmação da hipótese básica da tese de que a China não pode ser vista como um modelo a ser seguido devido a suas idiossincrasias e singularidades em praticamente todas as áreas sociais que a compõem. O segundo capítulo debate os conceitos de soberania e segurança no contexto chinês à luz da contribuição teórica e do seu passado. Feita essa reflexão e compreendendo a amplitude desses conceitos no cenário chinês e dentro da proposta política e econômica de desenvolvimento nacional soberano e autônomo, parte-se para a discussão da sua ascensão como potência regional e as repercussões desse movimento para a política internacional. O terceiro capítulo busca relatar e conjecturar a respeito das grandes transformações e mudanças políticas implementadas na China no pós-1978, com a ascensão de Deng Xiaoping, e como tais modificações políticas influenciaram na consecução dos seus objetivos norteados pela sua proposta de desenvolvimento nacional. Ainda, como foi possível a convivência de um modelo político particular, caracterizado por um estado-partido com práticas capitalistas adotadas com o fim de melhor adequar sua proposta de inserção internacional. Por fim, no quarto capítulo, busca-se avaliar quantitativamente e qualitativamente a progressão dos dados econômicos e sociais que levaram a China a tal nível de desenvolvimento, compreendendo também sua consistência, mas, sobretudo, suas particularidades que permitam a classificação do projeto nacional de desenvolvimento da China como único. Conclui-se essa tese confirmando a hipótese original de unicidade do caso chinês, do seu projeto de desenvolvimento e que tal experiência pode contribuir com o desenvolvimento de outras nações emergentes, mas de forma alguma se tornará um modelo a ser reproduzido pelas demais nações visto suas particularidades internas e sua forma de adoção. PALAVRAS-CHAVE China, Economia política chinesa, Desenvolvimento nacional, Soberania e segurança. ABSTRACT Over the past 30 years China is presenting itself to the international context as a nation of remarkable economic dynamism and, simultaneously, has been the scene of major socio-political transformations in its internal landscape. Its trajectory of great economic growth, international insertion and sovereign calls attention to the emergence of a new power. This thesis was concerned to understand the Chinese national development project, defining its inflection point as the year of 1978 and limiting the temporal scope of the study to the year 2008. To achieve this objective, descriptive and analytical efforts were divided into four chapters. The first chapter presents a brief history of the period, with the greatest concern of the major political, economic and, social events, which changes that shaped the internal landscape of China. It is intended to describe the scenario this way the structural transformation of China which will be described and evaluated in the following chapters, all focused on understanding the composition of a development project in China and in confirming the hypothesis of the thesis that China cannot be seen as a role model because of their idiosyncrasies and peculiarities in virtually all areas of society that make it up. The second chapter discusses the concepts of sovereignty and security in the Chinese context to the theoretical contribution and its past. Made this reflection and realizing the magnitude of these concepts to Chinese scenery and within the proposed of national development political and economic with sovereign and autonomous, we proceed to the discussion of its emergence as a regional power and the repercussions of this movement to international politics. The third chapter seeks to report and speculate about the great changes and policy changes implemented in China in the post-1978, with the rise of Deng Xiaoping, and how such changes influenced policy in achieving its goals guided by its proposal for national development. Still, it was possible the coexistence of a particular political model, characterized by a state-party with capitalist practices adopted in order to better tailor its proposal for international insertion. Finally, the fourth chapter, we assessed quantitatively and qualitatively the progression of economic and social data to China that led to this level of development, including also its consistency, but above all its particularities that allow the classification of the China´s national project of development as unique. We conclude this thesis confirms the original hypothesis of uniqueness of the Chinese case, your development project and his experience can contribute to the development of other emerging nations, but by no means become a model to be reproduced by other nations because their particularities and their internal form of adoption. KEY WORDS China, Chinese political economy, national development, sovereignty and security. SUMÁRIO Introdução.................................................................................................................... 01. Capítulo 1 – A história recente da China: o período pós-1978................................ 24. Capítulo 2 – O conceito de Soberania e Segurança na China atual........................ 50. Capítulo 3 – A configuração política chinesa e sua relação com seu modelo de desenvolvimento pós-1978............................................................................................70. 3.1 – A transição política Mao Tsé-tung – Deng Xiaoping: como Deng Xiaoping desconstrói a figura política de Mao Tsé-tung ............................................................. 77. 3.2 – Os anos 80: a década de Deng Xiaoping ................................................. 84. 3.3 – A Modernização de Deng Xiaoping e a Estabilidade Política Chinesa.......................................................................................................................... 87. 3.4 – As reformas do setor rural e nas empresas estatais chinesas.................... 91. 3.5 – Capitalismo sem democracia ou Capitalismo com características chinesas? A relação entre o Estado-Partido na China e a iniciativa privada .............................. 115. 3.6 – O governo de Jiang Zemin: o grupo de Shanghai .................................. 120. 3.7 – A quarta geração: O período Hu Jintao ................................................. 127. Capítulo 4 – Inserção Internacional da China e sua trajetória ao desenvolvimento: 1978-2008 ....................................................................................................................136. 4.1 – Conceito de Inserção Internacional: desfazendo os nós conceituais ..... 136. 4.2 – O Sentido do Desenvolvimento Econômico .......................................... 141. 4.3 - Inserção Internacional e Desenvolvimento na China ............................. 146. 4.3.1 - As bases para a abertura na década de 80: as Zonas Econômicas Especiais ......................................................................................................................147. 4.3.2 - Expansão da abertura na década de 90: aspectos políticos e sua influência na estratégica chinesa de abertura para o exterior ......................................151. 4.4 – A inserção chinesa pós-2000 e a influência no desenvolvimento econômico chinês .......................................................................................................................... 163. 4.4.1 - A entrada da China na Organização Mundial do Comércio e suas consequências no movimento de inserção internacional e no seu projeto de desenvolvimento ..........................................................................................................165. 4.5 – A evolução dos indicadores de desenvolvimento socioeconômicos da China: uma análise da trajetória dos dados ................................................................ 174. 4.5.1 – A evolução dos indicadores sociais ........................................ 174. 4.5.2 – Economia política do desenvolvimento chinês: sistema bancário, gestão cambial, desenvolvimento industrial na construção de um projeto nacional de desenvolvimento .......................................................................... 187. Conclusão ...................................................................................................................199. Referências ................................................................................................................ 210. Índice de Quadros Capítulo 3 Quadro 3.1 - Organização política e partidária na China pós-1978: o Partido Comunista Chinês e sua estrutura política....................................................................................... 82. Capítulo 4 Quadro 4.1 Ordem cronológica da implantação das ZEE´s na década de 1980 ..........149. Índice de Tabelas Capítulo 3 TABELA 3.1 – Crescimento do Produto Interno da China – Década de 80.................................................................................................................................. 85. Capítulo 4 TABELA 4.1 – Taxa de Crescimento do PIB Chinês (total e setorial) – em % .................................................................................................................................... 159. TABELA4.2 – Indicadores de Comércio Exterior – em % do PIB............................................................................................................................... 159. TABELA 4.3 – Indicadores dos Fluxos de Mercadorias e Capitais Chineses...................................................................................................................... 161. TABELA 4.4 – Direção do comércio Exterior Chinês – em % do total............................................................................................................................. 161. TABELA 4.5 – Comércio Exterior com os Principais Parceiros .............................. 162. TABELA 4.6 – Evolução da população chinesa e taxa de crescimento anual do PIB (%).............................................................................................................................. 175. TABELA 4.7 – Taxa de crescimento da população, expectativa de vida e renda per capita........................................................................................................................... 176. TABELA 4.8 – Evolução dos indicadores educacionais chineses.................................................................................................................... 183. TABELA 4.9 – Evolução da relação cambial Yuan/dólar (US$) - 19812008............................................................................................................................. 193. TABELA 4.10 – Indicadores econômicos estratégicos da China - 1978-2008 .................................................................................................................................... 197. INTRODUÇÃO Ao final dos anos 70s, como parte de uma campanha de modernização que trouxe à tona a “Grande Revolução Chinesa”, a China emergiu como a nação mais peculiar e ao mesmo tempo de maior dinamismo econômico mundial. Esse dinamismo econômico, que também guarda intima características culturais e sociais, é caracterizado por um projeto de desenvolvimento nacional, focado na modernização econômica e produtiva, inclusão social e avanço da posição chinesa em ordem global. Usando a expressão de James Kinge1, a “China sacode o Mundo”! Acredita-se que esta expressão tenha um sentido mais intenso e complexo. Quando se diz que a China sacode o Mundo, pode-se inferir que a China, durante sua transformação dinâmica, especialmente econômica, tornou-se a maior beneficiária da globalização. Sua participação no comércio mundial seja como exportadora, importadora ou como pólo de atração de investimentos diretos estrangeiros movimentam a economia local e criam um novo catalisador para a economia mundial. Esta dinâmica, movida pela reestruturação econômica e social, quando associada ao processo de abertura decorrente da globalização econômica e da abertura política de diversos países, possibilita à China o acesso a um mercado em crescimento. As estatísticas de crescimento econômico da China reportam as mais altas taxas do mundo a pelo menos 30 anos ininterruptos, observadas desde o final dos anos 70 e início dos anos 80. Tal crescimento econômico tem início com a ascensão de Deng Xiaoping ao poder especificamente em 1978, sendo verificados resultados mais diretos a partir de 1980. A China constitui-se em um caso totalmente distinto de tudo aquilo que foi visto ou estudado pelas mais diversas áreas do conhecimento que buscam compreender os motivos, as causas, os porquês e as consequências de um período de longa transformação social, econômica e política em uma única nação. Resguardando muitas de suas bases culturais, observa-se um sistema político dual – pois guarda bases históricas, especialmente no que concerne à sua organização, e, ao mesmo tempo, aprende a conviver com um sistema econômico cujos resultados protegem a manutenção do status quo das elites políticas dominantes – que convive com reformas econômicas que colocam a China no rol de economias emergentes. 1 KINGE, James. A China sacode o mundo: a ascensão de uma nação com fome. Tradução Helena Londres. São Paulo: Globo, 2007. 1 A despeito de alguns diagnósticos comuns e consensuais, o estudo do desenvolvimento chinês permanece complexo. É aceito pela sociedade acadêmica e pelos analistas internacionais que a China obteve seu crescimento, entre outros fatores2, por intermédio da utilização extensiva de fatores subutilizados. A associação desses fatores à incorporação de tecnologia à parcela da produção agrícola, à existência de alto índice de poupança interna, à disponibilidade de mão-de-obra a custo reduzido e à inserção de altos volumes de investimentos públicos e/ou privados resultaram no seu crescimento. Quando se incorpora o cenário externo favorável ao comércio, tem-se a potência econômica da China contemporânea. Ao mesmo tempo, a China tornou-se, seguindo uma trajetória diferenciada, um país cuja estrutura caracteriza-se por uma evolução tecnológica, um compromissado propósito com o desenvolvimento nacional, um regime partidário incomum e atualmente, a despeito das declarações oficiais não confirmarem este interesse e muito menos este objetivo, o motor da economia mundial. Ao mesmo tempo, este país- continente, potência regional e potência mundial emergente, consegue aglutinar características como problemas de inclusão social, má distribuição de renda e descuido com o meio ambiente. A classificação feita anteriormente da China como um país continente tem fundamentação na imensidão dos seus dados gerais. Sua área territorial é de 9.536.499 km2 e sua população contabilizada em 2010 alcançou o número de 1,33 bilhões de habitantes (cerca de 20% da população mundial)3. A taxa de crescimento da China no ano de 2010 foi de 10,3%, determinando que o país alcançasse o PIB nominal de US$ 6,05 trilhões, ultrapassando a Alemanha como a terceira maior economia do mundo, ficando atrás apenas de EUA e Japão4. Não menos relevante é compreender que a taxa de crescimento da economia chinesa que vem sendo observada a partir de 1980 torna a China uma potência em expansão e seu nível estacionário ainda encontra-se distante. 2 Vale ressaltar que além dos fatores econômicos e da vontade transformadora que impulsionou a modernização econômica chinesa e seu processo de abertura, devem ser destacados o aval político recebido por parte dos EUA, o movimento de reaproximação com o ocidente, bem como a inserção na dinâmica economia asiática no cenário mundial. A diáspora chinesa também pode ser citada como um fator relevante para a fase de crescimento chinesa. Por fim, o elevado volume de investimentos públicos voltados para setores estratégicos da economia, planejando sua inserção internacional nos meios políticos e econômicos. 3 Escritório Nacional de Estatísticas da China, 2010. Ainda segundo os dados recentes, este número supera o somatório de toda a população européia. 4 Foi divulgado na última semana de fevereiro de 2011 um dado de que a China havia ultrapassado o Japão como a segunda maior economia do mundo, mensurada pelo seu PIB. Contudo, estes dados ainda não foram confirmados por instituições estatísticas internacionais que tornem o dado público e crível. 2 Já a denominação de potência emergente deve-se ao fato de que a China vem se constituindo5 como uma potência regional, esforçando-se para ser vista pelos países da região como um importante player para além de suas fronteiras regionais. O país tem assento permanente no Conselho de Segurança da ONU6 e é uma potência nuclear desde 1964. Possui um contingente militar que a distingue da maioria dos países da região e a coloca em um patamar superior à grande parte das nações do globo. Seu orçamento militar figura entre os três maiores do mundo. Essas variáveis associadas à sua taxa de crescimento de dois dígitos longeva, ao seu saldo positivo na atração de investimentos estrangeiros diretos e à sua posição de maior centro comercial7 da economia mundial garantem à China a classificação de potência emergente. Faz-se aqui necessário esclarecer o que se considera neste trabalho como potência regional. Potência regional8 é aquele país que, inserido em um cenário internacional interdependente, faz-se relevante através de seu potencial econômico e político. De forma mais clara e direta, pode-se dizer que uma potência regional é um Estado que tem poder dentro da região na qual se encontra inserido. Logo, uma potência regional deve deter as seguintes características: i) fazer geograficamente parte da região específica mantendo sua identidade própria; ii) ter a pretensão de ser uma potência em nível internacional (independentemente do nível de força do posto almejado); iii) exercer influência nas decisões estratégicas da região; iv) dispor de capacidade militares, econômicos, demográficos, políticos e ideológicos que possam influenciar na decisão dos demais membros da região; v) ser integrada e influenciar na construção da agenda de segurança da região e, por fim, mas de extrema relevância, vi) ser considerado pelos demais países como um Estado importante nas decisões estratégicas da região em relação ao resto do 5 Observa-se que a China vem avigorando esforços para ter um espaço político e econômico na região, não apenas como grande comerciante regional, mas também como uma voz política internacional ativa e soberana. 6 Obtido em 1971 desde a resolução da questão com Taiwan. 7 Por centro comercial aqui se leva em consideração os resultados do fluxo de comércio, o total de importações e exportações, dados de 2010. 8 Uma perspective distinta foi desenvolvida por Oyvind Osterud (1990) que, mesmo usando categorias de Grandes Potencias Regionais, ressalta que tal classificação não deve ser confundida com a de potência regional e potência intermediária. Seu estudo pondera que: “as noções de hierarquia de poder devem incorporar modelos e características de comportamento internacional que ultrapassam o posicionamento dos países em uma escala contínua de poder, atada a uma mensuração objetiva, pois uma tipologia de potências deve ser definida com relação ao papel particular que elas ocupam no cenário internacional” (pp. 05). Para sua formulação do conceito de Grande Potência Regional, Osterud lançou mão de parâmetros tais como: i) países que são geograficamente parte de um sistema regional; ii) países que são capazes de se contrapor a coalizões de Estados da região; iii) países com alta influência nos negócios regionais e; iv) Estados cujo status de potência regional pode estar associado a outras categorias de potências no sentido geral do sistema internacional – grandes, médias, secundárias ou intermediárias. 3 mundo. Essas características permitem a um país estabelecer-se como central na indução econômica e como integrador dos interesses dos países da região. Sublinha-se que, é a capacidade econômica desse país, principalmente, via seu desenvolvimento, que impulsiona o crescimento das demais nações da região. A conotação de potência, para além da força integradora política, reserva-se, sobretudo, à força econômica que exerce um poder catalizador nos países da região. Aqui surge uma indagação: no caso chinês são os indicadores de capacidade econômica e possibilidades futuras de crescimento e desenvolvimento do país que fundamentam sua caracterização de potência regional? Ou será o contrario? Além da capacidade econômica, a vontade política de exercer poder é que possibilita o rótulo de potencia regional? Acredita-se aqui que a posição política da China, interna e externamente, é sustentada pelos seus resultados econômicos. Porém não se descarta que existe uma enorme vontade política na China em exercer seu poder (sua vontade e seu interesse) na região. Contudo, para que esse poder seja efetivo, a China teve que adotar medidas de modernização econômica para se ajustar ao cenário regional e mundial. Considera-se aqui potência emergente um Estado dotado de fatores que o qualifique e permita a atuar de maneira “independente”, influir sobre a decisão de outros Estados e determinar em que condições ele se expressa como potência regional internacional. Dentre estes fatores destacam-se inicialmente a extensão territorial, poder econômico e poder militar. Assim, um Estado que dispõe de força econômica e militar, associada a sua extensão territorial, pode-se tornar hegemônico desde que use com habilidade e coerência a vantagem criada pela sua dotação de recursos. Ainda, para alcançar o nível de hegemônico dentro de uma região ou grupo de países, deve o Estado tornar-se um norte para o estabelecimento de alianças estratégicas na região ou em âmbito internacional9. Moniz Bandeira complementa a conceituação observando que a capacidade diplomática é fundamental para que este Estado exerça seu poder em função de obter um resultado positivo sem que lance mão de um conflito ou uma guerra. O poder, segundo Bandeira é a habilidade de um ator de prevalecer em um conflito e superar os obstáculos encontrados, utilizando a vantagem criada por seus recursos10. Já o potencial do status do poder é uma estimativa dos recursos materiais e humanos que podem ser mobilizados 9 Deutsch, Karl W. On the Concepts of Politics and Power. In. FARREL, John C., SMITH, Asa P. (ed) Theory and Reality in International Relations. NY: London-Columbia University Press, 1967. 10 Citado por Luiz Alberto Moniz Bandeira em http://www.espacoacademico.com.br/091/91bandeira.htm, acessado em 28/03/2011. 4 para que se obtenha êxito na disputa. Portanto, a potência hegemônica é a que habilmente usa seus recursos disponíveis para influenciar a decisão e condução de outros Estados11. Contudo, a trajetória de crescimento da China não esteve tão clara assim durante todo o tempo e o país já experimentou períodos mais sombrios, marcados por indefinição a respeito do seu futuro. Não é intuito usar esta contextualização para descrever a milenar história da China, logo o que segue é uma breve descrição da história recente de transformações ocorridas no país. A fundação da República Popular da China, no dia 1º de outubro de 1949, buscava, sob a tutela de Mao Tsé-tung e seguindo a orientação comunista, a criação de uma nova estrutura social, política e econômica. A esta época, a China não dispunha dos elementos básicos para implementar e, num segundo momento, sustentar um processo de modernização que a transformasse em uma potência global.12 , mesmo que, para alguns analistas, a colocação de Mao Tsé-tung de que a “China nunca mais seria humilhada” já indicava a inicial pretensão chinesa de ser uma potência para não mais sofrer constrangimentos de outras. Simultaneamente, deve-se deixar claro, que a China sempre manteve a percepção de que ela era e o seria sempre o centro dominante regional, seja no quesito cultural seja no que se refere a ordenamento político e econômico13. Inexistia na China, antes de instaurado o novo regime, disponibilidade de capital14, havia excedente de mão-de-obra, porém com baixa qualificação, dispersa em um território de dimensões continentais e sua base produtiva era intensiva em trabalho e com baixo coeficiente de produtividade15. Uma elevada parcela da população estava diretamente ligada a uma economia de subsistência. O país apresentava desenvolvimento industrial irrisório, estava arruinado por uma inflação descontrolada e pelo caos econômico; a população iletrada enfrentava o desemprego e o empobrecimento. O 11 É parte da ideia de potência emergente a existência de uma “vontade política” de exercício de poder no plano internacional. É o que Moniz Bandeira quer dizer com “capacidade diplomática”, ideia aqui corroborada pelo autor. 12 A idéia de potência global pode ser entendida também como um postulante à nova potência mundial ou um novo global player com capabilities suficientes para enfrentar os antigos jogadores do cenário políticoeconômico mundial. 13 Vale ponderar que a vitória do Partido Comunista Chinês deveu-se a uma coalizão com os setores burgueses. Com uma característica pragmática que se repete depois no retorno à Comunidade Internacional – início dos 70 – e igualmente no início do processo de Reformas. Isto é, a comunidade internacional e, principalmente os países envolvidos não suportavam a permanência de um ambiente de guerra civil que vinha do final do século XIX o que gerava o caos econômico descrito, sendo que o interesse de todos convergiam para a criação de um ambiente regional e mundial mais estável. 14 Este processo, como demonstra a teoria econômica, deve ser precedido de um planejamento que vislumbre um processo de acumulação primitiva de capital. 15 O Coeficiente de produtividade é definido pela relação capital investido por unidade de trabalhador. 5 sistema político desagregava e criava severas distorções para um comando unificado e coerente considerando objetivos de desenvolvimento nacional. O novo regime procurou transformar a sociedade e a economia com a socialização dos bens básicos: a terra e a indústria. Eliminada a propriedade privada dos meios de produção, o objetivo seguinte foi o desenvolvimento produtivo e a industrialização, contando, inicialmente, com o uso de recursos internos. Nos três primeiros anos de governo, a ordem política e econômica foi estabilizada, a inflação foi controlada e a produção industrial foi restaurada ao nível existente antes da revolução. As principais indústrias foram nacionalizadas, empresas estrangeiras foram confiscadas e empresas privadas eliminadas gradualmente na medida em que o controle do Estado sobre a economia aumentava. A reforma agrária também foi objetivo essencial buscado pelo novo regime para resolver o sério problema de abastecimento alimentar e de inclusão social, considerando que um dos objetivos primordiais do governo, ao se estabelecer como uma nação socialista, de estabelecer um sistema apoiado na prosperidade com igualdade. No período em que o partido comunista esteve sob o comando de Mao Tsé-tung, a despeito dos esforços empreendidos, a política recebeu prioridade sobre a economia. Entende-se aqui que houve empenho por parte do governo chinês em colocar em prática reformas econômicas, tais como a coletivização do campo ou mesmo as reformas propostas no Grande Salto à Frente. Contudo, o soviet-style, ou seja, um empenho de desenvolvimento econômico socialista de extrema, associado à URSS – União das Repúblicas Socialistas Soviéticas – não obtiveram resultado econômico almejado. Ainda, todas essas medidas, adicionadas da Revolução Cultural, estiveram mais próximas da busca de uma reforma econômica e social que mantivesse a ideologia política do modelo socialista16. Toda atividade política na China era definida em termos “marxistas”. Em 1958, Mao Tsé-tung abandonou o modelo de desenvolvimento soviético, resultado de um rompimento com a URSS. É esse rompimento que leva a China a buscar novos meios de se desenvolver considerando sua estrutura interna apoiada, principalmente, nas modificações implementadas no setor rural da sociedade chinesa. Esse governo introduziu um plano que buscava, ao mesmo tempo, a industrialização e a coletivização, conhecido como o Grande Salto à Frente (GSF). Mas o plano estatal em termos 16 Acredita-se que nos parágrafos seguintes serão expostos com mais clareza os motivos que sustentam esse argumento. 6 econômicos não logrou o sucesso almejado. Além da falta de habilidade administrativa, a retirada de técnicos soviéticos do território chinês e os fracassos consecutivos na colheita de grãos pioraram a situação: a fome generalizou-se pelo país17. A partir de então, duas correntes de pensamento podem ser identificadas dentro do Partido Comunista Chinês: os radicais ou maoístas (esquerdistas) e os moderados (direitistas). Os radicais eram altamente apegados à ideologia marxista-leninista e pregavam um modelo de massa, um governo voltado para o povo, isto é, o igualitarismo e o fim da exploração das massas. A linha moderada enfatizava o planejamento estatal, a liderança burocrática e o desenvolvimento de habilidades e especializações necessárias para o avanço chinês. Os moderados eram mais pragmáticos e não apresentavam a ideologia fervorosa dos maoístas. Após o fiasco do GSF os moderados assumiram o poder. Contudo, insatisfeito com o elitismo burocrático ou por estar fora do poder, Mao Tsé-tung iniciou um novo movimento político, a Revolução Cultural18. Ele estava decidido a erradicar o elitismo burocrático e acusava os dirigentes do Partido Comunista Chinês de afastamento ideológico, assim como acreditava que os soviéticos haviam feito, adotando um caminho capitalista e destruindo a revolução comunista. Mao Tsé-tung, com o apoio ativo da juventude chinesa, incitava o ataque e destruição daqueles culpados de elitismo egoísta, na tentativa de colocar a revolução de volta aos eixos. A revolta estava pautada na teoria maoísta de “revolução permanente”, ou seja, na luta de classe contínua contra a exploração e no uso de violência revolucionária para eliminar os inimigos da revolução e impedir um retrocesso na direção do capitalismo. A violência política levou a uma dilaceração da economia: queda da produção, escassez e inflação. No longo prazo, no entanto, educação, ciência e tecnologia sofreram os piores estragos. A dilaceração da educação superior chinesa, segundo Medeiros (1999), provavelmente retardou o desenvolvimento econômico da China em mais de uma década. Apesar de ter sido gradualmente atenuada desde o início dos anos 70, foi preciso uma década para que a Revolução Cultural fosse totalmente abandonada. Na verdade, ela só teve fim com a morte de Mao Tsé-tung em 1976 e após a eliminação da Gangue dos 4. 17 Ainda é visível em alguns textos com referências mais antigas as indicações de que a China ainda é um pais que tem sérios problemas no abastecimento alimentar. Contudo, este problema aflige determinadas áreas do interior do pais, agrícolas e que eventualmente sofreram com a escassez em decorrência de modificações climáticas ou de desastres naturais. 18 A Revolução Cultural teve inicio em 1966 e durou uma década. Esse movimento foi, na verdade, uma luta de poder dentro do PCC e buscava a fidelidade aos valores marxista-leninistas. 7 A partir de então, a sociedade chinesa reorganizou-se, agora sob os comandos de Deng Xiaoping e de outros moderados. Em 1978, a China iniciou seu processo de reformas econômicas assentadas em um processo de descentralização das decisões econômicas. Segundo Goodman (1995) o princípio chave presente tanto na concepção de Chen Yun19 quanto em Deng Xiaoping era que a maquina estatal chinesa estava over-bureacratized. Desta forma, o aparato estatal não se encontrava preparado para funcionar dentro de uma projeto de modernização da economia, essencialmente, ao inserir princípio de flexibilidade e de inserção ao mercado internacional. Para atingir seu objetivo de abertura e reforma do modelo econômico e político chinês, foi proposto (e implementado) que as unidades de produção tivessem maior autonomia em sua gestão, não somente autonomia diante da interferência do Partido Comunista – que durante a Revolução Cultural determinava as prioridades setoriais, principalmente no setor rural, mas também maior independência diante do próprio governo. A única exceção ao modelo descentralizado implementado eram as chamadas “sizeable entreprises in strategic industries” as quais permaneciam sob maior influencia das decisões estratégicas e prioritárias do governo chinês. Ainda segundo Goodman (1995) the radical dimension in this reform was not simply that enterprises were to be given greater autonomy from government – that had been advocated before – but that the role of the CCP in enterprises and factories was for the first time challenged by the prospect of complete withdrawal. Deng Xiaoping objetivava legitimar o Partido Comunista Chinês, que se encontrava abalado após as malogradas reformas econômicas20 colocadas em prática durante o período compreendido entre a condução de Mao Tsé-tung (1956 a 1976) até a transição para a transformação modernizadora de Xiaoping21. 19 Chen Yun foi um dos líderes mais influentes da República Popular da China e um dos principais líderes do Partido Comunista da China durante quase toda a sua história. Também é conhecido como um dos Big Five da China comunista, juntamente com Mao Tsé-tung, Liu Shaoqi, Zhou Enlai e Zhu De. 20 Grande Salto a Frente e a Revolução Cultural. 21 No que diz respeito ao setor agrícola, pode observer que: “Support for Deng Xiaoping in experimenting with different kinds of decentralization in economic management came from two long-term associates— Wan Li and Zhao Ziyang—both of whom had served under Deng in the Taihang Region during the 1940s and who had worked quite closely with him at various stages since. Wan was also a frequent bridge partner from before the Cultural Revolution and he had been removed from office precisely as one of Deng’s supporters in both the Cultural Revolution and again in 1976. In the late 1970s he was the leading party secretary in Anhui Province where he oversaw the decollectivization of agriculture and the introduction of a ‘responsibility system’; similar initiatives had been implemented there experimentally during the early 1960s, and Deng had discussed their impact in a speech during 1962.13 It was an experience which was to become a model for the rest of China. Essentially the responsibility system meant that each peasant 8 As reformas empreendidas a partir de 1978 basearam-se em um modelo de gradualismo, pragmatismo, de políticas de desenvolvimento locais (Zonas Econômicas Especiais e maior autonomia das províncias) e orientação para o início do processo de abertura econômica gradual, aceitando, a meu juízo, práticas econômicas características do capitalismo. Ainda, foram estabelecidas ordens e prioridades, utilizando um critério de facilidade na implementação das mudanças estruturais. De acordo com Lyrio (2010) citando um interprete de Deng Xiaoping – Wei-Wei Zhang –, há princípios que nortearam as reformas pós-Mao. O primeiro princípio é a concepção people matters, ou seja, uma maior atenção às aspirações da população. O pragmatismo era uma constante. Atingir os objetivos e resultados tangíveis era a meta. Este mesmo pragmatismo foi somado à concepção de que fórmulas prontas e importadas não seriam efetivas na China. Neste mesmo sentido, terapias de choque também não seriam adotadas. As reformas seriam constantes, locais e, sobretudo, graduais. E por fim, e talvez de maior relevância segundo as premissas que serão adotadas neste trabalho, a ênfase no Estado, principalmente nas questões que dizem respeito ao desenvolvimento nacional, na determinação de suas políticas para atingir este objetivo e na estabilidade macroeconômica, conjugados a um processo de aprendizagem que somava as experiências estrangeiras ao coeficiente cultural chinês – selective cultural borrowing. Como em todo caso bem-sucedido de industrialização tardia22, o planejamento, a intervenção, a escolha e o dirigismo estatal são peças fundamentais da estratégia adotada pela China na busca pela modernização da economia. Os objetivos estratégicos formulados por Deng Xiaoping buscavam, concomitantemente, a promoção das exportações e a proteção e desenvolvimento do mercado interno. A criação das Zonas Econômicas Especiais (ZEE) a partir de 1979 destinou-se à promoção de exportações e a política de “portas abertas” liberalizando o acesso aos investimentos externos antes da liberalização das importações atuando como instrumento de proteção do mercado interno. household would farm its own land and undertake responsibility to produce a given output, on a contractual basis, which the state guaranteed to purchase. Any surplus produced by the peasant household could then be disposed of as it chose. Though the context of the late 1970s and early 1980s was very different to the wartime conditions of 1943, these principles—of dual responsibility, and freely disposable surpluses—were those that Deng had advocated to meet the economic problems of the Taihang Region at that time”. (Goodman, 1995: 118). 22 Vide os casos da Alemanha e Rússia no século XIX e da Coréia do Sul e Brasil no século XX. São exemplos de industrialização tardia caracterizadas por uma intervenção estatal na criação de bases para o desenvolvimento industrial das nações. Cada uma a seu modo, mas todas elas sustentadas pela promoção e coordenação do estado. 9 Impressiona neste processo o êxito ao atingir os resultados almejados. Tão impressionante quanto é que sempre, durante todo o processo, figura entre as preocupações internas a estabilidade social e política, ponto este que será trabalhado em um capítulo específico da tese. A posteriormente denominada economia socialista de mercado, segundo alguns autores e pesquisadores do tema, já para outros capitalismo com características chinesas, tinha como objetivo acelerar o crescimento da economia como um todo, assim como, expandir e diversificar a indústria chinesa. A combinação entre economia de mercado e economia planificada é a característica fundamental encontrada na via chinesa de desenvolvimento a partir de 1979.23 Por um lado, empresas coletivas de vilas e municípios (EVC)24, como também os camponeses, ganharam maior autonomia na produção e comercialização a preço de mercados; foi dada maior liberdade de investimento, importação e exportação nas ZEE; e o número de itens sem controle de preços apresentou aumento progressivo. Por outro, o planejamento voltado à maior integração do mercado interno foi intensificado através de empresas estatais; a divisão internacional do trabalho foi ampliada; o controle sobre o câmbio e o monopólio estatal sobre as importações prevaleceram; e os preços dos insumos básicos e alimentos foram mantidos sob controle administrativo.25 A gestão da economia foi possibilitada por uma maior flexibilização e redução do escopo da intervenção estatal nas unidades produtivas. Ao mesmo tempo houve um movimento de centralização de empresas estatais, integrando o mercado doméstico. Segundo Medeiros (1999) a combinação entre um movimento de concentração dos mercados de um lado, e, de outro, em direção da descentralização da execução das ações prioritárias definidas pelo planejamento central da reforma, é um dos fatos mais originais da via chinesa de industrialização. Além da originalidade da economia dual, a China inseriu-se na economia política internacional de modo único, aproveitando uma conjuntura internacional favorável de retorno de liquidez no mercado financeiro internacional e de crescimento de nações relevantes na aquisição da suas exportações e aumento da oferta de insumos produtivos básicos. 23 Ver Medeiros, 1999. Exemplos inúmeros podem ser encontrados na descrição feita por Kinge (2007). 25 A estrutura dual da economia chinesa requer uma estrutura dual de preços. A partir dos anos 1980, tanto produtores rurais quanto as empresas passaram a operar com um sistema de contratos em que, acima das metas quantitativas definidas pelo planejamento econômico, os preços podem variar numa determinada faixa. Nos anos 1990 os bens não-básicos tiveram maior liberdade de preço e as empresas passaram a gozar de maior autonomia e iniciativa. Ver Medeiros, 1999. 24 10 Na década de 1990, a base do crescimento da economia chinesa encontra diferenças quando comparada com a transformação imposta na década anterior. Em um primeiro momento, cabe destacar que sua base de sustentação econômica tem fundamento no volume de investimentos efetivos em estrutura - sejam investimentos estrangeiros sejam investimentos públicos nacionais - e na elevação constante do coeficiente de exportação do país26. Uma particularidade do caso chinês, que pode facilmente ser observada na análise dos dados divulgados por Instituições Internacionais27, é que os resultados positivos das exportações têm elevada correlação com a presença de capital estrangeiro naquele país. A participação de empresas chinesas, perante os dados de empresas de capital estrangeiro, é secundária, quando dispostos em ordem de importância. Daí surge uma variável de relevância anteriormente avaliada, a saber: o processo de inserção internacional da China. Cabe destacar que o crescimento observado nos últimos dez anos, além da base de sustentação supracitada, tem como característica a superutilização dos fatores de produção disponíveis, com notável evolução de dois dados relevantes: a evolução do capital humano e a melhoria nos níveis educacionais e de qualificação de mão-de-obra28. O século XXI tem início com uma grande indefinição no cenário internacional, a saber: o cenário global encontra-se diante de uma unipolaridade, representada pelos Estados Unidos da América ou diante de uma multipolaridade desbalanceada, com a emergência e coexistência de novas potências? Rechaça-se aqui a idéia de unipolaridade. A proposta de multipolaridade desbalanceada29 pode ser definida como uma versão realista para se classificar o cenário internacional atual. A fundamentação para tal argumento é a nova composição geopolítica mundial. Ao lado de uma potência – os Estados Unidos da América – que luta pela manutenção de sua hegemonia, seja por meio de sua proposta econômica, seja devido a seu poderio militar, ou até mesmo através de sua condução moral e intelectual, tem-se em uma outra ponta a China como potência emergente, a Rússia antiga base de 26 Os investimentos totais realizados na China chegaram, no período de 2000 a 2004, ao nível de 45 % do PIB. Fontes: Banco Mundial e Fundo Monetário Internacional. 27 Tais dados podem ser encontrados nos sites do Fundo Monetário Internacional (www.imf.org), do Centro de Informação na Internet da China – China Internet Information Center – ( www.china.org.cn), e do Banco Mundial (www.worldbank.com). 28 Neves, 2006. Deve-se considerar que alguns modelos econômicos que visam explicar o crescimento das economias de países em desenvolvimento destacam que investimentos em infra-estrutura e educação, esta última vista de formas diferenciadas, são premissas para a passagem (ou take off) a novas fases de desenvolvimento econômico. 29 MEARSHEIMER, John J., The Tragedy of Great Power Politics. New York: Norton, 2001. 11 equilíbrio da bipolaridade, a União Européia como um player já organizado no formato de um grupo “coeso”, o Brasil buscando uma inserção política e econômica internacional além de novas potências asiáticas. Todavia, Samuel Huntington aponta para uma nova proposta, a saber: um sistema unimultipolar. Segundo o autor, este sistema é constituído por uma superpotência e diversas potências altamente significativas. A resolução das grandes questões internacionais dar-se-ia pela intervenção consensual desta superpotência sendo, entretanto, corroborada pelos demais estados importantes. Em sua construção Huntington (1999) sustenta os EUA como a potência preeminente, mas incapaz de resolver as grandes questões da agenda mundial. Desta forma, entrariam em cena as potências regionais, predominantes em certas áreas do planeta e interessadas em expandir seus interesses e suas potencialidades para a cena global. Considerando a argumentação de Huntington, pode-se pressupor então a China como uma potência regional já estabelecida e atuando, quando do seu interesse, nas questões relevantes da agenda global. A China despontou então, através do processo descrito acima como uma potência regional e possível potência global. Cabe agora investigar mais detidamente o caso chinês para melhor compreender as nuanças deste processo. É claro que fazer vistas grossas à sua política “mercantilista” agressiva, à sua gestão cambial e à sua política de inserção em novos mercados com intuito de obter melhores posições no mercado global seria temeroso. Mas é análise obrigatória ao investigador mais atento averiguar a formação de estrutura tão eficiente e ao mesmo tempo tão complexa. Isto porque a China vem demonstrando ao mundo que seu projeto “socialista de mercado30” implementado sob os auspícios do Partido Comunista tem características capitalistas marcantes que passam desde um processo de formação bruta de capital fixo administrados de forma planejada pelo Estado, associado a uma gestão digna de outra grande potência capitalista mundial de um sistema financeiro, de crédito e de competição no mercado de bens e serviços, marcadamente, pautada em um sistema nacional de inovação. Segundo Belluzzo (apud Jabbour, 2006) os chineses vêm executando políticas industriais e comerciais de corte nacionalista, protecionista e coordenadas pelo Estado, sobretudo com vistas à formação de uma infra-estrutura produtiva moderna que vem 30 Ou capitalista com características chinesas como afirmam outros analistas internacionais. 12 sustentando seu nível de crescimento. Este movimento constitui-se em um alinhamento decisório orquestrado. Esse se faz necessário essencialmente quando se refere a um período inicial formativo de condições adequadas para que a China, ao postar-se de vez como grande player global, tenha possibilidades tangíveis de obter sucesso na sua empreitada, ou seja, jogue o jogo do mercado internacional em igualdades de condições com seus competidores diretos. Tal estratégia vem permitindo à China estar presente nos principais mercados do globo, estimulando os fluxos comerciais cruzados e atraindo investidores de todos os cantos do mundo capitalista. Compreender como este processo foi estruturado e qual sua trajetória justifica o estudo empreendido nesta tese. A vasta gama de informações existentes, cuja leitura não poderia esgotar-se neste trabalho merece atenção e leitura acurada. Além, faz-se necessário um esforço organizado de compreensão, essencialmente, no sentido de entender o discurso e a ação dos agentes decisórios chineses, sua influência na política internacional e a percepção de outros atores da política global. Diante da situação exposta cima, vem à tona o que desperta interesse, suscita avaliação e reforça a necessidade de estudo aprofundado do assunto: a China adotou políticas totalmente contrárias ao ideário mainstream economic proposto pelos países desenvolvidos, especialmente, pelos EUA. A mão invisível é “perfeitamente” substituída pela mão visível do Estado que anda de “mãos dadas” com outros dois importantes atores internacionais: o setor empresarial nacional e o mercado externo. O primeiro tem origem na flexibilização da gestão das empresas familiares e na modificação da condução político-econômica no meio rural da China. A descrição e discussão desta reforma no meio rural e das modificações nas empresas estatais chinesas estarão presente do capítulo sobre as políticas voltadas para as reformas e que contribuíram para o desenvolvimento econômico da China. Já o mercado externo atua como um financiador complementar ao esforço realizado pelo estado de promover o desenvolvimento. Esta ação faz parte dos efeitos do processo de abertura econômica implementada por Deng Xiaoping pós 1978. Essa discussão fará parte do quarto capítulo dessa tese que versará sobre o desenvolvimento e a inserção internacional da China. O Estado como promotor e coordenador dos rumos do desenvolvimento nacional, estabelecendo um sistema de hierarquização de setores e atividades, o setor privado nacional como colaborador prioritário e maior receptáculo dos incentivos criados 13 pela ação do Estado e o mercado externo como multiplicador, seja do volume de capital seja dos ganhos obtidos com o comércio internacional, formando um conjunto coerente que vem trazendo resultados expressivos à China contemporânea. Estabelece-se aqui que a China não pode ser considerada como um paradigma de desenvolvimento do século XXI e nem se adapta a modelo de desenvolvimento para os países emergentes. A China possui particularidades internas, modelo político diferenciado, potencialidades e fraquezas que não encontram comparações no cenário internacional. Sua proposta de política interna mistura-se com suas decisões e planejamento externo e seu modelo de inserção internacional. Sendo assim, identificar e examinar cuidadosamente as diferenças que tornam a China um caso especial de desenvolvimento e adoção de medidas no cenário internacional fazem parte do escopo desta pesquisa. Compreender as origens das suas decisões internas e como estas afetam sua política externa e, conseqüentemente seu desenvolvimento no cenário internacional também devem ser avaliados ao longo desta pesquisa. Está claro que a bibliografia e a produção acadêmica e científica em torno da China, seu sucesso econômico, seu modelo político e sua inserção internacional é vasta. Realizar a leitura de parcela desta bibliografia, visto que a totalidade é inviável e aglutinar os conhecimentos a respeito das políticas adotadas, do discurso estatal e das bases do sucesso em obter nível elevados de desenvolvimento são motivações suficientes para qualificar a importância desta pesquisa. Isto posto, definem-se abaixo os objetivos, geral e específicos, que servem como base estrutural da tese ora apresentada e determinam a origem de cada um dos quatro capítulos que a compõem. O objetivo geral desta tese é analisar e testar a hipótese, considerando as premissas estabelecidas, de que dadas suas condições estruturais peculiares, seu processo de inserção internacional diferenciado e, a despeito da China ser um país postulante à vaga de potência mundial, tal estrutura não pode se transformar em um modelo geral a ser adotado pelos demais países em desenvolvimento como um paradigma de sucesso. Ademais, considerando sua trajetória histórica recente, especialmente no período pós-1978, procura-se aqui compreender as modificações estruturais ocorridas na China, especialmente na sua condução política, no seu processo de inserção internacional e nas transformações econômicas, os motivos de sua ascensão nos últimos 30 anos. A existência de variáveis intervenientes ao sistema, tais como a estrutura e evolução do 14 Partido Comunista Chinês, a “desobediência” aos ditames do mainstream econômico, a questão cultural, sua posição geográfica e, sobretudo, sua estratégia de inserção e desenvolvimento diferenciadas, tende a tornar o caso da China como um caso que nos possibilita retirar algumas lições, mas não permite que se torne paradigma a ser seguido sem qualquer esforço sério de reformulações e adaptações. Seu processo de inserção internacional e desenvolvimento, por todos os motivos supracitados, deve ser estudado como único e incomum. Para tanto, definem-se os seguintes objetivos específicos: - descrever, por intermédio da análise histórica, as principais reformas estruturais empreendidas pela China que determinaram a alteração do seu perfil no cenário internacional; - compreender a modificação da estrutura política ocorrida na China, partindo das alterações realizadas por Deng Xiaoping, com destino às atuais condições sócio-políticas, e, essencialmente, econômicas do país; - avaliar, de forma acurada e pormenorizada, as estratégias chinesas de inserção externa e seu projeto de desenvolvimento; - compreender a relação entre segurança, soberania e desenvolvimento considerando o caso Chinês como uma distinção dos demais processos de inserção internacional e estratégia de desenvolvimento econômico. Todos esses objetivos específicos supracitados tem como meta demonstrar que o projeto de desenvolvimento chinês é único, singular, e quando se considera seu sistema político-econômico e seu processo de inserção internacional, observa-se que o país não reúne condições, e nem deve ser considerado, como um paradigma de comportamento para os demais países em desenvolvimento, dadas suas peculiaridades histórico-culturais, sócio-políticas e econômicas. Esta tese parte então para uma análise do caso de desenvolvimento chinês partindo de algumas premissas e estabelecendo uma hipótese que sustenta a pesquisa. As premissas são as seguintes: - sustenta-se aqui que a China é portadora de um número elevado de idiossincrasias que a distinguem dos demais países do sistema internacional, portanto, replicá-las ou generalizá-las para a criação de um modelo chinês de desenvolvimento consiste em um erro metodológico; 15 - em decorrência desta primeira premissa e considerando seu histórico, o modelo político da China influencia definitivamente seus resultados econômicos e suas decisões no que diz respeito à sua política externa, logo seu processo de inserção internacional; - é fato que o processo de transformação estrutural implantado na China, predominantemente após 1978, obteve êxito no que concerne ao seu resultado econômico e ao desenvolvimento do país; - este processo resultou também em uma definição de inserção pacífica chinesa no cenário internacional, contudo, este resultado também promoveu a China à potência regional e à postulante a superpotência mundial. Isto posto, pode-se concluir que estes pressupostos que norteiam a definição de uma hipótese a ser comprovada ou desconsiderada, a saber: a China é detentora de peculiaridades que a tornam sui generis no cenário internacional e tal posicionamento não é determinado, primariamente, pelo conjunto de fatores e ocorrências do cenário internacional, mas sim por conta de um projeto interno, de inserção, de ação pensada coerentemente na adoção de sua estratégia de política externa e, posterior diferenciação, do país na cena internacional. Cabe ressaltar, que estas observações acima estão sendo consideradas como parâmetros que deverão contribuir para a construção de enunciados e, conseqüentemente, da hipótese. Ou seja, são pontos de partida, não podendo ser caracterizados como pontos a serem testados. Portanto, a tendência da pesquisa é que seja demonstrado que a China não consiste em um modelo a ser seguido, mas a ser estudado e compreendido de maneira diferenciada. Logo, se questionado sobre a possibilidade da China servir como um novo modelo/estereótipo de desenvolvimento para o século XXI, esta questão teria resposta negativa. Esta sim é a hipótese a ser verificada, obtendo confirmação ou negação. Está aqui então postulado o enunciado que deverá ser verificado. A situação internacional incerta, somada aos traços particulares da formação da sociedade chinesa não nos permitirá colocá-la em um pedestal e debruçar honrarias ao seu modelo de desenvolvimento. Considerando os pressupostos e enunciados, tem-se como hipótese a ser testada a viabilidade da utilização do modelo chinês como um modelo básico e padronizado a ser testado e aplicado em países em desenvolvimento. A hipótese é que esta possibilidade é 16 obstaculizada pelos fatores políticos internos, econômicos e sociais da República Popular da China. Considerando os objetivos descritos para esta pesquisa é de fundamental relevância ter-se clareza do tipo de pesquisa bem como dos instrumentos utilizados para o tratamento das informações. É nesse tópico do trabalho que se define ao leitor o método a ser utilizado na pesquisa empreendida e qual a importância desta delimitação. Para os fins deste trabalho, estabelece-se a pesquisa qualitativa como a base da construção textual. Contudo, não é descartada a utilização complementar da pesquisa quantitativa, especialmente, quando se mostrar necessário uma avaliação e análise de dados. Segundo Flick (2007) a mudança social acelerada e a conseqüente diversificação de esferas de vida fazem com que os pesquisadores sociais defrontem-se, cotidianamente, com novos contextos e perspectivas sociais. São novidades, novas ocorrências, temas situacionais, eventualidades e idiossincrasias que as metodologias dedutivas tradicionais perdem sua capacidade de resposta e fracassam na diferenciação dos objetos. “Consequentemente, a pesquisa é, cada vez mais, obrigada a utilizar estratégias indutivas: em vez de partir de teorias para testá-las, são necessários ‘conceitos sensibilizantes’ para a abordagem de contextos sociais a serem estudados (FLICK, 2007 p. 18)”. Ainda de acordo com Flick (2007), esta percepção vem sendo difundida devido à limitação encontrada pelo modelo originário das ciências naturais, de métodos quantitativos padronizados que objetivavam isolar claramente causa e efeito. Tendo em vista o objetivo de classificar os fenômenos observados, as pesquisas eram então planejadas de uma forma tal que a influência do pesquisador deveria ser excluída ao máximo. Assim, garantir objetividade ao estudo significava em grande medida eliminar a opinião subjetiva do pesquisador. A pesquisa qualitativa oferece ao pesquisador a oportunidade de refletir sobre seu objeto de pesquisa e refletir sobre a sua contribuição na construção do conhecimento. Dentro das ciências sociais isso significa que o pesquisador tem a permissão de comunicar-se com seu campo de pesquisa e com seus membros constitutivos, inserindoos, integrando-os à sua produção de conhecimento. 17 Nesse ponto, far-se-á uma breve exposição das duas abordagens tendo como intuito diferenciá-las. É peça fundamental da engrenagem da pesquisa conceituar adequadamente os métodos para que se tenha clareza que o objetivo aqui não é a exclusão, mas sim a junção pela qualidade das contribuições metodológicas. A exposição não tem o intuito de esgotar o assunto, mas sim descrever de forma sintética as duas propostas metodológicas, do que se trata e como elas poderão contribuir para a consecução do objetivo pretendido com a pesquisa. De acordo com a abordagem quantitativa, os pesquisadores objetivam exprimir as relações de dependência funcional entre variáveis para tratarem dos fenômenos identificando suas relações. Para tanto, procuram identificar os elementos constituintes do objeto estudado, estabelecendo a estrutura e a evolução das relações entre os elementos constitutivos. Seus dados são métricos (medidas, comparação/padrão) e as abordagens são experimental, hipotético-dedutiva, verificatória. A abordagem tem como base as meta-teorias formalizante e descritivas. Sendo assim, o trabalho de pesquisa que tem como fonte de informação dados primários, que podem ser utilizados como fatores explicativos do comportamento de uma variável a ser explicada, pode ser controlado e formalizado via a utilização da metodologia quantitativa. Porém, a generalização e simplificação obrigatórias deste método podem causar limitação da análise e perda de poder explicativo. Ainda, são resultados determinísticos, duros, que reduzem a capacidade reflexiva do pesquisador. Isso se dá devido a certas situações e comportamentos não terem explicação baseadas em algumas variáveis, mas sim em várias e de número absoluto elevado. A utilização do método quantitativo pode proporcionar ao pesquisador uma medida da relação de causa e efeito, quando este pretende alcançar o máximo de neutralidade, objetividade e rigor científico. Mas esta busca, quando não sofre um filtro, especialmente, quando trata de fatos sociais complexos, podem perder sua capacidade explicativa, por relegar a segundo plano os interesses, as ações e o contexto sócio-cultural dos atores envolvidos, as bases históricas, a força do discurso como instrumento não só de comunicação, mas também de convencimento, de reforço argumentativo. Para evitar esta perda, o método qualitativo pode ser utilizado com o objetivo de aprofundamento, de possibilitar a compreensão da complexidade de determinados fatos, ocorrências e processos. 18 Na pesquisa qualitativa, o cientista é ao mesmo tempo o sujeito e o objeto de suas pesquisas. Detectar correlações é de importância fundamental para a pesquisa, mas captar a influência da ação social, seja ela coletiva ou individual, é imprescindível para a pesquisa em ciências sociais (CHIZZOTTI, 2008), (FLICK, 2007) e (DENZIN, 2006). Deve-se salientar que o fato do pesquisador estar inserido no contexto não prejudica de maneira alguma a objetividade do trabalho. Exposta a discussão metodológica, determina-se (então) que a pesquisa aqui apresentada fará uso de um sistema híbrido. Por constituir-se em um trabalho na área de ciências sociais, tendo como linha de pesquisa as relações internacionais e, especificamente, estudando o processo recente de desenvolvimento de um país, torna-se fundamental o uso da metodologia qualitativa, pois esta aumenta o poder explicativo do tema, particularmente, quando este envolve peculiaridades e idiossincrasias, como é o caso desta pesquisa. Ao mesmo tempo, observa-se necessário, em alguns momentos, a avaliação de dados primários que servirão como comprovação de algumas argumentações e assertivas expostas ao longo do texto. Logo, na busca de comprovações objetivas (relações de causa e efeito), torna-se compulsório o uso da metodologia quantitativa. No que diz respeito às fontes primárias, destaca-se aqui o uso de informações disponíveis em organismos de Estado, sejam estes chineses ou originários de outras nações que se façam necessários. Serão de grande os documentos oficiais e discursos dos representantes do Estado chinês realizados em organismos internacionais e fóruns internacionais. A análise destes documentos, publicações de discursos, livros, papers e estudos bibliográficos são elementos essenciais para compreensão da posição do ator e do fundamento de suas decisões concernentes à política interna e externa, modificações econômicas essenciais voltadas ao objetivo prioritário da China de alcançar alto nível de desenvolvimento elevando o coeficiente de inclusão social que ainda merece atenção dos formuladores de política e agentes decisórios. Esta escolha de material justifica tanto a exposição metodológica que se encontra logo à frente no texto, bem como a necessidade de uma leitura analítica de parcela do grande volume de estudos, descrições históricas e textos de opinião existentes sobre a China, certamente um fenômeno que será lembrado na história mundial. Declara-se aqui a preferência por dados disponíveis em instituições internacionais, tal como o FMI – Fundo Monetário Internacional, Banco Mundial e algumas informações 19 retiradas de agências multilaterais. Esta escolha justifica-se devido à convergência das metodologias o que gera para o estudo dois ganhos: a confiabilidade das fontes e a possibilidade de comparação de dados relativos considerando a adoção de uma fonte uniforme de tratamento destes dados. O conteúdo de qualquer comunicação pode ser analisado por intermédio da significância do seu emissor, receptor, da mensagem e do canal usado como comunicação. A fonte da comunicação é o emissor, pois este utiliza-se de comunicação, produz e emite o conteúdo de uma mensagem, supondo um receptor, ou seja, a quem se dirige a mensagem. Para a pesquisa aqui realizada, de forte caráter instrumental, observase que as identificações da fonte emissora das informações e do seu propósito influenciam significativamente na maneira como se compreende a informação. Documentos do governo chinês e pronunciamentos dos agentes decisórios do governo bem como do Partido Comunista Chinês devem ser analisados de uma maneira visto o seu emissor e para quem a mensagem é direcionada. Em alguns momentos identifica-se um componente informacional enquanto em outros, observa-se um tom de discurso, com o objetivo de reforçar sua posição política ideológica. Esta comunicação está traduzida em um documento. Esse pode apresentar-se como uma informação visual, oral, sonora, eletrônica que esteja gravada ou transcrita. Para o caso desta pesquisa, estes são documentos escritos que assumem a forma de documentos oficiais, livros, jornais, revistas, artigos e discussões sobre o tema pesquisado. Esta metodologia pressupõe então que um texto contém sentidos e significados, sejam esses explícitos ou implícitos, patentes ou ocultos, que podem ser apreendidos por um leitor que interpreta a mensagem contida nele por meio de técnicas sistemáticas apropriadas. A mensagem pode ser apreendida decompondo-se o conteúdo do documento em fragmentos mais simples que revelem sutilezas contidas em um texto. Esses fragmentos podem ser palavras, termos ou frases significativas contidas na mensagem. Dentro do corpo da pesquisa, estes instrumentos visam decompor o conteúdo de um conjunto complexo de elementos que compõem um texto e aprofundar o alcance analítico da pesquisa. O estudo dos textos e documentos relacionados ao tema supera a mera descrição e busca uma modalidade de investigação que encontre as origens dos argumentos. Este processo é fundamental para nortear a leitura dos documentos usados, fonte primária da pesquisa descritivo-analítica que se propõe para a tese. 20 Diante do exposto acima, apresenta-se agora a organização desse trabalho. Essa tese encontra-se dividida em quatro capítulos, além dessa introdução. No primeiro capítulo é realizada uma breve descrição da história recente da China, tendo como demarcação temporal essencial o ano de 1978. Destaca-se essa data por se compreender que ela marca uma transição política e econômica no projeto de desenvolvimento chinês. Ainda, ela sinaliza uma ruptura no comando político do país, sinalizando, com a ascensão de Deng Xiaoping, segundo Liseng (2004), profundas mudanças em todas as esferas da vida social, incluindo a economia, a política e a cultura31. Ressalta-se que não há qualquer pretensão de examinar minuciosamente toda a extensão da história chinesa, mas sim destacar fatos e acontecimentos históricos que de alguma maneira influenciam no estudo do projeto de desenvolvimento sócio-econômico chinês no período 1978 a 2008. Nesse sentido, um olhar em alguns antecedentes histórico é fundamental, sendo que esse recurso será utilizado em outros capítulos da tese à medida que se faça necessário. O segundo capítulo dessa tese concentra-se na discussão a respeito de como a China concebe as idéias de soberania e segurança no seu atual contexto. Logo, é interesse do segundo capítulo refletir sobre a seguinte questão: por que é fundamental para o desenvolvimento econômico e social da China e para sua inserção internacional compreender o sentido de soberania e segurança em seu contexto específico? E ainda, considerando o projeto nacional de desenvolvimento, sua inserção internacional e ascensão dentro do atual cenário internacional será pacífica? O que se observa é que, diante do histórico vivenciado pela China, de problemas de invasões e intervenções estrangeiras e de carência no suprimento de bens básicos (principalmente no que concerne à alimentação) à sua população, a base conceitual ocidental de soberania e segurança não são satisfatórias para descrever a concepção existente na China. Logo, faz-se necessário que esse capítulo faça inicialmente uma breve revisão da literatura construindo um eixo teórico que nos permite compreender os motivos pelos quais soberania e segurança são conceitos tão relevantes para a China, especialmente pós-1978, e como esses conceitos diferem da visão tradicional. Ao final desse capítulo, torna-se imprescindível debater com a literatura existente se a forma chinesa de compreender soberania e segurança influenciam suas decisões estratégicas no plano internacional. Tudo indica que essa nova concepção seja essencial para o projeto de 31 Liseng (2004) observa no mesmo texto que há opiniões discrepantes a respeito dessa afirmação, visto que alguns autores alegam que a reforma política ficou defasada frente às reformas econômicas, enquanto outros rebatem que ela fez progresso semelhante e concreto com a mudança no governo. 21 desenvolvimento sócio-econômico da China e, ainda, para seu processo de inserção internacional. Contudo, é fator de apreensão entre a comunidade internacional como a China pretende conduzir sua inserção internacional. Surge então o debate sobre a ascensão pacífica da China. Discussão essa que terá seu lugar ao final do segundo capítulo, sem contudo, entregar ao leitor uma conclusão, visto que o processo ainda não se encontra finalizado e o debate a respeito da inserção internacional da China e sua ascensão, sendo pacífica ou não (e vista aos olhos de que atores internacionais) ainda permanece aberta e bastante densa. O terceiro capítulo dessa tese irá tratar das principais reformas políticas implementadas pelo Estado chinês no período pós-1978. Por reforma política entende-se aqui como um processo organizado e coordenado pelo Estado de readequação das regras e instituições chinesas (e em seu modus operandi) focadas no processo de modernização, de abertura e de preparação para a constituição de sua economia socialista de mercado. Essa observação faz-se necessária uma vez que o termo ‘reforma política’ pode levar a uma compreensão errônea de que reformas políticas são aquelas reformas voltadas para o ajustamento do comportamento político e econômico chinês segundo os anseios da comunidade internacional ocidental. Essa concepção conduz a idéia de que a China está adequando seu modelo de condução política e suas decisões internas à modelos propostos pelo ocidente, especialmente quando se diz respeito a questões como direitos humanos, liberdade de imprensa e expressão, entre outras questões complexas e controversas distanciadas por fatores culturais. Alguns pontos merecem destaque nesse terceiro capítulo. Devido a sua estrutura analítica de um período de transformações políticas que, sobretudo, afetaram o desenvolvimento chinês e seu processo de inserção internacional, fez-se uso nesse capítulo da regressão histórica e de uma metodologia comparativa de forma a expor mais claramente os resultados da reforma estrutural política. Também foi necessário, a meu juízo, expor as diferenças existentes entre a condução de Mao Tsé-tung e seus sucessores, recebendo maior ênfase Deng Xiaoping devido a suas características diferenciadas frente à Mao Tsé-tung e ao seu modelo de gestão da transformação econômica, política e social impostas à China no pós-1978. Também receberam destaque àquelas reformas relacionadas à economia da China, a saber: o setor rural, as empresas estatais e a incorporação de práticas de mercado, na linha capitalista a algumas ações de política econômica. Por fim, foi realizada uma avaliação das ações das gerações posteriores a 22 Deng Xiaoping, tendo o foco em Jiang Zemin e Hu Jintao, destacando seus desafios internos e externos e sua forma de conduzir o Estado chinês diante do cenário internacional. O último capítulo dessa tese faz uma análise dos principais indicadores de desenvolvimento sócio-econômico da China. Seu objetivo é identificar os pontos positivos e negativos desse processo de transformação iniciado em 1978, verificando, ao longo de sua trajetória, a implementação de um audacioso projeto de desenvolvimento econômico nacional e seus resultados. São observados dados quantitativos e realizada uma análise qualitativa desses resultados à luz do que foi expostos e compreendido nos capítulos anteriores. Por fim, segue-se a conclusão do trabalho. 23 1 - A história recente da China: o período pós-1978. Este capítulo tem como objetivo realizar uma breve descrição da história recente da China. Entende-se aqui recente como o período referente à entrada de Deng Xiaoping como centro articulador político da China. A descrição não tem a pretensão de exaurir a descrição histórica chinesa, mas sim de construir um pano de fundo para os três capítulos que virão em seguida, a saber: uma avaliação sobre a relevância do tratamento da soberania e da segurança no atual contexto chinês; uma descrição e avaliação das modificações políticas decorrente da implementação do projeto de desenvolvimento nacional e, por fim, uma análise dos avanços econômicos da China que nos permite avaliar sua trajetória de desenvolvimento. O fim do período Mao e o início da gestão de Deng Xiaoping trouxeram mudanças estruturais para a China que seriam essenciais para o salto econômico e político observado na década de 80. Portanto, ter ciência do pano de fundo desta trajetória de desenvolvimento torna-se fundamental para os objetivos desse trabalho. A descrição segue uma ordem cronológica, destacando as principais ocorrências da história chinesa nesses trinta anos. Inicia-se com a morte de Mao, sua conturbada substituição e as conseqüências desse processo, tendo como final da descrição o período de Hu Jintao, coincidindo com o período delimitado para a pesquisa realizada. De acordo com Karnow (1979), profetizava-se que após a morte de Mao Tsé-tung, em 1976, o Partido Comunista Chinês sofreria com dissensões e oposição de facções internas numa luta interminável pelo poder do Partido e pela condução das diretrizes do Partido Comunista Chinês. Contudo, o autor afirma que rapidamente a ala mais pragmática do Partido conseguiu subjugar seus adversários radicais e o dogma revolucionário que caracterizou a estada de Mao no poder. Segundo Goldman (2008), na Terceira Sessão Plenária do 11º Comitê Central, em dezembro de 1978, o Partido Comunista Chinês conseguiu ser rearticulado em torno de Deng Xiaoping e seus companheiros. O sucessor indicado por Mao, Hua Guofeng, teria sido afastado do cargo de secretário-geral do partido com a ajuda dos militares e substituído pelo discípulo de Deng Xiaoping, Hu Yabong. O cargo de Primeiro-Ministro teria sido ocupado pelo reformista Zhao Ziyang. Assim como afirma Haw (2008), mesmo que Deng Xiaoping não tenha assumido um cargo de extrema importância para o Partido, sua influência em nomeações dentro do Partido e na condução das políticas públicas e econômicas sempre foi muito forte. Já 24 Goodman (1994) observa que Deng era o principal condutor dentro da liderança coletiva chinesa e agia como facilitador para as ações desta liderança. Dessa forma, pode-se afirmar que a contribuição de Deng nas várias reformas políticas e econômicas chinesas foi a de criar condições políticas propícias para que outros pudessem conduzir as reformas sem que Deng estivesse diretamente envolvido nas mesmas. Dessa forma, acredita-se que Deng Xiaoping articulou um sistema de condução política que não estivesse centrado na sua figura, pelo menos sem uma centralização de cargo, a despeito de sua condução do processo de transformação e modernização da China, Deng Xiaoping habilmente soube cercar-se de aliados políticos que sustentassem sua condução sem estar necessariamente à frente de todos os cargos públicos fundamentais. Formalmente, de acordo com Goldman (2008), Deng ocupou, de 1981 a 1989, o cargo de presidente da Comissão Militar Central, mas permaneceu como líder político até sua morte, em 1997. Para a autora, a autoridade de Deng derivava de sua participação ativa na revolução de 1949 e por suas boas relações tanto com todos os setores do Partido como com os militares. Nenhum outro líder chinês gozou do mesmo prestígio e autoridade que Deng possuiu durante todo o tempo no qual ele permaneceu como líder político. Goldman (2008) indica que “nenhum dos sucessores de Deng assumiu sua posição de líder máximo. Pela observação dos modelos de gestão e das posturas desses governantes posteriores a Deng Xiaoping, pode-se afirmar que não havia um líder com a habilidade demonstrada por Deng Xiaoping e, ainda, não havia mais cenário (ou ambiente) para que estes figurassem no mesmo papel histórico de Deng. O direito deles governarem advinha apenas da bênção de Deng” (GOLDMAN, 2008:395). Entende-se, então, que o papel que Deng exerceu na condução política da China foi extremamente forte até mesmo após a sua morte, pois tanto Jiang Zemin quanto Hu Jintao, seus sucessores diretos, foram introduzidos ao círculo da liderança do Partido por Deng. Todavia, mesmo com o grande respeito que Deng gozava entre a população chinesa, o malogro do Grande Salto para Frente, perpetrado entre o final da década de 1950 e começo da década de 1960, e mais recentemente da Revolução Cultural, que ocorreu entre 1966 e 1976, ambos os movimentos conduzidos na era de Mao, teriam 25 deixado a população insegura quanto à legitimidade do Partido e à sua eficiência em governar a nação. Zagoria (1984) argumenta que o país herdado por Deng e seus companheiros passava por sérias dificuldades econômicas e sociais. Notava-se que as novas gerações chinesas queriam libertar-se dos pensamentos revolucionários de Mao e do totalitarismo de estilo soviético dos governantes do partido. Corrobora-se aqui com a afirmação de Zagoria (1984) que observa que até mesmo os líderes da velha guarda concordavam que a sobrevivência política do partido dependia de mudanças drásticas. Haverá um espaço específico na tese destinado ao debate sobre a relação estabilidade política e sucesso das reformas econômicas, pelo menos naquilo que diz respeito ao crescimento econômico observado após a década de 80. Goldman (2008) também aponta que Deng e seus companheiros eram apoiados pela maioria dos membros do Partido Comunista Chinês no movimento de desvinculação da China das “visões utópicas de uma sociedade igualitária e uma luta de classes sem fim, mas também [d]o modelo stalinista do controle estatal da economia, coletivização da agricultura e [d]a ênfase na indústria pesada que a China copiara da União Soviética” (GOLDMAN, 2008:373). Dessa forma, Goldman (2008) afirma que, para Deng, o Partido Comunista Chinês só se sustentaria no poder se conseguisse melhorar o padrão de vida da população. De acordo com a autora, este padrão não teria sofrido mudanças significativas desde 1949. Nesse sentido, pode-se dizer que teria sido formado um consenso, tanto entre a população chinesa quanto dentro da liderança do Partido, de que era necessário reformar e revitalizar as instituições econômicas e políticas da China. Ponto este crucial para os objetivos propostos para o desenvolvimento da China nos anos seguintes. Mas não somente o descontentamento geral da nação e a visão reformista de Deng contribuíram para a mudança do rumo econômico na China. O desempenho dos tigres asiáticos teria chamado a atenção dos líderes chineses para o modelo de desenvolvimento do Leste Asiático. De acordo com Goldman (2008), “ao final da década de 1970 os líderes chineses começaram a ficar cada vez mais atentos ao dinamismo de seus vizinhos pósconfucianos no Leste da Ásia – Coreia do Sul, Hong Kong, Cingapura, Taiwan e Japão – e, assim, a China abandonou o modelo stalinista e voltou-se para o modelo de desenvolvimento do Leste da Ásia. A liderança de Deng buscava restaurar o partido estimulando as fazendas familiares, as economias de mercado, o consumo de bens industriais e o envolvimento no 26 comércio internacional 2008:374). com esses países” (GOLDMAN, Dessa forma, assim como observa Haw (2008), ao mostrar-se um político habilidoso e pragmático, Deng Xiaoping conseguiu levar a cabo seu planejamento de abertura da China para o comércio exterior e o investimento estrangeiro, trazendo mudanças profundas para a economia e a sociedade chinesas. Mudanças estas, acreditase, fundamentais para a manutenção do poder do Partido e para minimizar as desconfianças populares quanto a sua condução política. Observa-se, entretanto, que persiste na China alguma desconfiança e uma vertente crítica ao modelo de gestão político utilizado pelo Partido Comunista Chinês. Contudo, estas são, em algum sentido, suavizadas ou ocultadas pelo resultado econômico da China seja em âmbito doméstico seja no seu posicionamento e ascensão no cenário internacional. Liseng (2004) faz importantes considerações a respeito da reforma política que foi implementada na China iniciada por Deng Xiaoping em 1978. O autor coloca que anteriormente à 1978 a estrutura política vigente na China trazia distorções que obstaculizavam o desenvolvimento econômico e social do país. Dentre essas, quatro recebem destaque de Liseng (2004), (i) a superconcentração do poder causava distorções até mesmo no processo decisório. Os líderes, altamente sobrecarregados, tendiam a tornar-se excessivamente burocráticos, cometendo erros e ferindo a vida democrática interna ao partido; (ii) o gerenciamento do pessoal envolvido com a estrutura de governo tornou-se, conseqüentemente, ineficiente; (iii) a concentração, somada ao envelhecimento dos quadros dirigentes além de reduzir a eficiência, encorajavam pessoas talentosas para a gestão pública a trabalhar em meios corruptos ou a afastar-se da administração pública, logo do partido e, por fim; (iv) a negligência na promoção do sistema democrático e legal resultou no desastre da Revolução Cultural, causando o colapso de tudo o que foi planejado por Mao Tsé-tung. Goldman (2008) sustenta que, para conduzir estas reformas, Deng teria tentado importar ciência, tecnologia e práticas econômicas do ocidente ao mesmo tempo em que se empenhava para manter o sistema político comunista na China. Dessa maneira, assim como Guthrie (2006) revela, o processo de reformas econômicas chinês foi gradual, experimental e fortemente supervisionado pelo Estado, diferentemente do que teria acontecido na transição dos demais Estados socialistas para o sistema de economia de mercado. 27 Da mesma forma, Naughton (1995)32 afirma que, através desse processo gradual, o governo chinês conseguiu manter-se como “força estabilizadora” na transição de sua economia centralizada e planificada para construir as instituições necessárias para impedir o colapso econômico e social do país (NAUGHTON, Barry apud GUTHRIE, Doug, 2006). Assim, pode-se dizer que a abertura econômica da China foi fortemente conduzida pelo Estado, que determinou a forma e o tempo nos quais as reformas foram implementadas. O estudo da história do desenvolvimento econômico não mostra exemplos de países que passaram por um processo de planejamento do desenvolvimento, associado a uma inserção internacional e abertura para o mercado externo no qual não fosse de suma importância a ação do Estado na condução, promoção e regulação desse processo. É inevitável que o Estado não surja como o dinamizador desse processo, criando as condições adequadas para que em um futuro próximo, haja uma redução da participação ativa do Estado na manutenção de determinadas atividades e que essas sejam repassadas à iniciativa privada. De acordo com Goodman (1994), entre 1979 e 1984, as bases fundamentais para as reformas foram acordadas e colocadas em prática, marcando um período de grande crescimento econômico e modernização para a China. Para Zagoria (1984), a reforma econômica mais importante na China foi a descoletivização da agricultura, uma vez que teria sido aquela que atingiu de sobremaneira grande parte da população chinesa. Goldman (2008) aponta que o sucesso da descoletivização chinesa deu-se por esta ter começado por iniciativa dos camponeses e não por ordem do partido. As conseqüências da descoletivização e as reformas implantadas no setor rural da China serão contempladas no capítulo 4 da tese visto que fazem parte das reformas econômicas que contribuíram para o sucesso do projeto chinês de desenvolvimento. Para Goldman (2008), diferentemente do que ocorreu com a União Soviética, o Partido Comunista Chinês não teria ficado tempo suficiente no governo para que a população chinesa esquecesse como viver em uma economia de mercado e de serviços. Dessa maneira, após a Revolução Cultural, algumas famílias de certas regiões chinesas, como Anhui e Sichuan, teriam retornado às suas fazendas seguindo uma política intitulada “um sistema de responsabilidade familiar” criada por Mao, mas também desfeita pelo mesmo após o Grande Salto para Frente. Em 1981, após essa iniciativa ter dado certo nestas regiões, Deng e seus companheiros transformariam o sistema de 32 NAUGHTON, Barry. Growing Out of the Plan: Chinese Economic Reform 1978-1993. New York: Cambridge University Press. 1995. 28 responsabilidade familiar em um programa nacional, o que garantiu um processo natural de descoletivização do campo. Zagoria (1984) e Goldman (2008) apontam que este sistema não foi uma privatização da terra, pois os aldeões não a possuíam, esta era do Estado. Dos aldeões ainda era demandado a entrega compulsória de parte de sua produção ao Estado. Por outro lado, o Partido teria realizado políticas de incentivo à produção agrícola. Dessa forma, o preço do grão foi aumentado e foi permitido que as famílias se dedicassem a atividades paralelas, como trabalhar em indústrias locais, cultivar frutas e legumes e criar alguns animais, como gado, ovelhas e porcos, para vender em mercados rurais. Nota-se que os camponeses ainda demonstravam-se inseguros quanto às ações do governo e tinham medo de investir esforços neste sistema. Dessa forma, Zagoria (1984) ressalta que, como garantia de maior estabilidade para os camponeses, Deng teria estipulado um contrato de 15 anos para o uso das terras. Assim, buscava-se incentivar o investimento da população rural neste novo sistema de agricultura. Segundo informações presentes em Goldman (2008), entre 1980 e 1986, a produção bruta da sociedade rural chinesa cresceu mais do que o dobro de antes ao mesmo tempo em que a população rural diminuiu. Este movimento teria estimulado a criação de uma indústria de bens de consumo incipiente para absorver os rendimentos do enriquecimento da população rural. Dessa maneira, a autora aponta que novas empresas foram criadas nos distritos e nas cidades, começando com pequenas oficinas de consertos, transportes, instrumentos agrícolas e pequenas indústrias que evoluíram para fábricas maiores de bens de consumo, tanto para o mercado interno quanto para o mercado externo. Nesse sentido, milhões de camponeses chineses teriam tornado-se pequenos empresários dos ramos de serviços, indústrias leves e de agricultura, o que possibilitou um significativo aumento de seu padrão de vida. Observa-se, assim como o faz Guthrie (2006) que, em conjunto com a descoletivização da agricultura, houve a introdução da autonomia econômica para gerentes de empresas e oficiais locais de áreas industriais. Para o autor, o governo central gradualmente teria passado aos governos locais as responsabilidades econômicas de suas localidades. Em outras palavras, o governo chinês teria conseguido ceder, em algum grau, o controle econômico para as localidades, sem recorrer às privatizações. Este processo de descentralização, todavia, não extinguiu a planificação econômica, comandada ainda pelo governo central. Assim, enquanto o governo central manteve o controle político e legal, 29 os governos locais obtiveram a liberdade de tomar decisões e fazer inovações econômicas. Goldman (2008) versa que os mercados rurais foram levados oficialmente às zonas urbanas por iniciativa dos discípulos de Deng, Hu Yaobang e Zhao Ziyang, na Terceira Sessão Plenária do 12º Comitê Central, em 1984. Segundo Goodman (1994) nesta sessão foi tomada a decisão de se estender os princípios da reforma econômica para as zonas urbanas, dando mais autonomia para as iniciativas dentro das cidades. A partir de então, de acordo com Goldman (2008), durante a segunda metade da década de 1980, o crescimento da economia urbana teria ultrapassado o da economia rural, que começara a estagnar-se. Contudo, o sistema centralizado de planificação da economia chinesa ainda determinava a produção, a distribuição e a venda dos produtos. Segundo Roberts (2006), esta característica começou a mudar em resposta a uma crise energética, em 1984. A política econômica chinesa teria então saído de um sistema de controle estatal da precificação e passado a funcionar com um sistema dual no qual o Estado estabelecia alguns preços para subsidiar determinados produtos. Todavia, os materiais escassos eram controlados pelo mercado. Segundo o autor, essa prática acelerou a inflação e estimulou a corrupção – por permitir a alocação de produtos em faixas de preços determinadas pelo Estado. Entre o final da década de 1970 e início da década de 1980, as Zonas Econômicas Especiais (ZEE) foram estabelecidas. Segundo Goodman (1994), as ZEE tiveram início em Abril de 1979, como zonas atrativas de investimentos e tecnologias estrangeiras. Deng teria proposto que estas zonas fossem postas nas províncias de Guangdong e Fujian, que são respectivamente adjacentes a Hong Kong e Taiwan, por serem áreas que historicamente haviam sido a porta de entrada da China para o mundo exterior. Segundo Haw (2008) a primeira destas zonas teria sido estabelecida em 1981 em Shenzhen, Guangdong, localizada na fronteira com Hong Kong. Para o autor, o desenvolvimento desta e das outras zonas econômicas embrionárias teria sido o catalisador que impulsionou o crescimento do resto da China. Neste período, o governo também teria buscado pela formação de Joint Ventures para a produção de novas tecnologias e promoção das exportações do país. De acordo com Guthrie (2006), logo em 1979 teria sido promulgada a Law of the PRC on ChineseForeign Equity Joint Ventures, a qual permitiria, pela primeira vez desde o 30 estabelecimento da República Popular da China, que empresas estrangeiras se estabelecessem no país. Contudo, segundo Goldman (2008), estes novos empreendimentos e as ZEE eram firmemente geridos e controlados pelo governo e empresários chineses e não por estrangeiros. Em compensação, eram oferecidos benefícios fiscais e uma regulamentação flexível para a atração de investimentos externos. Dessa forma, o governo chinês abria as portas de sua economia sem, no entanto, perder o controle da mesma. Assim como afirma Roberts (2006), estas políticas, juntamente com o retorno ao FMI e a entrada no Banco Mundial, ambos em 1980, demonstram o abandono da política de auto-suficiência que a China havia mantido durante a era Mao. Ou seja, a China voltou-se para o mundo e passou a contar não somente com os recursos e fatores internos para o seu desenvolvimento, mas também com investimentos e empréstimos estrangeiros. Neste contexto, segundo Goldman (2008), as reformas econômicas chinesas chamaram a atenção dos vizinhos asiáticos que logo começaram a instalar indústrias em solo chinês. Este movimento teria se dado em grande parte devido ao investimento de chineses expatriados em sua terra natal, prática encorajada pelo governo chinês. Nesse sentido, vários chineses que residiam em Hong Kong, Tailândia, Malásia e nos demais países do Leste asiático passaram a investir na China. Esta abertura também teria dado espaço para empresas japonesas e ocidentais se instalarem nas ZEE chinesas. Observa-se que estas medidas possibilitaram que o Estado chinês se afastasse, de maneira controlada, da gerência da economia nacional. Mas não somente no âmbito econômico isto teria acontecido, ao contrário do que ocorreu na era Mao, teria sido um objetivo de Deng afastar o controle do Partido Comunista Chinês de várias esferas da vida dos chineses. Dessa forma, houve a busca de uma maior liberdade na vida pessoal, social e cultural dos chineses, desde que esta liberdade não afetasse, não contrariasse e não se opusesse à condução das políticas do Partido. Haw (2008), reitera a afirmação acima ao dizer que muitas das restrições advindas da era Mao foram diminuídas ou até mesmo extinguidas pós-1978. Fazendo um contraponto a visão presente em Haw (2008), Oliveira (2009: ) ressalta que, “Em 1982, o XII Congresso do PCC apoiou as reformas e o Congresso Nacional do Povo aprovou uma nova constituição eliminando o conceito de lutas de classes e de revolução contínua. Introduziu-se o princípio de proteção do Estado aos “direitos legítimos e interesses da economia individual”, 31 Ainda, em 1988, tal proposta foi complementada por uma reforma que insere no cenário econômico chinês a concepção capitalista de existência e desenvolvimento do setor privado, claro, dentro dos limites da legislação nacional. Wang Zhenmin (2005) defende a idéia de que o Estado de Direito na República Popular da China iniciou-se com a promulgação da Constituição de 198233, sendo complementada pelas leis civis e econômicas entre 1982 e 1991”34. Logo, observa-se uma ausência de consenso entre os autores a respeito dessa questão. Apesar desta tentativa de Deng Xiaoping de diminuição do seu personalismo dentro do Partido Comunista Chinês, em 1979, em virtude do grande aumento populacional na China, as autoridades centrais decidiram implantar uma política rígida de controle de natalidade, que permitia somente um filho por família. Assim como notam Roberts (2006) e Goldman (2008), esta política foi extremamente criticada, principalmente, pela cultura chinesa crer na necessidade das famílias terem um filho homem para preservar a sua linhagem. Dessa forma, a política do filho único incentivou o aborto, o infanticídio de bebês do sexo feminino e a esterilização. Decisões políticas que afetariam significativamente a China, especialmente após a década de 90, gerando problemas tal como a distância numérica entre os gêneros e as formas corruptas de burlar a situação. Roberts (2006) cita que, em 1984, várias exceções a esta lei foram concedidas e Goldman (2008) complementa que, especialmente no campo onde as famílias precisavam de mão-de-obra para a produção, foi permitido que os camponeses tivessem mais de um filho. Percebe-se que a política teve um cunho contingencial e que adequações a ela foram buscadas, contudo, pode-se observar que essas foram insuficientes e, de alguma maneira, ineficientes para reduzir o coeficiente de problemas gerados no país. No parágrafo anterior foi feito menção ao desejo de Deng Xiaoping de reduzir o personalismo no comando da política chinesa. Esse é um problema apontado pela literatura e que, segundo Liseng (2004), a existência de superconcentração de poder 33 Ainda que não seja o objetivo fundamental deste texto, é necessário considerar que a concepção chinesa de direitos está normalmente associada com coletividades e reivindicações da comunidade. Sendo assim, não seria correto associá-la à concepção anglo-saxônica de liberdades individuais. A base pode ser confuciana ou maoísta, mas não anglo-americana. 34 . WANG Zhenmin. “The Developing Rule of Law”. Harvard Asia Quarterly, November 2005. IN. CORNEJO, Romer. China: Radiografia de una potencia en ascenso. Mexico: El Colegio de México, 2008, p.: 247. 32 refletia na ordem política e econômica chinesa, criando obstáculos ao desenvolvimento econômico e social do país. Contudo, o debate sobre as diferenças entre a condução política de MaoTsé-tung e Deng Xiaoping serão melhores exploradas na discussão realizada no capítulo sobre as reformas políticas implementadas na China pós-Deng. Outro ponto a ser destacado seria a composição étnica da vasta população chinesa. Segundo Roberts (2006), por possuir 8% de sua população pertencente às 55 minorias nacionais em comparação com a grande maioria étnica Han que compõe o Estado chinês, a constituição do país de 1982 reconhecia a China como um Estado multi-étnico. De acordo com o autor, grande parte destas minorias ocupa regiões fronteiriças da China, como os Tibetanos e os Uighurs, e a estas foi concedido o status de regiões autônomas, possuindo algumas liberdades políticas e econômicas, mas sem possibilidade de secessão. Todavia, o autor ainda observa que a despeito destas minorias serem incentivadas a preservar suas culturas, a imigração de chineses Han para estas regiões gera ressentimento e protestos35. As relações da China com Hong Kong foram formalizadas durante este período, assim como o relacionamento com Taiwan também foi se tornando cada vez menos conflituoso. De acordo com Goodman (1994) e Roberts (2006), a atuação de Deng teria sido crucial na reunificação da ilha de Hong Kong à China. Os autores apontam que Deng possuía posições fortes em relação à unificação nacional e que teria sido atribuído a ele o conceito de “um país, dois sistemas”, o qual garantia um alto grau de liberdade política e econômica às regiões que se integrassem à China. Assim, com base neste conceito, teria sido ofertado a Taiwan, Macau e a Hong Kong a reunificação com a China. Roberts (2006) indica que as negociações sobre a reunificação com Taiwan não aconteceram depois de a proposta ter sido feita em 1981, mas que, desde então, as relações comerciais e políticas com a ilha se tornaram mais prósperas. Porém, ao contrário do que afirma Roberts (2006), há evidências na literatura de que o que realmente vem ocorrendo na questão da reunificação é uma estagnação. Ainda, observa-se um esforço para que o processo de negociação avance – denominado de 35 Segundo Kaplan (2010) “Xinjiang and Tibet are the two principal areas within the Chinese state whose inhabitants have resisted the pull of Chinese civilization. This makes them imperial properties of Beijing, in a way.” (KAPLAN, 2010). De acordo com o autor, ambas as regiões são de extrema importância estratégica para a China, tanto por estarem em locais de fronteira, quanto por possuírem aspectos geográficos e recursos naturais relevantes para a China. Por isto as demandas e os movimentos separatistas dos habitantes destas regiões são sempre negadas e silenciados. 33 Diálogo Koo-Wang36. O Diálogo Koo-Wang compreende o primeiro encontro, com orientação oficial, entre organizações República da China em Taiwan (ROC) e da República Popular da China, desde que o território chinês foi dividido em 1949. Segundo Oliveira (1994), “O principal empecilho para o primeiro encontro entre as duas organizações – SEF e ARATS37 - era o ponto de vista diferenciado sobre o que significa uma China. Para solucionar o impasse, a parte chinesa declarou que enquanto as negociações fossem realizadas sobre o “princípio de uma China”, não haveria necessidade de discutir em profundidade o significado de “uma China”. Os tópicos combinados para discussão seriam: 1. O estabelecimento de um sistema para consulta e contato regular; 2. Repatriação de imigrantes ilegais através do Estreito; 3. Proteção do Investimento de Taiwan no continente e de possíveis visitas de empresários do continente em Taiwan; 4. Conferências privadas sobre intercâmbio econômico e esforços conjuntos para desenvolver energia e recursos; 5. Intercâmbio de visitas de jovens, tecnologia e mídia; e, 6. Assinatura formal de dois acordos de autenticação notarial e pesquisa e compensação para correspondência registrada extraviada” (OLIVEIRA, 1994: 75). A conclusão de Oliveira (1994) é que seja qual fosse o resultado concreto do diálogo, o encontro já estava envolto por uma importância simbólica elevada, pois prenunciava a disposição para a resolução dos diferenciais de forma pacífica e pragmática. Ainda, a forma de condução da negociação, segundo o autor supracitado, induz a interpretação de que estava sendo reconhecida a autonomia de cada um dos governos sobre os territórios controlados. Por fim, mas não menos relevante, é relevante reconhecer que o diálogo Koo-Wang consiste em uma boa opção para uma resolução dos conflitos entre a República Popular da China e Taiwan de forma pacífica. Ao passo que, em relação a Hong Kong, as negociações começaram com a visita da então Primeira-Ministra britânica, Margareth Thatcher, em 1982, e culminaram com o acordo Anglo-Chinês de 1984. Este previa o retorno da ilha de Hong Kong à China em 1997, como uma Região Administrativa Especial. Goldman (2008) nota que, no início da década de 1980, Deng e seus companheiros que haviam sofrido perseguições e acusações durante a Revolução Cultural, tentaram implementar reformas políticas limitadas no Partido Comunista Chinês 36 37 Koo-Wang faz referência à Koo Chen-fu, presidente da SEF e à Wang Tao-han, presidente da ARATS. Straits Exchange Foundation – SEF e Association for Relations Across the Taiwan Straits – ARATS. 34 no sentido de desconcentrar a tomada de decisão em uma só pessoa, como havia ocorrido na era Mao. A autora afirma que “as reformas políticas visavam estabelecer normas, institucionalizar alguns procedimentos e governar por meio da tomada de decisão coletiva para afastar-se, ad hoc, da impunidade ditatorial da liderança pessoal que causara tantos danos durante os anos de Mao“ (GOLDMAN, 2008: 385). Assim, teria sido buscado um sistema de governança coletivo em detrimento à concentração de poder em uma liderança pessoal para evitar que vontades particulares conduzissem a nação. De fato, segundo Liseng (2004), o Politburo mantém o controle do poder, independentemente de Mao Tsé-tung ou de outros governantes posteriores. Para isto, Deng teria regulamentado o tempo de mandato dos líderes do partido em 5 anos reelegíveis por uma vez. Seus discípulos teriam seguido esta tentativa. Dessa forma, Zhao Zhiang, no 13º Congresso do Partido, em 1987, teria pleiteado que houvesse a separação entre as funções do Partido e do Estado, de maneira na qual o partido estipularia os objetivos e metas do país e o governo implementaria as políticas necessárias para atingi-los. Da mesma forma, Hu Yaobang teria liderado os teóricos do partido para uma reflexão mais humanista da ideologia marxista-leninista, como acontecia no Leste europeu, tendo em vista a adequação da ideologia às reformas, tornando-a menos dogmática. Ademais, o Congresso Nacional do Povo (CNP) teria ganhado um pouco mais de independência durante os anos pós-Mao. Segundo Goldman (2008), o CNP teria deixado de simplesmente seguir as diretrizes do partido e exercido com mais austeridade seu papel de Poder Legislativo. Dessa forma, teria sido expandida sua burocracia, instituído um sistema de comitês e alocado tecnocratas em seu Comitê Permanente. Nesse sentido, mesmo não podendo definir sua própria agenda, que era estabelecida pelo Partido, o CNP passou a tomar a iniciativa de modificar, revisar, devolver e negar os programas do Partido com os quais não concordavam. A autora ainda nota que este processo de fortalecimento dos órgãos legislativos também teria ocorrido em algumas áreas da China com a introdução de eleições diretas para congressos locais. Em 1987, a Lei Orgânica dos Comitês locais teria oficializado esta prática. Contudo, de acordo com Goldman (2008), nem todas as regiões da China usufruem desta lei e os candidatos têm de ser aprovados pelo Ministério da Casa Civil 35 antes de poderem participar das eleições. Nesse sentido, pode ser entendido que, neste período, começam-se ser feitos esforços para uma reforma legal na RPC. Entretanto, estas mudanças políticas não foram suficientes para acompanhar as reformas do mercado, que demandavam alterações estruturais e políticas dentro do Partido Comunista Chinês. Com isso, brechas teriam sido abertas para o aparecimento da corrupção, para o aumento das desigualdades sociais, para as disparidades crescentes entre as zonas rurais e as cidades e também para a poluição ambiental. Haw (2008) salienta que toda esta situação impactava diretamente a população, que se tornou insatisfeita com o Partido a despeito das melhorias econômicas. Roberts (2006) explicita que o maior contato que a China passou a ter com o estrangeiro assustou alguns membros mais antigos do Partido que começaram uma campanha, em 1983, contra a “poluição espiritual” advinda do Ocidente. Contra estas atitudes e a favor de maiores reformas políticas na China, Goldman (2008) explica que, entre 1985 e 1986, alguns intelectuais membros do governo, da mídia e da academia, que haviam sido reabilitados por Hu Yaobong após a Revolução Cultural, passaram a reivindicar a total revisão do sistema de governo do país com a implantação de um sistema político democrático. Liseng (2004) afirma categoricamente que, no que concerne à decisão política, sem dúvida alguma, o Partido Comunista ocupa a posição mais proeminente na vida política do país. “Embora seja correto afirmar que o Partido Comunista é o partido governante38 na China, tal conclusão é insuficiente. Só definindo o partido governante como assumindo a posição de liderança podemos explicar a diferença entre o Partido Comunista Chinês e os partidos no poder no ocidente. (LISENG, 2004: 37)”. Todavia, os líderes mais antigos do partido já se encontravam descontentes com as reformas conduzidas por Deng, tanto políticas quanto econômicas, pois ambas teriam diminuído o poder central do Partido e dado mais liberdade e autonomia para as 38 Liseng (2004) caracteriza partido governante da seguinte maneira: do ponto de vista da relação horizontal na estrutura política de poder, o partido governante é aquele que toma e exerce a posição de liderança diante de todas as instituições de poder do Estado, seja no Legislativo, Executivo, Judiciário ou nas Forças Armadas. Do ponto de vista da relação vertical na estrutura política de poder, o partido governante ao assumir a liderança, controla o país assim como cada uma de suas partes componentes tanto no poder central quanto nas localidades. Logo, ao se tornar o partido governante, o Partido Comunista Chinês, tem meios de exercer a liderança, fazendo valer seu poder decisório de forma mais próxima aos aspectos da vida social. Pelo ângulo organizacional, o partido aplica o principio de centralismo democrático, que requer que os comitês subordinados obedeçam aos superiores e todo o partido obedeça ao Comitê Central. Logo, e de fato, são os sete membros do Comitê Permanente do Bureau Político que dominam o partido e a estrutura de poder político de Estado na China. 36 localidades e para os indivíduos chineses39. Estes líderes teriam persuadido Deng a redefinir seu conceito de “democracia socialista40” não para um modelo democrático ocidental como requeriam os manifestantes, mas para uma simples reforma burocrática do Partido. “Deng Xiaoping, na 3a Conferência do Partido em setembro de 1985, para conseguir apoio e a aprovação de sua proposta de privilegiar a estratégia de desenvolvimento econômico e de modernização, acima da ideologia, teve que se comprometer com a ala mais radical em manter forte controle sobre qualquer tipo de crítica ao Partido e em favor da democracia.41” Esta manobra fez com que surgissem manifestações políticas de estudantes entre 1986 e 1987. As manifestações teriam eclodido em Anhui e Hefei e depois foram se espalhando para as cidades costeiras até avançarem para a Praça Tiananmen. Goldman (2008) assinala que, como Hu Yaobong teria se recusado a reprimir violentamente estas manifestações, a ala mais dura do partido conseguiu com que ele fosse demitido de seu cargo em janeiro de 1987 e os demais intelectuais fossem expurgados do Partido por terem incitado as manifestações populares. Zhao Ziyang teria, então, ocupado a posição de Hu Yaobong como secretário-geral do partido e Li Peng – filho adotivo de Zhou Enlai42 - teria sido indicado como Primeiro-Ministro. Não obstante, Goldman (2008) e Haw (2008) apontam que a insatisfação da população transformou uma celebração estudantil em homenagem a Hu Yaobong, que teria morrido inesperadamente em um acidente aéreo em 1989, em grandes manifestações populares que duraram seis semanas e estavam presentes em toda a China. 39 Deng Xiaoping, em seu discurso “A reforma do Partido e o Sistema de Liberdade do Estado” passava a idéia de que era objetivo do governo estabelecer um sistema político socialista que fosse democrático, legalizado, eficiente e cheio de vitalidade. A proposta era aumentar a consulta pública e o diálogo com a população sobre assuntos relevantes para a estratégia política chinesa. Tal esforço foi elevado no 14º e 15º Congressos Nacionais do Partido, respectivamente, realizados em 1992 e 1997. Liseng (2004). 40 Segundo Goldman (2008), o PCC utilizava de expressões como “democracia socialista” e “legalidade socialista” como tentativas de recuperar a autoridade e a legitimidade do partido perante a população chinesa. Todavia, não havia consenso sobre o que estas expressões de fato significavam e como elas se aplicavam no caso chinês, por isto seus conceitos se tornavam maleáveis e flexíveis. 41 . Os dados referentes aos Congressos do PCC estão baseados na análise de ANGUIANO, Eugenio. “Los congresos nacionales del Partido Comunista de China en el poder”. IN: ANGUIANO, Eugenio (coord.). China Contemporánea: La construcción de un pais (desde 1949). México: El Colegio de México, 2001. PP.: 121-178. 42 Zhou Enlai foi primeiro-ministro chinês da era Mao. De acordo com Haw (2008), Zhou acompanhou Mao desde o movimento revolucionário e teve um papel de moderação durante todo o seu governo. Segundo o autor, Zhou foi o arquiteto da aproximação sino-americana da década de 1970, a qual culminou na admissão da China, em detrimento de Taiwan, na ONU e foi o formulador do Programa das Quatro Modernizações (agricultura, indústria, ciência/tecnologia e defesa), de 1975. Para Haw (2008), poderia se dizer que Deng Xiaoping devesse sua vida, ao menos política, a Zhou pela coincidência de Deng ter perdido seus cargos políticos, brevemente reconquistados após os anos mais duros da Revolução Cultural no ano de 1973, quando da morte de Zhou Enlai, em 1976. 37 Lyrio (2010: 92), no entanto, discorda da generalização das manifestações ponderando que “descontados o simbolismo interno e a repercussão internacional dos protestos, Tiananmen representou para os padrões chineses de convulsão política dos dois últimos séculos, um movimento relativamente pequeno em termos de mobilização e repressão popular. Embora tenha gerado manifestações em algumas outras cidades além de Pequim, mobilizado trabalhadores e estudantes e amealhado a simpatia cautelosa de parcela importante da população, o movimento não chegou a constituir um embrião de rebelião para a derrubada do Governo nem uma ameaça efetiva ao PCC como um todo”. Estas manifestações teriam sido compostas não só por estudantes, como também por trabalhadores e cidadãos comuns. Os manifestantes reivindicavam reformas políticas, o fim da corrupção, da inflação e do fechamento de empresas estatais – prática que teria seguido as reformas econômicas. De acordo com Goldman (2008), estas manifestações teriam alarmado os líderes mais antigos do Partido Comunista Chinês. Seus temores eram reforçados pela lembrança das atitudes destrutivas dos Guardas Vermelhos da Revolução Cultural. Ademais, a situação política complicou-se com a visita do líder soviético, Mikhail Gorbachev, em Maio de 1989. Nessa medida, após a saída de Gorbachev do país, houve uma grande reunião do Politburo, com participação de membros já aposentados do Partido para definir as ações do governo em relação às manifestações. Durante esta reunião, teria sido decidido pela imposição da martial law – Estado de Sítio – a partir de 20 de Maio. Segundo Goldman (2008), Zhao Ziyang teria sido demitido por não levar a cabo esta decisão, sendo acusado de provocar a desunião do Partido. Dessa forma, Jiang Zemin, o secretário do Partido de Shanghai, foi apontado para substituir Zhao na liderança do Partido Comunista Chinês. Uma vez que, mesmo após as ameaças do uso da força militar os manifestantes se recusaram a sair da Praça Tiananmen, símbolo da sede oficial do governo, Li Peng foi ordenado a enviar tropas para dispersar os manifestantes e ocupar o local, autorizando o uso da força naqueles que resistissem. Estima-se que aproximadamente 800 a 1,3 mil pessoas morreram e de 10 a 30 mil foram presas durante as manifestações. Overholt (1996) e Haw (2008) apontam que, posterior ao incidente de 4 de Junho na Praça Tiananmen e com o fim da Guerra Fria, a maioria dos chineses passou a se interessar mais pelas oportunidades trazidas pelo desenvolvimento econômico nacional 38 do que em reivindicar por liberdades políticas. De acordo com Overlholt (1996), este consenso entre a população chinesa deve persistir se o país mantiver o seu nível de desenvolvimento e crescimento. Para o autor, somente a partir do momento em que a China conseguir garantir comida, abrigo e saúde para toda a sua população, as aspirações políticas dos chineses entrarão em cena. Dessa forma, Overholt afirma que, “since the end of the Cold War, most of the Chinese have accepted, as South Koreans and Taiwanese did until the mid1980s, the view that economic priorities are the right ones and political liberalization should be slow. Unless the leadership ceases to deliver better living standards, the consensus is likely to persist until a generation or two from now when most can take food, shelter, and the health of their children for granted. Then, as in South Korea and Taiwan, political aspirations will change” (OVERHOLT, 1996: 15). Após o 4 de Junho, as relações da China com o exterior foram abaladas. Para Goodman (1994) e Gill (2007), os acontecimentos da Praça Tiananmen levaram o Ocidente a isolar a China diplomaticamente. Gill (2007) ressalta que a China sentiu cada vez mais este isolamento devido ao desligamento dos países comunistas europeus da órbita da União Soviética. Segundo Goldman (2008), a partir deste momento em diante, a questão mais sensível entre a China e o mundo exterior passaria a ser as suas violações aos direitos humanos. A autora nota que, somente em 1994, os EUA retirariam esta questão como sendo uma condição para a China ter o status de nação mais favorecida nas relações comerciais com o país. De acordo com Goodman (1994) e Goldman (2008), após o incidente de Tiananmen, a ala mais dura do Partido Comunista Chinês tentou recuperar a centralização da economia na China. Contudo, assim como afirmam Goodman (1994) e Roberts (2006), as reformas econômicas, que haviam em grande parte gerado os protestos, eram irreversíveis e teriam que ser mantidas. O país já havia passado por demasiadas alterações políticas e econômicas para voltar atrás com este projeto de modernização. Assim, Goodman (1994) observa que Deng teria defendido a implantação de algumas reformas de ajuste, tanto políticas quanto econômicas, para explicar os eventos de Junho e também para fazer com que a China conseguisse se tornar menos dependente de capital e investimento estrangeiro. Já Gill (2007) aponta ainda que o colapso da União Soviética, em 1991, teria dado novo vigor às reformas econômicas por ter suscitado a possibilidade da China seguir o mesmo caminho do gigante soviético. 39 Da mesma forma, Goldman (2008) sustenta que, para garantir que as reformas continuassem a ser implementadas, Deng teria realizado uma “jornada meridional” nas ZEE, em 1992, para reforçar a necessidade de manter a condução das reformas e acelerar o passo dos reajustes de 1989. Jornada essa que teve efeito positivo sobre as expectativas da população. Goodman (1994) ressalta que esta viagem às cidades que estavam operando como caminho de entrada para o mundo exterior na China serviu para legitimar as reformas e mostrar seus benefícios para o resto do país. Ademais, o autor nota que este período de isolamento deu novo teor às relações econômicas chinesas. Dessa forma, Goodman (1994) coloca que “whilst before the second half of 1989 China had been looking to more advanced Western and OECD countries for trade and investment, this came to a more or less abrupt halt. Partly because of changes in the economies of East and South-east Asia, and partly through encouragement from Beijing China’s economic relations with its neighbours developed at an increasing rate from the second half of 1989 on. In some cases – Hong Kong and Taiwan being the most obvious – a high degree of economic integration was achieved in a very short period of time, and provided a massive boost to China’s economy as well as to the economies of the region in and after 1990” (GOODMAN, 1994:112). Dessa forma, pode-se dizer que o isolamento imposto pelo Ocidente à China fez com que o governo chinês buscasse aumentar suas relações com seus vizinhos mais próximos. Ou seja, a China aumentou as suas trocas comerciais com os países da Ásia e tornou-se menos dependente do Ocidente. O novo secretário do partido, que havia sido apontado após os incidentes de Tiananmen, Jiang Zemin, não se opôs à abertura da China. Fato é que Jiang teria aumentado o controle da mídia e da política, mas não teria perseguido o controle econômico. Nota-se que Jiang teria favorecido o desenvolvimento das cidades costeiras e focado na produção industrial, principalmente para a exportação. Portanto, as reformas no sistema econômico chinês continuaram gradativamente. Contudo, o equilíbrio entre o desenvolvimento das cidades e da zona rural não foi alcançado. Goldman (2008) indica que, durante a década de 1990, extinguiu-se o sistema advindo desde a era de Mao que sujeitava os camponeses a permanecerem em seus vilarejos de origem. Assim, teria havido uma maior mobilidade de pessoas que procuravam melhorar seu padrão de vida e ajudar suas famílias, que por ventura tivessem 40 ficado no campo43. No entanto, esse desligamento do local de origem era somente concedido por questões de trabalho, não de moradia. Para conseguir a residência em áreas urbanas era necessário obter uma autorização do governo. Todavia, a autora explana que, no começo do século XXI, essas permissões foram se tornando menos exigidas. Assim como afirma Goldman (2008), observa-se que esta possibilidade permitiu que os chineses tivessem maior flexibilidade e liberdade de escolhas em sua vida econômica pessoal, saindo um pouco da esfera de controle estatal. Dessa forma, uma alternativa usada por muitos chineses foi o que Barry Naughton cunhou de “uma família, dois sistemas”, modelo no qual um membro da família ingressava no setor estatal – que previa vários benefícios como moradia, assistência médica, educação – e outro na economia de mercado. (NAUGHTON, Barry apud GOLDMAN, Merle, 2008). O ingresso dos chineses na economia de mercado, que teria sido estimulado gradativamente desde a descoletivização da agricultura, possibilitou a formação de fundos de poupança, os quais impulsionaram ainda mais o investimento e as iniciativas privadas na China. De acordo com Goldman (2008), ao contrário da política soviética, que privatizou a indústria estatal logo no início de suas reformas de abertura, a China procurou postergar essa decisão até o final da década de 1990. No caso chinês, a passagem do sistema estatal para o privado foi sendo conduzida paulatinamente pelo governo. Na maioria das vezes, pode-se observar que as empresas privadas entravam no mercado como subcontratadas das estatais, mas rapidamente conseguiam tornar-se mais eficientes que as empresas públicas. Logo, as iniciativas de fomento do setor privado e de atração de capital externo teriam forçado a competição entre as empresas privadas e o setor estatal, estimulando, assim, a reforma do setor público. Nesse contexto, segundo Roberts (2006), a necessidade de se reformar o sistema de empresas estatais ganhou prioridade quando a China postulou sua entrada na OMC, em 1986. Contudo, somente em Setembro de 1997, no 15º Congresso do Partido, através de uma campanha feita por Jiang Zemin, ficou decidido que várias empresas estatais seriam fechadas e suas ações vendidas como “títulos de propriedade pública”. Para Goldman (2008), [Jiang] 43 A respeito desse assunto, ou seja, da manutenção dos camponeses em seus vilarejos de origem, acreditase que, em algum sentido, o governo tenha preferido fazer de conta que não via o que estava realmente acontecendo. As populações locais saiam de suas regiões originais e os governos locais e central ‘permitiam’ esse movimento. Ainda, cabe ressaltar que na década de 90, observa-se uma maior mobilidade das populações entre centros urbanos e regiões agrícolas, que dificultaram inclusive a contabilização populacional de certas regiões na China. 41 “marcou sua presença na política econômica, ao lançar uma grande campanha de reforma da indústria estatal, por meio de falências bancárias, fusões, venda de ações, joint ventures estrangeiras e privatização. Vinte anos após o início das reformas econômicas, diante do crescente conflito social, do rompimento com os trabalhadores desempregados, das desigualdades crescentes e das críticas dos neomaoístas, a liderança de Jiang oficializou o que já ocorria informalmente: a retirada da participação do Estado de muitos setores da economia e a dissolução das indústrias estatais extremamente endividadas, com excesso de funcionários e obsoletas” (GOLDMAN, 2008: 397). As exceções a esta decisão foram referentes às empresas dentro das consideradas indústrias-chave, como recursos naturais, indústrias de armamentos, químicas, de energia e distribuição de grãos. Assim, o Estado chinês ainda demonstrava sua cautela neste processo de abertura e reforma, privatizando somente aquelas empresas que não eram consideradas estratégicas para o país. Contudo, mesmo que o setor privado chinês estivesse desenvolvido o suficiente para competir com o setor estatal, este não conseguiu absorver a grande quantidade de trabalhadores que haviam perdido o emprego com o fechamento das empresas do setor público e também que emigrara das zonas rurais menos desenvolvidas. Segundo Goldman (2008), mesmo anterior à decisão de 1997, os trabalhadores chineses já estavam insatisfeitos com o atraso de pagamentos, concessão de licenças e dispensas que o malogro do setor estatal já os implicava. Essa situação gerou muitos protestos, os quais foram agravados ainda mais com o fechamento das estatais, uma vez que, além de desempregados, os trabalhadores se viram sem os benefícios garantidos pelo emprego no setor público. Assim como Guthrie (2006) aponta, é válido destacar que, em economias planificadas, há pouca variação salarial e os benefícios sociais são basicamente ligados ao emprego. Mais especificamente no caso chinês, o autor argumenta que, para além desta característica, havia a opção dos trabalhadores se manter em um emprego por toda a sua vida. Com as reformas de abertura do mercado, esse cenário teria mudado e várias mudanças institucionais, que visavam redefinir as relações de trabalho na China, teriam sido implementadas, como a Lei do Trabalho (1994), a criação das Comissões de Arbitragem do Trabalho, a emergência de contratos trabalhistas (1986), que teriam sido institucionalizados com a Lei da Empresa (1988) e a Lei da Companhia (1994). Assim, para o autor, quebrou-se a ligação do trabalhador com o emprego para toda sua vida e 42 também do emprego com os benefícios sociais. Dessa forma, o setor privado teria mais liberdade de ação sem as amarras do chamado “iron rice bow”44. Goldman (2008) ressalta que a privatização da indústria estatal causou não apenas um grande número de desempregados, mas também teve outras graves conseqüências sociais para os chineses. Com a perda das empresas públicas, o governo central teria perdido grande parte de sua renda orçamentária, passando a responsabilidade de investimentos sociais para os governos locais e fomentando o que seria chamado pela autora de “federalismo informal”. Todavia, Goldman (2008) explana que estes governos locais não haviam adquirido experiência suficiente em governança social como em condução da economia. Dessa forma, a autora indica que “programas de saúde, educação e infra-estrutura pública deterioraram-se gradualmente na década de 1990” (GOLDMAN, 2008:383). Assim sendo, a escassez de recursos do governo central e a inexperiência dos governos locais em prover programas sociais fizeram com que aparecessem novas lacunas no desenvolvimento chinês. Goldman (2008) ainda nota que, neste mesmo período, foram criadas várias ONGs dedicadas a estes setores mais frágeis, como educação, assistência social, meio ambiente, questões de gênero, assumindo algumas demandas que deveriam ser supridas pelo governo. Da mesma forma, houve também a formação de várias associações de classe entre médicos, advogados, mercadores. De acordo com a autora, esses agrupamentos sociais foram oficialmente reconhecidos por Zhao Ziyang, no 13º Congresso do Partido, em 1987. Zhao teria demandado um canal oficial pelo qual estes grupos pudessem expressar seus interesses de maneira organizada, assim, todos esses agrupamentos, deveriam ser registrados no governo. Dessa forma, essas ONGs e associações deveriam manter-se afastadas de questões políticas para garantir sua legalidade e sobrevivência perante as possíveis ações repressivas do governo. Com a introdução de novas tecnologias de comunicação, websites e blogs também tiveram de ser registrados e supervisionados pelo governo para impedir críticas ao Partido e reivindicações políticas. Todavia, com o número crescente de internautas e também com as variadas possibilidades que a tecnologia de comunicação e a internet possuem, estes bloqueios são comumente contornados pelos usuários chineses. Nesse sentido, notase que o ciberespaço teria trazido à China um novo local de debate e compartilhamento 44 Expressão usada para se referir ao emprego estatal dava diversas garantias sociais e empregatícias aos chineses. 43 de informações fora da jurisdição estatal. Este espaço virtual público seria então capaz de contestar a propaganda e o controle da informação que o governo chinês tenta manter. O falecimento de Deng Xiaoping ocorreu em Fevereiro de 1997. Entretanto, assim como visualiza Goldman (2008), como Jiang Zemin havia assumido a liderança do partido há quase oito anos antes deste acontecimento, a morte do líder não teria deixado tamanho vácuo político. Assim, desde 1989, Jiang teria ocupado as posições mais altas dentro do Partido Comunista Chinês e do Exército. Contudo, conforme nota da autora, “Enquanto Deng possuía poder pessoal para realizar feitos, Jiang e seus colegas de Shangai, assim como a quarta geração de líderes do partido conduzidos pelo secretário-geral Hu Jintao e o primeiro-ministro Wen Jiabao, eram apenas tecnocratas. Jiang e seus colegas ascenderam na política por meio da indústria estatal e da burocracia; Hu Jintao e seus companheiros chegaram ao pináculo do poder por intermédio de posições provinciais. [...] Além disso, uma vez que eram os primeiros líderes da República Popular da China que não haviam participado da revolução, tinham menos autoridade para governar que seus predecessores e eram menos propensos a comprometerem-se” (GOLDMAN, 2008:396). E, segundo Roberts (2006) e Goldman (2008), diferentemente de Deng, Jiang não possuía ligações fortes com os militares e precisou fazer-lhes algumas concessões para que seu prestígio aumentasse entre eles. Dessa forma, Jiang teria dispensado promoções e aumentos no orçamento militar como tentativas de estreitar suas relações com o exército chinês. Em outras palavras, como Jiang Zemin não havia se envolvido na revolução de 1949, assim como Mao e Deng, ele teve que construir seu círculo de relações com os militares e com os membros mais antigos do Partido através de favores e concessões. Um dos participantes do círculo de Jiang era Zhu Rongji, prefeito e secretário do Partido em Shangai, que em 1998 tomou o lugar de Li Peng como Primeiro-Ministro da China. De acordo com Guthrie (2006), Zhu Rongji teria levado a cabo o projeto de transformação do sistema legal chinês de Zhao Ziyang. Para o autor, ambos ansiavam tornar a China um Estado de Direito, no sentido de que tal reforma seria necessária para acompanhar as mudanças sociais e econômicas chinesas dos últimos anos. Zhao teria introduzido o sistema de exames para a entrada no serviço público chinês, que posteriormente teria sido aprimorado por outras legislações, em vista da melhoria da burocracia estatal. Guthrie (2006) e Goldman (2008) atentam que outra reforma importante, aprovada pelo CNP, teria sido a Lei Administrativa de Litígio, de 1990. Essa lei teria 44 concedido a liberdade de pessoas comuns moverem ações judiciais contra funcionários do Estado. Guthrie (2006) ainda menciona que, por ter sido sancionada logo após o incidente de Tiananmen, diversos cidadãos e policiais chineses entraram na justiça contra as ações do governo – vários conseguiram com que as cortes ficassem a seu favor. Dessa maneira, pode-se entender que o sistema legal chinês foi passando por mudanças para que conseguisse acompanhar o passo das reformas políticas e econômicas. Trajetória natural para um país que havia passado – e permanecia – por um processo de profundas reformas políticas, econômicas e sociais. Guthrie (2006) observa que, mais recentemente, Zhu Rongji teria tentado não somente trazer novas leis, mas também novas instituições que permitissem uma aproximação do sistema chinês aos padrões aceitos (ou desejados) pela comunidade internacional. Nesse contexto, podem ser compreendidas as leis de reforma do sistema trabalhista, as novas leis empresariais, as reformas penais, as leis de compensação, a lei de patentes e todo o aparato institucional criado em conformidade com estas mudanças, como o Escritório Estatal de Propriedade Intelectual e a Comissão Internacional Chinesa de Arbitragem Econômica e Comercial. Assim, vê-se que as melhorias do sistema legal procuravam trazer maior segurança jurídica não só para os cidadãos chineses como também para a comunidade internacional. De acordo com Roberts (2006) e Goldman (2008), a passagem da terceira geração de líderes da China, representada por Jiang Zemin e seus companheiros de Shangai, para a quarta geração, sob a liderança de Hu Jintao, foi uma das mais pacíficas da história da China no século XX. “In November [2002]45 the first peaceful and orderly leadership succession since the Communist Revolution took place. The ‘fourth generation’, headed by Hu Jintao, had grown up during the Cultural Revolution. Many of its members were technocrats, economists or layers rather engineers like their predecessors” (ROBERTS, 2006: 296). Dessa forma, Hu Jintao, que era membro do Politburo desde 1992, tornou-se Secretário-Geral do Partido em 2002, Presidente da República Popular da China em 2003 e chefe da Comissão Militar Central em 2005. Para poder exercer sua autoridade, Hu Jintao teria nomeado alguns de seus companheiros e tecnocratas para posições no 45 Entre as referências usadas foi encontrada uma discordância na data de referência – havia textos que apontavam para a data de 2001 e outros para 2002. 45 Politburo e também em governos locais. Já Wen Jiabao, que ocupou o cargo de Vice Primeiro-Ministro desde 1998, substituiu Zhu Rongji como o Primeiro-Ministro em 2003. Para Goldman (2008), os líderes da quarta geração procuraram desenvolver o interior da China e diminuir as enormes disparidades entre as zonas rurais e urbanas. Assim como nota Roberts (2006), “the government’s declared aim is not economic growth at all costs, but the promotion of measures which advance social equality and environmental protection” (ROBERTS, 2006: 296). Os dados e as estatísticas chinesas mostram que, desde o começo das reformas econômicas, conseguiu-se melhorar a qualidade de vida de milhões de chineses, mas ainda é notável que outros milhões subsistem com um padrão de vida muito baixo. Para mudar esta situação, os novos líderes teriam buscado incentivar o desenvolvimento das áreas rurais. De acordo com Goldman (2008), “Hu e o primeiro-ministro Wen Jiabao, formado em geologia, priorizaram o desenvolvimento do interior e diminuíram os pesados impostos cobrados dos fazendeiros. Em 2004-5 eles tentaram reduzir as disparidades econômicas emergentes entre os setores rural e urbano eliminando os impostos agrícolas e fornecendo educação para a área rural e subsídios para os fazendeiros” (GOLDMAN, 2008:417). Da mesma forma, Roberts (2006) e Goldman (2008) indicam que os problemas ambientais chineses têm assumido proporções gigantescas, o que preocupa o governo. O território chinês abriga várias das cidades mais poluídas do mundo, assim como lagos e rios na mesma situação. Roberts (2006) estima que um quinto das plantações chinesas sofre com poluição de metais pesados. O uso da queima de carvão em sua matriz energética causa não só a poluição do ar de diversas cidades, mas colabora com a emissão de monóxidos de carbono na atmosfera. Outro grande desafio para a nova administração foi a questão da saúde nacional. Com a descoletivização do campo e a privatização das indústrias estatais, foram perdidos os antigos benefícios sociais, como os cuidados com a saúde, que eram garantidos pelas antigas comunas e empresas públicas. Assim, a assistência médica foi privatizada e a grande maioria da população fica à mercê dos programas governamentais. Contudo, como já foi indicado e como aponta Goldman (2008), as reformas políticas e econômicas da era pós-Mao diminuíram a capacidade do governo central em intervir nestas questões. A descentralização econômica teria dado maior autonomia para os governos locais, que “estavam menos propensos a seguir as diretrizes de Beijing em 46 questões como impostos, comércio e programas sociais quando essas diretivas conflitavam com seus interesses regionais” (GOLDMAN, 2008:425). Observa-se que durante o governo de Hu, esse procurou fortalecer o partido para que pudesse governar de modo mais eficaz. Dessa forma, Hu teria tentado revigorar a doutrina ideológica socialista e estabelecer maior disciplina entre os membros do Partido Comunista Chinês para pôr fim à corrupção disseminada entre o Partido. Ademais, o governo sob a liderança de Hu passou a reprimir ainda mais os dissidentes políticos e os protestos contra o governo. Goldman (2008) cita que, durante os últimos anos, houve grande repressão contra “ciberdissidentes”, intelectuais e também contra a mídia, através do Departamento de Propaganda. As informações provenientes desta fonte dão conta que houve vários protestos contra a corrupção, os abusos de oficiais do Partido e o confisco de propriedade, no entanto, todos foram duramente sobrepujados. Ademais, o Partido Comunista Chinês também teria continuado a reprimir algumas crenças religiosas e minorias étnicas que tentavam buscar mais autonomia, como os muçulmanos no Noroeste e os budistas tibetanos, o que provocou manifestações e confrontos freqüentes durante o governo de Hu. “apesar dos esforços de Hu Jintao no início do século XXI para atenuar as desigualdades, e a despeito do crescimento econômico progressivo, as forças deflagradas pelas reformas econômicas e o rápido desenvolvimento, potencialmente desestabilizadoras no campo social, econômico e ambiental, provocaram um crescente rancor público. Esse rancor exprimiu-se em diversas manifestações de trabalhadores, fazendeiros, pensionistas e cidadãos contra a corrupção disseminada, abusos do poder do governo, sobretaxas de impostos locais, demolição de habitações para o desenvolvimento de infra-estrutura moderna, dispensas nas empresas estatais falidas, o não-pagamento de serviço médico, pensões e salários, poluição ambiental provocada pela industrialização irregular e o confisco de terra sem indenização adequada” (GOLDMAN, 2008:403). Dessa forma, ao mesmo tempo em que a liderança da China é pressionada a proporcionar as condições favoráveis para que o crescimento econômico continue avançando, o que demanda cada vez mais modernização e investimento, o governo da quarta geração de líderes enfrenta vários problemas internos, os quais impõem desafios para o desenvolvimento do país e demandam respostas para as desigualdades e disparidades entre as áreas urbanas e rurais, para o aumento desenfreado da poluição do 47 meio ambiente, os protestos de trabalhadores, camponeses e minorias étnicas em favor da melhoria de sua qualidade de vida e as reivindicações de dissidentes políticos pela democratização da China, além do “ocultado” problema derivado da corrupção. Assim, o Partido Comunista Chinês de Hu e Wen procura manter-se no poder tentando encontrar um equilíbrio entre as reformas econômicas e as demandas da população chinesa. O que se torna visível, no entanto, é que a modernização econômica levou a China a um novo patamar de desenvolvimento que desperta, simultaneamente, o interesse e a preocupação da comunidade internacional. A crescente presença econômica da China no cenário internacional chama a atenção dos olhares do mundo em relação ao seu avanço, tanto em questões econômicas quanto militares. Goldman (2008) nota que apesar da aliança entre China e EUA contra o terrorismo46 em 2001, os norte-americanos ainda temem o desenvolvimento chinês e suas aspirações com relação a sua influência militar e econômica na Ásia, na região do Pacífico. O status de Taiwan continua sendo um tema de debate entre EUA e China e, mesmo que as relações comerciais entre China e Taiwan crescem a um passo cada vez maior, as tensões entre a mainland e a ilha continuam acentuadas. Ademais, “os Estados Unidos continuaram a ser os maiores críticos do recorde de violações de direitos humanos da China” (GOLDMAN, 2008:421). Não somente estas questões pioram o relacionamento entre os dois países, mas disputas comerciais, não só em decorrência da disputa pela influência regional, mas também em questões de balança comercial e direitos de propriedade intelectual deterioram a relação entre EUA e China. A despeito da difícil relação entre norte-americanos e chineses, nota-se que a China tem buscado outros tipos de aliados internacionais. Segundo Goldman (2008), “China e Rússia estabeleceram laços militares e políticos em um esforço conjunto para contrabalançar a hegemonia mundial dos Estados Unidos” (GOLDMAN, 2008:420) e também cooperam no campo do desenvolvimento energético. A despeito de Goldman (2008) ressaltar o estritamente de laços entre a China e a Rússia, observa-se que a China vem continuamente elevando sua participação em pequenos grupos de países que reúnem características econômicas semelhantes ou que vislumbrem uma posição política mais ativa dentro do cenário político internacional, tal como o Brasil, a Índia entre outros. Sua aproximação comercial e político com a África também é visível e sua relação com a 46 Logo após os atentados de 11 de Setembro de 2001, esta aliança consagrou-se com o combate chinês contra os grupos muçulmanos das regiões de fronteira de seu território, principalmente os Uighurs, da região de Xinjiang. 48 América Latina vem passando por uma fase de significativo crescimento. Ponto este que tem se tornado crucial para o desenvolvimento chinês. Para modernizar-se a China procura evitar a escassez de energia tentando obter acesso aos recursos energéticos mundiais na África, na América Latina, na Ásia Central e no Oriente Médio. Dessa forma, “talvez em um esforço para tranquilizar o mundo, os líderes nacionais mencionam a “ascensão pacífica” da China, ou seja, que a China se converterá em uma potência mundial sem causar distúrbio na comunidade internacional” (GOLDMAN, 2008:420). Em outras palavras, a China tenta dizer ao mundo que sua inserção internacional é devido as suas necessidades de crescimento e desenvolvimento econômico e não em virtude de anseios expansionistas militares. Resta agora demonstrar como a China trata conceitos fundamentais para seu posicionamento internacional, a saber: soberania e segurança. Esses têm fundamental importância visto que a China considera um conceito de segurança ampliado, ressaltando a grande influencia dos períodos nos quais o país foi influenciado ou dominado por outros países e culturas que obstaculizaram o seu projeto de desenvolvimento, a despeito dos condicionantes internos que também influenciavam sua fragilidade. É desses conceitos que tratarão o capítulo seguinte, destacando uma maneira totalmente diversificada da questão da segurança para China frente a versão ocidental. 49 2 - O conceito de Soberania e Segurança na China atual. Este capítulo traz à tona a seguinte questão: por que é fundamental para o desenvolvimento e para a inserção internacional chinesa compreender o sentido de soberania e segurança em seu contexto específico? E ainda, considerando o projeto nacional de desenvolvimento, sua inserção internacional e ascensão dentro do atual cenário internacional será pacífica? O capítulo faz inicialmente uma breve revisão da literatura construindo um eixo teórico que nos permite compreender os motivos pelos quais soberania e segurança são conceitos tão relevantes para a China, especialmente pós1978, e como esses conceitos diferem da visão tradicional. “over the last three decades or so, its foreign and defense policies have been remarkably consistent and reasonably well coordinated with the country´s domestic priorities. On the other hand, the Chinese government has yet to disclose any document that comprehensively expounds the country´s strategy goals and the ways to achieve them (JISI, 2011: 68).” Sabe-se que a proposta da China, em sua trajetória em direção ao desenvolvimento, é que este aconteça via adoção de um novo sistema que se apóia na concepção de que a economia de mercado é um fato. Portanto, para que seu processo de desenvolvimento seja eficiente, a inserção internacional é um passo importante para o sucesso desse projeto de desenvolvimento. Segundo Jizi (2011), quando chegam os anos 80 e Deng Xiaoping, a China embarca em uma reforma estrutural e sua política de abertura, tendo como meta prioritária seu desenvolvimento econômico. Para atingir tal objetivo, observa Jizi (2011) que “China made great efforts to develop friendly and cooperative relations with countries all over the world, regardless of their political or ideological orientation, it reasoned that a nonconfrontational posture would attract foreign investment to China and boost trade. A peaceful international environment, an enhanced position for China in the global arena, and China´s steady integration into the existing economic order would also help consolidate the CCP´s power at home. But even as economic interest became a major driver of China´s behavior on the international scene, traditional security concerns and need to guard against Western political interference remained important.” 50 A China tem reiterado em diversos momentos, via discursos oficiais, que sua condição atual de potência emergente deve ser entendida como uma nova fase histórica, marcada por “ascensão pacífica” do país, destinada a beneficiar seu entorno imediato e relações com o exterior. O estudo da história cultural chinesa nos leva a crer que vigorava (e parte deste sentimento ainda permanece) no país uma idéia sinocêntrica do mundo. Essa se apoiava nas concepções de que dentro do espaço geográfico chinês e suas margens estavam sob o total controle do Imperador. O mundo, considerando sua área geográfica conhecida, poderia ser governado de forma pacífica e harmoniosa. Por fim, e a meu juízo o mais importante, havia uma percepção que culturalmente nenhuma outra civilização igualar-se-ia a China e seus pressupostos formativos culturais. Contudo, o contato com o expansionismo comercial europeu afetou decisivamente a vida na China e de maneiras distintas. A entrada dos europeus alterou os fluxos comerciais, especialmente aqueles até então controlados ou vigentes entre a China e seus vizinhos. A criação de novos vínculos de dominação, agora ditados pelas potências européias afetou a posição chinesa e suas relações políticas e econômicas com seus vizinhos. Novas relações de poder foram criadas, a despeito da China ainda manter sua posição de potência na Ásia. A competição européia pelos mercados e por seus recursos também afetou a China já que sua mão-de-obra farta passou a figurar como componente de custo produtivo relevante para a concorrência via preço nos mercados centrais ou coloniais. “A unique feature of Chinese leader´s understanding of their country´s history is their persistent sensitivity to domestic disorder caused by foreign threats. From ancient times, the ruling regime of the day has often been brought down by a combination of internal uprising and external invasion (JISI, 2011: 69).” O resultado deste longo processo é que a partir do século XIX, a expansão colonial européia e o declínio do Império Chinês começaram, portanto, a redesenhar um novo formato de relacionamento distinto da que existira até o momento, entre a China e o Sudeste Asiático. Perderam importância os canais de comunicação em nível de governo, visto que, com a presença dos novos colonizadores, cessaram as relações de vassalagem e o sentido de proteção até então garantido pela China. Ainda, deu-se início um grande fluxo migratório que, nos cem anos seguintes, deu origem a uma mobilização de milhões de chineses em direção ao Sudeste Asiático, em fuga dos constantes conflitos internos e dificuldades econômicas presentes no país. Esses emigrantes passaram a constituir 51 poderosos laços afetivos com a China, além de instituírem sólido intercâmbio comercial e remessa de recursos financeiros a familiares em seu país de origem. Percebe-se aqui que o efeito não é puramente econômico, mas, sobretudo, cultural e social, influenciando a realidade cultural chinesa e sua percepção de cultura dominante. Este cenário de influencias e dominações será sacudido pelo movimento de expansão japonês, tendo como período representativo a década de 1940. Novamente a China sofrerá influencias de outras nações e será atormentada por novos conflitos que a colocam em uma posição constrangedora e, que novamente, afetaria sua economia, política e cultura. Frente a este cenário sumariamente descrito, a China vê-se na situação de debater internamente e, posteriormente, externar ao mundo, uma nova posição no que diz respeito a sua soberania e sua segurança, considerando seu projeto de desenvolvimento e seu processo de inserção internacional autônomo. O ponto que norteia esta discussão e este capítulo é que devido às influencias e, conseqüentemente, os problemas causados pelas invasões, dominações e contato com os estrangeiros na China, afetando sua economia, sua política e sua cultura, uma nova determinação postural deveria ser colocada em prática pela China com o intuito de resguardar seu processo de desenvolvimento a partir da entrada de Mao Tsé-tung, mas com maior ênfase, com a chegada da década de 80 e a política vanguardista implementada por Deng Xiaoping. A discussão a respeito da segurança sempre esteve presente nos estudos da área de Relações Internacionais. Na verdade, na ciência social quando considerada como um agrupamento de conhecimentos oriundos da política, da sociologia e da antropologia, principalmente, e em suas diversas interfaces com as demais áreas do conhecimento que a perpassam, sempre figurou como assunto relevante a questão da segurança. Muitos autores contribuíram sobremaneira para a construção do tema. Aqui serão ressaltados alguns representantes de uma corrente que compreende a segurança não unicamente como uma questão militar, logo não havendo distinção entre high e low politics, mas como uma junção de agendas significativas para o entendimento da segurança como componente do desenvolvimento nacional e do posicionamento das nações na cena internacional. A contribuição de Brodie (1949) ruma no sentido de que a determinação da política de segurança, os meios econômicos e a utilização dos recursos com eficiência são 52 atributos muito mais dos economistas do que dos militares. Por isto, Brodie (1949) acreditava que a estratégia deveria se pautar em cálculos de custo benefício, incorporando-se na formação estratégica a lógica econômica de utilidade marginal e o “princípio de dano menor”, ou seja, todas as coisas sendo iguais opta-se por selecionar aquelas que pudessem produzir menor dano. Brodie (1949) propunha que aos militares caberia tão somente a execução dos planos de campanha elaborados pelos estrategistas civis em consonância com os interesses da burocracia estatal. Aos militares caberia, no máximo, auxiliarem na elaboração do orçamento de defesa. Já Betts (1997 e 2000) argumenta que os “Estudos de Segurança” abarcariam na atualidade a diplomacia, a formação de políticas, a mobilização econômica e social, as inovações científicas, o controle de armamentos, o terrorismo e o meio ambiente. O campo de estudos deveria retornar ao domínio das Relações Internacionais, considerando sua formação multidisciplinar e matricial. A contribuição que melhor encaixa-se no argumento construído ao longo deste trabalho tem origem em Buzan, Wæver e Wilde (1998). Estes questionam a vertente “tradicionalista que foca exclusivamente nas questões militares e na figura do ator estatal. “Argumentamos contra a visão de que o core dos estudos de segurança são a guerra e a força e que outros assuntos são relevantes apenas se relacionados com a guerra e a força” (Buzan, Waever e Wilde, 1998:04). Buzan, Wæver e Wilde (1998) destacam que segurança versa sobre sobrevivência, ou seja, é quando o assunto é apresentado como sofrendo uma ameaça existencial para um designado objeto de referência e necessita de uma ação emergencial para conter essa ameaça. Essa ameaça pode ter como fonte um fato psicológico ou real. Os autores rejeitam a argumentação de que problemas de segurança estão restritos a um ou dois setores, a saber: o militar e o político. A segurança deve ser vista de modo mais abrangente, incorporando, portanto, temáticas que não aquelas restritas à gama da tradicional agenda de High Politics do Estado. Na verdade, diversos fatos considerados como Low Politics deveriam integrar uma agenda internacional mais abrangente devido a sua interdependência para serem sanados. A miopia observada na visão tradicional (narrow) distingue-se da amplitude da visão proposta pelos autores (wide). Na visão ampliada, a segurança é vista como um fenômeno complexo e multifacetado que não se limita a soluções prontas e idênticas para cada ocorrência. Cada situação merece uma avaliação e uma resposta diferenciada 53 considerando o grau de securitização47 que ela alcança. Além disto, questões de segurança, dado seus diferentes níveis de análise (nota de rodapé 2) e complexidade, devem ser tratados de maneira distinta48. Segundo Buzan, Wæver e Wilde (1998), “In the study of international relations, the five most frequently used levels of analysis are as follow: International System, meaning the largest conglomerates of interacting or interdependent units that have no system level above them. Currently, this level encompasses the entire planet, but in earlier times several more or less disconnected international system existed simultaneously; International subsystems, meaning groups of units within the international system that can be distinguish from the entire system by the particular nature or intensity of their interaction with or interdependence on each other. Subsystems may be territorially coherent, in which case they are regional (ASEAN) or not (OPEC); Units, meaning actors composed of various subgroups, organizations, communities, and many individuals and sufficiently cohesive and independent to be differentiated from others and to have standing at the higher level (e.g., states, nations, transnational firms); Subunits, meaning organized groups of individuals within units that are able (or that try) to affect the behavior of the unit (e.g., bureaucracies, lobbies); Individuals, the bottom line of most analysis in the social sciences. (BUZAN, WÆVER E WILDE, 1998: 05-06)” Esta descrição mostra que os autores supracitados defendem a existência de cinco setores e não dois (político e militar) conforme a visão “tradicional” Estes setores são o setor militar, responsável pelas relações de forças coercitivas; o setor político, que lida com o relacionamento entre as autoridades, o governo e suas inter-relações; o setor 47 Securitização é um processo onde determinado assunto migra da agenda de Low Politics para a temática de segurança na agenda de High Politics. Se houvesse uma transposição somente de um tema da agenda de Low para a agenda de High Politics este processo seria denominado de politização. Securitização normalmente envolve uma mudança de discurso, ou seja, determinados atores que se interessam por certa situação propiciam um discurso favorável ao aumento da importância de um tema na agenda e esse tema entra na gama dos assuntos de segurança. Essa situação passa a ser identificada como um tema de segurança. 48 A organização analítica de Buzan merece aqui uma explicação complementar. A questão inicial para Buzan é a definição do foco da análise ou o que vai ser estudado e/ou analisado. Segundo Buzan e Little colocam, em um jardim pode-se focar as flores, o solo, as pedras, o jardim em si mesmo, interligando as análises ou fazendo-as de maneira parcial. Assim, na área de Relações Internacionais como um todo, e aqui, especificamente, a subárea de segurança (mas não exclusivamente essa área) os níveis de análise podem ir do macro (o Sistema Internacional) até o mais micro (o indivíduo). O nível de análise não se confunde nem com atores (que são os protagonistas), nem com setores de análise (dimensões). A nota de rodapé seguinte expõe os níveis trabalhados por Buzan. 54 econômico, que deve trabalhar com o comércio, a produção, e o lado monetário e financeiro do ambiente; o societal, que trabalha com o lado da identidade coletiva; e por fim, o ambiental, que deve lidar com as questões que envolvem a atividade humana e a biosfera planetária49. Estes mesmos autores propõem que o problema da segurança seja regionalizado. Posteriormente, Buzan (2003), isoladamente, desenvolve o que se denomina de Teoria dos Complexos Regionais50 - Regional Security Complex Theory (RSCT). Sua idéia central é que assim colocada pelo autor: “The central Idea in RSCT is that since most threats travel more easily over short distances than over long ones, security interdependence is normally patterned into regionally based clusters: security complexes (RSC´s) (BUZAN, 2003: 145)”. Seu argumento é que as questões de segurança afligem a todos os atores da sociedade internacional, mas que àqueles que compartilham a proximidade, ou seja, o complexo regional, será mais afetados que os demais51. Isto é, a maioria dos problemas de segurança são limitados a determinadas regiões e a proximidade geográfica dos atores tendem a ressaltar esta dinâmica. Por regiões de segurança, os autores atribuem as seguintes características: (1) são compostos por dois ou mais estados; (2) estes estados compõem um conjunto geográfico coerente; (3) as relações entre estes estados é marcada por interdependência (extra e inter estados) no que concerne à questão de segurança; (4) estes padrões de interdependência são profundos e duráveis, ainda que passíveis de mudanças (BUZAN, WÆVER E WILDE, 1998). Buzan (2003) ao analisar a arquitetura de segurança da Ásia introduz o conceito de complexos regionais de segurança. A idéia central de Buzan é que as ameaças 49 Generally speaking, the military security concerns the two-level interplay of the army offensive and defensive capabilities of states, and states perceptions of each other´s intentions. Political security concerns the organizational stability of states, systems of government and the ideologies that give them legitimacy. Economic security concerns access to the resources, finance and markets necessary to sustain acceptable levels of welfare and status power. Societal security concerns the sustainability, within acceptable conditions for evolution, of traditional patterns, culture and religious and national identity and custom. Environmental security concerns the maintenance of the local and planetary biosphere as the essential support system on which all other human enterprises depend. (BUZAN, WÆVER E WILDE, 1998: 08). 50 BUZAN, Barry. Security architecture in Asia: the interplay of regional and global levels. The Pacific Review, v.16, n, 02, 2003. E, BUZAN, Barry, WÆVER, Ole. Regions and Power: the structure of international security. NY: Cambridge University Press – CSIR, 2003. 51 Ainda segundo Buzan (2003: 145) “Security complex may well be extensively penetrated by the global powers, but their regional dynamics nonetheless have a substantial degree of autonomy from the patterns set by the global powers. The overall architecture of RSCT involves examination of security dynamics at four levels: domestic, regional interregional and global.” 55 normalmente se expandem mais fácil e rapidamente em curtas distâncias e que, conseqüentemente, a interdependência da segurança padroniza-se em bases regionais. Neste sentido, os estados normalmente estão mais preocupados com as capacidades e intenções de seus vizinhos do que com os localizados externamente a estes complexos. E, mesmo que possam ser afetados pelos poderes globais, sua dinâmica apresenta um relativo grau de autonomia dos padrões da segurança global. A perspectiva teórica de Buzan distingue ainda entre superpotências atuando globalmente, grandes poderes com influência sobre mais de uma região e poderes regionais com capacidades contidas dentro de um único complexo Deve-se deixar claro que a construção teórica de Buzan, Wæver e Wilde (1998) a respeito da amplitude do conceito de segurança torna-se a base conceitual deste tópico da pesquisa. Este tipo de argumentação desprovido do interesse em segmentar a discussão de segurança dos objetivos de desenvolvimento de uma nação serve inteiramente aos propósitos deste trabalho. É argumento essencial deste trabalho que a China tem clareza dos seus objetivos de desenvolvimento e das políticas a serem praticadas para atingir tal objetivo. A questão da segurança, em cenário internacional, faz parte deste planejamento, sem excluir outros objetivos. A contribuição de Buzan, Wæver e Wilde (1998) é imensa e aqui nesta produção não cabe e nem é objetivo avaliar toda a sua obra. Para os fins deste trabalho, fica o entendimento de que a questão de segurança ultrapassa a avaliação única e exclusivamente militar, sendo assim identificada por uma profunda interdependência em seu sentido mais amplo. Merece, da mesma forma, ser ressaltado que a separação de uma agenda de High Politics de uma secundária de Low Politics não faz sentido, especialmente para o caso aqui estudado. De acordo com Gill (2007), o conceito atual de segurança da China tem suas raízes nas concepções do antigo líder chinês Deng Xiaoping, de 1982, o qual dizia que o mundo tenderia não ao conflito e à guerra, assim como pregava Mao, mas ao progresso e à paz. Dessa forma, a China poderia contar com um ambiente internacional pacífico no qual não teria que se preocupar primordialmente com questões militares e poderia focar em seu desenvolvimento interno. Contudo, o autor argumenta que esta visão sofreu alterações com novos desafios, diplomáticos e domésticos, enfrentados pelo país entre o final da década de 1980 e início da década de 1990 e com o consequente final da guerra fria. 56 Neste contexto, na década de 1990, houve uma reformulação nas concepções chinesas de ordem mundial – que passaram a expressar a necessidade de redemocratização do sistema internacional para a construção de uma ordem internacional mais justa e racional tanto política quanto economicamente – e de seu papel no sistema – para agora buscar agir como um “responsible great power” (GILL, 2007: 04). Para Gill (2007), estas formulações influenciaram a criação de um novo conceito de segurança chinês que visa maior participação no cenário internacional e regional. Este conceito pode ser observado em diversas publicações oficiais chinesas (White Papers), da década de 1990 e 2000, sobre sua política de defesa nacional e também em declarações de oficiais do governo chinês. O China's National Defense de 1998 deixa claro quais são as bases deste conceito, "Security should be based on mutual trust and common interests. We should promote trust through dialogue, seek security through cooperation, respect each other's sovereignty, solve disputes through peaceful means and strive for common development. To obtain lasting peace, it is imperative to abandon the cold war mentality, cultivate a new concept of security and seek a new way to safeguard peace". (CHINA,1998) De acordo com Gill (2007), este novo conceito seria também baseado nos Cinco Princípios de Coexistência Pacífica ou Five Principles of Peaceful Coexistence (FPPC), que remontam à Conferência de Bandung, em 1955. Estes princípios também são citados no China's National Defense de 1998, "The relations among nations should be established on the basis of the Five Principles of Peaceful Coexistence: mutual respect for territorial integrity and sovereignty, mutual non-aggression, noninterference in each other's internal affairs, equality and mutual benefit, and peaceful coexistence. These are the political basis and premise of global and regional security (CHINA,1998)”. Além disso, este documento também expressa qual é o papel do Estado chinês nesta nova ordem mundial ao apontar que a China é um país com grandes responsabilidades52 e que o Estado chinês atua como uma força firme na salvaguarda da paz e da estabilidade mundial. Para Medeiros e Fravel (2003), esta nova mentalidade chinesa indica que houve a superação da posição de Estado em desenvolvimento vitimizado que a China manteve durante os governos de Mao e Xiaoping. Stephen G. Haw (2008: 190) argumenta que 52 No original "responsible big country". 57 desde a Guerra do Ópio, em 1839, a China passou por um duro período de humilhação e adaptação ao mundo ocidental. Segundo o autor, a guerra apresentou aos chineses um mundo novo que eles não haviam se dado conta que existia mesmo após 300 anos de contato direto com comerciantes ocidentais. Deste incidente em diante, a China permaneceria sob a influência do ocidente, atravessada por conturbações internas e sofrendo com ataques externos. Segundo Medeiros e Fravel (2003:23), a nova diplomacia da China passou a ver o país como um grande poder emergente, com uma grande gama de interesses e responsabilidades - "an emerging great power with varied interests and responsibilities", o que poderia ser evidenciado na expansão do número e na maior profundidade dos acordos e relacionamentos bilaterais que a China tem promovido em áreas de comércio e segurança, na sua maior participação em organizações multilaterais e no seu maior envolvimento no Conselho de Segurança da ONU e em questões de segurança em geral, tanto regionais quanto globais. Segundo Medeiros e Fravel, “China’s approach to bilateral relations, multilateral organizations, and security issues reflects a new flexibility and sophistication. The changes represent an attempt by China’s recent leaders to break out of their post-Tiananmen isolation, rebuild their image, protect and promote Chinese economic interests, and enhance their security; they also demonstrate an attempt to hedge against American influence around the world (MEDEIROS & FRAVEL, 2000:24)”. De acordo com Gill (2007), a expansão do alcance das alianças políticoestratégicas chinesas em assuntos de segurança, na região da Ásia e globalmente, deu efeito prático ao novo paradigma de segurança chinês. Segundo ele, a abordagem chinesa tem sido motivada por três objetivos que são primordiais na nova diplomacia de segurança: "defuse tensions in its external security environment to better focus on domestic challenges, reassure neighbors about China's rise, and cautiously balance the power of the United States to more effectively meet Chinese security interests" (GILL, 2007:21). De acordo com o China’s National Defense de 1998, o novo conceito de segurança chinês é impulsionado pelo desejo de modernização e desenvolvimento econômico da China. Segundo o documento oficial, “guided by its aspiration for peace and development, China unswervingly pursues a national defense policy that is defensive 58 in nature, keeps national defense construction in a position subordinate to and in the service of the nation's economic construction, strengthens international and regional security cooperation and actively participates in the international arms control and disarmament process (CHINA, 1998)”. Dessa maneira, pode-se entender que a noção de segurança chinesa ultrapassa a visão tradicional de segurança, apontada por Buzan, Wæver e Wilde (1998), e engloba a aspiração pelo desenvolvimento nacional como o fator principal de sua busca por um ambiente pacífico, tanto globalmente quanto regionalmente. Nesse sentido, o desenvolvimento passa a ser a força motriz para a reflexão da formulação e condução da defesa nacional chinesa. A visão chinesa de ordem mundial novamente entra em questão ao denunciar que o desenvolvimento econômico desigual do globo e que o hiato entre norte e sul. Além, ainda seguindo a contribuição de Buzan, Wæver e Wilde (1998) sobre a complexificação dos assuntos que são caros à segurança nacional, o China’s National Defense de 2006 apresenta que a comunidade internacional enfrenta ameaças de segurança cada vez mais complexas, abrangentes e diversas nas quais “political, economic and security problems and geographical, ethnic and religious contradictions are interconnected and complex” (CHINA, 2006). Vários elementos “não-tradicionais” foram securitizados por apresentarem ameaças ao desenvolvimento chinês, como pode ser visto também neste documento oficial, “security issues related to energy, resources, finance, information and international shipping routes are mounting. International terrorist forces remain active, shocking terrorist acts keep occurring. Natural disasters, serious communicable diseases, environmental degradation, international crime and other transnational problems are becoming more damaging in nature (CHINA, 2006)”. É essencial aqui deixar claro o conceito de soberania para uma nação. Grande parcela das decisões de segurança de um país tem relação intima à sua soberania, manutenção desta ou no esforço de obtê-la. Segundo Sarooshi (2005) o conceito de soberania é semelhante ao conceito de Deus, todos cotidianamente referem-se a ela, mas poucos (ou nenhum no original) demonstram conhecer a fundo e claramente o que este conceito realmente significa53. 53 Demarcação legal da ação do Estado: Legal system which reflected the sovereignty of the state in their jurisdictional arrangement – refusing the subjection of the State to ordinary legal process, with or without 59 Segundo Lalande (1999) soberania corresponde ao poder soberano por direito ou poder político originário do qual procedem todos os outros, no qual eles encontram a sua legítima fonte. Ainda conforme Lalande (1999), do ponto de vista das relações entre Estados, o significado de soberania passa pela independência absoluta, pelo direito de um Estado em relação a qualquer outro Estado, ou qualquer outra autoridade superior, ou seja, uma fonte de poder absoluta. Anteriormente a Westphalia (1648), a concepção de soberania, oriunda de Jean Bodin (1576) em De Republica referia-se a um estado de desordem observado entre os Estados da Europa caracterizado essencialmente por uma ausência de coordenação entre as autoridades independentes. Segundo Bodin, a manifestação essencial da soberania estava no poder de “fazer” as leis. Para ele, a soberania, em essência, estava na existência de uma única e exclusiva fonte de autoridade capaz de estabelecer as leis. Esta discussão foi o ponto de partida para o início de uma complexa discussão teórica a respeito de soberania, especialmente no cenário europeu. Com os Tratados de Westphalia em 1648, o conceito de soberania passou a ser relacionado com a noção de Westphalia Sovereingnty, o qual demarca o consentimento entre os estados de que certos poderes seriam exercidos pelos Reis de alguns dos países signatários. Dentre estes, estava o direito absoluto e soberania, ou seja, o estabelecimento de leis próprias direcionadas aos seus respectivos estados. No século 19, esta noção de soberania foi elevada a tema de discussão central na seara do direito internacional público. Wheaton (1866) citado por Wenhua (2008), afirmava que cada Estado deveria possuir e exercer exclusivamente seu poder de soberania e jurisdição considerando toda a extensão do seu território54. Esta concepção de soberania foi posteriormente sumarizada da seguinte forma: “Historically, sovereignty has been associated with four main characteristics: first, a sovereign state is one that enjoys supreme political authority and monopoly over the legitimate use of force within its territory. Second, it is capable of regulating movements across its borders. Third, it can make its foreign policy choices freely. Finally, its is recognized by others governments as an the development of an alternative administrative jurisdiction- rather quickly perceived both the need for a legal test of state action, and the inability of the notion of sovereignty to provide one. (TNPDEL, 2002) 54 No State can, by its laws, directly affect, bind, or regulate property beyond its own territory, or control persons that do not reside within it, whether they be native-born subjects or not. WHEATON, Henry. Elements of International Law. 8th ed. Boston: Danna, 1866. 60 independent entity entitled to freedom from external intervention. These components of sovereignty were never absolute, but together they offered a predictable foundation for world order.” (HAAS, 2003: 02) O desafio de definir soberania com clareza sempre esteve presente, seja nas ciências políticas seja nas relações internacionais. Este desafio tornou-se mais complexo a partir do desfecho da II Guerra Mundial e, particularmente, nos dias atuais com as constantes modificações nas relações de força e poder do mundo político contemporâneo. Esta complexidade deve-se, segundo Wenhua (2008), à proliferação de tratados e organizações internacionais, cada qual com seu conjunto de normas e regras que acabam por se constituir em limites e desafios à soberania do Estado. O Estado, particularmente é o ator mais desafiado nos dias atuais. Os movimentos militantes dos direitos humanos, favoráveis à integração regional e às atividades humanitárias, os reguladores das relações comerciais, dos fluxos de investimentos estrangeiros, fluxos de capitais de curto prazo e a ação das mais diversas instituições, todos estes frutos da globalização econômica, desafiam as leis estabelecidas pelos Estados e sua jurisdição. Wenhua (2008) ao citar Henkin destaca que soberania não é, na atual conjuntura organizacional do sistema internacional, uma boa palavra a ser utilizada. Isto porque ela, em sua concepção, está restrita ao âmbito nacional, enfrentando dificuldades para ser absorvida pelas relações internacionais e principalmente pelo direito internacional. “He reasoned that sovereignty is essentially an internal concept, the locus of ultimate authority in a society … surely, as applied to the modern secular state in relation to other secular state, it is not meaningful to speak of the state of sovereign” (HENKIN apud Wenhua, 2008). Da discussão entre os autores que tratam do direito internacional e das relações internacionais, fica visível que o conceito de soberania é conhecido, mas não pode ser dado como uma unanimidade. A despeito deste ser necessário na regulamentação das ações dos Estados, à medida em que a desigualdade entre os países que compõem o sistema internacional aumentam e com as constantes modificações de cenário, soberania tornou-se um conceito que ainda irá merecer espaço nos grandes debates. Para o caso da China, o conceito moderno de soberania, assim como vários outros, tem origem na cultura ocidental. Já sua relevância para o estudo aqui empreendido, Wenhua (2008) tem uma colocação que é corroborada no presente tópico. 61 “The Chinese concept of sovereignty is particularly interesting, not only because it differs significantly from that of others majors states, but also because it has significant bearings on the future international behavior of China, which is poised to play a major leading role on the world stage.” (WENHUA, 2008: 51). Como resultado de vários períodos de intervenção ocidental nas suas relações internacionais e no seu centro decisório de política interna, a China apresenta-se como uma forte defensora da ideia de soberania. Esse posicionamento, comumente chamado de ‘Nova idéia de soberania chinesa’ - Sovereignty with Chinese characteristics, está apoiado em três posições. A primeira, denominada de sovereignty-bound thinking, estabelece que em assuntos e anúncios diplomáticos o governo Chinês costuma lembrar constantemente ao resto da comunidade internacional que existe uma concepção de problemas existentes na agenda pelos pensadores e formuladores de política chinesa e que estes devem ser expostos, independentemente da concepção do restante do mundo. A segunda característica distintiva da concepção chinesa de soberania está relacionada ao princípio da inviolabilidade da soberania do Estado. O Estado Chinês, em um documento publicado em 1960, informava que: “In the course of cooperation and struggle in international relations, sovereignty is a question of paramount importance. Therefore, peoples of various countries handling high the banner of ‘inviolability of sovereignty’ and the oppressed nations of the world in the past and at present, have launched stubborn struggles against imperialism in defense of their country´s sovereignty … .” (WENHUA, 2008: 58) E por fim, sua terceira característica distintiva, conforme Wenhua (2008), reside na ênfase atribuída à reciprocidade e mutualidade. Estas características são notórias no documento que dissemina a todos os interessados os Cinco Princípios de Coexistência Pacífica55. Considerando estas três características da soberania para o Estado Chinês, observa-se que a China atualmente é uma ferrenha defensora de um formato de soberania no qual é preservado o direito máximo e legitimo do Estado de estabelecer suas leis e de posicionar-se frente aos desafios e ocorrências do cenário internacional sempre em constante mutação. A China, quando se posiciona no cenário internacional, deixa claro a todos a sua dura oposição a qualquer interferência em suas relações e legislações domésticas, incluindo aquelas relacionadas a assuntos humanitários. Na 46º Sessão da Assembleia 55 Five Principles of Peaceful Co-Existence (FPPC). 62 Geral das Nações Unidas, quando Boutros Boutros Ghali rejeitou o conceito de soberania estabelecido em Westphalia (ou seja, o conceito de soberania absoluta), retratando o conceito como mais complexo frente as diversas questões presentes na agenda internacional atual, o Ministro das Relações Exteriores da China, Qian Qichen, fez o seguinte pronunciamento no parlamento: “The turbulent and complex international situation has further awakened all countries and people of the world to the demand for the establishment of a new international order, making it more urgent and stronger. … A new international order should be established on the basis of mutual respect for the sovereignty and territorial integrity, mutual non-aggression, non-interference in each other´s internal affairs, equality and mutual benefit, and peaceful coexistence. … Only when all states promise to implement these principles will it be likely to establish genuine democracy in international relations.” (QICHEN, 1991). Em 2004, em uma celebração do FPPC em Pequin, o Primeiro-Ministro Wen Jiabao declarou que: “Sovereignty is the birthmark of any independent state, the crystallization of its national interests and the best safeguard of all it holds dear. The increasing interaction and interdependence among countries, thanks to surging economic globalization and technological revolution, does not mean that the status and role of sovereignty can in any way be neglected or weakened. … No country has the right to impose its will on others, nor can it undermine or deny other countries sovereignty under whatever excuse. Facts have proven that such practice as disregarding other´s sovereignty, bullying the small and the weak by dint of one´s size and power, and pursuing hegemony and power politics would not get anywhere … China will firmly safeguard its sovereignty and territorial integrity, tolerating no one to interfere in its internal affairs. All the same, it will respect the sovereignty and territorial integrity of others.” (JIABAO, 2004) O somatório das declarações acima permite que se estabeleça um padrão de comportamento do Estado Chinês no que diz respeito a seus assuntos internos e a sua definição própria de soberania. A China conduz, e assim permanecerá fazendo, seus assuntos internos e, consequentemente, suas decisões externas considerando seu conceito de soberania, de segurança e focada em seus objetivos de desenvolvimento. É também perceptível que a China aderiu de maneira direta e incisiva às doutrinas de inviolabilidade da soberania e de sovereignty-bound thinking, e esta adesão atinge a todas as áreas constituintes da sociedade chinesa. 63 Enfim, observa-se que o objetivo primário da atual política externa chinesa concentra-se na manutenção dos altos índices de crescimento através do aprofundamento da reforma econômica direcionada para o mercado. Contudo, figuram em segundo lugar e, simultaneamente, a defesa da soberania e unidade nacionais e, em terceiro, sua transformação em um grande poder (regional e/ou internacional). Visto dessa forma, conclui-se que os desafios econômicos são considerados fundamentais e inseparáveis dos elementos básicos da segurança nacional: independência, soberania e estabilidade. Seguindo uma vertente mais realista, Charles Glaser (2011) questiona-se a respeito da ascensão da China e se esse movimento poderia levar a um conflito. A construção de seu argumento parte do pressuposto de que as qualidades únicas da China, associadas a sua trajetória econômica e ao seu histórico de comportamento nas relações internacionais, especialmente regionais perdem importância a partir do momento que o pais passa a agir como uma superpotência – because how a country acts as a superpower and whether its actions and those of others Will end in battle are shaped as much by general patterns of international politics as by idiosyncratic factors. Segundo Glaser (2011) o debate sobre a atuação da China nas relações internacionais vem sem polarizado entre liberais otimistas e realistas pessimistas no qual os primeiros definem a nova ordem mundial sustentada por questões econômicas e pelo resultado positivo da abertura das economias, logo, a ascensão da China deve ser considerada pacífica. Já os realistas preocupam-se com a competição e com o choque de interesses decorrente dessa competição. A percepção de Glaser é que o realismo pode não ser totalmente pessimista e pode conter em seus próprios princípios explicações para reduzir a “tendência natural” a um conflito entre potências pela denominação de superpower. Sua construção teórica passa pela análise do Dilema de Segurança56, mas também leva em consideração a situação do cenário internacional atual, onde vários países estão mais preocupados em sair de uma posição incomoda pós-crise, inclusive os EUA, e estão mais flexíveis em algumas situações de agenda ou emergenciais. Sua conclusão é que a despeito de sempre existir o risco de um conflito e o crescimento chinês trazer riscos para os EUA, os interesses chineses não são compatíveis com conflitos. Sua primeira tarefa, que já é considerada 56 Sustentado pelo realismo estrutural, Glaser afirma que the concept of the security dilemma is a situation in which one state´s efforts to increase its own secutirty reduce the security of others.A intensidade do Dilema de Segurança vai depender Segundo Glaser vai depender dos objetivos e dos esforços para atingir as metas políticas e de poder. 64 complexa é posicionar-se como potência regional legitimada e reconhecida por todos o que já é demasiado complicado devido suas relações passadas com Japão entre outras pequenas questões de devem ser resolvidas. Glaser (2011) ainda acredita na força de uma comunidade de países que desejam manter em nível elevado o controle e a manutenção da segurança internacional, o que reduz a possibilidade de um conflito pelo título de superpotência. Já Buzan (2010) tem uma perspectiva totalmente diferenciada, apesar de chegar a conclusões próximas. Para Buzan (2010: 5) ascensão pacífica envolve a two-way process in which the rising power accommodates itself to rules and structures of international society, while at the same time others powers accommodate some changes in those rules and structures by way of adjusting to the new disposition of power and status. O argumento de Barry Buzan é que nos últimos 30 anos a China implementou reformas e abriu sua economia, ainda, está mais próxima da sociedade internacional, contudo, continuar este processo de crescimento e manter sua ascensão pacífica será mais difícil do que tem sido até agora, por diversos motivos. Sua perspectiva teórica é a Escola Inglesa (English School and International Society) e pela avaliação da literatura Buzan destaca quatro períodos: “(i) the sino-centric international society in East Asia before the western presence became overwhelming; (ii) the period from the middle of the 19th to the middle of the 20th centuries when China was trying to adapt to, and gain status within, Western international society; (iii) the revolutionary period when China was largely alienated from, and oppositional to, Western international society; and (iv) the period since the late 1970s when China rejoined what was a more globalised, but still Western-led, international society (BUZAN, 2010: 8).” A despeito de Barry Buzan descrever e avaliar cada um destes períodos, interessa nos apenas sua percepção sobre o quarto período e como essa percepção influenciará o restante de sua análise a respeito da ascensão pacífica da China. Ao final da década de 70 a China abandona seu “modelo” revolucionário e adota abertura, a percepção de que a economia de mercado é inevitável e que eram necessárias reformas para simultaneamente ascender na sociedade internacional e obter sucesso no seu projeto de desenvolvimento nacional. Segundo Buzan (2010) as rotas traçadas pela sociedade internacional tanto para a economia quanto para a política indicavam mais abertura, integração e menos colonização. A China decidiu colocar o seu desenvolvimento econômico como prioridade e essa decisão reduziu as tensões nas 65 relações internacionais da China com o mundo. A modernização com características chinesas (denominação presente em Buzan, 2010) teve como mudança central a prioridade pelo projeto de desenvolvimento nacional, colocando os resultados econômicos, mediante a aceitação da economia de mercado, a inserção internacional, a inclusão social como prioridade. Ao fazer isto, a China precisou transformar sua percepção de segurança e soberania. “giving priority to development meant that China needed to transform its security interest from the military-politicalterritorial ones that dominated earlier decades and stresses struggle and zero-sum conflict, into more cooperative, ‘comprehensive security’ ones emphasizing the maintenance of stability and participation in the global political economy (BUZAN, 2010: 13).” No que concerne a essa mudança citada por Buzan, sua percepção é que a China logrou sucesso, principalmente pelas mãos de Deng Xiaoping e pós os anos 1980. Já no que diz respeito a atualidade e sua estratégia de ascensão pacífica, Buzan (2010) ressalta quatro fatores que devem ser considerados em nossa análise sobre a ascensão pacífica chinesa: (i) de um país pobre e seguindo o modelo soviético57 para um país de sucesso econômico, a China mudou sua percepção sobre a sociedade internacional, principalmente, no que concerne a sua posição econômica e política e o mesmo aconteceu com o mundo. Contudo, esse sucesso não pode ainda ser dado como finalizado e nem garantir a capacidade estabilizadora da China em temas amplos da agenda internacional, logo, há que se esperar a história se formar para compreender melhor esse processo; (ii) durante a crise financeira de 2008 ficou exposta a fragilidade do sistema bancário chinês. Ainda, seu modelo liderado pelas exportações vem sendo questionado e sabe-se que níveis de importações como os apresentados pela China nos últimos anos não mais serão sustentados pela economia global. Essas questões, associadas com as operações de ajuda financeira feitas pela China nos últimos dois anos, colocam dúvidas na relação EUAChina, apesar da China declara-se apenas um colaborador da estabilidade; (iii) problemas ambientais, fazem parte da agenda global e a China ainda não se demonstrou preparada para enfrentá-los com adequação e (iv) a liderança norte-americana da sociedade internacional, apesar de enfraquecida ainda não chegou no ponto de substituição. 57 Na literatura presente com a denominação de soviet-style. 66 Diante do exposto Buzan (2010) conclui que além da China ainda não estar preparada para ser líder mundial, também não faz parte do seu discurso. Sua busca está mais para uma legitimação da sua liderança regional que ainda envolvem grandes questões como sua relação com o Japão, e pela entrada harmônica no grupo de países desenvolvidos. A China ameaça a estabilidade política e econômica internacional, porém não a ponto de causar uma grande preocupação a respeito de sua ascensão. Preocupa sim as distorções que podem ser criadas com um crescimento de dimensões elevadas e com problemas de base econômica, mas em termos políticos, tudo indica e os documentos oficiais corroboram que o objetivo da China é inicialmente resolver seus problemas internos a seu modo. Oliveira (2008: 04), coloca que “partindo do princípio de que era (e é) extremamente preocupante para Beijing o perigo de que o rótulo de ameaça pudesse ser um fator que deslegitimasse a China como um ator internacional, facilitando a emergência e imposição de constrangimentos que pudessem comprometer tanto o desenvolvimento econômico quanto estratégias de política externa, em especial no estabelecimento de vínculos políticos com diferentes países e regiões, a China adotou inicialmente a estratégia do conceito de “ascensão pacífica”. Segundo Oliveira (2008) o que a China procurava era diluir a “teoria da ameaça”. Essa teoria apresenta-se sustentada em duas bases: a segurança e a economia. No que concerne à segurança, Oliveira (2008: 05) “destaca as considerações de uma estratégia armamentista, venda ou transferência irresponsável de armas ou de tecnologias militares e a presença de conflitos históricos e inconcebíveis reivindicações territoriais no seu entorno imediato”. Ainda, esta tese representa a consciência regional e internacional de que a China apresenta um projeto político e está reunindo condições reais de assumir um papel de relevância nos assuntos regionais e internacionais, ou seja, a ponto de ser temida pelos demais atores do cenário internacional. Essa percepção assemelha-se muito a ideia presente no dilema de segurança, onde o crescimento do poder da China deslocaria a balança de poder do sistema internacional criando uma incerteza quanto a participação e manutenção do status dos atores globais. Já na área econômica, as preocupações concentram-se em especial no caráter competitivo da economia chinesa construídas em bases alternativas e diferenciadas dos demais países centrais da economia mundial, aceitando a economia de mercado, porém 67 não o mainstream econômico originário das propostas norte-americanas. O temor reside aqui na “dificuldade natural de acomodação e assimilação no processo de desenvolvimento” econômico da China e suas consequências na distribuição do poder econômico em âmbito mundial. Para dirimir tal impressão, é construído o argumento da “ascensão pacífica” da China, buscando propiciar aos atores internacionais uma percepção mais “confiável e crível do futuro cooperativo de suas relações externas”. O intuito aqui é passar a todos os atores internacionais a confiança de que a China seria uma exceção à regra histórica de que nações que passam por um processo ascendente em nível internacional torna-se uma possível tendência à desorganizar o sistema seja militarmente seja economicamente. Desse ponto em diante, conforme destaca Oliveira (2008), foi oficializado em 2006, no 17º Congresso Partido a proposta de desenvolvimento harmonioso como uma nova diplomacia a ser seguida pela China. “O Conceito apresenta, em primeiro, a conjunção entre “mundo harmônico” e “sociedade harmônica” na consideração de que as questões domésticas e internacionais devem ser visualizadas como um todo. Em segundo, “mundo harmônico” correlacionase com paz e desenvolvimento. Neste sentido, China respeita as diferentes civilizações, os diferentes modos de produção e persegue ideais de igualdade, respeito, benefício mútuo e harmonia entre as diferenças. E, em terceiro, ainda que aparente ser abstrato estabelece um roteiro para a prática diplomática, voltada não só à garantia da paz e do desenvolvimento, mas também à cooperação. Como base deste novo posicionamento retórico de oposição à divulgação do fator ameaça e até num sentido defensivo e reativo está, a partir da experiência histórica de humilhações a que esteve submetida no seu passado recente, o fato da China ter apreendido a noção de que pode continuar a ter problemas externos se não se igualar em termos de poder com as potências existentes. Mas aprendeu igualmente o quão importante é a paz e estabilidade a partir das crises que passou com a guerra civil e com a Revolução Cultural. Assim, o desejo de uma China com poder para não ser novamente submetida, mas em conjunto com um profundo interesse por paz dentro e fora do país. Considera-se que o conceito de desenvolvimento harmônico e de nova diplomacia decorre essencialmente do reconhecimento explícito da mudança de status da China e da busca de uma estratégia diplomática de inserção que corresponda exatamente a este novo e recente posicionamento internacional OLIVEIRA, 2008: 06).” Logo, a China ao mostrar ao mundo suas intenções e interesses, aceitando uma agenda mais ampla e multilateral apresenta-se não mais como uma ameaça, mas sim 68 como uma postulante a potência, contudo, segundo o discurso dominante, sem trazer desequilíbrio mundiais, especialmente, no âmbito da segurança internacional. Fica como fechamento desse capítulo e como ligação para os dois capítulos seguintes a percepção de que a suposição de ascensão pacífica da China é sustentada por diversas correntes teóricas. O estudo a respeito dos conceitos de soberania e segurança nos mostram que o tratamento chinês para esses conceitos é único e leva a uma afirmação da sua autonomia interna e, constitui em arcabouço fundamental para o objetivo chinês de levar a frente seu projeto nacional de desenvolvimento. No capítulo seguinte, trata-se das principais reformas políticas que conduzem a China ao nível de postulante à potência global. Em seguida, descreve-se sua política de inserção internacional e avalia-se os indicadores dessa trajetória rumo ao desenvolvimento nacional. 69 3 - A configuração política chinesa e sua relação com seu modelo de desenvolvimento pós-1978. No século XIX, a história política chinesa foi marcada por significativos abalos. Segundo Spencer (1990), desde o início da queda da dinástica Qing, o ambiente político chinês deteriorou-se consideravelmente, notadamente em função das inúmeras convulsões de ordem majoritariamente políticas. São crises de legitimidade; ausência de um poder central eficientemente organizado e coadunado; a ocorrência de diversas revoluções e rebeliões58; a existência de poderes fragmentados entre as províncias; as revoltas separatistas e a vulnerabilidade externa, no que concerne a manutenção do poder central de forma harmonizada, representada pelas invasões inglesas, francesas, russas e japonesas, para apresentar as mais relevantes entre outras. A afirmação de Lyrio (2010) de que qualquer ordem cronológica que se proponha a estudar a constituição política da China no período compreendido entre 1796 (Rebelião do Lótus Branco) e 1976 (o fim da Revolução Cultural) gera para o pesquisador “uma coleção de fraturas civis e externas” que apenas demonstram a magnitude de oscilações e transformações políticas que tiveram lugar na China neste curto espaço de tempo. São essas fraturas históricas que determinam o cenário do que será estudado no período posterior. Observa-se que a China não se constitui em um molde a ser usado para outros casos, deve ser sim estudada a partir de sua singularidade. Fato é que a política chinesa vive um período de grande e atípica calmaria a partir de 197859. Este considerável período de estabilidade política pode ser visto de maneira cíclica: a estabilidade política favorece o projeto de desenvolvimento chinês e seus resultados positivos tendem a manter esta estrutura. Aqui se argumenta que os resultados obtidos pelo projeto de inserção internacional e o desenvolvimento, essencialmente econômico, do país contribuem para a manutenção da estrutura de poder organizada pós1978. Em outras palavras, o período de estabilidade política auxilia e torna-se fator essencial para a coordenação do Estado chinês na mobilização de suas capacidades de crescimento e desenvolvimento, associada ao seu processo de inserção internacional pacífica, guiado, nesta seara, pelo crescimento do seu fluxo de comércio e na mobilização 58 São exemplos: a Rebelião do Lótus Branco, a Rebelião Taiping, a Rebelião Nian, a Revolta dos Boxers, a Revolução Nacionalista, a Revolução Comunista e as inúmeras invasões estrangeiras. 59 Talvez a Única exceção a este período de calmaria seja o protesto e a repressão da manifestação na Praça Celestial (Tiananmen) em 1989. 70 de sua estrutura direcionada para um novo posicionamento mundial como grande potência econômica. Será feita aqui uma breve incursão histórica que precede a discussão principal deste capítulo, a saber: a ordem política chinesa pós-1978 e sua influência sobre o processo de desenvolvimento da China no período. Entre os historiadores, existe uma grande discrepância sobre os motivos que explicam ou determinam, a manutenção e a unidade do poder central chinês e, em outros casos, as fragmentações políticas na China. Durant (1935) atribui a longevidade da civilização chinesa e, mesmo passando por seus períodos de fricção, à forma com a qual o governo chinês exercia seu controle sob seu território e população. Segundo Durant (1935), o governo chinês pouco governou a China na íntegra e pouco exerceu um efetivo controle sobre toda a população devido justamente às diversas interferências externas e insurgências regionais pelas quais a China passou e também pela visão chinesa de que possui uma sólida cultura milenar que não seria afetada por estes problemas menores. Considera-se aqui este argumento frágil devido a sua visão simplista e reducionista do objeto tratado. Já Fairbank (2006) atribui o controle de tantos territórios por tanto tempo e por tão poucos governantes ao extraordinário controle exercido por um grupo político coeso que possuía como base ideológica o pressuposto confuciano de hierarquia e subordinação. Esta ideologia exercia forte poder nas camadas sociais chinesas, permitindo o aparecimento de um “exitoso sistema de controle e conservação social”. Fairbank (2006) complementa sua argumentação dispondo sobre características adicionais que contribuíram para este controle, tais como: a fragmentação existente no campo, que não permitiu o surgimento de um grupo rural que exercesse força e influência sobre as determinações do governo central, e a forte burocracia chinesa, que já possuía raízes consideráveis para se transformar em uma burocracia milenar e harmonizada. Existe ainda um argumento que a coesão política da China estaria diretamente relacionada à sua unidade cultural. Segundo Toynbee (1995), essa relativa homogeneidade cultural da China, estabelecida em meados do século IX ou VIII a.c., teria sobrevivido sem percalços advindos das diversas quebras e intervenções políticas sofridas pela China até o século XIX. Existe nesta argumentação a concepção de que a cultura chinesa é tão superior que essa não sucumbiria a influências exercidas por outras culturas julgadas como inferiores pelo poder central chinês. 71 A despeito dessas argumentações, o que se pode observar ao longo da história da China, seja esta recente ou em suas fases mais longínquas, é que a China foi palco de inúmeras crises políticas e invasões externas que geraram instabilidades políticas e contestação do poder central do Estado chinês (ROBERTS, 2006). Estes períodos são marcados ainda por quedas de dinastias, aumento exponencial da população – sem contrapartida na produção de alimentos –, problemas de ordem climática e violentas invasões externas. Cabe ressaltar que as invasões externas e as derrotas impostas à China em guerras contra potências estrangeiras tiveram alto custo econômico, erodiram a legitimidade do poder político doméstico e dividiram o território chinês de tal forma que estas se tornaram as maiores fontes de instabilidade política no país60. Segundo Spencer (1990), em poucos momentos da história da China, como o período compreendido entre 1859 e 1950, o país sofrera tanto com a fragmentação territorial e política devido à ocorrência de guerras civis e intervenções estrangeiras. Todavia, ainda segundo o mesmo autor, o fim da II Guerra Mundial e a vitória da Revolução Comunista de 1949 pelas mãos de Mao Tsé-tung, trouxeram de volta ao país um sentimento de restabelecimento da soberania nacional61. O período pós-1950, coincidente com a fase inicial da Revolução Comunista, gerou uma maior estabilidade política da China. Este período deslancha um processo de transformação profunda na sociedade chinesa, incluindo conflitos internos ao Partido Comunista Chinês e setores que foram excluídos da distribuição do poder central. Fairbank (2006) denomina o período compreendido entre 1957 e 1977 como os “vinte anos perdidos” da China moderna. Isto porque a radicalização contida nos projetos do Grande Salto Adiante e da Revolução Cultural resultaram em um desastre de proporções políticas e econômicas, apenas remediados com a entrada de Deng Xiaoping e o início da modernização pragmática da China. Fazendo uma breve retrospectiva de alguns componentes históricos relevantes, observa-se que, em 1958, Mao abandonou o modelo de desenvolvimento soviético (soviet-style)62 e introduziu um plano que buscava, ao mesmo tempo, a industrialização 60 O Japão é responsável por problemas políticos internos em diversas ocasiões, tais como a guerra pelo controle das Coréias, as perdas territoriais – Formosa e a Inglaterra na Revolta de Taiping. 61 Exceção feita a questão de Taiwan e a guerra da Coréia entre 1950 e 1954. 62 Há, contudo, uma corrente que debate essa afirmação. Tal visão observa a situação mais como um rompimento da China com o modelo oriundo da URSS. Contribuem para esse rompimento a existência de diferenças ideológicas que norteavam os modelos chinês e o soviético. Ainda, a leitura histórica e a disponibilidade de fatores e recursos tecnológicos tornaram-se empecilhos para a continuidade do uso da proposta soviética. 72 do país e a coletivização da agricultura, através da ênfase no esforço do trabalho rural chinês; tal plano ficou conhecido como o Grande Salto à Frente. Mas, o plano estatal foi um desastre econômico, pois além da falta de habilidade administrativa63, a retirada de técnicos soviéticos do território chinês e os fracassos consecutivos na colheita de grãos pioraram a situação de abastecimento do país. Logo, a fome generalizou-se nacionalmente. A partir de então, duas correntes de pensamento podem ser identificadas dentro do Partido Comunista Chinês (PCC): os radicais ou maoístas (esquerdistas) e os moderados (direitistas). Os radicais eram altamente apegados à ideologia marxistaleninista e pregavam um modelo de massa, um governo voltado para o povo, isto é, o igualitarismo e o fim da exploração das massas. A linha moderada enfatizava o planejamento estatal, a liderança burocrática e o desenvolvimento de habilidades e especializações necessárias para o avanço chinês. Os moderados eram mais pragmáticos e não apresentavam a ideologia fervorosa dos maoístas. Após o fiasco do Grande Salto à Frente, os moderados assumiram o poder. Contudo, insatisfeito como o elitismo burocrático, Mao iniciou um novo movimento político, a chamada Revolução Cultural64. Mao Tsé-tung estava decidido a erradicar o elitismo burocrático e acusava os dirigentes do Partido Comunista Chinês de afastamento ideológico, assim como acreditava que os soviéticos haviam feito, adotando um caminho capitalista e destruindo a revolução comunista. Mao Tsé-tung, com o apoio ativo da juventude chinesa, incitava o ataque e a destruição daqueles culpados de elitismo egoísta, na tentativa de colocar a revolução de volta aos eixos. A revolta estava pautada na teoria maoísta de “revolução permanente”, ou seja, na luta de classe contínua contra a exploração e no uso de violência revolucionária para eliminar os inimigos da revolução e impedir um retrocesso na direção do capitalismo. Macfarquhar (1997) afirma que a Revolução Cultural buscava remodelar o futuro da China. Seu “método” consistia em mudar na natureza do povo chinês mediante “a great revolution that touches people to their very souls”. Utilizando o termo modelo soviético - ‘Soviet-style65’, os revisionistas permitiam a população, dividida em classes, a buscar seus objetivos tendo como pano de fundo a dominação e autoridade do Partido e 63 Demonstrada na avaliação dos historiados da política chinesa durante todo o período de governo de Mao. A Revolução Cultural teve inicio em 1966 e durou uma década. Esse movimento foi, na verdade, uma luta de poder dentro do PCC e buscava a fidelidade aos valores marxista-leninistas. 65 “Decision of The Central Committe of Chinese Comunist Party concerning the Great Proletarian Cultural Revolution”, in URI, CCP documents of the Great Proletarian Cultural Revolution, 1966-1967, p. 42. 64 73 uma forma particular de adoção do capitalismo (ainda bastante incipiente). Esta transformação proposta por Mao abraçava ideologicamente uma real reforma educacional, na literatura e nas artes além de propósitos mais ousados como a promoção da igualdade, redução dos privilégios classistas e maior coletivismo associado a menor burocracia. Segundo colocado por Mao, em documentos disponíveis sobre a Revolução Cultural, o objetivo era “modernizar” a China, de uma forma diferenciada, tendo início pela cultura e atingindo pontos mais elevados hierarquicamente. Segundo Macfarquhar (1997), “The goal of the Cultural Revolution was to provide the right answer to the question, After Mao, what? But success would depend on the answer to an earlier question, After Mao, Who? If alleged capitalist-roaders like head of state Liu Shaoqi survived the chairman in positions of power, then China would change its color. China must not only be guided by the correct line and policies, but had to ‘train and bring up millions of successors who will carry on the cause of proletarian revolution. In the storm of the Cultural revolution, new leaders were to emerge, steeled in struggle, proletarian in outlook, in whose hands Maoist brand of socialism would one day burn fiercely” (MACFARQUHAR, 1997: 249). Ainda de acordo com Macfarquhar (1997), para responder a questão “After Mao, Who?” tentou-se usar da ascensão da Gangue dos Quatro (The Gang of Four)66. Esta, contudo, sofreu sua primeira queda67 com as críticas iniciais à Revolução Cultural, vindas principalmente da população que se encontrava em uma precária situação quanto ao fornecimento de bens básicos, especialmente alimentícios. A violência política levou a uma dilaceração da economia: queda da produção, escassez e inflação. Mas no longo prazo, no entanto, educação, ciência e tecnologia sofreram os piores estragos. A dilaceração da educação superior chinesa, segundo Medeiros (1999) provavelmente retardou o desenvolvimento econômico da China em mais de uma década. Todavia, a Revolução Cultural teve beneficiários, estes foram “those officials who had risen as a result of the purge of their seniors, as well as through their own ability to manipulate the turbulent politics of the late 1960´s and early 1970´s”68. 66 Inicialmente formada por Kang Sheng, que deixou o grupo por problemas de saúde, Xie Fuzhi, falecido em 1972, restando apenas Jiang Qing (a terceira esposa de Mao), Zhang Chunqiao e Yao Wenyuan. 67 Aqui se refere à primeira queda, pois a Gangue dos Quatro terá uma “relativa” permanência no poder da China. Com sucessivas idas e vindas, a Gangue dos Quatro permanecerá no poder até a sua queda definitiva e prisão em 1967. 68 Macfarquhar (1997). 74 Apesar de ter sido gradualmente atenuada desde o início dos anos 70, foi preciso uma década para que a Revolução Cultural fosse totalmente abandonada. Na verdade, ela só teve fim com a morte de Mao Tsé-tung em 1976. A partir de então, a sociedade chinesa reorganizou-se sob os comandos de Deng Xiaoping e de outros moderados. Em 1978, a China iniciou seu processo de reformas econômicas assentadas em um processo de descentralização das decisões econômicas. Deng Xiaoping objetivava legitimar o Partido Comunista Chinês, que se encontrava abalado após as tentativas de reformas feitas durante o período compreendido entre a condução de Mao Tsé-tung até a transição para a transformação de Xiaoping (LEITE e MARQUES, 2007). Segundo Stanley Karnow (1978), a grande mudança ocorrida na Ásia no ano de 1978 estava na China. Em suas palavras, “The evolution of China during the year was the most significant single development in the area, if not in the world. For the time being at least, it betokens a decisive choice in a struggle that has raged within the Communist government ever since it took over the mainland in the 1949. … The pragmatists were personified in Teng Hsiao-ping, who believed that progress demanded practical measures rather than political campaigns, and his were shared by many his Communist Party and military colleagues” (KARNOW, 1978: 03). Karnow (1978), ao revisar os acontecimentos que antecederam a entrada de Deng Xiaoping (Teng Hsiao-ping no original), sublinha a difícil transição política e a permanente batalha pelo poder na China. Segundo o autor, na Revolução Cultural, Mao tentou usar o aparato dominador e coercitivo do Partido Comunista Chinês para homogeneizar a sociedade chinesa. Movimento este que sofreu uma pequena interrupção com a entrada de Zhou Enlai (Chou En-lai), mas logo retomado com a Gangue dos Quatro. “These zigzags have left many Chinese disillusioned, cynical and hesitant to identify with any policy out of fear that pendulum could swing again. At the same time, there are indications that upper echelons of the leadership group are still not entirely cohesive. Communist Party Chairman Hua Kuo-feng (Hua Guofeng), who was plucked out of obscurity by Mao, has seemed to be more determinate to restrain the drive against the radicals than Teng (Deng), who, as two-time victim of the leftist, understandably favors a thorough housecleaning. For similar reasons, Hua has been reluctant to bury Mao´s thesis that political purity be primordial. These differences are complicated by personal and political animosities. Hua, who owes his career to the Cultural Revolution, was directly involved in the early 1976 75 campaign against Teng (Deng), and must be assumed that a degree of tension remains between them” (KARNOW, 1978: 03). A entrada de Deng, segundo relato de Karnow (1978), foi fundamental para uma transição mais suave, com objetivos claros, mas sem grandes tensões políticas e sociais, o que seria bom para o cenário político chinês depois de período tão conturbado. A visão econômica de Deng Xiaoping traria efeitos positivos para a economia chinesa, para a sociedade chinesa e para o cenário regional e mundial. Segundo Kinge (2007), “Deng foi obrigado a improvisar para induzir com lisonjas o crescimento de uma economia que apenas começava a se recuperar da Revolução Cultural, a década da loucura maoísta que terminara oficialmente em 1976. Ele nomeou Chen Yun, um especialista em desarmar crises econômicas, para conceber novas estratégias. A idéia de Chen era que o ativismo de camponeses, que perfaziam cerca de 700 milhões da população chinesa, então de 1,1 bilhão, tinha sido sufocado durante tempo demais sob o sistema de comunas agrícolas instituídas por Mao. De 1979 em diante, os camponeses podiam formar “grupos de trabalho” menores pra cultivar porções fixas de terra, ceifando o benefício – ou os pesares – de sua colheita. Um princípio-chave da nova política, no entanto, era que esses grupos de trabalho não seriam famílias unitárias, e que a terra que cultivassem permaneceria propriedade do Estado. Mas, em um de seus primeiro atos de desobediência criativa, os agricultores entenderam a nova política como licença para começar a cultivar terras da família. Os funcionários locais sabiam exatamente o que estava acontecendo, mas conseguiam ver também que o ativismo dos camponeses despertara e estava relegando a lassidão das comunas para a história. O impacto foi imediato. Em 1984, a colheita nacional de grãos subiu de 407 milhões de toneladas, contra os 305 milhões de 1978, e a carne se tornou mais disponível. ... As pessoas passaram a formar companhias que eram socialistas e pertenciam ao Estado no papel, mas capitalistas e privadas na realidade. Em seu novo curso, coletivo poderia também significar uma coleção de proprietários privados ou parcialmente privados. Era uma folha de parreira que passou a ser conhecida como envergar o chapéu vermelho, e não teria enganado ninguém se não fosse pela cumplicidade de funcionários dos governos locais. ... A contribuição de Deng foi conceber todas as estratégias que viriam a lançar as fundações da decolagem econômica da China, mas estar disposto a seguir qualquer fórmula caseira que parecesse resultar no crescimento de que o país precisava tão desesperadamente” (KINGE, 2007: 32-33). 76 O que se observa da citação acima é que Deng Xiaoping teve habilidade, diferentemente dos seus antecessores, para ser flexível nos momentos adequados. Como não era possível exercer um rígido controle em todas as localidades devido à extensão territorial e a distância do centro decisório do governo. O Estado não perdeu sua força ao fazer essas concessões e, ao contrário, elevou o grau de satisfação das populações locais ao liberar a livre iniciativa desses atores para obterem seu sustento. Dessa forma, é possível observar uma redução da insatisfação pública com a gestão do partido comunista. O tópico seguinte aborda a questão de como Deng Xiaoping conseguiu legitimar-se no poder, reservando-se de comparações com Mao Tsé-tung e estabelecendo uma nova forma de organização política na China pós-1978. 3.1 – A transição política Mao Tsé-tung – Deng Xiaoping: como Deng Xiaoping desconstrói a figura política de Mao Tsé-tung. A questão que intrigava tanto os chineses quanto os observadores internacionais com o declínio de Mao Tsé-tung era: quem poderia sucedê-lo e como seria tal processo? Visto que Hua Guofeng não possuía nem o perfil nem a autoridade adequada para suceder um governante como Mao Tsé-tung, e muito menos detinha uma boa proposta a ser oferecida aos chineses após tão conturbado período, Deng Xiaoping apresentou-se como um real sucessor. Segundo Macfarquhar (1997), ironicamente, a ascensão de Deng deve-se muito às decisões políticas de Mao. “If Mao had not recalled Deng to Office as Zhou sickened, Deng could not have emerged as the obvious man to run China in absence of the premier. If Mao had not purged him again after Zhou´s death, Deng would not have become the symbol of a new political order to replace that of the Cultural Revolution. Certainly, the triumvirate of Hua Guofeng, Ye Jianying, and Li Xiannian would have been in stronger position to keep the angry victims of the Cultural Revolution at bay” (MACFARQUHAR, 1997: 328). Deng Xiaoping foi, desde o começo de seu governo, bastante habilidoso para lidar com o fantasma de Mao Tsé-tung e com toda a expectativa criada em torno de sua liderança. Evitou o excesso de poder concentrado em si mesmo e que toda a esperança fosse depositada pessoalmente sobre suas costas. Para tanto, posicionou-se abaixo de Ye Jianying na lista dos vice-diretores do PCC. Desta forma, garantiu uma proximidade controlada e, ao mesmo tempo, atribuiu uma pesada carga de responsabilidades sobre 77 aquele que pretendia sucedê-lo no governo. Este sistema de self-denial permitiu a Deng uma tranqüilidade de não surgir para o povo chinês como uma figura que viria substituir Mao, mas mantendo-se fiel ao seu modelo e conduzindo o país à semelhança do antecessor. Outra medida preventiva foi requisitar ao PCC um reexame do período de governo de Mao, objetivando desmitificar uma possível boa imagem de Mao, especialmente, durante a Revolução Cultural. Não era intuito de Deng aqui fazer com que a imagem de Mao Tsé-tung fosse destruída ou abalada, mas fazer com que os chineses compreendessem que erros e excessos aconteceram no período anterior e que estes deveriam ser imputados ao grupo de Mao Tsé-tung. A queda da Gangue dos Quatro e seu julgamento foi excelente neste sentido. Pois, ao mesmo tempo em que havia aqueles que deploravam pelo período de governo de Mao, também havia aqueles que protegiam a imagem de Mao como um excelente homem público que tudo fez para o bem da China. O julgamento da Gangue dos Quatro evidenciou os erros cometidos por Mao Tsé-tung quando os julgados declararam que tudo fizeram de acordo com as ordens de Mao. Um bom exemplo disto foi o testemunho de Jiang Qing. Qing defendeu-se afirmando continuadamente que tudo fizera de acordo com as ordens dadas por Mao. “Jiang Qing´s testimony served to underline that the ultimate guilt was Mao´s and that the Party would have to find some means of coming to terms with that fact while steering clear of a root-and-branch condemnation that would be too damaging even for the survivors” (MACFARQUHAR, 1997: 329). Contudo, a estratégia de Deng Xiaoping não era de massacrar a imagem de Mao Tsé-tung. Em seus escritos (Selected Works of Deng Xiaoping), Deng afirma que requisitou uma revisão dos escritos históricos sobre Mao, expondo a população que os erros cometidos foram decorrentes de uma avaliação mal feita das teorias marxistas e da visão ‘direitista e conservadora’ de membros do partido a respeito da Revolução dos Proletários. “After more than a year of discussions among thousands of officials and historians, the Resolution was adopted by the Sixth Plenum in time for the sixtieth anniversary of the founding of the CCP, on 1 july 198169. It placed the blame for the Cultural Revolution squarely on Mao: ‘The cultural revolution, which lasted from May 1966 to October 1976, was responsible for the 69 Resolution on CPC history (1949-1981), 1981, p 32. 78 most severe setback and the heaviest losses suffered by the Party, the state and the people since the founding of the People´s Republic. It was initiated and led by Comrade Mao Tsé-tung. After an analysis of all the crimes and errors of the period, the Resolution supplied the balance that Deng had insisted on. It described Mao´s leftist error in the Cultural Revolution as, after all, ‘the error of a proletarian revolutionary’. In his later years, Mao had confused right and wrong and mistakenly believed that his leftist theories were Marxist. ‘Herein lies his tragedy’”. (MACFARQUHAR, 1997:330). Desta maneira, Deng Xiaoping apresenta Mao Tsé-tung como um homem que cometeu erros sem intenção de prejudicar seu povo e ao mesmo tempo apresentou à população uma versão de que a proposta política e de ampla reforma colocada em prática por Mao encontrava-se equivocada. Deng então, fazendo uso de uma extensa rede de contatos dentro do Partido e no exército chinês, convence a todos aqueles que constituíam os círculos políticos relevantes da China que ele é o legitimo sucessor de MaoTsé-tung e que a China precisava de uma nova forma de governo, transformadora e adequada ao novo cenário econômico mundial, mas sem perder sua particularidade cultural milenar. Segundo Macfarquhar (1997), quando Deng Xiaoping organizou politicamente sua base de comando no final dos anos 70 e início dos anos 80, o cenário interno da China apresentava sinais de retorno à sua ordem natural. Cabe, contudo, ressaltar que Deng Xiaoping possuía mais um obstáculo a ser transposto, a saber: associar o controle e a legitimação político aos militares da China. Para tanto, Deng Xiaoping entrou em uma intensa campanha para organizar o lado militar da China de maneira que fossem reduzidas as possibilidades de atrito entre a política e o comando militar chinês. O Exército Popular da Libertação (PLA – Popular Libertation Army) foi o primeiro alvo de Deng Xiaoping. Deng restaurou a disciplina no PLA e fez com que este ficasse subordinado às “ordens” do PCC. A reabilitação da figura de Liu Shaoqi em maio de 1980 foi, de acordo com Macfarquhar (1997), sua grande cartada. That action had undermined a major justification for the Cultural Revolution and was thus a direct reputation of Mao, whose reputation the generals consistently wanted to safeguard70. O período posterior não foi fácil para Deng Xiaoping. Após dois cortes orçamentários nas contas militares, respectivamente em 1980 e 1981, Deng enfrentou alguns movimentos de retaliação por parte dos militares, que deram início a uma corrida em direção a uma maior disciplina ideológica. “But probably the more important reason 70 Macfarquhar (1997). 79 was the generals’desire to counter the more relaxed political atmosphere that Deng and the reformers were trying to encourage but that had produced many attacks on military privilege”71. A resposta a este cenário conturbado foi dada por Deng Xiaoping em 1982 quando, tendo como pano de fundo o novo texto constitucional promulgado na quinta sessão do Quinto Congresso Nacional Popular, foi criada a Comissão Militar Central (Central Military Commission). Segundo o texto da quinta sessão do Congresso Nacional Popular (p.94), “the leadership by the Chinese Communist Party over the armed forces will not change with the establishment of the state Central Military Commission. The Party´s leading role in the life of the state, which is explicitly affirmed in the preamble, naturally includes its leadership over the armed forces” (CNP, 1982: 94). O que foi realmente implementado foi um sistema hierárquico no qual o chefe de estado da China fosse o responsável pela chancela decisória nos assuntos militares internos do país. A comissão militar agora era parte do corpo complexo do Partido Comunista Chinês e Deng Xiaoping toma para si a ‘cadeira principal’ do partido tanto no ambiente político quanto no militar. Segundo a avaliação de Lieberthal (2004), todo o processo de transformação política colocada em andamento por Deng Xiaoping mostra a habilidade do novo comandante político chinês em unir e administrar dois grupos relevantes na China: aqueles oficiais que nutriam, mesmo após sua queda, grande simpatia pela pessoa e pelos objetivos de Mao Tsé-tung, mas que se viram reduzidos em termos de poder decisório na política chinesa e aqueles que almejavam mudanças mais significativas e radicais para a condução política e econômica da China. O relevante a ser sublinhado aqui é que, no período compreendido entre 1978 e 1984, Deng Xiaoping administrou conflitos sociais, políticos e militares que poderiam ter influenciado em seu objetivo maior de elevar o grau de desenvolvimento da economia chinesa por intermédio de um processo de modernização e abertura econômica. Neste período de transformações, Deng obteve sucesso e apoio na implementação de reformas estruturais que buscavam a organização das prioridades do seu projeto de desenvolvimento, que demandava: (i) ampla reforma e restauração das instituições internas e abolição do sistema comunal; (ii) o provimento de significativos incentivos, sobretudo agrícolas, evitando o retorno de períodos de desabastecimento alimentício; (iii) 71 Macfarquhar (1997). 80 a abertura para o mundo exterior, regionalmente e globalmente, e socialmente, (iv) um conjunto de mudanças que alterasse as estruturas de classes e as rigidezes impostas por Mao Tsé-tung. 81 Quadro 3.1 - Organização política e partidária na China pós-1978: o Partido Comunista Chinês e sua estrutura política O Partido Comunista Chinês (PCC) define os objetivos políticos e diretrizes gerais a serem perseguidos pelo Estado. Já o aparato governamental decide como estes objetivos serão postos em práticas, exercendo funções administrativas para a operacionalização do que foi definido pelo partido. O Partido Comunista Chinês é comandado pelo Politburo (Political Bureau) e seu Comitê Permanente Politburo Standing Committee – PSC). O Partido Comunista Chinês é chefiado nominalmente pelo seu Secretário Geral, mas as decisões são coletivas e emanam do Politburo e do Comitê Permanente. Adicionalmente, há o Secretariado, que se encontra abaixo do Politburo e tem funções administrativas dentro do partido. Não há regularidade nos encontros do Partido Comunista Chinês, contudo, a cada cinco anos é tradicional que haja um grande congresso do partido. O aparato governamental é dividido entre a Presidência, o Conselho de Estado, os Ministérios e as divisões administrativas locais. O Presidente Chinês é o Chefe de Estado da China e representa o Estado interna e externamente. O Presidente nomeia o Primeiro‐Ministro, que é revisado e eleito pelo Congresso Nacional do Povo. O Primeiro Ministro preside o Conselho de Estado (State Council), que se reúne uma vez por mês. O Conselho de Estado é o mais alto órgão administrativo e executivo da China, seus integrantes são nomeados pelo Primeiro Ministro e sendo estes também revisados e eleitos pelo Congresso Nacional do Povo. O Conselho de Estado é composto pelo Primeiro Ministro, Vice‐Primeiros Ministros, os Conselheiros de Estado, os Ministros, o Chefe do Banco Popular da China e o auditor geral do Escritório de Auditoria Nacional. Para as rotinas administrativas do governo há o Comitê Permanente do Conselho de Estado (State Council Standing Committee – SCSC), que se encontra duas vezes por semana e conta com o Primeiro Ministro, quatro vices, cinco conselheiros e o Secretário Geral do Conselho de Estado. Os Ministérios são organizados de acordo com funções específicas, como Ministério das Comunicações, Ministério do Comércio, e esses contam com Comissões e Agências Especiais para determinados assuntos mais específicos e complementares àqueles sob o comando daquela pasta ministerial. As divisões administrativas locais são as Províncias, Prefeituras, Condados e Cidades. Para cada divisão existe um aparato governamental (governador, prefeito, chefe de condado) e um comitê do partido. Cada divisão possui um grau de autonomia administrativa sendo que as de nível mais 82 baixo respondem às de nível superior. Há uma certa autonomia decisória, porém temas mais complexos devem ser repassados para às ordens superiores para deliberação. Para as Províncias, o governador e o chefe do comitê são sempre pessoas diferentes, contudo, nos níveis mais baixos isso pode não ocorrer. Os líderes provinciais geralmente são naturais de regiões diferentes da Província que comandará. Já no caso dos Condados, os chefes são sempre pessoas da região. O Congresso Nacional do Povo (National People’s Congress – NPC) possui a função de fiscalizar o poder executivo ‐ o Conselho de Estado. É o órgão legislativo chinês e possui estrutura unicameral. O Congresso Nacional do Povo vem ganhando força política desde as reformas implementadas por Deng Xiaoping, mas ainda é subordinado ao Conselho de Estado e ao Comitê Permanente do Politburo, fazendo considerações e algumas restrições às políticas apresentadas para sua apreciação. O Congresso Nacional do Povo não é eleito diretamente, somente em seu nível mais baixo há eleições diretas com candidatos previamente aprovados pelo Partido Comunista Chinês. O Congresso Nacional do Povo elege o Presidente, o Primeiro‐Ministro e os oficiais do Conselho de Estado, que são previamente nomeados pelos órgãos competentes, de acordo com a constituição chinesa. O Congresso Nacional do Povo se reúne uma vez por ano. Ainda existe o aparato militar chinês que tem seu braço operacional no Exército Popular da Libertação (People’s Liberation Army – PLA), que integra as forças terrestres, aéreas e marítimas chinesas. Existem duas comissões para os assuntos militares: uma dentro do aparato governamental e outra dentro do partido. Ambas possuem a mesma denominação, Comissão Militar Central – da República Popular da China e do Partido Comunista Chinês – (Central Military Commission – CMC). Como os integrantes destas comissões são sempre os mesmos, tende‐se a referir‐se às duas comissões no singular. O Comitê Permanente do Politburo elege os participantes destas comissões. O escritório da Comissão Militar Central se localiza dentro do Ministério da Defesa da China, mas é considerado superior a este, por definir as políticas militares do país e fazer a ligação entre o Exército Popular da Libertação, o Partido Comunista Chinês e o Governo. O processo de tomada de decisão na China é bastante complexo devido à acumulação de cargos entre integrantes do partido no governo. Além disso, também há outros atores importantes neste processo como think tanks, grupos de pesquisa do governo (Leading Small Groups) e de universidades, a imprensa e os cidadãos chineses que têm se tornado cada vez mais conscientes e engajados. Fonte: Martin, Michel F. Understanding China´s Political System. Congress Research Service, April, 2010. Elaboração própria. 83 3.2 – Os anos 80: a década de Deng Xiaoping. Conforme exposto acima, os anos 80 constituem-se no período de transformação da China socialmente, politicamente e, sobretudo, economicamente. Também já foi exaustivamente afirmado aqui, e esta assertiva ainda se fará presente inúmeras vezes ao longo do texto, que o grande responsável por esta transformação é Deng Xiaoping, que esteve no comando da China desde 1978. É sob os auspícios de Deng Xiaoping que a China inicia sua mais profunda, sistemática e convergente reforma. É premissa deste trabalho que tais reformas tiveram especial foco no desenvolvimento econômico e no processo de inserção internacional, especialmente no que tange a abertura da economia chinesa. Contudo, objetivos políticos também fizeram parte das modificações realizadas por Deng Xiaoping, que reestruturaram a visão do modus operandis político na China. Faziam parte das metas iniciais de Deng uma reforma do modelo político, a inserção de um sistema de melhor distribuição do poder político decisório sobre as atividades produtivas (as quais veremos mais adiante) e as mudanças econômicas necessárias para inserir a China em um novo contexto econômico mundial. Segundo Lieberthal (2004), “Political considerations in Beijing dictated the pace and thrusts of the reform effort throughout the 1980s. As China entered the 1990s, the need to cope with the unintended consequences of reform increasingly drove policy forward. The two key players into the early 1990s were Deng Xiaoping and Chen Yun, both members of the CCP since the 1920s. Each had allies within their own generation of political leaders, and each had a following among those ten to twenty years younger than them. Deng´s most prominent protégés were Zhao Ziyang and Hu Yaobang, and Chen´s were Li Peng and Deng Liqun; in the mid-to late 1980s all held dominant positions within the system. […] Deng at all time remained the more prominent of the two – a result in part of his greater political ambitions and energy. But neither Deng nor Chen ever tried to remove the other, and the political story of the first decade of reform thus resolves in a fundamental way around their evolving contention over policy initiatives, political power, and official positions for their followers” (LIEBERTHAL, 2004: 128). Os registros históricos tendem a colocar Deng como o grande motor das modificações ocorridas na China. Com sua entrada, a despeito de discussões internas ainda remanescentes no PCC, Deng Xiaoping logrou sucesso na gestão destas 84 discordâncias, amenizando-as e permitindo a China um desempenho histórico impressionante em suas reformas. Foi durante a década de 80 que a China estabeleceu novas formas de ação política nacional, considerando a segurança nacional um bem social mais amplo que simplesmente um sistema de proteção militar. Foi no mesmo período que a China aceitou a flexibilidade e a iniciativa da população (veja citação de Kinge a respeito), pequenos produtores e proprietários de terra no sentido do crescimento da produção. Também este período mostrou uma evolução significativa da produção e do produto per capita chinês, conforme mostra a tabela abaixo. Ao mesmo tempo em que a China teve que conviver com um aumento inesperado da oferta de demanda e da demanda por moeda, o que acabou originando um surto inflacionário momentâneo na economia chinesa72, observava-se que a renda da população aumentava e que o acesso a um maior número de bens acompanhava este aumento de renda, objetivo este perseguido por Deng. Tabela 3.1 - Crescimento do Produto Interno da China Década de 80 (yuan - 1978 = 100) Ano PIB per capita Variação do PIB per capita (%) 1978 379 100,0 1979 402 106,1 1980 428 113,0 1981 456 117,5 1982 478 126,2 1983 523 137,9 1984 594 156,8 1985 665 175,5 1986 713 188,2 1987 783 206,6 1988 858 226,3 1989 879 231,9 1990 899 237,3 Fonte: China Statistical Yearbook, 2002. Sabe-se, através da literatura biográfica que Deng Xiaoping possuía percepções sobre a condução das reformas que deveriam ser implementadas na China. Lieberthal 72 No mesmo período, segundo Lieberthal (2004) e Macfarquhar (1997), a China sofreu com maiores problemas associados à inflação, corrupção e outros entraves sociais relevantes. Contudo, acredita-se que estes problemas vieram à tona devido a um maior crescimento da economia e a um menor controle governamental de algumas atividades, além de uma maior disseminação da informação decorrente da crescente visibilidade da China no mundo contemporâneo. 85 (2004) afirma que para desfazer a má impressão deixada pelo período de Mao Tsé-tung, seja internamente no PCC seja na população, estes deveriam visualizar os efeitos das reformas de maneira mais imediata e mais declarada (melhor informada a todos os envolvidos). Foram então quatro grandes eixos na política chinesa do período: (1) a China deveria reconhecer a força de uma economia global de escala crescente e focar seu esforço de crescimento em um modelo intensivo, substituindo o modelo extensivo de crescimento dos períodos anteriores. Logo, o modelo soviético não mais serviria para a China devido a seus retornos serem pequenos demais em termos de tecnologia e desenvolvimento de novos conhecimentos voltados à produção. Participar da economia global era estratégico para a China, mais que isto, era fundamental. Deng regarded the necessity of keeping pace with the worldwide trends toward technological dynamism and economic efficiency as matter of China´s long-term national security73. Competição era a palavra de ordem econômica que norteava o pensamento de Deng. Segundo Lieberthal (2004), citando Deng Xiaoping (discurso oficial), a China precisava de competição, pois essa forçaria a China a melhorar seu setor produtivo estatal, promoveria uma competição sadia entre os ganhos estatais e privados, demandaria dos empregados maior qualificação e eficiência dinâmica, e forçaria o Estado a promover os direitos de propriedade e sociais; (2) os chineses deveriam ter maior poder de compra e um melhor padrão de vida que seria atingido mediante a maior produção de mercadorias e a adoção de um princípio pragmático e utilitarista de deliver the goods; (3) mesmo com a reforma econômica e constante elevação da riqueza da população, a China deveria seguir as regras do PCC. Deng has always held deeply authoritarian views concerning China, and believed that anything less than total control by CCP would produce chaos and violence74; (4) na cena internacional, Deng concluiu que a China deveria utilizar e sustentar da melhor maneira possível, seguindo seu pragmatismo nas relações internacionais, uma diplomacia de paz e uma inserção internacional pacífica. Novamente, vale fazer menção a uma forma mais pragmática e ampliada de considerar a questão da segurança (conforme visto no capítulo 2). 73 74 Lieberthal (2004). Lieberthal (2004). 86 3.3 – A Modernização de Deng Xiaoping e a Estabilidade Política Chinesa. Todas as bibliografias a respeito deste período são uníssonas ao colocar que a morte de Mao Tsé-tung e o fim da Revolução Cultural em 1976 foram cruciais para o início de uma nova trajetória política na China. Este novo período, de profunda transição política levou à (re)ascensão do PCC e à liderança de um grupo mais pragmático dentro do partido, liderado por Deng Xiaoping75. Dentre os objetivos da nova liderança política da China estavam a revisão do voluntarismo e do excesso ideológico colocados em prática no período anterior e de colocar em andamento uma profunda reforma pragmática que dava primazia a quatro setores (também chamada das “Quatro Modernizações”), a saber: agricultura, industria, ciência e tecnologia e defesa. De fato, Deng Xiaoping objetivava com sua modernização a adoção de reformas econômicas voltadas para o crescimento/desenvolvimento e o início da trajetória de abertura ao exterior. Estas reformas estavam orientadas para uma maior inclusão do contingente populacional chinês ao mercado de trabalho e consumidor, a incorporação das inovações tecnológicas e a atração de capitais com a funcionalidade multiplicadora dos investimentos realizados pelo governo. Esta nova proposta rechaçava o igualitarismo utópico de Mao Tsé-tung, a xenofobia, a auto-suficiência e o controle excessivo do Estado sobre as atividades econômicas (produção). Segundo Lyrio (2010) Deng Xiaoping caracterizou este novo modelo chinês, que incorporava de maneira gradual e experimental algumas características capitalistas, de “socialismo com características chinesas”. Um relato interessante sobre o período e sobre a condução política pragmática de Deng Xiaoping pode ilustrar o caráter das reformas propostas e suas conseqüências para a sociedade e economia chinesa. A estabilidade política tornou-se para a China um fim e um meio. A premissa que sustenta a observação do período pós-Deng é que era fundamental para um ambiente econômico em desenvolvimento um cenário político estável. E esta relação é cíclica, ou seja, para manter estável o ambiente político, especialmente com as características particulares da China, um período contínuo de crescimento econômico que espantasse as sombras da distância entre as classes políticas, a elite militar e as populações regionais, realizasse um processo de inclusão social forte e 75 Cabe ressaltar que Chu En-lai teve participação neste processo de transformação política na China pósMao. 87 eliminasse o fantasma da fome e do problema do abastecimento que já haviam assolado a China em tempos passados. Não é por menos que as lideranças políticas do PCC passaram a reconhecer como condição sine qua non para que o discurso saísse do papel e o crescimento econômico fosse retomado a previsibilidade política. “Em outras palavras, a sobrevivência do PCC no poder passou a ser associada a uma desenfatização do político, ou uma despolitização do cotidiano, que se manifestava na rejeição do ímpeto revolucionário e da atmosfera de campanhas e mobilizações permanentes, tão características das três décadas anteriores. O pragmatismo do grupo de Deng Xiaoping implicou uma revitalização do discurso em torno de objetivos econômicos e uma ‘desideologização’ e ‘desteatralização’ da vida política, da qual a própria discrição e o gosto do novo líder máximo eram os exemplos maiores” (FAIRBANK, 2006: 400). Outra observação possível através do estudo histórico da condução política chinesa é que primeiro vieram as reformas econômicas iniciais e, posteriormente, viriam as reformas de cunho inclusivo, voltadas, sobretudo à sociedade chinesa e suas demandas reprimidas. A conclusão de Lyrio (2010) corrobora com a premissa aqui adotada: “o projeto da liderança chinesa pós-Mao de combinar previsibilidade política e reformas econômicas foi tão bem sucedido que a China viveu, a partir de 1978, o seu período mais longo, nos últimos séculos, de continuidade do crescimento da economia e de manutenção da estabilidade institucional”. É interessante e pertinente enfatizar como a visão norte-americana sobre a transformação que se iniciava na China afetaria a organização política e econômica mundial e, sobretudo, as relações políticas entre China e EUA. Michel Oksenberg, membro do National Security Concil, responsável pelas questões relacionadas à China, escreveu no ano de 1980 um artigo para a Foreign Affairs, em um sentido de aconselhamento ao governo norte-americano baseado em suas percepções sobre o cenário chinês com a alteração política ocorrida em 1978. Após o dia 1º de janeiro de 1979, quando as duas nações (re)estabelecem suas relações diplomáticas, a percepção passada aos membros do governo norte-americano era que a China deveria ser vislumbrada como um parceiro estratégico (obviamente ainda em um cenário perpassado pela Guerra Fria e pela corrida armamentista EUA versus URSS) em termos econômicos, científicos e militares. 88 Contrapondo-se a visão de Oksenberg (1980), não se pode deixar de ressaltar que já no início da década de 80 vinha sendo estruturada uma aproximação sino-americana já em patamar avançado. Tal aproximação além de apresentar uma nova postura chinesa frente ao cenário internacional que sofria alterações e conturbado, representa também uma oposição à URSS. Essa aproximação contribui com o movimento de retorno da República Popular da China à comunidade internacional e a recuperação dos assentos na ONU e no Conselho de Segurança da ONU76. A visão do Mundo dividido em três grupos possui duas vertentes. A vertente ocidental toma o mundo bipolar, com centros de poder localizados em Washington e Moscou, cujos países de economia de mercado desenvolvida e industrializada comporiam o Primeiro Mundo. O Segundo Mundo seria composto por países de economia planificada enquanto o Terceiro Mundo seria composto pelos países não-desenvolvidos ou em vias de desenvolvimento. Essa visão apresentada teria um contraponto no ocidente. Durante a fase maoísta, os chineses tinham uma visão própria do mundo, porém, dividido em dois grandes blocos, um bloco que estava alinhado com o bloco soviético e um bloco oposto que se opunha à URSS, incluindo a China. Sob a liderança de Deng Xiaoping, tal postura tornou-se mais pragmática no que concerne à sua política externa. Segundo Griffith (1981), na teoria dos três mundos oficialmente apresentada por Deng Xiaoping em 1974, a distinção entre o Primeiro Mundo – as duas potências -, o Segundo Mundo – a Europa ocidental e o Japão -, e o Terceiro Mundo - a China e os demais países – tem implícita uma estratégia de aliança entre a China e as potências secundárias contra o ‘hegemonismo’ bipolar. O inimigo principal constituía-se na URSS, mas, na frente unida contra a principal potência comunista, a sua rival faz uma distinção entre a convergência conjuntural com a outra superpotência e a possibilidade de uma convergência mais duradoura com os aliados europeus dos Estados Unidos77. 76 SHAMBAUGH, David. The New Strategic Triangle. U.S. and European reactions to China’s rise. The Washington Quarterly 28 (3), 2005, pp. 7-25. CASARINI, Nicola. The evolution of the EU-China relationship : from constructive engagement to strategic partnership. Paris: Institute for Security Studies, 2006, Occasional Paper 64. XIANG, Lanxin. China’s Eurasian Experiment. Survival 46 (2), 2004. pp. 109-122. GRIFFITH, William. China and Europe: Weak and far away In. SOLOMON, Richard. (ed.) The China Factor. Nova York : Council on Foreign Relations. 1981. 77 Em seu discurso de 1974, Deng Xiaoping dizia que “a julgar pelas alterações nas relações internacionais, o mundo atual consiste de três partes ou três mundos, que são tanto interconectados quanto contraditórios. Os EUA e a URSS formam o Primeiro Mundo. Os países em desenvolvimento na Ásia, África e América Latina integram o Terceiro Mundo, os desenvolvidos, seja do mundo capitalista ou do socialista - formam o Secundo Mundo. De acordo com esse novo discurso, Shambaugh (2005) e Griffith (1981) afirmam que 89 A percepção sobre a saída dos conservadores chineses – os então governantes chineses na visão dos analistas norte-americanos – do poder pode ser ilustrada no trecho que segue: “An intimate link exists between the Chinese domestic scene and China´s ability to sustain an opening to the United States, and China´s leaders confront numerous impediments to fostering a substantive relationship. China suffers from a severe shortage of trained manpower capable of dealing with Americans. The Cultural Revolution´s disruption of educational system, coupled with the prior political persecution of many who had exposure to the West, means that Chinese who have the requisite linguistic skills and cultural and scientific backgrounds are frequently in their sixties or seventies. (There is, of course, a similar severe paucity of talent in the United States of people sufficiently familiar with Chinese contemporary society and proficient in the language). Scientifically, the Chinese capacity to absorb foreign technology is limited. Bureaucratically, China´s American specialists are overburdened with receiving visitors, handling correspondence, designing exchange programs, training a younger generation, touring or studying in the United States, and continuing their ongoing administrative, research, or teaching activities. The situation has reached such serious proportions that higher level officials have placed travel and other restrictions on their activities to ensure that enough America experts are on hand for substantive work at any one moment in time (OKSENBERG, 1980: 03). Segundo a visão de Oksenberg (1980), pode-se observar que o resultado político e, essencialmente econômico de Mao durante a Revolução Cultural causava imensa preocupação para os EUA no que concerne à política externa e, principalmente, na capacidade militar chinesa de, a despeito de sua potencialidade como terceiro maior orçamento de defesa e imenso contingente militar, não sustentar sua posição regional e muito menos global como um poder consolidado. Assim, o governo norte-americano via com bons olhos as modificações iniciadas nos anos de 1978 e 1979, especialmente, àquelas voltadas para o lado econômico de re(construção) da infraestrutura chinesa e do processo de abertura externa. Segundo Oksenberg (1980), o final do período de governo conservador de ultradireita na China trouxe perdedores, especialmente aqueles que construíram seus existia no discurso a idéia da força de uma associação regional, a ASEAN no caso, que representaria um interlocutor capaz de implementar a cooperação e refletir as contradições entre os países do Terceiro Mundo e entre estes e o Segundo Mundo. Essa era a proposta defendida pela China em oposição ao congelamento das esferas de influência das superpotências – ambas integrantes exclusivas do Primeiro Mundo (segundo a versão chinesa). 90 poderes mediante a dominação militar agressiva e coercitiva. Deng Xiaoping aparece como uma aposta direcionada à condução da China a uma trajetória de mudanças e progresso. Nas palavras de Oksenberg (1980), corroborando com o exemplo retirado de Kinge (2007), “Such a restructuring inevitably involves a massive redistribution of Power and authority. To be sure, there are a lot of winners. The science bureaucracy, including the Chinese Academy of Sciences and the Chinese Academy of Social Sciences, now plays a crucial role in the policy process. Provincial and municipal level officials in/Guangdong, Fujian, Tianjin, and Shanghai have increase authority to deal directly with foreigners and derive revenue from external trade. Localities with favorable climate and soil can expand their acreage devoted to more lucrative cash crops (cotton, sugar cane, tobacco, rapeseed, and so on); they can reduce the acreage devoted to grain, contrary to what Beijing previously required in order for them to be self-sufficient in cereals. Intellectuals, officials purged during the Cultural Revolution and before, and those with relatives abroad no longer are politically persecuted” (OKSENBERG, 1980: 04). Cabe agora passar pelas principais reformas implementadas por Deng Xiaoping. Aqui, recebem destaque três reformas, a saber: a reforma do setor rural, a reforma nas empresas estatais e o sistema de tratamento ao setor privado na China, o que ao fim, passou a receber denominação tais como capitalismo com características chinesas, economia socialista de mercado ou capitalismo sem democracia. Ressalta-se que essas reformas que agora serão brevemente descritas fazem parte de um processo transformador maior, ou seja, colocar a China em uma trajetória de desenvolvimento considerando características essenciais de uma economia de mercado (ou de livre iniciativa). 3.4 – As reformas do setor rural e nas empresas estatais chinesas. Para muitos analistas econômicos e internacionalistas que possuem a China como objetivo de pesquisa, a reforma rural colocada em prática na China a partir da entrada de Deng Xiaoping (1978) foi peça chave para o crescimento chinês a partir dos anos 1980. Isto se daria uma vez que a reforma rural possibilitou o desenvolvimento econômico necessário para viabilizar as reformas econômicas e institucionais promovidas após a queda de Mao e de seus companheiros da Revolução Cultural. Todavia, o peso da reforma rural não se deve somente ao impulso que esta deu ao crescimento econômico 91 chinês, mas também pelo seu papel no desenvolvimento social do país, que lutou por muitos anos contra as crises de abastecimento de alimentos. A visão dos economistas sobre a agricultura e o desenvolvimento rural teve tempos distintos ao longo das últimas décadas. A economia clássica chegou a tratar a agricultura como o principal setor da economia. Fisiocratas e, em algum momento, os economistas políticos clássicos, defendiam a agricultura como fundamental para o desenvolvimento econômico de uma nação. Essa visão sofreu um revés com a industrialização e seus analistas, cujo destaque recebeu Adam Smith devido a “primazia” no estudo e na avaliação do desenvolvimento das nações via seu crescimento interno e sua capacidade produtiva, especialmente industrial. Com a industrialização e à medida que o desenvolvimento econômico tornava-se cada vez mais atrelado aos setores produtores de manufaturas, a agricultura e o setor rural passaram a ser vistos como inferiores. A recomendação então era que os investimentos fossem direcionados à industrial e às cidades, focando a urbanização e um novo modelo de consumo e de desenvolvimento. Segundo Timmer (1998), os países que seguiram a recomendação de focar seus investimentos nos setores industriais e na urbanização, relegando a segundo plano (e até mesmo terceiro – colocando o setor de prestações de serviços a frente), encontraram dificuldades na consecução dos seus projetos de desenvolvimento. É compreensível a avaliação de Timmer (1998). Visto que a redução dos investimentos na agricultura ou a paca relevância do setor rural na economia de uma nação tende a criar obstáculos ao seu desenvolvimento, principalmente nos custos de reprodução da força de trabalho e no seu efeito positivo de suporte aos demais setores como gerador de insumos. Sem investimentos na agricultura, a possibilidade de geração de uma economia dualista é grande. Um setor industrial forte e produtivo, porém convivendo e dependente de um setor agrícola fraco e sem dinamismo, isolado, focado em uma economia de subsistência. A conclusão do estudo de Timmer (1998), corroborada pela literatura especializada em desenvolvimento econômico e sua relação com o setor agrícola, é que investimentos nesse setor são determinantes para a continuidade estável do crescimento e, conseqüentemente, do desenvolvimento econômico de uma nação78. 78 Vale observar os casos de países que obtiveram sucesso seguindo os “steps” ou passos para o desenvolvimento econômico equilibrado, tais como Japão e Coréia do Sul. Ao mesmo tempo, pode-se citar alguns países que seguiram o caminho inverso e sua fragilidade é visível atualmente no cenário internacional, tais como Argentina, México, Nigéria e até mesmo a URRS. O Brasil só voltou seus olhos para a agricultura pós-período de industrialização (ao final da década de 70 e início da década de 80) 92 Hoje é reconhecido pela literatura79 do desenvolvimento econômico que a agricultura tem importante papel da integração do crescimento e desenvolvimento estável e sustentável de uma nação. Segundo Johnston e Mellor (1961) e Johnston (1970) tem cinco funções fundamentais para uma economia em desenvolvimento: (i) produzir e fornecer alimento a custo baixo mantendo assim a estabilidade dos salários (sem elevação dos custos de reprodução da mão-de-obra); (ii) suprir os demais setores de insumos de qualidade; (iii) produção de insumos que sejam uteis para exportação e utilização interna; (iv) favorecer a exportação de excedentes com o intuito de geração de receitas de exportação fundamentais para a importação de bens chaves de tecnologia diferenciada que serão importantes para o aprendizado e o salto tecnológico da economia em desenvolvimento e; esse último indispensável para o caso chinês, (v) elevação da geração de renda nas áreas rurais. Segundo Huang et al. (2008: 468), “To create an agriculture economy that can feed the population, supply industry with labor and raw materials, earn foreign Exchange, produce income for those who live and work in the sector, and allow them to be a part of the nation´s structural transformation requires a combination of massive investments and well-managed policy effort. The process can proceed smoothly only if an environment is created within producers can generate output efficiently and earn a profit that can contribute to household income. Policies are required to facilitate the development of markets or other effective institutions of exchange. Although the sector is expected to contribute to the nation´s development and allow for substantial extractions of labor and other resources, large volumes of investments are also needed. Investments in education, training, health, and social services are needed to increase the productivity of the labor force when they arrive in factories. Investments is needed in agriculture to improve productivity to keep food prices low, to allow farmers to adopt new technologies and farming practice as markets change, and to raise incomes of those that are still in farming”. Segundo Jinglian Wu (2005), desde a revolução de 1949, a reforma rural foi tema de importante debate dentro do Partido Comunista Chinês. O autor afirma que, para alguns membros do Partido, como Liu Shaoqi e Deng Zihui, o desenvolvimento do quando sentiu o peso dos custos das suas importações de matéria prima e verificou a queda relativa nas suas receitas de exportações. 79 JOHNSTON, Bruce, MELLOR, John. The role of Agriculture in Economic Development. American Economic Review. n. 51, v. 4, 1961. pp. 566-593. E, JOHNSTON, Bruce. Agriculture and Structural Transformation in Developing Countries: a survey of research. Journal of Economic Literature. n. 8, 1970. pp. 101-145. 93 socialismo na China deveria, primeiramente, buscar uma nova democracia que manteria os direitos de propriedade privada dos camponeses para, posteriormente, seguir em marcha completa para o socialismo. Por outro lado, Mao Tsé-tung encabeçava o grupo que defendia a expansão do socialismo para a área rural juntamente com a implementação da economia planificada nos primeiros anos da revolução. Assim, Mao teria iniciado uma campanha contra o “oportunismo de direita” de Deng Zihui em defesa da necessidade de se utilizar a própria agricultura para gerar os fundos para a industrialização nacional e para a transformação técnica da agricultura. Isto se daria o mais rápido possível para que o governo pudesse se concentrar na industrialização do país. Assim, como observa Wu (2005), “it became necessary to organize farmers into collective economic organizations under state control so that the state could obtain, by nonmarket means, capital, grain and raw materials indispensable to industrialization with priority given to heavy industry” (WU, 2005. p.97). Dessa maneira, através das reformas rurais, a China se prepararia para copiar o modelo socialista soviético que consistiu em ter uma economia planificada, coletivização da agricultura e ênfase na indústria pesada. Dessa forma, a primeira ação do governo foi implementar a compra e venda planificada de produtos agrícolas, em 1952. Wu (2005) relata que Chen Yu – Secretário encarregado de assuntos econômicos no Secretariado do Comitê Central do Partido Comunista Chinês – constatou que esta era a melhor opção do governo chinês, pois se continuassem com o sistema de mercado livre, “the only way out would have been to use all foreign exchange to import grain.But then there would have been no money to buy machinery equipment, and there would have been no national construction, nor establishment of industries” (WU, 2005, p. 98). A partir de então, os camponeses foram gradativamente organizados em um sistema coletivo de agricultura. O que havia começado como um processo de coletivização voluntária dos camponeses teria se transformado, em 1955, em um sistema avançado de cooperativas que era quase totalmente dominado pelo Estado chinês. Neste sistema de cooperativas, as propriedades individuais dos camponeses teriam sido convertidas em uma única propriedade coletiva indivisível administrada por membros do Partido Comunista Chinês. No inverno de 1957, o sistema já teria atingido todo o país, tendo transformado 120 milhões de propriedades individuais em 753.000 cooperativas. 94 No dia 30 de Março de 1958, o governo teria lançado uma diretiva buscando aumentar o tamanho das cooperativas, que somente compreendiam entre 100 e 200 propriedades individuais. Em julho do mesmo ano, Mao Tsé-tung teria convocado a fusão das cooperativas em comunas rurais integradas com a divisão administrativa do governo, em uma campanha chamada “People’s Commune Campaign”. Já no outono de 1958 todo o sistema rural chinês estava organizado em comunas rurais com um sistema unificado de gerenciamento, distribuição e responsabilidade por perdas e ganhos. Todavia, este sistema não contribuiu com o aumento da produção agrícola na China, obrigando o governo a experimentar várias políticas de incentivo à produção dos camponeses. Assim, o tamanho das comunas foi diminuído e, ao invés de se ter um sistema único de produção dentro das comunas, passou-se a ter “times de produção” que poderiam reter um pouco de sua própria produção e ter um comércio limitado dentro de sua localidade mais próxima. Este sistema perdurou de 1962 até o final da Revolução Cultural, em 1976. Segundo Wu (2005) como os custos de supervisão do trabalho camponês eram grandes, adotou-se o uso de pontos de trabalho (workpoints) para que os camponeses, divididos em grupos de idade e sexo similares, fossem trabalhar em conjunto e tivessem que cumprir uma meta pré-estabelecida. Todavia, a falta de supervisão e de incentivo ao trabalho dos camponeses criou um dos maiores problemas enfrentado pelo sistema de produção coletiva na China: a prática do ‘parasitismo’ (free-riding). Como os pontos eram contados de acordo com o trabalho de seu grupo e não com o trabalho e esforço individual de cada camponês, muitos não se sentiam motivados a trabalhar e beneficiavam-se do trabalho produzido por outros. Para evitar estas práticas, algumas localidades – como a Prefeitura de Wenzhou, na Província de Zhejiang; a Prefeitura de Wuhu, na Província de Anhui; e a Prefeitura de Chengdu, na Província de Sichuan – introduziram, logo no início da reforma, em 1956, a prática de “contracting output quota to each household”, ou seja, o contrato de quotas de produção para cada família dentro do sistema de cooperativas. Novamente em 1959, após um período de enrijecimento do partido com a campanha contra o “oportunismo de direita”, e em 1962, pelo grande número de camponeses sofrendo com a falta de comida e morrendo por causas diversas relacionadas 95 à desnutrição80, a prática ressurgiu, mas foi sempre duramente criticada pelo partido e pelo próprio Mao Tsé-Tung como uma prática capitalista que, a seu juízo, não deveria ser implementada na China por incentivar a luta de classes. Assim, várias diretivas do Comitê Central do Partido Comunista Chinês foram promulgadas, entre a metade da década de 1950 e a década de 1960, contra a prática “contracting output quota to each household. Segundo Brandt (1989) e Rawski (1989), é perceptível a distância e a diferença entre os períodos pré e pós-reforma (entenda-se aqui que período pós-reforma é pós-Deng Xiaoping). O desenvolvimento atingido pela China até a década de 70 no que concerne à agricultura e ao setor rural foi insuficiente para sustentar sua possibilidade de crescimento e, sobretudo, a necessidade de alimento para sua população. O desenvolvimento e as pesquisas nas áreas de irrigação e o aumento da produtividade foram muito aquém do necessário. Segundo Rawski (1989) os incentivos eram insuficientes por parte do Estado e a baixa dinâmica do setor devido ao modelo utilizado associado à ausência de uma estrutura de mercado constrangia as possibilidades de crescimento do setor. Após a devastação social e econômica da Revolução Cultural, muitos membros do partido, encarregados da administração de prefeituras e províncias, decidiram retornar com o “household contracting system” – sistema de responsabilidade familiar81. 80 Problema recorrente na China especialmente no período compreendido pela Revolução Cultural e pelo Grande Salto a frente. 81 De acordo com Wu (2005), este sistema poderia ser dividido em três categorias: contratação de empregos; contratação de quotas de produção; e contratação de responsabilidade. Estas categorias apresentavam-se em três formas principais: contratação de empregos para cada grupo de trabalho; contratação de quotas de produção para cada família; e contratação de responsabilidade para cada família. Segundo o autor, a contratação de empregos para cada grupo de trabalho, “contracting job to each work group (baogong daozu)”, was in fact a form of labor organization within the framework of collective economic organizations. Its basic practice involved the production team giving out a contract for a quantity of work to the work group; specifying the time, quality requirements, and due remuneration; and rending rewards and punishments according to how well the task was completed by the work group awarded the contract (WU, 2005, p.109). Já a contratação de quotas de produção para cada família, “contracting output quota to each household (baochan daohu)”, tinha sua essência na qualidade de que “is that it alters the way of labor assessment from directly measuring the quantity of work to measuring both the quantity and quality of labor by output. Its basic practice is to give plots to farmers under contracts stipulating output quotas; the quota part of outputs is handed in to the production team, and the above-quota part of output is retained by the household awarded the contract or shared with the production team according to pre-determined proportions” (WU, 2005, p. 109). Por ultimo, a contratação de responsabilidade para cada família, “Contracting responsibility to each household (baogan daozu)”, implies fundamental changes in agricultural production from collective operation to household operation on contracted land. Its basic method is that the collective (generally represented by the villagers’ committee), as the land owner, contracts plots to farmers to operate according to the number of persons in the family or both the number of persons in the family and the number of labors in the family; farmers fulfill their responsibilities to the state in terms of taxation and compulsory or contracted purchase as well as their responsibilities to the collective with contributions to a public accumulation fund and a public welfare fund; and all the remaining produce belongs to the farmers and is at their disposal”(WU, 2005, p. 109-110). 96 Entretanto, segundo Wu (2005), o governo chinês ainda se posicionava contra tais práticas, proibindo e desmotivando a contratação de quotas de produção para cada família em todo o território chinês. Somente após a morte de Mao, em 1976, e a queda de Hua Guofeng, discípulo de Mao que permaneceu como Primeiro-Ministro chinês até 1980 e chairman do Comitê Central do Partido Comunista Chinês até 1981, pôde-se mudar o rumo da reforma rural chinesa. Enquanto Wu (2005) argumenta sobre algumas melhorias nos resultados agrícolas da China no período compreendido entre 1950 a final de 1970, Huang (2008: 473) avalia os resultados do mesmo período da seguinte maneira: “the performance of China´s agricultural sector was mixed in two dimensions and failed in a third. Total output did rise faster than population. However, the magnitude of the rise was insufficient to supply enough food and raw material for a rapid growing, modernizing economy. China´s population was barely getting enough food and clothing. There was no surplus, no choice, and no extra supply for exports that could earn valuable foreign exchange. In fact, the failure of agriculture to carry out its fundatamental role is even clearer in the case os trade. China was forced to spend a large share of its scarce foreign exchange just to be able to supply the minimal diets of the 1970s.” Ainda de acordo com a argumentação de Huang (2008), o sistema de comunas era permeado de fraquezas, sendo a principal dela na visão do autor supracitado, a ausência de incentivos. Eram dois problemas básicos: (i) as famílias, individualmente, não possuíam capacidade de produção que gerasse excedente comercializável. Logo criavam um desestímulo ao aumento da produção; (ii) como não havia mercado e as decisões eram centralizadas e concentradas nos líderes coletivos, os mecanismos de venda tendiam a ineficiência. Em Setembro de 1980, o Comitê Central do Partido Comunista Chinês lançou um documento que apoiava a promoção do sistema de responsabilidade, sob o título de “Questões relacionadas ao maior estreitamento e melhoria do Sistema de Responsabilidade pela Produção Agrícola”. De acordo com Wu (2005), com a promulgação deste documento, o sistema de contratação vivenciou um grande salto positivo em sua utilização dentro do território chinês, sendo que as práticas mais usuais foram a contratação de quotas de produção para cada família e a contratação de responsabilidade para cada família. Estas práticas eram comumente contratadas em conjunto, por isto o conceito foi unificado de maneira em que o sistema de 97 responsabilidade familiar passou a significar a contratação de responsabilidade familiar com remuneração ligada a quotas previamente estipuladas. O que se pode observar na contribuição de Huang (2008) é que nos trinta anos anteriores a reforma implementada por Deng Xiaoping a agricultura na China passou por um longo período de dificuldades (was in disarray nas palavras do autor). O que é contraditório, segundo Huang (2008) e Rawski (1989), era a condição imposta pelo governo chinês ao país. A despeito da população encontrar-se restrita (ou muito ligada e dependente) das atividades agrícolas e ao campo, as condições de desenvolvimento desse setor foi cerceada pelo próprio Estado. Pois sua organização além de não incentivar o setor, restringia suas condições de crescimento com o rígido controle dos líderes regionais e com o sistema de preços impostos às comunas. Assim, não é de se estranhar que com o novo governo capitaneado por Deng Xiaoping, mudanças fossem implantadas na direção da modificação da organização – saindo das comunas para o sistema de responsabilidade familiar – e fomentando a criação de um mercado interno que desse dinamismo ao setor agrícola chinês. Wu (2005) destaca que “in June, 1982, production teams implementing ‘two contractings’ nationwide accounted for 86,7 percent of the total, and this number further increased to 93 percent by the beginning of 1983” (WU, 2005, p.113). Para Wu (2005), as duas razões principais para que a mudança no sistema rural chinês se desse tão rápido foram devido aos camponeses chineses já estarem acostumados a trabalhar neste tipo de sistema anterior à coletivização da agricultura; e também por esta transição incentivar o trabalho dos camponeses, assim como dar aos mesmos possibilidades de melhorar sua condição de vida, e por não ameaçar os interesses de outros grupos sociais. As mudanças trazidas pela descoletivização da agricultura na China promoveram grande desenvolvimento na produção agrícola. Segundo Justin Y. Lin (1992), “the total contribution of various measures of rural reform to rural output growth from 1978 to 1984 was 48.64 percent, of which the contributions of the contracting system was 46,89 percent” (LIN, 1992: 39). Este dado demonstra a grande transformação na produção rural chinesa devido a introdução do sistema de responsabilidade familiar. Da mesma forma, Zhu Rong et al (1992) demonstra que “in 1984, total national grain output reached a record high of 407.31 million tons, up by 33.6 percent compared with 1978, with an average annual growth rate of 4.95 percent; total output of cotton measured 6.258 million tons, 1.89 times higher than that of 1978; output of oilseeds totaled 11.91 million tons, 1.28 times 98 higher than that of 1978; total output of sugar crops was 47,8 million tons, 1.01 times higher than that of 1978” (RONG et al, 1992 apud WU, 2005, p. 115). Wu (2005) aponta ainda que, durante e após a década de 1980, a produção agrícola nacional continuou evoluindo82 e apresentou uma melhoria na estrutura da indústria rural significativa. Segundo o autor, “first, in crop cultivation, the share of cash crops in 1988 reached 18.4 percent, an increase of 6.5 percentage points over 1978; the output value of grain crops fell to 58.2 percent. Second, the share of the gross output value of agriculture in the gross rural output value dropped from 68.6 percent in 1978 to 46.8 percent in 1988; the share of rural industry increased from 19.4 percent to 38.1 percent; the share of rural construction increased from 1.7 to 3.5 percent; and the share of rural commerce increased from 3.7 to 4.5 percent” (WU, 2005, p.115-116). Dessa maneira, percebe-se que houve um considerável aumento da estrutura rural na China, representado pela ampliação da indústria rural, das construções rurais e do comércio rural. Wu (2005) cita que, impulsionados pelo sistema de responsabilidade familiar, vários tipos de empreendimentos industriais surgiram na China na década de 1980. Anterior a este processo, havia os chamados empreendimentos comunais e de brigadas – commune and brigade enterprises – os quais eram empresas subordinadas ao sistema de comunas e operavam localmente. Com a descoletivização, novos tipos de empresas foram surgindo. Segundo Wu (2005), existiam, em predominância, quatro tipos de empresas nesta época: os empreendimentos de cidades – township enterprises; os empreendimentos de vilarejos – village enterprises; os empreendimentos conjuntos de famílias – joint household enterprises; e os empreendimentos individuais – individual enterprises. Estas novas empresas abrangiam vários setores, como a indústria, o comércio, o transporte, a construção, serviços e outros setores que empregavam 3.85 milhões de chineses. Huang (2008) afirma que a substituição das comunas para o sistema de responsabilidade familiar – Household Responsability System – foi fundamental para a trajetória da China para um novo desenvolvimento. Apesar da propriedade da terra permanecer coletiva, o controle da produção e a renda auferida passaram para as mãos das famílias. O efeito dessa medida, segundo Huang (2008), foi equiparar a distribuição 82 A literatura usada apresenta dados até o ano de 2000. Consultar Wu (2005) pág. 116. Dados mais atualizados constam no Centro Estatístico Chinês, FMI e Banco Mundial. 99 da renda entre as famílias, além de contribuir para a segurança alimentar ( no que tange a disponibilidade de alimentos) e a redução do nível de pobreza na área rural. O sistema de contratos alterou o funcionamento dos empreendimentos chineses sobremaneira. Três foram as mudanças trazidas pelo sistema de contratos. A primeira foi a mobilidade adquirida pelo capital humano em excesso nos campos, o que teria providenciado a mão de obra necessária para o trabalho nestas novas empresas. A segunda foi que a melhoria na produção agrícola teria possibilitado o investimento dos rendimentos dos camponeses no desenvolvimento da indústria rural. Por fim, a terceira mudança teria sido causada pela melhoria nas condições de vida dos chineses, o que teria aberto novos mercados para o consumo das mercadorias produzidas por estes novos empreendimentos83. Para incentivar o investimento dos camponeses em suas terras e nas atividades ligadas à agricultura, em 1985, o governo chinês propôs um novo contrato que garantia o uso da terra por 15 anos. Da mesma forma, em 1993, o governo estendeu este contrato por mais 30 anos. Todavia, os camponeses ainda se sentiam inseguros com sua garantia de uso da terra, sem leis próprias que protegessem seus investimentos. Para contornar esta situação, em Agosto de 2002, o Congresso chinês promulgou uma lei sobre o uso da terra que dispunha o exposto: “1. the state protects the long-term stability of rural land contract relations according to Law; 2. the state protects the rights of the party awarded the contract to transfer contractual operations with compensation, of their own will, and according to law; 3. the party awarded the contract has the right to use land, to keep the income from the land, and to transfer the land use contract, and that party is entitled to compensation for lawful requisition and appropriation of the contracted land according to law; 4. land circulation proceeds are owned by the party awarded the contract according to law” (WU, 2005, p.127-128). Wu (2005) aponta, entretanto, que esta lei não previa todas as garantias necessárias para os camponeses, uma vez que a lei não definia como a coletividade e os membros da coletividade que possuíam o direito de uso da terra poderiam exercer seus 83 A poupança do campo foi fundamental para sustentar o processo inicial de modernização da indústria. Acredita-se ainda que a assimetria de renda entre o campo e as cidades, com os intelectuais e mesmo os operários não sendo beneficiados pelo crescimento de renda observado no campo foi um dos fatores responsáveis pelos incidentes de Tiananmen. 100 direitos e suas funções. Da mesma forma, a lei ainda limitava o direito dos camponeses pelo tempo de contrato, impossibilitando que estes pudessem resistir a qualquer ato administrativo governamental que requisitasse a terra sem compensação adequada aos camponeses. Não obstante, com o novo sistema rural, a melhoria na renda dos camponeses foi também perceptível. Os dados disponíveis no Agriculture Yearbook (2001) apontam que a receita líquida rural, em 1980, era de 191 RMB84. Em apenas cinco anos esta receita teria aumentado para 398 RMB. Esta tendência teria continuado e os crescimentos puderam ser vistos nos próximos anos também. Assim, em 1990, a receita líquida rural aumentou para 686 RMB; em 1995 para 1.578 RMB; e em 2001 para 2.366 RMB. Dessa forma, diferentemente dos primeiros anos da coletivização da agricultura chinesa, os camponeses puderam sentir melhorias na sua condição de vida através de seu aumento de renda. Vale ressaltar que não somente a renda e a produção rural na China sofreram os efeitos da descoletivização da agricultura. Estes foram sentidos fortemente no sistema econômico chinês e também afetaram a dinâmica política do país. “The contracting system also had great impacts on the economic system and even the political system” (WU, 2005, p.117). De acordo com o autor, como o governo obtinha o controle da produção, da distribuição e da precificação, ele conseguia obter grandes lucros advindos da produção agrícola. Assim, a maioria da renda gerada pelos camponeses era repassada ao Estado e não era usufruída pelos próprios. Segundo o Wu (2005), o mais importante impacto da descoletivização para os camponeses foi a aquisição de direitos de propriedade. Com a introdução do sistema de contratos, “Chinese farmers acquired three forms of property ownership. The first was personal property, mainly consisting of bank savings, private houses, private means of production, and means of livelihood. The second was land-use right. Land was owned by the collective, but farmers had the right to use. Moreover, land had been contracted to farmers on a long term basis, so they enjoyed an unprecedented usufruct. The third was the growth of farmers’ human capital. Farmers, now able to manage their activities themselves, greatly changed their mindset and attitudes and improved their abilities in the process of traveling and seeking employment” (WU, 2005, p.118). 84 RMB é a moeda oficial chinesa, chamada de Renminbi. 101 Assim, não somente a renda líquida dos camponeses aumentou neste período, mas eles também adquiriram o direito de dispor de propriedade pessoal; de usar da terra; e de se movimentar com maior facilidade. Até o período 1984/85 a agricultura na China apresentou um salto quantitativo e qualitativo. Segundo Fan e Pardey (1997) o contraste no período pós-reforma era visível. Os autores destacam que o setor agrícola e a nova organização rural da China não somente aumentaram a produção de alimentos, mas atingiram o nível de produção recomendado de 3.000 calorias per capita por dia. Rapidamente a China alterou seu sistema de incentivos conduzindo a um aumento da produção, produtividade e de renda no setor (que ficava nas mãos das famílias produtoras). Ao instituir um mercado para as mercadorias produzidas, encorajou o aumento da produção e passou a fazer parte de uma rede de exportações de alguns bens primários. Ainda segundo Fan e Pardey (1997) a liberalização e a abertura trouxeram bons resultados para o setor e geraram links positivos na mecanização e na industrialização rural, criando uma rede de desenvolvimento para os setores posteriores da economia. Todavia, o novo sistema rural da China não se provou perfeito85. Já em 1984 o sistema dava sinais de seus problemas quando os camponeses passaram dificuldades para conseguir vender sua produção. Entre 1985 e 1988, a produção agrícola caiu em estagnação. Segundo Wu (2005), para resolver a situação, o governo agia de duas formas: “whenever there was a bumper in harvest, the government attempted to purchase agricultural products at protective prices to prevent cheap grain from hurting farmers; however, the government resorted to increasing the purchase price to provide incentives for farmers to increase production whenever agricultural production decreased”(WU, 2005, p.120). Nota-se que o sistema de compra e venda planificada da produção foi somente alterado em 1985, quando da implementação do sistema dual-track de preço planificado para a compra de quotas e preço de mercado para compra livre. Já em 1992, o governo propôs outra reforma, na qual as localidades teriam a liberdade de definir o seu sistema de preços de grãos acordo com sua realidade. Esta política resultou no aumento de preço de grãos em mais de 98% dos condados e das cidades chinesas somente no ano de 1993. Contra este aumento, em Maio 85 Segundo os dados do Agriculture Yearbook (2001), a taxa de crescimento agrícola anual da China passou de 4,9% no período 1970-1978 para 8,8% no período 1978-1984, sofrendo uma forte queda no período 1985-1995 (3,8%) voltando a crescer no período 1996-2000 atingindo o valor de 4,2%. 102 de 1994, o governo teria promulgado novas diretivas86 para estabilizar as compras e assegurar o suprimento de grãos para famílias de baixa renda. No entanto, Wu (2005) nota que depois de dois anos de grandes colheitas, 1995 e 1996, o preço do grão novamente caiu e os camponeses tiveram novas dificuldades em vender seu produto. Assim, o governo lançou nova diretiva para proteger a receita dos camponeses. Esta diretiva colocava preços protegidos para os grãos de maneira em que “the price for quota grain could be no lower than that of the price of the previous year, while the price for nonquota grain should be the base price for quota grain”. Dessa forma, o preço não cairia em comparação ao ano anterior e nem seria mais baixo que o preço de mercado. Além desta medida, as localidades deveriam comprar a produção excedente dos camponeses sem restrições. A percepção de Huang (2008) é um tanto distinta. Para esse autor, a despeito da queda do indicador de produção agrícola, os resultados da China ainda eram expressivos e adequados para sustentar o crescimento da época. A meu juízo, as duas posições acima são extremas. Nem tanto a China estava preparada para sustentar sua taxa de crescimento (do produto e da população) nem tanto a política chinesa para o setor agrícola pós-1984 foi um fracasso. O fato é que em comparação com o crescimento industrial a agricultura perdeu espaço no período posterior a 1984. Segundo os dados do Yearbook and Rural Statistics (2001), o crescimento do setor industrial e de serviços foi três vezes superior ao setor agrícola. Contudo, esse dado não representa queda no desempenho do setor. Huang (2008: 481) cita uma contradição interessante: an ironic feature of agriculture development: the more transformative the role that agriculture plays, the faster the pace of development and the corresponding decline in the importance of agriculture. A prática de controle dos preços e da produção, contudo, aumentou o estoque de grãos além do necessário, recrudesceram as perdas operacionais (grain operation losses) e as dívidas de créditos bancários. Como a oferta ainda excedia a demanda de grãos, os preços de mercado continuaram a cair por três anos consecutivos, 1996, 1997 e 1998. Da mesma forma, a receita dos camponeses também decresceu neste período. 86 Estas reformas foram: “1. Raising the government purchasing price of quota grain by 46.6 percent in 1994, 29.0 percent in 1995, and 5.8 percent in 1996; 2. requiring that state grain departments amass a bigger pool of grain; 3. allowing local governments to grant allowances on top of the purchasing price of quota grain when necessary; 4. stipulating that state-owned grain stores sell certain kinds of grain at government-prescribed prices” (WU, 2005, p.121). 103 Para responder a este problema, um novo documento governamental foi liberado em Maio de 1998, o qual procurava reformar o sistema de circulação de grãos através de “quatro separações e um aperfeiçoamento” – four separations and one improvement87. Em Junho do mesmo ano o governo propôs que a reforma de compra e venda de grãos deveria se focar em políticas protecionistas88. Para que estas fossem implementadas, em Novembro de 1998 o governo chinês liberou um novo documento, “Opinion on Current Promotion of Reform of the Grain Circulation System para reforçar a prática das políticas ditadas. Todavia, estas medidas não conseguiram ser implementadas por completo e não conseguiram resolver os problemas da agricultura chinesa. A saída encontrada foi experimentar a liberalização da venda de grãos em algumas cidades, projeto implementado em 200189 e em 200290. Esta reforma consistia em “duas liberalizações e um ajuste” – two liberalizations and one adjustment, na qual havia a liberalização do preço de compra do grão, liberalização dos mercados de venda do grão e ajuste da política de compra de grão à preço protegido para uma política de subsídio governamental direto pago pela diferença entre o preço protegido e o preço de mercado. Esta política foi formalizada com a “Decision of the Central Committé of Party of Comunist China on Issues Regarding the Improvement of the Socialist Market Economic System”, de Outubro de 2003, a qual deliberou sobre “the requirements of ‘improving the market system for agricultural products, liberalizing the grain purchasing market, and practically protecting the interests of grain farmers by carrying out direct subsidies to farmers instead of indirect subsidy through circulation” (WU, 2005, p.124) Assim, o governo garantia a proteção dos produtores de grãos e também impulsionava a economia chinesa para a liberalização de preços e mercados. 87 As quais seriam: “separation of the government administration from enterprise management, separation of reserve from distribution, separation of central government responsibilities from local government responsibilities, separation of new financial accounts from old financial accounts, and improvement of the grain pricing mechanism (i.e., gradual achievement of marketization) (WU, 2005, p.123). 88 As chamadas “três políticas” eram: “(a) grain enterprises should purchase without restriction surplus grain from farmers at government-prescribed protective price; (b) grain purchasing and storage enterprises should implement ‘selling at Mark-up price,’ i.e., selling at purchasing price plus minimum mark-up; and (c) purchasing funds lent by the Agricultural Development Bank of China to grain trading enterprises should ‘flow within a closed loop’ according to the rules of ‘loan being linked to stock and money following grain’” (WU, 2005, p.123). 89 As cidades que passaram pela experiência foram: Zhejian, Shanghai, Fugian, Guangdong, Hainan, Jiangsu, Beijing e Tianjin. 90 Hunan, Hubei, Jilin, Henan e Zhejiang. 104 Um problema constante, contudo, é a inadequação entre o tamanho dos produtores rurais e o tamanho dos mercados chineses. Poucos e pequenos produtores para grandes mercados consumidores. Esta contradição incentivou a formação de cooperativas entre os produtores e a união destas com empresas maiores, que garantiam o processamento de alguns produtos agrícolas e também sua distribuição nos mercados. Não obstante, esta união possui várias imperfeições – quebra de contratos; pouco poder de negociação da parte das cooperativas; dificuldade de se obter informações precisas sobre a produção por parte das empresas – as quais poderiam ser resolvidas com leis mais abrangentes e mais eficientes sobre a formação de cooperativas na China; com a evolução da produção e da venda dos produtos para um sistema de mercado completo; e com a profissionalização do gerenciamento das cooperativas. Observa-se que então que apesar da formação de cooperativa ser uma modificação relevante para o país e seu projeto de desenvolvimento, muitos problemas ainda perpassavam sua operacionalização, que demandavam uma interação mais planejada entre governo e produtores no intuito de solucionar tais obstáculos. Segundo Wu (2005), uma segunda peça relevante no processo de transição de uma economia planificada e centralizada – como a chinesa – para uma economia de mercado é a transformação do setor corporativo nacional. Um grupo relevante de economistas, especialmente àqueles ligados aos microfundamentos econômicos, consideram o setor corporativo como a unidade básica da economia devido a sua função multiplicadora, especialmente quando atrelada ao seu poder de realizar investimentos. O que deve ser ressaltado aqui é que uma reforma ampla como a imposta à China pós-1978 tem que partir dos setores básicos da sua estrutura econômica. Para o caso estudado fica mais visível a importância dessas reformas básicas quando se observa a base produtiva da economia chinesa antes das reformas de Deng Xiaoping. Para esse grupo de economistas, focados nos microfundamentos, há três abordagens para efetivar uma transformação econômica em países em desenvolvimento: o desenvolvimento de empresas privadas; a retirada do capital estatal de indústrias regulares; e a transformação das indústrias estatais em empresas compatíveis com uma economia de mercado. A ação coordenada nestes três ramos geraria o desenvolvimento de uma economia de mercado com diversos tipos de propriedade. Contudo, observando a literatura, este não foi o caso chinês. Nota que, em ordem cronológica, a reforma econômica chinesa considerou a reforma do setor estatal em seu processo de 105 transformação e abertura. No entanto, deve-se ressaltar que são partes de um projeto único de desenvolvimento econômico e nacional da China a alteração do modus operandis das empresas estatais e a simultânea participação do setor privado na economia. De acordo com Haggard e Huang (2008), esse é um dos grandes temas da literatura que versa sobre as condições necessárias ao desenvolvimento de uma nação, a saber: a relação existente entre setor público (governo) e setor privado. Na percepção desses autores governos que estabeleceram condições apropriadas para a atuação do setor privado tem contribuído na melhor alocação de recursos, atração de capital estrangeiro, mobilizando investimentos e, consequentemente, mantendo o crescimento e 91 desenvolvimento de suas economias . A teoria econômica institucionalista confere ênfase à importância do governo atuando como protetor dos direitos de propriedade. Tal proteção, caso seja crível, asseguraria aos agentes privados o retorno de seus investimentos reduzindo o risco de atuação discricionário do Estado. Outra vertente econômica identifica como problema a ser solucionado a “teoria da captura”. Essa argumenta que o grande problema da relação público-privado seria as instituições públicas serem capturadas pelos interesses privados, induzindo ambas a atuarem em uma única direção cujos interesses são coincidentes. Já a teoria neoclássica, especialmente quando trata do cenário asiático, preocupam-se com a força dos governos regionais e seu nível de intervenção. Para o caso da China, é preocupação latente dessa corrente teórica é o tamanho do governo e sua predominância política sobre o setor privado. Nesse ponto cabe a ressalva de que é interesse para o governo chinês, desde Deng Xiaoping, que o setor privado participasse da economia chinesa. Tal participação sofre intervenção do Estado quando esse considera seus objetivos macro. Acredita-se que após a década de 80 e principalmente na década de 90 a postura do governo chinês seja mais de dar suporte e estimular o setor privado do que permitir sua ação. Quando da revolução de 1949, a China adotou, como já previamente citado, o sistema socialista soviético de desenvolvimento. Dessa forma, assim como apresenta Wu (2005), após a divisão entre a China rural e a China urbana, todas as indústrias que não 91 É claro que fazem parte dessa discussão temas mais específicos tais como a relevância das instituições no estabelecimento de regras de ação, a proteção aos direitos de propriedade – diretamente relacionado a criação de um sistema nacional de inovação e aos setores de ciência e tecnologia, tendo ainda como pano de fundo, a transparência, a democracia e governança (accountability). 106 faziam parte do setor rural foram organizadas em uma empresa estatal enorme, na qual todos os trabalhadores urbanos tornaram-se empregados do Estado. Nesse sentido, essas indústrias deveriam dar prosseguimento às ordens estatais sobre o que deveriam produzir; o quanto deveriam produzir; como produzir; da onde conseguir seus materiais e insumos; e para quem vender sua produção. Elas faziam parte do grande projeto planificado da economia chinesa e estavam subordinadas aos órgãos administrativos do governo chinês. Wu (2005) nota que havia um conflito inerente aos objetivos das Empresas Estatais Chinesas uma vez que, ao mesmo tempo em que estas eram unidades de produção, eram também uma parte integrante do sistema político, econômico e social do Estado. “The state regarded SOEs92 as instruments to achieve its political and economic objectives, such as to establish a strong military industry and to catch up with and surpass Western countries. Therefore, managers of the SOEs were regarded as cadres of the party and were governed in the same way under the same system as staff of the party and government organs. Moreover, SOEs integrated the functions of employment, social security, and social relief, providing a full spectrum of social services from cradle to grave” (WU, 2005:140). Assim, o funcionamento das empresas estatais chinesas não era baseado nas demandas do mercado, mas sim no plano que o governo chinês tinha para o desenvolvimento de seu país. Deve-se ressaltar aqui que uma das características advindas dessa condição era que as empresas estatais podiam recorrer ao Estado quando sentiam que tinham seu funcionamento constrangido por qualquer tipo de pressão. Dessa maneira, o autor destaca que “because key economic parameters such as prices inputs and outputs and capital input and taxation – which would decide survival and development of enterprises – were all controlled by the state, enterprises could always change the constraints they faced through negotiation with the government” (WU, 2005:141). Havia entre os condutores das empresas estatais a percepção de que caso algo não estivesse saindo de acordo com o planejado ou que o resultado fosse ruim que haveria o pronto socorro por parte do governo. 92 State Owned Enterprises – Empresas Estatais. 107 Brandt, Rawski e Sutton (2008) observam que no início das reformas no final dos anos 70, o setor industrial chinês era basicamente dominado pelo Estado (composto pelas State Owned Enterprisis) e sua localização era predominantemente urbana. No ano de 1978, SOE´s eram responsáveis por 78% do produto industrial gerado na economia chinesa e empregava 76% dos trabalhadores do setor industrial. Mas Jiang (2001), mostra que antes da transição e a despeito dessas empresas serem as grandes responsáveis pela geração de produtos industriais na China, tal setor permanecia ineficiente e insuficiente para “puxar” e sustentar o crescimento objetivado pelo novo projeto de desenvolvimento nacional. Wu (2005) aponta que a administração das empresas estatais dificultava o desempenho das mesmas. Isso se daria pela grande divisão da administração e da tomada de decisão dentro das empresas, o que facilitava a busca de interesses pessoais e a luta por poder. Segundo o autor, a administração das empresas estatais era dividida da seguinte forma: “First, the tasks of running SOEs were shared by the central government and local governments at various levels. Second, at each level of government, the power to run SOEs was segmented into several government departments as well. Generally, the decision-making power regarding investment and production was held by administrative organs like the planning commission and the economic commission; the power to appoint, remove, assess, and supervise chief executives of enterprises belonged primarily to the organization department of the party and the personnel bureau of the government; under the financial system of unified control over revenues and expenditures, the government finance department of SOEs, administering their cash flows, revenues, and collecting taxes, fees, and profits; replacing the labor market with administrative measures, the labor department allocated labor forces for SOEs, and they set human resource policies involving employment, salaries, bonuses, etc” (WU, 2005:141). O pobre desempenho das empresas estatais e a sua baixa lucratividade levaram ao questionamento desse tipo de administração logo cedo. Os diagnósticos governamentais para os problemas das estatais ressaltavam alguns problemas operacionais que necessitavam ser revistos e reformados tais como: (i) a concentração de poder nas mãos do governo; (ii) a falta de iniciativa dos gerentes e funcionários; (iii) a intervenção governamental na administração das empresas e (iv) o peso das dívidas e dos compromissos sociais das empresas, para citar os principais. Para solucionar estes 108 problemas, o governo teria em mente a necessidade de delegar poder para as empresas e dividir lucros. Para implementar essas práticas, houve três formas principais: “’transferring enterprises to governments at lower levels (qiye xiafang),’ ‘expanding enterprise autonomy (kuoda qiye zizhuquan),’ and the ‘enterprise contracting system (qiye chengbao)’” (WU, 2005:142). A primeira forma foi a mais utilizada dentre o período de 1956 a 1978. Assim, neste período várias empresas estatais saíram das mãos do governo central para serem administradas por governos locais, como prefeituras e províncias. Todavia, sempre que havia a descentralização, como ocorreu em 1956 e 1966, o período que se seguia era de desordem econômica e o governo ‘re-centralizava’ as empresas estatais. Brandt et al (2008) destacam que a reforma do setor estatal consistia em dois componentes chave: (i) o aumento dos incentivos e da autonomia no nível da firma e (ii) a introdução de um sistema de preços baseado no dual-track que repartia os ganhos entre o segmento de mercado e o setor público. De acordo com o estudo de Geng, Yang e Janus (2008), a reforma promovida pelo governo chinês nas empresas estatais (SOE´s) deve ser compreendida como única. Diferentemente da Rússia que utilizou um sistema abrupto de privatizações – o que segundo os autores citados, teve significativa participação no colapso da economia soviética e em diversos países próximos que seguiram modelo semelhante nas últimas duas décadas – a China adotou o caminho gradual ao estabilizar o crescimento das empresas estatais fomentando a distribuição dos ganhos gerados na economia. Na China, as privatizações das empresas estatais coincidiram com o aumento em larga escala dos investimentos em infra-estrutura e com a gradual entrada no mercado de empresas privadas, nacionais e estrangeiras, tendo as últimas maior força nesse movimento. Segundo Geng, Yang e Janus (2008: 156), “Before 1978 – the year that marked the beginning of marketoriented transformation – china operated its SOE´s under a centrally planned economy. Since 1978, Chinese authorities have initiated intensive reforms and privatization of SOE´s. At the macro level, the SOE reforms can be seen as a strategic adjustment of the nationalized and centralized economy towards a more market-oriented economy; at the micro level, the reforms are intended to transform the Chinese SOE´s into modern corporations.” 109 Wu (2005) destaca que depois de 1977, a maioria dos líderes e economistas chineses posicionava-se contra a prática da descentralização das empresas estatais para governos locais e procurava novas maneiras de reformar o sistema de poder e de divisão de lucros dentro das empresas. Assim, alguns governantes buscaram experimentar com a expansão da autonomia das empresas estatais. Segundo Wu (2005), “the so-called expanding enterprise autonomy is to relax the control by plan over enterprises by government departments and to permit the enterprise management to make the business decisions that had been made by the government in the past” (WU, 2005:145). Tendo este conceito em mente, a província de Sichuan usou seis empresas estatais como experiência de práticas para aumentar a autonomia empresarial, no ano de 1978. De acordo com Wu (2005), a experiência se deu nos seguintes passos: “First, the enterprises were allowed to retain a certain amount of profits and individual workers could receive a certain amount of bonus payments based on output increase and cost reduction. Second, they were granted autonomy to increase the supply of their products with a strong market demand and to accept customers’ materials for processing, on the premise of accomplishing the state plan. Third, they were given the freedom to sell superfluous materials, as well as products that state-owned trading enterprises would not want to purchase, and they could also sell their new products on a trial basis. Fourth, on accomplishing the state plan, they were authorized to set up an enterprise fund and retain a portion of profits. Fifth, they were given the autonomy to appoint middle-level managerial staff” (WU, 2005:145). Em decorrência dos resultados iniciais, nos quais as empresas demonstraram entusiasmo com as novas mudanças, o governo incentivou que as reformas ocorressem nas demais empresas estatais do país no início da década de 1980. Todavia, “efficiency was not visibly improved, and before long, problems of chaotic economic order, skyrocketing fiscal deficit, and inflation emerged” (WU, 2005:145). Dessa forma, o que se observa no início dos anos 1980 é a decisão do governo em implementar um reajuste na economia nacional fazendo com que as empresas estatais passassem a utilizar o sistema contratual já inserido na reforma rural chinesa. Conforme resume bem o estudo de Guo, Yang, Zhao e Hwang (2005: 4), corroborando com as afirmações acima, “Unlike the agricultural reform, China’s industrial reform followed a more gradual/partial approach toward the marketoriented system. The reform on state-owned enterprises (SOEs) 110 was initiated in Sichuan province in October 1978, which defined that, after fulfilling state tasks, the SOEs would share the aboveplan profits with the state in addition to a certain autonomy in deciding about production, marketing, and others. By 1983, almost all SOEs had adopted this responsibility system. In December 1986, the government announced a new policy encouraging adoption of the contract system. By the end of 1988, most SOEs had adopted various forms of the contract system. In fact, the contract system retained the bargaining relationship of the centrally planned system, and therefore was not consistent with market-oriented reform.” Como o sistema de contratos tinha sido bem sucedido no setor agrícola na China, tentou-se implementá-lo, com ajustes, no sistema de empresas estatais também. Assim, de acordo com Wu (2005: 146), este sistema era praticado de maneira em que “a contract is established between relevant government organs and the management of the enterprise to specify terms of power-delegating and profit-sharing, as well as the obligations of the insiders (managers and workers) of the enterprise”. Contudo, este novo sistema de gerenciamento não dava às empresas autonomia administrativa total, não separava a administração governamental da gerência das empresas estatais e nem estabelecia uma competição justa entre as empresas chinesas por não dar total responsabilidade às empresas estatais pelos lucros e prejuízos das mesmas. Conclui-se parcialmente que as reformas do sistema de empresas estatais conseguiram alguns resultados positivos, como a introdução das empresas estatais no jogo da competição empresarial. A divisão de lucros impulsionou o surgimento de novas iniciativas e o desenvolvimento das empresas assim como a eficiência do processo de decisão melhorou com a expansão da autonomia gerencial das empresas. Contudo, os lados negativos das reformas também se fizeram evidentes durante o período. A descentralização administrativa trouxe maiores dificuldades de supervisão da empresa e facilitou a corrupção. O que marcou a mudança da estratégia de “delegação de poder” e “divisão de lucros” para a corporativização das empresas estatais chinesas, segundo Wu (2005), foi a decisão sobre questões relacionadas ao estabelecimento do sistema de economia socialista de mercado, de 1993. De acordo com o autor, a decisão indicou que o novo caminho a ser trilhado pelas empresas estatais chinesas seria a corporativização e especificou que o novo sistema empresarial chinês deveria possuir “[a] clearly established property rights, well defined power and responsibility, separation of 111 enterprise from government, and scientific management” (WU, 2005:154). Em 1994, uma nova lei entrou em vigor para reforçar esta mudança, a Company Law of the People’s Republic of China, que foi testada em algumas empresas estatais. Todavia, as avaliações dos testes, ocorridas no ano de 1996, mostraram que a despeito das empresas terem se corporativizado, elas somente se transformaram em “wholly state-owned companies that were similar to modern corporations only in form” (WU, 2005:155). Para o autor, somente após novas deliberações do partido, em 1997 e 1999, as “large and medium size SOEs entered the period of establishing modern corporations according to internationally prevalent norms” (WU, 2005:155). Guo, Yang, Zhao e Hwang (2005: 6), relatam que: “The State ownership, which had been defined as the classic th feature of socialism, was discussed in the 15 CCP National Congress during October 1997. The CCP’s final conclusion was that public (gongyou), instead of state (guoyou), ownership is to be the dominant form of ownership. Besides, the development of all other forms of ownership, including private ownership, is encouraged. Furthermore, private and individual businesses are not only tolerated but are now considered as making valuable contributions to the economy. The shift in the CCP’s view on ownership is now enshrined in the Chinese constitution with two amendments to the constitution at the Ninth National People’s Congress (NPC) held in March 1998.” De acordo com Wu (2005), a partir de 1998, a corporativização das empresas chinesas deu-se em três passos: a separação da função administrativa do governo da função empresarial das empresas estatais (a função governamental de administrar as empresas teria sido repassada de órgãos de nível ministerial para escritórios da Comissão Estatal de Economia e Negócios); a reorganização dos monopólios comerciais (várias empresas estatais constituíam monopólios para maximizar a escala de operação, constituíram monopólios, estas foram divididas em várias empresas e reestruturadas para promover a competição); por último, houve a reestruturação dos ativos das empresas e a abertura de ações das mesmas para o mercado. Todavia, este processo não se deu perfeitamente. Para conseguir a separação entre governo e empresa criou-se um sistema de três camadas administrativas, na qual a primeira seria o governo – através de uma comissão para gerenciamento dos ativos públicos –; a segunda camada seria formada por instituições de gerenciamento dos ativos 112 públicos – instituições de investimento –; e, por fim, a terceira camada era constituída pelas próprias empresas estatais. Entretanto, Wu (2005) demonstra várias imperfeições na prática desta reforma na China. A separação entre governo e empresa não conseguiu se materializar em inúmeros casos devido à grande dificuldade de dividir a função governamental de administrador da sociedade e da economia da função de possuidor de ativos públicos. Dessa forma, mesmo com a reforma ainda restam problemas a serem resolvidos, como a independência administrativa das instituições de investimento, a supervisão dos acionistas destas instituições; e a implantação de um sistema de personalidade jurídica empresarial compatível com as necessidades do sistema de três camadas. O autor aponta algumas maneiras para a resolução destes problemas, advogando pela diversificação dos proprietários de ações nas empresas estatais. Dessa maneira, Wu (2005) assinala a conversão de débitos em crédito como uma maneira de chamar novos acionistas para as empresas93. Da mesma maneira, outras formas de levar novos acionistas para as empresas seria convidar investidores privados – como empregados –, colocar títulos de dívidas no mercado de ações e desenvolver investidores institucionais – fundos de pensão e fundos mútuos. Observa-se que tal resolução pressupõe a economia chinesa como completamente capitalista o que não condiz com a realidade do país. Como ainda resta uma forte intervenção do Estado nas decisões políticas que influenciam diretamente no desempenho econômico, há que se considerar outras variáveis que não exclusivamente as econômicas nessa tomada de decisão. Veja por exemplo a percepção de Guo, Yang, Zhao e Hwang (2005: 7). “For the past one-quarter century, China has successfully transformed its centrally planned system to a decentralized and market-oriented one. In particular, it achieved a faster economic growth than any other socialist or former socialist countries in the world. However, It is puzzling because it seems to defy the conventional wisdom. Although China has adopted many of the policies advocated by economists, such as being open to trade and foreign investment and sensitive to macroeconomic stability, violations of the standard prescriptions are striking. China’s reform was implemented without complete liberalization and 93 O autor nota que esta medida teria sido tomada pelo governo na instituição de quatro corporações de gerenciamento de ativos públicos – chamadas de asset management corporations AMCs –, em 1998, para assumir empréstimos desta natureza para grandes bancos comerciais estatais. Sem embargo, Wu (2005) afirma que esta prática se deu não pela crença de que a operação traria mais lucros futuramente, mas sim para retirar as empresas estatais de situações difíceis, numa espécie de subsídio governamental. 113 privatization. Besides, especially since the 1990s, China almost has not implemented any substantial political reforms.” Com uma argumentação teórica, próxima da versão institucionalista, Jefferson (1998: 02) expõe o problema das empresas estatais da China da seguinte maneira: “A fundamental characteristic of the state-owned enterprise is that it is "owned by all the people." By eroding the incentive to monitor the enterprise, this widely dispersed and ambiguous ownership structure invites the excludability problem. The state enterprise is subject to the opportunistic behavior of workers, managers, and public officials, who extract value from the firm in excess of what they put in. These exactions include asset stripping by managers, shirking by workers, predatory taxes, fees and bribes levied by public officials, and nonpecuniary benefits for employees and their relatives in the form of housing and social services. Serving a broader constituency, public officials, who treat the state enterprise as a cash cow, often direct predatory tax revenues to finance public infrastructure and services. It is this inability to monitor effectively and limit the overconsumption by large numbers of stakeholders, inside and outside the enterprise, that transforms the state enterprise into a commons.” Ou seja, a percepção de Jefferson (1998) é que tal modelo tende a falha naturalmente. Os motivos são diversos, dos quais cito alguns: (i) não se pode tratar a economia chinesa como uma economia capitalista por completo. A despeito da adoção de algumas “regras” do modelo capitalista, a China permanece com seu julgamento de que o capitalismo é imperfeito e que a presença do Estado é fundamental para trazer ordem ao cenário político e econômico. Como conseqüência do primeiro ponto, temos que (ii) as empresas estatais são falhas, contudo, em uma sociedade como a chinesa tais falhas podem ser potencializadas pelos desvios de conduta gerados pelos fatores acima mencionados (asset stripping by managers, shirking by workers, predatory taxes, fees and bribes levied by public officials, and nonpecuniary benefits for employees and their relatives in the form of housing and social services). Por fim, sem contudo esgotar o leque de motivos, (iii) um sistema de empresas estatais necessita de transparência na sua condução operacional, fator esse que a China ainda não provou ser capaz de inserir no seu modo de atuação, seja para os empresários nacionais seja para os empresários estrangeiros que desejam entrar no país94. 94 Deve-se ressaltar que a China situa-se entre os três maiores recebedores de capital estrangeiro na forma de investimento direto. Contudo, há uma latente reclamação na forma de condução das negociações de entrada de empresas, produtos e capital. 114 Fica agora mais claro de entender o motivo pelo qual o governo chinês precisou aprender com a experiência e os modelos corporativos de outros países para poder aperfeiçoar a reforma das empresas estatais chinesas, o que passou a ser uma tendência global: tentar melhorar o modelo de governança corporativa dessas empresas. Dessa forma, este movimento repercute sobre a instituição de um sistema diretivo independente; sobre o melhoramento da supervisão do quadro de diretores sobre os executivos da empresa; e sobre o aperfeiçoamento da transparência das operações corporativas. Para Wu (2005), a China tem seguido esta tendência. Isso poderia ser demonstrado com algumas legislações já promulgadas no país, como o código lançado pela Comissão Chinesa de Regulação de Segurança e a Comissão Estatal de Economia de Negócios, em 2002, - Code of Corporate Governance for Listed Companies in China. Deve ficar claro ao leitor que as reformas não se restringem ao setor agrícola/rural e a modificação da estrutura das empresas estatais. O setor privado terá relevância nas reformas implementadas nas China pós-Deng Xiaoping. No capítulo seguinte (capítulo 4) tratar-se-á das Zonas Econômicas Especiais e do processo de abertura chinesa. No tópico seguinte, permanecendo no objetivo definido ao início do capítulo, tem-se como foco as gerações de governantes pós-Deng Xiaoping. Além de descrever suas atuações, objetivase também compreender as principais ocorrências e eventuais modificações ocorridas na China, para por fim, no capítulo seguinte, analisar esse processo de evolução considerando o período delimitado pelo escopo desse trabalho. 3.5 – Capitalismo sem democracia ou Capitalismo com características chinesas? A relação entre o Estado-Partido na China e a iniciativa privada. A vasta literatura sobre o tema do modelo econômico adotado pela China pós1978 faz menção às diversas nomenclaturas atribuídas a esse modelo. O núcleo da discussão situa-se na gestão econômica, mais especificamente, à gestão da relação entre o Estado e a iniciativa privada na economia chinesa. Observa-se denominações como capitalismo com características chinesas, capitalismo sem democracia, economia socialista de mercado entre outras. Ainda, percebe-se que a criação de uma nomenclatura diferenciada tem o intuito de ressaltar a singularidade da condução, pelo Estado (e do Partido Comunista Chinês) das suas relações com o setor privado considerando sua presença e nível de intervenção. 115 A primeira observação encontrada na literatura sobre o tema é que há uma grande discordância entre aqueles que analisam o modelo e sua nomenclatura. Segundo Tsai (2007), é muito difícil para os estudiosos norte-americanos que não estão na China ou não viveram no país acompanhar e entender que a China hoje ainda se encontra no meio de uma transição histórica que leva tempo, e que tal transição tem dois momentos distintos, a saber: a transição para o capitalismo e a transição para a democracia. Ainda é complicado para esse grupo de analistas externos entenderem que, devido a sua singularidade, essas passagens no contexto chinês não se dão de forma uniforme e não obedecem imediatamente aos modelos teóricos que sustentam que a transição capitalista determina a transição para a democracia. A number of political scientists have gone as far as pronouncing that democratization is inevitable in China and will be brought about by its growing economy95. O que fica visível nessa percepção é que os resultados obtidos na área econômica, crescimento e desenvolvimento econômico, inevitavelmente, trariam uma pressão para que houvesse uma mudança definitiva no modelo político, caminhando em direção à democracia. De acordo com Shaohua (2000) “China is one of the fastest-growing economies in the world, and its economy probably will continue to expand in the foreseeable future. The growing economy will bring higher living standards, a higher level of education, and more complicated socioeconomic structure in its wake. Under these circumstances, more people will demand more freedom and democracy” (SHAOHUA, 2000: 155). A citação de Shaohua tem o intuito de exemplificar a visão otimista de alguns analistas do cenário político chinês. Por outro lado, há um grupo de economistas e cientistas políticos internacionais que avaliam a situação da seguinte maneira: a China vem atingindo elevados níveis de crescimento econômico e tudo indica que deverá manter esse nível por mais alguns anos devido a sua capacidade/necessidade de crescimento. Contudo, esse resultado não evidencia a existência de uma correlação positiva entre uma economia de mercado e democracia. O que não quer dizer que a China não pode realizar esta transição democrática, mas não é o caso atual na visão desse grupo de analistas96. 95 TSAI, 2007: 05. Essa percepção é presente em analistas internacionais e de conjuntura política e econômica chinesa. Muitos desses são de origem chinesa ou autores que tiveram um maior período de convivência com o cenário chinês. 96 116 Tsai (2007) argumenta que a classe empresarial chinesa tem uma relação muito típica com o Partido Comunista Chinês (logo com o Estado). Sua sugestão analítica é que os membros da atual geração de gestores e empresários chineses compartilham interesses com o Estado chinês que influenciam na sua conduta e nas suas decisões empresariais. “China´s business owners are diverse. Because of their diversity, entrepreneurs deal with the government in different ways and have different political views – if they have any”. Os estudos feitos por Tsai (2007) sugerem que a formação da classe empresarial chinesa é distinta dos demais casos estudados pela história econômica de empresas. Logo o empresariado privado chinês deve ser analisado nas suas características próprias, para que se obtenha um entendimento da sua extensão política e da sua relação com o Estado. Based on hundreds of in-depth interviews and an original national survey of business owners, I demonstrate that China´s capitalists are pragmatic and creative but they are not budding democrats97. A relação democracia e capitalismo vigente no período pós-Guerra Fria direcionase para a convergência capitalismo-democracia, ou seja, a democracia moderna seria um produto do processo capitalista98, e para o caso chinês, a democracia seria uma consequência natural da modernização, da prosperidade econômica e da política de abertura. Essa proposta teórica não funciona para o caso da China. As contribuições de Lyrio (2010) e de TSAI (2007), entre outros, é que, na realidade, o caminho da democracia não é tão simples quanto se imagina e o caso da China é tão singular que não se pode fazer uso da teoria existente sobre a democracia para explicá-la. Lyrio (2010) mostra a relação próxima existente entre os ganhos econômicos obtidos pela China nos últimos trinta anos e como esses ganhos atuam na manutenção do status do Partido Comunista Chinês. Já Tsai (2007) afirma que a crença que capitalismo demanda democracia é um mito. Historicamente avaliado, o processo que leva à democratização é altamente contingenciado e envolve um número elevado de fatores, atores e instituições. A tese de Tsai (2007) é que a democratização chegará um dia à China, mas não pela pressão ou liderança do setor privado nacional. Seu argumento é construído com base na percepção de que os empresários nacionais chineses não irão para as ruas demandar democracia e colocar-se em posição conflitante com o Partido Comunista Chinês. Esse posicionamento poderia criar um conflito não produtivo tanto para o setor 97 98 (TSAI, 2007: 04). Joseph Alois Schumpeter – Capitalismo, Socialismo e Democracia. 117 empresarial quanto para o Estado chinês. Para o autor, a China não se encaixa no modelo preexistente de avaliação de economia política e seus desdobramentos democráticos. “Conventional explanation of democratic development and regime change generally overlook the causal potential of informal practices and institutions to change or sustain formal institutions. Meanwhile, studies of transitions from socialism-era legacies, but they have focused more on how deep-rooted informal institutions undermine formal ones rather than how they may contribute to resilience of formal institutions. The best-known comparative historical theories of democrat development predict capitalist class formation and democratic modernization on the basis of structural transformation in the economy and society” (TSAI, 2007: 06). Contudo, os empresários chineses têm diferente sistema de formação histórica, principalmente no período pós-1978 e das reformas estruturais implementadas por Deng Xiaoping. “China´s business owners have different backgrounds and different ways of dealing with their concerns, including the strategic decision to maintain a low profile. Because of this, coherent class formation and collective action have not occurred. The socialist transition literature points out that historical legacies and informal institutions continue to shape political and economic dynamics even after the collapse of Communism and deliberative democratic institutional design on the part of elites. As a result, studies concerning the rapid economic and political transitions of former socialist countries have reached indeterminate conclusions about the post-transition sustainability of liberal democracy, as well as their economic performance under newly installed market institutions (TSAI, 2007: 07). Contrastando com os casos da URSS e de países do leste europeu, a China tem experimentado uma transição econômica gradualista por mais de três décadas acompanhada de uma reforma politica muito limitada. Observa-se na China um modelo de desenvolvimento “controlado” pelo Estado, onde as empresas privadas convivem com o sistema político de Partido-Estado. Esse é burocraticamente disciplinado, pouco coerente quando se trata da relação capitalismo-democracia, mas ao mesmo tempo, dependente do desenvolvimento da empresa privada para que dê suporte ao seu sistema político. Assim, nem os proprietários das empresas privadas, os capitalistas chineses e o Estado estão desesperadamente buscando a via democrática ou liberal. Há mais uma cooperação entre os atores internos do que uma contínua luta de classes com a intermediação do Estado. 118 Segundo Tsai (2007), ao sustentar seu argumento favorável ao capitalismo sem democracia, o setor privado chinês além de não permitir uma generalização em sua análise ainda deve-se considerar cinco fatores importantes para sua compreensão (para compreender o setor privado chinês, além de não ser permitida uma generalização em sua análise, ainda deve-se considerar cinco fatores importantes), a saber: (i) o empresário chinês convive com um ambiente dual, no qual o governo chinês em determinados momentos faz-se notar pela sua presença associado a outros momentos no qual a ausência “planejada” do aparelho estatal obriga-os a conviver com a informalidade e com as autoridades locais, muitas vezes agindo de maneira autônoma; (ii) os empresários chineses não consistem em uma classe unificada e com comportamento homogêneo. Convivem nessa classe jovens empresários com empresários que tiveram suas atividades iniciadas no início do período de Deng Xiaoping, com interesses distintos e relações com o Estado construídas em ambientes diferenciado; (iii) o interesse desse empresariado chinês varia de acordo com o setor no qual ele se encontra, de acordo com o tamanho da atividade, com a localização e suas relações políticas; (iv) não há uma oposição autônoma do empresariado chinês ao modelo político vigente na China, logo o sistema de convivência é sustentado pelas conveniências e pelos interesses comuns; e (v) o pensamento dominante no setor empresarial chinês não forma coletividade, a defesa dos interesses é individualizada e as condições do sistema político já foram incorporadas, logo, há pouca tensão entre Partido Comunista Chinês e empresariado nacional. Já Huang (2008) denomina o modelo chinês de capitalismo com características chinesas. Sua citação inicial remete a Deng Xiaoping: “The economy is still the base; if we didn´t have that economic base, the farmers would have risen in rebellion after only ten days of student protest – never mind a whole month. But as it is, the villages are stable all over the country, and the workers are basically stable too”99 (HUANG, 2008). Esse comentário refere-se a fala de Deng Xiaoping após o incidente de Tiananmen, em 1989. Para Huang (2008), o capitalismo com características chinesas é fundamentalmente distinto do capitalismo ocidental. A principal diferença reside nas regras que relacionam o Estado com o setor privado. A transformação da China de país pobre, de baixa renda, subordinado no cenário internacional e influenciado negativamente por intervenções estrangeiras, para um país de elevado crescimento econômico, e nível de inclusão, ainda com distorções, mas buscando 99 Deng Xiaoping, May 19, 1989. 119 incisivamente uma posição no ambiente internacional molda o seu estilo de lidar com a economia de mercado e com o capitalismo. Huang (2008) ainda ressalta a diferença entre as percepções de economistas e analistas chineses ou baseados na China e analistas distantes (Western academics). Wu Jinglian and Fan Gang (2008), dois renomados economistas chineses colocam que a reforma política colocaria em risco a possibilidade de ganhos diferenciados obtidos pelo capitalismo gerenciado à moda chinesa e que a existência de uma relação íntima entre os objetivos de desenvolvimento e a manutenção do crescimento do Estado (e fundamentalmente do Partido Comunista Chinês) mantém a ordem econômica e, principalmente política na China. Sua afirmação sugere uma relação de troca de ganhos simultâneos. O Partido ganha na sua manutenção no poder e na sua estabilidade política enquanto os empresários ganham por ter a possibilidade de manutenção de ganhos econômicos diferenciados. A relação é cooperativa por interesse e obedece a uma relação de ganhos para ambos os lados. Logo, a sugestão de Lyrio (2010) de que os ganhos econômicos sustentam a estabilidade do Partido Comunista Chinês merece ser complementada, pois o empresariado chinês mantém seu status mediante, e não a despeito, da existência do Estado-partido. 3.6 – O governo de Jiang Zemin: o grupo de Shanghai. A morte de Deng Xiaoping, em fevereiro de 1997, debilitou o Partido Comunista Chinês, que vinha passando por um período conturbado de manifestações e questionamentos. Jiang Zemin já havia sido escolhido para substituir Zhao Ziang no cargo de Secretário Geral do partido desde que Zhao Ziang foi demitido do partido por recusar a imposição de uma lei marcial na manifestação de 20 de maio e por estimular a desunião do partido. Zemin já detinha o cargo de secretário do Partido Comunista Chinês quando das manifestações em Shanghai e as reprimiu usando pouca violência, embora tenham sido registrados casos de mortes de trabalhadores (Goldman, 2006). Ainda segundo Goldman (2006: 392): “Os procedimentos e normas que Deng e seus discípulos haviam tentado introduzir não foram suficientemente institucionalizadas para substituir o governo pessoal, projeto do qual Deng jamais desistira. Visto de Jiang Zemin e seus colegas haviam governado o partido por quase oito anos antes da morte de Deng, seu 120 falecimento não deixou vácuo em termos formais. Mas sua morte marcou o final de um líder forte que foi capaz, por meio de um papel político, conexões militares, o uso da rede do partido e sua sabedoria política, de implementar suas reformas. Deng deixou como legado um novo sistema econômico, uma sociedade pluralista, o início de uma mudança politica básica e um Congresso Nacional do Povo que periodicamente discordava ao votar contra ou ao abster-se de seguir as diretivas do partido. Não obstante, o partido enfraquecido permaneceu intacto. Deng reconheceu as falhas do sistema politico, mas sentiu-se relutante em expressá-las temendo que debilitaria o poder do partido e sua liderança”. Já segundo Oliveira (2003), dois quadros do Partido designados por Deng Xiaoping para substituí-lo – Hu Yaobang e Zhao Ziyang – viram-se compelidos a se retirar da cena política, visto que as iniciativas de incitações, principalmente do segundo, foram consideradas fundamentais para o evento de Tiananmen. Depois da Quarta plenária do Comitê Central, Zhao Ziyang é destituído de todos seus cargos no Partido e Jiang Zemin, então Secretário do Partido em Shanghai, é alçado ao cargo de Secretário Geral do Partido. Logo, no 15º Congresso do Partido, Jiang Zemin torna-se Chefe do Estado. Jiang Zemin é oriundo de uma família de militares, tendo perdido seu pai cedo, foi viver com seu tio. Essa situação o permitiu acesso a uma boa educação, graças à politica de consideração aos “mártires do partido”. Tendo-se formado em engenharia na Universidade de Jiaotong, fez pós-graduação na URSS, retornando para assumir os cargos de Ministro da Indústria e da Construção de Máquinas e depois como Secretário do Partido em Shanghai. Apesar de um clima de ceticismo quanto às aptidões de Zemin, tanto internas quanto externas, ao longo de seu governo, segundo Oliveira (2003), ele foi demonstrando, ao contrário do que se imaginava, certa habilidade política e flexibilidade para contornar situações conjunturais complexas. Segundo os pronunciamentos de Jiang Zemin, no 16º Congresso do Partido Comunista Chinês, a visão chinesa a respeito da economia e da organização da sociedade internacional era otimista, sem, contudo, deixar de destacar os desafios que ainda estavam postos para a continuidade da ascensão da China. A percepção chinesa pode ser descrita da seguinte maneira: a sociedade internacional prepara-se para uma nova fase do desenvolvimento, oportunidade para que a China avançasse na sua modernização à moda socialista. A organização politica mundial indica para a multipolaridade e para o aprofundamento da globalização econômica. Os ganhos obtidos pela ciência e tecnologia ganharam velocidade em sua 121 disseminação e a competição entre as empresas e nações tem se acentuado, impondo desafios para os países emergentes que buscam melhor posição na cena internacional. Frente a esse diagnóstico, o Partido Comunista Chinês deveria manter-se firme em seus objetivos e buscar reforçar (ou manter) sua unidade na busca dos três principais objetivos chineses desde Deng Xiaoping: (i) manter a trajetória de modernização (modernization drive); (ii) alcançar a unidade nacional, de modo que o desenvolvimento seja para toda a China; (iii) e preservar seus objetivos relativos à segurança nacional, à manutenção da soberania e autonomia chinesas dentro de um cenário de desenvolvimento mundial e de busca pela manutenção da paz comum (safeguard the world Peace) e de um projeto de rejuvenescer o Partido Comunista Chinês, mantendo sua característica de usar o que há de relevante na proposta de economia de mercado (nas palavras de Jiang Zemin, “bringing about the great rejuvenation of The Chinese nation on its road to socialism with Chinese caractheristics”. O cenário real da China consistia em uma rígida sustentação das suas elevadas taxas de crescimento econômico, obtido com o crescimento da demanda doméstica, estimulada pelo crescimento da renda, dos setores industriais, da participação da iniciativa privada (com imperfeições conforme já foi observado aqui). Tudo isso resultado de uma politica monetária e fiscal ativa no sentido da promoção do comércio, da industrialização e da modernização da agricultura. A reforma implementada anos anteriores já trazia resultados positivos para a China e seu processo de abertura para o mundo já colocava a China entre os maiores fluxos comerciais, principalmente devido ao seu export-drive. O acesso da China à Organização Mundial do Comércio veio coroar seus esforços no sentido da abertura. Segundo Zemin (2002: 02), “the socialist market economy has taken shape initially. The public sector of the economy has expanded and steady progress has been made in reform of state-owned enterprises. Selfemployed or private enterprises and other non-public sectors of the economy have developed fairly fast. The work of building up the market system has been in full swing. The macro-control system has improved constantly. The pace of change in government functions has been quickened. Reform in finance, taxation, banking, distribution, housing, government institution and others areas has continued to deepen. The open economy has developed swiftly. Trade in commodities and services and capital flow have grown markedly. China´s foreign exchange reserves have risen considerably. With its access to the World Trade 122 Organization (WTO), China has entered a new stage in its opening up”. Pelo discurso de Jiang Zemin, pode-se observar, ao mesmo tempo, os ganhos obtidos pela China no período de maturação das reformas implementadas por Deng Xiaoping e também que a China tem uma visão muito otimista de tudo que foi feito. Entretanto ainda existiam, assim como persistem , desafios para os governos de Zemin, Jintao e seguintes. Destacam-se aqui duas questões não resolvidas: as reformas do partido e a unificação nacional não conflituosa. No mesmo discurso de 2002, Jiang Zemin mostra-se otimista e até mesmo ufanista no que diz respeito aos ganhos políticos e sociais da China. Ressaltava a melhoria na distribuição de renda, no sistema legal chinês e a maior democratização do país. Pontos esses que, a despeito da melhora, demonstram que muito há para ser avançado nessas áreas, sem ser mais específico ainda no que concerne às questões de direitos humanos, corrupção e gestão ambiental. Mas Zemin permanece exaltando os ganhos obtidos pela China, seja no aprendizado seja na realização de algumas políticas. Segundo o próprio Zemin, a China permaneceu seguindo o guia teórico de Deng Xiaoping e a linha mestra do programa proposto pelo Partido Comunista Chinês desde 1978. Ainda manteve o desenvolvimento econômico como seu objetivo maior, considerando que esse era ponto fundamental para um projeto nacional de desenvolvimento chinês. Conservou o pragmatismo como fundamento político, compreendendo que todas as reformas e ganhos são resultados de políticas graduais e progressivas, todas essas sustentadas por uma base econômica bem fundamentada e concreta. A proposta de rejuvenescer o Partido passava por uma política de aceleração dos níveis educacionais, de um sistema nacional de produção e da implantação e constante aprimoramento dos setores ligados à tecnologia e inovação. Esses são pré-requisitos para o desenvolvimento e para a inclusão social feita pela via de mercado, sempre norteados por um processo adaptativo realizado pelo Estado chinês. Duas questões ainda foram muito destacadas por Jiang Zemin para seu governo: a primeira seria uma perseverança no objetivo de independência internacional, no sentido de soberania e autonomia, mas pressupondo a existência de um cenário pacífico, ou seja, é um projeto de desenvolvimento nacional, que pressupõe inserção internacional, 123 ascensão pacífica (Cinco Princípios para Coexistência Pacífica) e cooperação; a segunda, a busca pela unidade e coesão da nação chinesa. Por fim, no que concerne ao desenvolvimento econômico e à manutenção das reformas reestruturantes chinesas, Jiang Zemin destaca os seguintes pontos: (i) para manter a rota industrializante e rejuvenescer não apenas o partido, mas também a estrutura produtiva do país (envolvendo os trabalhadores) eram necessários investimentos na educação. Somente assim a população seria consciente do seu papel tanto na modernização do país quanto na promoção de um desenvolvimento sustentável. Era interesse da China fazer com que sua estrutura industrial trouxesse não apenas o crescimento econômico, mas também um aumento significativo na criação de novas tecnologias e no estabelecimento de patentes industriais, o que garantiriam maiores ganhos para a China nas trocas comerciais; (ii) era fundamental para os objetivos de desenvolvimento da China acelerar a urbanização, pois elevava a disponibilidade de mãode-obra em locais estratégicos, reduzia a pobreza na zona rural do país e forçava o estimulo à mecanização do setor rural; (iii) elevar sua participação no fluxo de comércio mundial era de extrema importância, porém, mais relevante ainda era transformar-se no centro comercial e dinamizador regional, fazendo com que seu status na região seja de potência regional. Para tanto, a China compreendeu seu papel no cenário internacionalregional, colocando-se disponível para o estabelecimento de parcerias com países com características semelhantes, sem contudo, afastar-se do centro da economia mundial, as potências ocidentais; (iv) independente do cenário macroeconômico, a proposta de Jiang Zemin é dar continuidade às reformas no seu sentido mais básico, manter a trajetória rumo ao desenvolvimento nacional. Fica claro aqui que as reformas no setor público e bancário são fundamentais, além de consolidar as mudanças já iniciadas no setor rural e nas empresas estatais. Contudo, essa manutenção tem relação muito íntima com as lideranças regionais o que nos leva a questão da unificação política e econômica da China; (v) cabe avaliar que, apesar de ser objetivo declarado do governo de Jiang Zemin, bem como foi de Deng Xiaoping e será de Hu Jintao, a melhoria na distribuição de renda e a criação de empregos foram realizados e fomentados pela via do mercado, apoiando-se muito na liberalização à entrada de empresas estrangeiras (à moda chinesa) e pela política de atração de capital 124 estrangeiro na forma de investimentos estrangeiros diretos100; e (vi) observa-se uma grande discussão a respeito da reforma política voltada para um modelo mais democrático na China. Contudo, assuntos como democracia e reestruturação políticas ainda são de tratamento complexo na China. Segundo Lieberthal (2004) são assuntos que fazem parte da agenda chinesa, especificamente quando colocada em âmbito internacional. Porém, não são assuntos que tem a força de tomar a prioridade do projeto nacional de desenvolvimento, especificamente, seu núcleo econômico. Com o intuito de se estabelecer como o verdadeiro núcleo hierárquico do Partido Comunista Chinês, Jiang Zemin tomou a iniciativa de construir novas instituições e alterar algumas regras pelas quais o Partido e o governo poderiam ser efetivamente governados, a seu juízo. Era fundamental para sua governabilidade que sua legitimidade não repousasse sobre uma base unicamente ideológica, mas sim sobre uma legitimidade apoiada em desempenho para a legitimidade, ou seja, foi mantida uma pauta rígida de obtenção de resultados econômicos que garantissem os benefícios econômicos para a população. Considerando que suas contribuições e participações associadas à Revolução não seriam um ganho político, Jiang Zemin não podia invocar qualquer contribuição para o movimento como base de sua legitimidade. Isto posto, observa-se que Jiang Zemin teve de utilizar a constituição do Partido Comunista Chinês (Secretário Geral, Presidente da Comissão Militar e da Presidência), como formas de garantir sua legitimidade. A indicação presente na bibliografia sobre a política chinesa nos remete à reflexão sobre os temores de Jiang Zemin a respeito de sua permanência no poder após a morte de Deng Xiaoping. A realidade mostrou-se, entretanto, distinta da primeira impressão política de Jiang Zemin. Depois do 14º Congresso do Partido Jiang Zemin consolidou seu poder mediante engenhosa aliança política que garantia seus protegidos no poder e distribuía cargos a seus aliados em posições chave no governo e no partido. Essa sua primeira tarefa de legitimação foi cumprida e logo sua segunda tarefa surgiu quando houve necessidade não mais de legitimar-se como liderança política no próprio meio político, mas quando Jiang Zemin teve que convencer o povo chinês que sua liderança manteria os ganhos econômicos e a estabilidade política nacional, sem contudo, abrir mão da soberania e da segurança nacional e ainda manter o ritmo de 100 Ainda, essa mesma criação de empregos tem uma relação direta com o fluxo comercial chinês que em casos de oscilação devem afetar a consecução desse objetivo 125 crescimento e desenvolvimento econômico do país como forma de garantia de uma inserção soberana no cenário internacional. Embora Jiang não se apresentasse como o “Timoneiro Mao” nem como o “carismático e pragmático Deng”, seu apoio na facção de Shanghai, seus atributos na gestão das redes políticas e seus resultados econômicos expressivos acabaram por tornar Jiang Zemin um político capaz de levar a China adiante no seu projeto de desenvolvimento nacional, associado a sua inserção internacional e ascensão pacífica e soberana. Ao longo de seu período de governo, Jiang Zemin logrou sucesso em suas propostas e manteve-se no governo gozando de certa estabilidade. Uma das suas contribuições para uma mentalidade mais inclusiva dos demais atores sociais foi a chamada Teoria das Três Representações. Segundo Oliveira (2003), “Em fevereiro de 2000, num discurso em Cantão, Jiang delineou algumas idéias para a reatualização do PCC na perspectiva do século XXI e da globalização. Um passo adiante era dado no tocante à formulação de Deng, que incluía os intelectuais na classe operária, acentuando não deixarem eles de ser trabalhadores pelo fato de trabalharem com a inteligência. Jiang rompia agora com a prioridade da classe operária, identificando o partido com todos os elementos mais progressistas da sociedade. As teses de Jiang foram rotuladas de “As Três Representações” e teóricos do partido foram chamados para dar maior consistência a elas. Hu Jintao teve participação ativa na consolidação de Jiang Zemin, e o próprio Jiang desdobrou suas idéias num importante discurso (01.07.01) comemorativo dos 80 anos de fundação do PCC. Esse discurso tornou-se conhecido como “o discurso de 1º de julho de Jiang”, numa referência ao histórico discurso pronunciado por Deng Xiaoping na mesma efeméride, dez anos antes (OLIVEIRA, 2003, 152)”. Agora seriam contempladas as condições necessárias para o prosseguimento do desenvolvimento chinês, onde o partido deixa de ser unicamente representante do povo chinês, passando agora a direção progressista da cultura de ponta da China e os interesses fundamentais da vasta maioria do povo chinês101. Agora, passa-se a encorajar e apoiar o setor privado na China, abrindo espaço valoroso aos empresários e, de certa forma, reduzindo a participação das empresas estatais, que de acordo com Oliveira (2003) estavam sendo desmanteladas antes mesmo de serem reformadas. Contudo, corroborando com a assertiva de Oliveira (2003), tudo indica que era mais importante para a China naquele momento encorajar o setor privado do que reformar as empresas estatais, visto 101 Oliveira, 2003: 153. 126 que o setor privado reunia melhores condições de alçar a China ao objetivo proposto pelo seu projeto de desenvolvimento nacional. A meu juízo, a atenção dispensada às empresas privadas e a liberdade concedida aos empresários viriam introduzir elementos inovadores, sendo esses considerados motores essenciais para o crescimento associado ao desenvolvimento, fundamentalmente em um cenário internacional de grande concorrência entre corporações concentradas e oligopolizadas. Logo, o fortalecimento do setor privado era fundamental para a China e seus objetivos, dentre os quais figuravam a desoneração do Estado na manutenção de certas atividades exclusivamente nas empresas estatais, ao impor à sua economia um viés de maior competitividade e, simultaneamente, elevar a arrecadação fiscal do Estado. No que concerne à objetivos de poder, pode-se ainda afirmar que havia, além da democratização – o que atendia ao interesse e ao clamor do povo – havia também o propósito de manter controle sobre uma classe – empresários – com maior poder econômico crescente e, porque não, político idem. No que tange ao partido, permaneceu sua política de qualificação do seu corpo formativo, de rejuvenescimento dos seus quadros e da distribuição de poder entre os administradores/gestores regionais e locais. De fato, a partir de 1994, a China sinalizou ao mundo uma maior estabilidade no seu movimento de crescimento e redução (a despeito dos níveis ainda elevados) de uso de instrumentos coercitivos. Jiang Zemin ainda conseguiu estabelecer uma relação equilibrada com Qiao Shi, líder do NPC, evitando distorções sérias na sua condução política de uma nação em trajetória de crescimento diferenciado no cenário internacional. 3.7 – A quarta geração: O período Hu Jintao. Segundo Goldman (2006), a transição da terceira geração de líderes comandada por Jiang Zemin até a quarta geração de líderes sob o comando de Hu Jintao foi mais tranquila do que qualquer outra transição da história chinesa do século XX. Hu Jintao converteu-se em secretário-geral do partido em 2002, presidente da República Popular da China em 2003 e Chefe da Comissão Militar na saída de Jiang Zemin em março de 2005. A China e o mundo tinham grandes expectativas para a quarta geração de lideres do Partido Comunista Chinês. A nação logrou prosperidade durante a terceira geração liderada por Jiang Zemin. Porém Jiang Zemin não impressionou os observadores locais e internacionais com suas reformas. O que se constata pela leitura e observação das 127 informações disponíveis é que nos anos de governo Zemin, a percepção foi que Jiang Zemin e seus aliados concentraram seus esforços no objetivo de manter seu legado no poder e os ganhos obtidos ao longo do período de reformas de Deng Xiaoping do que no próprio crescimento da nação. Não se deve aqui cair no erro de considerar que manter as reformas colocadas em andamento no período de Deng Xiaoping seja um erro estratégico e de condução política, ao contrário, mas esperava-se um segundo grupo de reformas, especialmente de inclusão social e políticas, do período Zemin (LAM, 2006). Segundo Lam (2006), as esperanças para uma reforma no Partido Comunista Chinês, a partir do congresso de novembro de 2002, foram então depositadas em Hu Jintao e Wen Jiabao, dois jovens líderes que não faziam parte da chamada “Facção de Shanghai102” e que possuíam a reputação de indivíduos limpos, ou seja, sem o peso da corrupção sob suas costas. Ainda, esses possuíam uma ligação positiva com a Academia Chinesa de Ciências Sociais, órgão que construía conhecimento na China, buscando a melhor adaptação do país ao cenário econômico e social mundial, num esforço para que o know how chinês fosse aumentado em suas negociações e relações com o exterior. “Enquanto Jiang Zemin favoreceu o desenvolvimento das cidades costeiras e enfocou a produção industrial, em particular para a exportação, Hu e o primeiro-ministro Wen Jiabao, formado em geologia, priorizaram o desenvolvimento do interior e diminuíram os pesados impostos cobrados dos fazendeiros” (Goldman, 2006: 417). Diferentemente dos seus antecessores, Hu Jintao veio de uma família que foi classificada entre as últimas famílias de capitalistas. Porém, isso nunca interferiu na carreira de Hu Jintao na universidade e no seu ingresso na Liga Comunista Jovem. Graduado em Engenharia pela Universidade de Tsinghua, começou sua carreira na Liga Comunista Jovem, tornando-se o membro mais jovem do Comitê Central do Partido em 1982, aos 38 anos. Aos 44 anos de idade, Hu Jintao já era secretário provincial na pobre Ghizhou103. Hu Jintao tornou-se instrutor da Universidade de Tsinghua onde conheceu muitos políticos que iriam fazer a diferença em sua carreira futuramente. Em 1989, ele foi recrutado pelo Ministro de Engenharias Hidráulicas para trabalhar em Gangsu, na região noroeste do país. Hu passou 14 anos de sua vida naquela província local onde começou a 102 Considerado desta forma devido a sua ênfase no comércio e no desenvolvimento das cidades costeiras próximas à Shanghai. 103 Goldman (2006) e Lam (2006). 128 chamar atenção enquanto subia de cargos rapidamente104. As raízes do real crescimento político de Hu Jintao foram constituídas quando ele foi transferido em 1988 para o Tibete, que àquela época sofria com os movimentos e demonstrações de intolerância entre as etnias da região. Hu Jintao tentou controlar a situação de início, porém na noite de 5 de março de 1989 alguns cidadãos mais exaltados cercaram o quarteirão do prédio da polícia e deram início a um protesto violento (pessoas jogavam pedras contra o prédio e contra os policiais, ferindo-os). Hu Jintao, segundo informações bibliográficas e de acordo com o relato de Haw (2006) coordenou as ações da policia no incidente. Quando a situação fugiu do controle, a guarda avançou contra os manifestantes dissipando rapidamente o movimento, via uso da força. Diante da "rebelião" contida (pois os protestantes não tinham como se defender e logo se renderam) ao final da noite Hu Jintao reportou à capital que a situação estava controlada e levou os créditos sobre a ação. Em 1992, durante o 14º Congresso do Partido, Hu Jintao tornou-se membro Politburo. Nessa época Jiang Zemin, que completara três anos como chefe do partido, recebeu a sugestão de que Hu Jintao fosse nomeado como ministro de recursos hídricos ou da educação, porém a questão ficou pendente de melhor avaliação pelos membros do partido. Ideologicamente, Lam (2006) destaca quatro pontos relevantes para a formação política de Hu Jintao, a saber: (i) sua forte crença no Marxismo105 e sua lealdade ao partido; (ii) havia a percepção e entendimento que Hu Jintao era um líder bem formado, com elevado conhecimento técnico atrelado à prática política; (iii) seu estilo democrático de trabalhar apresentava-se plural e aberto a diferentes opiniões sobre questões relativas ao governo e sobre especificidades técnicas; e considerado de extrema importância para a população e para a legitimação política do partido (iv) Hu Jintao era considerado um técnico e um político honesto, dotado de forte senso de responsabilidade. Jornais e documentos não oficiais chineses destacam que Hu Jintao, apesar de 104 Além de ter feito contatos preciosos para a sua carreira como Song Ping, o Secretário do Partido em Gangsu. Quando foi enviado para treinamento na Escola Central do Partido, Hu Jintao conheceu o filho de Hu Yaobang, notabilizado por sua ideologia liberal (ultraliberal), Hu Deping. Voltando para Gangsu com uma recomendação do pai de seu amigo, Hu Yaobang, Hu Jintao tornou-se então foco de olhares nacionais. 105 Ainda sobre sua personalidade e ascensão, apesar de possuir uma personalidade liberal e atitude moderada, a despeito de ter convivido com a Revolução Cultural e seus dez anos de caos, isso não fez com que Hu Jintao perdesse a fé no partido comunista e abrisse mão de uma ideologia Marxista. 129 líder de um país tão complexo como a China, conseguiu a virtude de ser aceito pela maioria dos grupos de interesses e pela comunidade, além de importantes comitês do Partido. Após 1992, Hu começou o que seria um esforço próprio de dez anos para fazer sua carreira no partido. Com a morte de Deng em 1997, Hu Jintao ganhou alguns cargos adicionais além de influência dentro do partido. Seu objetivo era crescer dentro do partido sem despertar ciúmes e demasiada atenção de seus companheiros, sobretudo Jiang Zemin. Em termos da sua posição política, Hu Jintao anunciou que a China não copiaria os modelos e as instituições ocidentais, rumo por ele denominado de “rota cega”. Ao contrário, Hu Jintao anunciou divulgou que enfatizaria o refortalecimento do Partido de forma que seu governo fosse mais eficiente e estruturado. Segundo Goldman (2006), Hu Jintao procurou reforçar o monopólio do poder político do Partido Comunista Chinês, visando revigorar a doutrina ideológica que dava sustentação ao projeto de desenvolvimento chinês e impor uma disciplina mais rígida aos membros do partido, visando, com essa medida, a redução e o cessar dos efeitos corrosivos da corrupção no governo da China. Ainda sobre a “rota cega”, Hu Jintao nutre receios sobre a globalização e/ou ocidentalização. Hu Jintao e Wen Jiabao eram ambos partidários de uma reforma limitada do Partido Comunista Chinês, como a racionalização da estrutura interna. Porém estão longe de ser favoráveis a uma causa democrática. Hu Jintao também acreditava que alguns seletos mecanismos do Ocidente poderiam ser introduzidos na China, como a separação do partido e do governo. Porém, o resultado pretendido era mais para o fortalecimento e consolidação do Partido do que a divisão de poder entre outros setores ou blocos econômicos internos. No que diz respeito à abertura democrática, percebe-se que Jiang Zemin realizou avanços ao permitir um maior espaço para a participação pública em alguns debates políticos. Contudo, diante a entrada de Hu Jintao, tem início um movimento de repressão contra o uso da internet para fins de discussão e divulgação de informações políticas. Ainda sobre a questão da mídia, Goldman (2006) afirma que com o crescimento da economia de mercado e as políticas favoráveis à abertura econômica, grande parte da mídia que não mais era financiada pelo Estado tornou-se mais ousada e provocante no que concerne às suas críticas. Hu Jintao então passa a utilizar de forma mais incisiva o Departamento de Propaganda na repressão aos ciberdissidentes, a intelectuais 130 independentes e a crítica pública, caracterizando assim um maior rigor em relação à mídia. Em termos econômicos, o que se pode observar do período de Hu Jintao é que a China obteve sucesso naquele que pode ser considerado seu objetivo desde o início das reformas iniciadas por Deng Xiaoping, a saber: tornar-se uma nação rica e poderosa. Sua presença na economia internacional tornou-se significativa, em alguns momentos até mesmo dominante. Os líderes nacionais chamam esse seu processo de expansão de ascensão pacífica, ou seja, o objetivo da China é desenvolver-se, resolver suas questões internas e, caso seja uma potência mundial, que essa trajetória não cause distúrbios muito menos conflitos militares. Outra questão importante e muito debatida pelos pesquisadores é que a despeito das transformações econômicas ocorridas na China nos últimos trinta anos, o Partido Comunista Chinês permaneceu intacto no poder. Há uma crença interna de que uma modificação no sistema político traria instabilidade e, consequentemente, uma redução dos ganhos econômicos obtidos pelas reformas implementadas por Deng Xiaoping. A discussão, pesquisada por Lyrio (2010), é se o sucesso das reformas econômicas ocorreu à custa do Partido Comunista Chinês ou se a estrutura de governo manteve-se devido aos ganhos econômicos observados nestes últimos trinta anos. A tese de Lyrio (2010) é que os ganhos econômicos sustentaram a estrutura político-partidária do Partido Comunista Chinês. Adiante, apresentam-se os problemas enfrentados por Hu Jintao durante seu período de governo. Ressalta-se que tal descrição é uma avaliação de conjuntura e que o período de governo de Hu Jintao ainda não se encontra finalizado. Por fim, destaca-se que tais problemas descritos estão majoritariamente no cenário econômico visto que, durante seu período de governo, a cena internacional foi palco de crises financeiras internacionais de dimensões ainda não totalmente observadas. Óbvio que não serão esquecidas questões como problemas ambientais e a relação da China com o sistema internacional, mas o foco permanece nas estratégias chinesas em prol do seu projeto de desenvolvimento nacional e manutenção da sua trajetória de crescimento econômico. Segundo Lam (2006), a China obteve substanciais resultados no que concerne a suas reformas econômicas, particularmente aquelas relacionadas a seu projeto de integração com o mercado internacional no período da administração de Zhu Rongji. O ponto alto desse período foi a ascensão da República Popular da China à OMC em 2001, 131 que teve uma importância para a China nos seus planos de integração econômica e inserção internacional. Ainda de acordo com Lam (2006), “the principal mission of the leadership of President Hu Jintao and the Premier Wen Jiabao in the economic field will not be so much hacking out new paths. At least in the term office covered by the Sixteen Party Congress – 2002 to 2007 – the Hu-Wen team will have achieved a lot if they can make sure that the entire country lives up to Beijing´s pledges about market liberalization, particularly in the difficult areas of finance and information” (LAM, 2006: 107). O que se pode observar do trecho acima é que o grande desafio colocado para Hu Jintao e Wen Jiabao é a integração dos ganhos obtidos pela China no campo econômico para as demais partes do país. A mesma literatura, corroborada por Fairbank (2006) e Lieberthal (2004), entretanto, destaca que o grande ganho que pode ser obtido pela administração Hu-Wen não se encontra necessariamente na economia. Esses autores destacam que o grande desafio de Hu Jintao e Wen Jiabao repousa na mudança política. “It´s has long been truism that economy liberalization can only go so far without commensurate restructuring of the political system.” Muitos dos atuais problemas econômicos residuais, como ausência de uma governança corporativa, corrupção, separação entre as ações e funções do Estado e da iniciativa privada estão diretamente atreladas a questões politicas a serem resolvidas. Até o ano de 2008 pouco houve de avanço nesta questão. Observa-se com o apoio de Lyrio (2010), que a organização do partido e a estrutura politica são beneficiados pelo bom resultado econômico apresentado pela China nesses últimos trinta anos. Tal resultado econômico apazigua a população via melhoria da sua percepção de bem estar que se encontra associada com seu maior nível de consumo e a sua maior disponibilidade de bens e serviços. Deve-se deixar claro que essa percepção de bem estar criada pelo crescimento econômico, pela maior inserção e inclusão social e pelo maior acesso a bens e produtos não retira o peso da realização destas reformas sobre a “Quarta Geração de líderes chineses” e seus sucessores. Observa-se que houve um aumento da participação popular nas questões politicas e que “there is a heavy element of noblesse oblige in Hu´s approach to democracy: this means that while the ruling party is open enough to consult 132 the divergent views of different sociopolitical groupings, it is not ready to share power with them”106 (LAM, 2006). Justin Lin, pesquisador da Peking University, destaca que o governo de Hu Jintao e Wen Jiabao, assim como a quinta geração de líderes, chineses ainda tem grandes desafios pela frente, os quais cito a seguir: (i) a reforma política chinesa constitui um grande desafio para Hu-Wen, bem como para seus sucessores, contudo, as condições econômicas favoráveis da China na atualidade garantem, à exceção de intelectuais críticos e alguns setores da mídia, um cenário politico estável com demanda reduzida para essas mudanças, pelo menos momentaneamente; (ii) a despeito da taxa de crescimento econômico anual média de aproximadamente 8,0%, ainda observa-se na China problemas referentes à distribuição de renda, cuja paridade de poder de compra da população apresenta distorções regionais e setoriais; (iii) da mesma maneira que o crescimento econômico proporciona ganhos para o Estado chinês e para a sociedade, contudo, George J. Gilboy e Eric Heginbotham (2006) destacam dois custos que serão inevitavelmente cobrados da China no futuro, o efeito ambiental do crescimento elevado e os custos humanos ligados a esse primeiro fator107. Seus discursos nos fóruns internacionais são evasivos quando diz respeitos a esses temas; (iv) consequência imediata do ponto anterior é o custo ambiental e a deterioração da qualidade de vida na China industrializada, o Banco Mundial estimou que a poluição e a deterioração ambiental podem consumir de 8 a 12% do crescimento do produto interno bruto chinês. “This includes the impact on crops of acid rain and soil degeneration, lower yields of aquatics products, medical bills, lost of productivity due to illness, relief funds for flood victims, and so forth”108; e (v) as reestruturações do sistema financeiro nacional – em parte colocadas em fase inicial durante a crise financeira global iniciada em 2007, tendo seu auge em 2009 – a finalização do processo de abertura e a redução/eliminação das distâncias ainda existentes entre as empresas públicas e as privadas, pendendo, na atual conjuntura para o setor público. Contudo, uma das clausulas da OMC é que esse equilíbrio seja atingido para que a liberalização do mercado chinês seja finalizado. No capítulo que segue são apresentadas e avaliadas as reformas colocadas em andamento na China, iniciando em Deng Xiaoping e tendo seu limite temporal o ano de 106 Lam (2006) e Lyrio (2010). Observa-se que a China, ao contrário das publicações oficiais, ainda não dá a devida importância para a questão ambiental e furta-se da discussão a respeito dos direitos humanos. 108 Retirado de The Great Wall of Waste, The Economist, august 21, 2004. 107 133 2008, sob o comando de Hu Jintao, contudo sem que esse tenha finalizado seu período de governo. Algumas considerações devem ser expostas a título de compilação das conclusões parciais do capítulo que ora se encerra. A primeira delas diz respeito à posição de Fairbank (2006) e Lieberthal (2004) quando ambos os autores referem-se aos ganhos políticos e econômicos obtidos no período pós-Deng Xiaoping. Esses autores argumentam que a transformação estrutural chinesa deveria trazer, acima de tudo, ganhos políticos para a nação, superando inclusive os ganhos econômicos. A respeito dessa afirmação, faz-se necessários dois contrapontos: (i) tal afirmação poderia conter mais um componente de discurso que encerra uma pressão existente na literatura ocidental para que a China engendrasse uma reforma política democratizando aos moldes do desejo ocidental; (ii) uma preocupação com a capacidade expansiva chinesa, considerando seu recursos, suas capacidades e sua trajetória de crescimento econômico regional e mundial. Ou seja, há nesse discurso uma preocupação latente com a trajetória expansiva chinesa e uma possível ameaça à estabilidade política e econômica mundial considerando a evolução da economia chinesa associada a um modelo político diferenciado – distante dos moldes ocidentais. Conforme foi debatido no segundo capítulo da tese, soberania é um conceito caro à China. Inserido na idéia de soberania, encontra-se a autonomia nas suas decisões nacionais e o pragmatismo nas suas posições internacionais. Em todas essas situações observa-se que o Estado-partido chinês preocupa-se prioritariamente com a concretização das suas reformas em prol do desenvolvimento nacional, sendo esse o norte de suas decisões internas e externas. Ademais, observa-se que as reformas realizadas nos setores agrícolas (e área rural) e nas empresas estatais chinesas visavam uma adequação parcial à práticas capitalistas e objetivavam um aumento progressivo na produtividade e na modernização operacional desses setores. Contudo, conforme foi observado, o sucesso foi parcial, visto que em alguns momentos a participação do Estado nas esferas decisórias ainda causava imperfeições no funcionamento desses setores e na maior concretização dos seus mercados como mercados genuinamente capitalistas. Daí a relevância da nomenclatura adotada por parte dos estudiosos do tema de capitalismo com características chinesas, economia socialista de mercado e capitalismo sem democracia, sendo esse último mais 134 utilizado para os autores ideologicamente mais radicais na construção de seus argumentos. Contudo, entende-se aqui que tais reformas implementadas no setor rural e nas empresas estatais tiveram fundamental contribuição no projeto de modernização da economia chinesa e, por conseguinte, na trajetória realizada pela China frente seu projeto nacional de desenvolvimento. E, tais reformas, considerando sua estruturação e sua forma de adoção e implantação, contribuem com a argumentação presente nas premissas dessa tese de que o modelo político e econômico chinês deu origem a um projeto de desenvolvimento nacional singular, inviabilizando a sua conceitualização como um “modelo” a ser seguido pelos demais países emergentes. Considera-se isso como certo, pois as características do desenvolvimento chinês não são passíveis de reprodução, originando um processo único. Por fim, mas não menos importante, ressalta-se que diante do que foi exposto ao longo desse capítulo, as modificações de liderança política aconteceram sem que os objetivos macro do projeto nacional de desenvolvimento chinês fossem perdidos ou esquecidos pelas novas lideranças. A despeito das características pessoais dos três governantes pós Mao Tsé-tung serem distintas, a idéia de uma China em processo de desenvolvimento esteve, a seu modo e intensidade, sempre presente, mesmo em períodos mais conturbados, seja devido à circunstâncias políticas internas (o problema da Praça Celestial) seja devido a ocorrências e perturbações de ordem internacional (as crises dos países emergentes dos anos 90). 135 4 - Inserção Internacional da China e sua trajetória ao desenvolvimento: 1978-2008. Para os fins deste capítulo, busca-se analisar o processo de inserção internacional da China, muito marcado por seu processo de abertura econômica e como esta abertura, associada às reformas implementadas desde a entrada de Deng Xiaoping no poder, foi decisiva para o desenvolvimento econômico para o país. A seguir, tem-se uma breve discussão a respeito de um segundo conceito complexo, seja de formulação seja de sentido, a saber: desenvolvimento econômico. Faz-se então um esforço reflexivo de debater o conceito para alcançar uma descrição que seja pertinente ao tipo de análise almejada neste capítulo e ao caso específico de estudo. Posteriormente, faz-se uma descrição cronológica do movimento de inserção internacional da China o qual se analisa simultaneamente. 4.1 - Conceito de Inserção Internacional: desfazendo os nós conceituais. Inserção Internacional não é um conceito simples de ser formulado, não há na literatura de relações internacionais um consenso sobre um conceito único e sobre uma uniformidade do processo. Poderia, de maneira simples e direta, dizer que o estudo da inserção internacional diz respeito à análise de como um país exerce sua interação e integração com o ambiente internacional. Ademais, pode-se levar em consideração seu posicionamento diante as diversas agendas propostas pelos países e pelas inúmeras organizações internacionais. Pode-se também avaliar as relações entre estes países, parceiros ou não, consensuais ou discordantes, em diversos temas internacionais relacionados às mais variadas áreas de debate, tais como a economia, a política, o social, o ambiental e o jurídico. A origem dos fluxos de capitais, os processos de fusão e aquisição empresarial que transcendem as fronteiras nacionais, os processos de internacionalização das firmas domésticas, a participação do capital estrangeiro nas empresas domésticas e vice-versa e o acompanhamento da evolução integrativa e cooperativa em nível mundial fazem parte do amplo escopo do que se pode denominar inserção internacional. Por fim, pode-se avaliar as decisões de política externa, a atuação das instituições domésticas no mercado globalizado e integrado e as diversas ações e reações em assuntos mais específicos tais como direitos humanos, fluxos migratórios, políticas de segurança nacional e manutenção da soberania nacional, propriedade 136 intelectual entre outros temas possíveis e que eventualmente emergem à medida que o cenário internacional vem torna-se mais complexo. A formulação acima, conforme exposto, não visa um conceito fechado e determinístico de inserção internacional. Porém vale lembrar que este esforço já foi realizado em algum momento sob os auspícios do que se convencionou chamar de Consenso de Washington. Segundo a visão (neo) liberal, há um receituário a ser seguido para um adequado processo de estabilização econômica, inserção internacional e criação de bases sólidas para o desenvolvimento de um país. Este receituário, proposto inicialmente por John Williamson, passou a ser firmemente adotado e recomendado por instituições internacionais, tais como Fundo Monetário Internacional, Banco Mundial e pelos agentes decisórios de Bancos Centrais ao redor do Mundo, como um receituário de sucesso no plano do desenvolvimento. O receituário recomendava as seguintes reformas, ações e esforços no sentido de: (1) as economias deveriam ter uma disciplina fiscal, com metas explicitas de obtenção de um superávit primário de vários pontos percentuais do PIB e um déficit operacional (descontados os juros da dívida pública) de aproximadamente 2 % do PIB; (2) direcionar de maneira prioritária e eficiente o gasto público, associado com a implementação de reforma fiscal, aumentando-se a carga tributária e cortando-se tributos marginais, buscando-se, simultaneamente, um maior controle tributário; (3) liberalização do financiamento a partir de taxas de juros reais positivas; (4) as paridades cambiais seriam determinadas pelo mercado, com mínima intervenção estatal (sendo que preferencialmente este mercado deveria ser flutuante e livre); (5) liberalização do comércio e do mercado de capitais, de maneira que o capital estrangeiro tenha tratamento igualitário ao capital nacional e que passe a exercer um papel relevante de complemento do financiamento da economia e dos investimentos realizados; (6) privatização das empresas estatais e desregulamentação generalizada da economia, buscando estabelecer as bases para o funcionamento de uma ‘perfeita’ economia de mercado. Pode-se observar da descrição acima que a proposta de inserção internacional está diretamente atrelada a uma idéia de liberalização e abertura dos mercados, o que se acredita nesta pesquisa ser uma visão míope de um processo de maior magnitude. A inserção internacional, caracterizada como um processo, não se resume ao acima descrito, especialmente quando se observa um processo de inserção internacional particular, de um país ou região, e que estes, singularmente ou em grupo, não constituem 137 um conjunto homogêneo, com características uniformizadas. O que se pretende elucidar com a descrição acima é que a despeito de existir um modelo de inserção em um ambiente político e econômico internacionalizado, a China adotou políticas distintas de inserção conforme será observado abaixo. Tal afirmação não exclui a possibilidade de uma nação adotar ou o acompanhar algumas das indicações do “modelo de sucesso” proposto pelo Consenso de Washington, FMI entre outros. Porém, para o caso chinês não há um modelo, mas sim uma construção da sua forma de inserção, que inclui ate mesmo a experimentação e correção dos erros ao longo da trajetória. Deve-se ainda compreender que inserção internacional não deve ser confundida com outro processo em âmbito internacional, a saber: a integração econômica. O que não quer dizer que a integração econômica não esteja contida nos objetivos e em um movimento de inserção internacional, contudo, os conceitos são distintos. Tem-se aqui que a integração econômica pressupõe a eliminação, direta ou gradual, das barreiras existentes inibidoras da mobilização dos principais recursos econômicos entre fronteiras nacionais. Tal ação visa o aumento do fluxo comercial entre as nações, estimulando a diversificação produtiva e os ganhos de produtividade oriundos dos incentivos influenciados pela concorrência. A literatura a respeito da integração econômica destaca vários modelos que podem ser implementados de maneira gradual até que se atinja um nível “completo” e harmonioso de integração entre as nações. Destacamse entre os mais conhecidos modelos a área de livre comércio, a união tarifária, o mercado comum, o regionalismo aberto e a completa integração econômica. Ressalta-se que não é o intuito deste capítulo debruçar-se sobre os diversos tipos e examiná-los a fundo. É sim, fundamental demonstrar que a integração é parte integrante de um processo de inserção internacional, bem como a adoção de políticas mais abertas no que concerne às relações internacionais entre as nações. Por ser complexo, esse movimento de integração econômica internacional constitui-se em decisões de âmbito político e econômico, com vistas a aproximar as economias, mas, sobretudo, galgar novos ganhos nas relações econômicas internacionais frente às novas possibilidades colocadas pela economia mundial. Adiante no texto essa reflexão prossegue. Para o caso chinês, observa-se que a integração, seja ela regional seja em âmbito internacional, é parte integrante do seu projeto nacional de desenvolvimento. São comprovações dessa relevância a importância da aceitação da China na OMC e sua maior 138 participação no fluxo de comércio mundial, além da aceitação (não inteiramente) de regras para a realização de transações econômicas internacionais109. Ainda, deve observar da mesma forma que decisões de política externa fazem parte de decisões que podem privilegiar a inserção internacional, mas que certamente, não podem ser confundidos com a idéia de inserção internacional. Considera-se aqui política externa como o conjunto de objetivos políticos, posteriormente, mediante o estudo da sua viabilidade, transmuta-se em um conjunto de ações políticas para atingir determinados objetivos – econômicos, políticos, estratégicos, entre outros; que um determinado Estado almeja alcançar nas suas relações com os demais países do mundo. Para atingir tais objetivos, esse Estado lança mão de políticas específicas, tais como militar, econômica, entre outras, posicionando-se diante de outros Estados em prol de seu interesse. Para este trabalho, adota-se um conceito de regionalismo aberto proposto por Miyazaki (1996) o qual estabelece que, para o cenário existente entre os países asiáticos, a integração poderia dar-se de uma maneira mais ágil e branda, pois não eram excluídos das relações econômicas eventuais parceiros de fora da região e, ao mesmo tempo, haveria uma redução tarifária gradativa entre os países da região, estimulando os fluxos de comércio entre eles. Ainda conforme observa Miyazaki (1996), o conceito de regionalismo não se adéqua perfeitamente ao propósito, porém leva em consideração a relação de interdependência existente entre os países da região. Ainda, para que tal processo aconteça da maneira menos traumática possível, deve-se cercar de organismos internacionais ou regionais que têm a função de mediar as negociações, como foi o caso da APEC – Asia Pacific Economic Cooperation. A APEC propõe, em linhas gerais, uma liberalização unilateral, buscando sua máxima ampliação, a redução das barreiras tarifárias, o incentivo à entrada de investimentos estrangeiros e a ampliação gradual desta abertura, seguindo uma agenda que diferencia países mais avançados economicamente110 de países em período de estruturação de suas economias111. A conclusão obtida pelo autor 109 Deve ficar claro que a política cambial chinesa pode ser questionada por seus eventuais parceiros comerciais, contudo, uma defesa interna para tal comportamento é que a política cambial está inserida no rol de políticas econômicas que promovem em um primeiro momento, o crescimento econômico e, posteriormente, o desenvolvimento. Ainda, a decisão de condução da política cambial é uma decisão de política interna e autonomia dos Estados, cabendo a esses o calculo econômico e político das conseqüências de suas decisões. 110 Países mais avançados economicamente são aqui compreendidos como àqueles que passaram por um processo de desenvolvimento, associando uma avançada estrutura produtiva industrial, a uma estrutura de formação de capital fixo sustentável. 111 Miyazaki (1996). 139 supracitado é que a institucionalização destas relações de abertura tem sido benéfica aos países, fortalecendo a interdependência e a inclusão entre eles. Neste sentido, torna-se também relevante não permitir aqui a ocorrência de uma confusão conceitual na identificação de inserção internacional com a chamada “globalização”. A globalização, como fenômeno, pode ser considerada tanto pelas suas modificações estruturais ocorridas em um determinado cenário histórico cronológico, quanto como um novo pano de fundo para as relações internacionais. O Fundo Monetário Internacional – FMI – define a globalização como um processo histórico resultante da inovação humana e do progresso tecnológico, adicionalmente, o Fundo observa que o aumento da integração entre as economias ao redor do globo, particularmente por intermédio das integrações e inter-relações entre os sistemas financeiros, a evolução quantitativa dos fluxos de comércio, dos movimentos de capitais e eventualmente, decorrente de acordos de maior envergadura, da mobilização do fator de produção trabalho. Todas estas alterações ocorrem não desconsiderando as fronteiras nacionais, mas ultrapassando-as com maior facilidade frente ao que era observado no passado. Scholte (2000) tem uma conceitualização mais complexa a respeito do mesmo fenômeno. Segundo Scholte (2000) a globalização é composta por cinco conceitos (níveis) diferenciados. O primeiro delas pode ser entendido como uma globalização primária, sendo que na sua essência nada mais é que um processo ampliado de internacionalização cujas relações globais encerram uma forte interdependência. O segundo é a globalização que implica uma forte via liberalizante, especialmente, com a remoção da mão do Estado de certas relações econômicas112. A terceira é aquela globalização que unifica as culturas, particularmente, seja este tipo o modelo mais passível de críticas visto que as particularidades culturais vêm sendo preservadas, o que a pesquisa aqui realizada mostra um caso muito forte de preservação cultural. A quarta é a globalização que influencia a disseminação de estruturas sociais modernas tais como o capitalismo, o racionalismo, a industrialização entre outras, como processos sociais aceitos como uniformes e adequados a todos os Estados nacionais, criando um desafio significativo para as culturas nacionais no esforço de adaptação. Por fim, uma globalização que considera a redução das questões geográficas, territoriais. 112 Uma crítica rápida pode ser colocada quando se observa que os poderes do Estado não foram removidos, apenas instabilizados e o jogo de negociação e barganha entre Estado e setor empresarial tem-se apresentado mais acirrado. 140 Esta síntese do conceito da globalização faz-se necessária para que se entenda que a inserção internacional é um movimento distinto e independente da globalização. Ainda, nada indica que a globalização seja mais ou menos responsável pelas estratégias de inserção internacional dos Estados. O que se pretende aqui colocar é que inserção internacional nada mais é do que a decisão, e conseqüente ação, de um Estado, em ‘inserir-se’ no mundo. E os Estados, historicamente, sempre estão se inserindo independentemente de modelos ou de momentos conjunturais como globalização. Logo, a mensuração é distinta, especialmente quando associada ao conceito de desenvolvimento. Faz-se em seguida uma reflexão sobre o sentido do desenvolvimento, na qual se busca uma compreensão da complexidade da sua conceituação e a explicação da forma com a qual o desenvolvimento será utilizado nesse capítulo. 4.2 - O Sentido do Desenvolvimento Econômico. O desenvolvimento da China, especialmente em sua face econômica, é provavelmente um dos eventos mais intrigantes do final do século XX e início do século XXI. Interpretá-lo e compreender sua extensão é um desafio para os pesquisadores da área. Contudo, entender o significado e o sentido do desenvolvimento é uma tarefa essencial para a devida compreensão deste processo em uma sociedade. Uma vertente analítica afirma que as reformas implementadas a partir de 1978 seguiram uma ordem gradual, incrementalista e institucional. Para tal vertente, mais importante do que o planejamento das reformas foi a interação entre os fatores positivos econômicos e políticos em situações não previstas pelo Estado. Ou seja, partindo do pressuposto que o desenvolvimento econômico é uma trajetória planejada pelo Estado, agregando agentes em torno dos seus objetivos estratégicos, a ação desses agentes pode caminhar para movimentos não previstos, mas que por força das circunstâncias podem somar resultados positivos para o desenvolvimento de uma nação. Esta análise sublinha a importância da pequena indústria rural, o regime dos contratos regulatórios dos preços dos produtos agrícolas, marcados pela dualidade dos preços. Este caminho, em síntese, é marcado por inovações institucionais adaptativas considerando a história e as peculiaridades da China, argumento este corroborado aqui neste trabalho. A outra vertente, originária do Banco Mundial, considera o alto crescimento econômico da China como decorrente de fatores internos que anteriormente constituíam focos de atraso tais como: problemas na acumulação de capital, baixo nível de renda per 141 capita, alta proporção de mão-de-obra rural, estrutura econômica descentralizada e grande oferta de mão-de-obra a baixo nível de remuneração. Foi o processo de abertura da economia chinesa que deu sentido ao processo de transformação estrutural da China. Fica visível que esta visão é bastante determinística, simplificando muito as transformações e as particularidades do modelo e da história política da China. A significativa experiência latino-americana (e sua respectiva literatura) e a farta literatura que continua sendo produzida internacionalmente sobre o tema induzem a pergunta sobre que sentido pode-se atribuir à noção de desenvolvimento econômico. Fernando Henrique Cardoso, em um artigo de 1994113, alertava para a constante confusão gerada entre os conceitos de crescimento e desenvolvimento114. Essa parecia ter-se dissipado com a complexidade e evolução dos estudos econômicos e sociais, porém muito desta celeuma ainda pode ser encontrada na produção recente. Segundo Cardoso (1995), o desenvolvimento na década de 60 confundia-se com o progresso material, com o crescimento econômico. Este conceito para ele, e aqui corroborado, gera uma posição simplista e determinista sobre o assunto. A análise mais profunda e acurada desta forma de entender o desenvolvimento mantinha em segundo plano os resultados sociais do desenvolvimento e consideravam a ocorrência destes como conseqüência dos ganhos produtivos e materiais. Posicionando-se fora da posição dos ‘dependentistas’, Cardoso (1995) expõe que a visão destes últimos é mais política, mais imbricada com o jogo político e seus retornos sociais. Ainda segundo Cardoso (1995), o desenvolvimento apresenta-se como um processo fragmentário e múltiplo. Deve agregar a evolução da estrutura social, a equidade, a sustentabilidade e os ganhos humanos. A meu juízo, o crescimento econômico é uma parcela constitutiva do desenvolvimento, entretanto, não exclusivamente responsável e muito menos obrigatório na geração do desenvolvimento. Uma segunda contribuição conceitual relevante pode ser obtida na produção da historiadora do desenvolvimento socioeconômico, Irma Adelman. Segundo Adelman (1988), pode-se elencar os principais fatores que contribuem para um processo de desenvolvimento (econômico, porém em sentido amplo). Sua primeira constatação é que o processo de desenvolvimento apresenta-se, na grande maioria dos casos estudados e em diferentes épocas, como não-linear e como altamente multifacetado. Com esta premissa, 113 Cardoso (1995). Ressalta-se aqui que este debate é antigo na ciência econômica, a escolha pelo texto de Cardoso (1992) deve-se unicamente pela forma de tratamento de alguns debates complexos e que não teriam como ser contemplados neste trabalho. 114 142 Adelman (1988) pretende dizer que o desenvolvimento é uma contribuição de fatores atuando conjuntamente, tais como instituições, governo, e agentes privados focados em processos contínuos de modernização, independentemente dos setores escolhidos para puxar ou acelerar esta trajetória de desenvolvimento. Este processo de desenvolvimento tem característica, sobretudo social, ou seja, transformações sociais são necessárias para que a sociedade tenha condição de visualizar os ganhos obtidos pela transformação econômica. Sua segunda contribuição é a necessidade de uma transformação nas instituições, não no sentido único e exclusivo proposto pela teoria institucionalista ou neoinstituicionalista, mas que estas devem compartilhar o objetivo de evolução proposto pela administração central da economia e compartilhado com a sociedade. A existência do mercado é fato dado bem como é a competição capitalista, logo os ganhos obtidos dentro deste modelo tendem a ser concentrados. Portanto, torna-se função essencial para o desenvolvimento que tais ganhos sejam eficientemente repartidos (equidade e distribuição). Ainda no quesito instituições, Adelman (1998) deixa claro que a relevância não é exclusividade das instituições nacionais (ou domésticas), mas deve ser repartida e negociada com as instituições internacionais (que terão papel fundamental no movimento de inserção internacional destas economias). Sua terceira colocação é que, apesar do desenvolvimento contribuir e auxiliar na aproximação produtiva entre os setores, pode haver a coexistência entre setores que encontram maior dificuldade e outros mais dinâmicos inseridos no processo de desenvolvimento. Para sanar ou auxiliar nesta transição complexa, deve haver a participação do Estado como equalizador das distâncias entre os setores. Esta é uma característica bastante visível nos casos recentes de desenvolvimento, principalmente nos chamados países emergentes, onde se situam China e Brasil, por exemplo. Assim, a proposta originada de Adelman (1988) coloca que os países que buscam o desenvolvimento deveriam simultaneamente: (1) realizar investimentos sociais, na estrutura física (infraestrutura) e institucional; (2) buscar a quebra de algumas tradicionalidades (breaks down traditional societies, customary behaviour patterns and sways of traditional cultures and leads to enlargement of domain in which marketoriented behavior guides economic activitiy); reduzindo a importância da economia de subsistência e aumentando os estímulos a uma inserção econômica mais autônoma por partes dos agentes envolvidos; (3) orientar a economia para a captação responsável de 143 capitais estrangeiros e para um processo de abertura comercial que respeite a ordem e o timing destas ações (como abertura comercial e financeira em ordem adequada); (4) orientar a industrialização considerando a dotação dos fatores produtivos e aprimorando (ou reduzindo as limitações impostas pela produtividade dos fatores menos disponíveis. Realizadas estas transformações, o que se segue seriam medidas de manutenção, tais como: (1) aumento dos investimentos domésticos e de capitais produtivos internacionais; (2) aumento da produtividade dos fatores de produção; (3) obtenção de tecnologia externa e promoção do desenvolvimento interno de tecnologia; (4) redução das tensões sociais e das distâncias distributivas; (5) governo e instituições envolvidas e harmonizadas com o processo de desenvolvimento, buscando um equilíbrio macroeconômico e evitando os obstáculos criados por corrupção e distorções sociais. Destaca-se aqui que a concepção adotada neste estudo não pretende ser perfeita no que se concerne à conceituação e classificação, mas sim estabelecer uma base reflexiva sobre o que pode significar o desenvolvimento, especialmente, econômico e, adequado ao caso aqui estudado, para um país que possui uma trajetória tão particular, oscilante e conturbada ao longo de sua história. A forma aqui exposta adota um modelo de “soluções abertas” no estudo do desenvolvimento, seguindo autores como Hirschman (1971) e Sen (1988). Estes autores apontam o desenvolvimento como um conceito incompleto de forma permanente no que se refere ao ordenamento dos seus fins, dadas as avaliações divergentes quanto ao que se considera valioso promover. O destaque acima apresentado torna-se relevante, pois a existência das chamadas teses pós-modernas do desenvolvimento, colocam em dúvida alguns pontos supracitados como significantes para o desenvolvimento socioeconômico. O pós-modernismo é, em larga medida, a crítica de uma dada construção da modernidade, de um projeto de modernização sobre o desenvolvimento e os aparatos correspondentes. O desenvolvimento econômico pressupõe objetivos, especialmente, quando se observa as estratégias dos países emergentes, como é o caso da China. Suas estratégias de desenvolvimento constituem processos de modernização que expressam uma forma particular de ver a transformação social associada à hegemonia econômica não necessariamente visando a uniformização cultural115. É inevitável reter a idéia ocidental 115 Segundo essa perspectiva, a manutenção da particularidade cultural é o que dá origem a posicionamentos em nome da defesa da soberania. A soberania não é compreendida, exclusivamente, como um conceito associado à defesa, mas a manutenção das bases mínimas necessárias ao desenvolvimento de uma nação. 144 de progresso em termos de uma concepção cumulativa de tempo e da perspectiva de aperfeiçoar as condições materiais da sociedade em direção a um estado qualitativamente melhor, mesmo que se evite preestabelecer caminhos e metas. Estabelece-se então aqui, para fins explicativos e reflexivos que o desenvolvimento é um processo sustentável de melhoria da qualidade de vida de uma sociedade, com os fins e os meios definidos pela própria sociedade que está buscando ou vivenciando este processo. Diante desta classificação, algumas observações devem ser expostas de maneira sintética, pois não é da ordem principal do texto debater a epistemologia do termo nem seu debate atual, mas são necessárias algumas observações no que concerne a sua utilização prática, especialmente no cenário internacional. A primeira delas diz respeito ao caráter intencional da política focada no desenvolvimento. Alguns agentes envolvidos podem ser dotados de maior clareza dos objetivos e da longa trajetória que envolve tal processo, ao mesmo tempo em que certos agentes são levados pela inércia, sendo mais passivos participantes, porém passivos do processo. A segunda observação refere-se à mensuração da qualidade de vida, pois devido ao seu caráter subjetivo, tal mensuração não deve ser considerada como uma variável de resposta homogênea e uniforme. A variedade da materialização e da diversidade do resultado ressalta a limitação da mensuração e a dificuldade conceitual. Deve ser evidenciada a integração e inter-relação entre economia e política aqui, pois são ambas partes integrantes indissociáveis e constituintes da trajetória do desenvolvimento. Outra ressalva relevante é a profusão de qualificações, tais como subdesenvolvidos, em desenvolvimento, emergentes, desenvolvidos, altamente desenvolvidos entre outras. Na grande maioria das vezes, estes conceitos possuem um grande coeficiente político e retórico em sua constituição o que pode, por vezes, enganar o leitor mais desatento. No cenário internacional estes são conceitos utilizados em demasia e cabe, portanto, ter cuidado. A denominação emergente hoje vem da industrialização que se encontra em processo elevado e disseminado e pela posição desta nação nos grandes debates e na atuação de agendas internacionais. A saída da posição de pobreza pode também ser um instrumento conceitual, mas em cenário internacional a posição política e econômica tendem a sobressair aos demais quesitos. As observações e assertivas feitas nos dois tópicos anteriores são necessárias considerando o intuito de introduzir e explicar o uso de dois conceitos relevantes para o capítulo que segue, a saber: inserção internacional e desenvolvimento econômico. O foco esteve em apresentar o sentido das palavras aqui utilizadas considerando o objetivo 145 analítico que será adotado no decorrer desse capítulo. Nos tópicos seguintes, estarão presentes as discussões sobre a inserção internacional da China e da sua relevância para seu projeto nacional de desenvolvimento e, posteriormente, apresentação da trajetória de alguns dados econômicos, políticos e sociais, que nos possibilita fazer afirmações e compreender a evolução da China nesses últimos trinta anos, considerando a limitação temporal definida para essa pesquisa. 4.3 - Inserção Internacional e Desenvolvimento na China Tem início no final dos anos 1970s a massiva, ativa e não esperada reviravolta econômica chinesa. Nos trinta anos que seguem a morte de Mao Tsé-tung (1976), a ascensão de Deng Xiaoping e implantação das suas reformas estruturais (1978), a economia chinesa ganhou magnitude e, rapidamente, foi transformando-se em direção a uma nova economia. A despeito de autores como Young (2003)116 afirmarem que o crescimento da economia chinesa era prioritariamente extensivo (dado em função do crescimento do volume de mão-de-obra e da maior utilização do espaço disponível no país) observa-se que a China realizou saltos qualitativos importantes, conforme poderá ser observado ao longo desse capítulo. Um exemplo dessa assertiva pode ser encontrado nos indicadores do Banco Mundial que mostram um crescimento da produtividade do trabalho na China – cresceu de 0,5 por ano no período pré-1978 para 3,8 por ano no período 1987-2005. Em termos políticos, Oliveira (2009:01) coloca que “A aproximação com os Estados Unidos teve como pressuposto básico a estratégia de redução da ameaça decorrente das pretensões hegemônicas por parte da União Soviética (URSS). De qualquer forma, a triangulação estratégica (Estados Unidos, URSS e RPC) propiciou não só o aval para este reconhecimento internacional, recuperação do locus anterior no Sistema ONU (em especial o assento no CS/ONU), mas também o apoio para o processo de modernização e reformas econômicas, acompanhadas pelo ensaio de inserção econômica internacional no mundo capitalista.” 116 YOUNG, Alvin. Gold into metals: produtivity growth in the People´s Republic of China during the reform period. Journal of Political Economy, 111 (6), pp. 1220-1261, 2003. 146 O que se observa é que, anteriormente às reformas iniciadas em 1978, a taxa de crescimento da China, mesmo sendo superior à dos EUA e da Índia117, ainda era inferior à observada no Japão, seu isolamento econômico frente ao mercado mundial influenciava no seu resultado comercial, seja na região seja para com o restante dos países do globo. Sua taxa de comércio em proporção do PIB, que se situava próxima aos 10% antes da reforma, subiu para níveis próximos de 63% em 2005118. Seu sistema de governo, além de autoritário, era fechado e concentrava decisões econômicas importantes nas mãos de pessoas com foco demasiado ideológico num projeto socialista. Passados um pouco mais de meio quarto de século, a China apresenta-se com maior grau de abertura econômica, menos centralizada em termos de decisões econômicas, com suas reformas no setor rural iniciadas – ao seu modo –, com um novo modelo de gestão das empresas estatais, com uma economia de mercado aceita pelos governantes e empresários nacionais, elevação da competitividade interna e externa (em ambos os casos os resultados obtidos são relacionados ao modelo pragmático e singular implantado pela China), receptáculo de investimentos estrangeiros diretos e de inúmeras empresas multi-transnacionais e apresentando uma taxa de crescimento contínua acima dos 8% ao ano. Algumas dessas reformas já foram tópicos de discussão nos capítulos anteriores, desse ponto em diante, foca-se nos ganhos econômico-sociais obtidos pela China nessa trajetória, visto que se considera que esses resultados são parte integrante do projeto de desenvolvimento nacional chinês e que, inevitavelmente, distingue a China dos demais casos de nações emergentes. Inicia-se com as Zonas Econômicas Especiais, e, posteriormente, busca-se a compreensão dos fatores que levaram a China a esse patamar de crescimento e desenvolvimento, observando os componentes dessa trajetória única. 4.3.1 - As bases para a abertura na década de 80: as Zonas Econômicas Especiais Como parte do processo de mudança, reforma e (re)estruturação da economia e da política da China, iniciadas em 1978 com Deng Xiaoping, figurava como ponto relevante 117 Dados disponíveis no Banco Mundial e no Fundo Monetário Internacional. Parte da explicação desse dado é devido a tendência à estagnação do crescimento econômico acima de um determinado nível e período de crescimento. A teoria econômica do crescimento econômico, especialmente, de vertente clássica e/ou neoclássica postula que a trajetória da taxa de crescimento de um país, considerando suas bases, segue um rumo de elevado crescimento em sua fase inicial para, mais adiante, estabilizar sua taxa de crescimento em um determinado nível chegando ao estado estacionário – steady-state. 118 Fonte: Banco Mundial, 2008. 147 o estabelecimento das bases para a abertura da China para o mundo119. Porém, sendo a China um país com um vasto território e após anos seguidos convivendo com um sistema planificado de condução econômica, parecia tarefa impossível para o país organizar sua estrutura doméstica rapidamente e preparar-se, simultaneamente, para sua inserção ao mercado internacional. É percebendo a relevância do objetivo de reorganizar-se economicamente e iniciar um contato mais incisivo com o mercado externo que a China, estudando e aprendendo com experiências internacionais, associando o modelo aprendido à vantagem de um bom número de cidades costeiras, implantou as Zonas Econômicas Especiais (ZEE´s)120. Segundo Wu (2005) o estabelecimento das ZEE´s constituía-se em um esforço de criar um clima microeconômico e político para a economia de mercado, para atrair capital estrangeiro, tecnologia, inserir novos modelos de gestão e, sobretudo, criar na China um setor industrial orientado para a promoção de um desenvolvimento via aumento das exportações121. Contudo, deve-se deixar claro que esta estratégia está inserida em um contexto amplo de promoção do desenvolvimento pela industrialização, que teria setores voltados para o fornecimento interno de produtos e para a exportação como forma de atração de divisas para sustentar as compras externas que alimentariam em sentido expansivo a estruturação e funcionamento da atividade produtiva na China. 119 Opening to the world, segundo o original em ingles. As principais ZEE´s da China são constituídas inicialmente pelas cidades de Shenzhen, Zhuhai, Shantou, Xiamen e a região de Hainan. Todas essas cidades estão bem localizadas em regiões costeiras e próximas a grandes rios da China. Os principais setores industriais são indústria eletrônica, mecânica, química e sua produção industrial é orientada, principalmente, para a exportação. As empresas instaladas nestas regiões são normalmente empresas de capital misto, tendo participação do capital estrangeiro e do governo chinês. Ver quadro 1. 121 Vale observar que atingir o mercado externo é parte das reformas implementadas e constitui estratégia fundamental para que a China utilize de maneira eficiente a economia de mercado, ou seja, faça uso do que lhe é válido do capitalismo, a sua maneira, conforme discutido no capítulo 3 dessa tese. 120 148 Quadro 4.1 Ordem cronológica da implantação das ZEE´s na década de 1980 Período Política Maio de 1980 Deng Xiaoping decide (e obtém a aprovação) para a implementação de políticas econômicas especiais voltadas à abertura e flexibilização da legislação para o processo de abertura. As primeiras províncias afetadas por esta decisão são Guangdong e Fujian. Agosto de 1980 São estabelecidas as ZEE´s em Shenzhen, Zhuhau, Shantou e Xiaman. Estas seriam áreas experimentais e, segundo declarações do governo chinês, deveriam ter seu foco voltado para a exportação. O objetivo era a criação de regiões ou áreas econômicas destinadas à produção de mercadorias para a exportação, tendo como guia as demandas conjunturais do mercado mundial. Neste período já eram utilizadas políticas tarifárias com a finalidade de auxiliar na consolidação destes complexos exportadores. Maio de 1984 Por decisão central, outras 14 cidades costeiras passariam a adotar e ser beneficiadas pelo sistema de ZEE´s: Dalian, Qinhuangdao, Tianjin, Yantai, Qingdao, Lianyungang, Nantong, Shanghai, Ningbo, Wenzhou, Fuzhou, Guangzou, Zhanjiang e Beihai. Neste período, empresas estrangeiras e investidores estrangeiros já recebiam tratamento especial para sua entrada como produtores. Fevereiro de 1985 As regiões do delta dos rios Yangtze, do Pearl e do Triângulo XianmenZhangzhou-Quanzhou; e as penínsulas de Jiaodong e de Liaodong passam a ser regiões econômicas abertas. Abril de 1988 É estabelecida a ZEE na região de Hainan. Fonte: Wu (2005). Elaboração própria. Considerando a ordem cronológica exposta no quadro 1, pode-se inferir que a condição geográfica chinesa constituiu-se em fator relevante para a escolha das cidades privilegiadas pela fase inicial das ZEE´s, portanto, também relevante para o processo de abertura. Pois além de uma larga região costeira, a existência de grandes rios com cidades próximas auxiliou bastante no movimento de escoamento da produção que ora se 149 destinava à exportação. Observa-se também um sério esforço do governo chinês para fomentar e, posteriormente, tornar-se um pólo de referência produtiva e exportadora da região asiática. Os ganhos dessa construção serão observados com maior facilidade nas décadas posteriores quando a China, apesar de não ser este o discurso do Estado chinês, passar a funcionar como motor econômico do crescimento da região. Ainda, dá-se nesse período o início das operações de joint-ventures conduzidas de uma forma diferenciada. O governo chinês faz parte dos interessados na negociação, como agentes econômicos e não apenas como instituição reguladora das uniões empresariais. Outra importante contribuição da implantação e funcionamento das ZEE´s é a atração de capital estrangeiro, criando um efeito multiplicador para além das regiões especiais, mas, sobretudo, exercendo uma influência positiva nas demais regiões do país, inclusive aquelas nas quais suas atividades econômicas ainda permaneciam majoritariamente agrárias. Segundo Wu (2005), “these regions played a key role in connecting inland China with the international market. Enjoying their unique position as gateways to outside world, these coastal open regions could fully play the role of connecting the inside of China to the outside world, and vice versa. By absorbing foreign capital, technology, and management, and developing export trade, these regions could gradually develop and strengthen themselves; then, they could gradually transfer foreign capital, technology, and management skills to inland regions so as to promote development there, as well. In addition, the SEZs (ZEE´s) and coastal open regions also daringly explored new economic system and operating mechanism, thus accumulating experience, setting up models, and providing references for economic system reform in the whole nation; they became the testing ground for reform (WU, 2005: 297)”. O que deve ser observado em todo este processo de abertura, reforma e inserção internacional, especialmente em sua fase inicial, aqui determinada como a década de 80, é que o resultado positivo é soma de diversos fatores que impulsionaram a China para que essa obtivesse um crescimento econômico em níveis elevados e que tal crescimento proporcionasse uma evolução em seus indicadores de desenvolvimento122. Destacam-se aqui cinco fatores que colaboraram para o resultado positivo da década de 80, a saber: (1) a condução pragmática das reformas econômicas, (2) a adoção 122 Chow (2007). A descrição destas reformas encontra-se no capítulo 3 dessa tese. 150 do modelo de experimentação e de adequação ao longo do processo de implantação; (3) em grande parte do período houve um mútuo apoio entre governo, partido e população para a implementação das reformas; (4) a estabilidade política, conforme tratado no terceiro capítulo desta tese e, (5) a capacidade de (re)estruturação da mentalidade política econômica dos líderes chineses, políticos, empresários, tendo como exemplo especial Deng Xiaoping, mas também as gerações de líderes chinesas posteriores, conforme pode ser visualizado no capítulo 3. 4.3.2 - Expansão da abertura na década de 90: aspectos políticos e sua influência na estratégica chinesa de abertura para o exterior Desde o final dos anos 70, a proposta do governo chinês era expandir o processo de abertura econômica. Essa intenção tornou-se mais vívida e notória nos anos 90. Sua diplomacia encontra-se focada nos princípios de independência, autonomia, e na manutenção da paz, com um foco determinado e ativo nos Cinco Princípios de Coexistência Pacífica. Todo planejamento chinês esteve sustentado em seu projeto nacional de desenvolvimento. Dentre seus objetivos figurava o estabelecimento de um ambiente interno mais estável, somado a um cenário internacional mais amigável que contribuísse para a realização das Quatro Modernizações123. Após um período de distanciamento, a China e os EUA estabeleceram no início de 1979 as suas relações diplomáticas. Deng Xiaoping teve um importante papel nessa aproximação e na redução do isolacionismo chinês. Nos 10 anos posteriores, segundo Duqing (1990), houve um aumento considerável das relações sino-americanas, com visitas diplomáticas dos principais dirigentes dos dois países e com um incremento nas relações econômicas entre ambos. Segundo Duqing (1990: 04), “A cooperação econômica entre os dois países tem aumentado consideravelmente, até o ano de 1989, o investimento direto americano na China passou a ordem dos US$ 3 bilhões. O intercâmbio no campo científico-tecnológico tem-se efetuado em base de benefício próprio. Na área cultural e educacional, a China mandou quase 40 mil estudantes para estudar naquele país. Há também intercâmbio nos setores militares. Os dois 123 Núcleo da estratégia de desenvolvimento que buscava transformar a China em uma nação relativamente avançada até o fim do século XX, as Quatro Modernizações dizem respeito à agricultura, indústria, ciência & tecnologia, e defesa nacional. O conceito elaborado no terceiro plano qüinqüenal (1966-1970) foi lançado com entusiasmo por Zhou Enlai no IV Congresso Nacional do Povo em 1975, mas foi apenas em dezembro de 1978 no 3º Plenário do Comitê Central do XI Congresso Nacional do Partido que a estratégia das Quatro Modernizações foi adotada como a linha oficial do Partido Comunista Chinês. 151 países têm dezenas de províncias (Estados) ou cidades que estabeleceram relacionamento de irmandade.” Complementando o acima exposto, Zhao (1997: 125) faz a seguinte observação: “A discussion about China regional-oriented foreign policy and the nationalism behind that policy would be incomplete without mentioning the United States, because of this superpower´s immense impact on the area. … The most recent major downturn in Sino-American relation took place after the Tiananmen incident of 1989, when the two sides regarded each other as the major ideological threat. This downturn has serious implications for all three major fields of bilateral relations: political, economic, and strategic.” O que se pode perceber da afirmação de Zhao (1997) é que a aproximação entre os países caminhava com relativa estabilidade até o incidente da Praça Celestial. Outra conclusão que se pode retirar da citação acima é que essa relação, mantida estável, trazia benefícios para a China no cenário internacional. Tanto que no início da década de 90, a China volta à sua proposta de manutenção das relações com os EUA, ficando marcado pela recepção em 1991 do então Secretario de Estado norte-americano James Baker. A percepção, em termos estratégicos, dos políticos chineses foi que tal visita obteve sucesso nos seus propósitos, reduzindo alguns dos grandes desacordos existentes entre as nações. Contudo, não se pode deixar de ressaltar que o desacordo no que concerne à questão de Taiwan permanecia. Segundo Deng Xiaoping em um discurso proferido em 1994124 apontou que o principal obstáculo para as relações entre EUA e China residia na questão de Taiwan125. No que se refere à questões econômicas, algumas questões que envolviam a quebra de certas propriedades intelectuais fizeram parte da agenda na década de 90. Contudo, ainda segundo Zhao (1997), a entrada da China na OMC reduziu os problemas entre os países “forçando” a China a se adequar a alguns critérios econômicos de ordem internacional. A conclusão retirada dessa relação entre China e EUA é que tanto um lado quanto o outro começaram, ao longo da década de 90, a reconhecer a importância da estabilidade em suas relações em âmbito internacional. A meu ver, na década de 90, a abertura econômica e a interdependência dos mercados, trazem uma maior consideração 124 The Priciples of Peaceful Coexistence Have a Potentially Wide Applications. Essa questão torna-se mais séria, ou talvez encontre seu ponto mais crítico em 1996, quando Washington envia para a região seu dois maiores porta-aviões – o Independence e o Nimitz. Pequin reagiu a essa atitude dura de Washington de maneira mais incisiva ainda, trazendo suas peças de guerra para mais próximo de Taiwan. 125 152 nas atitudes externas de ambos os países. A economia passa a ser o fiel da balança, com o nível de interdependências entre as nações aumentando continuamente a favor da manutenção da estabilidade nas suas relações políticas. Na esteira desse movimento, a China estreitou suas relações diplomáticas com diversos países do terceiro mundo e usou a luta contra o comportamento hegemônico como bandeira nas relações internacionais126. Já no que concerne às suas relações com a URRS, observa Duqing (1990), havia no cenário entre as duas nações, uma proposta de “continuação e aprofundamento do processo de terminar com o passado e abrir o futuro das relações sino-soviéticas”. Na verdade, tratava-se de uma postura no sentido de aumentar suas relações com a URRS dentro dos princípios de coexistência pacífica. Já no final da década de 80 havia a percepção de que as economias chinesas e soviéticas apresentavam um coeficiente de complentaridade, bastava agora estabelecer politicamente uma diplomacia cooperativa para que os países estreitassem suas relações. Na década de 90 fica mais perceptível um esforço de cooperação em algumas áreas, tais como: energia, transporte, agricultura, silvicultura e produção de bens de consumo, entre outras. Zhao (1997) observa que na década de 90 houve por parte da China uma alteração na sua percepção no que diz respeito ao reconhecimento da relevância soviética na cena internacional. O autor ressalta que o colapso do império soviético e da ideologia comunista afetaram profundamente tanto a política interna quanto externa chinesa. Uma das consequências da redução do ‘poder’ soviético no cenário internacional na década de 90 foi fazer com que a China preocupa-se com sua maneira específica de manter a ideologia socialista. Outra consequência citada por Zhao (1997) refere-se à questão militar, com o fechamento de acordos de cooperação entre os países em nível mais igualitário entre as nações. Economicamente, o estranho é observar a declaração de autoridades russas afirmando que estes estudavam a economia chinesa para identificar complementaridades e para analisar as possibilidades abertas para ambos os países em termos econômicos e comerciais127. 126 A China trata como objetivo básico da sua política exterior, segundo Duqing (1990), combater o hegemonismo, defender a paz mundial, desenvolver a cooperação amistosa com todos os países e promover a prosperidade econômica conjunta. 127 No futuro próximo, já nos anos 2000, a Rússia irá declarar a importância comercial da China para a Rússia, seja na complementaridade comercial seja no estabelecimento de parcerias nos setores tecnológicos (conhecimento e tecnologia nuclear), militares e na troca de oferta de produtos básicos (essencialmente alimentos). 153 Houve, no mesmo período, o reconhecimento pelos dirigentes de ambos os países que seus modelos eram distintos, o que facilitava a negociação entre esses, a partir do momento que ambos acordaram que visavam aperfeiçoar o sistema socialista, cada qual a sua maneira e de acordo com suas capacidades internas. Ainda pode-se observar que tal discurso tinha como intuito apoiar e, simultaneamente, sugerir um debate a respeito de uma nova ordem econômica mundial, aproximando a China dos demais países do terceiro mundo, numa tentativa até certo ponto bem sucedida de estreitar os laços diplomáticos e unificar um discurso de inserção e inclusão desses países numa agenda internacional mais ampla. Sabe-se que durante esse período o cenário dos países do terceiro mundo vinha passando por complicações políticas e, sobretudo, econômicas. Mas era fundamental tanto para a China um fornecimento de produtos primários quanto para os países endividados do terceiro mundo ter sua receita de exportação elevada pelas vendas a um país como a China128. Internamente, não se pode deixar de mencionar que é exatamente a partir de 1992 que Deng Xiaoping obteve o apoio oficial do PCC e o apoio dos governadores das províncias costeiras. Apoio esse que foi essencial para a grande viagem de Deng Xiaoping pelas províncias costeiras do país. “Deng Xiaoping, in his South China tour in 1992, made an important speech, pointing out that Shanghai had significant advantages in terms of human resources, technology, and management. Besides, Shanghai could generate influence in the Yangtze River Valley, which was the largest highly industrialized region in China. On both banks of the Yangtze River were comprehensive industrial bases with a high degree of specialization in Shanghai, Nanjing, Wuhan, and Chongqing, among others. (WU, 2005: 298)” Como já foi ressaltado anteriormente, na promoção da política estratégica de abertura econômica e maior integração à economia política internacional chinesa, Deng Xiaoping adotou, de 1982 a 1989, independência e paz como guias da política externa chinesa. Esse comportamento se enquadra na estratégia de Duli Zhizhu De Heping Waijiao - independência e diplomacia pacífica. Tendo em vista que em 1989 a China 128 Os anos que seguem à década de 90, segundo Becard (2009), o discurso chinês na política externa priorizava o discurso em prol dos países subdesenvolvidos e em desenvolvimento. Tal discurso tornou-se a principal ferramenta para que esses países desfavorecidos economicamente aceitassem a política chinesa como aliada e contrária às regras e leis impostas pelos países desenvolvidos e órgãos internacionais que compunham o mainstream economic. O discurso favorável à cooperação entre esses países, a despeito de estar paralelo à proposta de agenda multilateral, reforçava a cooperação sul-sul 154 teve que lidar com as críticas mundiais e as sanções econômicas decorrentes da condução do governo chinês às consequências e repercussões do protesto da Praça de Tiananmen, associado com a sucumbência da URSS e o fim do comunismo na Europa, a política estratégica chinesa passou por alguns ajustes. De 1989 a 1995, o comportamento externo chinês passa a ser guiado pela estratégia do Taoguang Yanghui – adoção de um low profile –, na qual a China perseguia um menor grau de exposição pública para não perturbar o andamento da política de modernização chinesa. É uma forma de proteção do seu projeto nacional de desenvolvimento, postergando, temporariamente, sua estratégia mais ‘agressiva’ de inserção internacional. Tudo isso, vislumbrando seu projeto, tendo como pano de fundo a percepção de que a utilização da economia de mercado era primordial para o sucesso da sua estratégia de desenvolvimento econômico. Assim, o objetivo dessa estratégia era evitar confrontos e buscar cooperação com aqueles países de característica semelhante no que diz respeito à posição política e econômica internacional129. A cooperação e parceria com outras potências mundiais foram estimuladas após 1995, pela estratégia do Shijie Duojihua – multipolarização mundial. A China acreditava que com a promoção da multipolarização, as outras potências mundiais poderiam enxergá-la como um possível parceiro e, dessa forma, seria incentivada e promovida a cooperação entre esses países. Essa estratégia estava calcada em três pilares: não formação de alianças bilaterais envolvendo as grandes potências; a não-confrontação política; e uma postura de não enfrentamento e acirramento do debate com atores envolvidos nas agendas de high politics. (FRANKLIN, 1998). Dessa forma, a multipolarização mundial favorecia o estabelecimento de um melhor ambiente para a condução da política de modernização da China. Dentro da política estratégica de abertura econômica e maior integração à economia política internacional, a China procurou não incorrer novamente nos erros do passado, como a aliança com a URSS; a oposição aos EUA; e a confrontação nas duas frentes que a levou ao isolamento. Entrelaçando essa rede [os três pilares], a China conseguiu alcançar uma posição favorável entre as grandes potências no contexto da busca pela primazia no século XXI (Zemin Jiang apud Franklin, 1998:15). As relações entre os EUA e a URSS influenciaram os rumos de desenvolvimento da economia chinesa. Para se entender os resultados alcançados pela China é preciso 129 Franklin, 1998, p. 14. Países da América Latina, África e países fronteiriços na região da Ásia-Pacífico. 155 olhar para dois momentos distintos da política internacional – a ordem bipolar caracterizado pela Guerra Fria e o pós-Guerra Fria com a extinção da URSS –, pois a política estratégica internacional chinesa com relação aos EUA foi fundamental para o sucesso chinês na promoção do crescimento econômico. Em 1971, a China entrou na Organização das Nações Unidas e, em 1972, as relações sino-japonesas foram restabelecidas. A relação com o Japão permanece na intenção de manter uma relação diplomática pacífica conforme a Declaração Conjunta e do Tratado de Paz e Amizade, contudo, sabe-se que tal relação ainda precisa ser bastante trabalhada pelos dois lados, dado a existência de conflitos de interesses entre os países. Além da suspensão dos embargos econômicos – resultado da reativação das relações com os EUA –, a China abandonou as taxas fixas de cambio, promovendo uma desvalorização significativa do Yuan frente ao dólar; descentralizou as decisões de comércio exterior para empresas e autoridades provinciais; e removeu gradualmente as barreiras nos preços, deixando o comércio mais suscetível às forças de mercados; bem como criou as zonas especiais para a promoção do comércio internacional130. Como resultado, a década de 1970 mostrou-se um ponto de inflexão na inserção chinesa na economia política internacional. Conforme mostra Maddison (1998), o volume de exportação chinesa dobrou de 1970 a 1978 sendo que tais exportações passaram a ter uma participação cada vez maior no produto interno bruto chinês. Não mais isolada, a China buscou nos investimentos externos diretos uma fonte de transferência de tecnologia e nos empréstimos de médio e longo prazo uma complementação à poupança doméstica131. Apesar da aparente ênfase econômica, a década de 70, marcada pelo pragmatismo chinês e pelas mudanças na política externa – reconhecimento pela comunidade internacional ocidental, retorno ao seu espaço na ONU e no Conselho de Segurança da ONU, definição da Teoria dos 3 Mundos -, pode afirmar que o período supracitado é também ponto de inflexão na dimensão política. Gonçalves (2010) observa que o incidente de Tiananmen em 1989, além de causar a queda de Zhao e sua substituição por Li Peng, acabou por impulsionar o lançamento de dois planos econômicos, ambos com um escopo temporal de cinco anos, cujos objetivos fundamentais eram: 130 131 Maddison, 1998 Idem. 156 “(1) the overall policies, objectives and diretion of economic development; (2) the creation of measures to correct the actions of Market, i.e. a regulatory framework to prevent the formation of monopolies and barriers to trade while simultaneously promoting wealth distribution and job creation; (3) the fixing of objectives for the construction of infrastructure and for public sector investment (GOLÇALVES, 2010: 18).” Ainda, segundo Golçalves (2010), constavam como reformas prioritárias na década de 90: (i) no que se refere às empresas públicas, melhoria do sistema de responsabilidade contratual, a separação das taxas sobre os lucros dos ganhos totais e, a gradual transformação das empresas estatais em empresas organizadas da foram de jointstocks; (ii) no que tange à propriedade das empresas, observa-se a separação da propriedade e a função de gestor da empresa, profissionalizando e elevando a independência na gestão/decisão das empresas, descentralização tal gestão em níveis regionais e setoriais; (iii) sistema de controle de preços que ajustava os preços ao nível do mercado, mesmo sob um certo controle por parte do ordem administrativa do Estado; (iv) a gestão macroeconômica deveria focar-se na regulação e institucionalização das atividades econômicas de forma a facilitar a manipulação das variáveis macro; (v) no campo da seguridade social, substituiu-se o sistema de equalização de salários e de aposentaria vigente por uma sistema baseado de co-responsabilidade no pagamento das aposentadorias entre Estado e empresas (empregadores) e (vi) redução dos subsídios à exportações (formais)132 e, simultaneamente, promove-se a cooperação horizontal entre empresas, Estado e empresas estrangeiras. Para expor uma contribuição de origem diversa, Demurger et al (2002: 17), observam que, “The acceleration in the opening-up process in 1992 led to an inflated number of so-called open economic zones, set by local officials without proper authorization. Besides the official policy launched by the State Council, the 30 provinces, as well as hundreds of counties and townships, started to formulate their own preferential policies for foreign investments in specific “development zones”. As a consequence of this “zone fever” there were around 2.000 open economic zones of various kinds at and above the county level by 1993 (and probably even more below the county level), offering tax exemptions and reductions of all sorts in order to attract investment. Following the implementation of the austerity program in 1993, most of these 132 Permanece a política cambial que mantem a taxa de câmbio desvalorizada. 157 unapproved zones have been closed, and regional policies have tended to equalize over (at least up to 2000)”. O que os autores estão ressaltando e é comprovado pela avaliação empírica econômica, é que o investimento direto estrangeiro teve um impacto direto no crescimento da economia chinesa. Ao ser associado à entrada de capital (carteira), ambos acabam provendo a economia doméstica com um surto competitivo. De um lado, as empresas internas, de propriedade do Estado, mistas ou privadas, de outro as empresas de capital estrangeiras elevando sua produtividade, demonstrando o efeito da concorrência. Outro ponto importante é que a elevação da produtividade reduz a importância do componente extensivo no fluxo de crescimento da economia. Em uma conclusão parcial de tudo o que foi acima descrito, pode-se observar uma ordem temporal na política de abertura chinesa, tendo início em 1978, cujas questões prioritárias residiam na concepção de uma abertura, a aceitação de determinadas práticas capitalistas e o primeiro ensaio do processo de abertura econômica chinesa. A partir de 1992, as decisões internas, conjugadas a um cenário internacional favorável, a adoção de políticas em prol da elevação dos coeficientes de abertura, a ampliação das modernizações desenhadas na década de 80 e a derrocada da URSS, observa-se um salto quantitativo e qualitativo da abertura chinesa. Mais adiante, com a ascensão da China à OMC, fecha-se um ciclo que culmina na aceitação da China pelos demais membros econômicos internacionais, representando o ciclo negativo composto por pressão externaconstrangimento-dependência-negociações condicionadas e desfavoráveis por parte dos principais países do eixo desenvolvido, sobretudo os Estados Unidos. De fato, o atual desempenho de sucesso da china na economia internacional, com elevadas taxas de crescimento econômico devido a sua inserção internacional (ver Tabela 4.1 e Tabela 4.2), pode ser melhor compreendido se, como sugere Medeiros (1999), o processo chinês de industrialização colocado em curso a partir de 1978 por Deng Xiaoping for dividido em duas etapas: a primeira etapa correspondendo à reaproximação das relações entre China e Estados Unidos nos anos 70 e se estendendo até 1991; a segunda datando da extinção do Bloco Socialista Soviético até os dias atuais133. 133 Observa-se aqui que a exposição dos dados referentes ao século XXI são meramente para fins comparativos com os dados da década de 90 que serão exposto logo em seqüência. 158 TABELA 4.1 - TAXA DE CRESCIMENTO DO PIB CHINÊS (TOTAL E SETORIAL) - em % ANO 2000 2001 2002 2003 2004 2005 PIB 0.8 7.5 8.3 9.5 9.5 9.9 AGRICULTUT(R)A 2.4 2.8 2.9 2.5 6.3 5.2 INDÚSTRIA 9.2 8.5 9.8 12.7 11.0 11.0 SERVIÇOS 9.1 8.4 8.5 7.9 8.5 10.4 Fonte: Asian Development Bank, 2008. TABELA 4.2 - INDICADORES DE COMÉRCIO EXTERIOR – em % do PIB TOTAL DE ANO COMÉRCIO 2000 43.9 2004 69.8 2005 63.9 Fonte: Asian Development Bank, 2008. BALANÇA COMERCIAL 2.2 1.9 4.6 TRANSAÇÕES CORRENTES 1.9 4.2 7.2 Conforme Medeiros (1999), na primeira etapa, os EUA facilitaram e incentivaram as exportações chinesas e a China aproveitou a oportunidade tendo em vista que os americanos atendiam seus interesses de contenção da antiga URSS, de extensão de soberania sobre seu território e de modernização da economia doméstica. Nesta etapa, considerações estratégicas levaram os EUA a darem importância secundária às características políticas e institucionais da China. O posicionamento geopolítico no confronto entre as superpotências, EUA e URSS, foi decisivo para arrancada das exportações chinesas. O restabelecimento de relações diplomáticas, nos anos 70, pôs fim ao embargo econômico e a China teve acesso ao mercado internacional de bens e de crédito. Os EUA logo se afirmaram como importante parceiro comercial da China e concederam-na, em 1979, o tratamento de Nação Mais Favorecida134. Em 1980, a China também integrou o Fundo Monetário Internacional e o Banco Mundial, e em 1986, passou a ser membro do Banco Asiático de Desenvolvimento. Dada a expansão das exportações e o acesso a credito em condições favoráveis, a China conseguiu implementar um programa de importação de máquinas e equipamentos, necessários para a modernização da indústria pesada, sem prejudicar o crescimento da indústria leve e da agricultura. Nos anos 80, a China, assim como os 134 Tratamento esse que não se constitui definitivo e necessita de renovação anual para sua manutenção. 159 demais países asiáticos, se beneficiou do crescimento japonês que desvalorizou o câmbio das economias regionais. O capital produtivo japonês se deslocou para as economias regionais acelerando o investimento direto e comercial nesses países. O extraordinário crescimento econômico da China nos anos 80 se deve aos canais de comercialização que mantinha com Hong Kong e Formosa. Os fluxos de investimentos nesses países eram voltados para os setores intensivos em mão-de-obra, em especial para têxteis e calçados; exatamente os setores em que a China desfrutava as maiores quotas de exportação nos países da OCDE135. Assim, o crescimento das exportações chinesas se deve à reexportação por meio de Hong Kong. No final da década de 80 e início dos anos 90, os investimentos diretos mudaram seus destinos para o continente. O crescimento do mercado interno e as condições especiais das Zonas Econômicas Especiais atraíram empresas americanas, japonesas e européias para a China. Com o fim da Guerra Fria inicia-se a segunda etapa e os EUA começam a ver o sucesso chinês como uma ameaça. Sendo assim, os americanos passam a buscar a contenção econômica e política da China. Considerações sobre direitos humanos, regime de partido único, ideologia comunista, etc., passaram a fazer parte da retórica norteamericana no intuito de convencer os demais países ocidentais a apoiarem as políticas defendidas pelos EUA, que dificultavam uma maior integração da China à arena internacional. Na década de 90, questões relativas a Direitos Humanos, partido único e valores asiáticos, entre outros, passaram a compor a retórica americana de críticas à economia asiática, mas não exclusivas à China. Tudo indica que o objetivo dos EUA era desestruturar a economia japonesa e, por isto, algumas hipóteses de que EUA utilizou também a China como instrumento para atingir o Japão, como fizera antes com a URSS. Com o fim da ameaça ao capitalismo, os EUA mudaram as atitudes de favorecimento à China. Logo, a China já havia conseguido alcançar uma estrutura econômica respeitável – grande receptor de investimento estrangeiro direto, participação significativa no comércio internacional, e detentora de enorme reserva internacional (ver Tabela 4.3). Assim, o dinamismo chinês em atrair capitais estrangeiros tem conseguido contrabalançar as políticas comerciais e diplomáticas norte-americanas prejudiciais à China136. Conforme mostra Maddison (1998), desde 1991 a China vem recebendo fluxos intensos de investimentos externos diretos e, após entrar para o Banco Mundial e para o Banco Asiático de Desenvolvimento, o país se tornou um dos maiores tomadores 135 136 Medeiros, 1999. Ver Medeiros, 1999. 160 mundiais de empréstimos. No entanto, a dívida chinesa não representa fonte de muita preocupação, pois a China possui uma ampla reserva internacional e o perfil de sua dívida é de médio e longo prazo. Quanto ao comércio exterior, as exportações chinesas, assim como seus parceiros comerciais, sofreram significativa diversificação (ver Tabela 4.4 e Tabela 4.5). TABELA 4.3 - INDICADORES DOS FLUXOS DE MERCADORIAS E CAPITAIS CHINESES ANO IED¹ Em US$ milhões RESERVAS INTERNACIONAIS Em US$ milhões EXPORTAÇÕES Variação anual – em % IMPORTAÇÕES Variação anual – em % BALANÇA COMERCIAL Variação anual – em % 1994 30876.9 -- -- -- -- 1995 32658.8 947935 23.0 14.2 209.6 1996 35872.3 946253 -- -- -- 1997 39661.8 982041 -- -- -- 1998 38608.8 925364 -- -- -- 1999 47633.6 953363 -- -- -- 2000 43536.5 972252 -- -- -- 2001 56452.6 994150 6.8 8.2 -6.5 2002 37939.8 1117214 22.4 21.2 34.9 2003 56640.0 1371584 34.6 39.8 -15.3 2004 42686.6 1739537 35.4 36.0 26.0 2005 -- 1935911 28.4 17.5 217.9 Fonte: Asian Development Bank. ¹ Fluxo Líquido de Investimento Externo Direto TABELA 4.4 - DIREÇÃO DO COMÉRCIO EXTERIOR CHINÊS – em % do total PAÍS/ANO ASIA EUROPA AMÉRICA DO NORTE E CENTRAL ORIENTE MÉDIO AMÉRICA DO SUL ÁFRICA OCEANIA RESTO DO MUNDO Fonte: Asian Development Bank. EXPORTAÇÕES DE BENS 1990 2005 67,7 42,9 14,7 21,7 IMPORTAÇÕES DE BENS 1990 2005 48,4 42,5 24,1 14,6 10,0 24,5 15,8 9,1 2,3 0,4 1,9 0,9 2,1 3,2 1,5 2,1 1,7 2,3 0,9 2,0 0,5 2,8 5,5 4,9 3,4 3,0 2,7 19,7 A China vem apresentando um superávit estrutural na Balança Comercial em suas relações com o exterior, esse saldo verifica-se, especialmente, em suas trocas com 161 Hong Kong e com os EUA; embora em suas relações com o Japão e Europa ocidental o saldo se revele negativo (ver Tabela 4.5).137 TABELA 4.5 - COMÉRCIO EXTERIOR COM OS PRINCIPAIS PARCEIROS ESTADOS UNIDOS HONG KONG JAPÃO CORÉIA DO SUL ALEMANHA 1990 1995 2005 5.314 24.744 163.348 27.163 36.004 124.505 9.210 28.466 84.097 433 6.688 35.117 2.062 5.672 32.537 1990 1995 2005 8.47 16.61 21.43 43.28 24.17 16.33 14.67 19.11 11.03 0.69 4.49 4.61 3.29 3.81 4.27 1990 1995 2005 6.591 16.123 48.995 14.565 8.599 12.232 7.656 29.007 100.468 236 10.288 76.874 2.980 8.035 30.668 1990 1995 2005 12.25 12.20 7.42 27.07 6.51 1.85 14.23 21.95 15.22 0.44 7.78 11.64 5.54 6.08 4.65 12.598 27.405 112.273 1.554 -541 -16.371 197 -3.600 -41.757 -918 -2.363 1.869 EXPORTAÇÕES Em US$ milhões Em % do total IMPORTAÇÕES Em US$ milhões Em % do total SALDO COMERCIAL Em US$ milhões 1990 -1.277 1995 8.621 2005 11.4353 Fonte: Asian Development Bank. Maddison (1998) ressalta que a China tem mostrado uma resistência cultural em importar grãos e cereais dos norte americanos. A lembrança dos anos de embargo econômico faz com que a China recorra à Austrália e Canadá sempre que há a necessidade de importação de grãos e cereais. Assim, a atitude chinesa reforça a tendência desfavorável na balança comercial americana em suas relações com a China e incentiva as críticas dos norte-americanos às praticas comerciais chinesas, nessa segunda fase. No entanto, embora os EUA tenham sido os mais ávidos críticos da entrada da 137 Maddison, 1998. 162 China na Organização Mundial do Comércio (OMC), a China, indiretamente, passa a integrar a instituição em 1997138 com a retomada negociada do controle sobre Hong Kong, sob domínio britânico por mais de 150 anos139. Fica a título de ressalva final que foi de grande valia para a China concluir as negociações bilaterais para reaver Hong Kong. Tais negociações foram marcadas por uma série de concessões feitas pela China para que pudesse contar com o apoio dos interessados no contencioso. 4.4 – A inserção chinesa pós-2000 e a influência no desenvolvimento econômico chinês O processo de inserção internacional da China, a partir do ano 2000, e seu consequente desenvolvimento sócio-econômico guardam íntima relação com as reformas iniciadas em 1978. Todavia, vale ressaltar que ao final dos anos 90, a China apresenta um salto quantitativo e qualitativo na sua evolução econômica e social. Segundo Brandt e Rawski (2008: 09) “Chinese evidence encourages us to think of a hierarchy of desirable features that support growth … These growthenhancing conditions are not equally important. In China, partial measures affecting incentives, prices, mobility, and competition – what we might term ‘big reforms’ – created powerful momentum, which easily dominated friction and drag arising from a host of smaller inefficiencies associated with price distortions, imperfect markets institutional shortcomings, and others that retarded growth and increased its cost but never threatened to stall the ongoing boom.” O que foi observado até então nesse trabalho é que, além da abertura, tem importância nessa trajetória a reforma do setor rural, marcando a substituição do sistema comunal140 para um sistema de responsabilidade familiar. Essa modificação, inicialmente considerada como simples, teve conseqüências relevantes, tal como a elevação da produtividade dessas pequenas e locais empresas bem como o início do o processo de adoção do livre mercado pelos demais empresários nacionais. É certo que tal ação atingiria o setor empresarial (industrial). Logo o modelo existente para as state-owned 138 Deve-se ressaltar que comércio internacional com Hong Kong não significa relações comerciais com a República Popular da China. 139 A adesão da China na OMC ocorre, de fato, em 2001. Todavia, como Hong Kong já era membro da OMC, a partir de 1997 a China passa a integrar a instituição quando retoma o controle da ilha. 140 Colleticve farming 163 enterprises não mais atendia o interesse tanto da China como do mercado interno e externo. Essas, até então ‘fechadas’, passam a requisitar uma maior disponibilidade de equipamentos e matérias-primas para que seu setor produtivo não se posicionasse em nível distante do restante da produção (em níveis de inovação, tecnologia, uso de insumos) mundial. Portanto, o modelo de preços chinês não mais cabia para esse nível de economia de mercado. Influenciada por tal mudança, o isolacionismo chinês não mais fazia sentido nem considerando seu projeto de desenvolvimento nacional e muito menos frente ao cenário globalizado encontrado, principalmente, após a década de 90. As Zonas Econômicas Especiais (ZEE´s) têm um papel importante nessa trajetória: são as ZEE´s que incentivam a China (empresários e Estado) a mover-se em direção do livre mercado e à internacionalização comercial. As ZEE´s, associadas com o aumento da produtividade, aumento extensivo do uso dos fatores produtivos, impuseram à China uma escolha diretamente derivada do processo de abertura, a saber: a China precisava de informações, mais insumos produtivos, de geração de conhecimento, de tecnologia, da elevação do acesso aos bens e serviços por parte de sua população, de investimentos em educação, P&D e de novas técnicas produtivas. O cenário era favorável, contudo, a China deveria estar preparada para tirar proveito desse cenário. Brandt e Rawski (2008) afirmam que o fator concorrência teve importância crucial nessa trajetória. “the combination of entry and new flexibility has intensified competition within China´s economy. Competition is in many ways the opposite of planning, which attempts to reduce economic uncertainty by pairing suppliers with customers and specifying the nature of future transactions. Under competition, such links arise as unpredictable results of decentralized selection. … reform has pushed China´s economy toward extraordinarily high levels of competition. Despite pockets of monopoly and episodic local trade barriers, intense competition now pervades everyday economic life. [and] the growth of markets and the expansion of competition, mobility, and price flexibility invite participants to pursue financial gain by capitalizing on market opportunities (BRANDT e RAWSKI, 2008: 14)”. Dentre as diversas modificações estruturais e de cenário ocorridas nos anos 2000s, pode-se destacar a entrada da China na Organização Mundial do Comércio – OMC, ponto que será analisado adiante. Posteriormente, cabe verificar a evolução dos indicadores qualitativos da evolução da China em cenário internacional e de seus dados internos. 164 4.4.1 - A entrada da China na Organização Mundial do Comércio e suas conseqüências no movimento de inserção internacional e no seu projeto de desenvolvimento A República Popular da China foi admitida na OMC – criada em 1994/5 (como sucessora do GATT) – em dezembro de 2001. Além de fortalecer e consolidar a dimensão global da OMC, a entrada da China, segundo os analistas conjunturais do período, gerou mudanças estruturais em sua economia e modificações profundas no comércio mundial, em meio ao processo de globalização em curso. Anteriormente à sua entrada na OMC, durantes os anos 80 e 90, pode-se observar que a China havia iniciado seus esforços para incrementar seu fluxo de comércio. Entretanto, tais esforços permaneciam circundados de imperfeições e distorções que afetavam todo o fluxo comercial chinês. A despeito da abertura econômica iniciada em 1978, a China ainda fazia uso intensivo de barreiras tarifárias que visavam a proteção do seu setor industrial nascente. Contudo, para seus vizinhos e para o restante de seus parceiros comerciais, essa prática não era bem recebida, obviamente, pois restringia a entrada de produtos importados no país, fazendo da China um vendedor de ações unilaterais. As transformações em seu regime de comércio foram graduais a partir da década de 80, mas pouco foi observado em termos efetivos para o comércio chinês. O salto nos resultados é realmente visto após a década de 90, devido à modificação do regime para a importação de produtos e entrada de empresas estrangeiras. Segundo Branstetter e Lardy (2008: 637), “by the mid-1980, China´s had two trade regimes – a very open one for foreign firms and domestic enterprises engaged in export processing and a more restrictive trade regime for all other enterprises. Feenstra (1998) called China´s trade regime an example of ‘one country, two systems’ and claimed that the maintenance of special privileges for export-processing firms was contrary to both the letter and spirit of WTO rules.” Os mesmos autores acima destacam que tal regime pode trazer problemas para uma economia, estes são basicamente dois: o fechamento ou modelo diferenciado pode gerar além da distorção produtiva, uma redução do bem-estar dos agentes visto os custos elevados para acesso a determinados bens (problema que foi paulatinamente sendo resolvido com a industrialização interna e com o acirramento da abertura, principalmente pós-OMC) e a falta de mensuração do grau de proteção pode causar dependência de um regime restritivo que quando colocado frente a um maior nível de abertura provoca 165 perdas nos setores industriais protegidos dados a forma de entrada da concorrência e a desestabilização dos preços relativos141. Da mesma forma, afirmam Branstetter e Lardy (2008: 637), “In practice, it is clear that the authorities have never been able to separate China´s two trade regimes as completely as the letter of the law would suggest. Substantial quantities of parts and components imported on a duty-free basis have been illegally sold in the domestic market, and there have been substantial illegal sales in the domestic market of goods embodying duty-free imports. In addition to leakage into the domestic market of goods imported under the export-processing regime, there has been a significant degree of outright smuggling, much of it via Hong Kong.” Mesmo assim, no dia 10 de novembro de 2001, a Organização Mundial do Comércio aprovou, após quinze anos de negociações, o ingresso da República Popular da China142. Decorridos um mês após este dia, tornara-se a China membro efetivo da entidade. A análise que foi feita à época era que tal aceitação representaria para a China, demais países membros da OMC (à época eram 142 países) e para o restante da economia global um marco no processo de abertura econômica. A legitimação de um novo concorrente no mercado internacional que vinha demonstrando fôlego extenso para competir no mercado internacional. A entrada da China na Organização Mundial do Comércio – OMC – representa o cumprimento de uma etapa do seu processo de inserção internacional e, por conseguinte, do sucesso na implementação de um conjunto de ações e políticas que colocasse fim ao seu isolacionismo. Rodeia esta admissão na OMC a percepção dos últimos líderes chineses de que o fim da sua política de isolacionismo traria bons resultados paras as economias ocidentais bem como para a China, sobretudo, fortalecendo seu projeto de desenvolvimento. 141 Caso semelhante pode ser observado no Brasil no período mais acentuado do processo de abertura implementado pelo governo de Fernando Collor de Mello. Problema esse que foi agravado no período FHC com a valorização cambial e a elevação da taxa de juros interna. 142 As negociações para a aceitação da China duraram cerca de 15 anos. O país teve que cumprir todos os requisitos impostos pela OMC, tais como fornecer e atualizar seus dados e informações de mercado periodicamente, negociar compromissos e concessões nas áreas de bens e serviços – bilateralmente a cada um dos países membros – trabalhar em negociações multilaterais referentes às regras que iriam reger seu comércio com o mundo. 166 Segundo um estudo encomendado pela CNI, coordenado por Lia Valls (2005)143, ressaltando pontos relevantes a respeito da entrada da China na OMC, devem ser observados três grandes grupos de questões144. O primeiro deles trata de disposições gerais, parte integrante do acordo para qualquer país-membro da OMC. Isso significa que a China deveria aderir a todos os acordos do GATT-1994, que inclui as regras sobre o comércio de mercadorias, investimentos e propriedade intelectual e ao GATT. Note-se que todos os membros da OMC estão sujeitos a uma avaliação de suas políticas comerciais Trade Policy Mechanism Review (TPMR)145. A periodicidade dessa avaliação é determinada conforme o grau de desenvolvimento do país e pode variar, em geral, entre dois e seis anos. No caso da China, foi criado um mecanismo especial multilateral para examinar e monitorar, anualmente, o cumprimento dos compromissos assumidos pelo país (Transitional Review Mechanism), com operação prevista para oito anos após a assinatura do acordo, seguida de uma revisão final no décimo ano. Ainda segundo Valls (2005), um segundo grupo de disposições do protocolo trata de exigências relativas à administração do regime de comércio, e inclui: (i) o requerimento de administração uniforme, que supõe a aplicação das disposições da OMC a todo o território chinês; (ii) o conhecimento e a notificação das Zonas Econômicas Especiais, cujo tratamento na área fiscal e na esfera de outras medidas aplicadas às importações deve ser estendido a todo o território chinês; (iii) a aplicação do princípio da transparência; e (iv) a disponibilidade de mecanismos judiciais que garantam o cumprimento do acordo. Este último ponto estabelece que a China deva criar tribunais e procedimentos para a rápida avaliação de demandas relativas ao não-cumprimento do acordo. Para tanto, o fórum judicial deve ser constituído de forma imparcial e funcionar independentemente das agências responsáveis pela implementação das regras do acordo. Deve-se observar que a eficácia da inclusão dessa cláusula é duvidosa, pois quando se 143 O objetivo do Estudo era entender as conseqüências da entrada da China na OMC e seus reflexos nas relações comerciais com o Brasil. 144 Em seu texto, Valls (2005) apresenta grupos secundários que não serão citados aqui a menos que mereçam observações devido a sua relação com o objetivo do texto. 145 The Trade Policy Review Mechanism (TPRM) was introduced into GATT in 1989 following the MidTerm Review of the Uruguay Round. The mechanism was confirmed as an integral part of the WTO in Annex 3 of the Marrakesh Agreement establishing the World Trade Organization. Before 1995, trade policy reviews were restricted to trade in goods. In conformity with WTO rules, since 1 January 1995 reviews have also covered new areas like trade in services and intellectual property rights. The purpose of the TPRM is to "contribute to improved adherence by all Members to rules, disciplines and commitments made under the Multilateral Trade Agreements and, where applicable, the Plurilateral Trade Agreements, and hence to the smoother functioning of the multilateral trading system, by achieving greater transparency in, and understanding of, the trade policies and practices of Members". (GATT, 1947) e OMC (2009). 167 considera que a forma de julgar ações é influenciada pela tradição jurídica e cultural de cada país, a singularidade chinesa afeta o resultado da ação. No entanto, mantem-se a opção pelo uso do mecanismo de solução de controvérsia da OMC para questionar se a China está cumprindo ou não tais regras do acordo. Por fim, mas não menos importante, o terceiro grupo de disposições do protocolo trata de questões que visam assegurar a eliminação explícita de práticas de comércio específicos da China que são incompatíveis com as regras da OMC. Dentre estas, destacam-se: (Valls, 2005) a) A aplicação do princípio da não-discriminação, ou seja, a revogação de medidas e práticas discriminatórias contra produtos importados ou empresas estrangeiras, às quais deve ser garantido tratamento não menos favorável que o aplicado a empresas chinesas; b) A harmonização com as regras do GATT de todos os acordos especiais de comércio com terceiros países ou territórios aduaneiros. c) A garantia progressiva (em até três anos após a entrada no órgão) a todas as empresas situadas em território chinês (chinesas ou estrangeiras) do direito de comercializar todos os produtos, salvo algumas exceções (ver anexo II do Protocolo), em todo o território da China, incluindo-se aí o exercício das atividades de importação e exportação. No mesmo prazo de três anos, todas as empresas poderão também oferecer serviços relacionados à distribuição de produtos (vendas a varejo e no atacado) no território chinês, guardadas algumas exceções; d) O compromisso de que as transações realizadas pelas tradings estatais estejam de acordo com as regras da OMC e sejam transparentes em termos de critérios de preços e quantidades comercializadas – a China ainda comprometeu-se a divulgar as informações a respeito dos mecanismos de determinação de preços utilizados pelas suas empresas estatais; e) O estabelecimento de um cronograma para eliminação progressiva de barreiras nãotarifárias (BNTs) tais como: quotas, licenças de importações e requisitos especiais para importações, a eliminação de condicionantes na distribuição de licenças de importação, quotas/quotas tarifárias, assim como a aprovação de direitos de importação ou de investimento e o compromisso de que proibições e restrições à importação/exportação e exigências de licenças sejam aplicadas apenas por autoridades nacionais ou subnacionais autorizadas; 168 f) A não-interferência nos mecanismos de formação de preços, de forma que o preço de todos os bens e serviços transacionados com o exterior resulte da operação das forças de mercado. Isso inclui a eliminação de práticas duais na formação dos preços. Há exceções a esse critério (para consulta vide anexo IV do acordo); g) O compromisso de notificar todo e qualquer subsídio, assim como de eliminar todas as formas de subsídios às exportações inconsistentes com as regras da OMC, já no momento da acessão; h) O compromisso de que encargos e taxas aduaneiras, impostos internos, incluindo imposto sobre valor agregado, estejam de acordo com o GATT (1994). Impostos sobre exportação devem ser eliminados ou aplicados de acordo com o artigo VIII do GATT. Permanecendo as exceções do Anexo IV; i) A garantia de aplicar as disposições contidas em sua lista de concessões e compromissos, assim como as do Acordo sobre Agricultura. Nesse contexto, a China comprometia-se a não manter nem introduzir quaisquer subsídios à exportação de produtos agropecuários. Comprometia-se ainda notificar transferências fiscais, ou de outra natureza, praticados entre empresas estatais do setor agrícola com outras tradings estatais do setor agrícola. Nesse ambiente, a China limitava os subsídios para produtos agrícolas a 8,5% do valor de sua produção, patamar inferior ao limite de 10% permitido para os países em desenvolvimento pelo Acordo sobre Agricultura da OMC; j) O compromisso com a redução de barreiras técnicas ao comércio. Para tanto, regulamentos, normas técnicas e procedimentos para avaliação de conformidade devem ser publicados em fonte oficial e estar em linha com o acordo da OMC que regula a matéria, garantindo, em particular, o princípio do tratamento nacional para produtos importados; l) O compromisso de notificar à OMC, em um prazo de 30 dias após a adesão, todas as leis, regulamentos e demais medidas relacionadas ao campo das medidas sanitárias e fitossanitárias. Observa-se aqui que ainda foram destacados no acordo pontos sobre propriedade intelectual e práticas de dumping146. 146 Para consulta: IDB - Inter-American Development Bank. The emergence of China: opportunities and challenges for Latin American and the Caribbean, 2004. UNITED STATES TRADE REPRESENTATIVE. Report to Congress on China’s WTO compliance. Disponível em: <www.ustr.org>. Acesso em: maio de 2011. 169 Cabe notar, a despeito do ganho esperado pela China com esta entrada, deveria o país respeitar algumas condições colocadas à sua entrada. Segundo Wu (2005), “China´s commitments upon the accession are mainly in two areas: one is to accept the WTO rules and to revise relevant Chinese laws and regulation according to these rules. China´s accession to the WTO has further shown to the domestic and international communities that to establish an open market economic system is the committed policy of Chinese government (WU, 2005: 319)”. Estes compromissos, em suas linhas gerais, diziam respeito à adoção de uma tarifa às importações que fosse compatível com as relações comerciais mundiais, sem que esta se configure em uma política protecionista. Firmas estrangeiras teriam permissão de venda de seus produtos diretamente no mercado chinês e os setores de telecomunicações e financeiro deveriam ser abertos à competição estrangeira. O que se pode observar das contribuições de Wu (2005) e Valls (2005) é que as modificações teriam efeitos nos mais diversos setores da economia chinesa, passando, inclusive, pela burocracia do Estado chinês. Para tais demandas, a China propôs uma agenda de modificação tarifária contemplando de maneira diferenciada seu setor rural e seu setor industrial. A redução para os produtos agrícolas veio efetivamente em 2004 e a agenda para a modificação tarifária para os bens de consumo duráveis e não duráveis contempla um espaço temporal de cinco anos. A percepção de Chow (2007) é que a entrada da China para a OMC trouxe efeitos relevantes para a economia e estrutura da China. Desde a sua admissão na OMC, houve uma pressão para que o país reduzisse suas tarifas à entrada de produtos agrícolas e manufaturados, permitindo ainda que empresas estrangeiras tivessem acesso a alguns setores até então bastante protegidos. Dentre as mudanças estruturais, Chow (2007) inclui a tendência à redução da distância e da importância relativas entre os setores privados e públicos (state and nonstate sectors). Ainda esperava-se, como de fato concretizou-se, a redução da importância relativa do setor agrícola na composição do produto nacional e o simultâneo crescimento do setor industrial e de serviços, sendo este último o de maior crescimento no período pós-entrada na OMC. Dentro do setor de serviços, esperava-se o crescimento de dois setores fundamentais para a inserção internacional da China, a saber: o setor financeiro – tendo a presença de uma maior participação internacional e o setor de telecomunicações, agindo, em alguns casos em parceria com o Estado para elevação da oferta de serviços. 170 Segundo Chow (2007), “one can expect the relative decline of the state sector compared with the nonstate sectors and a possible increase in the efficiency of Chinese enterprises as tariffs are lowered, foreign firms enter the Chinese market, and they are subjected to more foreign competition. … Tertiary industry is expected to increase its share of GDP partly as a result of China´s entry into the WTO. The stimulus to the domestic service industry provided by foreign competition and expected foreign investment in this industry will lead to more rapid growth than otherwise. The high-technology component of the manufacturing sector will increase in importance partly because of expected increase of foreign investment. The domestic manufacture of consumer durables – especially automobiles – will suffer from the increase of imports, while increased foreign investment in the automobile industry will help increase domestic production of automobiles. The net effect is likely to be a slower growth in the domestic automobile industry because domestic producers will not be able to produce automobiles of the same quality as cheaply as the competing imports. The expected growth in both the services and the manufacturing sector will lead to a further decline in the share of agriculture, but this will take place even without entry into the WTO (CHOW, 2007)”. Chow (2007) tem razão em suas colocações restando, contudo, algumas qualificações. De fato, a eficiência foi elevada devido o contato dos setores industriais chineses com a competição internacional. Entretanto, a capacidade de aprendizagem dos chineses foi surpreendentemente rápida a ponto de reduzir os possíveis danos que poderiam afetar o setor industrial (a abertura normalmente gera um período de adaptações no setor industrial que pode eliminar alguns concorrentes do mercado). O que houve, como explica a teoria econômica que debate processo de abertura (comercial e financeira), foi um processo de aprendizagem e competição que permitiram a China a elevar seu patamar de oferta interna, acirrando a competição sem, contudo, apresentar prejuízos ao setor industrial e de serviços, muito devido a sua população e suas carências (e futuramente demanda) por setor de produtos e serviços. De forma geral, segundo análise da CNI de 2005 sobre os efeitos e conseqüências da entrada da China na OMC, alguns pontos e questões relevantes são destacadas como essenciais para observação e acompanhamento, dentre os quais147: 147 PEREIRA, Lia Valls, FERRAZ FILHO, Galeno Tinoco. Brasília: CNI, dezembro de 2005. 171 a) Como membro pleno da OMC, o país passou a ser obrigado a disciplinar as suas relações comerciais, segundo as regras multilaterais. O não-cumprimento dessas regras tornou o país, como qualquer outro membro da OMC, sujeito a sanções comerciais no âmbito do mecanismo de solução de controvérsias. O longo histórico de nãotransparência de algumas práticas comerciais próprias do mercado chinês estaria, em princípio, interrompido e/ou fortemente atenuado; b) A entrada da China na OMC foi precedida de negociações que resultaram em uma substancial redução do protecionismo comercial do país. A tarifa média consolidada da China fixou-se em 10%. Em adição, o país procedeu a uma ampla abertura do seu mercado de serviços. Logo, a combinação de regras estáveis e previsíveis no âmbito da OMC com o processo de abertura significou, em princípio, o surgimento de novas oportunidades nos campos do comércio e dos investimentos no mercado chinês; c) As decisões da OMC são obtidas pela formação de consensos. A entrada da China, um país com peso importante no comércio mundial, influenciou os processos de formação de tais consensos, tradicionalmente associados ao QUAD (Estados Unidos, Japão, União Européia e Canadá); d) O acesso da China à OMC é parte de uma estratégia mais geral do governo chinês que objetiva aumentar a presença do país na economia mundial, o que engloba a elevação dos investimentos diretos chineses no exterior. Esse último elemento fortaleceria a internacionalização das principais empresas chinesas, ao mesmo tempo em que permitiria à China assegurar fontes de suprimento de matérias-primas e produtos agrícolas necessárias para preservar o elevado ritmo de crescimento econômico do país. Havia na economia chinesa certa inércia em determinados setores, tal como o bancário, que foi minorada pela entrada da competição estrangeira. O que se pode retirar da entrada da China na OMC, principalmente para seu desenvolvimento industrial e para seu projeto de desenvolvimento, é que a exposição a esta competição acelerou o aparecimento dos resultados das reformas iniciadas em 1978, com Deng Xiaoping. Ainda, a modernização objetivada quando do início da implementação das reformas em 1978 passou para um nível superior, forçando também uma modernização do sistema legal e atualização das práticas comerciais chinesas. De acordo com a observação de Chow (2007) “the impact on legal institutions includes changes in formal institutions and laws, and to some extent in the legal behavior of the Chinese people”. 172 Destaca-se aqui ainda três pontos, levantados por Chow (2007), a respeito de conseqüências relacionadas à entrada da China na OMC. A primeira delas está relacionada ao efeito no Partido Comunista Chinês. Segundo o autor, “the party has provided China with political stability and a unified government, and has led China through successful economic reform of the inefficient economic institution of 1978”. Sua segunda observação é a respeito do efeito positivo direcionado na implementação ou reforço das instituições com características mais democráticas. Chow (2007) inclui: “(i) the changing worldview of political leaders in China and (ii) the changing environment in which the leaders exercise their political power”. Os novos líderes chineses passaram a estudar os negócios internacionais, debatendo inclusive a melhor forma de negociar e trabalhar o comércio com o ocidente. A mudança no ambiente político colocou em desuso velhas práticas de manipulação da mídia148, visto o leque de possibilidades aberto pelo maior acesso a informações sobre a sociedade internacional. A terceira observação do autor tem um coeficiente mais simbólico, pois a entrada na OMC torna a economia chinesa mais conhecida para a comunidade internacional, projetando uma imagem que destacava o potencial de mercado da China e as possibilidades que surgem aos players externos e internos. Em suma, a entrada da China para a OMC, considerando seus termos de entrada, contribuiu para o processo de inserção internacional da economia chinesa, reforçando os objetivos das reformas implantadas desde o início do período de Deng Xiaoping e acentuando as possibilidades de inclusão da China no cenário internacional, ponto integrante relevante do projeto de desenvolvimento nacional chinês. Segundo Branstetter e Lardy (2008), devido ao acesso da China à OMC, o fluxo de comércio da China com o mundo, a concorrência e competitividade, a produtividade e, conseqüentemente, os resultados econômico-sociais da China foram multiplicados. Entre os pontos fundamentais os autores supracitados destacam que, com a abertura ao comércio externo, empresas foram incentivas a entrar no país. Tal entrada elevou o fluxo de capital estrangeiro. Ainda motivou a concorrência entre as empresas na China, o que determinou a adoção de um padrão de desenvolvimento que continha na sua base o componente inovação e geração de conhecimento, fundamentais para a evolução de dados sociais importantes como educação e rendimentos salariais. A troca de manufaturas elevou não apenas o fluxo comercial da China, mas também demandou investimentos dos 148 Não completamente, o controle da mídia ainda existe, mas com objetivos distintos. 173 empresários locais, o que, segundo a teoria keynesiana, faz com que o modelo de crescimento seja sustentado por um tempo maior e apresente maior dinamismo. Se levarmos em consideração uma análise schumpeteriana, temos presente na economia o agente do dinamismo econômico: o empresário inovador. A entrada na OMC demandou um maior grau de abertura que, segundo Branstetter e Lardy (2008), “make China´s economy the most open of any large developing country, and, to date, China has reasonable progress toward meeting her obligations. … Developments in Chinese trade and investment have generally conformed to patterns of Chinese comparative advantage, yielding important benefits to China and her trading patterns. China´s current exchange rate regime149 is no longer compatible with macroeconomics fundamentals, although China´s growth´s as trading nation has recently reached the point where developments in China have global impacts (BRANSTETTER E LARDY, 2008: 633-4).” 4.5 – A evolução dos indicadores de desenvolvimento socioeconômicos da China: uma análise da trajetória dos dados. 4.5.1 – A evolução dos indicadores sociais Um fator relevante para o desenvolvimento chinês, seja como fator favorável seja como complicador, é sua demografia. Segundo Feng e Mason (2008), durante as últimas duas décadas e meia a China adotou medidas preventivas para que sua situação demográfica ficasse controlada, permitindo a chamada transição demográfica, na qual, a despeito da queda na taxa de mortalidade da sua população, foi evitada uma explosão demográfica por intermédio de dois fatores: o controle populacional – política unilateral imposta pelo governo e pela queda da taxa de fertilidade, decorrente de modificações sócio-econômico-antropológicas na China desde os períodos de Mao Tsé-tung, acentuados com as reformas de Deng Xiaoping. Percebe-se que, a despeito de ser detentora da maior população do globo, a taxa de crescimento desta população vem caindo nos últimos anos (Tabela 4.6), e não devido a fatores relacionados ao sistema de 149 Vale ressaltar que a literatura a respeito da condução da política cambial chinesa é ponto de consenso. Ela restringe a entrada, favorece a importação e cria um ambiente de descontentamento entre seus parceiros comerciais, pois tal ação cria um artifício comercial protecionista. 174 saúde ou aumentos na taxa de mortalidade, mas ao controle de natalidade e à modificação da estrutura social da população. Tabela 4.6. Evolução da população chinesa e taxa de crescimento anual do PIB (%). ANO População total (milhões hab.) Taxa de crescimento populacional (base 100) Taxa de crescimento do PIB (% anual) 1978 1980 956,16 981,23 1985 1990 1995 2000 2005 2008 2009 1.051,04 1.135,00 1.204,85 1.262,64 1.303,72 1.324,65 1.331,46 100,0 102,6 107,1 107,9 106,1 104,7 103,2 101,6 100,5 11,7 7,8 13,5 3,8 10,9 8,4 11,3 9,6 9,1 150 Fonte: Banco Mundial (2011) . “Demographic changes in China are monumental for reasons in addition to the shifts in traditional demographic parameters – mortality, fertility, population growth rate, and age structure. During its economic transition of the last two and half decades, Chinas has also seen migration and urbanization process that are unprecedented in world history for their sheer magnitudes. Population redistribution is inextricably tied to the broad social and economic transitions that China has undergone, and at the same time, it has also shaped important underlying conditions, as opportunities and constraints, for China´s economic transition (FENG e MASON, 2008: 136).” Introduz-se esse tema aqui pois, além de expor e avaliar os indicadores de desenvolvimento chinês, pretende-se também avaliar a evolução de importantes indicadores da economia chinesa, mas não exclusivamente, visto que há vários indicadores que ultrapassam a fronteira econômica, caminhando em direção da análise das transformações sociais. Logo, à medida que os dados sejam expostos, caberá avaliar sua trajetória identificando a contribuição dos pontos já citados ao longo dessa pesquisa para sua evolução. Também vale identificar as singularidades dos dados e dos seus condicionantes, corroborando com o pressuposto inicial da pesquisa de que a China é um caso único, particular, não sendo cabível seu uso como parâmetro do desenvolvimento de outras nações. O controle populacional já havia sido estabelecido no período de Mao Tsé-tung, contudo, a condução mais severa, considerando tal controle como prioritário para a China, vem ao final dos anos 70s, período no qual o crescimento populacional chegou a ser considerado um mal social. Esse excedente populacional seria responsabilizado por 150 http://data.worldbank.org/country/china: code NY.GDP.MKTP.KD.ZGa 175 diversos distúrbios, essencialmente, econômicos, mas não únicos, da sociedade chinesa. Logo, o controle populacional fora elevado em nível de política básica de estado. Cabe ressaltar que sua implementação não foi pacífica e muito menos bem recebida por todas as camadas populares. Vale ainda dizer que distorções sérias ocorreram na China à medida que o tempo foi passando e foram ficando mais claras as conseqüências da política populacional. Apenas para título de ilustração, registra-se na China atualmente um desequilíbrio entre os gêneros, resultado de uma escolha racionalista por filhos do sexo masculino, por ser esse considerado aquele que assumiria as responsabilidades financeiras e produtivas da família, especialmente nas regiões rurais do país. Muito do que pode ser observado nesse quesito na China pós-1978 deve-se a decisões políticas em prol do desenvolvimento nacional. O governo reformista de Deng Xiaoping e seus sucessores, ao adotar o programa de planejamento familiar, promoveram uniões matrimoniais mais tardias, redução do número de filhos por unidades familiares e intervalos maiores entre os nascimentos. Dados retirados do China Population Yearbook registram que a idade feminina do primeiro casamento era em média de 19,7 anos, nos anos 70s, passando para 24,1 no ano de 2000. Segundo Feng e Mason (2008), essa modificação do perfil deve-se mais aos efeitos da mudança estrutural da economia chinesa afetando a organização da sociedade do que às políticas de controle populacional implementadas pelo governo. “Economic reforms over the last two decades gradually relaxed the state´s control and returned the right of decision making to families and individuals”151. Tabela 4.7. Taxa de Crescimento da População, Expectativa de vida e Renda per capita. Ano 1978 1980 1985 1990 1995 2000 2005 2008 Indicador Taxa de crescimento populacional (%) nd nd 1,4 nd 1,1 0,8 0,6 0,5 Expectativa de vida (anos) nd nd 67,0 68,0 70,0 71,0 73,0 73,0 Renda per capita (US$) nd nd 292,00 314,00 604,00 949,00 1731,00 3414,00 Fonte: Banco Mundial (2011) e Unesco (2011). 151 Feng e Mason (2008). 176 Vale ainda ressaltar alguns pontos sobre a questão demográfica chinesa (Tabela 4.7). A primeira delas refere-se a mudanças institucionais que influenciaram essas alterações: (i) as reformas econômicas e sociais fizeram com que as decisões viessem de dois agentes relevantes em termos sociais, as famílias e o Estado. As famílias compreenderam que os custos de vida relacionados à natalidade, educação, saúde tornaram-se relativamente altos frente às suas remunerações. O Estado contribuiu com a redução ou eliminação de certos benefícios, principalmente atrelados à saúde da população, tais como a abolição do sistema de livre acesso a cuidados básicos de saúde152 nas áreas urbanas e o colapso da saúde pública nas áreas rurais; (ii) a rígida política de controle de natalidade e o planejamento familiar foram de grande relevância para a melhoria de dados como expectativa de vida ao nascer (saltando de 42, 2 anos homens e 45,6 anos mulheres no ano de 1950 para 71,01 anos homens e 74,77 anos mulheres em 2000) e queda da taxa de mortalidade, adulto e infantil153 e; (iii) a fundamental shift in migration policy has allowed people to move freely across administrative boundaries (Feng e Mason, 2008). Sendo que, para esse último ponto, deve-se ressaltar que um volume massivo de imigrantes e migrantes tem circulado entre as principais cidades chinesas e outro alto número de pessoas circulando entre o campo e cidade. Observa-se nesse ponto uma relação significante entre os movimentos populacionais e o processo contínuo de urbanização (a população urbana da China passou de 11,18%, em 1950, para 36%, em 2000, em processo crescente). É o fenômeno chamado de flutuação populacional – que, segundo Feng e Mason (2008), é um produto único do sistema econômico-político chinês. Consiste na situação na qual a população sofre uma grande flutuação ou oscilação, pois a despeito das pessoas transitarem para as cidades, sua residência fixa permanece no local de origem ou de saída, alterando o perfil da população sem, contudo, influenciar nos indicadores populacionais. A breve avaliação da questão demográfica serve como ponto de partida para a análise de outros indicadores socioeconômicos chineses que são considerados como relevantes para a compreensão e análise da trajetória e do ponto atual (2008) desse desenvolvimento econômico. Aqui, conforme já foi denotado anteriormente, não se estabelece desenvolvimento econômico como uma simples avaliação de dados quantitativos referentes e restritos à economia. Mas sim, entende-se desenvolvimento 152 153 Free health care. China Population Yearbook (2010). 177 econômico como uma junção de dados econômicos e sociais que compõe a trajetória da evolução de uma nação. A questão demográfica, por exemplo, é fundamento para se explicar, juntamente com fatores geográficos, o problema da distribuição de renda na China contemporânea. Sabe-se que a despeito da renda per capita ter apresentado uma significativa elevação nos últimos trinta anos (1978-2008), essa elevação da renda não foi acompanhada de perto de uma melhor distribuição de renda. No que tange à distribuição de renda chinesa, na fase de transição e dados atuais, pode-se afirmar que houve crescimento da renda e melhoria no padrão de vida da população chinesa. Contudo, como ainda existe uma abismal distância entre a China urbana e a China rural, observa-se um cenário totalmente distinto. Na China urbana, os níveis absolutos de elevação de renda basicamente eliminaram a pobreza (baixa renda) e simultaneamente reduziram a desigualdade na distribuição da renda. Já na China rural, a despeito do crescimento da renda das famílias pós-introdução do sistema de responsabilidade familiar, muitos habitantes foram retirados da zona de pobreza, o que não garantiu a eliminação da distorção de renda na área rural e muito menos eliminou a distância entre a China urbana e a China rural. Segundo Benjamin et al (2008), “the same is true for urban-rural differences. Although urban incomes may be on averages two-thirds to three quarters higher than rural incomes, these differences are the source of a relatively small proportion of overall inequality in China. More generally, great care must be taken when interpreting ‘urbanrural’ income gaps, especially using official (NBS) data: the accelerating reclassification of rural areas as urban tends to exaggerate rural-urban income differences, as fast-growing rural areas are relabeled as urban. Moreover, significant differences in the cost of living between urban and rural damped the raw income differentials. (BENJAMIM, et al, 2008: 730)” Ainda segundo os autores supracitados, pode-se observar na China, atualmente, uma maior diferenciação de renda e uma maior desigualdade social e de renda entre as regiões costeiras e o interior da China. Tal desigualdade geográfica é vista pela literatura como mais relevante e séria do que a desigualdade entre o urbano e o rural (que será debatida adiante). Contudo, esses autores não reservam ao motivo posição geográfica a fonte do problema. Seu argumento explicativo repousa sobre as características econômicas locais que, por sua vez, influenciam nas oportunidades de atividades econômicas, entrada no mercado de trabalho, formas de remuneração, constituindo-se 178 essas em fontes de diferenciação do padrão de vida dos habitantes dessa região (a região mais interiorana chinesa). Muito contribuiu para o acirramento do fenômeno da desigualdade entre a região costeira e interior, assim como a redução dos subsídios (repasses de renda, sistema de saúde e educacional) metade dos anos 1990s, os quais beneficiavam as famílias da região interior do país, que foram parcialmente compensados pela elevação dos salários (nominais). A reforma das empresas estatais chinesas, principalmente após meados de 1990, teve um significante componente regional, porém não resultou segundo Benjamin (2008), em um aumento nas disparidades regionais até o ano de 2001.154 O que pode ser visto pela pesquisa dos autores aqui citados é que: (i) há sérios problemas na geração de estatísticas confiáveis dentro dos órgãos chineses sobre essa imensa desigualdade existente entre as regiões costeiras e as regiões interioranas na China; (ii) na sua definição de posicionamento, as empresas buscaram prioritariamente as regiões próximas a fontes de escoamento da produção direcionadas aos principais portos do país, considerando o custo logístico do transporte; (iii) a modificação do perfil de gestão das empresas estatais não garantia remuneração adequada aos trabalhadores da região, causando um distanciamento natural das remunerações dos trabalhadores de regiões com maior produtividade (costeiras) e, por fim, (iv) a atração empresarial dessas regiões consistia em empresas intensivas em trabalho (logo buscando menores custos) e de menor geração tecnológica, o que não era dinamizadora da remuneração dos trabalhadores da região, diferentemente da região costeira. Retornando às questões relativas às desigualdades de renda entre as áreas rurais e urbanas chinesas, observa-se que a literatura diferencia as explicações para cada uma dessas regiões. Para o caso da desigualdade urbana, tem-se que as cidades chinesas espelham o fenômeno ocorrido nas cidades de países que passaram por uma profunda transição econômica. Tal situação aponta para três explicações que transcendem generalização e adequam-se ao caso chinês. A primeira delas é o efeito liberalização econômica, que por sua vez afeta diretamente o mercado de trabalho (mesmo no setor público destas economias). A liberalização, parte integrante do processo de abertura ao mercado e da aceitação do pressuposto de livre mercado (iniciativa), vem conduzindo simultaneamente à elevação das taxas de salários em determinados setores e ao distanciamento entre os salários pagos entre e intra setores nesses países – perfeitamente 154 Benjamim et al (2008). 179 adequado ao caso chinês. Aquelas empresas mais dinâmicas, que obtém melhores resultados produtivos e determinam maior produtividade do trabalho, tendem a ser melhores pagadoras de salários (não é a teoria dos salários produtividade, mas leva em conta essa variável). A convivência entre essas empresas com as empresas intensivas em trabalho – menos produtivas – dão origem ao distanciamento dos salários pagos. Aquelas empresas mais produtivas tendem ainda a adotar políticas de distribuição de bônus que tendem a elevar o valor pago aos trabalhadores, logo criando uma diferença salarial entre os setores que compõem a economia chinesa – inclusive o estatal. A segunda explicação/fator que influencia a desigualdade de renda entre os trabalhadores do setor urbano está situada na retirada dos subsídios aplicados à moradia e alimentação concedidos até início da década de 90. A existência desses subsídios – igualitariamente distribuídos – atenuavam as desigualdades de renda, especialmente a desigualdade de origem salarial. Por fim, a terceira explicação refere-se à reestruturação das empresas estatais (SOEs) e o final do chamado “iron rice bowl” , no final dos anos 90s, conduzindo a significantes perdas econômicas, essencialmente, desemprego e acesso a postos de trabalho. Já para o caso do setor rural, a desigualdade está, entre outros fatores, relacionada com sistema de responsabilidade familiar, que retinha uma grande parcela dos retornos de seu próprio trabalho e dependia do seu próprio talento em administrar suas fazendas e seus respectivos ganhos. Segundo Benjamin et al (2008: 737), “Liberalization with respect to farm sidelines and the establishment of Family run businesses provides another avenue for households to potentially earn more than their neighbors. At the same time, villages retained the ownership of land, which was allocated to households on a fairly egalitarian basis. This limited extent of local inequality from farm incomes. The establishment of township and villages enterprises and the development of off-farm opportunities more generally, would likely have also provided households a way to earn a living off farm, potentially generating greater differences in incomes across villages.” Ainda contribui como fator agravante a possibilidade limitada de mudança espacial. Há possibilidade para se mover do campo para a cidade, contudo, não é interessante para a estratégia de crescimento chinês que haja uma maciça saída de mãode-obra do campo para a cidade. A despeito de criar uma tendência à redução dos custos salários na cidade, desguarnece o campo de mão-de-obra, o que majora os salários e 180 reduz a disponibilidade de mão-de-obra destinada a um setor relevante para o crescimento da China. Ao longo da transição da agricultura coletiva para as empresas familiares agrícolas, também houve uma interferência da maior exposição ao mercado externo. É natural que os termos de troca entre os bens agrícolas e os bens industrializados sejam alterados com a maior exposição externa. O contato com o mercado internacional e suas trocas faz com que haja uma queda relativa nos preços dos produtos agrícolas, fazendo das trocas menos eficientes do que se esperava. Logo, o tipo de cultura interfere nos ganhos obtidos pelas empresas rurais. Considerando essa situação, nada mais lógico que buscar uma migração para os centros industriais onde os retornos do capital humano – educação, por exemplo – levam a uma maior renda auferida. Permanecendo no campo, encontra-se estímulo para o aumento da desigualdade de renda obtida entre os produtores. Benjamin et al (2008) concluem a situação dessa maneira: “Our findings regarding the role of geography and urban-rural differences suggest that we need to focus more attention on the institutions influencing the distribution of endowments, including both human and physical capital, the allocation of factors of production, and factor returns. In the countryside, most of level and growth of inequality is due to unequal access to nonfarm family business income. In the cities, the decline in subsidies and unequal wage incomes are playing an increasing role in raising inequality. Increasing returns to higher education are very important in explain growing dispersion of wage earnings. Our result from both urban and rural samples thus underscore the important role likely to be played by education in determining the future evolution of the income distribution, even though the exact channels may be different in cities and the countryside. Finally, notable by its absence in much of discussion, is the current role played by a social safety net in providing a floor on incomes, and thus some limit on inequality. In the cities, while they may be in their infancy or underdevelopment, Chinas has yet to develop the array of social policies with the breadth and level of other transition economies. In rural areas the primary safety net has been the egalitarian an allocation mechanism, which effectively guarantees land to rural households (BENJAMIN et al, 2008: 730-731).” Aproveitando que os autores acima tratam da questão da educação e sua relação com os retornos – especialmente sua relação com os salários e com a discussão da desigualdade de renda, não se pode furtar de entender a evolução da educação chinesa partindo das transformações colocadas em prática pela Revolução Cultural e da sua 181 mudança de rumo nos anos posteriores a Mao Tsé-tung. Deve-se ressaltar aqui que não será feita uma análise profunda da questão educacional chinesa e muito menos uma longa regressão histórica, mas sim uma observação das principais mudanças no setor educacional chinês, em perspectiva histórica e analítica, da relação desse componente no projeto de desenvolvimento nacional chinês. É durante o período de reformas pós-1978, principalmente nos últimos 20 anos, associada às reformas pró-mercado, que se pode observar uma drástica transformação na área educacional na China. Desde o final da Revolução Cultural, os novos líderes chineses atribuíram papel fundamental à transformação educacional no país. A agenda social pós-reforma não era a prioridade – essa era a transformação econômica voltada para o sucesso do projeto nacional de desenvolvimento – mas a educação tinha papel de destaque nesse projeto desenvolvimentista, sendo primordial para uma radical transformação cultural, política, social e, sobretudo, econômica. Na era de Deng Xiaoping, novas políticas de melhoramento da qualidade educacional estavam voltadas para um novo mercado de trabalho, agora mais exigente no que diz respeito à qualificação, geração de conhecimento e promoção da competitividade. As transformações no sistema educacional promoveram a melhoria do ensino, servindo ao mercado de trabalho e estimulando a economia, especialmente, diante de uma nova ordem de competição global. Era fundamental para a China o uso eficiente de seus recursos produtivos, mesmo os recursos de propriedade privada, sendo assim imprescindível uma melhor educação que servisse de suporte para esse novo modelo produtivo. Segundo Hannun et al (2008), a mudança educacional implementada pelo novo governo chinês pós-1978 foi fundamental para que a China obtivesse sucesso em seu projeto de crescimento econômico pautado na evolução da tecnologia e na melhor utilização de seu recursos produtivos. Durante a Revolução Cultural, via um sistema ideológico deturpado, a educação chinesa foi aos frangalhos. A agenda de eliminação das diferenças, seja àquelas entre campo-cidade, trabalhadores qualificados e mão-de-obra desqualificada ou entre intelectuais e trabalhadores braçais, norteou as medidas políticas direcionadas à educação. Logo se observou na China uma desvalorização da educação formal, do conhecimento acadêmico e da intelectualidade. Segundo Tsang (2000), estudantes urbanos eram enviados para o campo para uma ‘reeducação’155. 155 “Urban students were sent to the countryside for reeducation” (Tsang, 2000). 182 No ensino superior, onde as transformações da Revolução Cultural foram mais sentidas, foram registradas queda nos indicadores educacionais, decorrente de uma dezena de medidas “igualitárias” do governo de Mao Tsé-tung. Foram descontinuados os exames de admissão (exames feitos para a ascensão a cargos públicos), acessos às universidades foram alterados, considerando aptos todos aqueles que se interessavam pelo estudo mesmo que não comprovassem condições para usufruir adequadamente do ensino, pessoas das áreas rurais, até então somente ligadas a questões de cultivo de produtos agrícolas para sua subsistência, foram direcionados a universidades para igualar o nível dos seus conhecimentos. Tabela 4.8 - Evolução dos Indicadores Educacionais Chineses. ANO 1980 2004 Média de anos na escola 4,8 6,4 Despesa com Educação (em % do PIB) 2,1 2,0 a) Fundamental 31,3 33,9 b) Médio 33,7 45,3 0,9 2,8 INDICADOR Nível de Escolaridade (%) c) Superior Fonte: World Bank´s Development Indicators 2006. A literatura destaca que a Revolução Cultural é reconhecidamente um desastre para a educação, principalmente, no que concerne à educação superior, ao ensino e geração de técnicas e progresso científico. Segundo um estudo da Universidade de Beijing, de 1994, durante a Revolução Cultural foram impedidos os intercâmbios de estudantes chineses e a entrada de estrangeiros nas universidades chinesas. O conhecimento de outras culturas e idiomas sofreu uma queda significativa para o setor industrial chinês, reduzindo seu intercâmbio de produtos e mercadorias com o restante do mundo. Nos níveis inferiores não foi muito diferente. O sistema educacional foi unificado, seguindo o princípio de que todo estudante, independente da sua idade, deveria seguir um currículo de 10 anos, separado no sistema de 5-3-2. A segmentação por gênero também foi danosa para a educação chinesa, a discriminação acabou por negar às mulheres o acesso a todo e qualquer tipo de conhecimento, sendo esses considerados privilégios 183 masculinos devido a sua participação na escala produtiva e em órgãos públicos (Tsang, 2000). Tendo fim a Revolução Cultural e todo seu princípio norteador alterado pela nova administração pública chinesa, a educação chinesa ingressa em um novo rumo. Esse novo rumo, segundo Hannun et al (2008) e Tsang (2000), sustenta-se em três novos pilares: a visão estratégica política do Estado-partido de que a educação é ponto prioritário no modelo de desenvolvimento; o financiamento educacional e a qualidade da nova base educacional chinesa (Tabela 4.8). Passando brevemente por cada um desses pontos, alguns fatores devem ser ressaltados. Em primeiro lugar, ao alterar os objetivos políticos estratégicos da China em direção a uma economia de mercado, mesmo que adaptada às características chinesas, a agenda educacional mudou sua posição estratégica, passando de promotora da “igualdade”, para uma peça fundamental para a modernização econômica-produtiva. Deng Xiaoping, em março de 1978, no Simpósio Nacional de Ciência e Tecnologia, reiterou sua posição de que a educação chinesa deveria voltar-se para o conhecimento, essencialmente, para o conhecimento útil à geração de tecnologia, que seria parte do processo de modernização econômica da China: “the basis for training Science and techonology talents rests in education” (Deng Xiaoping em seu discurso no Simpósio supracitado). Estava claro para os líderes chineses o nível dos problemas educacionais deixados pela Revolução Cultural: “Policy reforms revolved around perceptions that educational quality was a serious problem to all levels, vocational and technical training was insufficient, and central administration of education was too rigid. Through reforms, leaders sought to align the educational system with the newly emerging marketization of the economy. Reforms in the mid-1980s set standards for compulsory education and emphasized linking education to economic reforms, increasing vocational and technical education, decentralizing finance and management, and increasing the number and quality of teachers (HANNUN et al, 2008: 219)”. Da década de 80 em diante, importantes reformas foram colocadas em prática para desfazer os erros da Revolução Cultural. Retornaram os exames admissionais, a entrada para as universidades foram regulamentadas, exigindo avaliações de conhecimento, houve descentralização da administração educacional e de recursos financeiros destinados à melhoria educacional e uma grande ênfase foi dada a setores educacionais que estavam 184 diretamente relacionados com a produção de tecnologia, geração de conhecimento técnico e desenvolvimento científico. No que diz respeito ao financiamento educacional, dois movimentos simultâneos ocorreram na China pós-1980: a gasto governamental (em proporção do PIB) cresceu passou de 18,24%, em 1991, para 21,06%, em 1996, mantendo-se próximo aos 20% do PIB desse ano em diante156; a segunda modificação foi a descentralização do gasto educacional e a diversificação do mesmo. Entende-se por descentralização uma maior disseminação do investimento educacional, contudo, direcionado à vocação local atrelado, sempre, ao projeto nacional de desenvolvimento. Já a diversificação refere-se à mobilização de novos recursos, sejam esses públicos e/ou privados, direcionados à educação, essencialmente aos setores de novas tecnologias, ao conhecimento da cultura ocidental (imprescindível para uma melhor base de conhecimento voltada para a negociação com os traders ocidentais) e a busca por recursos de origem nãogovernamental que dividia com o governo o custo de investir na educação157. Finalmente, quanto à qualidade, observa-se aqui que este indicador, a despeito de seu crescimento nos últimos 20 anos, restringe-se a algumas áreas mais desenvolvidas da China. Logo, aumenta-se a qualidade do ensino e da geração de conhecimento em algumas áreas, voltados a alguns setores prioritários, mas ao mesmo tempo, por conta dessa distinção espacial, reforça-se o componente desigualdade de renda e de ganhos sociais na China. O crescimento de uma classe média urbana na China cria a demanda por uma melhor educação. A qualidade demandada é maior e as remunerações do setor crescem, ademais, a taxa de professores por alunos tem crescido (Hannun et al, 2008), mas este crescimento está restrito aos grandes centros urbanos chineses, não sendo observado nas regiões rurais mais distantes. A questão educacional merece, considerando o modelo asiático, algumas considerações finais que lançam luz à discussão. Gilson Schwartz158, ao debater o modelo coreano de gestão do conhecimento lembra que China, Coréia do Sul, Índia e Japão, para 156 Dados obtidos no National Bureuau of Statistic of China. Deve-se ressaltar que o investimento em educação na China teve papel relevante no seu desenvolvimento, contudo, também teve um papel significativo na geração de disparidades regionais chinesas devido a sua distribuição desigual dado os graus diferenciados de desenvolvimentos de suas regiões geográficas. 158 Texto apresentado no Seminário do IPRI – Fundação Alexandre de Gusmão em 05 de janeiro de 2000, sobre a Coréia do Sul, sua experiência na gestão do conhecimento e os modelos educacionais asiáticos. 157 185 citar alguns dos representantes asiáticos159, ao formular suas estratégias, prevendo no horizonte ameaças imperialistas (regionais ou internacionais), levavam em consideração dois princípios: (i) o acumulo de tradições de conhecimento e educação, assim como traços culturais, são fatores determinantes nas configurações das organizações locais e, (ii) a educação é variável fundamental para a chamada “nova economia” cuja inteisdade em tecnologia de informação e comunicação, inserida na sociedade da informação, faz da operação adequada de sistemas de gestão do conhecimento, criatividade e inovação (todas essas sustentadas pela evolução nos modelos educacionais) a chave do desenvolvimento e da inserção na nova “ordem global”. Amartya Sem, em um discurso em 1999, no qual expunha suas bases educacionais, agradecia pelos valores asiáticos e pela ênfase na educação intelectual e espiritual recebida. Contrariamente a versão tradicional, vigente na vertente liberal, o economista que recebeu um prêmio Nobel por sua reflexão sobre o desenvolvimento argumenta que os traços inovadores de sua educação incluíam, e, sobretudo, baseavam-se na educação básica como a maior promotora da mudança160. O que se pode observar é que o modelo praticado nos países asiáticos levam mais a sério a concepção de políticas públicas e a educação como uma das suas principais áreas de atuação. O consenso nesses países, diferentemente do modelo praticado em um grande número de países ocidentais, que acataram o receituário do Consenso de Washington, é que a educação está na base de todo o desenvolvimento. Logo, é prioridade do governo que sua população tenha acesso facilitado à educação básica, criando fundamentos para seu desenvolvimento humano futuro. Vale ressaltar que tal responsabilidade pela evolução educacional da população não é responsabilidade única do Estado. A meu juízo, a postura do governo chinês de compartilhar os custos da educação com o estudante e/ou família, é uma forma de tornálos conscientes e co-responsáveis no processo de crescimento educacional. Pois da mesma forma que o Estado tem interesse na melhora dos índices educacionais, a 159 Cingapura, por exemplo, colocou em prática a concepção da “ilha inteligente” e a Malásia cunhou seu modelo com o nome de “supercorredores”; esses nomes nada mais eram que a forma nacional de tratar seus modelos educacionais atrelados aos seus objetivos de crescimento econômico, focando tanto o âmbito regional como a economia internacionalizada. 160 Segundo Sen, 1999 no discurso citado: “Meu sentimento de identidade asiática é muito forte. Tive a sorte de ir a uma escola que era ciosa na educação dos alunos sobre a Ásia. Era uma escola progressista, em Santiniketan, criada por Radindranath Tagore, o poeta e pensador visionário. Além de insistir em boa educação clássica, especialmente em sânscrito, a escola também oferecia notáveis oportunidades de aprendizado sobre a história e a cultura asiática, incluindo China, Japão, Coréia, Tailândia, Indonésia, de um lado e tradições árabes e persas, de outro.” 186 população considera a evolução educacional como um instrumento, um meio, para sua ascensão social, logo nada mais adequado que ter co-responsabilidade nessa construção. A relação causal aqui deve ser estabelecida da seguinte maneira: é a evolução da educação básica que proporciona o “desejo” por níveis superiores de crescimento, trazendo uma trajetória de conhecimento acumulado que possibilita o crescimento econômico. Agora vejamos o caso da China. Se a educação tem uma posição de destaque no debate vigente, e, se para a manutenção do crescimento econômico do país a educação é fundamental, não há mistério para se compreender o caso chinês. É de demasiada importância tanto para o governo quanto para a população chinesa hoje manter seu nível de crescimento. Para o Estado (e para o Partido Comunista Chinês) a manutenção do crescimento garante uma confortável estabilidade no ambiente político enquanto para a população há uma associação muito clara entre educação e elevação do status social e a melhoria das condições sócio-econômicas. A prática tradicional de concursos públicos e os cursos obrigatórios para a ascensão na carreira pública e política são comprovações da existência de um sistema meritocrático, no qual a ascensão educacional abre portas para a ascensão social. Os textos que tratam exclusivamente dos retornos econômicos da educação preocupam-se com os efeitos da educação no mercado de trabalho e com o uso mais eficiente dos recursos disponíveis. Contudo, a literatura econômica esquece-se dos ganhos sociais, especialmente para populações que tem o mérito avaliado e contabilizado na sua trajetória de ascensão social. Para as culturas orientais tal situação tem uma grande valorização para a população, o caso chinês não foge à regra. 4.5.2 – Economia política do desenvolvimento chinês: sistema bancário, gestão cambial, desenvolvimento industrial na construção de um projeto nacional de desenvolvimento. Uma das grandes fraquezas observadas no projeto de desenvolvimento chinês encontra-se na estrutura do sistema financeiro que suporta seu atual processo de crescimento e sua proposta de ascensão econômica. A constituição de um sistema financeiro, exposta de maneira breve, refere-se à existência de uma autoridade monetária, uma estrutura financeira que suporte os mercados (bancos comerciais, de investimentos 187 entre outros) e os intermediários financeiros setoriais (bancos setoriais), sendo que esses são agentes complementares na função de intermediar, financiar e alavancar os demais setores da economia. Para o caso da China, observa-se que essa é sua maior fraqueza para manter no longo prazo sua estrutura de crescimento econômico e, portanto, de desenvolvimento projetado para sua economia. A literatura especializada sobre o setor financeiro (e bancário) chinês, que avalia sua capacidade de intervenção e atuação diante de necessidade de ações mais imediatas e rigorosas frente a cenários de incerteza161, dão conta de alguns problemas latentes do sistema financeiro e bancário chinês, dos quais quatro são destacados conforme exposto a seguir. O primeiro constrangimento refere-se ao sistema financeiro chinês, a despeito de ter expandido nos anos recentes, ser dominado por um grupo de bancos ineficientes e pouco desenvolvidos, que concentram diversas atividades de financiamento e intervenção162. Mesmo com a entrada de grupos estrangeiros e o crescimento da participação doméstica no setor, as ineficiências, principalmente institucionais, permaneceram, sobretudo no que tange aos empréstimos do tipo nonperformance loans (NPLs)163. Três dos quatro grandes bancos chineses têm feito políticas institucionais para aumentar a transparência de suas ações, mas esses ainda são bancos cujo maior acionista é o Estado. Acredita-se que o desafio e o grande objetivo sejam das ações do governo no modus operandis desses bancos, bem como da própria governança institucional, repouse na redução do uso ‘indiscriminado’ dos NPL´s, dado seu nível elevado de risco e comprometimento bancário. O segundo constrangimento diz respeito à estrutura do mercado de capitais, pois sua escala e importância não chegam aos níveis demandados por um processo intenso de crescimento e muito menos quando colocado em comparação com os modelos internacionais. Logo, o mercado de capitais chinês, a despeito do seu crescimento no período estudado, não tem a eficiência necessária na alocação de recursos na economia, é muito voltado à especulação e pouco eficiente na ação de alavancagem empresarial, o que 161 ALLEN, Franklin, QIAN, Jun, QIAN, Meijun. China´s Financial System: past, present and future. Wharton Financial Institutions Center, working paper 05, Philadelphia, 2005. SACKS, Jeffrey et al. Understanding China´s Economic performance, NBER papers 5935, 1997. LEITE, Alexandre César Cunha. A Crise Financeira Global e as contribuições de Marx e Minsky para o estudo da economia chinesa. Anais do Encontro da Sociedade Brasileira de Economia Política – SEP, 2010. LEVINE, Ross. BankBased or Market-Based Financial System: which is better? Journal of Financial Intermediation, 11, 2002., entre outros. 162 BOC – Bank of China, ABC – Agriculture Bank of China, CCB – People´s Construction Bank of China, ICBC – Industrial and Commercial Bank of China. 163 Ressalta-se aqui que não é objetivo dessa tese aprofundar-se a respeito do risco das NPL´s. Para maiores informações, observe Allen, Qian e Qian (2005). 188 impacta diretamente em dois setores fundamentais, a saber: o governo, que se vê obrigado a preencher esse espaço mantendo em níveis elevados seu suporte ao crescimento e ao financiamento de setores prioritários; e o setor industrial produtivo, que se vê desprovido de um sistema financeiro dotado de eficiência no financiamento, mantendo certo grau de dependência com a boa vontade do Estado chinês. O terceiro constrangimento, conforme avaliam Allen, Qian e Qian (2005 [2008]), o crescimento econômico da China não se deve ao desenvolvimento ou sucesso do setor financeiro, bancário ou do desenvolvimento recente do mercado de capitais, mas sim, pelo desenvolvimento paralelo de um setor financeiro intermediário, informal, concessor de crédito, formado por uma coalizão entre proprietários de empresas, investidores e agentes do governo local. Ainda segundo esses autores, “Many of these financing channels rely on alternative governance mechanisms, such as competition in product and input markets, and trust, reputation, and relationships. Together these mechanisms of financing and government have supported the growth of a hybrid sector of nonstate, nonlisted firms with various types of ownership structure. It is important to point out at the outset that our definition of the hybrid sector is broader than privately or individual owned firms, which are only part of this sector. In particular, firms that are partially owned by local governments (e.g. township village enterprises or TVE´s) are also included in the hybrid sector. This is for two reasons. First, despite the ownership stake of local governments and the sometimes ambiguous ownership structure and property rights, the operation of these firms resembles more closely that of a forprofit, privately owned firm than that of a state-owned firm. Second, the ownership stake of local government in many of these firms has been privatized. (ALLEN, QIAN E QIAN, 2008: 507)”. 164 Logo, o crescimento do setor híbrido tem uma ligação mais estreita com o crescimento da economia (sustentado pelas instituições supracitadas) do que o setor financeiro e bancário institucionalizado e regularizado no país. Contudo, o que deve ser observado é que o governo chinês terá que lutar contra fortes interesses privados e governos locais para desfazer esse sistema (mais eficiente, diga-se de passagem) de financiamento da economia para dinamizar seu setor bancário e financeiro. Ainda, observa-se que toda essa estrutura afeta o poder de ação das políticas monetárias e 164 Grifos meus. 189 cambiais do Estado, visto que a efetividade das mesmas dependerá dessa estrutura paralela. O quarto ponto restritivo a ser destacado, a respeito do sistema financeiro e bancário chinês, refere-se a seu enorme desafio de evitar danos originados de crises financeiras internacionais e, sobretudo, permitir que essas afetem seu desempenho econômico e os ganhos sociais obtidos nas últimas três décadas. A respeito desse ponto, cabe ressaltar que seja qual for o modelo de abertura externa usado, esse encerra uma vulnerabilidade devido à interdependência entre as instituições financeiras em âmbito mundial. A entrada da China na OMC, conforme descrita anteriormente aqui nesse capítulo, trouxe resultados positivos para a China, mas simultaneamente, colocou a China na rota financeira mundial, abrindo espaço para a entrada de novos bancos internacionais, crescimento dos fluxos de capitais (produtivos e financeiros) e elevação das reservas internacionais, para citar alguns exemplos. Logo, maiores são as possibilidades de ocorrência de crises gêmeas (simultaneamente cambial e do mercado de capitais), como ocorrido na Ásia, no final da década de 90, e da crescente dependência do financiamento do tipo NPL165. São fatores que podem, em períodos de instabilidade internacional, acentuar as fragilidades do sistema bancário e financeiro Chinês, conseqüentemente, de sua economia e seu desempenho. Parte desse problema no sistema financeiro e bancário da China reflete-se em duas outras áreas de gestão político-econômica, logo, atreladas ao desenvolvimento chinês, a saber: o desenvolvimento do setor industrial e a gestão do câmbio, ambos como instrumento de promoção das exportações e de proteção da indústria (setores diversos) nacionais. Avaliação a respeito dessas duas áreas será feita a seguir. O que fica de questionamento após essa breve descrição da organização do sistema financeiro e bancário chinês é entender como a China financia seu processo de crescimento econômico, posteriormente, influenciando seu projeto de desenvolvimento. A literatura acima citada dá conta que as quatro fontes mais relevantes de financiamento para as empresas na China são os empréstimos bancários (domésticos) concedidos a prazo fixo às firmas, auto alavancagem empresarial (ações), auxílios derivados do orçamento do Estado e investimentos estrangeiros (entrada de capital estrangeiro na 165 Ressalta-se que a apresentação da estrutura, situação atual e problemas existentes no sistema financeiro e bancário chinês faz parte de uma introdução a respeito do desenvolvimento industrial e da gestão cambial da China, visto que essas duas áreas são fundamentais para compreender a trajetória dos indicadores de desenvolvimento, essencialmente, os econômicos e sociais do país. 190 forma de investimentos diretos e aquisições de ações e títulos empresariais)166. Contudo, a mesma literatura apresenta dados de que as principais fontes de financiamento estão nos empréstimos bancários e nos fundos de alavancagem própria das empresas167. Esse modelo de financiamento pode acarretar alguns problemas para a China no médio e longo prazo. Em primeiro lugar, deve-se ressaltar os efeitos da liberalização da conta de capital. A teoria econômica sobre liberalização da conta de capital versa que a tendência é um aumento na eficiência do setor financeiro do país168. Logo, uma liberalização da conta de capital na China, quando associada a sua recente (2001) entrada na OMC, cria um processo de entrada simultânea de capital e mercadorias, o que tende a modificar a rota dos preços relativos das mercadorias além de afetar o câmbio em direção à uma valorização. Talvez, por conta dessa situação, o governo chinês ainda esteja tão rígido no controle da sua moeda e da sua taxa de câmbio. O segundo ponto a ser ressaltado, também sustentado pela teoria econômica, é que tais processos de liberalização devem ser realizados após uma reestruturação do setor financeiro do país – é pré-condição para iniciar um processo de liberalização da conta de capital uma reestruturação do setor financeiro que prepare os agentes internos para a avalanche de capital que tende a entrar no país – para o caso da China, isso é ainda mais relevante. A posição de Allen et al (2005) tende ao otimismo, “A financial sector liberalization, which allows foreign financial institutions to enter China´s lending markets, can further improve welfare, as more competition provides stronger incentives for all banks to further discourage moral hazard in investment. As long as the adverse selection problem is not severe, financial sector liberalization will further improve welfare. Overall, we conclude that a liberalization of the capital account is likely to be beneficial for China as long as the (post-liberalization) cost of capital banks does not rise sharply (Allen, Qian e Qian, 2005: 13).” Porém, segundo descrito acima, observa-se que o setor financeiro chinês ainda está em fase de reformulação, reestruturando sua base e mantendo-se relativamente dependente de uma estrutura atrelada ao Estado, o que, a meu juízo, pode afetar a 166 Constam no texto de Allen, Qian e Qian (2005), “in terms of firms fixed asset investiments, are (domestic) bank loans, firms’ self-fund raising, the state budget, and FDI” 167 Para o caso dos self-fund raising, observa-se que os maiores atuantes nesse segmento são os governos locais (ultrapassando seus constrangimentos orçamentários), membros da comunidade empresarial e investidores. Já no que diz respeito ao FDI, observa-se atualmente (considerando o período de análise desse trabalho) que a China encontra-se entre os cinco maiores pólos atratores de investimento direto estrangeiro no mundo, regionalmente, ultrapassando Coréia do Sul e Taiwan. 168 McKinnon (1991), Dornbusch (1998), Fischer (1998), entre outros. 191 condução e os resultados esperados com o processo de abertura. Por exemplo, a valorização cambial poderia alterar o fluxo exportador chinês. Parte dessa valorização viria da forte corrente de capital estrangeiro entrando na economia do país. Essa valorização pode, além de alterar o fluxo comercial chinês, afetar o poder de compra interno da moeda, criando uma pressão inflacionária, que por sua vez, deveria ser controlada mais intensamente pela autoridade monetária chinesa. Tal situação nos remete a uma breve análise da questão cambial chinesa. A questão cambial chinesa é um fator de grande relevância para grande parte dos assuntos destacados nessa seção. A China, por intermédio de sua autoridade monetária, vem mantendo sua taxa de câmbio desvalorizada frente às principais moedas das economias desenvolvidas mundiais. Essencialmente, quando comparada com o dólar, fica perceptível que a gestão monetária/cambial chinesa tem função estratégica para os objetivos políticos e econômicos chineses (Tabela 4.9). Inicialmente, pode-se destacar que tal relação cambial gera para as indústrias nacionais um sistema artificial de proteção. O que se pode observar da literatura que trata de países que passaram por processos de industrialização tardia é que a proteção não consiste em um problema, ao contrário169. A proteção concedida ao setor produtivo nacional nas fases iniciais do desenvolvimento é compreendida como uma ferramenta necessária para o desenvolvimento econômico nacional. Todavia, esse artifício não deve ser perene, dadas as imperfeições geradas na estrutura do mercado interno. Logo, aos poucos, esse sistema de proteção deve passar por uma redução gradual até que os níveis de proteção artificial sejam substituídos por uma estrutura nacional preparada para enfrentar as condições de concorrência do mercado. Outra função estratégica do câmbio é o estímulo às exportações chinesas (ver Tabela de fluxo comercial – Tabela 4.3). Esse estímulo faz com que o saldo comercial chinês apresente saldo positivo a despeito de sua elevada demanda no mercado internacional por insumos. Sabe-se que a China tem uma demanda elevada e crescente de insumos produtivos que são parcialmente produzidos internamente ou, devido às características físicas e geográficas, não são produzidos internamente. 169 CHANG, Ha-Joon. Chutando a Escada: a estratégia do desenvolvimento em perspectiva histórica. São Paulo: Editora UNESP, 2004. PREBISCH, Raul. O desenvolvimento econômico da América Latina e seus principais problemas. RJ: Revista Brasileira de Economia. 1982 (reprodução do artigo de 1949). Outros autores cepalinos também dão conta do assunto da industrialização em países subdesenvolvidos, bem como autores que estudam os modelos híbridos dos países asiáticos. 192 Tabela 4.9. Evolução da relação cambial Yuan/US$ - 1981-2008. Ano 1981 1982 1983 1984 1985 1986 1987 1988 1989 1990 Taxa de câmbio Yuan/US$ 1,75 1,92 1,98 2,8 3,2 3,72 3,72 3,72 4,72 5,22 Ano 1991 1992 1993 1994 1995 1996 1997 1998 1999 2000 Taxa de câmbio Yuan/US$ 5,43 5,75 5,8 8,45 8,32 8,3 8,28 8,28 8,28 8,28 Ano 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 Taxa de câmbio 8,28 8,28 8,28 8,28 8,07 7,8 7,3 6,83 Yuan/US$ Fonte: Bank of RPC e IMF (2010) A observação do regime cambial chinês nos remete à constatação de que, desde o início das reformas implementadas no final da década de 70 (Tabela 4.9 acima), o controle centralizado do Estado tem se tornado uma constante. Observando os valores acima, pode-se fazer uma distinção temporal da gestão do câmbio. Em 1986, o mecanismo centralizado de gestão cambial (sistema dual de taxa de câmbio) deu lugar para um regime de flutuação administrada, com uma banda restrita, até a alteração realizada no período 1994/1995. A partir desse período, o patamar cambial teve o papel de instrumento artificial de estímulo às exportações chinesas no mercado mundial170. Com a entrada da China na OMC e o acirramento dos efeitos da globalização financeira, o grau de integração entre a economia mundial e a economia chinesa aumentou significativamente. Logo, a relação de interdependência entre as políticas monetárias e cambiais, definidas por economias centrais no cenário internacional, tendem a gerar efeitos para além das fronteiras nacionais171. Ainda, caso a China resolva adotar uma flexibilização do seu regime cambial, essa necessariamente deve vir acompanhada de uma valorização da sua taxa de câmbio, até então, considerada como negativa pelo governo chinês. Por fim, uma constatação: como os bons resultados econômicos chineses estão intimamente atrelados à sua taxa de câmbio, especialmente frente ao dólar, mesmo havendo interesse chinês de reforçar a 170 A atual taxa de câmbio chinesa é considerada pela comunidade internacional como extremamente desvalorizada e distante do nível de equilíbrio econômico (nacional e externo). Tal constatação vem criando demandas contínuas dos países, especialmente, grandes exportadores no mercado internacional, para uma flexibilização do regime cambial. McKinnon (2004) ressalta a preocupação norte-americana com a gestão cambial do governo chinês, visto a relação estimada entre a política de câmbio da China e a existência de déficits gêmeos dos EUA (fiscal e comercial). 171 Paul Krugman ressalta ainda da chamada “trindade impossível”. Uma economia integrada à economia mundial tem que escolher dois entre três objetivos: estabilidade da taxa de câmbio, independência monetária ou integração no mercado financeiro internacional. Para o caso da China, caso a escolha seja a independência da política monetária ou da rigidez cambial, terá que abrir mão de um dos outros dois objetivos, ou seja, da política monetária ou da integração internacional. 193 percepção mundial de que a China realmente adotou uma economia de mercado e deixará as variáveis econômicas ser por esse definidas, tal modificação deverá ser lenta, gradual e pautada pelos objetivos relativos ao projeto nacional de desenvolvimento e de manutenção da estabilidade política nacional. A conclusão aqui é que a flexibilização cambial para a China é uma decisão não só econômica, mas também política, que arrisca muito dos objetivos prioritários do Estado chinês. O que não indica que não vá acontecer, mas que deverá ser precedida de melhor estruturação do seu sistema financeiro e da criação de mecanismos de proteção e esterilização dos vultosos fluxos de capitais que estão direcionados ao país. Finalmente, quando se trata do setor industrial chinês e seu desenvolvimento no período recente, observa-se que poucas economias emergentes obtiverem sucesso semelhante ao atingido pela China, tais como Coréia do Sul, Brasil, Índia e Taiwan. Em todos os casos, é perceptível que o uso de mecanismos de elevação da capacidade de produção (extensivos) e das políticas focadas na elevação da produtividade (seja do capital, trabalho e da utilização dos recursos envolvidos). Esses países passaram a obter maior sucesso e, conseqüentemente, maior destaque no cenário internacional, quando passaram a ter ganhos de produtividade e uso de tecnologias intensivas que proporcionaram a elevação dos ganhos reais. É fundamental, entretanto, ressaltar que, cada um a sua maneira, fez uso da ação do Estado, especialmente, como propiciador de infra-estrutura básicas (as chamadas micro condições para o crescimento econômico) e posteriormente, incentivando a participação da iniciativa privada na atividade econômica. Simultaneamente, cabe ressaltar que tais movimentos são perpassados por inconsistências e erros de condução operacional, tais como privatizações mal planejadas, excesso de corrupção e má distribuição dos ganhos relativos às atividades econômicas. Ao analisar o caso chinês, observam-se algumas características específicas da industrialização chinesa. Desde o início das reformas pró-mercado até os dias atuais (2008), o setor industrial chinês atingiu um tamanho e uma escala substancial, tornandose um ator regional fundamental e um ator global de envergadura para a composição do mercado mundial de mercadorias. Uma participação relevante nesse processo de transformação da estrutura industrial da China concentra-se em duas alterações realizadas no período de implementação das reformas pró-mercado: a abertura para novas empresas, domésticas ou estrangeiras (via “capitalismo com características chinesas”) e pela estruturação das 194 empresas estatais (SOE´s). Tais modificações intensificaram a competição, estimulando os setores inseridos na economia chinesa a adequar-se ao novo cenário mais aguerrido172. O histórico da transformação industrial chinesa remonta ao final da década de 70, cujos instrumentos estavam focados no maior impacto dos incentivos dados pelo Estado e na força do mercado direcionando de forma mais efetiva e produtiva a alocação dos recursos. Fica perceptível que, entre outros componentes, o aumento da autonomia das empresas, tinha papel relevante tanto ao sustentar a demanda interna quanto preparar o setor industrial chinês para seu vôo em direção à competição no mercado internacional. Todavia, é a partir da década de 90 que a reforma toma uma direção mais estruturada. Segundo Brandt et al (2008: 573), em meados da década de 90, “the scope of reform expanded to include major restructuring of inherited stocks of labor and capital. State-sector firms, facing growth financial pressure from new competitors who avoid the redundant labor, cumbersome management structure, and costly fringe benefits inherited from plan system, slashed tens of millions from their employment rolls. The past decade has witnessed a step increase in market-oriented business behavior driven by the rapid expansion of foreign-invested firms, which now employ more workers than the combined total state and collective enterprises, accelerated growth of domestic private manufacturing, and the increasingly commercial orientation of state-controlled corporate groups, like Baosteel and China Petroleum”. É importante frisar, contudo, que tal evolução industrial chinesa tem relação íntima com fatores políticos e econômicos já citados anteriormente nesse capítulo e anteriores. A reforma pró-mercado, sustentada por um rol de políticas ativas do Estado, tanto na direção do mercado quanto da abertura “para fora” da China, fez uso de instrumentos diversos tais como uma gestão da entrada de capitais estrangeiros, uma gestão do câmbio e um sistema de co-participação nos setores prioritários – seguindo os princípios ideológicos do planejamento socialista. “Chinese experience shows that despite their undoubted benefits, neither privatization of enterprise ownership nor extensive deregulation, full price flexibility, rule of law, and other widely recommended institutional changes must necessarily precede a broad-gauged advance of manufacturing capabilities (BRANDT, RAWSKI, 2008: 570)”. 172 Tais reformas foram apresentadas e debatidas no capítulo 3, logo, não serão aqui retomadas questões específicas, apenas as considerações sobre o efeito dessas na evolução da economia chinesa. 195 A conclusão que pode ser retirada sobre a evolução do setor industrial chinês é que, feitas as reformas, seja ele de responsabilidade do Estado (SOE) seja ele decorrente do ‘capitalismo com características chinesas’, pode-se observar que, passados 30 anos de iniciadas as reformas, o setor industrial chinês atingiu alto nível de produtividade, especialmente, produtividade do trabalho. Seu resultado de crescimento do produto é em grande parte devido ao crescimento observado no seu setor industrial. Tal expansão é marcada por um esforço da indústria chinesa em igualar a qualidade de produtos ocidentais (mediante aprendizado, pesquisa e desenvolvimento de produtos similares), elevar a variedade da sua oferta, tendo olhos nos mercados interno e externo. São fatores destacados na literatura (Branstetter e Lardy, 2008: 621) tais como, “reform-induced growth has stimulated interconnected upward shifts in capability, real wages, and skills content of output and especially exports. Changes in costs and capabilities propel a continuing transformation of China´s export mix from unskilled labor-intensive to skilled labor-intensive and capital-intensive sectors”. Essa transformação fez da emergente China a maior base comercial do globo, figurando entre os três maiores importadores e exportadores do mundo atual, refletindo todo o potencial da sua transformação e atividade industrial (Tabela 4.10). 196 Tabela 4.10. Indicadores Econômico-estratégicos da China: 1978-2008. ANO INDICADOR Taxa de Juros (anual) Investimento Estrangeiro Direto (IED valores absolutos em U$ mi) Entrada de Investimentos Estrangeiros Diretos valores absolutos em US$ mi Reservas Internacionais (incluindo ouro, em valores absolutos em US$ mi Saldo do Balanço Comercial 1 - Saldo externo de bens e serviços (em % do PIB) 2 - Saldo externo de bens e serviços (em US$ mi) Investimentos com Defesa/PIB (%)173 1978 1980 1985 1990 1995 2000 2005 2008 nd -0,360 0,720 0,720 1,080 3,600 3,330 nd nd nd 1.030 2.657 33.849 37.483 67.821 nd nd nd 1.659 3.487 35.849 38399 79.126 147.791 4,44 10,09 16,88 34,47 80,28 171,76 831,40 1.966,03 -0,46 -0,37 -4,08 2,99 1,64 2,41 -688 -692 -12.501 10.668 11.958 nd nd nd 2,69 1,73 5,53 7,72 28.873 124.797 348.870 1,81 1,97 1,91 Fontes: Banco Mundial e FMI (2011) A título de conclusão parcial, observa-se que a China apresentou, ao longo dos anos estudados, evolução nos seus principais indicadores de desenvolvimento econômico. Já no que se refere aos indicadores sociais, observa-se um caminho ainda a ser trilhado pelo governo chinês, demandando, claramente, uma ação mais intensa do Estado, principalmente, na redução das grandes desigualdades sociais, criadas por questões geográficas, educacionais e de distanciamento de rendas auferidas pelos agentes. Essas observações, todavia, não eliminam os resultados positivos obtidos, entre eles, a expansão econômica da China, observada pelos seus fluxos comerciais, 173 Os dados referentes à 2009 e 2010 apresentam crescimento desse indicador para valores acima de 2,0% do PIB. Considerando gastos declarados. 197 crescimento do seu produto nacional e do seu setor industrial. Ainda, e redução gradual, porém eficiente e contínua, da miséria. Ou seja, a existência de distúrbios na distribuição de renda não inviabilizam ou invalidam os resultados positivos obtidos tais como a retirada de aproximadamente 600 milhões de pessoas do estado de miséria. A expansão chinesa trouxe para a economia uma conseqüente elevação da produtividade e do estímulo à inovação. As modificações realizadas no campo e nas cidades geraram melhorias educacionais nas cidades e descompasso com o campo. Ainda, localidades distantes de pólos comerciais são menos desenvolvidas, substituindo a razão rural/urbana pela razão cidades pouco dinâmicas/centros comerciais desenvolvidos e industrializados. A economia socialista de mercado trouxe retornos para a China, porém, elevam-se os níveis de obrigações que a China tem que atender para manter sua ascensão mundial. Para que essa seja pacífica, não basta que a China declare-se como potência emergente pacífica, mas que a sociedade internacional tenha a mesma percepção. 198 Conclusão A China apresentou-se, a partir do início das reformas pró-mercado e de abertura, como a “novidade” da economia mundial. É fato reconhecido por todos os estudiosos econômicos, analistas internacionais, sociólogos, entre outros, que, nos últimos 30 anos, não houve país que apresentasse resultados de desempenho econômico que se aproximasse ao obtido pela China. Impressiona, ao passar pela literatura, independentemente de qual seja a vertente ideológica ou analítica do texto, observar o primeiro parágrafo desses textos uníssonos em dizer que as transformações iniciadas em 1978 elevaram a condição econômica, política e social da China no cenário internacional, mediante um crescimento econômico incomparável (média de 9% a.a.). Particularmente, tenho apreço pela colocação de Fairbank, citado na obra de Giovanni Arrighi – Adam Smith em Pequin, na qual ele em um primeiro momento diz: “O esforço de modernização feito pela China nos últimos anos tem escala tão titânica que chega a ser difícil compreendê-lo”. A citação acima ilustra bem o que fomentou a curiosidade na pesquisa que agora se conclui. Entender se a economia chinesa, dirigida de forma tão peculiar numa estrutura de Estado-partido teria sucesso adotando práticas capitalistas e, em caso de resposta positiva, seria esse sucesso reproduzível? A tese que se conclui mostra que quando se considera o desempenho econômico da China, pode-se afirmar que o projeto de desenvolvimento colocado em prática há 30 anos logrou sucesso. A pesquisa e os resultados obtidos estão alinhados com a reflexão proposta pelo professor Henrique Altemani em artigo publicado na Konrad Adenauer em 2009 quando este observa que, ‘os desafios econômicos são considerados fundamentais e inseparáveis dos elementos básicos da segurança nacional: independência, soberania e estabilidade’. Nesse sentido, estes desafios econômicos testam, em primeiro lugar, ‘se a China pode sobreviver e se transformar num grande poder dentro do esquema competitivo internacional’ e, segundo lugar, da mesma forma, se o resultado econômico permanecerá garantindo a estabilidade política interna. Contudo, a proposta aqui vai um pouco além, considera-se aqui que a China já obteve resultado em várias searas do seu projeto, restava saber, se a China poderia ser um modelo a ser seguido pelos demais emergentes, conforme postulava Joshua Ramo. 199 Contudo, não se pode restringir o estudo do desempenho da China ao entendimento dos motivos do seu crescimento econômico. A análise deve integrar o crescimento econômico ao estudo do desenvolvimento, da melhoria das condições sociais, da inserção internacional e da sua postura diante de um cenário internacional mais integrado e interdependente para que seja possível entender como foi estruturada essa sociedade, sua base econômica, as decisões tomadas pelo Estado e as políticas adotadas para alcançar os resultados que vem sendo motivo de estudos interpretativos de toda a comunidade acadêmica, formadores de opinião e analistas políticos governamentais ao redor do globo. Quando foi divulgado no meio acadêmico e político o chamado Consenso de Beijing, oriundo da pesquisa de Joshua Cooper Ramo, colocando que a China e seu ‘modelo’ tornava-se um exemplo, um novo caminho, para que outros países em desenvolvimento tornassem-se efetivamente desenvolvidos e, ainda, que se encaixassem na ordem internacional de tal maneira que o desenvolvimento obtido fosse verdadeiro e independente das “velhas potências”, protegendo sua autonomia, soberania, seu modo de vida e suas opções políticas. A despeito das hipóteses de Ramo em seu trabalho, essencialmente a defesa e prática do multilateralismo e a adequação dos projetos de desenvolvimento, esse trabalho manteve como hipótese a singularidade da experiência chinesa. Essa tese partiu da premissa inicial de que a China é singular, única. Suas idiossincrasias merecem atenção para que não se atreva a lançá-la na vala comum do estudo do crescimento econômico, e que esse estudo não se transforme em uma generalização simples de um modelo de crescimento econômico. Nem modelo de crescimento econômico, muito menos generalizações podem derivar do estudo da China e do seu projeto nacional de desenvolvimento. Não, a China não permite tal erro. Razão essa pela qual o estudo de sua estrutura política, social e econômica seja tão complexo, demande um elevado tempo de leitura e, sobretudo, de conhecimento de sua história e de sua cultura, mesmo que esse não seja o objeto central da pesquisa pretendida. Estabelece-se então que o estudo do desenvolvimento econômico chinês não pode decretá-lo como um paradigma de desenvolvimento do século XXI, muito menos adaptar a experiência chinesa aos processos de desenvolvimento empreendidos pelos demais países emergentes ou em desenvolvimento. Suas particularidades internas, seu modelo 200 político diferenciado, suas potencialidades e fraquezas não encontram comparações imediatas no cenário internacional. As demais premissas consideradas para a pesquisa realizada (levando em conta essa premissa inicial) são que: o modelo político da China influencia definitivamente seus resultados econômicos e suas decisões no que diz respeito à sua política externa, logo seu processo de inserção internacional. Ainda, é reconhecido como verdade, que o processo de transformação estrutural implantado na China, predominantemente após 1978, obteve êxito no que concerne ao seu resultado econômico e ao desenvolvimento do país. Por fim, ainda dentro das premissas estabelecidas, tem-se que toda essa transformação engendrada pela China nesses últimos 30 anos, resultou também em uma definição de inserção e ascensão chinesa no cenário internacional. Ponto esse merecedor de uma reflexão a respeito se, tal inserção e ascensão vem seguindo uma trajetória que pode ser classificada como pacífica ou ameaçadora. A China adentra na cena internacional de maneira gradual, porém, incisiva. Mas tal postura não determina que a China esteja assumindo ou postulando o posto de motor da economia mundial ou de nova potência hegemônica internacional. Mas, sem dúvida, e mesmo que tais afirmações não figurem nos discursos das autoridades políticas chinesas, o resultado desse projeto de desenvolvimento nacional promoveu a China à potência regional e a postulante a superpotência mundial. Insisto, não porque seja esse o objetivo declarado, mas porque a envergadura e a dimensão que a China vem tomando ao longo do período estudado, em termos políticos e, sobretudo, econômicos, credenciam o país a ser considerado como um ator primário em nível global. Logo, o objetivo geral desta tese esteve focado em analisar a hipótese, considerando as premissas estabelecidas, de que dadas suas condições estruturais singulares e seu processo de inserção internacional diferenciado, e, a despeito de seu crescimento econômico efetivo, a estrutura do projeto nacional de desenvolvimento da China não pode se transformar em um modelo geral a ser adotado pelos demais países em desenvolvimento como um paradigma de sucesso. A China, conforme foi vislumbrado no estudo da literatura pertinente ao tema, colocou em prática um modelo pautado na gradualidade, no pragmatismo e na correção dos rumos do seu desenvolvimento à medida que as experiências demostravam-se bem sucedidas ou quando o erro era detectado pelos formuladores políticos nacionais. 201 Para tanto, fez-se uso de uma revisão da bibliografia concernente ao tema, buscando entender as modificações estruturais colocadas em andamento na China no período pós-1978. Estabeleceu-se como ordem temporal o intervalo de tempo compreendido entre o ano de 1978 a 2008, completando 30 anos de história, política e resultados econômicos e sociais das transformações. Foi fundamental, entretanto, conhecer a organização política e social chinesa da época anterior, fazendo, nos momentos pertinentes, um resgate histórico do período que antecede as reformas implementadas por Deng Xiaoping, trazendo uma breve descrição analítica do período de Mao Tsé-tung. Contudo, como um estudo que visa compreender o desenvolvimento de uma nação que vem realizando uma inserção internacional diferenciada (adotando uma proposta de abertura diferenciada associada a uma adaptação de capitalismo com características chinesas) é necessário, além do estudo bibliográfico, a leitura de textos oficiais e a análises da evolução de dados quantitativos escolhidos para se compreender a trajetória do desenvolvimento e a ligação entre o crescimento econômico e o desenvolvimento da nação. Com o objetivo de sistematizar as conclusões obtidas nesse trabalho, frente ao exposto acima, a exposição das conclusões seguirá a ordem dos capítulos da tese, destacando suas conclusões parciais. O somatório dessas conclusões leva a conclusão final da tese. No primeiro capítulo foi realizada uma descrição histórica da China com o intuito de apresentar ao leitor os antecedentes históricos e o palco das transformações implementadas por Deng Xiaoping. Da descrição histórica e das condições socioeconômicas observadas, reitera-se a premissa de que a China é um ator singular no cenário internacional. Seu modelo político, suas características geográficas e seu modo de organização econômica não encontram similares na sociedade mundial. Observou-se que suas peculiaridades ultrapassavam seu modelo político, mas sua geografia, sua distribuição populacional e suas fronteiras fazem parte de um mapa de singularidades com complementam a descrição da história recente da China. Para que seja avaliado e compreendido o conjunto de transformações colocado em andamento na China desde a constituição da República Popular da China, e especificamente, depois da transição Mao Tsé-tung – Deng Xiaoping, foco temporal desse estudo, torna-se imperativo conhecer os antecedentes culturais e políticos da China. 202 O segundo capítulo da tese teve como seu principal objetivo entender a questão da soberania e da segurança no contexto chinês atual. O que se pode concluir é que a China trata com muito cuidado tais conceitos, essencialmente, adequando-os aos eventos relativos ao seu passado, essencialmente de intervenções estrangeiras e de conflitos regionais, e aos seus objetivos de desenvolvimento nacional. O capítulo trouxe uma breve revisão da literatura que versa sobre soberania e segurança e posteriormente, analisa esses conceitos à luz do cenário chinês e de sua inserção/ascensão internacional atual. O que deve ficar claro, como parte da conclusão desse capítulo, é que a inserção internacional chinesa é parte do seu projeto de desenvolvimento. Contudo, seu modelo prima pela soberania, pela autonomia decisória e, sobretudo, pela defesa dos interesses nacionais da China. Ademais, observados os interesses fundamentais da China, as questões que envolvem a segurança nacional, soberania e a integridade territorial apresentaram-se como agenda prioritária, principalmente, quando se considera que dentre seus objetivos figurava a estruturação e consecução de um movimento de inserção internacional. Fica claro neste capítulo que o tratamento de tais conceitos pelo Estado chinês é, assim como sua estrutura socioeconômica, ímpar. Uma conclusão relevante retirada do estudo das decisões e dos discursos chineses no cenário político internacional, concernentes ao seu projeto de desenvolvimento, é que suas resoluções e julgamento nas questões de segurança são coerentes com seu projeto de desenvolvimento nacional, ou seja, inserir o país no cenário internacional, mas com autonomia decisória, sem subordinar-se a ditames internacionais oriundos de nações ocidentais. Adequar-se ao cenário internacional é relevante, mas não de forma submissa e preservando suas premissas internas culturais e políticas. Ainda no que diz respeito à questão de segurança, percebe-se que devido ao grande número de intervenções estrangeiras na China, seja decorrente da expansão comercial européia, seja por intervenções decorrentes de conflitos militares regionais, a China passou a tratar com muita seriedade sua segurança, ampliando o escopo do seu conceito. Passam a figurar como segurança, a disponibilidade de alimento a toda a população, a sua autonomia e soberania, decisória, aspectos econômicos nacionais, além das questões tradicionais relacionadas ao tema. A estabilidade interna é um fator de profunda interferência no ambiente político e econômico do país, podendo, se mal resolvida, colocar em risco todo o projeto de 203 desenvolvimento chinês. À medida que a China ganhava corpo e importância em nível internacional, a segurança, conforme aqui colocado, em sentido amplo, ganhava mais força como determinante da sua postura política, interna e externamente. O posicionamento da China no cenário regional também foi sendo alterado ao longo desses trinta anos. A relação com o Japão permanece conturbada, porém, a China surge agora como uma potência regional devido a sua força econômica, seu fluxo comercial e ao seu posicionamento político nos principais organismos decisórios da política internacional. Buzan, Wæver e Wilde (1998) tratam segurança como sobrevivência. Sobrevivência frente a qualquer ameaça, para além da versão tradicional de ameaça militar, mas uma ameaça que coloque em risco a nação e seus propósitos. Já em 2003, Buzan, Wæver afirmam que uma separação da agenda em high politics e low politics para o caso da China não seria válido. Cito esses autores exclusivamente para corroborar a seguinte afirmação: a agenda de desenvolvimento nacional contempla o econômico e o político, o nacional e o internacional, a preservação da sua cultura e a inclusão social, a inserção e a ascensão, logo, não faz sentido tal separação. Seu cenário é demasiado amplo e complexo para que se restrinjam seus objetivos e os meios para alcançá-los. Quanto ao conceito de soberania, observou-se que a idéia do centro decisório é fundamental para a China. A ‘Nova idéia de soberania chinesa’, está apoiado em três posições, a saber: a sovereignty-bound thinking; o princípio da inviolabilidade da soberania do Estado; e a reciprocidade e mutualidade. É originária dessa concepção os Cinco Princípios de Coexistência Pacífica, que passaram a figurar nos documentos oficiais e, sobretudo, nortear a postura chinesa quando se trata de uma agenda de segurança interna, seu posicionamento nos grandes fóruns internacionais e na definição de sua agenda de reestruturação social e econômica nacional. Considerando estas três características da soberania para o Estado Chinês, observa-se que a China atualmente é uma ferrenha defensora de um formato de soberania no qual é preservado o direito máximo e legitimo do Estado de estabelecer suas leis e de posicionar-se frente aos desafios e ocorrências do cenário internacional sempre em constante mutação. Portanto, conclui-se que é característica predominante na condução política da China, seja em assuntos internos ou externos, (e tudo indica que assim permanecerá) assumir seu conceito de soberania e de segurança, comumente focado em preservar sua autonomia decisória no que tange aos seus objetivos de desenvolvimento nacional. 204 Frente ao cenário acima descrito de interdependência entre as nações e a trajetória de sucesso econômico da China, observa-se que de imensa importância para a pavimentação desse caminho foi a maneira pragmática com a qual a China tratava e, sobretudo, perseguia seus interesses internos, domésticos. Tal postura pragmática superou grandes obstáculos tal como a limitação ideológica do modelo político chinês e a necessidade de um nível de convergência com os principais países membros do cenário internacional. O incidente na Praça Celestial em 1989, mostra como funcionava o pragmatismo chinês. A primeira medida, de cunho emergencial, era extirpar o risco de convulsão interna. Foi feito. O segundo desafio era absorver as críticas (óbvias e certas) e as condenações que viriam dos países desenvolvidos considerando a condução chinesa na resolução do problema. Grandes questionamentos vieram da comunidade internacional, entre elas, seria possível a China dar continuidade ao seu projeto de desenvolvimento nacional, mantendo suas taxas de crescimento econômico tendo uma postura rígida em termos políticos. O terceiro passo da China para dirimir o problema foi voltar seus esforços diplomáticos para “re-estabelecer” suas boas relações com seus vizinhos e com os EUA, principalmente. O foco era corrigir e reduzir as divergências que permaneciam no campo da segurança, mas, sempre, buscando manter sua autonomia e soberania decisória interna. Ou seja, buscou-se reorganizar suas relações internacionais, essencialmente com os países ocidentais, porém, sem um recuo chinês no que tange à sua posição e atuação no incidente. Já na década de 90, o objetivo da China era permanecer expandindo sua participação no cenário internacional, através de uma maior ênfase no processo de abertura, contudo, advogando o multilateralismo como a opção de países emergentes (tais como China, Brasil, Rússia, entre outros) para melhor resguardar seus interesses. O cenário político e econômico mundial da década de 90 trouxeram perturbações, tais como as crises dos países (mercados) emergentes em meados da década. Mesmo diante desse cenário, os objetivos estratégicos chineses foram preservados, adequando-se ao cenário e às movimentações dos demais países dentro da esfera internacional. Com as transições políticas internas, as novas gerações de governantes chineses mantiveram a rota definida no projeto de desenvolvimento nacional, construído e implementado a partir de 1978, refletindo um movimento de continuidade em sua estratégica macropolítica e econômica. Esse comportamento permaneceu durante os primeiros anos do novo século. 205 Essas observações foram retiradas do terceiro capítulo dessa tese que possuía como objetivo descrever e avaliar, à luz da literatura consultada, as modificações essenciais na estrutura política chinesa que influenciaram diretamente seu desempenho econômico e seu objetivo superior de desenvolvimento nacional. Receberam destaque no capítulo supracitado, em primeiro lugar, o esforço de legitimação diferenciada de Deng Xiaoping e sua estratégia para conduzir as grandes transformações políticas e econômicas chinesas. A constatação nesse quesito é que, a Deng Xiaoping interessava exercer a liderança política sem, contudo, concentrar cargos e posições na estrutura de governo da China. Figuravam como essencial aos objetivos de desenvolvimento chinês a modernização estrutural e produtiva chinesa, adoção de algumas práticas capitalista, abertura ao mercado internacional e conseqüente inserção internacional (política e econômica) e inclusão social. Crucial para alcançar esses objetivos era a realização da reforma em três âmbitos distintos, porém interligados dentro da estrutura política e econômica chinesa, a saber: o setor rural, as empresas estatais e a adoção de certas práticas capitalistas, associada a uma maior inserção internacional. No primeiro caso, a modernização passava pela modificação da estrutura de propriedade (e responsabilidade), gestão da terra e dos seus ganhos (passando pela precificação e pela forma de negociação com os demais agentes da economia). Já no que concerne às empresas estatais observou-se a execução de reformas que atingiram em parte seu objetivo: modernização, competitividade e elevação da eficiência e da produtividade. Contudo, devido a sua relação estreita com o Estado chinês e desse com o Partido Comunista, observou-se que sua modernização e a adoção de práticas operacionais mais condizentes com um mercado global ficaram sujeitas a regionalização, decisões de autoridades locais e a posturas discricionárias por parte do Estado-partido. Já quando se refere à adoção de práticas capitalistas e a abertura para a economia internacional, observa-se um sucesso mais significativo, que podem ser exemplificados com a elevação dos investimentos estrangeiros direcionados à China, a concretização da entrada da China na OMC e seu desempenho nos fluxos de trocas de mercadorias e de serviços no mercado internacional. Ao observar a industrialização chinesa, constatam-se algumas características específicas relativas à sua montagem e crescimento. Desde o início das reformas prómercado até os dias atuais (2008), o setor industrial chinês atingiu um tamanho e uma 206 escala substancial, tornando-se um ator regional fundamental e um ator global singular dentro da cena internacional. O mercado mundial de bens, serviços e capital passa, inevitavelmente, pelo comportamento da China, cujas decisões influenciam toda a economia política internacional. Interessante notar que o sistema internacional, mais detidamente o mercado internacional, considera a China como um global player, independente do seu modelo político e das suas posturas dentro da agenda de segurança internacional. Pode-se inferir que a representação econômica da China em escala mundial está, sobretudo, relacionada ao seu desempenho macroeconômico e a sua relevância para a economia mundial, principalmente, em tempos de grande incerteza e oscilações nas principais economias desenvolvidas. Não exclusivamente as reformas colocadas em andamento na China em busca do seu desenvolvimento nacional conferem à China a propriedade de singular, mas, suas potencialidades adormecidas e a forma com a qual elas foram despertadas e colocadas em funcionamento conferem a China a sua unicidade. O andamento das reformas prómercado, associadas a uma forma distinta de governo e a um nível cadenciado de alterações estruturais, moldam a evolução da China gradualmente. Ou seja, a implementação das políticas pró-reforma foi cadenciada, gradual, contínua e pragmática. Os erros, quando percebidos, eram corrigidos ao longo da trajetória, porém, sem interromper o andamento da modernização da estrutura nacional e do seu movimento de inserção internacional. Ainda, a íntima relação entre resultados econômicos e estabilidade política como forma de manutenção de poder, corroboram com a hipótese de singularidade do projeto de desenvolvimento chinês. Não só seu projeto de desenvolvimento, mas suas características internas inerentes fomentam essa qualificação. É perceptível pós-1978, com o aparecimento dos resultados das reformas implementadas, como poder da economia chinesa influenciou demasiadamente seu ambiente interno bem como sua postura internacional e a percepção dos demais membros do sistema internacional a respeito de sua força e relevância. O quarto capítulo da tese iniciou-se com duas discussões de cunho teórico, a primeira diz respeito à compreensão do que se trata um processo de inserção internacional, considerando seus princípios políticos e econômicos. A segunda teve como objeto o entendimento do sentido do desenvolvimento, construindo um conceito de sentido mais amplo, visto que se acreditava mais adequado ao caso da China. Admite-se que tais conceitos sejam essenciais para a análise da evolução dos indicadores 207 socioeconômicos chineses e para inferir sobre sua trajetória de sucesso no que tange aos indicadores econômicos. Mas, além disso, tem deve-se atentar também para os motivos pelos quais algumas políticas adotadas não alcançaram todo o sucesso pretendido. Um exemplo é a evolução da educação na China. O acesso melhorou bem como o número de pessoas influenciadas pela evolução da política de valorização da educação e pela alteração do status social determinada pelo mérito, contudo, ainda observa-se uma grande desigualdade social na China, parte explicada pelas diferenças regionais e pela diferença de renda auferida nas regiões rurais e nas grandes áreas industrializadas da China. No que concerne a seu desenvolvimento industrial, devem ser sublinhados a relevância das Zonas Econômicas Especiais, que se constituíram em um esforço planejado, destinado a criar um clima microeconômico e político para a economia de mercado, para atrair capital estrangeiro, tecnologia, inserir novos modelos de gestão e, sobretudo, criar na China um setor industrial orientado para a promoção de um desenvolvimento que além dos estímulos internos, também utilizasse o aumento das exportações como fonte do desenvolvimento industrial e, por conseguinte, nacional. A elevação do coeficiente de exportação tem relevância no projeto de desenvolvimento chinês. Além de fomentar o desenvolvimento industrial, cria novas zonas econômicas, aumenta a absorção interna de mão-de-obra e, atrelado ao objetivo de aumentar sua participação no mercado internacional, apresenta-se como um forte competidor diante de um mercado internacional integrado e de competição acirrada. No movimento de inserção, a década de 90 ganha destaque, pois a despeito de toda oscilação no mercado mundial, marcado por crises econômicas complexas nos principais centros emergentes, a China passou por tal período incólume. Manteve sua taxa de crescimento em níveis elevados e, associado aos seus resultados econômicos, manteve suas relações econômicas e diplomáticas com os principais países centrais preservadas. Relevante para a manutenção das suas relações com o mundo ocidental capitalista foi sua ascensão à OMC em 2001. A entrada da China na Organização Mundial do Comércio representava o cumprimento de uma etapa do seu processo de inserção internacional e, por conseguinte, do sucesso na implementação de um conjunto de ações e políticas que pôs fim ao seu isolacionismo. A China aceitou e adequou-se às regras colocadas pelo órgão internacional e, talvez mais importante, seja observar a postura do Partido Comunista Chinês ao prover uma certa estabilidade política ao país para que essa parte do seu processo de inserção internacional fosse concretizada. 208 Conforme foi exposto no capítulo 4, a entrada da China para a OMC contribuiu para o processo de inserção internacional da economia chinesa, reforçando os objetivos das reformas implantadas desde o início do período de Deng Xiaoping e acentuando as possibilidades de inclusão da China no cenário internacional, parte essencial do projeto de desenvolvimento nacional chinês. Por fim, a análise dos indicadores sociais chineses mostrou uma evolução numérica significativa, com alguns óbices, como a manutenção da desigualdade regional e entre setores (rural versus indústria e serviços). A condução da política macroeconômica nacional, sobretudo quando se refere à estabilidade monetária interna (controle da oferta monetária e da inflação) e à condução cambial, causam calorosos debates nos fóruns internacionais e duras críticas ao modelo de gestão macroeconômico chinês. Contudo, acredita-se que essa postura faça parte da posição chinesa de preservar seus indicadores internos, caros ao seu projeto de inclusão e desenvolvimento e de suma importância para a manutenção da proteção ao seu setor produtivo nacional e às suas exportações. A China obteve ao longo de todo esse processo de modernização e de transformação de sua estrutura econômica resultados socioeconômicos mensuráveis. O nível educacional aumentou, o acesso à educação seguiu o mesmo caminho, a população está comendo mais e melhor, há ganhos de renda sendo auferidos no meio rural bem como no setor industrial e de serviços. A renda per capita da China subiu, conseqüência da elevação contínua do produto nos últimos trinta anos. A população tem seu crescimento controlado, componentes que somados comprovam o crescimento da renda per capita. O mercado interno chinês cresceu, tanto pelo aumento da renda interna quanto pela inclusão social que inseriu no mercado consumidor do país aproximadamente 600 milhões de pessoas que deixaram saíram do nível de miséria absoluta no país. Houve desenvolvimento socioeconômico na China? A resposta é sim, houve um incrível avanço socioeconômico na China. Esse modelo pode ser repetido em outras nações? Acredita-se que as experiências observadas no caso chinês podem servir de fonte de análise, pesquisa e aprendizado para outras nações, mas não para que se torne um modelo de desenvolvimento econômico a ser reproduzido e aplicado em qualquer nação, visto que as capacidades internas, a cultura, o modelo político e a condução das reformas, além de suas singularidades inerentes não sejam passíveis de reprodução. 209 REFERÊNCIAS ACIOLY, Luciana. China: Uma inserção diferenciada. Disponível em: http://www.eco.unicamp.br/asp-scripts/boletim_ceri/boletim/boletim7/03_China.pdf. ADELMAN, Irma, MORRIS, Cynthia Taft. Development History and its Implications for Development Theory: An Editorial. University of California, 1988. (mimeo). ALLEN, Franklin, QIAN, Jun, QIAN, Meijun. China´s Financial System: past, present and future. In. BRANDT, Loren, RAWSKI, Thomas G. (ed). China´s Great Economic Transformation. NY: Cambrigde University Press, 2008. pp. 506-568. ALMEIDA, Paulo Roberto de. 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