PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC

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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC
PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO
PUC-SP
Alexandre César Cunha Leite
O projeto de desenvolvimento econômico chinês - 1978-2008: a singularidade de
seus fatores políticos e econômicos.
DOUTORADO EM CIÊNCIAS SOCIAIS
SÃO PAULO
2011
PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO
PUC-SP
Alexandre César Cunha Leite
O projeto de desenvolvimento econômico chinês - 1978-2008: a singularidade de
seus fatores políticos e econômicos.
DOUTORADO EM CIÊNCIAS SOCIAIS
Tese apresentada à Banca Examinadora
como exigência parcial para obtenção do
título de Doutor em Ciências Sociais –
linha de pesquisa em Relações
Internacionais
pela
Pontifícia
Universidade Católica de São Paulo, sob
orientação do Professor Doutor Henrique
Altemani de Oliveira.
SÃO PAULO
2011
Banca Examinadora
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Agradecimentos
Agradeço pela atenção e disponibilidade, desde o primeiro contato, ao Professor
Henrique Altemani de Oliveira, que prontamente respondeu ao meu “convite” para ser
orientador de uma pesquisa audaciosa e complexa. Professor Altemani é dotado de
conhecimento invejável, mas, sobretudo, de uma cortesia ímpar, paciência e, no meu
caso, de uma confiança sublime.
Sou grato a todo o tipo de contribuição que engrandeça um trabalho de pesquisa, sem
receio e sem hesitação e sem distinção de onde seja sua origem. No meu caso, não
foram contribuições apenas para a pesquisa, mas para dignificar meu trabalho, ampliar
meu conhecimento, alargar meus horizontes, evoluir profissionalmente. Reconheço a
importância e rendo graças, particularmente, a todos os professores do Programa de
Estudos Pós-graduados em Ciências Sociais da PUC/SP. Dentre esses, cada qual a sua
maneira, seja no convívio, seja nas discussões, debates, reflexões propostas ou novas
leituras até então desconhecidas contribuíram na minha formação acadêmica, científica
e profissional. Cito particularmente os Professores Oliveiros da Silva Ferreira, Noêmia
Lazzareschi, Edgard de Assis de Carvalho e Lúcia Helena Vitalli Rangel. Considero
fundamental agradecer os Professores Joaquim Carlos Racy e Silvio Yoshiro Mizuguchi
Miyazaki, por suas contribuições e, mais relevante ainda, pela proveitosa discussão do
tema da minha pesquisa quando da minha qualificação. Ambos de uma cordialidade e
polidez apropriada a membros de um sistema acadêmico ético.
Agradeço aos amigos que estiveram próximos ao longo do doutorado, pois essa não é
uma época fácil, menos ainda para quem se dispõe a cursá-lo, conciliando trabalho,
família e estudo. Ao longo dessa trajetória, várias pessoas tiveram singular importância
na minha constante vida errante, transitando entre Belo Horizonte e São Paulo, faço
meu agradecimento a todos na figura do colega e contemporâneo de doutorado, Tomaz
Espósito.
Agradeço a contribuição isolada de amigos-professores, seja na fase seminal da ideia, na
construção da tese ou em qualquer outro ponto da trajetória do doutorado, pela
disponibilidade de tempo para debater e discutir meu tema, propor alterações, indicar
leituras, fazer observações, todas elas importantes para essa pesquisa. Nomeio alguns
deles, Matilde de Souza, Rafael Ávila, Leandro Rangel, Túlio Sérgio Henriques Ferreira
e Eugênio Diniz.
Agradeço pela imensa contribuição de minha aluna, orientanda e estagiária de pesquisa
Jéssica Cristina Resende Máximo, que trabalhando comigo, trazia grandes
contribuições, inclusive críticas reflexivas e ao seu grande senso organizativo que muito
me auxiliou ao longo da redação dessa tese.
Agradeço, por fim, mas com destaque inigualável, àquelas pessoas que de alguma forma
compartilharam comigo o sofrimento, foram solidários e, sobretudo, estiveram sempre
ao meu lado para que esse trabalho fosse concluído. Pela ausência em momentos
importantes, ou até mesmo pela simples ausência, me desculpo e, simultaneamente,
agradeço à Caroline. Sou eternamente grato pela sua paciência, pela compreensão diante
da distância, pela dedicação, pelo seu amor e carinho, auxiliando-me diante das diversas
eventualidades, diversidades e das dificuldades relativas à administração da vida
familiar e do dispêndio de tempo, compensando àquele no qual estive focado em meus
estudos. O tempo é fundamental na convivência familiar e na cumplicidade de um
casamento e Caroline foi sempre meu refúgio, minha base.
Há aqueles que não entendem ainda o significado da ausência, apenas sentem. Então,
nada mais justo do que além de agradecer, esperar pelo entendimento que precede a
desculpa e pela compreensão dos meus filhos, Bernardo e João Gabriel.
Não posso deixar de ir à origem de tudo e agradecer à minha família, toda ela,
representada na figura de minha querida afilhada Gabriella e de meu primo-afilhado
André. Agradeço a meu pai e, sobretudo, à minha mãe. Sem esses nada seria possível.
Léa, sou eternamente grato, sempre serei, tudo o que sou devo você.
Ad Matrem: Quia fecit mihi fortis ego sum fortis. Tu es quid factus sum origo.
Tenho especial estima pelo meu sogro, Victor, homem forte e perseverante, (teimosia
com inteligência - uma excelente combinação) com quem aprendi coisas valiosas, boas
referências para a vida.
Dedicatória
Dedico esse trabalho de pesquisa,
estudo e redação àqueles que foram, são
e sempre estarão na razão e na origem
de todos os meus esforços. À Léa,
Caroline, Bernardo e João Gabriel.
“Meus filhos, meu tesouro, meu futuro”
Jorge Ben.
Ítaca
Se partires um dia rumo à Ítaca
Faz votos de que o caminho seja longo
repleto de aventuras, repleto de saber.
Nem lestrigões, nem ciclopes,
nem o colérico Posidon te intimidem!
Eles no teu caminho jamais encontrarás
Se altivo for teu pensamento
Se sutil emoção o teu corpo e o teu espírito tocar
Nem lestrigões, nem ciclopes
Nem o bravio Posidon hás de ver
Se tu mesmo não os levares dentro da alma
Se tua alma não os puser dentro de ti.
Faz votos de que o caminho seja longo.
Numerosas serão as manhãs de verão
Nas quais com que prazer, com que alegria
Tu hás de entrar pela primeira vez um porto
Para correr as lojas dos fenícios
e belas mercancias adquirir.
Madrepérolas, corais, âmbares, ébanos
E perfumes sensuais de toda espécie
Quanto houver de aromas deleitosos.
A muitas cidades do Egito peregrinas
Para aprender, para aprender dos doutos.
Tem todo o tempo Ítaca na mente.
Estás predestinado a ali chegar.
Mas, não apresses a viagem nunca.
Melhor muitos anos levares de jornada
E fundeares na ilha velho enfim.
Rico de quanto ganhaste no caminho
Sem esperar riquezas que Ítaca te desse.
Uma bela viagem deu-te Ítaca.
Sem ela não te ponhas a caminho.
Mais do que isso não lhe cumpre dar-te.
Ítaca não te iludiu
Se a achas pobre.
Tu te tornaste sábio, um homem de experiência.
E, agora, sabes o que significam Ítacas.
Konstantino Kaváfis (1863-1933).
RESUMO
Nos últimos 30 anos a China vem apresentando-se ao contexto internacional como uma
nação de dinamismo econômico impressionante e, simultaneamente, vem sendo palco
de grandes transformações sócio-políticas em seu cenário interno. Sua trajetória de
crescimento econômico, de inserção e ascensão internacional chama atenção do mundo
para o surgimento de uma nova potência. Essa tese preocupou-se em compreender esse
projeto de desenvolvimento nacional chinês, definindo seu ponto de inflexão como o
ano de 1978 e limitando o escopo temporal do estudo ao ano de 2008. Para alcançar
esse objetivo, os esforços descritivos e analíticos foram repartidos em quatro capítulos.
No primeiro capítulo apresenta-se uma breve descrição história do período, tendo como
maior preocupação os principais fatos políticos, econômicos e sociais que moldaram o
cenário interno da China. Pretende-se dessa forma descrever o cenário da transformação
estrutural chinesa que será descrita e avaliada nos capítulos seguintes, todos eles
focados na composição de uma compreensão do projeto de desenvolvimento da China e
na confirmação da hipótese básica da tese de que a China não pode ser vista como um
modelo a ser seguido devido a suas idiossincrasias e singularidades em praticamente
todas as áreas sociais que a compõem. O segundo capítulo debate os conceitos de
soberania e segurança no contexto chinês à luz da contribuição teórica e do seu passado.
Feita essa reflexão e compreendendo a amplitude desses conceitos no cenário chinês e
dentro da proposta política e econômica de desenvolvimento nacional soberano e
autônomo, parte-se para a discussão da sua ascensão como potência regional e as
repercussões desse movimento para a política internacional. O terceiro capítulo busca
relatar e conjecturar a respeito das grandes transformações e mudanças políticas
implementadas na China no pós-1978, com a ascensão de Deng Xiaoping, e como tais
modificações políticas influenciaram na consecução dos seus objetivos norteados pela
sua proposta de desenvolvimento nacional. Ainda, como foi possível a convivência de
um modelo político particular, caracterizado por um estado-partido com práticas
capitalistas adotadas com o fim de melhor adequar sua proposta de inserção
internacional. Por fim, no quarto capítulo, busca-se avaliar quantitativamente e
qualitativamente a progressão dos dados econômicos e sociais que levaram a China a tal
nível de desenvolvimento, compreendendo também sua consistência, mas, sobretudo,
suas particularidades que permitam a classificação do projeto nacional de
desenvolvimento da China como único. Conclui-se essa tese confirmando a hipótese
original de unicidade do caso chinês, do seu projeto de desenvolvimento e que tal
experiência pode contribuir com o desenvolvimento de outras nações emergentes, mas
de forma alguma se tornará um modelo a ser reproduzido pelas demais nações visto suas
particularidades internas e sua forma de adoção.
PALAVRAS-CHAVE
China, Economia política chinesa, Desenvolvimento nacional, Soberania e segurança.
ABSTRACT
Over the past 30 years China is presenting itself to the international context as a nation
of remarkable economic dynamism and, simultaneously, has been the scene of major
socio-political transformations in its internal landscape. Its trajectory of great economic
growth, international insertion and sovereign calls attention to the emergence of a new
power. This thesis was concerned to understand the Chinese national development
project, defining its inflection point as the year of 1978 and limiting the temporal scope
of the study to the year 2008. To achieve this objective, descriptive and analytical
efforts were divided into four chapters. The first chapter presents a brief history of the
period, with the greatest concern of the major political, economic and, social events,
which changes that shaped the internal landscape of China. It is intended to describe the
scenario this way the structural transformation of China which will be described and
evaluated in the following chapters, all focused on understanding the composition of a
development project in China and in confirming the hypothesis of the thesis that China
cannot be seen as a role model because of their idiosyncrasies and peculiarities in
virtually all areas of society that make it up. The second chapter discusses the concepts
of sovereignty and security in the Chinese context to the theoretical contribution and its
past. Made this reflection and realizing the magnitude of these concepts to Chinese
scenery and within the proposed of national development political and economic with
sovereign and autonomous, we proceed to the discussion of its emergence as a regional
power and the repercussions of this movement to international politics. The third
chapter seeks to report and speculate about the great changes and policy changes
implemented in China in the post-1978, with the rise of Deng Xiaoping, and how such
changes influenced policy in achieving its goals guided by its proposal for national
development. Still, it was possible the coexistence of a particular political model,
characterized by a state-party with capitalist practices adopted in order to better tailor its
proposal for international insertion. Finally, the fourth chapter, we assessed
quantitatively and qualitatively the progression of economic and social data to China
that led to this level of development, including also its consistency, but above all its
particularities that allow the classification of the China´s national project
of development as unique. We conclude this thesis confirms the original hypothesis of
uniqueness of the Chinese case, your development project and his experience can
contribute to the development of other emerging nations, but by no means become a
model to be reproduced by other nations because their particularities and their internal
form of adoption.
KEY WORDS
China, Chinese political economy, national development, sovereignty and security.
SUMÁRIO
Introdução.................................................................................................................... 01.
Capítulo 1 – A história recente da China: o período pós-1978................................ 24.
Capítulo 2 – O conceito de Soberania e Segurança na China atual........................ 50.
Capítulo 3 – A configuração política chinesa e sua relação com seu modelo de
desenvolvimento pós-1978............................................................................................70.
3.1 – A transição política Mao Tsé-tung – Deng Xiaoping: como Deng Xiaoping
desconstrói a figura política de Mao Tsé-tung ............................................................. 77.
3.2 – Os anos 80: a década de Deng Xiaoping ................................................. 84.
3.3 – A Modernização de Deng Xiaoping e a Estabilidade Política
Chinesa.......................................................................................................................... 87.
3.4 – As reformas do setor rural e nas empresas estatais chinesas.................... 91.
3.5 – Capitalismo sem democracia ou Capitalismo com características chinesas?
A relação entre o Estado-Partido na China e a iniciativa privada .............................. 115.
3.6 – O governo de Jiang Zemin: o grupo de Shanghai .................................. 120.
3.7 – A quarta geração: O período Hu Jintao ................................................. 127.
Capítulo 4 – Inserção Internacional da China e sua trajetória ao desenvolvimento:
1978-2008 ....................................................................................................................136.
4.1 – Conceito de Inserção Internacional: desfazendo os nós conceituais ..... 136.
4.2 – O Sentido do Desenvolvimento Econômico .......................................... 141.
4.3 - Inserção Internacional e Desenvolvimento na China ............................. 146.
4.3.1 - As bases para a abertura na década de 80: as Zonas Econômicas
Especiais ......................................................................................................................147.
4.3.2 - Expansão da abertura na década de 90: aspectos políticos e sua
influência na estratégica chinesa de abertura para o exterior ......................................151.
4.4 – A inserção chinesa pós-2000 e a influência no desenvolvimento econômico
chinês .......................................................................................................................... 163.
4.4.1 - A entrada da China na Organização Mundial do Comércio e suas
consequências no movimento de inserção internacional e no seu projeto de
desenvolvimento ..........................................................................................................165.
4.5 – A evolução dos indicadores de desenvolvimento socioeconômicos da
China: uma análise da trajetória dos dados ................................................................ 174.
4.5.1 – A evolução dos indicadores sociais ........................................ 174.
4.5.2 – Economia política do desenvolvimento chinês: sistema bancário,
gestão cambial, desenvolvimento industrial na construção de um projeto
nacional de desenvolvimento .......................................................................... 187.
Conclusão ...................................................................................................................199.
Referências ................................................................................................................ 210.
Índice de Quadros
Capítulo 3
Quadro 3.1 - Organização política e partidária na China pós-1978: o Partido Comunista
Chinês e sua estrutura política....................................................................................... 82.
Capítulo 4
Quadro 4.1 Ordem cronológica da implantação das ZEE´s na década de 1980 ..........149.
Índice de Tabelas
Capítulo 3
TABELA 3.1 – Crescimento do Produto Interno da China – Década de
80.................................................................................................................................. 85.
Capítulo 4
TABELA 4.1 – Taxa de Crescimento do PIB Chinês (total e setorial) – em %
.................................................................................................................................... 159.
TABELA4.2 – Indicadores de Comércio Exterior – em % do
PIB............................................................................................................................... 159.
TABELA 4.3 – Indicadores dos Fluxos de Mercadorias e Capitais
Chineses...................................................................................................................... 161.
TABELA 4.4 – Direção do comércio Exterior Chinês – em % do
total............................................................................................................................. 161.
TABELA 4.5 – Comércio Exterior com os Principais Parceiros .............................. 162.
TABELA 4.6 – Evolução da população chinesa e taxa de crescimento anual do PIB
(%).............................................................................................................................. 175.
TABELA 4.7 – Taxa de crescimento da população, expectativa de vida e renda per
capita........................................................................................................................... 176.
TABELA
4.8
–
Evolução
dos
indicadores
educacionais
chineses.................................................................................................................... 183.
TABELA 4.9 – Evolução da relação cambial Yuan/dólar (US$) - 19812008............................................................................................................................. 193.
TABELA 4.10 – Indicadores econômicos estratégicos da China - 1978-2008
.................................................................................................................................... 197.
INTRODUÇÃO
Ao final dos anos 70s, como parte de uma campanha de modernização que trouxe à
tona a “Grande Revolução Chinesa”, a China emergiu como a nação mais peculiar e ao
mesmo tempo de maior dinamismo econômico mundial. Esse dinamismo econômico, que
também guarda intima características culturais e sociais, é caracterizado por um projeto
de desenvolvimento nacional, focado na modernização econômica e produtiva, inclusão
social e avanço da posição chinesa em ordem global. Usando a expressão de James
Kinge1, a “China sacode o Mundo”!
Acredita-se que esta expressão tenha um sentido mais intenso e complexo. Quando
se diz que a China sacode o Mundo, pode-se inferir que a China, durante sua
transformação dinâmica, especialmente econômica, tornou-se a maior beneficiária da
globalização. Sua participação no comércio mundial seja como exportadora, importadora
ou como pólo de atração de investimentos diretos estrangeiros movimentam a economia
local e criam um novo catalisador para a economia mundial. Esta dinâmica, movida pela
reestruturação econômica e social, quando associada ao processo de abertura decorrente
da globalização econômica e da abertura política de diversos países, possibilita à China o
acesso a um mercado em crescimento.
As estatísticas de crescimento econômico da China reportam as mais altas taxas do
mundo a pelo menos 30 anos ininterruptos, observadas desde o final dos anos 70 e início
dos anos 80. Tal crescimento econômico tem início com a ascensão de Deng Xiaoping ao
poder especificamente em 1978, sendo verificados resultados mais diretos a partir de
1980. A China constitui-se em um caso totalmente distinto de tudo aquilo que foi visto ou
estudado pelas mais diversas áreas do conhecimento que buscam compreender os
motivos, as causas, os porquês e as consequências de um período de longa transformação
social, econômica e política em uma única nação. Resguardando muitas de suas bases
culturais, observa-se um sistema político dual – pois guarda bases históricas,
especialmente no que concerne à sua organização, e, ao mesmo tempo, aprende a
conviver com um sistema econômico cujos resultados protegem a manutenção do status
quo das elites políticas dominantes – que convive com reformas econômicas que colocam
a China no rol de economias emergentes.
1
KINGE, James. A China sacode o mundo: a ascensão de uma nação com fome. Tradução Helena
Londres. São Paulo: Globo, 2007.
1
A despeito de alguns diagnósticos comuns e consensuais, o estudo do
desenvolvimento chinês permanece complexo. É aceito pela sociedade acadêmica e pelos
analistas internacionais que a China obteve seu crescimento, entre outros fatores2, por
intermédio da utilização extensiva de fatores subutilizados. A associação desses fatores à
incorporação de tecnologia à parcela da produção agrícola, à existência de alto índice de
poupança interna, à disponibilidade de mão-de-obra a custo reduzido e à inserção de altos
volumes de investimentos públicos e/ou privados resultaram no seu crescimento. Quando
se incorpora o cenário externo favorável ao comércio, tem-se a potência econômica da
China contemporânea.
Ao mesmo tempo, a China tornou-se, seguindo uma trajetória diferenciada, um país
cuja estrutura caracteriza-se por uma evolução tecnológica, um compromissado propósito
com o desenvolvimento nacional, um regime partidário incomum e atualmente, a despeito
das declarações oficiais não confirmarem este interesse e muito menos este objetivo, o
motor da economia mundial. Ao mesmo tempo, este país- continente, potência regional e
potência mundial emergente, consegue aglutinar características como problemas de
inclusão social, má distribuição de renda e descuido com o meio ambiente.
A classificação feita anteriormente da China como um país continente tem
fundamentação na imensidão dos seus dados gerais. Sua área territorial é de 9.536.499
km2 e sua população contabilizada em 2010 alcançou o número de 1,33 bilhões de
habitantes (cerca de 20% da população mundial)3. A taxa de crescimento da China no ano
de 2010 foi de 10,3%, determinando que o país alcançasse o PIB nominal de US$ 6,05
trilhões, ultrapassando a Alemanha como a terceira maior economia do mundo, ficando
atrás apenas de EUA e Japão4. Não menos relevante é compreender que a taxa de
crescimento da economia chinesa que vem sendo observada a partir de 1980 torna a
China uma potência em expansão e seu nível estacionário ainda encontra-se distante.
2
Vale ressaltar que além dos fatores econômicos e da vontade transformadora que impulsionou a
modernização econômica chinesa e seu processo de abertura, devem ser destacados o aval político recebido
por parte dos EUA, o movimento de reaproximação com o ocidente, bem como a inserção na dinâmica
economia asiática no cenário mundial. A diáspora chinesa também pode ser citada como um fator relevante
para a fase de crescimento chinesa. Por fim, o elevado volume de investimentos públicos voltados para
setores estratégicos da economia, planejando sua inserção internacional nos meios políticos e econômicos.
3
Escritório Nacional de Estatísticas da China, 2010. Ainda segundo os dados recentes, este número supera
o somatório de toda a população européia.
4
Foi divulgado na última semana de fevereiro de 2011 um dado de que a China havia ultrapassado o Japão
como a segunda maior economia do mundo, mensurada pelo seu PIB. Contudo, estes dados ainda não
foram confirmados por instituições estatísticas internacionais que tornem o dado público e crível.
2
Já a denominação de potência emergente deve-se ao fato de que a China vem se
constituindo5 como uma potência regional, esforçando-se para ser vista pelos países da
região como um importante player para além de suas fronteiras regionais. O país tem
assento permanente no Conselho de Segurança da ONU6 e é uma potência nuclear desde
1964. Possui um contingente militar que a distingue da maioria dos países da região e a
coloca em um patamar superior à grande parte das nações do globo. Seu orçamento
militar figura entre os três maiores do mundo. Essas variáveis associadas à sua taxa de
crescimento de dois dígitos longeva, ao seu saldo positivo na atração de investimentos
estrangeiros diretos e à sua posição de maior centro comercial7 da economia mundial
garantem à China a classificação de potência emergente.
Faz-se aqui necessário esclarecer o que se considera neste trabalho como potência
regional. Potência regional8 é aquele país que, inserido em um cenário internacional
interdependente, faz-se relevante através de seu potencial econômico e político. De forma
mais clara e direta, pode-se dizer que uma potência regional é um Estado que tem poder
dentro da região na qual se encontra inserido. Logo, uma potência regional deve deter as
seguintes características: i) fazer geograficamente parte da região específica mantendo
sua identidade própria; ii) ter a pretensão de ser uma potência em nível internacional
(independentemente do nível de força do posto almejado); iii) exercer influência nas
decisões estratégicas da região; iv) dispor de capacidade militares, econômicos,
demográficos, políticos e ideológicos que possam influenciar na decisão dos demais
membros da região; v) ser integrada e influenciar na construção da agenda de segurança
da região e, por fim, mas de extrema relevância, vi) ser considerado pelos demais países
como um Estado importante nas decisões estratégicas da região em relação ao resto do
5
Observa-se que a China vem avigorando esforços para ter um espaço político e econômico na região, não
apenas como grande comerciante regional, mas também como uma voz política internacional ativa e
soberana.
6
Obtido em 1971 desde a resolução da questão com Taiwan.
7
Por centro comercial aqui se leva em consideração os resultados do fluxo de comércio, o total de
importações e exportações, dados de 2010.
8
Uma perspective distinta foi desenvolvida por Oyvind Osterud (1990) que, mesmo usando categorias de
Grandes Potencias Regionais, ressalta que tal classificação não deve ser confundida com a de potência
regional e potência intermediária. Seu estudo pondera que: “as noções de hierarquia de poder devem
incorporar modelos e características de comportamento internacional que ultrapassam o posicionamento
dos países em uma escala contínua de poder, atada a uma mensuração objetiva, pois uma tipologia de
potências deve ser definida com relação ao papel particular que elas ocupam no cenário internacional” (pp.
05). Para sua formulação do conceito de Grande Potência Regional, Osterud lançou mão de parâmetros tais
como: i) países que são geograficamente parte de um sistema regional; ii) países que são capazes de se
contrapor a coalizões de Estados da região; iii) países com alta influência nos negócios regionais e; iv)
Estados cujo status de potência regional pode estar associado a outras categorias de potências no sentido
geral do sistema internacional – grandes, médias, secundárias ou intermediárias.
3
mundo. Essas características permitem a um país estabelecer-se como central na indução
econômica e como integrador dos interesses dos países da região. Sublinha-se que, é a
capacidade econômica desse país, principalmente, via seu desenvolvimento, que
impulsiona o crescimento das demais nações da região. A conotação de potência, para
além da força integradora política, reserva-se, sobretudo, à força econômica que exerce
um poder catalizador nos países da região. Aqui surge uma indagação: no caso chinês são
os indicadores de capacidade econômica e possibilidades futuras de crescimento e
desenvolvimento do país que fundamentam sua caracterização de potência regional? Ou
será o contrario? Além da capacidade econômica, a vontade política de exercer poder é
que possibilita o rótulo de potencia regional? Acredita-se aqui que a posição política da
China, interna e externamente, é sustentada pelos seus resultados econômicos. Porém não
se descarta que existe uma enorme vontade política na China em exercer seu poder (sua
vontade e seu interesse) na região. Contudo, para que esse poder seja efetivo, a China
teve que adotar medidas de modernização econômica para se ajustar ao cenário regional e
mundial.
Considera-se aqui potência emergente um Estado dotado de fatores que o qualifique
e permita a atuar de maneira “independente”, influir sobre a decisão de outros Estados e
determinar em que condições ele se expressa como potência regional internacional.
Dentre estes fatores destacam-se inicialmente a extensão territorial, poder econômico e
poder militar. Assim, um Estado que dispõe de força econômica e militar, associada a sua
extensão territorial, pode-se tornar hegemônico desde que use com habilidade e coerência
a vantagem criada pela sua dotação de recursos. Ainda, para alcançar o nível de
hegemônico dentro de uma região ou grupo de países, deve o Estado tornar-se um norte
para o estabelecimento de alianças estratégicas na região ou em âmbito internacional9.
Moniz Bandeira complementa a conceituação observando que a capacidade diplomática é
fundamental para que este Estado exerça seu poder em função de obter um resultado
positivo sem que lance mão de um conflito ou uma guerra. O poder, segundo Bandeira é
a habilidade de um ator de prevalecer em um conflito e superar os obstáculos
encontrados, utilizando a vantagem criada por seus recursos10. Já o potencial do status do
poder é uma estimativa dos recursos materiais e humanos que podem ser mobilizados
9
Deutsch, Karl W. On the Concepts of Politics and Power. In. FARREL, John C., SMITH, Asa P. (ed)
Theory and Reality in International Relations. NY: London-Columbia University Press, 1967.
10
Citado por Luiz Alberto Moniz Bandeira em http://www.espacoacademico.com.br/091/91bandeira.htm,
acessado em 28/03/2011.
4
para que se obtenha êxito na disputa. Portanto, a potência hegemônica é a que habilmente
usa seus recursos disponíveis para influenciar a decisão e condução de outros Estados11.
Contudo, a trajetória de crescimento da China não esteve tão clara assim durante
todo o tempo e o país já experimentou períodos mais sombrios, marcados por indefinição
a respeito do seu futuro. Não é intuito usar esta contextualização para descrever a milenar
história da China, logo o que segue é uma breve descrição da história recente de
transformações ocorridas no país.
A fundação da República Popular da China, no dia 1º de outubro de 1949, buscava,
sob a tutela de Mao Tsé-tung e seguindo a orientação comunista, a criação de uma nova
estrutura social, política e econômica. A esta época, a China não dispunha dos elementos
básicos para implementar e, num segundo momento, sustentar um processo de
modernização que a transformasse em uma potência global.12 , mesmo que, para alguns
analistas, a colocação de Mao Tsé-tung de que a “China nunca mais seria humilhada” já
indicava a inicial pretensão chinesa de ser uma potência para não mais sofrer
constrangimentos de outras. Simultaneamente, deve-se deixar claro, que a China sempre
manteve a percepção de que ela era e o seria sempre o centro dominante regional, seja no
quesito cultural seja no que se refere a ordenamento político e econômico13.
Inexistia na China, antes de instaurado o novo regime, disponibilidade de capital14,
havia excedente de mão-de-obra, porém com baixa qualificação, dispersa em um
território de dimensões continentais e sua base produtiva era intensiva em trabalho e com
baixo coeficiente de produtividade15. Uma elevada parcela da população estava
diretamente ligada a uma economia de subsistência. O país apresentava desenvolvimento
industrial irrisório, estava arruinado por uma inflação descontrolada e pelo caos
econômico; a população iletrada enfrentava o desemprego e o empobrecimento. O
11
É parte da ideia de potência emergente a existência de uma “vontade política” de exercício de poder no
plano internacional. É o que Moniz Bandeira quer dizer com “capacidade diplomática”, ideia aqui
corroborada pelo autor.
12
A idéia de potência global pode ser entendida também como um postulante à nova potência mundial ou
um novo global player com capabilities suficientes para enfrentar os antigos jogadores do cenário políticoeconômico mundial.
13
Vale ponderar que a vitória do Partido Comunista Chinês deveu-se a uma coalizão com os setores
burgueses. Com uma característica pragmática que se repete depois no retorno à Comunidade Internacional
– início dos 70 – e igualmente no início do processo de Reformas. Isto é, a comunidade internacional e,
principalmente os países envolvidos não suportavam a permanência de um ambiente de guerra civil que
vinha do final do século XIX o que gerava o caos econômico descrito, sendo que o interesse de todos
convergiam para a criação de um ambiente regional e mundial mais estável.
14
Este processo, como demonstra a teoria econômica, deve ser precedido de um planejamento que
vislumbre um processo de acumulação primitiva de capital.
15
O Coeficiente de produtividade é definido pela relação capital investido por unidade de trabalhador.
5
sistema político desagregava e criava severas distorções para um comando unificado e
coerente considerando objetivos de desenvolvimento nacional.
O novo regime procurou transformar a sociedade e a economia com a socialização
dos bens básicos: a terra e a indústria. Eliminada a propriedade privada dos meios de
produção, o objetivo seguinte foi o desenvolvimento produtivo e a industrialização,
contando, inicialmente, com o uso de recursos internos.
Nos três primeiros anos de governo, a ordem política e econômica foi estabilizada,
a inflação foi controlada e a produção industrial foi restaurada ao nível existente antes da
revolução. As principais indústrias foram nacionalizadas, empresas estrangeiras foram
confiscadas e empresas privadas eliminadas gradualmente na medida em que o controle
do Estado sobre a economia aumentava. A reforma agrária também foi objetivo essencial
buscado pelo novo regime para resolver o sério problema de abastecimento alimentar e de
inclusão social, considerando que um dos objetivos primordiais do governo, ao se
estabelecer como uma nação socialista, de estabelecer um sistema apoiado na
prosperidade com igualdade.
No período em que o partido comunista esteve sob o comando de Mao Tsé-tung, a
despeito dos esforços empreendidos, a política recebeu prioridade sobre a economia.
Entende-se aqui que houve empenho por parte do governo chinês em colocar em prática
reformas econômicas, tais como a coletivização do campo ou mesmo as reformas
propostas no Grande Salto à Frente. Contudo, o soviet-style, ou seja, um empenho de
desenvolvimento econômico socialista de extrema, associado à URSS – União das
Repúblicas Socialistas Soviéticas – não obtiveram resultado econômico almejado. Ainda,
todas essas medidas, adicionadas da Revolução Cultural, estiveram mais próximas da
busca de uma reforma econômica e social que mantivesse a ideologia política do modelo
socialista16.
Toda atividade política na China era definida em termos “marxistas”. Em 1958,
Mao Tsé-tung abandonou o modelo de desenvolvimento soviético, resultado de um
rompimento com a URSS. É esse rompimento que leva a China a buscar novos meios de
se desenvolver considerando sua estrutura interna apoiada, principalmente, nas
modificações implementadas no setor rural da sociedade chinesa. Esse governo
introduziu um plano que buscava, ao mesmo tempo, a industrialização e a coletivização,
conhecido como o Grande Salto à Frente (GSF). Mas o plano estatal em termos
16
Acredita-se que nos parágrafos seguintes serão expostos com mais clareza os motivos que sustentam esse
argumento.
6
econômicos não logrou o sucesso almejado. Além da falta de habilidade administrativa, a
retirada de técnicos soviéticos do território chinês e os fracassos consecutivos na colheita
de grãos pioraram a situação: a fome generalizou-se pelo país17.
A partir de então, duas correntes de pensamento podem ser identificadas dentro do
Partido Comunista Chinês: os radicais ou maoístas (esquerdistas) e os moderados
(direitistas). Os radicais eram altamente apegados à ideologia marxista-leninista e
pregavam um modelo de massa, um governo voltado para o povo, isto é, o igualitarismo e
o fim da exploração das massas. A linha moderada enfatizava o planejamento estatal, a
liderança burocrática e o desenvolvimento de habilidades e especializações necessárias
para o avanço chinês. Os moderados eram mais pragmáticos e não apresentavam a
ideologia fervorosa dos maoístas.
Após o fiasco do GSF os moderados assumiram o poder. Contudo, insatisfeito
com o elitismo burocrático ou por estar fora do poder, Mao Tsé-tung iniciou um novo
movimento político, a Revolução Cultural18. Ele estava decidido a erradicar o elitismo
burocrático e acusava os dirigentes do Partido Comunista Chinês de afastamento
ideológico, assim como acreditava que os soviéticos haviam feito, adotando um caminho
capitalista e destruindo a revolução comunista. Mao Tsé-tung, com o apoio ativo da
juventude chinesa, incitava o ataque e destruição daqueles culpados de elitismo egoísta,
na tentativa de colocar a revolução de volta aos eixos. A revolta estava pautada na teoria
maoísta de “revolução permanente”, ou seja, na luta de classe contínua contra a
exploração e no uso de violência revolucionária para eliminar os inimigos da revolução e
impedir um retrocesso na direção do capitalismo.
A violência política levou a uma dilaceração da economia: queda da produção,
escassez e inflação. No longo prazo, no entanto, educação, ciência e tecnologia sofreram
os piores estragos. A dilaceração da educação superior chinesa, segundo Medeiros
(1999), provavelmente retardou o desenvolvimento econômico da China em mais de uma
década. Apesar de ter sido gradualmente atenuada desde o início dos anos 70, foi preciso
uma década para que a Revolução Cultural fosse totalmente abandonada. Na verdade, ela
só teve fim com a morte de Mao Tsé-tung em 1976 e após a eliminação da Gangue dos 4.
17
Ainda é visível em alguns textos com referências mais antigas as indicações de que a China ainda é um
pais que tem sérios problemas no abastecimento alimentar. Contudo, este problema aflige determinadas
áreas do interior do pais, agrícolas e que eventualmente sofreram com a escassez em decorrência de
modificações climáticas ou de desastres naturais.
18
A Revolução Cultural teve inicio em 1966 e durou uma década. Esse movimento foi, na verdade, uma
luta de poder dentro do PCC e buscava a fidelidade aos valores marxista-leninistas.
7
A partir de então, a sociedade chinesa reorganizou-se, agora sob os comandos de Deng
Xiaoping e de outros moderados.
Em 1978, a China iniciou seu processo de reformas econômicas assentadas em um
processo de descentralização das decisões econômicas. Segundo Goodman (1995) o
princípio chave presente tanto na concepção de Chen Yun19 quanto em Deng Xiaoping
era que a maquina estatal chinesa estava over-bureacratized. Desta forma, o aparato
estatal não se encontrava preparado para funcionar dentro de uma projeto de
modernização da economia, essencialmente, ao inserir princípio de flexibilidade e de
inserção ao mercado internacional.
Para atingir seu objetivo de abertura e reforma do modelo econômico e político chinês,
foi proposto (e implementado) que as unidades de produção tivessem maior autonomia
em sua gestão, não somente autonomia diante da interferência do Partido Comunista –
que durante a Revolução Cultural determinava as prioridades setoriais, principalmente no
setor rural, mas também maior independência diante do próprio governo. A única
exceção ao modelo descentralizado implementado eram as chamadas “sizeable
entreprises in strategic industries” as quais permaneciam sob maior influencia das
decisões estratégicas e prioritárias do governo chinês. Ainda segundo Goodman (1995)
the radical dimension in this reform was not simply that enterprises were to be given
greater autonomy from government – that had been advocated before – but that the role
of the CCP in enterprises and factories was for the first time challenged by the prospect
of complete withdrawal.
Deng Xiaoping objetivava legitimar o Partido Comunista Chinês, que se
encontrava abalado após as malogradas reformas econômicas20 colocadas em prática
durante o período compreendido entre a condução de Mao Tsé-tung (1956 a 1976) até a
transição para a transformação modernizadora de Xiaoping21.
19
Chen Yun foi um dos líderes mais influentes da República Popular da China e um dos principais líderes
do Partido Comunista da China durante quase toda a sua história. Também é conhecido como um dos Big
Five da China comunista, juntamente com Mao Tsé-tung, Liu Shaoqi, Zhou Enlai e Zhu De.
20
Grande Salto a Frente e a Revolução Cultural.
21
No que diz respeito ao setor agrícola, pode observer que: “Support for Deng Xiaoping in experimenting
with different kinds of decentralization in economic management came from two long-term associates—
Wan Li and Zhao Ziyang—both of whom had served under Deng in the Taihang Region during the 1940s
and who had worked quite closely with him at various stages since. Wan was also a frequent bridge partner
from before the Cultural Revolution and he had been removed from office precisely as one of Deng’s
supporters in both the Cultural Revolution and again in 1976. In the late 1970s he was the leading party
secretary in Anhui Province where he oversaw the decollectivization of agriculture and the introduction of
a ‘responsibility system’; similar initiatives had been implemented there experimentally during the early
1960s, and Deng had discussed their impact in a speech during 1962.13 It was an experience which was to
become a model for the rest of China. Essentially the responsibility system meant that each peasant
8
As reformas empreendidas a partir de 1978 basearam-se em um modelo de
gradualismo, pragmatismo, de políticas de desenvolvimento locais (Zonas Econômicas
Especiais e maior autonomia das províncias) e orientação para o início do processo de
abertura econômica gradual, aceitando, a meu juízo, práticas econômicas características
do capitalismo.
Ainda, foram estabelecidas ordens e prioridades, utilizando um critério de
facilidade na implementação das mudanças estruturais. De acordo com Lyrio (2010)
citando um interprete de Deng Xiaoping – Wei-Wei Zhang –, há princípios que
nortearam as reformas pós-Mao. O primeiro princípio é a concepção people matters, ou
seja, uma maior atenção às aspirações da população. O pragmatismo era uma constante.
Atingir os objetivos e resultados tangíveis era a meta. Este mesmo pragmatismo foi
somado à concepção de que fórmulas prontas e importadas não seriam efetivas na China.
Neste mesmo sentido, terapias de choque também não seriam adotadas. As reformas
seriam constantes, locais e, sobretudo, graduais. E por fim, e talvez de maior relevância
segundo as premissas que serão adotadas neste trabalho, a ênfase no Estado,
principalmente nas questões que dizem respeito ao desenvolvimento nacional, na
determinação de suas políticas para atingir este objetivo e na estabilidade
macroeconômica, conjugados a um processo de aprendizagem que somava as
experiências estrangeiras ao coeficiente cultural chinês – selective cultural borrowing.
Como em todo caso bem-sucedido de industrialização tardia22, o planejamento, a
intervenção, a escolha e o dirigismo estatal são peças fundamentais da estratégia adotada
pela China na busca pela modernização da economia. Os objetivos estratégicos
formulados por Deng Xiaoping buscavam, concomitantemente, a promoção das
exportações e a proteção e desenvolvimento do mercado interno. A criação das Zonas
Econômicas Especiais (ZEE) a partir de 1979 destinou-se à promoção de exportações e a
política de “portas abertas” liberalizando o acesso aos investimentos externos antes da
liberalização das importações atuando como instrumento de proteção do mercado interno.
household would farm its own land and undertake responsibility to produce a given output, on a
contractual basis, which the state guaranteed to purchase. Any surplus produced by the peasant household
could then be disposed of as it chose. Though the context of the late 1970s and early 1980s was very
different to the wartime conditions of 1943, these principles—of dual responsibility, and freely disposable
surpluses—were those that Deng had advocated to meet the economic problems of the Taihang Region at
that time”. (Goodman, 1995: 118).
22
Vide os casos da Alemanha e Rússia no século XIX e da Coréia do Sul e Brasil no século XX. São
exemplos de industrialização tardia caracterizadas por uma intervenção estatal na criação de bases para o
desenvolvimento industrial das nações. Cada uma a seu modo, mas todas elas sustentadas pela promoção e
coordenação do estado.
9
Impressiona neste processo o êxito ao atingir os resultados almejados. Tão
impressionante quanto é que sempre, durante todo o processo, figura entre as
preocupações internas a estabilidade social e política, ponto este que será trabalhado em
um capítulo específico da tese.
A posteriormente denominada economia socialista de mercado, segundo alguns
autores e pesquisadores do tema, já para outros capitalismo com características chinesas,
tinha como objetivo acelerar o crescimento da economia como um todo, assim como,
expandir e diversificar a indústria chinesa. A combinação entre economia de mercado e
economia planificada é a característica fundamental encontrada na via chinesa de
desenvolvimento a partir de 1979.23 Por um lado, empresas coletivas de vilas e
municípios (EVC)24, como também os camponeses, ganharam maior autonomia na
produção e comercialização a preço de mercados; foi dada maior liberdade de
investimento, importação e exportação nas ZEE; e o número de itens sem controle de
preços apresentou aumento progressivo. Por outro, o planejamento voltado à maior
integração do mercado interno foi intensificado através de empresas estatais; a divisão
internacional do trabalho foi ampliada; o controle sobre o câmbio e o monopólio estatal
sobre as importações prevaleceram; e os preços dos insumos básicos e alimentos foram
mantidos sob controle administrativo.25
A gestão da economia foi possibilitada por uma maior flexibilização e redução do
escopo da intervenção estatal nas unidades produtivas. Ao mesmo tempo houve um
movimento de centralização de empresas estatais, integrando o mercado doméstico.
Segundo Medeiros (1999) a combinação entre um movimento de concentração dos
mercados de um lado, e, de outro, em direção da descentralização da execução das ações
prioritárias definidas pelo planejamento central da reforma, é um dos fatos mais originais
da via chinesa de industrialização. Além da originalidade da economia dual, a China
inseriu-se na economia política internacional de modo único, aproveitando uma
conjuntura internacional favorável de retorno de liquidez no mercado financeiro
internacional e de crescimento de nações relevantes na aquisição da suas exportações e
aumento da oferta de insumos produtivos básicos.
23
Ver Medeiros, 1999.
Exemplos inúmeros podem ser encontrados na descrição feita por Kinge (2007).
25
A estrutura dual da economia chinesa requer uma estrutura dual de preços. A partir dos anos 1980, tanto
produtores rurais quanto as empresas passaram a operar com um sistema de contratos em que, acima das
metas quantitativas definidas pelo planejamento econômico, os preços podem variar numa determinada
faixa. Nos anos 1990 os bens não-básicos tiveram maior liberdade de preço e as empresas passaram a gozar
de maior autonomia e iniciativa. Ver Medeiros, 1999.
24
10
Na década de 1990, a base do crescimento da economia chinesa encontra
diferenças quando comparada com a transformação imposta na década anterior. Em um
primeiro momento, cabe destacar que sua base de sustentação econômica tem
fundamento no volume de investimentos efetivos em estrutura - sejam investimentos
estrangeiros sejam investimentos públicos nacionais - e na elevação constante do
coeficiente de exportação do país26.
Uma particularidade do caso chinês, que pode facilmente ser observada na análise
dos dados divulgados por Instituições Internacionais27, é que os resultados positivos das
exportações têm elevada correlação com a presença de capital estrangeiro naquele país. A
participação de empresas chinesas, perante os dados de empresas de capital estrangeiro, é
secundária, quando dispostos em ordem de importância. Daí surge uma variável de
relevância anteriormente avaliada, a saber: o processo de inserção internacional da China.
Cabe destacar que o crescimento observado nos últimos dez anos, além da base de
sustentação supracitada, tem como característica a superutilização dos fatores de
produção disponíveis, com notável evolução de dois dados relevantes: a evolução do
capital humano e a melhoria nos níveis educacionais e de qualificação de mão-de-obra28.
O século XXI tem início com uma grande indefinição no cenário internacional, a
saber: o cenário global encontra-se diante de uma unipolaridade, representada pelos
Estados Unidos da América ou diante de uma multipolaridade desbalanceada, com a
emergência e coexistência de novas potências?
Rechaça-se aqui a idéia de unipolaridade. A proposta de multipolaridade
desbalanceada29 pode ser definida como uma versão realista para se classificar o cenário
internacional atual. A fundamentação para tal argumento é a nova composição
geopolítica mundial. Ao lado de uma potência – os Estados Unidos da América – que luta
pela manutenção de sua hegemonia, seja por meio de sua proposta econômica, seja
devido a seu poderio militar, ou até mesmo através de sua condução moral e intelectual,
tem-se em uma outra ponta a China como potência emergente, a Rússia antiga base de
26
Os investimentos totais realizados na China chegaram, no período de 2000 a 2004, ao nível de 45 % do
PIB. Fontes: Banco Mundial e Fundo Monetário Internacional.
27
Tais dados podem ser encontrados nos sites do Fundo Monetário Internacional (www.imf.org), do Centro
de Informação na Internet da China – China Internet Information Center – ( www.china.org.cn), e do
Banco Mundial (www.worldbank.com).
28
Neves, 2006. Deve-se considerar que alguns modelos econômicos que visam explicar o crescimento das
economias de países em desenvolvimento destacam que investimentos em infra-estrutura e educação, esta
última vista de formas diferenciadas, são premissas para a passagem (ou take off) a novas fases de
desenvolvimento econômico.
29
MEARSHEIMER, John J., The Tragedy of Great Power Politics. New York: Norton, 2001.
11
equilíbrio da bipolaridade, a União Européia como um player já organizado no formato
de um grupo “coeso”, o Brasil buscando uma inserção política e econômica internacional
além de novas potências asiáticas.
Todavia, Samuel Huntington aponta para uma nova proposta, a saber: um sistema
unimultipolar. Segundo o autor, este sistema é constituído por uma superpotência e
diversas potências altamente significativas. A resolução das grandes questões
internacionais dar-se-ia pela intervenção consensual desta superpotência sendo,
entretanto, corroborada pelos demais estados importantes. Em sua construção Huntington
(1999) sustenta os EUA como a potência preeminente, mas incapaz de resolver as
grandes questões da agenda mundial. Desta forma, entrariam em cena as potências
regionais, predominantes em certas áreas do planeta e interessadas em expandir seus
interesses e suas potencialidades para a cena global.
Considerando a argumentação de Huntington, pode-se pressupor então a China
como uma potência regional já estabelecida e atuando, quando do seu interesse, nas
questões relevantes da agenda global. A China despontou então, através do processo
descrito acima como uma potência regional e possível potência global. Cabe agora
investigar mais detidamente o caso chinês para melhor compreender as nuanças deste
processo.
É claro que fazer vistas grossas à sua política “mercantilista” agressiva, à sua
gestão cambial e à sua política de inserção em novos mercados com intuito de obter
melhores posições no mercado global seria temeroso. Mas é análise obrigatória ao
investigador mais atento averiguar a formação de estrutura tão eficiente e ao mesmo
tempo tão complexa. Isto porque a China vem demonstrando ao mundo que seu projeto
“socialista de mercado30” implementado sob os auspícios do Partido Comunista tem
características capitalistas marcantes que passam desde um processo de formação bruta
de capital fixo administrados de forma planejada pelo Estado, associado a uma gestão
digna de outra grande potência capitalista mundial de um sistema financeiro, de crédito e
de competição no mercado de bens e serviços, marcadamente, pautada em um sistema
nacional de inovação.
Segundo Belluzzo (apud Jabbour, 2006) os chineses vêm executando políticas
industriais e comerciais de corte nacionalista, protecionista e coordenadas pelo Estado,
sobretudo com vistas à formação de uma infra-estrutura produtiva moderna que vem
30
Ou capitalista com características chinesas como afirmam outros analistas internacionais.
12
sustentando seu nível de crescimento. Este movimento constitui-se em um alinhamento
decisório orquestrado. Esse se faz necessário essencialmente quando se refere a um
período inicial formativo de condições adequadas para que a China, ao postar-se de vez
como grande player global, tenha possibilidades tangíveis de obter sucesso na sua
empreitada, ou seja, jogue o jogo do mercado internacional em igualdades de condições
com seus competidores diretos.
Tal estratégia vem permitindo à China estar presente nos principais mercados do
globo, estimulando os fluxos comerciais cruzados e atraindo investidores de todos os
cantos do mundo capitalista. Compreender como este processo foi estruturado e qual sua
trajetória justifica o estudo empreendido nesta tese. A vasta gama de informações
existentes, cuja leitura não poderia esgotar-se neste trabalho merece atenção e leitura
acurada.
Além,
faz-se
necessário
um
esforço
organizado
de
compreensão,
essencialmente, no sentido de entender o discurso e a ação dos agentes decisórios
chineses, sua influência na política internacional e a percepção de outros atores da
política global.
Diante da situação exposta cima, vem à tona o que desperta interesse, suscita
avaliação e reforça a necessidade de estudo aprofundado do assunto: a China adotou
políticas totalmente contrárias ao ideário mainstream economic proposto pelos países
desenvolvidos, especialmente, pelos EUA. A mão invisível é “perfeitamente” substituída
pela mão visível do Estado que anda de “mãos dadas” com outros dois importantes atores
internacionais: o setor empresarial nacional e o mercado externo. O primeiro tem origem
na flexibilização da gestão das empresas familiares e na modificação da condução
político-econômica no meio rural da China.
A descrição e discussão desta reforma no meio rural e das modificações nas
empresas estatais chinesas estarão presente do capítulo sobre as políticas voltadas para as
reformas e que contribuíram para o desenvolvimento econômico da China. Já o mercado
externo atua como um financiador complementar ao esforço realizado pelo estado de
promover o desenvolvimento. Esta ação faz parte dos efeitos do processo de abertura
econômica implementada por Deng Xiaoping pós 1978. Essa discussão fará parte do
quarto capítulo dessa tese que versará sobre o desenvolvimento e a inserção internacional
da China. O Estado como promotor e coordenador dos rumos do desenvolvimento
nacional, estabelecendo um sistema de hierarquização de setores e atividades, o setor
privado nacional como colaborador prioritário e maior receptáculo dos incentivos criados
13
pela ação do Estado e o mercado externo como multiplicador, seja do volume de capital
seja dos ganhos obtidos com o comércio internacional, formando um conjunto coerente
que vem trazendo resultados expressivos à China contemporânea.
Estabelece-se aqui que a China não pode ser considerada como um paradigma de
desenvolvimento do século XXI e nem se adapta a modelo de desenvolvimento para os
países emergentes. A China possui particularidades internas, modelo político
diferenciado, potencialidades e fraquezas que não encontram comparações no cenário
internacional. Sua proposta de política interna mistura-se com suas decisões e
planejamento externo e seu modelo de inserção internacional. Sendo assim, identificar e
examinar cuidadosamente as diferenças que tornam a China um caso especial de
desenvolvimento e adoção de medidas no cenário internacional fazem parte do escopo
desta pesquisa. Compreender as origens das suas decisões internas e como estas afetam
sua política externa e, conseqüentemente seu desenvolvimento no cenário internacional
também devem ser avaliados ao longo desta pesquisa.
Está claro que a bibliografia e a produção acadêmica e científica em torno da
China, seu sucesso econômico, seu modelo político e sua inserção internacional é vasta.
Realizar a leitura de parcela desta bibliografia, visto que a totalidade é inviável e
aglutinar os conhecimentos a respeito das políticas adotadas, do discurso estatal e das
bases do sucesso em obter nível elevados de desenvolvimento são motivações suficientes
para qualificar a importância desta pesquisa.
Isto posto, definem-se abaixo os objetivos, geral e específicos, que servem como
base estrutural da tese ora apresentada e determinam a origem de cada um dos quatro
capítulos que a compõem.
O objetivo geral desta tese é analisar e testar a hipótese, considerando as
premissas estabelecidas, de que dadas suas condições estruturais peculiares, seu processo
de inserção internacional diferenciado e, a despeito da China ser um país postulante à
vaga de potência mundial, tal estrutura não pode se transformar em um modelo geral a ser
adotado pelos demais países em desenvolvimento como um paradigma de sucesso.
Ademais, considerando sua trajetória histórica recente, especialmente no período
pós-1978, procura-se aqui compreender as modificações estruturais ocorridas na China,
especialmente na sua condução política, no seu processo de inserção internacional e nas
transformações econômicas, os motivos de sua ascensão nos últimos 30 anos. A
existência de variáveis intervenientes ao sistema, tais como a estrutura e evolução do
14
Partido Comunista Chinês, a “desobediência” aos ditames do mainstream econômico, a
questão cultural, sua posição geográfica e, sobretudo, sua estratégia de inserção e
desenvolvimento diferenciadas, tende a tornar o caso da China como um caso que nos
possibilita retirar algumas lições, mas não permite que se torne paradigma a ser seguido
sem qualquer esforço sério de reformulações e adaptações. Seu processo de inserção
internacional e desenvolvimento, por todos os motivos supracitados, deve ser estudado
como único e incomum.
Para tanto, definem-se os seguintes objetivos específicos:
- descrever, por intermédio da análise histórica, as principais reformas estruturais
empreendidas pela China que determinaram a alteração do seu perfil no cenário
internacional;
- compreender a modificação da estrutura política ocorrida na China, partindo das
alterações realizadas por Deng Xiaoping, com destino às atuais condições sócio-políticas,
e, essencialmente, econômicas do país;
- avaliar, de forma acurada e pormenorizada, as estratégias chinesas de inserção externa e
seu projeto de desenvolvimento;
- compreender a relação entre segurança, soberania e desenvolvimento considerando o
caso Chinês como uma distinção dos demais processos de inserção internacional e
estratégia de desenvolvimento econômico.
Todos esses objetivos específicos supracitados tem como meta demonstrar que o
projeto de desenvolvimento chinês é único, singular, e quando se considera seu sistema
político-econômico e seu processo de inserção internacional, observa-se que o país não
reúne condições, e nem deve ser considerado, como um paradigma de comportamento
para os demais países em desenvolvimento, dadas suas peculiaridades histórico-culturais,
sócio-políticas e econômicas.
Esta tese parte então para uma análise do caso de desenvolvimento chinês
partindo de algumas premissas e estabelecendo uma hipótese que sustenta a pesquisa.
As premissas são as seguintes:
- sustenta-se aqui que a China é portadora de um número elevado de
idiossincrasias que a distinguem dos demais países do sistema internacional, portanto,
replicá-las ou generalizá-las para a criação de um modelo chinês de desenvolvimento
consiste em um erro metodológico;
15
- em decorrência desta primeira premissa e considerando seu histórico, o modelo
político da China influencia definitivamente seus resultados econômicos e suas decisões
no que diz respeito à sua política externa, logo seu processo de inserção internacional;
- é fato que o processo de transformação estrutural implantado na China,
predominantemente após 1978, obteve êxito no que concerne ao seu resultado econômico
e ao desenvolvimento do país;
- este processo resultou também em uma definição de inserção pacífica chinesa no
cenário internacional, contudo, este resultado também promoveu a China à potência
regional e à postulante a superpotência mundial.
Isto posto, pode-se concluir que estes pressupostos que norteiam a definição de
uma hipótese a ser comprovada ou desconsiderada, a saber: a China é detentora de
peculiaridades que a tornam sui generis no cenário internacional e tal posicionamento não
é determinado, primariamente, pelo conjunto de fatores e ocorrências do cenário
internacional, mas sim por conta de um projeto interno, de inserção, de ação pensada
coerentemente na adoção de sua estratégia de política externa e, posterior diferenciação,
do país na cena internacional.
Cabe ressaltar, que estas observações acima estão sendo consideradas como
parâmetros que deverão contribuir para a construção de enunciados e, conseqüentemente,
da hipótese. Ou seja, são pontos de partida, não podendo ser caracterizados como pontos
a serem testados.
Portanto, a tendência da pesquisa é que seja demonstrado que a China não
consiste em um modelo a ser seguido, mas a ser estudado e compreendido de maneira
diferenciada. Logo, se questionado sobre a possibilidade da China servir como um novo
modelo/estereótipo de desenvolvimento para o século XXI, esta questão teria resposta
negativa. Esta sim é a hipótese a ser verificada, obtendo confirmação ou negação. Está
aqui então postulado o enunciado que deverá ser verificado.
A situação internacional incerta, somada aos traços particulares da formação da
sociedade chinesa não nos permitirá colocá-la em um pedestal e debruçar honrarias ao
seu modelo de desenvolvimento.
Considerando os pressupostos e enunciados, tem-se como hipótese a ser testada a
viabilidade da utilização do modelo chinês como um modelo básico e padronizado a ser
testado e aplicado em países em desenvolvimento. A hipótese é que esta possibilidade é
16
obstaculizada pelos fatores políticos internos, econômicos e sociais da República Popular
da China.
Considerando os objetivos descritos para esta pesquisa é de fundamental
relevância ter-se clareza do tipo de pesquisa bem como dos instrumentos utilizados para o
tratamento das informações.
É nesse tópico do trabalho que se define ao leitor o método a ser utilizado na
pesquisa empreendida e qual a importância desta delimitação. Para os fins deste trabalho,
estabelece-se a pesquisa qualitativa como a base da construção textual. Contudo, não é
descartada a utilização complementar da pesquisa quantitativa, especialmente, quando se
mostrar necessário uma avaliação e análise de dados.
Segundo Flick (2007) a mudança social acelerada e a conseqüente diversificação
de esferas de vida fazem com que os pesquisadores sociais defrontem-se, cotidianamente,
com novos contextos e perspectivas sociais. São novidades, novas ocorrências, temas
situacionais, eventualidades e idiossincrasias que as metodologias dedutivas tradicionais
perdem sua capacidade de resposta e fracassam na diferenciação dos objetos.
“Consequentemente, a pesquisa é, cada vez mais, obrigada a
utilizar estratégias indutivas: em vez de partir de teorias para
testá-las, são necessários ‘conceitos sensibilizantes’ para a
abordagem de contextos sociais a serem estudados (FLICK, 2007
p. 18)”.
Ainda de acordo com Flick (2007), esta percepção vem sendo difundida devido à
limitação encontrada pelo modelo originário das ciências naturais, de métodos
quantitativos padronizados que objetivavam isolar claramente causa e efeito. Tendo em
vista o objetivo de classificar os fenômenos observados, as pesquisas eram então
planejadas de uma forma tal que a influência do pesquisador deveria ser excluída ao
máximo. Assim, garantir objetividade ao estudo significava em grande medida eliminar a
opinião subjetiva do pesquisador.
A pesquisa qualitativa oferece ao pesquisador a oportunidade de refletir sobre seu
objeto de pesquisa e refletir sobre a sua contribuição na construção do conhecimento.
Dentro das ciências sociais isso significa que o pesquisador tem a permissão de
comunicar-se com seu campo de pesquisa e com seus membros constitutivos, inserindoos, integrando-os à sua produção de conhecimento.
17
Nesse ponto, far-se-á uma breve exposição das duas abordagens tendo como
intuito diferenciá-las. É peça fundamental da engrenagem da pesquisa conceituar
adequadamente os métodos para que se tenha clareza que o objetivo aqui não é a
exclusão, mas sim a junção pela qualidade das contribuições metodológicas. A exposição
não tem o intuito de esgotar o assunto, mas sim descrever de forma sintética as duas
propostas metodológicas, do que se trata e como elas poderão contribuir para a
consecução do objetivo pretendido com a pesquisa.
De acordo com a abordagem quantitativa, os pesquisadores objetivam exprimir as
relações de dependência funcional entre variáveis para tratarem dos fenômenos
identificando suas relações. Para tanto, procuram identificar os elementos constituintes do
objeto estudado, estabelecendo a estrutura e a evolução das relações entre os elementos
constitutivos. Seus dados são métricos (medidas, comparação/padrão) e as abordagens
são experimental, hipotético-dedutiva, verificatória. A abordagem tem como base as
meta-teorias formalizante e descritivas.
Sendo assim, o trabalho de pesquisa que tem como fonte de informação dados
primários, que podem ser utilizados como fatores explicativos do comportamento de uma
variável a ser explicada, pode ser controlado e formalizado via a utilização da
metodologia quantitativa.
Porém, a generalização e simplificação obrigatórias deste método podem causar
limitação da análise e perda de poder explicativo. Ainda, são resultados determinísticos,
duros, que reduzem a capacidade reflexiva do pesquisador. Isso se dá devido a certas
situações e comportamentos não terem explicação baseadas em algumas variáveis, mas
sim em várias e de número absoluto elevado. A utilização do método quantitativo pode
proporcionar ao pesquisador uma medida da relação de causa e efeito, quando este
pretende alcançar o máximo de neutralidade, objetividade e rigor científico.
Mas esta busca, quando não sofre um filtro, especialmente, quando trata de fatos
sociais complexos, podem perder sua capacidade explicativa, por relegar a segundo plano
os interesses, as ações e o contexto sócio-cultural dos atores envolvidos, as bases
históricas, a força do discurso como instrumento não só de comunicação, mas também de
convencimento, de reforço argumentativo.
Para evitar esta perda, o método qualitativo pode ser utilizado com o objetivo de
aprofundamento, de possibilitar a compreensão da complexidade de determinados fatos,
ocorrências e processos.
18
Na pesquisa qualitativa, o cientista é ao mesmo tempo o sujeito e o objeto de suas
pesquisas. Detectar correlações é de importância fundamental para a pesquisa, mas captar
a influência da ação social, seja ela coletiva ou individual, é imprescindível para a
pesquisa em ciências sociais (CHIZZOTTI, 2008), (FLICK, 2007) e (DENZIN, 2006).
Deve-se salientar que o fato do pesquisador estar inserido no contexto não prejudica de
maneira alguma a objetividade do trabalho.
Exposta a discussão metodológica, determina-se (então) que a pesquisa aqui
apresentada fará uso de um sistema híbrido. Por constituir-se em um trabalho na área de
ciências sociais, tendo como linha de pesquisa as relações internacionais e,
especificamente, estudando o processo recente de desenvolvimento de um país, torna-se
fundamental o uso da metodologia qualitativa, pois esta aumenta o poder explicativo do
tema, particularmente, quando este envolve peculiaridades e idiossincrasias, como é o
caso desta pesquisa.
Ao mesmo tempo, observa-se necessário, em alguns momentos, a avaliação de
dados primários que servirão como comprovação de algumas argumentações e assertivas
expostas ao longo do texto. Logo, na busca de comprovações objetivas (relações de causa
e efeito), torna-se compulsório o uso da metodologia quantitativa.
No que diz respeito às fontes primárias, destaca-se aqui o uso de informações
disponíveis em organismos de Estado, sejam estes chineses ou originários de outras
nações que se façam necessários. Serão de grande os documentos oficiais e discursos dos
representantes do Estado chinês realizados em organismos internacionais e fóruns
internacionais. A análise destes documentos, publicações de discursos, livros, papers e
estudos bibliográficos são elementos essenciais para compreensão da posição do ator e do
fundamento de suas decisões concernentes à política interna e externa, modificações
econômicas essenciais voltadas ao objetivo prioritário da China de alcançar alto nível de
desenvolvimento elevando o coeficiente de inclusão social que ainda merece atenção dos
formuladores de política e agentes decisórios. Esta escolha de material justifica tanto a
exposição metodológica que se encontra logo à frente no texto, bem como a necessidade
de uma leitura analítica de parcela do grande volume de estudos, descrições históricas e
textos de opinião existentes sobre a China, certamente um fenômeno que será lembrado
na história mundial.
Declara-se aqui a preferência por dados disponíveis em instituições internacionais,
tal como o FMI – Fundo Monetário Internacional, Banco Mundial e algumas informações
19
retiradas de agências multilaterais. Esta escolha justifica-se devido à convergência das
metodologias o que gera para o estudo dois ganhos: a confiabilidade das fontes e a
possibilidade de comparação de dados relativos considerando a adoção de uma fonte
uniforme de tratamento destes dados.
O conteúdo de qualquer comunicação pode ser analisado por intermédio da
significância do seu emissor, receptor, da mensagem e do canal usado como
comunicação. A fonte da comunicação é o emissor, pois este utiliza-se de comunicação,
produz e emite o conteúdo de uma mensagem, supondo um receptor, ou seja, a quem se
dirige a mensagem. Para a pesquisa aqui realizada, de forte caráter instrumental, observase que as identificações da fonte emissora das informações e do seu propósito
influenciam significativamente na maneira como se compreende a informação.
Documentos do governo chinês e pronunciamentos dos agentes decisórios do governo
bem como do Partido Comunista Chinês devem ser analisados de uma maneira visto o
seu emissor e para quem a mensagem é direcionada. Em alguns momentos identifica-se
um componente informacional enquanto em outros, observa-se um tom de discurso, com
o objetivo de reforçar sua posição política ideológica.
Esta comunicação está traduzida em um documento. Esse pode apresentar-se
como uma informação visual, oral, sonora, eletrônica que esteja gravada ou transcrita.
Para o caso desta pesquisa, estes são documentos escritos que assumem a forma de
documentos oficiais, livros, jornais, revistas, artigos e discussões sobre o tema
pesquisado.
Esta metodologia pressupõe então que um texto contém sentidos e significados,
sejam esses explícitos ou implícitos, patentes ou ocultos, que podem ser apreendidos por
um leitor que interpreta a mensagem contida nele por meio de técnicas sistemáticas
apropriadas. A mensagem pode ser apreendida decompondo-se o conteúdo do documento
em fragmentos mais simples que revelem sutilezas contidas em um texto. Esses
fragmentos podem ser palavras, termos ou frases significativas contidas na mensagem.
Dentro do corpo da pesquisa, estes instrumentos visam decompor o conteúdo de
um conjunto complexo de elementos que compõem um texto e aprofundar o alcance
analítico da pesquisa. O estudo dos textos e documentos relacionados ao tema supera a
mera descrição e busca uma modalidade de investigação que encontre as origens dos
argumentos. Este processo é fundamental para nortear a leitura dos documentos usados,
fonte primária da pesquisa descritivo-analítica que se propõe para a tese.
20
Diante do exposto acima, apresenta-se agora a organização desse trabalho. Essa
tese encontra-se dividida em quatro capítulos, além dessa introdução. No primeiro
capítulo é realizada uma breve descrição da história recente da China, tendo como
demarcação temporal essencial o ano de 1978. Destaca-se essa data por se compreender
que ela marca uma transição política e econômica no projeto de desenvolvimento chinês.
Ainda, ela sinaliza uma ruptura no comando político do país, sinalizando, com a ascensão
de Deng Xiaoping, segundo Liseng (2004), profundas mudanças em todas as esferas da
vida social, incluindo a economia, a política e a cultura31. Ressalta-se que não há qualquer
pretensão de examinar minuciosamente toda a extensão da história chinesa, mas sim
destacar fatos e acontecimentos históricos que de alguma maneira influenciam no estudo
do projeto de desenvolvimento sócio-econômico chinês no período 1978 a 2008. Nesse
sentido, um olhar em alguns antecedentes histórico é fundamental, sendo que esse recurso
será utilizado em outros capítulos da tese à medida que se faça necessário.
O segundo capítulo dessa tese concentra-se na discussão a respeito de como a
China concebe as idéias de soberania e segurança no seu atual contexto. Logo, é interesse
do segundo capítulo refletir sobre a seguinte questão: por que é fundamental para o
desenvolvimento econômico e social da China e para sua inserção internacional
compreender o sentido de soberania e segurança em seu contexto específico? E ainda,
considerando o projeto nacional de desenvolvimento, sua inserção internacional e
ascensão dentro do atual cenário internacional será pacífica?
O que se observa é que, diante do histórico vivenciado pela China, de problemas de
invasões e intervenções estrangeiras e de carência no suprimento de bens básicos
(principalmente no que concerne à alimentação) à sua população, a base conceitual
ocidental de soberania e segurança não são satisfatórias para descrever a concepção
existente na China. Logo, faz-se necessário que esse capítulo faça inicialmente uma breve
revisão da literatura construindo um eixo teórico que nos permite compreender os
motivos pelos quais soberania e segurança são conceitos tão relevantes para a China,
especialmente pós-1978, e como esses conceitos diferem da visão tradicional. Ao final
desse capítulo, torna-se imprescindível debater com a literatura existente se a forma
chinesa de compreender soberania e segurança influenciam suas decisões estratégicas no
plano internacional. Tudo indica que essa nova concepção seja essencial para o projeto de
31
Liseng (2004) observa no mesmo texto que há opiniões discrepantes a respeito dessa afirmação, visto que
alguns autores alegam que a reforma política ficou defasada frente às reformas econômicas, enquanto
outros rebatem que ela fez progresso semelhante e concreto com a mudança no governo.
21
desenvolvimento sócio-econômico da China e, ainda, para seu processo de inserção
internacional. Contudo, é fator de apreensão entre a comunidade internacional como a
China pretende conduzir sua inserção internacional. Surge então o debate sobre a
ascensão pacífica da China. Discussão essa que terá seu lugar ao final do segundo
capítulo, sem contudo, entregar ao leitor uma conclusão, visto que o processo ainda não
se encontra finalizado e o debate a respeito da inserção internacional da China e sua
ascensão, sendo pacífica ou não (e vista aos olhos de que atores internacionais) ainda
permanece aberta e bastante densa.
O terceiro capítulo dessa tese irá tratar das principais reformas políticas
implementadas pelo Estado chinês no período pós-1978. Por reforma política entende-se
aqui como um processo organizado e coordenado pelo Estado de readequação das regras
e instituições chinesas (e em seu modus operandi) focadas no processo de modernização,
de abertura e de preparação para a constituição de sua economia socialista de mercado.
Essa observação faz-se necessária uma vez que o termo ‘reforma política’ pode levar a
uma compreensão errônea de que reformas políticas são aquelas reformas voltadas para o
ajustamento do comportamento político e econômico chinês segundo os anseios da
comunidade internacional ocidental. Essa concepção conduz a idéia de que a China está
adequando seu modelo de condução política e suas decisões internas à modelos propostos
pelo ocidente, especialmente quando se diz respeito a questões como direitos humanos,
liberdade de imprensa e expressão, entre outras questões complexas e controversas
distanciadas por fatores culturais.
Alguns pontos merecem destaque nesse terceiro capítulo. Devido a sua estrutura
analítica de um período de transformações políticas que, sobretudo, afetaram o
desenvolvimento chinês e seu processo de inserção internacional, fez-se uso nesse
capítulo da regressão histórica e de uma metodologia comparativa de forma a expor mais
claramente os resultados da reforma estrutural política. Também foi necessário, a meu
juízo, expor as diferenças existentes entre a condução de Mao Tsé-tung e seus sucessores,
recebendo maior ênfase Deng Xiaoping devido a suas características diferenciadas frente
à Mao Tsé-tung e ao seu modelo de gestão da transformação econômica, política e social
impostas à China no pós-1978. Também receberam destaque àquelas reformas
relacionadas à economia da China, a saber: o setor rural, as empresas estatais e a
incorporação de práticas de mercado, na linha capitalista a algumas ações de política
econômica. Por fim, foi realizada uma avaliação das ações das gerações posteriores a
22
Deng Xiaoping, tendo o foco em Jiang Zemin e Hu Jintao, destacando seus desafios
internos e externos e sua forma de conduzir o Estado chinês diante do cenário
internacional.
O último capítulo dessa tese faz uma análise dos principais indicadores de
desenvolvimento sócio-econômico da China. Seu objetivo é identificar os pontos
positivos e negativos desse processo de transformação iniciado em 1978, verificando, ao
longo de sua trajetória, a implementação de um audacioso projeto de desenvolvimento
econômico nacional e seus resultados. São observados dados quantitativos e realizada
uma análise qualitativa desses resultados à luz do que foi expostos e compreendido nos
capítulos anteriores. Por fim, segue-se a conclusão do trabalho.
23
1 - A história recente da China: o período pós-1978.
Este capítulo tem como objetivo realizar uma breve descrição da história recente
da China. Entende-se aqui recente como o período referente à entrada de Deng Xiaoping
como centro articulador político da China. A descrição não tem a pretensão de exaurir a
descrição histórica chinesa, mas sim de construir um pano de fundo para os três capítulos
que virão em seguida, a saber: uma avaliação sobre a relevância do tratamento da
soberania e da segurança no atual contexto chinês; uma descrição e avaliação das
modificações políticas decorrente da implementação do projeto de desenvolvimento
nacional e, por fim, uma análise dos avanços econômicos da China que nos permite
avaliar sua trajetória de desenvolvimento.
O fim do período Mao e o início da gestão de Deng Xiaoping trouxeram
mudanças estruturais para a China que seriam essenciais para o salto econômico e
político observado na década de 80. Portanto, ter ciência do pano de fundo desta trajetória
de desenvolvimento torna-se fundamental para os objetivos desse trabalho.
A descrição segue uma ordem cronológica, destacando as principais ocorrências
da história chinesa nesses trinta anos. Inicia-se com a morte de Mao, sua conturbada
substituição e as conseqüências desse processo, tendo como final da descrição o período
de Hu Jintao, coincidindo com o período delimitado para a pesquisa realizada.
De acordo com Karnow (1979), profetizava-se que após a morte de Mao Tsé-tung,
em 1976, o Partido Comunista Chinês sofreria com dissensões e oposição de facções
internas numa luta interminável pelo poder do Partido e pela condução das diretrizes do
Partido Comunista Chinês. Contudo, o autor afirma que rapidamente a ala mais
pragmática do Partido conseguiu subjugar seus adversários radicais e o dogma
revolucionário que caracterizou a estada de Mao no poder. Segundo Goldman (2008), na
Terceira Sessão Plenária do 11º Comitê Central, em dezembro de 1978, o Partido
Comunista Chinês conseguiu ser rearticulado em torno de Deng Xiaoping e seus
companheiros. O sucessor indicado por Mao, Hua Guofeng, teria sido afastado do cargo
de secretário-geral do partido com a ajuda dos militares e substituído pelo discípulo de
Deng Xiaoping, Hu Yabong. O cargo de Primeiro-Ministro teria sido ocupado pelo
reformista Zhao Ziyang.
Assim como afirma Haw (2008), mesmo que Deng Xiaoping não tenha assumido
um cargo de extrema importância para o Partido, sua influência em nomeações dentro do
Partido e na condução das políticas públicas e econômicas sempre foi muito forte. Já
24
Goodman (1994) observa que Deng era o principal condutor dentro da liderança coletiva
chinesa e agia como facilitador para as ações desta liderança. Dessa forma, pode-se
afirmar que a contribuição de Deng nas várias reformas políticas e econômicas chinesas
foi a de criar condições políticas propícias para que outros pudessem conduzir as
reformas sem que Deng estivesse diretamente envolvido nas mesmas. Dessa forma,
acredita-se que Deng Xiaoping articulou um sistema de condução política que não
estivesse centrado na sua figura, pelo menos sem uma centralização de cargo, a despeito
de sua condução do processo de transformação e modernização da China, Deng Xiaoping
habilmente soube cercar-se de aliados políticos que sustentassem sua condução sem estar
necessariamente à frente de todos os cargos públicos fundamentais.
Formalmente, de acordo com Goldman (2008), Deng ocupou, de 1981 a 1989, o
cargo de presidente da Comissão Militar Central, mas permaneceu como líder político até
sua morte, em 1997. Para a autora, a autoridade de Deng derivava de sua participação
ativa na revolução de 1949 e por suas boas relações tanto com todos os setores do Partido
como com os militares. Nenhum outro líder chinês gozou do mesmo prestígio e
autoridade que Deng possuiu durante todo o tempo no qual ele permaneceu como líder
político.
Goldman (2008) indica que
“nenhum dos sucessores de Deng assumiu sua posição de líder
máximo. Pela observação dos modelos de gestão e das posturas
desses governantes posteriores a Deng Xiaoping, pode-se afirmar
que não havia um líder com a habilidade demonstrada por Deng
Xiaoping e, ainda, não havia mais cenário (ou ambiente) para
que estes figurassem no mesmo papel histórico de Deng. O
direito deles governarem advinha apenas da bênção de Deng”
(GOLDMAN, 2008:395).
Entende-se, então, que o papel que Deng exerceu na condução política da China
foi extremamente forte até mesmo após a sua morte, pois tanto Jiang Zemin quanto Hu
Jintao, seus sucessores diretos, foram introduzidos ao círculo da liderança do Partido por
Deng.
Todavia, mesmo com o grande respeito que Deng gozava entre a população
chinesa, o malogro do Grande Salto para Frente, perpetrado entre o final da década de
1950 e começo da década de 1960, e mais recentemente da Revolução Cultural, que
ocorreu entre 1966 e 1976, ambos os movimentos conduzidos na era de Mao, teriam
25
deixado a população insegura quanto à legitimidade do Partido e à sua eficiência em
governar a nação.
Zagoria (1984) argumenta que o país herdado por Deng e seus companheiros
passava por sérias dificuldades econômicas e sociais. Notava-se que as novas gerações
chinesas queriam libertar-se dos pensamentos revolucionários de Mao e do totalitarismo
de estilo soviético dos governantes do partido. Corrobora-se aqui com a afirmação de
Zagoria (1984) que observa que até mesmo os líderes da velha guarda concordavam que a
sobrevivência política do partido dependia de mudanças drásticas. Haverá um espaço
específico na tese destinado ao debate sobre a relação estabilidade política e sucesso das
reformas econômicas, pelo menos naquilo que diz respeito ao crescimento econômico
observado após a década de 80.
Goldman (2008) também aponta que Deng e seus companheiros eram apoiados
pela maioria dos membros do Partido Comunista Chinês no movimento de desvinculação
da China das “visões utópicas de uma sociedade igualitária e uma luta de classes sem fim,
mas também [d]o modelo stalinista do controle estatal da economia, coletivização da
agricultura e [d]a ênfase na indústria pesada que a China copiara da União Soviética”
(GOLDMAN, 2008:373). Dessa forma, Goldman (2008) afirma que, para Deng, o
Partido Comunista Chinês só se sustentaria no poder se conseguisse melhorar o padrão de
vida da população. De acordo com a autora, este padrão não teria sofrido mudanças
significativas desde 1949. Nesse sentido, pode-se dizer que teria sido formado um
consenso, tanto entre a população chinesa quanto dentro da liderança do Partido, de que
era necessário reformar e revitalizar as instituições econômicas e políticas da China.
Ponto este crucial para os objetivos propostos para o desenvolvimento da China nos anos
seguintes.
Mas não somente o descontentamento geral da nação e a visão reformista de Deng
contribuíram para a mudança do rumo econômico na China. O desempenho dos tigres
asiáticos teria chamado a atenção dos líderes chineses para o modelo de desenvolvimento
do Leste Asiático. De acordo com Goldman (2008),
“ao final da década de 1970 os líderes chineses começaram a
ficar cada vez mais atentos ao dinamismo de seus vizinhos pósconfucianos no Leste da Ásia – Coreia do Sul, Hong Kong,
Cingapura, Taiwan e Japão – e, assim, a China abandonou o
modelo stalinista e voltou-se para o modelo de desenvolvimento
do Leste da Ásia. A liderança de Deng buscava restaurar o
partido estimulando as fazendas familiares, as economias de
mercado, o consumo de bens industriais e o envolvimento no
26
comércio internacional
2008:374).
com
esses
países”
(GOLDMAN,
Dessa forma, assim como observa Haw (2008), ao mostrar-se um político
habilidoso e pragmático, Deng Xiaoping conseguiu levar a cabo seu planejamento de
abertura da China para o comércio exterior e o investimento estrangeiro, trazendo
mudanças profundas para a economia e a sociedade chinesas. Mudanças estas, acreditase, fundamentais para a manutenção do poder do Partido e para minimizar as
desconfianças populares quanto a sua condução política. Observa-se, entretanto, que
persiste na China alguma desconfiança e uma vertente crítica ao modelo de gestão
político utilizado pelo Partido Comunista Chinês. Contudo, estas são, em algum sentido,
suavizadas ou ocultadas pelo resultado econômico da China seja em âmbito doméstico
seja no seu posicionamento e ascensão no cenário internacional.
Liseng (2004) faz importantes considerações a respeito da reforma política que foi
implementada na China iniciada por Deng Xiaoping em 1978. O autor coloca que
anteriormente à 1978 a estrutura política vigente na China trazia distorções que
obstaculizavam o desenvolvimento econômico e social do país. Dentre essas, quatro
recebem destaque de Liseng (2004), (i) a superconcentração do poder causava distorções
até mesmo no processo decisório. Os líderes, altamente sobrecarregados, tendiam a
tornar-se excessivamente burocráticos, cometendo erros e ferindo a vida democrática
interna ao partido; (ii) o gerenciamento do pessoal envolvido com a estrutura de governo
tornou-se, conseqüentemente, ineficiente; (iii) a concentração, somada ao envelhecimento
dos quadros dirigentes além de reduzir a eficiência, encorajavam pessoas talentosas para
a gestão pública a trabalhar em meios corruptos ou a afastar-se da administração pública,
logo do partido e, por fim; (iv) a negligência na promoção do sistema democrático e legal
resultou no desastre da Revolução Cultural, causando o colapso de tudo o que foi
planejado por Mao Tsé-tung.
Goldman (2008) sustenta que, para conduzir estas reformas, Deng teria tentado
importar ciência, tecnologia e práticas econômicas do ocidente ao mesmo tempo em que
se empenhava para manter o sistema político comunista na China. Dessa maneira, assim
como Guthrie (2006) revela, o processo de reformas econômicas chinês foi gradual,
experimental e fortemente supervisionado pelo Estado, diferentemente do que teria
acontecido na transição dos demais Estados socialistas para o sistema de economia de
mercado.
27
Da mesma forma, Naughton (1995)32 afirma que, através desse processo gradual,
o governo chinês conseguiu manter-se como “força estabilizadora” na transição de sua
economia centralizada e planificada para construir as instituições necessárias para
impedir o colapso econômico e social do país (NAUGHTON, Barry apud GUTHRIE,
Doug, 2006). Assim, pode-se dizer que a abertura econômica da China foi fortemente
conduzida pelo Estado, que determinou a forma e o tempo nos quais as reformas foram
implementadas. O estudo da história do desenvolvimento econômico não mostra
exemplos de países que passaram por um processo de planejamento do desenvolvimento,
associado a uma inserção internacional e abertura para o mercado externo no qual não
fosse de suma importância a ação do Estado na condução, promoção e regulação desse
processo. É inevitável que o Estado não surja como o dinamizador desse processo,
criando as condições adequadas para que em um futuro próximo, haja uma redução da
participação ativa do Estado na manutenção de determinadas atividades e que essas sejam
repassadas à iniciativa privada.
De acordo com Goodman (1994), entre 1979 e 1984, as bases fundamentais para
as reformas foram acordadas e colocadas em prática, marcando um período de grande
crescimento econômico e modernização para a China. Para Zagoria (1984), a reforma
econômica mais importante na China foi a descoletivização da agricultura, uma vez que
teria sido aquela que atingiu de sobremaneira grande parte da população chinesa.
Goldman (2008) aponta que o sucesso da descoletivização chinesa deu-se por esta ter
começado por iniciativa dos camponeses e não por ordem do partido.
As conseqüências da descoletivização e as reformas implantadas no setor rural da
China serão contempladas no capítulo 4 da tese visto que fazem parte das reformas
econômicas que contribuíram para o sucesso do projeto chinês de desenvolvimento.
Para Goldman (2008), diferentemente do que ocorreu com a União Soviética, o
Partido Comunista Chinês não teria ficado tempo suficiente no governo para que a
população chinesa esquecesse como viver em uma economia de mercado e de serviços.
Dessa maneira, após a Revolução Cultural, algumas famílias de certas regiões chinesas,
como Anhui e Sichuan, teriam retornado às suas fazendas seguindo uma política
intitulada “um sistema de responsabilidade familiar” criada por Mao, mas também
desfeita pelo mesmo após o Grande Salto para Frente. Em 1981, após essa iniciativa ter
dado certo nestas regiões, Deng e seus companheiros transformariam o sistema de
32
NAUGHTON, Barry. Growing Out of the Plan: Chinese Economic Reform 1978-1993. New York:
Cambridge University Press. 1995.
28
responsabilidade familiar em um programa nacional, o que garantiu um processo natural
de descoletivização do campo.
Zagoria (1984) e Goldman (2008) apontam que este sistema não foi uma
privatização da terra, pois os aldeões não a possuíam, esta era do Estado. Dos aldeões
ainda era demandado a entrega compulsória de parte de sua produção ao Estado. Por
outro lado, o Partido teria realizado políticas de incentivo à produção agrícola. Dessa
forma, o preço do grão foi aumentado e foi permitido que as famílias se dedicassem a
atividades paralelas, como trabalhar em indústrias locais, cultivar frutas e legumes e criar
alguns animais, como gado, ovelhas e porcos, para vender em mercados rurais. Nota-se
que os camponeses ainda demonstravam-se inseguros quanto às ações do governo e
tinham medo de investir esforços neste sistema. Dessa forma, Zagoria (1984) ressalta
que, como garantia de maior estabilidade para os camponeses, Deng teria estipulado um
contrato de 15 anos para o uso das terras. Assim, buscava-se incentivar o investimento da
população rural neste novo sistema de agricultura.
Segundo informações presentes em Goldman (2008), entre 1980 e 1986, a
produção bruta da sociedade rural chinesa cresceu mais do que o dobro de antes ao
mesmo tempo em que a população rural diminuiu. Este movimento teria estimulado a
criação de uma indústria de bens de consumo incipiente para absorver os rendimentos do
enriquecimento da população rural. Dessa maneira, a autora aponta que novas empresas
foram criadas nos distritos e nas cidades, começando com pequenas oficinas de consertos,
transportes, instrumentos agrícolas e pequenas indústrias que evoluíram para fábricas
maiores de bens de consumo, tanto para o mercado interno quanto para o mercado
externo. Nesse sentido, milhões de camponeses chineses teriam tornado-se pequenos
empresários dos ramos de serviços, indústrias leves e de agricultura, o que possibilitou
um significativo aumento de seu padrão de vida.
Observa-se, assim como o faz Guthrie (2006) que, em conjunto com a
descoletivização da agricultura, houve a introdução da autonomia econômica para
gerentes de empresas e oficiais locais de áreas industriais. Para o autor, o governo central
gradualmente teria passado aos governos locais as responsabilidades econômicas de suas
localidades. Em outras palavras, o governo chinês teria conseguido ceder, em algum grau,
o controle econômico para as localidades, sem recorrer às privatizações. Este processo de
descentralização, todavia, não extinguiu a planificação econômica, comandada ainda pelo
governo central. Assim, enquanto o governo central manteve o controle político e legal,
29
os governos locais obtiveram a liberdade de tomar decisões e fazer inovações
econômicas.
Goldman (2008) versa que os mercados rurais foram levados oficialmente às
zonas urbanas por iniciativa dos discípulos de Deng, Hu Yaobang e Zhao Ziyang, na
Terceira Sessão Plenária do 12º Comitê Central, em 1984. Segundo Goodman (1994)
nesta sessão foi tomada a decisão de se estender os princípios da reforma econômica para
as zonas urbanas, dando mais autonomia para as iniciativas dentro das cidades. A partir
de então, de acordo com Goldman (2008), durante a segunda metade da década de 1980,
o crescimento da economia urbana teria ultrapassado o da economia rural, que começara
a estagnar-se.
Contudo, o sistema centralizado de planificação da economia chinesa ainda
determinava a produção, a distribuição e a venda dos produtos. Segundo Roberts (2006),
esta característica começou a mudar em resposta a uma crise energética, em 1984. A
política econômica chinesa teria então saído de um sistema de controle estatal da
precificação e passado a funcionar com um sistema dual no qual o Estado estabelecia
alguns preços para subsidiar determinados produtos. Todavia, os materiais escassos eram
controlados pelo mercado. Segundo o autor, essa prática acelerou a inflação e estimulou a
corrupção – por permitir a alocação de produtos em faixas de preços determinadas pelo
Estado.
Entre o final da década de 1970 e início da década de 1980, as Zonas Econômicas
Especiais (ZEE) foram estabelecidas. Segundo Goodman (1994), as ZEE tiveram início
em Abril de 1979, como zonas atrativas de investimentos e tecnologias estrangeiras.
Deng teria proposto que estas zonas fossem postas nas províncias de Guangdong e
Fujian, que são respectivamente adjacentes a Hong Kong e Taiwan, por serem áreas que
historicamente haviam sido a porta de entrada da China para o mundo exterior. Segundo
Haw (2008) a primeira destas zonas teria sido estabelecida em 1981 em Shenzhen,
Guangdong, localizada na fronteira com Hong Kong. Para o autor, o desenvolvimento
desta e das outras zonas econômicas embrionárias teria sido o catalisador que
impulsionou o crescimento do resto da China.
Neste período, o governo também teria buscado pela formação de Joint Ventures
para a produção de novas tecnologias e promoção das exportações do país. De acordo
com Guthrie (2006), logo em 1979 teria sido promulgada a Law of the PRC on ChineseForeign Equity Joint Ventures, a qual permitiria, pela primeira vez desde o
30
estabelecimento da República Popular da China, que empresas estrangeiras se
estabelecessem
no
país.
Contudo,
segundo
Goldman
(2008),
estes
novos
empreendimentos e as ZEE eram firmemente geridos e controlados pelo governo e
empresários chineses e não por estrangeiros. Em compensação, eram oferecidos
benefícios fiscais e uma regulamentação flexível para a atração de investimentos
externos. Dessa forma, o governo chinês abria as portas de sua economia sem, no entanto,
perder o controle da mesma.
Assim como afirma Roberts (2006), estas políticas, juntamente com o retorno ao
FMI e a entrada no Banco Mundial, ambos em 1980, demonstram o abandono da política
de auto-suficiência que a China havia mantido durante a era Mao. Ou seja, a China
voltou-se para o mundo e passou a contar não somente com os recursos e fatores internos
para o seu desenvolvimento, mas também com investimentos e empréstimos estrangeiros.
Neste contexto, segundo Goldman (2008), as reformas econômicas chinesas
chamaram a atenção dos vizinhos asiáticos que logo começaram a instalar indústrias em
solo chinês. Este movimento teria se dado em grande parte devido ao investimento de
chineses expatriados em sua terra natal, prática encorajada pelo governo chinês. Nesse
sentido, vários chineses que residiam em Hong Kong, Tailândia, Malásia e nos demais
países do Leste asiático passaram a investir na China. Esta abertura também teria dado
espaço para empresas japonesas e ocidentais se instalarem nas ZEE chinesas.
Observa-se que estas medidas possibilitaram que o Estado chinês se afastasse, de
maneira controlada, da gerência da economia nacional. Mas não somente no âmbito
econômico isto teria acontecido, ao contrário do que ocorreu na era Mao, teria sido um
objetivo de Deng afastar o controle do Partido Comunista Chinês de várias esferas da
vida dos chineses. Dessa forma, houve a busca de uma maior liberdade na vida pessoal,
social e cultural dos chineses, desde que esta liberdade não afetasse, não contrariasse e
não se opusesse à condução das políticas do Partido. Haw (2008), reitera a afirmação
acima ao dizer que muitas das restrições advindas da era Mao foram diminuídas ou até
mesmo extinguidas pós-1978.
Fazendo um contraponto a visão presente em Haw (2008), Oliveira (2009: )
ressalta que,
“Em 1982, o XII Congresso do PCC apoiou as reformas e o
Congresso Nacional do Povo aprovou uma nova constituição
eliminando o conceito de lutas de classes e de revolução
contínua. Introduziu-se o princípio de proteção do Estado aos
“direitos legítimos e interesses da economia individual”,
31
Ainda, em 1988, tal proposta foi complementada por uma reforma que insere no
cenário econômico chinês a concepção capitalista de existência e desenvolvimento do
setor privado, claro, dentro dos limites da legislação nacional.
Wang Zhenmin (2005) defende a idéia de que o Estado de Direito na República
Popular da China iniciou-se com a promulgação da Constituição de 198233, sendo
complementada pelas leis civis e econômicas entre 1982 e 1991”34. Logo, observa-se uma
ausência de consenso entre os autores a respeito dessa questão.
Apesar desta tentativa de Deng Xiaoping de diminuição do seu personalismo
dentro do Partido Comunista Chinês, em 1979, em virtude do grande aumento
populacional na China, as autoridades centrais decidiram implantar uma política rígida de
controle de natalidade, que permitia somente um filho por família. Assim como notam
Roberts (2006) e Goldman (2008), esta política foi extremamente criticada,
principalmente, pela cultura chinesa crer na necessidade das famílias terem um filho
homem para preservar a sua linhagem. Dessa forma, a política do filho único incentivou o
aborto, o infanticídio de bebês do sexo feminino e a esterilização. Decisões políticas que
afetariam significativamente a China, especialmente após a década de 90, gerando
problemas tal como a distância numérica entre os gêneros e as formas corruptas de burlar
a situação. Roberts (2006) cita que, em 1984, várias exceções a esta lei foram concedidas
e Goldman (2008) complementa que, especialmente no campo onde as famílias
precisavam de mão-de-obra para a produção, foi permitido que os camponeses tivessem
mais de um filho. Percebe-se que a política teve um cunho contingencial e que
adequações a ela foram buscadas, contudo, pode-se observar que essas foram
insuficientes e, de alguma maneira, ineficientes para reduzir o coeficiente de problemas
gerados no país.
No parágrafo anterior foi feito menção ao desejo de Deng Xiaoping de reduzir o
personalismo no comando da política chinesa. Esse é um problema apontado pela
literatura e que, segundo Liseng (2004), a existência de superconcentração de poder
33
Ainda que não seja o objetivo fundamental deste texto, é necessário considerar que a concepção chinesa
de direitos está normalmente associada com coletividades e reivindicações da comunidade. Sendo assim,
não seria correto associá-la à concepção anglo-saxônica de liberdades individuais. A base pode ser
confuciana ou maoísta, mas não anglo-americana.
34
. WANG Zhenmin. “The Developing Rule of Law”. Harvard Asia Quarterly, November 2005. IN.
CORNEJO, Romer. China: Radiografia de una potencia en ascenso. Mexico: El Colegio de México, 2008,
p.: 247.
32
refletia na ordem política e econômica chinesa, criando obstáculos ao desenvolvimento
econômico e social do país. Contudo, o debate sobre as diferenças entre a condução
política de MaoTsé-tung e Deng Xiaoping serão melhores exploradas na discussão
realizada no capítulo sobre as reformas políticas implementadas na China pós-Deng.
Outro ponto a ser destacado seria a composição étnica da vasta população chinesa.
Segundo Roberts (2006), por possuir 8% de sua população pertencente às 55 minorias
nacionais em comparação com a grande maioria étnica Han que compõe o Estado chinês,
a constituição do país de 1982 reconhecia a China como um Estado multi-étnico. De
acordo com o autor, grande parte destas minorias ocupa regiões fronteiriças da China,
como os Tibetanos e os Uighurs, e a estas foi concedido o status de regiões autônomas,
possuindo algumas liberdades políticas e econômicas, mas sem possibilidade de secessão.
Todavia, o autor ainda observa que a despeito destas minorias serem incentivadas a
preservar suas culturas, a imigração de chineses Han para estas regiões gera
ressentimento e protestos35.
As relações da China com Hong Kong foram formalizadas durante este período,
assim como o relacionamento com Taiwan também foi se tornando cada vez menos
conflituoso. De acordo com Goodman (1994) e Roberts (2006), a atuação de Deng teria
sido crucial na reunificação da ilha de Hong Kong à China. Os autores apontam que Deng
possuía posições fortes em relação à unificação nacional e que teria sido atribuído a ele o
conceito de “um país, dois sistemas”, o qual garantia um alto grau de liberdade política e
econômica às regiões que se integrassem à China.
Assim, com base neste conceito, teria sido ofertado a Taiwan, Macau e a Hong
Kong a reunificação com a China. Roberts (2006) indica que as negociações sobre a
reunificação com Taiwan não aconteceram depois de a proposta ter sido feita em 1981,
mas que, desde então, as relações comerciais e políticas com a ilha se tornaram mais
prósperas.
Porém, ao contrário do que afirma Roberts (2006), há evidências na literatura de
que o que realmente vem ocorrendo na questão da reunificação é uma estagnação. Ainda,
observa-se um esforço para que o processo de negociação avance – denominado de
35
Segundo Kaplan (2010) “Xinjiang and Tibet are the two principal areas within the Chinese state whose
inhabitants have resisted the pull of Chinese civilization. This makes them imperial properties of Beijing, in
a way.” (KAPLAN, 2010). De acordo com o autor, ambas as regiões são de extrema importância
estratégica para a China, tanto por estarem em locais de fronteira, quanto por possuírem aspectos
geográficos e recursos naturais relevantes para a China. Por isto as demandas e os movimentos separatistas
dos habitantes destas regiões são sempre negadas e silenciados.
33
Diálogo Koo-Wang36. O Diálogo Koo-Wang compreende o primeiro encontro, com
orientação oficial, entre organizações República da China em Taiwan (ROC) e da
República Popular da China, desde que o território chinês foi dividido em 1949.
Segundo Oliveira (1994),
“O principal empecilho para o primeiro encontro entre as duas
organizações – SEF e ARATS37 - era o ponto de vista
diferenciado sobre o que significa uma China. Para solucionar o
impasse, a parte chinesa declarou que enquanto as negociações
fossem realizadas sobre o “princípio de uma China”, não haveria
necessidade de discutir em profundidade o significado de “uma
China”. Os tópicos combinados para discussão seriam: 1. O
estabelecimento de um sistema para consulta e contato regular;
2. Repatriação de imigrantes ilegais através do Estreito; 3.
Proteção do Investimento de Taiwan no continente e de possíveis
visitas de empresários do continente em Taiwan; 4. Conferências
privadas sobre intercâmbio econômico e esforços conjuntos para
desenvolver energia e recursos; 5. Intercâmbio de visitas de
jovens, tecnologia e mídia; e, 6. Assinatura formal de dois
acordos de autenticação notarial e pesquisa e compensação para
correspondência registrada extraviada” (OLIVEIRA, 1994: 75).
A conclusão de Oliveira (1994) é que seja qual fosse o resultado concreto do
diálogo, o encontro já estava envolto por uma importância simbólica elevada, pois
prenunciava a disposição para a resolução dos diferenciais de forma pacífica e
pragmática. Ainda, a forma de condução da negociação, segundo o autor supracitado,
induz a interpretação de que estava sendo reconhecida a autonomia de cada um dos
governos sobre os territórios controlados. Por fim, mas não menos relevante, é relevante
reconhecer que o diálogo Koo-Wang consiste em uma boa opção para uma resolução dos
conflitos entre a República Popular da China e Taiwan de forma pacífica.
Ao passo que, em relação a Hong Kong, as negociações começaram com a visita
da então Primeira-Ministra britânica, Margareth Thatcher, em 1982, e culminaram com o
acordo Anglo-Chinês de 1984. Este previa o retorno da ilha de Hong Kong à China em
1997, como uma Região Administrativa Especial.
Goldman (2008) nota que, no início da década de 1980, Deng e seus
companheiros que haviam sofrido perseguições e acusações durante a Revolução
Cultural, tentaram implementar reformas políticas limitadas no Partido Comunista Chinês
36
37
Koo-Wang faz referência à Koo Chen-fu, presidente da SEF e à Wang Tao-han, presidente da ARATS.
Straits Exchange Foundation – SEF e Association for Relations Across the Taiwan Straits – ARATS.
34
no sentido de desconcentrar a tomada de decisão em uma só pessoa, como havia ocorrido
na era Mao. A autora afirma que
“as reformas políticas visavam estabelecer normas,
institucionalizar alguns procedimentos e governar por meio da
tomada de decisão coletiva para afastar-se, ad hoc, da
impunidade ditatorial da liderança pessoal que causara tantos
danos durante os anos de Mao“ (GOLDMAN, 2008: 385).
Assim, teria sido buscado um sistema de governança coletivo em detrimento à
concentração de poder em uma liderança pessoal para evitar que vontades particulares
conduzissem a nação. De fato, segundo Liseng (2004), o Politburo mantém o controle do
poder, independentemente de Mao Tsé-tung ou de outros governantes posteriores.
Para isto, Deng teria regulamentado o tempo de mandato dos líderes do partido
em 5 anos reelegíveis por uma vez. Seus discípulos teriam seguido esta tentativa. Dessa
forma, Zhao Zhiang, no 13º Congresso do Partido, em 1987, teria pleiteado que houvesse
a separação entre as funções do Partido e do Estado, de maneira na qual o partido
estipularia os objetivos e metas do país e o governo implementaria as políticas
necessárias para atingi-los. Da mesma forma, Hu Yaobang teria liderado os teóricos do
partido para uma reflexão mais humanista da ideologia marxista-leninista, como
acontecia no Leste europeu, tendo em vista a adequação da ideologia às reformas,
tornando-a menos dogmática.
Ademais, o Congresso Nacional do Povo (CNP) teria ganhado um pouco mais de
independência durante os anos pós-Mao. Segundo Goldman (2008), o CNP teria deixado
de simplesmente seguir as diretrizes do partido e exercido com mais austeridade seu
papel de Poder Legislativo. Dessa forma, teria sido expandida sua burocracia, instituído
um sistema de comitês e alocado tecnocratas em seu Comitê Permanente. Nesse sentido,
mesmo não podendo definir sua própria agenda, que era estabelecida pelo Partido, o CNP
passou a tomar a iniciativa de modificar, revisar, devolver e negar os programas do
Partido com os quais não concordavam.
A autora ainda nota que este processo de fortalecimento dos órgãos legislativos
também teria ocorrido em algumas áreas da China com a introdução de eleições diretas
para congressos locais. Em 1987, a Lei Orgânica dos Comitês locais teria oficializado
esta prática. Contudo, de acordo com Goldman (2008), nem todas as regiões da China
usufruem desta lei e os candidatos têm de ser aprovados pelo Ministério da Casa Civil
35
antes de poderem participar das eleições. Nesse sentido, pode ser entendido que, neste
período, começam-se ser feitos esforços para uma reforma legal na RPC.
Entretanto, estas mudanças políticas não foram suficientes para acompanhar as
reformas do mercado, que demandavam alterações estruturais e políticas dentro do
Partido Comunista Chinês. Com isso, brechas teriam sido abertas para o aparecimento da
corrupção, para o aumento das desigualdades sociais, para as disparidades crescentes
entre as zonas rurais e as cidades e também para a poluição ambiental. Haw (2008)
salienta que toda esta situação impactava diretamente a população, que se tornou
insatisfeita com o Partido a despeito das melhorias econômicas.
Roberts (2006) explicita que o maior contato que a China passou a ter com o
estrangeiro assustou alguns membros mais antigos do Partido que começaram uma
campanha, em 1983, contra a “poluição espiritual” advinda do Ocidente. Contra estas
atitudes e a favor de maiores reformas políticas na China, Goldman (2008) explica que,
entre 1985 e 1986, alguns intelectuais membros do governo, da mídia e da academia, que
haviam sido reabilitados por Hu Yaobong após a Revolução Cultural, passaram a
reivindicar a total revisão do sistema de governo do país com a implantação de um
sistema político democrático.
Liseng (2004) afirma categoricamente que, no que concerne à decisão política,
sem dúvida alguma, o Partido Comunista ocupa a posição mais proeminente na vida
política do país.
“Embora seja correto afirmar que o Partido Comunista é o
partido governante38 na China, tal conclusão é insuficiente. Só
definindo o partido governante como assumindo a posição de
liderança podemos explicar a diferença entre o Partido
Comunista Chinês e os partidos no poder no ocidente. (LISENG,
2004: 37)”.
Todavia, os líderes mais antigos do partido já se encontravam descontentes com
as reformas conduzidas por Deng, tanto políticas quanto econômicas, pois ambas teriam
diminuído o poder central do Partido e dado mais liberdade e autonomia para as
38
Liseng (2004) caracteriza partido governante da seguinte maneira: do ponto de vista da relação horizontal
na estrutura política de poder, o partido governante é aquele que toma e exerce a posição de liderança
diante de todas as instituições de poder do Estado, seja no Legislativo, Executivo, Judiciário ou nas Forças
Armadas. Do ponto de vista da relação vertical na estrutura política de poder, o partido governante ao
assumir a liderança, controla o país assim como cada uma de suas partes componentes tanto no poder
central quanto nas localidades. Logo, ao se tornar o partido governante, o Partido Comunista Chinês, tem
meios de exercer a liderança, fazendo valer seu poder decisório de forma mais próxima aos aspectos da
vida social. Pelo ângulo organizacional, o partido aplica o principio de centralismo democrático, que requer
que os comitês subordinados obedeçam aos superiores e todo o partido obedeça ao Comitê Central. Logo, e
de fato, são os sete membros do Comitê Permanente do Bureau Político que dominam o partido e a
estrutura de poder político de Estado na China.
36
localidades e para os indivíduos chineses39. Estes líderes teriam persuadido Deng a
redefinir seu conceito de “democracia socialista40” não para um modelo democrático
ocidental como requeriam os manifestantes, mas para uma simples reforma burocrática
do Partido. “Deng Xiaoping, na 3a Conferência do Partido em setembro de 1985, para
conseguir apoio e a aprovação de sua proposta de privilegiar a estratégia de
desenvolvimento econômico e de modernização, acima da ideologia, teve que se
comprometer com a ala mais radical em manter forte controle sobre qualquer tipo de
crítica ao Partido e em favor da democracia.41”
Esta manobra fez com que surgissem manifestações políticas de estudantes entre
1986 e 1987. As manifestações teriam eclodido em Anhui e Hefei e depois foram se
espalhando para as cidades costeiras até avançarem para a Praça Tiananmen.
Goldman (2008) assinala que, como Hu Yaobong teria se recusado a reprimir
violentamente estas manifestações, a ala mais dura do partido conseguiu com que ele
fosse demitido de seu cargo em janeiro de 1987 e os demais intelectuais fossem
expurgados do Partido por terem incitado as manifestações populares. Zhao Ziyang teria,
então, ocupado a posição de Hu Yaobong como secretário-geral do partido e Li Peng –
filho adotivo de Zhou Enlai42 - teria sido indicado como Primeiro-Ministro.
Não obstante, Goldman (2008) e Haw (2008) apontam que a insatisfação da
população transformou uma celebração estudantil em homenagem a Hu Yaobong, que
teria morrido inesperadamente em um acidente aéreo em 1989, em grandes manifestações
populares que duraram seis semanas e estavam presentes em toda a China.
39
Deng Xiaoping, em seu discurso “A reforma do Partido e o Sistema de Liberdade do Estado” passava a
idéia de que era objetivo do governo estabelecer um sistema político socialista que fosse democrático,
legalizado, eficiente e cheio de vitalidade. A proposta era aumentar a consulta pública e o diálogo com a
população sobre assuntos relevantes para a estratégia política chinesa. Tal esforço foi elevado no 14º e 15º
Congressos Nacionais do Partido, respectivamente, realizados em 1992 e 1997. Liseng (2004).
40
Segundo Goldman (2008), o PCC utilizava de expressões como “democracia socialista” e “legalidade
socialista” como tentativas de recuperar a autoridade e a legitimidade do partido perante a população
chinesa. Todavia, não havia consenso sobre o que estas expressões de fato significavam e como elas se
aplicavam no caso chinês, por isto seus conceitos se tornavam maleáveis e flexíveis.
41
. Os dados referentes aos Congressos do PCC estão baseados na análise de ANGUIANO, Eugenio. “Los
congresos nacionales del Partido Comunista de China en el poder”. IN: ANGUIANO, Eugenio (coord.).
China Contemporánea: La construcción de un pais (desde 1949). México: El Colegio de México, 2001.
PP.: 121-178.
42
Zhou Enlai foi primeiro-ministro chinês da era Mao. De acordo com Haw (2008), Zhou acompanhou
Mao desde o movimento revolucionário e teve um papel de moderação durante todo o seu governo.
Segundo o autor, Zhou foi o arquiteto da aproximação sino-americana da década de 1970, a qual culminou
na admissão da China, em detrimento de Taiwan, na ONU e foi o formulador do Programa das Quatro
Modernizações (agricultura, indústria, ciência/tecnologia e defesa), de 1975. Para Haw (2008), poderia se
dizer que Deng Xiaoping devesse sua vida, ao menos política, a Zhou pela coincidência de Deng ter
perdido seus cargos políticos, brevemente reconquistados após os anos mais duros da Revolução Cultural
no ano de 1973, quando da morte de Zhou Enlai, em 1976.
37
Lyrio (2010: 92), no entanto, discorda da generalização das manifestações
ponderando que
“descontados o simbolismo interno e a repercussão internacional
dos protestos, Tiananmen representou para os padrões chineses
de convulsão política dos dois últimos séculos, um movimento
relativamente pequeno em termos de mobilização e repressão
popular. Embora tenha gerado manifestações em algumas outras
cidades além de Pequim, mobilizado trabalhadores e estudantes e
amealhado a simpatia cautelosa de parcela importante da
população, o movimento não chegou a constituir um embrião de
rebelião para a derrubada do Governo nem uma ameaça efetiva
ao PCC como um todo”.
Estas manifestações teriam sido compostas não só por estudantes, como também
por trabalhadores e cidadãos comuns. Os manifestantes reivindicavam reformas políticas,
o fim da corrupção, da inflação e do fechamento de empresas estatais – prática que teria
seguido as reformas econômicas. De acordo com Goldman (2008), estas manifestações
teriam alarmado os líderes mais antigos do Partido Comunista Chinês. Seus temores eram
reforçados pela lembrança das atitudes destrutivas dos Guardas Vermelhos da Revolução
Cultural.
Ademais, a situação política complicou-se com a visita do líder soviético, Mikhail
Gorbachev, em Maio de 1989. Nessa medida, após a saída de Gorbachev do país, houve
uma grande reunião do Politburo, com participação de membros já aposentados do
Partido para definir as ações do governo em relação às manifestações. Durante esta
reunião, teria sido decidido pela imposição da martial law – Estado de Sítio – a partir de
20 de Maio. Segundo Goldman (2008), Zhao Ziyang teria sido demitido por não levar a
cabo esta decisão, sendo acusado de provocar a desunião do Partido. Dessa forma, Jiang
Zemin, o secretário do Partido de Shanghai, foi apontado para substituir Zhao na
liderança do Partido Comunista Chinês.
Uma vez que, mesmo após as ameaças do uso da força militar os manifestantes se
recusaram a sair da Praça Tiananmen, símbolo da sede oficial do governo, Li Peng foi
ordenado a enviar tropas para dispersar os manifestantes e ocupar o local, autorizando o
uso da força naqueles que resistissem. Estima-se que aproximadamente 800 a 1,3 mil
pessoas morreram e de 10 a 30 mil foram presas durante as manifestações.
Overholt (1996) e Haw (2008) apontam que, posterior ao incidente de 4 de Junho
na Praça Tiananmen e com o fim da Guerra Fria, a maioria dos chineses passou a se
interessar mais pelas oportunidades trazidas pelo desenvolvimento econômico nacional
38
do que em reivindicar por liberdades políticas. De acordo com Overlholt (1996), este
consenso entre a população chinesa deve persistir se o país mantiver o seu nível de
desenvolvimento e crescimento. Para o autor, somente a partir do momento em que a
China conseguir garantir comida, abrigo e saúde para toda a sua população, as aspirações
políticas dos chineses entrarão em cena. Dessa forma, Overholt afirma que,
“since the end of the Cold War, most of the Chinese have
accepted, as South Koreans and Taiwanese did until the mid1980s, the view that economic priorities are the right ones and
political liberalization should be slow. Unless the leadership
ceases to deliver better living standards, the consensus is likely to
persist until a generation or two from now when most can take
food, shelter, and the health of their children for granted. Then,
as in South Korea and Taiwan, political aspirations will change”
(OVERHOLT, 1996: 15).
Após o 4 de Junho, as relações da China com o exterior foram abaladas. Para
Goodman (1994) e Gill (2007), os acontecimentos da Praça Tiananmen levaram o
Ocidente a isolar a China diplomaticamente. Gill (2007) ressalta que a China sentiu cada
vez mais este isolamento devido ao desligamento dos países comunistas europeus da
órbita da União Soviética. Segundo Goldman (2008), a partir deste momento em diante, a
questão mais sensível entre a China e o mundo exterior passaria a ser as suas violações
aos direitos humanos. A autora nota que, somente em 1994, os EUA retirariam esta
questão como sendo uma condição para a China ter o status de nação mais favorecida nas
relações comerciais com o país.
De acordo com Goodman (1994) e Goldman (2008), após o incidente de
Tiananmen, a ala mais dura do Partido Comunista Chinês tentou recuperar a centralização
da economia na China. Contudo, assim como afirmam Goodman (1994) e Roberts
(2006), as reformas econômicas, que haviam em grande parte gerado os protestos, eram
irreversíveis e teriam que ser mantidas. O país já havia passado por demasiadas alterações
políticas e econômicas para voltar atrás com este projeto de modernização.
Assim, Goodman (1994) observa que Deng teria defendido a implantação de
algumas reformas de ajuste, tanto políticas quanto econômicas, para explicar os eventos
de Junho e também para fazer com que a China conseguisse se tornar menos dependente
de capital e investimento estrangeiro. Já Gill (2007) aponta ainda que o colapso da União
Soviética, em 1991, teria dado novo vigor às reformas econômicas por ter suscitado a
possibilidade da China seguir o mesmo caminho do gigante soviético.
39
Da mesma forma, Goldman (2008) sustenta que, para garantir que as reformas
continuassem a ser implementadas, Deng teria realizado uma “jornada meridional” nas
ZEE, em 1992, para reforçar a necessidade de manter a condução das reformas e acelerar
o passo dos reajustes de 1989. Jornada essa que teve efeito positivo sobre as expectativas
da população. Goodman (1994) ressalta que esta viagem às cidades que estavam
operando como caminho de entrada para o mundo exterior na China serviu para legitimar
as reformas e mostrar seus benefícios para o resto do país.
Ademais, o autor nota que este período de isolamento deu novo teor às relações
econômicas chinesas. Dessa forma, Goodman (1994) coloca que
“whilst before the second half of 1989 China had been looking to
more advanced Western and OECD countries for trade and
investment, this came to a more or less abrupt halt. Partly
because of changes in the economies of East and South-east Asia,
and partly through encouragement from Beijing China’s
economic relations with its neighbours developed at an
increasing rate from the second half of 1989 on. In some cases –
Hong Kong and Taiwan being the most obvious – a high degree
of economic integration was achieved in a very short period of
time, and provided a massive boost to China’s economy as well as
to the economies of the region in and after 1990” (GOODMAN,
1994:112).
Dessa forma, pode-se dizer que o isolamento imposto pelo Ocidente à China fez
com que o governo chinês buscasse aumentar suas relações com seus vizinhos mais
próximos. Ou seja, a China aumentou as suas trocas comerciais com os países da Ásia e
tornou-se menos dependente do Ocidente.
O novo secretário do partido, que havia sido apontado após os incidentes de
Tiananmen, Jiang Zemin, não se opôs à abertura da China. Fato é que Jiang teria
aumentado o controle da mídia e da política, mas não teria perseguido o controle
econômico. Nota-se que Jiang teria favorecido o desenvolvimento das cidades costeiras e
focado na produção industrial, principalmente para a exportação. Portanto, as reformas no
sistema econômico chinês continuaram gradativamente.
Contudo, o equilíbrio entre o desenvolvimento das cidades e da zona rural não foi
alcançado. Goldman (2008) indica que, durante a década de 1990, extinguiu-se o sistema
advindo desde a era de Mao que sujeitava os camponeses a permanecerem em seus
vilarejos de origem.
Assim, teria havido uma maior mobilidade de pessoas que
procuravam melhorar seu padrão de vida e ajudar suas famílias, que por ventura tivessem
40
ficado no campo43. No entanto, esse desligamento do local de origem era somente
concedido por questões de trabalho, não de moradia. Para conseguir a residência em áreas
urbanas era necessário obter uma autorização do governo. Todavia, a autora explana que,
no começo do século XXI, essas permissões foram se tornando menos exigidas.
Assim como afirma Goldman (2008), observa-se que esta possibilidade permitiu
que os chineses tivessem maior flexibilidade e liberdade de escolhas em sua vida
econômica pessoal, saindo um pouco da esfera de controle estatal. Dessa forma, uma
alternativa usada por muitos chineses foi o que Barry Naughton cunhou de “uma família,
dois sistemas”, modelo no qual um membro da família ingressava no setor estatal – que
previa vários benefícios como moradia, assistência médica, educação – e outro na
economia de mercado. (NAUGHTON, Barry apud GOLDMAN, Merle, 2008). O
ingresso dos chineses na economia de mercado, que teria sido estimulado gradativamente
desde a descoletivização da agricultura, possibilitou a formação de fundos de poupança,
os quais impulsionaram ainda mais o investimento e as iniciativas privadas na China.
De acordo com Goldman (2008), ao contrário da política soviética, que privatizou
a indústria estatal logo no início de suas reformas de abertura, a China procurou postergar
essa decisão até o final da década de 1990. No caso chinês, a passagem do sistema estatal
para o privado foi sendo conduzida paulatinamente pelo governo. Na maioria das vezes,
pode-se observar que as empresas privadas entravam no mercado como subcontratadas
das estatais, mas rapidamente conseguiam tornar-se mais eficientes que as empresas
públicas. Logo, as iniciativas de fomento do setor privado e de atração de capital externo
teriam forçado a competição entre as empresas privadas e o setor estatal, estimulando,
assim, a reforma do setor público.
Nesse contexto, segundo Roberts (2006), a necessidade de se reformar o sistema
de empresas estatais ganhou prioridade quando a China postulou sua entrada na OMC,
em 1986. Contudo, somente em Setembro de 1997, no 15º Congresso do Partido, através
de uma campanha feita por Jiang Zemin, ficou decidido que várias empresas estatais
seriam fechadas e suas ações vendidas como “títulos de propriedade pública”. Para
Goldman (2008), [Jiang]
43
A respeito desse assunto, ou seja, da manutenção dos camponeses em seus vilarejos de origem, acreditase que, em algum sentido, o governo tenha preferido fazer de conta que não via o que estava realmente
acontecendo. As populações locais saiam de suas regiões originais e os governos locais e central
‘permitiam’ esse movimento. Ainda, cabe ressaltar que na década de 90, observa-se uma maior mobilidade
das populações entre centros urbanos e regiões agrícolas, que dificultaram inclusive a contabilização
populacional de certas regiões na China.
41
“marcou sua presença na política econômica, ao lançar uma
grande campanha de reforma da indústria estatal, por meio de
falências bancárias, fusões, venda de ações, joint ventures
estrangeiras e privatização. Vinte anos após o início das
reformas econômicas, diante do crescente conflito social, do
rompimento com os trabalhadores desempregados, das
desigualdades crescentes e das críticas dos neomaoístas, a
liderança de Jiang oficializou o que já ocorria informalmente: a
retirada da participação do Estado de muitos setores da
economia e a dissolução das indústrias estatais extremamente
endividadas, com excesso de funcionários e obsoletas”
(GOLDMAN, 2008: 397).
As exceções a esta decisão foram referentes às empresas dentro das consideradas
indústrias-chave, como recursos naturais, indústrias de armamentos, químicas, de energia
e distribuição de grãos. Assim, o Estado chinês ainda demonstrava sua cautela neste
processo de abertura e reforma, privatizando somente aquelas empresas que não eram
consideradas estratégicas para o país.
Contudo, mesmo que o setor privado chinês estivesse desenvolvido o suficiente
para competir com o setor estatal, este não conseguiu absorver a grande quantidade de
trabalhadores que haviam perdido o emprego com o fechamento das empresas do setor
público e também que emigrara das zonas rurais menos desenvolvidas. Segundo
Goldman (2008), mesmo anterior à decisão de 1997, os trabalhadores chineses já estavam
insatisfeitos com o atraso de pagamentos, concessão de licenças e dispensas que o
malogro do setor estatal já os implicava. Essa situação gerou muitos protestos, os quais
foram agravados ainda mais com o fechamento das estatais, uma vez que, além de
desempregados, os trabalhadores se viram sem os benefícios garantidos pelo emprego no
setor público.
Assim como Guthrie (2006) aponta, é válido destacar que, em economias
planificadas, há pouca variação salarial e os benefícios sociais são basicamente ligados ao
emprego. Mais especificamente no caso chinês, o autor argumenta que, para além desta
característica, havia a opção dos trabalhadores se manter em um emprego por toda a sua
vida. Com as reformas de abertura do mercado, esse cenário teria mudado e várias
mudanças institucionais, que visavam redefinir as relações de trabalho na China, teriam
sido implementadas, como a Lei do Trabalho (1994), a criação das Comissões de
Arbitragem do Trabalho, a emergência de contratos trabalhistas (1986), que teriam sido
institucionalizados com a Lei da Empresa (1988) e a Lei da Companhia (1994). Assim,
para o autor, quebrou-se a ligação do trabalhador com o emprego para toda sua vida e
42
também do emprego com os benefícios sociais. Dessa forma, o setor privado teria mais
liberdade de ação sem as amarras do chamado “iron rice bow”44.
Goldman (2008) ressalta que a privatização da indústria estatal causou não
apenas um grande número de desempregados, mas também teve outras graves
conseqüências sociais para os chineses. Com a perda das empresas públicas, o governo
central teria perdido grande parte de sua renda orçamentária, passando a responsabilidade
de investimentos sociais para os governos locais e fomentando o que seria chamado pela
autora de “federalismo informal”. Todavia, Goldman (2008) explana que estes governos
locais não haviam adquirido experiência suficiente em governança social como em
condução da economia. Dessa forma, a autora indica que “programas de saúde, educação
e infra-estrutura pública deterioraram-se gradualmente na década de 1990” (GOLDMAN,
2008:383). Assim sendo, a escassez de recursos do governo central e a inexperiência dos
governos locais em prover programas sociais fizeram com que aparecessem novas
lacunas no desenvolvimento chinês.
Goldman (2008) ainda nota que, neste mesmo período, foram criadas várias
ONGs dedicadas a estes setores mais frágeis, como educação, assistência social, meio
ambiente, questões de gênero, assumindo algumas demandas que deveriam ser supridas
pelo governo. Da mesma forma, houve também a formação de várias associações de
classe entre médicos, advogados, mercadores. De acordo com a autora, esses
agrupamentos sociais foram oficialmente reconhecidos por Zhao Ziyang, no 13º
Congresso do Partido, em 1987. Zhao teria demandado um canal oficial pelo qual estes
grupos pudessem expressar seus interesses de maneira organizada, assim, todos esses
agrupamentos, deveriam ser registrados no governo. Dessa forma, essas ONGs e
associações deveriam manter-se afastadas de questões políticas para garantir sua
legalidade e sobrevivência perante as possíveis ações repressivas do governo.
Com a introdução de novas tecnologias de comunicação, websites e blogs também
tiveram de ser registrados e supervisionados pelo governo para impedir críticas ao Partido
e reivindicações políticas. Todavia, com o número crescente de internautas e também
com as variadas possibilidades que a tecnologia de comunicação e a internet possuem,
estes bloqueios são comumente contornados pelos usuários chineses. Nesse sentido, notase que o ciberespaço teria trazido à China um novo local de debate e compartilhamento
44
Expressão usada para se referir ao emprego estatal dava diversas garantias sociais e empregatícias aos
chineses.
43
de informações fora da jurisdição estatal. Este espaço virtual público seria então capaz de
contestar a propaganda e o controle da informação que o governo chinês tenta manter.
O falecimento de Deng Xiaoping ocorreu em Fevereiro de 1997. Entretanto, assim
como visualiza Goldman (2008), como Jiang Zemin havia assumido a liderança do
partido há quase oito anos antes deste acontecimento, a morte do líder não teria deixado
tamanho vácuo político. Assim, desde 1989, Jiang teria ocupado as posições mais altas
dentro do Partido Comunista Chinês e do Exército. Contudo, conforme nota da autora,
“Enquanto Deng possuía poder pessoal para realizar feitos,
Jiang e seus colegas de Shangai, assim como a quarta geração de
líderes do partido conduzidos pelo secretário-geral Hu Jintao e o
primeiro-ministro Wen Jiabao, eram apenas tecnocratas. Jiang e
seus colegas ascenderam na política por meio da indústria estatal
e da burocracia; Hu Jintao e seus companheiros chegaram ao
pináculo do poder por intermédio de posições provinciais. [...]
Além disso, uma vez que eram os primeiros líderes da República
Popular da China que não haviam participado da revolução,
tinham menos autoridade para governar que seus predecessores e
eram menos propensos a comprometerem-se” (GOLDMAN,
2008:396).
E, segundo Roberts (2006) e Goldman (2008), diferentemente de Deng, Jiang não
possuía ligações fortes com os militares e precisou fazer-lhes algumas concessões para
que seu prestígio aumentasse entre eles. Dessa forma, Jiang teria dispensado promoções e
aumentos no orçamento militar como tentativas de estreitar suas relações com o exército
chinês. Em outras palavras, como Jiang Zemin não havia se envolvido na revolução de
1949, assim como Mao e Deng, ele teve que construir seu círculo de relações com os
militares e com os membros mais antigos do Partido através de favores e concessões.
Um dos participantes do círculo de Jiang era Zhu Rongji, prefeito e secretário do
Partido em Shangai, que em 1998 tomou o lugar de Li Peng como Primeiro-Ministro da
China. De acordo com Guthrie (2006), Zhu Rongji teria levado a cabo o projeto de
transformação do sistema legal chinês de Zhao Ziyang. Para o autor, ambos ansiavam
tornar a China um Estado de Direito, no sentido de que tal reforma seria necessária para
acompanhar as mudanças sociais e econômicas chinesas dos últimos anos. Zhao teria
introduzido o sistema de exames para a entrada no serviço público chinês, que
posteriormente teria sido aprimorado por outras legislações, em vista da melhoria da
burocracia estatal.
Guthrie (2006) e Goldman (2008) atentam que outra reforma importante,
aprovada pelo CNP, teria sido a Lei Administrativa de Litígio, de 1990. Essa lei teria
44
concedido a liberdade de pessoas comuns moverem ações judiciais contra funcionários do
Estado. Guthrie (2006) ainda menciona que, por ter sido sancionada logo após o incidente
de Tiananmen, diversos cidadãos e policiais chineses entraram na justiça contra as ações
do governo – vários conseguiram com que as cortes ficassem a seu favor. Dessa maneira,
pode-se entender que o sistema legal chinês foi passando por mudanças para que
conseguisse acompanhar o passo das reformas políticas e econômicas. Trajetória natural
para um país que havia passado – e permanecia – por um processo de profundas reformas
políticas, econômicas e sociais.
Guthrie (2006) observa que, mais recentemente, Zhu Rongji teria tentado não
somente trazer novas leis, mas também novas instituições que permitissem uma
aproximação do sistema chinês aos padrões aceitos (ou desejados) pela comunidade
internacional. Nesse contexto, podem ser compreendidas as leis de reforma do sistema
trabalhista, as novas leis empresariais, as reformas penais, as leis de compensação, a lei
de patentes e todo o aparato institucional criado em conformidade com estas mudanças,
como o Escritório Estatal de Propriedade Intelectual e a Comissão Internacional Chinesa
de Arbitragem Econômica e Comercial. Assim, vê-se que as melhorias do sistema legal
procuravam trazer maior segurança jurídica não só para os cidadãos chineses como
também para a comunidade internacional.
De acordo com Roberts (2006) e Goldman (2008), a passagem da terceira geração
de líderes da China, representada por Jiang Zemin e seus companheiros de Shangai, para
a quarta geração, sob a liderança de Hu Jintao, foi uma das mais pacíficas da história da
China no século XX.
“In November [2002]45 the first peaceful and orderly leadership
succession since the Communist Revolution took place. The
‘fourth generation’, headed by Hu Jintao, had grown up during
the Cultural Revolution. Many of its members were technocrats,
economists or layers rather engineers like their predecessors”
(ROBERTS, 2006: 296).
Dessa forma, Hu Jintao, que era membro do Politburo desde 1992, tornou-se
Secretário-Geral do Partido em 2002, Presidente da República Popular da China em 2003
e chefe da Comissão Militar Central em 2005. Para poder exercer sua autoridade, Hu
Jintao teria nomeado alguns de seus companheiros e tecnocratas para posições no
45
Entre as referências usadas foi encontrada uma discordância na data de referência – havia textos que
apontavam para a data de 2001 e outros para 2002.
45
Politburo e também em governos locais. Já Wen Jiabao, que ocupou o cargo de Vice
Primeiro-Ministro desde 1998, substituiu Zhu Rongji como o Primeiro-Ministro em 2003.
Para Goldman (2008), os líderes da quarta geração procuraram desenvolver o
interior da China e diminuir as enormes disparidades entre as zonas rurais e urbanas.
Assim como nota Roberts (2006), “the government’s declared aim is not economic
growth at all costs, but the promotion of measures which advance social equality and
environmental protection” (ROBERTS, 2006: 296).
Os dados e as estatísticas chinesas mostram que, desde o começo das reformas
econômicas, conseguiu-se melhorar a qualidade de vida de milhões de chineses, mas
ainda é notável que outros milhões subsistem com um padrão de vida muito baixo. Para
mudar esta situação, os novos líderes teriam buscado incentivar o desenvolvimento das
áreas rurais. De acordo com Goldman (2008),
“Hu e o primeiro-ministro Wen Jiabao, formado em geologia,
priorizaram o desenvolvimento do interior e diminuíram os
pesados impostos cobrados dos fazendeiros. Em 2004-5 eles
tentaram reduzir as disparidades econômicas emergentes entre os
setores rural e urbano eliminando os impostos agrícolas e
fornecendo educação para a área rural e subsídios para os
fazendeiros” (GOLDMAN, 2008:417).
Da mesma forma, Roberts (2006) e Goldman (2008) indicam que os problemas
ambientais chineses têm assumido proporções gigantescas, o que preocupa o governo. O
território chinês abriga várias das cidades mais poluídas do mundo, assim como lagos e
rios na mesma situação. Roberts (2006) estima que um quinto das plantações chinesas
sofre com poluição de metais pesados. O uso da queima de carvão em sua matriz
energética causa não só a poluição do ar de diversas cidades, mas colabora com a emissão
de monóxidos de carbono na atmosfera.
Outro grande desafio para a nova administração foi a questão da saúde nacional.
Com a descoletivização do campo e a privatização das indústrias estatais, foram perdidos
os antigos benefícios sociais, como os cuidados com a saúde, que eram garantidos pelas
antigas comunas e empresas públicas. Assim, a assistência médica foi privatizada e a
grande maioria da população fica à mercê dos programas governamentais.
Contudo, como já foi indicado e como aponta Goldman (2008), as reformas
políticas e econômicas da era pós-Mao diminuíram a capacidade do governo central em
intervir nestas questões. A descentralização econômica teria dado maior autonomia para
os governos locais, que “estavam menos propensos a seguir as diretrizes de Beijing em
46
questões como impostos, comércio e programas sociais quando essas diretivas
conflitavam com seus interesses regionais” (GOLDMAN, 2008:425).
Observa-se que durante o governo de Hu, esse procurou fortalecer o partido para
que pudesse governar de modo mais eficaz. Dessa forma, Hu teria tentado revigorar a
doutrina ideológica socialista e estabelecer maior disciplina entre os membros do Partido
Comunista Chinês para pôr fim à corrupção disseminada entre o Partido. Ademais, o
governo sob a liderança de Hu passou a reprimir ainda mais os dissidentes políticos e os
protestos contra o governo.
Goldman (2008) cita que, durante os últimos anos, houve grande repressão contra
“ciberdissidentes”, intelectuais e também contra a mídia, através do Departamento de
Propaganda. As informações provenientes desta fonte dão conta que houve vários
protestos contra a corrupção, os abusos de oficiais do Partido e o confisco de propriedade,
no entanto, todos foram duramente sobrepujados. Ademais, o Partido Comunista Chinês
também teria continuado a reprimir algumas crenças religiosas e minorias étnicas que
tentavam buscar mais autonomia, como os muçulmanos no Noroeste e os budistas
tibetanos, o que provocou manifestações e confrontos freqüentes durante o governo de
Hu.
“apesar dos esforços de Hu Jintao no início do século XXI para
atenuar as desigualdades, e a despeito do crescimento econômico
progressivo, as forças deflagradas pelas reformas econômicas e o
rápido desenvolvimento, potencialmente desestabilizadoras no
campo social, econômico e ambiental, provocaram um crescente
rancor público. Esse rancor exprimiu-se em diversas
manifestações de trabalhadores, fazendeiros, pensionistas e
cidadãos contra a corrupção disseminada, abusos do poder do
governo, sobretaxas de impostos locais, demolição de habitações
para o desenvolvimento de infra-estrutura moderna, dispensas
nas empresas estatais falidas, o não-pagamento de serviço
médico, pensões e salários, poluição ambiental provocada pela
industrialização irregular e o confisco de terra sem indenização
adequada” (GOLDMAN, 2008:403).
Dessa forma, ao mesmo tempo em que a liderança da China é pressionada a
proporcionar as condições favoráveis para que o crescimento econômico continue
avançando, o que demanda cada vez mais modernização e investimento, o governo da
quarta geração de líderes enfrenta vários problemas internos, os quais impõem desafios
para o desenvolvimento do país e demandam respostas para as desigualdades e
disparidades entre as áreas urbanas e rurais, para o aumento desenfreado da poluição do
47
meio ambiente, os protestos de trabalhadores, camponeses e minorias étnicas em favor da
melhoria de sua qualidade de vida e as reivindicações de dissidentes políticos pela
democratização da China, além do “ocultado” problema derivado da corrupção. Assim, o
Partido Comunista Chinês de Hu e Wen procura manter-se no poder tentando encontrar
um equilíbrio entre as reformas econômicas e as demandas da população chinesa.
O que se torna visível, no entanto, é que a modernização econômica levou a China
a um novo patamar de desenvolvimento que desperta, simultaneamente, o interesse e a
preocupação da comunidade internacional. A crescente presença econômica da China no
cenário internacional chama a atenção dos olhares do mundo em relação ao seu avanço,
tanto em questões econômicas quanto militares.
Goldman (2008) nota que apesar da aliança entre China e EUA contra o
terrorismo46 em 2001, os norte-americanos ainda temem o desenvolvimento chinês e suas
aspirações com relação a sua influência militar e econômica na Ásia, na região do
Pacífico. O status de Taiwan continua sendo um tema de debate entre EUA e China e,
mesmo que as relações comerciais entre China e Taiwan crescem a um passo cada vez
maior, as tensões entre a mainland e a ilha continuam acentuadas. Ademais, “os Estados
Unidos continuaram a ser os maiores críticos do recorde de violações de direitos humanos
da China” (GOLDMAN, 2008:421). Não somente estas questões pioram o
relacionamento entre os dois países, mas disputas comerciais, não só em decorrência da
disputa pela influência regional, mas também em questões de balança comercial e direitos
de propriedade intelectual deterioram a relação entre EUA e China.
A despeito da difícil relação entre norte-americanos e chineses, nota-se que a
China tem buscado outros tipos de aliados internacionais. Segundo Goldman (2008),
“China e Rússia estabeleceram laços militares e políticos em um esforço conjunto para
contrabalançar a hegemonia mundial dos Estados Unidos” (GOLDMAN, 2008:420) e
também cooperam no campo do desenvolvimento energético. A despeito de Goldman
(2008) ressaltar o estritamente de laços entre a China e a Rússia, observa-se que a China
vem continuamente elevando sua participação em pequenos grupos de países que reúnem
características econômicas semelhantes ou que vislumbrem uma posição política mais
ativa dentro do cenário político internacional, tal como o Brasil, a Índia entre outros. Sua
aproximação comercial e político com a África também é visível e sua relação com a
46
Logo após os atentados de 11 de Setembro de 2001, esta aliança consagrou-se com o combate chinês
contra os grupos muçulmanos das regiões de fronteira de seu território, principalmente os Uighurs, da
região de Xinjiang.
48
América Latina vem passando por uma fase de significativo crescimento. Ponto este que
tem se tornado crucial para o desenvolvimento chinês. Para modernizar-se a China
procura evitar a escassez de energia tentando obter acesso aos recursos energéticos
mundiais na África, na América Latina, na Ásia Central e no Oriente Médio.
Dessa forma, “talvez em um esforço para tranquilizar o mundo, os líderes
nacionais mencionam a “ascensão pacífica” da China, ou seja, que a China se converterá
em uma potência mundial sem causar distúrbio na comunidade internacional”
(GOLDMAN, 2008:420). Em outras palavras, a China tenta dizer ao mundo que sua
inserção internacional é devido as suas necessidades de crescimento e desenvolvimento
econômico e não em virtude de anseios expansionistas militares.
Resta agora demonstrar como a China trata conceitos fundamentais para seu
posicionamento internacional, a saber: soberania e segurança. Esses têm fundamental
importância visto que a China considera um conceito de segurança ampliado, ressaltando
a grande influencia dos períodos nos quais o país foi influenciado ou dominado por
outros países e culturas que obstaculizaram o seu projeto de desenvolvimento, a despeito
dos condicionantes internos que também influenciavam sua fragilidade. É desses
conceitos que tratarão o capítulo seguinte, destacando uma maneira totalmente
diversificada da questão da segurança para China frente a versão ocidental.
49
2 - O conceito de Soberania e Segurança na China atual.
Este capítulo traz à tona a seguinte questão: por que é fundamental para o
desenvolvimento e para a inserção internacional chinesa compreender o sentido de
soberania e segurança em seu contexto específico? E ainda, considerando o projeto
nacional de desenvolvimento, sua inserção internacional e ascensão dentro do atual
cenário internacional será pacífica? O capítulo faz inicialmente uma breve revisão da
literatura construindo um eixo teórico que nos permite compreender os motivos pelos
quais soberania e segurança são conceitos tão relevantes para a China, especialmente pós1978, e como esses conceitos diferem da visão tradicional.
“over the last three decades or so, its foreign and defense policies
have been remarkably consistent and reasonably well
coordinated with the country´s domestic priorities. On the other
hand, the Chinese government has yet to disclose any document
that comprehensively expounds the country´s strategy goals and
the ways to achieve them (JISI, 2011: 68).”
Sabe-se que a proposta da China, em sua trajetória em direção ao desenvolvimento,
é que este aconteça via adoção de um novo sistema que se apóia na concepção de que a
economia de mercado é um fato. Portanto, para que seu processo de desenvolvimento seja
eficiente, a inserção internacional é um passo importante para o sucesso desse projeto de
desenvolvimento. Segundo Jizi (2011), quando chegam os anos 80 e Deng Xiaoping, a
China embarca em uma reforma estrutural e sua política de abertura, tendo como meta
prioritária seu desenvolvimento econômico. Para atingir tal objetivo, observa Jizi (2011)
que
“China made great efforts to develop friendly and cooperative
relations with countries all over the world, regardless of their
political or ideological orientation, it reasoned that a
nonconfrontational posture would attract foreign investment to
China and boost trade. A peaceful international environment, an
enhanced position for China in the global arena, and China´s
steady integration into the existing economic order would also
help consolidate the CCP´s power at home. But even as economic
interest became a major driver of China´s behavior on the
international scene, traditional security concerns and need to
guard against Western political interference remained
important.”
50
A China tem reiterado em diversos momentos, via discursos oficiais, que sua
condição atual de potência emergente deve ser entendida como uma nova fase histórica,
marcada por “ascensão pacífica” do país, destinada a beneficiar seu entorno imediato e
relações com o exterior. O estudo da história cultural chinesa nos leva a crer que vigorava
(e parte deste sentimento ainda permanece) no país uma idéia sinocêntrica do mundo.
Essa se apoiava nas concepções de que dentro do espaço geográfico chinês e suas
margens estavam sob o total controle do Imperador. O mundo, considerando sua área
geográfica conhecida, poderia ser governado de forma pacífica e harmoniosa. Por fim, e a
meu juízo o mais importante, havia uma percepção que culturalmente nenhuma outra
civilização igualar-se-ia a China e seus pressupostos formativos culturais.
Contudo, o contato com o expansionismo comercial europeu afetou decisivamente
a vida na China e de maneiras distintas. A entrada dos europeus alterou os fluxos
comerciais, especialmente aqueles até então controlados ou vigentes entre a China e seus
vizinhos. A criação de novos vínculos de dominação, agora ditados pelas potências
européias afetou a posição chinesa e suas relações políticas e econômicas com seus
vizinhos. Novas relações de poder foram criadas, a despeito da China ainda manter sua
posição de potência na Ásia. A competição européia pelos mercados e por seus recursos
também afetou a China já que sua mão-de-obra farta passou a figurar como componente
de custo produtivo relevante para a concorrência via preço nos mercados centrais ou
coloniais.
“A unique feature of Chinese leader´s understanding of their
country´s history is their persistent sensitivity to domestic
disorder caused by foreign threats. From ancient times, the ruling
regime of the day has often been brought down by a combination
of internal uprising and external invasion (JISI, 2011: 69).”
O resultado deste longo processo é que a partir do século XIX, a expansão
colonial européia e o declínio do Império Chinês começaram, portanto, a redesenhar um
novo formato de relacionamento distinto da que existira até o momento, entre a China e o
Sudeste Asiático. Perderam importância os canais de comunicação em nível de governo,
visto que, com a presença dos novos colonizadores, cessaram as relações de vassalagem e
o sentido de proteção até então garantido pela China. Ainda, deu-se início um grande
fluxo migratório que, nos cem anos seguintes, deu origem a uma mobilização de milhões
de chineses em direção ao Sudeste Asiático, em fuga dos constantes conflitos internos e
dificuldades econômicas presentes no país. Esses emigrantes passaram a constituir
51
poderosos laços afetivos com a China, além de instituírem sólido intercâmbio comercial e
remessa de recursos financeiros a familiares em seu país de origem. Percebe-se aqui que
o efeito não é puramente econômico, mas, sobretudo, cultural e social, influenciando a
realidade cultural chinesa e sua percepção de cultura dominante.
Este cenário de influencias e dominações será sacudido pelo movimento de
expansão japonês, tendo como período representativo a década de 1940. Novamente a
China sofrerá influencias de outras nações e será atormentada por novos conflitos que a
colocam em uma posição constrangedora e, que novamente, afetaria sua economia,
política e cultura.
Frente a este cenário sumariamente descrito, a China vê-se na situação de debater
internamente e, posteriormente, externar ao mundo, uma nova posição no que diz respeito
a sua soberania e sua segurança, considerando seu projeto de desenvolvimento e seu
processo de inserção internacional autônomo.
O ponto que norteia esta discussão e este capítulo é que devido às influencias e,
conseqüentemente, os problemas causados pelas invasões, dominações e contato com os
estrangeiros na China, afetando sua economia, sua política e sua cultura, uma nova
determinação postural deveria ser colocada em prática pela China com o intuito de
resguardar seu processo de desenvolvimento a partir da entrada de Mao Tsé-tung, mas
com maior ênfase, com a chegada da década de 80 e a política vanguardista
implementada por Deng Xiaoping.
A discussão a respeito da segurança sempre esteve presente nos estudos da área de
Relações Internacionais. Na verdade, na ciência social quando considerada como um
agrupamento de conhecimentos oriundos da política, da sociologia e da antropologia,
principalmente, e em suas diversas interfaces com as demais áreas do conhecimento que a
perpassam, sempre figurou como assunto relevante a questão da segurança. Muitos
autores contribuíram sobremaneira para a construção do tema. Aqui serão ressaltados
alguns representantes de uma corrente que compreende a segurança não unicamente
como uma questão militar, logo não havendo distinção entre high e low politics, mas
como uma junção de agendas significativas para o entendimento da segurança como
componente do desenvolvimento nacional e do posicionamento das nações na cena
internacional.
A contribuição de Brodie (1949) ruma no sentido de que a determinação da
política de segurança, os meios econômicos e a utilização dos recursos com eficiência são
52
atributos muito mais dos economistas do que dos militares. Por isto, Brodie (1949)
acreditava que a estratégia deveria se pautar em cálculos de custo benefício,
incorporando-se na formação estratégica a lógica econômica de utilidade marginal e o
“princípio de dano menor”, ou seja, todas as coisas sendo iguais opta-se por selecionar
aquelas que pudessem produzir menor dano. Brodie (1949) propunha que aos militares
caberia tão somente a execução dos planos de campanha elaborados pelos estrategistas
civis em consonância com os interesses da burocracia estatal. Aos militares caberia, no
máximo, auxiliarem na elaboração do orçamento de defesa.
Já Betts (1997 e 2000) argumenta que os “Estudos de Segurança” abarcariam na
atualidade a diplomacia, a formação de políticas, a mobilização econômica e social, as
inovações científicas, o controle de armamentos, o terrorismo e o meio ambiente. O
campo de estudos deveria retornar ao domínio das Relações Internacionais, considerando
sua formação multidisciplinar e matricial.
A contribuição que melhor encaixa-se no argumento construído ao longo deste
trabalho tem origem em Buzan, Wæver e Wilde (1998). Estes questionam a vertente
“tradicionalista que foca exclusivamente nas questões militares e na figura do ator estatal.
“Argumentamos contra a visão de que o core dos estudos de segurança são a guerra e a
força e que outros assuntos são relevantes apenas se relacionados com a guerra e a força”
(Buzan, Waever e Wilde, 1998:04). Buzan, Wæver e Wilde (1998) destacam que
segurança versa sobre sobrevivência, ou seja, é quando o assunto é apresentado como
sofrendo uma ameaça existencial para um designado objeto de referência e necessita de
uma ação emergencial para conter essa ameaça. Essa ameaça pode ter como fonte um fato
psicológico ou real. Os autores rejeitam a argumentação de que problemas de segurança
estão restritos a um ou dois setores, a saber: o militar e o político.
A segurança deve ser vista de modo mais abrangente, incorporando, portanto,
temáticas que não aquelas restritas à gama da tradicional agenda de High Politics do
Estado. Na verdade, diversos fatos considerados como Low Politics deveriam integrar
uma agenda internacional mais abrangente devido a sua interdependência para serem
sanados. A miopia observada na visão tradicional (narrow) distingue-se da amplitude da
visão proposta pelos autores (wide). Na visão ampliada, a segurança é vista como um
fenômeno complexo e multifacetado que não se limita a soluções prontas e idênticas para
cada ocorrência. Cada situação merece uma avaliação e uma resposta diferenciada
53
considerando o grau de securitização47 que ela alcança. Além disto, questões de
segurança, dado seus diferentes níveis de análise (nota de rodapé 2) e complexidade,
devem ser tratados de maneira distinta48. Segundo Buzan, Wæver e Wilde (1998),
“In the study of international relations, the five most frequently
used levels of analysis are as follow:
International System, meaning the largest conglomerates of
interacting or interdependent units that have no system level
above them. Currently, this level encompasses the entire planet,
but in earlier times several more or less disconnected
international system existed simultaneously;
International subsystems, meaning groups of units within the
international system that can be distinguish from the entire
system by the particular nature or intensity of their interaction
with or interdependence on each other. Subsystems may be
territorially coherent, in which case they are regional (ASEAN)
or not (OPEC);
Units, meaning actors composed of various subgroups,
organizations, communities, and many individuals and sufficiently
cohesive and independent to be differentiated from others and to
have standing at the higher level (e.g., states, nations,
transnational firms);
Subunits, meaning organized groups of individuals within units
that are able (or that try) to affect the behavior of the unit (e.g.,
bureaucracies, lobbies);
Individuals, the bottom line of most analysis in the social
sciences. (BUZAN, WÆVER E WILDE, 1998: 05-06)”
Esta descrição mostra que os autores supracitados defendem a existência de cinco
setores e não dois (político e militar) conforme a visão “tradicional” Estes setores são o
setor militar, responsável pelas relações de forças coercitivas; o setor político, que lida
com o relacionamento entre as autoridades, o governo e suas inter-relações; o setor
47
Securitização é um processo onde determinado assunto migra da agenda de Low Politics para a temática
de segurança na agenda de High Politics. Se houvesse uma transposição somente de um tema da agenda de
Low para a agenda de High Politics este processo seria denominado de politização. Securitização
normalmente envolve uma mudança de discurso, ou seja, determinados atores que se interessam por certa
situação propiciam um discurso favorável ao aumento da importância de um tema na agenda e esse tema
entra na gama dos assuntos de segurança. Essa situação passa a ser identificada como um tema de
segurança.
48
A organização analítica de Buzan merece aqui uma explicação complementar. A questão inicial para
Buzan é a definição do foco da análise ou o que vai ser estudado e/ou analisado. Segundo Buzan e Little
colocam, em um jardim pode-se focar as flores, o solo, as pedras, o jardim em si mesmo, interligando as
análises ou fazendo-as de maneira parcial. Assim, na área de Relações Internacionais como um todo, e aqui,
especificamente, a subárea de segurança (mas não exclusivamente essa área) os níveis de análise podem ir
do macro (o Sistema Internacional) até o mais micro (o indivíduo). O nível de análise não se confunde nem
com atores (que são os protagonistas), nem com setores de análise (dimensões). A nota de rodapé seguinte
expõe os níveis trabalhados por Buzan.
54
econômico, que deve trabalhar com o comércio, a produção, e o lado monetário e
financeiro do ambiente; o societal, que trabalha com o lado da identidade coletiva; e por
fim, o ambiental, que deve lidar com as questões que envolvem a atividade humana e a
biosfera planetária49.
Estes mesmos autores propõem que o problema da segurança seja regionalizado.
Posteriormente, Buzan (2003), isoladamente, desenvolve o que se denomina de Teoria
dos Complexos Regionais50 - Regional Security Complex Theory (RSCT). Sua idéia
central é que assim colocada pelo autor:
“The central Idea in RSCT is that since most threats travel more
easily over short distances than over long ones, security
interdependence is normally patterned into regionally based
clusters: security complexes (RSC´s) (BUZAN, 2003: 145)”.
Seu argumento é que as questões de segurança afligem a todos os atores da
sociedade internacional, mas que àqueles que compartilham a proximidade, ou seja, o
complexo regional, será mais afetados que os demais51.
Isto é, a maioria dos problemas de segurança são limitados a determinadas regiões
e a proximidade geográfica dos atores tendem a ressaltar esta dinâmica. Por regiões de
segurança, os autores atribuem as seguintes características: (1) são compostos por dois ou
mais estados; (2) estes estados compõem um conjunto geográfico coerente; (3) as
relações entre estes estados é marcada por interdependência (extra e inter estados) no que
concerne à questão de segurança; (4) estes padrões de interdependência são profundos e
duráveis, ainda que passíveis de mudanças (BUZAN, WÆVER E WILDE, 1998).
Buzan (2003) ao analisar a arquitetura de segurança da Ásia introduz o conceito
de complexos regionais de segurança. A idéia central de Buzan é que as ameaças
49
Generally speaking, the military security concerns the two-level interplay of the army offensive and
defensive capabilities of states, and states perceptions of each other´s intentions. Political security
concerns the organizational stability of states, systems of government and the ideologies that give them
legitimacy. Economic security concerns access to the resources, finance and markets necessary to sustain
acceptable levels of welfare and status power. Societal security concerns the sustainability, within
acceptable conditions for evolution, of traditional patterns, culture and religious and national identity and
custom. Environmental security concerns the maintenance of the local and planetary biosphere as the
essential support system on which all other human enterprises depend. (BUZAN, WÆVER E WILDE,
1998: 08).
50
BUZAN, Barry. Security architecture in Asia: the interplay of regional and global levels. The Pacific
Review, v.16, n, 02, 2003. E, BUZAN, Barry, WÆVER, Ole. Regions and Power: the structure of
international security. NY: Cambridge University Press – CSIR, 2003.
51
Ainda segundo Buzan (2003: 145) “Security complex may well be extensively penetrated by the global
powers, but their regional dynamics nonetheless have a substantial degree of autonomy from the patterns
set by the global powers. The overall architecture of RSCT involves examination of security dynamics at
four levels: domestic, regional interregional and global.”
55
normalmente se expandem mais fácil e rapidamente em curtas distâncias e que,
conseqüentemente, a interdependência da segurança padroniza-se em bases regionais.
Neste sentido, os estados normalmente estão mais preocupados com as capacidades e
intenções de seus vizinhos do que com os localizados externamente a estes complexos. E,
mesmo que possam ser afetados pelos poderes globais, sua dinâmica apresenta um
relativo grau de autonomia dos padrões da segurança global. A perspectiva teórica de
Buzan distingue ainda entre superpotências atuando globalmente, grandes poderes com
influência sobre mais de uma região e poderes regionais com capacidades contidas dentro
de um único complexo
Deve-se deixar claro que a construção teórica de Buzan, Wæver e Wilde (1998) a
respeito da amplitude do conceito de segurança torna-se a base conceitual deste tópico da
pesquisa. Este tipo de argumentação desprovido do interesse em segmentar a discussão de
segurança dos objetivos de desenvolvimento de uma nação serve inteiramente aos
propósitos deste trabalho. É argumento essencial deste trabalho que a China tem clareza
dos seus objetivos de desenvolvimento e das políticas a serem praticadas para atingir tal
objetivo. A questão da segurança, em cenário internacional, faz parte deste planejamento,
sem excluir outros objetivos.
A contribuição de Buzan, Wæver e Wilde (1998) é imensa e aqui nesta produção
não cabe e nem é objetivo avaliar toda a sua obra. Para os fins deste trabalho, fica o
entendimento de que a questão de segurança ultrapassa a avaliação única e
exclusivamente militar, sendo assim identificada por uma profunda interdependência em
seu sentido mais amplo. Merece, da mesma forma, ser ressaltado que a separação de uma
agenda de High Politics de uma secundária de Low Politics não faz sentido,
especialmente para o caso aqui estudado.
De acordo com Gill (2007), o conceito atual de segurança da China tem suas
raízes nas concepções do antigo líder chinês Deng Xiaoping, de 1982, o qual dizia que o
mundo tenderia não ao conflito e à guerra, assim como pregava Mao, mas ao progresso e
à paz. Dessa forma, a China poderia contar com um ambiente internacional pacífico no
qual não teria que se preocupar primordialmente com questões militares e poderia focar
em seu desenvolvimento interno. Contudo, o autor argumenta que esta visão sofreu
alterações com novos desafios, diplomáticos e domésticos, enfrentados pelo país entre o
final da década de 1980 e início da década de 1990 e com o consequente final da guerra
fria.
56
Neste contexto, na década de 1990, houve uma reformulação nas concepções
chinesas de ordem mundial – que passaram a expressar a necessidade de
redemocratização do sistema internacional para a construção de uma ordem internacional
mais justa e racional tanto política quanto economicamente – e de seu papel no sistema –
para agora buscar agir como um “responsible great power” (GILL, 2007: 04).
Para Gill (2007), estas formulações influenciaram a criação de um novo conceito
de segurança chinês que visa maior participação no cenário internacional e regional. Este
conceito pode ser observado em diversas publicações oficiais chinesas (White Papers), da
década de 1990 e 2000, sobre sua política de defesa nacional e também em declarações
de oficiais do governo chinês. O China's National Defense de 1998 deixa claro quais são
as bases deste conceito,
"Security should be based on mutual trust and common interests.
We should promote trust through dialogue, seek security through
cooperation, respect each other's sovereignty, solve disputes
through peaceful means and strive for common development. To
obtain lasting peace, it is imperative to abandon the cold war
mentality, cultivate a new concept of security and seek a new way
to safeguard peace". (CHINA,1998)
De acordo com Gill (2007), este novo conceito seria também baseado nos Cinco
Princípios de Coexistência Pacífica ou Five Principles of Peaceful Coexistence (FPPC),
que remontam à Conferência de Bandung, em 1955. Estes princípios também são citados
no China's National Defense de 1998,
"The relations among nations should be established on the basis
of the Five Principles of Peaceful Coexistence: mutual respect for
territorial integrity and sovereignty, mutual non-aggression, noninterference in each other's internal affairs, equality and mutual
benefit, and peaceful coexistence. These are the political basis
and premise of global and regional security (CHINA,1998)”.
Além disso, este documento também expressa qual é o papel do Estado chinês
nesta nova ordem mundial ao apontar que a China é um país com grandes
responsabilidades52 e que o Estado chinês atua como uma força firme na salvaguarda da
paz e da estabilidade mundial.
Para Medeiros e Fravel (2003), esta nova mentalidade chinesa indica que houve a
superação da posição de Estado em desenvolvimento vitimizado que a China manteve
durante os governos de Mao e Xiaoping. Stephen G. Haw (2008: 190) argumenta que
52
No original "responsible big country".
57
desde a Guerra do Ópio, em 1839, a China passou por um duro período de humilhação e
adaptação ao mundo ocidental. Segundo o autor, a guerra apresentou aos chineses um
mundo novo que eles não haviam se dado conta que existia mesmo após 300 anos de
contato direto com comerciantes ocidentais. Deste incidente em diante, a China
permaneceria sob a influência do ocidente, atravessada por conturbações internas e
sofrendo com ataques externos.
Segundo Medeiros e Fravel (2003:23), a nova diplomacia da China passou a ver o
país como um grande poder emergente, com uma grande gama de interesses e
responsabilidades
-
"an
emerging
great
power
with
varied
interests
and
responsibilities", o que poderia ser evidenciado na expansão do número e na maior
profundidade dos acordos e relacionamentos bilaterais que a China tem promovido em
áreas de comércio e segurança, na sua maior participação em organizações multilaterais e
no seu maior envolvimento no Conselho de Segurança da ONU e em questões de
segurança em geral, tanto regionais quanto globais. Segundo Medeiros e Fravel,
“China’s approach to bilateral relations, multilateral
organizations, and security issues reflects a new flexibility and
sophistication. The changes represent an attempt by China’s
recent leaders to break out of their post-Tiananmen isolation,
rebuild their image, protect and promote Chinese economic
interests, and enhance their security; they also demonstrate an
attempt to hedge against American influence around the world
(MEDEIROS & FRAVEL, 2000:24)”.
De acordo com Gill (2007), a expansão do alcance das alianças políticoestratégicas chinesas em assuntos de segurança, na região da Ásia e globalmente, deu
efeito prático ao novo paradigma de segurança chinês. Segundo ele, a abordagem chinesa
tem sido motivada por três objetivos que são primordiais na nova diplomacia de
segurança: "defuse tensions in its external security environment to better focus on
domestic challenges, reassure neighbors about China's rise, and cautiously balance the
power of the United States to more effectively meet Chinese security interests" (GILL,
2007:21).
De acordo com o China’s National Defense de 1998, o novo conceito de
segurança chinês é impulsionado pelo desejo de modernização e desenvolvimento
econômico da China. Segundo o documento oficial,
“guided by its aspiration for peace and development, China
unswervingly pursues a national defense policy that is defensive
58
in nature, keeps national defense construction in a position
subordinate to and in the service of the nation's economic
construction, strengthens international and regional security
cooperation and actively participates in the international arms
control and disarmament process (CHINA, 1998)”.
Dessa maneira, pode-se entender que a noção de segurança chinesa ultrapassa a
visão tradicional de segurança, apontada por Buzan, Wæver e Wilde (1998), e engloba a
aspiração pelo desenvolvimento nacional como o fator principal de sua busca por um
ambiente pacífico, tanto globalmente quanto regionalmente. Nesse sentido, o
desenvolvimento passa a ser a força motriz para a reflexão da formulação e condução da
defesa nacional chinesa. A visão chinesa de ordem mundial novamente entra em questão
ao denunciar que o desenvolvimento econômico desigual do globo e que o hiato entre
norte e sul.
Além, ainda seguindo a contribuição de Buzan, Wæver e Wilde (1998) sobre a
complexificação dos assuntos que são caros à segurança nacional, o China’s National
Defense de 2006 apresenta que a comunidade internacional enfrenta ameaças de
segurança cada vez mais complexas, abrangentes e diversas nas quais “political,
economic and security problems and geographical, ethnic and religious contradictions
are interconnected and complex” (CHINA, 2006). Vários elementos “não-tradicionais”
foram securitizados por apresentarem ameaças ao desenvolvimento chinês, como pode
ser visto também neste documento oficial,
“security issues related to energy, resources, finance, information
and international shipping routes are mounting. International
terrorist forces remain active, shocking terrorist acts keep
occurring. Natural disasters, serious communicable diseases,
environmental degradation, international crime and other
transnational problems are becoming more damaging in nature
(CHINA, 2006)”.
É essencial aqui deixar claro o conceito de soberania para uma nação. Grande
parcela das decisões de segurança de um país tem relação intima à sua soberania,
manutenção desta ou no esforço de obtê-la.
Segundo Sarooshi (2005) o conceito de soberania é semelhante ao conceito de
Deus, todos cotidianamente referem-se a ela, mas poucos (ou nenhum no original)
demonstram conhecer a fundo e claramente o que este conceito realmente significa53.
53
Demarcação legal da ação do Estado: Legal system which reflected the sovereignty of the state in their
jurisdictional arrangement – refusing the subjection of the State to ordinary legal process, with or without
59
Segundo Lalande (1999) soberania corresponde ao poder soberano por direito ou
poder político originário do qual procedem todos os outros, no qual eles encontram a sua
legítima fonte. Ainda conforme Lalande (1999), do ponto de vista das relações entre
Estados, o significado de soberania passa pela independência absoluta, pelo direito de um
Estado em relação a qualquer outro Estado, ou qualquer outra autoridade superior, ou
seja, uma fonte de poder absoluta.
Anteriormente a Westphalia (1648), a concepção de soberania, oriunda de Jean
Bodin (1576) em De Republica referia-se a um estado de desordem observado entre os
Estados da Europa caracterizado essencialmente por uma ausência de coordenação entre
as autoridades independentes. Segundo Bodin, a manifestação essencial da soberania
estava no poder de “fazer” as leis. Para ele, a soberania, em essência, estava na existência
de uma única e exclusiva fonte de autoridade capaz de estabelecer as leis. Esta discussão
foi o ponto de partida para o início de uma complexa discussão teórica a respeito de
soberania, especialmente no cenário europeu.
Com os Tratados de Westphalia em 1648, o conceito de soberania passou a ser
relacionado com a noção de Westphalia Sovereingnty, o qual demarca o consentimento
entre os estados de que certos poderes seriam exercidos pelos Reis de alguns dos países
signatários. Dentre estes, estava o direito absoluto e soberania, ou seja, o estabelecimento
de leis próprias direcionadas aos seus respectivos estados.
No século 19, esta noção de soberania foi elevada a tema de discussão central na
seara do direito internacional público. Wheaton (1866) citado por Wenhua (2008),
afirmava que cada Estado deveria possuir e exercer exclusivamente seu poder de
soberania e jurisdição considerando toda a extensão do seu território54. Esta concepção de
soberania foi posteriormente sumarizada da seguinte forma:
“Historically, sovereignty has been associated with four main
characteristics: first, a sovereign state is one that enjoys supreme
political authority and monopoly over the legitimate use of force
within its territory. Second, it is capable of regulating movements
across its borders. Third, it can make its foreign policy choices
freely. Finally, its is recognized by others governments as an
the development of an alternative administrative jurisdiction- rather quickly perceived both the need for a
legal test of state action, and the inability of the notion of sovereignty to provide one. (TNPDEL, 2002)
54
No State can, by its laws, directly affect, bind, or regulate property beyond its own territory, or control
persons that do not reside within it, whether they be native-born subjects or not. WHEATON, Henry.
Elements of International Law. 8th ed. Boston: Danna, 1866.
60
independent entity entitled to freedom from external intervention.
These components of sovereignty were never absolute, but
together they offered a predictable foundation for world order.”
(HAAS, 2003: 02)
O desafio de definir soberania com clareza sempre esteve presente, seja nas
ciências políticas seja nas relações internacionais. Este desafio tornou-se mais complexo
a partir do desfecho da II Guerra Mundial e, particularmente, nos dias atuais com as
constantes modificações nas relações de força e poder do mundo político contemporâneo.
Esta complexidade deve-se, segundo Wenhua (2008), à proliferação de tratados e
organizações internacionais, cada qual com seu conjunto de normas e regras que acabam
por se constituir em limites e desafios à soberania do Estado. O Estado, particularmente é
o ator mais desafiado nos dias atuais. Os movimentos militantes dos direitos humanos,
favoráveis à integração regional e às atividades humanitárias, os reguladores das relações
comerciais, dos fluxos de investimentos estrangeiros, fluxos de capitais de curto prazo e a
ação das mais diversas instituições, todos estes frutos da globalização econômica,
desafiam as leis estabelecidas pelos Estados e sua jurisdição.
Wenhua (2008) ao citar Henkin destaca que soberania não é, na atual conjuntura
organizacional do sistema internacional, uma boa palavra a ser utilizada. Isto porque ela,
em sua concepção, está restrita ao âmbito nacional, enfrentando dificuldades para ser
absorvida pelas relações internacionais e principalmente pelo direito internacional. “He
reasoned that sovereignty is essentially an internal concept, the locus of ultimate
authority in a society … surely, as applied to the modern secular state in relation to other
secular state, it is not meaningful to speak of the state of sovereign” (HENKIN apud
Wenhua, 2008).
Da discussão entre os autores que tratam do direito internacional e das relações
internacionais, fica visível que o conceito de soberania é conhecido, mas não pode ser
dado como uma unanimidade. A despeito deste ser necessário na regulamentação das
ações dos Estados, à medida em que a desigualdade entre os países que compõem o
sistema internacional aumentam e com as constantes modificações de cenário, soberania
tornou-se um conceito que ainda irá merecer espaço nos grandes debates.
Para o caso da China, o conceito moderno de soberania, assim como vários
outros, tem origem na cultura ocidental. Já sua relevância para o estudo aqui
empreendido, Wenhua (2008) tem uma colocação que é corroborada no presente tópico.
61
“The Chinese concept of sovereignty is particularly interesting,
not only because it differs significantly from that of others majors
states, but also because it has significant bearings on the future
international behavior of China, which is poised to play a major
leading role on the world stage.” (WENHUA, 2008: 51).
Como resultado de vários períodos de intervenção ocidental nas suas relações
internacionais e no seu centro decisório de política interna, a China apresenta-se como
uma forte defensora da ideia de soberania. Esse posicionamento, comumente chamado de
‘Nova idéia de soberania chinesa’ - Sovereignty with Chinese characteristics, está
apoiado em três posições. A primeira, denominada de sovereignty-bound thinking,
estabelece que em assuntos e anúncios diplomáticos o governo Chinês costuma lembrar
constantemente ao resto da comunidade internacional que existe uma concepção de
problemas existentes na agenda pelos pensadores e formuladores de política chinesa e
que estes devem ser expostos, independentemente da concepção do restante do mundo.
A segunda característica distintiva da concepção chinesa de soberania está
relacionada ao princípio da inviolabilidade da soberania do Estado. O Estado Chinês, em
um documento publicado em 1960, informava que:
“In the course of cooperation and struggle in international
relations, sovereignty is a question of paramount importance.
Therefore, peoples of various countries handling high the banner
of ‘inviolability of sovereignty’ and the oppressed nations of the
world in the past and at present, have launched stubborn
struggles against imperialism in defense of their country´s
sovereignty … .” (WENHUA, 2008: 58)
E por fim, sua terceira característica distintiva, conforme Wenhua (2008), reside
na ênfase atribuída à reciprocidade e mutualidade. Estas características são notórias no
documento que dissemina a todos os interessados os Cinco Princípios de Coexistência
Pacífica55. Considerando estas três características da soberania para o Estado Chinês,
observa-se que a China atualmente é uma ferrenha defensora de um formato de soberania
no qual é preservado o direito máximo e legitimo do Estado de estabelecer suas leis e de
posicionar-se frente aos desafios e ocorrências do cenário internacional sempre em
constante mutação.
A China, quando se posiciona no cenário internacional, deixa claro a todos a sua
dura oposição a qualquer interferência em suas relações e legislações domésticas,
incluindo aquelas relacionadas a assuntos humanitários. Na 46º Sessão da Assembleia
55
Five Principles of Peaceful Co-Existence (FPPC).
62
Geral das Nações Unidas, quando Boutros Boutros Ghali rejeitou o conceito de soberania
estabelecido em Westphalia (ou seja, o conceito de soberania absoluta), retratando o
conceito como mais complexo frente as diversas questões presentes na agenda
internacional atual, o Ministro das Relações Exteriores da China, Qian Qichen, fez o
seguinte pronunciamento no parlamento:
“The turbulent and complex international situation has further
awakened all countries and people of the world to the demand for
the establishment of a new international order, making it more
urgent and stronger. … A new international order should be
established on the basis of mutual respect for the sovereignty and
territorial integrity, mutual non-aggression, non-interference in
each other´s internal affairs, equality and mutual benefit, and
peaceful coexistence. … Only when all states promise to
implement these principles will it be likely to establish genuine
democracy in international relations.” (QICHEN, 1991).
Em 2004, em uma celebração do FPPC em Pequin, o Primeiro-Ministro Wen Jiabao
declarou que:
“Sovereignty is the birthmark of any independent state, the
crystallization of its national interests and the best safeguard of
all it holds dear. The increasing interaction and interdependence
among countries, thanks to surging economic globalization and
technological revolution, does not mean that the status and role
of sovereignty can in any way be neglected or weakened. … No
country has the right to impose its will on others, nor can it
undermine or deny other countries sovereignty under whatever
excuse. Facts have proven that such practice as disregarding
other´s sovereignty, bullying the small and the weak by dint of
one´s size and power, and pursuing hegemony and power politics
would not get anywhere … China will firmly safeguard its
sovereignty and territorial integrity, tolerating no one to interfere
in its internal affairs. All the same, it will respect the sovereignty
and territorial integrity of others.” (JIABAO, 2004)
O somatório das declarações acima permite que se estabeleça um padrão de
comportamento do Estado Chinês no que diz respeito a seus assuntos internos e a sua
definição própria de soberania. A China conduz, e assim permanecerá fazendo, seus
assuntos internos e, consequentemente, suas decisões externas considerando seu conceito
de soberania, de segurança e focada em seus objetivos de desenvolvimento. É também
perceptível que a China aderiu de maneira direta e incisiva às doutrinas de inviolabilidade
da soberania e de sovereignty-bound thinking, e esta adesão atinge a todas as áreas
constituintes da sociedade chinesa.
63
Enfim, observa-se que o objetivo primário da atual política externa chinesa
concentra-se na manutenção dos altos índices de crescimento através do aprofundamento
da reforma econômica direcionada para o mercado. Contudo, figuram em segundo lugar
e, simultaneamente, a defesa da soberania e unidade nacionais e, em terceiro, sua
transformação em um grande poder (regional e/ou internacional). Visto dessa forma,
conclui-se que os desafios econômicos são considerados fundamentais e inseparáveis dos
elementos básicos da segurança nacional: independência, soberania e estabilidade.
Seguindo uma vertente mais realista, Charles Glaser (2011) questiona-se a
respeito da ascensão da China e se esse movimento poderia levar a um conflito. A
construção de seu argumento parte do pressuposto de que as qualidades únicas da China,
associadas a sua trajetória econômica e ao seu histórico de comportamento nas relações
internacionais, especialmente regionais perdem importância a partir do momento que o
pais passa a agir como uma superpotência – because how a country acts as a superpower
and whether its actions and those of others Will end in battle are shaped as much by
general patterns of international politics as by idiosyncratic factors. Segundo Glaser
(2011) o debate sobre a atuação da China nas relações internacionais vem sem polarizado
entre liberais otimistas e realistas pessimistas no qual os primeiros definem a nova ordem
mundial sustentada por questões econômicas e pelo resultado positivo da abertura das
economias, logo, a ascensão da China deve ser considerada pacífica. Já os realistas
preocupam-se com a competição e com o choque de interesses decorrente dessa
competição.
A percepção de Glaser é que o realismo pode não ser totalmente pessimista e pode
conter em seus próprios princípios explicações para reduzir a “tendência natural” a um
conflito entre potências pela denominação de superpower. Sua construção teórica passa
pela análise do Dilema de Segurança56, mas também leva em consideração a situação do
cenário internacional atual, onde vários países estão mais preocupados em sair de uma
posição incomoda pós-crise, inclusive os EUA, e estão mais flexíveis em algumas
situações de agenda ou emergenciais. Sua conclusão é que a despeito de sempre existir o
risco de um conflito e o crescimento chinês trazer riscos para os EUA, os interesses
chineses não são compatíveis com conflitos. Sua primeira tarefa, que já é considerada
56
Sustentado pelo realismo estrutural, Glaser afirma que the concept of the security dilemma is a situation
in which one state´s efforts to increase its own secutirty reduce the security of others.A intensidade do
Dilema de Segurança vai depender Segundo Glaser vai depender dos objetivos e dos esforços para atingir
as metas políticas e de poder.
64
complexa é posicionar-se como potência regional legitimada e reconhecida por todos o
que já é demasiado complicado devido suas relações passadas com Japão entre outras
pequenas questões de devem ser resolvidas. Glaser (2011) ainda acredita na força de uma
comunidade de países que desejam manter em nível elevado o controle e a manutenção
da segurança internacional, o que reduz a possibilidade de um conflito pelo título de
superpotência.
Já Buzan (2010) tem uma perspectiva totalmente diferenciada, apesar de chegar a
conclusões próximas. Para Buzan (2010: 5) ascensão pacífica envolve a two-way process
in which the rising power accommodates itself to rules and structures of international
society, while at the same time others powers accommodate some changes in those rules
and structures by way of adjusting to the new disposition of power and status.
O argumento de Barry Buzan é que nos últimos 30 anos a China implementou
reformas e abriu sua economia, ainda, está mais próxima da sociedade internacional,
contudo, continuar este processo de crescimento e manter sua ascensão pacífica será mais
difícil do que tem sido até agora, por diversos motivos. Sua perspectiva teórica é a Escola
Inglesa (English School and International Society) e pela avaliação da literatura Buzan
destaca quatro períodos:
“(i) the sino-centric international society in East Asia before the
western presence became overwhelming; (ii) the period from the
middle of the 19th to the middle of the 20th centuries when China
was trying to adapt to, and gain status within, Western
international society; (iii) the revolutionary period when China
was largely alienated from, and oppositional to, Western
international society; and (iv) the period since the late 1970s
when China rejoined what was a more globalised, but still
Western-led, international society (BUZAN, 2010: 8).”
A despeito de Barry Buzan descrever e avaliar cada um destes períodos, interessa
nos apenas sua percepção sobre o quarto período e como essa percepção influenciará o
restante de sua análise a respeito da ascensão pacífica da China.
Ao final da década de 70 a China abandona seu “modelo” revolucionário e adota
abertura, a percepção de que a economia de mercado é inevitável e que eram necessárias
reformas para simultaneamente ascender na sociedade internacional e obter sucesso no
seu projeto de desenvolvimento nacional. Segundo Buzan (2010) as rotas traçadas pela
sociedade internacional tanto para a economia quanto para a política indicavam mais
abertura, integração e menos colonização. A China decidiu colocar o seu
desenvolvimento econômico como prioridade e essa decisão reduziu as tensões nas
65
relações internacionais da China com o mundo. A modernização com características
chinesas (denominação presente em Buzan, 2010) teve como mudança central a
prioridade pelo projeto de desenvolvimento nacional, colocando os resultados
econômicos, mediante a aceitação da economia de mercado, a inserção internacional, a
inclusão social como prioridade. Ao fazer isto, a China precisou transformar sua
percepção de segurança e soberania.
“giving priority to development meant that China needed to
transform its security interest from the military-politicalterritorial ones that dominated earlier decades and stresses
struggle and zero-sum conflict, into more cooperative,
‘comprehensive security’ ones emphasizing the maintenance of
stability and participation in the global political economy
(BUZAN, 2010: 13).”
No que concerne a essa mudança citada por Buzan, sua percepção é que a China
logrou sucesso, principalmente pelas mãos de Deng Xiaoping e pós os anos 1980. Já no
que diz respeito a atualidade e sua estratégia de ascensão pacífica, Buzan (2010) ressalta
quatro fatores que devem ser considerados em nossa análise sobre a ascensão pacífica
chinesa: (i) de um país pobre e seguindo o modelo soviético57 para um país de sucesso
econômico, a China mudou sua percepção sobre a sociedade internacional,
principalmente, no que concerne a sua posição econômica e política e o mesmo aconteceu
com o mundo. Contudo, esse sucesso não pode ainda ser dado como finalizado e nem
garantir a capacidade estabilizadora da China em temas amplos da agenda internacional,
logo, há que se esperar a história se formar para compreender melhor esse processo; (ii)
durante a crise financeira de 2008 ficou exposta a fragilidade do sistema bancário chinês.
Ainda, seu modelo liderado pelas exportações vem sendo questionado e sabe-se que
níveis de importações como os apresentados pela China nos últimos anos não mais serão
sustentados pela economia global. Essas questões, associadas com as operações de ajuda
financeira feitas pela China nos últimos dois anos, colocam dúvidas na relação EUAChina, apesar da China declara-se apenas um colaborador da estabilidade; (iii) problemas
ambientais, fazem parte da agenda global e a China ainda não se demonstrou preparada
para enfrentá-los com adequação e (iv) a liderança norte-americana da sociedade
internacional, apesar de enfraquecida ainda não chegou no ponto de substituição.
57
Na literatura presente com a denominação de soviet-style.
66
Diante do exposto Buzan (2010) conclui que além da China ainda não estar
preparada para ser líder mundial, também não faz parte do seu discurso. Sua busca está
mais para uma legitimação da sua liderança regional que ainda envolvem grandes
questões como sua relação com o Japão, e pela entrada harmônica no grupo de países
desenvolvidos. A China ameaça a estabilidade política e econômica internacional, porém
não a ponto de causar uma grande preocupação a respeito de sua ascensão. Preocupa sim
as distorções que podem ser criadas com um crescimento de dimensões elevadas e com
problemas de base econômica, mas em termos políticos, tudo indica e os documentos
oficiais corroboram que o objetivo da China é inicialmente resolver seus problemas
internos a seu modo.
Oliveira (2008: 04), coloca que
“partindo do princípio de que era (e é) extremamente
preocupante para Beijing o perigo de que o rótulo de ameaça
pudesse ser um fator que deslegitimasse a China como um ator
internacional, facilitando a emergência e imposição de
constrangimentos que pudessem comprometer tanto o
desenvolvimento econômico quanto estratégias de política
externa, em especial no estabelecimento de vínculos políticos com
diferentes países e regiões, a China adotou inicialmente a
estratégia do conceito de “ascensão pacífica”.
Segundo Oliveira (2008) o que a China procurava era diluir a “teoria da ameaça”.
Essa teoria apresenta-se sustentada em duas bases: a segurança e a economia. No que
concerne à segurança, Oliveira (2008: 05) “destaca as considerações de uma estratégia
armamentista, venda ou transferência irresponsável de armas ou de tecnologias militares
e a presença de conflitos históricos e inconcebíveis reivindicações territoriais no seu
entorno imediato”. Ainda, esta tese representa a consciência regional e internacional de
que a China apresenta um projeto político e está reunindo condições reais de assumir um
papel de relevância nos assuntos regionais e internacionais, ou seja, a ponto de ser temida
pelos demais atores do cenário internacional. Essa percepção assemelha-se muito a ideia
presente no dilema de segurança, onde o crescimento do poder da China deslocaria a
balança de poder do sistema internacional criando uma incerteza quanto a participação e
manutenção do status dos atores globais.
Já na área econômica, as preocupações concentram-se em especial no caráter
competitivo da economia chinesa construídas em bases alternativas e diferenciadas dos
demais países centrais da economia mundial, aceitando a economia de mercado, porém
67
não o mainstream econômico originário das propostas norte-americanas. O temor reside
aqui na “dificuldade natural de acomodação e assimilação no processo de
desenvolvimento” econômico da China e suas consequências na distribuição do poder
econômico em âmbito mundial.
Para dirimir tal impressão, é construído o argumento da “ascensão pacífica” da
China, buscando propiciar aos atores internacionais uma percepção mais “confiável e
crível do futuro cooperativo de suas relações externas”. O intuito aqui é passar a todos os
atores internacionais a confiança de que a China seria uma exceção à regra histórica de
que nações que passam por um processo ascendente em nível internacional torna-se uma
possível tendência à desorganizar o sistema seja militarmente seja economicamente.
Desse ponto em diante, conforme destaca Oliveira (2008), foi oficializado em
2006, no 17º Congresso Partido a proposta de desenvolvimento harmonioso como uma
nova diplomacia a ser seguida pela China.
“O Conceito apresenta, em primeiro, a conjunção entre “mundo
harmônico” e “sociedade harmônica” na consideração de que as
questões domésticas e internacionais devem ser visualizadas
como um todo. Em segundo, “mundo harmônico” correlacionase com paz e desenvolvimento. Neste sentido, China respeita as
diferentes civilizações, os diferentes modos de produção e
persegue ideais de igualdade, respeito, benefício mútuo e
harmonia entre as diferenças. E, em terceiro, ainda que aparente
ser abstrato estabelece um roteiro para a prática diplomática,
voltada não só à garantia da paz e do desenvolvimento, mas
também à cooperação. Como base deste novo posicionamento
retórico de oposição à divulgação do fator ameaça e até num
sentido defensivo e reativo está, a partir da experiência histórica
de humilhações a que esteve submetida no seu passado recente, o
fato da China ter apreendido a noção de que pode continuar a ter
problemas externos se não se igualar em termos de poder com as
potências existentes. Mas aprendeu igualmente o quão importante
é a paz e estabilidade a partir das crises que passou com a
guerra civil e com a Revolução Cultural. Assim, o desejo de uma
China com poder para não ser novamente submetida, mas em
conjunto com um profundo interesse por paz dentro e fora do
país. Considera-se que o conceito de desenvolvimento harmônico
e de nova diplomacia decorre essencialmente do reconhecimento
explícito da mudança de status da China e da busca de uma
estratégia diplomática de inserção que corresponda exatamente a
este novo e recente posicionamento internacional OLIVEIRA,
2008: 06).”
Logo, a China ao mostrar ao mundo suas intenções e interesses, aceitando uma
agenda mais ampla e multilateral apresenta-se não mais como uma ameaça, mas sim
68
como uma postulante a potência, contudo, segundo o discurso dominante, sem trazer
desequilíbrio mundiais, especialmente, no âmbito da segurança internacional.
Fica como fechamento desse capítulo e como ligação para os dois capítulos
seguintes a percepção de que a suposição de ascensão pacífica da China é sustentada por
diversas correntes teóricas. O estudo a respeito dos conceitos de soberania e segurança
nos mostram que o tratamento chinês para esses conceitos é único e leva a uma afirmação
da sua autonomia interna e, constitui em arcabouço fundamental para o objetivo chinês de
levar a frente seu projeto nacional de desenvolvimento. No capítulo seguinte, trata-se das
principais reformas políticas que conduzem a China ao nível de postulante à potência
global. Em seguida, descreve-se sua política de inserção internacional e avalia-se os
indicadores dessa trajetória rumo ao desenvolvimento nacional.
69
3 - A configuração política chinesa e sua relação com seu modelo de
desenvolvimento pós-1978.
No século XIX, a história política chinesa foi marcada por significativos abalos.
Segundo Spencer (1990), desde o início da queda da dinástica Qing, o ambiente político
chinês deteriorou-se consideravelmente, notadamente em função das inúmeras
convulsões de ordem majoritariamente políticas. São crises de legitimidade; ausência de
um poder central eficientemente organizado e coadunado; a ocorrência de diversas
revoluções e rebeliões58; a existência de poderes fragmentados entre as províncias; as
revoltas separatistas e a vulnerabilidade externa, no que concerne a manutenção do poder
central de forma harmonizada, representada pelas invasões inglesas, francesas, russas e
japonesas, para apresentar as mais relevantes entre outras.
A afirmação de Lyrio (2010) de que qualquer ordem cronológica que se proponha
a estudar a constituição política da China no período compreendido entre 1796 (Rebelião
do Lótus Branco) e 1976 (o fim da Revolução Cultural) gera para o pesquisador “uma
coleção de fraturas civis e externas” que apenas demonstram a magnitude de oscilações e
transformações políticas que tiveram lugar na China neste curto espaço de tempo. São
essas fraturas históricas que determinam o cenário do que será estudado no período
posterior. Observa-se que a China não se constitui em um molde a ser usado para outros
casos, deve ser sim estudada a partir de sua singularidade.
Fato é que a política chinesa vive um período de grande e atípica calmaria a partir
de 197859. Este considerável período de estabilidade política pode ser visto de maneira
cíclica: a estabilidade política favorece o projeto de desenvolvimento chinês e seus
resultados positivos tendem a manter esta estrutura. Aqui se argumenta que os resultados
obtidos pelo projeto de inserção internacional e o desenvolvimento, essencialmente
econômico, do país contribuem para a manutenção da estrutura de poder organizada pós1978. Em outras palavras, o período de estabilidade política auxilia e torna-se fator
essencial para a coordenação do Estado chinês na mobilização de suas capacidades de
crescimento e desenvolvimento, associada ao seu processo de inserção internacional
pacífica, guiado, nesta seara, pelo crescimento do seu fluxo de comércio e na mobilização
58
São exemplos: a Rebelião do Lótus Branco, a Rebelião Taiping, a Rebelião Nian, a Revolta dos Boxers, a
Revolução Nacionalista, a Revolução Comunista e as inúmeras invasões estrangeiras.
59
Talvez a Única exceção a este período de calmaria seja o protesto e a repressão da manifestação na Praça
Celestial (Tiananmen) em 1989.
70
de sua estrutura direcionada para um novo posicionamento mundial como grande
potência econômica.
Será feita aqui uma breve incursão histórica que precede a discussão principal
deste capítulo, a saber: a ordem política chinesa pós-1978 e sua influência sobre o
processo de desenvolvimento da China no período.
Entre os historiadores, existe uma grande discrepância sobre os motivos que
explicam ou determinam, a manutenção e a unidade do poder central chinês e, em outros
casos, as fragmentações políticas na China. Durant (1935) atribui a longevidade da
civilização chinesa e, mesmo passando por seus períodos de fricção, à forma com a qual o
governo chinês exercia seu controle sob seu território e população. Segundo Durant
(1935), o governo chinês pouco governou a China na íntegra e pouco exerceu um efetivo
controle sobre toda a população devido justamente às diversas interferências externas e
insurgências regionais pelas quais a China passou e também pela visão chinesa de que
possui uma sólida cultura milenar que não seria afetada por estes problemas menores.
Considera-se aqui este argumento frágil devido a sua visão simplista e reducionista do
objeto tratado.
Já Fairbank (2006) atribui o controle de tantos territórios por tanto tempo e por tão
poucos governantes ao extraordinário controle exercido por um grupo político coeso que
possuía como base ideológica o pressuposto confuciano de hierarquia e subordinação.
Esta ideologia exercia forte poder nas camadas sociais chinesas, permitindo o
aparecimento de um “exitoso sistema de controle e conservação social”. Fairbank (2006)
complementa sua argumentação dispondo sobre características adicionais que
contribuíram para este controle, tais como: a fragmentação existente no campo, que não
permitiu o surgimento de um grupo rural que exercesse força e influência sobre as
determinações do governo central, e a forte burocracia chinesa, que já possuía raízes
consideráveis para se transformar em uma burocracia milenar e harmonizada.
Existe ainda um argumento que a coesão política da China estaria diretamente
relacionada à sua unidade cultural. Segundo Toynbee (1995), essa relativa
homogeneidade cultural da China, estabelecida em meados do século IX ou VIII a.c.,
teria sobrevivido sem percalços advindos das diversas quebras e intervenções políticas
sofridas pela China até o século XIX. Existe nesta argumentação a concepção de que a
cultura chinesa é tão superior que essa não sucumbiria a influências exercidas por outras
culturas julgadas como inferiores pelo poder central chinês.
71
A despeito dessas argumentações, o que se pode observar ao longo da história da
China, seja esta recente ou em suas fases mais longínquas, é que a China foi palco de
inúmeras crises políticas e invasões externas que geraram instabilidades políticas e
contestação do poder central do Estado chinês (ROBERTS, 2006). Estes períodos são
marcados ainda por quedas de dinastias, aumento exponencial da população – sem
contrapartida na produção de alimentos –, problemas de ordem climática e violentas
invasões externas. Cabe ressaltar que as invasões externas e as derrotas impostas à China
em guerras contra potências estrangeiras tiveram alto custo econômico, erodiram a
legitimidade do poder político doméstico e dividiram o território chinês de tal forma que
estas se tornaram as maiores fontes de instabilidade política no país60.
Segundo Spencer (1990), em poucos momentos da história da China, como o
período compreendido entre 1859 e 1950, o país sofrera tanto com a fragmentação
territorial e política devido à ocorrência de guerras civis e intervenções estrangeiras.
Todavia, ainda segundo o mesmo autor, o fim da II Guerra Mundial e a vitória da
Revolução Comunista de 1949 pelas mãos de Mao Tsé-tung, trouxeram de volta ao país
um sentimento de restabelecimento da soberania nacional61.
O período pós-1950, coincidente com a fase inicial da Revolução Comunista, gerou
uma maior estabilidade política da China. Este período deslancha um processo de
transformação profunda na sociedade chinesa, incluindo conflitos internos ao Partido
Comunista Chinês e setores que foram excluídos da distribuição do poder central.
Fairbank (2006) denomina o período compreendido entre 1957 e 1977 como os “vinte
anos perdidos” da China moderna. Isto porque a radicalização contida nos projetos do
Grande Salto Adiante e da Revolução Cultural resultaram em um desastre de proporções
políticas e econômicas, apenas remediados com a entrada de Deng Xiaoping e o início da
modernização pragmática da China.
Fazendo uma breve retrospectiva de alguns componentes históricos relevantes,
observa-se que, em 1958, Mao abandonou o modelo de desenvolvimento soviético
(soviet-style)62 e introduziu um plano que buscava, ao mesmo tempo, a industrialização
60
O Japão é responsável por problemas políticos internos em diversas ocasiões, tais como a guerra pelo
controle das Coréias, as perdas territoriais – Formosa e a Inglaterra na Revolta de Taiping.
61
Exceção feita a questão de Taiwan e a guerra da Coréia entre 1950 e 1954.
62
Há, contudo, uma corrente que debate essa afirmação. Tal visão observa a situação mais como um
rompimento da China com o modelo oriundo da URSS. Contribuem para esse rompimento a existência de
diferenças ideológicas que norteavam os modelos chinês e o soviético. Ainda, a leitura histórica e a
disponibilidade de fatores e recursos tecnológicos tornaram-se empecilhos para a continuidade do uso da
proposta soviética.
72
do país e a coletivização da agricultura, através da ênfase no esforço do trabalho rural
chinês; tal plano ficou conhecido como o Grande Salto à Frente. Mas, o plano estatal foi
um desastre econômico, pois além da falta de habilidade administrativa63, a retirada de
técnicos soviéticos do território chinês e os fracassos consecutivos na colheita de grãos
pioraram a situação de abastecimento do país. Logo, a fome generalizou-se
nacionalmente.
A partir de então, duas correntes de pensamento podem ser identificadas dentro
do Partido Comunista Chinês (PCC): os radicais ou maoístas (esquerdistas) e os
moderados (direitistas). Os radicais eram altamente apegados à ideologia marxistaleninista e pregavam um modelo de massa, um governo voltado para o povo, isto é, o
igualitarismo e o fim da exploração das massas. A linha moderada enfatizava o
planejamento estatal, a liderança burocrática e o desenvolvimento de habilidades e
especializações necessárias para o avanço chinês. Os moderados eram mais pragmáticos e
não apresentavam a ideologia fervorosa dos maoístas.
Após o fiasco do Grande Salto à Frente, os moderados assumiram o poder.
Contudo, insatisfeito como o elitismo burocrático, Mao iniciou um novo movimento
político, a chamada Revolução Cultural64. Mao Tsé-tung estava decidido a erradicar o
elitismo burocrático e acusava os dirigentes do Partido Comunista Chinês de afastamento
ideológico, assim como acreditava que os soviéticos haviam feito, adotando um caminho
capitalista e destruindo a revolução comunista. Mao Tsé-tung, com o apoio ativo da
juventude chinesa, incitava o ataque e a destruição daqueles culpados de elitismo egoísta,
na tentativa de colocar a revolução de volta aos eixos. A revolta estava pautada na teoria
maoísta de “revolução permanente”, ou seja, na luta de classe contínua contra a
exploração e no uso de violência revolucionária para eliminar os inimigos da revolução e
impedir um retrocesso na direção do capitalismo.
Macfarquhar (1997) afirma que a Revolução Cultural buscava remodelar o futuro
da China. Seu “método” consistia em mudar na natureza do povo chinês mediante “a
great revolution that touches people to their very souls”. Utilizando o termo modelo
soviético - ‘Soviet-style65’, os revisionistas permitiam a população, dividida em classes, a
buscar seus objetivos tendo como pano de fundo a dominação e autoridade do Partido e
63
Demonstrada na avaliação dos historiados da política chinesa durante todo o período de governo de Mao.
A Revolução Cultural teve inicio em 1966 e durou uma década. Esse movimento foi, na verdade, uma
luta de poder dentro do PCC e buscava a fidelidade aos valores marxista-leninistas.
65
“Decision of The Central Committe of Chinese Comunist Party concerning the Great Proletarian Cultural
Revolution”, in URI, CCP documents of the Great Proletarian Cultural Revolution, 1966-1967, p. 42.
64
73
uma forma particular de adoção do capitalismo (ainda bastante incipiente). Esta
transformação proposta por Mao abraçava ideologicamente uma real reforma
educacional, na literatura e nas artes além de propósitos mais ousados como a promoção
da igualdade, redução dos privilégios classistas e maior coletivismo associado a menor
burocracia. Segundo colocado por Mao, em documentos disponíveis sobre a Revolução
Cultural, o objetivo era “modernizar” a China, de uma forma diferenciada, tendo início
pela cultura e atingindo pontos mais elevados hierarquicamente.
Segundo Macfarquhar (1997),
“The goal of the Cultural Revolution was to provide the right
answer to the question, After Mao, what? But success would
depend on the answer to an earlier question, After Mao, Who? If
alleged capitalist-roaders like head of state Liu Shaoqi survived
the chairman in positions of power, then China would change its
color. China must not only be guided by the correct line and
policies, but had to ‘train and bring up millions of successors who
will carry on the cause of proletarian revolution. In the storm of
the Cultural revolution, new leaders were to emerge, steeled in
struggle, proletarian in outlook, in whose hands Maoist brand of
socialism would one day burn fiercely” (MACFARQUHAR,
1997: 249).
Ainda de acordo com Macfarquhar (1997), para responder a questão “After Mao,
Who?” tentou-se usar da ascensão da Gangue dos Quatro (The Gang of Four)66. Esta,
contudo, sofreu sua primeira queda67 com as críticas iniciais à Revolução Cultural, vindas
principalmente da população que se encontrava em uma precária situação quanto ao
fornecimento de bens básicos, especialmente alimentícios. A violência política levou a
uma dilaceração da economia: queda da produção, escassez e inflação. Mas no longo
prazo, no entanto, educação, ciência e tecnologia sofreram os piores estragos. A
dilaceração da educação superior chinesa, segundo Medeiros (1999) provavelmente
retardou o desenvolvimento econômico da China em mais de uma década. Todavia, a
Revolução Cultural teve beneficiários, estes foram “those officials who had risen as a
result of the purge of their seniors, as well as through their own ability to manipulate the
turbulent politics of the late 1960´s and early 1970´s”68.
66
Inicialmente formada por Kang Sheng, que deixou o grupo por problemas de saúde, Xie Fuzhi, falecido
em 1972, restando apenas Jiang Qing (a terceira esposa de Mao), Zhang Chunqiao e Yao Wenyuan.
67
Aqui se refere à primeira queda, pois a Gangue dos Quatro terá uma “relativa” permanência no poder da
China. Com sucessivas idas e vindas, a Gangue dos Quatro permanecerá no poder até a sua queda definitiva
e prisão em 1967.
68
Macfarquhar (1997).
74
Apesar de ter sido gradualmente atenuada desde o início dos anos 70, foi preciso
uma década para que a Revolução Cultural fosse totalmente abandonada. Na verdade, ela
só teve fim com a morte de Mao Tsé-tung em 1976. A partir de então, a sociedade
chinesa reorganizou-se sob os comandos de Deng Xiaoping e de outros moderados.
Em 1978, a China iniciou seu processo de reformas econômicas assentadas em um
processo de descentralização das decisões econômicas. Deng Xiaoping objetivava
legitimar o Partido Comunista Chinês, que se encontrava abalado após as tentativas de
reformas feitas durante o período compreendido entre a condução de Mao Tsé-tung até a
transição para a transformação de Xiaoping (LEITE e MARQUES, 2007).
Segundo Stanley Karnow (1978), a grande mudança ocorrida na Ásia no ano de
1978 estava na China. Em suas palavras,
“The evolution of China during the year was the most significant
single development in the area, if not in the world. For the time
being at least, it betokens a decisive choice in a struggle that has
raged within the Communist government ever since it took over
the mainland in the 1949. … The pragmatists were personified in
Teng Hsiao-ping, who believed that progress demanded practical
measures rather than political campaigns, and his were shared by
many his Communist Party and military colleagues” (KARNOW,
1978: 03).
Karnow (1978), ao revisar os acontecimentos que antecederam a entrada de Deng
Xiaoping (Teng Hsiao-ping no original), sublinha a difícil transição política e a
permanente batalha pelo poder na China. Segundo o autor, na Revolução Cultural, Mao
tentou usar o aparato dominador e coercitivo do Partido Comunista Chinês para
homogeneizar a sociedade chinesa. Movimento este que sofreu uma pequena interrupção
com a entrada de Zhou Enlai (Chou En-lai), mas logo retomado com a Gangue dos
Quatro.
“These zigzags have left many Chinese disillusioned, cynical and
hesitant to identify with any policy out of fear that pendulum
could swing again. At the same time, there are indications that
upper echelons of the leadership group are still not entirely
cohesive. Communist Party Chairman Hua Kuo-feng (Hua
Guofeng), who was plucked out of obscurity by Mao, has seemed
to be more determinate to restrain the drive against the radicals
than Teng (Deng), who, as two-time victim of the leftist,
understandably favors a thorough housecleaning. For similar
reasons, Hua has been reluctant to bury Mao´s thesis that
political purity be primordial. These differences are complicated
by personal and political animosities. Hua, who owes his career
to the Cultural Revolution, was directly involved in the early 1976
75
campaign against Teng (Deng), and must be assumed that a
degree of tension remains between them” (KARNOW, 1978: 03).
A entrada de Deng, segundo relato de Karnow (1978), foi fundamental para uma
transição mais suave, com objetivos claros, mas sem grandes tensões políticas e sociais, o
que seria bom para o cenário político chinês depois de período tão conturbado.
A visão econômica de Deng Xiaoping traria efeitos positivos para a economia
chinesa, para a sociedade chinesa e para o cenário regional e mundial. Segundo Kinge
(2007),
“Deng foi obrigado a improvisar para induzir com lisonjas o
crescimento de uma economia que apenas começava a se
recuperar da Revolução Cultural, a década da loucura maoísta
que terminara oficialmente em 1976. Ele nomeou Chen Yun, um
especialista em desarmar crises econômicas, para conceber
novas estratégias. A idéia de Chen era que o ativismo de
camponeses, que perfaziam cerca de 700 milhões da população
chinesa, então de 1,1 bilhão, tinha sido sufocado durante tempo
demais sob o sistema de comunas agrícolas instituídas por Mao.
De 1979 em diante, os camponeses podiam formar “grupos de
trabalho” menores pra cultivar porções fixas de terra, ceifando o
benefício – ou os pesares – de sua colheita. Um princípio-chave
da nova política, no entanto, era que esses grupos de trabalho
não seriam famílias unitárias, e que a terra que cultivassem
permaneceria propriedade do Estado. Mas, em um de seus
primeiro atos de desobediência criativa, os agricultores
entenderam a nova política como licença para começar a cultivar
terras da família. Os funcionários locais sabiam exatamente o
que estava acontecendo, mas conseguiam ver também que o
ativismo dos camponeses despertara e estava relegando a
lassidão das comunas para a história. O impacto foi imediato.
Em 1984, a colheita nacional de grãos subiu de 407 milhões de
toneladas, contra os 305 milhões de 1978, e a carne se tornou
mais disponível. ... As pessoas passaram a formar companhias
que eram socialistas e pertenciam ao Estado no papel, mas
capitalistas e privadas na realidade. Em seu novo curso, coletivo
poderia também significar uma coleção de proprietários privados
ou parcialmente privados. Era uma folha de parreira que passou
a ser conhecida como envergar o chapéu vermelho, e não teria
enganado ninguém se não fosse pela cumplicidade de
funcionários dos governos locais. ... A contribuição de Deng foi
conceber todas as estratégias que viriam a lançar as fundações
da decolagem econômica da China, mas estar disposto a seguir
qualquer fórmula caseira que parecesse resultar no crescimento
de que o país precisava tão desesperadamente” (KINGE, 2007:
32-33).
76
O que se observa da citação acima é que Deng Xiaoping teve habilidade,
diferentemente dos seus antecessores, para ser flexível nos momentos adequados. Como
não era possível exercer um rígido controle em todas as localidades devido à extensão
territorial e a distância do centro decisório do governo. O Estado não perdeu sua força ao
fazer essas concessões e, ao contrário, elevou o grau de satisfação das populações locais
ao liberar a livre iniciativa desses atores para obterem seu sustento. Dessa forma, é
possível observar uma redução da insatisfação pública com a gestão do partido
comunista. O tópico seguinte aborda a questão de como Deng Xiaoping conseguiu
legitimar-se no poder, reservando-se de comparações com Mao Tsé-tung e estabelecendo
uma nova forma de organização política na China pós-1978.
3.1 – A transição política Mao Tsé-tung – Deng Xiaoping: como Deng Xiaoping
desconstrói a figura política de Mao Tsé-tung.
A questão que intrigava tanto os chineses quanto os observadores internacionais
com o declínio de Mao Tsé-tung era: quem poderia sucedê-lo e como seria tal processo?
Visto que Hua Guofeng não possuía nem o perfil nem a autoridade adequada para
suceder um governante como Mao Tsé-tung, e muito menos detinha uma boa proposta a
ser oferecida aos chineses após tão conturbado período, Deng Xiaoping apresentou-se
como um real sucessor. Segundo Macfarquhar (1997), ironicamente, a ascensão de Deng
deve-se muito às decisões políticas de Mao.
“If Mao had not recalled Deng to Office as Zhou sickened, Deng
could not have emerged as the obvious man to run China in
absence of the premier. If Mao had not purged him again after
Zhou´s death, Deng would not have become the symbol of a new
political order to replace that of the Cultural Revolution.
Certainly, the triumvirate of Hua Guofeng, Ye Jianying, and Li
Xiannian would have been in stronger position to keep the angry
victims of the Cultural Revolution at bay” (MACFARQUHAR,
1997: 328).
Deng Xiaoping foi, desde o começo de seu governo, bastante habilidoso para lidar
com o fantasma de Mao Tsé-tung e com toda a expectativa criada em torno de sua
liderança. Evitou o excesso de poder concentrado em si mesmo e que toda a esperança
fosse depositada pessoalmente sobre suas costas. Para tanto, posicionou-se abaixo de Ye
Jianying na lista dos vice-diretores do PCC. Desta forma, garantiu uma proximidade
controlada e, ao mesmo tempo, atribuiu uma pesada carga de responsabilidades sobre
77
aquele que pretendia sucedê-lo no governo. Este sistema de self-denial permitiu a Deng
uma tranqüilidade de não surgir para o povo chinês como uma figura que viria substituir
Mao, mas mantendo-se fiel ao seu modelo e conduzindo o país à semelhança do
antecessor.
Outra medida preventiva foi requisitar ao PCC um reexame do período de
governo de Mao, objetivando desmitificar uma possível boa imagem de Mao,
especialmente, durante a Revolução Cultural. Não era intuito de Deng aqui fazer com que
a imagem de Mao Tsé-tung fosse destruída ou abalada, mas fazer com que os chineses
compreendessem que erros e excessos aconteceram no período anterior e que estes
deveriam ser imputados ao grupo de Mao Tsé-tung.
A queda da Gangue dos Quatro e seu julgamento foi excelente neste sentido. Pois,
ao mesmo tempo em que havia aqueles que deploravam pelo período de governo de Mao,
também havia aqueles que protegiam a imagem de Mao como um excelente homem
público que tudo fez para o bem da China. O julgamento da Gangue dos Quatro
evidenciou os erros cometidos por Mao Tsé-tung quando os julgados declararam que tudo
fizeram de acordo com as ordens de Mao. Um bom exemplo disto foi o testemunho de
Jiang Qing. Qing defendeu-se afirmando continuadamente que tudo fizera de acordo com
as ordens dadas por Mao.
“Jiang Qing´s testimony served to underline that the ultimate
guilt was Mao´s and that the Party would have to find some
means of coming to terms with that fact while steering clear of a
root-and-branch condemnation that would be too damaging even
for the survivors” (MACFARQUHAR, 1997: 329).
Contudo, a estratégia de Deng Xiaoping não era de massacrar a imagem de Mao
Tsé-tung. Em seus escritos (Selected Works of Deng Xiaoping), Deng afirma que
requisitou uma revisão dos escritos históricos sobre Mao, expondo a população que os
erros cometidos foram decorrentes de uma avaliação mal feita das teorias marxistas e da
visão ‘direitista e conservadora’ de membros do partido a respeito da Revolução dos
Proletários.
“After more than a year of discussions among thousands of
officials and historians, the Resolution was adopted by the Sixth
Plenum in time for the sixtieth anniversary of the founding of the
CCP, on 1 july 198169. It placed the blame for the Cultural
Revolution squarely on Mao: ‘The cultural revolution, which
lasted from May 1966 to October 1976, was responsible for the
69
Resolution on CPC history (1949-1981), 1981, p 32.
78
most severe setback and the heaviest losses suffered by the Party,
the state and the people since the founding of the People´s
Republic. It was initiated and led by Comrade Mao Tsé-tung.
After an analysis of all the crimes and errors of the period, the
Resolution supplied the balance that Deng had insisted on. It
described Mao´s leftist error in the Cultural Revolution as, after
all, ‘the error of a proletarian revolutionary’. In his later years,
Mao had confused right and wrong and mistakenly believed that
his leftist theories were Marxist. ‘Herein lies his tragedy’”.
(MACFARQUHAR, 1997:330).
Desta maneira, Deng Xiaoping apresenta Mao Tsé-tung como um homem que
cometeu erros sem intenção de prejudicar seu povo e ao mesmo tempo apresentou à
população uma versão de que a proposta política e de ampla reforma colocada em prática
por Mao encontrava-se equivocada. Deng então, fazendo uso de uma extensa rede de
contatos dentro do Partido e no exército chinês, convence a todos aqueles que constituíam
os círculos políticos relevantes da China que ele é o legitimo sucessor de MaoTsé-tung e
que a China precisava de uma nova forma de governo, transformadora e adequada ao
novo cenário econômico mundial, mas sem perder sua particularidade cultural milenar.
Segundo Macfarquhar (1997), quando Deng Xiaoping organizou politicamente
sua base de comando no final dos anos 70 e início dos anos 80, o cenário interno da
China apresentava sinais de retorno à sua ordem natural. Cabe, contudo, ressaltar que
Deng Xiaoping possuía mais um obstáculo a ser transposto, a saber: associar o controle e
a legitimação político aos militares da China. Para tanto, Deng Xiaoping entrou em uma
intensa campanha para organizar o lado militar da China de maneira que fossem
reduzidas as possibilidades de atrito entre a política e o comando militar chinês.
O Exército Popular da Libertação (PLA – Popular Libertation Army) foi o
primeiro alvo de Deng Xiaoping. Deng restaurou a disciplina no PLA e fez com que este
ficasse subordinado às “ordens” do PCC. A reabilitação da figura de Liu Shaoqi em maio
de 1980 foi, de acordo com Macfarquhar (1997), sua grande cartada. That action had
undermined a major justification for the Cultural Revolution and was thus a direct
reputation of Mao, whose reputation the generals consistently wanted to safeguard70.
O período posterior não foi fácil para Deng Xiaoping. Após dois cortes
orçamentários nas contas militares, respectivamente em 1980 e 1981, Deng enfrentou
alguns movimentos de retaliação por parte dos militares, que deram início a uma corrida
em direção a uma maior disciplina ideológica. “But probably the more important reason
70
Macfarquhar (1997).
79
was the generals’desire to counter the more relaxed political atmosphere that Deng and
the reformers were trying to encourage but that had produced many attacks on military
privilege”71. A resposta a este cenário conturbado foi dada por Deng Xiaoping em 1982
quando, tendo como pano de fundo o novo texto constitucional promulgado na quinta
sessão do Quinto Congresso Nacional Popular, foi criada a Comissão Militar Central
(Central Military Commission). Segundo o texto da quinta sessão do Congresso Nacional
Popular (p.94),
“the leadership by the Chinese Communist Party over the armed
forces will not change with the establishment of the state Central
Military Commission. The Party´s leading role in the life of the
state, which is explicitly affirmed in the preamble, naturally
includes its leadership over the armed forces” (CNP, 1982: 94).
O que foi realmente implementado foi um sistema hierárquico no qual o chefe de
estado da China fosse o responsável pela chancela decisória nos assuntos militares
internos do país. A comissão militar agora era parte do corpo complexo do Partido
Comunista Chinês e Deng Xiaoping toma para si a ‘cadeira principal’ do partido tanto no
ambiente político quanto no militar.
Segundo a avaliação de Lieberthal (2004), todo o processo de transformação
política colocada em andamento por Deng Xiaoping mostra a habilidade do novo
comandante político chinês em unir e administrar dois grupos relevantes na China:
aqueles oficiais que nutriam, mesmo após sua queda, grande simpatia pela pessoa e pelos
objetivos de Mao Tsé-tung, mas que se viram reduzidos em termos de poder decisório na
política chinesa e aqueles que almejavam mudanças mais significativas e radicais para a
condução política e econômica da China.
O relevante a ser sublinhado aqui é que, no período compreendido entre 1978 e
1984, Deng Xiaoping administrou conflitos sociais, políticos e militares que poderiam ter
influenciado em seu objetivo maior de elevar o grau de desenvolvimento da economia
chinesa por intermédio de um processo de modernização e abertura econômica. Neste
período de transformações, Deng obteve sucesso e apoio na implementação de reformas
estruturais que buscavam a organização das prioridades do seu projeto de
desenvolvimento, que demandava: (i) ampla reforma e restauração das instituições
internas e abolição do sistema comunal; (ii) o provimento de significativos incentivos,
sobretudo agrícolas, evitando o retorno de períodos de desabastecimento alimentício; (iii)
71
Macfarquhar (1997).
80
a abertura para o mundo exterior, regionalmente e globalmente, e socialmente, (iv) um
conjunto de mudanças que alterasse as estruturas de classes e as rigidezes impostas por
Mao Tsé-tung.
81
Quadro 3.1 - Organização política e partidária na China pós-1978: o Partido
Comunista Chinês e sua estrutura política
O Partido Comunista Chinês (PCC) define os objetivos políticos e diretrizes gerais a serem perseguidos pelo Estado. Já o aparato governamental decide como estes objetivos serão postos em práticas, exercendo funções administrativas para a operacionalização do que foi definido pelo partido. O Partido Comunista Chinês é comandado pelo Politburo (Political Bureau) e seu Comitê Permanente Politburo Standing Committee – PSC). O Partido Comunista Chinês é chefiado nominalmente pelo seu Secretário Geral, mas as decisões são coletivas e emanam do Politburo e do Comitê Permanente. Adicionalmente, há o Secretariado, que se encontra abaixo do Politburo e tem funções administrativas dentro do partido. Não há regularidade nos encontros do Partido Comunista Chinês, contudo, a cada cinco anos é tradicional que haja um grande congresso do partido. O aparato governamental é dividido entre a Presidência, o Conselho de Estado, os Ministérios e as divisões administrativas locais. O Presidente Chinês é o Chefe de Estado da China e representa o Estado interna e externamente. O Presidente nomeia o Primeiro‐Ministro, que é revisado e eleito pelo Congresso Nacional do Povo. O Primeiro Ministro preside o Conselho de Estado (State Council), que se reúne uma vez por mês. O Conselho de Estado é o mais alto órgão administrativo e executivo da China, seus integrantes são nomeados pelo Primeiro Ministro e sendo estes também revisados e eleitos pelo Congresso Nacional do Povo. O Conselho de Estado é composto pelo Primeiro Ministro, Vice‐Primeiros Ministros, os Conselheiros de Estado, os Ministros, o Chefe do Banco Popular da China e o auditor geral do Escritório de Auditoria Nacional. Para as rotinas administrativas do governo há o Comitê Permanente do Conselho de Estado (State Council Standing Committee – SCSC), que se encontra duas vezes por semana e conta com o Primeiro Ministro, quatro vices, cinco conselheiros e o Secretário Geral do Conselho de Estado. Os Ministérios são organizados de acordo com funções específicas, como Ministério das Comunicações, Ministério do Comércio, e esses contam com Comissões e Agências Especiais para determinados assuntos mais específicos e complementares àqueles sob o comando daquela pasta ministerial. As divisões administrativas locais são as Províncias, Prefeituras, Condados e Cidades. Para cada divisão existe um aparato governamental (governador, prefeito, chefe de condado) e um comitê do partido. Cada divisão possui um grau de autonomia administrativa sendo que as de nível mais 82
baixo respondem às de nível superior. Há uma certa autonomia decisória, porém temas mais complexos devem ser repassados para às ordens superiores para deliberação. Para as Províncias, o governador e o chefe do comitê são sempre pessoas diferentes, contudo, nos níveis mais baixos isso pode não ocorrer. Os líderes provinciais geralmente são naturais de regiões diferentes da Província que comandará. Já no caso dos Condados, os chefes são sempre pessoas da região. O Congresso Nacional do Povo (National People’s Congress – NPC) possui a função de fiscalizar o poder executivo ‐ o Conselho de Estado. É o órgão legislativo chinês e possui estrutura unicameral. O Congresso Nacional do Povo vem ganhando força política desde as reformas implementadas por Deng Xiaoping, mas ainda é subordinado ao Conselho de Estado e ao Comitê Permanente do Politburo, fazendo considerações e algumas restrições às políticas apresentadas para sua apreciação. O Congresso Nacional do Povo não é eleito diretamente, somente em seu nível mais baixo há eleições diretas com candidatos previamente aprovados pelo Partido Comunista Chinês. O Congresso Nacional do Povo elege o Presidente, o Primeiro‐Ministro e os oficiais do Conselho de Estado, que são previamente nomeados pelos órgãos competentes, de acordo com a constituição chinesa. O Congresso Nacional do Povo se reúne uma vez por ano. Ainda existe o aparato militar chinês que tem seu braço operacional no Exército Popular da Libertação (People’s Liberation Army – PLA), que integra as forças terrestres, aéreas e marítimas chinesas. Existem duas comissões para os assuntos militares: uma dentro do aparato governamental e outra dentro do partido. Ambas possuem a mesma denominação, Comissão Militar Central – da República Popular da China e do Partido Comunista Chinês – (Central Military Commission – CMC). Como os integrantes destas comissões são sempre os mesmos, tende‐se a referir‐se às duas comissões no singular. O Comitê Permanente do Politburo elege os participantes destas comissões. O escritório da Comissão Militar Central se localiza dentro do Ministério da Defesa da China, mas é considerado superior a este, por definir as políticas militares do país e fazer a ligação entre o Exército Popular da Libertação, o Partido Comunista Chinês e o Governo. O processo de tomada de decisão na China é bastante complexo devido à acumulação de cargos entre integrantes do partido no governo. Além disso, também há outros atores importantes neste processo como think tanks, grupos de pesquisa do governo (Leading Small Groups) e de universidades, a imprensa e os cidadãos chineses que têm se tornado cada vez mais conscientes e engajados. Fonte: Martin, Michel F. Understanding China´s Political System. Congress Research Service, April, 2010. Elaboração própria. 83
3.2 – Os anos 80: a década de Deng Xiaoping.
Conforme exposto acima, os anos 80 constituem-se no período de transformação
da China socialmente, politicamente e, sobretudo, economicamente. Também já foi
exaustivamente afirmado aqui, e esta assertiva ainda se fará presente inúmeras vezes ao
longo do texto, que o grande responsável por esta transformação é Deng Xiaoping, que
esteve no comando da China desde 1978.
É sob os auspícios de Deng Xiaoping que a China inicia sua mais profunda,
sistemática e convergente reforma. É premissa deste trabalho que tais reformas tiveram
especial foco no desenvolvimento econômico e no processo de inserção internacional,
especialmente no que tange a abertura da economia chinesa. Contudo, objetivos políticos
também fizeram parte das modificações realizadas por Deng Xiaoping, que
reestruturaram a visão do modus operandis político na China. Faziam parte das metas
iniciais de Deng uma reforma do modelo político, a inserção de um sistema de melhor
distribuição do poder político decisório sobre as atividades produtivas (as quais veremos
mais adiante) e as mudanças econômicas necessárias para inserir a China em um novo
contexto econômico mundial.
Segundo Lieberthal (2004),
“Political considerations in Beijing dictated the pace and thrusts
of the reform effort throughout the 1980s. As China entered the
1990s, the need to cope with the unintended consequences of
reform increasingly drove policy forward. The two key players
into the early 1990s were Deng Xiaoping and Chen Yun, both
members of the CCP since the 1920s. Each had allies within their
own generation of political leaders, and each had a following
among those ten to twenty years younger than them. Deng´s most
prominent protégés were Zhao Ziyang and Hu Yaobang, and
Chen´s were Li Peng and Deng Liqun; in the mid-to late 1980s all
held dominant positions within the system. […] Deng at all time
remained the more prominent of the two – a result in part of his
greater political ambitions and energy. But neither Deng nor
Chen ever tried to remove the other, and the political story of the
first decade of reform thus resolves in a fundamental way around
their evolving contention over policy initiatives, political power,
and official positions for their followers” (LIEBERTHAL, 2004:
128).
Os registros históricos tendem a colocar Deng como o grande motor das
modificações ocorridas na China. Com sua entrada, a despeito de discussões internas
ainda remanescentes no PCC, Deng Xiaoping logrou sucesso na gestão destas
84
discordâncias, amenizando-as e permitindo a China um desempenho histórico
impressionante em suas reformas.
Foi durante a década de 80 que a China estabeleceu novas formas de ação política
nacional, considerando a segurança nacional um bem social mais amplo que
simplesmente um sistema de proteção militar. Foi no mesmo período que a China aceitou
a flexibilidade e a iniciativa da população (veja citação de Kinge a respeito), pequenos
produtores e proprietários de terra no sentido do crescimento da produção. Também este
período mostrou uma evolução significativa da produção e do produto per capita chinês,
conforme mostra a tabela abaixo. Ao mesmo tempo em que a China teve que conviver
com um aumento inesperado da oferta de demanda e da demanda por moeda, o que
acabou originando um surto inflacionário momentâneo na economia chinesa72,
observava-se que a renda da população aumentava e que o acesso a um maior número de
bens acompanhava este aumento de renda, objetivo este perseguido por Deng.
Tabela 3.1 - Crescimento do Produto Interno da China Década de 80
(yuan - 1978 = 100)
Ano
PIB per capita
Variação do PIB per capita (%)
1978
379
100,0
1979
402
106,1
1980
428
113,0
1981
456
117,5
1982
478
126,2
1983
523
137,9
1984
594
156,8
1985
665
175,5
1986
713
188,2
1987
783
206,6
1988
858
226,3
1989
879
231,9
1990
899
237,3
Fonte: China Statistical Yearbook, 2002.
Sabe-se, através da literatura biográfica que Deng Xiaoping possuía percepções
sobre a condução das reformas que deveriam ser implementadas na China. Lieberthal
72
No mesmo período, segundo Lieberthal (2004) e Macfarquhar (1997), a China sofreu com maiores
problemas associados à inflação, corrupção e outros entraves sociais relevantes. Contudo, acredita-se que
estes problemas vieram à tona devido a um maior crescimento da economia e a um menor controle
governamental de algumas atividades, além de uma maior disseminação da informação decorrente da
crescente visibilidade da China no mundo contemporâneo.
85
(2004) afirma que para desfazer a má impressão deixada pelo período de Mao Tsé-tung,
seja internamente no PCC seja na população, estes deveriam visualizar os efeitos das
reformas de maneira mais imediata e mais declarada (melhor informada a todos os
envolvidos).
Foram então quatro grandes eixos na política chinesa do período: (1) a China
deveria reconhecer a força de uma economia global de escala crescente e focar seu
esforço de crescimento em um modelo intensivo, substituindo o modelo extensivo de
crescimento dos períodos anteriores. Logo, o modelo soviético não mais serviria para a
China devido a seus retornos serem pequenos demais em termos de tecnologia e
desenvolvimento de novos conhecimentos voltados à produção. Participar da economia
global era estratégico para a China, mais que isto, era fundamental. Deng regarded the
necessity of keeping pace with the worldwide trends toward technological dynamism and
economic efficiency as matter of China´s long-term national security73. Competição era a
palavra de ordem econômica que norteava o pensamento de Deng. Segundo Lieberthal
(2004), citando Deng Xiaoping (discurso oficial), a China precisava de competição, pois
essa forçaria a China a melhorar seu setor produtivo estatal, promoveria uma competição
sadia entre os ganhos estatais e privados, demandaria dos empregados maior qualificação
e eficiência dinâmica, e forçaria o Estado a promover os direitos de propriedade e sociais;
(2) os chineses deveriam ter maior poder de compra e um melhor padrão de vida que
seria atingido mediante a maior produção de mercadorias e a adoção de um princípio
pragmático e utilitarista de deliver the goods; (3) mesmo com a reforma econômica e
constante elevação da riqueza da população, a China deveria seguir as regras do PCC.
Deng has always held deeply authoritarian views concerning China, and believed that
anything less than total control by CCP would produce chaos and violence74; (4) na cena
internacional, Deng concluiu que a China deveria utilizar e sustentar da melhor maneira
possível, seguindo seu pragmatismo nas relações internacionais, uma diplomacia de paz e
uma inserção internacional pacífica. Novamente, vale fazer menção a uma forma mais
pragmática e ampliada de considerar a questão da segurança (conforme visto no capítulo
2).
73
74
Lieberthal (2004).
Lieberthal (2004).
86
3.3 – A Modernização de Deng Xiaoping e a Estabilidade Política Chinesa.
Todas as bibliografias a respeito deste período são uníssonas ao colocar que a
morte de Mao Tsé-tung e o fim da Revolução Cultural em 1976 foram cruciais para o
início de uma nova trajetória política na China. Este novo período, de profunda transição
política levou à (re)ascensão do PCC e à liderança de um grupo mais pragmático dentro
do partido, liderado por Deng Xiaoping75.
Dentre os objetivos da nova liderança política da China estavam a revisão do
voluntarismo e do excesso ideológico colocados em prática no período anterior e de
colocar em andamento uma profunda reforma pragmática que dava primazia a quatro
setores (também chamada das “Quatro Modernizações”), a saber: agricultura, industria,
ciência e tecnologia e defesa.
De fato, Deng Xiaoping objetivava com sua modernização a adoção de reformas
econômicas voltadas para o crescimento/desenvolvimento e o início da trajetória de
abertura ao exterior. Estas reformas estavam orientadas para uma maior inclusão do
contingente populacional chinês ao mercado de trabalho e consumidor, a incorporação
das inovações tecnológicas e a atração de capitais com a funcionalidade multiplicadora
dos investimentos realizados pelo governo. Esta nova proposta rechaçava o igualitarismo
utópico de Mao Tsé-tung, a xenofobia, a auto-suficiência e o controle excessivo do
Estado sobre as atividades econômicas (produção). Segundo Lyrio (2010) Deng Xiaoping
caracterizou este novo modelo chinês, que incorporava de maneira gradual e
experimental algumas características capitalistas, de “socialismo com características
chinesas”.
Um relato interessante sobre o período e sobre a condução política pragmática de
Deng Xiaoping pode ilustrar o caráter das reformas propostas e suas conseqüências para a
sociedade e economia chinesa. A estabilidade política tornou-se para a China um fim e
um meio. A premissa que sustenta a observação do período pós-Deng é que era
fundamental para um ambiente econômico em desenvolvimento um cenário político
estável. E esta relação é cíclica, ou seja, para manter estável o ambiente político,
especialmente com as características particulares da China, um período contínuo de
crescimento econômico que espantasse as sombras da distância entre as classes políticas,
a elite militar e as populações regionais, realizasse um processo de inclusão social forte e
75
Cabe ressaltar que Chu En-lai teve participação neste processo de transformação política na China pósMao.
87
eliminasse o fantasma da fome e do problema do abastecimento que já haviam assolado a
China em tempos passados.
Não é por menos que as lideranças políticas do PCC passaram a reconhecer como
condição sine qua non para que o discurso saísse do papel e o crescimento econômico
fosse retomado a previsibilidade política.
“Em outras palavras, a sobrevivência do PCC no poder passou a
ser associada a uma desenfatização do político, ou uma
despolitização do cotidiano, que se manifestava na rejeição do
ímpeto revolucionário e da atmosfera de campanhas e
mobilizações permanentes, tão características das três décadas
anteriores. O pragmatismo do grupo de Deng Xiaoping implicou
uma revitalização do discurso em torno de objetivos econômicos
e uma ‘desideologização’ e ‘desteatralização’ da vida política, da
qual a própria discrição e o gosto do novo líder máximo eram os
exemplos maiores” (FAIRBANK, 2006: 400).
Outra observação possível através do estudo histórico da condução política
chinesa é que primeiro vieram as reformas econômicas iniciais e, posteriormente, viriam
as reformas de cunho inclusivo, voltadas, sobretudo à sociedade chinesa e suas demandas
reprimidas. A conclusão de Lyrio (2010) corrobora com a premissa aqui adotada: “o
projeto da liderança chinesa pós-Mao de combinar previsibilidade política e reformas
econômicas foi tão bem sucedido que a China viveu, a partir de 1978, o seu período mais
longo, nos últimos séculos, de continuidade do crescimento da economia e de
manutenção da estabilidade institucional”.
É interessante e pertinente enfatizar como a visão norte-americana sobre a
transformação que se iniciava na China afetaria a organização política e econômica
mundial e, sobretudo, as relações políticas entre China e EUA. Michel Oksenberg,
membro do National Security Concil, responsável pelas questões relacionadas à China,
escreveu no ano de 1980 um artigo para a Foreign Affairs, em um sentido de
aconselhamento ao governo norte-americano baseado em suas percepções sobre o cenário
chinês com a alteração política ocorrida em 1978. Após o dia 1º de janeiro de 1979,
quando as duas nações (re)estabelecem suas relações diplomáticas, a percepção passada
aos membros do governo norte-americano era que a China deveria ser vislumbrada como
um parceiro estratégico (obviamente ainda em um cenário perpassado pela Guerra Fria e
pela corrida armamentista EUA versus URSS) em termos econômicos, científicos e
militares.
88
Contrapondo-se a visão de Oksenberg (1980), não se pode deixar de ressaltar que
já no início da década de 80 vinha sendo estruturada uma aproximação sino-americana já
em patamar avançado. Tal aproximação além de apresentar uma nova postura chinesa
frente ao cenário internacional que sofria alterações e conturbado, representa também
uma oposição à URSS. Essa aproximação contribui com o movimento de retorno da
República Popular da China à comunidade internacional e a recuperação dos assentos na
ONU e no Conselho de Segurança da ONU76.
A visão do Mundo dividido em três grupos possui duas vertentes. A vertente
ocidental toma o mundo bipolar, com centros de poder localizados em Washington e
Moscou, cujos países de economia de mercado desenvolvida e industrializada comporiam
o Primeiro Mundo. O Segundo Mundo seria composto por países de economia
planificada enquanto o Terceiro Mundo seria composto pelos países não-desenvolvidos
ou em vias de desenvolvimento.
Essa visão apresentada teria um contraponto no ocidente. Durante a fase maoísta,
os chineses tinham uma visão própria do mundo, porém, dividido em dois grandes
blocos, um bloco que estava alinhado com o bloco soviético e um bloco oposto que se
opunha à URSS, incluindo a China. Sob a liderança de Deng Xiaoping, tal postura
tornou-se mais pragmática no que concerne à sua política externa. Segundo Griffith
(1981), na teoria dos três mundos oficialmente apresentada por Deng Xiaoping em 1974,
a distinção entre o Primeiro Mundo – as duas potências -, o Segundo Mundo – a Europa
ocidental e o Japão -, e o Terceiro Mundo - a China e os demais países – tem implícita
uma estratégia de aliança entre a China e as potências secundárias contra o
‘hegemonismo’ bipolar. O inimigo principal constituía-se na URSS, mas, na frente unida
contra a principal potência comunista, a sua rival faz uma distinção entre a convergência
conjuntural com a outra superpotência e a possibilidade de uma convergência mais
duradoura com os aliados europeus dos Estados Unidos77.
76
SHAMBAUGH, David. The New Strategic Triangle. U.S. and European reactions to China’s
rise. The Washington Quarterly 28 (3), 2005, pp. 7-25.
CASARINI, Nicola. The evolution of the EU-China relationship : from constructive engagement to
strategic partnership. Paris: Institute for Security Studies, 2006, Occasional Paper 64.
XIANG, Lanxin. China’s Eurasian Experiment. Survival 46 (2), 2004. pp. 109-122.
GRIFFITH, William. China and Europe: Weak and far away In. SOLOMON, Richard. (ed.) The China
Factor. Nova York : Council on Foreign Relations. 1981.
77
Em seu discurso de 1974, Deng Xiaoping dizia que “a julgar pelas alterações nas relações internacionais,
o mundo atual consiste de três partes ou três mundos, que são tanto interconectados quanto contraditórios.
Os EUA e a URSS formam o Primeiro Mundo. Os países em desenvolvimento na Ásia, África e América
Latina integram o Terceiro Mundo, os desenvolvidos, seja do mundo capitalista ou do socialista - formam o
Secundo Mundo. De acordo com esse novo discurso, Shambaugh (2005) e Griffith (1981) afirmam que
89
A percepção sobre a saída dos conservadores chineses – os então governantes
chineses na visão dos analistas norte-americanos – do poder pode ser ilustrada no trecho
que segue:
“An intimate link exists between the Chinese domestic scene and
China´s ability to sustain an opening to the United States, and
China´s leaders confront numerous impediments to fostering a
substantive relationship. China suffers from a severe shortage of
trained manpower capable of dealing with Americans. The
Cultural Revolution´s disruption of educational system, coupled
with the prior political persecution of many who had exposure to
the West, means that Chinese who have the requisite linguistic
skills and cultural and scientific backgrounds are frequently in
their sixties or seventies. (There is, of course, a similar severe
paucity of talent in the United States of people sufficiently
familiar with Chinese contemporary society and proficient in the
language). Scientifically, the Chinese capacity to absorb foreign
technology is limited. Bureaucratically, China´s American
specialists are overburdened with receiving visitors, handling
correspondence, designing exchange programs, training a
younger generation, touring or studying in the United States, and
continuing their ongoing administrative, research, or teaching
activities. The situation has reached such serious proportions that
higher level officials have placed travel and other restrictions on
their activities to ensure that enough America experts are on hand
for substantive work at any one moment in time (OKSENBERG,
1980: 03).
Segundo a visão de Oksenberg (1980), pode-se observar que o resultado político
e, essencialmente econômico de Mao durante a Revolução Cultural causava imensa
preocupação para os EUA no que concerne à política externa e, principalmente, na
capacidade militar chinesa de, a despeito de sua potencialidade como terceiro maior
orçamento de defesa e imenso contingente militar, não sustentar sua posição regional e
muito menos global como um poder consolidado. Assim, o governo norte-americano via
com bons olhos as modificações iniciadas nos anos de 1978 e 1979, especialmente,
àquelas voltadas para o lado econômico de re(construção) da infraestrutura chinesa e do
processo de abertura externa.
Segundo Oksenberg (1980), o final do período de governo conservador de
ultradireita na China trouxe perdedores, especialmente aqueles que construíram seus
existia no discurso a idéia da força de uma associação regional, a ASEAN no caso, que representaria um
interlocutor capaz de implementar a cooperação e refletir as contradições entre os países do Terceiro
Mundo e entre estes e o Segundo Mundo. Essa era a proposta defendida pela China em oposição ao
congelamento das esferas de influência das superpotências – ambas integrantes exclusivas do Primeiro
Mundo (segundo a versão chinesa).
90
poderes mediante a dominação militar agressiva e coercitiva. Deng Xiaoping aparece
como uma aposta direcionada à condução da China a uma trajetória de mudanças e
progresso. Nas palavras de Oksenberg (1980), corroborando com o exemplo retirado de
Kinge (2007),
“Such a restructuring inevitably involves a massive redistribution
of Power and authority. To be sure, there are a lot of winners.
The science bureaucracy, including the Chinese Academy of
Sciences and the Chinese Academy of Social Sciences, now plays
a crucial role in the policy process. Provincial and municipal
level officials in/Guangdong, Fujian, Tianjin, and Shanghai have
increase authority to deal directly with foreigners and derive
revenue from external trade. Localities with favorable climate
and soil can expand their acreage devoted to more lucrative cash
crops (cotton, sugar cane, tobacco, rapeseed, and so on); they
can reduce the acreage devoted to grain, contrary to what Beijing
previously required in order for them to be self-sufficient in
cereals. Intellectuals, officials purged during the Cultural
Revolution and before, and those with relatives abroad no longer
are politically persecuted” (OKSENBERG, 1980: 04).
Cabe agora passar pelas principais reformas implementadas por Deng Xiaoping.
Aqui, recebem destaque três reformas, a saber: a reforma do setor rural, a reforma nas
empresas estatais e o sistema de tratamento ao setor privado na China, o que ao fim,
passou a receber denominação tais como capitalismo com características chinesas,
economia socialista de mercado ou capitalismo sem democracia. Ressalta-se que essas
reformas que agora serão brevemente descritas fazem parte de um processo
transformador maior, ou seja, colocar a China em uma trajetória de desenvolvimento
considerando características essenciais de uma economia de mercado (ou de livre
iniciativa).
3.4 – As reformas do setor rural e nas empresas estatais chinesas.
Para muitos analistas econômicos e internacionalistas que possuem a China como
objetivo de pesquisa, a reforma rural colocada em prática na China a partir da entrada de
Deng Xiaoping (1978) foi peça chave para o crescimento chinês a partir dos anos 1980.
Isto se daria uma vez que a reforma rural possibilitou o desenvolvimento econômico
necessário para viabilizar as reformas econômicas e institucionais promovidas após a
queda de Mao e de seus companheiros da Revolução Cultural. Todavia, o peso da
reforma rural não se deve somente ao impulso que esta deu ao crescimento econômico
91
chinês, mas também pelo seu papel no desenvolvimento social do país, que lutou por
muitos anos contra as crises de abastecimento de alimentos.
A visão dos economistas sobre a agricultura e o desenvolvimento rural teve
tempos distintos ao longo das últimas décadas. A economia clássica chegou a tratar a
agricultura como o principal setor da economia. Fisiocratas e, em algum momento, os
economistas políticos clássicos, defendiam a agricultura como fundamental para o
desenvolvimento econômico de uma nação. Essa visão sofreu um revés com a
industrialização e seus analistas, cujo destaque recebeu Adam Smith devido a “primazia”
no estudo e na avaliação do desenvolvimento das nações via seu crescimento interno e
sua capacidade produtiva, especialmente industrial.
Com a industrialização e à medida que o desenvolvimento econômico tornava-se
cada vez mais atrelado aos setores produtores de manufaturas, a agricultura e o setor rural
passaram a ser vistos como inferiores. A recomendação então era que os investimentos
fossem direcionados à industrial e às cidades, focando a urbanização e um novo modelo
de consumo e de desenvolvimento.
Segundo Timmer (1998), os países que seguiram a recomendação de focar seus
investimentos nos setores industriais e na urbanização, relegando a segundo plano (e até
mesmo terceiro – colocando o setor de prestações de serviços a frente), encontraram
dificuldades na consecução dos seus projetos de desenvolvimento. É compreensível a
avaliação de Timmer (1998). Visto que a redução dos investimentos na agricultura ou a
paca relevância do setor rural na economia de uma nação tende a criar obstáculos ao seu
desenvolvimento, principalmente nos custos de reprodução da força de trabalho e no seu
efeito positivo de suporte aos demais setores como gerador de insumos. Sem
investimentos na agricultura, a possibilidade de geração de uma economia dualista é
grande. Um setor industrial forte e produtivo, porém convivendo e dependente de um
setor agrícola fraco e sem dinamismo, isolado, focado em uma economia de subsistência.
A conclusão do estudo de Timmer (1998), corroborada pela literatura especializada em
desenvolvimento econômico e sua relação com o setor agrícola, é que investimentos
nesse setor são determinantes para a continuidade estável do crescimento e,
conseqüentemente, do desenvolvimento econômico de uma nação78.
78
Vale observar os casos de países que obtiveram sucesso seguindo os “steps” ou passos para o
desenvolvimento econômico equilibrado, tais como Japão e Coréia do Sul. Ao mesmo tempo, pode-se citar
alguns países que seguiram o caminho inverso e sua fragilidade é visível atualmente no cenário
internacional, tais como Argentina, México, Nigéria e até mesmo a URRS. O Brasil só voltou seus olhos
para a agricultura pós-período de industrialização (ao final da década de 70 e início da década de 80)
92
Hoje é reconhecido pela literatura79 do desenvolvimento econômico que a
agricultura tem importante papel da integração do crescimento e desenvolvimento estável
e sustentável de uma nação. Segundo Johnston e Mellor (1961) e Johnston (1970) tem
cinco funções fundamentais para uma economia em desenvolvimento: (i) produzir e
fornecer alimento a custo baixo mantendo assim a estabilidade dos salários (sem elevação
dos custos de reprodução da mão-de-obra); (ii) suprir os demais setores de insumos de
qualidade; (iii) produção de insumos que sejam uteis para exportação e utilização interna;
(iv) favorecer a exportação de excedentes com o intuito de geração de receitas de
exportação fundamentais para a importação de bens chaves de tecnologia diferenciada
que serão importantes para o aprendizado e o salto tecnológico da economia em
desenvolvimento e; esse último indispensável para o caso chinês, (v) elevação da geração
de renda nas áreas rurais.
Segundo Huang et al. (2008: 468),
“To create an agriculture economy that can feed the population,
supply industry with labor and raw materials, earn foreign
Exchange, produce income for those who live and work in the
sector, and allow them to be a part of the nation´s structural
transformation requires a combination of massive investments
and well-managed policy effort. The process can proceed
smoothly only if an environment is created within producers can
generate output efficiently and earn a profit that can contribute to
household income. Policies are required to facilitate the
development of markets or other effective institutions of
exchange. Although the sector is expected to contribute to the
nation´s development and allow for substantial extractions of
labor and other resources, large volumes of investments are also
needed. Investments in education, training, health, and social
services are needed to increase the productivity of the labor force
when they arrive in factories. Investments is needed in agriculture
to improve productivity to keep food prices low, to allow farmers
to adopt new technologies and farming practice as markets
change, and to raise incomes of those that are still in farming”.
Segundo Jinglian Wu (2005), desde a revolução de 1949, a reforma rural foi tema
de importante debate dentro do Partido Comunista Chinês. O autor afirma que, para
alguns membros do Partido, como Liu Shaoqi e Deng Zihui, o desenvolvimento do
quando sentiu o peso dos custos das suas importações de matéria prima e verificou a queda relativa nas suas
receitas de exportações.
79
JOHNSTON, Bruce, MELLOR, John. The role of Agriculture in Economic Development. American
Economic Review. n. 51, v. 4, 1961. pp. 566-593. E, JOHNSTON, Bruce. Agriculture and Structural
Transformation in Developing Countries: a survey of research. Journal of Economic Literature. n. 8,
1970. pp. 101-145.
93
socialismo na China deveria, primeiramente, buscar uma nova democracia que manteria
os direitos de propriedade privada dos camponeses para, posteriormente, seguir em
marcha completa para o socialismo. Por outro lado, Mao Tsé-tung encabeçava o grupo
que defendia a expansão do socialismo para a área rural juntamente com a implementação
da economia planificada nos primeiros anos da revolução.
Assim, Mao teria iniciado uma campanha contra o “oportunismo de direita” de
Deng Zihui em defesa da necessidade de se utilizar a própria agricultura para gerar os
fundos para a industrialização nacional e para a transformação técnica da agricultura. Isto
se daria o mais rápido possível para que o governo pudesse se concentrar na
industrialização do país. Assim, como observa Wu (2005), “it became necessary to
organize farmers into collective economic organizations under state control so that the
state could obtain, by nonmarket means, capital, grain and raw materials indispensable
to industrialization with priority given to heavy industry” (WU, 2005. p.97). Dessa
maneira, através das reformas rurais, a China se prepararia para copiar o modelo
socialista soviético que consistiu em ter uma economia planificada, coletivização da
agricultura e ênfase na indústria pesada.
Dessa forma, a primeira ação do governo foi implementar a compra e venda
planificada de produtos agrícolas, em 1952. Wu (2005) relata que Chen Yu – Secretário
encarregado de assuntos econômicos no Secretariado do Comitê Central do Partido
Comunista Chinês – constatou que esta era a melhor opção do governo chinês, pois se
continuassem com o sistema de mercado livre, “the only way out would have been to use
all foreign exchange to import grain.But then there would have been no money to buy
machinery equipment, and there would have been no national construction, nor
establishment of industries” (WU, 2005, p. 98).
A partir de então, os camponeses foram gradativamente organizados em um
sistema coletivo de agricultura. O que havia começado como um processo de
coletivização voluntária dos camponeses teria se transformado, em 1955, em um sistema
avançado de cooperativas que era quase totalmente dominado pelo Estado chinês. Neste
sistema de cooperativas, as propriedades individuais dos camponeses teriam sido
convertidas em uma única propriedade coletiva indivisível administrada por membros do
Partido Comunista Chinês. No inverno de 1957, o sistema já teria atingido todo o país,
tendo transformado 120 milhões de propriedades individuais em 753.000 cooperativas.
94
No dia 30 de Março de 1958, o governo teria lançado uma diretiva buscando
aumentar o tamanho das cooperativas, que somente compreendiam entre 100 e 200
propriedades individuais. Em julho do mesmo ano, Mao Tsé-tung teria convocado a fusão
das cooperativas em comunas rurais integradas com a divisão administrativa do governo,
em uma campanha chamada “People’s Commune Campaign”. Já no outono de 1958 todo
o sistema rural chinês estava organizado em comunas rurais com um sistema unificado de
gerenciamento, distribuição e responsabilidade por perdas e ganhos.
Todavia, este sistema não contribuiu com o aumento da produção agrícola na
China, obrigando o governo a experimentar várias políticas de incentivo à produção dos
camponeses. Assim, o tamanho das comunas foi diminuído e, ao invés de se ter um
sistema único de produção dentro das comunas, passou-se a ter “times de produção” que
poderiam reter um pouco de sua própria produção e ter um comércio limitado dentro de
sua localidade mais próxima. Este sistema perdurou de 1962 até o final da Revolução
Cultural, em 1976.
Segundo Wu (2005) como os custos de supervisão do trabalho camponês eram
grandes, adotou-se o uso de pontos de trabalho (workpoints) para que os camponeses,
divididos em grupos de idade e sexo similares, fossem trabalhar em conjunto e tivessem
que cumprir uma meta pré-estabelecida. Todavia, a falta de supervisão e de incentivo ao
trabalho dos camponeses criou um dos maiores problemas enfrentado pelo sistema de
produção coletiva na China: a prática do ‘parasitismo’ (free-riding). Como os pontos
eram contados de acordo com o trabalho de seu grupo e não com o trabalho e esforço
individual de cada camponês, muitos não se sentiam motivados a trabalhar e
beneficiavam-se do trabalho produzido por outros.
Para evitar estas práticas, algumas localidades – como a Prefeitura de Wenzhou,
na Província de Zhejiang; a Prefeitura de Wuhu, na Província de Anhui; e a Prefeitura de
Chengdu, na Província de Sichuan – introduziram, logo no início da reforma, em 1956, a
prática de “contracting output quota to each household”, ou seja, o contrato de quotas de
produção para cada família dentro do sistema de cooperativas.
Novamente em 1959, após um período de enrijecimento do partido com a
campanha contra o “oportunismo de direita”, e em 1962, pelo grande número de
camponeses sofrendo com a falta de comida e morrendo por causas diversas relacionadas
95
à desnutrição80, a prática ressurgiu, mas foi sempre duramente criticada pelo partido e
pelo próprio Mao Tsé-Tung como uma prática capitalista que, a seu juízo, não deveria ser
implementada na China por incentivar a luta de classes. Assim, várias diretivas do
Comitê Central do Partido Comunista Chinês foram promulgadas, entre a metade da
década de 1950 e a década de 1960, contra a prática “contracting output quota to each
household.
Segundo Brandt (1989) e Rawski (1989), é perceptível a distância e a diferença
entre os períodos pré e pós-reforma (entenda-se aqui que período pós-reforma é pós-Deng
Xiaoping). O desenvolvimento atingido pela China até a década de 70 no que concerne à
agricultura e ao setor rural foi insuficiente para sustentar sua possibilidade de crescimento
e, sobretudo, a necessidade de alimento para sua população. O desenvolvimento e as
pesquisas nas áreas de irrigação e o aumento da produtividade foram muito aquém do
necessário. Segundo Rawski (1989) os incentivos eram insuficientes por parte do Estado
e a baixa dinâmica do setor devido ao modelo utilizado associado à ausência de uma
estrutura de mercado constrangia as possibilidades de crescimento do setor.
Após a devastação social e econômica da Revolução Cultural, muitos membros do
partido, encarregados da administração de prefeituras e províncias, decidiram retornar
com o “household contracting system” – sistema de responsabilidade familiar81.
80
Problema recorrente na China especialmente no período compreendido pela Revolução Cultural e pelo
Grande Salto a frente.
81
De acordo com Wu (2005), este sistema poderia ser dividido em três categorias: contratação de empregos;
contratação de quotas de produção; e contratação de responsabilidade. Estas categorias apresentavam-se em
três formas principais: contratação de empregos para cada grupo de trabalho; contratação de quotas de
produção para cada família; e contratação de responsabilidade para cada família. Segundo o autor, a
contratação de empregos para cada grupo de trabalho, “contracting job to each work group (baogong
daozu)”, was in fact a form of labor organization within the framework of collective economic
organizations. Its basic practice involved the production team giving out a contract for a quantity of work
to the work group; specifying the time, quality requirements, and due remuneration; and rending rewards
and punishments according to how well the task was completed by the work group awarded the contract
(WU, 2005, p.109). Já a contratação de quotas de produção para cada família, “contracting output quota to
each household (baochan daohu)”, tinha sua essência na qualidade de que “is that it alters the way of labor
assessment from directly measuring the quantity of work to measuring both the quantity and quality of
labor by output. Its basic practice is to give plots to farmers under contracts stipulating output quotas; the
quota part of outputs is handed in to the production team, and the above-quota part of output is retained by
the household awarded the contract or shared with the production team according to pre-determined
proportions” (WU, 2005, p. 109). Por ultimo, a contratação de responsabilidade para cada família,
“Contracting responsibility to each household (baogan daozu)”, implies fundamental changes in
agricultural production from collective operation to household operation on contracted land. Its basic
method is that the collective (generally represented by the villagers’ committee), as the land owner,
contracts plots to farmers to operate according to the number of persons in the family or both the number
of persons in the family and the number of labors in the family; farmers fulfill their responsibilities to the
state in terms of taxation and compulsory or contracted purchase as well as their responsibilities to the
collective with contributions to a public accumulation fund and a public welfare fund; and all the
remaining produce belongs to the farmers and is at their disposal”(WU, 2005, p. 109-110).
96
Entretanto, segundo Wu (2005), o governo chinês ainda se posicionava contra tais
práticas, proibindo e desmotivando a contratação de quotas de produção para cada família
em todo o território chinês. Somente após a morte de Mao, em 1976, e a queda de Hua
Guofeng, discípulo de Mao que permaneceu como Primeiro-Ministro chinês até 1980 e
chairman do Comitê Central do Partido Comunista Chinês até 1981, pôde-se mudar o
rumo da reforma rural chinesa.
Enquanto Wu (2005) argumenta sobre algumas melhorias nos resultados agrícolas
da China no período compreendido entre 1950 a final de 1970, Huang (2008: 473) avalia
os resultados do mesmo período da seguinte maneira:
“the performance of China´s agricultural sector was mixed in two
dimensions and failed in a third. Total output did rise faster than
population. However, the magnitude of the rise was insufficient to
supply enough food and raw material for a rapid growing,
modernizing economy. China´s population was barely getting
enough food and clothing. There was no surplus, no choice, and
no extra supply for exports that could earn valuable foreign
exchange. In fact, the failure of agriculture to carry out its
fundatamental role is even clearer in the case os trade. China was
forced to spend a large share of its scarce foreign exchange just
to be able to supply the minimal diets of the 1970s.”
Ainda de acordo com a argumentação de Huang (2008), o sistema de comunas era
permeado de fraquezas, sendo a principal dela na visão do autor supracitado, a ausência
de incentivos. Eram dois problemas básicos: (i) as famílias, individualmente, não
possuíam capacidade de produção que gerasse excedente comercializável. Logo criavam
um desestímulo ao aumento da produção; (ii) como não havia mercado e as decisões
eram centralizadas e concentradas nos líderes coletivos, os mecanismos de venda tendiam
a ineficiência.
Em Setembro de 1980, o Comitê Central do Partido Comunista Chinês lançou um
documento que apoiava a promoção do sistema de responsabilidade, sob o título de
“Questões
relacionadas
ao
maior
estreitamento
e
melhoria
do
Sistema
de
Responsabilidade pela Produção Agrícola”. De acordo com Wu (2005), com a
promulgação deste documento, o sistema de contratação vivenciou um grande salto
positivo em sua utilização dentro do território chinês, sendo que as práticas mais usuais
foram a contratação de quotas de produção para cada família e a contratação de
responsabilidade para cada família. Estas práticas eram comumente contratadas em
conjunto, por isto o conceito foi unificado de maneira em que o sistema de
97
responsabilidade familiar passou a significar a contratação de responsabilidade familiar
com remuneração ligada a quotas previamente estipuladas.
O que se pode observar na contribuição de Huang (2008) é que nos trinta anos
anteriores a reforma implementada por Deng Xiaoping a agricultura na China passou por
um longo período de dificuldades (was in disarray nas palavras do autor). O que é
contraditório, segundo Huang (2008) e Rawski (1989), era a condição imposta pelo
governo chinês ao país. A despeito da população encontrar-se restrita (ou muito ligada e
dependente) das atividades agrícolas e ao campo, as condições de desenvolvimento desse
setor foi cerceada pelo próprio Estado. Pois sua organização além de não incentivar o
setor, restringia suas condições de crescimento com o rígido controle dos líderes
regionais e com o sistema de preços impostos às comunas.
Assim, não é de se estranhar que com o novo governo capitaneado por Deng
Xiaoping, mudanças fossem implantadas na direção da modificação da organização –
saindo das comunas para o sistema de responsabilidade familiar – e fomentando a criação
de um mercado interno que desse dinamismo ao setor agrícola chinês.
Wu (2005) destaca que “in June, 1982, production teams implementing ‘two
contractings’ nationwide accounted for 86,7 percent of the total, and this number further
increased to 93 percent by the beginning of 1983” (WU, 2005, p.113). Para Wu (2005),
as duas razões principais para que a mudança no sistema rural chinês se desse tão rápido
foram devido aos camponeses chineses já estarem acostumados a trabalhar neste tipo de
sistema anterior à coletivização da agricultura; e também por esta transição incentivar o
trabalho dos camponeses, assim como dar aos mesmos possibilidades de melhorar sua
condição de vida, e por não ameaçar os interesses de outros grupos sociais.
As mudanças trazidas pela descoletivização da agricultura na China promoveram
grande desenvolvimento na produção agrícola. Segundo Justin Y. Lin (1992), “the total
contribution of various measures of rural reform to rural output growth from 1978 to
1984 was 48.64 percent, of which the contributions of the contracting system was 46,89
percent” (LIN, 1992: 39). Este dado demonstra a grande transformação na produção rural
chinesa devido a introdução do sistema de responsabilidade familiar. Da mesma forma,
Zhu Rong et al (1992) demonstra que
“in 1984, total national grain output reached a record high of
407.31 million tons, up by 33.6 percent compared with 1978, with
an average annual growth rate of 4.95 percent; total output of
cotton measured 6.258 million tons, 1.89 times higher than that of
1978; output of oilseeds totaled 11.91 million tons, 1.28 times
98
higher than that of 1978; total output of sugar crops was 47,8
million tons, 1.01 times higher than that of 1978” (RONG et al,
1992 apud WU, 2005, p. 115).
Wu (2005) aponta ainda que, durante e após a década de 1980, a produção
agrícola nacional continuou evoluindo82 e apresentou uma melhoria na estrutura da
indústria rural significativa. Segundo o autor,
“first, in crop cultivation, the share of cash crops in 1988 reached
18.4 percent, an increase of 6.5 percentage points over 1978; the
output value of grain crops fell to 58.2 percent. Second, the share
of the gross output value of agriculture in the gross rural output
value dropped from 68.6 percent in 1978 to 46.8 percent in 1988;
the share of rural industry increased from 19.4 percent to 38.1
percent; the share of rural construction increased from 1.7 to 3.5
percent; and the share of rural commerce increased from 3.7 to
4.5 percent” (WU, 2005, p.115-116).
Dessa maneira, percebe-se que houve um considerável aumento da estrutura rural
na China, representado pela ampliação da indústria rural, das construções rurais e do
comércio rural.
Wu (2005) cita que, impulsionados pelo sistema de responsabilidade familiar,
vários tipos de empreendimentos industriais surgiram na China na década de 1980.
Anterior a este processo, havia os chamados empreendimentos comunais e de brigadas –
commune and brigade enterprises – os quais eram empresas subordinadas ao sistema de
comunas e operavam localmente. Com a descoletivização, novos tipos de empresas foram
surgindo. Segundo Wu (2005), existiam, em predominância, quatro tipos de empresas
nesta época: os empreendimentos de cidades – township enterprises; os empreendimentos
de vilarejos – village enterprises; os empreendimentos conjuntos de famílias – joint
household enterprises; e os empreendimentos individuais – individual enterprises. Estas
novas empresas abrangiam vários setores, como a indústria, o comércio, o transporte, a
construção, serviços e outros setores que empregavam 3.85 milhões de chineses.
Huang (2008) afirma que a substituição das comunas para o sistema de
responsabilidade familiar – Household Responsability System – foi fundamental para a
trajetória da China para um novo desenvolvimento. Apesar da propriedade da terra
permanecer coletiva, o controle da produção e a renda auferida passaram para as mãos
das famílias. O efeito dessa medida, segundo Huang (2008), foi equiparar a distribuição
82
A literatura usada apresenta dados até o ano de 2000. Consultar Wu (2005) pág. 116. Dados mais
atualizados constam no Centro Estatístico Chinês, FMI e Banco Mundial.
99
da renda entre as famílias, além de contribuir para a segurança alimentar ( no que tange a
disponibilidade de alimentos) e a redução do nível de pobreza na área rural.
O sistema de contratos alterou o funcionamento dos empreendimentos chineses
sobremaneira. Três foram as mudanças trazidas pelo sistema de contratos. A primeira foi
a mobilidade adquirida pelo capital humano em excesso nos campos, o que teria
providenciado a mão de obra necessária para o trabalho nestas novas empresas. A
segunda foi que a melhoria na produção agrícola teria possibilitado o investimento dos
rendimentos dos camponeses no desenvolvimento da indústria rural. Por fim, a terceira
mudança teria sido causada pela melhoria nas condições de vida dos chineses, o que teria
aberto novos mercados para o consumo das mercadorias produzidas por estes novos
empreendimentos83.
Para incentivar o investimento dos camponeses em suas terras e nas atividades
ligadas à agricultura, em 1985, o governo chinês propôs um novo contrato que garantia o
uso da terra por 15 anos. Da mesma forma, em 1993, o governo estendeu este contrato
por mais 30 anos.
Todavia, os camponeses ainda se sentiam inseguros com sua garantia de uso da
terra, sem leis próprias que protegessem seus investimentos. Para contornar esta situação,
em Agosto de 2002, o Congresso chinês promulgou uma lei sobre o uso da terra que
dispunha o exposto:
“1. the state protects the long-term stability of rural land contract
relations according to Law;
2. the state protects the rights of the party awarded the contract
to transfer contractual operations with compensation, of their
own will, and according to law;
3. the party awarded the contract has the right to use land, to
keep the income from the land, and to transfer the land use
contract, and that party is entitled to compensation for lawful
requisition and appropriation of the contracted land according to
law;
4. land circulation proceeds are owned by the party awarded the
contract according to law” (WU, 2005, p.127-128).
Wu (2005) aponta, entretanto, que esta lei não previa todas as garantias
necessárias para os camponeses, uma vez que a lei não definia como a coletividade e os
membros da coletividade que possuíam o direito de uso da terra poderiam exercer seus
83
A poupança do campo foi fundamental para sustentar o processo inicial de modernização da indústria.
Acredita-se ainda que a assimetria de renda entre o campo e as cidades, com os intelectuais e mesmo os
operários não sendo beneficiados pelo crescimento de renda observado no campo foi um dos fatores
responsáveis pelos incidentes de Tiananmen.
100
direitos e suas funções. Da mesma forma, a lei ainda limitava o direito dos camponeses
pelo tempo de contrato, impossibilitando que estes pudessem resistir a qualquer ato
administrativo governamental que requisitasse a terra sem compensação adequada aos
camponeses.
Não obstante, com o novo sistema rural, a melhoria na renda dos camponeses foi
também perceptível. Os dados disponíveis no Agriculture Yearbook (2001) apontam que
a receita líquida rural, em 1980, era de 191 RMB84. Em apenas cinco anos esta receita
teria aumentado para 398 RMB. Esta tendência teria continuado e os crescimentos
puderam ser vistos nos próximos anos também. Assim, em 1990, a receita líquida rural
aumentou para 686 RMB; em 1995 para 1.578 RMB; e em 2001 para 2.366 RMB. Dessa
forma, diferentemente dos primeiros anos da coletivização da agricultura chinesa, os
camponeses puderam sentir melhorias na sua condição de vida através de seu aumento de
renda.
Vale ressaltar que não somente a renda e a produção rural na China sofreram os
efeitos da descoletivização da agricultura. Estes foram sentidos fortemente no sistema
econômico chinês e também afetaram a dinâmica política do país. “The contracting
system also had great impacts on the economic system and even the political system”
(WU, 2005, p.117). De acordo com o autor, como o governo obtinha o controle da
produção, da distribuição e da precificação, ele conseguia obter grandes lucros advindos
da produção agrícola. Assim, a maioria da renda gerada pelos camponeses era repassada
ao Estado e não era usufruída pelos próprios.
Segundo o Wu (2005), o mais importante impacto da descoletivização para os
camponeses foi a aquisição de direitos de propriedade. Com a introdução do sistema de
contratos,
“Chinese farmers acquired three forms of property ownership.
The first was personal property, mainly consisting of bank
savings, private houses, private means of production, and means
of livelihood. The second was land-use right. Land was owned by
the collective, but farmers had the right to use. Moreover, land
had been contracted to farmers on a long term basis, so they
enjoyed an unprecedented usufruct. The third was the growth of
farmers’ human capital. Farmers, now able to manage their
activities themselves, greatly changed their mindset and attitudes
and improved their abilities in the process of traveling and
seeking employment” (WU, 2005, p.118).
84
RMB é a moeda oficial chinesa, chamada de Renminbi.
101
Assim, não somente a renda líquida dos camponeses aumentou neste período, mas
eles também adquiriram o direito de dispor de propriedade pessoal; de usar da terra; e de
se movimentar com maior facilidade.
Até o período 1984/85 a agricultura na China apresentou um salto quantitativo e
qualitativo. Segundo Fan e Pardey (1997) o contraste no período pós-reforma era visível.
Os autores destacam que o setor agrícola e a nova organização rural da China não
somente aumentaram a produção de alimentos, mas atingiram o nível de produção
recomendado de 3.000 calorias per capita por dia. Rapidamente a China alterou seu
sistema de incentivos conduzindo a um aumento da produção, produtividade e de renda
no setor (que ficava nas mãos das famílias produtoras). Ao instituir um mercado para as
mercadorias produzidas, encorajou o aumento da produção e passou a fazer parte de uma
rede de exportações de alguns bens primários. Ainda segundo Fan e Pardey (1997) a
liberalização e a abertura trouxeram bons resultados para o setor e geraram links positivos
na mecanização e na industrialização rural, criando uma rede de desenvolvimento para os
setores posteriores da economia.
Todavia, o novo sistema rural da China não se provou perfeito85. Já em 1984 o
sistema dava sinais de seus problemas quando os camponeses passaram dificuldades para
conseguir vender sua produção. Entre 1985 e 1988, a produção agrícola caiu em
estagnação. Segundo Wu (2005), para resolver a situação, o governo agia de duas formas:
“whenever there was a bumper in harvest, the government
attempted to purchase agricultural products at protective prices
to prevent cheap grain from hurting farmers; however, the
government resorted to increasing the purchase price to provide
incentives for farmers to increase production whenever
agricultural production decreased”(WU, 2005, p.120).
Nota-se que o sistema de compra e venda planificada da produção foi somente
alterado em 1985, quando da implementação do sistema dual-track de preço planificado
para a compra de quotas e preço de mercado para compra livre. Já em 1992, o governo
propôs outra reforma, na qual as localidades teriam a liberdade de definir o seu sistema
de preços de grãos acordo com sua realidade.
Esta política resultou no aumento de preço de grãos em mais de 98% dos
condados e das cidades chinesas somente no ano de 1993. Contra este aumento, em Maio
85
Segundo os dados do Agriculture Yearbook (2001), a taxa de crescimento agrícola anual da China passou
de 4,9% no período 1970-1978 para 8,8% no período 1978-1984, sofrendo uma forte queda no período
1985-1995 (3,8%) voltando a crescer no período 1996-2000 atingindo o valor de 4,2%.
102
de 1994, o governo teria promulgado novas diretivas86 para estabilizar as compras e
assegurar o suprimento de grãos para famílias de baixa renda.
No entanto, Wu (2005) nota que depois de dois anos de grandes colheitas, 1995 e
1996, o preço do grão novamente caiu e os camponeses tiveram novas dificuldades em
vender seu produto. Assim, o governo lançou nova diretiva para proteger a receita dos
camponeses. Esta diretiva colocava preços protegidos para os grãos de maneira em que
“the price for quota grain could be no lower than that of the price of the previous year,
while the price for nonquota grain should be the base price for quota grain”. Dessa
forma, o preço não cairia em comparação ao ano anterior e nem seria mais baixo que o
preço de mercado. Além desta medida, as localidades deveriam comprar a produção
excedente dos camponeses sem restrições.
A percepção de Huang (2008) é um tanto distinta. Para esse autor, a despeito da
queda do indicador de produção agrícola, os resultados da China ainda eram expressivos
e adequados para sustentar o crescimento da época.
A meu juízo, as duas posições acima são extremas. Nem tanto a China estava
preparada para sustentar sua taxa de crescimento (do produto e da população) nem tanto a
política chinesa para o setor agrícola pós-1984 foi um fracasso. O fato é que em
comparação com o crescimento industrial a agricultura perdeu espaço no período
posterior a 1984. Segundo os dados do Yearbook and Rural Statistics (2001), o
crescimento do setor industrial e de serviços foi três vezes superior ao setor agrícola.
Contudo, esse dado não representa queda no desempenho do setor. Huang (2008: 481)
cita uma contradição interessante: an ironic feature of agriculture development: the more
transformative the role that agriculture plays, the faster the pace of development and the
corresponding decline in the importance of agriculture.
A prática de controle dos preços e da produção, contudo, aumentou o estoque de
grãos além do necessário, recrudesceram as perdas operacionais (grain operation losses)
e as dívidas de créditos bancários. Como a oferta ainda excedia a demanda de grãos, os
preços de mercado continuaram a cair por três anos consecutivos, 1996, 1997 e 1998. Da
mesma forma, a receita dos camponeses também decresceu neste período.
86
Estas reformas foram: “1. Raising the government purchasing price of quota grain by 46.6 percent in
1994, 29.0 percent in 1995, and 5.8 percent in 1996; 2. requiring that state grain departments amass a
bigger pool of grain; 3. allowing local governments to grant allowances on top of the purchasing price of
quota grain when necessary; 4. stipulating that state-owned grain stores sell certain kinds of grain at
government-prescribed prices” (WU, 2005, p.121).
103
Para responder a este problema, um novo documento governamental foi liberado
em Maio de 1998, o qual procurava reformar o sistema de circulação de grãos através de
“quatro separações e um aperfeiçoamento” – four separations and one improvement87.
Em Junho do mesmo ano o governo propôs que a reforma de compra e venda de grãos
deveria se focar em políticas protecionistas88. Para que estas fossem implementadas, em
Novembro de 1998 o governo chinês liberou um novo documento, “Opinion on Current
Promotion of Reform of the Grain Circulation System para reforçar a prática das políticas
ditadas.
Todavia, estas medidas não conseguiram ser implementadas por completo e não
conseguiram resolver os problemas da agricultura chinesa. A saída encontrada foi
experimentar a liberalização da venda de grãos em algumas cidades, projeto
implementado em 200189 e em 200290. Esta reforma consistia em “duas liberalizações e
um ajuste” – two liberalizations and one adjustment, na qual havia a liberalização do
preço de compra do grão, liberalização dos mercados de venda do grão e ajuste da
política de compra de grão à preço protegido para uma política de subsídio
governamental direto pago pela diferença entre o preço protegido e o preço de mercado.
Esta política foi formalizada com a “Decision of the Central Committé of Party of
Comunist China on Issues Regarding the Improvement of the Socialist Market Economic
System”, de Outubro de 2003, a qual deliberou sobre
“the requirements of ‘improving the market system for
agricultural products, liberalizing the grain purchasing market,
and practically protecting the interests of grain farmers by
carrying out direct subsidies to farmers instead of indirect
subsidy through circulation” (WU, 2005, p.124)
Assim, o governo garantia a proteção dos produtores de grãos e também
impulsionava a economia chinesa para a liberalização de preços e mercados.
87
As quais seriam: “separation of the government administration from enterprise management, separation
of reserve from distribution, separation of central government responsibilities from local government
responsibilities, separation of new financial accounts from old financial accounts, and improvement of the
grain pricing mechanism (i.e., gradual achievement of marketization) (WU, 2005, p.123).
88
As chamadas “três políticas” eram: “(a) grain enterprises should purchase without restriction surplus
grain from farmers at government-prescribed protective price; (b) grain purchasing and storage
enterprises should implement ‘selling at Mark-up price,’ i.e., selling at purchasing price plus minimum
mark-up; and (c) purchasing funds lent by the Agricultural Development Bank of China to grain trading
enterprises should ‘flow within a closed loop’ according to the rules of ‘loan being linked to stock and
money following grain’” (WU, 2005, p.123).
89
As cidades que passaram pela experiência foram: Zhejian, Shanghai, Fugian, Guangdong, Hainan,
Jiangsu, Beijing e Tianjin.
90
Hunan, Hubei, Jilin, Henan e Zhejiang.
104
Um problema constante, contudo, é a inadequação entre o tamanho dos produtores
rurais e o tamanho dos mercados chineses. Poucos e pequenos produtores para grandes
mercados consumidores. Esta contradição incentivou a formação de cooperativas entre os
produtores e a união destas com empresas maiores, que garantiam o processamento de
alguns produtos agrícolas e também sua distribuição nos mercados. Não obstante, esta
união possui várias imperfeições – quebra de contratos; pouco poder de negociação da
parte das cooperativas; dificuldade de se obter informações precisas sobre a produção por
parte das empresas – as quais poderiam ser resolvidas com leis mais abrangentes e mais
eficientes sobre a formação de cooperativas na China; com a evolução da produção e da
venda dos produtos para um sistema de mercado completo; e com a profissionalização do
gerenciamento das cooperativas.
Observa-se que então que apesar da formação de cooperativa ser uma modificação
relevante para o país e seu projeto de desenvolvimento, muitos problemas ainda
perpassavam sua operacionalização, que demandavam uma interação mais planejada
entre governo e produtores no intuito de solucionar tais obstáculos.
Segundo Wu (2005), uma segunda peça relevante no processo de transição de uma
economia planificada e centralizada – como a chinesa – para uma economia de mercado é
a transformação do setor corporativo nacional. Um grupo relevante de economistas,
especialmente àqueles ligados aos microfundamentos econômicos, consideram o setor
corporativo como a unidade básica da economia devido a sua função multiplicadora,
especialmente quando atrelada ao seu poder de realizar investimentos. O que deve ser
ressaltado aqui é que uma reforma ampla como a imposta à China pós-1978 tem que
partir dos setores básicos da sua estrutura econômica. Para o caso estudado fica mais
visível a importância dessas reformas básicas quando se observa a base produtiva da
economia chinesa antes das reformas de Deng Xiaoping.
Para esse grupo de economistas, focados nos microfundamentos, há três
abordagens para efetivar uma transformação econômica em países em desenvolvimento:
o desenvolvimento de empresas privadas; a retirada do capital estatal de indústrias
regulares; e a transformação das indústrias estatais em empresas compatíveis com uma
economia de mercado. A ação coordenada nestes três ramos geraria o desenvolvimento
de uma economia de mercado com diversos tipos de propriedade. Contudo, observando a
literatura, este não foi o caso chinês. Nota que, em ordem cronológica, a reforma
econômica chinesa considerou a reforma do setor estatal em seu processo de
105
transformação e abertura. No entanto, deve-se ressaltar que são partes de um projeto
único de desenvolvimento econômico e nacional da China a alteração do modus
operandis das empresas estatais e a simultânea participação do setor privado na
economia.
De acordo com Haggard e Huang (2008), esse é um dos grandes temas da
literatura que versa sobre as condições necessárias ao desenvolvimento de uma nação, a
saber: a relação existente entre setor público (governo) e setor privado. Na percepção
desses autores governos que estabeleceram condições apropriadas para a atuação do setor
privado tem contribuído na melhor alocação de recursos, atração de capital estrangeiro,
mobilizando
investimentos
e,
consequentemente,
mantendo
o
crescimento
e
91
desenvolvimento de suas economias . A teoria econômica institucionalista confere
ênfase à importância do governo atuando como protetor dos direitos de propriedade. Tal
proteção, caso seja crível, asseguraria aos agentes privados o retorno de seus
investimentos reduzindo o risco de atuação discricionário do Estado. Outra vertente
econômica identifica como problema a ser solucionado a “teoria da captura”. Essa
argumenta que o grande problema da relação público-privado seria as instituições
públicas serem capturadas pelos interesses privados, induzindo ambas a atuarem em uma
única direção cujos interesses são coincidentes. Já a teoria neoclássica, especialmente
quando trata do cenário asiático, preocupam-se com a força dos governos regionais e seu
nível de intervenção. Para o caso da China, é preocupação latente dessa corrente teórica é
o tamanho do governo e sua predominância política sobre o setor privado.
Nesse ponto cabe a ressalva de que é interesse para o governo chinês, desde Deng
Xiaoping, que o setor privado participasse da economia chinesa. Tal participação sofre
intervenção do Estado quando esse considera seus objetivos macro. Acredita-se que após
a década de 80 e principalmente na década de 90 a postura do governo chinês seja mais
de dar suporte e estimular o setor privado do que permitir sua ação.
Quando da revolução de 1949, a China adotou, como já previamente citado, o
sistema socialista soviético de desenvolvimento. Dessa forma, assim como apresenta Wu
(2005), após a divisão entre a China rural e a China urbana, todas as indústrias que não
91
É claro que fazem parte dessa discussão temas mais específicos tais como a relevância das instituições no
estabelecimento de regras de ação, a proteção aos direitos de propriedade – diretamente relacionado a
criação de um sistema nacional de inovação e aos setores de ciência e tecnologia, tendo ainda como pano
de fundo, a transparência, a democracia e governança (accountability).
106
faziam parte do setor rural foram organizadas em uma empresa estatal enorme, na qual
todos os trabalhadores urbanos tornaram-se empregados do Estado.
Nesse sentido, essas indústrias deveriam dar prosseguimento às ordens estatais
sobre o que deveriam produzir; o quanto deveriam produzir; como produzir; da onde
conseguir seus materiais e insumos; e para quem vender sua produção. Elas faziam parte
do grande projeto planificado da economia chinesa e estavam subordinadas aos órgãos
administrativos do governo chinês.
Wu (2005) nota que havia um conflito inerente aos objetivos das Empresas
Estatais Chinesas uma vez que, ao mesmo tempo em que estas eram unidades de
produção, eram também uma parte integrante do sistema político, econômico e social do
Estado.
“The state regarded SOEs92 as instruments to achieve its political
and economic objectives, such as to establish a strong military
industry and to catch up with and surpass Western countries.
Therefore, managers of the SOEs were regarded as cadres of the
party and were governed in the same way under the same system
as staff of the party and government organs. Moreover, SOEs
integrated the functions of employment, social security, and social
relief, providing a full spectrum of social services from cradle to
grave” (WU, 2005:140).
Assim, o funcionamento das empresas estatais chinesas não era baseado nas
demandas do mercado, mas sim no plano que o governo chinês tinha para o
desenvolvimento de seu país. Deve-se ressaltar aqui que uma das características advindas
dessa condição era que as empresas estatais podiam recorrer ao Estado quando sentiam
que tinham seu funcionamento constrangido por qualquer tipo de pressão.
Dessa maneira, o autor destaca que
“because key economic parameters such as prices inputs and
outputs and capital input and taxation – which would decide
survival and development of enterprises – were all controlled by
the state, enterprises could always change the constraints they
faced through negotiation with the government” (WU, 2005:141).
Havia entre os condutores das empresas estatais a percepção de que caso algo não
estivesse saindo de acordo com o planejado ou que o resultado fosse ruim que haveria o
pronto socorro por parte do governo.
92
State Owned Enterprises – Empresas Estatais.
107
Brandt, Rawski e Sutton (2008) observam que no início das reformas no final dos
anos 70, o setor industrial chinês era basicamente dominado pelo Estado (composto pelas
State Owned Enterprisis) e sua localização era predominantemente urbana. No ano de
1978, SOE´s eram responsáveis por 78% do produto industrial gerado na economia
chinesa e empregava 76% dos trabalhadores do setor industrial.
Mas Jiang (2001), mostra que antes da transição e a despeito dessas empresas
serem as grandes responsáveis pela geração de produtos industriais na China, tal setor
permanecia ineficiente e insuficiente para “puxar” e sustentar o crescimento objetivado
pelo novo projeto de desenvolvimento nacional.
Wu (2005) aponta que a administração das empresas estatais dificultava o
desempenho das mesmas. Isso se daria pela grande divisão da administração e da tomada
de decisão dentro das empresas, o que facilitava a busca de interesses pessoais e a luta
por poder. Segundo o autor, a administração das empresas estatais era dividida da
seguinte forma:
“First, the tasks of running SOEs were shared by the central
government and local governments at various levels. Second, at
each level of government, the power to run SOEs was segmented
into several government departments as well. Generally, the
decision-making power regarding investment and production was
held by administrative organs like the planning commission and
the economic commission; the power to appoint, remove, assess,
and supervise chief executives of enterprises belonged primarily
to the organization department of the party and the personnel
bureau of the government; under the financial system of unified
control over revenues and expenditures, the government finance
department of SOEs, administering their cash flows, revenues,
and collecting taxes, fees, and profits; replacing the labor market
with administrative measures, the labor department allocated
labor forces for SOEs, and they set human resource policies
involving employment, salaries, bonuses, etc” (WU, 2005:141).
O pobre desempenho das empresas estatais e a sua baixa lucratividade levaram ao
questionamento desse tipo de administração logo cedo. Os diagnósticos governamentais
para os problemas das estatais ressaltavam alguns problemas operacionais que
necessitavam ser revistos e reformados tais como: (i) a concentração de poder nas mãos
do governo; (ii) a falta de iniciativa dos gerentes e funcionários; (iii) a intervenção
governamental na administração das empresas e (iv) o peso das dívidas e dos
compromissos sociais das empresas, para citar os principais. Para solucionar estes
108
problemas, o governo teria em mente a necessidade de delegar poder para as empresas e
dividir lucros.
Para implementar essas práticas, houve três formas principais: “’transferring
enterprises to governments at lower levels (qiye xiafang),’ ‘expanding enterprise
autonomy (kuoda qiye zizhuquan),’ and the ‘enterprise contracting system (qiye
chengbao)’” (WU, 2005:142). A primeira forma foi a mais utilizada dentre o período de
1956 a 1978. Assim, neste período várias empresas estatais saíram das mãos do governo
central para serem administradas por governos locais, como prefeituras e províncias.
Todavia, sempre que havia a descentralização, como ocorreu em 1956 e 1966, o período
que se seguia era de desordem econômica e o governo ‘re-centralizava’ as empresas
estatais.
Brandt et al (2008) destacam que a reforma do setor estatal consistia em dois
componentes chave: (i) o aumento dos incentivos e da autonomia no nível da firma e (ii)
a introdução de um sistema de preços baseado no dual-track que repartia os ganhos entre
o segmento de mercado e o setor público.
De acordo com o estudo de Geng, Yang e Janus (2008), a reforma promovida pelo
governo chinês nas empresas estatais (SOE´s) deve ser compreendida como única.
Diferentemente da Rússia que utilizou um sistema abrupto de privatizações – o que
segundo os autores citados, teve significativa participação no colapso da economia
soviética e em diversos países próximos que seguiram modelo semelhante nas últimas
duas décadas – a China adotou o caminho gradual ao estabilizar o crescimento das
empresas estatais fomentando a distribuição dos ganhos gerados na economia. Na China,
as privatizações das empresas estatais coincidiram com o aumento em larga escala dos
investimentos em infra-estrutura e com a gradual entrada no mercado de empresas
privadas, nacionais e estrangeiras, tendo as últimas maior força nesse movimento.
Segundo Geng, Yang e Janus (2008: 156),
“Before 1978 – the year that marked the beginning of marketoriented transformation – china operated its SOE´s under a
centrally planned economy. Since 1978, Chinese authorities have
initiated intensive reforms and privatization of SOE´s. At the
macro level, the SOE reforms can be seen as a strategic
adjustment of the nationalized and centralized economy towards a
more market-oriented economy; at the micro level, the reforms
are intended to transform the Chinese SOE´s into modern
corporations.”
109
Wu (2005) destaca que depois de 1977, a maioria dos líderes e economistas
chineses posicionava-se contra a prática da descentralização das empresas estatais para
governos locais e procurava novas maneiras de reformar o sistema de poder e de divisão
de lucros dentro das empresas. Assim, alguns governantes buscaram experimentar com a
expansão da autonomia das empresas estatais. Segundo Wu (2005), “the so-called
expanding enterprise autonomy is to relax the control by plan over enterprises by
government departments and to permit the enterprise management to make the business
decisions that had been made by the government in the past” (WU, 2005:145). Tendo
este conceito em mente, a província de Sichuan usou seis empresas estatais como
experiência de práticas para aumentar a autonomia empresarial, no ano de 1978. De
acordo com Wu (2005), a experiência se deu nos seguintes passos:
“First, the enterprises were allowed to retain a certain amount of
profits and individual workers could receive a certain amount of
bonus payments based on output increase and cost reduction.
Second, they were granted autonomy to increase the supply of
their products with a strong market demand and to accept
customers’ materials for processing, on the premise of
accomplishing the state plan. Third, they were given the freedom
to sell superfluous materials, as well as products that state-owned
trading enterprises would not want to purchase, and they could
also sell their new products on a trial basis. Fourth, on
accomplishing the state plan, they were authorized to set up an
enterprise fund and retain a portion of profits. Fifth, they were
given the autonomy to appoint middle-level managerial staff”
(WU, 2005:145).
Em decorrência dos resultados iniciais, nos quais as empresas demonstraram
entusiasmo com as novas mudanças, o governo incentivou que as reformas ocorressem
nas demais empresas estatais do país no início da década de 1980. Todavia, “efficiency
was not visibly improved, and before long, problems of chaotic economic order,
skyrocketing fiscal deficit, and inflation emerged” (WU, 2005:145). Dessa forma, o que
se observa no início dos anos 1980 é a decisão do governo em implementar um reajuste
na economia nacional fazendo com que as empresas estatais passassem a utilizar o
sistema contratual já inserido na reforma rural chinesa.
Conforme resume bem o estudo de Guo, Yang, Zhao e Hwang (2005: 4),
corroborando com as afirmações acima,
“Unlike the agricultural reform, China’s industrial reform
followed a more gradual/partial approach toward the marketoriented system. The reform on state-owned enterprises (SOEs)
110
was initiated in Sichuan province in October 1978, which defined
that, after fulfilling state tasks, the SOEs would share the aboveplan profits with the state in addition to a certain autonomy in
deciding about production, marketing, and others. By 1983,
almost all SOEs had adopted this responsibility system. In
December 1986, the government announced a new policy
encouraging adoption of the contract system. By the end of 1988,
most SOEs had adopted various forms of the contract system. In
fact, the contract system retained the bargaining relationship of
the centrally planned system, and therefore was not consistent
with market-oriented reform.”
Como o sistema de contratos tinha sido bem sucedido no setor agrícola na China,
tentou-se implementá-lo, com ajustes, no sistema de empresas estatais também. Assim, de
acordo com Wu (2005: 146), este sistema era praticado de maneira em que “a contract is
established between relevant government organs and the management of the enterprise to
specify terms of power-delegating and profit-sharing, as well as the obligations of the
insiders (managers and workers) of the enterprise”.
Contudo, este novo sistema de gerenciamento não dava às empresas autonomia
administrativa total, não separava a administração governamental da gerência das
empresas estatais e nem estabelecia uma competição justa entre as empresas chinesas por
não dar total responsabilidade às empresas estatais pelos lucros e prejuízos das mesmas.
Conclui-se parcialmente que as reformas do sistema de empresas estatais
conseguiram alguns resultados positivos, como a introdução das empresas estatais no
jogo da competição empresarial. A divisão de lucros impulsionou o surgimento de novas
iniciativas e o desenvolvimento das empresas assim como a eficiência do processo de
decisão melhorou com a expansão da autonomia gerencial das empresas. Contudo, os
lados negativos das reformas também se fizeram evidentes durante o período. A
descentralização administrativa trouxe maiores dificuldades de supervisão da empresa e
facilitou a corrupção.
O que marcou a mudança da estratégia de “delegação de poder” e “divisão de
lucros” para a corporativização das empresas estatais chinesas, segundo Wu (2005), foi a
decisão sobre questões relacionadas ao estabelecimento do sistema de economia
socialista de mercado, de 1993. De acordo com o autor, a decisão indicou que o novo
caminho a ser trilhado pelas empresas estatais chinesas seria a corporativização e
especificou que o novo sistema empresarial chinês deveria possuir “[a] clearly
established property rights, well defined power and responsibility, separation of
111
enterprise from government, and scientific management” (WU, 2005:154). Em 1994,
uma nova lei entrou em vigor para reforçar esta mudança, a Company Law of the
People’s Republic of China, que foi testada em algumas empresas estatais. Todavia, as
avaliações dos testes, ocorridas no ano de 1996, mostraram que a despeito das empresas
terem se corporativizado, elas somente se transformaram em “wholly state-owned
companies that were similar to modern corporations only in form” (WU, 2005:155). Para
o autor, somente após novas deliberações do partido, em 1997 e 1999, as “large and
medium size SOEs entered the period of establishing modern corporations according to
internationally prevalent norms” (WU, 2005:155).
Guo, Yang, Zhao e Hwang (2005: 6), relatam que:
“The State ownership, which had been defined as the classic
th
feature of socialism, was discussed in the 15 CCP National
Congress during October 1997. The CCP’s final conclusion was
that public (gongyou), instead of state (guoyou), ownership is to
be the dominant form of ownership. Besides, the development of
all other forms of ownership, including private ownership, is
encouraged. Furthermore, private and individual businesses are
not only tolerated but are now considered as making valuable
contributions to the economy. The shift in the CCP’s view on
ownership is now enshrined in the Chinese constitution with two
amendments to the constitution at the Ninth National People’s
Congress (NPC) held in March 1998.”
De acordo com Wu (2005), a partir de 1998, a corporativização das empresas
chinesas deu-se em três passos: a separação da função administrativa do governo da
função empresarial das empresas estatais (a função governamental de administrar as
empresas teria sido repassada de órgãos de nível ministerial para escritórios da Comissão
Estatal de Economia e Negócios); a reorganização dos monopólios comerciais (várias
empresas estatais constituíam monopólios para maximizar a escala de operação,
constituíram monopólios, estas foram divididas em várias empresas e reestruturadas para
promover a competição); por último, houve a reestruturação dos ativos das empresas e a
abertura de ações das mesmas para o mercado.
Todavia, este processo não se deu perfeitamente. Para conseguir a separação entre
governo e empresa criou-se um sistema de três camadas administrativas, na qual a
primeira seria o governo – através de uma comissão para gerenciamento dos ativos
públicos –; a segunda camada seria formada por instituições de gerenciamento dos ativos
112
públicos – instituições de investimento –; e, por fim, a terceira camada era constituída
pelas próprias empresas estatais.
Entretanto, Wu (2005) demonstra várias imperfeições na prática desta reforma na
China. A separação entre governo e empresa não conseguiu se materializar em inúmeros
casos devido à grande dificuldade de dividir a função governamental de administrador da
sociedade e da economia da função de possuidor de ativos públicos. Dessa forma, mesmo
com a reforma ainda restam problemas a serem resolvidos, como a independência
administrativa das instituições de investimento, a supervisão dos acionistas destas
instituições; e a implantação de um sistema de personalidade jurídica empresarial
compatível com as necessidades do sistema de três camadas.
O autor aponta algumas maneiras para a resolução destes problemas, advogando
pela diversificação dos proprietários de ações nas empresas estatais. Dessa maneira, Wu
(2005) assinala a conversão de débitos em crédito como uma maneira de chamar novos
acionistas para as empresas93. Da mesma maneira, outras formas de levar novos
acionistas para as empresas seria convidar investidores privados – como empregados –,
colocar títulos de dívidas no mercado de ações e desenvolver investidores institucionais –
fundos de pensão e fundos mútuos.
Observa-se que tal resolução pressupõe a economia chinesa como completamente
capitalista o que não condiz com a realidade do país. Como ainda resta uma forte
intervenção do Estado nas decisões políticas que influenciam diretamente no desempenho
econômico, há que se considerar outras variáveis que não exclusivamente as econômicas
nessa tomada de decisão.
Veja por exemplo a percepção de Guo, Yang, Zhao e Hwang (2005: 7).
“For the past one-quarter century, China has successfully
transformed its centrally planned system to a decentralized and
market-oriented one. In particular, it achieved a faster economic
growth than any other socialist or former socialist countries in
the world. However, It is puzzling because it seems to defy the
conventional wisdom. Although China has adopted many of the
policies advocated by economists, such as being open to trade
and foreign investment and sensitive to macroeconomic stability,
violations of the standard prescriptions are striking. China’s
reform was implemented without complete liberalization and
93
O autor nota que esta medida teria sido tomada pelo governo na instituição de quatro corporações de
gerenciamento de ativos públicos – chamadas de asset management corporations AMCs –, em 1998, para
assumir empréstimos desta natureza para grandes bancos comerciais estatais. Sem embargo, Wu (2005)
afirma que esta prática se deu não pela crença de que a operação traria mais lucros futuramente, mas sim
para retirar as empresas estatais de situações difíceis, numa espécie de subsídio governamental.
113
privatization. Besides, especially since the 1990s, China almost
has not implemented any substantial political reforms.”
Com uma argumentação teórica, próxima da versão institucionalista, Jefferson
(1998: 02) expõe o problema das empresas estatais da China da seguinte maneira:
“A fundamental characteristic of the state-owned enterprise is
that it is "owned by all the people." By eroding the incentive to
monitor the enterprise, this widely dispersed and ambiguous
ownership structure invites the excludability problem. The state
enterprise is subject to the opportunistic behavior of workers,
managers, and public officials, who extract value from the firm in
excess of what they put in. These exactions include asset stripping
by managers, shirking by workers, predatory taxes, fees and
bribes levied by public officials, and nonpecuniary benefits for
employees and their relatives in the form of housing and social
services. Serving a broader constituency, public officials, who
treat the state enterprise as a cash cow, often direct predatory tax
revenues to finance public infrastructure and services. It is this
inability to monitor effectively and limit the overconsumption by
large numbers of stakeholders, inside and outside the enterprise,
that transforms the state enterprise into a commons.”
Ou seja, a percepção de Jefferson (1998) é que tal modelo tende a falha
naturalmente. Os motivos são diversos, dos quais cito alguns: (i) não se pode tratar a
economia chinesa como uma economia capitalista por completo. A despeito da adoção de
algumas “regras” do modelo capitalista, a China permanece com seu julgamento de que o
capitalismo é imperfeito e que a presença do Estado é fundamental para trazer ordem ao
cenário político e econômico. Como conseqüência do primeiro ponto, temos que (ii) as
empresas estatais são falhas, contudo, em uma sociedade como a chinesa tais falhas
podem ser potencializadas pelos desvios de conduta gerados pelos fatores acima
mencionados (asset stripping by managers, shirking by workers, predatory taxes, fees
and bribes levied by public officials, and nonpecuniary benefits for employees and their
relatives in the form of housing and social services). Por fim, sem contudo esgotar o
leque de motivos, (iii) um sistema de empresas estatais necessita de transparência na sua
condução operacional, fator esse que a China ainda não provou ser capaz de inserir no
seu modo de atuação, seja para os empresários nacionais seja para os empresários
estrangeiros que desejam entrar no país94.
94
Deve-se ressaltar que a China situa-se entre os três maiores recebedores de capital estrangeiro na forma
de investimento direto. Contudo, há uma latente reclamação na forma de condução das negociações de
entrada de empresas, produtos e capital.
114
Fica agora mais claro de entender o motivo pelo qual o governo chinês precisou
aprender com a experiência e os modelos corporativos de outros países para poder
aperfeiçoar a reforma das empresas estatais chinesas, o que passou a ser uma tendência
global: tentar melhorar o modelo de governança corporativa dessas empresas. Dessa
forma, este movimento repercute sobre a instituição de um sistema diretivo independente;
sobre o melhoramento da supervisão do quadro de diretores sobre os executivos da
empresa; e sobre o aperfeiçoamento da transparência das operações corporativas. Para
Wu (2005), a China tem seguido esta tendência. Isso poderia ser demonstrado com
algumas legislações já promulgadas no país, como o código lançado pela Comissão
Chinesa de Regulação de Segurança e a Comissão Estatal de Economia de Negócios, em
2002, - Code of Corporate Governance for Listed Companies in China.
Deve ficar claro ao leitor que as reformas não se restringem ao setor agrícola/rural
e a modificação da estrutura das empresas estatais. O setor privado terá relevância nas
reformas implementadas nas China pós-Deng Xiaoping. No capítulo seguinte (capítulo 4)
tratar-se-á das Zonas Econômicas Especiais e do processo de abertura chinesa. No tópico
seguinte, permanecendo no objetivo definido ao início do capítulo, tem-se como foco as
gerações de governantes pós-Deng Xiaoping. Além de descrever suas atuações, objetivase também compreender as principais ocorrências e eventuais modificações ocorridas na
China, para por fim, no capítulo seguinte, analisar esse processo de evolução
considerando o período delimitado pelo escopo desse trabalho.
3.5 – Capitalismo sem democracia ou Capitalismo com características chinesas? A
relação entre o Estado-Partido na China e a iniciativa privada.
A vasta literatura sobre o tema do modelo econômico adotado pela China pós1978 faz menção às diversas nomenclaturas atribuídas a esse modelo. O núcleo da
discussão situa-se na gestão econômica, mais especificamente, à gestão da relação entre o
Estado e a iniciativa privada na economia chinesa. Observa-se denominações como
capitalismo com características chinesas, capitalismo sem democracia, economia
socialista de mercado entre outras.
Ainda, percebe-se que a criação de uma nomenclatura diferenciada tem o intuito
de ressaltar a singularidade da condução, pelo Estado (e do Partido Comunista Chinês)
das suas relações com o setor privado considerando sua presença e nível de intervenção.
115
A primeira observação encontrada na literatura sobre o tema é que há uma grande
discordância entre aqueles que analisam o modelo e sua nomenclatura. Segundo Tsai
(2007), é muito difícil para os estudiosos norte-americanos que não estão na China ou não
viveram no país acompanhar e entender que a China hoje ainda se encontra no meio de
uma transição histórica que leva tempo, e que tal transição tem dois momentos distintos,
a saber: a transição para o capitalismo e a transição para a democracia. Ainda é
complicado para esse grupo de analistas externos entenderem que, devido a sua
singularidade, essas passagens no contexto chinês não se dão de forma uniforme e não
obedecem imediatamente aos modelos teóricos que sustentam que a transição capitalista
determina a transição para a democracia. A number of political scientists have gone as far
as pronouncing that democratization is inevitable in China and will be brought about by
its growing economy95. O que fica visível nessa percepção é que os resultados obtidos na
área econômica, crescimento e desenvolvimento econômico, inevitavelmente, trariam
uma pressão para que houvesse uma mudança definitiva no modelo político, caminhando
em direção à democracia.
De acordo com Shaohua (2000)
“China is one of the fastest-growing economies in the world, and its economy
probably will continue to expand in the foreseeable future. The growing
economy will bring higher living standards, a higher level of education, and
more complicated socioeconomic structure in its wake. Under these
circumstances, more people will demand more freedom and democracy”
(SHAOHUA, 2000: 155).
A citação de Shaohua tem o intuito de exemplificar a visão otimista de alguns
analistas do cenário político chinês. Por outro lado, há um grupo de economistas e
cientistas políticos internacionais que avaliam a situação da seguinte maneira: a China
vem atingindo elevados níveis de crescimento econômico e tudo indica que deverá
manter esse nível por mais alguns anos devido a sua capacidade/necessidade de
crescimento. Contudo, esse resultado não evidencia a existência de uma correlação
positiva entre uma economia de mercado e democracia. O que não quer dizer que a China
não pode realizar esta transição democrática, mas não é o caso atual na visão desse grupo
de analistas96.
95
TSAI, 2007: 05.
Essa percepção é presente em analistas internacionais e de conjuntura política e econômica chinesa.
Muitos desses são de origem chinesa ou autores que tiveram um maior período de convivência com o
cenário chinês.
96
116
Tsai (2007) argumenta que a classe empresarial chinesa tem uma relação muito
típica com o Partido Comunista Chinês (logo com o Estado). Sua sugestão analítica é que
os membros da atual geração de gestores e empresários chineses compartilham interesses
com o Estado chinês que influenciam na sua conduta e nas suas decisões empresariais.
“China´s business owners are diverse. Because of their diversity, entrepreneurs deal with
the government in different ways and have different political views – if they have any”.
Os estudos feitos por Tsai (2007) sugerem que a formação da classe empresarial chinesa
é distinta dos demais casos estudados pela história econômica de empresas. Logo o
empresariado privado chinês deve ser analisado nas suas características próprias, para que
se obtenha um entendimento da sua extensão política e da sua relação com o Estado.
Based on hundreds of in-depth interviews and an original national survey of business
owners, I demonstrate that China´s capitalists are pragmatic and creative but they are
not budding democrats97.
A relação democracia e capitalismo vigente no período pós-Guerra Fria direcionase para a convergência capitalismo-democracia, ou seja, a democracia moderna seria um
produto do processo capitalista98, e para o caso chinês, a democracia seria uma
consequência natural da modernização, da prosperidade econômica e da política de
abertura. Essa proposta teórica não funciona para o caso da China. As contribuições de
Lyrio (2010) e de TSAI (2007), entre outros, é que, na realidade, o caminho da
democracia não é tão simples quanto se imagina e o caso da China é tão singular que não
se pode fazer uso da teoria existente sobre a democracia para explicá-la. Lyrio (2010)
mostra a relação próxima existente entre os ganhos econômicos obtidos pela China nos
últimos trinta anos e como esses ganhos atuam na manutenção do status do Partido
Comunista Chinês. Já Tsai (2007) afirma que a crença que capitalismo demanda
democracia é um mito. Historicamente avaliado, o processo que leva à democratização é
altamente contingenciado e envolve um número elevado de fatores, atores e instituições.
A tese de Tsai (2007) é que a democratização chegará um dia à China, mas não
pela pressão ou liderança do setor privado nacional. Seu argumento é construído com
base na percepção de que os empresários nacionais chineses não irão para as ruas
demandar democracia e colocar-se em posição conflitante com o Partido Comunista
Chinês. Esse posicionamento poderia criar um conflito não produtivo tanto para o setor
97
98
(TSAI, 2007: 04).
Joseph Alois Schumpeter – Capitalismo, Socialismo e Democracia.
117
empresarial quanto para o Estado chinês. Para o autor, a China não se encaixa no modelo
preexistente de avaliação de economia política e seus desdobramentos democráticos.
“Conventional explanation of democratic development and
regime change generally overlook the causal potential of informal
practices and institutions to change or sustain formal institutions.
Meanwhile, studies of transitions from socialism-era legacies, but
they have focused more on how deep-rooted informal institutions
undermine formal ones rather than how they may contribute to
resilience of formal institutions. The best-known comparative
historical theories of democrat development predict capitalist
class formation and democratic modernization on the basis of
structural transformation in the economy and society” (TSAI,
2007: 06).
Contudo, os empresários chineses têm diferente sistema de formação histórica,
principalmente no período pós-1978 e das reformas estruturais implementadas por Deng
Xiaoping.
“China´s business owners have different backgrounds and
different ways of dealing with their concerns, including the
strategic decision to maintain a low profile. Because of this,
coherent class formation and collective action have not occurred.
The socialist transition literature points out that historical
legacies and informal institutions continue to shape political and
economic dynamics even after the collapse of Communism and
deliberative democratic institutional design on the part of elites.
As a result, studies concerning the rapid economic and political
transitions of former socialist countries have reached
indeterminate conclusions about the post-transition sustainability
of liberal democracy, as well as their economic performance
under newly installed market institutions (TSAI, 2007: 07).
Contrastando com os casos da URSS e de países do leste europeu, a China tem
experimentado uma transição econômica gradualista por mais de três décadas
acompanhada de uma reforma politica muito limitada. Observa-se na China um modelo
de desenvolvimento “controlado” pelo Estado, onde as empresas privadas convivem com
o sistema político de Partido-Estado. Esse é burocraticamente disciplinado, pouco
coerente quando se trata da relação capitalismo-democracia, mas ao mesmo tempo,
dependente do desenvolvimento da empresa privada para que dê suporte ao seu sistema
político. Assim, nem os proprietários das empresas privadas, os capitalistas chineses e o
Estado estão desesperadamente buscando a via democrática ou liberal. Há mais uma
cooperação entre os atores internos do que uma contínua luta de classes com a
intermediação do Estado.
118
Segundo Tsai (2007), ao sustentar seu argumento favorável ao capitalismo sem
democracia, o setor privado chinês além de não permitir uma generalização em sua
análise ainda deve-se considerar cinco fatores importantes para sua compreensão (para
compreender o setor privado chinês, além de não ser permitida uma generalização em sua
análise, ainda deve-se considerar cinco fatores importantes), a saber: (i) o empresário
chinês convive com um ambiente dual, no qual o governo chinês em determinados
momentos faz-se notar pela sua presença associado a outros momentos no qual a ausência
“planejada” do aparelho estatal obriga-os a conviver com a informalidade e com as
autoridades locais, muitas vezes agindo de maneira autônoma; (ii) os empresários
chineses não consistem em uma classe unificada e com comportamento homogêneo.
Convivem nessa classe jovens empresários com empresários que tiveram suas atividades
iniciadas no início do período de Deng Xiaoping, com interesses distintos e relações com
o Estado construídas em ambientes diferenciado; (iii) o interesse desse empresariado
chinês varia de acordo com o setor no qual ele se encontra, de acordo com o tamanho da
atividade, com a localização e suas relações políticas; (iv) não há uma oposição autônoma
do empresariado chinês ao modelo político vigente na China, logo o sistema de
convivência é sustentado pelas conveniências e pelos interesses comuns; e (v) o
pensamento dominante no setor empresarial chinês não forma coletividade, a defesa dos
interesses é individualizada e as condições do sistema político já foram incorporadas,
logo, há pouca tensão entre Partido Comunista Chinês e empresariado nacional.
Já Huang (2008) denomina o modelo chinês de capitalismo com características
chinesas. Sua citação inicial remete a Deng Xiaoping: “The economy is still the base; if
we didn´t have that economic base, the farmers would have risen in rebellion after only
ten days of student protest – never mind a whole month. But as it is, the villages are
stable all over the country, and the workers are basically stable too”99 (HUANG, 2008).
Esse comentário refere-se a fala de Deng Xiaoping após o incidente de Tiananmen, em
1989. Para Huang (2008), o capitalismo com características chinesas é fundamentalmente
distinto do capitalismo ocidental. A principal diferença reside nas regras que relacionam
o Estado com o setor privado.
A transformação da China de país pobre, de baixa renda, subordinado no cenário
internacional e influenciado negativamente por intervenções estrangeiras, para um país de
elevado crescimento econômico, e nível de inclusão, ainda com distorções, mas buscando
99
Deng Xiaoping, May 19, 1989.
119
incisivamente uma posição no ambiente internacional molda o seu estilo de lidar com a
economia de mercado e com o capitalismo.
Huang (2008) ainda ressalta a diferença entre as percepções de economistas e
analistas chineses ou baseados na China e analistas distantes (Western academics). Wu
Jinglian and Fan Gang (2008), dois renomados economistas chineses colocam que a
reforma política colocaria em risco a possibilidade de ganhos diferenciados obtidos pelo
capitalismo gerenciado à moda chinesa e que a existência de uma relação íntima entre os
objetivos de desenvolvimento e a manutenção do crescimento do Estado (e
fundamentalmente do Partido Comunista Chinês) mantém a ordem econômica e,
principalmente política na China. Sua afirmação sugere uma relação de troca de ganhos
simultâneos. O Partido ganha na sua manutenção no poder e na sua estabilidade política
enquanto os empresários ganham por ter a possibilidade de manutenção de ganhos
econômicos diferenciados.
A relação é cooperativa por interesse e obedece a uma relação de ganhos para
ambos os lados. Logo, a sugestão de Lyrio (2010) de que os ganhos econômicos
sustentam a estabilidade do Partido Comunista Chinês merece ser complementada, pois o
empresariado chinês mantém seu status mediante, e não a despeito, da existência do
Estado-partido.
3.6 – O governo de Jiang Zemin: o grupo de Shanghai.
A morte de Deng Xiaoping, em fevereiro de 1997, debilitou o Partido Comunista
Chinês, que vinha passando por um período conturbado de manifestações e
questionamentos. Jiang Zemin já havia sido escolhido para substituir Zhao Ziang no
cargo de Secretário Geral do partido desde que Zhao Ziang foi demitido do partido por
recusar a imposição de uma lei marcial na manifestação de 20 de maio e por estimular a
desunião do partido. Zemin já detinha o cargo de secretário do Partido Comunista Chinês
quando das manifestações em Shanghai e as reprimiu usando pouca violência, embora
tenham sido registrados casos de mortes de trabalhadores (Goldman, 2006).
Ainda segundo Goldman (2006: 392):
“Os procedimentos e normas que Deng e seus discípulos haviam
tentado introduzir não foram suficientemente institucionalizadas
para substituir o governo pessoal, projeto do qual Deng jamais
desistira. Visto de Jiang Zemin e seus colegas haviam governado
o partido por quase oito anos antes da morte de Deng, seu
120
falecimento não deixou vácuo em termos formais. Mas sua morte
marcou o final de um líder forte que foi capaz, por meio de um
papel político, conexões militares, o uso da rede do partido e sua
sabedoria política, de implementar suas reformas. Deng deixou
como legado um novo sistema econômico, uma sociedade
pluralista, o início de uma mudança politica básica e um
Congresso Nacional do Povo que periodicamente discordava ao
votar contra ou ao abster-se de seguir as diretivas do partido.
Não obstante, o partido enfraquecido permaneceu intacto. Deng
reconheceu as falhas do sistema politico, mas sentiu-se relutante
em expressá-las temendo que debilitaria o poder do partido e sua
liderança”.
Já segundo Oliveira (2003), dois quadros do Partido designados por Deng
Xiaoping para substituí-lo – Hu Yaobang e Zhao Ziyang – viram-se compelidos a se
retirar da cena política, visto que as iniciativas de incitações, principalmente do segundo,
foram consideradas fundamentais para o evento de Tiananmen. Depois da Quarta plenária
do Comitê Central, Zhao Ziyang é destituído de todos seus cargos no Partido e Jiang
Zemin, então Secretário do Partido em Shanghai, é alçado ao cargo de Secretário Geral
do Partido. Logo, no 15º Congresso do Partido, Jiang Zemin torna-se Chefe do Estado.
Jiang Zemin é oriundo de uma família de militares, tendo perdido seu pai cedo, foi
viver com seu tio. Essa situação o permitiu acesso a uma boa educação, graças à politica
de consideração aos “mártires do partido”. Tendo-se formado em engenharia na
Universidade de Jiaotong, fez pós-graduação na URSS, retornando para assumir os
cargos de Ministro da Indústria e da Construção de Máquinas e depois como Secretário
do Partido em Shanghai. Apesar de um clima de ceticismo quanto às aptidões de Zemin,
tanto internas quanto externas, ao longo de seu governo, segundo Oliveira (2003), ele foi
demonstrando, ao contrário do que se imaginava, certa habilidade política e flexibilidade
para contornar situações conjunturais complexas.
Segundo os pronunciamentos de Jiang Zemin, no 16º Congresso do Partido
Comunista Chinês, a visão chinesa a respeito da economia e da organização da sociedade
internacional era otimista, sem, contudo, deixar de destacar os desafios que ainda estavam
postos para a continuidade da ascensão da China.
A percepção chinesa pode ser descrita da seguinte maneira: a sociedade
internacional prepara-se para uma nova fase do desenvolvimento, oportunidade para que
a China avançasse na sua modernização à moda socialista. A organização politica
mundial indica para a multipolaridade e para o aprofundamento da globalização
econômica. Os ganhos obtidos pela ciência e tecnologia ganharam velocidade em sua
121
disseminação e a competição entre as empresas e nações tem se acentuado, impondo
desafios para os países emergentes que buscam melhor posição na cena internacional.
Frente a esse diagnóstico, o Partido Comunista Chinês deveria manter-se firme em seus
objetivos e buscar reforçar (ou manter) sua unidade na busca dos três principais objetivos
chineses desde Deng Xiaoping: (i) manter a trajetória de modernização (modernization
drive); (ii) alcançar a unidade nacional, de modo que o desenvolvimento seja para toda a
China; (iii) e preservar seus objetivos relativos à segurança nacional, à manutenção da
soberania e autonomia chinesas dentro de um cenário de desenvolvimento mundial e de
busca pela manutenção da paz comum (safeguard the world Peace) e de um projeto de
rejuvenescer o Partido Comunista Chinês, mantendo sua característica de usar o que há
de relevante na proposta de economia de mercado (nas palavras de Jiang Zemin,
“bringing about the great rejuvenation of The Chinese nation on its road to socialism
with Chinese caractheristics”.
O cenário real da China consistia em uma rígida sustentação das suas elevadas
taxas de crescimento econômico, obtido com o crescimento da demanda doméstica,
estimulada pelo crescimento da renda, dos setores industriais, da participação da
iniciativa privada (com imperfeições conforme já foi observado aqui). Tudo isso
resultado de uma politica monetária e fiscal ativa no sentido da promoção do comércio,
da industrialização e da modernização da agricultura. A reforma implementada anos
anteriores já trazia resultados positivos para a China e seu processo de abertura para o
mundo já colocava a China entre os maiores fluxos comerciais, principalmente devido ao
seu export-drive. O acesso da China à Organização Mundial do Comércio veio coroar
seus esforços no sentido da abertura.
Segundo Zemin (2002: 02),
“the socialist market economy has taken shape initially. The
public sector of the economy has expanded and steady progress
has been made in reform of state-owned enterprises. Selfemployed or private enterprises and other non-public sectors of
the economy have developed fairly fast. The work of building up
the market system has been in full swing. The macro-control
system has improved constantly. The pace of change in
government functions has been quickened. Reform in finance,
taxation, banking, distribution, housing, government institution
and others areas has continued to deepen. The open economy has
developed swiftly. Trade in commodities and services and capital
flow have grown markedly. China´s foreign exchange reserves
have risen considerably. With its access to the World Trade
122
Organization (WTO), China has entered a new stage in its
opening up”.
Pelo discurso de Jiang Zemin, pode-se observar, ao mesmo tempo, os ganhos
obtidos pela China no período de maturação das reformas implementadas por Deng
Xiaoping e também que a China tem uma visão muito otimista de tudo que foi feito.
Entretanto ainda existiam, assim como persistem , desafios para os governos de Zemin,
Jintao e seguintes. Destacam-se aqui duas questões não resolvidas: as reformas do partido
e a unificação nacional não conflituosa.
No mesmo discurso de 2002, Jiang Zemin mostra-se otimista e até mesmo
ufanista no que diz respeito aos ganhos políticos e sociais da China. Ressaltava a
melhoria na distribuição de renda, no sistema legal chinês e a maior democratização do
país. Pontos esses que, a despeito da melhora, demonstram que muito há para ser
avançado nessas áreas, sem ser mais específico ainda no que concerne às questões de
direitos humanos, corrupção e gestão ambiental.
Mas Zemin permanece exaltando os ganhos obtidos pela China, seja no
aprendizado seja na realização de algumas políticas. Segundo o próprio Zemin, a China
permaneceu seguindo o guia teórico de Deng Xiaoping e a linha mestra do programa
proposto pelo Partido Comunista Chinês desde 1978. Ainda manteve o desenvolvimento
econômico como seu objetivo maior, considerando que esse era ponto fundamental para
um projeto nacional de desenvolvimento chinês. Conservou o pragmatismo como
fundamento político, compreendendo que todas as reformas e ganhos são resultados de
políticas graduais e progressivas, todas essas sustentadas por uma base econômica bem
fundamentada e concreta.
A proposta de rejuvenescer o Partido passava por uma política de aceleração dos
níveis educacionais, de um sistema nacional de produção e da implantação e constante
aprimoramento dos setores ligados à tecnologia e inovação. Esses são pré-requisitos para
o desenvolvimento e para a inclusão social feita pela via de mercado, sempre norteados
por um processo adaptativo realizado pelo Estado chinês.
Duas questões ainda foram muito destacadas por Jiang Zemin para seu governo: a
primeira seria uma perseverança no objetivo de independência internacional, no sentido
de soberania e autonomia, mas pressupondo a existência de um cenário pacífico, ou seja,
é um projeto de desenvolvimento nacional, que pressupõe inserção internacional,
123
ascensão pacífica (Cinco Princípios para Coexistência Pacífica) e cooperação; a segunda,
a busca pela unidade e coesão da nação chinesa.
Por fim, no que concerne ao desenvolvimento econômico e à manutenção das
reformas reestruturantes chinesas, Jiang Zemin destaca os seguintes pontos: (i) para
manter a rota industrializante e rejuvenescer não apenas o partido, mas também a
estrutura produtiva do país (envolvendo os trabalhadores) eram necessários investimentos
na educação. Somente assim a população seria consciente do seu papel tanto na
modernização do país quanto na promoção de um desenvolvimento sustentável.
Era interesse da China fazer com que sua estrutura industrial trouxesse não apenas
o crescimento econômico, mas também um aumento significativo na criação de novas
tecnologias e no estabelecimento de patentes industriais, o que garantiriam maiores
ganhos para a China nas trocas comerciais; (ii) era fundamental para os objetivos de
desenvolvimento da China acelerar a urbanização, pois elevava a disponibilidade de mãode-obra em locais estratégicos, reduzia a pobreza na zona rural do país e forçava o
estimulo à mecanização do setor rural; (iii) elevar sua participação no fluxo de comércio
mundial era de extrema importância, porém, mais relevante ainda era transformar-se no
centro comercial e dinamizador regional, fazendo com que seu status na região seja de
potência regional. Para tanto, a China compreendeu seu papel no cenário internacionalregional, colocando-se disponível para o estabelecimento de parcerias com países com
características semelhantes, sem contudo, afastar-se do centro da economia mundial, as
potências ocidentais; (iv) independente do cenário macroeconômico, a proposta de Jiang
Zemin é dar continuidade às reformas no seu sentido mais básico, manter a trajetória
rumo ao desenvolvimento nacional. Fica claro aqui que as reformas no setor público e
bancário são fundamentais, além de consolidar as mudanças já iniciadas no setor rural e
nas empresas estatais.
Contudo, essa manutenção tem relação muito íntima com as lideranças regionais o
que nos leva a questão da unificação política e econômica da China; (v) cabe avaliar que,
apesar de ser objetivo declarado do governo de Jiang Zemin, bem como foi de Deng
Xiaoping e será de Hu Jintao, a melhoria na distribuição de renda e a criação de empregos
foram realizados e fomentados pela via do mercado, apoiando-se muito na liberalização à
entrada de empresas estrangeiras (à moda chinesa) e pela política de atração de capital
124
estrangeiro na forma de investimentos estrangeiros diretos100; e (vi) observa-se uma
grande discussão a respeito da reforma política voltada para um modelo mais
democrático na China. Contudo, assuntos como democracia e reestruturação políticas
ainda são de tratamento complexo na China.
Segundo Lieberthal (2004) são assuntos que fazem parte da agenda chinesa,
especificamente quando colocada em âmbito internacional. Porém, não são assuntos que
tem a força de tomar a prioridade do projeto nacional de desenvolvimento,
especificamente, seu núcleo econômico.
Com o intuito de se estabelecer como o verdadeiro núcleo hierárquico do Partido
Comunista Chinês, Jiang Zemin tomou a iniciativa de construir novas instituições e
alterar algumas regras pelas quais o Partido e o governo poderiam ser efetivamente
governados, a seu juízo. Era fundamental para sua governabilidade que sua legitimidade
não repousasse sobre uma base unicamente ideológica, mas sim sobre uma legitimidade
apoiada em desempenho para a legitimidade, ou seja, foi mantida uma pauta rígida de
obtenção de resultados econômicos que garantissem os benefícios econômicos para a
população. Considerando que suas contribuições e participações associadas à Revolução
não seriam um ganho político, Jiang Zemin não podia invocar qualquer contribuição para
o movimento como base de sua legitimidade.
Isto posto, observa-se que Jiang Zemin teve de utilizar a constituição do Partido
Comunista Chinês (Secretário Geral, Presidente da Comissão Militar e da Presidência),
como formas de garantir sua legitimidade. A indicação presente na bibliografia sobre a
política chinesa nos remete à reflexão sobre os temores de Jiang Zemin a respeito de sua
permanência no poder após a morte de Deng Xiaoping. A realidade mostrou-se,
entretanto, distinta da primeira impressão política de Jiang Zemin. Depois do 14º
Congresso do Partido Jiang Zemin consolidou seu poder mediante engenhosa aliança
política que garantia seus protegidos no poder e distribuía cargos a seus aliados em
posições chave no governo e no partido.
Essa sua primeira tarefa de legitimação foi cumprida e logo sua segunda tarefa
surgiu quando houve necessidade não mais de legitimar-se como liderança política no
próprio meio político, mas quando Jiang Zemin teve que convencer o povo chinês que
sua liderança manteria os ganhos econômicos e a estabilidade política nacional, sem
contudo, abrir mão da soberania e da segurança nacional e ainda manter o ritmo de
100
Ainda, essa mesma criação de empregos tem uma relação direta com o fluxo comercial chinês que em
casos de oscilação devem afetar a consecução desse objetivo
125
crescimento e desenvolvimento econômico do país como forma de garantia de uma
inserção soberana no cenário internacional. Embora Jiang não se apresentasse como o
“Timoneiro Mao” nem como o “carismático e pragmático Deng”, seu apoio na facção de
Shanghai, seus atributos na gestão das redes políticas e seus resultados econômicos
expressivos acabaram por tornar Jiang Zemin um político capaz de levar a China adiante
no seu projeto de desenvolvimento nacional, associado a sua inserção internacional e
ascensão pacífica e soberana.
Ao longo de seu período de governo, Jiang Zemin logrou sucesso em suas
propostas e manteve-se no governo gozando de certa estabilidade. Uma das suas
contribuições para uma mentalidade mais inclusiva dos demais atores sociais foi a
chamada Teoria das Três Representações. Segundo Oliveira (2003),
“Em fevereiro de 2000, num discurso em Cantão, Jiang delineou
algumas idéias para a reatualização do PCC na perspectiva do
século XXI e da globalização. Um passo adiante era dado no
tocante à formulação de Deng, que incluía os intelectuais na
classe operária, acentuando não deixarem eles de ser
trabalhadores pelo fato de trabalharem com a inteligência. Jiang
rompia agora com a prioridade da classe operária, identificando
o partido com todos os elementos mais progressistas da
sociedade. As teses de Jiang foram rotuladas de “As Três
Representações” e teóricos do partido foram chamados para dar
maior consistência a elas. Hu Jintao teve participação ativa na
consolidação de Jiang Zemin, e o próprio Jiang desdobrou suas
idéias num importante discurso (01.07.01) comemorativo dos 80
anos de fundação do PCC. Esse discurso tornou-se conhecido
como “o discurso de 1º de julho de Jiang”, numa referência ao
histórico discurso pronunciado por Deng Xiaoping na mesma
efeméride, dez anos antes (OLIVEIRA, 2003, 152)”.
Agora seriam contempladas as condições necessárias para o prosseguimento do
desenvolvimento chinês, onde o partido deixa de ser unicamente representante do povo
chinês, passando agora a direção progressista da cultura de ponta da China e os interesses
fundamentais da vasta maioria do povo chinês101. Agora, passa-se a encorajar e apoiar o
setor privado na China, abrindo espaço valoroso aos empresários e, de certa forma,
reduzindo a participação das empresas estatais, que de acordo com Oliveira (2003)
estavam sendo desmanteladas antes mesmo de serem reformadas. Contudo, corroborando
com a assertiva de Oliveira (2003), tudo indica que era mais importante para a China
naquele momento encorajar o setor privado do que reformar as empresas estatais, visto
101
Oliveira, 2003: 153.
126
que o setor privado reunia melhores condições de alçar a China ao objetivo proposto pelo
seu projeto de desenvolvimento nacional.
A meu juízo, a atenção dispensada às empresas privadas e a liberdade concedida
aos empresários viriam introduzir elementos inovadores, sendo esses considerados
motores essenciais para o crescimento associado ao desenvolvimento, fundamentalmente
em um cenário internacional de grande concorrência entre corporações concentradas e
oligopolizadas. Logo, o fortalecimento do setor privado era fundamental para a China e
seus objetivos, dentre os quais figuravam a desoneração do Estado na manutenção de
certas atividades exclusivamente nas empresas estatais, ao impor à sua economia um viés
de maior competitividade e, simultaneamente, elevar a arrecadação fiscal do Estado. No
que concerne à objetivos de poder, pode-se ainda afirmar que havia, além da
democratização – o que atendia ao interesse e ao clamor do povo – havia também o
propósito de manter controle sobre uma classe – empresários – com maior poder
econômico crescente e, porque não, político idem.
No que tange ao partido, permaneceu sua política de qualificação do seu corpo
formativo, de rejuvenescimento dos seus quadros e da distribuição de poder entre os
administradores/gestores regionais e locais. De fato, a partir de 1994, a China sinalizou
ao mundo uma maior estabilidade no seu movimento de crescimento e redução (a
despeito dos níveis ainda elevados) de uso de instrumentos coercitivos. Jiang Zemin
ainda conseguiu estabelecer uma relação equilibrada com Qiao Shi, líder do NPC,
evitando distorções sérias na sua condução política de uma nação em trajetória de
crescimento diferenciado no cenário internacional.
3.7 – A quarta geração: O período Hu Jintao.
Segundo Goldman (2006), a transição da terceira geração de líderes comandada
por Jiang Zemin até a quarta geração de líderes sob o comando de Hu Jintao foi mais
tranquila do que qualquer outra transição da história chinesa do século XX. Hu Jintao
converteu-se em secretário-geral do partido em 2002, presidente da República Popular da
China em 2003 e Chefe da Comissão Militar na saída de Jiang Zemin em março de 2005.
A China e o mundo tinham grandes expectativas para a quarta geração de lideres
do Partido Comunista Chinês. A nação logrou prosperidade durante a terceira geração
liderada por Jiang Zemin. Porém Jiang Zemin não impressionou os observadores locais e
internacionais com suas reformas. O que se constata pela leitura e observação das
127
informações disponíveis é que nos anos de governo Zemin, a percepção foi que Jiang
Zemin e seus aliados concentraram seus esforços no objetivo de manter seu legado no
poder e os ganhos obtidos ao longo do período de reformas de Deng Xiaoping do que no
próprio crescimento da nação. Não se deve aqui cair no erro de considerar que manter as
reformas colocadas em andamento no período de Deng Xiaoping seja um erro estratégico
e de condução política, ao contrário, mas esperava-se um segundo grupo de reformas,
especialmente de inclusão social e políticas, do período Zemin (LAM, 2006).
Segundo Lam (2006), as esperanças para uma reforma no Partido Comunista
Chinês, a partir do congresso de novembro de 2002, foram então depositadas em Hu
Jintao e Wen Jiabao, dois jovens líderes que não faziam parte da chamada “Facção de
Shanghai102” e que possuíam a reputação de indivíduos limpos, ou seja, sem o peso da
corrupção sob suas costas. Ainda, esses possuíam uma ligação positiva com a Academia
Chinesa de Ciências Sociais, órgão que construía conhecimento na China, buscando a
melhor adaptação do país ao cenário econômico e social mundial, num esforço para que o
know how chinês fosse aumentado em suas negociações e relações com o exterior.
“Enquanto Jiang Zemin favoreceu o desenvolvimento das cidades
costeiras e enfocou a produção industrial, em particular para a
exportação, Hu e o primeiro-ministro Wen Jiabao, formado em
geologia, priorizaram o desenvolvimento do interior e
diminuíram os pesados impostos cobrados dos fazendeiros”
(Goldman, 2006: 417).
Diferentemente dos seus antecessores, Hu Jintao veio de uma família que foi
classificada entre as últimas famílias de capitalistas. Porém, isso nunca interferiu na
carreira de Hu Jintao na universidade e no seu ingresso na Liga Comunista Jovem.
Graduado em Engenharia pela Universidade de Tsinghua, começou sua carreira na Liga
Comunista Jovem, tornando-se o membro mais jovem do Comitê Central do Partido em
1982, aos 38 anos. Aos 44 anos de idade, Hu Jintao já era secretário provincial na pobre
Ghizhou103. Hu Jintao tornou-se instrutor da Universidade de Tsinghua onde conheceu
muitos políticos que iriam fazer a diferença em sua carreira futuramente. Em 1989, ele foi
recrutado pelo Ministro de Engenharias Hidráulicas para trabalhar em Gangsu, na região
noroeste do país. Hu passou 14 anos de sua vida naquela província local onde começou a
102
Considerado desta forma devido a sua ênfase no comércio e no desenvolvimento das cidades costeiras
próximas à Shanghai.
103
Goldman (2006) e Lam (2006).
128
chamar atenção enquanto subia de cargos rapidamente104.
As raízes do real crescimento político de Hu Jintao foram constituídas quando ele
foi transferido em 1988 para o Tibete, que àquela época sofria com os movimentos e
demonstrações de intolerância entre as etnias da região. Hu Jintao tentou controlar a
situação de início, porém na noite de 5 de março de 1989 alguns cidadãos mais exaltados
cercaram o quarteirão do prédio da polícia e deram início a um protesto violento (pessoas
jogavam pedras contra o prédio e contra os policiais, ferindo-os). Hu Jintao, segundo
informações bibliográficas e de acordo com o relato de Haw (2006) coordenou as ações
da policia no incidente. Quando a situação fugiu do controle, a guarda avançou contra os
manifestantes dissipando rapidamente o movimento, via uso da força. Diante da
"rebelião" contida (pois os protestantes não tinham como se defender e logo se renderam)
ao final da noite Hu Jintao reportou à capital que a situação estava controlada e levou os
créditos sobre a ação.
Em 1992, durante o 14º Congresso do Partido, Hu Jintao tornou-se membro
Politburo. Nessa época Jiang Zemin, que completara três anos como chefe do partido,
recebeu a sugestão de que Hu Jintao fosse nomeado como ministro de recursos hídricos
ou da educação, porém a questão ficou pendente de melhor avaliação pelos membros do
partido.
Ideologicamente, Lam (2006) destaca quatro pontos relevantes para a formação
política de Hu Jintao, a saber: (i) sua forte crença no Marxismo105 e sua lealdade ao
partido; (ii) havia a percepção e entendimento que Hu Jintao era um líder bem formado,
com elevado conhecimento técnico atrelado à prática política; (iii) seu estilo democrático
de trabalhar apresentava-se plural e aberto a diferentes opiniões sobre questões relativas
ao governo e sobre especificidades técnicas; e considerado de extrema importância para a
população e para a legitimação política do partido (iv) Hu Jintao era considerado um
técnico e um político honesto, dotado de forte senso de responsabilidade.
Jornais e documentos não oficiais chineses destacam que Hu Jintao, apesar de
104
Além de ter feito contatos preciosos para a sua carreira como Song Ping, o Secretário do Partido em
Gangsu. Quando foi enviado para treinamento na Escola Central do Partido, Hu Jintao conheceu o filho de
Hu Yaobang, notabilizado por sua ideologia liberal (ultraliberal), Hu Deping. Voltando para Gangsu com
uma recomendação do pai de seu amigo, Hu Yaobang, Hu Jintao tornou-se então foco de olhares nacionais.
105
Ainda sobre sua personalidade e ascensão, apesar de possuir uma personalidade liberal e atitude
moderada, a despeito de ter convivido com a Revolução Cultural e seus dez anos de caos, isso não fez com
que Hu Jintao perdesse a fé no partido comunista e abrisse mão de uma ideologia Marxista.
129
líder de um país tão complexo como a China, conseguiu a virtude de ser aceito pela
maioria dos grupos de interesses e pela comunidade, além de importantes comitês do
Partido.
Após 1992, Hu começou o que seria um esforço próprio de dez anos para fazer
sua carreira no partido. Com a morte de Deng em 1997, Hu Jintao ganhou alguns cargos
adicionais além de influência dentro do partido. Seu objetivo era crescer dentro do
partido sem despertar ciúmes e demasiada atenção de seus companheiros, sobretudo Jiang
Zemin.
Em termos da sua posição política, Hu Jintao anunciou que a China não copiaria
os modelos e as instituições ocidentais, rumo por ele denominado de “rota cega”. Ao
contrário, Hu Jintao anunciou divulgou que enfatizaria o refortalecimento do Partido de
forma que seu governo fosse mais eficiente e estruturado. Segundo Goldman (2006), Hu
Jintao procurou reforçar o monopólio do poder político do Partido Comunista Chinês,
visando revigorar a doutrina ideológica que dava sustentação ao projeto de
desenvolvimento chinês e impor uma disciplina mais rígida aos membros do partido,
visando, com essa medida, a redução e o cessar dos efeitos corrosivos da corrupção no
governo da China. Ainda sobre a “rota cega”, Hu Jintao nutre receios sobre a
globalização e/ou ocidentalização. Hu Jintao e Wen Jiabao eram ambos partidários de
uma reforma limitada do Partido Comunista Chinês, como a racionalização da estrutura
interna. Porém estão longe de ser favoráveis a uma causa democrática. Hu Jintao também
acreditava que alguns seletos mecanismos do Ocidente poderiam ser introduzidos na
China, como a separação do partido e do governo. Porém, o resultado pretendido era mais
para o fortalecimento e consolidação do Partido do que a divisão de poder entre outros
setores ou blocos econômicos internos.
No que diz respeito à abertura democrática, percebe-se que Jiang Zemin realizou
avanços ao permitir um maior espaço para a participação pública em alguns debates
políticos. Contudo, diante a entrada de Hu Jintao, tem início um movimento de repressão
contra o uso da internet para fins de discussão e divulgação de informações políticas.
Ainda sobre a questão da mídia, Goldman (2006) afirma que com o crescimento da
economia de mercado e as políticas favoráveis à abertura econômica, grande parte da
mídia que não mais era financiada pelo Estado tornou-se mais ousada e provocante no
que concerne às suas críticas. Hu Jintao então passa a utilizar de forma mais incisiva o
Departamento de Propaganda na repressão aos ciberdissidentes, a intelectuais
130
independentes e a crítica pública, caracterizando assim um maior rigor em relação à
mídia.
Em termos econômicos, o que se pode observar do período de Hu Jintao é que a
China obteve sucesso naquele que pode ser considerado seu objetivo desde o início das
reformas iniciadas por Deng Xiaoping, a saber: tornar-se uma nação rica e poderosa. Sua
presença na economia internacional tornou-se significativa, em alguns momentos até
mesmo dominante. Os líderes nacionais chamam esse seu processo de expansão de
ascensão pacífica, ou seja, o objetivo da China é desenvolver-se, resolver suas questões
internas e, caso seja uma potência mundial, que essa trajetória não cause distúrbios muito
menos conflitos militares.
Outra questão importante e muito debatida pelos pesquisadores é que a despeito
das transformações econômicas ocorridas na China nos últimos trinta anos, o Partido
Comunista Chinês permaneceu intacto no poder. Há uma crença interna de que uma
modificação no sistema político traria instabilidade e, consequentemente, uma redução
dos ganhos econômicos obtidos pelas reformas implementadas por Deng Xiaoping. A
discussão, pesquisada por Lyrio (2010), é se o sucesso das reformas econômicas ocorreu
à custa do Partido Comunista Chinês ou se a estrutura de governo manteve-se devido aos
ganhos econômicos observados nestes últimos trinta anos. A tese de Lyrio (2010) é que
os ganhos econômicos sustentaram a estrutura político-partidária do Partido Comunista
Chinês. Adiante, apresentam-se os problemas enfrentados por Hu Jintao durante seu
período de governo. Ressalta-se que tal descrição é uma avaliação de conjuntura e que o
período de governo de Hu Jintao ainda não se encontra finalizado. Por fim, destaca-se
que tais problemas descritos estão majoritariamente no cenário econômico visto que,
durante seu período de governo, a cena internacional foi palco de crises financeiras
internacionais de dimensões ainda não totalmente observadas. Óbvio que não serão
esquecidas questões como problemas ambientais e a relação da China com o sistema
internacional, mas o foco permanece nas estratégias chinesas em prol do seu projeto de
desenvolvimento nacional e manutenção da sua trajetória de crescimento econômico.
Segundo Lam (2006), a China obteve substanciais resultados no que concerne a
suas reformas econômicas, particularmente aquelas relacionadas a seu projeto de
integração com o mercado internacional no período da administração de Zhu Rongji. O
ponto alto desse período foi a ascensão da República Popular da China à OMC em 2001,
131
que teve uma importância para a China nos seus planos de integração econômica e
inserção internacional. Ainda de acordo com Lam (2006),
“the principal mission of the leadership of President Hu Jintao
and the Premier Wen Jiabao in the economic field will not be so
much hacking out new paths. At least in the term office covered
by the Sixteen Party Congress – 2002 to 2007 – the Hu-Wen team
will have achieved a lot if they can make sure that the entire
country lives up to Beijing´s pledges about market liberalization,
particularly in the difficult areas of finance and information”
(LAM, 2006: 107).
O que se pode observar do trecho acima é que o grande desafio colocado para Hu
Jintao e Wen Jiabao é a integração dos ganhos obtidos pela China no campo econômico
para as demais partes do país. A mesma literatura, corroborada por Fairbank (2006) e
Lieberthal (2004), entretanto, destaca que o grande ganho que pode ser obtido pela
administração Hu-Wen não se encontra necessariamente na economia. Esses autores
destacam que o grande desafio de Hu Jintao e Wen Jiabao repousa na mudança política.
“It´s has long been truism that economy liberalization can only go so far without
commensurate restructuring of the political system.” Muitos dos atuais problemas
econômicos residuais, como ausência de uma governança corporativa, corrupção,
separação entre as ações e funções do Estado e da iniciativa privada estão diretamente
atreladas a questões politicas a serem resolvidas.
Até o ano de 2008 pouco houve de avanço nesta questão. Observa-se com o apoio
de Lyrio (2010), que a organização do partido e a estrutura politica são beneficiados pelo
bom resultado econômico apresentado pela China nesses últimos trinta anos. Tal
resultado econômico apazigua a população via melhoria da sua percepção de bem estar
que se encontra associada com seu maior nível de consumo e a sua maior disponibilidade
de bens e serviços. Deve-se deixar claro que essa percepção de bem estar criada pelo
crescimento econômico, pela maior inserção e inclusão social e pelo maior acesso a bens
e produtos não retira o peso da realização destas reformas sobre a “Quarta Geração de
líderes chineses” e seus sucessores. Observa-se que houve um aumento da participação
popular nas questões politicas e que “there is a heavy element of noblesse oblige in Hu´s
approach to democracy: this means that while the ruling party is open enough to consult
132
the divergent views of different sociopolitical groupings, it is not ready to share power
with them”106 (LAM, 2006).
Justin Lin, pesquisador da Peking University, destaca que o governo de Hu Jintao
e Wen Jiabao, assim como a quinta geração de líderes, chineses ainda tem grandes
desafios pela frente, os quais cito a seguir: (i) a reforma política chinesa constitui um
grande desafio para Hu-Wen, bem como para seus sucessores, contudo, as condições
econômicas favoráveis da China na atualidade garantem, à exceção de intelectuais
críticos e alguns setores da mídia, um cenário politico estável com demanda reduzida
para essas mudanças, pelo menos momentaneamente; (ii) a despeito da taxa de
crescimento econômico anual média de aproximadamente 8,0%, ainda observa-se na
China problemas referentes à distribuição de renda, cuja paridade de poder de compra da
população apresenta distorções regionais e setoriais; (iii) da mesma maneira que o
crescimento econômico proporciona ganhos para o Estado chinês e para a sociedade,
contudo, George J. Gilboy e Eric Heginbotham (2006) destacam dois custos que serão
inevitavelmente cobrados da China no futuro, o efeito ambiental do crescimento elevado
e os custos humanos ligados a esse primeiro fator107. Seus discursos nos fóruns
internacionais são evasivos quando diz respeitos a esses temas; (iv) consequência
imediata do ponto anterior é o custo ambiental e a deterioração da qualidade de vida na
China industrializada, o Banco Mundial estimou que a poluição e a deterioração
ambiental podem consumir de 8 a 12% do crescimento do produto interno bruto chinês.
“This includes the impact on crops of acid rain and soil degeneration, lower yields of
aquatics products, medical bills, lost of productivity due to illness, relief funds for flood
victims, and so forth”108; e (v) as reestruturações do sistema financeiro nacional – em
parte colocadas em fase inicial durante a crise financeira global iniciada em 2007, tendo
seu auge em 2009 – a finalização do processo de abertura e a redução/eliminação das
distâncias ainda existentes entre as empresas públicas e as privadas, pendendo, na atual
conjuntura para o setor público. Contudo, uma das clausulas da OMC é que esse
equilíbrio seja atingido para que a liberalização do mercado chinês seja finalizado.
No capítulo que segue são apresentadas e avaliadas as reformas colocadas em
andamento na China, iniciando em Deng Xiaoping e tendo seu limite temporal o ano de
106
Lam (2006) e Lyrio (2010).
Observa-se que a China, ao contrário das publicações oficiais, ainda não dá a devida importância para a
questão ambiental e furta-se da discussão a respeito dos direitos humanos.
108
Retirado de The Great Wall of Waste, The Economist, august 21, 2004.
107
133
2008, sob o comando de Hu Jintao, contudo sem que esse tenha finalizado seu período de
governo.
Algumas considerações devem ser expostas a título de compilação das conclusões
parciais do capítulo que ora se encerra. A primeira delas diz respeito à posição de
Fairbank (2006) e Lieberthal (2004) quando ambos os autores referem-se aos ganhos
políticos e econômicos obtidos no período pós-Deng Xiaoping. Esses autores
argumentam que a transformação estrutural chinesa deveria trazer, acima de tudo, ganhos
políticos para a nação, superando inclusive os ganhos econômicos. A respeito dessa
afirmação, faz-se necessários dois contrapontos: (i) tal afirmação poderia conter mais um
componente de discurso que encerra uma pressão existente na literatura ocidental para
que a China engendrasse uma reforma política democratizando aos moldes do desejo
ocidental; (ii) uma preocupação com a capacidade expansiva chinesa, considerando seu
recursos, suas capacidades e sua trajetória de crescimento econômico regional e mundial.
Ou seja, há nesse discurso uma preocupação latente com a trajetória expansiva chinesa e
uma possível ameaça à estabilidade política e econômica mundial considerando a
evolução da economia chinesa associada a um modelo político diferenciado – distante
dos moldes ocidentais.
Conforme foi debatido no segundo capítulo da tese, soberania é um conceito caro
à China. Inserido na idéia de soberania, encontra-se a autonomia nas suas decisões
nacionais e o pragmatismo nas suas posições internacionais. Em todas essas situações
observa-se que o Estado-partido chinês preocupa-se prioritariamente com a concretização
das suas reformas em prol do desenvolvimento nacional, sendo esse o norte de suas
decisões internas e externas.
Ademais, observa-se que as reformas realizadas nos setores agrícolas (e área
rural) e nas empresas estatais chinesas visavam uma adequação parcial à práticas
capitalistas e objetivavam um aumento progressivo na produtividade e na modernização
operacional desses setores. Contudo, conforme foi observado, o sucesso foi parcial, visto
que em alguns momentos a participação do Estado nas esferas decisórias ainda causava
imperfeições no funcionamento desses setores e na maior concretização dos seus
mercados como mercados genuinamente capitalistas. Daí a relevância da nomenclatura
adotada por parte dos estudiosos do tema de capitalismo com características chinesas,
economia socialista de mercado e capitalismo sem democracia, sendo esse último mais
134
utilizado para os autores ideologicamente mais radicais na construção de seus
argumentos.
Contudo, entende-se aqui que tais reformas implementadas no setor rural e nas
empresas estatais tiveram fundamental contribuição no projeto de modernização da
economia chinesa e, por conseguinte, na trajetória realizada pela China frente seu projeto
nacional de desenvolvimento. E, tais reformas, considerando sua estruturação e sua forma
de adoção e implantação, contribuem com a argumentação presente nas premissas dessa
tese de que o modelo político e econômico chinês deu origem a um projeto de
desenvolvimento nacional singular, inviabilizando a sua conceitualização como um
“modelo” a ser seguido pelos demais países emergentes. Considera-se isso como certo,
pois as características do desenvolvimento chinês não são passíveis de reprodução,
originando um processo único.
Por fim, mas não menos importante, ressalta-se que diante do que foi exposto ao
longo desse capítulo, as modificações de liderança política aconteceram sem que os
objetivos macro do projeto nacional de desenvolvimento chinês fossem perdidos ou
esquecidos pelas novas lideranças. A despeito das características pessoais dos três
governantes pós Mao Tsé-tung serem distintas, a idéia de uma China em processo de
desenvolvimento esteve, a seu modo e intensidade, sempre presente, mesmo em períodos
mais conturbados, seja devido à circunstâncias políticas internas (o problema da Praça
Celestial) seja devido a ocorrências e perturbações de ordem internacional (as crises dos
países emergentes dos anos 90).
135
4 - Inserção Internacional da China e sua trajetória ao desenvolvimento: 1978-2008.
Para os fins deste capítulo, busca-se analisar o processo de inserção internacional
da China, muito marcado por seu processo de abertura econômica e como esta abertura,
associada às reformas implementadas desde a entrada de Deng Xiaoping no poder, foi
decisiva para o desenvolvimento econômico para o país. A seguir, tem-se uma breve
discussão a respeito de um segundo conceito complexo, seja de formulação seja de
sentido, a saber: desenvolvimento econômico. Faz-se então um esforço reflexivo de
debater o conceito para alcançar uma descrição que seja pertinente ao tipo de análise
almejada neste capítulo e ao caso específico de estudo. Posteriormente, faz-se uma
descrição cronológica do movimento de inserção internacional da China o qual se analisa
simultaneamente.
4.1 - Conceito de Inserção Internacional: desfazendo os nós conceituais.
Inserção Internacional não é um conceito simples de ser formulado, não há na
literatura de relações internacionais um consenso sobre um conceito único e sobre uma
uniformidade do processo. Poderia, de maneira simples e direta, dizer que o estudo da
inserção internacional diz respeito à análise de como um país exerce sua interação e
integração com o ambiente internacional. Ademais, pode-se levar em consideração seu
posicionamento diante as diversas agendas propostas pelos países e pelas inúmeras
organizações internacionais. Pode-se também avaliar as relações entre estes países,
parceiros ou não, consensuais ou discordantes, em diversos temas internacionais
relacionados às mais variadas áreas de debate, tais como a economia, a política, o social,
o ambiental e o jurídico. A origem dos fluxos de capitais, os processos de fusão e
aquisição empresarial que transcendem as fronteiras nacionais, os processos de
internacionalização das firmas domésticas, a participação do capital estrangeiro nas
empresas domésticas e vice-versa e o acompanhamento da evolução integrativa e
cooperativa em nível mundial fazem parte do amplo escopo do que se pode denominar
inserção internacional. Por fim, pode-se avaliar as decisões de política externa, a atuação
das instituições domésticas no mercado globalizado e integrado e as diversas ações e
reações em assuntos mais específicos tais como direitos humanos, fluxos migratórios,
políticas de segurança nacional e manutenção da soberania nacional, propriedade
136
intelectual entre outros temas possíveis e que eventualmente emergem à medida que o
cenário internacional vem torna-se mais complexo.
A formulação acima, conforme exposto, não visa um conceito fechado e
determinístico de inserção internacional. Porém vale lembrar que este esforço já foi
realizado em algum momento sob os auspícios do que se convencionou chamar de
Consenso de Washington. Segundo a visão (neo) liberal, há um receituário a ser seguido
para um adequado processo de estabilização econômica, inserção internacional e criação
de bases sólidas para o desenvolvimento de um país. Este receituário, proposto
inicialmente por John Williamson, passou a ser firmemente adotado e recomendado por
instituições internacionais, tais como Fundo Monetário Internacional, Banco Mundial e
pelos agentes decisórios de Bancos Centrais ao redor do Mundo, como um receituário de
sucesso no plano do desenvolvimento. O receituário recomendava as seguintes reformas,
ações e esforços no sentido de: (1) as economias deveriam ter uma disciplina fiscal, com
metas explicitas de obtenção de um superávit primário de vários pontos percentuais do
PIB e um déficit operacional (descontados os juros da dívida pública) de
aproximadamente 2 % do PIB; (2) direcionar de maneira prioritária e eficiente o gasto
público, associado com a implementação de reforma fiscal, aumentando-se a carga
tributária e cortando-se tributos marginais, buscando-se, simultaneamente, um maior
controle tributário; (3) liberalização do financiamento a partir de taxas de juros reais
positivas; (4) as paridades cambiais seriam determinadas pelo mercado, com mínima
intervenção estatal (sendo que preferencialmente este mercado deveria ser flutuante e
livre); (5) liberalização do comércio e do mercado de capitais, de maneira que o capital
estrangeiro tenha tratamento igualitário ao capital nacional e que passe a exercer um
papel relevante de complemento do financiamento da economia e dos investimentos
realizados; (6) privatização das empresas estatais e desregulamentação generalizada da
economia, buscando estabelecer as bases para o funcionamento de uma ‘perfeita’
economia de mercado. Pode-se observar da descrição acima que a proposta de inserção
internacional está diretamente atrelada a uma idéia de liberalização e abertura dos
mercados, o que se acredita nesta pesquisa ser uma visão míope de um processo de maior
magnitude.
A inserção internacional, caracterizada como um processo, não se resume ao
acima descrito, especialmente quando se observa um processo de inserção internacional
particular, de um país ou região, e que estes, singularmente ou em grupo, não constituem
137
um conjunto homogêneo, com características uniformizadas. O que se pretende elucidar
com a descrição acima é que a despeito de existir um modelo de inserção em um
ambiente político e econômico internacionalizado, a China adotou políticas distintas de
inserção conforme será observado abaixo. Tal afirmação não exclui a possibilidade de
uma nação adotar ou o acompanhar algumas das indicações do “modelo de sucesso”
proposto pelo Consenso de Washington, FMI entre outros. Porém, para o caso chinês não
há um modelo, mas sim uma construção da sua forma de inserção, que inclui ate mesmo a
experimentação e correção dos erros ao longo da trajetória.
Deve-se ainda compreender que inserção internacional não deve ser confundida
com outro processo em âmbito internacional, a saber: a integração econômica. O que não
quer dizer que a integração econômica não esteja contida nos objetivos e em um
movimento de inserção internacional, contudo, os conceitos são distintos.
Tem-se aqui que a integração econômica pressupõe a eliminação, direta ou
gradual, das barreiras existentes inibidoras da mobilização dos principais recursos
econômicos entre fronteiras nacionais. Tal ação visa o aumento do fluxo comercial entre
as nações, estimulando a diversificação produtiva e os ganhos de produtividade oriundos
dos incentivos influenciados pela concorrência. A literatura a respeito da integração
econômica destaca vários modelos que podem ser implementados de maneira gradual até
que se atinja um nível “completo” e harmonioso de integração entre as nações. Destacamse entre os mais conhecidos modelos a área de livre comércio, a união tarifária, o
mercado comum, o regionalismo aberto e a completa integração econômica. Ressalta-se
que não é o intuito deste capítulo debruçar-se sobre os diversos tipos e examiná-los a
fundo. É sim, fundamental demonstrar que a integração é parte integrante de um processo
de inserção internacional, bem como a adoção de políticas mais abertas no que concerne
às relações internacionais entre as nações. Por ser complexo, esse movimento de
integração econômica internacional constitui-se em decisões de âmbito político e
econômico, com vistas a aproximar as economias, mas, sobretudo, galgar novos ganhos
nas relações econômicas internacionais frente às novas possibilidades colocadas pela
economia mundial. Adiante no texto essa reflexão prossegue.
Para o caso chinês, observa-se que a integração, seja ela regional seja em âmbito
internacional, é parte integrante do seu projeto nacional de desenvolvimento. São
comprovações dessa relevância a importância da aceitação da China na OMC e sua maior
138
participação no fluxo de comércio mundial, além da aceitação (não inteiramente) de
regras para a realização de transações econômicas internacionais109.
Ainda, deve observar da mesma forma que decisões de política externa fazem
parte de decisões que podem privilegiar a inserção internacional, mas que certamente,
não podem ser confundidos com a idéia de inserção internacional. Considera-se aqui
política externa como o conjunto de objetivos políticos, posteriormente, mediante o
estudo da sua viabilidade, transmuta-se em um conjunto de ações políticas para atingir
determinados objetivos – econômicos, políticos, estratégicos, entre outros; que um
determinado Estado almeja alcançar nas suas relações com os demais países do mundo.
Para atingir tais objetivos, esse Estado lança mão de políticas específicas, tais como
militar, econômica, entre outras, posicionando-se diante de outros Estados em prol de seu
interesse.
Para este trabalho, adota-se um conceito de regionalismo aberto proposto por
Miyazaki (1996) o qual estabelece que, para o cenário existente entre os países asiáticos,
a integração poderia dar-se de uma maneira mais ágil e branda, pois não eram excluídos
das relações econômicas eventuais parceiros de fora da região e, ao mesmo tempo,
haveria uma redução tarifária gradativa entre os países da região, estimulando os fluxos
de comércio entre eles. Ainda conforme observa Miyazaki (1996), o conceito de
regionalismo não se adéqua perfeitamente ao propósito, porém leva em consideração a
relação de interdependência existente entre os países da região. Ainda, para que tal
processo aconteça da maneira menos traumática possível, deve-se cercar de organismos
internacionais ou regionais que têm a função de mediar as negociações, como foi o caso
da APEC – Asia Pacific Economic Cooperation. A APEC propõe, em linhas gerais, uma
liberalização unilateral, buscando sua máxima ampliação, a redução das barreiras
tarifárias, o incentivo à entrada de investimentos estrangeiros e a ampliação gradual desta
abertura, seguindo uma agenda que diferencia países mais avançados economicamente110
de países em período de estruturação de suas economias111. A conclusão obtida pelo autor
109
Deve ficar claro que a política cambial chinesa pode ser questionada por seus eventuais parceiros
comerciais, contudo, uma defesa interna para tal comportamento é que a política cambial está inserida no
rol de políticas econômicas que promovem em um primeiro momento, o crescimento econômico e,
posteriormente, o desenvolvimento. Ainda, a decisão de condução da política cambial é uma decisão de
política interna e autonomia dos Estados, cabendo a esses o calculo econômico e político das conseqüências
de suas decisões.
110
Países mais avançados economicamente são aqui compreendidos como àqueles que passaram por um
processo de desenvolvimento, associando uma avançada estrutura produtiva industrial, a uma estrutura de
formação de capital fixo sustentável.
111
Miyazaki (1996).
139
supracitado é que a institucionalização destas relações de abertura tem sido benéfica aos
países, fortalecendo a interdependência e a inclusão entre eles.
Neste sentido, torna-se também relevante não permitir aqui a ocorrência de uma
confusão conceitual na identificação de inserção internacional com a chamada
“globalização”. A globalização, como fenômeno, pode ser considerada tanto pelas suas
modificações estruturais ocorridas em um determinado cenário histórico cronológico,
quanto como um novo pano de fundo para as relações internacionais.
O Fundo Monetário Internacional – FMI – define a globalização como um
processo histórico resultante da inovação humana e do progresso tecnológico,
adicionalmente, o Fundo observa que o aumento da integração entre as economias ao
redor do globo, particularmente por intermédio das integrações e inter-relações entre os
sistemas financeiros, a evolução quantitativa dos fluxos de comércio, dos movimentos de
capitais e eventualmente, decorrente de acordos de maior envergadura, da mobilização do
fator de produção trabalho. Todas estas alterações ocorrem não desconsiderando as
fronteiras nacionais, mas ultrapassando-as com maior facilidade frente ao que era
observado no passado.
Scholte (2000) tem uma conceitualização mais complexa a respeito do mesmo
fenômeno. Segundo Scholte (2000) a globalização é composta por cinco conceitos
(níveis) diferenciados. O primeiro delas pode ser entendido como uma globalização
primária, sendo que na sua essência nada mais é que um processo ampliado de
internacionalização cujas relações globais encerram uma forte interdependência. O
segundo é a globalização que implica uma forte via liberalizante, especialmente, com a
remoção da mão do Estado de certas relações econômicas112. A terceira é aquela
globalização que unifica as culturas, particularmente, seja este tipo o modelo mais
passível de críticas visto que as particularidades culturais vêm sendo preservadas, o que a
pesquisa aqui realizada mostra um caso muito forte de preservação cultural. A quarta é a
globalização que influencia a disseminação de estruturas sociais modernas tais como o
capitalismo, o racionalismo, a industrialização entre outras, como processos sociais
aceitos como uniformes e adequados a todos os Estados nacionais, criando um desafio
significativo para as culturas nacionais no esforço de adaptação. Por fim, uma
globalização que considera a redução das questões geográficas, territoriais.
112
Uma crítica rápida pode ser colocada quando se observa que os poderes do Estado não foram removidos,
apenas instabilizados e o jogo de negociação e barganha entre Estado e setor empresarial tem-se
apresentado mais acirrado.
140
Esta síntese do conceito da globalização faz-se necessária para que se entenda que
a inserção internacional é um movimento distinto e independente da globalização. Ainda,
nada indica que a globalização seja mais ou menos responsável pelas estratégias de
inserção internacional dos Estados. O que se pretende aqui colocar é que inserção
internacional nada mais é do que a decisão, e conseqüente ação, de um Estado, em
‘inserir-se’ no mundo. E os Estados, historicamente, sempre estão se inserindo
independentemente de modelos ou de momentos conjunturais como globalização. Logo, a
mensuração é distinta, especialmente quando associada ao conceito de desenvolvimento.
Faz-se em seguida uma reflexão sobre o sentido do desenvolvimento, na qual se busca
uma compreensão da complexidade da sua conceituação e a explicação da forma com a
qual o desenvolvimento será utilizado nesse capítulo.
4.2 - O Sentido do Desenvolvimento Econômico.
O desenvolvimento da China, especialmente em sua face econômica, é
provavelmente um dos eventos mais intrigantes do final do século XX e início do século
XXI. Interpretá-lo e compreender sua extensão é um desafio para os pesquisadores da
área. Contudo, entender o significado e o sentido do desenvolvimento é uma tarefa
essencial para a devida compreensão deste processo em uma sociedade.
Uma vertente analítica afirma que as reformas implementadas a partir de 1978
seguiram uma ordem gradual, incrementalista e institucional. Para tal vertente, mais
importante do que o planejamento das reformas foi a interação entre os fatores positivos
econômicos e políticos em situações não previstas pelo Estado. Ou seja, partindo do
pressuposto que o desenvolvimento econômico é uma trajetória planejada pelo Estado,
agregando agentes em torno dos seus objetivos estratégicos, a ação desses agentes pode
caminhar para movimentos não previstos, mas que por força das circunstâncias podem
somar resultados positivos para o desenvolvimento de uma nação. Esta análise sublinha a
importância da pequena indústria rural, o regime dos contratos regulatórios dos preços
dos produtos agrícolas, marcados pela dualidade dos preços. Este caminho, em síntese, é
marcado por inovações institucionais adaptativas considerando a história e as
peculiaridades da China, argumento este corroborado aqui neste trabalho.
A outra vertente, originária do Banco Mundial, considera o alto crescimento
econômico da China como decorrente de fatores internos que anteriormente constituíam
focos de atraso tais como: problemas na acumulação de capital, baixo nível de renda per
141
capita, alta proporção de mão-de-obra rural, estrutura econômica descentralizada e grande
oferta de mão-de-obra a baixo nível de remuneração. Foi o processo de abertura da
economia chinesa que deu sentido ao processo de transformação estrutural da China. Fica
visível que esta visão é bastante determinística, simplificando muito as transformações e
as particularidades do modelo e da história política da China.
A significativa experiência latino-americana (e sua respectiva literatura) e a farta
literatura que continua sendo produzida internacionalmente sobre o tema induzem a
pergunta sobre que sentido pode-se atribuir à noção de desenvolvimento econômico.
Fernando Henrique Cardoso, em um artigo de 1994113, alertava para a constante confusão
gerada entre os conceitos de crescimento e desenvolvimento114. Essa parecia ter-se
dissipado com a complexidade e evolução dos estudos econômicos e sociais, porém
muito desta celeuma ainda pode ser encontrada na produção recente. Segundo Cardoso
(1995), o desenvolvimento na década de 60 confundia-se com o progresso material, com
o crescimento econômico. Este conceito para ele, e aqui corroborado, gera uma posição
simplista e determinista sobre o assunto. A análise mais profunda e acurada desta forma
de entender o desenvolvimento mantinha em segundo plano os resultados sociais do
desenvolvimento e consideravam a ocorrência destes como conseqüência dos ganhos
produtivos e materiais. Posicionando-se fora da posição dos ‘dependentistas’, Cardoso
(1995) expõe que a visão destes últimos é mais política, mais imbricada com o jogo
político e seus retornos sociais. Ainda segundo Cardoso (1995), o desenvolvimento
apresenta-se como um processo fragmentário e múltiplo. Deve agregar a evolução da
estrutura social, a equidade, a sustentabilidade e os ganhos humanos. A meu juízo, o
crescimento econômico é uma parcela constitutiva do desenvolvimento, entretanto, não
exclusivamente responsável e muito menos obrigatório na geração do desenvolvimento.
Uma segunda contribuição conceitual relevante pode ser obtida na produção da
historiadora do desenvolvimento socioeconômico, Irma Adelman. Segundo Adelman
(1988), pode-se elencar os principais fatores que contribuem para um processo de
desenvolvimento (econômico, porém em sentido amplo). Sua primeira constatação é que
o processo de desenvolvimento apresenta-se, na grande maioria dos casos estudados e em
diferentes épocas, como não-linear e como altamente multifacetado. Com esta premissa,
113
Cardoso (1995).
Ressalta-se aqui que este debate é antigo na ciência econômica, a escolha pelo texto de Cardoso (1992)
deve-se unicamente pela forma de tratamento de alguns debates complexos e que não teriam como ser
contemplados neste trabalho.
114
142
Adelman (1988) pretende dizer que o desenvolvimento é uma contribuição de fatores
atuando conjuntamente, tais como instituições, governo, e agentes privados focados em
processos contínuos de modernização, independentemente dos setores escolhidos para
puxar ou acelerar esta trajetória de desenvolvimento. Este processo de desenvolvimento
tem característica, sobretudo social, ou seja, transformações sociais são necessárias para
que a sociedade tenha condição de visualizar os ganhos obtidos pela transformação
econômica.
Sua segunda contribuição é a necessidade de uma transformação nas instituições,
não no sentido único e exclusivo proposto pela teoria institucionalista ou neoinstituicionalista, mas que estas devem compartilhar o objetivo de evolução proposto pela
administração central da economia e compartilhado com a sociedade. A existência do
mercado é fato dado bem como é a competição capitalista, logo os ganhos obtidos dentro
deste modelo tendem a ser concentrados. Portanto, torna-se função essencial para o
desenvolvimento que tais ganhos sejam eficientemente repartidos (equidade e
distribuição). Ainda no quesito instituições, Adelman (1998) deixa claro que a relevância
não é exclusividade das instituições nacionais (ou domésticas), mas deve ser repartida e
negociada com as instituições internacionais (que terão papel fundamental no movimento
de inserção internacional destas economias).
Sua terceira colocação é que, apesar do desenvolvimento contribuir e auxiliar na
aproximação produtiva entre os setores, pode haver a coexistência entre setores que
encontram maior dificuldade e outros mais dinâmicos inseridos no processo de
desenvolvimento. Para sanar ou auxiliar nesta transição complexa, deve haver a
participação do Estado como equalizador das distâncias entre os setores. Esta é uma
característica bastante visível nos casos recentes de desenvolvimento, principalmente nos
chamados países emergentes, onde se situam China e Brasil, por exemplo.
Assim, a proposta originada de Adelman (1988) coloca que os países que buscam
o desenvolvimento deveriam simultaneamente: (1) realizar investimentos sociais, na
estrutura física (infraestrutura) e institucional; (2) buscar a quebra de algumas
tradicionalidades (breaks down traditional societies, customary behaviour patterns and
sways of traditional cultures and leads to enlargement of domain in which marketoriented behavior guides economic activitiy); reduzindo a importância da economia de
subsistência e aumentando os estímulos a uma inserção econômica mais autônoma por
partes dos agentes envolvidos; (3) orientar a economia para a captação responsável de
143
capitais estrangeiros e para um processo de abertura comercial que respeite a ordem e o
timing destas ações (como abertura comercial e financeira em ordem adequada); (4)
orientar a industrialização considerando a dotação dos fatores produtivos e aprimorando
(ou reduzindo as limitações impostas pela produtividade dos fatores menos disponíveis.
Realizadas estas transformações, o que se segue seriam medidas de manutenção,
tais como: (1) aumento dos investimentos domésticos e de capitais produtivos
internacionais; (2) aumento da produtividade dos fatores de produção; (3) obtenção de
tecnologia externa e promoção do desenvolvimento interno de tecnologia; (4) redução das
tensões sociais e das distâncias distributivas; (5) governo e instituições envolvidas e
harmonizadas com o processo de desenvolvimento, buscando um equilíbrio
macroeconômico e evitando os obstáculos criados por corrupção e distorções sociais.
Destaca-se aqui que a concepção adotada neste estudo não pretende ser perfeita no
que se concerne à conceituação e classificação, mas sim estabelecer uma base reflexiva
sobre o que pode significar o desenvolvimento, especialmente, econômico e, adequado ao
caso aqui estudado, para um país que possui uma trajetória tão particular, oscilante e
conturbada ao longo de sua história. A forma aqui exposta adota um modelo de “soluções
abertas” no estudo do desenvolvimento, seguindo autores como Hirschman (1971) e Sen
(1988). Estes autores apontam o desenvolvimento como um conceito incompleto de
forma permanente no que se refere ao ordenamento dos seus fins, dadas as avaliações
divergentes quanto ao que se considera valioso promover.
O destaque acima apresentado torna-se relevante, pois a existência das chamadas
teses pós-modernas do desenvolvimento, colocam em dúvida alguns pontos supracitados
como significantes para o desenvolvimento socioeconômico. O pós-modernismo é, em
larga medida, a crítica de uma dada construção da modernidade, de um projeto de
modernização sobre o desenvolvimento e os aparatos correspondentes.
O desenvolvimento econômico pressupõe objetivos, especialmente, quando se
observa as estratégias dos países emergentes, como é o caso da China. Suas estratégias de
desenvolvimento constituem processos de modernização que expressam uma forma
particular de ver a transformação social associada à hegemonia econômica não
necessariamente visando a uniformização cultural115. É inevitável reter a idéia ocidental
115
Segundo essa perspectiva, a manutenção da particularidade cultural é o que dá origem a
posicionamentos em nome da defesa da soberania. A soberania não é compreendida, exclusivamente, como
um conceito associado à defesa, mas a manutenção das bases mínimas necessárias ao desenvolvimento de
uma nação.
144
de progresso em termos de uma concepção cumulativa de tempo e da perspectiva de
aperfeiçoar as condições materiais da sociedade em direção a um estado qualitativamente
melhor, mesmo que se evite preestabelecer caminhos e metas. Estabelece-se então aqui,
para fins explicativos e reflexivos que o desenvolvimento é um processo sustentável de
melhoria da qualidade de vida de uma sociedade, com os fins e os meios definidos pela
própria sociedade que está buscando ou vivenciando este processo.
Diante desta classificação, algumas observações devem ser expostas de maneira
sintética, pois não é da ordem principal do texto debater a epistemologia do termo nem
seu debate atual, mas são necessárias algumas observações no que concerne a sua
utilização prática, especialmente no cenário internacional. A primeira delas diz respeito
ao caráter intencional da política focada no desenvolvimento. Alguns agentes envolvidos
podem ser dotados de maior clareza dos objetivos e da longa trajetória que envolve tal
processo, ao mesmo tempo em que certos agentes são levados pela inércia, sendo mais
passivos participantes, porém passivos do processo. A segunda observação refere-se à
mensuração da qualidade de vida, pois devido ao seu caráter subjetivo, tal mensuração
não deve ser considerada como uma variável de resposta homogênea e uniforme. A
variedade da materialização e da diversidade do resultado ressalta a limitação da
mensuração e a dificuldade conceitual. Deve ser evidenciada a integração e inter-relação
entre economia e política aqui, pois são ambas partes integrantes indissociáveis e
constituintes da trajetória do desenvolvimento. Outra ressalva relevante é a profusão de
qualificações,
tais
como
subdesenvolvidos,
em
desenvolvimento,
emergentes,
desenvolvidos, altamente desenvolvidos entre outras. Na grande maioria das vezes, estes
conceitos possuem um grande coeficiente político e retórico em sua constituição o que
pode, por vezes, enganar o leitor mais desatento. No cenário internacional estes são
conceitos utilizados em demasia e cabe, portanto, ter cuidado. A denominação emergente
hoje vem da industrialização que se encontra em processo elevado e disseminado e pela
posição desta nação nos grandes debates e na atuação de agendas internacionais. A saída
da posição de pobreza pode também ser um instrumento conceitual, mas em cenário
internacional a posição política e econômica tendem a sobressair aos demais quesitos.
As observações e assertivas feitas nos dois tópicos anteriores são necessárias
considerando o intuito de introduzir e explicar o uso de dois conceitos relevantes para o
capítulo que segue, a saber: inserção internacional e desenvolvimento econômico. O foco
esteve em apresentar o sentido das palavras aqui utilizadas considerando o objetivo
145
analítico que será adotado no decorrer desse capítulo. Nos tópicos seguintes, estarão
presentes as discussões sobre a inserção internacional da China e da sua relevância para
seu projeto nacional de desenvolvimento e, posteriormente, apresentação da trajetória de
alguns dados econômicos, políticos e sociais, que nos possibilita fazer afirmações e
compreender a evolução da China nesses últimos trinta anos, considerando a limitação
temporal definida para essa pesquisa.
4.3 - Inserção Internacional e Desenvolvimento na China
Tem início no final dos anos 1970s a massiva, ativa e não esperada reviravolta
econômica chinesa. Nos trinta anos que seguem a morte de Mao Tsé-tung (1976), a
ascensão de Deng Xiaoping e implantação das suas reformas estruturais (1978), a
economia chinesa ganhou magnitude e, rapidamente, foi transformando-se em direção a
uma nova economia. A despeito de autores como Young (2003)116 afirmarem que o
crescimento da economia chinesa era prioritariamente extensivo (dado em função do
crescimento do volume de mão-de-obra e da maior utilização do espaço disponível no
país) observa-se que a China realizou saltos qualitativos importantes, conforme poderá
ser observado ao longo desse capítulo. Um exemplo dessa assertiva pode ser encontrado
nos indicadores do Banco Mundial que mostram um crescimento da produtividade do
trabalho na China – cresceu de 0,5 por ano no período pré-1978 para 3,8 por ano no
período 1987-2005.
Em termos políticos, Oliveira (2009:01) coloca que
“A aproximação com os Estados Unidos teve como pressuposto
básico a estratégia de redução da ameaça decorrente das
pretensões hegemônicas por parte da União Soviética (URSS).
De qualquer forma, a triangulação estratégica (Estados Unidos,
URSS e RPC) propiciou não só o aval para este reconhecimento
internacional, recuperação do locus anterior no Sistema ONU
(em especial o assento no CS/ONU), mas também o apoio para o
processo de modernização e reformas econômicas,
acompanhadas pelo ensaio de inserção econômica internacional
no mundo capitalista.”
116
YOUNG, Alvin. Gold into metals: produtivity growth in the People´s Republic of China during the
reform period. Journal of Political Economy, 111 (6), pp. 1220-1261, 2003.
146
O que se observa é que, anteriormente às reformas iniciadas em 1978, a taxa de
crescimento da China, mesmo sendo superior à dos EUA e da Índia117, ainda era inferior
à observada no Japão, seu isolamento econômico frente ao mercado mundial influenciava
no seu resultado comercial, seja na região seja para com o restante dos países do globo.
Sua taxa de comércio em proporção do PIB, que se situava próxima aos 10% antes da
reforma, subiu para níveis próximos de 63% em 2005118. Seu sistema de governo, além
de autoritário, era fechado e concentrava decisões econômicas importantes nas mãos de
pessoas com foco demasiado ideológico num projeto socialista. Passados um pouco mais
de meio quarto de século, a China apresenta-se com maior grau de abertura econômica,
menos centralizada em termos de decisões econômicas, com suas reformas no setor rural
iniciadas – ao seu modo –, com um novo modelo de gestão das empresas estatais, com
uma economia de mercado aceita pelos governantes e empresários nacionais, elevação da
competitividade interna e externa (em ambos os casos os resultados obtidos são
relacionados ao modelo pragmático e singular implantado pela China), receptáculo de
investimentos estrangeiros diretos e de inúmeras empresas multi-transnacionais e
apresentando uma taxa de crescimento contínua acima dos 8% ao ano.
Algumas dessas reformas já foram tópicos de discussão nos capítulos anteriores,
desse ponto em diante, foca-se nos ganhos econômico-sociais obtidos pela China nessa
trajetória, visto que se considera que esses resultados são parte integrante do projeto de
desenvolvimento nacional chinês e que, inevitavelmente, distingue a China dos demais
casos de nações emergentes. Inicia-se com as Zonas Econômicas Especiais, e,
posteriormente, busca-se a compreensão dos fatores que levaram a China a esse patamar
de crescimento e desenvolvimento, observando os componentes dessa trajetória única.
4.3.1 - As bases para a abertura na década de 80: as Zonas Econômicas Especiais
Como parte do processo de mudança, reforma e (re)estruturação da economia e da
política da China, iniciadas em 1978 com Deng Xiaoping, figurava como ponto relevante
117
Dados disponíveis no Banco Mundial e no Fundo Monetário Internacional. Parte da explicação desse
dado é devido a tendência à estagnação do crescimento econômico acima de um determinado nível e
período de crescimento. A teoria econômica do crescimento econômico, especialmente, de vertente clássica
e/ou neoclássica postula que a trajetória da taxa de crescimento de um país, considerando suas bases, segue
um rumo de elevado crescimento em sua fase inicial para, mais adiante, estabilizar sua taxa de crescimento
em um determinado nível chegando ao estado estacionário – steady-state.
118
Fonte: Banco Mundial, 2008.
147
o estabelecimento das bases para a abertura da China para o mundo119. Porém, sendo a
China um país com um vasto território e após anos seguidos convivendo com um sistema
planificado de condução econômica, parecia tarefa impossível para o país organizar sua
estrutura doméstica rapidamente e preparar-se, simultaneamente, para sua inserção ao
mercado internacional. É percebendo a relevância do objetivo de reorganizar-se
economicamente e iniciar um contato mais incisivo com o mercado externo que a China,
estudando e aprendendo com experiências internacionais, associando o modelo aprendido
à vantagem de um bom número de cidades costeiras, implantou as Zonas Econômicas
Especiais (ZEE´s)120.
Segundo Wu (2005) o estabelecimento das ZEE´s constituía-se em um esforço de
criar um clima microeconômico e político para a economia de mercado, para atrair capital
estrangeiro, tecnologia, inserir novos modelos de gestão e, sobretudo, criar na China um
setor industrial orientado para a promoção de um desenvolvimento via aumento das
exportações121. Contudo, deve-se deixar claro que esta estratégia está inserida em um
contexto amplo de promoção do desenvolvimento pela industrialização, que teria setores
voltados para o fornecimento interno de produtos e para a exportação como forma de
atração de divisas para sustentar as compras externas que alimentariam em sentido
expansivo a estruturação e funcionamento da atividade produtiva na China.
119
Opening to the world, segundo o original em ingles.
As principais ZEE´s da China são constituídas inicialmente pelas cidades de Shenzhen, Zhuhai, Shantou,
Xiamen e a região de Hainan. Todas essas cidades estão bem localizadas em regiões costeiras e próximas a
grandes rios da China. Os principais setores industriais são indústria eletrônica, mecânica, química e sua
produção industrial é orientada, principalmente, para a exportação. As empresas instaladas nestas regiões
são normalmente empresas de capital misto, tendo participação do capital estrangeiro e do governo
chinês. Ver quadro 1.
121
Vale observar que atingir o mercado externo é parte das reformas implementadas e constitui estratégia
fundamental para que a China utilize de maneira eficiente a economia de mercado, ou seja, faça uso do que
lhe é válido do capitalismo, a sua maneira, conforme discutido no capítulo 3 dessa tese.
120
148
Quadro 4.1 Ordem cronológica da implantação das ZEE´s na década de 1980
Período
Política
Maio de 1980
Deng Xiaoping decide (e obtém a
aprovação) para a implementação de
políticas econômicas especiais voltadas à
abertura e flexibilização da legislação para
o processo de abertura. As primeiras
províncias afetadas por esta decisão são
Guangdong e Fujian.
Agosto de 1980
São estabelecidas as ZEE´s em Shenzhen,
Zhuhau, Shantou e Xiaman. Estas seriam
áreas
experimentais
e,
segundo
declarações do governo chinês, deveriam
ter seu foco voltado para a exportação. O
objetivo era a criação de regiões ou áreas
econômicas destinadas à produção de
mercadorias para a exportação, tendo
como guia as demandas conjunturais do
mercado mundial. Neste período já eram
utilizadas políticas tarifárias com a
finalidade de auxiliar na consolidação
destes complexos exportadores.
Maio de 1984
Por decisão central, outras 14 cidades
costeiras passariam a adotar e ser
beneficiadas pelo sistema de ZEE´s:
Dalian, Qinhuangdao, Tianjin, Yantai,
Qingdao,
Lianyungang,
Nantong,
Shanghai, Ningbo, Wenzhou, Fuzhou,
Guangzou, Zhanjiang e Beihai. Neste
período,
empresas
estrangeiras
e
investidores estrangeiros já recebiam
tratamento especial para sua entrada como
produtores.
Fevereiro de 1985
As regiões do delta dos rios Yangtze, do
Pearl e do Triângulo XianmenZhangzhou-Quanzhou; e as penínsulas de
Jiaodong e de Liaodong passam a ser
regiões econômicas abertas.
Abril de 1988
É estabelecida a ZEE na região de Hainan.
Fonte: Wu (2005). Elaboração própria.
Considerando a ordem cronológica exposta no quadro 1, pode-se inferir que a
condição geográfica chinesa constituiu-se em fator relevante para a escolha das cidades
privilegiadas pela fase inicial das ZEE´s, portanto, também relevante para o processo de
abertura. Pois além de uma larga região costeira, a existência de grandes rios com cidades
próximas auxiliou bastante no movimento de escoamento da produção que ora se
149
destinava à exportação. Observa-se também um sério esforço do governo chinês para
fomentar e, posteriormente, tornar-se um pólo de referência produtiva e exportadora da
região asiática. Os ganhos dessa construção serão observados com maior facilidade nas
décadas posteriores quando a China, apesar de não ser este o discurso do Estado chinês,
passar a funcionar como motor econômico do crescimento da região.
Ainda, dá-se nesse período o início das operações de joint-ventures conduzidas de
uma forma diferenciada. O governo chinês faz parte dos interessados na negociação,
como agentes econômicos e não apenas como instituição reguladora das uniões
empresariais. Outra importante contribuição da implantação e funcionamento das ZEE´s é
a atração de capital estrangeiro, criando um efeito multiplicador para além das regiões
especiais, mas, sobretudo, exercendo uma influência positiva nas demais regiões do país,
inclusive aquelas nas quais suas atividades econômicas ainda permaneciam
majoritariamente agrárias.
Segundo Wu (2005),
“these regions played a key role in connecting inland China with
the international market. Enjoying their unique position as
gateways to outside world, these coastal open regions could fully
play the role of connecting the inside of China to the outside
world, and vice versa. By absorbing foreign capital, technology,
and management, and developing export trade, these regions
could gradually develop and strengthen themselves; then, they
could gradually transfer foreign capital, technology, and
management skills to inland regions so as to promote
development there, as well. In addition, the SEZs (ZEE´s) and
coastal open regions also daringly explored new economic system
and operating mechanism, thus accumulating experience, setting
up models, and providing references for economic system reform
in the whole nation; they became the testing ground for reform
(WU, 2005: 297)”.
O que deve ser observado em todo este processo de abertura, reforma e inserção
internacional, especialmente em sua fase inicial, aqui determinada como a década de 80,
é que o resultado positivo é soma de diversos fatores que impulsionaram a China para que
essa obtivesse um crescimento econômico em níveis elevados e que tal crescimento
proporcionasse uma evolução em seus indicadores de desenvolvimento122.
Destacam-se aqui cinco fatores que colaboraram para o resultado positivo da
década de 80, a saber: (1) a condução pragmática das reformas econômicas, (2) a adoção
122
Chow (2007). A descrição destas reformas encontra-se no capítulo 3 dessa tese.
150
do modelo de experimentação e de adequação ao longo do processo de implantação; (3)
em grande parte do período houve um mútuo apoio entre governo, partido e população
para a implementação das reformas; (4) a estabilidade política, conforme tratado no
terceiro capítulo desta tese e, (5) a capacidade de (re)estruturação da mentalidade política
econômica dos líderes chineses, políticos, empresários, tendo como exemplo especial
Deng Xiaoping, mas também as gerações de líderes chinesas posteriores, conforme pode
ser visualizado no capítulo 3.
4.3.2 - Expansão da abertura na década de 90: aspectos políticos e sua influência na
estratégica chinesa de abertura para o exterior
Desde o final dos anos 70, a proposta do governo chinês era expandir o processo
de abertura econômica. Essa intenção tornou-se mais vívida e notória nos anos 90. Sua
diplomacia encontra-se focada nos princípios de independência, autonomia, e na
manutenção da paz, com um foco determinado e ativo nos Cinco Princípios de
Coexistência Pacífica. Todo planejamento chinês esteve sustentado em seu projeto
nacional de desenvolvimento. Dentre seus objetivos figurava o estabelecimento de um
ambiente interno mais estável, somado a um cenário internacional mais amigável que
contribuísse para a realização das Quatro Modernizações123.
Após um período de distanciamento, a China e os EUA estabeleceram no início de
1979 as suas relações diplomáticas. Deng Xiaoping teve um importante papel nessa
aproximação e na redução do isolacionismo chinês. Nos 10 anos posteriores, segundo
Duqing (1990), houve um aumento considerável das relações sino-americanas, com
visitas diplomáticas dos principais dirigentes dos dois países e com um incremento nas
relações econômicas entre ambos. Segundo Duqing (1990: 04),
“A cooperação econômica entre os dois países tem aumentado
consideravelmente, até o ano de 1989, o investimento direto
americano na China passou a ordem dos US$ 3 bilhões. O
intercâmbio no campo científico-tecnológico tem-se efetuado em
base de benefício próprio. Na área cultural e educacional, a
China mandou quase 40 mil estudantes para estudar naquele
país. Há também intercâmbio nos setores militares. Os dois
123
Núcleo da estratégia de desenvolvimento que buscava transformar a China em uma nação relativamente
avançada até o fim do século XX, as Quatro Modernizações dizem respeito à agricultura, indústria, ciência
& tecnologia, e defesa nacional. O conceito elaborado no terceiro plano qüinqüenal (1966-1970) foi
lançado com entusiasmo por Zhou Enlai no IV Congresso Nacional do Povo em 1975, mas foi apenas em
dezembro de 1978 no 3º Plenário do Comitê Central do XI Congresso Nacional do Partido que a estratégia
das Quatro Modernizações foi adotada como a linha oficial do Partido Comunista Chinês.
151
países têm dezenas de províncias (Estados) ou cidades que
estabeleceram relacionamento de irmandade.”
Complementando o acima exposto, Zhao (1997: 125) faz a seguinte observação:
“A discussion about China regional-oriented foreign policy and
the nationalism behind that policy would be incomplete without
mentioning the United States, because of this superpower´s
immense impact on the area. … The most recent major downturn
in Sino-American relation took place after the Tiananmen
incident of 1989, when the two sides regarded each other as the
major ideological threat. This downturn has serious implications
for all three major fields of bilateral relations: political,
economic, and strategic.”
O que se pode perceber da afirmação de Zhao (1997) é que a aproximação entre
os países caminhava com relativa estabilidade até o incidente da Praça Celestial. Outra
conclusão que se pode retirar da citação acima é que essa relação, mantida estável, trazia
benefícios para a China no cenário internacional. Tanto que no início da década de 90, a
China volta à sua proposta de manutenção das relações com os EUA, ficando marcado
pela recepção em 1991 do então Secretario de Estado norte-americano James Baker. A
percepção, em termos estratégicos, dos políticos chineses foi que tal visita obteve sucesso
nos seus propósitos, reduzindo alguns dos grandes desacordos existentes entre as nações.
Contudo, não se pode deixar de ressaltar que o desacordo no que concerne à
questão de Taiwan permanecia. Segundo Deng Xiaoping em um discurso proferido em
1994124 apontou que o principal obstáculo para as relações entre EUA e China residia na
questão de Taiwan125.
No que se refere à questões econômicas, algumas questões que envolviam a
quebra de certas propriedades intelectuais fizeram parte da agenda na década de 90.
Contudo, ainda segundo Zhao (1997), a entrada da China na OMC reduziu os problemas
entre os países “forçando” a China a se adequar a alguns critérios econômicos de ordem
internacional. A conclusão retirada dessa relação entre China e EUA é que tanto um lado
quanto o outro começaram, ao longo da década de 90, a reconhecer a importância da
estabilidade em suas relações em âmbito internacional. A meu ver, na década de 90, a
abertura econômica e a interdependência dos mercados, trazem uma maior consideração
124
The Priciples of Peaceful Coexistence Have a Potentially Wide Applications.
Essa questão torna-se mais séria, ou talvez encontre seu ponto mais crítico em 1996, quando
Washington envia para a região seu dois maiores porta-aviões – o Independence e o Nimitz. Pequin reagiu a
essa atitude dura de Washington de maneira mais incisiva ainda, trazendo suas peças de guerra para mais
próximo de Taiwan.
125
152
nas atitudes externas de ambos os países. A economia passa a ser o fiel da balança, com o
nível de interdependências entre as nações aumentando continuamente a favor da
manutenção da estabilidade nas suas relações políticas.
Na esteira desse movimento, a China estreitou suas relações diplomáticas com
diversos países do terceiro mundo e usou a luta contra o comportamento hegemônico
como bandeira nas relações internacionais126.
Já no que concerne às suas relações com a URRS, observa Duqing (1990), havia
no cenário entre as duas nações, uma proposta de “continuação e aprofundamento do
processo de terminar com o passado e abrir o futuro das relações sino-soviéticas”. Na
verdade, tratava-se de uma postura no sentido de aumentar suas relações com a URRS
dentro dos princípios de coexistência pacífica. Já no final da década de 80 havia a
percepção de que as economias chinesas e soviéticas apresentavam um coeficiente de
complentaridade, bastava agora estabelecer politicamente uma diplomacia cooperativa
para que os países estreitassem suas relações. Na década de 90 fica mais perceptível um
esforço de cooperação em algumas áreas, tais como: energia, transporte, agricultura,
silvicultura e produção de bens de consumo, entre outras.
Zhao (1997) observa que na década de 90 houve por parte da China uma alteração
na sua percepção no que diz respeito ao reconhecimento da relevância soviética na cena
internacional. O autor ressalta que o colapso do império soviético e da ideologia
comunista afetaram profundamente tanto a política interna quanto externa chinesa. Uma
das consequências da redução do ‘poder’ soviético no cenário internacional na década de
90 foi fazer com que a China preocupa-se com sua maneira específica de manter a
ideologia socialista. Outra consequência citada por Zhao (1997) refere-se à questão
militar, com o fechamento de acordos de cooperação entre os países em nível mais
igualitário entre as nações. Economicamente, o estranho é observar a declaração de
autoridades russas afirmando que estes estudavam a economia chinesa para identificar
complementaridades e para analisar as possibilidades abertas para ambos os países em
termos econômicos e comerciais127.
126
A China trata como objetivo básico da sua política exterior, segundo Duqing (1990), combater o
hegemonismo, defender a paz mundial, desenvolver a cooperação amistosa com todos os países e promover
a prosperidade econômica conjunta.
127
No futuro próximo, já nos anos 2000, a Rússia irá declarar a importância comercial da China para a
Rússia, seja na complementaridade comercial seja no estabelecimento de parcerias nos setores tecnológicos
(conhecimento e tecnologia nuclear), militares e na troca de oferta de produtos básicos (essencialmente
alimentos).
153
Houve, no mesmo período, o reconhecimento pelos dirigentes de ambos os países
que seus modelos eram distintos, o que facilitava a negociação entre esses, a partir do
momento que ambos acordaram que visavam aperfeiçoar o sistema socialista, cada qual a
sua maneira e de acordo com suas capacidades internas.
Ainda pode-se observar que tal discurso tinha como intuito apoiar e,
simultaneamente, sugerir um debate a respeito de uma nova ordem econômica mundial,
aproximando a China dos demais países do terceiro mundo, numa tentativa até certo
ponto bem sucedida de estreitar os laços diplomáticos e unificar um discurso de inserção
e inclusão desses países numa agenda internacional mais ampla. Sabe-se que durante esse
período o cenário dos países do terceiro mundo vinha passando por complicações
políticas e, sobretudo, econômicas. Mas era fundamental tanto para a China um
fornecimento de produtos primários quanto para os países endividados do terceiro mundo
ter sua receita de exportação elevada pelas vendas a um país como a China128.
Internamente, não se pode deixar de mencionar que é exatamente a partir de 1992
que Deng Xiaoping obteve o apoio oficial do PCC e o apoio dos governadores das
províncias costeiras. Apoio esse que foi essencial para a grande viagem de Deng
Xiaoping pelas províncias costeiras do país.
“Deng Xiaoping, in his South China tour in 1992, made an
important speech, pointing out that Shanghai had significant
advantages in terms of human resources, technology, and
management. Besides, Shanghai could generate influence in the
Yangtze River Valley, which was the largest highly industrialized
region in China. On both banks of the Yangtze River were
comprehensive industrial bases with a high degree of
specialization in Shanghai, Nanjing, Wuhan, and Chongqing,
among others. (WU, 2005: 298)”
Como já foi ressaltado anteriormente, na promoção da política estratégica de
abertura econômica e maior integração à economia política internacional chinesa, Deng
Xiaoping adotou, de 1982 a 1989, independência e paz como guias da política externa
chinesa. Esse comportamento se enquadra na estratégia de Duli Zhizhu De Heping
Waijiao - independência e diplomacia pacífica. Tendo em vista que em 1989 a China
128
Os anos que seguem à década de 90, segundo Becard (2009), o discurso chinês na política externa
priorizava o discurso em prol dos países subdesenvolvidos e em desenvolvimento. Tal discurso tornou-se a
principal ferramenta para que esses países desfavorecidos economicamente aceitassem a política chinesa
como aliada e contrária às regras e leis impostas pelos países desenvolvidos e órgãos internacionais que
compunham o mainstream economic. O discurso favorável à cooperação entre esses países, a despeito de
estar paralelo à proposta de agenda multilateral, reforçava a cooperação sul-sul
154
teve que lidar com as críticas mundiais e as sanções econômicas decorrentes da condução
do governo chinês às consequências e repercussões do protesto da Praça de Tiananmen,
associado com a sucumbência da URSS e o fim do comunismo na Europa, a política
estratégica chinesa passou por alguns ajustes. De 1989 a 1995, o comportamento externo
chinês passa a ser guiado pela estratégia do Taoguang Yanghui – adoção de um low
profile –, na qual a China perseguia um menor grau de exposição pública para não
perturbar o andamento da política de modernização chinesa. É uma forma de proteção do
seu projeto nacional de desenvolvimento, postergando, temporariamente, sua estratégia
mais ‘agressiva’ de inserção internacional. Tudo isso, vislumbrando seu projeto, tendo
como pano de fundo a percepção de que a utilização da economia de mercado era
primordial para o sucesso da sua estratégia de desenvolvimento econômico. Assim, o
objetivo dessa estratégia era evitar confrontos e buscar cooperação com aqueles países de
característica semelhante no que diz respeito à posição política e econômica
internacional129.
A cooperação e parceria com outras potências mundiais foram estimuladas após
1995, pela estratégia do Shijie Duojihua – multipolarização mundial. A China acreditava
que com a promoção da multipolarização, as outras potências mundiais poderiam
enxergá-la como um possível parceiro e, dessa forma, seria incentivada e promovida a
cooperação entre esses países. Essa estratégia estava calcada em três pilares: não
formação de alianças bilaterais envolvendo as grandes potências; a não-confrontação
política; e uma postura de não enfrentamento e acirramento do debate com atores
envolvidos nas agendas de high politics. (FRANKLIN, 1998). Dessa forma, a
multipolarização mundial favorecia o estabelecimento de um melhor ambiente para a
condução da política de modernização da China.
Dentro da política estratégica de abertura econômica e maior integração à
economia política internacional, a China procurou não incorrer novamente nos erros do
passado, como a aliança com a URSS; a oposição aos EUA; e a confrontação nas duas
frentes que a levou ao isolamento. Entrelaçando essa rede [os três pilares], a China
conseguiu alcançar uma posição favorável entre as grandes potências no contexto da
busca pela primazia no século XXI (Zemin Jiang apud Franklin, 1998:15).
As relações entre os EUA e a URSS influenciaram os rumos de desenvolvimento
da economia chinesa. Para se entender os resultados alcançados pela China é preciso
129
Franklin, 1998, p. 14. Países da América Latina, África e países fronteiriços na região da Ásia-Pacífico.
155
olhar para dois momentos distintos da política internacional – a ordem bipolar
caracterizado pela Guerra Fria e o pós-Guerra Fria com a extinção da URSS –, pois a
política estratégica internacional chinesa com relação aos EUA foi fundamental para o
sucesso chinês na promoção do crescimento econômico.
Em 1971, a China entrou na Organização das Nações Unidas e, em 1972, as
relações sino-japonesas foram restabelecidas. A relação com o Japão permanece na
intenção de manter uma relação diplomática pacífica conforme a Declaração Conjunta e
do Tratado de Paz e Amizade, contudo, sabe-se que tal relação ainda precisa ser bastante
trabalhada pelos dois lados, dado a existência de conflitos de interesses entre os países.
Além da suspensão dos embargos econômicos – resultado da reativação das
relações com os EUA –, a China abandonou as taxas fixas de cambio, promovendo uma
desvalorização significativa do Yuan frente ao dólar; descentralizou as decisões de
comércio exterior para empresas e autoridades provinciais; e removeu gradualmente as
barreiras nos preços, deixando o comércio mais suscetível às forças de mercados; bem
como criou as zonas especiais para a promoção do comércio internacional130. Como
resultado, a década de 1970 mostrou-se um ponto de inflexão na inserção chinesa na
economia política internacional.
Conforme mostra Maddison (1998), o volume de exportação chinesa dobrou de
1970 a 1978 sendo que tais exportações passaram a ter uma participação cada vez maior
no produto interno bruto chinês. Não mais isolada, a China buscou nos investimentos
externos diretos uma fonte de transferência de tecnologia e nos empréstimos de médio e
longo prazo uma complementação à poupança doméstica131. Apesar da aparente ênfase
econômica, a década de 70, marcada pelo pragmatismo chinês e pelas mudanças na
política externa – reconhecimento pela comunidade internacional ocidental, retorno ao
seu espaço na ONU e no Conselho de Segurança da ONU, definição da Teoria dos 3
Mundos -, pode afirmar que o período supracitado é também ponto de inflexão na
dimensão política.
Gonçalves (2010) observa que o incidente de Tiananmen em 1989, além de causar
a queda de Zhao e sua substituição por Li Peng, acabou por impulsionar o lançamento de
dois planos econômicos, ambos com um escopo temporal de cinco anos, cujos objetivos
fundamentais eram:
130
131
Maddison, 1998
Idem.
156
“(1) the overall policies, objectives and diretion of economic
development; (2) the creation of measures to correct the actions
of Market, i.e. a regulatory framework to prevent the formation of
monopolies and barriers to trade while simultaneously promoting
wealth distribution and job creation; (3) the fixing of objectives
for the construction of infrastructure and for public sector
investment (GOLÇALVES, 2010: 18).”
Ainda, segundo Golçalves (2010), constavam como reformas prioritárias na
década de 90: (i) no que se refere às empresas públicas, melhoria do sistema de
responsabilidade contratual, a separação das taxas sobre os lucros dos ganhos totais e, a
gradual transformação das empresas estatais em empresas organizadas da foram de jointstocks; (ii) no que tange à propriedade das empresas, observa-se a separação da
propriedade e a função de gestor da empresa, profissionalizando e elevando a
independência na gestão/decisão das empresas, descentralização tal gestão em níveis
regionais e setoriais; (iii) sistema de controle de preços que ajustava os preços ao nível do
mercado, mesmo sob um certo controle por parte do ordem administrativa do Estado; (iv)
a gestão macroeconômica deveria focar-se na regulação e institucionalização das
atividades econômicas de forma a facilitar a manipulação das variáveis macro; (v) no
campo da seguridade social, substituiu-se o sistema de equalização de salários e de
aposentaria vigente por uma sistema baseado de co-responsabilidade no pagamento das
aposentadorias entre Estado e empresas (empregadores) e (vi) redução dos subsídios à
exportações (formais)132 e, simultaneamente, promove-se a cooperação horizontal entre
empresas, Estado e empresas estrangeiras.
Para expor uma contribuição de origem diversa, Demurger et al (2002: 17),
observam que,
“The acceleration in the opening-up process in 1992 led to an
inflated number of so-called open economic zones, set by local
officials without proper authorization. Besides the official policy
launched by the State Council, the 30 provinces, as well as
hundreds of counties and townships, started to formulate their
own preferential policies for foreign investments in specific
“development zones”. As a consequence of this “zone fever”
there were around 2.000 open economic zones of various kinds at
and above the county level by 1993 (and probably even more
below the county level), offering tax exemptions and reductions of
all sorts in order to attract investment. Following the
implementation of the austerity program in 1993, most of these
132
Permanece a política cambial que mantem a taxa de câmbio desvalorizada.
157
unapproved zones have been closed, and regional policies have
tended to equalize over (at least up to 2000)”.
O que os autores estão ressaltando e é comprovado pela avaliação empírica
econômica, é que o investimento direto estrangeiro teve um impacto direto no
crescimento da economia chinesa. Ao ser associado à entrada de capital (carteira), ambos
acabam provendo a economia doméstica com um surto competitivo. De um lado, as
empresas internas, de propriedade do Estado, mistas ou privadas, de outro as empresas de
capital estrangeiras elevando sua produtividade, demonstrando o efeito da concorrência.
Outro ponto importante é que a elevação da produtividade reduz a importância do
componente extensivo no fluxo de crescimento da economia.
Em uma conclusão parcial de tudo o que foi acima descrito, pode-se observar uma
ordem temporal na política de abertura chinesa, tendo início em 1978, cujas questões
prioritárias residiam na concepção de uma abertura, a aceitação de determinadas práticas
capitalistas e o primeiro ensaio do processo de abertura econômica chinesa. A partir de
1992, as decisões internas, conjugadas a um cenário internacional favorável, a adoção de
políticas em prol da elevação dos coeficientes de abertura, a ampliação das
modernizações desenhadas na década de 80 e a derrocada da URSS, observa-se um salto
quantitativo e qualitativo da abertura chinesa. Mais adiante, com a ascensão da China à
OMC, fecha-se um ciclo que culmina na aceitação da China pelos demais membros
econômicos internacionais, representando o ciclo negativo composto por pressão externaconstrangimento-dependência-negociações condicionadas e desfavoráveis por parte dos
principais países do eixo desenvolvido, sobretudo os Estados Unidos.
De fato, o atual desempenho de sucesso da china na economia internacional, com
elevadas taxas de crescimento econômico devido a sua inserção internacional (ver Tabela
4.1 e Tabela 4.2), pode ser melhor compreendido se, como sugere Medeiros (1999), o
processo chinês de industrialização colocado em curso a partir de 1978 por Deng
Xiaoping for dividido em duas etapas: a primeira etapa correspondendo à reaproximação
das relações entre China e Estados Unidos nos anos 70 e se estendendo até 1991; a
segunda datando da extinção do Bloco Socialista Soviético até os dias atuais133.
133
Observa-se aqui que a exposição dos dados referentes ao século XXI são meramente para fins
comparativos com os dados da década de 90 que serão exposto logo em seqüência.
158
TABELA 4.1 - TAXA DE CRESCIMENTO DO PIB CHINÊS (TOTAL E SETORIAL) - em %
ANO
2000
2001
2002
2003
2004
2005
PIB
0.8
7.5
8.3
9.5
9.5
9.9
AGRICULTUT(R)A
2.4
2.8
2.9
2.5
6.3
5.2
INDÚSTRIA
9.2
8.5
9.8
12.7
11.0
11.0
SERVIÇOS
9.1
8.4
8.5
7.9
8.5
10.4
Fonte: Asian Development Bank, 2008.
TABELA 4.2 - INDICADORES DE COMÉRCIO EXTERIOR – em % do PIB
TOTAL DE
ANO
COMÉRCIO
2000
43.9
2004
69.8
2005
63.9
Fonte: Asian Development Bank,
2008.
BALANÇA
COMERCIAL
2.2
1.9
4.6
TRANSAÇÕES
CORRENTES
1.9
4.2
7.2
Conforme Medeiros (1999), na primeira etapa, os EUA facilitaram e
incentivaram as exportações chinesas e a China aproveitou a oportunidade tendo em vista
que os americanos atendiam seus interesses de contenção da antiga URSS, de extensão de
soberania sobre seu território e de modernização da economia doméstica. Nesta etapa,
considerações estratégicas levaram os EUA a darem importância secundária às
características políticas e institucionais da China.
O posicionamento geopolítico no confronto entre as superpotências, EUA e
URSS, foi decisivo para arrancada das exportações chinesas. O restabelecimento de
relações diplomáticas, nos anos 70, pôs fim ao embargo econômico e a China teve acesso
ao mercado internacional de bens e de crédito. Os EUA logo se afirmaram como
importante parceiro comercial da China e concederam-na, em 1979, o tratamento de
Nação Mais Favorecida134. Em 1980, a China também integrou o Fundo Monetário
Internacional e o Banco Mundial, e em 1986, passou a ser membro do Banco Asiático de
Desenvolvimento.
Dada a expansão das exportações e o acesso a credito em condições favoráveis,
a China conseguiu implementar um programa de importação de máquinas e
equipamentos, necessários para a modernização da indústria pesada, sem prejudicar o
crescimento da indústria leve e da agricultura. Nos anos 80, a China, assim como os
134
Tratamento esse que não se constitui definitivo e necessita de renovação anual para sua manutenção.
159
demais países asiáticos, se beneficiou do crescimento japonês que desvalorizou o câmbio
das economias regionais. O capital produtivo japonês se deslocou para as economias
regionais acelerando o investimento direto e comercial nesses países. O extraordinário
crescimento econômico da China nos anos 80 se deve aos canais de comercialização que
mantinha com Hong Kong e Formosa. Os fluxos de investimentos nesses países eram
voltados para os setores intensivos em mão-de-obra, em especial para têxteis e calçados;
exatamente os setores em que a China desfrutava as maiores quotas de exportação nos
países da OCDE135. Assim, o crescimento das exportações chinesas se deve à
reexportação por meio de Hong Kong. No final da década de 80 e início dos anos 90, os
investimentos diretos mudaram seus destinos para o continente. O crescimento do
mercado interno e as condições especiais das Zonas Econômicas Especiais atraíram
empresas americanas, japonesas e européias para a China.
Com o fim da Guerra Fria inicia-se a segunda etapa e os EUA começam a ver o
sucesso chinês como uma ameaça. Sendo assim, os americanos passam a buscar a
contenção econômica e política da China. Considerações sobre direitos humanos, regime
de partido único, ideologia comunista, etc., passaram a fazer parte da retórica norteamericana no intuito de convencer os demais países ocidentais a apoiarem as políticas
defendidas pelos EUA, que dificultavam uma maior integração da China à arena
internacional. Na década de 90, questões relativas a Direitos Humanos, partido único e
valores asiáticos, entre outros, passaram a compor a retórica americana de críticas à
economia asiática, mas não exclusivas à China. Tudo indica que o objetivo dos EUA era
desestruturar a economia japonesa e, por isto, algumas hipóteses de que EUA utilizou
também a China como instrumento para atingir o Japão, como fizera antes com a URSS.
Com o fim da ameaça ao capitalismo, os EUA mudaram as atitudes de
favorecimento à China. Logo, a China já havia conseguido alcançar uma estrutura
econômica respeitável – grande receptor de investimento estrangeiro direto, participação
significativa no comércio internacional, e detentora de enorme reserva internacional (ver
Tabela 4.3). Assim, o dinamismo chinês em atrair capitais estrangeiros tem conseguido
contrabalançar as políticas comerciais e diplomáticas norte-americanas prejudiciais à
China136. Conforme mostra Maddison (1998), desde 1991 a China vem recebendo fluxos
intensos de investimentos externos diretos e, após entrar para o Banco Mundial e para o
Banco Asiático de Desenvolvimento, o país se tornou um dos maiores tomadores
135
136
Medeiros, 1999.
Ver Medeiros, 1999.
160
mundiais de empréstimos. No entanto, a dívida chinesa não representa fonte de muita
preocupação, pois a China possui uma ampla reserva internacional e o perfil de sua dívida
é de médio e longo prazo. Quanto ao comércio exterior, as exportações chinesas, assim
como seus parceiros comerciais, sofreram significativa diversificação (ver Tabela 4.4 e
Tabela 4.5).
TABELA 4.3 - INDICADORES DOS FLUXOS DE MERCADORIAS E CAPITAIS
CHINESES
ANO
IED¹
Em US$ milhões
RESERVAS
INTERNACIONAIS
Em US$ milhões
EXPORTAÇÕES
Variação anual – em %
IMPORTAÇÕES
Variação anual – em %
BALANÇA
COMERCIAL
Variação anual – em %
1994
30876.9
--
--
--
--
1995
32658.8
947935
23.0
14.2
209.6
1996
35872.3
946253
--
--
--
1997
39661.8
982041
--
--
--
1998
38608.8
925364
--
--
--
1999
47633.6
953363
--
--
--
2000
43536.5
972252
--
--
--
2001
56452.6
994150
6.8
8.2
-6.5
2002
37939.8
1117214
22.4
21.2
34.9
2003
56640.0
1371584
34.6
39.8
-15.3
2004
42686.6
1739537
35.4
36.0
26.0
2005
--
1935911
28.4
17.5
217.9
Fonte: Asian Development Bank.
¹ Fluxo Líquido de Investimento Externo Direto
TABELA 4.4 - DIREÇÃO DO COMÉRCIO EXTERIOR CHINÊS – em % do total
PAÍS/ANO
ASIA
EUROPA
AMÉRICA DO NORTE E
CENTRAL
ORIENTE MÉDIO
AMÉRICA DO SUL
ÁFRICA
OCEANIA
RESTO DO MUNDO
Fonte: Asian Development Bank.
EXPORTAÇÕES DE BENS
1990
2005
67,7
42,9
14,7
21,7
IMPORTAÇÕES DE BENS
1990
2005
48,4
42,5
24,1
14,6
10,0
24,5
15,8
9,1
2,3
0,4
1,9
0,9
2,1
3,2
1,5
2,1
1,7
2,3
0,9
2,0
0,5
2,8
5,5
4,9
3,4
3,0
2,7
19,7
A China vem apresentando um superávit estrutural na Balança Comercial em
suas relações com o exterior, esse saldo verifica-se, especialmente, em suas trocas com
161
Hong Kong e com os EUA; embora em suas relações com o Japão e Europa ocidental o
saldo se revele negativo (ver Tabela 4.5).137
TABELA 4.5 - COMÉRCIO EXTERIOR COM OS PRINCIPAIS PARCEIROS
ESTADOS UNIDOS
HONG KONG
JAPÃO
CORÉIA DO SUL
ALEMANHA
1990
1995
2005
5.314
24.744
163.348
27.163
36.004
124.505
9.210
28.466
84.097
433
6.688
35.117
2.062
5.672
32.537
1990
1995
2005
8.47
16.61
21.43
43.28
24.17
16.33
14.67
19.11
11.03
0.69
4.49
4.61
3.29
3.81
4.27
1990
1995
2005
6.591
16.123
48.995
14.565
8.599
12.232
7.656
29.007
100.468
236
10.288
76.874
2.980
8.035
30.668
1990
1995
2005
12.25
12.20
7.42
27.07
6.51
1.85
14.23
21.95
15.22
0.44
7.78
11.64
5.54
6.08
4.65
12.598
27.405
112.273
1.554
-541
-16.371
197
-3.600
-41.757
-918
-2.363
1.869
EXPORTAÇÕES
Em US$ milhões
Em % do total
IMPORTAÇÕES
Em US$ milhões
Em % do total
SALDO
COMERCIAL
Em US$ milhões
1990
-1.277
1995
8.621
2005
11.4353
Fonte: Asian Development Bank.
Maddison (1998) ressalta que a China tem mostrado uma resistência cultural em
importar grãos e cereais dos norte americanos. A lembrança dos anos de embargo
econômico faz com que a China recorra à Austrália e Canadá sempre que há a
necessidade de importação de grãos e cereais. Assim, a atitude chinesa reforça a
tendência desfavorável na balança comercial americana em suas relações com a China e
incentiva as críticas dos norte-americanos às praticas comerciais chinesas, nessa segunda
fase. No entanto, embora os EUA tenham sido os mais ávidos críticos da entrada da
137
Maddison, 1998.
162
China na Organização Mundial do Comércio (OMC), a China, indiretamente, passa a
integrar a instituição em 1997138 com a retomada negociada do controle sobre Hong
Kong, sob domínio britânico por mais de 150 anos139. Fica a título de ressalva final que
foi de grande valia para a China concluir as negociações bilaterais para reaver Hong
Kong. Tais negociações foram marcadas por uma série de concessões feitas pela China
para que pudesse contar com o apoio dos interessados no contencioso.
4.4 – A inserção chinesa pós-2000 e a influência no desenvolvimento econômico
chinês
O processo de inserção internacional da China, a partir do ano 2000, e seu
consequente desenvolvimento sócio-econômico guardam íntima relação com as reformas
iniciadas em 1978. Todavia, vale ressaltar que ao final dos anos 90, a China apresenta um
salto quantitativo e qualitativo na sua evolução econômica e social. Segundo Brandt e
Rawski (2008: 09)
“Chinese evidence encourages us to think of a hierarchy of
desirable features that support growth … These growthenhancing conditions are not equally important. In China, partial
measures affecting incentives, prices, mobility, and competition –
what we might term ‘big reforms’ – created powerful momentum,
which easily dominated friction and drag arising from a host of
smaller inefficiencies associated with price distortions, imperfect
markets institutional shortcomings, and others that retarded
growth and increased its cost but never threatened to stall the
ongoing boom.”
O que foi observado até então nesse trabalho é que, além da abertura, tem
importância nessa trajetória a reforma do setor rural, marcando a substituição do sistema
comunal140 para um sistema de responsabilidade familiar. Essa modificação, inicialmente
considerada como simples, teve conseqüências relevantes, tal como a elevação da
produtividade dessas pequenas e locais empresas bem como o início do o processo de
adoção do livre mercado pelos demais empresários nacionais. É certo que tal ação
atingiria o setor empresarial (industrial). Logo o modelo existente para as state-owned
138
Deve-se ressaltar que comércio internacional com Hong Kong não significa relações comerciais com a
República Popular da China.
139
A adesão da China na OMC ocorre, de fato, em 2001. Todavia, como Hong Kong já era membro da
OMC, a partir de 1997 a China passa a integrar a instituição quando retoma o controle da ilha.
140
Colleticve farming
163
enterprises não mais atendia o interesse tanto da China como do mercado interno e
externo. Essas, até então ‘fechadas’, passam a requisitar uma maior disponibilidade de
equipamentos e matérias-primas para que seu setor produtivo não se posicionasse em
nível distante do restante da produção (em níveis de inovação, tecnologia, uso de
insumos) mundial. Portanto, o modelo de preços chinês não mais cabia para esse nível de
economia de mercado. Influenciada por tal mudança, o isolacionismo chinês não mais
fazia sentido nem considerando seu projeto de desenvolvimento nacional e muito menos
frente ao cenário globalizado encontrado, principalmente, após a década de 90.
As Zonas Econômicas Especiais (ZEE´s) têm um papel importante nessa
trajetória: são as ZEE´s que incentivam a China (empresários e Estado) a mover-se em
direção do livre mercado e à internacionalização comercial. As ZEE´s, associadas com o
aumento da produtividade, aumento extensivo do uso dos fatores produtivos, impuseram
à China uma escolha diretamente derivada do processo de abertura, a saber: a China
precisava de informações, mais insumos produtivos, de geração de conhecimento, de
tecnologia, da elevação do acesso aos bens e serviços por parte de sua população, de
investimentos em educação, P&D e de novas técnicas produtivas. O cenário era
favorável, contudo, a China deveria estar preparada para tirar proveito desse cenário.
Brandt e Rawski (2008) afirmam que o fator concorrência teve importância
crucial nessa trajetória.
“the combination of entry and new flexibility has intensified
competition within China´s economy. Competition is in many
ways the opposite of planning, which attempts to reduce economic
uncertainty by pairing suppliers with customers and specifying
the nature of future transactions. Under competition, such links
arise as unpredictable results of decentralized selection. …
reform has pushed China´s economy toward extraordinarily high
levels of competition. Despite pockets of monopoly and episodic
local trade barriers, intense competition now pervades everyday
economic life. [and] the growth of markets and the expansion of
competition, mobility, and price flexibility invite participants to
pursue financial gain by capitalizing on market opportunities
(BRANDT e RAWSKI, 2008: 14)”.
Dentre as diversas modificações estruturais e de cenário ocorridas nos anos 2000s,
pode-se destacar a entrada da China na Organização Mundial do Comércio – OMC, ponto
que será analisado adiante. Posteriormente, cabe verificar a evolução dos indicadores
qualitativos da evolução da China em cenário internacional e de seus dados internos.
164
4.4.1 - A entrada da China na Organização Mundial do Comércio e suas
conseqüências no movimento de inserção internacional e no seu projeto de
desenvolvimento
A República Popular da China foi admitida na OMC – criada em 1994/5 (como
sucessora do GATT) – em dezembro de 2001. Além de fortalecer e consolidar a
dimensão global da OMC, a entrada da China, segundo os analistas conjunturais do
período, gerou mudanças estruturais em sua economia e modificações profundas no
comércio mundial, em meio ao processo de globalização em curso.
Anteriormente à sua entrada na OMC, durantes os anos 80 e 90, pode-se observar
que a China havia iniciado seus esforços para incrementar seu fluxo de comércio.
Entretanto, tais esforços permaneciam circundados de imperfeições e distorções que
afetavam todo o fluxo comercial chinês. A despeito da abertura econômica iniciada em
1978, a China ainda fazia uso intensivo de barreiras tarifárias que visavam a proteção do
seu setor industrial nascente. Contudo, para seus vizinhos e para o restante de seus
parceiros comerciais, essa prática não era bem recebida, obviamente, pois restringia a
entrada de produtos importados no país, fazendo da China um vendedor de ações
unilaterais. As transformações em seu regime de comércio foram graduais a partir da
década de 80, mas pouco foi observado em termos efetivos para o comércio chinês. O
salto nos resultados é realmente visto após a década de 90, devido à modificação do
regime para a importação de produtos e entrada de empresas estrangeiras.
Segundo Branstetter e Lardy (2008: 637),
“by the mid-1980, China´s had two trade regimes – a very open
one for foreign firms and domestic enterprises engaged in export
processing and a more restrictive trade regime for all other
enterprises. Feenstra (1998) called China´s trade regime an
example of ‘one country, two systems’ and claimed that the
maintenance of special privileges for export-processing firms was
contrary to both the letter and spirit of WTO rules.”
Os mesmos autores acima destacam que tal regime pode trazer problemas para
uma economia, estes são basicamente dois: o fechamento ou modelo diferenciado pode
gerar além da distorção produtiva, uma redução do bem-estar dos agentes visto os custos
elevados para acesso a determinados bens (problema que foi paulatinamente sendo
resolvido com a industrialização interna e com o acirramento da abertura, principalmente
pós-OMC) e a falta de mensuração do grau de proteção pode causar dependência de um
regime restritivo que quando colocado frente a um maior nível de abertura provoca
165
perdas nos setores industriais protegidos dados a forma de entrada da concorrência e a
desestabilização dos preços relativos141.
Da mesma forma, afirmam Branstetter e Lardy (2008: 637),
“In practice, it is clear that the authorities have never been able
to separate China´s two trade regimes as completely as the letter
of the law would suggest. Substantial quantities of parts and
components imported on a duty-free basis have been illegally sold
in the domestic market, and there have been substantial illegal
sales in the domestic market of goods embodying duty-free
imports. In addition to leakage into the domestic market of goods
imported under the export-processing regime, there has been a
significant degree of outright smuggling, much of it via Hong
Kong.”
Mesmo assim, no dia 10 de novembro de 2001, a Organização Mundial do
Comércio aprovou, após quinze anos de negociações, o ingresso da República Popular da
China142. Decorridos um mês após este dia, tornara-se a China membro efetivo da
entidade. A análise que foi feita à época era que tal aceitação representaria para a China,
demais países membros da OMC (à época eram 142 países) e para o restante da economia
global um marco no processo de abertura econômica. A legitimação de um novo
concorrente no mercado internacional que vinha demonstrando fôlego extenso para
competir no mercado internacional.
A entrada da China na Organização Mundial do Comércio – OMC – representa o
cumprimento de uma etapa do seu processo de inserção internacional e, por conseguinte,
do sucesso na implementação de um conjunto de ações e políticas que colocasse fim ao
seu isolacionismo. Rodeia esta admissão na OMC a percepção dos últimos líderes
chineses de que o fim da sua política de isolacionismo traria bons resultados paras as
economias ocidentais bem como para a China, sobretudo, fortalecendo seu projeto de
desenvolvimento.
141
Caso semelhante pode ser observado no Brasil no período mais acentuado do processo de abertura
implementado pelo governo de Fernando Collor de Mello. Problema esse que foi agravado no período FHC
com a valorização cambial e a elevação da taxa de juros interna.
142
As negociações para a aceitação da China duraram cerca de 15 anos. O país teve que cumprir todos os
requisitos impostos pela OMC, tais como fornecer e atualizar seus dados e informações de mercado
periodicamente, negociar compromissos e concessões nas áreas de bens e serviços – bilateralmente a cada
um dos países membros – trabalhar em negociações multilaterais referentes às regras que iriam reger seu
comércio com o mundo.
166
Segundo um estudo encomendado pela CNI, coordenado por Lia Valls (2005)143,
ressaltando pontos relevantes a respeito da entrada da China na OMC, devem ser
observados três grandes grupos de questões144. O primeiro deles trata de disposições
gerais, parte integrante do acordo para qualquer país-membro da OMC. Isso significa que
a China deveria aderir a todos os acordos do GATT-1994, que inclui as regras sobre o
comércio de mercadorias, investimentos e propriedade intelectual e ao GATT. Note-se
que todos os membros da OMC estão sujeitos a uma avaliação de suas políticas
comerciais Trade Policy Mechanism Review (TPMR)145. A periodicidade dessa avaliação
é determinada conforme o grau de desenvolvimento do país e pode variar, em geral, entre
dois e seis anos. No caso da China, foi criado um mecanismo especial multilateral para
examinar e monitorar, anualmente, o cumprimento dos compromissos assumidos pelo
país (Transitional Review Mechanism), com operação prevista para oito anos após a
assinatura do acordo, seguida de uma revisão final no décimo ano.
Ainda segundo Valls (2005), um segundo grupo de disposições do protocolo trata
de exigências relativas à administração do regime de comércio, e inclui: (i) o
requerimento de administração uniforme, que supõe a aplicação das disposições da OMC
a todo o território chinês; (ii) o conhecimento e a notificação das Zonas Econômicas
Especiais, cujo tratamento na área fiscal e na esfera de outras medidas aplicadas às
importações deve ser estendido a todo o território chinês; (iii) a aplicação do princípio da
transparência; e (iv) a disponibilidade de mecanismos judiciais que garantam o
cumprimento do acordo. Este último ponto estabelece que a China deva criar tribunais e
procedimentos para a rápida avaliação de demandas relativas ao não-cumprimento do
acordo. Para tanto, o fórum judicial deve ser constituído de forma imparcial e funcionar
independentemente das agências responsáveis pela implementação das regras do acordo.
Deve-se observar que a eficácia da inclusão dessa cláusula é duvidosa, pois quando se
143
O objetivo do Estudo era entender as conseqüências da entrada da China na OMC e seus reflexos nas
relações comerciais com o Brasil.
144
Em seu texto, Valls (2005) apresenta grupos secundários que não serão citados aqui a menos que
mereçam observações devido a sua relação com o objetivo do texto.
145
The Trade Policy Review Mechanism (TPRM) was introduced into GATT in 1989 following the MidTerm Review of the Uruguay Round. The mechanism was confirmed as an integral part of the WTO in
Annex 3 of the Marrakesh Agreement establishing the World Trade Organization. Before 1995, trade
policy reviews were restricted to trade in goods. In conformity with WTO rules, since 1 January 1995
reviews have also covered new areas like trade in services and intellectual property rights. The purpose of
the TPRM is to "contribute to improved adherence by all Members to rules, disciplines and commitments
made under the Multilateral Trade Agreements and, where applicable, the Plurilateral Trade Agreements,
and hence to the smoother functioning of the multilateral trading system, by achieving greater transparency
in, and understanding of, the trade policies and practices of Members". (GATT, 1947) e OMC (2009).
167
considera que a forma de julgar ações é influenciada pela tradição jurídica e cultural de
cada país, a singularidade chinesa afeta o resultado da ação. No entanto, mantem-se a
opção pelo uso do mecanismo de solução de controvérsia da OMC para questionar se a
China está cumprindo ou não tais regras do acordo.
Por fim, mas não menos importante, o terceiro grupo de disposições do protocolo
trata de questões que visam assegurar a eliminação explícita de práticas de comércio
específicos da China que são incompatíveis com as regras da OMC.
Dentre estas, destacam-se: (Valls, 2005)
a) A aplicação do princípio da não-discriminação, ou seja, a revogação de medidas e
práticas discriminatórias contra produtos importados ou empresas estrangeiras, às quais
deve ser garantido tratamento não menos favorável que o aplicado a empresas chinesas;
b) A harmonização com as regras do GATT de todos os acordos especiais de comércio
com terceiros países ou territórios aduaneiros.
c) A garantia progressiva (em até três anos após a entrada no órgão) a todas as empresas
situadas em território chinês (chinesas ou estrangeiras) do direito de comercializar todos
os produtos, salvo algumas exceções (ver anexo II do Protocolo), em todo o território da
China, incluindo-se aí o exercício das atividades de importação e exportação. No mesmo
prazo de três anos, todas as empresas poderão também oferecer serviços relacionados à
distribuição de produtos (vendas a varejo e no atacado) no território chinês, guardadas
algumas exceções;
d) O compromisso de que as transações realizadas pelas tradings estatais estejam de
acordo com as regras da OMC e sejam transparentes em termos de critérios de preços e
quantidades comercializadas – a China ainda comprometeu-se a divulgar as informações
a respeito dos mecanismos de determinação de preços utilizados pelas suas empresas
estatais;
e) O estabelecimento de um cronograma para eliminação progressiva de barreiras nãotarifárias (BNTs) tais como: quotas, licenças de importações e requisitos especiais para
importações, a eliminação de condicionantes na distribuição de licenças de importação,
quotas/quotas tarifárias, assim como a aprovação de direitos de importação ou de
investimento e o compromisso de que proibições e restrições à importação/exportação e
exigências de licenças sejam aplicadas apenas por autoridades nacionais ou subnacionais
autorizadas;
168
f) A não-interferência nos mecanismos de formação de preços, de forma que o preço de
todos os bens e serviços transacionados com o exterior resulte da operação das forças de
mercado. Isso inclui a eliminação de práticas duais na formação dos preços. Há exceções
a esse critério (para consulta vide anexo IV do acordo);
g) O compromisso de notificar todo e qualquer subsídio, assim como de eliminar todas as
formas de subsídios às exportações inconsistentes com as regras da OMC, já no momento
da acessão;
h) O compromisso de que encargos e taxas aduaneiras, impostos internos, incluindo
imposto sobre valor agregado, estejam de acordo com o GATT (1994). Impostos sobre
exportação devem ser eliminados ou aplicados de acordo com o artigo VIII do GATT.
Permanecendo as exceções do Anexo IV;
i) A garantia de aplicar as disposições contidas em sua lista de concessões e
compromissos, assim como as do Acordo sobre Agricultura. Nesse contexto, a China
comprometia-se a não manter nem introduzir quaisquer subsídios à exportação de
produtos agropecuários. Comprometia-se ainda notificar transferências fiscais, ou de
outra natureza, praticados entre empresas estatais do setor agrícola com outras tradings
estatais do setor agrícola. Nesse ambiente, a China limitava os subsídios para produtos
agrícolas a 8,5% do valor de sua produção, patamar inferior ao limite de 10% permitido
para os países em desenvolvimento pelo Acordo sobre Agricultura da OMC;
j) O compromisso com a redução de barreiras técnicas ao comércio. Para tanto,
regulamentos, normas técnicas e procedimentos para avaliação de conformidade devem
ser publicados em fonte oficial e estar em linha com o acordo da OMC que regula a
matéria, garantindo, em particular, o princípio do tratamento nacional para produtos
importados;
l) O compromisso de notificar à OMC, em um prazo de 30 dias após a adesão, todas as
leis, regulamentos e demais medidas relacionadas ao campo das medidas sanitárias e
fitossanitárias.
Observa-se aqui que ainda foram destacados no acordo pontos sobre propriedade
intelectual e práticas de dumping146.
146
Para consulta: IDB - Inter-American Development Bank. The emergence of China: opportunities and
challenges for Latin American and the Caribbean, 2004. UNITED STATES TRADE REPRESENTATIVE.
Report to Congress on China’s WTO compliance. Disponível em: <www.ustr.org>. Acesso em: maio de
2011.
169
Cabe notar, a despeito do ganho esperado pela China com esta entrada, deveria o
país respeitar algumas condições colocadas à sua entrada. Segundo Wu (2005),
“China´s commitments upon the accession are mainly in two
areas: one is to accept the WTO rules and to revise relevant
Chinese laws and regulation according to these rules. China´s
accession to the WTO has further shown to the domestic and
international communities that to establish an open market
economic system is the committed policy of Chinese government
(WU, 2005: 319)”.
Estes compromissos, em suas linhas gerais, diziam respeito à adoção de uma tarifa
às importações que fosse compatível com as relações comerciais mundiais, sem que esta
se configure em uma política protecionista. Firmas estrangeiras teriam permissão de
venda de seus produtos diretamente no mercado chinês e os setores de telecomunicações
e financeiro deveriam ser abertos à competição estrangeira. O que se pode observar das
contribuições de Wu (2005) e Valls (2005) é que as modificações teriam efeitos nos mais
diversos setores da economia chinesa, passando, inclusive, pela burocracia do Estado
chinês. Para tais demandas, a China propôs uma agenda de modificação tarifária
contemplando de maneira diferenciada seu setor rural e seu setor industrial. A redução
para os produtos agrícolas veio efetivamente em 2004 e a agenda para a modificação
tarifária para os bens de consumo duráveis e não duráveis contempla um espaço temporal
de cinco anos.
A percepção de Chow (2007) é que a entrada da China para a OMC trouxe efeitos
relevantes para a economia e estrutura da China. Desde a sua admissão na OMC, houve
uma pressão para que o país reduzisse suas tarifas à entrada de produtos agrícolas e
manufaturados, permitindo ainda que empresas estrangeiras tivessem acesso a alguns
setores até então bastante protegidos. Dentre as mudanças estruturais, Chow (2007) inclui
a tendência à redução da distância e da importância relativas entre os setores privados e
públicos (state and nonstate sectors). Ainda esperava-se, como de fato concretizou-se, a
redução da importância relativa do setor agrícola na composição do produto nacional e o
simultâneo crescimento do setor industrial e de serviços, sendo este último o de maior
crescimento no período pós-entrada na OMC. Dentro do setor de serviços, esperava-se o
crescimento de dois setores fundamentais para a inserção internacional da China, a saber:
o setor financeiro – tendo a presença de uma maior participação internacional e o setor de
telecomunicações, agindo, em alguns casos em parceria com o Estado para elevação da
oferta de serviços.
170
Segundo Chow (2007),
“one can expect the relative decline of the state sector compared
with the nonstate sectors and a possible increase in the efficiency
of Chinese enterprises as tariffs are lowered, foreign firms enter
the Chinese market, and they are subjected to more foreign
competition. … Tertiary industry is expected to increase its
share of GDP partly as a result of China´s entry into the WTO.
The stimulus to the domestic service industry provided by foreign
competition and expected foreign investment in this industry will
lead to more rapid growth than otherwise. The high-technology
component of the manufacturing sector will increase in
importance partly because of expected increase of foreign
investment. The domestic manufacture of consumer durables –
especially automobiles – will suffer from the increase of imports,
while increased foreign investment in the automobile industry will
help increase domestic production of automobiles. The net effect
is likely to be a slower growth in the domestic automobile
industry because domestic producers will not be able to produce
automobiles of the same quality as cheaply as the competing
imports. The expected growth in both the services and the
manufacturing sector will lead to a further decline in the share of
agriculture, but this will take place even without entry into the
WTO (CHOW, 2007)”.
Chow (2007) tem razão em suas colocações restando, contudo, algumas
qualificações. De fato, a eficiência foi elevada devido o contato dos setores industriais
chineses com a competição internacional. Entretanto, a capacidade de aprendizagem dos
chineses foi surpreendentemente rápida a ponto de reduzir os possíveis danos que
poderiam afetar o setor industrial (a abertura normalmente gera um período de adaptações
no setor industrial que pode eliminar alguns concorrentes do mercado). O que houve,
como explica a teoria econômica que debate processo de abertura (comercial e
financeira), foi um processo de aprendizagem e competição que permitiram a China a
elevar seu patamar de oferta interna, acirrando a competição sem, contudo, apresentar
prejuízos ao setor industrial e de serviços, muito devido a sua população e suas carências
(e futuramente demanda) por setor de produtos e serviços.
De forma geral, segundo análise da CNI de 2005 sobre os efeitos e conseqüências
da entrada da China na OMC, alguns pontos e questões relevantes são destacadas como
essenciais para observação e acompanhamento, dentre os quais147:
147
PEREIRA, Lia Valls, FERRAZ FILHO, Galeno Tinoco. Brasília: CNI, dezembro de 2005.
171
a) Como membro pleno da OMC, o país passou a ser obrigado a disciplinar as suas
relações comerciais, segundo as regras multilaterais. O não-cumprimento dessas regras
tornou o país, como qualquer outro membro da OMC, sujeito a sanções comerciais no
âmbito do mecanismo de solução de controvérsias. O longo histórico de nãotransparência de algumas práticas comerciais próprias do mercado chinês estaria, em
princípio, interrompido e/ou fortemente atenuado;
b) A entrada da China na OMC foi precedida de negociações que resultaram em uma
substancial redução do protecionismo comercial do país. A tarifa média consolidada da
China fixou-se em 10%. Em adição, o país procedeu a uma ampla abertura do seu
mercado de serviços. Logo, a combinação de regras estáveis e previsíveis no âmbito da
OMC com o processo de abertura significou, em princípio, o surgimento de novas
oportunidades nos campos do comércio e dos investimentos no mercado chinês;
c) As decisões da OMC são obtidas pela formação de consensos. A entrada da China, um
país com peso importante no comércio mundial, influenciou os processos de formação de
tais consensos, tradicionalmente associados ao QUAD (Estados Unidos, Japão, União
Européia e Canadá);
d) O acesso da China à OMC é parte de uma estratégia mais geral do governo chinês que
objetiva aumentar a presença do país na economia mundial, o que engloba a elevação dos
investimentos diretos chineses no exterior. Esse último elemento fortaleceria a
internacionalização das principais empresas chinesas, ao mesmo tempo em que permitiria
à China assegurar fontes de suprimento de matérias-primas e produtos agrícolas
necessárias para preservar o elevado ritmo de crescimento econômico do país.
Havia na economia chinesa certa inércia em determinados setores, tal como o
bancário, que foi minorada pela entrada da competição estrangeira. O que se pode retirar
da entrada da China na OMC, principalmente para seu desenvolvimento industrial e para
seu projeto de desenvolvimento, é que a exposição a esta competição acelerou o
aparecimento dos resultados das reformas iniciadas em 1978, com Deng Xiaoping.
Ainda, a modernização objetivada quando do início da implementação das reformas em
1978 passou para um nível superior, forçando também uma modernização do sistema
legal e atualização das práticas comerciais chinesas. De acordo com a observação de
Chow (2007) “the impact on legal institutions includes changes in formal institutions and
laws, and to some extent in the legal behavior of the Chinese people”.
172
Destaca-se aqui ainda três pontos, levantados por Chow (2007), a respeito de
conseqüências relacionadas à entrada da China na OMC. A primeira delas está
relacionada ao efeito no Partido Comunista Chinês. Segundo o autor, “the party has
provided China with political stability and a unified government, and has led China
through successful economic reform of the inefficient economic institution of 1978”. Sua
segunda observação é a respeito do efeito positivo direcionado na implementação ou
reforço das instituições com características mais democráticas. Chow (2007) inclui: “(i)
the changing worldview of political leaders in China and (ii) the changing environment
in which the leaders exercise their political power”. Os novos líderes chineses passaram
a estudar os negócios internacionais, debatendo inclusive a melhor forma de negociar e
trabalhar o comércio com o ocidente. A mudança no ambiente político colocou em
desuso velhas práticas de manipulação da mídia148, visto o leque de possibilidades aberto
pelo maior acesso a informações sobre a sociedade internacional. A terceira observação
do autor tem um coeficiente mais simbólico, pois a entrada na OMC torna a economia
chinesa mais conhecida para a comunidade internacional, projetando uma imagem que
destacava o potencial de mercado da China e as possibilidades que surgem aos players
externos e internos.
Em suma, a entrada da China para a OMC, considerando seus termos de entrada,
contribuiu para o processo de inserção internacional da economia chinesa, reforçando os
objetivos das reformas implantadas desde o início do período de Deng Xiaoping e
acentuando as possibilidades de inclusão da China no cenário internacional, ponto
integrante relevante do projeto de desenvolvimento nacional chinês.
Segundo Branstetter e Lardy (2008), devido ao acesso da China à OMC, o fluxo
de comércio da China com o mundo, a concorrência e competitividade, a produtividade e,
conseqüentemente, os resultados econômico-sociais da China foram multiplicados. Entre
os pontos fundamentais os autores supracitados destacam que, com a abertura ao
comércio externo, empresas foram incentivas a entrar no país. Tal entrada elevou o fluxo
de capital estrangeiro. Ainda motivou a concorrência entre as empresas na China, o que
determinou a adoção de um padrão de desenvolvimento que continha na sua base o
componente inovação e geração de conhecimento, fundamentais para a evolução de
dados sociais importantes como educação e rendimentos salariais. A troca de manufaturas
elevou não apenas o fluxo comercial da China, mas também demandou investimentos dos
148
Não completamente, o controle da mídia ainda existe, mas com objetivos distintos.
173
empresários locais, o que, segundo a teoria keynesiana, faz com que o modelo de
crescimento seja sustentado por um tempo maior e apresente maior dinamismo. Se
levarmos em consideração uma análise schumpeteriana, temos presente na economia o
agente do dinamismo econômico: o empresário inovador.
A entrada na OMC demandou um maior grau de abertura que, segundo Branstetter
e Lardy (2008),
“make China´s economy the most open of any large developing
country, and, to date, China has reasonable progress toward
meeting her obligations. … Developments in Chinese trade and
investment have generally conformed to patterns of Chinese
comparative advantage, yielding important benefits to China and
her trading patterns. China´s current exchange rate regime149 is
no longer compatible with macroeconomics fundamentals,
although China´s growth´s as trading nation has recently reached
the point where developments in China have global impacts
(BRANSTETTER E LARDY, 2008: 633-4).”
4.5 – A evolução dos indicadores de desenvolvimento socioeconômicos da China:
uma análise da trajetória dos dados.
4.5.1 – A evolução dos indicadores sociais
Um fator relevante para o desenvolvimento chinês, seja como fator favorável seja
como complicador, é sua demografia. Segundo Feng e Mason (2008), durante as últimas
duas décadas e meia a China adotou medidas preventivas para que sua situação
demográfica ficasse controlada, permitindo a chamada transição demográfica, na qual, a
despeito da queda na taxa de mortalidade da sua população, foi evitada uma explosão
demográfica por intermédio de dois fatores: o controle populacional – política unilateral
imposta pelo governo e pela queda da taxa de fertilidade, decorrente de modificações
sócio-econômico-antropológicas na China desde os períodos de Mao Tsé-tung,
acentuados com as reformas de Deng Xiaoping. Percebe-se que, a despeito de ser
detentora da maior população do globo, a taxa de crescimento desta população vem
caindo nos últimos anos (Tabela 4.6), e não devido a fatores relacionados ao sistema de
149
Vale ressaltar que a literatura a respeito da condução da política cambial chinesa é ponto de consenso.
Ela restringe a entrada, favorece a importação e cria um ambiente de descontentamento entre seus parceiros
comerciais, pois tal ação cria um artifício comercial protecionista.
174
saúde ou aumentos na taxa de mortalidade, mas ao controle de natalidade e à modificação
da estrutura social da população.
Tabela 4.6. Evolução da população chinesa e taxa de crescimento anual do PIB (%).
ANO
População total
(milhões hab.)
Taxa de crescimento
populacional (base
100)
Taxa de crescimento
do PIB (% anual)
1978
1980
956,16
981,23
1985
1990
1995
2000
2005
2008
2009
1.051,04 1.135,00 1.204,85 1.262,64 1.303,72 1.324,65 1.331,46
100,0
102,6
107,1
107,9
106,1
104,7
103,2
101,6
100,5
11,7
7,8
13,5
3,8
10,9
8,4
11,3
9,6
9,1
150
Fonte: Banco Mundial (2011) .
“Demographic changes in China are monumental for reasons in
addition to the shifts in traditional demographic parameters –
mortality, fertility, population growth rate, and age structure.
During its economic transition of the last two and half decades,
Chinas has also seen migration and urbanization process that are
unprecedented in world history for their sheer magnitudes.
Population redistribution is inextricably tied to the broad social
and economic transitions that China has undergone, and at the
same time, it has also shaped important underlying conditions, as
opportunities and constraints, for China´s economic transition
(FENG e MASON, 2008: 136).”
Introduz-se esse tema aqui pois, além de expor e avaliar os indicadores de
desenvolvimento chinês, pretende-se também avaliar a evolução de importantes
indicadores da economia chinesa, mas não exclusivamente, visto que há vários
indicadores que ultrapassam a fronteira econômica, caminhando em direção da análise
das transformações sociais. Logo, à medida que os dados sejam expostos, caberá avaliar
sua trajetória identificando a contribuição dos pontos já citados ao longo dessa pesquisa
para sua evolução. Também vale identificar as singularidades dos dados e dos seus
condicionantes, corroborando com o pressuposto inicial da pesquisa de que a China é um
caso único, particular, não sendo cabível seu uso como parâmetro do desenvolvimento de
outras nações.
O controle populacional já havia sido estabelecido no período de Mao Tsé-tung,
contudo, a condução mais severa, considerando tal controle como prioritário para a
China, vem ao final dos anos 70s, período no qual o crescimento populacional chegou a
ser considerado um mal social. Esse excedente populacional seria responsabilizado por
150
http://data.worldbank.org/country/china: code NY.GDP.MKTP.KD.ZGa
175
diversos distúrbios, essencialmente, econômicos, mas não únicos, da sociedade chinesa.
Logo, o controle populacional fora elevado em nível de política básica de estado. Cabe
ressaltar que sua implementação não foi pacífica e muito menos bem recebida por todas
as camadas populares. Vale ainda dizer que distorções sérias ocorreram na China à
medida que o tempo foi passando e foram ficando mais claras as conseqüências da
política populacional. Apenas para título de ilustração, registra-se na China atualmente
um desequilíbrio entre os gêneros, resultado de uma escolha racionalista por filhos do
sexo masculino, por ser esse considerado aquele que assumiria as responsabilidades
financeiras e produtivas da família, especialmente nas regiões rurais do país.
Muito do que pode ser observado nesse quesito na China pós-1978 deve-se a
decisões políticas em prol do desenvolvimento nacional. O governo reformista de Deng
Xiaoping e seus sucessores, ao adotar o programa de planejamento familiar, promoveram
uniões matrimoniais mais tardias, redução do número de filhos por unidades familiares e
intervalos maiores entre os nascimentos. Dados retirados do China Population Yearbook
registram que a idade feminina do primeiro casamento era em média de 19,7 anos, nos
anos 70s, passando para 24,1 no ano de 2000. Segundo Feng e Mason (2008), essa
modificação do perfil deve-se mais aos efeitos da mudança estrutural da economia
chinesa afetando a organização da sociedade do que às políticas de controle populacional
implementadas pelo governo. “Economic reforms over the last two decades gradually
relaxed the state´s control and returned the right of decision making to families and
individuals”151.
Tabela 4.7. Taxa de Crescimento da População, Expectativa de vida e Renda per
capita.
Ano
1978
1980
1985
1990
1995
2000
2005
2008
Indicador
Taxa de crescimento
populacional (%)
nd
nd
1,4
nd
1,1
0,8
0,6
0,5
Expectativa de vida (anos)
nd
nd
67,0
68,0
70,0
71,0
73,0
73,0
Renda per capita (US$)
nd
nd
292,00 314,00 604,00 949,00 1731,00 3414,00
Fonte: Banco Mundial (2011) e Unesco (2011).
151
Feng e Mason (2008).
176
Vale ainda ressaltar alguns pontos sobre a questão demográfica chinesa (Tabela
4.7). A primeira delas refere-se a mudanças institucionais que influenciaram essas
alterações: (i) as reformas econômicas e sociais fizeram com que as decisões viessem de
dois agentes relevantes em termos sociais, as famílias e o Estado. As famílias
compreenderam que os custos de vida relacionados à natalidade, educação, saúde
tornaram-se relativamente altos frente às suas remunerações. O Estado contribuiu com a
redução ou eliminação de certos benefícios, principalmente atrelados à saúde da
população, tais como a abolição do sistema de livre acesso a cuidados básicos de saúde152
nas áreas urbanas e o colapso da saúde pública nas áreas rurais; (ii) a rígida política de
controle de natalidade e o planejamento familiar foram de grande relevância para a
melhoria de dados como expectativa de vida ao nascer (saltando de 42, 2 anos homens e
45,6 anos mulheres no ano de 1950 para 71,01 anos homens e 74,77 anos mulheres em
2000) e queda da taxa de mortalidade, adulto e infantil153 e; (iii) a fundamental shift in
migration policy has allowed people to move freely across administrative boundaries
(Feng e Mason, 2008). Sendo que, para esse último ponto, deve-se ressaltar que um
volume massivo de imigrantes e migrantes tem circulado entre as principais cidades
chinesas e outro alto número de pessoas circulando entre o campo e cidade. Observa-se
nesse ponto uma relação significante entre os movimentos populacionais e o processo
contínuo de urbanização (a população urbana da China passou de 11,18%, em 1950, para
36%, em 2000, em processo crescente). É o fenômeno chamado de flutuação
populacional – que, segundo Feng e Mason (2008), é um produto único do sistema
econômico-político chinês. Consiste na situação na qual a população sofre uma grande
flutuação ou oscilação, pois a despeito das pessoas transitarem para as cidades, sua
residência fixa permanece no local de origem ou de saída, alterando o perfil da população
sem, contudo, influenciar nos indicadores populacionais.
A breve avaliação da questão demográfica serve como ponto de partida para a
análise de outros indicadores socioeconômicos chineses que são considerados como
relevantes para a compreensão e análise da trajetória e do ponto atual (2008) desse
desenvolvimento econômico. Aqui, conforme já foi denotado anteriormente, não se
estabelece desenvolvimento econômico como uma simples avaliação de dados
quantitativos referentes e restritos à economia. Mas sim, entende-se desenvolvimento
152
153
Free health care.
China Population Yearbook (2010).
177
econômico como uma junção de dados econômicos e sociais que compõe a trajetória da
evolução de uma nação.
A questão demográfica, por exemplo, é fundamento para se explicar, juntamente
com fatores geográficos, o problema da distribuição de renda na China contemporânea.
Sabe-se que a despeito da renda per capita ter apresentado uma significativa elevação nos
últimos trinta anos (1978-2008), essa elevação da renda não foi acompanhada de perto de
uma melhor distribuição de renda.
No que tange à distribuição de renda chinesa, na fase de transição e dados atuais,
pode-se afirmar que houve crescimento da renda e melhoria no padrão de vida da
população chinesa. Contudo, como ainda existe uma abismal distância entre a China
urbana e a China rural, observa-se um cenário totalmente distinto. Na China urbana, os
níveis absolutos de elevação de renda basicamente eliminaram a pobreza (baixa renda) e
simultaneamente reduziram a desigualdade na distribuição da renda. Já na China rural, a
despeito do crescimento da renda das famílias pós-introdução do sistema de
responsabilidade familiar, muitos habitantes foram retirados da zona de pobreza, o que
não garantiu a eliminação da distorção de renda na área rural e muito menos eliminou a
distância entre a China urbana e a China rural. Segundo Benjamin et al (2008),
“the same is true for urban-rural differences. Although urban
incomes may be on averages two-thirds to three quarters higher
than rural incomes, these differences are the source of a
relatively small proportion of overall inequality in China. More
generally, great care must be taken when interpreting ‘urbanrural’ income gaps, especially using official (NBS) data: the
accelerating reclassification of rural areas as urban tends to
exaggerate rural-urban income differences, as fast-growing rural
areas are relabeled as urban. Moreover, significant differences in
the cost of living between urban and rural damped the raw
income differentials. (BENJAMIM, et al, 2008: 730)”
Ainda segundo os autores supracitados, pode-se observar na China, atualmente,
uma maior diferenciação de renda e uma maior desigualdade social e de renda entre as
regiões costeiras e o interior da China. Tal desigualdade geográfica é vista pela literatura
como mais relevante e séria do que a desigualdade entre o urbano e o rural (que será
debatida adiante). Contudo, esses autores não reservam ao motivo posição geográfica a
fonte do problema. Seu argumento explicativo repousa sobre as características
econômicas locais que, por sua vez, influenciam nas oportunidades de atividades
econômicas, entrada no mercado de trabalho, formas de remuneração, constituindo-se
178
essas em fontes de diferenciação do padrão de vida dos habitantes dessa região (a região
mais interiorana chinesa).
Muito contribuiu para o acirramento do fenômeno da desigualdade entre a região
costeira e interior, assim como a redução dos subsídios (repasses de renda, sistema de
saúde e educacional) metade dos anos 1990s, os quais beneficiavam as famílias da região
interior do país, que foram parcialmente compensados pela elevação dos salários
(nominais). A reforma das empresas estatais chinesas, principalmente após meados de
1990, teve um significante componente regional, porém não resultou segundo Benjamin
(2008), em um aumento nas disparidades regionais até o ano de 2001.154 O que pode ser
visto pela pesquisa dos autores aqui citados é que: (i) há sérios problemas na geração de
estatísticas confiáveis dentro dos órgãos chineses sobre essa imensa desigualdade
existente entre as regiões costeiras e as regiões interioranas na China; (ii) na sua definição
de posicionamento, as empresas buscaram prioritariamente as regiões próximas a fontes
de escoamento da produção direcionadas aos principais portos do país, considerando o
custo logístico do transporte; (iii) a modificação do perfil de gestão das empresas estatais
não garantia remuneração adequada aos trabalhadores da região, causando um
distanciamento natural das remunerações dos trabalhadores de regiões com maior
produtividade (costeiras) e, por fim, (iv) a atração empresarial dessas regiões consistia em
empresas intensivas em trabalho (logo buscando menores custos) e de menor geração
tecnológica, o que não era dinamizadora da remuneração dos trabalhadores da região,
diferentemente da região costeira.
Retornando às questões relativas às desigualdades de renda entre as áreas rurais e
urbanas chinesas, observa-se que a literatura diferencia as explicações para cada uma
dessas regiões. Para o caso da desigualdade urbana, tem-se que as cidades chinesas
espelham o fenômeno ocorrido nas cidades de países que passaram por uma profunda
transição econômica. Tal situação aponta para três explicações que transcendem
generalização e adequam-se ao caso chinês. A primeira delas é o efeito liberalização
econômica, que por sua vez afeta diretamente o mercado de trabalho (mesmo no setor
público destas economias). A liberalização, parte integrante do processo de abertura ao
mercado e da aceitação do pressuposto de livre mercado (iniciativa), vem conduzindo
simultaneamente à elevação das taxas de salários em determinados setores e ao
distanciamento entre os salários pagos entre e intra setores nesses países – perfeitamente
154
Benjamim et al (2008).
179
adequado ao caso chinês. Aquelas empresas mais dinâmicas, que obtém melhores
resultados produtivos e determinam maior produtividade do trabalho, tendem a ser
melhores pagadoras de salários (não é a teoria dos salários produtividade, mas leva em
conta essa variável). A convivência entre essas empresas com as empresas intensivas em
trabalho – menos produtivas – dão origem ao distanciamento dos salários pagos. Aquelas
empresas mais produtivas tendem ainda a adotar políticas de distribuição de bônus que
tendem a elevar o valor pago aos trabalhadores, logo criando uma diferença salarial entre
os setores que compõem a economia chinesa – inclusive o estatal.
A segunda explicação/fator que influencia a desigualdade de renda entre os
trabalhadores do setor urbano está situada na retirada dos subsídios aplicados à moradia e
alimentação concedidos até início da década de 90. A existência desses subsídios –
igualitariamente distribuídos – atenuavam as desigualdades de renda, especialmente a
desigualdade de origem salarial. Por fim, a terceira explicação refere-se à reestruturação
das empresas estatais (SOEs) e o final do chamado “iron rice bowl” , no final dos anos
90s, conduzindo a significantes perdas econômicas, essencialmente, desemprego e acesso
a postos de trabalho.
Já para o caso do setor rural, a desigualdade está, entre outros fatores, relacionada
com sistema de responsabilidade familiar, que retinha uma grande parcela dos retornos
de seu próprio trabalho e dependia do seu próprio talento em administrar suas fazendas e
seus respectivos ganhos. Segundo Benjamin et al (2008: 737),
“Liberalization with respect to farm sidelines and the
establishment of Family run businesses provides another avenue
for households to potentially earn more than their neighbors. At
the same time, villages retained the ownership of land, which was
allocated to households on a fairly egalitarian basis. This limited
extent of local inequality from farm incomes. The establishment of
township and villages enterprises and the development of off-farm
opportunities more generally, would likely have also provided
households a way to earn a living off farm, potentially generating
greater differences in incomes across villages.”
Ainda contribui como fator agravante a possibilidade limitada de mudança
espacial. Há possibilidade para se mover do campo para a cidade, contudo, não é
interessante para a estratégia de crescimento chinês que haja uma maciça saída de mãode-obra do campo para a cidade. A despeito de criar uma tendência à redução dos custos
salários na cidade, desguarnece o campo de mão-de-obra, o que majora os salários e
180
reduz a disponibilidade de mão-de-obra destinada a um setor relevante para o
crescimento da China.
Ao longo da transição da agricultura coletiva para as empresas familiares
agrícolas, também houve uma interferência da maior exposição ao mercado externo. É
natural que os termos de troca entre os bens agrícolas e os bens industrializados sejam
alterados com a maior exposição externa. O contato com o mercado internacional e suas
trocas faz com que haja uma queda relativa nos preços dos produtos agrícolas, fazendo
das trocas menos eficientes do que se esperava. Logo, o tipo de cultura interfere nos
ganhos obtidos pelas empresas rurais. Considerando essa situação, nada mais lógico que
buscar uma migração para os centros industriais onde os retornos do capital humano –
educação, por exemplo – levam a uma maior renda auferida. Permanecendo no campo,
encontra-se estímulo para o aumento da desigualdade de renda obtida entre os produtores.
Benjamin et al (2008) concluem a situação dessa maneira:
“Our findings regarding the role of geography and urban-rural
differences suggest that we need to focus more attention on the
institutions influencing the distribution of endowments, including
both human and physical capital, the allocation of factors of
production, and factor returns. In the countryside, most of level
and growth of inequality is due to unequal access to nonfarm
family business income. In the cities, the decline in subsidies and
unequal wage incomes are playing an increasing role in raising
inequality. Increasing returns to higher education are very
important in explain growing dispersion of wage earnings. Our
result from both urban and rural samples thus underscore the
important role likely to be played by education in determining the
future evolution of the income distribution, even though the exact
channels may be different in cities and the countryside. Finally,
notable by its absence in much of discussion, is the current role
played by a social safety net in providing a floor on incomes, and
thus some limit on inequality. In the cities, while they may be in
their infancy or underdevelopment, Chinas has yet to develop the
array of social policies with the breadth and level of other
transition economies. In rural areas the primary safety net has
been the egalitarian an allocation mechanism, which effectively
guarantees land to rural households (BENJAMIN et al, 2008:
730-731).”
Aproveitando que os autores acima tratam da questão da educação e sua relação
com os retornos – especialmente sua relação com os salários e com a discussão da
desigualdade de renda, não se pode furtar de entender a evolução da educação chinesa
partindo das transformações colocadas em prática pela Revolução Cultural e da sua
181
mudança de rumo nos anos posteriores a Mao Tsé-tung. Deve-se ressaltar aqui que não
será feita uma análise profunda da questão educacional chinesa e muito menos uma longa
regressão histórica, mas sim uma observação das principais mudanças no setor
educacional chinês, em perspectiva histórica e analítica, da relação desse componente no
projeto de desenvolvimento nacional chinês.
É durante o período de reformas pós-1978, principalmente nos últimos 20 anos,
associada às reformas pró-mercado, que se pode observar uma drástica transformação na
área educacional na China. Desde o final da Revolução Cultural, os novos líderes
chineses atribuíram papel fundamental à transformação educacional no país. A agenda
social pós-reforma não era a prioridade – essa era a transformação econômica voltada
para o sucesso do projeto nacional de desenvolvimento – mas a educação tinha papel de
destaque nesse projeto desenvolvimentista, sendo primordial para uma radical
transformação cultural, política, social e, sobretudo, econômica. Na era de Deng
Xiaoping, novas políticas de melhoramento da qualidade educacional estavam voltadas
para um novo mercado de trabalho, agora mais exigente no que diz respeito à
qualificação, geração de conhecimento e promoção da competitividade.
As transformações no sistema educacional promoveram a melhoria do ensino,
servindo ao mercado de trabalho e estimulando a economia, especialmente, diante de uma
nova ordem de competição global. Era fundamental para a China o uso eficiente de seus
recursos produtivos, mesmo os recursos de propriedade privada, sendo assim
imprescindível uma melhor educação que servisse de suporte para esse novo modelo
produtivo.
Segundo Hannun et al (2008), a mudança educacional implementada pelo novo
governo chinês pós-1978 foi fundamental para que a China obtivesse sucesso em seu
projeto de crescimento econômico pautado na evolução da tecnologia e na melhor
utilização de seu recursos produtivos. Durante a Revolução Cultural, via um sistema
ideológico deturpado, a educação chinesa foi aos frangalhos. A agenda de eliminação das
diferenças, seja àquelas entre campo-cidade, trabalhadores qualificados e mão-de-obra
desqualificada ou entre intelectuais e trabalhadores braçais, norteou as medidas políticas
direcionadas à educação. Logo se observou na China uma desvalorização da educação
formal, do conhecimento acadêmico e da intelectualidade. Segundo Tsang (2000),
estudantes urbanos eram enviados para o campo para uma ‘reeducação’155.
155
“Urban students were sent to the countryside for reeducation” (Tsang, 2000).
182
No ensino superior, onde as transformações da Revolução Cultural foram mais
sentidas, foram registradas queda nos indicadores educacionais, decorrente de uma
dezena de medidas “igualitárias” do governo de Mao Tsé-tung. Foram descontinuados os
exames de admissão (exames feitos para a ascensão a cargos públicos), acessos às
universidades foram alterados, considerando aptos todos aqueles que se interessavam
pelo estudo mesmo que não comprovassem condições para usufruir adequadamente do
ensino, pessoas das áreas rurais, até então somente ligadas a questões de cultivo de
produtos agrícolas para sua subsistência, foram direcionados a universidades para igualar
o nível dos seus conhecimentos.
Tabela 4.8 - Evolução dos Indicadores Educacionais
Chineses.
ANO
1980
2004
Média de anos na escola
4,8
6,4
Despesa com Educação (em % do PIB)
2,1
2,0
a) Fundamental
31,3
33,9
b) Médio
33,7
45,3
0,9
2,8
INDICADOR
Nível de Escolaridade (%)
c) Superior
Fonte: World Bank´s Development Indicators 2006.
A literatura destaca que a Revolução Cultural é reconhecidamente um desastre
para a educação, principalmente, no que concerne à educação superior, ao ensino e
geração de técnicas e progresso científico. Segundo um estudo da Universidade de
Beijing, de 1994, durante a Revolução Cultural foram impedidos os intercâmbios de
estudantes chineses e a entrada de estrangeiros nas universidades chinesas. O
conhecimento de outras culturas e idiomas sofreu uma queda significativa para o setor
industrial chinês, reduzindo seu intercâmbio de produtos e mercadorias com o restante do
mundo.
Nos níveis inferiores não foi muito diferente. O sistema educacional foi unificado,
seguindo o princípio de que todo estudante, independente da sua idade, deveria seguir um
currículo de 10 anos, separado no sistema de 5-3-2. A segmentação por gênero também
foi danosa para a educação chinesa, a discriminação acabou por negar às mulheres o
acesso a todo e qualquer tipo de conhecimento, sendo esses considerados privilégios
183
masculinos devido a sua participação na escala produtiva e em órgãos públicos (Tsang,
2000).
Tendo fim a Revolução Cultural e todo seu princípio norteador alterado pela nova
administração pública chinesa, a educação chinesa ingressa em um novo rumo. Esse novo
rumo, segundo Hannun et al (2008) e Tsang (2000), sustenta-se em três novos pilares: a
visão estratégica política do Estado-partido de que a educação é ponto prioritário no
modelo de desenvolvimento; o financiamento educacional e a qualidade da nova base
educacional chinesa (Tabela 4.8).
Passando brevemente por cada um desses pontos, alguns fatores devem ser
ressaltados. Em primeiro lugar, ao alterar os objetivos políticos estratégicos da China em
direção a uma economia de mercado, mesmo que adaptada às características chinesas, a
agenda educacional mudou sua posição estratégica, passando de promotora da
“igualdade”, para uma peça fundamental para a modernização econômica-produtiva.
Deng Xiaoping, em março de 1978, no Simpósio Nacional de Ciência e Tecnologia,
reiterou sua posição de que a educação chinesa deveria voltar-se para o conhecimento,
essencialmente, para o conhecimento útil à geração de tecnologia, que seria parte do
processo de modernização econômica da China: “the basis for training Science and
techonology talents rests in education” (Deng Xiaoping em seu discurso no Simpósio
supracitado). Estava claro para os líderes chineses o nível dos problemas educacionais
deixados pela Revolução Cultural:
“Policy reforms revolved around perceptions that educational
quality was a serious problem to all levels, vocational and
technical training was insufficient, and central administration of
education was too rigid. Through reforms, leaders sought to align
the educational system with the newly emerging marketization of
the economy. Reforms in the mid-1980s set standards for
compulsory education and emphasized linking education to
economic reforms, increasing vocational and technical education,
decentralizing finance and management, and increasing the
number and quality of teachers (HANNUN et al, 2008: 219)”.
Da década de 80 em diante, importantes reformas foram colocadas em prática para
desfazer os erros da Revolução Cultural. Retornaram os exames admissionais, a entrada
para as universidades foram regulamentadas, exigindo avaliações de conhecimento,
houve descentralização da administração educacional e de recursos financeiros destinados
à melhoria educacional e uma grande ênfase foi dada a setores educacionais que estavam
184
diretamente relacionados com a produção de tecnologia, geração de conhecimento
técnico e desenvolvimento científico.
No que diz respeito ao financiamento educacional, dois movimentos simultâneos
ocorreram na China pós-1980: a gasto governamental (em proporção do PIB) cresceu
passou de 18,24%, em 1991, para 21,06%, em 1996, mantendo-se próximo aos 20% do
PIB desse ano em diante156; a segunda modificação foi a descentralização do gasto
educacional e a diversificação do mesmo. Entende-se por descentralização uma maior
disseminação do investimento educacional, contudo, direcionado à vocação local
atrelado, sempre, ao projeto nacional de desenvolvimento. Já a diversificação refere-se à
mobilização de novos recursos, sejam esses públicos e/ou privados, direcionados à
educação, essencialmente aos setores de novas tecnologias, ao conhecimento da cultura
ocidental (imprescindível para uma melhor base de conhecimento voltada para a
negociação com os traders ocidentais) e a busca por recursos de origem nãogovernamental que dividia com o governo o custo de investir na educação157.
Finalmente, quanto à qualidade, observa-se aqui que este indicador, a despeito de
seu crescimento nos últimos 20 anos, restringe-se a algumas áreas mais desenvolvidas da
China. Logo, aumenta-se a qualidade do ensino e da geração de conhecimento em
algumas áreas, voltados a alguns setores prioritários, mas ao mesmo tempo, por conta
dessa distinção espacial, reforça-se o componente desigualdade de renda e de ganhos
sociais na China. O crescimento de uma classe média urbana na China cria a demanda
por uma melhor educação. A qualidade demandada é maior e as remunerações do setor
crescem, ademais, a taxa de professores por alunos tem crescido (Hannun et al, 2008),
mas este crescimento está restrito aos grandes centros urbanos chineses, não sendo
observado nas regiões rurais mais distantes.
A questão educacional merece, considerando o modelo asiático, algumas
considerações finais que lançam luz à discussão. Gilson Schwartz158, ao debater o modelo
coreano de gestão do conhecimento lembra que China, Coréia do Sul, Índia e Japão, para
156
Dados obtidos no National Bureuau of Statistic of China.
Deve-se ressaltar que o investimento em educação na China teve papel relevante no seu
desenvolvimento, contudo, também teve um papel significativo na geração de disparidades regionais
chinesas devido a sua distribuição desigual dado os graus diferenciados de desenvolvimentos de suas
regiões geográficas.
158
Texto apresentado no Seminário do IPRI – Fundação Alexandre de Gusmão em 05 de janeiro de 2000,
sobre a Coréia do Sul, sua experiência na gestão do conhecimento e os modelos educacionais asiáticos.
157
185
citar alguns dos representantes asiáticos159, ao formular suas estratégias, prevendo no
horizonte ameaças imperialistas (regionais ou internacionais), levavam em consideração
dois princípios: (i) o acumulo de tradições de conhecimento e educação, assim como
traços culturais, são fatores determinantes nas configurações das organizações locais e,
(ii) a educação é variável fundamental para a chamada “nova economia” cuja inteisdade
em tecnologia de informação e comunicação, inserida na sociedade da informação, faz da
operação adequada de sistemas de gestão do conhecimento, criatividade e inovação
(todas essas sustentadas pela evolução nos modelos educacionais) a chave do
desenvolvimento e da inserção na nova “ordem global”.
Amartya Sem, em um discurso em 1999, no qual expunha suas bases
educacionais, agradecia pelos valores asiáticos e pela ênfase na educação intelectual e
espiritual recebida. Contrariamente a versão tradicional, vigente na vertente liberal, o
economista que recebeu um prêmio Nobel por sua reflexão sobre o desenvolvimento
argumenta que os traços inovadores de sua educação incluíam, e, sobretudo, baseavam-se
na educação básica como a maior promotora da mudança160.
O que se pode observar é que o modelo praticado nos países asiáticos levam mais
a sério a concepção de políticas públicas e a educação como uma das suas principais
áreas de atuação. O consenso nesses países, diferentemente do modelo praticado em um
grande número de países ocidentais, que acataram o receituário do Consenso de
Washington, é que a educação está na base de todo o desenvolvimento. Logo, é
prioridade do governo que sua população tenha acesso facilitado à educação básica,
criando fundamentos para seu desenvolvimento humano futuro.
Vale ressaltar que tal responsabilidade pela evolução educacional da população
não é responsabilidade única do Estado. A meu juízo, a postura do governo chinês de
compartilhar os custos da educação com o estudante e/ou família, é uma forma de tornálos conscientes e co-responsáveis no processo de crescimento educacional. Pois da
mesma forma que o Estado tem interesse na melhora dos índices educacionais, a
159
Cingapura, por exemplo, colocou em prática a concepção da “ilha inteligente” e a Malásia cunhou seu
modelo com o nome de “supercorredores”; esses nomes nada mais eram que a forma nacional de tratar seus
modelos educacionais atrelados aos seus objetivos de crescimento econômico, focando tanto o âmbito
regional como a economia internacionalizada.
160
Segundo Sen, 1999 no discurso citado: “Meu sentimento de identidade asiática é muito forte. Tive a
sorte de ir a uma escola que era ciosa na educação dos alunos sobre a Ásia. Era uma escola progressista, em
Santiniketan, criada por Radindranath Tagore, o poeta e pensador visionário. Além de insistir em boa
educação clássica, especialmente em sânscrito, a escola também oferecia notáveis oportunidades de
aprendizado sobre a história e a cultura asiática, incluindo China, Japão, Coréia, Tailândia, Indonésia, de
um lado e tradições árabes e persas, de outro.”
186
população considera a evolução educacional como um instrumento, um meio, para sua
ascensão social, logo nada mais adequado que ter co-responsabilidade nessa construção.
A relação causal aqui deve ser estabelecida da seguinte maneira: é a evolução da
educação básica que proporciona o “desejo” por níveis superiores de crescimento,
trazendo uma trajetória de conhecimento acumulado que possibilita o crescimento
econômico.
Agora vejamos o caso da China. Se a educação tem uma posição de destaque no
debate vigente, e, se para a manutenção do crescimento econômico do país a educação é
fundamental, não há mistério para se compreender o caso chinês. É de demasiada
importância tanto para o governo quanto para a população chinesa hoje manter seu nível
de crescimento. Para o Estado (e para o Partido Comunista Chinês) a manutenção do
crescimento garante uma confortável estabilidade no ambiente político enquanto para a
população há uma associação muito clara entre educação e elevação do status social e a
melhoria das condições sócio-econômicas. A prática tradicional de concursos públicos e
os cursos obrigatórios para a ascensão na carreira pública e política são comprovações da
existência de um sistema meritocrático, no qual a ascensão educacional abre portas para a
ascensão social.
Os textos que tratam exclusivamente dos retornos econômicos da educação
preocupam-se com os efeitos da educação no mercado de trabalho e com o uso mais
eficiente dos recursos disponíveis. Contudo, a literatura econômica esquece-se dos
ganhos sociais, especialmente para populações que tem o mérito avaliado e contabilizado
na sua trajetória de ascensão social. Para as culturas orientais tal situação tem uma grande
valorização para a população, o caso chinês não foge à regra.
4.5.2 – Economia política do desenvolvimento chinês: sistema bancário, gestão
cambial, desenvolvimento industrial na construção de um projeto nacional de
desenvolvimento.
Uma das grandes fraquezas observadas no projeto de desenvolvimento chinês
encontra-se na estrutura do sistema financeiro que suporta seu atual processo de
crescimento e sua proposta de ascensão econômica. A constituição de um sistema
financeiro, exposta de maneira breve, refere-se à existência de uma autoridade monetária,
uma estrutura financeira que suporte os mercados (bancos comerciais, de investimentos
187
entre outros) e os intermediários financeiros setoriais (bancos setoriais), sendo que esses
são agentes complementares na função de intermediar, financiar e alavancar os demais
setores da economia. Para o caso da China, observa-se que essa é sua maior fraqueza para
manter no longo prazo sua estrutura de crescimento econômico e, portanto, de
desenvolvimento projetado para sua economia.
A literatura especializada sobre o setor financeiro (e bancário) chinês, que avalia
sua capacidade de intervenção e atuação diante de necessidade de ações mais imediatas e
rigorosas frente a cenários de incerteza161, dão conta de alguns problemas latentes do
sistema financeiro e bancário chinês, dos quais quatro são destacados conforme exposto a
seguir. O primeiro constrangimento refere-se ao sistema financeiro chinês, a despeito de
ter expandido nos anos recentes, ser dominado por um grupo de bancos ineficientes e
pouco desenvolvidos, que concentram diversas atividades de financiamento e
intervenção162. Mesmo com a entrada de grupos estrangeiros e o crescimento da
participação doméstica no setor, as ineficiências, principalmente institucionais,
permaneceram, sobretudo no que tange aos empréstimos do tipo nonperformance loans
(NPLs)163. Três dos quatro grandes bancos chineses têm feito políticas institucionais para
aumentar a transparência de suas ações, mas esses ainda são bancos cujo maior acionista
é o Estado. Acredita-se que o desafio e o grande objetivo sejam das ações do governo no
modus operandis desses bancos, bem como da própria governança institucional, repouse
na redução do uso ‘indiscriminado’ dos NPL´s, dado seu nível elevado de risco e
comprometimento bancário.
O segundo constrangimento diz respeito à estrutura do mercado de capitais, pois
sua escala e importância não chegam aos níveis demandados por um processo intenso de
crescimento e muito menos quando colocado em comparação com os modelos
internacionais. Logo, o mercado de capitais chinês, a despeito do seu crescimento no
período estudado, não tem a eficiência necessária na alocação de recursos na economia, é
muito voltado à especulação e pouco eficiente na ação de alavancagem empresarial, o que
161
ALLEN, Franklin, QIAN, Jun, QIAN, Meijun. China´s Financial System: past, present and future.
Wharton Financial Institutions Center, working paper 05, Philadelphia, 2005. SACKS, Jeffrey et al.
Understanding China´s Economic performance, NBER papers 5935, 1997. LEITE, Alexandre César
Cunha. A Crise Financeira Global e as contribuições de Marx e Minsky para o estudo da economia chinesa.
Anais do Encontro da Sociedade Brasileira de Economia Política – SEP, 2010. LEVINE, Ross. BankBased or Market-Based Financial System: which is better? Journal of Financial Intermediation, 11,
2002., entre outros.
162
BOC – Bank of China, ABC – Agriculture Bank of China, CCB – People´s Construction Bank of China,
ICBC – Industrial and Commercial Bank of China.
163
Ressalta-se aqui que não é objetivo dessa tese aprofundar-se a respeito do risco das NPL´s. Para maiores
informações, observe Allen, Qian e Qian (2005).
188
impacta diretamente em dois setores fundamentais, a saber: o governo, que se vê
obrigado a preencher esse espaço mantendo em níveis elevados seu suporte ao
crescimento e ao financiamento de setores prioritários; e o setor industrial produtivo, que
se vê desprovido de um sistema financeiro dotado de eficiência no financiamento,
mantendo certo grau de dependência com a boa vontade do Estado chinês.
O terceiro constrangimento, conforme avaliam Allen, Qian e Qian (2005 [2008]),
o crescimento econômico da China não se deve ao desenvolvimento ou sucesso do setor
financeiro, bancário ou do desenvolvimento recente do mercado de capitais, mas sim,
pelo desenvolvimento paralelo de um setor financeiro intermediário, informal, concessor
de crédito, formado por uma coalizão entre proprietários de empresas, investidores e
agentes do governo local. Ainda segundo esses autores,
“Many of these financing channels rely on alternative governance
mechanisms, such as competition in product and input markets,
and trust, reputation, and relationships. Together these
mechanisms of financing and government have supported the
growth of a hybrid sector of nonstate, nonlisted firms with
various types of ownership structure. It is important to point out
at the outset that our definition of the hybrid sector is broader
than privately or individual owned firms, which are only part of
this sector. In particular, firms that are partially owned by local
governments (e.g. township village enterprises or TVE´s) are also
included in the hybrid sector. This is for two reasons. First,
despite the ownership stake of local governments and the
sometimes ambiguous ownership structure and property rights,
the operation of these firms resembles more closely that of a forprofit, privately owned firm than that of a state-owned firm.
Second, the ownership stake of local government in many of these
firms has been privatized. (ALLEN, QIAN E QIAN, 2008: 507)”.
164
Logo, o crescimento do setor híbrido tem uma ligação mais estreita com o
crescimento da economia (sustentado pelas instituições supracitadas) do que o setor
financeiro e bancário institucionalizado e regularizado no país. Contudo, o que deve ser
observado é que o governo chinês terá que lutar contra fortes interesses privados e
governos locais para desfazer esse sistema (mais eficiente, diga-se de passagem) de
financiamento da economia para dinamizar seu setor bancário e financeiro. Ainda,
observa-se que toda essa estrutura afeta o poder de ação das políticas monetárias e
164
Grifos meus.
189
cambiais do Estado, visto que a efetividade das mesmas dependerá dessa estrutura
paralela.
O quarto ponto restritivo a ser destacado, a respeito do sistema financeiro e
bancário chinês, refere-se a seu enorme desafio de evitar danos originados de crises
financeiras internacionais e, sobretudo, permitir que essas afetem seu desempenho
econômico e os ganhos sociais obtidos nas últimas três décadas. A respeito desse ponto,
cabe ressaltar que seja qual for o modelo de abertura externa usado, esse encerra uma
vulnerabilidade devido à interdependência entre as instituições financeiras em âmbito
mundial. A entrada da China na OMC, conforme descrita anteriormente aqui nesse
capítulo, trouxe resultados positivos para a China, mas simultaneamente, colocou a China
na rota financeira mundial, abrindo espaço para a entrada de novos bancos internacionais,
crescimento dos fluxos de capitais (produtivos e financeiros) e elevação das reservas
internacionais, para citar alguns exemplos. Logo, maiores são as possibilidades de
ocorrência de crises gêmeas (simultaneamente cambial e do mercado de capitais), como
ocorrido na Ásia, no final da década de 90, e da crescente dependência do financiamento
do tipo NPL165. São fatores que podem, em períodos de instabilidade internacional,
acentuar as fragilidades do sistema bancário e financeiro Chinês, conseqüentemente, de
sua economia e seu desempenho.
Parte desse problema no sistema financeiro e bancário da China reflete-se em duas
outras áreas de gestão político-econômica, logo, atreladas ao desenvolvimento chinês, a
saber: o desenvolvimento do setor industrial e a gestão do câmbio, ambos como
instrumento de promoção das exportações e de proteção da indústria (setores diversos)
nacionais. Avaliação a respeito dessas duas áreas será feita a seguir.
O que fica de questionamento após essa breve descrição da organização do
sistema financeiro e bancário chinês é entender como a China financia seu processo de
crescimento econômico, posteriormente, influenciando seu projeto de desenvolvimento.
A literatura acima citada dá conta que as quatro fontes mais relevantes de financiamento
para as empresas na China são os empréstimos bancários (domésticos) concedidos a
prazo fixo às firmas, auto alavancagem empresarial (ações), auxílios derivados do
orçamento do Estado e investimentos estrangeiros (entrada de capital estrangeiro na
165
Ressalta-se que a apresentação da estrutura, situação atual e problemas existentes no sistema financeiro e
bancário chinês faz parte de uma introdução a respeito do desenvolvimento industrial e da gestão cambial
da China, visto que essas duas áreas são fundamentais para compreender a trajetória dos indicadores de
desenvolvimento, essencialmente, os econômicos e sociais do país.
190
forma de investimentos diretos e aquisições de ações e títulos empresariais)166. Contudo,
a mesma literatura apresenta dados de que as principais fontes de financiamento estão nos
empréstimos bancários e nos fundos de alavancagem própria das empresas167.
Esse modelo de financiamento pode acarretar alguns problemas para a China no
médio e longo prazo. Em primeiro lugar, deve-se ressaltar os efeitos da liberalização da
conta de capital. A teoria econômica sobre liberalização da conta de capital versa que a
tendência é um aumento na eficiência do setor financeiro do país168. Logo, uma
liberalização da conta de capital na China, quando associada a sua recente (2001) entrada
na OMC, cria um processo de entrada simultânea de capital e mercadorias, o que tende a
modificar a rota dos preços relativos das mercadorias além de afetar o câmbio em direção
à uma valorização. Talvez, por conta dessa situação, o governo chinês ainda esteja tão
rígido no controle da sua moeda e da sua taxa de câmbio. O segundo ponto a ser
ressaltado, também sustentado pela teoria econômica, é que tais processos de
liberalização devem ser realizados após uma reestruturação do setor financeiro do país – é
pré-condição para iniciar um processo de liberalização da conta de capital uma
reestruturação do setor financeiro que prepare os agentes internos para a avalanche de
capital que tende a entrar no país – para o caso da China, isso é ainda mais relevante. A
posição de Allen et al (2005) tende ao otimismo,
“A financial sector liberalization, which allows foreign financial
institutions to enter China´s lending markets, can further improve
welfare, as more competition provides stronger incentives for all
banks to further discourage moral hazard in investment. As long
as the adverse selection problem is not severe, financial sector
liberalization will further improve welfare. Overall, we conclude
that a liberalization of the capital account is likely to be
beneficial for China as long as the (post-liberalization) cost of
capital banks does not rise sharply (Allen, Qian e Qian, 2005:
13).”
Porém, segundo descrito acima, observa-se que o setor financeiro chinês ainda
está em fase de reformulação, reestruturando sua base e mantendo-se relativamente
dependente de uma estrutura atrelada ao Estado, o que, a meu juízo, pode afetar a
166
Constam no texto de Allen, Qian e Qian (2005), “in terms of firms fixed asset investiments, are
(domestic) bank loans, firms’ self-fund raising, the state budget, and FDI”
167
Para o caso dos self-fund raising, observa-se que os maiores atuantes nesse segmento são os governos
locais (ultrapassando seus constrangimentos orçamentários), membros da comunidade empresarial e
investidores. Já no que diz respeito ao FDI, observa-se atualmente (considerando o período de análise desse
trabalho) que a China encontra-se entre os cinco maiores pólos atratores de investimento direto estrangeiro
no mundo, regionalmente, ultrapassando Coréia do Sul e Taiwan.
168
McKinnon (1991), Dornbusch (1998), Fischer (1998), entre outros.
191
condução e os resultados esperados com o processo de abertura. Por exemplo, a
valorização cambial poderia alterar o fluxo exportador chinês. Parte dessa valorização
viria da forte corrente de capital estrangeiro entrando na economia do país. Essa
valorização pode, além de alterar o fluxo comercial chinês, afetar o poder de compra
interno da moeda, criando uma pressão inflacionária, que por sua vez, deveria ser
controlada mais intensamente pela autoridade monetária chinesa. Tal situação nos remete
a uma breve análise da questão cambial chinesa.
A questão cambial chinesa é um fator de grande relevância para grande parte dos
assuntos destacados nessa seção. A China, por intermédio de sua autoridade monetária,
vem mantendo sua taxa de câmbio desvalorizada frente às principais moedas das
economias desenvolvidas mundiais. Essencialmente, quando comparada com o dólar, fica
perceptível que a gestão monetária/cambial chinesa tem função estratégica para os
objetivos políticos e econômicos chineses (Tabela 4.9). Inicialmente, pode-se destacar
que tal relação cambial gera para as indústrias nacionais um sistema artificial de proteção.
O que se pode observar da literatura que trata de países que passaram por
processos de industrialização tardia é que a proteção não consiste em um problema, ao
contrário169. A proteção concedida ao setor produtivo nacional nas fases iniciais do
desenvolvimento
é
compreendida
como
uma
ferramenta
necessária
para
o
desenvolvimento econômico nacional. Todavia, esse artifício não deve ser perene, dadas
as imperfeições geradas na estrutura do mercado interno. Logo, aos poucos, esse sistema
de proteção deve passar por uma redução gradual até que os níveis de proteção artificial
sejam substituídos por uma estrutura nacional preparada para enfrentar as condições de
concorrência do mercado.
Outra função estratégica do câmbio é o estímulo às exportações chinesas (ver
Tabela de fluxo comercial – Tabela 4.3). Esse estímulo faz com que o saldo comercial
chinês apresente saldo positivo a despeito de sua elevada demanda no mercado
internacional por insumos. Sabe-se que a China tem uma demanda elevada e crescente de
insumos produtivos que são parcialmente produzidos internamente ou, devido às
características físicas e geográficas, não são produzidos internamente.
169
CHANG, Ha-Joon. Chutando a Escada: a estratégia do desenvolvimento em perspectiva histórica.
São Paulo: Editora UNESP, 2004. PREBISCH, Raul. O desenvolvimento econômico da América Latina e
seus principais problemas. RJ: Revista Brasileira de Economia. 1982 (reprodução do artigo de 1949).
Outros autores cepalinos também dão conta do assunto da industrialização em países subdesenvolvidos,
bem como autores que estudam os modelos híbridos dos países asiáticos.
192
Tabela 4.9. Evolução da relação cambial Yuan/US$ - 1981-2008.
Ano 1981 1982 1983 1984 1985 1986 1987 1988 1989 1990
Taxa de câmbio Yuan/US$
1,75 1,92 1,98
2,8
3,2 3,72 3,72 3,72 4,72 5,22
Ano 1991 1992 1993 1994 1995 1996 1997 1998 1999 2000
Taxa de câmbio Yuan/US$
5,43 5,75
5,8 8,45 8,32
8,3 8,28 8,28 8,28 8,28
Ano 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008
Taxa de câmbio 8,28 8,28 8,28 8,28 8,07 7,8 7,3 6,83
Yuan/US$
Fonte: Bank of RPC e IMF
(2010)
A observação do regime cambial chinês nos remete à constatação de que, desde o
início das reformas implementadas no final da década de 70 (Tabela 4.9 acima), o
controle centralizado do Estado tem se tornado uma constante. Observando os valores
acima, pode-se fazer uma distinção temporal da gestão do câmbio. Em 1986, o
mecanismo centralizado de gestão cambial (sistema dual de taxa de câmbio) deu lugar
para um regime de flutuação administrada, com uma banda restrita, até a alteração
realizada no período 1994/1995. A partir desse período, o patamar cambial teve o papel
de instrumento artificial de estímulo às exportações chinesas no mercado mundial170.
Com a entrada da China na OMC e o acirramento dos efeitos da globalização
financeira, o grau de integração entre a economia mundial e a economia chinesa
aumentou significativamente. Logo, a relação de interdependência entre as políticas
monetárias e cambiais, definidas por economias centrais no cenário internacional, tendem
a gerar efeitos para além das fronteiras nacionais171.
Ainda, caso a China resolva adotar uma flexibilização do seu regime cambial, essa
necessariamente deve vir acompanhada de uma valorização da sua taxa de câmbio, até
então, considerada como negativa pelo governo chinês. Por fim, uma constatação: como
os bons resultados econômicos chineses estão intimamente atrelados à sua taxa de
câmbio, especialmente frente ao dólar, mesmo havendo interesse chinês de reforçar a
170
A atual taxa de câmbio chinesa é considerada pela comunidade internacional como extremamente
desvalorizada e distante do nível de equilíbrio econômico (nacional e externo). Tal constatação vem
criando demandas contínuas dos países, especialmente, grandes exportadores no mercado internacional,
para uma flexibilização do regime cambial. McKinnon (2004) ressalta a preocupação norte-americana com
a gestão cambial do governo chinês, visto a relação estimada entre a política de câmbio da China e a
existência de déficits gêmeos dos EUA (fiscal e comercial).
171
Paul Krugman ressalta ainda da chamada “trindade impossível”. Uma economia integrada à economia
mundial tem que escolher dois entre três objetivos: estabilidade da taxa de câmbio, independência
monetária ou integração no mercado financeiro internacional. Para o caso da China, caso a escolha seja a
independência da política monetária ou da rigidez cambial, terá que abrir mão de um dos outros dois
objetivos, ou seja, da política monetária ou da integração internacional.
193
percepção mundial de que a China realmente adotou uma economia de mercado e deixará
as variáveis econômicas ser por esse definidas, tal modificação deverá ser lenta, gradual e
pautada pelos objetivos relativos ao projeto nacional de desenvolvimento e de
manutenção da estabilidade política nacional.
A conclusão aqui é que a flexibilização cambial para a China é uma decisão não
só econômica, mas também política, que arrisca muito dos objetivos prioritários do
Estado chinês. O que não indica que não vá acontecer, mas que deverá ser precedida de
melhor estruturação do seu sistema financeiro e da criação de mecanismos de proteção e
esterilização dos vultosos fluxos de capitais que estão direcionados ao país.
Finalmente, quando se trata do setor industrial chinês e seu desenvolvimento no
período recente, observa-se que poucas economias emergentes obtiverem sucesso
semelhante ao atingido pela China, tais como Coréia do Sul, Brasil, Índia e Taiwan. Em
todos os casos, é perceptível que o uso de mecanismos de elevação da capacidade de
produção (extensivos) e das políticas focadas na elevação da produtividade (seja do
capital, trabalho e da utilização dos recursos envolvidos). Esses países passaram a obter
maior sucesso e, conseqüentemente, maior destaque no cenário internacional, quando
passaram a ter ganhos de produtividade e uso de tecnologias intensivas que
proporcionaram a elevação dos ganhos reais. É fundamental, entretanto, ressaltar que,
cada um a sua maneira, fez uso da ação do Estado, especialmente, como propiciador de
infra-estrutura básicas (as chamadas micro condições para o crescimento econômico) e
posteriormente, incentivando a participação da iniciativa privada na atividade econômica.
Simultaneamente, cabe ressaltar que tais movimentos são perpassados por inconsistências
e erros de condução operacional, tais como privatizações mal planejadas, excesso de
corrupção e má distribuição dos ganhos relativos às atividades econômicas.
Ao analisar o caso chinês, observam-se algumas características específicas da
industrialização chinesa. Desde o início das reformas pró-mercado até os dias atuais
(2008), o setor industrial chinês atingiu um tamanho e uma escala substancial, tornandose um ator regional fundamental e um ator global de envergadura para a composição do
mercado mundial de mercadorias.
Uma participação relevante nesse processo de transformação da estrutura
industrial da China concentra-se em duas alterações realizadas no período de
implementação das reformas pró-mercado: a abertura para novas empresas, domésticas
ou estrangeiras (via “capitalismo com características chinesas”) e pela estruturação das
194
empresas estatais (SOE´s). Tais modificações intensificaram a competição, estimulando
os setores inseridos na economia chinesa a adequar-se ao novo cenário mais aguerrido172.
O histórico da transformação industrial chinesa remonta ao final da década de 70,
cujos instrumentos estavam focados no maior impacto dos incentivos dados pelo Estado e
na força do mercado direcionando de forma mais efetiva e produtiva a alocação dos
recursos. Fica perceptível que, entre outros componentes, o aumento da autonomia das
empresas, tinha papel relevante tanto ao sustentar a demanda interna quanto preparar o
setor industrial chinês para seu vôo em direção à competição no mercado internacional.
Todavia, é a partir da década de 90 que a reforma toma uma direção mais
estruturada. Segundo Brandt et al (2008: 573), em meados da década de 90,
“the scope of reform expanded to include major restructuring of
inherited stocks of labor and capital. State-sector firms, facing
growth financial pressure from new competitors who avoid the
redundant labor, cumbersome management structure, and costly
fringe benefits inherited from plan system, slashed tens of millions
from their employment rolls. The past decade has witnessed a
step increase in market-oriented business behavior driven by the
rapid expansion of foreign-invested firms, which now employ
more workers than the combined total state and collective
enterprises, accelerated growth of domestic private
manufacturing, and the increasingly commercial orientation of
state-controlled corporate groups, like Baosteel and China
Petroleum”.
É importante frisar, contudo, que tal evolução industrial chinesa tem relação
íntima com fatores políticos e econômicos já citados anteriormente nesse capítulo e
anteriores. A reforma pró-mercado, sustentada por um rol de políticas ativas do Estado,
tanto na direção do mercado quanto da abertura “para fora” da China, fez uso de
instrumentos diversos tais como uma gestão da entrada de capitais estrangeiros, uma
gestão do câmbio e um sistema de co-participação nos setores prioritários – seguindo os
princípios ideológicos do planejamento socialista.
“Chinese experience shows that despite their undoubted benefits,
neither privatization of enterprise ownership nor extensive
deregulation, full price flexibility, rule of law, and other widely
recommended institutional changes must necessarily precede a
broad-gauged advance of manufacturing capabilities (BRANDT,
RAWSKI, 2008: 570)”.
172
Tais reformas foram apresentadas e debatidas no capítulo 3, logo, não serão aqui retomadas questões
específicas, apenas as considerações sobre o efeito dessas na evolução da economia chinesa.
195
A conclusão que pode ser retirada sobre a evolução do setor industrial chinês é
que, feitas as reformas, seja ele de responsabilidade do Estado (SOE) seja ele decorrente
do ‘capitalismo com características chinesas’, pode-se observar que, passados 30 anos de
iniciadas as reformas, o setor industrial chinês atingiu alto nível de produtividade,
especialmente, produtividade do trabalho. Seu resultado de crescimento do produto é em
grande parte devido ao crescimento observado no seu setor industrial. Tal expansão é
marcada por um esforço da indústria chinesa em igualar a qualidade de produtos
ocidentais (mediante aprendizado, pesquisa e desenvolvimento de produtos similares),
elevar a variedade da sua oferta, tendo olhos nos mercados interno e externo. São fatores
destacados na literatura (Branstetter e Lardy, 2008: 621) tais como,
“reform-induced growth has stimulated interconnected upward
shifts in capability, real wages, and skills content of output and
especially exports. Changes in costs and capabilities propel a
continuing transformation of China´s export mix from unskilled
labor-intensive to skilled labor-intensive and capital-intensive
sectors”.
Essa transformação fez da emergente China a maior base comercial do globo,
figurando entre os três maiores importadores e exportadores do mundo atual, refletindo
todo o potencial da sua transformação e atividade industrial (Tabela 4.10).
196
Tabela 4.10. Indicadores Econômico-estratégicos da China: 1978-2008.
ANO
INDICADOR
Taxa de Juros
(anual)
Investimento
Estrangeiro
Direto (IED
valores
absolutos em U$
mi)
Entrada de
Investimentos
Estrangeiros
Diretos valores
absolutos em
US$ mi
Reservas
Internacionais
(incluindo ouro,
em valores
absolutos em
US$ mi
Saldo do
Balanço
Comercial
1 - Saldo
externo de bens
e serviços (em
% do PIB)
2 - Saldo
externo de bens
e serviços (em
US$ mi)
Investimentos
com Defesa/PIB
(%)173
1978
1980
1985
1990
1995
2000
2005
2008
nd
-0,360
0,720
0,720
1,080
3,600
3,330
nd
nd
nd
1.030
2.657
33.849
37.483
67.821
nd
nd
nd
1.659
3.487
35.849
38399
79.126 147.791
4,44
10,09
16,88
34,47
80,28
171,76
831,40 1.966,03
-0,46
-0,37
-4,08
2,99
1,64
2,41
-688
-692
-12.501
10.668
11.958
nd
nd
nd
2,69
1,73
5,53
7,72
28.873 124.797 348.870
1,81
1,97
1,91
Fontes: Banco Mundial e FMI (2011)
A título de conclusão parcial, observa-se que a China apresentou, ao longo dos
anos estudados, evolução nos seus principais indicadores de desenvolvimento econômico.
Já no que se refere aos indicadores sociais, observa-se um caminho ainda a ser trilhado
pelo governo chinês, demandando, claramente, uma ação mais intensa do Estado,
principalmente, na redução das grandes desigualdades sociais, criadas por questões
geográficas, educacionais e de distanciamento de rendas auferidas pelos agentes.
Essas observações, todavia, não eliminam os resultados positivos obtidos, entre
eles, a expansão econômica da China, observada pelos seus fluxos comerciais,
173
Os dados referentes à 2009 e 2010 apresentam crescimento desse indicador para valores acima de 2,0%
do PIB. Considerando gastos declarados.
197
crescimento do seu produto nacional e do seu setor industrial. Ainda, e redução gradual,
porém eficiente e contínua, da miséria. Ou seja, a existência de distúrbios na distribuição
de renda não inviabilizam ou invalidam os resultados positivos obtidos tais como a
retirada de aproximadamente 600 milhões de pessoas do estado de miséria. A expansão
chinesa trouxe para a economia uma conseqüente elevação da produtividade e do
estímulo à inovação.
As modificações realizadas no campo e nas cidades geraram melhorias
educacionais nas cidades e descompasso com o campo. Ainda, localidades distantes de
pólos comerciais são menos desenvolvidas, substituindo a razão rural/urbana pela razão
cidades pouco dinâmicas/centros comerciais desenvolvidos e industrializados. A
economia socialista de mercado trouxe retornos para a China, porém, elevam-se os níveis
de obrigações que a China tem que atender para manter sua ascensão mundial. Para que
essa seja pacífica, não basta que a China declare-se como potência emergente pacífica,
mas que a sociedade internacional tenha a mesma percepção.
198
Conclusão
A China apresentou-se, a partir do início das reformas pró-mercado e de abertura,
como a “novidade” da economia mundial. É fato reconhecido por todos os estudiosos
econômicos, analistas internacionais, sociólogos, entre outros, que, nos últimos 30 anos,
não houve país que apresentasse resultados de desempenho econômico que se
aproximasse ao obtido pela China.
Impressiona, ao passar pela literatura, independentemente de qual seja a vertente
ideológica ou analítica do texto, observar o primeiro parágrafo desses textos uníssonos
em dizer que as transformações iniciadas em 1978 elevaram a condição econômica,
política e social da China no cenário internacional, mediante um crescimento econômico
incomparável (média de 9% a.a.).
Particularmente, tenho apreço pela colocação de Fairbank, citado na obra de
Giovanni Arrighi – Adam Smith em Pequin, na qual ele em um primeiro momento diz:
“O esforço de modernização feito pela China nos últimos anos tem escala tão titânica que
chega a ser difícil compreendê-lo”. A citação acima ilustra bem o que fomentou a
curiosidade na pesquisa que agora se conclui. Entender se a economia chinesa, dirigida de
forma tão peculiar numa estrutura de Estado-partido teria sucesso adotando práticas
capitalistas e, em caso de resposta positiva, seria esse sucesso reproduzível? A tese que se
conclui mostra que quando se considera o desempenho econômico da China, pode-se
afirmar que o projeto de desenvolvimento colocado em prática há 30 anos logrou sucesso.
A pesquisa e os resultados obtidos estão alinhados com a reflexão proposta pelo
professor Henrique Altemani em artigo publicado na Konrad Adenauer em 2009 quando
este observa que, ‘os desafios econômicos são considerados fundamentais e inseparáveis
dos elementos básicos da segurança nacional: independência, soberania e estabilidade’.
Nesse sentido, estes desafios econômicos testam, em primeiro lugar, ‘se a China pode
sobreviver e se transformar num grande poder dentro do esquema competitivo
internacional’ e, segundo lugar, da mesma forma, se o resultado econômico permanecerá
garantindo a estabilidade política interna. Contudo, a proposta aqui vai um pouco além,
considera-se aqui que a China já obteve resultado em várias searas do seu projeto, restava
saber, se a China poderia ser um modelo a ser seguido pelos demais emergentes,
conforme postulava Joshua Ramo.
199
Contudo, não se pode restringir o estudo do desempenho da China ao
entendimento dos motivos do seu crescimento econômico. A análise deve integrar o
crescimento econômico ao estudo do desenvolvimento, da melhoria das condições
sociais, da inserção internacional e da sua postura diante de um cenário internacional
mais integrado e interdependente para que seja possível entender como foi estruturada
essa sociedade, sua base econômica, as decisões tomadas pelo Estado e as políticas
adotadas para alcançar os resultados que vem sendo motivo de estudos interpretativos de
toda a comunidade acadêmica, formadores de opinião e analistas políticos
governamentais ao redor do globo.
Quando foi divulgado no meio acadêmico e político o chamado Consenso de
Beijing, oriundo da pesquisa de Joshua Cooper Ramo, colocando que a China e seu
‘modelo’ tornava-se um exemplo, um novo caminho, para que outros países em
desenvolvimento tornassem-se efetivamente desenvolvidos e, ainda, que se encaixassem
na ordem internacional de tal maneira que o desenvolvimento obtido fosse verdadeiro e
independente das “velhas potências”, protegendo sua autonomia, soberania, seu modo de
vida e suas opções políticas. A despeito das hipóteses de Ramo em seu trabalho,
essencialmente a defesa e prática do multilateralismo e a adequação dos projetos de
desenvolvimento, esse trabalho manteve como hipótese a singularidade da experiência
chinesa.
Essa tese partiu da premissa inicial de que a China é singular, única. Suas
idiossincrasias merecem atenção para que não se atreva a lançá-la na vala comum do
estudo do crescimento econômico, e que esse estudo não se transforme em uma
generalização simples de um modelo de crescimento econômico. Nem modelo de
crescimento econômico, muito menos generalizações podem derivar do estudo da China e
do seu projeto nacional de desenvolvimento. Não, a China não permite tal erro. Razão
essa pela qual o estudo de sua estrutura política, social e econômica seja tão complexo,
demande um elevado tempo de leitura e, sobretudo, de conhecimento de sua história e de
sua cultura, mesmo que esse não seja o objeto central da pesquisa pretendida.
Estabelece-se então que o estudo do desenvolvimento econômico chinês não pode
decretá-lo como um paradigma de desenvolvimento do século XXI, muito menos adaptar
a experiência chinesa aos processos de desenvolvimento empreendidos pelos demais
países emergentes ou em desenvolvimento. Suas particularidades internas, seu modelo
200
político diferenciado, suas potencialidades e fraquezas não encontram comparações
imediatas no cenário internacional.
As demais premissas consideradas para a pesquisa realizada (levando em conta
essa premissa inicial) são que: o modelo político da China influencia definitivamente seus
resultados econômicos e suas decisões no que diz respeito à sua política externa, logo seu
processo de inserção internacional. Ainda, é reconhecido como verdade, que o processo
de transformação estrutural implantado na China, predominantemente após 1978, obteve
êxito no que concerne ao seu resultado econômico e ao desenvolvimento do país.
Por fim, ainda dentro das premissas estabelecidas, tem-se que toda essa
transformação engendrada pela China nesses últimos 30 anos, resultou também em uma
definição de inserção e ascensão chinesa no cenário internacional. Ponto esse merecedor
de uma reflexão a respeito se, tal inserção e ascensão vem seguindo uma trajetória que
pode ser classificada como pacífica ou ameaçadora.
A China adentra na cena internacional de maneira gradual, porém, incisiva. Mas
tal postura não determina que a China esteja assumindo ou postulando o posto de motor
da economia mundial ou de nova potência hegemônica internacional. Mas, sem dúvida, e
mesmo que tais afirmações não figurem nos discursos das autoridades políticas chinesas,
o resultado desse projeto de desenvolvimento nacional promoveu a China à potência
regional e a postulante a superpotência mundial. Insisto, não porque seja esse o objetivo
declarado, mas porque a envergadura e a dimensão que a China vem tomando ao longo
do período estudado, em termos políticos e, sobretudo, econômicos, credenciam o país a
ser considerado como um ator primário em nível global.
Logo, o objetivo geral desta tese esteve focado em analisar a hipótese,
considerando as premissas estabelecidas, de que dadas suas condições estruturais
singulares e seu processo de inserção internacional diferenciado, e, a despeito de seu
crescimento econômico efetivo, a estrutura do projeto nacional de desenvolvimento da
China não pode se transformar em um modelo geral a ser adotado pelos demais países em
desenvolvimento como um paradigma de sucesso. A China, conforme foi vislumbrado no
estudo da literatura pertinente ao tema, colocou em prática um modelo pautado na
gradualidade, no pragmatismo e na correção dos rumos do seu desenvolvimento à medida
que as experiências demostravam-se bem sucedidas ou quando o erro era detectado pelos
formuladores políticos nacionais.
201
Para tanto, fez-se uso de uma revisão da bibliografia concernente ao tema,
buscando entender as modificações estruturais colocadas em andamento na China no
período pós-1978. Estabeleceu-se como ordem temporal o intervalo de tempo
compreendido entre o ano de 1978 a 2008, completando 30 anos de história, política e
resultados econômicos e sociais das transformações. Foi fundamental, entretanto,
conhecer a organização política e social chinesa da época anterior, fazendo, nos
momentos pertinentes, um resgate histórico do período que antecede as reformas
implementadas por Deng Xiaoping, trazendo uma breve descrição analítica do período de
Mao Tsé-tung. Contudo, como um estudo que visa compreender o desenvolvimento de
uma nação que vem realizando uma inserção internacional diferenciada (adotando uma
proposta de abertura diferenciada associada a uma adaptação de capitalismo com
características chinesas) é necessário, além do estudo bibliográfico, a leitura de textos
oficiais e a análises da evolução de dados quantitativos escolhidos para se compreender a
trajetória do desenvolvimento e a ligação entre o crescimento econômico e o
desenvolvimento da nação.
Com o objetivo de sistematizar as conclusões obtidas nesse trabalho, frente ao
exposto acima, a exposição das conclusões seguirá a ordem dos capítulos da tese,
destacando suas conclusões parciais. O somatório dessas conclusões leva a conclusão
final da tese.
No primeiro capítulo foi realizada uma descrição histórica da China com o intuito
de apresentar ao leitor os antecedentes históricos e o palco das transformações
implementadas por Deng Xiaoping. Da descrição histórica e das condições
socioeconômicas observadas, reitera-se a premissa de que a China é um ator singular no
cenário internacional. Seu modelo político, suas características geográficas e seu modo de
organização econômica não encontram similares na sociedade mundial. Observou-se que
suas peculiaridades ultrapassavam seu modelo político, mas sua geografia, sua
distribuição populacional e suas fronteiras fazem parte de um mapa de singularidades
com complementam a descrição da história recente da China. Para que seja avaliado e
compreendido o conjunto de transformações colocado em andamento na China desde a
constituição da República Popular da China, e especificamente, depois da transição Mao
Tsé-tung – Deng Xiaoping, foco temporal desse estudo, torna-se imperativo conhecer os
antecedentes culturais e políticos da China.
202
O segundo capítulo da tese teve como seu principal objetivo entender a questão da
soberania e da segurança no contexto chinês atual. O que se pode concluir é que a China
trata com muito cuidado tais conceitos, essencialmente, adequando-os aos eventos
relativos ao seu passado, essencialmente de intervenções estrangeiras e de conflitos
regionais, e aos seus objetivos de desenvolvimento nacional. O capítulo trouxe uma breve
revisão da literatura que versa sobre soberania e segurança e posteriormente, analisa esses
conceitos à luz do cenário chinês e de sua inserção/ascensão internacional atual. O que
deve ficar claro, como parte da conclusão desse capítulo, é que a inserção internacional
chinesa é parte do seu projeto de desenvolvimento. Contudo, seu modelo prima pela
soberania, pela autonomia decisória e, sobretudo, pela defesa dos interesses nacionais da
China.
Ademais, observados os interesses fundamentais da China, as questões que
envolvem a segurança nacional, soberania e a integridade territorial apresentaram-se
como agenda prioritária, principalmente, quando se considera que dentre seus objetivos
figurava a estruturação e consecução de um movimento de inserção internacional.
Fica claro neste capítulo que o tratamento de tais conceitos pelo Estado chinês é,
assim como sua estrutura socioeconômica, ímpar. Uma conclusão relevante retirada do
estudo das decisões e dos discursos chineses no cenário político internacional,
concernentes ao seu projeto de desenvolvimento, é que suas resoluções e julgamento nas
questões de segurança são coerentes com seu projeto de desenvolvimento nacional, ou
seja, inserir o país no cenário internacional, mas com autonomia decisória, sem
subordinar-se a ditames internacionais oriundos de nações ocidentais. Adequar-se ao
cenário internacional é relevante, mas não de forma submissa e preservando suas
premissas internas culturais e políticas.
Ainda no que diz respeito à questão de segurança, percebe-se que devido ao
grande número de intervenções estrangeiras na China, seja decorrente da expansão
comercial européia, seja por intervenções decorrentes de conflitos militares regionais, a
China passou a tratar com muita seriedade sua segurança, ampliando o escopo do seu
conceito. Passam a figurar como segurança, a disponibilidade de alimento a toda a
população, a sua autonomia e soberania, decisória, aspectos econômicos nacionais, além
das questões tradicionais relacionadas ao tema.
A estabilidade interna é um fator de profunda interferência no ambiente político e
econômico do país, podendo, se mal resolvida, colocar em risco todo o projeto de
203
desenvolvimento chinês. À medida que a China ganhava corpo e importância em nível
internacional, a segurança, conforme aqui colocado, em sentido amplo, ganhava mais
força como determinante da sua postura política, interna e externamente.
O posicionamento da China no cenário regional também foi sendo alterado ao
longo desses trinta anos. A relação com o Japão permanece conturbada, porém, a China
surge agora como uma potência regional devido a sua força econômica, seu fluxo
comercial e ao seu posicionamento político nos principais organismos decisórios da
política internacional. Buzan, Wæver e Wilde (1998) tratam segurança como
sobrevivência. Sobrevivência frente a qualquer ameaça, para além da versão tradicional
de ameaça militar, mas uma ameaça que coloque em risco a nação e seus propósitos. Já
em 2003, Buzan, Wæver afirmam que uma separação da agenda em high politics e low
politics para o caso da China não seria válido. Cito esses autores exclusivamente para
corroborar a seguinte afirmação: a agenda de desenvolvimento nacional contempla o
econômico e o político, o nacional e o internacional, a preservação da sua cultura e a
inclusão social, a inserção e a ascensão, logo, não faz sentido tal separação. Seu cenário é
demasiado amplo e complexo para que se restrinjam seus objetivos e os meios para
alcançá-los.
Quanto ao conceito de soberania, observou-se que a idéia do centro decisório é
fundamental para a China. A ‘Nova idéia de soberania chinesa’, está apoiado em três
posições, a saber: a sovereignty-bound thinking; o princípio da inviolabilidade da
soberania do Estado; e a reciprocidade e mutualidade. É originária dessa concepção os
Cinco Princípios de Coexistência Pacífica, que passaram a figurar nos documentos
oficiais e, sobretudo, nortear a postura chinesa quando se trata de uma agenda de
segurança interna, seu posicionamento nos grandes fóruns internacionais e na definição
de sua agenda de reestruturação social e econômica nacional. Considerando estas três
características da soberania para o Estado Chinês, observa-se que a China atualmente é
uma ferrenha defensora de um formato de soberania no qual é preservado o direito
máximo e legitimo do Estado de estabelecer suas leis e de posicionar-se frente aos
desafios e ocorrências do cenário internacional sempre em constante mutação. Portanto,
conclui-se que é característica predominante na condução política da China, seja em
assuntos internos ou externos, (e tudo indica que assim permanecerá) assumir seu
conceito de soberania e de segurança, comumente focado em preservar sua autonomia
decisória no que tange aos seus objetivos de desenvolvimento nacional.
204
Frente ao cenário acima descrito de interdependência entre as nações e a trajetória
de sucesso econômico da China, observa-se que de imensa importância para a
pavimentação desse caminho foi a maneira pragmática com a qual a China tratava e,
sobretudo, perseguia seus interesses internos, domésticos. Tal postura pragmática superou
grandes obstáculos tal como a limitação ideológica do modelo político chinês e a
necessidade de um nível de convergência com os principais países membros do cenário
internacional.
O incidente na Praça Celestial em 1989, mostra como funcionava o pragmatismo
chinês. A primeira medida, de cunho emergencial, era extirpar o risco de convulsão
interna. Foi feito. O segundo desafio era absorver as críticas (óbvias e certas) e as
condenações que viriam dos países desenvolvidos considerando a condução chinesa na
resolução do problema. Grandes questionamentos vieram da comunidade internacional,
entre elas, seria possível a China dar continuidade ao seu projeto de desenvolvimento
nacional, mantendo suas taxas de crescimento econômico tendo uma postura rígida em
termos políticos. O terceiro passo da China para dirimir o problema foi voltar seus
esforços diplomáticos para “re-estabelecer” suas boas relações com seus vizinhos e com
os EUA, principalmente. O foco era corrigir e reduzir as divergências que permaneciam
no campo da segurança, mas, sempre, buscando manter sua autonomia e soberania
decisória interna. Ou seja, buscou-se reorganizar suas relações internacionais,
essencialmente com os países ocidentais, porém, sem um recuo chinês no que tange à sua
posição e atuação no incidente.
Já na década de 90, o objetivo da China era permanecer expandindo sua
participação no cenário internacional, através de uma maior ênfase no processo de
abertura, contudo, advogando o multilateralismo como a opção de países emergentes (tais
como China, Brasil, Rússia, entre outros) para melhor resguardar seus interesses. O
cenário político e econômico mundial da década de 90 trouxeram perturbações, tais como
as crises dos países (mercados) emergentes em meados da década. Mesmo diante desse
cenário, os objetivos estratégicos chineses foram preservados, adequando-se ao cenário e
às movimentações dos demais países dentro da esfera internacional. Com as transições
políticas internas, as novas gerações de governantes chineses mantiveram a rota definida
no projeto de desenvolvimento nacional, construído e implementado a partir de 1978,
refletindo um movimento de continuidade em sua estratégica macropolítica e econômica.
Esse comportamento permaneceu durante os primeiros anos do novo século.
205
Essas observações foram retiradas do terceiro capítulo dessa tese que possuía
como objetivo descrever e avaliar, à luz da literatura consultada, as modificações
essenciais na estrutura política chinesa que influenciaram diretamente seu desempenho
econômico e seu objetivo superior de desenvolvimento nacional. Receberam destaque no
capítulo supracitado, em primeiro lugar, o esforço de legitimação diferenciada de Deng
Xiaoping e sua estratégia para conduzir as grandes transformações políticas e econômicas
chinesas. A constatação nesse quesito é que, a Deng Xiaoping interessava exercer a
liderança política sem, contudo, concentrar cargos e posições na estrutura de governo da
China. Figuravam como essencial aos objetivos de desenvolvimento chinês a
modernização estrutural e produtiva chinesa, adoção de algumas práticas capitalista,
abertura ao mercado internacional e conseqüente inserção internacional (política e
econômica) e inclusão social.
Crucial para alcançar esses objetivos era a realização da reforma em três âmbitos
distintos, porém interligados dentro da estrutura política e econômica chinesa, a saber: o
setor rural, as empresas estatais e a adoção de certas práticas capitalistas, associada a uma
maior inserção internacional.
No primeiro caso, a modernização passava pela modificação da estrutura de
propriedade (e responsabilidade), gestão da terra e dos seus ganhos (passando pela
precificação e pela forma de negociação com os demais agentes da economia). Já no que
concerne às empresas estatais observou-se a execução de reformas que atingiram em
parte seu objetivo: modernização, competitividade e elevação da eficiência e da
produtividade. Contudo, devido a sua relação estreita com o Estado chinês e desse com o
Partido Comunista, observou-se que sua modernização e a adoção de práticas
operacionais mais condizentes com um mercado global ficaram sujeitas a regionalização,
decisões de autoridades locais e a posturas discricionárias por parte do Estado-partido.
Já quando se refere à adoção de práticas capitalistas e a abertura para a economia
internacional, observa-se um sucesso mais significativo, que podem ser exemplificados
com a elevação dos investimentos estrangeiros direcionados à China, a concretização da
entrada da China na OMC e seu desempenho nos fluxos de trocas de mercadorias e de
serviços no mercado internacional.
Ao observar a industrialização chinesa, constatam-se algumas características
específicas relativas à sua montagem e crescimento. Desde o início das reformas prómercado até os dias atuais (2008), o setor industrial chinês atingiu um tamanho e uma
206
escala substancial, tornando-se um ator regional fundamental e um ator global singular
dentro da cena internacional. O mercado mundial de bens, serviços e capital passa,
inevitavelmente, pelo comportamento da China, cujas decisões influenciam toda a
economia política internacional. Interessante notar que o sistema internacional, mais
detidamente o mercado internacional, considera a China como um global player,
independente do seu modelo político e das suas posturas dentro da agenda de segurança
internacional. Pode-se inferir que a representação econômica da China em escala mundial
está, sobretudo, relacionada ao seu desempenho macroeconômico e a sua relevância para
a economia mundial, principalmente, em tempos de grande incerteza e oscilações nas
principais economias desenvolvidas.
Não exclusivamente as reformas colocadas em andamento na China em busca do
seu desenvolvimento nacional conferem à China a propriedade de singular, mas, suas
potencialidades adormecidas e a forma com a qual elas foram despertadas e colocadas em
funcionamento conferem a China a sua unicidade. O andamento das reformas prómercado, associadas a uma forma distinta de governo e a um nível cadenciado de
alterações estruturais, moldam a evolução da China gradualmente. Ou seja, a
implementação das políticas pró-reforma foi cadenciada, gradual, contínua e pragmática.
Os erros, quando percebidos, eram corrigidos ao longo da trajetória, porém, sem
interromper o andamento da modernização da estrutura nacional e do seu movimento de
inserção internacional. Ainda, a íntima relação entre resultados econômicos e estabilidade
política como forma de manutenção de poder, corroboram com a hipótese de
singularidade do projeto de desenvolvimento chinês. Não só seu projeto de
desenvolvimento, mas suas características internas inerentes fomentam essa qualificação.
É perceptível pós-1978, com o aparecimento dos resultados das reformas implementadas,
como poder da economia chinesa influenciou demasiadamente seu ambiente interno bem
como sua postura internacional e a percepção dos demais membros do sistema
internacional a respeito de sua força e relevância.
O quarto capítulo da tese iniciou-se com duas discussões de cunho teórico, a
primeira diz respeito à compreensão do que se trata um processo de inserção
internacional, considerando seus princípios políticos e econômicos. A segunda teve como
objeto o entendimento do sentido do desenvolvimento, construindo um conceito de
sentido mais amplo, visto que se acreditava mais adequado ao caso da China. Admite-se
que tais conceitos sejam essenciais para a análise da evolução dos indicadores
207
socioeconômicos chineses e para inferir sobre sua trajetória de sucesso no que tange aos
indicadores econômicos. Mas, além disso, tem deve-se atentar também para os motivos
pelos quais algumas políticas adotadas não alcançaram todo o sucesso pretendido. Um
exemplo é a evolução da educação na China. O acesso melhorou bem como o número de
pessoas influenciadas pela evolução da política de valorização da educação e pela
alteração do status social determinada pelo mérito, contudo, ainda observa-se uma grande
desigualdade social na China, parte explicada pelas diferenças regionais e pela diferença
de renda auferida nas regiões rurais e nas grandes áreas industrializadas da China.
No que concerne a seu desenvolvimento industrial, devem ser sublinhados a
relevância das Zonas Econômicas Especiais, que se constituíram em um esforço
planejado, destinado a criar um clima microeconômico e político para a economia de
mercado, para atrair capital estrangeiro, tecnologia, inserir novos modelos de gestão e,
sobretudo, criar na China um setor industrial orientado para a promoção de um
desenvolvimento que além dos estímulos internos, também utilizasse o aumento das
exportações como fonte do desenvolvimento industrial e, por conseguinte, nacional. A
elevação do coeficiente de exportação tem relevância no projeto de desenvolvimento
chinês. Além de fomentar o desenvolvimento industrial, cria novas zonas econômicas,
aumenta a absorção interna de mão-de-obra e, atrelado ao objetivo de aumentar sua
participação no mercado internacional, apresenta-se como um forte competidor diante de
um mercado internacional integrado e de competição acirrada.
No movimento de inserção, a década de 90 ganha destaque, pois a despeito de
toda oscilação no mercado mundial, marcado por crises econômicas complexas nos
principais centros emergentes, a China passou por tal período incólume. Manteve sua
taxa de crescimento em níveis elevados e, associado aos seus resultados econômicos,
manteve suas relações econômicas e diplomáticas com os principais países centrais
preservadas. Relevante para a manutenção das suas relações com o mundo ocidental
capitalista foi sua ascensão à OMC em 2001. A entrada da China na Organização
Mundial do Comércio representava o cumprimento de uma etapa do seu processo de
inserção internacional e, por conseguinte, do sucesso na implementação de um conjunto
de ações e políticas que pôs fim ao seu isolacionismo. A China aceitou e adequou-se às
regras colocadas pelo órgão internacional e, talvez mais importante, seja observar a
postura do Partido Comunista Chinês ao prover uma certa estabilidade política ao país
para que essa parte do seu processo de inserção internacional fosse concretizada.
208
Conforme foi exposto no capítulo 4, a entrada da China para a OMC contribuiu
para o processo de inserção internacional da economia chinesa, reforçando os objetivos
das reformas implantadas desde o início do período de Deng Xiaoping e acentuando as
possibilidades de inclusão da China no cenário internacional, parte essencial do projeto
de desenvolvimento nacional chinês.
Por fim, a análise dos indicadores sociais chineses mostrou uma evolução
numérica significativa, com alguns óbices, como a manutenção da desigualdade regional
e entre setores (rural versus indústria e serviços).
A condução da política macroeconômica nacional, sobretudo quando se refere à
estabilidade monetária interna (controle da oferta monetária e da inflação) e à condução
cambial, causam calorosos debates nos fóruns internacionais e duras críticas ao modelo
de gestão macroeconômico chinês. Contudo, acredita-se que essa postura faça parte da
posição chinesa de preservar seus indicadores internos, caros ao seu projeto de inclusão e
desenvolvimento e de suma importância para a manutenção da proteção ao seu setor
produtivo nacional e às suas exportações.
A China obteve ao longo de todo esse processo de modernização e de
transformação de sua estrutura econômica resultados socioeconômicos mensuráveis. O
nível educacional aumentou, o acesso à educação seguiu o mesmo caminho, a população
está comendo mais e melhor, há ganhos de renda sendo auferidos no meio rural bem
como no setor industrial e de serviços. A renda per capita da China subiu, conseqüência
da elevação contínua do produto nos últimos trinta anos. A população tem seu
crescimento controlado, componentes que somados comprovam o crescimento da renda
per capita. O mercado interno chinês cresceu, tanto pelo aumento da renda interna quanto
pela inclusão social que inseriu no mercado consumidor do país aproximadamente 600
milhões de pessoas que deixaram saíram do nível de miséria absoluta no país. Houve
desenvolvimento socioeconômico na China? A resposta é sim, houve um incrível avanço
socioeconômico na China. Esse modelo pode ser repetido em outras nações? Acredita-se
que as experiências observadas no caso chinês podem servir de fonte de análise, pesquisa
e aprendizado para outras nações, mas não para que se torne um modelo de
desenvolvimento econômico a ser reproduzido e aplicado em qualquer nação, visto que as
capacidades internas, a cultura, o modelo político e a condução das reformas, além de
suas singularidades inerentes não sejam passíveis de reprodução.
209
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