Livro da UEM – Comentário - O Cobrador

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Livro da UEM – Comentário - O Cobrador
Livro da UEM – Comentário - O Cobrador - Rubem Fonseca
I – Biografia:
Rubem Fonseca nasceu em Juiz de Fora, mas vive no Rio desde os 18
anos. Formado em Direito, trabalhou no Departamento Federal da Segurança
Pública. A partir faz curso de Administração e Relações Públicas na Fundação
Getúlio Vargas do Rio, onde também foi docente.
Estreou na literatura com o livro de contos: Os prisioneiros (1963). Em 1965
publica Coleira de Cão. Em 1969 vence o concurso de contos da Fundação
Educacional do Paraná com o livro de contos Lúcia McCartney. O livro Feliz Ano
Novo é proibido pelo Regime Militar.
A temática da violência e a linguagem cinematográfica são características de
sua arte. Suas personagens são colhidas no submundo da zona sul carioca:
lutadores de boxe, policiais assassinos; ninfomaníacos.
O romance A grande arte (1983) foi adaptado para o cinema em 1989.
Agosto (1990) deu origem a uma minissérie de TV em 1993.
Livro-O Cobrador
Compõe-se de dez contos. Foi publicado em 1979.
Tematiza a violência em suas várias manifestações (contos: O Cobrador,
Encontro no Amazonas e O jogo do morto), e as complicadas relações amorosas
(contos: Pierrô da Caverna e Mandrake). Desprovido de idealizações mostra a
realidade exata, nua, crua, transparente e cheia de vigor.
A cada conto novas chagas do mundo atual se fazem presentes: os
desequilíbrios, a pederastia, a desagregação familiar, a sexualidade, o aborto, o
jogo, a banalização da morte.
O Cobrador
Narrado em 1ª pessoa, o conto estrutura-se em partes que focalizam
momentos da vida da personagem-narrador.
1º momento
Na porta da rua uma dentadura grande, embaixo escrito Doutor Carvalho,
Dentista.
Ele entra no gabinete... a dor que sente é similar a de qualquer paciente e o
dentista também. O dentista lhe pergunta como deixara o dente chegar àquela
situação, terá de arrancá-lo. Se não cuidar, vai perder todos os dentes. O dentista
lhe mostra o dente de raiz podre: - “São quatrocentos cruzeiros”.
Ele se nega a pagar. O dentista quer impedi-lo de sair. O narrador afirma:
“O meu físico franzino encoraja as pessoas. Odeio dentistas, comerciantes,
advogados, industriais, funcionários, médicos, executivos, essa canalha inteira.
Todos eles estão me devendo muito”. Ele tira o revólver “- que tal enfiar isso no teu
cú?”
O dentista fica branco, recua. Ele destrói o consultório e grita: “Eu não pago
mais nada, cansei de pagar!, (...) agora eu só cobro”. E deu um tiro no joelho do
dentista. Devia tê-lo matado.
2ª momento
Na rua cheia de gente e ele insiste na idéia de que todo mundo está lhe
devendo (o narrador usa a técnica cinematográfica de flashes-enumeração de
substantivos para sugerir a agitação urbana). “De manhã não se consegue andar na
direção da Central, a multidão vem rolando como uma enorme lagarta ocupando
toda a calçada”.
3º momento
“Me irritam esses sujeitos de Mercedes”.
Ele atravessa a rua pensando na Magnum com silenciador que desejava
comprar. Assustou-se com buzina do bacana, não havia ninguém na rua, era noite,
sacou o 38 e atirou no pára-brisa... o carro pára, ele ameaça o motorista: “o cara,
quer que eu te dê o tiro de misericórdia? Não, não, ele disse com esforço, por
favor”. Um sujeito observava da janela, com certeza chamara a polícia. Pensou que
deveria ter dado um tiro na capota e em cada porta. Vai andando calmamente para
a Cruzada.
4º momento
Encontrou o cara da Magnum. Queria comprar outros objetos. Enquanto o
vendedor vai buscar, ele examina a arma. O muambeiro volta com o rádio de pilha
e ele pediu para aumentar o som.
“Puf. Acho que ele morreu logo no primeiro tiro. Dei mais dois tiros só para
ouvir puf, puf’.
5º momento
“Estão me devendo colégio, namorada... sanduíche de mortadela... bola de
futebol!”.
Fica na frente da televisão para aumentar seu ódio e realimenta-lo. Tem
vontade de cortar os dois lados da bochecha do rapaz que faz anúncio de uísque.
“Meu arsenal está completo: tenho a Magnum com silenciador, um Colt
Cobra 38, duas navalhas, uma carabina 12, um Taurus 38 Capenga, um punhal, um
facão. Pensava em decapitar alguém como via em um filme: um golpe seco e a
cabeça rolava, o sangue esguichando.
6º momento
Na casa de uma mulher que o apanhou na rua. Ela diz que estuda à noite.
Ele diz que seu colégio foi o pior do mundo,que já está demolido. Ele afirma que é
poeta e como ela lhe pede, ele recita uns versos, sobre os ricos que dormem até
tarde e desprezam os que trabalham por comida.
Ela o interrompe, quer saber se ele gosta de cinema. Ela nada entende de
poesia. Ele continua a recitá-la. A mulher fingia indiferença por ele. “A farsanteza
das mulheres”. Ela confessa que tem medo dele. Ele a acha uma fodida. Pergunta
se ela quer que ele a mate. Ela diz que quer que ele a foda. Ele pensa que poderia
esgana-la. Mas, não uma infeliz daquelas. Ele descreve a mulher fisicamente:
peitos murchos, chatos, celulite... ele se deita sobre ela. “Fodemos. Ela agora está
dormindo. Sou justo”.
7º momento
O jornal não noticia a morte do muambeiro; o bacana morreu no Miguel
Couto. Faz um poema que denomina “Infância ou Novos Cheiros de Buceta com U”;
o poema termina com o verso: “Quando não se tem dinheiro, é bom ter músculos e
ódio”.
Quer viver muito para matar a todos que comem, bebem...
8º momento
Ele fica observando a festa na Vieira Souto. A elegância dos homens, das
mulheres. O facão amarrado nas pernas dificulta os movimentos. Pensam que é um
aleijado. Um casal chama a sua atenção: o carro vermelho, o vestido azul
esvoaçante não fizeram a entrada triunfal que imaginavam. Ele se dispõe a esperar.
Quando o casal sai da festa, ele os surpreende na escura rua lateral. Seguiram pela
Barra da Tijuca. Em frente ao Hotel Nacional, o homem lhe oferece o dinheiro, o
carro... mas que os deixasse descer. “Só rindo”. Lógico que ele ia avisar a polícia.
Seguiram pelo Recreio dos Bandeirantes até uma praia deserta. Todos desceram.
Não adiantou o homem dizer que a mulher estava grávida. Era o primeiro filho. Ele
deu um tiro no umbigo e outro na têmpora. Amarrou o homem, tirou a gravata e
com o facão deu-lhe vários golpes no pescoço até a cabeça rolar na areia.
“Ergui alto o alfanje e recitei: Salve o cobrador! Dei um grito alto que não
era nenhuma palavra, era um uivo comprido e forte, para que todos os bichos
tremessem e saíssem da frente. Onde eu passo o asfalto derrete”.
9º momento
Consegue entrar em um condomínio dizendo ser bombeiro. Tenta vários
apartamentos, mas só consegue no primeiro andar. Depois de estuprar a dona do
apartamento, ironiza “Vê se não abre mais a porta pro bombeiro” e sai (cena com
toque naturalista).
10º momento
“Saio do sobrado da rua Visconde de Maranguape...” Ele chega à praia e vê
duas mulheres conversando, têm corpo bonito, a bunda da clara é a mais bonita
que ele já viu. Elas se insinuam para ele. Ele afirma que na praia todos são iguais:
os fodidos e os outros. Elas se despedem, a branca vai para Ipanema. Ele a segue.
Não sabe o que dizer. É tímido... o cabelo dela é fino e tratado, o seu tórax é
esbelto, os seios pequenos, as coxas são redondas e musculosas e a bunda é feita
de dois hemisférios rijos. “Corpo de bailarina”. Ele não acredita que alguém possa
ser tão bonita. Mente para ela, diz que mora em Ipanema. Ela lhe mostra um
prédio todo de mármore.
11º momento
Volta à rua Visconde de Maranguape. Faz hora para ir à casa de Ana, a moça
branca. Os jornais noticiam o crime que cometera (justiçara, eram filhos de ricos
que exploravam os paus-de-arara). Os jornais trazem manchete, já não há
segurança nas ruas. “Só rindo”. Novos versos: “Eu sou uma hecatombe/ Não foi
nem Deus nem o diabo/ Que me fez um vingador/ Fui eu mesmo/ Eu sou o Homem
Pênis/ Eu sou o cobrador.”
Ele vai ao quarto de Dona Clotilde, a dona do sobrado. Ela está deitada há
três anos. Ele lhe dá a injeção e diz que a doença está na cabeça dela. “Qualquer
dia dou-lhe um tiro na nuca”.
12º momento
Ele reafirma a satisfação que lhe dá quando satisfaz seu ódio. Sente-se
eufórico. Quem quiser mandar nele vai morrer. Ele deseja matar um figurão que
aparece na TV. Ele vai até a casa de Ana que o espera sentada na sala. Ele não tem
carro. Ela tem um Puma conversível. Ele pede para dirigir e vão pela estrada de
Petrópolis. Lá param em um restaurante, ele diz que não tem fome e nem dinheiro.
Ela tem os dois. Alguns executivos bebem e falam alto. Ele os odeia. Voltam para o
Rio, ele dirige como um raio e pára na rua Visconde de Maranguape. Ela lhe
pergunta se vai vê-lo de novo. Enquanto sobe a escada, ele ouve o barulho do
carro afastando-se.
13º momento
Ele vai a um “Top Executive Club”. Surpreende um homem bem sucedido
(coluna social, comprista, eleitor da Arena, católico, cursilhista...). O homem tenta
conversar... mente que não mora no Rio... confessa que tem três filhos... a
personagem-narrador mata-o com três tiros no peito (um para cada filho), e outro
na cabeça (para a mulher).
14º momento
Para esquecer Ana (a moça do edifício de mármore) vai jogar futebol.
Depois, conversa com um crioulo que lê o jornal O Dia. O crioulo não lhe dá o
jornal, mas ele não se aborrece, o coitado não tem nem dentes. Compra cachorrosquentes, coca e reparte com o crioulo. Lê no jornal que estão procurando o louco
da Magnum. Também leu uma manchete sobre uma grande festa de Natal-Primeiro
Grito de Carnaval... convidados de vários países... “o parasitismo internacional”.
“Só rindo”. Lê outras notícias.
15º momento
Ele aplica a injeção de Trinevral em Dona Clotilde. Ele faz tudo no sobrado.
Tocam a campainha: era Ana Palindrômica. Ele a leva para o sobrado e pede a
Dona Clotilde se pode levá-la para o quarto. Ela concorda, mas quer conhecer a
moça, rezava sempre para que ele encontrasse uma moça como Ana.
Os dois vão para o quarto onde se amam com intensidade, hipnotizados. O
perfume dela transpassa para as paredes do quarto. Ana acordou antes dele. A luz
está acesa. Ela comenta sobre os livros de poesia e as armas. Pega a Magnum.
Pergunta se ele já matou alguém e o que sentiu. Ele lhe responde que sim, que
sentira um alívio. “Como nós dois na cama? Não, não, outra coisa. O outro lado
disso.” Ana diz que não tem medo dele. Ele lhe diz que a ama.
Depois de servir café para Dona Clotilde e levá-la para a cama, ele sai com
Ana.
16º momento
“Hoje é dia vinte e quatro de dezembro, dia do Baile de Natal ou Primeiro
Grito de Carnaval”. Ana saiu de casa e mora com ele. “Meu ódio agora é diferente.
Tenho uma missão. Sempre tive uma missão e não sabia.. agora sei. Ana me
ajudou a ver... Ana me ensinou a usar explosivos... matar um por um é coisa
mística e disso me libertei. No Baile de Natal, mataremos convencionalmente os
que pudermos. Será meu últimos gesto romântico inconseqüente... escolhemos
para a nova fase os compristas... de um supermercado da zona sul. Serão mortos
por uma bomba de alto poder explosivo. Adeus, meu facão, adeus meu punhal,
meu rifle, meu Colt Cobra... hoje será o último dia em que vocês serão usados...
explodirei as pessoas, adquirirei prestígio; não serei apenas o louco da Magnum,
também não irei mais ao parque do Flamengo... já não perco meu tempo com
sonhos”.
“O mundo inteiro saberá quem é você, quem somos nós, diz Ana”. Eles lêem
várias notícias sobre o Natal. Ela diz que é um bom dia para essa gente pagar o
que deve. Ele diz que vai matar o Papai Noel do Baile com o facão.
Ele lê para Ana o manifesto de Natal que mandará para os jornais. Antes ele
não sabia o que queria, desperdiçava seu ódio, sem objetivo definido. Agora ele
sabia quem era o inimigo. Ana lhe ensinara. “E o meu exemplo deve ser seguido
por outros, muitos outros, só assim mudaremos o mundo. É a síntese do nosso
manifesto”.
Colocam as armas no carro, despedem-se de Dona Clotilde. Vão ao Baile de
Natal. “Não faltará cerveja, nem perus. Nem sangue. Fecha-se um ciclo da minha
vida e abre-se outro”.
Comentário: É um dos contos mais violentos do livro. Merece destaque o
comportamento contraditório do narrador, capaz de amar e odiar ao mesmo tempo.
Vale ressaltar a linguagem chula do narrador, reflexo de sua origem e de
seu comportamento.
Livro das Ocorrências
Um policial relata três histórias presenciadas por ele na delegacia.
1ª história: violência doméstica – uma mulher presta queixa contra o
marido violento; depois se arrepende. O policial resolveu ir à casa dela conversar
com o marido violento (Ubiratan), que se mostra valentão. O policial atira na perna
de Ubiratan, leva-o para o hospital; depois para a delegacia.
2º história: atropelamento – um ônibus atropela um garoto de dez anos e
passa sobre a cabeça dele. O guarda consegue deter o motorista e isola o local para
esperar a perícia, mas uma mulher consegue furar o cerco e se atira gritando sobre
o garoto. Os policiais têm dificuldade para afastá-la. Depois o policial conduz o
motorista à delegacia.
3º história: suicídio – o policial vai à residência do morto que está
pendurado no banheiro. O filho e a mãe, atônitos vêem o corpo ser retirado pelo
policial e pelo investigador Azevedo.
Comentário: O que mais impressiona nas três histórias
é a frieza e o
distanciamento com que os fatos são narrados, fazendo-nos perceber que a rotina
dos policiais, torna-os insensíveis em relação aos fatos que vivenciam. O próprio
título do conto;”Livro de Ocorrências já antecipa o tom e a linguagem do texto.narrativas leves, linguagem seca o que é reforçado por um narrador- testemunha
Pierrô da caverna
O personagem narrador, um escritor de 50 anos, separado da mulher
Maria Augusta, afirma que é um homem movido pela paixão. Atualmente mantém
um caso amoroso com Regina, uma mulher casada.
Através do fluxo da consciência, fragmentado e neurótico, ele se
desnuda: da separação restaram apenas livros e discos; recebe telefonemas
anônimos e se sente observado através da cortina. Os livros mantêm o elo com a
esposa e freqüentemente vai à casa dela buscar algo de que se esquecera, deseja
escrever um novo livro e registra as idéias em um gravador portátil. Em sua vida
não há amigos, contatos próximos, exceto as mulheres e suas relações amorosas.
Seu caso com Regina não era suficiente para suprir seus devaneios
amorosos. Ele sente desejos por uma garota de doze anos, Sofia, que é sua
vizinha. Pesquisa vários autores que se envolveram em casos amorosos com
crianças (pedofilia), para justificar seu comportamento. Para suprir seus desejos
mantêm um caso com a mãe da garota: Eunice, casada com Milcíades, sempre
embriagado.
Embora não sejam de Sofia os telefonemas, ele descobre que era ela
quem o espiava através da cortina. Sofia o visita e ele a desvirgina, passando a
viver um romance com ela. O pai da menina descobre, mas não toma nenhuma
atitude. Ele descobre que Sofia está grávida e leva-a para uma clínica de abortos. O
médico, o Dr. Boris Godunov acaba descobrindo a idade de Sofia, e o repreende
“por que não usou pílula, diafragma... fazem besteira e depois vêm correndo para
cá. É um pobre país este, cinco milhões de abortos por ano”.
Em casa, Sofia diria estar com dor de cabeça e os curativos seriam na
casa do personagem- narrador. “o telefone toca várias vezes. Nada mudou, nada
vai mudar”.
Comentário: É interessante notar que todas personagens do conto
são
degradadas, mulheres infiéis , um pai bêbado que sequer tem coragem de
contestar verdadeiramente a atitude da filha, um escritor pervertido, uma garota
de 13 anos voluptuosa.mas ninguém se sente culpado por sua atitude.Quanto ao
título, provavelmente faz alusão
ao fato de que nosso narrador , como o Pierrõ
carnavalesco é sentimental e apaixonado,porém não com a
ingenuidade do
Pierrô,mas sim com a fúria sexual do homem das cavernas.
A caminho de Assunção
O narrador faz parte
de um grupamento militar dos Dragões Reais de
Minas. Ele pertence ao 2º Regimento de Cavalaria, o qual esfarrapado, depois de
tantas batalhas, da Guerra do Paraguai, tenta rumar para Assunção. O Coronel
Procópio , comandante deste regimento, tenta manter seus soldados impecáveis ,
ainda que seus trajes militares estejam em petição de miséria.Ele não quer que
seus comandados usem roupas civis como os gaúchos do 5º.
Numa madrugada de dezembro, quando rumavam para atacar o Avaí, os
militares brasileiros foram atacados
pelas tropas inimigas. Como já estavam
desfalcados, com cavalos mortos, muitos soldados combatiam a pé, a batalha foi
um verdadeiro massacre: o coronel Procópio e o tenente coronel Rubião estavam
mortos . Então o major Rias, doente de tifo como tantos outros militares
que
foram assolados por outras doenças assume o comando do regimento , embora
muitos dissessem que ele não estava no seu juízo perfeito..Rias coloca a tropa em
pé , mesmo os que estão feridos, para que o General Osório possa passar
as
tropas em revista. O sargento Andrade, dado como morto, dá um último suspiro ,
levantando-se para bater continência para o General, caindo em seguida. Osório
cessa sua ordens e segue para o acampamento do 5º.
Comentário: Este conto retrata as mazelas da guerra e o sofrimento
daqueles
que dela participam..Assemelha-se a várias
Cavalaria Vermelha de
obras do gênero, como A
Isaac Babél, escritor russo muito apreciado por Rubem
Fonseca e com cuja obra ele dialoga no romance Vastas Emoções e pensamentos
Imperfeitos . Textos como esses descrevem
de maneira crua
a inutilidade da
guerra e de suas devastações O tom narrativa, bem como a verossimilhança ,é
aguçado pela presença de um narrador –protagonista.
Encontro no Amazonas
Este conto é povoado por uma atmosfera de suspense que só se desfaz no
desfecho.O narrador, como a maioria dos narradores dos contos anteriores, é
protagonista,extremamente interessado em mulher e sexo. Com seu companheiro,
Carlos Alberto, procura um fugitivo; durante toda a narrativa ficamos na
expectativa , pois não se pode saber ao certo se o homem procurado é bandido ou
não e quem seria o narrador e seu companheiro. Como o homem procurado por
ele estava em , no Museu Goeldi, fazendo anotações,mas quando ele chegaram lá,
o homem já havia partido para Manaus. Para ter mais chances em sua busca, os
dois resolvem fazer roteiros diferentes e fazem um sorteio. O narrador vai pelo rio,
na embarcação Pedro Teixeira e Carlos Alberto segue de avião até Manaus.
Durante a viagem o narrador descreve os passageiros que estão no barco,
na 1ª classe junto com ele, há vários turistas nacionais e estrangeiros , a maioria
em busca do
exotismo
da paisagem
mercadorias na Zona Franca
amazônica e desejosos
de
comprar
de Manaus.Na terceira classe, estão os pobres, de
quem o narrador faz questão de frisar , pois
tem ojeriza, As acomodações são
precárias, sua comida é de má qualidade, , devem ter seus próprios pratos e copos.
Em cada parada do Pedro Teixeira o narrador desce da embarcação e procura
pistas do fugitivo. Finalmente, em Oriximiná um garoto-vendedor de peixes e frutas
diz que conhecia o procurado e sabia onde ele estava.
Após tanto tempo de procura, o homem finalmente fora encontrado.O
narrador não o conhecia pessoalmente,
apenas sua descrição,mas se sentia tão
íntimo que sabia que iria reconhecê-lo.Quando o procurado lhe abriu a porta ele se
assustou e desferiu-lhe dois tiros que o derrubou no chão. Os olhos azuis da vítima
sugeriam que ele era inocente, mas, mesmo assim, ele atirou em seu peito mais
uma vez.
Comentário:-A presença do narrador-protagonista ajuda a densar o clima
de suspense da narrativa, visto que ele só nos revela
aquilo que quer e no
momento que achar importante. Além disso, vale reparar que este é mais um dos
personagens masculino de caráter duvidoso e aficcionado por sexo.
Mandrake
Este é mais um conto policial. Narrado pelo próprio Mandrake o advogado
Paulo Mendes . O conto nos traz a história de um crime no qual está envolvido um
rico homem de negócios.
Doutor Paulo Mendes Campos, advogado, apelidado por um amigo
como Mandrake, jogador de xadrez é especialista em casos de extorsão e
estelionato. É único, inescrupuloso, competente.
Certo dia, Marly, a amante de Rodolfo Cavalcante Méier (50 anos,
suplente de senador por Alagoas) foi assassinada com um tiro, mas nada lhe fora
roubado. Ameaçado por um sujeito chamado Márcio Amaral, um motoqueiro
chantagista, fornecedor de drogas, que o denunciaria à polícia como o criminoso,
Méier contrata os serviços de Mandrake que vai em seu lugar ao encontro do
chantagista. Mas Márcio foge, depois de conversar com uma moça, sem que
Mndrake consiga falar com ele
O motoqueiro combina um encontro na casa de Méier e o advogado
irá passar por seu secretário. Mas o motoqueiro exige que Méier fique sozinho com
ele. O advogado viu, na casa, a mesma moça que conversara com o motoqueiro.
Estranhamente, após a conversa com Márcio, Méier dispensa os serviços de
Mandrake. Ele resolve investigar por conta própria. O porteiro lhe conta que a
jovem de cabelos negros é Lili, a sobrinha de Méier. A chantagem poderia
comprometer o casamento de Eva, filha de Méier.
Mandrake descobre, com seu sócio e amigos da polícia, que Marly era
secretária de Méier, na firma Cordovil & Méier. Ele suspeita do sócio, Arthur Rocha,
mas a hipótese é descartada.
O advogado também é mulherengo e se apaixona por Eva, apesar de viver
um romance com a jovem Bertha. Consegue falar com Eva que se mantêm evasiva.
Márcio aparece morto. Não foi suicídio, foi assassinado com a mesma arma
que matara Marly. Tudo aponta para Méier que era dono de um 38 como o do
crime. O delegado Guedes está decidido a prender Méier. Eva procura Mandrake, e
afirmando a inocência do pai, conta-lhe que Lili fora viciada em cocaína e que
Márcio era o fornecedor, por isso ela conversara com Márcio, em sua casa, para
saber se a prima voltara a se drogar.
Mandrake resolver auxiliar Eva por quem estava interessado e encontra
Méier chorando. Este afirma ser culpado e o manda embora. Lili acompanha
Mandrake e lhe conta toda a verdade: ela tinha um caso com o tio que rompera o
romance com Marly, mas esta o ameaçava com um escândalo. Por isso, ela marcou
um encontro com Marly e a matou para defender o amado. Muito nervosa,
procurara Márcio para comprar cocaína. Acabou dormindo na casa dele e a carta de
Marly foi tirada de sua bolsa. Com a carta ele começa chantagear Méier. Lili o
procura, mas ele já estava drogado, embriagado e ela o mata. Mandrake convence
Lili a entregar a arma e procurar um bom advogado. Perdera Eva para sempre.
Comentário:-É muito interessante destacar
criminalista Mandrake e seu sócio
que o brilhante advogado
Wexler reaparece em várias outras obras de
Rubem Fonseca , tais como A Grande Arte e
Do meio do mundo prostituto
só
amores guardei ao meu charuto.Eles são uma espécie de Sherlock Holmes
e
Watson á brasileira, sendo que a astúcia e a malandragem , o charme e a mania de
Mandrake por vinhos e charutos o tornam ímpar.Além disso, há que se notar que
seu nome é uma alusão ao famoso personagem
de quadrinhos, que também
resolvia as coisas num passe de mágica, devido a sua astúcia.
Onze de Maio
O título do conto é o nome de um asilo para velhos. Um prédio de dois
andares, com oito alas e uns 60 cubículos em cada uma.
José, o narrador, fora professor de história. Ele conta que os “irmãos” que
cuidam do asilo pouco se importam com os velhos. O diretor Edmundo só conversa
com os velhos quando eles desobedecem as regras que são muito rígidas. A
punição é ficar sem uma das três refeições. Não permitem comida nos quartos,
nem objetos diferentes. Os quartos tem TV, mas os programas são controlados.
José sempre contraria as regras porque gosta de sair do quarto para conversar.
Poucos têm família, quando têm, como Baldomiro raramente aparecem. A maioria
não dura mais que seis meses.
Os amigos de José são: Cortines, professor de educação física que se
mantêm saudável com exercícios; Pharoux, um ex-policial que perdeu um olho.
José estranha que os doentes, além de não serem atendidos por nenhum
médico, desapareçam de uma hora para outra. José é sempre repreendido, mas
não se intimida. Quando tem uma crise de diarréia, dão-lhe um remédio estranho,
mas ele não o toma. Procura Cortines e eles concluem que é veneno, por isso os
doentes morriam tão rápido. Surpreendido no quarto de Cortines, é obrigado a
tomar o remédio.
De volta ao quarto, dão-lhe outro remédio com o café da tarde. Desconfiado,
joga fora.não era veneno, mas era um sonífero, por isso ficavam sonolentos e
dormiam toda a noite. Os amigos dormem entorpecidos.
Conta sua descoberta aos amigos. Não tomam o café e à noite estão todos
bem dispostos e acordados. Conversam e concluem que o forno ali existente talvez
não fosse para queimar lixo e sim para cremar corpos. Talvez até de vivos que
incomodavam.
Decidem fazer um motim. Vão até a ala do diretor, mas não conseguem
entrar. José disfarça a voz e chama o diretor dizendo ser emergência. Quando este
abre a porta, os três o rendem juntamente com a moça nua que estava com ele.
Cortines e Pharoux aproveitam as guloseimas e cervejas do diretor e José
adormece no sofá.
Comentário:Várias coisas são interessantes nesse conto. Primeiro o
narrador-personagem alterna verbos no presente e no passado, o que torna a
narração mais intensa e verossímil. Segundo a temática forte e inusitada , que
denuncia a maneira absurda com que os velhos são tratados em uma sociedade
que valoriza apenas o aqui e agora.Por fim, a escolha do espaço, semelhante a um
presídio , que ajuda a dar a dimensão na narrativa. O conto é uma denúncia sobre
o descaso da sociedade e a ineficiência das instituições que têm a função de
atender e proteger os idosos.
Almoço na serra no domingo de Carnaval
Zeca, o personagem conta que está indo a um almoço, sua viagem para o
referido almoço do título.Na subida da serra, uma mulher vestida extravagante
pede carona, mas, quando vê que é um travesti, não a leva. Ainda na estrada é
tomado por temores e dúvidas, deseja desviar-se daquele caminho e tem uma crise
de choro.
Antes de chegar a casa tem uma crise de choro, o que, segundo ele, não era
comum.Quando chega, o mordomo o recebe e ele pergunta por Sônia. Ela está ma
piscina e ele se oferece para acompanhá-lo, mas ele diz que conhece o caminho. Ao
chegar, é abordado por
calção., mas parece estar
Suely,irmã de Sônia, ela insiste que ele coloque
de mau humor. Sônia o vê e quer beijá-lo e ele
um
se
esquiva do beijo .Ela também fala do calção , assim como seu pai que vai conhecer
o namorado da filha.Durante as conversas, Sônia
descobre que Zeca já morara
naquela casa e que algo estranho acontecera ali. Ele insiste em saber o que fizeram
com o lagarto e fica mais transtornado quando sabe que o mataram.
Rudemente, conduz Sônia até a cachoeira. Tira a roupa dela que protesta,
mas ele a possui a força. Depois vai embora sem nada dizer. Na descida da serra,
nova crise de choro.
Comentário: Temos aqui mais um narrador-protagonista e outra história,
como a anterior,que possui final aberto.Zeca traz também a marca típica de Rubem
Fonseca : personagens misteriosos e problemáticos.
H.M.S. Cormorant em Paranaguá
Conto ambientado no segundo império (1850 mais ou menos), quando o
cruzador inglês H.M.S. Cormorant aportou em Paranaguá para tentar deter o tráfico
de escravos, já proibido por lei, mas ainda acontecia no Brasil.A questão foi
conflituosa,pois os locais não aceitavam a intervenção inglesa no caso. O conto
apresenta um jovem de 20 anos, nascido em 1831, poeta virgem que luta com
seus delírios de febre e inicia o conto com a pergunta: - Quem sou?
Esta história começa num baile para pessoas ilustres da corte.A personagem
principal veste-se de mulher para brincar
com o Conde italiano Ostiani. O rapaz
volta ao quarto, troca-se ajudado pela irmã Luísa. O rapaz fala coisas desordenadas
referindo-se a uma bela moça chamada Teresa: uma pseudo cortesã que existiria
para satisfazer os homens; diferente da delicada e bela Luísa, irmã do poeta.
e começa a falar coisas desordenadas , referindo-se a uma moça chamada
Teresa, que mais tarde é posta como uma espécie de cortesã e a um tal Dr.
Bustamante que o trataria de uma suposta doença.
No restante do conto temos esta personagem que se apropria da biografia
de Álvares de Azevedo, desvaneando vários episódios
da vida do poeta: suas
febres, seus delírios com Byron, suas visitas ás tavernas , seu amor pela irmã.A
impressão que se tem é que Manuel, o rapaz, está doente, mas não se sabe, em
virtude do número de devaneios, se se trata realmente de Álvares de Azevedo ou
se a personagem apenas delira.O jovem poeta frequentemente encontra-se com
Byron, que o faz “viajar” e tornar latente a pederastia, a dor, a decepção, a
angústia, a revolta, o amor, a justiça social. Há ricos diálogos entre eles, com
interação do real e do fictício. Byron só desvanecerá com a entrega de Manoel aos
desejos incestuosos por Luísa. Após essa entrega, a presença da morte é anunciada
por Byron. O ano, na parede, uma data incompleta, finalmente será preenchida por
Manoel: vinte e cinco de abril de 1852. “Cormorant só invadiu Paranaguá porque
Byron, Keats e Shelley invadiram antes a minha mente”. “Byron e Schomberg (o
almirante do navio) eram iguais – a Poesia e o Canhão a serviço da dominação”.
Doutor Bustamante é o médico que estabelece o desnudamento da capa
onírica e lírica, respondendo ao questionamento inicial do conto: - Quem sou?
“Não é Álvares de Azevedo ... A vida lhe esvai”.
Comentário: O que mais chama a atenção é que o narradorpersonagem é confuso e mistura fatos reais da vida brasileira com os da vida de
Álvares de Azevedo , para retratar a época do Império.
O Jogo do Morto
Conto narrado em 3ª pessoa. Nesta história temos uma trama ímpar
envolvendo quatro amigos:, Marinho (dono da farmácia), Fernando e Gonçalves
(sócios em um armazém) e Anísio (dono de um bar, na Baixada) têm o hábito
compulsivo de jogar a dinheiro. Fazem qualquer tipo de jogo.Reúnem-se todas as
noites no bar do Anísio. São todos comerciantes de classe média, ambiciosos que
moram em São João do Meriti, na baixada fluminense.
Certa noite, como estivesse perdendo muito dinheiro, Anísio propôs um jogo
diferente: apostar em quantas pessoas seriam mortas pelo esquadrão da morte por
mês na cidade. Ele apostava mil pelo número de mortos, mil pela etnia e mais mil
pela idade do mais moço e do mais velho. Marinho anotaria as apostas; o árbitro
seria o jornal O Dia, o que sair publicado lá valerá e assim fazem.
Combinavam as regras do jogo, quando aparece no bar um homem
misterioso que Anísio apelidou de “Falso Perpétuo” porque ele se parecia com um
matador implacável do mesmo nome que vivera ali. Os amigos se intimidam com a
presença desse homem.
O tempo passa, continuam as apostas, mas Anísio continua perdendo. Está
atolado em dívidas, a lanchonete não rende, a mulher gasta demais... resolve
apostar duzentos mil que neste mês o esquadrão mataria um comerciante e uma
menina. Todos acham uma loucura, não eram mortes comuns, mas a aposta é
feita.
Nesta noite, Anísio fica bebendo, em vez de ir para casa como era de
costume, até a uma hora da manhã. Quando o Falso Perpétuo chega, Anísio se
enche de coragem e o contrata para matar Gonçalves e a filha dele, para, assim,
ganhar a aposta.Eles combinam dez mil pelo serviço e saem juntos rumo á casa do
comerciante.O assassino desce, executa os dois, e também a velha de lambuja. .
Vão até a casa de Anísio, e quando ele paga ao homem resolve contar que o chama
de Falso Perpétuo porque se parecia com o outro Perpétuo. O homem saca da arma
e executa Anísio.
Comentário: ‘Se alguém começar a leitura de O Cobrador , de Rubem
Fonseca, pelo conto O Jogo do Morto, ficará com a impressão de que o escritor
está apresentando um tipo de história com que
adquiriu
já nos acostumou e na qual
um domínio invejável a conto de violência e banditismo, descritos
frequentemente com simplicidade, num tom cotidiano e isento de patético, como
se a morte nestas circunstâncias fosse algo normal e aceitável.” Assim define este
conto o crítico Bóris Schnaidermann e com muita propriedade, visto que o que
chama a atenção do leitor é justamente a frieza das personagens diante da morte.