A CAPOEIRA COMO CANTO E POESIA

Transcrição

A CAPOEIRA COMO CANTO E POESIA
MARIA VANDERLEIA DA SILVA
A CAPOEIRA COMO CANTO E POESIA:
Uma relação entre duas mitologias e suas simbologias
SANTO ANDRÉ
2012
MARIA VANDERLEIA DA SILVA
A CAPOEIRA COMO CANTO E POESIA:
Uma relação entre duas mitologias e suas simbologias
Monografia apresentada no curso de
Pós Graduação ao Centro Universitário
Santo André, para aprovação no grau de
Especialização no curso de Estudos
Linguísticos e Literários.
Área de concentração: Literatura e
Mitologia
Orientação: Prof. Dra. Kátia Cruzes
SANTO ANDRÉ
2012
MARIA VANDERLEIA DA SILVA
A CAPOEIRA COMO CANTO E POESIA:
Uma relação entre duas mitologias e suas simbologias
Monografia
apresentada
ao
Programa de Pós Graduação em Estudos
Linguísticos e Literários, do Centro
Universitário Santo André, como requisito
parcial à obtenção do título de Especialista.
Santo André, 24 de março de 2012.
Banca Examinadora:
Profa. Me. Algemira Lorca Kollar Vieira da Silva.
DEDICATÓRIA
Primeiramente, dedico este trabalho de pesquisa a
todos os que já foram, aos que são, e aos que futuramente
serão Mestres da Arte da Capoeira.
Dedico à minha pequena princesa, por ter estado
muito tempo, e por diversas vezes sem a minha atenção.
Dedico a uma pessoa muito especial, que fez e faz a
diferença ao meu lado todos os dias.
Dedico a toda a Família do Grupo Massapê Capoeira.
.
AGRADECIMENTOS
Agradeço a todas as energias recebidas, que
tornou este trabalho um estudo prazeroso e cheio de
conhecimentos.
À Professora orientadora Kátia Cruzes, que
aceitou o desafio de me acompanhar no
desenvolvimento desta pesquisa, guiando os passos
que seriam dados até o fim.
À minha filha, ao meu companheiro e ao
Grupo Capoeira Massapê, por serem fundamentais na
minha vida e nas minhas inspirações.
EPÍGRAFE
[...] mitos são histórias da busca
feita através dos tempos, do significado
e do sentido da vida, para tocar a
eternidade, para compreender o
mistério, para descobrir quem somos.
Joseph Campbell
Capoeira!
Amor, Maldade, Luta e Disfarce;
Mandinga, Malícia e Malandragem;
Calma, Violência, Lealdade e Falsidade;
Ritual, Música e Criatividade;
Fé, Segurança, Harmonia e Agilidade;
História, Filosofia e Liberdade;
Poesia, Folclore, Coreografia e Arte.
José Luiz Oliveira Cruz
SUMÁRIO
RESUMO
INTRODUÇÃO.................................................................................................9
1.
A CAPOEIRA VINDA DOS ESCRAVOS.........................................................11
2.
DEFINIÇÃO: O QUE É CAPOEIRA?
3.
De onde surgiu o termo capoeira?............................................................14
O que é Capoeira?....................................................................................15
ZUMBI E BESOURO: HERÓIS POPULARES – MARGINAIS........................18
4.
A CAPOEIRA ENTRE O MUNDO SAGRADO E O MUNDO PROFANO........26
5.
AS CANTIGAS COMO UMA MANIFESTAÇÃO DA MEMÓRIA POÉTICA NAS
RODAS DE CAPOEIRA............................................................................................32
5.1
5.2
Mestre, o herói da memória ..........................................................................34
O sentido e o sentimento na cantigas ...........................................................38
6.
EM DEFESA DA CAPOEIRA COMO CULTURA A SER VALORIZADA ........45
7.
GRANDES MESTRES DA CAPOEIRA MOSTRAM O VALOR DESSA LUTA
BRASILEIRA..............................................................................................................52
8.
CONCLUSÃO .................................................................................................58
9.
REFERÊNCIAS...............................................................................................60
10.
GLOSSARIO....................................................................................................69
RESUMO
Este trabalho visa mostrar o mundo complexo da capoeira, ora
sagrado, ora profano, em que a ancestralidade mítico-histórica envolve muitas
figuras como os deuses, heróis e orixás, sacralizados pelas histórias de seus feitos.
No vasto universo da capoeira, os mitos ganham vida durante os rituais por meio
das cantigas, em forma de poesias criadas pelos mestres, que dão corpo aos ritmos
e golpes, recriando narrativas dos heróis fundadores dessa arte. Dessa forma,
busca-se fornecer através do estudo da mitologia ioruba e grega, informações e
conhecimentos culturais que os negros africanos trouxeram para o nosso país, que
se agregaram no mundo da capoeira. Diante da história e dos fatos, baseando na
nossa literatura (autores importantes e renomados), no cinema, teatro, música e
pintura. Esta pesquisa vem afirmar a contribuição que a prática da capoeira oferece
em todos os aspectos para a construção da cultura afro-brasileira, e características
que a torna uma arte cada vez mais valorizada, com profundas significações na vida
dos seus praticantes. Contudo, a capoeira se apresenta como meio de uma
“formação completa” do homem tanto no passado - primórdios das senzalas, onde
foi perseguida e proibida por um longo tempo sendo vista como uma prática
marginal, quanto no tempo presente e na transformação do capoeirista dedicado a
essa arte, luta, dança e jogo, rememorando suas histórias ancestrais e construindo
novos heróis e lendas para o futuro.
Palavras-chave: Capoeira,
Marginalidade, Cultura brasileira.
Deuses
mitológicos,
Ancestralidade,
ABSTRACT
This paper aim at the complex world of “Capoeira” sometimes sacred and
sometimes profane, in the ancestral mystical-historic that involve a lot figures as
Goddess, heroes and “orixás”, sacred by the stories of their dones. In the world of
“capoeira”, the myths come to life during the rituals through the songs, in form of
poetry created by the masters. They give the body to the rhythm and blows,
recreating narratives of the founders heroes of this art. From that try to give a study
of “Ioruba” mythology and Greek. Information and cultural knowledge of Africans
black persons they bring to our country and to associate in the world of “Capoeira”. In
face of the history and the facts, to establish in our literature (important and rename
authors),in the movies, theatre, music, and painting. This Research try to contribute
in the practice of “Capoeira” that offers a lot of aspects to construct the AfricanBrazilian culture. That characteristics turn one art even more value with profound
meanings of life the praticants. However, the “Capoeira” presents as a way of
“complete formation” of the man in the past a - primordium of “senzalas”, where were
persecution and prohibit for a long time as faced as marginal practice. Nowadays the
“Capoerista” is dedicated to the art, fight, dance and the game. To remember the
ancestors stories and building new heroes and legends for the future.
Keywords:
Brazilian Culture.
“Capoeira”,
Mythological
Goddess,
Ancestral,
Deliquency,
9
INTRODUÇÃO
Vou contar uma história
Do tempo da escravidão
Vou contar com muita dor
Muita dor no coração
(In: ADORNO, 1999, p. 25)
Segundo Camille Adorno, na obra “A arte da capoeira”, nos explica que, a
expressão corporal ensina há milênios uma linguagem que dispensa palavras. A
dança faz a revelação de sentimentos e mostra ideias para a harmonização dos
movimentos.
O jogo da Capoeira é a síntese da dança [...]. Nesta dança se
manifesta a tradição milenar da cultura negra de reverenciar as
origens, cada vez que se repetem gestos ancestrais, renovados:
O jogo da capoeira é um vínculo com antepassados que praticam
os mesmos atos.
(ADORNO, 1999, p. 2)
Para o capoeirista, a habilidade, agilidade e destreza da capoeira estão expressas
na astúcia do balançar dos braços, na mandinga desconcertante do corpo que não
perde a continuidade. Na busca do equilíbrio por meio da harmonização do corpo
com a mente, os negros buscavam contato com o sobrenatural por meio de rituais,
cantos, usos de patuás e rezas.
Dentre os rituais, estava presente o culto aos orixás- entidades pertencentes
à religião afro-brasileira, a Umbanda. Eram realizados para obter proteção espiritual,
evocando o axé, que representa força, ânimo e energia. Uma roda cheia de axé é
uma roda animada e alegre. Dessa maneira, os povos afro-brasileiros construíram
um campo simbólico com toda pluralidade cultural e histórica no Brasil.
A influência dos rituais exercidos pelos escravos na luta da capoeira leva-os a
uma ligação mais profunda com os deuses africanos e suas influências energéticas.
Na capoeira existem diversas representações da cultura afro, como a música,
a poesia, a dança, a religiosidade, a teatralidade, o mito e o jogo. O que acontece na
roda é composto por ritos e crenças e pela poesia oral. Para jogar o canto é
essencial, nele é expressa toda a energia dos cantadores, a voz transmite os
anseios, esperanças, os medos e as ideologias.
As músicas tocadas constroem um processo de comunicação entre os sons e
o corpo, de modo a fundamentar a identidade do indivíduo dentro do jogo. A
existência da memória coletiva e individual estabelece uma continuidade entre o que
10
é ancestral e seus descendentes, os aprendizados trazidos do passado são vividos
num tempo sempre presente, considerado assim, mitológico.
O homem passa a viver baseado nos mitos, pois eles estão sempre presentes
no dia a dia de suas ações. São deles que nascem os modelos para o
comportamento humano que dá valor à nossa existência.
Eliade afirma que, o mito faz parte de uma realidade cultural muito complexa,
pelo fato de ser abordado por diversas perspectivas de acordo com a interpretação
dada a ele.
O que incorpora dos mitos na capoeira, nada mais é do que as histórias e
lendas que existiram contadas ou vividas por mestres e capoeiristas, em que
realizaram grandes façanhas se tornando heróis. Nesse contexto, o mito está
sempre reatualizando mediante os encontros na roda, em que acontecem as
narrações nas cantigas e o axé domina os jogadores. Portanto, temos a sacralidade
ou a sobrenaturalidade dos feitos heróicos, e a oralidade é a peça chave para esse
conhecimento.
A oralidade é parte importante na cultura e na capoeira, por ser o passo inicial
do contato dos negros capoeiristas com as histórias. O ritual da luta na roda, o
gestual e o lúdico, os fundamentos e a religião, a luta e a vitalidade física são
componentes únicos do capoeirista, que os usam como instrumentos para firmar sua
identidade.
Estudar os mitos e a capoeira, é recuperar uma das práticas mais sadias da
sociedade, é resgatar os momentos em que as pessoas sentavam para ouvir os
homens considerados sábios contar histórias, cantar feitos e voltar ao passado.
Resumindo, temos os mitos como exemplos para a vida, por nos
identificarmos, mesmo que indiretamente a eles. Não pelas ações, mas por aquilo
que guardam e não conhecemos.
Contudo, para fundamentar esta pesquisa sobre mitos e suas influências na
capoeira, Joseph Campbell é, sem dúvida, um dos maiores pesquisadores sobre
mitologia e a sua importância na vida humana, seja ela passada, presente ou futura.
Mircea Eliade também contribui de forma grandiosa com os estudos sobre as
questões do sagrado e profano e, no âmbito da Capoeira, Waldeloir Rego é a base
para sua compreensão.
11
1.
A CAPOEIRA E A VINDA DOS ESCRAVOS
“não existe porta fechada nesse antigo mistério
as chaves dos segredos êle as possui, tôdas.”
Jorge Amado1
Há muitas histórias a respeito do tráfico de escravos que ocorreu
durante a Idade Média pelos portugueses que já usavam o negro como mão de
obra escrava antes de colonizarem o Brasil. Esse fato da escravização ocorria
em alguns lugares da África na primeira metade do século XVI, porém, existe
uma informação mais precisa sobre este acontecimento fornecido por Azurara2,
autor da obra “Crônica de Descobrimento e Conquista da Guiné”. Ele relata como
Antão Gonçalves³ trouxe os primeiros escravos fazendo seus “cambalachos” e,
com o passar do tempo, os portugueses já possuíam muitos negros como
mercadorias trazidas da África.
Com
o
tempo,
aumentaram
as
atividades
agrícolas
e,
consequentemente, a necessidade de trazer mais escravos para o trabalho
braçal. Surgem, então, as dúvidas acerca da origem dos primeiros escravos e, de
antemão, da capoeira.
Foi justamente por causa desse acréscimo que os colonizadores
portugueses nos enviaram os primeiros africanos, este é o ponto crucial do
aumento da importação de escravos para o Brasil e o controle da origem é
perdida pela falta de documentação. Assim, passa a ser impossível definir
quando chegaram. Logo, encontra-se dificuldade em conhecer de onde vieram, e
se trouxeram a capoeira ou criam aqui.
A busca referente à verdadeira origem da capoeira é apresentada da
1
Jorge amado foi um dos mais famosos romancistas, cronista, dramaturgo e crítico literário brasileiro
baiano. Dentre suas diversas obras utilizou personagens da capoeira e do candomblé, fazendo
muitas homenagens ao seu grande amigo da capoeira Mestre Pastinha.
2
Gomes Eannes de Azurara escritor cronista da época de Fernão Lopes (1410 – 1474).
12
seguinte maneira por Waldeloir Rego3:
“[...] - quando chegaram êsses primeiros escravos?
Vieram de Angola? Trouxeram de lá a capoeira, ou
inventaram- na no Brasil?”
(REGO, 1968, p.9)
O aumento do comércio escravista e desumano feito pelos portugueses levam
a coroa portuguesa a fazer “parceria” com outros órgãos importantes como a igreja,
permitindo que eles agissem livremente.
A dúvida relacionada à capoeira e a origem dos escravizados permaneceu
por um longo tempo e isso foi a causa da atitude do conselheiro Rui Barbosa4 que,
por motivos desconhecidos, segundo Waldeloir Rego, ordenou que fosse destruída
toda a documentação nas quais houvesse referência a chegada dos escravos no
Brasil.
Na obra Capoeira Angola, Rego relata a questão da vinda dos negros da
África para cá, e apresenta que, até certo ponto ela é inexata, pois os documentos
que surgiram com o tempo não deixam clara essa situação. O que se tem
documentado legalizando a importação humana aparece apenas em 1559,
procedido por D. João III.
Os mestres iam surgindo, e com eles, as dúvidas quanto a criação da
capoeira.
Para
o
mestre
de
capoeira
Vicente
Ferreira
Pastinha,
ainda
desconhecedor da raiz originária da capoeira, essa informação ainda era inexistente
ate que, recebeu em 1960 uma a visita de um angolano, e dele uma revelação que
mudou completamente sua visão de como ela havia nascido.
Sobre o mestre Vicente Ferreira Pastinha, nascido em 5 de abril de 1889, na
cidade de Salvador, Bahia. Filho de José Señor Pastinha, espanhol, e Raimunda dos
Santos nascida em Santo Amaro da Purificação, temos muito a aprender com ele
quando se trata da arte de jogar capoeira.
3
Waldeloir Rego é o autor tido como base de estudo sobre a capoeira. Em sua obra “Capoeira
Angola- Ensaio Etnográfico”, ele a descreve nas várias áreas culturais que compõem o Brasil,
valorizando a contruibuição da capoeira para a nossa formação da cultural.
4
Rui Barbosa um dos mais intelectuais brilhantes do seu tempo, jurista, político, diplomata, escritor,
filólogo, tradutor e orador brasileiro. Atuou em defesa do federalismo e do abolicionismo. Como
notável orador e estudioso, foi um dos membros que fundou a Academia Brasileira de Letras.
13
Pastinha conta que, aos seus dez anos de idade, havia um menino que
sempre lhe batia na rua, e quando ele chegava a sua casa, apanhava mais uma vez
de sua madrinha por chegar tarde e todo rasgado. Todas as vezes que apanhava
desse moleque, chorava de raiva. Então, certo dia, um velho africano que o
observava da janela de seu cazuá, disse-lhe que em vez de perder seu tempo com
coisas sem importância, que fosse até lá aprender com ele algo de muito valor, pois
nunca ganharia daquele menino porque ele era mais velho e mais forte.
A cada dia havia um novo aprendizado. Desenvolvia a técnica, a malícia no
balanceado do corpo, na expressão corporal e, principalmente, no novo modo de
agir e foi se dedicando. Um ano depois se encontra com seu rival na rua, que o
provoca, preparando-se para bater. Iniciou a briga e, então, veio a surpresa: o
menino vencia todos os ataques de seu inimigo, o qual percebeu que não
conseguiria vencê-lo. Tornou- se seu amigo de tanta admiração e respeito que por
ele criou. Este velho mestre africano que ensinara a arte-luta- dança a Pastinha,
chamava- se Benedito.
O mestre imaginava que essa arte provinha de uma mistura do batuque
angolano e do candomblé com a Daca dos caboclos da Bahia.
Eis que, um dia, aparece em sua academia certo pintor muito famoso vindo
de Angola. Albano Neves e Souza5 afirma a Pastinha que na África existe uma
dança que traz semelhanças com aquilo que ele ensina. É uma dança conhecida
como n’golo, ou “A dança da zebra” e que tem movimentos semelhantes à capoeira.
Para o pintor Neves e Sousa, a capoeira havia nascido dessa dança.
5
Albano Neves e Souza nasceu em 1921 em Angola, mas veio para viver em Salvador, Bahia. Fez
Estudos Etnográficos do Museu de Angola. Pintor que fez várias exposições pelo mundo e recebeu
diversos prêmios.
14
2. DEFINIÇÃO: O QUE É CAPOEIRA?
"Capoeira é mardade"
Mestre Bimba6
De onde surgiu o termo capoeira?
O termo foi registrado pela primeira vez em 1865, quando surge a proposta
com José de Alencar7 na obra de Iracema, primeira edição. Alencar descreve que o
vocábulo Capoeira venha do tupi caa- apuam- era, cuja tradução dá- se por “ilha de
mato já cortado”.
Rohan8 apresenta, em 1879, a seguinte definição co- puera, “roça velha”,
sendo criticado por Macedo Soares9. Mais adiante em seus estudos, Rohan mostra
que a etimologia apresentada por Soares dá a esse vocábulo de caá- puêra não
pode transformar- se em capoeira por uma questão de significado, mas podemos
encontrar a etimologia em outro vocábulo, que seria có- puêra. Entretanto, sua
explicação a Soares desenvolve- se numa questão de que certo tipo de vegetação,
“mato rasteiro”, é chamado de côo- puêra, passando mais tarde a chamar- se de
capuera e, por uma abreviação, chegou ao nome capoeira, transformação que
surgiu por uma simples semelhança existente entre os dois vocábulos o e a,
facilitando essa mudança.
Com a definição da palavra capoeira, vejamos o porquê os moleques
pastores, vigiadores de gado ou escravos daquela época, passaram a ser chamados
de capoeira.
Existe em muitas cidades do Brasil, e até em outro país, uma ave chamada
6
Mestre Bimba grande mestre da capoeira, aluno de Mestre africano Bentinho. Começou a ensinar
capoeira aos 18 anos a alunos de classe social baixa e alta.
7
José Martiniano de Alencar, escritor carioca, foi jornalista, advogado, orador, crítico, cronista,
polemista, romancista e dramaturgo brasileiro. Escreveu muitas obras brasileiras.
8
Henrique de Beaurepaire Rohan foi Conselheiro de guerra, político. Visconde de Beaurepaire no Rio
de Janeiro na época de D. João VI (Portugal).
9
Antônio Joaquim de Macedo Soares, um dos autores que tratou do surgimento do termo “Capoeira”
na obra de Waldeloir Rego.
15
Capoeira, cujo canto é ouvido apenas ao amanhecer e ao anoitecer.
Segundo Soares, a ave é uma “pequena perdiz de voo rasteiro, pés curtos,
corpo cheio [...], tem um canto singular, que é antes um assobio trêmulo e contínuo
[...], sendo também muito procurada e domesticada com facilidade”. O assobio dela
era, então, utilizado pelos caçadores para comunicarem-se uns com os outros e
para chamarem o gado, ficando conhecidos, assim, por capoeira.
Em contrapartida a essa afirmação apresentada, o autor Nascentes10 faz uma
ligação entre o jogo da capoeira e a ave citada anteriormente. Ele explica que o
macho é muito ciumento, travando briga com seus rivais, partindo dessa definição
para a associação da ave com o praticante da capoeira, o qual também possui
golpes ágeis dentro da luta. O vocábulo capoeira está espalhado por todo o país,
onde, semanticamente, ele tem muitas acepções.
O que é capoeira?
Inventada na África ou no Brasil? Sua definição é inexata.
Waldeloir Rego em seu Ensaio Etnográfico esclarece que:
[...] minha tese é a de que a capoeira foi inventada no Brasil, com
uma série de golpes e toques comuns a todos os que a praticam
[...]. Só não podemos afirmar se a capoeira é de Salvador ou do
Rio de Janeiro. Provavelmente se fez ao mesmo tempo nas duas
cidades, e ainda em Recife.
(REGO, 1968, p. 33-35)
Capoeira é arte que encanta e transforma por meio da alma do seu
conhecedor e praticante. Dias Gomes, famoso escritor teatrólogo e novelista,
comentou que ela é uma luta de bailarinos e um bailado de gladiadores, não
10
Antenor de Veras Nascentes nascido no Rio de Janeiro foi um filólogo, etimólogo, dialectólogo e
lexicógrafo brasileiro de grande importância para o estudo da língua portuguesa no Brasil. O autor é
citado em uma das obras mais importantes a respeito da capoeira, Waldeloir Rego lhe faz menção no
livro “Capoeira Angola: Ensaio Sócio-Etnográfico” (1968).
16
deixando de ser um fator de modificação social, uma brincadeira enquanto
instrumento de educação e uma formação do ser em todos os aspectos que constrói
a identidade de um povo e indispensável ao exercício crítico da cidadania.
Seu surgimento foi “conturbado” como forma de dança, com o espírito de luta,
como enganação para uma libertação, e que nasceu de um grito à exaustão de uma
vida escrava e seus sofrimentos. A capoeira veio como uma fonte de cultura
inesgotável para os praticantes, indiferentemente se começou na África ou no Brasil,
pois suas condições de existência para a época eram as mesmas, difícil e proibida
na sociedade.
Carneiro11 (1975) define a capoeira como: “[...] um combate singular em que
os “moleques de sinhá” apenas demonstram a sua capacidade de ataque e defesa
sem, contudo, atingir efetivamente os oponentes”.
A Capoeira Angola, de jogo lento e cheio de malícia, tinha um significado
místico, era quase uma filosofia de vida a seus praticantes. Esse estilo de capoeira
foi passado de Mestre Amorzinho (um dos maiores mestres da Bahia) para o
saudoso e grande preservador, Vicente Ferreira Pastinha- “Mestre Pastinha”,
ficando, desde então, responsável por sua propagação, transformando-a em uma
riqueza filosófica que impressionava a muitos.
Definir o que é a capoeira não é uma tarefa fácil, pois é vista como jogo,
dança e luta. Foi criminalizada dois anos após a extinção da escravidão. Era
considerada como uma ameaça, um crime e era marginalizada pela sociedade. A
partir de sua legalização, aos poucos foi ganhando seu espaço e um novo status
social. O grande idealizador e revolucionário dessa nova capoeira foi Manuel dos
Reis Machado, conhecido por Mestre Bimba, e responsável por fundar a primeira
academia de capoeira em 1930, onde era praticada a Capoeira Regional.
Com a existência de dois estilos de capoeira - Angola e Regional-, havia entre
seus Mestres criadores uma grande oposição, mas segundo Decânio12, essa
rivalidade era apenas técnica e filosófica, pois o objetivo de ambos era criar regras
para disciplinar seus alunos.
11
Edson de Souza Carneiro escritor brasileiro especializado em temas afro-brasileiros. Tem como
obras principais, “A herança de Bimba” e “A herança de Pastinha”.
12
Ângelo Augusto Decânio Filho é o aluno mais “idoso”, e ainda vivo, de Mestre Bimba. Escreveu
várias obras sobre a Capoeira reunidas na Coleção São Salomão.
17
Entre os anos de 1930 e 1980, a capoeira recebe múltiplos significados,
criando mais uma vez, dificuldades para definir qual era o seu verdadeiro sentido.
Entre eles, encontramos “esporte nacional”, “folclore”, “cultura popular”, “cultura
negra”, “cultura afro-brasileira”, já sendo praticada em diversos países e tendo a
Bahia eleita como o berço da capoeiragem.
A capoeira é beneficiada enquanto cultura somente em 1980, com uma ação
governamental, a qual propiciou reconhecimento como Patrimônio Cultural do Brasil.
Com a legalização da capoeira e de outras culturas negras, vai-se criando um
interesse por parte de alguns intelectuais brasileiros em realizar pesquisas e tornálas objetos de estudo, para que elas tenham participação importante na construção
de uma nova visão da sociedade. Agora, deixaria de ser uma “coisa” marginal, e
seria parte integrante do desenvolvimento cultural brasileiro.
E, segundo a visão de Carneiro sobre a capoeira, este intelectual não a vê
como um esporte, mas sim aquela que tem aspectos ritualísticos dentro da roda.
Para o autor, ela é uma herança dos negros bantus.
Pode-se defini-la também como uma manifestação cultural brasileira que
possui muitas características distintas em que se mistura luta com dança ao som de
instrumentos musicais, utilizada como defesa ante seus inimigos. Há autores que
contrariam essa ideia de “cultura brasileira”, acreditando que sua origem veio das
senzalas, onde o negro fazia de seu corpo uma arma contra seu inimigo,
relembrando, assim nesse ambiente, suas culturas originadas da África.
18
3. ZUMBI E BESOURO: HERÓIS POPULARES - MARGINAIS
Os heróis épicos são sempre seres excepcionais, que se
destacam por sua beleza, nobreza, excelência nos
combates,
astucia
e
religiosidade.
(...)
Outra
característica importante a ressaltar é a presença do
maravilhoso: atuação dos deuses e de fatos
sobrenaturais que se interpõem na solução de um
problema”.
(ROGEL, 2000, p. 78 -79)
O que torna Besouro de Mangangá um herói, se ele não realizou tarefa nobre
como os heróis europeus e era apontado como o capoeirista que assombrava
homens e mulheres pelas histórias que ouviam a respeito dele?
Besouro apresenta características de um ser dotado de certos poderes diante
da sociedade de sua época nos momentos que usava a capoeira e a proteção dos
orixás para sair das situações de perigo. Até os dias de hoje, é lembrado e cantado
nas rodas de capoeira, por representar algo mítico, heróico.
Antes de descrever a atuação de Besouro como um herói, ou seja, um mito
popular é preciso lembrar de que Zumbi dos Palmares foi quem primeiro
protagonizou feitos heróicos para o povo escravo – liberto do seu quilombo.
Sua lenda como mito dá-se pela reverenciação de ser “eleito” o homem
responsável pela abolição da escravidão no Brasil. O título de herói que lhe surge
pela busca da liberdade, e por suas habilidades bélicas dentro do quilombo, mostrao como herói negro, guerreiro, símbolo da garra, da organização e da união negra.
Observe o texto abaixo de Eduardo de Oliveira13 sobre Palmares:
Palmares da esperança
Levantando Palmares de esperança
Hoje o meu povo, em épica atitude,
Luta feroz! Feroz e não se cansa,
Levantando Palmares de esperança
13
Eduardo de Oliveira, poeta e jornalista defensor dos direitos humanos. E, como político, Vereador
de São Paulo. Autor do “Hino a Negritude”.
19
- legado dos avós à juventude!
É a consciência da Heróica Negritude
Que exerce seu direito de cobrança!
Negro Zumbi que resoluto avança
Por sobre o algoz como um guerreiro rude!
Dá combate! Protesta! Vocifera
Furioso, qual se fora uma pantera
Que ao estraçalhar a poderosa presa,
Ergue a sua carcaça, que é um troféu,
Para mostrar às amplidões do céu
Que a sua causa é justa e tem grandeza!
(OLIVEIRA, 2006, p. 89)
Zumbi, etimologicamente, é considerado o “deus da guerra”, vindo do termo
“nzumbe”, do idioma quimbundo (africano), que tem como significado, “fantasma,
espectro”.
Este herói foi um líder que formou uma comunidade de escravos fugitivos das
fazendas. Representado como símbolo de resistência e luta contra a escravidão,
ajuda na defesa dos escravos fugidos e libertos, destacando-se como um grande
guerreiro. Além disso, demonstra habilidades em planejar e organizar o quilombo.
Por meio desses atos heróicos, muitas de suas histórias que podem ser tidas
como mitológicas, conservam-se na mente das pessoas da época, e isso leva
futuramente a surgir novas figuras heróicas no mundo da escravidão e da capoeira
como, por exemplo, Besouro de Mangangá, pois ambos estão ligados a uma
sociedade como forma de comunicação humana. Obviamente estão relacionados
com a vida social do homem escravo, uma vez que narram os acontecimentos de
uma comunidade e de uma sociedade injusta.
Buscam-se, no herói, os seus itinerários que, segundo Campbell14, é uma
transferência do mundo externo para o interno. Jung denomina esta ação como
“imagens arquetípicas”. Os itinerários consistem em três etapas, que são: “A
Partida”, quando inicia sua jornada como herói; “A Iniciação”, representada pelas
provas que aparecem no caminho e, por último, “O Retorno” que pode ou não
acontecer.
14
Joseph Campbell foi um estudioso norte-americano de mitologia e religião comparativa. Estudou e
mapeou as semelhanças que aparentemente existiam entre as mitologias das mais diversas culturas
humanas. Uma de suas obras mais importantes é intitulada de “O Herói de mil faces”.
20
[...] a primeira tarefa do herói consiste em retirar-se da cena
mundana dos efeitos secundários e iniciar uma jornada pelas
regiões causais da psique, onde residem efetivamente às
dificuldades, erradicá-las em favor de si mesmo e penetrar no
domínio da experiência e da assimilação.
(CAMPBELL, 1992, p. 311)
O autor Big Richard, em sua obra, “O Rei Zumbi. Um herói da liberdade”
mostra o heroísmo de Zumbi por meio de uma narrativa épica e mítica em que a
temática é a mito-poética do herói na sua trajetória como Rei palmarino até a batalha
final contra a sociedade escravista.
Zumbi se dedicou a lutar por aqueles que necessitavam de ajuda, brigava
destemidamente e não se importava com os perigos que lhe rondavam. O que
realmente importava era libertar seu povo dos maus tratos sofridos. Ele foi “alguém
que deu a vida por algo maior ou diferente dele”, de acordo com Campbell, em prol
do seu povo realizou muitas tarefas, e “uma das proezas que constitui o herói é a
ação física, onde ele consegue realizar um ato de guerra, salvar uma vida ou
sacrificar-se por outra pessoa”. Nas palavras de Campbell, Zumbi se “encaixa”
perfeitamente quanto às características do herói físico e seus sacrifícios, pois salva
muitos negros das senzalas, dos senhores e dos feitores, dando início à formação
dos quilombos, atuando como líder deles.
O herói é o homem da submissão autoconquistada. Mas submissão a
quê? Eis precisamente o enigma que hoje temos de colocar diante de
nós mesmos. Eis o enigma cuja solução, em toda parte, constitui a
virtude primária do herói. [...] O herói, por conseguinte, é o homem ou
a mulher que conseguiu vencer suas limitações históricas pessoais e
locais e alcançou formas normalmente válidas, humanas.
(CAMPBELL, 1992, p. 12- 13)
Segundo Campbell, esses atos são o que transformam um homem em um
“herói físico”. É preciso saber que todo herói sacrifica-se por algo, passa por testes e
transforma a consciência de um povo.
21
De acordo com Campbell, o herói faz a iniciação de sua jornada. Esse fato é
visto nos momentos de luta porque antes dos capoeiristas realizarem o jogo, eles
passam por rupturas ao iniciar o aprendizado, rompendo uma fase da vida.
Besouro foi um personagem que rompeu fases e constituiu a figura do herói
popular, um herói negro que foge ao ideal dos exemplos gregos. É um mito criado
pela cultura afro-baiana, mas é “esquecido” pela historiografia e apenas lembrado
nas memórias.
A Bahia chorou, a Bahia chorou
[..]
a bahia sente a falta
mas vive a recordar
de traira canjiquinha
e besouro mangangá
[...]
(ABADÁ, CD. Coletânea Capoeira)
Valentão capoeirista que todos temiam, era considerado o pai dos
injustiçados e o terror para a polícia. Mágico porque, segundo diz à lenda, ele
transformava-se em Besouro e voava com proteção espiritual, representado por um
patuá, que na crença cultuada por ele, carregava dentro rezas e orações que
preparava seu corpo para não ser atingido por facas, e era invencível.
Faca de tucum matou besouro magangá
[…]
corpo fechado , mandinga com reza forte
na vida não levava licão de ninguem
cordão de ouro tambem chamado besouro
hoje joga capoeira
com os mestres do alem
[…]
(ABADÁ, CD. Coletânea Capoeira)
Besouro está fortemente presente no imaginário popular, revelando suas
muitas
facetas
através
das
letras
de
música,
protagonizando
situações
extraordinárias de combate contra os inimigos. “Morre”, renasce e convive no mundo
22
dos Orixás por meio das proteções sobrenaturais, e mesmo tendo o corpo perfurado
com metais, não chega a ser atingido fatalmente.
As energias que faz o herói Besouro ser inatingível pelos oponentes vem do
orixá OGUM, pois este domina o ferro e protege todos que utilizam instrumentos
desse material. Então, Besouro poderia se associar a um deus da mitologia grega,
na relação de poder como ser mitológico, aproximar-se-ia do deus Hefesto, já que
também era temido por todos, assim como nosso herói. Apesar de representarem
mitologias diferentes, são semelhantes nas características que compõe cada um.
Tratando-se de seres mitológicos, aproveitamos as características que
transformam Zumbi em um mito e, é possível perceber uma vertente ligada aos
orixás e também aos deuses gregos. De acordo com suas façanhas, o orixá ao qual
ele poderia ser comparado, é conhecido como Obá.
Obá é um orixá feminino, porém isso não a impede de “guiar” os caminhos de
Zumbi. Mesmo sendo representado por uma figura feminina, tem características
semelhantes às de Obá. Ela é um orixá brava, guerreira, forte, agressiva e
representa a guerreira do Orun15. Na mitologia grega, Obá é comparável à deusa
Atena, que é a guerreira do Olímpo.
Ele é considerado um herói por estar acima do bem e do mal e também
porque possui certo tipo de poder: lidera um povo, é capoeirista que faz justiça,
temido, corajoso, rebelde e, logo após sua morte, torna-se uma lenda, assim como
os mitos são.
Se o Rei Zumbi é tido como “herói físico” de acordo com Campbell, Besouro
pode ser considerado um “herói espiritual” porque, segundo a lenda que começou
em Santo Amaro, no Recôncavo Baiano, este negro carregava proteção e ainda
virava besouro nas situações mais difíceis. Apoiando-se nas palavras de Joseph
Campbell (1992) sobre o “herói espiritual”, ele explica que, “é aquele que aprende ou
encontra uma forma de experimentar um nível supranatural da vida espiritual
humana”.
Zumbi se torna um herói popular contrário aos valores da cultura da época,
sendo assim, nomeado um anti-herói marginal. No entanto, fica claro que, por ser
uma figura imortalizada como os semideuses do ocidente, povoa o imaginário dos
15
Representa o mundo espiritual onde as divindades, que são os orixás e semideuses habitam.
23
que lhe conhecem até hoje, principalmente capoeiristas. Massaud Moisés16 (1997)
afirma que até o século XVIII, “[...] a épica caracterizou-se por conter as sublimes
façanhas dum herói que simbolizava as grandezas de sua pátria e mesmo de toda a
Humanidade”.
Visto como anti-herói por uns e herói por outros, cabe-lhe o reconhecimento
maior como herói. Ele apresenta como figura heróica as passagens do enredo na
trajetória do herói como a preparação (tendo como arma para a luta seu próprio
corpo); o combate (as lutas que travou com a polícia, a elite e quase toda a
sociedade a favor dos escravos); o desenlace, até certo ponto vitorioso, sobre os
que lhe perseguiam.
Besouro é protagonista da narrativa mais conhecida na época como epopeia textos criados para contar feitos heróicos de personagens históricos - do Brasil,
apresenta como símbolo de todos os negros que alimenta histórias e cantos até hoje
e a capoeira praticada por ele e por muitos, simboliza a rebeldia desses negros. Era
por meio das epopeias simbólicas dos heróis que a sociedade criava a sua
identidade social e cultural.
Ele pertence a dois mundos, um é o real e o outro ele visita por meio dos
sonhos, e encontra as divindades e seus orixás:
No sonho Ogum falou:
“- Besouro tenha cuidado
Estou a lhe proteger
E vivo sempre ao seu lado
Mas você deve manter
O seu corpo fechado.
[...]”
(GARCIA, 2006, p.24)
O mito está relacionado a todos os campos que compõem a humanidade. E,
segundo Eliade17, em sua obra “Aspectos do Mito”, ele relata manifestações
sobrenaturais dos poderes sagrados tornando-se modelo exemplar para os outros
16
Massaud Moisés foi professor universitário da Universidade de São Paulo, onde desenvolveu
importantes trabalhos de pesquisa na área de Humanas. Obra pesquisada, “A criação literária,
volume 1”.
17
Mircea Eliade foi um professor, historiador das religiões, mitológico, filósofo e romancista romeno,
naturalizado norte-americano em 1970. Como fonte de pesquisa, foi utilizada duas de suas obras
mais conhecidas: “O sagrado e o Profano” e “O Mito do Eterno Retorno”.
24
humanos. Afirma ainda que, quando uma força mítica é reiterada, isso implica uma
experiência religiosa.
Contudo, nota-se que o mito existe para dar significação ao mundo,
aparecendo e funcionando como algo simbólico entre o sagrado e o profano.
Procura e transcende o senso comum e a razão, por ser semelhante à religião,
convertendo-se em fábula ou ficção. Se o mito estiver, direto ou indiretamente ligado
à religião, automaticamente será direcionado às necessidades do ser humano, o
qual procura alcançar objetivos por intermédio das suas crenças, e que fará do mito
um guia para acalmar o “espírito”.
Assim, a capoeira ressalta os heróis – Zumbi, Besouro, entre muitos outros
como os Mestres de capoeira – para encontrar neles a energia necessária da
continuidade de uma crença na proteção dentro da arte de jogar capoeira. “Em
muitas culturas tradicionais, a arte é em grande parte puramente simbólica em
conteúdo, expressando em termos visuais as crenças e aspirações da comunidade”
(CIRLOT: 2005, p. 61).
Eliade coloca o quão são frequentes os mitos que falam sobre a origem dos
deuses e do mundo, estando em certas religiões relacionados com os rituais
religiosos. Neste caso, a capoeira, a religião e o mito se confundem. Há em certos
momentos, uma simultaneidade de características que as assemelham, ora
aparecem no batuque, ora na música, nas histórias contadas e cantadas. Esses três
assuntos estão sempre presentes pela mistura na hora da roda de capoeira ou do
ritual da religião cultuada.
A crença no sobrenatural vive presente nos homens que praticam a capoeira.
Entregam-se para os deuses no ato da luta, e, então, as façanhas começam, dando
vida aos futuros mitos, heróis e histórias que aparecerão.
Contudo, religião e mito possuem algo muito interessante que os aproximam,
a realidade que vai além do senso comum e da racionalidade humana. Com isso,
surgem novas interpretações quanto aos mitos e sua função. Tanto para Eliade,
quanto para outros estudiosos, mito e religião expressam simbolicamente
sentimentos e atitudes inconscientes de um povo. Já Jung acredita e reconhece que
o mito leva o homem das trevas para a luz.
25
A indagação humana, ligada ao que é sagrado, leva os homens a “viver” em
outro espaço, no qual há mitos clássicos. As crenças do homem foram enaltecendo
e o seu imaginário, a partir disso, passa a crer num mundo espiritual, mágico,
encantado, no paraíso, entre outros planos sagrados.
Essa maneira de enxergar o mundo dentro da prática da capoeira contribui
para que exista uma credibilidade de que há a presença de seres divinos enquanto,
rito e cultura na sociedade.
26
4. A CAPOEIRA ENTRE O MUNDO SAGRADO E O MUNDO PROFANO
ORIXÁS DA BAHIA
Xangô rei de Oyó
o Exú é mensageiro
Omolu Senhor São Bento
Oxóssi santo guerreiro
Iansã das tempestades
Janaína rainha do mar
Nanã Iyabá Senhora
Mãe de todos os Orixás
Ogum o Deus da Guerra
Oxalá santo de fé
Olorum o rei supremo
O Senhor do Candomblé.
(SETE, 2006, P.80)
Antes de abordarmos a questão da capoeira e a religião18, observemos na
cantiga acima, do mestre de capoeira Bola Sete19, em que ocorre a exaltação de
deuses Yorubas, ou, pode-se dizer, o “pedido de proteção” na roda. Se formos
buscar no berço grego, mitológico, a comparação entre a evocação da proteção dos
orixás e sua relação com deuses gregos, encontraremos semelhanças.
Se numa roda de capoeira fosse pedida a intervenção dos gregos e não dos
yorubas, teríamos a presença de Zeus como o rei; o mensageiro seria Hermes;
Omolu que é o deus da morte é representado por Hades; Hera traz as qualidades
similares às de Iansã, por virtude e sabedoria; Nereu substitui Nanã, que é a deusa
mais “velha” e mãe de todos os outros orixás. Como deus da guerra há Ares e,
então, chegamos ao Senhor do Candomblé, conhecido como Olorum e o Senhor do
Olimpo, chamado Zeus.
Conseguimos, assim, fazer uma ligação direta entre duas mitologias que
permeiam o mundo dos homens e que permite ao ser humano buscar neles a fuga
18
Entre a Capoeira e a religião da Umbanda e do Candomblé existem ritos, cantos e crenças que se
assemelham, porém são coisas distintas, pois a capoeira não define a religião do seu capoeirista,
nem a religião irá formar um capoeirista.
19
Bola Sete- José Luís Oliveira nasceu em Salvador e foi aluno de mestre Pessoa e mestre Bobó.
Uma de suas obras intitula-se “A Capoeira Angola na Bahia”.
27
de um mundo profano e entrar em um mundo sagrado, onde os heróis são
exemplos.
Dessa forma, o capoeirista vive seu dia a dia envolto em um mundo profano
e, ao ligar-se com os ancestrais, mitos, passa a pertencer ao mundo sagrado, se
transformam em ser divino protegido por aqueles a quem ele crê que o acompanha,
consciente ou inconscientemente, carregados consigo, vindo de uma herança de
raiz africana. Eduardo Cirlot (2005) diz que, “Os deuses da maioria das culturas são
externados, com suas energias projetadas sobre o mundo exterior, a fim de tornar
suas presenças mais imediatas e tangentes”.
A capoeira ainda é muito comparada à religião africana, trazida pelos negros
que preservavam seus rituais sagrados, cultuavam deuses, orixás entre outros.
Tinham suas próprias vestimentas, danças, cânticos, homenagens, tudo relacionado
ao cotidiano. Assim, a capoeira chega a incorporar algumas dessas características
logo quando surge. A principal delas é o batuque do atabaque que veremos mais
adiante.
No candomblé, os rituais e festas eram feitos para que os negros pudessem
se sentir mais próximos de seus deuses, num esforço de estar cada vez mais perto.
A repetição desses ritos se dava de maneira mais constante, e isso lhes fornecia
uma significação ao mundo e à sua existência, revelando que:
Através da repetição periódica do que foi feito in illo
tempore, impõe-se a certeza de que algo existe de uma
maneira absoluta, esse “algo” é “sagrado”, ou seja,
transumano.
(ELIADE, 1991, p.124)
Quando a existência da aceitação de que algo sobrenatural esteja presente
na vida de um ser, um grupo ou determinada comunidade, a crença nos deuses e na
influência dos poderes deles por meio de processos iniciáticos os fazem percorrer
um caminho considerado como a saga de um herói. No entanto, conclui- se que, de
acordo com estas características apresentadas, todo ser humano pode ser um herói
da mesma maneira que os capoeiristas, independentemente da época, o são.
28
Nas rodas de capoeiragem que eram feitas, onde esses heróis eram
constituídos, os negros disfarçavam sua luta. O canto evocava a proteção na hora
do jogo e o indivíduo chamava nesse momento a presença dos personagens dos
míticos antepassados, esperando receber a proteção que pede quando se inicia a
luta.
O capoeirista neste momento envolve- se não com o corpo, mas com o
espírito. Aquilo que traz na alma, desde a filosofia de vida ensinada pelos velhos
mestres e o conhecimento por eles ensinado, se dedicando a eternizar os valores
que lhe foi confiado, a história dos seus heróis imortais.
Vasconcelos20 relata que determinados capoeiristas associam-se aos heróis
olimpianos, imortais, que cumprem o ritual de passagem, estendendo ao mesmo
tempo a própria morte ao constante reinício. Percebe-se esse fato durante as
cantigas e homenagens criadas para “louvar” esses heróis.
O herói negro, semelhante ao grego, que tem uma proteção divina dos
deuses, confia e imagina que todo capoeirista é filho de uma determinada entidade
espiritual, ou seja, a partir desse pressuposto, ele tem o “corpo fechado”, o que
significa ser protegido.
O candomblé é uma religião considerada “fora dos padrões”, profana. Mas,
como dizer que seus deuses são profanos se eles são mitos e o profano não existe
no mito, pois ele é algo exemplar?
Com a prática da capoeira ocorre a mesma resistência até os dias de hoje,
porque com seu batuque, as heranças africanas e também lusitanas, exaltam-se e
louvam-se os heróis e mitos que nela fizeram história. A capoeira é considerada, por
muitas vezes, profana por recorrer aos deuses e orixás no canto e na roda. Mas,
como considerá-la profana se na roda existe a representação da busca por um ato
sagrado, ação que exprime um eterno presente mítico, a eternidade, revivendo esse
tempo sagrado por meio das festas. A prática de viver o sagrado lhes permite a
realização de atualizar o que é mítico:
20
José Geraldo Vasconcelos autor da obra, Etnocenologia e história: percorrendo indícios da vida de
Manoel Henrique Pereira, vulgo “Besouro” (1895-1924). p. 25. Escritor que faz estudos
historiográficos sobre os “sujeitos esquecidos” pela história.
29
Bahia misteriosa
Bahia misteriosa
Ninguém pode decifrar
Bahia dos candomblés
Bahia dos orixás
[...]
(SETE, 2006, p.80)
É valido esclarecer que, muitas vezes, há oposição entre o sagrado e o
profano no real e irreal porque o sagrado equivale ao poder. Tanto na religião como
na capoeira, a Natureza é exaltada como um ser divino que se faz muito presente.
Para alguns, é difícil aceitar isso como forma de representação sagrada, mas ela
aparece como algo suscetível de revelar-se como sacralidade, aproximando-se de
seus deuses, pois a “Natureza nunca é exclusivamente “natural”: está sempre
carregada de um valor religioso, afirma Eliade na obra “O sagrado e o profano”21.
Se formos refletir nas formas primordiais e sua importância como uma visão
sagrada, tem-se de aceitar que a Natureza é um ser. Logo, ela é sobrenatural por
ser cultuada por meio dos orixás, obtendo poderes sobre os outros seres e
constituindo seu sacramento. Segundo Mircea Eliade, “A crença de que a natureza e
o desejo dos desejos poderiam ser influenciados pelos rituais e pelos símbolos
também era princípio fundamental da magia”.
Vemos que a capoeira e a religião eram muito ligadas por diversos fatores já
abordados neste trabalho.
O mundo dos orixás e dos deuses gregos é paralelo e estão presentes na
vida do homem moderno. Os capoeiras trazem essa herança até os dias atuais, que
consiste no eterno desejo de alcançar a proteção, como já dizia Pastinha, “Iê maior é
Deus, pequeno sou eu!”
As expressões na roda como forma de atingir uma proteção divina, levam o
capoeirista a possuir um tipo de religiosidade. Ele torna o espaço da roda um lugar
sagrado e o momento da luta é uma ligação mais próxima com sua ancestralidade.
Este espaço torna-se forte e significativo.
21
Na obra, “O sagrado e o profano” (1991) de Mircea Eliade faz-se uma introdução geral ao estudo
fenomenológico e histórico dos fatos religiosos. O autor é um dos mais influentes historiadores,
estuda a situação do homem em um mundo saturado de valores religiosos. O livro remete-se a uma
introdução à história das religiões.
30
Devoções, festas e ritos trazem de volta os mitos como forma de reviver o
tempo de seus mestres e seus heróis, promovendo significados.
Para muitos, o capoeira era visto como mandingueiro, pois o imaginavam
como aquele que tinha proteção. Rego, em sua obra Capoeira Angola-Ensaio
Etnográfico, cita sobre a provável origem dessa expressão “mandinga”, relatando
que pode ter surgido na África Ocidental, numa região conhecida como Mandinga,
onde havia muitos feiticeiros.
Notemos, então, que a figura do herói Besouro, que carrega consigo a
mandinga, também trazia certa vulnerabilidade. Este herói tem um “calcanhar de
Aquiles22”, o que o transforma em um semideus pela sua condição humana. Como
todo herói, ele também possuía seu ponto fraco, que era ficar sem seu patuá. E,
mais uma vez, uma semelhança aproxima Besouro de Aquiles.
Aquiles, herói grego, alcançou a imortalidade por meio dos seus feitos e
guerra. Preocupava-se com suas vitórias acima dos inimigos e em deixar na
memória do povo da época, e escrito na história dos povos que ainda iriam ouvir
falar de sua existência, sendo assim, seria eternizado um herói como desejava.
Enfim, o herói Besouro procurou deixar com suas façanhas a lembrança de
uma vida marcada pelo sinônimo de magia pelo símbolo que representa. Como
Aquiles, nosso herói negro conquistou a imortalidade no seu nome comentado em
toda a história dos negros da senzala, que até hoje é lembrado por todos.
Além das façanhas de Besouro que o transformaram em mito, quase um
deus, alguns simbolismos também o marcaram, como a oração, o berimbau e o seu
codinome. Isso o fará ser sempre uma lenda e uma fantasia.
Ele é um homem por Ogum, na mitologia grega, Hefesto, invencível aos
inimigos e metais. Ao iniciar um jogo, chama por uma força mágica, que o mantém
de corpo fechado, dizendo ser filho do senhor da guerra. Afirma Carvalho (2002)
que: “Quem conhece sabe que a capoeira é um rito de corpo. Mas que deve ser
22
Aquiles foi um deus grego, um herói participante da Guerra de Tróia. O mais belo dos heróis e o
melhor entre os guerreiros. Imortal no corpo e vulnerável no calcanhar, local onde recebeu uma
flecha envenenada e morreu. Filho de Peleu e de deusa Tétis, ao nascer recebeu de sua mãe um
banho nas águas do rio Estige, segurado apenas pelo calcanhar. Estas águas lhe tornaria um
semideus, estando vulnerável apenas no calcanhar em que sua mãe segurou. É a partir disso que
surge a expressão “calcanhar de Aquiles”. Mário da Gama Cury, “Dicionário de Mitologia Grega e
Romana” (Cf. p. 37; 38).
31
praticada por quem tiver espírito forte e não dever aos santos. Atenuar no
improvável é a rotina do ardiloso”.
Visto que para os homens os mitos formam uma “história sagrada”, ele deve
ritualizá-los, se aproximando de seus deuses. Isto é verificado na vida do homem e,
na capoeira, estabelecendo um elo entre a religião e os rituais da roda. Para ambas,
essa forma mitológica de viver no mundo implica trazer uma compreensão da
história de maneira religiosa da humanidade.
Como significado da roda de capoeira, temos o simbolismo do “Centro do
Mundo”. Segundo Eliade, é neste momento, quando o círculo está feito, que inicia a
comunicação entre um mundo físico e outro imaginário, na capoeira, esse instante é
marcado pelo ritmo, canto e a linguagem do jogo. A roda representa o mundo, algo
que não tem começo nem fim, onde todos revivem um passado que está
constantemente no presente dos praticantes dessa luta. Além disso, a roda propicia
uma realidade mais elevada para aqueles que participam trazendo “O mundo
simbólico está sempre representado por uma função explicativa de caráter polar que
liga os mundos físico e metafísico” (CIRLOT, 2005, p.12).
32
5. AS CANTIGAS COMO UMA MANIFESTAÇÃO DA MEMÓRIA POÉTICA
NAS RODAS DE CAPOEIRA
A capoeira busca incansavelmente seu reconhecimento como uma expressão
cultural na sociedade para sair da “zona” marginal na qual a classificam.
Uma das formas usadas para mostrar sua importância, e mais que isso, para
demonstrar seu grau de qualidade, é por meio do canto nas rodas e das
composições que vão sendo criadas por mestres e seus discípulos.
Nas mais diversas cantigas, aparecem homenagens aos grandes mestres da
história da capoeira, desde seu nascimento até os dias atuais, relembrando feitos
heróicos dos mitos que construíram suas próprias narrativas e suas passagens pela
memória do povo.
Elas trazem inspirações para o momento do ritual da roda e do jogo, quando
se tem a concentração e a invocação da proteção de cada indivíduo para
desenvolver a luta e sair vencedor. Nesta simbologia de canto e proteção, a roda
passa a ser um local sagrado, onde energias estão sendo passadas para os
jogadores. Representa o mundo “espiritual” em que não há início nem fim, e que,
segundo Eliade, na concepção do “eterno retorno”, os ancestrais estarão ali
presentes todas as vezes que a roda for formada para a hora da luta.
Com essa ideia de estar sempre retornando aos seus mitos e ancestrais
africanos, a capoeira procura alcançar, por meio da memória, a preservação da
ritualidade e as tradições, ou seja, dar continuidade à identidade de um povo
buscando as “Culturas e religiões são, em grande parte, definidas pelos símbolos
que usam e veneram, [...] ajuda a definir a identidade de um indivíduo” (CIRLOT,
2005, p.86).
A afirmação de Cirlot23 é que o simbólico é independente do histórico porque
“não somente o substitui como tende a arraigá-lo no real” entre a esfera coletiva e
individual.
23
Jean Eduardo Cirlot Laporta nasceu em Barcelona, foi um poeta, crítico literário, de arte e de
cinema, tradutor, hermeneuta, mitologista e músico catalão (cf. p.34). Cirlot escreveu o “Dicionáio de
Símbolos”.
33
No entanto, apesar da presença do histórico e dos símbolos, memória é a
chave principal para a abertura de “reviver” o passado com uma força capaz de
trazê-lo para o presente. Segundo Rank24, citado na obra de Eliade, todas as
condições que criam os mitos fazem parte de um sonho coletivo. Mesmo sendo uma
cultura subjugada, os africanos nunca se entregaram totalmente ao seu dominante e
criou de maneira inteligente suas formas de resistência, conseguindo preservar os
aspectos da religiosidade, da música, da culinária. Recria um universo paralelo e
simbólico, caracterizado pela memória.
As cantigas, de certo ponto de vista, podem ser o enaltecimento de um
capoeirista que se tornou herói, como já citado, mas também pode narrar fatos da
vida cotidiana, de uma época e assim por diante.
Elas possibilitam a comunicação entre alguém que está presente fisicamente
com algo sobrenatural, fazendo transcorrer um diálogo em que as indagações
humanas são feitas e respondidas por uma mesma pessoa. Essas cantigas ligam
duas realidades distintas e apresentam muitos outros elementos valiosos para o
estudo da vida brasileira, tendo como via de pesquisa a cultura afro- brasileira
encontrada “Nas cantigas de capoeira, o elemento folclórico é algo marcante e em
todas elas ele soa freneticamente, aos ouvidos de quem escuta” (REGO, 1968, p.
216).
Na capoeira, principalmente no início, as cantigas que surgiam na roda eram,
e ainda são resgatadas da memória que o cantador utiliza para inspirar os
jogadores. O momento da ritualidade começa e a rememoração dos ancestrais mais
uma vez retorna ao mundo.
Nesse jogo de passado e presente, Marc Augé25 afirma que:
24
Cf. “O sagrado e o profano” de Mircea Eliade.
Marc Augé etnólogo francês Coordenador de Pesquisas na Ecole dês Hautes Estudes em to
importante para a Sociologia, o não-lugar, oposto ao lar. Representado pelos espaços movimentados
por várias pessoas.
25
34
[...] Esta continuidade transcende a História. [...] este ato consiste em
fazer memória (anamnese) deste passado que dá sentido ao
presente e contém o futuro. Esta prática da anamnese é efetuada, na
maior parte do tempo, sob a forma de rito, assim, a ritualidade toma
5.1. Mestre, ouma
herói
da memória.
dimensão
especificamente religiosa a cada vez que tem por
função principal, restituir a presença da memória gloriosa das origens
da vida.
(AUGÉ, 1997, p.131)
O mar simboliza algo misterioso de onde tudo surge e para onde tudo retorna.
Nas cantigas de capoeira, como já visto, é a renovação de um passado que está
sempre retornando. Assim como a simbologia está em todos os cantos do universo,
nas ladainhas, lamentações, nos hinos da capoeira não seriam diferentes.
Camile Adorno26 afirma, em sua obra A arte da Capoeira que: “a música é um
dos instrumentos de preservação da memória, transmitindo as tradições de
diferentes épocas do passado da Capoeira” (ADORNO, 1999, p.65).
O mestre pode ser considerado um deus ou herói, já que a ele pertence a
memória e o saber adquirido pelo tempo que serão transmitidos como valores aos
seus discípulos, porque ele é o ser superior.
Mas o que vem a ser um deus? Segundo Jean Eduardo Eliot:
Em termos psicológicos, os povos antigos projetavam
externamente o arquétipo de poderes superiores, e assim
emergiu o conceito de deuses - seres com todas as qualidades a
que as pessoas aspiravam em suas próprias vidas. [...] Os
deuses são, portanto, uma síntese da energia divina e das
limitações do pensamento humano.
(CIRLOT, 2005, p. 222)
No canto, sente- se os ensinamentos que retratam as histórias de pessoas
que foram arrancadas brutalmente de suas terras, do seu axé, para o julgo da
escravidão.
Esse axé que todo capoeirista tem, possibilita a ele transformações na hora
do jogo, designa uma força vital, uma energia que parece ser mágica e sagrada
26
Camille Adorno nasceu em 1960, é músico, advogado e escritor. Conhecido nas rodas de capoeira,
formado por ex-alunos de Mestre Bimba. Escreveu o livro “A Arte da Capoeira”. Atualmente, se
dedica à literatura e à música.
35
vinda das divindades, de tudo que os rodeia. A música traz essa sensação na roda
quando o canto acontece e as energias invadem o momento da troca de golpes.
Um jogo de comunicação começa a acontecer e, então, inicia-se o ritual do
culto aos ancestrais. As músicas cantadas fazem renascer os heróis, as narrativas
que contam seus feitos, numa busca da construção de uma memória coletiva.
Para
melhor
nos
situarmos
acerca
da
memória
coletiva,
segundo
Halbwachs27, ela é um processo que representa a experiência de sabedoria que
envolve um coletivo, estabelecendo relação entre as gerações. Apesar de o passado
ser fruto de uma memória individual, consta-se que essas lembranças são
compartilhadas e rememoradas por grupos.
O mestre de capoeira é um protagonista dessa memória coletiva, pois em sua
experiência de vida, “armazena” muitas histórias dos heróis, fatos verdadeiros ou
não e constrói todas as lembranças individualmente para depois transformar isto em
coletividade, ensinando aos seus alunos àquilo que lhe foi passado com sabedoria.
Além de resgatar histórias e fatos do passado, os mestres criam novas
ações, novos movimentos e novas composições ligando o passado com a condição
atual da capoeira.
[...] criar esquemas coerentes de narração e de interpretação dos
fatos, verdadeiros, que dão ao material de base uma forma
histórica própria, uma versão consagrada dos acontecimentos. O
ponto de vista do grupo constrói e procura fixar a sua imagem
para a história.
(BOSI, 1994, p.66)
Disso decorre a criação das cantigas, de uma memória nas quais as
narrações constroem significados, mostram quem foram os heróis e o que fizeram
pelo seu povo. A memória é constituída desses personagens, dos lugares, e dos
seus atos.
Na capoeira, têm-se muitos personagens, lugares e histórias contadas,
cantadas e rememoradas até os dias de hoje pelos mestres. São esses mestres que
27
Maurice Halbwachs, sociólogo francês que publicou um livro intitulado “A identidade cultural na
pós-modernidade”, onde apresenta um estudo sobre memória coletiva.
36
representam a memória coletiva dos nossos antepassados capoeiristas, os heróis
das cantigas. Eles ensinam a tradição e mostram o valor que a capoeira tem por
meio de ensinamentos, no dia a dia e, principalmente, quando criam suas próprias
cantigas, inspirados na essência e habilidade dos velhos mestres.
Antes de abordamos as cantigas, observamos que a linguagem não está
presente apenas nas letras, está no corpo, na voz daquele que nunca escreveu, mas
que conhece a vida e os ensinamentos muito mais que os letrados de sua época.
Então, a capoeira passa a ser a voz do corpo, mostrando-se como elemento ativo
dentro das muitas manifestações:
Para Tavares, [...] A capoeira, segundo o autor, surge como um
desses discursos não-verbais “arquivados no corpo. Tendo em
vista que a capoeira é uma luta-dança-jogo com raízes na
escravidão, os movimentos corporais da capoeira atual são
fragmentados da memória negra afro-brasileira.
(TAVARES apud REIS, 2000, p.173)
O corpo na capoeira cria sua própria lógica, mostra seu conhecimento e o
alicerce de sua sobrevivência. Simboliza por meio do balançar dos movimentos a
luta disfarçada, na ginga e no ritmo esconde um ataque inesperado. Utiliza o corpo
almejando a proteção dos seus ancestrais, desejando estar sempre ligado a algo
superior a si, sagrado:
O corpo é visto como um veículo para a alma ou espírito, que
representa a “verdadeira” pessoa. [...] Embora sagrado (o corpo),
ele é profano, porque compartilha as necessidades do mundo
animal.
(CIRLOT, 2005, p. 205)
Dessa forma, o corpo torna-se também um mensageiro e, juntamente com a
musicalidade, repassam as vivências anteriores, a relação desse povo com a
natureza e os elementos sagrados contidos nela, segundo suas crenças, entre
outros aspectos.
Os cânticos são poesias instrumentadas na oralidade, sendo elas, no caso da
capoeira, as que determinam a memória coletiva. Contudo, para que esse mundo
seja criado, instaura-se, por meio dos conhecimentos do mestre, uma época
37
histórica num jogo de memória e poesia, estabelecendo o diálogo entre os
capoeiristas e partilhando as experiências individuais e coletivas.
Esse culto aos ancestrais e heróis pertencentes às narrativas de capoeira é
um processo de ritualização da relação com a ancestralidade, com os rituais da
roda, símbolos africanos, orixás, deuses e aos mestres e capoeiristas do passado.
O mestre é a figura central desse mundo, porque é o guardião e responsável
pelos processos da memória e envolve seus discípulos no universo mítico simbólico,
transmitindo o saber na oralidade:
O mestre corporifica, assim, a ancestralidade e a historia de seu
povo e assume, por esse razão, a função de poeta que, através
de seu canto, é capaz de restituir esse passado como força
instauradora.
(ABID, 2006, p. 92)
Capoeiristas são envolvidos no tempo mítico. O mestre torna-se um modelo a
ser seguido, admirado. O espaço da capoeira, onde toda ritualização acontece, é na
roda, lugar sagrado do jogo. Com a melodia, o berimbau comanda a roda e as
músicas assumem a comunicação entre o mestre e o seu grupo.
É na musicalidade que acontece a maior proximidade da capoeira com os
deuses africanos. Porém, isso não significa que ela pertence ou cultue alguma forma
de religião. Significa apenas uma constante busca por uma ligação com ancestrais
escravos e africanos.
Nesse sentido, o mestre faz a junção do mundo atual com o passado africano,
tendo o canto como caminho para evocar as forças e proteções espirituais na roda.
Ele é o poeta, criador da emoção a ser sentida e apreendida por seus alunos. A
criação das composições musicais, seu valor como figura dominante que impõe o
respeito e a disciplina em um grupo, o torna mestre.
Mas ser mestre na capoeira é muito mais que ser apenas poeta ou
representante de um grupo que transmite saber. Ser mestre é tornar-se exemplo,
estar na posição de um ser sagrado, é ser herói com todas as características
carregadas de energias contagiante, dominadoras daqueles que estão presentes na
roda.
38
5.2. O sentido e o sentimento nas cantigas.
O simbolismo da música é de suma complexidade [...]. Penetra
todos os elementos da criação sonora: os ritmos, sonoridades
[...] fenômeno de correspondência ligado ao da expressão e
comunicação.
(CIRLOT, 2005, p. 26 - 27)
O culto aos antepassados dá-se de várias maneiras, sejam por discursos,
fotografias,
imagens
ou
pinturas.
Existe
constantemente
a
referência
na
ancestralidade africana e aos tempos de escravidão no Brasil, que procura
estabelecer um elo entre o passado e o presente, representado, na maioria das
vezes, nas cantigas.
Vejamos na cantiga do mestre de capoeira Boa Voz28 como aparece explícita
a cultura africana:
Chamado de Angola
6.
7.
8.
28
Numa viagem pra África;
O meu Mestre esteve lá;
Em busca dos fundamentos;
Da nossa capoeira;
Vi falar do embondeiro;
Que faz casa pra morar;
Falar dos negros Cuanhama;
É uma tribo que tem lá;
O dinheiro é o Kuanza;
O quimbundo é pra falar;
Capoeira vai crescendo;
Bassula pra derrubar;
Canta Dionísio Rocha;
Diferente no cantar;
O povo diz pagimne;
Pedindo paz para o lugar;
Muchima é o coração;
Que bate forte ao chegar;
Parece que diz baixinho;
Mestre Boa Voz – Mestre de capoeira e cantador do Grupo Abadá Capoeira.
39
Me leve um pouco pra lá;
Cabeçada é quitunga;
Luanda é a capital;
Atabaque é ningoma;
Hungo vira berimbau;
Negro nascido na terra;
Não pode no chão pisar;
Pode ser campo minado;
A guerra ainda tá lá;
O tempo lá vai rolando;
Quem manda em mim é Deus;
Quando ele me abençoar;
Eu vou lá te conhecer;
[...]
(BOA VOZ, CD. Capoeira de Angola)
Na letra acima, resgata-se a linguagem africana, nomes que estão
relacionados ao país de origem da capoeira. Misturando essa linguagem ao
vocabulário próprio da capoeira, apenas aqueles que se integram neste contexto
conseguem alcançar a dimensão que elas compõem na simbologia que a cantiga
possui.
Não só a teatralidade de toda uma época é reproduzida numa roda, como a
música também dita o ritmo do jogo, e quem está fora dela e não interage, não
consegue acompanhar os sentidos e os sentimentos do canto criado e recriado pelo
mestre ao som do berimbau.
Se alguém é derrubado na roda, canta-se uma música para consolar, não
para debochar. Com isso, o mestre tem a intenção de lhe mostrar que ir ao chão faz
parte do aprendizado, e que mesmo caído, poderá ser vitorioso se tiver sabedoria e
malícia para aplicar um golpe que desarme seu adversário. A música, nesse
contexto, leva o jogador a refletir sobre suas próximas ações diante de seu
adversário, sempre pedindo proteção.
A capoeira se valia de simbologias, metáforas, figurações da linguagem, em
que os mestres transformam as letras em poesia, personificando as cantigas de
modo a provocar arrepios nos capoeiristas e na plateia, rememorando a história de
algo ou de alguém.
Saber ler as entrelinhas das cantigas é de extrema importância e
necessidade, pois elas mostram a memória conservada, o saber por intermédio da
40
oralidade que ajuda a compreender o tema nelas abordados e, acima de tudo,
comanda o diálogo corporal na roda.
Nos temas apresentados nas rodas em composições desde as primeiras
cantigas até as mais modernas, criadas pelos mestres, são encontradas críticas
feitas a algumas histórias, e numa delas, podemos observar contestações sobre a
abolição da escravatura, enaltecendo o herói Zumbi dos Palmares. Observe essa
releitura crítica feita por Mestre Moraes29 em uma Ladainha:
A história nos engana
Iêêê!
A história nos engana
diz tudo pelo contrário
até diz que a abolição
aconteceu no mês de Maio.
Pra prova dessa mentira
é que da miséria
eu não saio.
Viva 20 de novembro
data pra comemorar.
Não vejo em 13 de maio
nada para se lembrar.
Muitos tempos se passaram
e negro sempre a penar.
Zumbi é nosso herói
dos Palmares foi senhor.
Pela causa do homem negro
ele foi quem mais lutou. Apesar de tanta luta
o negro não se libertou,.
Camaradinha...
Maior é Deus! (...)
(Ladainha, Rei Zumbi dos Palmares)
A intenção de Moraes é deixar clara a sua contestação referente à questão da
abolição, mostrando a miséria que o negro ainda vive na atualidade. Ele ressalta a
figura heróica do único lutador pela liberdade, Zumbi dos Palmares e tantos outros.
29
Pedro Moraes Trindade é soteropolitano, nascido em 08 de fevereiro de 1950. Fundador do grupo
de capoeira angola. Pelourinho – GCAP.
41
No entanto, afirma que, para o dia 13 de maio não existe festa, nada se tem a
comemorar, mas sim no dia 20 de novembro, data em que se festeja o Dia Nacional
da Consciência Negra30.
Mestre Bola Sete também compôs uma cantiga referente ao negro. Nela, faz
uma leitura do negro afro-brasileiro ligado à religião, a mitologia africana e aos
orixás, considerados os verdadeiros protetores do povo escravo.
Árvore da Mandinga
No tempo da escravidão
Quando nego matou sinhá
Foi na árvore que o nego foi morar
O feitor passava perto
Não podia enxergar
Procurava o nego escravo
Que matou sua sinhá
Exu santo malandro
Mensageiro dos Orixás
Protegia o nego escravo
Que cansou de apanhar, camaradinha!
Iê, Viva meu Deus Camará!
(SETE, 2006, p. 82)
Nessa cantiga, pode ser visto que o orixá Exu –mensageiro dos orixás(comparado ao deus grego Hermes que ao longo dos séculos do seu mito tornou-se
mensageiro dos deuses) dá a proteção pedida pelo negro na situação de perigo.
A partir da música, Bola Sete faz menção à religião do candomblé que é
intrinsecamente ligada com a cultura afro-brasileira, a qual está inserida na capoeira.
Disso, surge o alcance da proteção não só na roda, mas em muitas outras situações
da vida, trazida pelos orixás e pela energia dos heróis transmitida no canto.
Além disso, os cânticos na roda de capoeira têm outra função importante que
é a responsabilidade pelo axé do jogo, seja ele lento ou corrido, criando esse elo
entre o tempo e os jogadores, constituindo a representação de um cenário
imaginário. Temos, como exemplo, o toque chamado Iúna, que é melódico e
simboliza o adeus aos capoeiristas que já morreram. O berimbau faz seu papel
30
Dia Nacional da Consciência Negra, é celebrado em 20 de novembro no Brasil. Dedicado à
reflexão sobre a inserção do negro na sociedade brasileira e sua resistência à escravidão, foi
escolhida essa data por ser semelhante ao dia da morte do herói Zumbi dos Palmares no ano de
1695.
42
sagrado e constrói a ponte entre o “Orun e o Aiê31”, pois se torna um instrumento
mensageiro entre os dois mundos, na condução do lamento da morte do capoeira.
Deixa Chorar Berimbau
E berimbau chorou;
Deixa chorar;
Berimbau (Refrão);
E ele chora por Maré;
Atenile e Waldemar;
Pelo saudoso mestre Bimba;
Ele até vai soluçar Ê berimbau;
E o choro do berimbau;
É coisa bem comovente;
Chora vida;
Chora morte;
Chora o dia, chora o tempo;
Ê berimbau;
E se berimbau pudesse;
Usar toda a sua magia;
Ele ia e buscava;
Todos os mestres da Bahia;
Berimbau;
E as lágrimas do berimbau;
Você não pode enxergar;
Berimbau tem sentimento;
Até seu arco vai quebrar;
Berimbau;
[…]
(ABADÁ, CD. Coletânea Capoeira)
Quando o berimbau chora, metaforicamente, quer dizer que, aqueles que já
se foram, mestres e heróis míticos, estão sendo reverenciados e que suas magias
estão ali presentes. Tudo começa a acontecer quando se agacha ao “pé” do
berimbau. Nesse momento profano e sagrado se unem:
O sentimento da capoeira
Abaixo ao pé do berimbau
E peço minha proteção
Peço licença na roda
31
Segundo Aulo Barretti Filho, na obra “Dos Yoràbá ao Candomblé Kétu: Origens, Tradições e
Continuidade.”, na mitologia Yoruba (Ioruba), Orun representa o mundo espiritual que está paralelo
ao mundo físico, o Aiye (Aiê).
43
Aperto a mão de meu irmão
O toque vem com sentimento
Levado com emoção
mensagem da ladainha
Cantado com o coração
Na roda de capoeira
Incorporo a louvação
(ABADÁ, CD. Coletânea Capoeira)
O canto, a proteção, o manejo, a malícia e a cadência compõem o universo
da capoeira, mas deixaria de ser uma arte se nela não existisse a poesia, ou melhor,
a poesia musicada. A capoeira é como uma poesia da vida real, na qual
identificamos vários elementos brasileiros e africanos marcando presença no mundo
com seus significados.
Contudo, concordemos que música da capoeira se funde com a poesia,
formando a arte por meio de uma multiplicidade sonora, a “poesia musicada”. A roda
torna-se lugar onde o mestre, ou mesmo o capoeirista, transforma sua música em
uma poética vivida e reatulizada por todos. Neste momento, traça-se uma linha entre
o material e o imaterial. Os corpos, no meio da roda, jogando ao som dos batuques,
inspirados pelas diversas energias, palmas e canto, ajudam a criar novos poemas
dentro de todo o universo que envolve a capoeira.
Mestre Santana32, em seu livro “Poesias conto e opúsculo de um capoeira”,
apresenta a capoeira em forma de poesia e conto. Observe este soneto criado por
Santana:
O Cantar
Uma roda de prazer
A curiosidade de jogar embala
O ritmo cristalino a animar
O capoeira a cantar
Cada música que fala
A voz do coração
Que a história cala
Com força da paixão
32
Em 1970, na cidade de Itabuna/ BA, Mestre Santana iniciou sua caminhada no mundo da Capoeira
Regional com Mestre Bimba. Passou a morar em São Paulo em 1972, onde desenvolve trabalhos de
capoeira com métodos próprios.
44
O sentimento profundo
O cantor sente chegar
A energia que vai cantar
Pra cantar capoeira
Pulsa forte o coração
Com amor e emoção
(SANTANA, 2007, p.73)
Dessa maneira, podemos perceber que, além das cantigas criadas pelos
mestres, as poesias são reais e fazem parte do mundo cultural da capoeira, sendo
uma produção literária brasileira pouco conhecida e reconhecida.
45
6. EM DEFESA DA CAPOEIRA COMO CULTURA A SER VALORIZADA
“A cultura é, assim, um código básico de simbolização que
permite a comunicação e o entendimento entre aqueles
que pertencem a ela.”
(SOUZA, 2005, p.87)
A mandinga do capoeirista está versada nas músicas cantadas na roda.
Muitas delas são de domínio público, transmitidas pela oralidade, e não eram
registradas em papel; estavam apenas nas memórias dos cantadores. No tocante ao
seu conteúdo, elas retratam a dinâmica do jogo e toda a sua expressão cultural.
Quando se deu fim ao tráfico negreiro no Brasil, foram interrompidos alguns
contatos com países africanos. Os escravos que aqui estavam, preservavam o que
haviam trazido de lá como as lembranças, o conhecimento, as tradições do povo
africano, os valores e as crenças ensinadas pelos mais velhos.
No entanto, toda essa cultura ficou subjugada aos valores dominantes,
ficando esquecida, e em grande parte, abandonadas. Isso fez com que o povo
africano fosse perdendo o interesse a respeito da sua história. Entretanto, o que já
existia de história e de cultura deles aqui no Brasil, continuou a ser cultivada de
forma diferente. “A cultura é algo que nos permite fazer parte de um grupo e nos
dificulta sermos um membro integral de outro grupo que não o nosso, a não ser que
nos transformemos radicalmente” (SOUZA, 2005, p.87).
Os negros, por se submeterem a viver de outra maneira, abriram mão do
mundo em que viviam, onde toda a sua existência estava inteiramente ligada às
coisas do além. Este mundo era dividido em dimensões, das quais, numa delas,
aconteciam fenômenos sobrenaturais que é conhecida como o espaço dos mortos,
dos ancestrais, dos heróis, deuses e espíritos que nela habitam.
Por meio dessa dimensão, os homens obtinham acesso parcial a este tipo de
vida quando praticavam ritos e usavam objetos sacralizados, pois a religião estava
constantemente em relação com o exercício de poder, onde eles buscavam
orientações nessas forças ocultas.
46
A partir desses rituais que os negros ainda preservaram, mesmo com a
proibição de praticá-los, o candomblé, a umbanda, as danças entre outras
manifestações foram se firmando entre os povos no decorrer do tempo.
Então, com a evolução da sociedade, foi surgindo timidamente a valorização
da cultura mestiça, mas não do mestiço em si. O aumento do interesse pelas
manifestações culturais começou a crescer, como por exemplo, a valorização do
samba, do carnaval e, ainda assim, também da capoeira. Tudo isso são
contribuições africanas para a cultura brasileira.
Dessas manifestações afro-brasileiras, o foco será mostrar a importância da
carga cultural que a capoeira tem, em todos os sentidos, para nosso crescimento
como cultura original. Está presente no teatro, na música, na literatura, entre muitos
outros aspectos, agindo como disciplina mental e corporal, abandonando aos
poucos a visão marginalizada que a ela atribuíram.
Percebemos, então, que com essa apropriação das culturas, o africano foi
integrando-se à sociedade brasileira e à medida que isso ia acontecendo, ele ia
tornando-se afro-brasileiro. Max Müller33 firma que, “a espécie humana é unidade
original onde apresenta uma similitude universal entre os costumes, folclore, lendas e
superstições, mas em especial, a linguagem” (CIRLOT, 2005, p.10).
Abordando a capoeira em particular como cultura integrante do nosso país,
como já citada no desenvolvimento deste trabalho, ela é uma luta que simula uma
dança que representa tanto disputa como diversão, antigamente praticada nas rodas
de vadiação.
Na década de 1930, ela tornou-se a identidade brasileira, mesmo com
elementos africanos, com a influência da música, os ritos, festas, danças que
alimentavam o espírito. Na capoeira, fica evidente, por meio dos instrumentos
musicais (o tambor, o berimbau), a roda e as muitas letras de música que falam da
realidade tanto africana quanto do Brasil na época da criação do jogo da capoeira:
33
Friedrich Max Muller, linguísta, orientalista e mitólogista alemão. Sua obra principal foi a coleção
“The sacred books of the East”, Coleção que é fonte de muitos estudos sobre as histórias das
religiões e mitologia comparada.
47
Sou a mistura de raças e de homens, sou um mulato
brasileiro. Amanha será, conforme o senhor diz e deseja,
certamente será, o homem anda para a frente. Nesse dia tudo
já terá se misturado por completo e o que hoje é mistério e luta
de gente pobre, roda de negros e mestiços, musica proibida,
dança ilegal, candomblé, samba, capoeira. Tudo isso nosso
riso, compreende?
(AMADO, 1987, p. 285)
A capoeira hoje é uma das manifestações culturais mais difundidas entre
todas as classes sociais. Deixou de ser praticada apenas por negros escravos e
mestiços e passou a ser o símbolo do Brasil, sendo também arte exercida fora do
país, principalmente em países de primeiro mundo.
Na obra Capoeira Angola – Ensaio Etnográfico, Waldeloir Rego defende a
capoeira como presença marcante em muitas áreas culturais do Brasil.
Ele aponta a capoeira como arte reproduzida nas Artes Plásticas, no Cinema,
nos Palcos Teatrais, na Música Popular Brasileira, na Literatura. Nas Artes Plásticas,
temos o mestre pintor Carybé34, nascido na Argentina, mas que se integrou com os
costumes e tradições da Bahia. Realizou diversas exposições sobre temas da
capoeira:
Mestre de muitas artes,
Ê, ê camarado
Quem é que é?
Quem é que é
Ê, ê, camarado
Da Bahia o filho amado?
É Carybé, camarado,
Ê, camarado, ê.
[...]
(REGO, 1968, p. 32).
34
Hector Julio Páride Bernabó, ou Carybé, artista baiano nascido em 1911, em Lanús, Buenos Aires.
Foi um pintor, gravador, desenhista, ilustrador, ceramista, escultor, muralista, pesquisador, historiador
e jornalista argentino naturalizado e radicado no Brasil. Dedicou-se a reatratar a cultura do povo da
baino em suas obras.
48
Waldeloir Rego descreve que a capoeira esteve presente na Bossa Nova que
Vinícius de Moraes35 e Baden Powell36 a estudaram. Este último viajou para a Bahia
e fez contato com o berimbau. Com isso, a Bahia começa a representar uma África
ancestral nas obras desses autores e muitos outros.
Com o convívio na Bahia, Baden passa a formar nossas raízes dos ritmos, e
assim, faz nascer o “Samba - Capoeira”, que tem como acompanhamento
instrumental o berimbau.
Baden estudou a fundo o assunto e criou músicas com letras de Vinícius de
Moraes. Mas, muito antes desses autores, o compositor Batatinha37, Oscar da
Penha, já havia usado a capoeira nas suas composições. Observe esta letra de
Batatinha e Ivaná Maria Luna que está na obra de Rego, e que apresenta a
importância de ambos para a Bossa Nova e a adoção do toque e canto do berimbau:
Bossa e Capoeira
A moçada vai gostar
Quando ver meu samba na prova
E ouvir o berimbau
No balanço da bossa nova.
Vem,tem
vem,
vem
Não
rabo
de arraia
Vamos
dançar
Nem pernada, ó meu irmão
Bossa-capoeira
Tem
morena nos meus braços
Que é de abafar
Dançando
é sensação.
(REGO, 1968, p. 335)
No campo da literatura, a capoeira marcou grande presença com renomados
autores, iniciando-se com um documento criado por Manuel Antonio de Almeida38.
Machado de Assis39 foi mais um escritor que publicou uma crônica intitulada
“a capoeira, o capoeirista e o seu comportamento na comunidade social”, no jornal
35
Vinícius de Moraes nasceu no Rio de Janeiro em 1913. Poeta essencialmente lírico. Sua obra é
imensa, passando pela literatura, teatro, cinema e música. Foi diplomata, dramaturgo, jornalista,
poeta e compositor brasileiro.
36
Baden Powell de Aquino, violinista brasileiro, tocava música tradicional brasileira, porém amava o
jazz, passando a ser considerado um dos maiores violinistas, desde o início da Bossa Nova.
37
Oscar da Penha, mais conhecido como Batatinha, foi cantor e compositor brasileiro nascido em
Salvador, Bahia..
38
Manuel Antônio de Almeida, carioca nascido em 1861, teve profissões como médico, escritor e
professor. Redator do Jornal Correio Mercantil, onde publicou em folhetins sua única obra em prosa
“Memórias de um Sargento de Milícias”.
49
Gazeta de Notícias. Além dele, muitos outros autores utilizaram a capoeira em suas
crônicas literárias e romances, entre eles Aluízio de Azevedo40, que descreve em
seu romance “O cortiço” cenas de capoeira; Luis da Câmara Cascudo41 escreveu
“Festas e Tradições Populares do Brasil”; Manuel Raimundo Querino42 com a
crônica “A capoeira”; Coelho Neto “O nosso jogo”; Viriato Correia43 “Os Capoeiras”;
Odorico Tavares com a obra “Capoeira” e muitas outras publicações aplaudidas por
muitos intelectuais.
Jorge Amado44 deu destaque maior para a capoeira. A literatura dele passou
a mostrar mais a sensualidade, a miscigenação e o sincretismo religioso a partir da
década de 1950, passando a ocupar o primeiro plano em suas obras:
[...] toda a história é escrita por um homem e quando esse
homem é um bom historiador põe na sua escrita muito de si
próprio: (...) o que ele enuncia, quando escreve a história; (...) o
que é o acontecimento? É alguma coisa que existe porque se
fala dele.
(DUBY, 1986, p.7, 11-12).
Suas obras foram reconhecidas pelo mundo, traduzidas em várias línguas e,
em 1995, como grande marco e reconhecimento do valor de suas obras, recebeu
um dos maiores prêmios de honrarias da literatura de língua portuguesa, conhecido
por Prêmio Camões.
Amado orgulhava- se, sobretudo do universo do candomblé. Escolheu o orixá
Exu por ser uma figura da mitologia ioruba, caracterizada pelo “movimento e
passagem”. Ele recusa ser tido como um grandioso escritor e diz: “[...] nunca me
senti escritor importante, grande homem: apenas escritor homem (Navegação de
39
Joaquim Maria Machado de Assis é considerado um dos maiores contribuidores da literatura
nacional. Suas obras abrangem a poesia, o romance, cronicas, dramaturgia, contos, folhetins, jornais
e críticas literárias.
40
Aluísio Tancredo Belo Gonçalves de Azevedo, maranhense, romancista, contista, cronista,
diplomata, caricaturista e jornalista brasileiro, além de bom desenhista e discreto pintor.
41
Luis Câmara Cascudo foi um dos grandes mentores da ideia de que a origem da capoeira reside no
n’golo, o que revela a influência dos trabalhos eruditos no imaginário dos capoeiristas.
42
Manuel Raimundo Querino, intelectual afro-descendente, líder abolicionista e pioneiro nos registros
antropológicos da cultura africana na Bahia.
43
Manuel Viriato Correia Baima do Lago Filho foi jornalista, escritor, dramaturgo, e político brasileiro.
44
Jorge Leal Amado de Faria um dos mais famosos e traduzidos escritores brasileiros de todos os
tempos. Suas obras literárias conheceram inúmeras adaptações para cinema, teatro e televisão, além
de ter sido tema de escolas de samba por todo o Brasil.
50
cabotagem)45”.
Para Amado, a Bahia, em especial o Pelourinho, é um lugar no qual existe
muita cultura e que, “homens e mulheres ensinam e estudam”, onde “ressoam os
atabaques, os berimbaus, os ganzás, os agogôs, os pandeiros (...)”, ou seja, lugar
em que acontece o ensinamento e a aprendizagem da capoeira. Todo esse ritual
liga o mundo profano com o sagrado, no ato de evocar pela presença dos deuses
orixás, na hora em que o batuque embala. É nesse ritmo instrumental que a
capoeira se transforma em versos, mostra características de teatralidade através da
mandinga do jogo entre adversários.
A capoeira não só aparece com marcas da nossa cultura e influência, como
também surgem as presenças marcantes da língua portuguesa nas cantigas, com
vocábulos que aparecem no Cancioneiro Geral de Gil Vicente46, entre outros.
De certa forma, a capoeira recebeu desses muitos intelectuais e,
principalmente de Jorge Amado, uma imensa “devoção” na sua divulgação e
crescimento dentro da sociedade da época, a qual sofria repressões das camadas
sociais mais altas. Era uma luta proibida e vista como crime, mas com a esperteza
de seus praticantes e todo seu encantamento, fez-se arte, poesia, dança. Uma
cultura de grande valor, que contribuiu para a “liberdade” e inserção do negro e do
mestiço no meio social apesar das muitas dificuldades.
Com isso, vemos o quanto a capoeira tem de valor. Uma arte em que a luta é
dançada, um jogo rítmico musical, de origem das senzalas do Brasil, por muito
tempo proibida de ser praticada e hoje apresenta grande crescimento como esporte
em todo o território nacional, mas, principalmente, é uma das “caras” do nosso país
no exterior.
A magia da capoeira se espalhou pelo mundo. Ela nos ensina a entender e
usufruir o outro mundo ao qual pertence. A dança, música, esporte e toda sua carga
cultural. A capoeira veio para ficar e seus mistérios só quem pratica os conhece pela
explosão no peito ao ouvir o som do berimbau que faz o corpo arrepiar.
45
Navegação de cabotagem é um livro de memórias de autoria do escritor Jorge Amado, publicado
em 1992.
46
Gil Vicente é considerado o primeiro dramaturgo da literatura portuguesa, principal representante
renascentista e influenciou a cultura popular portuguesa por inserir em seus escritos elementos
popular.
51
Hoje, depois de muitos séculos, pesquisadores sobre o assunto voltaram suas
atenções para estudos. Dessa forma, o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico
Nacional (Iphan)47, classifica a capoeira como uma expressão artística e registra- a
como patrimônio imaterial.
A partir desse ato, foram feitas comemorações com pinturas, esculturas de
barro, instrumentos musicais, xilogravuras e folhetos de cordel, mostrando o grande
universo que esta arte engloba.
O seu valor
Nunca fiz poema pra você
Tenho feito muitos poemas
Que lembra em tudo você
Mas pra você faltam poemas
Tenho escrito muitos para você
E alguns você não merece
O que faço agora pra você
É como se fosse prece
Que sai do meu ser
E no meu peito aquece
Pra esta vida vencer
Mesmo fazendo mil poemas
Nenhum servirá em amor
Pra retratar SEU VALOR
(SANTANA, 2006, p.87)
Infelizmente, a capoeira ainda não ganhou seu status merecido na sociedade
brasileira nem na literatura, pois os valores que lhe atribuem são muito poucos.
Entretanto, os capoeiristas acreditam que ela está “engatinhando” pelo mundo e,
com o apoio de alguns órgãos culturais, possivelmente chegará a ter a merecida
atenção como cultura de raiz brasileira.
47
Iphan- Órgão Federal pertencente ao Ministério Público (Cultura), criado em 1937, pelo Governo
Getúlio Vargas. É o local onde é relatado o tombamento, prêmios, exposições, entre outros, para a
preservação nacional.
52
7. GRANDES MESTRES DA CAPOEIRA MOSTRAM O VALOR DESSA LUTA
BRASILEIRA
Inicialmente, a capoeira era uma prática de poucos. Hoje ela é difundida pelo
mundo inteiro. Os grandes responsáveis pela sua criação foram Vicente Ferreira
Pastinha, citado anteriormente, e Manuel dos Reis Machado – Mestre Bimba. Dois
mestres que se tornaram heróis na capoeira e a transformaram literalmente em uma
obra de arte.
Manuel dos Reis Machado, nascido em 23 de Novembro de 1900, famoso
Mestre Bimba. Nasceu pouco mais de uma década após a abolição da Escravatura.
Era filho de Luís Cândido de Machado, caboclo de Feira de Santana, e Maria
Martinha do Bonfim, negra do Recôncavo. Recebeu esse apelido pelo fato de sua
mãe ter apostado com a parteira que nasceria uma menina quando, na verdade,
nasceu um menino e, então, a parteira disse-lhe: olhe a “bimbinha” dele, e daí ficou
o apelido que acompanhou- o por toda a vida.
Quando adulto, Bimba criou um novo estilo de capoeira. O autor Edison
Carneiro48, referindo-se a ele, diz que o mestre se tornou famoso por ter criado uma
escola de luta regional baiana, uma mistura de capoeira com jiu- jitsu, box e catch.
Antes de Pastinha abrir sua escola de Capoeira Angola, Bimba com sua Luta
Regional Baiana, oficializava junto ao governo a primeira escola a obter o registro
para funcionamento, pois naquela época, não havia Academia, apenas mestre e
discípulo, e a capoeira era praticada nos terreiros de suas casas.
O surgimento dessa Academia deu-se por volta de 1932, com Manuel dos
Reis Machado, registrada com o nome de Centro de Educação Física e Capoeira
Regional. Os praticantes de capoeira começam a sair das ruas onde eram vistos
como delinquentes e criminosos pelas leis penais.
Surge, nesse ato, o primeiro reconhecimento da capoeira como um esporte
merecedor de respeito, mas ainda continua sendo pouco valorizada pela sociedade.
Um dos objetivos de Bimba era criar uma capoeira de movimentos mais
48
Edison de Souza Carneiro é escritor brasileiro, especializado em temas afro-brasileiros. Escreveu
“Negros Bantos”, “O Quilombo dos Palmares”, entre outras obras.
53
rápidos, focando-a mais para o combate, mais contundente, mais decisivo, criando
um novo método por meio da sua genialidade criativa para o ensino.
Com essa revolução mostrando uma nova modalidade, ele tirou a capoeira da
rua, legalizando-a, deixando a marginalização de lado e, a partir desse momento,
ganhou espaço no mundo como cultura. Ela mostra ser muito mais do que uma
simples luta de rua, é “Herança africana legada à cultura brasileira, o jogo da Capoeira
significa valioso contributo à formação da nossa identidade cultural” (ADORNO, 1999, p.3).
Um mestre não exime a importância do outro quanto à formação cultural
deixada, pois sem o conhecimento de ambos, unificados em um único objetivo de
trabalhar corpo, mente e espírito, a capoeira seria dois mundos. Eles pertencem a
um único mundo que é a roda de capoeira, apenas com estilos diferentes. Assim
como nossos heróis mitológicos, eles são lendas sempre lembradas.
Na cantiga do mestre de capoeira Acordeon49, no álbum “Força Baiana”, ele
ressalta a importância de Mestre Bimba para a capoeira.
Sempre Lembrado
Bimba foi, Bimba é considerado
Bimba foi, Bimba será
Sempre lembrado
Jogador de capoeira Manuel dos Reis Machado
Jogava em cima e em baixo nunca deu seu golpe errado
Com o samba no pé na mente a capoeira
O molejo no corpo no jogo da capoeira
Quando eu chego numa roda eu comeco a cantar
Me lembro de Mestre Bimba e Bezouro Manganga
Vou jogar a capoeira de Angola e Regional
Como fazia Mestre Bimba criador da Regional
(ACORDEON, CD. Capoeira Voices Força Baiana)
Pastinha é o herói da Capoeira Angola, a qual transborda de malícia no jogo
fazendo com que a luta vire um bailado ao som do berimbau que guia os
movimentos dos jogadores. Bimba percebeu que a capoeira criada por Pastinha era
49
Ubirajara Guimarães Almeida, o mestre Acordeon,formou-se em capoeira com o mestre Bimba. Foi
um dos pioneiros da capoeira paulista em 1968. Vale-se do imaginário da cultura afro-brasileira para
refazer sua trajetória pessoal e capoeirística, ora fictícia, ora verídica.
54
de ritmo lento, pôs “tempero” na luta, elaborando novos golpes. A partir disso,
“nasce” o mestre herói da Capoeira Regional.
Bimba e Pastinha passam a ser uma espécie de mago porque, além de
exercitar o corpo e a mente dos discípulos, buscam trabalhar com o invisível da
capoeira, com a energia que está em cada movimento, canto, entre outros.
Ambos os mestres mostram que é necessário estar mais ligado ao critério de
cuidar do espírito, depois da mente e, por último, do corpo para entrar em sintonia
com a ancestralidade e poder viver numa eternidade momentânea da roda. Dessa
forma, a capoeira encontra muitos alicerces nas figuras inspiradoras narradas nas
cantigas e lendas, construindo bases importantes na vida do capoeirista.
A importância e valorização da capoeira não estão escondidas apenas num
passado sempre lembrado e restrito apenas a mestres conhecedores e praticantes
dela. A capoeira também marcou muitos personagens da nossa literatura, figuras de
obras renomadas, capoeiristas que agem como os heróis das histórias reais.
A vida que compõe o corpo da capoeira é constituída das essências física e
sobrenatural. Quem faz com que isso evolua são os ensinamentos deixados pelos
velhos mestres. Tudo isso é visto na construção do caminho percorrido pela
capoeira.
Da década de 1930, quando Bimba surge com a oficialização da capoeira em
uma Academia, até o século XXI, é notório no decorrer de todo esse tempo que a
capoeira foi marcando seus territórios, alargando seu espaço e, consequêntemente,
aumentando seu valor.
Hoje, a arte de jogar capoeira ganhou seu lugar nas telas de cinema, e está
ganhando cada vez mais espaço nas academias, escolas, clubes, projetos sociais.
Os PCNs (Parâmetros Curriculares Nacionais) estão valorizando os esportes
no contexto escolar e projetos apresentam um destaque maior para a prática da
capoeira. No tema transversal Pluralidade Cultural é apontada um aprendizado que
engloba o conhecer, valorizar, respeitar e desfrutar das diversas manifestações de
cultura corporal. É nesse tema que a capoeira pode ser explorada no contexto
escolar.
55
O autor Hélio Carneiro de Campos50, em uma publicação na Revista Baiana
de Educação Física fala sobre a Capoeira e sua pluralidade de interpenetração do
lúdico, do combate, caracterizando-a como jogo, luta e dança: “Em seu universo
simbólico e motor encontramos elementos tais como a musicalidade a religiosidade,
movimentos acrobáticos, que a tornam bastante peculiar” (MELLO, 2002, p. 1).
Em uma proposta de trabalho com a Capoeira nas escolas, a Secretaria do
Estado de Minas Gerais, por meio do CBC (Conteúdo Básico Comum), atribui à
disciplina de Educação Física compreender a riqueza da capoeira, recuperar seu
caráter como manifestação cultural popular, pois ela tem-se destacado como
importante referencial no que diz respeito a nossa história. Além disso, apresenta-se
com cunho social por desenvolver competências e habilidades nos praticantes.
Diante disso, pessoas que fazem parte do mundo da capoeira criam uma
identidade cultural que, segundo José Sobrinho51, tem a oportunidade de se
reconhecerem numa determinada cultura valorizada.
Quando a capoeira passa a ter valor, a ressignificação dos seus elementos
apresenta essa arte não mais como “atividade marginal” ou “coisa de desocupados”,
mas sim como expressão de um povo orgulhoso de sua história, lutas e seus
antepassados.
A respeito da marginalização e a questão da desordem que era atribuída à
capoeira, um dos maiores pesquisadores e conhecedores da arte da capoeiragem,
Frederico Abreu52, fala da “tradição da desordem”, a qual era representada pela
capoeira de rua, a vagabundagem associada à malandragem dos praticantes, antes
da legalização e da organização em ambientes fechados.
Alguns elementos que remetem à marginalidade provocaram uma marca
definitiva, contribuindo para que a capoeira fosse vista como um esporte “barra
pesada”, comprometendo o valor cultural da ancestralidade e da sua tradição.
Entretanto, como a sociedade foi “aceitando” aos poucos incluir a capoeira no
50
Hélio Carneiro de Campos é Professor Doutor em Educação Física. Escreveu o artigo “Capoeira e
Educação Física um resgate histórico”. Revista Baiana de Educação Física, v.1, n. Nº 1, p.16-27,
2000.
51
José Santana Sobrinho é o autor do artigo “Capoeira: intervenção e conhecimento no espaço
escola”.
52
Frederico José de Abreu é um pesquisador/ historiador da cultura afro brasileira e autor do livro “O
Barracão do mestre Waldemar”.
56
contexto histórico e cultural do Brasil, essa negatividade que existia com relação à
prática do jogo, foi perdendo espaço para o seu crescimento da capoeira dentro do
território nacional e internacional, alcançando status privilegiado em alguns países.
Deixou de ser apenas esporte brasileiro e se expandiu pelo mundo.
Ironicamente, o jogo da capoeira chega a ser mais valorizado fora do que dentro do
próprio país de origem, o Brasil.
Por esse fato, muitos mestres que foram alunos de Bimba, Patinha, Waldemar
da Paixão53, entre outros, ganharam melhores condições para o ensino da capoeira,
quando saíram do Brasil.
João Grande54 foi aluno de Pastinha e, quando se formou mestre, deu
continuidade
na
tradição
do
estilo
angola
contribuindo
nacionalmente
e
internacionamente na difusão da aprendizagem da capoeira e toda sua filosofia.
João Grande inaugurou a primeira escola de capoeira em Nova York intitulada
“Capoeira Angola Center”.
Na Europa, mestre Nestor Capoeira55, do Grupo Senzala, começou a
ministrar aulas de capoeira em uma academia em Londres no ano de 1971. Existem
muitos mestres de capoeira renomados espalhados pelo mundo, que dão todos os
dias um sopro de vida a essa cultura que encanta até mesmo quem a desconhece.
Com base em todo o estudo realizado a respeito do crescimento e do valor
que a capoeira conquistou, por meio da trajetória que ela fez desde as senzalas até
o momento presente, quando ganha status na sociedade, fica expresso que, sem
dúvidas, a capoeira representa muito mais da nossa história e cultura do que
possamos imaginar.
E, para finalizarmos este estudo, Hélio Campos (Mestre Xaréu) nos mostra os
diversos âmbitos da capoeira:
53
Waldemar da Paixão, mais conhecido como Waldemar da Liberdade ou Waldemar do Pero Vaz.
Mestre de capoeira baiano, nascido na Ilha de Máré, implantou o barracão no bairro da Liberdade
onde jogava-se capoeira e ensinava a capoeira. Mestre muito conhecido e respeitado com notado
talento de cantor e de tocador de berimbau.
54
Mestre João Grande foi aluno de Mestre Pastinha e contribui nacionalmente e internacionalmente
com o ensino da capoeira angolana. Sua academia está localizada em Nova Iorque.
55
Nestor Sezefredo dos Passos Neto mais conhecido como Nestor Capoeira, nascido em Belo
Horizonte, em 1946. Quando conheceu a capoeira, não a largou mais. Tornou-se mestre e escreveu
diversas obras a respeito desse esporte. Entre elas, “O pequeno manual do jogador de capoeira”;
“Galo já cantou” e “Capoeira, os fundamentos da malícia”.
57
A Capoeira é uma excelente atividade física e de uma
riqueza sem precedentes para ajudar na formação integral. A sua
riqueza está nas várias formas de ser contemplada, onde,
através de sua prática ordenada, poderá assimilá-la e atuar nas
linhas com as quais se identifica:
Capoeira luta – Representa a sua origem e sobrevivência
através dos tempos na sua forma natural como instrumento de
defesa pessoal genuinamente brasileiro.
Capoeira dança e arte – A arte se faz presente através da
música, ritmo, canto, instrumento, expressão corporal,
criatividade de movimentos, assim como um riquíssimo tema
para as artes plásticas, literários e cênicos.
Capoeira folclore – É uma expressão popular que faz
parte da cultura brasileira e que deve ser preservada,
promovendo a participação dos alunos tanto na parte prática
como teórica.
Capoeira esporte – Como modalidade desportiva e
institucionalizada em 1972 pelo Conselho Nacional de
Desportos.
Capoeira educação – Apresenta-se como um elemento
importantíssimo para a formação integral do aluno,
desenvolvendo o físico, o caráter, a personalidade, e
influenciando nas mudanças de comportamento. Proporciona,
ainda, um autoconhecimento e uma análise crítica da sua
potencialidade e limites.
Capoeira filosofia de vida – Muitos são os adeptos que se
engajam de corpo e alma, criando uma filosofia própria de vida,
tendo a capoeira como elemento símbolo, e até mesmo usandoa para sua sobrevivência.
(CAMPOS, 2001, p. 25, 26)
58
CONCLUSÃO
O presente trabalho objetivou demonstrar os fatos históricos da capoeira, e
que, ao longo dos séculos essa cultura vem se manifestando e se transformando
consideravelmente pelas diversas formas de expressão e criatividade humana. Seus
mitos ficaram na história passada e presente.
Apesar das muitas controvérsias sobre o nascimento da capoeira, pode-se
afirmar que esta arte é complexa, mas mantida na memória por meio dos mestres.
Quando formada a roda, os cantos, a mandinga do jogo e o bailado dos capoeiras,
todo esse conjunto expressa dimensões de uma cultura de raízes africanas
totalmente abrasileirada, configurando num grande bem cultural do Brasil. A poética
do jogo é vista a partir do ritual que se inicia ao pé do berimbau, seguido das
cantigas e todos imersos em um respeito silencioso.
Então, podemos perceber como a capoeira compõe um traço importante da
extensão de alguns rituais afro-brasileiros pelo contato existente entre o capoeirista
e a religiosidade africana.
Com base nisso, não é um exagero afirmar que o universo dos mitos constitui
as crenças dos povos. Na tradição iorubana, os mitos são as chaves para “alcançar”
o passado, presente e o futuro.
A função social do culto aos ancestrais, dentro da capoeira, se faz
instrumento de representação e ritualização presente nas narrativas, nos diálogos e
símbolos, e em referências à África e seus deuses, orixás e capoeiristas do
passado.
Neste
trabalho,
os
deuses
iorubanos
e
gregos
são
relacionados
paralelamente, de maneira que suas características revelam uma grande
proximidade entre eles.
Com a força dos ritos, os mitos são preservados, participando ativamente na
vida dos povos por meio de várias formas. Os povos buscam, de acordo com as
manifestações culturais, fixar uma identidade “coletiva”, e a capoeira foi uma forma
de transformação do sujeito e da sociedade, mesmo quando ainda era
marginalizada. Ela propiciou, e propicia criatividade, “jogo de cintura” diante das
59
situações diversas do cotidiano, sobretudo no ritual onde acontece um grande
processo de aprendizagem social.
A capoeira é rica e diversificada em conhecimentos populares, contemplando
o espaço, as relações sociais e, principalmente, a memória coletiva sobre histórias e
ancestralidades de um grupo.
Este trabalho contribuirá para uma reflexão sobre a importância da capoeira
na cultura afro-brasileira e sua evolução, baseadas na tradição oral, nos rituais
pertencentes à história de duas origens africana e brasileira.
É considerada pela UNESCO como “museu vivo”, em que se encontra
preservadas muita características dos povos praticantes dessa luta, pois se trata de
um patrimônio ocultado que sobrevive por meio da oralidade e tradições.
Grandes protagonistas do mundo da capoeira dão vida longa da cultura
popular como os mestres, cantadores e sambistas. A capoeira é um rico manancial
sobre a vida e os valores fundamentais para o ser humano adquirir conhecimentos,
tais como a humildade, igualdade, respeito às diferenças e à natureza, o equilíbrio,
sendo passados para as gerações ao longo da história.
60
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69
GLOSSÁRIO
Aiye: na língua e na mitologia yoruba, representa o mundo físico.
Axé: energia que compõe a roda no momento do jogo.
Batuque: povo pertencente à África subsariana, que se divide em subgrupos, onde
muitos falam bantu como língua materna.
Caboclos: dentro das religiões afro-brasileiras é um termo utilizado para designar
entidades lendárias que incorporam durante os ritos.
Cambalachos: maneira com a qual se procura “dar um jeitinho” nas coisas.
Candomblé: religião afro-brasileira, onde se cultuam os orixás tendo como base a
“alma” da Natureza. Foi trazida para o Brasil pelos negros africanos.
Capoeiras: termo dado aos praticantes da luta de capoeira. Chamavam de “os
capoeiras” ou “os capoeiristas”.
Entidade: na religião da Umbanda e do Candomblé, são os espíritos que tem a
permissão de se comunicar com médiuns incorporados ou não.
Ginga: movimento básico na aprendizagem da capoeira. Seu objetivo é balancear o
corpo com malandragem e malícia para induzir o adversário.
Ideologia: representa um conjunto de idéias ou conceitos tidos por um indivíduo ou
um grupo de pessoas.
Malícia: está interligada à mandinga do capoeirista na roda. O lutador expõe sua
esperteza e agilidade dos golpes para sempre estar à frente do seu adversário.
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Mandinga: está relacionado aos movimentos produzidos pelos capoeiristas no
momento do jogo, em que ele mostra suas habilidades em enganar seu oponente
com “malícia”.
N´golo: nome dado a uma dança intitulada como “a dança da zebra”, praticada em
Angola, na qual ocorria uma luta com movimentos semelhantes aos que a zebra faz.
Com a escravização, os africanos chegaram ao Brasil e tornou-a popular.
Orixás: Pertence à mitologia yoruba, tidos como divindades ou semideuses
cultuados inicialmente pelos povos africanos, e logo depois, os brasileiros entre
outros. Nomeados como guardiões dos elementos naturais.
Orun: mundo espiritual onde as divindades (orixás, semideuses) habitam.
Povos Bantu (bantos): povo pertencente à África subsariana, que se divide em
subgrupos onde muitos falam bantu como língua materna.
Profano: designa tudo àquilo que não está ligado ao sagrado. Coisas ou seres que
pertencem ao mundo físico.
Rituais: Manifestações de valores simbólicos atribuídos às religiões e/ ou tradições
de uma sociedade.
Sagrado: tudo que está ligado ao mundo superior, acima do ser humano.
Senzalas: local onde os escravos ficavam mantidos presos.

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