HANNAH HÖCH E AS COLAGENS
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HANNAH HÖCH E AS COLAGENS
Modalidade: Comunicação Oral, Apresentação Slides GT: Artes Visuais Eixo Temático: Ensino da História das Artes Visuais: narrativas e metamorfoses HANNAH HÖCH E AS COLAGENS-CRÍTICAS DO PERÍODO DADAÍSTA Maria Carolina Ravazzani de Almeida (CECA Guido Viaro, Paraná, Brasil) RESUMO: A técnica da colagem ganha impulso no início do século XX, quando Picasso e Braque passam a inserir materiais não pictóricos em suas telas, como papel de parede, por exemplo, criando para a arte uma nova forma de linguagem. Essas colagens, feitas de forma artesanal, consistiam em montagens feitas pelos artistas que, com recortes em mãos, realizavam vários estudos até encontrarem um bom resultado, para finalmente efetivarem a montagem. A técnica ganha destaque em alguns momentos da História da Arte, como nas fotomontagens Dadaístas, onde encontramos Hannah Höch como um dos principais expoentes. Hannah utilizou a técnica da colagem até as últimas consequências. Via na técnica o fascínio do acaso, a possibilidade da fantasia. Este artigo de revisão bibliográfica busca verificar a relevância da obra desta artista para o movimento Dadaísta e também pesquisar a arte como uma forma de protesto e manifesto durante o referido período da História da Arte. Palavras-chave: Colagem; Dadaísmo; Hannah Höch HANNAH HÖCH AND THE CRITICAL COLLAGES OF THE DADAIST PERIOD ABSTRACT: The collage technique gains an impulse in the early twentieth century when Picasso and Braque start to insert non-pictorial materials on their canvas, such as wallpaper, creating this way, a new form of language in the field of art. These handmade collages, consisted of montages made by the artists that with some cutouts in hand, would make several studies until they find a good result, to only then bring about the montage. In some moments of art history the technique is in the spotlight, as in the Dadaist photomontages, where we find Hannah Höch as one of the leading exponents. Hannah used the collage technique to its ultimate consequences. She saw in the technique the fascination of chance, the possibility of fantasy. This literature review article aims to verify the relevance of the work of this artist to the Dadaist movement and also research art as a form of protest and manifest during the referred period of art history. Key words: Collage; Dadaism; Hannah Höch 1 Introdução A técnica da colagem ganha impulso no início do século XX, quando Picasso e Braque, a partir de suas pesquisas passam a inserir materiais não pictóricos em suas telas, como papel de parede, por exemplo, criando para a arte uma nova forma de linguagem. Essas colagens, feitas de forma artesanal, consistiam em montagens feitas pelos artistas que, com recortes em mãos, realizavam vários estudos até encontrarem um bom resultado, para finalmente efetivarem a montagem. A técnica continua a ser realizada desta forma por muito tempo na História da Arte, tendo momentos de destaque em alguns momentos, como nas fotomontagens Dadaístas, por exemplo. A colagem como arma vem de encontro aos dadaístas, durante e após a Primeira Grande Guerra, para atacar a arte e a sociedade. Em 1918 já existe uma forte Berlim dadaísta, tendo entre seus principais protagonistas Raoul Haussmann e Hannah Höch. Hannah utilizou a técnica da colagem, provavelmente pela primeira vez na história, até as últimas consequências. Via na técnica o fascínio do acaso, a possibilidade da fantasia. Através de uma das fontes de imagens que mais se utilizava a fotografia colorida, encontrava na montagem, a arte pela arte. Considerando que a arte é reflexo de uma sociedade e que, por essência é engajada, este artigo de revisão bibliográfica, vai apresentar as colagens-críticas de Hannah Höch a fim de verificar a relevância da obra desta artista para o movimento Dadaísta, pesquisar a arte como uma forma de protesto e manifesto durante o referido período da História da Arte e também discutir o uso da fotografia como material para colagem e também do uso dessas imagens para criticar a situação política de sua época e para refletir o modo de pensar a vida desta artista. 2 Desenvolvimento A história da técnica da colagem, dentro da arte, é antiga. Alguns artistas medievais românticos e góticos já haviam se utilizado da colagem de letras para fins didáticos ou de propaganda. Os pintores bizantinos e da Idade Média, que se utilizavam da técnica da encáustica para pintarem suas imagens religiosas, dissolviam as tintas em cera quente e líquida, em seguida colavam ou incrustavam materiais externos nas vestimentas dos santos, enriquecendo a composição com ouro, prata e pedras preciosas. A fim de contextualizar a técnica da colagem dentro da História da Arte, é necessário traçar um panorama sobre esta técnica durante o decorrer do século XX, que tanto valorizou e utilizou as mais diversas maneiras de aplicar a colagem como linguagem artística, até alcançar o movimento artístico do Dadaísmo, que tem na artista alemã, Hannah Höch, um expoente das colagens. No início do século XX, o Cubismo descobre a colagem como um novo modo de comunicação artística. Outros movimentos se originam a partir das influências deixadas por Picasso e Braque, carregando também a colagem como forma de expressão. Alguns criam formas revolucionárias para sua aplicação, como as fotomontagens utilizadas pelos Dadaístas. Segue o caminho percorrido pela técnica durante o Modernismo: 2.1 Colagem cubista: a descoberta de uma nova linguagem Em 1907, o espanhol Pablo Picasso pinta o quadro “Les Demoiselles D’Avignon” e revoluciona sua época. Usa uma técnica chamada simultaneísta, onde os rostos das figuras exibem ao mesmo tempo o perfil e a frente. Assim surge o cubismo. O estilo acaba se diferenciando em duas vertentes: O Cubismo Analítico, onde desaparece o volume e o jogo de planos se converte em elemento fundamental da pintura e o Cubismo Sintético, que se divide da figuração imediata e de uma nova valorização da cor. Em 1912, o Cubismo estava já implantado como alternativa ao Fauvismo, e muitos artistas juntaram-se a Picasso, como Georges Braque, por exemplo, e ambos iniciaram uma nova fase no Cubismo, ainda mais ousada que a primeira. Picasso incluiu pela primeira vez um objeto em uma natureza-morta, usando pedaços de tecido e emoldurando o quadro com uma corda. O objeto invade a ilusão da imagem. Logo Braque se junta ao amigo, trabalhando em cima dos papiés collés, utilizando papéis de parede, papelões e até mesmo caixas de fósforo em seus trabalhos. Ambos passaram a inserir em suas obras materiais não pictóricos. Tomemos como exemplo o quadro de Picasso “Natureza-morta com cadeira de Palhinha” (1911-12). Temos na maior parte do quadro as já conhecidas facetas do Cubismo, exceto pelas letras, mas sob a natureza-morta, aparece uma imitação de palhinha de cadeira colada à tela e o quadro está emoldurado por uma corda. O resultado disto é que se tem um maior realismo no quadro, que parece estar apoiado sobre um “tabuleiro”, o que é ainda mais realçado pela corda. Estes elementos da vida cotidiana, inseridos no quadro, ao mesmo tempo integram-se à pintura e levam o espectador ao reino familiar do dia-a-dia. Em pouco tempo, Picasso e Braque passam a trabalhar naturezas-mortas quase que exclusivamente compostas por materiais diversos, recortados e colados, com algumas linhas de traço para apoiar a composição. Desta maneira os cubistas reivindicaram para a arte o direito de se utilizar de todos os meios para se expressar. Num exemplo de Braque, “O Correio”, podemos reconhecer vários elementos colados no suporte. Temos tiras a imitar veios de madeira, parte de uma embalagem de tabaco com etiqueta, um pedaço de jornal, entre outras coisas. A técnica passou a ser conhecida como collage, (que em francês é a palavra para “colagem”). Querendo explorar o novo conceito do “quadro tabuleiro”, Picasso e Braque preferem se utilizar de materiais alheios ao mundo da arte como tecidos, papéis, linhas, linóleo e até mesmo areia misturada às suas tintas, aos tradicionais materiais de pintura, achando que o melhor era colocar as coisas reais em seus “tabuleiros”. Deste modo, a função é tanto representar (ser parte de uma imagem) como apresentar (serem eles próprios). Nesta última função dão à colagem uma autossuficiência que está fora do alcance de um quadro cubista de facetas. Um tabuleiro é, ao fim e ao cabo, uma superfície autônoma, desligada do resto do mundo físico; ao contrário de um quadro, não pode mostrar mais do que contém. (JANSON, p. 683) No cubismo de colagens, o espaço pictórico está à frente do dito “tabuleiro”, pois não é criado por artifícios ilusionistas, mas sim pela sobreposição de camadas de colagens de materiais diversos. A espessura destes materiais e o sombreado que lhes aumenta a distância, não afeta o espaço não perspectivado. O Cubismo abre as portas das artes visuais para a colagem, criando um novo conceito de espaço e de comunicação. 2.2 Futurismo: um novo tempo Um movimento proveniente do Cubismo é o Futurismo. Por um curto período de tempo, artistas passam a valorizar a precisão geométrica da engenharia além de admirar a beleza da máquina. É o reflexo dos tempos modernos. A colagem explode rapidamente e de maneira muito dinâmica, absorvendo filmes, slogans, títulos, linhas e muitos outros elementos vindos da publicidade. “Chegará o dia em que a imagem não bastará. A estaticidade da imagem nos parecerá um anacronismo ridículo no meio do constante e crescente movimento da vida”. (MARINETTI apud COLLAGE, p.50) A citação do material adquire significado e conteúdo. Os trabalhos ganham muito movimento na colagem, o que vem da inclinação e rotação de tiras de papel. Do Futurismo, nasce uma diversidade de movimentos, principalmente na Rússia, que, presa e isolada pela guerra, desenvolve movimentos exclusivamente com artistas locais. O Dinamismo, o Construtivismo e o Suprematismo podem ser citados como descendentes do Futurismo. É nessa época que Piet Mondrian começou a desenvolver um admirável estudo abstracionista. Seu trabalho havia sofrido influência do Cubismo analítico, o que o levou a criar um movimento chamado Neoplasticismo. Os melhores exemplos deste período são os trabalhos da série de composições como o “Losango em Vermelho, Amarelo e Azul”. Esta fase, como caracteriza H. W. Janson (1992) pode ser encarada como uma “colagem-abstrata”, que ao invés de se utilizar de papéis e jornais para formar a composição, faz uma “montagem” com traços pretos e triângulos de cor. 2.3 As colagens tridimensionais do construtivismo Os cubistas russos familiarizaram-se rapidamente com as concepções do cubismo facetado e logo estavam dando-lhes funções na arte, principalmente na escultura, na propaganda e na tipografia. A arte era vista como uma sequência de aprendizados lógicos e técnicos pelos construtivistas. Acreditavam que todo material tinha seu caráter e formas específicas, os quais deveriam ser assim mantidos. Este pensamento era compatível ao momento pós-revolucionário que se vivia na Rússia, os grandes feitos ganhavam mais força do que os grandes pensamentos. Para os artistas do Construtivismo, a arte deveria ter utilidade para os ideais revolucionários. Tinham que criar uma forma plástica que não afetasse, de forma alguma, a tradição religiosa, mas que fizesse surgir uma nova ordem espiritual. A necessidade da experimentação leva os russos à abstração. Era um novo vocabulário artístico que vinha surgindo. Procurava-se construir objetos não narrativos. É nesta época que surgem também as artes aplicadas, o design. Como principal destaque dentro deste movimento, temos o nome de Vladimir Tatlin, artista que aplicou o conceito do Cubismo à escultura, chegando a um resultado que pode ser chamado de “colagem tridimensional”. Para ele suas construções eram na verdade quadrimensionais, pois se relacionavam no espaço, tempo e movimento. 2.4 Colagem dos sonhos do surrealismo Em 1924, Marcel Duchamp juntou-se a alguns amigos criando um movimento sucessor ao Dadaísmo, o Surrealismo. A teoria surrealista estava fortemente ligada à Psicanálise. Tinha-se a noção de que era possível transpor um sonho diretamente do subconsciente para a tela, sem que o artista interviesse conscientemente, mas foi observado na prática que uma pequena orientação do artista era inevitável. “Sem a descoberta consciente do inconsciente, o Dadaísmo e o Surrealismo seriam inconcebíveis”. (BISCOFF, 1993, p.15) Compreende-se assim por que o acaso, a incoerência e o erotismo tomam de repente um tal lugar na obra dos artistas destes movimentos. A realidade surreal de Ernst e Dalí justifica a frase de Lautréamont sobre a poesia como possibilidade de encontro de uma máquina de costura e um guardachuva na mesa de dissecação de um cirurgião. A descoberta do inconsciente por Freud fascinava os surrealistas, mas enquanto Freud procurava a cura através do inconsciente, os surrealistas mergulhavam fundo nesta nova descoberta a procura de sonhos a serem ampliados. Um dos mais importantes e imaginativos representantes do Surrealismo, Max Ernst, combinou com frequência a frottage e a colagem. Em dado momento a colagem torna-se o instrumento privilegiado de sua obra e criação pictórica. O seu interesse pelos objetos postos de parte, já não usados, fora de moda, constituem o ponto de partida. Inicia uma série de livros-colagens, romances narrados através desta técnica, que substitui a justaposição de fragmentos de várias ilustrações impressas sobre um fundo neutro, pela inserção de uma ilustração pré-existente como fundo, aonde elementos plásticos vindos de outras ilustrações vêm para modificar aquela. Ernst quer denunciar que o mundo e a nossa realidade são ilusórios, suscetíveis, que não sabemos o que somos, quem somos e provocam pavor diante uma situação de desconhecimento físico, de negação a uma realidade habitualmente conhecida. Ícone do artista nesta fase é o romance-colagem “Uma Semana de Bondade”. 2.5 Dadaísmo: a colagem-crítica A colagem como arma vem de encontro aos dadaístas, durante e após a Primeira Grande Guerra, para atacar a arte e a sociedade. A Monalisa de bigodes de Duchamp é um choque que deixa consequências até os dias de hoje. Surge uma tipografia Dadá, lembrando a poesia optofonética de Schwitters e Haussmann. Em 1918 já existe uma forte Berlim dadaísta, tendo entre seus principais protagonistas Raoul Haussmann e a artista Hannah Höch. No Dadá a montagem tinha a finalidade de dar a algo completamente impossível, irreal, um aspecto de realidade, de coisa fotografada. Hannah Höch reúne quatro princípios para a construção de suas colagens. O princípio da autonomia, o da distanciação, o do recorte e o da mistura. A autonomia vem de o movimento Dadá não ser um estilo e sim uma antiarte. Não era uma corrente definida por um período de tempo, queriam “colar” todos os estilos criando uma mistura refinada. Höch faz um corte pela face do tempo: “ei, ei, você rapaz, Dadá não é um estilo da arte, é Eistein relativando a arte” (HÖCH apud COLLAGE, p.52). A distanciação vem do caráter interior das obras. O artista Dadá retratava seus sentimentos, seus pensamentos, principalmente sua opinião sobre a sociedade e política da época. Eram imagens interiores, mas que, de tão cheias de signos e simbolismos, caíam no entendimento geral. O recorte vem como o elemento técnico de partida para a colagem. Sem uma tesoura não se pode obter imagens destacadas, que serão reagrupadas, criando uma nova realidade. E a mistura vem da sequência de decisões que a técnica nos impõe: o recorte, a nova ordenação das parcelas, a recriação de uma situação. Hannah usou a técnica da colagem, provavelmente pela primeira vez na história, até as últimas consequências. Via na técnica o fascínio do acaso, a possibilidade da fantasia. Através de uma das fontes de imagem que mais utilizava, a fotografia colorida, encontrava na montagem a arte pela arte. 2.6 A fotomontagem Uma importante vertente da colagem que surge durante o Dadaísmo é a fotomontagem. As fotomontagens são feitas de recortes a partir de fotografias, tomadas sobrepostas, exposições duplas e outros processos mais. É uma invenção Dadá de Berlim, adotada por construtivistas russos, encontrando expressão na Bauhaus, tendo como principais ícones Bayer e Moholy-Nogy. A fotomontagem pode ser definida como uma obra engajada por regras tão severas quanto clássicas, que findam em um único bloco de misturas de materiais pré-fabricados. É como um mecanismo ilusório alimentado por uma energia nova e invisível, que faz andar o imóvel espaço da página em branco. Não prega nenhuma estética a não ser a da livre associação. A fotografia sai do pictorealismo através da fotomontagem e passa a integrar as vanguardas do século por um desvio com fins revolucionários que o Cubismo conquistou em relação ao espaço. A fotomontagem é herdeira das colagens em trompe l’oeil de Braque, de papéis colados e fragmentos tipográficos de Picasso. Vemos nisso uma fuga para a abstração e uma volta à figuração pela realidade de um papel pintado, um jornal e peças coladas diretamente sobre a superfície. A partir de 1922, a fotomontagem se encontra inserida no campo das artes gráficas e se vê em grandes centros de produção como Moscou e Bauhaus. A técnica encontra assim seu lugar nas necessidades de comunicações de massa: cartazes de Tschichold, propagandas de Rodtchenko, sátiras políticas de Heartfield. Na Rússia, transforma-se em ferramenta revolucionária ideológica, e é a propaganda pela imagem. Cedendo às pressões dos partidos para que a leitura da imagem seja facilitada para os trabalhadores, os artistas encontram na montagem uma ótima saída. Rodtchenko trabalhou em uma série de fotomontagens para o folhetim Pro Eto de Maiakoviski, para depois conceber prospectos, cartazes e capas de livro, tudo em fotomontagens. Ele via os fragmentos fotográficos como equivalentes plásticos da palavra. O que faz a fama da fotocolagem como arte de comunicação é sua capacidade de contar e de ilustrar ao mesmo tempo, além das verdades inseridas em grande realismo fotográfico. Na origem, a palavra fotomontagem nos traz a raiva dos artistas, que querem se conservar como engenheiros, querem construir, montar suas obras. O fotomontador é um mecânico da imagem que reúne peças soltas para produzir uma mensagem. Não há, realmente, uma definição para fotomontagem. É uma prática que integra a fotografia como um dos materiais de imagem composta, completa de superfícies, linhas, recortes, incluindo também a revelação conjunta de dois negativos sobrepostos em “sanduíche”. Surge um momento em que o fotomontador vira fotógrafo, pois não adianta mais se apropriar de imagens, quer criar seu próprio material de um único bloco. Isso aconteceu com muitos artistas como Rudtchenko e Moholy-Nagy. Os elementos lineares, a estrutura simples, as figuras isoladas participam de uma articulação do espaço. Colocados sobre uma superfície branca, eles parecem flutuar em um espaço infinito, com uma definição clara de proximidade e de distância. A melhor definição do efeito produzido seria sem dúvida de supor que cada elemento esteja colado sobre painéis verticais de vidro, colados em série infinita, uns atrás dos outros. (Moholy-Nagy apud FRIZOT, p.4, tradução Lia Frey) A fotomontagem não tem outras regras a não ser aquelas de sua autonomia. Ela evolui pelo campo livre da vanguarda das artes plásticas como o Futurismo, o Construtivismo, o Suprematismo, o Produtivismo e o Dadá, na Europa super excitada dos anos 20, onde ideias, homens, livros e exposições circulam na velocidade de um trem. Em relação ao visível, a foto tem um alcance ilimitado, mas só traz uma realidade de segunda mão. A visão do fotógrafo é unilateral. Por outro lado a fotomontagem oferece a chance de um melhor conhecimento de relações complexas e possibilita aos surrealistas uma visão inconsciente através de símbolos reais. 2.7 Hannah Höch e a fotomontagem Imagem 1: Hannah Höch, “Autorretrato”, 1927. Fotografia de Exposição dupla. Fonte: HANNAH HÖCH, 1984, pg. 9. Importante artista participante do movimento Dadaísta, Johanne Höch, foi uma das pioneiras no uso da fotomontagem. Nascida em Gotha, na Alemanha, em 1889 e morta em 1978, em Berlim, Hannah, como ficou conhecida, inicia seus estudos em arte em Berlim no ano de 1912. Nos anos que se seguem, dedica-se aos estudos da pintura e da gravura, além de acompanhar o cenário artístico europeu daquela época. É deste período que data sua relação com Raoul Hassmann, que mais tarde vai tornar-se um dos mais importantes artistas Dadaístas. Desde o final da década de sessenta a obra de Hannah Höch vem sendo alvo de admiração crescente. Após o fim da Segunda Grande Guerra, sua obra ficou um pouco à margem das atenções, tendo sido retomada com uma Mostra de Colagens em 1971, em Berlim e com uma grande Exposição Retrospectiva em 1976, na mesma cidade. Ambas as mostras destacam as colagens dadaístas da artista, mas sua grande obra também abraça aquarelas e óleos. Durante sua atuação como parte do grupo Dadaísta, Hannah foi, por muitas vezes, vista apenas como a companheira de Raoul Hassmann, ou como mão de obra Dadá. Porém, além de uma artista completa, Hannah exerceu também papel fundamental na preservação de obras e documentos Dadaístas. Tendo permanecido na Alemanha durante toda a Segunda Guerra, a ela foi confiada a produção de inúmeros artistas que se exilaram por toda a Europa. Sua coragem e determinação resguardaram parte importante da História da Arte Moderna. Enquanto artista, Hannah nem sempre se tornou fácil para seus admiradores, nem era essa sua intenção, sendo necessária uma abordagem mais complexa para penetrar no contexto de suas obras. “É certo que o encontro inicial com Dadá deu, sem dúvida, uma diretriz à arte de Hannah Höch e levou-a a descoberta das capacidades criadoras. Porém, foram precisamente os seus próprios princípios criadores que lhe fizeram reconhecer a afinidade com o Dadá; esses mesmos princípios que obedeciam ao seu caráter e às suas tendências artísticas, cuja afinidade seletiva a conduziria temporariamente ao Dadá, foram também aqueles que depois a levaram a afastar-se pouco a pouco do Dadá e a seguir seu próprio caminho.” (ROTERS, pg.65) As características da expressão artística de Hannah coincidem com sua conduta pessoal. Para ressaltar esta similaridade, vale retomar os quatro princípios da colagem apontados pela própria artista: 1) Princípio da Autonomia 2) Princípio da Distanciação 3) Princípio do Recorte 4) Princípio da Mistura O Dadá não era um estilo, era sim um ataque geral a todo e qualquer tipo de estilo. Era a anti-arte, arte protesto, provocadora. Hannah vai aderir ao movimento por sua busca de uma concepção individual de arte assim como por seu posicionamento político e feminista, embora não tenha militado por nenhuma causa. A artista já foi classificada como expressionista, surrealista, construtivista, abstrata, mas na verdade, nunca se fixou em uma só direção, em certas épocas, reclinou mais sobre uma ou outra tendência, mas as misturava conforme necessitava, era intencionalmente uma “colagista” de estilos, mantendo o princípio da autonomia, buscando sua liberdade pessoal na escolha de estilos. Apesar de sua obra evidenciar seu pensamento político e seu sentimento social, Hannah manteve um relativo distanciamento do meio em que estava inserida, mesmo de seus amigos mais próximos. Era uma eremita social, tendo vivido em isolamento por quatro décadas em sua casa em Heiligensee. Essa emigração para seu próprio interior veio como fuga aos anos do nazismo, mas foi mantida para preservar seu íntimo. Imagens de seu interior são frequentemente temas de suas colagens, era o princípio do distanciamento presente quer na sua vida, quer na sua arte. O princípio do recorte foi o mais relevante na obra de Hannah Höch. A principal ferramenta da fotomontadora era a tesoura. O recorte é a condição de partida para a fotomontagem, pois através dele, se destacam de um todo, partes de uma imagem, que serão reorganizadas e reunidas em uma montagem, ganhando novo significado. A relação genuína de Hannah com o recorte se dá pelo seu emprego como cortadora de moldes na juventude. Sobras desses moldes servirão como matériaprima para suas primeiras colagens. Em sua vida o recorte pode ser compreendido como determinante de distanciamento. Hannah traçava de maneira clara fronteiras em suas relações. Hannah era mestra no princípio da mistura. A técnica da colagem em si é um paradigma deste princípio, pois se baseia em uma sequência de decisões. A primeira é o recorte, a mais radical, pois se refere à destruição de um dado conjunto. A segunda decisão, e a ordenação das parcelas, resultante em uma nova mistura, que se concretizará pela montagem. Este princípio refletiu-se em inúmeros aspectos de sua vida, como por exemplo, no famoso jardim de sua casa, concebido segundo uma colagem em crescimento orgânico. Assim eram também os ambientes de sua casa, que correspondiam a uma colagem de espaços modulares. A coleção de documentos deixada pela artista se assemelha a uma colagem autobiográfica. A mistura aparece também na temática de sua obra; que de princípio, se assemelha a de seus colegas Dadaístas, apresentando uma visão pessimista da industrialização, onde o homem assume papel de marionete perante a máquina, perdendo a capacidade de sentir e de fantasiar. Logo em seguida Hannah se distancia desta visão, apresentando o homem como seu próprio inimigo. O inventor, o produtor, o utilizador, o homem criador da máquina, que poderia utilizá-la em favor de seu desenvolvimento ou para a destruição da Terra. Hannah apresenta em muitas de suas obras o papel da mulher na sociedade em que vivia, além disso, deixa bastante claro seu pensamento político e social. Ela não era militante de nenhuma causa, tampouco se associou a partidos ou doutrinas, muito embora tenham sido inúmeras as tentativas de fazê-lo. Hannah era ciente de sua liberdade individual de pensamentos e opiniões e primava por ela. Seus trabalhos testemunham seu olhar sobre a vida, e, submeter-se a qualquer tipo de regra, seria como limitar seu pensamento. 2.8 Análise de obras Imagem 2: Hannah Höch, “O Melancólico”, 1925. Fotomontagem Fonte: HANNAH HÖCH, 1984, pg. 109. A colagem em si, como quadro, esta destinada a nos trazer criações cheias de fantasia, mas com ar de realidade. A justaposição, sobreposição de imagens recortadas, de fragmentos do cotidiano, sobrepostas a determinado fundo, nos dão o ar de realidade que faz a magia da técnica. Em imagens como “O Melancólico”, Hannah chama a atenção para o olhar. O olho humano sempre fascinou a artista, que fez uso deste recurso em inúmeras obras. O olho é o elemento de maior expressividade nesta obra. Fragmento recortado de outro retrato é aqui inserido de maneira invertida, acentuando o sentimento de melancolia. O Melancólico, aquele que enxerga a vida de maneira destorcida, invertida. Para confirmar a sensação, é agregado à imagem o recorte de um queixo recolhido, quase como que contendo um choro. Montagem simples, de poucos elementos, onde o olho consegue dominar a cena, mesmo que de maneira grotesca. Ganha ressignificado, mas mantem o encanto que lhe é inerente. Janela da alma, que guarda segredos profundos e ao mesmo tempo, pode os revelar pelo derramar de uma lágrima. Imagem 3: Hannah Höch, “Fuga”, 1931. Fotomontagem Fonte: HANNAH HÖCH, 1984, pg. 113. Hannah percebeu cedo a tragédia que se aproximava da Alemanha e da Europa quando uma exposição de suas colagens e aquarelas, planejada para acontecer na Bauhaus de Dessau foi proibida pelo governo. Neste mesmo período, Hannah via seus amigos artistas começarem, um após o outro, a emigrar. A solidão instalou-se a sua volta e foi ai que a artista se isolou completamente em sua pequena casa de madeira no extremo norte de Berlim, onde ninguém a conhecia. Das colagens produzidas nesta fase, destaca-se “Fuga”, de 1931. A fotomontagem é testemunho de um desespero grotesco, reflexo de um período em que os nazistas ganhavam cada vez mais adeptos. A montagem, de cores neutras e sóbrias, nos apresenta uma figura meio homem, meio macaco, que caminha a passos largos buscando refúgio no desconhecido, fugindo dos olhos vigilantes nazistas, representados pela cabeça alada. A imagem carrega consigo o medo e a angústia de uma população forçada a viverem acuados como bichos, reféns de sua própria natureza, tolhidos por sua genética, por arianos ditos superiores. A obra nos apresenta de maneira bastante clara como Hannah via na arte um espelho de si mesma e nos leva até a dor e angústia que passam a fazer parte daqueles que discordavam do movimento nazista. Hannah estende seus ideais políticos a muitas outras obras. A imagem “Por nada neste mundo assentar os dois pés no chão”, nos remete a figuras de fábulas, onde um ser com asas e com a cabeça de uma escultura negra sobrevoa um espaço vazio, fugindo momentaneamente das angustias e dos medos diários. O cenário inusitado, com pés de bailarinas suspensos perfeitamente encaixados ao céu, nos faz pensar na necessidade da fantasia, da arte, do imaginário, para sobreviver em tempos de guerra. Imagem 4: Hannah Höch, “Por nada neste mundo assentar os dois pés no chão”, 1940, Fotomontagem Fonte: HANNAH HÖCH, 1984, pg. 120. No período em que realizou esta obra, Hannah havia recentemente atravessado um período de solidão e de fome em sua casa. Sobreviveu do plantio de legumes e batatas, e tinha na arte da colagem e na arte do paisagismo, sua redenção. Seu jardim era uma complexa obra artística, uma selva exuberante, no entanto controlada, muito bem planejada por ela. Esse mesmo jardim serviu a outra função. Foi lá que Hannah com muita coragem enterrou inúmeros documentos, dentre eles o Manifesto Dadaísta, além de obras de artistas do Dadá e outros contemporâneos a ela, que ao se exilarem, confiaram a artista suas produções. Desta forma, Hannah salvaguardou parte da História da Arte Moderna. Apesar de ter se dedicado a colagem durante toda sua vida artística, Hannah não se repetia e buscava sempre uma nova possibilidade para a técnica, sem se ligar a movimentos e correntes artísticas, trilhou um caminho solitário e inovador, transpondo suas descobertas para as técnicas da aquarela e do óleo, já que suas pinturas pareciam colagens de blocos de cor. A artista escreveu: “Se bem que me parecesse muitas vezes que a concentração de um artista sobre si mesmo e sobre um estilo que apenas a si é peculiar conduzisse mais facilmente ao êxito e à popularidade. Para mim é mais importante desenvolver de uma forma cada vez mais ampla o meu modo de vida e de trabalho, modificando-o e enriquecendo-o, mesmo que essa evolução interminável me tenha tornado impossível um êxito fácil”. (HANNAH HÖCH.1984, pg. 92) 3. Considerações Finais A técnica da colagem sofreu muitas mudanças desde que foi compreendida como uma linguagem da arte. A cada novo movimento artístico que surgia, a técnica ganhava uma nova cara, uma nova função. Colou-se de tudo. Todos os tipos de suporte artístico foram utilizados. Montagens, fotomontagens, instalações bidimensionais e tridimensionais. A colagem se mostra com diferentes roupagens. Porém, é no Dadaísmo que esta técnica encontra maior expressividade, pois, além de linguagem artística, ganha vozes de protesto, de arte engajada, fabricada com pequenos fragmentos da realidade retirados dos jornais e revistas do cotidiano. A ideia de juntar várias informações, de fontes distintas, reorganizá-las e criar uma nova realidade, somente possível através desta técnica, foi levada ao extremo por Hannah Höch. Hannah Höch foi reconhecida tardiamente. Por muito tempo vista como companheira de Raoul Haussmann ou por amiga dos Dadaístas, foi compreendida e festejada como verdadeira artista já no fim de sua vida. Viveu o bastante para esgotar a técnica da colagem, levando suas concepções para a pintura. Trouxe para o seu tempo uma reflexão sobre o homem, sobre a humanidade, através de figuras distorcidas em cenários oníricos. Imprimiu à sua obra características de sua jornada pela vida. Entendia que a maior busca de um artista é a de sua própria caminhada, caminhada esta que se dá por diferentes estradas, mas sempre em busca de um só objetivo. Pode vivenciar duas grandes exposições que celebraram sua obra. A primeira foi a Mostra de Colagens, em 1971, em Berlim e a segunda foi uma grande Exposição Individual Retrospectiva, em 1976, na mesma cidade. Hannah viveu todo seu destino como se fosse uma colagem. Um percurso montado e conscientemente elaborado, de atitudes justapostas, sobrepostas, que deixaram como legado para a história, obras repletas de emoção e consciência. 4. Referências BISCHOFF, Ulrich. Max Ernst. Coleção TASCHEN. Germany, 1993. CAVALCANTI, Carlos. 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Maria Carolina Ravazzani de Almeida Especialista em História da Arte pelo Centro Universitário Claretiano; Especialista em Metodologia do Ensino da Arte pela Universidade Tuiuti do Paraná; possui Licenciada em Educação Artística pela Universidade Tuiuti do Paraná. Atua como arte-educadora no Ensino Médio, na Formação de Professores e no Ensino Superior à Distância. http://lattes.cnpq.br/1161372250374246