Cooperação Entre Empresas no Pólo Industrial de Manaus

Transcrição

Cooperação Entre Empresas no Pólo Industrial de Manaus
COOPERAÇÃO ENTRE EMPRESAS NO PÓLO INDUSTRIAL DE MANAUS
Guajarino de Araújo Filho
TESE SUBMETIDA AO CORPO DOCENTE DA COORDENAÇÃO DOS
PROGRAMAS DE PÓS-GRADUAÇÃO DE ENGENHARIA DA UNIVERSIDADE
FEDERAL
DO
RIO
DE
JANEIRO
COMO
PARTE
DOS
REQUISITOS
NECESSÁRIOS PARA A OBTENÇÃO DO GRAU DE DOUTOR EM CIÊNCIAS
EM ENGENHARIA DE PRODUÇÃO.
Aprovada por:
________________________________________________
Profa. Anne-Marie Delaunay Maculan, Ph.D.
________________________________________________
Dra. Conceição Aparecida Vedovello, Ph.D.
________________________________________________
Prof. Elton Fernandes, Ph.D.
________________________________________________
Prof. José Manoel Carvalho de Mello, Ph.D.
________________________________________________
Dr. Léo Fernando Castelhano Bruno, Ph.D.
________________________________________________
Profa. Lia Hasenclever, D.Sc.
RIO DE JANEIRO, RJ – BRASIL
AGOSTO DE 2005
ARAÚJO FILHO, GUAJARINO DE
Cooperação Entre Empresas no Pólo
Industrial de Manaus [Rio de Janeiro] 2005
XIV, 196 p. 29,7 cm (COPPE/UFRJ,
D.Sc., Engenharia de Produção, 2005)
Tese – Universidade Federal do Rio de
Janeiro, COPPE
1. Pólo Industrial de Manaus - abordagem
socioeconômica. 2. Cooperação. 3. Cluster
Industrial. 4. Eficiência Coletiva. 5.
Governança.
I. COPPE/UFRJ II. Título (série).
ii
A Deus, por ter permitido a união de meus pais.
A meus pais, por terem persistido até o sétimo filho.
iii
AGRADECIMENTOS
Esta é uma jornada que supera a intenção única do desenvolvimento de
habilidades para a carreira acadêmica. Há o desejo de contribuir para a compreensão de
uma realidade à qual minha identidade profissional está atrelada; há, também, a
satisfação de concretizar o objetivo há muito estabelecido.
Não posso dizer que houve sacrifício desmedido. Embora exigente, a natureza da
atividade de pesquisa é, para mim, prazerosa. E a ela soma-se, ainda, a satisfação de
contar com o apoio e a cumplicidade de muitos.
É certo que muito me aproveitei da proximidade de tantos. E isto amplia o
sentimento de gratidão e a motivação para registrá-lo a todos os que de alguma forma
me suportaram na caminhada.
À Profa. Anne-Marie Maculan, por ter aceito a empreitada, pela orientação firme
e serena, pavimentada na tolerância e em reiteradas manifestações de confiança. É um
privilégio ter podido usufruir sua experiência em todas as etapas deste projeto, sempre
compartilhando a qualidade de suas reflexões.
Ao Prof. Elton Fernandes, pela voluntariedade, perseverança e capacidade de
articulação, fundamentais para a instituição da cooperação Coppe-UFRJ/Ufam que
tornou possível o doutoramento a um grupo de profissionais.
Ao Prof. Waltair Machado, por aceitar o desafio da coordenação local.
Ao Prof. José Manoel Mello, pelo comprometimento que me permitiu inúmeras
oportunidades de interação, durante as quais muito aprendi.
Ao Prof. Roberto dos Santos Bartholo, pelo estímulo que representa seu
pensamento estruturado e a sua capacidade de crítica.
Ao Prof. Léo Bruno, pela participação na condição de co-orientador.
Aos amigos Dimas José Lasmar e Niomar Lins Pimenta, pela amizade, o
companheirismo na caminhada e, em especial, a cumplicidade no compartilhamento de
sonhos.
Aos colegas de turma, pela convivência.
A todos os que compõem as equipes de apoio dos programas de pós-graduação
em Engenharia de Produção, especialmente à Adelina de Souza Lorio (Coppe/UFRJ),
Ana Cláudia Souza (Ufam), Maria Monteiro de Lima (Coppe/UFRJ) e Vera Nilce
Dourado Campos (Ufam), pela paciência e dedicação.
iv
A Antonio Luiz Maués, Evandro Vieiralves e Fernando Folhadela, pela amizade,
por meio dos quais manifesto o agradecimento por todo o carinho e incentivo dos
demais amigos e colegas da Fucapi.
À Izáida Castro, pela contínua torcida e dedicação.
À Dra. Isa Assef dos Santos, pela confiança sempre renovada e por todo o apoio
prestado.
Ao Prof. Lynaldo Cavalcanti de Albuquerque, pelas reiteradas manifestações de
apreço.
À Maria José Lasmar (Mazé), por sua generosidade e tolerância.
Ao Prof. Cícero Costa e a todos os professores e colegas do Departamento de
Eletrônica e Telecomunicações do curso de Engenharia Elétrica da Ufam, pelo
incentivo.
Ao Prof. Roberto Lavôr, pela fundamental atuação na articulação e viabilização
da cooperação Coppe-UFRJ/Ufam.
À Suframa, por acreditar e investir na formação local de recursos humanos
especializados.
Ao Prof. Antonio Botelho, pela decisiva participação na conquista do apoio
institucional que viabilizou a realização deste ciclo de formação a um grupo de
profissionais.
Ao economista Raimundo Sampaio de Souza e ao engenheiro Carlos Roberto da
Silva,
pela
disponibilização
de
informações
essenciais
ao
planejamento
e
operacionalização deste projeto de pesquisa.
A todas as empresas e profissionais que participaram da pesquisa de campo, pela
inestimável contribuição.
Às instituições Fucapi e Ufam, por continuarem comprometidas com a formação
de recursos humanos e com o fortalecimento da identidade regional.
À Capes que, com a disponibilização dos Periódicos, transforma parte da rotina
dos pesquisadores, permitindo que os esforços sejam concentrados no objeto de estudo.
Por fim, um agradecimento muito especial a todos os integrantes de minha
estimada família, inspirada no exemplo de minha Mãe, aos quais devo a construção dos
valores que emprestam significado à minha vida.
Cada um a seu modo, todos vocês contribuíram para o que vai aqui apresentado.
Permita-me a vida, em algum momento, de alguma forma, poder retribuí-los.
v
Resumo da Tese apresentada à COPPE/UFRJ como parte dos requisitos necessários
para a obtenção do grau de Doutor em Ciências (D.Sc.)
COOPERAÇÃO ENTRE EMPRESAS NO PÓLO INDUSTRIAL DE MANAUS
Guajarino de Araújo Filho
Agosto/2005
Orientadores: Anne-Marie Delaunay Maculan
Léo Fernando Castelhano Bruno
Programa: Engenharia de Produção
Por meio da concessão de benefícios fiscais, a Zona Franca de Manaus atraiu
empresas e transformou o perfil da atividade econômica no estado do Amazonas.
Amplamente estruturada a partir de capital e tecnologia exógenos, a indústria surgida
induz à reflexão sobre a perspectiva de sustentabilidade para o desenvolvimento local,
considerando o horizonte limitado para o benefício. Isto remete à necessidade de
aprofundar a compreensão da dinâmica dessa indústria como condição prévia para
implementar estratégias mais eficientes para o fortalecimento do desenvolvimento a
partir de elementos endógenos.
Este trabalho utiliza-se do conceito de eficiência coletiva, associado a cluster
industrial, para avaliar a intensidade e a qualidade das interações cooperativas entre
empresas nos dois mais destacados subsetores da indústria local, Eletroeletrônico e
Duas Rodas. A partir de pesquisa de campo envolvendo a aplicação de questionário em
empresas e a entrevista de importantes atores locais, a análise dos dados evidencia que
apesar da existência de um capital cooperativo capaz de apoiar os esforços em direção
ao aprendizado interativo e à inserção da indústria, há diferenças assinaláveis nos
padrões de cooperação, quando comparados os dois subsetores, com implicações para a
prática da governança econômica e para a formulação de políticas de interesse público.
vi
Abstract of Thesis presented to COPPE/UFRJ as a partial fulfillment of the
requirements for the degree of Doctor of Science (D.Sc.)
INTERFIRM COOPERATION IN THE MANAUS INDUSTRIAL POLE
Guajarino de Araújo Filho
August/2005
Advisors: Anne-Marie Delaunay Maculan
Léo Fernando Castelhano Bruno
Department: Production Engineering
Supported by fiscal advantages, Manaus Free Trade Zone project did attract
industries, changing the nature of economic activity in the Amazonas state. Widely
structured under exogenous capital and technology, such existing industry evokes a
critical thinking concerning local development in a sustainable perspective, considering
that the set of benefits have a well-defined date to expire. This scenario demands a
deeper comprehension of the industry dynamics as a previous condition to implement
more efficient strategies, in order to achieve development since endogenous elements.
This work aims to use both collective efficiency and industrial cluster concepts
to evaluate the intensity and quality of cooperative interactions among firms in
electronic and motorcycle sectors, the most significative fields of the local industrial
activity. Sustained by a fieldwork that includes questionnaire-based survey and
interactions with important local actors, data analysis shows that despite the existence of
cooperative capital to support efforts into the interactive learning and local
embeddedness of firms, there are remarkable inequalities related to cooperation
practices concerning both sectors, deriving some implications to economic governance
practices and even to elicitation of public policies.
vii
SUMÁRIO
I. A ZONA FRANCA DE MANAUS E ALGUMAS CARACTERÍSTICAS DO
AMBIENTE LOCAL, 1.
I.1. A Zona Franca de Manaus como "solução" para o desenvolvimento regional, 2.
I.2. A dimensão da atividade industrial da ZFM e sua importância na economia do
estado do Amazonas, 9.
I.3. Características da crescente complexidade da atividade industrial em Manaus,
14.
II. CARACTERIZAÇÃO DA PROBLEMÁTICA E DOS ELEMENTOS DA
PESQUISA, 22.
II.1. A temática da capacitação local na literatura recente relativa à atividade
industrial da Zona Franca de Manaus, 23.
II.2. Delimitação do objeto de pesquisa, 29.
II.2.1. A escolha de um subconjunto para análise, 29.
II.2.2. Os elementos da pesquisa, 36.
II.2.2.1. Das questões iniciais, 36.
II.2.2.2. Dos objetivos estabelecidos, 37.
II.2.2.3. Da hipótese, 38.
III.
COOPERAÇÃO
EM
AGLOMERAÇÕES
INDUSTRIAIS
–
UM
INSTRUMENTAL ANALÍTICO, 39.
III.1. Crescimento e desenvolvimento: conceitos e implicações, 40.
III.2. A natureza localizada do crescimento econômico e as aglomerações industriais,
44.
III.3. Clusters e a promoção do desenvolvimento econômico, 48.
III.3.1. Diferentes definições para cluster, 52.
III.3.2. Atributos que caracterizam um cluster, 57.
III.3.3. A análise de clusters e sua versatilidade de uso, 64.
III.4. Eficiência coletiva, uma ferramenta para avaliar a cooperação, 67.
III.5. Gestão do interesse coletivo e o conceito de governança, 71.
III.6. Confiança, inserção e aprendizado segundo uma perspectiva pela dimensão
sociocultural, 73.
III.7. Apropriando os conceitos para uma realidade particular – uma digressão, 76.
viii
IV. CARACTERÍSTICAS DA METODOLOGIA DE PESQUISA UTILIZADA,
79.
IV.1. Seleção da amostra, 79.
IV.1.1. Conjunto de empresas pesquisadas, 79.
IV.1.2. Perfil dos entrevistados, 88.
IV.2. Descrição dos instrumentos de coleta, 90.
IV.2.1. Estrutura do questionário, 90.
IV.2.2. Roteiro da entrevista, 90.
IV.3. Implementação do plano de coleta, 91.
IV.4. Tratamento dos dados, 93.
IV.5 Dificuldades e limitações, 94.
V. CARACTERÍSTICAS DA COOPERAÇÃO ENTRE EMPRESAS NO
SUBSETOR DUAS RODAS, 97.
V.1. Identificação do cluster Duas Rodas, 97.
V.1.1. A representatividade do produto motocicleta, 100.
V.1.2. Cluster Duas Rodas ou cluster Honda?, 102.
V.1.3. A influência de uma cultura estrangeira, 103.
V.2. Cooperação e interação no cluster Duas Rodas, 104.
V.2.1. Assimetrias na cooperação horizontal, 106.
V.2.2. O vigor da cooperação vertical, 109.
V.3. Indicadores de confiança, inserção e aprendizado no cluster Duas Rodas, 113.
V.3.1. A confiança como base nas principais manifestações de governança, 113.
V.3.2. Alguns impactos da produção e do aprendizado para o perfil da mão-deobra, 115.
V.3.3. Elementos da inserção local: o relacionamento com outros tipos de agentes,
119.
V.4. Conclusões quanto à eficiência coletiva no cluster Duas Rodas, 120.
VI. A PRÁTICA DA COOPERAÇÃO NO SUBSETOR ELETROELETRÔNICO,
124.
VI.1. Identificação do cluster Eletroeletrônico, 124.
VI.2. Cooperação e interação no cluster Eletroeletrônico, 127.
VI.2.1. Variedade na cooperação horizontal, 129.
VI.2.2. Variabilidade na cooperação vertical, 133.
ix
VI.3. Indicadores de confiança, inserção e aprendizado no cluster Eletroeletrônico,
136.
VI.3.1. O comportamento oportunístico limitando iniciativas, 136.
VI.3.2. Diversidade de associações: mais fóruns, melhor governança?, 137.
VI.3.3. Mão-de-obra qualificada: alguns espaços de aprendizado e a questão da
autonomia, 139.
VI.3.4. Impactos para a inserção, 141.
VI.4. Conclusões quanto à eficiência coletiva no cluster Eletroeletrônico, 143.
VII. AVALIAÇÃO DOS RESULTADOS: ALGUMAS IMPLICAÇÕES DAS
PRÁTICAS DE COOPERAÇÃO, 147.
VII.1. Um resumo dos perfis dos ambientes, 147.
VII.2. Formas de cooperação: uma síntese dos resultados, 150.
VII.3. Implicações para a dinâmica do aprendizado, 153.
VII.4. Proposições para uma agenda local, 157.
VII.4.1. Capacidade de governança, 157.
VII.4.2. Inserção nas cadeias globais, 159.
VII.4.3. Confiança e cooperação, 160.
VII.4.4. Aprendizado e sustentabilidade, 161.
VII.5. Reflexão final, 162.
CONCLUSÕES, 163.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS, 169.
ANEXO I – PERFIL DOS ENTREVISTADOS, 176.
ANEXO II – QUESTIONÁRIO APLICADO NAS EMPRESAS, 179.
ANEXO III – ROTEIRO DE ENTREVISTA, 195.
x
LISTA DE FIGURAS
FIGURA V.1 – Pólo Industrial de Manaus – Identificação das Principais Empresas
do Cluster Duas Rodas, 99.
FIGURA VI.1 – Pólo Industrial de Manaus – Identificação de Relações Entre os
Principais Subsetores do Cluster Eletroeletrônico, 125.
FIGURA VI.2 – Subsetor de Componentes Termoplásticos – Esboço da Rede
Articulada de Empresas Fornecedoras, 132.
FIGURA VII.1 – Possibilidades de Interações em um Cluster, 156.
xi
LISTA DE GRÁFICOS
GRÁFICO I.1 – Estado do Amazonas – População e Produto Interno – Evolução
Histórica, 10.
GRÁFICO I.2 – Estado do Amazonas – Composição do Produto Interno (R$ 103 de
2001), 11.
GRÁFICO II.1 – Pólo Industrial de Manaus – Participação Percentual dos Insumos
de Origem Regional nas Aquisições Totais, 34.
GRÁFICO IV.1 – Subsetor Eletroeletrônico – Faturamento Acumulado, por
Empresa, em 2002 (%), 84.
GRÁFICO IV.2 – Subsetor Duas Rodas – Faturamento Acumulado, por Empresa,
em 2002 (%), 84.
xii
LISTA DE TABELAS
TABELA I.1 – Pólo Industrial de Manaus – Projetos Industriais Aprovados, por
Subsetor, 12.
TABELA I.2 – Pólo Industrial de Manaus – Faturamento por Subsetor de Atividade,
13.
TABELA I.3 – Pólo Industrial de Manaus – Mão-de-Obra Empregada por Subsetor
de Atividade, 13.
TABELA II.1 – Pólo Industrial de Manaus – Faturamento Anual dos Principais
Subsetores, 30.
TABELA II.2 – Pólo Industrial de Manaus – Mão-de-Obra, Salários e Dispêndios
em 2003, 31.
TABELA II.3 – Pólo Industrial de Manaus – Aquisição de Insumos e Faturamento,
por Origem, 32.
TABELA II.4 – Pólo Industrial de Manaus – Subsetor Eletroeletrônico – Aquisição
de Insumos e Faturamento, por Origem, 33.
TABELA II.5 – Pólo Industrial de Manaus – Subsetor Duas Rodas – Aquisição de
Insumos e Faturamento, por Origem, 34.
TABELA III.1 – Comparação de Atributos para Clusters, Segundo Abordagens de
Diferentes Autores, 65.
TABELA III.2 – Comparação entre Abordagem Setorial e Abordagem por Cluster,
68.
TABELA III.3 – Exemplos de Combinação entre os Diferentes Tipos de
Cooperação, 70.
TABELA IV.1 – Pesquisa de Campo – Estratificação das Empresas da Amostra, por
Subsetor e Natureza dos Produtos, 85.
TABELA IV.2 – Pesquisa de Campo – Origem do Capital Controlador das
Empresas da Amostra, 86.
TABELA IV.3 – Pesquisa de Campo – Hierarquia de Faturamento das Empresas da
Amostra, em 2002, 87.
xiii
TABELA IV.4 – Pesquisa de Campo – Cronologia das Visitas e Experiência Local
das Empresas da Amostra, 88.
TABELA IV.5 – Pesquisa de Campo – Perfil dos Entrevistados, 89.
TABELA IV.6 – Pesquisa de Campo – Composição do Questionário, Segundo
Assuntos Contemplados nas Questões, 91.
TABELA IV.7 – Pesquisa de Campo – Cronograma das Interações Ocorridas, 92.
TABELA IV.8 – Pesquisa de Campo – Resumo dos Pontos Relevantes da
Metodologia, 95.
TABELA V.1 – Pólo Industrial de Manaus – Empresas e Linhas de Produção do
Subsetor Duas Rodas, 98.
TABELA V.2 – Diversidade da Cooperação no Cluster Duas Rodas, 122.
TABELA V.3 – Extensão da Cooperação no Cluster Duas Rodas, 123.
TABELA VI.1 – Diversidade da Cooperação no Cluster Eletroeletrônico, 145.
TABELA VI.2 – Extensão da Cooperação no Cluster Eletroeletrônico, 146.
TABELA VII.1 – Comparação entre os Ambientes dos Clusters Duas Rodas e
Eletroeletrônico, 148.
TABELA VII.2 – Práticas de Cooperação nos Clusters Duas Rodas (2R) e
Eletroeletrônico (E), 151.
TABELA VII.3 – Avaliação Comparativa das Práticas de Cooperação entre os
Clusters Duas Rodas (2R) e Eletroeletrônico (E), 152.
xiv
I. A ZONA FRANCA DE MANAUS E ALGUMAS CARACTERÍSTICAS DO
AMBIENTE LOCAL.
Este capítulo inicial procura caracterizar o panorama que justifica e ao mesmo
tempo conforma o trabalho da pesquisa.
A criação de um conjunto de benefícios – especialmente os incentivos fiscais –
por meio do projeto Zona Franca de Manaus (ZFM), estimulou a implantação de
empreendimentos industriais na capital do estado do Amazonas. Inicialmente
estruturados a partir de poucas e simples operações, ao longo do tempo esses
empreendimentos cresceram em complexidade, resultando em visíveis impactos na
dinâmica da economia local.
Sofisticação de operações e diversidade de iniciativas combinaram-se para exigir
da Superintendência da Zona Franca de Manaus (Suframa), autarquia federal
responsável pela administração do principal conjunto de incentivos da ZFM, o
desenvolvimento de competências para realizar o que na prática pode ser comparado à
gestão de uma política industrial de abrangência reduzida, pelo menos no que concerne
aos elementos passíveis de serem estabelecidos e influenciados localmente.
Substituição de importações, atração de fornecedores de componentes,
implantação de laboratórios de desenvolvimento e indução à tomada local de decisão
são alguns dos exemplos de ações implementadas que buscaram a consolidação da
atividade industrial, a partir de uma maior integração vertical.
Paralelamente, alterações nas prioridades do País e resistências estabelecidas por
governos e empresas de outras regiões têm cobrado um novo desempenho do modelo
ZFM, não mais frente aos objetivos iniciais de ocupação territorial e integração
regional, mas sim a partir de demandas pelo equilíbrio de sua balança comercial e, em
escala crescente, segundo a perspectiva que caracteriza as recentes disputas interregionais por empreendimentos econômicos, que trazem consigo novos investimentos e
empregos.
Acrescente-se, no ambiente de um comércio internacional em que predomina a
realidade da globalização econômica, uma possível redução de espaços para bens
produzidos sob regime de incentivos fiscais – hoje só tolerados justamente quando
vinculados a uma política de desenvolvimento regional – e antecipa-se, assim, o cenário
de desafios reservado ao futuro próximo.
1
Completando o quadro, o horizonte aponta para o limite legal de vigência dos
incentivos fiscais que, no caso da ZFM, está estabelecido para o ano de 2023, com toda
a incerteza política que a negociação de futuras prorrogações possa representar.
Em anos recentes, talvez como uma reação a essas dificuldades, a Suframa tem
estrategicamente incorporado ao seu discurso o termo "Pólo Industrial de Manaus", em
preferência a "Zona Franca de Manaus", uma postura que deixa transparecer pelo menos
dois elementos: (i) a assunção do desgaste associado ao termo Zona Franca junto à
opinião pública nacional e (ii) a comunicação de que a atividade industrial atingiu uma
maior maturidade, à qual, então, passa a corresponder uma nova terminologia.
A escassez de estudos sobre essa realidade, e seu potencial de impacto no futuro
da economia local, reforçam a necessidade de ampliar a reflexão acadêmica, sustentada
em fatos, conceitualmente embasada, capaz de contribuir na construção de uma agenda
pública que tenha como elemento polarizador o desenvolvimento local sustentável.
I.1. A ZONA FRANCA DE MANAUS COMO "SOLUÇÃO" PARA O
DESENVOLVIMENTO REGIONAL.
Especialmente para o habitante natural de Manaus, que tenha nascido no início –
ou antes – da década de 60 do século passado, é difícil imaginar em que patamar de
desenvolvimento econômico encontrar-se-ia a cidade, e mesmo o estado do Amazonas,
sem o advento do fenômeno Zona Franca.
O complexo industrial de Manaus, que faturou US$ 46 bilhões no período 19992003 (SUFRAMA, 2004a), e possui quase 4 centenas de empresas implantadas,
encontra representação em áreas tão distintas como as indústrias da eletrônica de
consumo, mecânica, de brinquedos, química, relojoeira, ótica, naval, de higiene pessoal,
alimentícia, madeireira, de motocicletas e bicicletas, além de indústrias de insumos
como as de componentes eletrônicos, componentes plásticos injetados, metalúrgica e
gráfica.
Praticamente toda atividade econômica local está diretamente relacionada às
empresas do pólo industrial incentivado, ou de alguma forma é uma conseqüência
indireta da existência dessas empresas. O impacto dessa relação torna-se ainda mais
evidente quando se percebe que a criação da Zona Franca foi responsável por encerrar
um longo período de estagnação econômica, resultante do recrudescimento da outrora
2
pujante economia regional baseada no extrativismo da borracha1, passando, então, a
oferecer novas oportunidades aos habitantes da Região.
A Zona Franca de Manaus tem sua origem na Lei n.o 3.173, de 6 de junho de
1957, posteriormente regulamentada pelo Decreto n.o 47.757, de 2 de fevereiro de 1960,
proposta pelo deputado federal pelo Amazonas, Francisco Pereira da Silva, e concebida
com a pretensão de ser um modelo de desenvolvimento capaz de ocupar e integrar ao
restante do País a região denominada Amazônia Ocidental (que, além do Amazonas,
inclui os estados do Acre, Rondônia e Roraima), uma área de 2.185.202,2 km2 que
corresponde a 56,7% da Região Norte e 25,7% do território brasileiro.
Em seus anos iniciais os resultados alcançados foram modestos. Não há registro
significativo do crescimento da limitada atividade industrial pré-existente, baseada na
extração e processamento de matérias-primas regionais, o que motivou a reformulação
da idéia original, por meio do Decreto 288, de 28 de fevereiro de 1967 (portanto,
transcorridos dez anos após a tentativa original) e para a qual foi explicitado o seguinte
propósito:
"A Zona Franca de Manaus é uma área de livre comércio de importação e exportação
e de incentivos fiscais especiais, estabelecida com a finalidade de criar no interior da
Amazônia, um centro industrial, comercial e agropecuário dotado de condições econômicas
que permitam seu desenvolvimento, em face dos fatores locais e da grande distância que se
encontram os centros consumidores de seus produtos" (Decreto-Lei n.o 288, Art. 1o).
O objetivo expresso de integração da região ao restante do País teve como
motivação paralela – ou principal, para alguns – a dimensão geopolítica, ancorada no
argumento (verdadeiro ou induzido) da cobiça internacional pela Amazônia. Essa
preocupação ocupava um lugar de destaque na agenda do governo militar que
comandava o País, e que temia pela "internacionalização" da Região, apontada como
uma possível conseqüência da frágil soberania que a ausência física representa. Em sua
gênese, portanto, a ZFM seria uma solução, com fundamento geopolítico, para a
ocupação regional e integração nacional, sinônimos de desenvolvimento.
Nesta fase iniciada em 1967, o comércio foi o primeiro a dar sinais de
revitalização, proporcionando à cidade de Manaus uma intensa e diferenciada atividade
importadora, pelo menos na comparação com os padrões brasileiros. Empresários do
setor comercial foram atraídos de outras regiões, e até mesmo países, agregando-se a
1
Pujante ao final do século XIX, a economia da Região lastreava-se na monocultura extrativa da
borracha, revelando-se incapaz de competir com a produção racional asiática (localizada na Birmânia,
3
empreendedores locais na oferta de artigos que variavam de gêneros alimentícios
industrializados a roupas, incluindo eletrodomésticos e até automóveis utilitários. Em
poucos anos, a sociedade local – ou ao menos a sua parcela mais abastada – passou a ter
acesso a uma série de bens característicos de sociedades mais industrializadas, ditas
desenvolvidas.
Apenas no início da década de 70, com a implantação dos primeiros projetos
industriais incentivados, configurou-se de forma mais significativa a presença de
unidades fabris. A criação do Distrito Industrial Marechal Castelo Branco (ou
simplesmente Distrito Industrial, como é conhecido até hoje), dotado pelo poder público
com infra-estrutura básica em seus 1.700 hectares de área, passou a concentrar a
localização das fábricas, e facilitou a administração da política dos incentivos fiscais por
parte da agência federal legalmente responsável pelo modelo, a Superintendência da
Zona Franca de Manaus – Suframa.
A vantagem dos incentivos fiscais e desses outros benefícios era apresentada aos
interessados como a contrapartida para o risco de empreender em uma região inóspita,
implantando linhas de produção em galpões instalados em terrenos ocupados por
floresta virgem e sem poder contar com uma cultura industrial local de maior
relevância, o que também correspondia à inexistência de mão-de-obra qualificada.
Tratando-se de um modelo baseado em incentivos que incidem sobre tributos
diretos, de natureza fiscal, os benefícios às empresas só se concretizam na medida em
que ocorre a produção e materializa-se na posterior comercialização do bem fabricado.
O arcabouço da ZFM não contempla o incentivo financeiro aos projetos industriais; nem
mesmo a Suframa os intermedia. O risco inerente à atividade empreendedora é,
portanto, exclusivo do empresário.
Para usufruir dos incentivos, todas as iniciativas no setor industrial devem ter
sua viabilidade demonstrada em projeto econômico-financeiro submetido à análise do
Conselho de Administração da Suframa, que atualmente é composto por representantes
de 10 ministérios, governos dos estados da Amazônia Ocidental, prefeituras das capitais
da região, entidades de classes (empresariais e de trabalhadores), além da Secretaria da
Receita Federal. Apenas após a aprovação nesse Conselho, a empresa estará habilitada à
implantação de seu projeto industrial.
Malásia, Ceilão, Índia e Indonésia) que, de 1900 a 1913, partindo de uma produção inexpressiva,
dominou o abastecimento do mercado mundial, estabelecendo a fronteira entre fausto e estagnação.
4
Após implantado o projeto, tem início o seu acompanhamento físico por parte
das unidades operacionais da autarquia. A atividade envolve, dentre outras
responsabilidades, a monitoração da compatibilidade do processo produtivo praticado,
em termos do conjunto de operações realizadas e do nível de desagregação de
componentes e insumos, frente às condições estabelecidas na aprovação do projeto da
empresa. Além da Suframa, o aparato governamental de ação fiscalizadora também é
complementado por rotinas de órgãos estaduais (Secretarias de Fazenda e de
Planejamento e Desenvolvimento Econômico do Estado do Amazonas, Instituto de
Proteção Ambiental do Amazonas) e outros órgãos federais (Ministério da Ciência e
Tecnologia, Secretaria da Receita Federal, Instituto Brasileiro do Meio-Ambiente e dos
Recursos Naturais Renováveis).
Na dinâmica desse processo, a exclusividade de importar insumos e produtos,
mesmo nos momentos em que o governo do País enfrentava dificuldades em honrar
compromissos internacionais, ao mesmo tempo em que representou o diferencial que
permitiu a aglomeração de empresas industriais em uma localização tão improvável,
provocou reações de insatisfação e o questionamento, por parte de outras regiões,
quanto à legitimidade dessa excepcionalidade.
Evidentemente, na medida em que avançou o padrão de competitividade no
cenário internacional, com conseqüente repercussão na sofisticação dos mecanismos e
processos de produção, acrescido do acirramento da competição inter-regional por
investimentos na legítima defesa do desenvolvimento local, a ZFM passou a conviver
com crescente resistência, oriunda não apenas de regiões mais desenvolvidas,
politicamente articuladas, mas, em períodos recentes, até mesmo de outras regiões que,
de economia mais frágil, também aspiram a um nível mais elevado de desenvolvimento.
Na própria esfera governamental há registro de conflitos de interesses em
posições assumidas por diferentes ministérios. Portarias e regulamentações do
Ministério da Fazenda, originadas, por exemplo, na Secretaria da Receita Federal, por
vezes resultaram, na prática, em entraves e limitações à atividade produtiva. Esse
comportamento, entendido por empresários e governos locais, além de Suframa, como
uma extrapolação indevida de autoridade, que cerceava a utilização de vantagens
previstas no Decreto-Lei 288 e legislação complementar, nem sempre teve uma
discussão aberta, pelo menos no âmbito de maior interesse, o federal, talvez em nome
da preservação da unidade.
5
Mas outros momentos conflituosos podem ser citados. Um desses episódios
corresponde à implantação das quotas de importação para a Zona Franca de Manaus, já
em meados da década de 70, quando a balança comercial do País e o serviço da dívida
externa levaram o governo federal a estabelecer limites, em dólares, para as empresas
locais, não apenas do setor industrial, mas também para o comércio. Anualmente, após
o anúncio pelo governo federal do montante global equivalente às importações
permitidas, iniciavam as gestões de cada empresa junto à Suframa para a conquista da
maior quota individual possível para, no caso do setor industrial, dar atendimento às
necessidades de produção previstas.
A própria implementação da Política Nacional de Informática também é um
episódio que merece registro, ao proporcionar benefícios a um conjunto amplo de
empresas, independentemente de sua localização geográfica. O objetivo de desenvolver
uma indústria nacional no setor foi contemplado pela promulgação da chamada Lei de
Informática, em 1984, que passou a disciplinar as atividades de projeto, importação,
produção e comercialização de bens, insumos e serviços de informática em todo o País,
o que configurou uma superposição de autoridades entre a Secretaria Especial de
Informática (SEI), vinculada ao Ministério da Ciência e Tecnologia, e a Suframa, à
época vinculada ao Ministério do Interior, para o caso das empresas que, ao mesmo
tempo, fabricassem produtos classificados nesse subsetor e estivessem instaladas – ou
pretendessem a instalação – na ZFM.
A compreensível disputa que se configurou alimentou um acalorado debate que
certamente limitou a oportunidade para a construção de relações mais positivas entre as
duas instituições durante praticamente todo o restante da década. Naquele momento
histórico, afinal, a ZFM era interpretada como um modelo antagônico ao projeto
nacional de desenvolvimento de uma capacitação em informática no País. Mas foram os
primeiros anos de implementação da nova política que se revelaram particularmente
difíceis, pois em virtude de uma limitação na legislação – a ausência de uma
formalização conceitual que descrevesse os atributos ou características de um bem de
informática – a SEI estendeu a abrangência de suas operações, ao considerar como bens
de informática – e, portanto, sujeitando àquele órgão a aprovação prévia de guias de
importação de componentes e insumos de empresas da ZFM – alguns produtos que a
indústria local entendia como pertencentes à eletrônica de consumo.
Esse confronto entre a indústria local e a indústria nacional de informática talvez
tenha alcançado seu ápice durante o funcionamento do Assembléia Nacional
6
Constituinte. Na promulgação da nova Constituição federal, em 1988, a ZFM, que dois
anos antes havia sido "salva" pelos políticos locais, com a prorrogação do prazo de
vigência das isenções tributárias por dez anos (a partir de seu limite original), o que
estabeleceu seu novo limite para 2007, viu esse direito ser ampliado por meio da
inserção do Art. 40 no Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, que garantia
sua manutenção por mais 25 anos (a partir da promulgação), o que representou, na
prática, um aumento real de 16 anos em relação ao prazo originalmente previsto. Como
não poderia deixar de ser, a imprensa local, fazendo coro à opinião de políticos,
considerou vitoriosas essas conquistas de prorrogação, que na prática transferiam uma
"morte anunciada", inicialmente de 1997 para 2007 e, em seguida, de 2007 para 2013.
Um pouco mais à frente, no início da década de 90, a abertura do mercado
nacional às importações, pelo Governo Collor, configurou-se em um dos grandes
desafios enfrentados pela atividade econômica local. Como resultados, o comércio de
produtos importados praticamente sucumbiu, a indústria de componentes eletrônicos
reduziu-se a um nível próximo à inexistência e muitas empresas fabricantes de bens
finais encerraram suas atividades. As que permaneceram, só o conseguiram em
conseqüência da implantação de programas de competitividade, aproximando seus
padrões de eficiência das referências internacionais, a partir da implantação de práticas
que envolveram, dentre outros, programas de redução de custos, implantação de
sistemas da qualidade, terceirização de atividades não fundamentais ao negócio e o
investimento na qualificação de mão-de-obra, tudo isso provocando evidente
repercussão no número de empregos diretos gerados, que em seu ápice superou a casa
de 76.000, em 1990, reduzindo-se a menos de 38.000 em 1993.
Inserido em Emenda ao texto constitucional, promulgada ao final de 2003,
relativa a alterações no Sistema Tributário Nacional, encontra-se o capítulo mais recente
desse histórico: a possibilidade de redução de vantagens comparativas da ZFM, a partir
da proposta de uniformização das alíquotas dos impostos estaduais (ICMS), proposta
pelo governo federal. Mais uma vez, e não sem desgaste político, a Zona Franca de
Manaus alcançou prorrogação de seu funcionamento, desta feita por outros dez anos,
estando o novo prazo estabelecido para 2023. Se comparado ao período de 30 anos
originalmente concedido, o conjunto de prorrogações, ao acrescentar outros 26 anos,
quase dobra o prazo de vigência dos incentivos.
É evidente que a prorrogação não é, por si só, uma garantia de que a estrutura
atual, ou qualquer evolução dela, estará em funcionamento até aquela data. Existem
7
pelo menos dois grandes temas que se apresentam como fontes concretas de
preocupação. O primeiro deles é a implantação da Área de Livre Comércio das
Américas – Alca que, com potencial para acirrar a competição, na verdade não é uma
preocupação exclusiva da indústria instalada em Manaus; o outro tema é a convergência
digital, que está acelerando a junção, em um único produto, de funções das áreas de
entretenimento e de informática, permitindo antever novas disputas ressurgindo no
âmbito da Lei de Informática. Ao serem reunidas essas funções em um mesmo produto,
e eventualmente este sendo caracterizado como um bem de informática – que
atualmente recebe incentivos da legislação até o ano de 2.019, independentemente da
localização do fabricante no País – estariam criadas condições para que as empresas da
eletrônica de entretenimento buscassem outras localizações que não Manaus, o que
tornaria 2.023 um limite temporal meramente burocrático.
Esse histórico compacto de episódios está aqui apresentado para ilustrar a
constatação de um fato: a fragilidade relacionada à continuidade e consolidação de uma
atividade industrial local que esteja baseada exclusivamente em incentivos fiscais. A
dificuldade em negociar novos – e provavelmente mais curtos – prazos de prorrogação
para a ZFM, deixando de lado a questão do mérito da proposta, exige um dispêndio de
energia cada vez maior, com desgaste igualmente elevado junto à sociedade brasileira,
uma situação cujas conquistas esmaecem frente à convicção de que a prorrogação dos
incentivos fiscais, considerada isoladamente sua contribuição, não resultará de forma
espontânea na inserção e consolidação desejadas, pelo menos em prazos defensáveis
frente ao restante da sociedade.
Esse quadro remete a uma inevitável comparação com aquele correspondente ao
fim do ciclo de fausto associado à economia da borracha. É possível conjecturar que,
sob o panorama atual, e perdurando apenas as condições que hoje estimulam a
existência da atividade industrial em Manaus, aconteça um recrudescimento acelerado
dos investimentos, ainda antes do fim dos incentivos fiscais, em 2023, em virtude do
tempo
mais
prolongado
de
maturação
que
o
retorno
proporcionado
por
empreendimentos industriais exige. Embora extrema, é uma perspectiva possível, capaz
de reavivar na memória coletiva as graves conseqüências sociais que podem ser
causadas por um vazio econômico semelhante àquele sofrido com a perda do mercado
internacional da borracha para a produção asiática.
8
Contrapor-se ao aparente determinismo dessa trajetória é um esforço que não
pode ser deixado apenas à classe política, mas deve ser compartilhado a partir de um
maior envolvimento dos demais atores da sociedade local.
A cada nova intervenção política que pretenda preservar o futuro do modelo será
provavelmente acrescida a exigência, pela interlocução (governantes, políticos e
empresários de outros estados, bem como representantes do governo central), de uma
consistência em demonstrar os progressos que estão sendo alcançados, e que a região
tem aumentado a sua capacidade endógena de enfrentar seus desafios e decidir pelos
caminhos mais apropriados ao seu desenvolvimento econômico sustentável.
A academia, como um dos componentes dessa sociedade, deve ampliar seu
espaço de atuação, exercitando suas habilidades para contribuir na ampliação da
compreensão do funcionamento do modelo ZFM, a partir da multiplicação de estudos
que aprofundem temas importantes como a dinâmica de suas relações (internas e
externas) e o estabelecimento de capacitação local para gerir uma evolução do modelo e
indicar possíveis soluções que lhe sejam complementares. É grande o potencial da
repercussão social e econômica desses estudos, como poderá ser mais bem avaliado a
partir dos dados apresentados na seção a seguir.
I.2. A DIMENSÃO DA ATIVIDADE INDUSTRIAL DA ZFM E SUA
IMPORTÂNCIA NA ECONOMIA DO ESTADO DO AMAZONAS.
O Produto Interno Bruto – PIB do estado do Amazonas no ano de 2001, a preço
de mercado corrente, alcançou R$ 20,7 bilhões, representando 36,4% de todo o PIB da
Região Norte, sendo o 14o colocado no ranking dos estados do País (IBGE, 2003). Se
considerado o PIB per capita do mesmo ano, equivalente a R$ 7.169, foi inferior apenas
aos dos estados da Região Sul, além de São Paulo, Rio de Janeiro e Distrito Federal,
superando o de estados mais tradicionais como Minas Gerais, Espírito Santo,
Pernambuco e Bahia, uma posição pouco provável, não fora a industrialização
proporcionada pelo incentivo fiscal.
O Gráfico I.1 apresenta a evolução histórica na relação entre população e PIB,
para o estado do Amazonas, em que é possível perceber uma aceleração acentuada no
crescimento de ambos, a partir da década de 70, exatamente no momento em que o setor
industrial, impulsionado pela criação da ZFM, passa a contar com um maior número de
empresas, iniciando a sua trajetória de representatividade na economia local.
9
GRÁFICO I.1
ESTADO DO AMAZONAS
POPULAÇÃO E PRODUTO INTERNO – EVOLUÇÃO HISTÓRICA
População
PIB*
3.000.000
20.500.000
2.500.000
16.500.000
2.000.000
12.500.000
1.500.000
8.500.000
1.000.000
4.500.000
500.000
1950
População 514.099
PIB
1960
721.215
1970
1980
1991
2000
500.000
955.203 1.430.528 2.103.243 2.813.085
522.726 1.085.202 1.839.402 7.918.598 14.416.60 18.612.09
Fonte: Adaptado de SÁ (2004)
Obs.: * Valores em R$ 103 de 2001
O crescimento da importância relativa do setor industrial, quando comparado
com o setor de serviços e a agropecuária, está claramente representado no Gráfico I.2,
um compacto da série histórica disponível. Se for considerado o conjunto completo dos
dados, que inicia em 1939, no período que antecede a ZFM o ápice da participação
relativa da atividade industrial no PIB do estado ocorreu no ano de 1960, quando foi
responsável por 18,9% do total do PIB. Com a criação do modelo, e a contínua
implantação de empresas, a atividade industrial, em 2001, torna-se responsável pela
geração de quase 2/3 do total do PIB estadual. Isto é mais que o dobro do que representa
o setor serviços, reservando à atividade agropecuária uma participação pouco expressiva
de apenas 2,2%.
Se, além disso, for considerado que parte das atividades hoje existentes,
inerentes ao subsetor de serviços, é conseqüência direta de demandas geradas pela
própria indústria, ou pelos profissionais que nela estão empregados, uma vez que
passam a ter maior poder aquisitivo em função do aumento da renda, pode-se
depreender a importância da ZFM para a economia do estado e – retomando o diálogo
com o compromisso de um desenvolvimento endógeno, sustentável – as implicações de
uma possível descontinuidade do modelo, após atingido o prazo-limite de vigência dos
incentivos fiscais, evidentemente tendo como pressuposto a ausência de medidas de
intervenção para a implementação de alternativas complementares no decorrer dessa
trajetória.
10
Setores (participação %)
GRÁFICO I.2
ESTADO DO AMAZONAS
COMPOSIÇÃO DO PRODUTO INTERNO (R$ 103 DE 2001)
100%
80%
60%
40%
20%
0%
1950
1960
1970
1980
1990
2000
Agropecuária
191.131
360.538
439.062
681.949
1.127.310
421.300
Serviços
280.000
518.987
Indústria
51.595
205.677
1.115.948 2.983.600 5.442.922 6.780.019
284.392
4.253.049 9.410.108 11.410.772
Fonte: Adaptado de SÁ (2004)
A própria natureza da atividade industrial que emergiu com a ZFM é fruto das
características do incentivo fiscal e da localização geográfica desfavorável da cidade em
relação aos principais centros fornecedores e consumidores. A Tabela I.1 mostra que
são vários os subsetores representados, mas poucos deles guardando relação com
possíveis potencialidades regionais. Ao contrário, predominam as atividades
econômicas em que a tecnologia exerce um papel preponderante.
Embora ao longo do tempo, e em função das condições de mercado, cada um
desses subsetores apresente flutuações quanto à representatividade maior ou menor, em
termos de sua importância econômica, o subsetor Eletroeletrônico sempre esteve
liderando os indicadores mais tradicionalmente utilizados, tais como número de
empresas, faturamento, empregos gerados e impostos arrecadados.
O destaque apresentado por esse subsetor é uma condição até certo ponto
compreensível, em função de pelo menos dois elementos intrínsecos à sua natureza: (i) a
dinâmica provocada pelas contínuas pressões impostas pelo mercado, relativas à
atualização tecnológica de produtos, que demanda uma interação mais intensa com os
principais mercados internacionais, mais desenvolvidos em termos de requisitos e
desempenho; (ii) a superior relação preço/peso apresentada por esses mesmos produtos,
que os favorece, comparativamente aos de outros subsetores, quanto à menor
representatividade dos custos de transporte no preço final praticado para a sua colocação
em mercados consumidores distantes.
11
TABELA I.1
PÓLO INDUSTRIAL DE MANAUS
PROJETOS INDUSTRIAIS APROVADOS, POR SUBSETOR
Situação do Projeto
Subsetor
1. Eletroeletrônico
1.1. Pólo de produtos
1.2. Pólo de componentes
2. Matérias Plásticas
3. Mecânico
3.1. Pólo relojoeiro
3.2. Outras empresas do subsetor
mecânico
4. Químico
5. Metalúrgico
6. Material de Transporte
6.1. Pólo de duas rodas
6.2. Outros
7. Produtos Alimentícios
8. Papel, Papelão e Celulose
9. Editorial e Gráfico
10. Madeira
11. Diversos
Total
Implantado
Em outra
No Distrito
área de
Industrial
Manaus
77
59
Em
implantação
Total
30
166
50
27
42
17
24
6
116
50
23
23
24
16
16
8
63
47
10
7
0
17
13
9
8
30
15
13
12
15
15
9
7
8
4
37
36
25
10
2
5
4
2
2
17
8
0
7
3
3
18
194
12
6
5
6
31
198
5
1
5
1
19
104
17
14
13
10
68
496
Fonte: Elaborada pelo autor, com base em SUFRAMA (2004b)
A representatividade do subsetor Eletroeletrônico está destacada também na
Tabela I.2, na qual é possível identificar que esse subsetor foi responsável por cerca de
55,0% do faturamento global da atividade industrial nos últimos 5 anos.
Essa tabela, que apresenta os 4 principais subsetores da ZFM, em faturamento,
destacados dos demais que compõem a atividade industrial, oferece uma perspectiva da
concentração do valor da produção: no ano de 2003, cerca de 72,7% do faturamento
global foi oriundo de apenas 2 subsetores (Eletroeletrônico e Duas Rodas).
Em termos do benefício social representado pela geração de empregos, esse
quadro praticamente se mantém (Tabela I.3). Os mesmos dois subsetores, liderando esse
indicador, são responsáveis pela geração de 61,9% dos empregos. Com exceção do
Termoplástico, presente também na tabela anterior, outros subsetores revezam-se nos
primeiros lugares, em termos de importância, na oferta de empregos.
12
TABELA I.2
PÓLO INDUSTRIAL DE MANAUS
FATURAMENTO POR SUBSETOR DE ATIVIDADE
Valores em US$ milhões correntes
1999
2000
2001
2002
2003
Subsetor
Valor (%) Valor (%) Valor (%) Valor (%) Valor (%)
Eletroeletrônico 3.948 54,7
5.944 57,2 4.917 53,9
4.865 53,4
5.812 55,2
Duas Rodas
Químico
Termoplástico
Outros
1.579 15,2 1.554 17,0
979 9,4
871 9,5
241 2,3
272 3,0
1.649 15,9 1.516 16,6
1.325 14,6
977 10,7
734 8,1
1.203 13,2
1.848 17,5
1.014 9,6
488 4,6
1.369 13,0
Total
1.070 14,8
628 8,7
158 2,2
1.412 19,6
7.216 100% 10.392 100% 9.130 100% 9.104 100% 10.531 100%
Fonte: Elaborada pelo autor, com base em SUFRAMA (2004a)
Excetuando-se a mão-de-obra terceirizada e temporária, os 57.159 trabalhadores
empregados pelo Pólo Industrial de Manaus, em média, no ano de 2003, receberam
salários mensais de US$ 17.451,6 mil, o que perfaz US$ 305,32 per capita. Este valor
sobe a US$ 693,18, no mesmo ano, quando incluídos, além de salários, os dispêndios
com encargos e benefícios.
Apesar da restituição de parcela do ICMS, variável com a natureza do
empreendimento com projeto aprovado pela Secretaria de Fazenda, o estado do
Amazonas alcançou R$ 1,9 bilhão em arrecadação de ICMS durante o ano de 2002
(SUFRAMA, 2003).
TABELA I.3
PÓLO INDUSTRIAL DE MANAUS
MÃO-DE-OBRA EMPREGADA POR SUBSETOR DE ATIVIDADE
Subsetor
1999
2000
2001
2002
2003
o
o
o
o
o
N
Eletroeletrônico 21.902
Duas Rodas
4.943
Termoplástico
2.572
Mecânico
274
Metalúrgico
1.102
Outros
12.302
Total
%
50,8
11,5
6,0
0,6
2,6
28,5
N
25.870
5.709
2.933
435
1.400
12.532
%
52,9
11,7
6,0
0,9
2,9
25,6
N
28.100
6.566
3.609
505
1.531
14.448
%
51,3
12,0
6,6
0,9
2,8
26,4
N
27.910
7.490
5.100
2.066
1.861
13.385
%
48,3
13,0
8,8
3,6
3,2
23,1
N
30.937
9.052
5.436
2.912
2.447
13.807
%
47,9
14,0
8,4
4,5
3,8
21,4
43.095 100% 48.879100% 54.759100% 57.812100% 64.591 100%
Fonte: Elaborada pelo autor, com base em SUFRAMA (2004a)
A amplitude da atividade industrial fez com que o Amazonas fosse responsável
por 59% de toda a arrecadação de impostos federais na 2a Região (que inclui ainda os
13
estados do Acre, Amapá, Pará, Rondônia e Roraima), tendo sido o oitavo maior estado
arrecadador de tributos federais dentre todos os estados da federação em 2002: R$ 2,7
bilhões em arrecadação de impostos para o governo federal (SUFRAMA, 2003),
caracterizando-se como um remetente líquido de recursos para a União, ou seja, o
volume de recursos transferidos para a União, por meio dos impostos arrecadados, é
maior que os recursos dela recebidos pelo estado (CORRÊA, 2002).
Até mesmo uma das principais desvantagens creditadas ao modelo, a
concentração da atividade econômica na capital, acaba resultando em benefício indireto
significativo. Manaus foi responsável por mais que 98,1% da arrecadação tributária do
estado, no período compreendido entre 1997 e 2000, o que se por um lado reflete a
frágil atividade econômica no interior, por outro transformou o Amazonas no estado que
tem a maior área percentual de seu território – estimada em 98% – ainda coberta por
vegetação original. Outros estados da região, em virtude de projetos centrados em
produção agrícola ou de exploração mineral, não lograram o mesmo nível de
preservação.
Essa importância alcançada, pelo setor industrial, em termos de sua participação
relativa na economia do estado do Amazonas, sinaliza que seus eventuais avanços e
retrocessos encontram correspondência direta em termos de repercussões na área social,
fortalecendo a idéia de se implementar ações que evitem possíveis conseqüências
negativas de uma desaceleração da atividade industrial – ou, melhor ainda, a própria
desaceleração – com a proximidade do fim dos incentivos fiscais.
Para materializar essa intenção, transformando-a em realidade, será necessária
uma mudança de atitude por parte de alguns dos agentes mais representativos da
sociedade local. A eficiência de uma postura pró-ativa, entretanto, depende de um maior
conhecimento da realidade subsidiando a tomada de decisão e a eleição de prioridades, e
isto complementa a argumentação em prol da multiplicação dos estudos, em acordo com
o que foi anteriormente sugerido. E na medida em que o tempo avança, percebe-se que
os desafios tornam-se maiores, e a própria realidade cresce em complexidade, conforme
será abordado na seção a seguir.
I.3.
CARACTERÍSTICAS
DA
CRESCENTE
COMPLEXIDADE
DA
ATIVIDADE INDUSTRIAL EM MANAUS.
Em mais de três décadas de funcionamento, os projetos industriais implantados a
partir do projeto Zona Franca de Manaus ocuparam integralmente os 1.700 hectares
14
originalmente reservados ao Distrito Industrial, o que demandou a sua ampliação física,
configurada na incorporação de uma área, contígua à original, com dimensão próxima a
5.700 ha, na qual os empreendimentos mais recentes têm se instalado.
Embora a localização da empresa na área física do Distrito Industrial não seja
obrigatória, essa opção acabou sendo adotada por aproximadamente a metade delas (194
dentre 392 projetos implantados, conforme está apresentado na Tabela I.1). Dos
primeiros projetos industriais aprovados em 1968 até hoje, já são contabilizados quase
2.000 projetos2.
A paulatina intensificação da atividade industrial, somada à ampliação da
diversidade dos subsetores representados e o seu crescente adensamento, trouxeram, de
forma associada, uma maior complexidade para a gestão do modelo.
Um reflexo dessa complexidade é a multiplicidade de iniciativas – programas,
políticas e ações – implementadas, em sua maioria, sem que fossem consideradas as
devidas articulações entre seus efeitos. A seguir estão relatados alguns exemplos,
compondo uma lista não exaustiva baseada na experiência individual do autor:
1. Implantação, a partir de 1976, de programas de substituição de componentes
importados por componentes de fabricação nacional (chamados Programas de
Nacionalização), nos quais as empresas deveriam alcançar índices numéricos
mínimos
estabelecidos
para
cada
produto,
denominados
Índices
de
Nacionalização – IN’s, calculados a partir do quociente entre os valores gastos
com componentes e outros insumos comprados no País e os valores
correspondentes às compras totais – somatório das compras realizadas tanto no
País quanto no exterior – utilizando para esse cálculo os valores FOB. Após
elaborado o Programa de Nacionalização, pela própria empresa, prevendo as
metas físicas, numéricas e temporais para a nacionalização de insumos e
componentes, a proposta era analisada e, depois de aprovada, passava a compor
um compromisso estabelecido e acompanhado pela Suframa. Essa sistemática
permitiu que a autarquia desenvolvesse competências técnicas associadas à
composição dos produtos fabricados, à identificação e desenvolvimento de
fornecedores nacionais para níveis mais elevados de desempenho, assim como a
2
O número de projetos supera o número de empresas anteriormente apresentado por diversas razões:
projetos correspondentes a empresas que não se implantaram, descontinuidade de atividades (falências ou
simples encerramentos de empreendimentos), cancelamentos por irregularidades, além do fato de que
qualquer alteração em um projeto já aprovado (novos produtos, alteração substantiva nos níveis de
produção ou de seus processos) implica na necessidade de aprovação de um novo projeto pela empresa.
15
aspectos da tecnologia de manufatura. Sob um certo ponto de vista, a imposição
da sistemática de Índices e Programas de Nacionalização contribuiu para
ampliar, nas empresas da ZFM, o domínio de tecnologias relacionadas ao
processo de fabricação, uma condição necessária à adoção de estágios mais
avançados de desagregação de componentes, partes e peças com os quais
começavam a lidar;
2. Estímulo a uma maior especialização da indústria local, concentrando a atenção
na
atração
de
empresas
aderentes
aos
subsetores
mais
relevantes
(eletroeletrônico, relojoeiro, duas rodas e ótico) que passaram a ser denominados
"pólos". Talvez essa tenha sido a tentativa pioneira de disciplinar e planejar a
atividade industrial, contida em um Plano Diretor elaborado em 1978, que
passou a nortear as ações da Suframa, e cujo conjunto de diretrizes pode ser
considerado um arcabouço de política industrial (SÁ et al., 1978). Além da
especialização, o Plano Diretor apresentava como principais elementos a serem
perseguidos: a verticalização da produção industrial; a harmonização dos ramos
industriais da ZFM com os já instalados no centro-sul do País (do qual a própria
seleção dos quatro subsetores pode ser considerada um reflexo); a absorção de
tecnologia; a intensificação do uso de fatores regionais na produção e a
reintegração progressiva da ZFM à normalidade tributária nacional;
3. Exigência de permanência, em Manaus, de um diretor qualificado para cada
empresa com projeto aprovado (formalmente denominado Diretor Residente),
que configurasse a existência de um interlocutor com autoridade para dialogar e
decidir junto aos órgãos locais. Estabelecida no início da década de 80, foi uma
conseqüência de dificuldades enfrentadas pela Suframa, na gestão do modelo
ZFM, em encontrar prontidão nas respostas das empresas às suas indagações, em
virtude do que vinha se caracterizando como um baixo nível de capacidade
decisória local;
4. Criação induzida de instituto tecnológico3 para dar suporte às empresas
industriais em termos de serviços especializados na área de engenharia,
particularmente aqueles relacionados à engenharia industrial e à substituição de
componentes importados (1982), o que talvez possa ser caracterizado como o
3
A Fundação Centro de Análise, Pesquisa e Inovação Tecnológica – Fucapi, embora criada sob
inspiração da Suframa, foi instituída pela Federação das Indústrias do Estado do Amazonas – Fieam e
pelo Centro da Indústria do Estado do Amazonas – Cieam.
16
esforço pioneiro de implementação de uma ação concreta voltada ao tratamento
da questão tecnológica, nesse primeiro momento centrado na ampliação das
atividades de engenharia;
5. Estímulo à realização de atividades locais de desenvolvimento de tecnologia, por
meio da vinculação da aprovação de projetos industriais incentivados – fossem
eles relacionados à implantação de novas empresas ou à modificação nos
padrões das já existentes – à implantação de laboratórios de P&D, uma
exigência estabelecida em 1983. Embora com resultados modestos, a iniciativa
induziu algumas empresas à realização de atividades de engenharia em Manaus,
voltadas à adaptação de projetos dos produtos oriundos de suas matrizes (ou dos
parceiros tecnológicos) às características do mercado nacional. Se, em senso
estrito, não podiam ser configuradas exatamente como atividades de P&D,
tiveram o mérito de iniciar uma demanda local por profissionais com maior
capacitação tecnológica;
6. Implantação de programas de substituição de componentes importados ou
nacionais por componentes de fabricação local (chamados Programas de
Regionalização), cujo objetivo – a integração vertical da produção local – pode
hoje ser interpretado, em uma linguagem atualizada, como uma tentativa de
adensamento local da cadeia produtiva, um esforço que se concentrou na
segunda metade da década de 80. A atração de empresas fabricantes de
componentes e insumos para Manaus, e os interesses por vezes conflitantes entre
essas empresas e os produtores de bens finais, que destacavam os problemas de
qualidade e custo dos fabricantes de componentes locais, preferindo manter suas
rotinas de compras de fornecedores já habilitados, instalados no sudeste ou
exterior, permitiu o acúmulo de uma experiência diferenciada, por parte da
Suframa, na articulação e mediação de interesses público-privados relacionados
à evolução da atividade industrial local;
7. Implementação da política de adoção dos chamados Processos Produtivos
Básicos – PPB’s, na qual os IN’s, cujas exigências de nacionalização baseavamse no valor das aquisições, foram substituídos pela indicação do conjunto
mínimo de atividades do processo produtivo, para cada tipo de produto, que
deveria ser realizado localmente pela empresa incentivada (a partir de 1991). Foi
uma conseqüência direta da política do governo federal de abertura do mercado
nacional, com a redução das alíquotas dos impostos de importação dos produtos
17
em geral, que retirava uma vantagem comparativa dos produtos fabricados na
Zona Franca de Manaus, e resultou em um dos mais críticos episódios para a
continuidade da atividade industrial local, com forte impacto na redução do
número de empresas e, principalmente, de empregos, nos anos que se seguiram;
8. A partir do final da década de 90, exigência legal de aplicação, pelas empresas,
na execução local de atividades de P&D, de percentual de seu faturamento com
a venda dos bens de informática que fabricam. Em proporção regulamentada
pela legislação, o valor global de cada empresa pode ser dividido entre
aplicações internas (ou seja, projetos desenvolvidos exclusivamente por suas
próprias equipes técnicas) e externas, nas quais a atividade de P&D deve, em um
percentual mínimo do total de recursos a serem aplicados pela empresa, ser
necessariamente demandada de instituições locais;
9. Também mais recentemente (a partir de 1998), tentativa de articular a formação
de alianças, parcerias e cooperações entre o setor produtivo e as instituições de
pesquisa, desenvolvimento e formação de recursos humanos, intermediadas pelo
setor público, como meio de se alcançar um novo patamar no processo de
desenvolvimento local, resultando na criação do Centro Tecnológico do Pólo
Industrial de Manaus (CT-PIM).
Esses diversos episódios, ainda que não deliberadamente articulados entre si a
partir de uma ótica de desenvolvimento local sustentável, exemplificam alguns dos
principais momentos vivenciados pela Suframa, em sua tarefa de administrar o modelo
ZFM, que historicamente conformaram a trajetória da atividade industrial local.
A eficácia dessa administração evidentemente esteve influenciada por condições
de contorno inerentes à realidade local, dentre as quais pode ser ressaltada a virtual
inexistência, anterior à ZFM, de uma cultura relacionada à atividade industrial. Isto
implicou não apenas em absoluta escassez de mão-de-obra treinada, inclusive no que
pertine à gerência de nível intermediário, para o setor privado, mas também de
profissionais habilitados à gestão de um complexo industrial como instrumento
propulsor de uma política de desenvolvimento, no caso do setor público.
A crise econômica vivida pelo País a partir dos choques do petróleo, na década
de 70, que estendeu a abrangência da política de substituição de importações até a ZFM,
resultando no seu contingenciamento, a partir do estabelecimento de quotas máximas
anuais autorizadas pelo governo central, um fato aparentemente incompatível com a
proposta original do modelo, se por um lado causou limitações à amplitude da atividade
18
industrial, por outro fez com que as empresas se tornassem mais seletivas em suas
importações, o que pode ser considerado um fator determinante de estímulo à
estruturação e evolução dessa mesma atividade.
Eventuais conseqüências negativas introduzidas por esses fatos históricos não
chegam a rivalizar com as dificuldades causadas por desarticulações entre os agentes
promotores das políticas setoriais do governo federal, que permitiram contínuos
confrontos entre alguns de seus ministérios, especialmente o Ministério do
Desenvolvimento, Indústria e Comércio (MDIC), e seus predecessores, em antagonismo
ao Ministério da Fazenda que, especialmente por meio da Secretaria da Receita Federal,
em diferentes momentos dificultou, e por vezes impediu, utilizando-se de portarias e
outros atos administrativos, o regular funcionamento da atividade industrial da ZFM,
causando retração e até mesmo fuga de capital empreendedor; ou mesmo ao Ministério
da Ciência e Tecnologia, especialmente durante a implementação da Política Nacional
de Informática, que drenou atenção e energias que poderiam ter sido canalizadas pela
liderança local para a tentativa de uma consolidação do desenvolvimento industrial.
Em meio a esse quadro, às dificuldades de gestão do modelo ZFM podem ser
acrescidos (i) o próprio conflito de interesses com as demais regiões do País, ancorado
em motivos como a balança comercial negativa frente ao esforço nacional em busca de
superávits; (ii) a disputa legítima por fábricas – e conseqüentemente empregos – de
outras regiões que também procuram atingir novos estágios na escalada de seu
desenvolvimento e (iii) a imagem negativa, da qual a ZFM tem dificuldade de
desassociar-se, vinculada a "contrabando" e "fábricas de apertar parafusos", que préestabelece uma posição desfavorável em qualquer fórum em que apresente suas
reivindicações.
A singular reunião de episódios aqui descrita, pelo menos em se tratando de um
projeto concebido para funcionar como uma zona franca, auxilia na caracterização da
complexidade que está intrinsecamente ligada ao caminho trilhado pelo modelo e, por
conseqüência, das dificuldades de sua gestão.
À margem da formulação de qualquer juízo de valor associado ao conjunto dos
resultados alcançados pelo modelo, interessa aqui refletir que as dificuldades
enfrentadas decerto demandaram da região a criação e o desenvolvimento de
determinadas competências que, em diferentes graus, foram sendo incorporadas por
seus diversos agentes, públicos e privados, com o passar dos anos.
19
A Suframa, na qualidade de principal gestora do projeto, pode ser considerada
como um exemplo para aquela assertiva. Na visão de alguns de seus componentes, a
instituição superou seu papel de administrar incentivos, incorporando, em um primeiro
momento, a função de promoção de investimentos e, mais recentemente, empreendeu
esforços em direção ao comércio internacional e à dimensão tecnológica, esta última
materializada na criação, em sua estrutura, de uma unidade organizacional
especificamente dedicada a esse fim (BOTELHO, 2004).
O encontro das pressões ambientais com a evolução na capacidade gestora talvez
tenha sido o combustível que motivou a Suframa a inserir, dentre as ações inscritas no
Plano Plurianual 2000/2003 do Governo Federal, o Programa Pólo Industrial de Manaus
(PIM), um momento que pode ser entendido como de quase "rebatismo" da Zona Franca
de Manaus.
A importância já reconhecida da atividade industrial assume, então, novos
contornos. À parte é conferido o status do todo, e PIM passa a ser livremente utilizado
como um quase-sinônimo para ZFM, este último reservado a partir de então a
documentos oficiais. Na interlocução com a sociedade em geral, de forma sistemática e
crescente, a autarquia utiliza a expressão Pólo Industrial de Manaus, um esforço para o
qual convida o setor privado, e é correspondida.
Uma leitura possível para essa postura aparentemente libertadora ressalta que o
esforço empreendido para fazer prevalecer a nova denominação comunica, ao mesmo
tempo, e por vias paralelas, pelo menos dois importantes fatos: (i) o reconhecimento do
desgaste histórico, pelos motivos já elencados anteriormente, amealhado pela "marca"
Zona Franca de Manaus e (ii) um salto qualitativo alcançado pela atividade industrial, já
que a partir de então passa a ser conjunta e definitivamente rotulada como Pólo.
Em relação ao desgaste histórico, a Suframa e o próprio governo estadual
anteriormente já haviam liderado iniciativas para a reversão dessa imagem. Campanhas
institucionais divulgadas em jornais de grande circulação do Sudeste e em redes
nacionais de televisão, além de diversas feiras promocionais dos produtos fabricados em
Manaus, várias delas realizadas em outros estados, procuravam esclarecer sobre a
realidade local, em contraposição à concepção interpretada como dominante na
sociedade brasileira, correspondente a fábricas com processos produtivos elementares –
quando existentes – e limitada agregação de valor. O selo "Produzido na Zona Franca de
Manaus" que, por força de Portaria da Suframa, era postado na embalagem de todos os
20
produtos ali fabricados desde o início da década de 80, foi igualmente substituído pela
nova mensagem "Produzido no Pólo Industrial de Manaus".
Mas é o segundo fato comunicado por essa mudança – o salto qualitativo da
atividade industrial – que está associado à inquietação que atua como elemento
motivador para este trabalho de pesquisa.
A par da experiência singular relacionada à implantação do projeto Zona Franca
de Manaus, e da riqueza de sua trajetória, o próprio ambiente em que esta se insere
talvez tenha sido um fator limitante para que, com o passar dos anos, estivesse
disponível uma maior quantidade de estudos relacionados às diversas dimensões de sua
dinâmica, de modo a aprofundar a compreensão de suas fragilidades e potencialidades.
A sensação de que ocorreu uma determinada evolução deve ser enriquecida por estudos
cuja contribuição seja ampliada e compartilhada com aqueles que, profissional ou
socialmente, sentem sua responsabilidade diretamente imbricada à realidade do modelo.
Sob que delimitações este trabalho pretende contribuir para uma maior
compreensão da atividade industrial em Manaus, considerando sua importância para a
economia do Amazonas e a necessidade de identificar e implementar caminhos
sustentáveis para o desenvolvimento regional, em um ambiente de incentivos fiscais
com prazo determinado, é o escopo do que será apresentado no Capítulo II, a seguir.
21
II. CARACTERIZAÇÃO DA PROBLEMÁTICA E DOS ELEMENTOS DA
PESQUISA.
A pujança econômica refletida nos números da atividade industrial da Zona
Franca de Manaus – ZFM, apresentados em conjunto com uma síntese da evolução do
ambiente local, no Capítulo I deste trabalho, deve ter seu significado avaliado com
cautela. Conforme discutido, ela não se constitui, isoladamente, em condição suficiente
para a sustentabilidade futura de uma indústria local, especialmente quando se considera
sua relação de estreita dependência dos incentivos fiscais.
Embora não seja possível antecipar com absoluta certeza, é bastante razoável
supor que, no caso de descontinuidade dos incentivos, a conseqüente elevação dos
custos de produção, aliada à desvantagem da grande distância dos principais mercados
consumidores, em grande medida provocariam o deslocamento de fabricantes para
outros centros industriais no país ou exterior.
Mas essa talvez seja uma visão simplista. Sob outra perspectiva, esse mesmo
tamanho da atividade econômica pode se constituir em uma robusta plataforma para a
estruturação das próximas etapas de uma política que, capitaneada pelas esferas
governamentais, tenha por eixo condutor a sustentabilidade. Uma tal pré-condição pode
ser encontrada quando se reúnem a um só tempo elementos como a existência de vários
subsetores da atividade econômica; um conjunto de experiências acumuladas nas esferas
pública e privada; a diversidade institucional caracterizada na presença de distintos
agentes econômicos atuando; a disponibilidade de recursos públicos arrecadados a partir
do funcionamento da própria atividade produtiva já existente; e, talvez como uma
conseqüência dessa estrutura social, uma postura que pode ser preliminarmente
traduzida como uma crescente maturidade da sociedade local, revelada pela
demonstração de sua maior capacidade de mobilização.
Conforme discutido, a experiência da ZFM é peculiar, única, construída tendo
como ponto de partida um ambiente associado a uma cultura industrial local mínima, e
em que se sucederam intervenções e pressões externas de diferentes naturezas que, mais
importante que delimitarem a trajetória de seu desempenho, representam um acúmulo
de competências ainda não apropriadamente avaliadas.
Lidar com os episódios de crise e as oportunidades de crescimento que se
apresentaram nestas pouco mais de três décadas de efetiva existência de uma indústria
incentivada transformou – em maior ou menor intensidade – o ambiente local. De uma
22
certa forma seria equivocado, portanto, considerar que o estado atual do ambiente
industrial local guarda proximidade com aquele correspondente ao momento em que foi
iniciada a implantação do modelo.
A compreensão das fragilidades e limitações de um crescimento econômico
baseado em incentivos fiscais, segundo as características do modelo que foi
implementado, e especialmente das eventuais evoluções alcançadas, é uma tarefa que
para ser adequadamente realizada necessita contabilizar a experiência acumulada na
região (ou, de uma forma reducionista, pelo menos na cidade de Manaus) no desenrolar
deste processo. É uma condição recomendável para a abordagem, em uma perspectiva
mais ampla, da transformação conceitual da ZFM em PIM (Pólo Industrial de Manaus),
e da existência ou não de elementos que dêem suporte a essa postura e possam se
transformar na base para as demandas futuras da sociedade para com o modelo.
Como uma conseqüência imediata, sobressai a necessidade de ser aprofundada a
compreensão da dinâmica da atividade industrial na ZFM e do seu nível de consistência
em relação a uma desejável independência crescente dos incentivos fiscais, para a qual
existe um amplo espaço de contribuição reservado à natureza e intensidade das relações
entre os agentes socioeconômicos locais.
II.1. A TEMÁTICA DA CAPACITAÇÃO LOCAL NA LITERATURA
RECENTE RELATIVA À ATIVIDADE INDUSTRIAL DA ZONA FRANCA
DE MANAUS.
Mesmo a despeito do rico laboratório que representa, e de sua importância para a
economia local, ainda pode ser considerado pequeno o acervo de estudos críticos que
tenham como objeto central o modelo incentivado da Zona Franca de Manaus.
As primeiras reflexões, provavelmente estimuladas pelos desafios iniciais
enfrentados pela ZFM, ocorreram ainda na década de 704. A maioria contou com a
contribuição de profissionais externos à região, mesmo quando a coordenação do
trabalho era local, uma característica que, embora por si só não tenha conotação
negativa, constata que, naquele momento, a dependência de capital intelectual externo,
oriundo ou radicado em outras regiões, não se configurava apenas na ocupação dos
cargos técnicos e gerenciais no ambiente fabril.
4
A natureza desta pesquisa limita os comentários da seção às contribuições mais recentes. Argumentos e
pontos de vista apresentados em avaliações pioneiras podem ser encontrados em SÁ (1978; 1984),
ANCIÃES (1980), BENCHIMOL (1980), RAMOS (1983) e BENCHIMOL (1988).
23
Embora observações sobre a fragilidade do modelo já fossem apresentadas
nesses trabalhos pioneiros, a compreensão de sua dinâmica, em um nível que permita
uma ação de política efetiva, é uma perspectiva ainda tratada de forma insuficiente, até a
presente data.
A quantidade de estudos mais aprofundados, que ultrapassem a dimensão
genérica das condições macroeconômicas ou das repercussões sociais do modelo, e
sejam capazes de orientar a implementação de ações em direção à sustentabilidade,
historicamente tem recebido menor atenção da sociedade que os esforços políticos
empreendidos para manter a continuidade do modelo a partir da mera prorrogação de
incentivos.
Desde essas primeiras avaliações, as críticas ressaltam como um elemento
negativo relevante o frágil enraizamento (ou inserção) local da indústria incentivada,
suportadas pela lícita argumentação de que os empreendimentos são constituídos a
partir de capital e tecnologia exógenos, nos quais a utilização de produtos regionais é
marginal. Esta configuração caracterizaria uma alta volatilidade para o conjunto da
indústria, ou seja, na ausência do incentivo, a indústria local teria pouca motivação para
continuar existindo.
Por outro lado, seria irreal imaginar que o quadro atual é o mesmo daqueles
momentos iniciais, e que nenhum avanço foi obtido durante o período de existência da
ZFM. A crítica responsável, para ser consistente, deve estar refinada pela contabilização
da própria experiência acumulada com a implantação do modelo. Identificar o grau
desse avanço, aprofundando a compreensão da formação de uma possível identidade
local para a indústria, ao mesmo tempo em que se apresenta como um desafio, torna-se
uma etapa fundamental para entender e acelerar o grau de enraizamento. Essa é uma
perspectiva de contribuir para a ampliação do desenvolvimento local que apenas agora
começa a ser explorada com o nível de profundidade que as circunstâncias requerem.
A necessidade de se buscar uma capacitação endógena é um dos elementos
recorrentes na produção intelectual de BOTELHO (1996, 2001, 2004) que, há duas
décadas compondo o quadro técnico da Suframa, é um dos poucos que compartilha, de
forma mais ampla, e com alguma continuidade, suas observações reflexivas sobre –
principalmente – os "desencontros" do modelo.
24
Na contribuição desse autor é possível observar com determinada freqüência a
associação do modelo ao conceito de economia de enclave5, caracterizando a atividade
industrial da ZFM por sua impulsão a partir de fatores exógenos, dentre os quais destaca
capital e tecnologia. Atraídos por vantagens competitivas que denomina estáticas, esses
fatores conformariam um ambiente em que o lucro retorna aos donos do capital, com
poucos benefícios gerados localmente, uma vez que sua maioria é de residentes em
outras regiões. Como reflexo associado a essa condição, destaca ainda que, no âmbito
da competência instalada em Manaus, existiria uma assimetria entre o conhecimento
utilizado pelas empresas incentivadas e aquele dominado pela academia local
(BOTELHO, 2001 e 2004, especialmente às p. 110-1), o que certamente seria um
elemento restritivo importante para o fortalecimento das relações da indústria com o
ambiente em que fisicamente se insere.
Especialização industrial e interiorização do desenvolvimento são dois dos
elementos mais freqüentemente abordados na contribuição desse autor. O primeiro, a
especialização, é uma expectativa já apresentada pelos pioneiros estudos avaliativos da
ZFM, realizados sob demanda da própria Suframa, e que acabaram por resultar na
criação dos chamados "Pólos", que orientaram a sua atuação na atração de novas
empresas, privilegiando subsetores específicos (eletroeletrônico, duas rodas, ótico e
relojoeiro), o que de uma certa forma constituiu-se, na prática, em um instrumento de
política industrial; o segundo elemento, a interiorização do desenvolvimento, é
defendido a partir da desconcentração espacial dos empreendimentos implantados –
historicamente centrados na cidade de Manaus – e que, se construído a partir de
empreendedores locais, calcado no fortalecimento de uma indústria que utilize a
matéria-prima e o potencial regional, funcionaria como um pilar para o
desenvolvimento endógeno, em bases sustentáveis (BOTELHO, 1996, especialmente às
p. 91-2 e 142-4).
Alicerçado em experiência acumulada a partir do exercício de funções de relevo
na própria Suframa, além de uma participação contínua na academia local, outro autor
que recentemente registrou em parte essa percepção é SALAZAR (2004). Abordando o
desenvolvimento a partir de elementos de suas dimensões social e econômica, seu
trabalho ressalta a importância da atividade industrial incentivada de Manaus para a
5
Sempre desempenhando um papel de contraponto à tendência do discurso de pleno êxito do modelo,
trazendo à discussão principalmente os seus efeitos negativos, em sua mais recente contribuição o autor
25
Amazônia Ocidental, mas inclui a visão pessoal, oferecendo alternativas para a
perspectiva de contornar os problemas apresentados pelo condicionamento do
desenvolvimento aos incentivos fiscais.
Em mais de um momento, esse autor também aborda a distorção da não retenção
local de significativa parcela da renda gerada com a atividade industrial, ressaltando
inexistirem mecanismos que estimulem – ou até obriguem – o reinvestimento, na
própria região, dos lucros oriundos da atividade incentivada, categorizando essa
característica como um dos maiores entraves ao êxito do projeto ZFM (SALAZAR,
2004, p. 304 e 354). O reinvestimento local dos lucros, portanto, seria uma alternativa
para aprofundar o que denomina de integração produtiva – ou enraizamento – que,
sugere, poderia ser obtido a partir da criação de um fundo especial, autônomo,
parcialmente capitalizado com recursos do setor privado incentivado, destinado a apoiar
programas e projetos regionais.
Na síntese de sua contribuição, o autor enuncia o que considera as premissas
para uma nova política para a atividade industrial de Manaus (SALAZAR, p. 349-51):
definição e criação de clusters sinérgicos para o fortalecimento da cadeia produtiva
local; desenvolvimento de recursos humanos e promoção de pesquisa para o domínio de
tecnologias avançadas como fator de atração de novos investimentos; elaboração de
políticas e ordenamento de incentivos para a realização de investimentos na implantação
de um pólo de componentes; fortalecimento e ampliação do papel da Suframa. Com
base nessas premissas, propõe um programa de consolidação que contribua para o
desenvolvimento sustentável, a partir do estabelecimento das seguintes prioridades: 1)
fortalecimento das exportações com base na modernização da infra-estrutura; 2)
incentivo à agroindústria da soja, complementada por uma política de exploração de
minerais; 3) criação de um pólo petroquímico a partir do petróleo e gás natural; 4)
fortalecimento das instituições de pesquisa e dos centros regionais de ciência e
tecnologia nos campos da biotecnologia, microeletrônica e da inovação tecnológica
industrial (SALAZAR, 354-8).
A inovação tecnológica como conseqüência do estabelecimento de uma
capacitação local, citada dentre as prioridades propostas por esse autor, é um tema que
apenas recentemente vem ganhando relevância na agenda pública, a partir de uma maior
disseminação do conceito por entre algumas instituições governamentais – Suframa e a
admite que o projeto ZFM tem se tornado cada vez menos um modelo de enclave, citando exemplos do
que considera avanços, para assim defender a evolução de seu ponto de vista (BOTELHO, 2004, p. 110).
26
recém criada Secretaria de Ciência e Tecnologia do Estado do Amazonas, especialmente
– bem como em instituições de ensino e pesquisa.
Um exemplo dessa importância é uma demanda estabelecida por organizações
locais6 que resultou na realização de um estudo sobre as competências tecnológicas da
indústria instalada em Manaus. ARIFFIN e FIGUEIREDO (2003) conduziram pesquisa
para avaliar o estabelecimento de competências técnicas, organizacionais e gerenciais
nessa indústria, considerando ser esse um pressuposto para a inovação contínua de
produtos e serviços, uma capacidade essencial para a competitividade de uma empresa.
Nesse estudo, os autores realizam uma comparação entre as indústrias eletrônicas
instaladas em Manaus e na Malásia, procurando centrar a análise a partir do enfoque de
economias emergentes, nas quais é relativamente comum que um negócio local inicie
tendo por base uma tecnologia adquirida de empresas originárias de outros países.
No referido estudo, o progresso, em termos de desenvolvimento tecnológico, é
avaliado segundo (i) a evolução da capacidade tecnológica rotineira em direção a níveis
progressivamente mais elevados de capacidade criativa e inovadora, e (ii) a evolução, na
fabricação, em direção a produtos cada vez mais complexos e de maior valor.
A partir de referências da literatura especializada no campo da inovação, os
autores elaboram uma estrutura de mensuração baseada em uma matriz bidimensional,
na qual está apresentada uma tipologia classificando os diferentes níveis e tipos de
capacidade tecnológica, configurando um modelo desenvolvido sob medida para a
indústria eletrônica (ARIFFIN e FIGUEIREDO, 2003, p. 70-2).
Na referida matriz, a capacidade de cada empresa, segundo a dimensão tipo, é
avaliada a partir de sua decomposição em competências, classificadas em quatro
grandes grupos, que correspondem a: (1) gestão de projetos, (2) equipamento,
ferramentaria, prensagem em metal, moldagem em plástico, (3) processos e organização
da produção e (4) produtos. Para cada um desses grupos é relacionado um universo de
possíveis capacidades para as quais, em função da pesquisa de campo realizada, foi
identificada, individualmente, nas empresas da amostra, a presença ou ausência de cada
uma dessas capacidades. Por exemplo, no grupo "produtos" estão relacionadas mais de
25 diferentes capacidades, que evoluem da inspeção de qualidade de entrada, abrangem
o design de novos produtos e, no "limite" do que seria a capacitação para esse grupo,
6
O estudo foi apoiado pelas seguintes instituições: Superintendência da Zona Franca de Manaus
(Suframa), Centro da Indústria do Estado do Amazonas (Cieam), Fundação Centro de Análise, Pesquisa e
27
avançam até a execução de atividades de pesquisa e desenvolvimento em novos
materiais.
Na dimensão nível da matriz estão apresentados os diferentes níveis de
capacidade passíveis de serem alcançados pelas empresas, variando entre as seguintes
categorias: aquelas que dominam apenas operações básicas (subdivididas nos níveis 1 e
2), as que avançam até a inovação básica (nível 3), as que alcançam a inovação
intermediária (nível 4) e as mais evoluídas, com capacidade para realizar inovação
avançada (nível 5) ou, no topo da pirâmide, que apresentam capacidade inovadora
baseada em pesquisa (nível 6).
A identificação da existência de determinado conjunto de práticas, em cada um
dos grupos da dimensão tipo, permite a classificação do estágio mais adequado em que
se encontra a empresa, segundo a dimensão nível.
Essa decomposição é útil na compreensão e inferência sobre os diferentes
estágios evolutivos intermediários alcançados pela indústria, contribuindo na avaliação
de como as empresas se deslocam entre as várias categorias de atividade inovadora,
conformando a sua trajetória de construção de competências tecnológicas. Em termos de
países e regiões em desenvolvimento, é uma abordagem que apresenta evidentes
vantagens frente à forma tradicional de identificar a existência de uma competência,
tomando-se como referência, por exemplo, a avaliação realizada a partir do número de
patentes obtidas, que induz à confrontação dicotômica.
Como principal conclusão do estudo, foi identificado o desenvolvimento de
capacidade tecnológica inovadora em 93% das 29 empresas da amostra, sendo que,
dentre estas, 24% situaram-se no nível de capacidade tecnológica classificada como de
inovação avançada (nível 5). Empresas situadas neste nível têm capacidade para ir além
de usar e operar tecnologias existentes, podendo gerar e administrar mudanças
tecnológicas. Em contrapartida, apenas 7% permaneceram limitadas às operações
básicas, mesmo assim situadas no nível 2 (ARIFFIN e FIGUEIREDO, 2003, p. 87).
Segundo os autores, o resultado do estudo oferece evidências que sugerem que a
internacionalização – ou disseminação – de competências tecnológicas tem ocorrido na
indústria eletrônica em Manaus. De uma certa forma, isto fortalece a argumentação
quanto ao aprendizado que vem sendo alcançado pela indústria local.
Inovação Tecnológica (Fucapi) e Instituto Superior de Administração e Economia do Amazonas
(Isae/FGV).
28
O trabalho também inclui uma avaliação da natureza de como se dá o processo
de aprendizagem nas empresas estudadas. Nesse caso, os autores decompõem os
mecanismos de aprendizado em duas categorias, interorganizacionais e intraorganizacionais. Para o caso do aprendizado interorganizacional, concluem que mais de
90% das empresas da amostra mantêm vínculos para produção (passagem gradual de
produtos simples para produtos mais complexos) e inovação (desenvolvimento de
atividades tecnológicas cada vez mais complexas) (ARIFFIN e FIGUEIREDO, 2003, p.
120); no aprendizado intra-organizacional, os processos para desenvolvimento de suas
próprias capacidades tecnológicas foram avaliados segundo os aspectos variedade,
intensidade e funcionamento, deixando transparecer, com base em elementos
qualitativos, uma evolução ampla alcançada nos indicadores, quando confrontado o
desempenho nos anos 1980 com o correspondente nos anos 1990 (ARIFFIN e
FIGUEIREDO, 2003, p. 125-8).
Portanto, os trabalhos aqui comentados, se colocados na sucessão histórica de
sua realização, ao serem comparados com os estudos pioneiros sobre o modelo ZFM,
sinalizam um aprofundamento no conteúdo das contribuições, caracterizando uma maior
preocupação com o estabelecimento de uma capacitação local que possa dar sustentação
a um processo de desenvolvimento continuado.
A discussão ao redor dessa temática, além de apresentar um potencial
significativo para avançar na compreensão da dinâmica da atividade industrial
incentivada, acrescenta novos elementos que estimulam a participação de um maior
número de pesquisadores e estudiosos em geral.
II.2. DELIMITAÇÃO DO OBJETO DE PESQUISA.
II.2.1. A ESCOLHA DE UM SUBCONJUNTO PARA ANÁLISE.
Conforme abordado, em anos recentes, no processo de desenvolvimento local da
cidade de Manaus, o conceito Zona Franca cede espaço à terminologia Pólo Industrial.
A mudança descortina o amplo e rico laboratório que o modelo representa, ensejando a
realização de estudos que aprofundem a compreensão de sua dinâmica.
Essa é uma perspectiva particularmente favorável no que diz respeito à atividade
industrial incentivada, que praticamente corresponde ao próprio universo representado
pelo conjunto da indústria no Amazonas, e que por sua vez é responsável por 61% da
composição do PIB do estado (ver Gráfico I.2). Tamanha representatividade justifica a
expansão das reflexões relativas ao nível de inserção dessa indústria, considerando que
29
sejam capazes de contribuir para a estruturação de políticas públicas voltadas ao
interesse de ampliar, de modo fundamentado, a sustentabilidade do desenvolvimento
econômico, o que inclui o tratamento de toda a complexidade associada à ambição pela
progressiva independência dos incentivos fiscais.
Conforme visto na seção anterior, os estudos mais recentes sobre a atividade
econômica local iniciam um aprofundamento da discussão sobre a evolução da indústria
ao introduzir temáticas como a identificação de competências tecnológicas já
estabelecidas, a prática da inovação e a natureza do aprendizado inter e intraorganizacional.
Tendo como premissa a importância dessas questões frente à sustentabilidade,
este trabalho de pesquisa insere-se no esforço de ampliar a discussão, procurando
oferecer novos elementos que caracterizem a dinâmica das empresas, de modo a auxiliar
na construção de uma agenda de interesse social que discuta um modelo futuro de
desenvolvimento.
Apresentado o contexto, em sua forma mais ampla, cabe estabelecer os limites
associados ao desafio, inclusive no que diz respeito ao universo das empresas
abrangidas, considerando a complexidade que seria tratar toda a indústria incentivada.
As Tabelas II.1 a II.5 apresentam os dados que justificam a opção realizada quando da
escolha do conjunto para análise.
A Tabela II.1 reproduz os dados de faturamento global da atividade industrial
incentivada em Manaus, nos últimos cinco anos, discriminando os dois maiores
subsetores. Em resumo, os dados confirmam a importância econômica dos subsetores
TABELA II.1
PÓLO INDUSTRIAL DE MANAUS
FATURAMENTO ANUAL DOS PRINCIPAIS SUBSETORES
Valores em US$ milhões correntes
PIM
Eletroeletrônico
Duas Rodas
Ano
(C
=
100%)
A
A/C (%)
B
B/C (%)
1999
3.948,4
54,7
1.070,9
14,8
7.216,7
2000
5.944,5
57,2
1.579,4
15,2
10.392,6
2001
4.917,5
53,9
1.554,7
17,0
9.130,8
2002
4.865,5
53,4
1.325,8
14,6
9.104,7
2003
5.812,1
55,2
1.848,8
17,6
10.531,2
Total
25.488,0
55,0
7.379,6
15,9
46.376,0
Fonte: Elaborada pelo autor, a partir de SUFRAMA (2004a)
30
Eletroeletrônico e Duas Rodas que, conjuntamente, foram responsáveis por 70,9% do
faturamento global da indústria incentivada, no correspondente ao acumulado do
período 1999-2003.
Um número igualmente significativo é observado quando se avalia a
participação desses subsetores na mão-de-obra total empregada (Tabela II.2). A
representatividade conjunta correspondeu a 61,6% da média mensal de empregos
gerados no PIM em 2003 e 63,9% da massa salarial; se considerados os encargos e
benefícios proporcionados aos trabalhadores, este número é ainda um pouco maior,
alcançando 65,5% do total.
TABELA II.2
PÓLO INDUSTRIAL DE MANAUS
MÃO-DE-OBRA, SALÁRIOS E DISPÊNDIOS EM 2003
Eletroeletrônico
Duas Rodas
Mão-deobra*
(A)
26.686
8.548
PIM
57.159
Subsetor
Salário Mensal
(US$ 103 correntes)
(B)
(B/A)
8.127,5
304,56
3.032,4
354,75
17.451,6
Dispêndios Mensais**
(US$ 103 correntes)
(C)
(C/A)
17.887,1
670,28
8.065,2
943,52
305,32
39.621,5
693,18
Fonte: Elaborada pelo autor, com base em SUFRAMA (2004a)
* Média mensal, excetuando mão-de-obra terceirizada e temporária
** Inclui, além de salários, encargos e benefícios
A dimensão da participação relativa desses dois subsetores motivou a sua
seleção para a base do estudo. O nível de faturamento e o volume de empregos gerados,
entretanto, não são os únicos elementos que justificam essa escolha. Alguns dados
adicionais disponíveis apontam para importantes diferenças entre os dois subsetores,
quando se tem como preocupação aprofundar a compreensão sobre o enraizamento da
atividade produtiva, o que pode ser comentado a partir do conteúdo das tabelas e do
gráfico seguintes.
A Tabela II.3 apresenta os valores agregados das compras e vendas realizadas
pelo conjunto da atividade industrial incentivada, no PIM, nos últimos 5 anos, de acordo
com a origem geográfica das transações (compras dos insumos ou faturamento com as
vendas). Nessa e nas tabelas seguintes, de acordo com terminologia utilizada pela
Suframa, 'Regional' é o espaço geográfico correspondente à Amazônia Ocidental,
'Nacional' abrange as transações ocorridas com os demais estados do território brasileiro
(afora os que compõem a Amazônia Ocidental) e 'Exterior' reúne os valores
correspondentes a transações efetuadas com outros países.
31
A estratificação do dado por região geográfica é possível porque existem
mecanismos de controle informatizados, implementados pela Suframa, a partir dos quais
a autarquia monitora a entrada e saída de mercadorias incentivadas em toda a Amazônia
Ocidental, o que compõe parte de suas responsabilidades na fiscalização das operações
industriais.
TABELA II.3
PÓLO INDUSTRIAL DE MANAUS
AQUISIÇÃO DE INSUMOS E FATURAMENTO, POR ORIGEM
Valores em US$ milhões correntes
Aquisição de Insumos
Faturamento
Ano Regional Nacional Exterior Total Regional Nacional Exterior Total
(A)
(B)
(C) (A+B+C)
(D)
(E)
(F) (D+E+F)
1999
811
938
2.141
3.890
1.111
5.729
375
7.215
2000 1.249
1.221
3.025
5.495
1.800
7.850
741 10.391
2001 1.215
1.041
2.701
4.957
1.682
6.619
829
9.130
2002 1.372
990
2.583
4.945
1.610
6.468
1.025
9.103
2003 1.777
1.076
3.223
6.076
1.909
7.396
1.224 10.529
Fonte: Elaborada pelo autor, a partir de SUFRAMA (2004a)
Segundo os dados disponíveis, a origem Regional dos insumos adquiridos por
todo o PIM iniciou com uma participação relativa de 20,8% das compras totais, em
1999, evoluindo até 29,2% em 2003, o que representa mais que o dobro, considerando
os valores absolutos correntes, do número inicial. A origem Regional de insumos parte
de uma posição inferior para superar, durante o período observado, as compras de
origem Nacional, uma diferença que, na comparação direta, em 2003, é superior a 65%.
As compras de origem Nacional regrediram de 24,1% para 17,7% do total de
aquisições, no período observado. As compras no exterior apresentam participação
percentual com alteração pouco significativa nos 5 anos, alcançando uma média de
53,9% das compras totais, e demonstrando uma grande dependência da indústria
incentivada em relação a insumos de origem externa. Isto dá margem à interpretação de
que houve um relativo deslocamento das compras globais do PIM, da origem Nacional
para a Regional, o que corresponderia a um maior número de interações locais, com
possíveis repercussões na dinâmica do ambiente industrial.
Por outro lado, ainda na Tabela II.3, a avaliação da dimensão do faturamento
indica um menor avanço na importância relativa da região como mercado para os
produtos do PIM. A evolução da participação do faturamento Regional, inicialmente
situada em 15,4% (1999), atinge 18,1% em 2003. No caso do Faturamento, o número
32
mais significativo corresponde ao aumento das vendas para o mercado externo, em nível
equivalente a 226,4% no período, um dado que reflete ações de fomento às exportações
que vêm sendo implementadas pela Suframa em anos recentes.
As Tabelas II.4 e II.5, com estrutura similar à Tabela II.3, ressaltam os dados
correspondentes aos subsetores Eletroeletrônico e Duas Rodas, respectivamente. Na
avaliação comparativa dos dados apresentados nessas duas tabelas é possível encontrar
argumento adicional para justificar a escolha desses dois subsetores para a realização da
pesquisa.
TABELA II.4
PÓLO INDUSTRIAL DE MANAUS
SUBSETOR ELETROELETRÔNICO – AQUISIÇÃO DE INSUMOS E
FATURAMENTO, POR ORIGEM
Valores em US$ milhões correntes
Aquisição de Insumos
Faturamento
Ano Regional Nacional Exterior Total Regional Nacional Exterior Total
(A)
(B)
(C) (A+B+C) (D)
(E)
(F)
(D+E+F)
1999
382
472
1.521
2.375
446
3.372
129
3.947
2000
696
586
2.238
3.520
890
4.746
307
5.943
2001
665
456
1.909
3.030
763
3.681
472
4.916
2002
748
355
1.857
2.960
587
3.510
767
4.864
2003
948
270
2.435
3.653
727
4.208
875
5.810
Fonte: Elaborada pelo autor, a partir de SUFRAMA (2004a)
Embora com um crescimento significativo de 148% para o período, o subsetor
Eletroeletrônico apresenta um volume de apenas 22,1% de compras regionais, em
relação ao total de compras realizado pelo subsetor (Tabela II.4), um valor relativo
inferior ao desempenho agregado do PIM; o mesmo indicador, para o subsetor Duas
Rodas, corresponde a 45,4% (Tabela II.5).
Em termos comparativos, isto significa que as compras regionais têm o dobro de
representatividade relativa, em favor do subsetor Duas Rodas, quando seu desempenho
é confrontado com o do Eletroeletrônico. Embora situado em patamar inferior, o
faturamento com a venda de produtos para o mercado regional apresenta também um
quadro com características similares, com vantagem em favor do subsetor Duas Rodas:
23,8%, no período, contra 13,4% para o subsetor Eletroeletrônico.
Mas se o faturamento é dependente do tamanho do mercado, e o mercado do
PIM, conforme exposto, está em grande parte localizado na região sudeste do País, a
importância comparativa das compras locais ganha destaque. Os números percentuais
apresentados pelos dois subsetores sugerem uma diferença na intensidade das relações
33
locais e, supostamente, do comportamento de seus agentes, o que potencializa distinções
na intensidade da inserção local.
TABELA II.5
PÓLO INDUSTRIAL DE MANAUS
SUBSETOR DUAS RODAS – AQUISIÇÃO DE INSUMOS E
FATURAMENTO, POR ORIGEM
Valores em US$ milhões correntes
Aquisição de Insumos
Faturamento
Ano Regional Nacional Exterior Total Regional Nacional Exterior Total
(A)
(B)
(C) (A+B+C) (D)
(E)
(F) (D+E+F)
1999
321
204
193
718
289
737
44
1.070
2000
411
272
309
992
380
1.132
66
1.578
2001
434
283
272
989
399
1.080
74
1.553
2002
472
281
239
992
165
1.069
91
1.325
2003
594
346
284
1.224
525
1.184
138
1.847
Fonte: Elaborada pelo autor, a partir de SUFRAMA (2004a)
A evolução dos últimos 5 anos para esse dado está comparada no Gráfico II.1,
que resume o ponto relevante identificado na diferença de comportamento entre os dois
subsetores privilegiados, e é capaz de creditar ao Duas Rodas um maior nível de
integração local da atividade produtiva.
GRÁFICO II.1
PÓLO INDUSTRIAL DE MANAUS
PARTICIPAÇÃO PERCENTUAL DOS INSUMOS DE ORIGEM
REGIONAL NAS AQUISIÇÕES TOTAIS
% 55,0
45,0
35,0
25,0
15,0
1999
2000
2001
2002
2003
PIM
20,8
22,7
24,5
27,7
29,2
Eletroeletrônico
16,1
19,8
21,9
25,3
26,0
Duas Rodas
44,7
41,4
43,9
47,6
48,5
Fonte: Elaborado pelo autor, a partir de SUFRAMA (2004a)
Aprofundar a compreensão das semelhanças e diferenças relativas às dinâmicas
que caracterizam esses dois subsetores, é uma forma de contribuir para o debate de
questões relacionadas à capacidade e enraizamento do próprio PIM.
34
É evidente que a intensificação dos negócios realizados em um nível regional
pressupõe uma série de fatores que contribuem para uma maior inserção da indústria
local e, de modo associado, para a possibilidade de aceleração do aprendizado e da
capacitação.
De forma mais geral, pode ser dito que as capacitações técnica e gerencial –
incluindo um incremento na autonomia para decidir – tendem a ser ampliadas na
medida em que aumenta a intensidade das transações locais.
Um maior nível de compras de insumos só é possível se existirem fornecedores
instalados; esses fornecedores, em função do porte e exigências de desempenho
demandadas por seus clientes – vários deles empresas transnacionais – necessitam
atender a especificações e padrões de trabalho internacionais; isto leva à necessidade de
adotar, em seus procedimentos operacionais, práticas de classe mundial, com o
conseqüente desenvolvimento de mão-de-obra com maior nível de especialização; com
isso, as empresas envolvidas tenderiam a ampliar seu aprendizado, à medida de sua
inserção nas cadeias globais de manufatura.
Resumindo, há uma potencial influência do volume de transações regionais (aqui
representado através do somatório das aquisições e faturamento regionais comparado ao
somatório total das aquisições e faturamento) na dinâmica das relações locais, com
capacidade de causar, a partir da integração da atividade produtiva, uma repercussão
positiva pelo estabelecimento de maiores níveis de capacitação e aprendizado.
As interações entre os agentes, por sua vez, representam um elemento
importante para a capacidade competitiva em bases endógenas, um indicador da
sustentabilidade da atividade econômica de natureza industrial. A variedade e a
intensidade das interações podem ser determinantes para o avanço do aprendizado local,
o que justifica o aprofundamento na análise do seu comportamento, nos dois subsetores
principais.
A investigação para a compreensão da dinâmica das interações locais entre os
agentes desses dois subsetores, procurando explicitar suas semelhanças e diferenças é,
portanto, o ponto de partida para a delimitação do trabalho de pesquisa. Como o
interesse está voltado para a avaliação de um ambiente propício ao desenvolvimento
sustentável, a partir do aprendizado possível de ser ampliado pela integração local da
atividade produtiva, a perspectiva adotada é a das interações que tenham como
característica uma relação cooperativa.
35
A cooperação, como uma importante – e valorizada – forma de interação,
portanto, é entendida como uma prática que potencializa a aceleração do aprendizado na
atividade econômica de natureza industrial, justificando a investigação de sua existência
(ou ausência). Entender o dinamismo da cooperação local, sua intensidade e natureza,
amplia a perspectiva de compreensão da capacidade da indústria incentivada de Manaus
em aprender e reagir, a partir de uma base autóctone, endógena, às pressões
competitivas.
II.2.2. OS ELEMENTOS DA PESQUISA.
É desejável que a agenda do desenvolvimento regional, no que diz respeito ao
futuro da atividade industrial, seja influenciada por projetos e programas que
privilegiem a aceleração do aprendizado frente à perspectiva de limitação temporal dos
incentivos fiscais.
A capacitação, em suas diversas formas, necessária ao desenvolvimento
sustentável, deve ser fomentada, e os gargalos para a sua ampliação, removidos. No
caso deste trabalho de pesquisa, o ponto de partida está colocado: a Zona Franca, na
perspectiva do desenvolvimento endógeno, a partir da robustez de seu desempenho
econômico, passou a ser tratada pela denominação Pólo Industrial. Caso esta mudança
esteja assentada em bases apropriadas, deveria corresponder a um maior enraizamento
da atividade produtiva, o que permitiria identificar algum reflexo na natureza das
relações entre os principais agentes que protagonizam esse desempenho econômico
superior.
Sendo a cooperação uma forma de interação cuja existência depende da
construção de um ambiente local e do fortalecimento de relações de confiança, os
esforços deste trabalho de pesquisa estão centrados no mapeamento e na comparação de
seus diferentes tipos e da variabilidade de sua ocorrência, uma vez que configuram uma
importante base para a compreensão da realidade focada.
II.2.2.1. DAS QUESTÕES INICIAIS.
O trabalho de pesquisa foi conduzido de modo a contribuir para responder às
seguintes questões: "Existem interações cooperativas em nível significativo entre as
empresas na atividade industrial de Manaus? Qual a sua intensidade e natureza? A
partir de uma perspectiva evolutiva, é possível identificar uma trajetória para seu
comportamento? Que implicações podem ser preliminarmente creditadas a essas
36
interações cooperativas – ou sua ausência – no que diz respeito à continuidade da
atividade industrial, em um eventual futuro sem incentivos fiscais?".
A cooperação, dependendo de sua natureza e intensidade, é aqui entendida como
uma prática – não suficiente, evidentemente – que favorece e influencia o
desenvolvimento de uma cultura própria para um ambiente local. Ao fortalecer uma
identidade, o ambiente permite ser individualizado quando de sua exposição
comparativa perante outros ambientes.
Para que exista, a cooperação demanda o estabelecimento de um nível mínimo
de confiança entre os agentes e, na medida em que esta se consolida, estimula o
aprofundamento das relações entre eles, uma condição essencial ao pretendido
enraizamento da atividade produtiva.
Entender a perspectiva institucional da cooperação no PIM é uma tarefa que
pode proporcionar uma maior compreensão da capacidade local para priorizar
problemas, encaminhar soluções e compartilhar aprendizados, o que reforça as bases de
competência para coletivamente reagir às pressões externas (inclusive as de natureza
fiscal) que ameacem a sustentabilidade econômica.
II.2.2.2. DOS OBJETIVOS ESTABELECIDOS.
Portanto, para buscar respostas às questões apresentadas, estabeleceu-se o
seguinte objetivo geral: "Identificar as formas de cooperação praticadas por empresas
da aglomeração industrial de Manaus e suas possíveis implicações para uma dinâmica
do aprendizado".
A realização do objetivo principal será buscada por meio de seu desdobramento
nos seguintes objetivos específicos:
1. Identificar as formas de cooperação praticadas pelas empresas dos
subsetores Eletroeletrônico e Duas Rodas da aglomeração industrial de Manaus;
2. Avaliar as formas de cooperação identificadas quanto à natureza e
intensidade;
3. Identificar possíveis relações entre a prática local da cooperação (ou a
ausência dela) e o estabelecimento de uma dinâmica do aprendizado.
Considerando a problemática descrita, a seleção do conjunto de objetivos
apresentados assenta-se na lógica da existência de relações causais entre
sustentabilidade, competências (aprendizado), enraizamento, interações cooperativas,
confiança etc.
37
Por outro lado, é importante ressaltar que não se pretende o estabelecimento de
uma estrutura linear, unidirecional, para as relações causa-efeito entre esses diversos
elementos. Não é difícil perceber que a complexidade das relações pode ir além,
incluindo a possibilidade de influências recíprocas (cooperação aumentando a
confiança, que por sua vez volta a estimular a cooperação, para citar apenas um
exemplo).
II.2.2.3. DA HIPÓTESE.
Como hipótese de trabalho a ser testada, lança-se mão dos dados anteriormente
apresentados, que permitem identificar diferenças entre os dois subsetores selecionados,
quanto à intensidade das relações no mercado local, a partir da seguinte assertiva:
"Embora em grande parte circunscritas em um mesmo espaço geográfico, em Manaus,
empresas de diferentes subsetores da atividade industrial incentivada utilizam-se de
intensidades e práticas de cooperação distintas, sugerindo a possibilidade de existência
de diferentes dinâmicas de aprendizado, com implicações particulares para o
enraizamento da atividade industrial".
O arcabouço conceitual que permite o tratamento da problemática contida nos
elementos da pesquisa, dando suporte ao trabalho de investigação, está apresentado no
capítulo III, a seguir.
38
III.
COOPERAÇÃO
EM
AGLOMERAÇÕES
INDUSTRIAIS
–
UM
INSTRUMENTAL ANALÍTICO.
Modernamente entendida como um atributo associado a ambientes industriais
mais evoluídos, considerando o seu potencial para impulsionar a capacidade
competitiva, a cooperação é aqui apresentada como objeto central da pesquisa.
Identificar a existência de cooperação na Zona Franca de Manaus (ZFM), sua
tipologia e intensidade, é uma forma de aprofundar a discussão da inserção local da
indústria incentivada que surgiu em conseqüência desse modelo de desenvolvimento. O
gerenciamento de operações produtivas mais complexas e a maior agregação local de
valor demandam uma maior inserção dos agentes produtivos no ambiente, fortalecendo
o aparato institucional que, com base em relações de confiança e no estabelecimento de
uma identidade própria, dá suporte e estimula o aprendizado e, em conseqüência, o
potencial para desenvolver e aplicar o conhecimento, uma condição necessária à
sustentação do desenvolvimento econômico no longo prazo.
Caso a cooperação seja uma prática estabelecida em níveis significativos, isto
amplia os argumentos que permitem entender a adoção do termo Pólo Industrial de
Manaus (PIM) não apenas como uma aspiração ou um simples – ainda que importante –
esforço de marketing. Mais que isto, refletiria uma base efetiva, real, sobre a qual
poderia ser construído o desenvolvimento sustentável, na hipótese não improvável de
um futuro sem incentivos fiscais.
Por este motivo, a cooperação, considerando o contexto em que se insere este
trabalho de pesquisa, não deve ser entendida como um fim em si mesma. Ao contrário,
pode ser considerada um instrumento que, aliado a outros conceitos que lhe confiram
sentido e propriedade, apresenta um maior espaço de contribuição para a descrição do
ambiente local, ampliando as alternativas e oportunidades de intervenção que incluem –
sem restringirem-se a – a formulação de políticas de interesse público.
É com essa intenção que o aparato conceitual foi estruturado, tendo como ponto
de partida a literatura que analisa o tema das aglomerações industriais, ressurgido com
muita ênfase especialmente a partir da década de 1990, com a nova geografia
econômica e, paralelamente, a impulsão tomada pelo conceito de cluster.
Na vasta literatura associada ao tema, identificou-se o conceito de eficiência
coletiva como uma alternativa que propicia uma forma objetiva de entender a dinâmica
da cooperação em um cluster.
39
Além destes, e por peculiaridades do ambiente local em Manaus, algumas das
quais já introduzidas nos capítulos iniciais, são ainda apresentadas referências
complementares, relacionadas às questões de governança, confiança e inserção, que
apresentam potencial de uso para a análise e reflexão posterior, neste mesmo trabalho,
sobre os resultados e alguns de seus possíveis desdobramentos.
Os autores e conceitos selecionados são apresentados no conteúdo exposto nas
demais seções deste capítulo.
III.1.
CRESCIMENTO
E
DESENVOLVIMENTO:
CONCEITOS
E
IMPLICAÇÕES.
Interpretar e, de alguma forma, interferir no crescimento e desenvolvimento
econômicos de uma determinada região têm exigido um contínuo esforço de
pesquisadores e formuladores de políticas públicas para gerar abordagens conceituais
que sejam, por um lado, de cunho genérico, para serem aplicadas em diferentes
realidades, permitindo análises comparativas que subsidiem a implementação de
melhorias, mas ao mesmo tempo precisas o suficiente para capturarem características
intrínsecas – e por vezes singulares – que justamente conferem identidade própria a uma
realidade particular.
Alcançar ambos os predicados não aparenta ser uma tarefa fácil. E os esforços
para contemplá-los apontam para pelo menos duas tendências em estudos e pesquisas
realizados com esse propósito: a crescente multidisciplinaridade das abordagens
relacionadas à análise de uma determinada economia regional – que será tratada um
pouco adiante, nesta mesma seção – e a valorização dos aspectos qualitativos a ela
associados.
Em relação a esta última – a maior importância que tem sido conferida aos
aspectos qualitativos – é uma tendência apontada pelo menos desde a última década do
século passado (ver MALECKI, 1991). E é a constatação desse fato que impõe a
necessidade de se compreender, inicialmente, a distinção entre os conceitos de
crescimento e desenvolvimento econômico.
A análise comparativa entre crescimento e desenvolvimento é uma discussão
freqüente na literatura que trata do desenvolvimento urbano e regional. Apesar disso, é
comum que os teóricos limitem-se a apresentar um conjunto de elementos que descreva
cada um dos dois fenômenos. Tarefa muito mais árdua – e rara – é arriscar-se a
40
explicitar conceitos que abranjam e integrem as idéias vigentes com grau de sucesso
suficiente para sobrepujar a crítica e alcançar a aceitação.
Crescimento econômico é algo comumente relacionado a números, aos aspectos
quantitativos, enquanto desenvolvimento econômico tem sido atrelado à dimensão
qualitativa, algo (às vezes até implicitamente) relacionado a mudanças estruturais.
Embora, em termos de demanda por recursos, crescimento e desenvolvimento possam
ser competidores no curto prazo, em casos bem sucedidos tendem a ser complementares
quando se objetiva o longo prazo.
O crescimento é apresentado como uma condição essencial, embora insuficiente,
para o desenvolvimento. Isto se justifica pelo fato de que, se mal manejado, poderá não
resultar em inclusão social (HADDAD, 2001). Quando adequadamente incorporados
seus resultados, o crescimento econômico pode gerar os recursos necessários à
promoção do desenvolvimento que, por sua vez, proporciona novas estruturas técnicas,
organizacionais, comportamentais ou legais que facilitam o crescimento (MALIZIA e
FESER, 1999, p. 21). É uma relação de estímulo de via dupla.
Resumindo, o crescimento incrementa os resultados, mobilizando mais recursos
e utilizando-os de forma mais produtiva; o desenvolvimento muda a combinação dos
resultados, empregando recursos locais para proporcionar diferentes tipos de trabalho
(MALIZIA e FESER, op. cit.).
Outra distinção presente na literatura especializada é a que associa o termo
crescimento a economias e regiões ricas – uma vez que essas já seriam "desenvolvidas"
– e desenvolvimento a países e regiões pobres.
Esse conjunto de característicos é apropriado – e suficiente – para expressar o
significado que se quer conferir ao termo desenvolvimento econômico no escopo deste
trabalho, em que se busca observar a presença (ou ausência) de fatores relacionados a
mudanças estruturais na realidade econômica da indústria incentivada em Manaus.
Apensos ao substantivo desenvolvimento, também têm sido utilizados neste
texto alguns adjetivos que merecem igual atenção.
Local refere-se a um espaço geográfico que, embora nem sempre explicitamente
determinado, facilita as interações face a face em conseqüência das distâncias limitadas,
e cujos agentes nele circunscritos apresentam uma ou mais características comuns que
auxiliam na composição de sua identidade. Na maioria das vezes, quando diretamente
relacionado à problemática da pesquisa, diz respeito ao ambiente industrial de Manaus.
41
Quando esta segunda situação ocorre, procurou-se fazer com que o próprio contexto em
que se insere permita a interpretação deste sentido.
Como regra geral, Regional é um termo aqui utilizado de forma associada à idéia
genérica de região como um espaço sub-nacional. Para outros significados, menos
freqüentes, refere-se à Amazônia Ocidental, que corresponde à área de abrangência dos
projetos sob a supervisão da Suframa, ou à Amazônia como um todo, mas nesses casos
também valeu-se do próprio contexto em que se insere, para que corresponda à
interpretação pretendida.
Endógeno é utilizado no sentido de que a ênfase está na mobilização de recursos
latentes privilegiando-se esforços "de dentro para fora". Não é empregado, aqui,
associado à naturalidade (local de nascimento), mas sim a localidade. Traduz-se na
capacidade de organização da sociedade de uma região, proporcionada pela
configuração de um ambiente político-institucional apropriado, de conformar o seu
futuro (HADDAD, 2001, p. 6 e seguintes).
Sustentável talvez seja o adjetivo de mais difícil delimitação. Não faz parte do
objetivo deste trabalho aprofundar uma discussão sobre a sustentabilidade do
desenvolvimento. Ademais, os próprios especialistas atestam a dificuldade de se
explicitar um conceito apropriado (BEBBINGTON, 2001; MALIZIA e FESER, 1999).
A sustentabilidade é um predicado para desenvolvimento muitas vezes colocado
(e algumas vezes arraigadamente subentendido) em contraposição a crescimento
econômico. Supostamente, esse fato está vinculado à idéia de que a evolução nos
padrões de consumo dos países desenvolvidos corresponde a um crescimento
econômico sem limite previsível, o que impõe uma maior demanda global por recursos,
mesmo a despeito de eventuais ganhos de produtividade.
Em seu nascedouro, o conceito de sustentabilidade esteve especificamente
atrelado à preocupação com a sustentabilidade ambiental, à qual, mais recentemente, foi
acrescentada a questão da eqüidade social7. Portanto, de uma forma ampla,
sustentabilidade diz respeito a levar em consideração o impacto da dinâmica econômica
sobre as pessoas e a natureza.
7
Um marco dessa mudança, e talvez o conceito mais conhecido para desenvolvimento sustentável, é o
exposto no Relatório Brundtland (Delegação Mundial das Nações Unidas sobre Meio-ambiente e
Desenvolvimento, 1987): "development which meets the needs of the present without compromising the
ability of future generations to meet their own needs", uma definição tão conhecida quanto difícil de
operacionalizar. Para aprofundar uma compreensão sobre a questão, ver BEBBINGTON (2001).
42
O fato é que a idéia de sustentabilidade tem ocupado cada vez mais espaço na
agenda econômica, deixando de ser um atributo de um desenvolvimento "alternativo"
(no sentido quase romântico empregado para caracterizar a possibilidade de
comunidades desenvolverem-se à parte de uma economia globalizada) para incorporarse à própria corrente principal do pensamento econômico sobre desenvolvimento (ver
PIETERSE, 1998).
Para o propósito deste trabalho, todavia, a conotação na qual o termo sustentável
é empregado está associada à idéia de continuidade, à propriedade que o
desenvolvimento de uma economia relacionada a um determinado espaço geográfico
tem de gerar e manter vantagens comparativas em uma perspectiva continuada, a partir
da demonstração de uma capacidade adquirida para enfrentar pressões competitivas no
mercado. Isto implica em ser capaz de adaptar as atividades econômicas atuais a novas
demandas ou mesmo criar novas atividades (negócios) em áreas eventualmente ainda
não exploradas pela atividade econômica local, a partir do uso de sua capacidade
empreendedora e do conhecimento acumulado.
Entende-se que localidade, endogenia e sustentabilidade, nos sentidos que aqui
lhe são conferidos, são importantes elementos relacionados ao contexto econômico e à
problemática tratados.
Ao focar a dimensão qualitativa, o conceito de desenvolvimento permite que a
indicadores quantitativos mais tradicionais, como PIB, renda, número de empregos e
concentração, sejam acrescidos tipos de empregos gerados, perfil de competências
desenvolvidas, estabelecimento de uma capacidade empreendedora para iniciar novas
atividades econômicas, práticas usualmente adotadas para maximizar o benefício
internalizado na própria região, todos eles presentes com freqüência crescente em
estudos mais abrangentes relacionados ao tema. Isto corrobora o fato de que a atenção
não deva estar voltada apenas ao crescimento, mas que também seja considerada a
devida importância às forças que impedem ou permitem que esse crescimento ocorra
(MALECKI, 1991, p. 7), uma perspectiva que certamente enriquece a compreensão da
realidade, qualificando a análise e, de modo associado, a tomada de decisão.
Além do privilégio aos aspectos qualitativos, fez-se referência, anteriormente, a
uma segunda tendência na abordagem do desenvolvimento, que diz respeito à
característica cada vez mais multidisciplinar de seu estudo, lançando mão de conceitos e
conhecimentos originalmente desenvolvidos em distintas áreas. Às tradicionais
inserções em subáreas da economia (como as economias regional e internacional, por
43
exemplo), somam-se contribuições advindas da geografia, política, sociologia e
psicologia – para citar algumas – o que apenas corrobora o aumento no grau de
complexidade da análise.
III.2. A NATUREZA LOCALIZADA DO CRESCIMENTO ECONÔMICO E
AS AGLOMERAÇÕES INDUSTRIAIS.
O fato de o crescimento econômico ser localizado é uma verdade conhecida e
historicamente explorada por vários teóricos da área do desenvolvimento, dentre os
quais citam-se François Perroux, Gunnar Myrdal, Albert Hirschman e John Friedmann,
cujas idéias costumam ser referidas sob o rótulo de teorias da concentração espacial.
Esse é um fenômeno que remete ainda ao final do século XIX, quando foi
introduzido por meio da obra precursora – e hoje clássica – Principles of Economics,
publicada em 1890 por Alfred Marshall.
A partir de observações realizadas nos setores têxtil e metalúrgico na Inglaterra,
Alemanha e França, Marshall apontou três vantagens proporcionadas pela concentração
espacial de empresas, posteriormente associadas ao termo Trindade Marshalliana:
desenvolvimento de um mercado para trabalhadores com habilidades especializadas;
fornecimento local de insumos e serviços em grande variedade e a custos menores e
disseminação mais rápida de invenções e melhorias (MARSHALL, 1920, apud
KRUGMAN, 1991, p. 36-7).
A influência do trabalho de Marshall atravessou o século XX e permanece
grande até os dias de hoje. Eventualmente, as vantagens apontadas por ele podem ser
tratadas e estudadas, na literatura especializada, com o uso de uma linguagem mais
moderna. Por exemplo, criação de recursos especializados, upgrading de fornecedores e
impacto na difusão de novas tecnologias (van KLINK e de LANGEN, 2001, p. 450).
Sob a abordagem clássica, a concentração espacial de empresas justifica-se em
virtude dos maiores retornos que é capaz de proporcionar ao capital, fundamentalmente
porque (i) existem custos que conspiram contra a negociação realizada à distância,
motivando a escolha de locais, para a produção, onde a demanda é maior ou o
abastecimento de matéria-prima é particularmente conveniente e (ii) a produção
concentrada proporciona economias de escala (KRUGMAN, 1991, p. 98).
Esses dois argumentos combinam-se no estabelecimento da seguinte lógica:
economias de escala forçam a produção a se concentrar em um número limitado de
locais; por causa dos custos associados ao ato de negociar à distância, os locais
44
preferidos por cada fabricante são aqueles nos quais a demanda é grande ou em que o
fornecimento de insumos é particularmente conveniente, e estes em geral já são (ou
passam a ser) locais também escolhidos por outros fabricantes.
A continuidade do processo faz surgir, então, uma aglomeração, um termo de
maior uso nos anos recentes, comparativamente a "concentração". Do espaço geográfico
que delimita a aglomeração nenhuma empresa deseja sair, para assim usufruir as
vantagens alcançadas. Atingido um determinado ponto, o ciclo praticamente se
estabiliza, pois as atividades tendem a agrupar-se nos locais em que os mercados são
maiores e os mercados tornam-se maiores onde as atividades agrupam-se. Uma vez
estabelecida a aglomeração, ela tenderia a se manter (KRUGMAN, op. cit., p. 98).
O retorno recente do tema aglomeração à cena do debate econômico, após um
período em plano relativamente secundário, é creditado por alguns autores à
contribuição do economista Paul Krugman, em virtude de seu esforço para explicar a
natureza localizada do crescimento econômico (SCHMITZ, 1997, p. 6; HELMSING,
2001, p. 278).
Krugman define geografia econômica como sendo a "locação da produção no
espaço", defendendo que é possível compreender a diferença nas taxas de crescimento
dos países e a especialização internacional a partir da investigação das diferenças no
crescimento regional e na especialização local (KRUGMAN, 1991, p. 3). Seu trabalho
tem o mérito de introduzir a discussão das externalidades econômicas em um modelo de
competição imperfeita, o que é uma evolução, se for considerado que até então
predominavam os estudos baseados em ambiente de competição perfeita. Essa evolução
proporcionada à tradicional teoria da localização acabou por caracterizar uma nova área
de estudos na economia, cunhada pelo termo nova geografia econômica (new economic
geography) por seu autor (ver KRUGMAN, 1998), ou economia geográfica
(geographical economics), como sugerem alguns de seus mais destacados estudiosos
(ver FUJITA e THISSE, 1996).
Na literatura de desenvolvimento urbano e regional, as externalidades
econômicas explicam os benefícios alcançados por uma empresa pelo simples fato de
tomar parte em uma aglomeração (industrial ou de outras atividades) em locais
particulares. Também podem ser denominadas economias de aglomeração e
proporcionam economias em decorrência de redução nos custos ou de aumento na
produtividade para empresas individuais. São referidas como "efeitos secundários" da
atividade de um produtor sobre a de outro (MALIZIA e FESER, 1999, p. 95-6).
45
A literatura especializada oferece ainda a distinção de dois tipos específicos de
economias de aglomeração: (i) economias de localização, ou reduções de custo para
empresas de uma dada indústria que resultaram da concentração espacial do setor; e (ii)
economias de urbanização, ou reduções de custo para todas as empresas em uma dada
localização, que ocorrem quando a atividade econômica em geral se expande naquele
local (MALIZIA e FESER, op. cit., p. 96; BELLEFLAMME et al., 2000, p. 159).
Externalidades econômicas passam a existir somente quando os custos ou
benefícios privados não se igualam aos custos ou benefícios sociais. Se os benefícios
sociais são maiores que os benefícios privados, fica configurada a ocorrência de
externalidades econômicas positivas, situação na qual os agentes econômicos não
conseguem capturar no preço de seu produto todas as vantagens proporcionadas por seu
investimento. Alguns resultados desse investimento "transbordam" (de modo
involuntário, incidental) e acabam sendo capturados por outros agentes.
Uma outra classificação associada a externalidades econômicas é aquela
creditada a Tibor Scitovsky, que distingue externalidades pecuniárias, que
correspondem aos benefícios das interações econômicas no mercado mediadas pela
formação de preço, de externalidades tecnológicas, que dizem respeito a interações nãomercadológicas que afetam a utilidade percebida por um indivíduo ou a função de
produção de uma empresa (SCITOVSKY, 1954, apud MEARDON, 2001, p. 39). Essa é
uma distinção que pode proporcionar um melhor foco ao analista de uma determinada
realidade econômica, considerando a contribuição cada vez mais significativa
proporcionada pela tecnologia para a dinâmica econômica, um fato que se reflete na
ausência das externalidades pecuniárias como um objeto significativo de análises
econômicas recentes (MALIZIA e FESER, 1999, p. 95).
Por outro lado, algumas abordagens ressaltam que as externalidades tecnológicas
que surgem das interações pessoais são mais importantes para aglomerações de pequena
escala. Para explicar aglomerações de larga escala, entretanto, deveriam ser observadas
outras externalidades tecnológicas, cuja efetividade não se deteriora tão rapidamente
com a distância, ou alternativamente, as externalidades pecuniárias (OTTAVIANO e
PUGA, 1998, p. 708), ou ainda ambas, trabalhando juntas (ver FUJITA e THISSE,
1996). Isto é algo a ser considerado em análises que sejam feitas sobre a atividade
industrial em Manaus, conforme sugere a apresentação do perfil das empresas, em
capítulo à frente.
46
Na discussão de externalidades econômicas, um ponto a ser destacado é a
conotação de incidentalidade que lhes é associada, por vezes apontada como uma
limitação na utilização ampla do conceito para a promoção do crescimento econômico.
A busca intencional – em contraponto à incidental – de relações entre empresas e
pessoas é cada vez mais ressaltada como um importante instrumento para a melhoria de
desempenho de aglomerações (ver SCHMITZ, 1997 e NADVI, 1997). Considerando a
relação direta entre intencionalidade e a idéia de cooperação, e a posição central que
esta última ocupa no foco deste trabalho, o tema será explorado com mais acuidade um
pouco adiante, quando da apresentação dos conceitos de ação conjunta e eficiência
coletiva, ainda neste capítulo.
Além de Krugman, outro economista a ter reconhecida a importância de sua
contribuição para a recondução do tema aglomerações ao centro do debate econômico é
Michael Porter. A visão desse autor, ao mesmo tempo em que ressalta a importância de
uma competição forte no mercado interno como um fator de sucesso para desenvolver
vantagens competitivas capazes de possibilitar a conquista de novos espaços em
acirrados mercados, aponta que essa competição modernamente ocorre entre as
aglomerações industriais, em substituição – ou complemento – à visão tradicional da
competição estabelecida apenas entre as empresas individuais (ver PORTER, 1990).
Para uma empresa individual, conseqüentemente, alcançar espaços em novos
mercados, mais competitivos, é uma tarefa que exigiria, além da sua própria eficiência
produtiva, uma produtividade adequada do ambiente (aglomeração) em que se insere.
Isto induz ao raciocínio de que o desenvolvimento econômico de uma região
deve ser em parte creditado à capacidade de articulação dos diversos atores que a
constituem, um argumento a mais a corroborar a importância da análise de
aglomerações a partir de um enfoque qualitativo.
No caso da literatura sobre economias de aglomeração é possível identificar uma
mudança no foco dos estudos, que anteriormente privilegiavam principalmente os
benefícios proporcionados pelos tamanhos urbano e da indústria, e mais recentemente
têm conferido maior ênfase às sinergias entre empresas espacialmente próximas
(MALIZIA e FESER, 1999, p. 96). De um certo modo isto expõe uma aparente
contradição e demanda um esforço para a tarefa de compreender e explicar a dinâmica
econômica e o sucesso de empresas e regiões: paralelamente ao fenômeno de
intensidade crescente da globalização econômica, tem ocorrido uma maior valorização
dos aspectos locais.
47
Mas essa mesma literatura tem utilizado o termo "aglomeração" de forma ampla,
para corresponder a diferentes fenômenos do mundo real e, portanto, aos mais diversos
arranjos de empresas. No intuito de melhor utilizar a sua potencialidade, em função do
objetivo já explicitado de aprofundar uma capacidade de interpretar a realidade local,
foram analisados e explorados outros conceitos disponíveis, relacionados à dinâmica de
aglomerações, resultando no conjunto apresentado no restante deste capítulo.
É evidente que o resultado assim alcançado é fruto da percepção pessoal do
autor quanto a uma expectativa de utilidade dos conceitos selecionados para a tarefa de
compreender um processo particular de interesse, sob os vieses da abrangência e
perspectiva de longevidade da aglomeração industrial de Manaus, uma escolha que,
certamente, não está isenta de juízo de valor.
III.3.
CLUSTERS
E
A
PROMOÇÃO
DO
DESENVOLVIMENTO
ECONÔMICO.
A partir do que foi discutido na seção anterior, torna-se compreensível o tempo
que os formuladores de políticas para o desenvolvimento econômico têm dedicado para
entender o fenômeno das aglomerações, sua dinâmica de funcionamento e os
mecanismos que impulsionam sua evolução.
No caso brasileiro, a utilidade da análise das aglomerações pode ainda ser
reforçada por algumas dificuldades impostas pelas características da economia do País,
tais como a heterogeneidade das diferentes dinâmicas econômicas regionais, que
dificulta a integração econômica, e a diversidade político-ideológica, que conjuntamente
contribuem para a ausência de uma política industrial de alcance nacional, e acabam por
configurar um cenário apropriado para a ocupação de espaços por políticas que atendam
demandas locais e regionais (SUZIGAN, 2001, p. 28).
Não será por restrições de terminologia que o desenvolvimento regional deixará
de ser promovido. Diversos conceitos relacionados à análise de aglomerações
industriais resultaram no surgimento de um variado menu: distritos industriais, pólos
industriais, complexos industriais, cadeias de valor, análises setoriais e clusters, para
citar apenas alguns dos mais disseminados.
Na opção aqui realizada, entende-se que a abordagem por clusters apresenta
algumas vantagens em relação a outras opções. Especialmente se comparada à análise
econômica tradicional de um setor industrial, apresenta uma maior potencialidade
quando o interesse principal refere-se à dinâmica das interações entre os agentes. Isto
48
permite que sejam contemplados os já referidos aspectos qualitativos, essenciais à
compreensão da influência dessas interações na promoção da cooperação e,
eventualmente, as possíveis conseqüências em termos de repercussões no nível da
estrutura institucional de apoio. Além disso, apresenta uma flexibilidade maior para
tratar diferentes níveis de aglomerações, em distintos estágios de desenvolvimento,
contrariamente ao conceito de distritos industriais, por exemplo, relacionado a
aglomerações de empresas de menor porte e que já pressupõe maiores níveis de
especialização, de divisão do trabalho e a existência de intensas relações de cooperação.
Deve ser ressaltado que o termo cluster é utilizado neste trabalho como uma
forma reduzida de referir-se a um cluster de empresas industriais8. Optou-se pelo uso da
palavra cluster em sua grafia original, em virtude de suas amplas disseminação e
aceitação em nosso País.
A referência pioneira utilizando cluster sob o ponto de vista da análise
econômica é creditada a Joseph Schumpeter, embora o sentido original que esse autor
conferiu ao conceito não abrangesse todas as características que hoje lhe são atribuídas
(MARCEAU, 1994, p. 4).
Modernamente, talvez o principal impulso para a popularização da abordagem
por clusters deva-se a Michael Porter, que aliou o conceito a estudos sobre a
competitividade de empresas (ver PORTER, 1990).
Na medida em que a prosperidade de regiões cujas economias estruturam-se ao
redor de clusters foi descrita em estudos, a divulgação dessas realidades provocou um
crescente interesse de governos nacionais e regionais pelo fenômeno, influenciando a
formulação de políticas públicas. Em um grande número de países, autoridades em
todos os níveis têm, então, mobilizado recursos para favorecer processos que estimulem
– e remover obstáculos que impeçam – a "clusterização" (clustering) (CHORINCAS et
al., p. 43-4).
Inicialmente, deve ser destacado que a própria variedade de terminologias
associadas a cluster é algo que necessita ser observado com atenção. Levantamento
circunscrito a estudos realizados em países que fazem parte da Organisation for
Economic Co-operation and Development (OECD), contabilizou os seguintes termos
sendo utilizados como sinônimos para cluster: rede de produção, rede de inovação, rede
8
Em sua forma mais geral, no que diz respeito à atividade econômica, o termo cluster pode referir-se à
aglomeração de qualquer tipo de organização ou recurso. É uma palavra que também encontra uso
49
de interação, rede de cooperação, distrito industrial Marshalliano, cadeia de produção,
cadeia de inovação, cadeia de cooperação, fluxos de conhecimento interindústria, cadeia
de valor e sistema de inovação, para citar apenas os mais familiares, de uma lista ainda
mais longa (ROELANDT e den HERTOG, 1999a, p. 16).
A diversidade na aplicação prática do conceito, no que tange à inexistência de
uma corrente dominante, também é algo a ser comentado. Existem diferentes níveis em
que análises de aglomerações são realizadas, distintas metodologias utilizadas pelos
países, variações no grau em que políticas baseadas em cluster foram implementadas,
incluindo uma variedade de instrumentos utilizados nessa implementação (ROELANDT
e den HERTOG 1999b, p. 413).
E cabe aqui ressaltar uma questão associada à literatura produzida nos países
desenvolvidos. A utilização do conceito de cluster para o estímulo à aquisição e
manutenção de vantagens competitivas por aglomerações industriais é algo que, nesses
países, está ligado à questão da atualidade tecnológica, o que de forma direta coloca em
evidência uma preocupação quanto à capacidade de inovar. Assim, muitos desses
estudos concentram seus esforços na tentativa de identificar processos de inovação e
estimular a sua ocorrência em nível institucional.
A importância conferida à dinâmica da mudança tecnológica para o sucesso de
políticas de desenvolvimento econômico é algo presente na literatura especializada há
algum tempo (ver, por exemplo, MALECKI, 1991). Utilizar a inovação como alvo
principal de uma tal política, no caso de países em desenvolvimento, requer cautela
adicional, justamente porque alguns elementos da dimensão institucional que
caracterizam esse processo podem não estar presentes na dinâmica econômica
representada pelo cluster, o que poderia implicar na frustração de objetivos não
alcançados, ou na desproporcional utilização de recursos (aí incluída a variável tempo)
para obter os resultados desejados.
Para o caso da aglomeração industrial de Manaus, o interesse aqui manifestado
não é, inicialmente, o de identificar processos de inovação ou precipitar a
implementação mais imediata de uma política que a tenha como foco. Preliminarmente,
a intenção é avançar na compreensão do arcabouço institucional existente, por meio da
investigação do nível de cooperação entre os agentes. Entende-se que essa melhor
compreensão implicará em uma maior capacidade de refletir sobre as limitações da
disseminado em outras áreas do conhecimento, como a ciência da computação, a astronomia e até a
medicina.
50
estrutura real em sua relação com o desenvolvimento econômico pautado em elementos
endógenos, proporcionando informações adicionais para a qualificação da tomada de
decisão por parte de gestores, sejam eles da esfera governamental ou de empresas
privadas.
Os relatos de estudos oferecem evidências de que a sustentação continuada de
um desenvolvimento econômico – pelo menos de uma economia que esteja integrada
(aberta) a mercados mais exigentes – é algo que não prescinde da capacidade de inovar.
E isto não está sendo colocado em discussão. O enfoque aqui adotado, todavia,
privilegia uma compreensão prévia da base sobre a qual uma política de interesse
público que tenha a inovação como um de seus objetos pudesse estar apoiada. Uma
argumentação para isto é que a realidade local, atrelada a uma região menos favorecida
de um país em desenvolvimento, difere substancialmente da realidade de países em que
foram concebidos e são utilizados conceitos como sistemas nacionais, regionais e locais
de inovação, que se valem de abordagens ex-post (LUNDVALL et al., 2002). Na
problemática local, a experiência pessoal do autor aponta justamente para a inexistência
de um sistema, o que afeta o escopo de políticas para o desenvolvimento que se
pretenda formular, aí incluído o horizonte para sua implementação.
Estabelecida essa premissa, convém, então, discutir o que caracteriza um cluster.
Cluster é um fenômeno multidimensional, cujo entendimento tem recebido
contribuições realizadas por profissionais de diferentes áreas do conhecimento. Alguns
deles defendem que uma abordagem integrativa para o fenômeno deveria considerar a
literatura que não inclui explicitamente o termo cluster, especialmente se o objeto de
estudo são as condições para a ocorrência da aproximação espacial, a "clusterização"
(STEINLE e SCHIELE, 2002).
Em geral, as contribuições dos diferentes estudiosos podem ser classificadas em
quatro linhas principais de trabalho (SCHMITZ, 1999, p. 1629; CASSIOLATO e
LASTRES, 2001, p. 2):
1) nova corrente do pensamento econômico, que focaliza os retornos crescentes
proporcionados pelas economias de aglomeração, da qual Paul Krugman é o precursor e
principal representante;
2) economia de empresas, liderada por Michael Porter, que aborda a vantagem
competitiva na economia globalizada como dependente de um conjunto de fatores locais
relacionados ao dinamismo da indústria;
51
3) ciência regional, especialmente a partir do estudo dos distritos industriais
italianos, valorizando a região como sendo um espaço de relações não-comerciais
interdependentes e
4) a literatura sobre desenvolvimento tecnológico, ao ampliar o estudo da
dinâmica da inovação, da perspectiva da empresa individual para o aprendizado pela
interação (learning by interacting), incluindo o desenvolvimento de conceitos como
sistemas nacional e regional de inovação.
A apresentação dessa classificação, complementando uma visão introdutória
sobre o tema, não tem intenção que vá além de reforçar a idéia da heterogeneidade de
abordagens baseadas em cluster. Uma amostra das definições que exemplificam essa
heterogeneidade é explorada a seguir.
III.3.1. DIFERENTES DEFINIÇÕES PARA CLUSTER.
A extensão da literatura relacionada ao tema, se por um lado dissemina e
populariza uma compreensão mais ampla sobre o sentido conferido ao termo cluster,
por outro torna difícil a convergência para um conceito único, compreensível, que
abranja cada uma das características valorizadas pelos diferentes enfoques e, por isto
mesmo, alcance aceitação e uso universais.
Nesse campo, a diversidade é quase tão pródiga quanto o número dos autores
que militam no tema, sendo que cada um deles procura dar foco às particularidades que
com mais propriedade atendam aos interesses de seu objeto de estudo. Aliado a isso, é
também reconhecido um certo dinamismo para o conceito, pois à medida da
disseminação de seu uso, o próprio significado conferido a cluster tem notadamente
sido ampliado (MALIZIA e FESER, 1999, p. 95).
Por esse motivo, torna-se necessário dedicar maior atenção ao aprofundamento
de um significado para o termo, de modo a aumentar a precisão da interlocução. Na
alternativa aqui adotada, optou-se pela apresentação de conceitos de diferentes autores,
na tentativa de, posteriormente, abstrair os fundamentos que sejam úteis ao propósito da
pesquisa.
A observação mais básica que pode ser apresentada é a de que um cluster é um
tipo de aglomeração com determinadas particularidades. Os resultados proporcionados
por uma aglomeração, apenas em virtude da proximidade espacial dos que a compõem,
não caracterizam a obtenção da clusterização ou "efeito cluster" (van KLINK e de
LANGEN, 2001, p. 451).
52
Uma definição bastante disseminada é a que associa clusters a "geographic
concentrations of interconnected companies and institutions in a particular field"
(PORTER, 1998, p. 78). Em trabalho mais recente do mesmo autor, o conceito ganha
em detalhamento e avança para "geographic concentrations of interconnected
companies, specialized suppliers, service providers, firms in related industries, and
associated institutions (e.g., universities, standards agencies, trade associations) in a
particular field that compete but also cooperate" (PORTER, 2000, p. 15).
Esse é um bom exemplo de como o conceito tem adquirido abrangência, com a
disseminação de seu uso: além de valorizar o atributo da cooperação, que passa a estar
explícito, Porter relaciona no próprio conceito os diferentes agentes que participam da
diversificada estrutura de um cluster, e que por outros autores sequer são considerados
como componentes obrigatoriamente presentes.
Além de relacionar os fornecedores de insumos especializados (componentes,
maquinaria e serviços) e provedores de infra-estrutura especializada entre os
participantes do cluster, Porter preocupa-se também em identificar a extensão do cluster
na cadeia produtiva (alcance vertical), indicando que muitas vezes pode avançar até
canais de distribuição e clientes, bem como abranger indústrias correlatas (amplitude
horizontal), sugerindo a inclusão até mesmo de fabricantes de produtos complementares
ou empresas que utilizam habilidades, insumos ou tecnologias em comum. Afirma,
ainda, que em muitos clusters estão presentes instituições (governamentais ou de outra
natureza) tais como universidades, agências reguladoras, provedores de treinamento
vocacional e associações comerciais capazes de proporcionar treinamento especializado,
educação, informação, pesquisa e suporte técnico. Ou seja, para Porter, um cluster vai
além de um simples arranjo de empresas, devendo incluir, ainda, os agentes que
considera importantes para enfrentar com sucesso um ambiente de competição
(PORTER, 2000, p. 16-7).
Outro autor que apresenta uma consistente contribuição para o tema é Hubert
Schmitz, que define cluster como "geographical and sectoral concentration of
enterprises" (SCHMITZ, 1997, p. 3).
O trabalho desenvolvido durante a década de 90, diretamente por Schmitz, ou de
alguma forma sob sua liderança ou influência, tem o mérito de incorporar à agenda de
pesquisa as particularidades de países em desenvolvimento, especialmente no que
concerne ao estudo e reflexão sobre clusters de empresas de menor porte (ver NADVI e
SCHMITZ, 1994; HUMPHREY e SCHMITZ, 1995 e 1996; NADVI, 1997, 1999a e
53
1999b; SCHMITZ, 1997 e SCHMITZ e NADVI, 1999). Alguns dos estudos têm o
Brasil como foco, mais precisamente clusters localizados na região Sul (por exemplo,
MEYER-STAMER, 1997, 1998 e 1999 e SCHMITZ, 1999).
Uma distinção que pode ser feita entre as contribuições de Porter e Schmitz é
quanto ao porte das empresas nas aglomerações de interesse. Enquanto os trabalhos de
Porter, situados na área das estratégias de competição, são conhecidos por terem como
principal objeto de estudo as grandes empresas, muitas delas transnacionais, e sua
inserção em um ambiente de competição internacional, Schmitz – pelo menos até mais
recentemente, como será visto adiante – concentra boa parte de sua análise em empresas
de menor porte e nas interligações dentro do cluster.
Para Schmitz – e alguns dos que com ele colaboram com mais freqüência em
projetos de pesquisa – especialização e cooperação não são atributos que estejam
previamente associados, por definição, a um cluster. Ao contrário, sua existência deve
ser investigada a partir de pesquisa empírica (NADVID e SCHMITZ, 1994, p. 4;
HUMPHREY e SCHMITZ, 1996, p. 1863).
Uma possível explicação para essa postura é a influência exercida nos trabalhos
iniciais de Schmitz, nesta área, pela literatura sobre distritos industriais italianos. No
início da década de 80, os diversos estudos desenvolvidos sobre esse tipo de
aglomeração de empresas de menor porte enfatizavam as relações de cooperação
praticadas. Considerando que o trabalho desse autor esteve em grande parte centrado
justamente nas empresas de menor porte, incluir os atributos da especialização e da
cooperação tornaria por demais próximos os conceitos de cluster e distrito industrial.
A proposição de Schmitz é ao mesmo tempo restritiva, por explicitar
exclusivamente empresas, e também pouco exigente, pois permite classificar como
cluster praticamente qualquer tipo de aglomeração, uma vez que se reduzem a um
mínimo os requisitos para a sua caracterização (apenas a concentração geográfica e a
concentração setorial).
Emil Malizia e Edward Feser apresentam uma definição em que a abordagem
admite uma maior diversidade para os agentes que compõem o cluster, ainda que as
fronteiras de sua delimitação permaneçam pouco definidas. Malizia possui diversos
trabalhos na área do desenvolvimento regional, enquanto Feser tem contribuído para
essa área por meio da realização de estudos e o subsídio à formulação de políticas para a
promoção de clusters, especialmente nos Estados Unidos. Segundo sua definição,
54
"In theory, clusters are a geographically concentrated group of firms essentially
interdependent along one or both of the following dimensions: (1) presence in the same
product (or input-output) chain; (2) important similarities in technology or workforce
requirements. Clusters might also be characterized by the presence of related organizations
(educational institutions, business associations, formal networks)" (MALIZIA e FESER,
1999, p. 226).
Pontuada pela possibilidade de diferentes opções e combinações, essa definição
oferece um bom exemplo para ilustrar como um extenso conjunto de diferentes
aglomerações industriais pode ser abrangido pelo conceito de cluster. Malizia e Feser,
compartilhando a visão de Porter, incorporam aos agentes principais do sistema
produtivo (empresas) a presença de outros atores, o que amplia o universo de análise.
Essa presença, todavia, dessa feita não é indicada com o mesmo senso de
obrigatoriedade.
Privilegiar aspectos qualitativos na análise de clusters talvez seja o principal
impeditivo para a obtenção de uma definição de maior exatidão. Alguns autores
defendem que a ênfase em variáveis como confiança e enraizamento social, de difícil
mensuração, resulta na impossibilidade de formular um conceito preciso, ou mesmo o
estabelecimento de uma linha divisória melhor definida entre o que é uma simples
aglomeração e um complexo cluster com fortes externalidades (ALTENBURG e
MEYER-STAMER, 1999, p. 1694).
Esses mesmos autores, ao analisarem a natureza estrutural de clusters em países
da América Latina, propõem uma definição que denominam de operacional: "A cluster
is a sizable agglomeration of firms in a spattialy delimited area which has a distinctive
specialization profile and in which interfirm specialization and trade is substantial"
(ALTENBURG e MEYER-STAMER, op. cit., p. 1694). Segundo a argumentação
utilizada, a operacionalidade é justificada pelas características que estão explícitas no
conceito, passíveis de mensuração objetiva.
Philip Cooke, cuja produção acadêmica guarda relação com a literatura referente
a sistemas de inovação e, mais recentemente, economia baseada no conhecimento,
estrutura um conceito a partir de crítica na qual reputa uma característica estática à
maioria das definições existentes. Em sua proposição, cluster corresponde a
"[g]eographically proximate firms in vertical and horizontal relationships involving a
localized enterprise support infrastructure with a shared developmental vision for
business growth, based on competition and cooperation in a specific market field"
(COOKE, 2002, p. 121). No caso, o elemento distintivo introduzido pelo autor é a
necessidade de uma visão compartilhada do desenvolvimento futuro do negócio, o que
55
pressupõe uma identidade para a aglomeração e a existência de um certo grau de
articulação dos atores. Essa característica é convergente com o conceito de governança,
apresentado mais à frente, neste capítulo.
Ainda no campo de definições mais formais, um fenômeno que merece ser
ressaltado é o crescente uso do conceito de cadeia de valor associado a cluster9, por
vezes explicitamente presente na definição formulada por alguns autores. É o caso de
ROELANDT e den HERTOG (1999a, p. 12), que consideram preponderante para a
caracterização de um cluster a interligação dos atores envolvidos em uma cadeia de
valor. Em sua percepção,
"Clusters can be characterised as networks of production of strongly interdependent
firms (including specialised suppliers) linked to each other in a value-adding production
chain. In some cases, clusters also encompass strategic alliances with universities, research
institutes, knowledge-intensive business services, bridging institutions (brokers, consultants)
and customers" (ROELANDT e den HERTOG, op. cit., p. 9).
A dimensão dessa importância pode ser aquilatada por um grande número de
trabalhos mais recentes10.
Constatar a diversidade de interpretações para o termo cluster – pelo menos para
um conceito que é empregado com mais intensidade em um período que não vai muito
além de quinze anos – talvez seja um dos motivos que ajudem a explicar a tendência de,
ao invés de buscar uma improvável definição integradora, alternativamente ressaltar as
características, expressas em sua maioria por meio de atributos, que devem estar
presentes em uma determinada aglomeração, para que esta seja classificada como um
cluster.
Como exemplo dessa abordagem pode ser citado o trabalho desenvolvido por
van KLINK e de LANGEN (2001). Com base em uma revisão da literatura, esses
9
O sentido conferido ao termo cadeia de valor pode, por exemplo, ser emprestado da definição elaborada
por KAPLINSKY (2000, p. 8): "The value chain describes the full range of activities which are required
to bring a product or service from conception, through the intermediary phases of production (involving
a combination of physical transformation and the input of various producer services), delivery to final
consumers, and final disposal after use". Um panorama mais completo sobre o assunto pode ser obtido
em KAPLINSKI e MORRIS (2002).
10
Sem estender a discussão, os conceitos anteriormente creditados a Porter e Malizia e Feser introduziam
o assunto, ao fazer referência à cadeia de produção. O termo cadeia de valor é de maior amplitude porque
envolve o conjunto das atividades, e não apenas aquelas diretamente relacionadas à produção. Em grande
parte, a produção acadêmica recente que relaciona os conceitos cluster e cadeia de valor deve-se aos
pesquisadores ligados à Universidade de Sussex (ver HUMPHREY e SCHMITZ, 2000 e 2002;
MESSNER e MEYER-STAMER, 2000; SCHMITZ, 2000a; BAZAN e NAVAS-ALEMÁN, 2001;
MEYER-STAMER e SEIBEL, 2002 e NADVI e HALDER, 2002). Mas também são identificadas
contribuições com outras origens (por exemplo, em BROWN, 2000; BAIR e GEREFFI, 2001 e STEINLE
e SCHIELE, 2002).
56
autores resumem as seguintes características para identificar um cluster: interação
econômica na cadeia de valor; relações estratégicas entre empresas; especialização;
competição cooperativa; inovação e difusão; compartilhamento de uma cultura coletiva.
Essa abordagem alternativa, que considera cluster a partir do exame de alguns de
seus predicados, será, então, utilizada. Com isto, preserva-se uma das vantagens de seu
uso como ferramenta analítica, uma vez que permite avaliar e comparar distintos tipos
de aglomerações, mas sem que seja perdida a qualidade de estabelecer foco no aspecto
central associado ao objeto desta pesquisa.
III.3.2. ATRIBUTOS QUE CARACTERIZAM UM CLUSTER.
Conforme visto, na literatura especializada, distintas abrangências imputadas ao
conceito de cluster permitem a utilização do termo para denominar aglomerações com
diferentes graus de complexidade, se consideradas a variedade dos agentes econômicos
e das atividades presentes na aglomeração como parâmetros.
Mas isso não impede a identificação dos elementos mais importantes para a sua
caracterização. E, neste caso, conclui-se que, em um cluster, as empresas (ou agentes,
pela abordagem mais abrangente) devem estar em um espaço geograficamente limitado
(concentração espacial), desenvolver atividades industriais em um campo particular de
atuação (especialização) e apresentar algum grau de interconexão (interação) entre si. A
importância conferida a cada um destes três atributos do fenômeno cluster é que varia
de acordo com as interpretações ou interesses particulares de cada autor ou analista.
Embora os comentários a seguir explorem os três atributos individualmente,
deve estar claro que existem influências recíprocas de cada um deles sobre os demais,
conferindo um grau de complexidade que merece a atenção dos que de alguma forma
tenham interesse na identificação das relações causa-efeito associadas à trajetória de um
cluster objeto de análise. E este interesse tanto pode ser motivado pela necessidade de
induzir a formação de um cluster, a partir de potencialidades identificadas, como de
robustecer capacidades de clusters já existentes.
Tome-se como exemplo a interação. É uma característica que se fortalece ainda
mais pela intensidade com que ocorrem os demais atributos (concentração e
especialização). A proximidade física (concentração) facilita – embora não seja
condição suficiente para – o contato entre os agentes; a atuação em um escopo
específico de atividade (especialização) contribui para a construção de uma linguagem
comum que impacta na eficiência da comunicação necessária à interação.
57
Considerações a respeito do atributo Concentração Espacial.
A concentração é primordial até mesmo para o uso do termo aglomeração, visto
que a proximidade física é que possibilita o benefício das externalidades econômicas.
Na discussão desse atributo, o interesse, em termos de desenvolvimento
econômico sustentável, não está em como identificar um limite físico preciso que
circunscreva os agentes que fazem parte do cluster, mas ter sempre em conta que esse
limite existe, e que para além dele deterioram-se as eficiências decorrentes do efeito
proximidade.
Em seu trabalho, Porter, por exemplo, não estabelece um limite espacial de
abrangência, admitindo que um cluster pode alcançar o espaço geográfico de um país11.
Isto não deixa de ser antagônico à sua própria argumentação de que, em uma economia
globalizada, as vantagens competitivas duradouras dependem cada vez mais de
componentes locais, entre os quais incluem-se conhecimento, relações e motivação, que
são de difícil obtenção por concorrentes distantes (PORTER, 1998, p. 78). Se estes
elementos locais assumem características próprias em cada região, mantidas por meio
de relações "face a face", é razoável inferir que as vantagens de proximidade associadas
a um determinado cluster que tenha abrangência nacional estariam enfraquecidas na
medida em que maior fosse o tamanho desse país. Ao invés de utilizar o país como
unidade natural da análise, seria recomendável considerar, por este atributo, a estrutura
geográfica de produção, como sugerem outros autores (KRUGMAN, 1991, p. 87).
A partir da concentração espacial, como condição prévia mínima, tornam-se
possíveis desdobramentos e desenvolvimentos futuros que, conformando a densidade e
a trajetória de um cluster específico, comporão a sua identidade, distinguindo-o de uma
outra aglomeração qualquer. O leque de possibilidades inclui: divisão do trabalho e
especialização entre os produtores; agilidade na oferta de produtos e serviços
especializados; aparecimento de fornecedores de matérias-primas, componentes, partes
e peças, além de serviços especializados; surgimento de agentes distribuidores para a
venda do produto em outros mercados; criação de um ambiente apropriado para a
troca de informações; formação de um contingente de trabalhadores com habilidades
específicas para o setor; organização de consórcios para tarefas específicas (realização
de feiras e participação em eventos, por exemplo); surgimento de associações que
11
A afirmativa está referendada na descrição de vários clusters apresentada em PORTER (1990), nos
capítulos 7 e 8.
58
proporcionam serviços e representam os interesses de seus membros (NADVI e
SCHMITZ, 1994, p. 14; SCHMITZ, 1997, p. 4).
Do ponto de vista da organização espacial, a concentração de um cluster nem
sempre se submete aos limites territoriais impostos pela geografia política: a atividade
econômica pode perfeitamente extrapolar as linhas divisórias de um município, estado
ou país, o que demanda certa atenção quando o interesse está voltado à formulação de
políticas públicas.
Considerações a respeito do atributo Especialização.
A especialização é um atributo que deve ser observado sob dois aspectos.
O primeiro, diz respeito à especialização da própria aglomeração em si, em
termos do objeto da atividade produtiva, capaz de caracterizar um setor específico da
atividade econômica (ou parte dele); o segundo, guarda relação com a divisão do
trabalho entre as empresas da própria aglomeração, ou seja, a divisão do trabalho na
cadeia produtiva.
A especialização da empresa individual tem a vantagem de proporcionar
oportunidades em ganhos de eficiência, pois em geral o desempenho melhora na medida
em que é reduzido o escopo das atividades praticadas. A composição desse conjunto
reduzido de atividades pode, por exemplo, ser conseqüência de uma decisão consciente
da empresa, do aproveitamento de uma oportunidade específica de mercado ou ainda de
sua limitação em termos do conhecimento necessário à prática das demais etapas da
cadeia produtiva. Se a capacidade para empreender é restrita a uma faixa específica de
atividades, isto implica necessariamente em um limitado conjunto para a realização de
escolhas.
Em
termos
gerais,
pode-se
supor
que
atividades
que
apresentam
complementaridade que dependa de conhecimentos similares têm chances de serem
mais bem coordenadas dentro da própria organização. Se, por outro lado, as atividades
estão baseadas em conhecimentos não similares, a busca desse conhecimento em outras
empresas, por meio de cooperação formal ou informal, pode ser uma melhor opção
(HELMSING, 2001, p. 287).
A divisão do trabalho entre as empresas tende a ser influenciada pelo próprio
perfil do cluster. Se a sua estrutura caracteriza-se por pequenas empresas que fornecem
para uma grande empresa, por exemplo, há uma tendência da grande empresa exercer
maior influência na organização da divisão do trabalho.
59
Em termos da especialização da aglomeração como um todo, uma questão que
merece ser ressaltada é a relação entre o escopo de atuação e a contínua capacidade de
competir do cluster.
Adaptar ou modificar o escopo de atuação para assumir novos posicionamentos
estratégicos é uma característica essencial de clusters de maior longevidade. O processo
de mudança que incorpora a agregação de valor tem sido referenciado na literatura por
meio do uso do termo upgrading (ver HUMPHREY, 1995; SCHMITZ, 1999 e 2000a;
BAIR e GEREFFI, 2001; BAZAN e NAVAS-ALEMÁN, 2001 e MEYER-STAMER e
SEIBEL, 2002).
Um upgrading pode resultar em processos mais eficientes, na fabricação de
produtos com novas características ou na incorporação de novas etapas da cadeia, com
maior agregação de valor no próprio cluster.
O sucesso de um cluster não é constante ao longo do tempo, e a velocidade da
mudança tecnológica demanda estratégias de upgrading para que seja mantida a
capacidade de competir.
O conjunto dos upgrades resultantes compõe a trajetória do cluster. Essa
trajetória reflete, então, uma capacidade de se adaptar e enfrentar as pressões
competitivas. Compreender a trajetória do cluster, portanto, é por vezes considerado um
instrumento mais útil para a formulação de políticas do que a simples descrição do seu
estado atual (ver a discussão apresentada em HUMPHREY, 1995).
Considerando a unidade produtiva individual, o ponto que cada empresa pode
alcançar, do ponto de vista da mudança tecnológica, é uma função de sua posição
corrente e dos possíveis caminhos alternativos à frente. Por sua vez, a posição atual é
freqüentemente
uma
conseqüência
de
escolhas
anteriormente
realizadas
e,
evidentemente, do caminho percorrido – o que tem dado margem ao uso disseminado da
expressão "a história importa". Esta idéia está contida no conceito "dependência da
trajetória" (path dependence), útil para compreender alguns comportamentos de atores
econômicos que aparentam ser irracionais para um observador externo (ver MEYERSTAMER, 1998).
A explicação lógica para a dependência da trajetória percorrida reside no fato de
que não é sensato considerar todas as possíveis alternativas de evolução, durante todo o
tempo. Existe um custo de mudança, que depende do aprendizado, da rapidez da
mudança e da efervescência do ambiente competitivo, dentre outros fatores. Caso o
custo de mudança seja elevado, isto provoca um efeito denominado "trancamento"
60
(lock-in) (TEECE et al., 1997, p. 522-3), no qual a empresa se vê limitada a continuar
com as soluções atuais, o que pode ter grande impacto em sua capacidade competitiva.
Extrapolando esse raciocínio, o conjunto das soluções das empresas individuais
repercute coletivamente na trajetória do cluster. Também o cluster, portanto, poderia
apresentar a dificuldade de escapar de um caminho percorrido ao longo de anos,
tornando-se dependente de uma determinada trajetória (path dependent), assim como de
permanecer "trancado" em uma solução tecnológica específica, ambos com
repercussões para a sua capacidade competitiva.
Encontrar novos caminhos e escapar de roteiros previamente concebidos exige
uma maior capacidade de coordenar os interesses coletivos dos diversos agentes que
participam do cluster (ver BAZAN e NAVAS-ALEMÁN, 2001), o que reforça a
interdependência entre os atributos e ressalta a importância da interação.
Considerações a respeito do atributo Interação.
A intensidade da interação entre seus integrantes é, seguramente, um atributo
distintivo para um cluster. Conforme discutido, a proximidade física, sem uma
correspondente interação, limita os benefícios potenciais proporcionados por uma
aglomeração.
A interação modifica a capacidade cognitiva de um indivíduo, suas idéias e
representações; afeta a transmissão do conhecimento. Sua constante prática permite que
se estabeleçam processos que resultam na construção de um ambiente favorável ao
aprendizado coletivo.
E a existência de uma capacidade endógena da economia local para promover o
desenvolvimento sustentável, sem a facilidade dos benefícios fiscais, ponto de partida
para o estabelecimento da problemática tratada nesta pesquisa, tem relação estreita com
a capacidade coletiva de aprender.
O aprendizado coletivo permite o desenvolvimento de competências que se
disseminam mais rapidamente com a proximidade e o contato proporcionado pela
interação entre os agentes do cluster. E isto é considerado particularmente importante na
construção e promoção de conhecimento tácito, não codificado (DE BERNARDY,
1999, p. 344).
Uma informação, que é mais facilmente codificada, pode ser transmitida a
longas distâncias com baixo custo; já o conhecimento, de difícil codificação, tem sua
transferência facilitada a partir de interação face a face, por meio de contatos freqüentes
(ou das redes construídas a partir desses contatos), algo que pode ser mais bem
61
gerenciado a partir da proximidade física (AUDRETSCH, 1998, apud OELERMANS et
al., 2001, p. 65; STORPER e VENABLES, 2004, p. 352).
A interação não ocorre apenas entre as empresas, mas vai além, envolvendo os
outros agentes do cluster, daí a importância de se fazer uso de um conceito no qual essa
diversidade de agentes se faça presente. Diversidade e intensidade das interações são
indicadores que contribuem para caracterizar o ambiente do cluster, a riqueza e a
complexidade das relações existentes. E também de sua capacidade de aprender, o que
tem relação direta com sua trajetória.
Dentre possíveis tipos de interação entre os agentes, ressalta-se a importância da
cooperação, que possui a característica de ser uma atividade voluntária. Por demandar o
atendimento de um objetivo estabelecido de forma compartilhada entre as partes, a
cooperação comumente exige discussão e intermediação. É, portanto, um tipo mais
elaborado de interação, com propensão para ocorrer com mais intensidade em ambientes
nos quais já está estabelecida uma cultura própria, ou seja, aonde exista um histórico de
relações locais.
A constatação ressalta um ponto importante: se clusters pressupõem
especialização, cooperar não significaria compartilhar iniciativas com os concorrentes?
Essa é justamente uma das mais importantes questões relacionadas a clusters, o
dualismo entre competição e cooperação. Interagir e cooperar com um vizinho de
cluster, para que sejam alcançados objetivos comuns, em alguns momentos pode
significar o compartilhamento de uma iniciativa com um concorrente. Mesmo quando a
relação de cooperação é vertical – com um fornecedor, por exemplo – existe a
possibilidade de que informações sejam capturadas por um concorrente, especialmente
se o fornecedor não é exclusivo.
De uma certa forma, maiores níveis de cooperação podem ser esperados de
clusters que atingiram níveis mais elevados de maturidade, algo que só se configura
caso as relações entre os agentes estejam suportadas por um ambiente que inspire um
nível mínimo de confiança.
A confiança, por sua vez, baseia-se em regras de comportamento e códigos de
conduta informais, que se estabelecem ao longo do tempo, em conjunto com a
construção de uma identidade local, conforme será mais apropriadamente explorado um
pouco adiante. A intensidade das interações, e a diversidade de processos pelos quais as
regras e os códigos de conduta se fortalecem, são elementos que constituem a base
desse processo, e que resultam, posteriormente, na capacidade de empreender ações
62
conjuntas imprescindíveis para enfrentar os desafios competitivos (tais como as que
seriam necessárias à sobrevivência da atividade produtiva sem incentivo fiscal em
Manaus, por exemplo). Referindo-se a essa capacidade desenvolvida a partir de um
histórico de interações, KENNEDY (1999, p. 1673 e 1687) utiliza-se do termo "capital
cooperativo".
Para um agente em particular, então, a disposição em cooperar é inversamente
proporcional à intensidade do risco, por ele percebido, de não conseguir a apropriação
individual do benefício gerado pelo esforço coletivo. E a dificuldade é maior quando se
dissemina o comportamento oportunístico.
A cooperação entre concorrentes (horizontal) talvez seja a forma mais complexa
de cooperação e a que exige um clima de maior confiança entre as partes, quando
comparada com a cooperação (vertical) com fornecedores ou clientes, por exemplo.
Na abordagem econômica tradicional, a cooperação era, em geral, considerada
danosa à performance global da economia, por permitir a conspiração, que por vezes
resulta na fixação de preços ou estabelecimento de barreiras para a entrada de novas
empresas (MALIZIA e FESER, 1999, p. 226). Hoje, sob algumas condições, é
estimulada por governos, em países desenvolvidos, representando uma mudança de
postura em relação à corrente do pensamento econômico que no passado lhe creditava
apenas os efeitos negativos, levando alguns autores a até defenderem que uma
abordagem da atividade produtiva a partir de clusters deve conferir mais ênfase à
colaboração do que propriamente à competição (MARCEAU, 1994, p. 7).
Para outros autores, ainda que haja cooperação, sem uma vigorosa competição
um cluster fracassará (PORTER, 1998, p. 79). E, argumentando por este ponto de vista,
apontam a necessidade de um ambiente interno extremamente competitivo e desafiador
para que seja mantida a capacidade externa de competir das empresas que compõem o
cluster.
Abstraindo-se de uma discussão que utilize argumentações excludentes, pode-se
dizer que competição e cooperação encontram espaço para coexistir porque ocorrem em
diferentes dimensões.
Considerando a globalização econômica, a interação apresenta ainda uma outra
perspectiva de análise, que diz respeito às relações externas ao cluster. A inserção do
cluster (e seus agentes, individualmente) em cadeias globais apresenta conseqüências
para o ritmo do aprendizado e, em caso da presença de empresas transnacionais, para a
autonomia de decisão. Essas características terão uma maior ou menor influência em
63
função do perfil das empresas que participam do cluster, inclusive quanto às estratégias
de upgrading. No caso da indústria de Manaus, que apresenta forte presença de
empresas transnacionais, é de se esperar que as decisões corporativas repercutam no
desenvolvimento local, o que deve ser considerado na implantação de qualquer política
que pretenda ser bem sucedida.
Cada um dos três atributos aqui comentados, conforme já observado, influencia
e é influenciado pelos demais, aumentando a complexidade para a compreensão das
relações causa-efeito em ações associadas aos agentes de um cluster.
A Tabela III.1 sintetiza informações sob a perspectiva dos vários autores citados,
organizadas segundo os atributos selecionados para caracterizar um cluster, com
destaque para o item cooperação. Além de resumir informações já discutidas, são
apresentados alguns elementos adicionais.
Ao definir o escopo de estudo, portanto, este trabalho circunscreve a pesquisa a
um dentre os três atributos ressaltados para clusters, a interação. E mesmo assim
estabelecendo o foco em uma categoria específica, particular, a cooperação. Entende-se
que a importância do tema, a complexidade de sua investigação e a inexistência de
trabalhos anteriores abordando a realidade local sob essa perspectiva, são argumentos
que suportam a decisão tomada.
III.3.3. A ANÁLISE DE CLUSTERS E SUA VERSATILIDADE DE USO.
"Análise de cluster" (cluster analysis) é uma forma disseminada de referir-se ao
uso do conceito de cluster para, sob variados interesses, compreender a dinâmica da
atividade produtiva de uma aglomeração que se enquadre no conceito adotado. As
informações obtidas na análise de cluster são fundamentais para ampliar as chances de
sucesso de estratégias formuladas com o objetivo de implementar uma trajetória
desejada.
Ao administrador público, a análise de cluster permite obter uma perspectiva
única e detalhada das características básicas de uma economia regional, enfatizando as
ligações entre indústrias e a interdependência de empresas (BERGMAN e FESER,
1999, p. 244).
A própria versatilidade já ressaltada para o conceito permite seu uso associado a
diferentes objetos de análise, desde o foco mais convencional nas relações comerciais de
64
TABELA III.1
COMPARAÇÃO DE ATRIBUTOS PARA CLUSTERS, SEGUNDO ABORDAGENS DE DIFERENTES AUTORES
Atributos
Autores
Porter
(2000)
Schmitz
(1997)
Malizia e
Feser
(1999)
Altenburg e
MeyerStamer
(1999)
Cooke
(2002)
Roelandt e
den Hertog
(1999a)
van Klink e
de Langen
(2001)
Concentração
Espacial
Especialização
Interação
Î
"campo" particular; inclui
interconexão entre os
empresas de indústrias
agentes
relacionadas
não é um atributo
concentração
concentração setorial
necessariamente
geográfica
presente
presença em uma mesma
concentração
cadeia de produção; uso
não explícita
geográfica
de tecnologia ou força de
trabalho similar
aglomeração
perfil "distintivo" para a
"grande",
aglomeração;
substancial comércio
espacialmente
especialização entre
entre empresas
delimitada
empresas
empresas
baseada em competição
"campo" específico de
geograficamente
e cooperação; conexões
mercado
próximas
horizontais e verticais
não citada;
redes de produção de
pode incluir alianças
subentende-se como empresas interligadas na estratégicas; essencial
pré-condição
cadeia de valor
para a inovação
não citada;
interação econômica na
relações estratégicas
subentende-se como cadeia de valor;
entre empresas;
pré-condição
especialização
concentração
geográfica
Cooperação
ênfase na competição
("competir, mas
também cooperar")
importância da
cooperação é
ressaltada para a
inovação
intensidade da
cooperação é
associada a uma
tipologia para clusters
ação econômica
colaborativa é
considerada essencial
para compartilhar
necessidades e
restrições comuns
foco na competição
cooperativa
Características
adicionais
inclui outros agentes:
empresas, fornecedores,
provedores e instituições
divisão do trabalho (entre
empresas) não é condição
prévia
incluem outros agentes
incluem outros agentes,
mas admitem a
heterogeneidade dessa
composição
agentes compartilham
visão do crescimento do
negócio
admitem a possibilidade
de outros agentes
inovação e difusão;
compartilhamento de
uma cultura coletiva
Fonte: Elaborada pelo autor
65
troca, até estudos que privilegiam as interligações para a inovação ou o fluxo de
conhecimento (ROELANDT e den HERTOG, 1999b, p. 414).
Mas essa mesma versatilidade, sob outro aspecto, pode revelar-se uma
desvantagem. A diversidade das metodologias de abordagem representa um obstáculo
para a comparação de resultados de estudos realizados em distintos clusters
(DeBRESSON e HU, 1999, p. 28) e, de uma certa forma, implica em uma maior
dificuldade de utilizar experiências anteriores para subsidiar e suportar a formulação de
políticas específicas que promovam a indução ou expansão de um cluster (BERGMAN
e FESER, 1999, p. 243-4), justamente as principais aplicações para a análise de cluster
sob o ponto de vista de políticas de desenvolvimento econômico regional.
Na análise de cluster, repete-se uma discussão apresentada anteriormente,
relativa à confrontação das abordagens qualitativa e quantitativa. Privilegiar relações de
troca entre comprador-fornecedor no cluster, por exemplo, induz ao uso de técnicas
quantitativas tradicionais, como a matriz insumo-produto, utilizada em economia para,
por exemplo, expressar o fluxo de comércio entre empresas; enfatizar elos informais,
não comerciais, entre os membros do cluster, qualquer que seja o objeto tratado,
configura uma abordagem qualitativa mais centrada nos aspectos sociais, culturais e
políticos que afetam o processo (MALIZIA e FESER, 1999, p. 226).
Nas contribuições mais recentes, embora sejam ressaltados o dinamismo dos
clusters e sua competitividade no longo prazo, associados a questões de aprendizado e
conhecimento (presentes, por exemplo, em BELL e ALBU, 1999; ZHOU e XIN, 2003 e
MOROSINI, 2004), ou ainda as diversas dimensões da relação entre o local e o global,
conforme comentado anteriormente, permanecem freqüentes os estudos que exploram
taxonomias razoavelmente dedicadas a realidades específicas (ver ALBU, 1997;
McCORMICK, 1999; ALTENBURG e MEYER-STAMER, 1999; BORTAGARAY e
TIFFIN, 2000 e CHORINCAS et al., 2001), que de uma certa forma minoram as
possibilidades de ampliação da aplicação dos resultados.
Qualquer que seja a configuração atual do cluster, ou sua trajetória histórica,
adotar a análise de cluster implica em assumir algumas premissas. Dentre elas, o fato de
que o sucesso de um negócio individual é em parte determinado coletivamente, uma vez
que depende de fatores comuns, melhorias tecnológicas, e até do crescimento da
economia como um todo; no mesmo nível, destaca-se também a necessidade de
abandonar a visão neoclássica padrão de economias de mercado, que promovem ênfase
à competição acirrada entre empresas individuais (MALIZIA e FESER, 1999, p. 226).
66
Mesmo essas limitações não impediram que a análise de cluster, pelo
crescimento percebido no volume da literatura especializada, tenha ocupado maiores
espaços, comparativamente à análise econômica setorial tradicional.
Ao estabelecer fronteiras estritas para indústrias e setores (quase sempre com
base exclusiva em convenções estatísticas), enfatizando grupos estratégicos de empresas
análogas com posições similares na indústria, a análise tradicional deixa de considerar a
importância das conexões e do fluxo de conhecimento entre os agentes de uma
aglomeração. A análise de cluster, ao contrário, oferece uma abordagem capaz de
capturar a natureza em constante mudança que caracteriza o ambiente empresarial
moderno.
A abordagem setorial privilegia as relações horizontais e a interdependência
competitiva (entendida como as relações entre competidores diretos com atividades
similares operando nos mesmos mercados de produtos), enquanto a abordagem por
cluster também inclui a importância das relações verticais entre empresas não similares
e as associações de interdependência sinérgica entre elas (ROELANDT e den
HERTOG, 1999a, p. 12).
Tendo como fonte original uma apresentação realizada por Michael Porter, em
um congresso ocorrido em 1997, ROELANDT e den HERTOG (1999a, p. 13) efetuam
uma comparação bastante ilustrativa, confrontando a abordagem setorial tradicional e a
abordagem por cluster na análise da indústria, conforme pode ser depreendido da
Tabela III.2.
Como resultado dessa comparação, é possível interpretar que a abordagem
qualitativa baseada no conceito de cluster proporciona uma maior capacidade de
contabilizar os esforços resultantes de ações compartilhadas, dentre os quais incluem-se
os processos de cooperação, um argumento que fortalece o aprofundamento desse
conceito como suporte a este estudo.
III.4. EFICIÊNCIA COLETIVA, UMA FERRAMENTA PARA AVALIAR A
COOPERAÇÃO.
Retomando um conceito apresentado anteriormente, externalidade econômica é
qualquer benefício alcançado passivamente por uma empresa, simplesmente por fazer
parte de uma aglomeração industrial. É, portanto, um fenômeno incidental, não
planejado.
67
TABELA III.2
COMPARAÇÃO ENTRE ABORDAGEM SETORIAL E ABORDAGEM POR
CLUSTER
Abordagem Setorial
grupos com posições
similares na rede
foco em indústrias de
bem final
foco nos competidores
diretos e indiretos
hesitação em cooperar
com rivais
diálogo com o governo
geralmente tende para
subsídios, proteção e
restrição da rivalidade
busca pela diversidade
nas trajetórias existentes
Abordagem por Cluster
grupos estratégicos com posições principalmente
complementares e diferentes na rede
inclui clientes, fornecedores, provedores de serviços e
instituições especializadas
incorpora o arranjo de indústrias inter-relacionadas
compartilhando tecnologias comuns, habilidades,
informação, insumos, clientes e canais
a maior parte dos participantes não é de competidores
diretos mas compartilha necessidades e restrições
comuns
amplo espaço para melhorias em áreas de interesse
comum que aumentam a produtividade e a competição;
um fórum para um diálogo mais construtivo e eficiente
entre governo e empresariado
busca por sinergias e novas combinações
Fonte: ROELANDT e den HERTOG, 1999a, p. 13 (adaptado de PORTER, 1997)
A capacidade de competir de um cluster será restringida, e no longo prazo
encontrará dificuldade em ser mantida, caso sua sustentação esteja apoiada
fundamentalmente em vantagens passivas. Para construir vantagens adicionais, e
usufruir os seus benefícios, os participantes da aglomeração devem adotar um
comportamento pró-ativo, intencional, possível a partir do estreitamento das relações
entre as empresas no espaço local.
O estímulo para que essa aproximação ocorra depende de alguns fatores
subjetivos, dentre os quais a confiança exerce um papel reconhecidamente significativo.
Por não ser uma característica facilmente transferível através do espaço, a confiança é
um exemplo típico de vantagem que pode ser impulsionada pelo efeito proximidade
proporcionado por um cluster.
Portanto, fazendo parte de uma aglomeração, uma empresa individual amplia as
oportunidades para expandir sua capacidade de aprender, desde que exista uma cultura e
um ambiente que estimule a cooperação, reduzindo a incerteza a partir do
comportamento transparente e do bloqueio ao comportamento oportunístico. Isto facilita
a troca de informações, a articulação de necessidades e a coordenação de ações. Em
última instância, potencializa o aprendizado coletivo (CAMAGNI, 1991b, p. 130).
68
Identificar a existência desses comportamentos intencionais em uma
determinada aglomeração, e a intensidade em que ocorrem, auxilia na compreensão do
efetivo estabelecimento de uma identidade que afete positivamente a dinâmica
industrial, com todos os reflexos que isto possa acarretar para o aprendizado local e o
conseqüente desenvolvimento de uma capacidade endógena.
Um conceito útil para auxiliar na compreensão dessa realidade que, em um
cluster, reúne os benefícios incidentais e os planejados, é o de eficiência coletiva,
desenvolvido por Hubert Schmitz. Segundo esse autor, eficiência coletiva é a vantagem
competitiva obtida por empresas que fazem parte de aglomerações, em conseqüência
não apenas de externalidades econômicas, mas também de esforços de cooperação
deliberados, aos quais denomina ação conjunta (SCHMITZ, 1997, p. 9).
Aproveitar os benefícios da externalidade econômica não requer vínculos de
produção ativos ou deliberados com outros agentes dentro ou fora do cluster (NADVI,
1997, p. 20). Porém, externalidades econômicas podem ser consideradas apenas uma
parcela dos benefícios que a aglomeração potencialmente oferece aos produtores locais,
uma vez que a ação conjunta deliberada amplia a perspectiva de ganhos competitivos
posteriores para o cluster. Mas para isto é necessária uma postura de cooperação.
Contrariamente à externalidade econômica, a ação conjunta é conscientemente
perseguida e, portanto, reflete uma efetiva capacidade de interação entre as empresas do
cluster. A existência de ação conjunta em um cluster configura a materialização da
vantagem da proximidade atribuída a aglomerações.
Para caracterizar as vantagens oriundas de externalidades econômicas e da ação
conjunta, ao invés de recorrer aos termos "não planejadas" e "planejadas", NADVI
(1997, p. 6) prefere utilizar "passivas" e "ativas", respectivamente.
Assim, o conceito de eficiência coletiva tenta capturar, a um só tempo, as
seguintes idéias: (i) a prosperidade econômica não pode ser entendida, e nem tampouco
estimulada, apenas enfatizando o desempenho da empresa individual e (ii) os efeitos
incidentais não são uma explanação suficiente para o sucesso competitivo de uma
aglomeração, devendo ser complementados por um segundo componente fundamental,
a ação conjunta (SCHMITZ, 1997, p. 9).
Apresentados dessa forma, pode parecer fácil estratificar externalidades
econômicas e benefícios da ação conjunta. Mas fazer essa separação não é algo simples,
uma vez que a própria ação conjunta pode proporcionar o surgimento de externalidades
econômicas, ou seja, a ação conjunta pode beneficiar mesmo quem não participou
69
ativamente do esforço de cooperação, o que implicaria na existência de "externalidades
da ação conjunta" (NADVI, 1997, p. 37).
Para facilitar a identificação dos tipos de cooperação, são utilizadas duas
dimensões de análise: segundo o número de empresas que cooperam, pode ser bilateral
ou multilateral, dependendo de que seja um esforço empreendido por apenas duas ou
por mais que duas empresas; segundo a direção da cooperação, pode ser horizontal – se
realizada entre empresas que se encontram no mesmo elo da cadeia produtiva
(competidores) – ou vertical, quando ocorre entre um produtor e um fornecedor de
insumos (backward ties) ou entre esse produtor e um distribuidor de produtos (forward
ties) (SCHMITZ, 1997, p. 8). A Tabela III.3 resume esquematicamente as diferentes
possibilidades de combinação, apresentando alguns exemplos.
Dos diferentes tipos de ação conjunta, a cooperação horizontal é a que
proporciona uma mais clara relação entre competição e cooperação. Se a relação é
construtiva, induz à inovação e abre novos mercados; caso seja destrutiva, pode resultar
em guerra de preços e falência da cooperação horizontal no cluster (NADVI, 1997, p.
28-9).
TABELA III.3
EXEMPLOS DE COMBINAÇÃO ENTRE OS DIFERENTES TIPOS DE
COOPERAÇÃO
Tipo
Horizontal
Vertical
Bilateral
Compartilhar equipamento
Produtor e fornecedor
desenvolvendo componente
Multilateral
Associação setorial
Aliança na cadeia
de valor
Fonte: SCHMITZ, 1997, p. 8.
Embora uma maior intensidade da ação conjunta sinalize a existência de um
ambiente favorável na aglomeração e, portanto, de uma cultura estabelecida, as
evidências apontam que, além da esperada variação entre diferentes clusters, ocorre
também uma variação da intensidade da cooperação, em um mesmo cluster, ao longo do
tempo, conforme pode ser visto em SCHMITZ (1997, p. 14; 1999, p. 1628 e 2000b, p.
325). Nos resultados apresentados nesses trabalhos, uma maior intensidade da ação
conjunta é identificada quando o cluster é confrontado com grandes desafios, ou seja,
uma mudança da eficiência coletiva, de passiva para ativa, é tão mais necessária quanto
maior for a mudança exigida pelo ugrading pretendido para o cluster.
70
A partir deste ponto, este trabalho utiliza-se dos termos ação conjunta,
cooperação e colaboração para, de forma equivalente, traduzir quaisquer desses esforços
que representem iniciativas comuns a duas ou mais empresas. É evidente que a
investigação concentra-se apenas nos esforços praticados com "bons propósitos"
(conforme sugerido em SCHMITZ, 2000b, p. 326), sem interesse nos que provoquem
limitação à competição ou restrição a práticas de livre-mercado.
III.5. GESTÃO DO INTERESSE COLETIVO E O CONCEITO DE
GOVERNANÇA.
A capacidade de administrar o interesse coletivo, harmonizando interesses
individuais
eventualmente
conflitantes,
a
partir
da
mobilização
de
atores,
compartilhando responsabilidades e tarefas, é a idéia apropriada pelo conceito de
governança.
A qualidade da governança praticada em uma determinada localidade revela não
apenas a capacidade de articulação dos agentes que ali atuam, mas principalmente o seu
potencial de resposta aos desafios que se apresentem.
Contrastando com o que o termo possa induzir a pensar, governança não é uma
prática reservada a agentes de governo. Ao contrário, pode ser – e, modernamente, em
economias desenvolvidas, tem sido – exercitada também por indivíduos, empresas,
associações, organizações não governamentais, enfim, todos aqueles que de alguma
forma sejam capazes de intervir nos processos locais de decisão. Por meio da
governança é possível interferir na organização dos fluxos de produção ou
conhecimento, gerenciando problemas comuns, acomodando interesses e estimulando a
realização de ações cooperativas (LASTRES e CASSIOLATO, 2003, p. 14).
Dependendo do interesse, diferentes dimensões podem ser utilizadas para
analisar a prática da governança em um espaço local específico. Tipos de intervenção,
natureza (pública ou privada) e nível de formalização das relações são algumas dentre
as que têm sido abordadas com mais freqüência na literatura.
Na dimensão que avalia a governança segundo sua natureza, a governança
pública, mais óbvia, pode ser desempenhada por uma ampla gama de agentes
governamentais, nas diferentes esferas de governo, agindo em nome do interesse
público. Uma eventual superposição conflitante de políticas emanadas dessas diferentes
esferas, a descontinuidade de sua implementação ou mesmo a frágil participação de
71
legítimos representantes da sociedade em sua formulação são indicativos de uma
governança débil.
A governança privada (ou governança do interesse privado), por sua vez, ressalta
uma capacidade de articulação dos agentes econômicos, que se manifesta, por exemplo,
a partir de funções reguladoras desenvolvidas por associações, por meio do
estabelecimento de normas e padrões para produtos, pela recomendação de melhores
práticas, regulamentando códigos de conduta etc. A ausência de associações
representativas dos diversos agentes locais, ou a limitada capacidade de se fazer
expressar das que eventualmente existam, são exemplos que refletiriam oportunidades
de melhoria nos níveis da governança privada.
O fenômeno da economia globalmente desenvolvida, em que sobressaem as
corporações transnacionais, destaca uma forma particular de governança privada, a
chamada governança corporativa. Por via indireta, a articulação dos interesses da
corporação, a partir de decisões tomadas nos centros de comando dessas empresas, em
seus países-sede, é capaz de trazer repercussões para a realidade local, conforme já
comentado, interferindo no ritmo de aprendizado local, com conseqüências para as
possibilidades de upgrading do cluster e, portanto, para sua trajetória.
Governança pública e governança privada não representam, necessariamente,
interesses antagônicos. Ao contrário, ao ser pensado o desenvolvimento econômico
local de forma mais ampla, idealmente podem atuar de forma complementar na
construção do futuro coletivo, revelando-se não apenas por meio da simples
coexistência, mas principalmente como instrumentos úteis na construção de canais de
comunicação que possibilitem a ampliação da interlocução entre os agentes. Esta
percepção é ainda mais significativa à medida que são enfrentados problemas de maior
nível de complexidade, que exigem a interação e a coordenação da atuação de uma
maior diversidade de agentes, demandando o que alguns autores (ver, por exemplo,
HUMPHREY e SCHMITZ, 2000) denominam governança público-privada (no âmbito
da OECD, com alguma freqüência substituído pelo termo parceria), no qual ambos os
perfis de agentes encontram seu espaço de atuação.
A prática de mecanismos de governança em um cluster representa uma
vantagem
para
a
intervenção
positiva
na
construção
de
sua
trajetória,
independentemente do estágio de desenvolvimento em que este se encontre. Admitindo
que mesmo clusters bem sucedidos atravessam crises, torna-se mais adequado entender
o sucesso não como um estado, mas um processo que depende de habilidades coletivas
72
para saber obter vantagens a partir das oportunidades e estar preparado para combater as
adversidades (ver SCHMITZ, 1997). Em qualquer dessas duas situações, aperfeiçoar e
utilizar continuamente a capacidade de governança contribui para explorar mais e
melhores alternativas de solução, pois os esforços serão mais adequadamente
compartilhados e as responsabilidades na implementação das alternativas poderão ser
mais claramente definidas. A ausência de mecanismos apropriados de governança, por
outro lado, pode comprometer a vitalidade da economia de uma região no longo prazo.
A tendência à descentralização e transferência das responsabilidades públicas
para o nível local, em economias de transição, especialmente quando estas não estão
respaldadas na correspondente transferência de recursos compatíveis com as novas
demandas, amplia a necessidade de que sejam fortalecidas as estruturas locais e, por
conseguinte, impele os governos e a sociedade locais a um novo papel, previsivelmente
mais ativo, para uma adequada condução do processo de desenvolvimento econômico.
Conseqüentemente, é possível que a capacidade de governança seja utilizada
para o estabelecimento de uma conexão mais robusta entre as externalidades
econômicas e o aprendizado coletivo (HELMSING, 2001, p. 277), uma associação que
confere à governança um importante papel no desenvolvimento da desejável
capacitação endógena.
III.6. CONFIANÇA, INSERÇÃO E APRENDIZADO SEGUNDO UMA
PERSPECTIVA PELA DIMENSÃO SOCIOCULTURAL.
Sob um ponto de vista estritamente econômico, o progresso de uma região está
intrinsecamente ligado à sua capacidade de gerar vantagens comparativas de modo
contínuo. Na superação desse desafio, conhecimentos, habilidades e capital, sempre
associados a uma estrutura espacial específica, revelam-se uma fonte endógena dessas
vantagens (MALECKI, 1991, p. 85). E pode-se dizer que pelo menos dois desses
elementos – conhecimentos e habilidades – de particular interesse para este trabalho,
uma vez adquiridos, não desaparecem.
A redescoberta da região como uma importante fonte de vantagem competitiva
está, em parte, baseada em estudos de sucesso de economias regionais de grande
dinamismo que utilizam recursos locais para estabelecer seu nível de competitividade
(AMIN, 1999, p. 368). A diversificada literatura sobre áreas especializadas de produção
evidencia a industrialização como um processo territorial, e ressalta a importância da
73
aglomeração e de fatores não econômicos (cultura, normas e instituições) para a
performance econômica de regiões.
Se o fenômeno da aglomeração é um conceito capaz de capturar a idéia de que a
mudança está condicionada ao passado e aos modelos de acumulação espacial, o
acréscimo de fatores não econômicos à análise introduz no cenário a importância das
estruturas socioculturais locais, conferindo-lhes um papel de maior relevância na
arquitetura do desenvolvimento regional.
De uma certa forma, entende-se que essas estruturas sejam capazes de acelerar a
dinâmica do desenvolvimento, por meio da criação de um ambiente estimulante, no qual
os agentes interagem, revelam suas experiências e, de uma certa forma, socializam
informações. O resultado dessa interação é o que se denomina aprendizado interativo,
um processo no qual os agentes comunicam e cooperam para a criação e utilização de
conhecimento novo, economicamente útil (LUNDVALL et al., 2002, p. 226).
Estabelecer uma vantagem competitiva, portanto, seria uma conseqüência de um
processo de aprendizado interativo, social e territorialmente inserido (ASHEIM e
COOKE, 1998, p. 145).
Inserção (embeddedness) é um conceito cujo uso tem sido notadamente
intensificado nos últimos 20 anos, graças a uma contribuição realizada por Mark
Granovetter12. Em um sentido amplo, inserção refere-se à estruturação social, cultural,
política e cognitiva das decisões em contextos econômicos, amparada na relação
indissolúvel entre o ator e seu ambiente social (BECKERT, 2003, p. 769).
A utilização do conceito de inserção implica, para a sociologia da economia, na
busca de uma melhor forma de entender e explicar a ação em contextos econômicos,
para além da visão que considera a racionalidade como um comportamento baseado na
maximização da utilidade de um indivíduo. Contrariamente, as estratégias seriam
formuladas a partir da compreensão, pelos atores, do seu contexto social e da construção
de uma racionalidade suportada na interpretação de expectativas do grupo social
(BECKERT, op. cit., p. 782). Isto implica em admitir que o desenvolvimento
econômico não é o resultado de preferências individuais, mas sim um processo
institucional, conformado a partir de forças coletivas (AMIN, 1999, p. 367).
12
Mark Granovetter publicou, em 1985, o trabalho "Economic action and social structure: the problem of
embeddedness", no American Journal of Sociology, considerado um marco para a ampla utilização
posterior do conceito por parte da sociologia da economia na compreensão "ampliada" da dinâmica do
ambiente econômico.
74
Relacionamentos territoriais, então, ajudam a explicar a dinâmica econômica,
em que as interações, relações e sinergias interpessoais e ações coletivas sociais
influenciam sobremaneira o sucesso econômico de localidades específicas. Criatividade
e inovação contínua – e, portanto, manutenção de vantagens comparativas – podem ser
vistas como o resultado de um processo de aprendizado coletivo. Mais que configurar a
eficiência de sistemas produtivos, os aspectos socioculturais, incluindo o nível de
cooperação, determinam a capacidade de resposta de uma localidade a um ambiente
externo em constante mudança (CAMAGNI, 1991a, p. 1-2).
A relação direta entre a interação colaborativa e o aprendizado local, em um
ambiente que evidentemente inclui outros elementos não-econômicos que caracterizam
essa inserção social, é constantemente reafirmada na literatura. Embora sob diferentes
rótulos, a mensagem comunicada é essencialmente a mesma: a cooperação acelera o
aprendizado coletivo.
Assim, em uma sucessão histórica de contribuições mais recentes, por exemplo,
MALECKI et al. (1998, p. 262), concluem que fluxos de conhecimento, aprendizado e
inovação são facilitados pela maior interação entre os atores; HELMSING (2001, p.
289) considera que além do estabelecimento de regras de comportamento e códigos de
conduta, uma linguagem de compromisso e a colaboração são as pré-condições para o
aprendizado coletivo; GREFFE (2004, p. 270) afirma que parcerias deveriam buscar
promover a cooperação dentro e entre todos os setores da sociedade como um dos meios
para fortalecer a capacidade de aprendizado coletivo da região. Em momento anterior,
LUNDVALL (1992), com trabalhos precursores e um reconhecido pesquisador nesta
temática, enfatiza o aprendizado como um processo predominantemente interativo, que
demanda cooperação e criação coletiva, o que inclusive reforça a propriedade de sua
inserção social.
A estreita relação apontada pela literatura entre inserção e aprendizado,
intermediada pela cooperação, ressalta o terceiro elemento apresentado no título desta
seção, a confiança, brevemente referenciado em uma seção anterior deste mesmo
capítulo.
A existência da confiança na interação entre os agentes é essencial para que haja
a colaboração, pois estimula a aproximação na medida em que reduz a expectativa de
que ocorra o comportamento oportunístico. A confiança ajuda a restringir a incerteza
transacional, criando oportunidades para a troca de bens e serviços para os quais seria
difícil estabelecer um preço (UZZI, 2001, p. 6).
75
Considerando uma associação direta simples, pode ser dito que uma maior
confiança entre os agentes da aglomeração amplia o potencial colaborativo; na via
contrária, quanto mais intensa for a cooperação, maior o conhecimento que se
estabelece entre os agentes, o que aumenta a confiança. São características que se
estimulam mutuamente.
A importância da confiança para a composição do tecido social que modela a
dinâmica do aprendizado está sintetizada na seguinte contribuição de LUNDVALL et
al. (2002, p. 220):
"Trust is a multidimensional and complex concept which refers to expectations about
consistency in behaviour, full revelation of what agents regard as relevant information for
the other party and restraint in exploiting the temporary weakness of partners. The
institutions that constitute trust are crucial for interactive learning and innovation
capabilities. The strength and the kind of trust embedding markets will determine to what
degree interactive learning can take place in organised markets."
Como resultado, é possível inferir que apesar de mais facilmente estabelecida a
partir de relações bilaterais, a confiança, em termos institucionais, apresenta impacto
direto na robustez da atividade econômica e, portanto, é uma qualidade a ser nutrida e
conquistada por uma sociedade.
O nível de confiança que regula as relações em um ambiente auxilia na criação
da identidade do espaço local, uma vez que se fortalece mais facilmente entre os que
estão espacialmente próximos, em contraste ao que caracteriza o seu estabelecimento
por meio de vínculos longínquos. Ao estimular e promover trocas não obrigatórias de
recursos e serviços entre os atores, a confiança pode ser entendida como um mecanismo
de governança para relações enraizadas (UZZI, 2001, p. 8).
Evidentemente esses não são os únicos elementos a compor o ambiente
sociocultural com capacidade de interferir no resultado das relações econômicas. Mas,
novamente, estão sendo abordados por serem percebidos como aqueles que estão mais
proximamente relacionados ao tema da cooperação.
III.7.
APROPRIANDO
OS
CONCEITOS
PARA
UMA
REALIDADE
PARTICULAR – UMA DIGRESSÃO.
A importância da inovação para a prosperidade futura de uma nação ou região e
a característica institucional de sua dimensão são elementos previamente ressaltados na
parte inicial deste capítulo, na seção em que foi apresentada a relação entre
"clusterização" e desenvolvimento econômico.
76
A moderna teoria da inovação demanda uma abordagem mais sociológica para o
processo de inovação, no qual esse mesmo aprendizado interativo discutido na seção
imediatamente anterior é considerado um aspecto fundamental (LUNDVALL apud
ASHEIM & COOKE, 1998, p. 147).
Apesar de não ser o foco central desta pesquisa, a inovação, consideradas essas
condições, configura-se como um elemento inevitável de uma agenda de discussão do
desenvolvimento local em bases endógenas, o que justifica, no mínimo, uma apropriada
explicitação das suas relações (percebidas) com os conceitos selecionados. E é na
perspectiva de ampliar a compreensão da lógica que orientou a adoção dos conceitos
anteriormente apresentados que se optou pela inclusão dos comentários a seguir.
Pode ser dito que pertencer a um cluster contribui para aumentar a
produtividade, o ritmo da inovação e a performance competitiva de uma empresa.
Clusters são um exemplo de como uma região pode reduzir riscos, aproveitando as
externalidades econômicas, a partir do encorajamento das relações verticais e
horizontais, recíprocas e cooperativas (MORGAN, 2004, p. 69).
A atividade industrial espacialmente concentrada alcança e sustenta com maior
dinamismo suas vantagens competitivas a partir da prática da inovação contínua, que,
por sua vez, requer cooperação interna, socialmente interativa (ASHEIM e COOKE,
1998, p. 148 e 174). Interações cooperativas encontram estímulo na proporção direta da
confiança estabelecida entre os agentes.
Os resultados dessas interações podem ser mais amplamente (ou mais
rapidamente) alcançados, do ponto de vista do interesse do desenvolvimento econômico
local, por meio de uma maior sofisticação dos mecanismos de governança, capazes de
contribuir para um melhor foco da trajetória do cluster.
Esse conjunto de elementos, com toda a complexidade de se identificar as
possíveis inter-relações e relações de causa e efeito, certamente contribui para um
ferramental analítico de maior amplitude.
Por uma questão de factibilidade da pesquisa, este trabalho enfatiza os conceitos
de cluster, eficiência coletiva e governança, reunidos e orientados pelo prisma da
cooperação. Mas deve-se ter em conta que a compreensão da dinâmica das relações nos
dois principais subsetores do Pólo Industrial de Manaus não pode se dar de forma
descontextualizada da abordagem institucional diretamente relacionada à inserção
social.
77
Embora os demais conceitos – que poderiam ser chamados de complementares –
não tenham sido objetivamente tratados a partir de questões na configuração da pesquisa
(e, por essa razão, tampouco possam ser explicitados estatisticamente nos resultados),
influenciaram a construção da abordagem – conforme será visto à frente na discussão da
metodologia – assim como a análise dos resultados.
Evidentemente, a realidade é sempre mais complexa que os modelos a que se
recorre – e que a capacidade de interpretação do pesquisador – conseguem alcançar.
Mas o esforço de reunir os conceitos neste mosaico pode ser justificado por contribuir
para estabelecer mais nitidamente os limites da investigação e, conseqüentemente, seu
potencial de contribuição, assim como por favorecer que novas linhas de pesquisa, ainda
não privilegiadas, ou mesmo outros eventuais desdobramentos futuros, sejam mais
facilmente identificados.
78
IV. CARACTERÍSTICAS DA METODOLOGIA DE PESQUISA UTILIZADA.
É razoavelmente aceito que, pelo menos nos últimos vinte anos, as abordagens
qualitativas na pesquisa têm conquistado um espaço significativo na produção
acadêmica (ATTRIDE-STIRLING, 2001, p. 385; PATTON, 2002, p. xxi-xxii),
fortalecendo sua capacidade de contribuir para a compreensão de fenômenos antes
reservados ao tratamento quantitativo, durante décadas responsável por um quase
monopólio no uso do adjetivo "científico".
Certamente têm colaborado para essa mudança uma maior sistematização na
descrição dos métodos de pesquisa utilizados e o surgimento de novas tecnologias que
auxiliam na manipulação de dados qualitativos, especialmente aqueles de caráter
textual.
Este capítulo apresenta os procedimentos que, utilizados na coleta e tratamento
dos dados, em seu conjunto caracterizam a metodologia empregada para alcançar os
objetivos estabelecidos para o projeto de pesquisa.
Além de descrever as etapas dessa metodologia, e comentar as decisões
inerentes às opções realizadas, o conteúdo identifica alguns dos obstáculos enfrentados,
incluindo aqueles mais diretamente relacionados à implementação da pesquisa de
campo, com o intuito de que o relato resultante possa ser útil no eventual planejamento
de atividades similares, especialmente no tratamento da problemática local.
IV.1. SELEÇÃO DA AMOSTRA.
Em virtude de esta pesquisa ter utilizado dois conjuntos distintos e bem
delimitados como fontes de informação na investigação de campo, sempre que
pertinente os esclarecimentos apresentados estarão associados de modo particular a cada
conjunto, como é o caso de suas seleção e composição, apresentadas destacadamente
nas seções seguintes.
IV.1.1. CONJUNTO DE EMPRESAS PESQUISADAS.
A opção pelo estudo dos subsetores Eletroeletrônico e Duas Rodas foi justificada
anteriormente, respaldada pelos números da atividade produtiva apresentados
originalmente nos capítulos I e II deste trabalho.
Fundamentalmente, os dois principais motivos que levaram a essa escolha são (i)
a importância dos dois subsetores para a economia do estado do Amazonas e (ii) a
79
perspectiva de relações enraizadas de naturezas distintas, como conseqüência direta de
diferentes intensidades nas compras locais, quando comparados os dois subsetores.
A identificação das empresas que seriam abordadas, em cada um dos subsetores,
todavia, foi uma tarefa menos imediata.
Repetiu-se, para a definição da amostra, o critério da seleção em função da
expressão econômica, considerada a intenção do estudo de alcançar a maior repercussão
possível, com a análise dos resultados, enfatizando-se a perspectiva do desenvolvimento
econômico sustentável. Esta opção permite contemplar o conjunto das relações de
cooperação com maior potencial de impacto econômico, recorrendo-se ao valor da
produção como "peso" para a ponderação de sua representatividade. Embora deva ser
reconhecido que tal procedimento eventualmente represente uma redução no espectro
das experiências de cooperação passíveis de serem registradas, é uma peculiaridade que
de todo modo estaria associada a qualquer abordagem que privilegiasse uma amostra,
em detrimento do universo das empresas.
Definido o critério, o passo seguinte foi a obtenção de uma listagem com a
indicação do faturamento de cada uma das empresas incentivadas implantadas no Pólo
Industrial de Manaus (SUFRAMA, 2002). Por ser uma informação de acesso restrito, a
listagem só foi obtida em função da natureza e dos objetivos da pesquisa, sendo sua
utilização condicionada à não divulgação de dados personalizados.
Como a listagem apresentava o universo de empresas do PIM, foi necessário
identificar aquelas que faziam parte de cada um dos dois subsetores de interesse. Para
isso, tomou-se como referência as informações apresentadas em duas publicações
oficiais de responsabilidade da Suframa: o Perfil Industrial e os Indicadores de
Desempenho do Pólo Industrial de Manaus.
O Perfil Industrial (SUFRAMA, 2004b) é um cadastro com disponibilidade de
acesso on-line que inclui todas as empresas com projeto aprovado para implantação no
Pólo Industrial de Manaus, indicando o status dessa implantação, a linha de produtos
aprovada para a fabricação incentivada, bem como um conjunto de informações
cadastrais. É um documento de atualização periódica, justificada por motivos diversos:
fusões, alterações de razão social, novos projetos aprovados a cada reunião do Conselho
da Administração da Suframa, encerramento de atividades produtivas de empresas etc.
Observe-se que inclui todas as empresas, estejam elas em funcionamento, paralisadas ou
mesmo que não tenham, ainda, iniciado a produção. A cada ano as empresas devem
80
renovar seus dados cadastrais, sendo esse, portanto, o intervalo máximo de atualização
dos dados individuais de uma determinada empresa.
Nesse documento, as empresas encontram-se estratificadas em 19 subsetores
industriais, alguns deles com subdivisões, aqui denominadas subgrupos.
A estratificação atualmente utilizada é uma composição histórica tradicional. A
ausência de critérios objetivos formalmente explicitados para a definição dessa
estratificação dá margem a tratamento individual mesmo para subsetores ou subgrupos
que hoje não correspondem a uma maior relevância econômica. Constata-se que pelo
menos 8 deles possuem o número de empresas variando entre zero (ou seja, um subsetor
ou subgrupo que não possui qualquer empresa ativa) e três.
Em virtude de uma alteração na linha de produção ou por qualquer nova
caracterização de interesse da Suframa, a empresa pode ser eventualmente deslocada de
um para outro subsetor. É o que ocorre, por exemplo, quando uma empresa possui uma
linha diversificada de produtos, o que admitiria mais de uma possibilidade de
classificação. Nesse caso, mesmo que a prática comum seja a de classificar a empresa
em função da sua linha de produtos mais representativa, em termos econômicos, este é
um status que pode variar ao longo do tempo em função das condições de mercado, o
que obviamente repercute nos indicadores de produção contabilizados para aquele
subsetor.
O segundo documento de referência, Indicadores de Desempenho do Pólo
Industrial de Manaus (SUFRAMA, 2004a), também se apresenta em formato eletrônico
com disponibilidade para acesso on-line, e configura um conjunto de dados sobre o
setor produtivo, de amplo alcance, cuja série histórica teve sua construção iniciada na
segunda metade dos anos 70, recebendo um tratamento mais elaborado a partir da
década de 80, continuamente aperfeiçoada em termos metodológicos desde então.
Além dos dados de produção e vendas (unidades produzidas e faturamento), esse
documento inclui ainda estatísticas relativas a salários, empregos, compras, impostos
etc. A série histórica dos dados agregados é uma boa referência para se compreender o
comportamento evolutivo da atividade industrial em Manaus, desde que utilizada com a
precaução devida, especialmente quanto às imprecisões já apontadas.
Ainda em relação a esse documento, apenas empresas a partir de um
determinado porte são formalmente obrigadas a submeter seus dados, e isto ocorre
segundo uma freqüência mensal. No período compreendido pelo trabalho de campo da
pesquisa, a quantidade de empresas abrangidas variava entre 300 e 350.
81
Os dados brutos enviados pelas empresas para a composição destes indicadores,
devidamente manipulados, são a fonte original a partir da qual foi elaborada a listagem
com o ranking de faturamento das empresas para o ano de 2002, base para a escolha da
amostra.
Assim, de posse da listagem, com o auxílio do Perfil Industrial foram
identificadas as empresas que compunham os dois subsetores de interesse.
No caso do Eletroeletrônico, o subsetor identificado no Perfil Industrial é
denominado Material Elétrico, Eletrônico e de Comunicação, subdividido nos seguintes
subgrupos: (i) Pólo de Componentes, (ii) Pólo de Produtos Elétrico, Eletrônico e de
Comunicação exclusive Máquinas Copiadoras e Similares e (iii) Pólo de Máquinas
Copiadoras e Similares. Percebe-se que a reunião dos três subgrupos alcança tanto os
fabricantes de produtos acabados (bens finais) quanto os de componentes eletrônicos.
Em termos metodológicos, considerar o subsetor Eletroeletrônico como a reunião dos
três subgrupos justifica-se não só pela similaridade da natureza do trabalho e dos
processos das empresas que os constituem, mas também no fato de que vários dos
empreendedores – e, portanto, dos padrões de comportamento – possuem presença em
mais de um desses subgrupos.
O subsetor Duas Rodas, por sua vez, é indicado no Perfil Industrial como um
subgrupo do subsetor Material de Transporte. Mais acentuadamente que no caso do
Eletroeletrônico, existem empresas de interesse à análise do Duas Rodas compondo
outros subsetores, como são exemplos o subgrupo Outras Empresas do Subsetor
Mecânico, vinculado ao subsetor Mecânico, e o subsetor Metalúrgico.
O documento Indicadores de Desempenho do Pólo Industrial de Manaus foi
utilizado de forma complementar para que, a partir da análise da importância econômica
dos demais subsetores, e considerando que o foco da abordagem privilegia o conceito de
cluster, fossem identificadas outras empresas que pudessem fazer parte da amostra,
mesmo classificadas em outros subsetores ou subgrupos.
Observadas essas especificidades, a listagem principal deu origem a duas listas
de empresas ordenadas por faturamento decrescente, uma para cada subsetor em análise,
considerando apenas a própria classificação adotada pela Suframa. No subsetor
Eletroeletrônico, foram identificadas 117 empresas; no subsetor Duas Rodas, 19
empresas.
A partir das listas, fez-se uso do que talvez seja a principal distinção entre os
métodos para abordagens quantitativas e qualitativas: a amostra. No caso da pesquisa
82
aqui descrita, e a partir das listas de empresas, em termos da definição da amostra
utilizou-se como critério a amostragem intencional (purposeful sampling) (PATTON,
2002, p. 237-8).
Enquanto a amostragem estatística, que predomina na abordagem quantitativa, é
uma base confiável e conveniente para que, a partir da identificação da existência de um
fenômeno na amostra, sejam alcançadas generalizações para a população como um
todo, a amostragem intencional privilegia o conteúdo da informação, procurando
selecionar casos particulares que contribuam para esclarecer as questões centrais da
investigação.
Dentre as diferentes possibilidades de estratégia para a realização da
amostragem intencional, optou-se pela denominada chain sampling (ou snowball), na
qual os elementos da amostra são definidos a partir da consulta a pessoas em posição
destacada, e mesmo a outros elementos já determinados para compor a amostra.
Segundo essa estratégia, solicita-se aos interlocutores a identificação de fontes
prioritárias de informação, considerando o contexto de interesse. A citação freqüente de
uma mesma fonte e a pertinência da potencial contribuição para o objetivo da pesquisa
justificam, então, sua inclusão na amostra (PATTON, 2002, p. 237-8).
Além dos casos mais destacados, a pesquisa pretendeu que a amostra atingisse o
equivalente a pelo menos 50% do faturamento de cada um dos dois subsetores, um
percentual que poderia ser ampliado se, após alcançado, ainda restasse prazo disponível
no período abrangido pelo tempo planejado para a realização do trabalho de campo,
correspondente a 10 meses. Esse prazo global, evidentemente, foi o principal elemento
balizador da amplitude da amostra, considerando o envolvimento de um único
pesquisador na condução da atividade de campo.
Uma implicação que resulta da decisão de utilizar o faturamento como um dos
critérios de seleção pode ser apreendida a partir do Gráfico IV.1, que apresenta uma
perspectiva do nível elevado de concentração desse faturamento, em um número
relativamente reduzido de empresas do subsetor Eletroeletrônico. Os 15 maiores
faturamentos, correspondentes às empresas genericamente denominadas de I a XV,
acumulam um quantitativo equivalente a quase 79% do faturamento total do subsetor,
enquanto as restantes 112 empresas, representadas pela coluna Outros, são responsáveis
por pouco mais de 21% do faturamento total.
83
O nível de concentração é ainda maior no subsetor Duas Rodas, conforme pode
ser observado no Gráfico IV.2: apenas 4 empresas, representadas pelas letras de A a D,
são suficientes para que sejam alcançados 90% do faturamento total do subsetor.
GRÁFICO IV.1
SUBSETOR ELETROELETRÔNICO
FATURAMENTO ACUMULADO, POR EMPRESA, EM 2002 (%)
Faturamento
Acumulado (%)
100,0
90,0
80,0
70,0
60,0
50,0
40,0
30,0
20,0
I
II
III
IV
V
VI
VII VIII IX
X
XI
XII XIII XIV XV Out
Fonte: Elaborado pelo autor, com base nos dados obtidos em SUFRAMA (2002).
A dinâmica da atividade industrial e o período até certo ponto prolongado da
pesquisa de campo provocaram a necessidade de alguns ajustes na amostra, como por
GRÁFICO IV.2
SUBSETOR DUAS RODAS
FATURAMENTO ACUMULADO, POR EMPRESA, EM 2002 (%)
Faturamento
Acumulado (%)
100,0
90,0
80,0
70,0
60,0
A
B
C
D
E
F
G
H
I
J
L
Out
Fonte: Elaborado pelo autor, com base nos dados obtidos em SUFRAMA (2002).
84
exemplo a inclusão de uma empresa do subsetor Eletroeletrônico que, por ser de
implantação recente, embora tivesse menor expressão econômica no ano base para a
geração da lista, foi atraída para Manaus em virtude de ser um fornecedor internacional
de vários dos fabricantes ali instalados, tornando-se em pouco tempo uma destacada
empresa local.
A Tabela IV.1 resume o conjunto final das empresas que participaram da
pesquisa de campo, estratificadas por alguns padrões de interesse.
Ressalte-se que por meio da amostragem intencional procurou-se introduzir um
equilíbrio na participação de empresas fabricantes de bem final e fornecedores de
componentes, uma vez que a interação entre elas é um dos elementos de destaque para a
abordagem das relações de cooperação em um cluster.
TABELA IV.1
PESQUISA DE CAMPO
ESTRATIFICAÇÃO DAS EMPRESAS DA AMOSTRA,
POR SUBSETOR E NATUREZA DOS PRODUTOS
Subsetor
Eletroeletrônico
Duas Rodas
Outros
TOTAL
Natureza dos produtos
Bens Finais
6
3
9
Componentes
2
2
2
6
TOTAL
8
5
2
15
Fonte: Elaborada pelo autor, com base em pesquisa de campo e em
SUFRAMA (2004b).
Como a composição de cada subsetor, no Perfil Industrial, é orientada pela
natureza da atividade produtiva, e a interação fornecedor-produtor não se dá apenas
dentro do mesmo subsetor, também foram incluídas na amostra empresas de outros dois
subsetores. Uma delas, que compõe o subsetor Produtos de Matérias Plásticas, o terceiro
em faturamento no Pólo Industrial, foi uma das mais citadas empresas, considerando a
estratégia chain sampling; a outra, foi selecionada do subsetor Metalúrgico que,
conforme comentado, apresenta relação de proximidade com o subsetor Duas Rodas.
Entende-se que essa inclusão favorece a harmonia com os conceitos de aglomeração e
cluster.
Deve ser ressaltado que a classificação das empresas em seus respectivos
subsetores, na Tabela IV.1 e nas seguintes, acompanha as indicações apresentadas no
documento Perfil Industrial.
85
Uma outra forma de estratificar a amostra pode se dar segundo a origem do
capital controlador do empreendimento, conforme apresentado na Tabela IV.2, sendo
que nesse caso a informação foi obtida a partir das próprias empresas. Em algumas
situações é indicado capital controlador de origem nacional, embora a empresa nacional
associada a esse controle tenha, por sua vez, um controle de capital de origem
estrangeira. Dada a importância da questão cultural para o tema em estudo, para a qual
existe um potencial de contribuição relacionado à cultura do país de origem da empresa
(ou corporação), a Tabela IV.2 apresenta duas colunas, uma com a informação original
e outra com a informação denominada como "corrigida".
TABELA IV.2
PESQUISA DE CAMPO
ORIGEM DO CAPITAL CONTROLADOR DAS
EMPRESAS DA AMOSTRA
Origem do Capital
Controlador
Local
Nacional
Coréia
EUA
Finlândia
Holanda
Japão
TOTAL
Quantidade
Original
1
6
1
2
1
0
4
15
Corrigida
1
3
1
2
1
1
6
15
Fonte: Elabora pelo autor, com base em pesquisa de campo.
A Tabela IV.3 resume a importância econômica das empresas envolvidas na
amostra, na qual está apontada a ordem ocupada por cada uma das empresas em termos
de sua representatividade para o faturamento do subsetor a que pertence e do PIM como
um todo.
Apesar de um menor número de empresas participando da amostra, a maior
concentração do faturamento apresentada pelo subsetor Duas Rodas permitiu que
fossem envolvidas empresas correspondendo a 87,6% do faturamento desse subsetor,
comparativamente a 52,7% do faturamento para o subsetor eletroeletrônico.
Evidentemente esses números não incluem o faturamento das duas empresas
selecionadas de outros subsetores de interesse, apesar de seu ranking também estar
indicado na Tabela IV.3.
Para facilitar as referências aos dados obtidos e a correspondente reflexão sobre
seu significado, ao mesmo tempo permitindo a oportunidade de um tratamento
86
individualizado, mas sem comprometer o aspecto confidencial das informações
prestadas, as Tabelas IV.3 e IV.4 adotam uma identificação numérica associada às
empresas da amostra, estabelecida a partir de relação direta com a ordem cronológica
efetiva das interações realizadas na pesquisa de campo.
TABELA IV.3
PESQUISA DE CAMPO
HIERARQUIA DE FATURAMENTO DAS
EMPRESAS DA AMOSTRA, EM 2002
Empresa Subsetor
Ordem de Faturamento
No subsetor
a
No PIM
01
E
12
19a
02
D
1a
2a
03
D
2a
7a
04
D
11a
158a
05
O
5a
46a
06
E
3a
5a
07
E
4a
6a
08
E
8a
11a
09
E
22a
41a
10
E
2a
4a
11
D
10a
116a
12
D
3a
16a
13
O
4a
100a
14
E
9a
118a
15
E
1a
1a
Fonte: Elaborada pelo autor, com base nos dados obtidos em
SUFRAMA (2002; 2004b).
A Tabela IV.4 apresenta a cronologia da realização das visitas, informando o
período de tempo em que cada empresa estava instalada na Zona Franca de Manaus, no
momento da interlocução, bem como a natureza de seus produtos (bens finais ou
componentes), permitindo a estratificação dessa informação segundo o subsetor e por
empresa.
Percebe-se que, em média, as empresas do subsetor Eletroeletrônico envolvidas
na pesquisa estavam desenvolvendo atividade industrial em Manaus há cerca de 16
anos; para o subsetor Duas Rodas essa média atinge 16 anos e 5 meses. O conjunto das
15 empresas pesquisadas, incluindo as 2 empresas de outros subsetores, tem uma média
87
ainda um pouco superior, correspondente a 17 anos. A mais nova das empresas, no
momento da pesquisa, estava implantada há apenas 2 anos; a com maior experiência, há
32 anos.
TABELA IV.4
PESQUISA DE CAMPO
CRONOLOGIA DAS VISITAS E EXPERIÊNCIA
LOCAL DAS EMPRESAS DA AMOSTRA
Empresa Subsetor Natureza
Data Experiência na
(mês/ano) ZFM (anos)
08/03
27
01
E
F
02
D
F
08/03
27
03
D
C
08/03
17
04
D
C
08/03
11
05
O
C
09/03
25
06
E
F
03/04
9
07
E
F
03/04
31
08
E
F
03/04
10
09
E
C
04/04
2
10
E
F
04/04
32
11
D
F
05/04
8
12
D
F
05/04
19
13
O
C
06/04
20
14
E
C
06/04
13
15
E
F
04/04
4
Fonte: Elaborada pelo autor, com base em pesquisa de campo e em
SUFRAMA (2002; 2004b).
Como elemento adicional final, ressalte-se que na composição do subsetor Duas
Rodas, em termos de fabricantes de bens finais, encontram-se principalmente empresas
que produzem bicicletas ou motocicletas. Para a composição da amostra, prevaleceram
as que têm relação com a fabricação de motocicletas, pelos motivos que estão mais
detalhadamente expostos no capítulo V.
IV.1.2. PERFIL DOS ENTREVISTADOS.
Além do questionário aplicado às empresas industriais, a metodologia envolveu
a coleta de dados sob a forma da exploração de informações relacionadas a diferentes
experiências de profissionais que acompanham ou participam da atividade empresarial
local.
88
A escolha dos profissionais baseou-se na experiência pessoal do autor, mas
também considerou algumas sugestões obtidas durante as primeiras interações,
repetindo-se o uso da estratégia chain sampling.
Como resultado, o grupo de profissionais entrevistados reflete uma extensa
experiência relacionada à ZFM e possui projeção em termos da função que exerce ou
exerceu em empresas e organizações de diversas naturezas. Alguns dos entrevistados
atuam nas próprias empresas em que o questionário foi aplicado, o que permitiu
confirmar, detalhar ou até mesmo confrontar fatos de maior interesse.
Para a definição do grupo, foi buscada a diversidade quanto à experiência dos
profissionais, com o intuito de contemplar possíveis visões complementares sobre a
dinâmica local. No total, foram realizadas 16 entrevistas, estando as principais
características que compõem o perfil dos entrevistados resumidas na Tabela IV.5.
TABELA IV.5
PESQUISA DE CAMPO
PERFIL DOS ENTREVISTADOS
Entrevistado Subsetor
AU
E
FD
Geral
FG
Dimensão
Data
(mês/ano)
10.03
Geral
Empresa
Associação de
Classe
Governo
GF
E
IX
Experiência
Local de
na ZFM*
Nascimento
(anos)
19
S. Paulo
08.03
18
R.G. Sul
03.04
30
Amazonas
Instituição de P&D
03.04
19
Amazonas
D
Empresa
03.04
17
S. Paulo
JC
D
Empresa
08.03
20
Amazonas
JMB
E
Governo
09.03
20
Amazonas
JP
E
Empresa
04.04
9
Paraíba
JRS
E
Empresa
08.03
22
Ceará
LNK
D
06.04
20
S. Paulo
ML
Geral
12.03
23
R. Janeiro
MS
E
Empresa
Associação de
Classe/ Empresa
Empresa
04.04
2
Finlândia
OM
Geral
Empresa
04.04
6
R. Janeiro
RL
E
10.03
19
Amazonas
TY
D
09.03
36
Japão
UT
Geral
Consultoria
Associação de
Classe/ Consultoria
Empresa
09.03
25
Amazonas
Fonte: Elaborada pelo autor, com base em pesquisa de campo.
* Contabilizada na data da entrevista
89
Observa-se que, na média, os entrevistados apresentam aproximadamente 19
anos de atividade profissional relacionada à ZFM.
Embora a pesquisa tenha como foco a cooperação entre empresas, a importância
do ambiente em que se inserem fez com que fossem incluídos na amostra representantes
do setor governamental e de instituições de pesquisa.
O Anexo I apresenta a lista completa dos profissionais entrevistados, incluindo
uma breve descrição de suas credenciais.
IV.2. DESCRIÇÃO DOS INSTRUMENTOS DE COLETA.
Os instrumentos utilizados na estratégia de coleta dos dados foram basicamente
um questionário, aplicado nas empresas, e um roteiro de entrevista, utilizado nas
entrevistas dos profissionais.
IV.2.1. ESTRUTURA DO QUESTIONÁRIO.
O questionário utilizado está reproduzido no Anexo II. Sua constituição engloba
78 questões, subdivididas e agrupadas em 15 diferentes seções e tem como base um
questionário similar, utilizado por NADVI e SCHMITZ (1994), principal responsável
pela inspiração, de forma direta ou adaptada, de um quantitativo um pouco superior a
80% do total de questões formuladas.
Sobre esta base agregou-se cerca de 6% de contribuições obtidas a partir de
JARAMILLO et al. (2001), conhecido como Manual de Bogotá, que propõem questões
para a abordagem investigativa de atividades de inovação relacionadas a países
considerados em desenvolvimento.
A Tabela IV.6 oferece uma visão da distribuição das questões formuladas,
segundo os assuntos tratados, tendo como parâmetro o número de questões associadas a
cada assunto. A estratificação dos assuntos apresentados na primeira coluna dessa tabela
está em consonância com os principais conceitos abordados na fundamentação teórica
apresentada no Capítulo III deste trabalho.
IV.2.2. ROTEIRO DA ENTREVISTA.
Para cada profissional entrevistado foi elaborado um roteiro básico de entrevista,
procurando levar em consideração a exploração da sua experiência particular em relação
à atividade industrial incentivada em Manaus. Antes de representar uma limitação para
o conteúdo da entrevista, o roteiro foi adotado com o propósito de atuar como um
check-list para garantir que os temas de interesse fossem efetivamente tratados.
90
TABELA IV.6
PESQUISA DE CAMPO
COMPOSIÇÃO DO QUESTIONÁRIO, SEGUNDO ASSUNTOS
CONTEMPLADOS NAS QUESTÕES
Assunto
Geral/Perfil da empresa
Desempenho
Aglomeração/Externalidades
Interação
Cooperação
Competição
Governança
Inserção
Número de
questões
11
7
5
3
4
5
4
1
4
2
1
2
3
2
2
2
2
1
8
3
2
1
3
Seção a que pertence
(no questionário)
1
2
4
5
9
10
11
15
15
6
7
8
11
6
7
8
10
11
13
12
14
15
3
Fonte: Elaborada pelo autor, com base no questionário utilizado para a coleta de dados
nas empresas (Anexo II).
Em todas as sessões foi adotada a prática de permitir ao entrevistado,
considerados os objetivos previamente apresentados, adicionar determinado tema por
ele considerado relevante, e sobre o qual desejasse manifestar seu ponto de vista ou
relatar alguma experiência pertinente.
Um exemplo de roteiro utilizado está apresentado no Anexo III.
IV.3. IMPLEMENTAÇÃO DO PLANO DE COLETA.
A coleta de dados ocorreu no período de agosto de 2003 a junho de 2004,
conforme está apresentado na Tabela IV.7, extrapolando em 1 mês o período
inicialmente planejado.
91
Houve uma proposital interposição entre as aplicações do questionário nas
empresas dos dois subsetores e a realização das entrevistas, de forma a ampliar
eventuais sinergias nas respostas obtidas.
TABELA IV.7
PESQUISA DE CAMPO
CRONOGRAMA DAS INTERAÇÕES OCORRIDAS
Número de contatos efetivados
Mês/Ano
Entrevistas
08/2003
09/2003
10/2003
12/2003
03/2004
04/2004
05/2004
06/2004
TOTAL
3
3
2
1
3
3
1
16
Aplicação de
questionário
4
1
3
3
2
2
15
Fonte: Elaborada pelo autor, com base em pesquisa de campo.
Embora tenha sido elaborado um planejamento inicial na ordenação das
interações, para o caso das empresas, na prática houve a necessidade de adaptações à
agenda dos profissionais envolvidos, e até de reprogramação de empresas que não
aceitaram a participação na pesquisa.
O quase interregno representado pelos dois últimos meses de 2003 e os dois
primeiros meses de 2004 é conseqüência das características da atividade industrial local.
Nesse período, a desaceleração na demanda provoca uma concentração das férias
coletivas nos setores de produção das empresas, assim como de seus dirigentes, o que de
uma certa forma impediu uma trajetória mais homogênea para o ritmo da pesquisa de
campo.
A aplicação dos questionários e a realização das entrevistas foram conduzidas
pessoalmente e exclusivamente pelo autor, evitando-se com isso possibilidades de dúbia
interpretação das questões formuladas, e até mesmo permitindo o aprofundamento de
temas, pela possibilidade do imediato estabelecimento de conexões com respostas
proporcionadas por interlocuções anteriores, no caso das entrevistas.
Cada aplicação do questionário exigiu um período de tempo variando
aproximadamente entre 60 e 120 minutos; no caso das entrevistas, a média alcançou 75
92
minutos, mas com uma amplitude de variação maior, entre os limites de 30 e 210
minutos.
A cada interação com empresa, duas cópias do questionário eram utilizadas,
ficando uma sob a guarda do respondente, para melhor acompanhamento das questões
formuladas, e outra sendo preenchida de próprio punho pelo pesquisador.
Algumas vezes a submissão prévia do questionário, por meio eletrônico, foi
necessária para a aprovação da participação na pesquisa. Uma única vez o
preenchimento se deu sem a presença do pesquisador, por opção da empresa, que
submeteu o questionário preenchido por meio de arquivo eletrônico.
Ainda no caso da aplicação dos questionários, algumas empresas optaram por
não responder determinadas questões que, sob a ótica do respondente, envolviam
informação sigilosa. O caso mais comum esteve relacionado às questões de ordem
financeira e mercadológica.
No caso das entrevistas, todos os depoimentos foram gravados em fita cassete.
Das 16 entrevistas realizadas, 15 foram presenciais e apenas 1 foi realizada
remotamente, por telefone.
Todas as interações, seja na aplicação do questionário, seja na realização da
entrevista, iniciaram-se pela apresentação do pesquisador e dos objetivos da pesquisa.
IV.4. TRATAMENTO DOS DADOS.
A capacidade de transformar a massa de dados em descobertas relevantes talvez
não seja o único, mas é seguramente o principal desafio das análises qualitativas. E a
dificuldade instala-se na medida em que não existem fórmulas ou outros meios para
replicar perfeitamente os processos de pensamento analítico de um pesquisador. Com
isso, a identificação de padrões e a comunicação do que de essencial os dados revelam
torna-se um resultado pessoal, dependente da capacidade intelectual, mas também da
honestidade do pesquisador, conforme ressalta PATTON (2002, p. 433):
"[…]Because each qualitative study is unique, the analytical approach used will be
unique. Because qualitative inquiry depends, at every stage, on the skills, training, insights,
and capabilities of the inquirer, qualitative analysis ultimately depends on the analytical
intellect and style of the analyst. The human factor is the great strength and the fundamental
weakness of qualitative inquiry and analysis – a scientific two-edge sword".
Essa constatação reflete-se em uma responsabilidade adicional para o
pesquisador que, diferentemente de abordagens lastreadas em ferramentas estatísticas,
deve ampliar o espaço e, conseqüentemente, realizar um esforço suplementar, para que,
93
além dos resultados, seja reportado e discutido, com a maior precisão possível, seu
próprio processo analítico.
Na tentativa de alcançar uma maior familiaridade com os dados qualitativos,
especialmente aqueles relacionados às entrevistas, a transcrição dos conteúdos das fitas
cassete ("degravação") também foi uma tarefa integralmente realizada pelo próprio
autor.
As respostas aos questionários foram tabuladas em quadros-resumo, agrupadas a
partir do conteúdo e estratificadas segundo o perfil das empresas.
Cabe ressaltar que todas as principais reflexões, mediadas pelos objetivos da
pesquisa, tiveram por base um comportamento que procura separar descrição de
interpretação, orientando-se pelos três balizadores para a avaliação em uma pesquisa
qualitativa: (i) confirmar o que é sabido, suportado em dados; (ii) abandonar concepções
prévias errôneas e (iii) ressaltar elementos importantes que não eram conhecidos, mas
deveriam ser (PATTON, 2002, p. 480).
Finalmente, a Tabela IV.8 oferece uma apreciação resumida dos aspectos
considerados mais importantes sobre a metodologia utilizada.
IV.5 DIFICULDADES E LIMITAÇÕES.
Não é difícil encontrar, no mesmo fator que revela a fortaleza da abordagem
qualitativa, a sua fragilidade.
A inexistência de métodos amplamente aplicáveis na realização de análises
qualitativas, que tenham sido testados, consolidados e aceitos, de certa forma repercute
na discussão da validade dos resultados. Contornar essa dificuldade é uma tarefa aqui
tratada, conforme recomenda a bibliografia especializada, por meio de uma exposição
mais detalhada dos procedimentos adotados.
Também a opção por um trabalho individual, se por um lado estende a
capacidade do pesquisador de aprofundar-se nos dados e casos em estudo, em
contrapartida estabelece limites para o número de elementos da amostra, que de outro
modo poderia ser mais amplo.
Um fato não esperado – e relevante – na pesquisa de campo foi a dificuldade de
acesso a algumas empresas contatadas. Parte da responsabilidade pela extensão do
cronograma efetivamente realizado deveu-se a tentativas infrutíferas de envolver na
amostra algumas empresas que, pela estratégia do ranking de faturamento, estariam à
frente de outras empresas que acabaram por substituí-las.
94
Talvez isto seja uma conseqüência de que atividades de pesquisa sejam ainda
muito esporádicas ou mesmo que não tenha se estabelecido uma maior confiança das
empresas quanto ao propósito ou relevância de atividades desenvolvidas pela academia.
TABELA IV.8
PESQUISA DE CAMPO
RESUMO DOS PONTOS RELEVANTES DA METODOLOGIA
Etapa
Objeto da interação
Profissionais
16 profissionais; amostragem
intencional (estratégias chain sampling
15 empresas; amostragem
Tamanho e
intencional (estratégias chain e experiência pessoal do autor) e
seleção da
sampling e faturamento)
estratificada (indústria, governo,
amostra
instituições de pesquisa, associações)
Entrevista baseada em roteiro
Instrumento
Questionário padrão
individual, previamente definido,
de coleta
gravada em fita cassete
Semi-estruturada: temas principais
comuns a todos os entrevistados,
Forma de
Questões estruturadas, iguais
complementados por temas específicos,
apresentação
para todas as empresas
adaptados a cada indivíduo; espaço
dos temas
para inclusão de outros assuntos
Discussão direta prévia
Definição do
(telefone e/ou e-mail) com o Discussão direta prévia (telefone e/ou
momento da
principal executivo ou
e-mail)
interação
profissional por ele indicado
Entrevista conduzida no ambiente de
Aplicação in loco (com 1
trabalho do entrevistado (com 1
exceção, em que a empresa
Local da
exceção, realizada no ambiente de
optou pelo preenchimento e
interação
trabalho do pesquisador), presencial
envio eletrônico dos dados)
(com 1 exceção, realizada por telefone)
Duração da
interação
Empresas
Entre 60 e 120 minutos, em
seção única
Apresentação de carta,
complementada com
Apresentação
exposição presencial, com
e abordagem
explicação dos objetivos do
inicial
trabalho e do compromisso
com o sigilo das informações
Análise dos
dados
Tabulação dos dados dos
questionários em quadrosresumo; comentários
efetuados sobre os resultados
percebidos como relevantes
Entre 30 e 210 minutos, em até 2
seções
Exposição presencial de alguns
conceitos de trabalho, dos objetivos da
pesquisa e do roteiro, previamente ao
início da entrevista
Degravação integral dos conteúdos,
pelo próprio autor; análise de conteúdo,
tomando-se a citação de palavras-chave
como referência, com extração dos
dados considerados relevantes;
comentários acrescidos com o objetivo
de ressaltar e compor perspectivas
Fonte: Elaborada pelo autor, adaptada a partir de SIEGEL et al. (2003, p. 37)
95
Uma hipótese para que o pesquisador alcance maior aceitação por parte das
empresas, para a realização da atividade de campo, em trabalhos similares, é o seu
encaminhamento também ser efetuado pela Suframa, evidentemente supondo o prévio
interesse dessa instituição no conteúdo da proposta de estudo, ao invés de ser realizado
exclusivamente pela academia.
96
V. CARACTERÍSTICAS DA COOPERAÇÃO ENTRE EMPRESAS NO
SUBSETOR DUAS RODAS.
Os principais resultados obtidos a partir da análise dos dados coletados com a
pesquisa de campo, em relação ao subsetor Duas Rodas, estão descritos nas seções que
se seguem, neste capítulo.
Para facilitar a compreensão de como se estabelecem as relações de cooperação
entre as empresas, no subsetor, optou-se pela exposição dos dados e das inferências a
eles associadas segundo um recorte que os agrupa em dois diferentes níveis de
detalhamento.
Inicialmente, considera-se uma perspectiva mais geral, em que são descritos os
três principais componentes que contribuem para formar a identidade do subsetor,
influenciando a relação de forças que atuam em seu ambiente e, de forma direta,
condicionando sua dinâmica.
Em seguida, avançando no nível de detalhamento, são explorados as interações e
os elementos de cooperação reconhecidos.
V.1. IDENTIFICAÇÃO DO CLUSTER DUAS RODAS.
Excetuando-se as empresas paralisadas, ou que ainda estejam em processo de
implantação, todas as demais empresas que constituem o subsetor Duas Rodas estão
registradas na Tabela V.1.
A composição ali exibida, baseada em uma classificação apresentada em
documento oficial e complementada por dados da pesquisa de campo, não é, todavia,
suficientemente abrangente a ponto de oferecer uma visão adequada do que poderia ser
chamado "cluster Duas Rodas". Para isso torna-se necessário ampliá-la, de modo a
incluir as empresas que, embora classificadas em outros subsetores, participam do que
seria a sua "cadeia produtiva".
Com a ampliação, entende-se que estaria atendida uma condição necessária à
coerência da análise frente aos conceitos tratados no capítulo III, especialmente os de
aglomeração e cluster.
A materialização dessa necessidade repercutiu, inclusive, na composição da
amostra, conforme já discutido, tendo sido objeto de atenção desde o momento
inicial de concepção da abordagem metodológica.
97
TABELA V.1
PÓLO INDUSTRIAL DE MANAUS
EMPRESAS E LINHAS DE PRODUÇÃO DO SUBSETOR DUAS RODAS
Empresa
Agrale Amazônia S.A.
ASAP Ciclo Componentes Ltda
Caloi Norte S.A.
Companhia Brasileira de Bicicletas
S/A
Harley-Davidson do Brasil Ltda
Honda Componentes da Amazônia
Ltda
HTA Ind. e Com. Ltda.
J. Toledo da Amazônia Ind. e Com.
de Veículos Ltda
Kasinski Fabricadora de Veículos
Ltda
Monark da Amazônia S.A.
Moto Honda da Amazônia Ltda
Prince Bike Norte Ltda
Showa do Brasil Ltda
Yamaha Componentes da Amazônia
Ltda
Yamaha Motor da Amazônia Ltda
Linha de Produção Aprovada
Ciclomotor, motocicleta, motoneta, quadriciclo
Componentes para bicicletas: amortecedor, aro,
garfo, guidão, cubo da roda, raio para roda,
roda
Bicicleta, ciclomotor, motoneta, motor de popa,
motocicleta, gerador, quadriciclo, bicicleta
ergométrica e brinquedo mecânico "patinete"
Bicicleta, bicicleta ergométrica, ciclomotor,
brinquedo mecânico, motocicleta, esteira
rolante elétrica, triciclo, quadriciclo, stepper
Motocicleta
Partes, peças e componentes para motocicleta
Ferramentas, gerador, motor estacionário, peças
e componentes
Ciclomotor, motoneta, motocicleta, quadriciclo
Motocicleta, motoneta, triciclo, utilitário não
esportivo
Bicicleta
Motocicleta, motoneta, quadriciclo, motor
estacionário e partes e peças para motocicleta
Bicicleta
Amortecedor para motocicleta, peças e partes
para amortecedor
Partes e peças para motocicleta
Motocicleta
Fonte: Elaborada pelo autor com base em SUFRAMA (2004b) e na pesquisa de campo
O resultado obtido respeitando esta condição está apresentado na Figura V.1, na
qual estão reunidas as principais empresas identificadas para o cluster13 em questão,
mas desta feita não mais em forma de tabela. Assim, além do próprio subsetor Duas
Rodas – considerado segundo a perspectiva adotada pelo Perfil Industrial (SUFRAMA,
2004b) – percebe-se a participação de empresas de outros 4 subsetores (mecânico,
metalúrgico, eletroeletrônico e termoplástico), que com ele interagem em grau mais
significativo.
13
Na revisão conceitual foi possível firmar a idéia de que um cluster abrange outros atores (ou agentes)
que não apenas as empresas. A delimitação, no caso da figura, justifica-se porque o foco estabelecido para
a pesquisa está na cooperação entre empresas, o que não impede que sejam feitas algumas considerações
sobre a participação dos demais atores presentes, conforme será visto à frente, neste mesmo capítulo.
98
FIGURA V.1
PÓLO INDUSTRIAL DE MANAUS
IDENTIFICAÇÃO DAS PRINCIPAIS EMPRESAS DO CLUSTER DUAS RODAS
MECÂNICO
Nippon Seiki
J
C
Leakless
J
C
Mitsuba
J
C
FCC
J
C
Musashi
J
C
Denso
J
C
Keihin
J
C
METALÚRGICO
Metalfino
J
C
Sodécia
C
Tecal
C
ELETROELETRÔNICO
TERMOPLÁSTICO
GK&B
-
Showa
J
C
Honda Comp.
J
C
HTA
J
C
Multibras
C
IFER
-
C
Springer Plást.
C
DUAS RODAS
MOTO HONDA
J
M
Yamaha
J
M
J. Toledo
M
Harley-Davidson
M
Ava
M
Agrale
M
Nissin Brake
J
C
Scorpios
C
Reflect
C
LEGENDA
C
Yamaha Comp.
J
C
Kasinski
M
Caloi
M, B
CBB
M, B
Monark
B
Prince Bike
B
ASAP
-
C
NOME da Empresa
(quando sombreado, indica fornecedor Honda)
PRODUTO fabricado
IDENTIFICAÇÃO
(Motocicleta, Bicicleta
de origem japonesa
ou Componente)
Fonte: Elaborada pelo autor, com base em pesquisa de campo
99
Isto remete à necessidade de que seja ressaltada a diferença entre o "subsetor"
Duas Rodas, conforme tradicionalmente tratado pelos órgãos oficiais, e o "cluster" Duas
Rodas. A partir deste ponto, sempre que for feita uma referência ao cluster, entenda-se o
conjunto de abrangência mais ampla, com a participação de empresas de outros
subsetores, representado pela ilustração contida na Figura V.1.
Ainda em referência à figura, sua concepção tem a intenção de facilitar a
compreensão das características mais relevantes observadas para esse cluster, resumidas
nos seguintes pontos: (i) a importância técnica e econômica do produto motocicleta,
comparativamente aos demais produtos (bens finais) fabricados; (ii) o papel dominante
desempenhado pela empresa Moto Honda da Amazônia e (iii) o predomínio de
empresas de capital e tecnologia de origem japonesa. Essas três características, por
conferirem uma singularidade ao cluster, serão exploradas individualmente, nas seções
a seguir.
V.1.1. A REPRESENTATIVIDADE DO PRODUTO MOTOCICLETA.
Segundo dados oficiais (SUFRAMA, 2004a), a motocicleta14 esteve entre os três
produtos de maior faturamento, dentre todos os fabricados no PIM, em cada um dos
anos do período recente compreendido pelo intervalo 1999-2003, compartilhando essa
primazia com os produtos televisor em cores e telefone celular.
Nesse mesmo período, foi responsável por no mínimo 93,4% do faturamento
anual relativo a bens finais do subsetor Duas Rodas, atingindo um máximo de 96,1%
justamente em 2003, o ano mais recente do intervalo. Tamanha contribuição
corresponde a uma representatividade única do produto, tanto para o subsetor quanto
para o cluster Duas Rodas, naturalmente exigindo, neste trabalho, maior atenção às
relações entre empresas que participam de sua cadeia produtiva na aglomeração local.
Bicicleta, o segundo produto em importância econômica, alcançou apenas 3,9%
do faturamento total do subsetor no ano de 2003; os demais produtos (triciclo,
quadriciclo, patinete etc) correspondem a uma participação não significativa, em parte
um reflexo de uma produção intermitente.
Um segundo argumento que corrobora um tratamento diferenciado ampara-se
nos distintos níveis de complexidade desses dois produtos, tanto em termos de conteúdo
14
O termo é o mesmo utilizado nas estatísticas da Suframa, e será aqui empregado para também
representar, além da própria motocicleta, os produtos motoneta e ciclomotor. Embora todos sejam
veículos automotores, existem entre eles diferenças técnicas cuja discussão foge aos propósitos deste
trabalho. A alternativa "motociclo", talvez a mais adequada, é aqui descartada apenas por seu uso menos
familiar.
100
tecnológico, quanto em termos de infra-estrutura para sua produção (máquinas,
equipamentos, processos e, principalmente, qualificação da mão-de-obra). A
motocicleta é um produto com maior conteúdo tecnológico, que requer conhecimentos,
habilidades e especializações mais diversificadas. Por conseqüência, apresenta potencial
para mais intensas e variadas interações entre empresas.
A distinção, portanto, minimiza o risco de se uniformizar o tratamento de ambos
os produtos e seus respectivos fabricantes, reduzindo a possibilidade de generalizações
equivocadas na interpretação dos dados.
Cabe ressaltar que, a partir das consultas realizadas, foram identificadas apenas
duas empresas que fabricam, ao mesmo tempo, bicicletas e motocicletas (estas, no caso,
do tipo motoneta); todas as demais fabricam exclusivamente um dentre esses dois
produtos, conforme explicitado na Tabela V.1.
A Figura V.1 também incorpora essa informação, sendo possível perceber os
fabricantes de produtos acabados – todos pertencentes ao subsetor Duas Rodas – e as
suas linhas de produção correspondentes, no que dizem respeito a esses dois produtos.
No arranjo concebido, as empresas estão agrupadas pela similaridade das linhas de
produção, o que permite um reconhecimento imediato. Assim, estão agrupadas as 7
empresas que fabricam exclusivamente motocicletas (Moto Honda, Yamaha, J. Toledo,
Kasinski, Harley-Davidson, Ava e Agrale) e, da mesma forma, as 2 que se dedicam
exclusivamente à fabricação de bicicletas (Monark e Prince Bike) e as 2 que fabricam
ambos os produtos (Caloi Norte e Companhia Brasileira de Bicicletas). As demais
integrantes do subsetor Duas Rodas são fabricantes de componentes para motocicletas
(Honda Componentes, Yamaha Componentes, Showa e HTA), com exceção da Asap,
que é fabricante de componentes para bicicletas. As empresas dos demais subsetores
que compõem o cluster também são fabricantes de componentes, sejam eles dedicados
apenas aos produtos de duas rodas (particularmente algumas empresas dos subsetores
Mecânico e Metalúrgico), ou de atendimento mais amplo, como é o caso das empresas
dos subsetores Eletroeletrônico e Termoplástico.
Portanto, em reflexo à influência do produto motocicleta, deve ser considerado
que as conclusões aqui delineadas terão sido obtidas a partir da observação e análise do
comportamento de empresas de um cluster cuja denominação mais específica e
apropriada talvez fosse "Duas Rodas motorizado".
101
V.1.2. CLUSTER DUAS RODAS OU CLUSTER HONDA?
Uma segunda importante constatação proporcionada pela pesquisa de campo é
quanto à presença dominante da empresa Moto Honda no cluster Duas Rodas,
influenciando e de certo modo determinando sua trajetória, conforme pode ser
exemplificado por alguns números a ela associados.
A Honda15, instalada em um terreno de 500 mil m2, é a maior empresa em área
construída no Distrito Industrial de Manaus, com 125 mil m2, constituindo um
complexo que corresponde a US$ 550 milhões em investimentos acumulados desde a
sua implantação, em 1976, tendo empregado 5,6 mil profissionais em 2004. Segundo
dados da Associação Brasileira dos Fabricantes de Motocicletas, Ciclomotores,
Motonetas e Bicicletas (ABRACICLO, 2005), a entidade que congrega as empresas do
segmento de duas rodas, sua produção em 2004 alcançou 895 mil unidades de
motocicletas, o que corresponderia a aproximadamente 84,7% do mercado nacional.
Considerando que a produção brasileira de motocicletas está concentrada em Manaus,
isto qualifica a empresa como um fabricante de expressão nacional, e até mesmo
internacional, pois estima-se que seja a 4a maior fábrica de motocicletas do mundo.
Esse porte faz com que as ações da empresa, em termos de suas relações
industriais, proporcionem uma repercussão sem similar, com influência direta no
comportamento dos demais atores do cluster.
A intensidade de sua influência pode ser aquilatada pelo número de seus
fornecedores locais, conforme demonstram os retângulos sombreados na Figura V.1:
dentre os 21 fabricantes de componentes para motocicletas, 19 são fornecedores Honda.
Em relação à Yamaha, segunda maior empresa do setor, com cerca de 13,5% do
mercado (ABRACICLO, 2005), foram identificados 9 fornecedores locais (incluindo 2
empresas ainda em processo inicial de negociação), sendo 7 deles fornecedores comuns
à Honda (Nissin Brake, FCC, Musashi, Mitsuba, Keihin, Reflect, Metalfino), 1
fornecedor dedicado (Yamaha Componentes) e 1 de atendimento amplo ao pólo
industrial (Springer Plásticos).
O poder atrelado a uma demanda assegurada e contínua de insumos e
componentes é capaz de fazer com que a Honda, em determinados momentos,
desempenhe até um papel a princípio reservado a órgãos governamentais, no qual se
15
A abreviação Honda será preferencialmente utilizada, a partir deste ponto, em substituição à
denominação completa da empresa, Moto Honda da Amazônia Ltda.
102
incluem a promoção de investimentos e a atração de empresas – ainda que as de seu
interesse – com o conseqüente adensamento local da cadeia produtiva a que pertence.
Portanto, as ações protagonizadas pela empresa têm um alcance potencial bem
mais amplo que apenas os eventuais resultados apresentados pelo seu desempenho nos
negócios, e o que se percebe é que os principais momentos da trajetória do cluster têm
estreito vínculo com a trajetória da própria Honda.
V.1.3. A INFLUÊNCIA DE UMA CULTURA ESTRANGEIRA.
A característica que ressalta como a mais singular dentre as associadas ao cluster
Duas Rodas é a elevada concentração de empresas de origem japonesa, talvez um
fenômeno único em termos de um predomínio tão significativo de uma cultura de outro
país, quando observado o conjunto de subsetores do Pólo Industrial de Manaus
Essa característica não está apenas confinada aos dois principais fabricantes de
motocicletas, Honda e Yamaha. Ela também se reflete na composição da rede de
fornecedores de insumos e componentes: no total, metade das empresas de alguma
forma relacionadas à fabricação de motocicletas, no cluster, é de origem japonesa.
Alguns desses fornecedores foram estimulados a instalarem-se em Manaus em
conseqüência da capacidade de compras da Honda, corroborada por um relacionamento
prévio entre as matrizes das empresas, no Japão.
De certa forma, então, houve a transferência de um "capital acumulado" em
relações de negócios, do Japão para Manaus. Juntamente com as relações de negócios,
aportaram em Manaus práticas profissionais, valores e outros elementos da cultura
daquele país, reforçando e ampliando a participação da colônia japonesa na economia
do estado do Amazonas, cuja presença, embora antecedendo em algumas décadas o
advento da Zona Franca de Manaus, anteriormente distinguia-se por uma atuação
concentrada na atividade agrícola.
Em parte, a preservação dos aspectos culturais é mantida pela presença de
técnicos japoneses (ou descendentes de japoneses) na ocupação de cargos e funções nos
níveis mais elevados. Ao ser consultada a informação oficial (SUFRAMA, 2004b),
percebe-se que todos os nomes dos principais executivos ou representantes das 15
empresas com esse perfil revelam a origem japonesa.
A manutenção de uma identidade é suportada, ainda, por interações em
instituições locais, como a Associação Nipo-Brasileira da Amazônia Ocidental e a
Câmara de Comércio e Indústria Nipo-Brasileira do Amazonas, que respectivamente
103
privilegiam aspectos sociais e de negócios. Os contatos entre os membros associados
são constantes oportunidades para o fortalecimento dessa cultura, reforçando a
existência desse ambiente específico, particular.
Depreende-se que os padrões culturais assim sedimentados são o principal
responsável por um comportamento entendido como ético e não-oportunístico nas
relações entre empresas, ressaltado por vários dos entrevistados, e cuja existência em
boa parte está alicerçada na confiança mútua que a origem comum proporciona.
V.2. COOPERAÇÃO E INTERAÇÃO NO CLUSTER DUAS RODAS.
Ressaltadas essas três principais características, é possível discutir e aprofundar
a perspectiva para as diferentes formas de cooperação reconhecidas a partir da coleta
dos dados.
Das 15 empresas submetidas ao questionário, 8 fazem parte do cluster Duas
Rodas e, portanto, suas respostas foram utilizadas na análise e comentários inseridos
neste capítulo.
Nesse subconjunto de 8 empresas, e considerando o conceito de origem
"corrigida" do capital, conforme utilizado na composição da Tabela IV.2, foram
identificadas 6 empresas de origem estrangeira (5 japonesas e 1 americana), 1 nacional e
1 local. Em relação à natureza dos produtos, 3 são fabricantes de motocicletas e 5 são
fornecedoras de componentes, partes e peças para motocicletas.
Tomando-se como referência a Tabela IV.1, e as explicações apresentadas na
seção V.1, neste capítulo, além das 5 empresas do subsetor Duas Rodas, as demais
empresas pertencentes ao cluster têm sua origem no subsetor Eletroeletrônico (1) e em
Outros subsetores (2).
Das pessoas que, destacadas pelas empresas, responderam ao questionário, 5 são
naturais do Amazonas e 3 são de outras regiões do país. Em suas respostas, não houve
qualquer vinculação entre o fato de tornar-se empreendedor em Manaus e a necessidade
de ser originário da cidade. Apenas 1 indicou a importância de ser da liderança local,
uma incidência que torna-se ainda mais significativa se for considerada a
representatividade dos respondentes: 5 desempenham funções de gerência, 2 ocupam
funções de diretoria e 1 é o próprio dono da empresa. Por essas respostas, depreende-se
que a cultura do ambiente local não oferece barreira à entrada de novos
empreendedores, independentemente de sua origem.
104
A preocupação com a qualidade sobressai como um padrão de comportamento
no cluster. Em termos de importância, a "Qualidade" é considerada como o primeiro
fator para a competição para 6 empresas, enquanto o "Preço" e o "Design" foram
apontados no mesmo nível de prioridade por apenas 1 empresa cada.
Os reflexos dessa preocupação podem ser percebidos na organização interna da
produção das empresas: todas mantêm treinamento na área da qualidade para seus
empregados e utilizam-se das técnicas básicas ("Inspeção de recebimento", "Inspeção
final" e "Controle estatístico de processo"); 5 delas (todas japonesas) praticam "Círculos
de controle da qualidade", uma técnica originária e bastante disseminada no Japão; 6
empresas (incluindo 4 japonesas) utilizam-se de "Gestão pela qualidade total".
A "Certificação de qualidade ISO 9000" atinge mais empresas (87,5%) que a
"Certificação ambiental ISO 14000" (62,5%). E todas as empresas, sem exceção,
utilizam-se de "Relações com os clientes para melhoria da qualidade".
Ampliando um pouco mais a perspectiva, também é possível reconhecer esse
compromisso com melhoria contínua na organização da produção: 6 das 8 empresas
alteraram a forma pela qual organizam e controlam a produção, nos últimos 5 anos,
sendo todas as iniciativas "Seguindo novos métodos de organização trazidos de fora" da
fábrica. Em 2 das empresas, pela natureza de seus produtos (componentes), a produção
é organizada exclusivamente por "Arranjo em células/grupos de manufatura"; todas as
demais se utilizam de "Linha de montagem" tradicional ou um arranjo "Misto".
Como conseqüência, confirma-se uma relação entre essa preocupação com os
processos e a percepção de um desempenho superior: 1 empresa avalia que seu produto
"Melhorou um pouco" nos últimos 5 anos e as demais 7 acreditam que "Melhorou
bastante".
Uma prática comum às empresas pesquisadas, com uma única exceção
(justamente a que se revelou com poucas relações locais), é a realização de visitas de
benchmarking a outras empresas locais, atestada como uma importante fonte de
informação e cooperação, em qualquer de suas formas (horizontal ou vertical).
Reunindo-se os dois lados da experiência, "Ser visitada" é uma prática considerada
"Freqüente" por metade das empresas e "Ocasional" pela outra metade; "Realizar visita"
é "Freqüente" para 3 empresas e "Ocasional" para 4. As visitas são compreendidas até
mesmo como fonte principal de informação para a "Inovação de processo", tendo sido,
neste caso, consideradas uma prática "Ocasional" por 6 empresas e "Freqüente" por 1
empresa.
105
Esses dados sugerem uma postura pró-ativa por parte das empresas do cluster,
que favorece uma dinâmica de contínua evolução nos processos, características que
auxiliam a compreensão dos elementos de cooperação, detalhados a seguir.
V.2.1. ASSIMETRIAS NA COOPERAÇÃO HORIZONTAL.
Honda e Yamaha, juntas, respondem por mais de 98% das vendas de
motocicletas no mercado nacional, além de serem apontadas como as duas únicas
empresas exportadoras (ABRACICLO, 2005). Este é um fator que pode ser considerado
um balizador para as possibilidades da cooperação horizontal no cluster Duas Rodas.
O maior porte dessas duas empresas, quando comparado ao das demais
concorrentes, e o fato de serem ambas de origem japonesa, foram percebidos como os
principais motivos para que apresentem um comportamento local que é considerado por
vários dos entrevistados como bastante distinto daquele atribuído às suas matrizes no
Japão, e aqui interpretado como determinante em termos das possibilidades de
cooperação horizontal no cluster.
A competição direta na disputa pelos mercados brasileiro e internacional não
impediu que Honda e Yamaha tenham construído uma relação de cordialidade, na qual
são encontrados exemplos de cooperação, no caso das unidades fabris de Manaus.
Dentre esses exemplos, ressaltou a ocorrência, em um passado recente, de visitas
mútuas para intercâmbio de experiências em gestão, especialmente nas áreas de
qualidade e meio ambiente.
As atividades relacionadas às práticas de gestão acabam por configurar-se em
maiores oportunidades de cooperação por não serem consideradas pelas empresas como
elementos estratégicos para o sucesso do negócio (ou "de sigilo industrial", conforme
reportado). Essa pré-disposição cooperativa é também sinalizada, por parte da Honda,
para outras áreas, tais como as de responsabilidade social e segurança.
Em fase anterior, talvez o momento mais peculiar do relacionamento tenha sido
alcançado quando a Honda implementou, em seu ambiente de produção, parte de um
processo de fabricação para atendimento à Yamaha, tornando-se sua fornecedora. Isto
ocorreu no período entre 1994 e 1997, em que a Honda forneceu à Yamaha cilindro
externo de amortecedor dianteiro e placa inferior de assento, ambos para motocicleta,
por possuir o único processo em Manaus que poderia, à época, fabricar estes dois itens.
Essa relação de fornecimento implicou em que a Yamaha, motivada pelos
padrões de seu sistema da qualidade, realizasse auditorias periódicas na linha de
106
produção da Honda, um comportamento que, se nas relações fornecedor-comprador em
um ambiente industrial moderno é relativamente freqüente, torna-se no mínimo
inesperado ao envolver especificamente duas empresas concorrentes.
O relacionamento entre Honda e Yamaha é citado por mais de um entrevistado
como uma característica própria deste ambiente local, uma prática que não acontece
entre suas matrizes no Japão e, provavelmente, permanece até sendo do
desconhecimento destas.
Ao serem argüidos quanto ao motivo que explique esse comportamento, a
resposta típica vincula-o ao isolamento de Manaus, nos anos iniciais da atividade
industrial da Zona Franca, que ajudou a criar uma cultura de aproximação das empresas.
Embora hoje a quase totalidade dos aspectos associados àquele isolamento histórico não
mais exista, teriam permanecido alguns dos hábitos adquiridos durante aquela fase.
O ambiente de respeito e confiança mútuos, entretanto, não é suficiente para
estimular a troca de experiências ou intercâmbio no campo tecnológico. À ausência de
exemplos nessa arena pode ser oferecida a explicação resumida na seguinte assertiva de
um dos entrevistados: "Naquilo que é específico, tecnologia, invenção própria (...) isto é
guardado, pois é o nosso ‘pão’, o nosso diferencial".
Também não foi registrada cooperação horizontal bilateral envolvendo qualquer
outro fabricante de bem final, um panorama que tem pequenas chances de se alterar,
permanecidas as condições atuais: diferenças culturais, de porte e, em conseqüência, de
processos produtivos, funcionam como barreiras, concentrando o universo de exemplos
em Honda e Yamaha.
Em geral, o ponto de partida para a maioria dos esforços de cooperação
horizontal é proporcionado por uma interação em reunião de associação de classe,
especialmente o Centro da Indústria do Estado do Amazonas – Cieam e a Câmara de
Comércio e Indústria Nipo-Brasileira do Amazonas. Ambas as entidades reúnem
regularmente associados e membros de diretoria.
Novamente, o comportamento das empresas líderes, especialmente da Honda, é
indicado como distinguido, nessas associações, quando comparado ao das demais.
Particularmente no caso do Cieam, que internamente subdivide-se em distintos fóruns,
de funcionamento concomitante, o porte pode mais uma vez ser um motivo, já que a
realidade das empresas menores, associada a um quadro quantitativamente limitado de
recursos humanos, dificulta uma participação mais constante nas várias frentes que se
estabelecem.
107
Mesmo considerando o status das maiores empresas, apurou-se uma tendência
de que os assuntos de mais amplo alcance sejam tratados inicialmente na Câmara e,
após convergência para posições comuns, apresentados por meio de pleitos e sugestões
no Cieam. Essa hierarquia pode ser uma conseqüência do maior número de associados e
subsetores representados no Cieam, o que se reflete em maior capacidade de expressão
política local para a entidade. Essa vantagem, para que seja desfrutada, necessita da
superação de uma dificuldade pelo associado: a de tornar-se capaz de interferir em uma
agenda que, pelos mesmos motivos, tende a ser mais densa e difícil de ser influenciada
por qualquer empresa isoladamente.
Já no caso da Câmara, embora também seja uma organização aberta, o idioma
japonês, que predomina nos contatos, é diretamente apontado, inclusive por sua
diretoria, como um fator limitante para a conquista e participação de um número maior
de associados.
Em seu conjunto, a menor participação dos demais fabricantes de motocicletas
nesses ou mesmo em outros fóruns, como a Federação das Indústrias do Estado do
Amazonas – Fieam e as reuniões para a aprovação de projetos do Conselho de
Administração da Suframa, reduz a possibilidade do contato face a face e, com ela, as
oportunidades de interação cooperativa.
Apesar disso, ela ainda se manifesta quando os interesses comuns mais básicos
são ameaçados. Esforços de cooperação horizontal multilateral sempre encontram
estímulo nas eventuais alterações na legislação, federal ou estadual, que provoquem
impacto nos benefícios fiscais ou que atribuam novas exigências a processos produtivos.
Um exemplo recente deu-se em 2003, com a reforma da lei que regulamenta o
incentivo estadual, citada como a primeira vez em que, a partir de uma abordagem não
impositiva do governo do estado do Amazonas, um esboço prévio da legislação foi
submetido à apreciação e discussão pelas empresas. Para facilitar a participação, as
empresas mobilizaram-se por meio de câmaras específicas, instaladas com o propósito
de discutir o projeto. Mesmo após a nova legislação estar aprovada, as câmaras
permaneceram ativas, algumas com reuniões de freqüência regular, por vezes
utilizando-se da infra-estrutura da associação de classe. Essas câmaras apresentam-se
como novos fóruns para o tratamento de questões que envolvam um maior número de
interessados, estimulando a aproximação de empresas e profissionais, inclusive
favorecendo relações com outros subsetores da atividade industrial em Manaus, o que
potencializa a disseminação mais rápida de informações.
108
Um último elemento na composição das interações cooperativas, aparentemente
diferenciado, é uma maior aproximação entre os fabricantes de componentes,
identificada para empresas dos subsetores mecânico e metalúrgico do cluster. Embora
não se enquadre rigorosamente na idéia de cooperação horizontal (uma vez que não se
trata de empresas que disputam um mesmo mercado, com produtos substitutos),
tampouco é vertical (pois não há relação direta comprador-fornecedor entre elas):
registrou-se também a ocorrência de visitas mútuas entre fabricantes de componentes,
para aprendizados em práticas de gestão, desta feita privilegiando temas como a busca
de soluções para tratamento de efluentes de processos produtivos e o aperfeiçoamento
na gestão de recursos humanos.
Em resumo, a prática da cooperação horizontal é intermitente e, em termos de
disseminação, não homogênea. A quase totalidade dos exemplos, quando resultado de
motivação interna das próprias empresas, está centrada na cooperação horizontal
bilateral Honda-Yamaha; quando mais abrangente (multilateral), é resposta a um
estímulo externo sob a forma de "ameaça" ao usufruto de benefícios.
Mas se os dados disponíveis permitem que se conclua pela existência de um
comportamento não uniforme no relacionamento entre concorrentes, também ocorre a
constatação de uma razoável diversidade nas iniciativas de cooperação horizontal
bilateral. E a importância relativa, no cluster, dos que a praticam, amplia o benefício de
seus efeitos.
V.2.2. O VIGOR DA COOPERAÇÃO VERTICAL.
As relações produtor-fornecedor, na indústria brasileira de motocicletas, tendem
a ser de mais longo prazo. A natureza do produto não permite que um fornecedor seja
facilmente descartado ou substituído, em curto prazo, em virtude de pelo menos dois
motivos principais: (i) na maioria das situações, especialmente em se tratando de
componentes, não é possível diluir um pedido entre vários fornecedores, pois as
quantidades são pequenas e, comumente, o fornecedor é único, mesmo considerando
todo o mercado ofertante nacional; (ii) os componentes fabricados por esses
fornecedores não são "de prateleira", pois via de regra foram desenvolvidos em
atendimento a especificações atreladas a um determinado modelo de produto, a partir de
atividades que consumiram tempo e outros recursos para serem realizadas.
109
A situação de mútua dependência, portanto, tende a tornar os vínculos mais
estáveis. Ainda que por via indireta, é um elemento que se revela como um ponto forte
para o estímulo às relações de cooperação vertical.
E os exemplos nas relações locais são vários, estendendo-se para além de
fornecedores de componentes: foram identificadas iniciativas alcançando empresas
prestadoras de serviços, como por exemplo transportadoras e recicladoras.
Nas respostas ao questionário, em termos gerais pode-se concluir que são boas
as relações entre empresas e seus fornecedores: 87,5% destes "Oferecem assistência
com problemas que surgiram em seus produtos" e 75% "Solicitam sugestões de como
melhorar" e "Explicam as características de seus produtos".
As empresas de bem final citam "Assessoria na organização da produção",
"Empréstimo de máquinas ou equipamentos" e "Treinamento de trabalhadores" como os
benefícios que mais se destacam dentre os que oferecem no relacionamento com os
subcontratados. Ainda assim, a incidência é considerada "Ocasional" (outras
alternativas incluíam "Freqüente" e "Nunca" como opções). Esses tipos de benefícios
são confirmados pelos exemplos obtidos por meio dos relatos dos entrevistados,
conforme será comentado adiante.
Duas unanimidades foram obtidas nas relações com subcontratados: em termos
de benefícios, nenhuma das empresas pratica o "Pagamento adiantado"; em outra frente,
o principal comportamento quando da quebra de um contrato é o que "Solicita que o
trabalho seja refeito".
Um fato que reforça uma tendência à divisão do trabalho entre as empresas do
cluster é que 100% dos fabricantes de bem final e 85,7% do total da amostra
subcontratam em virtude da "Maior eficiência do subcontratado", sinalizando uma
inclinação à especialização. Por outro lado, apenas 1 empresa classificou-se como
subcontratada, dificultando o aproveitamento de suas respostas para a generalização de
um comportamento.
Em sua prática de relacionamento, a Honda utiliza-se do termo parceiros para
referir-se aos fornecedores, proporcionando-lhes apoio em diversos níveis. E isto se
configurou como um elemento distintivo detectado na comparação direta com a
Yamaha: embora os níveis de exigência, em termos de especificações técnicas,
qualidade e pontualidade na entrega, sejam interpretados como equivalentes, a Honda é
percebida, por alguns dos fornecedores, como uma empresa que oferece maiores
oportunidades para cooperação.
110
Talvez a principal contribuição para explicar essa realidade esteja na utilização
da técnica just in time, pela Honda, no relacionamento com os fornecedores locais:
enquanto o estoque de fornecedores do exterior corresponde em média a 45 dias de
produção, e o de nacionais, a 20 dias, não existe estoque para os componentes
fornecidos localmente. Essa política tem conseqüências econômicas significativas, pois,
embora apenas 19 dos 102 fornecedores da empresa sejam locais, eles respondem por
60% do valor total das suas compras nacionais; por sua vez, o mercado nacional é o
principal abastecedor da Honda, graças a índices de nacionalização que, justamente nos
modelos de motocicleta que apresentam maior volume de produção, são superiores a
90%. Assim, qualquer desarmonia no abastecimento local corresponde a atribulações
para o cumprimento de seus planos de produção, induzindo à aproximação com os
fornecedores e, por conseqüência, favorecendo a cooperação.
Por isso, a cooperação manifesta-se em diferentes níveis e tipos: transferência de
conhecimento tecnológico (a partir da base local ou com o apoio da vinda de
especialistas da matriz japonesa ou de outras empresas da corporação) ou de know how
operacional (metodologias de gestão de produção, logística, suporte legal e burocrático
em operações de importação), avançando até mesmo ao apoio financeiro direto.
Nesse último caso, por exemplo, se um fornecedor não possui disponibilidade de
recursos para investir de forma ágil em resposta a um aumento de demanda da Honda,
ela apóia e viabiliza financeiramente o investimento em máquinas.
Diferentemente do que ocorre em termos da cooperação horizontal, foram
registradas iniciativas no âmbito tecnológico: o Desenvolvimento conjunto de produtos,
uma forma bastante particular de cooperação, foi citada por 3 empresas. Embora, em
termos de aprendizado, seja uma perspectiva promissora, deve ser ressaltado que em
todas elas a própria natureza dos produtos exigia proximidade estreita com os clientes.
De certa forma, então, os fornecedores locais, evidentemente segundo também o
interesse da própria Honda, podem contar com facilidades proporcionadas por uma
empresa que participa de uma corporação com 40 unidades em 37 países.
Um outro tipo de apoio é o envolvimento financeiro por meio da participação na
composição do capital de empresas. Além de manter o controle sobre as empresas
Honda Componentes e HTA, que fazem parte do grupo Honda, a empresa tem
participação no capital de Showa e Keihin. Por vezes, a participação em algumas
empresas é temporária, uma forma de demonstrar comprometimento com o sucesso do
fornecedor de componentes por ela própria atraído, como são os casos de FCC e Nissin
111
Brake, exemplos em que a Honda deteve participação no capital, desde o momento da
implantação, posteriormente retirando-se quando os empreendimentos alcançaram uma
condição de operação considerada estável.
O apoio à manutenção de equipamentos é mais um exemplo de relação
cooperativa. O setor de manutenção da Honda, reconhecido na comunidade industrial
pelo bom desempenho, alicerçado em conceitos de manutenção produtiva total (MPT),
com alguma freqüência cede técnicos a parceiros que, em virtude do porte, não possuam
equipe de manutenção própria para fazer frente a eventuais contratempos com o
inadequado funcionamento de suas próprias máquinas.
É plausível admitir que o apoio proporcionado seja pautado pelos próprios
interesses atrelados às necessidades de produção da Honda. Em seu conjunto, a
articulação do processo resulta no exercício de uma prática pouco usual, pelo menos
para os padrões locais, que poderia ser denominada "gestão integrada de fornecedores".
Em intervalos quinzenais ou mensais, as diretorias dos fornecedores locais são
reunidas para trocar idéias e relatar dificuldades eventuais no cumprimento da
programação de produção especificada pela Honda. Essa iniciativa não se limita às
questões diretamente vinculadas à produção, mas envolve também problemas do dia-adia (aspectos comerciais e de tributos, especialmente aqueles relacionados aos trâmites
de alfândega, em processos de importação) ou qualquer outra atividade que possa de
alguma forma comprometer o atendimento à produção planejada. A supervisão dos
fornecedores é complementada pelo destacamento de funcionário com responsabilidade
para avaliar e reportar individualmente o atendimento aos pedidos colocados. O
reconhecimento de um problema, real ou potencial, é motivo para que o apoio mais
apropriado seja prestado.
Os depoimentos evidenciam que tal comportamento é ampla e positivamente
favorecido pela origem japonesa dos protagonistas, que proporciona um maior nível
prévio de confiança para o estabelecimento das relações. Por outro lado, de acordo com
um dos relatos, a participação nas reuniões conjuntas realizadas pela Honda estaria
limitada aos fornecedores de origem japonesa, novamente sendo citado o idioma
estrangeiro como uma barreira para a participação mais ampla.
De todo modo, as opiniões permitem concluir que o relacionamento cooperativo
tem se intensificado ao longo dos últimos anos, e há uma percepção de que tende a se
expandir, no futuro, em direção a questões concernentes aos níveis operacionais das
empresas.
112
Outro fator que fortalece essa tendência é o crescimento recente das atividades
da Yamaha. A empresa tem realizado investimentos na ampliação de suas instalações,
para receber a transferência de linhas de produção que funcionavam na matriz japonesa,
o que implicará em um adensamento local de sua rede de fornecedores, correspondendo
à realização, em Manaus, de mais etapas de seus processos de produção, contribuindo
para novas oportunidades de cooperação.
Assim, o atributo de ter um cliente único, como ainda é o caso de um
representativo grupo de fornecedores do cluster Duas Rodas, tende a ser menos
freqüente, o que ampliaria a possibilidade de apurar as observações e opiniões sobre o
comportamento cooperativo, aprimorando-as por meio de comparações de desempenho.
V.3. INDICADORES DE CONFIANÇA, INSERÇÃO E APRENDIZADO NO
CLUSTER DUAS RODAS.
As principais características atribuídas ao cluster Duas Rodas, no início deste
capítulo, serão agora utilizadas em auxílio a uma análise mais acurada do seu perfil,
mediada por alguns dos conceitos complementares abordados na revisão teórica.
V.3.1.
A
CONFIANÇA
COMO
BASE
NAS
PRINCIPAIS
MANIFESTAÇÕES DE GOVERNANÇA.
No ambiente em que se dá a trajetória do cluster Duas Rodas, é possível
perceber que, além das empresas de maior porte (Honda e Yamaha), dois outros agentes
exercem uma influência diferenciada em termos de práticas e comportamentos.
O primeiro, a Câmara de Comércio Nipo-Brasileira, revelou-se um espaço para a
aproximação de executivos de empresas, especialmente daquelas com origem japonesa
(e não apenas as pertencentes ao cluster Duas Rodas, embora sua presença seja mais
destacada), que percebem ali um canal de comunicação mais eficiente para a busca de
consenso em torno de temas prioritários (particularmente questões institucionais que
envolvam governo, sistema tributário e benefício fiscal), cujas posições serão
posteriormente encaminhadas a outros fóruns apropriados, ou apresentadas diretamente
aos órgãos de governo. Atividades que inicialmente concentravam seus objetivos na
maior integração social, com o tempo evoluíram para a discussão de questões
pertinentes ao desempenho nos negócios.
O Cieam, o segundo desses agentes, é por ampla margem apontado por empresas
e profissionais consultados, relacionados ao cluster Duas Rodas, como a associação
mais ativa, especialmente em questões econômicas, ambientais, de qualidade e de
113
recursos humanos. A criação de comissões especializadas no tratamento de temas de
interesse das empresas associadas, uma prática da entidade, auxilia na convergência de
opiniões e na discussão e socialização de soluções.
Esses dois agentes, Câmara e Cieam, podem ser considerados os principais
fóruns a abrigar manifestações de governança privada identificadas para o cluster e,
conseqüentemente, aos quais pode ser creditado um papel relevante a ser desempenhado
em qualquer trajetória futura desejada que se pretenda estabelecer.
Nas empresas submetidas ao questionário, as associações de classe são citadas
como sendo utilizadas (de modo "Freqüente") para o acesso a "Cursos e seminários" e a
"Boletins informativos". Também é citado o objetivo do "Aconselhamento em questões
legais" (de modo "Freqüente" ou "Ocasional"). Mas a "Interação na associação de
classe" "Nunca" é fonte de informação para a "Inovação de processo" (no caso,
associada ao maquinário ou à organização da produção) para 6 das 8 empresas, e é uma
fonte "Ocasional" para as outras 2. Este dado confirma os depoimentos quanto à
ausência de discussões e interações sobre questões com viés técnico (ou tecnológico)
nas associações.
A existência da confiança, já ressaltada como uma virtude essencial à ampliação
de um comportamento cooperativo, é explicitamente citada pelos entrevistados,
associada de forma regular à propriedade de facilitar as aproximações. Este predicado é
favoravelmente beneficiado pelo singular predomínio da cultura japonesa, conforme
evidenciado para esse cluster. E o benefício deve ser entendido em toda a sua extensão,
pois não se dá apenas na dimensão das interações internas ao cluster, mas também
influencia as incursões externas deste, seja facilitando a atração de novos atores, seja na
busca de apoio e soluções a partir das próprias relações corporativas da empresa líder,
ambas confirmadas por exemplos a partir da pesquisa de campo.
Igualmente importante é destacar que esse papel ativo da comunidade japonesa,
traduzido em um "espírito local de colaboração", é citado como um diferencial de
Manaus, mesmo quando esta é comparada a outras cidades que no Brasil também
abrigam japoneses e seus descendentes em maior número, como são os casos de Belém
e São Paulo. Diversamente, outras comunidades estrangeiras localmente presentes são
citadas em contra-exemplo, respaldado na hipótese de que não provocariam a mesma
capacidade aglutinadora.
114
Portanto, uma reflexão em termos mais abrangentes sugere que existem e estão
sendo fortalecidas as condições para o desenvolvimento de um ambiente em que um
processo mais amplo e ativo de governança seja sedimentado.
Essa perspectiva confirma-se até mesmo nas relações entre empresa e governo:
em geral, empresas e entrevistados reconhecem que o acesso à Suframa e às secretarias
estaduais, para consultas e troca de idéias, é uma tarefa que atualmente está mais
facilitada. Canais de comunicação mais eficientes tendem a reforçar que as empresas
continuem evoluindo suas relações nos fóruns aqui descritos, na perspectiva de que suas
sugestões alcancem maior respaldo.
V.3.2. ALGUNS IMPACTOS DA PRODUÇÃO E DO APRENDIZADO
PARA O PERFIL DA MÃO-DE-OBRA.
É interessante observar, também, a influência de diferentes fases vivenciadas
pelo modelo Zona Franca na trajetória de aprendizado do cluster, como pode ser
avaliado a partir das alterações no perfil da mão-de-obra.
Em 7 das 8 empresas pertencentes ao cluster que responderam ao questionário, e
cujos dados de mão-de-obra foram informados, trabalhavam 7.494 pessoas, sendo
11,9% deste total compostos por profissionais com nível superior, uma parcela
significativa, se for observado que a atividade tradicional de manufatura corresponderia
a uma maior geração de empregos em postos de trabalho no chamado "chão de fábrica".
Em 75% das empresas, o número de empregados havia aumentado no período
compreendendo os 5 anos precedentes, sugerindo que as atividades, no cluster,
encontravam-se em crescimento.
Nenhuma das empresas externou dificuldades para a contratação de mão-de-obra
não especializada, um resultado previsível, considerando as mais de 3 décadas de
atividade incentivada contribuindo para o estabelecimento de uma cultura industrial em
Manaus, o que resultou na existência de um contingente de profissionais aptos ao
trabalho na indústria em geral, uma das principais externalidades atribuídas a
aglomerações industriais.
Por outro lado, uma ampla maioria de 75% das empresas alegou dificuldades
com a mão-de-obra especializada, um dado reforçado por alguns dos depoimentos. As
duas únicas empresas que não indicaram essa dificuldade utilizam-se de processos
produtivos simples, para os quais não é exigido um maior preparo técnico na sua
condução, o que torna o dado ainda mais contundente.
115
Na visão dos entrevistados, embora a totalidade destes perceba uma evolução da
capacitação da mão-de-obra local, a posição sustenta-se na dificuldade enfatizada de
contratar profissionais com determinado perfil. Para exemplificar, tome-se novamente
como referência a Honda.
Na fase crítica da substituição de importações e do estabelecimento de quotas
limitando as compras de insumos e componentes no exterior, a empresa buscou o
desenvolvimento de componentes nacionais, de modo a tornar possível alcançar os
índices de nacionalização exigidos, uma solução bastante particular de adaptação às
realidades brasileira e local.
Esses esforços de nacionalização refletiram-se no desenvolvimento de um
processo produtivo com alto grau de verticalização, em virtude da inexistência de
fornecedores locais e do limitado mercado nacional de motocicletas, cujas demandas
não despertavam interesse de possíveis fornecedores potenciais (como seria o caso, por
exemplo, das empresas que atendem aos fabricantes nacionais de automóveis). A
verticalização que se impôs, então, resultou da necessidade da Honda realizar atividades
que, em outro panorama, poderiam ser executadas por fornecedores.
Os relatos revelam que durante essa fase a empresa recebeu apoio de seus
fornecedores no Japão para implementar as atividades que, tecnicamente, não eram de
seu domínio. O processo como um todo proporcionou um aprendizado que beneficiou
não apenas a empresa em si, mas repercutiu positivamente na formação local de mãode-obra especializada.
Assim, os anos iniciais da atividade produtiva podem ser caracterizados por uma
maior demanda pelo profissional com habilidades de cunho genérico, considerando que
o mesmo desempenharia tarefas relacionadas a assuntos distintos, um desafio
compensado pela menor complexidade destas. Com o passar dos anos, o avanço nos
processos tornou mais nítida a necessidade de divisão interna do trabalho, implicando
na busca por profissionais com um maior nível de especialização, por vezes alcançada
apenas a partir de capacitação interna. Além das inúmeras operações na produção,
podem ser oferecidos como exemplos as atividades de metrologia e diversos tipos de
ensaios e testes, incluindo até mesmo a pilotagem de motocicletas, cada uma delas hoje
conduzida por profissional com o preparo específico.
Com a evolução do mercado nacional, a Honda enfrentou a impossibilidade de
manter o crescimento de sua própria infra-estrutura em um ritmo adequado ao
atendimento à contínua demanda por novos modelos, estratificada em função de
116
diferentes usos desejados para a motocicleta, e ao mesmo tempo correspondendo a uma
crescente sofisticação tecnológica.
Essa condição precipitou a ampliação do número de fornecedores locais,
atendida por meio da estratégia de atrair, preferencialmente, aqueles que, no momento
anterior, haviam lhe proporcionado apoio. Ao mesmo tempo isto disseminou, para
outras empresas, a demanda por algumas especialidades profissionais até então restrita à
Honda. Embora não seja o único, este é um motivo determinante da trajetória e da
configuração atual do cluster, com implicações diretas para seu ritmo de aprendizado.
Além disso, a ocupação de mercados externos contribuiu para acelerar uma nova
configuração. O Brasil registra exportação regular desde 1988 e no ano de 2004 as
exportações corresponderam a 14,7% do total de motocicletas vendidas (ABRACICLO,
2005). A Honda, em 2002, exportou para 34 países. O alcance de tantos mercados seria
um desafio difícil de ser vencido se não houvesse agregação local de valor à produção.
A agregação local é decisiva para a capacidade competitiva de uma empresa que, de
outro modo, teria dificuldades de enfrentar a disputa pelo mercado internacional com os
próprios centros de produção que sejam seus fornecedores.
Se a estratégia de exportar é causa ou efeito do fortalecimento da rede de
fornecedores locais, esta é uma questão que a abordagem da pesquisa não teve a
intenção de investigar. O fato é que, nos últimos 5 anos, ocorreu a implantação de
praticamente metade dos fornecedores locais da Honda, de origem japonesa, que não
fazem parte direta de seu grupo de empresas; paralelamente, nos últimos 3 anos as
exportações brasileiras de motocicletas conseguiram avançar para a casa dos dois
dígitos, em termos de participação percentual no total das vendas das empresas
nacionais.
Um outro contexto reforça uma expectativa favorável quanto ao aumento da
capacitação local é o exemplo da implantação da fábrica de automóveis da Honda em
Sumaré (SP). Além de todos os investimentos necessários à implantação e ampliação da
fábrica originarem-se do desempenho da unidade de motocicletas, em Manaus, a mãode-obra amazonense é citada como a responsável pela colocação daquela fábrica em
operação.
Com base nesses elementos, torna-se surpreendente a ênfase imputada por
empresas e depoentes à escassez de mão-de-obra local especializada, que se apóia no
fato de ainda serem recrutados profissionais oriundos de outras localidades,
nominalmente citadas São Paulo, Paraíba, Rio Grande do Norte, Pará e Minas Gerais.
117
Segundo essa visão, ainda não há formação local para atendimento ao que consideram
importantes especialidades, como seria o caso da Engenharia Metalúrgica.
Uma prática recente que corrobora a necessidade de sobrepujar essa dificuldade
é a contratação de dekasseguis (brasileiros descendentes de japoneses que emigraram
em busca de trabalho no Japão). Aqueles que desejam voltar ao Brasil são recrutados e
posteriormente treinados em fábrica ainda no próprio Japão. Ao chegar a Manaus,
desempenham suas funções com a vantagem adicional de auxiliar na comunicação entre
a mão-de-obra local e o executivo japonês. Segundo depoimento de dirigente, a maior
parte dessa mão-de-obra é originária do interior de São Paulo, e sua adaptação a Manaus
é alcançada com mais facilidade do que a da recrutada diretamente naquele estado (ou,
como tem sido mais comum, de estados da Região Nordeste).
Mas o tema permite que seja ainda acrescentado um outro elemento à análise.
Quando avaliados os dados relativos à formação de recursos humanos, por meio das
respostas aos questionários, é possível interpretar uma distinção no desempenho
percebido para as instituições formadoras de mão-de-obra.
No nível do ensino técnico e profissionalizante, as relações com as instituições
ocorrem em maior intensidade, por meio de 6 das empresas, todas indicando um grau de
satisfação "Adequado" (outras opções oferecidas foram os graus "Totalmente
Insatisfatório", "Inadequado" ou, no extremo, "Totalmente Satisfatório"). Em princípio,
a disponibilidade de mão-de-obra em nível técnico não seria um problema para as
empresas.
Já no nível superior, apenas 4 empresas assinalam relações com universidades,
com algumas das experiências reportadas de forma negativa, o que evidentemente
reforça uma dificuldade para a evolução no quadro da mão-de-obra especializada.
Outros exemplos que se contrapõem a uma conclusão definitiva são as
atividades técnicas como "Contabilidade e Custeio" de produtos, funções executadas
internamente por todas as empresas; a "Manutenção em máquinas" e o "Recrutamento e
seleção", que foram apontadas como sendo de realização interna pela grande maioria. E
todas elas refletem uma necessidade de utilização de profissional especializado.
Essa aparente confrontação entre percepção e dados pode encontrar uma justifica
no fato de que os interlocutores consideram mão-de-obra especializada apenas aquela
diretamente atrelada à formação em nível superior na área tecnológica, descartando
dessa categoria a mão-de-obra de nível técnico e os demais profissionais de nível
superior. A confirmação dessa suposição, que acarreta o reconhecimento do
118
subdimensionamento do contingente de profissionais especializados, exigiria uma nova
incursão ao campo.
V.3.3. ELEMENTOS DA INSERÇÃO LOCAL: O RELACIONAMENTO
COM OUTROS TIPOS DE AGENTES.
Se a cooperação entre empresas ocorre em intensidade apreciável, a relação das
empresas com outros agentes do cluster é manifestada pelos entrevistados como ainda
frágil, um fato confirmado pelos dados obtidos com a aplicação do questionário.
Argüidas quanto à existência e grau de satisfação ("Totalmente Insatisfatório",
"Inadequado", "Adequado" ou "Totalmente Satisfatório") na aquisição local de vários
tipos de serviços, alguns pontos podem ser destacados.
Os agentes locais com os quais há maior incidência de relações, citados por 7
das empresas, são "Laboratórios de ensaios e testes", "Centros de treinamento" e
"Consultores independentes/Empresas de consultoria".
A presença da consultoria local, a princípio surpreendente, é compreendida
quando esclarecidas as atividades que lhe são demandadas: 71,4% das vezes dizem
respeito ao atendimento a necessidades de "Treinamento e capacitação". Essa mesma
consultoria local nunca é citada como fonte de inovação, um papel reservado aos
"Consultores de fora", citados como fonte "Ocasional" por 5 empresas (62,5%).
Apenas 3 empresas apontam a interação com Institutos de tecnologia, utilizados
em serviços de "Ensaios, análises e metrologia" e "Treinamento e capacitação", mas o
grau de satisfação foi classificado por todas como "Inadequado", o que aparenta uma
dificuldade adicional para o desejado desenvolvimento de atividades com maior
conteúdo.
Se nesta matriz analítica, o foco voltar-se das linhas (tipos de "Agentes") para as
colunas (tipos de "Serviços"), é possível compreender mais claramente qual o objeto das
interações: a principal incidência está relacionada ao "Treinamento e capacitação de
pessoal". Todas as empresas utilizam-se (não exclusivamente) de serviços externos para
a realização destas atividades, sendo que 75% delas interagem com 2 ou mais diferentes
tipos de agentes para esse fim.
O segundo tipo de serviço mais freqüente são os "Ensaios, análises e metrologia"
que, embora sejam contratados de 4 diferentes tipos de agentes, estão mais concentrados
em "Institutos de tecnologia" e "Laboratórios de ensaios e testes". Esse serviço funciona
como um suporte para atividades de gestão da qualidade e controle de produção e,
119
portanto, o dado confirma a importância que as empresas conferem a ambos os temas,
conforme comentado anteriormente.
Interações com maior conteúdo tecnológico, traduzidas nas opções "Projetos de
P&D", "Desenvolvimento de produto e processo" e "Assessoria técnica e tecnológica",
têm uma presença marginal. A exceção é a prática generalizada de relações locais por
uma das empresas da amostra, confirmando o acerto de sua inclusão a partir da
estratégia chain sampling.
Um reflexo da inexistência de alguns serviços técnicos especializados em
Manaus é o uso de instituições de fora ou, mais uma vez, a sua verticalização. Grande
parte da calibração dos instrumentos da Honda, por exemplo, é realizada internamente,
uma atividade que a empresa explicita a preferência por não realizar; parte menor é
destinada a alguns prestadores de serviços locais; mesmo assim, permanecem sendo
deslocados instrumentos até instituições em São Paulo.
V.4. CONCLUSÕES QUANTO À EFICIÊNCIA COLETIVA NO CLUSTER
DUAS RODAS.
Uma conclusão inicial importante é o discernimento de que o ambiente, ainda
que tenha etapas a vencer em seu processo de amadurecimento, estimula a cooperação.
Características como a ausência de comportamento oportunístico e o clima de confiança
mútua reforçam a informalidade que amplia as relações: nenhum dos exemplos de
cooperação identificados resultou de relação formal, segundo os interlocutores.
A base instalada da empresa Honda, tendo em conta sua infra-estrutura física, a
importante rede de fornecedores locais, a participação ativa em associações de classe e a
capacidade de interlocução com os órgãos de governo, fazem com que a sua posição de
liderança não encontre paralelo, no cluster Duas Rodas, sendo de difícil comparação até
mesmo com o restante do universo da atividade industrial em Manaus.
Os recentes investimentos da Yamaha sinalizam uma possibilidade, ainda a ser
confirmada, de que um crescimento associado provoque uma distribuição mais
homogênea da participação nas relações de cooperação para o cluster.
Como a Honda não impõe o fornecimento cativo, não é improvável que a
Yamaha, em sua trajetória de ampliação das atividades locais, usufrua algumas
externalidades proporcionadas pela caminhada precedente da sua principal concorrente.
Na configuração atual, porém, é a posição de liderança da Honda que pauta boa parte
das ações relacionadas ao cluster.
120
O surgimento de novos fóruns e a consolidação da capacidade de expressão
política de entidades já existentes, naturalmente conduzem para maiores oportunidades
de aproximação, ampliando o contato face a face e, considerando o predomínio de um
clima de confiança proporcionado pela prevalência da cultura japonesa, favorecem
iniciativas baseadas em cooperação.
À parte dos exemplos de cooperação horizontal bilateral (Honda-Yamaha),
facilitados pela origem cultural comum, as demais iniciativas (multilaterais) surgem em
diferentes fóruns internos estabelecidos nas associações de classe, demonstrando o
papel relevante que essas entidades podem representar para o fortalecimento da
governança do cluster.
Nas relações mapeadas, todavia, não foi registrado exemplo de cooperação
horizontal que tivesse como foco uma questão tecnológica mais relevante, como por
exemplo um desenvolvimento conjunto, uma temática considerada de caráter
"estratégico" e "sigiloso".
Em anos recentes, relações horizontais multilaterais de cooperação têm estado
atreladas a ações ou demandas de governo vinculadas à legislação de incentivos fiscais.
A ameaça ao usufruto do benefício foi identificada como o único poder capaz de
mobilizar os atores para a ação coletiva.
A cooperação vertical ocorre com mais freqüência quando principalmente
centrada na cadeia produtiva da Honda, e por isso mesmo com capacidade de atingir um
número significativo dos atores, favorecida por sua prática de just in time com os
fornecedores locais.
Várias empresas instalaram-se tendo como objetivo imediato o fornecimento
para a Honda, que por diversas vezes desempenha um papel ativo na sua própria
atração. Credite-se a ela, na figura de mais importante agente individual, a
responsabilidade direta pela trajetória e a configuração atual relacionadas ao cluster
Duas Rodas.
Caso sejam contabilizados os exemplos de cooperação com a participação de
Honda e/ou Yamaha, pode-se dizer que estaria sendo coberta a quase totalidade das
iniciativas do cluster. A essa assimetria de forças, na comparação com os demais atores,
pode ser imputada a inexistência de qualquer exemplo de cooperação vertical
multilateral envolvendo a gestão de algum gargalo da cadeia produtiva (ou, o que seria
mais abrangente, cadeia de valor) como um todo.
121
A Tabela V.2 apresenta uma síntese das observações quanto à diversidade das
experiências de cooperação identificadas pela pesquisa de campo.
TABELA V.2
DIVERSIDADE DA COOPERAÇÃO NO CLUSTER DUAS RODAS
Tipo
Bilateral
Multilateral
Horizontal
• Benchmarking em qualidade
• Benchmarking em gestão ambiental
• Práticas de responsabilidade social
• Práticas de segurança
• Fabricação e fornecimento regular
de partes e peças para motocicletas
• Gestão de recursos humanos
• Avaliação de alteração
na legislação estadual
de incentivos (ICMS)
• Avaliação de exigências
estabelecidas em novas
propostas de PPB
(especialmente para
partes e peças)
Vertical
• Transferência de conhecimentos
tecnológicos
• Técnicas para gestão da produção
• Técnicas de logística
• Suporte legal e jurídico (legislação,
impostos, alfândega,
relacionamento com sindicatos de
trabalhadores)
• Investimento em equipamentos;
importação triangulada de
equipamento
• Participação no capital social
(implantação de empreendimento)
• Manutenção de equipamentos
• Execução interna de processos do
fornecedor, em razão de
dificuldade temporária deste
• Gestão integrada do
plano de produção com
fornecedores
Fonte: Elaborada pelo autor, com base em pesquisa de campo.
A situação singular do ambiente de "camaradagem" em Manaus é
constantemente colocada em contraste com outros centros industriais, notadamente São
Paulo, onde as empresas seriam mais reservadas, favorecendo um comportamento
individualista.
Curiosamente, essa posição é sustentada também por exemplos de apoio mútuo e
cooperação com empresas de outros subsetores industriais, viabilizados principalmente
por meio de benchmarking das práticas de gestão. Isto permite supor que, embora a
cultura japonesa predominante possa amplificá-la, não se trata de uma particularidade
do cluster, mas provavelmente de um atributo que também possui um componente de
influência do ambiente industrial de Manaus como um todo.
122
Essa propriedade de se relacionar com empresas de outros subsetores sugere que
as relações externas do cluster, por paradoxal que possa parecer a afirmativa, começam
ainda em Manaus.
A Tabela V.3 oferece uma avaliação resumida da extensão com que a
cooperação é praticada no cluster, tanto em termos de freqüência no tempo quanto em
termos de disseminação de comportamento, segundo a perspectiva do autor.
TABELA V.3
EXTENSÃO DA COOPERAÇÃO NO CLUSTER DUAS RODAS
Tipo
Horizontal
Vertical
Bilateral
Multilateral
• Intermitente, estimulada por
proximidade cultural
• Práticas concentradas nas
duas maiores empresas do
cluster
• Contínua, com maior
intensidade nos últimos anos
• Freqüência elevada
• Ocorrência concentrada
(especialmente entre Honda
e fornecedor)
• Intermitente, subordinada à
agenda de governo
• Participação de outros atores sob
liderança dos maiores
produtores
• Contínua
• Freqüência elevada
• Ocorrência limitada (dois níveis
da cadeia de produção)
Fonte: Elaborada pelo autor, com base em pesquisa de campo.
A leitura dos resultados permite concluir que o nível da cooperação entre
empresas no cluster não é homogêneo, mas é significativo.
A não homogeneidade justifica-se porque as iniciativas para a cooperação estão
concentradas em apenas 2 empresas. Por outro lado, a significância dos exemplos é
ampliada justamente pela magnitude econômica dessas empresas: a densidade de suas
operações e processos industriais faz com que a reunião de seus comportamentos, mais
que uma amostra, traduza a identidade do próprio cluster.
Portanto, além das externalidades passivas alcançadas pelas empresas, por sua
participação na aglomeração, diversos exemplos de ação conjunta deliberada foram
identificados, independentemente de terem sido originados em oportunidades de
melhoria ou ameaças externas, contribuindo para o seu desempenho competitivo e,
finalmente, caracterizando a existência de elementos de eficiência coletiva no cluster.
123
VI. A PRÁTICA DA COOPERAÇÃO NO SUBSETOR ELETROELETRÔNICO.
Este capítulo é dedicado à apresentação e interpretação dos dados relacionados
ao subsetor Eletroeletrônico, o segundo dos subconjuntos tratados, complementando,
assim, o objeto de análise proposto para a pesquisa.
A abordagem utiliza-se da mesma estrutura lógica adotada para o capítulo
anterior, em que a caracterização inicial de âmbito geral é seguida por um maior
detalhamento dos resultados alcançados.
Embora já fiquem evidentes, no transcorrer do capítulo, algumas das
semelhanças e divergências, em termos de práticas de cooperação, a análise crítica
comparativa entre os dois clusters, especialmente considerando os objetivos propostos,
está reservada ao capítulo seguinte.
VI.1. IDENTIFICAÇÃO DO CLUSTER ELETROELETRÔNICO.
Avançar a abrangência da análise, do subsetor para o cluster, no caso do
Eletroeletrônico, é uma tarefa que requer um cuidado adicional, em virtude do maior
número de subsetores que dele participam, assim como da diversidade das empresas, em
termos de porte e natureza das linhas de produção.
A eletrônica de consumo, principal concentração dos produtos do subsetor, está
associada a uma dinâmica de produção bastante particular: modelos de produtos que se
sucedem a intervalos cada vez menores, alto conteúdo tecnológico e significativas
mudanças de tecnologia implicando até mesmo na descontinuidade da fabricação de
alguns tipos de produtos (como são os casos do toca-discos de vinil e do videocassete,
para citar apenas dois exemplos).
A publicação oficial utilizada como principal fonte de referência (SUFRAMA,
2004b) apresenta as empresas de produtos eletrônicos reunidas no Subsetor de Material
Elétrico, Eletrônico e de Comunicação, que por sua vez subdivide-se em 3 conjuntos:
Pólo de Produtos (excetuando-se máquinas copiadoras), Pólo de Componentes e Pólo de
Máquinas Copiadoras e Similares. É a reunião desses conjuntos que costuma ser
referida como subsetor (ou pólo) Eletroeletrônico, com uma presença capaz de ocupar
27 dentre os 50 principais postos no ranking de faturamento da indústria incentivada em
Manaus.
A composição desses 3 conjuntos agrega um total de 129 empresas, já excluídas
as que estejam em implantação ou paralisadas por algum motivo, um número que
dificulta a apresentação do subsetor pelo modelo da lista de empresas e suas respectivas
124
linhas de produção, conforme padrão adotado no capítulo anterior. Essa mesma
dificuldade afeta a composição de uma figura que ilustre o cluster.
Por essa razão, optou-se pela construção de uma ilustração alternativa, conforme
observado na Figura VI.1, que inclui todos os subsetores identificados na composição
do cluster, o número de empresas pertencentes a cada um e a relações industriais
bilaterais entre eles, representadas por meio de setas.
FIGURA VI.1
PÓLO INDUSTRIAL DE MANAUS
IDENTIFICAÇÃO DE RELAÇÕES ENTRE OS PRINCIPAIS SUBSETORES
DO CLUSTER ELETROELETRÔNICO
Papel, Papelão
e Celulose
9 empresas
Máquinas
Copiadoras
Químico
7 empresas
4 empresas
Produtos Elétrico,
Eletrônico e de
Comunicação
84 empresas
Componentes
Termoplásticos
24 empresas
Componentes
(Eletrônicos)
41 empresas
Metalúrgico
4 empresas
Fonte: SUFRAMA (2004b), complementada com base em pesquisa de campo e experiência pessoal do
autor.
Deve ser observado que estão incluídos apenas os subsetores mais significativos
e, dentro deles, contabilizadas somente as empresas que mantêm alguma relação de
negócios com os conjuntos em que tradicionalmente o subsetor Eletroeletrônico é
subdividido. Isto adiciona 4 subsetores e 44 empresas para a formatação do cluster.
125
Todas as setas procuram apontar o sentido fornecedor-cliente das relações
industriais. Duas delas, indicadas por traços mais fortes, traduzem uma maior
importância econômica relativa para o cluster.
Dentre as elipses que representam os conjuntos e subsetores, a única que está
sombreada ressalta o que seria o motor da dinâmica da aglomeração, as 84 empresas
fabricantes de bem final reunidas no conjunto de Produtos Elétrico, Eletrônico e de
Comunicação, um termo aqui adotado por ser mais específico e esclarecedor que Pólo
de Produtos. Uma distinção desse grupo é a presença de grandes corporações
transnacionais, várias delas instaladas em Manaus desde o início da atividade industrial
na Zona Franca. São essas empresas que ditam o ritmo das atividades: lançamento de
novos produtos, introdução de novas tecnologias, estabelecimento de padrões para
processos etc., que acabam por repercutir, com diferentes intensidades, no
comportamento e nas decisões dos demais subsetores do cluster. Algumas delas
possuem empresas coligadas que ajudam a compor o conjunto denominado
Componentes (Eletrônicos).
A escolha das empresas pesquisadas e dos profissionais entrevistados procurou
considerar essas várias características: do total de 9 empresas, 6 pertencem ao conjunto
Produtos Elétrico, Eletrônico e de Comunicação, 2 ao Componentes (Eletrônicos) e 1 ao
Componentes Termoplásticos; dentre os 16 depoimentos, 7 foram obtidos junto a
profissionais diretamente envolvidos com a indústria eletrônica e 1 com a de
componentes termoplásticos. Um registro importante é que 2 dentre as empresas
também tiveram suas respostas incluídas na análise do Duas Rodas, uma vez que
participam, simultaneamente, como fornecedores de componentes em ambos os
clusters.
Em termos da performance, nos últimos 5 anos, de 6 empresas que responderam
à questão, 5 indicam aumento no nível de produção e 3 apresentam aumento no nível
das exportações; quanto ao lucro líquido, apenas 5 empresas se manifestaram, sendo que
em 2 dos casos foi relatado um crescimento.
A presença de empresas com origem em vários países faz com que, neste caso,
não haja uma cultura específica predominante. Ao contrário, diversidade talvez seja a
palavra mais adequada para caracterizar o cluster: muitas empresas, diferentes portes,
variados produtos. E é justamente essa diversidade que possibilita as diferentes formas
de cooperação observadas.
126
VI.2.
COOPERAÇÃO
E
INTERAÇÃO
NO
CLUSTER
ELETROELETRÔNICO.
Empresas instaladas desde a origem da atividade industrial em Manaus têm
marcada influência na trajetória da cooperação e na adoção de determinados
comportamentos até hoje apresentados pelo cluster Eletroeletrônico.
A permanência dos mesmos profissionais nas principais funções executivas de
algumas das empresas, naturalmente resultou em uma maior aproximação entre eles,
quando em comparação a dirigentes daquelas cuja implantação é mais recente. Essa
particularidade também foi um facilitador para a apuração de registros mais antigos de
cooperação.
Novamente, o principal fator aglutinador apontado para a fase inicial da Zona
Franca é a distância dos grandes centros. Os problemas eram razoavelmente comuns a
todos e, conseqüentemente, induziram às primeiras interações cooperativas, no que pode
ser entendido como um início da formação de seu ambiente.
Duas características já se faziam presentes naquele primeiro momento: (i) a
informalidade das relações e (ii) apesar do dirigente local normalmente estar
subordinado a um nível hierárquico superior (empresa matriz, unidade central de
planejamento e/ou vendas), situado em outro ponto do país, a aproximação constituía-se
em um fenômeno exclusivamente relacionado às unidades produtivas em Manaus,
sendo que em boa parte das vezes as operações sequer chegavam ao conhecimento
dessas outras unidades.
A influência de outras regiões é bastante evidente, inclusive na presença de
executivos e dirigentes que muitas vezes deslocaram-se de suas cidades para trabalhar
na indústria em Manaus. No próprio conjunto dos 9 profissionais que, representando as
empresas, responderam ao questionário, apenas 2 são naturais do Amazonas; 6 são
oriundos de outras regiões do país e 1 é do exterior.
Em termos da representatividade das respostas, esse mesmo grupo de
profissionais é formado por 4 ocupantes de cargos gerenciais, 4 diretores e 1 sócio de
empresa.
Assim como no Duas Rodas, é unânime a posição de que não precisa ser de
origem local para tornar-se empreendedor em Manaus. Porém, expressivos 44,4%
desses profissionais acreditam que é importante pertencer à liderança da comunidade
127
social, um número que reflete a maior importância conferida, neste cluster, à capacidade
de alcançar melhores resultados a partir da rede de relações e da influência social.
Uma preocupação bastante elevada com a qualidade do produto também é
depreendida das respostas. Dentre 8 empresas, 4 consideram que a "Qualidade" é o
principal fator, em importância, para sobrepujar os rivais e 2 fabricantes de bens finais
indicaram "Novos projetos". O "Preço" só foi identificado como o principal fator por 1
empresa, fabricante de componentes, o que permite inferir que a competitividade
baseada em preço baixo e mão-de-obra barata tende a ser uma exceção.
A totalidade das empresas utiliza-se das técnicas básicas da qualidade ("Inspeção
de recebimento", "Inspeção final" e "Controle estatístico de processo"), de "Gestão pela
qualidade total" e possui "Certificação de sistema da qualidade ISO 9000". "Círculos de
Controle da Qualidade" são uma ferramenta utilizada por 4 delas, enquanto a
"Certificação ambiental ISO 14000" só não foi alcançada por 1 única empresa.
Dentre 8 respondentes, 6 empresas alteraram a "Forma em que a produção é
organizada" nos últimos 5 anos, 5 delas seguindo "Novos métodos de organização
trazidos de fora". "Linha de montagem" é o arranjo que predomina em 60% dos
fabricantes de bem final, enquanto 2/3 dos fornecedores de componentes utilizam-se de
"Arranjo misto". Considerando que a média da presença das respondentes em Manaus é
superior a 16 anos, esses dados sugerem dinamismo para as operações.
E isso se reflete na própria percepção sobre a qualidade global dos produtos que
fabricam: 5 de 7 empresas entendem que a qualidade "Melhorou um pouco" ou
"Melhorou bastante".
"Visitas para troca de informação/benchmarking" são novamente o exemplo
mais recorrente encontrado para a cooperação. Benchmarking deve ser aqui
compreendido pelo sentido mais popular que lhe foi conferido ao longo dos anos,
representando o esforço empregado para aprender a partir da experiência ou
desempenho de outra empresa. Nenhum dos exemplos relatados correspondeu ao uso
rigoroso dos procedimentos metodológicos associados à técnica.
Todas as empresas que responderam à questão confirmaram que "Visitam" e
"São visitadas". Em ambas as situações, 3 delas dimensionam a intensidade da prática
como sendo "Freqüente". Dentre elas, 75% apontam que o objetivo para as visitas é a
"Troca de informações" e o "Benchmarking".
128
VI.2.1. VARIEDADE NA COOPERAÇÃO HORIZONTAL.
Limitações na logística e as conseqüentes descontinuidades de abastecimento, no
período inicial da indústria na ZFM, revelam-se como os fatores críticos que também
acabaram por se constituir em uma força aglutinadora, motivando o que provavelmente
tenha sido a pioneira iniciativa multilateral de cooperação no cluster – e talvez da
história da indústria local incentivada – em que profissionais de várias empresas criaram
o Grupo dos Administradores de Material de Manaus, que contava com responsáveis
pela administração de materiais atuantes na maioria das grandes empresas instaladas à
época.
Por meio de interações regulares, durante certo período o grupo teve destacada
função na socialização de informações sobre fornecedores (locais ou não) e na
articulação coletiva para obtenção de padrões de fornecimento, especialmente em
meados da década de 80.
Um comportamento surgido nesse período, representativo das dificuldades de
abastecimento impostas pela distância dos grandes centros fornecedores, é o
"empréstimo" de componentes. O não raro atraso na entrega de materiais levou à
instituição da prática da cessão de componentes de uso comum, muitas vezes evitando
ou reduzindo a parada de linhas de empresas desabastecidas, mesmo sendo concorrentes
diretos no mercado. A participação nesse tipo de operação solidária tornou-se
efetivamente comum porque as posições invertiam-se ao longo do tempo, ou seja, em
algum momento a empresa poderia estar em condição desfavorável, na dependência de
seu concorrente.
A análise dos depoimentos permite constatar que empresas pioneiras como
Evadin, Philco, Philips, Semp Toshiba e Sharp são citadas com maior freqüência em
episódios que exemplificam o apoio mútuo estimulado pela dificuldade. Isto sugere que
as empresas que vivenciaram o ambiente inicial da ZFM construíram relações mais
estreitas, tendo maior influência na reprodução dessa e de outras práticas, ao longo do
tempo, inclusive disseminando-as para novos atores.
O empréstimo (componentes, materiais, matérias-primas) foi o segundo tipo de
atividade de cooperação mais lembrado, citado por 60% das empresas de bem final.
Evidentemente, é uma prática menos freqüente entre os fabricantes de componentes,
pelo menor uso de itens comuns. Ainda assim, foi identificada a sua existência no
subsetor de Matérias Plásticas.
129
Outro exemplo não trivial de cooperação horizontal é a disponibilização
temporária de linhas de produção para atendimento a necessidades de um concorrente.
Por exemplo, após um sinistro de grandes proporções ocorrido na fábrica da Philco, a
empresa conseguiu manter parte de suas operações utilizando-se do apoio prestado por
concorrentes. A Philips disponibilizou um turno completo de sua fábrica de placas
montadas para o atendimento emergencial, assim como ajuda semelhante também foi
proporcionada pela Sharp. Alternando-se os papéis, a Philco já executou parte do
processo de fabricação para concorrentes, como por exemplo a Samsung, que em
virtude de problemas com equipamento, encontrava-se sob risco de não atender a prazos
contratuais.
É interessante observar como essa aproximação, apoiada por executivos locais,
de algum modo desloca parte da responsabilidade da competição, do setor de produção
para outros setores da empresa (vendas, marketing, planejamento etc.) que, pelo menos
no caso das que possuem um maior porte, raramente estão instalados em Manaus, mas
sim próximos ao principal mercado consumidor, na região Sudeste.
Algumas vezes esse comportamento pode até encontrar reforço em políticas
internas das próprias organizações, como é o caso de uma empresa transnacional em que
o setor de vendas, localizado fora de Manaus, tem liberdade para implementar aquilo
que considere ser a melhor solução para atendimento ao mercado interno, desde que
estruturada em produtos da marca. Qualquer unidade industrial da corporação (pelo
mundo ou, no mínimo, dentre as do próprio continente) transforma-se em potencial
fornecedor. Neste exemplo, a unidade industrial de Manaus perdeu recente disputa com
a fábrica instalada no México, cuja proposta tornou-se a opção escolhida pelo setor de
vendas para atender a um negócio específico concretizado no mercado brasileiro.
Assim, suplantar a competição interna na própria corporação, com base na ampliação
dos laços de cooperação com outros atores locais, pode ser uma razão capaz até de
conferir racionalidade para certas condutas anteriormente descritas.
Dentre empresas de maior porte citadas como não apresentando um
comportamento de integração, os exemplos mais comuns são justamente as de
implantação tardia, supostamente por não terem participado do momento inicial que
estimulou a cultura da "camaradagem" ilustrada pelos episódios relatados. Foram
descritas situações em que até mesmo a visita às instalações é bastante restrita.
Na cooperação horizontal multilateral, uma das iniciativas revela a interação de
empresas na área de telefonia móvel. A legislação brasileira em vigor exige que um
130
percentual do faturamento das empresas, correspondente aos produtos dessa área, seja
aplicado em atividades de pesquisa e desenvolvimento. Ericsson, Motorola, Nokia e
Siemens, empresas que atuam no setor, têm promovido reuniões periódicas em Manaus
para a identificação de programas "não competitivos", objetivando a implementação
conjunta de parte desses investimentos obrigatórios. Dentre elas, Nokia e Siemens são
as únicas instaladas em Manaus, e justamente as que buscaram a aproximação, inclusive
no convite às empresas extracluster. O histórico de projetos conjuntos entre esses
atores, em âmbito internacional, certamente foi um facilitador para a iniciativa, e ilustra
como as práticas corporativas podem influenciar a realidade local.
Outro exemplo diferenciado envolve um subsetor que participa do cluster. Em
uma crise ocorrida no período 1996-97, as empresas de componentes plásticos
reduziram seus quadros e indenizaram alguns profissionais com máquinas, dando
origem à implantação de várias empresas de pequeno porte. Uma das empresas líderes
do subsetor decidiu restringir suas atividades ao trabalho com máquinas de grande
porte, selecionando 3 pequenas empresas para que lhe suprissem as peças menores e
mais simples, por meio de subcontratação. Essa solução, adotada posteriormente por
outras empresas, acabou por multiplicar a cooperação entre elas: as empresas satélites
recebem apoio da empresa líder – treinamento de pessoal e manutenção de moldes e
ferramentas são alguns dos tipos identificados – e, embora tenham uma relação de maior
proximidade com uma empresa específica, não são seus fornecedores exclusivos.
Posteriormente, a solução evoluiu para um estágio de maior integração, quando
as empresas líderes passaram a interagir e distribuir, entre si, eventuais demandas que
excedam à sua capacidade de produção somada à das satélites.
O relato indica que o conjunto é composto por 5 a 6 empresas líderes, cada uma
delas com 2 ou 3 empresas satélites, em uma configuração aproximada à apresentada na
Figura VI.2, em que as letras representam as empresas líderes e os números, as satélites.
Percebe-se que é um exemplo de interação em rede que, associando à tipologia
adotada por este trabalho, seria classificado como uma cooperação multilateral, mas
com características mistas, pois envolve tanto relações horizontais quanto verticais.
Outra iniciativa multilateral identificada, com participação de várias empresas
do cluster, mas sem restringir-se a ele, envolve a discussão de práticas de gestão
relacionadas a vários temas: manutenção, alimentação, transportes (de funcionários e
mercadorias), segurança e recrutamento e seleção. A proposta para formação do grupo
131
FIGURA VI.2
SUBSETOR DE COMPONENTES TERMOPLÁSTICOS
ESBOÇO DA REDE ARTICULADA DE EMPRESAS FORNECEDORAS
2
1
3
A
15
4
E
14
B
5
13
6
D
C
7
12
11
10
9
8
Fonte: Elaborada pelo autor.
foi realizada em uma reunião do Cieam, liderada por profissional que está há
relativamente pouco tempo em Manaus, e ocupa função de diretoria em empresa de
atuação global que não pertence ao cluster, a Gillette. De 16 empresas convidadas a
tomar parte no grupo, entre 10 e 12 estariam participando com regularidade. Cada um
dos temas é tratado isoladamente, e a experiência das empresas que apresentam as
melhores soluções para determinado tema é utilizada como referência para o
aprendizado e desenvolvimento das demais. A sistemática, em si, é um exemplo da
socialização de um aprendizado alcançado na trajetória de um profissional, novamente
evidenciando a influência da experiência corporativa na realidade local.
O episódio também demonstra que assim como diretores radicados há mais
tempo oferecem a vantagem de formar, preservar e transmitir uma identidade, a
rotatividade na ocupação de alguns dos cargos executivos, ainda que significando a
perda de parte do capital cooperativo acumulado, tem o mérito de introduzir novas
práticas empresariais, oxigenando o ambiente industrial.
Muitos outros exemplos registrados de cooperação horizontal multilateral estão
em sua maioria relacionados ao esforço de responder a alterações na legislação, federal
132
ou estadual, que provoquem impacto nos benefícios fiscais ou nos processos produtivos
das empresas. Isto implica em ações coletivas como articular em oposição ao aumento
de taxas públicas, pressionar órgãos de governo para contestar alíquotas ou quotas
físicas impostas por outros países que prejudiquem o acesso dos produtos da ZFM a
seus mercados, reivindicar do poder público investimentos em infra-estrutura,
flexibilizar etapas a serem incluídas nos processos produtivos obrigatórios a serem
praticados etc.
A variedade das iniciativas é, portanto, uma característica da cooperação
horizontal no cluster Eletroeletrônico, mediada pela atuação das entidades de classe. A
iniciativa pela cooperação, conforme visto, por vezes suplanta a obrigação da
competição, o que ratifica a visão depreendida dos entrevistados de que o ambiente
facilita a cooperação.
VI.2.2. VARIABILIDADE NA COOPERAÇÃO VERTICAL.
Em termos do suporte mútuo, e assim como já fora identificado para o Duas
Rodas, a pesquisa de campo confirma uma mesma boa relação entre empresas de bem
final e de componentes para o Eletroeletrônico: 87,5% dos fornecedores aproximam-se
para "Oferecer assistência para problemas que surgiram em seus produtos" e 75%
Solicitam sugestões de como melhorá-los".
Quando o contrato é eventualmente quebrado, os comportamentos mais comuns,
utilizados em algum momento por 100% dos clientes, é "Solicitar que o trabalho seja
refeito" e "Oferecer supervisão para evitar problemas futuros". Em termos de apoio, a
"Assessoria na organização da produção" é a assistência prestada com maior
intensidade, utilizada por 4 das 6 empresas de bem final da amostra.
Assim como no Duas Rodas, nenhuma empresa pratica o "Pagamento adiantado"
como forma de apoio ao subcontratado e em caso de quebra de contrato todas
"Solicitam que o trabalho seja refeito".
Comprovando o bom nível das relações, no sentido inverso todos os 3
fornecedores de componentes confirmaram que os clientes "Prestam assistência para a
melhoria da qualidade de seus produtos".
Esse nível geral de aproximação e colaboração, todavia, não impede a existência
de importantes pontos de contraste. Um deles diz respeito à trajetória da cooperação
vertical que, no caso do cluster Eletroeletrônico, não aparenta corresponder a uma
tendência ascendente.
133
O histórico que evidencia essa afirmativa inicia na segunda metade da década de
80, quando um esforço conjunto de política industrial entre os governos federal
(Suframa) e estadual (à época, a Secretaria de Indústria, Comércio e Turismo),
objetivando o estímulo à implantação de fornecedores de componentes, resultou na
ampliação e diversificação do mercado ofertante, pressionando uma mudança no
comportamento dos fabricantes de produtos, que já possuíam suas rotinas de
abastecimento estabelecidas. Considerando a inexistência (ou, na melhor das hipóteses,
a incipiência) de um setor de compras local nas empresas, a preferência era sempre pela
manutenção de relações de fornecimento já consolidadas.
Os chamados Programas de Regionalização forçaram uma aproximação entre os
dois elos da cadeia produtiva. No ápice da iniciativa, em 1988, havia cerca de 80
fornecedores em Manaus, nos mais diversos subsetores. A interação destes com os
fabricantes de produtos, para a busca de padrões de qualidade e regularidade no
fornecimento, ocorreu como uma conseqüência direta da obrigatoriedade legal. Se no
primeiro momento a aproximação não foi voluntária, a inevitabilidade fez com que
algumas empresas aproveitassem a oportunidade para implementar programas bastante
consistentes de desenvolvimento de fornecedores. Técnicos especialistas, trazidos de
outras unidades corporativas, orientavam empresas de componentes, das áreas de
injeção plástica, material gráfico, estamparia e ferramentaria, a alcançar um melhor
desempenho, compatível com as expectativas de qualidade do mercado demandante.
Entretanto, a legislação permissiva fez com que os fabricantes de bem final
criassem suas próprias empresas de componentes, para as quais terceirizaram a
montagem de placas, usufruindo benefício adicional que provocou forte impacto
negativo na arrecadação estadual. Isto precipitou uma mudança na legislação, que na
prática inviabilizou a continuidade do programa, esvaziando o que já era reconhecido
como um pólo de empresas de componentes.
Em seguida, o ápice na intensidade da cooperação vertical bilateral talvez tenha
correspondido ao período de abertura do mercado interno às importações, na década de
90, que estimulou uma busca por padrões internacionais de desempenho. A maioria dos
grandes fabricantes criou programas para a competitividade que, dentre outros pontos,
incluíam a qualificação de fornecedores. Se os fornecedores já não eram tantos quantos
os do final da década anterior, em contrapartida o objeto da interação tornou-se mais
amplo.
134
Uma das mais reconhecidas iniciativas foi o programa de Manufatura Classe
Mundial, desenvolvido pela Sharp e utilizado como referência por várias outras
empresas. A Multibras, um fabricante de peças plásticas injetadas, foi uma delas.
Inspirada no programa, estreitou relações com clientes, visitou empresas matrizes de
alguns deles em seus países de origem e desenvolveu parcerias para o aprendizado com
os pontos fortes percebidos para cada um: Sharp (gestão), Philips (qualidade), Sony
(injeção) e Honda (logística), esta última caracterizando sua participação em mais de
um cluster. Com isso estruturou um programa de melhoria de desempenho que se
desenvolveu por todo o restante da década, fortalecendo a cooperação com essas e
outras empresas, inclusive algumas com as quais não mantinha relações de negócio.
Após esse período, e com algumas empresas consolidando seus próprios
modelos de gestão, prevalece a opinião de que a cooperação vertical bilateral tornou-se
menos freqüente. Empresas com programas para a atração e desenvolvimento local de
fornecedores descontinuaram a abordagem mais sistemática; outras, talvez por terem
sobrepujado o momento da ameaça competitiva mais crítica, desaceleraram o ritmo das
parcerias.
Analisando o conteúdo dos depoimentos, a única exceção identificada para esse
perfil seria a Nokia, que apresenta uma intensa atuação com fornecedores locais em
anos recentes. Assim como a Honda, no Duas Rodas, a Nokia tem evidenciado uma
participação ativa na atração de fornecedores. Em 2001, organizou um seminário, em
Manaus, com o envolvimento de aproximadamente 40 dos parceiros internacionais da
corporação, com o intuito de estimular sua implantação na ZFM. Segundo estimativas,
em 2004 já consumia cerca de 2/3 da produção de sua rede local de fornecedores,
composta por mais de 20 empresas.
Outros exemplos recentes contabilizam apenas interações pontuais, tais como o
desenvolvimento de matérias-primas e acabamentos especiais, dispositivo automático
para máquinas insersoras de componentes etc. Ao avaliar o conjunto, todavia, fica a
interpretação de que o mesmo está aquém do potencial da aglomeração, considerando
seu tamanho e a diversidade de empresas.
Assim, para o conjunto do cluster, embora a interação fabricante-fornecedor seja
amistosa, há evidência de que em momentos anteriores já foi bem mais intensa – ainda
que em decorrência de reação a pressões externas – e que atualmente prevalece uma
acomodação nas relações de cooperação vertical, com a exceção descrita.
135
VI.3. INDICADORES DE CONFIANÇA, INSERÇÃO E APRENDIZADO NO
CLUSTER ELETROELETRÔNICO.
De forma similar ao que foi realizado no capítulo anterior, também é possível
explicitar algumas características do perfil do cluster Eletroeletrônico, com o apoio dos
conceitos complementares, o que é feito nas próximas seções.
VI.3.1.
O
COMPORTAMENTO
OPORTUNÍSTICO
LIMITANDO
INICIATIVAS.
Há um elemento presente no ambiente do cluster Eletroeletrônico e que não foi
identificado no Duas Rodas, que é o comportamento oportunístico aumentando a
resistência a algumas interações.
Um dos principais motivos alegados para a sua existência é a não paridade na
intensidade do benefício fiscal estadual, cuja legislação permitiria a convivência de
distintos níveis de incentivo para empresas com produtos similares. Isto implicaria em
um importante diferencial competitivo que as empresas em vantagem procuram
resguardar, mantendo sigilo sobre a informação. É um fator que se contrapõe ao
estabelecimento da cultura da confiança, e que foi supostamente restringido por uma
modificação da legislação, ocorrida ao final de 2003.
Outro comportamento oportunístico é registrado como motivo para o insucesso
de algumas iniciativas multilaterais. Trata-se da falta de transparência na revelação de
números associados a preços pagos por matérias-primas e serviços. A apresentação de
números incorretos, para preservar conquistas de relações comerciais, é apontada como
motivo da inviabilização de esforços realizados, por exemplo, para a compra conjunta
de componentes.
No próprio exemplo da cooperação multilateral em rede, anteriormente descrito,
é identificado o comportamento oportunístico em tentativas de cooptar clientes das
empresas parceiras.
Trata-se de um contraste evidente com o Duas Rodas, no qual a pesquisa de
campo não se defrontou com qualquer situação similar.
E essa conduta pode, por exemplo, ser um fator que impede a concretização de
outras oportunidades, como foi o caso de recente tentativa de redução nos custos da
cadeia logística. Em esforço multilateral coordenado pelo Cieam, buscou-se o
compartilhamento de modais por empresas de vários subsetores, para o transporte
conjunto de produtos aos devidos centros de distribuição. Apesar da realização de um
136
estudo indicando a possibilidade de redução do custo de transporte em 33%, as
empresas não demonstraram interesse na solução conjunta, alegando principalmente
dois argumentos: (i) a decisão do modal a ser utilizado não era tomada em Manaus e (ii)
não gostariam de agrupar a sua própria carga com a dos concorrentes.
Relato de um dos entrevistados sinaliza que nesse episódio houve uma nítida
distinção entre o comportamento das empresas do cluster Duas Rodas, dispostas em
participar e "cooperar para competir", e o das empresas do Eletroeletrônico, mais
conservadoras, algumas delas justificando a origem no setor comercial.
VI.3.2. DIVERSIDADE DE ASSOCIAÇÕES: MAIS FÓRUNS, MELHOR
GOVERNANÇA?
Uma vantagem comparativa que pode ser ressaltada é a maior variedade de
associações de classe no cluster Eletroeletrônico: foram 10 as associações citadas
diretamente nas respostas ao questionário. Dessas, o Cieam é a mais freqüente, presente
em 88,9% das respostas; Fieam (77,8%) e Eletros (66,7%) vêm em seguida, sendo que a
sede desta última não é local. O principal uso que se faz das associações é o mesmo
referenciado no Duas Rodas: das empresas que responderam à questão, todas utilizamnas para "Aconselhamento em questões legais" (5 delas, "Freqüentemente") e para
acesso a "Cursos e seminários" (3 de modo "Freqüente") e "Boletins informativos" (4
delas, "Freqüentemente").
Em termos de reflexões quanto à atuação para melhores práticas de governança,
uma comparação entre as associações de classe aponta novamente o Cieam como a
principal liderança do Distrito Industrial, uma posição sem divergência entre os
depoentes. A Federação das Indústrias do Estado do Amazonas (Fieam) encontraria
dificuldade em exercer um papel de maior representatividade porque congrega todos os
segmentos da atividade industrial do estado, resultando na reunião de interesses mais
amplos, alguns deles de difícil conciliação; ao mesmo tempo, sua estrutura sindical
desfavorece a atuação global organizada, pois além de serem muitos os sindicatos,
vários são de pequeno porte e sem relação direta com a atividade concentrada no
Distrito Industrial. Outras associações tratam um grupo específico de empresas, como é
o caso da Associação das Indústrias e Empresas de Serviços do Pólo Industrial do
Amazonas (Aficam), o que implica em um menor porte. Dois dos principais exemplos
de cooperação multilateral, a iniciativa em logística e o benchmarking coletivo das
137
práticas de gestão, iniciados nas reuniões do Cieam, ilustram a existência dessa
liderança e sua importância para a disseminação da cooperação.
Apesar de uma percepção geral quanto aos fatores positivos na atuação dessas
associações, há uma crítica, manifestada por uma parcela dos interlocutores, quanto a
uma postura de pouca atenção ao cenário futuro. A queixa relaciona-se à falta de
iniciativa para a discussão da viabilidade da indústria sem os incentivos fiscais. Nas
palavras de um entrevistado, "todas pensam no pão de cada dia, nenhuma em plantar o
trigo". E isto se reflete no comportamento das empresas, e em sua ausência a fóruns
temáticos importantes, como os que são promovidos no âmbito do Ministério do
Desenvolvimento, Indústria e Comércio para a discussão de competitividade, nos quais
por vezes são encaminhadas decisões que afetam a realidade local. O governo estadual
também é citado, ressaltando-se que o conteúdo de sua legislação teria mais
preocupações com a arrecadação imediata do que com perspectivas futuras.
Ainda no tema governança, as manifestações sobre as relações com as
instituições públicas reforçam uma posição percebida para o cluster Duas Rodas: a
opinião é de que o diálogo teria sido ampliado, quando comparado ao passado, e as
instituições estariam com maior foco no auxílio à competitividade das empresas. A
Suframa, em especial, é entendida como o agente com potencial de liderar as empresas
para estágios mais avançados da dinâmica industrial. Alguns dos profissionais até
enfatizam a crença de que a Suframa, nesse aspecto, teria evoluído mais que o governo
do estado. Anteriormente, seria uma instituição menos próxima, tratando com sigilo
muitas das questões de interesse do setor produtivo; hoje, adotaria procedimentos mais
transparentes e, com isso, conquista parcerias. No outro lado dessa relação, a própria
Suframa, por meio de seu principal dirigente, também interpreta que a aproximação com
o setor produtivo tem apresentado sinais de avanço.
Uma referência constante utilizada pelos entrevistados para exemplificar como
essa liderança se revela é a realização bienal da Feira Internacional da Amazônia
(Fiam), organizada pela Suframa com o intuito de divulgar a produção e o potencial de
negócios da região e atrair novos investimentos. Embora iniciativas similares tenham
ocorrido de modo esporádico, nas décadas de 80 e 90, àquela época representaram
muito mais um esforço de contrapropaganda à imagem negativa da ZFM. Atualmente, a
Fiam assume conotações de um evento de negócios, focado na viabilização de novos
empreendimentos, ampliação de relações comerciais, e que também inclui seminários
técnicos com programação paralela discutindo temas do interesse da indústria.
138
Apesar da compreensão de que é mais efetiva a cooperação entre o setor público
e o privado, há manifestação explícita de que os resultados coletivos poderiam ser
melhores. Alguns dos entrevistados ressentem-se de uma maior participação do
governo, por exemplo, na formação direta de profissionais com determinadas
competências, ou mesmo no papel de indutor de programas com esse fim. Desta forma,
pode-se entender que a possibilidade de evoluir a um nível ainda superior de articulação
é um espaço aberto para o desenvolvimento e consolidação de mecanismos adicionais
de governança.
Assim, embora atestando a existência de um maior número de associações, as
interações de campo não permitem concluir que esta vantagem potencial materialize-se
em uma distinção significativa nas práticas de governança, quando comparados os dois
clusters analisados.
VI.3.3. MÃO-DE-OBRA QUALIFICADA: ALGUNS ESPAÇOS DE
APRENDIZADO E A QUESTÃO DA AUTONOMIA.
Em relação à qualificação da mão-de-obra, nas 9 empresas que responderam ao
questionário trabalhavam 8.717 pessoas, sendo que 13,2% deste total correspondem a
profissionais com nível superior, um indicador que praticamente não apresenta
diferença se comparado entre os fabricantes de bem final e as empresas de
componentes, e é apenas 1,3% superior ao do cluster Duas Rodas. Para 75% das
empresas, a rotatividade da mão-de-obra permaneceu a mesma ou decresceu, nos
últimos 5 anos, o que sugere estabilidade.
Dos 7 profissionais oriundos de outras localidades, que responderam pelas
empresas ao questionário, 5 estão na mesma organização desde sua chegada, o que
qualifica especialmente o dado coletado que indica, para 77,8% dos casos, que a
participação de pessoas locais ocupando cargos de gerência ou direção aumentou nos
últimos 5 anos, e em nenhum deles teria diminuído. É um fator indireto importante que
evidencia a evolução na capacitação da mão-de-obra. Por outro lado, essa dimensão
significativa assumida pela contribuição de profissionais de outras regiões e países, no
histórico da direção de empresas, reforça a característica da diversidade que compõe a
identidade do cluster.
Ainda em relação à mão-de-obra, há uma clara convergência para a idéia de que
é abundante, conseqüência da atividade industrial continuada. Os dados revelam que
atividades básicas como "Contabilidade", "Custeio de produtos" e "Recrutamento e
139
seleção" são desenvolvidas internamente por todas as empresas. "Manutenção de
máquinas" é realizada internamente por 88,9% delas. Também foram identificadas, de
forma mais disseminada, capacitação e autonomia locais para a execução de atividades
como especificação, seleção e compra de máquinas e equipamentos, elaboração de
leiaute fabril e adaptação de projetos de produtos.
A mão-de-obra especializada não é apontada como um problema por
empresários e representantes de empresas, diferentemente do status encontrado para o
Duas Rodas. Em relação ao tema, a única exceção foi reportada em depoimento de
dirigente de instituto de tecnologia, indicando escassez de mão-de-obra especializada
para P&D, uma situação que não pode ser considerada surpreendente, uma vez que são
atividades em fase inicial, de pouca tradição na indústria incentivada em Manaus.
No caso do cluster Eletroeletrônico, a abertura do mercado nacional é
fortemente referenciada como o principal ponto de mudança em uma trajetória de
aprendizado. Se antes as empresas lidavam principalmente com otimização de processos
e aspectos gerais de organização da produção, a partir de 1991 aumentou a percepção da
importância de uma gestão integrada dos diversos processos que compõem a
organização, inclusive expondo a fragilidade de empresas que se ressentiam de lastro
em tecnologia.
Um profissional com muitos anos na liderança de equipes de desenvolvimento,
no campo da eletrônica de entretenimento, envolvido pela pesquisa de campo, afirma
que existe uma capacitação local para a realização de projetos com nível superior à
maioria dos que são contratados no exterior. A exploração do potencial dessa
capacitação dependeria da mobilização dos atores e da organização da demanda, o que
mais uma vez ressalta a oportunidade para a atuação coletiva.
Um espaço para disseminação de informação e aprendizado citado por vários
dos entrevistados são as instituições de ensino superior. Com a multiplicação de seu
número, em anos recentes, a interação na sala de aula, seja em nível de graduação ou
pós-graduação, é uma oportunidade informal para a aproximação de profissionais de
diferentes empresas. Cursos na área de Eletrônica e, especialmente, Produção, são
oferecidos em várias instituições. Enquanto o curso pioneiro de Engenharia Elétrica em
Manaus data de 1976, os primeiros cursos em Engenharia de Produção implantaram-se
em 1998, um nítido contraste com o porte (e a demanda de profissionais) do parque
industrial. A expansão do ensino superior permitindo maior interação entre profissionais
de distintas empresas pode ser o motivo para que os relacionamentos informais,
140
baseados em amigos ou antigos colegas de curso ou trabalho, tenham sido ressaltados
por 87,5% dos respondentes.
Mas se para o setor produtivo essa evolução vem ocorrendo sob um ritmo
favorável, há um contraponto a ser considerado. Uma das observações ressaltadas pelos
profissionais de empresas entrevistados é a necessidade de que as instituições públicas
invistam na capacitação de seu próprio pessoal, pois, segundo eles, o bem sucedido
esforço que o setor governamental empreendeu para atualizar e automatizar processos
administrativos não teria sido adequadamente acompanhado por uma evolução de seu
corpo técnico.
VI.3.4. IMPACTOS PARA A INSERÇÃO.
A maior autonomia de decisão em decorrência do aumento na capacitação das
unidades locais também pode ser considerada como um indicador do nível de inserção
da indústria. Todos os entrevistados, com especial atenção para empresários e
executivos, destacam que as organizações ganharam autonomia na medida em que a
indústria da ZFM foi se estruturando e as operações tornaram-se mais complexas.
Uma única ressalva apontou que o aumento da autonomia estaria limitado pela
rotatividade dos dirigentes em alguns dos grupos transnacionais, uma afirmativa cuja
comprovação no mínimo demandaria nova incursão ao campo, uma vez que as
capacidades acumuladas na organização evidentemente não estão concentradas
exclusivamente no dirigente principal.
Essa relação entre competência e autonomia torna-se bastante evidente quando,
em alguns casos, a evolução é mais lenta. É o caso da agenda de investimentos
obrigatórios em P&D, em que poucas empresas dispõem de autonomia local de decisão;
também da seleção de fornecedores e a efetivação de processos de compra, em que a
distância dos centros de abastecimento não contribui para a concentração dessas
atividades em Manaus, isso sem considerar que são atividades que representam um
grande poder nas organizações, para as quais seus executores costumam oferecer
resistência à transferência ou delegação de autoridade.
Mesmo assim, exemplos favoráveis podem ser encontrados em empresas como
Nokia e Philips. A Nokia possui autonomia local para a homologação de fornecedores,
com autoridade para habilitá-los ao fornecimento para qualquer das unidades da
corporação, em escala mundial. O mesmo procedimento ocorre com a Philips, um
exemplo ainda mais significativo, pois o seu centro de compras para o Brasil, instalado
141
em Manaus, possui ascendência hierárquica sobre as compras da unidade da Philips em
Terra do Fogo (Argentina). Os dois exemplos configuram uma condição bastante
improvável de ser concebida há apenas duas décadas, quando a Suframa viu-se obrigada
a exigir em legislação a presença permanente em Manaus de um diretor de cada
empresa, para poder alcançar um nível mínimo de interlocução.
Em termos das relações com outros agentes do cluster, as mais citadas referemse a "Instituições de ensino técnico ou profissionalizante", utilizadas por 85,7% das
empresas, com a totalidade delas indicando um nível "Adequado" ou "Totalmente
satisfatório" para a interação. Em segundo lugar são citados os "Laboratórios de ensaios
e testes", utilizados por 71,4% das empresas e apenas 1 delas correspondendo a um
nível "Inadequado" para a relação. Praticamente nesta mesma intensidade de utilização
encontram-se "Centro de treinamento" e "Consultores independentes ou empresas de
consultoria".
As "Instituições de ensino técnico ou profissionalizante" mais uma vez têm uma
maior aproximação com as empresas que as "Universidades", que foram referenciadas
por 57,1% das que responderam à questão. Dentre todos os depoimentos, uma única
citação mais robusta quanto ao relacionamento com o setor acadêmico foi obtida. E
justamente para lamentar a pouca interação entre academia e setor produtivo. Segundo a
perspectiva do interlocutor, o reduzido número das empresas que vão à universidade
buscar algum tipo de apoio ou conhecimento justifica-se pela ausência de uma cultura
para investir com objetivos de longo prazo, a visão de que a universidade não consegue
responder de forma ágil e também pela pretensa dissociação entre necessidades do
mercado e formação acadêmica oferecida.
Assim como no Duas Rodas, o objeto do serviço que é mais comumente
solicitado de outros agentes é o "Treinamento e capacitação", demandado de todos os
outros 8 tipos de agentes (afora as empresas) oferecidos como opção. "Consultores
independentes ou empresas de consultoria" e "Empresa matriz" são os agentes mais
ecléticos, executando 6 dos 7 tipos de serviços relacionados.
A existência de uma maior diversidade de atores, no caso do Eletroeletrônico,
faz com que as iniciativas de cooperação com outros agentes, como é o caso de
institutos tecnológicos, alcancem registros bem mais antigos. Remontam a meados da
década de 80 exemplos em áreas como qualidade (elaboração de procedimento comum
de inspeção de componentes) e transportes (melhoria das condições do transporte de
142
contêineres), em que a articulação das empresas contou com a intermediação de
instituto tecnológico.
A cooperação com base em matéria técnica ainda é exceção, vista até com
bastante ceticismo por alguns que não pertencem ao setor produtivo, em virtude de
suposta tendência à compra de kits, no mercado internacional, como única alternativa
para competir com o contrabando e a escala da produção asiática.
Em suma, no cluster Eletroeletrônico percebeu-se a existência de expectativa por
uma ação coletiva mais coordenada, para a qual a eleição dos líderes de ambos os
setores, público (Suframa) e privado (Cieam), é resultado de um nítido consenso. O
aperfeiçoamento dos mecanismos de governança pode auxiliar na remoção de algumas
barreiras que limitam o alcance da cooperação e, conseqüentemente, tendem a afetar o
ritmo do aprendizado.
VI.4. CONCLUSÕES QUANTO À EFICIÊNCIA COLETIVA NO CLUSTER
ELETROELETRÔNICO.
A eficiência coletiva no cluster Eletroeletrônico ratifica alguns dos elementos já
observados para o Duas Rodas, no capítulo V, mas reputados ao ambiente industrial de
Manaus como um todo. Dentre eles, destacam-se a capacidade aglutinadora
representada na ameaça ao benefício fiscal e o nível de informalidade que caracteriza a
cooperação que resulta da ação conjunta.
Outra semelhança é a importância da mediação realizada pelas associações de
classe. No caso do Eletroeletrônico, o Cieam é generalizadamente reconhecido como a
entidade líder, em cujos fóruns internos o contato face a face resulta nos mais
significativos exemplos de cooperação horizontal multilateral.
Mas também existem fatores que espelham diferenças assinaláveis na
composição das identidades dos dois clusters analisados.
Um deles é a não polarização da liderança que, para o caso do Eletroeletrônico,
pode-se dizer que está pulverizada em várias empresas. A ausência de uma força
individual em nível significativo estimula a busca do consenso para opiniões
divergentes, facilita a existência simultânea de diferentes iniciativas de cooperação e
certamente contribui para a diversidade das práticas.
Outro fator distintivo é o menor nível de confiança entre competidores diretos,
percebido em mais de um elo da cadeia produtiva. Tanto fabricantes de bens finais
quanto fornecedores de componentes demonstraram desconforto ao reconhecer a prática
143
de comportamento oportunístico. Se isto não é algo generalizado, uma vez que a
confiança foi evidenciada como um atributo da relação entre as empresas presentes há
mais tempo na ZFM, no mínimo representa um fator limitante às perspectivas de
cooperação. Ou seja, as empresas de implantação mais recente usufruem as
externalidades, mas têm maior dificuldade de se adaptar à cultura da "camaradagem".
A obrigatoriedade de investimentos em P&D, para algumas empresas, tende a
ampliar, no futuro, as experiências de cooperação que tenham como escopo o elemento
técnico, diferentemente da situação associada ao Duas Rodas, cujas atividades não se
submetem à mesma exigência.
Um significativo desdobramento dessa política é o surgimento recente de vários
institutos tecnológicos, alguns deles associados a empresas específicas, outros de
atuação aberta, ambos executando atividades intensivas em mão-de-obra qualificada em
nível elevado. A presença desses institutos significa uma diversificação dos tipos de
agentes existentes no cluster e correspondem a uma expectativa elevada, por parte dos
órgãos públicos, quanto à sua contribuição para a inserção da atividade produtiva, por
meio da qualificação de profissionais.
Outro fator que tende a acelerar a criação de valor local é a tendência crescente
da ocupação de espaços em novos mercados, a partir da exportação. O aumento das
exportações do setor industrial é um objetivo que tem recebido apoio por parte da
Suframa, em consonância com a política praticada pelo ministério ao qual está
vinculada, resultando no aumento do número de empresas exportadoras e do valor das
exportações, especialmente a partir de 2000. Dentre as 9 empresas da pesquisa de
campo, 7 são exportadoras, incluindo todas as fabricantes de bem final, sendo a
América do Sul o destino principal de suas exportações.
A Tabela VI.1 resume os exemplos de cooperação identificados pela pesquisa de
campo. Com exceção da cooperação vertical multilateral, todos os demais tipos de
cooperação transparecem a diversidade já ressaltada como uma característica importante
do cluster.
A cooperação horizontal multilateral talvez seja o principal fator distintivo do
conjunto, pois, apesar das dificuldades apontadas, revela que há uma importante
aproximação entre empresas que competem, e que pode transformar-se em um ponto
forte para a concepção de uma trajetória futura desejada.
144
TABELA VI.1
DIVERSIDADE DA COOPERAÇÃO NO CLUSTER ELETROELETRÔNICO
Tipo
Bilateral
Multilateral
Horizontal
• Empréstimo de
componentes, materiais e
matérias-primas
• Cessão de linha de produção
• Benchmarking em qualidade
• Benchmarking em gestão
ambiental
• Benchmarking em gestão da
produção
• Socialização de informações
sobre fornecedores
• Programas não competitivos
em telefonia móvel
• Administração de
sobredemandas (rede)
• Benchmarking em práticas
de gestão
• Discussão de mudança em
legislação de incentivos
Vertical
• Treinamento de pessoal
• Manutenção de moldes e
ferramentas
• Benchmarking em
programas de
competitividade
• Desenvolvimento conjunto
de componentes
• Desenvolvimento de
dispositivo de alimentação
para máquina de inserção
• Administração de
sobredemandas (rede)
Fonte: Elaborada pelo autor, com base em pesquisa de campo.
A Tabela VI.2 complementa o resumo da informação sobre a cooperação no
cluster Eletroeletrônico, oferecendo uma perspectiva da extensão da cooperação, ou
seja, o quanto, na percepção do autor, a prática estaria disseminada.
Segundo esse ponto de vista, os resultados evidenciam que a cooperação
horizontal ocorre com mais freqüência, é mais disseminada, e é exercitada de forma
contínua.
Contrariamente, a cooperação vertical revelou-se uma conduta mais discreta,
relativamente à amplitude do cluster, inclusive com flutuações mais nítidas de sua
intensidade, ao longo do tempo, tendo sido possível identificar que o seu ápice ocorreu
em um passado já não tão recente.
Ao final, a ação conjunta deliberada no cluster Eletroeletrônico apresenta uma
maior quantidade absoluta de exemplos, sendo também mais diversificada. A presença
significativa de empresas de grande porte, de alcance global, na sua composição, é um
dos motivos dessa diversidade de práticas, e da influência que a dinâmica da cooperação
145
TABELA VI.2
EXTENSÃO DA COOPERAÇÃO NO CLUSTER ELETROELETRÔNICO
Tipo
Bilateral
Multilateral
Horizontal
• Contínua, com
características de
solidariedade
• Práticas mais intensas
entre os precursores
• Intermitente, condicionada à agenda
de governo; ativa, em termos de
melhores práticas em gestão
• Envolvimento de grandes empresas
fortalecendo sua rede de relações
• Transbordamento para relações
extracluster
• Influência de decisões e padrões
corporativos
Vertical
• Intermitente, com
intensidade decrescente
nos últimos anos
• Ocorrência
significativa recente
concentrada em um
único fabricante
• Contínua, mas de existência recente
(rede)
• Ocorrência pontual
Fonte: Elaborada pelo autor, com base em pesquisa de campo.
horizontal exerce em sua eficiência coletiva. Todavia, de forma associada, implica
também em uma maior influência das decisões corporativas na realidade local.
146
VII. AVALIAÇÃO DOS RESULTADOS: ALGUMAS IMPLICAÇÕES DAS
PRÁTICAS DE COOPERAÇÃO.
Após a apresentação dos dados obtidos a partir da pesquisa de campo, realizada
nos capítulos V e VI para cada um dos clusters sob análise, é necessário avaliá-los
segundo a perspectiva dos objetivos propostos para este estudo.
O cumprimento dessa tarefa, concretizado neste capítulo, inicia com uma
abordagem comparativa dos ambientes e das práticas de cooperação identificadas, no
intuito de consolidar uma visão global das principais semelhanças e desigualdades
percebidas para os objetos de estudo.
Em seguida, são retomados de modo crítico os elementos formais estabelecidos
para o estudo, de acordo com a estrutura descrita no capítulo II, a partir dos quais a
análise de mérito sobre os objetivos específicos e algumas implicações para os
principais atores são estabelecidas.
O capítulo finaliza sugerindo desdobramentos e complementações que poderiam
compor uma agenda propositiva de interesse para a temática tratada.
VII.1. UM RESUMO DOS PERFIS DOS AMBIENTES.
Uma das idéias em que se assenta este trabalho de pesquisa diz respeito à estreita
vinculação existente entre a inserção social dos agentes econômicos e a dinâmica do
aprendizado. As relações entre os agentes – e aí não apenas os econômicos –
influenciam o ambiente e são por ele influenciadas. Ao ambiente, portanto, é conferida
uma propriedade de estimular ou dificultar as relações que levam ao aprendizado,
inclusive as de natureza cooperativa.
É conveniente, então, resumir as principais características observadas para os
ambientes dos dois clusters estudados. A Tabela VII.1, que tem esse objetivo, procura
apresentar tais características concentrando-se especificamente nas diferenças
identificadas entre eles, pois são elas que oferecem um maior potencial para explicar as
eventuais particularidades de suas dinâmicas. Características comuns, como a
capacidade de mobilização coletiva contra a ameaça aos incentivos, a existência de
abundante mão-de-obra não especializada ou o comportamento predominante de
companheirismo, não estão registradas.
Evidentemente, os conteúdos da Tabela VII.1, em maior ou menor grau, são
inferências que resultam da apreciação crítica atrelada à visão pessoal do autor.
Também não se pretende afirmar que os itens abordados são os únicos que importam
147
para a caracterização do ambiente, mas sim aqueles que de algum modo foram
ressaltados com a investigação de campo.
TABELA VII.1
COMPARAÇÃO ENTRE OS AMBIENTES DOS CLUSTERS DUAS RODAS E
ELETROELETRÔNICO
Cluster
Característica
Observada
Duas Rodas
Eletroeletrônico
Número de empresas
Médio
Elevado
Diversidade de produtos
Baixa
Alta
Diversidade dos agentes
Baixa
Média
Capacidade de
influenciar a trajetória
Concentrada
Distribuída
Influência cultural
Predomínio de uma cultura
estrangeira
Múltipla
Base de confiança para
as relações
Alta
Maior, entre empresas
pioneiras
Disponibilidade de mãode-obra especializada
Restrita ("importação" de
outras regiões ou países)
Limitada, para atividades de
maior conteúdo (P&D)
Expectativa futura
Integração de novos agentes;
ampliação de conexões
Manutenção das conexões
existentes; diversificação do
seu escopo
Fonte: Elaborada pelo autor.
Ainda que seja incompleta, a comparação é suficiente para destacar um elemento
significativo para a continuidade da análise e seus possíveis desdobramentos: é
necessário reconhecer que existem algumas diferenças não triviais entre os dois
ambientes, com potencial para influenciar o sucesso ou insucesso de iniciativas que lhe
digam respeito.
O porte, por exemplo, é uma questão que se apresenta como crucial. Com
poucas exceções, a cooperação foi evidenciada como uma prática disseminada de forma
mais ampla em empresas de maior porte. Para este indicador, portanto, o cluster
Eletroeletrônico oferece uma maior liberdade em termos de implementação de políticas
estratégicas, uma vez que possui uma quantidade acentuada de grandes empresas,
quando comparada a apenas duas do cluster Duas Rodas. Esta é seguramente uma
indicação de prioridade para a intervenção positiva na ampliação do exercício da
cooperação.
148
O cluster Eletroeletrônico, comparativamente ao Duas Rodas, tem uma maior
diversidade de agentes, pois inclui várias instituições de P&D (dedicadas ou não) e
maior quantidade de instituições de ensino e treinamento atuando. Isto repercute em
maior variedade na tipologia das interações, e amplia o potencial para a implementação
de soluções coletivas por meio da cooperação.
A diversidade de empresas tem vínculo direto com a capacidade de influenciar a
trajetória do cluster. No caso do Duas Rodas, em que a concentração econômica é
grande, as duas maiores empresas são responsáveis por praticamente todas as iniciativas
de ação conjunta identificadas. Qualquer que seja a trajetória, e o incremento na
capacidade de reagir às pressões competitivas, elas certamente estarão desempenhando
um papel de protagonistas.
Alguns dos códigos de conduta e comportamento são introduzidos a partir da
cultura original da empresa que implanta uma filial em Manaus. No caso do Duas
Rodas, ressalta a influência de uma cultura específica, a japonesa, o que impõe o padrão
de confiança percebido nas relações e estimula diretamente a existência da cooperação.
No caso do Eletroeletrônico, o potencial a explorar é o das múltiplas experiências que
podem ser proporcionadas pelas diferentes origens.
A mão-de-obra especializada é um item a ser tratado com precaução. Em ambos
os casos não foi identificada a carência em assuntos relacionados a profissões ligadas a
atividades de apoio (ou atividades-meio), ou à gestão da produção. No cluster Duas
Rodas, a indicação de carência tem a ver com o objeto técnico da aglomeração,
enquanto no Eletroeletrônico as manifestações sugerem que a fragilidade encontra-se
em um nível mais sofisticado, ligado às atividades de pesquisa e desenvolvimento. É,
sem dúvida, um tema cuja investigação merece aprofundamento. Não há como
desconsiderar que a eficiência de eventuais políticas para a inserção está imbricada à
questão da qualificação da mão-de-obra, cujos gargalos devem ser necessariamente
removidos.
O histórico da cooperação em cada um dos clusters e alguns eventos importantes
em anos recentes, dentre os quais podem ser destacadas a verticalização da Yamaha, no
Duas Rodas, e a implantação da Nokia, no Eletroeletrônico, auxiliam no exercício de
antecipar possíveis tendências.
Para o Duas Rodas, pode ser esperada a integração de novos fornecedores e a
ampliação da quantidade de relações fabricante-fornecedor. Empresas que hoje são
fornecedores exclusivos da Honda poderão ter seu mercado ampliado. Com isso,
149
também tende a ampliar o alcance da cooperação vertical. Mesmo em relação às
conexões existentes, para o caso da Honda, há expectativa dos próprios parceiros de que
ocorra algum avanço em termos de escopo. Pelos elementos identificados, a cooperação
horizontal, todavia, continuará limitada. Com apenas duas grandes empresas, restará a
cooperação extracluster local, em que diminui a possibilidade do tratamento de questões
tecnológicas, permanecendo as iniciativas nas áreas de gestão e correlatas.
No cluster Eletroeletrônico, o comportamento da Nokia pode causar um
fortalecimento da cooperação vertical, até então aparentemente estabilizada em um
baixo nível de intensidade, quando comparado com o ritmo do passado. A cooperação
horizontal, assim como a interação com outros agentes, tende a ampliar, em
conseqüência de investimentos em P&D. As perspectivas para a ação conjunta com
escopo técnico são favoráveis.
Para a formulação de políticas públicas, esse conjunto de diferenças entre os dois
clusters deve ser admitido como um ponto de partida importante que corrobora a
necessidade do tratamento individualizado, considerando a seleção e consolidação de
trajetórias desejadas em direção ao desenvolvimento endógeno. Se os elementos que
compõem a base em que se firmam as relações sociais (ou a ausência delas) possuem
distinções assinaláveis, seria surpreendente que uma mesma política, generalizadamente
aplicada, alcançasse um grau de eficiência elevado para a aceleração do aprendizado e,
em conseqüência, da inserção local, para diferentes clusters.
VII.2. FORMAS DE COOPERAÇÃO: UMA SÍNTESE DOS RESULTADOS.
Os dois primeiros objetivos específicos propostos nesta pesquisa estabeleceram a
necessidade de identificar e avaliar, segundo a natureza e a intensidade, as formas de
cooperação praticadas pelas empresas dos subsetores Eletroeletrônico e Duas Rodas.
A análise comparativa das práticas de cooperação, a partir dos resultados
apresentados nos dois capítulos precedentes, permite comprovar essa realidade e é
oferecida como base para o juízo de valor sobre o atendimento aos objetivos.
Na Tabela VII.2 estão reunidas as diferentes formas pelas quais a cooperação é
exercitada. Além da utilização generalizada do benchmarking como uma prática
comum, estão ali indicadas as práticas diferenciadas para a ação conjunta observada nos
dois clusters estudados.
É claro que em ambos os conjuntos ocorrem situações de exceção, mas a síntese
apresentada concentra-se nos fenômenos mais significativos evidenciados.
150
No geral, é possível perceber como são rarefeitos os exemplos de cooperação
vertical multilateral. Isto se dá não só pela dificuldade de reunir várias empresas em
torno de um mesmo interesse comum, mas também da maior sofisticação exigida para a
coordenação, e principalmente porque a competição externa, entre aglomerações locais
e de outras regiões ou países, que seria um forte demandante desse tipo de iniciativa,
ainda não é tratada de forma estruturada, coletiva, ensejando uma clara oportunidade de
avanço para a formulação de estratégias competitivas para o desenvolvimento
econômico local.
TABELA VII.2
PRÁTICAS DE COOPERAÇÃO NOS CLUSTERS DUAS RODAS (2R) E
ELETROELETRÔNICO (E)
Bilateral
Multilateral
Bilateral
Multilateral
Cooperação Vertical
Cooperação Horizontal
Práticas Comuns
Práticas Diferenciadas
• Empréstimo (componentes, facilidades de produção)
(E)
• Benchmarking (gestão da produção) (E)
• Visita de
• Benchmarking (segurança) (2R)
benchmarking
(qualidade, gestão • Manutenção (moldes e ferramentas) (E)
ambiental)
• Fornecimento de componentes (2R)
• Gestão de recursos humanos (2R)
• Responsabilidade social (2R)
• Análise de impacto • Investimento compartilhado em projeto não
de mudança em
competitivo (telefonia móvel) (E)
legislação
• Socialização de informações sobre fornecedores (E)
(incentivos,
• Administração de sobredemandas (rede) (E)
processo
• Benchmarking (práticas de gestão) (E)
produtivo)
• Transferência de conhecimento tecnológico (2R)
• Treinamento de pessoal (E)
• Desenvolvimento de componentes e dispositivos (E)
• Visita de
• Investimento (máquina, equipamento) (2R)
benchmarking
• Participação no capital social (2R)
• Orientação em
• Suporte legal e jurídico (2R)
técnicas para
gestão de produção • Manutenção de equipamentos (2R)
• Logística (2R)
• Execução de processos de fornecedores (2R)
• Benchmarking (programas de competitividade) (E)
-
• Gestão integrada de fornecedores (2R)
• Administração de sobredemandas (rede) (E)
Fonte: Elaborada pelo autor.
151
No cluster Eletroeletrônico, por diversos motivos (relações históricas, porte das
empresas, valorização das relações de influência etc.), a aproximação entre concorrentes
está mais presente e é onde estão concentradas as cooperações multilaterais; no Duas
Rodas, o ponto forte da cooperação revela-se por meio das interações fabricantefornecedor.
A Tabela VII.3 reúne e sintetiza as conclusões obtidas em relação à dinâmica da
cooperação, de forma comparativa, procurando contemplar as principais dimensões
privilegiadas na análise. A última coluna traduz a interpretação do autor quanto à
existência de eventos em curso, identificados especialmente durante as entrevistas, que
sejam potencialmente capazes de influenciar a trajetória futura da cooperação.
TABELA VII.3
AVALIAÇÃO COMPARATIVA DAS PRÁTICAS DE COOPERAÇÃO ENTRE
OS CLUSTERS DUAS RODAS (2R) E ELETROELETRÔNICO (E)
Bilateral
baixo
intermitente,
baixa
baixo
média
manutenção do estado
atual
E
alto
contínua,
média
baixo
média
ampliação do escopo
(tecnológico)
Multilateral
Tendência
2R
baixo
intermitente,
baixa
baixo
baixa
manutenção do estado
atual
E
médio
intermitente,
média
médio
alta
ampliação do alcance
(interação em
associação de classe)
Bilateral
Impacto
Diversidade
Econômico
2R
2R
alto
contínua,
alta
alto
alta
Ampliação
E
baixo
intermitente,
média
baixo
média
ampliação (alcance e
impacto)
2R médio
contínua,
alta
alto
média
ampliação discreta
(freqüência e escopo)
E
contínua,
média
baixo
baixa
manutenção do estado
atual
Multilateral
Cooperação Vertical
Cooperação Horizontal
Alcance Freqüência
baixo
Fonte: Elaborada pelo autor.
Nas demais colunas, busca-se a expressão da Intensidade da cooperação, por
meio de classificação que se utiliza de uma escala ordinal de 3 níveis (baixo, médio e
alto). Para o "Alcance", a referência é o número de empresas que citam a sua pratica,
152
relativamente ao tamanho da amostra; a "Freqüência" traduz a quantidade de vezes em
que a cooperação é indicada, tendo por base respostas ao questionário; no caso do
"Impacto Econômico", a informação ali apresentada procura estabelecer um vínculo
entre os exemplos citados (entrevistas) e a importância econômica que representam para
cada cluster. Uma segunda escala, de apenas dois níveis (contínua e intermitente)
complementa a informação para a "Freqüência" da cooperação, procurando traduzir se a
prática tem sido contínua nos últimos 5 anos anteriores à pesquisa de campo (período de
tempo explicitamente abrangido pelo questionário) ou, contrariamente, se apresenta
descontinuidades.
Entende-se que as análises apresentadas nos capítulos V e VI, reunidas às
Tabelas VII.2 e VII.3, representam o atendimento aos dois objetivos referidos. Esse
conjunto oferece evidências quanto à existência de interações cooperativas na atividade
industrial em Manaus, bem como quanto à natureza e variação das práticas.
Resta, então, avaliar que elementos podem ser apreendidos a partir da
constatação dessa realidade, frente ao interesse de contribuir para uma dinâmica mais
acentuada de aprendizado, ou seja, identificar possíveis relações que podem ser
estabelecidas entre os dois fatores, de modo a orientar o desdobramento de
investigações futuras, o que será concretizado na seção a seguir.
VII.3. IMPLICAÇÕES PARA A DINÂMICA DO APRENDIZADO.
Evidentemente, como o foco da pesquisa são as práticas de cooperação, para
cuja compreensão as ferramentas para a investigação de campo foram selecionadas, a
tarefa de identificar relações entre os resultados obtidos e a dinâmica do aprendizado
encontra maiores oportunidades a partir de uma abordagem ex-ante. E é sob essa
perspectiva que foram organizados os elementos apresentados nesta seção.
Os resultados alcançados assemelham-se aos de trabalhos similares relatados na
literatura. SCHMITZ (2000b), ao comparar o desempenho de clusters em Guadalajara
(México), Agra (Índia), Sialkot (Paquistão) e Vale dos Sinos (Brasil), conclui que a
cooperação não é uma prática que se mantenha em níveis estáveis. Ao contrário, varia
não apenas quando são confrontados diferentes clusters, mas também de empresa a
empresa, dentro de um mesmo cluster e, o que talvez seja menos desejável para a
formulação de estratégias para a competitividade, ao longo do tempo.
Ela se intensifica na medida em que há necessidade de responder a maiores
desafios, correspondam eles a oportunidades ou, o que se revelou mais comum nesta
153
pesquisa, ameaças. Como há distintos motivadores para a ação conjunta, as empresas
tornam-se seletivas, tanto em termos de iniciativas, quanto de parceiros. Para que a
cooperação se efetive, uma empresa deve sentir-se segura quanto à possibilidade de que
parte dos resultados possa ser por ela apropriada e que o tempo e o esforço dedicados à
sua obtenção serão adequadamente recompensados.
Assim, se as externalidades econômicas podem ser aproveitadas por todas as
empresas da aglomeração, a ação conjunta tende a ser não universal. Empresas de maior
porte, dependendo de sua condição de liderança, ditam quando e com quem cooperar;
para o caso daquelas de menor porte, a possibilidade é mais restrita, pois mesmo que
vença as dificuldades inerentes ao tamanho, e demonstre interesse e disposição, a
oportunidade de cooperar em princípio depende com menor intensidade de sua própria
iniciativa.
Essa é uma primeira consideração importante, de interesse aos gestores públicos
e aos líderes de associações de classe: não se pode esperar uma linearidade no
comportamento cooperativo. A pré-disposição cooperativa não é permanente e a
participação contínua não é automática. Para a implementação de um projeto coletivo,
portanto, a cada nova iniciativa, elementos para persuasão e atração dos atores
desejados devem ser ponderados como parte da estratégia.
Se o alcance e a freqüência das iniciativas explicam a intensidade do exercício
da cooperação, a diversidade é um complemento importante dessa informação, uma vez
que reflete a sua riqueza quanto às diferentes práticas utilizadas, esclarecendo como ela
ocorre e qual o seu escopo. Uma maior diversidade implica em mais formas de
interação e oportunidades de aprendizado sendo desenvolvidas e consolidadas no
cluster. Assim, ambas as dimensões, intensidade e diversidade, devem ocupar seu
espaço na análise da relação entre cooperação e aprendizado.
Em alguns casos, uma determinada cooperação oferece menor contribuição para
o aprendizado, orientada pela emergência de uma parada de linha de produção ou pela
ameaça ao benefício fiscal; em outros, o foco é justamente o aprendizado. Para
exemplificar, tome-se a cooperação horizontal: há iniciativas bastante seletivas de
interação, como é o caso do exemplo da rede, no subsetor de Componentes
Termoplásticos do cluster Eletroeletrônico, ou do esforço coletivo de benchmarking das
práticas de gestão. Para os propósitos ressaltados neste trabalho, os dois exemplos são
bem mais significativos que a capacidade de mobilização para discutir uma mudança na
legislação, independentemente da freqüência com que esta mobilização ocorra, ou
154
mesmo que o disseminado recurso do empréstimo de um componente. E em termos de
esforço orientado para o desenvolvimento endógeno, esta é uma distinção a ser feita
para a ação conjunta, quando mediada pela associação de classe ou pelo poder público,
que resulta em diferentes ganhos para a composição do tecido social.
O nível de aproximação e confiança entre as empresas que cooperam, para os
dois diferentes tipos, revela-se muito mais crítico em situações que objetivem, por
exemplo, as visitas mútuas de aprendizado, nas quais a necessidade de um conduta
transparente pode intimidar a participação em caso de receio quanto a comportamento
oportunístico. Essa constatação sugere, então, que há um nível mínimo de confiança
necessário ao estabelecimento de uma relação cooperativa específica, e que varia com
seu tipo.
Parece razoável admitir que as empresas que trabalham com produtos
complementares, em uma dada cadeia produtiva, tenham uma maior tendência à ação
conjunta que aquelas com produtos similares (ou substitutos). Em outras palavras,
considerado um mesmo ambiente industrial, em um certo momento no tempo, como
regra geral a cooperação vertical deveria ser aquela mais facilmente observável. Isto é
um ponto relevante quando o esforço coletivo está em busca de resultados que permitam
o efeito demonstração.
Para a cooperação horizontal, a confiança é exigida em um nível mais elevado.
E, conforme visto, maiores níveis de confiança só podem ser alcançados com a prática
contínua ao longo de um período de tempo muitas vezes incompatível com a urgência
requerida pela dimensão política.
Cabe,
portanto,
aprofundar
investigações
sobre
os
mecanismos
de
estabelecimento de confiança no ambiente local. Esse é um tema cuja importância para
a agenda de pesquisa já está sinalizada, há algum tempo, para o contexto de economias
desenvolvidas: é necessário analisar o papel da coesão social e da confiança como prérequisitos para o aprendizado, de modo a entender como este ocorre, no tempo e no
espaço (LUNDVALL e BARRAS, 1998, p. 10).
Essas observações reforçam a idéia da importância da qualidade das relações,
individuais e coletivas, entre os atores locais. No caso desta pesquisa, por razões de
exeqüibilidade, o foco foi estabelecido para a relação entre as empresas. Entretanto,
conforme pode ser notado na Figura VII.1, este é apenas um segmento das interações
que compõem a dinâmica do cluster.
155
FIGURA VII.1
POSSIBILIDADES DE INTERAÇÕES EM UM CLUSTER
Academia
Governo
Empresas
Relações Externas
do Cluster
Fonte: Elaborada pelo autor.
Na Figura VII.1, a seta sombreada ressalta em que campo principal as relações
foram investigadas neste trabalho. Além destas, foi possível obter algumas indicações
das interações com os outros atores (empresas-academia e empresas-governo). As
relações internas à academia e internas ao governo, por exemplo, assim como entre eles,
não foram exploradas. E isto para citar apenas as interações que ocorrem dentro dos
limites do cluster.
Para aprofundar a compreensão do impacto dos diversos tipos de relações no
aprendizado coletivo, em uma estrutura com o nível de complexidade em que se
encontra o Pólo Industrial de Manaus, é insuficiente considerar exclusivamente aquelas
de origem interna. Enquanto a capacidade de gerar conhecimento estiver em níveis
frágeis, o foco nas relações locais será útil principalmente para incrementar a
socialização de conhecimentos eventualmente já dominados por empresa(s) do cluster.
Mas, para entender a sistemática de contínua apreensão de novos
conhecimentos, torna-se fundamental a análise das conexões externas, o que, aliás,
mesmo não tendo sido o objeto focal da pesquisa, já pôde ser observado em termos da
influência dos padrões corporativos.
156
Essas conexões externas são capazes de se estabelecer não apenas entre
empresas do mesmo grupo, mas também entre diferentes empresas, entre governo e
empresas, entre governo e potenciais investidores, entre grupos de empresas a partir de
sua representação associativa etc.
Ampliar a contribuição das relações internas ao aprendizado significa, antes,
alcançar a estruturação de uma base, calcada em recursos humanos e infra-estrutura
educacional e tecnológica, que dê suporte à criação de vantagens competitivas
endógenas, uma tarefa que exige maior investigação para reflexão futura.
A inserção global é, portanto, um contraponto essencial na análise do sucesso de
uma política para o desenvolvimento sustentável.
VII.4. PROPOSIÇÕES PARA UMA AGENDA LOCAL.
A visão estabelecida para este trabalho utiliza-se do conceito de cluster para a
construção do desenvolvimento endógeno de uma região, centrada nas vantagens
proporcionadas pelas economias de aglomeração (ou associação).
Segundo a análise realizada a partir da dimensão socioeconômica, uma das
condições essenciais para alcançar esse desenvolvimento é a promoção do diálogo
social e o estímulo ao aprendizado baseado em conhecimento compartilhado e troca de
informação (AMIN, 1999, p. 370-1), algo que certamente pode contribuir, em um
segundo momento, para o fortalecimento de uma cultura da inovação.
Ao introduzir a problemática, na fase inicial deste trabalho, foi ressaltada a
quantidade restrita de estudos que abordem a realidade da indústria de Manaus,
principalmente se for considerada sua importância econômica e, em termos de
sustentabilidade futura, a estrita dependência do benefício fiscal com prazo limitado.
Dos resultados aqui apresentados, bem como de outras questões suscitadas a
partir das interações de campo, podem ser extraídos alguns elementos para a
composição de uma agenda propositiva para desdobramentos, ações e mesmo estudos
futuros, em direção a maiores níveis de inserção e sustentabilidade, o que é exercitado
nas demais seções deste capítulo.
VII.4.1. CAPACIDADE DE GOVERNANÇA.
A apontada característica da inserção social atribuída às decisões tomadas pelos
agentes econômicos distingue a importância da qualidade das relações entre os atores
locais, valorizando a coordenação das ações de desenvolvimento econômico a partir da
base.
157
Isto implica em que a capacidade coletiva de estabelecer prioridades, além de
discutir e implementar as opções mais adequadas para a satisfação das necessidades da
sociedade, é uma competência essencial a uma economia que pretenda a instituição de
uma plataforma estratégica para o desenvolvimento sustentável.
Esse é, portanto, um ponto inicial a ser destacado, e do qual todos os demais de
alguma forma tornam-se dependentes: a amplitude do desafio que se coloca à atividade
industrial de Manaus exige mais e melhores práticas de governança do que as
atualmente praticadas.
A necessidade de aperfeiçoar os mecanismos de governança fica evidente
quando, na interação com os interlocutores, durante a execução da pesquisa de campo,
ocorreram várias manifestações de preocupação com a ausência de objetivos de longo
prazo que contemplem a maior independência da economia local frente aos incentivos
fiscais.
Porém, o crescimento do número de associações de classe e a melhoria das
relações entre empresas e governo, conforme indicam os resultados, ainda que não
tenham proporcionado as condições suficientes para que esse nível mais elevado de
coordenação fosse atingido, permitem a abordagem da questão sob uma outra
perspectiva, mais favorável.
Para assumir a liderança necessária ao salto qualitativo nas práticas de
governança, em direção à discussão de uma agenda coletiva, surgem dois potenciais
candidatos, destacados por empresas e entrevistados: Cieam e Suframa.
Em relação ao Cieam, o envolvimento crescente das empresas na associação de
classe é um ponto forte a ser considerado na formulação de estratégias que contemplem
esse objetivo. As atividades desenvolvidas em anos recentes, e a representatividade
política que vem alcançando, provocaram a participação de mais empresas e,
conseqüentemente, um aumento das interações entre elas. Discutir propostas de ação
conjunta com as empresas de maior capital cooperativo, envolver as que sejam menos
atuantes, aproximar-se de outros atores coletivos, articular com o poder público e
ampliar a interação com a academia são, todas, iniciativas com potencial para promover
o avanço pretendido.
No caso da Suframa, alguns elementos adicionais para compreender a atuação
desejada para a autarquia podem ser obtidos a partir dos resultados da pesquisa
conduzida por NOGUEIRA (2002). Utilizando-se de questionário aplicado a 53
empresas incentivadas instaladas no Distrito Industrial, com participação em diversos
158
subsetores, o estudo concluiu que apesar de uma percepção global favorável sobre o
desempenho da Suframa, situada entre "positiva" e "muito positiva", há ressalvas que
apontam o pouco comprometimento com a Região do seu colegiado máximo, o
Conselho de Administração, bem como uma competência restrita da instituição, imposta
pelo governo federal, para o tratamento de assuntos relacionados ao PIM.
O resultado que apresenta as maiores implicações para a governança, porém, é a
comprovação de que a Suframa teve seu pior desempenho, alcançando uma atuação
classificada apenas como "moderada", nos itens Apoio ao desenvolvimento tecnológico,
Inserção internacional competitiva, Atração de investimentos, Apoio à logística e
Desenvolvimento institucional, justamente aqueles em que um desempenho superior
demandaria a maior capacidade de governança.
Em suma, pode ser dito que fica fortalecida a interpretação de que existe espaço
para que ambas as instituições ampliem sua atuação. Assim como se revelou uma
prática disseminada nas empresas, o benchmarking poderia ser adotado por Cieam e
Suframa, tendo como escopo o aprendizado em governança, para, a partir das relações
extracluster, facilitar a superação desse desafio.
VII.4.2. INSERÇÃO NAS CADEIAS GLOBAIS.
O conjunto das atividades executadas em uma determinada aglomeração é, em
parte, uma conseqüência da sua inserção na respectiva cadeia global de produção. Há
uma tendência, na utilização do conceito de cluster, para concentrar a análise nas
relações internas, o que por várias razões deve ser tratado com precaução, para o caso
da realidade em análise, dentre as quais podem ser apontadas a limitação do mercado
local e a dependência da tecnologia externa.
A concentração de uma razoável quantidade de protagonistas globais em um
espaço geográfico limitado, como é o caso da atividade industrial em Manaus, é outra
justificativa, e implica em algumas possibilidades e conseqüências que restringem as
opções de upgrade para a trajetória futura de clusters locais.
Para algumas dessas empresas, a direção muda em média a cada 5 anos. O
executivo que sai de Manaus normalmente ascende na organização, ocupando uma
função de maior destaque e poder; o profissional que o substitui, especialmente se
oriundo de outra região ou país, traz consigo novas experiências. Ambas as situações
proporcionam novas conexões e oportunidades de aprendizado.
159
Essas conexões com as estruturas corporativas podem exercer um papel
destacado na adoção de estratégias voltadas à agregação de valor, especialmente quando
o objetivo é o upgrading funcional16, em que se almeja a ampliação vertical a partir da
implementação de novas etapas da cadeia de valor, tais como as de projeto e marketing.
Parte importante das decisões que repercutem na especialização da aglomeração
é tomada fora da região, no comando central das empresas. Portanto, seria apropriado
entender de que forma cada cluster é atingido por essas decisões e ao que isto
corresponde em termos de condicionantes externos para uma trajetória desejada. O nível
de autonomia local como um reflexo da hierarquia corporativa representa um impacto
potencial nas aspirações da sociedade, o que justifica ampliar a sua compreensão a partir
de mais esforços de investigação.
VII.4.3. CONFIANÇA E COOPERAÇÃO.
Uma das principais implicações para o agente de governo, ao assumir a postura
de substituir a intervenção direta pelo papel de fomentar e mediar os agentes
econômicos e as instituições, é o maior esforço de articulação e coordenação de
atividades, que leva à necessidade já ressaltada de adotar formas mais sofisticadas e
eficientes de governança.
Parece claro que, para acelerar resultados, o estímulo às parcerias e a ampliação
do nível de cooperação devem ser tratados como pré-requisitos – ou, na mais
conservadora das hipóteses, paralelamente – à melhor governança.
Se, conforme visto, a confiança é um mecanismo de governança para relações
enraizadas, isto remete à questão de como ampliar o seu nível entre os agentes da
aglomeração.
A análise dos resultados oferece evidências de que o nível de confiança varia
não só entre os dois clusters estudados, mas também entre diferentes empresas de um
mesmo cluster. Se a confiança é uma conquista que se sedimenta a partir do acúmulo de
interações positivas, disseminar essa característica configura-se uma tarefa não trivial.
Nesse caso, a intervenção, seja da associação de classe ou do órgão público,
pode ser produtiva no sentido de propor e induzir a execução de projetos que
privilegiem o estímulo à confiança, com múltiplos participantes, com a autoridade de
quem pode intervir e desestimular o comportamento oportunístico.
16
Para aprofundar a compreensão sobre tipos de upgrading, ver HUMPHREY e SCHMITZ (2002).
160
Uma oportunidade clara pode ser percebida quando os resultados da pesquisa
apontam a sintomática ausência da cooperação vertical multilateral envolvendo vários
elos da cadeia produtiva. É um tipo de ação conjunta que exige grande esforço de
coordenação e uma maior maturidade dos agentes, pois obriga a pensar o cluster de
modo abrangente e, conseqüentemente, também envolve a superposição de interesses
individuais e coletivos que devem ser revelados e discutidos, o que só será possível em
um ambiente de maior confiança.
Promover iniciativas com essa intenção seria uma forma de exercitar as
capacidades atuais em busca da ampliação de seus limites.
VII.4.4. APRENDIZADO E SUSTENTABILIDADE.
Uma primeira condição óbvia para ampliar o aprendizado e a sustentabilidade é
o imperativo de se aprofundar a compreensão sobre as necessidades atuais e futuras de
mão-de-obra especializada e o efetivo atendimento à demanda existente: entender que
conhecimentos são importantes, quem os domina, como podem ser acessados e qual a
melhor forma de promover a sua difusão.
Estabelecer uma sintonia entre a atuação dos formadores de mão-de-obra e essa
demanda é uma condição essencial ao desenvolvimento endógeno, cujo sucesso não
pode prescindir dos esforços para estreitar as relações entre o setor produtivo e a
academia.
Um importante componente que reflete parte da capacitação alcançada diz
respeito ao desenvolvimento de líderes com habilidades e experiência para ocupar os
níveis hierárquicos mais elevados das organizações. É natural que o profissional de
origem local tenha maior tendência a permanecer radicado em Manaus, o que permitiria
a utilização de suas capacidades no desenvolvimento de novas empresas e negócios,
eventualmente mesmo em subsetores industriais ainda não despontados. Uma pesquisa
que pudesse avaliar a evolução da ocupação dos níveis hierárquicos mais elevados, por
parte de profissionais amazonenses, ofereceria uma contribuição tanto para o
monitoramento do passo em que a qualificação de mão-de-obra avança, quanto para
futuras estratégias que incentivem o empreendedorismo.
Ainda atrelada ao tema, embora menos evidente, existe a questão de
compreender como ocorre a circulação da mão-de-obra e as suas repercussões para o
aprendizado. Para os clusters analisados, os resultados apontaram uma redução na
161
rotatividade da mão-de-obra, o que traz implicações para a disseminação da informação,
cujo nível de impacto e suas conseqüências poderiam ser submetidos a uma avaliação.
Evidentemente, não se pode desconsiderar a dimensão tecnológica. Na economia
baseada em conhecimento é improvável que seja promovida a capacidade endógena sem
que a absorção e o desenvolvimento de tecnologias sejam contemplados. Para algumas
empresas, o desafio implica em ainda introduzir essa preocupação em nível local.
Para isso, seria apropriado avançar na investigação do tema, tanto do ponto de
vista da empresa individual (processo interno de capacitação tecnológica, base
tecnológica existente etc.), como da abordagem coletiva para cada cluster (aporte de
novas tecnologias, gargalos tecnológicos para a inserção competitiva etc.).
No caso específico, paralelamente à ação positiva poderia ocorrer o próprio
estímulo à inclusão da cooperação com escopo tecnológico nas práticas das empresas,
uma evidente fragilidade identificada pelos resultados obtidos nesta pesquisa.
VII.5. REFLEXÃO FINAL.
A abrangência da discussão iniciada neste trabalho reflete-se no próprio
conjunto de itens de ação e investigação propostos, demonstrando parte da
complexidade associada à temática do desenvolvimento regional, no caso da indústria
incentivada de Manaus.
Na revisão conceitual apresentada anteriormente neste estudo, foi ressaltada a
relação direta entre a dinâmica da mudança tecnológica e o desenvolvimento
econômico, com ênfase nos riscos da utilização da inovação como elemento central de
uma estratégia de desenvolvimento sem que, previamente, sejam compreendidas as
características da dimensão institucional.
Alguns dos principais fatores que compõem essa base institucional, tais como
confiança, cooperação e governança, foram aqui abordados. Os pontos fortes e as
fragilidades apontados podem ser utilizados para otimizar a investigação da inovação
em seus múltiplos aspectos: dos motivadores internos às pressões externas para inovar,
processos de inovação em diferentes empresas e clusters, identificação dos líderes em
inovação etc.
Entretanto, considerando uma perspectiva sistêmica, o que talvez se configure
como mais importante contribuição é a possibilidade de utilizar esses resultados como
subsídio à abordagem ex-ante, na qual a inovação seja também tratada como o alvo em
torno do qual a sustentabilidade futura estaria ancorada.
162
CONCLUSÕES.
Após um longo período de estagnação, a criação do modelo Zona Franca de
Manaus (ZFM) representou uma retomada do crescimento econômico do estado do
Amazonas, provocando profundas transformações no perfil da atividade produtiva, que
em poucas décadas passou a estar concentrada no setor industrial.
Submetida a solicitações diversas, desde meados da década de 70 a ZFM passou
por adaptações que se refletiram na base produtiva que lhe dá suporte, tornando mais
complexas as operações e resultando em uma diferenciada experiência acumulada pela
sociedade local.
A crescente cobrança por um novo desempenho, oriunda de outros estados ou
regiões, e por vezes de organismos do próprio governo federal, sustentada na
argumentação da balança comercial deficitária, e estimulada pela disputa inter-regional
por investimentos e empregos, tornou-se ainda mais acentuada por uma imagem
historicamente desfavorável, acrescida de condicionantes que incluem a intolerância
crescente ao incentivo fiscal e o seu horizonte limitado.
A realidade dessa indústria incentivada, em grande medida associada a capital e
tecnologia exógenos, causa incertezas quanto ao fato do crescimento estar efetivamente
atrelado a um desenvolvimento sustentável, no sentido aqui utilizado para caracterizar a
existência de capacidade para adaptar a atividade econômica a novas demandas e
pressões competitivas, permitindo, assim, a continuidade da atividade industrial, mesmo
após o encerramento do benefício fiscal de prazo definido.
Em anos recentes, a Suframa adotou o uso do termo Pólo Industrial, em
preferência a Zona Franca, uma iniciativa interpretada como tendo duplo propósito:
desassociar o modelo de sua desgastada denominação original e oferecer a percepção de
um salto qualitativo na atividade industrial incentivada.
Esse cenário estimula e justifica uma melhor compreensão da dinâmica da
atividade industrial na ZFM, de modo a oferecer novos elementos que auxiliem a
construção de uma agenda de interesse social que contemple a discussão de um modelo
futuro de desenvolvimento. Embora contribuições recentes tenham abordado a questão,
entende-se que são escassas, algumas delas de natureza genérica, considerando a
importância do tema.
E esse foi o propósito que motivou a elaboração deste trabalho de pesquisa:
aprofundar uma compreensão sobre a dinâmica da indústria incentivada, centralizando a
163
discussão na importância de sedimentar o desenvolvimento em bases endógenas,
perante um horizonte temporal limitado para os incentivos fiscais, como forma de
contribuir para a intervenção positiva.
No tratamento da questão, o estudo valeu-se da comprovada importância das
aglomerações industriais para o desenvolvimento econômico local. As vantagens
proporcionadas pelas aglomerações são um fenômeno antigo, mas sob um novo enfoque
têm despertado amplo interesse como instrumento de políticas públicas.
O tema oferece inúmeras opções de abordagem e, no caso desta pesquisa,
buscou-se a produção de evidência sobre dois casos específicos, com a intenção de que
sejam oferecidos elementos para a formulação de políticas públicas e a atuação coletiva.
Dentre as possíveis abordagens para o estudo de aglomerações industriais,
optou-se pelo conceito de cluster, uma ferramenta analítica com acentuada evolução a
partir da década de 90, que apresenta a vantagem de induzir a construção de uma
perspectiva sistêmica, integrando os diversos agentes do processo e, de importância
análoga, deslocando o foco de análise do tamanho para as sinergias.
Atrelada a esse conceito está a idéia de que o desempenho de uma empresa
depende da produtividade da aglomeração em que se insere e que, portanto, a
prosperidade de uma localidade não pode ser creditada apenas à performance da
empresa individual.
A valorização de aspectos qualitativos configurou, então, uma abordagem
socioeconômica para o estudo, em que os relacionamentos territoriais dão suporte à
inserção social que caracteriza as decisões de cunho econômico e, principalmente, que
promove o aprendizado interativo. E é a inserção social e territorial do aprendizado que
instigou a investigação de fatores que, no ambiente local, estimulam ou reduzem a sua
intensidade.
Ao caracterizar um cluster pelos atributos de concentração espacial,
especialização e interação, a justificada ênfase sobre este último, por seu potencial de
contribuição à problemática tratada, estabeleceu uma limitação inicial para a dimensão
da pesquisa.
Uma segunda limitação relaciona-se com o fato de que, embora em um cluster
possam estar presentes diversos tipos de agentes, a atenção principal recaiu sobre as
empresas, motivada por sua importância para a atividade econômica.
164
Ao instituir o foco nas interações, o estudo teve a pretensão de sobrepujar o
interesse nas externalidades econômicas, passivas, estendendo seu alcance às relações
intencionais de natureza cooperativa.
A cooperação pode ser considerada uma forma mais nobre de interação porque
além de não ser mediada pelo mercado, é voluntária, exige discussão e, por isso,
aprofunda as relações. Tem mais chances de ocorrer onde existe um histórico de
relações e a confiança está estabelecida; ou seja, onde é maior a inserção. Sob esse
prisma, então, é entendida como um vetor importante para a ampliação do aprendizado,
essencial na composição da base efetiva sobre a qual poderia ser arquitetado o
desenvolvimento sustentável.
Assim, a dinâmica das interações entre empresas foi analisada segundo a
perspectiva da cooperação, o que incluiu identificar e avaliar as formas de sua
ocorrência, bem como apontar possíveis relações com a dinâmica do aprendizado. Na
execução dessa tarefa, fez-se uso do conceito de eficiência coletiva, justamente por
contemplar não apenas a vantagem competitiva obtida em conseqüência de
externalidades econômicas, mas também do esforço deliberado de cooperação,
denominado ação conjunta.
Complementando o instrumental de análise, uma terceira ferramenta selecionada
foi o conceito de governança, que tem sido empregado para expressar a capacidade de
uma sociedade tratar, por meio da coordenação e negociação entre os atores sociais, os
problemas e desafios comuns. No contexto do estudo, entende-se que por meio da
governança é possível ampliar os resultados da ação conjunta para o aprendizado.
Portanto, cluster industrial, eficiência coletiva e governança compuseram o
instrumental conceitual utilizado nesta pesquisa para avaliar a intensidade e a qualidade
das interações cooperativas entre empresas na indústria incentivada de Manaus. E isto
ocorreu tomando-se como objeto empresas dos subsetores Eletroeletrônico e Duas
Rodas, os subconjuntos mais representativos do pólo industrial.
Além da importância econômica, uma vez que são os líderes em indicadores de
faturamento e geração de empregos, a justificativa dessa escolha residiu em uma
diferença percebida entre os dois subsetores, que aponta uma maior participação relativa
das compras com origem local para o subsetor Duas Rodas, considerando como
referência o valor total das compras efetuadas para atender à produção do próprio
subsetor.
165
Para a condução da abordagem utilizou-se de pesquisa de campo que implicou
na aplicação de questionário em 15 empresas e a entrevista de 16 profissionais, para
obter os dados que permitissem comparar os ambientes e as práticas de cooperação, com
a expectativa de que entender as semelhanças e diferenças entre os dois clusters é um
meio adequado ao aperfeiçoamento de mecanismos para sua consolidação.
Na identificação dos ambientes, foram percebidas características que são
comuns a ambos e, mais amplamente, até ao próprio ambiente industrial local como um
todo. Nesse conjunto podem ser destacados o clima geral de apoio mútuo e
camaradagem para situações mais simples, a capacidade de mobilização contra as
ameaças ao benefício fiscal, a participação crescente de empresas nas associações de
classe e a visão compartilhada de que hoje há uma maior aproximação com o poder
público.
Mas são as diferenças que podem enriquecer a análise e demarcar fronteiras para
o uso de iniciativas comuns ou particulares de políticas públicas, ampliando as chances
de sucesso. E algumas diferenças entre os subsetores são bastante evidentes.
No caso do cluster Duas Rodas, que possui menor número de empresas,
identificou-se um ambiente em que a liderança está polarizada em uma determinada
empresa e o poder econômico da produção está concentrado em um produto específico
(motocicleta). Com forte influência de uma cultura estrangeira, a japonesa, possui uma
base de confiança que suporta e estimula as relações cooperativas.
Já o Eletroeletrônico é caracterizado pela diversidade de agentes e por uma
capacidade de liderança distribuída. A possibilidade de individualmente influenciar a
trajetória do cluster é significativamente menor. Se por um lado a maior quantidade de
empresas de grande porte – que são as que regulam a existência e o ritmo da cooperação
– amplia as oportunidades de interação, por outro há o desestímulo provocado por um
comportamento oportunístico que reduz o nível geral de confiança. Ao mesmo tempo,
alguns condicionantes legais apontam para a possibilidade de ampliação na cooperação
com escopo técnico.
Com base nos resultados obtidos, também foi possível identificar o perfil da
cooperação em cada cluster, tomando-se como indicadores o alcance, a freqüência, o
impacto econômico e a diversidade.
Recorrendo à taxonomia utilizada, o conjunto desses elementos ajuda a
evidenciar uma maior intensidade da cooperação vertical (produtor-fornecedor) no
Duas Rodas e da cooperação horizontal (entre competidores) no Eletroeletrônico.
166
Se a intensidade e o tipo da cooperação são indicadores importantes, também o é
a diversidade, pois reflete como ela ocorre e qual o seu escopo. E nesse aspecto a
diversidade não pode ser colocada em plano secundário, pois, principalmente em função
do escopo, tem importância destacada para o aprendizado interativo.
Em ambos os clusters, os exemplos que demandam maior capacidade de
governança, como é o caso da cooperação vertical multilateral, são escassos e
restringem-se a dois elos da cadeia produtiva. Esta é uma clara evidência de que os
esforços para tratar a aglomeração como um cluster precisam ser ampliados.
Na avaliação global dos registros de ação conjunta é possível concluir que há um
significativo capital cooperativo acumulado pela indústria local, capaz de facilitar a
implementação de estratégias para a inserção e o aprendizado. Mas eles também
ressaltam que, embora tomando parte da grande aglomeração industrial que é a indústria
incentivada em Manaus, os clusters Eletroeletrônico e Duas Rodas têm composição
estrutural e os principais padrões de cooperação com diferenças assinaláveis.
A constatação de ambientes distintos, suportada na descrição de suas
características principais, é um ponto que deve ser ponderado quando da formulação de
políticas de interesse público que tenham como objetivo a consolidação dessa indústria,
considerando a premissa do benefício fiscal com prazo limitado. As instituições,
públicas ou privadas, responsáveis ou interessadas na implementação dessas políticas,
devem ser capazes de olhar para cada cluster e enxergar as suas individualidades,
evitando o caminho fácil da abordagem generalista de uma grande e única aglomeração,
o Pólo Industrial de Manaus. Caso contrário, corre-se o risco de comprometer a
eficiência e/ou a eficácia das estratégias para o desenvolvimento.
A caracterização dos clusters a partir da cooperação, embora restrinja a
descrição da inserção local da indústria incentivada a apenas uma dimensão, configurase em um componente com capacidade para refletir com propriedade as relações sociais
que resultam em aprendizado interativo.
A aglomeração industrial de Manaus, tratada pela ótica dos conceitos
selecionados nesta pesquisa, poderia ser configurada como um multicluster. Se esta
abordagem sacrifica parte da vantagem do atributo da especialização com que se
caracteriza um cluster, tem o mérito de (i) apontar a existência de vários clusters interrelacionados e (ii) ressaltar a ocorrência de interações entre empresas desses diferentes
clusters, cujo significado, em termos de resultado para a aceleração do aprendizado
167
coletivo, precisa ser apreendido com maior eficiência, qualquer que seja o instrumento
para a análise.
Assim, apesar dos vários exemplos da atuação institucional, evidenciou-se a
existência de razoável espaço para o exercício da coordenação, da mediação, e o
desenvolvimento da governança. A prática continuada, a partir de uma prévia e
qualificada seleção de exemplos, é um mecanismo recomendado para que essa
governança se fortaleça e ajude a estabelecer uma base concreta que efetivamente
contemple a visão de futuro dos diversos atores que conformam o interesse coletivo.
Ampliar o estudo e aprofundar a compreensão sobre as relações entre as
empresas e outros agentes, assim como considerar as relações externas do cluster são
fundamentais para encontrar os mecanismos para fortalecer a confiança e o aprendizado
que permitirão identificar e perseguir a trajetória mais adequada à inserção competitiva.
Para esse desafio, apesar da grande flexibilidade e utilidade demonstradas pelo conceito
de cluster, a investigação futura pode acrescentar outros conceitos, como é o caso de
cadeia de valor e redes, que apresentam vantagens para a análise de alguns exemplos
específicos, ou mesmo quando o interesse remete a um nível mais operacional.
Vários dos elementos apresentados a partir da análise dos dados da pesquisa de
campo e da experiência pessoal do autor confirmam uma complexidade para a atividade
industrial localmente realizada que vai além do que seria esperado da imagem de
operações simplórias associadas a uma zona franca.
Mas, ao final, o mais importante é que, embora exista um mérito na
transformação conceitual, de Zona Franca em Pólo Industrial, é necessário atentar para
o fato de que essa alteração deveria, na verdade, ser tomada como um ponto de partida
para a intervenção qualificada.
168
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175
ANEXO I
PERFIL DOS ENTREVISTADOS
1. Profissionais com experiência no subsetor Eletroeletrônico.
Alvaro Fumio Usui – paulista, coordenou a transferência da engenharia de
produto da Sharp, de São Paulo para Manaus, a partir de 1984. Liderou equipe pela qual
passaram mais de 100 profissionais, entre estagiários e engenheiros, na mais ampla
iniciativa de atividades de desenvolvimento de produto realizada em Manaus.
Empresário, presta serviços de desenvolvimento a empresas do PIM.
Carlos Geraldo de Britto Feitoza – amazonense, foi professor da Ufam e
técnico da Fucapi e da Suframa. Acompanha a atividade industrial desde 1985. É
Diretor Presidente do Instituto Nokia de Tecnologia - INdT, organização responsável
pelos investimentos obrigatórios da Nokia em atividades de P&D, que possui
estabelecimento principal em Manaus e sede em Brasília.
Jânio Martins Bitar – amazonense, ex-técnico da Suframa (1983) e técnico da
Fucapi desde 1984. Desenvolve, para a Suframa, atividades diversas relacionadas à
formulação e implementação da legislação de política industrial, tais como análise de
viabilidade técnico-econômica de projetos industriais, definição de PPBs, atração de
novas empresas para o PIM etc.
José Petronilo – paraibano, reside em Manaus desde 1995. É Gerente de
Compras da Philips. Lidera equipe com autoridade para desenvolver e homologar
fornecedores que se transformam em potenciais fornecedores de quaisquer das empresas
do grupo, em escala mundial.
José Renato Sátiro Santiago – cearense, trabalha na Philco (Ford) desde 1970.
Está em Manaus desde 1981. Ocupa a função de Diretor Industrial, a mais elevada na
hierarquia local. Responde por todas as operações da empresa desde quando havia a
parceria tecnológica com a Hitachi do Japão, posteriormente substituída pela Itautec, do
grupo Itaú.
Markku Sakkinen – finlandês, Gerente de Compras Sênior da Nokia. Está em
Manaus desde 2002. Identifica, desenvolve e homologa fornecedores para a Nokia,
habilitando-os para fornecimento em nível mundial.
176
Roberto Bacellar Alves Lavôr – amazonense, ex-técnico da Fucapi, professor
da Ufam, consultor e empresário. Iniciou contato com a atividade industrial do PIM em
1984. Com atuação em órgãos e associações de classe, é consultoria para a aplicação de
investimentos em P&D.
2. Profissionais com experiência no subsetor Duas Rodas.
Ivanildo Xavier Soares – paulista, Assistente de Diretoria e coordenador da
Assessoria Jurídica da Moto Honda, sendo o responsável legal pela Honda. Está em
Manaus, e na empresa, desde 1987. Na Honda, já atuou nas áreas de comércio exterior,
planejamento estratégico, controladoria, RH e treinamento.
Josué Castro Campos – amazonense, consultor sênior e gerente de garantia da
qualidade da Moto Honda. Está na empresa desde 1983, sendo responsável pelas áreas
de qualidade e meio-ambiente, com responsabilidades sobre as certificações ISO 9000 e
ISO 14000.
Luiz Noboru Kato – paulista, diretor da Metalino, empresa da área metalúrgica
que trabalha com peças de metal injetado, fornecedora de Moto Honda e Yamaha.
Trabalha na empresa, em Manaus, desde 1984.
Teruaki Yamagishi – japonês, está em Manaus desde 1967. É Diretor Adjunto
da Fieam e Presidente da Câmara de Comércio e Indústria Nipo-Brasileira do
Amazonas. A partir de 1997 tem trabalhado como consultor, atraindo e orientando
empresas – especialmente as de origem japonesa – para o PIM.
3. Profissionais com experiência em ZFM.
Flávio José de Andrade Dutra – gaúcho, empresário, ex-Diretor de Assuntos
Governamentais da Xerox e ex-Diretor da Fucapi. É Diretor Adjunto das
Coordenadorias da Fieam e possui histórico de atuação em entidades de classe
patronais. Sua experiência com a atividade industrial em Manaus iniciou em 1985.
Flávia Skrobot Barbosa Grosso – amazonense, Superintendente da Suframa.
Está há mais de 30 anos na organização, tendo toda a sua carreira profissional ligada à
autarquia. Já exerceu funções em diversas de suas unidades, tendo assumido o posto
máximo desde 2003.
177
Maurício Elísio Martins Loureiro – carioca, está na atividade industrial em
Manaus desde 1980. É Diretor da empresa fabricante de relógios Technos e Presidente
do Cieam, entidade com cerca de 190 associados, dentre os quais as principais empresas
transnacionais instaladas no PIM.
Olney Martins Ferreira – carioca, está desde 1998 na Gillette de Manaus, sendo
que há 3 ocupa seu cargo máximo. A experiência internacional no grupo Gillette
contribuiu para uma das principais iniciativas de benchmarking entre empresas, iniciada
em fórum do Cieam.
Ulisses Tapajós Neto – amazonense, Diretor Superintendente da Multibrás,
fornecedora de peças plásticas injetadas para empresas dos subsetores Eletroeletrônico e
Duas Rodas. Dirigente do Cieam, responde pelo projeto de responsabilidade social da
entidade. Participa da atividade industrial, em Manaus, desde 1978.
178
ANEXO II
QUESTIONÁRIO APLICADO NAS EMPRESAS
Universidade Federal do Amazonas – UFAm
Instituto Alberto Luiz Coimbra de Pós-Graduação e Pesquisa de Engenharia COPPE
Universidade Federal do Rio de Janeiro - UFRJ
Programa de Pós-Graduação em Engenharia de Produção – PPGEP
Doutorado em Engenharia de Produção
Questionário para Pesquisa em Aglomerações Industriais*
PROPÓSITO DA PESQUISA – As informações a serem registradas por este questionário são essenciais para o
conhecimento do relacionamento entre empresas do Pólo Industrial de Manaus. Os resultados agregados da pesquisa,
após publicados, estarão disponíveis a todos os interessados e podem se constituir em elemento para uma avaliação
de desempenho comparativo.
SIGILO DAS INFORMAÇÕES – Todas as informações coletadas neste questionário serão tratadas em caráter
confidencial, sendo destinadas exclusivamente a fins estatísticos.
Número de Identificação
Data
Entrevistador
1. Informações Gerais.
1.1. Empresa: ___________________________________________________________
1.2. Endereço: __________________________________________________________
1.3. Respondente: _______________________________________________________
1.4. Telefone/ e-mail: _____________________________________________________
1.5. Posição na Empresa:
a) Proprietário/Sócio: Sim (
)
Não (
)
b) Diretor ___________________________________ : Sim (
)
Não (
)
c) Gerente ___________________________________ : Sim (
)
Não (
)
1.6. Desde que ano o respondente trabalha:
a) Na empresa (ou grupo)? _______________
*
A realização deste trabalho de pesquisa tornou-se possível graças ao apoio financeiro prestado pela
Superintendência da Zona Franca de Manaus – Suframa à iniciativa da UFAm.
179
b) Na atividade industrial em Manaus? _______________
1.7. Em que ano a empresa instalou-se em Manaus? _____________________
1.8. Veio transferida de alguma outra cidade/país? Qual? ________________
1.9. Principais produtos fabricados (em % do faturamento total):
a) Produto1: ________________________________________ % ______
b) Produto2: ________________________________________ % ______
c) Produto3: ________________________________________ % ______
1.10. Composição percentual do capital controlador:
a) Local: % ______
b) Nacional: % ______
c) Internacional: % ______ (País de origem: ____________________ )
1.11. Se a empresa não fabrica um bem final completo, em que processo se
especializou?
______________________________________________________________________
2. Mão-de-obra.
2.1. No médio de empregados em 2002: ___________
a) Contratados: _____________ b) Terceirizados: ______________
2.2. Evolução do número médio de empregados nos últimos 5 anos:
a) Aumentou
b) Permaneceu o mesmo
c) Diminuiu
2.3. No de contratados, segundo a escolaridade:
Básico: ___________
Técnico/Profissionalizante: ___________
Superior: ___________
Pós-graduação: ___________
2.4. No de empregados desligados em 2002: _______________
2.5. No de empregados contratados em 2002: _______________
2.6. A rotatividade nos últimos 5 anos:
a) Aumentou
b) Permaneceu a mesma
c) Decresceu
2.7. A empresa enfrenta dificuldades em encontrar:
a) Trabalhadores especializados
Sim (
)
Não (
)
180
b) Trabalhadores não especializados
Sim (
)
Não (
)
3. Etnia e identidade social.
3.1. De que região você é?
a) De Manaus
b) Do interior do estado do Amazonas
c) De outra Região do País
d) De outro país (Qual? ____________________)
3.2. A fim de ser bem sucedido como empreendedor na indústria local, é importante:
a) Ser de origem local
Sim (
)
Não (
)
b) Pertencer à liderança da comunidade social
Sim (
)
Não (
)
3.3. Ao longo dos últimos 5 anos, a participação de pessoas locais ocupando cargos de
gerência/direção na sua empresa:
a) Aumentou
b) Permaneceu a mesma
c) Diminuiu
4. Performance.
Dados de Produção (2002)
Tendência dos últimos 5 anos
a) Produção (diária ou mensal):
+
=
-
b) Média de preço (em dólar)
+
=
-
c) % Exportado
+
=
-
d) Ocupação da capacidade instalada
+
=
-
e) Lucro líquido (em dólar)
+
=
-
5. Investimentos.
5.1. Na sua empresa, que percentagem de capital investido nos últimos 5 anos vem de:
a) Recursos próprios? ________
b) Empréstimo? _________
5.2. O percentual de capital emprestado nos últimos 5 anos utilizado por sua empresa:
a) Aumentou
b) Permaneceu o mesmo c) Diminuiu
5.3. Em que áreas a empresa tem investido nos últimos 5 anos?
181
Intensidade do
Intenções
investimento
Futuras para
Grande Pequena
Nada Investimento
Quantia Quantia
Áreas de investimento
a) Expansão da capacidade de produção em
+
=
-
+
=
-
+
=
-
d) Desenvolvimento de novos produtos
+
=
-
e) Melhoria de máquinas e equipamentos
+
=
-
f) Marketing (feiras, propagandas etc)
+
=
-
g) Integração para frente (lojas, distribuidores)
+
=
-
h) Integração para trás (fornecedores)
+
=
-
i) Programas de redução de custos
+
=
-
j) Gestão da qualidade e produtividade
+
=
-
l) Gestão ambiental
+
=
-
h) Bens imóveis
+
=
-
j) Outro (Qual? _______________________ )
+
=
-
Manaus
b) Expansão da capacidade de produção fora de
Manaus
c) Adaptação de projetos de produtos
("tropicalização")
6. Subcontratação.
6.1. Em que extensão a atividade de produção é terceirizada com outras empresas?
Percentagem
Etapa do processo
Operação ocorre em
sua fábrica ou na do
subcontratado?
Interna Externa n.d.
F
S
a) Injeção de partes e peças plásticas
b) Estamparia de partes metálicas
c) Usinagem
182
d) Inserção/Montagem de componentes
em PCIs
e) Montagem de cabos, fios e conectores
f) Montagem de outros subconjuntos
g) Outra (Qual? ___________________)
6.2. Sua empresa proporciona algum dos itens a seguir a seus subcontratados?
Tipo de Assistência
Freqüentemente Ocasionalmente Nunca
a) Pagamento adiantado
b) Assessoria na organização da produção
c) Empréstimo de máquinas ou
equipamentos
d) Conserto/manutenção de máquinas
e) Treinamento de trabalhadores
f) Transporte de partes ou produtos
g) Outro (Qual? ______________________)
6.3. O que sua empresa faz se o subcontratado quebra o contrato (por exemplo, atrasa a
entrega ou não alcança a qualidade especificada)?
Ação
Freqüentemente Ocasionalmente Nunca
a) Solicita que o trabalho seja refeito
b) Deduz parte do pagamento
c) Muda de subcontratado
d) Oferece supervisão para evitar problemas
futuros
e) Outra (Qual? ______________________)
6.4. Por que sua empresa subcontrata?
a) Demanda irregular
Sim (
)
Não (
)
b) Economia de espaço ou máquinas
Sim (
)
Não (
)
c) Maior eficiência do subcontratado
Sim (
)
Não (
)
183
d) Salários mais baixos do subcontratado
Sim (
)
Não (
)
e) Evitar encargos sociais
Sim (
)
Não (
)
7. Trabalhar como um subcontratado.
Nos últimos 5 anos sua empresa trabalhou como subcontratada (terceirizada) para outras
empresas?
Sim (
)
Não (
)
Se sim, responda às demais questões deste item 7.
7.1. Em que processo(s) você se especializou?
Nível da concorrência Operação ocorre
na sua fábrica ou
Alto Médio Baixo no contratante?
Processo
M
C
a) Injeção de partes e peças plásticas
b) Estamparia de partes metálicas
c) Usinagem
d) Inserção/Montagem de componentes em PCIs
e) Montagem de cabos, fios e conectores
f) Montagem de outros subconjuntos
g) Outro (Qual? ________________________)
7.2. Com que freqüência o contratante lhe proporcionou as seguintes facilidades?
Tipo de Assistência
Freqüentemente Ocasionalmente Nunca
a) Pagamento adiantado
b) Assessoria na organização da produção
c) Empréstimo de máquinas ou
equipamentos
d) Conserto/manutenção de máquinas
e) Treinamento de trabalhadores
f) Transporte de partes ou produtos
g) Outro (Qual? ______________________)
184
7.3. Caso você não tenha conseguido atender ao contrato, que tipo de ação o contratante
tomou?
Ação
Freqüentemente Ocasionalmente Nunca
a) Requisitou que o trabalho fosse refeito
b) Deduziu parte do pagamento
c) Trocou-o por outro fornecedor
d) Ofereceu supervisão para evitar que os
problemas se repetissem
e) Outra (Qual? ______________________)
8. Relacionamento com fornecedores.
8.1. Localização dos fornecedores:
Que percentagem de itens sua empresa compra, considerando o seguinte:
Localização
Tipo de Item
Disponibilidade
Na quantidade
Na qualidade
requisitada
requisitada
Sim
Sim
Local Nacional Exterior
Não
Não
a) Matérias-primas?
b) Componentes?
c) Máquinas e
equipamentos?
8.2. Os seus fornecedores locais têm se aproximado de você para:
a) Oferecer assistência com problemas que surgiram nos produtos deles?
Sim (
)
Não (
)
b) Solicitar sugestões de como melhorar produtos deles?
Sim (
)
Não (
)
c) Explicar as características dos produtos deles?
Sim (
)
Não (
)
d) Outros propósitos? (Quais? _________________________________________)
Sim (
)
Não (
)
185
8.3. Quem executa as seguintes funções para a sua empresa:
Outros
Tipos de serviços
A própria empresa
Outros (fora
(na sua fábrica) da sua fábrica)
a) Manutenção de Máquinas?
b) Contabilidade?
c) Custeio dos produtos?
d) Recrutamento e Seleção?
8.4. Assinale a existência e o objeto dos relacionamentos com os seguintes tipos de
agentes locais, nos últimos 3 anos. Determine o grau de satisfação com cada um desses
agentes (totalmente satisfatório - TS, Adequado - A, Inadequado - I, Totalmente
Agente Local
Projetos de P&D
Desenvolvimento
de produto e
processo
Assessoria técnica
e tecnológica
Assessoria em
mudanças
organizacionais
Grau de satisfação
(TS, A, I, TI)
Objeto
Ensaios, análises e
metrologia
Informação
tecnológica e de
mercados
Treinamento e
capacitação
insatisfatório - TI).
a) Instituto de tecnologia
b) Laboratório de ensaios/testes
c) Centro de treinamento
d) Instituição de ensino técnico
ou profissionalizante
e) Universidade pública
f) Universidade privada
g) Consultores independentes ou
empresas de consultoria
h) Empresa matriz
i) Empresas relacionadas (do
grupo)
j) Outras empresas
186
9. Mercado.
9.1. Especifique para quem você vende seus produtos, em percentagem das vendas
totais:
% das vendas
a) Direto para o consumidor
b) Direto para o varejista
c) Direto para o atacadista
d) Através de um representante de vendas independente
e) Para um agente de exportação
f) Através de um consórcio com outros fabricantes
g) Outro (Qual? __________________________)
9.2. Onde os produtos de sua empresa são vendidos? Dê a sua resposta como uma
percentagem das vendas totais.
% das vendas
a) área local
b) resto do estado
c) resto do país
d) exterior
9.3. Para onde sua empresa exportou em 2002?
Dê a sua resposta como uma
percentagem das vendas totais.
% das vendas
a) América do Sul
b) EUA
c) Europa
d) Outros países
9.4. Em 2002, você participou, como expositor, de alguma feira de negócios?
Sim (
)
Não (
)
187
10. Inovação em processos.
10.1. Suas máquinas, na maioria, são:
a) compradas novas?
b) compradas de segunda mão?
10.2. Pelos padrões locais o seu maquinário é:
a) avançado?
b) equivalente à média?
c) defasado?
10.3. Nos últimos 5 anos, o padrão do seu equipamento melhorou:
a) bastante?
b) um pouco?
c) nada?
10.4. Geralmente, de onde vêm as inovações relativas ao maquinário?
Fonte da Informação
Freqüente-
Ocasio-
mente
nalmente
Nunca
a) Adquiridas prontas no mercado nacional
b) Adquiridas prontas no mercado internacional
c) Desenvolvidas internamente
d) Adaptadas internamente
e) Da cooperação com a assistência técnica
f) Da cooperação com o fornecedor de máquinas
g) Da cooperação com outros fabricantes locais
h) Da cooperação com empresas-cliente
i) De sugestões da empresa-matriz
j) Outro (Qual? __________________________)
10.5. Nos últimos 5 anos você mudou a forma em que a produção é organizada e
controlada?
Sim (
)
Não
(
)
Se sim, como isto foi feito?
a) Baseado na sua própria experiência e idéias
b) Seguindo novos métodos de organização trazidos de fora
10.6. Qual o tipo de organização da produção que prevalece atualmente?
a) linha de montagem
188
b) arranjo em células/grupos de manufatura
c) misto (linhas e células/grupos)
d) não estruturada
10.7. Quais são suas fontes de informação para a inovação de processo (maquinário ou
organização da produção)?
Fonte da Informação
Freqüente-
Ocasio-
mente
nalmente
Nunca
a) Ocasiões sociais (bar, clube etc.)
b) Agentes de exportação
c) Fornecedores de máquinas
d) Exposições / feiras
e) Assistência técnica
f) Empresas-clientes
g) Publicações especializadas
h) Visitas a outras empresas locais
i) Visitas a empresas em outras regiões
j) Trabalhadores anteriormente
empregados em outras empresas
k) Interação na associação de classe
l) Consultores locais
m) Consultores de fora
n) Livrarias ou serviços de informação
o) Treinamento
p) Outro (Qual? ___________________)
11. Inovação de produto e qualidade.
11.1. Os produtos de sua empresa estão baseados em:
a) projetos desenvolvidos internamente
189
b) projetos obtidos junto à matriz
c) projetos desenvolvidos por um projetista externo
d) projetos especificados por um cliente
e) outro (Qual: ________________________________________________)
11.2. De onde vêm as idéias para novos projetos?
a) visitas a feiras de negócios locais
b) visitas a feiras de negócios em outras partes do país
c) visitas a feiras de negócios no exterior
d) catálogos e revistas
e) orientação da empresa matriz
f) especificações de clientes
g) projetista prestador de serviço
h) outro (Qual: _______________________________________________)
11.3 Nos últimos 5 anos, a qualidade do produto de sua empresa:
a) declinou
b) permaneceu a mesma
c) melhorou um pouco
d) melhorou bastante
11.4. Sua empresa utiliza algum dentre os seguintes procedimentos para garantia da
qualidade?
Sim
Não
a) Inspeção de recebimento
b) Inspeção final
c) Treinamento dos trabalhadores em garantia da qualidade
d) Controle estatístico do processo/qualidade
e) Círculos de controle da qualidade
f) Controle total da qualidade/ gestão pela qualidade total
g) Outro (Qual? ____ __________________________________)
11.5. Esses procedimentos foram impostos pelos clientes?
190
Sim (
)
Não
(
)
11.6. Os clientes proporcionam assistência para a melhoria da qualidade?
Sim (
)
Não
(
)
11.7. Você possui sistema da qualidade certificado com base nas normas ISO9000?
Sim (
)
Não
(
)
11.8. Você possui sistema de gestão ambiental certificado com base nas normas
ISO14000?
Sim (
)
Não
(
)
12. Competição.
12.1 Onde estão localizados os principais competidores de sua empresa?
a) em Manaus
b) em outras partes do país
c) no exterior
12.2. Qual o perfil dos principais competidores de sua empresa?
a) grandes empresas
b) médias empresas c) pequenas empresas
12.3. Quais os três principais fatores (em ordem da maior para a menor importância)
que permitem à sua empresa sobrepujar os rivais?
________ a) preço
________ b) qualidade
________ c) novos projetos
________ d) diversidade e entrega pontual
________ e) outro (qual? _______________________________ )
13. Cooperação entre empresas.
13.1. Você tem algum acordo formal com outras empresas?
Sim (
)
Não
(
)
Se sim, qual? ______________________________________________
13.2. Outras empresas do mesmo subsetor industrial possuem qualquer participação na
composição do capital de sua empresa?
Sim (
)
Não
(
)
191
13.3. Sua empresa possui qualquer participação na posição do capital de outra empresa
do mesmo subsetor?
Sim (
)
Não
(
)
13.4. Você coopera com outros produtores locais na sua indústria de alguma das
seguintes formas?
a) empréstimo de maquinário
b) desenvolvimento de produto
c) marketing
d) treinamento de trabalhadores
e) compra conjunta de insumos e componentes
f) troca de informações/ visitas de benchmarking
g) outro (Qual? ___________________________________________ )
13.5. Você troca idéias ou discute problemas ou estratégias com outros produtores
locais?
a) nunca
b) ocasionalmente
c) freqüentemente
13.6. Você visita ambientes de produção de outras empresas locais?
a) nunca
b) ocasionalmente
c) freqüentemente
13.7. Outras empresas visitam sua fábrica?
a) nunca
b) ocasionalmente
c) freqüentemente
13.8. Como os seus relacionamentos informais com outras empresas usualmente
acontecem?
a) Laços familiares
Sim (
)
Não (
)
b) Vizinhos ou proximidade espacial
Sim ( )
Não (
)
Não (
)
c) Amigos ou antigos colegas de cursos ou trabalho Sim (
)
d) Outro (Qual? __________________________________________ )
14. Associações de classe.
14.1. Sua empresa participa de alguma Associação?
Sim (
)
Não (
)
Se sim, de qual(is)?
1. ____________________________________________________________________
192
2. ____________________________________________________________________
3. ____________________________________________________________________
4. ____________________________________________________________________
5. ____________________________________________________________________
14.2. Para que sua empresa usa a(s) Associação(ões)?
Serviço
Freqüentemente Ocasionalmente Nunca
a) Aconselhamento em questões legais
b) Informação sobre outros
empreendimentos
c) Cursos e seminários
d) Boletins informativos
e) Outro (Qual? _____________________)
15. Política governamental e aglomeração industrial.
15.1. Com o quê as políticas governamentais mais contribuiriam para elevar a eficiência
e inovação na sua empresa? (indique as três mais importantes)
_________ a) Mais e melhor treinamento técnico
_________ b) Melhorias na educação básica
_________ c) Apoio para contratar consultores especializados
_________ d) Linhas de crédito subsidiado
_________ e) Menor regulamentação da atividade produtiva
_________ f) Maior estabilidade macroeconômica
_________ g) Outro (Qual? ______________________________________ )
15.2. Os resultados atualmente obtidos por sua empresa seriam os mesmos se ela não
estivesse localizada em Manaus?
Sim (
)
Não
(
)
15.3. Quais são as principais vantagens de estar localizada nesta área?
______________________________________________________________________
______________________________________________________________________
______________________________________________________________________
193
15.4. Quais são as desvantagens de estar localizada nesta área?
______________________________________________________________________
______________________________________________________________________
______________________________________________________________________
15.5. De que forma a proximidade do fim dos incentivos fiscais em Manaus tem afetado
o desempenho de sua empresa?
a) Reduzimos investimentos, aguardando a formalização da prorrogação dos
incentivos
b) Aumentamos os esforços para nos tornarmos competitivos mesmo sem os
incentivos
c) Preocupa muito, pois não é possível ser competitivo em Manaus sem os
incentivos
d) Em nada, ainda. Nossa maior preocupação tem sido a retração da economia
e) Outra (Qual? _____________________________________________________ )
15.6. Quais as possibilidades de sua empresa permanecer em Manaus, caso se configure
o fim dos incentivos fiscais em 2013?
a) Dependeria do sucesso dos esforços para aumentar a nossa capacidade
competitiva
b) Já atingimos um nível em que, aliado a outras vantagens (não fiscais), são boas
as chances de permanecermos aqui
c) Em nosso subsetor não é possível ser competitivo em Manaus sem os incentivos
fiscais atuais
d) Ainda não temos elementos concretos para definir uma posição
e) Outra (Qual? _____________________________________________________ )
194
ANEXO III
ROTEIRO DE ENTREVISTA
1. Apresentação dos objetivos da pesquisa
2. Qualificação do entrevistado
Nome:
Cargo atual:
Cargo anterior:
Data:
3. Cooperação
Relações locais (como se dão, relação competição x cooperação, confiança,
grupos étnicos e outros)
Quais os mecanismos de cooperação mais utilizados, segundo seu conhecimento?
Quais os principais tipos de cooperação vividos ou vistos?
Vertical
Entre empresa e fornecedor
Entre empresa e cliente/distribuidores
Horizontal
Entre concorrentes
As práticas de cooperação são generalizadas?
Qual o nível de confiança existente nas relações de cooperação?
Como está a relação empresa-governo (Suframa, Gov Am)?
Como está a relação empresa-academia?
Qual a relação com instituições de pesquisa e desenvolvimento locais?
De que forma as relações de cooperação têm facilitado o desempenho?
4. Governança
Que associações de classe conhece e a quais pertence?
Como se dá a atuação das associações a que pertence?
Que tipos de apoio prestam aos associados?
Que associação é mais ativa? E mais influente?
Quais as evoluções na relação com o Governo (estadual e federal)?
195
O que ainda falta ao ambiente industrial de Manaus?
Qual a agenda das associações e governo para médio e longo prazos?
5. Aprendizado
Por onde circula a informação em Manaus? (associações de classe, reuniões de
Conselho, eventos sociais etc.)
O que mudou em Manaus no período em que acompanha o PIM? Quais os
progressos mais visíveis?
Que novas atividades foram incorporadas localmente?
E quanto ao grau de autonomia? (no caso de ser empresa filial)
Que tipos de serviços/componentes/atividades estão disponíveis hoje e eram de
difícil acesso anteriormente?
Qual sua avaliação sobre a evolução da capacidade competitiva endógena da
indústria local? (Eletroeletrônico, Duas Rodas ou PIM)
6. Outros itens destacados pelo entrevistado
7. Sugestões de outros profissionais a entrevistar
196

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