ASPIRAÇÃO TRAQUEAL EM PACIENTES MECANICAMENTE

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ASPIRAÇÃO TRAQUEAL EM PACIENTES MECANICAMENTE
ASPIRAÇÃO TRAQUEAL EM PACIENTES
MECANICAMENTE VENTILADOS
A aspiração de secreções pulmonares em pacientes mecanicamente ventilados é
um procedimento de enorme importância para a manutenção da ventilação adequada.
Esta abordagem consiste em introduzir uma sonda na via aérea (VA) artificial,
conectada a um sistema de vácuo, realizando então, a retirada da secreção em questão.
Apesar de não exigir uma habilidade complexa, deve-se conhecer todos os aspectos
envolvidos a fim de minimizar os possíveis efeitos deletérios deste procedimento
invasivo. Então esta tarefa envolve uma avaliação, preparação, correta realização e
monitoramento posterior.
O intuito deste texto é fazer uma revisão sobre os pontos mais relevantes da
aspiração traqueal, como critérios de indicação, contra-indicação, aspectos técnicos e
preventivos para os envolvidos desenvolverem suas atividades com maior segurança e
confiabilidade. Os diferentes profissionais envolvidos reforça a necessidade de revisão
periódica deste processo.
Indicações:
• Ruídos pulmonares em VA de grande e médio calibre (roncos, sibilos
inspiratórios), detectados pela ausculta pulmonar ou reparados por respiração
“ruidosa ou barulhenta”;
• Secreções visíveis na VA;
• Aumento da pressão de pico (Ppico) em pacientes ventilados a volume
controlado sem outra causa aparente;
• Aumento da resistência (R) inspiratória, calculada por ventiladores pulmonares;
• Diminuição do volume corrente (VAC) em pacientes ventilados a pressão
controlada ou VAC baixo em pressão assistida com mesmo e/ou maior trabalho
muscular respiratório;
• Diminuição da SATo2 e Po2 sanguíneas ou Spo2 sem outra causa;
• Presença de secreção traqueal em pacientes com tosse ineficaz (ex: tetraplégicos
ou portadores de doença neuromuscular traqueostomizados e desconectados
temporariamente da ventilação);
• Presença de atelectasia ou consolidação pulmonar de provável origem devido
obstrução da luz brônquica por secreções;
• Suspeita de broncoaspiração de secreções gástrica.
Contra-indicações:
Não há contra-indicações absolutas para a aspiração, mas é de suma importância
a correta avaliação do risco/benefício deste procedimento em situações e momentos
específicos. Podemos destacar algumas patologias que representam risco: pressão
intracraniana elevada, pós neurocirúrgicos de fossa posterior ou troco cerebral (edema),
LPA/SARA e crises de broncoespasmo severas.
Complicações:
• Hipoxemia;
• Hipercapnia;
• Trauma do tecido traqueal ou brônquico;
• Descompensação de ritmo cardíaco e pressão arterial;
• Descompensação de ritmo respiratório;
• Atelectasia;
• Broncoespasmo;
• Infecção respiratória (paciente ou profissional);
• Hemorragia pulmonar e/ou sangramentos;
• Náuseas e vômitos.
Equipamentos necessários:
• Fonte de vácuo com regulador calibrado e ajustado para pressão negativa
mínima para aspirar de maneira suficiente as secreções traqueais. Há
recomendações de:
1. Neonatos: 60 a 80 mmHg;
2. Crianças: 80 a 120 mmHg;
3. Adultos: 100 a 150 mmHg.
Pressões mais negativas às recomendadas predispõem trauma, atelectasia e
hipoxemia;
• Frasco coletor e tubo de látex para conexão sonda x fonte de vácuo;
• Luvas estéreis (plástica descartável ou cirúrgica): há recomendação desta no
âmbito hospitalar, porém o centro de controle de infecção hospitalar-CCIH local
deve ser consultado;
• Sonda descartável de calibre apropriado, devendo ter um limite de até 50% do
diâmetro da VA artificial. É relatado possível benefício de sondas com
curvaturas para aspiração seletiva, porém não há evidências fortes de seu
benefício, é mais invasiva podendo causar trauma além de comercialização
difícil. Em nenhum dos documentos de orientação utilizados para esta revisão
citou as sondas com dispositivo de despressurização nos casos de vácuo contra a
parede da VA (para evitar trauma- Fig 1) comercializados no Brasil;
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Fig 1.
Recipiente com água para lavagem do tubo de látex após o término da aspiração;
Soro fisiológico 0,9%, se desejável (este tópico será abordado separadamente);
Equipamentos de proteção individual – EPI, sendo os mais importantes as luvas,
óculos e máscara. Observar caso haja recomendações especiais da CCIH local;
Bolsa de ressuscitação manual com conexão para O2;
Estetoscópio;
Em unidade de terapia intensiva verificar se monitoração do paciente esta bem
adaptada.
Instilação de soro fisiológico:
Os referenciais não são conclusivos quanto a necessidade de instilação de
solução fisiológica, alguns estudos sugerem maior volume de secreções pulmonares
aspiradas e maior estímulo de tosse quando é instituída a SF 0,9%. Além disto, há
discrepâncias entre os artigos em relação a estabilidade hemodinâmica. As diferentes
metodologias já empregadas deixam ainda a necessidade de maiores estudos para
determinar sua utilidade ou não. Fatores como a desidratação parece ser relevante.
Há poucos estudos envolvendo comparativo entre SF 0,9% e solução não salina
(água destilada). Sendo esta prática nem citada ou recomendada na maior parte das
diretrizes pesquisadas.
Independentemente da solução, não há também concordância na determinação
da maneira ideal para a instilação (seringa, cateter de aspiração duplo lúmen, pingar
direto da ampola plástica). Devendo o profissional obedecer a normativa do CCIH local.
Sistema fechado x sistema aberto de aspiração:
Recentemente duas revisões sistemáticas publicadas na Revista Brasileira de
Terapia Intensiva – RBTI, concluíram que não há evidência forte para o uso de sistema
fechado de aspiração (SFA) na diminuição de pneumonia associada a ventilação
mecânica (PAVM). Mas traz impacto sim, no quesito diminuição da descompensação
ventilatória e hemodinâmica, principalmente para pacientes dependentes de pressões
elevadas e estáveis no sistema respiratório.
É importante, para melhor aproveitamento do SFA, a utilização de modo
ventilatório ciclado a pressão, a fim de diminuir risco de colabamento de VA instável
conseqüente à retirada volumétrica de ar durante a aspiração.
Preparação:
Visando minimizar os efeitos deletérios da aspiração traqueal, algumas medidas
podem e devem ser aplicadas previamente ao procedimento:
• Hiperoxigenação a100%: consiste no incremento temporário da Fio2 ao valor
máximo. Deve ser realizado para prevenção de hipoxemia após a aspiração;
• Hiperventilação: apesar de evidência limitada, o aumento temporário da
ventilação minuto, seja às custas de FR ou VAC (utilizar o respirador), pode
minimizar a hipercapnia principalmente em pacientes portadores de DPOC.
Deve-se ter cautela em pacientes com hipertensão intracraniana elevada e
SARA.
Técnica:
A técnica aplicada em meio hospitalar deve ser a estéril (usando luva estéril para
manipular sonda). O tempo de manutenção da sonda na VA deve ser o menor possível,
tendo referência de 15 seg para cada investida.
Para pacientes acometidos por doenças neuromusculares, tetraplegia ou outra
patologia que acometa a musculatura expiratória e por conseqüência a tosse eficaz,
deve-se realizar a aspiração em dupla. Sendo um profissional responsável por introduzir
a sonda até aproximadamente a região da carina ou saída da VA artificial enquanto o
segundo faz compressões torácicas a fim de mimetizar a função de tosse, deslocando as
secreções até a VA central.
Verificar vídeo com técnica estéril – sócios SOCATI/AMIB (disponível à partir
de 15/05/2009).
Monitorando o resultado:
Existem algumas variáveis que refletem o resultado da aspiração como melhora
da oxigenação via Spo2 ou gases arteriais, diminuição dos ruídos adventícios,
diminuição do trabalho respiratório, diminuição da Ppico e R em pacientes ventilados a
volume ou melhora do VAC em pacientes ventilados a pressão.
Profissionais envolvidos:
Para pacientes internados em unidades de terapia intensiva, praticamente todos
os profissionais da equipe podem e devem realizar a aspiração traqueal desde que
tenham treinamento específico e, de preferência, continuado. Citamos os envolvidos na
prática diária: fisioterapeutas, enfermeiros, técnicos e auxiliares de enfermagem. Outros
normalmente não envolvidos na rotina diária são: médicos e fonoaudiólogos.
Principais qualidades esperadas dos profisionais:
• Domínio no manejo do equipamento utilizado;
• Habilidade em reconhecer as indicações e contra-indicações;
• Habilidade em monitorar o paciente durante e após o procedimento;
• Reconhecer situações adversas e agir de maneira prudente;
• Treinamento em ressuscitação cardiopulmonar.
Bibliografia utilizada (disponível para sócios SOCATI):
• AARC Clinical practice guideline, endotracheal suctioning of mechanically
ventilated adults and children with artificial airways - issue of RESPIRATORY
CARE [Respir Care 1993;38(5):500–504].
• AARC Clinical practice guideline, nasotracheal suctioning – 2004 revision and
update, RESPIRATORY CARE, September 2004, Vol 49, Nr 9.
• D Brooks, CM Anderson, MA Carter, et al. Clinical practice guidelines for
suctioning the airway of the intubated and nonintubated patient. Can Respir J
2000; 8(3):163-181.
• Thompson, L. Suctioning Adults with an Artificial Airway. The Joanna Briggs
Institute for Evidence Based Nursing and Midwifery; 2000. Systematic Review
No. 9.
• Lopes FM, López MF, Impacto do sistema de aspiração traqueal aberto e
fechado na incidência de pneumonia associada à ventilação mecânica: revisão de
literatura, Rev Bras Ter Intensiva. 2009; 21(1): 80-88.
• Pagotto IM, Oliveira LRC, Araújo FCLC, Carvalho NAA, Chiavone P,
Comparação entre os sistemas aberto e fechado de aspiração. Revisão
sistemática, Rev Bras Ter Intensiva. 2008; 20(4): 331-338.
Yuri Currlin Góss
Coordenador do serviço de fisioterapia em terapia intensiva do Hospital Santa Isabel
Coordenador de serviço de Home Care – UNIMED Blumenau
Coordenador do departamento de fisioterapia da SOCATI biênio 2008-2010
Professor de Pós-graduação – Inspirar, Curitiba PR.

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